Teoria da Relatividade Especial
 9788521216193, 852121619X

Table of contents :
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Capitulo 1 - Em busca do espaço absoluto
Capítulo 2 - Postulados da teoria da relatividade especial
Capítulo 3 - A transformação de Lorentz
Capítulo 4 - Mecânica relativística
Capítulo 5 - Formalismo no espaço-tempo
Capítulo 6 - Relatividade e eletrodinâmica
Capítulo 7 - Teoria da relatividade geral

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2@ edição

TEOHA DA ==LATIVIDADE =SEDECIAL

R. GAZZINELL

Teoria da relatividade especial

Teoria da relaTividade especial

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Teoria da relatividade especial

Teoria da relatividade especial

RAMAYANA GAZZINELLI Professor Emérito Universidade Federal de Minas Gerais

TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL 2ª Edição

www.blucher.com.br

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Teoria da relatividade especial

© 2009 Ramayana Gazzinelli 2ª edição – 2009 É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora EDITORA EDGARD BLÜCHER LTDA. Rua Pedroso Alvarenga, 1245 - 4º andar 04531-012 – São Paulo, SP – Brasil Fax: (55_11) 3079-2707 e-mail: [email protected] site: www.blucher.com.br Impresso no Brasil

Printed in Brazil

ISBN 978-85-212-0488-6 Conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

FICHA CATALOGRÁFICA Gazzinelli, Ramayana Teoria da relatividade especial/Ramayana Gazzinelli – 2ª ed. – São Paulo: Editora Blucher, 2009. Bibliografia ISBN 978-85-212-0488-6 1. Relatividade especial (Física) I. Título

09-01427

CDD-530.11

Índices para catálogo sistemático 1. Teoria da relatividade especial: Física 530.11 2. Teoria da relatividade restrita: Física 530.11

Teoria da relatividade especial

conteúdo 1

da 2ª edição.........................................................................................VII Siglas...................................................................................................................IX Prefácio

de Mach .................................................7 de Fizeau..........................16 da 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. Em 1.6. 1.7. busca Referências Princípio Aceleração Teoria A Aberração velocidade experiência doeletromagnética espaço dada absoluta inerciais..................................................................................1 relatividade luz de absoluto..............................................................................1 luz Michelson das..................................................................................11 eestrelas princípio dedeMaxwell..........................................................8 Galileu..........................................................4 e eMorley.....................................................12 experiência

Notas.........................................................................................................18 Problemas.................................................................................................23

2

do Postulados 2.1. Contração 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. Postulados Simultaneidade.........................................................................................27 Relatividade Dilatação da teoria do deda tempo comprimento.....................................................................33 Einstein da simultaneidade...............................................................28 relatividade ..................................................................................28 ............................................................................25 especial...................................................25

Notas.........................................................................................................36 Problemas.................................................................................................37

3

de do develocidades...............................................................47 3.2. 3.3. 3.5. 3.6 3.7 3.1. 3.4. A transformação Dilatação Contração Transformação Efeito O A Diferença transformação modelo Doppler..........................................................................................49 do do detempo Big sincronização comprimento.....................................................................43 Lorentz..............................................................................39 das Bang..............................................................................53 ..................................................................................43 Lorentz....................................................................40 de relógios...................................................45

Notas.........................................................................................................55 Problemas.................................................................................................58

4

4.2. 4.3. Mecânica 4.1. Energia......................................................................................................64 O Conservação efeito relativística.........................................................................................61 Compton.....................................................................................70 do momento .......................................................................61

4.4.

Produção e aniquilação de pares elétron-pósitron.................................72

v

vi

Teoria da relatividade especial

4.5. Movimento de uma partícula em campo magnético...............................73 4.6. 4.7. Reações O efeito Cherenkov..................................................................................77 nucleares e estabilidade nuclear..............................................74

5

Notas.........................................................................................................78 Problemas.................................................................................................79 de noconservação dee momento-energia da transformação de 5.5. 5.6. 5.7. 5.8. 5.9. 5.10. Formalismo 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. Quadrivetores...........................................................................................87 Quadrivetor A Interpretação Vetores......................................................................................................81 Eventos Cone O lei modelo eluz...............................................................................................84 espaço-tempo............................................................................81 do intervalos.................................................................................82 velocidade............................................................................89 momento..............................................................................90 força.....................................................................................94 Big geométgrica Bang o cone de luz....................................................86 e decaimento de Lorentz......................95 nuclear........92

6

Notas.........................................................................................................97 Problemas.................................................................................................98 de Maxwell........................................102 do 6.5. 6.6. Relatividade 6.1 6.2. 6.3. 6.4 6.7. 6.8. O Tensores..................................................................................................106 Formulação Forma Equação Potenciais Transformação Campo campo ediferencial de eletrodinâmica..........................................................................101 de eletromagnético......................................................................109 uma continuidade covariante campo do partícula das campo eletromagnético..................................................105 equações ..........................................................................101 carregada ......................................................................102 eletromagnético em movimento sob umauniforme.............113 TL ......................111

7

Problemas...............................................................................................116 deo Mercúrio.............................................................133 do tempo..........................................................126 7.7. 7.6. Teoria 7.1. 7.2. 7.3. 7.4. 7.5 Os Avanço Princípio Curvatura Dilatação O da“peso” buracos relatividade doda da gravitacional da do periélio negros luz.......................................................................................127 equivalência.......................................................................120 luz espaço-tempo geral.............................................................................119 num e campo tempo ..................................................................130 ................................................................134 gravitacional..........................................124

Notas.......................................................................................................136 Bibliografia........................................................................................................143 Constantes Problemas...............................................................................................139 úteis...............................................................................................141

Índice remissivo................................................................................................145

Teoria da relatividade especial

prefácio da 2ª edição A teoria da relatividade especial (TRE), mesmo não fazendo parte dos currículos atuais como disciplina autônoma, tem um papel relevante na formação do físico, do químico teórico e mesmo do engenheiro que se especialize em alguns ramos moder nos da engenharia, não só pelo que ensina de novo, mas sobretudo por causa de seu modo abstrato e não intuitivo de analisar os fenômenos. Por esta razão decidiu-se publicar a segunda edição deste livro, que pouco difere da primeira. Foram apenas modificados poucos trechos e figuras para tornar a expo sição mais clara, corrigidos pequenos erros de impressão e feita uma revisão ortográ fica conforme o acordo ortográfico da língua portuguesa. Este livro se destina principalmente a estudantes de graduação em física. A mate mática exigida do leitor é o cálculo diferencial e integral dos primeiros anos do curso universitário e noções básicas de cálculo matricial. A TRE tem sido ensinada, às ve zes, de forma introdutória, já no início do curso de física na universidade e, por isso, é difícil estabelecer um ponto de partida que convenha a todos os estudantes. Este texto foi escrito supondo que o estudante não tenha tido contato prévio com a teo ria, e a expectativa do autor é que ao terminar o livro, ele compreenda os principais conceitos e consiga um domínio razoável dela. Recomendamos que o estudante resolva os problemas distribuídos ao longo do texto, exatamente quando chegar a eles, porque seu objetivo é consolidar os con ceitos aprendidos até aquele ponto. Quanto aos problemas de fim de capítulo, evi tamos os repetitivos e os que se apresentam como paradoxos, que são, em geral, de resolução muito difícil. Acreditamos que poucos problemas resolvidos com uma boa reflexão ensinam mais do que muitos problemas resolvidos mecanicamente. Demos as respostas de alguns problemas a fim de que o estudante, comparando sua resposta com a do livro ganhe confiança no aprendizado; mas, não de todos, para que o domí nio da teoria fique mais seguro. Não é fácil ser original na criação de problemas de teoria da relatividade, tantos são os apresentados em livros didáticos existentes, em formas às vezes, apenas li geiramente diferentes. Por isso, muitos dos problemas deste livro foram inspirados pelos dos livros citados na bibliografia e, algumas vezes imitaram-nos. Procurei ser seletivo de modo que todos os conceitos fossem de alguma forma envolvidos, que o nível de dificuldade fosse adequado ao texto e que não houvesse muita repetição. O texto foi escrito de maneira sucinta para que possa ser utilizado em disciplina semestral, trimestral, ou mesmo bimestral, por uma escolha judiciosa dos assuntos (capítulos). O sexto capítulo pode ser abandonado se os estudantes não tiverem es tudado antes a teoria eletromagnética de Maxwell.

vii

viii

Teoria da relatividade especial

Albert Einstein criou duas teorias da relatividade: a TRE e a teoria da relativida de geral (TRG). A TRG, apesar de ser uma ferramenta teórica indispensável apenas para astrofísicos e cosmologistas, desperta um interesse geral por ser uma teoria de gravitação que substitui a de Newton e também porque a cosmologia é hoje um dos campos mais ativos e fascinantes da ciência. A TRG exigiria, porém, um instrumental matemático mais completo e é abordada apenas superficialmente no último capítulo, do ponto de vista de um físico experimental, isto é, de seus fundamentos empíricos e das experiências que a testam. É opinião do autor que a teoria da relatividade pode ser utilizada numa discipli na de história da ciência como um bom exemplo do desenvolvimento de uma teoria física, em virtude da qualidade da informação disponível sobre sua formulação: os conflitos existentes na física clássica no fim do século XIX, as tentativas de solução desses conflitos, a dificuldade de aceitação da nova teoria e finalmente sua compro vação – ou, pelo menos, sua não-reprovação – pelo imenso número de testes experi mentais. Procurou-se, por isso, enriquecer o texto com notas históricas relativas ao desenvolvimento da teoria e aos cientistas envolvidos. Numa disciplina de história da ciência ou de evolução das ideias da física, os três primeiros e o último capítulos podem ser usados com proveito; o quarto parcialmente. Agradeço aos colegas Alaor S. Chaves e Márcio Quintão Moreno que dedicaram parte considerável do seu tempo à revisão científica do texto e fizeram muitos co mentários críticos que foram aproveitados. Sou grato ainda à produtora Cleide Ma ciel, responsável por essa segunda edição, a Luiz Vicente Vieira Filho, pela excelente revisão do texto e, também, a Carlos Lepique e a todo quadro técnico de editoração da Editora Blucher, pela competência e presteza com que ajudaram este livro chegar a sua forma final. Gostaria ainda de expressar minha gratidão ao Departamento de Física, do Insti tuto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde desenvolvi toda minha vida científica, e que agora, depois de minha aposentadoria, tem me aco lhido. Foi o convívio com antigos e novos colegas que me permitiu levar a termo o projeto de escrever este livro.

R. Gazzinelli Belo Horizontes, fevereiro de 2009

Teoria da relatividade especial

siglas Siglas utilizadas no texto:

CM

Centro de massa

MM

Michelson-Morley

PE

Princípio da equivalência

PR

Princípio da relatividade

PRE

Princípio da relatividade de Einstein

PRG

Princípio da relatividade de Galileu

TG

Transformação de Galileu

TL

Transformação de Lorentz

TRE

Teoria da relatividade especial

TRG

Teoria da relatividade geral

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Teoria da relatividade especial

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em busca do espaço absoluto

Albert Einstein criou duas teorias da relatividade. A primeira, publicada em 1905, denominada teoria da relatividade especial (TRE), ou teoria da relatividade res trita, trata da invariância das leis físicas sob uma transformação entre referenciais que se deslocam com velocidades relativas uniformes. Sua estrutura matemática é simples e pode ser dominada com a matemática estudada nos primeiros anos da universidade. Seus postulados físicos levam a resultados à primeira vista estranhos, mas que aceitamos como verdadeiros, porque obedecem a uma lógica implacável e são verificados por um número imenso de experiências. A segunda – a teoria da relatividade geral (TRG), publicada em 1916 – generaliza os resultados da primei ra para referenciais acelerados e incorpora a gravitação. Essa teoria exige um bom conhecimento de geometria diferencial e cálculo tensorial e não será exposta neste texto – dela discutiremos brevemente apenas os fundamentos, para dar ao leitor uma ideia de seu conteúdo físico. Começaremos pela discussão do conceito de referen cial inercial, essencial para a formulação da TRE.

1.1 reFerênCiais inerCiais A mecânica clássica foi construída nos séculos XVI a XVIII por vários cientistas, mas seus fundamentos são devidos principalmente a Galileu Galilei e Isaac Newton. Cou be a este dar-lhe a formulação definitiva em seus Principia mathematica(1). Ela tem como pressupostos as seguintes ideias: 1. O tempo é absoluto, homogêneo e isotrópico. Newton exprimiu essa ideia as sim: “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa”. A ideia de tempo absoluto implica independência em relação ao observador e ao objeto ou fenômeno observados; ao dizer que “o tempo flui uniformemente”, Newton estava afirmando sua homogeneidade. Só na física quântica, a questão da iso tropia do tempo, isto é, a equivalência ou não dos sentidos passadofuturo e futuropassado, passou a ter significado e por isso a isotropia do tempo não é

2

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

mencionada por Newton. Na mecânica clássica, só há um sentido para o tempo, que é do passado para o futuro, mas, de qualquer forma, podemos verificar que suas leis são invariantes para uma inversão do tempo. 2. O espaço é absoluto, homogêneo, isotrópico e euclidiano. Nas palavras de Newton, “o espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel”. A ideia de que o espaço não tem relação com qualquer coisa externa e que permanece imóvel corresponde a seu caráter de ser absoluto, a de que permanece sempre similar é uma afirmação de sua homogeneidade. Acrescentamos duas ideias, não declaradas por Newton, mas implícitas na mecânica clássica: a de equivalência de todas as direções – iso tropia – e a de que a métrica a ser usada é a euclidiana: a distância mais curta entre dois pontos é a reta.

Como sabemos, Newton, com esses pressupostos, construiu a mecânica sobre três leis fundamentais: Primeira: As partículas mantêm seu estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme (vetor velocidade constante) desde que forças externas não atuem so bre elas. Segunda: A força que atua sobre uma partícula é igual ao produto da massa da par tícula por sua aceleração: F = ma. Terceira: Se uma partícula A exerce uma força F sobre a partícula B, então B exerce a força –F sobre A.

De agora em diante, referiremo-nos a partículas sobre as quais não atuam forças como partículas livres. A primeira lei é a lei de inércia. Observem que a segunda lei não é uma simples definição de força, porque há leis independentes que permi tem medir as forças, por exemplo, as leis de Hooke e de Coulomb. A afirmação de que o espaço é isotrópico corresponde dizer que a massa m na equação F = ma independe da direção de a, ou seja, que m é uma grandeza escalar. Se na terceira lei imaginarmos que as partículas A e B estão separadas, isto é, que existe ação à distância, então a ideia de simultaneidade absoluta – e portanto de tempo absoluto – está implícita. Devido ao imenso êxito da mecânica clássica, a explicação do mundo físico de senvolvida nos séculos seguintes tomou-a como paradigma. Conforme esse para digma, um fenômeno físico só é considerado completamente compreendido quan do podemos construir um modelo mecânico para representá-lo. Além dos mesmos pressupostos básicos referentes ao espaço e ao tempo, adotou-se, como forma de qualquer lei física, a forma dinâmica das leis da mecânica; isto é, a forma em que o estado inicial de um sistema determina completamente o estado futuro por meio de uma equação diferencial. Essas ideias culminariam no século XIX com o deter minismo de Laplace(2). Vamos ver como a análise de dificuldades surgidas na física

1.1 — Referenciais inerciais

no século XIX conduziram à reconsideração dos pressupostos expostos acima e à construção de uma nova teoria física, a teoria da relatividade especial. Para isso, vamos rever algumas ideias da física clássica, importantes para nossa análise. Para estudar o movimento dos corpos, é necessário medir o tempo e a posição instantânea do corpo. Para registrar a posição de um corpo, é necessário introduzir um sistema de referência – referencial –, por exemplo, um sistema de coordena das cartesianas. Qualquer conjunto de corpos em repouso relativo (cada um em relação aos outros) pode ser utilizado como referencial. Devido à homogeneidade e isotropia do espaço, a origem e orientação dos eixos é arbitrária. A métrica adotada deve ser euclidiana, isto é, nesse espaço, o teorema de Pitágoras é válido. Qualquer fenômeno periódico pode ser adotado como relógio, isto é, pode ser utilizado para medir o tempo e, devido à homogeneidade deste, a origem pode ser escolhida arbi trariamente; no entanto, como apontamos antes, o sentido será sempre do passado para o futuro. Há, porém, um tipo particular de sistema de referência no qual a lei de inércia de Newton é válida e que é, por isso, denominado referencial inercial. Em outras palavras, se um corpo, sobre o qual não atuam forças externas, está em repouso ou em movimento retilíneo uniforme num referencial, ele é definido como inercial. Essa afirmativa não é, porém, estritamente, uma definição. A escolha de um referencial inercial não é trivial. P. W. Bridgman, que deixou im portantes contribuições sobre os fundamentos da física, propôs a regra seguinte para identificá-los: “um sistema de três eixos rígidos ortogonais constitui um referencial inercial se três partículas, sobre as quais não atuam forças, projetadas ao longo deles com velocidades uniformes, continuam a se mover com velocidades uniformes”. Essa regra, de difícil aplicação prática, é, de fato, uma definição operacional de referencial inercial por meio de uma experiência imaginária(3). Pode-se verificar empiricamente que um referencial ligado às estrelas é, com alta precisão, um referencial inercial e esse tipo de referencial é tomado tradicionalmen te como padrão para aplicação das leis de Newton. Sabemos, no entanto, que essas estrelas não são realmente fixas, porque nossa galáxia gira em torno de seu eixo e o universo se expande. Então é mais apropriado considerar como padrão o referencial ligado às galáxias, que se afastam radialmente de nós. Será um laboratório fixo na Terra um bom referencial inercial? Que correção de vemos fazer na equação F = ma para levar em conta a aceleração devida ao movi mento do referencial? Temos de considerar pelo menos o movimento diário da Terra em torno de seu eixo e o anual em torno do Sol, que são os mais significativos. Consideremos inicial mente o movimento diário da Terra. Uma partícula em repouso no equador sofre uma aceleração centrípeta

v2 a= RT

2

⎛ 2π ⎞ =ω2RT = ⎜ ⎟ ⋅6,4⋅106m⋅s−2 ≅ 3,4⋅10−2m⋅s−2, ⎝ 8,6⋅104 ⎠

3

4

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

onde RT é o raio da Terra e v a velocidade de um ponto no equador devido à rotação diária. Uma partícula próxima à superfície da Terra tem no referencial terrestre a aceleração g= 9,80 m·s–2, devido à gravidade, valor que é afetado no terceiro algaris mo significativo pela aceleração centrípeta calculada acima. O leitor poderá fazer, de maneira análoga, o cálculo da aceleração que resulta do movimento anual da Terra em sua órbita solar e achará o valor ~6·10–3 m·s–2, que é uma ordem de grandeza menor do que o efeito do movimento diário e poderá, en tão, ser desprezado em comparação com esse. O efeito devido ao movimento do Sol, que arrasta a Terra, é menor ainda. Concluímos que o laboratório fixo na Terra pode ser considerado como inercial até esse grau de precisão; mas que se quisermos uma precisão maior deveremos adotar os referenciais ligados às estrelas ou às galáxias, mencionados atrás.

1.2 PrinCíPio da relatividade de Galileu y y! R

O problema que se coloca para nós é o seguinte: dada uma lei física em um certo referencial, qual será sua forma em outro referencial, isto é, como ela se trans forma ao passarmos de um referencial para outro? Se ela conserva a mesma forma, dizemos que é invarian te sob a transformação.

R!

O

z z!

Figura 1.1 O referencial inercial R´ move-se ao longo do eixo x do referencial inercial R com velocidade uniforme u. Um evento no referencial R é definido pelo conjunto de coordenadas (x, y, z, t). O tempo é absoluto e, portanto, o mesmo para os dois referenciais.

A transformação de um referencial para outro na física clássica atende ao senso comum e sua dedução ut u é imediata. Tomemos dois referenciais R(x, y, z) e R9(x!, y!, z!) na configuração mostrada na Figura 1.1, O! que será a configuração padrão usada neste texto. Os eixos dos dois referenciais são paralelos e o refe x rencial R!(x!, y!, z!) move-se na direção x com veloci dade uniforme u em relação ao referencial R. No ins x, x! tante inicial, as origens coincidem. Observe que essa configuração não particulariza a solução porque, mes mo que o movimento se dê numa direção genérica, é sempre possível girar os eixos do referencial R de modo que o eixo Ox coincida com a direção do movimento e, em seguida, girar o referencial R! para que seus eixos fi quem paralelos aos do referencial R. Um fenômeno que ocorre no ponto do espaço (x, y, z) do referencial R, no ins tante t, tal como a colisão de duas partículas numa posição determinada e num mo mento determinado, é um evento. Por simplicidade, vamos nos referir ao conjunto de coordenadas (x, y, z, t) como um evento. No instante inicial, as coordenadas de um evento nos referenciais R e R’, definidos acima, são iguais (x = x!, y = y!, z = z9, t = t! = 0), porque o tempo independe do referencial na física clássica e estamos su pondo que as origens coincidam nesse instante. No instante t, como R! se desloca com velocidade uniforme u na direção x, as co ordenadas y! e z! do ponto não variam, y = y! e z = z!, ao passo que a coordenada x

1.2 — Princípio da relatividade de Galileu

varia de acordo com a equação x = x! + ut. Se juntamos a essas equações a equação que exprime que o tempo é absoluto, isto é, independente do referencial, teremos a transformação de Galileu (TG): x = x! + ut, y = y!, z = z!, t = t!. (1.1) A transformação de velocidades na mecânica clássica pode ser obtida imediata mente derivando essas equações em relação a t = t!: ux = u!x + ut,

uy = u!y,

uz= u!z,

(1.2)

ondeexemplo, Por (ux, uy, uz) se um = (dx/dt, passageiro dy/dt, caminha dz/dt) com e (u!x, velocidade u!y, u!z) =de (dx!/dt!, 5 dy!/dt!, dz!/dt!). km·h–1 no convés de um navio que se desloca com velocidade de 50 km·h–1 em relação a uma bóia, a velo cidade do passageiro em relação a essa mesma referência será de (50 ± 5) km·h–1. Dessa transformação de velocidades, podemos concluir que, dado um referencial inercial, qualquer referencial que se desloca com velocidade uniforme em relação a ele será também inercial, porque a lei de inércia é válida no novo referencial. Então, dado um referencial inercial, temos sempre uma infinidade de referenciais iner ciais, que são todos os referenciais que se deslocam com velocidades uniformes em relação a ele. Galileu verificou empiricamente que as leis da mecânica conservam sua forma quando transformadas de um referencial inercial para outro. Ele deu o seguinte exemplo: se fizermos experiências de mecânica na cabine fechada de um navio que se desloca com velocidade uniforme num lago muito tranquilo, não poderemos deter minar, por meio dessas experiências, se o navio está em repouso ou em movimento. Esse resultado empírico é tomado como um princípio fundamental da física e rece beu o nome de princípio da relatividade de Galileu (PRG). Vamos mostrar com um exemplo como uma lei da mecânica permanece invariante quando se passa de um referencial inercial para outro.

Exemplo 1.1

Um vagão se move com velocidade uniforme u em relação à plataforma da estação. Um passageiro deixa cair um objeto de uma altura h. O passageiro observa que o objeto, em sua queda, obedece à segunda lei de Newton. Mostre que, para um observador na plataforma, o objeto segue a mesma lei.

Solução Tomamos o referencial R da plataforma, fixo na Terra, como inercial. O refe rencial R! do vagão, que se move com velocidade uniforme u em relação à pla taforma, é também inercial. Fazemos os eixos dos dois referenciais paralelos e tomamos o eixo Ox como direção do movimento do vagão. Um ponto do espaço tem coordenadas (x, y, z) em R e (x!, y!, z!) em R!. Como o vagão se move

5

6

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

na direção x, as coordenadas y e z permanecem inalteradas. O tempo, sendo absoluto, é o mesmo para os dois referenciais e admitimos que as origens dos referenciais coincidem no instante t = 0. Temos, pela TG: x = x! + ut,

y! R! u

vx = v!x + u,

d h O

O! ut

z = z!

O observador no referencial R! vê o objeto cair na direção y!. Assim, as coordenadas z e z! são irrele vantes neste problema e podem ser ignoradas. As relações entre as componentes das velocidades v e v! do objeto nos dois referenciais são obtidas de rivando-se em relação ao tempo as equações que ligam (x, y) e (x!, y!) dadas acima. Obtemos:

y

R

y = y!,

x, x!

vy= v!y

Derivando essas equações novamente em relação ao tempo, obtemos as relações entre as componen tes das acelerações: ax = a!x, ay = a!y

Figura 1.2 O referencial R é fixo na plataforma da estação e o referencial R! num vagão que se move com velocidade u na direção x. Um objeto cai da posição (x!= d, y != h), dentro do vagão.

Então, a aceleração a do objeto é invariante sob a TG. A força pode ser me dida por processos independentes do sistema de coordenadas – por exemplo pela lei de Hooke – e não depende, portanto, do sistema de coordenadas; a massa é uma grandeza escalar e, por isso, independente do sistema de coor denadas. Como a massa, a força e a aceleração são invariantes, a equação de Newton, F = ma, é invariante sob a TG – os dois experimentadores, no vagão e na plataforma, observam que o objeto, em sua queda, obedece à mesma lei. Observe que no referencial R’ do vagão, onde o experimentador realiza a ex periência, ʹx = d, O objeto cai na vertical (x! =ʹyd), =h obedecendo –1 2 gʹt2 = hà–lei 1 2 gt2 de queda livre (y! = h –½ gt2).

O observador no vagão não pode, por essa experiência, dizer se está ou não em movimento porque o objeto obedece à mesma lei que obedeceria se o vagão estivesse parado na plataforma. No referencial R da plataforma, x = d + ut y= h–1 2 gt2 e a trajetória do objeto é a parábola g y = h− 2u2

( x − d )2

1.3 — Aceleração absoluta e princípio de Mach

A primeira lei de Newton é obviamente invariante sob a TG, porque é utilizada para definir o referencial inercial. A massa e a força são grandezas físicas indepen dentes do referencial. Como a terceira lei de Newton só envolve o conceito de força, também ela é invariante sob a TG. A segunda lei envolve os conceitos de aceleração, massa, e força, todos três invariantes sob a TG e é, por isso, também invariante. As três leis de Newton são, portanto, invariantes sob a TG e como elas constituem os fundamentos da mecânica clássica, concluímos que todas as leis da mecânica são in variantes sob a TG. Esse é o conteúdo do PRG, que podemos formular assim: as leis da mecânica são invariantes sob a TG. O fato de não haver mudança na forma da lei quando o fenômeno é examinado em diferentes referenciais inerciais indica que um movimento uniforme não altera o fenômeno. Podemos então enunciar o PRG numa forma que salienta o conteúdo físico da lei: é impossível detectar por meio de uma experiência mecânica o movimento de um referencial inercial. Apesar de descoberto por Galileu no século XVII, esse princípio só recebeu o nome de prin cípio da relatividade no contexto da teoria da relatividade de Einstein. O leitor deve observar que, quando transformamos uma equação qualquer da me cânica clássica de um referencial inercial para outro – o que devemos fazer utilizando as equações da TG –, sua forma permanece a mesma, isto é, o PRG é obedecido. Concluímos que: a mecânica de Newton, a transformação de Galileu e o prin cípio da relatividade de Galileu são consistentes, isto é, formam um sistema de leis sem contradições internas. Esse sistema permaneceu válido, com imenso sucesso, até o início do século XX e, com alguma restrição, que discutiremos depois, é utilizado até hoje. A quase totalidade da mecânica planetária e a mecânica de foguetes, satélites artificiais e corpos macroscópicos na Terra podem ser realizadas com esse sistema de leis. Apesar de críticas à mecânica de Newton terem surgido desde sua publicação, dificuldades realmente consideráveis só foram levantadas no fim do século XIX, quando se tentou achar um referencial absoluto para o eletromagnetismo.

1.3 aCeleração absoluta e PrinCíPio de MaCh Nunca faltaram críticas ao conceito de espaço absoluto de Newton. Desde Huygens, Leibniz e Berkeley, seus contemporâneos, até Mach(4), no século XIX, e Einstein, no século XX, críticas argutas foram apresentadas ao conceito. Para Leibniz e Berkeley, o espaço não pode ser considerado como uma espécie de receptáculo ocupado pelos objetos da natureza. Na visão desses filósofos, o espaço nada mais é do que o conjun to de relações de posição entre os objetos materiais, percebidas pelos sentidos – a ausência de corpos materiais implicaria, portanto, inexistência do espaço. Será possível determinar um movimento absoluto? Se nos referimos a movimen to uniforme, o princípio da relatividade de Galileu dá uma resposta negativa a essa questão, porque não é possível escolher num conjunto infinito de referenciais iner ciais o referencial do espaço absoluto. Newton acreditava, porém, que é possível de terminar uma aceleração absoluta, por causa das forças fictícias que aparecem nos movimentos acelerados. Se isso fosse verdade, a ideia de espaço absoluto ganharia consistência.

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Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto



z (a)

(b)

R (inercial)

y

x

z, z9

(c)

x x9

Figura 1.3 Na experiência do balde, de Newton, o referencial R da Terra é tomado como (aproximadamente) inercial. (a) Balde em repouso no referencial R e observador em R. (b) Balde em rotação no referencial R e observador em R. (c) Balde em rotação em R e observador no referencial R9 do balde.

Newton propôs a seguinte experiência: tomamos um balde com água suspenso por uma corda e o giramos várias vezes em torno de seu eixo, de modo a torcer a corda. Se soltarmos o balde, ele terá um movimento de rotação em torno do eixo. Inicialmente a superfície da água permanecerá plana [Figura 1.3(a)], mas o atrito da água com o balde comunicará o movimento do bal de à água e sua superfície tomará uma forma côncava [(Figura 1.3(b)]. De acordo com Newton, um observa dor no eixo do balde, girando com ele e, portanto, em repouso no referencial do balde [Figura 1.3 (c)], ao ob servar a forma côncava da superfície da água, poderá afirmar que o balde tem uma aceleração absoluta. Para Newton, as forças fictícias ou inerciais, que aparecem em um referencial R9 em rotação uniforme (força cen trífuga, força de Coriolis), que provocam a curvatura da superfície da água, resultam de rotações absolutas, isto é, de rotações em relação ao espaço absoluto.

No final do século XIX, Mach fez uma crítica aos fundamentos da mecânica de Newton que teve grande influência nas concepções de Einstein sobre a relativi dade. Para Mach, só existem movimentos relativos; não R9 (não-inercial) importa se concebemos a Terra em rotação em torno y9 de seu eixo, ou em repouso, enquanto as estrelas gi ram em torno dela. Na experiência do balde, segundo y Mach, o que o observador está detectando de fato não é a aceleração do balde em relação ao espaço absoluto, mas, sim, em relação a todas as massas do universo, ou seja, em relação a um referencial ligado às estrelas – a concavidade seria observada igualmente se deixásse mos o balde fixo e fizéssemos o conjunto das estrelas girar em torno da Terra. De acordo com Mach, a lei de inércia não se refere ao repouso ou movimento uniforme, em relação ao espaço absoluto, mas em relação ao centro de massa de todas as mas sas do universo (referencial das estrelas). O que hoje denominamos princípio de Mach é uma conjetura que enfeixa o conjunto de ideias expostas acima, difícil de ser traduzida numa única proposição. A formulação de Einstein para essa conjetura é a seguinte: “A inércia mede a resistência de um ponto material à aceleração com res peito às massas de todos corpos do universo, sendo, portanto, afetada por elas”.

1.4 teoria eletroMaGnétiCa de Maxwell Em meados do século XIX, Maxwell formulou uma teoria capaz de explicar todos os fenômenos elétricos e magnéticos conhecidos na época. Essa teoria está contida nas quatro equações para o campo elétrico E e o campo magnético B escritas a seguir em sua forma integral:

9

1.4 — Teoria eletromagnética de Maxwell

—∫ E⋅dA = ε0q (lei de Gauss para o campo elétrico),

—∫ B⋅dA = 0 —∫E⋅dl = − dϕ dtB —∫B⋅dl = µ0i+ µ0ε0 dϕEdt

(lei de Gauss para o campo magnético), (1.3) (lei de Faraday), (lei de Ampère-Maxwell),

sendo 1/4p0 = 9·109 e m0=4p·10–7, em unidades do SI; q, i, wBe wE são, respectiva mente, carga elétrica, corrente elétrica, fluxo do campo magnético e fluxo do campo elétrico. Nessas equações, está implícita a equação de continuidade para a carga q e a den sidade de corrente j:

∫ j⋅dA =−dq dt O leitorpoderá recorrer a qualquer texto de eletromagnetismo para compreender o conteúdo físico dessas equações. As três primeiras e a quarta, com exceção do ter mo que contém wE, foram formuladas a partir de experiências. O segundo termo do segundo membro da quarta equação, que representa a chamada corrente de deslo camento, foi introduzido por Maxwell, num golpe de genial intuição, por simetria com a lei de Faraday. As R9 R equações de Maxwell tiveram extraordinário êxito na Fe explicação dos fenômenos elétricos e magnéticos co nhecidos na época e na previsão de novos fenômenos. Podemos dizer com Hertz que a teoria de Maxwell é q2 o sistema de equações de Maxwell. A partir delas foi u possívelverificar que os fenômenos ópticos são fenô q1 menos eletromagnéticos e, assim, unificar a óptica e o eletromagnetismo na mesma teoria. O9 É razoável perguntar-se: podemos estender o PRG àsuma a equações TG? Ade resposta Maxwell? é negativa. Isto é, serão Se aplicarmos elas invariantes a TG

F9e

u

q2 F9mag q1

O (a) observador em R

às equações de Maxwell, veremos que elas não são invariantes, como ilustraremos a seguir com um exemplo simples. Consideremos duas cargas elétricas q1 e q2 em repouso no referencial inercial R, situadas como mostra a Figura 1.4(a).Um observador em R pode medir uma força eletrostática repulsiva Fe, atuando nas cargas. O referencial R9, com os eixos pa ralelos aos do referencial R, move-se com velocidade uniforme u ao longo de x e é também inercial. Um observador em R9 [Figura 1.4 (b)] vê, no entanto, as cargas se moverem para a esquerda com velocidade u e, além da força eletrostática F9e,, ob serva uma força magnética atrativa F9 entre elas, porque, para ele, agem como duas correntes elétricas no mesmo sentido.

(b) observador em R9

Figura 1.4 Observadores, em repouso nos referenciais inerciais R(a) e R9(b), analisam as forças que atuam entre as cargas elétricas q1 e q2, em repouso no referencial inercial R.

10

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Examinemos a transformação da lei de Gauss do referencial R para o referencial R9, Mas F9e, aplicada quando e F9mag têm à carga sentidosComo q2. opostos, a força então independe |F9el|>|Feldo |, oureferencial, |q2 |>|qF2 e,|= F9e, + F9mag. E. |E9 um trica é escalar invariante à transformação entre referenciais; E9 logo,A carga| > |E elé-| e rE9·dA > rE·dA. Como q/0 é invariante sob a TG, a lei de Gauss, rE·dA = q/0, não pode ser válida nos dois referenciais e não é invariante sob a TG. Além da não invariância das equações de Maxwell sob uma TG, há uma assime tria na explicação dos fenômenos eletromagnéticos quando analisados em diferentes referenciais inerciais. Considere, por exemplo, uma espira condutora que se desloca com velocidade v para fora de uma região, onde há um campo magnético B, per pendicular ao plano da espira [Figura 1.5(a)]. Para um observador em repouso em relação ao imã que cria o campo magnético B (referencial R), a força que atua sobre um elétron situado no centro do lado esquerdo da espira é F = e v 3 B dirigida para baixo. Do ponto de vista desse observador, a força eletromotriz (fem) na espira é de origem puramente magnética e dada por rv 3B·dl. Para um observador fixo no refe rencial R9 da espira [Figura 1.5(b)], o imã se desloca para a esquerda com velocidade –v e o elétron está em repouso. Ele observa, da mesma forma que o observador em R, que o elétron se desloca no sentido anti-horário na espira e mede a mesma fem. No entanto, dá uma explicação diferente à dada pelo observador em R – para o observa dor em R9 atua no elétron um campo elétrico E induzido na espira pelo movimento do ímã (lei de Faraday) e a fem é dada por rE·dl. Dessa forma, os observadores explicam de maneira diferente a origem da fem, mas calculam o mesmo valor para ela. Essa assimetria, citada por Einstein na intro dução de seu famoso artigo de 1905 sobre a teoria da relatividade, foi uma das difi culdades da física clássica que o levaram a propor a teoria. Chegamos à conclusão de que: a transformação de Galileu, o princípio da relatividade (estendido ao eletromagnetismo) e as equações de Maxwell são incompatíveis.

Figura 1.5 (a)A espira se desloca com velocidade v para fora de uma região onde há um campo magnético uniforme b, perpendicular ao plano da espira. (b) O ímã que cria o campo magnético b move-se com velocidade v para fora da espira.

y

y9

B

B

v

v

va

Fe

R

R9 x9 x

(a)

(b)

1.5 — A velocidade da luz

Uma pequena reflexão colocará o leitor diante de três alternativas para resolver o conflito: a) O PR não pode ser estendido ao eletromagnetismo. Nesse caso, deve existir um referencial absoluto para o eletromagnetismo. b) O PR pode ser estendido ao eletromagnetismo; a mecânica de Newton e a TG são corretas. Nesse caso, a formulação do eletromagnetismo por Maxwell não é cor reta (porque não é invariante sob a TG) e exige modificação. c) O PR pode ser estendido ao eletromagnetismo e a teoria eletromagnética de Ma xwell é correta. Nesse caso, a TG e a mecânica de Newton não são corretas e exigem modificações.

A escolha entre essas três opções só poderá ser feita por meio de experiências. Vamos examinar inicialmente a tentativa de Michelson e Morley de determinar o re ferencial absoluto (o éter), que poderia ou não eliminar a opção (a).

1.5 A VELOCIDADE DA LUZ O leitor poderá ver em textos de eletromagnetismo que das equações de Maxwell (Equações 1.3) é possível deduzir a equação: ∂x2 ∂2f − µ0ε0 ∂f 2 ∂t2= 0

(1.4)

onde frepresenta qualquer componente de E ou B. Comparando essa equação com a equação da mecânica clássica para uma onda que se propaga na direção x, ∂2φ

1 ∂2φ −

∂x

2

=0 u2 ∂t 2

vemos que ela pode ser interpretada como uma equação de onda para os campos E e B. Nessa última equação, u é a velocidade da onda, e podemos então concluir que a velocidade v da onda eletromagnética será dada por 2 1 v = µ0ε0

(1.5)

O valor de v calculado da última relação, a partir das constantes m0 e 0 – que po dem ser determinadas em experiências de laboratório envolvendo cargas e corren tes –, é admiravelmente próximo do valor medido da velocidade da luz, o que levou Maxwella sugerir que a luz seria uma onda eletromagnética e, então, de fato, v ; c. Dessa forma, as equações de Maxwell unificaram eletricidade, magnetismo e óptica e davam um enorme passo na direção da unidade da física. A existência de ondas ele tromagnéticas só seria confirmada experimentalmente por Hertz vinte anos depois da publicação da teoria eletromagnética de Maxwell.

11

12

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Vemos pelas Equações 1.4 e 1.5 que a velocidade da luz é parte integrante das equa ções de Maxwell. Na verdade, essas equações podem ser escritas escolhendo-se o sis tema de unidades, de forma que a velocidade da luz apareça explicitamente nelas(5) em lugar das constantes m0 e 0. Coloca-se, então, na física clássica, uma importante questão: em relação a que referencial devemos medir c? Isso, porque somente nesse referencial as equações de Maxwell estarão formalmente corretas. A resposta dada por Maxwell a essa pergunta foi que c deveria ser medida em relação ao éter, meio que seria o suporte para as ondas eletromagnéticas. Maxwell e os físicos de sua época não conseguiam imaginar um campo como uma entidade auto-suportável, capaz de propagar-se no vácuo e introduziram por isso o conceito de éter. Como deveria servir de suporte às oscilações transversais das ondas eletromagnéticas, o éter teria propriedades bem peculiares: preencher todo o espaço, inclusive os cor pos materiais, estar em repouso em relação ao espaço absoluto, ser infinitamente elástico, não ter massa e, coroando todas essa propriedades, ser imperceptível. Pelo fato de estar o éter em repouso em relação ao espaço absoluto, seus referenciais são indistinguíveis, de forma que nos referiremos muitas vezes, no que se segue, aos re ferenciais dos dois sem distinção. Se o éter está em repouso no espaço absoluto, é claro pela física clássica (TG) que, se medirmos a velocidade da luz num laboratório terrestre, nas duas condições – em que o movimento da Terra tem o mesmo sentido do feixe de luz e no sentido oposto –, teremos resultados diferentes. Para obter a velocidade absoluta da luz (velocida de em relação ao éter), levando em conta a TG, deveríamos somar ou subtrair a velo cidade da Terra ao valor medido. Um resultado negativo dessa experiência – isto é, se forem medidos valores iguais para a velocidade da luz nas duas situações – indicaria que o éter é arrastado pela Terra em seu movimento. No fim do século XIX, a determinação do movimento relativo da Terra e do éter, denominado vento do éter, tornara-se um dos problemas mais embaraçosos da físi ca. A experiência de Michelson e Morley, que analisaremos a seguir, foi uma tentativa de resolvê-lo.

1.6 a exPeriênCia de MiChelson e Morley Considere uma fonte de luz e um espelho situado à distância L da fonte e seja v a ve locidade orbital da Terra, paralela à direção do feixe de luz (Figura 1.6). O leitor po derá mostrar que a velocidade relacionada ao movimento rotacional diário da Terra é duas ordens de grandeza menor do que a velocidade orbital e pode ser desprezada no cálculo seguinte. De acordo com a TG, o tempo gasto por um pulso de luz emitido pela fonte no percurso total de ida e volta ao espelho é

t

c−L v + c+Lv = c22Lc =⎛ 1−v2 c2 ⎞⎠ −1 ≅2L c2 ⎞ − v2 =2L c ⎝⎜⎟ c ⎛⎝⎜1+v2 ⎟⎠ .

(1.6)

13

1.6 — A experiência de Michelson e Morley

A aproximação feita no último membro da Equação 1.6 resulta da expansão1− binomial de c–v

⎛ ⎜ ⎝

v c2 ⎟⎞−1

F

E v

c+v

⎠ L

e é possível porque v 3· 104 m·s–1, então v2 c2

9×108 ≅ 9×1016≅10−8.

Michelson percebeu que essa precisão poderia ser alcançada com métodos inter ferométricos e projetou o interferômetro de elevada precisão representado esque maticamente na Figura 1.7. O feixe de luz que parte da fonte F é dividido em dois pelo espelho semiprateado A. O feixe 1, que atravessa o espelho, é refletido no espelho B e, na volta, no espelho A, dirigindo-se para a ocular O. O feixe 2, refletido em A, é dirigido para o espelho C, onde é novamente refletido, atravessa o espelho A, prosseguindo na direção da ocu lar. Os dois feixes, percorrendo agora a mesma trajetória, recombinam-se e formam na ocular O o padrão de interferência que é observado. A interferência resulta do fato de os dois feixes percorrerem caminhos ópticos diferentes. A diferença de cami nhos ópticos pode ser calculada multiplicando-se a velocidade da luz c pela diferença dos tempos de percurso Δt. Só é preciso levar em conta o trajeto do feixe 1 entre A

O

O

1+2

L1 B A F 1

v ct! L2 2

C

vt!

Figura 1.6 A fonte de luz F e o espelho E estão fixos na bancada que, estacionária na Terra, move-se em relação ao éter com a velocidade orbital v desta. De acordo com a física clássica, c–ve c + v são as velocidades do feixe de luz emitido e refletido, respectivamente, em relação ao laboratório.

Figura 1.7 Espectrômetro de Michelson e Morley. A figura em linhas pontilhadas mostra o espectrômetro deslocado de sua posição original pelo movimento da Terra em relação ao espaço absoluto.

I4

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

e B e O trajetO dO feixe 2 entre A e C, porque OS OutrOs trechOS COincidem. Sendo U a Velocidade da Terra, O tempo de percurso do trajetO ABA pelo feixe 1 é dado por:

-[^{## (…) Para achar O tempo de percurso do trajetO ACA pelo feixe 2 é preciso levar em

conta a velocidade orbital U da Terra na direção perpendicular à da luz. No tempo t" que a luz leva para ir do espelho A ao espelho C, percorrendo a distância ct", o espe

lho C avança a distância Ut". O trajeto da Onda luminosa é representado na Figura 1.7 pela linha pOntilhada. PortantO

cºtº = vºtº . L3 L2 cº

-

v2

O tempo de percurso do trechO ACA é, então:

Obtemos das expressões de t1 e t2 acima diferença de caminhos ópticos:

Li

2

cA = c(n-1)= ==

L

=== L2

|1– Bº

(17) •

|1 — Bº

O instrumentO foi girado de 90° e a experiência repetida de forma que Os dois feixes trocam de papéis: O feixe 1 é agora perpendicular aO movimentO da Terra e O

feixe 2 situa-se ao longo dele. Com a nova observação se obtém:

2.Li

t/

2.L2

t%

1 = —=,





c{1-5)

cVI— Bº A nova diferença de caminhos ópticos será: 2

L

cA" = c(tí—1)=== L === Ni-Bº V1— Bº 1

(1.8)

A diferença entre as duas observações (Equações 1.7 e 1.8) será: 2

Li + L_2

c(A —A")=

—(L + L)|=(L + L)B", Wi-Bºt Wi-Bº —}

Onde fizemos a aproximação (1— pº)

* =1+

* pº,

pOSSÍVel, porque U 1 m, o deslocamento da franja deveria ser da ordem de 0,04 de sua largura. Esse valor é muito pequeno, da ordem do erro experimental, mas, mesmo assim, permitiu a Michelson concluir que o resultado da medida era nulo, isto é, que não era possível perceber o movimento da Terra em relação ao éter. Uma experiência mais precisa foi realizada por Michelson e Morley em 1887. Ob serve que o deslocamento das franjas é proporcional a L. Michelson e Morley aper feiçoaram o aparelho, aumentando L dez vezes por meio de uma série de reflexões em espelhos colocados no caminho do feixe. Além disso, montaram o aparelho numa placa de pedra que flutuava num tanque de mercúrio, para diminuir as tensões mecâ nicas durante a rotação, que poderiam afetar as distâncias dos espelhos. Nessa nova experiência, o deslocamento das franjas de interferência, dado pela Equação 1.10, deveria ser da ordem de 0,4 da largura da franja. Os experimentadores julgavam que seriam capazes de detectar desvios de um centésimo da largura da franja, mas os deslocamentos observados correspondiam a uma pequena fração do valor calculado e não eram consistentes. Puderam, então, concluir que o movimento da Terra em relação ao éter não podia ser detectado(6). Seria possível imaginar que, acidentalmente, por uma combinação do movimento orbital da Terra com os movimentos do Sistema Solar e da Via Láctea, a componen te do movimento a Terra na direção do feixe de luz fosse nulo. É claro, então, que, seis meses depois, a velocidade orbital da Terra teria o sentido invertido e seria, em relação ao éter, o dobro da velocidade orbital. Para anular esse possível acidente, a experiência foi realizada em diferentes horas do dia e em diferentes estações do ano, com resultados sempre nulos. Desde que Michelson e Morley realizaram suas experiências, elas foram repetidas várias vezes, com aperfeiçoamentos, por outros experimentadores, sempre com resultados nulos. O resultado nulo da experiência constituiu um problema grave para a física clás sica. Uma explicação possível seria o arrastamento do éter pela Terra. É claro que se o éter é arrastado pela Terra em seu movimento, o experimentador deverá achar um resultado nulo para a velocidade da Terra em relação a ele. Porém, o arrastamento do éter estava em contradição direta com duas experiências realizadas no passado e bem confirmadas, que discutiremos a seguir.

Problema 1 Supondo que, num espectrômetro de Michelson-Morley, utiliza-se luz amarela (l = 590 nm) e que o braço do espectrômetro mede 1 m, calcule o deslocamento de franjas de interferência esperado, em relação à largura da franja, de acordo com a física clássica. A velocidade orbital da Terra é v < 30 km·s–1.

15

16

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

1.7 aberração da luz das estrelas e exPeriênCia de Fizeau A primeira das experiências citadas na Seção 1.6 mostrando a impossibilidade do ar rastamento do éter pela Terra é a observação da aberração da luz das estrelas. O fenômeno da aberração da luz das estrelas foi descoberto por James Bradley, em 1725. Ao examinar a variação da posição aparente das estrelas durante o ano, ele observou que, após serem feitas todas as correções necessárias, uma estrela no zênite da eclíptica movia-se numa órbita quase circular com diâmetro de 40,5’’, o que obrigava a inclinar o telescópio num ângulo a > 20”. Ele conseguiu explicar o fenô meno como resultado da combinação da velocidade da luz com a velocidade da Terra em seu movimento orbital, como mostraremos a seguir. Seja R o referencial da estrela. Se a Terra estivesse fixa nesse referencial o teles cópio deveria ser dirigido na direção do eixo y, isto é, a = 0. Como a Terra se desloca com velocidade v em relação à estrela, precisamos introduzir o referencial R9 da Ter ra. A velocidade do raio de luz no referencial R9 resulta da composição da velocidade c do raio de luz da estrela com a velocidade v da Terra, ambas medidas em relação ao éter (referencial R), como mostra a Figura 1.8. O ângulo sob o qual se observa a estrela é dado por v c=3 ⋅108m ⋅s−1 =10−4, 3⋅104m tg α = ⋅s−1

y c R

a c R9

α ≅10−4rad≅2′′0, v

em excelente acordo com a observação. Terra v

Terra x

Figura 1.8 Experiência da aberração da luz das estrelas. A figura da esquerda mostra a observação da estrela no referencial desta e a da direita, no referencial da Terra. Neste último é necessário inclinar o telescópio num ângulo a em relação à vertical para compensar o movimento orbital da Terra.

x

Essa experiência nos mostra que o éter, que é es tacionário no referencial R, não é arrastado pela Terra (referencial R9). Se fosse, não haveria aberração e o telescópio deveria ser direcionado na vertical.

A outra experiência mencionada é a experiência de Fizeau-Fresnel sobre o ar rastamento do éter por um meio em movimento. Um tratamento rigoroso dessa teo ria só pode ser feito com a teoria eletromagnética de Maxwell, por isso, exporemos aqui apenas os resultados. Segundo uma teoria de Fresnel, verificada experimental mente por Fizeau, em 1853, a velocidade da luz v em um meio de índice de refração n, que se desloca com velocidade u em relação ao observador, é dada por v= c± ⎛ 1− 12 ⎞ u, n ⎜⎝ n ⎟⎠

(1.11)

tomando-se o sinal superior ou inferior se o movimento da luz é no mesmo sentido ou em sentido contrário ao movimento do meio, respectivamente. No entanto, pela TG, se o éter fosse totalmente arrastado pelo meio, a velocidade da luz seria dada por v = c/n ± u. A Equação 1.11 sugere que o éter é parcialmente

1.7 — Aberração da luz das estrelas e experiência de Fizeau

arrastado pelo meio em movimento. O fator (1 – 1/n2) é o coeficiente de arrasta mento de Fresnel, que indica a fração da velocidade u do meio com que o éter é arrastado. É claro que, do resultado dessa experiência, para um meio de índice de refração n = 1 (como o ar) em movimento, o coeficiente de arrastamento é 0, ou seja, o éter permanece estacionário. As experiências de Fresnel-Fizeau e da aberração das es trelas favorecem, portanto, a hipótese de que o éter não é arrastado pelos corpos materiais em movimento. Para explicar o resultado nulo achado por Michelson e Morley e, ao mesmo tempo, manter o éter estacionário, FitzGerald e Lorentz(7) propuseram que os corpos sofre riam uma contração na direção de seu movimento por um fator !1–v2/c2. Com essa hipótese, o braço do espectrômetro de Michelson paralelo à velocidade da Terra se contrairia justamente o fator necessário para explicar o resultado nulo da experiên cia. Essa conjetura não resistiu a testes experimentais, que não discutiremos aqui, e logo perderia sua importância quando Einstein propôs sua teoria, capaz de explicar o resultado nulo da experiência de Michelson a partir de princípios muito gerais e de alcance mais amplo. Devemos concluir que a evidência experimental é em favor da inexistência de um referencial absoluto, mesmo que apenas localmente estacio nário, como no caso do deslocamento do éter por um astro em movimento. Dos três caminhos listados antes para resolver o conflito apontado na física clássica, fica então eliminado o primeiro.

Problema 2 Mostre que a hipótese de FitzGerald-Lorentz explica o resultado nulo da experiência de Michelson-Morley. Sugestão: Reporte à Figura 1.7; suponha a velocidade da luz constante em relação ao éter e a dimensão do espectrômetro, ao longo do movimento, sofrendo con tração por um fator [1 – (v2/c2)]1/2. Mostre que sinais de luz enviados pela fonte levam o mesmo tempo, no percurso de ida e volta, nas duas direções. O segundo caminho exige uma modificação da teoria de Maxwell. As tentativas mais conhecidas são as teorias de emissão, em que a eletrodinâmica de Maxwell é modificada fazendo que a velocidade de uma onda luminosa esteja associada à fonte e não a um referencial absoluto. Postula-se que a velocidade da luz, num meio de índice de refração n, é c/n em relação à fonte emissora e independente do movi mento do meio. O leitor poderá verificar que elas explicariam o resultado nulo da experiência de Michelson-Morley. Essas teorias foram refutadas pelo exame da luz emitida por estrelas binárias eclipsantes (o par de estrelas gira em torno do centro de massa de forma que, para um observador na Terra, uma se afasta quando a outra se aproxima). É evidente que a velocidade da luz que atinge a Terra proveniente da estrela que se aproxima deveria ser maior do que a da companheira que se afasta, o que não foi verificado. A natureza deste texto não permite a exposição dessas teorias e das experiências que as refutaram. O imenso êxito da teoria de Maxwell na expli cação dos fenômenos eletromagnéticos e ópticos nos levam a abandonar o segundo caminho sugerido.

17

18

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Resta, dessa forma, o terceiro caminho, que estende o princípio da relatividade ao eletromagnetismo, mantém a teoria eletromagnética de Maxwell e procura corrigir a mecânica de Newton, para que essas teorias fiquem consistentes com o princípio da relatividade. Esse foi o caminho explorado por Einstein, e que exporemos nos pró ximos capítulos.

Notas (1) O tratado Philosophiae naturalis principia mathematica, cume da obra científica de Isaac Newton (1642-1727)*, foi publicado em 1687, na maturidade desse grande mate mático e físico. Aos 25 anos, Newton já tinha realizado suas maiores descobertas: o cál culo diferencial e integral, a gravitação universal, a dispersão da luz e o telescópio de re flexão. Os Principia, que sistematizam pesquisas realizadas desde a juventude, criaram um paradigma que dominou as ciências físicas nos dois séculos seguintes e continuam a ser, até nossos dias, os fundamentos para cálculos de mecânica no mundo macroscópico. A obra ultrapassou os limites das ciências físicas, influenciando a filosofia e, em conse quência, toda a cultura dos séculos XVIII e XIX. Newton dedicou ainda parte considerá vel de seu tempo a pesquisas em alquimia e cronologias bíblicas. Muitas vezes somos tentados a separar a obra de Newton em uma parte boa e outra inú til. Não devemos, no entanto, tomar seus estudos das cronologias bíblicas e de alquimia de forma derrisória, mas no contexto da época e, sendo assim, como uma demonstração de sua tentativa de abarcar todo o conhecimento humano para compreender o universo. Newton era um homem profundamente religioso e até intolerante no que se relacionava à religião. Mesmo nos Principia pode-se perceber a manifestação de sua crença religio sa. Para Newton, Deus não cria o espaço – o espaço absoluto e eterno é parte integrante da existência da divindade. Deus percebe os corpos físicos por sua onipresença no espa ço absoluto; é como se o espaço fosse o órgão de percepção de Deus. Ele também atua no mundo físico, corrigindo as perturbações mútuas nas órbitas dos planetas, evitando que elas venham a se desorganizar e causem colisões. Leibniz, contemporâneo e opositor de Newton em muitas questões, ironizava o talento do Deus newtoniano como relojoeiro, incapaz de construir um mecanismo à prova de perturbações. Infelizmente, as características sociais de Newton não acompanhavam suas qualidades intelectuais. Provavelmente, sua vida afetiva foi prejudicada pela orfandade antes do nascimento, seguida pelo casamento da mãe com um homem por quem ele não desenvol veu nenhuma afeição. Não aceitava facilmente o sucesso de outros e gastou parte de sua vida em disputas inúteis a respeito de prioridades de descobertas científicas. Conservava ressentimentos por toda a vida. Teve poucos amigos, ainda assim, mais pela dedicação deles do que dele. Sua falta de humor era tal que um servidor da Universidade de Cam bridge, contemporâneo, afirmava só tê-lo visto rir uma única vez em cinco anos! E mesmo dessa vez, por um motivo peculiar: Newton havia emprestado um volume da geometria de Euclides a um conhecido e este perguntou-lhe de que lhe valeria estudá-lo. A mais completa biografia de Newton é a obra de Richard S. Westfall, Never at rest: a biography of Isaac Newton, da qual existe uma edição condensada pelo próprio autor, com tradução em português: Westfall, Richard S., A vida de Isaac Newton, Rio de Janei ro: Editora Nova Fronteira,1995. A pequena biografia: Newton – a órbita da terra em um copo d´água, Valadares, Eduardo C., São Paulo: Odysseus Editora, 2003, tem cará ter pedagógico, com explicação de várias descobertas de Newton. Há ainda, com tradu ção em português, as biografias: Isaac Newton, o último dos feiticeiros, White, Michael,

Notas

19

Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 e Isaac Newton, Gleick, James, São Paulo: Com panhia das Letras, 2004. Há também a tradução de uma seleção de textos de Newton: Newton. Textos, antecedentes, comentários, Cohen, I. B. e Westfall, R.S. (org.), Rio de Janeiro: Editora Uerj/ Contraponto, 2002.

(2) De acordo com a mecânica newtoniana, se o estado (posições e velocidades das par tículas) de um sistema for conhecido num certo instante, poderá ser determinado em qualquer momento passado ou futuro. Esse é o núcleo da ideia de determinismo, à qual Laplace (Pierre Simon, Marquês de Laplace, 1749-1827) deu uma elegante formulação filosófica: “Uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as forças que animam a natureza e a situação de todos os elementos que a compõem e se, além disso, fosse su ficientemente grande para submeter todos esses dados à análise, abrangeria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais minúsculo átomo: nada para ela seria desconhecido, e o passado, como o futuro, estaria aberto diante de seus olhos. A mente humana provê uma fraca semelhança dessa inteligência, com a per feição dada à astronomia”.

(3) Experiência imaginária (hipotética, mental ou gedankenexperimente) é uma des crição de procedimento experimental e de seus possíveis resultados, deduzidos por raciocínio consistente com uma determinada teoria. O procedimento experimental descrito não implica possibilidade de sua realização, seja por empecilhos tecnológicos, que poderiam eventualmente ser superadas ou até mesmo por dificuldades de princípio insuperáveis. No entanto, as premissas dos argumentos utilizados na experiência imagi nária devem pertencer a alguma teoria física que se pretenda comprovar ou invalidar e a experiência consiste numa dedução a partir dessas premissas apenas: não deve haver novos fatos empíricos sobre os quais se apoia o raciocínio. Experiências imaginárias não podem substituir experiências e observações reais e se os dois tipos entram em con flito no contexto de uma determinada teoria física, o mais provável é que a imaginária seja abandonada. As experiências imaginárias têm sido especialmente importantes em épocas de mudança de paradigmas científicos (revoluções científicas), quando servem para testar novos con ceitos. Justamente por causa disso, o nome de Einstein tem sido associado ao conceito de experiência imaginária porque, na exposição das novas ideias não-intuitivas da teoria da relatividade, teve de apelar muitas vezes para experiências imaginárias. O leitor po derá apreciar neste texto como elas são poderosas. Einstein foi um excepcional inventor de experiências imaginárias. O famoso debate Bohr-Einstein sobre os fundamentos da mecânica quântica se realizou em cima de experiências imaginárias, extraordinariamen te sutis, inventadas por cada um deles para demolir o argumento do outro. Experiências imaginárias ou, pelo menos um tipo de raciocínio próximo do que hoje denominamos “experiência imaginária”, foram utilizadas na Antiguidade, desde Tales e outros filósofos pré-socráticos. Galileu, já na revolução científica dos séculos XVI e XVII, utilizou-as com grande perspicácia. Uma das mais notáveis foi a forma como demons trou, nos Discursos sobre duas novas ciências*, que a aceleração de um corpo em queda livre é independente da massa do corpo. Reproduzimos o diálogo entre Salviati (supostamente o próprio Galileu) e Simplício (defensor da física de Aristóteles), que mantinha que a rapidez natural de um corpo em queda livre era função de seu peso:

* Galilei, Galileu, Duas novas ciên cias, São Paulo, Nova Stella – Ched Edito rial, s. data.

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Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Salviati – Sem recorrer a outras experiências, podemos provar claramente, por meio de uma demonstração breve e concludente, que não é verdade que um corpo mais pesado se move com maior rapidez do que outro menos pesado, desde que ambos sejam da mesma matéria, como é o caso daqueles de que fala Aristóteles. Porém, diga-me Simplício, se você admite que a cada corpo pesado em queda corresponde uma determinada rapidez fixada pela natureza, de modo que não se possa aumentá-la ou diminuí-la a não ser usan do força (violenza) ou opondo-lhe alguma resistência? Simplício – Não se pode duvidar que o mesmo corpo, movendo-se no mesmo meio, tem a rapidez fixada e determinada pela natureza, que não pode ser aumentada a não ser acrescentando-lhe um novo ímpeto, nem diminuída salvo por algum impedimento que o retarde. Salviati – Se tivéssemos, portanto, dois corpos, cujas rapidezes naturais são desiguais, é evidente que, se unirmos os dois, o mais rápido será parcialmente retardado pelo mais lento, enquanto este aumentará em parte sua rapidez devido ao mais veloz. Não concor da com minha opinião? Simplício – Parece-me que assim é indubitavelmente. Salviati – Porém, se é assim, e se uma grande pedra se move, por exemplo, com uma rapidez, digamos de oito, enquanto uma menor se move com uma rapidez de quatro, então quan do estão unidas, o sistema se moverá com uma rapidez menor do que oito. No entanto, as duas juntas formam uma pedra maior do que aquela que se movia com rapidez de oito graus; do que se segue que esse sistema, que também é maior do que a primeira pedra, mover-se-á mais lentamente do que a primeira pedra, que é menor, o que contradiz sua suposição. Você vê que, de sua suposição de que um corpo mais pesado se move com mais rapidez do que um menos pesado, concluo que o mais pesado se move com menor rapidez. Simplício – Estou completamente confuso, pois parece-me que a pedra menor, unida à maior, aumenta seu peso e, aumentando seu peso, não vejo como não deva aumentar-lhe também a rapidez ou, pelo menos, não diminuí-la.

* Mach, Ernst, Scien cia, 7, 225 (citado por Holton, Gerald, Thematic origins of scientific thought, Cambridge, Mass., Harvard University Press 1988, Cap. 7, p. 256)

(4) Ernst Mach (1838-1916), físico e filósofo, publicou uma análise crítica e histórica da me cânica que se tornou uma obra clássica e teve grande influência em Einstein, que a leu na juventude, especialmente porque balançou sua fé dogmática na mecânica. As principais inovações na mecânica de Mach são a abolição do espaço absoluto e a formulação da lei de inércia em relação ao referencial das estrelas. Positivista, mantinha como central em sua filosofia o princípio de que nenhuma proposição nas ciências naturais seria permis sível se não fosse verificável empiricamente. Isso o levou a rejeitar como metafísicas as ideias de espaço e tempo absolutos e o éter. Mas também o levou à rejeição de molécu las e átomos nas teorias físicas, porque não eram diretamente observados, posição que, ainda em sua vida, seria verificada como insustentável. Para Mach nada existe no mundo além de sensações e suas conexões. Por isso, a física deveria ser estudada num contexto mais amplo que envolvesse psicologia e fisiologia: “Física não é o mundo inteiro; a biolo gia também está presente e pertence essencialmente à visão do mundo.”* Einstein tinha grande admiração por Mach e o colocava entre os poucos cientistas que considerava como seus precursores: Newton, Maxwell, Mach, Planck e Lorentz. No iní cio de sua vida científica, Einstein sofreu forte influência da epistemologia radicalmente positivista de Mach, mas afastou-se dela na maturidade. Para Mach, o conhecimento científico do mundo consiste na descrição mais simples possível das conexões entre as

Notas

sensações (leis, teorias) e tem como único objetivo o domínio intelectual desses fatos com o menor esforço possível (princípio da economia do pensamento); para Einstein, a invenção de conceitos científicos e a construção de teorias científicas eram livres cria ções da mente humana. Nos primeiros anos após a publicação da TRE, Mach manifestou-se a favor dela, mas afastou-se depois por julgá-la cada vez mais dogmática. Einstein, com sua permanente autoconfiança, debitou a mudança de posição de Mach na diminuição da capacidade des te em absorver novas ideias com a idade.

(5) As Equações de Maxwell têm no sistema gaussiano de unidades o seguinte formato: q, —∫= SE⋅dA

—∫S B⋅dA=0, E—∫⋅dl=−1cdϕdtB,

—∫B⋅dl =4cj+1cdϕdtE . A velocidade da luz aparece explicitamente nessas equações. Para Maxwell, o referen cial em relação ao qual a velocidade c deveria ser medida – e no qual as equações seriam válidas – era o referencial do éter. Como o éter está em repouso em relação ao espaço absoluto, os referenciais do éter e do espaço absoluto são idênticos e nos referiremos a ambos indistintamente.

(6) Na conclusão de sua primeira experiência com o interferômetro (1881), Michelson afir mou que o resultado nulo implicava ser incorreta a hipótese de um éter estacionário. O resultado nulo foi decepcionante não apenas para ele, que esperava poder medir a velo cidade da Terra em relação ao éter – o vento do éter –, como para físicos eminentes que acompanhavam os desenvolvimentos da teoria eletromagnética. Lorentz teve dúvidas quanto à interpretação do resultado e Michelson foi instado por Rayleigh a repeti-la. Foi o que fez em 1887, com seu colega Edward. W. Morley, aperfeiçoando ainda mais o apa relho, que já era notável por sua precisão. O resultado nulo se repetiu. Muito trabalho foi envolvido na análise dos detalhes do aparelho e do resultado, mas não se descobriu nada que invalidasse a experiência. Abriu-se assim um problema de difícil solução para a física clássica. Albert Abraham Michelson (1852-1931) não obteve nenhum grau universitário formal mente – todos lhe foram concedidos honoris causa. Antes da experiência de 1881, ele já se tornara o físico norte-americano mais conhecido no meio científico, devido a suas medições da velocidade da luz. Os extremos cuidados e a precisão com que fazia suas experiências explica por que o resultado da experiência de medida da velocidade da Ter ra em relação ao éter, mesmo sendo totalmente inesperado, foi merecedor de crédito no meio científico. Michelson foi agraciado com o Prêmio Nobel de 1907, citado pela inven ção de seu interferômetro e suas aplicações em metrologia e espectroscopia e não pelas experiências relacionadas à medida da velocidade da Terra em relação ao éter, discutidas neste texto.

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Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

(7) O físico irlandês G. F. FitzGerald foi o autor da conjetura de que os corpos se contraem por um fator de !1–v2/c2 na direção do movimento, hoje denominada contração de FitzGerald-Lorentz. No breve artigo em que propõe a contração, FitzGerald fez o se guinte comentário a respeito do arrastamento do éter na experiência de MM*: “Li com muito interesse a maravilhosa e delicada experiência dos senhores Michelson e Morley que tenta decidir a importante questão de quanto o éter é arrastado com a Terra. O resultado deles parece oposto a outras experiências, que mostram que o éter no ar não pode ser arrastado, a não ser de forma desprezível. Eu sugeriria que talvez a única hipótese que poderia conciliar essa oposição é que o comprimento dos corpos materiais varia quando eles se movem através do éter, dependendo de se moverem ao longo de seu comprimento ou perpendicularmente a ele, de uma grandeza que depende do quadrado da razão da velocidade deles para a da luz.” Segue-se uma discussão a respeito de forças moleculares, mostrando que ele pensava numa contração devida à modificação das forças moleculares no objeto por causa do movimento deste e não devida diretamente ao movimento do objeto em relação ao ob servador. Esse fato e a menção ao éter como uma entidade objetivamente real, mostram que a contração proposta é uma hipótese ainda no contexto da física clássica e não tem relação com a teoria da relatividade de Einstein. Em sua excelente biografia de Einstein, A. Pais** desenha um perfil curioso de FitzGe rald. Era um cientista ao mesmo tempo ousado e modesto, desprovido da competitivi dade que hoje caracteriza o trabalho científico. Dizia de si mesmo: “Não sendo nada sen sível ao fato de cometer erros, me apresso em expor todo tipo de ideias, mesmo cruas, com a esperança de que elas possam motivar outros e conduzir a algum avanço.” Tendo Lorentz chegado independentemente à conjetura da contração dos corpos em movi mento três anos depois de FitzGerald e, tendo sido informado da ideia anterior deste, escreveu-lhe para obter referência da publicação e poder citá-la em seus trabalhos. A resposta de FitzGerald é muito interessante: informa que seu artigo fora enviado para a Science, mas que não está certo de que fora publicado e prossegue modestamente: “Es tou bastante seguro de que sua publicação (sobre o assunto) é anterior a qualquer das minhas publicações impressas”. Há na obra mencionada de Pais uma citação de Oliver Heaviside, que fora amigo de Fit zGerald, que vale a pena reproduzir, pela originalidade com que expõe o perfil científico deste: “Ele tinha, sem dúvida, entre nós todos o cérebro mais rápido e mais original. Isso era uma grande distinção; mas era, penso, uma infelicidade para sua vida científica. Ele via muitos caminhos. Seu cérebro era muito fértil e inventivo. Penso que teria sido me lhor para ele se tivesse sido um pouco estúpido – digo, não tão rápido e versátil, mas mais pertinaz. Ele teria sido melhor apreciado, exceto por poucos”.

* FitzGerald, G. F., Science, 13, 390 (1889), conforme a biografia citada abaixo. ** Pais, Abraham, Sutil é o Senhor – a ciência e a vida de Albert Einstein, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2000.

Em 1892, Lorentz, ao tentar conciliar o resultado nulo da experiência de MM com a ideia do éter, chegou à mesma conjetura de FitzGerald, que é, por isso, denominada hipótese de FitzGerald-Lorentz. De acordo com Lorentz, também, a contração dos objetos na direção do movimento é um efeito objetivamente real e não um efeito re lativo ao movimento do observador e o éter persiste como ente real da natureza (éter de Fresnel ou de Maxwell). A hipótese de FitzGerald-Lorentz desagradava os físicos da época, porque era ad hoc – inventada explicitamente para explicar o resultado nulo da experiência de MM.

Problemas

Problemas Os problemas 1 a 3 estão relacionados à interpretação clássica da experiência de Michelson-Morley. 1.1 A bússola de um avião indica que ele voa na direção S  N e o velocímetro indica uma velocidade de 200 km/h relativa ao ar. Há um vento de 80 km/h na direção O  L. a) Qual é a velocidade do avião em relação ao solo? b) Em que direção o piloto deverá apontar o avião para atingir um objetivo ao norte e qual será sua velocidade relativa ao solo? 1.2

Um rio de 100 m de largura corre para o norte com velocidade de 5 km/h; um homem rema uma canoa, cruzando o rio, com velocidade de 5 km/h perpendi cularmente à corrente. a) Qual é a velocidade da canoa relativa à margem? b) Em que ponto ao norte do ponto de partida a canoa atingirá a margem oposta? c) Quanto tempo a canoa levará para atravessar o rio?

1.3

Um avião faz o trajeto de ida e volta entre as cidades A e B com velocidade u em relação ao ar estacionário. Calcule a diferença dos tempos de trajeto entre as situações em que há um vento com velocidade v de A para B e perpendicular a AB.

Os problemas 4 a 6 têm relação com a interpretação da aberração da luz das es trelas. 1.4

Gotas de chuva, que caem verticalmente, deixam riscos com inclinação de 30°, em relação à vertical, nas janelas dos vagões de um trem, que viaja à velocida de de 20 km/h para leste. a) Ache a componente horizontal da velocidade da gota em relação ao solo e em relação ao trem. b) Ache a velocidade da gota em relação ao solo e em relação ao trem. Resposta: vs = 34,6 km/h vtr=40 km/h.

1.5

1.6

Um astrônomo observa uma estrela distante próxima ao plano da eclíptica da Terra. Qual é a figura desenhada pela estrela, devido ao fenômeno de aberra ção da luz e qual é sua dimensão (ângulo de visão em segundos de grau)? Justifique a seguinte afirmativa: a experiência de aberração da luz das estrelas mostra que o referencial do Sol é um referencial inercial melhor do que o refe rencial da Terra.

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24

Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

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postulados da teoria da relatividade especial 2.1 poStuladoS de einStein Para conhecer a motivação de Einstein em criar a teoria da relatividade, nada melhor do que ler a introdução de seu artigo, publicado no periódico científico Annalen der Physik(1), que reproduzimos aqui. “Como se sabe, a eletrodinâmica de Maxwell – tal como entendida atualmen te –, quando aplicada a corpos em movimento, conduz a assimetrias que não parecem ser inerentes aos fenômenos. Consideremos, por exemplo, as ações eletrodinâmicas recíprocas entre um ímã e um condutor. O fenômeno observá vel depende apenas do movimento relativo entre condutor e ímã, enquanto o entendimento habitual faz uma distinção perfeita entre os casos em que um ou outro desses corpos se move. Se o ímã se movimenta e o condutor fica em re pouso, será criado em torno do ímã um campo elétrico, com uma certa energia definida, que criará uma corrente elétrica nas regiões onde estiverem partes do condutor. Mas, se for o ímã que está em repouso e o condutor em movimento, não surgirá um campo elétrico na vizinhança do ímã. Encontraremos, no en tanto, uma força eletromotriz no condutor à qual, em si mesma, não correspon de nenhuma energia, mas que dá origem a correntes elétricas com trajetória e grandezas iguais às produzidas por forças elétricas no primeiro caso – desde que os movimentos relativos sejam iguais nos dois casos considerados. Exemplos desse gênero, assim como o insucesso das experiências feitas para detectar qualquer movimento da Terra em relação ao éter, sugerem que osfe nômenos da eletrodinâmica, tal como os da mecânica, não apresentam nenhuma propriedade que corresponda à ideia de repouso absoluto. Ao contrário, eles sugerem que em todos os sistemas de coordenadas em que são válidas as equações da mecânica também são válidas as leis ópticas e eletrodi nâmicas – o que até a primeira ordem de grandeza já está demonstrado. Vamos elevar à categoria de postulado essa conjetura (que chamaremos daqui em diante princípio da relatividade); vamos, além disso, introduzir o postulado –

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Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

só aparentemente incompatível com o primeiro – de que a luz, no vácuo, se propaga com velocidade determinada, independente do estado de movi mento da fonte de luz. Estes dois postulados são suficientes para construir uma eletrodinâmica dos corpos em movimento, simples e livre de contradi ções, baseada na teoria de Maxwell para corpos em repouso. A introdução de um éter se revelará supérflua, uma vez que na teoria que vamos desenvolver não necessitamos introduzir um ‘espaço em repouso absoluto’, nem atribuir um vetor velocidade a um ponto qualquer do espaço vazio em que ocorra um processo eletromagnético.” (itálicos nossos.)

Esse texto merece ser lido cuidadosamente. Nele, Einstein apresenta os princi pais argumentos que suportam a teoria – a relatividade da teoria de Maxwell aparen te em experiências da eletrodinâmica e os resultados nulos das experiências para se medir a velocidade da Terra relativamente ao éter –, estabelece os dois postulados da teoria e sugere que o éter se mostrará supérfluo na nova teoria. Não existe uma experiência que prove a teoria da relatividade, porém, como discutimos no capítulo anterior, há resultados experimentais que: a) dão evidências contra a concepção de um éter estacionário ou arrastado por corpos providos de massa, e b) as modifica ções já imaginadas da teoria eletromagnética de Maxwell não resistem a verificações experimentais. Foram destacados no texto reproduzido os dois postulados da TRE, que repeti mos a seguir de outra forma: 1. Postulado da relatividade: As leis da física têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais. 2. Postulado da constância da velocidade da luz: A velocidade da luz é independente do movimento de sua fonte. Observe o leitor que, ao dizermos que as leis da física têm a mesma forma em to dos os referenciais inerciais estamos negando a possibilidade de escolher um deles como absoluto, ou seja, estamos na verdade afirmando que os fenômenos da física não apresentam nenhuma propriedade que corresponda à ideia de repouso abso luto. São então equivalentes à forma dada anteriormente para o postulado 1 e a que aparece no texto introdutório de Einstein. O primeiro postulado estende o princípio da relatividade de Galileu a todas as leis da física. As equações de Maxwell devem, portanto, como todas as outras leis da fí sica, permanecer invariantes quando se passa de um referencial inercial para outro. Uma consequência imediata desse postulado é que a velocidade da luz independe do movimento uniforme relativo dos observadores; isto é, dois observadores que se movem com velocidades uniformes diferentes em relação a uma fonte de luz obterão o mesmo valor para a velocidade da luz no vácuo. Representaremos esse valor da velocidade da luz por c. Como veremos, os postulados da teoria da relatividade tornam sem significado as ideias de espaço absoluto e de tempo absoluto. Por isso, muitas vezes, é destacado

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2.2 — Simultaneidade

o aspecto relativístico da teoria. No entanto, o que a teoria se propõe é justamente o contrário: procurar leis físicas absolutas, isto é, que não dependam da escolha do referencial inercial (na teoria da relatividade geral – TRG – essa busca é estendida a referenciais arbitrários). Einstein se referia à teoria, no início, como uma teoria da invariância, mas o nome teoria da relatividade, utilizado por H. Poincaré(2) e M. Planck(3), tornou-se comum e ele o adotou também. Os postulados da teoria da relatividade especial (TRE) obrigam à revisão do sig nificado de vários conceitos físicos que consideramos intuitivos. Começaremos nossa análise pelo exame da ideia de simultaneidade, tal como fez Einstein em seu notável artigo de 1905.

2.2 Simultaneidade Toda medida de tempo se baseia numa verificação de simultaneidade. Quando dize mos que um acontecimento ocorreu às 5 horas, estamos de fato afirmando a simul taneidade do acontecimento com a indicação do relógio, correspondente a 5 horas. A sincronização de relógios exige, portanto, o estabelecimento prévio de um critério para verificar a simultaneidade de dois acontecimentos. Aceitaremos como razoável o seguinte critério: Dois eventos em um referencial são simultâneos se sinais luminosos provenientes dos eventos atingirem um observador equidistante no mesmo instante. Consideremos a situação representada na Figura 2.1. Nos pontosA e B do referen cial R, são colocadas lâmpadas comandadas por células fotoelétricas. O observador colocado em M, no meio do segmento AB, dispara um flash. A frente de luz esférica que parte de Matinge as células fotoelétricas e acende as lâmpadas. As frentes de luz que partem de A e B atingem o observador no mesmo instante, porque a velocidade da luz é a mesma para as duas frentes, de acordo com o segundo postulado de Eins tein. Pelo critério estabelecido, o observador pode afirmar que as lâmpadas A e B se acenderam simultaneamente. É óbvio que o observador em M poderá sincronizar relógios situados em A e B disparando um flash. Os sinais luminosos que partem de M dão partida a relógios idênticos situados em A e B e, como têm a mesma velocidade nos sentidos MA e MB, os relógios serão sincronizados. Estamos supondo que, por causa da homo geneidade do espaço, os relógios têm o mesmo passo, do relógio no espaço não altera o isto é,do que a posição passo relógio. Com esse processo, todos os relógios c c c

c

deobservador o um referencial se coloque podemem serposições sincronizados. equidistantes Basta que do A

M

relógio tomado como referência e de cada um dos re lógios do mesmo referencial que pretenda sincronizar e envie sinais luminosos sincronizadores nos dois sentidos. Podemos então falar em tempo de um referencial, que é o tempo indicado por um relógio local, previamente sincronizado com um relógio tomado como base, por exemplo, o relógio situado na origem do sistema de coordenadas. Acontecimentos simultâneos em um determina

B

Figura 2.1 de Sincronização dois relógios no mesmo referencial.

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Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

do referencial são acontecimentos que ocorrem no mesmo instante de tempo indica do por relógios locais, previamente sincronizados. Se dois eventos em um referencial inercial são simultâneos para um obser vador estacionário nesse referencial, serão simultâneos para qualquer outro observador estacionário no mesmo referencial.

2.3 Relatividade da Simultaneidade

R

R9 u

Frente de onda ct A O9 O

M

Vamos mostrar agora que simultaneidade é um concei to relativo: dois acontecimentos simultâneos em um referencial inercial R, não o são em outro referencial inercial R9. Queremos na verdade comparar relógios em diferentes referenciais. O observador em R (Figura 2.2) está no ponto M; nos pontos A e B, situados nos dois lados de M e a igual distância, são colocados reló gios que ele quer sincronizar com seu relógio. O obser vador dispara um flash, que progride nos dois sentidos com velocidade c e dá partida nos dois relógios, A e B, simultaneamente.

B

Figura 2.2 Relógios sincronizados no referencial R não estão sincronizados no referencial R9.

Consideremos um outro referencial inercial R9, que se move com velocidade u, em relação ao referencial R, na direção x, para a direita. O observador em R9 está com o observador em R, na posição M, no instante em que o flash é disparado. O observador em R9 vê o referencial R mover-se para a esquerda e B aproximar-se enquanto A se afasta. Então, para ele, a luz que partiu do pontoM chega a B antes de chegar a A e, portanto, o relógio B estará adiantado em relação ao relógio A. Concluímos que relógios sincronizados em um referencial inercial não estão sin cronizados em outro referencial inercial. Mostraremos adiante como calcular a dife rença de sincronia entre dois relógios sincronizados em um referencial inercial para um observador situado em outro referencial inercial.

2.4 dilatação do tempo Vamos introduzir um marcador de tempo imaginário, que chamaremos relógio de luz. Ele consiste numa fonte de luz pulsada F, um espelho E situado à distância d, e uma célula fotoelétrica C situada ao lado da fonte, como mostra a Figura 2.3. Um os ciloscópio registra a emissão de pulsos de luz pela fonte de luz e a recepção pela célu la fotoelétrica. Pelas marcas dos pulsos no osciloscópio, podemos calcular o intervalo de tempo entre emissão e recepção. Esse relógio tem um “mecanismo” simples, que facilita a análise das questões relativas ao tempo. A questão que pretendemos responder agora é como comparar intervalos de tem po entre os mesmos dois eventos vistos por observadores situados em referenciais inerciais diferentes. Vamos fazer a seguinte experiência imaginária. O referencial R9

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2.4 — Dilatação do tempo

desloca-se ao longo do eixo x do referencial R com ve locidade uniforme u (Figura 2.4a). O observador em R! tem um relógio de luz colocado verticalmente em relação a u. Os dois eventos que consideraremos são a partida do pulso de luz da fonte F e sua chegada ao detetor C. O observador em R! aciona o relógio e ve rifica que o tempo medido pelo osciloscópio entre os dois eventos é Δt! = 2d/c. Para o observador em R, no entanto, o relógio deslocou-se do ponto x1, quando o pulso de luz foi emitido, até o ponto x2, quando o pulso foi recebido. Chamando de Δt o intervalo de tempo medido, teremos: 2 ⎞⎠ 2 = d2+⎛⎝ uΔt⎞ 2 ⎝⎛ cΔt ⎜ ⎟ ⎜⎟ 2 ⎠

E

d

Δt

F

C

4d e

Δt2 =

. c2 − u2

Então Δt =

2d c

1

Δ′t =

= γΔ′t,

u2

onde

γ=

1 ≥1.

u2

1−

u2

1− c2

(2.1)

Figura 2.3 Relógio de luz. Um pulso de luz é emitido pela fonte Fe, depois de refletido no espelho E, vai ao receptor C. Um osciloscópio registra a emissão e recepção do pulso.

1− c2

c2

Portanto, o observador em R medirá um intervalo de tempo entre os dois eventos maior do que o medido pelo observador em R! e concluirá que o relógio em R’ é mais lento, ou seja, atrasa-se. Esse é o fenômeno que denominamos dilatação do tempo. a) R

R!

O b)

R

R!

Δt/2 c

O

x1

d

uΔt

u

x2

Figura 2.4 Um relógio de luz está parado no referencial R! que se desloca com velocidade u em relação ao referencial R. O observador em R!(a) e o observador em R (b) medem tempos diferentes.

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Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

Note que o observador em R9 vê os dois eventos – partida do sinal da fonte de luz e chegada à célula fotoelétrica – no mesmo lugar (no mesmo relógio). Nesse caso, dizemos que o relógio mede o tempo próprio do observador. Em qualquer outro re ferencial inercial, o sinal parte da fonte em uma posição e chega ao detetor em outra, sendo necessário, portanto, utilizar dois relógios previamente sincronizados. O intervalo de tempo próprio entre dois eventos será menor do que o inter valo de tempo entre os mesmos eventos, medido em qualquer outro referencial inercial. O fator g, que relaciona os intervalos de tempo nos dois referenciais, depende da velocidade relativa destes; se u/c 1 e Dt9 > Dt.

R

A Figura 2.5 ilustra o conceito de tempo próprio. Os relógios A1, A2 e A3 do referencial R, são previamente sincronizados; o relógio A9, situado no referencial R9, move-se com velocidade u no referencial R. O relógio A’ inicia seu movimento ao lado de A1, no instante t =

R

A9

A9 R9 u

u R9 A1

A2

A3

A1

A2

A3

t9 = 0. Queremos comparar a leitura do relógio A9 com as leituras dos relógios A1, A2 e A3.

Observe que, no referencial R9, o tempo é medido no mesmo relógio A9 e, no referencial R, o tempo é O L 2L medido em relógios colocados em posições diferentes. Então, o relógio em R9 mede o tempo próprio e deve, portanto, atrasar-se em relação aos relógios de R. Quando o relógio móvel passa por Figura 2.5 Os relógios A1, A2, A2, digamos que seu ponteiro indique 10 min, enquanto o ponteiro de A2 marca 15 referencial A 3, situados R,no min. Quando A9 passar por A3, seu ponteiro indicará 20 min enquanto o ponteiro de estão A3 mostrará 30 min. Como mostra a Figura 2.5, os relógios A1, A2 e A3 estão sempre sincronizados no sincronizados entre si. O leitor poderá analisar o caso em que o observador em R’ vê instante inicial. O relógio A9, situado o referencial R mover-se para a esquerda. no referencial R9, mede o tempo próprio e deve se atrasar em relação aos relógios A2 e A3.

Exemplo 2.1 Dilatação da vida média de múons. A observação na superfície da Terra de partículas m (múons) formadas na parte superior da atmosfera, como radiação secundária de raios cósmicos, constitui uma evidência experimental da dilatação relativística do tempo. Os múons são partículas instáveis e decaem segundo a lei N(t) = N0e–t/t onde N0é o número inicial de partículas e t sua vida média; para a partícula em repouso, t = 2 · 10–6 s.

Solução Imaginemos um pulso de múons formados na atmosfera, a uma altitude de aproximadamente 10 km, com velocidade v > 0,998c. Se considerarmos a vida média de repouso, os múons percorrerão, antes de desintegrar-se, a distância

31

2.4 — Dilatação do tempo

l = 0,998c · 2 · 10–6 s < 600 m e não serão capazes de chegar até à superfície da Terra. Mas, o certo é considerar a vida média deles no referencial da Terra, onde estão sendo observados, então 2⋅10−6 s≅ 30⋅10−6 s. τ = 2⋅10−6γs = 1−v 2c2

O percurso do múon será, então, l > 0,998c· 30· 10–6 s > 9· 103m, suficiente para chegar à superfície da Terra. Uma maneira melhor de resolver o problema é tomar um certo número de múons (por exemplo 108), formados na parte superior da atmosfera (< 10 km de altitude) e verificar, usando a lei de decaimento, quantos chegam à superfície da Terra, conside rando a vida média de repouso e a vida média no referencial da Terra e comparando os dois resultados. O estudante poderá fazer isso sem dificuldade.

Exemplo 2.2 O “paradoxo” dos gêmeos. da Terra um de-a Doisparte les gêmeos fazemnuma a seguinte astronave, experiência: com destino uma estrela distante, enquanto o outro permanece na Terra. Ao retornar, o viajante encontra-se com o gêmeo que permaneceu na Terra e observa que este está alguns anos mais velho do que ele. Como se explica isso no contexto da teoria da relativi dade?

R

R9

u B

T

L0

Solução Considere o planeta Terra e a estrela a-Centauri, situada à distância L = 4 anos-luz do Sistema Solar (Figura 2.6). O gêmeo A fica na Terra e B parte para a-Centauri à velocidade u = 0,8c. Vamos desprezar o movimento da Terra em torno do Sol e considerar a Terra e a-Centauri fixas no referencial R; A está fixo nesse referencial. O referencial R9 é o referencial da nave. Do ponto de vista do gêmeo A, seu irmão B viaja por um tempo L/u = 4c/0,8c anos = 5 anos até a estrela e um tempo igual na volta; portanto A envelheceu 10 anos entre a partida e o retorno de B. Para B, o tempo de viagem é o tempo que ele observa em seu relógio e, portan to, é o tempo próprio Dt9 = Dt/g = 3/5 · 5 = 3 anos e tempo igual para a volta; ele envelheceu, portanto, 6 anos. No fim da experiência B está 4 anos mais novo do que A.

a

Figura 2.6 “Paradoxo dos gêmeos”. O gêmeo B parte da Terra numa astronave em direção a uma estrela distante, enquanto o gêmeo A permanece na Terra. Ao retornar à Terra B compara sua idade com a de A e verifica que está mais novo.

32

Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

O aparente paradoxo no Exemplo 2.2 está no fato de poder o gêmeo B alegar que o referencial R9 da nave ficou parado enquanto o referencial R foi e voltou, porque na TRE só importam movimentos relativos. Nesse caso, A é quem estaria 4 anos mais novo do que B e teríamos um paradoxo na teoria. Observe, no entanto, que não há simetria entre os dois casos. O astronauta B sente a aceleração da nave ao partir e quando atinge a estrela e inverte o sentido do movimento, sabe, então, que foi ele quem fez a viagem e estará mais novo. Não há, portanto, paradoxo!

Exemplo 2.3 Qual deve ser a velocidade relativa de dois observadores para que suas medi das de intervalo de tempo difiram 1%?

Solução O referencial R9 de um observador tem velocidade u em relação ao referencial R do outro. Queremos que: ΔtΔ Δ′t = 0,01. −′t Como Dt = g D t9, ΔtΔ′t − Δ′t

γΔ′tΔ′tΔ′t − = γ −1. =

Boas aproximações quando u At > At%B. Para C, o intervalo de tempo entre a recepção dos dois clarões é At = 0, porque são simultâneos para ele. De acordo com C", o intervalo de tempo é, no entanto,

*)->{º-

1



0,6 C. 10 cmin

|

At' = y At — — cº

}

= —7,5 min.



O sinal negativo indica a Ordem em que C" percebe Os clarões. Assim,

At" = tº — t% = — 7,5 min < 0, então t% > t% (para C", o clarão de B precede o de A). d) Os relógios A e B estão sincronizados em R, mas não em R". A diferença de

sincronização é dada no relógio C" por At" —

"Lo_06c. 100 min_ 6 min cº



De acordo com C", o relógio B está adiantado 6 min em relação ao relógio A.

3.5

TRANSFORMAÇÃO DAS

+R

+ R'

VELOCIDADES Conhecemos a Velocidade V de uma partícula P nO re ferencial inercial R e queremos achar sua velocidade no referencial R", que se desloca com velocidade uni

forme u em relação a R. Como já vimos, é sempre pos-

U1

}

Sível girar Os referenciais de modo que u fique paralela aO eixo Ox. Sem perder a generalidade.

A partícula tem um deslocamento (Ax, Ay, A2) no

O

tempo At. Utilizamos a TL para transformar os des Figura 3.6

locamentos e o intervalo de tempo de um referencial para O Outro. As componentes da velocidade no refe-

os referenciais inerciais R e R têm velocidade relativa u. A velocidade da partícula P no referencial R é v(w, v)

rencial R" são:

e no referencial R é v(v., v%).

48

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Aº_

, — Arº_ Y(Ar-uA) — A

"(…)

At /

30

", -u

1-", o

cº. At

C

?

c2 *

AU

/

v=*= º

"

Ax 1_ " Aº

AU

At"

=

?/

A

At — — Aa:



} A

At (u Aa: 1— ——



0,

=

(3.9)

?/

} A

1—=U



?



}

Os

U"2 =



-

7/,

"(…) A transformação da componente ve pode ser deduzida pelo leitor facilmente. Se conhecermos a velocidade da partícula no referencial R" e quisermos determi

ná-la no referencial R, isto é, obter a transformação inversa, bastará trocar u por —u nas Equações 3.8:

_ v% + u U, =

11 " …

v%

-

U, =

gº.

U =

1…"

}

v.

-

TV

Y-7_Y y

(3.10)

1…"

_

Exemplo 3.3 A luz tem VeloCidade C nO referencial R. Qual é Sua VeloCidade no referencial

R", que se desloca com velocidade u em relação a R, na mesma direção e sen tido da luz?

Solução Utilizamos a TL para calcular a velocidade da luz no referencial R': -

U. = C,

então

/

C — ?/,

U" =

= C

1– " cº COmO deveríamos esperar.

Exemplo 3.4 Um problema interessante é a determinação da velocidade da luz em um líqui do que flui (Veja a experiência de Fresnel-Fizeau na Seção 1.6). A luz se des loca com velocidade C/m num meio de índice de refração n que, por sua vez, se desloca com velocidade u em relação ao observador. Fresnel deduziu, utilizan do argumentos clássicos, a seguinte fórmula (Equação 1.8) para a velocidade

3.6 — Efeito Doppler

49

v da luz em relação ao observador: v=

c ±⎛ 1 ⎞ 1− ⎜ ⎟ u. n ⎝ n2 ⎠

Uma dedução muito mais simples pode ser obtida utilizando a TRE. Solução Podemos usar a fórmula relativística de adição de velocidades (tomamos as ve locidades da luz e do meio em sentidos opostos e chamamos de v! a velocidade da luz em relação ao meio): c v= 1+ ′v+′vuu= 1+ n +uu

≅⎛⎜⎝nc+u⎞⎟⎠⎛⎜⎝1−cnu⎞⎟⎠≅nc+⎛⎜⎝1−n1⎞⎟⎠u, 2

c2

cn

onde foram desprezados termos em u2/c2. A equação obtida é idêntica à fór mula de Fresnel.

É interessante observar que Einstein considerava a verificação experimental da Equação 1.8 por Fizeau uma das importantes bases experimentais da TRE e não pensou nessa elegante aplicação da composição de velocidades. Essa demonstração foi feita por Laue(4) só dois anos depois da publicação do artigo de Einstein de 1905. Ao publicar, em 1917, o livro de popularização da teoria da relatividade já citado(5), Einstein tratou a experiência de Fizeau como experiência crucial da TRE porque, para obter o resultado dessa experiência, devemos fazer as velocidades se comporem de acordo com a TL e não de acordo com a TG.

3.6 efeito doppLer

R Meio

O efeito Doppler é a variação na frequência de um sinal percebida por um observador quando a fonte está em movimento em relação a ele. Antes de atacar o fe nômeno pela teoria da relatividade, analisaremos, por métodos da física clássica, o caso do som emitido por uma fonte em movimento em relação ao observador.

R!

u

Emissor

queOseemissor tório) com afasta velocidade do dareceptor onda u, sonora paralela (no referencial estáaono eixo referencial ROx do(Figura laboraR!

Receptor O

x

3.7). atmosfera Observe – está queem o meio repouso em que emse R.propaga O emissor o som emite, –a

figura 3.7

no intervalo de tempo Δt, uma onda com N cristas, cuja frequência é ν! = N/Δt. Repare que não há nada a

O receptor está em repouso no meio, e o emissor move-se com velocidade u relativa ao meio, afastando se do receptor.

50

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

questionar aqui: N é um número e o tempo é absoluto, portanto, independentes do movimento da fonte. A velocidade do som vs em relação ao meio é independente da velocidade do emissor e depende apenas das propriedades mecânicas (densidade e propriedades elásticas) do meio. A frente da onda percorre uma distância vs Dt no meio, no inter valo de tempo Dt. Quando a última crista deixar o emissor, ele terá avançado uDt. A distância entre a frente e o fim do trem de ondas é (vs + u) Dt. Nesse espaço, existem N cristas, portanto, o comprimento de onda será

(vs +Nu)Δt λ=

.

Mas a frequência no referencial do emissor é n9 = N/Dt; então ν= ′ν 1+ , vu

(3.11)

s

sendo n a frequência medida pelo observador no referencial do laboratório e n9 a fre quência medida no referencial da fonte. Nesse caso, o emissor se afasta do receptor, u > 0 e n < n9; se o emissor se aproxima do receptor, u < 0 e n > n9. Se, u > vs (por exemplo, se a fonte é um avião a jato), o efeito é muito grande e se u/vs 0, ß > 0 e ν < ν!. Se a fonte se aproximasse do detetor, teríamos u < 0, ß < 0 e ν > ν!. O resultado obtido mostra que o fator que corrige a frequência no efeito Doppler relativístico só depende de ß, ou seja, de u, que é a velocidade relativa de emissor e detetor, como seria esperado na TRE.

figura 3.8 No caso da luz, não há meio (não há éter) de modo que só interessa a velocidade relativa; o emissor se afasta do receptor com velocidade u. A figura representa o instante de emissão da traseira da onda nos dois referenciais.

52

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Problema 2 Faça o cálculo do efeito Doppler para o caso em que a fonte de luz está em repouso e o receptor se aproxima dela com velocidade u. Mostre que o resultado é igual ao obtido na Equação 3.13. Só poderia ser assim, porque na teo ria da relatividade importa apenas a velocidade relativa (não há referencial abso luto).

É interessante comparar o resultado clássico com o relativístico quando a veloci dade da fonte é muito menor do que a velocidade do som e da luz respectivamente. No caso do som, a Equação 3.11 nos dá: ν = 1+′ν ≅′ν⎛⎝1−vus⎞⎠ ⎜⎟ vu

para

u 0,0072 nm. A concordância é, portanto, excepcionalmente boa. As experiências de Ives e Stilwell são importantes para a teoria da relatividade, porque constituem a primeira verificação experimental direta, até segunda ordem em b, da dilatação do tempo entre referenciais inerciais e têm assim um papel aná

3.7 — O modelo do Big Bang

logo ao das experiências de Michelson-Morley em relação ao comprimento. Em con junto, as duas experiências poderiam constituir a base empírica sobre a qual a TRE poderia ter sido edificada. Uma verificação excepcionalmente precisa do efeito Doppler de segunda ordem foi obtida, com a descoberta do efeito Mössbauer (1958), que é tratada na Seção 7.4. A teoria da relatividade prevê também um efeito Doppler transversal, isto é, uma variação da frequência quando a luz é observada em direção perpendicular à direção do movimento da fonte. Esse efeito não é previsto pela física clássica. O fenômeno se deve ao fato de que o tempo flui de maneira diferente nos referenciais do emissor e do detetor e, portanto, não pode existir no caso clássico, em que o tempo é absoluto. As frequências são inversamente proporcionais aos inversos dos tempos nos referen ciais respectivos; então: ′ν= 1′t=γ1t=(1−β2)12ν. (3.15) Vemos que o efeito transversal é de segunda ordem em u/c.

3.7 o modeLo do big bAng Em 1917, ano seguinte ao da publicação da teoria da relatividade geral (TRG), Eins tein publicou um trabalho que inaugurava o casamento da TRG com a cosmologia, criando um novo e ativo campo da física. Nesse trabalho, para obter um universo iso trópico, homogêneo, ilimitado, mas espacialmente finito e estacionário – modelo de acordo com as observações astronômicas da época –, ele introduziu, nas equações de campo da TRG, uma constante Λ (constante cosmológica). Anos depois, comenta ria que aquela tinha sido a maior tolice de sua vida. Justamente naquele ano, Vesto Slipher publicou os resultados de suas observa ções, mostrando que a luz proveniente de 21 entre 25 nebulosas espirais estudadas sofria um desvio Doppler para o vermelho, o que indicava um afastamento delas em relação ao observador (posteriormente, foi possível mostrar que as quatro que não obedeciam à regra geral pertenciam ao Grupo Local, galáxias ligadas à Via-Láctea pela gravitação). Era o passo inicial que conduziria a astrofísica a um notável de senvolvimento e tornaria a TRG uma ferramenta indispensável à formulação de seus modelos. Edwin P. Hubble, continuando as observações de Slipher descobriu que as nebu losas eram de fato galáxias e que a presença nelas de estrelas variáveis Cefeidas per mitia estimar suas distâncias até nossa galáxia. Um gráfico da velocidade de recessão das galáxias, calculada pelo efeito Doppler, em função da distância, calculada pelo brilho das Cefeidas(7), mostra que a velocidade de recessão é proporcional à distân cia da galáxia ao observador: v = H r, sendo H a chamada constante de Hubble, de terminada empiricamente nesse gráfico (Figura 3.9). Essa série de observações permitiu concluir que as galáxias estão se afastando umas das outras – pois não havia sentido em imaginar a Terra como centro do uni

53

54

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

verso – e, em consequência, fazer a conjetura de que o universo está em expansão. Podemos compreender isso facilmente: imagine um balão de borracha sendo enchido e dois pontos em sua superfície, à distância de 1 cm, que se afastem com velocidade v; quando estiverem à distância n cm, se afastarão à velocida de nv. O valor atualmente aceito para a constante de Hubble, H > 15 km s–1/106 anos–luz, é bem inferior ao valor por ele calculado, com base nas observações disponíveis em sua época. Com esse novo valor de H, pode-se calcular que as distâncias entre as galáxias aumentam aproximadamente 1% em 200 milhões de anos.

1)

s– m50 k 3 0 1 m 40 e ( o ã ss 30 e ce r e d 20 e d a d ic o le 10 V

Coroa Boreal Ursa Maior Virgem Perseu

1

2

Distância (em 109 anos-luz)

figura 3.9 A constante de Hubble pode ser calculada neste gráfico linear, que representa as velocidades de recessão das galáxias em função de suas distâncias à Via Láctea. Os aglomerados de galáxias são identificados pelos nomes das constelações onde são observados no céu (Adaptada de Ferris, Timothy, Coming of age in the milky way, Nova York: Doubleday, 1998).

3

As observações de Slipher e Hubble estavam de acordo com os resultados de Aleksandr Friedmann,

que havia demonstrado, em 1922, que uma das solu ções possíveis das equações da TRG era um universo em expansão. Foi Georges Le maître quem fez em 1927 a conjetura de que o universo estava em expansão, tendo sua origem num átomo primordial, que teria explodido no início da história cósmi ca. O apelido “big bang” para essa conjetura foi dado derrisoriamente pelo astrofísico Fred Hoyle (que acreditava num universo estacionário), mas foi afinal o que ficou como nome. O modelo foi recebendo aperfeiçoamentos até os dias de hoje, quando Stephen Hawking e Roger Penrose demonstraram matematicamente que a TRG de Einstein implica o início do universo e do tempo numa singularidade. Em 1948, George Gamow conjeturou, baseado no modelo do big bang, que o es tado do universo nos estágios iniciais de sua evolução seria caracterizado por densi dade de radiação e temperatura extraordinariamente elevadas. Previu que seria pos sível observar os resquícios dessa radiação como uma radiação de fundo isotrópica, com o espectro de corpo negro, tendo seu máximo desviado pelo efeito Doppler para a região de microondas, devido à imensa velocidade de expansão do universo. A primeira estimativa de Gamow para a temperatura dessa radiação de fundo, de cerca de 50 K, foi logo corrigida, numa teoria de Ralph Alpher e Robert Herman, para cerca de 5 K. Em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson trabalhavam com uma antena de comunicações para satélites quando observaram um ruído de fundo, isotrópico, de energia correspondente à temperatura de 2,7 K, cuja origem não conseguiam ex plicar. Era exatamente a radiação prevista por Gamow e a descoberta levou à premia ção de Penzias e Wilson com o Nobel de física. Corrigindo-se o valor de 5 K calculado alguns anos antes, com o valor da constante cosmológica de Hubble conhecida em 1965, obtém-se a temperatura de 2,7 K, em extraordinário acordo com o valor obser vado. A radiação de fundo de microondas constitui uma das mais fortes evidências em favor do modelo do big bang. O modelo do big bang e a lei de Hubble permitem obter qualitativamente a idade e a dimensão do universo. Vemos que H tem a dimensão (tempo)–1; seu inverso terá a dimensão de tempo e pode ser associada imprecisamente à idade do universo:

Notas

55

≈ 3⋅1017 s ≈1010 anos. H 1 Multiplicando esse valor pela velocidade da luz, obteremos a dimensão máxima que o universo poderia ter alcançado a partir da explosão inicial: cH 1 ≈1026 m, que denominamos, também sem maior rigor, raio do universo.

Exemplo 3.5 Um par de linhas característico do espectro de potássio é observado no labora tório em 395 nm. Quando o espectro da luz proveniente de uma certa galáxia é observado, o mesmo par é identificado em 447 nm. Qual é a velocidade de recessão da galáxia?

Solução Observamos um desvio do espectro da galáxia para comprimentos de onda maiores, ou seja, um desvio para o vermelho, que indica afastamento da galá xia. O desvio percentual é: Δλ 52 =13%. λ = 395 Vamos supor que a velocidade de afastamento da galáxia seja pequeno em relação à velocidade da luz, ß 0,13. A galáxia observada se afasta com velocidade u > 0,13 c.

Notas (1) O papel desempenhado pela experiência de Michelson-Morley (MM) na gênese da TRE é difícil de deslindar*. Nas palavras do próprio Einstein, “Não há, de fato, um caminho lógico que leva ao estabelecimento de uma teoria científica mas apenas tentativas cons trutivas controladas pela cuidadosa consideração de conhecimento factual”. A expe riência de MM não é citada no artigo fundamental de 1905, a não ser de passagem e indi retamente, quando se faz referência ao “insucesso das experiências feitas para detectar

* Discussões detalha das e bem documen tadas do papel da experiência de MM na gênese da TRE podem ser encon tradas no excelente ensaio “Einstein, Michelson, and the ‘crucial’ experiment”, capítulo 8, do livro de Holton, Gerald, Thematic origins of scientific thought, Harvard University Press, Cambridge, Mass: EUA ,1988 e nos capítulos 6, 7 e 8 de Pais, Abraham, Sutil é o Senhor, a ciência e a vida de Albert Einstein, Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1997.

56

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

qualquer movimento da Terra em relação ao éter”. Em um livro de divulgação publicado em 1917**, Einstein toma a experiência de Fizeau como experimentum crucis da TRE, por estarem seus resultados de acordo com a TL e não com a TG; a experiência de MM é mencionada num contexto de comprovação experimental e não de fundamentação. Per guntado quando teria ouvido pela primeira vez a respeito da experiência de MM, respon deu: “Não é fácil, não estou seguro quando ouvi pela primeira vez sobre a experiência. Não estou consciente que ela tenha me influenciado diretamente durante os sete anos em que a relatividade foi minha vida. Penso que supunha que o resultado deveria ser verdadeiro”***. Em diferentes ocasiões – entrevistas, conferências e cartas –, muitos anos depois da publicação da teoria, Einstein deu respostas ambíguas e, às vezes, con traditórias sobre quando teria tomado conhecimento da experiência de MM, mas sempre reafirmando que a influência dela na formulação da TRE havia sido indireta, porque para ele bastavam: a) o fenômeno da aberração da luz das estrelas; b) a experiência de Fizeau sobre o arrastamento de éter; c) e, principalmente, a convicção de que a fem induzida numa espira em movimento num campo magnético nada mais era do que a manifestação de um campo elétrico. Há uma descrença bastante generalizada no meio científico a respeito do papel secun dário que Einstein deu à experiência de MM na gênese da TRE. No entanto, o ponto de vista dele está exposto com clareza numa carta, escrita um ano antes de seu falecimento, ao historiador F. G. Davenport, e pode ser compreendido e aceito:

** Einstein A., A teoria da relatividade especial e geral, Contraponto Editora Ltda., Rio de Janeiro, 2000 (tradução brasileira de Über die Spezielle und die Allgemeine Relativitätstheorie, Gemeinverständlich. de 1916). *** Shankland, R.S., American Journal of Physics, 31 (1962) 47-57. **** Carta a F. C. Davenport (02/02/1954). Cópia existente nos arquivos Einstein, citada nos livros referidos em *, nas páginas 343 e 172, respectivamente.

“Antes do trabalho de Michelson, já era sabido que, dentro dos limites de precisão das experiências, não havia influência do estado de movimento do sistema de coordenadas (referencial) nas leis dos fenômenos. H. A Lorentz tinha mostrado que isso pode ser compreendido com base em sua formulação da teoria de Maxwell para todos os casos em que a segunda potência da velocidade do sistema pudesse ser desprezada (efeitos de primeira ordem)... Em meu desenvolvimento próprio, o resultado de Michelson não teve influência considerável. Não me recordo mesmo se já o conhecia quando escrevi meu pri meiro artigo sobre o assunto (1905). A explicação é que eu estava firmemente convicto de que não existia movimento absoluto e meu problema era apenas como isso poderia ser conciliado com nosso conhecimento da eletrodinâmica. Pode-se, portanto, entender por que a experiência de Michelson não desempenhou nenhum papel em minha luta pes soal, ou, pelo menos, nenhum papel decisivo****”. Por que, então, a maioria das exposições didáticas da TRE, incluindo este texto, toma a experiência de MM como experiência crucial? Simplesmente por razões pedagógicas. O caroço da TRE é o princípio da invariância das leis da física à transformação entre refe renciais inerciais e a teoria poderia perfeitamente ser construída sem a experiência de MM, como é provável que Einstein o tenha feito. A vantagem dessa experiência, porém, é que ela, ao dar um resultado nulo para a velocidade da Terra em relação ao éter, deixa clara para o estudante, de forma bastante concreta, a impossibilidade de escolher um referencial como absoluto para as leis do eletromagnetismo e leva diretamente à genera lização do PR ao eletromagnetismo. (2) A pesquisa científica tem mostrado de maneira cada vez mais clara que a física não pode ser separada em ramos estritamente independentes. Considere, por exemplo, um fenô meno como o atrito, tratado usualmente na mecânica; sua compreensão só é possível quando se faz uso de conceitos da física atômica e do eletromagnetismo. A física é essen cialmente indivisível, como a natureza, e só é separada em seções (mecânica, termodinâ mica, eletromagnetismo etc.) por razões metodológicas, pedagógicas ou históricas. Note como os físicos procuram formular teorias cada vez mais abrangentes: a eletricidade, o magnetismo e a óptica são unificadas pela teoria de Maxwell, por exemplo.

Notas

57

Para Einstein não havia razão para que o princípio da relatividade ficasse restrito à me cânica e essa ideia levou-o a estendê-lo a toda a física. A procura da unidade foi um guia-mestre em seu trabalho científico e permeia toda sua obra. Em suas próprias pala vras: “A verdadeira meta de minha pesquisa sempre foi a simplificação e a unificação do sistema da física teórica”*. Depois do grande êxito das teorias da relatividade restrita e geral, Einstein dedicou a maior parte de seus esforços, desde 1918 até o fim de sua vida, à procura, sem êxito, de uma teoria que uniria a teoria eletromagnética com a teoria da gravitação numa única teoria de campo unificado.

(3) Woldemar Voigt (1850-1919) foi quem primeiro publicou, em 1887, a descoberta, exceto por um fator de escala, do sistema de equações que seria depois denominado transfor mação de Lorentz por Poincaré. Em 1900, Joseph Larmor (1857-1942) descobriu inde pendentemente a transformação exata (Equações 3.4) e, além disso, demonstrou que a contração de FitzGerald-Lorentz era uma consequência dela. Em 1899, Lorentz desco briu independentemente a transformação exceto por um fator de escala e, em 1904, na forma exata. A TL, descoberta pelos antecessores de Einstein, era uma ferramenta matemática útil para certos objetivos, porém, sua interpretação não era óbvia para o físico do século XIX – por exemplo, como interpretar os tempos t e t´? Lorentz propôs chamar o tempo t tem po geral e o tempo t´ tempo local, mas é claro que, para ele, o tempo verdadeiro era t, o tempo do referencial do éter. Não foi, portanto, capaz de dar a interpretação correta aos tempos t e t´ como tempos verdadeiros em referenciais inerciais diferentes e dessa forma abolir o tempo absoluto. Poincaré, deu um passo adiante e tratou t! como um conceito físico. Para ele, se dois observadores em movimento relativo sincronizam seus relógios por meio de sinais lu minosos, ambos marcam tempos locais – nenhum deles marca o tempo verdadeiro. Como requerido pelo princípio da relatividade, argumentava ele, o observador não sabe se está em repouso ou em movimento absoluto. Vemos quão próximo Poincaré es tava da teoria da relatividade: ele usava o princípio da relatividade, criticava a intuição de simultaneidade, negava o tempo absoluto e previa que uma nova mecânica deveria ser construída. No entanto, sua crítica ao conceito de simultaneidade se referia a locais diferentes de um mesmo referencial e não a diferentes referenciais em movimento rela tivo e sempre acreditou que era necessário tomar como hipótese adicional para construir a nova mecânica a contração de FitzGerald-Lorentz. Nunca chegou, de fato, a criar uma teoria completa e coerente, mas, sim, o programa para uma possível teoria. A descoberta da TL por Einstein foi feita a partir dos postulados de sua teoria e, por tanto, independente das anteriores. Em seu trabalho no escritório de patentes de Berna tinha pouco acesso à literatura científica; mesmo de Lorentz, a quem admirava imensa mente, só conhecia em 1905 os trabalhos publicados até 1895, como afirmou repetidas vezes. Na verdade, seus notáveis artigos de 1905 foram feitos em completo isolamento da comunidade científica. Era próprio de sua natureza a reflexão independente; desde os tempos de estudante mostrara gosto pela solidão. Hendrik A. Lorentz (1853-1928) merece um comentário à parte pelo papel que desem penhou nas transformações por que passou a física no final do século XIX e por sua influência na criação da teoria da relatividade. A grande importância do trabalho de Lo rentz está na ligação dos novos conceitos da física atômica (átomos, elétrons e radiação) com as teorias de Fresnel e Maxwell de maneira coerente. Já em 1895, ele interpretava as equações de Maxwell em termos de cargas e correntes de partículas fundamentais –

*Dukas, Helen e Hoffmann, B. (org.) Albert Einstein o lado humano. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1985, p.15.

58

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

que chamava íons – e introduzia a força que atua sobre um “íon” de carga e que se move num campo eletromagnético (E, B): a força que hoje chamamos força de Lorentz (em 1899, ele denominava íons os portadores de carga elétrica). Lorentz era admiravelmen te criativo e explorava todos os caminhos que a física clássica oferecia para atingir seus propósitos. Poincaré, que era seu amigo e admirador, criticou-o sutilmente pelo excesso de hipóteses que formulava, mudando-as constantemente, quando percebia caminhos melhores. Seu conhecimento amplo, profundo e coerente, associado a um caráter modesto, pacien te e justo (veja seu relacionamento com FitzGerald na nota 6 do Capítulo 1) faziam de Lorentz uma pessoa muito admirada e estimada no meio científico (Einstein tinha par ticular estima e respeito por ele). Em 1902, junto com P. Zeeman, ele foi agraciado com o Prêmio Nobel, por seus trabalhos em espectroscopia, que se tornariam fundamentais para o desenvolvimento da velha e da nova física quântica. Lorentz passou toda sua vida na Holanda, tendo saído de seu país pela primeira vez aos 45 anos para participar num congresso científico do outro lado da fronteira. Quando faleceu, tinha se transformado em pessoa admirada e respeitada por seus concidadãos; durante a cerimônia de seu enterro, os sistemas de correios e telefones da Holanda suspenderam suas atividades durante três minutos, em sinal desse respeito e admiração.

(4) Max von Laue (1879-1960) foi um dos primeiros físicos a aceitar a TRE. Tomou conheci mento dela por meio de Planck, de quem era assistente, e marcou uma visita a Einstein em Berna para discutir alguns aspectos da teoria. Relata que ficou muito impressionado ao encontrar um jovem físico, de sua idade, como autor da teoria. Em 1907, von Laue publicou a nota sobre o tratamento relativístico da experiência de Fizeau (veja o Exem plo 3.3) e foi autor da primeira monografia sobre a teoria. Foi agraciado com o prêmio Nobel em 1914, alguns anos antes de Einstein, pela descoberta da difração de raios X em cristais. (5) Referência ** da nota 1. (6) Ives H. E., Stilwell G. R., J. Opt. Soc. Am. 28, 215 (1938); 31, 349 (1941). (7) As estrelas variáveis Cefeidas são astros gigantes, que têm três ou mais vezes a massa do Sol. Elas pulsam, variando em brilho ao mesmo tempo que variam em tamanho. A pulsa ção da estrela está ligada ao ciclo de processos termonucleares envolvendo núcleos de hidrogênio e hélio. O período é diretamente relacionado ao brilho intrínseco da estrela, isto é, em termos astronômicos, a sua grandeza absoluta. Conhecida a grandeza de uma Cefeida e sabendo que o brilho cai com o quadrado da distância, o astrônomo pode cal cular sua distância.

Problemas Resolva os problemas 2.4, 2.5 e 2.6 do Capítulo 2 utilizando a TL. 3.1 Dois homens, situados nas extremidades A e B de uma nave espacial, cujo com primento próprio é 60 m, atiram um contra o outro. Ela tem velocidade c/5 em relação a uma plataforma espacial. Uma testemunha na nave diz que eles atira ram simultaneamente. O que diz uma testemunha situada na plataforma, quan

Problemas

to à ordem dos tiros e ao intervalo entre eles (refira-se ao homem da frente e ao da traseira da nave em sua resposta)? Resposta: O da frente atirou 40,8 ns antes. 3.2 Um observador numa plataforma espacial, cujo comprimento próprio é 100 m, mede a velocidade de uma nave que passa por ele e acha 0,5 c. Por meio de um arranjo experimental que permite medir as posições das extremidades da nave simultaneamente, determina 60 m de comprimento dela. a) Qual é o com primento da nave em repouso? b) Qual é o comprimento da plataforma para o piloto da nave? c) Qual é o intervalo de tempo no relógio da nave entre as duas medidas realizadas pelo observador da estação? d) Para o observador na pla taforma, quanto tempo leva a nave a passar por ele? e) Para o piloto, quanto tempo leva a plataforma a passar por ele? Respostas: b) D = 86,6 m; c) Δt = 0,115 μs; e) Δt = 0,46 μs. 3.3 Uma nave espacial se move com velocidade 0,9 c em relação a uma plataforma cujo comprimento próprio é 100 m. O controlador da plataforma, situado no meio dela, aciona simultaneamente (em seu relógio) sinalizadores luminosos existentes nas extremidades da plataforma. Ache a separação espacial e tem poral dos clarões dos sinalizadores no referencial da nave. Resposta: Δt = 0,687 μs (indique a ordem temporal dos clarões vistos na nave). 3.4 Um observador vê duas partículas se moverem em sentidos opostos, ambas com velocidade 0,99 c em relação a ele. Qual é a velocidade de uma partícula em relação à outra? Comente esse resultado. 3.5 Uma partícula que se move com velocidade c/2 no referencial R do laboratório emite um fóton na direção e sentido de sua trajetória. a) Calcule a velocidade do fóton, em módulo e direção, no referencial R! da partícula. b) Repita o cálcu lo para o caso em que o fóton é emitido numa direção perpendicular à trajetória da partícula. Resposta: b) v = c, θ = 60o. 3.6 Demonstre que na transformação do referencial R para o referencial R!, na configuração usual dos referenciais, x2 – ct2 = x!2 – ct!2 (essa expressão é um invariante de Lorentz, muito conveniente na solução de problemas). 3.7 A dz/dt velocidade no referencial de uma partícula tem componentes vx = dx/dt, vy = dy/dt e vz = R!, que se move comRvelocidade e v!x = dx9/dt!, u, nav! direção y = dy9/dt! x, em e v! relação z = dz!/dt! a R. no referencial a) Demonstre u2 v!x = (vx – u)/(1 – u vx/c), v!y = vy (1 – u2/c2)1/2/(1 – u vx /c2) e v!z = vz(1 – que a /c2)/(1 – uvx/c2). b) Ache a transformação inversa. Deduza a expressão para grandeza v!2= v!x2 + v!y2 + v!y2 em termos de vx, vy e vz. c) Mostre que se v = c, v! é também igual a c (supondo u < c). 3.8 Uma astronave tem uma velocidade 0,9 c em relação à Terra. Qual deve ser a velocidade em relação à Terra de uma outra nave que deseja ultrapassá-la com uma velocidade de 0,5 c relativa a ela? Resposta: 0,9665 c.

59

60

Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

3.9 No referencial R são observados dois eventos A (x1 = 1, y1 = y0, z1 = z0, ct1 = 2) e B (x2 = 5, y2 = y0, z2 = z0, ct2 = 1). Ache a velocidade do referencial R9, que se move ao longo do eixo x, no qual os eventos são simultâneos. Resposta: u = – c/4. 3.10 Um pulso de laser é enviado da Terra para a Lua. Qual deveria ser a velocidade de uma nave espacial que vai da Terra para a Lua para que o astronauta ob servasse a saída do pulso da Terra e sua chegada à Lua como acontecimentos simultâneos? 3.11 Uma nave espacial tem uma antena de comprimento l, que forma um ângulo u com a direção de seu movimento. Qual é o comprimento e a direção da antena, medidos por um observador de outra nave que passa por ela, movendo-se na mesma direção e sentido com velocidade relativa u? Faça uma aplicação para u = 135° e l = 1,0 m. Resposta: l9 = 0,866 m, u9 = – 54,7o. 3.12 Duas partículas são projetadas simultaneamente de um ponto do referencial R, em direções ortogonais, com velocidades iguais v. Qual é a velocidade de uma das partículas em relação à outra? 3.13 Uma linha espectral de uma galáxia distante é observada e mostra um desvio de 5% em relação à mesma linha observada no laboratório. Qual é a velocidade de afastamento da galáxia em relação à Terra e qual a sua distância? 3.14 Um avião, dirigindo-se para um aeroporto, envia um sinal pelo radar e recebe o sinal refletido na antena do aeroporto, com um aumento fracionário Dn/n = 6,6 3 10–7. Qual é a velocidade do avião? Resposta: 712 km/h. 3.15 Um astronauta deseja medir sua velocidade de aproximação a um planeta. En via um sinal de radar de frequência n = 5 · 109Hz e compara essa frequência como eco, observando um desvio de 90 kHz. Calcule a velocidade da nave. Qual será o erro se a aproximação clássica for usada no cálculo? Resposta: Na aproximação clássica, b = 18· 10–6, erro > 0,33 · 10–9. 3.16 Um motorista atravessou um sinal vermelho e depois alegou ao guarda ter visto o sinal verde pelo efeito Doppler. O guarda, que era estudante de física, multou -o por excesso de velocidade. Supondo que o motorista tenha falado a verdade, qual era sua velocidade? 3.17 O espectro óptico de um feixe de átomos é observado na mesma direção do feixe (átomos se afastando do observador) e na direção ortogonal a ele. Se a velocidade dos átomos do feixe é b = 0,01, qual é a diferença entre as frequên cias de uma determinada linha, nos dois espectros, em função da frequência da mesma linha no espectro dos átomos em repouso.

61

mecânica relativística

4.1 COnsERvAçãO DO mOmEnTO Vimos que para que o princípio da relatividade fosse estendido ao eletromagnetismo era necessário substituir a transformação de Galileu (TG) pela nova transformação de Lorentz (TL). No entanto, as leis da mecânica clássica não são invariantes para essa nova transformação, como mostraremos a seguir, tomando como exemplo o princípio de conservação do momento na colisão de dois corpos (por simplicidade, usaremos a palavra momento em lugar de momento linear ou quantidade de movimento). Consideremos no referencial R do laboratório a colisão de duas esferas de massa m e velocidades v e –v, iguais em módulo e opostas. É fácil observar na Figura 4.1 que, nesse referencial, as somas das componentes das velocidades nas direções x e y são nulas antes e depois do choque e que, portanto, o momento total é conservado no choque das esferas.

vy v Depois

Antes 1

–vx

1 1

v –vx

–vy

–mvy(1)mvy(1)1

2 2

vvvy

2Depoisv

mvy(2)

–mvy(2)

vx 2 Antes

x

Antes –vy

Depois

Figura 4.1 Choque de partículas no referencial R do laboratório.

62

Capítulo 4 — Mecânica relativística

1

1 2 Depois R R9 uAntes = vx

–mv9y(1) mv9y(1)

Depois

Antes

mv9y(2)

Vamos verificar o que ocorre no referencial R9, que sendo se desloca xˆ em relação a R com velocidade u = vx xˆ, o vetor direção Ox (Figura 4.2). componente v9x daunitário esfera 1naantes do choque temos: Utilizamos a TL para calcular as componentes das velocidades no referencial R9 (Equações 3.8). Para a ′vx

–mv9y(2)

(1)=

−u − u

vx − u =

= −2u .

u



1− c2 vx

Figura 4.2 Choque de Antes

Depois

u2 1+ c2

u 1− c (−u)

Da mesma maneira, o leitor poderá calcular a transformação das outras componentes. A Tabela 4.1 apresenta os resultados des se cálculo. partículas num referencial inercial R9, que se move, ao longo do eixo x do referencial R, com velocidade u = vx em relação a ele.

Tabela 4.1 Ref. R

Antes

Depois

–vx(1) vx(2)

–vy(1) vy(2)

–vx(1) vx(2)

′vx(1)= 1+ −2uu2 c2

′vy(1)=−vy(1) γ ⎛1+ u2 c ⎞⎟

−2u ′vx(1)= 1+ u2 c2

⎜ ⎝

–vy(2) vy(1)

vy(1) ′vy(1) = γ ⎛1+ u2 ⎞ ⎟ ⎜ c2 ⎠ ⎝



R9 v9x (2) = 0

′vy(2) = γ ⎛v1− y (2) u2 c2 2⎞

(2) = 0 v9x

⎜ ⎝

⎟ ⎠

′vy(2)=

−vy(2) γ ⎛1− u2 ⎞ ⎟ ⎜ c2 ⎠ ⎝

Problema 1 Calcule todos os termos da Tabela 4.1.

Se utilizarmos a definição clássica de momento como produto da massa pela velo cidade da partícula, poderemos verificar que na colisão das duas esferas, observada no referencial R9, a componente x do momento total se conserva, mas o mesmo não acontece com a componente y, pois Spy, antes  Spy, depois, o que mostra que a conser vação do momento, como definida na mecânica clássica, é incompatível com a TL. Concluímos, portanto, que: a mecânica clássica, a TL e o PR são incompa tíveis. Isso nos induz a procurar uma nova formulação para a mecânica, cujas leis se jam invariantes sob a TL. O primeiro passo será achar uma nova definição para o momento que seja compatível com a TL. A nova expressão deverá tender para a ex pressão clássica quando a velocidade for muito menor do que c, porque queremos

4.1 — Conservação do momento

63

que a mecânica clássica continue válida a velocidades ordinárias. Observando os termos da Tabela 4.1, ve mos que nossa dificuldade em manter a conservação do momento está na componente y: py = mvy = m Δt→0 lim

p

Δy . Δt

O valor de Dy se mantém constante sob a TL em to dos referenciais que se deslocam com velocidade uni do referencial forme paralelaeao é isso eixoque Ox,faz mas que o atempo componente Dt depende y da velocidade se altere. Vamos tentar substituir o tempo um pelo do laboratório medido por relógio relógio transportado pela pelo partícula tempocujo medido mo mento desejamos calcular – o tempo próprio t0 da par tícula – e verificar se obtemos resultados consistentes.

mv

v/c 0,5

A grandeza Dy/Dt0 é invariante sob a TL, porque Dt0 (tempo próprio) e Dy (per pendicular à direção do movimento) são invariantes. Portanto, Δy =Δy Δt0 = 1−1 Δy Δt ⋅ Δt Δt0 = γ vy v2 Δt c2 é invariante sob uma TL para um referencial que se desloca com velocidade paralela ao eixo Ox. Podemos então definir a componente y do momento por mvy py = mγvy = v2 1− c2 e o vetor momento em três dimensões por mv = γ m v.

p=

(4.1)

v2 1− c2 Com essa definição de momento, a lei de conservação de momento é compatível com a TL, isto é, ela é válida em os todos referenciais inerciais. A Figura 4.3 mostra a variação do momento com a velocidade da partícula. Ob serve que p  ` quando v  c e que p  m v para velocidades pequenas (v 17,3 MeV. Vemos que a massa de repouso não é conservada – o que se conserva é a soma das massas e energia.

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76

Capítulo 4 — Mecânica relativística

Problema 7 Uma reação típica de fissão nuclear que ocorre nos reatores nuclea res é: n + 235U  236U  141Ba + 92Kr + 3n + Q (calor desprendido). Os nêutrons que produzem essa reação são térmicos e sua energia cinética ( 0,025 eV) pode ser ignorada na reação. Calcule Q (em MeV) e a massa transformada em energia (em u). As massas atômicas dos elementos estão tabeladas em diversos manuais e podem ser encontradas também na internet. Resposta: Q > 173,3 MeV.

Como vimos na seção anterior, a massa de repouso do sistema de partículas li gadas é menor do que a soma das massas das partículas separadas a uma distância infinita, de uma quantidade Am = E2i.

(4.12)

c O termo Dm (denominado defeito de massa) é a diferença entre a soma das mas sas das partículas quando isoladas e a massa do sistema ligado: Dm = Smi – M.

(4.13)

Esse conceito, muito usado em física nuclear, serve como medida da estabilida de nuclear. Para que um núcleo seja estável com respeito às partículas constituin tes – prótons e neutrons –, é necessário que o defeito de massa seja positivo, isto é, Smi > M. Nesse caso, a massa do núcleo não é suficiente para formar as massas das partículas constituintes e o núcleo não pode desintegrar-se nelas. É preciso, no entanto, examinar a possibilidade de desintegração do núcleo em dois ou mais núcleos de massas menores, o que é, em princípio, possível quando os números atômicos Z1 e Z2 e números de massa A1 e A2 dos núcleos produzidos na de sintegração satisfazem as relações Z1 + Z2 = Z e A1 + A2 = A. Se o defeito de massa do núcleo inicial for menor do que a soma dos defeitos de massa dos núcleos produtos, isto é, Dm < (Dm1 + Dm2), o sistema resultante do processo de desintegração será mais estável do que o núcleo inicial. Nesse caso, pode surgir, no interior do núcleo, uma configuração de partícu las que leva o núcleo a desintegrar-se nesses núcleos menores com uma certa meia -vida.

4.7 — O efeito Cherenkov

Exemplo 4.5 Examine a estabilidade dos núcleos 84Be e 94Be.

Solução O defeito de massa de 84Be é Dm =Smi – M = 4mp + 4mn – M(84Be) = (4 3 1,007286 + 4 3 1,00866 – 8,00531)u = 0,05847 u > 0. Sendo M < Smi, o núcleo é estável em relação à desintegração nas partículas constituintes. Consideremos, no entanto, o decaimento de 8Be em dois núcleos de 42He (par tículas a): Dm = 2 M(42He) – M(84Be) = (2 3 4,00 260–8,00531)u = – 0,000 11u < 0. tículas Neste caso, a, o que M > Smi e o núcleo é instável em relação à desintegração em par de fato se observa experimentalmente. (o O leitor defeito poderá de massa agora domostrar núcleo de que9Be o núcleo é positivo de 94eBe m relação é absolutamente a suas partículas estável 4

constituintes e também em relação a todos os núcleos possíveis em sua desin tegração).

4.7 O EFEiTO ChEREnkOv Vimos que a velocidade da luz é uma velocidade-limite que não pode ser ultrapassada pela velocidade de nenhuma partícula. No entanto, essa afirmativa é válida apenas para o vácuo, onde a velocidade da luz é c = 3,998 3 108 m·s–1. Num meio transpa rente como a água, um plástico ou um material vítreo, a velocidade da luz é c/n < c e uma partícula pode ter velocidade maior do que a velocidade da luz naquele meio. Ocorre então um fenômeno interessante, observado em 1934, pela primeira vez, por Cherenkov. Existe um análogo na mecânica clássica que nos auxiliará na compreensão do chamado efeito Cherenkov. Quando uma lancha se desloca, num lago tranquilo, com velocidade v maior do que a velocidade u de propagação das ondas por ela criadas na superfície do lago, a envoltória das ondas é observada como um ângulo cujo vértice é a lancha. As duas retas que formam a envoltória são tangentes às ondas formadas e se deslocam com velocidade u < v. Um avião supersônico, com velocidade v maior do que a velocidade do som no ar us, produz um fenômeno análogo. As ondas criadas no ar são envolvidas por um cone (agora estamos em três dimensões) cujo vértice é o avião. A superfície do cone, que é a envoltória nesse caso, propaga-se com a veloci dade do som no ar us < v. É essa envoltória que ouvimos como uma onda de choque, quando um avião passa sobre nossas cabeças com velocidade supersônica; muitas vezes se diz incorretamente que é devido à “quebra da barreira do som”.

77

78

Capítulo 4 — Mecânica relativística

Quando uma partícula, carregada eletricamente, passa por um meio transparente com velocidade maior do que a velocidade da luz naquele meio, v > c/n, um cone de luz é emitido, de forma semelhante ao cone de som do avião supersônico, como mostra a Figura 4.7. Um tratamento adequado por teoria eletromagnética mostra que o comprimento de onda dessa radiação está na região do azul e ela é, de fato, vista como um brilho azulado quando há um feixe intenso de partícu las. Ela pode ser vista facilmente em volta do caroço de um reator nuclear tipo piscina, quando em funcio namento.

c– n

w

v

vt c– t n

Figura 4.7 Uma partícula com velocidade v maior do que a velocidade da luz c/n num meio de índice de refração n produz a radiação de Cherenkov (envoltória das frentes de ondas esféricas).

As propriedades da radiação de Cherenkov permi tem que seja utilizada para medir a velocidade de par tículas relativísticas. Se w é o ângulo entre feixe de partículas e a radiação emitida (Figura 4.7), cosϕ =

ct/n c = vt nv

e

v=

c . ncosϕ

Problema 8 Um feixe de elétrons atravessa um material transparente de índice de refração n = 1,4. Observa-se a radiação de Cherenkov numa direção que forma um ângulo de 39o com a direção do feixe. Calcule a energia cinética dos elétrons. Resposta: 0,785 MeV.

Notas (1) Esse artigo, que vale a pena ser lido, tem por título A inércia de um corpo depende de seu conteúdo de energia? e foi publicado em: Einstein, Albert, Annalen der Physik, 18 (1905) p. 639-641. Existe tradução em português em: Stachel, John, O ano miracu loso de Einstein, Rio de Janeiro: UFRJ (2001). (2) Em muitos problemas de interação de partículas há uma considerável simplificação se o referencial do centro de massa (CM) é utilizado. O referencial do CM, representado por R*, é definido como aquele no qual o momento resultante do sistema é nulo. Considere um sistema de partículas com momento P = Spi e energia E = SEi no refe rencial R (a somatória se faz sobre as partículas, i = 1,…, N). Queremos determinar a velocidade V* do CM no referencial R. Por simplicidade, suporemos que a velocidade do CM está na direção Ox, depois generalizaremos. Utilizamos a TL (Equação 4.9) para transformar o momento e a energia do referencial R para o referencial R*, no qual o mo mento resultante é nulo (as grandezas no referencial do CM têm um sinal *): Px∗=0= Px −V∗ cE 1−β∗2 2 ,

0= Py∗ =

0= Py ,

Pz∗ =

Pz ,

−Vβ∗2 ∗ 1− Px , E∗ = E

(4.14)

Problemas

onde ß*2= (V*/c)2. Da primeira das equações acima, obtemos: V ∗ = Pxc2. E Essa expressão, generalizada para o caso em que a velocidade do centro de massa tem uma orientação geral, é: N

V*

2

= Pc E

ou

p ic ∑N. β∗ =i=1

(4.15)

∑ Ei i=1

Problemas 4.1 Com que rapidez uma partícula deve se mover para que sua energia cinética iguale sua energia de repouso? 4.2 Qual é o momento de uma partícula cuja massa relativística é quatro vezes a massa de repouso? Resposta: 3,87 mc. 4.3 Um múon (vida média τ = 2,2 μs e massa de repouso m = 105,7 MeV/c2) tem energia cinética de 50 MeV no referencial do laboratório. Calcule a energia to tal, o momento do múon e a distância percorrida no laboratório durante a vida média. Resposta: p = 114,3 MeV/c, l = 713 m. 4.4 a) Calcule a razão da massa relativística de um elétron para sua massa de re pouso para as seguintes velocidades da partícula: ß = 0,1; 0,5; 0,9; 0,99; 0,999. b) Calcule as energias cinéticas do elétron nas velocidades do item (a) em J e em MeV. c) Resolva o item anterior para um próton e faça uma comparação com as energias cinéticas do elétron. 4.5 Um acelerador fornece prótons com a energia cinética de 2,5 BeV. Ache a ve MeV/c2). (ß), a massa relativística e a energia total desses prótons (mp = 938,2 locidade Resposta: ß = 0,962. 4.6 Partículas de raios cósmicos podem atingir extraordinárias energias da ordem de 1013MeV (calcule essa energia em joules). Qual é o tempo próprio que uma partícula estável, com essa energia, leva para atravessar nossa galáxia, cujo diâmetro mede cerca de 105 anos-luz? 4.7 Um próton cujo momento é 800 MeV/c colide com um próton em repouso. Qual é a velocidade do CM do sistema? Resposta: ß* = 0,368.

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80

Capítulo 4 — Mecânica relativística

4.8 Mostre que a energia cinética de uma partícula pode ser escrita na forma de Ec = 12mvc22 + 83mvc24 +… Ache a que valores v/c a energia cinética relativísti ca é igual a 1,01, 1,1, 2,0, 10 vezes a energia cinética não-relativística. 4.9 Demonstre que, para uma partícula de massa m, momentop e energia cinética Ec, as seguintes equações são válidas: p = (E2c + 2mc2Ec)1/2/c e Ec = [(mc2)2 + (pc)2]1/2 – mc2. 4.10 Um elétron e um pósitron com energias cinéticas desprezíveis se aniquilam e formam dois raios g; um deles é espalhado por um elétron livre numa direção que faz um ângulo de 60o com sua direção de incidência. a) Calcule a energia do raio g espalhado em eV. b) O elétron, ao recuar, penetra num campo mag nético de intensidade 0,10 T, perpendicular a sua velocidade; demonstre que a trajetória é circular e calcule seu raio. Resposta: a) 0,34 MeV; b) 1,5 cm. 4.11 Um feixe de raios X homogêneo de comprimento de onda de 0,00900 nm, in cide num alvo de carbono. O feixe espalhado é observado a um ângulo de 54o com a direção de incidência. Determine: a) O comprimento de onda dos raios espalhados; b) O momento e a energia dos fótons incidentes e espalhados; c) A energia e o momento do elétron de recuo e a direção em que se dá o recuo. 4.12 Um píon (méson p) é desacelerado até quase o repouso e se desintegra num múon (méson m) e num neutrino (n). Calcule a energia cinética do múon. As massas do píon, do múon e do neutrino são, respectivamente, 273me, 207me e zero. Resposta: 4,07 MeV. 4.13 Um neutrino incide num próton e gera um nêutron e um pósitron. Qual é o li miar de energia do neutrino para que isso ocorra? Resposta: 1,81 MeV. 4.14 Dois raios g, de frequências n1 e n2, movem-se na direção Ox do referencial R, em sentidos opostos. Determine a velocidade de seu CM. Resposta: b* = (n1 – n2)/(n1 + n2).

81

Formalismo no espaço-tempo

Neste capítulo vamos reexaminar a teoria da relatividade especial (TRE) de um pon to de vista em que as três dimensões do espaço e o tempo são considerados dimen sões de um contínuo em quatro dimensões – o espaço-tempo. Para isso, vamos intro duzir um novo formalismo, baseado em quadrivetores, que se mostrará muito útil.

5.1 vEtorEs É bem conhecida a simplificação que se obtém no tratamento matemático das leis da física com a introdução da representação vetorial. Essa simplificação resulta em parte da concisão: três equações, correspondentes às projeções nos três eixos de coordenadas, são substituídas por apenas uma equação vetorial. A principal vanta gem, no entanto, é que a formulação de uma lei física em termos de vetores é inde pendente da escolha do sistema de coordenadas. A homogeneidade e a isotropia do espaço, que, como vimos no Capítulo 1, constituem fundamentos da física clássica, são, dessa forma, incorporadas pelo formalismo vetorial. Vamos tomar o deslocamento Dr = (Dx, Dy, Dz) que liga dois pontos no espaço euclidiano como protótipo. Sob uma operação de translação do sistema de eixos de coordenadas, as componentes de Dr permanecem as mesmas e, sob uma operação de rotação, elas se transformam como as próprias coordenadas: Dx9 = a11Dx + a12Dy + a13Dz, Dy9 = a21Dx + a22Dy + a23Dz, Dz9 = a31Dx + a32Dy + a33Dz,

(5.1)

sendo os a funções dos ângulos que especificam a rotação. Por exemplo, para uma rotação de um ângulo w em torno do eixo Oz a transformação é dada por: Dx9 = Dxcos w + Dysen w, Dy9 = Dy cos w – Dxsen w, Dz9 = Dz.

(5.2)

82

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

y y!

P(x, y) (x!, y!)

y y!

r

x! p x

Figura 5.1 Transformação do vetor posição r por uma rotação p em torno do eixo z do sistema de coordenadas.

x! x

A Figura 5.1 representa a transformação do vetor posição nesse caso. Podemos agora definir assim o vetor no espaço eu clidiano de três dimensões: Qualquer grandeza cujas componentes v1, v2, v3 sofrem as mesmas transfor mações que as componentes Δx, Δy, Δz do desloca mento, sob as operações de translação e rotação do sistema de coordenadas, é um vetor. É óbvia a re presentação de um deslocamento por um segmento de reta, com sentido definido, que une seus pontos inicial e final, e é essa a razão por que podemos representar o vetorpor uma flecha.

Se as componentes de dois vetores são iguais, uma a uma, em um sistema de coordenadas, serão iguais em qualquer outro sistema, porque as trincas das novas componentes são as mesmas combinações das trincas antigas (Equações 5.1). Uma relação como F = ma, em que F e a representam vetores e m é um escalar, indepen de do sistema de coordenadas. Tecnicamente, podemos dizer que as equações veto riais são formalmente invariantes sob translações e rotações em torno da origem do sistema de coordenadas. O fato de uma equação física poder ser representada veto rialmente garante sua validade sob translações e rotações do sistema de coordenadas e é por isso que vetores são tão úteis no tratamento matemático das leis da física.

5.2 EvEntos E intErvalos t

Figura 5.2 Um evento no espaço-tempo é definido pelas quatro coordenadas (x, y, z, t) e representado por duas coordenadas apenas: uma espacial x e a temporal t.

A transformação geral de Lorentz é o conjunto de operações formado pela translação, a rotação e a TL definida pelas Equações 3.3. Vimos na seção anterior que, se as equações da física clássica forem escritas em forma vetorial, elas serão independentes do sis Evento tema de coordenadas escolhido. Pretendemos procu rar um formalismo no qual as equações da TRE sejam formalmente invariantes sob a transformação geral de Lorentz, da mesma forma que as equações da física clássica eram independentes do sistema de coorde x nadas quando escritas em forma vetorial. É claro que nesse formalismo procurado, as equações da TRE po derão ser escritas sem referência a um sistema de coordenadas específico. Minkowski(1) introduziu, pouco depois da publicação da teoria da relatividade, a ideia de espaço-tempo, fundindo em uma só entidade o espaço e o tempo. Já em 1908, num importante congresso científico realizado em Colônia, na Alemanha, dizia ele: “As concepções de espaço e do tempo que desejo apresentar aos senhores bro taram do solo da física experimental e nisso reside sua força. De agora em diante, o espaço, por si mesmo, e o tempo, por si mesmo, estão destinados a desaparecer como meras sombras e somente uma espécie de união dos dois sobreviverá como realidade independente”(2).

83

5.2 — Eventos e intervalos

Vamos introduzir agora alguns conceitos básicos dimensões. para a formulação É umada formulação TRE no espaço-tempo mais abstratade doquatro que a que temos utilizado até agora, mas não matematica mente difícil.

t

2

t1 s12

Definimos como evento um fenômeno físico locali 1 t2 zado no espaço e no tempo. Por simplicidade, vamos nos referir ao evento pelas três coordenadas espaciais do ponto onde ocorre e pelo instante de tempo em que ocorre: (x, y, z, t). O mesmo evento é descrito em ou tro referencial pelas coordenadas (x!, y!, z!, t!). Para O x1 um visualizar evento, utilizamos dois eixos apenas – um deles para as três coordenadas espaciais (x, y, z), representadas por x, e o outro para a coordenada temporalt, como mostra a Figura 5.2. O intervalo s12 entre dois eventos no referencial R é definido pela relação: s122 = c2(t2 – t1)2–(x2–x1)2 – (y2 – y1)2 – (z2 – z1)2 = c2Δt2 – Δl2,

(5.3)

representando cΔt a separação temporal e Δl a separação espacial dos dois eventos (Figura 5.3). Observe que o fator c dá ao termo temporal (cΔt) a dimensão de com primento. Em forma diferencial, essa relação pode ser escrita como: ds2 = c2dt2 – dx2 – dy2 – dz2 = c2dt2 – dl2. (5.4) Se fizermos uma analogia com o espaço de três dimensões e considerarmos o in tervalo entre os eventos como a distância entre dois pontos no espaço de quatro di mensões, observaremos que há termos negativos na expressão de ds2, o que significa que o espaço não é estritamente euclidiano. O intervalo entre a emissão de um pulso de luz na origem (0,0,0,0) do referencial R e sua recepção no ponto (x, y, z, t) de R, é dado por s2 = c2(t – 0)2 – (x –0)2 – (y – 0)2 – (z – 0)2 = c2t2 – (x2 + y2+ z2). Mas a equação da frente de onda esférica do pulso de luz que parte da origem é: x2 + y2 + z2 = c2t2 e c2t2 – (x2 + y2+ z2) = 0. Então s2 = 0 e, portanto, s é uma grandeza escalar, independente, portanto, do referencial inercial – s é um absoluto. Dizemos que uma grandeza é um absoluto quando é um invariante de Lorentz; uma grandeza escalar é sempre um invariante de Lorentz. Uma proposição mais ge eventos ral, que pode quaisquer ser demonstrada é um absoluto, facilmente isto é, tem pelooleitor, mesmo é que valor o intervalo quando calculado s12 entre dois por qualquer observadorinercial. Isso nos permite dizer que o espaço-tempo é absoluto, apesar de serem relativos o espaço e o tempo. Problema 1 Mostre que o intervalo entre dois eventos é um invariante de Lorentz. Sugestão: Escreva a expressão de s212 no referencial R, faça uma TL para o refe rencial R’ e mostre que uma equação formalmente idêntica é obtida.

x x2

Figura 5.3 Intervalo s12 entre os eventos 1 e 2.

84

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

5.3 ConE dE luz

B

Vamos mostrar agora como se pode visualizar no espaço-tempo o passado e o futuro. O evento O (0, 0, 0, 0) do referencial R(x, y, z, t) é a origem do tempo e das coor denadas espaciais. Queremos examinar as relações de todos os outros eventos do referencial R com o evento O. Para fazer uma representação gráfica, tomaremos o eixo de coordenadas t para representar o tempo e o eixo x para representar as três coordenadas (x, y, z). O movimento retilíneo na direção x de uma partícula, que pas sa pelo ponto x = 0 no instante t = 0, é representado por uma reta que passa por O, inclinada em relação ao eixo t um ângulo p cuja tangente é a velocidade da partícula: u = tg p. A equação dessa reta é x = ut. Analogamen te, o movimento de um pulso de luz que se propaga na t Partícula p direção x e passa por x = 0 no instante t = 0 é repre A Raio de luz sentado pela reta x = ct, que tem a inclinação c = tg α α em relação ao eixo t. Nenhuma reta que represente o tgα = c movimento de uma partícula poderá ter inclinação em O x relação ao eixo t maior do que a dessa reta, porque a velocidade da luz é o limite superior das velocidades.

D

C

Figura 5.4 Na representação do espaço-tempo (x, t), as retas DOA e COB representam os movimentos de sinais luminosos que passam pelo ponto x = 0, no instante t = 0, na direção do eixo Ox, em sentidos opostos. O movimento uniforme de qualquer partícula que passa pela origem na direção Ox é representado por uma reta dentro dos ângulos AOB e DOC, porque sua velocidade é menor do que c.

t

Futuro α tgα = c x

y Passado

Figura 5.5 Cone de luz: girando a Figura 5.4 em torno do eixo t geramos um cone que é o lugar das representações dos raios de luz que passam pela origem e estão situados no plano xy.

Na Figura 5.4, as retas DOA e COB representam os movimentos de sinais luminosos que passam pelo ponto x = O, no instante t = O, em sentidos opostos do eixo x. O movimento de qualquer partícula que passa pela origem é representado por uma reta dentro do ângulo BOA ou do ângulo DOC. Se quisermos repre sentar o movimento de um pulso de luz enviado numa direção qualquer do plano xy, bastará girar a figura plana 5.4 em torno do eixo t e obteremos o cone (Figu ra 5.5), que é o lugar das representações de todos os raios de luz que partem da origem e estão situados no plano xy. Esse cone é denominado cone de luz. Para o caso de um raio de luz enviado numa direção qualquer do espaço, a situação se complica porque temos qua tro variáveis a representar (x, y, z, t). A figura gerada seria então um hipercone, que não pode ser represen tado graficamente (esse hipercone continua a receber, no entanto, o nome de cone de luz). Para trabalhar com o conceito de intervalo, é con veniente substituir na representação gráfica a variá velt por ct, que tem a dimensão de comprimento (Fi gura 5.6). Considere agora no referencial R o evento M, interior à folha superior do cone de luz do evento. Um sinal luminoso, partindo de O, tem sua trajetória na superfície do cone, representada pela reta x = ct, que é a bissetriz do quadrante xOct. O sinal chega ao local de M, de coordenada xM, no instante ct1, antes da ocorrência do evento M, no instante ct2. É fácil ver

85

5.3 — Cone de luz

da folha que, qualquer que de seja a posição de M dentro do cone um de o luz superior evento que, partindo Mocorra, deoO, que luz, chega significa haverá ao local sempre que de M éM um antes sinal evento que

ct x = – ct

x = ct ct1 α M ct2

futuro em relação a O. dado O por módulo (Δs)2do= intervalo (cΔt)2–(Δx)2 entre>os 0. eventos Como o intervalo MeOé

O

Δs é um invariante de Lorentz, em qualquer outro re ferencial inercial R!, (Δs!)2 > 0 e (cΔt!)2– (Δx!)2 > 0 ou (cΔt!)2> (Δx!)2. Concluímos que o fato de M ocor rer depois de O é uma relação absoluta. Os eventos na superfície da folha superior do cone e em seu in de haver de evento então terior referenciais O. O uma serão O evento erelação constituem, inerciais considerados O pode causal como afetar portanto, entre por tendo o observadores evento O ocorrido o e M. futuro MObserve e pode depois absoluto todos que, do

x

xM

Figura 5.6 Nova apresentação da Figura 5.4 pela substituição de t por ct. O movimento do pulso de do quadrantes. luzéagora cone estárepresentadopelasbissetrizes(x=ct)dos QualquereventoMinterioràfolhasuperior no futuro de (0, 0).

nesse tipo de intervalo, (Δs)2> 0 e (cΔt)2> (Δx)2– a parte temporal do intervalo su pera a parte espacial e dizemos que o intervalo é tipo-tempo. Não será possível achar um referencial inercial em que os eventos O e M sejam simultâneos. Com raciocínio análogo, podemos mostrar que a folha inferior do cone e sua parte interna é o lugar de todos os eventos passados em relação ao evento O.

Problema 2 Mostre que, se o evento C é interior ao cone de luz do evento O, é impossível achar um referencial inercial em que os dois eventos são simultâneos. Se considerarmos um evento N fora do cone (Figura 5.7), teremos sempre (cΔt)2 < (Δx)2; então um sinal luminoso partindo do dachegar do portanto, o evento porque, eventoOcomo N, N haver não não antes pode sabemos, uma pode ocorrência relação terasido velocidade a causal xN, afetado local evento. entre da pelo emluz eles, que Não evento é aocorre isto pode, veloO, é, ct

Linha do universo

x = – ct

x = ct ct2α ct1

cidade-limite para todos os sinais na natureza. Sendo a relação (Δs)2 < 0 válida em todos referenciais inerum observador N ciais, é válida essa para impossibilidade de relação que esteja causal ementre qualquer Oe outro referencial inercial. Para esse tipo de intervalo, em que (Δs)2 < 0 ou (cΔt)2 < (Δx)2, a parte espacial supera aObserve espaço. parte temporal que nãoeexiste o intervalo um referencialinercial é chamado tipono qual os eventos O e N ocorram no mesmo local.

O

N xN

x Aqui-agora

Figura 5.7 O evento aqui-agora (0, 0) e as retas que representam os movimentos dos pulsos de luz que chegam a ou partem de (0, 0). A linha do universo representa a história do observador. O evento N, externo ao cone de luz, não pode estar ligado causativo ao evento (0, 0).

86

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Problema 3 Mostre que, se um evento (N, por exemplo) ocorre na parte externa do cone de luz do evento O, é impossível achar um referencial inercial no qual ele ocorra no mesmo local em que ocorre o evento O.

Futuro Aqui-agora

Sentido do tempo

Passado

História do observador

Figura 5.8 Em cada ponto (evento) da história do observador, pode-se desenhar o cone de luz daquele evento, determinando assim o que é futuro e o que é passado daquele evento.

O cone de luz divide o espaço-tempo em três re giões. O vértice O do cone representa o evento que ocorre aqui-agora. O passado – folha inferior do cone e sua parte interna – consiste em todos os eventos que poderiam ter efeito sobre o evento O. O futuro – fo lha superior e sua parte interna – consiste em todos pontos que podem ser afetadas pelo evento O. Todos os eventos externos ao cone não podem ser afetados nem afetar o que fazemos aqui-agora, isto é, não pode haver relação causal entre o evento que ocorre aqui -agora e eles. Uma linha que passa pelo evento aqui-agora e é in terna ao cone representa a história do observador e é denominada linha do universo. Nessa linha, o evento aqui-agora separa o passado do futuro Em cada ponto dessa linha podemos desenhar o cone de luz daquele instante e posição, como mostra a Figura 5.8.

5.4 o modElo do big bang E o ConE dE luz Nossa galáxia, a Via Láctea, contém cerca de 1011 estrelas, que são a quase totali dade dos objetos vistos no céu à noite. Existem fora da Via Láctea, na região atingi da por nossos instrumentos que tem um raio aproximado de 109 anos luz, cerca de 1011 galáxias, que se afastam mutuamente umas das outras. Quando um astrônomo observa galáxias distantes, ele está, na verdade, observando-as como eram no pas sado, porque a luz proveniente delas levou um certo tempo para chegar até ele. No cone de luz, ele estará observando uma seção reta na folha inferior do cone (Figura 5.9). Uma seção reta mais distante do vértice representará o universo na época da formação das galáxias e, à medida que o astrônomo observar regiões mais remotas, estará observando de fato seções do cone que correspondem ao universo em tempos anteriores à formação das galáxias. De acordo com o modelo padrão do big bang(3), o universo originou-se, há cerca de 12 a 15 bilhões de anos, de um estado extraordinariamente denso e quente e, des de então, de acordo com a teoria da relatividade geral (TRG), expande-se e resfria. Existem evidências fortes a favor desse modelo: a recessão das galáxias e a radiação de fundo, remanescente do estado inicial (veja a Seção 3.6). A conjetura de uma ex plosão inicial – para a qual não há evidências firmes – não é necessária ao modelo do big bang, que procura descrever apenas como o universo evolui e não sua origem.

87

5.5 — Quadrivetores

Se, de nossa posição atual, construímos o cone de luz, uma determinada seção dele, no passado, mostra rá a radiação de fundo remanescente do estado inicial. Quando observamos regiões cada vez mais remotas do universo, a seção reta observada do cone, que repre senta o universo num certo instante de tempo, deverá diminuir e tender para zero – tender para uma singu laridade. O que faz que isso ocorra é a alta densidade de matéria e radiação, que encurva os raios de luz que formam a superfície do cone (veja o Capítulo 7) e os faz convergir na singularidade, como mostra a Figura 5.9. O estado inicial marca o início do espaço e do tem po e não há sentido em falar em espaço e tempo antes dele. Nessa singularidade, que seria o protouniverso, a TRG não tem validade. Há, porém, esperança de que seja criada uma teoria quântica da gravitação, que unificará a mecânica quântica e a TRG e evitará as sin gularidades previstas por esta última.

Observador olhando o passado

Galáxias em passado recente

Galáxias há 5 bilhões de anos

Radiação de fundo os raiosde encurva Alta densidade dematéria luz

Singularidade do big bang

5.5 QuadrivEtorEs Vamos introduzir agora o conceito de quadrivetor, que permitirá criar o formalismo para o espaço-tempo. Inicialmente faremos a substituição da variável ct pela variável imaginária t = ict, onde i = !–1. Não procure dar um significado físico ao fato de ser a variável correspondente ao tempo um número imaginário – trata-se apenas de for malismo matemático. O vetor posição, que liga o evento (0,0,0,0) ao evento (x, y, z, t), será representado por suas quatro componentes ra (a = 1, 2, 3, 4). Utilizaremos uma letra grega como subíndice para indicar uma variação de 1 a 4 e evitar confusão com os vetores que terão subíndice latino, com variação de 1 a 3. O quadrado do módulo do quadrivetor é: S41ra2 = x2 + y2 + z2 + t2.

(5.5)

Para evitar o uso frequente do símbolo de somatório no formalismo, introduzi remos a convenção de que um subíndice repetido indica um somatório sobre ele (o subíndice, nesse caso, é denominado índice mudo): S41ra2 = rara.

(5.6)

Se o leitor tiver dificuldade em entender as fórmulas escritas com esse formalismo mais compacto, basta, toda vez que houver subíndice repetido, introduzir o símbolo somatório que soma sobre esse subíndice. Uma expressão com subíndice elevada ao quadrado deve ser interpretada como contendo um subíndice repetido e subenten de, portanto, o símbolo somatório: xa2 = xaxa =Saxa2.

Figura 5.9 Quando observamos o passado do universo, a folha do passado do cone de luz deve se encurvar no passado remoto, por causa da alta densidade de matéria e de radiação, para fechar em um ponto que é a singularidade que gerou o universo.

88

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Podemos, então, escrever

r = rar, = xºr gº - eº + Tº = xºr yº + 2" — cºtº.

(57)

A transformação de Lorentz (TL) é uma transformação linear das coordenadas (x, y, e, t) de um evento, de um referencial inercial para outro (Equações 3.3). Podemos agora escrevê-la de uma maneira COmpaCta e elegante usando linguagem matricial:

y

ri

74 n{

=

r{

0 0

if y ) | 'i

0

1

0

0 || rº

0

0 1

0 || ra

—iBy 0 0

Y JUr,

Ou

(r.)= A(r, (r)= A(r, )),

5.8 (5.8)

Onde B = u/c, A é uma matriz 4 X 4 e (rº) e (ro) são matrizes coluna. A matriz de transformação A é particularmente simples nesse caso, porque a TL relaciona dois referenciais que estão em movimentO relativo uniforme ao longo dO

eixo x; as direções y e e permanecem, então, inalteradas. No caso de movimento relativo numa direção geral, a matriz será mais complicada. Pelas regras de multipli cação matricial, Vemos que •



r = yr + iByr,



— ?ll

"="… py(c)==="…

ou

1-", C

em concordância com as Equações 3.3.

Problema 3 Deduza, utilizando a Equação 5.8, as equações de transformação das coordenadas y, z e t.

Para obter a TL inversa, isto é, a transformação que nos leva do referencial R" para o referencial R, basta substituir u por —u na matriz A da Equação 5.8 e obtere mos a matriz transposta A. A transformação inversa é, então, Yi 72

73 71

=

y

0 0 —iBy)["{

0 0

1 0

0 1

0 ()

rá n{

*Éy 0 0

Y

r{

/**

OUl

r )= A(r"). (",) (r.)

5.9 (5.9)

Definiremos agora como quadrivetor qualquer conjunto de quatro grandezas

que se transformam sob uma TL, como as componentes do quadrivetor posição, isto é, de acordo com a equação matricial 5.8. Representaremos um quadrivetor pelo Símbolo da componente colocada entre parênteses, (ao), para indicar uma matriz Coluna de quatro COmpOnentes.

5.6 — Quadrivetor velocidade

Portanto, sob uma TL, as quatro componentes do quadrivetor (aα) se transfor mam como: β24 , ′a2 = a2, ′a3 = a3, ′a4 = a41− ′a1 = a1 1− + iβa − iβa1 (5.10) . β2 Quadrivetores têm propriedades muito semelhantes às dos vetores. Assim, pode mos introduzir a ideia de produto escalar como (aα) (bα) = aαbα = a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + a4 b4 = a · b + a4 b4,

(5.11)

em que a e b são vetores comuns no espaço de três dimensões. Não definiremos ou tras operações vetoriais porque não serão utilizadas neste texto. Problema 4 Mostre que se (aα) é um quadrivetor e se transforma, portanto, de acordo com a Equação 5.8, aαaα é um invariante de Lorentz. O quadrado do módulo de um quadrivetor, aαaα, não é necessariamente positivo, como ocorre no caso do espaço tridimensional. Da mesma forma que fizemos com os intervalos, podemos dividir os quadrivetores em tipo-espaço e tipo-tempo. Se aαaα > 0, a parte espacial (correspondente às três primeiras componentes) é maior do que a temporal e (aα) é denominado quadrivetor tipo-espaço; se aαaα < 0, (aα) é um quadrivetor tipo-tempo. Vamos ver como são definidos alguns quadrivetores importantes na TRE.

5.6 QUADRIVETOR VELOCIDADE Vimos, ao estudar a mecânica relativística, que, para manter válido o princípio de conservação do momento, era necessário substituir o tempo t do referencial do ob servador pelo tempo próprio t0 da partícula (veja a Seção 4.1). Faremos o mesmo aqui para definir o quadrivetor velocidade: dtα0 = drα dt dt0 dt =γ dr dtα γ ⎛ dx dt, dy dt, dz dt, dτ dt ⎞ (uα) = dr ⎟⎠=γ(v,ic), = ⎜ ⎝

(5.12)

onde fizemos uso da equação dx dt = dt d (ict)= ic.

Pode-se mostrar facilmente que uαuα é um invariante de Lorentz: uαuα =(γ 2vx2 +γ 2vy2 +γ 2vz2)−γ 2c2 = γ 2

(v − c )= v2−c2 1−vc2 2

2

2=−c2 .

(5.13)

89

90

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Essa invariância sugere que os ua (a = 1…4) constituem um quadrivetor; o lei tor poderá confirmar isso demonstrando que, numa mudança de referencial, eles se transformam de acordo com a Equação 5.8. Na Equação 5.12, v é a velocidade da partícula no espaço (x, y, z), enquanto a rapidez dela no espaço-tempo é dada pelo módulo do quadrivetor ua. uα uα =

−c2= c,

Obtemos assim o notável resultado que todos os objetos do universo movem-se no espaço-tempo sempre com a rapidez da luz! A relação do tempo próprio de um relógio com o tempo do relógio do observador é dada pela Equação 3.5: dt = γ dt0. Dessa equação, com pequeno desenvolvimento algébrico, obtemos: ⎜⎟ 2 c ⎛⎝dt0⎞dt⎠ dor – dada por (dt0

2

+v2 = c2. (5.14)

Essa equação mostra que, se a rapidez v de um objeto no espaço (x, y, z) aumen ta, a rapidez da passagem do tempo em seu relógio, em relação ao relógio do observa /dt) – deve diminuir; à medida que a rapidez v do objeto se apro xima da rapidez da luz, seu relógio torna-se cada vez mais lento, até parar. Em outras palavras, o tempo não passa para um objeto que se desloca no espaço ordinário com a rapidez da luz. Um fóton que tenha surgido nos instantes iniciais da expansão do universo, há cerca de doze bilhões de anos, não envelheceu nem um segundo.

Problema 5 Demonstre que os ua definidos pela Equaçõe 5.12 se transformam numa mudança de referencial inercial de acordo com a Equação 5.8.

5.7 QuadrivEtor momEnto Como as componentes ua foram definidas utilizando o tempo próprio, podemos ago ra definir as componentes do quadrivetor momento como o produto da massa de repouso m por ua: (pa) = m (ua) = (gmvx, gmvy, gmvz, icgm). (5.15) Sendo m um escalar invariante e (ua) um quadrivetor, (pa) será um quadrivetor. Como sabemos, o quadrado do módulo de um quadrivetor deve ser um invariante de Lorentz, nesse caso dado por: papa = m2uaua =– m2c2, (5.16) tendo em vista a Equação 5.13. Já vimos que (Equação 4.7): E2 = p2c2 + m2c4.

5.7 — Quadrivetor momento

ou p2−Ec22=−m2c2

e p12+p22+p32−Ec22=−m2c2=pαpα.

Então,

(pα)=

⎛ p1,p2,p3,iEc ⎞ = ⎛ p,iEc ⎞ . Portanto, o quadrivetor (pa ⎝⎜ ⎠⎟ ⎝⎜ ⎠⎟

(5.17)

) é formado pelas três componentes do vetor momen to e pela grandeza escalar energia exceto pelo fator constante i/c. Ele engloba os conceitos de energia e momento e é, por isso, denominado também quadrivetor momento-energia. Na passagem de um referencial inercial para outro, as componentes do quadrive tor momento-energia se transformam de acordo com a Equação 5.8: E px − ′px =

u = pz,

c2

′py = py,

′pz

′E = E − up 2x .

2

u

(5.18)

u c

1−

1− c

2

2

,

Vemos que as componentes da energia e do momento se misturam. Nem o mo mento, nem a energia são separadamente grandezas invariantes na TRE, mas, como vimos acima, o quadrado do módulo do quadrivetor momento-energia, papa, sim. Quando introduzimos o conceito de momento relativístico na Seção 4.1, procura mos uma grandeza que se conservasse num processo dinâmico que ocorresse num sistema isolado e que tendesse para a expressão clássica de momento para velocida des pequenas das partículas. Pela análise do choque de esferas ideais em dois refe renciais inerciais chegamos à definição do vetor momento como m p=

2v= γmv,

(5.19)

v 1− c2 onde m era a massa de repouso da partícula e v sua velocidade; gm tem a mesma dimensão de m, porque g é um escalar. Se compararmos a expressão de momento, escrita acima, com a expressão clássica p = mv, veremos que surge um novo concei to, a “massa” M = gm, que depende da velocidade da partícula. É claro que esse novo conceito, que denominamos massa relativística, não implica propriedade nova da matéria e surgiu apenas da tentativa de fazer a expressão de momento relativístico ter o mesmo formato que a de momento clássico (p = m v). No formalismo de quadrivetores que estudamos neste capítulo, o momento rela tivístico foi introduzido na Equação 5.15 como o produto do invariante massa de repouso pelo quadrivetor velocidade (cujo módulo é invariante). As três compo nentes espaciais desse produto constituem o momento comum p e a componente

91

92

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

temporal é a energia total, exceto pelo fator i/c. Essa definição, além de mais simples, porque envolve a massa de repouso, que é uma característica inerente da partícula, está mais de acordo com a filosofia da TRE, por implicar grandezas invariantes sob a TL. Repare que a energia total E não é uma grandeza escalar, mas, sim, a quarta componente de um quadrivetor, e não é, portanto, um invariante de Lorentz. O mes mo podemos afirmar a respeito da massa relativística M(v), que lhe é proporcional pela relação de Einstein E = M(v)c2. Por isso, parece-nos mais conveniente guardar o nome massa para o conceito de massa de repouso, que é uma propriedade ine rente e invariante da partícula e referir-nos explicitamente à massa relativística quando quisermos utilizar o conceito M(v) = gm, quarta componente do quadrivetor momento (exceto pelo fator invariante c2), que não é invariante de Lorentz.

5.8 a lEi dE ConsErvação dE momEnto -EnErgia E dECaimEnto nuClEar Sabemos pela Equação 5.16 que papa é um invariante sob a TL: −m pa2c2 pa =– = p2m2c2. −E Mas, pela Equação 5.17, 2

, c2 ou –m2c4 = p2c2 – E2 = I,

(5.20)

onde introduzimos o símbolo I para representar o invariante do quadrivetor momen to-energia ou, simplesmente, invariante momento-energia. A esse invariante cor responde uma lei de conservação – lei de conservação de momento-energia – ve rificada experimentalmente em numerosas reações nucleares. Ela impõe restrições nas interações possíveis entre corpos e constitui, juntamente com a lei de conserva ção de massa-energia, o par de leis fundamentais para o estudo das reações nuclea res, como veremos em variados exemplos neste capítulo. Vamos analisar, como exemplo, o decaimento espontâneo – isto é, resultante da dinâmica interna do núcleo, sem a presença de agentes externos – de um núcleo em duas partículas. Considere um núcleo de massa M que decai em duas partículas de domassa massas m1 sistema (veja e ma2nota . Analisaremos 2 do Capítulo esse4). processo R* é o referencial no referencial do núcleo do centro antesde decaimen R* do to e o momento do sistema nesse referencial é P = 0. O invariante momento-energia do sistema é: I = P2c2 – E2 = – M2c4. Depois do decaimento, as duas partículas de massas m1 e m2 têm energias E1 e E2 e momentos p1 e p2. O momento total depois do decaimento, no referencial do centro de massa, é (por definição de centro de massa) p1 + p2 = 0,

5.8 — A lei de conservação de momento-energia e decaimento nuclear

e o invariante Itoma a forma: I = (p1 + p2)2c2 – (E1 + E2)2 = – M2c4, ou E1 + E2 = Mc2. As energias podem ser escritas na forma: E1 = m1c2 + Ecin 1, E2 = m2c2 + Ecin2. Então Mc2= (m1 + m2)c2 + Ecin 1 + Ecin 2. Como as partículas formadas têm energia cinética maior do que zero, obtemos a condição: M > m1 + m2. Portanto, o decaimento espontâneo só é possível se a massa do núcleo que se de sintegra é maior do que a soma das massas das partículas resultantes do processo. É óbvio então que, para que um núcleo de desintegre em partículas cuja soma das massas seja maior do que a massa do núcleo original, é necessário fornecer energia externa.

Problema 6 No decaimento discutido anteriormente, calcule as energias das par tículas resultantes em termos das massas do núcleo e das partículas.

(M2 − m

(M2 − m2M+ m12)c2

12

22

Resposta: E1 =

,

+ m22)c2

E2 =

. 2M

Exemplo 5.1 Vamos estudar um outro exemplo de aplicação do invariante momento-ener gia no fenômeno de produção de par elétron-pósitron (veja a Seção 4. 3). Um g produz um par elétron-pósitron na vizinhança de um núcleo de massa M. Calcule o limiar de energia (energia mínima) do g para que o processo possa ocorrer.

Solução Como o núcleo tomará uma parte da energia do g, o limiar de energia deste deverá ser maior do que 2mc2, que é a energia utilizada na formação do par elétron-pósitron. Invariante momento-energia, antes da reação, no referencial do núcleo (labo ratório):

93

94

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

I = ⎛ EcL ⎞ −(EL + Mc2)2 , 2 c 2 ⎜⎝ ⎟⎠

porque P(antes) = EL

.

(a)

c

Escreveremos o invariante momento-energia depois da reação no referencial do CM. Como I é um invariante, podemos escolher qualquer referencial, mas o do CM é mais conveniente, porque nele o momento total P * será nulo: I = – P*2c2 – (Mc2 + 2mc2)2 = – (Mc2 + 2mc2)2.

(b)

Então, de (a) e (b) obtemos: EL

2⎛⎝1+mM⎞⎠.

=2mc⎜⎟

5.9 QuadrivEtor Força O quadrivetor força – denominado força de Minkowski –, apropriado para o trata mento relativístico de processos dinâmicos, é obtido pela derivação do quadrivetor momento em relação ao tempo próprio da partícula: Fα = dp dt0α = d(m0 dx dt0αdt0) .

(5.21)

Essas equações são invariantes em relação à TL, porque os dois membros envol vem quadrivetores e o escalar massa de repouso, que são invariantes sob a TL. Vamos mostrar que as componentes espaciais desse quadrivetor, a baixas veloci dades, reduzem-se às componentes da força da mecânica clássica e que as Equações 5.21 podem ser consideradas como a forma relativística da segunda lei de Newton. Consideremos a componente x, lembrando que dt0 = dt!1–v2/c2: =dp dt0x = Fx

d

mvx v2 , 1 dt 1− 1− c2 c2 v2

ou dt v2 d mvx v2 =Fx1−c2. 1−

(5.22)

c2 O primeiro membro dessa equação é a derivada do momento em relação ao tempo e podemos, então, identificar o segundo membro com a força comum fx: fx =Fx1−v2c2.

(5.23)

5.10 — Interpretação geométrica da transformação de Lorentz

95

Para v ct; c) para que um dos eventos seja causa do outro, é necessário que Dx < ct. Relacione as respostas dos itens (b) e (c) com o cone de luz. 5.3 Demonstre que se eventoA é causa do evento B num referencial inercial e por tanto o precede, essa relação de precedência será observada em qualquer outro referencial inercial. 5.4 Imagine que seja possível enviar sinais com velocidade c9 > c. Demonstre que é, então, possível achar um referencial R9 (que tem velocidade u < c) no qual o efeito precede a causa. 5.5 Escreva as equações de transformação entre as componentes do quadrivetor força entre dois referenciais inerciais. 5.6 Demonstre que o produto Faua da quadriforça com a quadrivelocidade é um es calar igual a zero e que, como consequência, o produto escalar da força comum pela velocidade comum é igual à taxa de aumento da energia total relativísti ca. Empregue o princípio de invariância do quadrivetor momento-energia para re solver os exemplos 4.2, 4.3, os problemas 4.10 e 4.11 e também os problemas 3 e 4 do Capítulo 4. 5.7 Uma partícula de massa de repouso M, em repouso, decai para uma partícula de massa de repouso m, emitindo um raio g. Ache as energias das partículas resultantes do processo. Resposta: (M2± m2)c2/2M.

99

100

Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

101

relatividade e eletrodinâmica

6.1 Formulação Covariante Antes da formulação da teoria da relatividade especial (TRE) por Einstein, em 1905, Voigt, Larmor e Lorentz haviam, sucessiva e independentemente, descoberto a trans formação – denominada posteriormente transformação de Lorentz (TL) – sob a qual as equações da eletrodinâmica são formalmente invariantes. Como a transformação entre diferentes referenciais inerciais aceita na física clássica é a transformação de Galileu (TG), sob a qual as equações da eletrodinâmica não são invariantes, a suposi ção vigente na época era de que as equações da eletrodinâmica eram válidas apenas no referencial do éter, em repouso no espaço absoluto. Não estava claro então, para Lorentz, ainda convencido da existência do éter, que a nova transformação tinha um significado físico, isto é, que ela relacionava medidas físicas reais feitas em diferen tes referenciais inerciais. Como vimos no Capítulo 3, Einstein examinou a questão de outro ponto de vista. Partindo dos dois postulados de sua teoria, deduziu a transformação matemática aplicável à transição entre referenciais inerciais que mantivesse invariantes as equa ções da eletrodinâmica de Maxwell. É claro que encontrou de novo e independen temente a transformação já conhecida por Lorentz, mas agora ela tinha significado físico claro: era a transformação correta para relacionar medidas feitas em diferentes referenciais inerciais. É óbvio, então, que a eletrodinâmica de Maxwell é uma teoria relativisticamente correta, por serem suas equações fundamentais invariantes sob a TL. Ela não exige modificações, como acontece com a mecânica de Newton, para satisfazer os postulados da TRE. Não é adequado falar em “dar um tratamento relativístico à eletrodinâmica”, por que, como apontamos antes, ela já tem, de fato, uma formulação relativística. Preten demos apenas dar-lhe uma formulação no espaço-tempo de modo que o tempo e as coordenadas espaciais sejam tratadas da mesma forma. Uma formulação das leis da física que trata as coordenadas espaciais e o tempo da mesma forma é denominada covariante; procuramos, então, uma formulação covariante da eletrodinâmica de Maxwell.

102

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Seguindo o mesmo procedimento do capítulo anterior, devemos representar cer tas grandezas fundamentais como quadrivetores, assim como fizemos com as entida des velocidade (ua) e momento-energia (p, iE/c). É preciso trabalhar cautelosamen te, porque nem sempre um vetor é parte de um quadrivetor. Como veremos, não será possível, por exemplo, exprimir os campos E e B como partes de quadrivetores.

6.2 FORMA DIFERENCIAL DAS EQUAçõES DE MAXWELL As Equações de Maxwell estabelecem as relações entre os campos eletromagnéticos e suas fontes. Em forma diferencial, elas podem ser escritas, para o vácuo, como: ∇⋅E = ε0−1ρ, ∇⋅B = 0, ∂B ∇×E = − ∂t ,

(6.1)

∇×B=µ0J+µ0ε0 ∂E , ∂t onde 0–1 = 4p · 109 e m0 = 4p · 10–7, em unidades do SI. A ação dos campos sobre uma partícula carregada é dada pela força de Lorentz: F = q(E + v 3 B).

(6.2)

Essa equação pode ser considerada aqui como empírica, mas é possível deduzi-la matematicamente na formulação covariante das equações de Maxwell que apresen taremos a seguir. As Equações 6.1 e 6.2 constituem, com a mecânica clássica, a eletrodinâmica de Maxwell-Lorentz. Se o estado de um sistema no instante inicial e a lei de mudança do estado são dados, pode-se determinar univocamente, com as Equações 6.1 e 6.2, o estado do sistema em qualquer instante futuro.

6.3 EQUAçãO DE CONTINUIDADE Iniciaremos a formulação covariante da eletrodinâmica pela análise de duas leis, veri ficadas experimentalmente com grande precisão: as leis de conservação e de inva riância da carga elétrica. Repetindo a discussão que já fizemos ao tratar de massa, é necessário separar cuidadosamente os conceitos conservação e invariância. Considere uma superfície fechada, fixa num referencial inercial R, contendo em seu interior cargas elétricas, positivas e negativas. Se ocorrer algum processo físico, a variação de carga no interior da superfície deverá ser compensada pela entrada ou saída de uma carga “líquida” equivalente através da superfície. Suponha, por exem plo, que um raio g passa através da superfície fechada considerada e forma um par elétron-pósitron no interior dela. Como o raio g não transporta carga, o fluxo de car ga através da superfície é nulo. Por outro lado, a compensação exata das cargas elé

6.3 — Equação de continuidade

tricas do elétron e do pósitron, criados no interior da superfície, mostra que a lei de conservação se verifica. Em qualquer desintegração de um núcleo atômico neutro, a soma das cargas elétricas das partículas produzidas é nula. Os exemplos experimen tais são inúmeros e não é necessário repeti-los aqui. A equação da continuidade, que exprime matematicamente esse fato, pode ser deduzida das equações de Maxwell, como se mostra a seguir. Toma-se a divergência da quarta equação 6.1, lembrando que =· =3 = 0 e substitui-se =· E pelo valor dado pela primeira Equação 6.1; obtém-se: ∇⋅J + ∂ρ ∂t = 0.

(6.3)

Escrita na forma integral,

—∫SJ ⋅dA=−∂t∂ ∫V ρdV a Equação 6.3 permite uma leitura mais fácil: a variação da carga no volume en volvido pela superfície, dada pelo segundo membro da equação, é igual ao fluxo da corrente através da superfície, dado pelo primeiro membro. A Equação 6.3 é uma equação de conservação. A invariância, no entanto, refere-se à observação de que a carga total de um sistema não muda devido ao movimento do observador. Um exemplo experimental interessante é a comparação da molécula de hidrogênio H2, formada por dois prótons e dois elétrons, com o átomo de hélio, com os mesmos constituintes eletrizados. O movimento dos constituintes é muito diferente nos dois casos, mas a carga total é ri gorosamente nula em ambos (numa precisão melhor do que uma parte em 1020). No contexto da TRE, podemos estender essa observação ao movimento dos observado res e dizer que a carga elétrica dentro de uma superfície fechada num referencial R tem o mesmo valor para observadores situados em outros referenciais inerciais R9. Mostraremos isso logo adiante com um argumento matemático, mas já podíamos prever esse fato pela razão de ser a carga elétrica uma grandeza escalar e serem as grandezas escalares independentes do referencial. Portanto, a invariância da carga significa exatamente isto: que a carga observada independe do movimento do observador. A carga elétrica, portanto, tem duas propriedades importantes: ela se conserva (mantém-se constante num processo físico) e é invariante (numa mudança de re ferencial). Diferentemente, como vimos no Capítulo 5, energia (energia-massa) se conserva, mas não é invariante, porque energia é a quarta componente de um qua drivetor e não uma grandeza escalar. Vamos construir agora a forma covariante da equação da continuidade. Substi tuímos, como fizemos na Seção 5.4, a variável t por t = ict; a Equação 6.3 pode ser escrita na forma ic∂ρ = ∇⋅J + 0, ic∂t

103

104

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

ou ∂yy + ∂J ∂x + ∂J ∂zz + ∂(icρ) ∂Jx = 0. ∂τ Essa equação, escrita na forma quadridimensional ∂Jα =0

(6.4)

∂xα é um invariante de Lorentz (lembre-se de que nessa equação está subentendida um somatório Jy sobre o índice α de 1 a 4, por causa do índice repetido α), então (Jα) = (Jx, , Jz, Jτ) é de fato um quadrivetor. Definimos o quadrivetor densidade de corrente por (Jα) = (ρu, icρ).

(6.5)

A Equação 6.4 exprime a equação da continuidade em forma covariante.

Problema 1 Demonstre que a Equação 6.4 é um invariante de Lorentz. Sugestão: Mostre que ela é invariante sob a transformação 5.8.

Vamos mostrar agora a invariância da carga elétrica com o movimento relativo ao observador. Considere um corpo com densidade de carga elétrica ρ, situado no referencial R!, que se desloca com velocidade u em relação ao referencial R. A car ga elétrica em um elemento de volume dV! do corpo no referencial R! é dq! = ρ!dV!. há corrente No referencial não R!,elétrica apenasnesse a componente referencial. Jτ do quadrivetor (Jα) não é nula, porque A densidade de carga, sendo a quarta de um componente quadrivetor (Equação 6.5), transforma-se de acordo com a TL (Equação 5.8): ′ρ ρ= 1− β2 (β = u/c).

Mas, ao mesmo tempo em que a densidade de carga aumenta, o volume diminui, devido à contração do comprimento na direção do movimento (somente a dimensão do corpo na direção do movimento é alterada). Então: ′ρ ρdV=

d′V1−β2=′ρd′V. 1− β2

Podemos interpretar esse resultado assim: à medida que o volume se contrai, de acordo com a TL, a densidade de carga cresce pelo mesmo fator e a carga elétrica num elemento de volume, pela compensação dos dois, mantém-se invariante.

6.4 — Potenciais do campo eletromagnético

6.4 POTENCIAIS DO CAMPO ELETROMAGNéTICO Não é possível escrever os campos E e B como partes de quadrivetores; podemos, porém, tentar construir a formulação covariante do eletromagnetismo a partir do po tencial escalar p e do potencial vetorial A. No estudo da eletrodinâmica, mostra-se que o sistema de equações ∂2A ∇2 A−µ0ε0

=−µ0J, ∂t 2 ε0∂2ϕ∂t2 ρ, ∇2ϕ−µ0 ∇⋅A+ε0 =−ε1

(6.6)

0

complementado com a condição de calibre de Lorentz, µ0∂ϕ∂t=0

(6.7)

é completamente equivalente ao sistema de equações de Maxwell (Equações 6.1). Vamos trabalhar com o sistema de Equações 6.6, 6.7 para obter o formalismo cova riante. Multiplicando as Equações 6.6 pelos fatores apropriados, vemos que os termos do segundo membro constituem o quadrivetor densidade de corrente (J, icρ). Os ter mos do primeiro membro devem, portanto, representar, também, as componentes de um quadrivetor. Definindo o quadrivetor potencial

(Aα)=⎛⎝A1,A2,A3,ciϕ⎞⎠=⎛⎝A,ciϕ⎞⎠, ⎜⎟⎜⎟ ∂xαα = 0, ou □ · (Aα) = 0,

(6.8)

a condição de Lorentz (Equação 6.7) pode ser escrita na forma covariante: ∂A (6.9) onde o operador h · é o divergente quadridimensional. As Equações 6.5 na forma covariante são ∂2Aν =−µ0Jν

(6.10)

∂xα2 (lembre-se de que está subentendida uma soma sobre α de 1 a 4, porque dxα2 = de mais o operador dx αdxα). Essa d’alembertiano equação podeh2, ser escrita que nada formaé ainda mais compacta, utilizando-se do que o operador laplaciano qua dridimensional: h2(Aα) =– μ0(Jα) (6.11)

105

106

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

onde, ⎛ c1 ∂t ∂2 ⎞ □2≡ ∇2 − ⎜ 2 2 ⎟ . ⎝ ⎠ Agora estamos preparados para examinar os campos E e B e procurar descobrir como devem aparecer numa formulação covariante, mas antes vamos rever o concei to de tensor, que será necessário nesse estudo.

6.5 tensores x3

dSF

x1

x2

Figura 6.1 Para conhecer a tensão num corpo é necessário conhecer a força F que atua sobre ele e o elemento de superfície ds sobre o qual a força é exercida.

Sabemos que algumas grandezas físicas podem ser representadas como escalares ou como vetores, mas há outras que exigem uma representação matemática mais complexa. Por exemplo, a tensão em um corpo deformável não é dada apenas pela força F que age num ponto do corpo. É necessário conhecer também o elemento de superfície dS sobre o qual ela age. Como esse elemento pode ser caracterizado pelo vetor de módulo dS, normal a ele, vemos que é necessário um novo ente matemático formado por dois vetores: a for ça aplicada F e o elemento de superfície dS (Figura 6.1). O nome tensor tem origem nesse tipo de proble ma. Observe que nem o produto escalar nem o produ to vetorial dos dois vetores carregarão sozinhos toda a informação necessária sobre a tensão que está sendo examinada.

Tomemos dois vetores a e b dados por suas componentes num sistema de coorde nadas: a = (ax, ay, az) e b = (bx,by,bz). Podemos formar as nove combinações: ax bx, ax by ax bz ay ay bz az bx, ay by, az bx, az by ,

(na superfície normal a Oy), Ox), (na superfície normal a Oz),

que chamaremos Tik , (i,k = x, y, z), representados na Figura 6.2. Vimos na Seção 5.1 que as componentes ai e bi dos vetores se transformam numa rotação do sistema de eixos coordenadas como as próprias coordenadas, portanto, com regras bem definidas. Então, as combinações Tik também se transformarão se gundo regras definidas, isto é, como produtos das coordenadas. Podemos agora defi nir um tensor da seguinte maneira: que, Um sobre tensor umade rotação segunda do sistema ordem éde um coordenadas agregado de dada nove por grandezas xi = αik Tik(i, k = 1,2,3), xk! (Equações 5.1), transformam-se como um produto de coordenadas, isto é, de acordo com a regra Tik = αim αkl T!ml.

(6.12)

O tensor é chamado de segunda ordem, porque, nesse caso, envolve dois veto res. Podemos de forma análoga, construir tensores de terceira ou quarta ordem com

6.5 — Tensores

três ou quatro vetores. No texto que segue, trataremos apenas de tensores de segunda ordem e omitiremos, por isso, a ordem.

107

x3

Num referencial particular, um tensor t (em ma T33 nuscrito represente o tensor como T) é representado univocamente por um conjunto de nove funções que T31 são suas componentes, porém, para que um conjun T32 T13 to qualquer de nove funções represente um tensor, T23 T11 é necessário que elas se transformem, numa rotação do sistema de coordenadas, de acordo com a regra T21 T12 x1 dada acima (Equação 6.1). É a lei de transformação T22 das componentes que contém a essência da ideia de tensor – a situação é idêntica à que encontramos na definição de vetores. Em um sistema de coordenadas particular, um vetor A é determinado univocamente x2 por suas três componentes ax, ay, az. Se um novo sis tema de coordenadas é introduzido por uma rotação, o mesmo vetor A é determinado por um novo conjunto de componentes e essas novas componentes são relacionadas com as velhas por uma Figura 6.2 As nove regra bem definida, que é a forma de transformação das próprias coordenadas. Na componentes Tik da regra de transformação das componentes, está a essência da ideia de vetor. tensão num cubo A independência de vetores e tensores em relação à escolha do referencial é o que faz deles ferramentas matemáticas importantes para o estudo das leis da natureza, porque esperamos que estas sejam independentes dos sistemas de coordenadas. Um tensorasé componentes tissimétrico, simétrico se Tik diagonais = Tki e antissimétrico T11 se Tik = –Tki. Num tensor an por exemplo, T11 , T22 e T33 são nulas, porque devemos ter, = –T11; existirão, portanto, apenas seis componentes independen tes. Qualquer tensor pode ser decomposto na soma de um tensor simétrico e um antissimétrico na seguinte forma: Tik = 1 2(Tik +Tki)+ 1 2(Tik –Tki).

Problema 2 Mostre que (Tik +Tki) e (Tik – Tki) são tensores simétrico e antissi métrico, respectivamente.

Podemos associar a qualquer tensor o escalar traço do tensor: tr T = T11 + T22 + i =d T33 ai, .kik Oeatensor diik==a0k,unidade se ouiseja,  k. 1ÉA éfácil definido = como o tensor cujas componentes são dik = 1 se ver que para qualquer vetor A, cujas componentes são A. As ideias desenvolvidas até agora para tensores no espaço de três dimensões po dem ser estendidas imediatamente para quadritensores no espaço-tempo.

elementar do corpo são representadas na figura. Na face normal ao eixo x1: T11, T12, T13; na face T23 normal a x2: T21, T22, e na face normal a x3: T31, T32, T33.

108

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Para que uma equação seja um invariante de Lorentz ela deve ter uma das formas: a = b, onde a e b são escalares; (aα)=(bα), onde (aα) e (bα) são quadrivetores; (Tμν) = (Qμν), onde (Tμν) e (Qμν) são quadritensores de segunda ordem (na verdade, essa equação pode ser generalizada para quadritensores de qualquer ordem). Sob rota ções do sistema de eixos coordenados (x, y, z, τ) que, como vimos na Seção 5.6, equivalem a transformações de Lorentz, os dois membros dessas equações se trans formam segundo a mesma lei, portanto, as equações não são violadas. Uma relação linear entre duas grandezas vetoriais pode ser representada por um tensor de segunda ordem. Um exemplo bem conhecido é a relação entre a velocida de angular de um corpo rígido e seu momento angular, L = Iv, onde L é o momento angular, I o tensor momento de inércia e v a rotação. Essa mesma relação pode ser representada em termos das componentes: Li = I ij ωj. Suponhamos que dois vetores Y e X sejam relacionados linearmente pelo ten sor T: Y = T X.

(6.13)

Vamos realizar uma transformação ortogonal a nessa relação. Uma transformação será ortogonal se for real e deixar o módulo do vetor invariável. Uma rotação do sis tema de eixos coordenados, por exemplo, é uma transformação ortogonal.

Problema 3 Mostre que numa transformação ortogonalx!i = aijxj, devemos ter aij aik = δjk, onde δjk é o δ de Kronecker (δjk = 0 se j  k e δjk = 1 se j = k). Sugestão: Considere a transformação x´i aijxj e faça (x!i)2 = (xj)2 (lembre-se de que (xj)2 = xjxj). =

A transformação ortogonal a transformará Y em Y9, X em X9 e T em T9. A Equa ção 6.12 se transformará em Y9 = T9 X9.

(6.14)

Mas, como se transforma o tensor? Yi! = aijYj = aijTjkXk = [aij Tjk (ã)km)]X!m,

(6.15)

porque X!m = amk Xkimplica Xk = (ã)km X!m. O til indica os termos da matriz transpos ta: (ã)km = amk. Comparando as Equações 6.13 e 6.14, vemos que T!im = aij Tjk (ã)km,

(6.16)

que escrita simbolicamente em forma matricial torna-se: T9 = A T Ã.

(6.17)

Essa última equação, que exprime a lei de transformação do tensor T sobre a transformação ortogonal A, nada mais é do que uma nova forma de escrever a Equa ção 6.12.

6.6 — O campo eletromagnético

6.6 O CAMPO ELETROMAGNÉTICO Estamos agora preparados para Ver COmO OS CampOS E e B Vão aparecer COm esse tipo de tratamento. Podemos calcular os campos a partir dos potenciais A e p pelas equações: OA

E = —Vq) — —,

(6.18)

B = V X A.

(6.19)

º==

Multiplicando Os dois membros de 6.18 por i/C obtemos: { { (i OA — E = —V—(p + ——. C C 0t



Multiplicando O numerador e O denominador dO último termo por i, para introdu zir a variável aº4 = T = ict, achamos:

#E=-V4p- A C

OT

C

As três componentes dessa equação vetorial são: OA,



OA

O



*E =#="#, dra 0x1

OA

C

OA,



4E, _042_241 dra drº

e

C

OA

*E = 0x, ** —*. 0xa C

As componentes da Equação 6.19 são:

_04_042,

a_04_04,

B, = — — —á1 —

-

drº dra

2 -

dra

-

_ OA, 3 — de

-

-

0x1

-

dA, drº

-

Podemos agora definir as dezesseis grandezas, que constituem o tensor F:

OA, dA, piv T

# ox,

(6.20)

Por exemplo: OA,

OA

OA,

OA

(* *)

{

F. = −4 ——=———–4 = —– E. 14

de

0x1

c“l

Calculando da mesma forma as Outras COmponentes do tensor, Obtemos:

Fu = Fiz = Fia = Fu = 0, {

F1= —Fu ===C E. — ? FM = -Fie ===E. ?

F;a==Fia ===E,

| 09

I IO

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Fiz ==F} = Ba: F.3 ==F2 = B1, Fal ==Fia = B2 e

O

B

—B,

0

-B ==E ?

B,

—=E.

º "l

F=

B, —B,

0

(6.21)

-4E, C

{ — E,

{ — E,

—E

C

C

C

1

2

()

3

O tensor antissimétrico F é formado pelas componentes do campo elétrico E e as do Campo magnético B e é denominado tenSOr de CampO. Observe que as COmpO nentes de B correspondem às variáveis espaciais a, y e 2 e são grandezas reais. As COmpOnentes de E, que COrrespondem à Variável temporal T, SãO imaginárias. Nesse nOVO formalismo, Os CampOS E e B não são grandezas independentes — eles se fun dem num único objeto que é o tensor F.

Mostraremos a seguir como as equações de Maxwell podem ser escritas de forma covariante utilizando esse tensor. Tomemos o divergente do tensor F, definido na primeira igualdade a Seguir (note que estamos utilizando explicitamente O Símbolo de SOmatóriO para tornar mais Claro O formalismo):

O ( OA, dA

OFA,

E -># -> Oxy | dra

-

à v 04,

-->

Oxy

Ll

Oxy

0"A

-> …" V

Observe que OA > = V

D_] .

(A)= 0

(Equação 6.9) e

V

0"A

X V

# = uo (J)

(Equação 6.10).

V

POrtantO

D - F = uo (Ju).

(6.22)

O leitor poderá agora escrever essa equação em forma matricial e desenvolvê-la para obter as quatro equações das componentes. Verificará, então, que as três pri meiras são as componentes da equação vetorial V X B = puo.J + p_0e0 ôE/ôt e a última, a equação V. E = p/eo.

6.7 — Transformação do campo eletromagnético sob uma TL

Problema 4 Demonstre a identidade: ∂Fλµ + ∂Fµν + ∂Fνλ = 0. ∂xν ∂xλ ∂xµ

(6.23)

de Fmn (Equação 6.20); l, m e n são três índices esco lhidos Sugestão: entre Utilize 1, 2, 3 ae definição 4.

delas, Substituindo em funçãona das identidade variáveis 6.23 x1, x2osevalores x3, é a equação Fmn, obteremos = quatro equações; uma · B = 0 e as outras três são as componentes da equação vetorial = 3 B = – B/t. Completamos assim o sistema de equações de Maxwell na forma procurada: as Equações 6.22 e 6.23 representam as equações de Maxwell em forma covariante. As associações de J e r, A e w como componentes de quadrivetores e de E e B como componentes de um tensor de se gunda ordem, mostram a inseparabilidade dos fenômenos elétricos e magnéticos; e, mais ainda, que essa inseparabilidade tem raízes profundas em nossas concepções de espaço e tempo. Mostraremos, na próxima seção, como se transforma o tensor de campo sobre a TL.

6.7 transFormação do CamPo eletro magnétiCo sob uma tl Vimos na seção anterior que o campo eletromagnético é um tensor de segunda or dem no espaço-tempo. Então, sob uma TL, suas componentes deverão se transfor mar como as componentes de um tensor de segunda ordem em quatro dimensões (Equação 6.12): F9mn = ama anb Fab. Consideraremos a configuração padrão em que o referencial R9 se desloca com velo cidade u, em relação ao referencial R, na direção x. ATL do tensor F do referencial R para o referencial R9 pode ser escrita na forma da equação matricial F9 = A F à (Equa ção 6.16), onde A é a matriz da TL (Equação 5.8) e à a matriz transposta de A.

Problema 5 Escreva explicitamente a equação matricial F9 = A FÃ, na situação referencialreferencial emqueo R, e ache os R9 termos se desloca F9mn com em função velocidade dos termos u na direção Fmn. x, em relação ao

Da solução do problema anterior, obtemos:

111

| 12

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

B = F% = Fia = B, ,

(º …) - (n. -**)

B) = F = yFu Hi5YEu = B = F% = y Fe + iByFA * __ TY/







Q,



(6.24)

o2



/

Q,

E-crº-ert-br… E, pºr pr)-em-º, " E = E 30

30

3. "

E = r(E, —BoB)

E = /(E + BCB) Vemos que as componentes E, e B, na direção do movimento do referencial R" não se alteram e que as componentes perpendiculares à direção do movimento são alteradas, OCOrrendo um emaranhamentO de COmponentes de E COm COmponentes de B. Fica Claro que OS COnceitOS de CampO elétricO e CampO magnéticO SãO COncei tOS relativOS, isto é, dependem do movimentO dO Observador. Um Campo elétricO E “puro” Ou um campo magnético B “puro” em um referencial têm componentes E e B em OutrO referencial. ISSO não é nOVO para O leitor, bastando lembrar que uma carga elétrica em movimentO Cria um Campo magnéticO Observável nO laboratório, mas que é inexistente para um Observador em movimentO COm a carga. Vimos nO Capítulo 1

que foram considerações dessa natureza que motivaram as investigações de Einstein que o levaram à criação da TRE.

As Equações 6.24 podem ser escritas de forma compacta como equações VetOriais:

E = E, /

B = B,

E = /[E] + uxB]. /

B =

"º.- "…] 1

(6.25)

Onde Os Símbolos II e Lindicam COmponentes paralelas e perpendiculares à Velocida

de u do referencial R" em relação a R.

Problema 6 Mostre que no caso em que us:< C, a transformação dos campos de um referencial inercial para Outro pode ser descrita pelas equações Vetoriais

E = E + u X B/cº e B = B — u x E/cº.

É interessante investigar se há grandezas relacionadas às componentes do tensor Finvariantes sob a TL. A partir da regra de transformação de tensores, Tay= au aº T, substituindo os coeficientes ause aw por seus valores dados pela matriz que re presenta a TL (Equação 5.8), podemos mostrar que, para tensores antissimétricos, Os seguintes escalares são invariantes numa TL;

6.8 — Campo de uma partícula carregada em movimento uniforme

TmnTmn,

Tlm TmnTnl e

Tkl Tlm Tmn Tnk.

Problemade invariante 7 Lorentz. Demonstre que, se (Tmn) é um tensor antissimétrico, TmnTmn é um

Podemos aplicar os resultados enunciados antes ao tensor eletromagnético (Equação 6.21). Da invariância de FmnFmn e de Fkl Flm Fmn Fnk deduzimos a inva riância de E2 – c2B2= I1 e de (E·B)2 = I2. I1 e I2 exprimem características absolutas do campo eletromagnético, porque não dependem do referencial. Pode-se demonstrar (mas, não faremos isso aqui) que são os únicos invariantes do campo eletromagnético independentes – qualquer outro in variante do campo eletromagnético pode ser escrito como função desses dois. Da invariância de I1, concluímos que, se |E| = c |B| em um referencial inercial, igualdade a valerá em qualquer outro referencial inercial. Da invariância de I2, concluímos que se E e B são perpendiculares em um referencial inercial, serão (ou |E| em então em qualquer outro referencial que, se |ualquer B em umoutro 0 ou < 0, respectivamente.

Concluímos que não podemos, em geral, transformar o campo eletromagnético em campos E ou B “puros”, escolhendo referenciais apropriados, porque, para que isso fosse possível, seria necessário que o invariante E · B fosse nulo.

6.8 CAMPO DE UMA PARTíCULA CARREGADA EM MOVIMENTO UNIFORME Vamos mostrar como a TRE pode ser aplicada na solução de problemas da teoria ele tromagnética. Um bom exemplo é o cálculo do campo criado por uma partícula com carga q que se move com velocidade constante u no laboratório. Examinamos o problema num referencial em que a solução é óbvia e, em seguida, fazemos uma transformação para o referencial do laboratório R. Nesse caso, a solu ção é imediata no referencial R9 de repouso da partícula. Supondo a partícula situada na origem do referencial R9, a solução nesse referencial é um campo coulombiano estático da forma:

113

| |4

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

/

E"

Az"

=

1

Qr 3º

B" = 0

(º = aº + yº …")

4Teo (r') (6.26) Os eixOs dos referenciais são respectivamente pa ralelos e o referencial R" move-se ao longo do eixo aº do referencial R com velocidade u (Figura 6.3). No instante t = 0, as Origens dos referenciais coincidem. AS COOrdenadas da carga em R, no instante t, são aº = ut, y = e = 0. Agora transformamos para o referencial R do laboratóriO. Os CampOS no referencial dO labora tóriO podem ser obtidos usando as inversas das Equa l/

l/

Figura 6.3

ções 6.25, deduzidas simplesmente pela substituição de u por —u (R tem velocidade —u em relação a Rº).

R" é o referencial

da partícula de carga elétrica q

As equações de transformação de R" para R são então:

que se move ao

longo do eixo Ox

E = E,

E = y[E. —uxB].

do referencial R Com Velocidade u. NO instante t

B = B,

Bl

(6.27)

1

-",…e C

= 0, a partícula está na origem do referencial

R. O campo E é observado no ponto

Aplicando essas transformações às Equações 6.23 obtemos os campos no la bOratório: 1

P cujo vetor posição

é r (x —ut, y, z) em R e r" (x, y, z) em R".

1

/

E = E === *# 4Teo (r')

1

/

E, = yE === **, 4Teo (r')

/

E =YE === ** (628) 4Teo (r')

De acordo com a TL,

ac" = 'y (x — ut),

y' = y,

z" = e.

Portanto,

p/2



2 .

+4

-2

#

|-

yºrº,

y

Onde introduzimos a notação: 2

rº =(x-ut)" + ?/

-.2

# Y

O campo (Equações 6.25) pode ser então escrito na forma: 1 qr 2 E = ——(1 — Bº];



É3 = u/c e r = (x — ut, y, z) é O raio Vetor da carga q ao ponto de COOrdenadas (x, y, 2) Onde O Campo é determinado.

6.8 — Campo de uma partícula carregada em movimento uniforme

115

Para descrever o campo de forma pictórica, vamos introduzir o ângulo u entre o raio vetor r e a direção do movimento. É claro que y2 + z2 = r2sen2 u e r*2 = (x – ut)2 + (1 – b2)(r2 sen2u) = [(x – ut)2 + r2sen2u] – b2r2 sen2u = = r2(1 – b2sen2u). Então qr 1 0 r3 E= 4πε

1− β2 .

(6.30)

2 3

(1− β2sen

2θ)

O menor valor do campo ocorre na direção do movimento (u = 0, p) e o maior valor na direção perpendicular ao movimento (u = 6 p/2): 1 q E|| = 4πε0r 2

(1− β2 ),

4πε 1 0 rq

1

E⊥ =

(6.31) 1− β2 .

Portanto, o campo elétrico criado por uma carga em movimento não tem simetria esférica como o de uma carga em repouso – ele é, de fato, contraído na direção do movimento. Na direção Ox, o campo é menor do que no plano perpendicular o campo eletrostático a Ox é por maior umpelo fatorfator (1 – (1 b2)–eb2)–1/2. A (a) (b) Figura 6.4 representa as linhas de força do campo nos casos de carga em repouso (a) e de carga em movi mento (b), de acordo com a Equação 6.30. O estudan te poderá mostrar que, para velocidades próximas de c, o campo elétrico será observado num intervalo mui to estreito em torno de u = 6 p/2, isto é, na vizinhança do plano equatorial da partícula em movimento (a di reção do movimento tomada como eixo).

2

O potencial escalar w tem um valor constante na superfície do elipsóide (x – vt)2 + (1 – b2) (y2 + z2) = constante, que é obtido de uma esfera comprimida na direção Ox por um fator (1 – b2)1/2. Podemos agora calcular o campo magnético criado pela carga no referencial do laboratório. De acordo com as Equações 6.25, B|| = B9||, mas o campo magnético é nulo no referencial R9 de repouso da partícula; então Bx = B|| = 0. Para calcular a componente perpendicular à direção do movimento, utilizaremos as relações 6.25 para B e para E: B⊥ = γ ⎡⎢⎣′B⊥ +c12u ×′E⎤⎥⎦ = cγ2u× ′E⊥ = cγ2u× ⎡ E⊥ ⎤⎥⎦ = c1 2 u × E⊥ . ⎢ γ1 ⎣

u

Figura 6.4 Linhas de força do campo elétrico criado por carga em repouso (a) e em movimento (b).

116

Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Então, B = c12 u ×E. (6.32) As linhas do campo magnético são, portanto, círculos centrados na trajetória da carga. Para velocidades u