Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) [2 ed.] 3822808628

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Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) [2 ed.]
 3822808628

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Werner Kriegeskorte

GIUSEPPE ARCIMBOLDO 1527-1593

TASCHEN K0LN LONOON LOS A .NGEUS MADRID PARIS TOKYO

CAPA:

Verão (pormenor), 1573 Óleo sobre tela, 76 x 64 cm Musée National du Louvre, Paris Foto: AKG Berlim FRONT IS PÍ C IO E CONTRACAPA:

Auto-Retrato, cerca de 1575 Desenho à pena, com aguada azul , 23 x 15,7 cm Praga, Národní Galerie

© 2003 TASCHEN GmbH Hohenzollernring 53, D- 50672 Kiiln www.taschen.com Edição original: © 1993 Benedikt Taschen Verlag GmbH Tradução: Paula Reis, Lisboa Capa: Claudia Frey, Angelika Taschen, Colónia Printed in Gerniany ISBN 3- 8228-0862-8

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Indice

6 Vida e obra de Arcimboldo 28 Os quadros de Arcimboldo

44 O Vertumnus de Arcimboldo

62 Arcimboldo, o cientista 70 Os desenhos de Arcimboldo 77 Cronologia

79 Bibliografia

'

PÂ G INA 7:

Primavera , 1573 Óleo sobre te la, 76 x 63,5cm Paris, Musée National du Louvre A Primavera de Arcimboldo é toda rodeada por grinaldas pintadas num estilo acen tuadamente diferente da figura . A ndré Pieyre de Mandiargues é de opinião que as griJJaldas devem ter sido acrescentadas mais tarde. Quando se olha para o quadro, a uma certa distância, a pe rcebemo-nos do sorriso no rosto de um a jovem. Olhando-se de perto, porém , vê-se que a pele, cabelo e vestuário são apenas ilusórios e que a mulher se compõe, realmente de pétalas e cau les de flores primaveris, pintadas até aos mais ínfimos porm enores . A pele consiste em florescências que vão do branco ao rosa, o cabelo é feito de um magnífico conjunto de flores co loridas , e o fato consiste num aglo merado de plantas verdes. O nariz é um botão de lírio, a orel ha um a tulipa , o olho um par de dulcamaras e suas florescências. Há flores brancas dispostas de forma a compor um rufo que sepa ra o rosto do vest ido.

PÁG INA AO LADO:

Verão, 1573 Óleo sobr tela, 76 x 64cm Paris, Musée Nationa l du Louvre Assinado e datado na gola e no ombro: Giuseppe Arcimboldo. F. 1573. Tal como a Primavera, este qu ad ro petence à sé rie das > que se encontra no Musée National du Louvre , em Paris. O que se disse acerca das grinaldas do prime iro quadro aplica-se ig ual mente a este.

Tanto o Verão como a Primavera são cabeças humanas vistas de perfil. O Verão é todo ele feito de qual idades diferentes de frutos e legumes ve raniços. As cores· fulg urantes da cabeça sa lientam-se em relevo contra o fund o escuro. Na gola alta e rígid a teceu delicadam ente as palavras «Giuseppe Arcimboldo. F>>O que quer dize r «feci h (fez isto). Era a man eira de o pintor autenticar a sua obra de arte. No ombro está a data do quadro: 1573 .

Seu pai, que trabalhou como pintor para a Catedral de Milão , chamava-se Biagio Arcimboldo ou Arcimboldi . Ainda hoje não se sabe qual a versão correcta , por ser costume do próprio Giuseppe escrever o apelido de maneiras diferentes. Por vezes , assinava Arcimboldo, depois Arcimboldus. Muitas vezes assinava Giuseppe, depois Josephus , Joseph ou Josepho. Decidi-me por Arcimboldo, que tem sido mais vulgar em França e em todos os outros lados, embora não na Itália. Como todos os nomes italianos que terminam em «-baldo» ou «-boldo», Arcimboldo tem a sua origem no Sul da Alemanha. A história da família Arcim boldo foi escrita pelo padre F. Paolo Morigia, contemporâneo e amigo do artista , que assentou fielmente tudo o que este lhe contou. Segundo Morigia, ela remonta a Carlos Magno, ao serviço de quem esteve um certo nobre do Sul da Alemanha, chamado Saitfrid Arcimboldi. Dos seus dezasseis descendentes diz-se que três se destacaram de tal modo que também receberam títulos de nobreza. Um destes emigrou depois para Itália , onde se radicou a linh a italiana da família Arcimboldi. Estes episódios são indubitavelmente uma mistura de história e lenda , mas as seguintes palavras de Morigia parece m estar bem alicerçadas em factos : «Tudo o que tenho estado a dizer acerca dos Arcimboldis, sei-o do senhor Giuseppe Arcimboldi , um cavalheiro de confiança , com uma maneira de viver impecável, que servi u dois imperadores alemães (o que exporei adiante). Ele copiou estes pormenores acerca da ancestralidade e origens da família A rcimboldi de um antigo pergaminho em língua ale mã que lhe foi lido pelo físico do Imperador Maximiliano , e declara ainda que visitou dois locais que se chamam Arcimboldi. Também afirma que na cidade de Ausburgo, perto da maior igreja, há um grande cemitério com uma grande capela, e que ao entrar o portão se pode ver um antigo túmulo de mármore vermelho ostentando o brasão da família Arcimboldi, com letras características. Da mesma forma afirma , peremptoriamente , que na cidade de Regensburgo, no grande cemitério da catedral, viu um túmulo grande e muito antigo com o brasão dos Arcimboldis e que há muitos Arcimboldos em muitas cidades da Alemanha. » 1 Assim falou Morigia. De facto , o Imperador Rudolfo II , designou Arcimboldo para fazer uma viagem a Kempten , sendo bastante plausível que ele tivesse passado por Ausburgo e Regensburgo . Na sua , pintad a por Arcimbo ldo e m 1573. Embora só o Verão esteja assinado pe lo a utor , existe m tant as se melh a nças e ntre os qu adros que não pode restar a menor dúvida acerca da a utenticidade dos outros três. O In ve rn o está re presentado como um toco de uma árvore ve lha , quase morta, com a casca estala da, a soltar-se parcialme nte. É fácil imagin ar um ve lho desamparado com a pele do nariz a ca ir, a boca in chada e desde ntada- um míscaro - impl a ntada de esguelh a num que ixo cheio de verrugas. Tem as face s cobertas de um a ba rba espessa e espetada, cheia de cicatrizes e crostas . O olho parece estar ocu lto num su lco fundo da casca. e aq uilo que reconhecemos por ore lh a não passa do resto de um ramo partido. Um capacho de pa lha grossa protege o ve lho do frio. No e ntanto , Arcimboldo não encara o In ve rno só como a estação fria - o seu quadro ex ibe também algo de co nfo rtável. Pe ndendo de uma ra mada quebrada , vê-se uma lara nja e um limão, cuj as co res vivas co nfere m ao a mbi e nte sem alegria um a cintila ção de sol e calor. A hera ve rde, q ue cresce na parte .d e trás da cabeça do ve lho, be m co mo um e mara nhado de ramos que le mbra uma co roa, reforçam a se nsação de espe ra nça - o Inverno não será e terno. Se o lh a rmos com atenção o capacho de palh a q ue e nvo lve o Inverno como um capote , lobriga mos um brasão . Arcimboldo , qu e receb ia co m frequ ê ncia encom e ndas do Impe rador para pintar as > . indi cava assim, por vezes, o destinatúr io Uo >- revelam inequivocamente a mão de um só artista. E també m revela m , ainda com mais clareza do qu e os vitrais, o tipo de estilo que iria adoptar mais tarde . A sumptu osidade orna mental dos seus qu adros, ass im como a represe ntação de várias cenas podem designar-se por «arcimboldescaS>> . Geiger supõe que Arcimbold o terá sido influenciado pe los doi s flam e ngos J ohannes e Ludwig Ka rcher , que costu mavam fazer os gobe linos pelos se us desenhos , o u que , alternativamente , a «sua herança alemã fo i despe rtada de n ovO >> . ~ Em 1562 Giuseppe cedeu às repetidas so lici tações do Imperador Fernand o I e foi para Praga. O estud o-fo nte de Be nn o Geiger confirm a que Arcimboldo deve ter célebre, mesmo d epois de o Impe rador lhe ter pedido para ser o artista da corte. Para dar uma ide ia das re lações entre Arcimboldo e Fernando I , assim como do prosseguimento dessas re la ções com os sucessores do segundo- os Imperadores Maximi li ano II e 12

Inverno e Primavera, 1573 Óleo sobre tela , cada um com 76 x 64 cm Paris, Musée National du Louvre

A ordem das > e os «Elementos>> com bastante frequên cia. É óbvio que havia um grande entusiasmo por essas obras , e os Habsburgos sabiam como as usar, dando quadros de presente. A sua intenção não era somente proporcionar prazer , mas sim obter apoiantes para as suas ideias políticas. O que torna tão singulares as obras de Arcimboldo ? Uma cabeça vista de perfil e composta de mil flores é designada por 30

Verão, 1572 Óleo sobre tela, 74,7 x 56,5 cm Berlim, Colecção Particular

Os come ntários sobre o Verão de Arcimbo!do. que se encontra no Louvre , também se aplicam aqui. Há so mente pequenas diferenças.

Primavera, outra cabeça feita de toda a espécie de frutos é designada por Verão. A Água é o título de um quadro no qual todas as criaturas marinhas parecem ter-se congregado num caos completo. Depois há a Terra, uma cabeça composta de mais de quarenta animais diferentes . Um busto , formado por livros, é um bibliotecário. E existem muitas outras composições do género. As formas individuais , sejam elas flores, animais ou peixes, são sempre feitas com o rigor dos pormenores , bem como com cores delicadas. De facto, algumas das obras são bastante confusas. Uma , por exemplo , inclui uma tigela cheia de tipos diferentes de legumes, mas quando se olha de cabeça para baixo , transforma-se na figura de um horticultor (págs. 42-43). Quando se investiga a singularidade dos quadros de Arcimboldo está-se simultaneamente a tentar compreendê-lo e a tentar desvendar o ambiente cultural do artista , bem como a sua filosofia. As publicações dos especialistas , de que falámos acima, não têm uma abordagem comum. Por conseguinte , limitar-me-ei a um breve resumo dos seus pontos de vista, juntamente com algumas citações , e deixarei ao leitor a conclusão final. Geiger, cujo livro desencadeou a discussão geral , compartilha das opiniões dos contemporâneos de Arcimboldo. O seu título é muito esclarecedor nesse aspecto : I dipinti ghiribizzosi di Giuseppe Arcimboldi (Os Quadros Cómicos de Giuseppe Arcimboldi). O próprio livro corrobora totalmente a impressão de que os quadros de Arcimboldo são «extravagantes». As principais testemunhas de Geiger são, acim a de tudo , Lomazzo , Comanini e Morigia, que descrevem os quadros como precursores dos «quadros de bar» (DaCosta Kaufmann) e como «scherzo» ou «bizzarie». Desta opinião é também P.A . Orlandi que descreveu Arcimboldo, no século XVIII , como um pintor extravagante , e Luigi Lanzi falou das suas pinturas como «Capricci», i. e. , piadas , que o artista criara com o seu pincel. O próprio Geiger serve-se da palavra «extravagantes», embora sem lhe tencionar atribuir qualquer significado negativo .7 Num parágrafo da mesm a página , pode ver-se , de facto , que Geiger tinha em grande consideração o talento de Arcimboldo. Mostra uma opinião bastante baixa do tipo de >. Segundo B. Geiger, este quadro foi . Don Gregorio Comanini acolheu-o com o seguinte madrigal: Son'io Flora o pur fio ri? Se fio r, come di Flora H o cal sembiante ii riso? E s'io son Flora, Come Flora esol fio ri? A h non fio ri son'io; non io son Flora. Anzi son Flora, e fio ri. Fio r mil/e, una sol Flora; Vivi fio r, viva Flora . Perà che i fio r fan Flora, e Flora i fiori. Sai come? I fio ri in Flora Cangià saggio Pittore, e Flora in fio ri. (Sou eu Flora ou só flores? Se flores, como de Flora No rosto tenho o riso? E se sou Flora , Como é Flora só flores? A h, flores não sou; eu não sou Flora. M elhor, sou Flora e flores; Porém , essas flores formam Flora, e Flora as flo res. Sabes como? Douto pintor transforma flores em Flora e Flora em flores.)

Realmente , a palavra pode referir-se apenas à maneira única e invulgar como uma ideia é expressa sob a forma de «Cabeças compostas por objectos diferentes», tal como um lavrador é indicado pelo seu arado , um cozinheiro pelos seus utensílios de cozinha. Isso era único , sem dúvida. Segundo Fonteo , nunca tinha havido nada assim , mesmo indo até Alexandre , o Grande, e ao seu lendário pintor , Apeles. Para os historiadores de arte foi sempre difícil identificar os quadros de Arcimboldo. DaCosta Kaufmann reconhece apenas quatro, que podem ser considerados originais, por causa da assinatura do artista. Há vários quadros descritos da mesma forma por contemporâneos , e poucas dúvidas restam de que sejam autênticos . Outros fazem parte de séries de quadros e nunca foram separados. Mas existem vários que não são reconhecidos por todos os historiadores de arte, com unanimidade. A maior dificuld ade é terem pedido muitas vezes a Arcimboldo que repetisse as suas séries, e ele o ter feito sempre com um certo número de diferenças de importância variada: é portanto, frequente possuirmos mais do que um original. Na opinião de DaCosta Kaufmann, a ideia de majestade gloriosa do Imperador baseou-se no conceito renascentista da relação entre microcosmos e macrocosmos. Há um princípio de igualdade que une as diferentes partes da natureza , ou seja , o mundo em geral (o macrocosmo), e esse princípio fez-se também sentir entre o macrocosmo e o microcosmo. Este último é o mundo mais pequeno, o próprio homem. «Coisas semelhantes consideram-se relacionadas umas com as outras.» 11 Por conseguinte , o que, à primeira vista, parece bastante exagerado , torna-se numa alegoria aceitável. O Imperador governa o Estado , o microcosmo , o homem. Mas como há muitos níveis , nos quais o microcosmo corresponde ao macrocosmo, também se pode considerar que o Imperador governa as estações e os elementos. A maneira como as várias cabeças da autoria de Arcimboldo estão compostas por certos elementos, confirma a ideia de Fonteo: o Imperador governa as estações e os elementos. Por conseguinte, a harmonia dos frutos ou dos animais , que constituem uma cabeça, simboliza a harmoni a que existe sob a mão benevolente dos Habsburgos . Semelhantemente, há harmonia também entre os elementos e as estações, que representam a paz durante a governação de Maximiliano II. Sempre baseado no princípio de que coisas semelhantes devem estar relacionadas , Fonteo fala das relações harmoniosas entre elementos e estações. Assim, tanto estes como aquelas estão ligados e compartilham das mesmas propriedades. «0 Verão é quente e seco como o Fogo, o Inverno é frio e molhado como a Água, tanto o Ar como a Primavera são quentes e molhados , o Outono e a Terra são frios e secos. » Fonteo vai ainda mais longe na sua interpretação . Prosérpina, a deusa do Inverno , e Neptuno, o deus da Água , são amigos , e é por

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Primavera, 1563 Óleo sobre madeira, 66,7 x 50,4cm Madrid, Real Academia de Bellas Artes de San Fernando Assinado no canto inferior direito: Giuseppe Arcimboldo. F

O quadro que se encontra agora na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madrid, foi pintado por Arcimboldo para Fernando I, em 1563, e, por conseguinte, faz parte da primeira série

conhecida das «Quatro Estações», estando dois dos seus quadros no Kunsthistorisches Museum, em Viena (Verão e Inverno). Esta representação da Primavera deve ter ido para Espanha, como presente para Filipe II. O verso tem a seguinte descrição incompleta: , confirmando assim a sugestão de O aCosta Kaufmann de que as Quatro Estações e os Elementos formavam certos pares que se ligavam de uma maneira especial. A inscrição sugere, evidentemente , que a Primavera e o Ar constituíam um par. O que também exp lica o facto de Arcimboldo ter pintado de perfil as cabeças em questão : os membros de cada par eram feitos para se encararem mutuamente. Essa série de 1563 foi pintada por Arcimboldo, como diz Geiger, depois de ele ter , onde «teimosamente persistiu em criar um estilo pessoal que nunca tivesse sido visto e fosse tão singular que ainda hoje é famoso po r sua causa>>.

isso que o Inverno e a Água se pertencem. Na Primavera é o A r que faz as flores abrir. O Verão e o Fogo têm um planeta comum, o Sol; a Terra e o Outono têm a Lua. As estações surgem no poema de Fonteo numa quantidade de diálogos , louvando e glorificando o monarca. E, se observarmos mais atentamente os quadros de Arcimboldo , também poderemos ver neles algo desses diálogos. Os vários elementos estão todos de perfil e parecem encarar-se: Inverno e Água, Primavera e Ar, Verão e Fogo, Outono e Terra. Cada série encerra igualmente uma certa simetria. Duas cabeças estão sempre a olhar para a esquerda e duas para a direita. Mas as correspondências vão ainda mais longe . O mundo é composto por elementos , e quem quer que governe os elementos dominará o mundo , portanto , o Imperador irá esmagar o poder dos Turcos. As quatro estações voltam todos os anos, simbolizando assim a ordem eterna da natureza bem como a ideia de que os Habsburgos reinarão para sempre, o que também explica a forma das cabeças nos quadros de Arcimboldo. No entanto, não nos devemos esquecer que , há muito , era tradicional representar as quatro estações sob a forma de cabeças. As moedas romanas, em especial , costumavam ter cabeças enfeitadas e a colecção de Rudolfo II continha , certamente algumas delas. ' Todavia, segundo Arcimboldo e Fonteo, há uma fonte clássica específica para tais cabeças: uma antiga lenda relacionada à construção do templo de Júpiter no Capitólio. O episódio é-nos contado por Dionísio de Halicarnasso- e também por Lívio, numa versão ligeiramente diferente. Os construtores do templo de Júpiter depararam , de repente, com uma cabeça que não parava de sangrar, mas , segundo Lívio, com as feições ainda completamente intactas. Uma profetisa explicou que o local onde a cabeça fora encontrada deveria ser a «cabeça» (caput) de toda a Itália. Daí o nome Capitólio e a palavra latina «capita» para cabeças. Segundo Lívio , esse local seria o centro do império e a «cabeça» (caput) ou a capital do mundo inteiro. Por conseguinte , as cabeças das estações e dos elementos representam o governo eterno da Casa de Habsburgo. Segundo Fonteo, o significado político desses quadros é ainda mais acentuado pelo grande número de símbolos habsburgueses, como o pavão e a águia, que fazem parte do Ar. O elemento ar é governado por esses dois animais. Também se pode demonstrar que o Fogo tem um significado duplo . Por um lado , o elemento fogo é simbolizado pela cadeia do Tosão de Ouro, composta por pederneira e aço forjado , cujos elos podiam bater uns nos outros para produzir fogo. Mas , por outro lado, existia a Ordem do Tosão de Ouro- uma ordem dos Habsburgos . E o mesmo quadro contém uma série de referências militares evidentes. A Terra é outro quadro que abunda em símbolos habsburgueses, como a pele de leão de Hércules e o tosão de um car-

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Verão, 1573 Óleo sobre madeira, 67 x 50,8 cm Viena, Kunsthistorisches Museum

O quadro do Verão, que se encontra agora no Kunsthistorisches Museum de Viena, faz parte das juntamente com o Inverno (também em Viena) e Primavera (em Madrid). Como outros quadros que representam o Verão , tem a inscrição . «Caput>> , todavia , també m quer dizer > . Isto significa que se uma represen tação do Inverno puder ser re lacion ada directamente com Maximiliano, então trata-se de um trocadilho que usa o Inverno com o o «Caput anni >>, o começo do ano , assim como Max imilian o é o «caput >> (cabeça) do mundo inteiro. E , de facto , Maximil ia no II tomou parte no cortejo desse ano, 1571 , vestido de . T homas Da Costa Kaufmann acentua a estreita ligação ent re os quadros de A rcimboldo e os seus desenhos para os cortejos. Tanto os seus quadros como os seus festivais são alegorias ao poder do Imperador e à harm o nia do mundo sob o seu govern o benevolente. A ndré Pieyre Mandiargues toma um a atitude pessoal quanto às várias tentativas de «co mpreender>>ou «abarcar» a arte de Arcimboldo : «Ainda não fui atacado pelo louco desejo de classificar tudo; na minha opinião , se se ama e respeita a história da arte , seria melhor que ela continuasse um pouco obscura. » 12 Mandiargues crê que Arcimbold o é «perfeito na sua singularidade, como apenas são os grandeS>>. Que a sua afinidade com o artista era de um tipo muito especi al, pode constatar-se pel os comentários que fez ao ver os seus quadros pela primeira vez . Foi no Kunsthistorisches Museum , em Viena , no Outono de 193 1: «De repente, vi-me defronte de quatro quadros: , um e um , e dois , e . Foi como se tivesse sido tocado pela mão de um mágico.» E um pouco mais adiante: > 13 Esta é a aproximação de Mandiargues em todo o livro , e explica por que se recusa a classificar ou a rotular o estilo de 52

.(

Inverno , 1563 Óleo sobre madeira , 66,6 x 50,5 cm Viena , Kunsthistorisches Museum Assinado no canto inferior direito: Giuseppe Arcimboldo F Data e título no verso: 1563 Hjems

O Inverno foi concebido de forma bastante diferente das outras três estações. Não é uma «tête composée» na acepção mais estrita da palavra, como a Primavera, o Verão, ou o Outono. As outras estações são apresentadas como uma variedade de plantas, frutos e flores todos igualmente impottantes, enquanto o In verno consiste num elemento central , um cepo em forma de cabeça, que domina toda a composição . Tanto na forma como na estrutura há uma forte semelhança entre o tronco e a mão enrugada, a barba restolhenta e os lábios grossos de um velho , o que nos desperta compaixão e nos envolve pessoalmente, muito mais do que as plantas e flores que tendem a perder a sua função na globalidade da pintura , depois de um olh ar mais atento.

Arcimboldo seja de que maneira for. Debate um certo número de hipóteses, mas não toma qualquer partido. Por exemplo , não rejeita o termo «maneirista», porque quase todo o século XVI pode ser classificado por maneirista , com a ressalva de os quadros de Arcimboldo não contarem histórias ou sonhos. Da mesma forma, aceita que Arcimboldo seja designado por «artista barroco» devido à sua «capacidade de chocar e à sua tendência para as mascaradas». Por outro lado , contudo , sublinha que o elemento «convulsivo» do período barroco não se encontra na arte de Arcimboldo. Mandiargues estaria pronto a aceitar a descrição de «pré-romântico», não fora a falta de «uma ternura pela natureza» e do elemento «lírico». Concorda com o termo «fantástico», como Platão utilizou em Sofistas , e também Comanini, «que fez uso dos argumentos de Platão no diálogo neoplatónico e os aplicou ao nosso pintor>> 14 . Nega qualquer comparação com o estilo «pré-surrealista>> de Hieronymus Bosch, porque não consegue ver nada na arte de Arcimboldo que lhe pudesse vir do subconsciente ou ser criado automaticamente. «Brincalhão , por vezes humorista>> parece servir como descrição, mas Mandiargues pensa que seria um erro avaliar o artista totalmente nesses termos, como costumavam fazer muitos dos seus contemporâneos. Não quereria ver os quadros de Arcimboldo etiquetados de «Simbolistas», porque julga que na sua pintura «não há nada velado>>, entre outras razões. O termo mais apropriado para as obras do artista , diz ele, talvez fosse «naturezas-mortas antropomórficas>> porque aquele se adapta a todas as figuras que pintou , incluindo as duas que se podem ver invertidas. 15 Depois de Geiger, foi um entusiasta dos quadros extravagantes e misteriosos de Arcimboldo , de DaCosta Kaufmann , que viu na sua arte principalmente a glorificação do Imperador e o apoio das estruturas de poder existentes e de Mandiargues que simplesmente transbordava de euforia, no seu livro , Die Weltals Labyrinth (O Mundo como Um Labirinto), Gustav Réné Hocke tentou interpretar a arte de Arcimboldo no contexto maneirista. Mas antes de falarmos nisso , devemos lançar uma breve mirada a Arcimboldo no seu papel de artista renascentista. Cada artista desenvolve-se sob a influência do ambiente cultural em que vive . E como Arcimboldo nasceu durante o período de transição da Renascença para o Maneirismo , vamos encontrar nele vestígios das duas correntes. Os primeiros quadros foram pintados no estilo tradicional da Renascença. Mesmo mais tarde , como artista da corte , costumava pintar repetidamente nesse estilo, e talvez até lhe tenham exigido que o fizesse nos seus retratos . Para fornecer uma perspectiva ampla de Arcimboldo, incluí não só as obras maneiristas como também algumas das tradicionais. Podem ser consideradas típicas da Renascença. Como Geiger acentua, houve uma reviravolta decisiva na arte de Arcimboldo: em Praga enveredou por um 54

i

Prinzaveru. nüo datado Óleo sobre madeira. K4 x 57 cm Mu ni q ue. Bayerische Staatsgemiildcsamm lungen

caminho completamente novo. persistindo teimosamente em criar um estilo próprio que nun ca tivesse sido visto e fosse «tüo úni co que ainda hoje é famoso por isso >> . Para mostrar a diferença entre os seus quadros. antes e depois da reviravolta citada, torna-se indispensáve l fa ze r um breve su mário das principais características da arte renascentista. A Renascença marcou uma clara ruptura co m a Idad e Média, tal como despertou um interesse pela natureza e a Antiguidade. Leonardo da Vinci teima em que > . O que mostra que a natureza era tomada como o ponto de partida para a activ idad e de qualquer artista. No entanto, os quadros ide a listas da Renascença costumavam ultrapassar um mero est ud o da natureza, perspectiva e anatomia: o artista a lm ejava nos seus quadros por alcançar a «harmonia de cores , dimensões e virtudes>> . E. embora imitasse a natureza , também ia para além desta. ao escolher apenas aqueles atributos que considerava belos. Mas até as suas ide ias de beleza se baseavam nos estudos que fazia da natureza . O que o artista precisava era das capacidades técnicas e imit at ivas de um artífice. Eram essas as fontes do seu dom ou do seu génio. Numa tentativa para interpretar a arte de Arcimboldo no contexto do Maneirismo, Gustav René Hocke começa por apontar a diferença entre este movimento e o da Renascen ça . A Renascença, diz Hocke, desperta não só um interesse pela Antiguidade Clássica como també m o nasci mento de algo totalmente novo a que ele chama . As forças do término da Idade Média tinham ressuscitado. Surgira uma espécie de «arte da fantasi a>> . «As experiências e e moções psicológicas eram mais valorizadas do que as suas correspondências exactas na percepção sensoriaL >> 16 A arte da natureza idealizada é considerada como estando em contraste com a obra de arte que «decreta» um a idei a. Segundo Zuccari, tal como Hocke o interpreta, a nossa mente cria um «concettO>>, ou seja, o conceito de uma imagem ou a imagem de um conceito. Um «ConcettO>> não é abstracto. É uma imagem mental preexistente, um «disegno interno», o u esboço interno. Na segunda etapa , alcançamos a realização , «O disegno esternO>>. «Zuccari distingue três fo rmas de , i.e. de um aplicado: (1) o , onde a arte imita a natureza ; (2) o , onde a mente usa a natureza para criar a sua própria imagem artística; (3) e o : origem de todas as , reviravoltas surpreendentes , (literalmente , os saltos e investidas de uma cabra), , e , i.e. , o extraordináriO. >> Uma ideia artística é a manifestação do divi no na alma do artista. «Deus cria as coisas naturais, o artista as coisas artifi-

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Venlo. nüo datado

Óleo sobre madeira. 84 x 57 cm Munique. Bayerische Staatsgemáldesamm lunge n

Esta representação do Verão é a mais vulgar entre os quatro quadros mostrados neste livro . Um estudo atento dos seus componentes revela que num certo número de locais a tinta foi aplicada com bastante mais espontaneidade.

ciais. A imaginação humana- tal como um sonho e também como Deus- .» 17 Uma obra de arte é o resultado de uma ideia do artista. Para Hocke não pode haver qualquer dúvida de que também Arcimboldo costumava ter «concetti» ou , o mesmo é dizer , imagens ou conceitos no sentido do «disegno-metaforico-fantastico». Por outras palavras, Arcimboldo pintava quadros fantasiosas e metafóricos. Hocke até considera os trabalhos de Arcimboldo como absolutamente típicos desse tipo de arte. Contudo, o artista não pintou «emblemas maneiristas», mas sim simples «alegorias maneiristas». O livro de Francine-Claire Legrand e Félix Sluys , Arcimboldo et les Arcimboldesques , começa com um ensaio sobre o pintor. Nele os autores louvam a capacidade de Arcimboldo como artista, a sua perícia na harmonização das cores e o seu uso confiante do pincel. Todavia , acham as «têtes composées» bastante difíceis de compreender. Estão impressionados pela magia extraordinária daqueles quadros , mas acham quase insuportável o «Sentido de humor cáustico» de Arcimboldo. Sentem , com uma certa intensidade , que Arcimboldo troçou e escarneceu da ideia do rosto humano como «espelho da alma». Acusam-no de privar o homem da sua natureza humana e os objectos dos seus significados. Como Arcimboldo nunca deixou nada escrito acerca da sua pintura ou de si, os autores tentam chegar até ele através dos seus contemporâneos, o que os levou a considerá-lo como um representante típico do Maneirismo . Supõem ser esta a razão por que mergulhou no esquecimento logo após a sua morte . Só com o nascimento do Surrealismo é que se voltou a descobrir o efeito de choque daquelas «bizarreries plastiques». Arcimboldo teve uma óptima instrução. Era muito lido e estava familiarizado com as ideias filosóficas dos antigos Gregos . Isso notou-se, particularmente , nos cortejos que organizou para os Habsburgos , como o de Viena de 1571 , do qual possuímos ainda registos. Nessa época , as pessoas começaram a interessar-se cada vez mais pelo platonismo , especialmente na Itália, onde se fundou a Academia Platónica de Florença. Esse facto deve ter causado uma impressão forte em Arcimboldo e despertado, ou reforçado, o seu interesse por Platão . De facto, é bastante provável que conhecesse bem o Timeu de Platão e as suas ideias sobre a origem do mundo, e que tais escritos filosóficos influenciassem as suas «têtes composées». Tal opinião pode ser consubstanciada num certo número de passagens do Timeu: a ideia básica de Platão, é que «Um deus eterno» criou o mundo a partir do caos : o céu, a terra, os planetas e os deuses menores. Sustenta igualmente que tudo foi criado com quatro elementos básicos: fogo, água, ar e terra. «Como dissemos ao princípio, estas coisas estavam em desordem até Deus introduzir relações mensuráveis, internas e externas, entre elas, até ao ponto e extensão em que eram 58

In verno , não datado Óleo sob re madeira , R4 x 57 cm Muniq ue, Bayerische Staatsgemaldesamm lungen

susceptíveis de proporção e mensuração . Porque , ao princípio , estavam privadas de tais relações, excepto se por acaso , nem havia nada que merecesse os nomes - fogo , água e o resto- que agora usamos. Mas ele reduziu-as à ordem , e depois criou o universo a partir delas, e uma única criatura viva contém em si mesma todas as outras coisas vivas, mortais e imortais. Fez o divino com as suas próprias mãos, mas ordenou aos seus próprios filhos que fabricassem a geração dos mortais. » ' ~ Esses jovens deuses cumpriram as instruções do pai «e em imitação do seu próprio criador colheram do mundo porções de fogo e terra , de água e ar - empréstimos para serem eventualmente pagos-, forjando em conjunto o que tinh am tomado em prestado ; a argamassa que utilizaram não era insolúvel, como aquela que os tinha aglomerado a si, mas consistia num a quantidade enorme de rebites , demasiado pequenos para se verem , que seguravam as partes de cada corpo individual numa unidade só. E nesse corpo, sujeito ao fluxo do crescimento e decaimento , fixaram as órbitas da alma imortal>>. 19 A passagem que se segue mostra que os animais foram feitos da mesma substância: 20 Tal como o mundo, os deuses e a humanidade consistem na mesma substância, plantas e animais também são compostos por fogo, água, ar e terra. «Dado que as partes e membros da criatura mortal foram assim ajuntados num conjunto que teria necessariamente de viver exposto ao fogo e ao ar, ser desgastado e desperdiçado por eles, perecendo por fim, os deuses , para a salvar imaginaram e criaram uma substância parecida com a natureza humana, mas com formas e sentidos diferentes, outro tipo de coisa viva. Mas as árvores , plantas e sementes , hoje domesticadas através da agricultura , para alcançarmos os nossos fins, tornaram-se nossos amigos mas primeiro havia apenas as variedades silvestres, que são as mais velhas de ambas. Tudo o que tem vida tem todo o direito de ser designado por ser vivo.>> 2 1 Parece óbvio que Arcimboldo , tal como Platão, via o uni verso inteiro- homens , animais e plantas- como uma unidade, e que pintou os seus quadros , tendo em mente essa unidade.

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PÂU INA 6J:

O Nascimento de Santa Catarina

Vitra l. 116 x 67 cm Ca tedral de Milão. painel N.0 6 da !4."janela da ábside suL Segundo um esboço de Arcimboldo (ca. !55 !), executado em Colónia, no ano de 1566. Para mostrar que Arcimboldo também cost um ava trabalhar segundo as convenções esti lísticas·do seu tempo , incluímos dois vitrais da Catedra l de Milão. Não se sabe quantos desenhos foram da autoria de Arc imboldo . Mesmo os realmente execu tados não podem ser todos identificados com ce rt eza abso luta , porque o nosso artista não era o único a trabalhar para a Catedral e m questão . O desenho de O Nascim ento de Santa Catarina fez parte de um ciclo baseado na lenda de Santa Catarina de A lexandri a, que foi martirizada por recusar sacrifícios a estátuas de Zeus e Afrodite. Este desenho executado pelo mestre de Co lóni a, Konrad de Mochis . não mostra qualquer indício da evol ução posterior de Arcimboldo. No entanto, recebe u muitos e logios dos seus contemporâneos por estas obras, tal como aconteceu com as outras.

I'ÁG INA AO LADO :

Sa nta Catarina fala ao Imperador da Verdadeira Fé Vitral, 116x67cm Catedra l de Milão, painel N. 57 da 14. " ja nela de ábside suL De um desenho de Arcimboldo (ca. 1551) , executado em Colón ia , no ano de 1566. 0

Este segundo exemplo do esti lo tradicion al de Arcimboldo foi tirado da mesma lenda. Mostra Santa Catarina a falar ao Imperador e aos se us sáb ios. Quando o Imperador se inteirou da recusa de Santa Catarina em fazer sacrifícios aos deuses, chamou cinque nta dos se us eruditos para a fazer mudar de ideias. Porém, foram vencidos e m massa pela inteligência da jovem seguidora do Senhor e converteram-se ao cristi a nismo. Tal como Catarina , foram todos con de nados à morte.

PÁG I A S fifi E fi 7:

Eva e a Maçã , com o Seu Complemento , 1578 Ó leo sob re tela , cada um com 43 x 35,5 cm Basileia , Co lecção Particular

Os amigos pensavam nele como um homem da «mais aguda inteligência» e «como alguém extremamente lido». Os co ntemporâneos costumavam louvá-lo pela sua habilidade de arquitecto e construtor de fortalezas, assim como pela sua engenhosidade e inventividade. Por exemplo , dizi a-se que tinh a concebido um método para atravessar um ri o rapidamente se m ponte nem ferry. Por Don Gregorio Comanini , conhecemos a faceta científica do trabalho de Arcimboldo. No livro de Benno Geiger vamos encontrar uma discussão de Lionello Levi , um crítico musical, acerca de Arcimboldo , que esmiuça aquilo a que ele chama «este relato de certo módo nebuloso», feito por Comanini. Lionello Levi demonstra que Arcimboldo tomou por ponto de partida as «proporções harmónicas pitagóricas dos tons e semitons» que a seguir traduziu para os seus valores cromáticos correspondentes , tanto por meio do seu «instinto» artístico como de um método científico. E, na verdade, Arcimboldo deve ter sido bastante bem sucedido na sua diligência porque , segundo Comanini , deu uma vez instruções a Mauro Cremonese, músico da corte de Rudolfo II: tendo pintado num papel um certo número de acordes , pediu ao músico que os localizasse no seu cravo , coisa que ele conseguiu fazer. «Este pintor muitíssimo inventivo», escreve Comanini, «sabia não só como encontrar os semitons importantes , tanto pequenos como grandes, nas suas cores, como igualmente dividir um tom em duas partes iguais ; muito branda e paulatinamente ele ia tornando gradualmente o branco em preto, aumentando a quantid ade de preto, da mesma maneira que se começaria por um a nota profunda, resso nante e depois se ascendesse às agudas e, por fi m , às muito agudas. » Dessa forma , passo a passo, começando pelo branco mais puro e acrescentando cada vez mais preto , conseguiu transformar uma oitava em doze semitons, indo a cores desde um branco «grave» a um negro «agudo». Então , fez a mesma coisa para um conjunto de duas oi tavas . «Porque tal como ele escurecia gradualmente a cor branca e usava o preto para indicar as alturas, fez o mesmo com o amarelo e todas as outras cores , usando o branco para as notas mais baixas que uma pessoa podia cantar , depois o verde e o azul para as médias , a seguir as cores fulgurantes e o castanho-escuro para as notas mais altas: isto foi possível porque uma cor se funde realmente na outra e a segue como uma sombra. O branco é seguido pelo amarelo , o amarelo pelo verde , o verde pelo azul , o azul pelo púrpura , e o púrpura por um vermelho fulgurante: tal como o tenor se segue ao baixo, o contralto ao tenor e o soprano ao contralto. »22 Este relato de Gregorio Comanini , provavelmente, só descreve o princípio do estudo de Arcimboldo. Como o próprio artista não deixou quaisquer notas , apenas podemos calcular que tencionasse ampliar o sistema, segundo as linhas de uma «teoria da percepção».

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Segundo um esboço de Giuseppe Arci mboldo: O Falecimento da Virgem, 1561/62 Tapeçaria mural, 423 x 470cm Catedral de Co mo Inscrição em cima no meio: G uild a dos Tecelões de Lã de Como Inscrição no canto inferior esq ue rdo: Feita em Ferrara 1562

No entanto , é pouco crível que Giuseppe Arcimboldo quisesse abolir o sistema de notação musical, que já tinha sido fixado à muito tempo, e substituí-lo pela sua própria escala cromática . De facto , é provavelmente Gregorio Comanini que nos dá a melhor pista para os seus anseios: «Portanto pode ver-se que a arte da música e a arte da pintura andam de mãos dadas pelo mesmo caminho e obedecem às mesmas leis da criação. »

Esta tapeçaria mural, imaginada por Arcimboldo para a Catedral de Como , é um exemplo mais da sua arte, antes de se mudar para Praga. Há oito dese nhos com temas do Ant igo e Novo Testamento, todos , quase certamente, da aut oria de Arcimboldo. Rodeada por uma paisagem fa nt ásti ca e por doze apóstolos, a Virgem Maria está moribund a no se u leito de morte. Geiger afirma que. embora a abordage m gera l se ja tradicional nestes desenhos, já contém elementos da tal evo lução posterior do pintor. Geiger apo nta a seme lhan ça entre a com pli cada ornamentação que emoldura a ce na e os qu adros mais tardios de Arcimboldo.

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PÁGINA 70'

Esboço de Um Trenó Desenho à pena, com aguada azul, 19 x 23cm lnv. N.0 3278 B. PÁG INA 7L

Esboço de Um Fato para Cérbero Provave lmente do grupo de D iana nodesfi le festi vo de Viena. no ano de 157 1. Desenho à pena, com aguada azu l, 29 x 19cm Inv. N. 3224 0

PÁ G I NA AO LADO, EM CIMA:

Esboço de Uma Fantasia de Dragão para Um Cavalo Desenho à pena , com aguada azu l, 25 x 19cm lnv. N. 3224 0

PÁG INA A O LADO. EM BAIXO'

Desenho de Um Elefante Desenho à pena , 24 x 18,7 cm ln v. .0 3225

AO INVENCÍVEL IMPERADOR DOS ROMANOS , A SUA MAJESTADE, O ETERNO E BENEVOLENTE SOBERANO RUDOLFO II , Giuseppe Arcimboldo, de Milão , dedicou diversas e variadas ideias desenhadas pela sua própria mão e destinadas aos torneios. NO ANO DE NOSSO SENHOR DE 1585. Esses desenhos tinha-os feit o Arcimboldo, especialmente para os cortejos e bailes dos Imperadores Habsburgos. A maior parte deles foi executada para os festejos do casamento do Arquiduque Carlos da Estíria e Maria da Baviera, em 1571 , alguns para várias comemorações e os restantes não se conseguem datar. Os esboços seguiram o estilo tradicional, com a sua plasticidade realçada pelo uso de papel preparado por uma aguada azul. Os fatos e toucados foram inspirados em desenhos con temporâneos. É claro que temos de ter em mente que os desenhos se destinavam a servir de instruções aos alfaiates e costureiras que fizessem os fato s, sendo melhor, por conseguinte, olhá-los mais de um ponto de vista histórico do que artístico. Mas a sua diversidade dá-nos uma boa ideia da riqueza de imaginação de Arcimboldo. Os cortejos que Arcimboldo ajudou a organizar , como «encenador», serviram para glorificar o Imperador, e foi essa também a função dos quadros do artista. Segundo DaCosta Kaufm ann, a finalidade política e o estilo sumptuoso desses festejos foram bem documentados pelos poemas e descrições de Giovanni Battista Fonteo . As comemorações do casamento do Arquiduque Carlos, em 1571, são descritas num panegírico de Fonteo, que nos dá um relato muito gráfico e detalhado da festa. A descrição que se segue foi extraída de Arcimboldo. Figurinen. Trata-se de um sumário do panegírico . No princípio das cerimónias havia sempre o que se designava por «páreo circular», que se fazia ao ar livre, fora das muralhas da cidade. Erigiam-se al i uma colina artificial e du as pirâmides, para assinalar o terreno da justa. Juno, a deusa patrona dos casamentos, era a primeira a entrar em cena, de pé e num carro pux~do por pavões. Acompanhavam-na três reis dos continentes Africa , Asia e América. As quatro personagens eram desempenhadas por membros da família imperial que , durante os jogos que se seguiam ao cortejo , actuavam como mantenitori, ou seja , como observadores e árbitros. Juno era seguida por Íris, que descia de uma nuvem e dava o sinal para iniciar o torneio. Então, entravam em cena outras deusas. Vinha Europa, montando um cavalo disfarçado de touro , seguida pelas Sereias e pelas Sete Artes Liberais. No poema de Fonteo essas artes liberales , são descritas como os filhos de Mercúrio, desempenhadas por quatro nobres, os camareiros do Imperador. Cada uma das artes era seguida por dois dos seus representantes mais típicos. A Retórica , por exemplo , aparecia justamente com Demóstenes e Cícero . O fó lio de Florença 72

Gumth·ú&. .c,.mrJifln d.~ ..fttf:'nu·k Jiti/i;nu rfAr!f,n, mf:tbrrJ.-· Vu!ft mon{fn

EM CIM A, À ESQUERDA:

Esboço de Um Manto para «Geometria>> no desfile festivo de Viena , no ano de 1571 Desenho à pena , com aguada azul, 39 x ZOem. lnv. N. 3155 Inscrição ao cimo: 0

EM CIMA , À DIREITA:

Esboço de Um Manto para > no desfile festivo de Viena , no ano de 1571 Desenho à pena , com aguada azul, 30 X ZOem . Inv. N. 3154 0

In~criçfio

ao cimo: «Música conduzida por

Boécio , o Romano , e Árion , o Grego. Fato amilrclo com riscils vermelhils atravessadas , as bolas do corpo a ouro e as outras a prata. >>

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incluía todos os sete desenhos. Ao cimo de cada um há uma descrição das roupas festivas bem como dos nomes dos dois acompanhantes que representavam a disciplina. Depois vinha Diana , acompanhada por um unicórnio , uns quantos servidores, e o seu séquito de nobres, disfarçados de animais selvagens. Diana era seguida por um grupo de sátiras e amazonas, transportando arcos , flechas e lanças. Seguia-se Neptuno , rodeado por homens disfarçados de peixes, do tipo que se encontrava em águas europeias. O grupo de Neptuno era seguido pelo de Palas Ateneia , de pé na plataforma de um carro , ao lado de uma coruja com quatro cartazes presos. Nos cartazes liam-se os nomes de quatro vícios. Havia também as Virtudes Cardeais , acompanhadas por uma figura que personificava a Vitória. A Justiça , a Coragem e a Temperança eram sempre representadas por membros da família imperial e da nobreza . Juntamente com Vénus, rodeada de Amori, vinha também uma figura alegórica , simbolizando a

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Cobiça. Nos registos dos festejos menciona-se que Baco era desempenhado por um homem dentro de um barril e que ele e o seu séquito provocavam imensos risos nos espectadores. Seguiam-se-lhe quatro nobres , representando os quatro elementos, e com estes mais quatro , encarnando os quatro ventos , bem como quatro deuses , trazendo os quatro metais que eram seu apanágio, bem como quatro rios europeus e quatro nações europeias, disfarçadas de forma a serem os quatro períodos etários da vida do homem. As quatro nações vinham com as quatro estações , bem como alguns tocadores de trompa querepresentavam o vento leste , e Marte , exibindo uma peça de ferro . Depois de uma figura alegórica , a Primavera, seguia-se outro carro com um estrado. Nele se representava o rio Pó , e caracterizava todo o grupo que o precedia como a comitiva italiana. O contingente esl?anhol era conduzido por Zéfiro e mais dois ventos do oeste. A figura do Fogo seguia-se o Sol, trazendo 75

EM CIMA. À ESQ UERDA :

Esboço de Um Manto para «Retórica" no desfile festivo de Viena , no ano de 1571 Desenho à pena, com aguada azul, 30 x 20cm. Inv. N.0 3152 Inscrição ao cimo: >

EM CIMA. À DIREITA:

Esboço de Um Manto para «Astrologia» no desfile festivo de Viena , no ano de 1571 Desenho à pena, com aguada azul , 30 x 20cm. Inv. N . 3156 Inscrição ao cimo: