Cinema e Educacao
 9788582179949

Table of contents :
OdinRights
Título
Apresentação
I. A pedagogia do cinema
II. Comentários sobre a história do cinema
III. Notas sobre uma linguagem
IV. O espectador como sujeito
V. Cinema na escola
VI. FILMES COMO OBJETO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Sugestões de leituras
Referências
A autora
Copyright

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DADOS DE ODINRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

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Rosália Duarte

Cinema & Educação 3ª edição

APRESENTAÇÃO Na década de 1920, meu bisavô materno instalou um cinema na cidade onde nasci. Chamava-se Cine Central e, mais tarde, viria a ser administrado pelo meu avô. Cresci ouvindo minha mãe falar dos filmes que ela via, desde os cinco anos de idade, sozinha ou com a mãe, no cinema do avô. Muito poucas atividades de lazer fora de casa eram permitidas às mulheres naquela época, especialmente numa cidade pequena, localizada em área de coronéis, no interior de Minas Gerais. Mas o cinema lhes era facultado e era por meio dele que vinha o pouco contato que tinham com outras realidades. Essas mulheres iam juntas ao cinema e o faziam quase sempre sem companhia masculina. Talvez compartilhassem fantasias de um amor romântico idealizado ou, quem sabe, buscassem um refúgio das tarefas repetitivas realizadas no ambiente doméstico.1  Assim, por contingências familiares, o cinema entrou na minha vida carregado de significações afetivas, trazendo consigo parte das memórias de minha avó e de minha mãe, dos momentos passados sem a companhia dos noivos ou maridos, na sala escura ou na de espera ao lado desta, ao som de um piano alemão. Vasculhando os guardados delas, ainda é possível encontrar exemplares, dos anos 1940 e 50, da revista Scena muda, uma das mais importantes nos assuntos de cinema da época e folhetos (como o que se segue) destinados a propagandear as virtudes do Cine Central:  

  Eu era ainda bem pequena quando o cineasta Luís Sérgio Person chegou à minha cidade com atores, equipamentos e uma razoável equipe técnica, para filmar “O Caso dos Irmãos Naves” (1967), uma história baseada em fatos reais que relata a terrível injustiça cometida, em 1937, contra dois irmãos acusados de assassinato. Durante algumas semanas, Araguari se viu ocupada por aqueles sujeitos de cinema, tendo o galã Anselmo Duarte como centro das atenções (até muito recentemente pensava ter sido ele o diretor). Meu pai fazia figuração como escrivão de polícia e lembro-me de tê-lo ouvido contar, muitas vezes, como eram feitas as cenas de tortura no filme. Levei muitos anos para conseguir ver o filme, tal o horror que os relatos dessas cenas provocaram em mim, mesmo sabendo que era tudo “de mentira”, como meu pai insistia em afirmar. Vi-o, recentemente, e fiquei profundamente emocionada.

Vi muitos filmes quando criança, a maior parte deles na televisão (nessa época o Cine Central já não existia), de madrugada, às escondidas. Não eram filmes para criança, com certeza, pois lembro-me de cenas lúgubres em preto e branco, do monstro criado pelo dr. Frankenstein andando pela floresta e matando, à beira de um rio, uma menininha indefesa; lembro-me do castelo do Conde Drácula, do médico que virava monstro, de raios e tempestades, galhos arranhando mãos, um homem na janela de uma casa à beira do abismo, olhares desesperados no convés de um navio que afundava, figuras de cera, assassinatos... Cenas que, mesmo confusas, são parte do que eu sou. Ia ao cinema, também. Via Tom e Jerry, desenhos do Walt Disney, filmes do Roberto Carlos. Mais tarde, as aventuras de James Bond, cowboys, romances melosos e, muito raramente, filmes brasileiros, porque estes eram, na minha adolescência, vetados às “meninas de família”. Tudo isso para dizer que minha paixão pelo cinema (como, de resto, a da maioria dos cinéfilos2) começou cedo e veio de longe. E, visto que não se pode amar o que não se conhece, depois de vir para o Rio, esse interesse me levaria a ver cada vez mais filmes, a ler sobre cinema, ouvir conferências, participar de debates e conversar com pessoas que tinham o mesmo interesse. Mas isso ainda não era suficiente. Há certos “sacrifícios” que se precisa fazer para ingressar no mundo dos cinéfilos – é preciso conhecer um pouco de história do cinema, ver os filmes consagrados, saber falar de técnica cinematográfica usando vocabulário adequado, identificar os diretores, as tendências, os movimentos; em suma, é preciso saber quem é quem e, sobretudo, aprender a gostar do que é para ser gostado e a detestar o que é detestável. Na minha época, isso incluía, por exemplo, ver filmes soviéticos e dos expressionistas alemães, em versão original, legendada em inglês (hirc!!), na Cinemateca do Museu de Arte Moderna. Tínhamos que enfrentar horas na

fila para ver filmes raros, muitas vezes danificados, sentados no chão (por falta de espaço); ir para a porta do cinema duas horas antes da sessão da meia-noite para conseguir comprar um ingresso e coisas assim. Certa vez participei, no Estação Botafogo, de uma maratona de mais de vinte horas de exibição (durante dois dias inteiros) da série Berlin-Alexanderplatz, de Werner Fassbinder. Almofadas e pipocas ainda me vêm à memória sempre que ouço qualquer referência ao nome dessa praça alemã. Eram “tarefas” que, mesmo realizadas com imenso prazer, integravam estratégias de conquista de espaço em um universo que admirávamos incondicionalmente. Tarefas que passariam a ser menos complicadas com o videocassete – juntando informações, era possível organizar a filmografia de um “autor”3 ou a cinematografia de um país, ver tudo que estivesse disponível em vídeo e ir tomando nota. Com o tempo, já nem era preciso consultar as anotações, pois acabávamos desenvolvendo uma certa habilidade para guardar nomes, datas, referências que iam “naturalmente” sendo incorporadas ao vocabulário cotidiano. Tudo isso me ensinou a olhar o cinema de uma certa maneira e a construir com os filmes relações que eu não sabia possíveis. Aprendi a aprender com filmes, a usufruir mais intensamente da emoção que provocam, a interpretar as imagens, a refletir a partir delas, a reconhecer valores diferentes e a questionar os meus próprios. E o fato de essa experiência ter sido tão fundamental na minha formação (muito do que conheço do mundo, das culturas e das artes aprendi vendo filmes) é uma das razões pelas quais decidi estudar, academicamente, as relações das pessoas com o cinema. Este livro é produto de minha experiência com o cinema como espectadora, como pesquisadora e como professora. Nasceu das reflexões que venho fazendo sobre o papel desempenhado pelos filmes na formação das pessoas em

sociedades audiovisuais como a nossa e do desejo de compartilhá-las com outros professores. Agradeço à Tânia Dauster, minha orientadora de tese, por ter acolhido prontamente minha proposta de estudar relações com o cinema em um doutorado em educação; ao meu companheiro Édison Moreira e aos amigos Leandro Konder e Joana Santos, pela valiosa contribuição na construção de minhas reflexões e na escrita dos meus textos; a Camila Leite, Maria Muanis e Luana Lemgruber, parceiras incansáveis nas discussões sobre o assunto, no curso de Pedagogia da PUC-Rio; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo apoio financeiro às minhas pesquisas; e ao coordenador desta coleção, Professor Alfredo Veiga-Neto, pelo generoso convite para que eu viesse a fazer parte dela. 1 Pesquisas de mercado indicam que, ainda hoje, as mulheres compõem a maior fatia de público de cinema no Brasil. 2  No mundo do cinema, cinéfilos são aquelas pessoas que desenvolvem uma relação muito intensa com filmes: veem de tudo, vão ao cinema regularmente, veem filmes em vídeo e na tevê, frequentam festivais e podem passar horas e horas discutindo o assunto com os amigos. Vamos voltar a essa questão em outros capítulos, analisando, inclusive, o modo como esse conceito foi forjado. 3 A ideia de autoria, no cinema, é tema bastante polêmico. Vamos tratar melhor disso mais adiante.

A PEDAGOGIA DO CINEMA

De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1979), a experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de “competência para ver”, isto é, uma certa disposição, valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, o autor assinala que essa “competência” não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera cultural em que as pessoas estão imersas – que inclui, além da experiência escolar, o grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia – é o que lhes permite desenvolver determinadas maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o cinema. Significa dizer que, dependendo de suas experiências culturais e da “maneira de ver” do grupo social ao qual pertencem, onde uns veem um filme romântico com Leonardo di Caprio, outros verão um James Cameron exibicionista, em mais um produto do “cinemão” americano.4 Tomando essa análise como ponto de partida, somos levados a admitir que o gosto pelo cinema, enquanto

sistema de preferências, está ligado à origem social e familiar das pessoas e à prática de ver filmes. Não é por acaso que as pesquisas de mercado indicam um crescimento no número de espectadores que veem filmes em DVD, na pela televisão e pela internet e uma redução no número de ingressos vendidos nas salas de cinema. Segunda pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 9% dos municípios brasileiros têm salas de cinema, e boa parte destas estão localizadas em grandes centros urbanos. Em contrapartida, 78% dos municípios têm videolocadoras. Além disso, numerosos sites na internet oferecem um cardápio bastante variado de filmes (reproduzidos ilegalmente) para serem vistos on-line, boa parte deles com baixa qualidade de imagem e som. Ir ao cinema, ver filmes em salas de exibição é um hábito que precisa ser aprendido, e a falta de oportunidades desse tipo tem dificultado a formação desse hábito, com perdas significativas para a formação estética dos espectadores, sobretudo os mais jovens. Nesse contexto, ir ao cinema, gostar de determinadas cinematografias, desenvolver os recursos necessários para apreciar os mais diferentes tipos de filmes etc., longe de ser apenas uma escolha de caráter exclusivamente pessoal, constitui uma prática social importante que atua na formação das pessoas e contribui para distingui-las socialmente. Em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é requisito fundamental para se transitar bem pelos mais diferentes campos sociais. E o que isso tem a ver com a educação? Por que o gosto ou preferência por uma determinada forma de arte cultural deveria interessar professores e pesquisadores dessa área? Se pensarmos a educação como um processo de socialização, esse tema torna-se bastante relevante para nós. O conceito de socialização é uma ferramenta importante na análise dos fenômenos sociais, razão pela qual seu uso e

sua aplicabilidade científicos vêm sendo objeto de discussão desde que a Sociologia se constituiu como ciência autônoma. Na definição desse conceito, podem ser identificadas, na teoria sociológica, duas correntes distintas, cujas concepções ora se opõem ora se complementam. Uma delas vê a socialização como um mecanismo segundo o qual o indivíduo interioriza as regras sociais, assimila, de modo mais ou menos pacífico, as normas que a sociedade impõe aos que dela desejam participar. Desenvolvida inicialmente por Émile Durkheim, considerado um dos pais fundadores da Sociologia, essa concepção marcou fortemente a educação brasileira, sobretudo na primeira metade do século XX. Durkheim afirmava que os indivíduos vêm ao mundo egoístas e associais, dispondo apenas de alguns instintos básicos de sobrevivência; caberia, então, à sociedade, inicialmente representada na figura dos adultos responsáveis pelo recém-chegado, incutir nele os requisitos necessários ao convívio em sociedade. Para esse autor, a educação desempenha papel primordial nesse processo. Vista como socialização metódica das novas gerações pelas gerações mais velhas, é ela que vai possibilitar a formação do social. Desse modo, tornar-se ser social significa interiorizar (colocar para dentro), pela ação educativa, “um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós o grupo ou os grupos diferentes dos quais fazemos parte – tais são as crenças religiosas, os valores morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda espécie” (s/d, p. 45). Uma outra perspectiva, desenvolvida, num primeiro momento, por Georg Simmel, entende a socialização como um processo no qual o indivíduo socializado tem participação ativa, interfere nas condições em que ela acontece e modifica o mundo social. Desse ponto de vista, a socialização é algo em permanente construção, em que os protagonistas são, ao mesmo tempo, agentes e produtos da

interação social – “os indivíduos se socializam produzindo o social”, afirmava Simmel (1983).5 Não se trata, portanto, apenas de uma imposição/interiorização no indivíduo de esquemas culturais (normas, valores, regras) sempre preexistentes a ele próprio, mas de um movimento dinâmico de produção e de reprodução, de perpetuação e de transformação, no qual a adaptação de uma nova geração ao mundo social sempre o modifica um pouco. No que diz respeito ao fenômeno educacional, a perspectiva defendida por Simmel opõe-se àquela formulada por Durkheim, na medida em que rompe com a ilusão pedagógica de um par ativo/passivo – um adulto que inculca, uma criança que interioriza, um mestre que ensina, um discípulo que aprende – e compreende a aprendizagem como uma interação na qual o aprendiz tem intensa participação. Aqui, o ser social é visto como produto de um conjunto de interações, nas quais os sujeitos têm papel ativo a desempenhar, sejam interações de caráter deliberadamente educativo (família, escola, igreja, etc.), sejam aquelas em que não estão presentes ações intencionalmente pedagógicas (grupo de pares, relações de trabalho, etc). Em ambos os casos, entretanto, a educação que é ministrada no interior da escola é vista como apenas uma das muitas formas de socialização de indivíduos humanos, como um entre muitos modos de transmissão e produção de conhecimento, de constituição de padrões éticos, de valores morais e competências profissionais. Desse ponto de vista, evidencia-se a necessidade de identificar e analisar todos os espaços e circunstâncias nos quais esse processo acontece. É nessa direção que caminha grande parte dos estudos destinados a investigar o papel social do cinema. É inegável que as relações que se estabelecem entre espectadores, entre estes e os filmes, entre cinéfilos e cinema e assim por diante são profundamente educativas. O mundo do cinema

é um espaço privilegiado de produção de relações de “sociabilidade”, no sentido que Simmel dá ao termo, ou seja, forma autônoma ou lúdica de “sociação”, possibilidade de interação plena entre desiguais, em função de valores, interesses e objetivos comuns. Ver filmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais. Já em 1915, Vachel Lindsay, poeta norteamericano, reivindicava em livro o estatuto de sétima arte para o cinema, anunciando o desejo de convencer as instituições culturais nos Estados Unidos de que o cinema deveria usufruir do mesmo prestígio cultural atribuído às demais formas de arte (TURNER, 1997). Embora isso ainda não seja de todo verdadeiro no Brasil, o valor cultural e social do cinema não está mais em discussão na maioria dos países desenvolvidos, especialmente na Europa. Na França, o cinema, entendido como legítima forma de expressão cultural, recebe amparo oficial dos Ministérios da Cultura e da Educação e sua difusão integra os objetivos da educação nacional. Lá, ele é parte de uma estratégia política de preservação do patrimônio cultural da nação e, principalmente, da língua francesa.6 Outros elementos da cultura referendam o reconhecimento da importância do cinema na formação das mentalidades em sociedades nas quais se produz e consome esse tipo de artefato. O homem do século XX jamais seria o que é se não tivesse entrado em contato com a imagem em movimento, independentemente da avaliação estética, política ou ideológica que se faça do que isso significa. Em um dos capítulos de A Era dos extremos, o historiador Eric Hobsbawm (1994) reafirma a centralidade do cinema nesse século e assinala que “‘a era da reprodutibilidade técnica” (em que as obras de arte podem ser reproduzidas e passam a ser acessíveis a uma imensa

gama de pessoas) não apenas transformou a maneira como se dá a criação, mas, também, a maneira como os seres humanos percebem a realidade. Muito da percepção que temos da história da humanidade talvez esteja irremediavelmente marcada pelo contato que temos/tivemos com as imagens cinematográficas. Por mais que estejamos intelectualmente informados a respeito de como se passaram os chamados “fatos históricos”, John Wayne enfrentando índios nas planícies do oeste americano, Mel Gibson lutando contra os ingleses pela independência da Escócia, Tom Hanks comandando o desembarque de mariners no Dia D, Stallone em selvas vietnamitas e tantas outras cenas “históricas” teimam em ocupar nosso imaginário, despertando sentimentos contraditórios e constrangimentos íntimos. Se isso é verdadeiro no que diz respeito à História, mais ainda no que se refere aos aspectos mais subjetivos da vida social, esses muito mais permeáveis ao contato com as diferentes formas de expressão artística. Certamente muitas das concepções veiculadas em nossa cultura acerca do amor romântico, da fidelidade conjugal, da sexualidade ou do ideal de família têm como referência significações que emergem das relações construídas entre espectadores e filmes. Parece ser desse modo que determinadas experiências culturais, associadas a uma certa maneira de ver filmes, acabam interagindo na produção de saberes, identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores sociais. Esse é o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional – sua natureza eminentemente pedagógica. Nas sociedades mais ricas e desenvolvidas do mundo contemporâneo, bens culturais audiovisuais, incluindo os cinematográficos, são considerados recursos estratégicos para a construção e a preservação de identidades nacionais e culturais. Tanto é que esse tema ocupa lugar privilegiado

na agenda de negociações e acordos internacionais da Organização Mundial de Comércio, que envolve as maiores nações do mundo. Esse fato deveria ser suficiente para que os educadores encarássemos a questão com a seriedade que ela merece. Por incrível que pareça, os meios educacionais ainda veem o audiovisual como mero complemento de atividades verdadeiramente educativas, como a leitura de textos, por exemplo, ou seja, como um recurso adicional e secundário em relação ao processo educacional propriamente dito. Defendemos o direito de acesso amplo e universal ao conhecimento, mas não defendemos o direito de acesso ao cinema – o Brasil é um dos países em que o ingresso de cinema está entre os mais caros do mundo. Até quando ignoraremos o fato de que cinema é conhecimento? Enquanto os livros são assumidos por autoridades e educadores como bens fundamentais para a educação das pessoas, os filmes ainda aparecem como coadjuvantes na maioria das propostas de política educacional. Afinal, educação não tem mesmo nada a ver com cinema? Atividades pedagógicas e imagens fílmicas são, necessariamente, incompatíveis? Por que se resiste tanto em reconhecer nos filmes de ficção a dignidade e a legitimidade culturais concedidas, há séculos, à ficção literária? É possível que essa atitude se deva, em parte, a uma crença, mais ou menos comum, de que a relação com produtos audiovisuais (cinema e tevê, principalmente) atua de modo negativo na formação de leitores e contribui para o desinteresse por atividades pedagógicas assentadas em linguagem escrita. Mas, depois de mais de um século da criação do cinema, como podemos acreditar que existam fronteiras intransponíveis entre linguagem escrita e linguagem audiovisual? Cabe questionar, ainda, por que o desconhecimento de obras e autores importantes da literatura é visto como um

grave problema a ser enfrentado pelos meios educacionais, enquanto o fato de a maioria dos brasileiros ignorar a existência de incontáveis obras da nossa cinematografia (algumas delas incluídas entre as melhores do mundo) é tratado como algo totalmente irrelevante (mesmo nós, professores, muitas vezes desmerecemos essa produção). Entretanto, se admitimos que a relação com filmes participa de modo significativo da formação geral das pessoas, precisamos entender como é que isso se dá e qual é a extensão e os limites dessa participação. Precisamos estar atentos e dispostos a compreender a pedagogia do cinema,7 suas estratégias e os recursos de que ela se utiliza para “seduzir”, de forma tão intensa, um considerável contingente de pessoas, sobretudo jovens. Para isso é necessário nos dispormos a conhecer o cinema, sua linguagem e sua história. 4  Tomo Titanic como exemplo apenas porque esse foi o filme que registrou o maior número de espectadores no Brasil, nos últimos anos – cerca de 16 milhões. Cameron foi o diretor dessa obra, que custou cerca de 200 milhões de dólares em 1997. 5  Simmel desenvolve de modo mais preciso esse conceito no texto “Sociabilidade, um exemplo de sociologia pura ou formal”, publicado no Brasil, em 1983, em uma coletânea do autor organizada por Evaristo de Moraes Filho. 6  Uma brochura distribuída no Brasil, em meados dos anos 1980, para professores da Aliança Francesa dá uma pequena ideia da importância do cinema para a educação, naquele país – trata-se de um registro analítico de filmes realizados por crianças, com idades entre 6 e 13 anos, durante dez anos, nas escolas e centros de lazer de Paris (ALAIN LECLERC, 1984). 7 Em texto publicado por ocasião das celebrações que envolveram os 500 anos do descobrimento do Brasil, Guacira Louro desenvolve o conceito de “currículo cultural” e discute, de um modo muito interessante, os efeitos da chamada “pedagogia do cinema”. O texto, intitulado “O cinema como pedagogia”, é um dos que compõem a coletânea 500 anos de educação no Brasil, da Autêntica Editora

COMENTÁRIOS SOBRE A HISTÓRIA DO CINEMA A história do cinema é longa, diversificada e complexa, por isso sua realização exige estudos sistemáticos, produzidos a partir de referenciais teóricos e metodológicos adequados. Por essa razão, este capítulo não tem a pretensão de apresentar essa história; objetiva apenas fazer algumas observações acerca de momentos e movimentos considerados significativos para o percurso trilhado por essa forma de arte. Em 28 de dezembro de 1895, no Salão Indiano do Gran Café, no n. 14 do Boulevard des Capucines, em Paris, 33 espectadores assistiram, pasmos, às primeiras projeções de filmes feitos pelos inventores do cinematógrafo – os irmãos Lumière. Eram filmes curtos, com cerca de 50 segundos cada, que retratavam cenas do cotidiano da cidade. A imprensa, convidada, não apareceu, mas o boca a boca espalhou a novidade e, em breve, haveria mais de duas mil pessoas, todos os dias, à porta do salão, aguardando a chance de ver aquelas curiosas fotografias animadas. Os inventores não quiseram comercializar o aparelho e decidiram explorá-lo eles mesmos. Enviaram operadores a diversas partes do mundo com o intuito de recolher e exibir

“retratos de cidades”, provocando curiosidade e encantamento tanto nos que estavam interessados em conhecer lugares e costumes diferentes quanto naqueles que identificavam na tela paisagens familiares. No início do século XX, centenas de aparelhos semelhantes captavam imagens em movimento nos locais mais inusitados. Eram imagens “documentais”, registros de situações cotidianas, vistas, paisagens, hábitos e costumes de civilizações distantes, geográfica e culturalmente, umas das outras. “Pioneiros de um mundo novo”, diz Emmanuele Toulet (1998, p. 103), “os operadores desempenham um papel capital: além de registrarem imagens, eles lançam, no curso de suas peregrinações, as bases da exibição, da produção e da distribuição, como fundadores das cinematografias nacionais”. Configurando uma nova concepção de informação, as potencialidades do novo aparato técnico passaram a ser exploradas na documentação de sociedades e culturas muito diversas, de ambientes naturais e da vida animal, gerando imagens de grande valor científico e etnográfico. Em 1896, na Rússia, os operadores Lumière registram imagens da coroação do Czar Nicolau, dando origem a uma nova concepção de jornalismo. Na passagem do século XIX para o século XX, o português Silvino Santiago grava imagens inéditas da selva amazônica. Nos anos 1910, Luis Thomas Reis, trabalhando como cinegrafista oficial da Comissão Rondon, produz uma vasta documentação em cinema da cultura indígena brasileira, enquanto Roquete Pinto, trabalhando nessa mesma comissão, filma, pela primeira vez, os índios Nhambiquara.8 Na década de 1920, John Grierson e o brasileiro Alberto Cavalcanti, na Inglaterra, Marcel Griaule, na França, Dziga Vetov, na União Soviética dão uma contribuição decisiva para a consolidação do cinema como registro do “real” e abrem as portas para sua inscrição como instrumento de pesquisa acadêmica.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a retomada das pesquisas europeias na África, o antropólogo francês Jean Rouch produz avanços significativos na parceria entre ciência e arte cinematográfica, documentando, de forma inusitada, as sociedades que estudava e contribuindo, ao mesmo tempo, para o aprimoramento dos equipamentos existentes na época. Rouch queria filmar, em detalhes, o cotidiano daquelas comunidades, com suas cerimônias religiosas, rituais de caça, atividades produtivas e de lazer. Para isso, exigiu de seus fornecedores a adaptação dos aparelhos existentes –, muito pesados e de difícil transporte – em uma câmera mais leve e funcional, que pudesse ser operada por ele próprio e transportada, nos braços ou nas mãos, para onde quer que fosse necessário utilizá-la. Como as câmeras da época só registrassem imagens mudas – o som era gravado em estúdio e associado às imagens mais tarde – o antropólogo cobrou dos técnicos o aprimoramento dos aparelhos utilizados na gravação de sons, de modo que ele pudesse gravar o som ambiente, diretamente no local das filmagens. Foi um dos primeiros a testar o recém-criado NAGRA, um gravador de som direto que viria a causar grande impacto na evolução da técnica cinematográfica. Filmes etnográficos, jornalísticos e documentais continuariam a ser produzidos em larga escala no contexto cinematográfico mundial ao mesmo tempo em que o cinema de ficção caminhava, a passos largos, para, aprimorando-se tecnicamente, encantar e seduzir um número cada vez maior de pessoas pelo mundo afora. No início do século XX, o prestidigitador francês Gerge Méliès “inventa”, acidentalmente, a mágica do cinema. Filmando nas ruas de Paris, o mestre da magia no teatro percebeu que a película havia ficado presa. Soltou-a e voltou a filmar. Quando revelou o filme viu, entusiasmado, que o ônibus que estava filmando havia se transformado em carro fúnebre e os homens haviam se tornado mulheres.

Encantado, Méliès aplicou a nova descoberta em todos os filmes que fez dali para a frente. Montou, em um estúdio, um palco semelhante ao que utilizava para as trucagens teatrais, fundou uma empresa, a Star-Film, e realizou, ali, mais de 500 filmes, de diferentes gêneros: atualidades, filmes históricos, dramas, comédias etc. Os truques, realizados durante as filmagens, eram montados depois, através de cortes e colagens no negativo. Artesão, artista e criador, Georges Méliès escrevia, filmava, dirigia, editava e distribuía seus filmes, que eram exibidos em dezenas de países. Le Voyage dans la Lune, filme de 13 minutos que narra, de forma fantástica e extravagante, uma viagem à Lua, foi um estrondoso sucesso na França e tornou seu criador conhecido em todo o mundo (TOULET, 1998). Em meados dos anos 1910, nos Estados Unidos, D. W. Griffith dá novo significado à linguagem cinematográfica. De acordo com Jean-Claude Bernardet (2000), cineasta e teórico do cinema, com Nascimento de uma nação (1915) e Intolerância (1916), Griffith marcou o início da maturidade linguística do cinema, sistematizando as mudanças que ele e outros vinham, intuitivamente, tentando produzir. A partir desses filmes, diz Bernardet, “numa época em que o cinema ainda era mudo, vê-se como momentos básicos da expressão cinematográfica: 1) a seleção de imagens na filmagem; chama-se tomada a imagem captada pela câmera entre duas interrupções; 2) organização das imagens numa seqüência temporal na montagem; chamase plano uma imagem entre dois cortes” (p. 37). Tratava-se, então, não apenas de tentar captar o “real” como ele acontece, mas de inventar uma realidade a partir da escolha da forma de filmar e da seleção dos planos a serem utilizados na montagem9 do filme, criando a ilusão de realidade que é própria do cinema. Desse modo, o aparato técnico inventado para registrar o mundo passaria, também, a recriá-lo, segundo novas regras e artifícios ou, ainda, a criar outros mundos, mais ou menos semelhantes

àquele. Ao invés de apenas registrar em imagem hábitos e costumes de povos distintos, os filmes de ficção passariam a inventar costumes, criar modas e difundir hábitos, tornando-se o entretenimento número um de milhões de pessoas em todo o mundo, pelo menos até meados dos anos 1950. Nos Estados Unidos, cresce e ganha força ao longo de todo o século XX um modelo de cinema que viria a se tornar dominante – o chamado cinema indústria. Narrativas de fácil compreensão, construídas de forma linear (com começo, meio e fim), quase sempre com final feliz (o famoso happy end, característico do cinema realizado em Hollywood), apoiadas em recursos técnicos cada vez mais sofisticados e produzidas em escala industrial ajudaram a configurar, mundialmente, um padrão de gosto e de preferência muito difícil de ser quebrado. Nesse contexto, perseguições fantásticas, explosões, carros em alta velocidade, vidros que se quebram, tiros, efeitos especiais e mulheres nuas viriam a se tornar ingredientes fundamentais para atrair o grande público às salas de exibição. Investindo nos mais diferentes gêneros de filmes – westerns, suspense, romance, épicos, históricos, ação e aventura, infantis, desenhos animados etc. –, Hollywood arrebata multidões em todo o mundo, muitas vezes em prejuízo das cinematografias locais. Mas a cinematografia norte-americana não se fez apenas com produções milionárias, extravagantes e vazias de conteúdo. Filmes como O circo (1928, Charles Chaplin), Luzes da ribalta (1931, Charles Chaplin), Tempos modernos (1936, Charles Chaplin), Rastros de ódio (1956, John Ford), Rio Vermelho (1948, Haward Howks), Janela indiscreta (1954, Alfred Hitchcock), Psicose (1960, Alfred Hitchcock), Cidadão Kane (1941, Orson Welles), Taxi Driver (1976, Martin Scorsese), Laranja mecância (1971, Stanley Kubrick), 2001, uma odisséia no espaço (1968, Stanley Kubrick), entre outros, mudaram a história do cinema mundial.

Além disso, essa é uma arte inquieta demais e rebelde o suficiente para se submeter integralmente à homogeneidade. Rompendo com o modelo “oficial”, outras formas de contar histórias em imagens que se movem consolidaram-se ao longo de mais de um século, dentro e fora dos Estados Unidos. Na segunda década do século XX, a recém-criada União Soviética investiu, pesadamente, na produção de filmes. Além de Vertov e Kulechov, Serguei Eisenstein, mago e teórico da montagem, elaborou uma linguagem que se tornaria referência para o que viria a ser realizado dali em diante. Outubro (1927) e O encouraçado Potemkin (1925) – considerado um dos melhores filmes do século XX –, que retratam momentos distintos da revolução comunista, foram feitos a partir de uma concepção de montagem que nunca havia sido experimentada antes. Em função de problemas políticos e econômicos, a produção de filmes na União Soviética desenvolveu-se de forma bastante irregular, alternando períodos de profunda crise com momentos de grande vigor criativo – como o dos anos 50 – até 1989, quando as repúblicas autônomas passaram a investir, de forma isolada, no setor. Entre 1920 e 1930, a Alemanha dá uma vigorosa contribuição ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica: a partir de um roteiro escrito por Hans Janowitz e Carl Mayer, Fritz Lang dirige O gabinete do Dr. Caligari (1919), marco do nascimento de um movimento que faria com que o cinema passasse a ser visto como arte: o expressionismo alemão. Rompendo com os parâmetros narrativos da época, os expressionistas criaram uma cinematografia da vida interior, uma espécie de tradução, em imagens, do mundo subjetivo. Penumbra, cenários góticos, “fachadas que se fecham sobre ruas, espelhos que podem roubar a imagem de quem se reflete neles, sombras que podem abandonar seus donos, perspectivas distorcidas que oprimem os

personagens” (BERNARDET, 1980) definem a atmosfera de filmes como Nosferatu (Murnau, 1922), Metrópolis (1927, Fritz Lang), M, o vampiro de Dusseldorf (1931, Fritz Lang), considerados obras-primas desse movimento. Retomando o expressionismo e avançando na definição de forma própria de narrar, o cinema alemão voltaria a ter presença marcante no cenário mundial nos anos 1970 e 1980, tendo à frente cineastas como Werner Herzog, Reiner Fassbinder e Win Wenders. Nos anos 1940, jovens realizadores italianos criam o que viria a ser conhecido mais tarde como Neorrealismo – movimento que tinha como objetivo retratar a realidade social de uma Itália destroçada pela guerra. Seus filmes, realizados com poucos recursos técnicos e financeiros, não tinham enredo nem atores profissionais. Os cenários tanto podiam ser as plantações quanto as fábricas e/ou os locais de moradia da população mais pobre e as histórias procuravam mostrar o cotidiano daquelas famílias do modo mais “realista” possível. Roma, cidade aberta (1945) e Ladrão de bicicleta, de Vittorio de Sica (1948), são considerados os filmes mais representativos desse movimento. O Neorrealismo não teve muito sucesso de público, mas desempenhou um papel fundamental na formação das novas gerações de cineastas e no desenvolvimento das cinematografias de países pobres. Se recursos técnicos sofisticados e orçamentos milionários não eram imprescindíveis para a realização de bons filmes; se o importante era contar as histórias daqueles que, tradicionalmente, estavam fora das telas e das plateias do cinema, então muitos mais poderiam fazê-lo, independentemente das grandes estruturas de produção. E foi o que de fato aconteceu, pelo menos por algum tempo. A França, berço do cinematógrafo, também teve participação importante na consolidação do cinema como arte e como cultura. Nos anos 1920, uma Avant-Garde

(vanguarda) que buscava escapar da forma narrativa tradicional deu novo contorno ao modo de ser do cinema francês, abrindo espaço, inclusive, para os surrealistas, cujo expoente máximo viria a ser o espanhol Luis Buñuel. Em fins dos anos 1950, um grupo de jovens franceses lançou as bases de um outro movimento cinematográfico, denominado Nouvelle Vague, que iria interferir, de forma significativa, na maneira de ver e de fazer filmes adotada até então. Le beau Serge (1958), de Claude Chabrol, Acossado (1959), de Jean-Luc Godard, Os incompreendidos (1959), de François Truffaut e Hiroshima, meu amor, de Alan Resnais, abriram caminho para mais de uma centena de outros, estruturados mais ou menos nos mesmos moldes, causando grande reboliço no mundo do cinema. Clubes de cinema, bares e cafés de Paris tornam-se palco de acirradas discussões estéticas, ancoradas em artigos publicados nos recém-lançados Cahiers du Cinema – revista que viria a se tornar uma espécie de bíblia de cineastas e do movimento cineclubista em muitos países do mundo, inclusive no Brasil. O reconhecimento internacional de iniciativas que questionavam as regras do sistema vigente, um ostensivo apoio estatal e um esquema de distribuição eficiente recolocaram a França numa posição de destaque frente à produção mundial de filmes e favoreceram, ainda, a difusão, no Ocidente, das cinematografias asiática e africana, praticamente desconhecidas até então.

O cinema do Brasil10 O Brasil conheceu o cinematógrafo em 1896 e em 1898 já dava os primeiros passos no sentido de ter sua própria cinematografia. Entre 1908 e 1911, um grande número de curtas-metragens de atualidades, de vistas e paisagens e de longas-metragens de ficção foi realizado no país. Revistas musicais, dramas e, sobretudo, reconstituições de

crimes famosos atraíam a atenção do público que lotava as salas de exibição do Rio de Janeiro. Entretanto, ao longo da segunda década do século XX, a importação sistemática de filmes estrangeiros acabaria debilitando muito a produção nacional, que só viria a se reerguer em meados da década de 1920. Nesse período, o domínio pleno da técnica e da linguagem cinematográficas associado à expansão da produção faz nascer os clássicos do cinema mudo brasileiro que, apesar da qualidade, iriam permanecer marginalizados comercialmente. Em 1925, em Cataguazes, no interior de Minas Gerais, o artesão italiano Pedro Comello inicia Humberto Mauro na arte de fazer filmes e, juntos, realizam os primeiros filmes “posados” do chamado ciclo mineiro. Em pouco tempo, Mauro completaria sua formação como cineasta, dando início “a primeira carreira contínua, coerente e bela que o cinema do Brasil conheceu” (SALES GOMES, 1996, p. 55). No final dessa década, ele assinaria o primeiro longa-metragem produzido pela recém-criada Cinédia, com a qual viria a fazer alguns de seus melhores filmes, incluindo Ganga Bruta (1933), considerado uma das obras-primas do cinema nacional. A Cinédia participaria, também, em alguma medida, da realização de Limite, de Mário Peixoto. Considerado um clássico do cinema, esse filme ainda é objeto de numerosos estudos acadêmicos por sua originalidade, qualidade técnica e densidade narrativa.11 Em 1937, Getúlio Vagas cria o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), com o objetivo de incentivar a produção e a exibição de filmes que, fundados em temáticas exclusivamente nacionais, valorizassem a cultura brasileira. Parte da brilhante carreira de Humberto Mauro esteve ligada a esse órgão, onde realizaria e supervisionaria mais de trezentos filmes educativos, a maioria de curtametragem.

O cinema brasileiro também teve iniciativas de industrialização. A ideia de fazer filmes em escala industrial, nos moldes em que eram realizados nos grandes centros produtores, levou à fundação, nos anos 1940, na cidade do Rio de Janeiro, da companhia Atlântida, que, em associação com a cadeia de exibição de Luiz Severiano Ribeiro, levaria às telas um número muito significativo de filmes, sobretudo chanchadas. Essas comédias de costumes, ambientadas muitas vezes em temas carnavalescos, foram recebidas com indignação pelos críticos, mas conquistaram apoio e fidelidade junto ao grande público por mais de quinze anos, consagrando atores como Grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade e Dercy Gonçalves. Renegando a chanchada e ambicionando realizar filmes de alto padrão técnico, artístico e cultural, nasce, em 1950, em São Paulo, a companhia Vera Cruz, um empreendimento de grande porte que traria Alberto Cavalcanti de volta ao Brasil, além de contratar profissionais de cinema em diversos países do mundo. A iniciativa produziu bons resultados no que diz respeito ao aprimoramento da qualidade técnica de nossos filmes e da formação de nossos profissionais de cinema, mas o retorno comercial era desanimador. A euforia provocada pelo ciclo paulista duraria menos de quatro anos. Apesar dos esforços e do vultoso investimento financeiro, em 1954 a Vera Cruz naufraga, levando consigo a perspectiva de implantação de um sistema de produção industrial de filmes no país. Em oposição ao cinema indústria e sob forte influência do Neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague, os filmes Rio 40 Graus e Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos lançam, no final dessa década e no início da seguinte, as sementes do que viria a ser definido mais tarde como o moderno cinema brasileiro. Entre o final da década de 1950 e meados dos anos 1970, o Cinema Novo e o Cinema Marginal iriam configurar o que o crítico e pesquisador de

cinema Ismail Xavier considera “o período estética e intelectualmente mais denso” do cinema nacional (2001). Segundo esse autor, as polêmicas deflagradas na época em torno da realização de filmes “formaram o que se percebe hoje como um movimento plural de estilos e idéias que, a exemplo de outras cinematografias, produziu aqui a convergência entre a ‘política dos autores’,12 os filmes de baixo orçamento e a renovação da linguagem, traços que marcam o cinema moderno, por oposição ao clássico e mais plenamente industrial” (p. 14). Filmes realizados fora de estúdio, com poucos recursos e câmera na mão se tornariam a principal marca do Cinema Novo, movimento estético que teve como principal protagonista o polêmico cineasta Glauber Rocha. Com um manifesto intitulado “Estética da fome”, em que propunha a realização de filmes que retratassem a desigualdade social, a miséria e a opressão em que viviam os brasileiros, sem aparato técnico e os altos custos do cinema industrial. Um quadro de excelentes diretores composto, além de Glauber Rocha, por Paulo César Sarraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Ruy Guerra, Leon Hirszman, Luiz Sérgio Person, Walter Lima Júnior, entre outros, deu ao Brasil e ao cinema mundial filmes como Deus e o Diabo na terra do sol (1964, de Glauber Rocha, frequentemente citado como um dos cem melhores filmes do século XX), Os fuzis (1964, Ruy Guerra), O padre e a moça (1965, Joaquim Pedro de Andrade), Os cafajestes (1962, Ruy Guerra), Porto das Caixas (1962, Paulo César Sarraceni), Menino de engenho (1962, Walter Lima Júnior), São Bernardo (1972, Leon Hirszman), entre outros. No mesmo período, O Cinema Marginal, capitaneado principalmente por Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, opõe à “estética da fome” a “estética do lixo”, numa linguagem desencantada, sarcástica e irônica que, produzindo profundo desconforto no espectador, rompe com a ideia corrente de que os filmes deveriam, em

primeiro lugar, agradar ao público (XAVIER, 2001). O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla, e Matou a família e foi ao cinema (1967), de Júlio Bressane, são considerados marcos da configuração desse movimento. As décadas seguintes seriam marcadas por um período relativamente estável de fortalecimento da cinematografia brasileira, tendo como pano de fundo as polêmicas geradas pela atuação da Embrafilme e do Concine, órgãos estatais destinados a apoiar diretamente a produção e a exibição de filmes nacionais. Com a extinção desses organismos, em 1990 nossa produção cairia praticamente a zero, numa das mais graves crises enfrentadas pelo setor. Em meados dos anos 1990, com a criação de leis de incentivo fiscal, o cinema do Brasil ressurge, dando mostras do mesmo vigor, diversidade e criatividade que conquistaram admiração, interesse e reconhecimento internacional. 8 Essas informações fazem parte de artigo de Patrícia Monte-Mór, Descrevendo culturas: etnografia e cinema no Brasil, produzido para o catálogo de filmes e vídeos da Coordenação de Folclore e Cultura Popular da Funarte e publicado no primeiro número dos Cadernos de Antropologia e Imagem. Nele, a antropóloga faz um balanço das contribuições do cinema para a produção de imagens etnográficas e para o desenvolvimento da antropologia visual no Brasil. 9 Chama-se montagem a operação realizada ao final das filmagens, na qual os diferentes planos filmados são organizados numa sequência temporal, de forma a dar sentido à história que está sendo contada. A linguagem do cinema e suas estruturas de significação serão melhor discutidas no capítulo que se segue. 10  A maior parte das informações contidas nesse item constam do clássico ensaio escrito pelo crítico Paulo Emílio Sales Gomes, em 1973, “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, leitura obrigatória para quem se interessa pela história do cinema brasileiro. 11  O Laboratório de Investigação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense lançou, em 1998, o CD-ROM Estudos sobre Limite, de Mário Peixoto, contendo, além da biografia do cineasta, análise minuciosa do filme e de sua estrutura narrativa. É uma excelente fonte de consulta para quem deseja saber mais sobre o assunto. 12 Proposta de crítica cinematográfica lançada pelos Cahiers du Cinema, que se tornaria célebre. Tratava-se de pensar o diretor de cinema como autor, ou seja,

como alguém que controla todas as etapas de produção do filme.

NOTAS SOBRE UMA LINGUAGEM Ao longo de seus mais de cem anos, a gramática cinematográfica criou uma linguagem profundamente rica; fruto da articulação de códigos e elementos distintos: imagens em movimento, luz, som, música, fala, textos escritos; o cinema tem a seu dispor infinitas possibilidades de produzir significados. Tudo depende do modo como são combinados luz e sombra, velocidade da câmera, captura dos espaços, ângulos de filmagem e, acima de tudo, da sequência temporal em que os planos (imagens entre dois cortes) são organizados na montagem. “O significado de um filme é o todo”, diz o linguista Milton de Almeida (1994, p. 29), “amálgama desse conjunto de pequenas partes, em que cada uma não é suficiente para explicá-lo, porém todas são necessárias e cada uma só tem significação plena em relação a todas as outras”. Conta-se que, em alguns países, as primeiras exibições de filmes narrativos eram acompanhadas por um explicador – um homem que, de pé ao lado da tela, ia explicando para o público o que os personagens estavam fazendo (CARRIÈRE, 1995). Tratava-se, naquele momento, de uma linguagem absolutamente original e era muito difícil, para a maioria

dos espectadores, compreender as relações invisíveis estabelecidas entre uma cena e outra. De lá para cá, o cinema se tornou uma arte universal, como nenhuma outra jamais conseguiu ser. Diferente da escrita, cuja compreensão pressupõe domínio pleno de códigos e estruturas gramaticais convencionados, a linguagem do cinema está ao alcance de todos e não precisa ser ensinada, sobretudo em sociedades audiovisuais, em que a habilidade para interpretar os códigos e signos próprios dessa forma de narrar é desenvolvida desde muito cedo. A maior parte de nós aprende a ver filmes pela experiência, ou seja, vendo (na telona ou na telinha) e conversando sobre eles com outros espectadores. Mas isso não significa que devamos deixar o conhecimento da gramática cinematográfica para os especialistas. Ao contrário, conhecer os sistemas significadores de que o cinema se utiliza para dar sentido às suas narrativas aprimora nossa competência para ver e nos permite usufruir melhor e mais prazerosamente a experiência com filmes. Assim como a beleza e a grandiosidade de Dom Casmurro podem ser melhor apreciadas quando se conhece a estrutura que torna possível a produção de um texto literário, a força avassaladora do texto e das imagens que compõem Deus e o diabo na terra do sol podem ser vivenciadas com muito mais intensidade quando se compreende o modo como se articulam os discursos de significação na linguagem cinematográfica. O indiscutível valor cultural dessa e de outras obras da cinematografia mundial é razão suficientemente boa para nós, professores, nos interessarmos pela teoria do cinema do mesmo modo como nos interessamos pela teoria da literatura. Este capítulo tem por objetivo despertar a curiosidade por esse tema, discutindo o papel

desempenhado pelo aparato técnico na composição do sentido da narrativa fílmica.

Os elementos de signi cação do cinema13 Os sistemas de significação de que o cinema se utiliza para estruturar sua linguagem são, basicamente: câmera, iluminação, som e a montagem ou edição. Um dos elementos mais complexos da gramática cinematográfica envolve as práticas de uso da câmera. A escolha do material de gravação – película ou fita magnética, colorido ou preto e branco; os diferentes modos de capturar os espaços – do plano geral (PG) – imagens de grandes espaços – ao primeiríssimo plano (PPP) – em que só se mostra o rosto do ator, ou ao plano de detalhe – onde se mostra um objeto ou uma parte do corpo do ator; a velocidade com que a câmera se movimenta; a profundidade do foco e o ângulo de filmagem definem, em larga medida, o sentido da história que está sendo contada. Determinados efeitos de significação podem ser obtidos pela escolha do material de gravação. Filmes de ficção em preto e branco podem dar a impressão de documentário ou cinejornal, como é o caso, por exemplo, de Nós que aqui estamos por vós esperamos, de Marcedo Mazagão, ou A lista de Schindler, de Steven Spielberg. É comum, também, inserir cutbacks ou flashbacks em preto e branco em filmes coloridos para consolidar a ideia de que se trata de lembranças do passado. Algumas vezes, o uso de cores muito fortes pode sugerir artificialidade, como em certos filmes sobre jogos eletrônicos, ou uma percepção distorcida da realidade relacionada, por exemplo, ao uso de drogas ou a doenças mentais. Películas sensíveis à luz, que permitem filmar em ambientes escuros, dão às imagens um aspecto granulado e de baixa definição que ajuda a compor o clima de filmes de época.

Recortar o espaço é um elemento linguístico característico do cinema e é o que permite, por exemplo, filmar em planos gerais uma grande batalha em campo aberto, com centenas de figurantes, cavalos, armas etc., como o cineasta japonês Akira Kurosawa fez, magistralmente, em Ran (e, respeitadas as diferenças, é também esse o recurso utilizado por Mel Gibson para compor boa parte das cenas de guerra em Coração valente e O patriota). Para mostrar um longo beijo, com o rosto dos amantes ocupando toda a tela ou o close de uma navalha cortando um globo ocular (como em O cão Andaluz, de Luis Buñuel), os cineastas recorrem ao que se convencionou chamar de primeiríssimo plano (PPP). O plano de conjunto enquadra grupos de personagens reconhecíveis em um ambiente. Em um belíssimo plano de conjunto, Andrucha Waddington apresenta a sequência final de Eu, tu, eles, mostrando espacialmente o “quadrado amoroso” composto por Darlene e seus três maridos, cada uma das personagens ocupando, fisicamente, um dos lados da figura, diante da casa em que residiriam. O plano americano corta o ator na altura da cintura ou da coxa e é um recurso muito explorado em filmes de ação, pois permite destacar o ator do ambiente e dar ênfase aos seus movimentos. Quem viu filmes de Alfred Hitchcock pode até não se lembrar integralmente do enredo, mas, certamente, tem gravadas na memória imagens de objetos: um isqueiro prateado, um molho de chaves, um coque de cabelo, uma faca, uma luva. Reproduzindo artificialmente o ato mental da atenção, o objeto privilegiado é destacado do conjunto e torna-se significativo para o espectador. A preocupação desse cineasta com os planos de detalhe tinha algo de pessoal: conscientemente ou não, Hitchcock desenvolveu um estilo próprio de filmar e “inventou” uma maneira de contar histórias de suspense e mistério. Como todos os cineastas, ele sabia que estava lidando com um gênero de

memória completamente diferente: a memória de imagens, muito mais forte e duradoura do que a de palavras. (CARRIÈRE, 1995). A posição a partir da qual se filma também produz significados. Tomadas elevadas (chama-se tomada a imagem captada pela câmara entre duas interrupções), feitas de helicóptero ou de uma grua, dão às imagens um caráter plástico, espetacular, estimulante para o espectador. Boa parte da sensação de aflição que sentimos ao ver na tela dois homens lutando no teto de um trem em movimento, que está prestes a entrar em um túnel, resulta da opção de filmar esse tipo de cena do alto. Efeito semelhante pode ser obtido quando se filma do chão uma cena que se passa no alto de um edifício. O ângulo de filmagem é um componente importante desse sistema de significação. Filmar uma pessoa de baixo para cima, contribui para acentuar sua posição de poder na trama, ao passo que as tomadas feitas de cima para baixo podem produzir uma impressão de submissão e amesquinhamento. No filme Matilda, de Danny de Vito, há uma sequência muito interessante em que a diretora ditadora da escola humilha publicamente a personagem central da trama – Matilda, uma menininha de sete anos. As tomadas da mulher em câmara baixa fazem com que ela pareça ainda maior e mais ameaçadora diante da menina que, filmada de cima para baixo, parece pequenina e indefesa. É interessante notar que nenhuma outra forma de arte conseguiu, até agora, representar tão bem o ponto de vista da criança. Em boa parte dos filmes que retratam o universo infantil, o ângulo de filmagem favorece a identificação do espectador com a criança, pois pretende fornecer ao espectador uma certa “visão” dos acontecimentos a partir da posição que imaginamos que ela ocupa naquele contexto. O modo como são feitas as tomadas nesse tipo de filme certamente contribui para a composição de estruturas

dramáticas que procuram mostrar o mundo do lugar a partir do qual a criança o vê. O Tambor, de Volker Schlöndorff, um filme maravilhoso, que conta a história de um garoto que se recusa a crescer em protesto contra a ascensão do nazismo na Alemanha, é exemplar nesse sentido. Tomadas de perspectiva obrigam o espectador a ver do ponto de vista do personagem. Apresentar, pelo ângulo do assassino, seu lento caminhar em direção à vítima que está de costas amplia o sentimento de vulnerabilidade que esse tipo de narração provoca no espectador. Isso é válido até mesmo quando se trata de um animal. Steven Spielberg explora esse recurso em Tubarão e em Parque dos dinossauros, no qual boa parte dos ataques dos “monstros” é mostrada pelo ângulo destes, acentuando a impressão de impotência e fragilidade das vítimas. Em uma das mais belas sequências do filme Vidas Secas, o diretor Nelson Pereira dos Santos narra a morte de uma cadela, Baleia, a partir do que pode ser entendido como sendo a experiência vivida pelo animal. Tendo sido atingida por um tiro desferido pelo dono, Fabiano, que se viu obrigado a sacrificá-la para continuar a viagem, Baleia agoniza embaixo de uma árvore seca e, em seus “delírios” de moribunda, vê o solo do sertão castigado pela seca cobrindo-se de relva viçosa e preás, que ela costumava caçar para a família, brincando livres à sua frente. O efeito é intencionalmente antropomórfico: sentindo-nos, de algum modo, identificados com o animal, somos levados a “vivenciar” a diluição, naquele contexto, da fronteira que separa humanos e não humanos. O movimento da câmera para cima e para baixo ou lateralmente, sobre trilhos, a rotação dela sobre um eixo horizontal ou transversal, o zoom – manipulação de lentes de modo a produzir um efeito de aproximação, como no close-up – o foco, o enquadramento – composição de imagens dentro dos limites físicos da tomada –, são, também, elementos constitutivos desse complexo sistema

de significação, responsável, entre outras coisas, pelo que melhor caracteriza a especificidade da linguagem do cinema: a impressão de realidade. Associa-se a esse outro importante sistema produtor de significados na composição da narrativa fílmica: a iluminação. Segundo Graeme Turner (1997), os principais objetivos da iluminação cinematográfica são a expressão – “estabelecer um estado emocional, dar ao filme uma ‘aparência’ ou contribuir para detalhes da narrativa, como caráter e motivação” (p. 61) – e o realismo. De um modo geral, usa-se a iluminação high-key – cenas bem-iluminadas por uma luz-chave, com luzes atenuantes para eliminar as sombras e moldar o objeto iluminado – tende a ser mais realista, enquanto a low-key – que desloca a luz-chave para um dos lados da personagem, deixando visível somente um dos lados da face ou iluminando-o de baixo para cima – é expressiva (Turner). No filme Lavoura arcaica, a sombra que cobre metade do rosto do pai, em contraposição ao do filho, integralmente iluminado, no momento em que este tenta expor os motivos pelos quais havia deixado a casa da família, dá um tom sinistro à figura paterna e nos leva a desconfiar daquele discurso solene sobre integridade e firmeza de caráter. A iluminação participa diretamente da composição da atmosfera em que a trama do filme se desenrola. A penumbra e o jogo de claro/escuro que caracterizaram o expressionismo alemão dos anos 1920 e que estão presentes, também, na maioria dos filmes noir da década de 1940, sugerem ambiguidade, mistério e segredo e indicam a existência de motivos ocultos e sombrios operando nas personagens (idem, p. 62). A explosão de luz e cor, ao contrário, pode sugerir fantasia, como em A fantástica fábrica de chocolates, de Mel Stuart, ou a artificialidade do ambiente, como nas imagens de sonhos ou de ações que se passam em realidade virtual. Cenas bem-iluminadas, com poucas áreas

de sombra, tendem a causar impressão de segurança e bem-estar, ou seja, de que tudo que há para ser visto está sendo mostrado ali e não há nada de ameaçador escondido sob zonas escuras. Quando Nelson Pereira dos Santos pediu a Luis Carlos Barreto, diretor de fotografia de Vidas secas, para não usar filtros e “estourar” a luz nas tomadas externas do filme, tinha em mente deixar transparecer ao espectador, do modo mais convincente possível, a crueza, a luminosidade e o calor intenso da caatinga seca que oprimia a família de retirantes em sua longa e faminta travessia. Aqui, a iluminação é usada para dar mais realismo à história que está sendo contada e o efeito é, de fato, devastador. Para configurar de modo mais “realista” a atmosfera do filme Barry Lindon, o diretor, Stanley Kubrick, quis que algumas cenas de interior fossem feitas exclusivamente à luz de velas, o que obrigou o diretor de fotografia, John Alcott, a espalhar centenas de candelabros acesos pelo set de filmagem. Associado a cenários e figurinos extremamente bem-cuidados, esse recurso viria a compor uma fantástica e premiada reconstituição de época. Vale dizer que quanto melhor for a iluminação em uma narrativa cinematográfica mais imperceptível ela será aos olhos de quem vê. Ela funciona, ali, como um meio “natural” de dirigir o olhar e a atenção do espectador para os diferentes objetos e pessoas que participam da cena, delineando o clima e acentuando o papel dramático desempenhado por cada um deles na trama. Mas esse sistema, tanto quanto os demais, não tem significação predeterminada e não atua de forma autônoma – os efeitos que ele possa vir a produzir dependem do vínculo que mantém com os outros componentes da linguagem. O som é outro elemento fundamental na composição de um filme, embora, de um modo geral, estejamos pouco atentos aos efeitos que ele produz. Acostumamo-nos tão completamente a ouvir sons de passos, de cascos de

cavalos batendo no solo, janelas rangendo, gritos, freadas de carros em alta velocidade, sussurros do vento e murmúrios do mar que sequer conseguimos percebê-los como originários de um sistema de significação específico e distinto dos demais. Para nós, espectadores, o som diegético – aquele que é motivado por ações ou fatos ocorridos na narrativa (como gritos, ruídos etc.) – está intrinsecamente ligado à imagem; às vezes, fica difícil admitir que ele não é produzido pelos fatos e ações que o motivam, mas que é algo criado “artificialmente” e inserido no filme (em uma fase posterior à da filmagem) com objetivos previamente definidos. Sua função principal em uma narrativa fílmica é reforçar o realismo, garantir a verossimilhança. Sabemos que os golpes desferidos nos filmes não atingem, de fato, os atores que encenam as lutas, mas nos esquecemos disso, momentaneamente, quando ouvimos o som abafado dos socos e pontapés ecoar na sala de projeção. Isso intensifica a sensação de violência que esse tipo de filme espera provocar. Do mesmo modo, ao vermos na tela uma porta batendo ou uma arma sendo disparada, esperamos ouvir o ruído produzido por esses acontecimentos, pois é exatamente isso o que acontece quando vivemos experiências semelhantes no mundo real. O som não diegético – a trilha musical – é, em geral, utilizado para amplificar o estado emocional, para reforçar as emoções que se espera que determinada cena “provoquem” no expectador. Suplício de uma saudade, drama sobre o amor entre uma médica eurasiana e um repórter norte-americano, que tem como pano de fundo a Guerra da Coreia, provocou “rios de lágrimas” em espectadores pelo mundo afora, em meados dos anos 1950, e passou a fazer parte da história romântica de muitos casais de namorados desde então. Não resta dúvida de que boa parte do impacto social desse filme deveu-se à indiscutível força dramática de sua canção-tema: Love is a

many splendor thing (título original do filme), ainda hoje muito executada nos bailes de debutantes e da terceira idade. A música participa intrinsecamente da configuração do ambiente emocional do filme e interfere no modo como percebemos os diferentes momentos dramáticos (perigo, suspense, tensão, ternura etc.) da história que está sendo contada. Quando eu era criança e brincava com meus irmãos de representar duelos como os dos filmes de cowboy, alguém sempre era escalado para fazer “o fundo musical” dos momentos de “tensão”. Assim, quando mocinho e bandido estavam de pé, frente a frente, rígidos e sérios, olho no olho, com a mão espalmada sobre o coldre do revólver, um gaiato qualquer tinha que assoviar (ou cantarolar) a música-tema de nossos westerns prediletos (os spaguetti, de Sergio Leone,14 eram imbatíveis: adorávamos Giuliano Gemma!). Sabíamos, intuitivamente, o quanto aquele recurso era importante para dar o clima do duelo – tínhamos “aprendido” isso nas dezenas de filmes que víamos nas tardes de domingo. A música não diegética (cuja fonte – instrumento musical, aparelho de som etc. – não é vista no quadro ou não faz parte do enredo) desempenha um papel cada vez mais importante na estrutura narrativa dos filmes. É difícil imaginar como seria o filme Psicose sem a fantástica trilha musical que Bernard Hermann compôs especialmente para ele, a pedido de Hithcock. É quase impossível ficar imune à carga dramática que A cavalgada das Valquírias, de Wagner, adiciona às imagens de helicópteros bombardeando aldeias vietnamitas, em Apocalipse Now (Francis Ford Coppola). Certamente a sequência em que as crianças atravessam o céu em suas bicicletas, levando consigo o pequeno extraterrestre no filme de Steven Spielberg, seria infinitamente menos tocante sem a música que a acompanha. A música significa, “sente por nós”, acentua

em nós a força das imagens e, de certo modo, nos conduz pela mão na história que está sendo contada. Entretanto, como tudo o mais no cinema, esse elemento de significação pode ser usado de forma descaradamente manipuladora, ou seja, com o intuito de tentar “forçar a emoção” do espectador, tentar “obrigá-lo” a sentir desse ou daquele modo, para que a narrativa “funcione” como o planejado. A crítica e a reação a essa postura pouco ética foram o que levou o movimento cinematográfico dinamarquês Dogma 95, liderado por Lars von Trier, a colocar como um de seus princípios a proibição de uso, nos filmes que viriam a integrar o movimento, de música não diegética. Vale assinalar que nenhum desses sistemas significadores produz sentido isoladamente ou alcança seus objetivos fora de sua inserção num conjunto. “O cinema é um complexo de sistemas significadores”, afirma Turner, “e seus significados são o produto da combinação daqueles. A combinação pode ser realizada com sistemas complementares ou conflitantes entre si, mas nenhum por si só é responsável pelo efeito total do filme” (p. 69). A montagem e a edição oferecem ao cinema um conjunto de técnicas para articular esses diferentes sistemas. O cineasta russo Serguei Eisenstein dizia que os filmes têm a missão de fazer seu relato não apenas com coerência lógica, mas, sobretudo, com o máximo de emoção. Nisso residia, para ele, o sentido da montagem, que deveria ter como base “atrações e oposições das imagens, que seriam justapostas com o objetivo de causar um dado impacto psicológico no espectador e, através desse impacto transmitir o mesmo nível de sensações que o cineasta experimenta ao criar a cena” (BUCCI, 1991, p. 265). Na famosa sequência da escadaria de Odessa, em O encouraçado Potemkin (apontado por alguns críticos como o melhor filme do mundo), Eisenstein intercala, em poucos segundos, várias dezenas de planos de um mesmo

movimento dos atores, combina-os de modo a evidenciar choques e tensões e cria uma realidade muito mais densa e profunda do que aquela que é produzida por câmeras fixas e montagens lineares (idem). Entendida em um sentido amplo, a montagem é a ordem em que os planos se sucedem em uma sequência temporal, assim como a forma como os elementos que compõem um mesmo plano são apresentados – simultânea ou sucessivamente. Colocadas juntas, as imagens se unem em uma nova ideia; estendemos fios invisíveis entre elas, de modo que façam sentido para nós. O cinema soube disso desde o início e se utiliza da montagem para sugerir essas ligações. Uma tomada externa de um carro estacionando em frente a uma casa, seguida de outra, feita do interior, que mostra um homem atravessando o umbral de uma porta e de uma terceira, em que uma mulher pica legumes sobre uma mesa de cozinha, organizadas nessa ordem, sugerem acontecimentos que se sucedem no tempo e podem dar a impressão de que se trata, por exemplo, de um marido que retorna ao lar. Se, em uma cena, vemos uma mulher que observa o ambiente e ao mesmo tempo os objetos que ela estaria vendo, isso tem um certo significado. Se, ao contrário, vemos, primeiro, apenas a mulher, depois a vemos voltar-se para observar o entorno e, em seguida, um movimento da câmara (um panning, por exemplo – rotação em torno do eixo horizontal) mostra, um a um, os objetos que compõem o quadro, o significado certamente será outro. Nos filmes realistas, a edição permite que a passagem de um plano a outro seja feita de modo quase imperceptível, dando a ilusão de continuidade de tempo e espaço que favorece a impressão de realidade. Cortes suaves, discretos e praticamente insensíveis dão a impressão de estar reproduzindo a percepção natural das pessoas. Assim, se temos uma tomada de um homem levantando-se de uma

cadeira, no fundo de um quarto escuro, em seguida a câmara faz um lento movimento em direção à janela projetando-se para fora dessa e, na cena seguinte, vemos um casal que se beija na calçada, mesmo havendo cortes (passagem de um plano para outro), teremos a sensação de continuidade que nos “informará” que é essa a cena que o homem estaria vendo de sua janela. A forma de articular esses elementos significadores depende do tipo de cinema que se faz (mais ou menos industrial, por exemplo), do tipo de narrativa que se quer construir (mais ou menos densa e complexa), dos recursos de que se dispõe (técnicos, humanos ou financeiros) e, acima de tudo, do contexto social e cultural em que os filmes são realizados e vistos. As convenções usadas pelo cinema precisam ser “aceitas” pelo público para que façam sentido. E esse aceite depende, intrinsecamente, dos padrões culturais, valores, costumes e normas sociais em que estão imersos os filmes e seus espectadores (CARRIÈRE, 1995).

Cinema como prática cultural O significado cultural de um filme (ou de um conjunto deles) é sempre constituído no contexto em que ele é visto e/ou produzido. Filmes não são eventos culturais autônomos, é sempre a partir dos mitos, crenças, valores e práticas sociais das diferentes culturas que narrativas orais, escritas ou audiovisuais ganham sentido. Mesmo aquelas cuja linguagem ou estrutura de significação escapam aos padrões convencionais ou que retratam hábitos e práticas distintos daqueles com os quais estamos familiarizados podem ser bem-assimilados e compreendidos por nós, pois nosso entendimento é permanentemente mediado por normas e valores da nossa cultura e pela experiência que temos com outras formas de narrativa.

Sabendo disso, o cinema-indústria procurou criar uma forma de narrar que cruzasse diferentes codificações culturais, de modo a tornar os filmes acessíveis ao maior número de pessoas, de distintas nacionalidades. Esse formato acabou se tornando dominante na cinematografia mundial, em parte devido ao bom “desempenho” junto ao público de certos modelos de representação de temáticas que atravessam a maioria das culturas, tais como as definições de masculinidade, feminilidade, infância, dever, honra, patriotismo e assim por diante. Nem sempre isso funciona. Espectadores indianos, por exemplo, nunca receberam muito bem as codificações importadas (ou as temáticas ocidentais); para atender a demanda popular, a Índia investiu na criação de sua própria Hollywood (conhecida internacionalmente por Bollywood), produzindo, hoje, cerca de 800 filmes por ano, de grande apelo junto ao público interno. Contudo, essa parece ser mais uma exceção que confirma a regra: repetidas à exaustão, as fórmulas criadas pelo cinema narrativo tradicional tornaram-se convenções mundialmente aceitas e, de certo modo, passaram a orientar as expectativas e o “gosto” do público de cinema e, consequentemente, a produção. Por serem de fácil compreensão, essas convenções facilitam o trabalho de comunicação dos cineastas. É o que acontece, por exemplo, com a representação de tempo: se vemos uma cena em que alguém está começando a preparar alguns alimentos e, no momento seguinte, vemos um jantar sendo colocado sobre uma mesa, isso não nos causa nenhum estranhamento, pois nossa experiência com o cinema nos diz que não é necessário (nem desejável) equiparar o tempo da tela ao tempo real. Em um nível um pouco mais complexo, admitimos, inclusive, que uma sucessão de manchetes de jornais aparecendo uma a uma em close na tela ou, ainda, que ponteiros de um relógio

girando rapidamente possam representar a passagem de décadas ou séculos em um filme. O modo como o cinema lida com o feminino também é fruto de convenções, nesse caso, de natureza muito mais cultural do que técnica. Essas representações vêm sendo objeto de preocupação por parte dos estudos feministas desde o início dos anos 1980. Pioneira no estudo da mulher no cinema e da produção cinematográfica feminista, Ann Kaplan (1995) afirma que as imagens dominantes da mulher nos filmes são construídas pelo e para o olhar masculino. No cinema, diz Kaplan, as mulheres existem “para-seremolhadas” e essa objetificação orienta a maneira como o corpo delas é apresentado, como elas próprias se posicionam diante da câmera e mesmo o lugar simbólico que ocupam na narrativa. Pesquisadoras mais radicais nesse campo de estudos chegam a dizer que esse modo de representação predomina sobre qualquer outro e faz com que seja impossível saber o que o feminino significa fora das construções masculinas. Convenções de representação de gênero são, frequentemente, conservadoras e, por isso mesmo, difíceis de serem rompidas. A maioria dos filmes apresenta as mulheres como dependentes e incapazes de tomar decisões acertadas (sobretudo em situações de perigo); estão sempre em busca do complemento masculino, cuja presença, além de significar realização pessoal, sugere segurança e proteção. São incontáveis os filmes em que o herói aparece no momento-chave para livrar a amada das garras de um agressor. A mulher é, quase sempre, coadjuvante. De um modo geral, o protagonismo feminino em narrativas fílmicas é fortemente marcado por definições misóginas do papel que cabe às mulheres na sociedade: casar-se, servir ao marido, cuidar dos filhos, amar incondicionalmente. Mulheres livres, fortes e independentes são frequentemente apresentadas como masculinizadas, assexuadas, insensíveis e traiçoeiras.

São comuns as situações em que elas atuam como o elemento desestruturante, como a força de ruptura na narrativa. Enquanto em James Bond o exercício livre da sedução é uma característica que o torna ainda mais charmoso e heróico, atitudes desse tipo em personagens femininas são apresentadas como uma ameaça à família, como em Atração fatal (Don Taylor, 1985), e às normas sociais – Corpos ardentes (Lawrence Kasdan, 1981) e Instinto selvagem (Paul Verhoeven, 1992), que são emblemáticos nesse sentido. As representações de homossexuais no cinema convencional são, também, profundamente marcadas pelo conservadorismo que envolve o tratamento dessa questão na maioria das culturas. Em um documentário, cujo título em português é O outro lado de Hollywood (Celluloid Closet), os diretores Robert Epstein e Jefrrey Friedman fazem um estudo da homossexualidade nas telas e mostram o quanto de preconceito e homofobia existe na caracterização das personagens homossexuais do cinema que, quando não são bufonas (afetadas, atuam como bobo da corte), são emocionalmente desequilibradas, traiçoeiras, perigosas e antissociais. Com exemplos significativos – filmes de grande sucesso de público e de crítica –, esses diretores mostram como, em boa parte dos filmes, psicopatas e assassinos seriais têm sempre algum envolvimento com práticas ou tendências homossexuais. Tudo indica que, apesar de alguns esforços isolados feitos em contrário, o olhar masculino, branco, ocidental e, sobretudo, heterossexual ainda é o que predomina nas convenções de representação de temáticas distintas no chamado cinema dominante. Não é coincidência, portanto, que o assassino seja um negro, que o papel do traficante seja representado por atores latinos e que os terroristas sejam, quase sempre, árabes ou irlandeses. Não aparecem em Casablanca e em Marrocos, diz Jean-Claude Carrière (1995, p. 81), “nem um só marroquino de verdade. A

presença branca domina. Estamos em casa: trouxemos os problemas ocidentais junto com a bagagem ocidental. Os nativos são insignificantes observadores, reduzidos a figurantes, quase supérfluos. Conclusão: a África somos nós”. Convenções cinematográficas expressam, de um modo mais ou menos circular, a influência mútua que cinema e sociedade exercem entre si. Se, por um lado, elas refletem valores e modos de ver e de pensar das sociedades e culturas nas quais os filmes estão inseridos, funcionando, assim, como instrumento de reflexão, por outro, repetidas insistemente, essas convenções constituem um padrão amplamente aceito e dificultam ou retardam o surgimento de outras formas de representação, mais plurais e democráticas. Isso é, basicamente, o que faz delas objeto de interesse e de preocupação para os estudiosos da cultura.

O autor no cinema A noção de autor é muito polêmica no mundo do cinema. Esta é uma arte profundamente coletiva, cujo produto final – o filme – depende da ação de um grande número de pessoas: roteiristas, cenógrafos, figurinistas, fotógrafos, operadores de câmara, técnicos de iluminação, técnicos de produção, continuístas, entre outros. Fica difícil definir quem é, de fato, o autor desse tipo de obra. Entretanto, formas de ver e de fazer cinema parecem adquirir traços muito singulares nas mãos de certos cineastas. Os debates em torno dessas particularidades, ou seja, das marcas pessoais que alguns diretores imprimem em seus filmes sempre trazem à tona a discussão em torno da existência ou não da autoria no cinema, nos moldes, por exemplo, do que ocorre na literatura. Entre a segunda e a quarta década do século XX, eram os produtores os senhores absolutos do processo

cinematográfico: escolhiam o roteiro, os atores, os técnicos (incluindo o diretor); controlavam tudo, desde as filmagens até o lançamento do filme. Nesse contexto, o diretor não passava de um empregado privilegiado, contratado com o único propósito de fazer existir um filme conforme o interesse de quem estava pagando por ele. Eram também os grandes produtores (no caso, os estúdios) os responsáveis pela distribuição dos filmes15 e, por essa razão, a interferência em todas as etapas de produção tinha, na maior parte das vezes, um caráter basicamente mercadológico, ou seja, tornar o “investimento” lucrativo. São famosos os desentendimentos ocorridos entre os diretores e seus produtores que, por razões econômicas, políticas ou pretensamente morais interditavam a filmagem de certas cenas ou simplesmente as cortavam do copião no momento da montagem. Além disso, como eram os grandes financiadores que controlavam tudo, estes contratavam praticamente os mesmos técnicos (fotógrafos, cenógrafos, cinegrafistas etc.) para a realização de “diferentes” filmes. Com isso, tinha-se um cinema profundamente padronizado, convencional, com pouco ou nenhum espaço para a criação. Não importava muito onde e por quem o filme tivesse sido realizado; no final, quase todos acabavam tendo “a mesma cara”. É verdade que isso não é exatamente passado: os altos custos da produção e a necessidade de que os filmes sejam comercialmente viáveis limitam a liberdade de criação no cinema. Mas é verdade, também, que o poder do mercado e as tentativas de padronização visando ao lucro perderam força com a ampliação dos debates travados no meio cinematográfico acerca do caráter artístico e cultural do cinema. No seio desses debates nasceu a política dos autores, protagonizada, em fins dos anos 1950, pelos fundadores dos Cahiers du Cinema e pela Nouvelle Vague francesa.

Essa pequena rebelião defendia a completa autonomia do diretor no processo de realização do filme: assim, idealmente, era ele quem deveria escrever o roteiro (ou escolher alguém para fazê-lo segundo seus objetivos), levantar os recursos financeiros que considerasse necessários, contratar a equipe técnica, escolher música, atores etc, montar o filme e coordenar a distribuição. Isso barateou o custo das produções, agora mais voltadas para a originalidade artística do que para a realização de filmes de alto valor comercial. Um dos objetivos dessa política, diz Carrière, “era conseguir que os diretores parassem de esconder suas personalidades atrás da técnica de linha de montagem” (p. 45). Falava-se, explicitamente, de caméra-stylo ou câmeracaneta, numa clara referência à ideia de autoria já consolidada na literatura. A linguagem e o valor artístico e cultural dos filmes voltava ao cenário de discussão. Essa proposta gerou polêmica e teve defensores e críticos absolutamente intransigentes, movimentando, por bastante tempo, as discussões acerca dos rumos do cinema mundial. Ao que tudo indica, ela não foi, de todo, superada. No final dos anos 1990, houve uma greve de roteiristas nos Estados Unidos que, entre outras reivindicações, exigia que a expressão “um filme de”, que frequentemente acompanha o nome do diretor nos créditos e nos materiais de divulgação dos filmes, fosse substituída pela expressão “dirigido por”. Com isso, propunham o reconhecimento do roteirista (tido como o “escritor” do filme) como sendo o verdadeiro autor da história, e não aquele que “apenas” dirige as filmagens. Apesar de todas as críticas e senões que possa suscitar, o fato é que, tendo adquirido características distintas ao longo dos anos, a noção de autoria interferiu no fazer cinematográfico dando origem a movimentos estéticos importantes em vários países. A ideia de que o significado de um filme deve passar mais pelas marcas impressas nele

por quem o concebe e/ou dirige do que pelos objetivos de quem os financia fez frente à pasteurização imposta pelo cinema comercial. Filmes mais baratos, criativos e heterogêneos conquistaram legitimidade no cenário mundial, favorecendo o surgimento de novas formas narrativas e o crescimento das cinematografias de países pobres e/ou com tradições culturais diferentes. É difícil definir o papel que os diretores ou realizadores desempenham na produção de sentido em narrativas fílmicas. Contudo, não parece haver dúvidas de que alguns deles desenvolveram um modo muito particular de operar com os sistemas de significação próprios dessa linguagem. A fragmentação e descontinuidade nos filmes de Jean-Luc Godard, a fotografia e os ângulos inusitados com os quais Orson Welles compôs Cidadão Kane, o jogo de luz e sombra associado à trilha sonora musical que Alfred Hitchcock criou para configurar climas de suspense, a beleza plástica das imagens de Bernardo Bertolucci, a inquietante câmera na mão de Glauber Rocha, o modo como Win Wenders lida com o espaço, os maravilhosos planos gerais de Akira Kurosawa, os close-ups em planos longuíssimos de Ingmar Bergman, as dezenas de cortes articulados em poucos segundos nos filmes de Eisenstein, entre centenas de outros exemplos, criaram formas específicas de produzir significação no cinema. O cinema é a mais autorreferente de todas as formas de arte: cita a si próprio o tempo todo, ao longo de seus mais de cem anos. Assim, é comum o uso de formas de narrar mais ou menos características de um determinado diretor (ou de uma geração cinematográfica) em filmes de outros, seja em forma de homenagem/menção/citação, seja como deboche ou pastiche. Essas citações também significam os filmes, pois informam, de modo diferenciado, espectadores com maior ou menor experiência com o cinema. Na sequência em que Eliot Ness enfrenta os capangas de Al Capone na estação ferroviária, em Os intocáveis, o

diretor, Brian de Palma, faz uma referência explícita à famosa cena da escadaria de Odessa, criada por Eisenstein para o filme O encouraçado Potemkin. Procedimento semelhante é usado, em outro sentido, por Keenen Wayans em Todo mundo em pânico, citando, de forma bemhumorada, além do filme Pânico, de Wes Craven, outros filmes de “horror sangrento” de grande sucesso nos anos 1990. Esses filmes certamente têm significado diferente para quem viu e para quem não viu os filmes citados. Desse modo, o sentido atribuído a um filme parece depender, então, de uma complexa teia de elementos significadores que inclui distintas formas de fazer uso da técnica, a maneira como os sistemas de significação da linguagem cinematográfica são articulados, as diferentes concepções de cinema, as convicções políticas, valores e normas culturais das sociedades em que os filmes são vistos e/ou realizados e, ainda, as exigências do mercado. Vale dizer que o público de cinema também desempenha um papel muito importante nesse processo, mesmo quando não dispõe de dados técnicos ou informações teóricas para nomear ou descrever os traços que distinguem as diferentes formas de contar histórias em imagem-som. Mas esse é um assunto para o próximo capítulo. 13  Em seu livro Cinema como prática social, citado anteriormente, o pesquisador australiano Graeme Turner apresenta um “mapa”, relativamente simples, mas esclarecedor, dos sistemas significadores do cinema. Esse livro e o de Jean-Claude Carrière, A linguagem secreta do cinema (1995), foram referência na elaboração deste capítulo. 14  Grande parte das inesquecíveis trilhas musicais dos filmes de Sergio Leone foi composta por Ennio Morricone. Entre suas mais de trezentas trilhas musicais encontram-se as de filmes como O bom, o mau e o feio, Por um punhado de dólares, Sete mulheres para sete irmãos, Os intocáveis, Cinema Paradiso, Missão Marte, A lenda do pianista do mar e Pasolini: um delito italiano. 15 A distribuição é o modo como os filmes são colocados no mercado, ou seja, onde, como e por quem serão exibidos. Esse ainda é um problema crônico no cinema; costuma-se dizer no meio que é mais fácil fazer um filme do que garantir que ele seja exibido condignamente.

O ESPECTADOR COMO SUJEITO A humanidade aprendeu, desde tempos imemoriais, que contar histórias era uma boa maneira de transmitir conhecimento e ensinar valores aos mais jovens. Foi assim com as tragédias gregas, as parábolas bíblicas, os contos de fadas, as fábulas e as pantomimas medievais. O cinema não ficou imune a essa fórmula: uma “boa” história, narrando situações dramáticas que deixam entrever ensinamentos morais frequentemente tentam “ensinar” que “o crime não compensa”, o “bem sempre vence” e “o verdadeiro amor sobrevive a todas as intempéries”. O caráter “pedagógico” de algumas dessas histórias pode ser percebido com relativa facilidade. Mas ainda não foi possível avaliar, com segurança, qual a eficácia delas na formação daqueles a quem elas se destinam. Em sociedades audiovisuais como a nossa, em que milhões de pessoas têm acesso aos meios de comunicação veiculados em imagem-som, é comum atribuir-se certas atitudes, crenças e valores de grupos ou de pessoas à influência desses meios. A ideia de que filmes (ou programas de tevê) podem incutir opiniões e produzir comportamentos, principalmente nos espectadores mais

jovens ou menos escolarizados, é relativamente corrente. Mas estudos sérios vêm mostrando o quanto é difícil constatar isso. Embora possamos estabelecer correlações entre o que o cinema, a televisão e a Internet veiculam em seus produtos e a “opinião pública” ou o “comportamento social”, pesquisas realizadas em todo o mundo alertam que não se pode fazer afirmações muito definitivas a esse respeito. Na verdade, ainda estamos tateando o problema. Pesquisadores, professores, comunicadores vêm tentando, por diversas frentes, entender o modo como as relações entre mídia audiovisual e sociedade interferem na composição do imaginário social, na produção de identidades e na transmissão de valores éticos e morais. Perceber que algumas pessoas, sobretudo jovens, se vestem ou se comportam como certas personagens do cinema ou da tevê não é suficiente para afirmar que elas, simplesmente, abandonaram sua identidade cultural para adotar a de outros. Até bem pouco tempo atrás, eram poucos os estudos que se preocupavam em entender o modo como o espectador faz uso dos conteúdos veiculados em produtos audiovisuais (filmes, novelas, seriados de tevê, propaganda, etc.). Pensava-se que o receptor é alguém que recebe passivamente os conteúdos das mensagens transmitidas naqueles artefatos e que tem sua atividade intelectual bloqueada pela sutileza e pela complexidade da linguagem audiovisual. Assim, não havia razões para estudar os modos de recepção; interessava entender o modo como as mensagens são emitidas, ou melhor, os recursos de que os meios de utilizam para seduzir e ludibriar o espectador. A partir do início dos anos 1980, os estudos da recepção ou da interpretação de audiências16 começaram a questionar essa concepção, alegando que, por trás do chamado “receptor” (agora colocado entre aspas) existe um sujeito social dotado de valores, crenças, saberes e

informações próprios de sua(s) cultura(s), que interage, de forma ativa, na produção dos significados das mensagens. Pesquisas realizadas nessa área mostraram que o espectador não é vazio nem, muito menos, tolo; suas experiências, sua visão de mundo e suas referências culturais interferem no modo como ele vê e interpreta os conteúdos da mídia. Sob esse ponto de vista, passou-se, então, a tentar compreender os mecanismos sociais, culturais e psicológicos que participam desse processo. Tudo indica que o significado das mensagens seja produto muito mais de uma interação entre produtor e receptor do que da imposição de sentidos de um sobre o outro. Entretanto, parece haver formas de interação diferentes quando se fala de televisão, de cinema ou de Internet, mesmo porque as linguagens utilizadas por esses veículos, embora semelhantes, têm características distintas. Aqui, vamos falar apenas dos espectadores de cinema.

Modos de ver e de interpretar histórias contadas em imagem-som Jean-Claude Carrière é roteirista de mais de cinquenta filmes e trabalhou com importantes diretores17  ao longo de sua carreira. No livro A linguagem secreta do cinema (um dos mais bonitos que já li sobre o assunto), Carrière conta que, algumas vezes, para escrever o roteiro18 dos filmes de Luis Buñuel, retirava-se com ele para uma casa de campo e lá os dois passavam vários dias reclusos, lendo e conversando. Quando criavam cenas ou diálogos, costumavam discutir (e encenar) como o Sr. e a Sra. X, prováveis espectadores do filme, reagiriam diante daquilo que eles estavam tentando comunicar. Mesmo que isso não interferisse, diretamente, no modo como concebiam os filmes, ambos sabiam que o significado que desejavam imprimir às narrativas iria depender, em muito, do modo como elas seriam vistas e interpretadas depois.

Nesse livro, o autor relata uma interpretação muito surpreendente dada por um espectador em particular a uma das cenas que ele e Buñuel inseriram em A bela da tarde. O filme conta a história de Séverine, uma jovem mulher de classe média que passa as tardes em um bordel. Na cena em questão, um coreano musculoso, de passagem pelo lugar, mostra às moças do bordel o interior de uma pequena caixa dourada que ele pretende usar. Não se vê em momento nenhum o conteúdo da caixa, apenas a recusa indignada e horrorizada das prostitutas. Séverine, entretanto, decide aceitar a proposta do viajante misterioso e vai com ele para o quarto. O filme foi exibido em muitos países do mundo, com enorme sucesso. Carrière conta que, um dia, recebeu um telefonema de um habitante do Laos perguntando como ele e Buñuel haviam tido conhecimento de um costume tão antigo daquele país. Face à perplexidade do roteirista, o homem explicou que, em tempos longínquos, senhoras laosianas sofisticadas “costumavam atar um grande besouro com uma fina corrente de ouro e colocá-lo no clitóris, durante o ato sexual” (CARRIÈRE, 1995, p. 93), o que adicionava ao ato um prazer extraordinário. O incrível é que nem Buñuel nem Carrière tinham a menor ideia da existência de tal costume. Eles haviam colocado a caixinha ali para representar “o desejo secreto, a perversão inominável de cada um” (idem). Entretanto, aos olhos do laosiano, ela havia adquirido um sentido completamente diferente e, se o costume existiu mesmo, ele provavelmente não foi o único a ver desse modo. Conto sempre essa “historinha” porque acho que ela põe em dúvida a ideia de que o que o espectador vê é exatamente aquilo que o realizador (ou o produtor) esperam/desejam que ele veja. Não parece que seja assim: o olhar do espectador nunca é neutro, nem vazio de significados. Ao contrário, esse olhar é permanentemente informado e dirigido pelas práticas, valores e normas da

cultura na qual ele está imerso. Quantas vezes, ao comentar um filme com alguém que também o viu, percebemos, surpresos, que ele ou ela teve uma interpretação muitíssimo diferente da nossa. Em alguns casos, chegamos a duvidar de que estamos falando do mesmo filme. Assédio, de Bernardo Bertolucci, tem um final que costuma gerar discussões desse tipo. Trata-se da história de uma bela mulher que, exilada na Itália, busca recursos para libertar o marido, preso político na África do Sul. Ela trabalha (e reside) na casa de um italiano, compositor de música clássica, que está apaixonado por ela. Em nome desse amor, ele vende tudo o que tem, suborna a justiça sul-africana e consegue a libertação do marido. Nas sequências finais, a mulher acaba cedendo aos encantos do pianista e passa uma única noite com ele. Ao amanhecer, um homem negro, carregando uma mala, aparece à porta da casa. Tudo indica que se trata do marido recém-libertado. O filme acaba exatamente aí: duas cenas distintas se alternam na tela: em uma delas vê-se o homem, de pé, em frente à casa, braço estendido em direção à porta; em outra, o casal deitado na cama, em silêncio, olhos tristes fixados no teto; ambas têm, ao fundo, o som insistente de uma campainha. Tive oportunidade de presenciar um caloroso debate acerca desse final; nele, alguns espectadores (a maioria mulheres) juravam ter visto a mulher levantar-se da cama e dirigir-se à porta; outros (a maioria homens) garantiam que viram a mulher permanecer deitada ao lado do “amante” e o marido “traído” apanhar a mala e ir embora. O incrível é que nada disso aparece no filme: essas cenas foram incluídas lá pela imaginação desses espectadores. De acordo com Carrière, muitas pessoas que assistiram ao filme O bebê de Rosemary afirmam ter visto lá a imagem do bebê monstruoso, filho do diabo. “No entanto”, ele diz, “a imagem não ocorre, nem mesmo de forma passageira,

em lugar algum do filme” (p. 91). O diretor, Roman Polanski, jamais incluiu uma criança no filme. Como isso é possível? O que faz com que alguém acredite ter visto em um filme uma imagem, um objeto ou mesmo um personagem que jamais esteve lá? Por que uma mesma história, contada em uma linguagem relativamente universal, pode ser interpretada de modos diferentes? Por que certos elementos de um filme passam desapercebidos para alguns e, ao mesmo tempo, são profundamente significativos para outros? Essas são algumas das perguntas que orientam os estudos da recepção. Entretanto, elas não podem ser respondidas de forma definitiva. Podemos, apenas, levantar algumas hipóteses, fazer suposições a partir das observações que fazemos das práticas e discursos dos espectadores. Trago, aqui, algumas de minhas reflexões sobre esse tema, fruto da análise de entrevistas que fiz com cinéfilos, do contato com outras pesquisas e da leitura de textos teóricos.

A signi cação de narrativas em imagem-som Sabemos que os filmes criam um efeito de realidade que supera em muito o de qualquer outra forma de arte; a imagem em movimento produz o que se convencionou chamar de impressão de realidade, base do grande sucesso do cinema. Essa impressão de realidade encontra, do lado de cá da tela, uma pessoa que também está buscando a ficção e é por essa razão que ela vai ao cinema. Precisamos da ficção tanto quanto precisamos da realidade. Embora não possamos viver em um mundo de fantasias, temos necessidade de sair um pouco do mundo do real para aprender a lidar com ele. Além disso, a ficção atua como um dos elementos dos quais lançamos mão para dar sentido à nossa existência.

Assim, quando entramos em contato com um filme fazemos uma espécie de pacto com o cinema, permitimos que sejam apagadas, temporariamente, as fronteiras que separam verdade de ficção. Não é que nos deixemos “enganar” pela técnica cinematográfica, como sugerem alguns autores, apenas consentimos em “fingir” que tudo aquilo é verdade (dentro de certos limites, é claro), para que a experiência de assistir ao filme seja prazerosa e, em última instância, bem-sucedida. Parece haver, portanto, uma combinação de interesses no sentido de tornar indistintos, por algum tempo, vida e filme, realidade e fantasia. Sabemos, por exemplo, que não é possível um homem saltar entre edifícios, distantes um do outro, há trinta metros do chão, sem cordas ou cabos para segurá-lo. Mas ou admitimos que Bruce Wayne, travestido de Batman, pode fazer isso ou nos recusamos a ver o filme. Quer dizer, nosso olhar e nossas expectativas enquanto espectadores de cinema são, desde logo, informados de que devemos esperar dos filmes apenas verossimilhança, nunca uma simples transposição para a tela “da vida como ela é”. Outro fator que atua na relação do espectador com os filmes é a identificação, definida na teoria psicanalítica como um processo psicológico por meio do qual o indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, de acordo com o modelo escolhido. Numa perspectiva mais geral, essa seria a operação pela qual o indivíduo humano se constitui enquanto tal (LAPLANCHE; PONTALIS, 1967). No que diz respeito ao cinema, identificar-se com a situação que está sendo apresentada e reconhecer-se, de algum modo, nos personagens que a vivenciam é o que constitui o vínculo entre o espectador e a trama. Os cineastas costumam dizer que sem identificação não há filme, ou seja, nada daquilo funciona. Para que a história faça sentido e conquiste a atenção do espectador, até o final, é preciso que haja nela elementos nos quais o

espectador possa reconhecer e/ou projetar seus sentimentos, medos, desejos, expectativas, valores e assim por diante. Nas crianças pequenas isso é mais fácil de perceber: vendo um filme dos Power Rangers, por exemplo, elas costumam expressar sua identificação com esse ou aquele personagem do grupo de heróis-mirins dizendo, claramente, “eu sou a rosa” ou “eu sou o azul”. No adulto, o processo é mais ou menos o mesmo, embora se dê de forma mais sutil: projetamos parte de nossos conteúdos internos no filme e, de certo modo, vivenciamos junto com os personagens as circunstâncias dramáticas em que eles estão envolvidos. Desse modo, podemos compreender as atitudes e escolhas deles e, ao mesmo tempo, refletir sobre nossas próprias experiências. Certa vez, como procedimento de pesquisa, pedi a uma jovem cinéfila, estudante de pedagogia, que me permitisse ir com ela ao cinema para acompanhar de perto suas reações ao filme. Por escolha dela, fomos ver Pão e Tulipas, um filme italiano que conta a história de uma dona-de-casa de meia idade, tímida e submissa, que, tendo se perdido da excursão da qual participava com o marido e os dois filhos adolescentes, decide continuar a viagem sozinha e passa vários meses fora de casa. Durante a exibição do filme, tive a oportunidade de observar os gestos e expressões de minha “informante” e eles me sugeriam um profundo envolvimento com a trama. Na saída, ela foi muito mais contundente do que eu esperava: “adorei, me vi lá o tempo todo”. Diante de minha expressão de surpresa, ela explicou que, há alguns meses, vinha tentando decidir-se a viajar sozinha para o pantanal mato-grossense e que todos com quem falava desaconselhavam-na a fazê-lo. Disse-me que, enquanto estava vendo o filme, suas dúvidas foram se dissipando e, no final, ela estava feliz por ter decidido fazer a viagem. Nesse caso, a identificação com a personagem funcionou

para ela como laboratório, ou seja, como uma oportunidade de “antecipar” a experiência que desejava viver e para a qual não sabia, até aquele momento, se estava preparada. Penso que a interpretação dos filmes, ou melhor, o modo como atribuímos significados a narrativas em imagem-som, é produto de um esquema (no sentido piagetiano) muito complexo, cuja estrutura de base é formada pela articulação entre informações e saberes constituídos em nossa experiência de vida e as informações e saberes adquiridos na experiência com artefatos audiovisuais (nesse caso, com outros filmes). A chamada “competência para ver” narrativas dessa natureza teria, então, como suporte essa articulação. A essa estrutura de base associam-se recursos de natureza cognitiva: atenção, concentração, percepção de movimento e forma, percepção de luz e sombra, capacidade de análise, memória etc. e conhecimentos mais elaborados adquiridos, por exemplo, na experiência com outras formas de arte, no contato com os conteúdos escolares, no acesso a informações específicas sobre o cinema e assim por diante. Apesar de mais sofisticados, do ponto de vista da atividade intelectual, conhecimentos escolares e/ou acadêmicos não parecem ter um peso maior do que os demais recursos utilizados na interpretação que fazemos de um filme quando estamos em contato com ele. Nesse momento (e talvez somente nesse), a “magia” do cinema parece nos atingir a todos de modo mais ou menos semelhante. Quero dizer com isso que, quando nos dispomos, de fato, a ver um filme, somos seduzidos, por ele, independentemente de nosso grau de escolaridade. Tudo indica que os conhecimentos adquiridos pela escolarização atuam de modo mais significativo em etapas posteriores do processo de significação, ou seja, quando deixamos a sala de cinema (ou saímos da frente da tevê) e construímos nossos discursos sobre o que vimos.

Acredito que o conceito de Imago pode ajudar a explicar parte desse processo. A imago é uma espécie de referencial inconsciente que orienta, seletivamente, a forma como apreendemos o mundo. Trata-se de um tipo de esquema imaginário adquirido, um clichê, por meio do qual o sujeito visa o outro; esse esquema pode ser composto tanto de sentimentos e comportamentos como de imagens (LAPLANCHE; PONTALIS, 1967) e não é acessível à consciência de forma imediata. Mas como isso se aplica à interpretação de filmes? Penso que o contato com os filmes produz, num primeiro momento, apenas imagos – entendidos aqui como marcas, traços, impressões, sentimentos – significantes que serão lentamente significados depois, de acordo com os conhecimentos que o indivíduo possui de si próprio, da vida e, sobretudo, da linguagem audiovisual. O domínio progressivo que se adquire dessa linguagem, pela experiência com ela, associado a informações e saberes diversos significa e ressignifica indefinidamente as marcas deixadas em nós pelo contato com narrativas fílmicas. Por isso é tão difícil apreender, empiricamente, o papel desempenhado pelos filmes na formação e na visão de mundo dos que com eles se relacionam de modo mais ou menos intenso. Quando falamos dos filmes que vimos, das impressões que eles nos causaram e do que aprendemos com eles, estamos falando dos significados que atribuímos a eles, nos diferentes momentos de nossas vidas, a partir das experiências que vivemos e dos saberes que fomos acumulando. A significação de narrativas fílmicas não se dá de forma imediata. Parece haver um certo entendimento do filme quando o vemos pela primeira vez (em geral, quando o revemos damos a ele novos significados), que é o que possibilita a compreensão e o acompanhamento da trama. Mas esse entendimento vai ser reorganizado e ressignificado muitas vezes daquele momento em diante, a

partir das reflexões que fazemos, das conversas com outros espectadores, do contato com diferentes discursos produzidos em torno daquele filme (críticas, premiações etc.) e da experiência com outros filmes, permitindo que novas interpretações sejam feitas. Isso dá um profundo dinamismo à dimensão formadora da experiência com o cinema e faz com que seus efeitos somente possam ser percebidos a médio ou longo prazo. A significação de filmes também não se dá de modo exclusivamente individual. Esse é um processo eminentemente coletivo, no qual o discurso do outro é tão constitutivo de nossas ideias e opiniões quanto o nosso próprio discurso. Espectadores de cinema, cinéfilos ou não, sabem, pela experiência, que o(s) sentido(s) do filme nunca é (são) dado(s) nele próprio e nunca é(são) apreendido(s) individualmente – daí a “absoluta necessidade” que afirmam ter de falar dos filmes que veem com outros espectadores. Filmes não trazem impressos em seus milhares de fotogramas todos os atributos que os qualificam como “bom”, “ruim”, “de arte”, “comercial”, “denso”, “popular” e assim por diante. Diferentes “categorias” de espectadores – críticos de cinema, cinéfilos, aficionados por de filmes de terror, fãs de seriados de tevê ou westerns etc. – constroem, coletivamente, modos de interpretação, formas de ver e analisar filmes, baseadas em critérios compartilhados, que é o que vai permitir enquadrá-los nas categorias que compõem esses sistemas classificatórios. De um modo geral, a opinião dessa comunidade interpretativa prevalece no processo de produção de significados. Por comunidade interpretativa entende-se: grupos de pessoas que têm em comum certas práticas de uso da mídia. Os interacionistas simbólicos, em especial um pesquisador chamado Thomas Lindlof, descreveram esse fenômeno ao analisar a relação dos indivíduos com a mídia. De acordo com esses pesquisadores, há evidências de que

os indivíduos percebem, usufruem e interpretam a mídia em relação direta com outros, ou seja, influenciados por suas comunidades interpretativas (WHITE, 1998). Essas pessoas compartilham códigos, formas de ver e interpretar que se traduzem em atitudes comuns de escolha, de decodificação e de aplicação dos conteúdos da mídia. Associa-se aos códigos produzidos pela prática de cada grupo o discurso dos especialistas, o endereçamento do filme (a que segmento do público ele se dirige – crianças, jovens, mulheres, gays etc.), o modo como ele foi recebido (sucesso ou fracasso de bilheteria, por exemplo), a opinião da crítica e assim por diante. Tudo isso compõe o que se pode chamar de ambiente de significação coletiva, no interior do qual cada espectador, aí sim, individualmente, vai construir sua própria interpretação. Então, a apropriação/produção de significados que emerge da experiência com os filmes também está profundamente vinculada ao conjunto de discursos produzidos sobre eles, nos diferentes contextos sociais em que são vistos. Em resumo: nada nos autoriza a afirmar que os filmes impõem significados ou interpretações aos seus espectadores. Alguns até tentam fazê-lo. Contudo, por mais direcionada que seja a organização dos sistemas significadores dessa linguagem, por mais ideológicas que sejam suas convenções, sempre haverá um sujeito pensante do lado de cá da tela dialogando com elas. Um espectador que vê e interpreta aquelas imagens a partir de suas experiências de vida, de sua experiência com o cinema e dos valores, crenças e práticas da(s) cultura(s) em que ele está imerso. Podemos dizer que alguns espectadores são mais suscetíveis do que outros às tentativas de imposição de sentido? Possivelmente. Entretanto, penso que essa suscetibilidade não está ligada à idade ao grau de escolaridade do sujeito, mas, acima de tudo, ao maior ou menor domínio dos códigos que compõem a linguagem cinematográfica.

Ciné los ou espectadores privilegiados No mundo do cinema, a cinefilia, além de significar gosto ou interesse por filmes, está relacionada a atitudes de estudo e de investimento intelectual. Nesse contexto, ser cinéfilo implica ter alguma intimidade com a sétima arte, alguma leitura sobre cinema e um certo conhecimento da técnica cinematográfica, dos diretores, cinematografias etc. Nesse sentido, gostar de cinema é mais do que gostar de ver filmes; significa, entre outras coisas, valorizar os filmes “cult”, “cerebrais”, “de arte” e não gostar dos filmes “comerciais” ou “populares”. Cinéfilos tendem a preferir as produções não hollywodianas (os filmes europeus, argentinos, iranianos etc.), de custos mais modestos, que abordem temáticas complexas (incesto, conflitos, problemas sociais etc.) em estruturas narrativas mais elaboradas. De um modo geral, preferem ver os filmes que são exibidos em circuito “alternativo” e têm critérios pré-definidos para a escolha do que vão ver (críticas publicadas em jornais, premiação em festivais, nome do diretor e assim por diante). Os que compartilham esses códigos e regras expressam, na maneira pela qual se relacionam com o cinema, uma concepção de cinefilia que se consolidou no Brasil, entre jovens frequentadores de cinema do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre o final dos anos 1950 e o início dos 60. É interessante notar como essa concepção se preserva no tempo, apesar das diferenças sociais, políticas e culturais que separam aquela geração das atuais, socializadas em meio a uma pluralidade de linguagens comunicativas, com amplo acesso, desde muito cedo, à televisão, aos videoclipes, aos filmes publicitários, às imagens geradas por computador etc. Recompor, brevemente, a história dessa concepção de cinefilia talvez ajude a compreender as razões pelas quais ela atravessou diferentes gerações de espectadores e se mantém viva em certos grupos sociais.

Esse conceito de cinéfilo começou a ganhar corpo no Brasil, a partir de meados dos anos 1950, sob a influência direta dos cineclubes, das cinematecas e de uma importante revista de cinema, publicada na França, chamada Cahiers du Cinéma19. A maioria dos que viam, faziam ou viriam a fazer filmes nesse período deve grande parte de sua formação aos “clubes de cinema”, dos quais participavam ativamente, quer como organizadores quer como frequentadores assíduos, e aos debates em torno de artigos publicados nos Cahiers e no Jornal do Brasil (“bíblia” dos amantes de cinema daquele período). Os cineclubes foram, naquele contexto, uma instância importante de socialização e de formação de público, além de ser o principal espaço onde eram oferecidos os poucos cursos profissionalizantes de cinema da época, pois ainda não havia escolas de cinema. Nos anos 1960 e 1970, o movimento cineclubista no Brasil era muito forte e disseminado pelos grandes centros urbanos do país: havia o CEC (Centro de Estudos Cinematográficos, da Faculdade Nacional de Filosofia – FNFi); o Cinema de Arte de Salvador (organizado e mantido por alunos e ex-alunos do Colégio Central da Bahia, entre eles, Glauber Rocha, um dos expoentes do Cinema Novo); cineclubes ligados aos CPCs – Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Nessa época, a maioria das entidades estudantis, secundaristas e/ou universitárias, mantinha um cineclube em funcionamento regular. Havia, ainda, os que eram mantidos pela Aliança Francesa e as cinematecas dos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo. Impulsionado por estudantes, adolescentes e jovens que viam no cinema um instrumento de transformação da realidade e de luta política, o movimento cineclubista desempenhou papel importante no cenário cultural e político brasileiro, especialmente durante a ditadura militar, atuando tanto como espaço democrático de debates

políticos quanto como centro de formação cultural. A ação “pedagógica” desses clubes e das cinematecas, associada a uma rede de socialização mais ampla, constituiu um cenário privilegiado de aprendizagem informal de cinema, de troca de saberes e informações, de leitura e discussão de artigos sobre o assunto. Essa prática terminou por atribuir valor a certos filmes (e/ou cinematografias), legitimando certas maneiras de ver e fazer cinema. Nesse ambiente cultural e político forjou-se, então, um tipo específico de cinefilia que, naquele momento implicava “aprender a ver” os complicados filmes de Jean-Luc Godard, apreciar o cinema europeu e soviético e, principalmente, não se deixar seduzir pelo “cinema indústria” comprometido com os interesses do mercado e com posições políticas mais conservadoras. Essa visão de cinema e de cinefilia constituída, em um determinado momento histórico, pela ação de uma rede de agentes de socialização (frequentadores de cinematecas, militantes políticopartidários, entidades estudantis, grupos de teatro amador, movimentos musicais etc.) manteve-se viva e atravessou diferentes gerações de amantes de cinema. Como esse sistema de preferências se perpetuou nas novas gerações, apesar da diversidade da produção audiovisual contemporânea, fortemente marcada pela estética da televisão, dos videoclipes e da computação gráfica? Tudo indica que os gostos e modos de ver de jovens cinéfilos são construídos em um processo de socialização aparentemente muito eficaz. E, nesse campo, as ações “educativas” das outras instâncias de socialização, como família e escola, por exemplo, parecem ter uma influência bem menor. Os chamados “espectadores privilegiados” de cinema, frequentemente mais críticos, mais informados e mais politizados do que os demais, formam-se uns aos outros, permanentemente, de geração em geração. Preservam e propagam conhecimentos sobre cinema numa rede de

parcerias que possibilita troca de saberes e produção/reprodução de valores e crenças compartilhados na comunidade interpretativa da qual participam. Para eles, o cinema atua como elemento aglutinador e como fonte inequívoca de conhecimento, de formação e de informação, configurando-se, assim, como uma prática “eminentemente pedagógica”.

E a escola com isso? Cabe perguntar: mas o que isso tem a ver com a educação escolar? Que interesse tem, para nós, professores, o modo como os espectadores se relacionam com o cinema? Que implicações tem para o trabalho que desenvolvemos em escolas e universidades, o processo pelo qual eles atribuem sentido aos filmes que veem? Saber como o cinema atua nos leva a admitir que a transmissão/produção de saberes e conhecimentos não é prerrogativa exclusiva da escola (embora ela tenha um importante papel a desempenhar nesse processo), mas que acontece também em outras instâncias de socialização. Pensar o cinema como uma importante instância “pedagógica” nos leva a querer entender melhor o papel que ele desempenha junto àqueles com os quais nós também lidamos, só que em ambientes escolares e acadêmicos. Outra questão a considerar: se admitimos que a significação de filmes é gradual e articulada aos modos de ver do grupo de pares e aos diferentes tipos de discursos produzidos em torno dos filmes, faz sentido pensar que é possível “ensinar a ver”. Isso implica valorizar o consumo de filmes, incentivar discussões a respeito do que é visto, favorecer o confronto de diferentes interpretações, trazer a experiência com o cinema para dentro da escola. Se o domínio dos códigos que compõem a linguagem audiovisual constitui poder em sociedades que produzem e

consomem esse tipo de artefato, é tarefa dos meios educacionais oferecer os recursos adequados para a aquisição desse domínio e para a ampliação da competência para ver, do mesmo modo como fazemos com a competência para ler e escrever. Além disso, se a relação do espectador com os artefatos audiovisuais não é passiva; se narrativas em imagem-som não têm o poder de, sozinhas, forjar pensamentos, ideias e opiniões e se o ambiente cultural desempenha papel importante na significação delas, para evitar efeitos negativos que possam advir dessa relação seria mais eficiente investirmos no enriquecimento, na pluralidade e na diversificação da atmosfera cultural dos espectadores do que “censurar” e criticar suas escolhas e preferências. Há que se criar políticas públicas de difusão cultural que propiciem acesso universal aos bens culturais, do mesmo modo que as políticas educacionais promovem o acesso universal à escolarização. Há outros aspectos do problema a serem pensados em nosso campo, alguns mais urgentes que outros. Precisamos tentar compreender, por exemplo, como se articulam, no processo de aprendizagem, os conhecimentos adquiridos na experiência com o cinema (televisão, Internet) e os conhecimentos transmitidos/produzidos, de forma sistemática, pelas atividades de natureza escolar e acadêmica. Precisamos saber de que maneira linguagem escrita e linguagem audiovisual combinam-se na produção de saberes e competências, para podermos fazer uso de ambas de forma mais eficiente e produtiva. Em suma: temos muito mais a ganhar se assumirmos a prática de ver filmes como parceira na transmissão de conhecimentos do que como rival das atividades que definimos como verdadeiramente educativas. Mas esse é o tema a ser discutido no próximo capítulo.

16 Em um artigo publicado na revista Comunicação & Educação, Robert White, professor da Universidade Gregoriana, em Roma, faz um apanhado das diferentes correntes teóricas que orientam as pesquisas nessa área. 17 Entre eles, Luis Buñuel, Jacques Tati e Milus Forman. 18 O roteiro é o primeiro estágio de um filme, é o texto a partir do qual o filme será construído. Carrière o descreve como uma lagarta que tem dentro de si “todas as células e as cores da borboleta. É a borboleta em potencial. Mas não pode voar. No entanto o ímpeto de voar está profundamente entranhado na sua essência” (p.146). 19 Revista de cinema lançada em Paris, em 1951, que desempenhou importante papel na difusão de filmes e na formação de público e de gostos, na história do cinema ocidental.

CINEMA NA ESCOLA Cinema e escola vêm se relacionando um com o outro há muitas décadas, embora ainda não se reconheçam como parceiros na formação geral das pessoas. Com discursos mais ou menos articulados, acusam-se, mutuamente, de uso indevido das atribuições que a sociedade lhes confere e, frequentemente, apontam os equívocos que possam haver de parte à parte como sendo características intrínsecas de cada uma delas. O cinema fala da escola desde o fim da Segunda Guerra. De forma idealizada ou excessivamente crítica, os chamados “filmes de escola” (a maioria de origem norteamericana)20 trazem para as telas problemas e dilemas escolares e tentam fazer valer sua versão do que acontece do lado de dentro dos muros da escola. Não é por acaso que a abnegação, o espírito missionário e a dedicação quase sacerdotal prevalecem nas representações de professores. E não é arbitrário, também, o fato de o currículo escolar ser frequentemente representado como colcha de retalhos e totalmente desprovido de sentido.21 Na verdade, grande parte dessas produções reflete e reforça concepções

românticas e conservadoras a respeito do que é a vida em ambiente escolar. Essa temática não encontrou eco em nossa produção cinematográfica: temos pouquíssimas obras desse tipo no Brasil. Das tripas coração, de Ana Carolina, e São Bernardo, de Leon Hirszman, destacam-se entre os poucos filmes brasileiros que tocam no assunto, mas não podem, sob nenhum aspecto, ser classificados como “filmes de escola”, pois sua estrutura narrativa está longe de ser parecida com a adotada pelos que se enquadram nesse formato. Do seu lado, a escola tende a generalizar a crítica que se faz à baixa qualidade de alguns filmes e ao exagero na veiculação de imagens de violência, o que acaba desqualificando a produção cinematográfica como um todo. No entanto, de um modo ou de outro, o cinema está no universo escolar, seja porque ver filmes (na telona ou na telinha) é uma prática usual em quase todas as camadas sociais da sociedade, seja porque se ampliou, nos meios educacionais, o reconhecimento de que, em ambientes urbanos, o cinema desempenha um papel importante na formação cultural das pessoas. Iniciativas individuais de professores, associadas a instituições governamentais e não governamentais que promovem atividades de exibição e discussão de filmes para alunos e professores da rede de ensino fundamental e médio vêm ajudando a construir uma cultura de valorização do cinema em instituições de ensino. Além disso, o crescimento vertiginoso das tecnologias de informação nas duas últimas décadas acentuou o interesse pelos meios de comunicação e trouxe a televisão, o videocassete e os computadores para dentro da prática pedagógica. Mas o consumo mais ou menos regular de filmes por parte de alunos e professores e a existência de aparatos técnicos para exibi-los não determinam o modo como eles são utilizados. Embora valorizado, o cinema ainda não é visto pelos meios educacionais como fonte de

conhecimento. Sabemos que arte é conhecimento, mas temos dificuldade em reconhecer o cinema como arte (com uma produção de qualidade variável, como todas as demais formas de arte), pois estamos impregnados da ideia de que cinema é diversão e entretenimento, principalmente se comparado a artes “mais nobres”. Imersos numa cultura que vê a produção audiovisual como espetáculo de diversão, a maioria de nós, professores, faz uso dos filmes apenas como recurso didático de segunda ordem, ou seja, para “ilustrar”, de forma lúdica e atraente, o saber que acreditamos estar contido em fontes mais confiáveis. Certamente não há nenhum problema em utilizarmos filmes em nossas aulas. O problema consiste em ignorarmos o valor e a importância deles para o patrimônio artístico e cultural da humanidade. De uma forma geral, quando usamos textos literários como recurso didático dispomos de algum conhecimento de literatura para orientar as escolhas que fazemos, o modo como vamos apresentá-los e a definição de nossos objetivos. Assim, mesmo que não tenhamos uma noção mais ampla do lugar ocupado pela poesia de João Cabral de Melo Neto no contexto literário brasileiro, sabemos informar o valor cultural de Morte e vida severina quando propomos sua leitura em uma aula de história ou de geografia, por exemplo. Entretanto, geralmente, a escolha dos filmes que são exibidos em contexto escolar dificilmente é orientada pelo que se sabe sobre cinema, mas, sim, pelo conteúdo programático que se deseja desenvolver a partir ou por meio deles. Nesse caso, o filme não tem valor por ele mesmo ou pelo que representa no contexto da produção cinematográfica como um todo; vale pelo o uso que podemos ou não fazer dele em nossa prática pedagógica. Exibir Vidas Secas para turmas de 5ª ou 6ª séries do ensino fundamental, com o propósito de “ilustrar” o ensino de tipos de solo, reflete nosso profundo desconhecimento do significado dessa obra para a cinematografia mundial,

além de ser uma estratégia que tende a ser mal-sucedida. Vidas Secas é considerado por muitos a melhor adaptação literária da história do cinema brasileiro; traduz, em linguagem cinematográfica, de forma magistral, a estrutura utilizada por Graciliano Ramos para compor o texto literário. É um filme maravilhoso, mas “lento” para os padrões juvenis. Aborda questões bastante complexas e pode ser de difícil compreensão para crianças dessa idade. Esse capítulo tem por objetivo desenvolver melhor essa temática, apresentando algumas reflexões a respeito do uso do cinema em contexto escolar. Embora os chamados “filmes educativos” constituam um excelente material de trabalho, as ideias e propostas trazidas aqui dizem respeito, basicamente, ao trabalho com filmes de ficção, cujo caráter “pedagógico” tem um sentido bem mais abrangente. No próximo capítulo, serão apresentadas algumas sugestões de leituras que orientam o aprofundamento dessas questões.

Filmes na escola Do mesmo modo como temos buscado criar, nos diferentes níveis de ensino, estratégias para desenvolver o interesse pela literatura, precisamos encontrar maneiras adequadas para estimular o gosto pelo cinema. Nesse caso, gostar significa saber apreciar os filmes no contexto em que eles foram produzidos. Significa dispor de instrumentos para avaliar, criticar e identificar aquilo que pode ser tomado como elemento de reflexão sobre o cinema, sobre a própria vida e a sociedade em que se vive. Para isso, é preciso ter acesso a diferentes tipos de filmes, de diferentes cinematografias, em um ambiente em que essa prática seja compartilhada e valorizada. Não tenho dúvidas de que muito do que aprendi em toda a minha vida de estudante, inclusive de pós-graduação, aprendi com o cinema. Meu conhecimento de arte, de línguas, de culturas e, em alguma medida, de história e

geografia esteve (está) permanentemente mediado pelos filmes que vi (vejo). Para mim, assim como para a maioria das pessoas, os filmes “funcionam” como porta de acesso a conhecimentos e informações que não se esgotam neles. Mesmo aqueles considerados ruins (e esse julgamento é sempre subjetivo) podem despertar o interesse e estimular a curiosidade em torno de temas e problemas que, muitas vezes, sequer seriam levados em conta. O cinema é um instrumento precioso, por exemplo, para ensinar o respeito aos valores, crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades complexas. Os chamados “filmes de escola” propiciam bons debates sobre os problemas que enfrentamos no dia a dia da atividade educacional. Como a linguagem da maioria deles é simples e de fácil compreensão e o enredo é construído de forma a torná-los acessíveis a pessoas de todas as idades, em geral, eles podem ser exibidos a estudantes de quase todos os níveis de ensino. Tudo depende dos objetivos que orientam a escolha dos conteúdos com os quais se deseja trabalhar – relação professor/aluno, currículo, imagens de professores, prática pedagógica, conflitos etc. – e da forma de abordálos. Entretanto, para que a atividade seja produtiva é preciso ver o filme antes de exibi-lo, recolher informações sobre ele e sobre outros filmes do mesmo gênero e elaborar um roteiro de discussão que coloque em evidência os elementos para os quais se deseja chamar atenção. Filmes de ficção científica oferecem um material muito rico para a discussão de conceitos científicos e de história da ciência. Cinematecas e centros de pesquisa em todo o mundo organizam, regularmente, simpósios e ciclos de debates nos quais a projeção de filmes desse tipo associase às conferências dos cientistas. Nesses eventos, as imagens de Robocop (Paul Verhoeven, 1987), A mosca (David Cronenberg, 1986), Jornada nas estrelas (Robert

Wise, 1980), O exterminador do futuro (James Cameron, 1991), Alien, a ressurreição (Jean-Pierre Jeunet, 1997) entre outros são ponto de partida para os debates que analisam o percurso da produção científica mundial. Em contexto escolar e acadêmico, o ensino de Física, Química, Matemática e Biologia tem muito a ganhar com a adoção de estratégias semelhantes. Cruzar textos fílmicos e textos acadêmicos é uma excelente estratégia para trabalhar temáticas complexas com estudantes de ensino médio e superior. Esse recurso permite abordar o problema sob diversos aspectos e perspectivas. Júlio Cabrera, professor titular de filosofia da UnB, cruza, de forma surpreendente, textos filosóficos clássicos com filmes populares contemporâneos, em um livro fascinante chamado Cine: 100 años de filosofia: una introducción a la filosofia a través del análises de películas (1999). Cabrera articula, por exemplo, escritos de Santo Tomás de Aquino e o filme O bebê de Rosemary (Roman Polanski, 1968) para analisar as relações entre a filosofia e o sobrenatural; aproxima Francis Bacon, Spielberg e os filmes-catástrofe em um texto que discute a relação do homem com a natureza e trabalha conceitos como existência e liberdade, juntando as ideias de Sartre ao filme Thelma e Louise (Ridley Scott, 1991). Por que não tomar esse tipo de trabalho como referência em aulas de filosofia, tanto em nível universitário quanto secundário? Psicólogos e psicanalistas escrevem muito sobre filmes. Com uma estrutura de linguagem que, em alguns aspectos, se assemelha à do inconsciente e à dos sonhos, o cinema se presta, de forma excepcional, à análise de temáticas psicológicas. É possível discutir questões tão distintas quanto aprendizagem, desenvolvimento, abuso sexual, relações familiares, divórcio, amor e casamento combinando leitura e discussão de textos psicológicos com exibição de filmes.

O cinema já faz parte, há bastante tempo, das aulas de História e Geografia. Parecem ser os professores dessas disciplinas os que mais exibem filmes nas aulas e os que mais participam de projetos institucionais que articulam cinema e escola. Assisti a um debate, promovido por um projeto desse tipo, em que um professor de Geografia apresentava sugestões muito interessantes para os trabalhos a serem desenvolvidos a partir do documentário Promessas (Carlos Bolado, B. Z.Goldberg, 2001).22 O filme é o resultado de dois anos de entrevistas realizadas com crianças judias e palestinas que vivem na região de conflito entre os dois povos. A pluralidade e a riqueza das atividades propostas pelo professor deixavam entrever uma larga experiência em articular conteúdos de filmes e ensino de Geografia. Não me pareceu ser uma exceção, já que havia dezenas de outros professores dessa disciplina na plateia. “Desde sempre, imagem e imaginação fazem parte do conhecimento da história”, diz o cineasta e professor Sílvio Tendler no prefácio do livro A história vai ao cinema (2001). Os professores de História sabem disso e essa é uma das razões pelas quais valorizam o cinema. Carruagens, naves espaciais, máquinas do tempo; índios, cowboys, prostitutas e astronautas; castelos, cocheiras e albergues; velas e candelabros e até mesmo os gestos e a fala dos atores carregam as marcas de como a humanidade representa (imagina) sua história, além de serem indicadores das mudanças históricas pelas quais o cinema passou. Um olhar mais atento permite identificar em praticamente qualquer filme conteúdos e temas que interessam ao ensino de História. Entretanto, não é necessário “amarrar” filmes a temáticas ou disciplinas, como, por exemplo, Sociedade dos poetas mortos (Peter Weir, 1989) e literatura; Tempos modernos (CHARLES CHAPLIN, 1936) e taylorismo ou industrialização; Vidas Secas e caatinga etc. para levar filmes para dentro da escola ou da universidade. A maior

parte dos filmes pode ser utilizada para discutir os mais variados assuntos. Tudo depende dos objetivos e conteúdos que se deseja desenvolver. O importante é que os professores tenham algum conhecimento de cinema orientando suas escolhas.23 Cabe assinalar que para serem valorizados pelo que são, e não apenas pelo uso que se faz deles, textos fílmicos, assim como os literários, precisam ser apresentados com o máximo possível de referências. O espectador deve ter acesso a informações que lhe permitam identificar o contexto em que o filme foi produzido: país de origem, língua de origem, nome do diretor (acompanhado de dados biográficos), ano de lançamento, premiações, repercussão (faz parte da lista dos mais vistos?), significado que tem para o cinema local e/ou mundial (se é considerado um clássico, se é inovador do ponto de vista técnico ou temático, se é fundador ou integra uma escola ou movimento cinematográfico) e assim por diante. Insisto que o uso do cinema com fins pedagógicos exige que se conheça pelo menos um pouco de história e teoria do cinema. Filmes não são decalques ou ilustrações para “acoplarmos” aos textos escritos nem, muito menos, um recurso que utilizamos quando não podemos ou não queremos dar aula. Narrativas fílmicas falam, descrevem, formam e informam. Para fazer uso delas é preciso saber como elas fazem isso. Seria bom se todas as universidades e escolas tivessem espaços e equipamentos adequados para a exibição regular de filmes, com uma programação orientada tanto para o entretenimento (o prazer de ver é ponto de partida) quanto para o ensino de história e teoria do cinema. Seria bom que os professores tivessem noções básicas de cinema e audiovisual em sua formação. Seria bom que a videoteca (ou laboratório de multimídia) estivesse incluída entre os equipamentos necessários para o funcionamento das instituições de ensino. Parece absurdo isso, numa sociedade

em que a maioria das escolas sequer tem bibliotecas, jornais e revistas? Pode ser. Mas se queremos uma educação de qualidade para todos, em todos os níveis, não podemos nos contentar com o mínimo.

Formação estética audiovisual: outro olhar da educação para o cinema As gerações passadas aprenderam a ver filmes, fundamentalmente, em salas de cinema e a conhecer o cinema vendo e discutindo filmes, analisando-os estética e politicamente. Muitas leituras, longas conversas e debates infindáveis eram parte das estratégias de aprendizado empreendidas, voluntariamente, pelos que se definiam como cinéfilos. Nesse contexto, o amor pelo cinema se traduzia na busca constante de informações sobre a história do cinema e sobre filmes, roteiros, diretores, movimentos estéticos, festivais e premiações. Os cinéfilos brasileiros contemporâneos, a rigor, não poderiam ser chamados de cinéfilos, pois vão pouco ao cinema, mas, a julgar pelo crescente número de videolocadoras espalhadas pelo País (78% dos municípios do Brasil têm acesso a esse tipo de serviço) e pelos mais de 700 filmes exibidos mensalmente nos canais de tevê por assinatura, há um grande contingente de pessoas, sobretudo jovens, que gostam muito de ver filmes. São videófilos, muito mais do que cinéfilos, como diz Néstor Canclini, estudioso da cultura latino-americana, em um livro muito simpático chamado Leitores, espectadores e internautas (2008) . Para esse autor, videofilia não quer dizer apenas ver filmes através de um leitor de DVD, conectado à televisão ou no computador, expressa também um outro modo de ver, orientado por outros critérios de escolha e de avaliação. Para Nestor Canclini (2008, p. 26), “[...] uma das diferenças que mais se nota entre cinéfilos e videófilos é que a relação destes com os filmes costuma

dar-se num presente sem memória [...], pois, para o videófilo, os filmes mais interessantes são, quase sempre, os mais recentes”. No mundo dos videófilos, assistir a um lançamento, ter informações atualizadas sobre o que está em cartaz no circuito e sobre o que ainda vai ser lançado conta mais do que conhecer os diretores, a história e os movimentos estéticos e políticos que tornam possíveis os filmes que vemos. Essa é outra maneira de gostar de cinema e, se quisermos criar estratégias para a educação estética das novas gerações, precisamos compreendê-las melhor, sem preconceitos ou prejulgamentos. O interesse por entender melhor a experiência dos mais jovens com o cinema (como eles veem filmes, quantos veem, quando, com quem, do que gostam, do que não gostam e por que; como analisam e compreendem os filmes, que critérios utilizam para avaliar a qualidade desses e assim por diante) me levou a desenvolver, junto com meu grupo de pesquisa, um estudo com crianças. Escolhemos trabalhar com crianças de classes populares, pois supúnhamos que tivessem menos oportunidades de ter acesso a filmes e esperávamos avaliar possíveis impactos provocados pela ampliação do acesso (tínhamos como propósito mapear e analisar as práticas adotadas por elas no cotidiano para ver filmes e também oferecer-lhes a oportunidade de ir a salas de exibição). Cerca de 25 crianças participaram desse estudo, com idades entre sete e 13 anos, que participavam de um projeto social em uma instituição de saúde, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro; todas moradoras de comunidades de baixa renda, situadas no entorno da instituição; todas têm aparelho de DVD em casa e apenas uma havia assistido a um filme em uma sala de cinema. Procuramos saber, inicialmente, que filmes essas crianças viam, onde, de que modo e com que frequência. Supúnhamos que tivessem pouca intimidade com a produção cinematográfica, pois, no início, diante de nossas perguntas, mencionaram apenas fragmentos de

narrativas cujos títulos pareciam desconhecer. Através de entrevistas, fizemos um primeiro levantamento de filmes que tinham visto e que costumavam rever e percebemos, nas falas delas, que a prática de ver filmes regularmente não lhes era absolutamente estranha. Em uma das atividades desenvolvidas, pedimos que procurassem lembrar de cenas ou personagens de filmes que haviam ficado guardados em suas memórias e que tentassem registrar tais lembranças através de desenhos. Tendo esse material como base, gravamos em um CDROM fotos de cenas (utilizadas na divulgação e/ou no lançamento) dos filmes citados pelas crianças e de algumas dezenas de outros, de formato e padrão (estético e narrativo) semelhantes aos dos filmes apontados por elas como prediletos: produções comerciais hollywoodianas, voltadas para adolescentes e adultos, de ação, aventura e comédia, além das animações realizadas pelos grandes estúdios especializados nesse tipo de produção para crianças (Disney, Pixar, DreamWorld, entre outros); incluímos também os poucos títulos brasileiros que haviam sido mencionados pelas crianças, como alguns filmes dos Trapalhões, Xuxa e os duendes, O menino maluquinho e Castelo Rá-Tim-Bum. Ao projetarmos as imagens do CDROM em tela grande (com um projetor multimídia), propusemos a elas um “jogo de memória” no qual exibiríamos “fotos de cenas” e quem as identificasse deveria dizer o título do filme, narrar a cena da foto e contar algo mais sobre o enredo (para que pudéssemos diferenciar o que efetivamente havia sido visto do que apenas teria sido identificado pela foto); pedíamos também que a criança contasse onde havia visto o filme e com quem. Constatamos, surpresos, que aquelas crianças haviam assistido a um impressionante número de filmes, em DVD e em canais abertos de televisão, e que fazem isso com absoluta regularidade (o ano todo, várias vezes por semana). Haviam assistido a praticamente todos os filmes

cujas fotos lhes foram apresentadas (mais de oitenta), quase todos de origem estadunidense; alguns eram filmes para crianças (em especial, as animações), mas a imensa maioria dos filmes a que elas haviam visto era direcionada a adolescentes e adultos, como a série de terror do Chucky, o boneco assassino (EUA, John Lafia, 1990), as duas edições de O demolidor, as séries Jogos mortais, American Pie, Velozes e furiosos, Duro de matar e O exterminador do futuro, além, é claro, da cópia não autorizada de Tropa de elite (polêmico filme de José Padilha sobre as ações do BOPE nas favelas cariocas). Todos haviam sido vistos em casa ou em casa de amigos e vizinhos, por escolha própria (elas afirmaram que vão à videolocadora sozinhas e que têm a liberdade de escolher o que querem ver), com autorização dos pais e, muitas vezes, na companhia destes (o que sugere que seja esse, também, o tipo de filme que os adultos da família preferem). Essas crianças adoram ver filmes, reveem e conhecem relativamente bem aqueles de que mais gostam: citam o título, relatam o enredo, descrevem a trama central e as personagens, mencionam os conflitos e reconhecem os atores (“Olha o Bruce Willis!”, “Eu adoro o Wesley Snipes!”). Uma enorme quantidade de filmes, vistos, revistos, desejados, (re)conhecidos e lembrados, porém, quase todos de mesmo padrão e origem. Procurando identificar critérios para o julgamento da qualidade e para a escolha do que veem, pedimos às crianças que dessem nota a cada um dos filmes cuja foto de cena era exibida na tela, que justificassem a nota e dissessem se indicariam aquele filme a um amigo da mesma idade e por quê. As respostas delas sugeriam que, para elas, todos, rigorosamente todos os filmes que haviam visto eram bons, pois tinham ação e aventura, alguma cena engraçada, uma história divertida e, acima de tudo, final feliz. Dois meninos lançaram mão de critérios relacionados ao grau de verossimilhança com a realidade: para eles, um filme não é bom se for mentiroso, não convencer ou não

tiver realismo. Não registramos qualquer outro critério de julgamento que levasse as crianças desse grupo a apontar algum daqueles filmes como ruim ou, pelo menos, não tão bom quanto os demais. Nem mesmo o excesso de cenas de violência presente em muitos deles e apontado por elas em seus comentários levava-as a declará-los ruins ou inadequados para crianças; na opinião delas, o excesso de imagens de violência em alguns filmes não as impede de vê-los ou de gostar deles, apenas os tornam não recomendáveis para “as crianças pequenas”. Não esperávamos encontrar critérios elaborados de julgamento estético, visto que estes não são intuitivos, mas aprendidos, e não acreditávamos que aquelas crianças tivessem tido muitas oportunidades de acesso a esse tipo de conhecimento, em geral desconsiderado pela escola. Mas supúnhamos que elas dispusessem de algum modo particular de diferenciar filmes bons de filmes ruins (do ponto de vista delas) ou que, pelo menos, discriminassem os melhores e os piores no acervo significativo de narrativas audiovisuais a que têm acesso. Mas isso não ocorreu. Por um lado, porque julgamentos de qualidade (estética, técnica, narrativa, etc.) exigem conhecimentos específicos e estes não haviam sido comunicados a elas, construídos com elas; por outro, o fato de verem sempre o mesmo tipo de filme dificulta o contato com diferentes formatos estéticos e narrativos, modos de narrar de diferentes culturas, línguas e países, e o acesso à diversidade é uma fonte importante de aquisição dos conhecimentos que tornam possível a elaboração de critérios pessoais de avaliação de qualidade. O contato com obras de diferentes procedências e formatos certamente provocaria nelas dúvidas e inquietações quanto à qualidade dos filmes que veem ou que, pelo menos, lhes daria outras possibilidades de fazer comparações. Ao que parece, a videofilia dessas crianças se expressa na quantidade de filmes que veem, na regularidade com que o fazem e no empenho em acompanhar, atentamente,

todos os lançamentos, o que faz com que adquiram, com frequência, cópias não autorizadas, em DVD, de filmes que ainda estão em cartaz no cinema, aos quais não podem assistir na sala de exibição. O amor pelo cinema, aqui, se expressa mais na quantidade do que na qualidade do que se vê. Não podemos fazer generalizações acerca da relação das crianças em geral com o cinema a partir do que observamos nesse pequeno estudo, mas nos parece razoável imaginar que a experiência da maioria não seja muito diferente desta que registramos. Em uma pesquisa sobre a audiência infantil de tevê, que realizamos em 2005 com cerca de 800 crianças de diferentes cidades da região sudeste, os filmes apareceram em terceiro lugar na lista dos programas de tevê mais vistos e mais apreciados por elas, com uma diferença percentual insignificante (1,5%) em relação aos dois primeiros colocados: desenhos animados e telenovelas. Considerando-se que elas veem televisão muitas horas por dia, todos os dias, pode-se supor que têm acesso a um considerável número de filmes (os canais abertos exibem, em conjunto, mais de trinta filmes por semana), a maioria dos quais realizada nos Estados Unidos. Diante disso tudo, parece urgente pensar em uma outra possibilidade de ensinar as novas gerações a ver filmes, tendo como objetivo construir conhecimentos necessários para a avaliação da qualidade do que veem e para a ampliação de sua capacidade de julgamento estético, partindo do princípio de que o cinema é uma das mais importantes artes visuais da atualidade, com um imenso poder de atração e indiscutível potencial criativo. Mas como a escola pode contribuir para a formação estética de espectadores? Uma das possibilidades, de acordo com o cineasta Alain Bergala, no livro A hipótese cinema (2008), o papel a ser desempenhado pela escola nesse processo é o de favorecer o encontro de jovens espectadores com bons filmes – aqueles de reconhecido valor artístico e cultural, fruto de roteiros bem-elaborados e

bem-filmados, com a densidade e complexidade que caracterizam as obras-primas, tornadas clássicas pela história e pela durabilidade. Encontros desse tipo, também propiciados por mostras e festivais de cinema, tendem a “quebrar” a lógica do gosto constituída na relação quase exclusiva com filmes feitos a partir de mesmo padrão estético e narrativo – o padrão do cinema hollywoodiano, hegemônico hoje no mercado mundial. Mas além de favorecer o acesso a bons filmes, é preciso também ensinar a analisá-los e a julgá-los, sem ceder à tentação autoritária de “fazê-las ver” como vemos, impondo a elas os nossos critérios de gosto. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que haja políticas públicas destinadas a favorecer o acesso, em salas de projeção, a obras cinematográficas reconhecidas como de qualidade, garantindo diversidade estética, narrativa, geográfica e cultural. Por outro lado, a capacidade de expressar racionalmente a experiência sensível, ou seja, de traduzir sensibilidade em julgamento estético requer a aquisição de conhecimentos específicos e de meios para expressá-los – palavras e conceitos que, embora não possam ser simplesmente transmitidos, podem ser comunicados e discutidos. Assim, é preciso, também, favorecer o acesso a esses conhecimentos, colocando o espectador aprendiz em contato com as palavras e os conceitos de que o meio cinematográfico lança mão para analisar e apreciar suas obras. O gosto pela arte cinematográfica, é fruto do conhecimento e da intimidade com essa arte e se constrói ao longo de muitos anos de fruição, contato e envolvimento com filmes. Aprende-se a apreciar filmes e a desenvolver critérios de julgamento na companhia de quem já aprecia cinema, transitando por ambientes em que essa prática é estimulada e valorizada. Nas gerações passadas, os aprendizes de espectador foram conduzidos para dentro do

universo cinematográfico por espectadores mais experientes, que já haviam desenvolvido sua própria “filia” e podiam compartilhar conhecimentos construídos na experiência com aquela arte. Estes conhecimentos foram atualizados por cada nova geração de recém-chegados, pois se transformam na mesma medida da transformação sofrida pela arte. Isso é o que se espera, em última instância, de projetos que buscam aproximar educação e cinema, dentro e fora da escola. É essa a contribuição que penso que a educação também pode dar à formação de jovens espectadores. 20 Outras cinematografias também investem em filmes desse tipo (a francesa, por exemplo), mas nenhuma delas o faz de modo tão sistemático quanto Hollywood. 21 Mary Dalton (1996) analisa essas questões de forma bastante interesante em O currículo de Hollywood: quem é o “bom” professor, quem é a“boa” professora. Vamos falar desse trabalho no capítulo seguinte. 22  Essas sugestões podem ser encontradas no link Oficina cine-escola do site www.estacaovirtual.com 23  Nossos cursos de formação de professores deveriam oferecer algumas disciplinas eletivas voltadas para o aprofundamento de conhecimentos específicos dessa área.

FILMES COMO OBJETO

DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Nos últimos 50 anos, muitos estudos têm sido realizados buscando analisar as relações entre espectadores e filmes, entre cinema e cultura, entre indústria e consumo cultural e assim por diante, gerando posicionamentos divergentes frente à produção cinematográfica de um modo geral. Mesmo se nenhuma dessas posições for totalmente correta, o fato de alguns dos mais respeitados teóricos da cultura preocuparem-se com o papel desempenhado pelo cinema nas sociedades é mais um indicador de que sua influência não se restringe aos limites do espetáculo de diversão. O reconhecimento da importância social do cinema ainda não se refletiu, de forma significativa, nas pesquisas que desenvolvemos na área de educação. A discreta publicação de artigos sobre o tema em nossos periódicos sugere que os pesquisadores dessa área ainda dão pouca atenção aos filmes como objeto de estudo. Mas a riqueza e a polissemia da linguagem cinematográfica conquista cada vez mais pesquisadores que, reconhecendo os filmes como fonte de investigação de problemas de grande interesse para os

meios educacionais, passaram a considerar o cinema como campo de estudos. Neste capítulo, comento alguns trabalhos realizados nesse sentido, destacando as opções teóricas e metodológicas dos autores.

Filmes como campo de pesquisa Para Christian Metz (1980), um dos “pais fundadores” da análise descritiva de imagens fílmicas, o cinema é um fato social total e, como tal, não se presta a nenhum estudo científico mais rigoroso. Isso porque, quando se fala em cinema, está-se falando de um amplo aparato multidimensional que engloba fatos que vêm antes, depois ou por fora do filme, como a infraestrutura de produção, o sistema de financiamento, a seleção de equipes técnicas e de atores, tecnologia de aparelhos, estúdios, biografias de cineastas, contexto sociocultural, filmagem, montagem, lançamento, reação de espectadores e crítica etc. O filme é apenas uma pequena parte desse aparato, uma amostra, um produto construído a partir de uma determinada configuração de montagem que podemos identificar como cinematográfica. Como já foi dito, o texto fílmico é produto de configurações significantes construídas, em linguagem cinematográfica, pela articulação de diferentes elementos: imagem em movimento, som musical, ruídos (sonoplastia), sons da fala e escrita. Isso faz do filme o resultado de um conjunto de significações que podem ser interpretadas e compreendidas de diversas maneiras. Do ponto de vista da pesquisa, o filme é um objeto bem mais delimitado do que o cinema. Ele pode ser “lido” e analisado como texto, fracionando-se suas diferentes estruturas de significação e reorganizando-as novamente segundo critérios previamente estabelecidos, de acordo com os objetivos que se quer atingir. Desse modo, ele pode

ser objeto de diferentes “leituras” ou do que se convencionou chamar de análises descritivas. Sabemos que a estrutura de significação do texto fílmico não é dada apenas por seus componentes internos, já que os filmes estão intimamente vinculados ao universo cultural em que são vistos e produzidos. Enquanto um texto fechado – como os contos, os mitos e os romances –, um filme é sempre um produto cultural, ou seja, é uma produção que combina elementos da(s) cultura(s) aos sistemas utilizados na construção de suas imagens. Para se fazer análise descritiva de filmes é preciso, então, cruzar os diferentes sistemas de significação dos filmes com os elementos de significação que estão presentes nas culturas em que eles são vistos e produzidos, ou seja, procura-se identificar e descrever o(s) significado(s) de narrativas fílmicas no contexto social de que elas participam. Assim, por exemplo, para analisar a forma como o cinema representa a infância, não basta ter conhecimento da técnica cinematográfica, é preciso ter em mente quais são as representações de infância que estão presentes nas sociedades e culturas em que os filmes que abordam esse tema têm repercussão. Análises desse tipo são sempre parciais e provisórias, pois deixam em aberto a possibilidade de haver outras interpretações. Um recurso que tem se mostrado produtivo nesse tipo de pesquisa consiste em definir um eixo temático, uma questão ou um problema que oriente a interpretação de filmes diferentes. Trata-se de fraturar e recompor as estruturas de significação de textos fílmicos distintos e descrever/interpretar o que eles têm a dizer sobre um mesmo tema. Na área de educação, por exemplo, pode-se tentar perceber o modo como infância, escola, professores/as, relação professor/aluno, sexualidade, juventude etc. são representados em filmes ou cinematografias diferentes ou mesmo em distintos momentos da história do cinema.

Esse foi o caminho adotado, por exemplo, por Mary Dalton (1996) na elaboração de um estudo sobre a representação do currículo escolar e de professores/as no cinema de Hollywood. Tomando como fonte vinte e seis filmes, que, segundo a autora, refletem “60 anos da história do cinema americano” (p. 98), Dalton traça um perfil de imagens de professores/as e currículos “ideais” que emergem de filmes cujo tema central são escolas, situações escolares e a relação professor/aluno. Em geral, o primeiro problema que se coloca para a realização desses estudos é a escolha dos filmes que vão ser objeto de análise. Se por um lado, o grande apelo popular e a riqueza de significados fazem dos filmes um campo fértil e interessante de investigação, por outro, acabam impondo restrições ao desenvolvimento de trabalhos desse tipo. É impossível abarcar um número muito grande de filmes, pois isso compromete a análise. Então, é necessário fazer uma seleção prévia, o que implica a definição de um entre muitos critérios possíveis de seleção. O ranking dos filmes de maior bilheteria ou os video hits (lista dos vídeos mais alugados pelas grandes videolocadoras) veiculados na grande imprensa, em revistas especializadas ou em sites da Internet fornecem uma referência relativamente segura para a escolha dos filmes a serem estudados, pois indicam os mais vistos em determinados locais (geralmente grandes cidades), durante um certo período de tempo. Mary Dalton opta por esse sistema e adota os seguintes critérios na seleção dos filmes a serem usados em sua pesquisa: a) aqueles que tivessem sido amplamente exibidos nos Estados Unidos (a pesquisa foi realizada lá) e que são de fácil acesso em videolocadoras e/ou exibidos regularmente pela televisão (o que, no entender da autora, torna-os parte da cultura popular norte-americana); b) filmes cujo(s) personagem(ns) principal(is) fosse(m) professor(es/as) e que trouxessem cenas de situações de

sala de aula; e c) filmes que cobrissem boa parte da história do cinema americano. Tendo como referência teórica os estudos culturais, a autora analisa os filmes procurando estabelecer relações entre os elementos de significação de cada narrativa – tempo de duração das cenas, artifícios dramáticos (como a condensação de características de um grupo social ou étnico em um único personagem, estereótipos, clichês etc.), diálogos significativos para a trama, gestos destacados pelo registro em close-up etc. – com concepções de escola, professores e currículo que fazem parte do universo cultural da sociedade norte-americana. Mary Dalton lista, descreve e organiza, a partir dos filmes que vê, os valores que estão presentes na versão hollywoodiana do que seja o “bom” professor e a “boa” professora, construindo quadros de valores consistentes com o que ela identifica/interpreta como sendo as características mais marcantes das representações deles que aparecem nos diferentes filmes: valores estéticos, valores políticos e valores éticos de professores/as e do currículo escolar. Valendo-se de referências teóricas semelhantes, Henry Giroux (1996) analisa filmes sobre juventude produzidos nos Estados Unidos, de final dos anos 1980 a meados dos anos 1990, tendo como ponto de partida a ideia de que existe no cenário ideológico de Hollywood uma nova forma de representação visual de jovens que os apresenta como criminosos, sexualmente decadentes, enlouquecidos por drogas e analfabetos. No contexto do que ele identifica como um “processo de demonização da juventude”, sobretudo negra, pela escola, pela mídia em geral e pelo cinema em particular, o autor examina as representações de sexualidade de jovens que aparecem no filme Kids, de Larry Clark, procurando estabelecer relações entre os recursos cinematográficos de significação e as concepções de autoridade moral, aids,

sexualidade juvenil e uso de drogas presentes na sociedade norte-americana. Orientado pelas reflexões e conceitos que norteiam os estudos culturais, ele descreve imagens e identifica nelas as marcas de um contexto ideológico que reafirma os valores da cultura branca de classe média frente aos valores e práticas da juventude negra e pobre dos subúrbios das grandes cidades. Com um enfoque sociológico e tomando como referência outros estudos sobre cinema, Guacira Lopes Louro (2000) analisa filmes sobre juventude, gênero e sexualidade, procurando valorizar sua dimensão pedagógica. Essa autora vê o cinema como instância formativa importante, de notável popularidade que, ao mobilizar energias afetivas e emocionais, atua de forma distinta da instância escolar, embora não seja completamente independente desta. Nesse trabalho, Louro descreve imagens, narrativas e mitos do cinema hollywoodiano, produzidos após a Segunda Guerra Mundial, que tiveram boa aceitação nos Estados Unidos e no Brasil. Ela diz que a opção por filmes produzidos em Hollywood, nesse tipo de estudo, justifica-se pela amplitude social que o “cinema dominante” conquistou no cenário mundial. Os filmes com os quais ela trabalha são, em sua maioria, sucessos de público e de crítica, que marcaram a história do cinema no que diz respeito ao tema em questão: Juventude transviada (Nicholas Ray, 1955), Quanto mais quente melhor (Billy Wilder, 1959), Tootsie (Sydney Pollack, 1982), Vitor ou Vitória (Blake Edwards,1982), O exterminador do futuro (James Cameron, 1984), Duro de Matar (John McTiernan, 1988), entre outros. A autora os analisa procurando perceber o significado do modo como eles representam a sexualidade e as diferenças de gênero (masculino/feminino). Para Guacira Louro, a indústria de Hollywood, conduzida desde o início por homens brancos ocidentais, constrói suas imagens a partir da ótica masculina, branca, heterossexual,

de classe média e, usualmente, judaico-cristã, que sempre se apresentou como universal. Ela acredita que os filmes produzidos desse modo ajudaram a construir concepções de gênero, sexualidade, classes sociais em diferentes sociedades, atuando como uma “pedagogia cultural” que ultrapassou fronteiras simbólicas e geográficas, mas que enfrentou a reação de políticas de identidade divergentes desta, que também se expressam por meio do cinema. Chamando atenção para o poder de sedução e para o apelo exercidos pela “pedagogia cultural do cinema dominante”, a autora lembra que precisamos observar mais atentamente não apenas as vozes presentes nos filmes dos anos 1950 e 60, “mas quem está, ainda hoje, falando por meio dessa pedagogia cultural e que efeitos ela está potencialmente produzindo” (p. 443, destaques da autora). Optando por um caminho diferente, Áurea Guimarães (1998) desenvolve um estudo sobre imagens de violência tendo como objetivo instrumentalizar os professores para a análise crítica desse tipo de imagem, em contexto escolar. Nesse trabalho, o ponto de partida não são os filmes, mas os padrões culturais e os valores de referência da sociedade em que eles estão inscritos. A perspectiva teórica que ela adota é a filosofia.24 A partir de conceitos como memória, rememoração, história e poder, essa autora analisa a produção de mitos pelo cinema e o os recursos cinematográficos de significação que são utilizados nos fílmes que falam da violência. A forma como Áurea Guimarães conduz seu trabalho sobre filmes é bem diferente daquela pela qual os outros autores optaram. Mas não é menos eficaz, se considerarmos os objetivos de cada um dos estudos. São muitas as estratégias que podem ser adotadas pelas pesquisas sobre filmes. A validade dessas pesquisas vai depender do modo como o pesquisador articula a teoria, o tema em estudo e o método que prefere utilizar.

Filmes são uma fonte muito rica de pesquisa sobre temas e problemas que interessam aos pesquisadores da área de educação. A análise comparativa de diferentes cinematografias pode fornecer um vasto material para estudo e reflexão acerca de estratégias de escolarização e de transmissão de saberes adotadas por diferentes culturas em diferentes sociedades. Esse tipo de análise pode ser feita de várias maneiras. Na interface entre cinema e educação, filmes de ficção, distantes geográfica, cultural e cronologicamente, como os iranianos Filhos do paraíso (Majid Majidi, 1998) e O jarro (Ebrahim Foruzesk, 1992),25 o chinês Nenhum a menos (Zhang Yimou, 1999),26 o hollywoodiano O aprendiz (Bryan Singer, 1998),27 o tcheco Kolya (Jan Sverak, 1996),28 o belga Entre o inferno e o profundo mar azul (Marion Hãnzel, 1996),29 o francês Zazie dans le metro (Louis Malle, 1960) e o brasileiro Tati, a garota (Bruno Barreto, 1973)30 podem fornecer informações preciosas sobre o significado da infância para diferentes culturas. Em suas histórias, eles descrevem a forma como as crianças são educadas em países distintos; falam de aprendizagem, de valores, de crenças e do papel desempenhado pela família, pelo grupo de amigos, pelos professores ou outros adultos estranhos ao meio familiar na formação de crianças e adolescentes. Analisar filmes ajuda professores e estudantes a compreender (apreciar e, sobretudo, respeitar) a forma como diferentes povos educam/formam as gerações mais novas. É sempre um novo mundo, construído na e pela linguagem cinematográfica, que se abre para nós quando nos dispomos a olhar filmes como fonte de conhecimento e de informação. Vale lembrar que tomar filmes como objeto de estudo não implica negar a magia e o encantamento que eles provocam em seus espectadores. Não é preciso recusar ao filme sua condição de arte (enquanto expressão de ideias e sentimentos) para entendê-lo como um produto cultural que

reflete e veicula valores e crenças das sociedades em que está imerso. Em nossas análises, assim como no uso de filmes em contexto educativo, não nos cabe despedaçá-los, destrinchá-los em fragmentos insignificantes e descontextualizados até que percam o encanto e o poder de sedução. Ver e interpretar filmes implica, acima de tudo, perceber o significado que eles têm no contexto social do qual participam. 24  Entre os autores citados por ela, encontram-se: Walter Benjamin, Gaston Bachelard, Marilena Chauí e Michel Foucault. 25  Filhos do paraíso conta a história de um casal de irmãos, em uma família pobre do Irã, que se vê obrigado a compartilhar o mesmo par de tênis. Fazendo tarefas para a mãe grávida, o irmão perde o único par de sapatos da irmãzinha e precisa emprestar-lhe os seus para que ambos possam ir à escola. O jarro relata os contratempos e mal-entendidos que um professor de uma escola no deserto, único adulto a cuidar da educação daquelas crianças, enfrenta para ajudar seus alunos a colar o jarro que guarda a água da escola. 26 Nenhum a menos relata as dificuldades de uma adolescente chinesa que se torna responsável pela educação e pela permanência de crianças em uma escola. 27 Um adolescente norte-americano, obcecado pelo Holocausto, aproxima-se de um ex-oficial nazista e estabelece com este um perigoso jogo de poder, de forma a obter dele relatos detalhados de seus crimes. 28  Kolya descreve a relação afetiva e terna que se constrói entre um músico tcheco e um menino russo de cinco anos de idade. 29 O filme de Hãnzel conta a história da amizade e do aprendizado mútuo que se estabelece entre um marinheiro e uma menina chinesa. 30  Zazie é uma menina do interior que vai passear em Paris e se surpreende com os desafios e encantos da grande cidade. Tati, de Bruno Barreto, conta a história de uma menina de sete anos que sai do subúrbio com a mãe costureira e vai viver em Copacabana.

SUGESTÕES DE LEITURAS Quem deseja conhecer o cinema com mais profundidade tem à disposição uma vasta bibliografia publicada no Brasil. Trago, aqui, indicações dos livros que considero mais interessantes e mais acessíveis, tanto do ponto de vista da linguagem quanto da aquisição.

Sobre história e teoria do cinema O cinema, invenção do século, de Emmanuelle Toulet (São Paulo: Objetiva, 1998, Coleção Descobertas), trata, basicamente, da evolução da técnica cinematográfica desde a invenção do cinematógrafo até o final dos anos 1920. Com ilustrações primorosas retiradas de arquivos documentais das principais cinematecas do mundo, descreve como foram sendo inventados os recursos e truques utilizados pelos primeiros cineastas para dar vida à sétima arte e analisa o modo como foram realizados os filmes daquele período. Escrito em linguagem simples e didática, pode ser utilizado, inclusive, como fonte de consulta para os estudantes. O que é cinema, de Jean-Claude Bernardet (São Paulo: Brasiliense, 2000, Coleção Primeiros Passos), foi publicado pela primeira vez em 1980 e encontra-se em sua 12a edição. É um livro introdutório, fácil e gostoso de ler, próprio para estudantes ou para quem está se iniciando no tema. Desse mesmo autor, Brasil em tempo de cinema (São Paulo: Paz e Terra, 1993) e O autor no cinema (São Paulo: EDUSP/Brasiliense, 1994) trazem informações e análises

minuciosas sobre técnica cinematográfica e história do cinema, sobretudo do cinema brasileiro. Estes são livros menos didáticos, mas nem por isso são de difícil compreensão. Cinema como prática social, do australiano Graeme Turner (São Paulo: Summus, 1997) procurando pensar o cinema pelo ponto de vista do significado social e cultural dos filmes em distintos momentos da história, aborda, de forma bastante acessível, estudos sobre cinema, linguagem cinematográfica, papel do espectador e aspectos políticos e ideológicos que envolvem a produção de filmes em diferentes países do mundo. Tem um caráter mais introdutório, mas é, também, uma excelente leitura para os já iniciados no tema. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, de Paulo Emílio Sales Gomes, é um clássico da literatura cinematográfica brasileira. Publicado pela primeira vez em 1973, integra, desde 1996, a Coleção Leitura, da Editora Paz e Terra. Nesse texto, Paulo Emílio faz um balanço da história do cinema do Brasil, desde a sua criação, no final do século XIX, até meados da década de 1960, analisando os aspectos técnicos, políticos e culturais de uma produção cinematográfica marcada pelo subdesenvolvimento técnico e econômico. Considero-o leitura imprescindível para todos os que apreciam cinema. Mais indicado para iniciados, mas ainda bastante acessível, O cinema brasileiro moderno, de Ismail Xavier (também publicado pela Coleção Leitura, da Paz e Terra, 2001), reúne três bons textos do autor, escritos em épocas diferentes, que traçam um panorama do cinema moderno. O primeiro deles enfatiza a noção de moderno no Brasil, o segundo descreve a produção desse período, priorizando a análise de dois importantes movimentos estéticos: O Cinema Marginal e o Cinema Novo e o terceiro apresenta informações sobre a vida e a obra de um de nossos principais cineastas: Glauber Rocha.

Recomendo fortemente a leitura de A linguagem secreta do cinema (Rio Janeiro: Nova Fronteira, 1995), um belíssimo livro, escrito pelo cineasta e roteirista Jean-Claude Carrière. De forma poética e apaixonada, em um texto autobiográfico, o autor transita pelos principais temas que envolvem a história e a política do cinema, buscando desvendar para o leitor os “mistérios” da linguagem cinematográfica. Carrière enfatiza o caráter cultural e artístico dos filmes frente às tentativas de padronização do cinema e de submissão da produção cinematográfica aos interesses econômicos e comerciais. Quem gosta de cinema vai se deliciar com o modo como ele analisa a sétima arte e com as histórias que ele conta a respeito do que ocorre nos bastidores das filmagens. Quem se interessa por questões de gênero no cinema encontrará em A mulher e o cinema, de E. Ann Kaplan (Rio de Janeiro: Rocco, 1995, coleção Artemídia), informações bastante completas e originais sobre o assunto. A autora é professora universitária e o livro, cuja primeira edição foi publicada na Inglaterra em 1983, é produto de um curso sobre o tema que ela ministrou por mais de dez anos na Universidade Estadual de Nova Jersey. Escrito em linguagem acadêmica, tendo a psicanálise como principal referência teórica, essa é uma leitura um pouco mais difícil que as demais. Recomendo-a para aqueles que se interessam mais diretamente pelos estudos que cruzam cinema e psicanálise. O Brasil dos gringos: imagens no cinema (Niterói: Intertexto, 2000), de Tunico Amâncio, fala das representações e estereótipos que caracterizam as referências feitas à paisagem e ao povo brasileiro pelo cinema mundial. Fruto de uma cuidadosa pesquisa sobre o modo como o Brasil aparece em filmes produzidos na Europa e nos Estados Unidos, principalmente nas duas últimas décadas do século XX, esse é um texto que exige

um certo empenho do leitor, mas o resultado é bastante compensador.

Sobre lmes Organizado por Amir Labaki, O cinema dos anos 80 (São Paulo: Brasiliense, 1991) é uma coletânea de artigos que analisam alguns dos filmes que marcaram a década de 1980. Os intocáveis (Brian de Palma, 1987), Blade Runner – o caçador de andróides (Ridley Scott, 1982), Os caçadores da arca perdida (Steven Spielberg, 1981), Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988) e A rosa púrpura do Cairo (Wood Allen, 1985) são algumas das obras escolhidas pelos críticos de cinema para compor essa coletânea. Escritos em linguagem jornalística, os textos fornecem informações detalhadas sobre a produção, a direção e a repercussão desses filmes no Brasil e no mundo e são um excelente material de trabalho para quem deseja exibi-los em contexto educativo. O livro A hipótese cinema, do cineasta francês Alain Bergala, apresenta um projeto, desenvolvido pelo autor a pedido do governo francês, de inclusão do cinema no currículo escolar da França. Trata-se de uma proposta implementada, desde 2002, naquele país, cujo objetivo central é investir na formação estética audiovisual das novas gerações, propiciando o contato dos estudantes com obras cinematográficas de reconhecido valor artístico e social e com conhecimentos necessários à análise de filmes, ao julgamento estético e à avaliação de qualidade de produções audiovisuais. Um livro imprescindível para quem acredita que a escola pode fazer diferença na relação que as novas gerações estabelecem com os filmes. Recomendo o livro Deus e o diabo na terra do sol, de José Carlos Avellar (Rio Janeiro: Rocco, 1995), como texto de referência sobre essa obra-prima do cinema brasileiro. Além de fornecer dados biográficos do diretor, Glauber Rocha, o

autor conta, a partir de depoimentos do diretor, atores e técnicos, as dificuldades e conquistas que envolveram todo o processo de produção do filme e apresenta, de forma detalhada e quase didática, os recursos criados por Glauber para a composição das imagens. É um belo texto, imprescindível para quem deseja exibir o filme para estudantes. Para os que apreciam leituras que articulam cinema e psicanálise, Waldemar Zusman oferece uma coletânea de textos próprios, intitulada Os filmes que eu vi com Freud (Rio de Janeiro: Imago, 1994), fruto de experiências didáticas do autor na formação de psicanalistas. Ancorado em conceitos freudianos, o autor analisa filmes como Proposta indecente (Adrian Lyne, 1993), O piano (Jane Campion, 1993), O bebê de Rosemary (Roman Polanski, 1968), Perfume de mulher (Martin Brest, 1992) e Nove semanas e ½ de amor (Adrian Lyne, 1986), procurando extrair deles conteúdos e temáticas que favoreçam discussões em torno de certas patologias de natureza psicológica. Pode ser muito útil na escolha de títulos a serem exibidos em cursos de psicologia e na preparação dos debates a serem desenvolvidos a partir da exibição. Organizado por Mariza de Carvalho Soares e Jorge Ferreira, A história vai ao cinema (Rio de Janeiro: Record, 2001) é um material de consulta valioso para professores. Trata-se de uma coletânea de textos escritos sobre filmes brasileiros por historiadores, numa abordagem que inclui tanto a análise do momento histórico retratado nos filmes quanto do modo como a sociedade representa esses momentos. Gaijin – os caminhos da liberdade (Tizuka Yamasaki, 1980), O homem que virou suco (João Batista de Andrade, 1980), Pixote, a lei do mais fraco (Hector Babenco, 1980), Memórias do cárcere (Nelson Pereira dos Santos, 1983) e Guerra de Canudos (Sérgio Rezende, 1997) são alguns dos filmes analisados pelos especialistas, enfocando temas como desigualdade social, identidade cultural,

imigração, democracia, relações de raça e gênero, entre outros, na História do Brasil. Sobre estética, técnica e política cinematográfica recomendo, fundamentalmente, A experiência do cinema (Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme, 1983), uma antologia de textos de filósofos, sociólogos, psicólogos, críticos e teóricos do cinema, organizada por Ismail Xavier. Escritos em linguagem acadêmica, esses textos abordam em profundidade temas como memória, percepção, amor, literatura, cultura, ideologia, entre outros e podem orientar o trabalho com filmes no ensino superior.

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A AUTORA Rosália Duarte é doutora em Educação pela PUC-Rio e professora do Departamento de Educação da mesma instituição, atuando na graduação (Pedagogia e licenciaturas) e na pós-graduação. Coordena o Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia (GRUPEM), que desenvolve estudos sobre a relação de crianças e adolescentes com a mídia e sobre a inserção, na escola, das tecnologias da informação e da educação (www.grupem.pro.br)

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