O Nomear e a Necessidade

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  • Introdução por Ricardo Santos. Tradução por Ricardo Santos e Teresa Filipe
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SAUL A. KRIPKE

O NOMEAR E A NECESSIDADE INTRODUÇÃO

RICARDO SANTOS

TRADUÇÃO

RICARDO SANTOS E TERESA FILIPE

gradiva



Título original Naming and Necessity © Saul Kripke, 1972, 1981 Obra originalmente publicada no volume: G. Harman e D. Davidson (eds.), Semantics of Natural Language, D. Reidel Publishing Co., Dordrecht e Boston, 1972. Edição revista e aumentada: Saul A. Kripke, Naming and Necessity, Blackwell Publishing Ltd, Oxford, 1980. Todos os direitos reservados. Tradução autorizada e feita a partir da edição original inglesa publicada por Blackwell Publishing Ltd. A qualidade da tradução é da responsabilidade de Gradiva Publicações, S. A. e não de Blackwell Publishing Ltd. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob qualquer forma sem a prévia autorização escrita do proprietário detentor dos direitos originais, Blackwell Publishing Ltd. Tradução Ricardo Santos e Teresa Filipe Introdução Ricardo Santos Revisão de texto Rui Augusto Capa Armando Lopes (arranjo gráfico) Fotocomposição Gradiva Impressão e acabamento Multitipo — Artes Gráficas, L.da Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21 - r/c esq. — 1399-041 Lisboa Telefs. 21 397 40 67/8 — Fax 21 395 34 71 [email protected] /www.gradiva.pt 1.* edição Novembro de 2012 Depósito legal 351 170/2012 ISBN 978-989-616-508-6 Colecção coordenada por AIRES ALMEIDA ( C e n t r o d e F il o s o f ia d a U n iv e r s id a d e d e L is b o a )

gradiva E d i t o r G u il h e r m e V

alen te

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Para a M argaret

s

Indice

Introdução à edição portuguesa..................................... P refácio............................................................................

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Primeira palestra..................................................................... 67 Segunda palestra..................................................................... 127 Terceira palestra...................................................................... 169 Adenda.............................................................................. 231 índice remissivo................................................................ 241

Introdução à edição portuguesa

Saul Kripke nasceu em Nova Iorque em 1940 e é um dos m ais criativos e influentes filósofos analíticos do nosso tempo. O Nomear e a Necessidade é a sua obra mais conhecida. Juntamente com o artigo «Identity and N ecessity»1 (uma apresentação m ais resum ida das m esmas ideias), trata-se da sua obra de estreia como filósofo. É baseada em três palestras que proferiu na U niversidade de Princeton em Janeiro de 1970. Kripke tinha então 29 anos e já firmara uma reputação como lógico brilhante, graças à publicação de trabalhos im­ portantes sobre lógica m odal, lógica intuicionista e teoria da recursão. 1 Originalmente publicado em Identity and Individuation, ed. por Milton K. Munitz, Nova Iorque: New York University Press, 1971, pp. 135-164. Reimpresso como Capítulo 1 em: Saul A. Kripke, Philosophical Troubles: Collected Papers, Volume I, Nova Iorque: Oxford University Press, 2011, pp. 1-26. Este artigo baseia-se numa palestra dada por Kripke na Universidade de Nova Iorque cerca de um mês depois das palestras de Princeton.

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Foi durante a sua adolescência, nos anos cinquenta, que Kripke se interessou pela lógica m odal — a lógica do necessário e do possível, que procura form alizar o raciocínio correcto acerca das relações entre a m aneira como as coisas são, a maneira como elas têm de ser e as diferentes maneiras como poderiam ser. Aos 18 anos, era estud ante de licenciatu ra na U niversidade de Harvard quando conseguiu a proeza de publicar, no prestigiado Journal o f Symbolic Logic, um artigo com uma demonstração de completude para a lógica modal. A época era ideal para um jovem talentoso alim entar um interesse por lógica modal: tratava-se de um ramo da lógica m atem ática m oderna que estava naquele preciso momento a desenvolver-se, acom panhado de uma discussão filosófica muito acesa acerca do possí­ vel uso ou das possíveis interpretações dos sistemas formais propostos. Os principais intervenientes eram Rudolf Carnap, W. V. Quine e Ruth Barcan Marcus. Carnap e Marcus foram os primeiros a publicar, nos anos 1946-47, sistemas axiom áticos de lógica modal quantificada (quer dizer, sistemas que com binavam a já bem conhecida lógica de predicados com a lógica modal proposicional de C. I. Lewis). E Carnap tentou recuperar a ideia leibniziana de conceber as verdades necessárias como verdades em todos os mundos possí­ veis, para lançar as bases de uma semântica formal para esta nova lógica. M as Q u ine, p rofesso r em Harvard, era muito crítico do empreendim ento e con­ siderava que o projecto de uma tal lógica pouco valor teria. Segundo Quine, a lógica m odal violava um prin­ cípio básico de raciocínio e, por isso, não seria possível dar-lhe uma interpretação que fizesse realmente sen­ tido e que a tornasse uma teoria aplicável. N este debate, Kripke ocupava uma posição inter­ média. Por um lado, como Carnap, Marcus e m uitos outros, acreditava na possibilidade de desenvolver 10

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uma lógica m odal madura, com um sistema dedutivo e uma semântica formal em harmonia entre si, e com uma interpretação intuitivamente aceitável. Ele próprio trabalhava nesse sentido e, em artigos que publicou entre 1959 e 1965, acabou por contribuir decisivamente (em conjunto com Stig Kanger, Richard M ontague e Jaakko Hintikka) para a criação da chamada «semân­ tica dos mundos possíveis», que se im pôs como a se­ mântica canónica para a lógica modal. M as, por outro lado, reconhecia a importância das objecções de Quine. O princípio invocado por Quine, geralm ente conheci­ do por princípio da indiscernibilidade dos idênticos (ou «lei de Leibniz»), diz que se x e y são o mesmo objecto, tudo o que for verdadeiro de x será também verdadeiro de y. Aparentem ente, uma das coisas que é verdadeira de qualquer x é ser necessariamente idên­ tico a x (pois todos os objectos são necessariamente idênticos a si próprios). Daqui segue-se que ser neces­ sariamente idêntico a x é uma propriedade que y tam­ bém tem, já que x e y são o mesmo. Ou seja, aquele princípio tem como consequência que todas as identi­ dades são necessárias: qualquer afirm ação de iden­ tidade, se for verdadeira, será necessariamente verda­ deira. M as, ao que parece, m uitas identidades são contingentes. Um exemplo disso é o que foi celebrem ente dado por Gottlob Frege, da identidade entre Héspero e Fósforo. O facto de a prim eira «estrela» visí­ vel à tarde ser a m esm a que a últim a «estrela» visível de manhã e o facto de ambas serem afinal o planeta Vénus correspondem a descobertas empíricas feitas pelos astrónomos e, por isso, deve tratar-se de verda­ des contingentes, pois, como dizia Kant, a experiência ensina-nos que as coisas são de uma certa m aneira, mas não que não possam ser de m aneira diferente. Um segundo exemplo, dado por Quine, contrasta a iden­ tidade «9 = 5 + 4» (uma verdade necessária, conhecida

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a priori) com a identidade «9 = o número de planetas do sistem a solar» (uma verdade obviam ente contin­ gente, já que o sistema solar poderia ter m enos, ou mais, planetas do que efectivam ente tem)2. Um terceiro exemplo, sobre o qual Kripke se interessou especial­ mente, é o da identidade, defendida pelos m aterialis­ tas como identidade contingente, entre uma pessoa e o seu corpo, ou entre os estados mentais de uma pes­ soa e os estados físicos do seu cérebro. Kripke consi­ derava que exemplos como estes revelavam uma difi­ culdade real, que precisava de ser respondida. Em Fevereiro de 1962, Ruth Marcus visitou Harvard e participou num encontro apresentando o artigo «Mo­ dalities and Intensional Languages». Quine leu um com entário que veio a ser publicado com o título «Reply to Professor M arcus». Seguiu-se uma discus­ são em que também participaram Kripke, Follesdal e McCarthy. Esta discussão foi gravada, posteriormente tran scrita, revista pelos diversos in terven ien tes e publicada num volume da revista Synthese3. A partici­ pação de Kripke nesta discussão revela bem a posição 2 Em 2006, a União Astronómica Internacional estipulou uma nova definição de «planeta», de acordo com a qual Plutão deixou de contar como planeta. Passou então a considerar-se que o sistema solar tem oito planetas. A causa próxima desta revisão da classi­ ficação tradicional foi a descoberta de Éris, um corpo esférico que também orbita o Sol e que é maior do que Plutão. Éris e Plutão integram agora o grupo dos «planetas anões». 3 Os textos de Marcus e de Quine foram publicados em Synthese, 13 (1961), pp. 303-322 e 323-330. A tjranscrição da discussão foi publicada em Synthese, 14 (1962), pp. 132-143. Posteriormente, fo­ ram incluídos nas colectâneas: W. V. Quine, The Ways of Paradox and Other Essays, ed. rev., Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1976, pp. 177-184, e R. B. Marcus, Moãalities, Nova Iorque: Oxford University Press, 1993, pp. 3-23 e 24-35. Kripke menciona a sua presença nesta discussão na última parte da se­ gunda palestra (cf. pp. 162 e ss.).

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interm édia descrita no parágrafo anterior. E revela tam bém um elemento novo: o seu interesse pela su­ gestão feita por Quine de que, para ultrapassar a sua objecção e conseguir dar uma interpretação intuitiva às fórmulas válidas do sistema, talvez o lógico modal deva adoptar o essencialismo, isto é, a perspectiva fi­ losófica tradicional segundo a qual as propriedades que um objecto tem se dividem em propriedades es­ senciais (necessárias) e propriedades acidentais (con­ tingentes)4. Em O Nomear e a Necessidade, a sugestão será plenamente aceite. Com este pano de fundo, Kripke dedicou-se inten­ samente, a partir do ano académico 1963-64, às ques­ tões filosóficas suscitadas pelo problema de interpre­ tar intuitivamente a lógica modal quantificada. O modo como resolveu o problema de Quine, embora tenha recolhido o contributo e a influência de muitos outros investigadores (como M arcus, Prior, Sm ullyan, F 0 Ilesdal, Hintikka, Putnam e Kaplan), é extraordinaria­ mente original e muito rico em consequências para diversas áreas do pensam ento filosófico. Kripke con­ cluiu que, apesar de todas as aparências, não existem identidades contingentes. Muitos objectos poderiam ser bastante diferentes do que realmente são, mas nenhum objecto poderia não ser ele próprio. Aristóteles pode­ ria não ter sido professor de Alexandre, 0 Grande, poderia não ter sido aluno de Platão, poderia até não ter sido filósofo — mas não poderia não ser Aristóteles. E isso em nada mudaria, caso Aristóteles tivesse dois

4 Na discussão, Quine afirma: «I think essentialism, from the point of view of the modal logician, is something that ought to be welcome» (em Marcus, Modalities, op. cit., p. 30). No entanto, ele próprio considerava que o essencialismo era uma perspectiva ina­ ceitável, por razões que explicitou em Word and Object, Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1960, pp. 199-200.

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nomes diferentes, como aconteceu, por exem plo, com Cícero, que também se chamava «Túlio». Cícero é Túlio, ou seja, eles são a mesma pessoa — e não é possível que fossem pessoas distintas. Do mesmo m odo, defen­ de Kripke, também não é possível uma situação em que Héspero não fosse Fósforo. M uitas pessoas, no entanto, julgam que a identidade «Héspero = Fósforo» é contingente. O que elas concebem, quando form u­ lam esse juízo, é, por exemplo, uma situação em que o últim o corpo celeste visível de manhã (nas épocas apropriadas do ano) não é Héspero, mas sim algum outro corpo. Mas isso, se pensarm os bem, não é uma situação em que Héspero não seria Fósforo. O que se trata é de uma situação em que Héspero — ou seja, Fósforo —- não seria visível de manhã na posição em que costumam os observá-la. Contudo, não foi a identidade «Héspero = Fósforo» uma descoberta empírica? Sim, foi; só que daí não se segue que seja contingente. Ao contrário do que toda a gente parece pensar, pelo menos desde Kant, Kripke afirma que a distinção em pírico/ a priori nem sempre coincide com a distinção contingente/necessário. A pri­ meira é de natureza epistem ológica, dizendo respeito ao modo como podemos chegar ao conhecim ento das coisas, enquanto a segunda é de natureza m etafísica, dizendo respeito ao modo como as próprias coisas são, às propriedades ou características que fazem parte da sua essência, por oposição àquelas que são apenas aci­ dentais ou contingentes — ou seja, propriedades que as coisas têm no mundo/real (ou actual), mas não têm noutros mundos possíveis. Fica assim aberta a porta para a existência de verdades a priori contingentes e de verdades a posteriori necessárias. Como exemplo das prim eiras, Kripke dá a afirmação de que a barra de platina que está conservada em Paris, e que foi adop­ tada como metro-padrão, tem um metro de compri14

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mento. Na sua perspectiva, uma pessoa para quem o term o «um metro» se defina com o o com prim ento daquela barra saberá a priori, por meio da própria definição, que a afirm ação é verdadeira, apesar de expressar algo que poderia ser diferente do que é (pois é óbvio que aquela barra poderia ser mais comprida, ou menos comprida, do que realmente é). Mais im por­ tantes, e m ais numerosos, são os exemplos apresenta­ dos de verdades necessárias que só podem ser conhe­ cidas por procedim entos empíricos: a água é H20 , o ouro tem o número atómico 79, a luz é um feixe de fotões, o calor é o m ovimento das m oléculas, os relâm ­ pagos são descargas eléctricas, as baleias são m am ífe­ ros, etc. O modo como Kripke analisa estes exemplos e justifica o seu carácter m etafisicam ente necessário é muito interessante e resulta numa m aneira de encarar o conhecim ento científico, que contrasta fortemente com o que podemos encontrar num filósofo empirista como Quine, para quem as teorias científicas são estru­ turas linguísticas subdeterm inadas pelos dados dispo­ níveis, que nos ajudam a prever e a controlar «estim u­ lações dos nossos receptores sensoriais» à luz das estim ulações passadas. Em clara oposição a qualquer forma de anti-realismo, Kripke considera que a inves­ tigação científica é um em preendim ento que, quando é bem -sucedido, descobre a própria essência das coi­ sas, sejam elas espécies, substâncias ou fenóm enos naturais. Kripke recupera, portanto, o essencialismo da filo­ sofia tradicional, de m atriz aristotélica. O próprio Quine costumava caracterizar o essencialism o dizen­ do que consistia em considerar que os objectos têm algumas propriedades que são necessárias. Mas quan­ do se tratava de esclarecer a noção de necessidade, o que Quine tinha para dizer era, invariavelm ente, que uma afirmação com a forma «necessariamente p» será 15

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verdadeira se e som ente se o enunciado que ocupa o lugar de «p» for analítico. E um enunciado será analí­ tico se for verdadeiro apenas em virtude do significa­ do dos termos que o com põem (havendo duas espé­ cies principais de tais enunciados: as verdades lógicas e os enunciados que se deixam reduzir a verdades lógi­ cas quando substituím os certos termos por expressões sinónim as que os definem). Ora, um facto histórico muito significativo é que, até Kripke, todos os interve­ nientes no debate provocado pela objecção de Quine à lógica modal entenderam a necessidade com base nesta noção de analiticidade. Isso é muito claro no caso de Ruth Marcus: quando defende que todas as identida­ des são necessárias, Marcus vê-se na situação insólita de ter de defender que «Héspero é Fósforo» é uma verdade analítica, determ inada pelas regras semânti­ cas da linguagem, e que poderia ser conhecida a priori pela sim ples consulta de um bom dicionário! Uma das principais inovações de Kripke foi precisam ente ter recuperado o velho sentido metafísico da necessidade, de acordo com o qual quando afirmamos, por exem ­ plo, que as baleias são necessariamente mamíferos, não estamos a querer dizer que basta com preendermos a frase «as baleias são mamíferos» para saberm os que é verdadeira, nem sequer que uma baleia não-m amífero seria totalm ente inconcebível, mas, mais literalm ente, que ser um mamífero é o que, entre outras coisas, ser uma baleia é, de tal modo que, devido a essa natureza intrínseca, nenhum ser poderia ser uma baleia sem ser um mamífero. Não se trata aqui de um essencialism o trivial, em que somente propriedades formais ou lógi­ cas, como o ser idêntico a si próprio, seriam reconhe­ cidas como necessárias. Pois Kripke considera que «pode m uito bem descobrir-se a essência em pirica­ mente» (p. 174). Há páginas de O Nomear e a N ecessi­ dade que ficarão por muito tempo associadas à reabi­

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litação da m etafísica como disciplina filosófica, de que Kripke foi um dos principais responsáveis e que m odi­ ficou consideravelm ente o panorama da filosofia con­ temporânea. Trata-se, nomeadam ente, das páginas em que se defende que a origem de um objecto, ou a sua constituição m aterial, é uma das suas propriedades essenciais. Além de analisar alguns exemplos (a rai­ nha Isabel II de Inglaterra não poderia ter sido filha do presidente Trum an, a mesa de m adeira que tenho à minha frente não poderia ter sido feita de água conge­ lada do Tam isa), Kripke esboça um argumento quase-form al (cf. p. 178, nota 56) em defesa desta tese, o qual se revelou especialmente controverso. Mas voltem os à necessidade da identidade e ao exemplo «9 é o número de planetas» dado por Quine, que Kripke equipara a outros como «Benjamin Franklin é o homem que inventou as lentes bifocais» ou «Gòdel é o homem que demonstrou a incompletude da arit­ mética». Perante casos tão flagrantes de contingência, como se pode m anter aquela tese? E im portante obser­ var que, nestes exem plos, a identidade é afirm ada usando, de um lado, nomes próprios («9», «Franklin», «Gòdel») e, do outro, descrições definidas, isto é, ex­ pressões com a forma «o objecto (ou indivíduo) que é (ou que fez) tal e tal». De acordo com a teoria das descrições definidas de Russell5, nomes e descrições são expressões de categorias muito diferentes, de tal m odo que um enunciado com a forma gram atical «a é o indivíduo que fez F» não é realm ente uma simples afirm ação de identidade, mas antes uma afirmação mais complexa cuja forma lógica pode ser indicada através da seguinte paráfrase: «Existe um e um só 5 Bertrand Russell, «On Denoting», Mind, 14 (1905), pp. 479-493. Reimpresso em Bertrand Russell, Logic and Knowledge, Lon­ dres: Routledge, 1992, pp. 41-56.

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indivíduo que fez F e a é esse indivíduo»6. Embora m an ifeste sim patia pela teoria das d escriçõ es de Russell, Kripke desvia-se dela ao tratar as descrições como designadores, isto é, como termos que teriam sentido por si próprios e que serviriam para referir um objecto. No caso de uma descrição definida como «o inventor das lentes bifocais», se existe um e um só indivíduo que inventou as lentes bifocais, esse indiví­ duo é o referente da descrição. Quem inventou real­ m ente essas lentes foi Franklin e, por isso, no mundo actual, é ele o referente da descrição. Mas quando fa­ lamos de modalidades, consideram os tam bém situa­ ções contrafactuais, que não aconteceram m as pode­ riam ter acontecido — aquilo a que se tornou habitual cham ar «outros mundos possíveis». Num mundo pos­ sível em que não foi Franklin, mas sim um dos seus irmãos, que inventou as lentes bifocais, será esse ir­ mão o referente da descrição. Portanto, o referente de uma descrição é, em cada mundo possível, o objecto ou indivíduo (se existir algum ) que, nesse m undo, satisfaz as condições incluídas na descrição. Esta flexi­ 6 A teoria de Russell prevê que, quando um operador frásico — como a negação ou o operador de necessidade — é aplicado a uma frase do género de «9 é o número de planetas», o enunciado resul­ tante é ambíguo, podendo expressar dois pensamentos diferentes, em muitos casos com valores de verdade distintos. Kripke refere-se a essas ambiguidades de âmbito nas pp. 115-116 (e na nota 25), dando como exemplo o contraste entre pensar, acerca do homem que ensinou Alexandre (¿.e., acerca de Aristóteles), que ele poderia não ter ensinado Alexandre e pensar que poderia ter acontecido o seguinte: o homem que ensinou Alexandre não ensinou Alexandre; o primeiro pensamento é verdadeiro, mas o segundo é logicamente falso. Uma tentativa muito influente de resolver o paradoxo de Quine com base nestas distinções de âmbito e no princípio russelliano de que as descrições são símbolos incompletos (sem referente) que se definem em contexto foi a de Arthur F. Smullyan, «Modality and Description», Journal of Symbolic Logic, 13, 1948, pp. 31-37.

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bilidade das descrições torna evidente que a necessi­ dade da identidade não se aplica em geral a afirm a­ ções que usam descrições como, por exemplo, «o in­ ventor das lentes bifocais é o inventor do pára-raios». Há obviam ente mundos possíveis em que não foi a mesma pessoa a inventar as duas coisas. E que dizer dos nomes, isto é, dos nomes próprios como «Franklin», «Paris» ou «Grécia»? Para cada nome, como é que se determina o objecto por ele referido, em cada situação ou mundo possível? Um dos principais objectivos de Kripke em O Nomear e a Necessidade é refutar a chamada «teoria descritivista dos nomes», que dominava a filosofia da linguagem desde o início do século. Embora costume atribuir a teoria descriti­ vista aos seus fundadores, Frege e Russell, Kripke não está aqui interessado em fornecer uma interpretação exacta do pensam ento de cada um destes autores e das óbvias diferenças entre eles. O seu alvo preferen­ cial é uma ortodoxia, quer dizer, uma teoria dos nomes que considera ser aceite pela generalidade dos filóso­ fos, a qual tem na sua base um conjunto de ideias formuladas por Frege e por Russell, mas que também incorpora desenvolvimentos posteriores, como é, por exemplo, a chamada «teoria do feixe». O elemento cen­ tral da teoria descritivista é a ideia de que cada nome está estreitamente associado a uma descrição do objecto nomeado. Isto é especialmente plausível a respeito dos nomes de figuras históricas. Visto que não conheci pessoalmente Aristóteles, a quem é que me refiro quan­ do uso o nome «Aristóteles»? Os descritivistas respon­ dem que me refiro, m uito provavelm ente, ao autor das obras que compõem o Corpus Aristotelicum. Do mesmo modo, quando uso o nome «Manuel Arriaga», devo estar a referir-me ao homem, que não conheci, mas que sei ter sido o prim eiro presidente da República Portuguesa. Russell dizia que, quando uso um destes

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nomes, o pensamento que está na minha mente só pode ser expresso de modo explícito se substituirmos o nome pela descrição associada — pois julgava que um indiví­ duo que não conheci directamente não pode fazer parte do meu pensamento. Como é óbvio, isto levantava a questão de saber se os diversos falantes de uma língua entendem da mesma maneira os nomes que usam , isto é, se as descrições que associam a cada nom e são as mesmas ou se são diferentes. Outra dificuldade, talvez ainda mais básica, é que o utilizador de um nome, se lhe perguntarem qual é a descrição que associa a esse nome, pode naturalmente responder que associa várias descrições e que não consegue escolher uma só. Devo associar «Aristóteles» a «o autor das obras do corpus», a «o fundador do Liceu» ou a «o criador da silogística»? D iversos filósofos responderam a isto dizendo que associamos ao nome não uma descrição única, mas um conjunto — ou algo m ais vago: um feixe —- de des­ crições, e que, para os diversos utilizadores do nome, o seu referente é o objecto que satisfaz a m aioria, ou uma m aioria ponderada, dessas descrições. Na concepção descritivista há m aneiras diferentes de caracterizar a relação entre o nome e a descrição (ou o feixe de descrições) que lhe está associada. Uma interpretação bastante frequente de Frege diz que o sentido de um nome (por oposição ao seu referente) é dado por uma descrição. Russell preferia dizer que o nome abrevia uma descrição. Outros autores dirão an­ tes que o nome é sinónimo da descrição ou que o nome se define pela disjunção das descrições que fazem parte do feixe que lhe está associado. Outros ainda conside­ ram que os nomes não têm significado linguístico, mas que o objecto por eles referido é determinado pelo feixe de descrições associado. Kripke não está m uito inte­ ressado nos pormenores de cada uma destas versões, pois considera que a concepção descritivista está radi-

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cálm ente errada, nos seus traços mais gerais e básicos, independentem ente do modo como seja depois desen­ volvida. Ainda assim, distingue duas versões princi­ pais do descritivism o — o descritivism o como teoria do significado dos nomes e o descritivism o como teo­ ria acerca do modo como é fixada a referência dos nomes — e comenta que é sobretudo a primeira que faz dele uma teoria poderosa e elegante, e que explica a atracção que exerceu durante tanto tempo. Num esforço para isolar o que seria o núcleo fundamental do descritivism o, partilhado por todas as suas varian­ tes, Kripke formula um conjunto de teses caracterís­ ticas. As m ais im portantes são as seguintes: (i) cada nome tem uma colecção C de propriedades que lhe corresponde, de tal modo que um utilizador do nome acredita que o seu referente tem as propriedades in­ cluídas em C; (ii) o utilizador do nome acredita que uma ou algumas das propriedades incluídas em C seleccionam um e um só objecto; (iii) se há um e um só objecto que tem a m aioria, ou uma maioria ponderada, das propriedades incluídas em C, então esse objecto é o referente do nome; (iv) se não há nenhum objecto único que tenha essa m aioria (ponderada) de proprie­ dades, então o nome não tem referente. As diversas objecções que Kripke dirige a estas teses, e às suas consequências, podem ser classificadas em três gru­ pos: argumentos m odais, argumentos epistém icos e argumentos semânticos. O objectivo destes argumen­ tos é mostrar que a teoria descritivista está errada desde a sua base e que, por isso, nenhum a rectificação ou aperfeiçoamento poderá salvá-la, devendo antes pro­ curar-se uma nova abordagem. Na sua versão mais forte, enquanto teoria do signi­ ficado, o descritivism o considera que o significado de um nome próprio é dado por uma descrição definida. Esta ideia tem uma consequência inaceitável, a qual

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foi apontada por John Searle quando propôs o feixe de descrições como aperfeiçoam ento da teoria7. Efectiva­ mente, se o nome «Aristóteles» significasse «o autor das Categorias e do De Interpretatione e dos Primeiros Analíticos, etc.», isso im plicaria que um a afirmação como «Aristóteles escreveu as Categorias» seria uma verdade analítica, exactam ente do mesmo m odo que «nenhum homem solteiro é casado» é uma verdade analítica, devido ao facto de o term o «solteiro» signifi­ car «que ainda não se casou». Mas as verdades analíti­ cas são verdades necessárias, enquanto ser autor das Categorias é uma propriedade contingente de Aristóte­ les. Para evitar esta consequência, Searle propõe que o significado do nome é dado, não por uma, mas por um feixe de descrições. Nesta perspectiva m odificada não tem de haver uma propriedade única que Aristóteles possua necessariam ente, mas há uma colecção mais ou menos vasta de propriedades tais que Aristóteles possui necessariam ente um número suficiente delas. Segundo Kripke, esta m odificação deixa intacto o pro­ blema, uma vez que A ristóteles poderia não ter ne­ nhuma das propriedades que geralm ente lhe atribuí­ mos. As propriedades que geralm ente associamos a Aristóteles são propriedades contingentes, por isso, não podem ser elas que definem o significado do nome «Aristóteles». Este argumento m odal põe em relevo uma diferença im portante no com portam ento semân­ tico de nomes próprios e descrições definidas. Quan­ do dizem os, por exemplo, «o professor de Alexandre poderia não ser filósofo», estamos a considerar uma situação contrafactual ou um mundo possível no qual Alexandre foi ensinado por um e um só homem (que não tem de ser Aristóteles), o qual não seria um filó7 John R. Searle, «Proper Names», Mind 67, 1958, pp. 166-173. Veja-se a citação de Searle na p. 115.

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sofo. Quando usamos uma descrição para descrever uma situação contrafactual, referimo-nos ao indivíduo, seja ele qual for, que satisfaz a descrição nessa situação. Mas quando usamos um nome, o que se passa é muito diferente. Se dizemos que Aristóteles poderia não ser filósofo, ou que poderia nunca ter saído de Estagira e ter m orrido muito jovem , é sempre de Aristóteles que estamos a falar. Estam os a considerar situações possí­ veis nas quais Aristóteles não tem as propriedades que tem no mundo actual, mas em todas elas «Aristó­ teles» refere-se a A ristóteles. Para caracterizar esta diferença, Kripke introduz a noção teórica de designador rígido: um designador rígido é um termo singular que designa o mesmo objecto em todos os mundos pos­ síveis. A tese de que os nomes próprios são designadores rígidos8 é uma das principais teses positivas defendidas em O Nomear e a Necessidade. Ao contrário dos nomes, as descrições não são designadores rígi­ dos; e o que os argumentos m odais fazem é explorar esta diferença fundam ental para m ostrar que o signi­ ficado dos nomes não pode ser dado por meio de descrições. Os argumentos epistém icos contra o descritivism o têm por alvo principal a tese (ii), segundo a qual o

8 A questão de saber se um nome continua a designar o mesmo objecto nos mundos possíveis em que esse objecto não existe é controversa. As declarações de Kripke a esse respeito parecem ser divergentes: confronte-se a resposta afirmativa dada na nota 21 do prefácio de 1980 (nas pp. 64-65) com a resposta negativa dada em «Identity and Necessity» (in Kripke, Philosophical Troubles, op. cit., p. 10) e com a resposta neutra relatada por David Kaplan em «Afterthoughts» (in Themes from Kaplan, ed. por J. Almog, J. Perry e H. Wettstein, Nova Iorque: Oxford University Press, 1989, pp. 569-570 e nota 8). Veja-se também, sobre esta questão, Nathan Salmon, Reference and Essence, Princeton: Princeton University Press, 1981, pp. 31-41.

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utilizador de um nome acredita que um certo conjunto de propriedades associadas ao nome é tal que existe um e um só objecto que as possui. Contra isto, Kripke aponta exemplos em que m uitas pessoas usam um nome N sem que consigam realm ente responder à pergunta «Quem é (ou foi) N?» fornecendo uma des­ crição que só o referente do nome satisfaria. Assim, muita gente usa o nome «Cícero» ou o nome «Feynman» sabendo muito pouco a respeito dos seus refe­ rentes. No máximo, serão capazes de dizer algo como: «Foi um famoso orador romano», ou: «Acho que é um físico», sem que julguem que isso é suficiente para identificar o homem a que se referem. Outro exemplo explorado por Kripke é o daquelas pessoas que falam de Einstein, que o identificam como «o homem que descobriu a teoria da relatividade» e que a única coisa que sabem acerca da teoria da relatividade é que foi descoberta por Einstein. Isto é tam bém um contra-exem plo à tese (ii), porque realmente a descrição que estas pessoas estão a fornecer para identificar Einstein mais não é do que «o homem que descobriu a teoria que descobriu»9, o que está longe de ser exclu­ sivo dele. Além disso, tal como sabemos a priori que um indi­ víduo solteiro não é casado, também deveríam os saber a priori, se o descritivismo estivesse certo, que Aris­ tóteles escreveu as Categorias. E, em geral, sendo P uma das propriedades que definem um nome N, deveria ser inconcebível que um utilizador com petente de N viesse a descobrir que, afinal, ao contrário do que ju l­ gava, o referente de N não tem a propriedade P. Mas 9 Veja-se também a condição de não-circularidade formulada nas pp. 123-124 e 128, e o seu uso para criticar a teoria segundo a qual a propriedade que define e fixa a referência de um nome N é a propriedade de ser o indivíduo chamado N (nas pp. 129-130).

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IN TRODUÇÃO

é óbvio que coisas como ter escrito as Categorias ou ter sido professor de Alexandre não são coisas que possa­ mos saber a priori acerca de Aristóteles, nem são coisas a respeito das quais não seja possível virmos um dia a descobrir que estamos enganados. As teses (iii) e (iv) são os alvos principais dos argu­ mentos semânticos contra o descritivismo. A primeira diz que se um conjunto de condições contem pladas no «feixe de descrições» é satisfeito por um e um só objecto, então esse objecto é o referente do nome. A segunda acrescenta que, se não há nenhum objecto único desses (que satisfaça um conjunto de condições contem pladas no «feixe de descrições»), então o nome não tem referente. Kripke apresenta contra-exem plos para ambas. Um deles é um exemplo im aginário, con­ cebido por Kripke e que se tornou muito conhecido. O exemplo é acerca de Gõdel, o lógico que se tornou especialm ente famoso por ter dem onstrado (em 1931) a incompletude da aritm ética. Em geral, as pessoas que usam o nome «Gõdel» conhecem -no como o ho­ mem que demonstrou a incompletude da aritmética. Kripke imagina então que não foi realmente Gõdel, mas sim um outro indivíduo, Schm idt, quem dem ons­ trou a incompletude. Sem que ninguém até hoje tenha descoberto, Gõdel apoderou-se do m anuscrito e publicou-o como se fosse seu. De acordo com a tese (iii), quando usamos o nome «Gõdel», deveríamos então estar a referir-nos a Schm idt, pois é afinal Schm idt o homem que dem onstrou a incompletude. M as, de fac­ to, mesmo que a fraude imaginada por Kripke tivesse ocorrido, é a Gõdel que nos referim os quando usamos o seu nome. Podemos estar enganados na nossa atri­ buição do teorema e, no entanto, usar correctamente o nome «Gõdel» para nos referirm os a Gõdel. Por outro lado, também há casos em que usam os um nome acre­ ditando que o seu referente é o único indivíduo que 25

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fez uma certa coisa, quando, na verdade, essa coisa foi feita por várias outras pessoas. Kripke dá com o exem­ plo o facto de muitas pessoas falarem de Einstein pen­ sando que ele inventou a bomba atómica. Uma vez que a bomba atómica foi obra de uma equipa (a que Einstein não pertencia), a tese (iv) prevê que esses usos de «Einstein» não teriam referente. Mas é claro que isso não é assim. As pessoas que julgam erradamente que Einstein foi o inventor da bomba atóm ica não deixam, por isso, de se referir a Einstein quando usam o seu nome. Kripke considera que o conjunto de argumentos que apresentou é suficiente para mostrar, de forma conclu­ siva, que a teoria descritivista dos nomes, em qualquer das suas versões, está radicalmente errada. Não se trata apenas de defender que há erros localizados ou insu­ ficiências diversas na teoria descritivista. O que se passa, na perspectiva de Kripke, é antes que «a con­ cepção de conjunto que esta teoria nos dá sobre como se determ ina a referência [dos nomes] parece estar errada desde as suas bases» (p. 154). Quando tenta caracterizar o que seria o «erro fundamental» do descritivism o, Kripke descreve por vezes uma situação em que uma pessoa está sozinha num quarto, com pleta­ m ente isolada de todas as outras, e determ ina para si própria que o referente de um nome N é um indivíduo distante (no espaço e no tempo), com o qual nunca teve contacto perceptivo — numa tal situação, parece­ ria natural o recurso a uma descrição definida, ou a uma m ultiplicidade de descrições, para determ inar o referente do nome. Mas se não é assim que os nomes que usam os adquirem uma referência, como é que isso acontece? Kripke afirma que não tem uma teoria alter­ nativa para apresentar. Em particular, declara que não dispõe de um conjunto de condições necessárias e suficientes capazes de analisar o que é referir um objecto

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INTRODUÇÃO

(com um nome). Em vez disso, apresenta alguns ele­ mentos do que considera ser «uma imagem melhor» da prática real de nomear pessoas e coisas. Uma vez que esta «imagem melhor» assenta numa noção cen­ tral de cadeia causal, a proposta positiva de Kripke ficou conhecida e é mencionada na literatura como «abordagem (ou teoria) causal da referência». Esta nova abordagem começa por sublinhar que, enquanto falan­ tes, somos membros de uma comunidade. A genera­ lidade dos nomes que usamos não foram criações nos­ sas: eles têm uma história m ais ou m enos longa e chegaram até nós por via da nossa interacção com uni­ cativa com outros falantes; essa história anterior que cada nome — ou que cada uso de um nome — tem contribui decisivamente para lhe conferir uma refe­ rência. O descritivista erra ao supor que a explicação para a referência dos nomes que eu uso se deve encon­ trar exclusivam ente em mim próprio, nos meus estados ou processos internos e privados. Os argumentos de Kripke m ostraram, pelo contrário, que muitas vezes o utilizador de um nome sabe muito pouco, ou pode estar bastante equivocado, a respeito do objecto que refere — e, no entanto, refere-se a esse objecto. Não é nenhum m istério que o falante consiga referir-se a pessoas e coisas que nunca viu e de que sabe tão pou­ co, se tiverm os em conta que ele o faz em virtude da sua pertença a uma com unidade no seio da qual o nome foi transm itido, com a referência que tem, de falante para falante, «de elo em elo», ao longo de uma cadeia causal que se estende desde o «primeiro uso» — aquilo a que Kripke chama «o baptism o inicial» — até ao uso presente, aqui e agora. O que Kripke diz acerca do baptism o inicial e acer­ ca da transm issão do nome na cadeia de comunicação é assum idam ente m uito esquem ático e insuficiente enquanto teoria da referência. Os casos mais simples 27

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e frequentes de baptism o inicial são aqueles em que um objecto é nomeado por ostensão: na presença de um objecto, e apontando possivelm ente para ele, um certo nome é-lhe atribuído, nome esse que depois se espa­ lhará e chegará a ser usado por outros falantes que não participaram no baptism o. Mas Kripke também considera casos de baptism o sem ostensão. O melhor exemplo que dá é o da descoberta de Neptuno. Este planeta foi baptizado tendo por base, não uma obser­ vação em pírica directa, m as uma conjectura astro­ nómica: a existência de um planeta num a certa posi­ ção parecia a melhor explicação para as perturbações observadas na órbita de Úrano. Aqui, a concepção descritivista parece ter aplicação, pois a referência do nome «Neptuno» foi inicialm ente fixada pela descri­ ção «o planeta que causa tais e tais perturbações na órbita de Urano». No entanto, Kripke insiste em que a sua caracterização destes baptism os por descrição se distingue claramente, em diversos aspectos, da teoria descritivista dos nom es. Desde logo, porque estes baptism os por descrição são relativam ente raros, en­ quanto o descritivism o pretende ser uma teoria geral dos nomes. Depois, porque o nome «Neptuno» e a descrição que lhe fixou inicialm ente a referência con­ tinuam a ter com portam entos semânticos m uito dis­ tintos, um a vez que o nom e designa rigidam ente Neptuno em todas as situações possíveis, enquanto a descrição não é rígida. Pois há, sem dúvida, situações contrafactuais em que seria verdade dizer que Neptuno está tão distante que em nada perturba a órbita de Urano. Além disso, na perspectiva de Kripke, a descri­ ção fixou a referência dos usos de «Neptuno» na fase do baptism o, mas não é ela que fixa a referência dos usos posteriores do nome. Um utilizador competente do nome não tem hoje de conhecer a condição descri­ tiva por meio da qual se fez o baptismo.

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INTRODUÇÃO

A respeito da transm issão do nome ao longo da cadeia causal que liga os seus diversos usos por dife­ rentes falantes, Kripke observa que ela tem de obede­ cer a certas condições para que seja também uma trans­ missão da referência. Como ele diz, «nem todo o género de cadeias causais que se estendem de mim até um certo hom em conseguirão fazer-m e referir esse ho­ mem» (pp. 153-154). Uma condição necessária para que a cadeia de comunicação transmita adequadamente a referência é que cada falante, quando aprende ou re­ cebe um nome de outro falante, tenha a intenção de usar o nome para se referir ao mesmo objecto que o outro falante referia quando usava o nome. É isso que não acontece, por exemplo, quando adopto «Napoleão» como nome para o meu cão. As últim as páginas de O Nomear e a Necessidade, no final da terceira palestra, ilustram bem aquilo que Kripke anuncia no início da primeira palestra: embora os temas centrais da obra sejam temas muito circunscri­ tos de filosofia da lógica e de filosofia da linguagem — como a necessidade da identidade, a tese da desig­ nação rígida e a crítica à teoria descritivista dos no­ m es — , as suas im plicações estendem -se a m uitas outras áreas e problem as da filosofia. M encionei já consequências relevantes para a filosofia da ciência e para a m etafísica. Nas últim as páginas, Kripke ocupa-se da filosofia da mente. Nesta área, os filósofos con­ temporâneos são predominantemente m aterialistas (ou «fisicistas», como muitos preferem dizer) e rejeitam o dualismo cartesiano segundo o qual a alma e o corpo seriam duas substâncias distintas. Nos anos cinquenta, Ullin Place, Herbert Feigl e J. J. C. Sm art formularam , como alternativa ao behaviorism o lógico de Gilbert Ryle, a chamada «teoria identitativa da mente», que tem como tese central a afirmação de que os estados mentais mais não são do que estados físicos do cérebro. 29

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Num conhecido e influente livro publicado em 1968, com o título A M aterialist Theory o f the M indw, D. M. Armstrong caracteriza a teoria identitativa como uma perspectiva que, à pergunta: «O que é um homem?», responde que é um objecto m aterial com propriedades exclusivam ente físicas; e que, à objecção: «Mas o ho­ mem pensa, sente e deseja, isto é, tem uma mente, que é algo que não existe no mundo físico», responde muito simplesmente que a mente é o cérebro. O Nomear e a Necessidade termina com uma surpreendente crítica a esta teoria”, na qual Kripke aplica à alegada identida­ de m ente-cérebro as ideias que antes desenvolveu a respeito da identidade, da necessidade e da contin­ gência, dos designadores rígidos e não-rígidos e das identificações teóricas descobertas pela ciência. Nos seus traços mais gerais, o argumento antimaterialista de Kripke é do seguinte género: se a m ente é o cérebro, então eles são necessariam ente idênticos; mas o cérebro poderia existir sem a mente; logo, a mente não é o cérebro. A prim eira premissa é uma aplicação do princípio da necessidade da identidade. E a segunda prem issa corresponde a uma intuição muito forte, que é reconhecida e partilhada pela generalidade dos filó­ sofos, tanto dualistas como m aterialistas. De facto, o materialism o visado por Kripke afirma que as correla­ ções ou correspondências entre estados m entais e esta­ dos físicos do cérebro — que, uma vez descobertas pela 10 Londres: Routledge and Kegan Paul. 11 Existem diferentes versões da teoria identitativa. Uma distin­ ção habitual é entre (i) a teoria que afirma que cada tipo de estado mental é idêntico a algum tipo de estado físico (a chamada teoria da identidade tipo-tipo), e (ii) a teoria que defende que cada estado ou acontecimento mental particular é idêntico a algum estado fí­ sico particular (a teoria da identidade espécime-espécime). Kripke argumenta contra estas duas versões da teoria, embora dê mais atenção à primeira.

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IN TRODUÇÃO

ciência empírica, confirmarão a tese filosófica da iden­ tidade — são contingentes. Kripke usa como exemplo a hipótese m aterialista de que a dor é a estimulação das fibras C 12. Mesmo para os que defendem esta hipó­ tese (ou outras do mesmo género), parece evidente que a estimulação das fibras C poderia ocorrer no corpo de uma pessoa sem que essa pessoa tivesse dores — por exem plo, os seres hum anos poderiam ter uma constituição diferente da que têm, devido à qual essa estim ulação lhes provocasse cócegas em vez de dores. Mas o reconhecim ento do carácter contingente desta correspondência entre um estado físico e um estado mental não é consistente, insiste Kripke, com a afirm a­ ção m aterialista de que essa correspondência é uma identidade. E o materialista não pode querer assem e­ lhar as supostas identidades entre estados m entais e físicos com identidades como a que se verifica entre o inventor das lentes bifocais e o inventor do pára-raios, porque «dor» e «estimulação das fibras C» (ou o termo científico que a investigação vier a colocar no lugar deste) são designadores rígidos. Kripke demora-se a considerar e a afastar uma pos­ sível objecção ao seu argumento, que exploraria uma analogia entre a identificação m aterialista e as identi­ ficações teóricas que discutiu antes, como, por exem­ plo, a identificação entre a água e H20 , ou entre o calor e o movimento molecular. A objecção consistiria em dizer que em ambos os casos as identidades des­ cobertas são necessárias (e, por isso, o argumento de Kripke teria uma prem issa falsa), mas há uma ilusão de contingência que se pode explicar (e que seria res­ ponsável pela nossa tendência natural para aceitar a 12 As fibras C são um dos tipos de fibras nervosas que ligam os receptores da dor — os nociceptores, existentes em diversos teci­ dos do corpo humano — ao sistema nervoso central.

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premissa como verdadeira). Quando antes analisou o caso do calor, Kripke teve o cuidado de distinguir o calor enquanto fenóm eno exterior da sensação através da qual o percepcionam os, e a que cham amos precisa­ m ente «sensação de calor». As pessoas que julgam que o calor poderia não ser m ovimento molecular, e que acham im aginável uma situação em que calor e m ovi­ mento m olecular fossem coisas distintas, estão iludi­ das. Efectivam ente, estão a im aginar uma situação em que não houvesse correspondência entre, por um lado, o m ovimento das m oléculas, ou seja, o calor, e, por outro, a nossa sensação de calor; por exemplo, uma situação em que, em virtude de diferenças no sistema nervoso, a sensação de calor fosse antes causada por feixes de fotões (ou seja, pela luz) e em que o m ovi­ m ento das m oléculas (ou seja, o calor) fosse antes per­ cepcionado por sensações de outro tipo. E é claro que, numa tal situação, o calor, apesar de não ser sentido como calor, seria movimento das moléculas. Não pode­ ria então passar-se o mesm o no caso da dor? Não po­ deríam os imaginar uma situação em que a dor, sendo idêntica à estim ulação das fibras C, não fosse no en­ tanto sentida por nós como dor? Kripke defende que não, e que, por isso, os casos não são análogos. Uma situação em que a estim ulação de fibras C não fosse sentida como dor é uma situação em que ela não seria dor, ou seja, em que essa estim ulação existiria sem dor. A distinção que fizem os no caso do calor — entre o calor como fenómeno externo e a sensação interna de calor — não pode fazer-se a respeito da dor. Se (em qualquer mundo possível) um certo fenóm eno não é sentido como uma dor, então (nesse mundo) esse fenó­ meno não é uma dor; e se ele é sentido como dor, então é uma dor. Kripke também explica isto dizendo que os termos «calor» e «dor», apesar de serem ambos designadores rígidos, têm uma diferença im portante: a refe32

IN TRODUÇÃO

rência do primeiro foi fixada por uma propriedade acidental do fenóm eno (a saber, a propriedade de cau­ sar em nós a sensação de calor), enquanto a referência do segundo foi fixada por uma propriedade essencial do fenóm eno (a saber, a propriedade de ser sentido como dor). O calor não tem necessariam ente de ser sentido como calor, tal como a água não tem necessa­ riamente de ter o aspecto ou as qualidades superficiais que tem. Mas a sensação de dor é uma propriedade essencial de toda a dor. Por conseguinte, se a correlação entre a dor e a estim ulação das fibras C é meramente contingente, elas não são o mesmo fenómeno. O mesmo se poderia dizer de outras correlações entre aconteci­ mentos m entais e processos físicos. Este argumento de Kripke contra a teoria identitativa da mente está longe de ter convencido a genera­ lidade dos filósofos. Pelo contrário, gerou um imenso debate que se prolonga até hoje e do qual resultou uma extensa bibliografia. Numa interessante nota de rodapé no final da discussão, Kripke afirma precisa­ mente que considera que a relação entre a mente e o corpo é um problema «com pletam ente em aberto» e confessa a sua «extrema perplexidade» a seu respeito (p. 229, n. 77). Aí faz tam bém notar que a crítica à teo­ ria identitativa não faz de si um adepto do dualismo car­ tesiano, até porque o dualism o não parece com patível com a tese da essencialidade da origem (segundo a qual «uma pessoa não poderia ter vindo de um esperm ato­ zóide e de um óvulo diferentes daqueles em que efec­ tivam ente teve origem») que defendeu antes. Por fim, declara que «não temos uma concepção clara de alma ou de eu» e m anifesta simpatia pela «crítica de Hume à noção de um eu cartesiano». Esta sinopse dos principais tem as e problem as tra­ tados em O Nomear e a Necessidade revela a grande 33

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originalidade e a riqueza do pensam ento filosófico do jovem Kripke, que até aí se tornara conhecido sobre­ tudo como um brilhante e precoce lógico m atemático. Desencadeadas pelo trabalho inicial em lógica modal (que levou à criação da semântica dos m undos possí­ veis) e pela reflexão subsequente sobre a objecção de Quine e sobre o problema de encontrar uma interpre­ tação intuitivam ente aceitável para os sistemas de ló­ gica m odal quantificada, estas ideias foram sendo desenvolvidas ao longo da década de 1960, sem que no entanto daí resultasse qualquer publicação. Final­ mente, em Janeiro de 1970, Kripke deu três palestras em Princeton, que foram gravadas e posteriormente transcritas. A transcrição, revista pelo autor e enrique­ cida com notas de rodapé, foi publicada em 1972, num volume colectivo organizado por Donald Davidson e Gilbert Harman. A pesar do trabalho de revisão, a publicação preserva as marcas da oralidade que esteve na sua origem . O leitor quase pode assim «ouvir» Kripke desenvolver o seu pensamento, livremente, sem o apoio de um texto ou sequer de notas escritas, se­ guindo apenas um plano muito rudim entar dos assun­ tos que pretendia abordar (e de alguns que tinha decidido não abordar, como, por exemplo, o problema da existência). Uma decisão a que Kripke perm anece fiel durante todo o trabalho é a de manter a exposição isenta de qualquer aparato técnico. E é, de facto, adm i­ rável a capacidade que dem onstra de explicar ques­ tões difíceis, que envolvem distinções bastante subtis, de uma m aneira que parece acessível a qualquer um. Além de um pensador criativo e profundo, Kripke é um óptimo comunicador. A clareza da sua exposição é exemplar. Para isso tam bém contribui o recurso cons­ tante a exemplos, muitos dos quais se tornaram clás­ sicos da filosofia contem porânea. Em bora seja um pensador com interesses vastos, Kripke não parece 34

INTRODUÇÃO

estar interessado em construir um sistema filosófico. O seu m odo de fazer filosofia é m ais localizado: encontra um problema que o deixa perplexo e dedica-se a ele intensamente, procurando esclarecê-lo e, se possível, resolvê-lo. Se o trabalho num problema de uma área o leva m uitas vezes a apreciar as conse­ quências que poderá ter para outras áreas, isso acon­ tece não em virtude de uma vontade de sistema, mas como resultado da própria concentração e da deter­ m inação com que segue cada ideia até onde ela o levar. As reacções à publicação de «O Nom ear e a N eces­ sidade» foram várias e imediatas. M uitos consideram que esta obra revolucionou a filosofia. De modo mais cauteloso, talvez possamos dizer que a renovou. Teve a audácia de questionar «certezas» antigas e o mérito de abrir direcções novas. No final da década de 1970, eram já centenas as publicações que de um modo ou de outro se lhe referiam, discutindo as suas teses e argumentos ou explorando as suas consequências. Em 1980, surgiu O Nomear e a Necessidade como livro, com um novo prefácio em que o autor explica um pouco a origem das ideias nele contidas e esclarece alguns pontos, procurando desfazer incompreensões e dissi­ par equívocos que julga ter detectado nalguns leitores. De então para cá, o número de artigos, livros e disser­ tações escritos sobre aspectos desta obra, ou por ela influenciados, cresceu exponencialm ente. M uitas das questões aqui levantadas continuam a ser debatidas, sem que os participantes tenham chegado a acordo. Entretanto, o pensam ento de Kripke continuou a de­ senvolver-se em diversas áreas. Vários artigos seus surgiram, desde os anos setenta até hoje, em revistas e volum es de filosofia. Em 1982, publicou um livro influente, e tam bém muito discutido, sobre o famoso «argumento da linguagem privada» apresentado nas 35

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Investigações Filosóficas de W ittgenstein'3. Recentem en­ te, foi publicado o prim eiro volum e dos seus Collected Papersu . Enquanto se aguardam os próximos volumes, sabe-se que muitos trabalhos seus continuam inéditos. E ainda muito cedo para dizer qual será o lugar de Kripke na história da filosofia. M as, à distância de quarenta anos, parece-me seguro dizer que O Nomear e a N ecessidade tem lugar reservado entre as principais obras da filosofia do século xx. A pesar da já referida clareza de exposição, o leitor que pretenda fazer um estudo mais aprofundado de O Nomear e a N ecessidade deve ter em conta que é uma obra que dialoga e se confronta com teses, teorias e concepções filosóficas anteriores. Poderá, por isso, querer preparar-se para esse estudo, ou acompanhá-lo, com a leitura de algum as obras através das quais possa obter um conhecim ento independente dessas p e rsp ectiv as a n terio re s. Eis então um a su g estão económ ica de leituras preparatórias básicas: F r e g e (1891), «Funktion und Begriff», in K lein e Schriften , ed. I. Angelelli, Hildesheim: Georg Olms, 1967,

G o ttlo b

pp. 125-142. Tradução inglesa de Peter Geach: «Function and Concept», in The F reg e R eader, ed. M. Beaney, Oxford: Blackwell, 1997, pp. 130-148. G o t t l o b F r e g e (1892), «Über Sinn und Bedeutung», in K lein e Schriften , op. cit., pp. 143-162. Tradução inglesa de Max Black, in The F rege R eader, op. cit., pp. 151-171. B e r t r a n d R u s s e l l (1919), In tro d u ç ã o à F ilo s o fia M a tem á ­ tica, trad. Adriana Silva Graça, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, cap. XVI: «Descrições», pp. 243-261. 13 Saul A. Kripke, Wittgenstein on Rules and Private Language, Oxford: Basil Blackwell, 1982. 14 Saul A. Kripke, Philosophical Troubles: Collected Papers, Volume I, Nova Iorque: Oxford University Press, 2011.

INTRODUÇÃO

R u s s e l l (1912), Os P rob lem as da F ilo so fia , trad. Desidério Murcho, Lisboa: Edições 70, 2008, cap. 5: «Co­ nhecimento por contacto e conhecimento por descrição», pp. 107-118. R F. S t r a w s o n (1959), In dividu als, Londres: Routledge, 1996, cap. 6: «Subject and predicate (2): logical subjects and particular objects», pp. 180-213. J o h n R. S e a r l e (1969), O s A ctos de F ala, trad. Maria Stela Gonçalves, Coimbra: Almedina, 1981, cap. 7: «Problemas de Referência», pp. 207-229. K e i t h D o n n e l l a n (1966), «Reference and Definite Descri­ ptions», P hilosophical R eview , 75, pp. 281-304. W. V. Q u i n e (1953/1961), «Reference and Modality», in Quine, From a Logical Point o f View, 2.a ed. rev., Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1980, pp. 139-159. A r t h u r F. S m u l l y a n (1948), «Modality and Description», Jou rn al o f S ym bolic Logic, 13, pp. 31-37. R u t h B a r c a n M a r c u s (1961), «Modalities and Intensional Languages», in Marcus, M od alities, Nova Iorque: Oxford University Press, 1993, pp. 5-23. H i l a r y P u t n a m (1970), «Is Semantics Possible?», in Putnam, M in d , L a n g u a g e a n d R e a lity , Cambridge: Cambridge University Press, 1975, pp. 139-152. D. M. A r m s t r o n g (1968), A M aterialist T heory o f the M ind, Londres: Routledge and Kegan Paul. B e rtra n d

R ic a r d o S a n t o s

Universidade de Évora Outubro de 2012

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Prefácio

A minha intenção inicial era de rever ou aumentar O Nomear e a Necessidade consideravelm ente. Passou já bastante tempo e apercebi-me entretanto de que qual­ quer revisão ou expansão considerável iria retardar indefinidam ente o aparecim ento de uma edição sepa­ rada e m enos dispendiosa de O Nomear e a Necessidade. Além disso, no que diz respeito à revisão, há boas razões a favor de se conservar uma obra na sua forma original, mesmo com todas as suas imperfeições. Segui, pois, uma política de correcção muito conservadora para esta edição. Foram corrigidos erros óbvios de im­ pressão e efectuaram-se pequenas m odificações para que várias frases ou formulações ficassem mais claras1. A nota de rodapé 56 ilustra bem a minha política con­ servadora. Nessa nota corrigiu-se a nomenclatura de letras utilizada para os vários objectos, inexplicavel­ mente confusa na impressão original; mas não faço 1 O meu agradecimento a Margaret Gilbert pela sua valiosa ajuda neste trabalho de edição.

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qualquer m enção ao facto de o argumento da nota me parecer agora ter problemas de que não tinha noção quando a escrevi e que pelo menos requerem uma discussão mais aprofundada2. As m esmas considerações levam-me a desistir de qualquer tentativa séria de usar este prefácio para am pliar o meu argumento anterior, para colm atar la­ cunas, para responder a críticas sérias ou para enfren­ tar dificuldades. Tirando uma tal am pliação no prefá­ cio, há obviam ente passagens na monografia, além da nota 56, que poderia modificar. Continuo a defender as teses principais desta obra, e a pressão para fazer uma revisão ampla não é grande. Contudo, usarei este prefácio para descrever sucintam ente o contexto e a génese das ideias condutoras da m onografia e para discutir umas quantas incom preensões que parecem ser comuns. Lamento ter de desapontar aqueles leitores que já acharam satisfatória a exposição destes aspec­ tos feita na monografia. Acrescentarei relativamente poucas coisas novas para lidar com o que me parecem ser os problemas mais substanciais da m onografia. As questões que explicarei um pouco mais — na maioria relacionadas com a modalidade e com a designação rígida — podem já ter ficado claras para a m aioria dos leitores. Por outro lado, os leitores que sim patizaram

2 Apesar de ainda não ter tido tempo para estudar com cuidado a crítica de Nathan Salmon (Journal of Philosophy, 1979, pp. 703-725) a esta nota de rodapé, parece-me que a sua crítica ao argu­ mento, embora relacionada com a minha, não é provavelmente a mesma: ele reconstrói o argumento de uma maneira que não corresponde exactamente à minha intenção e que o enfraquece desnecessariamente. Também julgo que não tinha qualquer ambi­ ção de, nesta pequena nota, provar rigorosamente «o essencialismo a partir da teoria da referência» e de nada mais. A nota era tão condensada que os leitores poderiam facilmente reconstruir os pormenores de maneiras diferentes.

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PREFÁCIO

com algum as das objecções aqui m encionadas podem muito bem ter razão ao desejarem um tratam ento mais aprofundado. Temo que, na m aioria dos casos, para convencer muitos dos leitores que se sentiram inclina­ dos a acreditar nas objecções, o espaço perm itido num prefácio para o tratam ento das questões em disputa seja sim plesmente demasiado curto. Em certa medida, um tratamento rápido das objecções pode fazer mais mal do que bem, uma vez que o leitor que estava confuso pode pensar que se isto é tudo o que se pode oferecer como resposta, então a objecção original devia ter funda­ mento. Ainda assim, julguei que devia registar breve­ mente porque é que penso que certas reacções não têm razão de ser. Espero em alguns casos poder vir a escre­ ver de modo mais desenvolvido. Aqui, peço ao leitor que entenda que, nos limites deste prefácio, não é possível levar a cabo uma discussão aprofundada3. Os leitores que ainda não conhecem este livro po­ dem usar o prefácio para obter um m aior esclareci­ mento de certas questões e uma história breve da sua génese. Recomendo que esses leitores não comecem pelo prefácio, mas que voltem a ele para mais esclare­ cimentos (caso seja necessário) depois de lerem o texto principal. O prefácio não está escrito de m aneira a formar um todo autónomo. As ideias apresentadas em O N omear e a N ecessidade formaram -se no início dos anos sessenta — foram for­ m uladas na sua m aior parte por volta de 1963-64. É claro que o trabalho se desenvolveu a partir de um

3 Assim, não discuto aqui algumas das críticas que foram publicadas, porque são tão frívolas que espero que não lhes seja dado grande crédito; há outras que não discuto porque são dema­ siado substantivas; e outras ainda, simplesmente por falta de es­ paço. Deixo ao leitor o cuidado de decidir em que categoria cai qualquer exemplo particular.

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trabalho formal anterior na teoria dos m odelos da ló­ gica modal. Já quando trabalhava em lógica m odal me parecia, como disse W iggins, que o principio leibniziano da indiscernibilidade dos idénticos4 era tão evi­ dente como a lei da contradição. Sempre me pareceu bizarro que alguns filósofos pudessem ter duvidado dele. O estudo da teoria dos modelos da lógica modal (a semántica dos «mundos possíveis») só poderia con­ firmar esta convicção — os alegados contra-exem plos envolvendo propriedades modais acabavam sempre por assentar nalguma confusão: os contextos envolvi­ dos não expressavam propriedades genuínas, havia confusão de âmbitos ou confundia-se a coincidência entre conceitos individuais com a identidade entre indivíduos. A teoria dos modelos tornou isto completa­ mente claro, embora já devesse ter sido suficientemente claro ao nível intuitivo. Deixando de lado considerações rebuscadas, que derivam do facto de x não ter de existir necessariamente, era claro a partir de (x) □ ( i = i ) e da lei de Leibniz que a identidade é uma relação «interna»: (x) (y) (x = y 3 □ x = y). (Que pares (x, y) poderiam ser contra-exemplos? Pares de objectos distintos não pode­ riam ser, pois aí o antecedente seria falso; e nenhum par formado por um objecto e ele próprio poderia sê-lo, pois então o consequente seria verdadeiro.) Se «a» e «b» são designadores rígidos, segue-se que «a = b», se for verda­ de, é uma verdade necessária. Se «a» e «b» não são designadores rígidos, já não se pode tirar essa conclusão acerca da afirmação «a = b» (embora os objectos designa­ dos por «a» e «b» sejam necessariamente idênticos). Ao falarmos de designadores rígidos, estamos a falar de uma possibilidade de que não há dúvida que existe 4 O princípio segundo o qual os idênticos têm todas as proprie­ dades em comum; esquematicamente, (x) (y) (x = y a Fx . 3 . Fy). Que não deve confundir-se com a identidade dos indiscerniveis.

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num a linguagem m odal form al. Logicam ente, não estam os ainda com prom etidos com nenhum a tese acerca do estatuto daquilo a que vulgarm ente cham a­ mos «nomes» na linguagem natural. Temos de distin­ guir três teses diferentes: (i) que objectos idênticos são necessariamente idênticos; (ii) que afirmações de iden­ tidade verdadeiras entre designadores rígidos são neces­ sárias; (iii) que afirmações de identidade entre aquilo a que chamamos «nomes» na linguagem real são neces­ sárias. (i) e (ii) são teses (evidentes) de lógica filosófica, independentes da linguagem natural. Estão relaciona­ das entre si, embora (i) seja acerca de objectos e (ii) seja metalinguística. ((ii) «segue-se» grosso modo de (i), usando a substituição de designadores rígidos por quantificadores universais — digo «grosso modo» porque há ques­ tões delicadas acerca da rigidez que são aqui relevan­ tes, veja-se a nota 21 nas pp. 64-65; a dedução análoga para designadores não-rígidos é falaciosa.) Tudo o que estritam ente se segue de (ii) acerca dos cham ados «nomes» da linguagem natural é que ou não são rígidos ou as identidades verdadeiras entre eles são necessá­ rias. A ideia intuitiva que temos do nomear sugere que os nomes são rígidos, mas acho que a certa altura supus vagam ente, influenciando pelos pressupostos dom i­ nantes, que uma vez que obviamente existem identida­ des contingentes entre os cham ados nomes vulgares, esses nomes vulgares não podem ser rígidos. Contudo, era já claro a partir de (i) — sem nenhum estudo da linguagem natural — que a suposição, comum às dis­ cussões filosóficas do materialism o dessa altura, de que os objectos podem ser «contingentemente idênti­ cos», é falsa. A identidade seria uma relação interna mesmo que a linguagem natural não contivesse ne­ nhum designador rígido. A referência equivocada a objectos «contingentemente idênticos» servia ilegitim a­ mente de muleta filosófica: perm itia que os filósofos

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pensassem em certos designadores sim ultáneam ente como se fossem não-rígidos (ocorrendo por isso em «identidades contingentes») e como se fossem rígidos, escam oteando-se o conflito ao se pensar nos objectos correspondentes como «contingentem ente idênticos». M esmo antes de me ter apercebido claram ente da ver­ dadeira situação no que diz respeito aos nomes pró­ prios, sim patizava pouco com a doutrina obscura de uma relação de «identidade contingente». Proprieda­ des que identificam um e um só objecto podem coin­ cidir contingentem ente, m as os objectos não podem ser «contingentem ente idênticos». Por fim apercebi-me — e isso deu início ao já m en­ cionado trabalho de 1963-64 — de que os pressupostos aceites contra a necessidade de identidades entre no­ mes vulgares eram incorrectos e que a intuição natural de que os nomes da linguagem vulgar são designa­ dores rígidos pode de facto ser defendida5. Parte do esforço para tornar isto claro envolveu a distinção entre usar uma descrição para dar um significado e usá-la para fixar uma referência. Assim, neste estádio, rejei­ tava a teoria descritivista tradicional enquanto expli­ cação do significado, embora a sua validade enquanto explicação de como se fixa uma referência não fosse questionada. Provavelmente, durante algum tempo dei-me por satisfeito com esta posição, mas o passo seguinte foi naturalm ente questionar se a teoria descritivista fornecia uma explicação correcta m esm o do modo como eram fixadas as referências dos nomes. O resul­ tado aparece na segunda palestra. Daí até me aperce­

5 Tornou-se também claro que um símbolo de qualquer lingua­ gem, real ou hipotética, que não seja um designador rígido é tão diferente dos nomes da linguagem natural que não se deveria chamar-lhe um «nome». Em particular, isto aplicar-se-ia a uma hipotética abreviatura de uma descrição definida não-rígida.

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ber de que as mesmas considerações se aplicam aos termos para espécies naturais foi um pequeno passo. As outras ideias principais chegaram naturalm ente à m edida que as coisas «se encaixavam». Não devo deixar de prestar uma justa homenagem ao poder do complexo de ideias então dominante, derivado de Frege e de Russell, que aí abandonei. A maneira na­ tural e uniforme como estas ideias parecem dar conta de uma variedade de problemas filosóficos — a sua mara­ vilhosa coerência interna — explica suficientemente a atracção duradoura que exerceram. Tenho-me sentido chocado com a prevalência de algumas ideias na comu­ nidade filosófica que pouco ou nada me atraem, mas nunca coloquei nesta categoria a teoria descritivista dos nomes próprios. Apesar de, tal como outros, ter sempre sentido alguma tensão neste edifício, demorei tempo a libertar-me do seu poder de sedução. Embora a ideia agora já seja familiar, farei aqui uma apresentação sucinta da ideia de designação rígida e da intuição acerca dos nomes que lhe subjaz. Considere-se: 1) Aristóteles gostava de cães. Uma compreensão adequada desta afirmação envol­ ve uma compreensão quer das condições (extensionalmente correctas) nas quais ela é de facto verdadeira, quer das condições nas quais um curso da história contrafactual, semelhante ao curso real nalguns aspectos mas não noutros, seria correctamente descrito (em parte) por (1). É de supor que todos concordam que há um certo homem — o filósofo a quem chamamos «Aris­ tóteles» — tal que, de facto, (1) é verdadeira se e somente se ele gostava de cães6. A tese da designação rígida diz 6 Quer dizer que qualquer pessoa (mesmo Russell) concordaria que isto é uma equivalência material verdadeira, dado que existiu realmente um Aristóteles.

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simplesmente — deixando de lado certas subtilezas7 — que o mesmo paradigma se aplica às condições de ver­ dade que (1) tem quando descreve situações contrafactuais. Ou seja, (1) descreve de modo verdadeiro uma situação contrafactual se e somente se o mesmo homem acima mencionado tivesse gostado de cães, caso essa situação se tivesse verificado. (Esqueçamos as situações contrafactuais em que ele não teria existido.) Por contraste, Russell julga que (1) deve ser analisada como algo do género de8: 2) O últim o grande filósofo da Antiguidade gostava de cães,

7 Ignoramos, em particular, a questão de saber o que se deve dizer de situações contrafactuais em que Aristóteles não teria exis­ tido. Veja-se a nota 21 nas pp. 64-65. 8 Considerando que «o último grande filósofo da Antiguidade» é a descrição que Russell associa a «Aristóteles». Que não se ofen­ dam os admiradores do epicurismo, do estoicismo, etc; se algum leitor julgar que o verdadeiro referente da descrição apresentada é alguém posterior a Aristóteles, basta que esse leitor substitua a descrição por outra. Penso que Russell tem razão quanto ao facto de as descrições definidas poderem ser interpretadas, pelo menos às vezes, não rigi­ damente. Como menciono na nota 22 nas pp. 112-113, alguns filó­ sofos julgam que há, além disso, um sentido rígido das descrições definidas. Tal como digo nessa nota, não estou convencido disso, mas se estes filósofos tiverem razão, a minha tese principal não será afectada. Ela contrasta nomes com descrições não-rígidas, como defendeu Russell. Veja-se a secção 2, pp. 258-261 do meu artigo «Speaker's Reference and Semantic Reference», Midwest Studies in Philosophy, II, 1977, pp. 255-276 (também em Contemporary Perspectives in the Philosophy of Language, editado por Peter A. French, Theodore E. Uehling, Jr. e Howard K. Wettstein, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1979, pp. 6-27), para uma breve discussão da relação da ideia de descrições definidas rígidas com as descrições «referenciais» de Donnellan. Também discuto a relação de ambas com a noção de âmbito.

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e que esta, por sua vez, deve ser analisada como: 3) Exactamente uma pessoa foi última entre os gran­ des filósofos da Antiguidade e todas as pessoas assim gostavam de cães. As condições de verdade efectivas de (3) concor­ dam extensionalmente com as de (1) que acima mencio­ námos, partindo do princípio de que Aristóteles foi o último grande filósofo da Antiguidade. Mas, contrafactualm ente, as condições de Russell podem divergir muitíssimo das supostas pela tese da rigidez. Relati­ vamente a uma situação contrafactual na qual alguma outra pessoa que não Aristóteles tivesse sido o último grande filósofo da Antiguidade, o critério de Russell faria do gosto de cães dessa outra pessoa a questão rele­ vante para a correcção de (1)! Até aqui julgo que não disse nada que não tenha já antes tornado claro. Mas a explicação deve tornar pa­ tente que algumas críticas são incompreensões. Algu­ mas pessoas julgaram que o sim ples facto de dois in­ divíduos poderem ter o mesmo nome refuta a tese da rigidez. É verdade que nesta m onografia, para sim pli­ ficar, falei como se cada nome tivesse um único porta­ dor. De facto, no que diz respeito à questão da rigidez, não penso que isto seja uma sim plificação excessiva. A credito que m uitas questões teóricas im portantes sobre a semântica dos nomes (provavelm ente não to­ das) ficariam praticam ente inalteradas caso as nossas convenções im pedissem dar-se o mesmo nome a duas coisas distintas. Em particular, como irei explicar, a questão da rigidez não seria afectada. Para a linguagem tal como a conhecem os, podería­ mos falar dos nomes como termos que têm um refe­ rente único, se adoptássem os uma term inologia análo­ ga à prática de dizer que as palavras homónim as são 47

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«palavras» diferentes, segundo a qual quando usamos sons que foneticam ente são os mesmos para nomear objectos distintos estaríam os a usar nomes diferentes9. Não há dúvida de que esta term inologia não está de acordo com o uso mais com um 10, mas julgo que pode ter m uitas vantagens para efeitos teóricos. Contudo, o mais im portante é que, seja como for que uma teoria filosófica decida tratar esses nomes «hom ónim os»11, isso é irrelevante para a questão da rigidez. Como falante do meu idiolecto, chamo «Aristó­ teles» a som ente um objecto, embora saiba que há outras pessoas, incluindo o homem a quem chamo

9 Na realidade, o critério deveria ser mais fino, e depende da perspectiva teórica que se adopte. Assim, na concepção defendida nesta monografia, duas «cadeias históricas» totalmente diferentes, que por mero acidente atribuíssem ao mesmo homem nomes que foneticamente são o mesmo, deveriam provavelmente ser considera­ das como criadoras de nomes diferentes apesar da identidade dos referentes. A identidade pode muito bem ser desconhecida para o falante ou expressar uma descoberta recente. (Do mesmo modo, é de supor que um descritivista que contabilize os nomes como sugerimos haveria de considerar que dois nomes foneticamente idênticos mas com diferentes descrições associadas são dois nomes diferentes, mesmo que se dê o caso de as duas descrições serem verdadeiras de um só e o mesmo objecto.) Mas o ter referentes diferentes será uma condição suficiente para que os nomes sejam diferentes. Devo sublinhar que não estou a exigir nem sequer a defender este uso, mas a mencioná-lo como uma possibilidade pela qual nutro simpatia. A tese de que a rigidez não tem nada a ver com a questão de duas pessoas terem nomes que foneticamente são o mesmo é independente do facto de se adoptar ou não esta convenção. 10Mas é possível que um uso de «Quantos nomes existem nesta lista telefónica?» seja uma excepção (Anne Jacobson). 11 Ao usar este termo, não pretendo comprometer a análise com uma perspectiva particular (veja-se também a próxima nota de rodapé), embora sugira a minha própria. Quero simplesmente dizer que duas pessoas podem ter nomes que foneticamente são o mesmo.

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«Onassis», ou talvez «Aristóteles Onassis», a quem foi dado o mesmo nome. Outros leitores podem usar «Aris­ tóteles» para nomear mais do que um objecto (pessoa ou anim al de estimação) e, para eles, (1) tem condições de verdade ambíguas. Quando mencionei «as condi­ ções de verdade» de (1), assumi forçosamente uma leitura particular de (1). (E é claro que o descritivista clássico faz o mesmo; isto não está em discussão entre nós. Por uma questão de simplicidade, os descritivistas clássicos também tinham tendência para falar como se os nomes tivessem referências únicas.) Na prática, é habitual supormos que o que se quer dizer num uso particular de uma frase se compreende pelo contexto. No caso presente, o contexto tornava claro que o que estava em questão era o uso convencional de «Aristóte­ les» para designar o grande filósofo. Dado este enten­ dimento fixo de (1), a questão da rigidez é então: E a correcção de (1), assim entendida, determinada, relati­ vam ente a cada situação contrafactual, pelo facto de que uma certa pessoa única teria gostado de cães (caso se tivesse verificado essa situação)? A esta questão res­ pondo afirmativamente. Mas Russell parece estar com­ prom etido com a tese oposta, mesmo quando o que (1) expressa se encontra fixado pelo contexto. Russell só pode ler (1) como (3) se um tal entendim ento de (1) estiver previam ente fixado (não poderia fazê-lo se «Aristóteles» significasse «Onassis»!); mas viola-se a exigência de rigidez. Esta questão não é de modo algum afectada pela presença ou pela ausência na linguagem de outras leituras de (1). Pois, para cada uma dessas leituras particulares, podemos perguntar se o que é expresso seria verdadeiro numa situação contrafactual se e somente se algum indivíduo fixo tivesse a proprie­ dade adequada. Esta é que é a questão da rigidez. Deixem-m e então recapitular o que já disse, igno­ rando por agora os problemas delicados acerca das 49

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«proposições» que m encionarei no final deste prefá­ cio. Para dizerm os alguma coisa sobre «as condições de verdade» de uma frase como (1), temos de consi­ derar que ela expressa uma proposição só — caso contrário, as suas condições de verdade, mesmo em relação ao m undo actual, seriam indeterm inadas. Por isso, palavras am bíguas ou hom ónim as (talvez «cão» em (1)) têm de ser lidas de uma maneira de­ term inada (canina!), têm de se atribuir referências determ inadas aos indexicais, as am biguidades sin­ tácticas têm de ser resolvidas e tem de se fixar se «A ristóteles» nom eia o filósofo ou o m agnata dos navios. Só depois de estar dada uma tal leitura é que Russell pode propor uma análise como (3) — e é justo que nunca ninguém lhe tenha apontado uma falha a esse respeito. Então, a minha objecção a Russell é que, se ele tivesse razão, nenhuma das m últiplas pro­ posições expressas pelas várias leituras de (1) (assu­ mindo que em todas as leituras «Aristóteles» é um nome próprio) estaria em conform idade com a regra da rigidez. Q uer dizer, nenhum a dessas p rop osi­ ções está em conform idade com a regra que diz que há um só indivíduo e uma só propriedade tais que, em relação a cada situação contrafactual, as condições de verdade da proposição são a posse da propriedade por esse indivíduo nessa situação. (Apoio-me no facto de que, na p rática, R u ssell in terp reta in v ariav el­ mente os nomes vulgares de modo não-rígido.) E irre­ levante que (1) possa expressar mais do que uma pro­ posição: a questão está em saber se cada uma dessas proposições é ou não avaliada da m aneira que estou a descrever. A tese aplica-se a cada uma dessas pro­ posições tom ada separadam ente. Para que isto seja claro não é preciso que questões de porm enor sobre como é que a teoria deve incorporar o facto de a nossa prática linguística perm itir que duas coisas tenham o

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que foneticam ente é o m esm o nom e estejam deci­ didas12. Outra incompreensão diz respeito à relação entre rigidez e âmbito, que, aparentem ente, tratei de m anei­ ra demasiado breve. Parece muitas vezes que se supõe que todas as intuições linguísticas que aduzi a favor da rigidez poderiam ser igualm ente bem explicadas tratando os nomes em várias frases como designadores não-rígidos com âmbitos longos, de modo análogo às descrições com âmbito longo. Seria de facto possível interpretar algumas dessas intuições como resultado de am biguidades de âmbito, e não de rigidez — isto eu reconheci na monografia. Nessa medida, a objecção justifica-se, mas parece-me errado supor que todas as nossas intuições podem ser explicadas desta maneira. Tratei da questão de forma bastante breve, na página 116 e na nota 25 que a acom panha, mas parece que m uitos leitores não repararam na discussão. Na nota de rodapé aduzo alguns fenóm enos linguísticos que, julgo eu, apoiam a intuição da rigidez e não uma ex­ plicação em termos de âmbito. Parece até que muitos destes leitores não deram pelo teste intuitivo da rigi­ dez, que enfatizei nas páginas 99-100. Não vou repetir ou desenvolver estas considerações neste prefácio, embora pareça que foram formuladas de maneira de12 Por exemplo, alguns filósofos assimilariam os nomes próprios aos pronomes demonstrativos. A referência dos nomes varia de elocução para elocução da mesma maneira que a de um pronome demonstrativo. Isto não afecta as questões aqui discutidas, uma vez que a referência de um pronome demonstrativo tem de ser dada para que se expresse uma proposição definida. Embora não tenha discutido a questão na presente monografia, é claro que faz parte da minha concepção (cf. p. 100, nota 16) a tese de que «isto», «eu», «tu», etc., são tudo termos rígidos (ainda que, obviamente, as suas referências variem com o contexto de elocução). A rigidez dos pronomes demonstrativos foi sublinhada por David Kaplan.

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m asiado breve. As exigências próprias de um prefácio obrigarão a que as observações seguintes sejam talvez também demasiado breves, mas irei discutir a questão do âmbito ã luz da presente explicação da rigidez. Chegou até a ser afirm ado que a minha própria concepção se reduz a uma tese acerca do âmbito e que a doutrina da rigidez é sim plesmente a doutrina que diz que a linguagem natural tem uma convenção se­ gundo a qual um nome, no contexto de qualquer frase, deve ser lido com âmbito longo, nele incluindo todos os operadores m odais13. Esta últim a ideia está especial­ m ente longe da verdade; em termos de lógica modal, representa um erro técnico. Tratarei dela primeiro. (1) e (2) são frases «simples». Nenhuma contém operado­ res, m odais ou outros; por isso, não há espaço para quaisquer distinções de âm bito14. Nenhuma convenção 13 Veja-se Michael Dummett, Frege, Duckworth, 1973, p. 128. Infelizmente, muitas das outras ideias ou observações de Dummett sobre a relação da rigidez com o âmbito estão tecnicamente erra­ das — por exemplo, na mesma página, diz que defendo que as descrições nunca (?) são rígidas e equaciona esta perspectiva com a tese de que «no interior de um contexto modal, deve sempre considerar-se que o âmbito de uma descrição definida exclui o operador modal». Alguns dos seus comentários acerca das intuições linguísticas também me parecem estar errados. Não posso tratar destes assuntos aqui. 14 Na verdade, as frases em questão estão temporalmente mar­ cadas e, por conseguinte, podem ser interpretadas numa lingua­ gem formal com operadores temporais. Se tratarmos o tempo desta maneira (embora possa ser tratado de outras maneiras), então podem colocar-se outras questões de âmbito devido aos operado­ res temporais. Contudo, a questão em causa é acerca da relação do âmbito com os operadores modais, o que não se coloca nestas frases mesmo que na sua análise se usem operadores temporais. Há duas maneiras de tornar literalmente verdadeira a afirmação de que as frases em causa não dão origem a quaisquer questões de âmbito: ou tratando o tempo sem usar operadores ou (melhor) entendendo a cópula em (1) e em (2) de modo não-temporal.

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a respeito do âmbito em frases mais com plexas afecta a interpretação destas frases. No entanto, a questão da rigidez faz sentido em ambos os casos. A minha tese é que «Aristóteles» em (1) é rígido, mas «o último grande filósofo da Antiguidade» em (2) não o é. Não há nenhuma hipótese acerca de convenções sobre o âmbito em con­ textos modais que expresse esta tese15; trata-se de uma doutrina acerca das condições de verdade, relativamente a situações contrafactuais, de todas as frases (ou das pro­ posições por elas expressas), incluindo as frases simples. Isto mostra que é sim plesmente um erro tentar redu­ zir a rigidez ao âmbito da maneira indicada. Também assinala uma fraqueza da reacção (bastante mais com ­ preensível) que consiste em tentar usar o âmbito para substituir a rigidez. Segundo a doutrina da rigidez, um quadro ou uma imagem que pretenda representar uma situação correctamente descrita por (1) tem ipso facto de pretender representar o próprio Aristóteles enquanto amigo de cães. Nenhum a imagem que pretenda repre­ sentar alguma outra pessoa e o seu gosto por cães, mesmo que represente o outro indivíduo com todas as propriedades que usamos para identificar Aristóteles, representa uma situação contrafactual correctamente descrita por (1). Não é óbvio que, por si m esmo, isto representa as nossas intuições a respeito de (1)? A intui­ ção é acerca das condições de verdade, em situações contrafactuais, de uma frase simples (ou da proposição 15 A tese de que os nomes são rígidos em frases simples é, no entanto, equivalente (se ignorarmos complicações que derivam da possível não-existência do objecto) à tese de que, se um operador modal governa uma frase simples que contém um nome, as duas leituras, com âmbito longo e com âmbito curto, são equivalentes. Isto não é o mesmo que a doutrina que diz que a linguagem natu­ ral tem uma convenção que apenas permite a leitura com âmbito longo. De facto, a equivalência só faz sentido para uma linguagem em que se admitam as duas leituras.

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por ela expressa). Não há nenhuma interpretação com âmbito longo de certos contextos modais que possa substitui-la. Uma teoria será tanto melhor quanto mais conseguir preservar esta intuição. Uma outra observação, que não depende tão directa­ m ente de situações contrafactuais, pode lançar luz sobre o assunto. Na m onografia defendi que as condi­ ções de verdade de «Poderia ter sido o caso que Aristó­ teles gostasse de cães» estão em conform idade com a teoria da rigidez: é irrelevante para a verdade da afir­ m ação citada que haja uma prova de que alguma pes­ soa que não Aristóteles poderia ao mesmo tempo ter gostado de cães e ser o m aior filósofo da Antiguidade. A situação mantém-se se substituirmos «o maior filósofo da Antiguidade» por qualquer outra descrição definida (não-rígida) que julguem os que identifica Aristóteles. Do mesmo modo, defendi eu, «Poderia ter sido o caso que Aristóteles não fosse um filósofo» expressa uma verdade, embora «Poderia ter sido o caso que o maior filósofo da Antiguidade não fosse um filósofo» não expresse, o que contraria a teoria de Russell. (Poderia dar-se um exemplo análogo para qualquer outra des­ crição identificadora não-rígida.) Ora, a últim a frase citada expressaria uma verdade se a descrição usada fosse lida, contrariamente à m inha intenção, com âm­ bito longo. Por isso talvez se pudesse pensar que o problem a deriva sim plesm ente de um a tend ência (inexplicável!) para atribuir uma leitura de âm bito longo a «Aristóteles» enquanto se atribui às descrições uma leitura de âmbito curto; no entanto, as frases que contêm nomes e descrições estariam em princípio su­ jeitas a ambas as leituras. O que eu quis dizer, no entanto, foi que o contraste se m anteria se todas as frases envolvidas fossem explicitam ente formuladas com âm bitos curtos (talvez inserindo um sinal de dois pontos após o «que»). Além disso, apresentei exem54

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pios (acima referidos) para indicar que a situação com nomes não era de facto paralela ã situação com descri­ ções de âmbito longo. M uitas vezes parece que estes exemplos escaparam aos defensores da concepção con­ trária, mas não é essa aqui a minha questão. A concep­ ção contrária tem de m anter que a nossa linguagem e o nosso pensam ento são de certo modo incapazes de m anter clara a distinção e que é isto que dá origem à dificuldade. É difícil ver como pode isso ser assim: como é que fizemos a distinção, se não podemos fazê-la? Se a formulação com uma cláusula com eçada por «que» é realm ente tão embrulhada que não consegui­ mos distinguir uma leitura da outra, o que dizer de: 4) O que (1) expressa poderia ter sido o caso. Não expressa isto a asserção que se deseja, sem am biguidades de âmbito? Se não expressa, o que é que o faria? (A formulação poderia ser um pouco mais natural num diálogo: «Aristóteles gostava d e cães.» «Isso não é verdade, mas poderia ter sido.») Ora, o que sustento é que a nossa com preensão de (4) está em conformidade com a teoria da rigidez. Nenhuma situa­ ção possível na qual alguém distinto do próprio Aristó­ teles goste de cães pode ser relevante. A m inha observação m ais im portante é, então, a de que temos uma intuição directa da rigidez dos nomes, exibida pela nossa compreensão das condições de ver­ dade de frases particulares. A lém disso, há vários fenóm enos secundários — como os que menciono na monografia (e outros ainda) a respeito de «o que diría­ mos» — que testemunham indirectamente a favor da rigidez. Então como é que Russell (para nomear ape­ nas um caso) foi propor uma teoria m anifestamente incompatível com as nossas intuições directas de rigi­ dez? Uma das razões é que Russell, aqui como noutros

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sítios, não tomou em consideração questões m odais; e a questão da rigidez dos nomes na linguagem natural raramente foi considerada de forma explícita depois dele. Em segundo lugar, Russell julgava que vários argumentos filosóficos tornavam necessária uma teo­ ria descritivista dos nomes e uma teoria elim inativa das descrições. Russell reconhecia que as suas teses eram incompatíveis com as nossas reacções ingénuas (embora a questão da rigidez não fosse m encionada), mas havia argumentos filosóficos poderosos que lhe pareciam impor a adopção da sua teoria. Relativamente à questão da rigidez, a minha própria resposta tomou a forma de uma experiência m ental do género daquela que brevem ente esbocei para a «identidade e schmidentidade» nas páginas 171-172 da presente m ono­ grafia. No caso presente, im aginei uma linguagem formal hipotética na qual se introduziria um designador rígido «a» com a seguinte cerimónia: «Seja 'a' um termo que denota (rigidamente) o único objecto que tem efectivamente a propriedade F, quando falamos de qualquer situação, real ou contrafactual». Parecia-me claro que, se um falante introduzisse dessa maneira um designador na linguagem, então, em virtude do seu próprio acto linguístico, ele estaria em posição de dizer «Sei que F a» e, no entanto, «Fa» expressaria uma verdade contingente (desde que F não seja uma pro­ priedade essencial do único objecto que a possui). Em prim eiro lugar, isto mostrava que se deviam separar as questões epistémicas das questões de necessidade e contingência, e que fixar uma referência não é dar um sinónimo. Mais im portante ainda, esta situação indi­ cava que os dados geralm ente aduzidos para m ostrar que os nomes seriam sinónimos de descrições pode­ riam ser antes racionalizados por este modelo hipotético. Além disso, o modelo satisfazia as nossas intuições de rigidez. A ssim sendo, parecia que o ónus da prova 56

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cabia principalm ente ao filósofo que quisesse negar a nossa intuição natural de rigidez. Como disse antes, a observação suplementar de que os falantes nem se­ quer fixam as referências por m eio de descrições identificadoras do tipo habitual só veio mais tarde. Direi de forma breve alguma coisa acerca dos «mun­ dos possíveis»16. (Espero vir a desenvolver isto noutro lugar.) Na presente monografia argumentei contra os usos equivocados do conceito que vêem os mundos possíveis como se fossem planetas distantes, semelhan­ tes ao que está à nossa volta mas existindo de alguma m aneira numa dim ensão diferente, ou que conduzem a problemas espúrios de «identificação transmundial». Além disso, se quisermos evitar o Weltangst e confu­ sões filosóficas que muitos filósofos têm associado à term inologia dos «mundos», recomendo como possi­ velmente melhor a utilização de «estado (ou história) possível do mundo» ou «situação contrafactual». De­ vemos lem brar-nos também de que a term inologia dos «mundos» pode muitas vezes ser substituída pelo dis­ curso m odal — «é possível que...». Mas não quero 16 Algumas das piores incompreensões da rigidez teriam tido muito menor difusão se as discussões filosóficas relevantes tives­ sem sido conduzidas no contexto de uma apresentação rigorosa feita em termos da «semântica dos mundos possíveis». Não fiz isso na presente monografia, porque não quis que o argumento dependesse fortemente de um modelo formal e porque queria que a apresentação fosse filosófica, e não técnica. Para os leitores muito familiarizados com a semântica intensional, o simples esboço de uma apresentação das minhas teses nesses termos, sem um desen­ volvimento explícito, deveria ser claro. Ainda assim, algumas incompreensões do conceito de rigidez — incluindo alguns aspec­ tos destas que mencionei neste prefácio — levaram-me a pensar que uma apresentação técnica poderia eliminar alguns mal-enten­ didos. Considerações de tempo e de espaço acabaram por me levar a tomar a decisão de não incluir esse material, mas talvez faça uma tal exposição formal noutro lugar.

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deixar a impressão exagerada de que repudio por com­ pleto os m undos possíveis, ou até de que os vejo como um mero instrum ento formal. O uso que eu próprio fiz deles deve ter sido suficientem ente abundante para prevenir qualquer m al-entendido desses. De facto, há algumas maneiras de conceber os «mundos possíveis» que repudio, e outras que não. Uma analogia com algo que aprendemos na escola — que, de facto, é mais do que uma analogia — ajudará a esclarecer o que penso. Dois dados normais (chamemos-lhes «dado A» e «dado B») são lançados e ficam dois números virados para cima. Para cada dado, há seis resultados possíveis. Portanto, há trinta e seis estados possíveis do par de dados, no que respeita aos números que ficam virados para cima, embora só um desses estados corresponda à maneira como os dados efectivamente acabarão por ficar. Apren­ demos todos na escola a computar as probabilidades de vários acontecimentos (assumindo que os estados têm a mesma probabilidade). Por exemplo, uma vez que há apenas dois estados — (dado A, 5; dado B, 6) e (dado A, 6; dado B, 5) — que dão um total de onze, a proba­ bilidade de conseguir um onze é de 2/36 = 1/18. Quando fazíamos estes exercícios escolares de pro­ babilidades, estávamos de facto a tomar conhecimento, em tenra idade, de um conjunto de «mundos possíveis» (em m iniatura). Os trinta e seis estados possíveis dos dados são literalmente trinta e seis «mundos possíveis», se ignorarm os (ficticiamente) tudo o que há no mundo que não seja os dois dados e o que eles mostram (e ignorarm os o facto de que os dados — um deles ou ambos — poderiam não ter existido). Só um destes m inim undos — o que corresponder à m aneira como os dados de facto saem — é o «mundo actual», mas os outros tam bém nos interessam quando perguntamos quão provável ou im provável foi (ou irá ser) o resul­ tado real. Ora, neste caso elementar, podem evitar-se

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certas confusões. Supusemos que os dados caem real­ mente e que um dos trinta e seis estados é real. Ora, o «mundo actual» neste caso é o estado dos dados que efectivam ente se realiza. Uma outra entidade, mais «concreta» do que este estado, é a entidade física lesniewskiana-goodmaniana que é a «soma» dos dois dados. Esta entidade física complexa («os dados», entendidos como um só objecto) está diante de mim na mesa, depois do lançamento, e a sua posição real determina o estado real d'«os dados». Mas quando na escola fala­ mos de trinta e seis possibilidades, não tem os de modo algum de postular que há trinta e cinco outras entida­ des, existentes numa qualquer Terra do Nunca, que correspondem ao objecto físico que está à minha frente. Como tam bém não temos de perguntar se estas enti­ dades fantasm áticas são compostas por «contrapartes» (fantasmáticas) dos dados individuais reais ou se são de algum modo compostas pelos mesmos dados indi­ viduais, eles próprios, só que «noutra dimensão». As trinta e seis possibilidades, incluindo a que é real, são , estados (abstractos) dos dados, e não entidades físicas complexas. Um aluno não deve receber notas altas por perguntar: «Como é que sabemos, no estado em que o dado A tem seis e o dado B tem cinco, se é o dado A ou o dado B que tem seis? Não será que precisamos de um 'critério de identidade transestadual' para identificar o dado com um seis — e não o dado com um cinco — com o nosso dado A?» A resposta é, claro está, que o estado (dado A, 6; dado B, 5) é-nos dado enquanto tal (e distinguido do estado (dado B, 6; dado A, 5)). O pedido adicional de um «critério de identidade transes­ tadual» é tão confuso que nenhum aluno com petente seria tão perversamente filosófico para o fazer. As «pos­ sibilidades», muito sim plesmente, não nos são dadas de modo puramente qualitativo (como em: um dado, 6, o outro, 5). Se fossem, haveria apenas vinte e uma 59

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possibilidades distintas, e não trinta e seis. E os estados não são pares-de-dados fantasm áticos, vistos ao longe, a respeito dos quais pudéssemos colocar questões epistemicamente significativas da forma: «Que dado é aquele?» Do mesmo modo, quando pensamos em estados qua­ litativam ente idênticos como (A, 6; B, 5) e (A, 5; B, 6) e os consideram os distintos, também não temos de supor que A e B são distinguíveis qualitativamente nalgum outro aspecto, como, por exemplo, a cor. Pelo contrário, no problema de probabilidades, a face numé­ rica voltada para cima é entendida como se fosse a única propriedade que cada dado tem. Por fim, ao con­ cebermos este pequeno exercício inocente sobre o lança­ m ento dos dados, com possibilidades que não são des­ critas de modo puramente qualitativo, não assumimos nenhum compromisso m etafísico obscuro com dados como «particulares puros», o que quer que isso seja17. Os «mundos possíveis» são pouco mais do que os minimundos do exercício de probabilidades em grande escala. É verdade que a noção geral envolve problemas que a versão em miniatura não envolve. Os mundos em miniatura estão firmemente controlados, no que respeita aos objectos envolvidos (dois dados), às propriedades relevantes (o número virado para cima) e (por isso) à ideia relevante de possibilidade. Os «mundos possíveis»

17 Relativamente aos estados possíveis do mundo inteiro, não pretendo afirmar categoricamente que, tal como no caso dos da­ dos, existem estados (contrafactuais) qualitativamente idênticos mas distintos. O que afirmo é que, se houver um argumento filo­ sófico que exclua mundos qualitativamente idênticos mas distin­ tos, não poderá basear-se simplesmente na suposição de que os mundos têm de ser estipulados de modo puramente qualitativo. O que defendo é a legitimidade de determinar os mundos possíveis tanto em termos de certos particulares como de modo qualitativo, haja ou não, de facto, mundos qualitativamente idênticos mas dis­ tintos.

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são «maneiras como o mundo poderia ser» totais, ou estados ou histórias do mundo todo. Pensar na totalidade de todos eles envolve uma idealização muito maior, e muito mais questões paradoxais, do que o menos ambi­ cioso caso análogo da escola básica. Não há dúvida de que o filósofo dos «mundos possíveis» tem de ter cuidado para que o seu aparato técnico não o leve a colocar per­ guntas cujo carácter significativo não é suportado pelas nossas intuições originais de possibilidade, que deram sentido ao aparato. Além disso, na prática não podemos descrever um curso de acontecimentos contrafactual com­ pleto e não precisamos de o fazer. Uma descrição prática daquilo em que a «situação contrafactual» difere rele­ vantemente dos factos reais é suficiente; a «situação con­ trafactual» poderia ser entendida como um minimundo ou um miniestado, limitado aos aspectos do mundo re­ levantes para o problema em questão. Na prática, isto requer menos idealização do que se tivéssemos de consi­ derar histórias inteiras do mundo ou a totalidade das pos­ sibilidades. Para os objectivos que aqui temos, a analogia com o exercício elementar de probabiblidades fornece-nos um bom modelo para tirarmos as conclusões ade­ quadas a respeito dos «mundos possíveis». Em princípio, não há nada de errado em tomá-los, para fins filosóficos ou para efeitos técnicos, como entidades (abstractas) — a inocência do caso análogo da escola básica deveria acalmar quaisquer ansiedades a esse respeito18. (Na rea18 Não penso nos «mundos possíveis» como algo que forneça uma análise redutiva em qualquer sentido filosoficamente signifi­ cativo, isto é, que revele a natureza última, de um ponto de vista quer epistemológico quer metafísico, dos operadores modais, das proposições modais, etc., ou que os «explique». No desenvolvi­ mento efectivo do nosso pensamento não há dúvida de que os juízos que envolvem locuções modais directamente expressas («po­ deria ter-se dado o caso de») vêm antes. A noção de um «mundo possível», embora tenha as suas raízes em várias ideias comuns de

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lidade, a noção geral de «espaço de am ostragem» que está na base da moderna teoria das probabilidades é precisam ente a noção de um tal espaço de mundos possíveis.) Contudo, devemos evitar as armadilhas que têm uma aparência muito mais tentadora para os filó­ sofos com os seus grandes mundos do que para as crianças da escola com as suas versões m odestas. Não há razões especiais para supor que os m undos possí­ veis têm de ser dados qualitativam ente, ou que tenha de haver um problema genuíno de «identificação transmundial» — o facto de estarem envolvidos estados maiores e mais complexos do que no caso dos dados não faz, quanto a isto, qualquer diferença. O «mundo actual» — ou melhor, o estado ou a história real do mundo — não deve confundir-se com o enorme objecto disseminado que nos circunda. Este últim o também poderia chamar-se «o mundo (actual)», mas não é o

maneiras como o mundo poderia ter sido, surge num nível muito maior, e posterior, de abstracção. Na prática, ninguém que não consiga entender a ideia de possibilidade deverá ser capaz de entender a de um «mundo possível». Filosoficamente, não preci­ samos de assumir, de modo algum, que um tipo de discurso é «anterior» ao outro, independentemente dos objectivos em causa. O que principal e originalmente motivou a «análise em termos de mundos possíveis» — e aquilo em que essa análise esclareceu a lógica modal — foi o facto de ela permitir tratar a lógica modal através das mesmas técnicas conjuntistas da teoria dos modelos que tinham dado tão bons resultados na sua aplicação à lógica extensional. Também é útil para clarificar certos conceitos. Reiterando um outro aspecto: a noção da totalidade dos estados do mundo inteiro que são possíveis no sentido (metafísico) mais amplo envolve um certo grau de idealização, assim como outras questões filosóficas que não discuti. Se restringirmos os mundos a uma classe mais pequena de minimundos, todas as questões rela­ cionadas com os designadores rígidos, por exemplo, permanecem essencialmente as mesmas. O mesmo acontece com as questões de semântica modal.

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objecto que aqui é relevante. Por isso, os mundos pos­ síveis mas não actuais não são duplicados fantasmáticos do «mundo» neste outro sentido. Talvez estas confusões fossem menos prováveis se não fosse o aci­ dente term inológico de se ter utilizado «mundos pos­ síveis» em vez de «estados», ou «histórias possíveis», do mundo, ou «situações contrafactuais». Não há dú­ vida de que elas teriam sido evitadas se os filósofos aderissem às práticas comuns das crianças da escola e dos teóricos das probabilidades19. Uma últim a questão: alguns críticos das minhas doutrinas, e alguns sim patizantes, parecem tê-las lido como se afirmassem, ou pelo menos implicassem , uma doutrina da substituibilidade universal dos nomes pró­ prios. Uma tal afirmação equivaleria a dizer que uma frase que contenha «Cícero» expressa a mesma «propo­ sição» que a frase correspondente com «Túlio» em vez de «Cícero», que acreditar na proposição expressa por uma é acreditar na proposição expressa pela outra, ou que elas são equivalentes para todos os efeitos semân­ ticos. Russell parece ter defendido uma perspectiva deste género para os «nomes logicamente próprios», e trata-se de uma perspectiva que parece adequar-se bem a uma concepção puramente «milliana» do nomear, em que apenas o referente do nome contribui para aquilo que é expresso. Mas eu nunca tive a intenção de ir tão longe (nem Mill, tanto quanto sei20). A ideia que

19 Compare-se, por exemplo, o «realismo moderado» a respeito dos mundos possíveis de Robert Stalnaker, «Possible Worlds», Noíis, vol. 10, 1976, pp. 65-75. 20 Michael Lockwood («On Predicating Proper Names», The Philosophical Review, vol. 84, n.° 4, Outubro, 1975, pp. 471-498) diz (p. 491) que Mill não considera que «Cícero é Túlio» signifique o mesmo que «Cícero é Cícero», mas que defende antes a ideia de que aquela frase significa que «Cícero» e «Túlio» são co-designativos. Diz também (p. 490) que Mill vê uma tal componente metalinguística

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tenho de que por vezes a frase «Héspero é Fósforo» poderia ser usada para levantar uma questão empírica, enquanto «Héspero é Héspero» não poderia, mostra que não trato as frases como se fossem com pletam ente intermutáveis. Além disso, indica que o modo de fixar a referência é relevante para a nossa atitude epistémica a respeito das frases expressas. Como se relaciona isto com a questão de saber que «proposições» é que estas frases expressam? Essas «proposições» são objecto de conhecimento e de crença? Em geral, como se devem tratar os nomes em contextos epistémicos? Estas são questões muito difíceis. Não tenho nenhum a «dou­ trina oficial» a seu respeito, e, de facto, não sei se o aparato das «proposições» não colapsa nesta área21.

em todas as afirmações que envolvam nomes. Não levei mais adiante o estudo da interpretação de Mili e, por isso, não tenho posição sobre qual é exactamente a sua doutrina. 21 As razões por que acho estas questões tão difíceis encontram-se no meu «A Puzzle About Belief», em Meaning and Use (ed. A. Margalit), Reidel, 1979, pp. 239-283. É claro que pode haver mais do que uma noção de «proposição», dependendo do que exigirmos da noção. A tese da rigidez implica, sem dúvida, a intermutabilidade de nomes co-designativos em contextos modais, com a salva­ guarda habitual acerca da possível não-existência. Relativamente à rigidez: muitas vezes, tanto neste prefácio como no texto desta monografia, ignoro deliberadamente questões deli­ cadas que derivam da possível não-existência de um objecto. Também ignoro a distinção entre a rigidez «de jure», em que se estipula que a referência de um designador é um só objecto, este­ jamos nós a falar do mundo actual ou de uma situação contrafactual, e a mera rigidez «de facto», em que acontece uma descrição «o x tal que Fx» usar um predicado «F» que em todos os mundos possíveis é verdadeiro do mesmo objecto único (por exemplo, «o menor número primo» designa rigidamente o número dois). A minha tese acerca dos nomes é claramente a de que eles são rígidos de jure, mas na monografia dou-me por satisfeito com a afirmação mais fraca da rigidez. Uma vez que os nomes são rígi­ dos de jure — veja-se a p. 135 — , digo que um nome próprio de­

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Por isso, contornei estas questões; não se deve ler ne­ nhuma doutrina firme relativam ente a isso nas mi­ nhas palavras.

signa rigidamente o seu referente mesmo quando falamos de situa­ ções contrafactuais nas quais esse referente não teria existido. As questões acerca da não-existência são assim afectadas. Várias pes­ soas me persuadiram de que todas estas questões merecem ser mais cuidadosamente discutidas do que o foram na monografia, mas tenho de as deixar aqui.

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Primeira palestra: 20 de Janeiro de 19701

Espero que algum as pessoas encontrem algum a relação entre os dois tópicos do título. De qualquer modo, mesmo que não encontrem, essas relações serão desenvolvidas ao longo destas palestras. Além disso,

1 Em Janeiro de 1970 dei três palestras na Universidade de Princeton, que aqui se encontram transcritas. O estilo da transcrição mostra bem que dei as palestras sem usar um texto escrito e, de facto, mesmo sem quaisquer notas. O presente texto é uma versão ligeiramente revista da transcrição original; aqui e ali, acrescentei uma passagem para desenvolver o pensamento, reescrevi uma frase ou outra, mas não fiz qualquer esforço para alterar o estilo informal do original. Muitas das notas de rodapé foram acrescentadas, mas algumas são apartes originalmente feitos nas próprias palestras. Espero que ao ler o texto o leitor tenha estes factos em atenção. Imaginá-lo falado, com as pausas e as ênfases certas, pode, ocasio­ nalmente, facilitar a compreensão. Foi com algumas reservas que concordei em publicar estas palestras sob esta forma. O tempo dis­ ponível e o estilo informal exigiram que encurtasse a discussão,

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devido ao uso de instrumentos que envolvem a referên­ cia e a necessidade na filosofia analítica actual, as nossas perspectivas acerca destes tópicos têm realmente impli­ cações vastas, que se estendem a outros problemas filo­ sóficos, que tradicionalmente se poderia pensar estarem muito distantes — como, por exemplo, o problema da relação entre a mente e o corpo ou a chamada «tese da identidade». Esta forma de m aterialism o vê-se hoje muitas vezes intricadamente envolvida em questões acerca do que é necessário ou contingente na identidade de propriedades — e noutras questões deste género. Por isso, para filósofos que pretendam trabalhar em vários domínios, é de facto muito importante que estejam es­ clarecidos acerca destes conceitos. Ao longo destas pa­ lestras talvez venha a dizer alguma coisa acerca do pro­ blema da relação entre a mente e o corpo. Também gostaria de chegar a falar acerca das substâncias e das espécies naturais (mas não sei se conseguirei incluir isso). De certa m aneira, a minha abordagem destes assun­ tos irá ser bastante diferente daquilo que as pessoas actualmente pensam (apesar de existirem tam bém al­ guns pontos de contacto com o que algumas pessoas que não pudesse tratar de certas objecções, e assim por diante. Em especial nas secções finais sobre as identidades científicas e sobre o problema da relação entre a mente e o corpo, tive de sacrificar o tratamento exaustivo das questões. Tive de omitir por inteiro alguns tópicos que seriam essenciais para uma apresentação com­ pleta do ponto de vista aqui defendido — em particular, o tópico dos enunciados de existência e o dos nomes vazios. Além disso, a informalidade da apresentação pode bem ter resultado numa menor clareza em certos pontos. Todos estes defeitos se aceitaram em proveito de uma publicação mais rápida. Espero que um dia ve­ nha talvez a ter oportunidade de apresentar um trabalho mais completo. Uma vez mais digo que espero que o leitor tenha em atenção que está em grande medida a ler palestras informais, não só quando encontrar repetições ou imperfeições, mas também quando encontrar irreverência ou sarcasmo.

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têm vindo a pensar e a escrever, e se as não menciono em palestras informais como esta, espero que isso me seja perdoado)2. A lgum as das m inhas perspectivas podem, à primeira vista, surpreender alguns por pare­ cerem obviam ente erradas. O meu exemplo preferido (que, provavelm ente, não vou defender nas pales­ tras — até porque nunca convence ninguém) é este: é comum na filosofia contem porânea afirmar-se que há certos predicados que, apesar de serem de facto vazios, ou seja, apesar de terem extensão nula, a têm contin­ gentemente e não por qualquer género de necessidade. Bem, isso eu não contesto; mas um exemplo que nor­ malmente é apontado é o do unicórnio. Assim, diz-se que, apesar de todos termos descoberto que não exis­ tem unicórnios, é claro que poderiam ter existido unicór­ nios. Sob certas circunstâncias, teriam existido uni­ córnios. E este é um exemplo de algo que eu julgo que não é verdade. Na minha perspectiva, talvez a ver­ dade não se deva colocar em termos de dizer que é necessário que não existam unicórnios, mas apenas que não é possível dizermos sob que circunstâncias 2 Aproveito a oportunidade para acrescentar uma nota e assinalar que Rogers Albritton, Charles Chastain, Keith Donnellan e Michael Slote (além dos filósofos mencionados no texto e, em especial, Hilary Putnam) expressaram, de maneira independente, perspectivas que têm pontos de contacto com vários aspectos do que digo aqui. Albritton despertou a minha atenção para os problemas da necessi­ dade e da aprioridade nas espécies naturais, ao colocar a questão de saber se poderíamos descobrir que os limões não são frutos. (Não estou certo de que ele aceitasse todas as minhas conclusões.) Recor­ do também a influência das primeiras conversas com Albritton e com Peter Geach acerca da essencialidade das origens. Mantenho o pedido de desculpas apresentado no texto; estou ciente de que a lista desta nota está longe de ser exaustiva. Não tentarei sequer enumerar os amigos e os estudantes que me auxiliaram com as suas estimulantes conversas. Pelo apoio na revisão da transcrição, Thomas Nagel e Gilbert Harman merecem um agradecimento especial.

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existiriam unicórnios. Mais ainda, mesmo que arqueólo­ gos ou geólogos viessem amanhã a descobrir fósseis que, de modo conclusivo, revelassem a existência de animais no passado, satisfazendo tudo o que, pelo mito do uni­ córnio, sabemos acerca dos unicórnios, penso que isso não mostraria que existiram unicórnios. Não sei se terei oportunidade de defender esta perspectiva em parti­ cular, mas trata-se de um exemplo de uma perspectiva surpreendente. (Efectivamente, dei um seminário nesta instituição onde falei acerca desta perspectiva durante algumas sessões.) Portanto, algumas das minhas opiniões são algo surpreendentes; mas comecemos por uma área que talvez não seja tão surpreendente, e introduzamos a metodologia e os problem as destas palestras. O primeiro tópico, no nosso par, é o nomear. Entendo aqui por nome um nome próprio, como o nome de uma pessoa, de uma cidade, de um país, etc. É bem sabido que os lógicos modernos estão também muito interessa­ dos em descrições definidas: expressões com a forma «o x tal que (pr», tais como «o homem que corrompeu Hadleyburg». Ora, se um e somente um homem corrom­ peu Hadleyburg, então esse homem é o referente (no sentido dos lógicos) dessa descrição. Nós iremos usar o termo «nome» de um modo que não inclui descrições definidas deste género, mas somente aquelas coisas a que, na linguagem corrente, chamamos «nomes pró­ prios». Se quisermos um termo comum para cobrir no­ mes e descrições, podemos usar o termo «designador». D onnellan3 observou que, em certas circunstâncias, um falante particular pode usar uma descrição defini-

3 Keith Donnellan, «Reference and Definite Descriptions», Philosophical Review 7 5 ,1966, pp. 281-304. Veja-se também Leonard Linsky, «Reference and Referents», in Philosophy and Ordinary Language (ed. Caton), Urbana: University of Illinois Press, 1963. Parece-me que a distinção de Donnellan se pode aplicar tanto a

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da para referir não o referente correcto (no sentido em que acabei de defini-lo) dessa descrição, mas alguma outra coisa que ele pretende destacar e que pensa ser o referente correcto da descrição, embora, de facto, não o seja. Assim, podemos dizer «O homem que está ali com um copo de champanhe está feliz», apesar de no seu copo haver apenas água. E, apesar de o seu copo não ter champanhe e de poder estar outro homem na sala que realm ente tem champanhe no copo, o falante teve a intenção de referir, ou talvez, num certo sentido de «referir», referiu, de facto, o homem que ele pensou nomes como a descrições. Dois homens avistam alguém ao longe e julgam que é Jones. «O que está Jones a fazer?» «A varrer as folhas.» Se o varredor de folhas lá ao longe for de facto Smith, então, num certo sentido, eles estão a referir-se a Smith, embora usem ambos «Jones» como um nome de Jones. Quando, no texto, falo do «referente» de um nome, quero dizer a coisa nomeada pelo nome — e.g., Jones, e não Smith — embora, às vezes, possamos dizer correctamente que um falante usa o nome para se referir a outra pessoa. Talvez fosse menos enganador usarmos um termo técnico como «denota», em vez de «refere». Eu uso o termo «refere» de modo a satisfazer o esquema: «O referente de 'X' é X», em que «X» é substituível por qualquer nome ou descrição. Tendo a acredi­ tar, ao contrário de Donnellan, que as suas observações acerca da referência têm pouco a ver com a semântica ou com as condições de verdade, embora possam ser relevantes para uma teoria dos actos de fala. Por falta de espaço, não me é possível explicar aqui o que quero dizer com isto, e menos ainda defender a minha pers­ pectiva. Direi apenas o seguinte: ao referente de um nome ou de uma descrição, no meu sentido, chamemos o «referente semântico»; no caso de um nome, esse referente é a coisa nomeada, enquanto, no caso de uma descrição, é a única coisa que satisfaz a descrição. Então, o falante pode, se tiver certas crenças falsas, referir-se a outra coisa que não seja o referente semântico. Julgo que é isto que acontece nos casos de nomeação (Smith-Jones), bem como no caso do «champanhe» de Donnellan; para tratar dos primeiros, não precisamos de uma teoria de acordo com a qual os nomes seriam ambíguos, tal como não precisamos, para tratar do segundo, de nenhuma modificação da teoria das descrições de Russell.

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que tinha o copo com champanhe. Não obstante, usarei o term o «referente da descrição» para indicar o objecto que é o único a satisfazer as condições presentes na descrição definida. Este é o sentido tradicionalm ente usado em lógica. Portanto, se temos uma descrição com a forma «o x tal que A{y)) falha, se A(x) puder conter operadores modais. (Por exemplo, (3i/) ((x) 0 ( x^y) ) é satisfazível, mas (3y)0(i/ ^y) não o é.) Uma vez que o modelo formal de Lewis se segue, muito naturalmente, da sua perspectiva filosófica acerca das contrapartes, e uma vez que a falha da instanciação universal para propriedades

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lidade quantificada está cheia de exem plos disso14. Porque é que temos de fazer esta exigência? Essa não é a m aneira normal de pensarm os em situações contrafactuais. Norm alm ente dizemos: «Suponhamos que modais é intuitivamente bizarra, parece-me que esta falha consti­ tui mais uma razão contra a plausibilidade das suas perspectivas filosóficas. Existem ainda outras dificuldades formais menos im­ portantes. Não posso desenvolver aqui o assunto. Em sentido estrito, a concepção de Lewis não é uma concepção de «identificação transmundial». O que ele pensa é que as seme­ lhanças ao longo de mundos possíveis determinam uma relação de contraparte que não tem de ser simétrica nem transitiva. A con­ traparte de alguma coisa noutro mundo possível nunca é idêntica à própria coisa. Assim, se dissermos «Humphrey podia ter ven­ cido as eleições (se tivesse feito tal e tal)», estaremos a falar acerca de algo que poderia ter acontecido, não a Humphrey, mas sim a uma outra pessoa, que é uma «contraparte» dele. E no entanto bastante provável que Humphrey não esteja minimamente interes­ sado em saber se uma outra pessoa, por muito parecida com ele que seja, teria sido a vencedora noutro mundo possível. Assim, parece-me que a concepção de Lewis é ainda mais bizarra do que as noções habituais de identificação transmundial que pretende substituir. As questões importantes, no entanto, são comuns às duas concepções: a suposição de que os outros mundos possíveis são como outras dimensões de um universo mais amplo, de que só podem ser dados por descrições puramente qualitativas e de que, por isso, a relação de identidade ou a relação de contraparte tem de ser estabelecida em termos de semelhança qualitativa. Muitas pessoas me têm dito que o pai da teoria das contrapartes é provavelmente Leibniz. Não discutirei aqui esta questão histó­ rica. Também seria interessante comparar a concepção de Lewis com a interpretação Wheeler-Everett da mecânica quântica. Sus­ peito que esta concepção da física possa sofrer de problemas filo­ sóficos análogos aos da teoria das contrapartes de Lewis; no seu espírito, são concepções muito semelhantes. 14 Outro locus classicus das perspectivas que aqui critico, com maior desenvolvimento filosófico do que o artigo de Lewis, é um artigo de David Kaplan sobre a identificação transmundial. Infe­ lizmente, este artigo nunca foi publicado. Não é representativo da posição actual de Kaplan.

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este homem tinha perdido.» É desde logo um dado que o mundo possível contém este homem e que, nesse m undo, ele perdeu. O valor das nossas intuições acerca do que é possível pode ser discutível. Mas, se temos uma tal intuição acerca da possibilidade disso (a derrota eleitoral deste homem), então ela é acerca da possibilidade disso. Não temos de identificá-la com a possibilidade de um homem com tal e tal aparência, ou que defende tais e tais ideias políticas, ou como quer que o descrevamos qualitativamente, ter perdido. Pociemos apontar para o homem e perguntar o que lhe poderia ter acontecido a ele, caso as coisas tivessem acontecido de outra maneira. Poderia dizer-se: «Suponhamos que isso é verdade. Isso vai dar ao mesmo, porque a questão de saber se Nixon poderia ter tido certas propriedades, diferentes das que efectivam ente tem, é equivalente à questão de saber se os critérios de identidade ao longo dos m un­ dos possíveis incluem o facto de Nixon não ter estas propriedades.» Mas não é verdade que seja a mesma coisa, porque a noção habitual de um critério de iden­ tidade transm undial exige que se dêem condições necessárias e suficientes puram ente qualitativas para que alguém seja o Nixon. Se não podemos imaginar um mundo possível em que Nixon não tem uma certa propriedade, então essa é uma condição necessária para se ser Nixon. Ou, dito de outro modo, é uma propriedade necessária de Nixon que ele tenha essa propriedade. Por exemplo, supondo que Nixon é de facto um ser humano, parece que não podemos pensar numa situação contrafactual possível em que ele seja, digamos, um objecto inanim ado; talvez não seja se­ quer possível para ele não ter sido um ser humano. Então será um facto necessário acerca de Nixon que, em todos os mundos possíveis em que ele existe, ele seja humano, ou pelo menos não seja um objecto ina-

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nimado. Isto não tem nada a ver com qualquer exigên­ cia de que haja condições suficientes puramente quali­ tativas de «Nixonidade» que possamos formular. E de­ verá haver? Talvez haja algum argumento que mostre que deve haver, mas podemos considerar estas ques­ tões sobre condições necessárias sem entrarm os em questões sobre condições suficientes. Além disso, m es­ mo que houvesse um conjunto puramente qualitativo de condições necessárias e suficientes para ser Nixon, a perspectiva que defendo não requer que encontre­ mos essas condições antes de podermos perguntar se Nixon poderia ter vencido as eleições, assim como não requer que reformulemos a pergunta em termos de tais condições. Podemos muito sim plesmente conside­ rar Nixon e perguntar o que lhe poderia ter acontecido a ele, caso diversas circunstâncias tivessem sido dife­ rentes. Por isso, parece-me que as duas perspectivas, as duas maneiras de olhar para as coisas, são realmente diferentes. Reparem que esta questão de saber se Nixon pode­ ria não ter sido um ser humano é um claro exemplo de uma questão que não é epistemológica. Suponhamos que se descobria que Nixon é afinal um autómato. Isso poderia acontecer. Poderíamos precisar de provas para determinar se Nixon é um ser humano ou um autó­ mato. Mas isso é uma questão acerca do nosso conhe­ cimento. A questão de saber se Nixon poderia não ter sido um ser humano, dado o facto de que ele o é, não é uma questão acerca do conhecimento, a posteriori ou a priori. E uma questão acerca de como as coisas poderiam ter sido diferentes daquilo que efectiva­ mente são. Esta mesa é composta por moléculas. Poderia não o ser? Foi com certeza uma im portante descoberta cien­ tífica sabermos que era composta por m oléculas (ou por átomos). Mas poderia alguma coisa ser este mesmo 97

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objecto e não ser composta por moléculas? Não há dúvida de que sentimos que a resposta tem de ser «não». Em todo o caso, é difícil imaginar em que cir­ cunstâncias é que teríamos este mesmo objecto e des­ cobríamos que ele não é com posto por moléculas. Uma questão bastante diferente é a de saber se ele é de facto composto por m oléculas no mundo actual e como é que sabemos isso. (Abordarei mais adiante e com mais porm enor estas questões a respeito da essência.) Gostaria de apresentar agora um elemento de que preciso na metodologia que irei usar para discutir a teoria dos nomes de que estou a falar. Precisam os da noção de «identidade ao longo dos mundos possíveis» (como é habitualm ente cham ada, embora na minha opinião de uma m aneira um pouco enganadora15) para explicar uma distinção que pretendo agora fazer. Qual é a diferença entre perguntar se é necessário que 9 seja maior que 7 e perguntar se é necessário que o número de planetas seja maior que 7? Porque é que uma coisa é mais reveladora da essência do que a outra? A res­ posta intuitiva poderia ser: «Bem, repara nisto, o nú­ mero de planetas poderia ter sido diferente daquele 15 A expressão é enganadora, porque sugere que existe um pro­ blema especial de «identificação transmundial», e que não pode­ mos estipular trivialmente de que coisa ou pessoa estamos a falar quando imaginamos outro mundo possível. O termo «mundo possível» também pode ser enganador; é possível que sugira a imagem do «país estrangeiro». No texto, usei por vezes «situação contrafactual»; Michael Slote sugeriu que «estado (ou história) possível do mundo» poderia ser menos enganador do que «mundo possível». Melhor ainda, para evitar confusões, é, em vez de dizer: «Nalgum mundo possível, Humphrey teria vencido», dizer sim­ plesmente: «Humphrey poderia ter vencido.» O aparato dos mun­ dos possíveis tem sido (espero eu) muito útil no que diz respeito à teoria dos modelos conjuntista da lógica modal quantificada, mas tem também estimulado pseudoproblemas filosóficos e ima­ gens enganadoras.

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que de facto é. No entanto, não faz qualquer sentido dizer que o 9 poderia ter sido diferente daquilo que de facto é.» Utilizem os alguns termos de m aneira quase técnica. Digamos que uma expressão é um designador rígido se ela designar o mesmo objecto em todos os m undos possíveis; se não for esse o caso, então trata-se de um designador não-rígido ou acidental. Como é óbvio, não exigimos que os objectos existam em todos os mundos possíveis. Nixon poderia com certeza não ter existido, se os seus pais não tivessem casado (na m aneira normal de estas coisas acontecerem). Quando pensam os que um a propriedade é essencial a um objecto, o que costumamos querer dizer é que ela é verdadeira desse objecto em todos os casos em que este exista. E podemos dizer que um designador rígido de um existente necessário é fortem ente rígido. Uma das teses intuitivas que irei sustentar nestas palestras é a de que os nomes são designadores rígidos. Parece ser seguro que eles satisfazem o teste intuitivo que m encionei acima: embora seja verdade que o pre­ sidente dos EUA em 1970 poderia ter sido outra pes­ soa que não o presidente dos EUA em 1970 (por exem ­ plo, poderia ter sido Humphrey), no entanto, nenhuma outra pessoa além de Nixon poderia ter sido Nixon. Da mesma m aneira, um designador designa rigida­ mente um certo objecto se designar esse objecto onde quer que ele exista; se, além disso, o objecto é um existente necessário, o designador pode ser chamado fortem ente rígido. Por exemplo, «o presidente dos EUA em 1970» designa um certo homem, Nixon; mas algu­ ma outra pessoa (por exemplo, Humphrey) poderia ter sido o presidente em 1970, e Nixon poderia não o ter sido; por isso, este designador não é rígido. Nestas palestras defenderei, de m aneira intuitiva, que os nomes próprios são designadores rígidos, porque apesar de o homem (Nixon) poder não ter sido presi-

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dente, não se dá o caso de que ele pudesse não ter sido Nixon (embora pudesse não ter sido chamado «Nixon»). Aqueles que defenderam que, para darmos um sentido à noção de designador rígido, teríamos de, prim eira­ mente, dar sentido à noção de «critérios de identidade transmundial» inverteram as posições da carroça e dos bois; é porque podemos referir Nixon (rigidamente) e estipular que estamos a falar daquilo que lhe poderia ter acontecido a ele (em certas circunstâncias) que as «identificações transmundiais» não levantam qualquer problema em tais casos16. A tendência para exigir descrições puramente quali­ tativas das situações contrafactuais tem muitas origens. Uma delas talvez seja a confusão entre o epistem oló­ gico e o m etafísico, entre o a priori e o necessário. Se uma pessoa identificar o necessário com o a priori, e pensar que os objectos são nomeados por meio de pro­ priedades que os identificam de maneira única, poderá pensar que são as propriedades usadas para identificar o objecto que, sendo conhecidas a priori, têm de ser usadas para o identificar em todos os m undos possí­ veis, para descobrir qual dos objectos é Nixon. Contra isto, repito: (1) Em geral, numa situação contrafactual as coisas não se «descobrem», estipulam-se; (2) os m un­ dos possíveis não têm de ser dados de m aneira pura­ mente qualitativa, como se estivéssem os a olhar para eles através de um telescópio. E veremos daqui a pou­ co que as propriedades que um objecto tem em todos

16 É claro que não estou a dizer que a linguagem contém um nome para cada objecto. Os pronomes demonstrativos podem ser usados como designadores rígidos e as variáveis livres podem ser usadas como designadores rígidos de objectos não especifica­ dos. Claro que, quando especificamos uma situação contrafactual, não descrevemos a totalidade do mundo possível, mas apenas a parte que nos interessa.

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os m undos contrafactuais nada têm a ver com proprie­ dades usadas para identificá-lo no m undo actual17. O «problema» da «identificação transmundial» tem algum sentido? É simplesmente um pseudoproblema? Parece-me que podemos dizer o seguinte a seu favor. Embora a afirmação de que a Inglaterra combateu a Alemanha em 1943 talvez não possa ser reduzida a nenhuma afirmação acerca de indivíduos, mesmo as­ sim, num certo sentido, não se trata de um facto novo e adicional relativam ente à colecção de todos os factos acerca das pessoas e do seu com portam ento ao longo da história. O sentido no qual os factos acerca de na­ ções não são factos novos e adicionais relativam ente aos factos acerca das pessoas pode ser expresso obser­ vando que uma descrição do mundo que mencione todos os factos acerca das pessoas, mas que omita os factos acerca das nações, pode ser uma descrição com­ pleta do mundo, da qual se seguem os factos acerca das nações. De igual modo, talvez, os factos acerca de objectos m ateriais não são factos novos e adicionais relativam ente aos factos acerca das m oléculas suas constituintes. Podem os então perguntar, dada uma descrição de uma situação possível não actualizada em termos de pessoas, se a Inglaterra ainda existe nessa situação, ou se uma certa nação (descrita, por exem ­ plo, como aquela em que Jones vive) que existiria nessa situação é a Inglaterra. De igual m odo, dadas certas vicissitudes contrafactuais na história das moléculas de uma mesa, M , podemos perguntar se M existiria nessa situação ou se um certo agregado de m oléculas, que nessa situação constituiria uma mesa, constitui a mesma mesa M. Em todos estes casos, procuramos, para certos objectos particulares, critérios de identidade 17 Veja-se a Primeira Palestra, p. 105 (sobre Nixon) e a Segunda Palestra, pp. 131-134.

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ao longo dos mundos possíveis que sejam dados em termos dos critérios para outros objectos particulares mais «básicos». Se as afirmações acerca das nações (ou acerca de tribos) não são redutíveis às afirmações acerca de outros constituintes mais «básicos», se existe alguma «textura aberta» na relação entre elas, dificilm ente po­ demos ter esperança de fornecer critérios de identidade seguros e invariáveis; apesar disso, em casos concretos, talvez sejamos capazes de dizer se um certo agregado de moléculas constituiria ainda M, embora nalguns casos a resposta possa ser indeterminada. Julgo que considerações deste género se aplicam tam bém ao problema da identidade ao longo do tempo; também aqui nos costumam os preocupar com a determ inação, com a identidade de um objecto particular «complexo» em termos de outros mais «básicos». (Por exemplo, se substituirmos várias partes de uma mesa, continuamos a ter o mesmo objecto?18)

18 Há aqui alguma vagueza. Se substituíssemos um pedaço (ou uma molécula) de uma dada mesa por outro pedaço, não teríamos problemas em afirmar que a mesa é a mesma. Mas se houvesse demasiados pedaços diferentes, parece que teríamos uma mesa diferente. O mesmo problema se pode colocar, como é óbvio, a respeito da identidade ao longo do tempo. Quando a relação de identidade é vaga, pode parecer que não é transitiva: uma cadeia de identidades aparentes pode gerar uma aparente não-identidade. Podia aqui ser útil dispormos de uma noção do género da de «contraparte» (mas sem as implicações filosóficas que tem a de Lewis: semelhança, mundos como países estrangeiros, etc.). Poderíamos dizer que a identidade em sentido estrito só se aplica aos particulares (as moléculas), e que aos par­ ticulares por eles «compostos», isto é, às mesas, se aplica a relação de contraparte. Podemos então declarar que a relação de contra­ parte é vaga e intransitiva. Mas é utópico acreditar que chegare­ mos alguma vez a um nível de particulares básicos últimos, para os quais as relações de identidade nunca são vagas, não havendo por isso o perigo da intransitividade. Este perigo não costuma

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No entanto, esta concepção de «identificação transmundial» é consideravelm ente diferente da que é habi­ tual. Em primeiro lugar, apesar de podermos tentar descrever o mundo em termos de moléculas, não é impróprio descrevê-lo em termos de entidades mais volumosas: a afirmação de que esta mesa poderia ter sido colocada noutra sala é perfeitam ente apropriada, em si e por si mesma. Não temos de usar a descrição em termos de moléculas, ou mesmo em termos de partes maiores da mesa, embora possamos. A não ser que su­ ponhamos que algumas entidades são «últimas» ou «básicas», não há razão para privilegiarm os nenhum tipo de descrição. Podem os, sem mais subtilezas, per­ guntar se Nixon poderia ter perdido as eleições — e não costuma ser preciso mais subtileza do que isto. Em segundo lugar, e como acabei de mencionar, não supomos que sejam possíveis condições necessárias e suficientes que determinem que espécies de colecções de m oléculas constituem esta mesa. Em terceiro lugar, a noção que apresento tenta dar os critérios de identi­ dade de objectos particulares em term os de outros objectos particulares, e não em termos de qualidades. Posso referir-m e à mesa que está à m inha frente e perguntar o que lhe poderia ter acontecido em certas circunstâncias; e tam bém posso referir-m e às suas moléculas. Se, por outro lado, for exigido que descre­ va cada situação contrafactual em termos puramente qualitativos, então só posso perguntar se uma mesa, de tal e tal cor, etc., teria certas propriedades. A questão de saber se uma tal mesa seria esta mesa, a mesa M, é de facto difícil de responder, uma vez que toda a re­ ferência a objectos, por oposição a qualidades, desapasurgir na prática e, por isso, podemos, regra geral, falar simples­ mente de identidade sem receios. Os lógicos não desenvolveram uma lógica da vagueza.

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receu. Diz-se muitas vezes que, se descrevermos uma situação contrafactual como algo que teria acontecido a Nixon e se não supuserm os que essa descrição é redutível a uma descrição puramente qualitativa, en­ tão estaremos a admitir uns m isteriosos «particulares puros», substratos sem propriedades que subjazem às qualidades. Isto não é verdade: eu penso que Nixon é republicano, e não que ele serve de substrato ao republicanism o (o que quer que isso queira dizer); também penso que ele poderia ter sido democrata. O mesmo vale para quaisquer outras propriedades que Nixon possa ter, com a ressalva de que algumas des­ sas propriedades podem ser essenciais. O que nego é que um particular não seja m ais do que um «agregado de qualidades», o que quer que isso possa querer di­ zer. Se uma qualidade é um objecto abstracto, um agregado de qualidades é um objecto de um grau ain­ da mais elevado de abstracção, e não um particular. Os filósofos chegaram à perspectiva contrária por via de um falso dilema, pois perguntaram: estes objectos estão por detrás do agregado de qualidades, ou será que o objecto não é mais do que o agregado? Nem uma coisa nem outra. Esta mesa é de m adeira, é castanha, está na sala, etc. Tem todas estas propriedades, e não é uma coisa sem propriedades, que esteja por detrás delas; mas não deve por essa razão ser identificada com o conjunto, ou «agregado», das suas propriedades, nem com o subconjunto das suas propriedades essenciais. Não perguntem: como é que posso identificar esta mesa noutro mundo possível, se não for através das suas propriedades? Tenho a mesa nas minhas mãos, posso apontar para ela e, quando pergunto se ela poderia estar noutra sala, estou, por definição, a falar dela. Não tenho de a identificar depois de a ver através de um telescópio. Se estou a falar dela, é dela que estou a falar, da m esm a m aneira que quando digo que as

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nossas mãos poderiam estar pintadas de verde, esti­ pulei que estou a falar da cor verde. Algumas proprie­ dades podem ser essenciais a um objecto, na medida em que este não poderia não as ter. Mas estas proprie­ dades não são usadas para identificar o objecto noutro mundo possível, pois não é necessária essa identifica­ ção. E as propriedades essenciais de um objecto não têm de ser usadas para o identificar no mundo actual, se é que o identificamos no mundo actual por meio de propriedades (tenho até agora deixado a questão em aberto). Portanto: a questão da identificação transm undial tem algum sentido, quando é colocada como pergunta pela identidade de um objecto via questões acerca das partes que o compõem. Mas estas partes não são qua­ lidades e o que está em questão não é um objecto se­ melhante àquele que nos é dado. Os teóricos têm dito muitas vezes que identificamos os objectos ao longo dos mundos possíveis como objectos que se assem e­ lham, nos aspectos mais im portantes, àquele que nos é dado. Pelo contrário, Nixon, se tivesse decidido agir de outro modo, poderia ter fugido da política, porém, alimentando em privado opiniões radicais. E muito importante observar que, mesmo quando podemos subs­ tituir questões acerca de um objecto por questões acerca das suas partes, não temos de o fazer. Podem os referir-nos ao objecto e perguntar o que lhe poderia ter acon­ tecido a ele. Portanto, não começamos por ter mundos (a respeito dos quais se supõe que são de alguma m aneira reais e que podem os percepcionar as suas qualidades, mas não os seus objectos), para perguntar­ mos depois pelos critérios de identificação transm un­ dial; pelo contrário, com eçam os pelos objectos, que temos, e que podemos identificar no mundo actual. Depois podemos perguntar se certas coisas poderiam ser verdadeiras dos objectos. 105

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Disse antes que a perspectiva de Frege-Russell, se­ gundo a qual os nomes são introduzidos por descrição, pode ser entendida como uma teoria do significado dos nomes (e parece que Frege e Russell a entenderam assim) ou sim plesmente como uma teoria da sua referência. Para o ilustrar, eis um exemplo que não envolve o que habitualmente chamaríamos um «nome próprio». Supo­ nhamos que alguém estipula que 100 graus centígrados é a tem peratura a que a água ferve ao nível do mar. Isto não é com pletam ente exacto, porque a pressão pode variar ao nível do mar. É claro que, historicamente, já foi depois dada uma definição mais exacta. Mas suponha­ mos que era essa a definição. Outro género de exemplo que encontramos na literatura é o de que um metro é o comprimento de S, em que S é uma certa régua ou barra que está em Paris. (As pessoas que gostam de falar destas definições costumam depois tentar trans­ form ar «o com primento de» num conceito «operacio­ nal». Mas isso não é importante.) W ittgenstein diz algo m uito surpreendente acerca disto. Diz: «Há uma coisa acerca da qual não podemos dizer nem que tem um metro de com primento nem que não tem um metro de comprimento, que é o metro-padrão de Paris. Mas é claro que com isto não lhe estamos a atribuir qualquer propriedade extraordiná­ ria, apenas assinalamos o papel peculiar que desem ­ penha no jogo de linguagem de m edir com uma fita m étrica19.» Na verdade, esta parece ser uma proprie­ dade bastante «extraordinária» para se atribuir a uma barra. Julgo que W ittgenstein deve estar errado. Se a barra mede, por exemplo, 39,37 polegadas (suponho que temos algum padrão diferente para polegadas), porque é que não mede um metro? De qualquer modo, 19 Investigações Filosóficas, § 50. [N. dos T.: A tradução de M. S. Lourenço foi ligeiramente modificada.]

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suponhamos que ele está errado e que a barra tem um metro de comprimento. Parte do problema que inco­ moda W ittgenstein é, claramente, o facto de esta barra servir de padrão para medir o comprimento e de, por isso, não lhe poderm os atribuir um com prim ento. Mesmo que fosse assim (mas, de facto, não é), será o enunciado «a barra S tem um metro de comprimento» uma verdade necessária? É claro que o seu com pri­ mento pode variar com o tempo. Poderíam os tornar a definição mais precisa estipulando que um metro é o comprimento de S num instante fixo íQ. É então neces­ sariamente verdade que a barra S tem um metro de comprimento no instante f0? Alguém que julgue que tudo o que sabemos a priori é necessário poderia pen­ sar: «Esta é a definição de um metro. Por definição, a barra S tem um metro de comprimento em tg. Isto é uma verdade necessária.» Mas parece-m e que não há nenhuma razão para se tirar esta conclusão, mesmo para alguém que use a definição de «um metro» que foi dada. Pois não se está a usar esta definição para dar o significado daquilo a que se cham ou o «metro», mas apenas para fixar a referência. (A noção de referência pode ser pouco clara para uma coisa tão abstracta como uma unidade de comprimento. Mas vamos supor que é suficientem ente clara para o que pretendem os aqui.) Essa pessoa usa a definição para fixar uma referência. Existe um certo com primento que ela pretende isolar. E isola-o por meio de uma propriedade acidental, a saber, o facto de existir uma barra com esse com pri­ mento. Outra pessoa poderia isolar a mesm a referên­ cia por meio de uma outra propriedade acidental. Mas, em todo o caso, embora use isto para fixar a referência do seu padrão de com primento (o metro), ela ainda pode dizer: «Se esta barra S tivesse sido aquecida em tQ/ então em tQa barra S não teria tido um metro de comprimento.» 107

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Bem, porque é que ela pode dizer isso? Parte da razão pode estar no que pensam algumas pessoas da área de filosofia da ciência, mas não pretendo explorar isso agora. Uma resposta sim ples a esta questão é a seguinte: mesmo que este seja o único padrão de com ­ prim ento usado20, existe uma diferença intuitiva entre a expressão «um metro» e a expressão «o com prim en­ to de S em tQ». A primeira pretende designar rigida­ mente um certo com primento em todos os mundos possíveis, com primento esse que, no mundo actual, é o comprimento da barra S em íQ. Por outro lado, «o comprimento de S em tQ» não designa nada rigida­ mente. Nalgum as situações contrafactuais, a barra po­ dia ser mais comprida, e noutras mais curta, depen­ dendo das forças e tensões a que fosse sujeita. Podemos por isso dizer, acerca desta barra (tal como diríamos de qualquer outra que fosse feita do mesmo m aterial e que tivesse o mesmo com primento), que, se ela ti­ vesse sido submetida a uma dada quantidade de ca­ lor, se teria expandido até atingir um com prim ento tal e tal. Uma tal afirmação contrafactual, sendo verda­ deira de outras barras com propriedades físicas idên­ ticas, será tam bém verdadeira desta barra. Não há nenhum conflito entre esta afirmação contrafactual e a definição de «um metro» como «o comprimento de S em tQ», porque a «definição», correctamente interpre­ tada, não diz que a expressão «um metro» é sinónima (mesmo quando falamos em situações contrafactuais) da expressão «o comprimento de S em tQ», mas sim

20 Os filósofos da ciência podem achar que a solução do pro­ blema está em considerar que «um metro» é um «conceito-feixe». O que peço ao leitor é que, a título hipotético, suponha que a «definição» que foi dada constitui o único padrão usado para deter­ minar o sistema métrico. Julgo que o problema continuaria a colo­ car-se.

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que determinámos a referência da expressão «um metro» ao estipularmos que «um metro» é um designador rí­ gido do com primento que é, de facto, o comprimento de S em f . Por isso, isto não transforma o facto de S ter um metro de com primento em t numa verdade neces­ sária. De facto, em certas circunstâncias, S não teria um metro de comprimento. A razão de isso ser assim está em que um designador («um metro») é rígido, enquanto o outro («o com primento de S em tQ») não o é. Qual é, então, o estatuto epistemológico do enunciado «A barra S tem um metro de com primento em tQ» para uma pessoa que firmou o sistema m étrico por referên­ cia à barra S? Ao que parece, ela conhece-o a priori. Pois se usou a barra S para fixar a referência do termo «um metro», então, em consequência deste género de «definição» (que não é uma definição abreviativa ou sinónima), sabe autom aticamente, sem m ais investiga­ ção, que S tem um metro de com primento21. Por outro lado, mesmo que S seja usada como o padrão para um metro, o estatuto metafísico de «S tem um metro de comprimento» será o de um enunciado contingente, desde que se tome «um metro» como um designador rígido: subm etida a forças e tensões apropriadas, por aquecim ento ou arrefecimento, S teria tido um com ­ primento diferente de um metro mesmo em tg. (E enun­ ciados como «A água ferve a 100 °C ao nível do mar» podem ter um estatuto semelhante.) Por isso, neste sentido, existem verdades contingentes a priori. No entanto, para o nosso propósito, mais im portante do que aceitar este exemplo como um caso do contin­ gente a priori é o facto de ele ilustrar a distinção entre 21 Uma vez que a verdade que a pessoa conhece é contingente, prefiro não lhe chamar «analítica», exigindo por estipulação que as verdades analíticas sejam ao mesmo tempo necessárias e a priori. Veja-se a nota 63.

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«definições» que fixam uma referência e definições que oferecem um sinónimo. Também se pode fazer esta distinção no caso dos nomes. Suponhamos que a referência de um nome é dada por uma descrição ou por um feixe de descri­ ções. Se o nome significar o mesmo que a descrição ou que o feixe de descrições, então não será um designador rígido. Não designará necessariamente o mesmo objecto em todos os mundos possíveis, uma vez que noutros m undos poderiam ser outros objectos a ter as propriedades dadas, a não ser, evidentem ente, que tivéssem os usado propriedades essenciais na nossa descrição. Por isso, suponhamos que dizemos: «Aris­ tóteles foi o melhor aluno de Platão.» Se usássemos isso como uma definição, o nom e «Aristóteles» signifi­ caria «o m elhor aluno de Platão». Então, é claro que num outro mundo possível esse homem poderia não ter sido aluno de Platão, e algum outro homem teria sido Aristóteles. Se, por outro lado, usam os a descri­ ção apenas para fixar o referente, então esse homem será o referente de «Aristóteles» em todos os mundos possíveis. O único uso dado à descrição terá sido para indicar a que homem nos queremos referir. M as então, quando dizemos contrafactualmente «suponhamos que A ristóteles nunca se teria dedicado à filosofia», não temos de querer dizer «suponhamos que um homem que foi aluno de Platão, e que ensinou Alexandre, o Grande, e que escreveu isto e aquilo, e assim por diante, nunca se teria dedicado à filosofia», o que até poderia parecer uma contradição. O que queremos dizer é sim ­ plesmente: «Suponhamos que este homem nunca se teria dedicado à filosofia.» Parece plausível supor que, nalguns casos, a referên­ cia de um nome é realmente fixada por via de uma des­ crição da mesma maneira que foi fixado o sistema mé­ trico. Quando o agente mítico viu Héspero pela primeira 110

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vez, poderá ter fixado a sua referência dizendo «Usarei 'Héspero' como nome do corpo celeste que aparece naquela posição no céu.» Desse modo fixou a referência de «Héspero» pela sua posição aparente no céu. Segue-se daqui que faz parte do significado do nome que Hés­ pero tenha tal e tal posição no instante em questão? Cer­ tamente que não: se antes disso o corpo celeste Héspero tivesse sido atingido por um cometa, poderia estar vi­ sível numa posição diferente nesse instante. Numa tal situação contrafactual, diríamos que Héspero não teria ocupado aquela posição, mas não que Héspero não teria sido Héspero. A razão de isso ser assim é que «Héspero» designa rigidamente um certo corpo celeste, enquanto «o corpo naquela posição» não. Um corpo diferente, ou nenhum, poderia estar naquela posição, mas nenhum outro corpo poderia ser Héspero (embora pudesse ser um outro corpo, e não Héspero, a chamar­ s e «Héspero»). De facto, tal como afirmei antes, defen­ derei que os nomes são sempre designadores rígidos. Frege e Russell parecem seguram ente ter defendido a teoria segundo a qual um nome próprio não é um designador rígido e é sinónimo da descrição que subs­ titui. Mas uma outra teoria pode ser a de que esta descrição é usada para determinar uma referência rígida. Estas duas alternativas terão consequências diferentes para as questões que eu estava a colocar. Se «Moisés» significa «o homem que fez tal e tal», então, se nin­ guém fez tal e tal, Moisés não existiu; e talvez «ninguém fez tal e tal» seja até uma análise de «Moisés não exis­ tiu». Mas se se usa a descrição para fixar rigidamente uma referência, então é claro que não é isso que se quer dizer com «Moisés não existiu», porque podemos perguntar, se falarmos de um caso contrafactual em que ninguém fez realm ente tal e tal (digamos: condu­ zir os Israelitas para fora do Egipto): segue-se daí que, num a tal situação, M oisés não teria existido? Não 111

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parece que se siga. Pois M oisés poderia com certeza ter decidido simplesmente passar os dias de modo mais agradável nas cortes egípcias. Ele poderia nunca se ter dedicado à política nem à religião; e nesse caso talvez ninguém tivesse feito qualquer das coisas que a Bíblia conta de M oisés. Em si m esmo, isso não significa que, num tal m undo possível, M oisés não teria existido. Se é assim, então «Moisés» significa algo diferente de «as condições de existência e de unicidade de uma certa descrição são satisfeitas»; e, portanto, isto afinal não fornece uma análise do enunciado existencial singu­ lar. Se abandonarmos a ideia de que isto é uma teoria do significado e a transform arm os num a teoria da referência da maneira que descrevi, abandonamos algu­ mas das vantagens da teoria. Os enunciados existen­ ciais singulares e os enunciados de identidade entre nomes requerem outro género de análise. Frege deve ser criticado por usar o termo «sentido» em dois sentidos. Pois ele considera que o sentido de um designador é o seu significado e também a maneira como é determ inada a sua referência. Ao identificá-los, supõe que ambos são dados através de descrições definidas. Em última análise, acabarei por rejeitar tam­ bém esta segunda suposição; mas mesmo que fosse correcta, rejeito a primeira. Uma descrição pode ser usada com o sinónim a de um designador ou pode ser usada para fixar a sua referência. Os dois sentidos fregianos de «sentido» correspondem a dois senti­ dos com que o termo «definição» costuma ser usado. Devemos distingui-los cuidadosam ente22.

22 O sentido fregiano é geralmente interpretado, nos nossos dias, como sendo o significado, o qual deve ser cuidadosamente distinguido de um «fixador da referência». Veremos mais adiante que, para a maioria dos falantes (a não ser que sejam aqueles que inicialmente deram o nome ao objecto), o referente do nome é

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Espero que a ideia da oposição entre fixar a referên­ cia e definir efectivam ente um termo como significan­ do outro seja relativam ente clara. Não tem os realm en­ te tempo suficiente para analisar tudo com grande pormenor. Julgo que, mesmo nos casos em que a opo­ sição entre designação rígida e designação acidental não pode ser usada para tornar visível a diferença em questão, algumas das coisas a que chamamos defini-

determinado por uma cadeia «causal» de comunicação, e não por uma descrição. Na semântica formal da lógica modal, considera-se geralmente que o «sentido» de um termo t é a função (possivelmente parcial) que, a cada mundo possível H, atribui o referente de t em H. Para um designador rígido, essa função é constante. Esta noção de «sentido» tem a ver com a noção de «dar um significado», e não com a de fixar uma referência. Neste uso de «sentido», o sentido de «um metro» é uma função constante, embora a sua referência seja fixada por «o comprimento de S», cujo sentido não é uma função constante. Alguns filósofos pensaram que, na linguagem natural, as des­ crições são ambíguas, que umas vezes designam não rigidamente, em cada mundo, o objecto (se houver algum) que satisfaz a descri­ ção, enquanto outras vezes designam rigidamente o objecto que efectivamente satisfaz a descrição. (Outros, inspirados por Donnellan, dizem que às vezes a descrição designa rigidamente o objecto que se pensa ou que se pressupõe que satisfaz a descrição.) Estas alegadas ambiguidades parecem-me duvidosas. Não conheço nenhum facto que testemunhe a seu favor e que não possa ser explicado pela noção russelliana de âmbito ou pelas considerações a que aludi na nota 3 nas pp. 70-71. Se há de facto ambiguidade, então, no suposto sentido rígido de «o comprimento de S», «um metro» e «o comprimento de S» desig­ nam a mesma coisa em todos os mundos possíveis e têm o mesmo «sentido» (funcional). Na semântica formal da lógica intensional, suponhamos que se considera que uma descrição definida designa, em cada mundo, o objecto que satisfaz a descrição. É de facto útil dispormos de um operador que transforma cada descrição num termo que designa rigidamente o objecto que efectivamente satisfaz a descrição. David Kaplan propôs um tal operador e chamou-lhe «Dthat».

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ções têm como objectivo fixar uma referência, e não fornecer o significado de uma expressão ou dar um sinónim o. D eixem -m e dar um exem plo. S u p o sta­ mente, n é a razão da circunferência de um círculo pelo seu diâmetro. A mim parece-me que esta letra grega — mas, para defender isto, não tenho m ais do que um vago sentimento intuitivo — não é usada como abreviatura, nem da expressão «a razão da circunferên­ cia de um círculo pelo seu diâmetro», nem sequer de um feixe de definições alternativas de n, seja isso o que for. A letra é usada como nome de um número real, que neste caso é necessariam ente a razão da circunfe­ rência do círculo pelo seu diâmetro. Reparem que aqui «Tc» e «a razão da circunferência do círculo pelo seu diâmetro» são ambos designadores rígidos, e, por isso, não podemos aplicar os argumentos que usám os no caso do sistema métrico. (Bem, se houver alguém que não vê as coisas assim ou que pensa que isto está errado, não importa.) Voltem os à questão que levantei a respeito dos nomes. Como disse, existe uma teoria moderna e popu­ lar que veio substituir a de Frege e Russell, e que é adop­ tada até por um crítico tão feroz de m uitas ideias de Frege e Russell (mas especialmente deste último) como é Straw son23. A nova teoria diz que, embora um nome não seja uma descrição disfarçada, ele abrevia, ou então a sua referência é de qualquer modo determ inada por, um feixe de descrições. A questão está em saber se isto é verdade. Como também já disse, existem versões mais fortes e mais fracas desta teoria. A sua versão mais forte diria que o nome é sim plesmente definido como sinónimo do feixe de descrições. Seria então necessá­ rio que M oisés tivesse não uma propriedade particu­ lar incluída neste feixe, mas sim a disjunção de todas 23 P. F. Strawson, Individuais, Londres: Methuen, 1959, cap. 6.

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elas. Não poderia haver nenhuma situação contrafactual em que ele não fizesse nenhuma dessas coisas. Penso que isto é claramente muito implausível. As pes­ soas têm-no dito — ou talvez não tenham tido a inten­ ção de o dizer, mas tenham usado o termo «necessário» nalgum outro sentido. Em todo o caso, por exemplo, no artigo de Searle sobre nomes próprios, pode ler-se: Para dizer a mesma coisa de maneira diferente, suponha-se que perguntamos «porque temos nomes pró­ prios?». Obviamente, para nos referirmos a indivíduos. «Sim, mas as descrições poderiam fazer-nos esse serviço.» Mas somente ao preço de termos de especificar condi­ ções de identidade de cada vez que nos referimos a algo: suponha-se que concordamos em abandonar «Aristóte­ les» e que passamos a usar, por exemplo, «o professor de Alexandre». Então é uma verdade necessária que o ho­ mem a que nos referimos seja professor de Alexandre — mas o facto de Aristóteles se ter alguma vez dedicado à pedagogia é contingente (embora eu esteja a sugerir que é um facto necessário que Aristóteles tenha a soma lógica, a disjunção inclusiva, das propriedades que geralmente lhe são atribuídas).24

Se o termo «necessário» for usado da mesma m a­ neira que tenho usado nesta palestra, esta sugestão tem claram ente de ser falsa. (A não ser que ele conheça alguma propriedade essencial muito interessante ge­ ralmente atribuída a Aristóteles.) A m aior parte das coisas geralm ente atribuídas a A ristóteles são coisas que ele poderia sim plesmente não ter realizado. Uma situação em que ele não as realizasse seria por nós descrita como uma situação em que Aristóteles não as realizou. Isto não é uma distinção de âm bito, como 24 p. 160.

Searle, op. cit., em Caton, Philosophy and Ordinary Language,

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por vezes acontece no caso das descrições, onde se po­ deria dizer que o homem que ensinou Alexandre pode­ ria não ter ensinado Alexandre; apesar de que não poderia ser verdade que: o homem que ensinou Alexan­ dre não ensinou Alexandre. Isto é a distinção russelliana de âmbito. (Não irei aprofundá-la.) Parece-me claro que não é dessa distinção que se trata aqui. Não só é verdade do homem Aristóteles que ele poderia não se ter dedicado à pedagogia; como também é ver­ dade que usamos o termo «Aristóteles» de tal modo que, ao pensarmos numa situação contrafactual em que A ristóteles não se tivesse dedicado a nenhuma das áreas e não tivesse obtido nenhum dos sucessos que geralm ente lhe atribuím os, m esm o assim diríam os que essa era uma situação na qual Aristóteles não teria realizado tais coisas25. Bem, há algumas coisas, como a data, ou o período em que viveu, que se podiam mais

25 O facto de a descrição «o professor de Alexandre» poder ser sujeita a distinções de âmbito em contextos modais e o facto de ela não ser um designador rígido são ambos ilustrados quando obser­ vamos que o professor de Alexandre poderia não ter ensinado Alexandre (e, nessas circunstâncias, não seria o professor de Ale­ xandre). Por outro lado, não é verdade que Aristóteles poderia não ter sido Aristóteles, embora Aristóteles pudesse não se ter chamado «Aristóteles», tal como 2 x 2 poderia não se chamar «quatro». (O discurso coloquial descuidado, que confunde muitas vezes o uso e a menção, pode com certeza expressar o facto de alguém poder chamar-se, ou não se chamar, «Aristóteles» dizendo que ele pode­ ria ser, ou não ser, Aristóteles. Tem-me acontecido ouvir estes usos descuidados serem aduzidos como contra-exemplos que mostra­ riam que esta teoria não é aplicável à linguagem vulgar. Parece-me que coloquialismos destes colocam tão poucos problemas às mi­ nhas teses como os que os êxitos da «Missão Impossível» colocam à lei modal segundo a qual o impossível não acontece.) Além disso, apesar de ser verdade que em certas circunstâncias Aristóteles não teria ensinado Alexandre, essas não são circunstâncias em que ele não teria sido Aristóteles.

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facilm ente im aginar como necessárias. Talvez essas sejam coisas que geralm ente lhe atribuímos. Existem excepções. Talvez seja difícil im aginar como poderia ele ter vivido 500 anos mais tarde do que quando vi­ veu de facto. Isso levanta seguram ente pelo menos um problem a. Mas pensem num hom em que não tem qualquer noção da data em que A ristóteles viveu. Muitas pessoas conhecem apenas um feixe vago dos seus sucessos mais famosos. Não só cada um deles individualm ente, mas também a posse da disjunção inteira dessas propriedades, é apenas um facto contin­ gente acerca de A ristóteles; e o enunciado de que Aristóteles tinha esta disjunção de propriedades é uma verdade contingente. Num certo sentido, uma pessoa pode saber isto a priori, se de facto ela fixar a referência de «Aristóteles» como o homem que realizou uma destas coisas. Ainda assim, não será para ela uma verdade necessária. Por isso, este género de exemplo serviria como um exem­ plo em que o a priori não im plicaria necessariam ente a necessidade, se a teoria do feixe estivesse correcta. O caso da fixação da referência de «um metro» é um exemplo muito claro em que alguém, apenas porque fixou a referência desta m aneira, pode num certo sen­ tido saber a priori que o com primento desta barra é um metro, sem considerar que isso é uma verdade neces­ sária. A tese de que a aprioridade im plica necessidade talvez possa ser m odificada. Ela parece expressar uma visão das coisas que poderia ser im portante, e verda­ deira, a respeito da epistemología. De certo modo, um exemplo como este pode parecer um contra-exem plo trivial, que pouco tem a ver com o que as pessoas querem realmente dizer quando dizem que só as ver­ dades necessárias podem ser conhecidas a priori. Bem, se a tese de que todas as verdades a priori são neces­ sárias deve ficar imune a este género de contra-exem 117

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pio, então precisa de sofrer alguma m odificação. Se perm anecer inalterada, gera confusão a respeito da natureza da referência. E eu próprio não faço ideia de como deveria ser m odificada ou reformulada, ou se uma tal m odificação ou reformulação é possível26. Deixem-m e então dizer o que é a teoria do feixe (ou seja, a teoria dos nomes baseada no conceito de feixe). (E realmente uma boa teoria. O único defeito que julgo que tem é provavelm ente com um a todas as teorias filosóficas. Está errada. Poderão suspeitar que vos es­ tou a propor outra teoria para a substituir; mas espero que não, porque estou certo de que, se é uma teoria, também está errada.) A teoria em questão pode ser decomposta numa série de teses, com algum as teses subsidiárias se quisermos ver como é que lida com o problem a das afirmações de existência, das afirmações de identidade, e assim por diante. Há ainda mais teses

26 Se uma pessoa decide que um metro é «o comprimento da barra S em f0», então, mim certo sentido, ela sabe a priori que o comprimento da barra S em t0 é um metro, ainda que use este enunciado para expressar uma verdade contingente. Mas, ao ter simplesmente estabelecido um sistema de medida, terá ela por essa via aprendido alguma informação (contingente) acerca do mun­ do, algum facto novo de que não soubesse antes? A resposta plau­ sível parece ser que, num certo sentido, não aprendeu nada, ape­ sar de ser inegavelmente um facto contingente que S tem um metro. Portanto, isso pode ser uma razão para reformularmos a tese de que tudo o que é a priori é necessário, de modo a salvá-la deste tipo de contra-exemplo. Como disse, não sei como deveria ser feita essa reformulação; ela não deve trivializar a tese (e.g., ao definir o a priori como aquilo que se sabe que é necessário, em vez de verda­ deiro, independentemente da experiência); e a tese conversa con­ tinuaria a ser falsa. Uma vez que não vou intentar uma tal reformulação, utilizarei consistentemente o termo «a priori» no texto de modo a que sejam a priori os enunciados cuja verdade se segue de uma «definição» fixadora da referência.

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se a tom arm os na sua versão mais forte, como uma teoria do significado. O falante é A. 1) Todo o nome ou expressão designadora «X» tem um feixe de propriedades que lhe corresponde, a saber: a família daquelas propriedades cp tais que A acredita «(pX». Esta tese é verdadeira, porque pode ser sim ples­ mente uma definição. Agora, é claro que algumas pes­ soas podem pensar que nem tudo o que o falante acre­ dita acerca de X tem a ver com a determ inação da referência de «X». Podem estar interessados apenas num subconjunto. Mas podem os lidar com isto mais adiante modificando algumas das outras teses. Por isso, esta tese está correcta, por definição. Mas julgo que as teses que se seguem são todas falsas. 2) A acredita que uma das propriedades, ou algu­ mas em conjunto, seleccionam um e um só indi­ víduo. Esta tese não diz que elas seleccionam um indiví­ duo único, mas apenas que A acredita que o fazem. Uma outra tese diz que ele tem razão. 3) Se há um e um só objecto y que satisfaz a m aio­ ria, ou uma maioria ponderada, das cp's, então y é o referente de «X». Bem, a teoria diz que supostamente o referente de «X» é a coisa que satisfaz, se não todas as propriedades, pelo menos um número «suficiente» delas. E óbvio que A pode estar enganado nalgum as coisas acerca de X. Fazemos uma espécie de votação. A questão agora é saber se esta votação deve ser dem ocrática ou se entre as propriedades deve haver algum as desigualdades.

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Parece m ais plausível que deva haver alguma ponde­ ração, que algumas propriedades sejam mais im por­ tantes do que outras. Uma teoria tem realm ente de especificar como se faz esta ponderação. Acho que Strawson, para minha surpresa, afirma explicitamente que aqui deve reinar a democracia, pelo que as proprie­ dades mais triviais têm o mesmo peso que as mais cruciais27. É certamente mais plausível supor que há alguma ponderação. Digamos que a dem ocracia não reina necessariamente. Se há alguma propriedade com­ pletamente irrelevante para a referência, podemos desqualificá-la por inteiro, atribuindo-lhe peso 0. As pro­ priedades podem ser vistas com o accionistas de uma empresa. Umas têm mais acções do que outras; algu­ mas até podem só ter acções sem direito de voto. 4) Se o escrutínio não elege um objecto único, então «X» não tem referente. 5) O enunciado «Se X existe, então X tem a maioria das (p's» é conhecido a priori pelo falante. 6) O enunciado «Se X existe, então X tem a maioria das (p's» expressa uma verdade necessária (no idiolecto do falante). Para quem não considere que o feixe faz parte do significado do nome, (6) não tem de ser uma tese da teoria. Uma tal pessoa poderia pensar que, embora determine a referência de «Aristóteles» como o homem que tinha a m aior parte das propriedades (p, há com certeza, ainda assim, situações possíveis em que Aristó­ teles não teria tido a maior parte das propriedades (p. 27 Strawson, op. cit., pp. 191-192. De facto, Strawson considera o caso em que há vários falantes, reúne as suas propriedades e submete-as a uma votação democrática (em que os pesos são iguais). Não exige uma maioria, mas apenas um número suficiente.

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Como já disse, existem algumas teses subsidiárias, embora eu não pretenda discuti-las em pormenor. Elas forneceriam as análises de enunciados existenciais sin­ gulares, como, por exemplo, «'M oisés existe' significa que 'um número suficiente de propriedades cp é satis­ feito'». M esmo quem não utiliza a teoria como uma teoria do significado tem algumas destas teses. Por exemplo, subsidiariamente à tese (4), diríamos que é verdade a priori para o falante que, se não forem satis­ feitas suficientes propriedades cp, então X não existe. Só se a perspectiva for adoptada como uma teoria do significado, em vez de como uma teoria da referência, é que também seria necessariamente verdade que, se não forem satisfeitas suficientes propriedades (p, então X não existe. Em qualquer caso, o falante saberá isso a priori. (Pelo menos, saberá isso a priori, desde que conheça a teoria adequada dos nomes.) Depois há tam­ bém uma análise dos enunciados de identidade que segue a mesma orientação. A questão é: são algumas destas coisas verdadeiras? Se forem verdadeiras, dão-nos uma boa imagem de como as coisas se passam. Antes de discutir estas teses, deixem-me assinalar que, m uitas vezes, quando as pessoas especificam as propriedades