A filosofia como ciência de rigor

Citation preview

E D M U ND O H. U S S E R L

FILOSOFIA COMO CIÊNCIA DE RIGOR TRADUÇÃO DE

A L BIN

BE A U

PREFÁCIO 0E

JOA 9 UIM DE C4R VA LHO

'FOM]30..:36296 #

b\bL':''

U \

COAM B.RA -

MC ML ll

l )

193.93 H972fi

DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL As Ideologiaspodementrar em disputas,

Filosofia como ciencia de rigor

e.l

só a Ciência é que pode trazer decisões, e essas são etenms.

Hl iíli/iillllllHlll#Mll/lili/l llill

HUSSERL

O objectivo nuclear da inquirição de Edmundo Husserl, aplicada«em decéniosde meditação dirigida exclusivamentepara esta meta», consistiu, como ele próprio

declarou,

em.«converter

em .realidade

o

começoradical de uma filosofia» que«possa apresentar-se como ciência», para repetir as palavras kan-

tianas» (:). (')

Vid.

E. Husser],

]VacÂworf

zu meinen«Ideen

zu e;ner .íeinen

Phânomeno/oÉ;e und. p/zânomeno/ogíscbenPbí/ósophie, $ 7, publicado

como prefácio da tradução inglesa das Ideen... (Nova York, 1931). 1-1usserl publicou sòmente a ].' parte das ]deen, a qual saiu no vol. l do /abrbucã

fur Pb;iosop/zfe

und pbànozrzeno/og;sc/ze Forscbung,

Halle,

1913,mas deixou em ms. as partes ll e 111,cuja publicação.seanuncia.

1, l

Além da referida trad. em inglês, de W. R. IBoyceGibson,existema tradução

em

caste]hano,

]'dias

re7af;v'as

a

una

feHoa2eno/oõófa

para

y

una f;losof;a fenómeno/ÓÉ;ca, por José Gaos(México, 1949),com a tradução do Epí/ogo indicado no começo desta nota; e a francesa, /dées Como. e impresso na Tip. {Atlântidu R. Fernandes Tonaás, 44-4ó -- Coimbrã

L.

dfrecfrices Doar une p/zénozzaéno/og;eles une p/z;/osopbie phénomenoZog;que pures],

de. Paul

Ricoeur>- Pauis, 1950.

9

definiO objectivo e o propósito significavam, dentre; serl se impunha, por forma que se removesse a constioutras muitas coisas,a constituição de uma filosofia diversa das filosofias construídas«sobo ponto de

Ei=T'==:==:J;=u==='

11

\

vista de>üou derivadas dedutivamente de dado ponto

e absolutamente válido, sobre o qual viriam a estabe-

Na linha dos poucos filósofos verdadeiramente instauradores de novas basese de novos rumos, Husserl sentiu, como nenhuma outra mente sua contemporâ'nea, que esta era a tarefa urgente e necessária. Como ele próprio diz (/7;c, pág. 13), a situação da Filosofia no princípio do nosso século faz lembrar a situação

ções sucessivas,constituídas pelos resultados

de partida, por forma que a filosofia assimconstituída lecer.sé«futuros sistemasdoutrinais de rigor cientíviesse a ser a «mais rigorosa de todas as ciências,a fico». Olhos postos no desenvolvimento das ciências de representante imperecível da Humanidade para- o exactas, cujos conhecimentos acerca dos objectosadique se ocupam aumentam e se aprofundam por conhecimentopuro e absoluto»(.17;c,P. 2) ('). do tra-

da«turva filosofia renascentistada Natureza perante

a vigorosaMecânicaexacta.de um Galileu». Então, não faltaram os construtores de sistemasda Natureza, como hoje não faltam na Filosofia os construtores de

balho de sábiosdiversos,llusserl pretendeuque o desenvolvimento futuro- da Filosofia fosse também

o de uma«ciênciarigorosa»,e em vez de tentar mais um «sistema»,cujo destino seria «o silêncio do museu da jlistória», procurou estabelecer«fundamentos seguros» a que viessem juntar-se futuros acrescentamentos

seguros,«pedra

por

pedra»

('/7;c,

P q)' tento implicava«uma viragem da Filosofia».

teorias e de concepções mais ou menos sistemáticas.

,/

O impulsoque deu vida a tais sistemasda Natureza, . hoje só lembrados

pelos historiadores,

estan-

cou-se quando Galileu fundou as basesda Física, tornando possívela continuidade da investigaçãocien-. tífica e os progressosda ciência moderna. Era obra idêntica no domínio da Filosofia que a juízo de Hus-

e fecundo. Husserl assim o compreendeu, sendo sobre e

""":'="'cto

que, quase exclusivamente,

consagrou

a

sua genial capacidadereflexiva e se relaciona quase

tudo o que deu a público. As páginas que constituem o presente volume assinalam um aspecto e um momento desta ingente

(')

De futuro . todas as transcrições entre aspassem indicação de

lugar são referidas a passosdo presente volume.

meditação. Saíram.a público em.1911 no tomo l

/x g (págs.

289-341)

da revista

.Logos (Tubinga)

sob ol

título de P /osopb;e aís sfrenge wfssenscãaff(;).l

L

tiveram a divulgação destes dois monumentos, que para sempre .assinalaria

os dois primeiros

decénios

Não foram reeditadasno original nem traduzi. do nossoséculo,mas a concepçãoque expõemdifun-

das em qualquer língua ('), e quando Husserl as diu-se pela expressividadedo título e pela irradiação

r

de objecções críticas(-')

l

A presente tradução é, pois,

a primeira que destas páginas se faz em. qualquer língua, e o facto merece atenção, principalmente por significar a introdução.de um escrito que foi pensado Destinadasa uma revista que pretendia«docu. em função da mais instante e árdua dificuldade que a mental uma viragem da Filosofia e preparar o terreno filosofia tem de enfrentar e cujas páginassão lição para o futuro s;sfema dela», e escritas dez anos depois dà publicação das /nvesf;galões /óg;cas(') e dois

anos antes da publicação das /de;as para uma fenómeno/og;a pura e uma f;/osof;a fenómeno/óéjca, as páginas de .4 F';/osof;a coze'zoc;énc;a de rJÜor não ;

viva de escrupulosidade,de profundidade e de originalidadede pensamento:/ITanto ou mais do que as próprias ideias em si mesmas consideradas, importam o modo e o teor do pensar, e de um e de outro, llusserl, a par de Platão, de Aristóteles, de S. Tomas de Aquino, de Descartes,de Kant, é mestre na arte difícil de delimitar e de cingir o assunto em vista,- de enfrentar a aridez e a dureza, que são as companheiras insepará-

l

l

veis dos grandesdescobrimentosda Razão, e de o .1

esclarecer com exigências de .rigor e de radicalidade.

Figura suprema da filosofia do nossoséculo,do /

#$%B$W %uã'zn

(')

Entre os expositores sobressaem o art. de Paul-L. Landsberg,

!íusserl et I'idée de la philosophie (Revue Internationale de Philosophie, n.' 2, (1939), pães. 317-325) e algumas páginas dos Pb;/osopb;ca/ .Essays

fn afemory of Edmund Husser/ edited by Marvin Farber(Cambridge, Mas., 1940) ; e entre os críticos, Léon Chestov, in Jlfemenfo mora incluído

ho vol. .Le poupo;rdes c/ef$ Paras,1928. Vid. G. IBerger,ob. c;f., págs. 149-150.

l

x'

+,

x/

magistério de Husserl escreveuum teólogo famoso manha, na França, na ltália e nà América do Norte, sendolegítimo conjecturar que ela alcanceno futuro

que«a atmosfera de inaudita solidez que o seu ensino filosófico respirava, apoiado inteiramente sobre esfor-

mais vasta dimensão e perspectiva, quando se torna-

ços que se mentiaserem evidentementepessoaise l refn còmodamente legíveis as «pelo menos, 30 mil dolorosamente obstinados, arrancou-nos como que l de um salto aos icebéí'gue!.movediços das «opiniões l pessoais»,para nos transportar para a que o Mlestre l gostavade chamar a terra firme da filosofia. O que l nos impressionavaacima de tudo era a substancialidade dos seus cursos», escreveu ainda o mesmo devotado discípulo ('), e estas qualidades passaram do magistério oral para a lição silenciosa dos livros que

nesta matéria, os iBéditç2sde Husserl são muito mais importantes que a sua obra publicada, e que é semente nestespapéis que se encontra uma exposição completa das suas ideias filosóficas» ('). Então, mais extensa

llusserl

e profundamentedo que hoje, se poderá avaliar a

deu a público,

tornados também modelos

páginas em 8.' de autógrafos, na quase totalidade escritas em estenografia ('Cabe/sberger Sfenograph;e), com um número considerável de sinais próprios criados por llusserl.

Sabe-se que, - segundo especialistas

vivos e impressiculantes de esforço pessoal, de clarivi-

dência no profundo e de substancialidade. Se as lições do insigne Mlestre e Pensador impressionavam os discípulos, revelando-lhes a «terra firme

da Filosofia», os livros que escreveunão deixam o leitor indiferente,obrigando-aa um esforçoe mantendo-o numa tensão que sòmente esmorececom a concordância, com a divergência ou com o corte em sentido antagónico. Por disso,se compreendee justifica a influência renovadora que a sua concepção fenomenológica exerceu e continua exercendo na Ale-

/

(')

Vid. Herman Leo Van Breda, Les arca;l'es Husser/ à Louvada.

l,eur éfaf actuei,in Tbeoí;a. A SwedishJoumalof Philosophy and Psychology,v. Xlll

(Lund, 1947), pág. ü5, n.

A simplesmirada do espólioliterário e da livraria de liusserl, pertencenteshoje ao Instituto de Filosofia de Lovaina, logo infunde ve=cn ração por uma mente e por um trabalhador

cuja contenção. incansàvel-

mente poríiada emparceira com a de Kant e sugere o que teria sido a de Aristóteles. Sob o título

de .27ussei".Z.fama.Auf

Grund

des Nachlasses verõf-

fentlicht vom Husserl-Archivunter Leitung von IEll.L. Van Breda,foram

publicadosjá os seguintesvolt., ed. na baia, em 1950: 1.--Cartas;an;sebe Ãled;faffonen und Parfser 7orfrâge, pub. por S. Strasser; ll -- Z);e /dee der PãânozEieno/og;e. Fi;nf yorlesunéen, pub. per W. Bieme!; lll -- /deen zu e;ner re;nen Pbãnomeno/ogfe und pbãnomeno7ogfscbea

li

(')

Vid. Jean Héring, Z.a p/zenoméno/og;e d'Ecimund Husser/ f/ y-

a atente ans. Souvenirs et téílexiotas d'ün étudiant do 1909, \n. Revtn

Infernal;ona/e de Pãf/osop2He cit., vol 1, pág. 367.

Pbf/osobbie.Erstes Buch. .4/]gemefneE;nfüáíung ;n dfo reine PÃánomeno!og;e.(neue, auf Grund der handschriftlichen Zusâtze des Verfassers erweiterte Auflage) pub. por W. Biemel. e 111, inéditas

como já dissemos.

Anunciam-se as partes ll

:'';'='

:;=É-;;:=b;=BÉeÉe=

1:'

assombrosaactividade de pioneiro que Husserl aplicou a terrenos inexplorados e a sentido profundo das

r

do epílogo das .íde;aspara uma fenomeno/agia pura

L

B

seguintes palavras que ele escreveu no parágrafo. final

e uma f;/osof;afenómeno/óg;ca:«Sepor um 'ladoo Autor teve que rebaixarpràticamenteo ideal das

l

suas aspiraçõesfilosóficas ao de um simples principiante, por ç)utro lado chegou com a idade à plena certeza de se poder intitular um efecf;vo principiante:

E

Quase poderia ter a esperança, se Ihe fosse concedida

a velhice de Matusalém, -- de poder chegar a ser um filósofo». 8

As páginas de .A F;/osof;a como ciênc;a de r;gor

1,

podemser consideradas em funçãodo lugar que ocupam na continuidade do pensamentode Husserl e podem sê-lo em si mesmas,como expressãode uma concepção da filosofia.

O primeiro critério obrigaria a situa-las entre a

l

crítica do psicologismo das Invesfiéações /óg;cas e a ínstit&ição da fenomenologia como ciência das .Ide;as para ur ia fenómeno/oé;a pura e urzla fi/osof;a fenómeno/óg;ca; seria o mais adequado em virtude do pensamento de Husserl se ter desenvolvido com conti-

e rigorosa. #

8

#

xr

x/y artigo sobre o mestre ('), a quem também dedicou a Fi/osof;a da Ár;fméf;ca, Parte i,(única publicada),

L

r

com o subtítulo: .rnT'esf;galões ps;co/39icas e /óé;cas (Halle, 1891). Se este foi, porventura, o germe da

e colectivo, de todos e para todos, não dando, em geral, .margem para «opiniões», «pareceres» e «posi-

ções particulares».

do estada dos conhecimentos

Ao contrário destes conhecimentos, os conhecimentos filosóficos oferecem o espectáculo-de tudo nelesser discutível e dos juízos que exprimem depen-

filosóficos com o estada dos conhecimentos científicos,

derem«da convicçãoindividual, da escola,da posi-

assimno ponto de vista histórico como no da res-

ção». Se esta foi e é a situação, o contraste só pode superar-semediante a orientação que coloque a Filo-

concepçãoque nos ocupa, a formação de matemático e o confronto ulterior

pectiva situação actual, convenceram definitivamente Husserl de que a Filosofia jamais conseguiuconstituir-se como ciência rigorosa, tal como o conseguiram as ciências exactas. Daqui, a instância das seguintes perguntas: em que consiste a incientificação da Filosofia, qual a sua razão de ser e como instituir a Filo-

sofia e a Ciência sob a mesmo ideal de rigor. ,# O estabelecimento deste ideal exige que a Filoso-, fia se constitua

desde a raiz como ciência, e conse-

quentementesefirme o terreno de objectividade sobre

o qual terá de se exercera reflexãofilosófica,por

guém duvida da«verdade objectiva» de tais conheci-

forma tal que esta reflexão adquira a impessoalidade da investigaçãocientífica e como ela se possatornar colectiva e desenvolver-see aprofundar-se no decurso das geraçõescomo se desenvolveme aprofundam os conhecimentos matemáticos, físicos, biológicos, etc., pela continuidade .de esforços e adição de resultados de sucessivosinvestigadores. Assim entendida, a Filosofia virá a ser «ciênciade rigor», e para que o seja claramente cumpre remover do horizonte o propósito

mentos. O saber destasciências é um saber impessoal

do «sistema»,a atitude da «filosofia sob o ponto de

sc?fia como ciência de rigor? As ciências matemáticas e naturais são, como todas as ciências, imperfeitas: por um lado, por terem diante

de si«o horizonte infinito de problemas.por solucionar», e por outro, por conteremdeficiênciasna dou-

trina e na justificaçãoprobatória. Apresentam,não obstante, um conjunto de conhecimentoscertos, que não só aumenta como se ramifica, de tal sorte que nin-

(') Vid. Ed. ilusserl,Er;nnerungen an F. Brenfano,in O. graus, Franz Brenfano, págs. 154-155. .4pud Sofra Vaími Rovighi, Z,a f;/oso/;a di .EdzEzundo27usser/J Melão, 1939, págs.; 7-8.

vista de», a assimilação da Filosofia ao tipo das ciências da Natureza e a sua subordinação à intenção

doutrinal de ideologia e de concepçãoprática da Vida.

Z

O sistema,pela própria estrutura e intrínseca vir-i de pensamento dos genuínos problemas filosóficos,

\

'1

tualidade, não pode constituir-se sem a existência del que cumpre formular plenamentede novo e que pressupostos e de pré-conceitos cujas consequências oul sõméüte nos torna acessíveiso horizonte desanuviado implicações obrigam o espírito a seguir por caminhos por todos os lados». ('.Zd., intrC)d.). determinados,afastandcy;odo contacto directo com al A incientificação da Filosofia justificava que H.usobjectividade; e porque a desenvoluçãodo pensa-l serl, por um lado, se desprendessede vínculos histómento dentro do sistema se faz a partir ou em conde-l ricos e das instâncias mais ou menos recebidas pelo quência de afirmações iniciais que não são apodicti-l comum dos filósofos, e por outro, procurassefunda-

L

r l

camente

l

certas

mas

que

cumpre

manter,

sem

o quem

mentar uma nova viragem da Filosofia a partir de

o sistema deixaria de ser intrinsecamente coerente,

bases que, ab ovo,e firmemente,

ele gera a estreiteza do espírito e conduz a deforma-l ções e erros. Abandonando a concepçãoda Filosofia como sis-l tema, ]llusserl tampouco se deixou enlear pela ideial de uma«filosofia sob o ponto de vista de», porque ol

posição e a desenvolvimento no sentido estrito e rigo-

seu propósito

apósa Críffca da RazãoPura, tinha de seguiro iti-

era radicalizar

a Filosofia



bases

anteriores a todo e qualquer ponto de .vista e a tomarl por ponto de partida «o que é anterior a toda a.posi-

Ihe garantissem

a

roso de autêntica ciência. O desiderato consistia primàriamente em estabelecer a radicalidade última do território objectivo da Filosofia, e o caminho para descobrir este território, nerário epistemológico,«que é a condição primacial do carácter filosófico-científico», como diz Husserl

('/d., $ 20). ('Híc, p 5). Esta tinha de ser, e foi, a primeira grande Nem sistemade interpretaçãototal nem condu- tarefa de Husserl. Com efeito, aa invés das Ciências, a Filosofia não ção unilateral do pensamento. Ambos são sinónimo ção doutrinal»

/

!.

de limitação, e Husserl, que aspirava a firmar a inquirição filosófica em basesinabaláveis, tomou decididamente, ou antes, heròicamente, a resolução de enfrentar estas «duras exigências: eliminar todos os hábitos mentais existentesaté agora; reconhecere quebrantar os limites do espírito com que cerram o horizonte do nosso pensar, e assenhorear-secom plena liberdade

se constitui

de maneira«ingénua»,

para empregar a

expressão de Husserl. Constitui-se entitativamente a si mesma, mas para que se torne plenamente auto-

suficiente carecede fundamentar o seu objecto; e desdeque o seu objecto seja o de ciência rigorosa, «univêKsal e absolutamente

fundamental»

('.Zd, epal.),

incumbéhlhe estabelecer um começo radical e último,

Xlx

XVlll tal que sobre o absoluto desta base ela se possafirma inabalàvelmente, sem carecer de quaisquer supos-

evidência absolutamente forçosa» ('.Zb;d.);-e, conse-

quentemente,a renúncia, ou talvez mais pròpria-

tos.«Uma filosofia com basesproblemáticas,com mente a suspensãoda sua meditação em relação aos paradoxos que descansemna falta de clareza dos conceitos fundamentais, nãa é filosofia, e contradiz'se com o seu próprio sentido como filosofia», escreveu no citada epílogo das /delas. É que a indagação. filo-

sófica«não pode começareln forma literalmente ingénua», nem instalar-se, «como as ciências positivas, na experiência do mundo prèviamente

dado e pressu-

temas teocêntricos, antropocêntricos, de concepção do

Mundo e da Vida, de ontologia(no sentido tradicional) e de axiologia, assim como a tomada de posição em relação às soluçõesfilosóficas designadasde rea-

lismo e de idealismo,de monismo,de dualismo,de pluralismo, etc. «Nada pressupusemos nas nossas afirmações fun-

damentais,nem sequero conceito de Filosofia, e assim posto como existindo em forma de si compreensível» queremos ir fazendo em adiante. A epocbé (:') filo(Ibid.). Porque assim procedem na sua constituição, isto sófica que nos propusemos praticar deve consistir... em nos abstermospor completode julgar acercadas é. considerandoo ideal científico imanente à própria doutrinas de qualquer filosofia anterior e em levar a investigação científica,«as ciências positivas não-filocabo todas as nossas descrições no âmbito. -desta abssóficas, não são ciências últimas, absolutas, que se justifiquem #

,/

por últimos

fundamentos

cognoscitivossõ,

e encerram «problemas básicos» e «paradoxos», que ulteriormente à sua constituição se«procura remediar mediante

uma teoria

do conhecimento

tardia

e até

demasiado tardia». ('/b;d.). A investigação da radicalidade extrema do fundamento e o tratamento

da«Filosofia

como ciência de

rigor» afastaram completamente ]llusserl do«ideal do filósofo compor de uma vez para todas uma Lógica, uma Ética e uma Metafísica sistemàticamentecerradas que ele pudessejustificar a todo o momento aos seuspróprios olhos e aos de outrem, partindo de uma

fenção>, (.rd. $ 18).

Como o Descartes do Cog;fo, mas não como o Descartes que apressadamente abandonara o mundo das cog;faf;odes pelcymundo extra-mental do cogifafum, llusserl empreendeu o ingente cometimento, que Ihe absorveu a ;vida, de fy1l:galpentare de refazer a Filosofia desde a raiz última a que pode :chegar.o pensamento

esçrjtamente

.racional

pondo

ao mestho

tempo a nu a sem razão.do cepticismoe do relati(")

Adiante

indicaremos

o significado

desta expressão

xx/

xx

vismo. Esta era, no. seu próprio dizer, a«grande cia rigorosa; por isso, a par da edificação, teve tamtarefa do nossotempo»,a qual só podia ser levadal bém de demolir e de afastar as justificações racionais a cabo fora das posições doutrinais

que a Hist(5rial que impediam ou desviavam o caminho do seu pen-

do: pensamento mostrava terem- sido impotentes samento no sentido da constituição autónoma da Filosofia como ciência rigorosa, au mais prõpnae, portanto, começando de novo e. com métodos mente, como a ciência de rigor. novo. As .Invesf;gaçõeg /óg;cas, cujo primeiro volume Não seria, porventura, uma pretensão sem base? A «marcha triunfal» da Ciência, «a que nada sel saíra em 1900 e o segundo em 1901,.haviam refutado oporá», a universalidade dos «seus fins legítimos>> e o psicologismo,mostrando de forma exemplar a indedo o facto da Ciência ser «pensada na perfeição ideal», pendêí!çjg .dQ ..Lógica.ulativamçp11ç....à..psicoIQgia. pelo que pode considerar-seexpressãoda «própria pensamento. Dentre outras muitas coisas,as /nvesRazão, que não poderia ter outra autoridade igual ou f;cações /óg;cas mostravam que o pensamento estrito superior»,não tornam, porventura, desnecessária a que justifica e nutre a filosofia não era identificável tarefa que se proponha a fundamentação absoluta- nem assimilávelpela Psicologia,nem par qualquer outra ciência particular; agora, passados dez anos, e mente radical da Filosofia como ciência de rigor? Se se pretender que a Filosofia deve ser ciência como que nas vésperas da publicação das /c7e;aspara rigorosa à maneira das ciências da Natureza, basta uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomeno-

coloca-lana linha das ciênciasnaturais,em cujo

/óg;ca, cujo primeiro

volume saiu em 1913, Husserl

âmbito entram «todos os ideais teóricos, axiológicos dava algumas precisões acerca do que entendia por e práticos» e que constantementese afirmam pela F;/osof;a como c;ênc;ade r;gor e, sobretudo, descrimi«superabundância de conhecimentos rigorosos»; e se nava este conceito de Filosofia do propósito«de uma se pretender que a Filosofia pertence às Ciências do. reforma rigorosamentecientífica da Filosofia» no senEspírito, integra-seno Historicisma, qüê«resultou tida das ciências da Natureza e da função doutrinal da «descobertada H.istória»e da fundamentaçãodas e ideológica de qualquer mundividência com basehistoricista. ciências morais que se foram multiplicando». Vejamos, pois, separadamente, a crítica de HusAmbas estas concepções da filosofia se apresentavam com vitalidade na época em que H.usserlmedi- serl a estesdois objectivos do ideal da Filosofia e por tava a fundamentação radical da Filosofia como ciên- fim, como remate, o conceito que lhes opõe.

k

+

XXlll

XXll

Com efeito, a ideia de relativismo,ou seja o

8

desterro da concepção da existência de princípios

absolutos, dominava intelectualmente a época da o ideal da Filosofia como ciência de rigor, ou pari transição da século passado para o século actual. outras palavras, como Ciência fundamental tendo pool Dissesseíh-se positivistas, empiristas, psicologistaé, objecto «o esclarecimento decisivo sobre as condiçõesl historicistas, cépticos, etc., todas estas correntes coinde uma ciência de rigor, ingènuamente ignoradas oul cidiam no repúdio da metafísica como sistema de

mal compreendidas pela filosofia anterior»,é o ideall reflexõessem fundamento real e, de modo geral, na que orienta e anima as «viragensdecisivaspara o pro-l reduçãoda Filosofia ao plano das ciências. Daí, a gresso da Filosofia.»

.@

Nestas ocasiões, «a energia pen-l

cativa» é dominada «pela vontade conscienteda reor-l

convicção universal de que semente o pensamento cientificado é.digno de acessoe de credibilidade; consequentemente,a superação deste ponto de vista

ganizaçãoradical da Filosofia no sentido de uma ciência de rigor»; assim, as filosofias socrático-pla-l careciade fazer-secom inteira submissãoàs exitónica e cartesiana foram animadas por este propósito, o qual se renovou «com a violência mais radical na crítica da Razão pura de um Kant e dominando ainda o filosofar

de Fichte>õ.

Em todas estas ocasiões, a tomou

uma posição instauradora

consciência reflexiva e Constituinte

e a

Filosofia teve por objecto capital a indagaçãodo ponto

./

de partida, o exame do método mais adequado e a for-

mulação dos problemas fundamentais em ordem à reorganização da Filosofia ab ovo sob as exigências /

de ciência rigorosa. A instância deste ideal relaciona-se sempre com uma conjuntura dominada por tendências cépticas ou relativistas. Foi assim com Sócra-

tes, com Platão, com Descartes,e assim foi também com ]llusserl.

gências do espírito científico,; isto- é, não opondo crenças a juízos, predicações a resultados científicos,

ideais subjectivos a realidades demonstradas,mas

mostrandocom a luz da Razão,e sòmentecom ela, que a Filosofia tem por objecto assuntosque se não opõem à Ciência nem ao pensamento cientificada. Filosofia e Ciência não são, pois, antagónicas,mas

a relaçãoa estabelecer entreuma e outra podeser diversamente entendida.

Pode pensam-se com alguns

positivistas que à Filosofia pertence a generalização dos resultados das diversas ciências particulares, em ordem à unificação dos conhecimentos,e com os neo-

:kantianos,da escolade Marburgo, que ela tem por objecto próprio a teoria do conhecimento,entendida

P

xx/y principalmente'

xxy coma reflexão

crítica

das condições

que possibilitam a existênciada Ciência. Estas duas concepçõesassentamno dado da existência da Ciência consf;lula e pressupõem que sõmenté

./

incondicionado,' cuja apodicticidade intrínseca, tendo lem si mesmo a sua razão de ser, servisse de base inabalável-à constituição de um sistema coerente de verdades que se encadeiam. Esta concepção da Filosofia como pensamento que procura a rigorosidade«a partir de» e em ordem

pela metodologia científica se pode atingir o que nos seresnaturais é cognoscível,mas a conexãoda Filosofia com a Ciência pode ser pensada diversamente; à constituição de um«sistema» de verdadesexerceu isto é, não com os resultadosda ciência constituída e exerce uma atracção'sedutora, mas não foi a concepmas com as exigências lógicas que cientificam o pensa- ção de liusserl. r Como Descartes, o pensador das .Invesf;galões mento. Assim entendido o problema, pode procurar-se-lhe a. solução no estabelecimento de um princípio ]ók;cas também procurou um fundamento incondiabsolutamente certo, primeiro e incondicionado, que cionado à Filosofia, mas indagou-o com sentido sirva de fundamento ao Saber. Foi o que Descartes diverso do filósofo das ]lZed;rações nz2efafís;cas. A sua exprimiu, ao escrever na segunda das ]Ued;cações mente, prodigiosamente capacitada para o descobrimefafís;cas que «Arquimedes,.para tirar o globo terrá- mento de problemas e para a respectiva análise, não queo da sua situação e transporta-lo para outro lugar, só se libertou da intençãosistemática,senãoque foi pedia sàmeüte um único ponto que estivesse firme e hostil à concepçãoda Filosofia «a partir de» e, mais imóvel; assimtambém eu terei o direito de conceber ainda, à de«sob o ponto de vista de». Anta-relativiãta, altas esperançasse for assazfeliz em achar sòmente mas não anta-positivista, se por positivismo se entenuma coisa que seja certa e indubitável». Diversa.. der .o respeito total às próprias«coisas>õ,tais quais se mente de Aristóteles, cujo filosofar começanormal- apresentam na imediatidade da intuição, a problemámente com o re-pensamento dos antecedentes históri-. tica de Hlusserl não radica na existência de uma subscos do problema que o ocupava, as «altas esperanças»' tância incondicionada, que, como em Espinosa, funde que Descartesconcebia consistiam no refazimento ab uma ontologia e um saber absoluto,nem tampouco ovo da arquitectónica da Filosofia, como se anterior- incidiu, como a epistemologia kantiana, sobre as conmente ninguém houvessefilosofado. Para isso, careceu dições que possibilitam o conhecimento cientificade estabelecerum «ponto de partida» que não fosse mente exacto. Considerou que o objecto da Filosofia uma hipótese nem um. postulado, mas um princípio como ciência de rigor. exigia Q estabelecimentodo

.xxy/

xxVll

método fenomenológicae a constituição de uma íiio-l sofia fenomenológicacomo ciência filosófica funda-l mental, cujas verdades pudessem ser indagadas con.l tinuadamente, por sucessivasgerações,e como qud impessoalmente.

Estes objectivos arrancam.a Filosofia aos deva-l netos arbitrários da subjectividade para a situarem eml posição objectiva, ou ém idéias existentesem si, poial como expressivamentediz na refutação do relativismo l específico, o q\le é verdadeiro é verdadeiro absoluta-l mente e em si, de tal sorte que a «verdade é uma el idêntica, quer sejam homens ou outros seres não. -humanos, anjos ou deuses,os seresque a apreendam pelo juízo» (:). Daqui, as reflexões de Husserl terem a magestade das grandes filosofias clássicas, mormente pela pretensão de reintegrarem o pensamento em cer-l tezas de universalidade racional. A explicitação deste ingente esforço comporta uma feição positiva, de instauração, que é a mais original e se tornou de influência decisiva, e uma feição negativa, isto é, de repúdio da problemática vigente na época em que a consciência

./

reflexiva de Husserl retomou com originalidade a fundamentaçãodo ideal da Filosofia como ciência de /

rigor. Apesar de ligadas íntima e indissoluvelmente, é

(')

Vid.

/nv.

]Óg. 1, $ 36.

Relativismo

específico

significa

a con-

cepçãoda relatividade da verdade consoantea constituiçãoou as leis do pensamento de+cada espécie de seres.

esta última feição que importa considerar, dado as páginas da presente tradução terem principalmente por fim mostrar que o ideal da Filosofia autêntica se

tem de constituir independentemente do ideal e dos métodos das ciências da Natureza e se não identifica com ideologias e concepçõesda Vida criadas fora das exigências da exactidão.

A juízo de Husserl,a situaçãoda Filosofiana segunda metade do século xix; em relação ao problema que o ocupava, encontrava-se sob a influição de

duas consequências do sistematismode Hegel: o enfraquecimento e a adu/geração «do impulso da consr

tituição de uma ciência filosófica de rigor». Pensar a Filosofia como ciência de rigor é pensa-la como«Filosofia absoluta», isto é, como indagação de verdades absolutas e que existam em si, e não como expressão de anseios e de satisfações humanasLgliçgel

enfraguçaeu-esta.condição do impulso filosófico-científico.com a suadoutrina da legitimidade relativa de toda e..qualquer.filosofia para alespectiva. época, dando ensejo.acl.gKhistoricismo céptico» e à «f;/osof;a ;deo/óg;ca»,-b.

Pode «lastimar-se»a separação,mas o filósofo tem de tomar partido, e o partido que liusserl tomou foi o único à altura da sua admirável e exemplar intransigência

de racionalista,..:sòmente

obediente

às

q U

xz,y7

exigênciasdo ideal da pureza e rigorismo científico. Como escreveuEnzo Pari,«.17usser/s; poneva;/ problema di una verità absolutacome un problema di

$

8

'' 8

vira o di morte, quaseche ]a sua mandata risoluzione implicasse

[a distruzione

de[['espere

e ]a fine

de]]a

O cepticismo'implícito no Psicologismo,no Natu-

c;v;/fà..una fa/e tens;oneper /a pura verité de raison ralismo e no llistoricismo, e, de modo geral, em todos non la si puà concepirese non in un'atmosferain cui osideais que.não pensam a Filosofia como ciência de si ta sempre valere, tácita ma possente, I'esiÉenza 'rigor, sòmente podia ser vencido por uma «ciência ineminabile della vetité de coeur. Husserl ha avuto do radical», e a esta ciência chamou Husserl Fenódal destino la missione paradossale di difendere, in un meno/og;a. Vejamos, pois, sumàriamente, em que mondo che atava sperimentandoil crollo di tutte le consisteesta ciência, que o derradeiro período da-FI/omitoloÉie razionalistiche, il valore supremo ed i diritti sof;a.como c;ênc;a de rigor vaticinava,. e a filosofia actual confirma, «abrir um campo imenso de trabaeterna della chiareza della raÉionoõ (1' ).. Não se lêem, por isso, sem emoção, as páginas lho e levar a uma ciência que, sem os métodos indifinais do presente livro, nas quais o processoda con- rectamente simbolizantes e matematizantes, sem o cepção diltheyana da «Filosofia das filosofias» e, de aparelho das conclusões e provas, não deixa de chegar modo geral, o do ideal da Filosofia como concepção a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas / do Mundo e como ideário da Vida, é instaurado e para foda a Filosofia ulterior». A investigação fenomenológica consiste na desconduzido com a responsabilidadede quem sente em jogo o destino da Humanidade e com a luz da convic- criminação do que é dado imediatamente na consção de que«só a Ciência pode trazer decisões, e estas são etemasx».

ciência como Vivência ('Er/ebn;s.), isto é, como presen- A cialidade vivida.~-A investigação não pressupõeuma

consciência em si ou em.geral nem tamp(cuco um objecto extramental cuja entidade ou comportamento devam ser apreendidos pelo sujeito cognoscente. Os

conteúdosda consciênciavivente e actual, isto é, o (")

viá.

Pensfero,

Es;sfenza

poraneo, Melão, 1940, pág. 31.

e ya/ore.

Sfud;

su/ bens;ero

confem-

sentido enquanto sentido e o pensada enquanto puro .k pensado, são os «fenómenos», isto é, o que aparece à

@

',

«:'«*!3F$

1::i {l

UAv\"ou6abav a-L'&lvulçlxviuBlça (4uç lllç' ç pi'upi'la

liiH [i,]

apresenta como investigação psicológica, no sentido experimental, introspectivo ou extropectivo, nem tamno sentido

kantiano,

pouco

li:. Í:.j{ l.ü'll

todo pressupõe a existência de algo cujas condições de possibilidade a prior; pr;or; são criticamente indagados.

cujo

comum a todas as ciências.

E::,:''!'E :!=:;.?:. PJn.s@@" ",;.-'''-:,; -''"T;:::::: Ty"'': l:="-,"..i""g"@"

i

.êiêntífica da.EonsciêBcia, para aquilo que"ela própria :2=''''=;;'= .:=.:= ''': D -- como

contrária

à ( lidade da «consciência de...», se Ihe investigasse o Ser, ele não seria o grande céptico, mas sim, o fundador de uma teoria verdadeiramente«positivaE$

da Razão.

.8 #

Todos os problemas

que tanto o apaixoname confundemno 7'reafíse,e queele, dada a sua orientação, não pode formular adequada e claramente, cabem absolutamente no domínio da Fenomenologia. Eles têm solução completa no seguimento das correlações

essenciaisdas formaçõesda consciênciabem como das suas atribuições correlativas e essenciaisnum entendimento geral-

1,. 11'

n 4a

mente intuitivo que já não deixa margem a nenhuma questão razoáve/. Ê este o caso dos problemas enormes da identidade

do objecto perante a multiplicidade das impressões,respecti-

vamente das percepçõesdiferentes de/e. De facto:-..-.a maneira como percepções ou aparências múltiplas

chegam

a «evidenciar»o mesmo objecto, de sorte que pode ser «o mesmo» para e/as próprias e para a consciência conjuntiva

da unidadeou identidade--eisuma questãoque podeter a sua posição e resposta clara apenas na investigação feno-

menológicado Ser (de certo já assinaladapelo modo da nossa formulação). Pretender uma solução empírica, própria. das Ciências naturais, para esta questão, significa não a compreen-

der e interpreta-laerradamente comoabsurda. O facto de uma percepção de qualquer experiência ser precisamente a

percepção de um objecto determinado, de orientação, colorido,

'+

camente inteligível e prestável para a solução. Mas tudo depende de vermos e de nos compenetrarmos

inteiramente de que é possível chegarà intuição directa de um «Ser», dos Seres de «tom», «aparência objectiva», «objecto visual», «imaginação», «juízo», ou «vontade», etc., anàlogamente à audição directa de um som, e de que na intuição é pos-

sível pronunciar-sesobreos seres. . Por outro lado, porém, é mister acautelar-seda confusão de Hume, e por conseguinte da confusão da intuição fenomenológicacom a«auto-observação:P,com a experiênciaintrínseca, numa palavra, com actos que substituemos Serespor pormenoresindividuais que lhes conespondem

(i).

A Fenomenologia

pura

como

ciência,

enquanto

pura

e

da «existênciaxb do objecto. O facto de estapercepçãoentrar

prescindindo da posição existencial da Natureza, pode ser ùnicamente investigação do Ser, e não pode de maneira alguma ser investigação de existência; toda a«auto-observação», e

numa continuidade,

'todos

formação, etc. especiais, é específico dela, independentemente embora não seja qualquer, de percepções,

os juízos

baseados numa

tal«experiências$

não cabem

em que constantemente«o mesmo objecto se apresenta numa

nela. O singular da sua imanência só pode ser posto e quando

orientação constantemente diversa», é por seu lado específico

muito

dos Seres. Em resumo, é aqui que se encontram os grandes campos, ainda não Cultivados literàriamente,«da análise da

à análise dos seres, como indicado, como percepção, recorda-

consciência», numa acepção do termo da consciência que, analogamente ao do psíquico tratado atrás, e independentemente

da sua justeza, havia de ser tão ampla que designasse todo o imanente e portanto também todas as referênciasda consciência como tais e em qualquer sentido. Os problemasda origem, tão discutidos durante séculos,quando libertos do seu naturalismo :falso e pervertedor, são problemas fenomenolóX '\

sucessosda consciência humana, recebem um sentido cíenüfi-

gicos. É esteo casodosproblemas da origemdasnoçõesde espaço, tempo, objecto, número, causa e efeito, etc. SÓdepois da formulação e solução razoável, precisa, destes problemas

puros, os problemas empíricos do género daquelas noçõesquais

subordinado aos conceitos rigorosos do Ser devidas

ção transitória, etc.,indicadas. Pois, emborao indivíduo não seja Ser, ele fem um Ser, cuja afirmação pode ter valor eví(') As /nvesfigaçõoslógicas, cujos fragmentos de uma Fenomenologia sistemática foram os primeiros a praticar a análise dos Seres no sentido caracterizado aqui, foram constantemente interpretadas mal

como se se tratasse de tentativas da reabilitação de um método de «auto-observação». Admito que isto se deve também à caracterização defeituosa do método na «Introduçã02pà l.' investigação do 2.' vol.,

com a designação da Fenomenologia como psicologiadescritiva. Os esclarecimentosnecessários,insere-osjá a minha 3.' Relaçãode publicações alemãs sobre a Lógica no$ anos de 1895-99, no vol. IX do Arquivo

da Filosofia sistemática(1903), págs. 397-400.

11

dente.- Esta mera subordinação,porém, aparentementenão

na percepçãoimanente e entendido na sua formação essencial

pode chegar a fixa-lo como indivíduo, a situa-lo num«mundo» de existência individual. Para ela, o singular é etemàmente o

particular,

ãrct cv. Com valor objectivo, apenas pode chegar à intelecçãode Serese de relaçõesde Seres,e assim,a realizar-- e definitivamente

-- tudo

quanto

for

preciso

para

o entendi-

mento elucidativo de toda a intelecçãoempírica, e de toda e qualquer intelecção: o esclarecimentoda«origem» de todos os princípios lógica-formais, lógico-naturais e de qualquer modo orientadores, e de todos os problemas intrínsecos a eles,

da correlaçãode «Ser»(da Natureza, de valores, etc.) e «consciência» ('). $

relaciona-se com o sensualmente percebido, e

assim. com a Natureza.

SÓ com este relacionamento é que ganha objectividade natural, indirecta, e, indirectamente,post' ção no espaçoe tempo cronomêtricamentemedido, da Natureza.

Numa

amplitude

não

determinada

a p -- na esfera da consciênciaindividual e colectiva -- proporciona-a apenasuma Fenomenologia deveras radical e sistemática, não praticada

tida

'\

para

aquelas

unidades

da consciência

e, assim., para

do absurdo esperar que os experimentas psicofísicos e aquelas percepções e experiências íntimas não intencionais, levem à

investigaçãodo Ser da recordação,do juízo, da vontade,etc., e que assim-se obtenham os conceitos rigorosos ùnicamente susceptíveisde valorizar cientificamentea designaçãodo psíquico nas afirmações psic(5físicas,e estaspróprias afirmações. O erro fundamental da Psicologiamoderna,que a impede de ser Psicologiano sentido verdadeiro, plenamente.científico,

de passageme em reflexões isoladas, mas praticada na dedicação exclusiva aos problemas variadíssimos e complicadíssi-

\

mos da consciência, e num espíritointeiramentelivre, não cegado por. preconceitos naturalísticos. SÓ então é qüe, com a crítica valórativa e a interpretação psicológica, hão de resultar fecundos o enorme trabalho experimental da nossa época e à plenitude de factos empíricos recolhidos, e de regularidades em parte muito interessantes.: Então também se poderá admi-

\

tir, o que é completamente inadmissível com respeitoà Psi-

o ter desenvolvido.Ela admitiuquepreconceitos históricosa

cologia actual: -- a grande e até a máxima afinidade entre a â Psicologiae a Filosofia. Então também o paradoxodo anü-

detivessem de aproveitar os inícios de um tal método, que há

-psicologismo,

em tôda a análise esclarecedora dos conceitos. Relaciona-se com isto a maioria dos psicólogos não terem compreendido

lógica, deixará de ser escandaloso,desde que é mister toda a verdadeira Teoria do conhéêimento ter a base necessária na Fenomenologia, que deste modo constitui o fundamento comum de toda a Filosofia e Psicologia. E por fím, também deixará de ser possível toda a espécie de literatura liseudo-filosófica, tão exuberante hoje em dia, e que nos oferece as suas Teorias de conhecimento,teorias lógicas, éticas, filosóficas, da Nâtu: reza, pedagógicas,na base naturalística e sobretudo«psicológico-experimentais, reivindicando para si a mais séria qualidade científica(1). De facto, em face desta literatura, não há

está em não ter reparado neste método fenomenológico e de não

as começos já existentes na Fenomenologia e de frequente-

\.

formaçõesdo Ser da consciênciae dos seuscorrelativosima-

mente até terem tomado a investigação do Ser realizada na orientação puramente intuitiva, por uma substracç3o metafísica, escolástica. Porém, aquilo que foi percebido e descrito na atitude intuitiva, apenaspode ser compreendidoe verificado na mesma atitude. Depois de todo o exposto,é claro e, como tenho razão de esperar, não tardará a ser mais geralmente admitido, que uma ci:ncia empírica realmente suficiente do psíquico nas suas relações naturais, só pode efectuar-se,quando a Psicologia se ergue na base de uma Fenomenologia sistemática; quando, pois, as

de uma

Teoria

do conhecimento

não psico: /

(') ; Não Ihe foi pouco propícia a circunstância de se ter tomado axioma fixo a opinião de a Psicologia-- e naturalmente a «exactas:--

47

senãoespantar-se com a degeneraçãodo sentido dos problemas e das .dificuldades

profundíssimas

a que os maiores

espíritos

da Humanidadededicaramo labor da sua vida,'-- e infelizmente também com a degeneração do sentido da verdadeira solidez que ainda na própria Psicologia experimental nos impõe

tanto respeito, apesar dos defeitos de princípio que a nosso ver Ihe são inerentes. Estou firmemente convencido de que a História se há de pronunciar um dia muito mais severamente

sobre esta literatura do que sobre a Filosofia popular tão cen.: furada

do século xvm

(i).

Abandonamosagora o campo da discussãodo Naturalismo psicológico. Talvez seja lícito dizermos que Q Psicologismo, avançando desde os tempos de Locke, no fundo

ser o fundamento da Filosofia científica, belo menos nas secçõesnatura-

racistas,zelarem agora em entregar üma cadeira de Filosofia após outra

era apenas

uma forma turva pela qual havia de passar a única tendência legitimamente filosófica para uma fundamentação fenomenológica

da Filosofia.

lógica,

qual

Acresce

investigação

do

que a investigação Ser, e portanto

fenomeno-

apriórica,

faz

simultâneamenteplena justiça a todos os motivos justificados

do apriorismo. Em qualquercasoa nossacrítica deviater evidenciado

listas das Faculdades de Filosofia, e de estas, cedendo à pressão dos natu--

que

reconhecer -no

Naturalismo

uma

filosofia

errada por princípio, ainda não significa abandonar a ideia de uma filosofia rigorosamentecientífica, de uma«Filosofia \ desdea bases».A distinção crítica dos métodospsicológicoe fenomenológico indica no segundo o verdadeiro caminho de

a investigadores que, porventura muito excelentes na sua especialidade,

uma teoria científica,da Razãoe igualmentede uma Psicolo-

não têm mais contactoíntimo com a Filosofia do que, v. gr., os quími-

gia suficiente.

cos ou os físicos.

Seguindoo nossoplano, passamosagora à crítica do Historicismo e à discussãoda Filosofia ideológica.

(:)

Ao escrever este estudo, dá-se o acaso de me chegar às mãos

a comunicação do Dr. M. Geiger,em Munique,Sobrea essênc;a eo sfgn;f;Gadoda infufção, no«Relatório sobreo IV congresso de Psicolo-

gia experimental, em Innsbruck»(Lípsia,1911). O autor trata de distinguir,

de uma maneira muito

instrutiva,

os problemas psicológicos

genuínos que, até agora, ora nitidamente se destacaram, ora indistintas

mente se confundiram, nas tentativas de uma descriçãoe teoria da compenetração, e discute os resultados das suas soluções tentadas ou conseguidas.

O

congresso

ficou-lhe

pouco

grato

por

isso,

conforme

se

depreendedo relato das discussões(p. 66). A Sr.' Mártir, foi aplaudidíssima ao afirmará«Quando cá cheguei, esperava ouvir alguma coisa sobre os experimentou no campo da compenetração. Mas o que foi que

pròpriamente ouvi? Meras teorias antigas e antiquíssimas. Nada de experimentou

neste campo!

.Esta não é nenÀazzla soc;edade f;/osóf;ca.

compenetrpção na sugestão de investigações experimentais, como aliás

Parece-me chegado o tempo de aquele que pretende apresentar-nos teo-

neste campo também já se realizaram.

rias destas, demonstrar

sentantes da teoria da compenetração, perante o método da Psicologia

se os experimentos

as confirmam.

No campo

da Estética, tais expetimentosforam feitos,.p. ex. os de Stratton sobre

A posição. do método dos repre-

o significado estético dos movimentos dos olhos, e os meus sobre a teo-

experimental, é frequentementeanáloga à posição do método dos pré -socráticosem relação à Ciência natural moderna». Nada tenho a acres-

ria da percepção interior».

centar a estes factos.

E} Marbe

«vê o significado

da teoria

da

a

. \

HISTORICISMO E FILOSOFIA IDEOLÓGICA O Historicismo toma posição üa esfera dos factos da vida mental, empírica, e situando-a ele em absoluto, sem justamente a naturalizar(tanto mais quanto está certo que o sentido específico da Natureza é alheio ao pensamentohistórico. não exercendo nele influência geralmente determinativa),: vem a surgir

um Relativismomuito afim do Psicologismo naturalísticoe que leva a análogas complicações cépticas.

Aqui, interessa

apenaso que é particular ao cepticismo histolicista, e em cujos pormenores vamos entrar.

Toda a formaçãomental--na acepçãoa mais ampla da palavra, susceptívelde abrangertoda a espéciede unidade social, a começarpelo indivíduo, e também toda e qualquer formação cultural -.-tem

a sua estrutura

intrínseca, o seu

tipismo, o. seu património admirável de formas extrínsecase intrínsecas,que surgemcom a própria corrente da vida mental, transformando-se e originando, elas próprias, com o modo

da transformação,novas diferenças estruturais e típicas. No mundo externo, visível, a estrutura e o tipismo das \:ealizações

orgânicas oferecem analogias exactas; Aqui não há espécies fixas, e estastambém não são estruturadas por elementos orgâ-

nicos fixos. Tudo que parecefixo, é uma corrente da evolução. Se a nossaintuição íntima nos leva a compenetrar-nosda unidade da vida mental, podemos chegar a sentir as motivações que a dominam, e a «compreender»assim também o Ser e a evolução dos respectivos vultos mentais na sua dependência

dos motivos mentais da unidade e da evolução. Deste modo, todo o histórico torna-se-nos «compreensível», «explicável» na 4

50

L

5/

particularidade do «Ser»,que é justamente «Ser mental», unidade de momentos, de intrínseca postulação mútua, de um sentido, e ao mesmotempo unidade da formação e evolução adequada à motivação intrínseca. Deste modo é portanto também possível investigar intuitivamente a Arte, a Religião os Costumes,etc., e bem assim a !deologia que lhes é afim e nelas se exprime, e a que costuma chamar-se Metafísica ou também Filosofia, quando assumeas formas da Ciência, com pretensõesa valor objectivo, à maneiradela. Impõe-se,pois. com respeitoa tais filosofias, a grande tarefa de investigar a sua estrutura

ifiorfológica,

o seu tipismo

e as suas relações

evolucionais,e de levar as motivaçõesmentais qué determinam o seu Ser, à compreensãohistórica, revivendo-asintimamente. O que há de significativo e de realmenteadmirável a realizar a este respeito, revelam-no os escritos de Dilthey, nomeadamente o tratado sobro os tipos ideológicos (1).

Até agora falámos da história, mas não do llistoricismo. Os seus motivos percebem-secom aqmaior facilidade através de alguns períodos da exposição de Dilthey.

Lê-se nela :«Uma

das razõesmais eficientesa alimentar semprede novo o cepticismo, é a anarquia dos sistemas filosóficos» (3). «As dúvidas, porem, que surgiram com a evolução progressiva da consciência histórica,

ultrapassam

em profundidade

a das conclusões

cépticas que resultam da incongruência das opiniões humanas»(4); «A teoria da evolução[qual teoria científica naturalista entrelaçada com a inteligência histórico-evolutiva

das

realizações culturais] relaciona-se forçosamente com a inteli-

gência da relatividade da forma histórica da Vida. O valor absoluto de qualquerforma singula! da constituiçãovital, da

(1

/ungen,

)

Religião é da Filosofia, desvanece-seperante o olhar que abrange a Terra e todos os passados. Assim, a informação

da consciênciahistórica,ainda mais radicalmentedo que o panorama do litígio dos sistemas, destrói a fé no valor geral de qualquer das filosofias que empreenderamexprimir, de made concludente, a continuidade do Universo, numa continuidade de conceitos» (6).

Parece que não há dúvida na vez'dadoque de facto há nestas afirmações. A questão,porém, é de saber se em pr;ncípfo seria justo atribuir-lhes venera/idade. De certo, a Ideologia e a Filosofia ideológica são realizações culturais que, de determinado conteúdo espiritual, motivado pelas circunstâncias históricas existentes,surgem e desaparecemno curso da evolução da Humanidade. Mas assim aconteceutambém com as ciências de rigor. Cgreç.em.pç?4:.8$cl.de valor objectivo.?.,Um historicista:extremistatalvez que o afirme, fazendo lembrar a mudança das opiniões científicas, a anulação de teorias anteriormente consideradas como-provocadas, as divergências terminológicas, quando uns chamam leis seguras àquilo que outros designamcomo meras hipótesesou então, como fantasia vaga. E assim por diante. Será pois verdade que em face desta mudança constante das opiniões científicas não havia razão nenhuma de falarmos de ciênciasnão semente como de realizações culturais, mas como de unidades de valor objectivo? ' É fácil' ver-se que o Historicisiho

consequente

acaba no extremo subjectivismo céptico. Então, as ideias de Verdade, Teoria, Ciência, como todas as ideias, perderiam o seu valor absoluto. Atribuir valor a uma ideia significaria ela ser uma forma intelectual de facto, consideradade valor e determínativa do pensamento,nestede facto do seu valor. Não haveria um valor que meramente ou«em si» o fosse, que o

CÍ. o vol. WeltanschauunÉ, de

W.

Dilthey

PhiZosophie und Religion in Darstal-

e outros(Berlim,

1911).

fosseainda que ninguém o realizassee que nenhumaHumanidade histórica chegassea rçalizá-lo. E portanto também não o

53

52

haveria para o teorema da contradição, nem para a Lógica. aliás já em pleno desenvolvimento,actualmente. Talvez que « princípios lógicos da coerência acabem por transformar-w no seu contrário. . E numa consequência ulterior, nem teriam valor em si todas as afirmações agora formuladas, nem seque as possibilidadesponderadase utilizadas como de valor. E assim por diante. Não é preciso continuar, repetindo consideraçõesque noutro lugar já se discutiram (:). Bastará, para se concordar, que é mister reconhecera diferença e o contraste, por maiores que sejam as dificuldades que a relação entre o valor latente e o valor objectivo, entre a Ciência como reali-

ber ensinamento sobre a verdade das teorias matemáticas; não

zação cultural

lução de qualquer sistema,podem constituir razõese até

e como sistema de uma teoria

/

possa

a Ciência como ideia de valor, que razão haveria ainda para

boas razões. Mias as razões históricas não podem originar senãoresultadoshistóricos. Pretender fundamentar ou refutar

não deixarmos pelo menos em aberto diferenças semelhantes

ideias com

oferecer à compreensão ilustrativa.

l

de valor

Ihe há de ocorrer relacionar a evolução histórica das noções e dos Juízos matemáticos com a questão da Verdade. Como havia, pois, o historiador de decidir sobre a Verdadedos sistemas filosóficos existentes, ou até sobre a possibilidade de uma ciência filosófica, em si de valor? E que havia ele .de fazer para abalar a fé do filósofo na sua ideia, que é a de uma Filosofia I'erdade;ra? Quem nega um determinado sistema, assim como quem nega toda a possibilidade ideal de um sistema filosófico, precisa de apresentar razões. Os factos históricos da evolução, mesmo os mais gerais do modo da evo-

Mas uma vez admitida

entre os valores históricos-- quer a nossa«razão crítica» m entenda,(quernão? A História e toda a ciênciamoral empírica, por si mesmas, nada podem decidir, nem no sentido posiú tivo, nem no negativo, sobre se há que distinguir entre a Religião como realizaçãocultural e como ideia, isto é como Religião de valor, entre a Arte comorealizaçãocultural e a Arte de valor, entre o Direito histórico e o Direito de valor, e finalmente, entre Filosofia histórica e Filosofia de valor; sobre se, platõnicamente falando, entre umas e outras existirá ou não a

factos,

é um

segundo a citação de Kant

contra-senso -- ex pamzce

aquém,

(:)

Por conseguinte, a História não tem argumentos relevantes a opor, nem à possibilidade de valores absolutosem geral, nem à possibilidadede uma Metafísica absoluta, isto é científica, e de outra Filosofia, em especial. Até como História, nunca pode apresentarrazõespara a afirmação de que afé agora não tenha havido nenhuma filosofia científica, -- as suas razões pode ir busca-las apenas a outras fontes de intelec-

relação da ideia para com a. forma turva da sua aparição.

E se é verdade que as realizações intelectuais podem ser con-

(')

Dilthey

(!.

c.,) refuta

igualmente

o cepticismo

historicista}

mas

sideradas e apreciadas sob o aspecto de semelhantes contrastes

eu não compreendocomo ele pode julgar que a sua análise,tão instrutiva

de valor, não é à Ciência empírica que cabe a decisãosobre

da estrutura e do tipismo das ideologias,Ihe haja proporcionadorazões decisivascontra o cepticismo. Pois, como está expostono texto, urna

o próprio valor e sobre os seus princípios ideais, normativ(is.

O matemático também não irá dirigir-se à }iistória para rece-

ciência moral, mas empírica, não pode argumentar nem contra, nem a

favor de algo que pretendater valor objectivo. O casomodifica-se--e parece ser isto que ültimameãte preocupa o seu pensar '

quando a orien-

tação empírica que mira à compreensãoempírica, é substituída pela (')

Vol: l

das minhas

/nvesf;cações

/ógfcas.

orientação

. fenomenológica

que

mira

o Ser.

54

55

ção, e estas parece que já são filosóficas. Pois é claro ainda que a crítica filosófica, desdeque realmentepretendaser de valor, é filosófica, implicando no seu sentido a possibilidade ideal de uma Filosofia sistemática qual ciência de rigor: A afir-

mação aliso/ufa de toda a Filosofia científica ser quimérica. em virtude das tentativas pretendidas no decurso de milénios tornarem provável a impossibilidade intrínseca desta Filosofia. não só é enada, porque não seria boa indução concluir dos poucos milénios de cultura superior para um futuro ilimitado, -- é um contra-senso absoluto como 2 X 2 :: 5. E é-o pela razão aludida. Se a crítica filosófica depara com algo cuja refutação possater valor objectivo, haverá também campo para fundamentaçõesde valor objectivo. Se, porém, se provou que os problemas não foram postos exactamente, deve ser possível acerta-los e deve haver problemas acertados. Se a crítica prova que a Filosofia histórica opera com conceitos confusos, confundindo conceitose sofismas,isto implica -"=quandonão se quer cair em absurdídades--- a distinção, clarificação e diferenciação

premissas que estavam à disposição de um filósofo histórico, podemos

eventualmente

reconhecer

e até admirar

a «Conse-

quência» relativa da sua Filosofia, e por outro lado desculpar as inconsequências com desviaçõesdos problemas e confusões inevitáveis na fase em que naquela altura se encontraram a problemática e a análise dos significados. Podemos estimar como grande obra a solução conseguida de um problema científico que hoje pertence à categoria de problemas fàcilmente dominados

por

um

estudante

do liceu.

Coisas análogas,

há-as em todos os campos- En face disto, mantemosnaturalmente que os princípios até destas valorizaçõesresidem nas esferasideais que o historiador que va/odza, e que não quer limitar-se a compreendermeras evoluções,apenaspode pressupor, não os podendo, porém, motivar como historiador. A norma

matemática

reside na

Matemática,

a lógica -- na

Lógica, a ética -- na Ética, etc. Nestas disciplinas é que teria de procurar as razões e os métodos da motivação, desde que também

na valorização

quisesse proceder

cientificamente.

Se

ela própria, já ofereceos meiosdo progresso,indicando fdea-

a este respeito não há ciências rigorosamente desenvolvidas, então é que ele próprio toma a responsabilidadeda suavalorização, porventura qual personalidade ética ou religiosa

/ffez' os fins e os caminhos certos, e assim, uma ciência de valor

e crente, mas certamente não como historiador

ideal dos conceitos, a possibilidade de se chegar, no campo

dado, a conclusõescertas, etc. Toda a crítica justa, penetrante,

(científico.

a

Se por conseguinteconsideroo Historicismo como uma

insustentabilidadehistórica de uma realização espiritual como facto nada tem com a insustentabilidadeno sentidodo valor; o que, comotodo o expostoaté aqui, tem a sua explicaçãoem

das suas consequênciasabsurdas como o Naturalismo, não quero, na entanto, deixar de acentuar expressamenteque ple-

todas as esferas de valor pretendido:

namente reconheço o imenso valor que á História na sua acep-

O que ainda podo iludir o historicista, é o facto de a compenetração de uma realização do espírito histericamente reconstruída, no seu significado dominante e nas realizações correspondentes da motivação, não nos levar apenas a compreender o seu sentido, mas ainda a apreciar o seu valor rela-

ção mais ampla tem para o filosofa.

tivo. Transpondo-nos porventura assumptivamente paraas

Pois o reinoda Fenomenologia qual teoria do Ser,partindo

objectivo.

Naturalmente

poderia

objectar-se

ainda

que

aberração gnoseológica, tão severamente refutável em virtude

Para ele, a descoberta

do espírito colectivoé tão significativa como a da Natureza. A penetraçãona generalidadeda vida intelectual ofereceuaté ao filósofo um material mais original, e por isso mais fundamental de investigação,do que a penetraçãona Natureza.

'q R

57

espírito individual, estende-se logo ao campo inteiro do esp&'ito geral, e se Dilthey tão impressionantemente salientou

a impossibilidade de a Psicologiapsicofísicaservir de«fundamentodas Ciênciasmorais»,eu diria que a teoria fenomenológica do Ser é a única susceptível de fundamentar uma ff/osof;a do espírito. #

Passamosagoraa meditar o Significadoe o direito da Filosofia ideológica, para a confrontar a seguir com a Filosofia como ciência de rigor. A Filosofia ideológica dos tempos modernos, como já se deu a' entender, é filha do Cepticismo

historicista. Normalmente, este não atinge as ciênciaspositiquais atribui valor real, na inconsequência de todos

os cepticismos. Em confonnidadecom isto, a Filosofia ideológica pressupõe todas as ciências singulares como depósi-

tos de verdades objectivas, e propondo-se Satisfazer, na medida do possível,.. à nossa necessidade de uma intêlecção tenninante e {unifomiizante, universal, considera todas as ciências

singulares como fundamentos seus. Com respeito a isto é que às vezes,ela se chama a si mesma Filosofia científica, pre-

bem que a sua'filosofia não está em condiçõesde pretender rigor científico, e alguns deles pelo menos concordam franca e sinceramente em atribuir pouca categoriacientífica aos seus resultados. Apesar disto, estimam de altíssima valor aquele génerode Filosofia que insiste em ser mais Ideologia do que Ciência, sendo a estima tanto maior quanto maior é o cepticismo com que eles, precisamentesob a influência do Historicismo, encaram a tendência para a Filosofia como ciência de rigor. Eis mais ou menos os seus motivos, que ao mesmotempo definem melhor o significado da Filosofia ideológica. Todas as grandes Filosofias não constituem apenas factos

mas também pelo dos problemas determinativos dos seus fins, dos métodos, e em especial ainda por uma certa harmonia lógica, entre os problemas directivos de um lado, e do outro lado precisamente aquelesfundamentos e méto:ios.' E de facto.

em geral esta designaçãonão se compreendena sua plena gravidade A maioria dos filósofos ideológicos. sente muito

B'

históricos,.mas cabe-lhes ainda uma função teleológica, grande

e até única, na evoluçãoda vida intelectual da Humanidade: a. dg...$}4premaintensificação da::experiência da vida.da cultura, da.sabedoria do seu tempo. Demoremo-nos um instante a esclarecer estêê conceitos.

A expor;êncfa como hábito pessoal é o,.resultado de actos precedentes. no decurso da vida, de d89Íçõ:g"'iiatur'''s 'tcllgàd;iga experientes. ." É essencialmente condicionada pelo modo de a

personalidade, qual determinada individualidade

especial, ser

susceptível da motivação por actos de experiência própria, e bem assim da actuação de experiências alheias e tradicionais na sua maneira de concordar com elas ou de recusa-las. Quanto aos actos de intelecção, abraçados pelo título de experiência.

constituído apenas pelo carácter científico dos fundamentos.

B

podem constituir intelecçõesde todos os génerosde existências naturais, quer simples percepçõese outros actos de uma intelecção directa, visual, ou os actos de pensamento.baseados naqueles, em graus diferentes de elaboração e legitimidade lógicas.

Mas isto não é suficiente.-

Experiências, temo-las

também com respeito a obras de arte e outros valores estéticos; e bem assim de valores éticos, quer baseadasno nosso próprio hábito ético, quer na introspecçãodo hábito ético de

€u

59

58

outrem, e igualmente de bens, utilidades práticas, utili; técnicas. Em resumo, não semente fazemos experiências teóricas como ainda axiológicas e práticas. A análise mostra que estasindicam vivências valorativas e volitivas como basesda visão. Nestas experiências também é que se constroem intelecções empíqcgs ge.uma:.dignidade superior, lógica. Conformemente,o "'ornzíi=êxpênenciaao, ou, como também se diz, o

e relativamente às suas formas maia. qaract.çrísticas é c$im boa

«homem

de uma

culto»

não sòmente tem

uma

experiência

geral do

mundo. como ainda experiênciaou '&culturalõreligiosa,estética, ética, política, prática e técnica,.etc. Entretanto, esta palavra,

1.

realmente

muito

gasta, de cultura,

emprega-se

apenas

razão que se fala não semente da 'Cultura.b -ideolt)gia de uxh

indivíduo determinado, como ainda.das de uma época. Assim sucedeem especial com as formas a esütdar agora. A concepção intelectual da sabedoria, intrinsecamente mais

rica, mas ainda obscura,incompreensívela si mesma,e viva numa grande personalidade filosófica, abre as possibilidades utilização

lógica

e, num

grau

superior

da cultullã,

lçvna

à aplicação do método lógico, formado nas ciências de rigor. E',evidente

que neste grau o conteúdo total

destas ciêncms,

postuladosvalentesdo espírito colectivo que o individuo tem de enfrentar, fazem parte do fundamento de uma culüua ou

para designaras formas relativamentesuperioresdo hábito descrito,visto existir ainda o termo contrário de incultura.

ideologia valiosas. itO

Às valorizações

utilização intelectual dos motivos vivos e por isso mais convin-

particularmente

antiquada de sabedoria(do

elevadas .referem-se

a palavra

Mundo e da Vida), e geralmente

desdobramento

lógico e a restante

centesda cultura da época,além da sua noção,.recíprocaunifi-

também o termo agora popular de ideiassobre o Mundo e a

cação científica e consequente perfeição dos resultados assim

Vida,

Teremos de considerar a sabedoria ou a -ideologia neste sentido como componenteessencialdaquele hábito humano mais valioso ainda, que adivinhamos na ideia da virtude perfeita e que designaa virtude .habitual em relação a todas as

obtidos, e de novas visõese intelecções,levam a uma ampli' ficação e intensificação extraordinária da sabedoria originalmente incompreendida,./ Nasce uma f;/osof;a idem/ógicaque nos grandes sistemasrespondecom a máxima perfeição relativa aosproblemasda Vida e do Mundo, levando do melhor

orientações possíveis' de $àsiçõés humanas, no sentido da inte-

modo possível à solução e ao esclarecimento satisfatório das

lecção, valorização e }lglição.. Pois evidentemente corresponde

discrepâncias teóricas, axiológicas, práticas da Vida que a expe-

ou simplesmente

/deo/ogia.

a esta virtude a capacidade,.bemformada do. raciocínio sobre os libjdeüvoélde tais ambiente, os valores, os bens, os efeitos etc*.,.ou.então, a capacidade da justificação expressadas posiçõestomadas. Isto, porém, pressupõe a sabedoria e pertencetambém às suas formas superiores. A sabedoria ou a ideologia neste sentido determinado, emboraimplicador de uma multiplicidade de tipos e graduações de valor, não é, como não será preciso pormenorizar, mera

realização da personalidade singular, que aliás não passaria de uma abstracção; pertence à comunidade cultural e à época,

riência, a sabedoria, as meras opiniões sobre o Mundo e a Vida só muito imperfeitamente podem vencer. Mas a vida intelectual

da Humanidade com a sua plenitude de formação, lutas ante: lectuaís, experiências, valorizações e finalidades sempre novas,

continua; o horizonte amplificado da vida, em que entram todas as novas realizaçõesmentais, fazem com que se modifiquem a e:ttltura, a Sabedoria, a J4ãei3logia, e a Filosofia, subindo a cumes cada vez mais altos.

Condicionado o valor da filosofia ideológicae implicitamente a aspiraçãopara ela, primeiro pelo valor da sabedoria

L

r

É

e da aspiraçãopara ela, já não é muito necessáriaa ponderação da sua finalidade.l E' que na acepçãolata do conceitoda

todas as suas:disciplinas deve tornar-se uma potência sumamente significativa para a Cultura, um foco das mais valiosas

sabedoria que adoptámQ9,ela exprime uma componente essen. cial do ideal da\éfic;ênêia' perfeita atingível em conformidade

energias informativas

com a fase respectivada vida da Humanidade, ou, com outras palavras, de uma matização relativamente concreta da ideia da llumanidade.

É portanto

..dar(2:.quç.3

todos.

s.ç.impõe

para as mais valiosas personalidades coe-

tâneas. 't ePxv'-Bn+f'o +

serem

personalidades da"-xnaioi-eficiência-.bóssívei 'êiH'todos os sen-

tidos fundamentaisda vida, correspondentes por seu lado aos génerosfundamentaisde posiçõespossíveis,e terem a maior

Feita plena justiça aos altos valores da filosofia ideológica, poderia parecer que nada devia impedir-nos de recomen-

«experiência», «sabedorialDe portanto. também o maior «amor

dar fncondicfona/mente a aspiração pára uma tal filosofia. Todavia, talvez seja possível demonstrar que, .com respeito

da sabedoria2p possíveis,em qualquer destessentidos. Idealmente, todos os homens diligentes são forçosamente«filósofoub

na acepçãomais original d3 palavra. As reflexõesnaturais dobreos melhorescaminhos de atingir o objectivo alto da Humanidade e implicitamente da sabedoria perfeita, leveqrqm,Xçol(l:ljU:adido, à teoria da arte de ser homem virtuoso

ou :êlicilllliti1l.ÉBêfinida,

como .geralmente o é, como

nomeadamente dos de uma c;ência f;/osóffca.

llá-de conside-

rar-seo seguinte. A nossameditaçãoparte da cultura científica da nossaépoca, que é uma época propícia para poderosas forças de ciências objectivadas de rigor. . Na consciência

o mesma significado. Pois a acção conseqüehténiedteêficiénte

moderna, as ideias de Cultura ou Ideologia e Ciência, na acepção de ideias práticas, são rigorosamente distintas e ficam-no

a'que se"refere,reconduz ao carácter virtuoso e prático, e este tem por base a perfeição habitual no sentido axiológico e intelectual. A aspiração para a perfeição, por seu lado, tem por

de aqui para toda a etem.idade. Podemos lastima-lo, mas devemosaceita-lo como facto contínuo que tem de determinar correspondentemente as nossasposiçõespráticas. As

base a ânsia da sabedoria omnilateral.

filosofias históricas foram certamente filosofias ideológicas,

teoria da arte da acção justa, aquelateoria

1,!

à ideia da Filosofia, ainda restam outros valores, e sob cezfos aspectos superiores, aos quais há-de satisfazer-se. Trata-se

tem eXi4enl;çmçnte

Materialmente,

esta

res, nas Ciências,nas Artes, na Religião, etc., que todos os indivíduos actuantes têm de reconhecer como su$er=liubjecüvos e obrigatórios.' E a ideia desta sabedoriae virtude perfeita, é ela própria,:um valor supremo. Naturalmente,esta teoria da arte ética, quer popular, quer científica, cabe tam-

desde que o impulso da sabedoria dominasse os seus autores; mas foi precisamenteigual o seu carácter de filosofias científicas, desde que os animasse o objectivo da ciência de rigor. Ambos os objectivos, ou ainda não estavam distintos de maneira alguma, ou a sua distinção não era muito rigorosa. Nas aspirações práticas, confundiram-se, e também

bém no quadro de uma filosofia ideológica que, um.a vez sur-

eram finitos,. por mais alto que os julgassem os interessados.

gida da consciênciacolectiva da sua época,e impondo-seao indivíduo com o vigor convincentedo valor objectivo, com

Isto modificou-se radicalmente com a constituição de uma un;versÍfas eterna de ciências de rigor. Seguem-se as gera-

disciplina remete quem a pretende aos diversos grupos de valo-

b.

62 Cães que ' continuam

a trabalhar

entusiásticas

na construção

poderosa da Ciência, integrando nela as suas contribuições modestas, sempre conscientes de esta construção ser imensa e jamais poder ser concluída., A Ideologia também é uma «ideia», porém de objectivo finito, realizável em princípio,

numa vida individual, em contínuaaproximação,tal coma a moralidade,que perderiao seu sentidose fossea ideia de um infinito,

em princípio

transfinito.

A«ideia>p

da Idem-.

logra é diferente em.cada época,como o evidenciaa análise do seu conceito, que atrás se fez; a «ideia» da Ciência, pelo contrário, é eterna, o que aqui significa que não é limitada em qualquer

relação

ao espírito

de uma

época.

Com

estas

distinções relacionam-se outras, essenciais,de finalidades práticas.

É próprio dos objectivos da nossa vida serem duplos,

temporais uns e eternos outros, servindo uns à nossa própria perfeição e à vida dos nossoscontemporâneos, e outros ainda à perfeição dos vindouros,até às geraçõesmais futuras. A Ciência é um título de valores absolutos, eternos. IJma vez desco-

l

berto, cada qual destesvalores acaba por fazer parte de foda a Humanidade vindoura. determinando já evidentemente o conteúdo material da ideia da Cultura, Sabedoria,Ideologia, bem como o da filosofia ideológica.

Distinguem-se, pois, rigorosamente a Filosofia ideológica e a científica, como duas ideias de certo modo correlacionadas, 1:

mas inconfundíveis. É de considerar também que a primeira não é a realizaçãotemporal porventura imperfeita da segunda. Pois se a nossa concepçãoé certa, ainda não existe nenhuma realização daquela ideia, isto é nenhuma filosofia actualmente em acção,qual ciênciade rigor, nenhum«sistemadoutrinal» que, embora imperfeito, se haja apresentado objectivamente no

espírito uniforme da comunidadedos investigadorescontemporâneos. Por outro lado, já tem havido Filosofias ideológicas desde há milénios.

Todavia pode dizer-se que as realiza-

por ambas) se aproximariam assimptõticamente e coincidiriamno infinito, desdeque nos representássemos o infinito da Ciênciacomo fictício, qual ções destas ideias (supostas

a

«ponto infinitamente distante». Seria preciso entender o con-

ceito da Filosofia numa amplitude correspondente,de sorte que além das ciências especificamente filosóficas abraçasse todas as ciências singulares, depois de transformadas em filo-

sofias,pela elucidaçãoe exploraçãocrítica da Razão. A concepçãodas duas ideias distintas como conteúdosde objectivosda vida, torna possívelopor à aspiraçãoideológica uma aspiração investigadora inteiramente diferente, que, embora plenamente cânscia de a Ciência nunca chegar a ser criação perfeita do indivíduo, não deixa de empregaras máximas energiasem colaborar na realização e na evoluçãoprogressiva de uma filosofia científica. .A grande questãoda actualidadeé, alémda distinçãonítida, a valorizaçãorelativa destesobjectivos e implicitamente a da sua compatibilidade prática. Admita-se

de antemão que não há decisão geralmente

aceite e prática possívelem favor de um ou outro génerode filosofar, sob o aspecto dos indivíduos filosofantes. Nuns, predomina a tendência teórica, a inclinação para a investigação rigorosamentecientífica, desde que o campo que os atrai se llxes afigure propício para ela. E pode sucederque o interesse,,e até o interesse apaixonado por este campo tenha a sua origem em necessidadesafectivas, porventura ideológicas. O caso é, porém, diferente, quando se trata de índoles práticas (artistas, teólogos, juristas, etc.). Estes vêem a sua voca-

ção na realização de ideais estéticos ou práticos, e portanto extra-teóricos. Contamosentre eles também os investigadores e escritores teológicos, jurídicos, técnicos na acepção mais lata do termo, desde que os seus escritos não se proponham

adiantar a teoria, mas sim, influenciar em primeiro lugar a prática. Contudo, a distinção não é inteiramente nítida, na

n

própria realidadeda vida; e precisamentenuma épocaem

tisse a Ciência, ainda que se suponha que.ele já conhecesse a

que os motivos

ideia de uma ciência de rigor. Ora, por outro lado, toda a Ciência, até a mais exacta,ofereceum sistemadoutrinal de desenvolvimentoapenaslimitado, circundado pelo horizonte infinito de uma ciência que ainda não chegou a ser realidade. O que haverá de ser o objectivo justo deste horizonte, o desenvolvimento ulterior da doutrina

práticos

surgem preponderantes,

as índoles

teóricas poderão ceder ao vigor destes motivos mais do que admitiria a. sua vocaçãoteórica. Aqui, porém, é que reside especialmente

um

grande

perigo

para

a Filosofia

da nossa

época.

A questão não se põe, porém, apenas sob o aspecto do indivíduo, mas do da Humanidade e da História, desdeque se considereo que significaria para a evoluçãoda Cultura, para a possibilidade de uma realização contínua e progressivada ideia eterna da Humanidade -- e não do indivíduo humano-. a preponderânciade um ou outro sentido,na decisãoda questão, ou por

outras

palavras,

o domínio

exclusivo

na época.

da tendência para um. destes géneros de Filosofia, que levaria

a outra -- p. ex. a tendência para a Filosofia científica -- a des-

vanecer-se. Isto também é uma questãoprática. Pois as nossas influências históricas e portanto também as nossasresponsabilidades éticas chegam até às maiores amplitudes do ideal ético, até àquelas que a ideia da evolução da Humanidade indica. Não há dúvida sobre o modo como esta decisão se afigurara a uma índole teórica, se já existissem inícios indubitáveis de uma doutrina

filosófica.

Consideremos

as outras ciências.

Toda a «sabedoria»e doutrina de sabedoriamatemáticaou naturalista, que tem a sua origem na Natureza, deixou de ser legítima na medida de o fundamento da doutrina teórica correspondente ter valor objectivo.

A Ciência pronunciou-se.

rigorosa, ou a «intuiçãolP, a «sabedoriaxb? O Homem teórico, o naturalista por vocação, não hesitará na sua resposta.

Quando é possível a Ciência pronunciar-se, ainda que leve

séculospara ela chegara isso, ele refutará com desprezoas «intuiçõeslõ vagas. Julgaria pecar contra a Ciência, se reco-

mendasseque se projectassem «intuiçõess$da Natureza. .Certamente, defende assim um direito da humanidade futura. As

ciênciasde rigor devem grande parte da sua grandeza,da continuidade e do vigor da sua evolução progressiva,precisamente a semelhante radicalismo mental. Certamente todos os investigadores exactos chegam a «intuições», transcendendo o firmemente fundamentado, na contemplação, divinação e suposição; mas apenas com o intuito metódico, para projectarem novas partes de uma doutrina de rigor. Esta posiçãonão exclui o grande papel que a experiência no sentido pré-científico desempenha dentro da técnica das Ciências naturais, embora relacionada com as intelecçõesda Ciência, como o próprio natu-

ralista não o ignora. Impõe-se'.realizaras tarefastécnicas e construir as máquinas, não se pode esperar até que a Ciência natural possa proporcionar informações exactas sobre

agora cabe à sabedoria apreender; A aspiração à sabedoria das Ciências naturais, anterior à existência da ciência de rigor não foi ilegítima, e não é desacreditadaposteriormente em rela-

todos os pormenoresde interesse. Por isso, a decisãodo

ção à épocasua contemporânea.Nos apertosda Vida, na necessidade prática de tomar posição,o Homem não pede esperar até que -- porventura milénios mais tarde-- exis-

proporciona-lha a Vida.

técnico, qual homem prático, não é a mesma que a do teórico naturalista.

Este, oferece-lhe a doutrina, e a «experiência»,

Não é precisamente assimque acontececom a Filosofia científica, visto nem sequer se ter chegado ainda à elaboração 5

Y de um início de doutrina de rigor científico, e a Filosofia que a defende,a história e tradicional tanto como a que estáeu evolução viva, não passar, quando muito, de um produto científico não acabado,ou de uma mistura indistinta de idem. logra e intelecçãoteórica. Por outro lado, infelizmenteaqui também não se pode esperar. Vence-nosa necessidadefilosó. fica qual necessidadeideológica,que não deixa de aumentar com o aumento do âmbito das ciênciaspositivas. A plenitude enorme de factos cientificamente exp/fcados que estas nos oferecem, não pode auxiliar-nos, visto que em princípio, com todas as ciências, trazem consigo uma dimensão de problemas cuja solução se nos torna uma questão vital. As Ciências natu: raia não nos explicaram nem um único ponto da realidade actual, que é aquela em que vivemos, agimos e existimos.

A crença geral de ser esta a função delas, e de apenas ainda não estarem suficientemente

desenvolvidas, a' opinião de -- em

princípio -- serem capazesdisto, revelaram-se ilusórias àqueles que penetraram mais fundo. A distinção necessáriaentre a Ciência natural em princípio

e a Filosofia

(qual ciência de tendência

diversa da Ciência natural,

embora

essencial-

mente relacionada com ela, em alguns campos) está em vias de se impor e de se esclarecer. No dizer de Locke: «Calcular o curso do Mundo não significa compreendê-lo». Porém, as Ciências morais não nos são propícias.

«Compreender»

a vida intelectual da Humanidade é certamente algo de grande e belo. Mias infelizmente esta compreensão também não pode auxiliar-nos, e não deve confundir-se com a compreensãofilosófica destinada a revelar-nos os enigmas do Mundo e da Vida. O mal intelectual do nossotempo tornou-se de facto insu-

havia de ser considerado como um tal Ser «absoluto». e sobre se este seria de todo inteligível. É antes o mais radical mal v;fa/ aquele de que sofremos e que atinge todos os pontos da nossa vida.

Toda a vida é tomar posição, e todas as posições

que se tomam estão sujeitas a postulados, à decisão sobre o valor e o desvalor, segundo normas absolutas que se preten-

dem. Enquanto ç?tas normal..!jcaram incontestadas.não ameaçadas e escarnecidaspelo cepticismo, havia apenas uma

questãovital, a da melhor maneira da sua satisfação prática. Mas que será agora, que todas e quaisquer normas são contes-

tadas ou falsificadas empiHcamente e despidas do seu valor ideal --? Os adeptosdo Naturalismo e do Historicismo lutam pela ideologia, e contudo uns e outros concorrem, sob aspectos diversos,para interpretar as ideias como factos, e para transformar toda al realidade, toda a vida numa mistura incompreensível ..de.«factos»l.sem é comum a todos eles.

.ideias.

A superstição

dos factos

Não cabe dúvida de que não podemosesperar. Devemos tomar

posição, esforçar-nos

por acordar

numa

H

«concepção»

razoável,emboranão científica,do Mundo e da Vida, as .desarmonias que há na nossa posição perante a realidade da

Vida que tem importância para nós, e em que se nos impõe tomar posição. E se nisto o filósofo ideológico nos pode auxiliar, não Ihe havíamos de ser gratos?

portável. Não é apenasa incertezateóricado sentidodas

Apesardg muita verdadeque haja naquilo que acabade ser objectado, e da pena que tivermos em renunciar à eleva. ção.e edificação que as Filosofias antigas e modernas nos oferecem,não se pode deixar de insistir, por outro lado. em ficarmos cônscios da responsabilidade que temos perante a Huma-

«realidades>õ investigadas nas Ciências naturais e morais, a perturbar o nosso sossego-- a incerteza sobre se nelas se chegou à intelecção de um Ser no sentido extremo, sobre o que

da actualidade e não devemos,para atenuar o nossomalestar. legar à'posteridade males e mais males que acabariampor

nidade. Não devemosabandonara eternidade,por amor degenerarnum Mal inexterminável.Aqui, o mal provémda

H

BI

68

ção ideológica, prática, como ciência teórica, dist:inguindo-se

firmes todos os dados oferecidos pelas ciências especiais de rigor, e também não deixaria de aplicar métodoscientíficos, e muito gostosamenteaproveitar-se-ia de .todas as possibilidadesde um progressorigorosamentecientífico dos problemas filosóficos. Apenas que, contrária à timidez metafísicae ao cepticismo da época anterior, não deixaria de abordar audaciosamente ainda os supremos problemas metafísicos, para atingir o objectivo de uma Ideologia harmànicamentesatisfatória para o intelecto e para o sentimento, conforme à situação da época. Desde que a isto se atribui o carácter de uma mediação destinadaa apagar a linha divisória entre a Filosofia ideológicae científica,devemosprotestar. SÓpoderialevar a afrouxar e enfraquecer o impulso científico e a favorecer uma literatura pseudo-científicaque carecessede sinceridadeintelectual. Aqui não há compromissos,tão pouco como os não há em qualquer outra ciência.. Não poderíamos contar mais com resultados teóricos, quando o impulso ideológico chegassea ser omnipotente, iludindo também as índoles teóricas, pelas suas formas científicas. Desde que durante milénios os maiores espíritos científicos dominados pela paixão e vontade da Ciência,não chegarama nenhum rudimento de doutrina pura, na Filosofia, e desdeque o grandioso que realizaram, embora numa maturaçãoimperfeita, o não realizaram senãolevados por esta vontade,os filósofos ideológicosnão poderãojulgar que de passagemlhes seja possível adiantarem e definitivamente fundamentaremuma ciência filosófica. Com o seu objectivo limitado e com a ambição de um sistema obtido em

dela com plena consciência. Pode ser que os advogadosda

tempos para ainda poderem viver segundo os seus preconceitos,

nova Filosofia ideológica objectem que ceder a esta não signifi-

não têm competênciaalguma pára isto. O que aqui se impõe é ùnicamenteque a própria Filosofia ideológicarenuncie,em plena' sinceridade, à pretensão de ser ciência, e que deixe ao mesmotempo de confundir os espíritos e de impedir o pro-

Ciência. Mas a Ciência é a única capaz de vencer definitivamente o mal que dela vem. Se a crítica ceptiéista dos adeptos do Naturalismo e do llistoricismo acaba pór dissolver o autên. tico valor objectivo

em todas as postulações, num Contra-

-senso,-- se a compreensãoda realidade,e a possibilidadede uma posição razoável perante ela são obstruídas por conceitos vagos, dispares, embora naturais, da reflexão, e por proble-

mas ambíguos ou reversos, que destes derivam, -- se o hábito de uma orientação

metódica,

especial, mas também

necessária

para uma grande categoria de ciências,acaba por degenerar na incapacidadede passarpara outras orientações,e se com semelhantes preconceitos se relacionarem ábsurdidades aflitivas da concepçãodo Mundo: -- então é que há só um remédio contra estes males e todos os seus semelhantes: a crítica científica

e, a acompanha-la,

uma

ciência

a partir

das bases,

seguramente fundamentada e progressiva segundo o mais rigoroso

método -- aquela

ciência

filosófica

que aqui

defen-

demos. As Ideologias podem entrar em disputas, só a Ciência

é que pode trazer decisões,e estassão eternas. 8

Sejaqual for a orientaçãoda nova viragemda Filosofia, não cabedúvida de que ela não devedesistirde querer ser ciência de rigor, e que antes deve opor-se à aspira-

caria forçosamenteabandonar a ideia de uma ciência de rigor, -- que a verdadeira Filosofia ideológica não sòmentehão deixaria de ser científica na fundamentação,utilizando como ele-

31.

.#

M

#l

M

7/ n

r

gressoda Filosofia científica, o que é certamente contrário à

vida. A verdadeira Ciência não sabe de nenhuma profundeza

pureza das suas intenções.

até onde chegara sua doutrina real. Todo o fragmentode Ciência acabadaconstitui uma totalidade de passosintelectuais, cada qual directamenteinteligível e portanto contaminado pela profundeza. Esta é que cabeà sabedoria;à teoria

Que o seu objectivo ideal continue a .ser a Ideologia que, precisamentepor essência,não é Ciência. Nisto, ela não deve admitir que a desconcerteaquelefanatismo da ciênciademasiado divulgado no nosso tempo, e que depreCia como «não

de rigor é que cabe a nitidez e clareza de conceitos. Na transformação das divinações da profundeza em formações incon-

científico» tudo que não seja demonstrável com «exactidão

científica». A Ciência é um valor entre outros, equivalentes. Já esclarecemos que o valor da Ideologia suf gemer;s estáplenamente assegurado,que ela deve ser julgada como hábito e

fundíveise racionais,é que consisteo progresso essencial da

realização da personalidade individual,

esperarque a Filosofia passaránas disputas actuais da face da profundeza para a da clareza científica, como aconteceu

constituiçãonova de Ciênciasde rigor. As Ciênciasexactas também passaram por extensos períodos de profundeza e ouso

mas que a Ciência

deve ser apreciada como realização colectiva das geraçõesde

F

l

investigadores. Ambas, distintas pelas origens do seu valor. distinguem-se também pelas suas funções e pelos modos da sua actuaçãoe doutrinação. A doutrina da Filosofia ideológica é igual à da sabedoria,ministrada por uma personalidade a outra. Correspondeao estilo de$fa filosofia sementepermitir que o público seja doutrinado por aquelesque têm competência em virtude de uma índole e sabedoriaprópria, particularmente significativa, ou também por servirem altos interesses, religiosos, éticos, jurídicos, etc. A Ciência, porém, é impes-

a aquelas nas controvérsias renascentistas. Para isto precisa apenas de ser verdadeiramente consequente e conscientemente

soal.

O .seu 'colaborador

não. precisa

da sabedoria,

enérgicaao.dirigir-se aos seusobjectivos, com todas as forças científicas disponíveis.

Chamam à nossa época decadente.

Não possoconsiderarjustificada estacensura. Não seráfácil encontrar na História outra épocacom tantas forças laboriosas em movimento,e a trabalhar com tanto êxito. Podeser que nem sempre aprovemos os objectivos, e que lamentemos que em épocasmais sossegadas,de vida mais cómoda, tenham

mas sim.

desabrochado flores como não as podemos encontrar nem

do talento teórico. A sua contribuição destina-sea um património de valores eternos,que deve ser profícuo para a Huma-

esperar na nossa. Contudo, ainda -que as pretensões e reivin-

nidade. É este, porém, o caso da Ciência filosófica, num grau extremo, como atrás se viu.

mais sensível à beleza ingénua do espontâneo -- : que valores imensos não residem na esfera da vontade, desde que as gran-

SÓdepois de se ter imposta na consciênciada época,a distinção decidida das duas Filosofias, é que a Filosofia é susceptível de assumir a forma e linguagem de uma ciência autêntica e de reconhecercomo imperfeita aquilo que muitas vezesnela se.louva ou até imita -- a sua profundeza. Esta é um'indicia do caos que pretende transformar a Ciência:-autênticanum

des vontades não deixam de encontrar os objectivos adequa-

cosmos,numa ordem simples,completamenteclara, dissol-

dicaçõesda nossa épocarepugnemao sentido estéticomuito

dos! Seria, porém, muito injusto para com a nossa época atribuir-se-lhe a vontade do inferior. Quem souber despertar

a fé, a compreensão e o entusiasmoda grandezade um objec tive, fàcilmente encontrará as energias que para ele convergem.

Á

Eu acho que a nossaépocaé grandepor vocação,-- ela sofre apenas do cepticismo que corrompeu os ideais antigos e não

73

esclarecidos. E por isso mesmo é que ela sofre da escassaevolução e potência da Filosofia ainda não suficientemente adian-

deve descansarantes de ter chegado aos seus inícios, isto é aos seus problemas absolutamente claros, aos métodos delineados

tada, científica, para poder vencer pelo verdadeiro positivismo aquele negativismo céptico (que se chama Positivismo).

no próprio sentido destesproblemas, e ao campo ínfimo da laboração de coisas de apresentação absolutamente clara. Sòmente, nunca se deve renunciar à independência radical de preconceitos,-- sendo, pois, mister deixar-se de identificar de antemão semelhantes