A fé no evangelho
 9788534945714, 9788534945059, 9788534945226, 9788534936583

Table of contents :
ROSTO
INTRODUÇÃO
1 - “CREDE NO EVANGELHO”
2 - “EU SOU O CAMINHO”
3 - “O JUSTO VIVERÁ DA FÉ”
4. - “CONHECER A CARIDADE DE CRISTO”
5. - “QUEM ME VIU, VIU O PAI”
6 - “O ESPÍRITO VOS CONDUZIRÁ - À VERDADE COMPLETA”
COLEÇÃO
CRÉDITOS

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Sumário CAPA ROSTO INTRODUÇÃO 1 - “CREDE NO EVANGELHO” 2 - “EU SOU O CAMINHO” 3 - “O JUSTO VIVERÁ DA FÉ” 4. - “CONHECER A CARIDADE DE CRISTO” 5. - “QUEM ME VIU, VIU O PAI” 6 - “O ESPÍRITO VOS CONDUZIRÁ - À VERDADE COMPLETA” COLEÇÃO CRÉDITOS

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INTRODUÇÃO

As páginas que se seguem estudam o mistério da fé nos seus diversos aspectos, assim como podemos conhecê-los pelos livros do Novo Testamento. Buscamos ser o mais fiel possível aos textos do Novo Testamento. As duas primeiras meditações inspiram-se nos Evangelhos sinóticos, as duas seguintes na teologia do apóstolo Paulo, e as duas últimas nos escritos do evangelista João. Os diversos livros do Novo Testamento não se repetem, nem se contradizem. Todos são necessários, se quisermos uma visão completa e harmoniosa do mistério da fé. Cada livro, tomado isoladamente, nos daria uma concepção parcial e desequilibrada da fé. A geração apostólica não se preocupou em elaborar uma síntese da doutrina cristã. Contentou-se com uma justaposição de pontos de vista complementares. Quisemos manter esse estado disperso e não acabado da teologia neotestamentária. A cada um é licito fazer uma nova tentativa de síntese teológica. Mas esse propósito parece supérfluo a quem pretende apenas meditar as Sagradas Escrituras para voltar às fontes da fé e da vivência cristã. O leitor não encontrará aqui uma teologia da fé, mas apenas fragmentos para uma eventual teologia. Se sentir em si a vocação de teólogo sistemático, deverá ir além de nosso propósito e recorrer às experiências de dois mil anos de trabalho teológico cristão.

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1 - “CREDE NO EVANGELHO”

Jesus apareceu aos olhos do povo de Israel como profeta, e grande profeta, não há dúvida. “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27), perguntou ele aos discípulos. Responderam-lhe: “Uns dizem que és João Batista, outros, que és Elias, outros, ainda, que és um dos profetas” (Mc 8,28). Depois do grande sinal dado em Naím, todos proclamaram: “Um grande profeta surgiu entre nós, e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16). Por sua vez, Jesus aplica a si mesmo o provérbio: “Não há profeta sem honra, a não ser na própria pátria, entre os parentes e na sua casa” (Mc 6,4). Isso foi depois de constatar que sua cidade e sua família não acreditavam nele. Jesus foi e é mais do que profeta. Mas o que ele propriamente permanece para nós é misterioso. Por isso, foi necessário que ele aparecesse sob a figura e em prolongamento de outros papéis, que não exprimem tudo o que ele era e é, mas que constituem o caminho para conhecê-lo. Prolongando a linha dos profetas, ampliando a imagem dos profetas, seguiremos pelo menos um caminho que nos permitirá compreender algo dele. Podemos aplicar a Jesus as categorias da missão profética sem perigo de erro, com a condição de ultrapassar-lhes os limites. Assim fizeram os evangelistas. O próprio Cristo encaminhou os seus apóstolos nesse sentido. Ora, que faz um profeta? Que pede um profeta? Um profeta pede a fé. Insiste, exige, exorta, ameaça, suplica e até chora porque tem de pedir a fé na sua mensagem. Não lhe é possível demonstrar a verdade de sua mensagem, fornecer às pessoas incrédulas, céticas ou desconfiadas as provas da verdade de sua mensagem. Conhecemos as torturas morais que sofreram os profetas do Antigo Testamento por essa incapacidade de comprovar a verdade de suas declarações. E por que a fé? Porque o profeta anuncia acontecimentos futuros. O profeta anuncia o que Deus vai fazer: o que Deus resolveu fazer no meio da humanidade. Caso se tratasse apenas de anunciar esses atos do Criador que se renovam ciclicamente na criação, como os acontecimentos da natureza, a fé não seria necessária. Bastaria a contemplação filosófica das obras da criação. Mas o profeta anuncia novidades. Anuncia a realização de desígnios ocultos de Deus. Anuncia acontecimentos imprevisíveis, que não se acham contidos na evolução normal das realidades terrestres. Anuncia acontecimentos que só podem provocar admiração e surpresa, e até escândalo. Como o profeta chegou a saber das intenções ocultas de Deus? Os documentos literários que possuímos não nos permitem reconstituir as experiências psicológicas que acompanharam a missão profética. Jamais saberemos o que se passou com os profetas, em sua psicologia, a não ser em parte, por analogia com as experiências místicas modernas, das quais os beneficiados nos deixaram alguns documentos analíticos. Mas a própria distância cultural entre os profetas do Antigo Testamento e os místicos modernos nos leva a relativizar muito tais analogias. Confessemos que nunca saberemos de que modo Deus criou na mente dos profetas a convicção, a certeza, a quase evidência de que algo ia acontecer por intervenção dele: se foi em forma de pressentimento, de iluminação repentina ou de lento crescimento de uma certeza interior. Em todo caso, o profeta soube e anunciou. Ora, o futuro é indemonstrável. Tratando-se de um futuro realmente novo, que de nenhuma maneira se pode prever por extrapolação dos fatores já atuantes na história, 5

não existem argumentos para confirmar a previsão. O futuro ainda não existe. Portanto, não é propriamente objeto de nossa inteligência. Como a Bíblia o proclama tantas vezes, só Deus conhece o futuro, a tal ponto que, se alguém anunciou o futuro, e esse anúncio foi confirmado pelos fatos, é sinal de Deus. O profeta vê o futuro. Vê aproximar-se o ato de Deus, do qual vai depender o futuro do ser humano, e queria comunicar sua visão aos seus irmãos e irmãs. Mas somente pode apelar para a fé deles. Não consegue comunicar-lhes o próprio sentimento de evidência. É verdade que Deus entrega nas mãos de seus profetas o poder de fazer sinais. Mas os próprios sinais se referem ao ato futuro de Deus. Os sinais permanecem incompreensíveis para quem não aceita a perspectiva nova que se abre sobre o futuro. Para quem recebe a mensagem com fé, os sinais dados pelos profetas são claros e confirmam as palavras. Para quem se nega a receber a mensagem, os sinais são apenas fatos aberrantes e sem significado. Serão objetos de curiosidade, de admiração ou de escândalo, ou simplesmente passarão desapercebidos. Vejamos como as várias categorias do povo eleito reagiram diante dos sinais dos profetas e de Jesus. A nova perspectiva de um novo futuro dá a chave dos sinais realizados pelos profetas. Para quem não acredita, os sinais em nada ajudam: nunca criam a convicção, nem substituem a fé. Diremos, então, que a fé é simplesmente confiança no profeta? Não. A fé não se apoia nas qualidades do profeta. Ela é iluminação interior pela qual a palavra do profeta se revela de repente como sendo a verdade. Na fé, a pessoa percebe de repente que seu destino será totalmente transformado – melhor dizendo, que acaba de ser transformado, pela manifestação do desígnio de Deus. Percebe que se realizou na sua vida a palavra de Jesus a Pedro: “Quando tu eras moço cingias-te a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, outro te atará e te levará para onde não queres” (Jo 21,18). ***** Para manifestar-se aos seus, Jesus assume o papel de profeta. Ele também anuncia o que vai acontecer. Esse anúncio ultrapassa e completa todos os anúncios anteriores. Pois o ato de Deus que ele anuncia é a conclusão de todos os atos anteriores, o ato em que todos adquirem seu significado definitivo. Jesus vem e entra na humanidade e diz: “Completou-se o tempo. Chegou o reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Isto é: Deus vai instalar seu reino: o seu advento é iminente, tão iminente que as primeiras manifestações já estão secretamente presentes. Jesus voltou a Nazaré, sua cidade. Esteve de novo no meio de seus parentes e conhecidos. Explicou-lhes a sua mensagem. Procurou convencê-los. Mas “não creram nele” (Mc 6,3). E Jesus “admirou-se da incredulidade deles” (Mc 6,6). O evangelista acrescenta: “E não pôde operar nenhum milagre, senão o de curar alguns doentes, impondo-lhes as mãos” (Mc 6,5). Consta que os sinais seguem a fé. Os sinais são dados aos que creem. Diante da incredulidade dos seus, Jesus fica paralisado: os sinais esvaziam-se de seu conteúdo. Por que a incredulidade dos familiares de Jesus? Podemos compará-la com a 6

incredulidade dos judeus no tempo de Jeremias, ou com a incredulidade dos hebreus para com Moisés no deserto, ou, ainda, com a incredulidade dos contemporâneos de Noé. As situações são semelhantes. Em todas essas circunstâncias, a visita de Deus é iminente, mas as aparências são tão tranquilas, os acontecimentos tão normais, que ninguém acredita numa mudança possível. Jesus parecia tão humano, tão normal. O mundo continuava tão normal, tão habitual. As profecias de Jesus pareciam tão improváveis. Tão improvável parecia o fato de ele ter recebido comunicação divina, que a interpretação de seus familiares para explicar-lhe as palavras era a de que era louco. A visita de Deus era iminente, mas o caminhar do mundo permanecia inalterado. O reino de Deus estava próximo. As primeiras realizações já estavam presentes. Mas esse reino era a tal ponto discreto, e respeitava a tal ponto a marcha ordinária das coisas, que passou despercebido aos olhos da maioria. Mas os discípulos perceberam. O encontro com Jesus despertou neles o pressentimento de que uma grande novidade estava aparecendo. A palavra e a presença dele despertou-lhes no fundo da alma uma luz nova. Entre ele e eles se estabeleceu uma comunicação misteriosa, que suscitou a convicção da verdade. Quando Jesus disse a Simão e a seu irmão André: “Segui-me e vos farei pescadores de homens” (Mc 1,17), eles perceberam que uma coisa terrível e decisiva estava acontecendo, que essas palavras iam mudar sua vida. Além de todas as circunstâncias visíveis, além das aparências visíveis desse homem que os interpelava, perceberam que era a hora de Deus. O dia de Deus tinha chegado. Os outros comiam e bebiam, trabalhavam e se divertiam como sempre. Eles sentiram que a esperança da humanidade estava aí. Assim foi também com aquela mulher humilde e iletrada que quis tocar na veste de Jesus. “Jesus lhe disse: Filha, tua fé te salvou. Vai em paz e fica curada da tua enfermidade” (Mc 5,34). Não teve fé porque ficou curada, mas ficou curada porque teve fé. Segundo o modo de sua inteligência e de sua cultura, essa mulher percebeu em Jesus os primórdios do reino de Deus. Acreditou no anúncio do reino de Deus. Aos que creem, os sinais são dados como testemunho e penhor do reino iminente. ***** Por um lado, poderíamos pensar que Jesus tornou a fé nele mais fácil pela transparência dos sinais que fez. Por outro lado, consta que o conteúdo do anúncio o tornava mais impenetrável. Pois Jesus não anuncia somente o advento do reino. À medida que o tempo passa e sua mensagem suscita reações, Jesus se vê forçado a revelar os caminhos insondáveis e incríveis do reino. “Ele começou a ensinar-lhes que o filho do homem deveria sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e escribas, ser entregue à morte...” (Mc 7,31; ver também Mt 9,31; 10,33-34). Com essas condições, os acontecimentos não somente não comprovam o anúncio, mas parecem desmenti-lo claramente. Pela morte e pelo martírio, Jesus dá a impressão de ser absorvido pela banalidade da história: mais uma vítima e nada mais; mais uma ilusão e nada mais. Tudo volta à normalidade. 7

Qual será o sinal capaz de vencer o desânimo e o desconcerto em que o fracasso visível de Jesus deixa os discípulos? Somente a ressurreição. Aos que pedem um sinal no céu, Cristo responde: “Geração má e adúltera! Pede um sinal e não lhe será dado senão o de Jonas” (Mt 16,4). Sinal desconcertante também. Se Jesus ressuscitou, claro está que algo novo apareceu, e a história do mundo ficou totalmente transformada. Mas, por outro lado, Jesus ressuscitado apareceu somente aos discípulos, dentro de um ambiente de fé. A ressurreição de Jesus não dará a fé aos que não a têm. Ao contrário, o fato da ressurreição só será aceito e assimilado pelos verdadeiros discípulos. Supõe a fé para ser reconhecido. Pois a ressurreição não teria significado fora da perspectiva do reino de Deus que se espera. Se não tivéssemos a esperança do reino e a convicção de que o reino se aproxima, não saberíamos nem interpretar o testemunho dos apóstolos sobre a ressurreição. Assim consta que a morte e a ressurreição de Jesus modificam notavelmente o anúncio profético, sem destruí-lo. A fé cristã ainda consiste em crer que o reino de Deus se aproxima e em esperá-lo realmente, com disposição firme, apesar de que não se possa comprovar. Consiste também em crer que ele já chegou em parte, está caminhando misteriosamente entre nós e está crescendo de acordo com as leis ocultas dos desígnios de Deus. Atualmente, o reino de Deus está presente segundo o modo da ressurreição de Jesus, ou seja, de modo oculto e imperceptível, mas real e garantido. Está presente segundo o modo da perseguição e da morte. Ameaçado sempre, condenado à morte, sofrendo a paixão, humilhado sempre. Foi essa fé no reino que Jesus procurou inculcar nos seus discípulos por meio das parábolas. “Acontece com o reino de Deus como ao homem que lança a semente à terra: durma ele ou esteja de pé, de noite ou de dia, a semente germina e cresce, sem que se saiba como. A terra por si mesma produz primeiro o colmo, depois a espiga, e por fim a espiga cheia de trigo. E quando o fruto o permite, mete-se logo a foice, porque chegou a ceifa” (Mc 4,26-29). Não basta crer que o reino está chegando. É preciso crer que já entrou neste mundo; já está atuando; já está preparando seu advento futuro. É preciso saber reconhecê-lo nas aparências humildes de sua presença atual, não se deixar enganar pelo exterior. O mundo continua como sempre. Mas dentro dele atuam forças e energias novas. Quem não está disposto a dar a Deus o crédito de sua fé, não pode compreender essas parábolas. Para ele, cada uma delas será mais escandalosa do que a outra. Quem esperava outra manifestação do reino de Deus, fica desnorteado. “Se, portanto, lhes falo em parábola, é porque, olhando, não percebem, e, ouvindo, não escutam nem compreendem. Cumpre-se neles a profecia de Isaías: Ouvireis e não entendereis, olhareis e não percebereis” (Mt 13,13-14). ***** Por que será que alguns chegam como que espontaneamente ao conhecimento do reino, e outros não? Podemos atribuir à graça de Deus a discriminação? A graça da fé não seria oferecida a todos? Sim, é dada a todos. A separação não vem de Deus, mas 8

sim das disposições das criaturas humanas. A primeira disposição para a revelação do reino de Deus é a atenção às promessas, primeira parte da esperança. A esse respeito, o evangelho da infância de Lucas é particularmente significativo. O autor mostra uma série de pessoas às quais foi dado conhecer o advento do reino de Deus. São pessoas que o esperavam. Viviam na esperança, isto é, na espera da realização das promessas. Elas faziam como Maria, que “conservava todas estas recordações com carinho, e as meditava em seu coração” (Lc 2,19). “Sua mãe conservava fielmente todas essas coisas no coração” (Lc 2,51). O que Deus fez no passado tem valor de promessa. Os desígnios de Deus nunca permanecem inacabados. Se Deus iniciou uma obra, Ele a levará até o fim. Nesse sentido é que os sábios do Antigo Testamento deram força de promessa a todas as realizações divinas. Aliás, os atos do Antigo Testamento não são as únicas promessas. Cada ser humano pode ouvir os ecos das promessas divinas no próprio coração através da consideração da própria vida e da vida do mundo. Aí, cada um poderá perceber o pressentimento de uma visita divina. Mas é preciso recolher com atenção essas promessas e meditá-las. Quem permanecer atento às promessas, quem meditar as palavras, como Maria, Simão ou Ana, certamente reconhecerá no anúncio de Jesus a palavra decisiva. Não estará adormecido quando vier o Esposo, mas estará com a lâmpada acesa. A fé iluminá-lo-á quando ressoar a palavra do Evangelho. Há também quem não atribua valor às promessas. Sua vista é limitada aos horizontes do presente e do visível. Esse não é capaz de perceber os sinais precursores das coisas novas que Deus preparou. A ele se aplica a sentença do Mestre: “Estes são os que ouvem a palavra, mas as preocupações deste mundo, a sedução das riquezas e outros apetites desordenados se introduzem neles, e eles sufocam a palavra, e esta não produz frutos” (Mc 4,19). Assim é que a disposição de espera é intimamente ligada à despreocupação de todas as coisas imediatas. Não foi por acaso que Jesus foi reconhecido e aceito pelos pobres. O próprio Jesus constatou: “Como será difícil aos que têm riquezas entrar no reino de Deus”. Os discípulos ficaram atônitos com essas palavras. Mas Jesus tornou a dizer: “Filhos, como é difícil aos que confiam nas riquezas entrar no reino de Deus. É mais fácil a um camelo passar pelo orifício duma agulha que a um rico entrar no reino de Deus” (Mc 10,24-25). Daí as bem-aventuranças dirigidas aos pobres. Pois todas as bem-aventuranças se dirigem aos pobres: são eles os que choram, os humildes, os famintos e sedentos de justiça etc., exatamente os pobres de Deus celebrados já pelo Antigo Testamento. Por que são bem-aventurados os pobres? Porque os pobres estão dispostos a esperar e espreitar os sinais do advento do reino. Estão propensos a receber com fé o anúncio do advento de Deus e a reconhecê-lo apesar das aparências humildes. Foi a esses pobres que Jesus disse: “Não estejais preocupados relativamente à vossa vida, com o que haveis de comer; nem relativamente a vosso corpo, com o que havereis de vestir... Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,25-33). Chegamos, assim, à terceira disposição para a fé: faz-se mister procurar o reino de Deus. “O reino dos céus é como um comerciante que anda à procura de belas perólas; 9

encontrada uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra” (Mt 13,4546). Foi do reino de Deus, de seu anúncio e da fé que Jesus falou quando disse aos discípulos: “Eu vos digo: pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e abrir-se-vosá. Pois quem pede recebe; quem busca acha; e a quem bate, será aberto” (Lc 11,9-10) Por isso, incessantemente, os discípulos dirigem ao Pai, que está nos céus, esta oração: “Venha o Teu reino” (Mt 6,10). ***** Ter fé é crer que Deus nos visitará e entrará na nossa vida, e permanecer aguardando os acontecimentos para saber aceitar neles o reino de Deus. O reino de Deus não consta de milagres nem de maravilhas sensíveis. Podem ocorrer milagres ou sinais sensíveis. Já sabemos que esses sinais somente se tornam compreensíveis à luz da fé e, portanto, não são o fator que provoca a fé. O reino de Deus vem no meio dos acontecimentos ordinários da vida. Por isso é que muitos não o reconhecem, nem percebem a visita de Deus. O reino de Deus não precisa interromper a sucessão dos fatos simples da vida de cada dia. Não precisa interromper os efeitos das causas naturais. Deus irrompe na vida individual, em primeiro lugar. Ele sabe orientar os acontecimentos. Não diremos que o reino de Deus consiste no resultado dos acontecimentos naturais. É claro que não consiste nisso. Mas Deus sabe ao mesmo tempo revelar e realizar o seu reino passando por esses acontecimentos. Que é o reino de Deus? Um mundo em que Deus reina, pessoas sobre as quais Deus reina, que se deixam conduzir por Ele, nas quais a justiça e a misericórdia de Deus se manifestam. Para que Deus reine não é necessário passar para outro mundo. Não é necessário ter acesso a outro mundo diferente do nosso. Em vez disso, acontece que Deus vem no meio do nosso mundo material, carnal, terrestre. Deus é capaz de fazer dos atos da vida humana os instrumentos de seu reino. Precisamos crer que Ele pretende realizar exatamente isso na nossa existência. Por isso, devemos encarar os acontecimentos com um olhar mais profundo, que seja capaz de perceber, além do alcance imediato do acontecimento, o significado que Deus pretende dar-lhes. Os acontecimentos serão para nós um apelo a uma renovação total de vida. A terra, os vegetais, os animais repetem sempre o mesmo modo de ser. A história da natureza é cíclica. Repete sempre os mesmos gestos. Contenta-se com desenvolver as energias dadas no início. Mas o ser humano é diferente. Tem a capacidade e a missão de construir uma vida melhor em si mesmo e nos outros. Todas as civilizações tiveram essa convicção. Mas desde Abraão – e, mais ainda, desde Jesus – sabemos que o próprio Deus está nos movendo, despertando em nós mais liberdade para que sejamos realmente cada vez mais humanos numa luta constante contra todas as forças que se opõem a essa vocação. A graça de Deus faz com que a novidade irrompa na história humana. Os acontecimentos trazem-nos o anúncio dessa novidade: de que é possível e necessário recomeçar a vida por uma mudança radical de atitude. 10

É verdade que dessa realidade do reino de Deus nunca temos percepção nem evidência sensível. O reino de Deus fica oculto como o fermento na massa, como a semente lançada no chão. Germina no seio da terra, como o tesouro escondido no campo. Sempre pedimos: venha o Teu reino. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que Ele vem e se apresenta. A falha pode vir unicamente de nós. Não temos a clareza da nossa disposição, e por isso, nem por dedução podemos conhecer a presença do reino. Sabemos que Deus vem para nós. Pedimos-lhe que o recebamos e que seu reino venha, assim, verdadeiramente. Espontaneamente, não percebemos a presença de Deus nas mudanças que se realizam. Podemos imaginar que elas são simplesmente o resultado das nossas próprias forças, mas Deus está presente nessas forças que nos permitem transformar o mundo, ou alguma coisa do mundo. Há sinais. Há momentos de iluminação. Há tempos fortes em que se tem uma sensação de transformação. Mas os sinais nunca perdem sua ambiguidade. Podem ser ilusórios. São úteis somente com a condição de ajudar-nos a esperar melhor. O reino de Deus traz consigo o sinal da paixão e da cruz. A proximidade do reino de Deus não se deixa medir pela sensação de otimismo, pelo dinamismo da atividade. Poderá estar mais perto no dia do sofrimento. A impressão de luz e de clareza não quer dizer que a presença do reino é mais forte. Ela poderá ser mais real e mais eficaz no meio da escuridão e da perturbação da agonia. Muitos dos nossos contemporâneos ficam admirados, perturbados e, às vezes, esmagados pelo sentimento da ausência de Deus na história. Não somente não o encontram na vida social, no desenrolar dos fatores visíveis que compõem o jogo exterior da história. De fato, Deus está aparentemente ausente, no sentido de que o olhar interior é indispensável para perceber a sua presença. Além disso, muitos não encontram a presença de Deus nem na vida pessoal. Ora, não será a hora da escuridão precisamente a hora da provação da fé? Ausente aos olhos naturais, o reino de Deus pode estar atuando de modo subterrâneo, profundo e eficaz. Por si mesmos, nem o vazio, nem o silêncio são sinais da presença invisível de Deus. No entanto, podem ser os sinais premonitórios da hora da cruz. E o caminho do reino passa pela cruz. Não nos será dado outro sinal patente senão o sinal de Jesus ressuscitado: prova de que o reino de Deus já iniciou sua carreira, já está espalhado na superfície da terra, já está procurando fecundar as nossas terras. Essa é a luz que orienta o caminho. No mesmo sentido, a Epístola aos Hebreus define a fé da seguinte maneira: “A fé nos leva a possuir aquilo que ainda esperamos: dá-nos a certeza daquilo que ainda não vemos” (Hb 11,1). A mesma Epístola permite também salientar a novidade do Novo Testamento: “Pela fé é que Abraão, obedecendo ao chamado divino, partiu em busca de uma terra que lhe caberia em herança; partiu sem saber para onde se dirigia” (Hb 11,8). Abraão caminhava para o reino de Deus. Cada etapa de sua vida era um memorial da promessa e da realização futura. Cada etapa e cada acontecimento apontavam para o advento futuro do reino. Para nós, existe algo a mais. A terra de promissão já está presente dentro desta terra, ainda que essa realidade permaneça oculta a um olhar distraído. O reino está presente: o sinal de sua presença é o Cristo vivo e ativo para 11

sempre. Estará Deus mais ausente da civilização e da história das sociedades modernas? É verdade que as filosofias dominantes nos apresentam uma visão secularizada da história. O prestígio de tais filosofias parece dar confirmação à impressão de vácuo. Será que a história doravante nada mais significa senão o desenrolar de processos evolucionistas ou dialéticos, de tal modo que – no ideal, pelo menos – tudo seja nela perfeitamente compreensível e previsível? Na realidade, a própria experiência mostra que as filosofias da história são sucessivamente desmentidas. Cada geração nova traz orientações novas, tensões e desenvolvimentos imprevistos. O ser humano não consegue dominar a história. Constantemente se vê diante de problemas insondáveis e desafios sem solução. É preciso tomar decisões e definir caminhos: sempre com riscos e perigos de errar. Aí intervém o reino de Deus como pergunta, interrogação, anúncio, solicitação e oferta ao mesmo tempo. Pois a história não é determinada. Cabe ao ser humano determiná-la e aceitar que todas as civilizações caminhem no sentido do reino de Deus pela sua própria mediação. Muitos se preocupam com os acontecimentos históricos. De fato, muitas vezes, a agitação do mundo desfaz os equilíbrios, ameaça a cultura estabelecida, provoca desordens de todo tipo. Numa palavra, a história mostra-nos a precariedade das nossas construções. Ora, a Bíblia nos ensina a reconhecer nessa fragilidade o sinal de que a história está nas mãos de Deus. As forças que atuam e a agitam, por mais desordenadas que possam parecer, não são cegas. Nunca chegaremos a compreender a totalidade do movimento das sociedades humanas. A compreensão que delas podemos ter baseia-se sempre na meditação do passado e do presente. Um futuro imprevisto pode vir a desmentir as nossas extrapolações. Mas, embora limitadas, as reflexões sobre a história, pelo menos, tornam manifesto que a evolução dos acontecimentos não é pura desordem: há uma linha nos acontecimentos deste mundo. A visão da fé enxerga mais longe ainda. Confiando no anúncio do Evangelho, ela reconhece que Deus constrói seu reino no meio da evolução das culturas e das civilizações. Tudo fica a serviço desse reino; tudo cabe dentro do desígnio global, embora não sejamos capazes de saber por meio de que misteriosa química os acontecimentos deste mundo podem tornar-se instrumentos do advento do reino de Deus.

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2 - “EU SOU O CAMINHO”

Jesus não adotou somente o modo de agir de profeta. Ele foi também sábio e mestre de sabedoria. Amigos e adversários tratam-no de mestre ou rabi. Perguntamlhe: “Mestre, qual é o maior mandamento da lei?” (Mt 22,36); ou, então: “Mestre, que devo fazer de bom para conquistar a vida eterna?” (Mt 19,16). Os que o acompanham recebem o nome de discípulos. Esse nome é merecido, pois os evangelhos recordam a imagem dos ensinamentos feitos por Jesus ao grupinho dos seus seguidores. O contexto e o conteúdo dos ensinamentos de Jesus eram bem diferentes daquilo que se conhecia naquele tempo. Jesus não era nenhum rabi formado nas escolas. Os seus discípulos não eram registrados oficialmente. As doutrinas ensinadas por Jesus não se conformavam com o programa oficial de Jerusalém: eram doutrinas profundamente originais. Contudo, havia ainda uma semelhança suficiente para evocar a imagem de um rabi formando seus discípulos – e para justificar a inveja dos mestres, os escribas, formados e diplomados oficialmente. O que é a sabedoria? Conhecer o caminho do bem. Os livros bíblicos chamados de sabedoria repetem essa fórmula mil vezes. Trata-se de aprender “justiça, equidade, retidão e todas as vias que conduzem ao bem” (Pr 2,9). A sabedoria exorta: “Instrui-te nas vias da sabedoria, e conduze-te nas veredas da justiça” (Pr 4,11). De outro lado, a Bíblia ensina que a via da sabedoria é a lei de Deus. “Porque Deus é que dá a sabedoria, de sua boca emanam saber e ciência” (Pr 2,6). Por isso, “o temor de Deus é o início da sabedoria” (Pr 1,7). “Feliz o homem que não segue as máximas dos ímpios, nem trilha a senda dos maus, nem convive com os insolentes, mas se deleita na lei do Senhor e nela medita dia e noite” (Sl 1,1-2). A fé é isso mesmo: deleitar-se na lei do Senhor e meditar nela dia e noite. A fé é a atitude do discípulo amante da verdadeira sabedoria, que procura assimilá-la e conformar seu pensamento e sua vida com ela. No Antigo Testamento, a figura ideal do sábio era Salomão. Os autores inspirados atribuem-lhe os livros da sabedoria recenseados no cânon dos judeus. Ora, afirma Jesus, “eis aqui mais que Salomão” (Lc 11,31). Às vezes, os seus próprios adversários confessam a sabedoria de Jesus, ainda que com astúcia: “Mestre, sabemos que és sincero e ensinas com franqueza o caminho de Deus, sem levar em conta quem quer que seja, pois não olhas para a categoria de pessoas” (Mt 22,16). De fato, Jesus ensina a justiça: “Porque vos digo: se a vossa justiça não superar a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mt 5,20). Ensina a lei de Deus: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas; não vim abolir, mas cumprir” (Mt 5,17). Os discípulos recolheram as sentenças de Jesus, fizeram coleções escritas, e finalmente os evangelistas compuseram discursos contínuos, lembrando a imagem do Mestre que forma os alunos e lhes transmite seus conhecimentos das vias do bem e da salvação. A imagem da Sabedoria apareceu com tanta força aos olhos dos primeiros cristãos como sendo encarnada em Cristo, que tanto a teologia de Paulo como a de João construíram a sua interpretação do fenômeno “Jesus” a partir das especulações do Antigo Testamento sobre a sabedoria. Jesus tornou-se a seus olhos a encarnação da própria sabedoria de Deus. 13

***** O que mais nos surpreende na história de Jesus é que sua sabedoria, tão humilde, simples, pobre de manifestações exteriores, tenha suscitado tanta polêmica, tantos conflitos com os “sábios” do tempo. Esses sábios eram os escribas e os fariseus. Quem vivia deleitando-se na lei de Deus e procurando a justiça de Deus, eram os escribas e os fariseus. Ora, as controvérsias com eles ocupam grande parte das tradições evangélicas, sinal de que os apóstolos e as demais testemunhas dos acontecimentos foram profundamente marcados pela impressão dessas controvérsias. A sabedoria de Jesus não se impôs por si mesma, não foi aceita pacificamente. Quem fez oposição não foram os ímpios, os ateus, os idólatras: foram os homens piedosos, os que eram unanimemente reconhecidos como os mais religiosos do tempo. O que nos surpreende também é a severidade de Jesus para com esses adversários. Mesmo levando em conta os exageros do estilo oral oriental, não podemos deixar de nos sentir chocados com as palavras pelas quais Jesus denuncia a falsa sabedoria dos escribas e fariseus. “Hipócritas, bem profetizou a respeito de vós Isaías, quando afirmou: Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mt 15,7). Os discípulos disseram-lhe: “Sabes que os fariseus, ouvindo isso, ficaram escandalizados?” (Mt 15,12). Mas Jesus respondeu: “Deixai-os: são cegos guiando cegos” (Mt 15,14). “Serpentes, raça de víboras”: assim conclui Jesus a série de maldições contra os escribas e fariseus (Mt 23,33). Não podemos interpretar tais expressões como meras manifestações emocionais de Jesus. No caso, essas emoções têm significado permanente. Jesus comoveu-se e indignou-se a tal ponto, porque pressentia que a tentação e o perigo dos escribas e fariseus eram e serão sempre grandes. Se o farisaísmo fosse tentação grosseira ou vulgar, não seria necessário dar-lhe tanta atenção. O perigo é que se trata da tentação própria às pessoas de grande sensibilidade moral e religiosa. O farisaísmo é a tentação e o perigo das almas de elite. Os fariseus respeitam religiosamente as leis de Deus. Fazem delas o seu alimento cotidiano e suas delícias. Meditam-nas permanentemente. Aplicam a si mesmos o que o salmista diz da meditação dos mandamentos. Mas esse culto da lei de Deus encobre, na realidade, uma grande confiança em si mesmos, e pouca atenção ao Deus verdadeiro. A imagem que eles fizeram de Deus a partir das leis substituiu a realidade de Deus. Projetam em Deus a sua satisfação em observar as leis de Deus, e essa projeção oculta a verdadeira face de bondade, de clemência e de amor que os profetas proclamavam. Criaram um Deus tão limitado como sua própria mesquinhez. A letra matou o amor. Achavam que serviam a Deus, quando, na verdade, serviam a si mesmos. O mesmo culto à lei fecha o entendimento e o coração para o amor ao próximo. Os mandamentos tornam-se meios de denúncia e de condenação do próximo. Essas leis definem a imagem ideal de um homem devoto e dedicado ao serviço de Deus. Mas nem os próprios fariseus são fiéis a essa imagem. No entanto, projetam-na contra os pobres e os pecadores para acusá-los sem piedade. A mesma lei permite-lhes apresentarem-se como sendo “mestres” e “pais 14

espirituais” (Mt 23,7-10). Como é possível uma criatura humana reivindicar o título de mestre ou de pai no que diz respeito a Deus? Não seria loucura chamar-se doutor das coisas de Deus? É claro demais que, nos assuntos de Deus, a criatura humana permanece sempre ignorante. Jesus mostrou-o a Nicodemos, “pseudomestre em Israel”, cuja pseudociência encobre a ignorância dos modos de proceder de Deus (Jo 3,10). A sabedoria dos fariseus é desconhecimento do verdadeiro Deus. O conhecimento da sabedoria de Deus há de começar pela confissão da própria ignorância. A lei é boa. Mas a lei não substitui o próprio Deus. Não dispensa do amor a Deus. Se Deus é amor e misericórdia, não se lhe pode opor sua lei. Os mandamentos são feitos para ajudar as pessoas, não para persegui-las, muito menos ainda para afundálas. O perigo do farisaísmo afeta pouco os pobres. Daí vem a oposição, que tão bem salientam os Evangelhos, entre os discípulos verdadeiros, que são os pobres de Deus aos quais foram revelados os segredos do reino de Deus, e, de outro lado, os fariseus, orgulhosos de suas virtudes e de sua riqueza espiritual. Aliás, há certa simpatia entre a riqueza material e a riqueza espiritual. Há também afinidade entre a pobreza material e a pobreza espiritual. Os ricos podem dar-se o luxo de uma honorabilidade espetacular e, ao mesmo tempo, ocultar os seus defeitos por trás de declarações formais moralizantes. O idealismo moral das palavras encobre muitas vezes a ausência de verdadeiro senso moral, e a devoção, o escrúpulo nas minúcias das leis e dos preceitos, pode também ocultar uma carência total de escrúpulos, por exemplo, na exploração do próximo. Até as pessoas de mais alta virtude cedem, às vezes, à tentação tão fácil de fazer da virtude uma denúncia dos outros e um pretexto para dar-se boa aparência. Além da Lei, os escribas e os fariseus acham que defendem a justiça. Mas essa justiça é uma justiça na concepção deles. Referem-se à justiça das obras, pela qual os seres humanos pretendem tornar-se justos por si mesmos, por obras de piedade que os justifiquem perante Deus. Jesus se refere a essas obras no discurso da montanha. Denuncia ao mesmo tempo a exploração que delas fazem os fariseus. Estes exaltam as esmolas, os jejuns, as orações (Mt 6,1-6). Todos pretendem, por meio dessas obras, ser agradáveis a Deus e tornarem-se justos diante dele. Mas, na realidade, Deus é aqui apenas pretexto. O que se procura por meio dessas obras (ou de outras semelhantes) é, diz Jesus, “ser observado pelos homens” (Mt 6,1). O processo psicológico é simples. Faz-se a exaltação de certas obras de aparência moral ou religiosa. Cria-se uma identificação psicológica entre essas obras e a imagem do “homem bom e virtuoso”. Depois disso, basta realizar essas obras – ou pelo menos dar a impressão de realizá-las – para desfrutar a fama de ser pessoa boa e virtuosa. Se os outros resistirem e não se deixarem convencer, a autoconsciência poderá dar uma grande satisfação. O fariseu encontra na sua própria autoconsciência uma grande satisfação interior. Ele se acha um justo e lamenta que outros não queiram reconhecer o seu valor. Assim reza o fariseu: “Meu Deus, eu lhe dou graças por não ser como os 15

demais homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e entrego o dízimo de todas as minhas rendas” (Lc 18,11-12). “Vós procurais parecer justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece vossos corações” (Lc 16,15). Depois de vinte séculos de tradição cristã, estamos acostumados a essas condenações dos fariseus. Mas, ao mesmo tempo, estamos acostumados a colocar-nos dentro da categoria dos discípulos e não percebemos que, em certos casos, os fariseus somos nós mesmos. Transformamos o próprio cristianismo em farisaísmo. Fazemos do cristianismo um conjunto de obras que criam uma boa consciência e uma admiração das suas próprias virtudes. Cumprindo essas obras, nós nos colocamos dentro da categoria dos justos. Definimos uma série de preceitos para definir o retrato concreto do cristão. Defendemos com ardor esses preceitos, somos os propagandistas dessas normas e achamos que somos bons porque defendemos princípios tão bons. Não condenemos com tanta facilidade os fariseus clássicos. As raízes do farisaísmo são muito profundas. O homem não suporta a ideia de não estar com a razão. Grande parte da vida interior, da vida reflexiva do ser humano consiste numa ruminação interior para demonstrar que ele tem a razão e para buscar justificativas de todo o seu modo de ser. Fazemos raciocínios interiores intermináveis para demonstrar que não somos culpados. As próprias confissões servem para salientar a nossa inocência fundamental. E grande parte das conversas não tem outro objetivo a não ser cuidar da fama que temos, e aperfeiçoar a imagem de nós mesmos que queremos que os outros tenham de nós. O problema é a busca da segurança. Mais ainda do que de segurança material, precisamos de segurança psicológica e moral. Precisamos saber que os outros nos estimam, ou, pelo menos, que merecemos a estima de alguns, ou, afinal de contas, que a nossa própria consciência nos estima. É questão de segurança. Não conseguimos viver sem saber qual é nosso valor. Essa necessidade de segurança é tão forte – e muitas vezes tão irresistível – que inconscientemente projetamos fora de nós e atribuímos a Deus (ou àquelas formas de Absoluto que ocupam o lugar de Deus na mentalidade contemporânea) a imagem do ser que somos. Inconscientemente, pedimos a Deus que confirme a eleição do ideal humano que escolhemos e que nos permitirá defender a nossa justiça perante os outros e perante nós mesmos. Ora, onde fica a fé nesse jogo? Onde fica Deus? O verdadeiro Deus é rejeitado. Não se lhe oferece nem possibilidade de manifestar-se. A preocupação de si próprio ocupa toda a atenção. O movimento fundamental do farisaísmo é a incredulidade, isto é, a desconfiança e a rejeição implícita da sabedoria de Deus. A pessoa confia em si mesma e pretende conseguir por si mesma a sua segurança interior. Quer fazer-se justa por si mesma. A pessoa cria seu próprio caminho: logo, não quer realmente o caminho de Deus. Não aceita ser formada por Deus. Ser discípula de Deus exigiria primeiro a renúncia a essa segurança pessoal. A incredulidade fundamental toma o aspecto exterior de religião, de devoção, de culto a Deus. Mas, no fundo, não há piedade verdadeira, porque não há abandono. O Deus que se adora é apenas projeção de um desejo absurdo de segurança própria. Confiando em si mesma, a pessoa não se entrega com confiança 16

ao Deus que lhe ensinaria outra sabedoria, mostrando-lhe outro caminho. ***** Em face dessas sabedorias humanas, qual é, então, a sabedoria de Deus? Qual é o caminho que Jesus ensina a seus discípulos? Em primeiro lugar, Jesus exige de seus discípulos um salto para frente. Por isso é que sua sabedoria apela para a fé, e de nenhuma maneira para os interesses intelectuais, ou outros, dos seus seguidores. Jesus não condena nem a lei, nem as obras. Mas não aceita que seus discípulos procurem nelas uma fonte de segurança, um apoio firme, uma justificativa. Para ser discípulo, é preciso renunciar à procura de segurança, deixar de confiar em si mesmo, ou em qualquer criatura, aceitar a insegurança, reconhecer-se pobre, injusto, pecador, como o publicano da parábola. É preciso destruir em si mesmo essa impaciência de estar com a razão que parece inata na criatura humana. Somente a pessoa que assume a sua insegurança, a falta de apoio, que não busca uma fachada ou aparências será capaz de compreender o significado da lei nova de Jesus: a lei da caridade. “Um escriba, que os ouvira discutir, vendo que Jesus respondera bem, aproximouse dele e perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? Respondeu-lhe Jesus: O primeiro é este: ouve, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua mente e com todas as tuas forças. O segundo é este: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há mandamento maior que estes. Disse-lhe o escriba: Ótimo, Mestre. Tens razão em dizer que Ele é o único e que não há outro além d’Ele” (Mc 12,28-32). Outra versão do mesmo episódio acrescenta que o segundo mandamento é semelhante ao primeiro (Mt 22,39). Amar a Deus e amar ao próximo, nada mais comum; parece trivialidade. Todas as doutrinas morais e religiosas dizem isso. Como é que se pode apresentar tal banalidade como a essência da sabedoria de Jesus? Na realidade, olhando bem, há um mistério nessa declaração de Jesus. Claro está que o Mestre dá a esses simples preceitos um alcance que os fariseus nem podem suspeitar. Jesus pretende ensinar que um discípulo não pode procurar nem segurança, nem justificação, nem estima, nem alívio da própria consciência. O que importa é amar a Deus e confiar nele. Da parte do discípulo, o que se lhe pede é o amor a Deus e ao próximo. Ora, é muito fácil a pessoa iludir-se a si mesma no que diz respeito ao amor. As criaturas humanas convencem-se a si mesmas de que o amor dirige os seus passos, porque sentem sentimentos de amor, de ternura, de piedade, de vez em quando, ou mais simplesmente porque não sentem ódio, ou porque fizeram alguns gestos de bondade etc. A gente pensa que amar forma parte do sistema de segurança. Mas Jesus propõe seu mandamento de amor como algo novo, que somente consegue descobrir aquele que perdeu a confiança em si mesmo. Quando a pessoa se sente incapaz de ser santa, justa, boa, perfeita, Deus intervém e propõe simplesmente o amor. Esse amor, nascido assim no meio das ruínas de todo amor-próprio, ultrapassa todos os preceitos e constitui a via de salvação, a via de Deus. 17

A sabedoria consiste em levantar as barreiras do amor-próprio e consentir com a invasão do amor que procede de Deus: aceitar que o amor a Deus e ao próximo tome conta da nossa existência. Jesus bem sabe que a primazia do amor é princípio de riscos. Não se pode saber de antemão aonde leva a caridade. As condutas não estão bem definidas em um código. Não há mais tranquilidade. Não se pode ter a segurança de que o amor nos dará a estima pública, a aprovação social, nem sequer o sossego da própria consciência. Pelo contrário, a experiência mostra que, muitas vezes, o caminho do amor não leva a essa segurança. O amor não tem limites definidos, não conhece garantias. O amor tem de improvisar continuamente, ultrapassando as regras conhecidas e os conformismos sociais. O amor não pode levar em conta a opinião dos outros. O amor suscita frequentemente admiração, críticas, incompreensão e escândalos. O amor nem sequer pode contar com um sentimento de tranquilidade de consciência. Surgem as dúvidas: será preciso assumir os riscos, parecer extravagante, ou não será melhor conformar-se com as condutas que o ambiente aprova? Da primazia da caridade, Jesus ofereceu modelo perfeito no próprio comportamento. Aceitou a companhia dos pecadores, não deu atenção aos falsos prestígios da escala social ou religiosa, subordinou as leis e os costumes aos imperativos do perdão e da atenção aos pobres. Por isso, foi criticado, combatido e hostilizado até a morte. Por todos esses motivos, a sabedoria de Jesus é reservada aos pobres e aos humildes. Para os outros ela não pode ter atrativos. “Eu Te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, disse Jesus, por teres ocultado estas coisas aos sábios e prudentes e as teres revelado aos simples” (Mt 11,25). Compreender a revolução espiritual que constitui a primazia da caridade é graça e iluminação divina, dada somente aos que se desprenderam das suas próprias sabedorias, aos pobres e aos humildes. “Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27). Tal sabedoria chega a parecer desumana. “Se alguém quer seguir-me renegue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” Quem será capaz de seguir deliberadamente esse caminho? Quem poderá ser discípulo de Jesus com essas condições? Na verdade, a perfeição total dessa sabedoria parece que se realizou somente em Jesus. Todos os discípulos procuram imitar a caridade de Jesus, mas somente o conseguem de modo limitado, alguns mais, outros menos. Como pode uma pessoa renunciar a si mesma sem destruir sua personalidade? Como pode arriscar a cruz sem contradizer todas as aspirações de seu ser? Não resultará essa sabedoria numa autodestruição? Essas perguntas não são puramente platônicas. Quem de nós não se encontrou com pessoas religiosas e cristãs das quais se poderia dizer que a formação (ou a deformação) supostamente cristã recebida lhes esvaziou a personalidade? Não se encontram às vezes religiosos, religiosas, sacerdotes, leigos piedosos apresentando o espetáculo de vidas cortadas, sem dinamismo, de pessoas sem vitalidade, sem iniciativa, sem aspiração? A maior crítica que se faz atualmente ao cristianismo é a de destruir as pessoas, fazendo delas seres sem vitalidade, máquinas de pensar 18

artificialmente, sem intuição e sem sensibilidade. Há fatos que parecem dar fundamentos a essas críticas. Quem de nós não poderia apontar vários casos semelhantes? Porém, o mal não emana da própria sabedoria de Jesus, e sim de interpretações mecânicas sem inteligência espiritual. Precisamos assimilar a pedagogia do amor tal como foi vivida realmente na vida evangélica. A renúncia não é nenhuma fórmula técnica para criar amor. Não basta renunciar. Muito menos prudente ainda seria impor a outros um programa de renúncia feito a priori, como se de uma receita de sacrifícios pudesse resultar o amor. Isso aconteceu, ainda acontece? De fato, infelizmente acontece, e daí os fracassos espirituais que escandalizam os nossos contemporâneos. Às vezes, fizeram também da renúncia um sistema de normas e de preceitos definidos a priori e aplicados a todos os cristãos automaticamente. Deram assim aos jovens a impressão de que o cristianismo é um moralismo que apaga a vida. Há pessoas que fazem da fidelidade um código moral, feito de proibições e de advertências, a medida da adesão ao Evangelho. Como que se pôde pensar que o moralismo podia engendrar o amor? Como que se pôde confiar em receitas ascéticas para despertar ou manter o amor? A sabedoria evangélica ensina exatamente o contrário. Não é a moral que engendra o amor, nem a renúncia, nem o sacrifício. Em vez disso, é o amor que leva aos sacrifícios e à renúncia. Inverter a ordem é corromper e insultar o Evangelho. Há uma pedagogia evangélica para formar a sabedoria divina. Jesus ama primeiro, e depois chama. Não ama em proporção com a resposta dada ao apelo, porque bem sabe que a força do apelo vem do amor prévio e incondicional. Em segundo lugar, Jesus chama para o amor. Não começa prescrevendo códigos, nem exigindo sacrifícios. Bem sabe que o impulso do amor tornará leves os sacrifícios que seriam insuportáveis sem amor. Ele confia nos milagres da caridade. Por isso, pode dizer: “Vinde a mim, vós todos que estais oprimidos de trabalhos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis repouso para vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e leve o meu fardo” (Mt 11,28-30). Infelizmente, muitas pessoas se convenceram de que o jugo de Cristo é duro, e seu fardo, pesado. Falta de pedagogia evangélica! Jesus não pede mais do que aquilo que uma pessoa pode realizar, com o amor que está nela. Não impõe outro fardo a não ser aquele que a pessoa assume espontaneamente movida pela caridade. Costumamos julgar as pessoas pelos comportamentos exteriores. Ora, Jesus alerta: “Não julgueis”. Como poderíamos avaliar a marcha do amor numa pessoa? O mesmo gesto exterior pode ser rotina numa pessoa e conversão em outra. Jesus não condena as pessoas pelas situações em que foram colocadas: publicanos, soldados inimigos, prostitutas; não julga ninguém por sua condição. Nem exige que se retirem primeiro de sua condição. Bem sabe que só a força da caridade será capaz de levá-las para outros caminhos. Nem sequer define o caminho. Sabe que muitos desvios serão às vezes necessários. Nem estabelece condições prévias nem marca prazos, nem mostra limites de sua paciência. Por isso, a impressão de que há poucos discípulos é impressão do julgamento humano. Há muitos discípulos que seguem o caminho da sabedoria no fundo de seu 19

coração, apesar de as obras exteriores não o manifestarem. Eles estão seguindo o caminho, mas não alcançaram ainda o fim. Não importa. Basta caminhar, que a força do amor levará até o fim. A fé verdadeira consiste em confiar na pedagogia do amor pela qual Jesus ensina sua sabedoria. Confiar no que se refere ao nosso próprio caso pessoal, em primeiro lugar. Muitas das chamadas incredulidades e muitos abandonos resultam de um profundo desânimo: desesperados pela atitude de falsos intérpretes, muitos cristãos se afastam porque se sentem pecadores e incapazes de cumprir as obrigações de códigos de moral ou de sistemas ascéticos. A fé é crer que a sabedoria de Cristo nos levará ao fim justamente porque somos pecadores, fracos e incapazes de nos conformar com os códigos. Dessa fé brota o amor, e o amor transforma. Confiar também quando se trata dos outros. Quantas pedagogias estreitas foram criadas e são mantidas pela nossa falta de fé verdadeira! Não acreditamos na força do amor de Jesus Cristo. Por isso, não transmitimos essa força. De antemão, desesperamos da conversão de muitos dos nossos irmãos. Tratamo-los como se fossem imutáveis, casos desesperados. Abandonamo-los à sua sorte, contradizendo assim o evangelho, que não anuncia a salvação dos justos e sim dos pecadores. Ou então, acreditamos no valor das nossas pedagogias, desconhecendo a mensagem cristã sobre a primazia da caridade. Não cremos que o ser humano precisa saber que é amado por Deus para transformar sua vida. Falta de inteligência da sabedoria de Jesus Cristo. Falta de fé.

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3 - “O JUSTO VIVERÁ DA FÉ”

“O justo viverá da fé” (Rm 1,17): essas palavras, tiradas do livro de Habacuc, forneceram a São Paulo o tema da sua Epístola aos Romanos. Em todas as suas Epístolas, o apóstolo, após as saudações de praxe, anuncia brevemente o temário da obra. Já que a Epístola aos Romanos é a grande síntese de Paulo, precisamos dar muita atenção a esse resumo que introduz essa carta. Este é o tema central da Epístola aos Romanos: “Não me envergonho do Evangelho, que é um poder divino para a salvação dos que creem, primeiro dos judeus, depois dos gentios”. Porquanto nele se manifesta a justiça de Deus, pela fé e para a fé, como está escrito: “O justo viverá da fé” (Rm 1,16-17). Portanto, o assunto próprio da Epístola é a fé, ou a exposição do cristianismo como sistema de salvação baseado na fé e cujo centro é a fé. Paulo quer mostrar que a fé é a grande novidade da mensagem de Cristo. Todos os intérpretes concordam: a Carta aos Romanos é, por excelência, a mensagem paulina. Nela, o apóstolo dos gentios quis expor a grande novidade e – poderíamos dizer – a revolução espiritual provocada por Cristo. Ele próprio viveu essa revolução espiritual, o que dá a essa obra literária seu caráter vivencial. E, por isso mesmo, ele também sabe que foi chamado para levar a mensagem dessa novidade a todas as pessoas. A Carta aos Romanos não se dirige a pagãos, nem a pessoas indiferentes a Deus, mas, pelo contrário, a judeus, pessoas profundamente religiosas, para as quais Deus é a realidade principal, sempre presente. Pois é precisamente às pessoas religiosas que o Evangelho traz uma novidade radical, uma verdadeira revolução. Sabe-se que a mensagem da Carta aos Romanos, exatamente a mensagem da salvação pela fé, desempenhou um papel decisivo no itinerário espiritual de Martinho Lutero. Para o monge angustiado da Ordem de Santo Agostinho, as palavras percucientes de Rm 1,16-17 foram uma iluminação, a revelação da paz, a evidência espiritual da realidade de Deus. Deixemos aos historiadores a tarefa de explicar como Lutero foi levado a criar uma nova instituição separada de Roma. Na História, nada é inevitável. Tudo podia ter sido diferente. O cisma não era inevitável. E não podemos atribuir a causa do cisma somente a Lutero. Mas os historiadores de hoje reconhecem a autenticidade da descoberta fundamental de Lutero, semelhante – apesar das suas fraquezas – à experiência de Paulo. Seja como for, durante quatrocentos anos a Reforma protestante justificou-se apresentando como sua missão própria o anúncio da mensagem paulina. Até hoje, o protestantismo resume-se pela proclamação do texto-lema: “O justo viverá da fé”. Compreende-se, por conseguinte, por que os católicos modernos abordaram sempre com certo receio, para não dizer com certa angústia, a mensagem da Carta aos Romanos. Muitos estavam mais preocupados em atenuar o radicalismo paulino do que em salientar-lhe as notas revolucionárias. Hoje em dia, no entanto, graças à mentalidade ecumênica, confirmada pelo Concílio Vaticano II e assumida por muitos setores, o receio dissipou-se. Recentemente, exegetas protestantes e católicos puderam chegar a um acordo sobre a interpretação de base da Carta aos Romanos, adotando inclusive uma tradução 21

comum. De fato, o receio de cairmos no protestantismo não deveria levar-nos a atenuar a extraordinária revelação destacada por Paulo. Em relação aos Evangelhos, não há nada de novo em Paulo. Mas o apóstolo dos gentios soube justamente colocar em relevo a revelação evangélica, comparando-a com as mensagens religiosas de que viviam as pessoas de seu tempo. Paulo fazia parte do grupo dos fariseus. Ser fariseu era viver com a consciência de pertencer àquela pequena minoria que é o sal da terra. Ser fariseu era viver, no meio das nações idólatras, corruptas, ímpias, uma vida pura, santa, rigorosamente fiel a Deus. Como todos os fariseus, Paulo tinha um sentimento agudo da santidade de Deus e de suas exigências. Tinha a percepção viva da corrupção da humanidade, de seu pecado, isto é, da distância extrema entre a santidade de Deus e o comportamento habitual das criaturas humanas. “Aos pés de Gamaliel fui educado rigorosamente, segundo as normas da Lei de nossos pais, sendo cheio de zelo pela causa de Deus” (At 22,3). “Vivi segundo a seita mais rigorosa de nossa religião como fariseu” (At 26,5). Paulo distanciava-se do resto da humanidade, pensando: “Ainda que todos pequem, eu serei santo, puro e justo; lutarei e oferecerei a Deus o sacrifício que lhe é devido; apresentar-me-ei diante da justiça de Deus com a consciência de quem cumpriu o seu dever”. Ele próprio definiu seu estado de alma naquele tempo, quando se dirigiu aos judeus na Epístola aos Romanos com estas palavras: “Tu que te ufanas em ser judeu, confias na Lei e te glorias em Deus, que conhecendo sua vontade, e instruído pela Lei, sabes distinguir entre o que é melhor; tu, que presumes ser guia de cegos e luz dos que vivem nas trevas, doutor dos ignorantes, mestre de menores, por teres na Lei a norma da ciência e da verdade...” (Rm 2,17-20). Para Paulo, as pessoas repartiam-se em duas categorias: nós e os outros; nós, que nos esforçamos e procuramos a glória de Deus, e os outros, que vivem mergulhados no pecado e procuram nele sua satisfação. Examinemo-nos e vejamos se um determinado tipo de educação – ou contraeducação religiosa – não infundiu em nós, no nosso subconsciente, disposições semelhantes às de Paulo antes da sua conversão. Nesse caso, teríamos que passar pela mesma conversão que ele. Para o futuro apóstolo dos gregos, o encontro com a mensagem de Cristo foi literalmente uma revelação: tirou-lhe o véu dos olhos. Forçou-o a ver o que a ilusão de sua educação religiosa lhe ocultava: os fariseus gloriam-se na Lei de Deus, mas não observam a Lei de Deus; procuram não ver o fato, mas o fato é evidente: “Tu, que ensinas a outrem, por que não ensinas a ti mesmo? Pregas que não se deve furtar e furtas. Dizes que não se deve cometer adultério e cometes adultério. Tu que abominas os ídolos, despojas sacrilegamente o Templo. Tu que te glorias da Lei e ofendes a Deus, transgredindo a Lei” (Rm 2,21-23). À luz dessa revelação, Paulo fez nova leitura da Bíblia e descobriu uma série de textos que lhe haviam passado despercebidos. Todos esses textos diziam a mesma coisa, desde os tempos mais remotos: “Ninguém, nem sequer um, é justo. Não há quem seja sensato e procure a Deus com seriedade. Todos se extraviaram e se perderam; não há ninguém que faça o bem, nenhum sequer” (Rm 3,10-12). 22

Foi necessário o encontro com Cristo para destacar em plena luz essa afirmação da Bíblia: “Judeus e gentios sem exceção se acham sob o domínio do pecado” (Rm 3,9); “todos pecaram e estão sem a glória de Deus” (Rm 3,23). Mas, então, o que foi a educação religiosa de Paulo? Qual foi seu resultado? Colocou-o numa tensão insuportável? De fato, Paulo sente que essa aspiração incessante para alcançar a santidade de Deus criou nele, e em todos os homens religiosos, uma situação que parece desesperada e psicologicamente insustentável. É a seguinte – e a Carta aos Romanos a expõe de modo paradigmático: “Não entendo o que faço. Não pratico aquilo que quero e faço o que aborreço. Ora, fazendo o que não quero, reconheço que a Lei é boa. Nesse caso, porém, já não sou eu que em mim, isto é, em minha carne, não habita o bem. Capaz eu sou de querer o bem, mas não de executá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero; mas o que não quero, não sou eu quem age senão o pecado que habita em mim. Sinto imperar em mim uma lei: querendo fazer o bem, eis que o mal se apresenta a mim. Segundo o homem interior, acho satisfação na Lei de Deus; mas em meus membros experimento outra lei que se opõe à lei de meu espírito e me encadeia à lei do pecado que reina em meus membros” (Rm 7,15-23). Será necessário entregar-se ao desespero? Não, porque Paulo descobriu, ao mesmo tempo, que desconhecia a verdade sobre o ser humano e a verdade sobre Deus. Ele, mestre em Israel, tinha os olhos velados e não conhecia o Deus a quem fazia profissão de servir. Encontrando-se com o evangelho de Cristo, descobriu a verdade. ***** A verdade é que a justiça de Deus é justiça de perdão e de misericórdia. Em vão,o ser humano trataria de emancipar-se da lei do pecado. O que liberta é o amor de Deus, amor que toma a iniciativa e vai ao encontro da pessoa tal como ela é. Nenhuma pessoa se transforma por si mesma. O que a transforma é o amor de Deus. O amor nasce do amor. A pessoa não se salva porque amou muito. Salva-se porque foi muito amada. Eis a justiça de Deus. Por isso, o estado de pecado não é obstáculo à justiça, à perfeição, à vocação do ser humano. Muito pelo contrário. O estado de pecado, a servidão e a incapacidade das pessoas fazem resplandecer a eficácia do perdão e do amor de Deus. Torna-se, assim, manifesto que o amor de Deus não consiste em fechar os olhos para não ver o mal do ser humano, e sim numa renovação autêntica e eficiente. O amor de Deus penetra até os recantos mais escondidos da criatura humana e cria vida onde havia morte. Dentro dessas condições, o problema humano muda totalmente. A pessoa religiosa precisa de uma inversão completa. Já não existe mais o problema de como agradar a Deus. Não há mais nada para fazer. O passo decisivo já foi feito. O essencial já foi feito. O problema de ir ao encontro de Deus ficou sem sentido. Deus veio ao encontro da criatura humana. O que se pede a esta é apenas que se preste à iniciativa divina, que aceite a misericórdia de Deus, que aceite ser amada por Deus: é o que se chama fé. E que confie em Deus e lhe entregue o problema de seu pecado. “Agora, sem a Lei, manifestou-se a justiça de Deus, justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo, a todos aqueles que creem” (Rm 3,21-22). Estranha justiça que não 23

exige que o ser humano seja justo, mas o faz justo pela virtude do perdão e da paciência. Por isso, “sabendo que ninguém se salva pelas obras da Lei, mas pela fé em Cristo Jesus, por isso abraçamos a fé em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da Lei, porque ninguém será justificado pelas obras da Lei” (Gl 2,16). Como pareceu estranha essa mensagem ao próprio Paulo, formado no culto à Lei de Moisés e na procura da perfeição! Como tudo isso parecia desmentir a mensagem bíblica! No entanto, aqui também o apóstolo teve de reconhecer que, apesar das meditações incessantes, a Bíblia permanecera para ele um livro fechado. Agora, sim, o véu desapareceu, e a verdade resplandeceu: antes de Moisés houve Abraão, e o que fora dito a Abraão não podia ter sido desmentido por Moisés. Antes, Moisés, que veio mais tarde, há de ser interpretado na luz de Abraão. Ora, Abraão é a revelação do sistema de salvação pela fé. Basta abrir o livro sagrado. O texto não podia ser mais claro. Iluminado pela nova inteligência da justiça de Deus, Paulo recolhe os versículos e constrói sua argumentação do capítulo 4 da Carta aos Romanos. A salvação pela fé parecia novidade. Na realidade, ela foi anunciada pela figura bíblica de Abraão, cujo papel foi exatamente esse: dar o testemunho de Deus para preparar o advento da justiça de misericórdia. Abraão sentiu-se diante de um destino que o ultrapassava totalmente. Mas nem por isso duvidou: confiou em Deus e seguiu com confiança o caminho traçado por Ele. A mensagem de Paulo não é para as crianças, nem para os negligentes, nem para os fracos do ponto de vista religioso. Antes de tudo, é doutrina para as pessoas moral e religiosamente mais bem formadas e mais delicadas. Pois a tentação do farisaísmo não é tentação de almas vulgares: é tentação para os que caminham na via da perfeição; para religiosos e religiosas. Hoje, mais do que nunca, a tentação é grande e a mensagem é atual. A tentação mais frequente das almas de elite é o desânimo porque não alcançam a perfeição. Queriam oferecer ao mundo sinais de perfeição e não o conseguem. Queriam realizar obras perfeitas e não sabem. Queriam dar testemunho perfeito de pobreza e constatam que não são pobres. Queriam dar testemunho de castidade e constatam que são impuros. Queriam dar testemunho de vida fraterna e constatam que suas comunidades são ou artificiais, ou incompletas, ou inexistentes, pois constam da justaposição de individualismos. E assim por diante. Entre os motivos de incredulidade que mais atingem as pessoas religiosas, encontra-se essa constatação da impossibilidade de a Igreja e eles próprios realizarem a figura ideal de santidade que projetaram. Faz-se a mesma constatação que Paulo em Rm 7. Mas, em lugar de concluir proclamando a mensagem da justiça de Deus, isto é, de sua misericórdia, chega-se ao desânimo: “Homem infeliz que sou. Quem me libertará deste corpo de morte?” (Rm 7,24). (Esse corpo de morte se chama instituição, ou história, ou passado, ou simplesmente eu.) O farisaísmo é perfeccionista, e muitos contemporâneos são também perfeccionistas: resquícios de farisaísmo. Vinte séculos de cristianismo tornaram-nos extremamente sensíveis à imperfeição e à falta de autenticidade moral. Mas os restos 24

de farisaísmo subjacente podem ser suficientes para ocultar a mensagem de esperança e impedir o que Paulo chama de fé. Na fé, sabemos por que o caminho da perfeição continua inatingível para nós: é para que seja manifestada a misericórdia de Deus, e para que o amor apareça como superior à ação. ***** O que mais desnorteia no sistema do apóstolo Paulo é a gratuidade da salvação. Contemplando a vida de Abraão, percebemos logo essa gratuidade. A Bíblia mostranos nessa figura um homem que foi tirado do meio dos demais, eleito e dirigido por Deus, entrando no seu desígnio sem ter feito nada para tanto. Entrou na lista dos justos não por iniciativa própria, mas por iniciativa de Deus. Não teve de trabalhar. Tudo foi gratuito. “Quem, em lugar de trabalhar, crê n’Aquele que justifica o ímpio, essa sua fé é contada como justificação” (Rm 4,5). Foi o caso de Abraão, como sinal para os discípulos de Jesus Cristo. Em vez de atenuar o escândalo que a gratuidade não deixa de provocar nos seus leitores, Paulo salienta-o. Multiplica as afirmações: “Todos estão justificados gratuitamente pela Sua graça” (Rm 3,24); “a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Tudo é graça e dom. A gratuidade é tão fundamental que o apóstolo considera uma verdadeira apostasia a atitude dos gálatas que não se contentam com o único dom da graça de Cristo e acreditam ainda no poder de suas obras de piedade tradicionais. A primazia do dom sobre a ação desconcerta nossa confiança inata em nossas obras. Receamos que tal mensagem leve ao relaxamento. Pensamos que, se essa mensagem for anunciada em toda a sua nudez, as pessoas dirão: se Deus é misericórdia e graça, pequemos e aumentar-lhe-emos a misericórdia e a graça. Por isso, por receio, por falta de confiança, é que a pura mensagem de Paulo não é anunciada: muitos batizados nunca a ouviram e poderiam refazer a experiência de Lutero que, após muitos anos de vida religiosa e de estudo da teologia, a descobriu por si mesmo. Que foi que lhe ensinaram no noviciado? A promessa de Deus é formal: quem tiver fé, Deus torná-lo-á justo e santo. Cristo assume o destino de quem tem fé. Sucede com ele o que sucedeu no caso de São Paulo: “Eu já não vivo: é Cristo que vive em mim. Enquanto vivo na carne, vivo na fé do Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Se alguém tiver fé, Deus não o deixará no pecado, mas o levará para o caminho da justiça. “Se nós, procurando ser justificados em Cristo, também ficamos pecadores, então Cristo estaria a serviço do pecado. Que absurdo!” (Gl 2,17). Com efeito, para completar a exposição do sistema, é preciso situarmo-nos no meio da atuação de Cristo. “Agora, porém, independentemente da Lei, manifestou-se a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas. É a justiça de Deus que se realiza através da fé em Jesus Cristo, para todos aqueles que acreditam. E não há distinção: todos pecaram e estão privados da glória de Deus, mas se tornam justos, gratuitamente pela sua graça, mediante a libertação realizada por meio de Jesus Cristo. Deus o destinou a 25

ser vítima que, mediante seu próprio sangue, nos consegue o perdão, contanto que nós acreditemos. Assim Deus manifestou sua justiça, pois antes deixava pecar sem intervir: eram os tempos da paciência de Deus. Mas, no tempo presente, ele manifesta sua justiça para ser justo e para tornar justo quem tem fé em Jesus” (Rm 3,21-26). A atividade não é nossa, porque foi de Cristo. Um só foi chamado para atuar em nome de todos e a favor de todos. Paulo salienta esse fato a partir de uma comparação feita com a origem da humanidade a partir de Adão: “Assim como pelo delito de um só incorreram todos na sentença da condenação, assim também foram agraciados todos os homens pela justiça de um só, com a justificação que dá a vida” (Rm 5,18). Assim mesmo, o que Deus pediu a Jesus foi mais uma passividade do que uma atividade. Foi-lhe pedido manifestar, por sua obediência e seu amor, a paciência de Deus. Foi-lhe pedido viver na própria carne humana a misericórdia de Deus para com os seres humanos. Finalmente, Cristo foi feito princípio dessa justiça nova e da santidade que Deus infunde naqueles que creem n’Ele. “Assim, justificados pela fé, temos paz com Deus, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor, por cuja mediação alcançamos esta graça em que agora vivemos” (Rm 5,12). Por isso, após ter descrito a situação dramática do ser humano que descobre de repente sua incapacidade de ser santo, pode exclamar: “Graças sejam dadas a Deus. Fui libertado por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7,25). Há algo estranho no fato de ser salvo pela atuação de outrem. Espontaneamente sentimo-nos inseguros por termos de receber algo de outra pessoa, mesmo que essa pessoa seja Filho de Deus. Parece que nos roubam a satisfação de realizar por nós mesmos essa salvação. Essa insegurança faz parte da fé. Na fé, entramos verdadeiramente numa nova hierarquia de valores. Entramos num sistema em que é mais decisivo receber do que dar, ser amado do que amar. Para uma pessoa importa mais o que é feito em relação a ela, do que aquilo que ela faz. No cristianismo, o mesmo sistema se estende às relações entre as pessoas. Todas são chamadas a imitarem a Deus na gratuidade do amor. Na comunhão dos santos, a graça é dada não em proporção às obras feitas, nem ao amor dado, e sim na proporção do amor dos outros por mim, isto é, na proporção do amor recebido. É o escândalo de Marta e Maria. Marta dá e Maria recebe. Ora, é melhor receber do que dar: essa é a estranha economia da salvação, lei espiritual nova que Deus manifestou em Jesus Cristo. ***** Se considerássemos mais atentamente o Evangelho e a fé de Paulo, encontraríamos aí a resposta a muitos problemas religiosos de nosso tempo. Tomemos, por exemplo, a objeção psicológica, a que deriva de Freud e da psicologia da profundeza. Esses psicólogos acham que a ideia de Deus deriva da consciência infantil e, de modo particular, da figura do Pai identificada como Vontade anônima e soberana. Deus seria a projeção idealizada e radicalizada do poder repressivo, da exigência de conformismo. Deus seria a projeção da veneração inconsciente dos imperativos 26

estabelecidos. Deus seria o olhar que acompanha até os pensamentos secretos e faz a conta dos nossos atos, a encarnação da ameaça que o inconsciente coloca sobre a cabeça de cada um de nós. Não é aqui o lugar para estudos de psicologia religiosa ou de prospecção no inconsciente religioso. Os psicólogos podem mostrar uma projeção inconsciente em Deus de vários atributos irracionais. Essa projeção pode e deve desempenhar uma função útil no crescimento da pessoa ou no equilíbrio da sociedade. Mas, além disso, o que interessa propriamente ao cristão é a mensagem consciente sobre Deus. Ora, parece que, no passado, num passado recente, aconteceu às vezes que a pregação serviu mais para explicitar ou racionalizar o inconsciente do que para transmitir a mensagem nova do Evangelho. Infelizmente, a instrução religiosa que muitos batizados recebem é apenas aquela que se dá às crianças no seio da família. Ora, nem sempre a família anuncia o evangelho de Paulo, mas utiliza Deus para exigir o bom comportamento das crianças, como se isso fosse obediência a Deus. Além disso, muitas vezes, educadores acham que devem infantilizar a instrução dada às crianças, o que faz com que os adultos fiquem mais tarde com representações infantis. Falta-lhes aquela educação da adolescência e da idade adulta, cuja finalidade é justamente descobrir a verdade do Evangelho. Sem isso, muitos tendem a identificar o cristianismo com projeções infantis de Deus. Chegam até a identificar a revelação cristã de Deus com o seu contrário. O Deus que dizem ser o do inconsciente infantil é o da justiça severa e rigorosa, o Deus da retribuição, ou seja, o Deus dos fariseus. É o contrário do Deus de Jesus. Nessas condições, compreendemos por que, em tantos casos, o processo de emancipação espiritual que acompanha normalmente a adolescência traz consigo a revolta contra Deus. Rejeita-se Deus junto com as demais dependências infantis. Outros não vão até a revolta, mas sentem que a religião se esvazia neles. Tornam-se indiferentes a Deus. Isso se explica facilmente: na idade adulta, as representações infantis deixam de cumprir funções de utilidade e atrofiam-se. Temos a impressão de que a fé desaparece, quando, na realidade, o que desaparece é um conteúdo totalmente diferente da fé. Surge, às vezes, o ressentimento contra Deus, atribuindolhe o papel de freio ou de repressão da legítima aspiração à autonomia. Ora, a grande novidade cristã consiste em que a justiça de Deus se subordina à misericórdia. Deus tolera todos os pecados até ressoar o apelo para a conversão que procede da comunicação do amor de Deus em Jesus Cristo. Deus entra assim na vida da pessoa na forma do amor manifestado no dom de Jesus Cristo. Sua força e seu poder manifestam-se no excesso de seu amor: essas são as “armas” pelas quais Deus pretende conquistar as criaturas humanas. Até que a pessoa tenha a revelação disso, Deus tolera todos os pecados. De certa maneira, podemos dizer que cada um de nós deveria evoluir de uma religião infantil para uma religião adulta. E essa evolução é semelhante àquela que se processou em Paulo ao passar do farisaísmo para Jesus Cristo. Desse modo, a transformação de Paulo adquire valor de paradigma: seu caminho é o caminho de todas as pessoas que foram educadas na religião e na piedade, e interpretaram essa religião dentro das categorias da psicologia infantil inconsciente. Na mesma linha de pensamento, devemos denunciar as tentações de usar o 27

sentimento inconsciente de culpabilidade na pregação ou na catequese. O sentimento inconsciente de pecado é muito diferente da consciência cristã de pecado. Muitas vezes, os verdadeiros pecados não provocam a formação de um inconsciente de culpabilidade. O sentimento de culpabilidade aparece independentemente da vida consciente. O que o provoca muitas vezes não dependeu de modo algum da livre decisão da pessoa. Apesar disso, o sentimento de culpabilidade constitui um impulso psicológico poderoso. Para um pregador é fácil usar as energias da culpabilidade para levar as pessoas a certas atitudes religiosas e criar assim pseudoconversões. Várias seitas se especializaram na manipulação da culpabilidade. Convencem as pessoas da necessidade de multiplicar as condutas penitenciais, inspiram-lhes a busca da salvação, da libertação pessoal etc. Ora, é muito perigoso brincar com os sentimentos de culpabilidade. Não somente porque, sob o pretexto de converter, o pregador pode destruir a personalidade e escravizá-la, mas também porque a religião assim transmitida é a contradição da mensagem cristã. O sentimento de culpabilidade torna as almas escravas: escravas de uma lei implacável que projetam acima delas. Como diz Paulo, fomos chamados à liberdade (Gl 5,13). “Para sermos livres é que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). “Quando menores, estávamos escravizados sob os elementos do mundo. Quando, porém, o tempo se cumpriu, Deus enviou seu Filho, a fim de que ele, nascendo de uma mulher e sujeito à Lei, remisse os que estavam sob a Lei, para recebermos a condição de filhos” (Gl 4,4-5). De certo modo, podemos dizer também que todos fomos chamados a uma conversão semelhante à de Paulo, isto é, de uma religião de culpabilidade e de escravidão para uma religião de liberdade e de renovação. Em qualquer sistema religioso definido e transmitido como tal (como sistema já feito e constituído) às crianças, há uma inclinação para o farisaísmo. Daí o valor de exemplo do processo paulino. Paulo fez a teologia da conversão das pessoas religiosas confrontadas com o Evangelho: revelou a fé acima de toda a religião adquirida.

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4. - “CONHECER A CARIDADE DE CRISTO”

Com as cartas do cativeiro, damos mais um passo adiante na compreensão da fé e de suas implicações. As cartas aos Romanos e aos Gálatas dirigiam-se aos judeus convertidos ao Evangelho. Por outro lado, as cartas aos Coríntios abordavam os problemas novos de uma comunidade nascida num ambiente pagão. Com as cartas do cativeiro, Efésios e Colossenses, Paulo ultrapassa essas perspectivas particulares e enxerga a totalidade do cristianismo, elaborando uma síntese dessa totalidade. O objeto dessas cartas é a criação inteira e a novidade que surgiu nela com o advento de Cristo. Voltando à inspiração mais universal da Bíblia, aquela das primeiras páginas do Gênesis e do deutero-Isaías, o apóstolo envolve num só olhar a plenitude de Deus e a plenitude de suas obras. Esse é o olhar da fé: luz nova que nos faz ver na sua realidade a totalidade das coisas. Paulo não apela para a experiência sensível, nem para o conhecimento através da reflexão ou da dedução: essas vias não levam ao conhecimento da totalidade. Em Jesus Cristo, temos acesso à totalidade vista em Deus que a cria, a sustenta e a move. A totalidade das coisas é movida por um desígnio de Deus: essa é sua unidade dinâmica. O desígnio de Deus constitui o assim chamado mistério de Deus. Não devemos entender a palavra mistério no sentido comum que é também o sentido dos dicionários. O mistério é o desígnio de Deus que envolve a totalidade da criação, mas permanece oculto aos olhos naturais e se revela apenas em Cristo àqueles que aderem a ele pela fé. Os apóstolos e o próprio Paulo foram chamados para “mostrar claramente a todos o mistério da salvação, oculto desde sempre em Deus, Criador de todas as coisas” (Ef 3,9). “Esse mistério, que não foi manifestado aos homens das gerações passadas, como acaba de ser revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas” (Ef 3,5), pertence à “multiforme sabedoria de Deus” (Ef 3,10). Numa palavra, “esse mistério é Cristo” (Cl 2,2). Por isso, o mistério de Deus coincide com “as riquezas insondáveis de Cristo” (Cl 3,8). O mistério é o seguinte: a criação toda é destinada a um mistério de unidade: tudo foi feito para a harmonia, cujo princípio é Cristo. Deus fez o mundo para a harmonia, cujo princípio é Cristo. Deus resolveu incorporar tudo em Cristo. “Manifestou-nos, com efeito, o mistério da sua vontade, o beneplácito, que havia concebido com antecedência, para quando soasse a plenitude dos tempos: restaurar todas as coisas, sob uma só cabeça, Cristo, tanto no céu como na terra” (Ef 1,9-10). “Ele é a imagem perfeita do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque por Ele foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos, dominações, principados, potestades, tudo foi criado por Ele e para Ele. Ele existia antes de tudo, e tudo subsiste n’Ele. É Ele também a cabeça do corpo que é a Igreja. Ele é o princípio, o Primogênito dentre os mortos, para que lhe caiba a primazia em todas as coisas, pois aprouve a Deus que habitasse n’Ele a plenitude de toda a perfeição, e por Ele reconciliar consigo tudo o que há, tanto nos céus, como na terra, fazendo a paz pelo sangue de sua cruz” (Cl 1,15-20). Como se vê por esses textos, a unidade que se realiza em Cristo não se parece com uma unidade orgânica, nem institucional. Não se trata de fazer de tudo um grande 29

organismo regido por um indivíduo chamado Cristo. Também não se trata de criar uma sociedade planejada e organizada no nível das atividades concretas de cada dia. O desígnio de unidade é de nível mais profundo e propriamente misterioso, sem exemplo no mundo da experiência. O desígnio de Deus não pode ser percebido pela experiência. Porém, na realidade, Cristo está atuando. Age pela virtude de seu sangue e de sua cruz, isto é, pela força do amor de Deus que se manifestou no seu sacrifício. É a força da paciência e do sofrimento. Essa energia penetra nos recantos mais afastados da criação, anima e transforma. A unidade da totalidade não é outra coisa a não ser a atração do amor de Jesus Cristo. Mais profunda que todos os laços orgânicos ou institucionais, Deus colocou no mundo a força de união do seu amor. Ora, o Evangelho proclama a vitória da sabedoria de Deus. Apesar da experiência concreta que temos do mundo, o Evangelho proclama que a harmonia e a reconciliação estão acontecendo na humanidade. ***** É verdade que a experiência de cada dia parece desmentir a visão revelada por Deus. Os acontecimentos percebidos em si mesmos manifestam a virulência dos fatores de divisão: rivalidades, dominação, exploração do ser humano pelo próprio ser humano, guerras. Somente uma visão infantil ou angélica do mundo nos levaria a subestimar a presença dessas realidades. Cada geração assiste à manifestação de novas tensões: antagonismo racial, antagonismo do mundo rico e desenvolvido e do mundo pobre e subdesenvolvido etc. Como ignorar tais realidades? Acusam-nos de cair na passividade. Os cristãos teriam tanta certeza da vitória final da paz e da ordem, que ficariam tranquilamente esperando esse fim consolador. Certamente existia tal tentação. Existem também grupos de cristãos que se refugiam longe das lutas deste mundo numa espera inerte da parúsia, abandonando a história deste mundo à sua infelicidade. Já naquele tempo, Paulo denunciava essa passividade dos tessalonicenses. Mas essa não é a mensagem cristã. O desígnio de reconciliação e de unidade não paira acima do mundo. Não tira as pessoas deste mundo para reuni-las alhures, em outro mundo distinto deste. O desígnio de paz anima e move este mundo tal como é no meio de todas as suas lutas e contradições. A força de Cristo penetra nas pessoas mergulhadas nas lutas e constrói insensivelmente a unidade. Tudo concorre para a reconciliação terminal, inclusive os sofrimentos, a perseguição, a crucifixão dos seres humanos que lutam por ela. Mesmo quando não enxergamos os caminhos da reconciliação, Deus a realiza. Ela não é o resultado da experiência, mas sim da fé. De certa maneira, podemos dizer que somente alcança o nível da sabedoria do mistério de Deus quem atravessou as desilusões da ação em todas as suas formas, quem fez a experiência das resistências que a matéria e os seres humanos opõem àqueles que querem mover o mundo para a harmonia. Somente quem percebeu de modo sensível o impacto da superioridade das forças de dissolução sobre as forças de 30

união, poderá compreender algo dos incompreensíveis desígnios de Deus e penetrar no segredo da ação de Cristo e de sua cruz. Contudo, dessa força de unidade recebemos um sinal visível na Igreja. Nela, a energia de Cristo ressuscitado tornou manifesta a reconciliação dos judeus e dos pagãos, esses dois extremos do mundo religioso. De acordo com a teologia de Paulo, a reunião dos judeus e dos pagãos na Igreja constitui a clara manifestação da energia de reconciliação que atua no mundo. Na Igreja, fez-se esse milagre de reunir os termos contraditórios do paganismo e desse antipaganismo que foi o judaísmo, numa unidade superior em que cada grupo encontra satisfação de seus valores sem ofender os valores do outro. A convivência pacífica de judeus e de pagãos de origem na fraternidade da fé em Cristo foi, para Paulo, a confirmação visível do desígnio da unidade de Deus. Pois nenhuma divisão parecia mais insuperável do que aquela. “Lembrai-vos”, escreve Paulo aos Efésios, outrora pagãos, “que vós, outrora, gentios de origem – chamados incircuncisos pelos que se dizem circuncisos por uma operação praticada na carne –, estáveis sem Cristo, excluídos da comunhão com Israel, estranhos à aliança da Promessa, sem esperança e sem Deus neste mundo. Eis que agora, em Cristo Jesus, vós, que estáveis longe, estais perto pelo sangue de Cristo. Pois ele é nossa paz, ele que dos dois fez um só povo, derrubando a parede de inimizade que os separava, quando em sua carne aboliu a Lei, com seus preceitos e prescrições, para estabelecer a paz – formando de ambos, em sua pessoa, um só Homem Novo – para reconciliá-los, os dois, com Deus, em um só corpo, por meio da cruz, matando nela a inimizade. Veio ele anunciar a paz, paz aos de longe (os pagãos), e paz aos de perto (os judeus): por ele é que um e outro temos acesso ao Pai, num só Espírito (Ef 2,11-18). Na Igreja, há esse sinal de unidade: “Há um só corpo e um só Espírito... uma só esperança, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, por todos e em todos” (Ef 4,4-6). No entanto, sabemos que esse sinal é muito imperfeito ainda. Falta muito para que se complete a união dos judeus e dos pagãos na Igreja. Alguns judeus entraram nela: muitos permanecem fora. Algumas civilizações pagãs foram assimiladas por Cristo, até certo ponto: muitos povos permanecem ainda alheios a Cristo. Paulo parece pensar que a reunião do Israel completo somente se realizará no final da história (Rm 11,25-32). Apesar de sua fragilidade, a reconciliação dos povos na Igreja de Cristo é um sinal visível do mistério presente na totalidade da história. Aparentemente ausente, Deus dirige os acontecimentos. Tão presente e tão ausente como na cruz e na agonia de Cristo, tão presente e tão exteriormente ausente como na ressurreição, o desígnio de Deus é como o fermento que coloca em movimento as forças da criação e as reúne num feixe só para um mesmo fim. ***** O mistério de Deus, que acabamos de resumir, não é mero objeto de contemplação inerte. Não é objeto puramente exterior a nós, nem simples espetáculo ao qual o apóstolo nos faria assistir. Na realidade, estamos totalmente implicados no desígnio 31

de Deus. A revelação do mistério é ao mesmo tempo a revelação da nossa vocação. E essa vocação marca definitivamente o nosso destino. Podemos afirmar que não chegaríamos ao conhecimento do desígnio de Deus se não percebêssemos a nossa participação nesse mistério. Ora, essa nossa participação não é apenas conclusão nossa, tirada por nós da contemplação do mistério. Ela é também parte do mistério. Nosso lugar no mistério foi predestinado, fixado e preparado por Deus, sem atentar de modo algum à nossa liberdade, mas, pelo contrário, para dar-nos o acesso à verdadeira liberdade. Por isso, um único ato de fé nos faz descobrir num mesmo olhar a visão do desígnio de Deus na totalidade da criação e a visão da nossa existência limitada dentro dessa totalidade. A fé consiste em conhecer o mistério de Deus e o mistério de nossa existência estreitamente implicados um ao outro. Cada um tem seu lugar. Os judeus têm o seu: “Fomos escolhidos, predestinados conforme o plano d’Aquele que dispõe todas as coisas segundo a determinação de sua vontade, a sermos, em louvor de sua glória, aqueles que já esperavam em Cristo” (Ef 1,11-12). Os pagãos têm seu lugar também: “É também n’Ele que vós, tendo ouvido a palavra de verdade, a Boa-nova da vossa salvação, tendo acreditado, fostes marcados com o sinal do Espírito prometido” (Ef 1,13). Essa diversidade de vocações não se limita à distinção dos dois grupos religiosos fundamentais. É muito mais complexa. Cada um de nós encontrará sua vocação particular. “A cada um de nós foi dada a graça, de conformidade com a medida do dom de Cristo... Foi ele quem a uns constituiu apóstolos, a outros profetas, ou ainda evangelizadores, ou pastores e doutores...” (Ef 4,7-11). E assim por diante. As vocações variam de acordo com as épocas, as situações geográficas ou históricas, as disposições individuais etc. Com toda essa diversidade atuando na “unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus” (Ef 4,13), “o Corpo todo, coordenado e unido por todas as junturas que o alimentam e acionam segundo a função de cada parte, recebe o crescimento próprio, para a sua edificação na caridade” (Ef 4,16). Aqui também será preciso insistir muito no conteúdo concreto de nossa participação no mistério de Deus. Para participar ativamente, não se trata de sairmos de nossa situação concreta da história temporal. A realização do mistério não é empresa paralela à marcha da história. A nossa vocação localiza-se dentro da situação em que fomos colocados por predestinação divina. Nossa família, nosso povo e seu momento histórico, nossa profissão e nossas disposições particulares, os encontros e as circunstâncias definem o lugar e as condições de nossa vocação. Aí é que teremos de descobrir, de conhecer realmente e de exercer nossa participação no mistério de Deus. Acontece que a nossa vocação pessoal dentro do mistério total é tão oculta, secreta, não experimental, como a totalidade do mistério. Nunca receberemos evidência sensível das tarefas implicadas no desígnio de Deus. Ser-nos-á necessário procurar sem parar, aprender na escuridão. Deus revela-nos a cada um a nossa vocação, mas de modo insensível e sem evidência, naquela luz obscura que é o próprio da fé. Daí a missão do apóstolo. Portador do mistério de Deus, o apóstolo não se 32

contenta com expor uma doutrina: não é professor de um sistema, nem ensina o mistério de Deus como se explica uma teoria científica ou um sistema filosófico. Encarregado de transmitir um conhecimento e uma sabedoria que superam toda compreensão, o apóstolo acompanha os seus interlocutores: ajuda-os com perseverança para que cheguem a descobrir dia após dia a sua presença ativa no mistério de Deus, e como se faz juntura entre sua atividade temporal e essa presença no mistério: o que se deve fazer para que nossa ação seja participação no desígnio de Deus. A isso alude Paulo ao escrever aos Efésios o seguinte: “Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e revelação, para o conhecerdes profundamente. Que Ele ilumine os olhos do vosso coração para compreenderdes qual a esperança a que vos chamou, quais as riquezas da gloriosa herança que reservou aos santos, e qual a extraordinária grandeza do seu poder em relação a nós, os crentes” (Ef 1,17-19). Essa é a fé que o apóstolo persegue pedindo a Deus na oração famosa da mesma carta: “Que Deus se digne conceder, segundo a riqueza da sua glória, que sejais armados de força, pelo seu Espírito, a fim de que se fortifique em vós o homem interior; que Cristo habite pela fé nos vossos corações; e que sejais enraizados e fundados no amor. Então podereis compreender, como todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, conhecer a caridade de Cristo que supera todo entendimento, para serdes repletos da plenitude de Deus. Àquele que pode, pela força que age em nós, realizar muito mais que tudo o que pedimos e imaginamos, a Ele, a glória, na Igreja e em Cristo” (Ef 3,16-21). Esta é a tarefa do apóstolo: “Insistindo com todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, queremos conduzi-los todos à perfeição que se atinge em Cristo. E por esse ideal trabalho eu luto sob o impulso de sua força divina, que age poderosamente em mim. Quero, pois, que saibais quão grande é o cuidado, a diligência que tenho por vós, pelos de Laodiceia e por tantos que nem me conhecem de vista. Quem me dera confortar os seus corações e uni-los na caridade, para conseguirem o dom inestimável, que é a plena e total compreensão e o profundo conhecimento do mistério de Deus. Esse mistério é Cristo, no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 1,28-29; 2,1-3). Conhecer o que Deus faz em nós e por meio de nós, por meio de mim particularmente e de cada um de nós, pela virtude de Jesus Cristo: eis a fé. Sem dúvida, não atingimos essa tranquilidade do conhecimento adquirido de uma vez para sempre. Esse conhecimento é, a cada momento, uma vitória obtida sobre as impressões sensíveis, a sensação de inutilidade ou de incapacidade. O conhecimento da fé não deixa de ser dura conquista tanto da parte do apóstolo como da parte do próprio crente. Assim mesmo, é uma luz que supera todas as teorias e todas as interpretações da existência humana. Uma vez desabrochada, a fé vive e expande-se segundo o modo da ação de graças. “Cheios de alegria, rendei graças ao Pai, que nos tornou dignos de participarmos do consórcio esplêndido dos santos (isto é, dos pecadores que Deus santificou)” (Cl 1,12). “Vivei em ação de graças... Do fundo dos vossos corações agradecidos, cantai louvores a Deus... E tudo o que fizerdes, em palavra ou obra, seja sempre em nome 33

de Jesus, o Senhor, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3,15-17). Mais uma vez, na fé somos sempre principiantes. A ação de graças é disposição duramente conquistada: precisamos ultrapassar a disposição de angústia que fez brotar o sentimento da inutilidade da ação. Nem podemos falar numa ação de graças sensivelmente experimentada. Em certos casos, poderá ser apenas a tela de fundo da qual se destaca a impressão sensível de desânimo ou de preocupação. Assim mesmo, a revelação clara e oculta das riquezas de Cristo mantém o discípulo na alegria da esperança. ***** Hoje em dia, mais do que nunca, as pessoas sentem necessidade de compreender o significado da própria ação. Ora, interpretar a ação é ao mesmo tempo relacioná-la com a totalidade do real. Entre nós, muitos são os batizados e catequizados que não sabem relacionar essa ação de cada dia com o depósito da fé. A fé e a ação desenrolam-se em dois mundos paralelos que não conseguem juntar-se. Para eles também existe o problema da interpretação da ação. Fato estranho: nunca o ser humano se encontrou no mundo com tanta capacidade de ação e com tanta capacidade de influir na evolução dos acontecimentos e na orientação do próprio destino. A humanidade de hoje soube equipar-se com instrumentos de ação mais poderosos e avançados do que nunca. Ao mesmo tempo, ela sabe menos do que nunca por que e como agir... As antigas motivações religiosas são colocadas em dúvida. Após séculos de crítica racionalista, sobra pouco da ingenuidade de outrora. Por outro lado, o recurso a uma tecnologia cada vez mais rigorosa em todos os ramos do trabalho tende a eliminar todos os elementos do mito, da fantasia, da poesia das operações eficazes do trabalho. Os triunfos do espírito experimental e do método científico desencantaram o nosso mundo. Muitos crentes fazem a experiência da ausência de Deus no mundo de suas atividades diárias. Sentem o impacto dessa ausência do sagrado nas atividades profanas. Outros nem sequer sentem essa ausência: de tão acostumados a ela, já perderam a sensibilidade religiosa. Esse drama já foi evocado por filósofos e por poetas. Forneceu o temário de muitas novelas mais ou menos autobiográficas. Hoje em dia, são os próprios teólogos que o destacam. É verdade que no mundo rural subsistem ainda restos da antiga cultura religiosa. Mas esse mundo rural tende a desaparecer como efeito da grande migração para as cidades e pela penetração da TV, que leva a todos a cultura das cidades. Porém, a ausência de Deus traz consigo a ausência do ser humano. No meio de um trabalho mais tecnológico e mais automatizado, perde-se o significado humano da ação. A ação em si fica cada vez mais perfeita e controlada. Mas não se sabe por que é que se age, a não ser para pôr em movimento uma máquina feita para funcionar. A economia globalizada deve funcionar e todos devem obedecer sem entender. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da técnica e a complexidade crescente da atividade humana colocaram o indivíduo em contato com milhões de outros indiví34

duos. Perdido num aparelho complexo e feito de bilhões de atuações minúsculas, o indivíduo sente-se insignificante. O agricultor outrora tinha consciência de ser o centro do mundo: seu mundo era tão estreito, tão pequeno, que não lhe era difícil imaginar que Deus poderia ter outra preocupação a não ser controlar-lhe as atividades. Hoje em dia, o indivíduo sente-se tão pequeno que não lhe parece possível nenhum relacionamento direto com o Princípio do universo. Entre o Deus de outrora e o Deus de hoje, nota-se a mesma diferença psicológica que há entre o patrão da fazenda patriarcal e o conselho de administração das empresas multinacionais. Na realidade, a experiência da ausência de Deus na vida ordinária não é nova. Basta percorrer os testemunhos dos santos e dos místicos para saber que todos fizeram experiências semelhantes. Essa experiência é tão conhecida que até existe a teoria da noite dos sentidos e do espírito feita pelos maiores místicos. De certo modo, podemos interpretar o fenômeno atual como sendo uma democratização da experiência reservada outrora a alguns místicos. Mas, antigamente, a força de certas formas de religiosidade natural impedia a tomada de consciência da ausência de Deus no mundo profano. Deus estava sempre presente, mas qual era esse Deus? Ora, a ausência de Deus, longe de constituir a última palavra, é apenas a situação em que se constrói a fé. A proclamação do desígnio de Deus ressoa pela palavra dos apóstolos justamente num mundo de ausência e de silêncio. Vivemos a fé com sentimento permanente de fragilidade e de precariedade. Pois sabemos que a fé é vitória permanente sobre as impressões e a experiência daquilo que é profano. A revelação do mistério de Deus é ao mesmo tempo luz e escuridão. O mistério de Deus não torna conscientes os significados da atividade humana. Gera, porém, nos crentes a convicção de que tudo se integra num movimento de conjunto dotado de coerência. Não se trata de uma iluminação repentina, feita de uma vez por todas, mas, antes, de uma ascensão perseverante rumo à luz que se projeta no horizonte de nossa existência, luz que se projeta ao mesmo tempo sobre mim e sobre a totalidade da criação, destacando o meu papel precisamente dentro da totalidade. Posso não saber todos os efeitos da minha atividade no mundo, mas sei que Deus dirige tudo para o advento do seu reino. Outra experiência fundamental do homem e da mulher contemporâneos é a do isolamento e da solidão. Aqui, também, as antigas solidariedades de família e de clã com seus elementos míticos ocultavam a realidade crua da solidão do indivíduo e da dificuldade de qualquer comunicação humana autêntica. A sociedade técnica tende a desfazer esses laços tradicionais, dissolvendo-lhes ao mesmo tempo os fundamentos míticos. O mundo material faz-se impenetrável e incomunicável à medida que o ser humano se torna capaz de dominá-lo. Uma vez dominado e transformado em objeto maleável, o mundo material deixou de ser uma presença. A matéria deixou de responder. O camponês tradicional podia conversar com seus animais, com as plantas e até com as estrelas e as pedras. O técnico de hoje não tem o que conversar com suas máquinas: elas não têm mais mistério. Não se pode projetar nelas uma personalidade. As próprias pessoas tornam-se funcionais. Aprendendo a analisar as próprias pessoas, a criatura tira o segredo de seus semelhantes. Resultantes de funções ou 35

centros de significados que obedecem a leis próprias, os indivíduos são muito mais conhecidos que antes: mais nada têm para comunicar. As mensagens de que poderiam ser portadores já foram registradas pelas ciências humanas. Não tendo mais segredo, a pessoa nada tem para contar ou para comunicar. O segredo que se supõe atrás dos significados e das funções torna-se inacessível. Cada um de nós perdeu as ilusões sobre os outros e procura desesperadamente o contato com algo de que a sua ciência desminta a existência. A própria comunicação fica desprovida de objeto. A sociedade pede apenas a integração e não se preocupa com a comunicação. Hoje em dia, as técnicas de comunicação permitem que, com o celular, as pessoas possam a cada momento se comunicar com outras pessoas. Mas comunicam o quê? Futilidades, os pormenores insignificantes da vida diária. Não se conhecem melhor do que antes. Aqui também o mistério de Deus traz uma resposta ao desafio da comunicação. Não estabelece comunicação sensível, nem procura manter ilusões de comunicação fácil. Contudo, o mistério de Deus coloca-nos em contato invisível com a totalidade do universo. Por menor que seja nossa atuação, ela não é perdida, nem inútil. Além do isolamento sensível, existem correntes de comunicação não somente com as pessoas, mas também com o conjunto da criação. O desígnio de Deus incorpora numa história realmente universal a pequenez de nosso destino individual. Nesse caso, também a fé vence as aparências. Não vemos as conexões que Deus estabelece entre forças às vezes contraditórias. Mas cremos que elas existem. Procuramos reconhecer-lhes os sinais no desenrolar dos encontros e dos acontecimentos. Sinais sempre evanescentes, ambíguos, mas não totalmente mentirosos. O ser humano não é feito para a solidão. Acima da desilusão que suscita a sabedoria humana, existe a confiança que gera a sabedoria divina.

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5. - “QUEM ME VIU, VIU O PAI”

O Evangelho de João é, antes de tudo, a exposição do mistério da fé. O evangelista mostra-nos Deus e o mundo frente a frente. Os episódios foram escolhidos para enfatizar o encontro entre Deus e a humanidade, drama fundamental em que João concentra toda a história. O encontro realiza-se em Jesus Cristo, pela vinda de Jesus Cristo entre os homens. A iniciativa não foi dos seres humanos, mas sim de Deus. No centro do drama situa-se a fé. Pois Cristo é a luz que vem de Deus. A vinda de Jesus é a luz que penetra no meio das trevas, é a luta da luz contra as trevas. A luz provoca os seres humanos. Alguns ficam cegos, ou permanecem endurecidos na sua cegueira. Outros abrem os olhos, veem e conhecem a luz, isto é, conhecem a Cristo e ao Pai em Cristo. Esse drama foi resumido no chamado prólogo do Evangelho: “A Palavra era a luz verdadeira que veio ao mundo para iluminar todo homem. Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por ela, e o mundo não a conheceu. Ela veio até os seus e os seus não a conheceram. Mas aos que a acolheram, ela deu poder de tornar-se filhos de Deus, àqueles que creem em seu nome” (Jo 1,10-12). O Evangelho ilustra o mistério da fé. João escolheu poucas narrações. Cada uma delas representa um dos aspectos do drama da fé. Cada uma tem valor de paradigma. Jesus encontra-se com diversas categorias de pessoas. Algumas chegam à fé imediatamente, sem hesitar. Outras atravessam fases de dúvidas. Outras rejeitam a fé desde o princípio. Outras se deixam atrair por ela, mas não chegam à conclusão e desistem. Quem crê em Jesus Cristo é iluminado por ele: chegar a ver a Cristo ou a conhecê-lo: esse é o projeto do evangelista. Com essas condições, podemos dizer que a fé é ponto central do processo de salvação. Quem crê, vê, e a visão verdadeira de Cristo é a salvação. Pela fé, a pessoa entra na realidade de Deus. Nada há além da fé. A fé já atinge o objetivo final. Basta revelar-lhe a espessura. Pois quem vê o Filho, vê também o Pai. Pela fé, o crente é introduzido na própria essência do Pai: ele já vive com o Pai e reside nos céus, na morada preparada pelo Pai. Como é que se chega a essa fé? Pela aceitação da afirmação de Jesus, ou seja, do testemunho que Ele dá de si mesmo. Jesus ilumina as pessoas por sua palavra. Aceitar sua palavra é aceitar a Ele próprio. ***** O diálogo com Nicodemos mostra uma primeira forma de resistência à fé e à palavra de Jesus. Nicodemos veio ter com Jesus e disse-lhe: “Rabi, bem sabemos que és um Mestre enviado por Deus, pois ninguém seria capaz de operar os milagres que fazes se Deus não estivesse com ele” (Jo 3,2). Ora, Jesus não reconhece nessa declaração uma profissão de fé. Acontece que Nicodemos submeteu Jesus ao seu próprio julgamento. Nicodemos examinou os sinais feitos por Jesus, achou-os interessantes e quis conhecer a pessoa, mas conhecêla humanamente, submetendo-a aos critérios dos rabis israelitas. Essa não é a atitude da fé. Para crer e, por meio da fé, chegar a conhecer realmente a Cristo, é preciso 37

renunciar aos critérios do pensamento humano. É preciso deixar de lado a formação da sabedoria humana. No caso mencionado, Nicodemos queria submeter a Deus aos seus próprios critérios. Ora, se não abandona essa falsa ciência, não o poderá conhecer. É preciso fazer de conta que nada sabe e recomeçar a formação inteira. Nesse sentido, Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo: se alguém não nascer do alto, não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,3). Nicodemos não entende essa necessidade de renascer. Não vê que a fé em Cristo é o início de uma vida nova e uma novidade tão radical que realmente é legítimo falar em novo nascimento. Nicodemos não percebe que a ciência, que acumulou durante uma longa vida, é inútil em face desse novo fenômeno que é Jesus Cristo. Infelizmente, Nicodemos não tem a coragem necessária para recomeçar uma vida nova. Outro exemplo de pessoa que se deixou atrair por Cristo, mas não conseguiu chegar à conclusão da fé apesar do entusiasmo humano, foi a samaritana. Várias vezes, Jesus solicitou a fé da samaritana, propondo seu testemunho. Mas ela fugiu, não quis receber a palavra e passou para outros assuntos menos comprometedores. “Se conhecesses o dom de Deus” (Jo 4,10), diz Jesus. Mas ela não o deixa continuar e desvia a conversa para a água material. Quer aceitar que Jesus seja profeta capaz de renovar os milagres de água material, de que fala a Bíblia. Não quer deixar-se levar além desse ponto de vista. Ela não quer ver, e não vê porque não quer. Em seguida, Jesus renova a solicitação: “Vai, chama teu marido...”(Jo 4,16). De novo, a mulher prontifica-se a reconhecer nele um profeta: “Senhor, vejo que és profeta” (Jo 4,19). Deriva a atenção para os profetas antigos e a questão do culto. Ela tem medo de enfrentar a novidade de Jesus. Então Jesus faz a declaração sobre o culto novo em espírito e verdade. A samaritana orienta o diálogo para o messianismo. Jesus faz a última declaração: “Sou eu, o que fala contigo” (Jo 4,26). Mas o tempo passou. A mulher foi-se embora entusiasmada, mas sem ter chegado a realmente conhecer Jesus, porque não teve fé. Ficou no caminho. Outros vão acompanhando Jesus durante certo tempo. São atraídos pelos milagres e benefícios: assim o vemos depois da multiplicação dos pães. Mas na hora da revelação que Jesus faz de si mesmo, na hora de ultrapassar os milagres para chegar a conhecer a realidade de Deus e de sua obra, esses discípulos desistem: “É dura essa linguagem. Quem a pode ouvir?” (Jo 6,60). “Desde então, muitos discípulos o abandonaram e não mais o seguiam” (Jo 6,66). A controvérsia com os judeus no templo torna manifesta a incredulidade dos chefes do povo, irritados pelo sucesso de Jesus no meio da multidão. “Acaso algum dos chefes ou fariseus acreditou nele? Mas essa plebe que não conhece a Lei é maldita” (Jo 7,48-49). A incredulidade dos príncipes do povo é tão forte que Jesus pode denunciar neles a vontade de matá-lo: “Quereis matar-me, porque minha palavra não penetra em vós” (Jo 8,37). A incredulidade não se manifesta somente pela mera indiferença. A incredulidade dos fariseus quer a morte daquele que proclama a verdade. A oposição à verdade não permanece platônica, mas é ativa e pretende eliminar a luz: as trevas 38

lutam contra a luz. Ao invés, o cego de nascença chegou à fé quase que espontaneamente. Era sem pretensão e sem ciência prévia. Estava disposto para receber o testemunho de Jesus. Este lhe pergunta no último encontro, após a expulsão pelos fariseus: “Tu acreditas no Filho do Homem?”. Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que creia nele?”. Declara-lhe Jesus: “Tu o estás vendo: é o que fala contigo”. Exclamou: “Creio, Senhor”, e prostrou-se diante dele (Jo 9,35-38). Do mesmo modo, Marta e Maria exprimem a fé dos discípulos, e também Pedro, quando proclama: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna. E nós acreditamos e conhecemos que és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69). Também Tomé dá a resposta da fé, quando exclama: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). Porém, não alcançou dar essa resposta sem hesitar primeiro. Se nos perguntamos por que alguns creem e outros não, a própria palavra de Jesus responde: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6,44). “Disse-vos que ninguém pode vir a mim se não lhe for concedido pelo Pai” (Jo 6,65). Isso não significa que o Pai limita seus dons, excluindo pessoas. O dom do Pai é feito a todos. Acontece, porém que alguns não o aceitam. Qual é o motivo dessa recusa? Jesus denuncia-o: as suas obras são más. “A luz veio ao mundo e os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras são más. Pois quem pratica o mal, odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas obras não sejam descobertas; mas quem pratica a verdade, aproxima-se da luz, para que apareçam suas obras, porque são feitas em Deus” (Jo 3,19-21). Os judeus não querem crer nele porque praticam as obras de seu pai, e seu pai é o demônio. Por isso, praticam obras do demônio, que “foi homicida desde o princípio” (Jo 8,44); eles também preparam a morte de Jesus. Concluímos: a fé procede da atração de Deus, mas a incredulidade vem da resistência da criatura humana por causa de suas más obras. ***** Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não caminhará nas trevas, mas terá a luz que conduz à vida”(Jo 8,3). Caminhar na luz, essa é a fé de São João. Para isso, é preciso reconhecer a luz de Jesus Cristo. Essa luz não é tão evidente que cada um seja forçado a vê-la. De fato, muitos não a enxergam. De que modo é, então, que a luz de Cristo brilha aos olhos das criaturas humanas? O Evangelho mostra-nos dois tipos de manifestação de Cristo às pessoas: os sinais e o testemunho da palavra. Examinemos cada uma dessas duas expressões e vejamos onde fica a luz. Vemos que as pessoas daquele tempo foram particularmente atraídas pelos sinais: queriam ver resultados concretos e julgar pela força dos sinais visíveis. Será que as pessoas de hoje são tão diferentes? Hoje em dia, também as pessoas querem suspender o julgamento até repararem nos sinais, isto é, nos resultados concretos da pregação de Cristo. Querem julgá-lo pela eficiência. A única diferença é que mudou a concepção da eficiência. Os antigos não conheciam, ou conheciam pouco os mecanismos da natureza e da sociedade; consideravam-nos inertes e passivos. 39

Esperavam estímulos externos sob a forma de milagres. Contavam com intervenções sobrenaturais para pôr em andamento as realidades materiais. Mas o que se queria, finalmente, eram resultados materiais, práticos. As pessoas de hoje conhecem muito melhor as forças e os segredos da natureza e da sociedade; não acham tão necessários os milagres, nem mudam a vida por causa dos milagres. Mas há um milagre que seria mais significativo. Seria ver que os discípulos de Cristo estão de fato transformando o mundo, ou uma parte do mundo. Realmente, não faltam discípulos de Jesus que mostram na sua vida a força da fé em Cristo, e esse testemunho de fato desperta a fé de outros. Acreditam porque podem ver a força de Cristo na vida de uma pessoa. O que se espera de uma mensagem de salvação é que manifeste sua capacidade de despertar as pessoas e levá-las a somar esforços numa obra eficaz. Querem julgar o cristianismo pela sua capacidade de despertar e mover as energias humanas a serviço do advento do reino de Deus. Ora, Jesus não nega o valor dos sinais. Pretende ser eficaz desde já. Mas não pretende dar sinais conforme os planos dos seres humanos representados pelos judeus seus contemporâneos. Os caminhos da eficiência do cristianismo permanecem profundamente enigmáticos e paradoxais. Os chefes religiosos de Israel não entendem os sinais e procuram outros. A eficiência é sempre parcial, e os sinais são sempre ambíguos e insuficientes. Jesus deu sinais, mas os seus sinais não foram suficientes para despertar a fé em todos. Alguns descobrem o que está acontecendo nos sinais, isto é, o advento do reino de Deus, e outros não entendem. Observamos isso no episódio da multiplicação dos pães. “Vendo o milagre que Jesus fizera, aqueles homens exclamaram: Verdadeiramente, é este o profeta, o que deve vir ao mundo. Jesus, porém, percebendo que viriam para tomá-lo e proclamá-lo rei, retirou-se de novo ao monte, sozinho” (Jo 6,14-15). Esperavam um rei que lhes desse o pão todos os dias. Entusiasmados pelo sinal, as pessoas então acharam que o paraíso terrestre estava chegando. Mas Jesus se nega a instalar esse paraíso: não é essa sua missão. Logo depois, as mesmas pessoas vêm pedir mais sinais. O sinal dado por Jesus não é suficiente: para os judeus, devia ser apenas o primeiro de uma série que só terminaria com a instalação do paraíso terrestre. Perguntam-lhe: “Que milagre vais fazer para que vejamos e creiamos? Que podes fazer?” (Jo 6,30). Nessas condições, a fé não se baseia nos sinais. Quem submete a fé ao critério dos sinais não chega à fé. Jesus pede um salto de confiança. Por isso, no caminho da fé, os sinais são ambíguos. Podem encaminhar para ela, mas somente com a condição de serem meios e de que não se permaneça preso neles. Se não for assim, os sinais acabam sendo motivos de escândalo. Nicodemos ficou impressionado pelos sinais (Jo 3,2), mas não chegou à conclusão, por não saber dar o salto indispensável. A samaritana ficou impressionada pelos sinais, mas também não foi capaz de ir além dos sinais, entregando-se à palavra de Cristo. Quanto aos fariseus, são João nos diz que quiseram matar a Jesus precisamente por causa dos milagres que fazia (Jo 11,47). Outros, porém, percebem a realidade por meio dos sinais e chegam assim ao verdadeiro conhecimento de Jesus. Os sinais são caminho da fé, com a condição de 40

que se saiba perceber, além do efeito visível, a revelação da luz. Jesus não aceita que as pessoas se entreguem a ele dentro dos limites dos sinais que podem observar. Quer uma adesão não ao sinal, mas à pessoa que fez os sinais. O sinal pede uma adesão incondicional, que não é capaz de justificar por si só. Jesus não aceita uma fé baseada na contestação de sua eficiência. Quer primeiro a fé para depois manifestar sua eficiência, segundo os caminhos determinados por Deus. Assim foi que “Jesus iniciou, em Caná da Galileia, os sinais e revelou sua glória, e seus discípulos creram nele”. O evangelista pretende aqui mostrar a diferença de comportamento entre os discípulos e aqueles que não alcançam o estado de discípulo (Jo 2,11). Também os samaritanos representam a atitude de fé, ao dizerem à mulher: “Já não cremos apenas pelo que disseste. Nós mesmos ouvimos e sabemos que ele é verdadeiramente o salvador do mundo” (Jo 4,42). O caso de Marta e de Maria, irmãs de Lázaro, é mais claro ainda. Jesus pede a fé antes de realizar o sinal: “Eu sou a ressurreição e a vida... Crês nisso?” (Jo 11,25-26). Finalmente, Jesus disse a Tomé: “Bem-aventurados os que acreditam sem ter visto” (Jo 20,29). João termina a primeira parte de seu Evangelho fazendo notar que, “apesar de ter feito tantos milagres à sua vista, não creram nele” (Jo 12,37). Em compensação, o mesmo evangelista termina a segunda e última parte de seu livro escrevendo: “Fez ainda Jesus, na presença dos discípulos, muitos outros sinais, que não se acham descritos neste livro. Estes o foram para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, acreditando, tenhais a vida no seu nome” (Jo 20,30-31). ***** A manifestação decisiva da luz, que é Jesus Cristo, acontece através da palavra. A palavra coloca as criaturas diante da opção definitiva. Jesus manifesta-se a tal ponto na sua palavra que o Evangelho lhe atribui o nome de “Palavra” . “Em verdade, em verdade vos digo: quem escuta minha palavra, e acredita n’Aquele que me enviou, tem a vida eterna e não será julgado, mas passou da morte à vida” (Jo 5,24). “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,31-32). “Se alguém guardar minha palavra, não morrerá jamais” (Jo 8,51). De fato, a palavra é a prova decisiva. Jesus faz de sua palavra uma força de vida invencível. Eis o escândalo que os fariseus não podem tolerar: “Agora estamos seguros de que estás possesso do demônio. Abraão e os profetas morreram e tu dizes: Se alguém guardar minha palavra, não morrerá jamais. Acaso és maior que Abraão, nosso pai, o qual morreu, e maior que os profetas, os quais também morreram? Quem pretendes ser?” (Jo 8,52-53). Por outro lado, por causa da mesma palavra, muitos chegam à fé. “Após ter falado isso, muitos creram nele” (Jo 8,30). O Evangelho de João consta de uma série de discursos. Podemos ver neles os paradigmas dessa “palavra” de Cristo dirigida às pessoas de todas as gerações e 41

apelando para a fé de todos. De certo modo, João concentra toda a atividade de Cristo numa série de sinais e numa série de discursos. Mostra-nos, assim, o que Cristo é para sempre neste mundo: eficiência parcial e limitada, ambígua nos seus efeitos e palavra soberana e decisiva. A palavra de Cristo é dotada de autoridade total. Jesus não demonstra suas afirmações, nem dá razões para a adesão de fé. Ele afirma com a autoridade de quem exige a aceitação incondicional de tudo quanto poderá dizer. Declara-se única pessoa competente para julgar a verdade de suas declarações; recusa o valor dos critérios que as criaturas poderiam opor-lhe. Em outras palavras: Jesus dá testemunho, e pede que seu testemunho seja aceito por ser dele. Os judeus permanecem fiéis a seus critérios, ao declararem: “Tu testemunhas de ti mesmo; logo, o teu testemunho não é verdadeiro”. Jesus contestou: “Embora eu dê testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro” (Jo 8,13). Na realidade, a afirmação de Jesus é soberana, porque Deus fala pelas palavras de seu Filho. “O meu julgamento é verdadeiro, porque eu não sou só, mas eu e Aquele que me enviou... Eu dou testemunho de mim mesmo e também dá testemunho de mim o que me enviou, o Pai” (Jo 8,16-18). “O Pai, que me enviou, dá testemunho de mim” (Jo 5,37). “Nada faço por mim mesmo; mas como o Pai me ensinou, assim falo” (Jo 8,28). “Aquele que é de Deus ouve as palavras de Deus; se vós não me ouvis é porque não sois de Deus” (Jo 8,47). A fé consiste justamente em ouvir as palavras do Pai nos acentos de Cristo: perceber que o Pai se manifesta quando Jesus fala. Como é possível chegar a tal percepção? Somente, é claro, pela atração do Pai que estabelece uma forma de percepção superior aos modos comuns de experimentar e de sentir. Quem não crê, julga as palavras de Jesus com os mesmos argumentos que servem para apreciar filosofias ou sabedorias humanas. A fé mostra que há aqui algo que ultrapassa as filosofias e as sabedorias: está presente a soberana autoridade de Deus. Aliás, o testemunho de Deus não permaneceu sem manifestação sensível: o Antigo Testamento inteiro argumenta a favor de Cristo. Quem sabe perscrutar as Escrituras percebe que tudo nelas se refere a Jesus e confirma seus dizeres. “Perscrutais as Escrituras, pensando ter nelas a vida eterna; ora, elas também dão testemunho de mim” (Jo 5,39). “Vosso acusador será Moisés, em quem confiais. Porque, se acreditásseis em Moisés, acreditaríeis também em mim, pois foi sobre mim que ele escreveu” (Jo 5,45-46). Das declarações anteriores, podemos concluir que o caminho da fé é a escuta da Palavra de Cristo. Resta examinar qual é o conteúdo dessa Palavra. ***** Ora, o Evangelho de João salienta com particular evidência que Jesus fala somente de si mesmo. O assunto central e praticamente único de seus discursos é sua própria pessoa. Jesus dá testemunho de si mesmo: afirma o que é. Todos os discursos tendem para uma única finalidade: dar-se a conhecer ao mundo, revelar o que é. Por isso, o ato que se espera como resposta aos discursos de testemunho chama-se 42

ver ou conhecer. O ato de fé chega assim a uma simplificação extrema. Trata-se apenas de conhecer verdadeiramente a Jesus Cristo. Todo o resto, todos os atos de conhecimento ou de vontade que os analistas poderão distinguir no ato de fé serão apenas aspectos abstratos de um ato concreto simples: ver a Jesus, ver o que ele é, confiando na sua Palavra. Jesus diz: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6,35); “eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12); “eu sou a porta” (Jo 10,7); “eu sou o bom pastor” (Jo 10,11-14); “eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25); “eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1). Finalmente, em presença de Pilatos, representante do Império romano e de todos os poderes deste mundo, Jesus declara solenemente: “Eu sou rei. Nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo o que é da verdade ouve minha voz” (Jo 18,37). Jesus bem sabe que as pessoas procuram submetê-lo ao exame de suas próprias razões. Bem sabe que as pessoas poderão cair na tentação de julgá-lo pelo que aparece aos olhos materiais. Daí essa missão de revelar aos ouvintes o que ele é verdadeiramente. Pois somente ele sabe revelar o que é. Constatamos que as definições que Jesus dá de si mesmo enumeram todos os bens messiânicos, isto é, os objetos da esperança última da humanidade, tais como foram anunciados pelos profetas e pelo Antigo Testamento de modo geral. Jesus diz: “Em mim se reúnem todos os bens da humanidade, eu sou a esperança dos homens, eu sou aquele que foi anunciado desde sempre”. Os Evangelhos Sinóticos anunciavam ainda a mensagem de esperança nos termos do Antigo Testamento: falavam em reino de Deus. Agora sabemos que o reino de Deus não é outra coisa senão um relacionamento com Jesus Cristo. Conhecer a Jesus é descobrir que ele é o desígnio de Deus, é o reino de Deus. Quem aceita conhecê-lo assim será assumido nele, receberá dele vida e luz, alimento e sustento espirituais, entrará com ele no reino de Deus. É claro que não se trata apenas de um conhecimento racional. Esse conhecer é um conhecer do coração, um ato da pessoa inteira que se apresenta e se oferece ao Cristo real, ao Cristo de verdade. Se fosse um movimento natural de simpatia ou de amor, não se chegaria a essa vida. Mas, no caso da fé, o oferecimento da pessoa dirige-se ao Cristo verdadeiro, reconhecido além das aparências sensíveis. Assim fizeram Pedro e o cego de nascença, e Tomé e Marta. João destaca também de modo particular a transcendência do ato da fé. Pela fé entramos numa vida de amor. Onde está o amor, já está presente a fé em Cristo, ainda que a pessoa não conheça esse nome. O Novo Testamento revela-nos que a plenitude do Espírito será dada na plenitude somente na nova Jerusalém e que até lá somente temos acesso ao amor pela fé. Ainda não fomos transformados completamente no amor. Não somos amor. Ao contrário, como diz João, “se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8). A verdade é que por nós mesmos não somos amor, “porque Deus é amor”. Precisamos entender essa palavra como uma declaração restritiva: somente Deus é amor, e todo amor, na ordem atual das coisas, procede dele. Pois “nisso consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado primeiro e 43

enviado seu Filho para expiar os nossos pecados” (1Jo 4,10). Por isso mesmo, durante a fase de nossa existência histórica, o amor nos é dado de modo perigoso e precário. Nada falta da parte da iniciativa do dom de Deus. O que nos falta é a garantia da nossa própria receptividade. Temos acesso ao amor pela fé em Jesus Cristo. A fé é a porta de entrada e a única entrada para o amor. Essa é a mensagem de João, ou, antes, a mensagem de Jesus na sua expressão última. Uma conversão dos olhos e do coração constitui o acesso à realidade de Deus, em quem estão todos os bens. Olhemos para Jesus e encontraremos nele o amor que é nossa esperança. ***** Somente falta agora compreendermos por que o acesso a Jesus pela fé constitui também o acesso a Deus e ao amor. Numa palavra, Jesus revela esse mistério dizendo: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Em primeiro lugar, precisamos compreender que conhecer a Jesus é também conhecer ao Pai. Ninguém afirma com maior ênfase do que João que Deus permanece fora de nosso alcance. Por nós mesmos, não podemos atingir o conhecimento do Pai. Nesse sentido, Deus está ausente deste mundo. Podemos dar a volta completa das realidades deste mundo sem conhecer o verdadeiro Deus. Somente em Jesus é que se chega a conhecer o Pai. “Ninguém jamais viu a Deus. O Filho único que está no seio do Pai foi quem o revelou” (Jo 1,18). Porém, se é certo que não temos acesso ao Pai por meio das criaturas que constituem o mundo de nossa experiência, é igualmente certo que recebemos a plena revelação dele em Cristo. Conhecer a Jesus e conhecer o Pai não são dois atos distintos. Pois Cristo não existe sem o Pai, nem pode ser realmente conhecido sem que se conheça ao mesmo tempo o Pai. “Senhor, disse-lhe Filipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta. Respondeu Jesus: – Há tanto tempo que estou convosco e tu não me conheceste, Filipe. Quem me vê, vê também o Pai. Como, pois, dizes: – Mostra-nos o Pai? Não credes que estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14,9-10). Disseram que esse texto estava destinado a ter no século XX o mesmo destino que foi reservado a Rm 1,17, no tempo da reforma protestante. Seria a revelação crucial dos nossos tempos. O homem moderno experimentaria mais do que nunca a impossibilidade de conhecer a Deus e seria particularmente sensível a essa prova experimental que foi a encarnação do Filho de Deus em Jesus de Nazaré. Seja como for, sem dúvida, Jesus repetiu muitas vezes a afirmação da unicidade do caminho para ele e para o Pai. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém chega ao Pai senão por mim. Se me conhecêsseis, também conheceríeis meu Pai com toda certeza” (Jo 14,6-7). Em outra ocasião, Jesus disse também: “Aquele que crê em mim crê não em mim, mas naquele que me enviou, e aquele que me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,44-45). Por isso, a pessoa que se oferece espiritualmente a Cristo na fé se oferece ao 44

mesmo tempo ao Pai. O ato de fé permite o contato com o Pai. Em segundo lugar, a união do Pai e do Filho é tão íntima que o Pai entregou toda a sua obra ao Filho. Tudo aquilo que o Filho realiza é obra do Pai, e o Pai nada faz senão pela mediação do Filho. “O Pai entregou todo o julgamento ao Filho” (Jo 5,22). “Em verdade, em verdade vos digo, o Filho não pode fazer nada por sua própria conta; ele faz apenas o que vê o Pai fazer. O que o Pai faz, o Filho também faz” (Jo 5,19). Jesus faz as obras do Pai. Por isso mesmo, as palavras que ele pronuncia são as próprias palavras do Pai: “Em verdade, não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele mesmo me prescreveu o que devo dizer e o que devo ensinar” (Jo 12,49). O ato de fé supõe, de certa maneira, não se dirigir somente para as palavras de Cristo, e supõe que essas palavras são do Pai: quem tem fé ouve as próprias palavras do Pai proferidas por Cristo: ele sabe que, lendo ou ouvindo na fé as palavras do Evangelho, ele ouve as palavras do Pai, a mensagem de Deus ao mundo. Pela fé, os discípulos compartilham do próprio conhecimento que o Filho tem do Pai. Sua inteligência é assumida no próprio saber eterno do Filho de Deus. O dom lhes é dado de ver a Deus, assim como o próprio Filho vê o Pai, ainda que seja aqui no meio da escuridão. Pois o que ele vê é realmente o Pai. Evidentemente, tal conhecimento permanece sempre misterioso. Não nos será possível, no meio deste mundo da percepção sensível, perceber com a mesma intensidade as coisas de Deus. Trata-se de um conhecimento sem formas sensíveis ou materiais. Nunca teremos uma representação sensível ou intelectual de Deus. Os conceitos que a Bíblia nos propõe são apenas caminho, mas não são nenhuma representação propriamente dita.

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6 - “O ESPÍRITO VOS CONDUZIRÁ - À VERDADE COMPLETA”

O papel do Espírito Santo é o mais desconhecido de todos os aspectos do mistério da fé. No entanto, trata-se de um elemento fundamental e digno de merecer muita atenção principalmente em nossos tempos. Os textos não são numerosos, mas situados no discurso após a ceia; representam um documento-chave para quem quiser compreender a fé da Igreja. Sem dúvida, a fé que manifestaram os discípulos durante a pregação histórica de Jesus tem valor de paradigma também para a Igreja. Contudo, entre a situação dos discípulos antes e depois da ressurreição, há uma diferença notável: a novidade da situação que se segue à ressurreição, foi justamente anunciada e explicada por Jesus no discurso após a ceia. No que se refere à fé, a novidade consiste na intervenção do Espírito. Para expressar a primeira função do Espírito, Jesus usa as palavras lembrar, recordar. “O advogado, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos conduzirá à verdade completa e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14,26); “quando vier o Advogado, o Espírito da verdade, vos ensinará toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir e vos anunciará as coisas que virão. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará” (Jo 16,13-14). Dessas palavras podemos entender que Jesus usou dois modos de falar: o primeiro foi o modo humano natural que usou estando nesta terra visivelmente; o outro é o modo atual. Ora, atualmente Jesus fala por meio do Espírito. O conteúdo da mensagem de Jesus é o mesmo em ambos os casos: por isso, Jesus usa a palavra recordar. Mas, apesar do conteúdo idêntico, há uma diferença notável entre o modo de ensinar na Palestina e o modo de ensinar pelo Espírito. Jesus diz claramente que o Espírito ensinará os discípulos: quer dizer que o Espírito não se contentará em trazer-lhes de novo à memória o que Jesus lhes dissera estando com eles. Ele lhes ensinará o que Jesus lhes dissera. Como podemos interpretar isso? Para interpretarmos a diferença entre os dois modos de ensinar – falando e recordando –, não existe outro caminho a não ser o de compreendermos a diferença de situação antes e depois da ressurreição. Por que lembrar o que Jesus disse? Está claro que o papel do Espírito não se reduz ao de simples auxiliar da memória. O Espírito não intervém porque os discípulos teriam dificuldades de memória. A dificuldade não consiste em guardar a materialidade dos fatos ou das palavras. O problema é que, para nós e para todos os discípulos de sempre, é difícil viver os ensinamento de Jesus. Pela situação em que nascemos, situação de pecado e de ausência de Deus, é difícil vivermos lembrando-nos de Jesus Cristo. Somos continuamente distraídos. O mundo ocupa-nos totalmente a atenção. A vida não nos leva espontaneamente a reservar um lugar para Cristo. Pelo contrário, se seguirmos os processos naturais, seremos inclinados a preencher a tal ponto a nossa vida com as criaturas, que não sobrará tempo para levar em conta as palavras de Cristo. Aqui entra o Espírito. Sua missão consiste em fazer irrupção na vida das criaturas humanas e tornar presentes as palavras de Cristo. Não lhe compete vencer as falhas de memória e sim as falhas de desejo, de vontade e de inteligência espiritual. O Espírito tem o papel de vencer a resistência que o homem velho opõe ao homem novo. Pois a fé é vitória sobre a inclinação do ser humano para o desconhecimento de 46

Deus. Lembrar a palavra de Cristo é vencer o estado de distração em relação às coisas de Deus, distração em que permanecemos por tendência espontânea. Nessas condições, as palavras de Cristo aparecem em circunstâncias concretas da vida humana. O Espírito não lembra as palavras de Cristo em forma de catecismo. O seu papel consiste em lançar numa circunstância determinada da vida do ser humano a palavra que a ilumina e faz dela uma provocação. Não adiantaria recordar doutrinas sem relação com a circunstância concreta: tal conhecimento permaneceria exterior ao verdadeiro pensamento da pessoa. Pois a revelação de Deus não se dirige ao intelecto científico e sim à sabedoria prática. As palavras de Cristo pretendem orientar a conduta humana no seu princípio mais profundo, no coração da pessoa. Desse modo, o Espírito atualiza as palavras de Cristo, revelando-lhes o alcance nas diversas situações da existência humana. Para isso, não bastava a palavra pronunciada na Galileia, nem sequer a palavra escrita no Novo Testamento. O que Jesus disse outrora tem valor para todas as pessoas de todos os tempos. Mas é preciso saber interpretá-lo, entender-lhe o significado nessa diversidade imensa de situações humanas. A aplicação pertence ao Espírito. Não seríamos capazes de descobrir pela inteligência natural esse alcance das palavras de Cristo, mesmo se estivéssemos com vontade sincera de descobri-lo. De certa maneira, podemos dizer que a formação espiritual consiste justamente em saber interpretar as palavras de Jesus quanto às exigências que encerram nos casos práticos. A experiência mostra quantas deformações são possíveis e quantas loucuras foram propostas como interpretações das palavras de Cristo no decorrer dos séculos. A expressão formação espiritual convém perfeitamente no caso, já que se trata de ser formado pelo Espírito na inteligência verdadeira dos ensinamentos de Jesus, inteligência tão diversa que as mesmas palavras podem inspirar inúmeras condutas diferentes, de acordo com as circunstâncias. Os ensinamentos do Espírito nos levarão ao conhecimento da verdade total, completa. De fato, as palavras do Evangelho, por definitivas que sejam, precisam de um complemento: a aplicação na vida prática. Fora da aplicação prática, elas ficam inertes, como tinta sobre o papel. Aliás, se não fosse assim, com a interpretação do Espírito, elas ficariam sem efeito fora da civilização em que nasceram, a civilização da Palestina do primeiro século. Se as palavras de Jesus têm valor universal, é porque sua aplicação concreta é inspirada pelo Espírito em cada situação humana. O Espírito Santo fornece o complemento, dando às palavras o que lhes faltava de determinação. Que significam as bem-aventuranças, o discurso da montanha, as parábolas, o apelo para a pobreza, a humildade no século XXI? Jesus não nos deu a explicação e os Evangelhos foram escritos para pessoas do seu tempo. Será tarefa do Espírito dar-nos essa aplicação na nossa vida. Sem dúvida, o Espírito procede de modo muito distinto daquele usado por Jesus na Galileia. Não percebemos sensivelmente a presença do Espírito de Jesus. Não podemos chegar à evidência de suas interpretações. Precisamos invocá-lo permanentemente. Precisamos também aprender o conhecimento do Espírito, de seus modos de atuar. Se o livro do Filho é o Novo Testamento, podemos dizer que o livro do Espírito Santo é a história da Igreja. O Espírito não escreveu por meio de letras nem de livros: 47

escreveu pela vida dos santos, isto é, dos cristãos. O livro da Igreja mostra-nos como age o Espírito, de que modo ilumina os seus fiéis. A arte de interpretar os ensinamentos do Espírito, podemos aprendê-la até certo ponto pelo passado de suas operações. Contudo, é uma ciência que cada um precisa aprender também pela experiência da própria vida e dos caminhos que o Espírito seguiu em cada um e cada uma de nós. Finalmente, nenhuma ciência dispensa a atenção atual nem a obediência aos seus imperativos. ***** Os textos que acabamos de examinar atribuem ainda ao Espírito a missão de anunciar as coisas que virão. Essa missão foi, por excelência, a de Cristo. Jesus anunciou o advento do reino de Deus. Anunciou-o não tal como os judeus o esperavam, mas tal como ele o conhecia por revelação do Pai. Assim também os discípulos vão anunciar o reino de Deus, o mesmo reino de Jesus Cristo. Os discípulos vivem num mundo que espera apenas o desenvolvimento dos fatores naturais. A esperança dos pagãos não vai além do visível e do material e limita-se aos processos naturais. A esperança do judaísmo é a da instalação de um paraíso terrestre por graça de Deus. Querem-no sem o escândalo da cruz e sem o mistério do crescimento do reino tal como aparece nas parábolas de Jesus. Diante de tais filosofias da história, os cristãos anunciam o verdadeiro reino de Deus no meio dos acontecimentos humanos. Proclamam que o reino de Deus vem e se realiza. Incomodam assim os pagãos, anunciando a interferência do fator Deus que não interessa ao homem velho. Os cristãos refutam também as falsas esperanças de uma escatologia judaica. O discípulo de Cristo procura e proclama a verdadeira interpretação da história e procura reconhecer na história os sinais da marcha do reino de Deus, anunciando o desenvolvimento desse reino. Assim é que o cristão anuncia o que há de vir. Ora, anunciar assim a irrupção contínua do reino de Deus no meio da história não é do alcance da criatura humana abandonada a si mesma. O Espírito é quem inspira essa conduta. O Espírito faz com que os cristãos não se prendam ao imediato dos acontecimentos e saibam confiar em Deus que utiliza as circunstâncias e a história para estabelecer seu reino. Claro que não se trata de anunciar milagres históricos. Não acreditamos mais na intervenção milagrosa de Deus nas batalhas e nas guerras. Deus não tem necessidade de modificar o decorrer da história para orientar o mundo no sentido da redenção. Deus sabe usar as circunstâncias para encaminhar o seu reino até o advento final de seu Filho. É justamente esse testemunho de confiança que os discípulos darão no meio da agitação da história: anunciarão o advento do reino de Deus. No fundo, aqui também o Espírito aplica as profecias de Cristo às circunstâncias particulares. Não adianta aceitar teoricamente os ensinamentos de Jesus sobre o reino de Deus, se o cristão não for capaz de tomar em meio aos acontecimentos cotidianos uma atitude coerente com a mensagem do reino. Após o Concílio, aparece cada vez mais claramente que o problema da Igreja de hoje não é mais o da definição correta da doutrina bíblica. O problema fundamental é 48

o do significado real e prático desses ensinamentos de Cristo para o mundo atual. Como transmitir e divulgar a mensagem cristã? O que significa ser cristão no mundo atual? Percebemos hoje que nos últimos séculos permanecemos muito apegados à letra do Evangelho, organizando o culto do Evangelho, mas sem definir nem intuir o alcance prático desse Evangelho na vida das pessoas, na vida da humanidade. A própria teologia atingiu a perfeição na arte de definir corretamente a letra da revelação, mas ficou calada quando se tratava de definir a aplicação prática dessa letra no contexto da vida atual. A doutrina é formalmente perfeita, mas sem vida. Isso quer dizer que conhecemos bem o Cristo segundo a carne, mas desconhecemos o Cristo segundo o Espírito: resultado da indiferença do povo cristão em relação ao Espírito. O problema da Igreja de hoje é o da obediência ao Espírito. Problema fundamental para a fé. A fé não consiste em aceitar a letra morta do Evangelho, e sim a palavra viva, tal como é aplicada e interpretada pelo Espírito. Certas formas de teologia ou de catequese podem se afastar da fé verdadeira concentrando toda a atenção na letra. A mente humana pode entusiasmar-se pela letra sem chegar ao significado real revelado pelo Espírito. Na realidade, tal entusiasmo afasta da fé verdadeira. Por isso, também, muitas vezes não é preciso chegar a um conhecimento muito extenso da letra do Evangelho. Um conhecimento mais reduzido, porém mais espiritual, vale muito mais que um conhecimento extensivo e material. A Igreja nunca perdeu a consciência da presença do Espírito e da interpretação espiritual do Evangelho. Mas já houve formas institucionais que impediram muito mais do que ajudaram a interpretação espiritual. Foi o caso da teologia que tivemos até há poucas décadas atrás. A consequência foi que os verdadeiros espirituais se afastaram da teologia. Na formação espiritual, ensinava-se que um verdadeiro espiritual deve estudar o menos possível a teologia, porque a teologia afasta do senso de Deus. O que aconteceu com a teologia foi o caso também de outras instituições. Assim, o problema fundamental moderno, como salientou o Concílio, é o da aplicação na realidade de uma letra que muitas vezes permanece desencarnada. Não há problema de formulação da fé. Há problema de realismo ou de verdade da fé. Daí a necessidade de se destacar o papel do Espírito Santo. ***** O Espírito Santo assistirá também os discípulos na proclamação de sua fé. O Evangelho de João apresenta a missão de Jesus como o testemunho pronunciado em meio a um mundo permeado pela incredulidade. Jesus veio ao mundo para ser julgado e condenado por ele. Mas o testemunho que pronunciou diante da humanidade toda venceu a incredulidade das pessoas. Jesus venceu apesar da condenação pelas autoridades, e seu testemunho triunfou. Esse testemunho é a totalidade de sua pregação pela palavra e pelos sinais. Cabe aos cristãos continuar e atualizar, isto é, tornar atual e presente o testemunho de Cristo. O debate continua. Podemos dizer que o debate iniciado pela vida temporal de Cristo atinge somente suas verdadeiras dimensões no momento em que os 49

discípulos enfrentam as nações e as civilizações deste mundo. Ora, na hora do testemunho, não basta pronunciar materialmente as palavras do Evangelho. Espera-se dos cristãos que pronunciem o verdadeiro testemunho, a palavra que torna Cristo presente às pessoas, uma palavra real, viva, aplicada. Esperase deles que enfrentem as resistências do mundo. Pois o testemunho não é nem desejado, nem aceito senão pelos que aceitam a graça de Deus. Sempre o testemunho é luta e combate. O testemunho é fruto do Espírito e não de uma decisão ou de uma vontade pessoal. “Quando vier o Advogado que vos enviarei da parte do Pai. O Espírito da verdade, o qual procede do Pai, dará testemunho de mim” (Jo 15,26). O conteúdo do testemunho é igual ao do próprio Cristo, evidentemente: “Quando ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo; a respeito do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para junto de meu Pai e vós já não me vereis; do juízo, porque o príncipe do mundo já foi julgado” (Jo 16,811). Jesus revela pela sua palavra o pecado de incredulidade em que se encontra a humanidade; revela o julgamento de Deus: o pecado já está vencido; revela também o caminho da vitória da luz e da fé: a vitória se acha escondida no Cristo ressuscitado, mas triunfa pelo próprio testemunho dos apóstolos. A finalidade do testemunho dos discípulos é mostrar a vitória de Cristo no debate entre a vida e a morte, entre a luz e as trevas, entre a fé a incredulidade. Cabe aos cristãos repetir e tornar atual esse testemunho que revela ao mundo o drama no qual está mergulhado desde as origens. O próprio testemunho é elemento essencial no debate e na vitória: o Espírito está presente tanto para expressar o testemunho como para inspirá-lo de modo atual e vivo. O Espírito realiza assim a vitória de Cristo no decorrer dos séculos. Esse testemunho é o que se chama hoje evangelização. O que está em jogo é a presença da palavra viva e eficiente de Jesus Cristo na história da humanidade para aí realizar a sua missão. A evangelização não poderá ser dirigida por iniciativas meramente humanas. Não pode ser planejada como uma ação econômica ou cultural. O desafio da evangelização ultrapassa sempre os poderes da capacidade humana. Humanamente falando, a causa de Cristo encontra-se sempre num estado desesperador. Aliás, a história confirma isso. As situações da história da Igreja apareceram por diversas vezes desesperadoras e sem saída visível aos olhos dos bons observadores. Ora, quando os responsáveis humanos já não encontram mais saída, o Espírito abre novos caminhos e lança os discípulos para as novas veredas preparadas por Deus em meio ao tecido da história. O Espírito não precisará fazer revelações milagrosas. Bastará que ilumine a mente dos discípulos para que possam enxergar as circunstâncias e compreender o alcance das palavras proféticas da Bíblia à luz dessas mesmas circunstâncias. O Espírito mostrará onde se encontra o pecado e quais são suas manifestações numa civilização determinada e dentro de contextos históricos determinados. O mesmo Espírito recordará aos discípulos o julgamento de Deus e lhes dirá as palavras que é preciso proferir para anunciar esse julgamento de forma compreensível em cada cultura. O Espírito anunciará ainda o mistério da ressurreição de Jesus Cristo como 50

iluminação das situações históricas, de tal modo que por ele sejam atraídas as pessoas de boa vontade que o Pai predestinou entre o número dos eleitos. Esse trabalho do Espírito não se estuda nos livros. Não é possível enunciá-lo de modo fixo. É preciso procurá-lo permanentemente com vigilância, receptividade e verdadeira obediência. Definir os rumos da missão da Igreja numa situação determinada é obra espiritual, isto é, obra do Espírito Santo, assumida e recebida com fidelidade e numa disposição de acolhida. Pois o Espírito sempre nos leva a rever nossos modos de julgar e de agir. Ter fé é saber interpretar as situações da vida individual e social dentro da marcha do reino de Deus à luz da revelação de Cristo sobre esse Reino. Arte difícil e perigosa. Obra de prudência verdadeira que nos faz desconfiar, criticar as interpretações recebidas e conformistas, deixar as trilhas do passado que não servem mais e permanecer sempre disponíveis para novas orientações. A fé verdadeira não é passiva, mas dinâmica. Não temos a fé de modo estável e garantido. De modo estável e garantido, podemos guardar fórmulas e confissões literais, mas a fé verdadeira precisa renovar o conteúdo das fórmulas: esta é a obra do Espírito. ***** Um episódio ilustra perfeitamente o papel da profecia na vida do cristão: é o anúncio feito a Pedro no fim do Evangelho de João: “Em verdade, em verdade, te digo, quando eras jovem, cingias-te a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, outro te cingirá e te levará para onde não quiseres” (Jo 21,18). Para resumir essas meditações sobre a fé, não haverá melhor fórmula do que a doxologia final da Carta aos Romanos: “Àquele que detém o poder de fortalecer-vos para que persevereis, segundo o Evangelho que anuncio, pregando Jesus Cristo, isto é, o mistério escondido durante séculos e agora manifestado de acordo com as Escrituras proféticas, conforme a ordenação do Deus eterno levado ao conhecimento de todas as nações a fim de levá-las à obediência da fé, ao Deus único e sábio sejam dadas por Jesus Cristo honra e glória por toda a eternidade. Amém” (Rm 16,26-27).

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Coleção ESPIRITUALIDADE BÍBLICA • A liberdade cristã, José Comblin • Jesus, enviado do Pai, José Comblin • O Espírito Santo no mundo, José Comblin • A oração de Jesus, José Comblin • A fé no Evangelho, José Comblin

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Direção editorial: Zolferino Tonon Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão: André Tadashi Odashima Thiago Augusto Dias de Oliveira Capa: Marcelo Campanhã Coordenação de desenvolvimento digital: Erivaldo Dantas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Comblin, José A fé no Evangelho: meditações bíblicas / José Comblin. – São Paulo: Paulus, 2012. – (Coleção espiritualidade bíblica) 1. Bíblia. N.T. Evangelhos - Meditações 2. Fé 3. Mistério I. Título. II. Série. 10-05411 CDD-230 Índices para catálogo sistemático: 1. Mistério da fé : Teologia cristã 230

© PAULUS – 2013 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • [email protected] ISBN 978-85-349-3422-0

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Scivias de Bingen, Hildegarda 9788534946025 776 páginas Compre agora e leia Scivias, a obra religiosa mais importante da santa e doutora da Igreja Hildegarda de Bingen, compõe-se de vinte e seis visões, que são primeiramente escritas de maneira literal, tal como ela as teve, sendo, a seguir, explicadas exegeticamente. Alguns dos tópicos presentes nas visões são a caridade de Cristo, a natureza do universo, o reino de Deus, a queda do ser humano, a santifi cação e o fi m do mundo. Ênfase especial é dada aos sacramentos do matrimônio e da eucaristia, em resposta à heresia cátara. Como grupo, as visões formam uma summa teológica da doutrina cristã. No fi nal de Scivias, encontram-se hinos de louvor e uma peça curta, provavelmente um rascunho primitivo de Ordo virtutum, a primeira obra de moral conhecida. Hildegarda é notável por ser capaz de unir "visão com doutrina, religião com ciência, júbilo carismático com indignação profética, e anseio por ordem social com a busca por justiça social". Este livro é especialmente significativo para historiadores e teólogas feministas. Elucida a vida das mulheres medievais, e é um exemplo impressionante de certa forma especial de espiritualidade cristã. Compre agora e leia

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Santa Gemma Galgani - Diário Galgani, Gemma 9788534945714 248 páginas Compre agora e leia Primeiro, ao vê-la, causou-me um pouco de medo; fiz de tudo para me assegurar de que era verdadeiramente a Mãe de Jesus: deu-me sinal para me orientar. Depois de um momento, fiquei toda contente; mas foi tamanha a comoção que me senti muito pequena diante dela, e tamanho o contentamento que não pude pronunciar palavra, senão dizer, repetidamente, o nome de 'Mãe'. [...] Enquanto juntas conversávamos, e me tinha sempre pela mão, deixou-me; eu não queria que fosse, estava quase chorando, e então me disse: 'Minha filha, agora basta; Jesus pede-lhe este sacrifício, por ora convém que a deixe'. A sua palavra deixou-me em paz; repousei tranquilamente: 'Pois bem, o sacrifício foi feito'. Deixou-me. Quem poderia descrever em detalhes quão bela, quão querida é a Mãe celeste? Não, certamente não existe comparação. Quando terei a felicidade de vê-la novamente? Compre agora e leia

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DOCAT Youcat, Fundação 9788534945059 320 páginas Compre agora e leia Dando continuidade ao projeto do YOUCAT, o presente livro apresenta a Doutrina Social da Igreja numa linguagem jovem. Esta obra conta ainda com prefácio do Papa Francisco, que manifesta o sonho de ter um milhão de jovens leitores da Doutrina Social da Igreja, convidando-os a ser Doutrina Social em movimento. Compre agora e leia

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Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição Pastoral Vv.Aa. 9788534945226 576 páginas Compre agora e leia A Bíblia Sagrada: Novo Testamento - Edição Pastoral oferece um texto acessível, principalmente às comunidades de base, círculos bíblicos, catequese e celebrações. Esta edição contém o Novo Testamento, com introdução para cada livro e notas explicativas, a proposta desta edição é renovar a vida cristã à luz da Palavra de Deus. Compre agora e leia

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A origem da Bíblia McDonald, Lee Martin 9788534936583 264 páginas Compre agora e leia Este é um grandioso trabalho que oferece respostas e explica os caminhos percorridos pela Bíblia até os dias atuais. Em estilo acessível, o autor descreve como a Bíblia cristã teve seu início, desenvolveu-se e por fim, se fixou. Lee Martin McDonald analisa textos desde a Bíblia hebraica até a literatura patrística. Compre agora e leia

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Índice ROSTO INTRODUÇÃO 1 - “CREDE NO EVANGELHO” 2 - “EU SOU O CAMINHO” 3 - “O JUSTO VIVERÁ DA FÉ” 4. - “CONHECER A CARIDADE DE CRISTO” 5. - “QUEM ME VIU, VIU O PAI” 6 - “O ESPÍRITO VOS CONDUZIRÁ - À VERDADE COMPLETA” COLEÇÃO CRÉDITOS

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