Processo Civil Brasileiro - parte geral - institutos fundamentais [2]
 978-85-203-6588-5

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ARAKEN DE ASSIS Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre e Especialista em Direito pela PUC-RS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto de Direito Privado, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) e do Instituto IberoAmericano de Direito Processual. Diretor da Revista Forense (Rio de Janeiro). Integra o Conselho Editorial da Revista de Processo (São Paulo), da Revista da Ajuris (Porto Alegre), Revista Jurídica e de outras publicações especializadas. Foi Conselheiro, Corregedor e Secretário da OAB-RS, antes de ingressar no extinto TA-RS. Ex-Diretor da Escola Superior da Advocacia da OAB-RS. Desembargador (aposentado) do TJRS e Professor Titular (aposentado) da PUC-RS, instituição na qual lecionou nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado). Comendador – “Jurista Eminente” – pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Advogado em Porto Alegre, São Paulo e Brasília.

ESTRUTURA DA OBRA VOLUME I PARTE GERAL: FUNDAMENTOS E DISTRIBUIÇÃO DE CONFLITOS LIVRO 1 – PARTE GERAL DO PROCESSO CIVIL TÍTULO I – Direito Processual Civil TÍTULO II – Fundamentos Constitucionais do Processo Civil TÍTULO III – Institutos Fundamentais do Processo Civil TÍTULO IV – Distribuição dos Conflitos VOLUME II PARTE GERAL: INSTITUTOS FUNDAMENTAIS TOMO I TÍTULO V – Das Partes TÍTULO VI – Dos Terceiros TÍTULO VII – Do Juiz TÍTULO VIII – Das Funções Essenciais à Administração da Justiça TÍTULO IX – Dos Atos Processuais TOMO II TÍTULO X – Provas em Geral TÍTULO XI – Instrução Antecipada TÍTULO XII – Tutela da Urgência e Tutela da Evidência TÍTULO XIII – Da Formação do Processo TÍTULO XIV – Da Suspensão do Processo TÍTULO XV – Da Extinção do Processo VOLUME III PARTE ESPECIAL: PROCEDIMENTO COMUM (DA DEMANDA À COISA JULGADA) LIVRO 2 – PROCEDIMENTO COMUM TÍTULO I – Etapa Postulatória TÍTULO II – Etapa do Saneamento TÍTULO III – Etapa da Instrução TÍTULO IV – Etapa Decisória

NOTA PRÉVIA A promulgação da Lei 13.105, de 16.03.2015, ou do Novo Código de Processo Civil, representa, sobretudo, esperança de uma justiça civil bem melhor do que a realizada presentemente. Em torno desse diploma, também conhecido como “Código Fux”, sem pejo da valiosa contribuição de outros juristas ao conjunto do texto, manifestou-se grande e compreensível interesse, parecendo justificar-se, a esse título, a edição da obra que culmina e sintetiza nossos estudos nessa área específica do direito – o Processo Civil Brasileiro. Impõe-se esclarecer, de saída, alguns pontos. A organização dos assuntos deve-se antes ao sistema do autor do que a distribuição das matérias no NCPC. Assim, em diversos capítulos cuida-se tanto da função de conhecimento, quanto da função executiva e cautelar, como seria de se esperar no âmbito da teoria geral do processo. Porém, inexistem incompatibilidades: há mais informações úteis ao leitor, e, não, menos subsídios para seus estudos e trabalhos. Buscou-se resgatar o sentido histórico de regras e institutos do NCPC. Apresentadas como inovações revolucionárias, determinadas soluções técnicas já eram conhecidas, embora abandonadas na legislação posterior, ou são muito antigas. A inquirição da testemunha diretamente pelos advogados das partes (art. 459, caput, do NCPC), a revelar surpreendentes pendores liberais, era o regime do Regulamento 737/1850, e, na sua vigência, apresentou o grave defeito de o juiz não comparecer à audiência, encarregando o escrivão de policiar a atividade. A tão gabada improcedência liminar do pedido (art. 332 do NCPC) originou-se de reforma da legislação processual portuguesa há quase um século. Parece inútil filiá-la a instituto similar da Common Law. Ocioso frisar que nada disso resolveu a profunda crise da justiça civil e é duvidoso que apresentará frutos apreciáveis. Em todo o caso, valendo-se de todos os recursos concebíveis da farmacopeia brasileira, senão universal, o NCPC aposta na liquidação, a médio prazo, do único e grande problema enfrentado na correta aplicação da lei processual – o número excessivo de litígios. Para essa finalidade, propõese a reduzir, drasticamente, a independência jurídica dos órgãos judiciários inferiores, doravante vinculados às teses jurídicas fixadas pelos tribunais superiores. Em outras palavras, o juiz de primeiro grau até pode ignorar a lei material ou deixar de aplicá-la confessadamente; porém, abstendo-se de observar na solução do litígio o precedente haurido do julgamento de casos repetitivos, sujeitar-se-á ao ignominioso remédio da reclamação (art. 988, IV, do NCPC), cujo acolhimento implicará a cassação da “decisão exorbitante” (art. 992 do NCPC). A função proeminente dos precedentes no direito brasileiro promoverá – permita-se a metáfora – o insólito acasalamento de jacaré e de cobra d’água. Em ordenamento filiado ao sistema da Civil Law, ou seja, dotado de regras gerais e abstratas supostamente tendentes à universalidade, portanto abrangendo situações futuras, eis que a regra jurídica concreta formulada pelos tribunais adquire eficácia vinculante de cima para baixo, e, não, através do consenso da conveniência em aplicar a tese jurídica em casos similares. É preciso aguardar os resultados do acasalamento. Porém, aplicado rigidamente o sistema, não se abstendo os tribunais superiores de conhecer e de acolher as inevitáveis reclamações, talvez o número prodigioso dos litígios seja contido e minorado.

Fitando essa possibilidade, o procedimento comum aumentou os deveres do órgão judiciário de primeiro grau, pretendendo aprimorar a qualidade das decisões. Realmente, a atividade dos juízes e das juízas, sobrecarregados por dezenas de milhares de processos (o número não é hipotético), deixa a desejar nesse último aspecto. Embora seja muito realçado o dever de motivação (art. 489, § 1.º, do NCPC), tecnicamente correto, mas impraticável nos termos delineados na regra se a pessoa investida na função judicante usufruir de vagares para analisar os atos postulatórios das partes e redigir o ato, o âmago do procedimento comum avulta no art. 357 do NCPC, ou seja, na decisão de saneamento e de organização do processo. Do órgão judiciário, revelando-se útil e necessário o prosseguimento do feito, aguarda-se a resolução das questões processuais pendentes; a fixação do tema da prova, ou seja, a delimitação das questões de fato objeto da instrução, deferindo ou ordenando a produção dos meios de prova pertinentes; a distribuição do ônus da prova (quem deve provar o que); a delimitação das questões de direito, visando a não surpreender as partes no futuro julgamento, malgrado a máxima iura novit curia; e a designação da audiência de instrução, se for o caso. O desempenho dessa complexa e delicada atividade exigirá, outra vez, profícua reflexão. É necessário ler e, principalmente, entender os atos postulatórios das partes e o teor da controvérsia. Se, mais uma vez, é praticável (ou não) essa magna tarefa, constitui outro problema. Por óbvio, exploradas todas as potencialidades da regra de “condensação”, o juiz terá o processo, por assim dizer, “na mão”. E, sem dúvida, o NCPC redefiniu o domínio das partes no processo civil, valendo citar, a esse propósito, o procedimento convencional do art. 190. Só o tempo revelará todas as potencialidades do NCPC. Essa obra não poderia esgotá-las desde logo. Não deixou de apresentá-las, sempre que possível, a exemplo de aspectos surpreendentes: a menção a “relação processual” (art. 238, in fine, do NCPC), desvelando a natureza jurídica do processo, e aos “fatos processuais” (art. 771 do NCPC), importante categoria na construção dos atos processuais. Progressivamente, incorporar-se-ão ao texto as contribuições da doutrina e da jurisprudência surgidas após a vigência do NCPC, se a acolhida do livro permitir novas edições. Vai a lume a obra com o que se escreveu no direito anterior. A nota prévia já se alongou demasiado, cabendo encerrá-la com breve crítica à redação da lei. Não só a escassez de artigos e a profusão de parágrafos e incisos (por exemplo, no art. 85 do NCPC) dificultará a interpretação e a aplicação das normas processuais. Também o legislador teve imensa dificuldade em exprimir seu pensamento em muitos casos e, não raro, empregou linguagem vulgar: art. 437, § 1.º, do NCPC, permite à parte adotar “posturas”, qual expressão corporal, na manifestação sobre a juntada de documentos. Não se compreende facilmente o escasso apreço ao vernáculo em código eminentemente técnico. Essas e outras imperfeições convivem, como destacado no início, com a fundada esperança de uma justiça melhor para as partes. O autor dedica o livro aos entusiasmados companheiros do início da jornada: Antonio Dall’Agnol, Fábio Gomes, Gérson Fischmann, Maria Berenice Dias e Sérgio Gilberto Porto. Ao novo companheiro de estudos, Eduardo Arruda Alvim. A Fernando Krieg da Fonseca, meu primeiro mentor na advocacia. Recorda carinhosamente os saudosos professores Galeno Lacerda e Ovídio Araújo Baptista da Silva, responsáveis pela formação do autor como processualista, e, ainda, o atuante e atento José Maria Rosa Tesheiner, professor na graduação e colega no TJRS e no PPGD da PUCRS.

E, naturalmente, dedica o livro à esposa, Desembargadora Mara Larsen Chechi, e aos nossos filhos, Cássio Chechi de Assis e Bóris Chechi de Assis, agradecendo-lhes o desmedido amor e a generosa compreensão pelo tempo subtraído à convivência familiar. O autor agradece o enérgico apoio da Dr.ª Marisa Harms ao projeto. Também agradece à equipe de revisão técnica da RT, liderada pelo Dr. George Silva Melo. Eventuais erros materiais, se houverem, são imputáveis ao autor. O AUTOR

LISTA DE ABREVIATURAS Ac. – Acórdão Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade Ag. – Agravo AgRg – Agravo Regimental Ajuris – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) Ap. – Apelação AR – Ação Rescisória Câm. – Câmara CC – Código Civil CoC – Conflito de Competência CF – Constituição Federal Cív. – Cível CJF – Conselho da Justiça Federal CNJ – Conselho Nacional de Justiça Cód. – Código CPB – Código Penal Brasileiro CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal CTN – Código Tributário Nacional DP – Digesto de Processo (Rio de Janeiro) ED – Enciclopedia del Diritto (Milão) Edecl – Embargos Declaratórios Ediv – Embargos de Divergência EI – Embargos Infringentes EJ – Estudos Jurídicos (São Leopoldo) EJD – Encyclopédie Dalloz (Paris)

EJSTF – Ementário de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Brasília) EJSTJ – Ementário de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Brasília) ESD – Enciclopédia Saraiva de Direito (São Paulo) GÊNESIS – Gênesis – Revista de Direito Processual Civil (Curitiba) HC – Habeas Corpus IARGS – Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) JCCTJRS – Jurisprudência das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) JTASP – Julgados dos Tribunais de Alçada de São Paulo (São Paulo) Julg. – Julgado MC – Medida Cautelar MP – Medida Provisória NDI – Novissimo Digesto Italiano (Turim) RAMP – Revista da Associação dos Magistrados do Paraná (Curitiba) RDC – Rivista di Diritto Civile (Milão) RDCo – Rivista di Diritto Commerciale (Milão) RDDT – Revista Dialética de Direito Tributário (São Paulo) RDDP – Revista Dialética de Direito Processual (São Paulo) RDirPen – Rivista di Diritto Penale (Milão) RDM – Revista de Direito Mercantil (São Paulo) RDP – Rivista di Diritto Processuale (Pádua) RDPC – Rivista di Diritto Processuale Civile (Pádua) RE – Recurso Extraordinário Recl – Reclamação ReDirPen – Revista de Direito Penal (Rio de Janeiro) RePro – Revista de Processo (São Paulo) REsp. – Recurso Especial

RF – Revista Forense (Rio de Janeiro) RFDPA – Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre (Porto Alegre) RHC – Recurso em Habeas Corpus RIARGS – Revista do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) RISG – Rivista Italiana per le Scienze Giuridiche (Milão) RJSTJ – Revista de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Brasília) RJTJRS – Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) RJTRF – Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional Federal … Região RMS – Recurso em Mandado de Segurança ROMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança RP – Rivista Penale (Roma) RT – Revista dos Tribunais (São Paulo) RTB – Revista dos Tribunais da Bahia (Bahia) RTDP – Revista Trimestral de Direito Público (São Paulo) RTDPC – Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile (Milão) RTJ – Revista Trimestral de Jurisprudência RTJSTF – Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Brasília) SE – Sentença Estrangeira STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça T. – Tomo TJDF – Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo V. – Volume

TOMO I TÍTULO V - DAS PARTES Seção I - Identificação das partes

Capítulo 29. PARTES NO PROCESSO CIVIL SUMÁRIO: § 109.º Partes no processo civil – 500. Conceito de parte no processo civil – 501. Classificação das partes no processo civil – 502. Identificação do réu no processo – 503. Designação das partes no processo civil – 504. Pressupostos processuais relativos às partes – 505. Princípios processuais relativos às partes – 505.1 Princípio da dualidade das partes – 505.2 Princípio da igualdade das partes – 505.3 Princípio do contraditório – 506. Conceito de terceiro no processo civil – § 110.º Personalidade processual – 507. Conceito de personalidade processual – 508. Alcance da personalidade processual – 508.1 Personalidade da pessoa natural estrangeira e nacional – 508.2 Personalidade da pessoa jurídica estrangeira e nacional – 508.2.1 Classificação das pessoas jurídicas – 508.2.2 Limites temporais da personalidade das pessoas jurídicas – 508.3 Personalidade de entes e de órgãos da pessoa jurídica (processo consigo próprio) – 509. Controle da falta de personalidade processual. § 109.º Partes no processo civil 500. Conceito de parte no processo civil A relação processual exibe como sujeitos as partes e o órgão judiciário. O Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – do NCPC alude, em primeiro lugar, às partes. Do órgão judicial e de seus auxiliares ocupar-se-á o Título IV do mesmo Livro III. Essa sequência não significa qualquer atenuação da importância do órgão judiciário no processo civil. O modelo do processo civil brasileiro é marcadamente autoritário, concentrando poderes no juiz, a quem incumbe dirigir-lhe formal e materialmente. O esquema preserva, contudo, o interesse superlativo das partes no desfecho do processo. São as destinatárias diretas da prestação jurisdicional a que o Estado obrigou-se a entregar-lhes ante a proibição da justiça privada. Por sua vez, a utilidade pública do processo é mediata. A sociedade beneficiar-se-á com a pacificação das partes, a realização dos direitos consagrados no direito objetivo e de outros frutos secundários, e seguramente nada negligenciáveis – a exemplo da uniformização do direito obtida pela consolidação da jurisprudência.1 Nada disso empalidece a singular importância individual da resolução do conflito no tocante aos litigantes. Limitações políticas tendem a mitigar esses efeitos no âmbito dos bens juridicamente relevantes, a exemplo da liberdade e da garantia do mínimo existencial. A conquista da autonomia dogmática do processo civil promoveu mudança capital na noção de parte. É, atualmente, o firme ponto de partida desse relevante conceito processual. Cumpre distinguir os figurantes da relação jurídica litigiosa hipotética, que forma o mérito (ou objeto litigioso, ou pretensão processual) do processo – por exemplo, tratando-se de relação de

crédito, o credor e o devedor –, que inspiraram o conceito material de parte (materielle Parteibegriff),2 das pessoas que ocupam os polos ativo e passivo da relação processual. Em geral, coincidem tais sujeitos, ou seja, o figurante da hipotética relação jurídica substantiva também ocupará a posição de parte ativa ou passiva no processo em que ela é controvertida; porém, ocorrem significativas exceções nessa simetria – há pessoas que, embora obstante sejam estranhas à relação material, legitimamente atuam como partes em processo no qual ela é controvertida. A possível dissociação dos sujeitos da relação processual e da res in iudiciam deducta (objeto litigioso) permite enunciar duas espécies de partes:3 (a) as partes no sentido formal (formelle Parteibegriff),4 ou sujeitos da relação processual, juntamente com o órgão judicial; e (b) as partes em sentido material, que são os titulares do objeto litigioso. Evoluiu-se, assim, do conceito originário – e, todavia, ainda encontrado em muitas exposições – que nem todos os sujeitos da relação processual, excluído o Estado, figuram como partes, mas tão só os que demandam e são demandados.5 Parte é a pessoa que figura na relação processual. Podem existir variações, decorrentes de peculiares noções de ação, pretensão e demanda,6 mas esta é a ideia central. Também se formulou o conceito “funcional” de parte (funktionelle Parteibegriff),7 com o propósito de explicar outras situações (v.g., a administração da Massa Falida), mas, aí, entram em cena figuras técnicas (v.g., capacidade processual), sem proveito ou necessidade. Importantes consequências derivam dessa distinção entre parte formal e parte material. Em primeiro lugar, a pessoa que, eventualmente, figura como parte no processo, na realidade talvez não exiba legitimidade (rectius: capacidade para conduzi-lo), ou seja: não deveria figurar como parte, embora figure como parte. Formou-se o processo, se a demanda provém da parte ilegítima, porque o direito à tutela jurídica do Estado toca a quem a invoque, mas não pode prosseguir regularmente, no todo ou em parte, e, assim, atingir seus fins próprios, em virtude, justamente, da falta de coincidência entre o sujeito da hipotética relação substancial e o sujeito do processo. Existem partes, mas uma ou outra, talvez ambas, não têm legitimidade. Nessa contingência, caberá ao órgão judiciário excluir a parte ilegítima, prosseguindo o processo entre os legitimados – por exemplo, a ilegitimidade recai sobre apenas um dos réus –, ou extinguir o processo (art. 485, VI), não ocupando o polo ativo e o passivo da relação processual, simultaneamente, os respectivos legitimados. A distinção entre os sujeitos de uma e outra relação jurídica aumenta de grau na hipótese de a lei autorizar essa dissociação. Às vezes, realmente, a lei autoriza (ou constrange) alguém que não é o titular daquela relação material a conduzir o processo. Por exemplo, o debenturista não tem legitimidade para, em nome próprio, exercer a pretensão a executar as debêntures emitidas pela companhia (art. 784, I). Esse direito toca, exclusivamente, ao agente fiduciário, nos termos do art. 68, § 3.º, da Lei 6.404/1976. E o agente fiduciário, por definição, não pode ser debenturista. Em tal hipótese, a falta de coincidência entre os sujeitos da relação processual e os sujeitos da relação material não afeta a regularidade do processo, cujo prosseguimento, ao menos sob este aspecto, mostra-se admissível. A participação da pessoa que não detém a titularidade da relação

material, bem ao contrário, afigura-se indispensável à regularidade do processo, e, conseguintemente, ao êxito da pretensão a executar Por essas razões, a noção de parte integra os domínios do direito processual.8 Não se identifica necessariamente com a de titular da relação material porventura alegada no processo e, nessa condição, tornada objeto litigioso.9 Tampouco se confunde com a de parte legítima.10 A legitimidade é conceito mais exigente, reclamando juízo de equivalência entre a pessoa que figura no processo, nominalmente, e a pessoa que, consoante alguma situação legitimadora, há de figurar na relação processual. E não se equipara, absolutamente, com a noção de personalidade jurídica, pois a personalidade processual abrange entes e órgãos sem tal predicado.11 Daí o conceito clássico de parte, aceito como correto: em processo civil, considera-se parte a pessoa que age e a pessoa que reage (ativamente ou não) à demanda. As partes exercem poderes e direitos, sujeitam-se a deveres (v.g., o art. 77) e aos ônus processuais no curso do processo.12 É o caso dos terceiros após a intervenção. Por exemplo, o art. 121 autoriza, expressamente, o exercício de poderes processuais pelo assistente simples (parte auxiliar), e, também de forma explícita, submete-o aos mesmos ônus do assistido. Nesse sentido, todos os que participam do processo, como partes, também são legítimos contraditores,13 inclusive para impugnar a própria condição de parte. No tocante à individualização (ou identificação) das ações, o conceito estrito (ou formal) de parte tem duas implicações relevantes. Em primeiro lugar, a noção de parte apura-se unicamente na relação processual, porque determinada pessoa pode figurar no processo, e, todavia, ocupar essa posição ilegitimamente (retro, 239), o que é causa bastante, senão do indeferimento da petição inicial (infra, 1.536.2), para a emissão de sentença terminativa (infra, 1.613). Por exemplo, A pretende obter a reparação do dano sofrido pela colisão do veículo x, na ocasião conduzido por B, mas ingressa contra C, em cujo nome o veículo se encontrava no certificado de propriedade, mas A prova que, em data anterior ao evento, alienou o veículo para D, havendo registrado o documento de transferência no cartório de registro especial conhecimento de terceiros. Na demanda de A contra C, são partes A e C, mas C é parte ilegítima, porque não responde pelo ilícito, cabendo ao juiz extinguir o processo sem resolução de mérito (art. 485, VI). Depois, determina-se a noção de parte segundo o título invocado, ou seja, de acordo com a capacidade para conduzir o processo (infra, 552), jamais nominalmente. Duas pessoas diferentes (A e B) podem figurar sob o mesmo título (ou condição) no processo e, em tal hipótese, A e B são a mesma parte para os efeitos do art. 337, § 2.º, do NCPC (retro, 241). Nada há de paradoxal nessa proposição. Pessoas distintas habilitam-se a promover ou a defender o mesmo (alegado) direito no processo. Legalmente autorizado a reclamar indenização civil pelo dano provocado pelo crime (art. 68 c/c art. 64, caput, do CPP) contra B, o Ministério Público e a própria vítima C do ilícito penal, legitimam-se concorrente, mas disjuntivamente a demandar B. Se o Ministério Público e C, simultaneamente, demandam a

reparação do dano contra B, a segunda ação – o dado cronológico apura-se segundo a data da distribuição – há de ser extinta: são idênticas as partes. Por óbvio, o réu não pagará duas indenizações à vítima, mas uma só. E, inversamente, a mesma pessoa pode ser parte e terceiro, simultaneamente, situação antevista no art. 674, § 2.º, I. Por exemplo, A executa os cônjuges B e C, que respondem pela dívida com seus bens comuns, e penhora os imóveis x e y, este bem próprio de C. Em tal conjuntura, a despeito de parte (legítima) na execução movida por A, C também se habilita a ajuizar embargos de terceiro para livrar o bem y. À noção de parte no processo civil, portanto, basta a indicação da pessoa como sujeito da relação processual. Aqui se verifica frisante e inamovível diferença entre autor e réu. O autor ingressa em juízo, alegando o direito que lhe assegura o efeito jurídico pretendido, e, assim, identifica-se e constitui-se parte ativa. Já o réu assume a qualidade de parte através da simples enunciação do autor na petição inicial da pessoa contra a qual pretende obter tal efeito jurídico.14 Por um lado, não se revela necessária a participação do réu. O revel não participa, porque esta situação deriva justamente da inércia. E é parte passiva. E, por outro lado, desnecessário que o réu seja citado, embora essa seja a situação mais comum, para transformar-se em parte. A pessoa apontada como réu na petição inicial indeferida liminarmente, não sendo objeto de apelação – aviada a apelação, no direito anterior afigurava-se desnecessário citar para responder o apelo (art. 296, caput, e parágrafo único, do CPC de 1973),15 adotando solução diferente o art. 331, § 1.º – figura como parte no interregno transcorrido entre o ajuizamento e a intimação do art. 331, § 3.º, após o trânsito em julgado. Eventual provimento da apelação, na sistemática atual, vincula o réu citado, não podendo ser alegada, outra vez, na contestação oportunamente apresentada, após o retorno dos autos à origem (art. 331, § 2.º).16 Legitimam-se a recorrer, por isso, a parte vencida (art. 996, caput), no todo ou em parte, e para esse efeito não importa que recorram para invocar a própria legitimidade na causa,17 ou bem ao contrário, para alegar que não pode figurar como parte. É digno de nota que, excepcionalmente, o réu pode abandonar essa posição e, de modo voluntário, passar à condição de autor. O art. 6.º, § 3.º, da Lei 4.717/1965 autoriza a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de ação popular, “atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente”. O réu assumirá a qualidade de litisconsorte ativo. A noção de parte interessa para variados efeitos. Exemplo banal demonstra a repercussão: a demanda em que o autor pede o divórcio, a separação, a anulação do casamento, o reconhecimento ou a dissolução de união estável tramitará no foro do domicílio do filho incapaz (art. 53, I, a) ou, não o havendo, no último domicílio do casal (art. 53, I, b), e só subsidiariamente no domicílio do réu (art. 53, I, c). Não convém olvidar as

inúmeras hipóteses de competência em razão da pessoa (retro, 387), casos em que a parte é o elemento decisivo. Além da competência e da individualização das ações (art. 337, § 2.º), importa muito a noção da parte para a concessão do benefício da gratuidade; a atribuição das despesas processuais; a suspensão do processo; a apuração da imparcialidade do juiz, do agente do Ministério e dos auxiliares do juízo (serventuários e colaboradores) e da capacidade para depor. 501. Classificação das partes no processo civil É possível identificar, em primeiro lugar, as partes principais. O autor é a pessoa que pede a tutela jurídica do Estado. Réu é a pessoa que se habilitará a reagir contra a pretensão do autor, porque indicado por este na petição inicial. O autor e o réu são as partes principais. Os arts. 121 e 122 mencionando essa figura – parte principal –, contrastando-a com a do assistente ou parte auxiliar. A condição de réu não desaparece nas hipóteses de inércia (v.g., o revel) ou perante o desconhecimento da demanda (v.g., o réu antes da citação do art. 331, § 1.º). Nesse caso, há relação processual, conquanto incompleta, porque não se realizou, ainda, o chamamento válido do réu. Duas ou mais pessoas podem ocupar, simultaneamente, o mesmo lado na relação processual. É o litisconsórcio (infra, 578), ou pluralidade de partes, havendo ou não a correspondente multiplicidade de ações (pretensões processuais). Conforme já assinalado, os arts. 121 e 122 aludem à parte principal para contrastá-la à figura da parte auxiliar ou assistente. O assistente simples é parte segundo o conceito há pouco exposto (retro, 500),18 Essa condição de sujeito do processo atribuída ao assistente, após a intervenção, decorre do exercício dos mesmos poderes e da sujeição aos mesmos ônus do assistido (art. 121). Todavia, o assistente não põe em causa direito próprio. O assistente é tão só titular de relação jurídica dependente ou incompatível com a que constitui objeto do processo, relação que sofrerá, reflexamente, os efeitos do provimento judicial. Realizada a intervenção, o assistente subordina-se, ademais, à eficácia da decisão (art. 123). No entanto, porque não põe direito próprio em causa, não dispõe do objeto litigioso, conforme estipula o art. 122.19 Por conseguinte, o assistente é parte auxiliar, acessória ou subordinada.20 Após sua intervenção no processo pendente, o terceiro perde essa qualidade, passando a figurar como parte. Logo, o assistente, após a intervenção, abandona a posição de terceiro, assumindo a de parte (auxiliar).21 É singular a posição do Ministério Público. Às vezes, é parte principal, figurando como autor (v.g., da ação civil pública, a teor do art. 5.º, I, da Lei 7.347/1985, c/c art. 177 do NCPC), ou como réu (v.g., na ação rescisória ajuizada pelo réu condenado na ação de improbidade administrativa). Em tais hipóteses, rezava o art. 81 do CPC de 1973, caber-lhe-á, no processo, “os

mesmos poderes e ônus que às partes”, disposição não repetida, para marcar algumas diferenças de tratamento. Todavia, o art. 178 autoriza a intervenção no processo pendente, considerando algumas características do objeto litigioso, propugnando a correta aplicação da lei, ou seja, como “fiscal da ordem jurídica”. Ao contrário do assistente, que assume uma posição definida, a favor do autor ou do réu, o Ministério Público exibe larga independência jurídica, contra ou a favor do interesse do incapaz que lhe propicia a intervenção (art. 178, II). O Ministério Público defenderá “o interesse do Estado de ver a lei perfeitamente aplicada a situações jurídicas de extrema relevância social”.22 Por óbvio, é parte,23 porque passará a integrar a relação processual, mas essa posição do Ministério Público não se confunde com a de parte principal (não age, nem reage), nem com a de parte auxiliar, pelo motivo exposto. É parte coadjuvante (partie jointe).24 Não se inserem na flexível concepção de parte, necessariamente, os que “de qualquer forma participem do processo” (art. 77, caput). O autor participa do processo e é parte; porém, o oficial de justiça também participa, mas não é parte, e, sim, auxiliar do órgão judiciário. Os participantes genericamente aludidos no art. 77, caput, sujeitam-se, todavia, a alguns deveres e ônus das partes, razão pela qual se encontram aí mencionados. Em tal classe de participantes incluem-se as seguintes pessoas: (a) os auxiliares do juízo (art. 149), porque subordinados, administrativamente, ao órgão judiciário, diferenciando-se os respectivos deveres e direitos do que a lei atribui às partes; (b) os advogados das partes, cuja elevada e indispensável função exige independência relativamente ao órgão judiciário, exceto no caso de deduzirem no processo direito no próprio nome, e, assim, transformarem-se em partes (v.g., no caso de advogado executar, em nome próprio, o capítulo acessório da sucumbência); (c) a autoridade coatora no mandado de segurança. Em suma, há três espécies de partes: (a) principal; (b) auxiliar; (c) coadjuvante. 502. Identificação do réu no processo A identificação do réu constitui problema de importância decisiva para o autor. É preciso identificá-lo corretamente na petição inicial, evitando a extinção do processo e o desperdício da atividade processual. Às vezes, porém, não se mostra possível identificar o réu, porque desconhecido ou incerto, ou o autor engana-se neste aspecto. A inquietante, mas real possibilidade de o autor não conhecer o(s) réu(s) encontra-se expressamente prevista no art. 256, I, que prescreve o procedimento edital para promover-lhes o chamamento. Por exemplo, nos litígios possessórios de massa, em que áreas urbanas ou rurais são invadidas por dezenas, centenas ou milhares de pessoas, organizadas ou não, mostrase “inviável exigir-se a qualificação e a citação de cada uma delas”.25 Em tal hipótese, basta ao autor indicar o movimento que as congrega (v.g., o MST), englobando os demais réus no pronome “outros”, ou indicar o prenome de qualquer dos invasores. O oficial de justiça encarregar-se-á de identificar e citar, se possível, os ocupantes porventura encontrados no local (art. 554, §

1.º), uma vez (art. 554, § 2.º), citando-se os demais por edital, sem prejuízo da intimação do Ministério Público e, havendo vulneráveis, da Defensoria Pública. Não é incomum o autor incorrer em equívoco, no que tange à identificação do réu. Uma das hipóteses consiste na confusão quanto à designação social da pessoa jurídica ou a existência de homonímia no tocante à pessoa natural. Esse erro pode ser corrigido no prazo para do art. 338, caput. Omitindo-se o autor, ou optando por incluir a pessoa indicada pelo réu (art. 339, § 2.º), ou persistindo no endereçamento da pretensão, ao juiz é dado emitir pronunciamento favorável ao réu, excluindo-o do processo.26 Feita a substituição, nos termos do art. 339, § 1.º, haverá a exclusão do réu originário, reembolsadas as despesas realizadas e fixados honorários, nos termos do art. 338, parágrafo único. No entanto, tratando-se de empresa integrante do mesmo grupo financeiro, a jurisprudência admite que a líder (v.g., o Banco X) responda à demanda, embora seja outra a contratante do caso concreto (v.g., a Seguradora X), em nome da teoria da aparência.27 A indicação da empresa líder no polo passivo da ação pode ser corrigida pelo órgão judiciário, a qualquer tempo, máxime no saneamento, ordenando a correção da denominação da parte nos registros pertinentes.28 A identificação do réu pode suscitar dúvida em algumas ações. Nas ações declarativa, constitutiva, condenatória e executiva (retro, 230), de ordinário a identificação do réu se afigura natural. Por exemplo, na ação em que alguém pede a declaração da inexistência de relação jurídica figurará como réu a pessoa perante a qual o autor pretende produzir o efeito típico da declaração, que é a certeza; na ação de divórcio, movida por um dos cônjuges, o outro assumirá a condição de réu; na ação de reparação do dano provocado por ilícito, réu é a pessoa que praticou o ato contrário ao direito (a dúvida do autor, quanto ao verdadeiro autor do ilícito, existindo mais de um autor provável, pode ser resolvida através do litisconsórcio passivo alternativo); na ação executiva, via de regra fundada no título judicial ou extrajudicial, réu é a pessoa a qual incumbe o dever de prestar ou dever similar; e assim por diante. Um caso particular, nas ações condenatórias, ocorre nos acidentes de trânsito na via terrestre. Pode acontecer de o automóvel do autor, parado no semáforo, acabar atingido pelo automóvel que se encontra atrás, por sua vez impulsionado por um terceiro. Na dúvida acerca da responsabilidade de um e outro, o autor demanda a ambos, fiando-se que a prova esclarecerá a qual deles incumbe responsabilidade pelo evento danoso. À primeira vista, a demanda apresenta um grave problema de legitimidade passiva: um dos réus não responderá pelo evento. A esse litisconsórcio se designa de eventual ou alternativo (infra, 581.3). Foi a solução encontrada, na prática, para resolver o problema da identificação do réu. O panorama se turva no caso da ação mandamental. Os embargos de terceiro, geralmente demanda incidental ao processo executivo, é ajuizada contra quem o promove, em benefício do qual se praticou a constrição no patrimônio do terceiro. Portanto, tem esses embargos como réu o exequente. Trata-se da opinião tradicional no direito brasileiro.29

Ora, a característica principal dos embargos de terceiro, permitindo distingui-lo das demais ações possessórias, reside na reação contra o ato do Estado, com o fito de livrar o bem da constrição ilegal. O apossamento não decorre de ato do particular. Esse elemento denota sua força mandamental. O destinatário do mandado, julgada procedente a ação, é o órgão judiciário que ordenou a constrição. Nessa linha de raciocínio, legitimado passivo, nos embargos de terceiro, é o órgão – resultado que não pode ser aceito sem perplexidade. A legitimidade passiva se alargaria se o embargante, voluntariamente, cumulasse o pedido mandamental, que visa ao livramento da coisa, com a condenação nos danos (resultantes, por exemplo, da privação temporária da fruição do bem). Esse pedido sucessivo tem força condenatória e desloca o foco do problema. Na realidade, o legitimado passivo é a pessoa em proveito da qual o órgão judiciário praticou o ato ilegal de constrição de bens do terceiro. Tendo o executado propiciado o ato constritivo – por exemplo, indicando à penhora o bem pertencente ao terceiro –, instalar-se-á litisconsórcio passivo necessário entre o executado e o exequente.30 O litisconsórcio constitui a regra em outros ordenamentos.31 O problema se agrava no mandado de segurança. Em primeiro lugar, o impetrante dever indicar, corretamente, a autoridade coatora – a pessoa que, investida em cargo ou em função pública, praticou o ato ou ordenou a sua prática (art. 6.º, § 3.º, da Lei 12.016/2009). O remédio processual visa a corrigir a ilegalidade ou o abuso de ato praticado ou omitido por autoridade. Ora, no seio da Administração as competências se distribuem por diversos órgãos, acontecendo de apenas um habilitar-se à prática ou à correção do ato. Por exemplo, o oficial da Polícia Militar, preterido na promoção por antiguidade, impetra mandado de segurança contra o comandante da força, enquanto a lei ou a Constituição atribuem competência para promover oficiais ao Governador do Estado-membro. Em geral, essas promoções constituem ato administrativo complexo, porque o comandante da força organiza a lista e propõe ao Governador a promoção. Pouco adiantaria, entretanto, impetrar o mandado de segurança contra o comandante, se o nome do oficial preterido se encontra na lista. Esta autoridade não dispõe de competência para realizar a promoção, cabendo-lhe tão só, ao receber eventual ordem neste sentido, levar o problema para o Governador do Estado-membro. Essa é a razão pela qual o autor do mandado de segurança não pode errar de autoridade coatora. A ordem emitida revelar-se-ia inútil ou inexequível. Logo, a parte passiva no mandado de segurança é a autoridade competente para praticar o ato ou desfazê-lo, cumprindo a ordem do juiz. A autoridade coatora não representa a pessoa jurídica de direito público. É apenas órgão desta. A competência para praticar ou desfazer o ato averbado de ilegal ou abusivo elimina toda e qualquer possibilidade de se enxergar “representação” da autoridade coatora, pois semelhante competência é própria e intransferível. Ao criar o mandado de segurança, ordenou o art. 113, n.º 33, da CF/1934, a audiência da “pessoa [jurídica] de direito público interessada”. Entretanto, o art. 8.º, § 3.º, da Lei 191/1936, disciplinando o procedimento do mandado de segurança, previu a citação da autoridade coatora para, no prazo de dez dias, apresentar defesa e informações, bem como a notificação do representante

judicial ou legal da pessoa pública interessada. Esse duplo endereço acabou reproduzido, mas com importante alteração, no CPC de 1939, cujo art. 322, I, ordenava a notificação do coator “a fim de prestar informações” e a da pessoa jurídica de direito público para contestá-la (art. 322, II, e § 2.º, do CPC de 1939). Já a Lei 1.533/1951 previu a notificação do coator para prestar informações (art. 7.º II), bem como a esta comunicar-se-ia a concessão da segurança (art. 11). Finalmente o art. 6.º, caput, da Lei 12.016/2009 exige que o impetrante, na inicial, indique a autoridade coatora e a pessoa jurídica que esta integre, cabendo ao juiz, ao despachar a inicial, dar ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica (art. 7.º, II, da Lei 12.016/2009), de um lado, e à própria autoridade comunicar a impetração ao órgão de representação judicial para “eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo” (art. 9.º da Lei 12.016/2009). À luz das disposições da revogada Lei 1.533/1951, dividiram-se entendimentos em duas correntes: (a) a que considera parte a autoridade coatora,32 que é destinatária da ordem judicial, em litisconsórcio ou não com a pessoa jurídica;33 (b) a que considera parte a pessoa jurídica de direito público ou privado, representando-a a autoridade coatora.34 O STF firmou posição no sentido de que parte é a pessoa jurídica.35 Todavia, o representante judicial dessa pessoa pode figurar, excepcionalmente, no polo passivo.36 A Lei 12.016/2009 encampou essa orientação, determinando que, simultaneamente, o órgão judiciário proceda à notificação da autoridade coatora e do órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada (art. 7.º, I e II). Entendeu-se completamente superada a tese da autoridade coatora como parte única.37Porém, não é menos verdade que a autoridade coatora participa do processo, cabe-lhe cumprir a ordem do juiz e exibe legitimidade para recorrer sem necessitar demonstrar o respectivo interesse. Tais atributos conferem-lhe a condição de parte. Finalmente, há o problema atinente aos processos objetivos na jurisdição constitucional (v.g., a ação direta de inconstitucionalidade). O caráter objetivo do processo resultaria na inexistência de interesse próprio ou alheio.38 Os requerentes atuam no interesse da preservação da segurança jurídica, comprometida pela incerteza quanto à constitucionalidade da lei ou do ato normativo. Formar-se-ia o processo sem partes, no qual há requerente, mas não há requerido.39 Na realidade, a tese confunde partes no sentido material e partes processuais. Objetivo é o mérito. Decerto ele não envolve interesses concretos ou particulares. Todavia, como não há controle concentrado ex officio, há uma parte que inicia o processo. Figuram como legitimados ativos algum dos sujeitos arrolados no art. 103, I a IX, da CF/1988 e, como parte passiva, o Advogado-Geral da União (art. 103, § 3.º). A esse sujeito processual, objetivamente que seja, incumbirá defender o ato ou texto impugnado. Essa conclusão se reforça com a interpretação do STF à atuação do defensor da lei ou do ato impugnados, obstando que se manifeste pela inconstitucionalidade,40 a despeito das críticas à essa restrição flagrante à independência jurídica do órgão passivo.41 503. Designação das partes no processo civil

A lei processual civil não adotou uma terminologia unívoca em relação às partes. Em geral, no Livro I do CPC de 1973, as pessoas que ocupam os polos da relação processual chamavam-se de autor e de réu. No entanto, no Livro II o texto originário do CPC de 1973 optou pelas palavras “credor” e “devedor”, conforme sua “Exposição de Motivos”, para retratar os ocupantes desses polos processuais. Essa terminologia jamais se mostrou uniforme (por exemplo, o texto primitivo do art. 578, parágrafo único, do CPC de 1973, alude a “réu”). Posteriormente, as reformas realizadas no segundo código unitário retornaram à terminologia clássica, apontando como partes principais o exequente (v.g., art. 623 do CPC de 1973) e o executado (v.g., 615, IV, do CPC de 1973). É a terminologia mais adequada. O Livro III do CPC empregava, preferentemente, “requerente” (v.g., art. 801, caput, do CPC de 1973) e “requerido” (v.g., art. 802, caput, do CPC de 1973), sem embargo de indicar-lhes como “partes” (arts. 797 e 798 do CPC de 1973) e empregar, eventualmente, autor (art. 810, in fine, do CPC de 1973) e réu (art. 804 do CPC de 1973). Nos procedimentos de jurisdição voluntária, o CPC de 1973 utilizava a fórmula genérica de “interessados” (arts. 1.104 e 1.105). Em alguns remédios específicos, o legislador permitiu-se variações. Por exemplo, nos embargos de terceiro chama o autor de “embargante” (v.g., no art. 1.050,caput, do CPC de 1973) e o réu de “embargado” (v.g., no art. 1.054, caput, do CPC de 1973). Era digna de registro e lamento a inconstância do legislador no âmbito da nunciação de obra nova. Em sete artigos dedicados a esse remédio processual, um deles exclusivamente ao legitimado ativo (art. 934 do CPC de 1973), aludiu à figura vaga do “nunciante” (art. 935, parágrafo único; art. 936, caput, do CPC de 1973), cedendo, tanto aqui como alhures, ao ânimo de conferir nome construído por derivação às partes. A este legitimado contrapôs a pessoa do “nunciado” (art. 940,caput, do CPC de 1973) e do “prejudicado” (art. 935, caput, do CPC de 1973). E é curioso que, prevendo as situações legitimantes ativas no mencionado art. 934, ocupava-se o estatuto, sem embargo da terminologia contraditória, de uma questão menor, ignorando o problema suscitado pela legitimidade passiva. Em relação ao ocupante do polo passivo, o CPC de 1973 absteve-se da árdua tarefa de estipular a pessoa a ocupá-lo. É verdade que, no art. 935, ao regular o embargo extrajudicial, apontava o “proprietário”. Além disso, o art. 938, parte final, do CPC de 1973 ordenava que o oficial de justiça, ao executar o embargo judicial, a par de intimar o construtor e seus operários, “citará o proprietário”. Todavia, prevendo a caução para o prosseguimento da obra no art. 940 do CPC de 1973, rompia a uniformidade e, recaindo no vezo tão comum às ações de procedimento especial, identificava o réu como “nunciado”, agora em contraposição ao “nunciante” aludido no art. 935, parágrafo único, do CPC de 1973. O emprego da palavra “nunciado” sugeria que também se afigura lícito ao construtor pleitear o levantamento do embargo. Depurou-se a terminologia do NCPC brasileiro. Chamou-se de autor e réu as partes principais na tutela de urgência (v.g., art. 303, § 1.º, I e II). De exequente (v.g., art. 513, § 1.º), quem postula o cumprimento de sentença que

“reconhece” prestação pecuniária, embora o vencido seja chamado de “devedor” (art. 513, § 2.º) e, outras vezes, de “executado” (v.g., art. 525, caput, e § 1.º). O autor dos embargos de terceiro é designado “embargante” (art. 677, caput), mas, por igual, de “requerente” (art. 678, parágrafo único), e o réu de “embargado” (art. 680, caput). O autor da oposição, ou intervenção principal, recebe o rótulo de “oponente” (art. 684), os réus de “opostos”. Nos procedimentos de jurisdição voluntário, o autor é o “interessado” (art. 720), às vezes “requerente” (art. 727), e a contraparte “requerido” (art. 728), na notificação e na interpelação. À falta de uniformidade geral acresce o jargão forense. Este não infenso aos ecos do velho direito reinol, empregando as expressões “suplicante” e “suplicado” para o mesmo efeito. E exagero na singularidade conduz os advogados a criar epítetos extravagantes, revelando grave desamor à técnica e estilo pobre. Como quer que seja, a falta de rigor terminológico absoluto não afeta a noção de parte. Não importa que seja designado de autor, interessado ou requerente ou palavras similares. Importa apenas a posição efetivamente ocupada no processo e o plexo de direitos e de deveres que lhe incumbem neste âmbito. 504. Pressupostos processuais relativos às partes O processo é uma relação jurídica (retro, 89) e, haja vista essa condição, tem elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia, todos agrupados sob a designação de pressupostos processuais. Os problemas suscitados por tais elementos, requisitos e fatores da relação processual formam o juízo de admissibilidade da demanda. Preenchidos todos eles, alcançará o processo sua finalidade: tratando-se de processo de conhecimento, ensejará o julgamento do mérito; de execução, promoverá a satisfação do direito do exequente; de tutela de urgência, assegurará ou satisfará o direito colocado em risco. Ao invés, a ausência de quaisquer desses elementos, requisitos ou fatores impede que o processo produza suas finalidades próprias de modo válido e eficaz. Em relação às partes, distinguem-se quatro requisitos processuais: (a) a personalidade processual; (b) a capacidade processual; (c) a capacidade postulatória; e (d) a capacidade para conduzir o processo. Também aqui há variações terminológicas. A personalidade processual é chamada de “capacidade para ser parte”. Essa locução soa pouco expressiva e induz confusão com a capacidade processual. Por outro lado, a inserção da capacidade para conduzir o processo neste rol corresponde à visão germânica, preferindo outra concepção, haurida de autores italianos, situar o tema no contexto da legitimidade para a causa (legitimatio ad causam). Ora, a possibilidade de alguém conduzir o processo legitimamente, apesar de não ser o titular da relação material que forma seu objeto, nas hipóteses de substituição processual (art. 18), revela uma base comum e a ligação desse pressuposto com os demais requisitos referentes às partes. A personalidade processual, ou capacidade de ser parte (Parteifähigkeit),42 implica a aptidão genérica de alguém para tornar-se sujeito

da relação processual. Ora, a lei processual apreendeu perfeitamente a realidade: todos hão de ter personalidade processual. Podem ser sujeitos da relação processual e, amiúde o são, as pessoas físicas e jurídicas; os nacionais e os estrangeiros; os entes sem personalidade; as comunidades de fato (v.g., o MST – Movimento dos Sem Terra); as comunidades de interesses (v.g., o espólio); e assim por diante. A esplêndida amplitude da personalidade processual revela sérios problemas sistemáticos. Não equivale em extensão à capacidade de direito da lei civil (art. 1.º do CC). A personalidade civil implica a personalidade processual. O inverso não é verdade. Existem casos em que falta personalidade civil (v.g., ao espólio), mas as leis processuais reconhecem personalidade processual. Litígios há em que figuram os órgãos de pessoa jurídica, a exemplo da Câmara de Vereadores, ou do Conselho Deliberativo do clube social, e a contraparte é o Executivo do Município ou a Diretoria do clube.43 É significativa a habilitação da Mesa do Senado Federal para propor a restrita e nobilíssima ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, II, da CF/1988). E nenhuma importância tem a nacionalidade da pessoa que figura como parte. Por sua vez, a capacidade processual (Prozessfähigkeit ou legitimatio ad processum) representa conceito mais exigente do que a precedente personalidade processual.44 A personalidade constitui pressuposto da capacidade processual: “Pode-se ter a capacidade de ser parte, e não se ter a capacidade processual, porém, não vice-versa. Onde não há aquela, não pode haver esta”.45 Trata-se do atributo imprescindível para alguém figurar em certa relação processual, promovendo e submetendo-se, válida e eficazmente, aos atos processuais.46 A parte precisará exibir, para esse efeito, a capacidade de exercício ou de obrar, na vida civil. Faltando à pessoa essa capacidade, surge o instituto da representação, nas suas modalidades de representação stricto sensu e assistência. O núcleo da capacidade processual reside no problema da representação em juízo das pessoas naturais e jurídicas, além dos entes desprovidos de personalidade. Para figurar no processo, ademais, a parte carece de representação técnica, através de advogado, porque a ninguém é dado promover, em nome próprio, os atos processuais,47 salvo se dotado do direito de postular (ius postulandi). É a capacidade postulatória (Postulationsfähigkeit). Dela se ocupa o Capítulo III – Dos Procuradores – do Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro IIII, abrangendo os arts. 103 a 107 do NCPC. Essas disposições conjugam-se às da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). E, por fim, todos que ostentam personalidade processual, e observam as regras de representação (capacidade processual), incluindo a técnica (capacidade postulatória), em determinadas situações concretas têm capacidade para conduzir o processo (Prozessfürungsbefugnis).48 Em princípio, semelhante capacidade toca à pessoa que alega ser titular ativo ou passivo da relação material. Todavia, a efetiva existência dessa relação, bem como a exatidão dessa alegação de pertinência subjetiva, constituem aspectos do objeto litigioso, cujo exame se realiza no próprio processo. Por conseguinte, basta a simples afirmativa da parte para preencher esse pressuposto, apurando-se a capacidade para conduzir o processo in status assertionis. Em alguns casos, porém, a lei atribui semelhante capacidade a

outra pessoa – legitimidade extraordinária –, chegando ao extremo de interditar o próprio titular do direito de conduzir o processo em que ele é controvertido – por exemplo, ao debenturista é vedado executar suas debêntures, porquanto o art. 68, § 3.º da Lei 6.404/1976, confere a capacidade para conduzir o processo, exclusivamente, ao agente fiduciário de todos os debenturistas. Razões didáticas indicam a necessidade de examinar a capacidade postulatória em outro Capítulo (infra, 1.016). A capacidade para conduzir o processo já recebeu exame preliminar no âmbito da ação (retro, 225.2). Receberá outros desenvolvimentos (infra, 552). 505. Princípios processuais relativos às partes Há três princípios que governam a participação das partes no processo civil: (a) dualidade de partes; (b) igualdade das partes; (c) contraditório.49 505.1. Princípio da dualidade das partes – Os processos de jurisdição contenciosa pressupõem dualidade de partes contrapostas (Zwei-ParteienSystem).50Todavia, a relação processual forma-se tão só entre o autor e o Estado, conforme o art. 311, primeira parte. É errônea a ideia que o esquema mínimo dessa relação envolva a participação do réu.51 A citação do réu completa a relação processual, tornando-a angular (retro, 91), mas já existe processo antes desse fato. Tal processo, eventualmente, terminará sem que haja necessidade de chamamento prévio do réu (art. 331, § 3.º). Em última análise, o art. 311, primeira parte, expressa a velha máxima nemo judex sine actore.52 Essa dualidade subsiste no processo consigo mesmo (infra, 508.3) e no processo “objetivo”, pois nele inexistem partes no sentido substancial, e nos processos de jurisdição voluntária, nos quais o juiz ordenará a citação dos “interessados” (art. 721). 505.2. Princípio da igualdade das partes – O art. 139, I, do NCPC determina ao órgão judiciário assegurar às partes igualdade de tratamento. A diretriz remonta à Revolução Francesa e expressa, na seara processual, o princípio da igualdade perante a lei.53 Trata-se de expressiva evolução do princípio da isonomia. A isonomia funciona como limitação ao legislador, impedindo desequilíbrios arbitrários, aleatórios e preconceituosos no tratamento de qualquer matéria, e como regra de interpretação. Por assim dizer, são posições estáticas da isonomia, porque barreiras às funções legislativa e jurisdicional. No entanto, a fórmula verbal empregada no art. 139, I, expõe outra faceta. A isonomia assume função ativa, armando o órgão judiciário de um poder imenso, intervindo no curso do processo para corrigir assimetrias que comprometam seu desfecho. O princípio da igualdade tem dupla expressão: (a) formal; (b) e material. Do ponto de vista formal, a própria lei processual encarregou-se da sua promoção, edificando regras que a acolhem. Três critérios inspiraram o legislador nesses domínios: (a) o emprego de fator diferencial genérico, e, não, específico; (b) a correlação lógica entre esse fator e o tratamento

diferente outorgado na norma; (c) a base constitucional do tratamento diferenciado.54 A igualdade formal se expressa de várias maneiras. O aspecto mais relevante consiste nas regras que, sobrelevando a qualidade e a posição ocupada pelas partes, concedem prazos idênticos. Exemplo desse viés avulta no prazo de quinze dias tanto para interpor, quanto para responder o recurso (art. 1.003, § 5.º). Por óbvio, a lei não consegue alterar a realidade das posições processuais porventura assumidas no processo. Desse modo, o autor propõe a demanda quando quiser, escolhendo a ocasião mais propícia e medindo os riscos, quiçá surpreendendo o adversário;55 ao invés, o réu sujeita-se à iniciativa do autor ainda que não queira. Essa razão soa bastante para denunciar o caráter ofensivo ao princípio da igualdade dos prazos exíguos para contestar. O prazo é de quinze dias no procedimento comum (art. 335, caput). Requerida tutela cautelar antecedente, o prazo é de cinco dias (art. 306), reproduzindo art. 802, caput, do CPC de 1973. Os efeitos discrepantes da tutela de urgência (hoje, chamada de provisória), no regime anterior, abrigando medidas de natureza heterogêneas (satisfativas e cautelares), não justificava a uniformidade. O NCPC pretendeu corrigir esse defeito. Entendendo o órgão judicial satisfativa a providência, manda o art. 305, parágrafo único, observar o disposto no art. 303, ou seja, deferida a antecipação, cumpre o autor aditar a petição inicial (art. 303, § 1.º, I), dilatando o objeto litigioso, e o réu será citado para audiência de conciliação ou de mediação (art. 303, § 1.º, II), aplicando-se à resposta o prazo do art. 335. Descuidando-se o órgão judicial, ou havendo incerteza quanto à natureza antecipada (rectius: satisfativa) ou cautelar da medida, o réu suportará o gravame do interregno reduzido para contestar a pretensão. Como quer que seja, respeitando o fato de o processo iniciar quando e se ao autor aprouver, o réu tem o direito de se manifestar após conhecer as respectivas alegações. Por exemplo, apresentará suas razões finais, a teor do art. 364, caput, após as do autor. Em consideração à pessoa do litigante, há prazos diferentes, mais largos (v.g., para todas as manifestações da Fazenda Pública, a teor do art. 183, caput, salvo a estipulação de prazo próprio), homenageando o célebre aforismo que a igualdade consiste em tratar os desiguais desigualmente.56 Também recebe a Fazenda Pública benefícios financeiros (v.g., art. 39 da Lei 6.830/1980, que dispensa o pagamento de custas, de emolumentos, de preparo e depósito prévio a Fazenda Pública na execução fiscal; art. 91, caput, atribuindo ao vencido, a final, o pagamento das despesas dos atos processuais requeridos pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública) e processuais (v.g., a intimação pessoal do respectivo procurador). Os fatos não impugnados pela Fazenda Pública subsistem controversos, nem cabe confissão ou revelia (art. 341, I, c/c art. 345, II), gravando o respectivo adversário com o ônus da prova em qualquer circunstância. Os honorários advocatícios das ações movidas contra a Fazenda Pública fixam-se em percentuais escalonados (art. 85, § 3.º, do NCPC), em razão do valor, e, portanto, obedecem regime diferente ao aplicável aos particulares, a teor do art. 85, § 2.º. Em alguns casos, há

proibição de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública (art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009). Essas disposições em prol da Fazenda Pública eram objeto de críticas severas no CPC de 1973.57 À primeira vista, em particular a dobra do art. 188 do CPC de 1973, mostram-se constitucionais, segundo o STF.58 Na melhor das hipóteses, o STF introduziu temperamentos – como no caso da admissibilidade de antecipação de tutela para receber vantagens previdenciárias (Súmula do STF, n.º 729). Um dos dispositivos mais combatidos, porque supostamente afrontaria o princípio da isonomia,59 residia na remessa necessária, objeto do art. 496 no NCPC. A sentença proferida contra a Fazenda Pública, sob certas condições, só adquirirá a eficácia que lhe é intrínseca após reexame obrigatório do tribunal. Todavia, esse instituto, que remonta a 1831 e tem paralelo no direito ibero-americano, satisfaz quaisquer diretrizes erigidas ao tratamento discriminatório da parte. Primeiro, a Fazenda Pública não é um litigante qualquer, particularidade que, em outros sistemas jurídicos, levou à criação de uma jurisdição própria – o contencioso administrativo. Segundo, nos provimentos contrários à Fazenda Pública, especialmente os condenatórios, entra em jogo o patrimônio público, as disponibilidades financeiras do erário, formadas pelos impostos pagos por todos os brasileiros, e ninguém duvidará que a proteção desse dinheiro constitui objetivo digno de tutela no regime democrático. Terceiro, a defesa do Poder Público em juízo, a cargo dos procuradores, enfrenta maiores dificuldades do que as existentes na esfera privada, mostrando-se difícil o procurador tomar pé da situação de fato, movimentando a burocracia da Administração à cata dos elementos idôneos a subsidiar a defesa, e controlar a quantidade de feitos sob sua responsabilidade. A igualdade sofre limitações na execução, em virtude da posição de vantagem do exequente, o que elimina a necessidade de contraditório. A concessão de provimentos inaudita altera parte, pertinente ressalva no art. 9.º, parágrafo único, I, dentre outras hipóteses, tampouco fere a igualdade. As regras que outorgam prioridade ou preferência, na tramitação dos processos (v.g., à pessoa idosa, maior de sessenta anos, a teor do art. 71 da Lei 10.741/2003), e nos julgamentos dos recursos (v.g., a do mandado de segurança, a teor do art. 20, caput, da Lei 12.016/2009), bem como a prioridade aludida no art. 1.048, I e II, antes servem que ofendem ao princípio da igualdade. Todavia, a proliferação desses privilégios específicos tende a banalizar ou esterilizar a técnica. A igualdade material há de ser promovida por intermédio de expedientes que, na medida do possível, outorguem igualdade de oportunidades. Fórmula expressiva exprimiu essa perspectiva: poderes, faculdades e deveres iguais no conteúdo e no número.60 Ela assegura a paridade de armas no processo.61 Essa é a tarefa própria do órgão judiciário, objeto da previsão do art. 139, I, do NCPC. Às vezes, o esforço de igualdade antecede o processo. A parte que não dispõe de meios financeiros para contratar advogado privado, ou enfrentar o ônus financeiro da antecipação das despesas processuais (art. 82, caput), por exemplo, tem direito à assistência judiciária, prestada pela Defensoria Pública. A teoria do ônus dinâmico da prova busca, igualmente,

propiciar situação de igualdade (infra, 1.340). Porém, a alteração da distribuição estática do art. 373, I e II, há de (a) ater-se às hipóteses legalmente configuradas (art. 373, § 1.º) e (b) não onerar a parte com encargo impossível ou excessivamente difícil (art. 373, § 2.º). Esses paliativos combatem e diminuem a desigualdade material. Não a eliminam. Constitui problema universal e complexo, sem solução satisfatória e plena, o municiamento da parte débil contra o chamado litigante institucional (v.g., as empresas de banco). 505.3 Princípio do contraditório – A atuação das partes no processo civil se governa pelo princípio do contraditório. Esse assunto já recebeu exame em item específico (retro, 132). Fica assinalado, aqui, o caráter excepcional das limitações ao debate prévio (art. 9.º, parágrafo único, I e III), robustecido pela impossibilidade de o órgão judicial pronunciar a prescrição e a decadência sem manifestação anterior do autor (art. 487, parágrafo único), salvo no julgamento prévio do mérito (art. 332, § 1.º). 506. Conceito de terceiro no processo civil Ao conceito de parte contrapõe-se o de terceiro. Universalmente, obtémse o conceito de terceiro por exclusão. No processo civil, terceiro é a pessoa que não figura como parte no processo.62 O Título III – Da Intervenção de Terceiros – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC regula as modalidades de intervenção de terceiros no processo de conhecimento. A admissibilidade desses mecanismos é objeto de controvérsias. Importa realçar, sem embargo, o fato de o terceiro, após sua intervenção no processo pendente, conquanto compulsória, tornar-se parte. Ao recorrer do pronunciamento desfavorável, na forma do art. 126, o denunciante (ou chamado em garantia) recorrerá como parte, não precisando demonstrar a possibilidade de os efeitos atingirem direito próprio (art. 996, parágrafo único). O já mencionado Título III – Da Intervenção de Terceiros – regula tão só as formas concebíveis para os terceiros, ou seja, as pessoas que ainda não figuram no processo, tornaremse partes, ingressando na relação processual pendente. A intervenção principal (oposição) cria outra relação processual, paralela à primeira (infra, 762), e recebeu enquadramento nos procedimentos especiais (art. 682), em seguida aos embargos de terceiro (art. 674). Uma vez deferida a intervenção pelo órgão judiciário, a condição de parte do antigo terceiro exige que preencha os quatro pressupostos processuais aplicáveis, genericamente, às partes (retro, 504). § 110.º Personalidade processual 507. Conceito de personalidade processual O degrau inicial dos pressupostos processuais subjetivos, no tocante às partes, consiste na personalidade processual (Parteifähigkeit) ou capacidade para atuar em juízo.63 O requisito estabelece quem, genericamente, possui aptidão para ser parte – autor e réu –, ou transformar-se em parte, voluntária (assistente) ou compulsoriamente (terceiro interveniente) no processo.

Do ponto de vista dogmático, tal requisito não cogita do figurante concreto de certa relação processual. Esse dado concerne à posição de parte (retro, 500). Também não se perquire, no âmbito aqui considerado, a possibilidade de o figurante do processo atuar por si mesmo, ou não, porque revestido da capacidade de exercício para os atos da vida civil e política. Esse aspecto respeita à capacidade processual. Tampouco interessa a possibilidade de o figurante do processo postular em nome próprio, ou não, porquanto assunto atinente à capacidade postulatória. A personalidade processual situa-se antes desse conjunto de dados. Atém-se à seguinte questão: quais pessoas, ou se somente pessoas, em tese, assumem a condição de titulares da relação processual. Essa vocação genérica para estar em juízo, na qualidade de parte, chamase personalidade processual. Ela corresponde, grosso modo, à personalidade apurada no direito material.64 A terminologia aqui empregada – “personalidade processual” – afigura-se incomum, senão desconhecida na doutrina brasileira. Entre nós, emprega-se a tradução literal da fórmula alemã: “capacidade de ser parte” (art. 70 do NCPC).65 Ora, o nome aqui indicado, respaldado por outras fontes,66 oferece maior corpo ao conceito, evocando seu fundamento, ou seja, a aptidão para figurar em toda e qualquer relação jurídica (processual).67 508. Alcance da personalidade processual O critério fundamental para determinar o círculo subjetivo da personalidade processual descansa na personalidade jurídica.68 A proposição básica no tocante à personalidade processual localiza-se no art. 70 do NCPC. Toda pessoa, natural ou jurídica, e capaz de adquirir, exercer e transmitir seus direitos subjetivos, por si, tem essa personalidade, que a lei designa de “capacidade para estar em juízo”. Em princípio, equivale à capacidade de direito no plano substancial,69 mas vai além, ostentando personalidade: (a) a pessoa natural; (b) a pessoa jurídica. 508.1. Personalidade da pessoa natural estrangeira e nacional – Em primeiro lugar, exibem personalidade processual as pessoas naturais – da sua concepção à respectiva morte.70 O nascituro já pode ser parte. A pessoa vive no ventre materno. Tem personalidade processual para ingressar, por exemplo, com investigação de paternidade, representado pela mãe. O inventariante, havendo sucessão mortis causa, reservará seu quinhão até o nascimento com vida (art. 650). A pessoa concebida pode ser parte para alcançar resultados favoráveis, na hipótese de nascimento com vida.71 Desaparece a personalidade processual com a morte da pessoa. O objeto litigioso transmitir-se-á, em princípio, aos sucessores, salvo vedação legal, hipótese em que o juiz extinguirá o processo (art. 485, IX). No entanto, entre o fato morte e sua comunicação ao órgão judiciário pode transcorrer um período mais ou menos longo, cogitando-se da condição jurídica do processo neste interregno. Firmou-se o entendimento de que a suspensão do processo, porque transmissível o objeto litigioso, ocorrerá na data do óbito, invalidandose os atos posteriores. Esse assunto merecerá exame no item dedicado à sucessão das partes em razão da morte (infra, 565).

A nacionalidade da pessoa natural mostra-se irrelevante no âmbito da universalidade da jurisdição. Os estrangeiros dispõem de personalidade no direito processual brasileiro. Eventualmente, o ingresso em juízo, inexistindo patrimônio suficiente para garantir os riscos financeiros do processo, ficará condicionado à prestação de caução; porém, tal exigência é feita aos brasileiros que residem fora do País, em igualdade de condições (art. 83, caput). Uma das diretrizes da cooperação jurídica internacional avulta na igualdade de tratamento de nacionais e de estrangeiros (art. 26, II). A falta de capacidade da pessoa natural não é impedimento bastante à configuração da personalidade. Em tal hipótese, tão só surge a necessidade de representá-las, suprindo esse déficit. As limitações que outrora inibiram a capacidade de estar em juízo – por exemplo, a dos escravos, inábeis para todos “os tratos, contratos e atos judiciais” –,72felizmente encontram-se derrogadas. Os religiosos (integrantes de ordens), aos quais se negava a personalidade civil,73 porque seus direitos ficavam absorvidos pela corporação, cuja representação cabia ao respectivo prelado, podem figurar como parte. Essas restrições não condizem com o atual estágio da civilização. À época em que era admissível a pena de banimento, porém, inexistia óbice para o banido figurar como parte.74 Desapareceram, igualmente, os antigos e hoje inconcebíveis privilégios de cidadania.75 A imunidade à jurisdição, inclusive de militares às sanções penais, legitima-se apenas sob o prisma da força. 508.2. Personalidade da pessoa jurídica estrangeira e nacional – Têm personalidade processual, ademais, as pessoas jurídicas. Tais pessoas possuem existência distinta da dos seus membros, de acordo com o predomínio da realidade, tanto que constituídas. A ineficácia episódica dos atos constitutivos da pessoa jurídica (disregard of legal entity) terá cabimento em várias situações; por exemplo, ocorrendo violação do contrato ou da lei (art. 50 do CC). Não importa, também aqui, a nacionalidade da pessoa jurídica. Em tema de competência, inexistindo estabelecimento principal, porque o comando da pessoa jurídica situa-se no exterior, reputa-se cada estabelecimento secundário o domicílio (art. 75, § 2.º, do CC), quanto às obrigações neles contraídas. E presume-se o gerente desses estabelecimentos provido de poderes de representação para receber a citação (art. 75, § 3.º, do NCPC). 508.2.1 Classificação das pessoas jurídicas – As pessoas jurídicas se distinguem em pessoas de direito público e de direito privado (art. 40 do CC). A diferença não repousa na origem dos recursos empregados na sua constituição, mas no regime jurídico que lhes é próprio. Existem pessoas jurídicas cujo regime é o do direito privado, mas constituídas predominantemente com recursos públicos (v.g., as empresas públicas), e pessoas jurídicas de regime público geradas com recursos unicamente privados (v.g., os conselhos de organização, disciplina e fiscalização das profissões regulamentadas, como o CFM – Conselho Federal de Medicina). No que tange aos recursos que lhe constituem o capital, mostra-se admissível separar as pessoas jurídicas em estatais e particulares. Estas, por

sua vez, se subdividem em civis (a fundação, a associação e a sociedade) e empresárias.76 São cinco as espécies de sociedades empresárias típicas: em nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima e limitada. Em princípio, o porte da empresa é irrelevante no direito processual. As empresas podem ser microempresas ou empresas de pequeno porte.77 Eventualmente, esse dado importa para determinados remédios ou procedimentos. Por exemplo, o art. 8.º, § 1.º, II a IV, da Lei 9.099/1995, na redação da Lei 12.126/2009, admitem no Juizado Especial da Justiça Comum: (a) a microempresa, definida na Lei 9.841/1999 c/c LC 147/2014; (b) as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei 9.790/1999; (c) as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1.º da Lei 10.194/2001. 508.2.2 Limites temporais da personalidade das pessoas jurídicas – A existência legal das pessoas jurídicas decorre da inscrição dos seus atos constitutivos no registro que lhes é peculiar, a teor do art. 45, caput, e do art. 985 do CC. No entanto, desde o momento em que os sócios passam a atuar conjuntamente, explorando ou não atividade econômica (sociedade empresária), e mesmo que o contrato seja verbal, a pessoa jurídica em si já existe.78 Por conseguinte, antes mesmo da formal aquisição da personalidade jurídica, por intermédio do registro, a pessoa jurídica adquire capacidade processual plena até a sua extinção ou dissolução. Essa dissolução pode ser judicial ou extrajudicial. Decretada a falência da pessoa jurídica, desaparecerá essa capacidade plena. A quebra ou bancarrota torna as pessoas jurídicas inabilitadas “para postular em juízo relativamente às relações patrimoniais compreendidas na falência, seja como autor ou como réu”.79 Forma-se, então, a massa falida. A comunidade de interesses assumirá a capacidade para conduzir o processo.80 Idêntico efeito se produzirá na insolvência, a teor do art. 782, segunda parte, a contrario sensu, do CPC de 1973 – regra mantida pelo art. 1.049 do NCPC –,81 e na liquidação extrajudicial (art. 34 da Lei 6.024/1974). Enquanto o procedimento de dissolução não acaba, decorra ele da decretação da falência ou da vontade convergente dos sócios em liquidar a pessoa jurídica, a personalidade jurídica não acaba, mas prolonga-se, subsistindo a responsabilidade patrimonial.82 É certo que, na falência, a massa não adquire personalidade jurídica distinta. Tal não elimina a manifestação ulterior da personalidade da pessoa jurídica em liquidação no plano processual para figurar como parte. Em curso a liquidação, a capacidade processual caberá ao liquidante ou administrador.83 Às vezes, designam-se tais pessoas de “partes de ofício” (Partei kraft Amtes) ou partes formais.84 Fórmula correta em termos. De um lado, o liquidante ou o administrador não representam no sentido próprio. Constituiria manifesto absurdo o representante enquanto tal litigar contra o representado, ou este intervir na causa pendente em posição oposta à do representante;85 ora, essas situações verificam-se com frequência. O administrador e o liquidante não figuram como partes. São apenas as pessoas a quem a lei atribui capacidade processual para obrar em juízo em nome da massa ou da pessoa em liquidação. A massa e a pessoa jurídica em liquidação é que figuram como partes nos polos (ativo ou passivo) da relação processual.

508.3. Personalidade de entes e de órgãos da pessoa jurídica (processo consigo próprio) – O art. 75 do NCPC ocupa-se da capacidade processual; porém, ao estipular representantes, indiretamente atribuiu personalidade processual a entes sem personificação. Logo, a personalidade material e a personalidade processual não equivalem em extensão.86 Razões de ordem prática tornaram a esta mais ampla. Os patrimônios autônomos, grupos de pessoas e polos de interesses sem personificação material, mas dotados de personalidade processual, são os seguintes: (a) a massa falida; (b) a herança vacante e a jacente; (c); o espólio, e (d) as sociedades de fato ou irregulares e, genericamente, “entes organizados sem personalidade jurídica”. O condomínio (horizontal ou de unidades autônomas) tem personalidade no direito material.87 Ao arrolar esses entes no art. 75, o legislador atentou ao fato de as comunidades não personalizadas titularem direitos e obrigações, apesar de faltar-lhes personificação formal no plano material. As comunidades de fato, patrimônios autônomos e as organizações sociais – por exemplo, o Movimento dos Sem-Terra (MST) – têm personalidade processual.88 Se há conflito entre a tese de um ente sem personalidade titular direitos – e, no caso sob exame, inclusive do magno direito à tutela jurídica do Estado – e a noção de personalidade civil, manifesta-se crise aguda do sistema da pessoa jurídica, reclamando urgente remodelação. A personalidade processual desses entes (designação apropriada encampada no art. 75, VIII) já suscitou controvérsia.89 E ainda não é bem vista em outros ordenamentos.90 Em determinados casos, realmente, figurando os entes como partes passivas, surgirão dificuldades na atribuição dos ônus financeiros do processo, a exemplo da sucumbência do Movimento dos SemTerra (MST) nas ações de reintegração de posse. Parece preferível admitir a ineficácia do capítulo acessório da sentença, in extremis, do que rejeitar a possibilidade de o ente figurar como réu. Problema que, de ordinário, não envolve os patrimônios autônomos (v.g., a massa falida). Os órgãos internos de pessoas jurídicas de direito público – conforme se deduz, por exemplo, da legitimidade conferida à “Mesa do Senado Federal para propor ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, II, da CF/1988) – ,91 gozam do atributo, quando em jogo suas prerrogativas institucionais.92 A Câmara de Vereadores amiúde vai à juízo em defesa de suas prerrogativas políticas e institucionais.93 No entanto, o litígio movido pelo servidor da Câmara, que pleiteia vantagem pecuniária, travar-se-á com o Município.94 A ausência de personalização no âmbito material não elimina a existência de atividade jurídica relevante do órgão. Por isso, a lei confere aos órgãos personalidade processual, porém personalidade limitada aos litígios entre órgãos.95 É outra comprovação que a personalidade processual vai além da personalidade no plano direito material.96 A possibilidade de órgãos das pessoas jurídicas privadas litigarem entre si, ou de sócios litigarem contra órgãos, é decorrência da personalidade processual. A esse propósito, o STJ decidiu: “Em se tratando de discussão envolvendo órgão de pessoa jurídica, somente esta, dotada de personalidade, poderia, em princípio, figurar em um dos polos da demanda. Havendo,

entretanto, conflito interna corporis, entre seus órgãos ou entre seus associados e um desses órgãos, nos quais se atacam atos individualizados, não se justifica reconhecê-los desprovidos de personalidade processual, negando-lhes a condição de partes.97 A aparência é de um processo consigo próprio (Insichprozess).98 A dissociação de órgãos e de pessoas explica a presença de partes diferentes e contrapostas. Em última análise, a titularidade do direito de acesso à justiça é universal, e todos, sem exceção, desfrutam de aptidão para serem sujeitos da relação processual. 509. Controle da falta de personalidade processual A personalidade processual constitui um pressuposto processual. Tal matéria há de ser objeto de controle ex officio. Por óbvio, o assunto, salvo no tocante às pessoas naturais, comporta discussão no próprio processo. Em relação ao vício resultante da falta de personalidade processual, concebem-se três situações: (a) ausência originária de personalidade processual no curso de todo o processo; (b) ausência originária da personalidade processual, sobrevindo, porém, tal personalidade no curso do processo; e (c) desaparecimento superveniente da personalidade processual.99 É impossível sanar a falta originária de personalidade jurídica. O defeito se mostra irremovível. Assim, iniciado o processo por alguma Comissão Organizadora de Festival,100 totalmente inidônea para assumir direitos e obrigações, resta ao órgão judiciário tão só extingui-lo, sem resolução do mérito, porque faltará aptidão ao autor. O desaparecimento superveniente da personalidade processual dificilmente ocorrerá no direito pátrio: a personalidade sobrevive à extinção da pessoa jurídica, e, na pior das hipóteses, há substituição por ente sem personalidade (v.g., a massa falida). Finalmente, sobrevindo a personalidade, considerar-se-á sanado o defeito, ensejando o julgamento de fundo.

Seção II - Capacidade das partes

Capítulo 30. CAPACIDADE PROCESSUAL SUMÁRIO: § 111.º Capacidade processual em geral – 510. Conceito de capacidade processual – 511. Organização da matéria na lei processual civil – 512. Graus da capacidade processual da pessoa natural – 513. Representação orgânica das pessoas jurídicas – § 112.º Capacidade processual da pessoa natural – 514. Capacidade processual plena da pessoa natural – 515. Representação da pessoa natural incapaz – 515.1 Representação conjunta do menor sob poder familiar – 515.2 Representação do cônjuge incapaz na separação – 515.3 Colisão de interesses entre o incapaz e seu representante – § 113.º Capacidade processual das pessoas jurídicas – 516. Conteúdo da capacidade processual das pessoas jurídicas – 517. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público interno – 518. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público externo – 519. Capacidade processual das pessoas jurídicas privadas estrangeiras – § 114.º Capacidade processual da pessoa jurídica privada nacional – 520.

Representação da pessoa jurídica privada nacional – 521. Órgãos de representação da pessoa jurídica privada – 522. Ônus da demonstração das atribuições do órgão da pessoa jurídica privada – 523. Representação anômala da pessoa jurídica privada nacional – 523.1 Ausência do território nacional do representante legal da pessoa jurídica privada – 523.2 Ausência do território nacional do locador – § 115.º Capacidade processual dos despersonalizados – 524. Representação dos despersonalizados – 525. Capacidade processual da sociedade em comum – 526. Capacidade processual da massa falida – 527. Capacidade processual das heranças jacente e vacante – 528 Capacidade processual do espólio – 529. Capacidade processual do condomínio – § 116.º Desconsideração da personalidade jurídica – 530. Fundamento e natureza da responsabilidade patrimonial – 531. Responsabilidade patrimonial primária e secundária – 532. Responsabilidade patrimonial do sócio – 532.1 Fundamento da responsabilidade do sócio – 532.2 Casos de responsabilidade patrimonial secundária direta – 532.3 Casos de responsabilidade patrimonial secundária indireta – 533. Procedimento da desconsideração da pessoa jurídica – 533.1 Requerimento da parte principal ou coadjuvante na desconsideração da pessoa jurídica – 533.2 Momento da desconsideração da pessoa jurídica – 533.3 Contraditório na desconsideração da pessoa jurídica – 533.4 Decisão do incidente de desconsideração da pessoa jurídica e recurso próprio – 533.5 Efeitos da desconsideração da pessoa jurídica. § 111.º Capacidade processual em geral 510. Conceito de capacidade processual A capacidade processual é aptidão da pessoa, derivada da capacidade de exercício para os atos da vida civil, para figurar por si só em determinado processo, promovendo os atos processuais que competem à parte, e, assim, submetendo-se aos seus efeitos e aos das resoluções tomadas pelo órgão judiciário. A capacidade processual se relaciona, em princípio, com a capacidade de exercício para os atos da vida civil. Em outras palavras, a pessoa dotada de capacidade de exercício tem, necessariamente, capacidade de direito ou personalidade processual (retro, 507). No entanto, não há correspondência absoluta. A personalidade processual revela-se mais extensa que a capacidade de direito (art. 1.º do CC). Logo, a problemática da capacidade processual, em princípio reflexo da capacidade de exercício, abrange um maior número de situações. A analogia entre os dois pressupostos processuais – personalidade processual, ou capacidade de estar em juízo, e capacidade processual – e seus congêneres civis revela-se parcial e relativa por esse motivo. Os órgãos internos das pessoas jurídicas de direito público, como a Câmara de Vereadores, porque lhe tocam direitos próprios suscetíveis de defesa em juízo,1 exibem personalidade judiciária e, ademais, capacidade processual plena nas causas em que o objeto litigioso envolver tais direitos. A capacidade processual constitui requisito de validade da relação processual e sua ausência impede o julgamento do mérito. Não ocorrendo o suprimento de algum defeito, e respeitando ela ao autor, o juiz extinguirá o

processo (art. 485, IV), ressalva feita à possibilidade de prover favoravelmente ao adversário (art. 488). 511. Organização da matéria na lei processual civil O objeto do Capítulo I – Da Capacidade Processual – do Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – do NCPC corresponde fielmente ao seu título. Ocupa-se da capacidade processual das partes e dos terceiros da relação processual. Para tal finalidade, versa o assunto em sete artigos. Comparativamente à seriação do CPC de 1973, o capítulo observou a boa ordem. O art. 70 estabelece a regra geral da capacidade para estar em juízo. Por conseguinte, é a regra básica da personalidade processual. Em seguida, o art. 71 prevê a representação e a assistência da pessoa natural incapaz. Os arts. 72 a 74 contemplam as formas de integração da capacidade processual nas hipóteses em que, segundo proposições do direito material, há incapacidade da pessoa natural, absoluta e relativa, ou a necessidade de vênia conjugal. O art. 75 contempla a representação das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, bem como dos entes sem personificação. Finda o capítulo com dispositivo relativo ao controle da incapacidade processual e do defeito de representação, estipulando consequências à falta de erradicação desses vícios. Do ponto de vista sistemático, a principal consequência da distribuição da matéria consiste na diferença de tratamento entre a capacidade processual e a capacidade postulatória. Desta última cuida, em princípio, o art. 103, inserido no Capítulo III – Dos Procuradores – do mesmo Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – do NCPC. 512. Graus da capacidade processual da pessoa natural O pressuposto da capacidade processual, no tocante à pessoa natural, comporta graus. Em primeiro lugar, há a capacidade plena, reconhecida à pessoa que se encontra no pleno exercício de seus direitos (art. 70). Tal modalidade expressa a capacidade da pessoa natural, na vida civil, em adquirir direitos e de sujeitar-se a deveres. Por outro lado, existem hipóteses de incapacidade, contempladas no art. 71 do NCPC, repartidas em duas espécies, segundo a lei civil: (a) relativa; e (b) absoluta. A despeito de o ser humano já nascer com capacidade de direito, recebendo proteção desde a concepção (art. 2.º do CC), o extremo desamparo biológico da pessoa, ao nascer com vida, gera relevante efeito colateral: nasce incapaz de praticar, por si mesma, qualquer ato conforme ao direito.2 Só o tempo ameniza ou faz cessar essa incapacidade, segundo a lei civil. E há outras situações que nem o tempo remedeia, a exemplo da deficiência mental que retira, definitivamente, o discernimento da pessoa (art. 3.º, II, do CC). São relativamente capazes, quanto “a certos atos, ou à maneira de os exercer” (art. 4.º do CC), e, nessas hipóteses, tocará aos pais, tutores e

curadores assisti-los em juízo (art. 71 do NCPC), sejam autores, réus, ou terceiros intervenientes, as pessoas previstas no art. 4.º, I, a IV, do CC: (a) os maiores de dezesseis anos e os menores de dezoito anos; (b) os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; (c) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; (d) os pródigos. De outro lado, são absolutamente incapazes, a teor do art. 3.º, I a III, do CC: (a) os menores de dezesseis anos; (b) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil; (c) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Todavia, as pessoas absoluta ou relativamente incapazes são titulares de direitos e de deveres, exigindo a ordem jurídica seu exercício. Como tais pessoas não o podem fazê-lo pessoalmente, a lei abrevia semelhante inconveniente mediante formas de suprir a incapacidade. Eventualmente, litigiosos os interesses dos incapazes, essas formas de suprimento servem à instauração e ao desenvolvimento válido do processo. A representação atribui capacidade e supre a incapacidade.3 A prova da representação dos pais, do tutor e do curador há de ser préconstituída, especialmente nos dois últimos casos, sobrevindo controvérsia a esse respeito. Também dependerá da lei civil a cessação da incapacidade ou o desaparecimento superveniente da capacidade (v.g., por intermédio da interdição). 513. Representação orgânica das pessoas jurídicas A representação atribui capacidade e supre a incapacidade. Não é fenômeno peculiar e exclusivo das pessoas naturais incapazes. Em realidade, o instituto da representação assume capital importância no que tange às pessoas jurídicas. Trata-se de identificar a pessoa natural que, concretamente, habilita-se a agir por conta das pessoas jurídicas no processo. Além de abranger as pessoas jurídicas como a personalidade processual, alcança situações mais amplas que a personalidade na lei material, o problema estende-se aos entes sem personalidade. São organismos que ainda não adquiriram essa personalidade, ou jamais adquirirão personalidade, nos termos da lei civil, e, nada obstante, legitimamente podem figurar como partes no processo. Fundamentalmente, a atividade processual das partes, no curso da relação processual, baseia-se na representação.4 E inexiste “representação sem haver pessoaque se presente e pessoa que represente”.5 Entre nós, adotou-se a teoria da representação legal.6 No tocante às pessoas jurídicas, a representação se faz através dos seus órgãos.7 É um terceiro gênero, por vezes chamado de representação institucional,8 ao lado da representação voluntária e da representação legal.

As pessoas jurídicas se “presentam” por seus gerentes, diretores ou administradores, porque “o ato do órgão não entra, no mundo jurídico, como ato da pessoa, que é o órgão”, mas “como ato da pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato seu”.9 O poder de representação da pessoa jurídica – completamente distinto do mandato – recai sobre a pessoa natural investida na condição de órgão da pessoa jurídica.10 Os órgãos têm o estatuto de representantes legais.11 O art. 75 do NCPC ocupa-se da representação orgânica das pessoas jurídicas e dos entes sem personalidade. § 112.º Capacidade processual da pessoa natural 514. Capacidade processual plena da pessoa natural A capacidade de exercício da pessoa natural evolui com o tempo, em geral, e passa da incapacidade absoluta à relativa, e, por fim, à capacidade plena. Ficará habilitada à prática de todos os atos da vida civil aos dezoito anos. Em tal idade, cessa a menoridade (art. 5.º, caput, do CC), e, nesta oportunidade a pessoa também adquire capacidade processual plena, como se infere do art. 70 do NCPC. Nessa condição, a pessoa pode agir em juízo, promovendo a defesa de seus interesses em juízo. Só por exceção – por exemplo, no caso do debenturista, em que a capacidade de conduzir o processo (legitimidade) incumbe ao agente fiduciário – a lei lhe subtrai o direito de, em nome próprio, alegar seu direito material em juízo. Nada obstante a regra geral, que é a cessação da menoridade aos dezoito anos, a incapacidade dos menores de dezoito anos cessará antecipadamente nas seguintes hipóteses: (a) por concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, a partir dos dezesseis anos, sendo a emancipação outorgada por escritura pública ou por resolução do juiz, no caso de tutela; (b) pelo casamento; (c) pelo exercício de cargo público efetivo, ou seja, após o ingresso no serviço público mediante concurso; (d) pela colação de grau em curso superior; (e) pelo estabelecimento civil ou comercial ou por relação de emprego, desde que o menor, a partir de dezesseis anos, adquira economia própria (art. 5.º, parágrafo único, I a V, do CC). A capacidade de exercício aos dezoito anos eliminou as exceções que as leis agasalhavam para as pessoas maiores de dezoito e menores de vinte e um anos. Por exemplo, o art. 8.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995 outorgava capacidade processual ativa plena – não, porém, a passiva – para tais pessoas. O CC derrogou essa disposição.12 Portanto, aos dezoito anos é possível ser autor e réu nos Juizados Especiais. Idêntico o destino do art. 792 da CLT, quanto à capacidade processual no processo do trabalho, e do art. 50, § 3.º, da Lei 6.015/1973, no que tange ao requerimento do registro de seu nascimento. 515. Representação da pessoa natural incapaz De acordo com o art. 71 do CPC, a lei estabelecerá a forma de integração da capacidade processual dos incapazes, sejam eles autores, réus ou terceiros intervenientes. Para a lei civil, como visto, há pessoas absoluta e

relativamente incapazes. Ao retirar o adjetivo “civil” da parte final do art. 71, o legislador mirou outras situações menos comuns (v.g., silvícolas). Na hipótese de tais pessoas pretenderem demandar ou intervir, espontaneamente, em processo pendente, as situações preexistentes de incapacidade encontrar-se-ão apuradas, devendo apresentar-se em juízo o respectivo representante. Não se verificando essa situação – por exemplo, a pessoa em coma ingressa em juízo, valendo-se o advogado de procuração outorgada anteriormente ao fato –, o juiz mandará suprir o vício, nos termos do art. 76, caput. Pretendendo alguém demandar pessoa incapaz, ou sobrevindo intervenção espontânea do incapaz no processo pendente, a citação ocorrerá na pessoa do representante legal (art. 242, caput, segunda parte). Disso extrai-se o ônus de o autor indicar o nome e o domicílio do representante legal do incapaz. Desconhecendo o autor a incapacidade, mas constatando-a o oficial de justiça a incapacidade, forma-se o incidente do art. 245; verificandose correto o alvitre inicial, o juiz indicará curador ao citando, “observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida em lei e restringindo a nomeação à causa”, nos termos do art. 245, § 4.º. A citação recairá na pessoa do curador (art. 245, § 5.º). Ressalva feita ao caso dos menores sob poder familiar, representados naturalmente por um dos pais, impõe-se a investidura formal do representante do incapaz. É ônus do representante do incapaz exibir prova documental da sua investidura em juízo, ou suprir sua falta e irregularidade (art. 76, caput, do CPC). Por outro lado, para o tutor (art. 1.748, V, do CC) ou o curador (art. 1.774 c/c art. 1.748, V, do CC) proporem a demanda, ou se defenderem contra demanda proposta contra o incapaz, é preciso mais do que a simples investidura: o juiz deverá autorizá-lo. Às vezes, a urgência do caso impede a obtenção da autorização prévia, hipótese em que a eficácia do ato subordinase à aprovação judicial ulterior (art. 1.748, parágrafo único, do CC). Por óbvio, não há sentido em negar a autorização, figurando o pupilo como réu (v.g., na ação de responsabilidade por ato ilícito); porém, no caso de o tutor pretender demandar em juízo, competirá ao órgão judiciário avaliar as probabilidades de êxito, negando a autorização nas situações desfavoráveis, porque eventual derrota em juízo implicará gravame ao patrimônio do pupilo, no mínimo quanto aos ônus da sucumbência (art. 85 do NCPC). Essas considerações se aplicam ao curador do ausente (art. 22 do CC), ao curador do nascituro (art. 462 do CC de 1916; art. 1.779 do CC) e ao curador do enfermo ou portador de deficiência (art. 1.780 do CC). No caso de o incapaz não ter representante legal, o juiz dar-lhe-á curador especial, segundo o art. 72, I, do NCPC (infra, 537). Esse esquema clássico da representação do incapaz sofreu importantes mudanças em decorrência do art. 141 da Lei 8.069/1990. O dispositivo emprestou maior dignidade à pessoa menor e adolescente, assegurando-lhe o direito fundamental processual de acesso à Justiça em termos mais amplos, em sintonia com a evolução verificada em outros lugares. Representado por

órgão da Defensoria Pública, o menor tem capacidade processual para demandar os próprios pais,13 postulando medidas que sejam do seu interesse (v.g., a matrícula em certa escola em detrimento de outra). Essa limitada capacidade processual não chega ao extremo de legitimá-lo a pleitear a dissolução do vínculo conjugal, porque tal implicaria em intromissão na esfera íntima dos pais, mas não deixa de ser altamente significativa. A posição doravante ocupada pelo menor e pelo adolescente significa que, refletindo o direito geral de autodeterminação da pessoa, adquiriu capacidade processual plena para determinadas demandas, bastando que possa manifestar a respectiva vontade.14 Fenômeno que não percebido com maior intensidade, porque se passa no juízo especializado, envolvendo, portanto, porção limitada dos participantes da cena judiciária. É digno de registro, por outro lado, que o art. 8.º da Lei 9.099/1995 préexclui o incapaz da condição de parte ativa ou passiva no Juizado Especial da Justiça Comum. Porém, no Juizado Especial Federal sustenta-se essa possibilidade.15 515.1 Representação conjunta do menor sob poder familiar – Enquanto menores, os filhos estão sob o poder familiar dos pais (art. 1.630 do CC). O poder familiar compete aos pais e, na falta ou no impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade,16 durante o casamento ou a união estável (art. 1.631, caput, do CC).17 Por sua vez, o filho não reconhecido pelo pai, de acordo com o art. 1.633 do CC, fica sob o poder familiar da mãe, e, desconhecida esta, o juiz dar-lhe-á tutor. Exceto neste último caso, a investidura no poder familiar é ope legis, provando-se através da certidão de nascimento. Não há necessidade de autorização judicial, além disso, para demandar ou defender-se contra demanda em juízo. Nas divergências entre os pais, como já estabelecia o art. 21 da Lei 8.069/1990, qualquer um deles poderá recorrer ao órgão judiciário para fixar a diretriz adequada ao caso (art. 1.631, parágrafo único). Por exemplo, o juiz avaliará a conveniência e a oportunidade de ajuizar demanda em nome do filho, medindo as probabilidades de êxito, porque o insucesso pode comprometer-lhe o patrimônio próprio. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram o poder familiar, a teor do art. 1.632 do CC, e, conseguintemente, a disciplina explicada. 515.2 Representação do cônjuge incapaz na separação – Representará o cônjuge incapaz (v.g., a mulher incapacitada por ato criminoso do marido), na ação de separação, o seu curador, o ascendente ou o irmão, conforme o art. 1.576, parágrafo único, do CC, reproduzindo o art. 3.º, § 1.º, da Lei 6.515/1977.18 515.3 Colisão de interesses entre o incapaz e seu representante – A colisão de interesses entre o incapaz e o seu representante implica situação peculiar. O juiz dar-lhe-á curador especial (art. 72, I, in fine, do NCPC). Esse assunto receberá exame no item próprio (infra, 537.2). § 113.º Capacidade processual das pessoas jurídicas

516. Conteúdo da capacidade processual das pessoas jurídicas O art. 75 do NCPC ocupa-se da representação em juízo das pessoas jurídicas e de outros entes despersonalizados. Essas pessoas e entes têm capacidade processual plena. A pessoa jurídica é uma criação do direito, que lhe atribuiu condição de pessoa, dotada de capacidade de direito e de capacidade para obrar, e quem pratica os seus atos é o órgão, “ou são os órgãos, se em caso de distribuição de funções; porque os órgãos são parte dela (…)”19 Ela é criada pela reunião das pessoas naturais e, posteriormente, conforme as exigências do direito material, personificada. Entre um passo e outro, sendo que o último não é inevitável, há o ente despersonalizado ou entidade não personificada – organização unitária de pessoas ou de bens. À pessoa humana a personalidade é inata, mas a personificação desses entes, que assumem várias formas (v.g., sociedade empresária, fundação), é posterior à sua constituição. Não interessa ao processo civil as teorias que se forjaram para explicar a pessoa jurídica, e, muito menos, os méritos e deméritos da teoria da realidade técnica, adotada no art. 45 do CC,20 segundo o qual a pessoa jurídica forma-se através de um processo técnico pelo qual o direito atribuiu personalidade a reunião de pessoas naturais que manifestam vontade com determinados fins.21 Importa tão só que as pessoas jurídicas e as entidades não personificadas exibam capacidade processual ativa e passiva, como resulta do art. 75. Em vários incisos, o art. 75 identifica genericamente a pessoa natural que “presenta” – preciosismo terminológico da teoria da representação orgânica – 22 as pessoas jurídicas e outros entes desprovidos de personalidade. Cuida-se do órgão ocupado pela pessoa natural que, integrando o próprio ser, atuará em nome da pessoa jurídica ou do ente em juízo. Logo, ao processo civil importa muito a identificação da pessoa natural que presenta a pessoa jurídica ou o ente sem personificação.23 No entanto, o rol não se revela exaustivo, conclusão evidenciada no seu exame. Para melhor organizar a matéria, mostra-se conveniente não acompanhar os incisos do art. 75, mas a ordem natural dos assuntos. 517. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público interno A distribuição das matérias do art. 75 separa as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado. Em relação àquelas, há uma ulterior subdivisão: (a) o inc. I do art. 75 atribui a representação da União, à respectiva Advocacia-Geral, e o inc. II do art. 75 a dos Estados, do Distrito Federal (omitiu menção aos Territórios, atualmente inexistentes), aos respectivos procuradores; (b) o inc. III do art. 75 atribui a representação do Município, além do procurador, ao Prefeito; e, (c) o inc. IV do art. 75 confere a representação da autarquia e da fundação de direito público a quem “a lei do ente federado designar”. O principal efeito dessa diversidade de tratamento consiste na circunstância de o Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal, não representar em juízo as respectivas pessoas jurídicas. A magna tarefa incumbe, exclusivamente, aos seus procuradores.24 Na verdade,

o inc. I e o inc. II do art. 75 resguardaram o Chefe do Executivo, impedindo que receba, pessoalmente, a citação. A regra homenageia a prerrogativa das suas funções. Desse modo, representa vezo ultrapassado e reprovável, retroagindo a vezo anterior ao próprio CPC de 1939, o autor requerer a citação, na demanda movida contra o Estado-membro, do Governador do Estado.25 Relativamente à União, o art. 1.º, da LC 73/1993, disciplinou o art. 131 da CF/1988, estabelecendo que toca ao Advogado-Geral da União “representá-la junto a qualquer juízo ou tribunal” (art. 4.º, § 1.º, da LC 73/1993). Encontra-se ele, nada obstante, subordinado “à direta, pessoal e imediata supervisão do Presidente da República”, a teor do art. 3.º, § 1.º, da LC 73/1993. Em vão se buscará, todavia, uniformidade e clareza na representação da União. Deixando à parte o regime transitório (art. 29 do ADCT da CF/1988), além do Advogado-Geral, que representará a União em “qualquer juízo ou tribunal” (art. 4.º, § 1.º, da LC 73/1993), há outras pessoas com idêntica atribuição. A fórmula genérica visa a autorizar a intervenção do AdvogadoGeral, em qualquer juízo, nas causas de peculiar interesse do governo. Mas, também à Procuradoria-Geral da União e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional incumbe a representação, esta última, ativa e passivamente, nas execuções da dívida ativa de caráter tributário (art. 12, II, da LC 73/1993) e nas causas de natureza fiscal (art. 12, V), definidas no art. 12, parágrafo único, I a VIII. Os arts. 35 e 36 da LC 73/1993 identificam, considerando a hierarquia do órgão judiciário em que tramita a ação e a multiplicidade desses órgãos, a pessoa que receberá citação pela União. Por sua vez, o art. 132 da CF/1988 atribuiu a representação dos Estados e do Distrito Federal aos respectivos procuradores. Dependerá das disposições da lei complementar que organizar o respectivo serviço público, prevista no art. 37, caput, da CF/1988, a representação judicial do Território que vier a ser criado. Do eventual constrangimento de receber a visita do oficial de justiça o art. 75, III, não imunizou o Prefeito, Chefe do Executivo do Município. É possível citá-lo pessoalmente, em razão de atos próprios de suas funções, inexistindo procurador, a teor do art. 75, III. Explicou-se, perante a similar regra do art. 87 do CPC de 1939, a finalidade do dispositivo: os “municípios, na sua grande maioria, não têm serviço contencioso organizado, não havendo inconveniente em atribuir-se ao próprio prefeito sua presentação judicial”.26 O Prefeito somente ostenta capacidade processual, jamais a postulatória (art. 103). Logo, uma vez citado o chefe do Executivo, o Município precisará constituir procurador para postular no processo. A esse respeito, acentuou-se que a regra, positivamente, não “pretendeu isentar das tão exigentes formalidades da advocacia os cidadãos nomeados prefeitos, ou eleitos para tal cargo”.27 Constituído procurador pelo Município – a natureza real e concreta do vínculo subordinar-se-á à lei local, concebendo-se tanto o provimento de cargo efetivo, ou de cargo em comissão, quanto a simples outorga de procura judicial –, que há de ser advogado, ope legis, conjugam-se na mesma pessoa duas espécies de representação, a material e a processual. Ficam

preenchidos, simultaneamente, dois capacidades processual e postulatória.28

pressupostos

processuais:

as

O procurador titular de cargo, efetivo ou não, já se sustentava no CPC de 1939, “tem título de nomeação, que é o instrumento do mandato”,29, e, portanto, encontra-se dispensado de provar sua investidura no cargo ou a procura,30 gravando ao adversário da pessoa jurídica o ônus de provar ausência de poderes. Também as autarquias, as empresas públicas e as fundações públicas municipais, estaduais, distritais e federais inserem-se na classe das pessoas de direito público.31 Não se revela pacífica tal natureza, porém: admite-se a criação de fundações com personalidade de direito privado.32 E não é público o regime jurídico da empresa.33 Como quer que seja, desfrutam de personalidade própria, distinta da personalidade da pessoa matriz (v.g., a União); por conseguinte, têm capacidade para ser parte.34 Por exemplo, a autarquia estadual encarregada das estradas de rodagem.35 A representação dessas pessoas obedecerá às disposições da lei de criação.36Em geral, a representação recai na pessoa dos seus diretores.37 Eventualmente, dotadas de corpo jurídico próprio, a representação cabe aos seus procuradores, “caso sejam criados esses cargos, com a função expressa de representá-las em Juízo”.38 Às vezes, a lei que instituiu a pessoa jurídica integrante da Administração indireta exige a citação simultânea do presidente da autarquia e do procurador da pessoa política (União, Estado ou Município) – hipótese explicitada no art. 75, IV, in fine. O art. 242, § 3.º, declara realizar-se a citação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público “perante o órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial”. Logo salta à vista defeito no concernente ao Município, talvez sem órgão dessa natureza, hipótese em que a citação recairá no Chefe do Executivo. A utilidade da regra consiste em obrigar o autor a indicar o endereço do órgão da Advocacia Pública na petição inicial. Fora daí, a regra é redundante e supérflua. Em tal ponto, cumpre realçar a notável consequência do fato de o chamamento a juízo das pessoas jurídicas de direito público ocorrer na pessoa de procurador, a um só tempo prolongamento da representação orgânica, originariamente pertencente ao Chefe do Executivo, e pessoa investida na representação técnica (art. 103). O prazo recursal flui da intimação porventura feita ao advogado da parte, a teor do art. 1.003, caput, aí incluindo a sociedade de advogados, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública. No tocante à liminar inaudita altera parte, a parte tomará conhecimento do provimento no ato de citação, mas necessitará de procurador para praticar o ato, privativo do representante técnico. Nada obstante, o art. 1.003, § 2.º, manda aplicar a este prazo o art. 231, I a VI, ou seja, o termo inicial é o mesmo da contestação. Equiparou-se, portanto, a situação do advogado do particular (e do órgão da Defensoria Pública) e o advogado público. Para mencionar a hipótese mais trivial, seu termo inicial é a juntada do mandado de citação cumprido aos autos (art. 231, II).

518. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público externo À semelhança da omissão parcial do seu inc. I, quanto a algumas pessoas jurídicas de direito público interno, o art. 75 olvidou referência aos Estados estrangeiros. Por óbvio, têm personalidade processual. Figuram como partes em litígios civis de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, e, da CF/88) e em litígios trabalhistas (art. 114, caput, da CF/1988), porque sua imunidade à jurisdição nacional é relativa (retro, 209). Representam os Estados estrangeiros o seu embaixador acreditado no Brasil,39 e, não, o cônsul, cujas atribuições são de outra índole.40 Além do embaixador, representa o Estado estrangeiro o “órgão encarnado na figura, individual ou coletiva, que a sua Constituição apontou”;41 de regra, o respectivo Chefe de Estado. 519. Capacidade estrangeiras

processual

das

pessoas

jurídicas

privadas

Representará a pessoa jurídica privada estrangeira, segundo o art. 75, X, o seu gerente, representante, ou administrador de sua filial, agência ou sucursal – tecnicamente, noções diferentes,42 porém sem relevo no tocante à capacidade para estar em juízo –, aberta ou instalada no Brasil. Presumem-se tais pessoas autorizadas a receber citação em seu nome (art. 75, § 3.º). Regras especiais obrigam as pessoas jurídicas estrangeiras a outorgar mandato com poder especial de receber citação a um representante domiciliado no território nacional.43 Ao invés, o art. 26, § 2.º, da Lei 12.846/2013 segue, literalmente, a linha do art. 75, X, nas pretensões tendentes a responsabilizar a pessoa jurídica por ilícito praticado contra a Administração Pública nacional e estrangeira nos casos estabelecidos no diploma. O art. 75, X, assegura tratamento igualitário à capacidade processual ativa e passiva.44 A sociedade estrangeira aqui poderá demandar e, igualmente, aqui poderá ser acionada. No entanto, a representação prevista no art. 75, § 3.º é somente passiva. Para demandar, tal sociedade haverá de se representar pelas pessoas designadas nos seus estatutos ou por seus diretores.45 Para os efeitos do art. 75, X, considera-se “estrangeira” a pessoa jurídica cuja sede social se localiza fora do território nacional.46 A incidência do inc. VIII do art. 75 pressupõe que a sociedade estrangeira haja se personificado no Brasil. A representação em juízo da sociedade sem personificação no estrangeiro,47 ou no Brasil, observará o disposto no inc. IX do art. 75.48 E a sociedade apenas personificada no estrangeiro, e sem filial, sucursal ou agência no Brasil, terá sua capacidade processual regulada pelo art. 75, VIII, ou seja, consoante a regra geral das pessoas jurídicas, respeitadas disposições especiais (v.g., art. 215, § 2.º). § 114.º Capacidade processual da pessoa jurídica privada nacional 520. Representação da pessoa jurídica privada nacional

A representação em juízo das pessoas jurídicas privadas incumbe às pessoas designadas, para essa finalidade, nos seus atos constitutivos, integrem, ou não, algum órgão específico para essa finalidade (art. 75, VIII). Nada pré-exclui recair a representação em dois ou mais órgãos conjuntamente.49 Faltando essa indicação, no negócio constitutivo da sociedade, incide o art. 75, VIII, in fine, do NCPC: a representação caberá “aos seus diretores”. A regra do art. 75, VIII, abrange todas as pessoas jurídicas, empresárias ou não, cujo regime jurídico seja de direito privado. Por isso, alcança as sociedades de economia mista, em razão da respectiva natureza privada;50 a Igreja Católica e suas subdivisões;51 e os partidos políticos, igualmente pessoas jurídicas privadas (art. 1.º da Lei 9.096/1995). 521. Órgãos de representação da pessoa jurídica privada O art. 75, VIII, in fine, alude a “diretores”, no plural, como os órgãos de representação da pessoa jurídica privada nacional. Incorre em certo exagero. Em sua infeliz literalidade, o dispositivo sugere a obrigatoriedade do ato de citação recair em dois ou mais representantes. Acontece de uma única pessoa, investida na direção, deter a representação orgânica da pessoa jurídica. Em tal hipótese, mostra-se desnecessário citar todos os dirigentes, existindo mais de um, na ação movida contra a pessoa jurídica.52 E, reversamente, dispensável a outorga de mandato ao advogado por dois ou mais representantes. O silêncio dos atos constitutivos, relativamente à representação orgânica, de resto incomum, importará a capacidade processual (ativa e passiva) de qualquer um dos órgãos de direção. A fórmula genérica do art. 75, VIII, in fine, tem seu aspecto positivo. Ela superou as disposições particulares do anacrônico direito comercial, objeto de minucioso inventário em outros tempos.53 Por outro lado, o diretor da pessoa jurídica privada que, ao mesmo tempo, é advogado, poderá representar e postular em nome da sociedade. Sobrepõem-se, assim, a representação orgânica e a habilitação técnica, embora conceptualmente distintas.54 522. Ônus da demonstração das atribuições do órgão da pessoa jurídica privada Da reserva às disposições contratuais, implícita na disciplina da capacidade processual erigida no art. 75, IX, originam-se relevantes efeitos. É que os poderes do órgão – por exemplo, o de representação “orgânica” do diretor da sociedade anônima, nos termos do art. 144 da Lei 6.404/1976 –,55 e os de representação, em juízo ou fora dele, nem sempre coincidem. O contrato social ou os estatutos são soberanos nesse aspecto. Por conseguinte, a amplitude dos poderes de representação do órgão da pessoa jurídica, o seu objeto e a natureza desses poderes decorrem dos atos constitutivos (contrato ou estatutos). Em vista disso, surge o ônus de o autor indicar, na petição inicial, o representante da pessoa jurídica que aponta como ré, e o ônus desta de provar, no momento do ingresso no processo, a

habilitação da pessoa que constituiu o procurador judicial para defendê-la em juízo. Figurando a pessoa jurídica no polo passivo da relação processual, constitui ônus do autor indicar o seu representante, conforme se infere do art. 242, caput, segunda parte.56 O descumprimento desse ônus implicará a invalidade do chamamento a juízo. E trata-se de nulidade cominada (art. 280), presumindo-se a ocorrência de prejuízo à defesa e a falta de obtenção da finalidade do ato. Nada importa a aparência de “representante” da pessoa que recebeu a citação e a ausência de pronta ressalva. Esse rigor se justifica, porque a certeza de que o réu recebeu o chamado para se defender em juízo integra as garantias mínimas da fórmula genérica do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1988). Porém, subsiste só no caso da existência de contrato escrito e registrado, ou seja, tratando-se de sociedade personificada. Em tal contingência, o autor deverá exibir cópia do documento ou, na pior hipótese, conhecer seu teor, porque do contrário não se desincumbirá do ônus. No entanto, o STJ inclinou-se em outra direção, favorecendo a teoria da aparência. Estima-se válida a citação realizada na pessoa que, aparentemente, representa a pessoa jurídica.57 A esse respeito, ponderou-se em sentido contrário, e com razão: “Seria, também, absurdo e contrário aos princípios do contraditório e da ampla defesa e devido processo legal, permitir que o vício do ato citatório, de tamanha gravidade e de tão devastadoras consequências, pudesse se sanar simplesmente porque a pessoa que recebeu a citação tinha mera aparência de representante”.58 O art. 248, § 2.º, do NCPC encampou a teoria da aparência nos termos preconizados no âmbito dos juizados especiais da Justiça Ordinária (art. 18, II, da Lei 9.099/1995), indicando o “funcionário responsável pelo recebimento de correspondências”. Esta pessoa passou a ostentar suprema importância, merecendo especial atenção nos procedimentos internos da pessoa jurídica, a fim de evitar o extravio da carta de citação. Figure-se o caso de “funcionário” terceirizado, encarregado da recepção do carteiro, de escassa instrução e ignaro da responsabilidade atribuída na lei processual, negligenciar o pronto encaminhamento ao setor competente (v.g., o departamento jurídico), culposamente, ou dolosamente destruir a carta. A pessoa jurídica tornar-se-á revel. Parece pouco provável consiga persuadir o órgão judiciário a reconhecer os desvios do funcionário – afinal, problema de organização interna – e relevar a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. A validade da citação realizada no representante aparente mostrar-se-ia tolerável, e com o clássico grão de sal, relativamente aos litigantes institucionais – por exemplo, as empresas de banco. Estas empresas dispõem de mecanismos internos para reagir à demanda tempestivamente. Fora daí, a teoria da aparência propicia a fraude – a pessoa que recebe a citação pode ter interesse direto ou indireto no êxito da demanda – e, no mínimo, dificulta a defesa, violando o devido processo legal. E, de fato, a certeza que o órgão competente recebeu o chamamento para comparecer em juízo é uma garantia mínima, elemento indispensável do processo justo e constitucionalmente equilibrado.

Na demanda movida por pessoa jurídica, a petição inicial deve ser instruída com o contrato social ou os seus estatutos,59 ensejando ao órgão judiciário o controle da regularidade da representação.60 Eventualmente, precisará exibir a autorização para demandar, gerada no âmbito interno da sociedade, que em alguns casos pulveriza-se em vários órgãos, gerando dificuldades variadas.61 Em realidade, é ônus da pessoa jurídica provar sua personalidade,62 salvo a declaração que se cuida de pessoa sem personalidade no direito material. Indiretamente que seja a pessoa jurídica comprova a respectiva representação regular, mediante a exibição dos seus atos constitutivos. Existem opiniões em sentido contrário, resolvendo o problema pelo simplista expediente de atribuir à parte adversa do autor o ônus de provar a irregularidade.63 Finalmente, é bom recordar a possibilidade de a citação recair no procurador do réu (art. 242, caput, segunda parte), havendo recebido o poder especial de receber citação (art. 105, caput), também órgão da pessoa jurídica privada e, conseguintemente, titular da capacidade postulatória. 523. Representação anômala da pessoa jurídica privada nacional O panorama se torna complexo por força de algumas regras instituídas quanto à citação do réu. O legislador pretendeu simplificar o chamamento do réu em situações especiais. Para tal fim, alterou a representação passiva ordinária. Em primeiro lugar, encontrando-se o réu ausente, e originando-se a ação de atos praticados por seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, tais pessoas representarão o réu (art. 242, § 1.º). Ademais, o locador, ausentando-se do Brasil sem deixar procurador com poderes especiais para receber citação (art. 105, caput), será representado pela “pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis” (art. 242, § 2.º). Essas regras exigem ulteriores considerações. 523.1 Ausência do território nacional do representante legal da pessoa jurídica privada – Em relação ao art. 242, § 1.º, há três elementos simultâneos para ensejar sua incidência: (a) ausência do réu; (b) existência de mandatário, de administrador, de gerente ou de feitor; (c) natureza da causa. É preciso que todos concorram para tornar válida a citação na pessoa do terceiro.64 E cada um deles, por si só, revela-se problemático. O pressuposto da “ausência” do réu do território nacional, no que tange às pessoas jurídicas privadas nacionais, relaciona-se com o disposto no art. 119, caput, da Lei 6.404/1976. De acordo com a regra, o acionista residente ou domiciliado no exterior “deverá manter, no País, representante com poderes para receber citação em ações contra ele, propostas com fundamentos nos preceitos desta Lei”. Tal representante exercerá, no Brasil, as atribuições do órgão em que se acha investido o acionista. Naturalmente, existindo outra pessoa, ocupando o órgão de representação, incidirá o art. 75, VIII, in fine, afastando a regra do § 1.º do art. 242. Nenhuma influência exerce a nacionalidade desse acionista ou a sua condição de pessoa física ou jurídica.65

Impossibilitado de receber, pessoalmente, a citação (art. 242, caput, do NCPC), porque ausente o acionista do território nacional, a lei atribui ao mandatário, administrador, feitor ou gerente, a capacidade para receber o chamamento a juízo. O dispositivo se prende, intuitivamente, à informalidade que predomina nos negócios empresariais, tornando inútil perquirir a qualidade da representação, apesar de o dispositivo invocar a retrógrada figura do “feitor”. O art. 242, § 1.º, não cura da representação legal do ausente, mas, como no direito anterior, “da ausência tomada em sentido comum, de não estar presente”,66 no lugar do seu domicílio, temporária ou permanentemente. O réu domiciliado e “presente” em qualquer localidade brasileira haverá de ser citado neste lugar, se for o caso através de carta precatória, não se justificando aplicar o art. 242, § 1.º, em virtude do ajuizamento da ação “em comarca diversa daquela em que domiciliado o réu”.67 No entanto, prevalece o entendimento de que basta a ausência eventual do lugar em que deve ocorrer a citação.68 Transmite-se o poder excepcional ao sucessor do representante original.69 Neste particular, a regra tutela a efetividade da jurisdição brasileira. Por outro lado, afigura-se indispensável que, segundo a alegação do autor, o litígio se origine de ato imputável ao representante. É bem possível que, ao fim e ao cabo, a prova ministrada pelo réu revele e o juiz conclua pela falsidade da alegação. Este juízo, a posteriori, respeitante ao mérito da causa, não invalida, retroativamente, a citação. O autor sujeitar-se-á, neste caso, à sanção porventura cabível contra a deslealdade processual. Finalmente, às vezes surgirão controvérsias sobre a qualidade do mandatário, do administrador, do feitor ou do gerente do “ausente”. O órgão judiciário assegurará a manifestação da pessoa apontada como tal e recepcionará a prova produzida. Acolhida a alegação, há que se proceder a nova citação. Exemplo de representante, incluído na regra, é o agente marítimo, na pessoa do qual se pode citar o armador, relativamente a litígios envolvendo cargas que “hajam sido despachadas ou descarregadas no porto em que atua” o agente.70 Entre essa hipótese e a do art. 75, § 3.º, relativa à pessoa jurídica estrangeira, há diferenças de vulto: (a) o art. 242, § 1.º presume a autorização para receber a citação; (b) a regra exige relação entre a causa e o ato do representante.71 523.2 Ausência do território nacional do locador – Segundo o art. 242, § 2.º, ausentando-se o locador do território nacional, definitiva ou temporariamente, sem cientificar o locatário de que deixou, no lugar de situação do imóvel locado, procurador com poderes específicos para receber a citação (art. 105, caput), presume-se seu representante o administrador do imóvel encarregado de receber os aluguéis. Essa regra reforça a interpretação do § 1.º do art. 242. As funções de administrador e da pessoa encarregada de receber os aluguéis não se confundem. A exemplo da regra que lhe precedeu (art. 215, § 1.º, do CPC de 1973), o art. 242, § 2.º, conjugou as duas figuras e só neste

caso ocorrerá a representação legal do locador. Não basta a existência de pessoa encarregada de receber os aluguéis, desprovida dos poderes de representação.72 E, naturalmente, não estando mais a pessoa física ou jurídica na administração do imóvel, recebendo os aluguéis, talvez por força da própria ausência, desaparece a possibilidade de fazê-la citar em lugar do locador.73 A incidência do art. 242, § 2.º, pressupõe que, ausentando-se do território nacional, o locador não haja notificado o locatário, previamente, indicando seu representante legal no lugar em que se situa o imóvel. Ocorrendo, ao invés, essa notificação, a pessoa nela indicada receberá a citação, mostrando-se inválido o chamamento do administrador do imóvel. Relativamente ao art. 215, § 2.º, do CPC de 1973, a regra do NCPC tornou o “administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis” o representante do locador em juízo. Logo, é substituto processual (art. 18, caput, parte final), competindo-lhe promover a defesa do locador, outorgando poderes a advogado. Era efeito subentendido na regra predecessora. § 115.º Capacidade processual dos despersonalizados 524. Representação dos despersonalizados O art. 75 atribuiu personalidade processual, explicitamente, a diversos entes sem personificação formal: (a) a massa falida (inc. V); (b) as heranças jacente e vacante (inc. VI); (c) o espólio (inc. VII); e (d) à sociedade e à associação irregulares, bem como a outros entes sem personificação (inc. IX). Peculiar é o caso do condomínio (inc. XI), prevalecendo a tese que lhe recusa personalidade jurídica.74 No processo civil brasileiro, o art. 75 fixa claramente o princípio – as comunidades têm personalidade processual –, mas não contempla rol completo e exaustivo. Os órgãos de pessoas jurídicas de direito público, a exemplo da Câmara de Vereadores, representada por sua Mesa – por exemplo, para propor ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal –, e instituições, como o Ministério Público, representado pelo Procurador Geral de Justiça (art. 10, I, in fine, da Lei 8.625/1993), têm personalidade processual e, observadas as regras atinentes à representação em juízo, capacidade processual. É também o caso da Comissão de Representantes que, a teor do art. 63, § 5.º, da Lei 4.591/1964, poderá “receber citação, propor e variar de ações”,75 em nome do condomínio em construção. No entanto, a ata da assembleia que constituir essa Comissão dependerá de registro no álbum imobiliário, conforme reza o art. 50, § 1.º, da Lei 4.591/1964. Feito o registro, a “Comissão de Representantes dos adquirentes recebe o poder de representação” da própria lei.76 Em síntese, ressalvadas episódicas e incompreensíveis restrições, (a) as comunidades de fato – por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e seus congêneres, que o fraseado politicamente correto designa de “organizações civis” –, (b) as comunidades de interesses (v.g., a herança),

e (c) os órgãos da pessoa jurídica de direito público e privado, gozam de personalidade judiciária, ao menos para tutela da sua própria existência e direitos. 525. Capacidade processual da sociedade em comum O art. 75, IX, prevê a personalidade processual da sociedade sem personalidade jurídica. Não importa que seja (a) sociedade irregular, ou seja, dotada de ato constitutivo desprovido de registro, ou (b) sociedade de fato. Irregular é a sociedade, no entendimento clássico, constituída sem o cabal cumprimento das formalidades legais, e de fato a sociedade constituída invalidamente.77 Segundo outro alvitre, sociedade de fato é a constituída verbalmente, irregular a sociedade contratada por escrito, mas desprovida de registro.78 Não se houve bem, portanto, o art. 75, IX, na menção à sociedade e à associação “irregulares”. Eventual distinção entre essas espécies carece de relevo no plano processual. Não se vá buscar, no art. 75, IX, distinção contrária ao princípio. Em tema de representação, o regime jurídico das duas espécies afigura-se idêntico. Por sinal, a doutrina já equiparava as duas figuras,79 findando o art. 986 do CC em reconhecer ambas sob o rótulo de sociedade em comum, razão por que a distinção perdeu o sentido.80 A ausência de contrato escrito implica apenas a impossibilidade de o sócio deduzir em juízo, contra outro sócio ou contra terceiros, pretensão de fundamento societário (art. 987 do CC). A aquisição da personalidade jurídica pode ser trabalhosa e demorada. O caso emblemático é o da sociedade por ações. A etapa de formação dessa espécie de sociedade, haja ou não a necessidade de autorização de órgão governamental (v.g., empresa de banco), é singularmente complexa. Em análise aguda do problema, chegou-se à correta conclusão que “a pessoa jurídica não nasce com o registro, com ele nascendo, de um modo geral, a capacidade plena. A personalidade jurídica, marcada por uma capacidade limitada, nasce antes, na ‘pré-vida’ da entidade, anterior à ‘existência legal’. Em tal fase anterior, já há capacidade de ser parte em juízo, já há nome (…)”.81 Desconhecendo-se a investidura formal no órgão de representação, representará a sociedade em comum, em juízo, “a pessoa a quem couber a administração de seus bens” (art. 75, IX). Também o art. 26, § 1.º, da Lei 12.846/2013, nas ações tendentes a responsabilizar pessoas jurídicas por ilícitos contra a Administração Pública nacional e estrangeira, atribui a capacidade processual das “sociedades sem personalidade jurídica” a quem couber a administração dos respectivos bens. A capacidade processual prevista nessas regras é ativa (v.g., a pretensão de regresso da sociedade sem personificação contra o autor do ilícito e seus cúmplices) e passiva. E não se concebe, de resto, seja a falta de personificação brandida como matéria de defesa, conforme reza o art. 75, § 2.º, no sentido de tornar a sociedade imune ao processo,82 porque irregular ou de fato. Por óbvio, sem embargo do disposto nesse parágrafo, a condição de administrador dos bens da pessoa que recebeu a citação – quer dizer, a idoneidade da representação –, em si, constitui questão admissível no

processo. Eventualmente, a citação mostrar-se-á nula, porque citada a pessoa errada. Por esse motivo, “a qualquer dos interessados cabe redarguir que o citado de modo nenhum administra os bens da sociedade”.83 A fórmula excessivamente enxuta do art. 75, IX, a par do equívoco em tomar uma das espécies pelo gênero, provoca algumas dúvidas. Em princípio, a sociedade não personificada distingue-se por atos exteriores de seus sócios, e, talvez, a respectiva existência adquira notoriedade, evidenciando-se essa condição mediante indícios seguros e convergentes, como a utilização de firma social.84 Não se pré-exclui, todavia, a controvérsia acerca da existência da sociedade e da identidade da pessoa que lhe administra os bens, e, conseguintemente, habilitada a representá-la em juízo. Na sociedade contratada por escrito, o problema simplifica-se, conhecido o teor do contrato: “será administrador aquele que conste de um contrato, embora não registrado”.85 Fora daí, porém, as questões aventadas comportam quaisquer meios de prova, conduzindo o processo por uma trilha secundária, longe do seu destino final. Essas ponderações aplicam-se às demais hipóteses de entes despersonalizados previstos no art. 75, IX. Facilitará o controle da capacidade processual, eliminando toda dúvida quanto à representação, a prova da investidura formal do síndico ou do administrador, do condomínio (inc. XI) e, na falência (inc. V), do administrador; do curador (inc. VI), jacente ou vacante a herança; e do inventariante (inc. VII), no caso do espólio. Porém, já se decidiu que o cônjuge supérstite não é, obrigatoriamente, o administrador provisório da herança, salvo se estiver na posse dos bens do espólio. De fato, a teor do art. 613 do NCPC, até o compromisso do inventariante, o acervo hereditário cabe ao administrador provisório, representante ativo e passivo do espólio (art. 614). Também nesta hipótese, obviamente, há delicada questão de fato, concebendo-se acesas controvérsias entre os herdeiros quanto à verdadeira qualidade do hipotético administrador. Aliás, talvez a pessoa estranha encontre-se na posse e na administração dos bens da herança, devendo a ela se aplicar a restrição do art. 75, § 1.º: todos os sucessores, herdeiros ou não, do falecido participarão do processo, no polo ativo ou passivo.86 As questões dessa índole devem ser alegadas pelo réu, à guisa de preliminar (art. 337, IX), cabendo ao autor corrigir o polo passivo. Nada impede ao autor e ao Ministério Público suscitarem a questão. Em qualquer hipótese, aplica-se o regime do art. 76, caput. 526. Capacidade processual da massa falida De acordo com o art. 75, V, o administrador representará a massa Esta regra harmoniza-se com o art. 21 da Lei 11.101/2005, pois o antigo “síndico” da massa passou a designar-se de administrador, idêntica terminologia empregada na insolvência civil (art. 766, II, do CPC de 1973). A personalidade do falido, em si, subsiste à quebra, revogada disposição em contrário, existente sob outro regime jurídico.87 A decretação da quebra do empresário surte vários efeitos no plano material, retirando-lhe, por exemplo, a posse direta dos seus bens e

interditando o poder de dispor. O patrimônio do falido submete-se a regime especial de liquidação e nisso consiste a massa falida, cuja existência é efêmera, e no seio da qual coexistem interesses conflitantes até entre os credores. Não tem a massa falida personalidade jurídica própria.88 Nada obstante, adquire personalidade processual,89 como reconhece o art. 75, V, acompanhando o art. 85 do CPC de 1939, e a capacidade processual recai sobre o administrador ou (no caso de dissolução forçada sem insolvência) sobre o liquidante. Dispõem nesse sentido as regras especiais do art. 22, III, n, da Lei 11.101/2005 (falência) e do art. 766, II, do CPC de 1973 (insolvência civil). É o exato enquadramento da posição do administrador e do liquidante, e, não, a personalidade processual, motivo de controvérsia. A esse respeito, desenvolveram-se três teses: (a) o administrador da massa falida é substituto processual;90 (b) o administrador da massa falida é representante legal; (c) o administrador é parte de ofício.91 Nenhuma é plenamente satisfatória. Podem existir conflitos entre o administrador, os credores e o falido, figurando um e outros como partes adversas. Tal peculiaridade torna inadmissível, em princípio a figura da representação clássica.92 Por outro lado, parte ativa ou passiva é a massa falida ou a sociedade em liquidação, e, não, o administrador (síndico) ou liquidante. Por conseguinte, não se trata de legitimidade extraordinária (substituição) ou de parte de ofício. Este último enquadramento é típico do direito alemão (Partei kraft Amts).93 Porém, a teoria do ofício (Amtstheorie) não se aplica ao direito pátrio, por força da disposição do art. 75, V;94 em particular, o objeto do processo não envolve necessariamente seu próprio interesse, nem sequer a autoridade da coisa julgada vincula o administrador ou o liquidante pessoalmente. Parece preferível, a despeito dos eventuais conflitos – a atuação em juízo realiza-se sob a superintendência do órgão judicial – explicar a capacidade processual no ângulo da representação (Vertretertheorie). 527. Capacidade processual das heranças jacente e vacante É jacente a herança, em síntese, falecendo alguém sem testamento e sem deixar herdeiro necessário conhecido (art. 1.819 do CC). A herança jacente constitui estado provisório da universalidade de bens, que passará a vacante, confirmando-se a inexistência de herdeiros, oportunamente, e em ambas as hipóteses ficará ela sob “a guarda e administração de um curador” (art. 1.819 do CC). Essa curadoria decorre da prévia arrecadação dos bens, ex officio, ou a requerimento de algum interessado, e de designação do juiz.95 O curador representará a herança jacente ou vacante em juízo (art. 75, VI). 528. Capacidade processual do espólio Independentemente da existência de administrador provisório, a teor do art. 613 do NCPC, tanto que compromissado o inventariante, mediante escolha realizada pelo juiz dentro da ordem legal (art. 617, incisos I a VIII), representará tal pessoa o espólio, ativa e passivamente, seja em juízo ou fora dele (art. 617, I e art. 75, VII), até a partilha dos bens e o encerramento do inventário. Deliberando o juiz, haja vista especial circunstância, investir na função de inventariante pessoa estranha à herança, sua escolha recairá no inventariante

judicial (art. 617, VII, in fine), onde houver, ou em “pessoa estranha idônea”. Não convém, entretanto, encarregar esse estranho da defesa dos interesses da herança sem a participação dos interessados.96 Portanto, segundo o art. 75, § 1.º, “os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte”. Ao contrário da regra anterior, segundo a qual os herdeiros eram a parte,97 e, não o espólio,98 este é que ocupará o polo ativo e passivo da demanda. A indivisibilidade do direito dos herdeiros (art. 1.791 do CC) ficará assegurada pela intimação dos sucessores (art. 75, § 1.º). Evoluiu a representação do espólio até a pessoa estranha investida na inventariança.99 529. Capacidade processual do condomínio Representará o condomínio de unidades autônomas ou em incorporações, o síndico ou o administrador, reza o art. 22 da Lei 4.591/1964 c/c o art. 75, XI, do NCPC.100 A administração talvez recaia em mais de uma pessoa conjuntamente e, nesse caso, ambas serão chamadas a juízo. Controverte-se a existência de personalidade jurídica do condomínio horizontal, ou de unidades autônomas, no plano material. O art. 63, § 3.º, da Lei 4.591/1964 autoriza o condomínio, em nome próprio, a adquirir a unidade autônoma do condomínio inadimplente e, realizado o negócio, o condomínio passará a titular de direito real. Logo, há personalidade jurídica, refletida no art. 75, XI.101 O STJ rejeita a personalidade jurídica do condomínio,102 exceto para fins tributários, mas inexiste dúvida quanto à personalidade processual. A representação do síndico, e a do administrador durante a fase de construção do edifício, cinge-se aos interesses comuns. Nada obstante, também compreende os direitos individuais homogêneos, a exemplo de vícios de construção, que afetam, indistintamente, toda a edificação. Deverá o síndico, em tal hipótese, exibir a ata de eleição, juntamente com a inicial ou a contestação. Ao invés, o proprietário da unidade autônoma deverá postular, ou contra ele ser demandado, todo e qualquer direito particular à sua esfera jurídica (v.g., o vício de construção exclusivo de sua unidade). No condomínio clássico (art. 1.314 do CC) pode acontecer a impossibilidade do uso e gozo conjunto da coisa. A administração da propriedade comum, neste caso, caberá ao administrador, escolhido pela maioria (art. 1.323 do CC), o qual ostentará a capacidade processual. Por esse motivo, seguramente, o inc. XI do art. 75 alude ao “administrador”, abrangendo, nesta última figura, a situação comentada.103 É impossível restringir a regra ao condomínio horizontal.104 A escolha do síndico, no condomínio horizontal, obedecerá ao disposto na convenção. Entre os condôminos, a convenção, a despeito da falta de registro, é bastante para regular-lhes as relações (Súmula n.º 260 do STJ). Desse modo, o condômino não pode furtar-se às obrigações nela inseridas, e, principalmente, alegar a irregularidade da capacidade processual do condomínio em juízo.105 Um julgado tecnicamente preciso declarou que, registrada a convenção, o representante legal do condomínio é o síndico; na falta de registro, presume-se tal representação na pessoa do condômino que

administrar a coisa comum sem oposição dos outros, porque mandatário comum, a teor do art. 1.324 do CC.106 Inexistindo administrador, seja qual for a espécie de condomínio, qualquer dos condôminos representará o conjunto, ativamente, e todos hão de ser chamados a juízo, passivamente. § 116.º Desconsideração da personalidade jurídica 530. Fundamento e natureza da responsabilidade patrimonial O art. 391 do CC dispõe que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Por sua vez, o art. 591 do CPC de 1973, cronologicamente anterior, emprega fórmula mais analítica para exprimir a mesma ideia, rezando o seguinte: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. O art. 789 do NCPC adotou redação mais direta: “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Da conjugação do art. 392 do CC e do art. 789 do NCPC, interpretadas sistematicamente, evidencia-se que nem todos os bens do devedor respondem pelo cumprimento de suas obrigações. A lei pode separar alguns deles, expressamente, chamados de bens impenhoráveis (por exemplo, a residência da pessoa natural: art. 1.º da Lei 8.009/1990), declarando-os insuscetíveis a constrições judiciais, e, assim, assegurar ao obrigado direito fundamental à moradia, integrante do mínimo existencial. Esses dispositivos representam as culminâncias de notável evolução histórica que humanizou a atividade jurisdicional executiva. Rejeitaram a tradição romana e germânica, consagrando a responsabilidade pessoal do obrigado pela dívida, em primeiro lugar livrando o devedor da escravidão em proveito do credor e, em época mais recente, da prisão na hipótese de inadimplemento da obrigação. A responsabilidade decorrente do descumprimento da obrigação passou a recair sobre o patrimônio do obrigado. Para chegar a esse estágio, o princípio expresso nas regras dissocia dívida (schuld) e responsabilidade (haftung).107 A dívida é pessoal, mas a responsabilidade recai sobre o patrimônio, baseada no inadimplemento, que é fato superveniente à formação do vínculo obrigacional. Descumprindo o dever de prestar, o obrigado sujeitará seus bens à execução.108 Inversamente, antes do inadimplemento o credor não poderá iniciar a execução,109 conforme reza o art. 788, primeira parte; ocorrendo adimplemento, o patrimônio se tornará inacessível à investida judicial do credor, salvo não correspondendo a prestação ao direito ou à obrigação. O princípio da responsabilidade condiciona a atuação dos meios executórios ou “espécies” de execução, limitando a atividade jurisdicional ao patrimônio do obrigado na realização coativa das prestações para entrega de coisa e, especialmente, das prestações pecuniárias.110 O art. 2.910 do CC italiano, segundo o qual “il creditore per conseguire quanto gli è dovuto può far espropriare i beni del debitore” (o credor, para conseguir o que lhe é devido, pode expropriar os bens do devedor), e que corresponde ao art. 824 do CPC

brasileiro – “A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais” –, revela-se o complemento natural do art. 2.740 do CC italiano, “no qual tem seu pressuposto necessário”.111 Outras “espécies” de execução, a exemplo da tendente à realizar prestações de fazer e de não fazer, escapam à órbita desse princípio.112 A responsabilidade patrimonial esclarece algumas legitimadoras passivas na pretensão a executar. Em virtude da dissociação entre dívida e responsabilidade, tanto o obrigado (v.g., o afiançado) quanto o terceiro responsável (v.g., o fiador) assumem a qualidade de partes na execução, precisamente a de partes legítimas, nada obstante a distinção, no plano material, entre o obrigado e o garante (afiançado e fiador, respectivamente). O patrimônio mencionado no art. 391 do CC compreende bens,113 coisas materiais e imateriais, dotadas de valor econômico e que podem ser objeto de relações jurídicas. Esses bens constituirão o objeto básico da atividade executória. E pouco importa que o bem seja objeto de mais de um direito, a exemplo da coisa gravada com usufruto a favor de terceiro, ou esteja em poder de terceiro (art. 790, III). Do ponto de vista da execução, ou os bens representam o objeto final do processo, quando correspondem ao objeto da prestação prevista no título executivo, ou eles constituem seu objeto instrumental, quer dizer, os meios executórios utilizam os bens para alcançar ao exequente o bem que lhe é devido.114 Se a dívida é de dinheiro, ou existe no patrimônio do executado e, objeto de constrição segundo o art. 835, I, satisfaz o exequente desde logo; ou não existe dinheiro no patrimônio do obrigado – e, nessa hipótese, empregar-se-á a alienação coativa para transformar o bem instrumental, entrementes penhorado (v.g., um imóvel), em dinheiro e, por essa via, obter o objeto final dessa espécie de execução e, por igual, satisfazer o exequente. Por fim, importa assinalar que a menção a bens não exclui outro tipo de responsabilidade, a exemplo da penal.115 A responsabilidade patrimonial abrange a pessoa natural e a pessoa jurídica. Entretanto, nessa última, a técnica da personificação visa precipuamente à autonomia patrimonial. As pessoas naturais que, ao se associarem formaram a pessoa jurídica, não assumem em nome próprio os direitos e os deveres decorrentes da atividade social. Essa autonomia patrimonial, no âmbito das sociedades empresárias, evita que os “insucessos da exploração da empresa”, na qual o risco se afigura latente e comum, importem “a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais”.116 Ora, nem todos os tipos societários consagram a autonomia patrimonial, fundada na personificação, entre a pessoa jurídica e os seus integrantes. Além disso, razões diversas levam a lei a atribuir ao sócio a dívida da pessoa jurídica. Porém, antes de examinar esse tópico, impõe-se fixar as noções de responsabilidade patrimonial primária e secundária, essenciais à compreensão da legitimidade passiva na pretensão a executar.

531. Responsabilidade patrimonial primária e secundária O obrigado responde com seu patrimônio, porque contraiu a dívida. Por esse motivo, o patrimônio do obrigado é o primeiro a se expor à atividade jurisdicional executiva, no caso em que os bens constituem o objeto final ou instrumental da execução. A tal situação se designa de responsabilidade patrimonial primária. Além do devedor propriamente dito, outras pessoas e, destarte, outros patrimônios eventualmente sujeitam-se à atividade jurisdicional executiva. Uma das situações substanciais típicas de sujeição patrimonial assenta no corte entre responsabilidade (haftung) e obrigação (schuld). Embora sob o ângulo subjetivo em geral coincidam (de ordinário, a pessoa é responsável, porque deve), não se afigura rara a hipótese de atribuição de uma e de outra a pessoas diversas (há pessoas que respondem pela dívida, embora não devam). Exemplo de pessoa responsável por dívida alheia, nos casos específicos previstos na lei material (v.g., a dívida contraída pelo marido na compra e coisas “necessárias à economia doméstica”, a teor do art. 1.643, I, do CC), é o cônjuge ou companheiro(a), assim previsto no art. 790, IV. O outro caso é o do sócio pela dívida social (art. 790, II). Essa responsabilidade sem dívida chama-se de responsabilidade secundária.117 Nenhum reparo, até este passo, comporta essa distinção. A falseta repousa em declarar esses responsáveis “terceiros” relativamente à relação processual executiva. O conceito de parte não autoriza semelhante conclusão (retro, 500). E, de toda sorte, a própria noção de responsabilidade não induz semelhante duplicidade incompreensível de papéis. Na verdade, o obrigado e o responsável são partes passivas na demanda porque executados: ambos sofrem os efeitos da atividade promovida pelo órgão judicial. É irrelevante que, segundo a relação obrigacional, um dos executados (v.g., a afiançado) assumiu a dívida (e, por isso, também é “responsável”), enquanto o outro executado (v.g., o fiador) chamou a si tão só a responsabilidade. Legitimam-se ambos, passivamente, na pretensão a executar. Tal assunto recebeu vigorosa análise, cuja acertada conclusão é a seguinte: “(…) resta demonstrado como o desquite entre os conceitos de dívida e responsabilidade (nos termos de titularidade subjetiva dos dois fenômenos) repercute sobre a esfera processual, em que releva a responsabilidade como definidora da sujeição passiva executiva e autorizadora de constrição executiva sobre o patrimônio de responsáveis não devedores, que, neste raciocínio, indubitavelmente são sujeitos passivos”.118 Exemplo digno de registro da repercussão processual do “desquite” entre dívida e responsabilidade, no raciocínio aqui desenvolvido, localiza-se no terceiro hipotecante. Em que pese alheio à obrigação, legitima-se, passivamente, na execução – a hipoteca constitui título executivo, a teor do art. 784, V – e, para realizar penhora no bem gravado, mostra-se indispensável que figure no polo passivo da execução. Ao propósito, decidiu o STJ: “A lei considera o contrato de garantia real como título executivo. Logo, o terceiro prestador de garantia pode ser executado, individualmente. Todavia, se a execução é dirigida apenas contra o devedor principal, é inadmissível a penhora de bens pertencentes ao terceiro garante, se este não integra a

relação processual executiva”.119 O art. 835, § 3.º, in fine, adotou a ideia aqui defendida, estabelecendo o seguinte: “(…) se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora”. Esta qualificação da presença do “responsável” no procedimento in executivis harmoniza-se melhor à independência e à autonomia do processo em relação ao direito material, bem como às funções instrumentais daquele em relação a este. 532. Responsabilidade patrimonial do sócio A regra que estende a eficácia executiva do título executivo judicial ou extrajudicial localiza-se no art. 790. Essa disposição arrola hipóteses heterogêneas, a saber: (a) o inc. I subordina o sucessor a título singular da parte, que adquiriu coisa litigiosa, à força da sentença, sendo a ação real ou reipersecutória, assunto que envolve a sucessão das partes em virtude da alienação da coisa litigiosa (infra, 569); (b) o inc. III torna irrelevante a posse direta de terceiro sobre bens do executado, recebida através de negócio jurídico; (c) o inc. IV declara o cônjuge responsável, nos termos da lei material, por dívida contraída pelo parceiro, atingindo bens próprios, reservados ou da meação; (d) o inc. V faz subsistir a responsabilidade patrimonial sobre bens que saíram ineficazmente do patrimônio do executado, ou que neles permaneceram gravados, porque alienados ou onerados em fraude contra a execução; (e) o inc. VI abarca a hipótese de desconstituição do negócio dispositivo, em virtude de fraude contra credores. Tais incisos não importam diretamente à problemática da desconsideração da pessoa jurídica. A tônica do problema envolve o art. 790, II, que trata da responsabilidade “do sócio, nos termos da lei”, e o art. 790, VII, cuidando da responsabilidade em caso de desconsideração da personalidade jurídica. E, com efeito, há casos em que a lei torna o sócio responsável pela dívida social, nada obstante a personalidade própria e inconfundível da pessoa jurídica, decorrente do seu registro (art. 985 do CC). O art. 790, II e VII, enseja considerações de relevo. 532.1. Fundamento da responsabilidade do sócio – O art. 790, II, estende a eficácia do título executivo ou extrajudicial, no qual figura como obrigado a prestar a pessoa jurídica, ao respectivo sócio, que responde solidária ou subsidiariamente pela dívida social, tal como acontece com o adquirente da coisa litigiosa,120consoante a disciplina legal porventura aplicável à sociedade e o disposto no contrato (v.g., art. 46, V, do CC). Decidiu com acerto o STJ: “A responsabilidade pelo pagamento do débito pode recair sobre devedores não incluídos no título judicial exequendo e não participantes da relação processual de conhecimento (…), sem que haja, com isso, ofensa à coisa julgada”.121 Pois bem: abstraindo, por ora, os problemas relativos à posição processual e à forma de intervenção dos “devedores não incluídos no título judicial exequendo”, e sublinhando a circunstância de a questão levantar-se também na execução fundada em título extrajudicial, cumpre rememorar a variedade das situações previstas no direito substancial que possibilitam essa extensão da eficácia do título.

Nenhuma aplicação tem o art. 790, II, em primeiro lugar, no tocante à sociedade não personificada (art. 986 do CC). Dotada que esteja de personalidade processual (art. 75, IX), a “transparência” da sociedade gera responsabilidade patrimonial primária dos sócios.122 Os bens e dívidas sociais formam, segundo o art. 988 do CC, “patrimônio especial”, respondendo os sócios “solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais” (art. 990 do CC). Nas sociedades personificadas – categoria que se opõe às sociedades não personificadas (ou irregulares) –, subdivididas em sociedades simples e sociedades empresárias, conforme o modo de exploração do objeto social,123 a responsabilidade patrimonial do sócio não se afigura simétrica. Por exemplo, nas sociedades em nome coletivo, os sócios respondem ilimitadamente perante terceiros, a teor do art. 1.039 do CC; nas sociedades cooperativas, conforme o art. 1.095 do CC, a responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada, consoante disposição específica do estatuto da cooperativa.124 O comércio jurídico consagrou, nada obstante, como tipos societários mais comuns, a sociedade anônima e a sociedade por quotas, porque nelas a regra é a autonomia patrimonial da sociedade, implicando, conseguintemente, a irresponsabilidade pessoal do sócio. Em relação a essas espécies é que se põe a distinção básica nesse assunto. A responsabilidade decorrente do tipo social (v.g., na sociedade em nome coletivo) não se funda em ilícito, em fraude ou em abuso, mas originase da proposição dos objetivos sociais e da vontade original dos sócios de se apresentarem como responsáveis perante terceiros na hipótese de insucesso empresarial. E também há situações em que regras jurídicas específicas imputam responsabilidade patrimonial, diretamente, ao sócio, às vezes tão só ao sócio-gerente e ao administrador. O caso mais emblemático dessa última responsabilidade patrimonial é a que decorre do art. 134, VII, c/c art. 135, III, do CTN, em virtude de dívida tributária, e objeto de larga controvérsia, afinal dirimida na jurisprudência do STJ. Firmou a orientação acertada o seguinte julgado: “O sócio-gerente de uma sociedade limitada é responsável, por substituição, pelas obrigações fiscais da empresa a que pertencera, desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador contemporâneo ao seu gerenciamento, pois age com violação à lei o sócio-gerente que não recolhe os tributos devidos”.125 É indispensável provar que o sócio-gerente “agiu com infração à lei ou contra o estatuto”, ou a empresa se dissolveu irregularmente, esclareceu o STJ.126 Em outras palavras, não basta o fato objetivo do inadimplemento da obrigação tributária para tornar responsável o sócio.127 É preciso alegar e provar o abuso na representação e de poderes por parte do administrador e sócio.128 O art. 1.025 do CC estabeleceu, no entanto, que o sócio, “admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão”, o que não abrange as dívidas tributárias, submetidas a disciplina própria. E, por fim, há a responsabilidade patrimonial dos administradores e dos sócios quando a personalidade jurídica serviu de instrumento à fraude e ao abuso, razão por que esta pode ser afastada com base na desconsideração da pessoa jurídica ou disregard doctrine. Também incidirá, nessa hipótese, o art. 790, II para estender a eficácia do título executivo, no qual,

originariamente, figura tão só a sociedade. Porém, o art. 790, VII, optou por destacar a hipótese de desconsideração. Logo, evitando superposição, o inc. II do art. 790 aplicar-se-á aos casos em que o sócio, nos termos da lei ou do contrato (v.g., sociedade em nome coletivo), respondem pessoalmente pela dívida. A função da disregard doctrine afigura-se residual, a par de episódica, “só deve ser aplicada se a autonomia da pessoa jurídica se tornar um obstáculo para a coibição de fraudes e abusos de direito. Caso o sócio, o acionista, o administrador ou a sociedade sejam destinatários específicos de normas que lhes atribuam responsabilidades pelo abuso de direito ou pela realização de fraudes”,129 desnecessária a desconsideração, porque a responsabilidade patrimonial secundária é diretamente atribuída a tais pessoas (art. 790, II). Não é o caso, porém, das regras que atribuem responsabilidade ao sócio por perdas e danos. Por exemplo, “responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto” (art. 1.010, § 3.º, do CC). Essa responsabilidade há de ser objeto de ação autônoma e própria, não incidindo, destarte, o art. 790, II, nem sendo o próprio da provocação da intervenção do sócio, porque terceiro. Feitas as distinções necessárias, o art. 790, II e VII, incidirá em dois grandes grupos de casos: (a) responsabilidade patrimonial secundária, mas direta; (b) responsabilidade patrimonial secundária, mas indireta. Vale assinalar, porém, que ambas as hipóteses, processualmente, tendem a resolverem-se no incidente específico do art. 134, caput, porque cabível “em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”. 532.2 Casos de responsabilidade patrimonial secundária direta do sócio – A responsabilidade patrimonial por dívida social, verificados respectivos pressupostos, também é da pessoa natural, incidindo o art. 790, II, nos seguintes casos: (a) da dívida previdenciária; (b) da dívida tributária (art. 134, caput, e incisos III e VII; art. 135, I, II e III, do CTN). A responsabilidade tributária, prevista no art. 134, caput, e incisos III e VII, é do sócio ou do administrador. Por essa razão, é inadmissível estendê-la ao sócio que se retirou da sociedade após a constituição da dívida.130 Conforme assentou o STJ, faltando prova de “que o sócio exercia a gerência da sociedade, impossível imputar-lhe a prática de atos abusivos, com excesso de mandato ou violação da lei ou do contrato”.131 Não se presume semelhante responsabilidade do simples inadimplemento (Súmula do STJ, n. 430). A responsabilidade do sócio por dívida fiscal pode ser apurada administrativa e previamente, e, assim, constar o responsável no título (art. 2.º, § 5.º, I, da Lei 6.830/1980). Não é o caso contemplado no art. 790, II, nem o do art. 134, § 2.º, segundo qual, requerida a desconsideração na petição inicial, “será citado o sócio ou a pessoa jurídica”. Em caso de apuração prévia da responsabilidade do sócio por dívida fiscal (e, a fortiori, da pessoa jurídica por dívida fiscal do sócio), cuidar-se-á de devedor como tal reconhecido no título e, nessa condição, parte passiva citada na qualidade de executado. Reagirá, então, contra a execução injusta através de embargos,

controvertendo ou não a responsabilidade que lhe impingiu a Fazenda Pública. Porém, surgindo posteriormente a hipótese de incidência da responsabilidade pessoal do sócio, no curso da execução fiscal, ante a constatação de que a sociedade dissolveu-se irregularmente e inexistem bens penhoráveis, lícito se afigura ao exequente voltar a pretensão a executar contra o sócio, posto que omisso o título. Era possível, no direito anterior, promover sua citação.132 Em tal hipótese, a Fazenda Pública assumia o ônus de provar os fatos que ensejaram a responsabilidade, na execução ou nos embargos.133 A jurisprudência do STJ presume a dissolução irregular e, conseguintemente, a responsabilidade do sócio, no caso de a empresa deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, “sem comunicação aos órgãos competentes” (Súmula do STJ, n. 435). No direito vigente, lícito à Fazenda Pública a intervenção do (até então) terceiro, através do incidente específico dos arts. 134 a 137. Não está claro se o regime específico da responsabilidade tributária prescinde, ou não, da instauração do incidente de desconsideração. Ao nosso ver, o processo civil garantista recomenda sua aplicação na execução fiscal, por incidência subsidiária do art. 795, § 4.º, segundo o qual é obrigatório, para excutir os bens do sócio por força da desconsideração, empregar o incidente do art. 133. A responsabilidade tributária do sócio, em princípio, não atingirá a meação do respectivo cônjuge. Existindo enriquecimento do patrimônio familiar em virtude da obrigação da pessoa jurídica, comunicar-se-á a dívida (art. 1.668, III, in fine, do CC), cabendo ao credor a prova de locupletamento da consorte.134 A respeito, preceitua a Súmula 251 do STJ: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal”. 532.3 Casos de responsabilidade patrimonial secundária indireta – A desconsideração da pessoa jurídica baseia-se no art. 50 do CC. Entende-se por desconsideração a suspensão episódica da eficácia da personificação, relativamente a um efeito específico, a fim de imputar responsabilidade patrimonial ao sócio.135Por intermédio da desconsideração, abstrai-se a forma de que se revestiram pessoas ou bens, negando sua existência autônoma.136 Em consequência, os sócios e outras pessoas tornam-se responsáveis pela dívida social, respondendo patrimonialmente, a teor do art. 790, VII. O art. 50 do CC deu consistência mais precisa às hipóteses em que a pessoa jurídica pode ser legitimamente desconsiderada, o que sempre suscitou dificuldades.137 Essa responsabilidade patrimonial, subjetivamente, assume contornos amplos, pois atingirá os “administradores” e, por igual, os “sócios da pessoa jurídica”. Esta extensão se justifica, sem dúvida, para evitar que o responsável pelo abuso da personalidade jurídica, ou pela fraude, forre-se de qualquer responsabilidade, escondendo-se numa participação social secundária, e, através do sócio-gerente formal, manipule a empresa. A despeito de ao juiz incumbir, ainda de acordo com esse dispositivo, “decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares”, independentemente de prévia condenação, há que considerar a proposição nos devidos termos. A decisão interlocutória proferida

no curso da demanda (art. 136, caput), antecedida de prazo de defesa (art. 135) e da coleta ampla de subsídios probatórios (art. 136, caput: “Concluída a instrução (…)”) independentemente da função instrumental do processo (cognição ou execução predominantes), haverá de medir e pesar o fato típico que ensejará tal extensão da responsabilidade patrimonial. Em que pesem os termos amplos da regra, não se revela possível, ante a natureza ou a grandeza do privilégio do crédito (v.g., o crédito trabalhista), estender a responsabilidade a todo e qualquer sócio, que jamais interferiu ou comandou, à distância ou por interposta pessoa, as operações sociais, e, por conseguinte, jamais esteve em condições de praticar atos abusivos ou fraudulentos. Por exemplo, o sobrinho X contrata sociedade com a idosa tia Y, mas proprietária de opulento patrimônio imobiliário, cuja participação no capital social é de um por cento, competindo a gestão da empresa somente ao sobrinho X. Não há regra que atribua responsabilidade patrimonial secundária direta à tia Y: a responsabilidade tributária pessoal por dívida social, por exemplo, é do gestor e, não, do sócio. E também faltará o elemento subjetivo para a incidência do art. 50 do CC. Não é este, porém, o entendimento usual, quanto à dívida trabalhista. Em geral, a responsabilidade recai sobre qualquer sócio, independentemente da sua participação nos negócios sociais ou da data da constituição da dívida.138 Esse tratamento peculiar, e as distorções na aplicação do instituto, sugeriu a formulação de duas teorias: (a) a “menor”, em que basta o inadimplemento da dívida social, implicando a eliminação do princípio da separação entre a pessoa jurídica e os respectivos sócios; e (b) a “maior”, segundo a qual há de haver o intuito de fraudar o direito do credor.139 É caso de desconsideração da pessoa jurídica, por exemplo, a criação de nova sociedade Y entre A e B, pois a antiga sociedade X, da qual também são sócios, é ré em ação de reparação de danos movida por C, vítima de acidente de trânsito provocado por motorista de X, cujo vulto abrangerá todo o seu patrimônio, razão pela qual A e B deixam de investir em X e concentram suas atividades em Y.140 Em tal hipótese, o juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica X, estendendo a responsabilidade da dívida perante C para Y ou para os sócios A e B. Em tema de desconsideração da pessoa jurídica, conforme assinalado, variam os entendimentos, outorgando-lhe a extensão maior ou menor. Não é um instituto unitário.141 A teoria menor, francamente radical, baseia-se unicamente na insolvência ou insuficiência patrimonial da pessoa jurídica e que, como visto, predomina no processo trabalhista, ao abstrair a efetiva participação do sócio nos atos de gestão. Entretanto, há manifestações legislativas dessa concepção, a exemplo do art. 28, § 5.º, da Lei 8.078/1990.142 Segundo o STJ, em tal caso basta a dificuldade de o consumidor obter a reparação do dano.143 Fora desse caso excepcional, exige-se a demonstração (ou seja, prova) do desvio de finalidade (fraude ou abuso da personalidade jurídica) ou da confusão patrimonial.144 As duas hipóteses aventadas correspondem às formulações objetiva e subjetiva da desconsideração da pessoa jurídica.145

Por fim, concebe-se a chamada desconsideração inversa, na qual a pessoa jurídica assume a responsabilidade da dívida pessoal do sócio, que desviou seus bens para a sociedade, blindando-o contra a pretensão a executar dos seus credores particulares.146 O STJ já admitiu a desconsideração inversa.147 E o art. 133, § 2.º, explicitamente, aludiu à hipótese. Em síntese, à luz do art. 50 do CC, a regra geral é a teoria maior da desconsideração, subdividida em duas modalidades: (a) subjetiva, nos casos de desvio de finalidade, entendendo-se como tal o propósito dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica; e (b) objetiva, nos casos de confusão patrimonial, resultando da demonstração da inexistência, no plano dos fatos, de real separação entre os patrimônios da pessoa jurídica e dos sócios.148 O art. 133, § 1.º, remete a essa disciplina do direito material, especificando: “O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei”. O conjunto das hipóteses de desconsideração, englobando a teoria maior e a menor, caracterizam a responsabilidade patrimonial indireta. 533. Procedimento da desconsideração da pessoa jurídica A apuração da responsabilidade patrimonial secundária, no tocante aos direitos de crédito, admite duas modalidades: (a) autônoma; e (b) incidente. É autônoma quando o problema da extensão da responsabilidade patrimonial integra a pretensão processual deduzida (v.g., o credor A move ação de cobrança contra a empresa B, alegando que é credor de C, sócio de B, mas o obrigado utiliza a empresa B para blindar seu patrimônio), conforme antevê o art. 134, § 2.º. Nesse caso, inexistirá o incidente específico, porque a questão integra o mérito, e, desse modo, o art. 134, § 2.º, prevê a citação do sócio ou da pessoa jurídica para responder à demanda, no processo de conhecimento, ou reagir contra a execução. É incidente a desconsideração quando objeto de incidente específico no curso da demanda (v.g., A moveu ação de cobrança contra C, mas identificou, no curso do processo, a inexistência de patrimônio do obrigado, integrado ao ativo da empresaB) e, se for o caso, na fase de cumprimento da sentença de procedência. Idêntico incidente instaurar-se-á, fundando-se a pretensão a executar em título extrajudicial, uma vez apurada a inexistência de bens penhoráveis na execução, hipótese em que o exequente há de “redirecionar” a execução contra terceiro. O art. 134, caput, prevê essas situações. E o art. 795, § 4.º, torna obrigatório o incidente de desconsideração para executar o sócio, hipótese em que, sem embargo, usufruirá obeneficium excussionis personalis (art. 795, § 1.º), ou seja, assiste-lhe o direito de que, sob certas condições, “primeiro sejam excutidos os bens da sociedade”. A desconsideração da personalidade jurídica pleiteada na petição inicial, no processo de conhecimento, resolver-se-á na sentença de mérito. O sócio ou a pessoa jurídica figuram como partes principais. Também nessa condição reagirão contra a pretensão do exequente veiculada no “requerimento” de cumprimento de sentença ou na petição inicial da execução fundada em título extrajudicial.

Porém, verificando-se a hipótese de desconsideração no curso da demanda, ou só então pretendendo a parte trazê-la ao debate, possibilitando legítimo ataque contra o patrimônio do terceiro, o Capítulo IV – Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – do Título III – Da Intervenção de Terceiros – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC instituiu incidente específico para a parte ou o Ministério Público promoverem a intervenção do terceiro. Por razões sistemáticas, o assunto é tratado nesse capítulo. Em quaisquer das modalidades, autônoma ou incidente, o órgão judicial apurará os elementos de incidência dos casos de responsabilidade secundária direta (v.g., a condição de gerente ou de administrador; a dissolução irregular da sociedade, perante a dívida tributária) e da responsabilidade secundária indireta (v.g., a ocorrência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial). Essa apuração suscitará típicas questões de fato, mas passíveis, sendo o caso do art. 133, caput, de resolução incidental. Não há a menor necessidade de deduzir pretensão autônoma, formando relação processual própria, para desconsiderar a personalidade jurídica. Embora prevista no art. 134, § 2.º, o uso dessa via é eventual, pois contrariaria o postulado da efetividade, remetendo o interessado para o tortuoso, lento e oneroso caminho da via ordinária, tornando o pronunciamento futuro, na prática, completamente inútil.149 533.1. Requerimento da parte principal ou coadjuvante na desconsideração da pessoa jurídica – O art. 50 do CC exige, para propiciar a desconsideração da pessoa jurídica, a iniciativa da parte principal ou da parte coadjuvante, que é o Ministério Público, nos feitos em que haja de intervir nessa condição. Idêntica preposição localiza-se no art. 133, caput, do NCPC. Não é, pois, assunto confiado à iniciativa do órgão judiciário. A desconsideração escapa aos poderes de direção material do juiz (infra, 940). Envolve, predominantemente, interesses patrimoniais, e quem toma essa iniciativa assumirá riscos financeiros perante as pessoas arroladas na petição. Ademais, a desconsideração da pessoa jurídica provoca a formação de litisconsórcio facultativo passivo. Não encontra-se autorizado órgão judiciário, de ofício, a integrar terceiro à relação processual, o que significa violar o princípio da demanda (infra, 1.490).150 Essas razões se mostram superiores à que baseia no caráter excepcional da desconsideração o veto à atuação ex officio do juiz.151 É nula, por conseguinte, a integração do terceiro ao processo, determinada ex officio pelo juiz, a guisa de desconsideração da pessoa jurídica. O art. 133, caput, do NCPC menciona “parte”, no singular, abrangendo as partes principais. Em princípio, interessa atacar o patrimônio do sócio ou da pessoa jurídica, reconhecendo a extensão da responsabilidade por dívida alheia, ao autor (na pretensão à condenação) e ao exequente (na pretensão a executar). Nada impede, entretanto, o réu e o executado, embora obrigados, pleitearem a desconsideração, almejando minimizar e compartilhar o sacrifício patrimonial. O sócio usufruirá, sob certas condições (art. 795, § 2.º),

do beneficium excussionis personalis (art. 795, § 1.º), ou seja, o direito de que “primeiro sejam excutidos os bens da sociedade”. É obrigatória a observância do incidente do art. 133 para desconsideração da pessoa jurídica, razão por que se cuida de intervenção compulsória de terceiro. 533.2. Momento da desconsideração da pessoa jurídica – A desconsideração da pessoa jurídica pode acontecer em qualquer fase do processo. Por óbvio, na execução fundada em título judicial ou extrajudicial é que o problema torna-se agudo e premente. A realização do crédito do exequente corre o risco de frustrar-se no todo ou em parte perante o executado originário. Antevendo a execução infrutífera, nada obsta ao credor promover ação direta ou, comumente, pleitear a desconsideração no curso do processo tendente à formulação da regra jurídica concreta. Essa possibilidade estende-se a estágio adiantado da causa: o art. 932, VI, atribui ao relator competência para decidir singularmente, e, a fortiori, o incidente instaurado originariamente perante o tribunal. A regra aplicar-se-á, indubitavelmente, às causas de competência originária do tribunal. É mais duvidosa sua pertinência no âmbito da apelação ou de outro recurso. O procedimento recursal, no direito brasileiro, não reproduz as etapas do procedimento comum (revisio pro instantae). Verificando a parte os pressupostos cabíveis, mas pendendo a causa no tribunal, resta-lhe instaurar o incidente no ulterior cumprimento de sentença. É nesse sentido que a melhor interpretação do art. 790, VII, prescinde da apuração da responsabilidade executiva prévia, ou seja, processo de conhecimento que formou o título executivo.152 Na realidade, porém, antes de se cogitar a constrição dos bens do sócio, há que compor, mediante incidente específico no cumprimento de sentença ou na execução de título extrajudicial, os elementos de existência dessa responsabilidade, como decorre do art. 795, § 4.º, não figurando o sócio ou a pessoa jurídica no título. Não existe a obrigatoriedade dessa apuração no processo voltado à formulação da regra jurídica concreta, mas faculdade, e, portanto, nada obriga ao responsável figurar como condenado no título executivo. No direito português, ao invés, somente se mostra possível penhorar os bens do sócio, na execução movida contra a sociedade, “sempre que haja título executivo contra o sócio”.153 Não é automática, ou ope legis, a extensão da responsabilidade executiva nesse ordenamento. Entre nós, a extensão da responsabilidade ocorre mediante prévia apuração dos elementos da responsabilidade patrimonial secundária direta ou indireta, quer no processo de conhecimento, autônoma ou incidentalmente, quer na execução. 533.3. Contraditório na desconsideração da pessoa jurídica – É indispensável assegurar, por imperativo do direito fundamental processual ao contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988), a audiência do sócio,154 ou da pessoa jurídica (desconsideração inversa), e, por influência da ampla defesa, a produção de prova pelas partes. O requerimento formulado pelo legitimado (partes principais e Ministério Público) demonstrará os “pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica” (art. 134, § 4.º). Estes já receberam análise (retro, 532.3). Tal implica a alegação, fundamentalmente, de razões de fato.

Formulado o requerimento, incumbe ao escrivão e ao chefe de secretaria, independentemente de ato judicial, comunicar a instauração do incidente ao distribuidor “para as anotações devidas” (art. 134, § 1.º), ou seja, anotação do nome completo do suscitado no registro, prevenindo a alegação de desconhecimento da pendência para os fins do art. 137. A suscitação do incidente de desconsideração suspenderá o processo imediatamente (art. 134, § 3.º). Esse efeito não teria sentido na suscitação por via autônoma e, daí, a ressalva ao art. 134, § 2.º, posto que supérflua. Admitido o requerimento formulado pelo suscitante da desconsideração, de plano ou após as emendas cabíveis, o juiz mandará citar o sócio, por uma das modalidades admissíveis, a fim de que se defenda. O prazo de defesa é de quinze dias (art. 135, in fine). O termo inicial é o do art. 231, a contagem ordinária (art. 219 c/c art. 224). O suscitado tem o ônus de impugnar precisamente os fatos alegados pelo suscitante (art. 341, caput), do contrário presumidos verdadeiros, salvo as exceções leais (art. 341, I a III, e parágrafo único). Feita a impugnação direta ou indireta, as questões de fato assim surgidas dependerão de prova, a cargo do suscitante, possibilidade divisada (nem sempre há prova pré-constituída) na cláusula inicial do art. 136 (“Concluída a instrução, se necessária (…)”). São admissíveis todos os meios de prova. Não fica excluída a possibilidade de o juiz realizar audiência, colhendo prova testemunhal, ou realizar inspeção judicial. 533.4. Decisão do incidente de desconsideração da pessoa jurídica e recurso próprio – O ato pelo qual o juiz desconsidera, ou não, a pessoa jurídica, devidamente fundamentado, constitui decisão interlocutória (art. 136, caput, parte final), passível de agravo de instrumento (art. 1.015, IV). 533.5. Efeitos da desconsideração da pessoa jurídica – Em tema de efeitos, o art. 137 cogitou da fraude contra a execução, relativamente ao suscitante – chamado, todavia, de “requerente” –, em caso de alienação ou de oneração dos bens do suscitado. Ora, há efeitos anteriores e mais extensos. Ocorrendo a desconsideração da pessoa jurídica, a pessoa suscitada, geralmente sócio(s), mas excepcionalmente a sociedade, empresária ou não (desconsideração inversa), e pessoa alheia (ou controlador de fato), integrarse-á ao processo na qualidade de parte principal. Consoante a oportunidade dessa integração à relação processual pendente, no processo de conhecimento, seja autônoma (art. 134, § 2.º), seja incidente (art. 133, caput) a pretensão do suscitante, formar-se-á perante o suscitado e a autoridade da coisa julgada.155 Dependerá do entendimento porventura adotado quanto à existência dessa peculiar eficácia no processo executivo a identificação de análoga autoridade na decisão tomada, incidenter tantum, no curso da execução fundada em título judicial ou extrajudicial. Na execução, a(s) pessoa(s) atingida(s) pela desconsideração tornar-seá(ão) parte passiva legítima, abandonando a posição de terceiro(s). Logo, reagirá contra a execução injusta ou ilegal (superada a própria desconsideração, porque já resolvida) mediante embargos ou

impugnação.156 Era a interpretação da legitimidade quanto aos “terceiros” responsáveis no direito anterior.157 A defesa assegurada ao suscitado, no prazo do art. 135, respeita à questão da desconsideração. Feita parte principal, no processo de conhecimento, cumpre-lhe abrir o prazo de contestação, relativamente ao restante do mérito. Fez bem o art. 134, § 1.º, atentar a aspecto aparentemente trivial. Suscitada a desconsideração, por via incidental, incontinenti o registro do processo, consignará o(s) nome(s) completo(s) do(s) suscitado(s). Facilmente se imaginam as dificuldades práticas decorrentes da omissão dessa providência, mas necessária para a eficácia perante terceiros. Por exemplo, se terceiro adquirir bens da pessoa atingida pela desconsideração, a ausência de anotação do nome da parte na distribuição autorizará, sem dúvida, a alegação de boa-fé em prejuízo do vencedor e interessado em executar. Por esse motivo, feito o registro na distribuição, alienação ou oneração posterior dos bens do suscitado, no todo ou em parte, considerar-se-ão ineficazes, a teor do art. 137, porque em fraude contra a execução (pendente ou futura). O art. 137 declara operar a ineficácia “em relação ao requerente”. Entenda-se: perante a parte principal. Legitimado a suscitar o incidente como fiscal da ordem jurídica, nessa condição a fraude não aproveita ao Ministério Público, porque não dispõe do objeto litigioso. O art. 137 declara que, desconsiderada a personalidade jurídica, mediante decisão incidental, a alienação ou a oneração de bens, “havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”. Por sua vez, o art. 792, § 3.º, a fraude contra a execução verificar-se-á a partir “da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Apesar da redação pouco feliz, o art. 137 não é incompatível com o art. 792, § 3.º. Haverá fraude contra a execução, resultante dos negócios dispositivos do terceiro, uma vez acolhido o pedido de desconsideração (art. 137), a partir da citação “da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”.

Capítulo 31. INTEGRAÇÃO DA CAPACIDADE PROCESSUAL SUMÁRIO: § 117.º Integração da capacidade processual através de curador especial – 534. Conceito de curador especial – 535. Poderes e deveres do curador especial – 536. Pessoas aptas à designação como curador especial – 537. Casos de designação do curador especial – 537.1. Designação de curador especial ao incapaz sem representação legal – 537.2. Designação de curador especial no caso de colisão de interesses do incapaz e do seu representante – 537.3 Designação de curador especial para o réu preso – 537.4 Designação de curador especial para o réu revel citado por edital ou hora certa – 538. Desaparecimento superveniente das causas de designação do curador especial – § 118.º Integração da capacidade processual das pessoas casadas – 539. Integração da capacidade processual perante o casamento – 540. Integração da capacidade processual perante a união estável – 541. Integração da capacidade processual ativa – 542. Integração da capacidade processual passiva – 542.1. Integração da capacidade processual passiva nas ações sobre direitos reais imobiliários –

542.2. Integração da capacidade processual passiva nas ações que respeitem a fatos ou atos comuns aos cônjuges – 542.3. Integração da capacidade processual passiva nas ações respeitantes a dívidas relacionadas à economia doméstica – 542.4. Integração da capacidade processual passiva nas ações possessórias – 543. Alegação da falta de integração da capacidade processual da pessoa casada – 544. Suprimento judicial da falta de consentimento do cônjuge ou do convivente – 544.1. Oportunidade do suprimento judicial do consentimento – 544.2. Critérios de avaliação dos motivos da recusa do consentimento – 544.3. Impossibilidade do cônjuge ou convivente manifestar o consentimento – § 119.º Suprimento dos defeitos relativos à capacidade processual – 545. Natureza dos vícios relativos à incapacidade processual – 546. Momento da verificação da incapacidade processual – 547. Iniciativa judicial no reconhecimento da incapacidade processual – 548. Regime geral do suprimento da incapacidade processual – 549. Efeitos da decretação do vício da incapacidade processual – 550. Efeitos da subsistência do vício da incapacidade processual – 550.1. Efeito da incapacidade processual perante o autor – 550.2. Efeito da incapacidade processual perante o réu – 550.3. Efeito da incapacidade processual perante o terceiro – 550.4. Efeitos na pendência de recurso – 551. Atos de saneamento da incapacidade processual. § 117.º Integração da capacidade processual através de curador especial 534. Conceito de curador especial Chama-se de curador especial a pessoa designada pelo juiz para representar a parte em juízo, suprindo-lhe déficit presumível na atuação, a exemplo da falta do representante ou do assistente previsto na lei civil, nas hipóteses de incapacidade absoluta e relativa. O curador assume seu papel por ato do juiz da causa. Logo, a figura do curador distingue-se, completamente, da parte.1 Nada obstante a designação do curador, configuradas as hipóteses do art. 72 do NCPC, no processo parte é o incapaz, o réu preso, revel e citado por edital ou por hora certa. O ingresso do curador, para atuar em nome da parte, visa à preservação da paridade de armas (Waffengleicheit)2 e do equilíbrio das 3 partes. Subentende-se essehandicap intrínseco na qualidade do incapaz e do réu preso revel. Essencialmente, a função do curador é defensiva, atuando “em proteção e ou em defesa daqueles a quem é chamado a representar”.4 535. Poderes e deveres do curador especial Em geral, fitando a hipótese versada no art. 72, I, no direito anterior invocava-se fórmula de estilo, asseverando que o curador exercerá “todas as funções que teria o pai, tutor, ou curador, se tivesse de acionar ou defender em juízo o incapaz”.5 Essa singular representação, sem pejo da dificuldade de harmonizá-la com a presença do verdadeiro representante, embora com interesse divergente do representado (art. 72, I, segunda parte), aplica-se ao réu preso revel (art. 72, II).

O curador exercerá a representação “dentro dos limites objetivos e temporais” do processo.6 É natural que lhe socorram todos os poderes inerentes à parte. Cabe-lhe, no processo de conhecimento, contestar a demanda, sem pejo da possibilidade de impugnação genérica os fatos alegados pelo autor (art. 341, parágrafo único).7Tem legitimidade para recorrer, por sem dúvida, com o fito de desempenhar a contento seus encargos, arredando o gravame imposto pelo provimento desfavorável aos interesses objeto do seu zelo. Por decorrência lógica da legitimidade para interpor recursos, legitimou-se o curador a empregar as ações autônomas de impugnação, a exemplo do mandado de segurança contra ato judicial.8 Vencida a barreira da legitimação extraordinária, como se percebe na ação especial de segurança, tudo se concedeu ao curador: poderá embargar a execução (Súmula do STJ, n.º 196) e oferecer reconvenção.9 Em síntese, os poderes do curador especial não se distinguem dos conferidos à parte por ele representada. Faltou a explicitação que o curador especial exercerá os mesmos poderes e ônus das partes sem necessidade dessa peculiar integração da capacidade processual, princípio subentendido, todavia, no conjunto das suas atribuições reconhecidas. 536. Pessoas aptas à designação como curador especial O art. 72, parágrafo único, atribui ao órgão da Defensoria Pública a curadoria especial. O direito anterior declava, existindo na comarca representante judicial de incapazes, tocar a este “a função de curador especial”. Dependia da lei de organização judiciária,10 nas comarcas da Justiça Comum, a existência desse “estranho personagem”.11 E, mais remotamente, incumbiam essas funções ao Ministério Público.12 O art. 4.º, XVI, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, definiu como função institucional do defensor público atuar como curador especial.13 Dessa maneira, o Ministério Público perdeu a tarefa de proteger tais interesses diretamente,14 subsistindo tão só sua função fiscalizadora da ordem jurídica (art. 178, II). A designação do agente do Ministério Público exibia seus defensores. Essa atividade recebe o rótulo de “função institucional não privativa”.15 A jurisprudência admitiu, anteriormente à edição da LC 80/1994, a designação do agente do Ministério, existindo norma local neste sentido.16 Evidentemente, se órgão da Defensoria Pública assumir as funções de curador especial, usufruirá as prerrogativas inerentes ao seu cargo, a exemplo do prazo em dobro e da intimação pessoal (artigos 44, I, 89, I, e 128, I, da LC 80/1994).17 Em síntese, verificando a ocorrência de uma das situações contempladas no art. 72, incumbe ao juiz designar o curador especial, justamente o defensor público, ou, na sua falta, não se encontrando organizada no local a Defensoria Pública qualquer advogado, ex officio ou a requerimento da parte ou do Ministério Público.18 Do art. 72, parágrafo único, decorre a necessidade de capacidade postulatória.19 Realmente, convém que seja advogado, pois tal

condição evitará a subsequente e dispendiosa contratação de causídico para promover os atos processuais. Eventual designação do curador especial não pré-exclui a obrigatória intervenção do Ministério Público, nos processos em que figurar incapaz, por força do art. 178, II.20 O ofício do Ministério Público é diferente daquele delineado para o curador, cabendo-lhe fiscalizar a atuação inclusive deste último, a par de velar pela ordem jurídica em proveito dos demais figurantes no processo.21 537. Casos de designação do curador especial O art. 72 do NCPC contempla quatro casos de integração através de curador especial: (a) na inexistência de representante legal de incapaz (inciso I, primeira parte); (b) no conflito de interesses entre o representante legal e o incapaz (inciso I, segunda parte); (c) ao réu preso revel (inciso I, primeira parte); (d) ao réu revel, desde que citado por edital ou hora certa (inciso II, segunda parte). Eliminou-se a designação de curador especial para o réu preso, tout court, porque a prisão não retira da pessoa a capacidade plena (art. 70). Esse dispositivo aplica-se a quaisquer processos, verificados os elementos de incidência, seja qual for a respectiva função predominante (cognição, execução ou cautelar). A Súmula do STJ, n.º 196, seguindo a opinião dominante,22 esclareceu sua incidência nas ações contempladas no Livro II, apesar da ausência de contraditório imperativo, e até alargou a atuação do curador especial, legitimando-o à oposição de embargos. O STJ reconhece a necessidade de curador especial no processo de homologação de sentença estrangeira,23 indicando o defensor público federal, e na falência.24 537.1. Designação de curador especial ao incapaz sem representação legal – O primeiro caso em que há necessidade de curador especial consiste na inexistência de representação legal do incapaz (art. 72, I, primeira parte). Não interessa o caráter absoluto ou relativo dessa incapacidade. Ela pode ocorrer tanto no polo ativo, quanto no polo passivo da relação processual.25 Dotado o juiz da demanda de competência em razão da matéria,26 a esse respeito proverá de modo permanente, compromissando tutor ou curador para o incapaz, e, assim cortará o problema pela raiz. Essa oportuna providência se revela útil e proveitosa inclusive fora do processo. Mostrando-se inviável a solução no momento, por qualquer motivo, então o juiz ordenará o comparecimento do curador especial, restringindo sua habilitação ao processo em curso. O dispositivo comentado aplica-se ao réu enfermo, cuja impossibilidade de receber a citação mereceu diagnóstico do médico nomeado pelo juiz (art. 245, § 2.º). Nesta hipótese, reza o art. 245, § 4.º, “dará ao citando um curador”, escolhido com a observância da lei, restrito à causa. Em razão do fato, igualmente intervirá no processo o Ministério Público (art. 178, II).27 537.2. Designação de curador especial no caso de colisão de interesses entre o incapaz e o seu representante – Também designará o juiz curador

quando houver colisão entre os interesses do representante e do representado (art. 72, I, segunda parte). Essa espécie de dissensão surge das circunstâncias do litígio. O que serve para um, não serve para o outro. Ou a demanda produzirá maior benefício para representante do que para o incapaz. Impõe-se, nessas circunstâncias, dificilmente caracterizáveis a priori, assegurar a melhor representação do incapaz. Evita-se, assim, o risco de prejudicar seus bens e interesses. Todavia, o simples descaso ou a incúria do representante, ou a divergência quanto à atuação no processo,28normalmente compensadas pela intervenção do Ministério Público (art. 178, II), não enseja a aplicação da regra.29 Em contrapartida, não há necessidade de suspender o processo.30 537.3. Designação de curador especial ao réu preso – O juiz dará curador especial ao réu preso revel (art. 72, II, primeira parte). Neste caso, o direito anterior prescindia da revelia,31 inovando relativamente ao art. 80, § 1.º, b, do CPC de 1939.32 O art. 72, II, primeira parte, volveu à orientação correta: o preso exibe capacidade processual plena (art. 70) e, constituindo advogado, exercerá os poderes processuais que competem à parte principal. A circunstância de o preso constituir advogado era motivo bastante para afastar a incidência da regra anterior.33 O STJ, porém, declarou “absolutamente despicienda a indicação de um curador especial” para o preso não revel.34 A prisão tornaria a posição de réu do preso mais desvantajosa.35 A atuação do curador especial compensaria esse hipotético handicap ou vulnerabilidade. A presunção legal é jure et de jure, exigindo-se (a) o efetivo encarceramento da pessoa e (b) revelia. O cumprimento da pena em liberdade elimina a incidência da regra. 537.4. Designação de curador especial ao réu revel citado por edital ou por hora certa – Por fim, o art. 72, II, segunda parte, concede curador especial ao revel citado por edital ou por hora certa. É o chamamento ficto que impõe a medida, presumindo-se que não atingiu efetivamente o réu,36 e, assim, constitui a causa provável da contumácia. Os efeitos (materiais e processuais) da revelia não se produzem, porque a presença do curador especial, habilitado a contestar, inibe-os na espécie. 538. Desaparecimento superveniente das causas de designação do curador especial A designação do curador especial é temporária e cessa com a extinção do processo.37 No seu curso, concebe-se a desnecessidade superveniente do curador, em razão do desaparecimento dos elementos de incidência do art. 72, I e II. Talvez o incapaz se torne capaz e o revel compareça ao processo, “recebendo-o no estado em que se encontrar” (art. 346, parágrafo único). Em tal contingência, o curador especial se torna desnecessário, cessando sua atuação.38 O juiz proverá neste sentido através de decisão interlocutória. Todos os atos praticados pelo curador serão aproveitados. § 118.º Integração da capacidade processual da pessoa casada

539. Integração da capacidade processual perante o casamento Em que pese a plena capacidade civil da pessoa natural, assumida a posição de parte no processo, há necessidade, às vezes, da intervenção conjunta de outra pessoa. Nesses casos, configura-se capacidade objetivamente limitada e, subjetivamente, suprida pela participação do cônjuge.39 O estado civil da pessoa natural interfere na capacidade processual. O homem e a mulher maiores e capazes, e, por igual, solteiros, desquitados, separados, divorciados ou viúvos, livram-se de qualquer restrição. Encontramse no pleno exercício dos seus direitos civis (art. 70 do NCPC). O casamento e a união estável, em algumas causas, provoca limitação bilateral ao homem e à mulher maiores e capazes.40 Essas causas constam no art. 73 do NCPC. A finalidade do dispositivo reside na proteção ao patrimônio familiar. No plano do direito material, o art. 1.647, I, do CC exige o mútuo consentimento das pessoas casadas para alienar ou gravar com ônus real bens imóveis, inclusive bens próprios, e para pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens (art. 1.647, II, do CC), exceto no regime da separação total de bens. O objetivo preliminar da integração da capacidade processual pelo consorte consiste em defender o patrimônio do casal, ou de cada cônjuge, individualmente considerado, de atos de disposição individuais, à semelhança dessas disposições da lei civil. A exigência do art. 73 não se relaciona com a legitimidade (capacidade para conduzir o processo). Não há, pois, demanda conjunta ou litisconsórcio. A figura prevista na regra se diferencia do litisconsórcio obrigatório, porque prevê o consentimento do cônjuge.41 Se há necessidade de vênia conjugal, talvez suprida por ato do juiz – e, obviamente, concebe-se que a recusa seja justa, em razão do motivo invocado (art. 74, caput) –, o caso não é, por definição, de demanda conjunta obrigatória por imposição legal (art. 114, primeira parte). Por outro lado, nos casos em que cada um dos cônjuges legitima-se a reivindicar bem imóvel, em nome próprio, como acontece na constância de casamento pelo regime da comunhão total de bens (art. 1.314, caput, do CC), precisará do consentimento do consorte.42 Também não se cuida, portanto, de litisconsórcio facultativo. Na realidade, as hipóteses do art. 73, § 1.º, podem ensejar, ou não, litisconsórcio, obrigatório ou facultativo. Por exemplo, perante o ilícito praticado por ambos os cônjuges, situação contemplada no inciso II do § 1.º do art. 73, a vítima do ato contrário a direito fica autorizada a demandar qualquer um dos consortes, a teor do art. 942, caput, segunda parte, c/c art. 275, caput, do CC, ou ambos, impondo-se, em quaisquer dos casos, o consentimento conjugal.43 Não se configura, mais uma vez, litisconsórcio necessário passivo. 540. Integração da capacidade processual perante a união estável A restrição à capacidade processual da pessoa casada, nas situações previstas no art. 10 do CPC de 1973, incidia na união estável, a partir do

momento em que o art. 226, § 3.º, da CF/1988, reconheceu-a como entidade familiar.44 É que, na união livre, também surge o interesse tutelado na regra: a proteção ao patrimônio familiar. E, de acordo com o art. 1.725 do CC, ressalva feita a estipulação em contrário dos companheiros, as relações patrimoniais observarão o regime da comunhão parcial de bens. O art. 73, § 3.º, ao mandar aplicar todas as hipóteses à união estável, ajustou a disciplina da integração processual à Constituição Por óbvio, consideráveis dificuldades surgirão para o adversário dos conviventes, no que tange à verificação da existência dessa espécie de relação informal, pretendendo demandar pessoa aparentemente solteira, separada, divorciada ou viúva e, sem embargo, figurante de união estável (ou de concubinato). É preciso que a convivência seja pública, estável e duradoura, constituída para formar família, como prevê o art. 1.723, caput, do CC. Na falta de um desses requisitos, considerar-se-á válida a relação processual formada sem a vênia do companheiro. Por isso, o art. 73, § 3.º, exige que a união esteja “comprovada nos autos”. Tal não implica a necessidade de prova pré-constituída. Esse problema também surgirá no polo ativo, mantendo o homem casado e a mulher casada relação permanente com outra pessoa. Em tal hipótese, segundo o art. 1.727 do CC, caracteriza-se concubinato. A integração da capacidade processual completar-se-á com a vênia do(a) concubino(a), em lugar do cônjuge formal e, se for o caso, com o suprimento judicial do consentimento 541. Integração da capacidade processual ativa O art. 73, caput, do NCPC exige o consentimento do cônjuge e do companheiro para a pessoa casada ou o convivente propor ação versando “direito real imobiliário”. O emprego do singular não tem relevo. Essa locução legal não equivale a “ação real”,45 mas revela-se ampla. Em síntese larga, o consentimento é necessário nas ações cujo objeto seja imóvel próprio ou alheio, relacionadas com um dos direitos taxativamente catalogados no art. 1.225 do CC. Por exemplo, a propositura de ação visando ao reconhecimento do domínio, como usucapião, reclama a participação do cônjuge.46 É bem de ver que o art. 1.225, VII do CC, confere natureza de direito real ao do “promitente comprador do imóvel”, estando registrada a promessa (contrato preliminar de compra e venda de imóvel). Por conseguinte, há necessidade de vênia para propor a adjudicação compulsória, no caso de promessa registrada, pretensão subordinada ao procedimento sumário no direito anterior, a teor do art. 275, II, h, do CPC de 1973,47 atualmente enquadrada no procedimento comum (art. 1.049, parágrafo único, do NCPC) e passível de resolução no âmbito dos Juizados Especiais (art. 1.063 do NCPC). O STJ já decidiu que, na reconvenção movida pelo promitente contra o promissário casado, em consignação em pagamento movida pelo varão, pleiteando o réu a resolução da promessa, desnecessária a intervenção da mulher, porque a controvérsia versa tão só direitos obrigacionais, a despeito

de o acolhimento do pedido reconvencional implicar a reintegração na posse.48 A disposição abrange, por outro lado, e a despeito de errôneos alvitres em contrário no direito anterior,49 as ações cujo objeto envolva hipoteca, que é direito real. Enfim, aplica-se à indenização por benfeitorias ou acessões, à demolitória, à divisória, à nunciação de obra nova e ao usucapião.50 As ações possessórias respeitantes a imóveis implicam a integração da capacidade processual “nas hipóteses de composse e de ato por ambos praticado” (art. 73, § 2.º). As ações possessórias não se fundam em direito real e, muito menos, necessariamente envolvem imóveis (art. 73, caput). Convém não olvidar que o homem e a mulher casados possuem conjuntamente seus bens comuns, particulares ou reservados. Desse modo, atos possessórios individuais ocorrerão em hipóteses isoladas, baseando-se no caráter autônomo e voluntarista de um dos cônjuges. À maioria das ações possessórias, portanto, passivamente calhará o art. 73, § 2.º, exceção feita a situações particulares (v.g., o estúdio de uso exclusivo do varão, em que a mulher tem seu ingresso vetado), tornando regra a necessidade de integração da capacidade processual da pessoa casada ou convivente, e, ativamente, formar-se-á litisconsórcio ativo. Em tal sentido, proclamou o STJ que “não desfeita a sociedade conjugal, a comunhão de bens acarreta a composse”.51 O art. 73, caput, ressalva a integração da capacidade processual do cônjuge no regime da separação absoluta de bens. Em tal hipótese, relativamente aos bens próprios, inexiste a necessidade de vênia aos negócios jurídicos dispositivos, e, conseguintemente, desaparece o fundamento hábil da integração. 542. Integração da capacidade processual passiva O art. 73, § 1.º, contempla três casos de integração da capacidade processual da pessoa casada ou convivente, no polo passivo, distribuídos em quatro incisos. É preciso considerar, por outro lado, a hipótese versada no § 2.º do art. 73, já antecipada no item anterior. 542.1. Integração da capacidade processual passiva nas ações sobre direitos reais imobiliários – O primeiro grupo de causas em que se impõe a integração da capacidade processual da pessoa casada e convivente, a teor do § 1.º, I, do art. 73, envolve as ações que versem sobre “direitos reais imobiliários”. É o reflexo, no ângulo passivo, do art. 73, caput. Os direitos reais imobiliários são os previstos no art. 1.225 do CC. Não há necessidade de vênia no caso do regime da separação total de bens. O art. 73, § 1.º, IV, acrescenta a ação visando à constituição ou à extinção de ônus real “sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges”. Por exemplo, a confessória e a negatória de servidão. Na verdade, o inciso constitui simples explicitação do primeiro já na lei processual precedente.52 No entanto, sempre se mostrará concebível distinguir entre o direito real de garantia (v.g., a hipoteca) – e, por essa razão, o cônjuge participa do polo passivo da execução de hipoteca –,53 e outras obrigações propter rem, como a decorrente do imposto predial e territorial urbano (IPTU), que pode ser exigido do antigo

proprietário (art. 130, caput, do CTN).54 Nas execuções desse tributo, portanto, há necessidade de integrar o cônjuge. E, enquanto não partilhados os bens das pessoas casadas, pelo regime da comunhão universal de bens, ambos os cônjuges respondem pela dívida com o condomínio.55 542.2. Integração da capacidade processual passiva nas ações que respeitem a fatos ou atos comuns aos cônjuges – O art. 73, § 1.º, II, emprega fórmula vaga e insatisfatória no que tange à primeira proposição,56 exige a integração nas ações cujo objeto envolva fatos ou atos respeitantes a ambos os cônjuges. Exemplo comum de ação inserida no inciso é a que pretende reparar ato ilícito imputável a ambos os consortes (v.g., a reparação de dano moral, em virtude de doestos lançados contra alguém) ou por fato de coisa (v.g., reparação de dano provocado por animal no terreno do vizinho). Também se recorda, neste tópico, a ação derivada do mau uso da coisa.57 E enquadra-se no inciso a obrigação decorrente de fiança prestada por ambos os cônjuges.58 Na realidade, fatos que respeitem “a ambos os cônjuges”, em contraposição a atos, não comporta maiores generalizações. Se há alguma diretriz que pode ser extraída da regra, ela consiste na responsabilidade comum,59 decorrente do acolhimento do pedido formulado na demanda. 542.3. Integração da capacidade processual passiva nas ações respeitantes a dívidas relacionadas à economia doméstica – O art. 73, § 1.º III, impõe a integração da capacidade processual passiva nas ações fundadas em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família. Em sua literalidade, o dispositivo alude às dívidas contraídas pelo cônjuge ou pelo companheiro em benefício da família, ou da economia doméstica, e que suscitam a responsabilidade conjunta dos cônjuges e dos conviventes. Não importa o gênero da união. Tampouco interessa quem haja contraído a dívida. O homem e a mulher equiparam-se para esse feito. O princípio da igualdade dos cônjuges e dos companheiros em direitos e obrigações (art. 226, § 5.º, da CF/88) obriga o marido e o companheiro a responder, nas mesmas condições, pela dívida contraída pela mulher. Caberá ao cônjuge e ao companheiro provar a ausência de benefício, no curso do processo, eximindo-se dessa responsabilidade.60 Vencido nessa questão, legitimar-se-á passivamente na futura execução, porque integrou a relação processual originária, e, ante essa situação, desaparecerá a possibilidade de empregar embargos de terceiro, ressalva feita à hipótese de o vitorioso não propor a execução contra o cônjuge ou companheiro. 542.4. Integração da capacidade processual passiva nas ações possessórias – Por fim, o art. 73, § 2.º, obriga à participação do cônjuge ou do convivente do réu nas possessórias “nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado”. As pessoas casadas possuem os imóveis conjuntamente. E isso, porque ambos se apresentam perante a sociedade com o comportamento típico de proprietário.61É clássico, no direito brasileiro, o caso de composse entre pessoas casadas, quanto aos bens comuns, no regime da comunhão total ou parcial.62 Em relação aos bens particulares, no caso do regime de separação,

ou dos bens separados, nos regimes de comunhão total ou parcial, haverá posse exclusiva, salvo desdobramento da posse por acordo.63 Em princípio, seja qual for a condição do bem (próprio ou particular), há composse entre os cônjuges e, a fortiori, dos conviventes.64 Figure-se a hipótese de a casa de veraneio, adquirida pelo varão antes do casamento pelo regime da comunhão parcial, e utilizada pelo casal na época propícia. Por óbvio, há composse e ambos os cônjuges hão de ser citados na ação possessória que a tenha por objeto. Da posse exclusiva, no casamento, cogita-se quanto aos bens móveis de uso pessoal, porque até sobre bens domésticos os cônjuges têm composse. Só em situações muito especiais, como o estúdio do varão em que a presença da mulher é terminantemente vetada, inexistirá composse. À vista dessas considerações, a regra consiste na integração da capacidade processual, tratando-se de possessória. Prescinde-se do reconhecimento da natureza “real” da posse, veemente defendida,65 apesar de contrária à natureza do instituto. Os efeitos da decisão atingem os cônjuges e os conviventes ligados pela comunhão de fato.66 543. Alegação da falta de integração da capacidade processual da pessoa casada O vício decorrente da falta de integração da capacidade processual situase no plano da validade. O requisito integra o conjunto das questões processuais arroladas, genericamente, sob o título de “pressupostos processuais” (art. 485, IV). Ao réu incumbe alegar a desobediência ao art. 73, caput, na contestação, a teor do art. 337, IX. No entanto, qualquer interessado e o Ministério Público, intervindo no processo (art. 178), podem denunciar o defeito, e o próprio juiz, ex officio, constatando o vício, ordenará o suprimento (art. 337, § 5.º). Embora não haja referência à oportunidade e ao grau de jurisdição, inexiste motivo para não entender cabível a providência saneadora independentemente do estágio do processo. 544. Suprimento judicial da falta de consentimento do cônjuge ou convivente Concebem-se divergências entre os cônjuges ou os companheiros quanto à oportunidade, à necessidade e à conveniência da propositura da ação versando “direitos reais imobiliários” (art. 73, caput). Também se revela possível que o consorte se encontre impossibilitado de manifestar seu consentimento Por óbvio, o problema somente existe do ponto de vista ativo; passivamente, o cônjuge e o companheiro “serão necessariamente citados” para as ações do art. 73, § 1.º, I a IV, por iniciativa do autor da demanda. Para atalhar o impasse criado pela recusa, ou pela impossibilidade, o cônjuge e o companheiro interessados em propor a demanda podem requerer ao órgão judiciário o suprimento da vênia conjugal (art. 74).

544.1. Oportunidade do suprimento judicial do consentimento – Em princípio, o cônjuge interessado em propor a demanda pleiteará o suprimento da outorga através de prévio procedimento inominado de jurisdição voluntária, haja vista a ausência no rol do art. 725.67 É fato digno de registro que os artigos 625 a 628 do CPC de 1939 contemplavam procedimento especial, concernente à “outorga judicial do consentimento”. O CPC de 1973 não mencionou esse procedimento no rol dos procedimentos preservados (art. 1.217 do CPC de 1973). O dispositivo não se revelava exaustivo,68motivo por que entendia-se tal assunto incluído na sua esfera.69 A competência para decidir acerca do suprimento é do juízo de família. Na hipótese de procedimento antecedente à demanda, e decidindo o juiz pelo suprimento do assentimento injustamente negado, o processo contra o adversário do cônjuge abstrairá essa controvérsia. Indeferido o suprimento, ao invés, e iniciado o processo a despeito desse insucesso, restará ao juiz extingui-lo prematuramente (art. 74, parágrafo único). Aventurando-se o cônjuge a demandar sem o prévio consentimento do consorte, ou avaliando erroneamente a natureza da causa, o vício gerará questão incidental, a partir da alegação do réu ou do cônjuge preterido,70 ou por ato ex officio do juiz. Nesta contingência, a teor do art. 76, caput, o juiz suspenderá o processo e fixará prazo razoável para o cônjuge ou convivente sanar o defeito. À vista do vício, impõe-se remediar a falta de consentimento do cônjuge ou do companheiro.71 A terminologia do direito anterior mostrava-se defeituosa. Faltava-lhe univocidade, porque aludia à “autorização do marido” e à “outorga da mulher”. A esse propósito, assinalou-se o seguinte “Teria sido proveitoso para a uniformidade da terminologia legal proscrever-se, de vez, a diferença designativa do assentimento da mulher e do assentimento do marido”.72 Lição acolhida no art. 74, caput, mencionando “consentimento” do cônjuge ou do convivente. 544.2. Critérios de avaliação do motivo da recusa do consentimento – Em primeiro lugar, o art. 74, caput, prevê a recusa como causa da necessidade de suprir judicialmente o assentimento do cônjuge ou do companheiro. Em virtude da manifestação da negativa, incumbe ao órgão judiciário avaliar os motivos da objeção, alegados pelo consorte relutante, ponderando sua justiça intrínseca. O texto legal emprega conceito jurídico indeterminado. Nada obstante, só uma solução é a correta e conforme ao direito, motivo por que não há autêntica discricionariedade,73 quer na recusa em si, quer na resolução tomada pelo juiz. Em outras palavras, a “justiça” do motivo exclui sua “injustiça”, e vice-versa, não se admitindo equivalência nos dois termos da alternativa. O juízo positivo ou negativo a respeito dessa questão, porventura emitido pelo órgão judiciário, dependerá do caso concreto, da dinâmica da relação conjugal e dos valores em jogo. É impossível fixar esquema prévio abstrato, indicando a chave do problema. Assim, motivo justo para certo casal talvez não seja para outro.

E nada importará, em princípio, o prognóstico sobre o eventual desfecho do litígio.74 Lides existirão em que, sem embargo da aparente improbabilidade do direito, razões morais reclamam o ingresso em juízo. No suprimento incidental, toda manifestação do órgão judiciário quanto ao êxito da futura demanda denotaria reprovável pré-julgamento da causa. É claro que o órgão judiciário repelirá as pretensões insólitas, desconformes ao direito, cujo objeto seja ilícito ou moralmente reprovável. Todavia, também lhe cabe reservar espaço de manobra à inovação e até mesmo à superação da jurisprudência dominante. O ônus da prova da injustiça da negativa incumbe ao cônjuge recusante, mas o juiz investigará livremente o tema. 544.3. Impossibilidade do cônjuge ou convivente manifestar o consentimento – O art. 74, caput, contemplou os fatos da vida, antevendo a impossibilidade eventual de assentimento. Se há incapacidade absoluta ou relativa da pessoa casada, aplica-se o art. 72 do CPC; porém, a capacidade se presume, porque quod pluremque accidit. Pode acontecer de a pessoa casada ou o convivente encontrar-se em lugar inacessível ou desconhecido, talvez ausente ou viajando, ou, então, a incapacidade ainda não foi reconhecida, mas há urgência na propositura da demanda.75 Em razão dessas circunstâncias, mostra-se impossível colher sua manifestação de vontade, afigurando-se lícito ao consorte requerer e obter autorização para demandar. O órgão judiciário suprirá o assentimento, nessas hipóteses, em caráter provisório. É que, comparecendo ao processo pendente, admite-se a formulação de recusa, suscitando incidente ao qual se aplicará o art. 76, caput. Aceita a recusa pelo juiz como justa, ocorrerá a invalidade do processo e, conseguintemente, sua extinção (art. 74, parágrafo único). § 119.º Suprimento dos vícios relativos à capacidade processual 545. Natureza dos vícios relativos à incapacidade Eventuais defeitos relativos à capacidade processual, que o art. 76, caput, agrupa em duas classes – incapacidade processual e irregularidade da representação –, incluindo todas modalidades de integração desse requisito (artigos 71, 72 e 73), situam-se no plano da validade.76 O art. 74, parágrafo único, alude à invalidação dos atos do processo, confirmando tratar-se de “vício” (art. 76, caput). Os problemas que afetam a capacidade processual quadram-se nos pressupostos subjetivos relativos às partes.77 Assim, impossibilitada a correção do vício atinente ao autor, o juiz extinguirá o processo pela falta de pressuposto de desenvolvimento válido (art. 485, IV). A nulidade cogitada nessa área mostrar-se-á sempre sanável. Era a lição do direito anterior: “Todas as nulidades, resultantes da falta de representação dos absolutamente incapazes, da assistência aos relativamente incapazes, dos assentimentos entre os cônjuges, da intervenção dos órgãos do Ministério

Público, do representante judicial dos incapazes e do curador à lide, passaram a ser, sem qualquer graduação, sanáveis”.78 546. Momento da verificação da incapacidade processual Formada a relação processual, por intermédio da entrega da petição inicial no ofício judicial competente, o órgão judiciário talvez verifique, desde logo, defeito quanto à capacidade processual do autor. Os defeitos relativos à capacidade processual do autor já aparecem, a mais das vezes, na petição inicial. O autor tem o ônus de ministrar prova documental da sua capacidade (v.g., exibição dos estatutos sociais, evidenciando o órgão de representação).79 Claro está que tudo dependerá das informações trazidas com a inicial e a suficiência da prova documental que lhe acompanha nos termos do art. 434, caput. Desse modo, qualificando-se o autor como incapaz, mas vindo a juízo desamparado da representação do curador ou do tutor, o juiz já dispõe de elementos para verificar o defeito na representação. Outra possibilidade é a da pessoa casada, porque assim se qualificou na petição inicial, apresentar causa cuja natureza reclama a participação do cônjuge ou o suprimento do respectivo consentimento (artigos 73 e 74). Em relação ao réu e aos terceiros, defeitos de teor análogo despontam na oportunidade da respectiva intervenção no processo. Acontece de o vício não se tornar evidente na leitura da inicial e da contestação, apresentando nitidez posteriormente, ou decorrer de fato superveniente, como a morte do curador do incapaz. Exibe particular relevo o momento de verificação da incapacidade processual, por força do regime do suprimento. Verificando o juiz o vício da inicial, a petição inicial não vence o juízo de admissibilidade realizado ao primeiro contato com a inicial, porque essa peça apresenta “defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito”. Ao órgão judiciário incumbe, verificado o defeito, instar o autor a corrigi-lo prontamente, no prazo de quinze dias (art. 321). Essa possibilidade de correção da inicial defeituosa e seu aproveitamento, no direito anterior inspirava-se no então vigente art. 482 do CPC português de 1961, dispositivo que incidia nos defeitos da capacidade postulatória e processual.80 Em síntese, o juiz controlaria a capacidade do autor no despacho liminar.81 Os vícios deste teor podem e devem ser conhecidos a qualquer tempo e, obviamente, quanto mais cedo melhor. A medida encontrase expressa, atualmente, no art. 558 do NCPC português de 2013, incumbindo o ato à secretaria do órgão judiciário, autorizada reclamação ao juiz.82 Ora, interpretado consoante a respectiva origem, o art. 321 põe a correção dos defeitos relativos à capacidade processual no seu campo de incidência e, logo, subordinados ao prazo fixo de quinze dias. Ocorre que, às vezes, semelhante elastério fixo mostra-se insuficiente para propiciar a correção da inicial. No terreno do suprimento da representação processual das partes – e, convém acentuar, da capacidade postulatória (art. 103) –, concorrem circunstâncias objetivas e subjetivas contrária a essa solução.83 Por exemplo,

o representante do incapaz pode se encontrar no exterior, em viagem de estudos ou em tratamento de saúde, impossibilitado de acudir à determinação do juiz em espaço de tempo tão reduzido ou de valer-se da representação diplomática brasileira no exterior para suprir o vício. O prazo do art. 321 é prorrogável, a critério do juiz, nos casos de incapacidade processual, havendo motivo justo e prova hábil do obstáculo ao cumprimento do ato. Revelando-se inadequado o interstício legal, em lugar de assiná-lo ao autor, o juiz velará a fixação de prazo razoável, consoante determina o art. 76, caput. Entende-se por tal prazo útil e cômodo à emenda do vício. Existe previsão, no art. 218, § 1.º, para o juiz determinar o prazo segundo a complexidade do ato.84 Na verdade, na leitura da boa doutrina o juiz considerará a complexidade do ato a ser praticado.85 É inconveniente estipular o prazo máximo de trinta dias,86 porque talvez não seja suficiente. Por outro lado, passando o defeito incólume ao desejável controle do juiz, ex officio, mas alegando o vício o réu fundado no art. 337, IX, o órgão judiciário “determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias”, a teor do art. 352. Nada obstante o interstício mais elástico, idêntica incompatibilidade se verifica com a disciplina geral do art. 76, caput. Por conseguinte, decide-se o ponto em favor da disciplina flexível da última regra. O prazo máximo de trinta dias poderá ser alargado, de ofício ou a requerimento da parte, considerando eventual impossibilidade de sanar o defeito naquele interregno fixo. Aliás, em parte desapareceriam os préstimos da disposição do art. 76, caput, não se aplicando ele à incapacidade processual originária, ou seja, àqueles vícios existentes no momento em que autor, réu e terceiros intervêm no processo. Seja como for, é vedado ao juiz anular o processo sem ensejar à parte o suprimento do vício. Também eventos supervenientes provocam a incapacidade processual. O litigante plenamente capaz talvez sofra interdição ou, originariamente incapaz a parte, ocorrer o falecimento do primitivo tutor. Esses fatos, a teor do art. 313, I, e § 1.º (a remissão ao art. 689 é quanto à morte), provocam a suspensão do processo. Por óbvio, tratar-se-á de “perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador”. É de notar que a morte da própria parte provocará a extinção do processo, cuidando-se de direito intransmissível.87 Mas, transmissível o objeto litigioso, haverá suspensão, com o fito de ensejar a habilitação dos sucessores. O art. 313, I, não discrepa do art. 76, caput, segunda parte, segundo o qual, “verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte”, o juiz suspenderá o processo. Não importa mais o estágio do processo, em especial o início, ou não, da audiência de instrução (art. 313, § 3.º). Suspender-se o processo imediatamente, inclusive encontrando-se a causa no tribunal, como defendia-se no direito anterior,88prevendo o art. 76, § 2.º, I e II, os efeitos da falta de erradicação do vício no recurso pendente. Fica subentendido que o relator suspenderá a tramitação do recurso, antes ou depois do julgamento, conforme o momento da ciência do vício, fixando prazo razoável para suprir a irregularidade. Tudo dependerá do exato momento em que o evento suspensivo chegar ao conhecimento do juiz ou do Tribunal.

547. Iniciativa processual

judicial

no

reconhecimento

da

incapacidade

O vício relativo à capacidade processual comporta controle de ofício pelo juiz. As considerações do item precedente confirmam essa regra. Em particular, a incapacidade processual não destoa do regime geral, relativamente aos pressupostos processuais, previsto no art. 337, § 5.º.89 Também se admite (retro, 101) a iniciativa da parte interessada, quiçá mais atenta e em melhores condições para identificar e denunciar o defeito ao órgão judiciário 548. Regime geral do suprimento da incapacidade processual O art. 76 localiza-se no capítulo relativo à capacidade processual. No entanto, as coordenadas geográficas do estatuto processual constituem argumento frágil e secundário para definir, rigorosamente, a área de incidência de suas normas. O campo normativo se subordina mais aos elementos de incidência do que aos requintes (e aos deslizes) da arquitetura legislativa. Revela-se decisiva a menção, ao lado da “incapacidade processual”, da “irregularidade da representação” no caput do art. 76. Essa proposição suficientemente ampla para abranger os vícios em torno da capacidade processual das pessoas capazes e dos entes despersonalizados, a integração da capacidade dos incapazes, das pessoas casadas e através de curador especial, e defeitos quanto à capacidade postulatória. O art. 76 incide nas questões relativas a todas as modalidades de representação.90 E, realmente, consoante a doutrina abalizada, o vocábulo “representação” abrange três esferas: a legal, respeitante aos incapazes e à pessoa jurídica; a convencional, envolvendo o negócio de mandato; e a processual, consistente na intervenção do advogado em juízo.91 549. Efeitos da decretação do vício da incapacidade processual O principal efeito da constatação do vício relativo à capacidade processual reside na imperativa suspensão do processo, consoante os artigos 76, caput, e 313, I, durante o tempo hábil à supressão do defeito. Esse aspecto suscitou, no direito anterior, a crítica que a suspensão por termo indeterminado “propicia ao réu a representação irregular como medida protelatória, uma vez que, suspenso o processo, os prazos não correm e o tempo passa em desfavor do autor”.92 A razão estava no alvitre contrário: “Resta, todavia, elogiar o acerto do Código, em permitindo a suspensão do feito pelo julgador, a fim de ser suprida a omissão, no prazo por ele estabelecido…”.93 Na verdade, o expediente harmoniza-se com o ideal do aproveitamento e da efetividade do processo, buscando curar as feridas “para que ele viva e atinja sua finalidade”.94 Tratando-se de intervenção de terceiro forçada (v.g., chamamento ao processo), porém, em que há juízo acerca do cabimento das suas diversas modalidades, sustentou-se a desnecessidade da suspensão em decorrência

da postulação em si,95 porque o órgão judiciário só excluirá o terceiro que, efetivamente, ingressou no processo. Barrada a intervenção, de plano, a suspensão do processo perante as partes originárias parece providência inútil e protelatória. Em princípio, a paralisação do processo, seja a intervenção espontânea ou provocada, pressupõe ingresso deferido e consumado do terceiro; por exemplo, na hipótese de uma das partes impugnar o ingresso de alguém na condição assistente, o art. 120, segunda parte, determina ao juiz a resolução do incidente, mas “sem suspensão do processo”. Um dos motivos para rejeitar o ingresso do interveniente bem pode descansar nos vícios do art. 76, caput. Também nas intervenções provocadas o efeito suspensivo decorrerá do juízo positivo, emanado do juiz, a respeito do respectivo cabimento, desenvolvendo-se o processo, normalmente, até semelhante oportunidade. A partir desse ponto, jamais antes da efetiva admissão do interveniente, o juiz suspenderá o processo para os efeitos do art. 76, caput.96 Não há motivo para suspender o processo, entre as partes originárias, em razão da incapacidade processual do terceiro. Deverá o estranho postular sua entrada sem defeitos dessa natureza (v.g., capacidade postulatória). O órgão judicial rejeitará a intervenção defeituosa. Constatando-se, após semelhante etapa, algum vício no tocante às capacidades arroladas no art. 76, então, sim, caberá a exclusão. Por sinal, na assistência sustentava-se, à luz de disposição análoga à do 119, parágrafo único, não aguardar o processo pela iniciativa do interveniente.97 Em conclusão, os vícios da capacidade processual do terceiro somente implicam a suspensão do processo entre as partes originárias após a admissão do terceiro – transformado, na linha aqui preconizada, em parte –, como decorre dos efeitos previstos no art. 76, § 1.º, III. Por outro lado, o prazo “razoável”, mencionado no art. 76, caput, dependerá do conjunto de circunstâncias objetivas e subjetivas do caso, ou seja, o juiz assinará prazo “útil”.98 Valem considerações mais gerais, calcadas nas necessidades práticas do processo, do que as restrições formais e retóricas feitas à discrição do juiz. Por exemplo, era infundada tese de que o prazo máximo é de trinta dias, por analogia do art. 327, segunda parte, do CPC de 1973.99 Também o é, atualmente, perante o art. 351, cujo sentido é idêntico. Ficam impedidas as partes, durante a suspensão prevista no art. 76, caput, de praticar atos processuais, exceto os urgentes,100 com o fito de evitar dano irreparável. 550. Efeitos da subsistência do vício da capacidade processual Concebe-se que a parte não possa ou não queira sanar o vício atinente à capacidade processual, nos termos do ato previsto no art. 76, caput, tramitando o processo no primeiro grau. Dessa omissão surgem consequências relevantes. Nenhuma influência exercerá, neste ponto, a possibilidade de a parte que provocou a intervenção do terceiro dispor de meios concretos para erradicar o

vício. Em alguns casos, há interesse em alcançar o resultado útil do processo, e a parte desengajada do ônus de suprir a falha acode pressurosamente à determinação judicial, juntando, por exemplo, prova da investidura formal do representante do ausente. Nada obstante, desatendido o ônus de regularizar o defeito, o ato subsequente atenderá, exclusivamente, à posição da parte no processo. Existem hipóteses em que os efeitos do art. 76, § 1.º, jamais serão aplicados. Por exemplo, cumpre ao juiz promover a integração da capacidade processual através de curador especial nos casos do art. 72. Ora, não é congruente, em razão dessa providência a cargo do órgão judiciário, estimarse o réu revel, conforme preceitua o art. 76, § 1.º, II.101 Eis o motivo por que, atentando a essa ponderação do direito anterior, a regra vincula ao efeito a existência de ônus do réu na supressão do vício. O art. 76, § 1.º, especificou as consequências da falta de suprimento consoante a posição – autor, réu ou terceiro – do sujeito na relação processual que suporta o ônus de desarraigar o vício. É bem de ver que, no ato decisório previsto no art. 76, caput, o juiz indicará a quem cabe sanar o vício. Lícito admitir a iniciativa da contraparte nesse mesmo sentido, mas a imputação afigura-se necessária para extrair os efeitos legais. 550.1. Efeito da incapacidade processual perante o autor – Necessitando de suprimento a incapacidade processual do autor, e descumprida a determinação, o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito (art. 76, § 1,º I). É consideravelmente superior a redação atual, pois a antiga previa a invalidação do processo, mas já se entendia que o caso era de extinção do processo.102 O autor poderá renovar a demanda, consoante o art. 486, caput, como já se entendia no direito anterior;103 porém, como atualmente prevê o art. 486, § 1.º, a admissibilidade da segunda pretensão dependerá da prévia correção do defeito. Ao extinguir o processo, o juiz emite sentença terminativa, motivo por que caberá apelação.104 550.2. Efeito da incapacidade processual perante o réu – Descumprida a determinação do juiz pelo réu, o processo prosseguirá, mas o art. 76, § 1.º, II, estipula-o revel. Revel é o réu que se absteve de apresentar contestação.105 Dessa situação decorrem diversos efeitos. O principal consiste na presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344). Equivale à revelia, quanto ao seu efeito substancial, o oferecimento de contestação privada de conteúdo mínimo. Por tal entende-se a contestação em que o réu não se desincumbe do ônus de impugnar especificamente os fatos alegados pelo autor, como exige o art. 341, caput.106 O art. 76, § 1.º, II, acrescenta outra hipótese, indiferente à inatividade intrínseca à revelia, mas equiparável a ela no plano da eficácia: a contestação (ato postulatório principal do réu) viciada por incapacidade processual.

Declarado revel, conforme preconiza o art. 76, § 1.º, II, a situação do réu altera-se no processo. Fluirão os prazos independentemente de intimação (art. 346,caput); haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344), ensejando o julgamento antecipado (art. 355, II), ressalva feita às hipóteses do art. 345, em que o juiz ordenará a produção de prova (art. 348). Em princípio, o órgão judiciário julgará antecipadamente a favor do autor, beneficiado pela presunção do art. 341. Porém, o efeito material da revelia revela-se essencialmente relativo, podendo o contrário decorrer das próprias alegações do autor e da prova documental produzida na petição inicial. O art. 349 autoriza o revel a produzir contraprova, representando nos autos, e, naturalmente, comportando o estágio do processo, recebido como se encontrar no momento da intervenção intempestiva (art. 346, parágrafo único). Ora, o art. 76, § 1.º, II, comina revelia ao réu, porque há vício na sua capacidade, motivo por que concebem-se dois termos de alternativa: (a) ou o requerimento do art. 349 sobrevém nessa situação e, portanto, mostrar-se-á tão viciado quanto a contestação, cabendo-lhe ao juiz indeferi-lo; (b) ou o réu supriu o vício, afinal, e inexiste motivo para ainda considerá-lo. A rejeição da hipótese sob (a) implicaria negar a eficácia da sanção bem ou mal prevista no art. 76, § 1.º, II. Em última análise, a impugnação direta ou indireta dos fatos alegados pelo autor na contestação, porque viciado o ato postulatório, há de ser desconsiderada pelo órgão judicial, motivo aplicável, mutatis mutantis, no caso do art. 346, parágrafo único. A sanção imposta ao réu, descumprido o prazo assinado pelo juiz ao suprimento da incapacidade processual, revela-se assaz grave e desproporcional ao vício, comparativamente às consequências suportadas pelo autor (extinção do processo, autorizada a renovação da demanda), pois a sentença de procedência é a hipótese mais provável. Nada obstante, o vício do ato postulatório do réu não pode prejudicar as postulações do autor. Este nada tem a ver com os problemas da contraparte, e, materialmente, talvez não lhe seja possível cooperar para eliminar o vício. O meio técnico pelo qual a lei optou desembaraça, na prática, o processo. A desvantagem consiste em quase assegurar o êxito do autor. 550.3. Efeito da incapacidade processual perante o terceiro – Em relação ao terceiro (rectius: a pessoa que, deferida sua intervenção no processo pendente, tornou-se parte), o art. 76, § 1.º, III, comina revelia ou determina a respectiva exclusão do processo. Impõe-se distinguir, a bem da correta aplicação da regra, as espécies de intervenção, classificadas na perspectiva tradicional, que distingue dos tipos: (a) a intervenção espontânea; e (b) a intervenção provocada.107 Nos casos de intervenção voluntária – assistência e amicus curiae -, aplica-se o art. 76, § 1.º, III, parte final, devendo ser excluído o interveniente. Válido que seja o processo pendente, ao terceiro grava o ônus de atender aos pressupostos processuais subjetivos que tocam à pessoa que almeja litigar validamente em juízo. Do contrário, ficará de fora do processo, ou seja, “sua solicitação não poderá ser apreciada”.108 Ao invés, tratando-se de intervenção provocada, os efeitos variam conforme a modalidade interventiva. No chamamento ao processo, o

chamado figurará como réu, em litisconsórcio passivo, e, portanto, reputar-seá revel (art. 76, § 1.º, III, primeira parte). Já se assinalou os desdobramentos dessa hipótese.109 O chamado em garantia considerar-se-á revel,110 porque réu na demanda secundária formada pela denunciação – concepção largamente prevalecente –, e, ao mesmo tempo, figurando ele como assistente do denunciante – litisconsorte, segundo o art. 128, I –,111 na demanda principal, inútil a exclusão de quem, a outro título, participa do processo. Revel será o sócio ou a pessoa jurídica que, por força do incidente dos artigos 130 a 137, ingressou no processo. O interveniente principal, ou opoente, é autor da ação conexa ao processo principal. Essa pretensão deixou de integrar o capítulo da intervenção de terceiro e, por analogia aos embargos de terceiro, passou a integrar o capítulo dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa. Por esse motivo, não suprida a sua incapacidade, o juiz extinguirá o processo gerado pela oposição (art. 76, § 1.º, I). Idêntico tratamento receberá o autor dos embargos de terceiro.112 Finalmente, corrigido o polo passivo da demanda originária, com ou sem a extromissão da parte passiva originária, o terceiro transformar-se-á em réu e, verificada e não erradicada a incapacidade, tornar-se-á revel (art. 76, § 1.º, II). 550.4. Efeitos na pendência de recurso – Pendendo recurso, qualquer que seja o meio de impugnação, já não importa a posição de autor, réu ou terceiro, mas condição de recorrente ou de recorrido. No primeiro caso, o órgão ad quem não conhecerá do recurso; no segundo, o relator desentranhará a resposta (art. 76, § 2.º, I e II). É duvidosa a constitucionalidade dessa disposição, traduzindo proibição de falar nos autos. Ora, bem pode ocorrer de as contrarrazões suscitarem questões apreciáveis ex officio. O tribunal não pode deixar de conhecê-las, mantendo ou não a resposta do recorrido. Seja como for, incumbe ao relator, ou ao próprio órgão fracionário do tribunal, no julgamento do recurso, determinar a erradicação do vício. 551. Atos de saneamento da incapacidade processual O ato adequado para emendar defeitos concernentes à capacidade processual dependerá da natureza do vício. Por exemplo, intervirá o tutor do incapaz, produzindo prova da sua qualidade, ou a parte constituirá novo advogado. Nem sempre, porém, a iniciativa compete, exclusivamente, à parte atingida pelo defeito. É perfeitamente admissível o adversário, mirando o desfecho favorável da causa, providenciar o suprimento. Em princípio, não há necessidade de anular e repetir os atos porventura realizados. O vício atinente à incapacidade é sanável. Bastará a ratificação dos atos contaminados, antevista no art. 104, § 2.º, na especialíssima hipótese de ausência de representação técnica, desdobrada para os demais defeitos. Feita a emenda, o processo retoma seu curso normal.113 A decisão do órgão judiciário que, recepcionando o ato da parte, declara suprido o vício tem natureza interlocutória. Não rende recurso, subentendendo-se reapreciação no âmbito da apelação.

Seção III - Determinação das partes

Capítulo 32. LEGITIMIDADE NA CAUSA SUMÁRIO: § 120.º Capacidade de conduzir o processo – 552. Conceito de capacidade de conduzir o processo – 553. Função da capacidade para conduzir o processo – 554. Caráter bilateral da capacidade para conduzir o processo – 555. Classificação da capacidade de conduzir o processo – 556. Substituição processual no caso de direito individual – 557. Substituição processual nos casos de direitos difusos e coletivos – 558. Espécies de substituição processual – 559. Posição processual do substituto e do substituído – 560. Efeitos da substituição processual – 454.1 Sucumbência do substituto – 560.2 Eficácia de coisa julgada perante o substituto e o substituído – 561. Controle da capacidade para conduzir o processo – § 121.º Sucessão das partes – 562. Conceito de sucessão das partes – 563. Fundamentos da sucessão das partes – 564. Sucessão em razão das transformações da pessoa jurídica – § 122.º Sucessão da parte em razão da morte – 565. Efeitos da morte no processo civil – 566. Extinção do processo em caso de morte – 567. Suspensão do processo em caso de morte – 568. Habilitação dos sucessores em caso de morte – 568.1 Habilitação antes da partilha – 568.2 Habilitação após a partilha – § 123.º Sucessão da parte em razão da alienação do objeto litigioso – 569. Admissibilidade da alienação do objeto litigioso – 570. Objeto da transmissão no plano material – 571. Requisitos da transmissão do objeto litigioso – 572. Sucessão do alienante no processo – 573. Ingresso do adquirente no processo – 574. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o antecessor – 575. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o sucessor – 576. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante a contraparte – 577. Submissão do adquirente à força da sentença. § 120.º Capacidade para conduzir o processo 552. Conceito de capacidade para conduzir o processo A personalidade processual é atributo universal, acudindo: às pessoas naturais e às pessoas jurídicas; aos entes despersonalizados (v.g., o condomínio); às comunidades de fato, incluindo organizações ou movimentos sociais poderosos (v.g., o Movimento dos Sem Terra – MST) e modestos (v.g., associação de moradores da rua X); e até aos órgãos das pessoas jurídicas de direito público (v.g., a Mesa da Câmara de Vereadores) e das pessoas jurídicas de direito privado (v.g., o Conselho Deliberativo do clube de futebol Y). A personalidade processual, ou capacidade para estar em juízo, corresponde à aptidão genérica e abstrata para figurar em qualquer processo.1 Eventual incapacidade de exercício das pessoas naturais e a própria natureza das pessoas jurídicas – problema partilhado com outros entes –, impõem sua representação legal e orgânica (capacidade processual ou legitimatio ad processum). E os que têm personalidade processual, estando devidamente representados (capacidade processual), necessitam de representação técnica

(capacidade postulatória), salvo a pessoa que apresenta aptidão para postular em nome próprio e outras exceções previstas em lei, para figurar válida e eficazmente no processo. Figurando a pessoa, o ente despersonalizado ou o órgão da pessoa jurídica de direito privado ou público como sujeito da relação processual, participando ou não ativamente, adquire a condição de parte. Segundo a concepção formal, parte é quem figura no processo originária ou supervenientemente. Alegando a necessidade de promover ou defender seus hipotéticos direitos, a parte adquire legitimidade ou legitimatio ad causam. Essa qualidade implica a capacidade para conduzir válida e eficazmente o processo, chamada de Prozessführungsbefugnis no direito alemão.2 A Prozessführungsbefugnis consiste no poder de obrar em nome próprio, praticando atos processuais e firmando negócios jurídicos processuais, ou permanecendo inerte, do início ao término da relação processual.3 Em termos mais precisos, a legitimidade consiste na coincidência, avaliada in status assertionis, entre a posição ocupada pela parte, no processo, com a respectiva situação legitimadora, decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso. As disposições dos artigos 778 e 779, indicando, abstratamente, as pessoas que podem mover e as pessoas contra as quais cabe mover a execução, mostram-se paradigmáticas como situações dessa espécie. Já nos domínios do processo de conhecimento ficaria difícil semelhante enunciação, em virtude da multiplicidade de pretensões, mas essas situações podem ser organizadas em termos genéricos (infra, 555). É claro que a elaboração do conceito de capacidade para conduzir o processo, ou de legitimidade ad causam, considera um dado fundamental: a incerteza intrínseca quanto à veracidade dessa alegação e à exatidão desse liame, pois tudo isto constitui o material de trabalho do órgão judiciário, em maior ou menor grau. Depois de encerrado o processo, fitando-o retrospectivamente, tornar-se-á possível afirmar em termos peremptórios e definitivos a existência (ou não) da legitimidade dos que participaram do feito. E nada há de irregular ou de incomum, nesta contingência, alguém utilizar o processo para obter do órgão judiciário o reconhecimento da sua própria ilegitimidade, e, conseguintemente, provimento de exclusão ou de extinção da relação processual. Por exemplo, o executado que se considera parte ilegítima na pretensão a executar, todavia legitima-se a oferecer impugnação (art. 525, § 1.º, II), alegando a própria ilegitimidade. É preciso eliminar toda e qualquer confusão entre capacidade para conduzir o processo (legitimidade ad causam) e representação.4 Por intermédio da representação, integra-se a capacidade processual. O representante não é parte, nem sequer o legitimado: a parte é o representado. A legitimação por categoria (v.g., a do sindicato para defender os direitos subjetivos individuais dos integrantes da categoria por ele representada, a teor do art. 8.º III, da CF/1988), é uma modalidade de legitimidade. O sindicato age em nome próprio e figura como parte na relação processual (infra, 556). 553. Função da capacidade para conduzir o processo

A lei processual civil brasileira concebe a habilitação da parte para conduzir o processo (Prozessführungsbefugnis) como a titularidade da pretensão deduzida e, fitando o autor, “condição” para a existência do direito de formar o processo.5 Esse enquadramento situou o atributo fora (rectius: aquém) do mérito, ou seja, da alegação formulada pelo autor contra o réu, cuja inexistência ensejaria atividade não jurisdicional do órgão judiciário. Essa orientação revelava-se inaceitável por razões variadas e convincentes (retro, 222.4). É necessário compreender perfeitamente o art. 485, VI, segundo o qual inexistirá resolução do mérito no juízo de ilegitimidade ativa ou passiva. Em primeiro lugar, a legitimidade baseia-se em regras do direito material.6 Existe argumento irretorquível provando que a legitimidade, de um lado, entronca-se no direito material e, de outro, não se confunde, integralmente, com o direito posto em causa: a dissociação do titular do direito alegado em juízo e a pessoa capaz de conduzir o processo para realizá-lo ou defendê-lo. Existem casos perante os quais a lei, atribuindo semelhante capacidade a outra pessoa, chega ao extremo de interditar o próprio titular do direito de conduzir o processo, autonomamente, promovendo ou dirimindo suas controvérsias. Essa curiosa situação se verifica em demandas envolvendo debêntures. Ao debenturista é vedado executar suas debêntures, porquanto o art. 68, § 3.º da Lei 6.404/1976, confere a capacidade para conduzir o processo, exclusivamente, ao agente fiduciário de todos os debenturistas para tal fim. Embora baseada em dados hauridos do direito material,7 a separação da capacidade para conduzir o processo do direito material revela-se necessária, porque há casos em que terceiro, no plano substantivo, assume a condição de parte legítima.8 A legitimidade não “condiciona” a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo.9 A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito. Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada.10 Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras.11 Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio.12 Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à

formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito. Várias teorias surgiram para explicar a natureza da capacidade de conduzir o processo. Assente que nem sempre essa capacidade e a titularidade hipotética do direito coincidirão, a mais das vezes a legitimidade tocará, de regra, a quem ostenta o poder de disposição do direito.13 Ficam sem explicação hábil os casos em que o objeto litigioso é indisponível.14 E, ademais, conferiria à apreciação da legitimidade valor equivalente à apuração da existência da pretensão alegada perante o réu. Eis a razão por que a capacidade de conduzir o processo constitui requisito da relação processual, decorrendo da simples alegação de quem acode à autoridade judiciária. 554. Caráter bilateral da capacidade para conduzir o processo A legitimidade constitui atributo bilateral, respeitando tanto ao autor, quanto ao réu. Aqui calha ressaltar o último aspecto. Não chegará à desejável resolução do mérito, em qualquer sentido, o processo em que o réu não tem legitimidade. O art. 17 do NCPC declara imprescindível legitimidade para “postular em juízo”. Pretendeu abranger quaisquer posições subjetivas – autor, réu e terceiro interveniente. Raciocinando do ponto de vista do réu, para exemplificar, a possibilidade de reagir à demanda, através da contestação, resulta do simples chamamento a juízo. E o órgão judiciário ordena a citação da pessoa indicada como réu na petição inicial, convocando-a compulsoriamente (in jus vocatio), aglutinando, no regime vigente, ciência do conteúdo da pretensão (editio actionis) – funções versadas no conceito legal de citação no item próprio. Ninguém é réu porque quer. Assim, desnecessária “legitimidade” para articular a contestação. Ao contrário, incumbe ao réu alegar, na contestação, a própria ilegitimidade (art. 337, XI, c/c art. 338, caput) gravando-lhe o ônus de indicar a parte passiva legítima (art. 339, caput). Essas inovadoras disposições propiciam a correção do defeito de endereçamento da pretensão do autor, sem prejuízo do princípio da demanda, e a extinção do processo, na medida do possível. A nenhum terceiro afigura-se admissível contestar a demanda não figurando como réu na petição inicial. A intervenção de terceiros no processo pendente ocorre nos casos prefixados na lei processual. Por identidade de motivos, verificando o juiz a ausência de parte obrigatória, limitar-se-á a ordenar ao autor que manifeste sua vontade de trazer o preterido ao processo, promovendo sua citação (art. 115, parágrafo único). A esse propósito, assinalava-se acertadamente no direito anterior: “… o juiz não cita ninguém, mas cria para o autor o ônus de fazê-lo, sem o qual ele não julgará o mérito” (rectius: sem o atendimento da sua determinação e a citação dos litisconsortes preteridos).15 Enfim, a condição de autor adquire-se pelo ato postulatório principal (petição inicial); a de réu, em virtude da indicação do autor, certa ou errada. Terceiro é quem não participa do processo. Pretendendo o terceiro ingressar na causa pendente (intervenção espontânea), talvez não lhe assista justamente legitimidade, hipótese em que órgão judiciário não o admitirá no processo (v.g., na assistência, art. 120, segunda parte). Chamado a intervir

por uma das partes (intervenção forçada), cabe-lhe suscitar a própria legitimidade, cujo acolhimento implicará a exclusão do processo. Admitida a intervenção, ao contrário, o terceiro torna-se parte. 555. Classificação da capacidade para conduzir o processo Os esquemas abstratos traçados pelo legislador, prevendo a capacidade para conduzir o processo, classificam-se em duas espécies básicas: (a) legitimidade ordinária; e (b) legitimidade extraordinária.16 Esta classificação, criada para os domínios do processo de conhecimento, aplica-se, indiferentemente, ao processo de execução17 e à tutela provisória.18 Exibe legitimidade a pessoa que alega figurar na relação jurídica que se tornou objeto do processo. Logo acode à mente, nesta conjuntura, duas observações: primeira, a veracidade desta alegação e a existência da respectiva relação integram o objeto do processo, e, portanto, nenhum juízo de certeza, a priori, o órgão judiciário emitirá a este respeito, contentando-se com uma correspondência hipotética; segunda, a regra geral da legitimidade somente poderia residir na correspondência dos figurantes do processo com os sujeitos da lide. Designa-se o esquema básico, assim definido, de legitimidade ordinária. Ela se divide em originária, ou primária, e superveniente: às vezes, a relação jurídica constitui-se com a pessoa que vai a juízo; mas, concebe-se que o figurante do processo sucedeu a outra pessoa, por negócio inter vivos, ou causa mortis, originando legitimidade derivada ou superveniente. Esses eventos podem suceder previamente à formação do processo ou no seu curso. Neste último caso, impõe-se proceder à sucessão da(s) parte(s) originária(s), nas hipóteses permitidas em lei, a exemplo do ingresso do adquirente do objeto litigioso em lugar do alienante, mercê do consentimento da parte adversa (art. 109, § 1.º), e da habilitação dos herdeiros da parte falecida (art. 687), ressalva feita, quanto à sucesso mortis causa, à pretensão intransmissível, hipótese em que incumbirá ao juiz extinguir o processo (art. 485, IX). Eventualmente, a lei confere legitimidade à pessoa que, por definição, não integra os polos subjetivos do objeto litigioso. Em tal hipótese, a regra de coincidência “funciona a título subsidiário”.19 A própria parte invoca tal fato, ou ele fica subentendido nos elementos objetivos do processo, e o órgão judiciário aceita-o como normal e admissível, haja vista aquela coincidência entre o figurante do processo e a situação legitimadora. Essa excepcional dissociação entre os sujeitos do processo (parte em sentido formal) e os da lide (parte em sentido material) decorre de motivos de conveniência. Às vezes, há algum liame entre a relação jurídica a qual se prende o substituto com a que o liga com o substituído, motivo porque aquele defende, indiretamente, direito próprio, de dois modos: (a) obtendo para o substituído uma vantagem (v.g., a célebre ação sub-rogatória, prevista no art. 2.900 do CC italiano); (b) impedindo que se crie para o substituído um dever.20 Em outros casos, porém, a lei atribui a legitimidade à pessoa que não é, nem sequer pode ser, titular da relação jurídica material, tão só para aumentar o âmbito subjetivo do provimento, evitando a multiplicidade de

litígios. É o que acontece com a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos (v.g., a legitimidade do sindicato, a teor do art. 8.º III, da CF/1988). Por conseguinte, nesta espécie de legitimidade opera-se a defesa indireta do direito próprio ou apenas a defesa direta do direito alheio. A tal legitimidade designa-se de extraordinária. Ela comporta duas classes: (a) autônoma; e (b) subordinada. Na legitimidade extraordinária autônoma, a pessoa estranha ao objeto litigioso atua em nome próprio, no processo, e com absoluta independência em relação ao legitimado ordinário. Essa magnificente particularidade permite distinguir a legitimação extraordinária, ou substituição processual, das diversas formas de representação dos incapazes em juízo, hipótese em que o representante age em nome e no interesse do representado.21 Em outros casos, a presença do legitimado ordinário revela-se indispensável à constituição eficaz do processo; porém, instaurado o processo, admitir-se-á o ingresso do titular de direito diferente do posto em causa, e com ele relacionado, juridicamente, com algum nexo de interdependência, ao qual se mostrará lícito intervir na relação processual pendente, assumindo posição acessória ao lado do autor ou do réu. É o que acontece na assistência simples, em que o titular de direito diferente do posto em causa pode intervir, ad adjuvandum tantum, no processo pendente, tornando-se parte, apesar das divergências a respeito de semelhante condição,22 posto que acessória, subordinada ou auxiliar.23 A legitimidade subordinada exibe nível muito inferior à autônoma, porque não habilita a postular em juízo de modo independentemente, senão na companhia de outro legitimado ordinário ou extraordinário. Além disto, porque o assistente não se associa subjetivamente ao objeto litigioso, seus poderes processuais tampouco se equiparam, em princípio, aos do legitimado ordinário. No entanto, há casos em que a parte auxiliar qualifica-se, justamente, pela titularidade do objeto litigioso, conquanto impedida de demandar autonomamente. É o que acontece na hipótese de o adquirente do objeto litigioso ver rejeitada sua sucessão plena, no lugar do alienante, pelo adversário deste. Em tal contingência, ainda que a legitimidade do alienante se altere de ordinária para extraordinária,24 o adquirente e, a fortiori, o cessionário do objeto litigioso, ingressam no processo ao lado da parte originária,25 reza o art. 109, § 2.º, e sujeitar-se-ão à força da sentença (art. 109, § 3.º). Essas situações peculiares recebem o nome de assistência qualificada ou litisconsorcial. Corretamente, o art. 109, § 2.º, denominou de litisconsorcial a intervenção do adquirente da coisa litigiosa, impedido de atuar autonomamente, rejeitando expressivas opiniões contrárias.26 E isso, porque a lei deslocou, ante a resistência da contraparte ao câmbio puro e simples, a capacidade para conduzir o processo para o legitimado extraordinário, impedindo o legitimado ordinário, porque adquiriu essa qualidade supervenientemente, de ingressar no processo, e reduzindo-o, destarte, à incômoda e surpreendente qualidade de parte acessória.27

Por sua vez, a legitimidade autônoma pode ser tanto exclusiva, hipótese em que a lei exclui a participação do titular do direito – por exemplo, somente o agente fiduciário dos debenturistas, a teor do art. 68, § 3.º, da Lei 6.404/1976 pode ir a juízo –, quanto concorrente, na qual legitimam-se, a um só tempo, o titular do objeto do processo, e, portanto, legitimado ordinário, e alguma outra pessoa, estranha àquele objeto. É irrelevante e insuficiente à formação do processo, na legitimidade exclusiva, a iniciativa e a presença do legitimado ordinário. Só o legitimado extraordinário para constituir, eficazmente, o processo. Nada obstante, o legitimado ordinário poderá intervir no processo pendente, ao lado do legitimado extraordinário,28 a exemplo do ingresso do debenturista, titular do crédito, na ação movida pelo agente fiduciário contra a companhia, num dos tantos casos de assistência qualificada ou litisconsorcial. A esse propósito, assinala-se que a única interpretação dessa legitimidade extraordinária que se harmoniza com os direitos fundamentais é a que permite a participação do titular do direito ao processo.29 Eventual veto infringiria o art. 5.º, XXXVI da CF/1988, que assegura acesso à Justiça para defender direito próprio de lesão ou de ameaça de lesão. Eis o motivo por que o art. 18, parágrafo único, proclama: “Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”. A legitimidade concorrente rebaixa o grau da autonomia do legitimado ordinário, relativamente ao seu próprio direito. Embora seja permitido ao legitimado ordinário demandar e ser demandado, como é a regra, a lei confere idêntico direito, no seu lugar, a outra pessoa. Em alguns casos, a exemplo da legitimidade do Ministério Público – hipótese, entretanto, assaz controvertida – 30 para pleitear a decretação da nulidade do casamento, que concorre com a dos cônjuges e de qualquer interessado (art. 1.549 do CC), o legitimado extraordinário tem a qualidade para demandar desde logo. Em outras hipóteses, diferentemente, a participação no processo supre a inércia do legitimado ordinário, configurando a legitimidade subsidiária. Exemplo clássico desta última hipótese reside na possibilidade de o Ministério Público executar a sentença condenatória emitida em ação popular movida pelo cidadão que, após sua vitória, permaneceu inerte (art. 16 da Lei 4.717/1965). Também se menciona, neste ponto, a impetração de mandado de segurança, a teor do art. 3.º da Lei 12.016/2009, “a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente”.31 Para representar a inobscurecível diferença, ensina-se que, naquela hipótese, a legitimidade é concorrente e primária; nesta, concorrente e subsidiária.32 O STJ rejeitou a substituição da empresa para impetrar mandado de segurança em favor de seus representantes legais.33 Em virtude da possibilidade de o legitimado ordinário, nas hipóteses de concorrência, não se quedar inerte e ingressar no processo, supervenientemente, surge a figura da legitimação extraordinária eventual;34 por exemplo, a intervenção do titular do direito objeto do mandato de segurança na hipótese há pouco aventada. Seja como for, as noções até agora ministradas evidenciam, nas várias modalidades de legitimidade extraordinária e autônoma – ou seja, tirante a

hipótese de legitimidade subordinada –, fenômeno singular: admite a lei que alguém pleiteie, em nome próprio, direito alheio. Esse acontecimento recebe o nome, de iure conditio, de substituição processual (art. 18, caput, do NCPC).35 Essa terminologia, acompanhando outras designações de institutos processuais (v.g., jurisdição, cujo étimo em nada reflete as atribuições do órgão judicial), respalda-se na tradição. Na figura considerada, “exatamente substituição é o que não se dá”.36 Não faltam sugestões de outros títulos mais adequados.37 556. Substituição processual nos casos de direitos individuais À semelhança do que ocorre com outros institutos clássicos do direito processual civil, a redação do art. 18, caput, do NCPC evoca virtuosamente, senão a noção universal e imune à crítica, ao menos a mais aceitável. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado por lei, estipula o art. 18, caput, do NCPC. O direito de alguém pleitear em nome próprio o direito alheio, quando legalmente autorizado, surgiu na doutrina alemã na segunda metade do século XIX – inexaurível sementeira da dogmática processual. A matéria enfrentada era a do usufruto com poder de disposição, perante o qual a lei material autoriza alguém a conduzir um processo, produzindo efeitos no direito alheio, dentre os quais a eficácia de coisa julgada.38 Esse fenômeno recebeu a designação pouco expressiva de Prozessstandschaft. Foi traduzida para substituição processual no direito italiano.39 Também se considera imprópria essa terminologia, porque o substituto não substitui, na verdade, o substituído, pois este não ocupa posição alguma no processo.40 A substituição (ou troca, ou câmbio) ocorre, no sentido próprio, no âmbito da sucessão mortis causa ou por negócio inter vivos (infra, 562). A tradição justifica o emprego da expressão consagrada, à falta de outra melhor, arrebatando a terminologia que se mostraria adequada às hipóteses de sucessão. O art. 18, caput, do NCPC reconhece, a contrario sensu, a legitimidade, conferida pela lei, de postular em juízo em nome próprio, e na condição de parte principal, o direito alheio.41 Trata-se de espécie do gênero mais extenso da legitimidade extraordinária, e, portanto, não se pode confundir as duas situações.42 Essa peculiar dissociação entre o titular do (alegado) direito e o sujeito do processo ocorre, em geral, por força de um liame entre o substituto e o substituído. Desse modo, o substituto defende, indiretamente, direito próprio, de dois modos: (a) obtendo para o substituído uma vantagem (v.g., a célebre ação sub-rogatória, prevista no art. 2.900 do CC italiano); (b) impedindo que se crie para o substituído um dever.43 Nessa visão do instituto, o direito do substituído aproveita o substituto; a inexistência do dever do substituído beneficia o substituto, também desonerado de outro dever. Ela significa que o substituto acaba exercendo um direito (material) próprio em juízo, diretamente em proveito alheio, indiretamente em proveito próprio.44 Em outros casos, porém, a lei atribui a legitimidade à pessoa que não é, nem sequer pode ser, titular da relação jurídica material, tão só para aumentar

o âmbito subjetivo do provimento, evitando a multiplicidade de litígios. É o que acontece com a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos (v.g., a legitimidade do sindicato, a teor do art. 8.º III, da CF/1988). Nessa espécie, parece evidente a defesa direta do direito alheio; porém, não é menos exato que, às vezes, o conjunto dos interesses individuais forma um interesse geral, e nesse sentido distinto, habilitando a associação a litigar em nome próprio na defesa desse interesse também próprio. Nem sempre o legitimado ordinário, que figura como o substituído, ficará alheio ao processo. A sua permanente ausência ou exclusão peremptória do processo não integra o conceito proposto. A opinião contrária apresenta como exemplo da insuficiência do entendimento o caso do adquirente do objeto litigioso, impedido de substituir o alienante ante a objeção do adversário deste último (art. 109, § 1.º).45 Ela ignora, surpreendentemente, a possibilidade de seu ingresso como parte,46 a teor do art. 109, § 2.º, passando o sucedido, que até então, e a partir da alienação do objetivo litigioso, figurava como substituto,47 à condição de assistente simples do sucessor.48 No direito anterior, também se alvitrou o ingresso do adquirente (substituído) ao lado do alienante (substituto) na qualidade de assistente simples.49 Fica vedada – por definição, no caso da legitimação exclusiva; em virtude da identidade das ações, nas demais hipóteses – a propositura de demanda dotada de idênticos elementos objetivos (causa e pedido) contra o réu do substituto, em virtude da litispendência, a teor do art. 337, § 2.º.50 Avalia-se a identidade de partes, na demanda, do ponto de vista jurídico, e, não, físico, por esse motivo.51 E a substituição processual constitui simples espécie da legitimação extraordinária, para distingui-la da assistência,52 pois o substituto, em juízo, sempre se apresentará como parte principal. O fundamento desse fenômeno, segundo a explicação clássica, reside na gestão do patrimônio alheio.53 A heterogeneidade dos casos em que ela ocorre, todavia, sugere uma fórmula mais ampla: a existência de alguma relação entre o substituto e o substituído estimula o legislador a legitimar aquele para demandar o direito deste.54 E, de fato, sempre existirá interesse, ainda que indireto e eventual, a ensejar a atuação desse estranho a favor do direito posto em causa.55 É o que acontece na hipótese do art. 3.º da 12.016/2009, em que terceiro impetra mandado de segurança a favor do direito originário, quedando-se inerte seu titular. Segundo opinião acatada, “seu interesse na impetração (e, consequentemente, a autorização legal para agir) decorre de um direito próprio, mas cujo exercício depende do direito originário”.56 Parece evidente prender-se a legitimação ao interesse próprio do substituto. A esse propósito, invoca-se o exemplo da promoção de magistrados de primeiro grau para o tribunal pelo critério da antiguidade: promovido o magistrado A, e notificado o magistrado mais antigo B, ao magistrado C, também mais antigo que A, possibilita-se o uso do mandado de segurança.57 Ora, não é preciso que C seja mais antigo do que A: a violação objetiva do critério da antiguidade, em detrimento ocasional de B, interessa a todos os integrantes da carreira, e, não, somente aos habilitados à promoção para o último degrau da carreira.

Não se excluem, porém, o predomínio de razões de oportunidade, evidenciadas no exemplo do agente fiduciário: a concentração da legitimidade numa única pessoa evitará, sobretudo, a pulverização inútil das demandas, ensejando a heterogeneidade dos respectivos resultados. E como o agente fiduciário não é debenturista, mas gestor da comunhão de debenturistas, a relação entre o objeto litigioso e seus deveres, inclusive o de demandar, situase em plano diferente do que envolve o objeto litigioso. A substituição processual ocorre tanto na legitimidade extraordinária e exclusiva, quanto na extraordinária e concorrente. Naquela, o emprego da expressão mostra-se correto, adaptado à realidade,58 porquanto a lei retira do substituído a possibilidade de atuar como parte principal na defesa de seu próprio direito; nesta, retrata o estado das partes, adequadamente, na hipótese de ausência do substituído do processo.59 É claro que, nas hipóteses de legitimidade concorrente, intervindo o substituído no processo,60 a condição dessa pessoa no processo se altera: o ingresso tardio do legitimado ordinário na relação processual formada, originariamente, com o legitimado extraordinário, expressa forma de intervenção de assistente litisconsorcial.61 O art. 18, parágrafo único, revela-se muito feliz na sua formulação. Importa ressaltar que de substituição processual e, muito menos, de assistência cogitar-se-á na hipótese de ingresso tardio do colegitimado – por exemplo, do credor solidário na ação movida pela comparte contra o devedor comum – no processo. Trata-se da intervenção do titular do direito posto em causa e, destarte, legitimado ordinário. Evidentemente, formar-se-á litisconsórcio ulterior. Por definição, no exemplo versado, nenhum dos legitimados é titular de direito alheio,62 e ambos alegam direito próprio. Não há substituição, por igual, na ação movida por coerdeiro em proveito comum, a despeito de julgado contrário do STJ.63 Essas situações não se identificam, absolutamente, com aquelas em que a própria lei interdita ao titular do direito posto em causa assumir a posição de parte principal (v.g., o debenturista e o adquirente da coisa litigiosa). Exemplificam a substituição processual as seguintes e contemporâneas situações: (a) a do Ministério Público, titular de várias demandas, dentre outras da ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III, e art. 82, I, da Lei 8.078/1990);64 da ação investigatória de paternidade (art. 2.º, § 4.º, da Lei 8.560/1992); da ação de reparação de dano ex delicto (art. 68 do CPP); (b) a do Conselho da Ordem dos Advogados, autarquia federal, na defesa dos interesses individuais dos advogados (art. 54, II, da Lei 8.906/1994); (c) a do sindicato, na defesa dos direitos individuais (homogêneos ou não) de seus associados e dos integrantes da categoria por ele representada (art. 5.º, XXI, e art. 8.º, III, da CF/1988);65 (d) a do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), relativamente aos direitos autorais dos seus associados (art. 98 da Lei 6.910/1998);66 (e) das pessoas arroladas no art. 82 da Lei 8.078/1990, no tocante à ação civil coletiva de responsabilidade por dano, na hipótese de interesses individuais homogêneos, “em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores” (art. 81 da Lei 8.078/1990).67 557. Substituição processual nos casos de direitos difusos e coletivos

É questão em aberto, no direito pátrio, a natureza da legitimidade do Ministério Público e, a fortiori, das associações civis e dos partidos políticos,68 deduzindo em juízo direitos difusos e coletivos. A atribuição de capacidade para conduzir o processo perante tais interesses comporta, em tese, soluções concorrentes e, a priori, sem recíproca exclusão,69 a saber: (a) legitimidade concorrente, mas disjuntiva, das pessoas que invocam a condição de titular do interesse difuso ou do interesse coletivo; (b) legitimidade concorrente de pessoas jurídicas, cujo fim institucional seja o de promover a defesa dessa espécie interesse, ou que apresentem o predicado da adecuacy of representation,70 representando o conjunto dos titulares; (c) legitimidade de órgão estatal, caso do Ministério Público. Em qualquer hipótese, o legitimado não titula um direito individual, mas geral.71 Descansa o problema na circunstância de o substituto processual, tratando-se de direitos individuais, promover e defender o alegado direito em lugar de pessoa determinada – o substituído.72 Não importa que haja, ou não, liame entre a relação jurídica da qual é titular o substituto e a relação jurídica objeto do processo (retro, 556), na qual figura como titular o substituído, ou que a lei abstraia, integralmente, os vínculos entre o substituído e o substituto. Em ambas as hipóteses, e na primeira o dado transparece no próprio objeto litigioso, o titular do direito alegado ou defendido ficará perfeitamente identificado (direito individual) ou é identificável (direitos individuais homogêneos). Ora, nas ações coletivas para defesa dos interesses coletivos ou difusos semelhante precisão se desvanece inquietantemente. Em casos tais, ou os substituídos revelam-se indetermináveis (interesse difuso); ou os substituídos se mostram indeterminados (interesse coletivo). Essas particularidades obstam que se assimile o instituto da substituição clássica a tais interesses.73 E a tradicional ação popular suscita dificuldade análoga.74 Nesta contingência, parece mais consentâneo à realidade legitimar o Ministério Público, sindicatos e associações ordinariamente.75 A sugestão alvitrada considera decisivo o signo da “indivisibilidade” que o art. 81, parágrafo único, I e II, da Lei 8.078/1990 exige na configuração dos interesses difusos e coletivos.76 Essa nota marcante opera a transformação do conjunto em algo novo, diferente das frações, repercutindo na natureza da legitimidade.77 Logo, a “transmigração do individual para o coletivo”,78 e que explicaria a posição do Ministério Público nessas demandas, implica uma transformação mais profunda e intensa do que a simples substituição,79 outorgando a titularidade do coletivo e do difuso a uma pessoa diferente dos titulares da situação individual incluída no conjunto. Em outras palavras, o Ministério Público, a associação ou o cidadão legitimam-se ativamente, conforme o caso, porque se mostram titulares do direito posto em causa, sem embargo de existirem outros titulares dos direitos parciais que, coletivamente, formam o objeto litigioso. Nessa linha de raciocínio, a soma das partes adquire identidade própria e nova, substancialmente diversa das frações, de que é titular pessoa também diferente, graças à indivisibilidade. E tal legitimação se revela ordinária.80

Por essa razão, tratando-se de interesse individual, há necessidade de expressa autorização legal para a atuação do Ministério Público e, a fortiori, de sindicatos e de associações. Incide, plenamente, o art. 18, caput, do NCPC. A autorização constitucional genérica do art. 127 da CF/1988, porque inexpressiva e sem conteúdo normativo preciso, revela-se insuficiente.81 O Ministério Público não se legitima a pleitear determinada prestação positiva do Estado, na área da saúde, em favor de pessoa doente. Ao invés, o art. 68 do CPP outorga legitimidade ao Ministério Público para pleitear indenização em nome das vítimas de ilícito penal;82 o art. 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/90 autoriza-o a propor ação em prol de interesses individuais homogêneos; e assim por diante. Em casos tais, a disposição legal preenche o requisito indispensável à substituição. A jurisprudência do STJ rejeitou ao Ministério Público, pelo motivo exposto, legitimidade para defender direito de incapaz sob poder dos pais83 e propor ação de alimentos.84 Essas considerações permitem compreender a diferença entre a legitimidade das associações, “quando expressamente autorizadas” (art. 5.º, XXI, da CF/88), e para defender “interesses de seus membros ou associados” (art. 5.º, LXX, b, da CF/88), impetrando mandado de segurança coletivo: no primeiro caso, há substituição processual, tratando-se de interesses individuais;85 no segundo, existe legitimação ordinária.86 A impetração, no último caso, não depende de autorização formal dos associados (Súmula do STF, n.º 629). Essa situação de modo algum se identifica à do credor solidário que age contra o devedor comum. Restringindo-se a interesse individual, posto que dotado de múltiplos titulares, jamais se caracterizará a autêntica substituição processual, apesar das tentativas de assimilação.87 E isso, porque colegitimado é titular do objeto litigioso e age por seu próprio direito.88 No alvitre mais pessimista, tocando a realização do crédito também aos demais credores, todavia ausentes do processo, sugere uma figura mista,89 mas inconfundível com a autêntica substituição, porque semelhante conjuntura não se harmoniza com o conceito do instituto há pouco ministrado. A rigor, o interesse plural resolve-se na soma de interesses individuais, porém ninguém exercerá em nome próprio o direito alheio.90 558. Espécies de substituição processual Do ângulo topológico, a substituição processual, à semelhança do litisconsórcio, divide-se em três espécies: (a) ativa; (b) passiva; e (c) recíproca. Mas, há outras classificações proveitosas.91 A partir da natureza exclusiva ou concorrente da legitimidade extraordinária, exprimem-se duas classes de substituição: (a) autônoma, na qual o substituto jamais assumirá o papel de parte principal; e (b) derivada, em que a qualidade de parte principal decorrerá da eventualidade de o processo não se formar, originariamente, com o legitimado ordinário.92 No que tange ao momento em que ocorre a substituição, há duas modalidades: (a) inicial, formando-se o processo com o substituto; ou (b) superveniente, alterando-se no curso do processo a legitimidade ordinária para extraordinária, a exemplo do que sucede com o alienante da coisa

litigiosa (art. 109, § 1.º), impedido o ingresso do adquirente, em virtude da objeção da contraparte.93 Existe outra classificação que considera a extensão total ou não da eficácia de coisa julgada.94 Em tal hipótese, há duas hipóteses: (a) substituição absoluta; (b) substituição relativa. Exemplo da última, admitida em caráter excepcional, residiria na ação sub-rogatória do credor para realizar o direito do seu devedor contra odebitor debitoris (art. 857 do NCPC). Porém, neste caso inexistirá substituição, porque o credor assume a titularidade do direito do seu obrigado, por solvendo, e, assim, executando o debitor debitoris, o exequente realizará direito próprio.95 Na realidade, a autoridade de coisa julgada sempre vinculará tanto o substituído, quanto o substituto, como se observará linhas adiante. Finalmente, há que considerar que, nos termos do art. 18, caput, do NCPC, a legitimidade do substituto há de decorrer de regra legal explícita.96 Entende-se por tal a existência de regra precisa, conferindo a determinada pessoa o direito de postular em nome próprio o direito alheio. A fórmula negativa acentuaria o caráter excepcional dessa permissão.97 Logo, não se preenche o elemento de existência do art. 18, caput, mediante inferência de norma jurídica aberta. A reserva legal instituída no art. 18, caput, parte final, pré-exclui a substituição processual voluntária (gewillkürte Prozessstandschaft).98 O direito de postular em nome próprio o direito alheio não pode se fundar na autonomia privada.99 Por exemplo, cláusula contratual não pode obrigar pessoa estranha à relação de locação a mover ação de despejo.100 Entretanto, nada impede a cessão do contrato de locação a alguma pessoa, legitimando-a, por conseguinte, à retomada do imóvel, exceto naqueles casos em que tal direito se vincula à condição de proprietário. Por esse motivo, o art. 18, caput, não erige obstáculo efetivo cessão qualificada, através da qual o cedente, reservando-se o direito, outorga ao cessionário a ação correspondente ao direito.101 É a hipótese aventada pela Súmula n.º 7 do extinto TARS. Neste último sentido, portanto, a doutrina portuguesa tolera a substituição processual por vontade das partes.102 Também no direito brasileiro – e a Súmula n.º 7 do extinto TARS deixou claro – a gewillkürte Prozessstandschaft há de ser admitida mediante negócio jurídico dispositivo. A intervenção da vontade transforma o fenômeno, pois o terceiro (do ponto de vista material) adquire derivativamente, através do negócio jurídico, direito próprio. Vale a metáfora: apesar da paternidade afetiva, ocorre similitude genética entre a autorização legal e a autorização negocial para demandar.103 559. Posição processual do substituto e do substituído A posição do substituto no processo é a de parte principal e independente. Legitima-se, ativamente, para propor a ação e reconvir, e, passivamente, para contestar e opor as exceções processuais – incompetência, suspeição e impedimento –, bem como as exceções e objeções materiais que tocariam ao substituído perante seu adversário.104 Nada restringe a ampla legitimidade recursal do substituto.105

O juiz examinará todas as questões relativas aos pressupostos processuais subjetivos (personalidade, capacidade processual, capacidade postulatória, e, naturalmente, a capacidade de conduzir o processo) em relação ao substituto, e, não, ao substituído.106 A imparcialidade do juiz, ou seja, as hipóteses de impedimento (art. 144) e de suspeição (art. 145), avaliar-se tanto perante o substituto, quanto o substituído.107 Os fatores distribuídos nessas regras, segundo a lei capazes de comprometer a imparcialidade da pessoa investida na função judicante, só podem merecer semelhante compreensão. Por exemplo, o fato de o substituído não participar do processo, apesar de parente do juiz, não elimina o constrangimento de eventual julgamento favorável aos seus interesses, porque é o direito do substituído que transformou-se em objeto litigioso: é quem será favorecido, ou não, pela sentença. Desprovido o substituto da titularidade do objeto litigioso, não lhe é dado praticar atos de disposição do direito material. Fica obstada, assim, a eficácia da confissão, da desistência, da renúncia, da transação ou do reconhecimento do pedido,108 sem o expresso e prévio consentimento do substituído. Essa natural limitação, intrínseca ao instituto, e a natureza da substituição, impõem algumas distinções relevantes. No tocante às exceções materiais, bastaria considerar os casos de legitimidade exclusiva para evidenciar que impedir sua alegação – por exemplo, da compensação – pelo substituto implicaria, na prática, a impossibilidade de o substituído argui-la em qualquer hipótese. Portanto, parece correto atribuir ao substituto a alegação de todas as exceções e defesas intrínsecas ao alcance da substituição; por exemplo, ao agente fiduciário (substituto) é dado alegar todas as exceções relativas ao direito dos debenturistas (substituídos). Relativamente à reconvenção, há que se basear no alegado direito do réu contra o substituído pelo autor, ou viceversa, fundar-se no direito do substituído pelo réu contra o autor, porque, do contrário, a demanda reconvencional jamais assumiria a qualidade de contraataque (no plano material). Em reminiscência de disposições há muito superadas, diz-se que a reconvenção, em caso tal, não excluiria ou diminuiria o alcance do pedido.109 Esse efeito hipotético da reconvenção focaliza o caso especial da compensação. Porém, o pedido reconvencional do réu vai além desses objetivos. Por sua vez, o substituído, pretendendo participar do processo iniciado pelo substituto, ingressará como assistente litisconsorcial,110 como já se acentuou em outras passagens e acentua o art. 18, parágrafo único. 560. Efeitos da substituição processual A circunstância de o substituto praticar atos postulatórios em nome próprio na qualidade de parte apresenta consequências dignas de registro. À primeira vista, o tema não mereceria qualquer realce particular, bastando enunciar a diretriz intuitiva: a situação do substituto, no curso ou após o encerramento do processo, não difere da que suportaria o substituído em análoga posição. Ora, não tocando o direito posto em causa ao substituto, mas ao substituído, há certo preço a satisfazer em termos práticos. A visualização do ponto carece da análise atenta e próxima dos efeitos da substituição no tocante ao julgamento do mérito.

560.1. Sucumbência do substituto – Em razão de sua qualidade de parte principal, munida dos respectivos ônus e faculdades, recairá sobre o substituto a responsabilidade pelos ônus da sucumbência.111 Logo, o substituído não responderá por tais encargos perante o vencedor. Não cabe, em princípio, ação regressiva do substituto contra o substituído para reaver tal despesa.112 Dessa responsabilidade não escapará o Ministério Público, na qualidade parte principal. E, por igual, somente o substituto suportará a responsabilidade por dolo processual.113 O substituído, que permanece alheio ao processo, não pratica atos idôneos a incidir nas condutas proscritas pelo art. 80 e a descumprir os deveres estabelecidos no art. 77. Intervindo o substituído como assistente litisconsorcial, conforme autoriza o art. 18, parágrafo único, aplicar-se-á o art. 94, respondendo pelas custas “em proporção à atividade que houver exercido no processo”. 560.2. Eficácia de coisa julgada perante o substituto e o substituído – O principal efeito da substituição processual residirá na extensão da eficácia de coisa julgada ao substituído, a despeito de não figurar como parte no processo e, portanto, em desacordo com a proposição fundamental do art. 505, segundo a qual a coisa julgada não prejudica terceiros.114 Também o substituto se vincula ao resultado do processo, por óbvio: fica-lhe interditado, proferida sentença de improcedência, v.g., renovar a demanda. A vinculação do substituído descansa em razões de conveniência. Eliminado o vínculo, desapareceria o alcance prático da substituição, resultando o processo em provimento inutiliter data, seja perante o substituto, porque não é titular do objeto litigioso, seja perante o substituído, porque terceiro. Essa vinculação do substituído insere-se na autoridade natural do julgado.115 O substituído não constitui autêntico terceiro, segundo a classificação oportunamente exposta (infra, 2.136.2), cogitado no art. 505 do NCPC. E isso, porque a atividade processual do substituto mostrar-se-á eficaz perante o direito do substituído. No caso de legitimidade exclusiva, em que se veda ao substituído figurar no processo como parte principal – por exemplo, ao debenturista –, o resultado é intuitivo. Jamais se mostrará lícito ao substituído pretender pôr em causa a justiça do provimento, e, a fortiori, rescindi-lo em nome próprio.116 É mais árdua a questão, no tocante aos casos de legitimidade concorrente, e turvada pela imprópria similitude da legitimidade disjuntiva no litisconsórcio unitário ativo e passivo (por exemplo, dos credores e dos devedores solidários). Por outro lado, simplifica-se o problema nas hipóteses em que o substituído intervém no processo formado com o substituto, caso em que ficará vinculado como parte. Convém assinalar que, localizado o efeito da intervenção – coisa julgada atenuada – na seção dedicada à assistência simples (art. 123), separada da assistência litisconsorcial, ao menos o argumento do arranjo legislativo, advogando a aplicação da regra a ambas as espécies, e tão marcante no direito anterior, perdeu consistência persuasiva.

Para alcançar o substituído, e não infringir as garantias constitucionais do processo (art. 5.º, LIV, da CF/1988) – argumento utilizado para rejeitar a eficácia de coisa julgada perante o substituído –,117 prescindindo da sua intervenção no processo, porque eventual, a única solução técnica concebível reside na análise da qualidade jurídica dos figurantes da relação processual blindada pela coisa julgada. Desse ponto de vista, o substituído somente revela-se terceiro formalmente; na verdade, é parte no sentido material (rectius: sujeito da lide),118 porque titular do objeto litigioso, e, em virtude dessa inconcussa qualidade, atingido pela eficácia própria do provimento. A posição do adversário do substituto também deve ser considerada em tal equação. Nenhum princípio constitucional exige de alguém que defenda duas vezes consecutivas o mesmo direito. Ao vencer o substituto, vence igualmente o substituído. A descomunal injustiça de submetê-lo a dois processos idênticos não tem justificativa plausível. Essa é a visão equilibrada do difícil problema. Se há coisa julgada, e subsiste a legitimação extraordinária, a ação rescisória deve ser proposta pelo e contra o substituto.119 Legitima-se também, passivamente, o substituído, nos casos de legitimidade concorrente.120 561. Controle da capacidade para conduzir o processo As questões que se verificarem no terreno da legitimidade exigem controle ex officio (art. 337, § 5.º). Em alguns casos, a ausência de legitimidade do autor revela-se manifesta, evidente aos olhos do juiz, ensejando, desde logo, o indeferimento da inicial (art. 330, II), e, conseguintemente, a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 485, I). Passando a demanda pelo controle inicial do juiz, incumbe ao réu alegar a própria ilegitimidade, na contestação, indicando a parte passiva legítima (art. 339, caput), envidando a lei esforços para corrigir o defeito (artigos 338 e 339). Em relação à ilegitimidade ativa, inexiste possibilidade de emenda e correção: ao autor não é dado transmudar-se em pessoa diferente, assumindo identidade alheia. Acolhendo o juiz semelhante objeção processual do réu, extinguirá o processo sem resolução do mérito (art. 485, VI). Não há preclusão. É lícito ao réu alegar a ilegitimidade, a qualquer tempo, e do tema o juiz conhecerá em qualquer grau de jurisdição. Figure-se o caso de o réu omitir qualquer referência à ilegitimidade na contestação. Este assunto não se submete ao princípio da eventualidade, consagrada no art. 341, caput, segundo o qual incumbe ao réu alegar na contestação toda a matéria de defesa. Excepciona-o, expressamente, o art. 342, II, autorizando novas alegações do réu quando “competir ao juiz conhecer delas de ofício”. Razão bastante para o art. 337, § 5.º, não reproduzir a fórmula “a qualquer tempo e grau de jurisdição”. Assim, poderá o réu inovar na apelação e o órgão ad quem, reconhecendo a ilegitimidade, prover o recurso fundado nessa objeção. Também se insere a questão no efeito devolutivo da apelação. Proferida sentença de meritis, opera-se a devolução da questão relativa à legitimidade, controvertida ou não, motivo por que ao tribunal se afigura lícito manter o

respectivo provimento, desprovendo o recurso, ex officio ou mediante alegação da parte, baseado nessa questão logicamente antecedente às demais questões de fundo. Existe uma consequência, decorrente da alegação tardia da ilegitimidade, porém: deixando o réu de alegar a ilegitimidade na primeira oportunidade, ou seja, na contestação (art. 337, XI), eventualmente responderá por dano processual.121 § 121.º Sucessão das partes 562. Conceito de sucessão das partes O Capítulo IV do Título II – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – do NCPC ocupa-se da sucessão das partes e dos procuradores. Avulta, inicialmente, a expressiva alteração terminológica. O CPC de 1973 regulava essa mesma matéria sob a rubrica de “substituição”. Essa palavra – substituição – retratava adequadamente os fenômenos agora contemplados nos artigos 108 a 112. Limitando a observação aos artigos 109 a 112, ocupam-se eles (a) da mudança, ou não, da parte originária, em razão da alienação do objeto litigioso (art. 109); (b) da mudança da parte por força da morte (art. 110), fato natural inexorável para as pessoas naturais; (c) da extinção da procura judicial, por revogação (art. 111) ou renúncia (art. 112). Esses eventos podem ocorrer no curso do processo, afetando os polos da relação processual, implicando, ou não, conforme a natureza do objeto litigioso e outros fatores, a troca das partes. É a substituição: alguém sai, outrem ingressa do processo. Ora, a palavra “substituição” introduziu-se, no jargão do processo civil, para designar, impropriamente que seja, situação distinta – a capacidade para conduzir o processo em nome próprio direito alheio (art. 18, caput). Era preferível, respeitando a tradição, chamar o conjunto das situações versadas nos artigos 109 a 112 de sucessão das partes.122 O direito alemão alude ao câmbio, ou troca, de partes.123 O processo se desenvolve no tempo, exigindo um interregno maior ou menor, por vezes até excessivo, para formular a regra jurídica concreta ou realizar o direito reconhecido ao autor no provimento judicial. Para atingir seus objetivos, a partir de um determinado momento a relação processual estabiliza-se, subjetiva e objetivamente. O princípio da estabilização subjetiva do processo se encontra formulado no art. 108. Ao vetar a sucessão voluntária das partes, salvo nos casos admitidos na lei, o art. 108 consagra o princípio da perpetuatio legitimationis. Formado integralmente o processo, através da citação do réu, só permite-se a troca voluntária das partes excepcionalmente, respeitando-se, ademais, o princípio da demanda (v.g., na correção da ilegitimidade passiva, prevista nos artigos 338 e 339; na reconvenção, art. 343, § 3.º e § 4.º). Objetivamente, o princípio da estabilização da demanda se expressa no art. 329, I e II, a saber: (a) até a citação, o autor poderá aditar ou alterar o pedido e a causa petendi, independentemente do consentimento do réu; (b) até o saneamento, o autor poderá aditar ou alterar o pedido e acausa petendi, com o consentimento do

réu, mas assegurado o contraditório e facultada a produção de prova suplementar. A modificação quase integral da demanda, quanto aos seus elementos objetivos, e a pura e simples troca de réu (v.g., alterando a pessoa sem legitimidade pela pessoa legitimada) pode ocorrer no prazo assinado pelo órgão judiciário para o autor emendar a inicial (art. 321). Essas disposições revelam que a estabilização do processo acontecerá, realmente, em estágio bem adiantado. Embora processo haja desde o protocolo da petição inicial (art. 312), até a citação do réu há ampla liberdade de o autor modificar os elementos objetivos. Esses dados legislativos demonstram a relatividade da estabilização. A mudança consensual dos elementos objetivos é autorizada até o saneamento do processo (art. 329, II), sem prejuízo, ainda, da recepção de fatos supervenientes, ex officio, no momento da sentença (art. 490). Nada obstante a estabilidade do processo, após a última oportunidade admissível, o transcurso do tempo necessário ao bom desempenho das tarefas do órgão judiciário não o torna, totalmente, imune a vicissitudes várias, que atingem seus elementos objetivos – fatos e direito supervenientes, a teor do art. 493 – e as partes. É óbvio que não convém às finalidades do processo, consoante suas funções instrumentais, nem ao comércio jurídico, torná-lo indiferente aos fatos adventícios. Do ponto de vista subjetivo, a sucessão das partes permite, sob certas condições, a troca de uma das partes por outra pessoa, que se tornou titular do objeto litigioso,124e o câmbio do primitivo réu (arts. 338 e 339). É mais comum o fenômeno, paradoxalmente, na hipótese não ventilada nos artigos 108 a 112 de forma explícita. As transformações sofridas pela pessoa jurídica no curso do processo, nos casos de aquisição, fusão e cisão da sociedade empresária, também implicam câmbio de parte. A sucessão das partes envolve todos os sujeitos da relação processual. Além do(s) autor(es) e do(s) réu(s), os terceiros, após a intervenção no processo, não se mostram imunes aos fatos supervenientes. Podem acontecer: (a) a morte do assistente,125 hipótese em que, não sendo parte principal, extingue-se a assistência (infra, 603); (b) a aquisição do dever respeitante ao direito de regresso, que ensejou a denunciação da lide; e (c) a transformação da pessoa jurídica que ingressou coativamente no processo (infra, 795). 563. Fundamentos da sucessão das partes A sucessão das partes justifica-se, em primeiro lugar, com o intuito de o processo produzir sua eficácia perante as pessoas efetivamente destinatárias do comando judicial. No caso de morte, a mutação subjetiva refletirá, basicamente, a sucessão ocorrida no plano do direito material. Os sucessores do falecido assumem sua posição jurídica, em particular as dívidas, na proporção de sua quota hereditária (art. 796). Os sucessores do falecido não escapam aos efeitos da sucessão, inclusive da pendência do processo – o art. 505 submete-os à

autoridade da coisa julgada –, e, inversamente, o adversário do falecido tampouco se subtrai aos efeitos do fato que implicou o precoce desaparecimento da contraparte. Em outras palavras, a alteração no polo subjetivo do processo, decorrente da morte pessoa natural, representará evento irresistível, derrotando a estabilização subjetiva.126 Em caso de alienação total ou parcial do objeto litigioso, em negócio inter vivos, o problema afigura-se mais complexo. Esse negócio suscita flagrante confronto entre os efeitos da disposição do objeto litigioso, no plano do direito material, e a pendência do processo. Surgem três interesses em jogo. De um lado, a parte que não deu causa à alienação há de ter seu interesse protegido, prioritariamente, a todo transe obstando a eventual frustração de seu direito. Por sua vez, o adquirente do objeto litigioso, via de regra de boafé, e, de toda sorte, figurante de negócio lícito, merece consideração, inclusive em contraste ao adversário do alienante, vez que, doravante, o seu direito material integra o objeto do processo. Finalmente, o alienante não pode ser inteiramente olvidado, pois a incerteza inerente ao objeto litigioso, no processo de conhecimento, exige sua participação, forrando-se aos riscos da eventual derrota perante o adquirente.127 O mecanismo da sucessão processual oferece os meios adequados para harmonizar esses interesses legítimos.128 A sucessão das partes impede, ademais, o desperdício da atividade processual já desenvolvida até a comunicação ao órgão judiciário do evento relevante do ponto de vista subjetivo. A transmissão do objeto litigioso, mortis causa ou inter vivos, há de ser recepcionada no juízo da causa, aproveitandose os atos realizados, e, ao mesmo tempo, vinculando a eles o sucessor. A renovação do processo perante as novas partes legítimas agravaria sem motivo razoável a posição de todos os sujeitos envolvidos. Por esse motivo, o art. 313, § 2.º, prevê as providências a cargo do órgão judiciário, tomando ciência da morte da parte, cuja finalidade é a de preservar os atos já praticados. Funda-se no princípio da economia, portanto, a sucessão das partes. E as características da relação processual (autonomia, unidade e complexidade), principalmente sua progressividade, avançando gradualmente o processo no rumo dos seus objetivos, e queimando etapas neste curso, cria o ambiente propício à inserção da nova parte, sem prejuízo do adversário e dos atos praticados. 564. Sucessão da parte em razão das transformações da pessoa jurídica Conforme já assinalado, as transformações da pessoa jurídica revelam-se assaz comuns, no curso do processo, estimuladas pelo ambiente econômico volátil e por problemas interna corporis. Concebe-se, ainda, a dissolução por força da lei ou em virtude da vontade dos sócios. A transformação em sentido estrito, qual seja, a troca de um tipo social para outro, a teor do art. 1.113 do CC c/c art. 220 da Lei 6.404/1976 – v.g., a companhia se transforma em sociedade limitada por vontade unânime dos sócios –, importará a mudança do nome social. Esse fato não afeta o direito dos credores (art. 1.115 do CC). O patrimônio da pessoa jurídica continua o

mesmo, não aumenta, nem diminui. Tampouco se produzem efeitos relevantes na relação processual, exceto no registro da distribuição, que há de ser atualizado, porque é “a antiga sociedade mantendo a mesma personalidade jurídica, porém com outras vestes”.129 A capacidade postulatória subsiste e o advogado anteriormente constituído praticará os atos processuais, sem solução de continuidade, em nome da pessoa jurídica transformada. A incorporação, a fusão e a cisão, ao contrário, repercutem na relação processual pendente. No entanto, a relação processual primitiva subsistirá, em virtude do princípio da totalidade (retro, 93.2). Cumpre distinguir essas mudanças sociais. A incorporação é a “operação pela qual uma ou mais sociedades, de tipos iguais ou diferentes, são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”.130 A pessoa jurídica incorporada extingue-se, conforme elucidam o art. 219, II, da Lei 6.404/1976, e o art. 1.118 do CC. Por intermédio da fusão, duas ou mais pessoas jurídicas, de tipos iguais ou diferentes, unemse para formar sociedade nova, que lhes sucederá nos direitos e nas obrigações. Também aqui há extinção das antigas pessoas jurídicas (art. 219, II, da Lei 6.404/1976 c/c art. 1.119 do CC). Por fim, a cisão é a operação pela qual a pessoa jurídica transfere seu patrimônio, no todo ou em parte, para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a pessoa jurídica cindida (cisão total) ou não, conforme subsista parte do patrimônio na sociedade cindida (cisão parcial). Dessa espécie de transformação não se ocupou em pormenores a nova lei civil, mas a ela alude o art. 1.122 do CC. Por esse motivo, o regime das sociedades anônimas se aplicará aos demais tipos sociais. Encontra-se regulado no art. 233 da Lei 6.404/1976 o direito dos credores na cisão parcial e total. O regime brasileiro mostrava-se insatisfatório, pois o art. 232 da Lei 6.404/1976 outorgava aos credores pretensão para impugnar a operação apenas nas hipóteses de incorporação ou de fusão.131 Felizmente, o art. 1.122 do CC corrigiu esse aspecto, equiparando todas as transformações para a finalidade de o credor prejudicado impugná-las. Em tema de cisão, a regra é a solidariedade de todos os participantes da operação, haja ou não extinção da companhia cindida, relativamente às dívidas anteriores à cisão (art. 233, caput, da Lei 6.404/1976). No entanto, conforme o art. 233, parágrafo único, o ato de cisão parcial poderá contemplar cláusula obrigando as sucessoras da companhia cindida tão só por obrigações expressamente transferidas, remanescendo as demais sob responsabilidade da sociedade cindida. Faculta-se a impugnação dessa estipulação pelos credores prejudicados no prazo de noventa dias a contar da publicação do ato de cisão. Por óbvio, a cláusula há de ser expressa.132 Essa exigência não diminui a dificuldade dos credores, seja quanto à consciência imediata dos efeitos da restrição à responsabilidade patrimonial, seja no tocante à tarefa de sopesar os patrimônios, optando pela situação anterior ou a nova. Como quer que seja, ou há a extinção da sociedade cindida, cujo patrimônio passou integralmente à sucessora, ou subsiste a pessoa jurídica cindida, e só no primeiro caso cogitar-se-á da sucessão de partes. À

semelhança do que sucede nos casos de fusão e de incorporação, em caso de extinção da pessoa jurídica que figura como parte a sucessão no processo revela-se automática, passando a figurar no processo a pessoa jurídica sucessora,133 a partir do registro dos atos.134 É preciso, porém, regularizar a representação, porque há outra pessoa jurídica como sujeito da relação processual, através da outorga de nova procura.135 Assim, já se decidiu que são ineficazes os substabelecimentos derivados a procuração originária, devendo outra ser outorgada pela empresa derivada.136 Por sua vez, o adversário da pessoa jurídica transformada, em decorrência desses mecanismos, não pode se opor à alteração da parte.137 Em caso de dissolução, prolonga-se a personalidade processual da pessoa jurídica até o encerramento da liquidação, conforme estipula o art. 219, I, da Lei 6.404/1976, no tocante às companhias. A representação passa ao administrador ou ao liquidante. É expresso, a esse respeito, o art. 76, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, segundo o qual, decretada a falência, todas as causas, inclusive as que escapam à competência do juízo universal – causas em que o falido ocupa a posição de réu ou de litisconsorte passivo – , prosseguirão com o administrador judicial, “que deverá ser intimado para representar a massa falida, sob pena de nulidade”. A disposição abrange a insolvência e a liquidação extrajudicial. Feita a intimação, a sucessão das partes opera automaticamente, sem qualquer rompimento da continuidade da relação processual. § 122.º Sucessão da parte em razão da morte 565. Efeitos da morte no processo civil O evento morte implica, conforme a hipótese, a extinção (art. 485, IX) ou a suspensão do processo (art. 313, I). Neste último caso, sucede ao falecido seu espólio, e, após a partilha, o(s) sucessor(s), a teor do art. 110. É importante assinalar que essa disposição abrange, fundamentalmente, a parte principal. O terceiro após intervenção voluntária ou provocada bem sucedida torna-se parte principal. Falecendo a parte auxiliar, extingue-se a assistência, haja ou não sido deferida a intervenção do assistente. E, isso, porque a sucessão cogitada no art. 313, I, é apenas a da “parte litigante, isto é, aquela que se marca por uma posição e uma pretensão autônoma no processo”.138 E, por outro lado, o falecimento da pessoa que ocupa órgão do Ministério Público, como parte coadjuvante ou principal, mostra-se irrelevante, prosseguindo o processo, em princípio, com outro agente que venha a ocupar o órgão. Em determinadas situações, oportunamente examinadas (infra, 1.044), porque o órgão permaneceu vago, a suspensão se tornará inevitável; porém, ela não decorre da morte em si, mas na falta da agente do Ministério Público habilitado a desempenhar as funções de parte principal ou coadjuvante. Não está claro se o evento morte transmite a posição subjetiva do legitimado extraordinário aos sucessores a título universal.139 É particularmente agudo o problema técnico na legitimidade extraordinária exclusiva (v.g., a do agente fiduciário), suavizada pela raridade desse fenômeno; entretanto, é expressiva, por igual, na legitimidade extraordinária concorrente. Cuidando-se de pessoa jurídica, a questão resolve-se na forma

explicada no item próprio (infra, 564) – por exemplo, ao agente fiduciário primitivo sucederá outro, escolhido pelos debenturistas. É preciso entender como personalíssima a capacidade para conduzir o processo por quem não é o titular do objeto litigioso (parte em sentido material), e, assim, inexistirá sucessão a título universal da parte principal, devendo ser promovida a habilitação do legitimado ordinário. 566. Extinção do processo em razão da morte Extinguir-se-á o processo, reza o art. 485, IX, ocorrendo morte da pessoa natural e a lei considerar intransmissível o objeto litigioso. O dispositivo referese à “ação” no sentido material (retro, 230). Quer dizer, à pretensão processual ou objeto litigioso: o hipotético direito alegado pelo autor perante o réu. A causa da extinção reside no decesso do autor ou do réu, em virtude do caráter intransmissível, mortis causa, ou da posição ativa ou da posição passiva.140 Em princípio, os direitos, as pretensões e as ações mostram-se transmissíveis, mortis causa, litigiosos ou não. A exceção consiste na intransmissibilidade. Não é por outra razão que, em área de suma importância, o art. 943 do CC estabelece: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”. O dispositivo se aplica às ações de reparação do dano patrimonial e extrapatrimonial. Só a lei em sentido formal pode declarar intransmissível o direito. Tal exigência se deduz do art. 485, IX, que se refere a “disposição legal”. E, de fato, há direitos que, personalíssimos, extinguem-se com a morte do seu titular, antes ou depois do respectivo exercício, conforme estipulação legal. Essa característica permite classificar a intransmissibilidade em duas espécies: (a) absoluta; (b) relativa. Em alguns casos, a morte da pessoa titular do direito, antes ou depois do seu exercício em juízo, provocará o desaparecimento imediato e irreversível do direito. É o caso do direito de pleitear a separação do cônjuge. A morte de per si extinguirá a sociedade conjugal (art. 1.571, I, do CC) e, por incompatibilidade, eliminam-se todos os direitos tendentes à obtenção da mesma finalidade. E o STJ decidiu que os sucessores do sócio falecido não podem prosseguir na ação de exclusão de outro sócio, porque os primeiros, em razão da morte, por sua vez deixaram de integrar a sociedade.141 Em outras hipóteses, porém, exercido o direito em vida por seu titular, há transmissão aos herdeiros. É o que acontece com a negatória de paternidade (art. 1.601, parágrafo único, do CC). Falecendo a pessoa antes de exercer esse direito, ao contrário, extingue-se para seus sucessores. A lei protege a intimidade do marido. Só a ele, e a ninguém mais, tampouco aos seus sucessores, cabe desvelar assunto dessa delicadeza. Já a investigatória de paternidade ou de maternidade toca ao filho, passando aos seus herdeiros, se ele morrer menor ou tornar-se incapaz(art. 1.606, caput, do CC), mas não poderá ser renovada, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito (art. 1.606, parágrafo único, do CC). E, tratando-se de confissão, o direito de pleitear a sua anulação cabe tão só ao confitente; iniciado, porém, o respectivo processo, o direito de prosseguir no processo passa aos seus sucessores, conforme o art. 393, parágrafo único, do CPC.

A intransmissibilidade pode ser total ou parcial. Por exemplo, no caso de o candidato à investidura em cargo público, ilegalmente preterido, morrer no curso do processo, por óbvio esse direito desaparece, pois nenhuma outra pessoa, incluindo seus herdeiros, legitima-se a ocupar o cargo. Formulado pedido condenatório sucessivo, pleiteando indenização pelo ilícito praticado pela Administração, transmite-se direito aos herdeiros, reduzindo o objeto do processo. A intransmissibilidade do direito não impede aos sucessores rescindirem a sentença desfavorável ao falecido. É o que estabelece o art. 967, I, do CPC. Não importa que a sucessão ocorra após o encerramento do processo ou na sua pendência, desde que, naturalmente, não se haja verificado a sucessão no processo em curso, hipótese em que a legitimidade do sucessor é a de parte. Por sinal, a causa hábil da rescisão no caso de objeto litigioso transmissível consiste na violação manifesta à ordem jurídica (art. 966, V). Nesses casos, vencido o iudicium rescindens, o novo julgamento da causa, objeto de pedido da parte (art. 968, I), recairá sobre o objeto litigioso, apesar de intransmissível em outras circunstâncias. Não importa, ao efeito do art. 485, IX, o estágio do processo. É preciso tão só que não se haja formado a autoridade de coisa julgada. Por exemplo, comunicada a morte da parte ao relator da apelação, e verificando que o objeto do processo é intransmissível, esse fato superveniente acarretará a incidência do dispositivo citado, provendo o relator singularmente. Idêntico efeito produzirá o fato morte na pendência do reexame necessário (art. 496).142 Nenhum relevo, no caso de intransmissibilidade do objeto litigioso, assumem os marcos temporais do processo – conclusão para sentença, finda a instrução, no primeiro grau, ou a designação da sessão de julgamento do recurso, no segundo grau –, porque eventual resolução do mérito não produziria efeitos perante o morto, inexistindo sucessão no plano material. O processo não prosseguirá e, portanto, inexiste necessidade de aproveitar atos processuais em curso. O art. 313, § 2.º, determina ao juiz suspender o processo “ao tomar conhecimento da morte”. Em relação ao dispositivo correspondente do CPC de 1973, dispensou, aparentemente, prova do fato. Ora, o único meio admissível de provar esse evento é a certidão de óbito (art. 77 da Lei 6.015/1973). A simples notícia do fato, talvez vaga, ou simplesmente errônea, dificilmente justificará as providências do art. 313, § 2.º, I e II, e a paralisação da marcha do processo. Essa compreensível exigência, quanto à prova da morte, sugere relevante problema. Entre a data do falecimento e a comunicação desse fato ao órgão judiciário, munida da prova hábil, às vezes transcorrerá muito tempo. Não é incomum que o advogado, sem contato constante, ignore o falecimento do cliente até ser procurado por algum integrante da família. Entrementes, concebe-se que a sentença transite em julgado. Tratando-se de direito intransmissível, é preciso cogitar da subsistência dessa eficácia, ponto que se tornará agudo se o provimento de mérito favorecer ao falecido.

No caso dos direitos transmissíveis, no direito anterior firmou-se posição, acolhida na doutrina,143 no sentido que a suspensão do processo ocorre, ope legis, no momento exato em que ocorreu o óbito, “ainda que o fato não seja comunicado ao juiz da causa, invalidando os atos praticados depois disso”.144 Em outras palavras, o provimento judicial retroagiria ao momento da ocorrência do fato relevante para o processo. Por identidade de razões, ocorrendo o óbito antes do trânsito em julgado, o provimento não se revestiria da autoridade da coisa julgada, cabendo ao órgão judiciário, a qualquer momento, declarar a intransmissibilidade do direito e proferir a sentença terminativa prevista no art. 485, IX. A redação do art. 313, § 2.º, não resolve esses problemas, indicando, ao invés, outra solução. O que se passou, passou. Caberia ao espólio, antes da partilha, e ao sucessor, a título universal, promover a rescisória (art. 967, I), porque a regra jurídica concreta não pode produzir efeitos perante o morto e, correlatamente, atingir seus sucessores. 567. Suspensão do processo em caso de morte Os direitos litigiosos transmitem-se aos sucessores da parte falecida como regra. Portanto, provada a morte ao órgão judiciário, suspender-se-á o processo, ensejando a habilitação do espólio ou dos sucessores. Exemplo de direito transmissível é o de obter reparação do dano, inclusive moral.145 Embora transmissível o direito litigioso (v.g., os créditos em geral), não se pode descartar a possibilidade de ocorrer confusão, extinguindo-se o processo – passa a inexistir dualidade de partes –, a exemplo do caso de o pai, falecendo no curso do processo, cobrar dívida do seu único herdeiro.146 Fora dessa hipótese excepcional, o óbito da parte implicará a suspensão do processo, a requerimento do interessado (parte contrária ou pela iniciativa do sucessor, a teor do art. 688, I e II), ou ex officio. É raro, nas grandes comarcas, o juiz ou, encontrando-se a causa no tribunal, o relator do recurso, tomar ciência da morte. Porém, não se descarta que a assessora do desembargador, atenta aos obituários publicados no jornal local, ou o próprio magistrado, relacione o falecido a um dos processos em tramitação no gabinete. Embora não haja a prova idônea – certidão de óbito (art. 77 da Lei 6.015/1977) –, intimar-se-á o advogado do morto, propiciando o esclarecimento da questão e, suspenso o processo, a habilitação. Pode ocorrer interregno variável entre a data do óbito e a data da comunicação do óbito ao órgão judiciária, acompanhada da prova hábil. O ato do juiz que declarar suspenso o processo retroagia à data da morte, e, simultaneamente, desfazia os atos processuais porventura praticados nesse interregno; porém, a redação do art. 313, § 2.º ignora esse problema, sugerindo o contrário, assunto versado no item precedente (retro, 565). Ou sobrevém a habilitação voluntária, por iniciativa do sucessor, suspendendo-se o processo, a teor do art. 313, § 1.º, c/c art. 689, in fine; ou o juiz suspenderá o processo, tomando as providências do art. 313, § 2.º, I e II, conforme se trate da morte do autor ou do réu. Fica subentendido que, não chegando ao juízo a notícia da morte da parte, por qualquer meio, o processo prosseguirá,

independentemente do estágio (v.g., início da audiência de instrução e julgamento; julgamento do recurso no tribunal). O termo inicial da suspensão do processo é a data da ciência do óbito, respeitados os temperamentos do art. 313, § 1.º. Chegando a notícia ao órgão judicial por outra via, cumpre distinguir: (a) falecido o réu, o autor há de promover a habilitação, no prazo fixado pelo juiz, “no mínimo de dois, no máximo seis meses” (art. 313, § 2.º, I); (b) falecido o autor, o juiz determinará a intimação do espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, pelo meio mais adequado, para (ba) manifestar interesse na sucessão ou (bb) promoverem a habilitação, no prazo designado, que há de ser razoável (art. 313, § 2.º, II). Pode acontecer, nessa última hipótese, manifestação expressa ou tácita de desinteresse no feito, caso em que o juiz, vencido o prazo de habilitação, extinguirá o processo, posto que transmissível a pretensão processual. A fixação de prazos judiciais, num caso e noutro, propõe-se a resolver dificuldade surgida no direito anterior, cuja omissão prolongava indefinidamente a suspensão, confiando ao adversário do falecido o ônus de promover a habilitação. Negligenciando esse ônus, a critério do juiz, a extinção do processo fundar-se-ia na hipótese hoje prevista no art. 485, II.147 Em princípio, a suspensão cogitada no art. 313, I, afigura-se obrigatória. Todavia, pode ocorrer a habilitação espontânea, antes ou após a partilha, sem contestação da parte contrária, simultaneamente com a comunicação e comprovação do óbito. Não há necessidade de suspender o processo.148 O STJ decidiu o singular caso da presença, no mesmo polo da relação processual, de cônjuges, não ocorrendo, todavia, a suspensão do processo. Presumiu-se a inexistência de prejuízo, porque o marido assumiu a inventariança e realizou defesa hábil do interesse comum.149 A causa retomará seu curso, segundo o art. 692, após o trânsito em julgado da sentença de habilitação, ou do ato do juiz que admitir a sucessão incontroversa.150É excessiva a exigência que a sentença passe em julgado. A pendência de recursos sem efeito suspensivo (v.g., o agravo de contra a decisão que não admitiu o recurso especial), interpostos pela parte contrária à sucedida, e que tardam a serem julgados, impedirá a tramitação normal do processo. Fluirá o processo desde o ponto em que ocorreu a suspensão com eficácia ex tunc. 568. Habilitação dos sucessores em caso de morte De acordo com o art. 110, dar-se-á a sucessão do falecido por seu espólio ou por seus sucessores. Chama-se de habilitação ao procedimento especial, regulado nos artigos 687 a 692, instituído para promover o ingresso do sucessor no processo. No que tange à iniciativa, a habilitação se divide em duas espécies: (a) provocada (ou passiva); (b) espontânea (ou ativa). Ela pode ser requerida pela parte, em relação aos sucessores, ou pelos sucessores, perante o adversário do falecido.

Em relação ao momento, considerando que o acervo hereditário, que inclui o objeto litigioso, transmite-se imediatamente (art. 1.784 do CC), cumpre distinguir a habilitação anterior e posterior à partilha. É subentendida essa diferença no art. 110. A regra aponta, em primeiro lugar, o espólio; em seguida, indica os sucessores da parte falecida. Em geral, a habilitação espontânea prescindia da instauração de processo autônomo,151 inexistindo controvérsia relevante sobre a qualidade de sucessor, ou seja, ocorria automaticamente e sem pronunciamento específico do órgão judicial. O art. 1.060 do CPC de 1973 contemplava várias situações em que a habilitação ocorria “nos autos da causa principal e independentemente de sentença”. O art. 689 eliminou esta cláusula. Postulada a habilitação espontânea ou provocada, “nos autos da causa principal e na instância em que ela se encontrar”, suspender-se-á o processo (art. 689, in fine), ordenando o juiz a citação dos requeridos para se pronunciarem em cinco dias (art. 689, caput), e, não havendo controvérsia, “decidirá imediatamente” (art. 690, segunda parte). O processo retomará seu curso após o trânsito em julgado da sentença de habilitação (art. 692, primeira parte). Existindo impugnação e necessidade de dilação probatória – reminiscência tardia do Regulamento 737/1850 –, o juiz mandará autuar em apenso o pedido (art. 689, primeira parte), caso em que, opportuno tempore, determinará a juntada de cópia da sentença nos autos principais (art. 692, segunda parte). Perdeu-se, nessa sistemática rígida, a naturalidade na sucessão da pessoa natural. A habilitação do espólio do falecido, abrigo seguro para todos os sucessores, em que pesem diferenças profundas nos respectivos interesses, era hipótese de sucessão natural e pacífica. E não só a habilitação espontânea do espólio. Abstraídas as eventuais disputas sobre a partilha do direito litigioso ao inventário, a parte contrária requeria, simplesmente, a citação do espólio na pessoa do administrador ou do inventariante. 568.1 Habilitação antes da partilha – O espólio forma-se imediatamente após a morte. O patrimônio deixado pelo finado, salvo exceções, encontrarse-á na posse e administração de um administrador provisório, via de regra o cônjuge ou o companheiro (art. 1.797, I, do CC). Cabe a esse administrador requerer a abertura do inventário (art. 615, caput), ao lado de outros legitimados (art. 616), no prazo de dois meses (art. 611), contados da abertura da sucessão, prazo prorrogável. Legitima-se a pleitear a habilitação no processo pendente, até a partilha, o espólio. Tal encargo incumbe ao administrador provisório, o qual representará ativa e passivamente o espólio (art. 614), antes da abertura do inventário. Nomeado inventariante, dentre as pessoas arroladas no art. 617, representará ele o espólio (art. 618, I), para o mesmo efeito. Em geral, inexistem maiores questões no caso da habilitação do espólio. A ocupação do polo ativo ou do passivo da relação processual pelo espólio, conforme o caso, atende satisfatoriamente os interesses dos sucessores da pessoa falecida, até a individualização, na partilha, do titular do objeto litigioso.

Formalmente, ocorrendo habilitação espontânea, requerida pelo espólio, representado pelo administrador provisório ou pelo inventariante, ou requerendo-lhe a citação a parte adversa, a sucessão opera-se sem nenhuma oposição, incidindo o art. 689, segunda parte. Era desnecessário, tratando-se de espólio, a instauração do procedimento especial do art. 685. A identificação do titular do objeto litigioso, objetivo da habilitação contenciosa, propiciando a sucessão da parte falecida, resolver-se-á no inventário. Por isso, a habilitação espontânea ou provocada do espólio sempre não formava, no direito anterior, incidente ultimado por sentença. Ao nosso ver, o sensato costume há de subsistir ao advento dos artigos 687 a 692. Existiam, entretanto, situações peculiares. Em caso de designação de inventariante dativo (art. 617, VIII), a abertura do inventário não desobrigava os sucessores do falecido a figurarem como parte, em vez do espólio. Ressalva feita à iniciativa conjunta desses sucessores, ou seja, da habilitação espontânea, devidamente documentada, o adversário precisava convocá-los para regularizar o polo da relação processual. Ora, o art. 75, § 1.º, evoluiu positivamente, erigindo o inventariante dativo como representante do espólio, prevendo-se só a intimação dos sucessores no feito em que o espólio seja parte, possibilitando-lhes eventual intervenção ad coadjuvandum. Resolveu-se o primeiro problema, desse modo, em prol da habilitação automática. Concebe-se o falecimento da pessoa natural sem patrimônio – exceção feita, por óbvio, do direito litigioso. Embora não seja o caso do chamado inventário “negativo”, que é autêntica aberração,152 parece excessivo exigir a dispendiosa abertura do inventário e respectivos trâmites. O STJ admitiu a habilitação direta dos sucessores “na hipótese de inexistência de patrimônio suscetível de abertura de inventário”.153 Não ocorrendo a habilitação espontânea, restará à parte contrária promover a habilitação forçada desses sucessores, valendo-se do procedimento especial dos artigos 687 a 692. 568.2 Habilitação após a partilha – A habilitação do sucessor do morto na titularidade do objeto litigioso pode acontecer após o inventário e a partilha. Em primeiro lugar, apesar do curto espaço de tempo transcorrido entre a morte e a suspensão do processo, inexistindo testamento, os herdeiros maiores e capazes acordaram com o inventário e a partilha por escritura pública (art. 610, caput, segunda parte). Ademais, pode ocorrer muito tempo entre a morte e o ato do juiz que, comunicado da ocorrência, suspendeu o processo, abrindo espaço à habilitação, de modo que, nesta última oportunidade, já se haja ultimado o inventário e a partilha judicial. Nesta contingência, o(s) sucessor(es) do objeto litigioso encontra(m)-se individualizado(s), cabendo-lhe(s) ocupar o lugar do falecido na relação processual. Definido o sucessor da parte falecida, herdeiro ou legatário, a habilitação espontânea talvez ocorra nos autos da causa, mediante petição subscrita pelo advogado constituído para essa finalidade, ministrando prova hábil – formal ou certidão de partilha – da condição do postulante.154 Não há necessidade, decidiu o STJ, do registro do imóvel no nome do sucessor.155 O fato de se processar nos autos originais da causa principal não significa que o órgão judiciário não delibere a respeito.156 O juiz emitirá decisão

interlocutória, inexistindo controvérsia, provimento insuscetível de impugnação autônoma. Ao invés, havendo controvérsia, embora improvável, o juiz determinará a autuação em apenso (art. 691, primeira parte), emitindo sentença apelável (art. 692, primeira parte). Por sua vez, a habilitação provocada seguirá o roteiro previsto no art. 687 a 692. Formam-se autos próprios, apensados aos autos originais, conforme o art. 691, primeira parte.157 Forma-se o processo por iniciativa da contraparte (art. 688, I), ou do sucessor (art. 688, II). Recebida petição inicial, o juiz mandará citar o requerido, por um dos meios admissíveis, para responderem em cinco dias (art. 690, caput). Pode ocorrer a citação na pessoa do procurador já constituído nos autos principais (art. 690, parágrafo único). Findo esse prazo, o juiz julgará antecipadamente ou, havendo necessidade de coleta de prova, designará a audiência (art. 691, primeira parte). Por fim, emitirá o juiz sentença, estimando-se habilitado o sucessor após o trânsito em julgado (art. 692, primeira parte). Encontrando-se a causa em tribunal (art. 689), caberá o relator processá-la, singularmente, seguindo o roteiro já descrito, e também julgá-la, existindo permissão do regimento interno a esse respeito. Das decisões do relator caberá agravo interno para o órgão fracionário (art. 1.021). A habilitação requerida depois da interposição da apelação, mas antes da remessa dos autos ao tribunal, processar-se-á no primeiro grau.158 E isso, porque a suspensão do processo é imediata, comunicado o óbito. Para evitar o prosseguimento do processo inutilmente, o art. 692 exige o trânsito em julgado da sentença que julgar a habilitação. Em contrapartida, a suspensão do processo perdurará até o desenlace definitivo da questão, consumindo precioso tempo às custas do adversário do falecido. § 123.º Sucessão da parte em razão da alienação do objeto litigioso 569. Admissibilidade da alienação do objeto litigioso A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular e por negócio inter vivos, não altera a legitimidade originária das partes. É o que declara o artigo 109,caput. Essa disposição reafirma, no ponto versado, o princípio do art. 108 (perpetuatio legitimationis). Porém, seu alcance é mais largo. Implicitamente que seja, autoriza que o autor ou o réu realizem negócios visando à transmissão, onerosa ou gratuita, do objeto litigioso. Por exemplo, A pleiteia de B a reparação do dano moral sofrido em virtude de supostas injúrias. Tal direito, à falta de melhor ativo, é transferido a empresa de banco, em pagamento de dívida resultante de mútuo firmado por A. Facilmente se compreende a superação dos vetos históricos à alienação do objeto do processo.159 Não convém à economia capitalista a subtração de bens talvez valiosos ao comércio jurídico, em virtude do litígio, nem que a movimentação econômica fique tolhida ou entorpecida pela pendência do processo. Evoluiu-se, no direito brasileiro, da irrelevância processual da alienação do objeto processual, porque nula ou ineficaz, para o horizonte límpido da relevância do negócio, de resto existente, válido e eficaz no plano do direito processual, no âmbito da relação processual. Segundo a teoria da relevância, a alteração subjetiva, ocorrida no plano do direito material,

pendendo o processo, há de ser acolhida na relação processual – naturalmente, sob certas condições.160 É necessário ponderar os três interesses em jogo – o do adquirente, o do alienante e o da contraparte –, limitando as repercussões da transmissão do objeto litigioso na medida em que não prejudique o adversário do alienante. 570. Objeto da transmissão no plano material Considera-se direito litigioso, ao efeito do art. 109, caput, o objeto do processo, caracterizado pela incerteza que desaparecerá com o provimento transitado em julgado. A alienação da res in iudicium deducta transmite ao adquirente toda a precariedade do objeto litigioso. O direito alegado no processo poderá existir, ou não, conforme o desfecho do processo, e é um direito que tende a ser declarado pela sentença.161 Este é o objeto da sucessão no plano do direito material: um direito precário, incerto e aguardando o provimento do juiz. Em outras palavras, o direito é litigioso porque suscetível de ser alcançado pela eficácia própria do provimento judicial naquele processo. Neste momento, desaparece o direito litigioso e, inexistindo a sucessão plena no processo, consolidam-se as posições subjetivas do antecessor e do sucessor, cindidas pela alienação. Com se observou, até a sentença “a existência do direito e/ou a sua titularidade – da qual a transferência depende – permanece res dubiae; a sentença resolverá a dúvida”.162 É por essa razão – incerteza – que o art. 109 aplica-se ao processo tendente à formulação da regra jurídica concreta. Na execução, assinalou a 2.ª Turma do STJ, “o direito material já está certificado e o cessionário pode dar início à execução ou nela prosseguir sem que tenha que consentir o devedor”.163 571. Requisitos da transmissão do objeto litigioso O art. 109 incidirá nos casos em que houver a transmissão do objeto litigioso em caráter derivado. Não há alienação da res litigiosa nas aquisições originárias (v.g., usucapião do objeto da ação reivindicatória). É vasta a gama de negócios jurídicos que, em tese, abrangem o objeto litigioso, pois a alienação e acessão, mencionadas no art. 109, comportam a mais extensa interpretação possível.164 No mundo bancário, mostra-se comum a cessão do contrato, objeto de litígio, no todo ou em parte, em pagamento à dívida contraída pelo locador e cedente perante o cessionário. É preciso, ademais, que realize a transmissão pessoa que figura como parte e na pendência do processo. No tocante à qualidade de parte, valem as considerações expendidas no item próprio (retro, 239). A litigiosidade exige uma distinção. Não há a menor dúvida que, perante o réu, a litigiosidade é efeito da citação (art. 312, segunda parte, c/c art. 240), e não retroage à data da propositura da ação. Assim, o réu B que transmite o imóvel reivindicado y pelo autor A, ao terceiro C, na pendência da apelação aviada contra a sentença que indeferiu a petição inicial, não transmitiu o objeto litigioso, e,

conseguintemente, o adquirente C não se sujeitará à força da sentença (art. 109, § 3.º, c/c art. 790, I). No entanto, para o autor o processo existe a partir da distribuição da demanda, ou do despacho do juiz (art. 312, primeira parte). Logo, se B aliena o domínio que alega ter sobre o imóvel y, após o nascimento da relação processual linear, o adquirente C sujeitar-se-á à força da sentença (art. 109, § 3.º) – não poderá, haja ou não ingressado no processo, reivindicar y perante A. 572. Sucessão do alienante no processo Legitima-se o adquirente a requerer ao órgão judiciário a sucessão do alienante, promovendo a troca da parte originária. Não é dado ao juiz promovê-la, ex officio, ou ao próprio alienante requerê-la, objetivando afastarse do processo. A iniciativa, a esse propósito, compete unicamente ao adquirente. Em caso de omissão, o processo prosseguirá normalmente, pois a regra que se deduz do art. 109, caput, é a da manutenção das partes originárias. Falecendo, porém, o alienante, o adquirente poderá pleitear a sucessão nos termos do art. 687, bastando que junte aos autos o respectivo título e a prova da sua identidade.165 Valem, aqui, as considerações já expendidas quanto à habilitação espontânea em caso de morte (retro, 568). Por outro lado, desconhecendo a contraparte a alienação, promoverá a intervenção do espólio ou, após a partilha, do sucessor causa mortis do objeto litigioso. Não lhe cabe, conhecendo a transmissão, promover o ingresso do adquirente. Este tem o direito de permanecer alheio ao processo. Formulado o pedido de sucessão pelo adquirente, manifestar-se-ão o alienante e a contraparte.166 Deverão manifestar-se no prazo de cinco dias, embora não o fixe o art. 109, § 1.º, e fundamentadamente.167 O juiz decidirá a esse respeito. Em princípio, devendo o processo refletir a realidade, a sucessão do alienante pelo adquirente há de ser admitida. No entanto, há motivos justos de recusa, e, por isso, o art. 109, § 1.º, exige o consentimento da contraparte. São motivos justos para repelir a sucessão: (a) falta de prova idônea, inexistência ou falsidade do título exibido pelo adquirente; (b) insolvência do adquirente, o que tornará difícil o reembolso das despesas e a realização dos honorários da sucumbência; (c) o agravamento da posição processual da contraparte.168 É digno de nota que a sucessão, na espécie do art. 109, exige regime próprio, diferente da hipótese versada no art. 110. Não há habilitação provocada do sucessor, no plano do direito material, nem o emprego do procedimento previsto nos artigos 687 a 692. O deferimento da sucessão no processo normaliza, internamente, a dissociação criada pela transmissão do objeto do processo. É evidente que, alienado o objeto litigioso, ocorre uma separação superveniente entre o sujeito do processo, que continua a ser o alienante, e o titular do alegado direito material, que passou a ser o adquirente. A sucessão consolida os dois sujeitos na mesma pessoa. Não ocorrendo a sucessão, a cristalização ocorrerá no momento em que o julgamento transitar em julgado, quando o direito (ou o devedor) passam ao sucessor, no plano material, desaparecendo o sucedido.

A sucessão da parte, uma vez admitida, opera plenamente. O adquirente ingressa no processo no lugar do alienante. O alienante sai do processo, por sua vez, e, doravante, permanecerá alheio à relação processual. Ficará, definitivamente, subtraído a quaisquer dos efeitos do ulterior provimento do juiz. Por exemplo, não responderá pelos eventuais ônus da sucumbência, nem pela evicção (art. 457 do CC). 573. Ingresso do adquirente no processo Feita a alienação do objeto litigioso, no sentido largo do termo, parece flagrante que ocorrerá uma dissociação superveniente do alegado titular do direito material posto em causa e o sujeito do processo. A partir da alienação, muda o título da parte originária, porque desaparece sua qualidade de legitimado ordinário. Nesta contingência, sofrerá as restrições próprias dessa nova condição, por exemplo, já não mais se afigura lícito transacionar com a contraparte. Essa condição perdurará até que o adquirente postule seu ingresso no processo pendente, resolvendo-se com o deferimento da sucessão, assumindo a posição de parte o adquirente, e sua saída do processo. Também acabará com o trânsito em julgado da sentença: o direito (ou o dever) passa ao adquirente tal como declarado no julgamento. Resta estabelecer a natureza da intervenção do adquirente no processo e sua condição jurídica no caso de indeferimento da sucessão plena. De acordo com opinião vigorosamente defendida no direito brasileiro, como o adquirente é o novo titular do objeto litigioso, o seu ingresso ocorre na condição de legitimado ordinário, passando a figurar como parte principal.169 O adquirente ou o cessionário assumem todos os poderes, os ônus, os direitos e os deveres dessa condição. Por sua vez, indeferida a sucessão, o alienante passa a assistente simples do adquirente,170 e, perante a contraparte, atuará como substituto processual. Essa condição de substituto processual do alienante é duvidosa. Dentre outras razões, recorde-se: (a) na substituição processual, a legitimação extraordinária já existe, ex vi legis, enquanto na sucessão a legitimação extraordinária decorre da transmissão do objeto do litígio, pendente litis, por negócio jurídico; (b) na substituição processual, o substituto pleiteia direito alheio em nome próprio, enquanto na sucessão o alienante litiga em proveito do direito alheio como próprio. O artigo 109, § 2.º, estipulou que a intervenção do adquirente ou do cessionário, na hipótese de o órgão judiciário acolher a objeção da contraparte, exigida no parágrafo anterior, dar-se-á como assistente litisconsorcial. Era repelido o uso do termo “assistência” no direito anterior sob o seguinte fundamento: “Que o art. 42, § 2.º {do CPC de 1973}, refira-se à assistência é despiciendo, porque a interpretação meramente gramatical, com toda a sua pobreza, não pode importar modificação do conteúdo e cede ao que realmente se passa”.171 Esse entendimento importa duas consequências relevantes: (a) a sucessão no processo ocorre no momento em que o adquirente ou o cessionário postularem seu ingresso no processo; (b) o deferimento da sucessão interessa tão só ao transmitente do objeto litigioso, que se subtrairá à relação processual, e, não, propriamente, ao adquirente ou cessionário e à contraparte; (c) a objeção da contraparte, prevista no art. 109,

§ 1.º, impede a troca plena de partes, e a saída do alienante, mas não inibe o ingresse do adquirente ou cessionário no processo. Convém realçar a necessidade de o adquirente manifestar vontade no sentido de permanecer no processo. O indeferimento do seu ingresso, sucedendo à parte originária, não importa a sua automática conversão em “assistente”, pois essa é forma de intervenção voluntária (infra, 774). Não requerendo o adquirente, pois, a sua intervenção consoante o título do art. 109, § 2.º, permanecerá terceiro. O incidente anterior criou intervenção efêmera. Retomando o fio principal, há certa analogia entre o adquirente do direito litigioso, uma vez rejeitada a troca de posição com o alienante, e a situação do debenturista na ação movida pelo agente fiduciário (art. 68, § 3.º da Lei 6.404/1976). Não dispondo o debenturista de capacidade para conduzir o processo, porque a legitimidade extraordinária do agente fiduciário se mostra exclusiva, no entanto poderá coadjuvá-lo, ingressando no processo como assistente litisconsorcial. Existe uma diferença, porém: o adquirente ou o cessionário do objeto litigioso não se encontram interditados de postular em juízo o direito próprio senão pelo princípio daperpetuatio legitimationis (art. 108 c/c art. 109, caput, parte final). A rigor, rejeitada o câmbio de partes, o adquirente assumirá o processo pendente como parte principal; no entanto, explicitando que a intervenção darse-á como “assistente litisconsorcial”, houve-se melhor a disposição do art. 109, § 2.º. Convém sublinhar: a sucessão no processo, enquanto troca de partes, só ocorre efetivamente com o deferimento da postulação do adquirente ou do cessionário.172 A esse propósito, parece correto o raciocínio esposado em aresto do STJ, invocando o direito anterior: “Se a substituição é voluntária, como prescreve o art. 41 {do CPC de 1973}, nos casos previstos em lei, sendo um deles o do art. 42 {do CPC de 1973}, não é lógica que possa dar-se a substituição sem acordo entre o alienante ou cedente e o adquirente ou cessionário. Tenha-se presente que a regra do caput do art. 42 {do CPC de 1973} é a de que não se altera a legitimidade das partes em decorrência da alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos”.173 574. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o antecessor Operada a sucessão, com a saída do alienante e a entrada do adquirente no processo, o antecessor deixa de ser parte, e, portanto, subtrai-se aos efeitos do processo. É a hipótese mais simples. No entanto, podem acontecer duas outras situações: (a) a alienação do objeto litigioso permanece desconhecida do órgão judiciário e da contraparte; (b) a sucessão, apesar de pleiteada pelo adquirente, recebe objeções da contraparte e é indeferida pelo órgão judiciário, hipótese em que ocorre a inserção do adquirente no processo (retro, 573), na qualidade de assistente litisconsorcial. No primeiro caso, a atividade processual do alienante permanece íntegra e, ressalva feita à hipótese de o órgão judiciário tomar conhecimento,

indiretamente da alienação (v.g., por intermédio da divulgação pública do negócio), quando obstará os atos de disposição (v.g., a 174 transação), desconhecerá óbices. Mas, no segundo caso, a atividade processual do alienante há de sofrer algumas restrições próprias da substituição processual, aplicadas por analogia. No que tange à confissão do alienante já obtida em audiência pela contraparte, ela produzirá todos os efeitos pertinentes, pois o sucessor assume o processo no estado em que se encontra, haja vista o princípio da totalidade da relação processual. Por outro lado, após a inserção do sucessor, o alienante ainda depõe como parte, mas eventual confissão judicial ou extrajudicial revelar-se-á inócua. O alienante está impedido de depor como testemunha, porque é parte (ou, segundo outro entendimento, figurou como parte), a teor do art. 447, § 1.º, III. É bem mais do que simples interesse no litígio, fator de suspeição (art. 447, § 3.º, II). Todavia, sendo a única testemunha concebível dos fatos controvertidos, o juiz poderá tomar seu depoimento, atribuindo a esse depoimento o valor que possa merecer (depoimento in re suam).175 A singular posição do adquirente inserido no processo impede o alienante de praticar novos atos de disposição do objeto do processo. Fica impedido, assim, de reconhecer o pedido, transigir e renunciar ao direito sobre o qual se funda a demanda. 575. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o sucessor Inserido na relação processual, porque ocorreu o câmbio das partes, ou na condição de assistente litisconsorcial (art. 109, § 2.º), porque indeferida a sucessão, o sucessor assume o processo no estado em que se encontra e, a partir do momento da substituição ou do ingresso, exercerá os poderes que competem à respectiva condição. Ficam pré-excluídas as iniciativas já consumadas.176 Por exemplo, ocupando o sucessor a posição de réu, não se reabre o prazo para reconvenção ou contestação. A competência definida no momento da propositura não sofre modificações. Porém, se o sucessor for sujeito federal, o feito deslocar-se-á para a Justiça Federal, hipótese tão mais provável quanto o adquirente exibir a condição de empresa de banco (v.g., a Caixa Econômica Federal – CEF), pois a alienação do objeto litigioso é negócio bancário bastante corriqueiro. Embora o benefício da gratuidade obtido pelo antecessor não passe ao sucessor, porque individual, concebe-se que, preenchidos os requisitos legais, o sucessor pleiteie e obtenha esse benefício (art. 99, § 6.º). Os motivos de impedimento e de suspeição do órgão judiciário operam tanto perante o antecessor, quando o sucessor (infra, 966.3). Em relação à reconvenção e à declaração incidente (art. 1.051), iniciadas pelo antecessor, então parte, nelas o sucessor poderá prosseguir na hipótese de o respectivo objeto influir no direito adquirido no curso do processo. Os exemplos ministrados revelam-se exatos e persuasivos.177 Por exemplo: (a) o autor A pede a resolução do contrato cujo objeto é o bem x perante B, e o

réu B reconvém, pedindo a entrega da posse do bem x; (b) o autor A pede a entrega da coisa x, objeto de compra e venda, perante o réu B, e o réu B reconvém, pedindo o preço. No primeiro caso, a sentença atingirá o direito adquirido; ao invés, no segundo o direito do adquirente, que pagou pelo bem x, independente do cumprimento da obrigação do primitivo alienante. O raciocínio é idêntico na declaração incidente: (a) na ação reivindicatória movida por A contra B, o réu B afirma-se usufrutuário e pede a declaração incidente dessa questão, há influência sobre o objeto litigioso adquirido por C; (b) na ação de reparação de dano na coisa x, movida por A contra B, a declaração incidental do domínio de B é irrelevante para o adquirente C. Convém notar que, na última situação, se B transmitiu o dever de reparar para C, este prosseguirá com a declaração incidente, cujo êxito lhe interessa, afastando o dever de indenizar. O sucessor é parte e, como tal, pode confessar, mas encontra-se impedido de depor como testemunha (art. 447, § 2.º, II). O depoimento como testemunha anterior ao ingresso receberá o valor que merecer do órgão judiciário. A inserção do sucessor como parte o submete à eficácia de coisa julgada (art. 505) e legitima-o ao emprego da rescisória (art. 966, I, primeira parte). 576. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante a contraparte Os efeitos da alienação do objeto litigioso, ocorrendo o ingresso do sucessor no processo como parte, haja ou não câmbio de partes, exigem análise sob a perspectiva da posição ativa ou passiva ocupada pela contraparte. Figurando a contraparte como o autor, o processo prosseguirá normalmente. É possível que um dos motivos para a contraparte objetar contra a troca do antecessor pelo sucessor resida na condição patrimonial deste último, fitando futura condenação nos ônus da sucumbência. Em tal contingência, interessa prosseguir o processo com a parte originária. É mais complexo o tratamento do assunto ocupando a contraparte a posição de réu. Por óbvio, não pode ficar prejudicado, motivo por que a matéria de defesa já arguida perante o antecessor atinge o sucessor. Fatos posteriores à transmissão hão de ser alegáveis perante o sucessor, respeitando ao objeto litigioso e a regra de estabilização da demanda. Tratando-se de compensação, por exemplo, incide o art. 377 do CC: notificada previamente a cessão ao devedor, e nada opondo, perde a exceção de compensação perante o cedente; na falta de notificação, ou opondo-se à cessão o devedor, cabe a exceção. O crédito da contraparte contra o sucessor pode ser objeto de compensação, incidindo, para autorizar a alegação posterior à contestação, o art. 342, I. A reconvenção da contraparte, cujo objeto envolva o direito transmitido, pode ser proposta contra o sucessor ou contra o antecessor. Ao invés, embora conexa com a ação principal, a reconvenção insuscetível de influir no objeto litigioso transmitido, prosseguirá contra o antecessor. Em tal hipótese, o sucessor não obterá a troca plena, que ocorrerá apenas quanto à ação

principal. Ocorrendo a sucessão antes do momento propício para o ingresso da reconvenção, a contraparte poderá oferecê-la unicamente contra o sucessor, cabendo demandar autonomamente o antecessor. 577. Submissão do adquirente à força da sentença Segundo dispõe o art. 109, § 3.º, a sentença proferida entre as partes originárias produzirá efeitos perante o adquirente ou o cessionário. Por óbvio, a disposição visa a apanhar o adquirente e cessionário alheio ao processo. O seu ingresso no processo, deferida ou não a sucessão de partes, submete-os à força da sentença e à autoridade da coisa julgada, por força mesma dessa intervenção. E não importa, no caso de indeferimento da sucessão, a condição do adquirente: o assistente litisconsorcial também sujeitar-se-á ao vínculo. Diz-se que a eficácia da coisa julgada atinge o adquirente e o cessionário, independentemente da sua ausência do processo, por força do art. 109, § 3.º. A explicação reside no fato que, adquirido um direito incerto ou precário, tendente a ser superado na sentença, no momento em que transita em julgado o provimento, e o direito é confirmado ou negado, altera-se essa situação, e o adquirente ou o cessionário é o único titular da situação jurídica estampada no ato judicial.178 Essa solução, sem dúvida satisfatória no plano do direito material, pode ser questionada à luz do art. 5.º, LIV, da CF/1988. O adquirente só não é terceiro no plano direito material. Mas, ao abster-se de postular seu ingresso no processo pendente, permanece terceiro relativamente à relação processual. Ora, o direito fundamental assegura às pessoas que seus bens não sejam subtraídos sem a oportunidade de defendê-los em juízo. É por essa razão que a sentença penal condenatória jamais repercute sobre o direito à indenização civil da vítima do ilícito desfavoravelmente, entendendose o art. 66 do CPP como incompatível com a disposição constitucional.179 Só o transporte, in utilibus, da autoridade da coisa julgada é compatível com o direito fundamental. Portanto, aplicar-se-á o art. 503, segundo o raciocínio aqui exposto, e o adquirente poderá controverter a justiça da decisão em processo próprio. Ocorrerá submissão do adquirente ou do cessionário à eficácia natural do provimento. O art. 790, I, esclarece que os bens do sucessor, a título singular, sujeitam-se à execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória. Era a fórmula do art. 888, I, do CPC de 1939 e do art. 592, I, do CPC de 1973. A responsabilidade do adquirente da res litigiosa decorre do art. 109, § 3.º. Essa responsabilidade originar-se-á de qualquer demanda, inclusive nas hipóteses em que o objeto litigioso, e, conseguintemente, da transmissão, é direito obrigacional (v.g., cessão da promessa de compra e venda sem registro) ou real (v.g., na reivindicatória). A ação reipersecutória é “a que tem por fim a entrega ou a restituição de coisa certa, com fundamento outro que não seja o direito real”.180 Exemplo dessa espécie de pretensão é a adjudicação compulsória de promessa de compra e venda desprovida de registro no álbum imobiliário.

Lícito que seja alienar o objeto litigioso, às vezes tal alienação implica a subtração do bem à atividade executiva, e, conseguintemente, há fraude (art. 792, I), havendo registro da litispendência no registro público. Por exemplo, o réu pode transmitir, convencionalmente, a obrigação de entregar o bem ou pagar a dívida, conforme o comando da sentença, e neste caso aliena o objeto litigioso; porém, se alienar o próprio bem, objeto da reivindicatória, frauda a execução.181 Embora a submissão do sucessor seja relevante quando se intenta realizar, no mundo real, o comando da sentença, é bom frisar que todos os efeitos próprios da resolução judicial atingem o adquirente.

Capítulo 33. PLURALIDADE DE PARTES SUMÁRIO: § 124.º Formação da demanda conjunta – 578. Conceito de litisconsórcio – 579. Finalidades da demanda conjunta – 580. Classificação do litisconsórcio – 580.1. Litisconsórcio ativo, passivo e misto – 580.2. Litisconsórcio obrigatório e facultativo – 580.3. Litisconsórcio simples e especial (unitário) – 580.4. Litisconsórcio inicial e ulterior – 580.5. Litisconsórcio independente, sucessivo, eventual e alternativo – 581. Espécies de litisconsórcio facultativo – 581.1. Litisconsórcio independente – 581.2. Litisconsórcio sucessivo – 581.3. Litisconsórcio eventual ou alternativo – 582. Fontes do litisconsórcio facultativo – 582.1. Comunhão de direitos ou de obrigações – 582.2. Conexão através da causa e do pedido – 582.3. Afinidade de questões por um ponto de fato ou de direito – 583. Impedimentos à formação do litisconsórcio facultativo ativo – 583.1. Limitação decorrente do princípio do contraditório – 583.2. Limitação decorrente do princípio da igualdade das partes – 584. Requisitos suplementares do litisconsórcio facultativo – 585. Recurso cabível do ato de exclusão do litisconsorte – 586. Fontes do litisconsórcio necessário – § 125.º Relação processual em litisconsórcio – 587. Regime especial (unitário) do litisconsórcio necessário – 588. Condição jurídica do litisconsorte necessário preterido – 589. Integração do litisconsorte necessário ao processo – 590. Regime simples do litisconsórcio na relação processual – 591. Regime especial do litisconsórcio na relação processual – 592. Impulso individual do processo no litisconsórcio. § 124.º Formação da demanda conjunta 578. Conceito de litisconsórcio O conceito de litisconsórcio surge do contraste entre o esquema básico da relação processual, vinculando um autor e um réu ao juízo,1 e da possibilidade de duas ou mais pessoas ocuparem legitimamente os polos ativo e passivo do processo. A palavra “litisconsórcio” retrata esse fenômeno. É “um vocábulo erudito, formado pela junção de duas palavras latinas – litis, genitivo de lis, e de consortio, ablativo de consortium, para literalmente exprimir compartimentação na lide”.2 Do ponto de vista externo, o litisconsórcio constitui a assunção, no mesmo processo, da função de parte por mais de uma pessoa.3 Não importa o eventual emprego das modalidades de intervenção de terceiros para assumir essa posição. A multiplicidade de pessoas, in simultaneo processu, designa-

se litisconsórcio e cada qual se chama de litisconsortes. Essa pluralidade de partes provoca transformações na dinâmica do processo. Em princípio, a pluralidade de partes induz à ideia, de olhar fito no direito material, de que há pluralidade de ações.4 O objeto litigioso de determinado processo multiplicar-se-ia na proporção do número de partes. Todavia, a relação processual permanece única.5 A impressão desfaz-se mediante o exame mais atento dos motivos que conduzem várias pessoas a litigar conjuntamente. Existem laços que tornam a demanda conjunta somente conveniente e outros que a tornam rigorosamente indispensável. Nesse último caso, a despeito da pluralidade de partes, talvez haja objeto litigioso único. Esse dado fundamental revela a nítida diferença entre cúmulo subjetivo de ações – eventualmente mais restrito –, e o litisconsórcio. A simples pluralidade de partes não implica, necessariamente, cumulação de ações (retro, 242).6 Litisconsortes há que figuram na mesma relação jurídica substantiva, transformada em objeto litigioso, e outros figuram em relação distinta, deduzindo pretensão autônoma. A comunhão indissociável no objeto litigioso constitui fato acidental e contingente no litisconsórcio. Ocorrendo esse último fenômeno, ou seja, objeto litigioso único inexistirá cumulação de ações;7 porém, haverá litisconsórcio. Portanto, os institutos não se confundem senão extrinsecamente, promovendo modificações na disciplina da relação processual. A cumulação é intrínseca somente de uma das espécies de litisconsórcio – o voluntário.8 Tampouco haverá pluralidade de relações processuais em todas as espécies de litisconsórcio.9 O processo é único, haja ou não pluralidade de partes, originária ou supervenientemente, e dois ou mais objetos litigiosos. Não basta à configuração do litisconsórcio duas ou mais pessoas participarem, lado a lado, num dos polos da relação processual. É preciso a existência de um vínculo entre tais pessoas,10 em virtude de imposição legal ou de negócio jurídico, haurido na relação jurídica posta em causa, talvez tênue e remoto, como acontece na invocação de questões afins (art. 113, III), permitindo a demanda conjunta. A pluralidade de representantes da parte não forma um autêntico litisconsórcio.11 Não há litisconsórcio, ainda, entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica a qual ela pertence, no mandado de segurança.12 Em última análise, o litisconsórcio descansa na pluralidade de situações legitimadoras, ou seja, cada uma das partes há de ostentar capacidade para conduzir o processo em nome próprio.13 579. Finalidades da demanda conjunta A partir de vínculos verificados no direito material, avultam as finalidades da demanda conjunta, representadas por dois vetores implicados reciprocamente: a economia e a harmonia no julgamento.14 Às vezes, o liame entre as ações impõe seu tratamento conjunto, porque a lide envolve situações litigiosas idênticas, ensejando a harmonia dos julgados,

ou seja, a não contradição dos respectivos provimentos. Esta preocupação assumiu vestes novas e súbito relevo nas relações individuais homogêneas e, ainda, nas que envolvem perante direitos transindividuais (coletivos e difusos). Limitando o exemplo à primeira classe de lides, que são típicas da sociedade de massa, mostra-se incompreensível que dois servidores públicos, lotados na mesma repartição e postulantes de idêntica vantagem pecuniária, sejam tratados diferentemente, um deles recebendo a gratificação de serviço e o outro não, em virtude da álea natural nos desfechos das demandas individuais. Em algumas oportunidades, ao invés, o vínculo patenteia-se tão tênue e distante que não recomendaria a demanda conjunta. Nada obstante, a lei autoriza a formação do litisconsórcio, por um imperativo de economia de despesas das partes e de trabalhos do órgão judiciário, com o fito de aproveitar atos processuais e evitar as despesas da sua repetição em dois ou mais processos. Em geral, essas finalidades são postas, uniformemente, na raiz do litisconsórcio. Na realidade, porém, adquirem forças discrepantes consoante o tipo de litisconsórcio.15 E, realmente, no litisconsórcio gerado por causa única, no qual inexiste cumulação de ações, os princípios de economia e de harmonia carecem de importância. Por definição, inexiste a possibilidade da demanda individual, tratando-se de simples problema teórico, completamente inútil, cogitar de hipotético regime diverso. Ao invés, baseado o litisconsórcio na conveniência das partes, observam-se variações no equilíbrio dessas forças. Por essas razões, do vínculo de maior intensidade (comunhão: art. 113, I) ao de menor (afinidade: art. 113, III) os fatores dispõem-se em ordem inversa, a saber: no primeiro caso, a harmonia se revela fundamental; no segundo, a economia predomina, porque o risco de contradição dos julgados, porventura desmembradas as ações, afigura-se irrelevante e facilmente compreensível aos participantes de processos autônomos. Evidenciam essas considerações a dupla face do litisconsórcio. Do estrito ângulo do processo, o fenômeno caracteriza-se pela pluralidade de partes, quer de autores, quer de réus. O fato implicará mutações no processo, prevenindo a lei comportamentos diferentes dos litisconsortes, a exemplo do que acontecerá se apenas um deles, e não todos, desistirem do recurso interposto contra o provimento desfavorável (art. 998, caput). Mas, é no plano do direito material que se justifica o instituto, em razão dos nexos das ações vinculadas pelos litisconsortes no processo simultâneo, e, principalmente, da forma através da qual se combinam tais ações in simultaneo processu. 580. Classificação do litisconsórcio À semelhança de qualquer instituto jurídico, o litisconsórcio comporta classificação consoante variados critérios.16 O valor e a utilidade das classificações se mostram heterogêneos, dependendo da rigorosa precisão emprestada à palavra empregada para retratar a classe e do eventual consenso quanto às suas notas essenciais.

580.1. Litisconsórcio ativo, passivo e misto – Sob o prisma topológico,17 o litisconsórcio pode ser: (a) ativo, reunindo-se vários autores; (b) passivo, existindo vários réus; e (c) recíproco, também chamado de misto,18 se há simultânea pluralidade ativa e passiva.19 A falta de maior expressividade nessas palavras não prejudica a representação do fenômeno. Parece óbvio que se considera a presença de mais de um autor; de mais de um réu; e, ainda, da concomitante pluralidade de autores e réus. 580.2. Litisconsórcio obrigatório e facultativo – Por outro critério, aquilatando a eficácia da sentença (art. 114 c/c art. 115), relativamente a determinado objeto litigioso, o litisconsórcio afigura-se (a) necessário, quer dizer, obrigatório ou indispensável em dada relação processual; ou, ao revés, (b) facultativo,20 na hipótese de reunião de várias pessoas basear-se na opção das partes. Também se designa este último de litisconsórcio simples por influência alemã.21 A reunião de um número excessivamente grande de litisconsortes, em geral no polo ativo, oferece dificuldades e embaraços práticos para o juiz tratar a causa – e, naturalmente, para o réu se defender, impugnando especificamente os fatos por cada um deles alegados, conforme exige o art. 341, caput -, contrariando o princípio da economia. A este fenômeno chamouse de litisconsórcio multitudinário,22 e a influência do seu pensamento ensejou a restauração da possibilidade de o réu recusar o litisconsórcio, requerendo a limitação do número de adversários, ou o órgão judicial limitá-lo, ex officio (art. 113, §§ 1.º e 2.º). À primeira vista, o litisconsórcio obrigatório envolve um sério problema de legitimidade,23 ou seja, de capacidade para conduzir o processo, consoante a terminologia alemã.24 Em relação a determinados direitos, com efeito, a lei exige a participação de todos os seus titulares em juízo, ou postulando o bem da vida ou defendendo-o como demandados. É verdade que a condição jurídica do litisconsorte necessário preterido (= alheio ao processo), perante o qual, não sendo unitário o objeto litigioso, a resolução revela-se ineficaz (art. 115, II),25 não torna agudo o problema. Ocorre que, havendo objeto litigioso unitário (= necessária decisão uniforme para todos os litisconsortes), o art. 115, I, invalida a sentença (rectius: o processo). Existem vantagens práticas de examinar o problema por esse ângulo. Em tese, ao juiz revelar-se-á impossível decidir o objeto litigioso sem a participação de todos os seus figurantes. Independentemente desse aspecto, a lei impõe – há os que descansam o litisconsórcio necessário unicamente nessa particularidade –26 a demanda conjunta. Por sua vez, o litisconsórcio facultativo, seja qual for seu regime concreto – simples ou comum –, gera pluralidade de ações, e, por isso mesmo, ocupou-se a lei, minuciosamente, dos casos da sua admissibilidade (art. 113). 580.3. Litisconsórcio simples e especial (unitário) – Do ângulo das mutações sofridas pelo processo, em razão da multiplicidade de partes, seja obrigatória, seja facultativa a demanda conjunta, o tratamento dos litisconsortes oferece outra classificação importante. Às vezes, considerando

as relações dos litisconsortes entre si e perante a(s) parte(s) adversa(s), o regime é comum ou simples. Todos os litisconsortes são considerados litigantes distintos (art. 117). Em outros casos, porém, impondo-se ao juiz decidir de modo uniforme para os litisconsortes, pouco importando se autores ou réus – a redação do art. 47, caput, do CPC de 1973 era equívoca, exigindo uniformidade de decisão para as partes, o conduziria a esdrúxulo impasse –,27 a disciplina dessas relações acarreta um regime especial para os litisconsortes.28 Esse regime une os litisconsortes a uma sorte ou a um destino comuns, quanto ao desfecho do processo. Este último se chama de litisconsórcio unitário. Infelizmente, conforme diagnóstico preciso,29 o art. 47 do CPC de 1973 incorrera em “lamentável confusão”, confundindo o litisconsórcio necessário com o unitário.30 Como já se insinuou, há litisconsórcios facultativos que são unitários. Logo, as duas figuras se mostram diferentes, conforme se depreende de algumas hipóteses sugestivas.31 Por exemplo, mostra-se convincente a hipótese de dois sócios demandarem, conjuntamente, a invalidade da deliberação societária, na medida em que poderiam fazê-lo separadamente. Reunindo-se, todavia, no mesmo processo, somente se concebe que o juiz decida a causa uniformemente para tais autores. Esse defeito desapareceu no art. 116: “O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”. Resta esclarecer se, facultativo o litisconsórcio, também nesse caso a sentença de mérito será nula, conforme estabelece o art. 115, I. 580.4. Litisconsórcio inicial e ulterior – No tocante ao momento da sua constituição, o litisconsórcio revela-se: (a) inicial, exibindo-se logo no ajuizamento da inicial por vários autores ou perante vários réus; ou (b) ulterior, também chamado de sucessivo (designação imprópria, melhor aplicada a outra situação), porque formado no curso do processo. É o que acontece, por exemplo, na integração do litisconsorte necessário porventura preterido, a teor do art. 115, parágrafo único, e na inclusão do terceiro indicado como o verdadeiro réu pelo demandando originário (art. 339, § 2.º). 580.5. Litisconsórcio independente, sucessivo, eventual e alternativo – Por fim, prendendo-se à disciplina do direito material, as ações dos litisconsortes se combinam de várias maneiras.32 Evidentemente, tal possibilidade somente existe no litisconsórcio facultativo, porquanto, nos casos de litisconsórcio necessário, há objeto litigioso único. O regulamento dessas variantes escapa da necessariedade da demanda conjunta.33 E, de regra, há independência absoluta das ações dos litisconsortes. No entanto, às vezes se apura que as ações se ordenam uma após a outra, ou seja, sucessivamente, de modo que a procedência da primeira implica a da segunda, e vice-versa na improcedência. Concebe-se, por igual, que a apreciação da segunda ação, seja qual for seu próprio desfecho, dependerá de o órgão judiciário rejeitar a primeira ação. E, por vezes, o juiz tanto poderá acolher uma delas como a outra.

Em virtude dessas possibilidades, o litisconsórcio classifica-se, substancialmente, em quatro classes: (a) independente; (b) sucessivo; (c) eventual; e (d) alternativo. A importância dessa última perspectiva é sobressalente no cúmulo de ações, exigindo item específico para sua análise e compreensão. 581. Espécies de litisconsórcio facultativo No litisconsórcio facultativo, formado pela iniciativa do(s) autor(es), há cúmulo subjetivo de ações, que se combinam de várias maneiras. É claro que o exame dessas situações pressupõe litisconsórcio admissível na forma do art. 113. Algumas delas suscitam problemas dignos de registro 581.1. Litisconsórcio independente – A forma mais natural de combinação das ações, no cúmulo subjetivo, caracteriza-se pela sua independência. Por exemplo, dois fiadores se reúnem para demandar o afiançado comum, pretendendo reaver a respectiva cota, honrada no adimplemento da dívida garantida. O objetivo de cada um dos autores é autônomo, e, por isso, nada impede a improcedência de uma das ações. Chama-se a este litisconsórcio de simples. Por definição, o fenômeno somente ocorre no litisconsórcio voluntário – no necessário inexiste cúmulo subjetivo – e quando não há unitariedade. Perante a unitariedade desapareceria independência de ações. 581.2. Litisconsórcio sucessivo – Há litisconsórcio sucessivo quando a ação de um dos litisconsortes assume caráter prejudicial, relativamente à ação do outro. Por exemplo, lícito se afigura à mãe e ao filho, baseando-se no art. 113, II, demandarem ressarcimento das despesas do parto e alimentos do réu. A procedência da ação de alimentos pressupõe a responsabilidade do pai quanto a essas despesas, decorrente da paternidade, mas a demanda a põe em causa unicamente como questão prejudicial (art. 503, § 1.º). A sentença de mérito deliberará sobre o nexo de dependência. Para evitar confusão de termos, convém notar que caráter sucessivo do litisconsórcio prende-se ao nexo das ações, e, não ao momento da intervenção (in itinere) do litisconsorte. Eventualmente, também se designa de “sucessivo” ao litisconsórcio ulterior.34 581.3. Litisconsórcio eventual ou alternativo – A figura mais complexa de combinação das ações, no litisconsórcio voluntário, aparece nos cúmulos eventual e alternativo. A ambivalência dessas espécies não permite exame separado, nem sequer há convergência quanto à caracterização desse fenômeno na demanda conjunta.35 Litisconsórcio dessa natureza pode acontecer no polo ativo ou passivo. A expressão “litisconsórcio eventual”, tomada de empréstimo da cumulação de pedidos do art. 327, caput, induz a falsa impressão que tal ocorre no litisconsórcio passivo.36 A figura baseia-se, confessadamente, em dúvida dos litisconsortes quanto à respectiva legitimidade.37 Por exemplo, um ou mais autores propõem demanda, contra dois ou mais réus, expondo a própria dúvida acerca das suas legitimidades, e, por isso, pedem a procedência perante apenas um dos demandados, justamente o que, de acordo com as

conclusões do órgão judiciário, a posteriori, considera-se o verdadeiro legitimado. É o que acontece em acidentes de trânsito na via terrestre: o automóvel do autor, parado no semáforo, é atingido pelo veículo situado atrás, por sua vez impulsionado por um terceiro. O autor fica em dúvida quanto à condição de corpo neutro do automóvel que lhe atingiu, e, nesta contingência, propõe a demanda perante os dois proprietários, fiando-se que a prova esclarecerá se ambos, ou apenas o terceiro, agiram culposamente. E hipótese ainda mais trivial se localiza na legitimidade passiva em caso de alienação do veículo. Segundo a Súmula do STJ, n.º 132, os veículos se transferem pela tradição, motivo por que o antigo proprietário não responde pelo dano provocado a terceiro pelo veículo na posse do adquirente, independentemente do registro. Essa orientação infringe o art. 221,caput, parte final, do CC, c/c art. 129, n.º 7, da Lei 6.015/1973, porque o instrumento particular surtirá efeitos perante terceiros posteriormente ao registro. Na dúvida quanto à data da transferência, dado decisivo para imputar a responsabilidade ou a C ou a D, admite-se a demanda de A contra C e D, apurando-se a data exata do negócio por qualquer meio de prova (art. 221, parágrafo único, do CC), sem prejuízo da força probante do documento particular, incidindo, conforme a hipótese, o art. 409, parágrafo único, I a V. Por igual, medrando dúvida quanto à titularidade do direito alegado na inicial, concebe-se que dois ou mais autores demandem dois ou mais réus, pedindo a procedência apenas em benefício do autor reconhecido titular do direito conforme a deliberação judicial. O STJ reconheceu a admissibilidade dessa formulação.38 Em tais casos, há dúvida, a priori, no tocante à legitimidade, quer passiva, quer ativa, e o litisconsórcio se forma nessa pressuposição, encarregando-se o juiz de resolver o problema a posteriori. Por isso, a figura suscita resistências em outros sistemas jurídicos.39 Entre nós, vigoroso estudo demonstrou a existência de situações inelutáveis no plano substancial a exigir, em nome do modelo constitucional de processo, solução mais econômica do que demandas sucessivas. Assim, lícito se afigura A pedir perante B o reconhecimento da união estável e, in simultaneo processu, a filiação perante o instituto de previdência social C, dentre outras situações.40 E há, ainda, o caso especial da reconvenção contra terceiro (Drittwiderklage), por exceção admitida no direto alemão e,41 por igual, no direito brasileiro.42 O art. 343, § 3.º, expressis verbis, admitiu essa possibilidade. Por exemplo: o autor A demanda reparação dos danos supostamente provocados por B, pretendendo o réu Bindenização dos danos a ele provocados por A, em virtude do mesmo evento, e no qual se afigura decisiva a participação de C, igualmente responsável, deduzindo reconvenção contra A e C. No entanto, o cúmulo subjetivo sempre implica cúmulo 43 objetivo, autorizando o art. 327, caput, dois ou mais autores a pedir provimento, perante o(s) adversário(s) comum(ns), fundado naquela dúvida. Em tal hipótese, a improcedência da primeira ação implicará a possibilidade de julgar a segunda, e assim por diante, decidindo o juiz qual(is) o(s) autor(s) ou o(s) réu(s) legitimados. É notório que dois ou mais pedidos podem ser formulados deste último modo, na chamada “cumulação alternativa por

subsidiariedade”,44 que algum modo supera a tradicional e nítida distinção entre cúmulo eventual e alternativo.45 Logra-se a necessária clareza ao examinar, separadamente, os casos de dúvida quanto aos polos ativo e passivo. No último caso, o(s) autor(es) sempre revela preferência por um dos réus, e, assim, natural e imperceptivelmente escalona suas ações, estabelecendo uma ordem implícita ou explícita para o juiz examinar primeiro uma e depois a outra das demandas. Assim, forma-se litisconsórcio eventual. Se a dúvida reside no polo ativo, os diversos autores excluem-se reciprocamente, por definição, e, dessa maneira, estabelece-se a alternância que denuncia o litisconsórcio alternativo. O elemento comum é a dúvida. Tudo recomenda a admissibilidade dessas figuras nada ortodoxas de litisconsórcio. É acontecimento banal, com efeito, as questões acerca da legitimidade das partes reclamarem uma prolongada investigação e, às vezes, resolução segura somente se alcança mediante deliberação do juiz. E, de resto, propostas separadamente as ações, os processos acabariam reunidos por conexão (art. 55, § 1.º).46 Outra modalidade de litisconsórcio passivo eventual ocorre no chamamento em garantia (ou denunciação da lide) formulado pelo autor.47 Por exemplo, A ingressa com reintegração de posse contra B e, simultaneamente, chama em garantia C, que lhe transmitiu a posse, desse modo forrando-se ao risco de insucesso perante B, hipótese em que caberá a C indenizar-lhe o prejuízo. Em relação a pretensão regressiva, in eventum, de A contra C, a pretensão principal, de A contra B, tem caráter prejudicial: o autor A pede determinado bem da vida perante o réu B, mas, no caso de insucesso, pede bem da vida equivalente de C, que lhe indenizará. O acolhimento da pretensão principal prejudica, portanto, o julgamento da pretensão regressiva. Não há, absolutamente, dúvida alguma quanto à legitimidade de B e C, mas cumulação eventual de pretensões contra pessoas distintas. O regime do litisconsórcio eventual é simples pela própria natureza das alegações dos colitigantes. Se A e B têm dúvida quanto a quem seja credor de C, ou A tem dúvida se B ou se C lhe causaram o dano no acidente de trânsito, não há como o órgão judiciário julgar uniformemente a lide perante os litisconsortes. 582. Fontes do litisconsórcio voluntário O art. 113 contempla as fontes do litisconsórcio voluntário. Em outras palavras, a liberdade de demandar conjuntamente há que se enquadrar nessas hipóteses taxativas.48 Embora o legislador utilize, nos seus incisos, “fórmulas concisas e esmeradas, ainda que inexpressivas e insuficientes”, como já ocorria no CPC de 1973 e no CPC de 1939,49 há necessidade de importantes considerações. 582.1. Comunhão de direitos ou de obrigações – O art. 133, I, autoriza a demanda conjunta quando duas ou mais pessoas mantêm comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide. É útil compará-lo ao art. 88, primeira parte, do CPC de 1939, fonte do art. 46, I, do CPC de 1973.

Em primeiro lugar, o texto do inciso no CPC de 1973 evoluiu, porque o art. 88, primeira parte, do CPC de 1939 traduzira, erroneamente, sua notória fonte alemã, transpondo “comunhão de interesses” em lugar de “comunhão de direito”.50 Ademais, introduziu a cláusula final “relativamente à lide”, omitido no art. 88 do CPC de 1939, mas presente no original germânico, trocando o original “objeto litigioso” (mérito), significativamente, por “lide”.51 Finalmente, abandonou o caráter necessário deste litisconsórcio – o art. 88, segunda parte, do CPC de 1939 rezava que, nesta hipótese, “não poderão as partes dispensá-lo” –, circunstância que conduzia a doutrina anterior a deslocar, impropriamente, os casos de solidariedade para o terreno mais ameno e propício da conexão (art. 113, II), escapando dessa inaceitável obrigatoriedade.52 Essa frisante característica induziu a designar de “qualificado” tal litisconsórcio.53 Tudo somado, o art. 113, I, manteve fidelidade ao seu modelo, aprimorando a verba legislativa e ampliando a comunhão de direitos para abranger a de obrigações. Exemplos dessa espécie de litisconsórcio: (a) a demanda de vários credores, a teor do art. art. 267 do CC e/ou contra os devedores solidários (art. 275, primeira parte, do CC); (b) a demanda do alienante para receber dos adquirentes o preço;54 (c) a demanda dos fiadores para receber do afiançado o que pagaram ao credor comum. Todos são casos de litisconsórcio facultativo. Para a comunhão resultar na obrigatoriedade da demanda comum, impõe-se que concorram, ainda, as condições do art. 114, ou seja: (a) a imposição de texto de lei; ou (b) a necessidade de tratamento uniforme dos litisconsortes (regime especial).55 582.2. Conexão através da causa e do pedido – Admitir-se-á o litisconsórcio, reza o inciso II do art. 113, existindo conexão pelo objeto ou pela causa de pedir. O art. 46, II, do CPC de 1973 consagrava hipótese intermediária, admitindo a demanda de duas ou mais pessoas descansando seus direitos ou obrigações de idêntico fundamento de fato ou de direito. Nesse particular, abeberava-se o legislador no direito alemão, como revelava a noção de fundamento, aparentemente remetendo a um dos elementos da causa de pedir (retro, 247). Ora, a conexão de causas como elemento de admissibilidade do litisconsórcio era objetivo de outro inciso Em princípio, a interpretação desse inciso do art. 46 do CPC de 1973 reclamava a compreensão dos conceitos de fundamento, de direito e de fato, e da respectiva exclusão do âmbito da conexão. Outro caminho identificava simples superposição,56 haja vista a diversidade de textos utilizados pelo legislador ao edificar o art. 46 do CPC de 1973: enquanto o inciso II é de origem germânica, o inciso III gerou-se a partir de disposição do direito italiano, da mesma maneira que o inciso IV contempla a parte final do texto italiano. No entanto, a identidade de fundamentos e a conexão (art. 113, II) não se confundem com a afinidade (art. 113, III), limitando-se a ponto comum de fato ou de direito.57 Logo, a hipótese constituía categoria intermediária, menos

exigente do que a identidade total de causas de pedir e mais exigente do que a simples afinidade. Sob tal perspectiva, os liames que permitem a demanda conjunta, além da comunhão, dividiam-se em quatro classes: (a) identidade total de causa (ou conexão), atualmente prevista no art. 113, II; (b) identidade parcial em razão do mesmo fundamento de fato; (c) identidade parcial ante o mesmo fundamento de direito; e (d) afinidade através de ponto comum, tanto de fato quanto de direito (hoje contemplada no art. 113, III). Outro dado marcava a distinção das hipóteses: a identidade total de pedido abrigava-se somente no inciso da conexão.58 Ora, a proximidade dessas hipóteses produzia confusões no respectivo enquadramento. Pode se apontar como inserta na identidade fundamento as ações da mãe e do filho para obter o ressarcimento das despesas do parto e haver alimentos.59 As causas de pedir dessas ações têm idêntico fundamento de fato, mas fundamentos jurídicos diferentes. Não há conexão no grau máximo, ou seja, identidade total de causas. E, realmente, as locuções “fundamento de fato” e “fundamento de direito” aludem, respectivamente, aos fatos constitutivos – fato jurídico que incidiu em determina regra –, ou causa remota, e aos seus fundamentos – consequência retirada do fato que induz o pedido –, ou causa próxima, elementos que compõem a causa de pedir.60 Este elemento objetivo da demanda resulta do amálgama do fato e do seu fundamento jurídico.61 É irrelevante, obviamente, o fundamento legal, haja vista o princípio iura novit curia.62 Pois bem: o NCPC estimou desnecessária essa explicitação, pois conexão, objeto de estudos do maior valor,63 recebeu compreensão elástica e idônea para abranger quaisquer laços envolvendo os elementos objetivos das demandas. Segundo o art. 55, caput, “reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”. Correndo separadamente ações conexas, o art. 55, § 1.º, determina a reunião para decisão conjunta, salvo julgamento de uma delas, a fim de evitar decisões conflitantes ou contraditórias. Laços de outra natureza, embora inexista conexão, também impõem a reunião para julgamento conjunto (art. 55, § 3.º). À semelhança do que ocorria no art. 46, III, do CPC de 1973, a cláusula final do art. 113 é desnecessária perante o art. 55, caput. Essa parte final do dispositivo admite duas cogitações: ou (a) a parte final do inciso III é supérflua; ou (b) insinua conceito mais amplo de conexão alhures.64 Problema análogo verificava-se no art. 88 do CPC de 1939, que dependia do disposto no art. 134, § 2.º, no mesmo diploma, relativo à competência, e a opinião, sustentando a admissibilidade do litisconsórcio,65 se as ações tivessem em comum a causa ou o pedido, recebeu censura,66 segundo a qual acréscimo desse teor se mostraria inútil. Ora, no alvitre da doutrina italiana, que incutiu a noção do art. 55, caput, há conexão quando duas ou mais ações têm em comum um dos seus elementos objetivos, a causa ou o pedido.67 Lição clássica assevera que vários autores e réus podem litigar conjuntamente se entre as ações promovidas por aqueles ou contra estes existir uma “conexão jurídica”.68 Entretanto, a aplicação estrita desse conceito se revela inviável, pois há outras situações em que ele se aplica, em razão de ingentes necessidades práticas, sem fiel correspondência ou fidelidade àquela

disposição.69 Por isso, como acontecia no direito anterior, o art. 55, caput, consagra apenas uma das espécies de conexão.70 Desse modo, harmonizando-se intencionalmente com o art. 55, caput, o art. 113, II, autoriza a demanda conjunta quando houver identidade total ou da causa ou do pedido.71 Outros laços mais tênues entre as ações também autorizam a demanda conjunta, como revela o art. 55, § 3.º, apesar de rejeitar-se, aí, a conexão, em especial o proveito comum da atividade de instrução. É exemplo de litisconsórcio baseado no inciso II do art. 113, dentre outros, o da demanda de vários credores para desfazer o negócio jurídico fraudulento realizado pelo devedor comum. 582.3. Afinidade de questões por um ponto de fato ou de direito – A esta altura, o alcance do art. 113, III, que autoriza a demanda conjunta se as ações tiverem afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito, encontra-se quase definido. Em que pese semelhante a disposições do direito italiano e alemão, a regra brasileira não lhes corresponde integralmente. O legislador reproduziu fonte doutrinária, “a afinidade, que, na falta de conexão, pode autorizar o litisconsórcio, consiste em que as diversas relações, ainda que diversas e independentes, tenham em comum um ponto de fato ou de direito a decidir”.72 Na vigência do art. 88 do CPC de 1939, o réu poderia recusar semelhante litisconsórcio; em razão deste fato, designava-se de “impróprio”.73 Entretanto, há que esclarecer, ainda, o que se entende por “questão” (retro, 336). Trata-se de ponto de fato ou de direito controvertido pelas partes, e, assim, duvidoso no espírito do juiz.74 É o sentido do texto legal.75 Bastará a simples afinidade, vínculo de menor grau entre as ações, como revelam os seguintes exemplos: (a) a demanda do dono da fazenda invadida e danificada por animais de donos diferentes; a demanda do condomínio para receber as quotas devidas por dois ou mais condôminos; (b) a demanda de vários servidos públicos para receberem gratificação de risco à saúde; (c) a demanda de dois ou mais poupadores para receber da empresa de banco diferenças de remuneração; (d) a ação movida pelo devedor para anular o negócio de mútuo e a garantia hipotecária, em razão de nulidade da arrematação.76 583. Impedimentos à formação do litisconsórcio facultativo ativo Tratando-se de demanda conjunta fundada na conveniência dos autores, há princípios que, em algumas circunstâncias, impedem sua formação. A partir da versão originária do CPC de 1973, considerando a omissão de qualquer disposição em contrário, chegou-se a afirmar que todo litisconsórcio se ostentaria irrecusável. Ora, a necessidade de limitar-se o litisconsórcio ativo se evidencia no chamado litisconsórcio “multitudinário”, formado por um número considerável de autores, relacionados por um vínculo tênue, a exemplo do que se encontra previsto no inciso III do art. 113, e, não, em termos gerais e indeterminados. Em tal contingência, o número excessivo de autores dificulta a defesa do réu e o tratamento da causa pelo juiz.

Também se concebe que, no litisconsórcio ulterior, o ingresso tardio da parte no processo pendente revele intenções oportunistas, para desfrutar de situação vantajosa já conquistada pela parte originária. Por esse motivo, a simples concordância das partes não se revela suficiente para admitir o ingresso tardio.77 583.1. Limitação decorrente do princípio do contraditório – O litisconsórcio ativo pode ser ulterior, ou seja, formado após a propositura da demanda. A seu favor, militam as razões gerais da admissibilidade da demanda conjunta, não convindo à boa e eficiente administração da Justiça a multiplicação de demandas. Não parece razoável, assim, pré-excluir o ingresso tardio, porque o legislador nada dispôs acerca do assunto.78 Acontece de o ingresso voluntário de autor(es) visar o desfrute de certa situação de vantagem, a exemplo da extensão dos efeitos de limitar cautelar ou antecipatória favorável aos autores originários. Por essa razão, sustenta-se que o ingresso tardio importa a escolha do juízo, infringindo o direito fundamental ao juiz natural, motivo por que há que se vedar, nessas situações, o litisconsórcio ativo a partir do ajuizamento da ação.79 Um julgado do STJ adotou essa tese,80 impedindo a formação do litisconsórcio ulterior após o ajuizamento da demanda, vez que propiciaria a escolha do juiz. É o disposto no art. 10, § 2.º, da Lei 12.016/2009. Em princípio, o momento hábil para a intervenção termina mais adiante, verificando-se quando a demanda estabiliza-se de forma definitiva, objetiva e subjetivamente. Essa oportunidade ocorre com o saneamento do processo (art. 329, II). E a intervenção litisconsorcial precisa ocorrer “em tempo tal que, sem retrocessos no procedimento, possa o réu ser citado da nova demanda e ter oportunidade para responder a ela sem sofrer prejuízo”.81 Parece evidente que, admitido o raciocínio, a emissão de pronunciamento desfavorável ao réu gera uma situação irreversível, não se concebendo a extensão de seus efeitos aos autores adventícios. E isso, porque o réu não poderia reagir, tempestivamente, contra essa(s) nova(s) pretensão(ões). O veto repousa antes na violação do contraditório e da ampla defesa do que na ofensa ao juiz natural. Existindo, porém, simples prognóstico de julgamento favorável ao interveniente, a partir de provimentos similares do juiz em casos análogos, não se pode impedir a formação tardia do litisconsórcio. Faltariam motivos concretos para semelhante proibição – as razões comumente invocadas, no caso, não justificariam veto tão radical e definitivo. É neste sentido, portanto, que se há de interpretar o art. 10, § 2.º, da Lei 12.016/2009, que proíbe o ingresse do litisconsorte ativo após o despacho da petição inicial. Entende-se por tal o deferimento da liminar. 583.2. Limitação decorrente do princípio da igualdade das partes – Consoante o art. 88 do CPC de 1939, o litisconsórcio baseado na afinidade de questões – agora previsto no art. 113, III – mostrar-se-ia admissível na hipótese de as partes se colocarem “de acordo” com a demanda conjunta.

Essa cláusula sugeria que o litisconsórcio em questão, vinculado à concordância expressa ou tácita do(s) adversário(s) dos litisconsortes, assumiria caráter convencional.82 Inspirava-se a regra em excerto de doutrinário,83 segundo o qual a simples afinidade não bastaria à formação da demanda conjunta, exigindo-se, ainda, uma “razão mais principal” para compensar as restrições à liberdade das partes, de algum modo sempre restringida pelo litisconsórcio. Por óbvio, em casos tais, aparecia o problema dos termos da eventual recusa. Segundo uma opinião,84 ao réu assistia o ilimitado direito, baseado em juízo de conveniência, de recusá-lo. O texto originário do CPC de 1973 proscreveu a regra, acolhendo ponderações no sentido de que semelhante faculdade revela-se pouco condizente com os poderes de controle do órgão judiciário sobre a relação processual.85 Em suma, a diretriz legislativa deferiu “com exclusividade ao autor o direito de eleger ou não o litisconsórcio, sendo absolutamente irrelevante a vontade, positiva ou negativa dos réus tangentemente à formação, ou não, do mesmo”.86 A despeito desse correto diagnóstico, o fato é que o litisconsórcio multitudinário inviabiliza, às vezes, a defesa do réu. Por exemplo, no caso de figurarem como autores mais de cem pessoas.87 O réu não poderia conferir as alegações de fato dos autores, no prazo da resposta único e peremptório de resposta, com os seus registros e arquivos, quiçá de difícil localização ou exame. Ficaria irremediavelmente prejudicado, na prática, o direito fundamental processual à defesa ampla. E, por decorrência ofender-se-ia o princípio da igualdade das partes (art. 139, I), razão bastante para desfazer o litisconsórcio ativo. Os advogados dos autores desfrutaram de tempo indeterminado para preparar a causa e elaborar a inicial, expondo, precisamente, os fatos; os advogados do réu disporão de prazo idêntico para conferir, uma a uma, a situação de cada autor o flagrante e grave desequilíbrio na relação processual deslocou o controle dessa espécie de litisconsórcio para a órbita dos poderes do órgão judiciário. Para tornar expressa a possibilidade de controle, já admitida na doutrina,88 no caso versado – estende-se a limitação a quaisquer tipos de litisconsórcio facultativo –,89 a Lei 8.952/1994 reintroduziu o poder de o juiz limitar o número de litisconsortes ativos. Essa disposição originou o art. 113, § 1.º, que reza: “O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença”. Em relação ao CPC de 1973, alargou-se a incidência para a liquidação e execução, de olhar fito nos problemas suscitados na execução individual das sentenças coletivas. Evidentemente, o problema relativo ao obstáculo à defesa poderá ser suscitado pelo réu antes da contestação, apresentando motivação hábil, sob pena de preclusão.90 Nessa hipótese, interromper-se-á o prazo para resposta, que recomeçará por inteiro a partir da intimação da decisão tomada pelo juiz, qualquer que seja seu teor (art. 113, § 2.º). Não é caso, portanto, de suspensão do prazo, que implicaria a restituição apenas do interregno faltante, contado do momento do pedido de limitação.

Por sua vez, a cláusula “rápida solução do litígio” aplica-se, indiferentemente, ao litisconsórcio ativo e passivo, e, ademais, não se atrela à defesa do réu e à sua amplitude. Também o número excessivo de réus retardará, em alguns casos, o desfecho da demanda. O controle do litisconsórcio multitudinário nem sempre dependerá da iniciativa do réu; ao contrário, perante pretensão processual deduzida por um só autor afigura-se completamente indiferente que dez ou cem réus se defendam: não haverá dificuldade de cada qual, representados ou não pelo mesmo advogado, repelirem a pretensão de autor único. Entretanto, o art. 113, § 1.º, não se concentra unicamente no direito fundamental à defesa, mirando, em igualdade de condições, o direito fundamental à rápida solução do litígio, objetivo denotado pelo alargamento da incidência à liquidação e ao cumprimento da sentença. Ora, o número excessivo de réus importa supérflua e dispendiosa repetição de atos similares – dez contestações, dez recursos, e assim por diante. Também aqui, pois, sob a égide da duração razoável do processo (art. 4.º), incumbe ao juiz, ex officio, o(s) réu(s) em número cômodo à lesta obtenção dos fins próprios do processo. Não se afigura admissível a limitação nas hipóteses de litisconsórcio necessário. O motivo é simples. Em tal hipótese, a eficácia (ou a validade) da sentença subordina-se à participação de todos os legitimados no processo.91 A exclusão dos litisconsortes não se relaciona com o seu número excessivo. É a complexidade das questões de fato provocadas por esse número que enseja a limitação. Por esse motivo, se “a questão for apenas de direito, ou, sendo de fato, a respectiva prova for a mesma para todos os litisconsortes, não haverá razão para a limitação do seu número”.92 Por exemplo, a pretensão de um grande número de autores de anular multas de trânsito, porque infringindo o direito à defesa prévia, nenhuma dificuldade suscita para a resposta do réu, porque se cuida de questão exclusivamente de direito. Seja como for, o art. 113, § 1.º, confere ao juiz um poder cuja extensão é indeterminada. Não há diretriz segura quanto ao critério da exclusão ou o número adequado para os litisconsortes remanescentes. No caso de iniciativa do réu, invocando motivo concreto, a decisão do órgão judiciário limitará os litisconsortes aos admitidos no pedido de limitação. É o réu quem dispõe dos subsídios necessários para aquilatar contra quantos autores pode contestar sem maiores prejuízos (v.g., localizando os documentos relativos a cada qual). Fora dessa hipótese, recomenda-se largo emprego do bom senso, limitando o juiz ao mínimo a exclusão. O reconhecimento da inadmissibilidade do litisconsórcio multitudinário, implicando a exclusão de litisconsortes, nenhuma relação entretém com a reunião das ações por conexão.93 O art. 55, caput, contempla apenas uma das hipóteses de conexão,94 admitindo-se nexos mais tênues, a exemplo daqueles previstos do previsto no art. 113, III. Em qualquer dessas hipóteses, há possibilidade de reunir as ações, no juízo que despacho em primeiro lugar, para julgamento conjunto. Assim, propostas ações visando, v.g., à anulação de multas de trânsito, separadamente, cabe reuni-las, ex officio ou a requerimento de uma das partes, no juízo territorialmente competente (art. 55, § 1.º).

584. Requisitos suplementares do litisconsórcio facultativo O preenchimento de alguma das hipóteses do art. 113 não basta à inserção válida e eficaz das ações dos litisconsortes in simultaneo processu. É indispensável, preliminarmente, a observância de todos os pressupostos processuais subjetivos.95 Também nesse passo o problema respeita apenas ao litisconsórcio facultativo. Obrigatória que seja a demanda conjunta, a demanda forma um objeto litigioso único, motivo por que interessará apenas o conjunto dos pressupostos processuais relativos a esta uma só demanda. Ao revés, no litisconsórcio facultativo há cumulação subjetiva, que por sua vez implica cumulação objetiva – parece evidente que as ações de A e de B contra C, ou as de A contra B e C, mostram-se diferentes entre si –, provocando a necessidade da aplicação subsidiária do regime geral desta última.96 O último requisito decorre do art. 327, § 1.º, reclamando o atendimento simultâneo dos seguintes pressupostos: (a) compatibilidade dos pedidos; (b) competência comum; (c) compatibilidade dos pedidos; e (c) preservação dos princípios processuais da igualdade e do contraditório. Passa-se à análise dos requisitos ainda não examinados a contento. Em relação à compatibilidade, as combinações já examinadas ensejam aos litisconsortes harmonizarem suas ações. Por exemplo, o litisconsórcio eventual revela que, a despeito do problema de legitimidade, nada impede a formação do litisconsórcio. Tudo dependerá da formulação dos pedidos pelo(s) autor(es). Se, ao invés de pedir(em) a condenação de B e, caso seja parte ilegítima, a de C, pleitear(em) a simultânea condenação de B e de C, apesar de um ou de outro, confessadamente, não ostentarem a legitimidade, então torna-se inadmissível o litisconsórcio. No tocante à identidade de procedimentos, admite-se a veiculação das ações, em princípio subordinadas a ritos diferentes, através do procedimento ordinário (art. 327, § 2.º).97 Por exemplo, se A pleiteia a condenação de B e de C, em virtude de ilícitos diferentes, e, ainda, pretende prestar contas perante B, permite-se o emprego para ambas do procedimento ordinário, sem prejuízo das “técnicas processuais diferenciadas” dessa última pretensão, conforme ressalva o art. 327, § 2.º. Porém, urge advertir que a especificidade de determinada ação, subordinada ao procedimento especial, impede sua redução ao rito ordinário. Não se mostra lícitoA pretender consignar a prestação devida a B e, in simultaneo processu, pedir contas do réu B. Por vezes, a incompatibilidade desaparece na cumulação sucessiva; por exemplo, tolera-se a pretensão de A para consignar o preço da promessa de compra e venda devido a B e, sucessivamente, pedir a adjudicação compulsória do imóvel. Finalmente, a demanda conjunta se afigura admissível quando para processar e julgar as várias ações for “competente para conhecer deles o mesmo juízo” (art. 327, § 1.º, II). O problema de competência, no litisconsórcio facultativo, reclama atento exame à luz de cada permissivo do art. 113. No caso de comunhão (inciso I), nenhum obstáculo se erige à demanda conjunta, seja ativo, seja passivo o litisconsórcio. Essa diretriz se aplica, principalmente, à competência de “jurisdição”. Por exemplo, nada impede que A reclame

indenização da União, na Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988), e, no mesmo processo, do servidor B que praticou o ilícito. Já na hipótese de conexão (inciso II do art. 113), admite-se a prorrogação, salvo se há foro de eleição, quanto a um dos litisconsortes. Se a competência de uma das ações é absoluta, como sucede nas situações do art. 47, caput,98 fica excluído o litisconsórcio. Se dois ou mais imóveis foram invadidos pelo mesmo réu, mas situados em lugares diferentes, não cabe o litisconsórcio ativo dos proprietários. A competência do lugar da situação do imóvel é absoluta na possessória (art. 47, § 1.º). A competência em razão da matéria, incluindo a especialização de juízos (v.g., a ação de retificação do registro imobiliário, que correrá na vara especializada, e a ação de responsabilidade civil, baseada no mesmo fato, mas cujo processamento compete à vara comum, não podem ser cumuladas); a competência dos foros regionais ou distritais; e a competência funcional também constituem impedimento à formação do litisconsórcio. E, nas hipóteses dos liames mais tênues do art. 113 (incisos II e III), é indispensável que para todas seja competente idêntico juízo. Assim, não cabe cumular duas ações de despejo, relativamente a imóveis diferentes, e alugados por inquilinos diversos, quando um dos imóveis se situa na circunscrição de foro regional.99 Nos casos de litisconsórcio facultativo, em que há pluralidade de ações, a sentença se mostrará formalmente única, mas substancialmente múltipla. Assim, pretendendo o vencido rescindir o julgado quanto a um dos litisconsortes, os demais não precisam integrar, passivamente, o processo.100 585. Recurso cabível do ato de exclusão do litisconsorte A eventual exclusão de litisconsorte(s), inclusive na hipótese do art. 113, § 1.º, representa decisão interlocutória, porque resolve questão incidente. O processo prosseguirá com as partes remanescentes. O processo é único, embora subjetivamente complexo. O art. 1.015, VIII, admite a interposição de agravo de instrumento contra a rejeição do pedido limitação do litisconsórcio. Logo, a admissão do pedido é irrecorrível, cabendo aos excluídos ingressarem com demanda autônoma. O regime recursal do NCPC elimina qualquer dúvida objetiva. Era duvidosa a hipótese no direito anterior. Em certa oportunidade, o STJ recusou a aplicação do princípio do tratamento mais favorável ao recorrente, declarando inadmissível o recurso impróprio interposto (apelação), em lugar do próprio (agravo), porque “inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento” deste último.101 Todavia, o STF reputou erro grosseiro a parte interpor, na hipótese versada, o recurso de agravo.102 Era preciso cautela ao fechar as portas ao recorrente em situações dessa natureza, pois a simples invocação desse último precedente, oriundo do STF, provocaria a inelutável necessidade de conhecer do recurso impróprio. Poder-se-ia cogitar, à semelhança do que sucede no direito alemão103 e no italiano,104 do desmembramento das ações, passando a correr em separado a(s) ação(ões) indevidamente cumulada(s) pelo litisconsorte (s) excluído. O

art. 116, primeira parte, do CPC de 1939, embora não se voltasse exclusivamente para o litisconsórcio, contemplava tal providência. A solução dificilmente aplica-se à maioria das hipóteses que conduzem à exclusão do(s) litisconsorte(s). Por exemplo, o defeito respeitante aos pressupostos processuais subjetivos, e não suprido a tempo, enseja a aplicação do art. 76. A combinação das ações, no litisconsórcio facultativo, às vezes não permite ao órgão judiciário “escolher” a ação remanescente sem infringir o princípio da iniciativa da parte (art. 2.º). Eis o motivo por que a solução correta consistirá em excluir o(s) litisconsorte(s) ou, desrespeitados os pressupostos do art. 327, § 1.º, irremediavelmente, em extinguir o processo no todo ou em parte. 586. Fontes do litisconsórcio necessário O litisconsórcio necessário ocorre quando a demanda conjunta é imposta às partes. De acordo com o art. 114, o litisconsórcio necessário decorrerá: (a) da imposição da lei; (b) a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. Ao indicar as fontes da obrigatoriedade, o art. 114 sobreleva-se a outros ordenamentos, neste particular acompanhando o art. 47 do CPC de 1973, porque omissos a esse respeito.105 O art. 47, caput, do CPC de 1973, correspondia, no essencial, ao art. 56 do Anteprojeto de 1964.106 Entretanto, exibia grave defeito,107 sugerindo que, em ambos os casos, o juiz decidirá a lide “de modo uniforme para todas as partes” – rectius: para os litisconsortes, pois não é possível um “empate” no julgamento.108 Na verdade, apenas no último caso, ou seja, na obrigatoriedade decorrente da natureza do objeto litigioso, ocorrerá tal uniformidade, gerando o chamado “regime especial”, ou litisconsórcio unitário, também apontado como “natural”.109 Por exemplo, o art. 246, § 3.º, do NCPC impõe a citação, na ação de usucapião, de todos os confinantes do imóvel. Trata-se de litisconsórcio obrigatório imposto pela lei,110 mas simples: concebe-se que o juiz acolha a contestação de um dos confinantes e rejeite a do outro.111A eficácia da sentença fica condicionada à presença de todos os litisconsortes, mas não há uniformidade no julgamento.112 Por outro lado, nem todo litisconsórcio unitário se mostrará necessário. Eis ponto digno de registro, a ser bem compreendido à luz do art. 113, 115 e 116. A despeito da natureza inconsútil da relação jurídica,113 para evitar que alguém seja constrangido a demandar, a lei adota regras de conveniência, permitindo, por exemplo, a qualquer credor solidário reclamar a dívida por inteiro do obrigado (art. 267 do CC).114 Embora facultativo o litisconsórcio, pleiteando todos os credores a prestação do devedor, o provimento do juiz julgará a demanda procedente ou improcedente em relação a todos. Às vezes, designa-se a este litisconsórcio de “quase necessário”,115 ou impropriamente necessário.116 De qualquer modo, a imposição da demanda conjunta, principalmente no polo ativo, através do expediente de chamar a juízo a “comparte renitente” para ocupar a sua posição natural,117 infringiria o direito fundamental de ir a juízo consoante a conveniência da parte. Essa liberdade não abrange o réu, obviamente, que sofre os efeitos da demanda contra a sua vontade. No direito italiano, a obrigatoriedade do litisconsórcio, na hipótese de solidariedade da obrigação, recebe variadas contestações,118 sem maior proveito para direito pátrio.

Em realidade, há dois critérios de classificação diferentes: a obrigatoriedade, ou não, da demanda conjunta (litisconsórcios necessário e facultativo); e o resultado uniforme ou não da demanda conjunta (litisconsórcios unitário e simples).119 Por esse motivo, a “regra é a existência de litisconsórcio necessário-unitário e defacultativo-simples. Os litisconsórcios necessário-simples e facultativo-unitário são exceções que confirmam a regra”.120 No tocante ao litisconsórcio decorrente de imposição legal, o legislador inspira-se na provável influência reflexa do provimento judicial na esfera jurídica alheia. Impõe-se a demanda conjunta, e, conseguinte, altera a disciplina usual da relação substantiva. Essa interferência provoca dúvidas e perplexidades, entre nós, e de modo assaz paradoxal: na medida em que o legislador resolve o problema, impondo o litisconsórcio, pareceria natural o desaparecimento de quaisquer controvérsias.121 Um caso ilustre demonstra a improcedência dessas dúvidas. Segundo certa opinião, a inequívoca imposição do art. 68 do Dec.-lei 73/66, representaria falso caso de litisconsórcio facultativo.122 Essa regra chegou a ser revogada pelo art. 12 da Lei 9.932/1999, mas teve a sua vigência repristinada pelo STF,123 voltando a ser revogada posteriormente. Ela exigia a integração do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) – hoje, Brasil Resseguros S. A. – no polo passivo da ação movida pelo segurado contra a seguradora. Nesse caso, há um contrato derivado, entre a seguradora e o IRB (resseguro), e na falta de relação jurídica direta com o segurado, nenhum pedido formula o segurado contra o IRB, nem o IRB pede algo para si próprio. Logo, cuidar-se-ia de simples hipótese de assistência. Do mesmo modo, não há litisconsórcio entre o segurador e o segurado, na ação movida por este contra o autor do ilícito, porque diferentes as relações jurídicas.124 Ora, não se pode ignorar os termos peremptórios da disposição legal para acomodar a tese doutrinária.125 E parece fora de dúvida que, em tese, o ressegurador se encontraria legitimado a intervir como assistente, para coadjuvar o segurador na demanda movida pero segurado. Acontece que, em razão da influência reflexa que o desfecho desta demanda provocaria na esfera jurídica do ressegurador, a lei resolveu tornar o figurante do contrato derivado partícipe obrigatório do processo. Tem o legislador direito às suas opções técnicas. Perante problemas similares, a exemplo do que sucede no mandado de segurança impetrado por um dos participantes de concurso público,126 e a despeito da falta de disposição legal, a sensatez da jurisprudência brasileira exige a citação dos demais concorrentes porventura atingidos pela resolução judicial, a todos subordinando à eficácia da coisa julgada, e, assim, impedindo demandas posteriores para controverter a justiça do resultado da segurança. Enfim, inexiste linha uniforme e convergente na estipulação dos casos de litisconsórcio necessário, ex vi legis, adotando o legislador motivos de simples oportunidade.127 Porém, o NCPC suscita outro problema mais agudo, talvez eliminando o litisconsórcio “facultativo-unitário” passivo. O art. 114, parte final, do NCPC declara obrigatória a demanda conjunta quando “a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser

litisconsortes”. É disposição aplicável unicamente ao litisconsorte passivo. À toda evidência, não buliu com o princípio da demanda, e, portanto, subsistem os exemplos de litisconsórcio unitário facultativo. Essa regra levou em consideração, salvo engano, o entendimento da jurisprudência há pouco recordado, relativamente ao mandado de segurança impetrado por um dos participantes do concurso público, cujo acolhimento afetará, eventualmente, outros concorrentes, por esse motivo convocados ao processo. Em tal caso, preterido o litisconsorte necessário, a sentença de mérito mostrar-se-á ineficaz “para os que não forem citados” (art. 115, II). Definido o litisconsórcio unitário no art. 116, hipótese em que o juiz há de decidir a lide “de modo uniforme para todos os litisconsortes”, resta esclarecer se é esta a única a hipótese em que a eficácia da sentença dependerá da citação “de todos que devam ser litisconsortes” (art. 114, in fine). Resposta positiva transformaria todo litisconsórcio unitário passivo em obrigatório. Avulta a circunstância de o art. 115, I, declarar nula a decisão quando deve ser “uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado a lide”. Ora, a eficácia da sentença depende da citação “de todos que devam ser litisconsortes” haja, ou não, uniformidade. Porém, no caso de uniformidade a decisão será nula (art. 115, I). Logo, afigura-se obrigatória a participação de todos os litisconsortes unitários ou, havendo preterição, jamais haverá sentença válida. A obrigatoriedade do litisconsórcio unitário passivo funda-se antes no art. 115, I, do que na cláusula final do art. 114, in fine. § 125.º Relação processual em litisconsórcio 587. Regime especial (unitário) do litisconsórcio necessário O litisconsórcio unitário caracteriza-se pela circunstância de o juiz decidir a lide uniformemente em relação aos litisconsortes. É consequência natural e inelutável da posição assumida pelos litisconsortes no objeto litigioso. A definição do art. 116 retrata perfeitamente o fenômeno. Em contrapartida, se há a simples possibilidade teórica, em tese, de o juiz prover diferentemente, em relação a cada litisconsorte, desaparece o caráter unitário: trata-se de litisconsórcio simples. E o fato de o provimento do juiz, examinado a posteriori, adotar solução uniforme para os litisconsortes, não insinua ou demonstra a existência de unitariedade.128Nas hipóteses de litisconsórcio facultativo, chega-se a semelhante resultado, simplesmente porque este é desfecho natural do processo. Figure-se a hipótese de dois ou mais servidores públicos pleitearem, conjuntamente, a condenação da Administração ao pagamento da gratificação por risco à saúde, hipótese de litisconsórcio baseada no art. 113, III. Embora se conceba ocasional juízo de improcedência para um desses servidores – v.g., porque a lei não contemplou a gratificação para o seu cargo (questão de direito); ou, ainda, porque um dos litisconsortes não se expõe à situação de risco que gera a vantagem pecuniária (questão de fato) –, usualmente a procedência beneficiará a todos os autores, ante a coincidência das situações de fato e de direito. Por igual, reunindo-se duas ou mais pessoas para reclamar a reparação dos danos à pessoa, sofridos em razão do mesmo acidente, o litisconsórcio tem regime simples.129 O acolhimento do

pedido dos litisconsortes, por mais provável que seja esse resultado, representa evento circunstancial. A fortuita coincidência do resultado dessas ações autônomas não torna o litisconsórcio unitário. O litisconsórcio unitário funda-se na natureza indivisível do objeto litigioso do ponto de vista prático.130 É comum o emprego do adjetivo “incindível” – usual na literatura italiana131 – para retratar semelhante peculiaridade do objeto litigioso.132 A palavra “inconsútil” é mais consentânea com o vernáculo. A unitariedade do litisconsórcio surge, de ordinário, nas ações constitutivas negativas.133 Por exemplo, na ação de anulação do casamento, movida pelo Ministério Público, o vínculo se dissolverá perante ambos os cônjuges. Não se concebe desfecho distinto. Razão por que, inevitavelmente, os cônjuges constituem réus obrigatórios no processo. E nos embargos opostos contra a alienação coativa, na execução, a jurisprudência do STJ estimava obrigatória participação do arrematante, haja ou não o desfazimento do negócio entre o Estado e o adquirente.134 O art. 903, § 4.º, do NCPC autoriza, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega do bem adquirido, ação autônoma para esse fim, “em cujo processo o arrematante figurará como litisconsórcio necessário”, encampando a orientação. Não se restringe a tais pretensões o fenômeno aqui estudado. Assim, pretendendo um dos figurantes da relação jurídica obter o reconhecimento de sua inexistência perante os demais participantes do vínculo, também surgirá a necessidade de pronunciamento uniforme, em que pese sua natureza declaratória.135 É inexato, equívoco originário da doutrina italiana,136 sem embargo de entendimentos em sentido contrário,137 que a força constitutiva da sentença e a unitariedade do litisconsórcio constituem fenômenos coextensivos e interdependentes. O litisconsórcio unitário gera a obrigatoriedade da demanda conjunta. Revelando-se inconsútil o objeto litigioso, de modo que a resolução judicial tratará uniformemente os litisconsortes, imprescindível a presença de todas as partes no processo. Em outras palavras, a causa da unitariedade conduz à necessariedade do litisconsórcio. Porém, há exceções, no litisconsórcio unitário ativo, e existem hipóteses em que a lei dispensa a demanda conjunta. Nessas hipóteses, a eficácia do provimento do juiz alcança a todos os figurantes da relação jurídica. Assim, recebida a prestação por um dos credores solidários, os demais não têm o direito de renovar a demanda perante o devedor comum: o desfecho favorável a todos beneficiará, eliminando seu interesse processual; mas, no caso de improcedência, a indiscutibilidade decorrente da coisa julgada material (art. 502) não os atinge, porque não prejudica terceiros (art. 506). Os litisconsortes preteridos poderão controverter em juízo a justiça daquele ato decisório. Em tal sentido, o art. 274 do CC, modificado pelo art. 1.068 do NCPC, declara que o julgamento contrário a um dos credores solidários não prejudica os demais, aproveitando-lhes só o julgamento favorável, sem prejuízo da oposição de exceção pessoal do devedor em relação aos que não participaram. É o que ocorre, outrossim, quando um condômino reivindica a coisa comum. A eficácia de coisa julgada não atinge os demais comunheiros.138

O regime especial do litisconsórcio tem superlativa importância no tocante ao regime dos atos processuais, assunto objeto dos artigos 117 e 118. 588. Condição jurídica do litisconsorte necessário preterido Verificando-se a preterição do litisconsorte necessário, o provimento mostrar-se-á ineficaz, ou seja, inutiliter data,139 exceto no caso de unitariedade (art. 115, I e II), hipótese em que há invalidade do ato decisório. A eficácia da coisa julgada, restrita às partes principais, não alcança o litisconsorte preterido. Essa parte necessária, mas ausente, poderá impugnar o provimento transitado em julgado através de qualquer remédio jurídico admissível. Não se mostra necessário o emprego da ação rescisória.140 Por exemplo, o STJ admitiu a ação declaratória para declarar a ineficácia do provimento.141 A ineficácia do provimento (art. 115, II) respeita só à autoridade da coisa julgada. O litisconsorte preterido não se encontra vinculado ao provimento emitido sem sua obrigatória presença. No entanto, os efeitos naturais da sentença produzem-se normalmente, a exemplo do que acontece com a sentença proferida sem a citação do réu: em que pese este vício, o provimento produzirá efeitos e se tornará exequível, tanto que cabe ao executado reagir contra a pretensão a execuar.142 Bem mais difícil é avaliar a condição jurídica do provimento, emitido nessas circunstâncias, relativamente às partes principais do processo em que sucedeu a preterição. A redação do art. 114, in fine, não auxilia em nada a solução do problema. Em relação às partes principais, cuidando-se de litisconsórcio unitário, o provimento é nulo (art. 115, I) e sua ineficácia, absoluta. Resultados inaceitáveis e extravagantes decorreriam do entendimento contrário. Figurese o caso de a pretensão à anulação do casamento não contar com a presença de um dos cônjuges. Parece absurdo admitir que o caso se dissolva somente perante o cônjuge participante do processo.143 O vínculo conjugal não pode, a um só tempo, existir para a mulher e inexistir para o marido. Por idêntica razão, a concepção mais branda, no sentido que da vinculação das partes participantes dependeria a anuência, ou não, somente desaparecendo no caso de efetiva impugnação do litisconsorte preterido, soava pouco convincente:144 (a) a eficácia do provimento não pode subordinar-se a evento futuro e incerto; (b) a aceitação da mulher do desfecho positivo da ação anulatória é irrelevante para a produção do efeito constitutivo negativo perante a sua pessoa. Logo, a ineficácia do provimento há de ser absoluta no litisconsórcio unitário passivo, e, por isso, o art. 115, I, comina de nulidade a sentença proferida sem a integração do litisconsorte. Discrepa o regime natural no litisconsórcio necessário simples. Vinculamse as partes principais, em que pese não atingir o litisconsorte preterido,145 a teor do art. 115, II, produzindo o provimento seus efeitos típicos perante as partes. Parece razoável que, na ação de usucapião, a falta de citação de um dos confinantes, exigida pelo art. 246, § 3.º, não subtraia as partes à eficácia do acolhimento do pedido, salvo se o preterido impugnar o provimento,146 através do remédio processual adequado. Nessa hipótese,

acolhido o pedido, as partes anteriormente participantes sujeitar-se-ão ao novo processo e à eficácia do respectivo provimento. Essa possibilidade não traduz a inutilidade absoluta do ato decisório,147 mas a ineficácia apenas perante o preterido. Por sinal, os tribunais italianos reconhecem a vinculação das partes.148 Também é ineficaz, relativamente ao preterido, a sentença proferida em casos de litisconsórcio unitário facultativo. Vale o exemplo do credor solidário (art. 274 do CC). A sentença de improcedência não o vincula, mas a sentença de procedência o aproveita, ressalvado o direito de o devedor opor-lhe exceção pessoal. Em qualquer hipótese, o ato ingressa no mundo jurídico defeituosamente, no todo (litisconsórcio necessário unitário passivo) ou ineficaz (litisconsórcio necessário simples). É absurdo considerar inexistente, malgrado opiniões em contrário,149 ato que há de ser desconstituído. 589. Integração do litisconsorte necessário ao processo Segundo o art. 115, parágrafo único, verificada a preterição do litisconsorte necessário, unitário ou não, litisconsorte, o juiz “determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam participar”, no prazo assinado para tal finalidade. Em primeiro lugar, cuida-se da retificação do polo passivo, na medida em que, relativamente ao polo ativo, o litisconsórcio mostra-se sempre facultativo. Ademais, a observância ao princípio da demanda (art. 2.º) – ninguém pode ser compelido a demandar outra pessoa – desautoriza o órgão judiciário integrar, ex officio, o litisconsorte preterido. O direito brasileiro ignora a intervenção iussu judicis, e, assim, não abrigou a solução italiana.150 Foi o que decidiu o STJ: “Forçar o autor a demandar com quem não deseja, não se afeiçoa à ordem processual, uma vez que, de ofício, não pode vincular subjetivamente, obrigando a integração da lide”.151 Tampouco parece conveniente importar a solução peninsular.152 A ausência do litisconsorte necessário não constitui motivo idôneo para habilitar o órgão judiciário a extinguir o processo imediatamente.153 Enseja tão só a emissão de ordem ao autor para promover a integração do preterido. É preciso o autor, a despeito de pouco convencido do acerto da resolução do juiz, mas temendo a sanção imposta à sua inércia – a extinção do processo –, requerer a citação do(s) litisconsorte(s) preterido(s), inequivocamente. Feito esse requerimento – iniciativa exclusiva do autor (infra, 1.490) –, o juiz ordenará a sua citação por um dos meios cabíveis.154 No direito anterior, entendeu-se inexistente nulidade na realização da citação, ex officio, nada oponto o autor.155 E, de fato, o ato atingiu sua finalidade e sobreveio consentido expresso ou tácito do autor. O juiz assinará prazo razoável para a manifestação do autor. Se, por lapso, dirigiu a ordem ao réu, cumpre renová-la, endereçando-a ao autor.156 Às vezes, o interstício de cinco dias revelar-se-á insuficiente, ante as dificuldades de localizar o endereço do litisconsorte, convindo ampliá-lo.

Finalmente, o art. 115, parágrafo único, aplica-se só ao litisconsórcio necessário, jamais ao facultativo.157 É plena a liberdade, nesse último, de as partes demandarem em conjunto, ou não. Da decisão do juiz, ordenando a integração do polo passivo, cabe agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, IX porque o preterido é terceiro, e cabe agravo da admissão da intervenção de terceiro. Não se restringe essa regra às modalidades de intervenção de terceiros (assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae). Interposto o agravo, ainda que negado o efeito suspensivo (art. 1.019, I), a subsistência de eventual sentença do juiz, extinguindo o processo (art. 115, parágrafo único, in fine), nesse interregno, ficará condicionada à solução tomada no agravo. Desnecessário o autor apelar para obter a desconstituição do provimento. Deixando o autor de agravar, nada impede o autor de submeter a questão ao órgão ad quem através de apelação, pois inexiste preclusão.158 Feito o chamamento, forma-se litisconsórcio ulterior; omitindo-se o autor, caberá ao juiz extinguir o processo, com fundamento no art. 485, X. O STJ estimou, no direito anterior, prescindível a intimação pessoal do autor para os efeitos hoje previstos no art. 485, § 1.º (negligência do autor).159 Idêntica há de ser a orientação no direito vigente. É característica do direito brasileiro que o procedimento recursal, no segundo grau, não reproduz todas as etapas do primeiro (revisio por instantae).160 Representa simples prolongamento da relação processual pendente. Entre nós, inexiste o chamado “litisconsórcio necessário de direito processual”, regulado no art. 331 do CPC italiano, no qual se obriga o recorrente a integrar no procedimento recursal todas as partes para as quais foi proferida a resolução.161 590. Regime simples do litisconsórcio na relação processual O art. 117, parte inicial, estabelece a regra básica do regime simples do litisconsórcio. Impõe-se não relacionar regra desse teor exclusivamente ao litisconsórcio facultativo, a exemplo do que sustentava no CPC de 1939.162 Posto que seja seu campo mais natural, subsidiariamente aplicar-se-á o respectivo regime especial, em razão de disposição em contrário (v.g., desinteresse na audiência de conciliação e de mediação, a teor do art. 334, § 6.º). Em suas relações com a parte adversa, reza a proposição inicial do art. 117, os litisconsortes consideram-se litigantes distintos. Por esse motivo, os atos e as omissões de um se ostentam indiferentes relativamente aos demais. O regime simples aplica-se tanto às faculdades e ônus processuais, quanto aos atos de disposição do direito material. Assim, o recurso interposto por um dos litisconsortes produz efeitos exclusivamente para si, como é a regra em outros sistemas,163 não beneficiando seus companheiros. Eventual provimento é irrelevante, porque para os omissos já ocorreu o trânsito em julgado.164 A desistência do recurso interposto por um dos litisconsortes independente do assentimento dos outros (art. 998, caput). A contestação apresentada por um dos réus não impede a revelia e seus efeitos quanto aos omissos. A confissão faz prova contra o confitente, não prejudicando os litisconsortes (art.

391, caput). O benefício da gratuidade é pessoal (art. 99, § 6.º), não se estendendo ao(s) litisconsorte(s). E assim por diante. De modo idêntico, a renúncia ou o reconhecimento do pedido, atos que dispõem do objeto litigioso, respeitam somente ao litisconsorte que manifestar a sua vontade a esse propósito.165 No entanto, toleram-se alguns temperamentos à rigidez dessa independência absoluta.166 É bem possível que o livre convencimento do juiz, somando-se ao caráter relativo do efeito material da revelia, conduza o órgão judiciário a julgar improcedente a demanda também em relação ao litisconsorte revel, beneficiado pela contestação apresentada por um dos réus.167 Portanto, o disposto no art. 345, I, não se aplicaria, exclusivamente, ao litisconsórcio unitário. Em razão do princípio da comunhão da prova, inevitavelmente a prova produzida por um dos litisconsortes beneficiará a todos.168 Estudo vigoroso a respeito do litisconsórcio eventual sustentou a tese que, configurando-se antagonismo mais intenso entre os colitigantes, o comportamento determinante de um dos litisconsórcios (v.g., A manifesta dúvida sobre quem seja o autor do dano, B ou C, mas entende esclarecida a situação após da fase postulatória, e antes da decisão de saneamento desiste da ação contra C, com a concordância deste, na forma do art. 485, § 4.º), impõe-se a audiência do colitigante, ampliando o debate, e, eventualmente, o indeferimento da desistência.169 Ora, o órgão judiciário fica adstrito aos negócios jurídicos processuais unilaterais e bilaterais das partes (art. 200) e não pode constranger A e C a litigarem em proveito de B: o réu é parte passiva ainda que não queira, nada podendo B objetar contra a exclusão de C. O recurso interposto por um dos litisconsortes, baseando-se a demanda conjunta na solidariedade (art. 113, I), e sendo comum a defesa, beneficia o omisso (art. 1.005, parágrafo único), apesar de simples o regime do litisconsórcio. Fora dessa hipótese, outras objeções individuais, a exemplo da incompetência absoluta, e recursos beneficiarão os consortes, neste regime, haja vista seu inelutável efeito prático: reconhecida tal incompetência, o processo prosseguirá no juízo competente. É nesta linha de abrandamento que se compreende a jurisprudência do STJ, inclinada, na demanda conjunta para recuperar as perdas do FGTS, a admitir que o recurso interposto por um dos litisconsortes, todos representados pelo mesmo advogado, aproveita os demais, ainda que omitida a expressão “e outros” na petição de interposição. 591. Regime especial do litisconsórcio na relação processual O princípio da independência, consagrado na primeira parte do art. 117, inverte-se no regime especial do litisconsórcio. Busca-se sintetizar as relações dos litisconsortes unitários, entre si e em relação à(s) parte(s) adversa(s), através de uma fórmula simples: os atos individuais benéficos a todos aproveitam; ao invés, os atos e as omissões desfavoráveis a ninguém prejudicam, inclusive ao respectivo autor. O fundamento essa diretriz repousa na imperativa necessidade de outorgar à lide solução homogênea, e, não, na hipotética proteção dos litisconsortes omissos. A impossibilidade de provimento discordante gera a dependência mútua dos litisconsortes.170 Lição

que se traduziu no art. 117, segunda parte: “… os atos e omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar”. Faltou explicitar que o ato e a omissão de um dos litisconsortes também o prejudica; do contrário, afetaria a homogeneidade. Do ponto de vista prático, o enunciado proposto fornece a chave hábil para a maioria dos problemas. Porém, na perspectiva mais rigorosa, a distinção entre atos favoráveis e desfavoráveis é difícil e perigosa, pois nem sempre se revelará fácil caracterizá-los, a par da possibilidade de coexistirem, no mesmo ato, aspectos favoráveis e desfavoráveis. Por exemplo, a interposição de recurso principal beneficia todos os litisconsortes (art. 1.005, caput); porém, existindo sucumbência recíproca, tal ato “favorável”, ao mesmo tempo, enseja a interposição de recurso adesivo, o que talvez redunde em prejuízo, desprovido aquele e provido este. O princípio mais geral, segundo o qual “os comportamentos determinantes só produzem seus efeitos típicos quando manifestados pela totalidade dos litisconsortes, ou pela parte contrária em face dessa totalidade”,171 é mais exato e rigoroso, embora seu sentido real seja menos evidente. Recorda-se a hipótese de um dos litisconsortes recorrer, autonomamente, da decisão liminar desfavorável, cabendo distinguir, quanto à iniciativa do outro, desde que tempestiva, as hipóteses de desprovimento e provimento: naquela, “não há como aceitar que tal fato impeça o outro litisconsorte de se insurgir contra a decisão que lhe é prejudicial”; nesta, falta ao segundo litisconsorte interesse em impugnar a decisão que se tornou favorável.172 Seja como for, em virtude da regra básica, os atos de disposição do objeto litigioso – renúncia, reconhecimento do pedido, transação, desistência – somente se ostentam eficazes com a anuência de todos os litisconsortes. Por isso, a renúncia ao direito de recorrer, formulada por um dos litisconsortes, é válida, porém ineficaz perante os demais.173 O efeito material da revelia não se produzirá perante os omissos se um dos litisconsortes contestar (art. 345, I). Eventual defeito, relativo aos pressupostos processuais subjetivos, deixados sem suprimento, embora atinente a um dos litisconsortes, implicará a extinção do processo, e, não, a exclusão da parte. É digna de registro a extensão subjetiva do recurso na hipótese de litisconsórcio unitário. Segundo o art. 1.005, caput, a interposição de recurso por um dos litisconsortes favorece aqueles que omitiram a oportuna impugnação ao ato decisório. Em primeiro lugar, a exemplo do direito anterior, o dispositivo consagra “a solução de permitir a qualquer dos vencidos a interposição livre do recurso, não impondo nunca um litisconsorte necessário no ato de interposição”,174 consoante se observou no direito português.175 E a iniciativa de um só assegura a participação de todos nas etapas subsequentes do processo; por exemplo, interposta a apelação pelo litisconsorte A, em que pese sua omissão neste ato, ao litisconsorte B se revelará lícito interpor recurso especial na hipótese de desprovimento do apelo. Em síntese, no caso de litisconsórcio unitário a interposição de apelação, provida de efeito suspensivo, por um dos litisconsortes obsta o trânsito em julgado, relativamente aos demais, e, portanto, não se procederá à execução, se condenatório o provimento.176 Na verdade, a jurisprudência ampliou a regra, visando apanhar a hipótese em que os litisconsortes, conquanto simples o liame, constituíram o mesmo advogado.177 Daí por que a

omissão do pronome indefinido “outros” afigura-se irrelevante, consoante o STJ no direito anterior,178 porque a regra “deve ser interpretado com olhos na realidade e nos fins sociais para os quais foi concebido”. É bem de ver que o campo de incidência do art. 1.005, parágrafo único, escapa do assunto agora tratado, visando a impedir a contradição de julgados no litisconsórcio facultativo,179 a despeito de não ser unitário o consórcio,180 mas produz efeitos análogos ao regime especial, há pouco analisados. Cabe distinguir, nesse ponto, o litisconsórcio facultativo do unitário. Existem hipóteses de litisconsórcio facultativo e unitário. Nesses casos, a desistência da demanda, relativamente a um dos litisconsortes, é eficaz, prosseguindo a demanda com o(s) restante(s), bem como se concebe a exclusão de um dos litisconsortes, seja qual for o motivo. E isso, porque se afigura indiferente que o processo inicie ou termine com todos os litisconsortes. Mas, o ato de um litisconsorte aproveita aos demais, de modo que não se pode generalizar que, no litisconsorte facultativo, os atos de um litisconsorte não se comunicarão aos demais.181 A extensão decorre da unitariedade,182 e, não, do caráter obrigatório da demanda conjunta. Tal distinção nem sempre se observava no direito anterior.183 Finalmente, há que se considerar a disciplina do custo financeiro do processo, governada pelo princípio da causalidade (art. 85, caput). Em princípio, o litisconsorte inerte, que não deu causa à despesa acrescida pela iniciativa alheia, por ela não responderá perante o adversário vitorioso. Invoca-se, a respeito, o desprovimento do recurso governado pelo art. 1.002, caput,184 ressalvando-se a intervenção no procedimento recursal como fator de causalidade, e, portanto, de responsabilidade superveniente do omisso; porém, aplica-se aos demais atos do processo, a exemplo da remuneração do perito. Bem por isso o art. 87, § 1.º, obriga o juiz – em mais de um aspecto, aliás, a deliberação acerca do capítulo acessório da sucumbência é mais trabalhosa que o capítulo do mérito – a distribuir, de forma expressa, a responsabilidade proporcional dos litisconsortes, considerando a extensão da respectiva atividade processual. Disposição tão improvável que o art. 87, § 2.º, antevendo sua falta, estabelece a solidariedade no caso de o juiz omitir semelhante mensuração da atividade processual de cada liitsconsorte 592. Impulso individual do processo no litisconsórcio Parece intuitivo que, no litisconsórcio simples, cada litisconsorte desfrutará de autonomia plena, relativamente à sua comparte. Todavia, no litisconsórcio unitário, em virtude do regime especial antes analisado, surge a forte impressão de que o conjunto dos litisconsortes há de ser tratado como parte única. Para atalhar os gravíssimos inconvenientes de semelhante entendimento – o desacerto dos litisconsortes provocaria insolúvel impasse, tolhendo e embaraçando a tramitação do processo –, o art. 118, parte inicial, confere a qualquer um deles o poder de impulso processual. Desloca-se, assim, para seu terreno próprio, que é o da eficácia, a repercussão concreta do ato individualmente praticado, ou seja, a extensão subjetiva, ou não, dos seus efeitos perante a comparte. Do contrário, e à guisa de exemplo, todos os litisconsortes deveriam manifestar a vontade de recorrer contra o provimento

desfavorável. Bastaria que um só deles se recusasse a recorrer para que houvesse o trânsito em julgado, inclusive em face da comparte inconformada. Mas, graças ao disposto no art. 118, o litisconsorte poderá recorrer, individualmente, estendendo-se os benefícios do ato aos seus consortes, nos termos já examinados. Por exceção, o desinteresse na audiência de conciliação ou de mediação deve ser manifestada por todos os litisconsortes (art. 334, § 6.º), independentemente do regime comum ou especial da demanda conjunta. A parte final do art. 118 constitui simples consequência do fato de que cada litisconsorte, independentemente do regime do litisconsórcio, figura como parte autônoma, e, portanto, idônea a praticar atos processuais per si. Assim, os pressupostos processuais subjetivos – personalidade, capacidade processual, capacidade postulatória e capacidade para conduzir o processo – avaliam-se individualmente. Tão autônomo é o litisconsorte que, de olhar fito na ampliação dos prazos prevista no art. 227, pode contratar advogado diferente, ainda que unitário o litisconsórcio. Necessário intimá-los individualmente, através dos meios admissíveis, e na pessoa dos respectivos advogados, representando tal fato um natural desdobramento dessa independência. E a lei prevê, a respeito, regras especiais de contagem do prazo (art. 335, § 1.º). Por isso, na hipótese de a intimação do ato processual consignar apenas a expressão “e outro”, o STJ proclamou: “É nula a intimação feita pela forma do art. 236 do CPC {de 1973}, quando da publicação não conteste o nome do litisconsorte passivo”.185

Seção IV - Responsabilidade das partes

Capítulo 34. PODERES E DEVERES PROCESSUAIS DAS PARTES SUMÁRIO: § 126.º Poderes das partes no processo civil – 593. Direitos processuais das partes – 593.1. Estrutura dos direitos processuais – 593.2. Disposição dos direitos processuais – 594. Espécies de direitos processuais das partes – 595. Ônus processuais das partes – 595.1. Conceito de ônus processual – 595.2. Espécies de ônus processuais – § 127.º Deveres das partes no processo civil – 596. Fundamento dos deveres das partes – 597. Natureza dos deveres das partes – § 128.º Âmbito subjetivo dos deveres das partes – 598. Sujeitos dos deveres das partes – 599. Responsabilidade do advogado por litigância de má-fé – 600. Responsabilidade das partes e dos terceiros por litigância de má-fé – 601. Responsabilidade do interveniente por litigância de má-fé – 602. Responsabilidade do Ministério Público por litigância de má-fé – 603. Responsabilidade da Defensoria Pública por litigância de máfé – 604. Responsabilidade dos participantes do processo por litigância de má-fé – § 129.º Âmbito objetivo dos deveres das partes – 605. Caracterização dos deveres das partes em geral – 606. Dever de veracidade – 607. Dever de probidade – 607.1. Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso – 607.2. Alterar a verdade dos fatos – 607.3. Usar o processo para conseguir objetivo ilegal – 607.4. Opor resistência injustificada ao andamento do processo – 607.5. Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo – 607.6. Provocar incidentes manifestamente infundados – 607.7. Interpor recurso com intuito manifestamente protelatório –

607.8. Praticar inovação ilegal no estado de fato – 607.9. Deixar de restituir os autos no prazo – 607.10. Requerer a citação por edital com falsos motivos – 607.11. Enviarfac-símile divergente do original – 607.12. Informar o endereço residencial ou profissional – 608. Dever de seriedade – 609. Dever de economia – 609.1. Produzir prova inútil – 609.2. Praticar atos procrastinatórios, supérfluos ou impertinentes – 609.3. Deixar de alegar as exceções materiais na primeira oportunidade – 609.4. Deixar de alegar objeção na primeira oportunidade – 609.5. Causar o adiamento ou a repetição de ato processual – 609.6. Deixar de promover a citação do denunciado no prazo legal – 609.7. Lançar cotas marginais ou interlineares nos autos – 609.8. Deixar de indicar a parte passiva legítima – 610. Dever de colaborar – 610.1. Dever de comparecer em juízo – 610.2. Dever de responder à inquirição do órgão judiciário – 610.3. Dever de submeter-se à inspeção judicial – 610.4. Dever de cumprir as resoluções do órgão judiciário – 610.5. Dever de informar a litispendência – 611. Dever de urbanidade – 611.1. Fundamento do dever de urbanidade – 611.2. Sujeitos do dever de urbanidade – 611.3. Conteúdo do dever de urbanidade – 611.4. Formas de descumprimento do dever de urbanidade – 611.5. Particularidades das sanções em virtude do descumprimento do dever de urbanidade – § 130.º Deveres das partes na execução – 612. Caracterização dos deveres das partes na execução – 613. Fraude contra a execução – 614. Oposição maliciosa e ilegal aos atos executivos – 615. Resistência injustificada às ordens judiciais – 616. Recusa em inventariar o patrimônio – § 131.º Responsabilidade das partes por dano processual – 617. Efeitos do descumprimento dos deveres das partes – 618. Declaração da responsabilidade por dano processual – 619. Identificação do responsável e do beneficiário da responsabilidade por dano processual – § 132.º Sanções por dano processual – 620. Enumeração das sanções na responsabilidade por dano processual – 621. Imposição de multa – 622. Imposição de indenização – 623. Imposição de honorários advocatícios e do ressarcimento de todas as despesas – 624. Relevação da pena na execução. § 126.º Poderes das partes no processo civil 593. Direitos processuais das partes A condição de parte assegura o exercício de variados poderes no processo. Realiza-se, assim, a participação da parte no processo civil.1 Esses poderes inserem-se em vasto número de direitos processuais. O autor assume a condição de parte ao deduzir a pretensão processual, através da demanda, e, por essa via, atribui idêntica qualidade à(s) pessoa(s) que identifica como réu. No entanto, o direito à tutela jurídica do Estado é préprocessual. Formado o processo, no seu esquema mínimo – autor e Estado –, surgem os direitos processuais. Embora o processo possa (e deva) se desenvolver por impulso oficial (art. 2.º), a iniciativa das partes é concorrente à do juiz e, conforme a base ideológica do ordenamento, em alguns casos exclusiva. Os direitos processuais das partes espelham, sem coincidirem totalmente, os poderes do órgão judiciário. Os direitos processuais adquirem-se como quaisquer outros. É bem de ver que o art. 200, expressamente, dispõe que os atos das partes “produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos

processuais”. Desse modo, existem “direitos adquiridos à defesa, à prova, ao recurso, como existem direitos adquiridos ao estado, à posse, ao domínio”.2 Os direitos processuais podem ser exercidos abusivamente. Por exemplo, a apresentação de defesa temerária infringe, objetivamente, o art. 80, I, do NCPC (infra, 607.1). É duvidoso que ao direito processual não incumba, passivamente, algum dever ou ônus de outro sujeito da relação processual. Por exemplo, ao direito de recorrer corresponde, indubitavelmente, o dever de o órgão judiciário admitir, processar e julgar o recurso interposto. 593.1. Estrutura dos direitos processuais – A estrutura do direito processual discrepa da existente nos direitos materiais. A aquisição do direito processual produz expectativas, possibilidades e liberações de ônus.3 Essas situações se relacionam teleologicamente ao êxito da parte no processo. A expectativa constitui a aspiração da parte de obter futura vantagem processual sem a necessidade de praticar um ato próprio. Por exemplo, o recorrido tem o direito de obter juízo de inadmissibilidade do recurso intempestivo interposto pelo recorrente. Em contrapartida, a possibilidade representa a vantagem proveniente ou almejada pela prática de atos processuais próprios, a exemplo da interposição de recurso. E, por fim, o direito de se defender, ou de ser intimado com a antecedência mínima de quarenta e oito horas (art. 218, § 2.º), libera o titular do ônus, respectivamente, de apresentar defesa e de comparecer. 593.2. Disposição dos direitos processuais – O exercício dos direitos processuais adquiridos pelas partes do início ao fim do processo não é compulsório. Da falta de exercício dos direitos processuais se originam para as partes consequências desvantajosas (v.g., abstendo-se de interpor apelação contra a sentença desfavorável, este provimento transitará em julgado; conforme o conteúdo, a sentença adquirirá a autoridade de que cogita o art. 502); do exercício, correlatamente, consequências vantajosas (v.g., a interposição da apelação pelo vencido prolonga a relação processual e, eventualmente, provocará a invalidação ou reforma da sentença). Os direitos processuais das partes, no processo civil, mostram-se disponíveis por seu titular. O exemplo mais convincente avulta no direito de defesa. O réu é inteiramente livre para se defender ou não, consultando o próprio interesse, e, se for esse o caso, geralmente sofre consequências desfavoráveis da inércia. O autor pode desistir da ação (art. 200, parágrafo único, c/c art. 485, § 4.º), que é outro negócio jurídico dispositivo, em que há a revogação do ato postulatório principal.4 Em matéria de recursos, a lei cogitou da renúncia (art. 999) e da desistência (art. 998). Figuras distintas, uma e outra compartilham a natureza de negócio jurídico unilateral e receptício,5 e, sem dúvida, implicam a disposição do direito de recorrer. Não é lícito ao órgão judiciário subtrair da parte, a priori, os direitos processuais das partes (v.g., proibir o autor de recorrer do indeferimento da

tutela provisória), competindo-lhe, todavia, controlar a legitimidade do respectivo exercício (v.g., julgar inadmissível o recurso). 594. Espécies de direitos processuais das partes Os direitos processuais se dividem em duas espécies: (a) direitos exclusivos; (b) direitos concorrentes. O direito de interpor o recurso é exclusivo da parte. O órgão judiciário não recorre, exceto quando, excepcionalmente, abandona a qualidade de terceiro imparcial e recorre para repelir gravames pessoais, a exemplo do que acontece com a impugnação contra o ato que acolhe a recusa formulada pela parte. Além de sofrer os efeitos do ato que proclama sua parcialidade, afastando-se do processo, às vezes de modo aviltante ao seu pundonor profissional, como ocorre no caso de alegadamente haver interesse em julgar a favor de uma das partes (art. 145, IV), o juiz suportará o gravame concreto da condenação nas custas do incidente (art. 146, § 5.º). Parece inevitável admitir-se, por imposição constitucional, o direito de o juiz impugnar semelhante pronunciamento, ao menos com o propósito de arredar a sanção, conforme reconheceu, afinal, o art. 146, § 5.º, in fine. Além disso, os direitos processuais das partes concorrem com os poderes do órgão judiciário. Por exemplo, o direito de propor a produção de certo meio de prova, na inicial e na contestação, convive com o poder de o órgão judiciário determinar a prova ex officio (art. 371, caput). 595. Ônus processuais das partes O processo civil autoritário instituiu copiosos deveres para as partes. Ao contrário do direito alemão, no qual sustentou-se o caráter residual dos deveres,6 entre nós equivalem-se aos ônus. Fora dessas hipóteses de deveres, objeto de análise no parágrafo subsequente, os direitos processuais traduzem, sobretudo, ônus processuais. 595.1. Conceito de ônus processual – Segundo a teoria do processo como situação jurídica (retro, 84), as categorias fundamentais do direito substancial não se ajustam plena e satisfatoriamente ao processo. A par da posição proeminente do juiz, então acertadamente definida e realçada, a teoria da situação jurídica redimensionou a natureza dos vínculos entre partes e órgão judiciário. Esses liames não se expressariam como direitos e deveres (categorias próprias do direito substancial), mas como situações de vantagem e de desvantagem, consoante a tramitação do processo. As partes nutrem a expectativa de lograr, ou não, sucesso perante o adversário. E desfrutam de várias ocasiões para propiciar tal resultado, desincumbindo-se dos ônus, ou seja, praticando atos em proveito do próprio interesse. No processo, essas situações correspondem, respectivamente, às três espécies de direitos materiais: (a) relativos; (b) absolutos; e (c) formativos.7 O ônus é a necessidade de praticar certo ato processual para evitar que sobrevenha desvantagem no processo.8 Os ônus constituem imperativos dos próprios interesses (Gebote eigenen Interesses). Assim, o réu tem o ônus de contestar, do contrário sofre os efeitos da revelia; o vencido tem o ônus de

apelar da sentença de mérito desfavorável, do contrário tornar-se-á sucumbente em definitivo; e assim por diante. 595.2. Espécies de ônus processuais – Os principais ônus processuais são os seguintes: (a) o ônus de alegar; (b) o ônus de contestar; (c) o ônus de contradizer; (d) o ônus (subjetivo) de provar; (e) o ônus de propor e participar da prova; (f) o ônus de recorrer. Conforme a hipótese, as desvantagens decorrentes do descumprimento do ônus são de duas espécies: (a) necessárias; e (b) eventuais. Por esse motivo, os ônus se repartem em duas classes: (a) perfeitos; e (b) imperfeitos.9 O ônus de alegar os fatos dos quais advêm consequências favoráveis é perfeito. Deixando a parte de realizar a alegação de fato (v.g., o autor A pretende se separar de B, podendo alegar fatos que configurem adultério e tentativa de homicídio, mas abstém-se de narrar esta última), o juiz não pode apreciá-la, porque alheia ao objeto litigioso. O ônus de provar é imperfeito. A parte que se desincumbe da alegação do fato que lhe é favorável, mas não tomada qualquer iniciativa probatória, nada obstante pode lograr êxito: ou porque lhe favoreça a questão de direito, ou porque a iniciativa probatória do juiz supriu-lhe a inércia, ou porque a contraparte, inadvertidamente que seja, produziu prova contra o seu próprio interesse, prova esta que é adquirida para ambas as partes, segundo o princípio da comunhão (infra, 1.356). § 127.º Deveres das partes no processo civil 596. Fundamento dos deveres das partes Em sua configuração atual, o princípio dispositivo compreende dois aspectos fundamentais: (a) a iniciativa em inaugurar o processo e em prolongá-lo, interpondo recursos; (b) o amplo domínio de alegar os fatos que formarão o objeto litigioso. O réu, por sua vez, tem iniciativa exclusiva de alegar exceções e objeções substanciais, intervindo na configuração do objeto litigioso. E as partes resguardaram, no processo civil de viés social, a disposição do objeto litigioso. Nada impede, por exemplo, a transação (art. 487, III, b) e a renúncia do direito sobre que se funda a ação (art. 487, III, c). Esses negócios jurídicos constrangem o juiz a formular a regra jurídica concreta abstraindo a veracidade das alegações de fato. Do mesmo modo, ocorrendo confissão ou reconhecimento tácito ou expresso da alegação de fato da contraparte, inexiste necessidade de prova, a teor do art. 374, II e III, e o juiz, outra vez, decide conforme os fatos configurados pelas partes. A tanto se confinou, segundo o modelo vigente do direito brasileiro, a autonomia exclusiva das partes – ideia expressada na máxima da disposição (Dispositionsmaxime) alemã.10 O papel reservado ao órgão judiciário revela-se mais extenso e profundo. Ao juiz sempre tocou a tarefa maior e própria do seu ofício de decidir sobre o processo, principalmente a respeito do seu mérito. Mas, para desempenhar a contento essa atribuição, o modelo vigente confiou-lhe a direção formal e material do processo: o art. 2;º, segunda parte, declara que o processo desenvolve-se sob impulso oficial. Por conseguinte, os poderes atribuídos às partes, fora da área exclusiva já apontada – e, na prática, nem sempre

respeitada –, teoricamente convivem com poderes similares do órgão judiciário.11 Por exemplo, o direito de as partes especificarem as provas, a teor do art. 319, VI, e 336, in fine, concorre com análogo poder do juiz – princípio da iniciativa concorrente em matéria de prova (infra, 1.351). No que tange ao magno problema da iniciativa de reunir e ministrar as provas tendentes a confirmar, ou não, as alegações de fato das partes, o órgão judiciário brasileiro dispõe de poderes irrestritos. O juiz pode ordenar a produção de qualquer prova (art. 370, caput), ex officio, incumbindo ao autor antecipar as respectivas despesas (art. 82, § 1.º). Por exemplo, o juiz poderá valer-se do tão enaltecido, quanto esquecido interrogatório para esclarecimento, previsto no art. 139, VIII. E não convém olvidar que, nas causas em que se sobreleva o interesse público e social (art. 178, I), intervém o Ministério Público, que é outro órgão do Estado, cujos poderes equiparamse aos das partes. A propósito dos sistemas probatórios, costuma-se identificar dois grandes sistemas, utilizando-se a expressão inglesa inquisitorial, para retratar o vigorante naCivil Law, e a adversarial, para designar o predominante na Common Law. Neste último, as partes figuram como protagonistas exclusivos na tarefa de propor e de produzir as provas, atividade chamada de discovery, a cargo, precipuamente, dos respectivos advogados. Não é possível, entretanto, traçar uma fronteira tão radical entre os dois sistemas. Reformas legislativas aumentaram o controle do juiz no direito norteamericano, coibindo a investigação com o intuito de molestar, constranger, oprimir e asfixiar a parte contrária, sob o pretexto de coligir elementos para futura demanda.12 E a iniciativa das partes, nesta seara, subsiste nos Países da Civil Law: não é incomum, por exemplo, o futuro autor providenciar laudo técnico para subsidiar suas alegações nas ações de reparação de dano (art. 472). Porém, a filiação do direito brasileiro ao regime inquisitorial afigura-se evidente. Não constitui despropósito situá-lo na contramão da tendência de atenuar o caráter público do processo civil e a proeminência do órgão judiciário.13 Entre nós, para usar a síntese alemã, vigora a Inquisitionsmaxime, e, não, a Verhandlungsmaxime, segundo a qual só às partes, por meio do debate, compete produzir as provas idôneas à demonstração dos fatos, preexcluindo a iniciativa do juiz.14 É verdade histórica que o incremento dos poderes do juiz, em especial a direção material do processo (materielle Prozessleitung),15 surgiu sob o influxo de regimes políticos autoritários e opressivos na Alemanha, na Itália e na antiga União Soviética.16 Os esforços para minimizar essa origem suspeita e constrangedora, senão indigna – no caso alemão, por exemplo, alega-se que a reforma de 08.11.1933, surgida quando Hitler já galgara o poder e iniciara o desmonte do Estado Constitucional, decorreu de estudos precedentes, como se a anterioridade cronológica demonstrasse falta de vínculo ideológico – são inconvincentes. E ninguém poderá negar o liame flagrante entre o imenso repertório de poderes do juiz e a concepção intervencionista do Estado. Por conseguinte, o problema é ideológico e respeita, sim, às relações entre pessoa e Estado no contexto do Estado Constitucional de Direito. Essa questão política somente não adquiriu, entre nós, a grave e polêmica dimensão que se lhe conferiu em outros ordenamentos por uma razão muito peculiar. Entre o regime legal e a prática estabeleceu-se, curiosamente,

inusitada distância. Em geral, o órgão judiciário abstém-se de conduzir mais firmemente o processo ou de envolver-se na pesquisa do material de fato. Limita-se a avaliar a prova documental, produzida com a inicial e a contestação, e a admissibilidade dos demais meios propostos. Enfim, o contundente arsenal do órgão judiciário permanece armazenado em lugar distante da liça judiciária. Na melhor das hipóteses, o juiz emprega o estoque de armas participativas com excessiva parcimônia ou prefere usá-las em prol da economia da própria atividade (v.g., na precipitação do julgamento, a teor do art. 355, I, a despeito da existência de questões de fato, pretextando já formado seu convencimento). A experiência comum confirma esse diagnóstico. Essa inércia do órgão judiciário explica-se por alguns fatores. O principal é a quantidade de feitos. Esse fato trivial impede a análise atenta da maioria dos casos e, conseguintemente, a tomada das resoluções ex officio que interessariam à causa. Raros juízes, por exemplo, estudaram o processo de antemão e, na decisão de saneamento e de organização do, encontram-se habilitados a fixar os pontos controvertidos, resolver as questões incidentais e ordenar a produção de prova, ex officio, como exige exemplarmente o art. 357, II. A concorrência de poderes de impulso similares, outorgados às partes e ao juiz, em tese, induz à criação de uma comunidade de trabalho. No seio dessa comunidade, indispensável à plena cooperação dos sujeitos da relação processual (art. 6.º), o órgão judiciário pode e deve atuar ao lado das partes, ao mesmo tempo vigiando e controlando excessos e desvirtuamentos do objetivo do processo. Convém sublinhar, desde logo, o exagero do art. 6.º. As partes cooperam entre si não porque adotam comportamentos convergentes. Ao contrário, cooperam entre si adotando, justamente, comportamentos divergentes, funcionando o órgão judiciário como fator de equilíbrio. Essas características desnudam a ideologia preponderante do processo civil brasileiro. Ele tem natureza social. Internamente ao processo, há o litígio, definido pela iniciativa fundamental do autor na petição inicial, e cuja resolução interessa, sobretudo, às partes; externamente, porém, essa resolução há de se harmonizar com esse viés social e, portanto, também concerne ao apaziguamento e à realização do direito objetivo.17 Esse quadro exige a imposição de autênticos deveres às partes no curso do processo. Em tal meio, e na interlocução com o órgão judiciário, o comportamento das partes não pode ser diferente do que se lhes exige nas relações criadas no âmbito da autonomia privada. Representará comportamento desconforme ao direito – ou seja, ilícito –, reza o art. 187 do CC, o exercício do direito que exceda, manifestamente, os limites decorrentes do seu fim econômico ou social, da boa-fé e dos bons costumes (art. 5.º). A teoria do abuso do direito adotou a teoria finalista, segundo a opinião dominante no direito anterior,18 contentando-se com o uso anormal do direito,19 haja ou não intenção de lesar. Também no processo o exercício dos poderes das partes, exclusivos ou não, constituem atividade lícita, mas não podem exceder aos fins próprios. O abuso consiste, justamente, no desvio de finalidade.20 E no processo tais

limitações operam com redobrados motivos, porque as partes se relacionam com o órgão judiciário num liame eminentemente público. Eventuais distorções no material de fato induzem o órgão judiciário a julgar sobre bases falsas, prejudicando a justiça da decisão. O juiz não pode ficar indiferente a desvios na atuação das partes aptos a frustrar, no todo ou em parte, o escopo social do processo. A análise dos principais ordenamentos europeus, integrantes da família da Civil Law, revela a concentração de poderes de repressão do abuso no órgão judicial.21 O STF proclamou, no exercício das funções de guardião da CF/1988, o seguinte: “O ordenamento jurídico brasileiro repele as práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma ideia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé – trata-se de parte pública ou de parte privada – deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência do processo”.22 A esse fundamento ideológico, na oportunidade em que surgiu o CPC de 1973, ecoava o diagnóstico número expressivo de processos, agasalhava lides temerárias e a conduta das partes longe se encontrava da retidão. Uma tese acadêmica assinalou: “… examinem-se, atentamente, de modo geral, e causará pasmo como a falta de direito, na maioria dos processos, é manifesta. Podem variar os incidentes e os aspectos, mas a conclusão é uma só, na absoluta maioria das ações: pululam a malícia, a astúcia, o erro grosseiro, a fraude mesmo, em matizes diversos que não escondem o abuso do processo”.23 Esse panorama sombrio têm causas sociais profundas. Não se difundiu suficientemente a solidariedade social. Essa indiferença oferece explicação para a atitude da pessoa pilhada furtando energia elétrica, que é conduta violentamente antissocial – se a metade dos consumidores não pagar, a outra metade pagará por todos, incluindo os inadimplentes –, sentirse no sagrado direito de reclamar da fiscalização, negar a autoridade, esquecendo-se que é a única beneficiária do “gato”, e alegar infração à privacidade, pleiteando indenização do dano moral… Evidenciaram-se os propósitos moralizadores do CPC de 1973 em copiosos preceitos de conduta. O NCPC lhe copiou a orientação. A Seção I – Dos Deveres – do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e de seus Procuradores – do Título I – Das Partes e Dos Procuradores – Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC dedica os arts. 77 e 78 aos deveres, prevendo a Seção II – Da Responsabilidade das Partes –, nos arts. 79 a 81, a tipificação das condutas reprováveis e suas sanções. E, sobrepairando, institui o dever de probidade no art. 5.º. E o art. 774 do Livro II – Do Processo de Execução – da Parte Geral os atos de má-fé na execução fundada em título extrajudicial. O descumprimento desses deveres resultará na imposição, basicamente, de sanções pecuniárias pelo mau comportamento. Não há exagero na afirmativa paradoxal que a sistemática buscou em ponto de equilíbrio, emprestando feição própria ao caráter social do processo. É que, de um lado, preservou o princípio da iniciativa (art. 2.º) e enalteceu o contraditório (arts. 9.º e 10), sementeira da visão liberal, e, de outro, procurou

obrigar as partes à retidão. Em relação ao CPC de 1973, o autor do anteprojeto admitiu esse objetivo paradoxal: “A discriminação dos deveres das partes e dos seus procuradores visa a definir-lhes o comportamento no processo não apenas em obediência a razões éticas, que por si sós seriam suficientes para justificar a sua incorporação ao código, mas por motivos estritamente jurídicos, a fim de adequar a conduta das partes à dignidade do instrumento de que se servem para obter a administração da justiça”.24 A estrutura do processo de conhecimento, no qual o contraditório encarrega a parte de alegar as próprias razões, trazendo o material de fato e os elementos de direito que lhe pareçam idôneos a persuadir o juiz a julgar a seu favor, constitui campo escassamente propício à exigência de fornecer e admitir, ao mesmo tempo, os fatos que podem favorecer o adversário. As partes não visam a um julgamento justo, mas ao resultado que lhes é vantajoso.25 De acordo com prognóstico pessimista, o dever de veracidade (art. 77, I) provavelmente jamais seria observado, mas produziria o resultado de embaraçar a parte mais honesta.26 No entanto, o legislador brasileiro não se curvou a essa diretriz, preferindo o inequívoco partido da moralidade. Um dos deveres mais expressivos, cujo descumprimento frustrará as finalidades da jurisdição, realmente, consiste no da veracidade na alegação dos fatos (art. 77, I). A desobediência a esse dever, alterando a verdade dos fatos (art. 80, II), uma vez constatada, gerará a imposição de uma multa, contada como custas e que reverte em benefício da parte contrária (art. 96), e do dever de indenizar o dano (art. 81, caput), agravando do custo financeiro do processo (art. 85). A repressão à inverdade no processo é um antigo problema. Vários remédios, como juramento de calúnia, originário do direito romano, ou a similar manquadra dos foros ibéricos, chegaram a ser acolhidos no direito pátrio (Ordenações Filipinas, Livro III, Título 43, § 2.º). Por intermédio do juramento de calúnia, o autor e o réu obrigavam-se a litigar de boa-fé, entendendo-se que o horror espiritual ao pecado do perjúrio coibiria a demanda injusta;27 porém, já no século XIX defendia-se a revogação desse juramento, porque impraticável conforme os relaxados costumes da época.28 Pois bem. O objetivo geral do dever de veracidade reside em criar óbice à mentira no processo. E o seu fundamento específico, extensivo aos demais deveres, baseia-se na natureza e nos fins do processo, instrumento que ultrapassa o objetivo primário das partes (resolução da lide) e serve à realização do direito objetivo ou, como quer o art. 8.º, os fins do ordenamento jurídico.29 A responsabilidade das partes por dolo processual, no direito brasileiro, não se assenta, senão remotamente, na teoria do abuso do direito, apesar dos entendimentos neste sentido.30 É no fim social do processo que se há de buscar as bases da disciplina em seguida estudada. 597. Natureza dos deveres das partes O art. 77 instituiu autênticos deveres para partes e procuradores.31 E aplicam-se a quaisquer processos, seja qual for sua função (cognição, execução ou asseguração), e o respectivo procedimento comum ou especial, a exemplo do mandado de segurança.32 Não se cuida, absolutamente, de ônus, porque a lei não conferiu às partes a faculdade de determinar o próprio comportamento, visando a alguma

vantagem, mas objetivou disciplinar-lhes a conduta, tutelando interesse alheio.33 A diferença repercute nas consequências. Segundo explicava o autor do anteprojeto do CPC de 1973, cuja palavra empresta autenticidade à interpretação dos textos equivalentes do NCPC, “como o ônus consiste na necessidade de realizar uma atividade, sob pena de sofrer um efeito danoso, pela ausência do ato só o litigante é atingido, podendo beneficiar-se o adversário; ocorrendo, todavia, o descumprimento de uma obrigação legal, nasce para a outra parte o direito de haver ressarcimento do dano que lhe foi causado”.34 É o que resulta do art. 79: quem litigar (autor, réu e terceiros intervenientes) de má-fé responde por perdas e danos, computando-se as multas pecuniárias em favor da contraparte (art. 96).35 A importância sistemática da responsabilidade das partes pelo uso impróprio do processo reside em iluminar aspecto que constitui autêntico dogma no estudo dos atos processuais: a relevância da vontade do agente e dos seus vícios. O que impediria, em tese, a emissão da sentença definitiva pelo juiz sob coação absoluta de uma das partes? O sistema já erigiu como causa de rescisão, expressivis verbis, do juiz que cometeu os fatos típicos (prevaricação, concussão e corrupção) do art. 966, I, e não pode ser infenso aos demais vícios da vontade. No tocante aos atos das partes, sobreleva-se o fato de os deveres do art. 77 assentarem na deformação da vontade; por exemplo, o inc. II reprime a pretensão do autor e a defesa do réu alegadas quando “cientes” as partes que “são destituídas de fundamento”. Da causa dos atos processuais, por sua vez entroncada no interesse processual, cogitou-se para identificar o merecimento da postulação (“meritevolezza della tutela richiesta”),36 cuja inexistência torna a lide temerária, entre nós figura prevista no tipo do art. 5.º (infra, 607.1). É impossível banir, em termos categóricos e definitivos, a vontade do agente na disciplina dos atos processuais. § 128.º Âmbito subjetivo dos deveres das partes 598. Sujeitos dos deveres das partes A identificação do âmbito subjetivo do complexo de deveres atribuídos às partes, tout court, afigura-se relevante em mais de um pormenor. Eventual limitação da órbita desses deveres às partes principais deixaria sem repressão atos que atentam contra a dignidade da jurisdição. Na realidade, todos os figurantes do processo submetem-se ao mesmo e draconiano regime (art. 77, in fine: “… e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo”. Desaparece, assim, a contradição intrínseca no título do item, pois se os deveres tocam às partes e de seus procuradores, de antemão ficariam definidos os sujeitos da responsabilidade. O advogado é, talvez, o participante mais ativo. Apesar do título do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e dos Procuradores –, evolui-se no sentido de eximir o representante técnico da parte, nesse tópico equiparado ao órgão judicial. Respondem fora do processo. 599. Responsabilidade do advogado por litigância de má-fé

O Capítulo II – Dos Deveres das Partes e dos Procuradores – do Título II – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos dos Processos – da Parte Geral do NCPC recebeu designação parcialmente imprópria. Suprimiu-se em nosso direito processual, de regra, a subordinação direta e incondicional dos advogados (ou procuradores das partes em juízo) ao poder disciplinar do órgão judiciário, inclusive no que tange aos atos processuais praticados em nome dos representados. Era outra a tradição do direito reinol. A Lei de 1769, dita Lei da Boa Razão, vigente no período da independência, e o art. 66 do CPC de 1939 previam a responsabilidade pessoal do advogado.37 A orientação em vigor transparece no art. 77, § 6.º, que retira do âmbito das sanções previstas no art. 77 os advogados públicos e privados. À dúvida que logo surgiu no direito anterior, relativamente aos advogados públicos, cujos misteres envolvem também atividades administrativas, limitadamente ou não, por conta do vínculo estatutário com a União, o Estado-membro, o Distrito Federal e os Municípios, e outras pessoas jurídicas integrantes da Administração direta e indireta, replicou o STF estendendo-lhes a prerrogativa.38 É a linha correta.39 Desse modo, os procuradores federais, que representam as autarquias em juízo, e, eventualmente, dispõe de competência administrativa para cumprir as ordens do juiz (v.g., a atribuição a alguma pessoa do benefício previdenciário, dentro de certos valores) não podem ser punidos por infração ao art. 77, como se entendia no direito anterior,40 e, agora, consta do parágrafo oitavo, que reza: “O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”. Por identidade de razões, os integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública também escapam a sanções pessoais, ao menos a esse título.41 Ressalva-se, por conseguinte, o alcance da designação do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e dos Procuradores –, apesar da intenção do autor do anteprojeto do CPC de 1973 de tratar conjuntamente as partes e os seus procuradores,42 nesse particular reproduzida, in totum, no NCPC. Essas disposições não atingem os procuradores (advogados públicos e privados).43 Além disso, o art. 79 desmente a impressão inicial, fixando a responsabilidade pela litigância de má-fé em quem pleitear como “autor, réu ou interveniente”. A jurisprudência do STJ não hesita em aplicar as penas da litigância de má-fé ao advogado.44 Se a orientação legislativa não é a desejável, parece melhor alterá-la, e, não, aplicar interpretação contra legem. 600. Responsabilidade das partes e dos terceiros por litigância de má-fé Em relação às partes propriamente ditas, a menção do art. 79, in fine, não oferece dúvida. Nada há a acrescentar. As partes são os destinatários naturais dos deveres do art. 77. A condição de pessoa jurídica de direito público da parte não a subtrai da incidência dos deveres comuns.45 Em particular, para os efeitos do art. 77, IV, e § 2.º, a responsabilidade do representante dessas pessoas, especialmente a autoridade coatora no mandado de segurança, afigura-se evidente. É

verdade que, na prática, o sacrifício econômico acabará suportado pela sociedade.46 Essa circunstância torna particularmente agudo o problema da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público nas multas cominatórias, a exemplo do caso do vulnerável que pede prestação positiva do Estado na área da saúde: os recursos advirão dos mesmos fundos que servem aos demais vulneráveis, realizando-se, portanto, em detrimento do conjunto. Mas, no plano sistemático, inexiste razão plausível para eximir as pessoas jurídicas de direito público do estrito cumprimento dos deveres processuais.47 Ao contrário, do ente público (e, a fortiori, do advogado público) exige-se atuação conforme à ética em grau superior à dos particulares. Da inscrição da multa como dívida ativa da União e do Estado, prevista no art. 77, § 3.º, não se extrai a ilação de não recair a sanção do parágrafo anterior nas pessoas jurídicas de direito público. O objeto desse crédito é a sanção porventura aplicada aos “serventuários”, conforme o art. 96, segunda parte, revertendo o benefício econômico para o fundo de modernização do Poder Judiciário (art. 97). Em havendo pluralidade de partes no polo ativo e passivo da relação processual, qualquer litisconsorte, individualmente ou não, pode praticar ato reprovável. Não importa como é designado. O requerente e o requerido, segundo a terminologia nos feitos de jurisdição “voluntária”, incluem-se neste âmbito. O sucessor da parte originária, porque se tornou parte a partir do seu ingresso, bem como os terceiros, que após a intervenção figuram como partes, encontram-se abrangidos. Nada há de peculiar na condição do assistente, simples ou não, do opoente (ou interveniente principal), do terceiro prejudicado que se legitima a recorrer (art. 996, caput) – na verdade, forma de assistência tardia –, da pessoa jurídica de direito público, que intervém com base em simples interesse econômico, e do curador especial. Convém não olvidar o amicus curiae.48 A responsabilidade deste assume peculiar importância. Intervindo em processo alheio, a fim de que certos valores políticos sejam respeitados, com maiores razões não se pode afastar da conduta reta e proba que a lei processual exige das partes (infra, 850). À exceção do órgão judiciário, os demais sujeitos da relação processual incorrem, destarte, na órbita dos deveres do art. 77, pouco importando a posição efetivamente ocupada.49 601. Responsabilidade do interveniente por litigância de má-fé A figura do “interveniente”, também aludida na parte final do art. 79, envolve pessoas que intervêm, eventualmente, no processo. A execução é especialmente pródiga em intervenções atípicas. O arrematante, o credor hipotecário que adjudica,50 e os credores que, nada obstante não averbaram a penhora, penhoram idêntico bem e formulam suas pretensões no concurso especial (art. 909), são intervenientes para os efeitos do art. 79. Não importa se tal intervenção torna essas pessoas partes ou se elas permanecem como terceiros. Todas praticam atos processuais e, portanto, têm responsabilidade pela litigância de má-fé. 602. Responsabilidade do Ministério Público por litigância de má-fé

Ao Ministério Público, na qualidade de parte ou de fiscal da lei (art. 178), tocam idênticos poderes e deveres que às partes. Não há razão plausível, portanto, para excluir os respectivos agentes da incidência do art. 77.51 O art. 93 estipula que as despesas pelos atos adiados (v.g., o Ministério Público não compareceu à audiência) ou repetidos ficarão a cargo, dentre outros responsáveis, do Ministério Público. Ao agente do Ministério Público incumbe restituir os autos retirados em vista no prazo legal (art. 234, caput), sob pena de multa pessoal (art. 234, § 3.º), apurada em procedimento administrativo (art. 234, § 5.º). Essas regras comprovam suficientemente a tese de o Ministério Público não se forrar aos deveres impostos às partes.52 Bem ao contrário: a elevada qualificação da partie publique exige maior veracidade, exatidão e compostura. Assim, deixando o Ministério Público de cumprir ordem judicial da qual é destinatário, o STJ decidiu que incide hoje a multa prevista no art. 77, § 2.º.53 A propositura de ação civil, em geral utilizada pelo Ministério Público, com “comprovada má-fé” acarreta, segundo o art. 18 da Lei 7.347/1985, a condenação em honorários e custas. Também poderá ocorrer, sob o mesmo fundamento, a condenação por dolo processual, relativamente a algum ato específico (v.g., a interposição de recurso manifestamente protelatório, a teor do art. 80, VII). 603. Responsabilidade da Defensoria Pública por litigância de má-fé A Defensoria Pública é instituição estatal permanente, que exerce função essencial à Justiça Pública, promovendo a defesa em juízo e fora dele dos interesses das pessoas naturais e jurídicas vulneráveis e desprovidas de recursos financeiros para pagar advogado privado e custear as despesas do processo. Para essa finalidade, considerando o catálogo inserido no art. 4.º da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, a Defensoria Pública exercerá três funções principais no processo civil: (a) a de parte principal, pois a lei conferiu-lhe legitimidade para conduzir processo em nome próprio, veiculando pretensões individuais e coletivas, inclusive as que respeitem à defesa de suas próprias funções e prerrogativas (v.g., mandado de segurança contra resolução do tribunal que nega ao Defensor Público assento no mesmo plano do Ministério Público, nas sessões de julgamento, a teor do art. 4.º, IX, c/c § 7.º, da LC 80/1994); (b) a de representante da parte necessitada; (c) a de curador especial (art. 72, parágrafo único, do NCPC). Parece intuitivo que, na condição de parte principal, a Defensoria Pública sujeitar-se-á aos deveres impostos às partes em geral. Dos órgãos estatais espera-se nada menos que conduta processual impecável, representando exceção a prática de atos processuais ilícitos, nesse caso punidos como quaisquer outros. Também como curador especial, em virtude do alcance do art. 77, caput, parte final, do NCPC, o órgão de execução da Defensoria Pública, ou Defensor Público, é destinatário dos deveres processuais. Por exemplo, incumbe restituir os autos retiradas em vista no prazo legal (art. 234, caput), sob pena de multa pessoal (art. 234, § 3.º), apurada em procedimento administrativo (art. 234, § 5.º).

Desempenhando a função mais usual de representante da parte necessitada em juízo, a Defensoria Pública, enquanto instituição, e o Defensor Público, com atuação no processo, desfrutam da alforria conferida aos advogados privados e públicos instituída no art. 77, § 6.º, subtraindo-os da autoridade do juiz. Caso particular, mas na mesma linha, reponta no procedimento administrativo, não restituídos os autos recebidos em vista fora de cartório (art. 234, § 5.º). É nessa função de representante de vulneráveis que, a despeito das recomendações de impessoalidade e de probidade e serenidade no trato da causa, que as paixões aumentam e rompem os controles, propiciando a prática de atos reprováveis. Além disso, como já se sublinhou há pouco, a ausência de risco financeiro – a condenação do necessitado vencido ficará suspensa, pelo prazo de cinco anos, subsistindo a situação de fato, após o que prescreverá a dívida (art. 98, § 3.º, do NCPC) –, enseja pretensões aventureiras. Nada afasta a responsabilidade por dano processual da parte vulnerável e patrocinada pelo Defensor Público. Essa qualidade não lhe assegura um bill of indenityquanto à litigância de má-fé,54 conforme estabeleceu, explicitamente, o art. 98, § 4.º Os ônus da infração aos deveres processuais, todavia, jamais recairão sobre a Defensoria Pública como instituição ou pessoalmente sobre o Defensor Público. 604. Responsabilidade dos participantes do processo por litigância de má-fé A Lei 10.358/2001, ao mesmo tempo que acrescentou ao catálogo do art. 14 o inc. V e seu parágrafo único, modificou o caput do art. 14 do CPC de 1973, indicando que os deveres mencionados nos respectivos incisos abrangem “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”. Fórmula similar encontra-se no art. 77, in fine, do NCPC. Em primeiro lugar, os auxiliares do juízo, a par dos deveres impostos por seu vínculo permanente ou eventual com o órgão judiciário, ficarão adstritos aos do art. 77. Os atos dolosos do escrivão e do oficial de justiça implicam responsabilidade pessoal (art. 155), mas regressiva. Não tem muita justificativa a adoção da teoria do escudo, pré-excluindo responsabilidade direta. No entanto, merece acatamento a política legislativa. Os atos culposos e dolosos do perito, ao invés, ensejam responsabilidade pessoal e direta, além de outras sanções (art. 158). Esses mesmos termos aplicam-se ao depositário e administrador (art. 161) e ao intérprete ou tradutor (art. 164, com remissão ao art. 158).55 Não há disposição similar quanto ao conciliador e ao mediador, mas nada os exime de indenizar por atos dolosos, a exemplo da quebra do dever de confidencialidade do art. 166. E, naturalmente, nenhuma palavra adianta o NCPC quanto ao onipresente e onipotente assessor. Em relação aos terceiros, a intervenção transforma-os em partes, a partir daí, tanto que para recorrer não precisarão demonstrar o interesse exigido no art. 996, parágrafo único. E, quanto às pessoas alheias ao processo, e que não “participam” do processo, forram-se a qualquer dever. É digno de nota que, cabendo ao terceiro “informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento” (art. 380, I) e exibir o documento ou a coisa em seu poder (art. 380, II), quanto a tais atividades grava-lhe os deveres do art. 77.

O alvo precípuo do art. 77, caput, reside no representante legal da pessoa jurídica de direito público. E, com efeito, a cláusula genérica do art. 77, caput, submete tais “participantes” do processo especialmente ao dever de cooperação (art. 77, IV). Neste sentido, a regra exibe expressivo potencial para induzir ao cumprimento da resolução judicial, seja qual for sua força ou conteúdo, pela Administração Pública. A simples advertência (art. 77, § 1.º, e art. 772, II), geralmente persuade à colaboração. Todavia, os servidores públicos e os agentes políticos têm sua atuação subordinada ao princípio da legalidade, e, às vezes, a relação hierárquica os inibe no cumprimento das ordens emanadas da autoridade judiciária. Eis a função da multa. Presume-se que, em lugar de arrostarem a multa do art. 77, § 2.º, pratiquem o ato de sua competência exclusiva. Deixando de fazê-lo, ou criando “embaraços”, principalmente através de atrasos e de tergiversações variadas, suportarão a multa. Vinculando a atividade administrativa ao princípio da legalidade, parece pouco provável que as autoridades competentes para inscrever a sanção como dívida ativa e executá-la omitam os atos do seu ofício, quiçá sob a aterrorizante fiscalização do Ministério Público, para beneficiá-los. O caráter persuasivo do expediente oferece boas possibilidades de êxito. Em boa hora, excluiu-se o advogado público da alça de mira do órgão judiciário, instando-o à prática do ato em lugar da autoridade competente (art. 77, § 8.º), coibindo prática corriqueira nos juízos federais. Enfim, todas as pessoas habilitadas à prática de atos processuais, sujeitos ou não da relação processual, podem incorrer nas sanções por litigância ímproba. § 129.º Âmbito objetivo dos deveres das partes 605. Caracterização dos deveres das partes em geral Como já assinalado, o estatuto processual de viés autoritário gravou as partes com múltiplos e rigorosos deveres. A técnica legislativa empregou, copiosamente, conceitos jurídicos indeterminados, levando tensões extremas ao desejável princípio da reserva legal nessa matéria. A concretização – palavra preferível na aplicação de normas elásticas – da atividade concreta das partes na tipologia dos deveres constitui tarefa de máxima delicadeza, exigindo energia e prudência em doses equivalentes. Os objetivos gerais dos deveres impostos às partes, sem dúvida produtos da concepção social do processo civil, mostram-se intuitivos e naturais. Em primeiro lugar, cumpre assegurar que o processo em si desenvolva-se normalmente, sem procrastinações indevidas e desvios imputáveis ao incorreto comportamento das partes. Além disso, a formação do convencimento judicial não pode ser perturbada pela alegação de fatos inverídicos ou a suscitação de questões de direito infundadas ou intencionalmente distorcidas. A conduta incorreta das partes, através dos seus procuradores, manifestase de duas maneiras complementares: (a) quanto ao conteúdo das alegações; (b) quanto à forma dessas alegações.56 Esses aspectos transparecerão no

exame dos deveres instituídos na lei para conter a atividade das partes dentro de limites eticamente desejáveis. À caracterização desses deveres, e, inversamente, a conduta que lhes infringe, como adiante versado, interessarão somente as regras que reprimem a má-fé e impõe-lhe, dentre outras sanções, o dever de indenizar (art. 79). Há casos em que a parte vencida obriga-se a indenizar o adversário em virtude de outros princípios. É o que acontece na execução provisória (art. 520, I), na execução injusta (art. 776) e na “efetivação” (rectius: execução) – jamais da mera concessão – da tutela provisória de urgência (art. 302). 606. Dever de veracidade No processo civil, o primeiro dever imposto às partes consiste em “expor os fatos em juízo conforme a verdade” (art. 77, I). A verdade é, sobretudo, um problema filosófico. Não tem solução definitiva ou plenamente satisfatória nesses domínios. É impossível evitá-lo, todavia, como sucede com o da justiça, igualmente transcendente ao processo. As partes e o órgão judiciário invocam, amiúde, a justiça para lhes justificar os atos, a despeito de falta base unívoca e objetiva a esse valor universal, nem fundar-se no consenso geral. O mesmo acontece com a verdade. Ademais, o processo civil não tem por finalidade alcançar a verdade – em qualquer das suas espécies, inclusive a histórica. O descobrimento da verdade é instrumental, visando a permitir o juiz de aplicar o direito à espécie. A instituição de um dever geral de veracidade das partes no processo civil suscitou várias objeções e judiciosos receios. Segundo a versão branda da resistência, o princípio dispositivo, inelutavelmente, autoriza o autor a joeirar os fatos que lhe são mais favoráveis, apresentando somente a eles na petição inicial. Por exemplo, podendo a mulher alegar contra o marido adultério e embriaguez, como graves infrações aos deveres do casamento que tornaram insuportável a vida em comum, na inicial expõe apenas os fatos concernentes ao adultério, cuja prova disponível parece mais forte e convincente, ou porque não deseja atrair chistes desairosos sobre si. E, de toda sorte, o autor sempre descreverá esses fatos na perspectiva mais plausível e adequada ao sucesso da demanda, omitindo, por exemplo, a própria tolerância e perdão. Em contrapartida, o princípio da igualdade recomenda análogo tratamento ao réu, na oportunidade de impugná-los de forma específica (art. 341, caput) ou de arguir as exceções e objeções substanciais que lhe competem na defesa. Por outro lado, a dialética intrínseca ao processo, da qual o contraditório constitui a expressão máxima, sugere só contarem as partes com a própria capacidade de argumentar para obter êxito, representando flagrante contradição exigir-lhes que, ao desincumbirem-se do respectivo ônus, também favoreçam o adversário, apresentando elementos que o ajudem. Um dever desse porte teria escassa probabilidade de ser cumprido e embaraçaria, provavelmente, a parte mais honesta ou ingênua.57 É intuitiva, nada obstante, a necessidade de a lei exigir veracidade na alegação dos fatos, objeto do dever do art. 77, I, impondo limites estreitos às partes. A evidente conexão da forma como esse material aporta no processo

e a sua ulterior disciplina probatória já indica o relevo do ponto. A alegação de fatos inverídicos por qualquer das partes, a par de colocar o adversário em sérias dificuldades para refutá-los, implicaria imenso desperdício de atividade processual. O adversário do litigante mendaz mourejaria para provar o fato real, as partes enveredariam por caminhos tortuosos e paralelos, forcejando a erradicação da prova do falso. Do seu êxito, ou não, na expulsão do inverídico e na reconstrução do veraz dependerá a maior ou menor correção do ulterior julgamento. Se o órgão judiciário julgar iludido por alegações falaciosas, apoiado na farsa arquitetada pela parte desonesta, fatalmente a decisão revelar-se-á injusta. Denegada a apelação, tal julgamento errôneo presumivelmente tornar-se-á definitivo: o recurso especial e o extraordinário só reexaminam questões de direito. Após o trânsito em julgado, à parte vencida resta socorrer-se da rescisória (art. 966, VI), duplicando os esforços para repelir a falsidade. Houve-se com acerto, em suma, o legislador brasileiro ao não abdicar dos mais elevados éticos no plano jurídico. Verdade que semelhante dever introduziu-se no direito alemão através da reforma da ZPO em 1933,58 nos primórdios do regime nazista, mas a origem duvidosa não lhe diminui o mérito. O dever de veracidade no processo civil não difere do comportamento que a ordem jurídica impõe dos sujeitos de direito na esfera privada. Só a conduta humana correta e veraz pode ser estimada conforme ao direito. É no processo, mais do que alhures, que não se pode abdicar da virtude, introduzindo a mentira para lograr sucesso.59 Em processo civil, o dever de veracidade exprime-se em duas diretrizes convergentes: (a) o dever de a parte alegar somente fatos verdadeiros, abstendo-se de alegar os que saiba serem inverídicos (proibição da mentira); (b) o dever de a parte alegar todos os fatos verdadeiros, abstendo-se de omitir os fatos relevantes que conheça e, eventualmente, favoreça no todo ou em parte o adversário; (c) o dever de depor com veracidade.60 É um regime rigoroso,61 mas útil e ético. Em última análise, adota-se a fórmula do juramento clássico: dizer toda a verdade e nada mais do que a verdade. O velho adágio nemo tenetur edere contra se não tem sentido perante o art. 77, I.62 Os fins sociais do processo civil elidiram essa visão individualista. Não faltam objeções a essa extensão do dever de veracidade. Volvendo ao exemplo da separação, o marido A que, pretendendo separar-se da mulher B, em lugar de alegar o motivo real da impossibilidade da convivência, que é o adultério, pode alegar outra causa de pedir hábil, como a embriaguez.63 Em tal hipótese, o autor descumpriu o ditame de dizer todos os fatos verdadeiros; todavia, o princípio dispositivo permite-lhe escolher uma dentre as causas de pedir porventura existentes, e, assim, selecionar os fatos trazidos a juízo.64 Por isso, não há infração ao dever de veracidade, neste caso, porque o autor alegou todos os fatos verdadeiros, e somente fatos verdadeiros, quanto à embriaguez. O dever de veracidade se harmoniza com o princípio dispositivo e respeita aos fatos constitutivos (ou principais) dacausa petendi efetivamente deduzida. Por sua vez, o art. 341, caput, primeira parte, impõe ao réu o ônus de manifestar-se precisamente sobre os fatos alegados na petição inicial. Logo,

reclama manifestação precisa do réu sobre o conjunto da alegação de fato, abrangendo todo o episódio da vida individualizado na petição inicial, no que ele tem de essencial e secundário. Pesa-lhe nessa atividade o dever de veracidade (art. 77, I). Não é lícito ao réu, desincumbindo-se de ônus que, uma vez descumprido, torna o fato independente de prova (art. 374, II) e precipita o julgamento do pedido (art. 355, I), tanto negar fatos que, segundo a prudência comum, não pode ignorar que sejam verdadeiros, quanto deixar de discutir os fatos afirmados pelo autor a cujo respeito desconhece a veracidade ou a falsidade.65 Assim, cumpre ao réu negar, no caso da ação de separação fundada na embriaguez, a ingestão de bebidas alcoólicas e a impossibilidade de manter a comunhão de vidas no casamento. É indispensável, todavia, que negativa seja geral e não ofenda o dever de veracidade. É desnecessário apresentar outra versão para os mesmos fatos (impugnação indireta), hipótese em que, obrigado a “expor os fatos em juízo conforme à verdade” (art. 77, I), criará para o juiz grave problema: descobrir qual das partes não afirmou fatos verdadeiros. Em relação ao art. 63, caput, do CPC de 1939, o atual art. 77, I, reproduzindo o CPC de 1973, dispensou o advérbio “intencionalmente”. Era exigido o dolo.66 A primitiva redação dos incs. II e III do art. 17 do CPC de 1973 empregava o advérbio intencionalmente, outra vez indicando a necessidade da ação ou omissão dolosa. Essa mudança do texto não importa o desaparecimento integral do elemento subjetivo. Ele deve ser analisado em cada caso. A lei não reprova a parte que acredita no que afirma.67 Por isso, a boa-fé objetiva não se localiza na raiz do dever de veracidade.68 A atitude da parte perante o fato alegado predomina na caracterização da infração. O art. 80, II considera litigante de má-fé a parte que alterar a verdade dos fatos em tais termos (infra, 607.2). O objeto do dever de veracidade recai sobre as alegações feitas quanto aos fatos, mas não se aplica relativamente às questões de direito,69 porque iura novit curia.70 Lícito se afigura à parte invocar os precedentes jurisprudenciais e os excertos da doutrina que lhe são favoráveis, omitindo os desfavoráveis, sem incidir nos tipos do art. 77, I e II.71 É diferente a hipótese de litigar contra expresso texto de lei (art. 80, I). Já quanto ao direito local (estadual e municipal), incumbe à parte provarlhe a vigência e teor, consoante o art. 376, incide o dever de veracidade.72 É mais crítico o problema resultante da errônea invocação de precedentes e da doutrina pertinente ao litígio. O art. 34, XIV, da Lei 8.906/1994 veda ao advogado “deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa”. Facilmente se compreende essa proibição, do ponto de vista do órgão judiciário: a deturpação provocaria perplexidade no espírito do juiz. Infelizmente, nada exclui a pura e simples falsificação do precedente. Ressalva feita ao erro escusável, sempre sob o fundamento de que ao juiz é dado conhecer o direito, na deturpação e na falsificação ocorre infração, não ao dever de

veracidade, mas ao de probidade (art. 5.º), sob a forma de procedimento temerário (art. 80, V). Por fim, convém realçar que o dever de veracidade das testemunhas, previsto no art. 458, caput, obedece a outros princípios. 607. Dever de probidade O art. 5.º deslocou o dever de probidade do catálogo do art. 77, emprestando-lhe feição mais geral, e gravando todos os que participem do processo com atuação de acordo com a boa-fé. Recai sobre as partes, sobretudo, a exigência de comportamento leal e de boa-fé na prática dos atos processuais. Segundo a opinião prevalecente no direito anterior,73 o dever de boa-fé decorre, simplesmente, do dever de veracidade. No entanto, a conjugação desses conceitos jurídicos indeterminados – e o da boa-fé profusamente estudado no âmbito da lei civil –, aumenta-lhes a interação recíproca. O resultado é um dever de estatura superior. O dever de veracidade soa mais restrito nessa dimensão.74 A melhor expressão do dever constante do art. 5.º é a probidade – a boa-fé, de resto, perpassa toda a relação processual.75 É inexata, portanto, a filiação do dever de probidade ao de veracidade, porque este alude ao conteúdo da atividade das partes, enquanto a probidade envolve a forma dessa atividade. A boa-fé das partes se presume.76 O descumprimento ao dever de probidade constitui a exceção. Diversas disposições confirmam a regra. Assim, a alegação do autor de que não pode antecipar o pagamento (art. 82) e, se vencido, suportar as despesas do processo sem prejuízo do sustento próprio e da família, feita na petição inicial, garante-lhe o benefício da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural (art. 99, § 3.º), cabendo a prova contrária ao adversário (art. 100, caput). O exemplo revela o caráter ilusório da presunção da boa-fé nessa área. A parte requer o benefício da gratuidade, disponha ou não de recursos financeiros, e transfere ao adversário imensas dificuldades. Desaparecido o risco financeiro do processo, fomentam-se pretensões aventureiras a granel. Por essa razão, o benefício da gratuidade não isenta a parte das sanções por litigância ímproba (art. 98, § 4.º). A atitude da parte representa manifestação de exacerbado individualismo e ainda maior irresponsabilidade social ao pleitear o benefício indevido, mas o processo, a priori, não a pode controlar. O dever de probidade se expressa de dois modos: (a) positivo; e (b) negativo. Do ponto de vista positivo, das partes reclama-se estrita obediência às regras do contraditório do processo, respeitando as faculdades da parte contrária.77Lealdade significa “pautar os atos em correspondência com a lei”.78 A lei institui os requisitos da petição inicial (art. 319) e da contestação (art. 336), bem como o dos ulteriores trâmites do processo, fixando a produção da prova documental na inicial e na contestação (art. 434, caput). O objetivo da produção da prova documental nos atos postulatórios principais é evidente. Incumbe às partes, por assim dizer, desde logo pôr as cartas na mesa. É mister respeitar tais regras, criando processo regular e hígido, o único idôneo a atingir seus fins. Assim, ocultar o documento, produzindo-o posteriormente, implicará deslealdade.

Falta a parte, exemplificativamente, ao dever genérico de probidade nas seguintes situações: (a) o autor indica seu próprio domicílio erroneamente, a fim de beneficiar-se de foro privilegiado ou dificultar a defesa do réu; (b) o réu arrola testemunha inexistente, ou aponta-lhe o endereço inexistente, procrastinando a intimação para a audiência ou inviabilizando o ato. Logo se percebe que a autoria desses atos é mais do advogado que da parte. Não há dúvida que, na dinâmica forense, o dever de lealdade compete mais aos procuradores, “sobretudo quando o cliente não apresente condições sociais, profissionais ou culturais suficientes para engendrar os fatos recriminados na lei”.79 Mas, a tradição do direito pátrio exime o advogado do controle do órgão judiciário (art. 77, § 6.º), restando-lhe a responsabilidade administrativa perante a OAB.80 A conduta das partes no curso do processo precisa evidenciar a consciência de cumprir as regras processuais de forma lhana e precisa, ensejando resultados úteis na função processual concretamente adotada. Na perspectiva contrária, o art. 80 ocupou-se em enunciar as hipóteses em que as partes se comportam de má-fé no processo civil. A própria má-fé não logrou definição explícita. Todavia, a caracterização da má-fé, nas hipóteses do art. 79, permite, a contrario sensu, chegar-se à elucidação da boa-fé, e, conseguintemente, ao conteúdo do dever de probidade. Na redação originária do CPC de 1973, abundavam alusões ao elemento subjetivo. Por exemplo, no inc. II do art. 17 do CPC de 1973 mencionava-se a proibição de “alterar intencionalmente a verdade dos fatos”. Trocou-se por fórmula mais objetiva e sintética – “alterar a verdade dos fatos”, reproduzida no art. 80, II, do NCPC. A modificação visou restringir a predominância da atitude psicológica do litigante em alguns tipos legais. No entanto, opor resistência “injustificada” (art. 80, IV), “proceder de modo temerário” (art. 80, V) e o “intuito” de provocar incidentes “manifestamente infundados” (art. 80, VI), retratam situações em que a intenção malévola (dolo ou culpa grave) não pode ser dispensada. Se a finalidade consiste em objetivar a atividade das partes, expulsando o elemento subjetivo, forçoso admitir que o legislador alcançou apenas êxito parcial neste intento. Vale, por conseguinte, a conclusão externada antes da mudança e do advento do NCPC: há casos de má-fé em que a lei exige o elemento subjetivo explicitamente, mas há os que a indagação da intenção é secundária.81 Ao caráter elástico do catálogo previsto no art. 80, acresce o fato que a lei processual “tratou de alargar, reiterar e especificar as hipóteses legais” em outros dispositivos, como se observou no direito anterior,82 valendo idêntica observação no NCPC. Portanto, entende-se exemplificativas as hipóteses de má-fé previstas no art. 80. 607.1. Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso – O art. 80, I, aplica-se ao autor, ao narrar os fatos e alegar as questões de direito na petição inicial, e ao réu, ao responder. Este é o sentido das palavras pretensão e defesa, inseridas nesse dispositivo – “defesa” há de se compreender no sentido mais lato possível.83 Por outro lado, o art. 80, I, especifica o dever instituído no art. 77, II, proibindo às partes formular pretensões, ou apresentar defesa, cientes que “são destituídas de

fundamento”. O art. 80, I, retirou o elemento subjetivo, mas ele permanece implícito. É digna de nota a aparente proscrição da chamada lide temerária. Essa figura convolou-se no tipo do art. 80, I, no alvitre do direito anterior dessa conduta encontrar-se suficientemente abrigada no exercício de pretensão manifestamente contra legem.84 Exemplo de pretensão temerária, arrostando o art. 80, I, reside na pretensão do autor de renovar demanda anteriormente extinta com fundamento em coisa julgada (art. 486, caput). Nada o impede de demandar. Porém, renovando a pretensão de reexaminar assunto definitivamente julgado, deduz pretensão contra texto expresso de lei. Por vezes, o autor utiliza determinada pretensão (v.g., a exibição dos extratos de conta corrente contra a empresa de banco), com outro propósito, todavia oculto, como o de demandar terceiro. Essa hipótese recebeu análise no direito italiano como representativa de demanda temerária.85 Tal é a solução no direito pátrio. A improcedência da ação, por si mesma, não indica lide temerária. É preciso, nos termos do art. 80, I, a falta manifesta da possibilidade de êxito, porque falta fundamento idôneo à pretensão.86 Em outras palavras, impõe-se que o exercício da pretensão “tenha sido o resultado de um erro tão ostensivo, de uma leviandade tão palmar, que só o espírito de aventura ousaria a temeridade de, na hipótese, recorrer a ele”.87 A causa do ato processual – pretensão ou defesa – necessita de análise para definir o tipo do art. 80, I. No direito italiano, o merecimento da pretensão ou da defesa (“meritevolezza della tutela richiesta”) indica a idoneidade da causa e oferece rumos para a interpretação desse dispositivo.88 Exemplo de lide temerária localiza-se na ação monitória. Ao propor esse remédio processual indevidamente, baseado em prova documental sem eficácia de título executivo (art. 700, caput), ou em prova oral documentada na forma do art. 381 (art. 700, § 1.º), e abstendo-se de emendar a petição inicial ao procedimento comum (art. 700, § 5.º), o juiz condenará o autor como litigante de má-fé, aplicando multa de até dez por cento sobre o valor da causa a favor do réu (art. 702, § 10). Por sua vez, embargando o mandado de injunção de má-fé, ao rejeitá-los, declarando a responsabilidade na forma do art. 76, o juiz condenará o réu na multa de até dez por cento sobre o valor da causa em favor do autor (art. 702, § 11). Essas disposições fitam, predominante o réu, porque ao autor, em dúvida quanto à eficácia executiva do documento, é lícito optar pelo procedimento comum (art. 785); porém, varia infração ao princípio da igualdade não se prevendo sanção equivalente à do réu. Aqui, como alhures, o órgão judicial aquilatará o conteúdo da pretensão e da defesa com prudência e moderação. Exclui-se a má-fé, de plano, nos casos em que interpretação do texto legal suscita controvérsia na doutrina e nos tribunais.89 A parte que perfilha corrente minoritária, ou expõe subsídios doutrinários e jurisprudenciais em sentido diverso do geralmente aceito, não descumpre o dever legal. Por óbvio, parece difícil localizar questão de direito que seja tão pacífica ou imune a controvérsias. O fato de a jurisprudência ter-se fixado em certa interpretação da lei, quer a tornando dominante, a ponto de integrar a súmula do tribunal inferior ou

superior (STJ e STF), atualmente desafia o art. 80, I. A súmula de jurisprudência dominante propicia, no julgamento dos recursos, a aplicação do art. 932, IV, situação que interessa ao abuso no ato de recorrer, examinado no item dedicado ao art. 80, VII. O entendimento da jurisprudência, consolidado ou não, costuma variar consoante circunstâncias de tempo ou de lugar. A simples mudança natural na composição nos órgãos judiciários, substituindo-se os julgadores mais antigos por outros, munidos de maior arrojo, assegura a evolução. Em tal contingência, exige-se das partes, para escapar à incidência do art. 80, I, que orientem suas alegações na causa, e, a fortiori, nos recursos porventura interpostos, no sentido de demonstrar o desacerto da interpretação dominante e a superação da ratio decidendi do precedente ou da súmula. O NCPC vincula os órgãos judiciários inferiores às teses jurídicas dos superiores (art. 927), e, naturalmente, o vínculo subordina a atividade das partes no processo civil. O art. 34, VI, da Lei 8.906/1994, proibindo o advogado de postular contra “literal disposição de lei”, presume a boa-fé do ato quando invocadas: (a) a inconstitucionalidade da lei; (b) a injustiça da lei; (c) pronunciamento judicial anterior.90 Incidirá o dispositivo, todavia, na hipótese de a parte invocar textos legais “evidentemente inaplicáveis aos fatos que alega”;91 ou alegar fato desprovido do efeito jurídico pretendido.92 Como já assinalado (retro, 606), o dever de veracidade não respeita às questões de direito. É lícito à parte invocar somente o direito que lhe favorece, transcrevendo nas peças escritas os precedentes que, supostamente, confortam sua tese jurídica. No entanto, falsificar o precedente favorável – por exemplo, invertendo o sentido da ementa do acórdão ou, simplesmente, inventando o julgado na verdade inexistente – constitui procedimento temerário (art. 80, V). O réu tem o ônus de impugnar “precisamente” os fatos narrados pelo autor (art. 341, caput). A omissão, respeitadas as exceções dos incs. I a III do art. 341, torna as alegações de fato do autor, no todo ou em parte, incontroversos. É vedado ao réu, assim, apresentar defesa que colida com o fato não impugnado ou admitido como verdadeiro. Por exemplo, defendendo-se da pretensão de reparar o dano verificado em acidente de trânsito, o réu admite que colidiu na parte traseira do veículo do autor, parado diante do semáforo com sinal vermelho, e, nada obstante, alega sua falta de responsabilidade. Escapa do tipo, todavia, alegando o réu parada abrupta do veículo do autor perante semáforo com sinal verde. Em tal caso, a defesa funda-se em nova versão (impugnação indireta), mostrando-se irrelevante a admissão parcial da alegação de fato do autor. Não se revela exato que somente o réu, nas condições aventadas, incida na parte final do art. 80, I.93 É que, cabendo ao réu alegar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos da pretensão (art. 373, II), o autor é instado a manifestar-se, no prazo de quinze dias, a teor do art. 350, e, neste caso, também lhe grava o ônus de impugná-los precisamente. Deixando de fazê-lo, tais fatos se tornarão incontroversos. Porém, tendo ciência que as alegações de fato do réu são verdadeiras, e, nada obstante, impugnando-os indevidamente, incidia sua conduta no art. 80, I.94

607.2. Alterar a verdade dos fatos – O art. 80, II, respeita ao conteúdo da demanda do autor e da resposta do réu. Esse dispositivo especifica o descumprimento ao dever de veracidade contemplado no art. 77, I. Três são as condutas reprováveis: (a) afirmar fato(s) inexistente(s); (b) negar fato(s) existente(s); (c) descrever os fatos sem correspondência exata com a realidade.95 Eliminado o elemento subjetivo, anteriormente expresso no advérbio “intencionalmente” da redação originária do CPC de 1973, e a despeito da relutância em admitir o reflexo dessa decisiva modificação,96 bastará a mera desconformidade objetiva entre a alegação e a realidade. O rigor torna a aplicação da regra assaz difícil. Em geral, o órgão judiciário revela-se leniente. Bem se compreende, então, a introdução do dolo – a vontade de desfigurar o fato.97 Em suma, as partes têm compromisso com a chamada verdade subjetiva – expõem os fatos tal como acreditam que realmente ocorreram. Não se exige correspondência objetiva com a realidade. Desta equivalência se encarregam as provas de apontar ao órgão judiciário a verdade – de toda sorte, o juízo a respeito é relativo. Por essa razão, o art. 504, II, declara insuscetível de adquirir a autoridade de coisa julgada “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”. 607.3. Usar o processo para conseguir objetivo ilegal – A proibição de a parte usar o processo para obter resultado contrário à lei, ou seja, ilegal, é inconfundível com a dedução de pretensão ou de defesa contra texto expresso de lei, situação prevista no art. 80, I, sob pena de tornar redundante o disposto no art. 80, III. O objetivo ilegal nada tem a ver com o objeto do processo, relacionando-se à litispendência em si, a exemplo do processo cujo único intuito consiste em exercer pressão psicológica ou econômica.98 É o caso de alguém forjar título executivo extrajudicial e executar o obrigado aparente para desmoralizá-lo, porque candidato em eleições próximas.99 O exemplo já indica que o art. 80, III, fundamentalmente abrange o autor, que dispõe da iniciativa de formar o processo e, por essa via, provocar constrangimentos ilegítimos no réu. O art. 80, III, distingue-se, por outro lado, da colusão de ambas as partes, prevista no art. 142. O primeiro contenta-se com a atuação do autor. Se o réu converge nesses propósitos, aliando-se ao autor, e ambas as partes miram objetivo ilegal comum, o caso escapa do art. 80, III. Não fica excluída a participação, ao lado do autor, de outro participante do processo, como o assistente e o litisconsorte.100 607.4. Opor resistência injustificada ao andamento do processo – O comportamento retratado no art. 80, IV – opor resistência injustificada ao andamento do processo – corresponde, em parte, ao dever erigido no art. 77, IV. À parte destinatária cabe, conforme se infere do art. 379, III, e do art. 77, IV, cumprir as ordens emanadas do órgão judiciário com exatidão – no tempo, no lugar e no modo prescrito –, e, na contrapartida, abster-se de atitudes tendentes a embaraçar, dificultar e inviabilizar a efetivação dessas ordens,

constantes de provimentos de tutela provisória (liminares) ou de provimentos finais. Em todo provimento judicial, com efeito, há ato de autoridade, um conteúdo prescritivo, haurido da declaração contida em todo pronunciamento do juiz, independentemente da força da resolução (retro, 230). A sentença que condena o réu a prestar quantia certa ao autor pressupõe, implicitamente, o atendimento voluntário do vencido ao comando judicial. Não ordena, propriamente, ao vencido cumprir, mas ordena que sofra execução no caso de descumprimento.101 A exata compreensão da teoria da força e dos efeitos das resoluções judiciais exibe elevada importância nesse assunto. A desobediência, por si mesma, da declaração, da constituição, da condenação, da ordem e da execução – ordinariamente realizada contra a vontade do vencido – não acarreta nenhuma sanção, apesar de não se tratar de comportamento conforme ao direito. A oposição à tramitação do processo é a velha e reprovável chicana – tergiversar, trapacear, enredar, cavilar, dificultar e assim por diante.102 A este velho e insolúvel problema o legislador brasileiro respondeu com a sua descrição na regra do art. 80, IV. Nos domínios da execução, muito propícios a essa resistência, há regra específica no art. 774, individualizando as formas de resistência mais comuns naquela área.103 O art. 80, IV, tem maior amplitude, portanto, que o art. 77, IV, porque pressupõe resistência “injustificada”. A inércia em si é tolerada, exceto quando há ordem específica a ser cumprida “com exatidão”. Essa particularidade explica porque a inércia do autor, abstendo-se de promover o andamento do processo, implicará a extinção da relação processual (art. 485, III), após prévia intimação da parte (art. 485, § 1.º) e requerimento do réu (Súmula 240 do STJ). Entendido o campo próprio, inserem-se no art. 80, IV, tanto comportamentos comissivos, que traduzem atos de protelação (v.g., ausentarse o executado do seu domicílio, a fim de evitar a citação; tal ato ensejará, respeitados os pressupostos, a aplicação do art. 830), quanto atos omissivos (v.g., deixar de comparecer à audiência, provocando-lhe o adiamento, e, por óbvio, deixar de cumprir as ordens do juiz).104 Fatos externos ao processo, como o atentado (art. 77, VI), entram na categoria.105 Embora o réu seja o alvo preferencial do art. 80, IV, não se descartam hipóteses a prática de atos de resistência pelo autor, desanimado pela probabilidade de insucesso da demanda.106 A perpetuação do litígio adquire, neste caso, a condição de valiosa moeda de barganha, induzindo o adversário exasperado a composição menos favorável que o desfecho presumível da causa.107 E, naturalmente, outros participantes da relação processual, inclusive o Ministério Público, podem adotar as atitudes reprovadas no dispositivo. 607.5. Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo – Na espécie do art. 80 V, interessa o comportamento afoito, precipitado, agressivo ou intolerante da parte no incidente ou no ato processual, independentemente de ter ou não razão, de meritis, em suas alegações. É inconfundível, de um lado, com a sustentação de pretensão ou de defesas temerárias, porque esse comportamento encontra-se descrito no art. 80, I, e, de outro, com a suscitação de incidente “manifestamente

infundado”, objeto do art. 80, VI. Trata-se, pois, de uma particularização da temeridade no ato ou no incidente, uma trava formal à conduta em si. O excesso de linguagem, previsto no art. 78, é um caso particular do procedimento temerário e violação do dever de urbanidade (infra, 611). E a falsificação da doutrina e da jurisprudência, em prol da tese jurídica sustentada, outro exemplo. Não bastará a simples imprudência ou imperícia da parte. O tipo exige dolo ou culpa grave.108 Por exemplo: (a) a distribuição de vários mandados de segurança idênticos, forçando a obtenção da liminar;109 (b) a repetição de recurso cujo objeto já mereceu apreciação desfavorável em outra oportunidade;110 (c) a alegação de nulidade do ato de intimação da sentença, por falta de identificação dos advogados, quando o nome constou da publicação.111 607.6. Provocar incidentes manifestamente infundados – O art. 80, VI, cogita, ao contrário da regra anterior, na suscitação de incidentes sem razão manifesta. Os “incidentes” mencionados abrangem os que a lei expressamente trata como tal (v.g., a exceção de suspeição; a impugnação ao benefício da gratuidade) e as pretensões incidentalmente arguidas, processem-se, ou não, nos autos originais. Os recursos, que se processam incidentalmente, com autuação apartada (v.g., agravo de instrumento) ou não, mereceram a regra específica do art. 80, VII. O processo constitucionalmente justo e equilibrado conterá apenas os atos e os incidentes realmente imprescindíveis à sua função técnica (cognição, execução ou asseguração).112 Entende-se por incidente “manifestamente infundado” o que revela, à primeira vista, a consciência da parte de que lhe falta razão, ou seja, não apresenta argumento sério e idôneo ao êxito. Daí por que não basta, à configuração do tipo, a rejeição do incidente. Em contrapartida, tampouco atende à infração o intento procrastinatório da parte, embora seja inevitável, em virtude da marcha natural do incidente, o desperdício de atividade processual. Por exemplo, alguém demandado em razão de acidente de trânsito, no lugar do evento (art. 53, V), alega incompetência, pretendendo deslocar o feito para seu próprio domicílio, pretextando que a tramitação do feito naquele local importar-lhe dificuldade no acesso à Justiça. O fundamento constitucional carece de seriedade e relevância, porque a regra de competência tutela a parte contrária. Em tal hipótese, o incidente é manifestamente contra legem, incidindo o art. 80, VI. Não se localiza, aí, a “convicção sincera, porém errônea”,113 ilidindo o comportamento desconforme ao dever de probidade. Não é indispensável, por outro lado, a reiteração da conduta reprovável, suposição tirada do uso do substantivo incidente no plural da regra anterior.114 Basta um só incidente para caracterizar o art. 80, VI. 607.7. Interpor recurso com intuito manifestamente protelatório – O emprego do poder de recorrer constitui fonte constante dos dissabores de quem situa a celeridade a todo custo como valor primacial do processo civil. Por um lado, o consenso geral recomenda que haja ao menos um reexame pleno da atividade do órgão judiciário, erradicando hipotéticos erros na atividade (error in procedendo) ou no juízo dos pronunciamentos (error in

iudicando). Essa diretriz subsidia a existência dos meios de impugnação. Entretanto, de outro lado, a prodigalidade na instituição formal dos meios de impugnação, evidenciada no já revisto rol do art. 994, somados a alguns sucedâneos criados e desenvolvidos com idêntico propósito, em parte inexorável, haja vista a organização judiciária brasileira, gerou um quadro complexo e custoso. O emprego normal das vias recursais do art. 994 já implica elastério considerável aos processos, tornando quimérica a promessa constitucional de duração razoável (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988). A essa atividade suplementar, parcialmente redundante e escassamente produtiva – quantitativamente, mais decisões são mantidas do que reformadas ou anuladas –, acresce a certeza, senão o receio da chicana mais banal: a interposição de todos os recursos concebíveis, formalmente corretos, e um a um, mas cujo desfecho a parte vencida tem consciência que jamais lhe favorecerá, deixando incólume o pronunciamento impugnado. Vale como exemplo conspícuo o uso dos embargos de declaração, utilizados para provocar o órgão judiciário quanto a supostos erros no provimento, como expediente preliminar à interposição do recurso efetivamente cabível (v.g., a apelação ou o recurso especial), prática comum e até estimulada, no caso do recurso especial, pelo entendimento do STJ no sentido da necessidade de “prequestionamento” explícito da questão federal. Em lugar de restringir os recursos, cortando o mal pela raiz, beneficiando a todos os litigantes, indistintamente, a técnica legislativa inclinou-se por coibirlhe o abuso do ato de recorrer, destacando do inc. VI do art. 80 o comportamento específico de interpor recursos “com intuito manifestamente protelatório. No que tange aos embargos de declaração, o mau uso recebeu reprimenda especial, constante no art. 1.026, § 2.º, reproduzindo regra derivada da Lei 8.950/1994 na vigência do CPC de 1973; quanto ao agravo interno, manejado contra as decisões do relator, o art. 1.021, § 4.º, por sua vez haurido da Lei 9.756/1998, também prevê sanção pecuniária ao recorrente vencido. Nos juizados especiais, diferentemente, a falta de êxito do recorrente provocará o agravamento do ônus financeiro do processo (art. 54 c/c art. 55, caput, da Lei 9.099/1995). Ocioso acrescentar que essas técnicas, malgrado a boa intenção, até agora não apresentaram resultados apreciáveis. Os órgãos fracionários dos tribunais relutam em declarar manifestamente procrastinatório o ato de recorrer e, em seguida, enquadrado o recorrente no art. 80, VII, aplicar-lhe a sanção correspondente. O uso do recurso próprio, nada obstante a reduzida possibilidade de êxito, por si só não caracteriza abuso.115 A relutância dos tribunais não impede a identificação das hipóteses em que o ato de recorrer constitui abuso flagrante: (a) apresentar fundamentos inovadores no recurso, insuscetíveis de serem apreciados; (b) apresentar fundamentos incongruentes com a decisão impugnada; (c) recorrer de pronunciamento favorável; (d) interpor recurso impróprio; (e) interposição de mais de um recurso para a mesma finalidade.116 Os efeitos próprios dos embargos de declaração, os quais suspendem a eficácia natural do provimento impugnado – ponto controvertido, haja vista o manejo dos embargos adiar indefinidamente o cumprimento da resolução judicial, o que é mal menor, perante a dificuldade real e concreta de executar decisão viciada, hoje superado pelo art. 1.026, § 1.º, do NCPC –, e, ao mesmo tempo, interrompem o prazo para interpor o outro recurso porventura

cabível (art. 1.026, caput), em tese, assoalham seu uso abusivo. Em contrapartida, os órgãos judiciários têm extrema má vontade em explicitar provimentos incompletos, exprimindo, outra vez, o pensamento obliterado ou lacônico. A interposição sucessiva de embargos de declaração repetitivos, ou em cascata, é fato comum e incômodo. Por essa razão, o art. 1.026, § 2.º, especificou a má-fé neste recurso, em termos similares à cláusula geral do art. 80, VII. A diferença corre por conta da sanção potencializada: (a) na primeira oportunidade, a multa não excedente a dois por cento sobre o valor da causa; (b) na reiteração dos embargos – insistência da parte em retocar o pronunciamento já embargado no mesmo ponto –, elevação dessa multa para dez por cento, ficando a interposição do recurso subsequente subordinada ao prévio pagamento, exceto no caso da Fazenda Pública e do beneficiário da gratuidade, cujo pagamento fica postergador para o final; (c) na terceira reiteração, considerados os dois embargos anteriores protelatórios, a inadmissibilidade de novos embargos de declaração. Também aqui, sem embargo, e com as devidas cautelas, é possível apontar hipóteses de embargos de declaração manifestamente protelatórios: (a) interpor os embargos sem apoio nas respectivas hipóteses de cabimento; (b) interpor os embargos com o intuito de obter novo julgamento; (c) interpor os embargos para obter correção insignificante, como o do erro gramatical; (d) interpor os embargos para sustentar interpretação distorcida da decisão; (e) reiterar os embargos de declaração já rejeitados, insistindo em retocar o mesmo ponto já apontado como viciado, de acordo com o art. 1.022. Se, ao invés, a parte pretende tão só “prequestionar” a questão, exigindo, por exemplo, a indicação do dispositivo legal, o que ensejaria a interposição do recurso especial, a Súmula 98 do STJ repele o caráter protelatório. E, de qualquer modo, as questões de direito alegadas consideram-se prequestionadas, embora não admitidos ou rejeitados os embargos de declaração (art. 1.025,caput). Finalmente, o art. 1.021, § 4.º, considera de má-fé a interposição do agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente (rectius: infundado), sujeitando o recorrente ao pagamento da multa de um a cinco por cento do valor atualizado da causa. O pagamento dessa multa, uma vez aplicada, torna-se pressuposto de cabimento do recurso posterior eventualmente cabível (recurso especial ou recurso extraordinário), a teor do art. 1.021, § 5.º, exceto, outra vez, a Fazenda Pública e o beneficiário da gratuidade, que pagarão no final. O agravo interno manifestamente inadmissível resulta da falta de cumprimento de alguma condição de admissibilidade do recurso, como a tempestividade, a legitimidade, e a motivação (v.g., em lugar de combater o errôneo emprego da faculdade do relator, reitera os fundamentos do recurso repelido nesta decisão). É mais delicado o problema atinente ao agravo interno manifestamente infundado, porque os tribunais superiores exigem o esgotamento das vias recursais anteriores para admitir o recurso especial e o recurso extraordinário. Embora o relator haja aplicado correta e restritivamente o art. 932, III, IV e V, a interposição do agravo interno torna-se compulsória para a parte que almeja obter a revisão do pronunciamento. De resto, no direito precedente o relator julgava singularmente com inaudita desenvoltura. Não raro o relator dá

provimento ao recurso com base no entendimento prevalecente no órgão fracionário, e, não, fundado na jurisprudência dominante do STF e do STJ, nos termos expressamente preconizados pelo art. 932, V. Como quer que seja, neste tópico também valem as considerações já feitas no exame do art. 80, I: ao recorrente incumbe alegar a injustiça da tese jurídica fixada na súmula de jurisprudência dominante, a ausência de condições de aplicá-la ao caso concreto e o flagrante contraste com a lei ou a Constituição. Ficará excluída qualquer sanção ao recorrente que, impugnando a literalidade do verbete da súmula, focaliza esses aspectos nas razões do agravo interno. 607.8. Praticar inovação ilegal no estado de fato – A litispendência não detém o fluxo da vida, mas as partes não podem alterar unilateralmente o estado de fato. Essa é a regra básica da litisregulação. Dá-se o nome de atentado ao ato da parte e, no sistema do NCPC, desaparecido o remédio específico, o dever geral de preservar o objeto litigioso incólume, envolvendo bens e direitos, localiza-se no art. 77, VI, bem como as sanções próprias – o retorno ao estado prístino e a multa do art. 77, § 2.º –, acrescida da inconstitucional proibição de falar nos autos até a purga do atentado (art. 77, § 7.º). O atentado assume várias modalidades. Não se confunde com o descumprimento da tutela provisória (v.g., a pessoa jurídica A deixa de fornecer o medicamento Xao autor B) e, naturalmente, nada tem a ver com os atos de terceiro (v.g., o laboratório C deixou de importar o medicamento X, substituindo por Y). Representará atentado, por exemplo, o réu B alterar o canteiro de obras Z, eliminando as condições em que se produziu o acidente, cuja vítima A pede reparação de dano, e, dessa forma, inviabilizando a perícia. Completamente distinta será a situação se o canteiro modificou-se pelo progresso natural da obra. Logo, impõe-se a intenção da parte de modificar o estado de fato, prejudicando a contraparte, em nítida infração ao dever de probidade (art. 5.º, do NCPC). Em casos tais, ex officio ou a requerimento da contraparte, o órgão judicial (a) apurará a modificação, produzindo ou admitindo a prova hábil (v.g., a prova atípica da constatação oficial) e (b) determinará o retorno ao estado anterior, aplicando o art. 77, § 6.º. 607.9. Deixar de restituir os autos no prazo – O procurador da parte tem o direito de vista dos autos, fora de cartório, mediante carga (art. 107, II e III, e § 1.º). E, inovadoramente, o art. 107, § 3.º, cuidando-se de prazo comum e inexistindo prévio ajuste com o procurador da parte contrária, retirar os autos do cartório para obtenção de cópias, no prazo de duas até seis horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo. Em contrapartida, deverá restituir os autos na sede do juízo, findo o prazo (art. 234, caput). Esse dever toca aos advogados públicos e privados, aos órgãos da Defensoria Pública e do Ministério Público. Não importa que os haja retirado porque requereu vista fora de cartório (art. 107, II) ou porque lhe incumbe neles falar por determinação do juiz (art. 107, III), embora comum o prazo.

Segundo o art. 107, § 4.º, unicamente na hipótese do art. 107, § 3.º, ou seja, na retirada para obtenção de cópias no curso de prazo comum, não restituindo os autos no prazo perderá este direito “no mesmo processo”. À semelhança de outras normas sancionadoras, o parágrafo reclama interpretação estrita; por conseguinte, inverteu a situação do direito anterior, no qual a falta de restituição dos autos retirados para extração de cópias não lhe acarretava sanção.117 O sistema atual deixa sem sanção a falta de restituição no caso do art. 107, II (retirada para vista por cinco dias) e III (retirada para falar nos autos por determinação do juiz), e, principalmente, no caso de retirada dos autos para cumprir prazo comum em conjunto ou mediante ajuste prévio com a parte contrária (art. 107, § 3.º). Se o propósito do art. 107, § 4.º, era o de conjurar o descumprimento ao ajuste prévio do art. 107, § 2.º, a remissão só o art. 107, § 3.º, atinente à retirada para extração de cópias no curso do prazo comum – e, sem dúvida, a falta de restituição tempestiva prejudicará a contraparte –, mostra-se insuficiente e infeliz. É comum a restituição tardia dos autos. Raramente o procurador apresenta justo motivo (v.g., o furto dos autos que se encontravam no escritório ou no automóvel), elidindo a sanção. Esses atrasos devem-se ao emprego massivo de estagiário e à grande movimentação de papéis nos grandes escritórios de advocacia. Seja como for, não se aplicam, no direito vigente, as sanções outrora aventadas: (a) a obliteração do que escrito nos autos pelo advogado desidioso; (b) o desentranhamento alegações e documentos. Essas sanções não podiam, de fato, aplicar-se literalmente. Por um lado, o desentranhamento afigurava-se, em geral, inoportuno: a parte pode arguir matérias que ao órgão judiciário é dado conhecer de ofício, produzindo a prova documental respectiva, prejudicando esse ato radical o próprio ofício jurisdicional;118 de outro lado, o desentranhamento mostrava-se excessivo: no mínimo, a procuração permaneceria nos autos. A jurisprudência do STJ consolidou interpretação correta, distinguindo a restituição tardia e a apresentação da peça processual, acompanhada ou não de documentos. À tempestividade desta bastava o protocolo no prazo, a despeito de eventual entrega tardia dos autos nos quais o escrivão ou chefe de secretaria a juntaria.119 Era a parte quem sofreria as consequências dessas drásticas sanções, abstraída a “hipocrisia inconsciente e generalizada de atribuir-se à parte a consequência lesiva de seus direitos e interesses, em virtude de atos que ela, na verdade, não praticou”.120 E continua sendo, pois a conduta do procurador retardatário incide no art. 80, IV. Figurando a Defensoria Pública e o Ministério Público como partes, inclusive, quanto ao último, nos casos de parte coadjuvante (art. 178), os respectivos respondem pessoalmente pela multa de meio salário mínimo (art. 234, § 4.º), mas o órgão judiciário não dispõem de poder disciplinar sobre tais pessoas, razão pela qual comunicará o fato ao órgão competente (art. 234, § 5.º), in casu, da corregedoria da instituição. A devolução dos autos após o encerramento do prazo de vista fora de cartório atrasa, injustificadamente, o andamento do processo. E, com efeito, a presença física dos autos em cartório é indispensável à tramitação regular do feito. Por esse motivo, a retenção indevida reclama a providência do art. 234,

§ 1.º. Mas, o ato de improbidade caracteriza-se antes, decorrendo até mesmo da simples restituição fora do prazo legal. Infringido, portanto, o dever de probidade, a parte que constituiu o procurador retardatário, criando a confiança rompida com a restituição atrasada, indenizará o adversário, segundo as regras gerais. 607.10. Requerer a citação por edital com falsos motivos – Fora dos casos em que a lei exige a citação por edital (art. 256, III), a exemplo da ação de usucapião de imóvel (art. 259, I), essa modalidade de chamamento ficto pressupõe, às vezes, a afirmação do autor (art. 257, I, primeira parte) de que se configuram as hipóteses dos incs. I e II do art. 256, a saber: (a) desconhecido ou incerto o réu; (b) ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra. Essas hipóteses receberão exame no item próprio (infra, 1.212). Interessa, por hora, que a falsidade da alegação do autor, relativamente a tais pressupostos, quebra o dever de veracidade (art. 77, I) e o de probidade (art. 5.º), indicando procedimento temerário (art. 80, V).121 Verificada, posteriormente, a invalidade da citação por edital, porque não existiam dados reais para preencher os suportes do art. 256, I e II, o autor “incorrerá em multa de cinco vezes o salário-mínimo” (art. 258, caput, parte final), revertendo a multa em benefício do(s) citando(s), a teor do art. 258, parágrafo único. 607.11. Enviar fac-símile divergente do original – O art. 1.º da Lei 9.800/1999 autorizou a prática de atos processuais através de “sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar”, cabendo à parte, no prazo de cinco dias após o término do prazo primitivo e recepção do material, juntar a versão original. Entrementes, o juiz exercerá seu ofício – por exemplo, adiando a audiência – à vista da transmissão (art. 3.º da Lei 9.800/1999). A falta de fidedignidade da transmissão acarretará consequências de vulto. A lei reprime o abuso, sem embargo de outros efeitos, cominando ao usuário do sistema a pecha de litigante ímprobo, inexistindo “perfeita coincidência entre o original recebido pelo fac-símile e o original entregue em juízo” (art. 4.º, parágrafo único, da Lei 9.800/1999). Essa conduta da parte infringe ao dever de probidade do art. 5.º. É preciso que o original corresponda, literalmente, à peça enviada por fax. O procurador da parte deve abster-se de introduzir modificações de forma ou de conteúdo na petição já apresentada. Em certa oportunidade, proclamou o STJ: “A apresentação de original não apenas incompleto, mas também com trechos dissonantes da transmitida por fax autoriza a aplicação de multa por litigância por má-fé”.122 607.12. Informar o endereço residencial ou profissional – O art. 77, V, atribui às partes, precipuamente, e às demais pessoas arroladas no art. 77, caput, o dever de declinar, na primeira oportunidade que lhes incumba falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão as intimações pessoais, bem como comunicar qualquer modificação. Na verdade, o dever abrange o endereço eletrônico, a teor do art. 319, II, incluindo o do advogado (art. 287, caput, c/c art. 105,caput, e § 2.º), porque as

comunicações eletrônicas são o cerne do processo civil contemporâneo (art. 270). Os auxiliares do juízo também indicarão endereço eletrônico para recebimento de intimações pessoais (v.g., o perito, a teor do art. 465, § 2.º, III). Não há, ainda, ambiente eletrônico seguro e talvez jamais exista segurança absoluta. O passo é ousado e dependerá de avaliação futura os frutos dessa forma de comunicação. Abstendo-se os destinatários do art. 77, V, de comunicar o endereço ou sua mudança, opportuno tempore, sofrerão graves consequências. Presumem-se válidas as intimações endereçadas ao local inicialmente informado. A localização do art. 274, parágrafo único, sugere aplicar-se a presunção unicamente à intimação postal. Outra é a sistemática quanto ao advogado postulando em causa própria, conforme o art. 106, I e II, c/c § 2.º, in fine (“… ou meio eletrônico ao endereço constante nos autos”), generalizável à situação de postular em nome de outrem. Lícito presumir que intimações dirigidas ao endereço eletrônico da parte sejam efetivamente recebidas, salvo retorno do servidor. O descumprimento do art. 77, V, prejudicando o normal andamento do processo, atrai a incidência do art. 80, IV, e, portanto, o dever de indenizar do art. 79. 608. Dever de seriedade Também as partes têm o dever de fundamentar as suas postulações conforme ao direito. O art. 77, II, prescreve às partes o dever de não formular pretensões ou apresentar defesas “quando cientes que são destituídas de fundamento”. Trata-se do fundamento jurídico, a que alude o art. 319, III, e, portanto, o objeto da tutela são as razões de direito do autor, e, consoante o art. 336, no esquema aqui adotado (retro, 335), a impugnação de direito do réu. O acesso à justiça exige máxima seriedade das partes. Litigar convencido de que não se tem direito significa movimentar a máquina judiciária por espírito de emulação. Eis a diferença do dever instituído no inc. III do art. 77 do dever de veracidade (art. 77, I) e do dever de probidade (art. 5.º).123 Não se pode confundir, porém, a ausência de regra legal, ou a pretensão exercida contra sua literal disposição, e a consciência que a questão trazida à apreciação do órgão judiciário não tem o menor fundamento. Duas razões autônomas subsidiam a afirmativa: (a) a simples ausência de norma legal jamais impedirá o órgão judiciário de julgar a causa, porque situação prevista no art. 140, caput, hipótese em que o juiz socorrer-se-á dos recursos da hermenêutica (art. 8,º); (b) a norma legal pode mostrar-se inconstitucional. Por essas razões, e para distinguir a espécie do art. 80, II, da parte reclama-se consciência de a tese jurídica mostrar-se ostensivamente contrária ao direito. Por exemplo, deduzir pretensão indenizatória fabulosa,124 o que contravém a noção indisputável que a indenização mede-se pelo dano. Essa questão assumiu magnas proporções à luz do art. 927 do NCPC. Essa disposição reduziu de forma drástica a independência jurídica dos órgãos judiciários inferiores, subordinando-os às teses jurídicas firmadas nos incidentes de casos repetitivos (art. 928, I e II), e, de um modo geral, às

súmulas de jurisprudência dominante. O processo civil brasileiro sofrerá intenso debate em torno da constitucionalidade dessa mudança, promovida por lei ordinária, e da inevitável mutação do sistema jurídico. Com a palavra os versados nos domínios insondáveis da hermenêutica. Ao nosso ver, o direito brasileiro pertence à família da Civil Law e suas normas gerais e abstratas tendem à universalidade quanto aos elementos de incidência. O mérito da Common Law, no qual o respeito ao precedente e à lei é cultuado com afinco e veneração, consiste na sua intrínseca adaptação às situações supervenientes. Assim, por um lado os julgamentos são previsíveis e, por outro, as situações não contempladas nos precedentes suscitam debate hercúleo dos interessados. Nenhuma dessas condições de verificam, a rigor, no direito pátrio, em virtude da universalidade própria das regras gerais e abstratas, salvo lacunas (art. 140, caput). O tempo dirá se a mutação frutificará positivamente. Seja como for, não se pode negar o mérito do art. 927, mas há pressuposto ineludível para o êxito: os órgãos judiciários superiores precisam manter estável a jurisprudência (art. 926), principalmente o STJ, não decidindo a turma em certo sentido na sessão precedente e no oposto na sessão subsequente. Em última análise, aumenta a responsabilidade da assessoria do ministro. O descumprimento do dever de apresentar postulação juridicamente fundamentada tem exemplo significativo nos domínios da rescisória. O art. 968, II, estipulou como requisito de admissibilidade da rescisória o depósito da quantia equivalente a cinco por cento do valor da causa pelo autor, não excedendo a mil salários-mínimos (art. 968, § 2.º), ressalva feita às pessoas jurídicas de direito público, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o beneficiário da gratuidade (art. 968, § 1.º), embora tal condição não lhes imprima, necessariamente, seriedade às pretensões. O objetivo consistiu em inibir a multiplicação de rescisórias, tanto que sua eventual perda não compensa os prejuízos do réu, mas reprime o abuso do direito de demandar,125 decorrendo do fato objetivo da derrota avassaladora. Julgado inadmissível ou improcedente o pedido de rescisão, por unanimidade de votos, o depósito reverterá em proveito do vencedor, a título de multa. Em tal contingência, ocorreu infração ao dever de postular com fundamentos idôneos: a pretensão era complemente destituída de fundamentos. 609. Dever de economia A obtenção do máximo de resultados com o mínimo de esforços expressa, sinteticamente, a máxima da economia. A economia de atividade processual, opondo-se ao desperdício, à repetição e aos desvios, abrevia o tempo para o processo atingir suas finalidades próprias. Por esse motivo, o art. 77, III, constrange as partes a “não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito”. Logo se nota a flagrante conexão desse dever específico com situações já examinadas. Por exemplo, a interposição de recurso com intuito procrastinatório, a par de infringir o dever de probidade, enquadrando-se no caso do art. 80, VII, também constitui ato antieconômico, incidindo no art. 77, III. Essa sobreposição do comportamento reprovável das partes mostra-se inevitável. No entanto, a ênfase do art. 77, III, recai sobre a perda de tempo provocada pelo recurso protelatório, focaliza, então, o seu efeito, e, não, o ato

em si. Aplica-se às situações em que regra mais específica deixa a descoberto. O art. 77, III, institui para as partes o dever de economia, e, neste sentido, consagra no âmbito da lei processual o instrumento eficiente para coibir a excessiva duração dos processos. É um direito fundamental dos litigantes a duração razoável do processo (art. 5.º LXXVIII, da CF/1988 c/c art. 4.º do NCPC). Para essa finalidade, o processo há de ser econômico, limitando-se aos atos indispensáveis, coibindo-se os atos supérfluos e a atitude de prolongar a litispendência – Dum pendet rent (Enquanto pende, rende), reprovava a antiga máxima. Em vários casos, a lei individualiza os artifícios que implicam dilação indevida. O art. 77, III, aponta, em primeiro lugar, a produção da prova inútil e, de outro, utiliza cláusula mais genérica, complementada por outras disposições. Vale recordar que as despesas dos atos adiados ou repetidos serão suportadas pela parte que os tiver dado causa (art. 93). 609.1. Produzir prova inútil – Além de o art. 77, III, repelir a produção da prova inútil ou desnecessária, incumbe ao órgão judiciário, de acordo com o art. 370,caput, deferir a prova necessária e indeferir a prova inútil ou protelatória. Dois são os pressupostos: (a) a necessidade da prova; (b) a pertinência da prova. A necessidade da prova pressupõe a existência de fatos controvertidos no processo. Ao autor incumbe, na petição inicial (art. 319, VI), produzir a prova documental (art. 434, caput) e propor os meios de prova lícitos (art. 369) com os quais pretende provar a verdade dos fatos constitutivos alegados; por sua vez, o réu produzirá com a resposta a prova documental (art. 434, caput), e, na contestação, proporá os meios de prova lícitos para provar a inverdade dos fatos constitutivos (art. 336, in fine) e a verdade dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos porventura opostos à pretensão do autor. O juiz deferirá, no todo ou em parte, os meios de prova assim propostos, todavia, mostrando-se controvertidos os fatos alegados por autor e réu. São controvertidos os fatos impugnados “precisamente” pelo réu (art. 341,caput), e, relativamente aos fatos impeditivos, modificativos e extintivos, os que o autor impugnar, também precisamente, na oportunidade aberta na forma do art. 350. Fato incontroverso, porque admitido pela parte, não necessita de prova (art. 374, III). Em tal hipótese, a prova é inútil.126 Além disso, a prova documental, já produzida, não pode ser bastante, porque exclui a testemunhal ou porque os fatos só podem ser provados por prova pericial (art. 443, I e II). Revelando-se suficiente a prova documental, mesmo que a questão de mérito seja de direito e de fato, o juiz conhecerá diretamente do pedido (art. 355, I). Do contrário, o juiz fixará o objeto da prova, delimitando as questões de fato (tema da prova) na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, II). A existência de fatos controvertidos representa condição necessária, mas não suficiente para tornar útil a produção de meio de prova diverso do documental. É preciso que a elucidação do fato dependa de conhecimento técnico (art. 464, § 1.º, I, a contrario sensu), a exemplo da paternidade através do exame de DNA, ou que seja cabível a prova oral (depoimento pessoal ou

prova testemunhal), porque não exigida a prova documental (v.g., o casamento prova-se somente com a certidão do registro civil). O fato controvertido há de se exibir, ademais, relevante ao julgamento da causa. Em certa oportunidade, o STJ reputou inútil a prova da culpa do cônjuge, no que tange à fixação dos alimentos, porque a quantia devida decorrerá da apuração da necessidade do alimentando e da possibilidade do alimentante, e, não, da infração aos deveres do casamento.127 À luz dessas considerações, parece evidente que a oportunidade de a parte produzir prova inútil, como reclama o art. 77, III, para reprová-la, é muito restrita. Não basta propor a prova inútil. A única prova que a parte produz, independentemente do controle do órgão judiciário (art. 370, parágrafo único), a priori, é a documental. O controle ocorrerá a posteriori (art. 436, I). Em tese, juntar documentos irrelevantes, tão só para aumentar o número de volumes dos autos, e, assim, desestimular o exame atento e rápido do órgão judiciário, incide no art. 77, III. É fato conhecido que, operando segundo a lei de menor esforço, os autos com poucas peças têm mais probabilidade de serem examinados pelo juiz. Fora daí, porém, não se pode reprovar a parte porque o adversário não confessou, as testemunhas nada esclareceram e o exame, a vistoria ou a avaliação não se mostraram conclusivos. 609.2. Praticar atos procrastinatórios, supérfluos ou impertinentes – Aos atos manifestamente protelatórios, impertinentes ou supérfluos alude o art. 77, III, e provocam a procrastinação do feito, via de regra denotando resistência injustificada à tramitação do processo (art. 80, IV). Os atos processuais adquirem essas características através do exercício desnecessário das faculdades processuais em duas situações: (a) o resultado prático já se encontra alcançado por outra via; (b) o fim almejado seria alcançado independentemente do ato praticado.128 Por exemplo, o litisconsorte, beneficiado pelo provimento do recurso do parceiro, interpõe novo recurso; interpõe-se recurso contra a decisão favorável; e assim por diante. A impugnação ao ato não precisa ser prévia ao seu deferimento ou à sua efetivação.129 Às vezes, só depois de realizado o ato estampar-se-á a respectiva impertinência. Então é que surgirá a oportunidade hábil para impugná-lo, através de simples petição.130 Em virtude da declaração do caráter inútil, supérfluo ou impertinente do ato, a respectiva despesa torna-se irrepetível do vencido. 609.3. Deixar de alegar as exceções materiais na primeira oportunidade – O réu tem o ônus de alegar na contestação toda a matéria de defesa, em razão do princípio da eventualidade, abrangendo a defesa indireta de mérito, ou exceções materiais. A lei processual preferiu a terminologia de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão do autor ao conjunto destas questões. Excepcionalmente, o réu poderá alegar tais exceções em momento ulterior, porque alegáveis “em qualquer tempo e grau de jurisdição” (art. 342, III, in fine, do NCPC). É o caso notório e conspícuo da prescrição (art. 193 do CC).

De acordo com o art. 487, II, a prescrição também constitui matéria que o juiz deve conhecer de ofício. Tal circunstância não enfraquece o raciocínio exposto. A lei tratou da mesma forma a inércia da parte na iniciativa acessória em provocar a apreciação do órgão judiciário acerca de questões de ordem pública (retro, 101). A alegação das exceções materiais fora da primeira oportunidade de o réu combater a pretensão do autor, que é a contestação, obviamente implicará transtorno aos trâmites do processo. Ela provocará perda de tempo e de atividade processual. O exemplo da prescrição soa convincente e elucidativo. Trata-se de questão de mérito, mas prévia, cujo acolhimento torna inútil perquirir a existência da pretensão, às vezes dependente de prova em audiência. Assim, arguindo o réu a prescrição somente na apelação contra a sentença desfavorável, e, neste ínterim, produzida toda essa prova necessária à demonstração do fato constitutivo do pedido do autor, ela se tornará inútil, acolhida a prescrição. A omissão inicial do réu provocou gravíssima perda de atividade. Por essa razão, a lei processual considera a inércia do réu como comportamento infrator ao dever de economia, previsto no art. 77, III, e erigiu sanção especial. Todas as despesas dos atos supérfluos (v.g., a remuneração do perito) devem correr por conta dessa parte. No caso de o réu alegar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos com atraso, mas sem reflexos do teor do provimento, incidirá o tipo do art. 80, IV, cuja sanção é a geral (art. 79). A eliminação de tipificação específica, em matéria subordinada à iniciativa da parte, não é muito feliz, mas a regra geral dá cobertura aos efeitos da alegação serôdia. 609.4. Deixar de alegar objeção na primeira oportunidade – O art. 337 do NCPC arrola as questões de ordem pública, também chamadas de objeções (há as que entram na classe de exceções), incumbindo ao réu alegá-las, preliminarmente, na contestação. Em princípio, a alegação do réu se afigura supletiva. Desses assuntos, de regra, o órgão judiciário ocupa-se por dever de ofício (art. 337, § 5.º). Porém, em algumas situações o réu ministrará prova hábil, mas desconhecida do juiz, e essencial ao exame da questão suscitada; por exemplo, a comprovação de coisa julgada (art. 337, VII), exigirá cópia da resolução judicial anterior, com o fito de demonstrar a identidade de partes, causa e pedido, para os fins do art. 337, § 2.º, e cópia da certidão do trânsito em julgado. Deixando o réu de arguir as objeções pertinentes à causa na contestação, o NCPC não mais prevê sanção específica para o retardamento. À diferença da situação versada no item anterior, em que a exceção material subordina-se à iniciativa da parte, o NCPC considerou acobertada a situação no art. 342, III. Porém, inexiste dúvida que o comportamento do réu atenta contra o princípio da economia (art. 77, III), e, portanto, traduz deslealdade. A alegação serôdia da coisa julgada, na apelação, dilapidou toda a custosa atividade do órgão judiciário para julgar, outra vez, pretensão já decidida. No entanto, no direito anterior já não incidiam as sanções do art. 22 do CPC de 1973, porque regra de interpretação estrita.131 No que tange à incompetência absoluta, o direito anterior agravava a sanção. A falta de arguição dessa questão de ordem pública na contestação,

ou na primeira oportunidade, implicava responsabilidade integral pelas despesas processuais. A disposição atingia o réu, porque é o autor que, errando na solução do problema de competência (retro, 378), infringiu as regras de competência. No entanto, lei superveniente pode modificar a competência, e, neste caso, o ônus tocava também ao autor.132 Essa situação, no direito vigente, reduz-se ao art. 77, III, sendo digno de nota o exagero da sanção outrora aplicada à parte, vez que, deslocada a causa ao juízo competente, outras condutas da contraparte poderiam ensejarlhe sanção de natureza análoga. 609.5. Causar o adiamento ou a repetição de ato processual – O art. 93 impõe à parte que der causa ao adiamento ou à repetição de ato processual o ônus de suportar as despesas inerentes ao novo ato. Reproduziu, praticamente com a mesma redação, o art. 62 do CPC de 1939. Por óbvio, o adiamento ou a repetição provocam, de per si, a perda de tempo precioso, objeto da tutela do art. 77, III. O adiamento significa impedir ao agente encarregado do ato processual iniciar-lhe a prática, eficazmente, ou completá-la consoante o esquema traçado na lei. Por exemplo, previamente intimado o perito a prestar esclarecimentos em audiência (art. 477, § 3.º), não comparece à solenidade; a testemunha do réu não comparece à audiência, impedindo que toda a prova seja colhida na mesma oportunidade e exigindo a designação de outra data para continuação. A repetição do ato processual pressupõe que outro haja sido praticado, mas de forma inválida. Por exemplo, o oficial de justiça citou o homônimo do réu; o escrivão expediu a nota de expediente sem o nome completo do advogado das partes; e assim por diante. Ao contrário do que se sustenta,133 a responsabilidade do art. 93 se afigura inerente à prática do ato inválido, inclusive no caso de despreparo do agente. Os defeitos dos atos processuais, conduzindo à respectiva invalidade, têm autor conhecido e nenhuma escusa e dirimente plausível. E concebe-se que, adiado ou invalidado o ato, a realização de outro ato fique obstada por motivo superveniente.134 Por exemplo, a testemunha do réu falta à audiência, seguindo as instruções da parte, e antes da nova data designada para ouvi-la em audiência, falece em acidente de trânsito. Em tal hipótese, a responsabilidade do art. 93 desaparece, mas a pessoa que deu causa à frustração, na origem, no caso a parte, responderá por força do procedimento temerário (art. 80, V). O responsável concreto pelo adiamento ou pela repetição, arcará com as despesas do novo ato, não alegando e provando motivo justo. Entende-se por justo motivo, ou justa causa, o evento imprevisível e alheio à vontade da parte (art. 223, § 1.º). Assim, o perito impedido de comparecer à audiência em razão de doença não pode ser responsabilizado pelo adiamento. Respondem pelo adiamento ou pela repetição, segundo o art. 93, a parte, o serventuário, o agente do Ministério Público ou da Defensoria Pública e a própria pessoa investida na função judicante. Relativamente ao art. 62 do CPC de 1939, a regra incluiu a autoridade judiciária, mas olvidou os

particulares que colaboram com Administração da Justiça,135 a exemplo do perito. O art. 93 substituiu a palavra “serventuário”, abrangendo todos os auxiliares do juízo (retro, 979). Por exemplo, o mediador ou conciliador que não comparecem à audiência do art. 334. A inclusão do juiz suscitou divergência após a publicação do projeto que se transformou no art. 62 do CPC de 1939.136 É superior, neste particular, o art. 93: não se pode eximir o juiz da responsabilidade pelo adiamento da audiência, por exemplo, não comparecendo sem motivo à solenidade. À dificuldade – real e concreta – de atribuir a imposição de semelhante pena ao próprio órgão que dirige o processo, oferece-se solução simples: abstendo-se a parte em tese responsável de adiantar a despesa (art. 82, caput, e § 1.º), sob fundamento no art. 93, caberá ao substituto de tabela ou ao tribunal, julgando o recurso próprio, atribuir a responsabilidade à(s) pessoa(s) investida(s) no órgão. A situação é inusitada e muito pouco praticada. As partes rendem-se ao temor reverencial tributado à pessoa desidiosa investida na função judicante. 609.6. Deixar de promover a citação do denunciado no prazo legal – Deixando a parte que denunciou terceiro, nas hipóteses legais, de promoverlhe a citação, nos prazos próprios, mas sem justo motivo (v.g., greve dos servidores ou fato imputável à burocracia judiciária), o processo prosseguiria unicamente em relação ao denunciante, conforme o art. 72, § 2.º, do CPC de 1973. Essa solução técnica, prevendo-se a suspensão do processo no direito anterior ante a denunciação, evitava a procrastinação do feito em prejuízo do seu adversário. Desapareceu a causa específica, porém o retardamento no chamamento de qualquer terceiro, nos casos de intervenção provocada (v.g., a do chamado ao processo) traduz resistência ao andamento normal do feito. Esses atos consomem energia e acabam desbaratados por ato imputável ao denunciante. Em tal contingência, incide o art. 80, IV: o denunciante infringiu ao dever de economia, presumindo-se má-fé, principalmente nos casos de garantia imprópria (art. 125, II), em que a pretensão não pressupõe denúncia da lide pendente ao obrigado de regresso.137 609.7. Lançar cotas marginais ou interlineares nos autos – É defeso às partes, de acordo com o art. 202, primeira parte, lançar cotas marginais ou interlineares nos autos. O dispositivo remonta às Ordenações Manuelinas (Livro I, Título 38, § 34). Em direito processual, cotas são as anotações do próprio punho escritas em folha dos autos.138 No processo antigo, “indigesto, repleto de atos manuscritos que se sucediam confusa e prolixamente, as referências marginais auxiliavam a busca de qualquer pela dos autos”.139 Lançada no corpo da folha, entre as linhas escritas, cuidar-se-á de (a) cota interlinear; na margem em branco da folha, (b) marginal. O objetivo da proibição reside tanto a facilidade da leitura, que pode ser prejudicada por copiosas cotas interlineares, poluindo os autos, quanto a incolumidade do ato processual.

O teor dessas cotas reprovadas afigura-se muito variado, indo do resumo e da ênfase ao comentário e à pilhéria.140 A vedação legal não considera, porém, o respectivo conteúdo. Um ponto de exclamação, ou de interrogação, um “sic” perante um atentado ao vernáculo atraem, igualmente, o veto do art. 202. O lançamento de cota infringe o dever de economia, porque se trata de ato desnecessário. Eventualmente, também infringirá o dever de urbanidade, se a cota representar achincalhe, mediante palavras ou sinais. Por exemplo, à margem de um argumento manifestamente improcedente, garatujar a cabeça de um burro.141 É atribuição natural do órgão judiciário a leitura atenta dos autos, percebendo para qualquer dado relevante ao deslinde da controvérsia. Nenhum destaque, senão o da grafia nas peças que lhe são privativas, as partes devem introduzir nas peças alheias. Representará grave chalaça à autoridade do juiz transformar a sentença em peça policroma, pincelando-a com tintas vivas e variadas.142 Compete ao órgão judiciário identificar o autor da cota – o retorno dos autos cotados, após carga do advogado da parte, representará indício de autoria –, e, conforme o art. 202, segunda parte, riscar as cotas e impor ao autor a multa de metade do salário-mínimo. A lei presume a má-fé.143 Em geral, ao escrivão tocará obliterar as cotas, não bastando riscá-las. Essa multa reverterá em benefício da parte contrária (art. 96). Porém, não só o advogado da parte pode infringir o art. 161. Também os auxiliares do juízo. Em tal caso, tratando-se de serventuário, realizar-se-á a cobrança administrativamente. Os particulares em colaboração com a Administração da Justiça (v.g., o perito) obrigar-se-ão perante a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Distrital. Um aspecto peculiar reside nos sublinhados. Não podem ser rotulados como cotas, no sentido próprio do termo, mas exibem finalidade parcialmente idêntica: pôr ênfase em algum elemento favorável e relevante ao interesse da parte. O expediente não condiz com o dever de probidade (art. 5.º), e, portanto, caberá ao órgão judiciário coibir-lhe a prática, aplicando-lhe a sanção geral (art. 79), e, não, a multa do art. 202.144 609.8. Deixar de indicar a parte passiva legítima – Os arts. 338 e 339 do NCPC autorizam a correção do polo passivo, alegada a ilegitimidade pelo réu apontado na petição inicial (v.g., o autor A pede a prestação do seguro do estipulante C, em vez da seguradora B), mas grava o réu com a indicação da pessoa legitimada (art. 339, caput), “sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos causados da falta de indicação”. Essa hipótese é diversa do retardamento da objeção processual, pois o réu alegou a ilegitimidade na contestação (art. 337, IX), gravando-lhe, contudo, o ônus suplementar de indicar o legitimado. Essa disposição transfere ônus do autor para o réu. Não esclarece a regra a curial hipótese de o terceiro alegar, uma vez chamado ao processo, por sua vez alegar a legitimidade do réu originário ou de outra pessoa. Por exemplo, na ação em que o autor A pede a indenização dos danos provados em

acidente de trânsito do réu B, este alega que não causou o evento, porque atingido pelo automóvel de C. O caso é de litisconsórcio alternativo (retro, 581.3). Eis o motivo por que o art. 339, § 1.º permite ao autor, preservado o princípio da demanda (art. 2.º), incluir C na relação processual sem deixar de demandar B. Porém, corrigida a petição inicial, excluído B e incluído C, bem como acontecer de C alegar que D provocou o evento. Verdade que B arrastou C ao processo, mas o princípio da demanda atribui os riscos do chamamento indevido, reconhecida a legitimidade de D, ao autor A. O esquema é engenhoso, mas nem sempre o réu pode indicar o verdadeiro legitimado, hipótese em que não se aplica a sanção do art. 339, caput. O descumprimento do ônus do art. 339, caput, incide no art. 80, IV, do NCPC, ferindo o dever geral de boa-fé (art. 5.º). 610. Dever de colaborar O art. 378 constitui a fonte remota do dever de colaborar com o órgão judiciário, declarando: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”. À primeira vista, o uso do pronome indica que esse dever é universal, competindo a todos, as partes e os terceiros, sem exclusão dos serventuários e dos colaboradores da justiça, coadjuvar o órgão judiciário em sua magna tarefa. E a parte final da regra revela que a colaboração visa à apuração da veracidade das afirmações de fato das partes. O âmbito subjetivo ilimitado do dever de colaborar com a Justiça origina-se da própria finalidade da instituição do órgão judiciário. Desde os tempos mais remotos, em que o Estado não se organizara em torno de instituições centrais e definidas e a estrutura judiciária ainda não se burocratizara, tal como a conhecemos hoje, a solução do conflito, restaurando a paz social, interessava à sociedade. Por esse motivo, a justiça era feita em praça pública e todos participavam dos procedimentos judiciais. Esse objetivo primário subsiste atualmente. É no interesse social que o órgão judiciário desempenha suas funções e todos, sem exceção, hão de colaborar para que o processo atinja seus fins próprios. O dever de colaborar estende-se a terceiros, mas alcança as partes em primeiro lugar e sobre elas recai a maior responsabilidade; porém, o juiz poderá aplicar sanções a qualquer pessoa, na hipótese de recalcitrância e descumprimento do dever de colaborar, conforme deixa patente a redação do art. 77, caput. O devedor de colaborar é mais amplo que o de prontidão, segundo o qual, incumbindo às partes concentrar seus atos, a atividade há de se mostrar leal e aberta.145 A formulação explícita da parte final do art. 378 respeita ao descobrimento da verdade, obviamente objetivo essencial na função de conhecimento, havendo questões de fato controvertidas. Não é assim que se encara a colaboração ou cooperação no processo contemporâneo. A relação processual envolve as partes numa comunidade de trabalho da qual participa o juiz. As partes não são compelidas a forma essa comunidade, porque têm interesses contrastantes, mas por mútua necessidade e na medida do próprio interesse no litígio. Evoluiu o dever de colaborar, no seio dessa comunidade e como poder concedido ao juiz para induzir essa recíproca cooperação (art. 6.º), abarcando o cumprimento das resoluções judiciais.

O dever de colaborar cede perante impossibilidades físicas (v.g., a incapacidade para depor) e interesses juridicamente superiores (v.g., a imunidade do art. 388). E desdobra-se em deveres específicos (arts. 379 e 77, IV). 610.1. Dever de comparecer em juízo – A parte tem o dever de comparecer em juízo (art. 379, I, primeira parte), sempre que necessário ou ordenado, para participar de audiência ou não. Para tal arte, a parte será intimada, designando-se o dia, a hora e o lugar, em geral a sede do juízo. Por exemplo, a parte tem o dever de comparecer para ser acareada com a testemunha (art. 461, II). O assunto merecerá exame no item dedicado à prova. 610.2. Dever de responder à inquirição do órgão judiciário – Em nosso sistema, o órgão judiciário formula as perguntas à parte, relativamente às alegações de fato controversas. No tocante às testemunhas, entretanto, o art. 459, caput, introduziu o exame cruzado (cross examination). Nada impede sua aplicação ao depoimento das partes, mas parece preferível, ante o efeito do silêncio ou da evasiva (art. 386), encarregar o juiz do ato. É ônus das partes responder a quaisquer perguntas do juiz sem tergiversações (art. 379, I, segunda parte), salvo quanto aos fatos acerca dos quais não precisa depor, ou seja, nas hipóteses em que lhe beneficia o direito (às vezes, o dever) de calar. À ideia de que a resposta mendaz não lhe acarreta sanção, contrapõe-se o dever de veracidade (art. 77, I) e o tipo do art. 80, II. Assim, verificando o órgão judiciário que a parte mentiu no depoimento pessoal, poderá aplicar-lhe a sanção por litigância de má-fé. 610.3. Dever de submeter-se à inspeção judicial – A inspectio corporis é uma das modalidades da inspeção judicial. A parte tem o dever de submeterse a esse exame, quando feito pelo próprio juiz, ou por expert designado, respeitadas as regras de decoro e a dignidade da pessoa humana (art. 379, II). 610.4. Dever de cumprir as resoluções do órgão judiciário – O art. 379, III, determina que a parte cumpra “o ato que lhe for determinado”. A finalidade primitiva da regra respeitava à prova necessária ao descobrimento da verdade (art. 378). Por exemplo, lançar em folha de papel, por cópia ou ditado, dizeres diferentes, para apurar a autenticidade de letra ou firma (art. 478, § 3.º); exibir documento ou coisa (art. 396). O programa repressivo da lei processual recrudesceu, a partir da Lei 10.358/2001, através da maior amplitude ao dever de colaborar, repercutida no inc. IV do art. 77. A “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” – expressão examinada em item anterior (retro, 598) –, compete “cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação”. Disposições na execução, a exemplo do art. 77, III, vedando ao executado dificultar ou embaraçar a realização da penhora, completam o quadro. Essa disposição revela-se extremamente útil nas ações movidas contra o Poder Público (v.g., na demanda em que necessitado postula o fornecimento de

medicamentos),146 porque a sanção recairá no agente político ou no servidor público com competência para praticar o ato ordenado. Em toda resolução do órgão judiciário, tomada no curso do processo, há efeito mandamental, por menor que seja, traduzido por uma ordem para que se o cumpra. Este elemento assume a qualidade de força nos provimentos mandamentais (retro, 234). É às resoluções do juiz, no seu conjunto, a que alude o dever de colaborar, ou seja, de cumpri-las com exatidão e omitir embaraços. O art. 77, IV, menciona os provimentos antecipatórios, ou liminares, e finais (sentenças, acórdãos e decisões singulares do relator que acolhem o pedido) com esse alcance e dimensão. E, naturalmente, esse dever de colaboração endereça-se, fundamentalmente, à execução: em tais domínios é que se cumprem, ou efetivam, ou atuam os provimentos do juiz. O art. 77, IV, contempla dois tipos genéricos: primeiro, exige o exato cumprimento das decisões do órgão judicial, no tempo, no modo e no lugar determinados; segundo, veda a criação de “embaraços” à efetivação (rectius: execução) dos provimentos judiciais. No primeiro caso, variam muito as condutas reclamadas do destinatário da ordem. Elas compreendem tanto atos omissivos (v.g., não se aproximar do antigo cônjuge, ou telefonar-lhe, ou bulir com a respectiva intimidade por qualquer meio), como atos comissivos (v.g., buscar o filho do casal no dia e hora predeterminados; exibir a coisa que será inspecionada em juízo ou colocá-la à disposição do órgão judicial para os efeitos do art. 481). Dependerá do prudente critério do juiz avaliar se o destinatário cumpriu ou não, com exatidão, o provimento. Os embaraços criados pelo destinatário da ordem ao seu cumprimento abrangem atos variados. Inclui-se na rubrica toda atividade tendente a frustrar (v.g., esconder a coisa objeto da inspeção judicial); dificultar (v.g. impedir o ingresso do oficial de justiça em imóvel, fechando-lhe as portas e janelas com tranca de aço); atrapalhar (v.g., organizar manifestação de vizinhos contra a ordem de despejo); ou, enfim, prejudicar a ordem do juiz no plano prático.147 Por exemplo, esconder os bens penhoráveis, não indicar o título de domínio do bem, evitar as intimações do oficial de justiça, e assim por diante. A caracterização dos tipos indeterminados provocará a aplicação de multa (art. 77, § 2.º) após advertência prévia (art. 77, § 1.º). A responsabilidade do destinatário baseia-se na culpa em sentido largo. O juiz dosará a multa, ante a gravidade da conduta, e ela não poderá exceder o percentual de vinte por cento sobre o valor da causa. O legislador não descurou das situações em que esse valor revela-se inestimável, irrisório ou, simplesmente, não representa o valor econômico da causa, situações em que é dado ao juiz corrigi-lo, ex officio, a teor do art. 292, § 2.º. Em tais hipóteses, inexistindo a oportuna emenda, a sanção corre o risco de mostrar-se inútil, porque de valor irrisório. Portanto, ao réu interessará suscitar a incorreção do valor da causa (art. 337, III, c/c art. 293), sempre que cabível, para guarnecer a autoridade do órgão judiciário do importante instrumento consagrado no art. 77, § 2.º. Não sendo este o caso, representando o valor irrisório o conteúdo da pretensão, incidirá o art. 77, § 5.º. O valor da multa será de até dez vezes o salário mínimo.

O art. 77, § 3.º, declara que a multa, não sendo paga no prazo fixado, após o trânsito em julgado da decisão”, será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado-membro (e, acrescente-se, do Distrito Federal, cujo erário não é o da União) e executada pelo procedimento da Lei 6.830/1980, revertendo o proveito econômico para o eventual fundo de modernização do Poder Judiciário (art. 97). Não mais se exige o trânsito em julgado do provimento final, mas a preclusão da decisão interlocutória. Essa multa poderá ser aplicada cumulativamente às do art. 523, § 1.º (execução definitiva de prestação pecuniária contra particular) e do art. 536, § 1.º (execução de prestação de fazer ou não fazer constante de título judicial), a teor do art. 77, § 3.º Nas espécies do art. 77, IV e VI, objeto de remissão do art. 77, § 2.º, diferentemente do descumprimento dos outros deveres, em que eventuais sanções beneficiam o adversário do infrator no processo, optou-se por identificar o objeto da tutela a pessoa jurídica de direito público que administra a Justiça. Essa disposição não pré-exclui a prática de infrações pelos agentes políticos e servidores civis e militares das pessoas jurídicas de direito público. Cuida-se de responsabilidade pessoal (art. 77, § 2.º: “… aplicar ao responsável…”), cumprindo identificar, na constelação dos órgãos do serviço público, a autoridade competente para praticar o ato. 610.5. Dever de informar a litispendência – O art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990, aplicável ao processo coletivo, tout court, por força do art. 21 da Lei 7.347/1985, assegura ao autor da ação individual, na qual repara a lesão individual sofrida pelo dano em bem difuso ou coletivo, perante a pendência de demanda coletiva, cujo objeto envolva o mesmo bem, o direito de suspender o curso do processo, a fim de aproveitar-se dos efeitos da sentença de procedência coletiva. Ora, o exercício desse autêntico right to opt in subordina-se, evidentemente, ao prévio conhecimento da pendência da demanda coletiva. Compulsoriamente convocado a participar de ambas, é evidente que o réu encontra-se em posição privilegiada para informar ao juízo da ação individual tal fato e, destarte, propiciar ao adversário o oportuno direito processual consagrado no art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990. Descumprindo o dever de informar, o réu da demanda individual infringe o dever de colaborar, suscitando a aplicação da sanção por dolo processual. 611. Dever de urbanidade A transformação do litígio das partes em objeto do processo, fomentado por interesses contrapostos, não impede que o debate se inflame e a paixão das partes contamine os procuradores. Em princípio, o advogado é um profissional que se sobreleva a esses ardores, mantendo o sangue frio nas situações mais delicadas e perigosas. Excepcionalmente, a exaltação das partes leva-o ao descontrole emocional, transmitindo-se o arrebatamento às manifestações escritas e verbais. Os desmandos na linguagem do procurador, posto que humanos, não são tolerados no direito brasileiro. 611.1. Fundamento do dever de urbanidade – O calor do debate não pode, nem deve descambar em excessos escritos ou verbais. Por essa razão, o art.

78 veta o emprego de expressões ofensivas nas peças escritas e, como se infere do art. 78, § 1.º, no debate oral. O direito anterior utilizava “expressões injuriosas” com alcance análogo. O diálogo das partes, através dos seus advogados, perante o órgão judiciário, timbrará pelo tom, senão cordial, no mínimo elevado e circunspecto, e restrito ao jargão forense. A ordenação dos atos processuais, conjugados para obter o resultado próprio do processo, exige que ocorram em ambiente de cavalheirismo, de boa educação e de respeito à honra alheia. Não há razão sistemática plausível para destacar o dever de urbanidade, também chamado de contenção verbal, do conjunto dos deveres inseridos no art. 77. O art. 78 situar-se-ia, vantajosamente, num dos incisos da regra precedente. A única suposição, a esse respeito, decorre da omissão de dispositivo análogo no CPC de 1939. Talvez haja o legislador pretendido realçar a importância da neutralidade no debate forense num artigo específico a esse propósito. 611.2. Sujeitos do dever de urbanidade – O art. 78, caput, ampliou os sujeitos ativos, mencionando: (a) partes; (b) advogados; (c) a pessoa investida no órgão judiciário; (d) os órgãos do Ministério Público; (e) os órgãos da Defensoria Pública; (f) quaisquer participantes do processo (v.g., os colaboradores, a exemplo do perito). Não há exceção. Os destemperos da pessoa investida na função judicante são igualmente censuráveis. Por óbvio, a prova do fato (v.g., a gravação da audiência, a teor do art. 367, § 6.º) e a reclamação devem ser endereçadas aos órgãos corregedor internos e externos (CNJ) da magistratura, não se aplicando as providências dos parágrafos do art. 78. Impende assinalar que as partes, via de regra, não se dirigem ao órgão judiciário por escrito. As peças processuais são elaboradas pelos advogados. Concebe-se, sem embargo, ambos assinarem a petição – expediente utilizado no caso de alegações delicadas nos litígios de família. E nada exclui que, perturbada com os rumos do litígio, a parte remeta missiva ao órgão judiciário, ofendendo-o ou não. Fora daí as partes, participando da audiência de mediação e de conciliação (art. 334), da audiência preliminar (art. 357, § 3.º) e da audiência de instrução, podem perder a compostura e, verbalmente, invectivar o juiz, o adversário, o advogado contrário e os demais participantes do processo (v.g., os auxiliares do juízo, o mediador e o conciliador, as testemunhas e os peritos). Constituem sujeitos passivos das expressões injuriosas, conforme a hipótese, o órgão judiciário, as partes, os participantes do processo e os advogados. O respeito à autoridade judiciária independe do apreço à pessoa investida no órgão judiciário. Às vezes, entre o procurador da parte e o magistrado estabelece-se afeição mútua, mas não se desconhecem relações pouco amistosas, em decorrência de motivos heterogêneos, que vão das divergências ideológicas à correção do comportamento. Nada obstante, o advogado hábil e correto sublima seus sentimentos pessoais, restringindo suas manifestações à objetividade da causa.

Em tal linha de respeito, sem pejo da independência e altivez, costuma-se chamar aos pronunciamentos judiciais, sem embargo do ônus de impugná-los – todo recurso, por si mesmo, importa crítica ao pronunciamento recorrido –, se desfavoráveis, de venerandos e de respeitáveis, pedindo-se vênia, em graus variados, para confrontá-las e mostrar-lhes o desacerto, a ilegalidade e a injustiça. O fato de a resolução do juiz padecer de invalidade (v.g., à motivação do art. 489, § 1.º) não constitui razão bastante ao achincalhe e ironia (v.g., chamando o juiz de negligente ou de inepto). Já os órgãos judiciários são todos egrégios ou colendos. E os magistrados recebem o tratamento uniforme de excelência, acompanhado, ou não, da designação própria do cargo – juiz, desembargador e ministro. Na contrapartida, o tratamento respeitoso, nos mesmos termos, e a deferência à condição do advogado – por exemplo, chamando o procurador de excelência e apontando-o, nominalmente, para assumir a tribuna – garantem o clima favorável à neutralidade. O juiz equilibrado e sensato não hostiliza os advogados, recebe-os em seu gabinete, com ou sem a presença da parte contrária, e mantém com os servidores relação correta, cordial e firme. Em relação à parte adversária e seu procurador, os deveres do ofício reclamam idênticas deferências, evitando-se invectivas, aleivosias e o menoscabo. A antiguidade da inscrição no quadro dos advogados não justifica o desprezo, a condescendência insultante, o acolhimento das manifestações opostas como se o mestre consumado devesse tolerar a inépcia do aprendiz. Não faltam supostos aprendizes que se aproveitam da soberba para superar os colegas traquejados, mas desatentos. No direito brasileiro, toda pessoa que participar do processo, a exemplo dos auxiliares do juízo e das testemunhas, recebe proteção contra os desmandos de linguagem. Controverteu-se, no direito português, em que o destinatário da proteção é a autoridade judiciária, a conveniência de apontar qualquer pessoa, sugestão rejeitada sob o fundamento que, relativamente aos fatos do litígio, as ofensas a elas dirigidas atentam contra o órgão judiciário ou tem repercussões alheias ao processo em si, especialmente na tutela penal comum.148 Na ausência dessa limitação no art. 77, a ofensa dirigida a qualquer pessoa merecerá os reparos do art. 78. O poder de polícia do órgão judiciário, contra os excessos verbais, estende-se aos outros participantes do processo (art. 78, caput). Por exemplo, a expressão imprópria empregada pelo oficial de justiça, ao certificar a citação do réu, pode ser riscada.149 611.3. Conteúdo do dever de urbanidade – As “expressões ofensivas”, vetadas no art. 78, não se confundem com os fatos típicos que constituem a injúria (ou a difamação) para efeito penal. No que tange ao procurador das partes, o art. 133 da CF/1988 declara o advogado “inviolável por atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Por sua vez, o art. 7.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994 (Estatuto do Advogado) esclarece que essa imunidade abrange os crimes de injúria, difamação e desacato (nesse último caso, suspensa a regra pelo STF), por atos praticados no exercício da sua atividade, respondendo pelos excessos

perante a respectiva corporação. E o art. 142, I, do CP, elucida que não constituem injúria ou difamação punível a ofensa assacada em juízo, no debate da causa, pela parte ou por seu procurador. Nenhum desses dispositivos erigiu isenção absoluta, dela se excluindo, segundo o STF, “atos, gestos ou palavras que manifestamente desbordem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública”.150 E, tampouco, envolve a calúnia. É preciso evidenciar-se no ato o fim perverso de ofender a parte adversa ou seu procurador por motivo alheio à causa. Por exemplo, na demanda em que o marido imputa adultério à mulher, representará excesso punível, na esfera penal, apontar o advogado da ré como habilitado a tratar do assunto em juízo, porque sofreu idêntica desdita na sua vida pessoal. Esse exemplo revela o motivo por que não constitui fato punível a ofensa intrínseca ao litígio. Ficaria impossível demandar a separação com base no adultério se a descrição dos fatos pertinentes, apesar da adjetivação excessiva, constituísse fato penalmente punível. O juízo de improcedência, porque inexistiu o alegado adultério, não altera o panorama. A despeito de a ofensa forrar-se à sanção penal, e não coincidir com o conteúdo das expressões reprimidas no art. 78 como o crime de injúria e de difamação, qualquer expressão desairosa lançada contra os participantes do processo – por exemplo, chamar de tola a tese jurídica do adversário; de ignorante o juiz da causa; de corrupta a testemunha –, suscita as sanções do art. 78. Também a gratuita e veemente crítica à redação das pessoas forenses, apontando erros gramaticais flagrantes, indiretamente averbando de ignorante o advogado da parte contrária, constitui ato recriminado.151 O máximo que se admite é um já duro (para as pessoas cultas) “sic” após o erro gramatical. 611.4. Formas de descumprimento do dever de urbanidade – O art. 78, caput, cogita inicialmente da expressão injuriosa constante da peça escrita juntada aos autos. O texto que não chegou aos autos, mas circulou na rede mundial de computadores, por exemplo, receberá o tratamento penal comum. Essas expressões nos autos devem ser riscadas (art. 78, § 2.º). O escrivão cumprirá a ordem do juiz, neste sentido, tornando ilegível a palavra, a frase ou os parágrafos que incidirem na proibição. Expedir-se-á, ainda, certidão de inteiro teor das expressões ofensivas, posta à disposição da parte para os efeitos de persecução penal ou de pretensão à indenização. O art. 78, § 1.º, coíbe as ofensas produzidas na defesa oral ou in faciem (v.g., o advogado chamando o escrivão de corrupto no cartório). Em princípio, as manifestações orais do advogado acontecem nas audiências e na sustentação do recurso (art. 364). Mas, há outras ocasiões em que manifestações orais podem ocorrer, a exemplo das diligências tendentes a realizar a inspeção judicial, em que às partes asseguram-se o direito de prestar esclarecimentos e de fazer as observações que interessem à causa (art. 483, parágrafo único). O intuito de “defesa”, em todas elas, fica subentendido nessas alocuções.152 Em tal contingência, surpreendidos ou não com o excesso, o juiz, ou o presidente do órgão fracionário do tribunal, advertirá o advogado, exigindo moderação e respeito, sob pena de lhe cassar a palavra. A imposição de mordaça revela-se sanção dificilmente exequível,

motivo por que as normas de disciplina judiciária contemplam a expulsão do recinto. Endereçado precipuamente ao advogado, o art. 78, § 1.º, aplica-se, nos mesmos termos, às alocuções das partes, autorizadas ou não pelo juiz, e dos demais participantes do processo (v.g., o serventuário que registra os termos da audiência) e as do próprio órgão judicial. Não é de se descartar que, no curso da audiência, a parte intervenha, intempestivamente, sem que lhe seja conferida a palavra, e ofenda o outro litigante, o próprio advogado ou o auxiliar do juízo presente à solenidade. 611.5. Particularidades das sanções em virtude do descumprimento do dever de urbanidade – O descumprimento do dever de urbanidade tem sanção peculiar e que constitui na ordem do juiz para o escrivão obliterar as expressões ofensivas lançadas por escrito e na cassação da palavra, chegando, em casos extremos, à expulsão do recinto. Sem embargo, o comportamento reprovável constitui modo de proceder temerário, e, portanto, incidirá a parte – o advogado situa-se além do poder disciplinar do órgão judiciário, com ressalva ao entendimento prevalecente, a esse respeito, no STJ (retro, 599) – no tipo do art. 80, V, e na sanção porventura cabível. § 130.º Deveres das partes na execução 612. Caracterização dos deveres das partes na execução O firme propósito de pautar a atividade processual das partes segundo rigorosos padrões éticos, no processo em geral, estendeu-se à execução, em particular, no parecer que “a execução é campo fértil para as chicanas, por via de procrastinações e formulação de incidentes infundados”.153 O fato de o vitorioso, após o prolongado e extenuante caminho percorrido para formular a regra jurídica concreta a seu favor, deparar-se, em seguida, com a necessidade de trilhar a árdua e insidiosa vereda da execução, na qual o vencido ardiloso desfruta de inúmeras oportunidades para frustrar a realização prática do direito,154 constitui cenário desestimulante. Os deveres especiais previstos no art. 774 visaram ao executado, conforme a letra expressa do caput (“… a conduta comissiva ou omissiva do executado…). É o presumível vilão e único responsável pelas mazelas da execução. O exagero na terapêutica contra a má conduta do executado chegou ao grau máximo de proibir-lhe as manifestações nos autos. Incorreu a redação originária do art. 600 do CPC de 1973 em flagrante inconstitucionalidade,155 e, principalmente, impôs sanção sem efeitos práticos imediatos, porque o destinatário da pena postergava a preclusão do provimento e, conseguintemente, a efetividade da sanção, mediante a interposição de sucessivos recursos.156 Não pode impedir o executado de “falar nos autos” para controlar a legalidade (error in procedendo) da execução.157 Essa esdrúxula sanção comprovava, implicitamente, a má influência de setores da doutrina italiana no espírito do autor do anteprojeto do CPC de 1973.158 Não é distinto o vício e diferente a crítica formulada ao art. 77, § 7.º, proibindo a

parte de falar nos autos até a purga do atentado, com o agravante de o ato mostrar-se inimpugnável através de agravo de instrumento Essa digressão quanto à medida repressiva contra o executado tem um motivo. Ela desnuda o endereço primário do art. 774. Mas, o fato de a execução realizar em proveito do exequente, que é o titular de um direito, consagrado no título executivo (arts. 515 e 784), idôneo a se realizar no mundo real e contra a vontade do sujeito passivo, os deveres especiais do art. 774 não pré-excluem a respectiva má conduta. O credor também poderá atentar contra a dignidade da Justiça, “por emulação, por capricho ou pela intenção de fazer mal ao devedor”.159 Ao exequente também fica vedado abandonar a trilha da boa-fé (art. 5.º), portanto, e promover incidentes manifestamente supérfluos (v.g., requerer a expedição de ofício para órgão público, a fim de descobrir o endereço do executado, a despeito de ele constar nos autos), a teor do art. 80, VI, ou proceder de modo temerário (art. 80, V). Exemplo de ato temerário, incidente no art. 77, III, segunda parte, avulta na “indevida” averbação do ajuizamento da execução. É o que acontecerá no caso de a averbação revelar-se excessiva, cotejando-se o valor do crédito e o do(s) bem(ns) objeto da constrição, ou existindo bens predestinados à solução da dívida, por força de gravame real (art. 1.419 do CC). Em tais circunstâncias, o art. 828, § 5.º, responsabiliza o exequente, imputando-lhe o dever de indenizar o executado. Também será temerária a inscrição do executado no cadastro dos inadimplentes (art. 782, § 3.º) já depositado o valor dívida (art. 826), embora o exequente não a repute integral. Os exemplos se multiplicariam infinitamente. Estabelecido o caráter bilateral dos deveres das partes na execução, cumpre examinar o art. 774, a começar pela qualificação que outorga à má conduta do executado. Segundo o caput da regra, a incidência nos tipos dos incs. I a IV representará “ato atentatório à dignidade da Justiça”. É dever do juiz, aduz o art. 139, III, prevenir e reprimir qualquer ato dessa natureza. A fórmula dos arts. 774, caput, e 139, III, sugeriu proximidade da conduta reprovável com as que, na Common Law, quadram-se na figura do Contempt of Court. É a qualificação, ademais, dos atos do art. 77, IV (descumprimento e embaraço aos atos decisórios), e VI (atentado), segundo o art. 77, § 2.º. Realmente, os atos de má-fé do executado, na execução, arrostam principalmente a autoridade do juiz, empenhado em realizar o direito reconhecido no título executivo, eventualmente produzido por demorada e custosa atividade processual (art. 515). Mas, a semelhança cessa neste ponto. O instituto da Common Law, na sua feição mais característica, importa a prisão civil do infrator, até cumprir a ordem do juiz – “In this case, he is said to have the keys to the jail in his pocket” –,160 o que não ocorre e jamais incorrerá, por razões constitucionais, no direito brasileiro. E se o ato atentatório ofendesse unicamente a jurisdição do Estado, não caberia indenizar o exequente – destinatário da multa do art. 774, parágrafo único. A Administração da Justiça somente se beneficia da sanção prevista no art. 77, § 2.º, por ofensa aos incs. IV e VI do art. 77, por força da responsabilidade pessoal do responsável e tal dever se relaciona com o cumprimento das ordens do juiz, na execução e fora dela.161

O elemento subjetivo afigura-se indispensável à tipologia do art. 774. Não há ato atentatório à dignidade da Justiça sem “atitude maliciosa da parte”.162 613. Fraude contra a execução A fraude contra a execução descumpre o dever de probidade (art. 5.º), porque subtrai bens do patrimônio do executado, provocando o receio de a execução desenvolver-se inutilmente, porque o exequente não consegue identificar o negócio fraudulento, ou atraindo a reação do adquirente, por intermédio dos embargos de terceiro. É flagrante o transtorno à atividade executiva. O art. 792 do NCPC caracteriza os casos de fraude contra a execução. A disciplina específica reclama exame no âmbito da execução. Por ora, interessa sublinhar que, no caso do art. 774, I, o comportamento reprovável do executado se afigura rigorosamente típico.163 O art. 774, I, tem outra repercussão sistemática. Revela a natureza pública da fraude contra execução, e, portanto, os pronunciamentos do juiz a seu respeito não se sujeitam à preclusão (infra, 1.144), ressalva feita à preclusão hierárquica (v.g., interposto o recurso próprio contra a decisão que não a reconheceu, ou não, ao juiz não é dado rever a matéria). 614. Oposição maliciosa e ilegal aos atos executivos O art. 774, II, considera de má-fé a oposição maliciosa do devedor à atividade executiva, “empregando ardis e meios artificiosos”. A prevenção contra o executado burlão e enliçador é muito antiga no direito brasileiro. Por óbvio, o art. 774, II, não se aplica aos mecanismos de reação do executado contra a execução ilegal ou injusta, como os embargos (art. 914), a impugnação (art. 525), legalmente previstos, e a exceção de préexecutividade, esta última por força do seu reconhecimento na jurisprudência e, doravante, quanto aos errores in procedendo, no art. 518. Em tais meios de defesa, talvez a conduta incida em outro dispositivo – por exemplo, o art. 80, I, deduzindo o executado a oposição contra texto expresso de lei –, jamais no art. 774, II A conduta admoestada na regra abrange as iniciativas que impeçam o desenvolvimento natural da execução. Por exemplo: (a) requerer a substituição do bem penhorado por bem de terceiro, sem o respectivo consentimento; (b) indicar bem imóvel à penhora sem a vênia do cônjuge; (c) ausentar-se do domicílio para frustrar a citação; (d) resistir à penhora e à busca domiciliar, impedindo o oficial de justiça de inventariar os bens que guarnecem a residência; (e) não entregar o bem depositado em suas mãos para o leiloeiro, impedindo a respectiva exibição aos pretendentes;164 (f) tentar suspender, na última hora, a alienação coativa do bem penhorado.165 Da exemplificação já resulta claro o tipo do art. 774, III, dificultar ou embaraçar a realização da penhora, repetido no art. 847, § 2.º, em muitos casos dependendo das informações objeto do art. 774, V. Na doutrina italiana, recordou-se outra forma de oposição, embora indireta e por intermédio de terceiro, que é o da penhora sucessiva no mesmo bem.166 A multiplicidade de penhora se afigura lícita. Entretanto, o executado pode munir o terceiro de título falso, ensejando sua intervenção no concurso

de preferências (art. 909) e, no mínimo, retardará a entrega do dinheiro ao exequente. 615. Resistência injustificada às ordens judiciais O executado tem o dever de colaborar com a execução. Por esse motivo, não pode resistir sem motivo plausível às determinações do juiz. A resistência injustificada às ordens do juiz, prevista no art. 774, IV, deve se materializar em atos concretos. Por exemplo, a não apresentação dos bens móveis de que é depositário o devedor caracteriza a conduta da regra em questão. Um problema interessante envolve a fluência da multa pecuniária (astreinte). Ao deixar de cumprir a prestação que lhe compete no prazo assinado pelo juiz, ensejando a incidência da astreinte, sem dúvida o executado oferece resistência passiva, mas real, à execução, e sem o emprego dos meios ordinários de oposição. Sucede que tal resistência poderá revelar-se justificada. Figure-se a hipótese de o cirurgião, que obrigou-se a realizar cirurgia plástica estética, descumprir a ordem do juiz, incidindo na multa, e que posteriormente demonstra, cabalmente, que os exames preliminares não indicaram a intervenção, em virtude do risco de formação de quelóide e desfiguração da paciente. Em tal contingência, a resistência inicial revelou-se, a posteriori, justificada e a multa não se mostrará devida,167 por falta de causa à atribuição patrimonial. 616. Recusa em inventariar o patrimônio O art. 774, V, obriga o executado a inventariar seu patrimônio, no prazo fixado pelo juiz, a fim de que o órgão judiciário avalie a impenhorabilidade, indicando a respectiva localização e valor. O dever de apontar a localização dos bens móveis já decorria do regime anterior.168 Não calha o reparo de que expõe o executado à curiosidade pública e eventual execração.169 É a pendência da execução, resultante do inadimplemento da dívida, a causa eficiente dessa exposição e ela pode ser evitada no âmbito da autonomia privada: basta pagar a dívida. O art. 774, V, não estabeleceu prazo explícito para o executado se manifestar e atender a ordem do juiz, no que já se chamou de “dever de inventário”. No interregno fixado, em geral de cinco dias (art. 218, § 3.º), o executado arrolará os bens que integram seu patrimônio “sujeitos à penhora”. Não se mostra lícito ao executado realizar distinções restritivas.170 É indispensável, em princípio, arrolar o conjunto dos bens. Tal se infere do análogo dever do oficial de justiça, previsto no art. 836, § 1.º, segundo o qual “descreverá na certidão os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do executado”. E isso porque ao órgão judiciário incumbirá decidir se o bem se encontra ajustado numa das classes do art. 833 ou se insere em alguma ressalva. Por exemplo, os bens pessoais de “elevado valor” são penhoráveis, como é o caso de um relógio de ouro, e somente o juiz poderá decidir a respeito. Também incumbe ao executado indicar a localização dos bens. Por exemplo, tratando-se de um automóvel, explicitará o endereço da garagem e

o número do espaço-estacionamento no qual, ordinariamente, estaciona o veículo. E, na discutível presunção de que o proprietário conhece melhor do que ninguém o valor do que é seu, o art. 774, V, impõe a indicação do valor do bem, para o efeito de aquilatar sua suficiência (art. 831) e dispensar avaliação (art. 871, I). Em suma, para desincumbir-se do dever de inventário, a contento, o executado guiar-se-á pelas exigências do art. 847, § 1.º.171 O executado desprovido de patrimônio tem, nada obstante, o dever de informar ao juiz, precisamente, a sua situação patrimonial.172 O executado desincumbe-se do dever contemplado no art. 774, V, atendendo, no prazo legal, a ordem do juiz. Assim, o silêncio importa sanção ao desobediente, haja ou não patrimônio penhorável. Revelando-se, posteriormente, errôneas as informações fornecidas, hipótese plausível, também se aplica a sanção do art. 774, parágrafo único. Integra o dever de inventário, além disso, a exibição da prova do domínio (v.g., a certidão do álbum imobiliário) e, se for o caso, a certidão negativa de ônus real. Essas informações têm importância para a futura alienação e, existindo gravame real, no concurso especial do art. 909. O executado que retardar o atendimento à ordem do juiz, por motivo injustificado, ou atendê-la de modo insatisfatório, sujeitar-se-á à pena do art. 774, parágrafo único.173 Tudo indica que o art. 774, IV, cuja aplicação pouca dificuldade oferece ao órgão judiciário,174 auxiliará a satisfação do exequente. E nada impede que o juiz se valha de seus poderes de direção material do processo para requisitar informações à Receita Federal, e outros bancos de dados, assegurando efetividade à tutela executiva.175 Bem por isso terceiros têm o dever de informar ao juízo (art. 772, III). Vale registrar que a disposição, bem como a ordem do art. 835, aplica-se a todas as execuções, independentemente da especialidade do procedimento.176 § 131.º Responsabilidade das partes por dano processual 617. Efeitos do descumprimento dos deveres das partes Descumprindo as partes e os intervenientes deveres que lhe incumbem, no curso do processo, respondem por perdas e danos, declara o art. 79. O art. 81 contempla o conteúdo da indenização, disciplinando de modo particular a hipótese de pluralidade de infratores (art. 81, § 1.º), a base de cálculo da multa, se irrisório ou inestimável o valor da causa (art. 81, § 2.º), e o modo de liquidar a obrigação de indenizar (art. 81, § 3.º). O descumprimento dos deveres processuais acarretará à parte infratora a imposição de sanção pecuniária, cumulada ou não com outra da mesma espécie. As sanções pecuniárias serão executadas no mesmo processo, mas em autos apartados, como resulta do art. 777, podendo ser objeto de compensação, também in simultaneo processu, quando o vencedor responder por esse dano. Também prevê o ressarcimento da parte inocente dos honorários advocatícios e das despesas realizadas.

Assim, os efeitos do descumprimento dos deveres processuais pela parte acarretam duas medidas: (a) compensatória, na forma de multa e dos valores da sucumbência; e (b) reparatória, na forma da indenização do art. 81, caput, e § 3.º. A responsabilidade cogitada no art. 81 é essencialmente civil. Não há responsabilidade processual autônoma. O ilícito é processual, mas o conteúdo do dever de indenizar subordina-se ao direito substancial.177 Importa elucidar a mecânica da apuração da responsabilidade e identificar o credor e o devedor. 618. Declaração da responsabilidade por dano processual É possível o órgão judiciário apurar as sanções originadas pelo dolo processual no mesmo processo em que se verificou o ilícito. A doutrina inclinara-se, majoritariamente, no sentido de que, verificado o ilícito, mostrarse-ia desnecessária a propositura de ação específica para condenar a parte.178 Foi essa solução adotada no art. 777, segundo o qual “a cobrança de multas ou de indenizações decorrentes de litigância de má-fé ou de prática de ato atentatório à dignidade da justiça” – a referência engloba o art. 77, § 2.º, e o art. 774, parágrafo único – “será promovida nos próprios autos do processo”. Do texto infere-se que o vencedor poderá sofrer a sanção, in simultaneo processu, e, nesse caso, o vencido compensará o contra-crédito com a dívida reconhecida no provimento de mérito. Essa disposição atende à economia processual, “torna mais fácil a reparação do dano à parte lesada e permite que a matéria seja apreciada pelo órgão que normalmente terá para isso melhores condições – aquele mesmo perante o qual se deu o comportamento incorreto”.179 Não fica excluída, porém, a propositura de ação autônoma com o objetivo de obter indenização por dano processual.180 E não só no caso de impossibilidade de apuração do quantum debeatur desde logo (art. 81, § 3.º) É o entendimento mais favorável à parte lesada, cujo interesse merece predominar no assunto, e, de resto, quanto aos honorários omitidos na sentença terminativa ou na sentença definitiva, a via preconizada no art. 85, § 18. Por óbvio, decidindo o juiz a esse respeito, no curso da demanda, no sentido de repelir a existência da infração, haverá o óbice da coisa julgada. Fora daí, entretanto, legitima-se a parte lesada a controverter o comportamento do adversário em ação específica,181 pois a tanto jamais lhe impedirá a coisa julgada, que recai sobre as questões decididas (art. 503, caput).182 Em tal ação, releva notar a subsistência do nexo de causalidade quanto ao dano gerado pelo uso indevido do processo ou dos seus meios independentemente da atuação do órgão judicial.183 Tal significa que, declarada, ou não, na pendência da causa, a inobservância dos deveres processuais das partes, vencida ou não a demanda pela parte inocente, em tese subsistirá o nexo de causalidade, apurando-se os elementos da responsabilidade – ilícito, nexo e dano – na demanda própria. Por outro lado, o art. 81, caput, deixa claro que ao órgão judiciário, apesar de a indenização beneficiar a parte inocente, é lícito aplicar a sanção ex officio, dissipando a controvérsia do direito anterior.184 O alvitre contrário à

atuação oficiosa do juiz, nesta matéria, considerava a sanção oponível ao litigante de má-fé ressarcimento de danos, fonte de um crédito cujo titular tem amplos poderes de disposição para reclamá-lo ou não.185 A ambivalência do tratamento legislativo das sanções ao litigante de má-fé cobrava alto preço neste ponto. Ao mesmo tempo em que tais sanções revertem em benefício da parte inocente, eram contadas como custas, assunto submetido ao controle do juiz. Não se conceberia, no processo civil marcado pelos fins públicos, o órgão judiciário impedimento à atuação do juiz, ex officio, competindo-lhe, de acordo com o art. 139, III, prevenir e reprimir o ato atentatório à dignidade da Justiça. Esse poder existente no direito anterior já abrangia a apuração de todas as condutas reprovadas.186 Em boa hora, portanto, o art. 81, caput, seguiu a versão atualizada do direito anterior, assinalando-se que a jurisprudência do STJ ensaiava adotá-lo.187 À declaração da responsabilidade por dano processual não se prescinde do elemento subjetivo. É uma responsabilidade essencialmente subjetiva.188 As disposições concernentes à responsabilidade objetiva (v.g., a responsabilidade do exequente pela execução injusta, a teor do art. 776; a responsabilidade da parte na execução da tutela provisória, conforme o art. 302) descansam em princípios diferentes, nenhuma influência exercendo a má-fé. A apuração do comportamento da parte desconforme aos deveres legais ocorrerá a qualquer tempo e grau de jurisdição. É comum o relator aplicar, diretamente, a sanção correspondente à interposição de recurso protelatório (art. 80, VII). Não basta a indicação genérica ao art. 80 ou a paráfrase dispositivo legal. O órgão judiciário há de descrever o ato ilícito e capitulá-lo no rol do art. 80,189 respeitando a motivação do art. 489, § 1.º. Essa motivação suficiente e concludente afigura-se indispensável por dois motivos: (a) os fundamentos da decisão permitem ao apenado recorrer e controverter a legalidade do ato; (b) o valor da multa, uma das sanções imponíveis por litigância de má-fé, e calculado em percentual sobre o valor da causa, varia conforme o caso (infra, 621). Tecnicamente irretocável, a motivação do art. 489, § 1.º, cobrará algum preço nesse assunto. Talvez seja mais difícil aplicar o art. 81 e, a fortiori, arbitrar os honorários da sucumbência, do que resolver o capítulo de mérito. O homem e a mulher investidos na função judicante encontram-se sobrecarregados individualmente com dezenas de milhares de feitos. Condenar por litigância de má-fé será empresa tão ou mais difícil que julgar o mérito, desestimulando a reprovação, mas o fato não serve de pretexto para deixar de aplicar a lei. Dependendo da oportunidade em que verifica o ilícito, por sinal, estreitamse as vias impugnativas. No primeiro grau, em geral decisões interlocutórias aplicam a sanção ao litigante ímprobo, eventualmente no próprio incidente que origina o ato reprovável (art. 80, V). Dessas decisões não cabe agravo de instrumento, cabendo reexame incidental nas razões ou contrarrazões de apelação (art. 1.009, § 1.º). Às vezes, a condenação consta da sentença, apreciando o comportamento geral da parte no processo, obviamente apelável (art. 1.009, caput). Das imposições feitas no julgamento dos recursos

cabem embargos de declaração. Em princípio, não cabe recurso especial nesse assunto, porque a inserção deste ou daquele ato no catálogo do art. 80 exigirá o reexame dos fatos.190 Em qualquer hipótese, para assegurar o processo constitucionalmente justo e equilibrado, à reclamação da parte lesada, caracterizando infração a algum dever, impõe-se colher a manifestação do suposto infrator (art. 10).191 Esse problema assume condição delicada na atuação ex officio do juiz e nos recursos protelatórios (art. 80, VII). Raramente o contraditório antecedia a imposição à declaração da responsabilidade e, ato contínuo, a imposição da sanção. O reconhecimento do caráter protelatório dos embargos de declaração nunca é precedido da oportunidade de o recorrente repelir a alegação do recorrido, nem sequer o procedimento desse recurso oferece ocasião propícia para tanto. A possibilidade de impor a sanção no recurso, sem prévio contraditório, não mais é admissível à luz do art. 10. O art. 1.026, § 2.º, parece indicar a dispensa do contraditório no âmbito dos recursos. A abertura de um prazo específico, antes do julgamento do recurso pelo relator ou pelo órgão fracionário do tribunal, talvez produzisse o efeito perverso da procrastinação, objetivo que o conjunto das disposições relativas à litigância de má-fé busca debelar. Portanto, o contraditório recebe temperamentos, mas convém cumpri-lo sempre que possível. Assim, antes de aplicar a sanção do art. 77, § 2.º, obrigatório o órgão judiciário realizar a advertência do art. 77, § 1.º. Na execução, conforme deflui do art. 772, II, o juiz advertirá o devedor, preliminarmente, de que seu ato se afigura reprovável e passível de incidência no art. 774. Logo, a declaração da responsabilidade pressupõe a insistência ou a reiteração do ato. Também se concebe que, em tal oportunidade, o executado desfaça o ato – por exemplo, realizando o distrato do negócio jurídico realizado em fraude contra a execução (art. 774, I). Depois, então, o juiz aplicará a sanção, mediante decisão motivada.192 O ato do juiz tem natureza eminentemente jurisdicional. É imprópria a tese reconhecendo-lhe natureza administrativa.193 Ela só pode ser aceita se a sanção recaisse sobre auxiliar do juízo, não, porém, quanto aos sujeitos do processo, pois o liame do juiz com as partes é processual, e, portanto, os atos que lhes impõem sanções são jurisdicionais. E, de toda sorte, os atos próprios do ofício do órgão judicial são intrinsecamente jurisdicionais. Não cabe mais a velha distinção entre atos administrativos e jurisdicionais haurida do direito italiano.194 Finalmente, assinale-se que o beneficiário da gratuidade não se exime das sanções por litigância de má-fé.195 A benesse constitucional não traduz um bill of indenity quanto a todos os atos processuais reprováveis (art. 98, § 4.º). 619. Identificação do responsável responsabilidade por dano processual

e

do

beneficiário

da

Em tese, responsável pelo dano processual é o sujeito apto a praticar o ato reprovável, ou seja, a pessoa que pleiteia como autor, réu ou interveniente, a teor do art. 79, in fine (retro, 600), e efetivamente o praticou. No caso de pluralidade de partes, dois ou mais litigantes talvez pratiquem o ato censurável, gerando algumas situações dignas de registro.

A primeira hipótese é da prática de ilícitos independentes entre si, e, de resto, atribuíveis a partes contrapostas. Por exemplo, o autor deduziu pretensão contra texto expresso de lei (art. 80, I), mas o réu provocou infundadamente o valor da causa (art. 293). Cada parte responderá, autonomamente, pelo dano produzido à outra. A segunda situação encontra-se no art. 81, § 1.º, parte final, na qual duas ou mais partes, em conluio ou em concerto, praticam a mesma infração. Por exemplo, os litisconsortes ativos, ao demandarem o réu comum, alteraram a verdade dos fatos (art. 80, II). Respondem ambos, solidariamente, perante o réu, sejam ou não vencedores, apesar do atentado à verdade. Em consequência, a parte contrária poderá exigir de qualquer um deles a indenização por inteiro. A terceira hipótese é mais restrita e remota. O dano à parte resulta do concurso de vontades de partes distintas, mas convergentes no propósito lesivo. Por exemplo, autor e réu utilizam do processo para obter objetivo ilegal – o locador move despejo contra o locatário, porque a ambos interessa encerrar a sublocação –, prejudicando sublocatário e assistente. Neste caso, reza o art. 81, § 1.º, primeira parte, o juiz atribuirá a responsabilidade “na proporção de seu respectivo interesse na causa”, e, salvo alguma peculiaridade, no exemplo escolhido maior é a gravidade da conduta do locatário e réu. Por outro lado, o art. 81, caput, e § 1, º, in fine, e o art. 96, primeira parte, identificam o beneficiário da multa e da indenização como a parte contrária. Não se pode entender a expressão literalmente.196 Na verdade, o beneficiário é a parte prejudicada com o ilícito, seja parte principal ou não. E poderá existir mais de um beneficiário da indenização, cada qual atingido autonomamente pelo ilícito, hipótese em que cada qual receberá reparação integral do seu próprio prejuízo.197 Convém recordar que, além das partes principais, ou não, outros figurantes e participantes são destinatários das regras atinentes aos deveres processuais. Valem, então, as considerações já feitas. Admissível que seja a responsabilidade do advogado, em virtude da interposição de recurso protelatório, tanto este, quanto a parte por ele representada, responderão solidariamente perante o adversário. Em tal hipótese, somente a(s) parte(s) contrária(s) beneficiam-se da sanção pecuniária e do ressarcimento da sucumbência. Se determinado auxiliar do juízo pratica o ato responsável, porque destinatário dos deveres do art. 77, a identificação do prejudicado talvez não pareça evidente, no primeiro momento, ou não seja realmente possível precisar qual das partes sofreu o dano. Tal não constitui razão bastante para absolver o autor do ilícito processual. E, de resto, o valor da multa reverterá ao erário (art. 96, in fine). § 132.º Sanções por dano processual 620. Enumeração das sanções na responsabilidade por dano processual

À litigância de má-fé corresponde, a teor do art. 81, caput, três espécies de sanções: (a) a imposição de multa de valor superior a um por cento e inferior a dez por cento sobre o valor da causa; (b) a indenização dos prejuízos; (c) ressarcimento dos honorários advocatícios e todas as despesas que o lesado efetuou. Além dessas sanções, visão externa identificou na tutela da evidência outra sanção contra o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.198 Tal aspecto é objeto de exame ulterior (infra, 1.468). Essas sanções constituem o núcleo do sistema de repressão contra o dolo processual e merecem análise individual. Vale assinalar, contudo, que todas as sanções podem ser cobradas no mesmo processo (art. 777). À luz do art. 81, infere-se que ordenamento processual brasileiro consagrou, preferencialmente, a reparação pecuniária no caso de dolo processual.199 No entanto, há casos em que à imposição da sanção pecuniária somam-se outras medidas com o escopo de prevenir o comportamento reprovável ou eliminar os efeitos do ilícito. Por exemplo, excedendo-se o procurador da parte na linguagem empregada em peça escrita, a sanção consiste em riscá-las (art. 78, § 2.º), a fim de torná-las ilegíveis; existindo abuso no direito de defesa ou manifesto propósito de retardamento, o juiz antecipará os efeitos do pedido (art. 311, I). E a sanção pecuniária assumirá, por vezes, caráter especial; por exemplo, eliminando o reembolso da despesa do ato processual, condicionando a interposição de outro recurso (art. 1.026, § 3.º, segunda parte) – hipótese de restrição de direito –,200 ou a perda da caução (art. 897, caput). As sanções imponíveis por dolo processual encontram-se contempladas de modo exaustivo no art. 81. Não é admissível o uso de critério discrepante – por exemplo, percentual sobre o valor da condenação, pagamento da correção monetária em dobro, e assim por diante.201 621. Imposição de multa A imposição de multa é sanção constante contra o comportamento reprovável da parte. À necessária objetividade, no terreno das penas, a lei responde fixando percentual, embora variável, e indicando, explicitamente, a respectiva base de cálculo, em geral o valor da causa. O valor da causa adquire suma importância no que toca à imposição da sanção. Deixando o autor de atribuir valor adequado à causa, representando o conteúdo econômico da demanda, ou o réu de impugnar este valor incorreto, na prática inutilizam o ato do órgão judiciário, constrangido a estipular sanção de valor irrisório, e tornam inoperante, em parte, o arsenal erigido a favor da jurisdição. Para esse efeito, o art. 81, § 2.º, estipula a multa em até dez salários mínimos, revelando-se irrisório ou inestimável o valor da causa. Não há limite ao valor exceto a graduação do percentual. Logo, em causas de vulto econômico nada exclui valor considerável. O art. 81, caput, estipula limites: piso (um por cento) e teto (dez por cento) sobre o valor da causa. O art. 1.026, § 2.º, adotou o percentual fixo de dois por cento, mas o art. 1.026, § 3.º, havendo reiteração, autoriza a elevação até o percentual de dez por cento, condicionando a interposição de ulteriores recursos ao prévio depósito dessa quantia, ressalvando a Fazenda Pública e

o beneficiário da gratuidade. Ficaram alheios do benefício o Ministério Público e a Defensoria Pública como partes. Já o art. 1.021, § 4.º, no tocante ao agravo interno, deixa margem de discrição ao tribunal, que condenará o recorrente a multa entre um e cinco por cento do valor da causa. Finalmente, o art. 774, parágrafo único, autoriza a aplicação da multa em percentual não superior a vinte por cento sobre o valor atualizado do débito em execução, em proveito do exequente. Em tal hipótese, porque se trata de execução por quantia certa, o valor da causa perde sua importância. Mas, inexistindo débito em execução, ao valor da causa cumpre retornar, na falta de outro critério hábil (v.g., na execução das obrigações de fazer).202 O art. 774, parágrafo único, declara não elidir a multa a imposição de “outras sanções de natureza processual ou material”. No primeiro caso, a regra alude ao dever de indenizar (art. 79 c/c art. 81, caput); no segundo, apanha a tutela penal (v.g., o crime de fraude).203 622. Imposição de indenização O art. 81, caput, contempla o dever de o infrator indenizar a contraparte os “prejuízos que esta sofreu”. Essa indenização tem caráter reparatório.204 Se há alguma punição, independente de dano, no regime repressivo do art. 81, caput, ela consiste na multa, todavia cumulada com a indenização. São rubricas distintas e governadas por princípios diferentes. Na realidade, a responsabilidade processual é autônoma, à semelhança da obrigação de reembolso das despesas do processo (art. 85), porque se funda num dolo específico – o dolo processual.205 Dos precedentes anteriores à modificação introduzida na regra equivalente do direito anterior, outorgando caráter de pena à indenização, resultava evidente cuidar-se de argumento supletivo para chancelar a imposição ex officio,206 problema hoje superado. Não era declaração da natureza do dever. Os prejuízos indicados no art. 81, caput, equivalem às perdas e danos do art. 79. A indenização engloba o dano patrimonial, na forma do dano emergente e dos lucros cessantes, e extrapatrimonial.207 De ordinário, a existência da última espécie de dano constitui o quod plerumque fit, mas parece exagero presumi-lo.208 Haverá casos, a exemplo do atraso na alegação de exceção substancial, em que essa espécie de dano não surge na prática. No pronunciamento declarará a responsabilidade da parte, portanto, após deliberar sobre o an debeatur, o órgão judiciário condena o responsável ao pagamento da indenização, fixando desde logo o quantum debeatur, sem qualquer limite em tese, ou remetendo tema à liquidação por arbitramento (art. 81, § 3.º) ou à ação autônoma. A primeira parte do parágrafo visou a facilitar a imposição da sanção em quantia líquida.209 Evidentemente, não fica ao talante do juiz arbitrar a indenização, desde logo, ou remeter o beneficiário à liquidação. O juiz empregará a primeira parte do art. 81, § 2.º, dispondo de elementos concretos para essa tarefa. Do contrário, abster-se-á de fixar o quantum debeatur, remetendo a parte à liquidação ou à ação autônoma porque a indenização medir-se-á sempre pela extensão do dano, como estabelece o art. 944 do CC. Eis a razão por que abrange o dano extrapatrimonial. A quantia fixada em percentual era estipulação à forfait do

dano,210 subsistindo a possibilidade no direito vigente, respeitado o art. 944 do CC. No entanto, fixado o valor da indenização, e inexistindo recurso da parte lesada, nenhuma outra indenização poderá ser pleiteada por via autônoma. É preciso que o dano haja se verificado. Não se indenizam danos hipotéticos.211 A liquidação por arbitramento processar-se-á nos próprios autos e perante o juiz que decidiu a causa em primeiro grau (art. 516, II) ou, ocorrendo deliberação em processo de competência originária, no tribunal (art. 516, I). 623. Imposição de honorários advocatícios e do ressarcimento de todas as despesas O art. 81, caput, parte final, inclui na reparação do dano processual a indenização pelos “honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”. Não se sobressai pela nitidez essa instigante disposição. Realmente, vencendo a causa a parte lesada pela conduta reprovável do adversário, haverá a condenação nos honorários e nas despesas, aplicandose, tout court, o art. 85. A condenação do vencido em tais verbas funda-se no princípio da causalidade, sem qualquer relação com o descumprimento, ou não, dos deveres do art. 77 e a caracterização da má-fé do art. 80. E a responsabilidade por dolo processual independe da derrota do infrator. Ao contrário, o vencedor talvez haja praticado ato reprovável na consecução do seu objetivo de sucesso a todo custo. Ademais, o comportamento desconforme ao direito pode decorrer da suscitação de incidente (art. 80, VI) e na interposição de um só recurso manifestamente protelatório (art. 80, VII). Cumpre realizar algumas distinções nessa complexa matéria. Em primeiro lugar, vencido o litigante ímprobo, a condenação nas despesas e nos honorários já não se fundará no princípio da causalidade (art. 85), mas na responsabilidade do art. 81, caput, e vai além, relativamente às despesas, abrangendo todas as que o vencedor efetuou, e não somente as repetíveis (custas, indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico).212 Por exemplo, o custo da extração de cópias ou da digitalização dos documentos, da tradução de documentos úteis à instrução do processo ou à elucidação dos advogados, de transmissão de dados, e outras do mesmo gênero. O valor dos honorários não sofrerá qualquer alteração para mais ou menos em virtude da responsabilidade por dolo processual. Inconcebível, por exemplo, a duplicação dos honorários sucumbenciais, metade com fundamento no art. 85, a outra metade no art. 81. Tampouco abrange os honorários contratuais. Lançar-se-ia a barra longe demais. Essa rubrica integra a indenização dos prejuízos. E o litigante que houver se comportado com má-fé unicamente em algum incidente ou ato processual, indenizará ao lesado nas despesas que, a esse título, hajam resultado da má-fé. Mas, vencedor o litigante ímprobo, o quadro muda de figura, comportando ulterior subdivisão. Se o ato censurável ocorreu em algum incidente ou ato isolado, resta pouca dúvida que o vencedor suportará as respectivas despesas, porque

irrepetíveis. É o litigante de má-fé, e, não, o vencido que suportará as despesas a que for condenado na forma do art. 84 do NCPC. Não haverá reembolso. No que tange às despesas feitas pelo vencido, mas parte lesada, e aos honorários advocatícios, nos casos em que a má-fé contaminou todo o processo (v.g., a oposição de resistência injustificada ao andamento do processo, a teor do art. 80, IV), a ambígua parte final do art. 81, caput, positivamente sugere que o litigante de má-fé, apesar de vencedor, suportará essas despesas e os honorários advocatícios. Em outras palavras, o juiz fica autorizado a inverter a sucumbência, beneficiando a parte lesada. É a solução justa. A hipótese de o vencedor ter alterado a verdade dos fatos (art. 80, II), a fim de dificultar a outra parte, exigindo-lhe maiores esforços probatórios, é um exemplo de que a inversão da regra natural da sucumbência, prevista no art. 85, pode e deve ser alterada. Existe outra possibilidade, porém: o juiz condenará, simultaneamente, o vencedor e o vencido nas despesas e nos honorários, respondendo o vencedor, mas litigante de má-fé, na proporção de seu ato.213Essas verbas compensar-se-ão na forma da lei. Disposições específicas contemplam a condenação da parte em honorários advocatícios e nas despesas do processo, inicialmente inexistente, no caso de má-fé (art. 13 da Lei 4.717/1965; art. 18 da Lei 7.347/1985; art. 87 da Lei 8.078/1990). A condenação em custas ocorrerá em décuplo (art. 87, parágrafo único, da Lei 8.078/1990). Nos juizados especiais, da mesma forma, a má-fé implicará na condenação em honorários e custas.214 624. Relevação da pena na execução O art. 601, parágrafo único, do CPC de 1973 permitia ao órgão judiciário, nada obstante a prática de ato reprovável, relevar a “pena”. Estabelecia, para tal finalidade, dois requisitos: (a) o compromisso do executado em não repetir o ato; (b) a prestação de caução fidejussória. O expediente visava a promover o bom e regular andamento da execução no futuro. Portanto, apresentava repercussão relativa e, de toda sorte, a prestação de compromisso traduzia simples compromisso moral, qual juramento extravagante. Não é de se pré-excluir, todavia, a exoneração da multa no caso de fraude contra a execução. Advertido pelo juiz (art. 772, II), talvez o executado distrate o negócio jurídico fraudulento, após a imposição da sanção, caso em que a revelação constituirá estímulo à boa-fé.

Capítulo 35. DESPESAS E MULTAS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 133.º – Despesas processuais – 625. Origem do custo financeiro do processo – 626. Conceito de despesas processuais – 627. Classificação das despesas processuais – 627.1. Despesas dos serventuários e despesas dos colaboradores – 627.2. Despesas reembolsáveis e despesas não reembolsáveis – 627.3. Despesas extraprocessuais e despesas processuais – 627.4. Despesas necessárias e despesas úteis – § 134.º Dever de antecipação das despesas processuais – 628. Provisão das despesas processuais – 629. Pessoas não sujeitas ao dever de antecipação – 629.1.

Isenção do beneficiário da gratuidade – 629.2. Isenção do Ministério Público – 629.3. Isenção da Fazenda Pública – 629.4. Isenção do amicus curiae – 629.5 Isenção da Defensoria Pública – 630. Processos não sujeitos ao dever de antecipação – 631. Momento da antecipação das despesas processuais – 632. Consequências do descumprimento do dever de antecipação – § 135.º Responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais – 633. Fundamento da responsabilidade de reembolso – 633.1. Princípio da sucumbência – 633.2. Princípio da causalidade – 633.3. Princípio do interesse – 634. Pressupostos da responsabilidade de reembolso – 635. Fonte da responsabilidade de reembolso – 635.1. Desnecessidade de pedido da parte quanto ao reembolso – 635.2. Obrigatoriedade do pronunciamento do juiz quando ao reembolso – 635.2.1. Omissão do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – 635.2.2. Remédios para corrigir a omissão do pronunciamento quanto ao reembolso – 635.2.3. Consequências da omissão definitiva do pronunciamento quanto ao reembolso – 635.3. Fundamentação do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – 635.4. Natureza do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – 636. Oportunidade do provimento quanto à responsabilidade de reembolso – 637. Conteúdo do provimento quanto à responsabilidade de reembolso – 637.1. Condenação total do vencido – 637.2. Condenação proporcional das partes – 637.3. Isenção das despesas processuais e dos honorários – 638. Objeto da responsabilidade de reembolso – 638.1. Custas do processo na fase de cognição – 638.2. Custas do processo na fase de execução – 638.3 Indenização de viagem – 638.4 Indenização da testemunha – 638.5 Remuneração do assistente técnico – § 136.º Exceções à responsabilidade de reembolso – 639. Desoneração da responsabilidade de reembolso – 640. Responsabilidade exclusiva pelas despesas dos atos adiados ou repetidos – 641. Responsabilidade do vencedor por dolo processual – 642. Responsabilidade exclusiva na intervenção de terceiros – § 137.º Distribuição proporcional das despesas do processo – 643. Fundamento da distribuição proporcional das despesas processuais – 644. Distribuição das despesas entre litisconsortes – 645. Distribuição das despesas na assistência – 646. Distribuição das despesas na jurisdição voluntária – 647. Distribuição das despesas nos juízos divisórios – 648. Distribuição das despesas na transação – 649. Distribuição na desistência, no reconhecimento e na renúncia parciais – 650. Distribuição no abandono bilateral da causa – § 138.º Credor e devedor do reembolso das despesas processuais – 651. Credor do reembolso das despesas processuais – 652. Direito do substituto processual ao reembolso – 653. Direito do sucessor processual ao reembolso – 654. Direito do representante processual ao reembolso – 655. Direito do advogado ao reembolso – 656. Direito do beneficiário da gratuidade ao reembolso – 657. Direito do Ministério Público ao reembolso – 658. Direito da Fazenda Pública ao reembolso – 659. Direito dos litisconsortes ao reembolso – 660. Direito do revel ao reembolso – 661. Direito dos intervenientes ao reembolso – 662. Devedor do reembolso das despesas processuais – 663. Restituição das custas indevidamente recebidas – 663.1. Sujeitos da restituição das custas indevidas – 663.2. Procedimento da restituição das custas indevidas – 663.3. Consequências da restituição das custas indevidas – § 139.º Multas processuais – 664. Conceito de multa processual – 665. Espécies de multa processual – 666. Devedor e credor da multa processual – 666.1. Devedor da multa processual – 666.2. Pluralidade de devedores da multa processual – 666.3. Credor da multa processual – 667. Liquidação da multa processual

§ 133.º Despesas processuais 625. Origem do custo financeiro do processo O custo financeiro do processo representa entrave da maior transcendência ao direito fundamental de acesso à Justiça. Na primeira fase do processo romano, a simplicidade do processo e a obrigação de as partes comparecem pessoalmente em juízo, desacompanhadas de patronos ou de advogados, permitiu que a lei ignorasse as despesas das partes em razão do litígio.1 À medida que o aparato judiciário se burocratizou, o formalismo dominou todas as fases do processo e a advocacia tornou-se atividade de certa classe de cidadãos, e privada, deixando de retratar uma função pública honorífica, não só a Justiça Pública se tornou onerosa, quanto o problema das despesas exigiu tratamento adequado. A Justiça Pública tem elevadíssimo custo social. Através do pagamento dos tributos, a sociedade arca com os elevadíssimos custos da estrutura judiciária – material e pessoal. E como a estrutura cresce paulatinamente, os gastos públicos nessa área tendem a aumentar exponencialmente. A Justiça Pública também é onerosa para as partes. Elas antecipam as despesas, uma delas – o vencido – sem a menor possibilidade de recuperá-las, e a outra – o vencedor –, na melhor das hipóteses recuperará parcialmente o gasto, pois existem assimetrias entre o gasto e o ressarcimento, e, de toda sorte, este último ficará condicionado, em última análise, à suficiência patrimonial do vencido (art. 391 do CC). O fato de a pessoa, impedida de resolver privadamente o conflito, acudir à jurisdição e utilizar os serviços judiciários, exige dispêndio financeiro. O custo é maior ou menor consoante a magnitude do litígio, a sua duração e a sua complexidade.2 O que o Estado reclama dos particulares para usarem o serviço público apenas em tese equivale ao que gasta com o aparato judiciário. Como quer que seja, o autor bem avisado sopesará o valor dessas despesas com muita atenção e, conforme seu valor e o prognóstico de êxito, o desembolso tornar-se-á poderoso fator de desestímulo ao ingresso em juízo. Eis uma razão, por sinal, para banir a gratuidade generalizada, o que representaria “incentivo à litigância irresponsável”.3 É duplo o encargo do autor: de um lado, há despesas geradas pela movimentação em si do processo; de outro, mostrando-se imprescindível a representação técnica para realizar a atividade processual, em princípio vedada à parte, salvo exceções, impõe-se outorgar poderes ad judicia interessado representar-se tecnicamente, através de procurador, hoje a um procurador ou advogado. E a advocacia constitui essencialmente uma profissão liberal, sem embargo de os litigantes institucionais manterem corpo técnico para contratar outros advogados, agrupados ou não em escritórios, e o advogado recebe honorários em razão do patrocínio das causas em juízo. O duplo encargo das partes acarreta desembolso imediato na abertura do processo. Em geral, o advogado cobra um pro labore para representar a parte em juízo. E o autor satisfaz antecipadamente as despesas intrínsecas ao processo no regime vigente (art. 82, caput). O desembolso antecipado chegou ao supremo requinte de contar as despesas por cada ato individualmente

considerado no direito anterior. A disponibilidade financeira constitui, portanto, pressuposto relevante da possibilidade de pôr em causa os (supostos) próprios direitos e de defendê-los na Justiça Pública.4 A fim de não tornar a garantia judiciária inútil à maioria da população, ou, no mínimo, inacessível para os desprovidos de fortuna e recursos, a ordem jurídica estabeleça mecanismos de apoio e socorro aos menos favorecidos. Os esforços para colocar os vulneráveis em situação material de igualdade, no desenvolvimento do processo, não prescindem do prévio fornecimento dos meios mínimos para postular na Justiça Pública. Trata-se de elemento imprescindível para promover o equilíbrio concreto do processo, sem embargo da ulterior necessidade de recursos e armas técnicas. Neste sentido, a gratuidade revela-se essencial à garantia do acesso à Justiça. Nenhuma iniciativa nessa área se revela suficiente para banir, definitivamente, a máxima infamante – Curia pauperibus clausa est.5 É mais difícil, todavia, tornar a prestação jurisdicional universalmente gratuita. Tal concessão representaria um benefício às pessoas naturais e jurídicas que se tornam, por um motivo ou outro, litigantes habituais, onerando a sociedade, vez que exigiria uma parcela ainda maior no orçamento público. E, como assinalado, incentivaria o litígio temerário e por espírito de emulação (a generalização do benefício da gratuidade já produz esse efeito). Entre nós, a remuneração de juízes e de servidores, bem como as despesas de manutenção da infraestrutura material da Justiça Pública, já ocupam percentual excessivo e, em alguns Estados-membros, dimensão verdadeiramente asfixiante da capacidade de investimento em outras áreas igualmente relevantes. Assim, o problema não é de fácil e intuitiva solução, cabendo decidir quem deve suportar o custo financeiro do processo.6 À primeira vista, não parece socialmente justo atribuir ao não litigante, indiretamente, o custo do processo, aumentando a carga tributária; por outro lado, este custo não pode impedir o acesso à Justiça Pública. Um ponto de equilíbrio há de ser alcançado, distribuindo equitativamente entre litigantes e não litigantes os encargos financeiros. Desse assunto, porém, tratar-se-á no âmbito da assistência judiciária, a cargo da Defensoria Pública (infra, 1.071), e do benefício da gratuidade, concedido no processo, que isenta o beneficiário das despesas do processo em sentido amplo, e confere-lhe patrocínio através da escolha de um procurador na advocacia privada (infra, 753). Por enquanto, interessa a disciplina das despesas processuais sem esses mecanismos compensatórios do handicap dos necessitados. 626. Conceito de despesas processuais Segundo o art. 82, in fine, do NCPC, ressalva feita às disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizem ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento, “desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título”. O abono das despesas aplica-se à execução – no tocante à “efetivação” dos provimentos antecipatórios, no entanto, o órgão judiciário deliberará acerca da responsabilidade e do reembolso no provimento final –, seja qual for a natureza do título, e, em mais de um ponto, ostenta algumas particularidades. O art. 82 emprega a palavra execução no

sentido técnico, envolvendo as atividades do “cumprimento” da sentença e do processo de execução. Também não utiliza o verbo “declarar” para a obrigação contemplada no título executivo, mas o verbo reconhecer, repelindo, por conseguinte, a noção que a mera declaração confere efeito executivo ao vencedor. “Por despesas” – ensinava-se no direito anterior – “hão de se entender todos os gastos necessariamente feitos para se levar um processo à sua finalidade normal… o que significa que no conceito de despesas incluem-se as custas propriamente ditas, como ainda a indenização por despesas de viagem, diária das testemunhas e remuneração dos assistentes técnicos…”.7 É a noção estrita de despesas processuais, necessariamente incompleta e divergente do conceito histórico, englobando os salários dos advogados. Em sentido mais amplo, entende-se por despesas processuais qualquer desembolso pecuniário, feito pelos figurantes da relação processual e exibindo como causa direta e imediata a atividade processual.8 A despesa é um desembolso de dinheiro.9 Por intermédio do elemento causal, pois a despesa decorre direta e imediatamente do processo em si, em primeiro lugar distingue-se as despesas processuais dos danos provados pela litispendência.10 Porém, há outro aspecto sistemático de relevo. O direito processual civil brasileiro não inclui os honorários advocatícios no rol das despesas processuais, acompanhando o arranjo anterior.11 A lei cuida das despesas no já mencionado o art. 82, complementado o respectivo sentido pelo art. 84, e, malgrado a rubrica da Seção III – Das Despesas, dos Honorários Advocatícios e das Multas – do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e De seus Procuradores do Livro III da Parte Geral do NCPC – o art. 85 e seus copiosos parágrafos contemplam os honorários como verba distinta e alheia às despesas.12 Os honorários hão de ser tratados separadamente das despesas. Essa construção do direito positivo não está de acordo com a linha histórica: compreendiam as custas – hoje, subespécie das despesas –, desde os tempos mais remotos, os salários dos advogados que, “nem por isso se desnaturam, de sorte a perderem o seu particular caráter de remuneração ex contractu, devida pelo mandante ao mandatário”.13 As despesas processuais incluíam, no direito anterior, as multas impostas às partes por seus desvios de comportamento e descumprimento dos deveres processuais. A já mencionada Seção III dedica ao assunto os artigos 96 e 97, dispensando, na sistemática vigente, a contagem como custas, porque desnecessária. É preciso, assim, passar à classificação das despesas, clareando o assunto. 627. Classificação das despesas processuais O gênero despesas processuais comporta classificação de acordo com vários critérios. Por exemplo: (a) despesas necessárias; (b) despesas úteis; e (c) despesas voluntárias.14 Essa divisão não tem sentido unicamente didático. O regime das despesas não se revela uniforme e a distinção das respectivas espécies auxilia.

627.1. Despesas dos serventuários e despesas dos colaboradores – É antiga a noção de custas judiciais no direito brasileiro. A análise das regras do estatuto processual revela que custas processuais constituem a retribuição pecuniária, prevista em lei específica, em razão da prática dos atos processuais realizada por uma classe de órgãos auxiliares do juízo: os serventuários da justiça (infra, 979). Depreende-se da Seção I do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça – do Título IV – Do Juiz e Dos Auxiliares da Justiça – que os serventuários mais relevantes são o escrivão ou chefe de secretaria e o oficial de justiça, porque a lei processual encarregou-se de traçar os deveres principais dessas pessoas e, quanto ao escrivão ou chefe de secretaria seus atos de ofício receberam o destaque dos artigos 206 a 211 da Seção V do Capítulo I – Da Forma dos Atos Processuais – do Título I – Da Forma, Do Tempo e Do Lugar dos Atos Processuais – do Livro IV – Dos Atos Processuais da Parte Geral do NCPC, após os atos das partes e dos pronunciamentos do órgão judicial. O escrivão ou chefe de secretaria e o oficial de justiça entretêm vínculo administrativo com a pessoa jurídica de direito público que presta jurisdição (União e Estados-membros) e, portanto, as respectivas leis de organização judiciária disciplinam o seu regime jurídico. Mas, há outros serventuários imprescindíveis, como o distribuidor, e o contador, funções aglutinadas nas comarcas menores, o partidor e – apesar de não mencionado, nominalmente, no art. 149 – o porteiro (infra, 980). No modelo anterior à CF/1988, os serventuários eram particulares investidos em função pública, explorando o ofício judicial criado por lei em caráter privado. A retribuição desses particulares era unicamente o recebimento das custas. A estatização dos serviços auxiliares pelo art. 31 do ADCT da CF/1988 modificou esse regime, em muitos aspectos até superior: os serventuários recebem vencimentos, revertendo as custas ao erário. Essa substancial alteração levou à deterioração progressiva dos serviços na Justiça Comum, pois ainda não se formou um quadro satisfatório de serventuários, preparados para as funções que lhes correspondem, como o que existe na Justiça Federal, desde a nova instituição – a CF/1937 eliminara a Justiça Federal, propugnando um Estado unitário, literalmente incinerando as bandeiras dos Estados-membros –, por força do Ato Institucional n.º 2, de 27.10.1965, completamente estatizada, e na Justiça do Trabalho. Exemplos de custas localizam nas despesas do oficial de justiça em decorrência da citação e da penhora. Essa retribuição tem a natureza tributária de taxa.15 É fato digno de nota que, a teor do art. 96, as multas impostas às partes em consequência da má-fé reverterão “em benefício da parte contrária”. O dispositivo aplica-se à execução, envolvendo a multa do art. 774, parágrafo único. A prática de atos processuais por colaboradores da Justiça, a exemplo do perito, do intérprete e do depositário, do conciliador e do mediador, remunerase por intermédio de honorários, por vezes prefixados (v.g., no caso da perícia de responsabilidade do beneficiário da gratuidade, a teor do art. 95, § 3.º, II, conforme tabela do tribunal ou, na sua falta, do CNJ). São despesas processuais e abrangem, por igual, outros gastos com particulares, a exemplo da publicação do edital de citação em jornal local (art. 257, parágrafo único) ou do edital de leilão, ex vi do art. 887, § 3.º. Registre-se o esforço do NCPC

em diminuir os gastos com esses atos, preferindo a divulgação na rede mundial de computadores. Também são despesas as verbas enumeradas no art. 84: (a) indenização de viagem; (b) a indenização da testemunha; (c) remuneração do assistente técnico. É imperfeita a redação art. 84, porque insinua, impropriamente, abranger a rubrica “custas” todas as despesas realizadas em função da prática dos atos processuais. Ora, a perícia é um ato processual, mas a retribuição do perito não se faz mediante custas, mas através de honorários. Logo, o critério assenta no destinatário da retribuição pecuniária e na respectiva prefixação legal. Esses dois elementos compõem a noção de custas. Tal não significa, evidentemente, que somente custas, em sentido estrito, podem ser reembolsadas. Na realidade, sob essa rubrica inserem-se as despesas processuais não expressamente aludidas na regra. 627.2. Despesas reembolsáveis e despesas não reembolsáveis – A amplitude do conceito de despesas ministrado, abrangendo todos os gastos provocados direta e imediatamente pelo processo, suscita uma ulterior e delicada questão. De ordinário, os gastos da parte se relacionam, diretamente, com atos inerentes ao processo pendente, como acontece com a remuneração do depositário (art. 160). Às vezes, entretanto, a parte realiza gastos preparatórios para a futura demanda, ou somente conexos indiretamente com os atos do processo. Essa rubrica inclui exemplificativamente: (a) os honorários do jurisconsulto, relativos a um parecer que deslinde os pontos de fato e de direito, preparando a melhor apresentação da causa pelo advogado contratado pelo autor para elaborar a petição inicial ou pelo réu para preparar a defesa; (b) os honorários do perito que elabora o parecer previsto no art. 472, dispensando a realização da prova pericial em juízo, a critério do órgão judiciário; (c) os honorários do perito contratado para elaborar a planilha dos cálculos de liquidação, contemplada no art. 798, parágrafo único, instruindo a petição inicial da execução de prestação pecuniária; (d) os emolumentos cobrados pelo registrador na averbação penhora (art. 844) ou realizar protesto obrigatório ou facultativo do título executivo judicial e extrajudicial. Em alguns casos, essas despesas não se mostram realmente imprescindíveis à atividade processual e à consecução dos objetivos das partes. É o caso do parecer obtido do jurisconsulto, em que pese o seu ato valor para persuadir o juiz da razão da parte, subtraindo-se tal despesa da responsabilidade do vencido.16 Não se trata de entendimento pacífico,17 mas largamente prevalecente. Essa diferença estabelece a distinção entre duas classes de despesas: (a) as despesas reembolsáveis, ou repetíveis, que são custas e as despesas mencionadas no art. 84; e (b) as despesas não reembolsáveis, embora decorrentes do processo, “sendo que estas últimas podem ser excepcionalmente reembolsadas, porém não como despesas, mas a título de danos”.18 Essa classificação remonta ao clássico estudo a respeito dessa matéria e, até hoje, decisivo no assunto.19 Em tal oportunidade, buscava-se distinguir as despesas judiciais, em especial as despesas de viagem, expressamente contempladas no art. 84, entre nós, e as despesas processuais, assinalando-se, com razão, que as despesas realizadas antes do processo (v.g., as do protesto obrigatório da cambial) e posteriores ao

processo (v.g., as do registro da sentença substitutiva prevista no art. 501 no álbum imobiliário) são reembolsáveis. As despesas reembolsáveis são as despesas necessárias à prática e à efetivação dos atos processuais. É o que declara, categoricamente, o art. 82, caput, parte final, que considera reembolsáveis todas as despesas realizadas “até a plena satisfação do direito reconhecido no título”. As despesas anteriores ao processo e posteriores, como as indicadas há pouco, mostram-se plenamente reembolsáveis. Se o intuito manifesto do art. 84, era restringir as despesas reembolsáveis, não logrou seu intento. E não convém, merecendo a “indenização por viagem” o rótulo de despesa restituível, alargar excessivamente o rol das despesas não reembolsáveis. Essa restrição compeliria o vencedor a uma nova demanda, visando a obter do processo tudo aquilo que receberia sem o processo – máxima que fundamenta o princípio da sucumbência. Para tornar restituível a despesa, não importa seu caráter extrajudicial, mas sua indispensabilidade para os atos processuais. Fora daí a despesa se mostrará supérflua e excessiva, correndo por quem a realizou. Por conseguinte, avaliar-se-á a natureza supérflua, ou não, de cada despesa em conformidade com o critério id quod plerumque accidit.20 Em tal correta perspectiva, os honorários do jurisconsulto se afiguram não repetíveis, mas parece incorreta a orientação do STJ – uniformizada pela Corte Especial –,21 haurida do direito anterior, exonerando o executado de reembolsar a remuneração do perito contratado pelo exequente para elaborar a planilha mencionada nos artigos 524 e 798, parágrafo único. Na pior das hipóteses, o órgão judiciário perscrutará a virtual complexidade dos cálculos, existindo casos em que o conhecimento técnico do contador se revelará imprescindível à obtenção do quantum debeatur, e, nesse caso, a despesa revela-se necessária: o ato processual não pode ser praticado sem os préstimos do contador. É claro que tal despesa integraria as perdas e danos que derivam do inadimplemento imputável ao obrigado. Porém, o importa dispensar o credor de demandar a reparação integral do dano contratual em processo autônomo. Por outro lado, o STJ acertou ao estimar repetível pelo credor as despesas realizadas para registrar a penhora de imóvel.22 É uma despesa extraprocessual repetível. 627.3. Despesas extraprocessuais e despesas processuais – Da precedente distinção, mas não se identificação totalmente com o caráter reembolsável, ou não, resulta que há outras espécies de despesas: (a) extraprocessuais; e (b) processuais. A preparação da petição inicial ou da despesa exige desembolsos pecuniários variados. Por exemplo: (a) os honorários satisfeitos ao advogado por consultas, aconselhando a futura parte do melhor modo de postular o seu direito; (b) as despesas realizadas para localizar e obter documentos (v.g., certidões do álbum imobiliário); (c) despesas para tirar protesto obrigatório do título cambial; (d) as despesas para traduzir documentos escritos em língua estrangeira; (e) as despesas para copiar documentos que instruirão a futura peça processual; (f) a elaboração de plantas para localizar o imóvel objeto da

pretensão a usucapião ou à demarcação; (g) a elaboração de ata notarial para fins probatórios.23 No caso das cópias, em geral, os aparelhos eletrônicos de redução reduziram o custo, comparativamente à época dos traslados, em que as rasas eram feitas à mão, e, posteriormente, datilografadas por pessoas contratadas para esse fim, e que demoravam muito para serem ultimados, mas respectivo valor não é irrelevante em muitos casos. Convém realçar que duas medidas reduziram o custo de preparação: (a) a desnecessidade de reconhecer a firma do outorgante no instrumento particular de procuração para postular em juízo; (b) a possibilidade de o advogado declarar autênticas as cópias, sob sua responsabilidade, dispensando a autenticação notarial. Foram medidas simples, mas de efeitos proveitosos. Despesas também se mostram indispensáveis após o julgamento favorável da causa e da extinção do procedimento. O processo em si extinguir-se-á, na prática, com a satisfação do vitorioso, e, não com a emissão do provimento final. E tal satisfação subordina-se, amiúde, ao cumprimento voluntário ou ao cumprimento forçado da sentença, do acórdão ou da decisão singular do relator – na execução, custas correm por conta do executado (infra, 638.2). Exemplo dos mais eloquentes evidencia que há despesas de cumprimento extraprocessuais: as despesas do registro da sentença substitutiva do contrato definitivo, tratando-se de contrato preliminar de compra e venda de bem imóvel, a teor do art. 501. Essas despesas, posteriores à pronúncia do dever de reembolso, são devidas pelo vencido, haja ou não disposição explícita. E, ainda, no curso do processo, há despesas extraprocessuais. O deslocamento da parte (v.g., para acompanhar o cumprimento de carta precatória ou a produção da prova através de carta), ou a despesa de viagem, quadram-se nessa categoria. Os dados coligidos indicam que as despesas extraprocessuais comportam ulterior subdivisão, considerando a litispendência, em três classes: (a) as despesas anteriores; (b) as despesas intercorrentes; e (c) as despesas posteriores. Por sua vez, as despesas processuais se encontram definidas no art. 84 e são as despesas, cujo pagamento é antecipado, respeitante aos atos processuais realizados ou requeridos. A natureza extraprocessual da despesa interessa à definição do reembolso. Não é exato que as despesas extraprocessuais não interessam ao processo civil – caso em que, de resto, a indenização de viagem não figuraria no art. 84. A jurisprudência italiana admite o reembolso das despesas anteriores ao processo.24 O critério geral para decidir se a despesa é ou não reembolsável reside no caráter necessário ou útil do dispêndio. Ele se revela insuficiente, a mais das vezes, ou não é compreendido na largueza devida. Segundo a diretriz correta, o reembolso abrangerá “todas as despesas atinentes à presença das partes, à sua representação e defesa, à preparação material da discussão, à prova, à decisão, a tudo que se relacione imediatamente à finalidade da

lide”.25 Quando se ocupou desse ponto, no art. 13 da Lei 4.717/1965, a lei brasileira filiou-se a essa linha clássica, aludindo às despesas extrajudiciais “diretamente relacionadas com a ação e comprovadas”. A relação de causa e efeito indica o caráter necessário (v.g., o protesto obrigatório do título de crédito) ou útil da despesa extraprocessual (v.g., os honorários do perito que elaborou parecer técnico). Não sendo tais despesas cotadas no processo – e o problema encontra-se pertinentemente ferido no citado art. 13 da Lei 4.717/1965 –, a parte legitimada a pleitear o reembolso comprovará o valor exato e o efetivo dispêndio mediante documento idôneo (v.g., cópia da certidão do protesto, em que são taxados os emolumentos do registrador; nota fiscal emitida pelo perito; cupão da passagem de ônibus ou aérea). Nem sempre as soluções da jurisprudência, na falta de melhor explicitação legal, revelam-se satisfatórias e coerentes. Por exemplo, os honorários do contador, contratado pelo vitorioso para realizar cálculo mais complexo, não comporta reembolso pelo executado, embora seja evidentemente uma despesa necessária. As despesas com cópias, que o art. 241.5 da Ley de Enjuiciamiento Civil tornou reembolsáveis,26 raramente são computadas à conta do vencido. O fundamento do reembolso não é atendido em sua plenitude. 627.4. Despesas necessárias e despesas úteis – Existem despesas processuais imprescindíveis à formação (v.g., o pagamento da taxa judiciária e das custas do distribuidor) e ao desenvolvimento do processo (v.g., custas do oficial de justiça para realizar a citação; despesas postais na citação pelo correio). E há despesas que, sem se mostrarem inteiramente supérfluas, revelam-se úteis, porque facultativas, e contribuem para o resultado favorável (v.g., a remuneração do assistente técnico).27 São despesas processuais reembolsáveis. Também se alude às despesas voluntárias, realizadas por comodidade da parte, e que não prejudicam a atividade judiciária.28 § 134.º Dever de antecipação das despesas processuais 628. Provisão das despesas processuais O art. 82, caput, inicialmente ressalvando as disposições concernentes à justiça gratuita, estabelece o dever de as partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento “desde o início até a sentença final”, e, ainda, “na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença”. O art. 82, caput, não contempla um ônus,29 mas dever em sentido estrito.30 O processo se desenvolverá, mediante impulso oficial, independentemente do descumprimento dessa regra, salvo exceções. E tanto é exato que, não satisfeitas pela parte gravada com o dever, mas aprovadas pelo juiz, o crédito de auxiliar da justiça, quanto as custas, emolumentos ou honorários, constituirá título executivo judicial (art. 515, V). Funda-se o dever de antecipação, feito por ocasião de cada ato processual – o desaparecimento da menção não eliminou o princípio; por exemplo, no caso da condução do oficial de justiça –, individualmente

considerado, na necessidade de satisfazer tais despesas paulatinamente, evitando que se acumulem, no final do processo, e sejam irrealizáveis, em virtude da insuficiência patrimonial da parte responsável – de ordinário, o vencido –, bem como os colaboradores da justiça (infra, 979) não necessitem aguardar o término do processo, “o que pode levar anos”.31 Em relação aos serventuários, esse último fundamento mostra-se irrelevante: as quantias devidas a título de custas revertem ao erário, a partir da estatização generalizada dos ofícios judiciários; porém, no respeitante aos colaboradores, o fundamento tem inteira pertinência. Não se pode almejar plausivelmente que colaborem com a Administração da Justiça sem prévio pagamento da respectiva remuneração. Por esse motivo, suprindo a lacuna na versão originaria do CPC de 1973, o art. 95, § 1.º, facultou ao juiz a determinação do depósito prévio da remuneração arbitrada ao perito, variável consoante múltiplos fatores, permitindo a respectiva liberação total após a apresentação do laudo, sem prejuízo da liberação antecipada da metade (art. 465, § 4.º). Do contrário, somente as pessoas com menor habilitação ou qualificação aceitariam o encargo, trabalhando primeiro para receber sabe lá quando. Essa disposição suscita dificuldades, todavia, no caso de isenção legal do dever de antecipar despesas processuais (v.g., beneficiário da gratuidade) e nos processos coletivos (infra, 629), assunto regulado pelo NCPC – vale pelo fato – no art. 95. Em princípio, porque tomou a iniciativa, formando a relação processual, o dever de antecipar recai sobre o autor. É dele, por igual, o dever de antecipar as despesas dos atos ordenados ex officio ou requeridos pelo Ministério Público, intervindo como fiscal da ordem jurídica, a teor do art. 82, § 1.º. Mas, cada parte pagará a remuneração do seu assistente técnico e, havendo o réu requerido a perícia, cabe-lhe a antecipação da remuneração fixada pelo juiz, a teor do art. 95, caput. Evidentemente, as despesas processuais do recurso são pagas pelo recorrente, tecnicamente chamadas de preparo, independentemente da posição ocupada no processo. Dependendo a execução da iniciativa do vitorioso, como decorre do art. 515, § 1.º, e, de um modo mais geral, ao exequente, consoante o art. 798, este é a parte responsável pela antecipação, a teor do art. 82, caput. Parece óbvio que, nesses processos, a colaboração do executado sempre representará fato acidental, motivo por que o custo financeiro pela instauração e pelo desenvolvido da atividade processual recairá unicamente sobre o exequente, em cujo proveito realiza-se a execução. O objeto do dever de antecipar equivale ao objeto da responsabilidade pelo reembolso (infra, 638). Porém, impõe-se considerar as partes legalmente isentas do dever de antecipação. 629. Pessoas não sujeitas ao dever de antecipação Existem partes que, por força de disposição legal explícita, encontram-se isentas do dever de antecipar as despesas processuais. São elas: (a) o beneficiário da gratuidade; (b) o Ministério Público; (c) a Fazenda Pública; (d) a Defensoria Pública. E há processos em que, conforme a natureza da pretensão, não opera o dever de antecipação. Tecnicamente, no primeiro

caso, há isenção; no segundo, não-incidência ou diferimento, conforme a hipótese. 629.1. Isenção do beneficiário da gratuidade – Ao autor, seja pessoa natural, seja pessoa jurídica, a quem toca, de ordinário, o dever de antecipar as despesas processuais, beneficie a gratuidade, embora representado por advogado particular (infra, 753), ou seja-lhe prestada assistência jurídica integral pela Defensoria Pública (infra, 1.075.2). Também o réu pode beneficiar-se da gratuidade. O art. 82, caput, expressamente ressalva esses litigantes, que são os beneficiados pelas “disposições concernentes à gratuidade da justiça”, do dever de antecipar as despesas. No tocante às custas, devidas aos serventuários da Justiça e que revertem ao erário, o dispositivo não oferece maiores dificuldades. O vencido pagará as despesas processuais a ele imputadas, a final, e, se necessário executá-lo, postergar-se-á o pagamento à oportunidade da atribuição ou da distribuição do dinheiro (art. 905). Entretanto, cuidando-se das despesas devidas aos colaboradores (v.g., a remuneração do perito, inclusive na execução, na avaliação do bem penhorado, essa isenção legal oferece maiores dificuldades. Nem sempre o prestador do serviço aceita receber o que lhe é devido num vago momento futuro. Expedientes de oportunidade são adotados para superar o problema. Por exemplo, o benefício da gratuidade compreende “as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios” (art. 98, § 1.º, III), mirando a publicação do edital de leilão, quando a divulgação na rede mundial de computadores não se mostrar suficiente ou inteiramente adequada ao êxito do ato, a teor do art. 887, § 3.º, do NCPC. Nesta contingência, realizada com êxito a hasta pública – a possibilidade de insucesso da conversão do bem em dinheiro já demonstra o risco suportado pelo editor do órgão oficial –, o juiz reterá o valor correspondente a essa despesa, a fim de ressarcir o órgão oficial. O caso mais problemático avultava nos honorários do perito. Incumbindo ao beneficiário da gratuidade a antecipação dos honorários do perito, raramente esse particular, colaborador eventual na administração da Justiça, aceitará o encargo sem o depósito prévio do valor arbitrado pelo órgão judiciário (art. 95, § 1.º) e a possibilidade de levantamento da metade (art. 465, § 3.º), porque a verba, em geral, compreende as despesas (v.g., aquisição de materiais). Não é possível a inversão pura e simples do encargo, atribuindo à parte que não requereu a prova pericial e até impugnou a sua pertinência. Além de injusta, a inversão não resolve todo o problema, pois o adversário também pode gozar da gratuidade.32 E há que considerar as despesas intrínsecas à realização dessa prova, a exemplo do uso de equipamentos ou de insumos no exame. Em que pese o direito anterior não constranger o perito à aceitação do encargo, nessas condições adversas (infra, 745.3), na prática o expert não ficava sensibilizado. Pode acontecer de o perito designado se conforme em trabalhar gratuitamente, na esperança que o mesmo juízo o nomeie para outros feitos,33 compensando o incômodo. Essa autêntica troca de favores

pode ser tolerada como mal menor, desde que ela não onere a parte que requereu a perícia no segundo processo, e, por esse motivo. Em outras palavras, a troca é de um serviço gratuito por outro serviço remunerado, sem que neste último se acrescente um centavo para compensar o primeiro. A jurisprudência do STJ alvitrava o único meio termo cabível no regime anterior ao NCPC: não havia direito à antecipação, e, no final, os honorários periciais devem ser carreados à parte vencida “ou, no caso de ser o beneficiário, pelo Estado, a quem é conferida a obrigação de prestação de assistência judiciária aos necessitados”.34 Era perspectiva desestimulante, quanto aos melhores profissionais, tornar-se credor de Estado-membro com expressivo passivo de precatórios. Um dos expressivos méritos do NCPC reside no enfrentamento desassombrado desse problema. Deu-lhe a solução possível no art. 95, § 3.º. Competindo o ônus financeiro ao beneficiário da gratuidade, obviamente impossibilitado de suportá-lo, ou (a) servidor do Poder Judiciário (v.g., o médico do Departamento Médico Judiciário) e órgão público conveniado (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Federal) realizará a perícia, caso em que recursos orçamentários da pessoa jurídica de direito público (União, Distrito Federal ou Estado-membro) custearão a despesa (art. 95, § 3.º, I); ou (b) particular realizará a perícia, pago com recursos orçamentários, mas o valor dos honorários observará a tabela do respectivo tribunal (TJ ou TRF) ou, na sua falta, do CNJ (art. 95, § 3.º, II). Continua cenário pouco auspicioso, nas duas hipóteses (v.g., nem sempre os melhores especialistas concordam com os honorários tabelados, aceitando o encargo), mas fez-se o possível e, como dito, disciplinou-se o assunto. E, conforme o caso, o juiz oficiará à Fazenda Pública para executar esse tópico do capítulo acessório da sucumbência (art. 95, 4.º), inexistindo cumprimento voluntário. 629.2. Isenção do Ministério Público – O Ministério Público ocupa, no processo civil, duas posições diferentes: (a) a de parte principal, em geral como autor, eventualmente como réu; (b) a de parte coadjuvante. É expressiva, como elemento do viés autoritário no processo civil brasileiro, a responsabilidade financeira do Ministério Público como parte. Segundo o art. 82, § 1.º, cumpre ao autor antecipar as despesas dos atos praticados a requerimento do Ministério Público. Por sua vez, o art. 91, caput, estipula que tais despesas serão pagas a final pelo vencido. O esquema funciona, em termos, nas hipóteses em que o Ministério Público atua como parte coadjuvante. Não figurando como autor ou réu, mas parte desinteressada quanto aos objetivos das partes, cuja intervenção tutela, predominantemente, o interesse público e social, compreende-se que o Ministério Público, conquanto exercendo os respectivos poderes processuais (v.g., o de propor meios de prova), não suporte os encargos financeiros do processo. É verdade que a atuação do Ministério Público implicará aumento das despesas processuais. No entanto, vencendo o autor, que as antecipou, no final será reembolsado; ao invés, vencendo o réu, que não as suportou originariamente, com maiores razões o sistema respalda-se, retroativamente, no desfecho do processo; e, em qualquer hipótese, o êxito da parte vitoriosa, inclusive o do adversário da que ensejou a intervenção da parte coadjuvante, talvez decorra da oportuna providência requerida pelo Ministério Público. O

gravame do autor vitorioso, no que tange à antecipação das despesas relativas aos atos praticados a requerimento do Ministério Público, revelar-seá provisório no caso de sucesso e, presumivelmente, remediado através da execução do capítulo acessório da sucumbência. Eventual risco de o vitorioso não receber seu crédito, porque o vencido não dispõe de patrimônio, é o usual e comum a quaisquer processos. Ele existiria, de toda sorte, apesar de aumentado pelo custo da atividade processual do Ministério Público. Não é plenamente satisfatório, mas aceitável. Figurando o Ministério Público como parte principal, o regime traçado nos artigos 82, § 1.º, e 91, caput, revela-se profundamente inconveniente. Não há motivo plausível para modificar o regime geral da antecipação (art. 82, caput). Ele satisfaz quanto às custas, porque revertidas ao erário, embora a isenção estimule demandas em juízo. No que tange às despesas, em geral, nada o justificava. Figure-se, outra vez, a antecipação dos honorários periciais (art. 95, § 1.º). É contra a natureza carrear réu, transformado em parte passiva na demanda contra a sua vontade, e enfrenta o mais poderoso e temível dos adversários – o Ministério Público –, esses encargos, arcando com despesas de atos contrários ao seu próprio interesse. Se a perícia, presumivelmente favorecesse o réu, este requereria semelhante prova, depositando fé no resultado. E, além disso, inexiste base para atribuir, contra legem, as despesas para o réu. Cumpre ao Ministério Público, requerendo a realização de perícia, o ônus de pagá-la, a teor do art. 95, caput, e depositar o valor fixado pelo juiz (art. 95, § 1.º), sob pena de o perito rejeitar a atividade e frustrar-se a realização da prova. Essa diretriz acabou consagrada, relativamente à Fazenda Pública, também isenta do dever de antecipar as despesas processuais, em tese, na Súmula do STJ, n.º 232. O art. 91, § 1.º, do NCPC acena com essa possibilidade, existindo recursos orçamentários, mas o exato entendimento da orientação legislativa passa pela jurisprudência formada no direito anterior. Inicialmente, o STJ aplicou, fundado na analogia, o verbete citado da súmula ao Ministério Público, em razão de a isenção tornar impossível a realização da perícia,35 mas terminou proclamando a subsistência da incongruente isenção, com importante ressalva: a parte adversária não pode ser obrigada a antecipar a despesa.36 Formava-se, assim, um impasse: ou o Ministério Público, voluntariamente, abre as burras do seu orçamento próprio e antecipa os honorários do perito; ou, deixando de pagá-lo, talvez não produza a prova que entende indispensável ao esclarecimento dos fatos, sacrificando os interesses indisponíveis. Revela a prática que recursos orçamentários existem e, ultima ratio, esgotadas sem sucesso as vias recursais contra a decisão que determina o depósito da quantia arbitrada a favor do perito, o Ministério Público deposita o valor. A lógica econômica explica a obstinação dos agentes do Ministério Público, buscando aliviar o orçamento da própria instituição. O NCPC enfrentou conscienciosamente o problema. Segundo o art. 91, § 1.º, ou “entidade pública” (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Federal, controvertendo-se a distribuição de sementes transgênicas) realizará a perícia ou o experto particular será pago como recursos orçamentários.

Inexistindo previsão orçamentária no exercício vigente, o valor será pago no exercício seguinte, ou pelo adversário vencido, encerrando-se antes o processo (art. 91, § 2.º) – hipótese altamente improvável. 629.3. Isenção da Fazenda Pública – O art. 91, caput, estabelece que as despesas dos atos requeridos pela Fazenda Pública – expressão entendida como o Estado em juízo, pois abrange as pessoas jurídicas de direito público, as autarquias, empresas públicas e fundações públicas –37 “serão pagas ao final pelo vencido”. E, por sua vez, no âmbito da execução dos créditos tributários ou não tributários, inscritos na dívida ativa, o art. 39, caput, da Lei 6.830/1980, declara que Fazenda Pública não se sujeitará ao pagamento das despesas judiciais, nem à sua antecipação, quando necessária – e, nesse ponto, logo vem à tona o recorrente exemplo dos honorários do perito. Tais regras operam eficazmente no que tange às despesas devidas aos serventuários da justiça. Figurando como parte a própria pessoa jurídica que presta jurisdição há imunidade e, mesmo no sistema anterior ao art. 31 do ADCT da CF/1988, no qual particularidades exploravam a título privado a serventia judicial, as leis locais liberavam a Fazenda Pública do pagamento. Não há maior dificuldade, destarte, em isentar a Fazenda Pública das despesas com cópias para instruir a carta precatória de citação,38 extraídas pelo próprio ofício judicial, e das despesas postais da citação pelo correio.39 É digno de registro que, a teor do art. 1.º, § 1.º, da Lei 9.289/1996, as custas das execuções ajuizadas pela Fazenda Pública Federal na Justiça Comum obedecem à lei local. E isso porque o art. 151, III, da CF/1988, veda a isenção heterônoma. A Fazenda Pública Federal “deve sujeitar-se aos emolumentos e custas judiciais, salvo na hipótese de existir convênio com o Estado que a isente”.40 A Súmula do STJ, n.º 178, estipula o seguinte: “O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios, propostas na Justiça Estadual”. Essas disposições mostram-se de duvidosa eficácia perante os colaboradores. Efetivamente, o perito, o depositário, leiloeiro, o mediador e o conciliador, por exemplo, particulares que colaboram em caráter eventual com a Administração da Justiça – a hipótese de os mediadores e conciliadores serem recrutados através de concurso público (art. 167, § 6.º) aumentará as despesas do Estado e da União sem nenhum proveito –, não se comovem a trabalhar gratuitamente para o Estado ou em somente receber se a Fazenda Pública, além de vencedora na causa, realizar o crédito a que tem direito, ou seja, receber o produto da execução (art. 905). Por esse motivo, sempre que depender desses auxiliares, a isenção atrasa e enreda o processo, em vez de favorecê-lo. Mesmo os serventuários da justiça, órgãos auxiliares em sentido estrito, podem deixar de receber, mas nada os compele a realizar despesas do próprio bolso em prol da Fazenda Pública. Explicitamente, o STJ assentou que o art. 39 da Lei 6.830/1980 não obriga “o meirinho a financiar despesas para permitir a prática de atos processuais do interesse de entidades públicas, retirando de sua remuneração, que é paga pelo Estado, quantias com aquela finalidade”.41 Em tal situação situam-se, basicamente, as despesas de condução do oficial de justiça. Por igual, o STF afirmou não ter o meirinho de suportar as despesas de remoção do bem depositado.42Também compete à

Fazenda Pública pagar as custas extrajudiciais do registro da penhora.43 Estabeleceu, enfim, a Súmula do STJ, n.º 190 do STJ: “Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça”. E reza a Súmula do STJ, n.º 232: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. A disciplina da remuneração do perito, competindo à Fazenda Pública arcar com a despesa, é idêntica à do Ministério Público (retro, 629.2). 629.4. Isenção do amicus curiae – É peculiar a posição do amicus curiae. Não tem o dever de antecipar quaisquer despesas processuais, nem de reembolsar as despesas do vencedor, inclusive honorários de advogado, conquanto haja se manifestado em sentido contrário ao seu interesse. Em particular, restando inconfundível sua posição com a do assistente, o art. 94 a ele é inaplicável. O amicus curiae suportará as despesas realizadas por força da sua própria intervenção espontânea (v.g., os honorários do seu advogado). Tratando-se, porém, de intervenção provocada pelo órgão judiciário, admitese, de lege ferenda, que as despesas porventura antecipadas – logo as leis locais se adaptarão a essa modalidade interventiva, prescrevendo-lhe custas – e os honorários do advogado do amicus curiae sejam pagos pela parte vencida.44 Não é diretriz de aplicação intuitiva: o amicus curiae pode ter opinado em favor do vencido, mas a única concebível. 629.5. Isenção da Defensoria Pública – A Defensoria Pública atua no processo em duas posições diferentes: (a) parte principal, geralmente como autor; (b) representante técnico da parte, inclusive nos casos de curadoria especial (art. 72, parágrafo único). Atuando a Defensoria Pública como parte principal (v.g., autor de ação civil pública), aplica-se o regime do art. 91, caput, e, ficando vencida, as regras especiais dos artigos 17 e 18 da Lei 7.347/1985. Em relação às perícias requeridas pela Defensoria Pública, de seu turno, incide o art. 91, §§ 1.º e 2.º, assunto já explicado no tocante ao Ministério Público (retro, 629.2). Representando vulnerável no processo, o regime é idêntico ao do beneficiário da gratuidade, particularmente no caso da perícia (art. 95, § 3.º, valendo, pois, as considerações já feitas anteriormente (retro, 629.1). Convém acrescentar o disposto no art. 95, § 4.º, típica regra resultante das pressões corporativas no curso dos trâmites legislativos: recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública não podem ser utilizados para custear a perícia. Instituiu-se mão de via única: entram no fundo as verbas da sucumbência paga pelo adversário (v.g., o Município), mas daí nada sai em proveito do vulnerável. 630. Processos não sujeitos ao dever de antecipação Conforme a natureza da pretensão, regra expressa elimina o dever de a parte antecipar as despesas processuais, absolvendo-a, secundum eventus litis, quanto próprio dever de reembolsar a parte contrária vencedora.

Promulgada a lei que disciplinou a ação popular pouco após a Lei 4.632/1965, que alterou a redação do art. 64 do CPC de 1939 para introduzir o princípio da sucumbência, como regra geral do reembolso (infra, 633.1), o art. 12 da Lei 4.717/1965 previu a condenação do réu na ação popular a reembolsar as despesas processuais e extraprocessuais, e a pagar honorários advocatícios ao autor, mas o art. 13 do mesmo diploma, perante juízo de improcedência, autorizou a condenação do autor ao décuplo das custas tão só na hipótese de o juiz reconhecer “lide manifestamente temerária”. Essa disposição foi revogada pelo art. 5.º, LXXIII, da CF/1988, segundo o qual, salvo comprova má-fé, ficará o autor vencido “isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Portanto, reconhecida a má-fé do autor popular, a título de pena ressarcirá as despesas processuais antecipadas pelo réu, singelamente, e pagará honorários advocatícios, fixados conforme o critério legal.45 A disposição constitucional acolheu o alvitre que, a despeito da sua alta relevância política, a ação popular prestou-se a veicular “interesses políticos menos nobres, ou, até, de exibicionismo temerário”.46 Importa, atualmente, o processo coletivo. O âmbito elástico dos remédios empregados para veicular as pretensões relativas a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos absorveu as clássicas funções da ação popular. Avulta que o art. 129, III, da CF/1988 legitima o Ministério Público a promover ação civil “para a proteção do patrimônio público e social”, fórmula suficientemente ampla para abranger as hipóteses de admissibilidade da ação popular. Relativamente à ação civil pública, o art. 18 da Lei 7.347/1985, declara: “Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. Em contrapartida, havendo má-fé, ficarão o autor “e os diretores responsáveis pela propositura da ação” responsáveis, solidariamente, na condenação em honorários e ao décuplo das custas, sem prejuízo das perdas e danos (art. 17 da Lei 7.347/1985). Em que pese a menção a “associação autora” e aos “diretores responsáveis pela propositura da ação”, por analogia os dispositivos se aplicaram ao Ministério Público, principal protagonista do processo coletivo. E a disciplina do dever de antecipação, relativamente ao Ministério Público, recebeu considerações em item anterior (retro, 629.2). 631. Momento da antecipação das despesas processuais O art. 19, § 1.º, do CPC de 1973 exigia a antecipação na ocasião da prática de cada ato processual. No entanto, não diz se antes ou depois da prática do ato, ao contrário da estipulação expressa do art. 56 do CPC de 1939. O NCPC não reproduziu nenhuma dessas regras. O correto é o pagamento realizar-se após a prática do ato. E o motivo revela-se simples. Às vezes, somente se apura o custo real e definitivo do ato uma vez praticado, como acontece com custas de condução do oficial de justiça para realizar a citação do réu.47 De ordinário, ocorrerá cobrança prévia – o art. 82, caput, alude à antecipação dos atos requeridos, abrindo, destarte, semelhante possibilidade –, respeitando a valores prefixados, complementados posteriormente.

Embora a lei federal (Justiça Federal) e as leis locais (Justiça Comum) possam taxar cada ato processual individualmente, em geral concentram na distribuição da causa, na apresentação da defesa e na interposição dos recursos, quando a lei processual não dispensa o preparo, o momento propício para o adiantamento. O processo moderno não é pontilhado, a cada passo, por exigências financeiras.48 A exigência de o réu preparar a contestação não se mostra inevitavelmente inconstitucional, inibindo o direito de defesa, pois o descumprimento do dever não impede que o processo se desenvolva e a contestação produza seus efeitos processuais. Nos casos de tutela provisória, a lei incentiva o autor, dispensando-o do pagamento de novas custas, quando houver de complementar a pretensão inicial (art. 303, § 3.º, in fine), ou propor a ação principal no prazo, cuidandose de medida de urgência cautelar (art. 308, caput, parte final). Por óbvio, as leis locais adaptar-se-ão rapidamente à novidade, cobrando mais nas medidas de urgência antecedentes. 632. Consequências do descumprimento do dever de antecipação O art. 82 não contempla qualquer sanção específica para o descumprimento do dever de antecipação. Em princípio, o processo se desenvolverá, malgrado esse fato, mas há dois casos em que a lei comina sanção.49 Em primeiro lugar, abstendo-se o autor de preparar a petição inicial, cabe ao juiz intimar o advogado do autor a fazê-lo (ou a requerer a gratuidade), no prazo de quinze dias, sob pena do cancelamento da distribuição (art. 290). A rigor, a inicial nem sequer é distribuída se o autor não pagar incontinenti a taxa judiciária e as custas da distribuição; porém, distribuída sem tal preparo, e prevendo a lei de custas outro pagamento ao ofício judicial a que coube o processo, incide a disposição. Ademais, no realizando o recorrente o preparo do recurso, no ato da interposição, quando legalmente exigível essa antecipação, ou não o completando, quando insuficiente, em ambas as hipóteses, no prazo legal, o recurso mostrar-se-á inadmissível, porque deserto (art. 1.007). A nova disciplina do preparo dos recursos adotou regras para tolher os casuísmos exasperantes criados no direito anterior, prodigalizando o STJ o não conhecimento de recursos por equívocos no preenchimento de guias (v.g., o código da receita) ou o uso de guia inapropriada (art. 1.007, § 7.º). Essas disposições devem ser encaradas com largueza e serenidade de espírito pelos julgadores. § 135.º Responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais 633. Fundamento da responsabilidade de reembolso Determina o art. 82, § 2.º, o seguinte: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”. Separando, uma vez por todas, a disciplina das despesas processuais dos honorários advocatícios, o art. 85, caput, trata do mesmo assunto quanto à última verba. Evolui-se em relação ao direito anterior.

O art. 82, § 2.º, culmina o progresso do direito brasileiro na matéria. Ela confere à responsabilidade pelas despesas processuais, em sentido lato, nítido caráter público, na medida em que deriva do processo, por sua vez instrumento público de composição dos litígios. Não se mostra necessário o interessado formular qualquer pedido específico para impor o ressarcimento das despesas processuais feitas por uma das partes em favor da outra (infra, 635.1). É dever intrínseco ao ofício do órgão judiciário. Formará essa disposição automática o capítulo acessório da sucumbência (infra, 1.591). O dever de o juiz dispor sobre a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais revela o caráter público do instituto. Não representa uma reparação – a sucumbência não decorre de ilícito, nem sequer visa a indenizar o suposto dano, que só existe no uso de má-fé do processo –, fundada na equidade ou na culpa, nem constitui uma pena civil. A tese que localiza na sucumbência “responsabilidade extracontratual aquiliana subjetiva”50 não explica satisfatoriamente o motivo por que o emprego lícito do processo se transforma em ilícito, em razão do insucesso, e a razão pela qual a reparação não guarda simetria com o suposto dano Em sua versão originária, o CPC de 1939 adotara, basicamente, a teoria da pena, atribuindo ao vencido o dever de reembolsar o vencedor na hipótese de conduta processual temerária (art. 63 do CPC de 1939), sem embargo da responsabilidade por perdas e danos (art. 3.º do CPC de 1939), e o dever de pagar os honorários do advogado do vencedor “quando a ação resultar de dolo ou culpa, contratual ou extracontratual” (art. 64 do CPC de 1939). Responsabilizava, ainda, o vencido pelas despesas e pelos honorários do beneficiário da gratuidade, vencedor na causa, e imputava ao autor idêntica responsabilidade no caso de absolvição de instância (art. 205 do CPC de 1939), equivalente às causas de emissão de sentença terminativa (infra, 1.584). Foi com a Lei 4.632, de 18.05.1965, alterando o art. 64 do CPC de 1939, que introduziu o princípio transposto ao art. 20, caput, do CPC de 1973, e, agora, no art. 82, § 2.º, do NCPC. A esse propósito, entretanto, identificaram-se três princípios fundamentais. Eles regem a imputação do dever das partes de reembolsar as despesas, a saber: (a) o princípio da sucumbência; (b) o princípio da causalidade; e (c) o princípio do interesse. 633.1. Princípio da sucumbência – À primeira vista, o art. 82, § 2.º, consagra o célebre princípio da sucumbência. Partindo da máxima que, mostrando-se necessária a via judicial para obter o bem da vida, a declaração do direito “non possa essere completa se non compreenda tutto ciò che sarebe rimasto o entrato nel patrimonio del vincitore qualora la dichiarazione del diritto non fosse resa necessaria”,51 fundou a responsabilidade do vencido na sucumbência pura e simples da parte,52 independentemente do seu ânimo (má-fé ou culpa) ou da resistência à pretensão do autor. Em outras palavras, e numa passagem posterior muito conhecida e repetida, esclareceu que “o fundamento dessa condenação é o fato objetivo da derrota”.53 A condenação constitui efeito natural e irremovível da necessidade do processo.

A regra básica que é que vencido, ou porque resistiu injustamente (não ilicitamente) à pretensão, real ou virtualmente, ou porque deduziu injustamente pretensão perante a parte contrária, suportará todo o custo financeiro do processo, restituindo ao vencedor as despesas que antecipou e, ainda, arcando com os honorários advocatícios – os honorários que pagou ao seu próprio advogado e os que o juiz arbitrou a favor do advogado do vencedor. Logo se percebe que a reintegração do direito do vitorioso não é integral, pois os honorários contratados podem ser superiores aos honorários fixados pelo juiz. 633.2. Princípio da causalidade – A análise da disciplina da Seção III – Das Despesas, dos Honorários Advocatícios e das Multas – do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e De seus Procuradores do Livro III da Parte Geral do NCPC do Livro I, revela a impossibilidade de aplicar o princípio da sucumbência a todas as situações em que o juiz é instado a atribuir as despesas processuais a uma das partes. Abstraído o caso em que a imputação das despesas baseava-se no ânimo dos litigantes, desaparecido no NCPC, o fato de o art. 93 atribuí-las a quem provocou o adiamento do ato ou obrigou à sua repetição, indica o emprego do princípio da causalidade, como no direito italiano.54 É expresso o art. 85, § 10: “Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo”. A identificação da causalidade, a mais das vezes, reclamará muito esforço mental do órgão judicial (infra, 720), nessa trivial situação (v.g., A obtém tutela provisória no concurso público organizado por B, assegurando-lhe participação na prova subsequente, porque alegou inconstitucionalidade da prova anterior; porém, não vence a nova etapa do concurso, saindo do certame). E para não abandonar o terreno da banalidade, extraviando-se os autos físicos do processo, a responsabilidade pelas despesas da restauração e pelos honorários será de quem deu causa ao desaparecimento, a teor do art. 718. Em realidade, o princípio da causalidade harmoniza-se com o princípio da sucumbência. Este fornece a regra geral enunciada no art. 82, § 2.º. Por exceção, incidirá o princípio da causalidade, solucionando problemas específicos. Em algumas situações, em virtude do comportamento da parte, a responsabilidade final e geral do vencido atenua-se, recaindo a responsabilidade, no todo ou em parte, no vencedor.55 Tal resultado assenta na aplicação do princípio da causalidade. 633.3. Princípio do interesse – Não se mostrará totalmente correto, entretanto, localizar no princípio da causalidade diretriz unívoca, insuscetível a exceções. O máximo que se pode dizer é que esse princípio “se caracteriza por uma generalidade menos vulnerável à crítica sob o pretexto da insuficiência”.56 Em alguns casos, como no dos processos de “jurisdição voluntária” (art. 88), nos juízos divisórios (art. 89), no processo de usucapião e nos processos necessários (v.g., a interdição por incapacidade), impõe-se o recurso ao princípio do interesse. É uma diretriz subsidiária, aplicada pelo STJ no processo de usucapião, isentando o titular do domínio no registro imobiliário que declarou não se opor à pretensão, autêntico reconhecimento do pedido.57 634. Pressupostos da responsabilidade de reembolso

Os pressupostos da responsabilidade de reembolso pronunciada na forma do art. 82, § 2.º são três: (a) pronunciamento explícito do juiz, sem o qual inexiste o dever de reembolsar o vencedor, e, a fortiori, pagar honorários advocatícios (art. 85, caput, c/c § 18), exigência temperada no caso da inversão automática em decorrência do provimento de recurso (infra, 635.2), exigindo suplementação da verba; (b) “ter havido perda da causa, pelo autor, ou pelo réu, ou quem quer que seja o perdente”,58 ressalva feita às exceções cobertas pelo princípio da causalidade ou pelo princípio do interesse; e (c) antecipação pelo vencedor de despesas processuais e despesas extraprocessuais reembolsáveis. Faltando qualquer desses pressupostos, em especial o pronunciamento expresso e motivado do juiz, o vencedor não tem direito ao reembolso. 635. Fonte da responsabilidade de reembolso O dever de o vencido reembolsar o vencedor não constitui obrigação eventual ou condicional formada progressivamente no curso do processo. Ela nasce com a deliberação do órgão judiciário, vencido um dos litigantes, e do dever de o juiz pronunciar a respeito da sucumbência,59 aplicando um dos princípios há pouco mencionados. A esse propósito, recorde-se a assimetria da posição das partes, consoante a função instrumental do processo. Na fase de cognição, o autor pode ficar vencido, assumindo o dever de reembolsar as despesas processuais e extraprocessuais do réu, por dois motivos: (a) a demanda é inadmissível; (b) a demanda é infundada. O réu suportará as despesas unicamente se a pretensão processual for fundada. Na execução, ao invés, a imputação é unívoca: o executado responderá pelas despesas processuais. Ele somente se libera dessa obrigação, inerente à sua posição de desvantagem, deduzindo pretensão paralela, pleiteando a declaração da injustiça ou da ilegalidade da pretensão a executar. O princípio da sucumbência, que é o geral, não opera ope legis, mas ope judicis. Por tal razão, o art. 82, § 2.º, determina o seguinte: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”. O caráter imperativo na redação do dispositivo salta à vista. A imposição do dever de reembolso das despesas do processo por intermédio de provimento judicial suscita questões de vulto na interpretação as regras arroladas anteriormente. À guisa de exemplo, cumpre estabelecer se o princípio da sucumbência, em nosso direito, assume caráter absoluto, atendendo tão-somente ao fato objetivo da derrota, ou vencimento da parte, ou tem caráter relativo, permitindo ao juiz eximir o vencido do dever de reembolsar certas despesas do vitorioso, existindo causa hábil para esse efeito.60 635.1. Desnecessidade de pedido da parte quanto ao reembolso – É desnecessário a parte, na petição inicial e na contestação, pleitear a condenação do adversário ao reembolso das despesas do processo e, a fortiori, ao pagamento de honorários de advogado.61 É o que estabelece o art. 322, § 1.º.

Controverteu-se, na vigência do art. 64 do CPC de 1939, na redação que lhe emprestou a Lei 4.632, de 18.05.1965, a necessidade de pedido, ou não, e a jurisprudência do STF respondeu negativamente, consubstanciando-se na Súmula do STF, n.º 256: “É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 e 64 do Cód. de Proc. Civil”. Figura dentre os pedidos “implícitos”, a despeito da diretriz do art. 322, § 2.º, segundo o qual o pedido interpreta-se consoante o conjunto da postulação e de acordo com a boa-fé, o reembolso das despesas e a imposição dos honorários advocatícios. Na realidade, o pedido “implícito” é pedido inexistente. A lei dispensa o autor de formulá-lo, porque desnecessário e complemento quantitativo do bem da vida pleiteado, ou o réu de pleitear a emissão desse capítulo a seu favor. É dever de o juiz prover a esse respeito em decorrência da incidência imperativa do art. 82, § 1.º.62 O provimento do juiz, nesse tópico, não representará vício intrínseco da sentença, ferindo o princípio da congruência (infra, 1.593).63 Eventual pedido da parte, pleiteando o reembolso de certa despesa extraprocessual (v.g., o valor dos honorários de expert para elaborar o parecer a que alude o art. 472), não vincula o juiz, nem acarreta a sucumbência parcial do postulante no caso de rejeição. Tal não obsta, entretanto, recurso da parte contra o provimento. O interesse em recorrer assenta na obtenção de posição mais favorável e o reclamo do reembolso de certa despesa, leva à caracterização do interesse. 635.2. Obrigatoriedade do pronunciamento do juiz quando ao reembolso – Embora dispensável o pedido certo, em matéria de reembolso de despesas e de imposição de honorários advocatícios, a teor do art. 322, § 1.º, há necessidade de condenação expressa no provimento final ou no provimento julgar recurso. Em outras palavras, pressupõe a emissão de provimento final (sentença, acórdão ou decisão singular do relator) ou de provimento interlocutório a esse propósito.64 Não se confundem, de fato, o pedido implícito (ou inexistente) e condenação implícita. Esta não se respalda em preceito legal. O vitorioso só poderá executar as verbas explicitamente contempladas no título judicial, inclusive as que são objeto de pedido implícito.65 O provimento exequível necessita agasalhar condenação expressa, quer no capítulo principal, quer no capítulo acessório da sucumbência. Nenhum provimento judicial assume força executiva sem disposição inequívoca de condenação do vencido. A única exceção respeita aos juros moratórios. É o entendimento firmado na Súmula do STF, n.º 254, in verbis: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou condenação”. Essa orientação criticável, no que toca à omissão do provimento condenatório, repercute no STJ.66 É diferente, todavia, o tratamento da sucumbência. 635.2.1. Omissão do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – Omisso que seja o provimento judicial impondo ao vencido o reembolso das despesas processuais, e, a fortiori, o pagamento dos honorários advocatícios, e necessariamente incompleto, há vício que precisa ser corrigido (infra, 1.604). Transitado em julgado o provimento, todavia, já não poderá ser emendado ou corrigido, senão através da rescisória fundada no art. 966, V, ou

de ação autônoma (art. 85, § 18), pois a condenação do art. 82, § 2.º não é ex lege. O direito ao reembolso nasce da disposição específica do provimento judicial.67 Em certa oportunidade, o STJ estimou que, havendo sucumbência recíproca, e tocando ao réu o pagamento de certo percentual dos honorários e das custas, consoante a decisão exequenda, a falta de previsão explícita da despesa processual – honorários periciais – no dispositivo, impede a sua inclusão na liquidação.68 Ora, inexistindo pedido certo, e deliberação em contrário do provimento final, o vencedor poderia postular indenização, a esse título, através de demanda autônoma. No entanto, após intenso debate, firmou-se a jurisprudência do STJ no sentido de pré-excluir semelhante pretensão, inserindo na Súmula, n.º 453: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”. Esse verbete recebeu contestação específica no art. 85, § 18, do NCPC. O vício da omissão surge em acórdãos que, provendo a apelação do vencido, inverte o resultado originário (v.g., declarando inadmissível ou infundada a demanda). Em casos tais, a jurisprudência do STJ, mais liberal no ponto, entende implicitamente invertida a condenação originária, in verbis: “Em princípio e em interpretação, afeiçoada à instrumentalidade do processo, tendo havido condenação em honorários na sentença, o provimento integral do apelo, ainda que ausente menção no acórdão a respeito, inverte o resultado das verbas sucumbenciais”.69 Os critérios do provimento reformado na fixação dos honorários subsistem integralmente.70 É assaz criticável a orientação, em geral justa com o vencedor, em muitas situações. O resultado talvez não se harmonize com as despesas antecipadas e objeto do reembolso. Por exemplo, o provimento originário condenara o então vencido a restituir os honorários periciais, que o então vencedor antecipara. Ora, seguindo-se essa linha de emenda ao erro do órgão ad quem, surgirá outro erro ainda maior: o novo vencedor receberá do novo vencido despesa processual (v.g., os honorários periciais) na realidade não desembolsada. Essa discrepância só pode ser resolvida através de outra emenda, corrigindo o juiz a distorção, malgrado a autoridade de coisa julgada, ou mediante rescisória. 635.2.2. Remédios para corrigir a omissão do pronunciamento quanto ao reembolso – O vício do provimento que omitiu a imposição do reembolso das despesas processuais pode ser corrigido, em primeiro lugar, pelo próprio órgão judiciário, através de embargos de declaração (art. 494, II). É caso típico de embargos, pois patente a omissão. A jurisprudência do STJ também identifica, nesse caso, autêntico erro material na decisão (art. 494, I), ensejando, pois, a correção ex officio do defeito pelo órgão judiciário que proferiu o provimento.71 Por óbvio, sob a condição de o provimento ainda não ter transitado em julgado. E, recorrendo a parte, mas através de recurso inadmissível (v.g., apelação intempestiva), não pode pretender essa forma de correção.72

Em seguida, e independentemente do uso dos embargos de declaração, a parte vencedora pode interpor apelação principal, visando à correção do vício. Por óbvio, o apelo principal interposto pelo vencido não autoriza o órgão ad quem, sob pena de reformatio in pejus, integrar o provimento impugnado com o capítulo acessório à sucumbência. Também pode o vencedor aderir ao recurso principal do vencido, interpondo apelação adesiva, plenamente admissível para obter a elevação dos honorários,73 e, por conseguinte, guindálos de zero a um número superior, diretriz plenamente aplicável à hipótese do art. 82, § 2.º. Não é razoável, cabível a apelação independente quanto a esse tópico, entender inadmissível o apelo subordinado para o mesmo efeito.74 A sentença submetida a reexame necessário (art. 496), mas omissa quanto ao dever de reembolso das despesas processuais e à imposição de honorários, não pode ser emendada pelo órgão ad quem, na ausência de recurso da parte, no tocante a esse capítulo, porque representaria reformatio in pejus (Súmula do STJ, n.º 45). O STJ já admitiu a imposição do reembolso da taxa judiciária, porque matéria de ordem pública,75 embora não admita a imposição dos honorários.76 É cabível recurso especial para impor ao vencido os encargos da sucumbência, pois não versará a questão de fato respeitante aos valores, sem embargo da admissibilidade do recurso quando se tratar de fixação irrisória ou exorbitante, mas do cabimento da imposição do art. 82, § 2.º, e da própria incidência da regra.77 Por fim, ocorrendo o trânsito em julgado, resta ao vencedor a ação rescisória, fundada no art. 966, V. Decidiu o STJ o seguinte: “Em sede de ação rescisória, há possibilidade de reforma não apenas de questões relativas ao mérito (questões principais), como também em relação às questões acessórias, como honorários advocatícios”.78 O art. 85, § 18, admite ação autônoma para pleitear os honorários omitidos no provimento final. Aplica-se a regra ao dever de reembolso do art. 82, § 2.º. Ao nosso ver, há concurso de remédios processuais (rescisória e ação autônoma), mas electa una via, non datur tertius ad alteram. 635.2.3. Consequências da omissão definitiva do pronunciamento quanto ao reembolso – Vencido o prazo da rescisória (art. 975) e o de prescrição da ação autônoma, e subsistindo a omissão do provimento, o vencedor não tem direito de reembolsar-se das despesas processuais realizadas na fase de conhecimento, e, a fortiori, dos honorários advocatícios. No direito anterior, negava-se ao vencedor ação direta contra o vencido (Súmula do STJ, n.º 453),79 diretriz hoje superada. Entende-se, na omissão, “em vez de incluídos ex lege… que o juiz deixou de atender à regra legal”.80 As despesas da eventual execução (ou cumprimento) do julgado correm por conta do executado. É que essa responsabilidade constitui consequência do princípio geral, decorrente da posição de desvantagem do executado, “anche se non vi è bisogno di una condanna del debitore, necessariamente tenuto a suportare le spese” (embora não haja necessidade de uma condenação do devedor, necessariamente obrigado a suportar a despesa).81 635.3. Fundamentação do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – O pronunciamento do juiz acerca da imposição do dever de reembolso e

quanto à imposição dos honorários ao vencido há de ser devidamente motivado. Não se cuida de consequência ope legis do decaimento, mas ope judicis. E, como todo pronunciamento judicial, embora sobre capítulo acessório, e a respeito de questão apreciável de ofício, exige motivação suficiente.82 À aplicação do princípio da sucumbência, ocorrendo vencimento total, no direito anterior bastava “uma simples remissão ao sistema geral”,83 quiçá referência ao disposto no art. 82, § 2.º, especialmente no que concerne à responsabilidade de reembolso das despesas já efetuadas pelo vencedor. À luz do art. 489, § 1.º, especialmente por incidência do inciso I – limitar-se a motivação “à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida” –, rigorosamente já não cabe essa motivação sucinta. Talvez seja excessivo obrigar o órgão judiciário a tais preciosismos. Porém, recorde-se a existência de despesas não reembolsáveis e, em última análise, o debate das partes norteará a motivação nesse aspecto, cabendo ao juiz decidir as questões porventura surgidas. Fora daí, bastará a disposição a respeito, referindo, ou não, o art. 82, § 2.º Cuidando-se da fixação dos honorários advocatícios, para os quais há regras especiais conforme a natureza da demanda e a condição da parte, evidentemente generalidades já não bastam para conferir ao ato decisório motivação bastante. É particularmente grave o problema do juízo de equidade previsto no art. 85, § 8.º. A discrição do juiz, nessa matéria, não o exime do dever de motivação. Ao contrário, existindo mais de uma opção, a única correta exigirá maiores esforços de justificação, com o fito de ensejar a crítica e o controle da parte vencida, e raramente o juiz observa tal requisito de validade da decisão. A esse respeito, ensinou-se com razão: “No recurso podem ser apreciados o critério e as circunstâncias referidas pelo juiz, para a fixação, pois que há, aí, arbitrium boni viri, e não liberum arbitrium. Equidade não é anomia, ausência de regras; alude-se a regras, que se têm como insertas na mente humana”.84 As deficiências na motivação levam à consideração que a verba ou é irrisória ou excessiva. E, por outro lado, há situações especiais em que o princípio da sucumbência não opera, sobrelevando-se a ele o princípio da causalidade ou o princípio do interesse. Então, a própria atribuição ou repartição das despesas reclama motivação. É o caso da responsabilidade pela prática da imputação a um agente específico – até ao juiz! – do custo pelo adiamento, sem justo motivo, de ato processual (v.g., a audiência de instrução em julgado) ou da renovação do ato, porque anulado o originário (art. 93); da medida da responsabilidade do assistente e do assistido perante o adversário comum vitorioso, que considera o conjunto da atividade processual empreendida pelo assistente (art. 93). E a condenação do litigante de má-fé à perda dos honorários (art. 81, caput). Em todos esses casos haverá questão decidida, exigindo a exaustiva motivação do art. 489, § 1.º. Em geral, releva-se o vício, cabível o suprimento através de embargos de declaração,85 ou supre-se a falta de motivação no órgão ad quem, considerando que só se invalidam os atos que prejudicam os fins do processo.86 Por sinal, o art. 1.013, § 3.º, IV, permite ao órgão ad quem superar

o vício da falta de motivação da sentença Fora desse caso, porém, a nulidade contamina ó pronunciamento do juiz quanto a esse capítulo acessório. 635.4. Natureza do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso – O pronunciamento do juiz constitui a obrigação de reembolsar as despesas processuais e, a fortiori, de pagar honorários advocatícios ao vencedor. Esse vínculo não preexiste ao provimento hábil (sentença, acórdão ou decisão do relator). E, por esse motivo, sustentou-se a natureza constitutiva do capítulo acessório da sucumbência.87 Flagrantemente, o ato do juiz previsto no art. 82, § 2.º, tem natureza condenatória.88 É o que revela o emprego do verbo condenar, e, ademais, a imposição de prestação pecuniária a cargo do vencido, nota que distingue a força condenatória dos demais efeitos do provimento final (retro, 233). O efeito característico do capítulo acessório da sucumbência também é típico da condenação. Não cumprindo o vencido, voluntariamente, o comando judicial, e nada obstante natureza distinta do capítulo principal (v.g., o autor pleiteou o reconhecimento da existência de relação jurídica), ensejará execução forçada.89 636. Oportunidade do provimento quanto à responsabilidade do vencido Pressupondo-se a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais realizadas pelo vencedor basear-se no vencimento ou na derrota, natural relacionar estreitamente o provimento final, decidindo a favor do autor ou do réu, à imposição desses encargos. O art. 82, § 2.º emprega a palavra “sentença” nesse sentido. É preciso encará-la do ponto de vista teleológico, pois o provimento final pode emanar do tribunal, mediante acórdão ou decisão singular do relator. E, evidentemente, não importa o teor do provimento final. Se o autor não logrou êxito porque a demanda é inadmissível, ensejando a emissão de sentença terminativa, ou porque infundada, dando azo à sentença definitiva do art. 487, I, ou renunciou ao direito (art. 487, III, c), ou obteve êxito graças ao reconhecimento do pedido (art. 487, III, a), é de todo irrelevante. O dever de reembolso não considera os momentos ou fases do processo tendente à formulação da regra jurídica concreta.90 A disposição ocorrerá no provimento final, ou seja, o que oferece potencial, inexistindo impugnação, de pôr fecho às atividades. Ficam as despesas suportadas nas etapas intermediárias postergadas para essa resolução final. Dá-se a esse fato o nome de princípio da globalidade das despesas processuais.91 Ele é posto à prova em determinadas causas (v.g., o destino das despesas e dos honorários fixados na pretensão à segurança, sobrevindo à sucumbência na causa principal). A atribuição do dever de reembolso e a imposição dos honorários advocatícios não se fundam, unicamente, no princípio da sucumbência. O comportamento da parte, na instauração de incidentes infundados, talvez recomende a imediata imputação a um dos litigantes.92 É a essa situação que alude o art. 146, § 5.º, prevendo a condenação do juiz nas custas, uma vez acolhido o incidente de impedimento ou de suspeição.

O exercício dos meios de impugnação arrolados no art. 994 do NCPC também exige provisão do órgão ad quem Em qualquer deles, o órgão competente para julgá-lo condenará o vencido nas despesas e, doravante, acrescentará honorários suplementares. Será vencido para os efeitos do art. 82, § 2.º; (a) o recorrente, se o recurso não é conhecido ou é desprovido; (b) o recorrido, se o recurso é provido. Não havia imposição ou elevação da verba dos honorários em razão da interposição do recurso, pois o juiz condenava somente nas despesas, situação alterada pelo art. 85, § 11. Dependendo do mérito da impugnação, os honorários podem se tornar devidos por razão autônoma (v.g., omissa a sentença quanto à fixação dos honorários, a parte vencedora interpôs embargos de declaração ou apelação para suprir a omissão) e, conforme a hipótese, majorados (v.g, a sentença fixou-os no percentual mínimo, o recorrente pleiteia aumento para o percentual máximo). Parece mais tormentosa a identificação do incidente que rende a condenação das despesas. A lei processual anterior empregava profusamente a palavra “incidente”, e seus cognatos, em diversas disposições,93 mas absteve-se de organizá-los em capítulo autônomo. Em matéria de honorários advocatícios, o problema se simplifica consideravelmente. Não só quanto à condenação em honorários advocatícios,94 ou, no mínimo, tratando-se de causa incidental, como é o caso da arguição de falsidade (art. 430, parágrafo único) e de reconvenção, casos em que o juiz deliberará no próprio provimento final acerca dessa questão. No tocante às despesas do processo, entretanto, revela-se necessário identificar os incidentes que ensejam a condenação do vencimento, e, principalmente, as hipóteses em essa condenação torna a despesa não reembolsável. A questão incidental é todo ponto de fato ou de direito controverso que, surgindo no curso do processo, por iniciativa da parte, ou ex officio, influencia a marcha do procedimento, dilatando-o em maior ou menor extensão, e que o juiz resolverá para preparar o provimento final, mediante decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), ou, não sendo possível, para encerrar o procedimento através de sentença terminativa. Não é qualquer questão incidental que se aplica a diretriz ora examinada, mas aos incidentes propriamente ditos ou procedimentos “secundários”.95 cujo modus operandi dilata o processo, formando ou não autos próprios, e encontra-se disciplinado na lei processual.96 O NCPC empreendeu notável esforço para suprimir incidentes autônomos, concentrando, v.g., a exceção de incompetência e as impugnações ao valor da causa e à concessão do benefício da gratuidade na contestação. Sobraram, entretanto, o conflito de competência (art. 66) e o incidente de suspeição e de impedimento (art. 146). É expresso, como visto, o art. 146, § 5.º, quanto à condenação do juiz nas custas, uma vez acolhida a exceção. E a provocação desses incidentes pode se revelar manifestamente infundada, conforme o art. 80, VI, provocando a responsabilidade do art. 81, caput (infra, 642). 637. Conteúdo do provimento quanto à responsabilidade do vencido O conteúdo do provimento conforme dois fatores: (a) o princípio que disciplina a responsabilidade pelas despesas processuais; (b) a extensão do vencimento ou da derrota. Por isso, o provimento assume três modalidades fundamentais.97

637.1. Condenação total do vencido – É a hipótese mais simples: o vencido decaiu integralmente, ou porque o juiz declarou inadmissível a demanda, ou porque rejeitou ou acolheu todos os pedidos formulados pelo autor. A sucumbência se mede pela extensão do acolhimento ou da rejeição do(s) pedido(s) formulados pelo autor. Em outras palavras, “se a demanda é acolhida ou rejeitada, temos sucumbência do autor ou do réu, nada obstante a demanda seja acolhida por uma só das várias razões ou rejeitada por uma só das várias exceções propostas”.98 Para essa finalidade, portanto, a rejeição de uma das causas de pedir, ou de uma das exceções do réu, apresentadas mais de uma, mostra-se irrelevante. Basta juiz se persuadir da procedência de uma das diversas causas de pedir, ou de uma das diversas exceções, para emitir a sentença definitiva do art. 487, I e II. Eventualmente, a sucumbência total decorre de negócio jurídico unilateral (reconhecimento e renúncia) ou bilateral das partes (transação). O reconhecimento ou a renúncia total implica que sejam carreadas as despesas processuais e os honorários à parte que reconheceu ou renunciou (art. 90, caput). Também a transação, assim dispondo os transatores, pode atribuir a uma das partes os encargos totais do processo. É equívoca, mas aceitável, a fórmula de estilo “custas (ou despesas) na forma da lei” em tal hipótese. Como já se realçou (retro, 635.2), a motivação, embora concisa, revela-se indissociável da correta imposição dos ônus da sucumbência. 637.2. Condenação proporcional das partes – Pode haver sucumbência recíproca, “se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido” (art. 86, caput), sempre considerando a extensão do(s) pedido(s) formulado(s) pelo autor, as despesas serão “proporcionalmente distribuídas entre eles”, salvo decaimento mínimo (art. 86, parágrafo único). A regra da proporcionalidade, perante recíproca sucumbência, também vigora em outros casos, ou seja, nas hipóteses de desistência, de reconhecimento e de renúncia parcial (art. 90, § 1.º) e na exclusão de litisconsorte (infra, 646). É proporcional, ainda, a distribuição das despesas e dos honorários entre o assistido e o assistente, a teor do art. 94 (infra, 647). O art. 87, caput, estabelece a distribuição proporcional das despesas entre os litisconsortes ativos e passivos. A proporção há de ser estabelecida expressamente no capítulo acessório da sentença (art. 87, § 1.º), considerando a atividade de cada qual para o êxito ou o insucesso (v.g., apenas um dos litisconsortes apelou da sentença, todavia fundada em precedente). Essa disposição exige enorme esforço de motivação do órgão judiciário. Antecipando eventual omissão, o art. 87, § 2.º, prevê a responsabilidade solidária dos litisconsortes, por óbvio ocorrendo sucumbência conjunta. Pode acontecer, não se tratando de litisconsórcio unitário (art. 116), o sucesso de um e o insucesso de outro litisconsorte. Em tal hipótese, não incide o art. 87, caput. O juiz atribuirá o dever de reembolsar individualmente e consoante o proveito ou a desvantagem obtida pelo litigante. 637.3. Isenção das despesas processuais e dos honorários – Por fim, o pronunciamento do juiz pode deliberar por isentar o vencido do pagamento

das despesas processuais, em parte, como sucede no caso de da litigância de má-fé (art. 81). E há casos em que autor, embora integralmente sucumbente, porque o juiz indeferiu a petição inicial, não pagará honorários advocatícios ou reembolsará as despesas processuais, porque o réu não participou do processo, e, assim, não realizou tais gastos. O art. 85, § 6.º, prevê a condenação em honorários nas sentenças terminativas (“sentença sem resolução do mérito”), mas na hipótese aventada inexistirá causa para essa atribuição patrimonial. Porém, apelando o autor e citado o réu (art. 331, § 1.º), a situação se altera, cumprindo ao órgão ad quem, mantida a sentença, condenar nas despesas (e nos honorários), a teor do art. 85, § 11. A isenção do dever de antecipar as despesas processuais nenhuma relação tem com o conteúdo da decisão. O juiz deverá condenar a Fazenda Pública, por exemplo, ao pagamento das despesas processuais e dos honorários, vitorioso o respectivo adversário, e o beneficiário da gratuidade (art. 98, § 2.º). A Caixa Econômica Federal (CEF), atuando como representante do FGTS, tem o dever de reembolsar o vencedor, como explicitou a Súmula do STJ, n.º 462. Nesse último caso, a condenação ficará suspensão, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, § 3.º, motivo por que o juiz deverá condená-lo, no todo ou em parte, na sucumbência.99 Sobrevindo modificações na situação financeira do beneficiário, o vencedor poderá executar a condenação. É claro que a Fazenda Pública não pagará custas a si própria, e, por outro lado, na Justiça Federal a Fazenda Pública do Estadomembro, do Distrito Federal e dos Municípios gozam de isenção (art. 4.º, I, da Lei 9.289/1996). 638. Objeto da responsabilidade de reembolso Do objeto do reembolso das despesas feitas e a realizar pelo vencedor ocupa-se o art. 84. É preciso atentar ao fato que, na oportunidade em que o órgão judiciário dispõe a respeito, no capítulo acessório da sentença, do acórdão ou da decisão singular do relator, o vencedor já suportou certas despesas, talvez haja sido condenado a pagá-las irreversivelmente, porque vencido em determinado incidente ou recurso, e, principalmente, realizará outras despesas para efetivar o direito reconhecido no capítulo principal e, se necessário, o crédito do próprio capítulo acessório. Em tal aspecto, portanto, há condenação para o futuro (infra, 1.588.2.1). O art. 82, caput, contempla, juntamente com o reembolso das despesas que o vencedor antecipou, e, obviamente, as despesas que ainda realizará até a satisfação integral do direito reconhecido no provimento final.100 A verba devida ao advogado do vencedor receberá comentários em outro parágrafo (infra, 671). O catálogo do art. 84 tem caráter exemplificativo. Ele não abrange todas as despesas extraprocessuais reembolsáveis (retro, 627.3). É importante, de toda sorte, examinar as rubricas indicadas nessa regra. 638.1. Custas do processo na fase de cognição – A primeira verba reembolsável, segundo o art. 84, são as custas dos atos do processo. A lei emprega a expressão em sentido lato, abrangendo: (a) a taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços judiciários, paga na distribuição (retro, 627), variando o respectivo valor conforme a lei federal ou local,

mediante alíquotas ad valorem sobre o valor da causa – base de cálculo discutível, pois não mede o valor dos serviços –,101 e, em geral, subordina-se a um teto, a fim de não obstar o direito fundamental de acesso à Justiça; (b) custas propriamente ditas, incidente sobre os atos processuais futuros do processo, e devidas aos serventuários da justiça e que, após a estatização do art. 31 do ADCT da CF/1988, revertem para o erário; (c) os emolumentos, que são as verbas cobradas pelos serventuários não estatizados,102 embora prefixadas em lei; (d) as despesas processuais em sentido estrito (v.g., a remuneração do perito, que o art. 95, caput, imputa à parte que requereu essa prova, e, subsidiariamente, prevê rateio entre as partes, caso a prova seja determinada,ex officio, ou requerida por ambas). Não existe qualquer referência no art. 84 à remuneração do perito, mas ela é reembolsável.103 Representaria grave incoerência reembolsar a parte vitoriosa do que gastou com o seu assistente técnico, nos termos expressos na regra, e fazê-la arcar com o valor dos honorários do perito sem possibilidade de recuperá-lo do vencido. O STJ firmou o entendimento correto no direito anterior: “Cabe a quem requereu a perícia, ou ao autor, se determinada pelo juiz, efetuar o pagamento dos honorários do perito, certo que o vencido reembolsará, a final, o vencedor”.104 638.2. Custas do processo na fase de execução – Com idêntica amplitude, abrangendo custas, emolumentos e despesas processuais em sentido estrito, todas as despesas da execução, antecipadas ou não pelo exequente, cabem à responsabilidade final do executado. Disposições diversas convergem a esse respeito. Segundo o art. 831, a penhora envolverá tantos bens quantos bastem ao pagamento “do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios”. Por igual, ocorrendo à remição da execução (infra, 1.671.2), estipula o art. 826 que o depósito abrangerá custas – as que provêm do capítulo acessório, na execução de título judicial, e as que se venceram por força da execução. Também o art. 907 permite a restituição ao devedor da importância que sobejar ao pagamento do principal, juros, custas e honorários. É manifesto que o legislador empregou a palavra “custas” em sentido largo, abrangendo as despesas. Nenhum sentido existiria em desobrigar o executado do pagamento da remuneração do “avaliador” (rectius: entendido de fato, ou perito, pretendendo a regra relativizar a habilitação legal exigida pelo art. 156, § 1.º) nomeado para avaliar os bens penhorados, na forma do art. 870, parágrafo único, ou do pagamento das despesas de publicação do edital de leilão em jornal de ampla circulação local (art. 887, § 3.º). Essas despesas processuais, antecipadas ou não pelo exequente, integram responsabilidade final do executado. A responsabilidade do executado funda-se tanto no direito material, pois não satisfazendo “a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo” (art. 786, caput), provocou a necessidade de o credor executá-lo,105 quando no caráter publicístico do princípio da causalidade. Porém, há uma peculiaridade: na execução, “não há mais questão sobre a pessoa a quem incumbe o ônus das custas: é o executado. Por isso, sem necessidade de qualquer decisão a respeito, é ele quem as deve pagar; e isso se consegue tirando do produto da execução, antes de qualquer distribuição em favor de outros, as custas que deverão ser pagas a quem as adiantou”.106

Excepcionalmente, determinadas despesas processuais escapam à responsabilidade do executado, respondendo por elas o exequente ou o servidor que lhes deu causa. Por exemplo, ocorrendo o adiamento da alienação, o escrivão, o chefe de secretaria ou o leiloeiro, “que culposamente der causa à transferência, responde pelas despesas da nova publicação” (art. 888, parágrafo único). O executado que cumprir o comando judicial, espontaneamente, se livrará do custo financeiro da futura execução (despesas e honorários) e, realizandoo no prazo de quinze dias assinado no art. 523, caput, também da multa e dos honorários em que incorrerá após o interregno. Para essa finalidade, o adimplemento há de anteceder a propositura da execução.107 O STJ decidiu que, depositado o valor da condenação antes da fluência do prazo agora previsto no art. 523, caput, o executado não deve a multa de dez por cento.108 É o que prevê o art. 523, § 1.º. A responsabilidade do executado desaparecerá no caso de procedência dos embargos ou da impugnação do art. 525, caput, respeitado o alcance do efeito natural do provimento, e no de acolhimento da exceção de préexecutividade, quando cabível, extinguindo-se a execução injusta. Em tal hipótese, o exequente responderá pelas despesas processuais e, a fortiori, arcará com os honorários advocatícios. Concebe-se que o executado não seja obrigado a reembolsar o exequente, porque pleiteou e obteve o benefício da gratuidade. Por óbvio, o simples fato de figurar no polo passivo da execução “não constitui motivo suficiente para a concessão da gratuidade”.109 Cumprirá ao interessado, pessoa natural ou pessoa jurídica, alegar e provar o preenchimento dos pressupostos legais (infra, 748), abrindo-se as vias recursais conforme o teor da deliberação porventura tomada. Seja como for, uma vez concedido o benefício, forra-se o executado das custas e dos honorários previstos no art. 826 e atinentes ao processo executivo. Na perspectiva do exequente, a isenção exibirá o efeito perverso de impedir a realização integral do seu crédito. Ficará ele subtraído, e sem remédio, das despesas antecipadas e dos honorários pagos ao seu advogado. Em tudo há um custo, explícito ou não, e nada mais justo atribuir ao Estado, que concede a gratuidade generosamente, de lege ferenda, o reembolso dessas despesas processuais feitas pelo exequente. No entanto, o benefício da gratuidade, consoante o art. 9.º da Lei 1.060/1950 – disposição não revogada pelo art. 1.072, III, do NCPC –, nunca opera retroativamente. Desse modo, condenado alguém ao reembolso das despesas, a teor do art. 82, § 2.º, não cabe ao órgão judiciário conceder o benefício “com o fito de livrar o beneficiário de capítulo condenatório de sentença transitada em julgado”, proclamou o STJ.110 A diretriz aplica-se aos honorários (art. 85, caput). 638.3. Indenização de viagem – O art. 84 contempla a “indenização de viagem”, não indicando qual seja, nem tampouco a pessoa que, necessitando deslocar-se para a sede do juízo, habilita-se a realizar a despesa reembolsável. É preciso interpretar com largueza a dispositivo. Ele abrange o deslocamento da parte e das testemunhas. Em relação às testemunhas, o art.

462, caput, permite que a pessoa arrolada reclame o “pagamento da despesa que efetuou para comparecimento à audiência”. Os demais colaboradores, a exemplo do perito, também se deslocam eventualmente, para praticar o ato processual ou colher subsídios, mas a retribuição pecuniária que o juiz arbitra a seu favor compreende todas as despesas com a perícia (v.g., os insumos utilizados no exame). É mais discutível que se inclua nessa rubrica as despesas da viagem do advogado que não reside na comarca em que tramita o feito, inclusive no caso de inexistir profissional desimpedido na localidade para patrocinar a causa (infra, 704). Sustenta-se, no direito anterior, que o fato o juiz levar em consideração o lugar da prestação dos serviços, a teor do art. 85, § 2.º, II, não interfere na questão, pois “só tem em vista o acréscimo de tempo com o deslocamento e seus incômodos, e não as despesas com viagem, que são distintas”.111 Em realidade, o preceito do art. 85, § 2.º, b, visa aos deslocamento imprescindíveis à condução da causa (v.g., acompanhamento de precatória), e, não, valorar superiormente o trabalho do advogado cujo domicílio profissional seja diferente do local da tramitação do processo. As despesas de viagem do art. 84 não abrangem a locomoção do advogado do vitorioso de um lugar para outro.112 Não importa o motivo, à distância (de uma comarca para outra; de um Estado-membro para outro; e da comarca ou seção judiciária para Distrito Federal, onde se situam os tribunais superiores) e o meio de transporte (terrestre ou aéreo). Essa interpretação restrita torna inalcançável, outra vez, o princípio de que o processo há de entregar ao vitorioso o bem da vida, proveito ou utilidade, que receberia sem o processo, na sua integralidade, apesar da repetição da máxima. As despesas de viagem reembolsáveis da parte e da testemunha devem ser comprovadas documentalmente antes de o juiz proferir o provimento que determina o reembolso. Em geral, bastará a juntada do comprovante do pagamento da passagem de transporte aéreo ou terrestre. A investigação judicial sobre o an e o quantum debeatur da despesa, em casos que tais, integra a atividade judicante.113 E, naturalmente, o provimento exigirá a motivação suficiente do art. 489, § 1.º. Não se cogitou da hipótese de reembolsar as despesas do próprio juiz, e dos seus auxiliares, que talvez necessitem se deslocar da sede do juízo para outro lugar, a fim de realizar a inspeção judicial ou ouvir partes e testemunhas impossibilitadas de comparecerem no foro por problemas de saúde.114 Fica subentendido que o juiz se deslocará por conta própria, ou utilizará transporte de cortesia – os advogados, solicitamente, põem-se à disposição –, e o regimento de custas – lei federal ou lei local – taxará o ato. 638.4. Indenização da testemunha – O art. 462, caput, autoriza à testemunha reclamar do órgão judiciário “o pagamento da despesa que efetuou para comparecimento à audiência”. Caberá à parte que arrolou a pessoa pagá-la, logo que arbitrada, ou depositá-la em cartório, no prazo de três dias. Despesas com o comparecimento da testemunha envolvem a condução, de ida e de volta; a estada; a hospedagem, quando a pessoa resida em outra

comarca, ou em lugar distante da sede do juízo – situação comum nas vastas regiões do norte –, embora na mesma comarca; enfim, as despesas imprescindíveis e normais “à posição social da testemunha, e que hajam sido realmente feitas”.115 À diferença da “indenização de viagem”, o art. 462, caput, tem campo de incidência mais amplo e generoso, abarcando a estada (v.g., refeições) e hospedagem. São despesas extraprocessuais reembolsáveis e indicam, outra vez, que essa classe de despesas importa muito à disciplina das atividades processuais. É fácil compreender o sentido da expressão incomum – “diária de testemunha” – empregada no art. 84. Essa disposição reclama interpretação conjunta com o disposto no art. 463, parágrafo único. O depoimento em juízo constitui serviço público relevante e, mantendo a testemunha vínculo trabalhista, o comparecimento da testemunha não importará “perda de salário nem desconto no tempo de serviço”. Não há limite prévio ao número de deslocamentos protegidos na regra. Às vezes, a testemunha precisará se deslocar duas ou mais vezes até ser finalmente ouvida pelo juiz. O dispositivo aplica-se aos servidores públicos civis e militares, para os quais os respectivos estatutos dispõem convergentemente. Resolvida à questão das pessoas que mantêm vínculo trabalhista ou estatutário, há outros grupos sociais que escapam a essa esfera de trabalho subordinado. Pessoas há que empreendem individualmente ou que recebem por tarefa, por diária ou por serviço, favorecidas ou não pela fortuna, do mais modesto artesão (v.g., o sapateiro) até profissionais liberais de prestígio (v.g., o psicanalista). Elas ficariam prejudicadas na percepção de seus rendimentos, impossibilitadas de compensá-los em outro dia, a exemplo do psicólogo que perdeu as consultas marcadas no dia da audiência. O art. 462, caput, também autoriza o juiz a indenizá-las, mediante comprovante hábil do que deixaram de ganhar deslocando-se até a sede do juízo. Tal raramente acontece, na prática, porque as próprias partes, ou os respectivos advogados, assalariam a testemunha, principalmente as mais modestas. É um costume incômodo, que compromete a credibilidade do depoimento. Esclarece-se, de toda sorte, o sentido da expressão “diária de testemunha” prevista no art. 84 e que respeita a essa verba, fixada por ato do juiz. À falta de recibos, ou de comprovantes, o juiz arbitrará a indenização considerando as circunstâncias, como a distância presumivelmente percorrida, o meio de transporte disponível, a necessidade de alimentação e de hospedagem, e o valor da diária.116 638.5. Remuneração do assistente técnico – A última despesa processual arrolada no art. 82 consiste na remuneração do assistente técnico. De acordo com o art. 95, caput, cada parte remunerará o respectivo assistente técnico. Cuida-se, então, de antecipação, pois o vencido suportará a despesa a final. É um forte argumento para tornar reembolsável a remuneração do perito. Não tem sentido reembolsar o gasto com o assistente e, não, o dispêndio com o perito. O reembolso dessa despesa provoca uma dificuldade grave: o valor da remuneração. O assistente técnico é um profissional liberal e cobrará o que

lhe aprouver, conforme a sua habilitação e qualificação, sem nenhum controle judicial, pois o contrato é eminentemente privado. Tampouco há, entre nós, e ao contrário do direito argentino, um percentual máximo para a remuneração do perito117 – ressalva feita ao caso da perícia realizada em prol do beneficiário da gratuidade, conforme estipula o art. 95, § 3.º, II –, e, a fortiori, do assistente técnico, fornecendo balizas remuneratórias prévias. Pode acontecer que o valor dos honorários do assistente exceda a média do mercado e a remuneração do próprio perito – submetida ao controle das partes, que frequentemente a impugnam, porque excessiva. Presume-se que a lei, nesse passo, contentou-se com o quod plerumque fit: a parte não pagou demais, porque arcou antecipadamente com essa despesa, sem nenhuma certeza do reembolso futuro. Em caso de dúvida, porque excessivo o valor, um expediente singelo assegura a idoneidade da despesa: o juiz pode exigir a comprovação efetiva do desembolso da quantia pela parte e do recebimento (e tributação) pelo assistente. § 136.º Exceções à responsabilidade de reembolso 639. Desoneração da responsabilidade de reembolso Em princípio, a decisão que atribuiu as despesas processuais a uma das partes abrange o processo em todas as suas fases, e em todos os graus de jurisdição, independentemente do fato de o responsável final pelo reembolso ter ficado vencido em uma das etapas percorridas pela causa.118 Vale o resultado final. Nada obstante, o vencido, a final, talvez se desonere da obrigação de reembolsar todas as despesas processuais ordinariamente a seu cargo, por exceção, em determinadas situações. Se o vencedor, em que pese o seu êxito final, provoca o acréscimo das despesas normais do processo, mediante ação ou omissão, responderá em nome próprio por seu valor. Independentemente da sanção porventura aplicada à conduta processual reprovável ou ao descumprimento das ordens do juiz, simultaneamente aplicável ao mesmo título, a lei processual contempla duas hipóteses de responsabilidade intransferível da parte vitoriosa: (a) a responsabilidade do litigante de má-fé, a exemplo do réu, ignorando o princípio da eventualidade (retro, 311.2), alegar tardiamente objeções processuais ou exceções substanciais, provocando a dilatação do processo; (b) a responsabilidade do ato adiado ou repetido, que ficarão a cargo “da parte, do auxiliar da justiça, do órgão do Ministério Público ou da Defensoria Pública ou do juiz que, sem justo motivo, houver dado causa ao adiamento ou à repetição” (art. 93). É manifesto, e o art. 93, empregando a expressão “houver dado causa”, não deixa dúvida, que esses casos em que o vencido, por exceção, se desonera de reembolsar o vitorioso, não se relacionam com princípio da sucumbência. O fundamento das exceções localiza-se no princípio da causalidade (retro, 633.2). 640. Responsabilidade exclusiva pelas despesas dos atos adiados ou repetidos

É comum ocorrer, ausente o juiz, o adiamento da audiência de instrução e julgamento e outra data seja designada para a solenidade. Compreensivelmente, o adiamento importa perda de tempo e de dinheiro: partes, advogados e testemunhas se deslocaram até a sede do juízo, comprometendo suas atividades habituais. Em tese, o art. 93 carrega todas as despesas processuais (v.g., as despesas de viagem e a diária da testemunha, previstas no art. 84) a quem deu causa, sem justo motivo, à perturbação da marcha processual. Ora, nenhum juiz assumirá essa responsabilidade, nem os advogados sentem-se propensos a reclamá-la de quem, ao fim e ao cabo, julgará a causa, predispondo o magistrado contra a parte que representam. E, além disso, representará autêntica violência obrigar o juiz o dever de condenar a si mesmo, razão bastante para o art. 62 do CPC de 1939 se abster de mencioná-lo,119 bem como ao agente do Ministério Público, e com razão.120 É letra morta o dispositivo nesse particular, conforme se verificou na vigência do CPC de 1973. O assunto fica entregue ao controle interno do Poder Judiciário. Sempre se localizará um justo motivo (v.g., doença em família) para justificar as faltas do órgão judicante. As ausências do Ministério Público são simplesmente ignoradas. A audiência realizar-se-á sem a respectiva presença, banida a antiga e censurável prática de consignar-lhe a presença, com a conivência dos advogados, e o agente do Ministério Público, de seu lado, nada opõe à prova produzida. É mais efetiva a regra no que concerne às partes e aos auxiliares do juízo e, agora, à Defensoria Pública. Em relação aos auxiliares, a interpretação restritiva era obrigatória no direito anterior, aludindo a serventuários, préexcluindo os colaboradores (v.g., o perito),121 salvo regra específica, como acontece com o leiloeiro que deu causa ao adiamento da hasta pública, conforme o art. 888, parágrafo único, e, nesse caso, responderão pelas despesas da nova publicação do edital. Doravante as duas espécies de auxiliares, os permanentes e os eventuais (colaboradores) suportarão o encargo. É significativo, porém, a circunstância de o art. 93 aludir às despesas processuais, noção mais abrangente que custas; porém, o dado se revela insuficiente para aumentar a amplitude subjetiva da regra, que indicou, nominalmente, quem responderá por elas. O art. 93 abrange o (a) adiamento e (b) a repetição do ato. Nesse último caso, o ato original foi invalidado pelo juiz. Por exemplo, o autor forneceu endereço errado do réu, ou escrivão consignou na carta de citação endereço diferente do fornecido pelo autor, equívocos que provocaram a invalidação da citação postal. Responderá o autor e o escrivão, conforme o caso, pelas custas da renovação do autor e o autor perderá o direito ao reembolso. 641. Responsabilidade do vencedor por dolo processual Em que pese vencedor, o litigante que praticar ato ilícito processual, objeto de declaração do juiz, reembolsará o vencido das despesas processuais, a teor do art. 81, caput. A responsabilidade deriva da imposição de multa ao vencedor. O assunto já recebeu análise a esse título (retro, 619).

642. Responsabilidade exclusiva na intervenção de terceiros Em suas duas modalidades básicas, voluntária e obrigatória, a intervenção de terceiro suscita, preliminarmente, incidente a respeito da respectiva admissibilidade. Por exemplo, apresentada impugnação à pretensão interventiva do candidato a assistente, o juiz decidirá a admissibilidade nos próprios autos, sem suspensão do processo (art. 120, parágrafo único). Na resolução dos incidentes provocados pela postulação de intervenção do terceiro (v.g., a denunciação da lide), incidirá o art. 82, § 2.º, cabendo ao juiz condenar o vencido nas despesas do processo. Os honorários serão devidos conforme haja, ou não, causa (v.g., a constituição do advogado). A responsabilidade do vencido no incidente de intervenção de terceiros – uma das partes, na intervenção forçada; o terceiro, na intervenção espontânea – não se transfere para o vencido na causa. Representa outra exceção à regra geral do art. 82, § 2.º. § 137.º Distribuição proporcional das despesas do processo 643. Fundamento processuais

da

distribuição

proporcional

das

despesas

A sucumbência recebe atenuações por influência do princípio do interesse. Se a prática do ato interessa a mais de uma parte, talvez aproveitando a ambas, a despeito do aparente contraste de posições, não só o dever de antecipação não se aplica rigidamente – uma das razões para atribuí-lo ao requerente do ato –, mas a própria imputação final das despesas do processo e, a fortiori, dos honorários advocatícios, não pode ser feita a um “vencido”, que talvez nem figure na relação processual. É indispensável distribuí-las proporcionalmente. Tal é a regra no caso de recíproca sucumbência (art. 86). Todavia, a disciplina dessa última hipótese, governada pelo princípio da sucumbência, receberá considerações em item relativo aos honorários. O critério para a divisão proporcional nem sempre é uniforme. Às vezes, a lei prefere a divisão per capita, como ocorre no caso do litisconsórcio (art. 87); em outras situações, recorre à atividade processual (art. 95) e ao interesse econômico (art. 89). É preciso não misturar as hipóteses legais e, principalmente, acomodá-las a diretriz única. 644. Distribuição das despesas entre litisconsortes A demanda em conjunto é facultativa (litisconsórcio voluntário) ou é obrigatória (litisconsórcio necessário). E as relações dos litisconsortes perante o adversário ou necessitam de regime especial (litisconsórcio unitário), ditando decisão uniforme entre os litisconsortes, ou podem ser resolvidas de modo heterogêneo (litisconsórcio simples). Essas hipóteses se combinam e, compreensivelmente, anunciam o grave problema da distribuição final das despesas do processo e dos honorários advocatícios. Resolveu-o de modo assaz radical e direto o art. 87, caput. A solução timbra pela simplicidade. Ficando vencidos dois ou mais litisconsortes, pouco importando se vários autores, ou vários réus, e independentemente da espécie (litisconsórcio voluntário ou necessário) e do regime da demanda conjunta (litisconsórcio unitário e litisconsórcio simples), “respondem pelas

despesas e honorários em proporção”. Em outras palavras, haverá rateio das despesas processuais entre os litisconsortesper capita. Não há solidariedade automática e inevitável dos litisconsortes perante o adversário comum.122 Figurando como vencidos duas pessoas naturais ou jurídicas, o vencedor não pode exigir de uma delas, no caso de insolvência da outra, a totalidade da sucumbência, mas a metade da quantia total, salvo omissão na distribuição proporcional (art. 87, § 2.º). A outra parte, que toca ao insolvente, ficará insatisfeita. Nenhum outro critério, senão a distribuição per capita, satisfaz a inteligência do art. 87. Por influência de outros sistemas jurídicos, difundiu-se a ideia que a proporção é a do “interesse de cada um na causa ou no direito nela decidido.123 Tal diretriz que repercutiu na jurisprudência sem maiores esclarecimentos.124 Entretanto, o estatuto somente a acolheu, expressis verbis, em outras circunstâncias, a saber: a obrigação resultante de multa processual (art. 81, § 1.º); e a repartição das despesas processuais entre assistente e assistido (art. 94). É decisivo o silêncio eloquente do art. 87. Tampouco interessa, na repartição das despesas processuais e dos honorários advocatícios, a medida da atividade processual de cada uma das partes conjuntas. Esse é o critério aplicável à obrigação do assistente, nos termos do art. 94, perante o adversário do assistido. Não incide no caso de litisconsórcio. Se um dos litisconsortes permaneceu inerte, e o outro assumiu todas as iniciativas (v.g., a interposição dos recursos próprios), tal circunstância é irrelevante. A parte que requer ou pratica o ato processual tem o dever de antecipar as despesas processuais, sendo elas pontualmente exigíveis nos termos da lei (federal ou local), nos termos do art. 82, caput, mas o vencedor poderá exigir da outra a metade das verbas da sucumbência. É bem de ver que medida distinta da distribuição per capita subentende construção altamente artificial. Do órgão judiciário assoberbado pela quantidade de feitos exigir-se-ia a elaboração de critérios específicos em cada causa, de resto variáveis e inevitavelmente subjetivos. A motivação do capítulo acessório da sucumbência assumiria estatura desproporcional à sua função. Ocioso recordar que, de ordinário, o juiz se atém à motivação protocolar do preceito relativo à sucumbência (retro, 635.2). Os provimentos finais raramente entram em particularidades, inclusive nos casos em que elas são imprescindíveis – e logo vem à mente o caso dos vetores traçados no art. 85, § 2.º –, e incorreria o legislador em autêntico contrassenso ao exigir motivação complexa neste ponto secundário. Talvez por esse motivo anteveja a omissão do provimento (art. 87, § 2.º). Nada obstante, havendo distribuição proporcional per capita, o motivação suficiente ater-se-á ao art. 489, § 1.º Essas considerações indicam que o estatuto processual, outra vez, mostrou-se realista e mediu as consequências das opções disponíveis. Fixouse, corretamente, na distribuição per capita. E até mesmo os adversários dessa concepção reconhecem que, omisso o provimento final, ou a decisão condenatória no incidente propriamente dito, nos termos do art. 82, § 2.º, entendia-se igualitária a partilha das despesas,125 solução adotada, afinal, no art. 87, § 1.º.

À primeira vista, o art. 87 rejeita exceções e temperamentos ao inequívoco critério empregado. É inadmissível ler o dispositivo como se estivesse redigido da seguinte forma: “Salvo os casos de indivisibilidade ou de solidariedade, havendo pluralidade de partes vencidas, o juiz condená-las-á em proporção ao que perderam”. Se nesse sentido dispõe o direito argentino,126 em diversos diplomas – há estatutos provinciais –, ou o direito italiano se contenta com interesse comum das partes conjuntas,127 é outro problema, irrelevante perante regra expressa. O dispositivo nacional da distribuição das despesas nada tem a ver com o objeto litigioso.128 E, muito menos, que dois ou mais vencidos sejam representados pelo mesmo advogado. Em verdade, aqui mais do que alhures, transparece o caráter eminentemente processual das regras a respeito da distribuição da sucumbência.129 O princípio geral efetivamente regente dessa matéria foi proclamado da seguinte maneira: “À exceção do disposto expressamente no art. 81, § 1.º, CPC, inexiste responsabilidade solidária entre os litisconsortes vencidos, condenados ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Vige a regra do art. 23, CPC {de 1973}, que impõe o princípio da proporcionalidade e a presunção legal da não-solidariedade, nos termos do art. 896 do CC” (hoje art. 254 do CC).130 Nada obstante, sendo o objeto litigioso indivisível (e, assim, unitário o litisconsórcio), ou havendo solidariedade entre os litisconsortes, no plano do direito material, a opinião prevalecente derroga a inequívoca regra do art. 87.131 Não tem cabimento a exceção. É firme, todavia, a jurisprudência do STJ em exigir disposição expressa no pronunciamento exequendo a esse propósito, in verbis: “A solidariedade em relação a um dos pedidos no caso, ao fornecimento de um dos medicamentos pleiteados não implica solidariedade na sucumbência. A regra da proporcionalidade pelas despesas e honorários imposta pelo art. 23 do CPC {de 1973}, só poderá ser afastada quando assim expressamente dispuser a sentença transitada em julgado”.132 Logo, na prática, o que vige é a distribuição per capita – o órgão judiciário não se ocupa do ponto, não tem os vagares ideais para motivar a ressalva à regra. Em relação aos vencedores, conjunta que seja a obrigação dos vencidos, vigora o mesmo princípio: a verba dividir-se-á per capita, e, não, “na proporção a cada um dos interesses reconhecidos”.133 Havendo intervenção voluntária de terceiros, o vencido responderá perante o assistido e o assistente, também proporcionalmente, mas, por exceção, o juiz haverá de considerar a atividade processual do assistente, o que também vigora se o assistente ficar vencido. É singular, nesse aspecto, a posição do amicus curiae. Não arca com despesas, nem responderá por elas. E, no caso de chamamento ao processo, vigora o art. 87, salvo disposição em contrário no sentido da solidariedade. A distribuição das despesas (e dos honorários) entre o chamante e o chamado, no chamamento em garantia, dependerá do entendimento que se adotar quanto à sua posição processual (infra, 873): sendo litisconsorte o chamado, aplica-se o art. 87, outra vez ressalvada a disposição expressa – raramente adotada – da solidariedade no provimento; sendo réu em pretensão cumulada pelo chamante, responderá unicamente perante este. 645. Distribuição das despesas na assistência

É também proporcional a responsabilidade de reembolso do assistente simples e qualificado, ficando vencido o assistido, mas “em proporção à atividade que houver exercido no processo” (art. 94). Para esse fim, considera-se “a fase em que ocorreu o ingresso e, tanto quanto possível, as despesas a que ele efetivamente deu causa, como as feitas com as provas que requereu, com as intimações que se lhe fizeram”, e assim por diante.134 Nenhum percentual, a priori, ficou estabelecido, e, portanto, caberá ao juiz estabelecer a devida proporção. A tarefa acometida ao órgão judiciário não se afigurará fácil e, em geral, o provimento silencia a esse respeito. Em caso de omissão, resta entender que o juiz distribuiu as despesas processuais igualitariamente entre o assistente e o assistido vencido. O art. 94 contempla custas como objeto de reembolso do assistente perante o adversário vitorioso do assistido. Concebe-se a extensão da regra para as despesas processuais reembolsáveis. Porém, os honorários não integram essa rubrica (retro, 627), e, assim, o assistente jamais responderá pelos honorários advocatícios devidos ao vencedor.135 Cuidando-se de assistência qualificada (art. 124), ao assistente aplicar-seá o art. 87 – rejeitada a tese que equipara esse assistente ao litisconsorte ulterior (infra, 775.2). 646. Distribuição das despesas na jurisdição voluntária As despesas processuais, nos procedimentos de jurisdição voluntária, serão “rateadas entre os interessados” (art. 88). O requerente adiantará as despesas, conforme a regra geral, mas terá direito de reembolso perante os demais figurantes, segundo o critério per capita. É verdade que a lei invoca o rateio, “que significa divisão proporcional ao interesse de cada um”,136 mas, salvo disposição em contrário (v.g., art. 81, § 1.º), o emprego dessa diretriz oferece muitas desvantagens, constrangendo o juiz a medir o interesse nem sempre econômico. Não há condenação em honorários advocatícios e cada um dos interessados pagará os honorários do seu procurador.137 647. Distribuição das despesas nos juízos divisórios A distribuição das despesas processuais nos juízos divisórios (pretensão à demarcação ou pretensão à divisão da coisa comum e partilha no inventário ou arrolamento) tem regra específica no art. 89. Elas serão rateadas entre as partes “proporcionalmente aos seus quinhões”. Segundo abalizada opinião externada no direito anterior, a regra não se aplicará no caso de surgir litígio, hipótese que reflui à regra geral do art. 82, § 2.º, no tocante às despesas, e, a fortiori, aos honorários advocatícios, e, por conseguinte, à incidência do princípio da sucumbência.138 O alvitre é combatido veementemente e com base no persuasivo exemplo do comunheiro que titula percentual igual ou inferior a um vigésimo da área total. Em tal hipótese, realmente, a incidência do art. 82, § 2.º, ensejaria a injustiça cabal de o autor ter o valor intrínseco ao seu domínio consumido pelo dever de reembolsar as despesas processuais e pagar honorários advocatícios aos titulares das quotas maiores, “que suportariam esses encargos em percentual insignificante relativamente ao valor dos seus quinhões”.139 A única solução

adequada consiste no reembolso das despesas processuais e dos honorários advocatícios, havendo ou não litígio na segunda fase da ação demarcatória ou divisória, na forma do art. 89: o vencido pagará as despesas proporcionalmente ao valor econômico do quinhão que lhe foi atribuído a final. 648. Distribuição das despesas na transação Deliberando as partes encerrar o litígio mediante concessões mútuas, ou transação, concebe-se que convencionem a respeito do direito de reembolso das despesas processuais. Trata-se de direito patrimonial como qualquer outro, e, nesse sentido, também passível de transação. Seja qual for o acordo das partes quanto a esse ponto, o negócio vale e é eficaz, não constituindo motivo para o juiz negar a homologação ao negócio jurídico bilateral. Por exemplo, a transação ocorre quando já omitida sentença de procedência, garantindo ao autor o reembolso das despesas processuais, mas as partes transacionam e estipulam que tais despesas serão pagar pelo autor. Nada obsta a homologação integral do negócio. Antes da sentença, de resto, o art. 90, § 3.º, oferece incentivo econômico, dispensando-as do pagamento das custas vincendas. Ocorre de as partes, inadvertida ou deliberadamente, omitirem disposição a respeito das despesas na escritura pública ou no instrumento particular da transação. É mais rara, pois o juiz atenta a esse aspecto aparentemente secundário, em geral, a omissão da transação obtida em juízo (v.g., na audiência do art. 334). Em tese, também aí a omissão pode se verificar, por inadvertência dos advogados dos transatores e do órgão judiciário. Enfrentou o problema diretamente o art. 90, § 2.º, dispondo que, omitido regramento quanto às despesas, estas “serão divididas igualmente”. A regra não consagrou a distribuição per capita, ignora o estado do processo ou o momento da transação – a transação talvez sobrevenha à sentença, hipótese em que a omissão não prejudica os honorários (infra, 1.639) –, nem sequer encampou a solução mais simples e direta de cada parte suportar as despesas já antecipadas. Ao estabelecer a distribuição igualitária, o dispositivo exige que as despesas antecipadas sejam somadas, divididas pelo número de transatores, e os quinhões sejam igualados. Pode acontecer, então, de uma das partes, porque antecipou valores superiores (v.g., os honorários do perito, conforme o art. 95), adquirir direito à restituição. Tal consequência talvez seja indesejável à luz do programa contratual da transação, concebido de tal maneira que nenhuma das partes haja de prestar à outra, e, todavia, por força do critério erigido no art. 90, § 2.º, residualmente surgirá prestação a cargo de um dos transatores, passível de execução, in simultaneo processu, o consoante art. 515, II. A pluralidade de partes, em número desigual num dos polos da relação processual, complica o cenário. Figure-se a hipótese de um autor e dois réus. A incidência do art. 90, § 2.º, importa a divisão das despesas processuais. Se o autor antecipou os honorários do perito, como de regra (art. 95, caput), pois o dever lhe incumbe caso haja requerido a perícia, terá direito de reembolso, em parte, perante os dois réus. E a responsabilidade dos litisconsortes, como remarcado em item anterior (retro, 646), não é solidária, mas per capita. Nessa hipótese, o que sobejar ao terço suportado pelo autor, deverá ser pago por metade por cada um dos réus.

Tudo recomenda que os advogados dos transatores considerem, explicitamente, a despesas processuais, evitando embaraços ulteriores. 649. Distribuição na desistência, no reconhecimento e na renúncia parciais Admitem-se desistência da ação, reconhecimento do pedido e renúncia à pretensão processual objetiva e subjetivamente parciais. Em relação aos negócios jurídicos unilaterais subjetivamente parciais, porque envolve litisconsorte, a distribuição das despesas governa-se pelo art. 87, havendo distribuição per capita. Assim, se o autor A propôs ação contra B e C, mas desiste da demanda contra C, arcará com as despesas (e os honorários) quanto à parte excluída. É o que acontece,mutatis mutandis, com a admissão pelo autor da ilegitimidade passiva do réu originário e altera a petição inicial, no prazo de quinze dias, substituindo-o por outra pessoa: o autor reembolsará as despesas feitas pelo réu e pagará honorários, arbitrados entre três e cinco por cento do valor da causa ou conforme ao art. 85, § 8.º, consoante dispõe o art. 338, parágrafo único. No caso de desistência da ação, reconhecimento do pedido e renúncia à pretensão processual objetivamente parcial, o art. 90, § 1.º, estipula que a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional ao objeto do negócio jurídico unilateral de desistência, reconhecimento ou renúncia. Exemplos: (a) na ação em que A pede de B reparação dos danos patrimoniais, no valor X, e extrapatrimoniais, e no valor Y, o autor desiste do pedido relativo ao dano moral, com ou sem o consentimento do réu, conforme o estágio do processo; (b) na ação em que A pede de B reparação dos danos patrimoniais, no valor X, e extrapatrimoniais, no valor Y, o réu B reconhece o pedido relativo aos danos patrimoniais, contestando o outro pedido; (c) na ação em que A pede de B de reparação dos danos patrimoniais, no valor X, e extrapatrimoniais, no valor Y, o autor A declara renunciar à indenização dos danos extrapatrimoniais. Assim, e para racionar apenas com a hipótese de desistência, se X equivale a 100 e Y equivale a 50, concebem-se: (a) acolhimento do pedido X, caso em que o autor pagará ao réu as despesas relativas a 50, e o réu pagará o dobro; (b) a rejeição do pedido X, caso em que o autor pagará ao réu as despesas relativas a 150, mas fundado em causa diferente. Figure-se o caso de o autor, para condenar o réu a pagar-lhe 100, ter requerido e adiantado os honorários do perito, no valor de 15. Terá direito a reembolsar-se apenas de 10 a esse título. Logo se perceberá a recorrente dificuldade de o órgão judiciário atender a motivação suficiente do art. 489, § 1.º, realizando, mentalmente, esses cálculos. E convém recordar a possibilidade de o autor formular pedido genérico ou ilíquido, na forma do art. 324, § 1.º, complicando definitivamente o capítulo acessório da sucumbência. O órgão judiciário há de raciocinar hipoteticamente, pois não se revela possível omitir a regra da distribuição proporcional, embora o cálculo das vantagens e desvantagens realize-se posteriormente. Não parece existir outra solução. 650. Distribuição no abandono bilateral da causa Abandonando as partes bilateralmente a causa, imobilizando o processo por mais de um ano, e não remediando a inércia no prazo de cinco dias,

apesar de intimadas pessoalmente (art. 485, § 1.º), o juiz emitirá sentença terminativa (art. 485, II), e “as partes pagarão proporcionalmente as custas” (art. 485, § 2.º). Inexiste, aí, referência aos honorários advocatícios, apesar de o art. 85, § 6.º, entender aplicáveis os critérios legais nos casos de “sentença sem resolução de mérito”, ou seja, nos do art. 85, porque ocorreria compensação da verba per capita, inclusive no caso de litisconsórcio (art. 87). É bem de ver, entretanto, vedar o art. 85, § 14, in fine, a compensação os casos de “sucumbência parcial”. Aparentemente, nesse caso, inexistirá vencedor e vencido, como reclama o art. 86, caput, razão bastante para repelir a incidência dessa regra e, a fortiori, a “sucumbência parcial” (art. 85, § 14). Eis o presumível motivo da subsistência da omissão quanto aos honorários. Parece natural adotar interpretação extensiva quanto à palavra “custas”. Por exemplo, a imobilização pode acontecer após a realização da perícia e de o autor ter depositado o valor arbitrado pelo juiz (art. 95, § 1.º), caso em que lhe assiste direito à metade, não sendo o caso de rateio dessa despesa (art. 95, caput). Não inconcebível essa situação. Talvez a nenhuma das partes interesse o desfecho do processo, fundado na conclusão do perito, em que pese ordenada a prova ex officio (art. 370, caput). § 138.º Credor e devedor do reembolso das despesas processuais 651. Credor do reembolso das despesas processuais Credor do reembolso das partes processuais é a parte principal que se vitoriou e, nada obstante, antecipou as despesas processuais. A palavra “vencedor” é empregada no art. 82, § 2.º, nesse sentido. Não importa a qualidade do vencedor (v.g., advogado em causa própria). Somente a parte principal pode alcançar a posição de vencedor, ou porque fundada a demanda (autor), ou porque declarada inadmissível ou infundada a demanda (réu). É essencial à noção de vencedor, para o efeito do reembolso, o fato dessa pessoa ter antecipado as despesas processuais ou a circunstância que, arcará com despesas supervenientes (v.g., o registro da sentença do art. 501 no álbum imobiliário). Do contrário, não se cuidaria de reembolso, que é recebimento em restituição, mas de indenização por outro motivo (v.g., má-fé processual). Por essa razão, o réu que não participou do processo, mas se beneficiou com o indeferimento da petição inicial (art. 330), não é credor de qualquer reembolso. Em que pese vencedor, o litigante de má-fé perderá, a título de sanção, o direito de reembolso das despesas processuais, consoante o art. 81, caput, assim decidindo o juiz em ato motivado. Cumpre situar, a bem da clareza, a situação dos participantes do processo – expressão utilizada no art. 77, caput – perante o direito de reembolso das despesas processuais. 652. Direito do substituto processual ao reembolso

Dá-se o nome de substituto processual ao legitimado extraordinário (exclusivo ou concorrente), quer dizer, à pessoa que postula em nome próprio direito alheio (retro, 555). Realizando despesas processuais, o substituto é credor do respectivo reembolso. O substituído não é parte, e, portanto, não realiza despesas, motivo por que não tem direito a qualquer reembolso. Eventualmente, desonerado do dever de antecipar as despesas processuais, o substituto processual não tem direito ao reembolso. É o caso do Ministério Público quando obra em prol de direitos individuais homogêneos, caso em que assume a qualidade de substituto (retro, 629.2). 653. Direito do sucessor processual ao reembolso É sucessora da parte originária a pessoa que adquiriu, mortis causa ou por negócio inter vivos, o objeto litigioso, e assumiu a condição de parte principal. A sucessão mortis causa é automática, sendo transmissível o objeto litigioso – do contrário, extinguir-se-á o processo, a teor do art. 485, IX –, mas na alienação inter vivos subordinar-se-á ao consentimento da parte contrária, a teor do art. 109, § 1.º (retro, 572). Ao assumir a condição de parte principal, o sucessor, mortis causa, tem o dever de antecipar as despesas processuais supervenientes ao seu ingresso no processo. E, por força desse desembolso, tem direito ao reembolso. E, cuidando-se de sucessão universal, também receberá a restituição das despesas realizadas pela parte originária. Por sua vez, o sucessor por negócio, inter vivos, arcará com as despesas supervenientes, adquirindo direito ao respectivo reembolso. As despesas realizadas anteriormente ao câmbio das partes serão reembolsadas ao sucedido no processo. É delicada essa distribuição no que tange ao dever de reembolsar as despesas feitas pela contraparte vencedora e o pagamento dos honorários ao advogado do vencedor (infra, 682). 654. Direito do representante processual ao reembolso Figurando como parte principal incapaz, devidamente assistindo ou representado, na forma da lei civil, o direito ao reembolso é da parte, e, não, do respectivo representante processual. Pode acontecer, entretanto, que o incapaz seja insolvente, ou legalmente necessitado, hipótese em que, litigando gratuitamente, não arcará com quaisquer despesas, e, assim, não terá direito ao reembolso. O vencido suportará o crédito dos serventuários e dos colaboradores da justiça. O representante do incapaz insolvente ou necessitado que, nessas circunstâncias, de fato antecipou as despesas processuais, não tem direito ao reembolso em nome próprio. Tal assunto é res inter alios perante o vencido, que deve à parte, e, não, ao seu representante, que adquire o direito de ressarcir-se perante o representado. 655. Direito do advogado ao reembolso Figurando alguém com habilitação técnica como parte principal, incidirá o art. 82, § 2.º: tem direito ao reembolso das despesas realizadas como qualquer outra parte. Porém, funcionando o advogado como representante técnico da parte, não tem direito em nome próprio ao reembolso. É irrelevante

o fato de o procurador pagar do próprio bolso as despesas processuais a cargo do seu cliente. O reembolso das despesas processuais, nesse particular, não oferece dificuldades localizáveis no tocante ao pagamento de honorários advocatícios. O advogado do vencedor não é credor do reembolso das despesas processuais. O direito brasileiro não conhece o instituto da distrazione delle spese (art. 93 do CPC italiano), cuja natureza é controversa,140 conferindo pretensão direta ao procurador contra o vencido no caso de ter antecipado as despesas processuais em nome próprio. O direito autônomo do advogado, nos termos do art. 23 da Lei 8.906/1994, respeita aos honorários advocatícios. Nada obstante, concebe-se que o advogado, por um motivo qualquer, haja antecipado as despesas; em tal hipótese, só tem pretensão contra o cliente, e o assunto constitui res inter alios perante o vencido. 656. Direito do beneficiário da gratuidade ao reembolso O beneficiário da gratuidade (pessoa natural ou jurídica) não tem o dever de antecipar despesas processuais. Logo, não tem direito a qualquer reembolso; o vencido pagará as despesas dos atos praticados pelo beneficiário vencedor diretamente aos auxiliares do juízo e ao erário. 657. Direito do Ministério Público ao reembolso O Ministério Público funciona no processo civil como parte coadjuvante ou como parte principal. Na primeira condição, não realiza despesas; na segunda, é legalmente isento do dever de antecipação. Logo, não tem direito a qualquer reembolso em nome da instituição, pagando o vencido as despesas dos atos processuais por ele praticados diretamente aos auxiliares do juízo e ao erário. 658. Direito da Fazenda Pública ao reembolso A Fazenda Pública não antecipa despesas processuais, salvo as dos colaboradores da Justiça. Todavia, o adversário vencido pagará as despesas dos atos processuais praticados aos auxiliares do juízo, quando e se titulares desse direito. É o caso do perito, recordando-se, ao propósito, o art. 91, §§ 1.º e 2.º. 659. Direito dos litisconsortes ao reembolso O art. 87 instituiu a responsabilidade per capita dos litisconsortes quanto ao pagamento dos honorários e das despesas processuais do vencedor. Regra idêntica disciplina o direito ao reembolso das despesas processuais no caso de se tornarem vencidos (infra, 662). 660. Direito do revel ao reembolso É possível que, nada obstante a revelia, o juiz declare inadmissível ou infundada a pretensão do autor. Em tal hipótese, o revel que permaneceu alheio ao processo não suportou quaisquer despesas e não tem, por óbvio, direito ao reembolso. Porém, intervindo no processo, como lhe faculta o art.

346, parágrafo único, e arcando com as despesas supervenientes à intervenção, ser-lhe-ão estas reembolsadas. 661. Direito dos intervenientes ao reembolso Existem duas modalidades fundamentais de intervenção de terceiros: (a) espontânea ou voluntária; (b) forçada. No caso do assistente simples, o art. 94 determina que sua responsabilidade quanto às custas – palavra utilizada, nesse contexto, como equivalente a despesas processuais – perante o adversário do assistido será “em proporção à atividade que houver exercido no processo”. Em contrapartida, tem direito ao reembolso na mesma proporção. A proporção de que trata o art. 94 é entregue à finesse judicial (infra, 647). O direito do assistente qualificado dependerá da natureza da sua participação. A prevalecer o ponto de vista dominante, estimando-o litisconsorte ulterior, o direito ao reembolso recai na órbita de incidência do art. 87, recebendo reembolso per capita. O amicus curiae intervém no processo em curso, espontaneamente ou não, para manifestar opinião em prol do interesse político que inspira essa intervenção e, acidental e contingente, o respectivo ponto de vista coincidirá com o interesse de uma das partes. Em caso de sucesso desta, o amicus curiae não tem direito ao reembolso das despesas processuais, no todo ou em parte, porque não as realizou antecipadamente. Equipara-se, pois, ao Ministério Público como parte coadjuvante. Logrando êxito o interveniente principal, ou oponente, terá direito ao reembolso das despesas processuais antecipadas, figurando como devedores os respectivos adversários – autor e réu do processo conexo são litisconsortes necessários, respondendo per capita (art. 87). O chamado ao processo e o chamado em garantia, após a intervenção, tornam-se partes e são credores do reembolso das despesas que anteciparam. Segundo a concepção prevalecente, o chamado em garantia reembolsar-se-á perante o chamante. O direito do chamado ao processo é perante o adversário do chamante. 662. Devedor do reembolso das despesas processuais É devedor do reembolso das despesas processuais antecipadas a parte principal (autor, réu e o terceiro após a intervenção provocada) que ficou vencida. Por exceção, ficando vencido o assistido, o assistente reembolsará o vencedor na medida da atividade processual desenvolvida (art. 94). Também outras pessoas indicadas expressamente na lei respondem perante o vencedor em determinados incidentes. Em várias passagens, a lei menciona o vencido e o aponta como responsável pelo reembolso. Segundo lição clássica, vencida é a parte que não teve a demanda acolhida, porque inadmissível ou infundada, ou a parte perante a qual o juiz acolheu a demanda, porque fundada.141

Examinou-se anteriormente o titular do direito de reembolso. O inverso é plenamente aplicável. Quem tem direito ao reembolso também se tornará devedor do vencedor. Assim, o amicus curiae, que interveio para emitir opinião, e o Ministério Público, nada qualidade de parte coadjuvante (art. 178), não ficam vencidos. Nada devem ao vencedor a título de reembolso das despesas processuais. A Fazenda Pública, ficando vencida, reembolsará o vencedor, amplamente. Cumpre ressalvar a hipótese de o adversário da Fazenda Pública, vencendo-a na causa, por seu lado desfrutar da isenção de custas, como sucede no caso de o litígio ocorrer entre a Fazenda Federal e a Fazenda do Distrito Federal ou do Estado-membro. Por óbvio, a Fazenda Pública vencida reembolsará a outra das despesas que não aproveitam ao erário (v.g., condução do oficial de justiça; honorários do perito e do assistente técnico). Excepcionalmente, o próprio juiz reembolsará as despesas processuais da parte. Resistindo indevidamente ao afastamento do processo, porque suspeito ou impedido, o art. 146, § 5.º determina que, acolhendo a exceção, o tribunal determinará a remessa dos autos ao substituto legal do juiz ou da juíza e o condenará nas custas. É solução admitida na doutrina peninsular.142 Essa singular disposição revela que, deixando a posição de terceiro imparcial, o juiz tem legitimidade para recorrer, e, destarte, torna-se devedor da parte que lhe recusou. Desconhecem-se, porém, casos concretos de realização de semelhante crédito pela parte. Um expediente simples evitaria o constrangimento do magistrado: a isenção do incidente de custas, conforme a lei local ou federal. As pessoas indicadas, em tese, como responsáveis pelas despesas processuais dos atos adiados ou renovados não tem o dever de reembolsar. A responsabilidade consagrada no art. 93 é direta e respeita ao ato futuro. O vencido reembolsará as despesas do ato original, exceto se o vencedor deu causa ao adiamento ou a renovação. Uma modalidade particular de reembolso é a do recebimento indevido de custas (infra, 663), omitida no NCPC, mas real e concreta. 663. Restituição das custas indevidamente recebidas A exploração em caráter privado das serventias judiciais, entregues a pessoas de expressão política, já no velho direito português constituía fonte de abusos na cobrança das custas. O problema residia menos na forma da investidura, às vezes eminentemente política – um célebre e simpático escritor brasileiro, autor de romances, novelas e de crônicas de sucesso popular, dentre outros, ocupou cartório de vara especializada em litígios de família e sucessões, assunto que não integrava seus interesses habituais, mas desempenhou a função de modo irreprochável –, bem mais, ao menos que tange à cobrança de custas, no caráter da pessoa investida na função, somado à inépcia do controle interno dos órgãos censores de magistratura. Como quer que seja, os abusos revelaram-se suficientemente preocupantes e disseminados para o legislador, no primeiro código unitário, ocupar desse ponto, sem olvidar a cominação de sanção. O art. 65 do CPC de 1939 deu ao assunto tratamento adequado, em parte repetido no art. 30 do

CPC de 1973: o serventuário que cobrar custas indevidas, ou seja, não previstas para o ato processual, ou cobrar custas excessivas, ou seja, além do valor máximo previsto, segundo os termos da legislação porventura aplicável – lei federal, na Justiça Federal, e leis locais, na Justiça Comum, organizada e mantida pelos Estados-membros – deverá restituí-las à parte, e, ainda, incorrerá em “multa equivalente ao dobro de seu valor”. O NCPC omitiu qualquer disposição acerca desse assunto. E a razão afigura-se simples: o art. 31 do ADCT da CF/1988 estatizou as serventias judiciais, garantindo o direito adquirido dos titulares. À luz dessa disposição, poder-se-ia da inutilidade desse tópico, porém há serventias que continuam a perceber custas sem revertê-las ao erário. Valem, pois, algumas considerações a respeito. 663.1. Sujeitos da restituição das custas indevidas – O dever de restituição recai sobre os serventuários da justiça (infra, 979). Não atinge os colaboradores da justiça. Os particulares que colaboram com a justiça em caráter eventual cobram o que lhes aprouver. Em princípio, as leis de mercado determinação a fixação de um valor maior ou menor, salvo estipulação legal em contrário: o vetusto art. 24 do Dec. 21.981/1932, que se imaginava revogado, disciplinando a comissão do leiloeiro, todavia subsiste em vigor,143 e o STJ o aplicou para indicar que a comissão será no percentual mínimo de cinco por cento sobre o valor da alienação judicial.144 Fora dessa hipótese, o colaborador (v.g., o perito) cobrará o que entender justo e conforme ao seu trabalho, cabendo ao juiz submeter sua proposta ao controle das partes, salvo regra especial em contrário, a exemplo do art. 95, § 3.º, II. Facilmente se compreende que o valor dependerá da maior ou menor qualificação do expert. Se cobrar muito, desproporcionalmente ao conteúdo econômico do litígio, o juiz designará outra pessoa, conformando-se as partes e o juiz com os resultados menos seguros ou esclarecidos da perícia. 663.2. Procedimento da restituição das custas indevidas – O procedimento para repor o direito da parte desfalcada não escapa aos rigores do direito fundamental processual do devido processo. Não tramita no âmbito do processo. É objeto, ao invés, de procedimento administrativo, iniciado ex officio ou por iniciativa da parte interessada, mediante prova hábil do recebimento pelo serventuário da quantia controvertida, no qual o juiz – em geral, o diretor do foro – assegurará a ampla defesa, findando por decisão devidamente motivada. As leis locais contemplam, de regra, recurso contra o provimento desfavorável. 663.3. Consequências da restituição das custas indevidas – A restituição do valor indevida ou excessivamente cobrado beneficiará a parte que pagou as custas. No direito anterior, previa-se, ainda, a imposição de multa. Se for este o caso, consoante a lei local, reverterá ao erário. 139.º Multas processuais 664. Conceito e natureza da multa processual

O abuso do processo, em geral, e dos poderes processuais, em particular, instrumento social para a composição dos conflitos, constitui um antigo problema. É preciso confinar a atividade dos figurantes da relação processual e dos participantes da cena judiciária O segundo estatuto processual unitário se mostrou assaz severo nesse tópico. Em sua versão atual, complementando a orientação inicial, institui deveres para as partes “e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo” (art. 77, caput) e caracteriza, empregando conceitos juridicamente indeterminados, os comportamentos censuráveis em várias disposições, particularmente nos artigos 80 e 774. Declarada a responsabilidade do participante da relação processual, expressão que vai além das partes propriamente ditas (retro, 604), o art. 79 declara que o infrator – a respectiva enumeração necessita ser compreendida em conformidade o art. 77, caput – responderá por perdas e danos. Essa sanção abrange, segundo o art. 81, caput, multa não inferior a um por cento e não superior a dez por cento, calculada sobre o valor corrigido da causa, honorários e de todas “as despesas que efetuou”. Decorre dessa disposição que, a despeito de vencedor na causa, a parte que praticou ato ilícito processual perderá o direito aos honorários advocatícios, de regra atribuídos ao vencido, e o direito de reembolso das despesas processuais. Em diversas disposições (v.g., 77, § 2.º), a lei processual alude a multas. Originadas que sejam do processo, e decorrentes de decisão do juiz, nem todas exibem idêntica natureza ou função Multa processual, em sentido estrito, é a sanção pecuniária imposta ao participante do processo em virtude da infração de deveres processuais.145 Depende de ato motivado do juiz. E varia o destinatário da sanção. Ela atinge as partes, os serventuários (v.g., o escrivão), os colaboradores (v.g., perito), os procuradores das partes (integrantes da advocacia pública e privada, no caso do art. 234, § 2.º) e nada, absolutamente, pré-exclui que se destinem aos auxiliares parajurisdicionais (v.g., mediador). Para não arrostar o princípio da legalidade, tão relevante na área das sanções, a técnica legislativa usada no concernente à multa processual revela nítida preferência por indicar um percentual, ora fixo (v.g., cinco por cento, a teor do art. 968, II), ora variável (v.g., de um a dez por cento, o art. 81, caput), tomando como base de cálculo o valor da causa. Às vezes, utiliza o saláriomínimo (v.g., art. 81, § 2.º, e art. 202). O art. 468, § 1.º, constitui caso à parte, deixando a critério do juiz o valor da multa, considerando o valor da causa e o prejuízo que o atraso do perito provocou ao processo. Também disciplina outros aspectos, como a liquidação (art. 81, § 3.º) e a execução (art. 777). A mecânica da apuração dessa responsabilidade, fundada na culpa, já recebeu análise no âmbito dos poderes e deveres das partes. Resta enfrentar os aspectos relacionados com a responsabilidade pelas multas processuais em sentido estrito. 665. Espécies de multas processuais

As multas processuais dividem-se em várias espécies. São três classes: (a) multas sancionatórias; (b) multas moratórias; (c) multas compulsórias. Existem outras classificações de alcance análogo (v.g., multas coercitivas, punitivas ou compensatórias).146 Em primeiro lugar, há multas processuais que traduzem sanção à conduta processual reprovável. É dessa natureza, por exemplo, a multa de até vinte por cento sobre o valor da causa, prevista no art. 77, § 2.º. Representam a classe mais destacada. Também há multas moratórias. Acontece de a parte pleitear e obter o parcelamento obrigatório do art. 916 ou de terceiros firmarem negócios jurídicos, em que o órgão judiciário sub-roga a vontade de uma das partes, e descumprirem a obrigação assumida. Em tal hipótese, conforme se verifica do art. 897 c/c art. 898, o juiz legitima-se a aplicar ao inadimplente uma multa. No caso do art. 897, a sanção é a perda da caução, que o art. 898 qualifica de multa. Em que pesem controvérsias, e o caráter ambivalente, pois não deixa de exibir o intuito de constranger e de compelir ao cumprimento, também é multa moratória o percentual de dez por cento em que incide o condenado após o prazo de espera de quinze dias (art. 523, § 1.º). Essas multas têm natureza de cláusula penal. Por fim, há as multas compulsórias, ou astreintes, cominadas pelo juiz, ex officio ou a requerimento do interessado, para constranger o executado à prática de ato ou à abstenção. O art. 287 do CPC de 1973 designava essa multa de “pena pecuniária”, quiçá corretamente, pois a cominação é a priori, transformando-se em multa no caso de descumprimento. As astreintes atuam para o futuro e têm natureza coercitiva e sancionatória.147 Podem ser subdivididas em três classes: (a) simples, quando incidem uma única vez, porque aplicadas a obrigação de não fazer passível de uma só violação; (b) múltiplas, quando incidem mais de uma vez, pois a obrigação de não fazer comporta mais de uma violação; (c) periódicas, quando incidem no retardamento do cumprimento de obrigação de fazer, de entregar coisa, ou na obrigação de desfazer o malfeito.148 A astreinte constitui o núcleo do meio executório da coerção patrimonial. O seu estudo integra os domínios executivos. 666. Devedor e credor a multa processual É ponto de relevo na aplicação da multa processual a identidade do credor e do devedor. O correlato problema da apuração da responsabilidade já recebeu análise (retro, 618). Interessa, aqui, as pessoas que o juiz condenará e as pessoas que se beneficiam desse pronunciamento. 666.1. Devedor da multa processual – Responsável pela multa processual é o figurante do processo habilitado a praticar o ato processual. Em princípio, a responsabilidade recai sobre a pessoa que pleiteia como autor, réu ou interveniente, a teor do art. 76, in fine (retro, 619), e efetivamente praticou o ilícito. Mas, há outras pessoas que, não sendo partes, mas participantes do processo, também incidem em multa processual: os serventuários (v.g., o escrivão), os colaboradores (v.g., perito); os procuradores das partes (integrantes da advocacia pública e privada, no caso do art. 234, § 2.º); e os auxiliares parajurisdicionais (v.g., mediador).

Convém realçar que o beneficiário da gratuidade não se exime da multa processual.149 A benesse constitucional não traduz um bill of indenity quanto a todos os atos processuais reprováveis, a teor do art. 98, § 4.º. Em outras palavras, o benefício da gratuidade não abrange as multas processuais de qualquer espécie. No caso de pluralidade de partes, dois ou mais litigantes talvez pratiquem o ato censurável, gerando algumas situações dignas de registro. 666.2. Pluralidade de devedores da multa processual – Concebe-se a prática de dois ou mais ilícitos independentes entre si, e, de resto, atribuíveis a partes contrapostas. Por exemplo, o autor deduziu pretensão contra texto expresso de lei (art. 8, I), mas o réu provocou incidente manifestamente infundado, arguindo a parcialidade do juiz ou da juíza. Cada parte responderá, autonomamente, pelo dano produzido à outra. O juiz deverá avaliar a extensão do dano e, conforme o caso, não se pré-exclui a compensação. Localiza-se no art. 81, § 1.º, parte final, a segunda e mais frequente situação. Duas ou mais partes, em conluio ou em concerto, praticam a mesma infração. Por exemplo, os litisconsortes ativos, ao demandarem o réu comum, alteraram a verdade dos fatos (art. 80, II). Respondem ambos, solidariamente, perante o réu, sejam ou não vencedores, apesar do atentado à verdade. A parte contrária poderá exigir de qualquer um deles a indenização por inteiro. É regra específica quanto à multa processual e discrepa da regra geral do dever de reembolsar o vencedor, que utiliza o critério per capita (retro, 646). Bem mais restrita e remota é a terceira hipótese. O dano à parte resulta do concurso de vontades de partes distintas, mas convergentes no propósito lesivo. Por exemplo, autor e réu utilizam do processo para obter objetivo ilegal – o locador move despejo contra o locatário, porque a ambos interessa encerrar a sublocação –, prejudicando sublocatário e assistente. Neste caso, reza o art. 81, § 1.º, primeira parte, o juiz atribuirá a responsabilidade “na proporção de seu respectivo interesse na causa”, e, salvo alguma peculiaridade, no exemplo maior é a gravidade da conduta do locatário e réu. 666.3. Credor da multa processual – Os artigos 81, caput, e § 1, º, in fine, e 96 identificam o beneficiário da multa e da indenização como a parte contrária. Não se pode entender a expressão literalmente.150 O credor da multa processual é a parte prejudicada com o ilícito, seja parte principal ou não. E poderá existir mais de um beneficiário da multa, cada qual atingido autonomamente pelo ilícito, hipótese em que cada qual receberá reparação integral do seu próprio prejuízo.151 A par das partes principais, outros figurantes e participantes são destinatários das regras atinentes aos deveres processuais. Valem, então, as considerações já feitas. Admissível que seja a responsabilidade do advogado, em virtude da interposição de recurso protelatório, tanto este, quanto a parte por ele representada, responderão solidariamente perante o adversário. Em tal hipótese, a(s) parte(s) contrária(s) é(são) beneficiária(s) da sanção pecuniária. Se determinado auxiliar do juízo pratica o ato responsável, porque destinatário dos deveres do art. 77, a identificação do prejudicado talvez não

pareça evidente, no primeiro momento, ou não seja realmente possível precisar qual das partes sofreu o dano. Tal não constitui razão bastante para absolver o autor do ilícito processual. A multa reverterá ao erário (art. 96, in fine). 667. Liquidação da multa processual Em razão do critério adotado para o juiz fixar a multa processual – percentual sobre o valor da causa ou salário-mínimo –, o quantum debeatur é líquido, apurado por simples cálculo aritmético, a cargo do credor (art. 786, parágrafo único). E, de acordo com o art. 777, mostrar-se-ão exequíveis, in simultaneo processu, incluídas na planilha de que cuidam o art. 524 e o art. 798, parágrafo único, sem embargo da possibilidade de compensação, se o devedor da multa processual for credor do capítulo principal e acessório da condenação. As multas impostas ao serventuário revertem ao erário (art. 96, in fine). É dever do serventuário recolhê-las na forma estipulada pela lei estatutária. O art. 95, § 4.º, autoriza a Fazenda Pública a executar o capítulo acessório da sucumbência contra quem “tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais”, inclusive contra o beneficiário da justiça gratuita, nesse caso observando o art. 98, § 2.º (suspensão da exigibilidade pelo prazo de cinco anos, salvo modificação da situação financeira). Apesar de sua localização, na regra atinente à perícia, a incidência da regra é geral. Logo, revertendo a despesa ao erário, incluindo multas (art. 96, in fine), surge a pretensão a executar, mediante a inscrição em dívida ativa. As multas sancionatórias e moratórias calculam-se consoante os critérios legais, reproduzidos na decisão que as impõem, ex officio ou não. Não comportam modificações para mais ou para menos. Ao contrário, as multas compulsórias (astreinte) podem ser alteradas (art. 537, § 1.º), inclusive atendendo ao dever de o credor minorar seu prejuízo, e, conseguintemente, não agravar a responsabilidade do devedor (duty do mitigate the loss).152

Capítulo 36. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUMÁRIO: § 140.º – Retribuição do procurador das partes – 668. Origem e designação da retribuição do procurador – 669. Natureza jurídica do crédito de honorários – 670. Espécies de honorários advocatícios – 670.1. Honorários contratuais – 670.1.1. Liberdade na fixação do valor dos honorários – 670.1.2. Admissibilidade do contrato quota litis – 670.2. Honorários objeto de arbitramento – 670.3 Honorários sucumbenciais – 670.3.1. Cumulação dos honorários sucumbenciais – 670.3.2. Levantamento dos honorários sucumbenciais – § 141.º Credor dos honorários advocatícios – 671. Direito próprio do advogado aos honorários – 672. Direito aos honorários do advogado em causa própria – 673. Direito aos honorários do advogado renunciante e dispensado – 674. Direito aos honorários do advogado substabelecido – 675. Direito aos honorários do advogado empregado – 676. Direito aos honorários do advogado público – 677. Direito aos honorários do curador especial – 678. Direito aos honorários do Ministério Público – 679. Perda dos honorários advocatícios – § 142.º Devedor dos honorários advocatícios – 680. Condenação do vencido em honorários – 681. Condenação do substituto processual em honorários – 682. Condenação do

sucessor processual em honorários – 683. Condenação do representante processual em honorários – 684. Condenação do advogado em honorários – 685. Condenação do beneficiário da gratuidade em honorários – 686. Condenação do Ministério Público em honorários – 687. Condenação da Fazenda Pública em honorários – 688. Condenação dos litisconsortes em honorários – 689. Condenação do revel em honorários – 690. Condenação dos intervenientes em honorários – 690.1. Condenação do interveniente voluntário em honorários – 690.2. Condenação do interveniente coato em honorários – § 143.º Fixação dos honorários da sucumbência – 691. Critérios gerais de fixação dos honorários sucumbenciais – 691.1. Juízo de legalidade quanto aos honorários sucumbenciais – 691.2. Juízo de equidade quanto aos honorários sucumbenciais – 691.3. Motivação do capítulo acessório da sucumbência – 691.4. Fluência dos juros moratórios nos honorários sucumbenciais – 692. Órgão de fixação dos honorários sucumbenciais – § 144.º Elementos objetivos na fixação dos honorários sucumbenciais – 693. Juízo na fixação dos honorários sucumbenciais – 694. Causas condenatórias – 694.1. Sentença de procedência na causa condenatória – 694.2. Sentença de improcedência na causa condenatória – 694.3. Percentual mínimo e percentual máximo dos honorários nas causas condenatórias – 695. Causas de pequeno valor – 696. Causas de valor inestimável – 697. Causas da Fazenda Pública – § 145.º Elementos subjetivos na fixação dos honorários sucumbenciais – 698. Pessoas consideradas na fixação dos honorários sucumbenciais – 699. Condição do advogado na fixação dos honorários sucumbenciais – 700. Condições do serviço na fixação dos honorários sucumbenciais – 701. Finalidade das condições do serviço na fixação dos honorários – 702. Fundamentação das condições do serviço na fixação dos honorários – 703. Dedicação do advogado na fixação dos honorários – 704. Lugar da prestação do serviço do advogado na fixação dos honorários – 705. Natureza da causa na fixação dos honorários – 706. Importância da causa na fixação dos honorários – 707. Desempenho do advogado na fixação dos honorários – 708. Comportamento das partes na fixação dos honorários – 709. Natureza das condições do serviço na fixação dos honorários – § 146.º Honorários advocatícios na sentença definitiva – 710. Honorários advocatícios no julgamento final do pedido – 710.1. Sucumbência parcial – 710.1.1. Sucumbência parcial perante pedido único – 710.1.2. Sucumbência parcial perante pedidos cumulados – 710.2. Sucumbência recíproca – 710.3. Sucumbência mínima – 711. Honorários advocatícios no julgamento prévio do pedido – 712. Honorários advocatícios no reconhecimento do pedido – 712.1. Honorários advocatícios perante reconhecimento total do pedido – 712.2. Honorários advocatícios perante reconhecimento parcial do pedido – 712.3. Honorários advocatícios perante reconhecimento ineficaz – 713. Honorários advocatícios na transação – 713.1. Honorários advocatícios previstos na transação – 713.2. Honorários advocatícios omissos na transação – 713.3. Honorários advocatícios excluídos da transação – 714. Honorários advocatícios na renúncia – § 147.º Honorários advocatícios na sentença terminativa – 715. Honorários advocatícios no indeferimento da petição inicial – 716. Honorários advocatícios no juízo de inadmissibilidade – 717. Honorários advocatícios no abandono bilateral – 718. Honorários advocatícios na desistência da ação – 718.1. Desistência antes da citação do réu – 718.2. Desistência após a citação do réu – 718.2.1. Desistência antes do oferecimento da contestação – 718.2.2. Desistência depois do oferecimento da contestação – 718.2.3. Desistência antes do julgamento no primeiro grau –

718.3. Honorários advocatícios na desistência parcial – 719. Honorários advocatícios na renovação do processo – 720. Honorários advocatícios na inutilidade da tutela – § 148.º Honorários advocatícios na execução (cumprimento) – 721. Cabimento dos honorários advocatícios na execução – 721.1. Honorários advocatícios sem disciplina específica – 721.2. Admissibilidade de honorários advocatícios na execução de título extrajudicial – 721.3. Admissibilidade dos honorários advocatícios na execução de título judicial – 721.4. Casos de inadmissibilidade dos honorários advocatícios na execução – 722. Momento da fixação dos honorários advocatícios na execução – 723. Montante dos honorários advocatícios na execução – 724. Natureza do provimento de fixação dos honorários advocatícios na execução – 725. Honorários advocatícios na extinção imprópria da execução – 726. Honorários advocatícios na oposição do executado – 726.1. Honorários advocatícios nos embargos do executado – 726.1.1. Honorários advocatícios na sentença de procedência total dos embargos – 726.1.2. Honorários advocatícios na sentença de procedência parcial dos embargos – 726.1.3. Honorários advocatícios na sentença de improcedência dos embargos – 726.2 Honorários advocatícios na exceção de pré-executividade – 726.3 Honorários advocatícios na impugnação – § 149.º Honorários advocatícios nos procedimentos especiais – 727. Honorários advocatícios na liquidação – 728. Honorários advocatícios no procedimento monitório – 729. Honorários advocatícios na pretensão à segurança autônoma – 730. Honorários advocatícios nos embargos de terceiro – 731. Honorários advocatícios na consignação em pagamento – 732. Honorários advocatícios na locação predial urbana – 732.1. Honorários advocatícios no despejo – 732.2. Honorários advocatícios na renovatória da locação – 732.3. Honorários advocatícios na revisional do aluguel – 733. Honorários advocatícios na desapropriação – 733.1. Honorários advocatícios na desapropriação direta – 733.2. Honorários advocatícios na desapropriação indireta – 734. Honorários advocatícios no mandado de segurança – 735. Honorários advocatícios na ação civil pública e na ação popular – 736. Honorários advocatícios nos juizados especiais – 737. Honorários advocatícios na rescisória – 738. Honorários advocatícios na arbitragem – 739. Honorários advocatícios na homologação de sentença estrangeira – § 150.º Controle dos honorários advocatícios – 740. Recursos em matéria de honorários – 740.1. Embargos de declaração sobre honorários – 740.2. Apelação sobre honorários –740.3. Recurso especial sobre honorários – 741. Reexame necessário em matéria de honorários – 742. Rescisória em matéria de honorários § 140.º Retribuição pecuniária do procurador 668. Origem e designação da retribuição do procurador A advocacia originou-se do costume de o litigante, constrangido a comparecer pessoalmente em juízo, por via das dúvidas acompanhar-se de um assistente, chamado de patroni ou advocati. Era função honorífica e gratuita nessa época. À medida que as formalidades judiciais aumentaram, e o ordenamento jurídico tornou-se denso e complexo, lenta evolução histórica criou a figura do cognitor ou procurator, o representante legal da parte.1 Essa transformação do antigo patrono em mandatário importou a onerosidade da atuação do procurator.2

Chamam-se de honorários a retribuição pecuniária do trabalho do advogado. O étimo da palavra ainda se prende à concessão de honras sem proveito material.3Não se harmoniza com a atividade profissional do advogado. Os honorários assumem basicamente duas formas: de um lado, por força do contrato de mandato, e ressalva feita ao patrocínio gratuito assegurado aos necessitados, o mandante deve a remuneração livremente ajustada com o advogado, formando a classe dos honorários contratuais (infra, 670.1); de outro lado, embora variem as fórmulas legislativas, consolidou-se o princípio de o vencido em juízo ressarcir o vencedor, no todo ou em parte, das respectivas despesas (victus victori).4 O interesse gerado por esse crédito do advogado é naturalmente secundário quanto aos interesses plasmados no objeto litigioso. Não é inferior ao interesse principal e, não raro, ocupando as preocupações de quem pratica os atos postulatórios em nome da parte, erige óbice real à autocomposição da lide. Ajustadas as partes no principal, divergem quanto ao secundário. Este fato merecerá análise no caso do cabimento de honorários na transação (infra, 713). E, ademais, o interesse acessório exige particular atenção do juiz, a despeito da generalizada impressão do órgão judiciário que a respectiva atividade se exaure no julgamento do mérito.5 A condenação prevista no art. 85, caput, exige adequada e cabal motivação, mas inexistem soluções unívocas na jurisprudência,6 a reclamar ulteriores esforços de harmonização e interpretação. 669. Natureza do crédito de honorários advocatícios Os honorários advocatícios, em quaisquer das suas espécies, têm natureza patrimonial. Eles constituem crédito do advogado. Controverteu-se, no direito anterior, a exata natureza do crédito de honorários. O art. 24, caput, da Lei 8.906/1994, institui o privilégio do crédito do advogado, declarando categoricamente: “A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular… constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial”. Resta definir a classe do privilégio. O privilégio nesses termos anódinos não satisfaz os titulares do crédito. Os advogados veementemente postulavam a classificação desse crédito na categoria alimentar, porque mais atraente: constitui classe prioritária, na ordem de pagamentos da Fazenda Pública, e, no caso de insolvência do devedor, supostamente situar-se-á em primeiro lugar. A ênfase permanente em colocar o crédito de honorários advocatícios na categoria alimentar obscurece a questão fundamental: nenhum dispositivo legal, exceto na ordem dos pagamentos da Fazenda Pública (art. 100, caput, parte final, da CF/1988; Súmula do STJ, n.º 144), outorga prioridade absoluta ao crédito alimentar, principalmente na falência, conforme o art. 83 da Lei 11.101/2005. E, para decidir essa questão, impõe-se vista geral no sistema da preferência no sistema brasileiro. Entende-se por título legal de preferência “a pretensão a ser satisfeito, pelo Estado, o seu crédito, antes dos outros créditos”.7 Ora, segundo o art. 958 do CC, os “títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais”. Não é muito precisa semelhante verba legislativa: “O crédito garantido

com direito real é crédito que tem por si o gravame do valor: o dono do bem gravado é dono do valor do bem ‘menos’ o valor gravado”.8 Em outras palavras, a imprecisão decorre da circunstância de o gravame real extrair valor da coisa, enquanto o privilégio constitui efeito do crédito. Seja como for, o crédito real tem preferência perante dívida “pessoal de qualquer espécie”, como preceitua o art. 961, primeira parte, do CC.9 E isso porque “o direito real limitado, seja de garantia ou não, existe ‘gravado’ no bem, de que detrai elemento material ou valor, e prescinde da insuficiência dos bens do devedor”.10 O regime geral dos privilégios, e, conseguintemente, a ordem dos créditos em concurso, nos processos mencionados no art. 24, caput, da Lei 8.906/1994, alterou-se parcialmente, em virtude da LC 118, de 09.02.2005, que deu nova redação ao art. 186 do CTN, e, principalmente, em razão do disposto no art. 83 da Lei 11.101/2005, dispositivo condicionado pela lei complementar. Em síntese apertada, os créditos fiscais, na falência, situam-se em terceiro lugar, após os créditos trabalhistas (até o limite de 150 salários mínimos) e os créditos reais. Estes passaram à frente do crédito fiscal (o crédito trabalhista já se encontrava em primeiro lugar), e o legislador limitou o valor do crédito trabalhista atendível prioritariamente – regra só observada, porque a falência processa-se na Justiça Comum e seu juízo é o único competente para pagar o credor trabalhista –, presumivelmente para beneficiar o mercado financeiro, cujos créditos, em geral, desfrutam de garantia real. Logo após, na ordem do art. 83 da Lei 11.101/2005, vêm os créditos dotados de privilégios especiais (art. 964 do CC; art. 53 do Dec.-lei 167/1967), compreendendo “os bens sujeitos, por expressa disposição de lei, ao pagamento do crédito” (art. 963 do CC), e, na sequência, os créditos com privilégio geral (art. 965 do CC). O art. 961 do CC, a par de outorgar prioridade ao crédito real sobre o “pessoal de qualquer espécie” – a ressalva do parágrafo único do art. 1.422 do CC insere-se na preferência do credor trabalhista –, aduz que o crédito privilegiado prefere ao simples (quirografário), “e o privilégio especial, ao geral”. Exemplo de crédito dotado de privilégio especial é o representado por nota de crédito industrial (art. 17 do Dec.-lei 413/1969).11 À luz desse esquema, o art. 24, caput, da Lei 8.906/1994 outorgou aos honorários advocatícios privilégio geral. Os artigos 964 e 965 CC revelam, à primeira vista, que o privilégio especial relaciona-se, diretamente, com determinado bem, enquanto o geral recai, indistintamente, sobre quaisquer bens do obrigado. A diferença dessas classes recebe a seguinte explicação: “O privilégio especial recai sobre os bens que a lei separa para o pagamento de certos créditos, que com tais bens se relacionam. Esta separação pode resultar, ou da simples conexidade entre o crédito e determinados bens, ainda que na posse do devedor, ou do fato de existirem bens do devedor em poder do credor, a quem a lei reconhece o direito de os reter”.12 Pois bem: o crédito de honorários não se liga a qualquer bem particular do cliente; por conseguinte, o privilégio do art. 24 da Lei 8.906/1994 só pode ser geral. Foi o que concluiu, inicialmente, o STJ,13 orientação repetida em julgado posterior.14 E acresce que, para ordenar as requisições de pagamento perante a Fazenda Pública na classe especial dos créditos alimentares, o art. 100, § 2.º, da CF/1988, definiu como alimentares os créditos “decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações,

benefícios previdenciários e indenizações por morte e ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado”. Resultado insatisfatório para os advogados, repetido o mantra que, subsistindo o advogado dos honorários, o crédito tem natureza alimentar, resulta ele da deficiente redação do art. 24, caput, da Lei 8.906/1994. Constrangedoramente para os redatores da regra, o art. 44 da Lei 4.886/1965, na redação da Lei 8.420/1992, estipula que os créditos do representante comercial, na falência, “serão considerados créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas”. É o expediente correto: o crédito trabalhista situa-se em primeiro lugar, embora limitadamente, não porque seja crédito alimentar, mas porque crédito trabalhista. Nenhuma disposição legal consagra, explicitamente, preferência absoluta ao crédito alimentar e à frente de todos os demais credores. Em situações concretas, a exemplo da remuneração do administrador da massa falida, certos créditos dessa natureza são priorizados por razões de conveniência – no caso, os honorários não entram no concurso. A resistência ao entendimento que situa o crédito de honorários advocatícios quase ao rés do chão – o privilégio geral antecede os créditos comuns ou quirografários – operou-se em várias frentes. Em primeiro lugar, o STF classificou os honorários, na ordem dos precatórios, dentre os créditos alimentares.15Emprestou tênue verossimilhança à tese, nesse caso, o disposto no art. 19, parágrafo único, I, da Lei 11.033/2004, que dispensa a apresentação de certidão negativa para levantar o valor do precatório, nos “créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios”. Esse dispositivo não declara, expressis verbis, que os honorários se incluem na classe alimentar, e, de resto, explicitados os créditos alimentares no art. 100, § 2.º, da CF/1988, somente regra constitucional habilitaria os honorários advocatícios na classe dos créditos alimentares. Mas, o STF dá a palavra definitiva, e, assim, para esse efeito, requerendo o advogado precatório autônomo, o respectivo crédito entra na classe alimentar. Depois, o STJ reconheceu a natureza alimentar os honorários sucumbenciais.16 Nada obstante, persiste na tese, incompatível com a natureza alimentar e, na prática, equiparação dos aos créditos trabalhistas, segundo a qual inexiste preferência perante o crédito tributário.17Era questão em aberto, mas dentro da legalidade estrita, os honorários desfrutam somente de privilégio geral. Elaborado em pleno regime democrático, no qual os interessados exercem persuasão em prol dos seus interesses, o art. 85, § 14, dentre outras proposições analisadas em outros sítios, declara o crédito de honorários advogado de natureza alimentar e usufruirão “os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho”. Tecnicamente, a verba legislativa realizou a opção correta, encerrando a questão sob esse prisma. 670. Espécies de honorários advocatícios Há três espécies de honorários advocatícios: (a) contratuais; (b) objeto de arbitramento; (c) sucumbenciais. 670.1. Honorários contratuais – A relação que vincula o advogado ao cliente é de prestação de serviços.18 No plano processual, avulta o mandato,

mas nem toda a atividade do advogado pressupõe representação e outorga de poderes (v.g., a assistência jurídica extrajudicial). Recomenda a ética profissional ao advogado contratar por escrito a prestação dos serviços,19 precisando objeto e extensão, e estipular o valor global dos honorários e, se for o caso, o valor e a data de vencimento de cada uma das parcelas. À falta de estipulação nessa parte, um terço dos honorários contratuais é devido no início da prestação de serviços (v.g., no ajuizamento da petição inicial), um terço até a sentença de primeiro grau e o restante a final, ou seja, no trânsito em julgado, segundo o art. 22, § 3.º, da Lei 8.906/1994. Costuma-se fixar um pro labore, dividido ou não em parcelas, e o direito aos honorários sucumbenciais, na hipótese de êxito. O contrato escrito é título executivo extrajudicial (art. 24, caput, da Lei 8.906/1997 c/c art. 784, XII, do CPC). Essas disposições revelam que o advogado tem pretensão para cobrar o crédito resultante do contrato de honorários ou, prestado o trabalho sem estipulação de valor, toca-lhe pretensão para arbitrar seus honorários em juízo. Em tempos idos, apesar de onerosa a atividade, a tradição impedia o advogado de agir em juízo contra o seu cliente recalcitrante.20 Não é o sistema em vigor. Litígios entre advogado e cliente são comuns. Em geral, derivam da incompreensão básica que grassa entre os clientes, segundo a qual vitória decorre da “incontestável procedência” do direito, a derrota da displicência ou mesmo inépcia do procurador.21 Não é cômodo litigar contra o antigo cliente, mas inevitável em muitos casos. Por sinal, os artigos 34 e 35 da moderna Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000, na redação vigente, estabeleceram proveitoso procedimento específico para o advogado reclamar seus honorários.22 670.1.1. Liberdade na fixação do valor dos honorários – É livre o advogado para estipular o valor dos seus serviços. O mercado encarrega-se de regular o assunto. A tabela organizada pela OAB serve de parâmetro, mas não é obrigatória, e, quando muito, serve de piso para o arbitramento cogitado no art. 22, § 2.º da Lei 8.906/1994. A notória especialização em determinadas matérias e a qualificação pessoal, revelada ou não por títulos acadêmicos, constituem fatores relevantes na cobrança de honorários maiores ou menores, sem perder de vista o conteúdo econômico da questão. Ao futuro cliente não é dado ignorar que honorários contratuais e honorários sucumbenciais não sempre coincidem e, por vezes, a contratação atribuirá ao advogado, além da verba paga pelo cliente, também os honorários da sucumbência. É controversa a possibilidade de o vencedor da causa em juízo pleitear do vencido, mediante ação direta, o reembolso dos honorários contratuais a título de perdas e danos.23 A tese é bem fundada no princípio da reparação integral do dano. O problema do valor maior ou menor desses honorários, conforme o profissional escolhido, não é decisivo e pode ser resolvido pela ponderação do juiz. Nada obstante, a Súmula do STJ, n.º 453 sinaliza em contrário, apesar de superada pelo art. 85, § 18, no que assentava – ação autônoma para estipular e cobrar honorários sucumbenciais omitidos – e ainda se

aguarda maiores repercussões práticas para se definir positivamente questão diversa. À primeira vista, o art. 944, caput, do CC, enseja a possibilidade de o lesado obter reparação integral, porque “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Porém, o valor dos honorários contratuais descansa na livre estipulação entre o cliente e o advogado, figurando o autor do ilícito como terceiro. Não tem influência sobre o valor. Além disso, o valor os honorários contratuais e prende-se a variáveis fatores subjetivos, a exemplo da capacitação pessoal do advogado. É natural que o ás da advocacia privada sobre mais do que o advogado iniciante. Ora, não parece razoável a parte contrária suportar a diferença entre honorários sucumbenciais e honorários contratuais se o vencedor contratou advogado dispendioso ou honorários exorbitantes para causa simples ou de procedência previsível. Em casos tais, incidirá o art. 944, parágrafo único, do CC, cabendo ao juiz fixar a verba suplementar equitativamente, admitindo-se a ação autônoma, ou até rejeitar a pretensão do vencedor. Do art. 22, § 3.º, da Lei 8.906/1994 subentende-se a preferência por valor fixo, o que traz à tona o problema da validade do percentual de êxito. 670.1.2. Admissibilidade do contrato quota litis – O contrato quota litis outorga ao advogado uma parte da vantagem econômica recebida pelo cliente em função do processo. Essa atribuição patrimonial é objeto de cláusula inserida no contrato de prestação de serviços ou de estipulação autônoma. Por exemplo, A contrata Bpara promover ação de reparação de dano patrimonial e moral contra C, definindo que B receberá o percentual de quarenta por cento do que A ganhar de C, quantia esta que será paga na oportunidade em que houver o recebimento. É um contrato aleatório,24 arbitrando os honorários em percentual fixo, sem medir o montante da atividade do advogado e a qualidade dos seus serviços, características que lhe atraem objeções de vulto. O contrato de quota litis era objeto de proibição expressa nas Ordenações Filipinas (Livro 1, Título 48, § 11) e em diplomas posteriores, tendo em vista percentuais de êxito.25 Desapareceu a proibição, posteriormente, limitando-se o art. 34, XX, da Lei 8.906/1994, a proibir o advogado de locupletar-se à custa do cliente ou da parte adversa. Vários argumentos acoimam de ilícito pacto dessa natureza. Em primeiro lugar, rompe a delicadeza e a frieza do advogado no patrocínio da causa, tornando-o o principal interessado no êxito – circunstância agravada quando é acompanhado de cláusula que o obriga a pagar as despesas processuais em lugar do cliente –, e, a fortiori, fomentando o grave e perigoso receio que a meta abstraia a lisura dos meios empregados para alcançá-la. Ademais, o patrimônio do cliente abre-se à cupidez e à especulação do advogado.26 Em contrapartida, se a ideia consiste em desvincular a atividade advocatícia dos resultados do processo,27 possibilitando a cobrança conforme o status profissional do advogado, o próprio regime da sucumbência renega esse princípio. A fixação de um percentual sobre o valor da condenação em favor do advogado do vitorioso acaba concedendo uma quota, a cargo do vencido, mas parte do benefício econômico da demanda.

A disciplina legal não obsta ao advogado, em lugar de valor fixo, dividido ou não em parcelas diferidas no tempo, e segundo preço de mercado, a estipulação de percentual sobre o êxito na causa.28 Não é incomum, em determinadas especialidades advocatícias, fixar-se o percentual de trinta por cento, incluindo honorários contratuais e honorários sucumbenciais. Esse pacto na feição pura é mais vantajoso para o cliente do que para o advogado: o cliente desobriga-se do pagamento antecipado pela prestação de serviços (pro labore) e o advogado, confrontando com a possibilidade de empreender esforços gratuitamente, teoricamente empenhar-se-á com esforço redobrado no encaminhamento da causa.29 O contrato de quota litis não é nulo de pleno direito, ao contrário do disposto no direito italiano,30 nem sequer recebeu, entre nós, regime legal específico, estipulando o momento da contratação, o percentual máximo sobre a vantagem patrimonial do cliente e a exclusão do seu âmbito de causas socialmente mais relevantes e delicadas, como direito argentino.31 Não há proibição, absolutamente, dessa espécie de pacto. Regime mais nítido emprestar-lhe-ia maior segurança. Atualmente, a validade da quota litis dependerá do percentual contratado, revelando-se anulável por lesão, no caso de implicar vantagem excessiva para o advogado. O STJ estimou excessivo o percentual de cinquenta por cento, invalidando a cláusula com base no instituto da lesão.32 670.2. Honorários objeto de arbitramento – A retribuição pecuniária do advogado, em razão dos serviços efetivamente prestados ao cliente, em juízo e fora dele, não sendo objeto de estipulação, dependerá de arbitramento. O art. 22, § 2.º, da Lei 8.906/1994, institui pretensão ao arbitramento judicial dos honorários. A sentença considerará o trabalho desenvolvido e o conteúdo econômico do litígio, mas não poderá fixar valor inferior aos estabelecidos na tabela própria da OAB. O quantum debeatur é apurado mediante perícia, funcionando como expert advogado designado pelo juiz. O direito brasileiro equipara-se ao italiano. Em tal ordenamento, abstendose o advogado e o cliente de fixar honorários por contrato escrito, aplicar-se-á a tariffe forense.33 É o que pretendeu o art. 22, § 2.º, da Lei 8.906/1994 ao determinar que o juiz utilize a tabela organizada pela seccional da OAB. 670.3. Honorários sucumbenciais – Chamam-se de sucumbenciais os honorários fixados no provimento final de primeiro grau, revistos ou não nas etapas subsequentes do processo. Essas modificações resultam (a) das vicissitudes no capítulo principal, por força do provimento do recurso do vencido; (b) ou em decorrência de impugnação específica do vencido relativamente ao próprio capítulo acessório da sucumbência: e, ademais, (c) da progressiva reavaliação da atividade do advogado do vencedor na fase recursal (art. 85, § 11). Esses honorários são devidos pelo condenado a prestá-los, consoante o art. 85, caput, e tocam ao advogado do vencedor, assuntos tratados nos parágrafos subsequentes. Os honorários sucumbenciais não constituem pena. O uso do processo em si é lícito. A imposição da verba decorre do fato objetivo da derrota.34 A retribuição pecuniária do vencedor, porventura omitida na resolução prevista no art. 85, caput, primeira parte, não podia ser objeto de ulterior ação autônoma.35O alvitre acabou consolidado na Súmula do STJ, n.º 453: “Os

honorários sucumbenciais, quando omitidos na decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”. Porém, o art. 85, § 18, passou a admitir ação autônoma para essa finalidade. 670.3.1. Cumulação dos honorários sucumbenciais – Embora verba autônoma, cujo titular é o advogado do vencedor (art. 85, caput, c/c § 14), os honorários sucumbenciais cumulam-se às multas processuais, a teor do art. 85, § 12. Essas multas revertem ao à parte inocente ou ao erário (artigos 96 e 97). 670.3.2. Levantamento dos honorários sucumbenciais – Atentando ao fato de a advocacia privada organizar-se em sociedade de advogados, o art. 85, § 14, em pese a pessoalidade da verba, autoriza o levantamento das quantias depositadas a esse título pela sociedade da qual seja sócio o advogado do vencedor, sem possibilidade de compensação. Os tributos são os usuais nesse caso. § 141.º Credor de honorários advocatícios 671. Direito próprio do advogado aos honorários O art. 85, caput, primeira parte, declara que a “sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. À luz dessa disposição, não resta dúvida: o vencedor é a parte principal, nada obstante se trate de advogado funcionando em causa própria, porque somente a parte principal (autor ou réu) obtém êxito e merece o epíteto de vencedor (ou de vencido). Superada a etapa de admissibilidade da intervenção, terceiros tornam-se partes e, no tocante à sucumbência, também assumem a posição de vencedores e de vencidos. Não é bem simétrica as posições de autor e de réu. O réu alcança êxito quando o juiz considera a pretensão processual inadmissível ou infundada; o autor logra êxito, vencendo a barreira da admissibilidade, na hipótese de o juiz considerar fundada, no todo ou em parte, a pretensão perante o réu. E não há dúvida, por igual, do titular do crédito: o advogado. O art. 85, § 14, complementa essa proposição: “Os honorários constituem direito do advogado…” No que respeita aos honorários advocatícios, avulta a função indenizatória da condenação prevista no art. 85, caput. O titular da personalidade processual e parte no processo (retro, 507) não desfruta de capacidade postulatória, salvo exceções (infra, 1.018), e necessita contratar advogado. O representante técnico é o interlocutor informado e habilitado para estabelecer diálogo frutífero com o juiz e o adversário na comunidade de trabalho formada no processo. Para esse fim, o interessado confere mandato ao procurador, atribuindo-lhe os poderes gerais para o foro (art. 105). Esse procurador exerce os elevados misteres da advocacia por arraigada vocação, mas profissionalmente, mediante remuneração. Evolução histórica ditou o exercício profissional da advocacia e não há como retroceder dessa linha. Não dispondo o possível litigante de recursos financeiros para arcar com os honorários contratuais, e variando estes segundo as leis de mercado, em particular a especialização e a qualificação do profissional escolhido, o Estado

prestar-lhe-á assistência judiciária, ou através de órgão da Defensoria Pública ou da concessão do benefício da gratuidade. O advogado do beneficiário da gratuidade vencedor tem direito a honorários (Súmula do STF, n.º 450). Feita ressalva aos casos de assistência judiciária, por um dos sistemas admissíveis (infra, 743), o risco financeiro mostra-se intrínseco ao processo: a parte antecipa parte dos honorários advocatícios, em geral, sob a forma de pro labore, e as despesas do processo, suportando esse desembolso definitivamente, no caso de insucesso, e, ainda, reembolsará o adversário e pagará honorários ao respectivo procurador. Em contrapartida, o vencedor recuperará as despesas processuais antecipadas, como exige o art. 82, caput, e § 2.º, e seu advogado receberá o que o juiz fixar a título de honorários sucumbenciais. Os honorários da sucumbência raramente correspondem ao valor dos honorários contratuais. Em tal hipótese, a atividade processual já provocará decréscimo patrimonial do vencedor, consequência sem remédio eficaz na farmacopeia legislativa. Importa assinalar que o direito inglês préexclui, expressis verbis, pretensão contra o vencido para reaver o excesso.36 À luz do art. 85, caput, e § 14, esse decréscimo aumentará, conforme o teor do ajuste entre advogado e cliente: se A propõe ação de cobrança contra B, pleiteando 100, e gasta 10 de honorários contratuais (pro labore) e 5 de despesas processuais, o réu B será condenado a pagar 100 e restituir-lhe 5, caso em que, havendo suficiência patrimonial do réu B, o autor A receberá 105, e, não, a restituição integral de 115. O risco financeiro do processo civil representa poderoso estímulo à litigância responsável. Cumpre ao autor avaliar madura e sensatamente as possibilidades de êxito da futura causa, e da perturbação que trará à paz jurídica do réu, ciente que a derrota trará decisivos prejuízos patrimoniais. Essa afirmativa contradiz um dos postulados do movimento que se avolumou no velho continente a partir da metade do século XX, com o propósito implícito de potencializar a crise da Justiça burguesa, solapando a realização de direito objetivo, por definição criação injusta da classe dominante. Entrou no cálculo desse movimento o fato de qualquer sanção,a posteriori, reprimindo o comportamento processual reprovável, seria inútil do ponto de vista da crise instalada no seio do Estado em razão da quantidade de feitos. Por maior que seja o valor do direito fundamental de acesso à Justiça, não é possível transformar qualquer país num imenso tribunal. Problema que, de toda sorte, jamais atingirá Estados totalitários, cujo aparato repressivo erradica dissidências e litígios mediante exílio interno, trabalhos forçados e penas de prisão. A rigor, o maior desafio da Justiça Pública contemporânea, no Estado Constitucional Democrático e uma vez criados os mecanismos de correção da desigualdade material das partes, consiste em promover o retorno a padrões de normalidade no número de litígios per capita. Longínquas são as raízes da controvérsia acerca da titularidade dos honorários sucumbenciais. Restringindo o olhar para o direito precedente ao CPC de 1973, na vigência da redação originária do art. 64 do CPC de 1939, escreveu-se que a verba da condenação em honorários se destinava à parte, e, não, ao advogado, assinalando-se: “Se a quantia da condenação é maior ou menor do que a avençada, não importa: os honorários concedidos e honorários contratados não se confundem”.37

O art. 99, caput, da Lei 4.215, de 27.04.1963, o anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, buscou um salutar meio termo: juntando o advogado o contrato de honorários, antes da expedição do mandado de levantamento ou do pagamento do precatório, “o juiz determinará lhe sejam estes pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou”. E o art. 99, § 1.º, desse diploma legitimou o advogado a executar em nome próprio os honorários da sucumbência. Imperou a visão que os honorários pertenciam à parte vencedora, tese afinal consagrada no art. 20 do CPC de 1973. O STJ cotejou essas disposições e concluiu: “Os honorários advocatícios, por condenação na sentença, pertencem à parte vencedora, que não se confunde com o procurador judicial (art. 20 {do CPC de 1973}). A autonomia prevista para a execução, com o fim de cobrar honorários, pressupõe que não haja o outorgante remunerado seu procurador judicial (art. 99, caput, parte final, Lei n. 4.216/1963)”.38 Em suma, “o direito que o advogado tinha de receber os honorários depositados de uma condenação era para evitar que o cliente dele os receba e depois não os pague”.39 Em ponto essencial, o art. 23 da Lei 8.906/1994 – novo Estatuto da Advocacia –, almejou modificar radicalmente o panorama legislativo, prescrevendo: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado”. Essa regra tem o reforço do art. 22, caput, da mesma Lei 8.906/1994, segundo o qual “a prestação de serviço profissional assegura… o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. Nenhuma dessas disposições atingiu integralmente seus propósitos. O objetivo era constituir direito próprio do advogado, originado da condenação do vencido, e em retribuição à “prestação de serviço profissional” na causa. Essas características não desnaturam a possibilidade de estipulação no contrato de honorários que os honorários sucumbenciais tocam à parte, e, não, ao advogado.40 Em outras palavras, seja qual for o titular dos honorários sucumbenciais, e, a fortiori, a natureza desse crédito, cuida-se de direito disponível, objeto de convenção entre advogado e cliente (v.g., o pagamento do advogado abrangeria os honorários da sucumbência e mais uma parte do principal). Ora, no primeiro momento o STJ reconheceu a expressiva modificação, proclamando: “O direito aos honorários de sucumbência, nos primórdios de nossa jurisprudência, pertencia à parte vencedora, que com a honorária recebida atenuava suas despesas com a contratação de advogado. Houve evolução legislativa e jurisprudencial e atualmente os honorários, sejam sucumbenciais ou contratuais, pertencem aos advogados, que em nome próprio podem pleitear a condenação da parte sucumbente, facultando-se à parte por eles representada, legitimidade concorrente”.41 Posteriormente, sem fundamentação inequívoca, voltou atrás. A Súmula do STJ, n.º 306, autoriza a compensação dos honorários advocatícios, nos casos de sucumbência parcial e de sucumbência recíproca, em que pese da diversidade de sujeitos, fundando-se os precedentes na suposta compatibilidade do art. 23 da Lei 8.906/1994 e do art. 21 do CPC de 1973.42

Na verdade, o único modo de compensar os créditos exige outra interpretação do art. 23 da Lei 8.906/1993. Figure-se a seguinte situação: na demanda em que A, representado por C, pediu a condenação de B, representado por D, ao pagamento de 100, a sentença acolheu em parte o pedido, condenando B a pagar 50 a C, e condenou cada uma das partes a pagar os honorários do advogado da outra, arbitrados em dez por cento sobre o decaimento. Em seguida, inexistindo cumprimento voluntário, A e C executam B, pleiteando 50 e 5, respectivamente, enquanto D, in simultaneo processu, executa A para receber o valor de 5, a título de honorários sucumbenciais. Não há como A compensar seu crédito de 50, em parte, com o crédito de 5 devido a D, porque o devedor de 50 é B, e, não, D. A única possibilidade consiste em entender que a segunda parte do art. 23 da Lei 8.906/1994 (“…tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte…”) conferiu ao advogado só legitimidade ativa extraordinária concorrente para executar honorários.43 Logo, o titular do crédito de 5 é B, e, não, o seu advogado D. E a parte inicial (“Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado…”) apenas antevê a hipótese de o negócio jurídico entre A(parte vencedora) e C (advogado) atribuir a este os honorários da sucumbência em todo ou em parte. Disposição que, levada às últimas consequências, torna os advogados C e D devedores recíprocos e, feita a compensação, nenhum deles receberia por seu trabalho. E, naturalmente, pretendendo o vencido rescindir o capítulo acessório da sucumbência, fundado na violação do art. 85, réu na ação rescisória seria o advogado. Em sentido contrário, há oportuno julgado do STJ.44 Assim, o estado da questão revelava evolução incompleta e imperfeita. O objetivo inequívoco do art. 85, caput, e § 14, incluindo a proibição de compensação “em caso de sucumbência parcial”, é o de encerrar definitivamente essa questão O direito do advogado aos honorários nasce com o provimento que condenar o vencido (art. 85, caput). Antes dessa oportunidade, progressivamente acumularam-se os elementos que subsidiam na fixação da verba, seja na forma do art. 85, § 2.º, seja na do art. 85, § 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 8º; após a emissão desse provimento, forma-se o direito aos honorários sucumbenciais, passíveis de execução provisória na pendência de recurso recebido tão só no efeito devolutivo. Excepcionalmente, o termo inicial do prazo de prescrição não coincide com o da pretensão, fixado que é na data do trânsito em julgado (art. 25, II, da Lei 8.906/1994). Não importa que, havendo revogação do mandato, antes do provimento previsto no art. 85, caput, ou renunciando o advogado, o advogado exiba direito à remuneração pelos serviços prestados. Em tal hipótese, porém, não se cuidarão de honorários sucumbenciais, mas de honorários advocatícios, objeto de arbitramento, decorrentes da prestação de serviços. O direito autônomo do art. 23 da Lei 8.906/1996 abrange somente os honorários advocatícios. Ele não alcança as despesas processuais porventura antecipadas pelo advogado,45 haja vista a insolvência ou a negligência da parte por ele representada em desincumbir-se do dever de antecipação.

Desconhece o direito pátrio o instituto da distrazione delle despese, inserido no art. 93 do CPC italiano,46 ao menos na amplitude aí considerada, englobando as despesas processuais. Tal instituto oferece inúmeras dificuldades de interpretação.47 Entre nós, o problema da antecipação das despesas feita pelo advogado, mas em nome da parte, simplifica-se de forma radical. O advogado não tem direito de reclamar do vencido as despesas processuais reembolsáveis. Tal iniciativa compete ao vencedor (parte principal). O advogado tem direito autônomo, criado pelo pronunciamento judicial, e somente a partir dele, contra o vencido para haver os honorários sucumbenciais. Se o advogado antecipou despesas em nome do respectivo cliente, dele deverá reclamá-las, e, se for o caso, pleitear e obter medida cautelar que reserve quantia suficiente no proveito econômico que couber ao vencedor. Por outro lado, inexistindo pagamento das despesas, o art. 515, V, confere pretensão executiva ao crédito do serventuário da justiça e ao do colaborar da justiça, diretamente contra a parte que inadimpliu o dever de antecipação. É na perspectiva que os honorários pertencem unicamente ao advogado do vencedor se impõe analisar as diversas situações concebíveis. 672. Direito aos honorários do advogado em causa própria Por muito tempo prevaleceu o entendimento que não se mostrariam devidos honorários ao advogado que, figurando como parte principal em certo processo, promovesse a respectiva defesa em nome próprio.48 Essa tese não tem razão plausível. Por um lado, o fato de a parte aproveitar a própria habilitação legal em nada diminuiu a responsabilidade do vencido;49 por outro, a atividade desenvolvida, conjuntamente com a representação de terceiros, exibe nítido valor econômico,50 que tem causa na resistência do vencido e por ele não pode ser indevidamente apropriado. Fez bem o art. 20, caput, segunda parte, do CPC de 1973 em enunciar a regra: “Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria”. Dissipou quaisquer controvérsias futuras. O dispositivo revela a predisposição do CPC de 1973, aqui como alhures, em resolver as questões controvertidas na vigência do primeiro estatuto processual. O STF isentava a parte vencida quando o advogado vencedor atuava em causa própria.51 É inexato o argumento que, visando a condenação em honorários recuperar, no todo ou em parte, o patrimônio do vencedor, inexistira desfalque patrimonial no caso de a parte exibir a habilitação técnica para representar-se em juízo. Por menor que seja, o trabalho desenvolvido em causa própria afasta o advogado do patrocínio de outras pessoas, e até o impede de fazê-lo, assoberbado com os encargos de uma defesa que o expõe à crítica do órgão judiciário. O art. 85, § 17, dispõe nesse mesmo sentido: “Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria”. A proposição do art. 85, caput, mostra-se ambígua, pois manda pagar honorários “ao advogado do vencedor” em caso em que o vencedor não tem advogado, mas é advogado. Fez bem o § 17 em renovar a disposição do direito precedente.

673. Direito aos honorários do advogado renunciante e dispensado A renúncia (art. 112) e a revogação (art. 111) constituem modalidades de extinção do mandato recepcionadas pela lei processual. Em tais hipóteses, o advogado renunciante ou dispensado antes da aquisição do direito, por força da condenação prevista no art. 85, caput, não tem direito aos honorários sucumbenciais, salvo implausível disposição de a sentença superveniente atribuindo-lhe parte desses honorários. Legitima-se a reclamar os honorários da sucumbência, em nome próprio, o procurador constituído no processo, porque detém os poderes de representação. Por sua vez, o antigo advogado, não se acertando com o cliente deverá postular os honorários devidos em razão dos serviços prestados mediante ação autônoma ou pedir o respectivo arbitramento judicial. Em doutrina, chega-se a admitir que o juiz da causa resolva sobre a “quota proporcional de participação” de cada advogado, mas com a recomendação de encaminhar os desavindos às vias ordinárias no caso de conflito.52 A esse propósito, decidiu o STJ: “A controvérsia quanto ao percentual de honorários advocatícios que cada advogado que atuou na causa deve receber, tendo em vista a revogação do mandato e a substituição dos causídicos, deve ser solucionada em ação autônoma.53 Ocorrendo a extinção do mandato, através de renúncia ou de revogação, após a condenação do vencido, nos termos do art. 85, caput, o direito do antigo advogado subsiste incólume.54 É ele quem se legitima a executá-los em nome próprio. 674. Direito aos honorários do advogado substabelecido Representado o vencedor por dois ou mais advogados, que sucedem na prática dos atos processuais, no primeiro e no segundo grau de jurisdição, o vencido pagar-lhe-ás uma única quantia a títulos de honorários da sucumbência, todavia majorada, tendo em vista a atuação no tribunal (art. 85, § 11). Problema distinto é a divisão da verba entre os credores. Convém o órgão judiciário, no provimento do art. 85, caput, primeira parte, proceder à divisão, considerando os critérios do art. 85, § 2.º, e demais disposições porventura aplicáveis (v.g., sendo vencida a Fazenda Pública), respeitado o piso (dez por cento) e o teto (vinte por cento), a fim de evitar controvérsias futuras. Nada dispondo a sentença, como é comum, não se imiscuindo o juiz na relação entre os procuradores, no mínimo para o efeito da legitimação para executar o capítulo da sucumbência conferida no art. 24, in fine, da Lei 8.906/1994 forçoso aplicar o regime da solidariedade. Eventuais questões relativas à repartição da verba devem ser dirimidas em ação própria. Mas, a pluralidade de advogados da mesma parte talvez decorra de substabelecimento sem reserva de iguais poderes. Essa autêntica cessão da posição contratual repercute no plano processual. Da causa se desliga o advogado original da parte, substituído pelo novo advogado. Desse modo, a hipótese equivale à criada pela extinção do mandato nos casos de renúncia e revogação (retro, 1.025). O advogado substabelecente não tem pretensão direta aos honorários da sucumbência, reservada ao(s) advogado(s) que, na atualidade, representa(m) a parte em juízo.

O substabelecimento com reserva de iguais poderes, muito comum nas causas que chegam aos tribunais superiores e induzem a parte a contratar advogado com atuação precípua nessas cortes, provocará a incidência do art. 26 da Lei 8.906/1994, segundo o qual o substabelecido não pode cobrar honorários sem a intervenção do sustabelecente. É regra de difícil aplicação. Em sua literalidade, institui litisconsórcio necessário ativo, o que restringe o direito fundamental processual de acesso à Justiça e as dificuldades inerentes a tal figura. Decidiu o STJ que, a contrario sensu, o aludido art. 26 da Lei 8.906/1994 autoriza o advogado substabelecido sem reserva a cobrar, em ação própria, os honorários decorrentes dos serviços prestados.55 Nessa mesma linha, ocorrendo substabelecimento com reserva de iguais poderes, o substabelecente é o titular da pretensão aos honorários da sucumbência,56 cabendo-lhe repartir o proveito econômico com o substabelecido, sem prejuízo, existindo desacerto quanto à divisão, de ação própria para essa finalidade. 675. Direito aos honorários do advogado empregado O advogado que mantém relação de emprego e representa em juízo o empregador tem direito em nome próprio aos honorários da sucumbência (art. 21, caput, da Lei 8.906/1994). Os honorários são carregados para um fundo comum e rateados entre os integrantes do corpo jurídico da pessoa jurídica. Não havendo estipulação sobre a forma da distribuição, mediante acordo prévio dos advogados interessados, a distribuição far-se-á segundo a participação no processo, incluindo as atividades de pesquisa e de apoio.57 Organizando-se a advocacia privada, nos grandes centros, em escritórios com dezenas ou centenas de advogados, o art. 21, parágrafo único, da Lei 8.906/1994, prescreve a distribuição dos honorários da sucumbência – os honorários contratuais pertencem unicamente à sociedade de advogados – mediante acordo. Em geral, parte desses honorários compõe fundo que, anualmente ou semestralmente, atribuem bônus conforme o desempenho individual, apurado por comitê interno instituído para essa finalidade. O art. 85, § 15, autoriza o advogado requerer o pagamento e, a fortiori, executar o capítulo acessório da sucumbência nessa parte, em nome da sociedade de advogados da qual é sócio, respeitada a natureza alimentar e a impossibilidade de compensação, nos termos do art. 85, § 14. Dessa disposição resulta o seguinte: (a) embora outorgada a procuração à sociedade de advogados, com as exigências do art. 105, § 3.º, a atuação dos integrantes da banca é pessoal; (b) os advogados associados na banca, para fins tributários, não têm o direito do art. 85, § 15, devendo a transferência do beneficiário ser pleiteada por um dos sócios. 676. Direito aos honorários do advogado público A distribuição dos honorários da sucumbência aos advogados das empresas privadas transfere-se, mutatis mutandis, para a advocacia pública em geral. O art. 85, § 19, declara receberem os honorários da sucumbência “nos termos da lei”, ou seja, conforme a natureza e o regime da relação estatutária.

Os artigos 46, II, e 130, II, da LC 80/1994, pré-excluem o direito de o órgão da Defensoria Pública perceber os honorários da sucumbência em nome próprio. Representando necessitado vitorioso, a instituição perceberá os honorários da sucumbência, à semelhança do advogado privado escolhido ou indicado para representar o necessitado (Súmula do STF, n.º 450), salvo a exceção adiante assinala. O art. 4.º da Lei 9.527, de 10.12.1997, estendeu esse regime aos procuradores da Administração Direta da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como das autarquias, fundações instituídas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista. O objetivo da regra consiste em limitar a remuneração dos servidores públicos, porque jungida ao regime traçado na CF/1988, e do corpo jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista. O STF chegou a conceder liminar suspendendo a eficácia da regra quanto às empresas públicas e às sociedades de economia mista,58posteriormente julgada prejudicada. Estima-se inconstitucional a regra,59 porque privilegia a Fazenda Pública desarrazoadamente, mas sem persuadir o STJ, que decide o seguinte: “A jurisprudência desta Corte tem apontado no sentido de que a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou as autarquias, as fundações instituídas pelo Poder Público, ou as empresas públicas, ou a sociedades de economia mista, não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio da entidade.”60 E, de fato, inexiste a inconstitucionalidade: o princípio da moralidade justifica a restrição dos advogados públicos, que passariam a receber vencimentos em dissintonia com o sistema geral remuneratório, tendendo a estabelecer um teto como medida de contenção dos gastos públicos. Pode acontecer, entretanto, de a lei estatutária estabelecer um fundo para pagar os subsídios dos procuradores, no todo ou em parte, respeitado o teto constitucional. Também aí inexistirá qualquer inconstitucionalidade. Em geral, esse fundo acumula valores superiores aos gastos mensais do corpo jurídico próprio da pessoa jurídica de direito público. A Defensoria Pública como instituição, representando necessitado em causa movida contra a pessoa jurídica que a organizou, não tem direito aos honorários sucumbenciais, ficando isenta a Fazenda Pública (Súmula do STJ, n.º 421). É cabível, ao invés, a condenação da Fazenda Pública Municipal na ação em que o necessitado é representado pela Defensoria Pública do Estado-membro.61 677. Direito aos honorários do curador especial Chama-se de curador especial, ou de curador à lide (terminologia do art. 1.182, § 1.º, do CPC de 1973), a pessoa designada pelo juiz para representar a parte em juízo, suprindo-lhe déficit presumível na atuação, a exemplo da falta do representante ou do assistente previsto na lei civil, nas hipóteses de incapacidade absoluta e relativa, ou atuação prejudicada por conflito de interesses (retro, 537). As hipóteses de designação desse curador se encontram contempladas no art. 72 do NCPC.

Essa atividade já coube ao Ministério Público, mas tornaram-se incompatíveis com as funções institucionais traçadas na CF/1988. O art. 4.º, XVI, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, definiu como função institucional do defensor público atuar como curador especial.62 É ao Defensor Público, portanto, que calha essa representação, a teor do art. 72, parágrafo único, do NCPC. Porém, a cobertura dos serviços da Defensoria Pública não se ostenta universais, nem há pessoal em número suficiente para atender todas as necessidades. Assim, na falta de órgão da Defensoria Pública, o juiz designará qualquer advogado, ex officio ou a requerimento da parte ou do Ministério Público.63 Não é imprescindível que o curador especial detenha capacidade postulatória.64 É apenas conveniente que o seja,tout court, evitando a subsequente e dispendiosa contratação de advogado para promover os atos processuais. Em qualquer hipótese, com as ressalvas próprias atinentes à atuação em juízo da Defensoria Pública contra a pessoa jurídica de direito público que a mantém e organiza essa instituição, o vencido pagará honorários advocatícios à pessoa investida na função de curador especial ou curador ad litem. O STJ fixou o princípio: “É possível a nomeação de Defensor Público como Curador Especial, sem que tal fato lhe retire o direito ao recebimento de honorários advocatícios, tendo em vista que o múnus público do curador não se confunde com assistência judiciária, que deverão ser adiantados pela parte autora, que, por sua vez, caso vença a demanda, poderá cobrá-los dos réus”.65 O regime desses honorários é, por analogia, o do art. 95, caput: o autor antecipa-lhes o valor, reembolsando-se, se o vencido for solvente, no caso de se tornar vencedor.66 É claro que o veto à percepção em nome próprio de honorários pelo órgão da Defensoria Pública, a teor do art. 130, III, da LC 80/1994, não constitui impedimento. Os honorários revertem em favor da instituição, e, não, da pessoa investida no cargo de Defensor Público.67 Em sentido contrário, há precedente do STJ.68 Todavia, o art. 85, § 19, deixa claro que os advogados públicos, aí incluídos os Defensores Públicos, receberão os honorários sucumbenciais “nos termos da lei”, ou seja, na forma da lei estatutário, respeitado o teto constitucional. Por identidade de motivos, tem direito aos honorários advocatícios as chamadas partes de ofício (v.g., o curador da herança jacente).69 678. Direito aos honorários do Ministério Público O art. 128, § 5.º, II, a, da CF/1988 veda ao membro do Ministério Público “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais”. À semelhança das clássicas prerrogativas – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos subsídios –, as vedações institucionais visam à pessoa natural investida no cargo da carreira. Não atingem a instituição propriamente dita. É absurdo pretender que o Ministério Público, legitimado a postular em juízo na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, e constrangido a antecipar os honorários do perito, a teor do art. 95, caput, porque inexiste outra solução para remunerar o trabalho essencial desse colaborador da justiça (infra, 998.2), não seja reembolsado dessa despesa processual em caso de êxito. O Ministério Público assume duas posições fundamentais no processo civil: (a) parte coadjuvante (art. 178); (b) parte principal, em geral como autor,

mais raramente como réu (v.g., na rescisória em que o réu condenado por improbidade administrativa pretenda absolvição). Opinando desfavoravelmente ao vencido, o Ministério Público na condição de parte coadjuvante não tem interesse material que o ligue ao vencedor, e, portanto, não se aproveita de qualquer forma do bem da vida, proveito ou utilidade em causa. Não tem direito a honorários advocatícios. Tampouco realiza despesas e, destarte, não tem pretensão ao reembolso. Legitimado ativa e passivamente como parte principal, o Ministério Público deduz pretensão processual contra o réu, ou se defende da pretensão do autor, tornando-se vencedor ou vencido conforme o desfecho do processo. O gravíssimo problema da isenção do Ministério Público vencido ao pagamento de honorários advocatícios ao vencedor receberá exame logo adiante (infra, 686). Por ora, interessa examinar a questão do ângulo do crédito. O STF estimou que eventual condenação a favor do Ministério Público não infringe a proibição do art. 128, § 5.º, II, a, da CF/1988, que veda à instituição “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários”, porque a verba é recolhida à Fazenda Pública.70 Também nos casos em que o Ministério Público atua como substituto processual, a exemplo da ação acidentária,71 ou na ação de reparação do dano civil provocado pelo ilícito penal (art. 68 do CPP) – norma progressivamente tornada incompatível com a CF/1988, à medida que se organize a Defensoria Pública –, cabe a condenação do vencido em proveito da União ou do Estado-membro, por analogia ao disposto no caso da Defensoria Pública.72 É o entendimento do STJ.73 679. Perda dos honorários advocatícios O art. 81, caput, do NCPC prevê a perda dos honorários advocatícios unicamente na hipótese de litigância de má-fé. Esse assunto já recebeu análise em item anterior (retro, 623). Desapareceu a antiga hipótese específica de o réu, desobedecendo ao princípio da concentração da defesa (art. 336), alegar defesas processuais e substanciais conhecíveis ex officio, ou seja, as objeções em sentido técnico, paulatinamente, provocando a dilatação do processo, perder os honorários em favor do vencido. O presumível objetivo da mudança legislativa consiste em preservar a verba autônoma do advogado do vencedor. No entanto, esse comportamento do réu no processo ainda caracteriza má-fé, a teor do art. 80, IV, e, apesar de vitorioso, o advogado do réu, em última análise o responsável pelo ato, perderá o direito a receber honorários, a teor do art. 85, caput. Essa é a consequência tirada do art. 81, caput. Não parece correto constranger o réu vencedor, jejuno em matéria de direito, realizar atribuição patrimonial em favor da contraparte por ilícito praticado por seu advogado, aumentando, correlatamente, o desfalque patrimonial gerado pela necessidade de ir a juízo, contratando e pagando advogado sem ressarcimento integral do vencido. Essa questão certamente suscitará controvérsias na aplicação do NCPC, mas o entendimento aqui adotado parece o único razoável.

§ 142.º Devedor de honorários advocatícios 680. Condenação do vencido em honorários O juiz imporá a condenação em honorários advocatícios, segundo o art. 85, caput, a uma das partes principais, mais exatamente ao vencido, ou a cada uma das partes principais, proporcionalmente à extensão do respectivo vencimento (art. 86, caput).74 As noções de parte (retro, 500) e, em particular, de parte vencida (retro, 662), receberam suficientes considerações em itens anteriores. A respectiva aplicação à disciplina dos honorários exige a separação do assunto tópicos separados. Por outro lado, também terceiros – as pessoas que, por exclusão, não figuram no processo e escapam ao figurino de parte – respondem pelos honorários advocatícios perante o vencedor. Considera-se vencido o réu que, purgando a mora, elimina a necessidade de tutela jurídica, a saber: (a) o inquilino, na ação de despejo fundada em falta de pagamento, a teor do art. 62, II, d, da Lei 8.245/1991 (infra, 732.1); (b) o empresário, no pedido de falência, a teor do art. 98, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, que é expresso, o que não acontecia no direito anterior, resolvido a questão a favor do cabimento dos honorários (Súmula do STJ, n.º 29). Não há necessidade de pedido expresso para condenar o vencido ao pagamento dos honorários sucumbenciais (Súmula do STF, n.º 256). Conforme o art. 322, § 1.º, essa verba considera-se implícita na postulação em juízo. 681. Condenação do substituto processual em honorários A capacidade para conduzir o processo pode ser ordinária ou extraordinária (retro, 555). Chama-se a pessoa que conduz o processo em nome próprio, mas defendendo direito alheio, devidamente autorizada por expressa disposição legal, impropriamente de substituto processual. Figurando em nome próprio como sujeito da relação processual, na qualidade de parte principal, o substituto responderá pelos honorários advocatícios do vencedor, e, a fortiori, pelo reembolso das despesas processuais.75 O titular do direito material, ou substituído, não é parte, e, portanto, não responderá por essa condenação.76 Dependerá da natureza da relação de direito material entre o substituto e o substituído a existência de direito de regresso daquele perante este para reaver o valor pago ao vencedor. Em geral, como ocorre no caso do agente fiduciário, relativamente ao crédito dos debenturistas, há direito de regresso. Por exceção, o substituto não é responsabilizado pelos encargos da sucumbência; por exemplo, o Ministério Público que promove ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, na condição de substituto processual (retro, 557), não sofrerá condenação a esse título, a teor do art. 18 da Lei 7.347/1985, salvo no caso de litigar com má-fé. 682. Condenação do sucessor processual em honorários

A transmissão do objeto litigioso, no curso do processo, ocorrer em razão da morte da parte (retro, 565), mostrando-se transmissível a pretensão processual, ou em virtude de negócio inter vivos (retro, 569). Em caso de morte, habilitando-se o sucessor na forma da lei (art. 687), opera-se sucessão plena, respondendo pelas despesas do processo e honorários desde o início.77 Limitar-se-á a responsabilidade, todavia, pelas forças da herança (art. 1.791 do CC c/c art. 796, in fine). A sucessão ocorrida por intermédio da alienação do objeto litigioso tem disciplina diferente. O transmitente que permaneceu como parte principal, haja ou não postulação do adquirente em substituí-lo, nos termos do art. 109, § 2.º, tem seu título de legitimação alterado, e, portanto, equipara-se ao substituto processual no tocante à responsabilidade pelas despesas processuais e honorários advocatícios em caso de restar vencido. Responderá de forma exclusiva pelos encargos, porque parte principal vencida. Essa responsabilidade resguarda o interesse da contraparte, eliminando o receio da “impossibilidade de ressarcimento, se alienado o direito litigioso a insolvente ou pessoa de parcos recursos”,78 talvez o motivo da recusa à sucessão do adversário primitivo pelo adquirente. Ocorrendo a substituição da parte originária pela adquirente, porque a contraparte anuiu com a sucessão, desaparecerá a responsabilidade do alienante, substituído pelo adquirente. É a face reversa da proteção conferida aos interesses da contraparte na hipótese de recusa. Feita a intervenção, mas como assistente (art. 109, § 2.º), a responsabilidade permanece com o alienante, em virtude da subsistência da sua posição de parte principal. Não é tranquilo esse entendimento no direito brasileiro Também se entende que o adquirente assume a posição de parte principal, relegado o alienante à condição de mero assistente simples do adquirente, invertendo, pois, os termos da proposição legislativa. Em tal hipótese, rejeitada alhures (retro, 577), vencendo a contraparte “a especial proteção que o artigo 19 lhe assegura, afasta a incidência tanto do art. 87 quanto do art. 94; alienante e adquirente devem ser considerados solidariamente nas despesas processuais e honorários advocatícios, impedindo-se eventual prejuízo da parte alheia ao ato de transmissão”.79 Lança-se a barra longe demais na tese contrária ao direito posto. A relação da contraparte vencedora com a parte principal (alienante) e o assistente (adquirente) se governa pelo disposto no art. 94: o assistente (adquirente) “será condenado ao pagamento das custas em proporção à atividade que houver exercido no processo”, disposição que nem sequer se aplica à condenação em honorários advocatícios. Especial proteção goza a contraparte através da faculdade de recusar o câmbio do alienante pelo adquirente, justamente porque este não tem patrimônio suficiente para arcar com a obrigação que resultará da sentença. Ficará o alienante, pois, obrigado em caráter principal na hipótese do art. 109, § 2.º.80 O art. 109, § 1.º, alude unicamente ao consentimento da contraparte para operar-se a troca de partes. O fato de já existir a condenação a favor da contraparte, direito eventual do advogado, objeto de impugnação do alienante, não significa que seu consentimento também seja necessário.81 683. Condenação do representante processual em honorários

Figurando incapaz num dos polos da relação processual, necessitará ser representado em juízo. O representante de incapaz não figura como parte. Logo, não tem responsabilidade pela condenação do representado em honorários advocatícios e, a fortiori, pelo reembolso das despesas processuais antecipadas pelo vencido.82 A responsabilidade pela sucumbência recai sobre o incapaz, as pessoas jurídicas e os entes sem personalidade, mas dotados de personalidade processual. É digno de registro que, em nosso direito, inexiste regra específica, atribuindo, por exceção (“…per gravi motivi che il giudice deve specifare nella sentenza…”), responsabilidade solidária a herdeiros, tutores, curadores e, em geral, às pessoas que representam ou assistem as partes em juízo.83 Pode acontecer, todavia, que o representante da parte abuse dos seus poderes legais, instaurando litígio despropositado, ou simplesmente não exiba esses poderes. Em tal hipótese, o juiz adotará o remédio do art. 76, § 1.º, I, assinando prazo razoável para a parte sanar o defeito. Não o suprindo o autor, a tempo, o dispositivo declara que o juiz proferirá sentença terminativa. Parece natural, nessas circunstâncias, que a parte assuma em nome próprio a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais e pagamento dos honorários advocatícios perante o réu vencedor, haja vista o fato de ter desperdiçado a oportunidade de corrigir o defeito. Não há necessidade, no plano processual, de condenar o representante. Como quer que seja, o representante responderá pelos prejuízos que deu causa ao réu (e, naturalmente, ao representado), segundo o regime próprio da lei civil, a serem apurados em demanda autônoma. Defeitos relativos ao réu e ao terceiro se resolvem, satisfatoriamente, na forma do art. 76, § 1.º, II e III, e mediante responsabilidade em nome próprio pelos encargos de eventual sucumbência. 684. Condenação do advogado em honorários O advogado que atuar em causa própria responderá pela condenação ao reembolso das despesas processuais e pagamento de honorários ao vencedor. Essa responsabilidade decorre da qualidade de parte principal. Embora obrando em nome alheio, o falsus procurator e o advogado sem poderes (art. 104, caput) que ensejarem a instauração do processo ou a prática de atos processuais pela contraparte, acarretando despesas, responderá em nome próprio, inexistindo ratificação no prazo de quinze dias, prorrogável por outro tanto, por “despesas e perdas e danos” (art. 104, § 2.º). Essa regra demonstra que, ineficaz os atos em relação à parte principal (infra, 1.033), supostamente representada, justifica-se a responsabilidade integral do advogado perante a contraparte.84 Entende-se por “despesas”, desse modo, as despesas processuais reembolsáveis e os honorários advocatícios, sem prejuízo da responsabilidade comum por perdas e danos, a ser demandada em ação própria. O advogado que, sem poderes, representa o réu e a demanda é julgada procedente, não responderá em nome próprio, “pois o suposto cliente seria responsabilizado por honorários de qualquer modo”.85 E, de fato, não sendo suprido o defeito atinente à capacidade postulatória, no prazo razoável assinado pelo órgão judiciário (art. 104, caput), o réu será considerado revel, a teor do art. 76, § 1.º, II, e restando sucumbente, suportaria o dever de reembolso das despesas e a obrigação de pagar honorários ao vencedor.

Representando necessitado em juízo, de regra a Defensoria Pública, como instituição, e o seu órgão de atuação, não têm responsabilidade pelos encargos da sucumbência. O órgão da Defensoria Pública responderá, todavia, nas mesmas condições que o advogado privado nos casos há pouco examinados. 685. Condenação do beneficiário da gratuidade em honorários O beneficiário da gratuidade vencido será condenado ao reembolso das despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios ao vencedor (art. 98, § 2.º). Essa condenação ficará, entretanto, suspensa pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, § 3.º. O art. 98, § 3.º, declara que, cessando o estado de necessidade, o beneficiário ficará obrigado a pagar custas. A regra pressupõe a condenação do beneficiário nas despesas processuais e nos honorários – omissa a sentença, e não corrigido o defeito através da interposição do recurso próprio, por óbvio não incidirá a regra, mas a do art. 85, § 18 –, não logrando êxito na causa. Em tal sentido, a jurisprudência do STJ: “O beneficiário da justiça gratuita, quando vencido na ação, não é isento da condenação nos ônus da sucumbência, devendo o mesmo ser condenado no pagamento da verba honorária”.86 A condenação do beneficiário nas despesas e nos honorários se vinculará, então, à condição suspensiva do desaparecimento superveniente do estado de necessidade. A obrigação cessará totalmente após o transcurso do prazo de cinco anos (art. 98, § 3.º, in fine). No curso desse quinquênio, verificando-se a mudança da situação financeira do beneficiário, o vencedor adquire pretensão ao reembolso e ao pagamento dos honorários. O art. 98, § 3.º, do NCPC, bem como o precedente art. 12 da Lei 1.060/1950, adotaram o modelo do § 125 da versão originária da ZPO alemã. Revelava a filiação a significativa locução “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, anteriormente reproduzida no art. 78 do CPC de 1939.87 O art. 12, primeira parte, da Lei 1.060/1950 mencionava somente custas. À vista dessa restrição, também constante do art. 78 do CPC de 1939, alvitrou-se que a eventual melhora nas finanças do beneficiário não autorizava ao seu advogado cobrar-lhe honorários, verba distinta das custas.88 É bem de ver que, no regime originário daquele diploma, vencido o adversário do beneficiário, cumpria-lhe pagar despesas e honorários (art. 76 do CPC de 1939), representando exceção às diretrizes gerais dos artigos 63 e 64 do CPC de 1939.89 Essa errônea interpretação repercutiu na interpretação do art. 20, caput, do CPC de 1973.90 Porém, inexistia motivo plausível para préexcluir os honorários, pois o beneficiário vencido será condenado, tout court, nos encargos da sucumbência. Corrigiu esse ponto o art. 98, § 3.º, do CPC de 1973, vantajosamente ao direito anterior. Representado o necessitado pela Defensoria Pública em causa movida contra a pessoa jurídica que organizou e mantém esse órgão, a jurisprudência do STJ estima que, ocorrendo confusão subjetiva – reconhece, portanto, o direito autônomo do advogado aos honorários, a teor do art. 23 da Lei

8.906/1994 –, a Fazenda Pública não responderá pelos honorários (Súmula do STJ, n.º 421). Desse modo, cabe a condenação da Fazenda Pública Municipal na ação em que o necessitado é representado pela Defensoria Pública do Estado-membro.91 686. Condenação do Ministério Público em honorários O Ministério Público participa do processo civil em duas posições: (a) parte coadjuvante; e (b) parte principal. Nenhuma é a responsabilidade do Ministério Público pelo reembolso das despesas processuais – antecipadas pelo autor, conforme o art. 82, § 1.º – e pelo pagamento de honorários advocatícios no caso de atuar como parte coadjuvante e emitir parecer favorável à parte vencida. A esse propósito, o órgão do Ministério Público tem tratamento até mais favorável que o órgão judiciário. O agente não sofrerá condenação nas custas da exceção de impedimento ou de suspeição acolhida, apesar de aplicáveis à sua pessoa, de ordinário, os respectivos motivos (art. 148, I), porque omissa na lei semelhante sanção. Em contrapartida, o tribunal condenará o juiz nas custas da exceção acolhida, a teor do art. 146, § 5.º. O STJ não hesitou em aplicar regra similar no direito anterior.92 Figurando como parte principal vencida, nos casos em que tem legitimidade ordinária ou extraordinária para conduzir o processo em nome próprio, a controvérsia a respeito da possibilidade de condenar o Ministério Público ao reembolso das despesas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios é intensa e não se limita ao direito brasileiro.93 À primeira vista, incide o art. 85, caput, porque ao Ministério Público como parte principal tocam os mesmos poderes e ônus que às partes, independentemente de disposição explícita a esse respeito. Não se destaca pela razoabilidade, preambularmente, a tese que responsabiliza a pessoa jurídica de direito público, ou seja, a União ou o Estado-membro, conforme se trate do MPF ou de MPE. A União e o Estadomembro não figuraram como partes principais, desfrutando da oportunidade de controverter a matéria (v.g., o montante dos honorários, consoante o critério aplicável); portanto, semelhante condenação afronta e molesta o direito processual fundamental à ampla defesa, no qual o sistema deposita alto apreço, haja vista a personalidade processual autônoma do MPF ou do MPE. Em inequívoca manifestação da pertinaz faceta autoritária do processo civil brasileiro, escassamente propenso a assegurar a autonomia privada, interpreta-se, no processo coletivo, o art. 18 da Lei 7.347/1985 como fonte de isenção da responsabilidade do Ministério Público. Declara o dispositivo que, salvo nos casos de comprova má-fé, o juiz não condenará a “associação autora… em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. Literalmente, a regra não abrange o Ministério Público figurar na qualidade de parte principal. Por esse motivo, silenciando a regra quanto a ele, tem plena vigência a regra geral do art. 85, caput, “porque, como se sabe, lex specialis derogat lege generale, mas só nos limites da especialidade”.94 A jurisprudência do STJ, todavia, estende ao Ministério Público o art. 18 da Lei 7.347/1985, e, para conferir tratamento isonômico às partes, também isenta o

réu vencido dessa condenação.95 O STF estimou que eventual condenação a favor do Ministério Público não infringe a proibição do art. 128, § 5.º, II, a, da CF/1988, que veda à instituição “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários”, porque a verba é recolhida à Fazenda Pública.96 Inexiste razão bastante para justificar esse singular e insólito regime. Ele não é exclusivo do direito brasileiro,97 mas tal fato não o torna imune a críticas. A circunstância de o Ministério Público defender em juízo, supostamente, interesses públicos e sociais, fato estimado idôneo para inviabilizar a condenação a favor da parte vencedora,98 não resiste à inexistência desse interesse na hipótese de restar vencido. A responsabilidade pelo reembolso das despesas e pelo pagamento dos honorários ao vencedor se funda no fato objetivo da derrota (retro, 633). Esse tema receberá outras ponderações no item dedicado à responsabilidade financeira do Ministério Público (infra, 1.052). Registre-se, por enquanto, a diretriz que o Ministério Público, obrando como parte principal, ficando vencido, o juiz não o condenará em honorários advocatícios. O custo do processo é atribuído ao vencedor. 687. Condenação da Fazenda Pública em honorários A Fazenda Pública tem responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais feitas por seu adversário vitorioso, inclusive custas pagas aos serventuários da justiça, e pagamento de honorários advocatícios. Essa responsabilidade encontra-se explicitada no art. 85, § 2.º. Regras especiais, entretanto, isentam a Fazenda Pública, a saber: (a) o art. 1.º-D da Lei 9.494/1997, na redação da MP 2.180-35/2001, declara que, nas execuções não embargadas contra a Fazenda Pública, não serão devidos honorários advocatícios, disposição que o STF interpretou conforme à Constituição no sentido de não abranger as execuções de menor quantia,99 conforme o art. 100, § 3.º, da CF/1988, c/c art. 87, I a II, do ADCT; (b) o art. 29-C da Lei 8.036/1990, na redação do art. 9.º da MP 2.164-41/2001, declara o seguinte: “Nas ações entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais, não haverá condenação em honorários advocatícios”, dispositivo aplicável às ações iniciadas após a vigência da MP 2.164-41/2001.100 O art. 85, § 7.º, do NCPC revogou o art. 1.º-D da Lei 9.494/1997, dispondo no mesmo sentido da interpretação conforme à Constituição realizada pelo STF: a Fazenda Pública (Federal, Distrital, Estadual e Municipal) ficará dispensada de honorários ao não embargar ou impugnar a execução de maior quantia, ensejando expedição de precatório. O oportuno parágrafo excepciona a remissão do art. 85, § 3.º, ao § 1.º da mesma regra. Dispõe este último serem devidos os honorários “no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não”, redação idônea a gerar dúvida quanto à hipótese versada e resolvida no art. 85, § 7.º. Quando cabíveis os honorários, na execução embargada ou impugnada, aplicar-se-á o art. 85, § 3.º

Fora do âmbito das regras especiais, nenhuma abrangendo o reembolso das despesas processuais, a responsabilidade da Fazenda Pública é plena e irrestrita. A jurisprudência do STJ se consolidou, por exemplo, no sentido de que o réu da ação acidentária, que é a autarquia previdenciária federal, responde por honorários do advogado do acidentado (Súmula do STF, n.º 234), pois a isenção “é restrita ao segurado” (Súmula do STJ, n.º 110). 688. Condenação dos litisconsortes em honorários A responsabilidade conjunta dos litisconsortes vencida encontra-se resolvida de modo radical e direto no art. 87. Ficando vencidos dois ou mais litisconsortes, pouco importando se vários autores, ou vários réus, e independentemente da espécie (litisconsórcio voluntário ou necessário) e do regime da demanda conjunta (litisconsórcio unitário e litisconsórcio simples), “respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários”. Em outras palavras, haverá rateio das despesas processuais entre os litisconsortes per capita.101 Não há solidariedade automática e inevitável dos litisconsortes perante o adversário comum.102 Figurando como vencidos duas pessoas naturais ou jurídicas, o vencedor não pode exigir de uma delas, no caso de insolvência da outra, a totalidade da sucumbência, mas a metade da quantia total. A outra parte, que toca ao insolvente, permanecerá insatisfeita. Entende-se que o juiz distribuirá os honorários em proporção ao interesse de cada litisconsorte.103 Também se reclama a solidariedade dos litisconsortes no caso de obrigações indivisíveis e solidárias. Nenhuma dessas teses se mostra correta, invocando-se, aqui, os argumentos expostos quanto ao reembolso das despesas processuais contra os litisconsortes vencidos (retro, 646), e que combateram essa construção artificial e imprópria. Seja como for, na omissão da sentença, e apenas nesse caso, haverá solidariedade, conforme o art. 87, § 2.º. 689. Condenação do revel em honorários A revelia pouco interfere na substância do regime da distribuição dos honorários advocatícios. Admitida a premissa que a presunção de veracidade instituída no art. 344 não se afigura absoluta e, apesar de surtir efeitos próprios, o juiz poderá julgar inadmissível (v.g. pendendo outra demanda idêntica) ou infundada a pretensão processual do autor, o fato é que o revel não antecipou qualquer despesa e, presumivelmente, não contratou advogado. Tal situação também se reproduz no caso de revelia do réu desacompanhada da presunção de veracidade e do resultado desfavorável da prova para o autor, ensejando a emissão de sentença de improcedência. Em suma, vitorioso o revel, inexiste causa hábil para condenar o autor vencido a reembolsar-lhe despesas ou pagar-lhe honorários advocatícios.104 É a linha seguida pelo STJ.105 O art. 346, parágrafo único, assegura ao revel intervir no processo em qualquer fase, “recebendo-o no estado em que se encontrar”, por óbvio representando-se através de advogado. Nesse caso, o desenvolvimento de atividades processuais configurará direito aos encargos da sucumbência, conforme enunciou o STJ: “A despeito de revel, faz jus à verba honorária o réu que comparece ao feito, faz-se presente à audiência designada, produz alegações finais e, por fim, oferece contrarrazões ao recurso do autor”.106

Sucumbindo o revel, como é natural, por força da presunção de veracidade dos fatos afirmados (art. 344) que milita a favor do autor, a mais das vezes, nada há de especial: o vencido, no caso revel, responderá pelas despesas processuais antecipadas pelo autor e pagará honorários advocatícios, porque deu causa à instauração do processo.107 690. Condenação dos intervenientes em honorários A intervenção de terceiros divide-se em (a) voluntária e (b) obrigatória. Em cada uma delas, o juiz investigará, preliminarmente, a admissibilidade da intervenção do terceiro. Em caso de indeferimento, caberá ao juiz condenar a parte que reclamou a intervenção, ou o terceiro que pretendeu intervir, nas despesas processuais do incidente – por óbvio, de maneira exclusiva, isentando a parte contrária, caso vencida, a reembolsá-las (retro, 644) – e em honorários, havendo causa hábil. Consumada a intervenção do terceiro, porque admissível, importa definir o cabimento da condenação nos honorários e o titular desse crédito. 690.1. Condenação do interveniente voluntário em honorários – Ficando vencido o assistido, reza o art. 94, o juiz condenará o assistente simples a pagar custas à contraparte “em proporção à atividade que houver exercido no processo”. O juiz deve considerar o momento em que ocorreu a intervenção do assistente simples e amplitude da respectiva atuação. Parece razoável que, mostrando-se o assistente atuante (v.g., propondo a produção de prova), o vencedor seja reembolsado. Porém, o art. 82, § 2.º, distingue claramente despesas processuais, que incluem custas, dos honorários advocatícios, objeto do art. 85, caput, e o art. 94 somente alude a custas. A regra comporta ampliação para abranger as despesas processuais. Por exemplo, o assistente simples suscitou controvérsia a respeito de certos fatos em caráter autônomo, constrangendo a contraparte a requerer perícia, de outra forma supérflua, a fim de persuadir o órgão judiciário, e, por isso, antecipou os honorários do perito (art. 95,caput). Em tal contingência, afigurase justo que, a par do assistido, o assistente reembolse, proporcionalmente, a despesa respectiva. Entrega-se a matéria à prudência do juiz,108 à finesse judicial, exceto quando se mostra possível individualizar, precisamente, a responsabilidade pelo ato (v.g., só o assistente requereu a perícia, obrigando a contraparte a pagar honorários ao assistente técnico). A rigor, inexistem óbices à condenação do assistente simples a pagar honorários advocatícios à contraparte vitoriosa, restando vencido o assistido. No entanto, o art. 94 alude a custas e, como assinalado, mostra-se intolerável conferir-lhe maior amplitude senão quanto às despesas processuais. Logo, o assistente simples não é condenado em honorários.109 É o entendimento do STJ.110 Em contrapartida, o respectivo advogado tampouco tem direito à percepção de honorários, logrando êxito o assistido. A necessidade de o juiz distribuir os honorários proporcionalmente não constitui impedimento absoluto a essa condenação, em tese, porque empregado, sem outro remédio, na condenação ao reembolso das despesas. O impedimento decorre da disposição explícita do art. 94.

Por outro lado, parece muito difícil divisar exceção ao preceito do art. 94 na hipótese de revelia do assistido, atuando o assistente, por decorrência, como substituto processual (art. 121, parágrafo único).111 Responderá o assistente unicamente pelas despesas processuais, e, inversamente, terá pretensão a reembolsar-se, mas permanece isento da condenação em honorários advocatícios, por força da disposição especial do art. 94. O art. 94 incide nos casos de assistência simples e qualificada. É claro que, na perspectiva dos que equiparam assistência autônoma à intervenção litisconsorcial voluntária (litisconsórcio ulterior), a regra restritiva não se aplica ao assistente qualificado. Ele suportará as despesas (e os honorários) com a parte principal.112 Não há, entretanto, solidariedade entre os litisconsortes, a teor do art. 87, aplicando-se, destarte, o que se expôs anteriormente (retro, 646). O recurso do terceiro prejudicado é uma modalidade de assistência tardia. Incidirá, portanto, nesse regime. O amicus curiae intervém, espontaneamente ou não, para manifestar opinião em prol do interesse político e, acidentalmente, o alvitre coincidirá, ou não, com as teses defendidas por uma das partes. Equipara-se, nesse particular, ao Ministério Público como parte coadjuvante. Não cabe condenálo a pagar honorários advocatícios à parte desfavorecida com a intervenção, mas, nada obstante, vencedora.113 O interveniente principal, ou opoente, titular de direito alegadamente incompatível com o objeto litigioso de determinado processo entre outras pessoas, é autor de pretensão ad excludendo perante as respectivas partes principais, cujo litisconsórcio passivo é obrigatório. Os processos se reúnem, por força da conexão, para julgamento conjunto. Responderá, pois, pelo reembolso das despesas e por honorários advocatícios em caso de insucesso, e deverá ser reembolsado pelos opostos e deles receber honorários, no regime do art. 87, em caso de êxito.114 Nada pré-exclui, ainda, a recíproca sucumbência dos litigantes (infra, 710.2) 690.2. Condenação do interveniente coato em honorários – Ocorrendo chamamento ao processo, e vingando a pretensão da contraparte, a sentença de procedência condenará o(s) o vencido(s) a pagar as despesas e os honorários do(s) vencedor(es). É uma condenação solidária no capítulo principal, mas sujeita ao regime do art. 87, no tocante ao capítulo acessório da sucumbência, ficando vencidos os litisconsortes passivos.115 Reconhecida a existência da responsabilidade conjunta do chamador e do chamado perante o autor, inexistirá condenação do chamado em favor do chamador, nesse capítulo acessório. A pretensão de o chamador reembolsar perante o chamado surgirá posteriormente.116 Em caso de êxito do chamado, porque a sentença rejeitou a existência da responsabilidade conjunta, não parece justo o autor, quer dizer, a parte que jamais pretendeu litigar contra o chamado, responder pelas despesas processuais e pelos honorários perante o chamado vencedor. As despesas e os honorários “devem ser carreadas ao que o chamou ao processo, porque este é que ocasionou aqueles gastos”.117 O direito anterior reclamava

interpretação extensiva nesse particular.118 O regime aqui defendido – responsabilidade exclusiva do chamante – ajusta-se ao princípio da causalidade, consagrado no art. 85, caput, conforme o correto entendimento do STJ.119 É mais complexa a sucumbência no chamamento em garantia. Dois elementos governam a distribuição dos encargos: primeiro, o nexo de prejudicialidade entre a pretensão principal e a regressiva; segundo, a atitude do chamado. Rejeitado o pedido do adversário do chamador, e julgando o órgão judiciário, por consequência, prejudicada a pretensão regressiva, haverá dupla condenação: uma favorável ao chamador, porque vitorioso na causa principal; outra desfavorável ao chamador, vencido na causa acessória, parte que provocou improcedentemente a intervenção do terceiro. No direito anterior, sustentou-se a perda de objeto da pretensão regressiva, tornada inútil pelo êxito do denunciante, e, portanto, inexistindo sucumbência do chamador.120 O argumento negligenciava as despesas do chamado – afinal, contratou advogado para atuar em juízo. Resolveu o ponto o art. 129, parágrafo único, do NCPC: prejudicada a pretensão regressiva, a sentença condenará o denunciante a reembolsar as despesas processuais e a pagar o advogado do denunciado. Do mesmo modo, extinta a causa principal, por qualquer motivo, o chamador pagará os ônus da sucumbência para chamado, prejudicado o chamamento em garantia.121 Não é justo, em ambas as hipóteses, o adversário arcar com semelhante ônus.122 Ele nada pediu perante o chamado, nem lhe promoveu o ingresso forçado no processo. Tampouco parece correto isentar o chamador por identidade de motivos. Foi ele quem deu causa – e o princípio da causalidade fundamente a responsabilidade prevista no art. 85, caput – à intervenção do terceiro, independentemente do chamado aceitar ou recusar a responsabilidade. É a orientação seguida pelo STJ no caso de garantia simples, ou seja, de chamamento em garantia facultativo (infra, 876).123 Tratando-se de garantia formal, na errônea suposição que o chamado se torna litisconsorte do chamador e, ademais, que o adversário controverteu a relação garantia,124 o STJ debita unicamente ao autor a verba da sucumbência.125 Explica-se esse desfecho paradoxal com o fato de o adversário do chamador, ao demandá-lo sem razão, tê-lo colocado na inexorável posição de denunciar da lide, sob pena de perder o direito de regresso.126 Inegavelmente, a explicação tem maior força persuasiva nos casos em que a denunciação não é permitida (at. 125, § 1.º), em virtude de norma especial, mas não convence inteiramente. O adversário do chamador jamais quis litigar contra o terceiro, e, de resto, dificilmente tem condições de aquilatar se há, ou não, direito de regresso. Talvez não haja, no caso concreto, porque excluído convencionalmente, e, dessa maneira, de qualquer sorte o chamador sucumbiria perante o chamado. Essa tentativa de eliminar quaisquer riscos financeiros do processo não apresenta maior serventia. Por outro lado, a alegação de a isenção estimular o chamado a atitude responsável, aceitando a responsabilidade nos casos em que ela realmente se configura,127assim isentando-se do risco financeiro, ainda não equaciona a

controvérsia do ângulo do adversário do chamador – não tem nada com isso. Se o escopo do entendimento consiste em livrar o chamador vitorioso de quaisquer ônus, resolve-se o problema de forma mais fácil e direta sopesando melhor os critérios de fixação de honorários. O juiz atribuirá percentual de honorários maior ao adversário vencido e menor ao chamado, servindo a diferença para compensar, adequadamente, o chamador. Por outro lado, existindo sucumbência parcial na causa principal, todavia é total a sucumbência do chamado na pretensão regressiva, que arcará com total do prejuízo do chamador.128 Feito o chamamento em garantia pelo autor, e aditando o chamado a petição inicial (art. 127), assumindo a posição de litisconsorte ativo, responderá pela sucumbência perante o réu vitorioso.129 Na situação inversa, ou seja, acolhido o pedido do adversário do chamador, o chamador responderá pelos ônus da sucumbência perante o chamado, tanto que rejeitada a pretensão regressiva, por alguma razão autônoma (v.g., pré-exclusão contratual da responsabilidade).130 No caso de acolhimento simultâneo da pretensão regressiva, como sói ocorrer, cumpre distinguir as hipóteses. Apesar de o art. 128 não mais prever essa possibilidade, concebe-se a aceitação da responsabilidade pelo denunciado, traduzindo reconhecimento do pedido (art. 487, III, a). Entendia-se, no direito anterior, não responder pelos ônus da sucumbência perante o adversário do chamador, ressalva feita à hipótese de condenação direta (infra, 916.4), hoje prevista no art. 128, parágrafo único, nem sequer perante o próprio chamador.131 Litisconsorte do autor, nos termos do art. 127, parece irretorquível a responsabilidade do denunciado perante seu adversário na ação principal, de resto inferida do art. 128, parágrafo único Porém, negada a responsabilidade (v.g., o chamado alegou prescrição da pretensão regressiva), a teor do art. 128, I, o chamado responderá pelos ônus da sucumbência perante o chamador,132 caso seja vencido em sua defesa. § 143.º Fixação dos honorários da sucumbência 691. Critérios gerais de fixação dos honorários da sucumbência Examinado o conjunto dos parágrafos do art. 85, dois critérios heterogêneos norteiam o órgão judiciário na condenação do vencido a pagar honorários advocatícios ao advogado do vencedor. Funda-se a fixação dos honorários em (a) juízo de legalidade; (b) juízo de equidade. Da regra básica, explicitada no art. 85, § 2.º, e da regra supletiva, definida no art. 85, § 8.º, intui-se o princípio diretor da matéria. O sistema baseia-se em nítida regra de justiça. O órgão judicial fixará os honorários sucumbenciais na exata proporção entre a vantagem econômica do vencedor, o sacrifício do vencido, e a retribuição pecuniária do advogado do vencedor. Dois são os parâmetros fundamentais. Por um lado, não é justo que o interesse secundário do advogado, promovendo a defesa dos interesses do seu cliente voluntariamente, sobrepuje a vantagem do vencedor ou agrave o sacrifício do vencido. E, de outro lado, tampouco é justo o recebimento de verbas aviltantes à profissão ou escandalosamente desmesuradas. Compete ao órgão judiciário ponderar os três elementos para chegar ao valor correto.

O conjunto de desafios lançados na interpretação e na aplicação das regras relativas aos honorários sucumbenciais há de receber análise atenta. Existem elementos objetivos e subjetivos a considerar na fixação desses honorários, quer no juízo de legalidade, quer no juízo de equidade. Em tal esquema, entende-se por elementos objetivos (v.g., a base de cálculo) os que respeitam à causa; por sua vez, os elementos subjetivos se referem ao advogado (v.g., o lugar de prestação do serviço) e à parte (v.g., a Fazenda Pública). 691.1. Juízo de legalidade quanto aos honorários sucumbenciais – O § 2.º do art. 85 insta o juiz, a despeito do recurso a conceitos juridicamente indeterminados (v.g., o grau de zelo profissional), a proferir juízo segundo a legalidade. Fixa um teto (vinte por cento) e um piso (dez por cento), na forma de percentual, e a base de cálculo – o valor da condenação imposto no capítulo principal da sentença de procedência, o proveito econômico e, não sendo mensuráveis, o valor da causa –, cuja inobservância viciará o provimento, comportando revisão de jure. Esses percentuais, aplicáveis às sentenças terminativas, conforme o art. 85, § 6.º, variam por força de outras disposições (v.g., no caso de reconhecimento da ilegitimidade passiva do réu originário, o piso é de três por cento e o teto cinco por cento, a teor do art. 338, parágrafo único). O escalonamento da condenação da Fazenda Pública, objeto do art. 85, § 3.º, constitui caso particular de juízo segundo a legalidade. O objetivo geral dessas regras é evidente e incontestável. Elas visaram a assegurar retribuição pecuniária digna e adequada ao conteúdo econômico da causa ao advogado do vencedor. O emprego de percentual mínimo e máximo restringiu a irreprimível tendência identificada no direito anterior de juízes e tribunais fixarem honorários excessivamente modestos em causas de grande vulto.133 Entra no cômputo do juiz, evidentemente, inevitável comparação entre o valor mensal dos seus subsídios e o valor estimado dos honorários – nem sempre traduzidos em número preciso – concedidos ao advogado por uma única causa. A comparação não tem sentido. Existem há causas de valor expressivo e causas de conteúdo irrelevante na carteira do advogado, essencialmente um profissional liberal, subordinado às rigorosas leis de mercado e às incertezas inerentes ao exercício da profissão. O advogado sem clientes não recebe o necessário à própria subsistência. Mas, o universo da pessoa que ocupa o órgão judiciário constitui fator determinante nos juízos por ela emitidos e, no caso dos honorários, para o bem ou para mal, conscientemente ou não, predetermina a fixação concreta da verba. Eis a sabedoria intrínseca ao piso de dez por cento e ao teto de vinte por cento, obstando o aviltamento da retribuição pecuniária e o limitando o sacrifício imposto ao vencido. Também por esse motivo o art. 85, § 3.º, ocupou-se dos honorários devidos pela Fazenda Pública. Esse critério originalmente beneficiava o vencedor, que pagava ao advogado os honorários contratuais, geralmente fixados em percentuais sobre o conteúdo econômico da causa, e nem sequer em parte razoável recuperava o desembolso feito. A discrepância manteve-se no regime atual, em razão da escolha do profissional pela parte, e, tocando os honorários da sucumbência ao advogado, aumentou consideravelmente, renegando a máxima que o processo há de conceder ao vitorioso o direito que lhe tocaria sem o

processo. É certo, rigorosamente certo, governando-se os honorários contratuais pela lei do mercado, não entregar o desfecho do processo civil ao vencedor o mesmo bem da vida, proveito ou utilidade que receberia sem o litígio. Em particular, o custo da atividade empresarial sofre enorme influência com a manutenção de corpo jurídico adequado e a quantidade maior ou menor de litígios. A partir da vigência do art. 23 da Lei 8.906/1994, atribuindo ao advogado do vencedor o crédito resultante dos honorários sucumbenciais, houve a troca do beneficiário do sistema, que passou a ser o advogado, e essa reviravolta recebeu confirmação mais nítida no art. 85, caput, c/c § 14. Em todo caso, este não é problema do vencido. O peso do encargo recairá, em todo ou em parte, seja quem for o beneficiário, sobre quem deu causa ao processo, em vez de unicamente sobre o vencedor, como aconteceria na hipótese de inexistirem honorários sucumbenciais. O juízo de legalidade agasalhava imperfeições no direito anterior. Sem perder de vista a finalidade da primeira base de cálculo adotada, o valor da condenação do vencido no capítulo principal, a regra precedente olvidava que, nas pretensões com outra força predominante – declaratória, constitutiva, executiva ou mandamental – havia conteúdo econômico apreciável. O art. 22, § 2.º, da Lei 8.906/1994, não ignorou essa faceta, curando da hipótese da falta de contrato entre o advogado e o cliente. Emprega o “valor econômico da questão” como elemento para o arbitramento dos honorários. Era critério passível de generalização e introdução na lei processual,134 solução adotada no art. 85, § 2.º, arrolando três bases de cálculo: (a) valor da condenação; (b) proveito econômico e (c) valor atualizado da causa. Uma exclui a outra: existindo condenação, encontra-se perfeitamente delimitado o proveito econômico; não existindo condenação no conteúdo do provimento, mede-se o proveito econômico – por exemplo, o réu livrou-se da condenação em 100 – obtido; e, não sendo possível mensurar a esse último (v.g., nos casos de pedido genérico), o juiz utilizará o valor da causa corrigido. É preciso atentar a esses pormenores na disposição do capítulo acessório da sucumbência. Percebido o defeito da falta de critérios alternativos à primeira vista, no direito anterior, segundo testemunho da época,135 emenda legislativa acomodou a situação no juízo de equidade, abrangendo (a) as causas sem condenação e (b) a pretensão a executar. Esse problema ficou resolvido: o juízo de equidade não mais se aplica a esses casos. A combinação do art. 85, § 2.º, com a disseminação do pedido genérico ou ilíquido fora dos casos do art. 324, § 1.º, I a III, suscita problemas mais sérios, em especial a falta de base precisa quanto ao valor da condenação e sobre o qual incidirá o percentual alvitrado pelo juiz. Em muitos casos, ignorando o real valor da condenação, ou do proveito econômico do vencedor, o juiz adota percentual que produzirá valores exorbitantes, prolongando-se o processo por muitos anos. Uma base de cálculo ampla, em que entram correção, juros moratórios e compensatórios, somada à incidência da correção monetária e de juros moratórios, a teor do art. 404, caput, do CC – as dívidas judiciais são excessivamente onerosas para o vencido, sem maior proveito para o vencedor, porque a realização do crédito depende da suficiência patrimonial do devedor (art. 391 do CC) –, resultará em valor estratosférico, transformando o credor em devedor de bilhões de reais com a maior

facilidade. E haja contorcionismo para retratar o pronunciamento, sem bulir com a autoridade de coisa julgada entrementes adquirida pelo provimento final no capítulo acessório – indiscutibilidade que o recobre até nas sentenças terminativas –, e acomodar o valor à realidade. 691.2. Juízo de equidade quanto aos honorários sucumbenciais – Completamente diferente é a atividade do órgão judiciário perante § 8.º do art. 85. Sem prejuízo da eventual consideração aos fatores enunciados no art. 85, § 2.º, I a IV, cristalizados em conceitos juridicamente indeterminados, porque desvanece-se a base de cálculo (há exceções), a regra recomenda a fixação baseada em juízo de equidade, ou seja, mediante “apreciação equitativa”. Da análise dos elementos de incidência do art. 85, § 8.º, verifica-se o cabimento do juízo de equidade em duas situações: (a) inestimável ou irrisório o proveito econômico ou (b) muito baixo o valor da causa. Fora daí, portanto, aplicar-se-á o art. 85, § 2.º, ou, no caso da Fazenda Pública, as regras particulares (art. 85, § 3.º). Esses elementos de incidência revelam, ademais, o propósito latente da regra. Não se presta o juízo de equidade para reduzir os honorários, como acontece no caso da desapropriação (infra, 733), mas para aumentá-los, toda vez que a base de cálculo implique em verba pequena e incompatível com o exercício da profissão. 691.3. Motivação do capítulo acessório da sucumbência – Em ambos os critérios, há outro aspecto ainda mais expressivo e incômodo, potencializado no direito vigente: a motivação. Os esforços exigidos do órgão judiciário para aplicar corretamente o art. 85 revelam-se desproporcionais, comparativamente à atividade desenvolvida para julgar (ou não, porque fixará honorários em sentenças terminativas) o mérito. Às vezes, o juiz terá mais trabalho para fixar os honorários do que para resolver as questões de direito e de fato suscitadas e debatidas pelas partes mediante motivação suficiente (art. 489, § 1.º). Em ambas as hipóteses (juízo de legalidade e juízo de equidade), o juiz levará em conta os fatores subjetivos (v.g, o grau de zelo) e objetivos (v.g., a importância e a natureza da causa), cristalizados em conceitos juridicamente indeterminados, em muitos dos quais sobreleva-se o elemento negativo (v.g., a perda de prazo) em detrimento do positivo. A motivação do capítulo acessório da sucumbência, todavia essencial à validade do provimento final (retro, 1.122.6), em geral transforma-se em fórmulas de estilo sem aderência ao caso concreto, não sem a sabedoria natural e intrínseca ao costume do foro. Os juízes e tribunais manifestam-se, realmente, acerca dos problemas intrínsecos à fixação dos honorários sucumbenciais provocados por recursos específicos, ordinariamente apelação e embargos declaratórios. 691.4. Fluência dos juros moratórios nos honorários sucumbenciais – Fixados os honorários sucumbenciais em quantia certa, sempre que possível (art. 491,caput), os juros moratórios fluirão da data do trânsito em julgado da decisão (sentença, acórdão ou decisão singular do relator. O art. 85, § 16, encerra antiga controvérsia. Por força da regra, nem sempre coincidirão os

termos iniciais dos juros moratórios do capítulo principal e do capítulo acessório da sucumbência. 692. Órgão da fixação dos honorários sucumbenciais Em princípio, o órgão competente para fixar os honorários da sucumbência é o juiz de primeiro grau. Seguindo os mesmos critérios gerais e particulares, também os tribunais são provocados a se manifestar a propósito de honorários. O juízo quanto aos honorários há de ser pronunciado tanto nas causas da sua competência originária (v.g., na ação rescisória), quanto na competência recursal, seja provendo recursos e, nesse caso, em mais de um caso a fórmula da inversão – melhor do que a omissão – revelar-se-á insatisfatória, seja porque o assunto integra o mérito do próprio recurso – o vencedor apelou para aumentar a verba, e o réu apelou para diminuir o valor dos honorários que lhe parece excessivo ou simplesmente inadmissível essa condenação (v.g., no mandado de segurança). E, doravante, cabendo reavaliação da verba fixada em primeiro grau pelo exercício do recurso em si, a teor do art. 85, § 11, a interposição de apelação e de outros recursos exigirá idêntico e esforço hercúleo esforço na fixação dos honorários sucumbenciais. Não há necessidade de qualquer pedido específico, a mais das vezes, para o tribunal prover a respeito dos honorários. Em matéria de sucumbência, incumbe ao órgão judiciário singular ou colegiado pronunciar-se, ex officio, na forma do art. 323, § 1.º, c/c art. 85, § 11. Porém, há a significativa barreira da reformatio in pejus: o recurso do vencido não pode legitimamente piorar a situação consagrada no provimento impugnado. Concebem-se três situações: (a) o provimento impugnado é omisso quanto ao capítulo acessório da sucumbência, embora devesse contê-lo; (b) o provimento impugnado fixou os honorários, mas em desacordo com os critérios legalmente admitidos na espécie; e (c) o provimento impugnado nada dispôs sobre honorários advocatícios, porque não precisava fazê-lo. É mister o interessado recorrer especificamente nas duas primeiras hipóteses, impugnando a omissão ou a extrapolação dos honorários, provocando o órgão ad quem a se pronunciar, sob pena de empiorar a situação do recorrente, incidindo no veto da reformatio in pejus. A terceira hipótese, decorrendo a necessidade de condenar o recorrente em função da interposição do recurso e respectivo desprovimento, autoriza o pronunciamento, ex officio, ou a requerimento do recorrido.136 O caso do julgamento antecipado de mérito previsto no art. 332, no qual o réu é citado para responder à apelação do autor vencido, e ainda não condenado em honorários, porque faltava causa hábil – o réu não realizou despesas – e das sentenças terminativas, em geral, havendo intervenção voluntária do réu, é esplêndido exemplo dessa disciplina. Por um lado, o réu e apelado não necessita formular qualquer pedido ou requerimento expresso para o tribunal condenar o autor em honorários,137 e a fortiori, ao reembolso das despesas processuais, uma vez desprovida a apelação, porque cabe o pronunciamento de ofício. E, por outro lado, semelhante condenação não constitui reformatio in pejus. A questão relativa à sucumbência, conhecível de ofício, insere-se no efeito devolutivo da apelação ou, segundo a opinião hoje

prevalecente, compõe o chamado efeito “translativo” com essa mesma consequência. § 144.º Elementos sucumbenciais

objetivos

na

fixação

dos

honorários

693. Juízo de legalidade na fixação dos honorários sucumbenciais O art. 85, § 2.º, revela que, no juízo de legalidade, o juiz aquilatará o valor da condenação do vencido ou o proveito econômico do vencedor, e, na falta do primeiro e na impossibilidade de mensurar o segundo, o valor da causa corrigido, para obter a base de cálculo para a incidência do piso (percentual mínimo de dez por cento) e o teto (percentual máximo de vinte por cento). O art. 85, § 9.º, explicita o valor da condenação nas pretensões à condenação por danos contra a pessoa. E, como já se assinalou, o escalonamento do art. 85, § 3.º, complementados pelos parágrafos quarto e quinto, constituem caso particular de juízo de legalidade, objeto de item próprio (infra, 697). Por enquanto, considerar-se-á o litígio entre particulares. O juízo de equidade proposto no art. 85, § 8.º, supletivamente, e sem embargo dos elementos subjetivos que respeitam à pessoa do advogado (incisos I a IV do art. 85, § 2.º), também há dois elementos objetivos necessários à incidência da regra: (a) causas de pequeno valor; (b) causas de valor inestimável. A separação desses juízos distintos na atividade do órgão encarregado na fixação dos honorários sucumbenciais nem sempre é tão nítida. Essa circunstância explica por que o STJ, infenso a reexaminar questões de fato, abre exceção no caso dessa espécie de honorários. 694. Causas condenatórias O art. 85, § 2.º, aplica-se, em primeiro lugar, às pretensões condenatórias em geral. Entende-se por tal, conforme amplamente explicado (retro, 233), a sentença que impõe ao vencido uma prestação, ou, como reza o art. 515, I, reconheça a exigibilidade de prestação a cargo do vencido. O conteúdo econômico desses bens da vida, retratado no valor atribuído à causa na petição inicial, conforme se infere do art. 292, I, consoante as diretrizes traçadas na sentença de procedência, indicará a base de cálculo dos honorários sucumbenciais, qual seja, o “valor da condenação”. Em lugar dessa fórmula, não raro outras parecem preferíveis, substancialmente equivalentes, como “valor do bem pretendido” ou “valor do benefício conseguido”.138 694.1. Sentença de procedência na causa condenatória – O conteúdo da sentença de procedência fica adstrito ao pedido formulado na petição inicial. Ora, afigurando-se lícito ao autor formular pedido determinado (art. 324, caput) ou genérico (art. 324, § 1.º, I a III), e considerando a interpretação elástica conferida às exceções admissíveis de pedido genérico, acompanhada da proverbial tolerância do órgão judiciário com o descumprimento desse requisito, logo se perceberá o vulto do problema: em geral o autor não se abala indicar um valor específico ao pedido condenatório, conquanto passível de imediata quantificação. Respondendo o juiz à postulação da parte, e

sendo-lhe vedado proferir sentença ilíquida, cabendo-lhe delimitar desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros (art. 491, caput), salvo as exceções do inciso I e II do art. 491, o “valor da condenação” divide-se em duas espécies: (a) líquido; e (b) ilíquido. Também se alude a base de cálculo real e hipotética.139 Não há liquidez absoluta, porém: a par do pedido certo, a condenação englobará os chamados pedidos implícitos (juros de mora e correção monetária), na verdade pedidos inexistentes, mas acrescentados, ope legis, à condenação principal. A sentença condenatória em prestação líquida, individualizando o objeto da prestação, ordinariamente quantia em dinheiro, representa a hipótese mais simples, ensejando a incidência direta do art. 85, § 2.º. O juiz tem segurança quanto à real base de cálculo dos honorários advocatícios. Relativamente ilíquida que seja essa condenação, em razão dos juros de mora e da correção monetária, o quantum debeatur subordina-se a simples operações aritméticas. Liquida-se por cálculo do credor, conforme o art. 786, parágrafo único, tal espécie de condenação, e o juiz estimará o “valor da condenação” do mesmo modo, ministrando, ademais, os elementos exigidos pelo art. 491, caput. É muito problemática, ao invés, a base de cálculo no caso de condenação genérica (infra, 1.588.2.5). O juiz limita-se a fixar diretrizes gerais – por exemplo, condena o réu a pagar o valor que for apurado, na liquidação por arbitramento, a título de lucros cessantes e danos emergentes sem embargo de complementar a disposição com as diretrizes do art. 491, caput, a saber: o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros. Em tal hipótese, a base de cálculo dos honorários, seja qual for o percentual adotado, mostra-se frágil e inconsistente. Não tem o juiz ideia precisa do montante dos honorários. Por esse motivo, ignora os demais elementos subjetivos, e fixa os honorários em percentual mínimo, evitando excessos e falta de moderação, fiel ao axioma de que dos males sempre deve ser preferir o menor. A inconsistência da base de cálculo resultará as lamentáveis distorções só percebidas na ulterior liquidação (art. 491, § 2.º). Essas anomalias conduziram o STJ, apesar de se tratar de questão de fato, a intervir na fixação originada dos graus inferiores de jurisdição, corrigindo valores irrisórios, e, mais frequentemente, valores exorbitantes. “Essa Corte tem precedentes”, pontificou certo julgado, “alterando, em caráter excepcional, os honorários arbitrados na instância ordinária, quando se tratar de valores irrisórios ou excessivos, o que não demanda, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos”.140 Não implica esse reexame porque, intuitivamente, ou ictu oculi, o tribunal percebe o desajuste. Um caso especial, em que a lei ministra diretrizes mais claras para a base de cálculo dos honorários, é o da pretensão à condenação por dano à pessoa. Segundo o art. 85, § 9.º, o percentual incidirá, na oportunidade em que o juiz proferir o provimento final reclamado no art. 85, caput, sobre “a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas”. Ora, o valor da prestação mensal dos alimentos indenizativos é estipulado, na própria sentença, em valor fixo ou móvel (v.g., salários-mínimos), entendendose por prestações vincendas as que correram desde a data do evento ilícito até o momento do arbitramento, o que pode ser apurado por simples cálculo aritmético.

Em relação ao direito anterior, o art. 85, § 9.º, absteve-se de considerar o valor do capital necessário a garantir o pagamento futuro das prestações. Esse valor do capital exigia cálculos atuariais complexos, pois projetava uma quantia suficiente para, remunerado segundo o investimento mais conservador, garantir o pagamento dos alimentos indenizativos mensais até seu termo final (v.g., a expectativa média de vida do falecido, em caso de indenização por morte, ou vitaliciamente, no caso de lesão corporal). Em sentenças dessa natureza, o valor dos honorários, graças à generosa base de cálculo, alcança valor expressivo. Não há qualquer distorção nesse montante – há causas maiores e menores na vida do advogado, e parece justo que receba mais por aquelas do que por estas, a despeito do trabalho igual, operando-se equitativa compensação. Nada obstante, o vulto dos honorários ensejou restrições indevidas.141 Por um lado, restringiu-se o alcance das “ações de indenização por ato ilícito contra pessoa” à responsabilidade extracontratual (v.g., o acidente de trânsito urbano entre os automóveis do autor do ilícito e da vítima), negando a incidência da regra predecessora do art. 85, § 9.º na responsabilidade contratual (v.g., acidente do trabalho).142 Esse entendimento consolidou-se na Súmula do STJ, n.º 111: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”. E, ademais, o STJ decidiu que, nas ações de responsabilidade extracontratual, o capital não integrava a base de cálculo dos honorários, in verbis: “No caso de pensionamento, o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas nunca deve integrar a base de cálculo da verba honorária. Os honorários advocatícios, relativamente às prestações vincendas, devem ser arbitrados observando-se os critérios do § 4.º do artigo 20, CPC {de 1973}, que trata de valor inestimável”.143 Flagrantemente, essa interpretação inspirou a redação do art. 85, § 5.º. Na prática, haverá sensível diminuição no valor dos honorários nessas sentenças de procedência. 694.2. Sentença de improcedência na causa condenatória – O art. 85, § 2.º pressupõe a emissão de sentença de procedência. Na hipótese de o juiz considerar a pretensão à condenação inadmissível ou infundada, inexiste condenação, e, portanto, o caso escapava à órbita natural da regra. Essa consequência implica tratamento desigual dos advogados das partes, infringindo o art. 139, I, razão por que o juiz também deveria considerar do “valor da condenação” denegada como base de cálculo dos honorários sucumbenciais nas sentenças de improcedência,144 e, a fortiori, nas sentenças terminativas. Tal orientação não repercutia positivamente, decidindo o STJ: “Os honorários de advogado só são fixados na forma do artigo 20, § 3.º, do Código de Processo Civil {de 1973} se a sentença for condenatória, nada importando a natureza da pretensão veiculada na ação; improcedente o pedido de condenação, a verba é arbitrada segundo a apreciação equitativa do juiz, tal como dispõe o art. 20, § 4.º {do CPC de 1973}, sem que isso ofenda o princípio da igualdade entre as partes”.145 É o que entende o STJ, destarte, nas sentenças terminativas proferidas em causas que o autor pretendeu condenar o réu.146 Ele se reforça com o

entendimento segundo qual, reformada no órgão ad quem a sentença de procedência condenatória, não cabe a simples inversão dos honorários advocatícios, devendo ser fixados outros, mas segundo juízo de equidade.147 Ao considerar o proveito econômico com base de cálculo, o art. 85, § 2.º, já corrige essa anomalia, e, ainda, apanha sentenças de força declarativa, constitutiva e mandamental. Porém, almejando o legislador repelir categoricamente a jurisprudência restritiva do STJ, desfavorável ao interesse dos advogados, acrescentou no art. 85, § 6.º, o seguinte: “Os limites e critérios previstos nos §§ 2.º e 3.º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito”. Logo, o valor da hipotética condenação, logrando êxito o réu, porque inadmissível (sentença terminativa) ou infundada (sentença de improcedência) a pretensão do autor, servirá de base de cálculo para os percentuais mínimo e máximo. O proveito econômico é a segunda base de cálculo do art. 85, § 2.º. Um exemplo convida à reflexão. Deduzida pretensão à declaração da exata interpretação de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), a vantagem que o efeito certeza outorgará ao autor corresponderá à diferença entre a exegese defendida pelo autor e a defendida pelo réu. Não se mostrando cristalina a disposição contratual, e, por isso, ensejando controvérsia entre os respectivos figurantes em torno do valor da dívida, se é x, segundo pensa o autor, ou se y, como proclama o réu, o que o autor ganha no caso de procedência resulta da diferença entre x e y a favor do autor. Inversamente, se a demanda é rejeitada, e o juiz declara que o valor da dívida é y, a diferença entre x e y retrata, outra vez, o que o réu deixou de perder. É perfeitamente possível estabelecer o proveito econômico em ambos os casos. O valor da causa, indicado na inicial segundo os parâmetros legais, presta-se a fornecer base de cálculo idônea e objetiva para os honorários sucumbenciais. Em casos específicos, o legislador adotou esse critério. Por exemplo, reconhecendo o réu o pedido do locador na ação de despejo de imóvel urbano, fundada (a) na denúncia vazia do contrato prorrogado por prazo indeterminado, (b) na necessidade para uso próprio, de cônjuge, de companheiro, de ascendente ou de descendente, (c) na retomada para demolição e edificação licenciadas pelo Poder Público, produzem-se ope legis dois incentivos para o litigante: a ampliação do prazo de desocupação para seis meses e a respectiva condenação condicional ao reembolso de custas e ao pagamento de honorários advocatícios “de vinte por cento sobre o valor dado à causa” (art. 61 da Lei 8.245/1991). Não só o percentual é fixo, retirando do juiz a individualização da retribuição pecuniária, mas a base de cálculo recai sobre o valor da causa, estipulado no art. 58, III, da Lei 8.245/1991 em doze meses do aluguel vigente. O valor da causa é a base supletiva de cálculo do art. 85, § 2.º, no juízo de legalidade, e do art. 85, § 8.º, no juízo de equidade, não sendo “muito baixo” nesse último caso. É parâmetro aproveitável para definir as causas de pequeno valor; porém, o que importa, também nesse caso, é o conteúdo econômico da pretensão, e, não, o (atribuído pelo autor) valor da causa. Uma das razões presumíveis para desprezar o valor da causa avulta na tendência de o autor atribuir à causa o valor de alçada (infra, 1.292.2),

ignorando, sem despertar a reação do réu, através da impugnação do art. 293, ou controle ex officio do juiz, ocupado com outros aspectos de maior relevo, como a admissibilidade da pretensão. O valor da causa é base de cálculo para multas processuais, por sinal cumuláveis com as multas, a exemplo da prevista no art. 77, § 2.º, a teor do art. 85, § 12. E deve ser considerado para esses efeitos, não abdicando o autor de armar o órgão judiciário com multa de valor persuasivo. Excepcionalmente, porém, o direito anterior utilizava o valor da causa “como fator determinante de fixação dos honorários advocatícios do advogado da parte vencedora”.148 Por exemplo, nas sentenças terminativas, em geral, e nas sentenças de improcedência.149 Assim, decidiu-se que, na apreciação equitativa, o juiz optaria por um percentual sobre o valor da causa ou um valor fixo.150 Porém, esse valor não pode ser fixado em salários-mínimos (Súmula do STJ, n.º 201). Como quer que seja, arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a verba será corrigida a partir do ajuizamento (Súmula do STJ, n.º 14), e, por isso, o art. 85, § 2.º, alude ao valor da causa corrigido. 694.3. Percentual mínimo e percentual máximo dos honorários nas causas condenatórias – Ao acolher a pretensão à condenação, o juiz utilizará o percentual máximo e o mínimo previstos no art. 85, § 2.º, sobre a base de cálculo adequada. Em geral, o juiz despreza a influência de outros elementos, em especial aos atinentes à pessoa do advogado, e opta pelo percentual mínimo, forrando-se à crítica de promover benefícios e locupletamentos. Logo após a definição da base de cálculo, e escolhido o percentual, a operação aritmética subsequente é simples. Não se revela admissível, de toda sorte, condenar o réu em percentual fixo.151 Em tal sentido, julgado do STJ: “Tratando-se de ação condenatória, os honorários têm de ser fixados conforme os parâmetros estabelecidos no art. 20, § 3.º {do CPC de 1973}. Merece reforma, portanto, a decisão que os estabelece em valor fixo”.152 O art. 11, § 1.º, da Lei 1.060/1950 – todavia, revogado pelo art. 1.072, III, do NCPC – adotara o percentual máximo de quinze por cento, vencendo o beneficiário da gratuidade, “sobre o líquido apurado na execução de sentença”. Estimou-se o revogado percentual máximo pela superveniência do art. 20, § 3.º do CPC de 1973, porque desarrazoado colocar o advogado do beneficiário da gratuidade em situação menos favorável que a do advogado de pessoa com recursos financeiros.153 E nesse sentido se inclinou o STJ.154 695. Causas de pequeno valor O órgão judiciário fixará os honorários mediante apreciação equitativa, segundo o art. 85, § 8.º, nas causas em que o valor for irrisório ou muito baixo. São as causas de pequeno valor. O sistema define como causas de pequeno valor as que entram na competência ratione valori dos juizados especiais, ou seja, as causas cujo conteúdo econômico não exceda quarenta salários-mínimos (art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995). Esse é o critério geral da incidência do art. 85, § 8.º.

Em relação à Fazenda Pública, figurando como parte a União, o Estadomembro, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações de direito público e empresas públicas, a teor do art. 100, § 3.º, da CF/1988, c/c art. 87, I e II do ADCT, são de pequeno valor as causas que não excedam, respectivamente: (a) para a União sessenta (art. 3.º, caput, c/c art. 17, § 1.º, da Lei 10.259/2001): (b) para os Estados-membros e Distrito Federal quarenta; e para os Municípios trinta salários mínimos. Essa delimitação não se aplica ao art. 85, § 8.º. Nada obstante a identificação do que a lei considera causa de pequeno valor, o único critério admissível consiste na insuficiência do valor dos honorários advocatícios, a exigir correção mediante juízo de equidade.155 O art. 85, § 8.º, incide em todas as causas, inclusive as condenatórias, em que a aplicação do art. 85, § 2.º, não produzisse retribuição adequada para o advogado do vencedor. É preciso evitar, como se assinalou acertadamente, os extremos inaceitáveis: sob pretexto de não conferir honorários irrisórios ao advogado do vencedor ultrapassar o percentual máximo do art. 85, § 2.º, aumentando desmesuradamente o gravame econômico do vencido e ignorando o real conteúdo econômico da causa, que era do conhecimento do advogado ao representar a parte; e fixar-se inflexivelmente no percentual máximo do art. 85, § 2.º, ignorando que ele, nas causas de pequeno valor, talvez não constitua o parâmetro mais adequado à espécie.156 Não falta tirocínio ao juiz para desarmar a armadilha radical. Nas sentenças condenatórias de procedência, incide o art. 85, § 2.º, exceto nas causas de pequeno valor, em que a condenação não exceda a quarenta salários mínimos, hipótese em que o juiz fixará os honorários da sucumbência mediante a apreciação equitativa do art. 85, § 8.º. Eventualmente, no último caso, ao juiz se mostrar lícito empregar, ou não, o percentual máximo, e, alternativamente, fixar quantia fixa que exceda esse percentual máximo moderadamente. 696. Causas de valor inestimável É de valor inestimável a causa cujo valor não seja economicamente definido.157 Por exemplo, a pretensão de reconhecer a paternidade, desligada da pretensão à herança ou congênere (v.g., alimentos), não exibe conteúdo econômico mensurável. Em tal contingência, resta ao juiz recorrer à equidade (art. 85, § 8.º), atentando ao trabalho desenvolvido pelo advogado.158 697. Causas da Fazenda Pública A fixação dos honorários segundo juízo de equidade, ficando vencida a Fazenda Pública, desapontava seus adversários. Em geral, causas expressivas remuneravam muito pouco, pois o universo das pessoas investidas na função judicante, recebendo subsídios, não supera o do próprio padrão de vida. O art. 85, § 3.º, deu cabo desse problema. Sem prejuízo da incidência dos elementos subjetivos do art. 85, § 2.º, I a IV, e independentemente do conteúdo da sentença definitiva, ou da emissão de sentença terminativa, em virtude da remissão do art. 85, § 6.º, o juízo de legalidade utiliza os seguintes parâmetros: (a) no mínimo de dez e no máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação e do proveito econômico obtido até duzentos salários mínimos (inciso I); (b) no mínimo de oito e no

máximo dez por cento sobre o valor da condenação e do proveito econômico obtido acima de duzentos salários mínimos até dois mil salários mínimos (inciso II); (c) no mínimo de cinco e no máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de dois mil salários mínimos até vinte mil salários mínimos (inciso III); (d) no mínimo de três e no máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação e do proveito econômico obtido acima de vinte mil salários mínimos até cem mil salários mínimos (inciso IV); (e) no mínimo de um e no máximo três por cento sobre o valor da condenação e do proveito econômico obtido acima de cem mil salários mínimos (inciso V). O artigo 85, § 5.º, esclarece que, sendo o valor da condenação ou o proveito econômico superior à faixa inicial do inciso I, “a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente”. E o valor do salário mínimo, para os efeitos do cálculo dos honorários, será o vigente no momento da sentença (rectius: da sentença, do acórdão ou da decisão singular do relator, conforme o caso) ou no momento da liquidação (art. 85, § 4.º, IV). Não é o caso de reproduzir, exemplificativamente que seja, os resultados aritméticos dessas operações. Importa destacar que o órgão judiciário necessitará de calculadora para elaborar o capítulo acessório da sucumbência. Em primeiro lugar, cumpre ao órgão judiciário fixar a extensão da obrigação e, ainda, as diretrizes do art. 491, caput, aplicando desde logo os percentuais sobre semelhante base de cálculo, a teor do art. 85, § 4.º, I. Não se mostrando possível delimitar a extensão da obrigação, porque genérico o pedido (art. 491, I) ou dependendo de prova demorada ou dispendiosa (art. 491, II), os percentuais incidirão na liquidação, a teor do art. 85, § 4.º, II. E, subsidiariamente, inexistindo condenação ou não sendo possível mensurar o proveito econômico, a base de cálculo dos percentuais será o valor da causa atualizado (art. 85, § 4.º, IV). Valem, aqui, as considerações feitas acerca (a) do valor da condenação, (b) do proveito econômico e (c) do valor da causa em item anterior (retro, 694.2). E cumpre rememorar que, consoante se infere do art. 85, § 3.º (“Nas causas em que a Fazenda Pública for parte…”), não importa se a Fazenda Pública figurar como vencedora ou vencida, a fixação dos honorários obedecerá o escalonamento ad valorem, independentemente do conteúdo (procedência ou improcedência) e de natureza (terminativa ou definitiva) da resolução final, a teor do art. 85, § 6.º. Não há dúvida que o valor dos honorários devidos pela Fazenda Pública jamais será insuficiente, aplicado corretamente o art. 85, § 3.º. A expressão Fazenda Pública abrange a Administração Direta da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, além das autarquias e fundações com personalidade de direito público. A regra não se aplica, portanto, às sociedades de economia mista (por exemplo, ao Banco do Brasil S.A.)159 e às empresas públicas.160 Tampouco se aplica às sociedades de economia mista o art. 1.º-D da Lei 9.494/1997, relativamente aos honorários nas execuções, embargadas ou não,161 e às empresas públicas.162 E, realmente, a interpretação restritiva se impõe nessa matéria,

não estendendo o privilégio da Fazenda Pública em juízo além dos limites expressamente instituídos do art. 85, § 7.º. § 145.º Elementos sucumbenciais

subjetivos

na

fixação

dos

honorários

698. Pessoas consideradas na fixação dos honorários sucumbenciais Elementos subjetivos compõem tanto o juízo de legalidade quanto o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios. Eles se referem à pessoa do advogado (art. 85, § 2.º, I a IV), independentemente da qualidade do litigante (particular ou Fazenda Pública). A remissão aos incisos do art. 85, § 2.º, no parágrafo oitavo, não deixa dúvida quanto ao cabimento desses elementos no juízo de equidade. E também no caso de figurar como parte a Fazenda Pública, o art. 85, § 3.º, realiza remissão a esses elementos. Impende examinar sua aplicação, inicialmente, nos casos em que a Fazenda Pública atua como parte ativa ou passiva. 699. Condição sucumbenciais

do

advogado

na

fixação

dos

honorários

Os elementos subjetivos que o juiz obrigatoriamente avalia, na fixação dos honorários sucumbenciais, aplicam-se aos advogados públicos, a teor do art. 85, § 3.º. Em primeiro lugar, o dispositivo firma o princípio que a qualidade da parte, em particular da Fazenda Pública, não lhe subtrai do regime geral da responsabilidade pelos honorários do vencedor, o que é positivo.163 Era o que entendia o STF perante o art. 64 do CPC de 1939.164 E assim continuou entendendo na vigência do CPC de 1973.165 Porém, o direito anterior dera tratamento privilegiado à Fazenda Pública, flagrantemente ferindo o princípio da isonomia.166 E, de fato, os honorários advocatícios que a Fazenda Pública receberá seguindo as diretrizes hoje constantes no art. 85, § 2.º, enquanto na hipótese de tornar-se vencida o juiz fixava os honorários através de apreciação equitativa. Essa discrepância merecia interpretação conforme à Constituição no sentido de o adversário da Fazenda Pública também ser condenado com base em juízo de equidade. Nada abalava o STJ, condenando o vencido a pagar honorários à Fazenda Pública sobre o valor do proveito econômico.167 O único temperamento residia na ressalva que, vencida a Fazenda Pública, a apreciação equitativa não implicava necessariamente a fixação dos honorários aquém do percentual mínimo de dez por cento sobre o valor da condenação.168 Volvendo ao ponto, porque superados esses problemas pelo critério do art. 85, § 3.º, os advogados públicos representam a Fazenda Pública em juízo. Em que pese não exercerem controle sobre a massa do trabalho, o art. 85, § 2.º, I a IV, não autoriza tratamento distinto diferenciado, sob esse aspecto ou qualquer outro. Assim, os critérios aplicam-se, indistintamente, aos advogados públicos e privados. 700. Condições do serviço na fixação dos honorários sucumbenciais

O art. 85, § 2.º, prescreve ao juiz, ao indicar o percentual dos honorários da sucumbência, o exame de seis condições ou características do serviço prestado pelo advogado do vencedor no curso do processo: (a) o grau de zelo profissional; (b) o lugar da prestação do serviço; (c) a natureza da causa; (d) a importância da causa; (e) o desempenho do advogado; (f) o tempo exigido pela causa. Esses dados também influenciam decisivamente as apreciação equitativa a que se refere o art. 85, § 8.º. E cada um deles apresenta particularidades. 701. Finalidade das condições do serviço na fixação dos honorários Os elementos arrolados no art. 85, § 2.º, I a IV, têm a finalidade de tornar a fixação dos honorários estritamente pessoal. O objetivo não logrou êxito no direito. A tendência indiscutível era a generalização. E há de considerar o estado da advocacia. Não tem sentido, realmente, individualizar honorários quando o serviço é prestado por sociedade de advogados, em que os advogados atuantes variam em cada ato, etapa, momento ou fase processual, substituindo-se os subscritores das peças no curso do processo por outros, o que leva à heterogeneidade do desempenho profissional. Fatores objetivos, como o lugar da prestação do serviço, preponderam nesses casos. 702. Fundamentação das condições do serviço na fixação dos honorários Por várias razões, entre as quais ressalta a costumeira e inegável quantidade de feitos, o juiz raramente se ocupa dos elementos qualitativos contemplados, atualmente, no art. 85, § 2.º, I a IV. O mais comum, e ainda assim atitude excepcional, é o pronunciamento ater-se a inexpressivas fórmulas de estilo, nas quais o juiz invoca, genericamente, os atributos do serviço prestado, ou recorde sem maiores especificações que atentou às prescrições legais. A interposição de recurso específico, revolvendo a questão, constrange o juiz e o tribunal a se manifestar, insatisfatoriamente que seja, sobre a matéria. É o que basta para legitimar o exame desses itens. Por outro lado, influencia em grande parte o automatismo judicial na indicação do percentual, para o bem e para o mal, o chamado fori consuetudo ou a praxe haurida de casos análogos. Não constitui, entretanto, elemento idôneo na operação.169 A lei processual exige a avaliação individual do trabalho desenvolvido pelo advogado em determinado caso. O fato de se atribuir o percentual máximo, em determinadas causas, e o percentual mínimo, em outras, revelará apenas o desapreço às regras do art. 85, § 2.º: em causas da mesma natureza, simples ou complexas, o trabalho do advogado do vencedor pode ser ótimo, bom ou ruim, conforme o caso, e o juiz deve atender a essas especificações concretas. 703. Dedicação do advogado na fixação dos honorários Nos motivos que presidem a opção do juiz pelo percentual concreto, desde o piso (dez por cento) até o teto (vinte por cento), ou os do art. 85, § 3.º, situa-se o grau de zelo profissional. O zelo do advogado expressa-se na dedicação e no desvelo concretamente demonstrado pela causa. Esse zelo

patenteia-se no acompanhamento permanente do processo, no impulso supletivo ao oficial, à prática de atos processuais válidos, pontualmente, quiçá antecipando-se ao termo final dos prazos legais e judiciais, e assim por diante. É o mais íntimo dos elementos subjetivos que entram na composição do percentual dos honorários sucumbenciais. O valor intelectual do advogado, a nomeada desfrutada no meio forense e os seus títulos acadêmicos nada têm a ver com o zelo na causa. O expoente da advocacia que não empregou a notória inteligência e saber no trabalho desenvolvido não fará jus, tão só em virtude do destaque pretérito, a honorários diferenciados,170 porque a lei processual considera o profissional médio ou comum.171 “Nenhum advogado adquire a notoriedade sadia, renome, reputação e respeito”, assinalou-se com razão, “graciosamente, e sim pelo zelo que remarca a sua conduta profissional no patrocínio da causa”.172 704. Lugar da prestação do serviço do advogado na fixação dos honorários O lugar da prestação do serviço do advogado é o fator indicado no art. 85, § 2.º, I. Conforme já se assentou no tocante ao reembolso das despesas de viagem (retro, 638.3), a circunstância de a parte ter contrato advogado cujo domicílio profissional é distinto do foro em que tramita a causa, apesar de opiniões em contrário,173 nenhum relevo exibirá na fixação dos honorários advocatícios. Esse fator não tem relação com a causa em si, mas com as preferências particulares da parte, a relação de confiança, ou afeição, por este ou aquele advogado. É inteiramente livre a parte para trazer advogado de outro local ou de outro Estado-membro. Todavia, semelhante escolha não pode agravar a responsabilidade financeira do vencido. Por identidade de motivos, a indicação de um dos luminares da advocacia privada nacional para representar o vencedor nenhuma influência exercerá na fixação dos honorários da sucumbência. Os deslocamentos que o advogado porventura realize em função da causa é que importam na fixação dos honorários.174 Pode acontecer de o advogado se deslocar do seu domicílio profissional para cidade de outro Estadomembro, a fim de acompanhar o cumprimento da precatória, e principalmente, participar da audiência designada no juízo deprecado para ouvir a testemunha arrolada pela parte contrária. Também a viagem à capital do Estado-membro, que é sede do tribunal do recurso, ou a viagem à capital federal, despachando com o relator do recurso especial ou do recurso extraordinário, além de despesas reembolsáveis (retro, 627.2), constituem movimentações inerentes ao profissional zeloso e dignas de maior remuneração. Em outras palavras, não importa que o ponto de partida desses deslocamentos seja o domicílio profissional, mas o foro da causa. Se o advogado, domiciliado profissionalmente na cidade A, desloca-se para atender a causa no foro da cidade B, essa viagem não entra em consideração; porém, se necessita deslocar-se de Apara C, por nesta se produzir a prova, então incide o art. 85, § 2.º, II. 705. Natureza da causa na fixação dos honorários

Em seguida, o art. 85, § 2.º, III, indica a natureza da causa como fator de relevo no ato do juiz que estabelecer o percentual dos honorários. E, de fato, há processos que envolvem questões de fato e de direito particularmente difíceis, e até inéditas, a exigir empenho redobrado do advogado. Esse item distingue-se importância da causa, porque considera a dificuldade intrínseca na exposição das razões da parte. 706. Importância da causa na fixação dos honorários A importância da causa é fator relevante no percentual dos honorários. Existem mais de um aspecto considera nesse ponto. A importância pode ser financeira, jurídica ou na mídia. Existem causas que, em virtude da notoriedade das partes e da singularidade dos fatos, despertam a atenção pública. Nunca se sabe quando e o porquê de a mídia “pautar” certo processo em detrimento de qualquer outro. Em tais causas, divulgadas na imprensa, a representação de uma das partes exige a exata e difícil combinação de altivez, discernimento e firmeza do advogado, geralmente instado a se manifestar em veículos tão diferentes quanto o jornal impresso e a televisão. É decisiva a intervenção para amenizar o assunto. Eventual êxito, na contramão das expectativas populares insufladas pela mídia predisposta em contrário, reclama valorização e compensação. A importância da causa se refere, sob o ângulo jurídico, à sua precedência e aptidão a tornar-se leading case. Por exemplo, o advogado que interpôs o recurso especial escolhido como representativo da controvérsia, e que, uma vez julgada neste ou naquele sentido, orientará os órgãos judiciários inferiores, há que receber retribuição pecuniária diferenciada dos colegas que, em causas idênticas, colhem os benefícios da consolidação da jurisprudência do STJ. Por fim, há causas de enorme repercussão financeira: o acolhimento da pretensão pode mudar para melhor ou pior a fortuna do autor e do réu. O advogado do vencedor gera despeito, o dos vencido provoca comiseração. Ora, num caso e noutro é imenso o risco profissional assumido, mostrando-se justo que o vencedor seja compensado por assumi-los com desassombro superior ao usual. 707. Desempenho do advogado na fixação dos honorários O desempenho do advogado, outro elemento inserido nesse contexto, anodinamente mencionado como o “trabalho realizado pelo advogado” no art. 85, § 2.º, IV, nas diversas etapas do processo (v.g., na audiência e no debate oral da causa, no primeiro e no segundo graus), não tem relação necessária com o desfecho do processo – há desempenhos excepcionais eclipsados pela falta de razão da parte –, mas, havendo êxito, reclama valorização análoga à da importância da causa. Esse trabalho tem mais a ver com a consistência das peças produzidas do que com a respectiva extensão. O advogado que ministra ao órgão judiciário os subsídios decisivos para nortear a motivação da sentença, antecipando a linha de raciocínio do magistrado e apresentando os argumentos que lhe secundam e robustecem, revela maestria singular.

Poucos advogados desenvolvem esse refinado instinto, identificando para qual lado inclina-se o convencimento do magistrado e, oportunamente, intervêm para corrigi-lo e estimulá-lo. Limpeza e inteligibilidade das peças, também indicadores de zelo, representam predicados do trabalho e do desempenho do advogado. O alcance da expressão “tempo exigido para o seu serviço”, no que tange à escolha do percentual (art. 85, § 2.º, IV) ou do valor dos honorários (art. 85, § 8.º), suscita controvérsias. Segundo respeitável opinião, o item abrange a duração excessiva do processo, estendendo o serviço por longo período e, por óbvio, difere a percepção dos honorários.175 Embora o dado não seja desprezível, o requisito envolve o tempo presumivelmente gasto pelo advogado na sua atuação,176 preparando as peças de sua responsabilidade, participando de audiências demoradas, haja vista a complexidade da inquirição e o número de testemunhas arroladas. É claro que a demora excessiva do processo influencia, em boa medida, o tempo gasto; porém, se o trabalho do advogado mostrou-se simples, embora eficiente, e, nada obstante, o processo demorou muito, em razão dos azares da vida (v.g., a doença do magistrado), não há direito a retribuição especial.177 708. Comportamento das partes na fixação dos honorários O art. 85, § 2.º ignorou o comportamento da parte vencedora como elemento para reduzir o percentual ou o valor dos honorários. E fez bem, porque a deslealdade atrai outra espécie de sanção, previstas no art. 81, caput. A condição pessoal da parte tampouco merece consideração ou menção especial. O fato de o vencedor dispor de recursos financeiros, ou não, mostrar mais ou menos simpático, filiar-se a algum partido político, ou ser figura pública, não tem relevo particular – ao menos quanto aos honorários do seu advogado. 709. Natureza das condições do serviço na fixação dos honorários Os elementos do art. 85, § 2.º, I a IV, representam irretorquíveis questões de fato. Fixado certo valor na análise do caso concreto, necessariamente individual, porque respeita ao comportamento e ao produto do advogado do vencedor, o mérito dessa questão se mostra insuscetível de revisão no recurso especial, conforme firme jurisprudência do STJ.178 § 146.º Honorários advocatícios na sentença definitiva 710. Honorários advocatícios no julgamento final do pedido O juiz chega ao juízo de mérito, desenvolvendo plenamente atividades e os respectivos poderes para resolver a lide, uma vez vencido o juízo de admissibilidade, ou seja, preenchidos os pressupostos processuais e as condições da ação, caso em que se habilitará a acolher ou rejeitar o pedido, a teor do art. 487, I.

É dessa natureza (julgamento do mérito), por igual, a sentença definitiva na qual o juiz pronuncia a decadência do direito ou a prescrição da pretensão (material), conforme o art. 487, II. Em tal hipótese, ao fim e ao cabo, rejeitará o pedido formulado pelo autor. Destacou a lei brasileira essa hipótese da regra geral do art. 487, I, para dissipar as dúvidas que se formaram acerca da autêntica natureza dessa espécie de pronunciamento. A única peculiaridade reponta na matéria (prescrição e decadência), constituindo etapa prévia percorrida no raciocínio para julgar o mérito. A sentença definitiva, prolatada na forma do art. 487, I e II, é o campo de incidência usual do art. 85, caput: o juiz, ao acolher ou rejeitar o pedido, condenará o vencido – réu ou autor, conforme haja procedência ou improcedência do pedido – nos honorários advocatícios. O princípio da sucumbência fundamenta o provimento desse teor na sentença definitiva. Forma-se na sentença lato sensu, destarte, o capítulo acessório da sucumbência (infra, 1.590). É essencial, entretanto, para a condenação do autor no caso de sentença de improcedência que o réu haja participado do processo. O revel não tem direito a reembolso das despesas do processo, porque nada antecipou a esse título, ou à condenação honorários de advogado.179 É o entendimento do STJ.180 Porém, representando-se ulteriormente o revel, conforme autoriza o art. 346, parágrafo único, a sentença de improcedência condenará o autor vencido ao reembolso das despesas processuais e aos honorários a favor do revel.181 Decidiu nesse sentido o STJ.182 Pode acontecer, todavia, consoante antevê o art. 492, caput, o acolhimento ou a rejeição do pedido no todo ou em parte. Verifica-se, então, o que o § 92, primeira parte, da ZPO alemã designa de sucumbência parcial.183 O autor não tem êxito integral, e, na parte repelida, assumirá a condição de vencido. Por sua vez, o art. 92 do CPC italiano estipula que, verificada a sucumbência recíproca, ou concorrendo outros motivos justos, lícito se afigura ao juiz compensar as despesas processuais entre partes. A doutrina italiana mostra-se propensa a tornar equivalentes as situações de sucumbência parcial e de sucumbência recíproca.184 É usual afirmar-se que esta ocorre “quando le domande di entrambi le parti sone state in parte accolte e in parte rispinta”.185 Por óbvio, a ideia repercutiu no direito brasileiro, entendendo-se intercambiáveis as expressões “sucumbência parcial” e “sucumbência recíproca”.186 Essa equivalência terminológica enevoa fenômenos distintos, alavancando a errônea tese que o réu, ao se defender, formula pedido (ao menos, de rejeição da pretensão processual), de modo que, parafraseando o excerto doutrinário, a demanda de ambas as partes é em parte acolhida e em parte rejeitada. Ora, o réu não age, mas reage à pretensão do autor; se o autor pede, o réu impede ao contestar. Nesse último caso, o réu nenhum pedido formula, pretendendo bem da vida, proveito ou utilidade do autor, exceto, rejeitado integralmente o pedido, a certeza intrínseca à declaração da inexistência do direito. Interessa-lhe somente a preservação do estado de fato ou do estado de direito.

É verdade que a sentença de improcedência, rejeitado por inteiro o pedido do autor, entregar-lhe-á um proveito: a certeza que o autor não tem razão. Esse resultado nem sequer depende da sua integração ao contraditório: revel que seja o réu, e operante a presunção de veracidade a favor dos fatos afirmados pelo autor na inicial (art. 344), o juiz talvez não visualize motivo bastante para acolher o pedido, haja vista a liberdade que lhe toca de qualificar os fatos (iura novit curia). E outro tanto ocorrerá na improcedência liminar do pedido (art. 332), não apelando o autor da sentença de improcedência. Acolhido em parte o pedido do autor, ou porque ele é único, mas quantitativamente divisível (v.g., o autor postulou a reparação do dano patrimonial, indicando o dano emergente e os lucros cessantes), ou porque o autor formulou mais de um pedido, valendo-se das possibilidades de cumulação simples, sucessiva ou eventual de pedidos – a cumulação subjetiva, ou a introdução de mais de uma pretensão, in simultaneo processu, em decorrência da ao menos uma parte plural, encontra-se prevista no art. 87 –, na realidade só o autor perde, embora parcialmente. O réu apenas deixou de sofrer derrota mais completa. A diferença salta à vista. Parece preferível reservar a expressão “sucumbência recíproca” para o caso de o réu, de seu turno, formular contrapedido perante o autor (v.g., mediante reconvenção), ou seja, às hipóteses em que o juiz desatende os interesses ativamente reclamados e opostos de duas partes. A sucumbência parcial ocorre quando o interesse do autor ficou em parte desatendido.187 Ao menos para fins didáticos, a separação das espécies tem valor. E o art. 85, § 14, in fine, impede a compensação “em caso de sucumbência parcial”. E, de fato, cada advogado, a quem é devida a verba honorária (art. 85, caput, c/c § 14, parte inicial), receberá honorários, na extensão do proveito obtido pela parte, sem que tais créditos sejam compensados. E, assim mesmo, a ênfase da sucumbência como a diferença entre o postulado e o decidido há de ser entendida nos seus devidos termos. Ela tem pertinência nos casos em que o juiz decide em resposta à iniciativa das partes, mas timbra pela imprecisão quando o juiz profere sentença terminativa, a mais das vezes, ou sentença definitiva, mais residualmente (v.g., pronunciando a decadência do direito), como consequência da resolução de questão que lhe caiba apreciar ex officio. As expressões “sucumbência parcial” e “sucumbência recíproca” só perdem a sua natural imprecisão, nesse ponto, entendendo-se que identifiquem a situação específica do vencido: o autor que não obteve tudo quanto pretendeu perante o réu (sucumbência parcial) e as partes que, mutuamente, não lograram satisfazer integralmente os seus interesses (sucumbência recíproca). O art. 86, caput, resolveu esse problema do gravame imposto a interesses opostos de duas partes, ou ao interesse do autor, através de regra direta, partindo do acertado princípio que, “quando o autor vencer em parte, estará automaticamente vencido em parte, o mesmo se dando com o réu”.188 Em realidade, a regra exibe alcance mais largo, dispondo o seguinte: “Se cada litigante for, em parte vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas”. Ela abrange, flexivelmente, a sucumbência parcial e a sucumbência recíproca e, de resto, omitiu referência aos honorários, porque incompensáveis. A aparência de simplicidade induzida

pela leitura da regra se desvanecerá rapidamente no exame concreto dessas hipóteses de incidência. Configurada a situação em que cada litigante é vencido e é vencedor simultaneamente, concebem-se três critérios para atribuir as despesas e os honorários: (a) cada parte arca com as despesas já antecipadas, sem embargo de se mostrarem desproporcionais, e nenhuma delas é condenada a pagar honorários advocatícios ao advogado da outra; (b) uma parte paga ao advogado da outra os honorários e as despesas referentes à extensão da respectiva sucumbência; (c) distribuem-se as despesas e os honorários entre as partes, consoante a extensão da sua sucumbência, e, posteriormente, realiza-se a compensação, devendo uma das partes, existindo saldo credor da outra, restituir o produto a ela desfavorável nessa equação.189 O terceiro critério, anteriormente adotado no direito brasileiro, não se coaduna com a atribuição dos honorários ao advogado da parte, não admitindo compensação (art. 85, § 14). À luz do art. 86, caput, a lei adotou a segunda posição. É digno de registro, porém, a inclinação da jurisprudência do STF, então competente para uniformizar a aplicação do direito federal, e na vigência da versão reformada do art. 64 do CPC de 1939, pela segunda tese, ficando a cargo do vencido os honorários advocatícios “ainda que o autor não alcançado total êxito de sua pretensão”.190 Conforme se assinalou a esse propósito, as reminiscências da velha fórmula ecoaram o CPC de 1973, posto que incompatíveis com a diretriz positiva então fixada, porque “é muito raro que, com o acolhimento da pretensão inferior ao pedido inicial, a sentença determine duas operações, para depois fazer a compensação, isto é, em obediência explícita à reciprocidade, fixe honorários a cargo do réu, para a porção acolhida, e outros honorários advocatícios a cargo do autor, para a porção rejeitada do pedido”.191 Entretanto, é a operação atualmente exigida pelo art. 86, caput, outra vez dificultando as operações intelectuais tendentes a elaborar o capítulo acessório da sucumbência. 710.1. Sucumbência parcial – Ocorre a sucumbência parcial do autor em duas hipóteses: (a) o pedido único é passível de divisão quantitativa (v.g., o autor pleiteou, a título de reparação do dano patrimonial, o valor X como dano emergente, e o valor Y como lucro cessante), e o juiz concede quantidade menor que a postulada;192 ou (b) o autor formulou dois ou mais pedidos perante o réu, mas o juiz só acolheu um deles, ou alguns dentre os vários pedidos, repelindo o(s) outro(s). É claro que, formulando o réu pedido perante o autor, assume a posição de autor dessa pretensão, ensejando que, quanto a ele, se verifiquem as mesmas situações. O art. 85, § 1.º, declara devidos honorários advocatícios na reconvenção. Assim, cada litigante em parte ficará vencido, em parte vencedor, incidindo o art. 86, caput. 710.1.1. Sucumbência parcial perante pedido único – Formulando o autor pedido único perante o réu, a diretriz extraída do art. 86, caput, é inequívoca: “a condenação proporcional a que se refere o artigo deve ser a expressão prática, contábil, de uma verdadeira e rigorosa proporcionalidade financeira, entre os valores, representativos daquilo que foi pedido e do que denegado”.193 A operação exigida pela correta aplicação dessa regra reclama do juiz diversas etapas. Não é terreno plano e sem asperezas inusitadas.

O juiz estabelecerá, preliminarmente, o percentual de vencimento de cada parte. Por exemplo, o autor pleiteou 100 (cem) para reparar o alegado dano sofrido, sendo 70 (setenta) a título de danos emergentes e 30 (trinta) como lucros cessantes; porém, o juiz entendeu insubsistentes os lucros cessantes e, portanto, só condenou o réu em 70 (setenta). Esses valores têm dupla função: primeira, fornecem a base do cálculo dos honorários; segunda, indicam os percentuais, respectivamente 70% (setenta por cento) e 30% (trinta por cento), disciplinando o direito ao reembolso das despesas processuais. Por vezes, a determinação do vencimento do autor exigirá esforços hercúleos do órgão judiciário. Ela não é fácil nos casos em que o autor, desobedecendo ao art. 324, caput, formula pedido genérico. Em tal dificuldade, o juiz recorrerá a juízo de aproximação, por sua vez estimando o vencimento. A jurisprudência do STJ estimou que, formulado pedido fixo, relativamente ao valor dos danos morais, a condenação em quantia inferior não importa sucumbência parcial (chamada impropriamente de recíproca). Por óbvio, correto mostrar-se-á o vencimento parcial do autor, pois não existe pedido de valor estimativo,194 mas a Súmula do STJ, n.º 326 (“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”) dissipou a dúvida. É melhor uma orientação que nenhuma. Em seguida, o juiz fixará os honorários advocatícios, considerando as diretrizes do art. 85, § 2.º, relativamente ao advogado do autor e ao advogado do réu. Segundo o entendimento conforme ao princípio da igualdade das partes, o critério é idêntico num caso e noutro, a teor do art. 85, § 6.º. Disciplina diferente provocaria assimetrias intoleráveis: ou porque os honorários do advogado do réu ficariam abaixo do percentual mínimo do art. 85, § 2.º, ou porque ultrapassariam o percentual máximo, provocando tratamento desigual. É necessário o juiz, em todo o caso, fixar honorários a favor do advogado de uma e de outra parte, pois os critérios do art. 85, § 2.º, I a IV, mostram-se estritamente individuais; por exemplo, o zelo do advogado do réu talvez haja se mostrado mais contundente do que o do advogado do autor (v.g., o autor interpôs apelação intempestiva contra o capítulo desfavorável da sentença), bem como de maior qualidade as peças apresentadas. Nada exclui, portanto, sem pejo da prática, o juiz fixar o percentual dos honorários do réu, cuja base de cálculo é 30 (trinta), em 20% (vinte por cento), e arbitrar os honorários do advogado do autor, cuja base de cálculo é 70 (setenta), em 10% (dez por cento). A etapa seguinte envolve as despesas processuais. Em primeiro lugar, os valores antecipados pelas partes raramente se mostram idênticos. Dependem da atividade desenvolvida no processo, maior e menor consoante as circunstâncias, e do regime do dever de antecipação. Em geral, o autor tem maiores encargos e realiza as despesas de maior vulto, pois lhe toca, dentre outros, o dever de antecipar as despesas dos atos ordenados pelo juiz, ex officio, ou requeridos pelo Ministério Público na condição de parte coadjuvante (art. 82, § 1.º). Em outras palavras, os valores variam; por exemplo, o autor antecipou 10 (dez), porque pagou os expressivos honorários do perito, enquanto o réu antecipou apenas 4 (quatro).

Pode acontecer, de resto, de uma ou de nenhuma das partes antecipar quaisquer despesas, porque pessoa isenta ou porque o regime do remédio processual elimina essa despesa (v.g., na ação civil pública, art. 18 da Lei 7.347/1985: “Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas…”). Ademais, existindo despesas antecipadas, o juiz há de aquilatar se a despesa é, ou não, reembolsável pelo vencido e qual seu montante. É hora de o juiz examinar o recibo juntado aos autos, relativamente aos honorários pagos aos assistentes técnicos (retro, 638.5). Talvez haja proferido decisão, na resolução de certo incidente, atribuindo as respectivas despesas unicamente a uma das partes. Essas não entram na equação do art. 86, caput. Depurado o valor das despesas, o juiz aplicará o percentual do vencimento: o autor tem direito ao reembolso de 70% (setenta por cento) sobre o valor das suas despesas (10) e o réu a 30% (tinta por cento) do valor das despesas que antecipou (4). É decorrência da regra da proporcionalidade inserida no art. 86, caput. Fixados os honorários advocatícios e, ainda, definido o montante das despesas reembolsáveis, armam-se os temos da equação: o advogado do autor tem direito a 7 (sete) a título de honorários advocatícios (dez por cento sobre setenta) e o autor ao reembolso de 70% (setenta por cento) das despesas antecipadas, que somam 10 (dez), o que é igual a 7 (sete) perfazendo 14 (quatorze); de seu lado, o advogado do réu tem direito a 6 (seis), a título de honorários advocatícios (vinte por centro sobre trinta), e o réu trinta por cento das despesas por ele antecipadas, o que equivale a 1,2 (um vírgula dois), o que perfaz 7,2 (sete vírgula dois). Desses créditos, porque os honorários não se compensam (art. 85, § 14, in fine), resulta que o réu deve ao autor 6,8 (seis vírgula oito), a título de reembolso das despesas processuais. O total da dívida do réu é de 76,8 (setenta e seis vírgula oito), além dos honorários devidos ao advogado do autor. A compensação do valor dos honorários, em casos tais, suscitou controvérsias. O titular do crédito relativo aos honorários sucumbenciais é o advogado, e, não, a parte, consoante o art. 23 da Lei 8.906/1994. Faltaria a conexão subjetiva própria da figura da compensação em razão da diversidade de credores: os honorários do advogado X do autor A são devidos pelo réu B, e os do advogado Y do réu B são devidos pelo autor A. Firmou-se a jurisprudência do STJ, entretanto, no sentido de admitir a compensação, conforme a Súmula, n.º 306: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurando o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”. A circunstância de uma das partes usufruir do benefício da gratuidade não obsta a compensação.195 Em perspectiva dogmática, informada pela figura da compensação regulada na lei civil, o verbete encampa tese jurídica contra legem; do ponto de vista processual, a compensação das despesas porcessuais representa uma exceção à regra geral em matéria de compensação, medindo a inexistência de condenação.196O resultado final retrata o montante da condenação.

Ora, o art. 85, § 14, impede a compensação dos honorários, e, portanto, a tese jurídica em que se fundava a Súmula do STJ, n.º 306, não tem o menor cabimento na vigência do NCPC. Não faltava intuitiva sabedoria à velha forma e à reiterada prática adotada nas sentenças e acórdãos, condenando o réu, no caso de sucumbência parcial, ao pagamento de 70% dos honorários advocatícios, fixados no percentual de dez por cento sobre o valor da condenação, e das despesas processuais, alcançando-se a soma de 84 (oitenta e quatro), simplificando a operação aritmética, dificultada, de resto, nos casos de condenação ilíquida. Ela não fazia justiça ao réu, como demonstra a diferença no valor final da condenação, por mais simples que seja o respectivo cálculo. 710.1.2. Sucumbência parcial perante pedidos cumulados – Não é substancialmente distinta a operação que incumbe ao juiz realizar na aplicação do art. 86,caput, no caso de cumulação de pedidos. Cumpre considerar, agora, a extensão do vencimento econômico do autor perante o acolhimento de um dos pedidos, ou alguns deles, dentre os vários formulados perante o réu, mas não de todos. E pode acontecer que um dos pedidos, ou alguns deles, sejam acolhidos em parte, resultando combinação complexa, aumentada no caso de sucumbência paralela,197 ou seja, no caso da existência de litisconsórcio ativo e vencimento parcial de cada um dos autores. Recorde-se, outra vez, a inexistência de solidariedade na obrigação de os autores reembolsarem as despesas e pagarem os honorários ao(s) advogado(s) do réu vencedor (art. 87), e, reciprocamente, da obrigação dos diversos réus. Essas diretrizes aplicam-se, sem outros sobressaltos que não os da proporcionalidade exigida no art. 87, caput, na cumulação simples e na cumulação sucessiva. Formulando o autor dois ou mais pedidos em cumulação eventual (art. 326, caput), na qual o juiz só apreciará o pedido subsequente na hipótese de rejeitar o pedido antecedente, controverteu-se a existência de sucumbência parcial no caso de rejeição deste e de acolhimento daquele, máxime perante a falta de coincidência do conteúdo econômico de um pedido e outro. Entende-se que, assim acontecendo, ocorrerá sucumbência parcial, in verbis: “Havendo a rejeição do pedido principal e o acolhimento de outro subsidiário, estará configurada a mútua sucumbência, podendo o juiz, no caso concreto e com recurso ao juízo de equidade, atribuir os ônus sucumbenciais integralmente ao réu, quando reconhecer a sucumbência mínima do autor naqueles em que há parcial equivalência entre os pedidos principal e subsidiário”.198 O problema desse entendimento reponta na erosão da possibilidade de o autor formular em caráter principal um pedido mais audacioso (v.g., em desconformidade com a jurisprudência prevalecente, mas errada), resguardando-se contra a sua possível rejeição com o pedido subsequente mais conformista, pois não desfrutará nenhuma diminuição dos riscos financeiros do processo.199 O temperamento introduzido pela parte final do precedente transcrito é bem-vinda. 710.2. Sucumbência recíproca – Reservou-se a expressão sucumbência recíproca para a hipótese de ambas as partes formularem pedidos em contraposição. E a hipótese mais óbvia e comum decorre da pretensão

reconvencional do réu, declarando o art. 85, § 1.º, devidos honorários na reconvenção. A esse propósito, duas são as situações concebíveis, sem prejuízo da interferência da cumulação de pedidos na ação e na reconvenção. Pode acontecer de o juiz julgar a ação e a reconvenção procedentes ou improcedentes, no julgamento conjunto, havendo pedidos únicos ou múltiplos em cada uma delas. Em tais hipóteses, o juiz atribuirá a cada advogado da parte mutuamente vencida, ou seja, ao autor e ao réu, os honorários advocatícios, atentando, especialmente, à diversidade do conteúdo econômico das respectivas pretensões – a reconvenção constitui demanda autônoma e tem conteúdo econômico determinado ou determinável, sem relação necessária com a demanda do autor –,200 nos termos já explicados – o que, na prática, resultará em saldo favorável ao litigante que venceu em maior extensão. Conforme decidiu o STJ, “os honorários advocatícios, na reconvenção, são independentes daqueles fixados na ação principal, razão pela qual pode ser estabelecido percentual distinto para seu cálculo”.201 Por exemplo, o autor A pediu a condenação do réu B em 100 (cem), mas este formulou pedido reconvencional, pleiteando a condenação de A em 50 (cinquenta), e o juiz acolhe ambos os pedidos. De olhar fito às diretrizes do art. 85, § 2.º, ou, figurando como parte a Fazenda Pública, às do art. 85, § 3.º, considerando a diversidade do trabalho desempenhado pelos advogados das partes para obter o êxito, o juiz condena o réu a pagar honorários ao advogado do autor no percentual de 20% (vinte por cento) sobre 100 (cem), perfazendo 20 (vinte); e o autor a pagar honorários ao advogado do réu no percentual de 10% (dez por cento) sobre 50 (cinquenta), o que perfaz 5 (cinco). Não haverá compensação dessas verbas (art. 85, § 14, in fine), mas das despesas processuais porventura antecipadas (art. 86, caput). Se o juiz acolhe a pretensão do autor, mas rejeita a pretensão reconvencional, ou vice-versa, o caso muda de figura. Desaparecerá a sucumbência recíproca, porque só uma das partes restou vencida, e, conseguintemente, não incidirá o art. 86, caput, quanto às depesas. O juiz somente condenará o vencido, ou seja, conforme a hipótese, o autor ou o réu, ao pagamento dos honorários advocatícios, e, a fortiori, ao reembolso das despesas processuais. Aí se patenteava o maior óbice ao juízo de equidade no tocante ao juízo de improcedência, superado pelo art. 85, § 6.º. Por exemplo, o autor A pediu a condenação do réu B ao pagamento de 100 (cem), mas o réu B reconveio, pleiteando a condenação do autor A ao pagamento de 50 (cinquenta), e o juiz acolheu o pedido do autor e rejeitou o pedido do réu: cabe-lhe fixar honorários a favor do advogado do autor entre dez e vinte por cento sobre 100, mais verba remunerando os serviços prestados para rejeitar o pedido de 50, consoante juízo de equidade.202 Essa duplicidade de critérios não é mais cabível: o juiz fixará o percentual adequado sobre 150. Era controvertida a possibilidade de compensação recíproca, nessas condições, quando processos conexos hajam sido reunidos por força de conexão.203 Admitia-se semelhante compensação o processo cautelar e o processo principal,204 reunidos por força da dependência, doravante préexcluída por duas razões: (a) o pedido principal processa-se, in simultaneo processu, no caso da pretensão à segurança antecedente; (b) inexiste a possibilidade de compensação de honorários (art. 85, § 14, in fine). Seja como for, a ausência de conexão subjetiva não era argumento persuasivo para préexcluir a compensação no direito anterior. O STJ não interpretava o art. 23 da

Lei 8.906/1994 em sentido literal, reconhecendo direito próprio do advogado aos honorários sucumbenciais, mas como regra de legitimação extraordinária, entendimento afinal cristalizado na Súmula, n.º 306, hoje superado. Forçoso convir que era a solução mais justa: a conexão que reuniu processos distintos não discrepa da que autorizaria os adversários deduzirem suas pretensões processuais in simultaneo processu. 710.3. Sucumbência mínima – O art. 86, parágrafo único, autoriza o juiz a não aplicar a regra da proporcionalidade dos vencimentos no caso de um litigante decair de parte mínima do pedido. Essa regra aplica-se nos casos de sucumbência parcial e de sucumbência recíproca. Ao medir a avaliação do vencimento econômico de cada uma das partes, o juiz verifica que uma delas sucumbiu minimamente, considerando o valor do êxito; por exemplo, o autor A pediu a condenação do réu B em 100 (cem), compreendendo o principal e os juros compensatórios, e o juiz acolheu o pedido em parte, restringindo o percentual dos juros, reduzindo a condenação a 98 (noventa e oito). Logo se percebe que a noção de parte mínima é uma relação entre dois termos: o ganho e a perda.205 É preciso que a perda seja insignificante ou pouco expressiva no conjunto.206 Também aqui a identificação do conteúdo econômico do vencimento oferece expressivas dificuldades, superadas, na prática, por certa margem de arbítrio, considerando decaimento mínimo o que não o seria, de ordinário, a fim de atalhar a complexa operação necessária à correta aplicação do art. 86,caput. O STJ tem recusado reexaminar o juízo fixado nas instâncias ordinárias a respeito do decaimento mínimo, mas, pronunciando-se originariamente, em razão do provimento do recurso especial, segue a linha preconizada, proclamando: “O fato de o valor devido ter sido significativamente maior que o crédito calculado não caracteriza sucumbência mínima, pois deve-se considerar os pedidos deferidos e indeferidos, e não simplesmente o valor a ser restituído”.207 711. Honorários advocatícios no julgamento prévio do pedido Em sua versão originária, o segundo estatuto processual unitário já consagrara hipótese em que o juiz, por exceção, julga imediatamente o mérito, ao primeiro contato com a inicial, pronunciando a prescrição e a decadência. Formalmente, em virtude da localização desse dispositivo, ocorreria indeferimento da petição inicial, e, conseguintemente, prolataria sentença terminativa; porém, trata-se de julgamento do mérito, pois importa o conteúdo do ato decisório, acomodado à regra equivalente ao art. 487, II, e, não, eventual designação ou forma. E as possibilidades de o juiz pronunciar a prescrição, desde logo, aumentaram exponencialmente com a ulterior redação a possibilidade de o juiz conhecer dessa matéria ex officio. Posteriormente, estendeu-se o julgamento prévio do mérito a outras situações, basicamente aos casos em que o mesmo juízo já proferiu, em causa análoga, mas não idêntica, porque diferentes as partes, sentença de total improcedência do pedido. O arranjo atual do art. 332 é muito superior em alcance e técnica. Sem prejuízo da pronúncia liminar da prescrição e da decadência (art. 332, § 1.º), prevê a rejeição liminar do pedido no caso de contrariedade: (a) à súmula do STF ou do STJ (inciso I); (b) acórdão do STF e do STJ proferido no julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos; (c) à precedente firmando em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção

da competência (inciso III); (d) ao enunciado de súmula do TJ sobre direito local – estadual ou municipal (inciso IV). Tal assunto receberá exame mais atento, quanto aos respectivos pressupostos, no capítulo dedicado à formação do processo (infra, 1.539). Por ora, interessa examinar em casos tais, em que há sentença de improcedência liminar, a condenação do vencido em honorários advocatícios, na forma do art. 85, caput. O critério decisivo quanto à condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios reside na participação, ou não, do réu no processo. O indeferimento da petição inicial, por qualquer razão bastante, não enseja semelhante condenação,208 arcando o vencido unicamente com as despesas processuais antecipadas e, naturalmente, com o pagamento do seu advogado. Decidiu o STJ: “O juiz não pode, ao indeferir a inicial sem a citação do réu, condenar o autor em honorários advocatícios. O contrário traduziria enriquecimento sem causa do demandado que, sem utilizar serviços de advogado, receberia indenização por numerário que, em realidade, não dispendeu”.209 Portanto, no primeiro momento, emitindo sentença de rejeição do pedido o juiz do primeiro grau, inexiste condenação da pessoa natural ou jurídica indicada como ré na petição inicial. Não é omissa, absolutamente, a sentença que nada dispõe sobre honorários nessa oportunidade. Recorrendo o autor da sentença definitiva, ocorrerá a citação do réu para responder ao recurso, hipótese em que caberia ao órgão ad quem, desprovendo a apelação e mantido o indeferimento – do contrário, o processo prosseguiria, no primeiro grau, com a abertura do prazo de defesa para o réu –, condenar o autor ao pagamento dos honorários advocatícios,210 atentando à atividade processual limitada desenvolvida pelo vencedor. Nessa contingência, participando o réu – e vinculando-se, destarte, a eventual juízo desfavorável, no caso de provimento do apelo –, eventualmente produzindo alegações decisivas para a manutenção da sentença, necessária é a condenação do autor nos honorários advocatícios.211 Foi o que decidiu o STJ já na vigência do novo regime da regra que, relativamente à sentença terminativa de indeferimento da petição inicial (art. 330), dispensava a citação do réu para acompanhar a apelação.212 Essas considerações explicam o cabimento de honorários advocatícios na sentença definitiva proferida nos casos de julgamento prévio do mérito previstos no art. 332. À diferença do que acontece no caso do indeferimento da petição inicial, no direito anterior, porque nele o réu não intervinha, exceto posteriormente, reformada a sentença terminativa no órgão ad quem, o art. 332, § 4.º, prevê o chamamento do réu para responder ao apelo. Nesse caso, necessitará de advogado para postular em juízo. Logo, mantida a sentença de improcedência prima facie pelo órgão ad quem, impõe-se condenar o autor vencido ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios a favor do advogado do réu.213 É um relevante fator de desestímulo à interposição do recurso fadado ao insucesso. É indispensável remarcar dois aspectos inerentes à sistemática: primeiro, inexiste a necessidade de o réu pedir expressamente a condenação do autor

e apelante em honorários advocatícios, pois o tribunal deverá se pronunciar a esse respeito ex officio, como sói ocorrer quanto ao pronunciamento previsto no art. 85, caput; segundo, a condenação do autor em honorários não constitui reformatio in pejus, pois a questão relativa à sucumbência se insere no efeito devolutivo da apelação ou, segundo a opinião hoje prevalecente, compõe o chamado efeito “translativo”. 712. Honorários advocatícios no reconhecimento do pedido O reconhecimento do pedido é negócio jurídico unilateral em que o réu expressa a adesão do réu à pretensão do autor.214 Cuida-se, como expressivamente se afirmou, de “rendição sem luta”.215 Deixando à parte os demais aspectos, extensamente tratados no capítulo dedicado às sentenças definitivas, importa estabelecer o cabimento dos honorários advocatícios. Existem dois claros princípios a nortear a atividade judicante: (a) o acolhimento do pedido exibirá a mesma extensão do reconhecimento; (b) o reconhecimento eficaz há de se exibir incondicional, embora eventualmente restrito (v.g., na cumulação simples de pedido, versa uma das postulações do autor). Não se confundem, absolutamente, reconhecimento do pedido e confissão (infra, 1.624). O reconhecimento de fato contrário ao próprio interesse pode ou não influenciar decisivamente o acolhimento ou a rejeição do pedido, mas é elemento irrelevante na atribuição de honorários advocatícios ao vencido,216 o que resultará do acolhimento ou da rejeição do pedido, fundada ou não na confissão da parte. O art. 90, § 4.º, concede apreciável benefício econômico ao reconhecimento do pedido pelo réu, pouco importando se total ou parcial, e simultaneamente prestar ao autor. Em tal hipótese, os honorários porventura devidos, quanto ao objeto do reconhecimento, serão reduzidos à metade. Tal não pré-exclui a operação necessária à fixação dos honorários, a teor do art. 85, § 2.º, I a IV, pois a redação ocorrerá sobre o montante concreto. 712.1. Honorários advocatícios perante reconhecimento total do pedido – Feito reconhecimento total – no cúmulo eventual (art. 326, caput), total se afigura o reconhecimento cujo objeto recaia sobre o primeiro pedido –, o juiz condenará o réu integralmente em honorários advocatícios, na forma do art. 90, caput.217Flagrantemente, a condenação baseia-se no princípio da causalidade: o réu deu causa ao processo, obrigando o autor a contratar advogado para ir a juízo.218 Esse ato, porque sentença definitiva (art. 487, III, a), desafia apelação (art. 1.009, caput). Em princípio, nenhum interesse tem as partes para impugnar a sentença. Interesse surgirá, residual e limitadamente, quanto à condenação em honorários, relacionado à extensão reconhecida pelo juiz ao reconhecimento, abstendo ele, perante reconhecimento total, de condenar o réu nos honorários. Realizado reconhecimento parcial, mas entendendo o juiz que ele abrangeu todo o objeto litigioso, e provendo nesse sentido, tem o réu interesse para o réu impugnar o ato decisório na parte que extrapolou a declaração de vontade restrita.

712.2. Honorários advocatícios perante reconhecimento parcial do pedido – O reconhecimento objetiva ou subjetivamente parcial não produz essas consequências uniformemente. O processo há de prosseguir para formular a regra jurídica concreta no tocante à parte remanescente do objeto litigioso. No entanto, o juiz também emitirá sentença, naturalmente parcial (infra, 1.626), atribuindo, proporcionalmente à parte reconhecida, os ônus da sucumbência (art. 90, § 1.º). É importante fixar os casos de reconhecimento objetiva e subjetivamente parcial, pois o processo cumulativo determina o campo natural de operação do reconhecimento parcial. Formulando o autor mais de um pedido, o problema se resolve consoante a modalidade do cúmulo. Tratando-se de cumulação simples (retro, 279.1), lícito ao réu reconhecer ambos os pedidos (x e y) ou apenas um deles (x ou y), hipótese em que o reconhecimento revelar-se-á objetivamente parcial. E o réu arcará, em parte, com os honorários advocatícios, consoante o conteúdo econômico do pedido reconhecido, sem embargo de eventual vitória quanto ao remanescente. De outro lado, na cumulação sucessiva (retro, 279.2), impõe-se ao réu reconhecer ambos os pedidos, mediante declaração expressa desse teor, para configurar-se o reconhecimento total. Nada impede o réu reconhecer apenas o pedido principal (v.g., a reintegração de posse) ou o pedido sucessivo (v.g., as perdas e danos). No caso de reconhecer o pedido sucessivo, abstendo-se de fazê-lo quanto ao principal, haverá flagrante contradição na atitude do réu, mas superável: entende-se que, vencido no pedido principal, o réu não deseja controverter o pedido sucessivo. Seja como for, o réu arcará em parte com os honorários advocatícios, consoante o conteúdo econômico do pedido reconhecido. Em se cuidando, por fim, de cumulação eventual (retro, 279.3), basta o réu reconhecer o pedido antecedente (v.g., a redibição do contrato por vício oculto), para se mostrar total. O acolhimento desse pedido, por definição, dispensa de apreciação o pedido subsequente (v.g., o abatimento do preço). O réu responderá por inteiro pelos honorários do advogado do autor. O reconhecimento do pedido subsequente, omitida qualquer referência ao pedido antecedente, adquire eficácia eventual, como é da natureza desse cúmulo: rejeitado o primeiro pedido (v.g., a insignificância do vício determina a manutenção do negócio), inevitavelmente o juiz acolherá o segundo pedido com fundamento no art. 487, III, a. Pode acontecer de o juiz acolher o pedido antecedente, nada obstante o reconhecimento do pedido subsequente, e o réu apelar da sentença, dando-lhe razão o tribunal para rejeitar o primeiro pedido; em tal situação, também se mostrará inexorável o acolhimento do pedido subsequente. No caso de acolhimento do pedido subsequente, no órgão a quo ou no órgão ad quem, como cogitado, o STJ firmou o entendimento que há mútua sucumbência, aduzindo: “Havendo a rejeição do pedido principal e o acolhimento de outro subsidiário, estará configurada a mútua sucumbência, podendo o juiz, no caso concreto e com recurso ao juízo de equidade, atribuir os ônus sucumbenciais integralmente ao réu, quando reconhecer a sucumbência mínima do autor naqueles em que há parcial equivalência entre os pedidos principal e subsidiário”.219 Dependerá do regime do litisconsórcio, simples ou unitário, a eficácia subjetiva total ou parcial do reconhecimento do pedido.

Em princípio, incide o art. 117, primeira parte: o comportamento determinante de um litisconsorte não prejudica, nem beneficia o outro. Desse modo, se A e Bdemandam C, pleiteando a condenação deste à prestação x e y, e o réu reconhece o pedido formulado por A, total (x e y) ou parcialmente (x ou y) cuida-se de reconhecimento subjetivamente parcial, e objetivamente total ou parcial, conforme o caso, devendo o juiz emitir sentença em favor de A perante C, limitada ao objeto do reconhecimento, mas o processo prosseguirá perante B e C. O réu que reconheceu responderá pelos honorários advocatícios na forma do art. 87, ou seja, per capita e na proporção do conteúdo econômico do reconhecimento. O litisconsórcio unitário exige uniformidade no julgamento para os litisconsortes, e, assim, se o réu B reconhece o pedido na demanda movida por A também contraC, o reconhecimento somente se mostrará eficaz se C manifestar idêntica vontade.220 Em tal hipótese, ambos os réus respondem, per capita, pelos honorários advocatícios (art. 87), conforme já se examinou no capítulo das despesas processuais (retro, 646); do contrário, formulado o reconhecimento por um só dos réus, no litisconsórcio unitário esse comportamento afigura-se irrelevante. O reconhecimento individual indica a falta de ânimo para litigar, mas o juiz deverá prosseguir no processamento da causa até o julgamento final. Existe singular precedente do STJ afastando o regime da unitariedade, porque honorários não concernem ao objeto litigioso, e, portanto, não reclamam tratamento uniforme.221 Embora concebida com olhar fito na extensão dos efeitos do recurso interposto contra o capítulo acessório da sucumbência, a tese comporta generalização, principalmente na consideração que, quanto às despesas processuais, o art. 87 repeliu a solidariedade entre os litisconsortes perante o credor do reembolso. Nada obstante, o caráter acessório dos honorários advocatícios recomenda a adoção da uniformidade, quanto ao reconhecimento do pedido. É bem de ver que, havendo condenação dos litisconsortes, porque todos aderiram ao reconhecimento, tal ocorrerá sem prejuízo da responsabilidade individual, per capita, ou seja, cada litisconsorte responderá unicamente por sua conta, resultante da divisão do valor dos honorários pelo número de litisconsortes, salvo omissão da sentença na distribuição, caso em que vigora a solidariedade (art. 87, § 2.º). O reconhecimento parcial, em que pese causa de sentença definitiva, a teor do art. 485, III, a, também exibe regime distinto para a impugnação, valendo, todavia, as considerações já feitas quanto ao interesse. Não há a possibilidade de impugnação autônoma através de agravo de instrumento. 712.3. Honorários advocatícios perante reconhecimento ineficaz – O reconhecimento do pedido suscita o problema do alcance da adstrição do juiz ao negócio jurídico unilateral do réu. É que a confessio in jure do réu abrange os fatos e o efeito jurídico porventura alegado pelo autor. Ora, em matéria jurídica, ao juiz todos os ordenamentos, exigindo-lhe fidelidade ao direito, também lhe conferem a liberdade de apreciar a subsistência dos efeitos jurídicos livremente, haja ou não resistência do réu, porque iura novit curia. No regime atual, enaltecendo o contraditório, a única exigência consiste em promover debate prévio. Logo, concebe-se que o juiz entenda, nada obstante o reconhecimento, inexistirem os efeitos pretendidos perante o réu. E, nesse caso, não se mostrará adstrito ao negócio, cabendo-lhe rejeitar o(s) pedido(s),

hipótese em que condenará o autor nos honorários advocatícios.222 Em sentido contrário, opina-se que o mais justo, recorrendo ao princípio do interesse, pois as partes visaram a resultado comum e ambas ficaram contrariadas com a sentença de improcedência, “será a partilha dos encargos do processo, respondendo cada qual pelos honorários do respectivo advogado”.223 Trata-se, na realidade, de falso problema. O reconhecimento não versa a incidência dos fatos à norma, porque o réu aceita as consequências jurídicas com abstração da causa. Assim, ao julgar de acordo com o reconhecimento, o juiz aplicará, tout court, o direito objetivo.224 Nenhum dispositivo legal autoriza o juiz negar as consequências jurídicas do reconhecimento. Por conseguinte, inexiste reconhecimento ineficaz, em razão do fato de o juiz entender errônea a qualificação jurídica dos fatos feita pelas partes ou inadmissível o efeito jurídico pretendido pelo autor, sendo disponível o objeto litigioso, hipótese em que, jungido ao negócio jurídico unilateral, atribuirá os honorários advocatícios ao réu. 713. Honorários advocatícios na transação Lícito se afigura as partes encerrarem o litígio através de transação. Em tal hipótese, e pendendo o processo sobre o objeto da transação, ou não, a atividade judicante vincula-se aos termos desse negócio bilateral das partes, e emitirá sentença definitiva (art. 487, III, b). O controle judicial da transação, pressupondo-se a existência da transação, aos respectivos requisitos de validade e fatores de eficácia no plano substancial, sem prejuízo da circunstância de a emissão de sentença definitiva também pressupor o preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais (v.g., juiz absolutamente incompetente não pode homologar transação, que se tornaria passível de rescisória, a teor do art. 966, II). No que tange aos honorários advocatícios, concebem-se três situações distintas na transação: (a) as partes ajustam, expressamente, a atribuição dos honorários advocatícios; (b) as partes omitem disposição a respeito dos honorários advocatícios; (c) as partes pré-excluem ajuste acerca dos honorários advocatícios. Em cada um deles, há problemas específicos. 713.1. Honorários advocatícios previstos na transação – Disposição expressa na transação acerca dos honorários advocatícios revela-se altamente desejável. Ela se mostrará completa e idônea a apaziguar litígio secundário, talvez mais árduo de compor que a lide propriamente dita, versará os honorários da sucumbência, quiçá já fixada em pronunciamento objeto de recurso, conforme a oportunidade da transação, e os honorários contratuais. Do art. 90, § 2.º, todavia regra respeitante às despesas processuais, resulta a ampla autonomia das partes e, conseguintemente, a validade do negócio jurídico bilateral no tocante aos honorários da sucumbência. Em síntese, vale a disposição soberana das partes. É natural, máxime antes da sentença de primeiro grau, dispensadas as custas remanescentes (art. 90, § 3.º), cada uma das partes assumir os honorários do próprio advogado. Também se admite que os honorários sejam atribuídos a uma delas, no todo ou em parte, e submetidos, ou não, a condição suspensiva. Por exemplo, a parte A pagará x de honorários ao advogado da parte B no caso deste não

cumprir, no todo ou em parte, os termos da transação. Declarando a transação que os honorários não se encontram abrangidos, o caso é de exclusão da verba. 713.2. Honorários advocatícios omissos na transação – Problema dos mais graves, embora versando interesse secundário, porque atinente aos procuradores e, não, às partes, decorrerá da inadvertida ou deliberada omissão da transação, objeto de escritura pública ou de instrumento particular, quanto a esse ponto primordial. A preterição do direito do advogado aos honorários advocatícios não impedirá a homologação da transação. Entretanto, fatalmente prolongará o litígio, tendo por objeto interesse secundário, e impedirá a transação de atingir sua função social, consistente composição integral da lide. Tratando-se de transação obtida sob os auspícios do órgão judiciário, na audiência de conciliação, raramente essa disciplina é negligenciada. O juiz não se descura de obter o concerto das partes nessa questão, por vezes de composição árdua – tão difícil que torna inútil o adiantado acerto quanto ao capítulo principal. Como quer que seja, na transação extrajudicial, mas levada à homologação do juiz, ou na transação obtida em juízo, concebe-se semelhante omissão. Cumpre separar, no assunto, a disciplina dos honorários advocatícios e das despesas processuais, por definição verbas distintas no sistema erigido na lei processual. Assim decidiu o STJ: “A regra… que prevê a repartição igualitária quando houver transação entre as partes, destina-se exclusivamente às despesas. Não se aplica aos honorários advocatícios, que delas difere, tendo um tratamento específico na legislação 225 infraconstitucional”. Com efeito, o art. 90, § 2.º, deu solução inequívoca ao dever de reembolso das despesas processuais: omitida disposição, “serão divididas igualmente”. Na prática, a regra importa uma equação: as despesas antecipadas pelos transatores somam-se, e, em seguida, dividem-se pelo número de transatores, compensando-se reciprocamente até o montante do desembolso. Se um dos transatores antecipou despesas de valor superior ao autor (v.g., os honorários do perito, segundo o art. 95, caput), terá direito à restituição parcial, no que sobejar ao quinhão compensado. Esse ponto já mereceu análise em item anterior (retro, 650). A omissão dos honorários na transação tem disciplina diferente. Subentende-se que as partes se curvam à disciplina legal, que, nesse particular, localiza-se no art. 24, § 4.º, da Lei 8.906/1994, segundo o qual o acordo do cliente com a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, “não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença”. Por conseguinte, a despeito de firmada a transação pelos advogados das partes, subsiste pretensão perante os respectivos clientes. É preciso que haja renúncia expressa aos honorários. Em particular, permanece o direito do advogado do vencedor, consoante os valores fixados em sentença ou acórdão, na hipótese de transação superveniente ao pronunciamento judicial, vigorando o mandato na oportunidade da transação.226 Legitima-se o advogado do vencedor a executar

o capítulo acessório da sucumbência e a receber a verba em nome próprio (art. 85, caput). Não se mostra unívoca a jurisprudência do STJ nesse assunto. É mais caudalosa a orientação que preserva o direito do advogado, aplicando o art. 24,º 4.º, da Lei 8.906/1994.227 Também há julgados que pré-excluem o direito autônomo, atribuindo a verba aos transatores, in verbis: “Se a lide é extinta em virtude de transação na qual não se estipularam honorários advocatícios, havendo condenação anterior, é certo que as partes devem arcar com seu ônus”.228 O equívoco do último entendimento revela-se flagrante: a regra predecessora ao art. 90, § 2.º, idêntica a atual, não disciplina os honorários na transação. Em relação aos litígios com a Fazenda Pública, o art. 6.º, § 2.º, da Lei 9.469/1997, na redação da MP 2.226, de 04.09.2001, estabeleceu o seguinte: “O acordo ou a transação celebrada diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir ou encerrar processo judicial, inclusive nos casos de extensão administrativa de pagamentos postulados em juízo, implicará sempre a responsabilidade de cada uma das partes pelo pagamento dos honorários de seus respectivos advogados, mesmo que tenham sido objeto de condenação transitada em julgado”. Tal disposição se insere na tendência legislativa de desonerar o erário. No que interessa ao tema sob exame, o STJ decidiu, em recurso especial que a regra “não se aplica a acordos ou transações celebrados em data anterior à sua vigência”.229Em contrapartida, fica subentendido, em princípio, incidir nos acordos posteriores, pré-excluindo o direito aos honorários, inclusive os honorários sucumbenciais objeto de provimento transitado em julgado. Nada obsta, realmente, que os efeitos da sentença condenatória, no mínimo quanto ao capítulo acessório da sucumbência, sejam objeto de disposição ulterior. No entanto, há flagrante inconstitucionalidade na regra, a mais não seja porque priva alguém, sem o seu consentimento, de um direito adquirido. Convém recordar que, representando privilégio processual da Fazenda Pública, também levanta críticas sob o prisma da igualdade,230 mas o direito processual é abundante em normas dessa natureza. Por ambos os fundamentos – respeito à coisa julgada e isonomia –, de toda sorte, o STF suspendeu a vigência da regra.231 Por esse motivo, o problema do cabimento dos honorários, nas transações firmadas com a Fazenda Pública, em caso de omissão do negócio, submete-se à disciplina geral: não prejudica o direito à percepção dos honorários sucumbenciais ou contratuais sem o consentimento do advogado. 713.3. Honorários advocatícios excluídos da transação – Por último, os transatores podem inserir cláusula declarando, expressis verbis, o ajuste não abranger os honorários advocatícios quanto a ambas as partes. Cláusula desse teor não se mostra insólita e despropositada. Ela obvia as dificuldades mais imediatas na obtenção do consenso em torno da lide em si. Talvez a divergência, por um motivo ou outro, acertados os litigantes quanto ao mérito, recaia unicamente sobre a imputação ou o valor dos honorários. Em virtude das razões já expostas, embora o negócio se apresente manifestamente incompleto, não versando todos os aspectos merecedores de regulação, o juiz pode e deve homologá-lo. Nada obsta transação parcial. E

sempre parecerá preferível o litígio menor em lugar do litígio maior. Seja como for, a transação que pré-exclui disposição sobre honorários tem função didática. Ensina muito: os interesses secundários dos advogados têm papel relevante na obtenção do consenso quanto às mútuas concessões. A importância capital desse ponto transparece no caso de a transação deliberadamente se abster de versar o problema dos honorários. Lição expressiva, mas não elimina a necessidade de solução prestante para o problema. Parece correto distinguir a transação anterior e a posterior a pronunciamento judicial (sentença ou acórdão) que, aplicando o art. 85, caput, condenou uma das partes ao advogado da outra. Havendo vencido condenado em honorários, vale o comando judicial. E há dois motivos concorrentes para essa finalidade: (a) o princípio de que a transação não prejudicará o direito autônomo do advogado à percepção dos honorários sucumbenciais; (b) presume-se a aceitação das partes quanto à deliberação judicial, salvo a interposição ou a pendência de recurso a esse propósito. É mais difícil encontrar solução satisfatória no caso de transação parcial anterior a qualquer pronunciamento versando a condenação de uma das partes em honorários. Ficam as partes dispensadas das despesas vincendas (art. 90, § 3.º) ou remanescentes. Por analogia à diretriz aplicável aos casos de desaparecimento superveniente da necessidade de tutela jurídica,232 porque o objeto litigioso adquire caráter abstrato, sustenta-se o prosseguimento do processo, apurando-se, segundo o princípio da causalidade, a parte que sucumbiria não houvesse a transação.233 Essa construção mostra-se altamente artificial. Ela reclama do juiz, assoberbado de processos atividade trabalhosa para resolver questão secundária. Dificilmente tomará esse caminho. De toda sorte, à falta de regra expressa, e sendo inaplicável o art. 90, § 2.º, é a única solução concebível para o problema. À falta de qualquer deliberação do juiz, nesse sentido, e transitando em julgado a transação, entende-se que cada parte assumirá os honorários dos respectivos advogados. 714. Honorários advocatícios na renúncia A renúncia do autor à “pretensão formulada na ação e na reconvenção” constitui causa hábil para a emissão de sentença definitiva (art. 487, III, c). Cuida-se de constitui negócio jurídico unilateral, oposto ao reconhecimento do pedido. Em tal hipótese, admissível que seja a renúncia (infra, 1.648), o juiz rejeitará o pedido, condenando o autor a pagar honorários a favor do advogado do réu, a teor do art. 85, caput.234 É o entendimento do STJ,235 ressalva feita, naturalmente, aos casos em que inexiste a possibilidade de condenar autor e réu em honorários (v.g., no mandado de segurança) ou porque a renúncia antecedeu a intervenção do réu. Em caso de renúncia parcial, a operação do art. 85, § 2.º, e, a fortiori, a do art. 85, § 3.º, realizar-se-á sobre o respectivo objeto (art. 90, § 1.º). Por exemplo, o autorA pede contra o réu B o bem da vida X, no valor de 100, e o bem da vida Y, no valor de 50, e renuncia a Y. A base de cálculo dos honorários devidos ao advogado do réu será 50. Valem, aqui, as considerações feitas quanto ao reconhecimento do pedido parcial (retro,

712.2), porque situação simetricamente oposta ao negócio jurídico unilateral do réu. § 147.º Honorários advocatícios na sentença terminativa 715. Honorários advocatícios no indeferimento da petição inicial O juiz somente alcança o estágio de apreciar o pedido, a fim de acolhê-lo ou rejeitá-lo, perante petição inicial isenta de defeitos que o impeçam de julgálo. Por isso, o art. 321, caput, exige que o órgão judiciário, apresentando-se a inicial incompleta ou exibindo “defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito”, mande corrigi-la, nos casos em que seja admissível essa correção. O indeferimento da petição inicial terá lugar, mediante a emissão de sentença terminativa, quando o autor não a corrigir ou o defeito se mostrar irremovível. O indeferimento da petição inicial (art. 330 c/c art. 485, I), sem a participação do réu, porque ocorre na fase inicial da formação do processo, dispensa a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios.236 O réu não participou do processo e, assim, não realizou qualquer despesa processual e, muito menos, contratou e pagou advogado particular para defender-se em juízo, a reclamar que o juiz arbitre verba a esse título. O STJ enunciou a diretriz aplicável à situação: “O juiz não pode, ao indeferir a inicial sem a citação do réu, condenar o autor em honorários advocatícios. O contrário traduziria enriquecimento sem causa do demandado que, sem utilizar serviços de advogado, receberia indenização por numerário que, em realidade, não dispendeu”.237 O autor vencido arcará tão só com as despesas que antecipou. Não incide, de resto, o art. 92 c/c art. 486, caput. Recorrendo o autor da sentença terminativa, a versão originária do CPC de 1973 contemplava a citação do réu para responder ao recurso. É o que, atualmente, determina o art. 331, § 1.º. Então, o caso muda de figura. Ao órgão ad quem, desprovendo a apelação e mantido o indeferimento – do contrário, o processo prosseguiria, no primeiro grau, com a abertura do prazo de defesa para o réu –, caberia condenar o autor ao pagamento dos honorários advocatícios,238 atentando à atividade processual limitada desenvolvida pelo vencedor. Em que pese desnecessária a intervenção do réu, no direito anterior, ingressando ele no processo, e vinculando-se, destarte, a eventual juízo desfavorável, no caso de provimento do apelo, mas produzindo alegações decisivas para a manutenção da sentença terminativa, revelava-se necessária condenação do autor nos honorários advocatícios.239 Foi o que decidiu o STJ já na vigência do novo regime do art. 296.240 Porém, o indeferimento da petição inicial pode ocorrer em momento posterior, após a citação do réu e a apresentação de defesa em que houve, ou não, a alegação do defeito incapacitante da aptidão da inicial. É ponto controverso se, nessa fase, ainda é lícito ao juiz recorrer ao art. 321, caput, salvando o processo (infra, 1.532.4), considerando o fato de caber ao juiz erradicar os vícios de atividade (art. 139, IX); porém, não se admitindo a emenda em tal oportunidade, ou mostrando-se o defeito irremovível por iniciativa do autor, a emissão da sentença determinativa fundada no art. 330

ensejará a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado do réu, e, a fortiori, ao reembolso das despesas processuais. É o que se infere da parte inicial do art. 92, superada a remissão imprópria do direito anterior.241 Essa condenação cria pressuposto processual objetivo externo à renovação da demanda (infra, 1.537.4). 716. Honorários advocatícios no juízo de inadmissibilidade O controle da admissibilidade da pretensão processual não se realiza somente ao primeiro contato da inicial. Posteriormente à defesa do réu, arguindo ou não as questões preliminares do art. 337, o juiz extinguirá o processo, verificando uma das causas dos incisos III, IV, V, VI, VII (subordinada à iniciativa do réu), IX e X do art. 485, ou em virtude do abandono bilateral (art. 485, II). Em todas essas situações, o art. 85, caput, primeira parte, aplicar-se-á diretamente: o juiz condenará o autor a reembolsar a despesas processuais porventura realizados pelo réu e imporá honorários advocatícios ao autor, arbitrados segundo o art. 85, § 2.º ou, se figurar como parte a Fazenda Pública, segundo o art. 85, § 3.º, a teor do art. 85, § 6.º. E, conforme o art. 92, a renovação do processo, intentando o autor a ação outra vez, fica subordinada ao prévio depósito ou pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, “quando, a requerimento do réu, o juiz proferir sentença sem resolver o mérito”, é porque nesses casos o juiz condenará o autor. Em princípio, cumpre ao juiz apreciar, ex officio, as questões relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação (art. 485, § 3.º), salvo a convenção de arbitragem (art. 337, § 5.º). Ora, o art. 92 subentende a necessidade de iniciativa da parte como causa da extinção do processo – em realidade, do procedimento, pois o processo em si prosseguirá para realizar o capítulo acessório da sucumbência –, e, conseguintemente, da condenação do autor ao reembolso das despesas processuais e dos honorários de advogado. O objetivo da regra é evidenciar que, não participando o réu do processo, e, nada obstante, emitida sentença terminativa, inexistem despesas a reembolsar e não há condenação do autor em honorários a favor de advogado (art. 85, caput), pois o réu não contratou e utilizou representação técnica. Por identidade de razões, o revel não tem direito a esse reembolso e a honorários, no caso de o juiz, apesar do efeito material da revelia (art. 344), julgar a seu favor, porque inadmissível ou infundada a pretensão processual. Existe um caso particular de provimento da natureza do art. 485, inserido no inciso VI, em que não se aplicará o art. 85, § 2.º e 3.º. Reconhecendo o autor a ilegitimidade passiva do réu, alegada na contestação, e alterada a petição inicial no prazo de quinze dias, substituindo o réu originário por outro, o art. 338, parágrafo único, adota critério especial. O juiz fixará honorários em favor do advogado do réu no percentual mínimo de três por cento e no máximo de cinco por cento, calculado sobre o valor da causa, e, portanto, préexcluindo as bases principais do art. 85, § 2.º (valor da condenação e proveito econômico, conforme a força da ação). Essa disposição incentiva o autor a aceitar a modificação da demanda. Prosseguindo contra o réu originário,

como lhe permite o art. 339, § 2.º, optando, ou não, por incluir a pessoa porventura indicada pelo réu como litisconsorte passivo, arrisca-se à condenação nos percentuais do art. 85, § 2.º. O sucesso desse arranjo dependerá da futura aplicação. 717. Honorários advocatícios no abandono bilateral Às vezes, o processo imobiliza-se por responsabilidade do autor, porque não promove atos e diligências que lhe competem para impulsionar o processo, em situações nas quais impulso oficial (art. 2.º) mostra-se inoperante (v.g., a antecipação das despesas de condução do oficial de justiça para realizar a citação do réu), acarretando a emissão de sentença terminativa, após o transcurso de trinta dias e intimação pessoal do autor para suprir a inércia, em cinco dias, na forma do art. 485, II, c/c § 1.º. Em tal hipótese, o autor arcará com as despesas processuais e, havendo participação do réu, o juiz condenará o autor a pagar honorários advocatícios a favor do advogado do vencedor, a teor do art. 485, § 2.º, segunda parte. Esse dispositivo remete implicitamente ao art. 92, que trata da extinção do processo, nos casos do art. 485, por iniciativa do réu, impressão agora confirmada pelo art. 485, § 6.º, segundo o qual, oferecida a contestação, a sentença do art. 485, II, dependerá da iniciativa do réu. Fica subentendida a confiança do réu, apreciado o mérito, em lograr sucesso. Em outros casos, porém, a imobilização decorre de inércia bilateral, nas condições explicadas adiante (infra, 1.609), por igual provocando a emissão de sentença terminativa, após o transcurso de um ano, a teor do art. 485, III, e da intimação pessoal cogitada no art. 485, § 1.º O art. 485, § 2.º, primeira parte ocupa-se com a disciplina do custo financeiro do processo no caso de emissão da sentença terminativa fundada em abandono bilateral. Encontra-se deslocado o dispositivo, todavia, porque ficaria adequadamente situado na seção concernente às despesas processuais. Como quer que seja, a regra estipula que as partes pagarão proporcionalmente as despesas processuais. Nenhuma delas será condenada em honorários.242 É a linha seguida pelo STJ.243 718. Honorários advocatícios na desistência da ação É lícito ao autor desistir da ação proposta contra o réu. Esse negócio jurídico unilateral ou bilateral, conforme a respectiva oportunidade, não envolve a pretensão processual, ou objeto litigioso, mas a pretensão à tutela jurídica do Estado. Segundo o art. 485, § 5.º, a desistência pode ser apresentada até a sentença. Formulada a regra jurídica concreta, o sistema vigente prefere a subsistência da resolução do mérito, independentemente da vontade convergente das partes em contrário. Consoante se deduz do art. 90, caput, ocorrendo o término do processo mediante desistência, opportuno tempore, o autor desistente arcará com as despesas processo que antecipou, reembolsará o réu das despesas processuais realizadas e pagará honorários advocatícios ao advogado do réu. A regra geral aí traçada há de ser interpretada de acordo com duas hipóteses: (a) a oportunidade da desistência; (b) a extensão da desistência. Ora, o art.

90, § 1.º, somente se ocupou dessa última situação, cogitando da desistência parcial; portanto, reclama distinções. Convém tratar da desistência no processo tendente a formular a regra jurídica concreta. Os honorários na desistência da execução (ou cumprimento) analisar-se-ão em item próprio (infra, 725). 718.1. Desistência antes da citação do réu – Ocorrendo a desistência do autor antes de o juiz ordenar a citação e o ato se realizar, por um dos meios legais admissíveis, a despeito do caráter peremptório do art. 90, caput, não há necessidade de o juiz condenar o autor em honorários a favor do réu.244 O alvitre tem ecoado na jurisprudência do STJ.245 E o motivo parece simples: inexiste causa hábil para atribuir honorários a quem, desconhecendo a existência do processo, não realizou quaisquer despesas para se defender. Eventuais despesas realizadas pelo réu antes da citação, a exemplo da consulta feita a advogado para informar-se acerca do respectivo direito e os meios de defesa, na suposição de que o autor viesse a demandá-lo, não guardam relação direta e imediata com a litispendência, e, portanto, não se mostrariam reembolsáveis ainda no caso de a citação se realizar e o réu apresentar defesa (retro, 627.2). 718.2. Desistência após a citação do réu – Pode ocorrer de o autor formular a desistência após consumar-se o ato de citação. Entende-se por tal, considerando as diversas modalidades admissíveis, a desistência apresentada, na forma legal (infra, 1.611.3.1), em data posterior aos seguintes eventos: (a) recebimento da carta registrada na citação postal; (b) aposição da nota de ciente no mandado de citação ou certidão do oficial de justiça que o réu não a opôs no mandado, porque se recusou ou se encontrava impossibilitado de fazê-lo, ou da realização da diligência a que se refere o art. 253, § 1.º; (c) esgotamento do prazo de aperfeiçoamento na citação por edital (art. 257, III); e (d) recebimento da citação no endereço eletrônico. Feita a citação réu, cumpre considerar duas subespécies, porque o art. 485, § 4.º, considera fator de eficácia da desistência a anuência do réu após o oferecimento da contestação, mas a desistência talvez sobrevenha a tal ato. 718.2.1. Desistência antes do oferecimento da contestação – Formulada a desistência após a citação, mas antes de o réu contestar (v.g., na audiência do art. 334), cumpre ao juiz proferir a sentença terminativa prevista no art. 485, VIII. Fatalmente, porque total a desistência, o juiz emitirá sentença terminativa, controvertendo-se, porém, a necessidade de o juiz condenar o autor em honorários advocatícios. Não há necessidade de concordância do réu, a teor do art. 485, § 4.º Não havendo intervenção do réu no processo, devidamente representado por advogado, apesar de molestado em sua paz jurídica, e presumivelmente ter procurado e talvez pago advogado para representá-lo, de um modo geral, prescindindo o autor da concordância do réu para desistir eficazmente, a opinião prevalecente tende a liberar o autor do encargo.246 Porém, a jurisprudência do STJ proclama que, em virtude do princípio da causalidade, “é cabível a condenação em honorários advocatícios na hipótese de o pedido de desistência da ação ter sido protocolado após a ocorrência da citação da ré, ainda que em data anterior à apresentação da contestação”.247 Nessa linha

de raciocínio, pouco importa venha aos autos antes do vencimento do prazo, pois a simples citação gera direito aos honorários. Reforça o entendimento da desistência ocorrer na audiência de conciliação ou de mediação (art. 334), pois o réu comparecerá acompanhado por seu advogado ou Defensor Público, a teor do art. 334, § 9.º, e, portanto, haverá causa hábil à incidência do art. 85, caput. Em um caso o autor ficará isento de reembolsar as despesas do réu e pagar honorários, ocorrendo a desistência antes do oferecimento da contestação: no caso de desistir da pretensão cuja tese jurídica seja contrária ao precedente formado no julgamento do recurso extraordinário ou do recurso especial repetitivos, a teor do art. 1.040, § 2.º. Cuida-se, outra vez, de incentivo econômico à contenção da litigância. 718.2.2. Desistência depois do oferecimento da contestação – A desistência formulada após o oferecimento da contestação exige, para surtir os efeitos que lhe são próprios, a anuência do réu (art. 485, § 4.º). Concebemse duas atitudes do réu: (a) discordância; (b) concordância. Inexistindo o consentimento do réu, o processo prosseguirá em seus trâmites ulteriores. Não se cogitará da imposição de honorários advocatícios ao desistente, pois o negócio jurídico não surtiu o efeito que lhe é próprio: emissão da sentença terminativa. Em uma hipótese, porém, a discordância é ineficaz: recaindo a desistência sobre processo em que o autor defende tese jurídica contrária ao precedente firmado no julgamento do recurso extraordinário ou no recurso especial repetitivos, o encerramento do processo “independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação” (art. 1.040, § 3.º). Mas, ocorrendo anuência do réu, a causa da extinção do processo é o negócio jurídico bilateral das partes, ao qual o juiz ficará adstrito. O juiz arbitrará os honorários a favor do advogado do réu na forma do art. 85, § 2.º e, se for o caso, do art. 85, § 3.º. Por óbvio, considerará o momento desistência, o trabalho desenvolvido pelo advogado do réu e o motivo da desistência porventura apresentado,248 mas – eis o ponto – ficará adstrito ao percentual mínimo. E, com efeito, há desistências, na prática, obstativas de derrotas fragorosas, contundentes e inevitáveis, cabendo ao juiz levar em conta essa circunstância. É a hipótese diretamente regulada no art. 90, caput. Não ficava claro se, verificando-se a desistência total após o julgamento do processo, e fixados honorários a favor do réu, outros hão de ser fixados, ou simplesmente remanesceria a verba já fixada. O art. 485, § 5.º, atalha a questão: a desistência não terá cabimento, haja ou não a vontade convergente das partes, após a sentença. Porém, o motivo não reside na definição dos honorários, mas na preferência pela resolução de mérito. A bem da verdade, a solução não é correta. Nada impede as partes de renunciarem os efeitos da sentença definitiva, porque os efeitos de qualquer sentença são modificáveis… Indiscutível e irrenunciável é a certeza que, na causa, o autor ou o réu, conforme a hipótese, não tem razão. Nada mais. É bem de ver que, litigando o autor com o benefício da gratuidade, patrocinado ou não pela Defensoria Pública, a condenação ficará suspensa

pelo prazo legal de cinco anos, findo o qual, sem mudança na situação econômica da parte, prescreverá a respectiva pretensão (art. 98, § 3.º). 718.2.3. Desistência antes do julgamento no primeiro grau – O art. 485, § 5.º, só permite o negócio jurídico da desistência até a sentença. Consagrou o princípio da preferência da resolução do mérito sobre a vontade convergente das partes. Parte, todavia, de premissa errônea. Nada, absolutamente nada impede os negócios jurídicos dispositivos das partes após o trânsito em julgado da resolução do mérito (v.g., o vencedor A concede remissão ao vencido B). Os efeitos da sentença comportam modificações inclusive no caso de indisponibilidade do objeto litigioso (v.g., transitada em julgado a sentença de separação, A e B se reconciliam). Indiscutível e irrevogável, desistindo o autor da ação após a sentença com a anuência do réu, é a certeza que o autor A ou o réu B não tem razão. Essas considerações miram o disposto no art. 1.040, § 1.º. Se a tese jurídica do autor contraria o precedente firmado no julgamento do recurso extraordinário ou do recurso especial repetitivos, ou seja, se a questão discutida na causa “for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia”, lícito ao autor desistir antes de proferida a sentença, independentemente da anuência do réu (art. 1.040, § 3.º). Em tal hipótese, reembolsará as despesas e pagará honorários ao advogado do réu, mas o juiz considerará, na fixação dos honorários, o objetivo do destaque conferido a essa espécie: a diminuição de litígios. 718.3 Honorários advocatícios na desistência parcial – A desistência parcial não dá azo à emissão de sentença terminativa. Ocorrerá (a) o desligamento de um dos réus, ou de alguns réus, ou (b) a limitação objetiva do objeto do processo, subtraído em parte ao conhecimento do órgão judiciário. Em qualquer dessas hipóteses, incidirá o art. 90, § 1.º, que reza o seguinte: “… a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela… da qual se desistiu”. O dispositivo suscita duas questões: (a) o montante dos honorários; e (b) o momento da fixação. No tocante à primeira, incidirá o art. 82, § 2.º, ou, se for este o caso, o art. 85, § 3.º, por força do art. 85, § 6.º, pois a incidência dessas regras independe do conteúdo (procedência ou improcedência) e da natureza do provimento (sentença terminativa ou sentença definitiva). Ficou superado o entendimento do direito anterior.249 E, relativamente à segunda, inexiste razão bastante para postergar a fixação dos honorários para momento ulterior, devendo ser feita desde logo. E isso, porque se afigura lícito ao autor, no curso do primeiro processo, intentar de novo a ação (art. 486, caput), e na falta dessa disposição desapareceria a base para a incidência do art. 486, § 2.º, ou seja, o pressuposto processual objetivo externo obstativo da renovação do processo sem o prévio pagamento ou depósito das despesas processuais e dos honorários advocatícios decorrentes do anterior ajuizamento. O consentimento do réu equivale, no caso, ao requerimento. Incidirá, portanto, o art. 92, propondo o autor, outra vez, a mesma ação. E tal exige que haja condenação do desistente em momento anterior ao término do processo anterior. 719. Honorários advocatícios na renovação do processo

A emissão de sentença terminativa nos casos do art. 485 não impede, de ordinário – as hipóteses de coisa julgada e de perempção também não o impedem, mas o óbice tem outra natureza (infra, 1.612) –, a renovação da demanda. Porém, como determina o art. 486, § 2.º, c/c art. 92, o desenvolvimento do segundo processo fica condicionado a um pressuposto processual objetivo externo peculiar: o prévio pagamento ou o depósito das despesas processuais e dos honorários advocatícios a que foi o autor anteriormente condenado. É claro que a regra não incide nos casos em que legalmente inexiste condenação em honorários e ao reembolso das despesas processuais da parte vencedora (v.g., no caso de abandono bilateral, a teor do art. 485, § 2.º, in fine) ou, simplesmente, não houve essa condenação, em razão de vício da sentença terminativa anterior e não corrigido por um dos meios legais (infra, 1.602). Descumprido o ônus do art. 92, o juiz proferirá sentença terminativa no segundo processo, fundado no art. 485, X (infra, 1.615), presumivelmente no controle da petição inicial, após a assinação do prazo de quinze dias do art. 321, caput, hipótese em que, não tendo ordenado a citação do réu, tampouco caberá a condenação do autor em honorários advocatícios. 720. Honorários advocatícios na inutilidade da tutela Eventualmente, o juiz recepcionaria fato superveniente, na forma do art. 493, que implicará a desnecessidade da tutela jurídica reclamada na petição inicial. Diz-se, então, a pretensão processual se esvaziou (Erledigung der Hauptsache),250 ficou prejudicada, ou, simplesmente, cessaram os motivos para as partes litigarem (cessazione della materia del contedere).251 Por exemplo, o autor A ingressa em juízo reclamando da constitucionalidade da realização da prova de capacitação física em concurso público para o provimento do cargo de delegado de polícia organizado pelo Estadomembro B, na qual fora reprovado por não ter atingido os índices mínimos de desempenho preconizados no edital – a chamada “linha de corte” –, e, no curso do processo, termina reprovado na prova intelectual subsequente, que realizara amparado em provimento liminar: o exame da questão da constitucionalidade, ou não, da prova controvertida se tornou questão abstrata, em razão do fato superveniente da reprovação, cujo acolhimento pelo juiz não conduziria à emissão da sentença de procedência. Em tal contingência, o juiz proferirá sentença terminativa, fundada no superveniente desaparecimento do interesse processual. É problema dos mais difíceis a atribuição dos encargos da sucumbência em casos tais. O art. 64, § 2.º, do CPC de 1939, na redação da Lei 4.632/1965, estabelecia que, baseando-se a sentença “em fato ou direito superveniente”, tocava ao juiz levar “em conta essa circunstância para os efeitos da condenação nas custas e nos honorários”.252 Limitou-se, portanto, a fixar o princípio, descurando de regramento específico. Não é diferente a disciplina em vigor. Segundo o art. 85, § 10, pagará honorários quem deu causa ao processo. Segundo o princípio da causalidade, fundamento da responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais (retro, 633.2) e pelos honorários

advocatícios, responderá a parte que provocou o processo. De ordinário, o insucesso colhido na demanda revela quem provocou a necessidade da intervenção judiciária. Esse princípio sugere outro critério global. Examinará o juiz, mediante juízo hipotético, o mérito e imputará os ônus da sucumbência àquela parte que, sem o concurso do evento superveniente, sucumbiria na sentença.253 É a orientação defendida por um dos precursores no assunto,254 de um modo geral aceita no direito italiano255 e no alemão.256 A diretriz aplica-se às hipóteses em que o juiz acolhe o fato superveniente. No caso da sua rejeição, pouco importando qual das partes o alegou, nenhum exame hipotético do mérito se mostrará necessário, decidindo o juiz a causa secundum jus e a estrita aplicação do art. 85, caput: acolhido o pedido, o réu sucumbe; rejeitado o pedido, o autor responde pelas despesas. Tal expediente prático, inspirado na melhor justiça, resolve a contento as mais difíceis situações. Assim, o registro do título de domínio, no curso da reivindicatória, implicará o acolhimento do pedido e, a um só tempo, a atribuição dos ônus da sucumbência ao autor, em que pese vitorioso. E o motivo é simples: inexistisse o fato superveniente, o juiz desestimaria o pedido. Deferida a liminar antecipatória, facultando o acesso do candidato ao certame, a reprovação nas provas subsequentes importará, inevitavelmente, a extinção do processo; mas, a atribuição dos ônus da sucumbência dependerá do juízo de probabilidade – no fundo, disto é que se cuida – quanto à resolução da causa sem a interferência do fato superveniente, quer dizer, do malogro imputável ao autor. Um caso próprio de desaparecimento da utilidade da tutela localiza-se no art. 775, parágrafo único, I, perante a desistência do exequente da execução. Em relação à execução, vigora o princípio da disponibilidade plena do processo: o exequente pode desistir a qualquer tempo de toda a execução sem o consentimento do executado. Porém, a extinção da execução provoca reflexos na oposição pendente do executado. E, segundo o art. 775, parágrafo único, I, eventual desistência provocará a extinção dos “embargos que versarem apenas sobre questões processuais”, a exemplo da ilegitimidade; em tal hipótese, a imputação do reembolso das despesas e do pagamento dos honorários é feita ao exequente, pois a desistência da execução ensejou o superveniente desaparecimento do interesse processual. O critério aqui preconizado, nos casos em que inexiste imputação direta da responsabilidade pelo desaparecimento da utilidade da tutela, não se mostra imune a críticas. É pouco razoável, realmente, impor ao juiz a apreciação do mérito, hipoteticamente, exigindo tempo e muito esforço intelectual, com o único propósito prover a respeito da sucumbência. Mas, aparentemente, inexiste outra solução hábil para esse problema, e, de resto, a disciplina do interesse secundário (honorários) é inçada de problemas de difícil solução, tornando mais fácil julgar o mérito do que fixar honorários. § 148.º Honorários advocatícios na execução (cumprimento) 721. Cabimento dos honorários advocatícios na execução Faltava uma disposição geral concernente aos honorários advocatícios na execução, abrangendo claramente as peculiaridades da pretensão a executar e indicando a solução para todas as questões nessa área. O art. 85, § 1.º, deu

um passo nesse sentido, enunciando diretriz geral: “São devidos honorários advocatícios… no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não…” Convém rememorar os dados do problema antes de escrutinar o ius positum. 721.1. Honorários advocatícios sem disciplina específica – Em sua a opção legislativa originária, perfilhando a noção de executio parata, o CPC de 1973 emprestou disciplina uniforme à pretensão a executar. Originando-se de título judicial, ou seja, do efeito executivo da sentença de força condenatória, e de título executivo extrajudicial, a pretensão a executar quadrava-se nos procedimentos instituídos no Livro II do CPC de 1973. A lei processual era omissa quanto ao regime dos honorários nesses procedimentos. Disposições esparsas neste Livro II – Do Processo de Execução – indicavam que, formando-se novo processo e necessitando o exequente de advogado para instaurar a relação processual executiva e acompanhar-lhe o processamento, a par do dever de antecipar as despesas processuais, haveria de ser ressarcido no final, inclusive dos honorários do próprio advogado – a cargo do executado. Tais disposições previam, convergentemente, dar-se a solução da dívida pelo executado, voluntária (remição da execução) ou por obra dos meios executórios, após a satisfação do principal (nele incluído o reajuste monetário), juros, despesas processuais e, por fim, os honorários do advogado. A muitos causava desconforto e má impressão o fato de a execução fundada no título executivo judicial por excelência, a sentença civil condenatória, abrigar na composição do crédito exequendo a sucumbência do anterior processo de conhecimento (as despesas processuais e os honorários sucumbenciais). Por sinal, em alguns casos a pretensão a executar versava unicamente o capítulo acessório da sucumbência, porque de outra natureza (v.g., constitutivo) o conteúdo do capítulo principal. À época do CPC de 1939, inexistindo a executio parata, à medida que pretensão a executar fundada em créditos provados documentalmente era deduzida em procedimento no qual predominava a cognição – a ação executiva, derivada da antiga assinação de dez dias –, e as sentenças civis executavam-se, in simultaneo processu, o STF firmara posição. Rejeitou a fixação de novos honorários na execução de título judicial, argumentando que não se admitiriam acréscimos ao quantum debeatur ou a revisão do julgado proferido.257 A mentalidade dominante no início da vigência do CPC de 1973, embora a pretensão a executar implicasse a formação de outro processo, induziu à subsistência dessa tese, gerando polêmica,258 respondendo o executado por honorários tão só na hipótese de apresentar a oposição chamada de embargos.259 Forte corrente doutrinária sustentava, porém, que a verba honorária no artigo prevendo o montante da constrição (principal e acessórios, incluindo honorários), “concerne à que foi objeto de condenação, no processo de conhecimento, e não pode ser incluída no mandado, quando se trate de execução fundada em título extrajudicial”.260 Ficou o tema, até a criação do STJ, sem a devida uniformização, pois a antiga arguição de relevância impediu o acesso da questão ao STF. Por outro lado, admitindo-se honorários

na antiga ação executiva, simplesmente se transportou essa prática para o sistema que entrou em vigor em 1973. É curioso, mas verdadeiro: o retorno à configuração do CPC de 1939, outra vez processando-se a execução das sentenças civis, in simultaneo processu, a partir da Lei 11.232/2005, reviveu o antigo problema. 721.2. Admissibilidade de honorários advocatícios na execução de título extrajudicial – O art. 20, § 4.º, do CPC de 1973, na redação da Lei 8.952/1994, supriu a lacuna, prevendo o cabimento de honorários “nas execuções, embargadas ou não”, arbitrados mediante apreciação equitativa do órgão judiciário. Tratando-se da execução por quantia certa, o mais usual dos procedimentos – e aplicável ao cumprimento, vencida a fase inicia –, a regra atinente ao objeto da penhora balizava o cumprimento da obrigação pecuniária, que abrangerá principal, correção monetária, juros, custas e despesas processuais e, finalmente, honorários de advogado, no caso de penhora por oficial de justiça, e bem assim no de cumprimento da sentença condenatória. Mas é evidente que honorários também são devidos nas demais “espécies” de execução. Por exemplo, entregando a coisa o devedor, o art. 624 do CPC de 1973 ressalvava o prosseguimento da execução “para o pagamento de frutos ou ressarcimento de prejuízos”; ainda que não seja este o caso, “restarão para executar por quantia certa os honorários da sucumbência”.261 Os dados legislativos não se alteraram substancialmente perante o NCPC. Segundo o art. 85, § 1.º, são devidos honorários “na execução, resistida ou não”. Opondo-se o executado, através dos embargos do art. 914, as verbas da sucumbência aí arbitradas, no caso de improcedência total, “serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais”, acrescenta o art. 85, § 13. A remição da execução, antes de alienados ou adjudicados os bens, abrangerá os honorários da execução em si e, vencido o executado nos embargos, também a verba respectiva (art. 826 c/c art. 85, § 13). A penhora abrangerá bens suficientes para satisfazer o principal, acessórios e honorários (art. 831). Na penhora de frutos, o crédito será satisfeito após a satisfação, por igual, do principal, acessórios e honorários (art. 868). O parcelamento obrigatório, facultado ao executado pelo art. 916, no prazo de embargos, exige o pagamento dos honorários. Desistindo o exequente (art. 775,caput), e assim provocando a extinção dos embargos, em virtude da perda de objeto, pagará honorários ao executado, a teor do art. 775, parágrafo único, I. E, por fim, restituir-se-á ao executado o que sobejar do produto da alienação dos bens penhorados após a satisfação do principal, dos juros, das custas e dos honorários, conforme o art. 907. Regra específica prevê a fixação, ao despachar o juiz a petição inicial da execução por quantia certa, de honorários de dez por cento sobre o valor da dívida (art. 827, caput), reduzidos pela metade, ou seja, para cinco por cento, sobrevindo o adimplemento do executado no prazo de três dias (art. 827, § 1.º). E tal verba poderá ser aumentada para até vinte por cento, vencido o executado nos embargos, ou majorada no final do procedimento, “levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente” (art. 827, § 2.º). Essa última hipótese atendeu antiga aspiração, pois os honorários fixados na

abertura do processo não consideravam a atividade posteriormente, às vezes trabalhosa, harmonizando-se o art. 827, § 2.º, com o sistema geral do NCPC, prevendo acréscimo de honorários caso de prolongamento do processo, através da interposição de recursos pelo vencido (art. 85, § 1.º, in fine, c/c § 11), cumulativamente, vedado, porém, a superação dos percentuais máximos do art. 85, § 2.º e 3.º, anteriormente examinados. Por óbvio, os honorários são devidos em qualquer espécie de execução. Por analogia, incidirá o art. 827 e seus parágrafos, tendo os honorários como base de cálculo o proveito econômico (v.g., valor da prestação de fazer ou de não fazer, ou valor da coisa), a teor do art. 85, § 2.º. Ressalva-se, entretanto, o caso particular da Fazenda Pública na execução de maior quantia, inexistindo embargos (art. 85, § 7.º). 721.3. Admissibilidade dos honorários advocatícios na execução de título judicial – O panorama não se alterou com a execução das resoluções proferidas no processo civil, realizadas in simultaneo processu. Não importa, fundando-se a pretensão a executar em provimento judicial, o caráter provisório ou definitivo da execução. São devidos honorários, em qualquer hipótese, incluindo a da extinção em virtude do provimento do recurso pendente, a teor do art. 85, § 1.º (“… no cumprimento da sentença, provisório ou definitivo…”). Como decidiu o STJ, constitui direito do vencedor promover a execução provisória, sujeitando-se, porém, “ao risco próprio da provisoriedade”.262 Era o entendimento prevalecente.263 Também não há vinculação entre o cabimento dos honorários e o oferecimento de embargos.264 É princípio universalmente aceito que as despesas da eventual execução (ou cumprimento) do julgado correm por conta do executado. Essa responsabilidade constitui consequência da pretérita sucumbência, expressa na posição de desvantagem do executado perante a pretensão a executar, “anche se non vi è bisogno di una condanna del debitore, necessariamente tenuto a suportare le spese” (embora não haja necessidade de uma condenação do devedor, necessariamente obrigado a suportar a despesa).265 Por conseguinte, cabem honorários advocatícios no processo em que seja deduzida a pretensão a executar, em caráter principal, a mais das vezes fundada em título extrajudicial, mas que inclui também os títulos judiciais mencionados no art. 515, § 1.º, ou incidental, baseada nos títulos judiciais previstos no art. 515, I, II, III. Ficaria infringido o princípio basilar de o processo outorgar ao vencedor o mesmo direito que o cumprimento voluntário lhe entregaria, inexistindo tal retribuição ao respectivo advogado. Por outro lado, a atividade processual desenvolvida na execução é distinta da que já se desenvolveu para constituir o título. O exequente necessita de advogado para elaborar, nessa fase, as peças técnicas próprias da sua atribuição. Ademais, os honorários fixados no título derivaram de uma visão retrospectiva do trabalho do advogado, nada incluindo a título de remuneração na atividade processual da execução. E, de resto, o acréscimo das despesas processuais e dos honorários não implica revisão do julgado. Eventual cumprimento que desatendesse semelhante despesa, em suma, dificilmente estimar-se-ia satisfatório e completo, do ponto de visa do direito substancial.

Esses argumentos não dobraram o entendimento recalcitrante, renovandose a dúvida na execução por quantia certa fundada em pronunciamento judicial. As opiniões dividiram-se nesse assunto. Segundo a corrente majoritária, nada mudou substancialmente, sendo devidos os honorários;266 na concepção da vertente minoritária, o “cumprimento” é simples incidente – opinião totalmente errônea –, e, assim, não se mostrariam devidos honorários no direito anterior.267 Formou-se, ainda, posição intermediária, sustentando o cabimento no caso de o executado não apresentar impugnação, haja vista o trabalho subsequente do advogado.268 Razões sistemáticas convincentes apontavam o acerto do primeiro entendimento. Além dos argumentos já aduzidos, aditava-se a circunstância de o título judicial abstrair-se das suas origens, em particular da sentença condenatória que o formou.269 Por isso, criando a pretensão a executar atividade processual distinta e autônoma, relativamente à que se desenvolveu para a formulação da regra jurídica concreta, a prática de atos processuais, nessa fase, autoriza a percepção de honorários. É curial que os honorários do título correspondem ao trabalho desenvolvido na atividade tendente à formulação dessa regra. Basta ler os critérios que presidem sua fixação, hoje contemplados no art. 85, § 2.º, I a IV. A execução inaugura outra espécie de serviços, diferentes dos anteriormente prestados, inclusive na fase recursal (art. 85, § 11), a reclamarem contraprestação digna e suficiente. Eliminar os honorários na execução, in simultaneo procesu, infringiria o princípio darestitutium ad integrum. Não deve impressionar a ninguém a circunstância de a execução do título judicial realizar-se in simultaneo processu. Em última análise, retornou-se ao regime do CPC de 1939. Tal circunstância e os ecos da negativa vigente nesse diploma não representam argumentos hábeis para rejeitar os honorários nesse âmbito. A sistemática no primeiro diploma unitário era diversa: não se percebia com clareza o fundamento do instituto da sucumbência. E, e de toda sorte, havia o argumento decisivo do texto legislativo expresso. O gravame da imposição dessa nova verba se harmoniza com a finalidade de tornar o descumprimento do comando judiciário superlativamente oneroso para os recalcitrantes. O art. 85, § 1.º, encerra a questão. Cabem honorários no cumprimento da sentença provisório ou definitivo. Para dissipar resistências insidiosas, o art. 520, § 2.º, inserido no capítulo da execução provisória de título judicial, proclama o seguinte: “A multa e os honorários a que se refere o § 1.º do art. 523 são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa”. Tal não exclui, naturalmente, honorários no cumprimento de outras espécies, por força do art. 85, § 1.º. O art. 523, § 1.º, prevê o acréscimo ao principal, aí incluindo os honorários da fase de conhecimento, cumulados em caso de interposição de recursos, da multa de dez por cento “e, também, de honorários de advogado de dez por cento”, na execução de quantia certa fundada em título judicial (art. 515, I a IX). Idêntico percentual caberá no caso de o réu pretender cumprir voluntariamente, a teor do art. 525, caput, mas não realizar depósito integral, sobre a diferença entre o valor do depósito e o valor entendido como correto pelo órgão judicial (art. 526, § 2.º)

A oposição do executado, através de impugnação, não condiciona ou cria o direito ao percebimento da verba na execução em si. Felizmente desaparecem as complicações localizadas na jurisprudência mais antiga, que discriminava as execuções pela natureza do título, agrupava-as segundo a propositura ou não de embargos e, ainda, as distinguia conforme o respectivo resultado, produzindo casuísmo exasperante. Porém, o art. 85, § 1.º, omitiu qualquer menção à resistência do executado ao cumprimento da sentença, ao contrário da execução fundada em título extrajudicial (“… na execução, resistida ou não…”). De resto, o acréscimo de honorários em função dos embargos encontra-se previsto no art. 827, § 2.º. Lícito conjecturar se o idêntico princípio rege a impugnação do art. 525, caput. Ora, não pode haver a mínima dúvida. A atividade do advogado do exequente há de ser remunerada conforme sua extensão e alcance, pois este é o sistema do NCPC em caso de recurso (art. 85, § 11) e de embargos (art. 827, § 2.º), por óbvio até o limite máximo do art. 85, § 2.º. Registre-se o fato de a sistemática aqui defendida ter alterado, no direito anterior, opiniões em contrário, assinalando voz influente o seguinte: “A lei não distingue, a propósito de honorários de advogado, entre as execuções fundadas em título executivo extrajudicial e em judicial, devendo entender-se que os honorários são devidos em todas elas. Isto se justifica porque em todos os casos há omissão do devedor em cumprir a obrigação”.270 A jurisprudência do STJ firmara-se em torno do cabimento de honorários na execução fundada em título judicial.271 721.4. Casos de inadmissibilidade dos honorários advocatícios na execução – Regra expressa pode excluir os honorários na execução baseada em título judicial – por exemplo, o art. 1.º-D da Lei 9.494/1997, com a redação da MP 2.180-35, de 24.08.2001, estipulou que “não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”. Todavia, a Corte Especial do STJ estimou cabíveis os honorários, porque o “disposto na Medida Provisória 2.180-35/2001 não se aplica às execuções ajuizadas antes de sua vigência”.272 O STF deu solução definitiva a esse problema, proclamando a constitucionalidade da MP 2.180-35/2001, incidentalmente, e dando-lhe interpretação conforme a Constituição, para o efeito de reduzir-lhe a aplicação à execução por maior quantia contra a Fazenda Pública.273 Esse entendimento consolida-se no art. 85, § 7.º: “Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”. Idêntico princípio disciplina a execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial. Por outro lado, ocorrendo execuções individuais da sentença coletiva, cabem honorários advocatícios, embora não ofereça a Fazenda Pública embargos (Súmula do STJ, n.º 345). 722. Momento da fixação dos honorários advocatícios na execução Os critérios gerais do art. 85, § 2.º, evidenciam que a fixação de honorários sucumbenciais, nos processos que visam à formulação da regra

jurídica concreta, envolve um juízo retrospectivo do serviço prestado pelo advogado quanto à estipulação do percentual, baseando-se, ademais, na base de cálculo no valor da condenação, no valor do proveito econômico ou no valor corrigido da causa, resultantes da própria sentença de procedência, conforme a força da ação. Por essa diretriz, baseada em juízo a posteriori quanto ao trabalho do advogado, na execução ao juiz somente caberia arbitrar honorários no julgamento da ação de embargos ou, na hipótese mais otimista, no momento imediatamente anterior à deliberação acerca do levantamento do dinheiro (art. 905), todavia antes da emissão da sentença executiva (art. 924, II, c/c art. 925). Flagrantemente, o momento é altamente inconveniente para decisão desse conteúdo: o ato do juiz produziria incidente tardio, suscitando a interposição de agravo de instrumento pelos inconformados (art. 1.015, parágrafo único), ou para aumentar os honorários, ou para excluí-los ou diminuí-los, às vésperas do acontecimento mais almejado – o recebimento do dinheiro – e, conforme o caso, idôneo para postergá-lo até o pronunciamento do órgãoad quem. Em realidade, o sistema concebido para os processos tendentes à formulação da regra jurídica concreta, fixando honorários advocatícios a posteriori, incorre em grave defeito de perspectiva. É diferente o sistema na execução. Ensejando-se o cumprimento voluntário do executado na abertura da pretensão a executar, o art. 827, caput, impõe fixação dos honorários no momento do deferimento da inicial, no percentual fixo de dez por cento, através de juízo a priori. Essa regra adveio do direito anterior, bem como a redução dos honorários pela metade (art. 827, § 1.º). O órgão judiciário há de arbitrar honorários no deferimento da petição ou, em última análise, na oportunidade anterior ao levantamento do dinheiro, expedindo o mandado do montante correspondente em nome do advogado. Somente após o credor se encontrar pago dos honorários, reza o art. 909, o juiz restituirá a eventual sobra do dinheiro ao executado. Era comum o juiz fixar honorários, provisoriamente, na decisão que admite a aptidão da petição inicial e, após os trâmites da demanda, revisar sua decisão. Nenhum juiz é adivinho. Fixará o órgão judiciário os honorários na abertura da execução, no percentual fixo de dez por cento, avaliando a inicial sob seus olhos e projetando os trabalhos normais que competirão, ulteriormente, ao advogado do exequente. Nada impedia, no estágio final da entrega do dinheiro, o órgão judiciário reexaminar a verba inicialmente arbitrada, considerando os elementos subjetivos indicados no art. 85, § 2.º, I a IV. Essa fixação ulterior, conforme o art. 827, § 2.º, compreenderá a atividade realizada na própria execução e nos embargos, eventualmente vencidos pelo exequente – do contrário, vencendo o executado, o respectivo advogado receberá honorários do exequente –, até o percentual máximo do art. 85, § 2.º, ou, na execução contra a Fazenda Pública fundada em título judicial, contra a qual cabem embargos (art. 910, caput), os do art. 85, § 3.º. A duplicidade de pretensões e de objetivos não pré-exclui reciprocamente a verba honorária.

O STJ decidiu pela unidade dos honorários, in verbis: “Os honorários de advogado, arbitrados na execução, passam a depender da solução dos embargos. Procedentes estes, sucumbe o exequente, não prevalecendo o arbitramento dos honorários na execução. Improcedentes os embargos ou ocorrendo desistência, permanece uma única sucumbência, posto que, tanto na execução como nos embargos, a questão é única: procedência ou não da dívida”.274 Essa disciplina esclarece a hipótese de a execução, chamada de “cumprimento”, basear-se em provimento condenatório (art. 515, I). Cumprindo voluntariamente, no prazo de quinze dias, o executado livrar-se-á de nova verba; porém, vencido o prazo de cumprimento, suportará a multa de dez por cento e honorários no mesmo percentual (art. 523, § 1.º), inclusive no cumprimento voluntário (art. 520, § 2.º). 723. Montante dos honorários advocatícios na execução No direito anterior, o juiz fixava os honorários na execução e nos embargos mediante apreciação equitativa. A exclusão da regra predecessora do art. 85, § 2.º, fundamentava-se em argumentos errôneos, pois o proveito econômico do exequente, na execução mais do que alhures, é perfeitamente conhecido. O critério justo e correto era o do percentual sobre o valor do crédito, concebido para ações condenatórias e, mutatis mutandis, aplicável na demanda executória pela afinidade da base de cálculo. Por óbvio, ao despachar a inicial, haja vista o trabalho desenvolvido, o percentual mínimo era o único admissível. Do mesmo modo que parece imprescindível remunerar o novo trabalho do advogado do exequente, essencialmente técnico, não cabia perder de vista que, até esse momento, o trabalho se reduziu à elaboração da petição inicial ou do “requerimento”. Inclinou-se por essa solução o art. 827, caput. O art. 827, § 1.º, reduz, no caso de o executado solver integralmente a dívida, nos três dias subsequentes à citação, os honorários pela metade. O objetivo básico dessa disposição consiste em criar um incentivo econômico para o executado. Indiretamente que seja, mostra que o arbitramento inicial engloba toda a execução. No direto anterior, inexistindo previsão de complemento posterior, era solução sofrível e antipática. Melhor se conduziria o legislador dispondo que, no arbitramento inicial, o juiz fixasse os honorários mirando o (escasso) trabalho realizado e contemplasse o ulterior aumento da verba, desenvolvendo-se a execução até a fase final. A técnica do incentivo econômico subsistiria incólume. Os termos postos revelavam a descortês e reincidente insensibilidade do legislador com a fundamental importância da atuação do advogado no processo. Ninguém gostará de ver seus honorários reduzidos, mas se for para aumentá-los a regra é bem vista. Atendeu esse reclamo o art. 827, § 2.º, respeitado, no cômputo geral, o percentual máximo cabível (art. 85, § 2.º). Ao complementar a verba honorária inicial, embargada ou não a demanda executória, o juiz considerará os elementos subjetivos do art. 85, § 2.º, I a IV, conforme já entendia a jurisprudência do STJ no direito anterior.275

724. Natureza do provimento de fixação dos honorários advocatícios na execução O pronunciamento judicial que, na execução de título judicial ou de título extrajudicial, arbitra honorários, ostenta a natureza de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Dele cabe agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, parágrafo único. Termo inicial do prazo de quinze dias, mesmo se proferido antes da citação, é a data em que os advogados das partes (art. 1.003, caput) tomarem conhecimento do ato. Mediante apelação, todavia, impugnar-se-á a honorária constante na sentença que julgar os embargos ou a impugnação (art. 525, caput) opostos pelo executado contra a execução injusta ou ilegal, nesse último caso repelida, in totum, a pretensão a executar, porque o juiz extinguirá o cumprimento da sentença. 725. Honorários advocatícios na extinção imprópria da execução A atividade processual executiva tende a entregar ao exequente o bem da vida assegurado no título executivo judicial ou extrajudicial. Costuma-se dizer que a execução tem desfecho unívoco, pois se realiza no interesse do exequente, que é a única parte habilitada a obter algum proveito econômico. Essa peculiaridade sugere a divisão das modalidades de extinção do processo em que se realiza a execução em duas espécies: (a) extinção própria; e (b) extinção imprópria. Entende-se por imprópria a extinção que não outorga o bem da vida ao exequente. A categoria de sentenças que englobam os casos de extinção imprópria, objeto de capítulo próprio, funda-se em causas variadas. A pretensão a executar pode ser inadmissível (v.g., parte ilegítima promove a execução) ou infundada (v.g., a pretensão encontrava-se prescrita). Em geral, o executado se opõe à execução ilegal ou injusta, provocando-lhe a extinção imprópria, por meio de um dos remédios formais (os embargos e a impugnação) ou através de execução de pré-executividade, e, por força do desfecho favorável, o advogado do executado tem direito a honorários advocatícios. O advogado do terceiro que reage contra constrição ilegal, mediante embargos de terceiro, também tem direito a honorários, objeto de considerações em item específico (infra, 730). Ocupa-se o art. 775, parágrafo único, entretanto, da disciplina dos honorários advocatícios no caso de o exequente desistir da execução, operando-se, assim, a extinção do processo. Por óbvio, há outras causas de extinção da própria execução, a exemplo do abandono, mas a respectiva disciplina, no que toca à regra da sucumbência, não discrepa do regime geral. Em matéria de desistência, há peculiaridades, pois vigora o princípio na disponibilidade plena do processo (art. 775, caput), e, ademais, apesar de chamado a juízo, o executado não precisa participar da execução, de ordinário, porque a atividade executiva realiza-se contra e independentemente da sua vontade. Ocorrendo a desistência na pendência da oposição do

executado, houve por bem o legislador, dissipando dúvidas que se amontoavam sem rumo seguro, traçar regras particulares. A desistência da execução, pendendo embargos ou impugnação, mostrarse-á plenamente eficaz perante o executado. A imperfeita redação do art. 775, parágrafo único, haurida do direito anterior, não deve impressionar. Esse dispositivo preocupa-se tão só com os efeitos da desistência quanto ao desfecho dos embargos ou da impugnação pendentes. Assim, correto o pronunciamento do STJ, segundo o qual a disposição equivalente do direito anterior “manteve íntegro o princípio de que a execução existe para satisfação do direito do credor”.276 A extinção decorrente da desistência do exequente não envolve a pretensão a executar.277 Ela se distingue, neste aspecto, da renúncia prevista no art. 924, IV, e, portanto, não impede a propositura de nova demanda com base no mesmo título.278 Extinguindo-se a execução, porém, porque declarada a extinção superveniente do próprio crédito, por força da oposição do executado ou por pronunciamento ex officio do juiz (v.g., o reconhecimento da prescrição, inclusive a superveniente, a teor do 924, V), o credor não poderá renovar o processo. O regime do art. 775, parágrafo único, incide nas hipóteses de a desistência de toda a execução, ou de algum ato executivo, a exemplo da penhora, ocorrer no curso dos embargos ou da impugnação. Essa disposição menciona ambas as modalidades de oposição, aplicando-se, portanto, ao cumprimento da sentença, embora o art. 513, caput, já assegure a incidência. Para essa finalidade, o dispositivo diferencia os embargos que versem “questões processuais” e a chamada oposição de mérito Trata-se de distinção própria do direito italiano, separando a oposição de mérito da oposição aos atos executivos,279 mas alheia à tradição do direito brasileiro. Entre nós, o controle da execução ilegal ou da execução injusta realiza-se mediante idêntico e único meio de reação – embargos ou impugnação. Nem sempre é nítida a separação dessas matérias, revelando-se, a mais das vezes, assaz difícil “arrumar numa e noutra categoria alguns dos fundamentos da oposição”.280 Os embargos ou a impugnação pendente, versando “questões processuais” – categoria que inclui os pressupostos processuais (v.g., a forma do título) e as condições da ação, ou, até mesmo, a alegação de excesso de execução –,281 e extinta a execução, adquirem caráter teórico e abstrato. Eventual procedência dessas alegações já não pode atingir o processo que desapareceu. Recepciona-se o fato superveniente, que é a desistência da oposição como reconhecimento implícito das alegações do executado, ainda que elas não se relacionem, concretamente, com o móvel explícito do ato. E, de fato, para tal efeito prescinde-se da sinceridade do motivo explícito da desistência formulada pelo exequente. Se o executado alegou cumulação indevida, e o credor desiste da execução, pretextando que o bem já se encontra penhorado e a execução se tornará inútil, ou não motiva seu ato, o efeito no tocante aos embargos permanecerá invariável e constante: responderá o exequente perante o executado pelas despesas processuais e perante seu advogado pelos honorários. O juiz fixará os honorários fundado no art. 85, § 2.º ou, se for o caso, no art. 85, § 3.º. Na hipótese de oposição de mérito (v.g., o executado alegou pagamento, ex vi do art. 525, § 1.º VII, ou do art. 917, VI), o embargante ou

impugnante há de ser ouvido, e sua objeção, motivada ou não, impede a extinção da oposição. A execução, na qual se praticaram atos somente em favor do credor (v.g., a penhora), extinguir-se-á fatalmente, por definição na extinção total. Em relação aos embargos ou à impugnação, subsiste a pretensão do devedor à tutela jurídica, ou seja, direito a um provimento de mérito, que desconstitua o título executivo e impeça ao credor renovar a execução. Idêntico efeito resulta da concordância condicional (v.g., subordinada pagamento das despesas e dos honorários): salvo a ulterior aceitação desses termos pelo exequente, em tal contingência a oposição receberá o julgamento, de mérito ou não, que lhe couber. Por conseguinte, ao fim e ao cabo o executado talvez fique vencido nos embargos ou na impugnação, com ou sem pronunciamento sobre o mérito. Esta é a exata inteligência do art. 775, parágrafo único, II, consoante decidiu o STJ, em lição aplicável à execução fundada em título extrajudicial e, mutatis mutandis, ao cumprimento: “A desistência da execução não implica extinção da ação de embargos quando nestes forem suscitadas questões de direito material e a executada-embargante não concordar com a extinção dos embargos”.282 Em outra ocasião, e de modo explícito, o STJ assentou: “O exequente tem a faculdade de, a qualquer tempo, desistir da execução, atento ao princípio segundo o qual a execução existe em proveito do credor, para satisfação do seu crédito. Versando os embargos do devedor questão de direito material, a sua extinção depende da anuência do executado embargante. Em caso de discordância, terão eles seguimento de forma autônoma”.283 Eventual concordância condicional do exequente, mas réu, relativamente aos embargos e à impugnação, subordinando a respectiva extinção da oposição (dos embargos ou da impugnação) ao pagamento das despesas e dos honorários advocatícios, substancialmente nada altera. Ressalva feita à aceitação desses termos pelo executado, o órgão judiciário julgará os embargos ou a impugnação, como de direito, resolvendo ou não o mérito. Existindo vários embargos ou várias impugnações, a regra se aplicará individualmente, ou seja, se extinguirão, ou não, conforme o objeto de cada um deles. No tocante às demais ações incidentais, atraídas pela execução – por exemplo, os embargos de terceiro e a cautelar de arresto –, a desistência de toda a execução ou, eventualmente, de algum ato executivo com tais ações relacionado, por sem dúvida, determinará seu destino. A analogia com a situação prevista no art. 775, parágrafo único, I, mostra-se exata. Desaparecida a penhora, impugnada pelo terceiro, extinguir-se-ão os embargos, porque a providência reclamada se tornou inútil. E, nessa contingência, o credor suportará as despesas e os honorários da demanda incidental. O exequente, ao desistir da execução, responderá pelas despesas deste processo e pelos honorários advocatícios, em benefício do executado, arbitrados nos termos do art. 85, § 2.º. Na hipótese de o crédito extinguir-se supervenientemente ao ajuizamento da execução, por qualquer motivo alheio à solução da dívida, o juiz fixará os honorários através de juízo hipotético, atribuindo-os à parte que deu causa ao processo executivo.284

726. Honorários advocatícios na oposição do executado O executado dispõe de quatro meios para reagir contra a execução injusta ou ilegal já instaurada ou consumada: (a) os embargos (art. 914), remédio processual que forma processo autônomo e incidental; (b) a impugnação do art. 525, caput, deduzida incidentalmente, cuja natureza e efeitos equiparamse aos embargos; (c) a exceção de pré-executividade, formulada na própria execução, e cujo cabimento perante o NCPC suscitará, outra vez, controvérsias; (d) as ações autônomas, ajuizadas prévia (art. 784, § 1.º), incidental ou ulteriormente ao processo executivo, utilizada, dentre outros objetivos, para invalidar atos executivos (v.g., a arrematação).285 A disciplina dos honorários advocatícios nesses mecanismos de oposição é a comum, observada a natureza de cada meio e o respectivo liame com a execução. No plano mais geral, ou há conexão entre as demandas, a exigir tramitação conjunta no mesmo juízo, como é o caso dos embargos (art. 914, § 1.º) e da ação autônoma (art. 55, § 2.º, I), propiciando terreno fértil ao surgimento da sucumbência recíproca (retro, 967.2); ou cuida-se de incidente da própria execução, às vezes questão incidental (exceção de préexecutividade), eventualmente autêntica causa incidental (impugnação do art. 525, § 1.º, VI). Por razões sistemáticas, não interessa examinar o problema as ações autônomas que ao executado se afigura lícito veicular antes, no curso ou após o encerramento da execução, pois não apresentam peculiaridades. Em última análise, a sucumbência total, parcial ou recíproca nessas ações segue às regras gerais e particulares do instituto. 726.1. Honorários advocatícios nos embargos do executado – A oposição em sentido estrito, chamada embargos, e no qual o executado realiza o controle tanto da execução injusta (v.g., da dívida prescrita), quanto da legalidade da atividade executiva (v.g., avaliação incorreta), forma relação processual autônoma e o procedimento encerra-se mediante sentença. Franqueia-se esse meio de reação, na execução por quantia certa, que é o procedimento mais usual, logo na abertura da execução, mais ou menos simultaneamente com a constrição patrimonial (art. 915). A sentença que julgar os embargos, seja qual for seu conteúdo (procedência ou improcedência), condenará o derrotado ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado do vencedor. Não importa o conteúdo da oposição, mas o seu desfecho em si, sem prejuízo de ulteriores reflexos desse provimento na execução. Por exemplo, reconhecida a ilegitimidade ativa do exequente, o juiz acolherá o pedido formulado nos embargos e condenará o exequente vencido ao pagamento de honorários sucumbenciais ao advogado do executado.286 Também cabiam honorários, mutatis mutandis, nos antigos embargos opostos depois da alienação dos bens,287 respeitante à segunda fase do procedimento executivo, e presentemente eliminados em prol de ação autônoma. Quanto à fixação dos honorários, incidirá o art. 85, § 2.º, não se revelando excessivo, como no direito anterior, o percentual mínimo de dez por cento.288 É o que resulta do art. 827, § 2.º, respeitado, na soma das

sucumbências, o percentual máximo do art. 85, § 2.º Em caso de procedência parcial, tem lugar a disposição do art. 86. Desenvolvera-se a tese que, reunidas a execução e os embargos, e rejeitado o(s) pedido(s) formulado(s) pelo executado nos embargos – sucumbência total do embargante – os honorários devidos ao advogado do exequente em conjunto não ultrapassariam o percentual 289 máximo, atualmente contemplado no art. 85, § 2.º. Em outras palavras, almejava-se limitar a percepção de honorários quando beneficiam a mesma parte (rectius: o advogado da mesma parte) na execução e nos embargos – o exequente. Esse entendimento explica a orientação do art. 827, § 2.º c/c art. 85, § 13. Cumpre realizar as distinções necessárias, fitando os reflexos da sentença de procedência total ou parcial dos embargos sobre a execução, antes de enfrentar a questão enunciada. É possível, no plano mais abstrato, divisar três cenários distintos no caso de procedência dos embargos, conforme a natureza da pretensão processual deduzida nesse remédio e seus reflexos na execução: (a) sentença de procedência total, implicando a extinção da execução; (b) sentença de procedência total, mas sem a extinção da execução, surtindo efeitos para corrigir certa ilegalidade da execução (v.g., desconstituindo a penhora ilegal) ou a injustiça parcial (v.g., o exequente pretendia receber mais do que o devido; prescreveu parte do crédito; e assim por diante); (c) sentença de procedência parcial, porque o executado pretendeu corrigir a ilegalidade (v.g., desconstituindo a penhora ilegal) ou a injustiça (v.g., reduzindo o valor da dívida) da execução, mas o juiz acolheu tão só um dos pedidos formulados. E há que considerar os embargos subjetivamente parciais, porque deduzidos apenas por um dos executados. Essa espécie de oposição tem relevo muito mais amplo que o regime do efeito suspensivo. Eles produzem efeitos restritos, geralmente reduzidos à segunda hipótese. Por exemplo, o embargante questiona a respectiva legitimidade passiva na execução, razão pelo qual o acolhimento do pedido o excluirá da relação processual, todavia o processo em si prosseguirá contra o(s) executado(s) remanescente(s). O exequente, vencido nos embargos, pagará honorários ao advogado do executado, neles vencedor. Porém, deduzida defesa comum aos demais executados, facilmente se enquadram na primeira hipótese. Por exemplo, o embargante alega que não há título executivo; uma vez acolhidos embargos nesse tópico, o juiz deverá extinguir a execução perante todos os executados. 726.1.1. Honorários advocatícios na sentença de procedência total dos embargos – O acolhimento total do(s) pedido(s) formulado(s) pelo executado nos embargos torna-o vencedor nesse remédio e importará a condenação do exequente vencido a pagar honorários advocatícios. O juiz fixará os honorários mediante na forma do art. 85, § 2.º. Extinguindo-se a execução por força do acolhimento dos embargos (v.g., o executado alegou a inexistência de título), o executado tornar-se-á vencedor, por igual, na execução. Ocorre que a atividade executiva se realiza contra e independentemente da sua vontade e, a rigor, inexiste necessidade de intervenção do advogado do executado. O contraditório é eventual, perante situações excepcionais (v.g., a alienação antecipada do bem penhorado, porque sujeito a depreciação), ou provocação especial do executado (v.g.,

substituição do bem penhorado, a teor do art. 847). Em tais hipóteses, intervindo o executado ativamente na execução, cabem-lhe honorários, mas disposição desse teor não integra a sentença de procedência dos embargos, porque lhe é assunto estranho; nessa contingência, o juiz fixará honorários para o executado, na forma do art. 85, § 2.º, motivadamente, no provimento que, recepcionando o desfecho dos embargos, encerrar a execução. Diversamente, não se extinguindo a execução, apesar do acolhimento total dos embargos (v.g., a sentença somente desconstituiu a penhora), o juiz condenará o exequente a pagar honorários ao executado na sentença dos embargos, fixados na forma do art. 85, § 2.º, e o executado permanecerá devendo, ao menos em parte, os honorários arbitrados para o exequente na abertura da execução (retro, 722). O caso é de sucumbência recíproca. Devem ser compensadas as respectivas quantias proporcionalmente. Cumpre assinalar que, feita a compensação e, de qualquer modo, subsistindo o crédito no exemplo ventilado – desconstituição da penhora ilegal –, talvez seja inútil prosseguir na execução, porque o bem ilegalmente penhorado era o único do patrimônio do executado. 726.1.2. Honorários advocatícios na sentença de procedência parcial dos embargos – O acolhimento parcial do(s) pedido(s) formulados pelo executado, nos embargos opostos, ensejará sucumbência parcial do autor, de um lado, e, relativamente ao pedido acolhido e perante a execução, sucumbência recíproca, de outro lado. É manifesta a utilidade da distinção entre sucumbência parcial (só o autor sucumbe, mas em parte) e sucumbência recíproca (ambas as partes sucumbem) para explicar essa situação (retro, 967.1 e 967.2). O juiz fixará os honorários para o embargante e o embargado na sentença de procedência parcial dos embargos, na forma do art. 85, § 1.º, na complexa operação anteriormente explicada (retro, 710). Não há, porém, compensação entre os honorários, por força do art. 85, § 14, in fine, apenas das despesas processuais. 726.1.3. Honorários advocatícios na sentença de improcedência dos embargos – Logo se nota que, repassando as situações mais favoráveis ao executado – sentença de procedência total ou parcial dos embargos – a fragilidade da tese da sucumbência única perante a sentença de improcedência dos embargos. Ela privilegia o executado sem motivo plausível. À primeira vista equânime, a sucumbência única elimina a fixação individualizada dos honorários nos dois processos, considerando o trabalho desenvolvido pelo advogado do exequente, produzindo um déficit: ou porque remunera mal a atividade nos embargos, ou porque remunera mal a atividade na execução, sendo que ambas, de toda sorte, subordinam-se ao art. 85, § 2.º O juiz há de fixar os honorários em atenção às diretrizes legais. O fato de a soma dessas verbas distintas exceder, ou não, o percentual máximo de vinte por cento é circunstancial. O executado se opôs à execução porque quis, sendo justo que entre nos seus cálculos o agravamento dos encargos da sucumbência no caso de insucesso. O risco financeiro é intrínseco ao processo, não pode nem deve ser mitigado ou eliminado, sob pena de estimular a litigância irresponsável.

726.2. Honorários advocatícios na exceção de pré-executividade – A exceção de pré-executividade se forjou como mecanismo imprescindível para o executado impedir constrições patrimoniais na hipótese de evidente inadmissibilidade ou de inexistência da pretensão a executar (v.g., falta de título executivo). É questão aberta o cabimento no regime em vigor, mas tudo indica que sobreviverá por identidade de razões. Deduzida essa defesa interna à relação processual executiva e provocando a extinção da execução o juiz condenará o credor nas despesas do processo e em honorários, observada, em relação à última verba, a diretriz do art. 85, § 2.º.290 Expressivamente se manifestou o STJ: “Embora não apresentados embargos à execução, limitando-se o executado a peticionar, nos autos da execução, denunciando vício formal do título, são os honorários devidos”.291 Em outro julgado, sublinhou-se que a exceção produz efeitos idênticos aos embargos, para os efeitos do art. 26 da Lei 6.830/1980, ensejando a condenação da Fazenda Pública em honorários na hipótese de acolhimento.292 Recomendava-se, na fixação dos honorários, o emprego da equidade, “haja vista, inclusive, a subsistência do débito, cuja cobrança não se ultima por simples vício formal”.293 Não se aplicava o percentual mínimo e o percentual máximo hoje previstos no art. 85, § 2.º,294 orientação agora superada. Rejeitada a exceção de pré-executividade, cuidava-se de incidente no curso da execução, cabendo ao órgão judiciário condenar o vencido – no caso, o executado – ao pagamento das despesas processuais. As opiniões dividiam-se, a esse propósito, mas parece preferível limitar a condenação do executado, que já responderá pelos honorários intrínsecos à atividade executiva, remunerando suficientemente o advogado do exequente, pré-exclui a condenação em honorários advocatícios no tocante à exceção de préexecutividade.295 Em tal sentido, há julgado do STJ: “Não extinta a execução, a exceção de pré-executividade tem caráter de nímio incidente processual, descabendo impor-se o encargo da verba de patrocínio”.296 Todavia, não se cuidava de questão pacífica: outros julgados do STJ decidiram pelo cabimento da condenação em honorários.297 O fundamento para condenar o vencido na rejeição e no acolhimento da exceção de pré-executividade residia na intervenção dos advogados, promovendo o contraditório,298 de outro modo dispensado na execução. Um meio termo consiste em deixar para momento ulterior, na entrega do bem da vida ao exequente, avaliar a necessidade de rubrica especial para remunerar o trabalho na exceção de préexecutividade.299 726.3. Honorários advocatícios na impugnação – Por identidade de motivos, o regime dos honorários advocatícios na exceção de préexecutividade aplica-se à impugnação do art. 525, caput. Registre-se a existência de precedente em sentido contrário.300 E o art. 85, § 1.º, prevendo honorários apenas na execução fundada em título extrajudicial resistida, suscita dúvida ponderável. Ao nosso ver, cabem honorários, aplicando-se o art. 827, § 2.º, haja vista o acréscimo de trabalho para o advogado do exequente. § 149.º Honorários advocatícios nos procedimentos especiais 727. Honorários advocatícios na liquidação

A sentença genérica (infra, 1.588.2.5) comporta liquidação de três modos: (a) por simples operações aritméticas (art. 786, parágrafo único), hipótese em que cabe ao autor realizá-las, anexando à petição inicial ou ao requerimento a planilha prevista no art. 798, parágrafo único; (b) por arbitramento (art. 509, I); e (c) no procedimento comum, antiga liquidação por artigos, existindo necessidade de provar fato novo (art. 509, II). Em se tratando de execução fundada na sentença civil (art. 515, I), as liquidações sob a forma de arbitramento e de artigos significam que, in simultaneo processu, o legitimado insere outra pretensão, a pretensão a liquidar; ao invés, na execução dos títulos mencionados no art. 515, VI a IX, e, a fortiori, em outros títulos, formarse-á relação processual autônoma (art. 515, § 1.º), cujo objeto litigioso inicial será a pretensão à liquidação, seguindo-se, in simultaneo processu, uma vez apurado o valor da dívida, a pretensão a executar. Parece flagrante, deduzida pretensão a executar, incidental ou autonomamente, sob a forma de arbitramento e de artigos, a controvérsia intrínseca à apuração do valor da dívida gerar campo propício à verificação da sucumbência. Não tem cabimento restringi-la à liquidação autônoma.301 Em geral, as partes assumem posições contrastantes sobre certas questões de direito e de fato e, cotejando o resultado final com as respectivas postulações, mostra-se possível aquilatar o proveito econômico de cada qual, ou seja, quem ficou vencido e quem logrou êxito, no todo ou em parte. Nesses casos, em que a cognição se aprofunda, enfrentando tanto a base de cálculo, quanto o valor da prestação imposta o vencido, pouco importando o modo da liquidação (arbitramento ou artigos), há sucumbência, e, conseguintemente, devem ser impostos honorários o vencido.302 É fora de dúvida que ao liquidante toca o ônus de antecipar as despesas processuais (v.g., os honorários periciais, no caso de liquidação por arbitramento). E, ademais, o liquidante ou o liquidatário – posições que não correspondem, necessariamente, a de credor e a de devedor, haja vista a legitimidade ativa da pessoa que deve prestar em promover a liquidação, almejando solver a dívida –, não obtendo o proveito econômico almejado, conforme o desfecho da liquidação, respondem pelos honorários advocatícios do procurador do vencedor. A esse propósito, por analogia, o raciocínio desenvolvido quanto ao cabimento da verba na execução fundada em título judicial tem inteira pertinência. O liquidante e o liquidatário não podem postular em nome próprio, necessitando de advogado; o trabalho do advogado, nessa fase da relação processual originária, na qual se formou o título, ou no processo instaurado para essa finalidade, é um consectário do primitivo, mas completamente distinto; e os honorários porventura fixados no título, a par de corresponderam à atividade anterior, sendo fixados em visão retrospectiva, nem sequer favorecem necessariamente o vencedor na liquidação, que pode ser o vencido e devedor, segundo o título, nada obstante autor da liquidação, porque o vencedor permaneceu inerte. Em que pesem os julgados em contrário do STJ, na liquidação por arbitramento,303 e favoráveis na liquidação hoje prevista no art. 509, II,304 indispensável a condenação do vencido a pagar honorários e a reembolsar as despesas do vencedor em ambas as modalidades, sob pena

de ofensa ao princípio da causalidade.305 É de aguardar uma evolução positiva, nessa matéria, acompanhando a linha preconizada na execução. O juiz fixará os honorários advocatícios, na liquidação, mediante juízo de fundado no art. 85, § 2.º. Convém atentar ao montante com vista posta nos honorários já fixados no título executivo.306 É bem de ver que, na liquidação por cálculos do credor (art. 509, § 2.º, c/c art. 786, parágrafo único), haverá sucumbência, deduzindo o executado a oposição quanto ao valor pretendido nos embargos, alegando excesso de execução, ou na impugnação por idêntico motivo Estampa-se nesse regime outro argumento favorável à admissibilidade dos honorários advocatícios. O fato de travar-se a discussão sobre o quantum debeatur no mesmo ou em outro processo não pode ser relevante à verificação da sucumbência. Porém, é significativa a omissão do art. 85, § 1.º, quanto à liquidação precedente ao cumprimento da sentença. A questão encontra-se aberta à jurisprudência. 728. Honorários advocatícios no procedimento monitório Caracteriza o procedimento monitório a expedição de mandado de injunção, produzido por sentença de mérito liminar, para o pagamento ou a entrega da coisa, no prazo de quinze das (art. 701, caput), abrindo-se ao réu três termos de alternativa: (a) opor-se ao mandado, por intermédio de embargos, suspendendo-lhe a eficácia; (b) permanecer inerte, hipótese em que “constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial” (art. 701, § 2.º), iniciando-se a execução; ou (c) cumprir o mandado, pagando ou entregando coisa fungível ou coisa certa, caso em que, dispõe o art. 701, § 1.º, “o réu será isento do pagamento de custas processuais”. Essa isenção, parcialmente reproduzida do direito anterior, constitui modalidade de indução psicológica do réu ao cumprimento ou técnica de encorajamento.307 Em relação ao direito anterior, o art. 701, caput, parte final, prevê a fixação de honorários no percentual fixo de cinco por cento sobre o valor da causa. Disposição desse teor disposição intensificava o grau de pressão sobre o comportamento do réu, conforme o valor dos honorários arbitrados, e já se sustentava devesse o juiz fazê-lo no regime pretérito,308 ficando subentendido, correndo a execução, responsabilidade acrescida. Porém, a valorização do trabalho do advogado conduziu à eliminação dessa verba da isenção do art. 701, § 1.º, motivo por que é obrigatória essa fixação initio litis. Em caso de omissão do juiz, antecipadamente se conhecer o valor dos honorários, cumprindo ao réu acrescê-los ao montante da dívida. Não existia inconstitucionalidade na isenção do réu de pagar honorários ao advogado do autor.309 Tampouco admitia-se ação autônoma.310 Era restrição inerente à livre opção do autor por essa tutela diferenciada, restando-lhe a via do procedimento comum para realizar seu crédito com honorários, vez que, por definição, não dispõe de título executivo extrajudicial.

Sobrevindo os embargos previstos no art. 702, cujo objeto pode corresponder, no todo ou em parte, ao da pretensão inicial, a disciplina dos honorários advocatícios guarda semelhança com a da execução conjugada à oposição do art. 914.311 A sentença que julgar os embargos contra o mandado de injunção, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado pelo réu, no todo ou em parte, condenará o vencido ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado do vencedor, na forma do art. 85, § 2.º, tomando como base de cálculo o proveito econômico obtido pelo vencedor, conquanto a força principal não seja condenatória.312 Por óbvio, vencendo o réu em embargos totais, encerra-se o procedimento, incumbindo ao vencedor deduzir a pretensão a executar in simultaneo processu; vencendo o autor, no todo ou em parte, incidirá o art. 86, caput, compensando-se as despesas processuais – jamais os honorários, ante o art. 85, § 14 –, e constituindo-se de pleno direito o título judicial, devendo a execução prosseguir para realizar o principal redefinido e o capítulo da sucumbência. Por último, permanecendo inerte o réu, constitui-se o título executivo judicial, de pleno e direito, e caberá ao órgão judiciário fixar honorários a favor do exequente, agora no percentual de dez por cento (art. 523, § 1.º), inexistindo, mais uma vez, cumprimento voluntário no prazo de espera de quinze dias (art. 523, caput). 729. Honorários advocatícios na pretensão à segurança autônoma O princípio da sucumbência aplicava-se às sentenças definitivas proferidas no processo cujo objeto litigioso agasalhava a pretensão à segurança ou processo cautelar. Era caudalosa a jurisprudência do STJ nesse sentido,313 mas com eventuais hesitações,314 considerando a natureza da medida. Os fundamentos invocados baseavam-se na autonomia da pretensão à segurança, objeto de processo autônomo, e no caráter contencioso. Nenhum desses fatos era relevante ou decisivo. A possibilidade de vencimento de uma das partes, relativamente à admissibilidade da pretensão à segurança, caso em que o juiz extinguiria o processo mediante sentença terminativa, e à subsistência, ou não, da pretensão à segurança, caso em que o juiz resolvia o mérito – em princípio, do processo cautelar e, por exceção, da própria pretensão principal – oferecia base mais sólida à incidência do princípio. O liame instrumental entre a pretensão à segurança e a causa principal induziu que, julgado o processo principal desfavoravelmente ao autor da cautelar, a sucumbência devia-se carrear integralmente ao autor.315 E avançou-se a seguinte diretriz: “a sucumbência na cautela só permanece quando vencedor, nesta, também vencer a ação principal, ou quando não intentada a demanda depois da vitória do réu na ação cautelar”.316 Ora, existiam duas razões ponderáveis em sentido contrário. Podia ocorrer o trânsito em julgado da sentença de procedência cautelar antes do resultado do processo principal. Formando-se coisa julgada, no tocante à regra de sucumbência, não se mostria admissível o fato superveniente resolver, ipso jure, essa condenação. Foi o que decidiu, com razão, o STJ.317 Controvertida que seja a possibilidade de a sentença cautelar adquirir autoridade de coisa julgada quanto ao mérito (retro, 176.2), tal

aspecto não mudava o raciocínio, pois o capítulo acessório da sucumbência adquire indiscutibilidade até nas sentenças terminativas. E, ademais, a pretensão à segurança afigura-se autônoma, representando um bem da vida por si mesma. O titular dessa pretensão pode ter direito à segurança em si, como acontece nas cautelas autônomas (v.g., a caução contra o hipotético dano resultante da ruína do prédio vizinho), independentemente da existência do direito acautelado. Em verdade, a matéria achava-se sob a égide da responsabilidade do vencido: o vencedor na ação principal, embora sucumbente na cautelar, e nela condenada a reembolsar as despesas processuais e a pagar os honorários advocatícios, secundum eventus litis, era titular de pretensão à indenização integral do vencido, incluindo tais verbas.318 Essas considerações preparam o terreno para entender a subsistência do problema, em termos, sob a égide do NCPC. É diferente a sistemática da pretensão à segurança antecedente, chamada de tutela provisória de urgência cautelar (art. 294), pois o autor, executada a liminar, deduzirá sua pretensão principal, in simultaneo processu, no prazo de trinta dias (art. 308, caput). Em tal hipótese, a distribuição da sucumbência, ao nosso ver em decorrência de cúmulo de pedidos, ocorrerá na sentença e seu figurino não escapa das regras gerais, conforme o desfecho do processo. Avulta que, contestado o pedido cautelar, observar-se-á o procedimento comum (art. 307, parágrafo único). Porém, existem duas outras possibilidades de sucumbência autônoma. Em primeiro lugar, remanescem as cautelares autônomas, medidas cujo risco é futuro e eventual (v.g., a caução de dano infecto), razão por que não se aplica o prazo do art. 308, caput. E, ainda, sempre há a possibilidade de o réu não contestar a pretensão à segurança, no prazo de cinco dias, caso em que juiz proferirá sentença definitiva (art. 307, caput). Em ambas as hipóteses, destarte, o vencido pagará honorários ao advogado de vencedor, arbitrados na forma do art. 85, § 2.º, servindo de base de cálculo o proveito econômico obtido com a medida cautelar. 730. Honorários advocatícios nos embargos de terceiro Em várias situações, o princípio da sucumbência, fonte de inspiração da diretriz básica do art. 85, caput, revela-se impróprio. Os embargos de terceiro exemplificam uma dessas hipóteses. A mais das vezes, o exequente não dá causa à constrição, exceto se indicar o bem do terceiro para sofrer a constrição, na petição inicial (art. 798, II, c) ou no requerimento (art. 524, VI), por engano ou não. Tampouco contribuiu diretamente na realização do ato a cargo do oficial de justiça. É verdade que antecipa as despesas do auxiliar da justiça (art. 82, caput), mas esse suprimento financeiro não é a causa do ato ilegal. Nada obstante, suportará os ônus da sucumbência perante o terceiro que sofreu a constrição ilegal e reagiu na forma do art. 674 do NCPC. Segundo estimou o STJ, a responsabilidade se justifica, “no caso, pelo princípio da causalidade; está o recorrente a postular com denodo a validade da penhora, resistindo ao pedido formulado nos embargos de terceiro, sem obter êxito”.319

Esse entendimento não granjeou maiores simpatias. Segundo outro alvitre, se o ato executivo decorreu da atividade do oficial de justiça, sem a contribuição das partes, o Estado arcará com o ônus da sucumbência.320 Ora, o Estado não figura como parte nos embargos e, por esse singular motivo, inviável condená-lo, infringindo o direito fundamental processual à ampla defesa. É possível responsabilizar o executado pela indicação do bem alheio como passível de constrição, dando causa à reação do terceiro, e nesta condição figurando como parte passiva na demanda, arcará com a sucumbência. Todavia, se a penhora, e, a fortiori, a arrecadação, realizou-se sem a participação do executado (v.g., a objeção ao pedido de substituição do bem originariamente penhorado, formulada pelo exequente, foi repelida pelo órgão judiciário), não há como elidir a responsabilidade da parte que deu causa ao processo (não, porém, à constrição em si).321 Realiza-se a execução no interesse do credor, e por sua conta e risco – princípio implícito na execução definitiva, mas proclamado na execução provisória, que “corre por iniciativa e responsabilidade do exequente”, a teor do art. 520, I –, cabendo a ele vigiar a atividade do auxiliar do juízo. Em tal hipótese, opera o princípio da causalidade, mas de forma indireta. No entanto, o STJ declarou que, na penhora por oficial de justiça, o credor não responde pela sucumbência, porque não deu causa ao processo.322 Responderá o exequente, todavia, indicando o bem à penhora.323 Essa orientação se cristalizou na Súmula do STJ, n.º 303: “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”. Na hipótese de a penhora se realizar através de oficial de justiça, sem a aparente participação do exequente, mantém-se o ponto de vista antes externado. Responderá pela sucumbência o exequente.324 Ocorre no seu interesse, e, presumivelmente, sob sua fiscalização, a constrição nos bens do terceiro. Aplica-se, então, o princípio da causalidade, subsumido na noção de sucumbência.325 É uma diretriz segura, prescindindo do exercício adequado, ou não, do dever de fiscalização do exequente – base do alvitre contrário.326 Nunca caberá a condenação do Estado-membro ou da União em honorários nos próprios embargos de terceiro. Não figuram como partes. Nessa contingência, caberá ao juiz isentar o(s) embargado(s) e ao embargante pleitear a reparação do dano por ação própria contra as pessoas jurídicas de direito público. Um caso especial desponta na procedência dos embargos de terceiro opostos contra a constrição de bens obtida em ação civil (v.g., por improbidade administrativa) movida pelo Ministério Público. Em tal hipótese, incidirá o art. 85, caput, imputando-se ao Ministério Público, na qualidade de parte, e por que vencido, o dever de pagar honorários. Fiel à linha da irresponsabilidade do Ministério Público, quanto às injustiças cometidas contra os particulares, o STJ estimou que só cabe a condenação no caso de máfé.327 O princípio da causalidade resolve satisfatoriamente a hipótese de o terceiro, procedentes que sejam os embargos, livrando o bem da penhora, ter dado causa à constrição judicial, abstendo-se de registrar o acordo de transmissão no álbum imobiliário.328 O STJ condenou o embargante, a despeito do êxito no capítulo principal;329 porém, em outra oportunidade

declarou que, resistindo o exequente à pretensão do terceiro, pleiteando o reconhecimento da fraude contra a execução, responderá pela sucumbência.330 731. Honorários advocatícios na consignação em pagamento O remédio processual da consignação em pagamento apresenta três aspectos particulares em matéria de honorários advocatícios. O art. 546, caput, houve por bem explicitar que, julgado procedente o pedido, o juiz “declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios”. Embora haja se desligado da revelia, objeto de previsão na regra equivalente do direito anterior, permanece supérflua e redundante a proposição: de um lado, o acolhimento do pedido só pode implicar a extinção da obrigação ou não se trataria de consignação; por outro lado, haverá condenação do réu ao pagamento das despesas processuais (art. 82, § 2.º) e de honorários ao advogado do autor (art. 85, caput). Seja como for, importa o disposto no art. 546, parágrafo único, segundo o qual o juiz procederá “do mesmo modo se o credor receber e der quitação”. Essa atitude do réu importa aquiescência tácita (infra, 1.626). Atalhando vacilações nesse ponto, seguiu a linha do direito anterior para a qual já se inclinara a jurisprudência no CPC de 1939.331 Por sinal, o vencido do réu, ocorrendo revelia acompanhada da presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, aqui como alhures, nada tem de automática. O juiz poderá declarar inadmissível a pretensão ou rejeitar o pedido, considerando, inclusive, os elementos carreados ao processo pelo próprio autor.332 Deve-se a persuasiva construção doutrinária o segundo aspecto. Fundando-se a consignação em dúvida sobre quem deva legitimamente receber, o art. 548 aventa três hipóteses: (a) ninguém comparece, caso em que o depósito converte-se em arrecadação de coisas vagas (inciso I); (b) comparece apenas um dos pretendentes, caso em que o juiz “decidirá de plano”, ou seja, incidirá o art. 546, parágrafo único (inciso II); e (c) comparecendo dois ou mais pretendentes, “o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os presuntivos credores, observado o procedimento comum” (inciso III). O procedimento dividir-se-á em duas fases, na hipótese do art. 548, III, a primeira resolvida pela liberação do devedor, a segunda decidirá qual dos disputantes receberá o depósito.333 Por óbvio, em todas as situações figuradas no art. 548 o pedido há de ser acolhido e o autor fará jus ao reembolso das despesas processuais e aos honorários. Ora, desligando-se o autor do processo nos casos de arrecadação e de controvérsia entre os pretendentes, alvitrou-se o desconto dos valores correspondentes do depósito,334 se em dinheiro a respectiva prestação objeto desse ato, expedindo-se mandado de levantamento dos valores correspondentes a favor do autor. O STJ assim decidiu: “Encargos debitados a ambos os réus, os credores serão de logo pagos com o depósito, para posterior ressarcimento ao vencedor da segunda fase”.335Realmente, prosseguindo o processo, outra disposição o juiz tomará quanto à sucumbência, relativa aos credores litigantes, o vencido e a parte que deu causa à iniciativa do devedor restituirá tais verbas ao vencedor. É o entendimento adotado no STJ.336

Por fim, no caso de o réu alegar a insuficiência do depósito na contestação, como lhe faculta o art. 544, IV, o art. 545, caput, autoriza o autor a complementar o depósito inicial, em dez dias, salvo correspondendo à prestação cujo inadimplemento acarrete a “rescisão” (rectius: resolução) do contrato. Feita a complementação, a prestação integraliza-se e revela-se apta à solução da dívida. O juiz acolherá o pedido do autor, nessa contingência, extinguindo a obrigação, porque equacionada a controvérsia das partes mediante o cumprimento da obrigação. Mas, o autor deu causa ao processo,337 oferecendo quantia insuficiente, ensejando a resistência do réu. Dessa maneira, o princípio da sucumbência não opera na sua face aparente e mais estreita, dando lugar ao princípio da causalidade (retro, 633.2), cabendo ao autor suportar os encargos da sucumbência, nada obstante vencedor formalmente. Em tal sentido já decidiu o STJ.338 Não se identifica firmeza de convicção e de lucidez na compreensão do fato que o réu, ao fim e ao cabo, logrou êxito com a defesa apresentada, que constrangeu o autor a complementar o depósito insuficiente. O STJ também atribuiu injustamente os encargos ao réu,339 e reconheceu sucumbência recíproca (rectius: parcial).340 732. Honorários advocatícios na locação predial urbana A locação predial urbana recebeu disciplina na Lei 8.245/1991, que contempla raro equilíbrio e harmonia entre o direito processual e o substancial, relativamente às pretensões mais comuns originadas por essa espécie de contrato: (a) a dissolução do contrato de locação, cujo remédio processual chama-se despejo, e que, no regime das Ordenações Filipinas (Livro 4, Título 24, § 1.º), cabia ao alcaide, lançando fora o alugador do prédio;341 (b) a revisão do valor do aluguel, dita “revisional”; (c) a prorrogação da locação não residencial contratada por tempo determinado, dita renovatória. O amadurecimento das soluções do legislador originou-se da rica experiência colhida nos diplomas precedentes à Lei 8.245/1991, talvez explicando sua excelência, em flagrante e incômodo contraste com a imperfeita, lacunosa e obscura Lei 8.078/1990. Existem critérios particulares na fixação dos honorários nas três pretensões mencionadas, dissipando as controvérsias do direito anterior. 732.1. Honorários advocatícios no despejo – Em primeiro lugar, o reconhecimento do pedido, fundando-se a pretensão de despejar o locatário (a) na denúncia vazia do contrato prorrogado por prazo indeterminado (art. 46, § 2.º, da Lei 8.245/1991); (b) na necessidade para uso próprio, de cônjuge, de companheiro, de ascendente ou de descendente (art. 47, III, da Lei 8.245/1991); (c) na retomada para demolição e edificação licenciadas pelo Poder Público (art. 47, IV, da Lei 8.245/1992), difere do disposto no art. 90 do NCPC. É assunto regulado no art. 61 da Lei 8.245/1991.342 Feito o reconhecimento no prazo de contestação, produzem-se, ope legis, dois efeitos tendentes a incentivar a aquiescência ou rendição sem luta do locatário: primeiro, o prazo de desocupação, basicamente de trinta dias (art. 63, caput, da Lei 8.245/1991), mas em geral de quinze dias nos casos do art. 63, § 1.º, a e b, da Lei 8.245/1991, inclusive na denúncia vazia (art. 46, § 2.º, da Lei 8.245/1991), amplia-se para seis meses; segundo, o juiz condenará o locatário ao reembolso de custas e ao pagamento de honorários advocatícios “de vinte por cento sobre o valor dado à causa” (art. 61 da Lei 8.245/1991),

mas essa condenação mostrar-se-á inexigível ocorrendo a desocupação no termo fixado. Em caso tal, o regime dos honorários advocatícios é especial. O percentual é fixado, retirando do juiz a individualização da retribuição pecuniária do advogado do locador. A base de cálculo do percentual de vinte por cento recai sobre o valor da causa, e, não, sobre o benefício econômico (v.g., o valor da nova edificação), de seu turno estipulado no art. 58, III, da Lei 8.245/1991 em doze meses do aluguel vigente. E, por fim, a desocupação no prazo mais largo de seis meses livrará o réu de reembolsar as despesas processuais e de pagar honorários advocatícios. O custo financeiro do processo é transferido integralmente ao vitorioso. O art. 61 da Lei 8.245/1991 não pré-exclui o reconhecimento do pedido nas demais ações de desejo, seja residencial ou não a locação, mas nega à declaração de vontade do réu os efeitos benéficos da regra. Por outro lado, nas ações de despejo fundadas em falta de pagamento, o art. 62, II, d, da Lei 8.245/1991 exige que o réu, desejando purgar a mora e preservar o vínculo locatício, pague o débito atualizado, incluindo “as custas e os honorários do advogado, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa”. Deixando de lado outros aspectos procedimentais, a exemplo do termo inicial do prazo e o deferimento, ou não, da purga da mora, e a exclusão do direito (art. 62, parágrafo único, da Lei 8.245/1991), a disposição presume dar o locatário causa à iniciativa do autor em romper a locação, inadimplindo os locativos no tempo, lugar e forma devidos. Daí a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais e o pagamento dos honorários do advogado do locador. O art. 62, II, d, da Lei 8.245/1991, retira do juiz a individualização do percentual, estipulado, rigidamente, no mínimo (dez por cento). Era o usual (fori consuetudo) no direito anterior,343 mas a rigidez não é acertada. De outro lado, o dispositivo adota como base de cálculo o proveito econômico do autor, mais precisamente o “montante devido”, quer dizer, o principal – todavia, limitado às prestações vencidas no momento do cálculo –,344 justos, correção e cláusula penal, que é cumulável com os honorários, conforme a orientação encampada na Súmula do STF, n.º 616. E, de resto, admite o juiz recepcionar estipulação diversa do contrato, divergindo da orientação consolidada anteriormente, segundo a qual o percentual fixado no contrato não vinculava o juiz.345 É disposição, todavia, inócua e iníqua: percentual maior revela-se francamente abusivo em contratos de adesão, cabendo ao juiz rejeitá-lo. Recepcionará, então, qualquer cláusula contratual que favoreça o locatário, diminuindo-lhe o sacrifício financeiro. Não realizando o locatário o depósito, e não havendo o inquilino apresentado outra defesa processual ou de mérito, como lhe permite o princípio da eventualidade (retro, 311.2), o juiz julgará procedente o pedido, fixando honorários de acordo com regra geral.346 Formou-se no STJ o entendimento que, desfrutando o locatário do benefício da gratuidade, e, destarte, suspensa a condenação prevista no art.

art. 62, II, d, da Lei 8.245/1991, o advogado do autor receberia os honorários através de glosa do principal.347 Esse entendimento recebeu dura crítica, pois o direito material exige purga integral da mora, compreendendo as despesas do processo em sentido lado (art. 401, I, do CC).348 E, acudindo a razões superiores, o STJ adotou a linha correta.349Assim, o beneficiário da gratuidade, desejando manter a locação, reembolsará o autor das custas e pagará os honorários fixados pelo juiz. Representando o locatário por órgão da Defensoria Pública, deverá ser intimado pessoalmente o procurador (infra, 747.2 e 1.077).350 O fiador que não participou do processo, exercendo os direitos fundamentais processuais na plenitude, após citação válida, não se legitima, passivamente, na futura execução da sentença de procedência do despejo, aí incluído o capítulo acessório da sucumbência, estipulou a Súmula do STJ, n.º 268. Reza o art. 513, § 5.º: “O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”. O meio hábil para provocar essa intervenção é o chamamento ao processo. Pode ocorrer, no curso do processo, a desocupação do prédio locado pelo inquilino. É um acontecimento próximo ao reconhecimento tácito do pedido, mas com ele inconfundível, porque não implica, inequivocamente, a admissão dos efeitos jurídicos pretendidos pelo autor através do pedido. À primeira vista, parece que a utilidade da prestação jurisdicional desapareceu, configurando o fenômeno do esvaziamento da pretensão do autor (Erledigung der Hauptsache).351 Porém, na demanda de despejo, o autor pretende a retomada legítima do imóvel (força executiva) e, para esse fim, o desfazimento da relação contratual (eficácia imediata constitutiva negativa). O locador que, verificando o abandono do imóvel, retoma-o sem reclamar a posse na via judicial praticará desautorizada justiça de mão própria e não dissolve, eficazmente, a relação contratual. Por isso, verificado o mesmo fato no curso da demanda, o art. 66 da Lei 8.245/1991 prevê a imissão do locador na posse, abstraindo o fundamento da demanda despejatória. O fato superveniente (art. 493) somente esvazia a força (executiva) da ação. O locatário entrega o bem da vida voluntariamente. Não torna, como erradamente entendeu o STJ, lastreado em lição doutrinária inexata,352 o autor carecedor da ação.353 O juiz acolherá o pedido, nos termos do art. 487, I, dissolvendo a locação e legitimando a retomada da posse pelo locador. Para os efeitos do art. 85, caput, o juiz examinará o mérito, hipoteticamente. De ordinário, o princípio da causalidade apontará o inquilino como responsável pelo reembolso das despesas processuais e pagamentos dos honorários.354 Também se concebe, por exceção, a responsabilidade do locador (v.g., moveu a ação contra quem não é o inquilino, e, ainda assim, recebeu as chaves no curso do processo).355 732.2. Honorários advocatícios na renovatória da locação – A pretensão do inquilino de renovar a locação de imóvel não residencial exige a indicação “clara e precisa”, na petição inicial, “das condições oferecidas para a renovação da locação” (art. 71, IV, da Lei 8.245/2001).

O juízo de inadmissibilidade e o juízo de improcedência não apresentam desvios da regra geral. O locatário vencido responderá pelos honorários advocatícios, fixados na forma do art. 85, § 2.º. Também no caso de revelia do locador, tacitamente aceitando a renovação nos termos propostos pelo autor, o princípio da sucumbência indica o réu como o responsável pelo pagamento dos honorários, por igual fixados na forma do art. 85, § 2.º. E, por igual, havendo reconhecimento do pedido, incidirá o art. 90 do NCPC, e o réu pagará honorários advocatícios ao advogado do autor.356 É comum, todavia, a controvérsia das partes simultaneamente recair sobre a existência do direito à renovação e o valor do novo aluguel. E, acolhido que seja o pedido de renovação, a sentença de procedência que estipular aluguel em desacordo com a proposta do art. 71, IV, da Lei 8.245/1991, indica sucumbência parcial do autor. Formou-se o entendimento no STJ que, cingindo-se a controvérsia ao valor do aluguel, haverá sucumbência recíproca, arcando as partes com as despesas processuais antecipadas e os honorários do respectivo advogado.357 Ora, mesmo que haja certa equidistância entre a proposta do locatário e a contraproposta do locador, a sucumbência do réu, exista ou não controvérsia sobre o direito à renovação, é substancialmente maior que a do autor, vencido em parte secundária ou mínima (art. 86, parágrafo único). Tampouco é possível considerar sucumbente, em virtude da mesma razão, a parte cuja proposta estiver mais distanciada do valor arbitrado na sentença como quer a doutrina.358 É um caso em que o princípio da causalidade, imputando a responsabilidade a quem deu causa à renovatória oferecendo valor menor que o de mercado ou, inversamente, pretendendo valor superior, não funciona a contento. Parece mais de acordo com os critérios gerais de fixação dos honorários, reconhecida a sucumbência recíproca, e outorgando natureza de contrapedido à pretensão do réu, a distribuição dos ônus na forma do art. 86, caput, ou seja, proporcionalmente à vantagem econômica obtida pelas partes. Não é assim que decide o STJ, em geral carregando o autor, fixado o locativo em valor bem superior ao oferecido, os honorários advocatícios.359 Em qualquer hipótese, entretanto, o juiz arbitrará o valor dos honorários na forma do art. 85, § 2.º. 723.3. Honorários advocatícios na revisional do aluguel – Legitimam-se o locador e o locatário para, no curso da locação predial urbana, modificar o valor do aluguel, hipótese em que o autor indicará, na petição inicial, “o valor do aluguel cuja fixação é pretendida” (art. 68, I, da Lei 8.245/1991). A improcedência desse pedido não oferece dificuldades. O vencido responderá pelos honorários fixados pelo juiz nos termos do art. 85, § 2.º. A sentença de procedência pode chegar a três resultados distintos: (a) o valor aluguel é igual ao pedido pelo autor; (b) o valor do aluguel é inferior ao pedido pelo autor; (c) o aluguel é superior ao pedido pelo autor. No primeiro caso, o réu sucumbiu integralmente; nos demais casos, haverá sucumbência parcial, atraindo a incidência do art. 86, caput, sem prejuízo da aplicação, conforme o valor da diferença, do art. 86, parágrafo único (retro, 710.3).360

Também na sentença de procedência incidirá o art. 85, § 2.º,361 embora a força da sentença seja constitutiva. No entanto, haverá diferenças, relativamente aos locativos vencidos no curso do processo, pois o novo aluguel retroage à data citação (art. 69, caput, da Lei 8.245/1994). Descontado o aluguel provisório arbitrado, porventura concedido a pedido do réu (art. 68, III, da Lei 8.245/1991), ou seja, o valor dos locativos pagos nesse interregno, o saldo a favor do locador comportará execução in simultaneo processu (art. 69, § 2.º da Lei 8.245/1991). Esse valor indica o proveito econômico do vencedor, oferecendo, de resto, base de cálculo segura para a incidência do percentual mínimo (piso) e o percentual máximo (teto) do art. 85, § 2.º, atendida a sucumbência parcial ou, havendo pedido de aluguel provisório, recíproca (art. 86, caput). A base de cálculo consistente em dois anos da diferença entre o aluguel originário e o novo aluguel é, sobretudo, de lege ferenda.362 733. Honorários advocatícios na desapropriação Fecundo terreno de controvérsias acerca de honorários advocatícios, em parte superadas através da súmula do STF e do STJ, a desapropriação exige, ainda hoje, boa organização da matéria para tornar o tema compreensível. Cumpre distinguir duas espécies: (a) a desapropriação propriamente dita, ou desapropriação “direta”; e (b) a desapropriação indireta, na verdade a pretensão do particular de condenar o Poder Público pelo apossamento ilegal do domínio privado. 733.1. Honorários advocatícios na desapropriação direta – Era omisso o Dec.-lei 3.365/1941, no tocante à disciplina das despesas processuais e dos honorários advocatícios, até o advento da Lei 2.786, de 21.5.1956, que acrescentou ao art. 27 o seu § 1.º, vazado nos seguintes termos: “A sentença que fixar o valor da indenização quando êste fôr superior ao preço oferecido, condenará o desapropriante a pagar honorários de advogado, sôbre o valor da diferença”. O dispositivo acolheu o entendimento formado, na vigência do art. 64 do CPC de 1939, no STF.363 Em síntese, a indenização do expropriado compreende dos honorários do seu advogado (Súmula do STF, n.º 378). Com o manifesto propósito de diminuir o valor global das requisições de pagamento nessa área, a MP 2.183-56/2001 alterou a redação do art. 27, § 1.º, do Dec.-lei 3.365/1941, que passou a determinar o seguinte: “A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4.º do art. 20 do Código de Processo Civil {de 1973}, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)”. O STF suprimiu, liminarmente, a cláusula final que limitava o valor dos honorários.364 Persistiu a insólita referência ao juízo de equidade, atualmente contemplado no art. 85, § 8.º, cujo inegável objetivo, verificados seus elementos de incidência (“… inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo…”), reside em aumentar, e, não, diminuir os honorários. Dessa disposição infere-se a inexistência de condenação do autor ao pagamento de honorários ao advogado do réu caso o valor não seja superior ao oferecido na petição inicial. É situação implausível, senão jamais vista. O

Poder Público invariavelmente oferece valor abaixo do mercado. Não há mal maior que o Estado brasileiro pratique contra o patrimônio do particular do que desapropriá-lo. O réu perde a posse incontinenti e receberá a justa e, supostamente, prévia indenização a que faz jus, segundo o art. 5.º, XXIV, da CF/1988, sabe-se lá quando, talvez nunca. E isso, porque o STF conferiu iníqua interpretação ao art. 15, caput, e § 1.º, do Dec.-lei 3.365/1941, dispensando o arbitramento judicial do valor a ser depositado pelo expropriante. É explícito o art. 19, caput, da LC 76, de 06.07.1993, contemplando o caso da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, quanto à definição do sucumbente: (a) o expropriado, se o valor da indenização for igual ou inferior ao preço oferecido; (b) o expropriante, se o valor da indenização for superior ao preço oferecido. E, nesse caso, o art. 19, § 1.º, LC 76, de 06.07.1993, adotou o percentual fixo de vinte por cento, com a mesma base de cálculo, ou seja, a diferença entre o preço oferecido e o valor da indenização. A base de cálculo do percentual mínimo e máximo, estabelecido através de apreciação equitativa, consiste na diferença entre o valor oferecido na inicial e o valor da indenização, ambos corrigidos monetariamente (Súmula do STF, n.º 617; Súmula do STJ, n.º 141). Entram na base de cálculo, que é o valor da indenização, além da correção monetária, os juros compensatórios – taxados a seis por cento ao ano pelo art. 15-A, caput, do Dec.-lei 3.365/1941, na redação da MP 2.183-56/2001, regra também suprimida pelo STF –, e os juros moratórios, regulados no art. 15-B do Dec.-lei 3.365/1945, consoante a orientação da Súmula do STJ, n.º 131: “Nas ações de desapropriação incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas”. O STJ aplica sem restrições o art. 27, § 1.º, do Dec.-lei 3.365/1945.365 A limitação do percentual correspondeu ao fori consuetudo. Em caso de revelia do expropriado, inexistirá a condenação do expropriante em honorários, como de regra, porque não houve intervenção de advogado; e, na desistência, que pode ocorrer a qualquer tempo, independentemente da anuência do expropriado, incidirá o art. 90, caput, do NCPC (retro, 718).366 Não há motivo plausível para regime distinto. O juiz fixará os honorários na forma do art. 85, § 2.º.367 733.2. Honorários advocatícios na desapropriação indireta – A condenação do réu na desapropriação indireta, porque a sentença de procedência tem carga condenatória, seguirá o disposto no art. 85, § 2.º.368 Todavia, o STJ aplica o art. 27, § 1.º, Dec.-lei 3.365/1945, quanto ao percentual,369 adotando o valor da indenização como base de cálculo. Valem, pois, as considerações externadas no item anterior. 734. Honorários advocatícios no mandado de segurança Por mais que sejam sólidos e persuasivos os argumentos a favor da condenação do vencido em honorários advocatícios no mandado de segurança, antes e após a vigência do art. 20 do CPC de 1973, os tribunais superiores firmaram posição, consubstanciada na Súmula do STF, n.º 512, e na Súmula do STJ, n.º 105, e nada os abalou em prol do cabimento da verba nesse remédio processual. É residual e frágil a defesa desses verbetes,370 manifestando-se a maioria pelo cabimento.371 Em síntese,

sumariando os argumentos favoráveis, “se esse processo especial se rege subsidiariamente pelas normas codificadas; se nele existe ação, e, a fortiori, causa; se há partes representadas por advogados – então é insustentável a proposição segunda a qual descabe, aí, a condenação em honorários”.372 Não auxilia em nada para clarear o assunto as construções híbridas, admitindo a condenação do autor só no caso de má-fé,373 porque o princípio da sucumbência ajusta-se ao mandado de segurança em sua inteireza. É um bem sucedido movimento para desonerar os cofres públicos e, quanto possível, diminuir as impetrações,374 que culminou no art. 25 da Lei 12.016/2009, que declara: “Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé”. Logo, o regime das despesas processuais é o comum e a controvérsia, no plano legislativo, perdeu sentido.375 Da parte final do dispositivo transcrito não há como inferir a admissibilidade da condenação em honorários no caso de litigância de má-fé. A incidência do art. 81,caput, do NCPC, pressupõe o cabimento dessa verba. Assim, no mandado de segurança caberá multa e indenização. 735. Honorários advocatícios na ação civil pública e na ação popular O regime dos encargos da sucumbência na ação civil pública, figurando o Ministério Público como autor, já recebeu explicação em itens anteriores (retro, 629.2, 678 e 686). Eliminou-se qualquer risco financeiro para a instituição estatal na ingênua suposição de a função política intrínseca ao processo coletivo e a seriedade do Ministério Público autorizarem o sacrifício do réu. Ora, perante adversário tão temível, quanto poderoso, não economiza o réu esforços e recursos para repelir a pretensão deduzida. Esse desembolso ficará irreversivelmente perdido no caso de o juiz dar razão ao réu. Em se tratando de associação autora, a parte “e os diretores responsáveis pela propositura da ação”, responderão pelos honorários advocatícios e o décuplo das custas, em caso de má-fé, ou seja, caso o juiz reconheça o descumprimento dos deveres do art. 77 do NCPC, incidindo a conduta processual da parte numa das hipóteses do art. 80 do NCPC, segundo o disposto no art. 17 da Lei 7.347/1985. É claro que, relativamente aos representantes da pessoa jurídica, a regra se mostra inconstitucional por dupla razão: em primeiro lugar, tais terceiros não praticaram qualquer ato processual em nome próprio, sendo a responsabilidade do respectivo advogado; ademais, os órgãos da pessoa jurídica não tiveram a oportunidade de exercer o direito fundamental processual à ampla defesa. De análoga assimetria, explicada como forma de incentivo ao acesso à Justiça,376 na prática estímulo à litigância irresponsável, padece o regime da sucumbência na ação popular. O autor popular é isento do dever de antecipar despesas processuais, reembolsá-las e de pagar honorários advocatícios ao réu vencedor, salvo comprovada má fé, por intermédio de generosa disposição constitucional (art. 5.º, LXXIII, da CF/1988). Mas, a sentença de procedência “incluirá sempre”, segundo o art. 12 da Lei 4.717/1965, o

pagamento das custas e “despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas” e honorários advocatícios, fixados na forma do art. 85, § 2.º. Em caso de procedência parcial, o réu responderá integralmente.377 E, ocorrendo fato superveniente, esvaziando a finalidade da pretensão processual, o STJ exige a aplicação do princípio da causalidade, atribuindo a responsabilidade a quem deu causa ao processo, ou seja, ao réu.378 O paralelo com a ação civil pública é total. O STJ relutava em condenar o vencido em honorários a favor do Ministério Público,379 mas reviu a posição.380 736. Honorários advocatícios nos juizados especiais Como estímulo à conformidade com a decisão de primeiro grau, o art. 55 da Lei 9.099/1995 declara que a sentença proferida no procedimento dos juizados especiais da Justiça Comum “não condenará o vencido”, nas custas e nos honorários de advogado, “ressalvados os casos de litigância de má-fé”. O julgador deverá motivar essa condenação eventual, indicando, claramente, os motivos que o persuadiram da caracterização do comportamento processual num dos incisos do art. 80 do NCPC. É nula a sentença desprovida dessa motivação – aliás, como sói ocorrer com as sentenças fora do sistema dos juizados especiais. A disposição alude a custas com objetivo específico. No procedimento dos juizados especiais, inexiste perícia, mas a inquirição de técnicos da confiança do juiz, ou exame, vistoria e avaliação por pessoa habilitada da mesma condição. Em princípio, nenhuma das partes precisa antecipar a remuneração dos colaboradores da justiça. Por sua vez, nas causas adstritas à competência dos juizados especiais da Justiça Federal, os honorários do perito serão suportados pelo Poder Público (art. 12, § 1.º, da Lei 10.259/2001). O incentivo concreto à aquiescência com o provimento de primeiro grau consiste na possibilidade de a turma recursal, atrevendo-se o vencido a impugnar a sentença (e necessitará preparar o recurso), sem sucesso, condenar o recorrente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que serão “fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa”. Essa fixação abrange a atividade desenvolvida pelo advogado do vencedor em ambos os graus e em todo o processo. O êxito do recorrente importará a condenação, nos mesmos termos, do antigo vencedor.381 Em relação às pretensões condenatórias, que constituem a maior parte das causas no âmbito dos juizados especiais da Justiça Comum, a fixação do percentual segue os parâmetros anteriormente explicados (retro, 694). Não oferece outras dificuldades além das naturais ao caso. O critério empregado para as causas em que inexiste condenação suscita a crítica natural de o legislador conduzir-se melhor utilizando a noção de benefício econômico.382 Não despertava essa base as simpatias legislativas, até o advento do art. 85, § 2.º, do NCPC, e, no lugar da apreciação equitativa, todavia aplicável no julgamento do objeto litigioso (art. 6.º da Lei 9.099/1995), por exceção o valor da causa é a base de cálculo do percentual.

737. Honorários advocatícios na rescisória Por meio da ação rescisória (art. 966), o autor pretende desconstituir a autoridade de coisa julgada (iudicium rescindens), porque vencido, e, ato contínuo, obter novo julgamento da causa (iudicium rescissorium), como revela a necessidade de o autor cumular ao pedido de rescisão, de regra, o de novo julgamento (art. 968, I). Nem sempre, porém, acolhendo a pretensão à rescisão, o tribunal passará a julgar a causa. Às vezes, conforme o fundamento exposto pelo autor no rol do art. 966, o julgamento encerra-se na primeira etapa; por exemplo, fundando-se a rescisória na infração à coisa julgada (art. 966, IV), basta o tribunal desconstituir a coisa julgada cronologicamente subsequente e, ipso fato, restaurará a autoridade da primeira. E há casos em que, rescindindo o julgado, o novo julgamento tocará a outro órgão, como acontece na hipótese de incompetência absoluta (art. 966, II, in fine), ou há necessidade de produzir prova antes de se proceder a um novo juízo de mérito. Nenhuma dificuldade oferece à incidência do princípio da sucumbência na rescisória julgada inadmissível, seja qual for o motivo (v.g., impossibilidade da rescisão contra provimento que não julgou o mérito), ou improcedente.383 O acórdão condenará autor vencido ao pagamento de honorários advocatícios.384 E não importa que, na causa originária, inexistisse condenação em honorários, porque inadmissível, a exemplo do caso do mandado de segurança (Súmula do STF, n.º 512; Súmula do STJ, n.º 105).385 O vencido pagará outros honorários, devidos em razão da sucumbência na própria rescisória, independente dos que haja sido condenado, ou não na causa originária. Em caso de procedência da ação rescisória, e passando o tribunal ao julgamento da causa originária, a situação muda de figura. Limitando-se o tribunal a desconstituir a coisa julgada, e remeter a causa a outro órgão judiciário, para ser processada e julgada como de direito, o problema não se põe imediatamente e na sua inteireza. Haverá sucumbência única, relativa à própria rescisória. E o juízo competente para a causa condenará o vencido na causa ao pagamento dos honorários advocatícios, ou melhor: resolverá o problema conforme os critérios gerais e particulares porventura aplicáveis ao julgado. Porém, encarregando-se o próprio tribunal de julgar a causa, dois termos de alternativa se mostram concebíveis: (a) o novo julgamento tem sentido oposto ao do primeiro, vencendo o autor tanto no ius rescindens, quanto no iudicium rescissorium; ou (b) o novo julgamento coincide com o primeiro, em razão do mesmo ou de outro fundamento, ficando o autor da rescisória vencedor no iudicium rescindens, mas vencido no iudicium rescissorium. O STJ rejeita a possibilidade de duas condenações em honorários, uma para o iudicium rescindens e outra para o iudicium rescissorium.386 No caso concreto então examinado, o STJ verificou que, na causa, ocorrera sucumbência parcial, e aplicou o art. 86, caput, mandando compensar proporcionalmente à extensão da sucumbência as despesas processuais e honorários advocatícios. Não há a menor possibilidade, atualmente, de compensar honorários, devidos ao advogado do autor e ao advogado do réu,

titulares do crédito, a teor do art. 85, § 14, in fine. A sucumbência parcial talvez ocorra no iucidium rescindens (v.g., o autor pretende rescindir todo o julgado, mas o tribunal só rescinde parte) e, no iudicium rescissorium, além dela, também a sucumbência recíproca, conforme haja, ou não, pedidos contrapostos de autor e de réu. Essa particularidade não elimina a dupla sucumbência perante a diversidade dos resultados dos dois juízos. Ela é intrínseca à sobreposição das causas. Se o próprio tribunal não profere no julgamento da causa originária, é latente a futura ocorrência de dupla sucumbência: de um lado, o autor já ganhou a rescisória, e, eventualmente, o respectivo acórdão transitou em julgado; e de outro, logrando êxito total na causa originária, que passou à competência de outro juízo, haverá nova condenação em honorários. A aglutinação de ambos os juízos em julgamento único não pode levar a resultados diversos, ressalva feita à inexistência de condenação em honorários na rescisória em casos tais, o que parece absurdo. E, não havendo dupla sucumbência, a tendência é a fixação de honorários somente no iudicium rescissorium.387 Ora, a parte contrária deu causa tanto à rescisão, quanto à causa originária, e, ademais, o trabalho do advogado do autor é muito distinto, num caso e noutro, acabando remunerado apenas em parte com a sucumbência única.388 Tudo aponta na direção da necessidade de o tribunal fixar duas verbas honorárias distintas. A justiça do caso concreta far-se-á com uma fixação moderada e equitativa dessas verbas. Não se afigura muito diversa a solução da segunda hipótese aventada. O autor que venceu o iudicium rescindens, desconstituindo a coisa julgada, mas o tribunal mantém o resultado desfavorável na causa originária, venceu e perdeu no processo. Tem direito a honorários advocatícios perante o réu, quanto à rescisória, mas pagará ao réu os honorários do iucidium rescissorium, senão os honorários que já houverem sido fixados na sentença ou no acórdão objeto da rescisória, os honorários que o tribunal houver por bem fixar segundo seu critério. A fixação dos honorários da sucumbência em verba única não se mostra real. É apenas aparência de verba única. Os honorários não podem favorecer apenas ao autor ou apenas ao réu. Intuitivamente os julgadores aplicam, nesse caso, o art. 86, caput, e realmente há sucumbência recíproca: do réu, na rescisória; do autor, na causa originária. E os honorários de um e de outro pedido não comportam compensação (art. 85, § 14,in fine). 738. Honorários advocatícios na arbitragem Em matéria de arbitragem, a disciplina dos honorários advocatícios envolve tanto a retribuição pecuniária dos advogados das partes, quanto a dos árbitros. O art. 11, V, da Lei 9.307/1996 confia à autonomia dos interessados a estipulação a “responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem” no compromisso arbitral. Não se aplica, destarte, o regime da lei processual quanto ao regime do dever de antecipar as despesas senão supletivamente, bem como o dever de o vencido reembolsálas e de pagar honorários ao advogado do vencedor, no todo ou em parte. Em geral, dividem as despesas e o vencido arcará com os honorários efetivamente pagos pelo vencedor ao respectivo advogado, valor conhecido

por antecipação, e reembolsará também, a final, a metade das despesas antecipadas. Mas, nada obsta que submetam a fixação dos honorários aos árbitros, para divisão mais equitativa, ou estipulem que cada parte pagará os honorários do(s) seu(s) advogado(s) e suportará as despesas da arbitragem,389 ou, ainda, simplesmente se submetam à disciplina da lei processual.390 Chama o art. 11, VI, da Lei 9.307/1996 de “honorários do árbitro, ou dos árbitros” à remuneração devida aos integrantes do tribunal arbitral. À medida que o desempenho da função de árbitro incumbe a advogado, trata-se de honorários advocatícios sob outra e neutra designação, pagos pelos litigantes ao terceiro imparcial. É assunto também confiado à autonomia privada, mostrando-se lícito às partes estipular, no compromisso arbitral, o valor a ser pago ao(s) árbitro(s). Porém, a arbitragem pode ser gratuita, hipótese em que semelhante circunstância há de ser expressamente reconhecida, a fim de evitar controvérsias futuras. Na arbitragem institucional (retro, 24.1), o tribunal estabelece as bases dos honorários, fixados em valor fixo, com valor mínimo (piso) e valor máximo (teto), conforme o conteúdo econômico do litígio, ou em valor variável, também com piso e teto, utilizando como medida do cálculo o valor previamente estabelecido por hora efetivamente trabalhada pelo(s) árbitro(s). Em qualquer dessas hipóteses, ou seja, disposição das partes ou adesão ao sistema remuneratório da arbitragem institucional, ou administrada, o art. 11, parágrafo único, primeira parte da Lei 9.307/1996, o compromisso arbitral outorga ao(s) árbitro(s) título executivo extrajudicial para haver do inadimplente os honorários. Dependerá a exequibilidade da liquidez do crédito: no caso do cômputo de horas trabalhadas, que se subordina à prova de fato exterior ao próprio título (o número das horas efetivamente trabalhadas), parece discutível a exequibilidade do documento.391 Seja como for, o art. 11, parágrafo único, segunda parte, confere ao(s) árbitro(s) pretensão ao arbitramento judicial. Para evitar esse constrangimento, na arbitragem institucional costuma-se exigir o depósito prévio da quantia relativa aos honorários arbitrais. É bem de ver que, em tese, os honorários de cada árbitro pode ser diferente, atribuindo-se valor mais expressivo ao presidente do colegiado, mas essa prática não é rotineira.392 739. Honorários estrangeira

advocatícios

na

homologação

de

sentença

O processo de homologação de sentença estrangeira (retro, 213), a mais das vezes, assume natureza contenciosa, na medida em que as partes têm posições contrastantes. Desse modo, o tribunal competente para tal processo antes da mudança promovida pela EC 45/2004, condenava o vencido a pagar honorários advocatícios ao vencedor.393 O tribunal arbitrará os honorários segundo a lei brasileira. Era comum a invocação do juízo de equidade394 É a linha seguida na jurisprudência do tribunal atualmente competente.395 Não havendo resistência, mas contencioso o processo originário, opina-se pela admissibilidade da condenação do vencedor.396 Porém, o quadro muda de figura à luz do art. 85, § 2.º, e suas bases de cálculo flexíveis, permitindo o emprego do proveito econômico em caso (como na homologação) de força constitutiva. E, ademais, o juízo de equidade presta-se a elevar os honorários,

e, não, diminuí-los, atentando-se aos seus elementos de incidência no direito atual (art. 85, § 8.º). Em realidade, incide o princípio do interesse; existindo lide virtual – obviamente, a parte contrária não tem interesse em semelhante homologação, pois a sentença homologada produzirá efeitos que lhe são desfavoráveis no território brasileiro –, a exigir a condenação em honorários do vencido, remunerando a atividade do vencedor. O curador especial dado ao réu tem direito a honorários.397 § 150.º Controle dos honorários advocatícios 740. Recursos em matéria de honorários A interposição de qualquer recurso prolonga a relação processual, aumenta as atividades dos participantes do processo e exige dos advogados das partes desempenho profundamente distinto da atuação desenvolvida até a emissão do provimento final. Os recursos não reproduzem as mesmas etapas, fases e momentos do procedimento em primeiro grau, haja vista a função revisora dos tribunais de segundo grau, e a diferença repercute na advocacia. Em geral, instada ou não pelo procurador originário, nas causas de importância a parte constitui novo advogado, com o fito de acompanhar a tramitação do recurso e, se for o caso, sustentar oralmente, atitude comum que demonstra cabalmente o caráter específico da advocacia no tribunal. Por outro lado, a análise dos elementos objetivos e subjetivos que orientam a fixação dos honorários advocatícios em primeiro grau revela que, à exceção da (a) natureza da causa (retro, 705) e (b) da importância da causa (retro, 706),398 o conjunto preocupa-se em medir, avaliar e sopesar a atuação do advogado do vencedor até o momento da emissão do provimento cogitado no art. 85, caput. Da combinação desses dados resulta claro que, no julgamento dos recursos interpostos contra pronunciamentos em que há capítulo acessório da sucumbência, independentemente da natureza autônoma dessa parte, o tribunal necessita dispor a respeito dos honorários advocatícios, valorando o que sucedeu após aquele momento e a sua notável especificidade. Em caso de desprovimento do recurso, cumpre-lhe complementar os honorários já arbitrados. Embora o resultado haja mantido o vencedor em primeiro grau, o respectivo advogado obrou posteriormente à sentença e colheu sucesso talvez definitivo. É o que dispõe o art. 85, § 11, sempre respeitando o porcentual máximo porventura aplicável à espécie. E, provendo o recurso, o tribunal inverte o resultado originário, cabendo-lhe, igualmente, inverter os encargos da sucumbência em capítulo autônomo. Para atender o art. 85, § 11, o tribunal empregará, inicialmente, os critérios gerais na fixação dos honorários. Por exemplo, condenatória a sentença de primeiro grau, e fixados os honorários na forma do art. 85, § 2.º, o provimento do recurso, rejeitando o pedido, tem forma declaratória e, inexistindo condenação, atrai a incidência do proveito econômico, ressalva feita à consideração que o princípio da igualdade reclama a fixação dos honorários na mesma base. E, principalmente, atentará aos elementos subjetivos do art. 85, § 2.º, vez que o trabalho do advogado do antigo vencido logicamente não

pode ter dimensão e qualidade idênticas à do antigo vencedor. Enfim, o tribunal precisa considerar o sucesso ou o insucesso na demanda conforme a própria deliberação, ao julgar ao recurso, respeitando o fato que a responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais e pelo pagamento dos honorários advocatícios subordina-se ao êxito final na demanda.399 Não é necessário prover a respeito de honorários, de regra, no agravo de instrumento. Este recurso tem por objeto decisões interlocutórias (art. 203, § 2.º) e, por definição, semelhante ato decisório resolve questões incidentais. Ora, nos incidentes inexiste condenação em honorários. E, nesse sentido decidiu o STJ, versando o agravo a concessão de liminar.400 No entanto, versando o agravo de instrumento pronunciamento enquadrado no art. 485 (v.g., a sentença de indeferimento da petição inicial da reconvenção), também neste recurso cumpre ao tribunal prover acerca dos honorários advocatícios no caso de desprovimento. Os tribunais brasileiros se desincumbem dessa atribuição suficientemente tão só no caso de provimento do recurso. É conhecida a fórmula da “inversão” do disposto no primeiro grau, repetida em muitos acórdãos. Ela se mostra insatisfatória, nada obstante, porque não individualiza como deveria os honorários devidos ao advogado do antigo vencido e agora vencedor. Evitando a iniquidade da omissão, reputa-se automática a inversão dos encargos da sucumbência.401 Decidiu-se o seguinte: “Em princípio e em interpretação, afeiçoada à instrumentalidade do processo, tendo havido condenação em honorários na sentença, o provimento integral do apelo, ainda que ausente menção no acórdão a respeito, inverte o resultado das verbas sucumbenciais”.402 Trata-se de boa solução para suprir omissões do órgãoad quem. É bem de ver que, apelando o vencido contra sentença terminativa, mas provendo o órgão ad quem a apelação para acolher o pedido, inexistirá reformatio in pejus na fixação dos honorários, sendo condenatória a força da ação, na forma do art. 85, § 2.º.403 Desprovendo o recurso, os tribunais se abstêm de prover acerca da complementação dos honorários, no direito anterior, apegando-se à regra que, nos recursos, haverá condenação apenas nas despesas processuais.404 Em precedente específico, proclamou que o “desacolhimento do recurso adesivo não constitui motivo, por si só, para embasar a condenação da recorrente-adesiva em honorários advocatícios”.405 Em tal linha de raciocínio, somente quando do provimento decorrer a extinção do processo, nos casos dos arts. 485 e 487, teria lugar essa condenação. Ora, o fato de necessariamente existir condenação nas despesas – de ordinário, referidas na anódina expressão “custas, ex lege” –, não pré-exclui que, eventualmente – recorde-se a exceção do agravo de instrumento –, haja condenação em honorários suplementares ao advogado do vencedor. Não era, porém, o entendimento perfilhado na jurisprudência pátria. O art. 85, § 11, dispôs diferentemente e esse quadro há de ajustar-se ao dispositivo. Os honorários podem ser objeto principal do recurso, o que reclama o exame das figuras impugnativas.

740.1. Embargos de declaração sobre honorários – Os embargos de declaração erradicam os vícios do art. 1.022 dos atos decisórios em geral. Eventual omissão do provimento final, omitindo a imposição dos honorários advocatícios pode ser corrigido, em primeiro lugar, pelo próprio órgão judiciário, através desse recurso (art. 494, II). É caso típico de embargos, pois patente a omissão. A jurisprudência também identifica, nesse caso, autêntico erro material na decisão (art. 494, I), ensejando, pois, a correção ex officio do defeito pelo órgão judiciário que proferiu o provimento.406 Evidentemente, se a parte apelou dessa parte, através de recurso julgado inadmissível, não pode pretender essa forma de correção.407 Os embargos também corrigem outros vícios intrínsecos do provimento final, mas o descumprimento dos critérios gerais e particulares que presidem a fixação dos honorários advocatícios constitui, a rigor, error in iudicando, que é naturalmente estranho ao âmbito dos embargos de declaração. Não se descarta, em termos categóricos, o uso anômalo dos embargos para corrigir o vício de julgamento. 740.2. Apelação sobre honorários – A apelação é o recurso cabível contra as sentenças, a teor do art. 1.009, caput, e seu objeto comporta tanto o capítulo principal, seja de mérito ou não, quanto o capítulo acessório da sucumbência. No tocante aos honorários, existindo omissão, mostra-se prescindível a prévia interposição dos embargos de declaração. “Em se tratando de honorários”, proclamou certo julgado, “irrelevante que a parte não tenha anteriormente manifestado declaratórios, a fim de que fosse sanada a omissão. Segundo boa doutrina, a parte pode pedir ao tribunal a apreciação dessa questão, sobre a qual o juiz não se pronunciou”.408 Realmente, este é o entendimento correto: a transferência da causa ao órgão ad quem, além da matéria suscitada e discutida, abrange as questões que o juiz deve examinar ex officio,409 a exemplo dos encargos da sucumbência, não importando a ausência de prévios e anteriores embargos de declaração para suprir a omissão. Assim, o legitimado a recorrer pode impugnar diretamente a omissão na apelação. No entanto, o apelo principal interposto pelo vencido não autoriza o órgão ad quem, sob pena de reformatio in pejus, integrar o provimento impugnado com o capítulo acessório à sucumbência favorável ao recorrido. Em tal hipótese, abrem-se dos termos de alternativa ao vencedor prejudicado: ou interpõe recurso principal, versando a questão dos honorários, ou adere ao recurso principal do vencido, interpondo apelação adesiva, plenamente admissível para obter a elevação dos honorários,410 e, por conseguinte, guindá-los de zero a um número superior, impondo-se, destarte, a condenação do art. 85, caput. Não é razoável que, cabível nesse tópico a apelação independente, seja negado o apelo subordinado para o mesmo efeito.411 Legitima-se a interpor a apelação, relativamente à omissão dos honorários, ou à correção do valor fixado, porque divergente dos critérios gerais e particulares que regulam a espécie, quer a parte vencedora, quer o respectivo advogado. É legítimo o advogado defender o direito que lhe

consagra o art. 23 da Lei 8.906/1994 e o art. 85, § 14, na qualidade de terceiro prejudicado.412 O advogado é terceiro, apesar de titular do crédito e do seu interesse direto na resolução, porque (ainda) não figura como parte, e sua legitimidade concorre com a da parte.413 Não lhe cabe, em nome próprio, impugnar o capítulo principal, embora este repercuta na verba honorária, mas o capítulo da sucumbência.414 Exageradamente, negou-se a legitimidade da parte, atribuindo-a unicamente ao advogado, porque não se configuraria a utilidade na revisão da matéria.415 Essa posição ficou superada pela jurisprudência recente que admite legitimidade concorrente.416 740.3. Recurso especial sobre honorários – Firmara-se a jurisprudência, tradicionalmente mais rígida no que tange à admissibilidade do antigo recurso extraordinário, nos casos hoje equivalentes ao recurso especial, pré-excluindo a revisão do valor dos honorários na instância extraordinária, exceto quanto à observância dos limites legais (v.g., o percentual máximo de vinte por cento), o que se cristalizou na Súmula do STF, n.º 389. Evidentemente, mostra-se cabível recurso especial para impor ao vencido os encargos da sucumbência, além de o tribunal superior hoje competente velar pela observância dos percentuais mínimo e máximo. Em tais hipóteses, o recurso especial não versa questão de fato, ou o montante dos honorários, mas a própria incidência do art. 85, caput.417 Por essa via chegou-se à correta conclusão que cabe condenar o beneficiário vencido em honorários. E, naturalmente, omisso o acórdão quanto à própria condenação, semelhante questão comporta reexame no recurso especial. Em certa oportunidade, reconhecida a omissão do acórdão de segundo grau, apesar de instado a supri-la mediante embargos de declaração, o tribunal encarregado da uniformização do direito federal, porque periférica a questão dos honorários, encarregou-se da respectiva fixação.418 Fora daí, os elementos da intrincada equação conducente à fixação dos honorários, distribuídos em conceitos juridicamente indeterminados, evocam essencialmente pontos de fato: a individualização do trabalho do advogado do vencedor exige que o juiz consulte o processado e verifique – na célebre expressão –wie es eigentlich gewessen, como as coisas se passaram.419 A atividade do juiz funda-se na percepção e, desse modo, predominantemente é uma questão de fato. E, nessa qualidade, insuscetível de revisão no recurso especial. Essa característica da subsunção do art. 85, caput, primeira parte, subtrairia de qualquer controle superior os chamados fatores de dispersão – os casos em que, formalmente bem fundamentados, os resultados da equação mostram-se incorretos, em geral pelo excesso. A prudência receitou maior maleabilidade nessa rubrica. Repelindo o óbice da Súmula do STJ, n.º 7, em determinadas hipóteses reexamina-se o próprio montante dos honorários. É emblemático o julgado: “É pacífico o entendimento desta Corte Superior segundo o qual a análise das circunstâncias que contribuem para a adequada fixação dos valores devidos a título de honorários advocatícios é atribuição das instâncias ordinárias. E eventual reforma dessa decisão importa reexame do conjunto fáctico-probatório, o que é vedado para este órgão colegiado pela Súmula 7/STJ. Contudo, a jurisprudência do STJ admite a alteração dos honorários advocatícios na instância especial quando se mostrarem irrisórios ou exorbitantes”.420

Louvável que seja esse controle do excesso ou da parcimônia, não é menos exato que a questão continua fundamentalmente de fato, emprestando caráter errático à jurisprudência: o que é, ou não, valor irrisório ou excessivo dependerá da insondável percepção dos julgadores perante o caso concreto. 741. Reexame necessário em matéria de honorários A natureza do reexame necessário, ou remessa oficial, remédio previsto no art. 496, desafia os mais agudos espíritos. Qualquer que seja, porém, assumiu fisionomia própria na jurisprudência, e um dos aspectos destacados consiste na impossibilidade de o órgão ad quem, na falta de recurso da parte contrária da Fazenda Pública, agravar a situação jurídica desta no reexame (Súmula do STJ, n.º 45). A sentença submetida a reexame necessário, mas omissa ou incorreta quanto à imposição de honorários, e, a fortiori, ao reembolso das despesas processuais, não pode ser emendada pelo órgão ad quem, porque representaria reformatio in pejus. Por exceção já se admitiu a imposição do reembolso da taxa judiciária, porque matéria de ordem pública,421 embora não admita a imposição dos honorários.422 E pode acontecer, conforme preconizado pela Súmula do STJ, n.º 325, a reforma do capítulo acessório da sucumbência a favor da Fazenda Pública. 742. Rescisória em matéria de honorários A condenação do vencido ao pagamento de honorários ao advogado do vencedor não é ex lege, dependendo de pronunciamento do juiz. Acontece de o provimento final, havendo ou não debate das partes a respeito da questão, transitar em julgado sem a (a) deliberação do juiz, vício que caracteriza omissão, ou (b) tal deliberação apartar-se dos critérios gerais e específicos aplicáveis à matéria. E relação ao primeiro vício, o art. 85, § 18, autoriza o ajuizamento de ação autônoma para suprir a falta do capítulo acessório da sucumbência. E, realmente, se o juiz nada decidiu, sobre a questão não recai a auctoritas rei iudicate (art. 502). Fora dessa hipótese, o meio para corrigir os errores iu indicando, no capítulo acessório, e tendo presente que o capítulo acessório da sucumbência transita em julgado também nas sentenças terminativas, reponta ação rescisória, fundada no art. 966, V. Esse dispositivo comporta perfeitamente a alegação de infração ao art. 85, decidindo-se o seguinte: “Em sede de ação rescisória, há possibilidade de reforma não apenas de questões relativas ao mérito (questões principais), como também em relação às questões acessórias, como honorários advocatícios”.423 Entendimento divergente sustentou que, verificando o interessado a omissão da sentença quanto ao capítulo acessório, cumpria-lhe reclamar a provisão do juiz, mediante a interposição dos recursos próprios, vez que não caberia a rescisória contra a pura e simples omissão do julgado.424 Tal alvitre partia da premissa da inadmissibilidade da rescisória fundada em violação do direito objetivo (art. 966, V) sem o prévio debate das partes, mas ficou superado, por conta de maior reflexão.425 Essa orientação limita de maneira asfixiante o cabimento da rescisória ao exigir recusa do juiz em aplicar a

norma ao caso concreto. Poucos o fazem expressamente e, na realidade, é muito mais grave o juiz omitir a razão pela qual não aplica a norma, recorrendo aos inúmeros artifícios da teoria da argumentação, que rejeitar-lhe a incidência frontalmente, porque não corresponde às concepções próprias de justiça do julgador. Em caso de omissão do capítulo acessório, como já realçado, cabe a ação autônoma do art. 85, § 18, porque o juiz nada decidiu a respeito dos honorários. O fundamento da violação da norma jurídica, segundo o art. 966, V, afigura-se mais amplo, corrigindo erros de interpretação, conforme se assinalou corretamente: “Quais os degraus que o subiu o juiz para conclusão, qual o caminho tortuoso que tomou, mesmo se reproduz a regra jurídica, se lhe acentua os conceitos, se põe em relevo os seus dizeres, há rescindibilidade da sentença se não atendeu ao preciso sentido da regra jurídica, tal como ela se insere no sistema jurídico. Infringe regra jurídica quem a interpreta erradamente. Ao juízo rescindente cabe a missão de apurálo”.426 Rejeita-se, pois, a necessidade de prévio debate sobre a incidência, ou não, da norma na espécie.427 É o modo pelo qual a jurisprudência que se formou no seio do STF428 e do STJ429 encara esse aspecto. Em relação à legitimidade para propor a rescisória, o art. 967, I, começa por declarar legitimado, ativamente, a parte na causa originária, sem distinguir entre autor e réu, bem como seus sucessores a título universal ou singular, ou seja, as pessoas que se submetem ao vínculo da coisa julgada, e estende legitimidade ao terceiro juridicamente interessado (art. 967, II) e, sob certas condições, ao Ministério Público (art. 967, III). A rescisória em matéria de honorários suscita uma questão interessante nesse terreno. Legitima o art. 967, I, a parte para propor rescisória, porque ela se vincula à autoridade da coisa julgada e a rescisória visa à desconstituição dessa autoridade. Por essa razão, além da parte original, o dispositivo também legitima os respectivos sucessores a título universal ou singular, coerentemente com a extensão subjetiva daauctoritas rei iudicate. Os terceiros, após a intervenção, viram parte e igualmente se vinculam ao julgado, na melhor das hipóteses limitadamente, como acontece no caso do assistente (infra, 789). Entram esses terceiros, pois, no campo de incidência do art. 967, I. Pois bem. O advogado não é parte, mas representante técnico da parte no processo. Essa posição lhe subtrai da vinculação inerente à autoridade de coisa julgada. Porém, a acreditar-se no art. 23 da Lei 8.906/1994 e no art. 85, § 14 (retro, 671), o crédito que resulta da condenação prevista no art. 85, caput, do NCPC, tem-no como titular exclusivo, e, não, a parte. É uma questão relevante, e até escarpada, definir se a legitimidade para rescindir a sentença quanto ao capítulo acessório da sucumbência compete à parte ou ao seu advogado. Este é o credor dos honorários estabelecidos nesta parte da sentença. Parece natural legitimá-lo a atacar a coisa julgada que prejudica o seu direito; por outro lado, não é ele que se vincula à coisa julgada, mas a parte por ele representada. Ora, a orientação prevalecente no direito anterior não retirava todas as naturais consequências do art. 23 da Lei 8.906/1994, atribuindo ao advogado a titularidade dos honorários sucumbenciais; por exemplo, admitia a compensação do crédito do advogado do vencedor com o crédito da contraparte (Súmula do STJ, n.º 306), o que é

muito difícil de justificar tecnicamente. Representaria excessivo legitimar unicamente o advogado, abstraindo a parte por ela representada,430 e o excesso contrário se praticaria permitindo ao advogado controverter mediante ação anulatória, porque alheio à eficácia da coisa julgada, a verba que lhe incumbe no capítulo da sucumbência. Essas considerações indicam a necessidade de solução de compromisso: legitimam-se tanto a parte, quanto o respectivo advogado – este, na condição de terceiro juridicamente prejudicado, o que o habilita, como visto, a recorrer em nome próprio quanto ao capítulo acessório da sucumbência. Não se exaure aí o problema. É preciso enfrentar a árdua questão da legitimidade passiva. Se o advogado do vencedor pretende rescindir o julgado, ou porque faltou no provimento final (sentença ou acórdão) o capítulo da sucumbência (v.g., divergindo da orientação prevalecente, o juiz abstevese de condenar o vencido, porque beneficiário da gratuidade), ou porque o juiz não seguiu os critérios gerais e particulares porventura aplicáveis à espécie, o único legitimado passivo concebível é a parte vencida (retro, 680), pois somente ela responderá pela condenação no tópico relativo aos honorários. Proposta a rescisória pelo vencido, sob o fundamento que a fixação dos honorários a favor do advogado do vencedor releva-se inadmissível ou ilegal, aparece o problema: o advogado é o titular do crédito, mas só a parte vincula-se ao julgado. Só não pode ser o advogado da parte contrária, que não responde pelos honorários. Nessa contingência, inelutável que figurem como litisconsortes passivos necessários a parte adversa, obrigada ao pagamento da verba, e o(s) respectivo(s) advogado(s).431

Capítulo 37. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE SUMÁRIO: § 151.º Gratuidade da Justiça – 743. Assistência jurídica, assistência judiciária e benefício da gratuidade – 744. Conceito e modalidades de benefício da gratuidade – 744.1. Isenção total – 744.2. Isenção parcial – 744.3. Isenção remissória – 744.4. Isenção diferida – § 152.º Objeto e sujeitos do benefício da gratuidade – 745. Objeto do benefício da gratuidade – 745.1. Taxas e custas judiciais – 745.2. Despesas postais – 745.3. Despesas de publicação na imprensa – 745.4. Indenização da testemunha – 745.5. Despesas periciais e remuneração dos auxiliares do juízo – 745.6. Honorários de advogado – 745.7. Depósitos prévios – 745.8. Despesas extraprocessuais – 746. Beneficiário da gratuidade – 746.1. Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa natural – 746.2. Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa jurídica – 747. Disciplina da atividade processual do beneficiário da gratuidade – 747.1. Prazo em dobro do beneficiário da gratuidade – 747.2. Intimação pessoal do procurador do beneficiário da gratuidade – 747.3. Dispensa de exibição da procuração pelo procurador do beneficiário da gratuidade – § 153.º Concessão do benefício da gratuidade – 748. Forma da postulação do benefício da gratuidade e prova do estado necessidade – 749. Momento inicial e final da postulação do benefício da gratuidade – 750. Deferimento e indeferimento do benefício da gratuidade – 751. Impugnação da parte adversa à concessão da gratuidade – 751.1. Legitimidade na impugnação da gratuidade – 751.2. Prazo da impugnação da gratuidade – 751.3. Fundamentos da impugnação da gratuidade – 751.4. Efeitos da revogação da gratuidade – 752. Recurso próprio na solução do incidente e seus efeitos – § 154.º Efeitos da concessão do benefício da gratuidade – 753.

Designação do advogado do beneficiário – 753.1. Formas de designação do advogado do beneficiário – 753.2. Motivos de escusa do advogado designado ou nomeado para o beneficiário – 753.3. Consequências da escusa ilegítima ou falta de escusa – 753.4. Responsabilidade pelo pagamento dos honorários do advogado do necessitado – 754. Cessação do estado de necessidade do beneficiário – 754.1. Cessação total do estado de necessitado – 754.2. Cessação parcial do estado de necessitado – 754.3. Efeitos da cessação do estado de necessidade do beneficiário – 754.4. Prescrição da pretensão a executar sucumbência – 755. Pagamento a final das despesas processuais no benefício da gratuidade – 756. Vitória do beneficiário da gratuidade – 757. Intransmissibilidade do benefício da gratuidade. § 151.º Gratuidade da Justiça 743. Assistência jurídica, assistência judiciária e benefício da gratuidade O Estado Constitucional Democrático mantém dispendioso serviço especializado, brevitatis causa chamado de jurisdição, objetivando a resolução dos conflitos e a concretização dos direitos. O custeio origina-se integralmente de recursos públicos. São verbas previstas nos orçamentos das pessoas jurídicas do direito público encarregadas da manutenção desse serviço público: a União, o Distrito Federal e os Estados-membros. Em contrapartida, a Administração da Justiça onera diretamente os respectivos usuários. O processo civil tem elevado custo financeiro pessoal e material. Do interessado em acudir à via judiciária, a par dos pressupostos legais, lato sensu, condicionando a respectiva iniciativa, o Estado reclama duas ordens de gastos. Eventual demandante na Justiça Pública necessitará de interlocutor abalizado e titular do monopólio da capacidade postulatória (infra, 1.016): o advogado. Ressalva feita a casos excepcionais, as partes são impedidas de reclamar em nome próprio os seus direitos em juízo. Ora, a advocacia organizou-se como profissão liberal. O advogado pretende receber por seu trabalho e o antigo preconceito contra o pacto de quota litis (retro, 670.1.2) desestimula, salvo em áreas específicas (v.g., na defesa de direitos trabalhistas), ajustes que estabeleçam percentual sobre o êxito. A par desse problema inicial, o futuro litigante enfrentará outro subsequente e de igual grandeza. Em retribuição maior ou menor – na verdade, inexistem estudos fixando o montante desejável – ao custo intrínseco do processo, a movimentação do aparato judiciário depende do pagamento antecipado de cada ínfimo passo. É preciso pagar os atos de registro e distribuição e, para esse efeito, o autor indicará o valor da causa (infra, 1.270.2.7). Segundo ponderada análise, tal exigência de retribuição pecuniária pela atividade processual afigura-se justa e vital. À sociedade não caberia à sociedade, em especial aos não litigantes, custear a demanda alheia.1 Nem sequer a antiga União Soviética deixava de cobrar do litigante pela prestação jurisdicional.2 Esses dois desafios obrigam ao interessado em acudir à tutela jurídica do Estado para resolver certo litígio prioritariamente avaliar dois aspectos

concorrentes: (a) o “preço do litígio”;3 e (b) as possibilidades de êxito, recuperando, no todo ou em parte, os dispêndios financeiros. Esse prognóstico serve-lhe, a mais não seja, para evitar a irresponsável dissipação dos recursos necessários à própria sobrevivência e, ainda, não gastar mais em caso de derrota. Eventual insucesso expõe a parte vencida a pesados encargos financeiros, quais sejam: (a) o reembolso das despesas processuais suportadas pelo vencedor (art. 82, § 2.º); (b) o pagamento de honorários sucumbenciais ao advogado do adversário. O fato de o Estado taxar (ou poder taxar) cada ato processual, isoladamente, e exigir pagamento antecipado, conforme o art. 82, caput, torna a existência de recursos financeiros suficientes transcendente pressuposto do acesso à Justiça.4 É natural que, evitando tornar a garantia judiciária inútil à maioria da população – ao menos para a parcela que interessa: os desprovidos de fortuna e recursos –, a ordem jurídica estabeleça mecanismos de apoio e socorro aos menos favorecidos. Antes de colocar os necessitados em situação material de igualdade no curso da relação processual, urge lhes fornecer meios mínimos para ingressar na Justiça, sem embargo da ulterior necessidade de recursos e armas técnicas de ataque e de defesa, promovendo o equilíbrio concreto das partes em juízo. Neste sentido, a gratuidade para os vulneráveis mostra-se inerente à garantia do acesso à Justiça.5 Fora desse âmbito subjetivo, o entendimento que propugnava a gratuidade geral da atividade jurisdicional do Estado, reflexo da universalidade (retro, 187) e da inevitabilidade (retro, 188) do serviço estatal, não se harmoniza com o sistema econômico capitalista. Não é razoável que, em lugar de o litigante suportar os encargos financeiros do processo, em geral destinado a satisfazer interesses econômicos particulares, os custos sejam integralmente repassados à sociedade e, assim, suportados também pelos não litigantes. Essa isenção universal beneficiaria litigantes aquinhoados de imensos recursos econômicos em detrimento dos vulneráveis. A ausência de custos e, principalmente, de riscos financeiros aumentaria exponencialmente – fenômeno que já se verifica, ente nós, a partir da CF/1988 – o número de litígios, porque estimula a lide temerária.6 Não é menos verdade, embora seja geralmente aspecto negligenciado e ignorado, importar a desoneração da parte litigante na causa concreta, na prática, repasse indireto do custo do litígio para o não litigante ou, em última análise, à sociedade. É o contribuinte quem, através dos tributos, suportará a manutenção da onerosa máquina judiciária. Os especialistas em orçamento público não deixam de realçar, e com razão, o elevadíssimo percentual dos recursos carreados à manutenção da máquina judiciária, englobando o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública, a polícia judiciária, bem como os respectivos serviços auxiliares, em detrimento de outras áreas sensíveis – por exemplo, da saúde e da educação. O art. 5º, LXXIV, da CF/1988 assegura, aos que provarem insuficiência de recursos, assistência jurídica integral e gratuita. Essa regra acompanhada da instituição da Defensoria Pública (art. 134 da CF/1988) supriu as deficiências notórias do sistema até então vigente, fundado na concessão da gratuidade por decisão do juiz, no caso concreto, e a designação de advogado privado, cujo múnus público abrangeria a defesa dos necessitados gratuitamente.7

Em tal assunto, o modelo constitucional impõe a distinção de três institutos distintos, mas complementares: (a) a assistência jurídica integral, que compreende consulta e a orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do respectivo processo; (b) a assistência judiciária, ou o “serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades nãoestatais, conveniadas ou não com o Poder Público”;8 e (c) a gratuidade da justiça, que isenta o beneficiário do dever de antecipar e do dever de ressarcir as despesas do processo,9 objeto da Lei 1.060/1950, sucessivamente alterada, e agora, vigorando o diploma parcialmente (art. 1.072, III), nos artigos 98 a 102 do NCPC. Era imperioso remodelar o instituto do benefício da gratuidade e o NCPC, corajosamente, desincumbiu-se da empreitada. O instituto da legal aid apresenta várias tendências e orientações heterogêneas nos ordenamentos jurídicos contemporâneos.10 É um problema relativo à igualdade dos cidadãos e ao acesso à Justiça Pública, resolvido de muitas maneiras, a exemplo do pagamento de advogado por verbas públicas ou pela imposição de trabalho gratuito e honorífico aos causídicos. E também é um serviço de interesse social, integrado em programas públicos, não excluindo a assistência em caráter privado (por exemplo, dos sindicatos a seus filiados), ou exclusivamente pública. A assistência jurídica e a assistência judiciária são prestadas pela Defensoria Pública, objeto de capítulo autônomo. Importa assinalar, por ora, que a primeira das funções institucionais da Defensoria Pública reponta em “prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus” de jurisdição (art. 4.º, I, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009), regra decomposta nos demais incisos do art. 4.º da LC 80/1994. 744. Conceito e modalidades do benefício da gratuidade O benefício da gratuidade constitui isenção individual, incondicional e intransmissível concedida à parte (pessoa natural ou jurídica) no processo individual. O art. 99, § 6.º, declara o seguinte: “O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos”. O processo coletivo é isento de despesas processuais em sentido largo, ou seja, as partes não têm o dever de antecipar essas despesas, e, por definição, os honorários do advogado que as representa em juízo, salvo no caso de socorro à Defensoria Pública, em princípio se mostrarão irrepetíveis. Porém, caberá a condenação do vencido, em caso de dolo processual, nessas rubricas, conforme disposto no art. 18 da Lei 7.347/1985. Em consequência da concessão do benefício da gratuidade, a parte vencida pagará os honorários do advogado do beneficiário e as despesas processuais, a final, salvo se ela, por sua vez, desfrutar do benefício da gratuidade ou da assistência judiciária da Defensoria Pública. O benefício da gratuidade compreende as seguintes modalidades: (a) isenção total, a mais comum, envolvendo o objeto delimitado no art. 98, § 1.º, I a IX; (b) isenção parcial (v.g., dos honorários do perito); (c) isenção remissória (art. 98, § 5.º); e (d) isenção diferida (art. 98, § 6.º). Essas variantes conferem flexibilidade ao benefício da gratuidade.

744.1. Isenção total – Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, § 1.º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte – a perícia requerida por ambas as partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor – e o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, § 3.º. 744.2. Isenção parcial – Mantido pelo art. 1.072, III, do NCPC, o art. 13 da Lei 1.060/1950 subentende a concessão parcial do benefício da gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, § 5.º, segundo o qual o juiz concederá a gratuidade “em relação a algum ou a todos os atos processuais”. Pode acontecer de o litigante, conduzindo segundo os ditames da boa-fé (art. 5.º), alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso particular, do art. 95, § 2.º. 744.3. Isenção remissória – O art. 98, § 5.º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade. 744.4. Isenção diferida – A isenção parcial do art. 13 da Lei 1.060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, § 6.º. Por exemplo, a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais ou consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventus litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, § 3.º). § 152.º Objeto e sujeito do benefício da gratuidade 745. Objeto do benefício da gratuidade A finalidade precípua do benefício da gratuidade consiste em isentar o necessitado do dever de antecipar as despesas intrínsecas à prática dos atos processuais. À semelhança do CPC de 1973, o NCPC disciplinou, claramente, o dever de a parte antecipar o pagamento das despesas (art. 82, caput), por ocasião de cada ato processual individualmente considerado, consoante a previsão da lei federal ou local. E tratou de regular a quem incumbe o ônus da antecipação (v.g., artigos 82, § 1º, 91 e 95). Em alguns casos, o vencido pagará as despesas a final (art. 91, caput). Por sinal, o benefício da gratuidade pode consistir no parcelamento da despesa a cargo da parte e

passível de adiantamento, a teor do art. 98, § 6.º, consagrando prática paulatinamente introduzida em alguns julgados. Revela-se ampla noção de despesas nessas disposições, abrangendo custas, indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico (art. 84), além de quaisquer outras rubricas, a exemplo da remuneração de depositário (art. 160, caput) e demais auxiliares do juízo (art. 149).11 Os honorários advocatícios formam categoria à parte. Seja qual for o teor do provimento final do processo, haja ou não resolvido o mérito, tal verba será objeto de condenação (art. 85, caput), destinando-se ao advogado do vencedor (art. 85, § 14). A noção de despesas abarca, a rigor, “todos os gastos feitos em consequência dele, tais como custas, indenização de viagem, diária de testemunhas, honorários de advogado, remuneração do perito”; porém, a lei processual não incluiu os honorários no conceito de despesa, inferindo-se essa distinção dos artigos 82, 84 e 85, caput.12 Em lugar de uma proveitosa isenção genérica, envolvendo as despesas processuais e os honorários, do seu próprio advogado e, no caso de insucesso, do advogado da parte contrária, o art. 98, § 1.º, houve por bem manter a orientação pretérita e delimitar o objeto da gratuidade. Em tal assunto, a melhor diretriz seria omitir o rol, pois o benefício compreende, por definição, todo o custo financeiro do processo.13 E bastaria para esse efeito aplicar o art. 9.º da Lei 1.060/1950 – em vigor, consoante o art. 1.072, III, do NCPC –, segundo o qual os “benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”. A existência do catálogo legal, embora de feitio exemplificativo,14 reclama atenta exegese dos seus desígnios e alcance. 745.1. Taxas e custas judiciais – O art. 98, § 1.º, I, isenta o beneficiário da taxa judiciária. Trata-se do “tributo dos litigantes à Fazenda Pública pela iniciação ou terminação de cada feito, para os gastos que tem com o serviço judiciário”.15 Ressalva feita à menção a esse tributo nos artigos 662, caput, e § 1.º, e 664, § 4.º, além do próprio art. 98, § 1.º, I, o NCPC não se refere ao tributo, expungindo o processo do problema fiscal. Era distinto nesse tópico o art. 51 do CPC de 1939. Dependerá da lei local a previsão do tributo, cuja base de cálculo, em geral, baseia-se no valor da causa.16 A taxa judiciária é tributo recolhido ao erário e, atendendo às aspirações da magistratura nacional, substituiu os estipêndios pagos diretamente às pessoas investidas na função judicante e aos órgãos auxiliares do juízo nos albores da República.17 Os selos apostos nos atos processuais, outra forma de tributação da prática dos atos em juízo, desapareceram há muito, eliminados por reforma tributária, pois eram forma antiquada de recolher tributos ao erário. Representa simples curiosidade, ao se consultar autos antigos, verificar semelhante aposição na petição inicial e na contestação, com selos de valores e cores diferentes.

Em seguida, o art. 98, § 1.º, II, isenta o beneficiário da gratuidade das custas. Eram devidas, antes da CF/1988, aos juízes, aos órgãos do Ministério Público e aos serventuários da justiça. No tocante aos juízes e aos agentes do Ministério Público, a regra não se mostra compatível com a proibição desses agentes políticos de receber retribuições pecuniárias em razão do cargo, a teor do art. 95, parágrafo único, II, e do art. 128, § 5.º, II, a, da CF/1988, respectivamente. A regra apanha, sob a rubrica de custas, a retribuição originariamente devida aos serventuários, porque particulares em colaboração com a Justiça, principalmente ao oficial de justiça, inclusive nos seus deslocamentos,18 hoje recolhidas ao erário, haja vista a oficialização das serventias judiciais. Emolumentos constituíam modalidade de remuneração de atividade processual, mas tecnicamente distinta das custas, porque remuneravam serviços eventuais, como os do perito.19 O art. 515, V, ainda alude a emolumentos como crédito dos auxiliares do juízo, outorgando-lhes eficácia executiva, desde que aprovados pelo juiz, o perito, o intérprete e o tradutor são titulares de honorários (v.g., art. 95, § 1.º), genericamente tratados como remuneração (art. 95, caput). O art. 98, § 1.º, I, abrange, a rigor, todas as despesas do processo (art. 9.º da Lei 1.060/1950), embora outras sejam especificadas nos incisos subsequentes. A isenção atinge as seguintes rubricas: (a) as despesas postais,20 na citação ou na intimação pelo correio, objeto do art. 98, § 1.º, II; (b) as despesas com a extração de cópias de peças (v.g., as peças obrigatórias ou facultativas trasladadas junto com a petição de agravo de instrumento),21 que os serviços de reprodução adjuntos ao cartório ou à secretaria do juízo fornecerão gratuitamente; (c) as publicações de atos no diário oficial, dispensados outros meios (art. 98, § 1.º, III); (d) as indenizações devidas às testemunhas, compreendendo a condução, a estada e a hospedagem (art. 462 c/c art. 98, § 1.º, IV);22 (e) a caução para propor rescisória (art. 968, II, c/c art. 98, § 1.º, VII), consoante decidiu a 3.ª Seção do STJ,23 e os depósitos recursais. Realmente, exigir que o necessitado deposite a prestação de caução, de qualquer espécie, infringe o direito fundamental processual de acesso à justiça, prevista no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, aduzindo-se que a “garantia neste consagrada reduzir-se-ia a mero flatus vocis se reputasse autorizado o legislador ordinário a estabelecer restrições que importem praticamente negá-la a uma classe de pessoas – e por motivo odioso, a carência de recurso financeiros”.24 Parece preferível, ante a extensão natural da regra, declarar abrangidas as despesas processuais, tout court, noção bem simples e intuitiva, em linhas gerais, tornando inútil definição mais precisa, sob pena de incorrer em tautologia.25 O que varia, de um ordenamento para outro, é o conteúdo concreto das despesas.26 745.2. Despesas postais – O art. 98, § 1.º, II, isenta o beneficiário do pagamento dos selos postais. A comunicação dos atos processuais, ou seja, da citação e das intimações posteriores, realiza-se amiúde pelos correios. Para essa finalidade, partes e advogados declinam os endereços residencial e profissional ao intervirem no processo. Foi mérito indiscutível do segundo código unitário resgatar a citação postal e conferir-lhe generalidade. O art. 248, § 2.º, cuidando-se de citação de pessoa jurídica, autoriza a entrega da

carta à pessoa com poderes de gerência geral ou administração e, ainda, ao “funcionário responsável pelo recebimento de correspondências”, fragilizando, perigosamente, ato essencial à validade ulterior do processo e ao exercício do direito fundamental processual da (ampla) defesa. E, no caso da pessoa natural residente em condomínio e loteamentos com controle de acesso, a entrega ao “funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência” (art. 248, § 4.º), padece de análoga incerteza. Como quer que seja, a citação postal será substituída pela citação eletrônica como meio preferencial de comunicação dos atos processuais. Ao aludir aos “selos postais”, o art. 98, § 1.º, II, não atentou à realidade. Em geral, a correspondência recebe chancela mecânica. Logo, há de se entender a regra como atinente, tout court, às despesas postais, haja ou não a aposição de selos. 745.3. Despesas de publicação na imprensa – Nada obstante o recurso à rede mundial de computadores (v.g., na citação por edital, a teor do art. 257, II), às vezes surge necessidade de divulgar atos na imprensa (v.g., o edital de leilão, excepcionalmente em jornal de ampla circulação local, conforme o art. 887, § 5.º). É impraticável o beneficiário antecipar essa despesa. Por esse motivo, o art. 98, § 1.º, III, substitui o órgão, prevendo a publicação unicamente no órgão oficial, “dispensando-se a publicação em outros meios”. Ora, o órgão oficial é eletrônico, e, portanto, na prática há troca de sítio: em vez do endereço do tribunal ou do CNJ, insere-se o ato no órgão oficial. Do ponto de vista da publicidade, presumível fim da divulgação, a vantagem dessa modalidade é nula. Tirante o pessoal forense, e cada vez mais raramente, graças à remessa automática mediante inscrição prévia, ninguém abre o diário oficial por simples curiosidade. Na verdade, art. 98, § 1.º, III, prende-se aos tempos da imprensa escrita, hoje substituída pela mídia eletrônica. 745.4. Indenização da testemunha – Depondo em juízo, a testemunha tem o direito de requerer ao juiz a indenização da despesa que efetuou para comparecimento à audiência, cabendo ao arrolador pagar a quantia arbitrada, no ato, ou no prazo de três dias, mediante depósito em cartório (art. 462). Essa indenização compreende a condução (v.g., a passagem de ônibus), a estada (v.g., a refeição) e a hospedagem. E, considerado serviço público (art. 463, caput), a testemunha vinculada por relação de emprego não sofrerá perda de salário ou tempo de serviço (art. 463, parágrafo único). Os estatutos respectivos contemplam benefício idêntico para os servidores públicos civis e militares. O art. 98, § 1.º, IV, isenta o beneficiário da gratuidade dessas despesas. É ociosa a parte final do inciso, pois a testemunha não sofrerá, por força do art. 463, parágrafo único), “perda de salário” (rectius: remuneração), e omissa quanto ao âmbito da indenização. O sentido, todavia, é claro: o beneficiário da gratuidade não pagará a indenização do art. 462, ficando a cargo do adversário, se vencido, ou suspensa pelo prazo de cinco anos (art. 98, § 3.º) – caso em que a testemunha não receberá qualquer ressarcimento das suas despesas.

745.5. Despesas periciais e remuneração dos auxiliares do juízo – Os incisos V, VI e VII do art. 98, § 1.º, reclamam exame conjunto no concernente às despesas periciais e da remuneração dos auxiliares do juízo, salvo quanto aos honorários de advogado. Entende-se por despesas periciais, desde logo, tanto o custo intrínseco da perícia, objeto do art. 98, § 1.º, V, quanto ao exame genético, e os honorários dos particulares em colaboração com a Administração da Justiça. Em matéria de gratuidade, a isenção mais problemática avulta nos honorários do perito. Essa remuneração compreende, em geral, o custo da atividade, às vezes elevado, em razão do uso de equipamentos (v.g., o aparelho de ressonância magnética) e de materiais (v.g., reagentes químicos, fundamentais à obtenção da fonte de prova: fenômeno artificial). Eventualmente, tocará ao beneficiário da gratuidade antecipar os honorários do perito, consoante a regra especial do art. 95, caput, e tal particular, colaborador eventual na administração da Justiça só aceita o encargo mediante retribuição pecuniária, em geral objeto de depósito prévio do valor arbitrado pelo órgão judiciário (art. 95, § 1.º). O art. 95, § 2.º, emprestou a solução possível ao grave problema, mas importa entender as premissas. A inversão pura e simples do encargo, atribuindo à parte contrária o dever de antecipar a remuneração do perito, no todo ou em parte – o art. 95, caput, prevê o rateio entre os litigantes, caso seja requerida por ambos ou ordenada ex officio, ou, como resulta do art. 82, § 1.º, a requerimento da parte coadjuvante –, mostra-se descabida e injusta. E, de resto, nem sempre resolveria todo o problema, pois o adversário também pode gozar da gratuidade.27 A realização dessa prova complica-se, portanto, nos processos em que há beneficiário da gratuidade. O perito é auxiliar do juízo (art. 149), previamente cadastrado (art. 156, § 1.º), mas como todo profissional não se encontra obrigado a trabalhar de graça ou, a fortiori, suportar as despesas inerentes à prova (v.g., cópias e transporte). É verdade que o contrário decorre do art. 14, caput, da Lei 1.060/1950, ainda em vigor, segundo o qual o perito não pode recusar o encargo, salvo justo motivo (art. 15), a critério da autoridade judiciária competente. As sanções à recusa desmotivada consistem em multa, revertida a favor do expert que aceitar o encargo (art. 14, § 2.º), e em infração disciplinar (art. 14, caput, parte final: “… sem prejuízo da sanção disciplinar cabível”). Essas sanções exibem duvidosa constitucionalidade e, diretamente, não desfazem o impasse criado pela resistência do perito. Pode acontecer de o perito designado se conforme em trabalhar gratuitamente, na esperança que o mesmo juízo o nomeie para outros feitos,28 compensando o incômodo. Essa autêntica troca de favores pode ser tolerada como mal menor, desde que ela não onere a parte que requereu a perícia no segundo processo, e, por esse motivo, cabe-lhe antecipar a remuneração do perito. Em outras palavras, a troca é de um serviço gratuito por outro serviço remunerado, sem que neste último se acrescente um centavo para compensar o primeiro. Em tal contingência, competindo o dever de antecipação ao beneficiário da gratuidade, a jurisprudência do STJ alvitrava o único meio termo cabível: não há direito à antecipação, e, no final, os honorários periciais devem ser

carreados à parte vencida “ou, no caso de ser o beneficiário, pelo Estado, a quem é conferida a obrigação de prestação de assistência judiciária aos necessitados”.29 Não era muito estimulante à cooptação dos melhores profissionais a perspectiva de tornar-se credor do Estado. A par da remuneração do perito, há custos intrínsecos à realização desse meio de prova, que abrange exames, vistorias e avaliações (art. 464, caput), a exemplo do uso de equipamentos, de reagentes químicos, da extração de cópias, e assim por diante. São despesas reembolsáveis ao experto (infra, 998.1). Essas despesas “materiais” também se encontram abrangidas na isenção, e, quanto a exame de código genético (DNA), tão decisivo na investigação de paternidade e de maternidade, houve por bem a Lei 10.317/2001, mencioná-lo, expressis verbis, no art. 3.º, VI, da Lei 1.060/1950. A ele alude o art. 98, § 1.º, V, do NCPC, acrescento “outros exames considerados essenciais”, sem dúvida pelo diretor do processo. Exame tem sentido amplo para esse efeito. Em alguns Estados-membros, o orçamento do Poder Judiciário abre crédito para o pagamento de honorários periciais ou o próprio Departamento Médico Judiciário (DMJ) realiza perícias médicas e odontológicas.30 Fora dessa hipótese, restava aguardar a relativa colaboração, do perito ou da instituição encarregada de realizar o exame, postergando o recebimento secundum eventus litis. Esse panorama sofreu radical mudança no NCPC. Competindo ao beneficiário da gratuidade o dever de antecipar a remuneração do perito, não há a menor possibilidade de inverter, por esse motivo – aliter, no caso do art. 373, § 1.º –, o custo financeiro da prova. Ao contrário: (a) o adiantamento originar-se-á de recursos do orçamento da União, do Distrito Federal e do Estado-membro, caso em que realizará a perícia (aa) servidor do Poder Judiciário (v.g., o médico do Departamento Médico) ou (ab) órgão público conveniado (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Federal); (b) o adiantamento originar-se-á de recursos do orçamento da União, do Distrito Federal e do Estado-membro, realizando a perícia particular recrutado na lista do art. 156, § 1.º, mas seus honorários observarão a tabela do tribunal (TJ ou TRF) ou, na falta, do CNJ. Não é muito tranquilizadora essa última hipótese, quer no tocante ao valor dos honorários, talvez insuficientes para o perito, quer em relação à existência de recursos orçamentários. Porém, não há outra solução e este é o objeto da isenção do art. 98, § 1.º, VI, quando menciona os honorários do perito. Aos honorários do perito equipara-se a remuneração do intérprete e do tradutor “nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira”. São particulares e não trabalham de graça. Logo, a essa remuneração aplicar-se-á o regime especial de pagamento do art. 95, § 2.º, I e II, por analogia. O art. 98, § 1.º, VII, alude ao custo da elaboração da “memória de cálculo” necessária para os fins do art. 524 e 798, parágrafo único. É digno de registro o vacilo terminológico, pois esses dispositivos aludem a “demonstrativo”, debitável às várias mãos redatoras de partes diferentes do NCPC. Esse demonstrativo origina-se (a) do contador do juízo ou (b) do contador particular. No primeiro caso, a situação abriga-se no art. 98, § 1º, I, porque

são devidas custas pelo ato do auxiliar do juízo; no segundo, aplicar-se-á, por analogia, o art. 95, § 3.º, II, anteriormente explicado. 745.6. Honorários de advogado – O benefício da gratuidade isenta o necessitado de pagar os honorários do seu próprio advogado, salvo ajuste em contrário, e, principalmente, pagar honorários ao advogado da parte contrária. A essas duas despesas alude o art. 98, § 1.º, VI, parte inicial. As condenações previstas no art. 82, § 2.º, e 85, caput, acontecem normalmente, como estabelece o art. 98, § 2.º, incumbindo ao juiz, também no caso do beneficiário vencido, fixar os honorários do advogado do vencedor, obedecendo aos critérios gerais e particulares porventura aplicáveis. O capítulo acessório da sucumbência ficará, entretanto, suspenso por cinco anos (art. 98, § 3.º). A parte e o respectivo advogado adquirem pretensão a executar, nesse interregno, alegando e provando a inexistência da “situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade”, ou seja, “desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família”,31 cuidando-se de pessoa natural. O art. 98, § 3.º, prevê acontecimento futuro. Tecnicamente, o capítulo acessório da sucumbência subordina-se a condição suspensiva. Essa possibilidade virtual obriga, em primeiro lugar, o serventuário da justiça a cotar as respectivas custas no processo,32 por ocasião de cada ato processual, se for o caso, e o provimento final (sentença, acórdão e decisão singular do relator) a condenar o beneficiário aos ônus da sucumbência.33 É o entendimento doutrinário prevalecente.34 Em certo julgado, o STJ declarou a regra predecessora do art. 98, § 3.º, contrária ao art. 5.º, LXXIV, da Constituição.35 Não há, entretanto, qualquer incompatibilidade do dispositivo com os direitos fundamentais processuais. O benefício da gratuidade não isenta quem, supervenientemente, perdeu a condição de necessitado. É comum, findo o processo com êxito, descobrir-se contrato de honorários entre o beneficiário e o seu advogado, fixando percentual sobre o proveito econômico da causa (quota litis), sem embargo do que o vencido pagará a título de honorários sucumbenciais. Esse negócio jurídico tem objeto lícito, é escorreito e livre de vícios discerníveis, ao menos a priori (v.g., o cliente e figurante do contrato pode não ter capacidade; o percentual fixado excede a média do mercado, revelando-se excessivamente oneroso, e assim por diante). Segundo o STJ, optando o necessitado por profissional liberal, em detrimento da Defensoria Pública, arcará com as consequências da livre escolha, harmonizando-se, dessa forma, o direito de o advogado receber o preço contratado dos seus serviços e a faculdade de a parte escolher o advogado “que considera ideal para a defesa dos seus interesses”.36 Em caso de revogação da procura (art. 111), o beneficiário sujeitar-se-á ao pagamento, na proporção dos serviços prestados, “conforme for apurado em ação própria de arbitramento”.37 Idêntica orientação segue a jurisprudência argentina, ressalva feita à circunstância de a lei estipular o percentual máximo de trinta por cento para o pacto de quota litis.38 Facilmente se percebe como é inadmissível a restrição que porventura faça o órgão judiciário à juntada do contrato, nos termos do art. 22, § 4.º, da Lei 8.906/1994 e o art. 85, § 15, e à expedição do mandado de levantamento,

em nome do advogado, para receber seu crédito nas quantias depositadas pelo vencido. É ineficaz qualquer disposição em contrário ao ajuste, inserida na sentença, com o intuito manifesto de restringir o direito de o advogado do beneficiário receber o que lhe é devido segundo o contrato de honorários. Para haver honorários contratuais do beneficiário da justiça gratuita, o advogado precisa contratar expressamente e, embora esse negócio jurídico seja consensual, convém que o faça por escrito, a fim de elidir a presunção prevista no art. 99, § 3.º. À falta de ajuste escrito, há quem sustente inexistir direito à percepção de honorários,39 exceto os da sucumbência. 745.7. Depósitos prévios – Em item anterior (retro, 745.1), acenou-se a isenção do depósito prévio na rescisória (art. 968, II). Independentemente da interpretação correta quanto ao alcance da gratuidade, a LC 132/2009 isentou o beneficiário “dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório”. Dispõe nesse sentido o art. 98, § 1.º, VIII, do NCPC. Essa regra compreende: (a) a caução contemplada no art. 968, II; (b) o depósito prévio à ação anulatória da dívida tributária (art. 38 da Lei 6.830/1980; (c) o pagamento ou depósito da sucumbência do processo anterior, extinto sem resolução do mérito e, todavia, renovado (art. 92); (d) depósito do valor da multa aplicada no caso de interposição de embargos de declaração procrastinatórios (art. 1.026, § 2.º), salvo no caso de reiteração (art. 1.026, § 3.º). Não fica liberado o beneficiário, todavia, das cauções cautelares, a exemplo da prevista no 520, IV, necessária para realizar a alienação de bens ou levantar dinheiro depositado em juízo na execução provisória. Ao contrário, a própria condição de beneficiário da gratuidade aumenta o risco de o executado, caso reverta a condenação, não se ressarcir adequadamente no futuro.40 O juiz dispensará essa caução, segundo o art. 521, II, demonstrando o exequente “estado de necessidade”. Os motivos expostos recomendam extrema cautela na aplicação da regra. O art. 98, § 1.º, VIII, não afasta o pagamento das multas processuais a final (art. 98, § 4.º). Representaria manifesto absurdo conceder irrestrito bill of indenity ao beneficiário da gratuidade. Ao contrário, a transferência do risco financeiro ao adversário aumenta-lhe o dever de litigar com boa-fé. 745.8. Despesas extraprocessuais – Em que pese forte resistência esboçada,41 as despesas cuja causa não seja atos processuais, principalmente as que decorrem do resultado do processo, envolvendo serviços que não envolvam auxiliares do juízo, não integravam o benefício da gratuidade no direito anterior. É processual a despesa de deslocamento da própria parte para realizar exame médico, por exemplo. Se o próprio TJ do Estado-membro, através do seu Departamento Médico Judiciário (DMJ), realiza exames periciais, como o cogitado no art. 98, § 1.º, V, exigindo o deslocamento da parte da comarca onde tramita o processo até a capital do Estado, “o transporte aí há de ser feito preferencialmente pelo próprio Estado (que se valerá de veículo, combustível e condutor próprios), a estadia na capital pelo tempo necessário à realização do exame deverá ser oferecida, igualmente, pelo Estado (numa

escola pública, por exemplo), bem assim a alimentação”.42 Equipara-se a despesa, pois, à indenização da testemunha (art. 462). Às vezes, o Município dá sua contribuição em termos de transporte: as ambulâncias usualmente transportam pacientes para tratamento médico na capital e levam, de bom grado, o beneficiário da gratuidade. Fora dessa hipótese, o art. 9.º da Lei 1.060/1950 isenta o beneficiário das despesas concernentes aos “atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”. Casos há em que, em decorrência da solução da lide, surgem despesas de outra ordem, tão só indiretamente relacionadas com a prestação jurisdicional. Exemplos frisantes localizam-se na averbação da sentença de separação consensual (art. 167, II, n.º 14, da Lei 6.015/1973) e no assento de nascimento resultante das ações de investigação de paternidade ou de maternidade. Os serviços notariais e registrais são exercidos em caráter privado, por delegação, e somente norma específica torna gratuito o ato do registrador.43 Por exemplo: (a) as certidões de nascimento e de óbito são fornecidas de forma gratuita aos reconhecidamente pobres, a teor do art. 45, § 1.º, da Lei 8.935/1994; (b) o registro da sentença proferida no usucapião especial de imóveis rurais, pois o art. 6.º, caput, da Lei 6.969/1981 declara que “o autor da ação de usucapião especial terá, se o pedir, o benefício da assistência judiciária gratuita, inclusive para o Registro de Imóveis”; (c) o registro da sentença do usucapião especial urbano (art. 12, § 2.º, da Lei 10.157/2001 ou Estatuto das Cidades).44 O art. 98, § 1.º, IX, estendeu o benefício da gratuidade além dessas disposições especiais, isentando o beneficiário do pagamento dos emolumentos – noção ministrada em item anterior (retro, 745.1) – dos notários e dos registradores, relativos ao registro (v.g., da sentença proferida na adjudicação de bem imóvel, a teor do art. 501), à averbação (v.g., da penhora e do arresto, para conhecimento de terceiros, conforme o art. 844) ou qualquer outro ato notarial (v.g., a ata notarial para efeito de prova), necessário à efetivação das decisões do juiz ou à prática de ato processual. O art. 98, § 8.º, arma o notário ou registrador com procedimento de dúvida. Após praticar o ato, existindo dúvida fundada quanto aos pressupostos da gratuidade, quer em relação às pessoas naturais, quer no tocante às pessoas jurídicas e entes sem personalidade, requererá ao juízo competente (nas capitais, a vara dos registros públicos) a revogação parcial ou total do benefício ou o parcelamento da despesa, modalidade anômala de benefício (art. 98, § 6.º). E, ainda, porque se trata de delegação de serviço público em caráter privado, essa despesa deverá ser paga com recursos orçamentários da União, do Distrito Federal ou do Estado-membro, como revela a remissão do art. 98, § 7.º, ao art. 95, § 3.º, I e II (retro, 745.5). Não é possível utilizar para essa finalidade o fundo de custeio da Defensoria Pública (art. 95, § 5.º). O beneficiário será citado, no procedimento de dúvida, para contestar em quinze dias. O procedimento subsequente é o da chamada “dúvida inversa”, cuja iniciativa é do notário ou do registrador, conforme a natureza do ato (v.g., no caso do registro de imóveis, o dos artigos 198 a 204 da Lei 6.015/1973). 746. Beneficiário da gratuidade

O art. 98, caput, estende o benefício da gratuidade à “pessoa natural ou jurídica, nacional ou estrangeira”. Em boa hora, a regra vigente abandonou as condições de reciprocidade do tratamento e da existência de filho brasileiro, quanto ao estrangeiro, prevista no art. 70 do CPC de 1939. É errôneo utilizar a nacionalidade como elemento discriminatório de um problema essencialmente humano,45 embora relacionado com o dever de prestar jurisdição estatal. Por óbvio, benefício há de alcançar apátridas46 e os estrangeiros em trânsito no território nacional.47 Se todos, pessoas naturais e jurídicas, nacionais ou estrangeiros, podem acudir à autoridade judiciária para resolver suas contendas, parece natural deterem idêntico acesso à Justiça, arredando, em igualdade de condições, obstáculos de qualquer natureza erigidos a esse direito fundamental. Não é inovadora a concessão da gratuidade a estrangeiros. Ela já constava da lei italiana no início do século XX.48 A disciplina do direito anterior visava, fundamentalmente, às pessoas físicas. Disposições dessa natureza necessitavam de interpretação conforme à Constituição, pois os direitos fundamentais processuais aplicam-se, indistintamente, às pessoas naturais e jurídicas (infra, 746.2). A explicitação do art. 98, caput, surgiu tardiamente, mas é bem-vinda. Além de estabelecer quais pessoas naturais, nos termos da lei, merecem o benefício, cumpre investigar as condições de concedê-lo às pessoas jurídicas. Não importa, de resto, a posição ocupada pela pessoa na relação processual: o(s) autor(es), o(s) réu(s) e o(s) terceiro(s) interveniente(s), tornados partes após o ingresso no processo pendente, têm direito ao benefício 746.1 Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa natural – Segundo o art. 98, caput, necessitado é o litigante “com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios”. A fórmula é pouco elegante, mas ampliativa. O direito anterior considerava necessitado quem não suportaria o custo financeiro do processo “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Fez-se necessária a correção da verba legislativa em proveito das pessoas jurídicas. A fórmula “sem prejuízo próprio ou da sua família” originara-se da versão inicial do § 114 da ZPO alemã,49 de 1877, e daí passou para o primeiro diploma que cuidou, objetivamente, da assistência judiciária na República, o Decreto 2.457, de 08.02.1897, editado por força do art. 176 do Decreto 1.030, de 14.11.1890, cujo art. 2.º declarava, in verbis: “Considera-se pobre, para fins desta instituição, toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em juízo, estiver impossibilitada de pagar ou adiantar as custas e despesas do processo sem privar-se de recursos pecuniários indispensáveis para as necessidades ordinárias da própria manutenção ou da família”. Posteriormente, incorporou esse texto, mercê de ligeira mudança de forma, o art. 68 do CPC de 1939. O art. 72 do CPC de 1939, entretanto, acrescentava o ônus de o interessado em obter a gratuidade alegar e provar “rendimento ou vencimento

que percebe e os seus encargos pessoais ou de família”, anexando à petição atestado de pobreza (art. 74 do CPC de 1939), mas a orientação prevalecente, naquele diploma, aí localizava a evidência que o benefício não se vinculava à miserabilidade. Importaria, sobretudo, “que a pessoa não possa pagar as custas e mais despesas do processo, ou, até, parte delas (art. 79)”.50 Em outras palavras, mais diretas, asseverava-se o seguinte: “Para alcançar a assistência, não é preciso que o indivíduo viva da caridade pública, basta que esteja colocado na contingência de, ou deixar perecer o seu direito por falta de meios para fazê-lo valer em juízo, ou ter que desviar para o custeio da demanda e constituição de patrono os recursos indispensáveis à manutenção própria, e dos que lhe incumbe alimentar, dentro do conceito de família”.51 O estado de indigência, a miséria absoluta, e até mesmo a pobreza declarada constituem a base mínima para a concessão gratuidade. O pobre, o miserável e o indigente merecem, por sem dúvida, a tutela do benefício. Mas, o campo de atuação do instituto da gratuidade é bem mais amplo e flexível. À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque “as causas podem ser vultuosíssimas e sem recursos para elas o interessado”.52 Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio.53 E, de fato, “se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustento, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade”. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender às despesas do processo.54 Nada assegura, a priori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. Nenhuma importância outorga-se no direito brasileiro, ainda, à expectativa de êxito (hinreichende Aussicht auf Erfolg) na causa – requisito objeto de intensos reparos –,55 ou à ausência de malícia (mutwillig) do litigante, mencionadas no § 114 da ZPO,56 à sua urgência ou a qualquer juízo, a priori, sobre seu desenlace provável.57 Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção de necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda.58 Considerase a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida. Flagrantemente, a avaliação dita objetiva da figura do necessitado,59 entre nós, não emprega standarts prévios, definindo a renda máxima da pessoa, como sucede no direito italiano.60 Esse último critério comporta de críticas,61 mas há ordenamentos que utilizam parâmetros concretos para computar a renda familiar,62 pré-excluindo os que, porque ganham muito, podem realizar o sacrifício de pagar o “preço do litígio”. É diferente o sistema brasileiro, o mais generoso possível: a pessoa natural não precisa provar receita e despesa, bastando alegar não lhe permitir

a antecipação das despesas e o pagamento do reembolso e dos honorários o resultado da equação, e, assim, o juiz não emitirá qualquer juízo sobre a renda mensal do postulante, nem sequer apreciará, salvo na impugnação – e os entraves à essa devassa não se mostram insignificantes –, a qualidade das despesas. A largueza da noção do ius positum, fitando a pessoa tão abstratamente, ou seja, acreditando na sua palavra, penhor da boa-fé, e também abstraindo a causa em si, enseja uma série de dificuldades ulteriores. Elas vão da prova da receita até a legitimidade das despesas. Prescinde a lei, na equação cujo resultado financeiro é o previsto na lei – impossibilidade de pagar as despesas do processo –, convém realçar, de qualquer juízo de valor sobre o comportamento do postulante da gratuidade, tratando da mesma maneira o miserável e o interessado pródigo, que gasta muito e vive na ostentação. Na realidade, a forma adotada no art. 98, caput, atalha essas relevantes questões. Para o direito brasileiro, diferentemente de outros ordenamentos, pouco importa a classe social do postulante e sua renda familiar. A impugnação do adversário mostra-se quase impossível. Não é surpreendente a reação de muitos juízes à liberalidade, desconfiando do postulante e, conforme autoriza o art. 99, § 2.º, exigindo comprovação dos termos da equação (infra, 746.2). Ao lado do necessitado, para os fins do art. 98, caput, há outra categoria de pessoas, na sociedade de contemporânea de massas, reunidas sob a feliz designação de carentes organizacionais,63 merecedora de assistência jurídica, e, conseguintemente, do benefício da gratuidade. Existem hipóteses em que a necessidade econômica é ignorada patrocínio gratuito. Por exemplo, o art. 261 do CPP impõe a designação defensor ao réu, em harmonia com o disposto no art. 5º. LXXIV, in fine, CF/1988, consagrando efetiva e completa assistência técnica acusado,64 pouco importando a possibilidade de pagar honorários.

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E ao litigante nas causas de menor expressão econômica o art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995 assegura “assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial”, que é a Defensoria Pública; ao consumidor carente o art. 5.º, I, da Lei 8.078/1990 acena com “assistência jurídica, integral e gratuita”. Em casos tais, o direito à assistência judiciária é “desjudicializado”, pois incumbe ao órgão competente da Defensoria Pública definir se o interessado faz jus, ou não, ao serviço estatal, restando ao órgão judiciário apreciar as raras impugnações. Desse modo, o conceito de necessidade, utilizado no art. 5.º LXXIV, da CF/1988, ostenta sentido amplíssimo e não se circunscreve, rigorosamente, à insuficiência de recursos econômicos, (cabendo reconhecê-la aos carentes organizacionais.65 746.2. Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa jurídica – As considerações desenvolvidas acerca da necessidade econômica, posta na base da noção de necessitado já indicam que as pessoas jurídicas apresentam-se como candidatas idôneas a receber o benefício da gratuidade.

Também a pessoa jurídica pode se encontrar na contingência de o pagamento das despesas do processo implicar grave prejuízo às suas atividades usuais. Não importam os recursos dos seus sócios.66 O que interessa é a situação da empresa, no momento da demanda, enfrentando crise momentânea no seu fluxo de caixa. Excluíam-se empresas do benefício, na vigência do CPC de 1939, sob o argumento que “não são nunca miseráveis, no sentido jurídico da expressão”.67 Ora, a miserabilidade constitui a base mínima, mas o benefício vai além desses limites. Evoluiu-se, de toda sorte, no sentido de concedê-la às instituições filantrópicas e assistenciais sem fins lucrativos.68 E outras razões indicavam que as empresas também são beneficiárias. O art. 5º, LXXIV, da CF/1988, não distingue entre pessoas físicas e jurídicas, no âmbito da assistência jurídica, que é mais abrangente que o benefício da gratuidade. E a circunstância de o dispositivo se situar dentre os direitos e garantias individuais nada significa,69 porque os direitos fundamentais tutelam a todos, inclusive protegendo as pessoas jurídicas da interferência estatal (art. 5.º, XVIII, da CF/1988) e da dissolução compulsória (art. 5.º, XIX, da CF/1988). Não pode surpreender, nesse alvitre, o fato de integrar as funções institucionais da Defensoria Pública o exercício da ampla defesa “em favor de pessoas naturais ou jurídicas” (art. 4.º, V, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009), dissipando qualquer controvérsia razoável. Em outros ordenamentos, pondera-se não se mostrar justo a sociedade suportar o custo do litígio das empresas em dificuldades financeiras,70 mas essa restrição revela-se incompatível com os direitos fundamentais processuais. Configurada a impossibilidade de a pessoa jurídica arcar com as despesas do processo, negar-lhe a gratuidade implicaria lesão ao acesso à Justiça (art. 5.º, XXXV, da CF/1988). Eventuais deficiências da Lei 1.060/1950 jamais constituíram óbice real e suficiente. As definições legais não se sobrepõem às regras da CF/1988.71 A jurisprudência do STJ não era firme, nesses domínios, mas acabou recepcionando a orientação do STF.72 Reconheceu o direito ao benefício da gratuidade das pessoas jurídicas, sem exigir-lhes fins não lucrativos, mediante condição que, ordinariamente, não aplica às pessoas naturais: a prova cabal da insuficiência de recursos.73 Dispõe a Súmula do STJ, n.º 481: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”. Essa impossibilidade constitui de questão de fato, a ser dirimida nas instâncias ordinárias, sem possibilidade de revisão pelo STJ. É preciso ponderar o montante do custo do processo e dos recursos cujo pagamento segundo dados contábeis, comprometerão a subsistência e a solvabilidade da empresa.74 Bem por isso a presunção de impossibilidade de arcar com os custos do processo só atinge pessoas naturais, a teor do art. 99, § 3.º. A pessoa jurídica há de alegar e provar a respectiva situação financeira através de balanço atualizado e do fluxo do caixa. O fato de encontrar-se a empresa sob recuperação judicial indica, claramente, a impossibilidade. Essa orientação estende-se aos entes sem personalidade jurídica (v.g., o espólio).75 É peculiar o regime da Massa Falida. Figurando como parte, tem os mesmos direitos, poderes, deveres e ônus das partes em geral. A condenação nas despesas processuais e nos honorários advocatícios, nas

demandas em que a Massa Falida ficar vencida, são créditos extraconcursais (art. 84, IV, da Lei 11.101/2005). Não há isenção, a priori, da Massa Falida, mas parece óbvio que a insolvência torna difícil, senão impossível a antecipação das despesas processuais, razão bastante para aplicar-se a disciplina do benefício da gratuidade à Massa Falida.76 Avulta que, a teor do art. 99, § 6.º, aplicar-se também às pessoas jurídicas, pois o “sucessor” mencionado não é somente mortis causa, envolvendo todas as hipóteses de sucessão empresarial. 747. Disciplina da atividade processual do beneficiário da gratuidade O beneficiário da gratuidade usufrui de outras vantagens além da isenção total, parcial, remissória ou diferida das despesas processuais. A condição de necessitado origina handicap ao desenvolvimento equilibrado da relação processual, à paridade de armas, constituindo preocupação constante dos sistemas processuais contemporâneos. Esse realista diagnóstico, mais intuitivo do que consciente à época da elaboração do diploma, levou a Lei 1.060/1950 a instituir regras discriminatórias para, na medida do possível, debelar as desvantagens materiais do necessitado. Registre-se o fato de o art. 1.072, III, do NCPC não ter revogado determinados dispositivos daquele diploma para manter o estado atual. 747.1. Prazo em dobro do beneficiário da gratuidade – O art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950 manda contar todos os prazos em dobro para o necessitado representado por órgão da Defensoria Pública “ou quem exerça cargo equivalente”. Em primeiro lugar, as disposições legais, dilatando prazos processuais em atenção à qualidade da parte, não infringem o princípio da igualdade (art. 5.º, I, da CF/1988), nem sequer o princípio da igualdade dos litigantes (art. 139, I). À semelhança do que ocorre com o Ministério Público e a Fazenda Pública, o handicap do necessitado, no caso de encontrar-se representado por órgão estatal de assistência judiciária, geralmente desprovida de meios materiais e pessoais suficientes ao cabal desempenho da sua atividade, ao contrário dos advogados privados, exige compensação generosa mediante elastério maior para se manifestar em juízo. Não é entendimento unânime.77 Falta maior compreensão dos advogados particulares, ignorando as reais condições de trabalho do Defensor Público, e vista mais larga do fenômeno da assistência judiciária – a existência da Defensoria Pública, ao fim e ao cabo, elimina o dever de os profissionais liberais atenderem gratuitamente os necessitados (art. 14, caput, da Lei 1.060/1950 c/c art. 34, XII, da Lei 8.906/1994), embora não impeça a aceitação do patrocínio, como declara o art. 99, § 4.º. Objetivamente, a disposição abrange quaisquer prazos processuais; por exemplo, o prazo para interpor e o prazo para responder os recursos previstos no art. 1.003. Do ponto de vista subjetivo, a regra limita a dobra ao beneficiário representado por órgão da Defensoria Pública “ou quem exerça cargo equivalente”. O emprego da palavra “cargo”, cuja acepção técnica revela-se inconcussa no direito administrativo, não deixa dúvida que aponta somente para o advogado que mantém com a União, com o Distrito Federal ou o

Estado-membro vínculo estatutário. Não abrange os advogados privados escolhidos pelo beneficiário da gratuidade (art. 14, § 1.º, primeira parte, c/c art. 5.º, § 4.º, da Lei 1.060/1950), indicados pela OAB (art. 14, § 1.º, in fine, c/c art. 5.º, § 2.º, da Lei 1.060/1950) ou indicado, ex officio, pelo órgão judiciário (art. 5.º, § 3.º, da Lei 1.060/1950), porque os profissionais não padecem, presumivelmente, das dificuldades que recaem sobre seus colegas da Defensoria Pública. O NCPC manteve incólume as razões desse entendimento. Forte argumento se localiza no art. 186, § 3.º, segundo o qual a dobra do prazo aplica-se “aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública”. A esses advogados se limitará, subjetivamente, a dobra de prazo. Logo, o advogado privado do beneficiário (art. 99, § 4.º) não desfruta da dobra. E, de resto, recorrendo da fixação dos honorários advocatícios (art. 85, caput, c/c § 14), há de preparar o recurso, salvo demonstração – não se aplica, portanto, a presunção do art. 99, § 3.º –, de seu turno, fazer jus ao benefício do art. 98, caput, por direito próprio. Dobrar-se-á o prazo automaticamente.78 O serviço estatal de assistência judiciária já avaliou a condição de necessitado, a teor do art. 5.º, LXXIV, da CF/1988. Assim, o prazo para contestar (art. 335) passará de quinze para trinta dias sem a necessidade de manifestação prévia do representante técnico do beneficiário. 747.2. Intimação pessoal do procurador do beneficiário da gratuidade – Nas condições fixadas no item precedente, o Defensor Público deverá ser intimado pessoalmente de quaisquer atos processuais (art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950; artigos 44, I, 89, I, e 128, I, da LC 80/1994; art. 186, § 1.º, c/c art. 183, § 1.º, do NCPC). Essa prerrogativa da Defensoria Pública merecerá comentários no item próprio (infra, 1.077). Antes de tudo, a intimação pessoal, e seu consectário da remessa dos autos ao escritório próprio, suscita críticas. Essa modalidade de intimação contraria o meio técnico responsável pelo aumento exponencial da produtividade dos serviços auxiliares do juízo – a intimação por via de órgão oficial eletrônico. Um dos motivos implícitos na resistência à extensão da intimação aos demais advogados que prestam assistência judiciária, mas se inserem em outros organismos e instituições (v.g., os sindicatos profissionais), radica nesse ponto, e, não, na dobra do prazo. Em parte, o art. 183, § 1.º, corrige o ponto, autorizando a intimação por “meio eletrônico”. Essa expressão equívoca abrange tanto a mensagem dirigida ao endereço eletrônico, quanto a intimação pelo órgão oficial publicado eletronicamente, embora a primeira seja real, a segunda ficta. Não é a mens legislatoris, naturalmente, mas é interpretação alternativa concebível. Seja qual for o alcance outorgado na prática à parte final do art. 183, § 1.º, as duas primeiras formas – carga e remessa – apontam para necessidade de intimação pessoal do Defensor Público. À incidência do dispositivo escapam as intimações especiais do representado, a exemplo da abertura do prazo de espera do cumprimento da decisão, a teor do art. 513, § 2.º, II, assinalando-se o fato de o NCPC

prodigalizar as intimações da parte na pessoa do advogado, relativamente a atos que o representado deva praticar, e, não, o procurador, v.g., (a) do autor para comparecer à audiência de conciliação e de mediação (art. 334, § 3.º); (b) do autor da responder à reconvenção (art. 343, § 1.º). O Defensor Público não precisa dispor procuração para praticar esses atos (art. 16, caput, da Lei 1.060/1950) em casos tais.79 747.3. Dispensa da exibição da procuração pelo advogado do beneficiário da gratuidade – De ordinário, a falta de apresentação da procuração implica a necessidade de regularizar o vício, no prazo assinado pelo juiz (art. 76). O art. 106, § 2,º, do CPC de 1939 dispensava o procurador do beneficiário, expressa e genericamente, de apresentar a procuração em juízo. Relativamente aos advogados particulares, escolhidos pelo necessitado, indicados pela OAB ou designados pelo juiz, ex officio, diverso o sistema da Lei 1.060/1950.80 Representa prerrogativa do Defensor Público, postulando em nome do necessitado, não exibir procuração (artigos 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC 80/1994), salvo para a prática de atos que a lei exija poderes especiais (art. 105). No entanto, deferido o benefício da gratuidade postulado na petição inicial, na contestação ou na intervenção do terceiro (art. 99, caput), por quem já constitui advogado privado, o possível vício de representação mereceu forma especial de suprimento, abreviando despesas.81 Segundo o art. 16, caput, da Lei 1.060/1950, “o juiz determinará que se exarem na ata da audiência os termos da referida outorga”. Fica subentendido que os atos praticados até semelhante oportunidade presumem-se existentes, válidos e eficazes. E a audiência mencionada no art. 16, caput, da Lei 1.060/1950, ou é a audiência de conciliação e de mediação (art. 334), na qual o juiz e seus auxiliares promovem a autocomposição, ou é, ao mais tardar, a audiência preliminar (art. 357, § 3.º), ocasião propícia para o juiz resolver questões processuais (art. 357, I). Eventualmente, nenhuma dessas sessões se realizará por um motivo ou outro (v.g., houve desistência bilateral da audiência do art. 334). Em tal hipótese, o juiz deverá intimar o advogado para juntar procuração, no prazo do art. 352, passível de ampliação. Encontrando-se o beneficiário representado “por advogado integrante de entidade de direito público” – federal, distrital ou estadual, ex vi do art. 1º da Lei 1.060/1950 –, fórmula designando o Defensor Público, o art. 16, parágrafo único, da Lei 1.060/1950, dispensa a exibição do mandato. Na realidade, a regra se mostra supérflua: os artigos 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC 80/1994, diploma hierarquicamente superior, já dispõem nesse sentido. O referido dispositivo aplica-se, porém, às equipes de assistência judiciária das faculdades de direito e de outros órgãos conveniados com a Defensoria Pública (art. 186, § 1.º). Existem duas ressalvas à licença: em primeiro lugar, procuração é exigida para a realização dos atos especiais contemplados no art. 105 (receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica); em

segundo lugar, para requer a abertura de inquérito por crime de ação privada, propor ação penal privada ou oferecer representação por crime de ação pública condicionada. Para esses atos, os últimos dos quais não interessam ao processo civil, o beneficiário deverá outorgar mandato, admitindo-se que o faça no termo de audiência (art. 16, caput, da Lei 1.060/1950). § 153.º Concessão do benefício da gratuidade 748. Forma da postulação do benefício da gratuidade e prova da necessidade Segundo decorre do art. 98, caput, a pessoa natural ou jurídica, independentemente da nacionalidade, requererá o benefício da gratuidade por ocasião da prática do primeiro ato processual, a saber: (a) o autor, na petição inicial; (b) o réu, na contestação; (c) o terceiro, na oportunidade do ingresso voluntário ou provocado. Far-se-á essa postulação em petição escrita, endereçada ao órgão judiciário competente para processar a causa, em capítulo autônomo e destacado da petição inicial. Esse benefício, outorgado para determinado processo, no qual representará a parte advogado designado (art. 14, caput, da Lei 1.060/1950) ou escolhido pela parte (art. 99, § 4.º), distingue-se da assistência judiciária integral prestada por órgão do Estado,82 através da Defensoria Pública, e prevista no art. 5º, LXXIV, da CF/1988. O benefício da gratuidade é diferente, porque mais restrito, comparativamente à assistência judiciária e à assistência jurídica integral. Eis o motivo por que o dispositivo constitucional, contendo a inequívoca exigência de o interessado provar a insuficiência dos seus recursos, não é incompatível com a presunção do art. 99, § 3.º, subentendendo-se, aí, a simples alegação da parte no primeiro ato postulatório. À irracional contestação à subsistência do benefício após o advento da CF/1988, replicou a jurisprudência do STJ, aduzindo: “a simples declaração firmada pela parte que requer o benefício da assistência judiciária, dizendo-se “pobre nos termos da lei”, desprovida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento de honorários de advogado, é, na medida em que dotada de presunção iuris tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal.83 A par de outros elementos dignos de registro, inexiste dúvida maior que a distinção entre o benefício da justiça gratuita e a assistência jurídica, contemplada no art. 5.º, LXXIV, da CF/1988, basear-se-á na desnecessidade de qualquer prova da pessoa natural para obter a simples gratuidade.84 A regra constitucional apresenta sentido unívoco: o Estado prestará assistência jurídica somente àqueles que comprovarem a necessidade desse serviço estatal. Talvez seja possível, no âmbito administrativo, relevar tal prova e acreditar nas alegações dos interessados.85 Os miseráveis evidentes procuram, diariamente, os órgãos da Defensoria Pública e seu estado geral de penúria constitui prova bastante, reduzindo-se a mera formalidade o preenchimento dos formulários do órgão. Porém, jamais padeceria de inconstitucionalidade a lei que, regulando a assistência jurídica, indicasse as provas necessárias à verificação do estado de pobreza.

Conforme já se assinalou, o art. 72 do CPC de 1939 exigia da requerente menção ao “rendimento ou vencimento que percebe e os seus encargos pessoais ou de família”, acompanhada de atestado de pobreza expedido pelo serviço de assistência social (art. 74 do CPC de 1939). Posteriormente, a lei infraconstitucional entendeu suficiente a afirmativa da parte. O postulante do benefício da gratuidade não precisa ministrar qualquer prova da sua firmação, a exemplo do atestado de pobreza. Porém, o respectivo advogado particular há de exigir poderes especiais para realizar essa declaração (art. 105, caput). Desnecessário a procuração conter esse poder se a própria parte firma declaração nesse sentido. Em ambas as hipóteses, o requerente desfruta da presunção de veracidade, mas, como sói ocorrer em matéria de presunção, a regra gera a inversão do ônus da prova: a parte contrária pode provar a existência de recursos suficientes. A necessidade de prova hábil, no regime anterior à mudança, suscitava controvérsia. Por um lado, tomava-se a disposição ao pé da letra, asseverando: “a declaração e não a prova; mas não obsta a que o requerente junte documentos comprobatórios do que alegar, a fim de evitar que as declarações sejam havidas como graciosas, obrigando a delonga de provas em caso de impugnação ou dúvida”.86 Em sentido contrário, argumentava-se que a simples alegação da parte ensejaria abusos, razão pela qual a parte deveria “atestar por documento ou prova em que se mencione a soma de seus rendimentos, para que, com confronto com os encargos alegados, se verifique a realidade da situação”.87 Nessa linha de raciocínio, o atestado de pobreza confirmaria os fatos expostos na petição, não dispensando esclarecimentos adicionais, e, de qualquer modo, seu alcance é limitado, pois, repelindo a lei a miserabilidade, “o atestado que surgir será meramente gracioso”.88 Desacompanhada a petição desses requisitos essenciais, o juiz rejeitaria o pedido de gratuidade. Ora, o direito anterior ao NCPC chancelava “autêntico processo evolutivo, no sentido de facilitar as coisas para o interessado na concessão do benefício”.89 A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do “necessitado”. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário. É preciso contextualizar o domínio em que surgiu a liberalidade, ou seja, as peculiaridades das ações de alimentos (art. 1.º, § 1.º, da Lei 5.478/1968). Em tal hipótese, inexistem dificuldades em impugnar a “simples afirmativa” do autor ou do réu. Em primeiro lugar, porque a petição inicial indicará “quanto ganha ou os recursos de que dispõe” o alimentário (art. 2.º, caput, parte final, da Lei 5.478/1968); ademais, a natureza da relação litigiosa permite ao

alimentante controverter as necessidades do alimentário, valendo-se de presunções (v.g., o valor ordinário das despesas de educação, de habitação e de alimentação), estabelecendo contraste com os rendimentos declarados, e, não raro, apresentando provas da sua inexatidão, obtidas em razão da presumível convivência das partes. Fora desse campo íntimo e singular, a facilidade atribuída ao beneficiário acarreta a dificuldade de seu adversário impugnar a concessão da gratuidade. Porém, o art. 99, § 3.º, presume verdadeira a alegação de hipossuficiência unicamente por pessoa natural. A pessoa jurídica há de ministrar prova hábil, no mínimo balanço atualizado e prova da insuficiência do movimento do caixa. E, de resto, nenhum juiz, cônscio dos deveres e responsabilidades do cargo, permanece indiferente às postulações que, por sua inserção na comunidade dos jurisdicionados, intui serem desarrazoadas. Por exemplo, a gratuidade requerida por próspero profissional liberal, cujo padrão de vida é elevado, pratica esportes dispendiosos, a esposa cultiva o círculo social mais seleto e contrata advogado de destaque. Se essa parte alega insuficiência de recursos para satisfazer as despesas do processo, os indícios têm sinal contrário. Nessa situação, “havendo dúvida da veracidade das alegações do beneficiário, nada impede que o magistrado ordene a comprovação do estado de miserabilidade, a fim de avaliar as condições para o deferimento ou não da assistência judiciária”.90 Essa possibilidade encontra-se prevista no art. 99, § 2.º, mas com indevida restrição. A regra pressupõe a existência “nos autos” de elementos que evidenciem a falta dos pressupostos do benefício. Ora, o exemplo antes ministrado já revela, e a constatação é trivial nas pequenas comarcas, a possibilidade de o órgão judiciário empregar regra de experiência (art. 375). Por exemplo, a profissão do postulante (v.g., médico, advogado) é indício bastante. Mas, corretamente, o parágrafo exige, antes do indeferimento, a oportunidade de o postulante provar sua condição financeira, no prazo assinado pelo juiz. Em última análise, desfaz-se a presunção simples, onerado o postulante da prova hábil (v.g., os sinais exteriores de riqueza traduziam simples aparência; na verdade, o postulante é insolvente). 749. Momento inicial e final da postulação do benefício da gratuidade Requerido o benefício da gratuidade no primeiro ato postulatório pelo autor, pelo réu ou pelo interveniente, a teor do art. 98, caput, segue-se o deferimento, preenchidos os pressupostos legais, ou a abertura do prazo previsto no art. 98, § 2.º. Por sua finalidade, o contraditório também beneficiária a pessoa jurídica, inexistindo prova hábil, ao ver do órgão judiciário. É um breve incidente, findo por decisão interlocutória. Só o indeferimento comporta agravo de instrumento (art. 1.015, V). Fica claro, ainda, a conveniência de o postulante destacar o requerimento em capítulo autônomo, suscitando a atenção do órgão judiciário. Da omissão do órgão judiciário, prosseguindo o processo nada obstante a ausência do preparo inicial do autor (art. 290), por exemplo, não se pode inferir a concessão. Esta há de ser expressa e motivada.

Requerido o benefício posteriormente – e, portanto, inexistirá preclusão –, quiçá antes e por força de ato específico (v.g., o depósito dos honorários do perito), o art. 99, § 2.º, estabelece a forma (simples petição) e o efeito (sem suspensão do processo). Vale, relativamente à pessoa natural, a presunção do art. 99, § 3.º. Facultar-se-á, de toda sorte, a produção de prova documental, como já acontecia no direito anterior.91 Feito o pedido por qualquer das partes, no curso do processo, pode acontecer que haja prazo fluindo para a prática de certo ato processual. Em tal hipótese, a despeito de o incidente não suspender a marcha do processo, a jurisprudência do STJ assegura à parte, após a resolução positiva ou negativa, a abertura de novo prazo para a prática do ato e, se for o caso, pagar a respectiva despesa.92 É o que dispõe o art. 99, § 7.º, para o benefício requerido na petição de qualquer recurso. O recorrente não necessitará preparar o recurso. Competirá ao relator apreciá-lo, deferindo ou não, e, no caso de indeferimento, abrirá prazo para realizar o preparo. A rigor, portanto, o benefício pode e deve ser requerido enquanto pender o processo. Coisa completamente diversa consiste no vencido requerer a gratuidade após a extinção do processo. Neste caso, por óbvio, desapareceu a litispendência. Por intermédio do pedido tardio, o vencido busca se forrar da obrigação de pagar as verbas da sucumbência fixadas em sentença transitada em julgado. É bem verdade que o acesso à Justiça não pode ser negado, às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, na medida em que se encontrem impossibilitadas de atenderem à antecipação das despesas (art. 82, caput) ou, por qualquer motivo, sua futura sucumbência. No entanto, a necessidade não é causa legal de remissão das obrigações contraídas em virtude do processo, e, sim, de isenção das despesas processuais futuras. Ademais, a extensão retroativa da gratuidade infringe o art. 9.º da Lei 1.060/1950 – regra em vigor –, segundo o qual o benefício só compreende os atos “até a decisão final do litígio, em todas as instâncias”. Na realidade, isentar alguém das despesas já adiantadas pela outra parte implicaria frustrar legítimo direito desta ao reembolso, existente na oportunidade da prática do ato.93 Nenhuma influência exerce a ressalva de a retroação da gratuidade depende da primeira oportunidade para obtê-la – e, por esse motivo, o réu, que só pode pleiteá-la após sua citação, ficaria isento das despesas já adiantadas pelo autor até semelhante ato –, pois se cogita do pedido formulado em seguida à decisão da causa. Finalmente, a concessão da gratuidade, extinto o processo, inibiria eficácia própria da sentença, infringindo a autoridade de coisa julgada (art. 502). Em decorrência do trânsito em julgado do provimento final da causa, as despesas e os honorários se transformaram em dívida do vencido, conquanto originada pelo processo.

Corolário desse raciocínio é a possibilidade de o vencido interpor recurso em caráter autônomo ou subordinado (art. 997, § 1.º) para obter a gratuidade. A interposição do recurso impedirá a extinção do processo, provocando o prolongamento da litispendência. Objetar-se-á, talvez, que nada obsta o deferimento da gratuidade na execução. E, realmente, não importa a função do processo – conhecimento, execução ou cautela. Seja qual for a função instrumental da atividade, surgem despesas, eventualmente insuportáveis, em qualquer fase do processo, inclusive na tramitação do recurso perante os tribunais superiores.94 Por óbvio, cabe conceder a gratuidade na execução,95 livrando-se o beneficiário de todas as despesas vincendas… da própria execução.96 De modo algum o benefício abrange o crédito exequendo, inclusive seus consectários, contemplados no título executivo judicial (art. 515, I). Finalmente, a concessão retroativa do benefício da gratuidade, além de violar o princípio da responsabilidade patrimonial (art. 391 do CC), mostrar-seia inócua: inexistindo bens, infrutífera se ostentará a execução; existindo bens aptos à satisfação da obrigação, já não se pode, legitimamente, reconhecer o estado de necessidade do executado para o efeito de submeter-se à execução. Essa tese foi acolhida por julgado da 3.ª Turma do STJ,97ipsis literis, e, posteriormente, a Corte Especial do STJ fixou a orientação correta, in verbis: “É admissível a concessão dos benefícios da assistência judiciária na fase de execução, entretanto os seus efeitos não podem retroagir para alcançar a condenação nas custas e honorários fixados na sentença do processo de conhecimento transitada em julgado”.98 Resta acrescentar que, na execução provisória, a ulterior concessão da gratuidade não retroage para apanhar a condenação nos ônus da sucumbência, porque se trata de questão a ser aventada e resolvida no recurso pendente, e, não, na liquidação, e, a fortiori, na execução. 750. Deferimento e indeferimento do benefício da gratuidade Na hipótese de a parte ou o interveniente requerer o benefício na petição inicial, conforme prescreve o 98, caput, não existindo indícios em contrário (pessoa natural) ou havendo prova hábil (pessoa jurídica), a suscitar a incidência do art. 99, § 2.º, o órgão judiciário deferirá o benefício de plano. Desse ato não cabe agravo de instrumento. Porém, a contraparte poderá impugná-lo, nos momentos prescritos no art. 100, caput, cabendo agravo da revogação (art. 1.015, V). Duas observações logo se impõem: (a) a gratuidade submete-se ao controle do juiz,99 a quem tocará indeferi-la, embora jungido ao contraditório (art. 99, § 2.º), ao contrário do sucedido na assistência judiciária, na qual compete ao órgão da Defensoria Pública avaliar o estado de necessidade do interessado; (b) a cognição é sumária. A decisão positiva ou negativa fundarse-á em juízo de verossimilhança. A generalização da simples alegada da insuficiência de recursos pela pessoa natural, dispensada a prova da necessidade, gera imenso entrave ao controle judicial e à impugnação da parte adversa.

Esse é o fundamento para o alvitre que o juízo sumário, ou de plano, só acontece no deferimento da gratuidade, caso em que a motivação do ato é fraca.100 A favor desse entendimento, formou-se copiosa doutrina, na vigência do CPC de 1939, respaldando-se no art. 75 desse diploma.101 No tocante à desnecessidade de fundamentação, qualquer que seja o conteúdo da decisão interlocutória, a respeito da gratuidade, o ato decisório há de ser motivado, por imposição do art. 93, IX, da CF/1988, ainda que, operando a presunção do art. 99, § 3.º, concisamente. A dispensa anterior de motivação, reminiscência do art. 75 do CPC de 1939, padecia de flagrante inconstitucionalidade.102 Por outro lado, quanto ao juízo negativo, convém recordar que a cognição sumária reduz a extensão ou a profundidade do julgamento, mas não se limita ao acolhimento, in status assertionis, das alegações da parte, comportando a produção de prova. Essa questão tem encaminhamento satisfatório mediante a singela aplicação dos poderes instrutórios do órgão judiciário. Incumbe ao juiz carrear aos autos “os elementos complementares de que padece o pedido”.103 Não basta impor ao interessado o ônus de esclarecer sua situação, pois, até prova em contrário, prevalece a presunção de insuficiência de recursos da pessoa natural (art. 99, § 3.º).104 Duvidando o juiz da afirmativa do interessado, há necessidade de prova e, indubitavelmente, o órgão judiciário poderá produzilas ex officio. Aliás, o art. 75, in fine, do CPC de 1939 contemplava remissão, não ocorrendo o deferimento imediato, ao art. 685 do CPC de 1939, ou seja, ao procedimento das medidas preventivas, no qual se encontrava prevista uma “instrução sumária”.105 Verdade que esse sistema introduz muita incerteza, demonstrada na análise dos julgados a respeito.106 O STJ já decidira não ofender à presunção relativa, “condicionar o Juiz a concessão da gratuidade à comprovação da miserabilidade jurídica, se a atividade ou o cargo exercidos pelo interessado fazem, em princípio, presumir não se tratar de pessoa pobre”.107 É o aventado no art. 99, § 2.º. A natureza do ato decisório pelo qual o juiz decide de plano, ao primeiro contato com o primeiro ato postulatório, ou apreciando requerimento no curso da ação (art. 99, § 1.º), se harmoniza ao gabarito da decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Como quer que seja, há que existir decisão expressa. Eventual omissão do órgão judiciário, ignorando o requerimento do interessado, não traduz acolhimento, ou seja, a concessão automática do benefício,108 nem transforma a omissão em decisão agravável, subentendendo-se o indeferimento. 751. Impugnação da parte adversa à concessão do benefício da gratuidade Lícito à contraparte, na contestação (art. 337, XIII), na réplica (art. 351), nas contrarrazões do recurso ou, no caso de postulação incidental (art. 99, § 1.º), através de simples petição, no prazo de quinze dias, obviamente contado da ciência do ato de deferimento, nos próprios autos e sem efeito suspensivo.

O impugnante suscitará questão processual passível de resolução na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, I). Tanto o art. 4.º, § 2.º, quanto o art. 7.º, parágrafo único, da Lei 1.060/1950, revogados pelo art. 1.072, III, do NCPC, previam a ausência de efeito suspensivo. Já no CPC de 1939 o propósito era impedir protelações à fruição do benefício, não podendo a lei “neutralizar as vantagens do benefício com as desvantagens do retardamento da decisão do feito”.109 751.1. Legitimidade na impugnação da gratuidade – Do artigo 99, caput, infere-se que legitima-se a impugnar o benefício: (a) o autor, na réplica do art. 351, obtido pelo réu o benefício, ao contestar a pretensão processual; (b) o réu, na contestação (art. 337, XIII), obtido o benefício pelo autor no deferimento da petição inicial; (c) qualquer das partes, na intervenção voluntária do terceiro, porque o assistente responderá pelo reembolso das despesas processuais e ao pagamento dos honorários do adversário do assistido na medida da sua atividade (art. 94); (d) o chamante, na intervenção provocada de terceiro. Em termos gerais, legitima-se a impugnar o benefício a parte que adianta as despesas processuais (art. 82, § 2.º), no todo ou em parte, e pagará honorários ao advogado do adversário (art. 85, caput). 751.2. Prazo da impugnação da gratuidade – O prazo hábil decorre do art. 100, caput, e é de quinze dias, contado ordinariamente: (a) o réu, na contestação; (b) o autor, na réplica; (c) qualquer das partes, havendo intervenção voluntária ou provocada de terceiro, na primeira oportunidade para se manifestar sobre a intervenção (v.g., no caso da assistência, art. 120). Requerido o benefício no recurso, ou momento ulterior do processo (art. 99, § 1.º), também no prazo de contrarrazões de quinze dias, exceto nos embargos de declaração, e em idêntico interregno, contado da ciência do pedido de gratuidade incidental. 751.3. Fundamentos da impugnação da gratuidade – É certo que a inexistência dos requisitos da gratuidade difere do desaparecimento ulterior, ante a mudança das condições econômicas da parte, em virtude de fatos supervenientes. O tratamento desses fenômenos distintos é idêntico, apesar de o art. 100, caput, marcando as oportunidades, ater-se à primeira situação. E, de resto, a iniciativa não compete apenas à contraparte, ou seja, a quem perderá o direito de reembolsar-se das despesas processuais porventura adiantadas. Ao juiz é dado, de acordo com o art. 8.º da Lei 1.060/1950 – disposição não revogada pelo art. 1.072, III, do NCPC –, revogar a gratuidade, ex officio, num caso e noutro, apesar de a cláusula inicial, “ocorrendo as circunstâncias mencionadas no artigo anterior”, ter perdido o sentido, porque revogado o art. 7.º da Lei 1.060/1950. Apesar de se tratar de evento futuro e incerto, a pretensão a impugnar surge quando a parte adversa do beneficiário tomar ciência do novo estado de fato. Parece mais difícil compreender essa notável flexibilidade temporal no caso de inexistência dos requisitos, que é situação de fato contemporânea ao deferimento da gratuidade. É razoável justificá-la no desconhecimento, pelo adversário, da real situação econômica e financeira do beneficiário.110

Não é minuciosa a disciplina da impugnação. Entende-se que processarse-á nos próprios autos, garantido o princípio do contraditório na manifestação do beneficiário em quinze dias (art. 100, caput). Divisando o juiz a possibilidade de revogar o benefício ex officio, apesar da omissão da contraparte, o art. 8.º da Lei 1.060/1950 fixa o prazo improrrogável de quarenta e oito horas para a manifestação do beneficiário. Esse interregno não se encontra recepcionado pelo art. 99, caput, passando para quinze dias, mas a observância do contraditório é essencial, nos termos do art. 10. Ao impugnante caberá o ônus de provar a inexistência dos requisitos ou seu desaparecimento.111 Esse ônus harmoniza-se com o regime geral que a prova incumbe a quem alega (art. 373, I) e com a presunção iuris tantum da simples afirmação do beneficiário (art. 99, § 3.º). São admissíveis todos os meios legítimos de prova (art. 369) Nada obstante, o impugnante enfrentará imensas dificuldades em administrar provas hábeis de quanto ganha e gasta o beneficiário, evidenciando que sobram recursos financeiros para suportar o custo financeiro do processo. Ficam atenuados os obstáculos, em parte, na hipótese de desaparecimento da condição de necessitado, pois a mudança de fortuna deixa rastros visíveis. Só a obtenção de dados fiscais atualizados e completos permite conferir a equação cujo resultado é o conceito de necessitado. Porém, dificilmente se convencerá o juiz a quebrar o sigilo fiscal do beneficiário para esses fins. É como, então, o largo e pouco criterioso emprego de regras de experiência na decisão do incidente. Por exemplo, julgado do STJ se baseou na profissão do beneficiário, argumentando: “A profissão gera vários indícios: moralidade, eficácia, cultura, posição social, situação econômica. O médico exerce atividade que, geralmente, confere “status” social e situação econômica que o coloca, como regra, na chamada classe médica. Presunção de não ser carente, nos termos da Lei nº 1.060/50.”112 Tal precedente não se harmoniza com a avaliação objetiva da figura de necessitado para os fins do benefício. Eventualmente, profissionais liberais participam litígios de expressivo vulto econômico, envolvendo a poupança amealhada por toda uma vida, e a respectivas despesas simplesmente não se enquadram no apertado orçamento doméstico. E, de resto, a maioria dos médicos trabalha na previdência social, sem rendosa clínica privada, e não mais desfrutam do notabilíssimo anterior status social privilegiado. Idêntica situação atinge a maioria dos advogados e outros profissionais liberais. Em larga medida, as presunçõeshominis arrancam de bases falsas, como no caso de presumir que o médico, o advogado, o arquiteto têm recursos financeiros de sobra. A rigor, só prova cabal em contrário à condição de necessitado, que utiliza as variáveis da receita e da despesa, desfaz a presunção do art. 99, § 3.º 751.4. Efeitos da revogação da gratuidade – O art. 100, parágrafo único, determina ao antigo beneficiário, revogado o benefício, presumivelmente na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, I), pagar as despesas de que ficara isento, e ainda, no caso de má-fé, ao pagamento de multa, consistente no décuplo do valor dessas despesas. A multa reverterá em proveito da Fazenda Pública Federal, Distrital ou Estadual, e poderá ser inscrita como dívida ativa, passando-se à execução pela Lei 6.830/1980.

Abstendo-se o beneficiário de recolher essas despesas, no prazo fixado pelo juiz (art. 102, caput), inclusive as do recurso (art. 101), variam as consequências. Cuidando-se de benefício concedido ao autor, extingue-se o processo sem resolução do mérito (art. 485, X); ao invés, concedido o benefício ao réu ou ao terceiro, “não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito” (art. 102, parágrafo único). É duvidosa a constitucionalidade dessa última disposição, negando à parte, v.g., o direito à prova, e, assim, subtraindo-lhe a oportunidade de lograr êxito e livrar-se do custo financeiro do processo (infra, 756). A rigor, portanto, não pode ser aplicada quanto às despesas pretéritas, devendo ser executadas posteriormente contra o vencido. Se o juiz defere a prova pericial, requerida pelo antigo beneficiário, não se aplica o art. 95, § 2.º, competindo-lhe depositar os honorários do perito, a teor do art. 95, § 1.º. Não o fazendo, no prazo legal, ficará prejudicada a produção dessa prova legitimamente. Fora daí, o processo há de prosseguir nos devidos termos. 752. Recurso próprio na solução do incidente e seus efeitos Contra o indeferimento da gratuidade, ou contra a decisão interlocutória que acolher a impugnação do art. 100, cabe agravo de instrumento (art. 101, caput, c/c art. 1.015, V), salvo quando resolvida esta última questão na sentença, passível de apelação (art. 1.009, caput). Desapareceram as complicações do direito precedente, pois a interposição da apelação, então alvitrada, prejudicaria a parte adversa, porque esse recurso tramita nos autos principais. Ao propósito, exato se afigura julgado do STJ,113 indicando o agravo como recurso próprio. Era superior, nesse particular, a técnica do CPC de 1939, prevendo agravo de instrumento para as hipóteses de revogação e de denegação da gratuidade (art. 842, V). No caso de acolhimento da gratuidade, o ato decisório se ostentava irrecorrível – somente as interlocutórias indicadas em lei, expressamente, comportavam agravo de instrumento –, mas restava “à parte adversa fazer prova de que o beneficiário não merece o favor legal e requerer a revogação, perante o próprio juiz de primeira instância”.114 Essa é a fonte remota do art. 100 do NCPC. Ante a impossibilidade de impugnar diretamente a inexistência dos requisitos, criou-se o incidente de “revogação” no art. 7.º da Lei 1.060/1950, hoje consubstanciado no art. 100 do NCPC. À diretriz do primeiro estatuto unitário, retornou o art. 101, caput, c/c art. 1.015, V, do NCPC. O agravo de instrumento cabe contra o indeferimento ou a revogação do benefício, salvo disposição, nos dois sentidos, na própria sentença. Porém, a compreensão dos parágrafos do art. 101 depende da visualização da recorribilidade do ato no direito anterior. O ponto essencial da superioridade da disciplina constante do CPC de 1939 residia na suspensão da exigibilidade do recolhimento das custas (art. 843, § 1.º, do CPC de 1939), interposto agravo de instrumento contra a denegação, assinalando-se: “Quer haja denegação, quer revogação, o agravante continua, até a decisão do Tribunal Superior, sem obrigação de pagar as custas”.115

Sobrevivendo o incidente autônomo, em que pese a profunda alteração no regime da impugnação das interlocutórias na versão originária do CPC de 1973, o art. 17 da Lei 1.060/1950 erigiu a apelação como o recurso cabível contra todas as “decisões proferidas em consequência da aplicação desta lei”. Em sua rigorosa literalidade, a regra era impraticável pelo mais contrito positivista: havia os atos que, julgando de plano o pedido, desafiavam agravo, sob pena de embaraçar o andamento do processo. Contudo, autuado separadamente o pedido de concessão, feito após o ato postulatório principal, ou autuada em separado a impugnação, a formação de incidentes autônomos tornava possível o provimento exarado nesses autos desafiar apelação. Impróprio que seja semelhante recurso, considerando a tipologia dos atos decisórios, a respectiva tramitação em autos apartados em nada prejudica o prosseguimento do processo.116 Em sentido contrário, invocando o fato de a inovação imposta pela Lei 6.014/1973, adaptando a Lei 1.060/1950 à lei processual geral, mirou somente outorgar efeito suspensivo ao recurso, à semelhança do contemplado no art. 843, § 1.º, do CPC de 1939, estimava-se cabível o agravo em todos os casos.117 Na verdade, a posição intermediária era a correta, harmonizando o sistema recursal. Elogiável, portanto, o prudente esclarecimento do STJ, proclamando o seguinte: “Cabe apelação para enfrentar decisão relacionada com o pedido de assistência judiciária. O agravo de instrumento apenas é oportuno, quando a decisão decide de plano, nos autos do processo principal, o pedido de assistência (Lei 1.060/1950 – art. 5.º)”.118 De toda sorte, a disciplina legal ensejava dúvida subjetiva, aplicando-se o princípio da fungibilidade pleno:119 o agravo de instrumento havia de ser conhecido como apelação, e vice-versa, conforme o convencimento do órgão judiciário a respeito da questão, e, assim, evitando prejuízo à parte que empregou o recurso impróprio. Era irrelevante, para tal efeito, a interposição do recurso impróprio no prazo do recurso próprio. O direito anterior eliminava o efeito suspensivo da apelação interposta contra “a sentença que conceder o pedido”. Objetivava o legislador, neste ponto, deixar claro que o recurso da parte adversa não inibiria a eficácia do ato e as despesas processuais permaneciam inexigíveis do beneficiário. E, conferindo efeito suspensivo à apelação contra o ato de indeferimento do pedido ou de revogado, introduziu sutil indício, pretendendo-se sinalizar que, até o julgamento do recurso, vigorará a gratuidade, inclusive no tocante ao preparo da própria impugnação. O regime era lógico e compreensível cuidando-se de revogação, porque há pronunciamento anterior concedendo o benefício, mas excessivo na hipótese de indeferimento do pedido. Não parece possível isentar o recorrente do preparo, inexistindo ato decisório conferindo-lhe o benefício da gratuidade. Por outro lado, exigir do interessado o adiantamento das despesas processuais até o julgamento do seu recurso, seja agravo de instrumento, seja apelação, provocaria invencível impasse, porventura real e verdadeira a impossibilidade de suportar tais despesas sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Nesta contingência, a única solução concebível e justa era a seguinte: requerida a gratuidade, ela vigorará até o julgamento definitivo do seu indeferimento.120 Essas considerações, de olhar fito no direito anterior, explicam o regime vigente da impugnação. Cabível que seja agravo de instrumento, contra decisão interlocutória proferida incidentemente, ou contra a sentença, o recorrente fica dispensado de preparar o recurso, cumprindo ao relator decidir, preliminarmente, a respeito da gratuidade (art. 101, § 1.º, do NCPC). Confirmado o indeferimento ou mantida a revogação, por ato singular do relator, todavia passível de agravo interno, e, nessa hipótese, substituído pelo ato do órgão colegiado (art. 1.008), o recorrente recolherá o preparo no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso, porque deserto. Pode acontecer error in iudicando e, na verdade, encontrar-se o recorrente impossibilitado de pagar o preparo. Não há remédio para essa consequência fatal, salvo medida de urgência paralela. Por fim, transitada em julgada a resolução do incidente, incidirá o art. 102, caput, cabendo ao antigo beneficiário recolher as despesas pretéritas, no prazo que lhe for assinado, sem prejuízo da multa do art. 100, parágrafo único. Os efeitos da omissão já receberam explicação (retro, 751.4). § 154.º Efeitos da concessão do benefício da gratuidade 753. Designação do advogado do beneficiário O principal efeito da concessão do benefício da gratuidade consiste na isenção das despesas processuais, exemplificativamente arroladas no art. 98, § 1.º, I a IX. Ele se tornaria inútil sem a subsequente designação de representação técnica ao necessitado. Em geral, o benefício da gratuidade já é requerido por advogado, previamente indicado pelo postulante. Por essa forma implícita o procurador manifesta sua aceitação do encargo, sobrelevando-se a circunstância de essa peculiaridade não impedir a concessão da gratuidade (art. 98, § 4.º). A outra hipótese, tratada no capítulo dedicado à Defensoria Pública, sucede com o ingresso em juízo da parte representada por Defensor Público, caso em que a sua condição de necessitado mereceu análise e aprovação pelo órgão competente da Defensoria. Nessas situações, a escolha de advogado para o beneficiário encontrase, a priori, resolvida satisfatoriamente. Entretanto, concebe-se o requerimento da parte ao juízo competente, previamente, rogando indicação de advogado para postular em juízo como autor ou réu. É a situação merecedora de análise, apontando as formas de designação, os motivos legítimos de escusa e os efeitos da rejeição do encargo. 753.1. Formas de designação do advogado do beneficiário – O art. 5.º, §§ 1.º e 2.º, da Lei 1.060/1950, ainda vigente no direito anterior,121 e preservado na revogação do art. 1.072, III, do NCPC, autorizam o órgão judiciário a adotar providências tendentes a dar advogado ao necessitado. O problema suscita preocupações em outros ordenamentos.122

Em primeiro lugar, havendo requerimento dirigido ao órgão judiciário – evento outrora comum, mas hoje raríssimo, pois o interessado procurara, diretamente, o escritório local da Defensoria Pública –, solicitará a atuação do órgão competente da Defensoria Pública. O órgão competente designará defensor em setenta e duas horas (art. 5.º, § 1.º, da Lei 1.060/1950). Não há vinculação automática ao encargo. Entendendo o órgão da Defensoria Pública “inexistir hipótese de atuação institucional”, incide o art. 4.º, § 8.º, da LC 80/1994: dará ciência ao Defensor Público Geral que, declarando insubsistente as razões apresentadas, indicará outro Defensor Público para atuar. Depois, o órgão judiciário solicitará à seção ou à subseção da OAB, conforme o caso, tratando da capital do Estado-membro e do Distrito Federal, ou de município do interior, a indicação de advogado para patrocinar o necessitado (art. 5.º, § 2.º, da Lei 1.060/1950). Por fim, inexistindo subseção da OAB na comarca ou seção judiciária, e, a fortiori, omissa a OAB, “o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado” (art. 5.º, § 3.º, da Lei 1.060/1950). O magistrado com boas relações com os profissionais do foro persuadirá um deles a assumir o encargo. Em tal mister, sempre que possível evitará a nomeação do novato, preferindo o mais experiente e renomado, com o fito de incutir confiança no necessitado quanto à boa condução do caso em juízo. 753.2. Motivos de escusa do advogado designado ou nomeado para o beneficiário – O designado ou nomeado poderá escusar-se do encargo. É notório que os advogados – a certa altura, inspirados no liberalismo do século XIX, propugnavam pela assunção do encargo, e o primeiro regulamento da OAB (art. 61 do Decreto 20.781, de 14.12.1931) declarava, peremptoriamente, ficar o assunto “sob a jurisdição da Ordem” – relutam em abandonar seus afazeres remunerados pelo trabalho honorífico. No entanto, somente pode o advogado se escusar, legitimamente, preenchendo dois requisitos simultâneos: (a) a existência de órgão da Defensoria Pública na comarca (a contrario sensu da parte final do art. 34, XII, da Lei 8.906/1994); (b) pelos motivos arrolados no art. 15, caput, da Lei 1.060/1950. O art. 34, XII, da Lei 8.906/1994 alude à “impossibilidade” da Defensoria Pública. Entende-se por tal a inexistência de órgão na comarca, e, não, o excesso de serviço. Por outro lado, o art. 15, caput, da Lei 1.060/1950 estipula cinco motivos razoáveis para o advogado, inexistindo órgão da Defensoria Pública na localidade, recusar legitimamente o encargo, a saber: (a) impedimento ao exercício da advocacia, ou seja, pelos motivos previstos no art. 28 da Lei 8.906/1994, e por outra razão de força maior (v.g., doença grave); (b) contratação pela parte contrária ou manter com ela relações profissionais atuais, ou seja, a procura em nome da parte contrária em causa já extinta não constitui escusa legítima; (c) necessidade de ausentar-se da comarca, por motivos profissionais ou pessoais, o que constitui causa temporária, mas pode impedir o cumprimento de prazo em curso, a realização de audiência, convindo que outro profissional seja nomeado; (d) manifestação por escrito contra o direito pleiteado, não necessariamente no caso concreto, mas em

tese, incluindo opinião sobre a questão de fato;123 (e) ter dado parecer à parte contrária parecer sobre a contenda. O advogado apresentará seus motivos ao órgão judiciário – aqui se versa o pedido feito anteriormente à propositura da ação, cuja competência, segundo a lei de organização judiciária, é da vara de direção do foro –, decidindo de plano. Concebe-se o deferimento definitivo ou temporário (v.g., no caso de ausência momentânea da comarca) ou a rejeição (art. 15, parágrafo único, da Lei 1.060/1950), caso em que assumirá o encargo ou sujeitar-se-á às sanções cabíveis. 753.3. Consequências da escusa ilegítima ou falta de escusa – Não apresentando qualquer justificativa para refugar o encargo, ou entendendo o juiz insubsistente os motivos apresentados, sujeitará o recalcitrante a duas sanções: (a) a imposição da multa prevista no art. 14, caput, da Lei 1.060/1950), fixando-a o juiz e revertendo em proveito do profissional que aceitar o encargo (art. 14, § 2.º, da Lei 1.060/1950); (b) a pena correspondente à infração tipificada no art. 34, XII, da Lei 8.906/1994. O art. 34, XII, da Lei 8.906/1994 contempla a infração disciplinar na hipótese de o advogado “recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública”. O juiz comunicará o fato à OAB que instaurará o processo administrativo disciplinar, assegurada a ampla defesa, na forma da lei. 753.4. Responsabilidade pelo pagamento dos honorários do advogado do necessitado – O art. 22, § 1.º, da Lei 8.906/1994 estabelece o dever de o Estado pagar os honorários do advogado que aceitar o encargo. A norma visa acabar com o trabalho filantrópico e punir a omissão do Estado em organizar eficientemente a Defensoria Pública. Em vista disso, o advogado tem pretensão perante a União, o Distrito Federal e o Estado-membro para haver os honorários arbitrados pelo juiz,124mediante ação direta e autônoma. Esse direito independente da sucumbência, eventualmente também devida. 754. Cessação do estado de necessidade do beneficiário A condição de necessitado talvez desapareça, no curso do processo, em virtude de fato superveniente. Esse evento pode ser trazido ao processo no incidente de revogação. Os recursos financeiros do beneficiário da gratuidade podem piorar ou melhorar, mas aqui interessa esta última modificação, ou seja, a “melhora da fortuna”125 Após o término do processo, e a condenação do beneficiário vencido nas despesas e nos honorários, justamente por esse motivo, concebe-se o desaparecimento do total do déficit financeiro. 754.1. Cessação total do estado de necessitado – Desde que alegado e provado o desaparecimento total do estado de necessitado, o beneficiário ficará obrigado a pagar os ônus da sucumbência, verificando-se o evento no prazo de cinco anos (art. 98, § 3.º). O direito anterior inspirara-se no modelo do § 125 da versão originária da ZPO alemã, revelado pela significativa locução “sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, anteriormente também reproduzido no art. 78 do CPC de 1939.126

O art. 98, § 3.º alude às “obrigações decorrentes de sua sucumbência”, enquanto o direito anterior mencionada apenas as custas. À vista dessa restrição, também constante do art. 78 do CPC de 1939, expressiva opinião alvitrava que a eventual melhora nas finanças do beneficiário não autorizava ao seu advogado cobrar-lhe honorários, verba distinta das custas.127 É bem de ver que, no regime originário do CPC de 1939, vencido o adversário do beneficiário, cumpria-lhe pagar despesas e honorários (art. 76 do CPC de 1939), representando exceção às diretrizes gerais dos artigos 63 e 64 do CPC de 1939.128 Incorretamente, a interpretação ecoou na vigência do CPC de 1973.129 Na realidade, a regra anterior também exigia a prévia condenação do beneficiário vencido nas custas e nos honorários – omissa a sentença, e não corrigido o defeito através da interposição do recurso próprio, por óbvio não incidiria a regra –, e, cessado totalmente o estado de necessidade, no prazo de cinco anos, tornava essas verbas exigíveis. Em tal sentido, a jurisprudência do STJ: “O beneficiário da justiça gratuita, quando vencido na ação, não é isento da condenação nos ônus da sucumbência, devendo o mesmo ser condenado no pagamento da verba honorária”.130 O art. 98, § 2.º, previu, expressamente, a necessidade de condenação do beneficiário vencido. A condenação do beneficiário nas despesas e nos honorários se vincularse-á, então, à condição suspensiva do desaparecimento superveniente do estado de necessidade nos termos do art. 98, § 3.º. 754.2. Cessação parcial do estado de necessitado – É lícito ao juiz conceder parcialmente a gratuidade, e, neste caso, reza o art. 13 da Lei 1.060/1950, preservado no art. 1.072, III, do NCPC, cessado o estado de necessidade da parte, “o Juiz mandará pagar as custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento”, ou seja, entre os auxiliares do juízo e advogados. A fonte de inspiração dessa regra se localiza, outra vez, § 115 da versão originária da ZPO alemã. O art. 79 do CPC de 1939, parcialmente diverso, mandava o juiz realizar o rateio entre os serventuários, “considerando as necessidades de cada um”, presumindo a preferência dos oficiais de justiça e – figura quase extinta na lei de organização judiciária – dos porteiros.131 A impropriedade da disposição se mostrava manifesta. Como se assinalou, não sem ironia, transformava o juiz em “impertinente inquisidor da vida privada, econômica, dos seus auxiliares”.132 O art. 13 da Lei 1.060/1950 é mais simples, provendo sobre mudanças de fortuna que não chegam ao estado de suficiência. 754.3. Efeitos da cessação do estado de necessidade do beneficiário – A revogação da gratuidade produz efeitos ex nunc, ou seja, a partir da data em que se verificou o desaparecimento do déficit financeiro, tornando devidas as despesas vincendas. Mais difícil é a apuração da cessação total ou parcial depois da extinção do processo. É claro que a dívida adquire exigibilidade e, constando de título executivo judicial (art. 515, I), enseja execução. Impende definir o juízo competente e o procedimento adequado, pois a produção de prova de que se

verificou a condição se mostrará imprescindível ao nascimento da pretensão a executar. O ônus de o exequente instruir a petição inicial da execução com a “demonstração de que se realizou a condição” decorre do art. 514. À falta de maiores ou seguras indicações, segundo certo alvitre toca ao exequente propor demanda autônoma, seguindo o rito comum, controvertendo o implemento da condição suspensiva, ou seja, a cessação dos requisitos da gratuidade.133 É outra a solução conveniente para o problema na esteira da doutrina alemã134 O vencedor empregará o incidente do art. 100 do NCPC, e pleiteará a revogação da gratuidade ao juízo que condenou o beneficiário. O juiz mandará ouvir o beneficiário, no prazo de quinze dias, colherá a prova pertinente e, em seguida, decidirá o incidente. Findo o incidente, e obtida a revogação, o interessado habilitar-se-á a executar o título judicial, no que tange ao capítulo acessório da sucumbência, doravante dotado de exigibilidade. 754.4. “Prescrição” da pretensão a executar a sucumbência – O art. 78 do CPC de 1939 nada mencionava quanto à prescrição e, como o desaparecimento dos requisitos da gratuidade sucede “em qualquer tempo”, rejeitava-se a regra própria de prescrição constante na lei civil.135 O art. 12, segunda parte, da Lei 1.060/1950 declarava, categoricamente, prescrever em cinco anos a dívida do beneficiário – despesas e honorários –, originada pela derrota na causa. De prescrição, na realidade, não cuidava, pois a dívida é inexigível.136 A prescrição extingue (= encobre a eficácia) a pretensão, por sua vez nascida da exigibilidade (art. 189 do CC). Criou a lei um prazo de espera. Ele se contará do trânsito em julgado da sentença.137 O art. 98, § 3.º, in fine, corrigiu o defeito, empregando o verbo extinguir. É de decadência esse prazo. 755. Pagamento a final das despesas processuais no benefício da gratuidade O art. 13 da Lei 1.060/1950 contempla a concessão parcial do benefício,138 rateando a parte remanescente entre os beneficiários, situação de rara incidência. Essa regra inspirou outra forma de isenção parcial: o pagamento das despesas processuais a final, que a jurisprudência do STJ admite em casos excepcionais.139Na prática, o postulante aposta no sucesso da demanda, hipótese em que não arcará com o custo financeiro do processo. 756. Vitória do beneficiário da gratuidade Vitoriando-se o beneficiário na causa, a respectiva sentença condenará o respectivo adversário vencido ao reembolso das despesas porventura antecipadas (art. 82, § 2.º) e ao pagamento dos honorários advocatícios do advogado do beneficiário (art. 85, caput). O direito anterior reafirmava,

explicitamente, a responsabilidade do vencido. O preceito justificava-se no regime do CPC de 1939, em que tal condenação não constituía imperativo da derrota.140 O direito anterior fixava o percentual rígido de quinze por cento, calculado “sobre o líquido apurado na execução”, o valor dos honorários. A jurisprudência do STJ estimava que o parágrafo não mais vigorava,141 e, agora, o art. 1.072, III, do NCPC, revogou a regra. Era, ademais, a opinião prevalecente na doutrina.142 O juiz fixará os honorários de acordo com a regra geral do art. 85, § 2.º, ou regra particular porventura aplicável (art. 85, § 3.º). 757. Intransmissibilidade do benefício da gratuidade O art. 99, § 6.º estipula a intransmissibilidade, mortis causa ou inter vivos, do benefício da gratuidade. Ela se extinguirá com a morte do beneficiário. É personalíssimo o benefício, como dizia o art. 69 do CPC 1939, reproduzido nessa parte no parágrafo antes mencionado, e não se transfere ao adquirente do direito litigioso, a teor do art. 109, nem sequer aos herdeiros do beneficiário, ressalva feita à obtenção por eles da mesma benesse, preenchidos os requisitos legais. Tampouco se transfere em caso de sucessão de pessoa jurídica no processo (retro, 564). A intransmissibilidade decorre da avaliação objetiva do estado de necessidade, favorecendo a pessoa determinada,143 sem projeções futuras.

TÍTULO VI - DOS TERCEIROS Capítulo 38. MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS SUMÁRIO: § 155.º Intervenção de terceiros em geral – 758. Conceito de intervenção de terceiros no processo civil – 759. Posição do terceiro antes da intervenção – 759.1. Terceiros indiferentes – 759.1.1. Interesse de fato – 759.1.2. Interesse econômico – 759.1.3. Interesse político – 759.2. Terceiros interessados – 760. Eficácia da coisa julgada perante terceiros – 761. Posição do terceiro após a intervenção – § 156.º Espécies de intervenção de terceiros – 762. Casos típicos de intervenção de terceiros – 762.1. Assistência à parte – 762.2. Intervenção principal (oposição) – 762.3. Correção da legitimidade passiva (nomeação à autoria) – 762.4. Chamamento em garantia – 762.5. Chamamento ao processo – 762.6. Assistência ao juízo – 763. Classificação das modalidades de intervenção de terceiros – 763.1. Intervenção voluntária e intervenção compulsória – 763.2. Intervenção por inserção e intervenção por cumulação – 763.3. Intervenção principal e intervenção secundária – 763.4. Intervenção permanente e intervenção transitória – 764. Fundamentos da intervenção de terceiros – § 157.º Proibição da intervenção de terceiros – 765. Casos de proibição de intervenção de terceiros – 766. Restrições à intervenção de terceiro nos juizados especiais – 767. Restrições à intervenção de terceiro nas causas envolvendo relações de consumo – 768. Restrições à intervenção de terceiro no controle concentrado de constitucionalidade – 769.

Restrições à intervenção de terceiro no procedimento comum – § 158.º Intervenções atípicas de terceiros – 770. Casos atípicos de intervenção de terceiros – 771. Intervenção de terceiros na execução – 772. Modalidades de intervenção proibidas na execução – 773. Participação concorrente na obrigação alimentar. § 155.º Intervenção de terceiros em geral 758. Conceito de intervenção de terceiros no processo civil É parte (principal), no processo civil, a pessoa que age em juízo, ingressando com a demanda, e a pessoa que reage (ativamente ou não) à demanda (retro, 500). Entende-se por pessoa o titular de personalidade processual (retro, 507). A semântica da palavra pessoa revela-se no processo mais dilatada que a comum. À noção de parte contrapõe-se a de terceiro. Não há outra maneira segura e eficiente de definir terceiro no processo senão a buscar conceito por exclusão. No processo civil, terceiro é quem, em terminado momento ou fase processual, não figura como parte no processo, mas encontra-se habilitado a ser parte em momento futuro.1 Essa formulação do conceito constou da primeira monografia moderna a respeito desse instituto no direito brasileiro.2 O Título III – Da Intervenção de Terceiros – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC disciplina as modalidades típicas de intervenção de terceiros no processo. As disposições respectivas estabelecem as modalidades pelos quais terceiros ingressam no processo pendente e, assim, tornam-se partes. Em relação ao direito anterior, o referido Título III promoveu importantes modificações na matéria. Não deixou de fora a assistência, antes deslocada ao lado do litisconsórcio, e encarou suas duas espécies: a assistência simples e a assistência qualificada (ou litisconsorcial). Eliminou a nomeação à autoria, substituindo-a pela mais ampla correção do polo passivo da demanda, remetendo o assunto ao capítulo da contestação (artigos 338 a 339). Não sem alguma contradição com a ruptura anterior, incorporou à intervenção de terceiros o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, dando, por fim, a sistematização tão ansiada. A oposição (ou intervenção principal) ficou exilada dentre os procedimentos especiais, junto com os embargos de terceiro, mas o nexo entre as demandas ensejará a reunião por conexão. Lembrou-se, por fim, do amicus curiae, e, no demais, manteve a denunciação da lide, ou chamamento em garantia, e o chamamento ao processo. O sistema anterior satisfazia as necessidades do processo cuja função predominante consista na formulação da regra jurídica concreta, ou seja, a função de conhecimento. A admissibilidade dos antigos mecanismos, nos processos em que a função seja distinta, a exemplo da execução, suscitava controvérsias, oportunamente enfrentadas (infra, 771). O sistema em vigor, situado na Parte Geral do NCPC, apresenta vocação universalista (v.g., quanto à desconsideração, o art. 134). E os dados do direito positivo indicam, de resto, a existência de modalidades atípicas, suprindo as eventuais deficiências das formas típicas.

O esquema legislativo realça o fato de o terceiro intervir, voluntariamente ou não, no processo pendente. Intervenção de terceiros significa que uma ou mais pessoas estranhas ao feito ingressam ou são compelidas a ingressar no processo em curso.3 O fenômeno da intervenção, ao fim e ao cabo, independe das hipóteses traçadas na lei. Pode ocorrer sem o concurso de qualquer situação que legitime a postulação do terceiro. Por exemplo, A pediu a reparação dos danos sofridos em acidente de trânsito perante B, que alega não ser o responsável, pois já transmitira o veículo em data anterior ao evento. Rigorosamente, A arcará com o risco de a investigação e solução dessa questão favorecer a B. Nada impede o suposto adquirente C, por iniciativa própria, pleitear seu ingresso no processo pendente, declarando-se responsável, em tese, pela reparação do dano, e pretender substituir o réu B. Por óbvio, C almeja alterar o polo passivo da demanda, excluindo B, sem consultar tanto a este quanto ao autor A. Ora, a lei não autoriza a intervenção de Cpara esse efeito no processo entre A e B: o terceiro C não tem o direito de substituir uma das partes por sua própria iniciativa. A extravagante intervenção de C há de ser prontamente repelida pelo juiz. Por outro lado, parece flagrante a transformação do processo após a intervenção do terceiro. Figurando nos polos da relação processual, inicialmente, um autor e um réu, o ingresso do terceiro enseja a pluralidade de partes. É cedo para qualificar essa pluralidade como espécie de cumulação de ações. Verdade que, após a intervenção, o terceiro passa à condição de parte (formal); porém, revela-se necessário decidir se há, ou não, inserção no objeto litigioso, ponto a reclamar análise oportunamente. Mas, independentemente da posição assumida pelo terceiro nesse plano, flagrantemente o âmbito subjetivo do processo amplia-se e, sempre considerando o figurino básico, torna-se plural: um dos polos passa a ser ocupado, no mínimo, por duas pessoas. Razões sistemáticas recomendam radical separação entre a autêntica intervenção de terceiros e o litisconsórcio ulterior. Em comum, as duas figuras têm um ponto: o ingresso (voluntário ou obrigatório) de pessoa supervenientemente à formação do processo. Fora desse aspecto, todavia, forme-se o litisconsórcio ulterior por determinação do órgão judiciário (art. 115, parágrafo único) – hipótese em que fica patente a integração da capacidade para conduzir o processo, necessariamente plural –, ou por intermédio do ingresso oportunista de outra pessoa para beneficiar-se da situação de vantagem, inexiste dúvida: o até então terceiro ingressará como parte. É ingresso de parte, porque o ingressante ostenta capacidade de conduzir o processo. Essa capacidade deriva da posição de figurante do objeto litigioso (legitimidade ordinária) ou da regra jurídica que autoriza a postular direito alheio (legitimidade extraordinária). As intervenções assim feitas não constituem formas atípicas de intervenção de terceiros.4 Também não constitui forma de intervenção de terceiros a reunião de processos (retro, 301).5 Em tal hipótese, apesar do liame entre os objetos litigiosos, as partes de um processo não ingressam no outro feito, permanecendo ambos autônomos e distintos.

Essas considerações assoalham o terreno para responder a duas questões cruciais: (a) as causas que habilitam a pessoa, em princípio alheia ao processo pendente, a postular seu ingresso ou ser compelida a participar da relação processual; e (b) a posição processual assumida, por essa pessoa, após o órgão judiciário admitir a respectiva intervenção. A solução do primeiro problema exige a investigação das hipotéticas relações do objeto do processo, posto sob apreciação judicial entre determinadas pessoas, e os interesses legítimos de outras pessoas, todavia estranhas ao processo. E o segundo dependerá do alcance atribuído à noção de parte (retro, 500). 759. Posição do terceiro antes da intervenção É fato trivial que existem relações jurídicas plurissubjetivas. Também se concebe que determinada relação, em virtude do contato social, produza efeitos, direta ou indiretamente, perante outras pessoas. Em outras palavras, há relações jurídicas interdependentes.6 Fenômenos dessa índole reproduzem-se, nos devidos termos, nas resoluções do órgão judiciário cujo objeto, havendo litígio, sejam relações jurídicas com essas características naturais. Os efeitos dos provimentos de mérito, porque revestidos da autoridade estatal, operam perante todos, ou seja, universalmente; porém, a regra jurídica concreta formulada no provimento atingirá pequena fração de pessoas – na verdade, alcançará as partes principais. Limitado que seja o vínculo resultante da coisa julgada às partes, os efeitos da sentença de mérito repercutem em terceiros, ou seja, nas pessoas que não participaram do processo, mas “por uma forma ou outra, ligados às partes, produzindo influências de vários tipos sobre alguma relação jurídica de que eles participem”.7 O intuito de inventariar, no direito material, as situações permissivas do ingresso do terceiro, à vista da propagação dos efeitos das resoluções judiciais, suscita questão preliminar. Cumpre identificar as pessoas alcançadas, ou não, por essa eficácia e, ademais, a intensidade e o modo de operação desses efeitos. Em termos largos, distinguem-se duas classes de pessoas: (a) os terceiros indiferentes; (b) os terceiros interessados.8 759.1. Terceiros indiferentes – À imensa maioria das pessoas, embora sujeitas à jurisdição brasileira, os efeitos do provimento judicial mostram-se rotundamente irrelevantes. Em geral, as pessoas nem sequer conhecem a pendência de certo processo. São desinteressadas e indiferentes à publicidade intrínseca a esse instrumento estatal de composição dos litígios. E não exibem qualquer ligação com as partes ou os fatos do litígio. Por exemplo, os enxeridos vizinhos do casal A e B, cuja sociedade conjugal dissolveu-se por resolução judicial, não se ostentam titulares de qualquer direito, ou figurantes de qualquer relação jurídica, passíveis de serem afetados direta ou indiretamente pelo provimento proferido entre as partes. Eles até podem nutrir simpatia maior ou menor por uma das partes, ou dar razão a esta ou aquela em termos candentes, no que tange à causa que originou o litígio, transmitida oralmente com maior ou menor fidedignidade, mas nada disso assume importância jurídica. Fatos

dessa natureza, os sentimentos e as opiniões quanto às partes ou ao desfecho do processo, permanecem estranhos ao mundo jurídico. Não têm aptidão natural, salvo excessos, para incidir em regra jurídica. Tais pessoas constituem os terceiros propriamente ditos, ou seja, o terceiro absoluto.9 759.1.1. Interesse de fato – Em círculo substancialmente mais restrito que o dos terceiros absolutamente indiferentes, há um grupo de pessoas que têm interesse no litígio, em especial no julgamento favorável a uma das partes. Essas pessoas figuram como titulares de relação jurídica autônoma, mas de algum modo conexa à que se tornou objeto do processo. Por exemplo, C provavelmente se solidarizará emocional e financeiramente com a irmã A, a qual postulou divórcio do marido B. E, de resto, se o interesse sentimental de C recai sobre o próprio B, o decreto do divórcio de A e de B implicará o desaparecimento do parentesco colateral por afinidade, permitindo o casamento dos antigos cunhados, vez que só não extingue a afinidade na linha reta (art. 1.595, § 2.º, do CC). E C, credor comum do réu B, obrigado perante C através de mútuo, também ostenta interesse que a demanda movida por A, mulher da vítima de acidente de trânsito, seja julgada improcedente. A procedência dessa ação enfraquecerá a garantia geral oferecida pelo patrimônio de B, garantia geral das suas dívidas (art. 391 do CC), haja vista a preferência do crédito de A. Ora, os interesses da irmã da autora e do credor comum constituem simples interesse de fato. Esse interesse não lhes autoriza, por qualquer via, intervir no processo alheio. Equiparam-se, pois, aos terceiros indiferentes. O prejuízo da irmã da autora – ou, inversamente, a sua vantagem, aspirando casar com o antigo cunhado – tem cunho moral, social e familiar. É um interesse de fato, porém: a irmã não dispõe de meios hábeis para impedir o desfazimento do parentesco por afinidade, do mesmo modo que não se subtraiu (e contra os desejos íntimos) à constituição desse parentesco (art. 1.595, caput, do CC), em virtude do pretérito do casamento da irmã. Já o interesse do credor comum é, fundamentalmente, econômico. A sua qualidade de credor não lhe outorga o direito de tolher os negócios usuais do seu devedor ou eventos que resultem no aparecimento de outros credores legítimos, todos disputando o patrimônio do obrigado. A relação de crédito permanece íntegra mesmo na hipótese de o devedor comum se tornar insolvente. Os efeitos do provimento judicial atingem a todos, de modo fatal e inexorável, mais como simples fato – a relação jurídica, outrora litigiosa, volta ao estado de relação jurídica não litigiosa, embora modificada – do que na condição de provimento emanado da autoridade judiciária. 759.1.2. Interesse econômico – É excepcional, no sistema, a admissibilidade da intervenção do terceiro em razão de simples interesse econômico. Essa espécie de interesse não se confunde, necessariamente, com o interesse público. Eis a razão por que a jurisprudência do STJ firmouse no sentido que é desnecessária a intervenção do Ministério Público na execução fiscal (Súmula do STJ, n.º 189), e, agora, o art. 178, parágrafo único, declara não traduzir a participação da Fazenda Pública, em qualquer processo, hipótese de intervenção do Ministério Público. De ordinário, o simples interesse patrimonial da Fazenda Pública externado na execução

fiscal, posto que relevante, mostra-se insuscetível de adquirir transcendência necessária à caracterização do interesse público.

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Identificou-se hipótese de intervenção baseada em simples interesse econômico, todavia reclamando interpretação literal, na possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público intervir, “e, se for o caso recorrer”, “nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica”, “independentemente da demonstração de interesse jurídico” (art. 5.º da Lei 9.469/1997). Essa disposição surgiu a fim de autorizar a União a intervir nas causas controvertendo a privatização das empresas estatais, na esteira do programa de desestatização, empreendido, a partir de meados da década de noventa do século passado, na linha política desdenhosamente chamada de neoliberal. O interesse tutelado no art. 5.º da Lei 9.469/1997 é fundamentalmente econômico. A própria regra menciona reflexos econômicos indiretos como fundamento hábil à intervenção. Todavia, o interesse econômico constitui o invólucro de um interesse mais profundo, eminentemente político, consistente no desmonte do Estado de bem-estar social e na limitação do papel dos órgãos governamentais no mercado. É preciso dar um passo decisivo no tópico e enfrentar, diretamente, a essência dessa classe de interesses na sociedade pluralista. 759.1.3. Interesse político – A sociedade pós-moderna é pluralista e complexa. O truísmo demorou, mas repercutiu nas estruturas do processo civil. Há processos em que o objeto da controvérsia transcende aos interesses das partes. Logo acode à mente o processo “objetivo” do controle concentrado de constitucionalidade. Conforme o resultado do juízo emitido pelo STF, reconhecendo, ou não, a compatibilidade de certa norma com a Constituição, as relações jurídicas de um número indefinido de pessoas sofrerão efeitos variáveis e de expressiva magnitude, no presente e no futuro. Figurem-se os casos da admissibilidade da união livre e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a da pesquisa sobre células-tronco e outros assuntos. Em torno de tais temas complexos, a sociedade civil organizou-se, progressivamente, em grupos de pressão, por vezes antagônicos, mas todos indistintamente legítimos. Dentre as aspirações desses grupos de pressão, igualmente atuantes no processo legislativo e na formulação de políticas governamentais, situa-se a de intervir, ou de fazer ouvir, no debate judiciário. Esse novo interesse à participação no processo reflete, em grande parte, as transformações da atividade judicante. O juiz contemporâneo abandonou o papel de julgador de litígios individuais, revestido do poder de direção do processo, e tornou-se protagonista do Estado Constitucional de Direito, cabendo-lhe realizar os direitos programados na Constituição (retro, 76). Os interesses arvorados pelos grupos de pressão são jurídicos, porque reconhecidos e tutelados pelo ordenamento, e públicos, no sentido clássico da palavra. O aperfeiçoamento e a evolução do ordenamento jurídico, ajustando-se à realidade social, interessam à sociedade. E, na mesma medida, transcendem a esfera individual dos litigantes e das próprias pessoas que se agruparam em sua defesa.

Nenhum desses rótulos, todavia, apreende suficientemente o objeto do interesse em toda a sua complexa extensão. É possível designá-lo de interesse institucional, porque móvel da reunião de certo número de pessoas num ente cuja função orgânica consiste em promovê-lo em juízo ou fora dele.10 Entretanto, parece preferível reconhecê-lo, haja vista o caráter ideológico, como interesse político, tout court, servindo como exemplo a intervenção prevista no art. 5.º da Lei 9.469/1997. A ideologia neoliberal promoveu as privatizações das sociedades de economia mista e empresas públicas com o intuito de diminuir a intervenção do Estado no domínio econômico. Confrontada pela resistência de outros segmentos, imbuídos de ideologia diferente, o Congresso Nacional acabou por dotar a União e outras pessoas de direito público de instrumento hábil à intervenção nos processos judiciais. Dispensou para essa finalidade a existência do interesse jurídico clássico, que exige a titularidade de relação jurídica conexa com o objeto do processo, na forma da regra indicada linhas antes. E é a ideologia que organiza as pessoas em associações e outros organismos com propósitos institucionais. O interesse que permite o ingresso do amicus curiae no processo pendente é, essencialmente, político. O título “amicus curiae” aposto a quem se alegar titular de tal interesse não é inteiramente apropriado. A ideologia torna esse interveniente muito mais amigo do próprio interesse do que da melhor aplicação do ordenamento juridico pelo órgão judiciário. As críticas lançadas à atuação dos grupos de pressão no processo legislativo, nas atividades das agências públicas e de outros órgãos governamentais, os quais tendem a ignorar o interesse geral em suas postulações, privilegiando o próprio, perseguindo interesses setoriais e benefícios dos segmentos sociais já melhor aquinhoados, calham perfeitamente ao amicus curiae. Em outras palavras, há o risco latente de aplicar o direito a favor do grupo de pressão mais galvanizado, ativo e contundente, senão violento na sua manifestação, desprezando o interesse da maioria indiferente e desorganizada.11 Não é menos verdade que, respeitado o ponto de vista do interveniente, o ingresso do amicus curiae amplia o debate judiciário. Esclarecerá o órgão judiciário a respeito da posição do grupo por ele representado e trará subsídios que o juiz, em princípio confinado ao saber jurídico (iura novit curia) e proibido de utilizar o conhecimento privado (infra, 1.353), dificilmente conheceria sem o auxílio de terceiros. Como quer que seja, o interesse político autoriza, nos casos expressos em lei – e só por essa razão o interesse passa à condição de juridicamente tutelado –, e em quaisquer outras demandas, o ingresso de terceiro como amicus curiae, voluntária ou através de provocação (infra, 798). 759.2. Terceiros interessados – Fora dos casos excepcionais (ou melhor, especiais) de o interesse econômico e o interesse político autorizarem a intervenção, no processo envolvendo relações individuais o terceiro há de ser titular de relação jurídica autônoma, mas relacionada, instrumentalmente, com a relação jurídica transformada em objeto litigioso do processo, ou titular conjunto dessa relação, conferindo-lhe interesse em intervir no processo pendente. Objetivamente, a intervenção do terceiro no processo alheio baseia-se na existência de um liame de natureza e de graus variáveis entre relação jurídica na qual figura o terceiro e o objeto litigioso do processo.12

Fitando esse vínculo entre a relação jurídica em que o terceiro participa e a relação jurídica objeto do processo, o liame exprimir-se-á mediante três situações distintas: (a) compatibilidade; (b) incompatibilidade; e (c) dependência. O titular de relação jurídica autônoma atingida pela resolução judicial, mas compatível com qualquer desfecho do processo pendente, não tem interesse prático em intervir, em decorrência dessa mesma compatibilidade. É o caso de C, locatário de imóvel comum do casal A e B, e que contratou a locação com B. Eventualmente, na partilha de bens resultante da dissolução do vínculo conjugal, o imóvel tocará a A, alterando um dos figurantes, portanto, a relação jurídica de locação. No entanto, essa mudança ou é indiferente a C ou é simples repercussão de fato: juridicamente, tanto faz pagar o aluguel a A ou a B; na prática, se o novo estado civil de Bimplica o surgimento da pretensão a retomar o imóvel para uso próprio, a desvantagem de C decorre do regime legal da locação predial urbana e poderia ocorrer, nas mesmas condições, mantido A como locador. Pode acontecer, todavia, de o terceiro figurar em relação jurídica incompatível com a relação jurídica objeto do processo. Em tal hipótese, o julgamento repercutirá desfavoravelmente, por via reflexa, em sua esfera jurídica. Por exemplo, A é titular do cargo correspondente à serventia x, no chamado foro extrajudicial (tabelionatos e registros públicos), e, através de concurso de remoção, é promovido para a serventia y, que se encontrava disponível. Em razão da vaga de x, C é removido, por sua vez, para esse cargo, mediante outro concurso de remoção, e, assim, desocupando y, em seguida ocupada por D, primeiro lugar no concurso de ingresso. Todavia, B impugna a remoção de A, em mandado de segurança, alegando que o direito de ocupar x era seu, e, não, de A. O acolhimento da impetração de Bimplicará o seu retorno à serventia x, e, por conseguinte, o retorno de C para y e o afastamento de D desse último cargo. Evidentemente, os direitos autônomos de Ce D mostram-se incompatíveis com o de B. A jurisprudência do STJ vislumbra litisconsórcio necessário entre a autoridade coatora e o beneficiário direto do ato administrativo (A) e os demais participantes do concurso.13 Tal orientação, baseada em critério pragmático, pois interessa vincular ao desfecho da impetração os possíveis afetados, desfigura a noção de litisconsórcio obrigatório: por definição, entre A e a autoridade coatora inexiste “consórcio”, hipótese em que esses rotineiros atos administrativos mostrar-se-iam nulos. Ora, C e D participaram de outro concurso e, mesmo nessa linha estrita, permanecem estranhos à lide. Nada obstante, o acolhimento da impetração lhes afeta a posição jurídica, provocando prejuízo prático. É idêntica e menos complexa a situação de C, verus dominus, perante a ação em que A reivindica de B o imóvel x. O (afirmado) direito de C revela-se incompatível com o direito (afirmado) de A e B. E, por fim, há terceiros titulares de relação jurídica autônoma, mas dependente da relação jurídica transformada em objeto do processo. Exemplo clássico é o do sublocatário. O pronunciamento que decretar o despejo, dissolvendo a relação principal de locação, por via de consequência também desfaz a relação jurídica derivada de sublocação, ope legis, segundo o art. 15 da Lei 8.245/1991. Então, o prejuízo do sublocatário é jurídico, circunstância

que lhe permitirá ingressar no processo pendente para auxiliar o locatário perante o locador, indiretamente defendendo o próprio direito. Existem dois outros grupos de terceiros, além dos já mencionados, a exigir consideração. Em primeiro lugar, há pessoas que sucedem uma das partes, a título universal (v.g., o herdeiro da parte falecida) ou singular (v.g., o adquirente do objeto litigioso). Essas pessoas, pendendo o processo, sucedem à parte originária ou podem intervir no processo, substituindo ou não a parte originária. É digno de nota que tais pessoas sujeitam-se à autoridade de coisa julgada (art. 506 e 109, § 3.º), porque figurantes sucessivos na mesma relação jurídica que se transformou em objeto litigioso. Esse resultado se harmoniza com a racionalidade do direito substantivo. A tais pessoas não se ensejou, entretanto, a oportunidade de defender o direito em juízo e, ocorrendo sucessão na pendência do processo, pode parecer duvidoso que o direito fundamental processual ao contraditório autorize essa extensão subjetiva da autoridade da coisa julgada (infra, 760). É uma impressão forte, mas insubsistente. Em relação ao sucessor causa mortis, cumpre distinguir se o óbito ocorre antes ou após a formação da coisa julgada. Se ocorrer antes, enseja-se a habilitação e a possibilidade de o herdeiro defender o direito litigioso, admitindo-se o caráter transmissível deste; se ocorrer depois, o sucessor recebe o direito que o sucedido efetivamente tem, protegido pela coisa julgada – o vencido não pode renovar o processo perante o sucessor –, ou não recebe direito algum, porque o sucedido jamais o teve, em razão da coisa julgada, como aconteceria, aliás, com quaisquer outros direitos transmitidos pelo sucedido antes da morte. Existem direitos intransmissíveis que, ao contrário, acarretam a extinção do processo, sobrevindo a morte da parte originária (retro, 565). E, no tocante ao sucessor inter vivos, a aquisição versou, justamente, o objeto litigioso, passível de existir ou não (retro, 569), e, desse modo, o sucessor receberá ou não o que lhe tocar conforme o desfecho do processo e segundo o risco assumido no momento da aquisição. O segundo grupo dos terceiros abrange os que respondem pela obrigação, direta (v.g., o devedor solidário) ou regressivamente (v.g., o alienante que responde pela evicção), e podem vir a integrar o processo, em tese compulsoriamente, suportando os riscos do processo com os demais responsáveis. 760. Eficácia da coisa julgada perante terceiros A análise da posição dos terceiros antes da intervenção encarou o plano dos efeitos próprios ou naturais da sentença definitiva. O agrupamento dos terceiros em dois grupos – indiferentes e interessados – empregou dois fatores: (a) a qualidade de terceiro (pessoa estranha à relação processual); e (b) a circunstância de o terceiro figurar em relação jurídica autônoma e conexa, mas alheia ao objeto do processo pendente. Problema completamente distinto consiste na extensão do vínculo da coisa julgada aos terceiros. A separação entre os efeitos próprios (ou naturais) do provimento judicial, que operam perante todos, posto que com

intensidade variável, e o vínculo que torna o provimento imune a controvérsias ulteriores, ou a autoridade de coisa julgada, resolve satisfatoriamente os problemas nessa esfera particular. Em princípio, a autoridade da coisa julgada vincula unicamente as partes (art. 506). As partes participaram do processo ou tiveram a oportunidade de influir no provimento judicial, defendendo direta ou indiretamente o seu próprio direito.14 Os terceiros só ficam constrangidos a respeitar a coisa julgada como ato estatal imperativo, mas ao provimento não se encontram vinculados. Por vezes, os efeitos do provimento aproveitam aos terceiros de fato (v.g., divorciados A e B, C até pode casar com o antigo cunhado). Terceiros indiferentes não precisam impugnar o provimento. Não são tocados relevantemente pelos efeitos naturais da sentença, e, assim, nem sequer há necessidade de fazê-lo. Já os terceiros titulares de relação jurídica autônoma sofrem os efeitos próprios do ato, consoante a força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva ou mandamental). São as “fibrilações” do julgado,15 mas têm as mãos livres para impugná-lo, se for este o caso. E, ainda assim, cumpre distinguir tais terceiros. No tocante aos terceiros interessados, cumpre distinguir as seguintes situações: (A) os interessados de fato (v.g., o credor do devedor comum, perante as pretensões de outros credores, salvo se este credor ostenta relação incompatível, como no caso da penhora do mesmo bem), equiparam-se aos indiferentes. Não participam de relação jurídica afetada pelo provimento judicial, e, portanto, não necessitam insurgir-se contra seus efeitos; (B) os interessados juridicamente, mas titulares de relação jurídica compatível (v.g., o locatário de imóvel comum do casal, perante o divórcio do locador), não têm interesse em impugnar o provimento. Deste não lhes decorre qualquer gravame; (C) os interessados juridicamente, mas titulares de relação jurídica dependente (ou derivada) da res in iudiciam deducta (v.g., o sublocatário), sofrem seus efeitos inexoravelmente, hajam ou não intervindo no processo. A ordem jurídica não lhes assegura qualquer direito de se opor ao resultado do processo; (D) os interessados juridicamente, mas titulares de relação jurídica incompatível com a res in iudiciam deducta (v.g., o registrador que ocupou, por via de concurso de remoção, a vaga deixada por outro registrador, de seu turno removido para distinta vaga, ato administrativo posto em causa no processo), suportam os efeitos naturais do provimento, mas não se vinculam à coisa julgada. Esses terceiros têm o direito e legítimo interesse em impugnar o desfecho do processo, de ordinário através de remédio processual similar ao que provocou o prejuízo (v.g., mandado de segurança). O quadro traçado demonstra as espécies de liames entre a relação jurídica, tornada objeto do processo, e as posições ocupadas por terceiros, no plano do direito material, que lhes autorizam a participar, voluntária ou

compulsoriamente, do processo pendente, e, se for este o caso, impugnar seu resultado independentemente da coisa julgada. 761. Posição do terceiro após a intervenção Em seguida à respectiva intervenção no processo pendente, o terceiro torna-se imediatamente parte.16 As considerações já feitas no tocante à caracterização da figura da parte aplicam-se, in totum, a quem pleiteou a sua integração na relação processual ou teve seu ingresso pleiteado por uma das partes. O terceiro adquire a posição de parte abstraída a efetiva participação no processo ou, na intervenção compulsória, a realização do respectivo chamamento.17 Nesse último caso, o recurso aviado pelo terceiro (v.g., o chamado ao processo) contra as decisões judiciais proferidas contra seus interesses – problema distinto é a recorribilidade em si do provimento – não precisará demonstrar o nexo de interdependência a que alude o art. 996, parágrafo único. Para o efeito de o terceiro tornar-se parte, desde logo, revela-se irrelevante a admissibilidade da intervenção espontânea ou compulsória. O chamado ao processo (intervenção compulsória), impugnando o pronunciamento que impôs a sua participação, e o assistente (intervenção espontânea), controvertendo o ato do juiz que rejeitou o seu ingresso, têm em comum o fato de interporem o recurso na condição de parte. Rejeitada a intervenção, o candidato a assistente não necessita demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse para interpor o recurso e o objeto do processo (art. 996, parágrafo único), porque tal questão é o próprio mérito da pretensão recursal. A exigência da regra somente aplica-se aos que, não tendo requerido seu ingresso ou hajam efetivamente ingressado na relação processual em fase anterior à do recurso, empregam o meio de impugnação para controverter, originariamente, o provimento que afeta o seu interesse. Em sentido contrário, cotejando a situação do assistente com a noção de parte – pessoa que age em juízo, almejando certo bem da vida, e pessoa perante a qual este bem é pedido, e, portanto, precisa reagir à pretensão –, sustenta-se que o assistente, em particular, não põe direito próprio em causa. É simples ajudante da parte principal, habilitado a conduzir o processo.18 É verdadeiro o fato, e, todavia, sem maior relevo. A condição de parte abstrai a coincidência do sujeito figurante no processo e a situação legitimadora habilitando essa pessoa a conduzir o processo. Embora haja se formado a relação processual, porque o direito à tutela jurídica do Estado compete a qualquer pessoa, o processo não pode prosseguir regularmente, no todo ou em parte, e atingir seus fins próprios, justamente em virtude dessa falta de coincidência. Existem partes, mas o autor e o réu, ou ambos, não têm legitimidade. Nessa contingência, caberá ao órgão judiciário excluir a parte ilegítima, prosseguindo o processo entre os legitimados – por exemplo, a ilegitimidade recai sobre apenas um dos réus –, ou extinguir o processo (art. 485, VI), inexistindo a presença de legitimado no polo ativo ou passivo da relação processual, uma vez esgotadas a possibilidades de correção (artigos 338 e 339). Ao conceito de parte só interessa o aspecto formal.19 E, desse modo, habilitado a conduzir o processo, o assistente assume, desde logo, a condição de parte.

Embora parte, no sentido de integrante da relação processual, o terceiro assumirá, concretamente, três posições no processo: (a) a de parte auxiliar, interessado no êxito de uma das partes, porque esse resultado beneficia o seu próprio interesse; (b) a de parte principal, equiparando-se o interveniente a uma das partes originárias no enfrentamento do adversário; (c) a de parte principal, mas antagonista de todas as partes originárias.20 A primeira posição é ad adjuvandum, as demaisad excludendum de uma ou de todas as partes. Chamam-se essas intervenções na doutrina italiana, respectivamente, de intervenção adesiva, intervenção litisconsorcial e intervenção principal.21 É chegado o momento de classificar as modalidades de intervenção de terceiros. § 156.º Espécies de intervenção de terceiros 762. Casos típicos de intervenção de terceiros As formas de intervenção previstas na lei processual transformam os terceiros (= pessoas alheias à relação processual) em partes (= sujeitos da relação processual). A autorização legal para essa transformação baseia-se na circunstância de o provimento judicial projetar efeitos considerados relevantes na esfera jurídica do terceiro. Os efeitos da sentença atingem terceiros com variável intensidade: (a) ou subordinam o terceiro à força e aos efeitos da sentença (v.g., a dissolução da locação entre A e B atinge a sublocação firmada entre este e C); (b) ou o desfecho do processo pode contrariar as expectativas de número expressivo de pessoas (v.g., a interpretação conforme à Constituição da norma X, autorizando a união de pessoas do mesmo gênero, beneficia casais nessa situação e contraria os preceitos religiosos de outras pessoas), sem atingir relação jurídica de que o terceiro seja propriamente titular (v.g., amicus curiae). O denominador comum da intervenção desses terceiros reside na mudança da estrutura subjetiva do processo, na reunião de pessoa estranha ao processo pendente.22 O arranjo legislativo das modalidades de intervenção não é uniforme. À primeira vista, a estruturação do CPC de 1973 revelava-se defeituosa e incompleta. De um lado, deixava de fora a assistência, prevista ao lado do litisconsórcio, e, de outro, ignorou formas de intervenção legalmente disciplinadas. Esse esquema legislativo, no tocante à assistência, repousava na ideia que essa intervenção transforma o interveniente em parte 23 auxiliar. Realmente, essa é a condição do assistente simples. O art. 121, caput, do NCPC dispõe que o assistente atuará como “auxiliar da parte principal”. Em todas as hipóteses de intervenção, todavia, a respectiva realização torna parte o terceiro – parte principal ou parte auxiliar. Assim, o assistente qualificado torna-se litisconsorte (art. 124 do NCPC). Tampouco explicava-se em que qualidade o Ministério Público intervém no processo. Essa circunstância, afora outras considerações de menor força persuasiva, demonstrava quão imperfeita é a distribuição desse assunto na arquitetura legislativa do CPC de 1973. O NCPC corrigiu a localização da assistência. Versa o assunto o Capitulo I – Da Assistência – do Título III – Da Intervenção de Terceiros – do Livro III –

Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral, dividido em três seções autônomas. Não é correta, ao nosso ver, a localização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nas suas duas modalidades: (a) direta; e (b) inversa. Esse assunto já recebeu análise em item anterior (retro, 532). Existe ampliação do polo passivo da demanda, em razão da insuficiência patrimonial da parte originária. Fenômeno análogo, mas por outras causas, ocorre no litisconsórcio necessário (art. 115, parágrafo único) e na correção do polo passivo (art. 339, § 2.º), estranhas ao referido Título III do Livro III do NCPC. Ressalvas sistemáticas feitas, o NCPC regula as seguintes modalidades de intervenção de terceiros: (a) assistência (artigos 119 a 123); (b) denunciação da lide ou chamamento em garantia (artigos 125 a 129); (c) chamamento ao processo (artigos 130 a 132); (d) desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137); (e) amicus curiae (art. 138). 762.1. Assistência à parte – A reunião dos elementos comuns extraídos de cada espécie, agrupando as modalidades mencionadas em classes distintas, pressupõe breve, mas consistente compreensão desses institutos. A assistência constitui a primeira modalidade típica de intervenção. Dá-se a assistência quando alguém, apesar de o objeto litigioso do processo pendente não envolver diretamente o seu próprio direito, mas sujeito aos efeitos reflexos da sentença, interessa-se no sucesso de uma das partes. Para esse efeito, ingressa na relação processual, pretendendo auxiliá-la (assistência ad adjuvandum tantum), ou seja, defende diretamente o interesse alheio, e indiretamente o interesse próprio (art. 119, caput). Ao reunir essas características, o recurso do “terceiro prejudicado”, previsto no art. 966, caput, na opinião prevalecente constitui modalidade de assistência tardia (infra, 776). Em algumas hipóteses, a intervenção do assistente ocorre em processo cujo objeto litigioso envolve o seu próprio direito, porque há relação entre ele e o adversário do assistido (art. 124). Nessa situação, cria-se uma figura intercalar entre o assistente (simples) e o litisconsorte (ulterior).24 A exata distinção entre o assistente simples e o assistente “litisconsorcial” será objeto de item autônomo (infra, 775). 762.2. Intervenção principal (oposição) – O NCPC expulsou a oposição do Título III do Livro III da Parte Geral do NCPC, localizando-a dentre os procedimentos especiais, presumivelmente fundado no seu escasso uso prático, porque é modalidade interventiva. Chama-se de oposição ou de intervenção principal a pretensão deduzida pelo terceiro contra autor(es) e réu(s) de causa pendente, cuja nota característica consiste na incompatibilidade dessa pretensão com a que pende em juízo.25 Exemplo clássico ilustra a oposição principal. Disputando as partes direito ou coisa, na verdade pertencente ao terceiro, este terceiro ou verus dominus poderá se opor ao processo pendente, a fim de excluir as pretensões do autor e do réu, fazendo prevalecer o seu próprio direito.26 O conflito entre

autor e réu jamais produzirá efeito perante o terceiro. No entanto, tocando-lhe o direito objeto do processo pendente, ao invés de demandá-lo posteriormente, por meio do remédio próprio, invocando o respectivo direito, desde logo o impõem aos litigantes. Neste sentido, a oposição pressupõe a indefinição em torno do direito das partes. Evitando que o provimento do órgão ignore a verdadeira titularidade do direito litigioso e, assim, conceda-o a quem a ele não faz jus, o terceiro vindica-o imediatamente.27 Não há, de regra, constrição no processo pendente. E, por sinal, nisso reside a diferença fundamental entre os embargos de terceiro e a oposição: aqueles reclamam ato jurisdicional constritivo, enquanto a última pressupõe só a pendência de uma causa.28 É a oposição, portanto, uma nova pretensão, formando relação processual autônoma, incidente ao processo pendente. A oposição gera causa prejudicial: o acolhimento da oposição implicará a rejeição do direito alegado pelas partes na causa subordinada. Por esse motivo, no julgamento conjunto, o órgão judicial começará por julgar a pretensão do opoente (art. 686). A oposição ou intervenção principal (Hauptintervention) não necessita de disciplina autônoma ou regime peculiar. As regras da reunião dos processos por conexão (retro, 301) bastariam para atrair o segundo processo ao juízo prevento do primeiro processo, independentemente da finalidade ad excluendum da pretensão deduzida. Desnecessário qualquer regulamento específico a esse respeito. O escasso uso da intervenção principal tampouco enaltecia a fórmula legislativa anterior. Assim, o NCPC regulou essa pretensão como procedimento especial, prevendo a distribuição por dependência ao juízo da causa pendente (art. 683, parágrafo único). 762.3. Correção da legitimidade passiva (nomeação à autoria) – Segundo a feição emprestada no CPC de 1973, a nomeação à autoria (laudatio actoris) é incidente pelo qual o réu, erroneamente demandado em nome próprio, por coisa que detém em nome alheio, ou quando lhe reclamam indenização por danos que produziu em coisa alheia, por ordem ou instruções de terceiro, instiga o autor a corrigir o polo passivo da relação processual, apontando-lhe o verdadeiro legitimado (intromissão) e, simultaneamente, aceita a correção, visa a excluir-se da relação processual (extromissão).29 É meio de o réu oferecer ao autor a possibilidade de corrigir a legitimidade passiva na causa (infra, 1.755). O principal defeito da antiga laudatio actoris consistia no seu reduzido campo de incidência. Tão atraente é o regime que o NCPC emprestou-lhe feição geral nos artigos 338 e 339. Costuma-se distinguir duas espécies de extromissão: (a) a própria, porque se origina de incidente específico destinado a operar o câmbio da parte, e, nesse sentido, a sucessão da parte, em virtude da alienação do objeto litigioso, é modalidade dessa extromissão; e (b) a imprópria, resultado acidental do provimento do órgão judiciário ao apreciar as condições da ação.30 Nenhuma era a necessidade de disciplina autônoma para a figura da laudatio actoris nos casos versados no CPC de 1973. O risco de o autor demandar pessoa errada é inerente a qualquer processo. Se for esse o caso, o juiz extinguirá o processo, nada impedindo o autor em demandar a pessoa

correta (art. 486, caput, do NCPC). O escasso emprego da laudatio actoris não recomendava sua manutenção enquanto tal. Cabe à pessoa que pretenda posse ou domínio, ou indenização por danos, examinar com atenção a situação de fato e assumir o risco correspondente. Se convém corrigir o polo passivo, nessas situações, interessa muito mais corrigi-lo em outras situações. Essa é a solução adotada, felizmente, nos artigos 338 e 339 do NCPC. 762.4. Chamamento em garantia – A denunciação da lide (na visão prevalecente, aqui admitida para argumentar) cabe quando o autor ou o réu, aproveitando-se da lide pendente, deduzem direito próprio contra terceiro, obrigado regressivamente a indenizar-lhe em caso de insucesso perante o adversário, pleiteando a condenação desse terceiro, a fim de obter título executivo, beneficiando também seu adversário (art. 128, parágrafo único). Essa pretensão regressiva será julgada procedente se o denunciante vier a sucumbir na ação principal.31 Eis o fundamento subjacente às hipóteses do art. 125. A parte insere no processo pendente outra pretensão, de natureza regressiva (crédito de reembolso) perante o terceiro. E o terceiro, por sua vez, tem interesse no sucesso do denunciante perante o adversário, porque semelhante desfecho implicará o seu próprio êxito perante a parte que lhe fez a denúncia. 762.5. Chamamento ao processo – O chamamento ao processo constitui uma forma de o réu, no mesmo processo, ampliar o polo passivo, nele incluindo o devedor principal e os coobrigados. Essas pessoas se encontram, perante a parte adversa, na mesma situação do chamador, e, nada obstante, esta optou por não demandá-los.32 O chamador obtém vantagem precisa e apreciável, ao submeter o terceiro ao processo e à pretensão do autor. Ao satisfazer o direito do autor, adquire o direito de obter, no mesmo processo, o ressarcimento do que pagou, no todo (v.g., o fiador que paga a dívida do afiançado) ou em parte (v.g., o devedor comum que paga por inteiro a dívida), do chamado (art. 132). 762.6. Assistência ao juízo – A possibilidade de a sentença definitiva afetar o interesse político de número indeterminado de pessoas obrigou ao alargamento da esfera de participantes do processo. As organizações sociais representativas desses segmentos, sem pejo da contradição dos interesses envolvidos, postulam o ingresso na causa pendente. É a figura do amicus curiae, importada no processo norte-americano, examinada em capítulo próprio, fitando o art. 138 do NCPC e outras disposições. 763. Classificação das modalidades de intervenção de terceiros À luz dos dados coligidos, mediante a exposição sumária das espécies de intervenção, lícito se afigura a identificação de quatro grupos distintos. 763.1. Intervenção voluntária e intervenção compulsória – O terceiro intervém no processo ou por iniciativa própria (assistência, oposição e amicus curiae), ou mediante provocação de uma das partes (correção da legitimidade passiva, denunciação da lide e chamamento do processo e desconsideração da pessoa jurídica). Pode-se designar a essas espécies de intervenção: (a)

voluntária; e (b) compulsória. O regime legal poder-se-ia reduzir, a bem da clareza, a esses dois grupos. O caráter compulsório da intervenção traduz a mesma falta de espontaneidade do chamado do réu ao processo.33 Não há, entre nós, a intervenção por ordem do juiz, como no direito italiano.34 Sempre há necessidade de iniciativa da parte para arrastar o terceiro ao processo (v.g., no litisconsórcio necessário, seja simples, seja especial o respectivo regime, o art. 115, parágrafo único). O princípio da demanda impera no direito pátrio (art. 2.º). No direito italiano, o processo civil autoritário fragilizou o princípio dispositivo, e a consagração dessa forma compulsória de ingresso de terceiro decorreu de mudança de mentalidade.35 763.2. Intervenção por inserção ou intervenção por cumulação – É mais delicado o exame dos efeitos da intervenção do terceiro no objeto litigioso. Por definição, considerando a separação entre processo e objeto litigioso, a relação processual plurisubjetiva é única (retro, 90). Não importa a quantidade de sujeitos e o momento da respectiva adesão ao processo. Essa pode ser inicial ou sucessiva. A presença de duas ou mais pessoas em um dos seus polos do processo não indica, necessariamente, a pluralidade do objeto litigioso – ou cumulação subjetiva de ações (retro, 269). Por exemplo, no caso de litisconsórcio necessário (v.g., dos figurantes do negócio jurídico, na ação em que outra pessoa pede a respectiva dissolução), a pluralidade de partes, inicial ou sucessiva, não altera o objeto litigioso. Ele permanece único. Por óbvio, a intervenção de terceiros sempre representará alteração subjetiva na estrutura do processo. É preciso examiná-la, entretanto, no tocante às mudanças objetivas que possa introduzir no processo. Pode-se dizer que há intervenção no processo, ou por inserção na relação processual pendente, e há intervenção na lide (ou objeto litigioso).36 Ora, no caso da assistência simples (v.g., a intervenção do sublocatário no despejo movido pelo locador contra o locatário), o assistente não põe em causa o seu próprio direito, defendido indiretamente pelo auxílio direto prestado ao direito do assistido. Em tal hipótese, portanto, há simples inserção do terceiro na relação processual, modificando a sua estrutura. O objeto litigioso permanece idêntico, a despeito da intervenção do terceiro. É da mesma natureza a correção da legitimidade passiva (art. 338). O terceiro (intromissão) substitui o réu (extromissão), por iniciativa do autor, sem afetar o objeto litigioso: as alegações feitas na inicial modificam-se, em princípio (admitem-se algumas adaptações inerentes à pessoa demandada) só quanto ao endereço. Ao invés, nos demais casos de intervenção promovem-se mudanças no objeto litigioso, quer o tornando complexo (na denunciação da lide e no chamamento ao processo), quer gerando relação processual paralela à originária, estabelecendo nexo de prejudicialidade (na oposição). A inserção de nova pretensão na denunciação da lide afigurava-se discutível no direito anterior (infra, 873.2); entretanto, no chamamento ao processo, convocando o réu o devedor principal ou o coobrigado, talvez de forma pouco nítida a ampliação do objeto litigioso é inequívoca.

De pretensão única, consistente no reconhecimento da obrigação do réu originário, reclamada pelo autor, por força do chamamento ao processo “passa-se a um objeto dúplice, com essa pretensão do autor e mais a pretensão do chamador ao reconhecimento da obrigação do chamado”.37 O julgamento abrangerá esses dois aspectos, sem que o juízo positivo a respeito do primeiro implique a emissão de juízo de idêntico teor no segundo (v.g., a fiança prestada pelo chamador pode ser válida, mas a do chamado é inválida), e a autoridade da coisa julgada vinculará o autor perante o chamado e o chamador perante o chamado. Nessas hipóteses, surgirá pretensão a executar na forma do art. 132. A oposição suscita um problema sistemático. Representa modalidade de intervenção, embora, como já se notou há muito no direito germânico,38 exiba escassa aplicação prática. Ela não altera a estrutura objetiva do processo pendente, vez que o oponente não se torna parte. Tampouco modifica o objeto do processo senão mediante um nexo externo de prejudicialidade. O julgamento conjunto ou simultâneo, e a suspensão do processo principal, representam dados acidentais e sem maior relevo para conferir independência à figura. O fato é que o oponente “não entra no processo, fica de fora, perto do processo primitivo, noutro processo”.39 A rigor, trata-se de hipótese de cumulação sucessiva de pretensões ou de reunião de processos (retro, 301), e, não, de intervenção de terceiros.40 O desaparecimento da oposição como figura interventiva autônoma não eliminaria a possibilidade de o interessado arrebatar dos litigantes o bem da vida entre eles disputado, deduzindo sua pretensão por via autônoma. É o que acontece com a pretensão a declaração de questão prejudicial que, não sendo resolvida de forma incidental, porque esbarra nos requisitos do art. 503, § 1.º, pode ser objeto de pretensão declaratória autônoma. A oposição justifica-se como forma de intervenção por critério diferente. O elemento comum das modalidades de intervenção consiste em transformar o terceiro em parte no processo pendente. Então, invocando elemento provocativo e oponencial, somar-se-ia à oposição os embargos previstos no art. 674.41 A situação dos embargos de terceiro é análoga à da oposição. A existência de constrição, decorrente do processo pendente, distingue os embargos da oposição. Mas, os embargos não constituem modalidade de intervenção de terceiros no processo executivo, nada obstante opiniões em contrário,42 por um motivo crucial: não há ingresso do embargante no processo do qual se originou a constrição (v.g., penhora), ao menos segundo o título invocado pelo embargante.43 O juízo de procedência dos embargos surtirá efeitos no processo cronologicamente anterior, desfazendo a constrição, mas essa influência também se verifica no caso de reunião de processos por prejudicialidade. Se há um denominador comum, idôneo a reduzir as diversas modalidades de intervenção típicas a uma só classe, este consiste na atividade transformadora do ingresso do terceiro como parte.44 Dessa característica ressentem-se tanto a oposição, quanto os embargos de terceiro. 763.3. Intervenção principal e intervenção adesiva – A intervenção principal engloba a hipótese de o terceiro deduzir pretensão própria e incompatível com o alegado direito de ambas as partes do processo

originário.45 Feita a intervenção principal, inexiste processo único com pluralidade de partes, cada qual defendendo interesses que se excluem reciprocamente, mas dois processos reunidos por conexão.46 O rótulo de intervenção principal calha à oposição. É diferente, nesse aspecto, a intervenção principal (e voluntária) do direito italiano, em que o terceiro, opondo-se aos litigantes originários, deduz pretensão própriain simultaneo processu. O exemplo invocado – C sustenta ser proprietário da coisa disputada por A e B no processo pendente – é idêntico ao da nossa oposição.47 A intervenção secundária caracteriza-se na circunstância de o interveniente defender diretamente o interesse alheio, a fim de defender indiretamente interesse próprio.48 763.4. Intervenção permanente e intervenção transitória – Em geral, admitida a intervenção do terceiro, torna-se parte permanente, cessando a sua atividade com a extinção do processo. Às vezes, a intervenção se mostra efêmera: o terceiro participa de um incidente, findo o qual cessa a intervenção. Por exemplo, o adquirente do direito litigioso pode requerer o ingresso no processo, sucedendo o alienante (art. 109, § 1.º); porém, recusando a parte adversa, talvez não requeira o ingresso como assistente do alienante, conforme autoriza o art. 109, § 2.º, pois o indeferimento da sucessão não implica a automática conversão do adquirente em assistente, mas altera a natureza da capacidade de conduzir o processo (retro, 573). A transitória participação do adquirente – terceiro no sentido processual, ou seja, pessoa que não figura como parte, em dado momento, mas habilitase a tornar-se parte do processo – representa fenômeno que é preciso situar adequadamente. Em tal hipótese, ocorreu intervenção efêmera ou transitória do terceiro no processo pendente.49 764. Fundamentos da intervenção de terceiros Os esquemas que permitem à pessoa estranha a certo processo nele ingressar, voluntária ou compulsoriamente, correspondem às variantes e tipos de interdependência de relações jurídicas, que tornadas litigiosas, provocam a emissão de provimento judicial que repercutirá na esfera jurídica de terceiros. Essa explicação também evidencia as razões de política legislativa que se localizam na raiz do instituto. Por um lado, os efeitos do provimento judicial, incluindo a autoridade de coisa julgada, até podem beneficiar o estranho, mas jamais prejudicá-lo, no todo ou em parte. É direito fundamental processual que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1988). Por óbvio, integra esse direito a possibilidade de subtrair-se a efeitos desfavoráveis dos pronunciamentos do juiz. O terceiro alcançará essa meta influenciando a formação do provimento. A influência ocorre no seio da comunidade de trabalho que, pela própria natureza dos atos postulatórios das partes e dos respectivos interesses antagônicos, o contraditório propicia no curso do processo. O terceiro alheio ao processo, por definição, não desenvolveu essa atividade produtiva e nenhuma influência na decisão judicial. Desse modo, assiste-lhe o direito de controverter a justiça da decisão

que lhe prejudica em processo futuro e autônomo, bem como o vencedor necessitará demandá-lo, se almejar algum proveito, utilidade, vantagem ou benefício em sua esfera jurídica. Mas, de outro lado, constranger o terceiro a aguardar a produção desses efeitos prejudiciais na sua esfera jurídica, preservando a estabilidade subjetiva da relação processual, para só então permitir-lhe defender o seu interesse, ou obrigar uma das partes a voltar-se contra o terceiro ulteriormente, mostrar-seia flagrantemente contraproducente. É solução mais onerosa para o terceiro, indutora de possível contradição de julgados, porque a causa do terceiro receberá exame em oportunidade posterior (não se ignoram as variações de entendimento quanto às mais elementares questões de direito) e por juiz diverso. Parece preferível o julgamento simultâneo da pretensão do terceiro perante o juízo da causa pendente. Por isso, o art. 61 estabelece que, ao juízo da causa principal, compete processar e julgar as ações acessórias. A unidade de juízo assegura a uniformidade dos julgados nos processos cumulativos. Enfim, a postergação de um litígio inevitável não se revela idônea para garantir, em muitas hipóteses (v.g., no exercício da pretensão regressiva perante o terceiro) a mais completa e eficiente tutela do terceiro.50 Ainda há outro aspecto a considerar no âmbito da intervenção compulsória. A integração obrigatória do terceiro, ampliando o objeto litigioso, reduz a atividade processual destinada a formular a regra jurídica concreta. Talvez seja um ganho aparentemente modesto. A complexidade do objeto litigioso exigirá esforço suplementar e diferente do original (v.g., no tocante à prova da existência do direito de regresso) dos sujeitos do processo. Todavia, não se pode ignorar que o julgamento, in simultaneo processu, de duas ou mais pretensões, é meio mais econômico que, em tese, dois julgamentos autônomos. Nenhum desperdício de atividade processual deve ser tolerado aí e alhures. A economia constituía o fundamento preponderante do arcaico instituto da nomeação à autoria. Tal iniciativa do réu permite a correção da legitimidade passiva, aproveitando o ato postulatório já praticado, e o único reparo consistia na falta de generalidade do mecanismo, corrigido através dos artigos 338 e 339. Encara-se a economia globalmente. Nessa perspectiva, é o fundamento primacial de todas as formas interventivas do terceiro. Às vezes, do ponto de vista do adversário da parte que provoca a intervenção do terceiro, há perda de tempo, mas o benefício geral supera a desvantagem particular. Fundam-se os mecanismos interventivos, portanto, nessas elevadas considerações políticas. Tal fato explica a relativa homogeneidade das hipóteses consagradas nos diversos ordenamentos jurídicos. § 157.º Proibição da intervenção de terceiros 765. Casos de proibição da intervenção de terceiros Razões políticas são contingentes e maleáveis, cedendo, usualmente, a critérios de oportunidade. É dado conhecido que o adversário da parte que provoca terceiro a intervir sente-se desconfortável, desde logo, com o tempo gasto com o incidente de admissão do terceiro e a perspectiva de a participação do estranho tornar mais árduo o caminho do sucesso. O objetivo

geral da intervenção consiste em tutelar convenientemente o interesse do terceiro e resolver, in simultaneo processu, uma lide que se avizinhava inevitável. Às vezes, porém, esses objetivos contrariam o princípio da economia, impondo dilação excessiva ao processo. Por exemplo, a denunciação da lide promovida pelo réu, a mais das vezes, desfavorece o autor. Ela impede que a causa atinja a fase decisória o quanto antes. A perspectiva de que a primeira denunciação provoque denunciações em cascata, ou sucessivas (infra, 874 e 910), torna esse objetivo irrealizável em curto prazo. Esse era um dos fundamentos da interpretação restritiva do direito anterior, limitando o chamamento em garantia à garantia própria, assinalando o STJ que, inspirando-se o mecanismo na economia e na celeridade, não deve ser prestigiado “quando suscetível de pôr em risco tais princípios”.51 O art. 125, II, do NCPC ampliou a hipótese de chamamento em garantia, mas limitou as denunciações sucessivas (art. 125, § 2.º). Em atenção à aspiração presumível de quem postula o bem da vida, quanto à celeridade do procedimento, e aos fatores mencionados, ponderando os interesses em jogo, a lei proíbe a intervenção de terceiros, no todo ou em parte, em determinados procedimentos. 766. Restrições à intervenção de terceiro nos juizados especiais Os princípios diretores do processo nos juizados especiais da Justiça Comum – oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade – contraindicam o uso das modalidades interventivas típicas. Surgiriam frisantes dificuldades no tocante à inclusão do terceiro na competência em razão da pessoa (retro, 387), no juizado especial, e a complexidade do objeto litigioso dificultaria o julgamento. Daí por que o art. 10 da Lei 9.099/1995 dispõe o seguinte: “Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência. Admitir-se-á o litisconsórcio”. Entretanto, já não se entreviu obstáculo similar no procedimento dos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum e da Justiça Federal. A redação do art. 10, primeira parte, da Lei 9.099/1995 incorre em redundância de tratar a assistência como se não constituísse “forma de intervenção de terceiro”. A falta de apuro técnico desta regra decorre da circunstância de o CPC de 1973 não ter incluído, formalmente, a assistência no capítulo da intervenção de terceiro, tratando-a conjuntamente com o litisconsórcio. Assim, a proibição explícita da assistência evita “uma não desejada interpretação restritiva que poderia ser propiciada pela colocação inadequada feita pelo Código”.52 Desaparecida a causa de redação imprópria, pois o NCPC trata a assistência no sítio próprio, cumpre corrigir o defeito do art. 10 da Lei 9.099/1995 em ulterior mudança legislativa. Em que pese o caráter aparentemente absoluto dessa restrição, as hipóteses de admissibilidade das diferentes modalidades de intervenção abrem brechas nessa barreira pouco sólida. Logo avulta o caso da assistência qualificada, na qual o provimento do juiz influenciará a relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido (infra, 775), caso em que o assistente, segundo o art. 124, “considera-se

litisconsorte da parte principal”. Ora, o art. 10, segunda parte, da Lei 9.099/1995 admite o litisconsórcio e o alvitre de que o terceiro seja citado,53 a requerimento da parte, além de não exibir precedente no regime desse litisconsórcio facultativo, não elimina o problema. Parece preferível admitir o terceiro, tout court, como assistente. Faltam nessa intervenção os inconvenientes já destacados que não recomendaram a admissibilidade das demais formas interventivas. Por outro lado, nada impede a alienação do objeto litigioso no processo perante os Juizados Especiais (art. 109). Não admitida a sucessão das partes pelo adversário do alienante, afigura-se pouco razoável manter o próprio titular da relação jurídica controvertida afastado do processo,54 sem o poder de influir no destino do seu próprio direito. Assim, não sendo pessoa excluída da competência em razão da pessoa do juizado especial da Justiça Comum, cumpre admiti-la como assistente do alienante, alterada a natureza da capacidade para conduzir o processo deste último. Finalmente, o art. 1.062 do NCPC autoriza o útil incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em qualquer das suas modalidades, inclusive a inversa, no procedimento dos Juizados Especiais. 767. Restrições à intervenção de terceiro nas causas envolvendo relações de consumo É encarada com excesso de desconfiança a admissibilidade da intervenção de terceiros nas causas versando relações de consumo. As pretensões do consumidor fundadas na responsabilidade pelo fato do produto do comerciante, declarado responsável pelo art. 13, caput, da Lei 8.078/1990, em determinados casos, ilustra essa má vontade. O parágrafo único do art. 13 ressalva a pretensão regressiva do comerciante “contra os demais responsáveis”, em especial o fabricante, mas o artigo 88 da Lei 8.078/1990, vedando, peremptoriamente, a denunciação da lide, exige o exercício dessa pretensão em processo autônomo,55 “facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos”. Em outras palavras: a responsabilidade do comerciante perante o consumidor basear-se-á no outrora combatido adágio solve et repete. A regra recebe interpretação restritiva no STJ – não se aplica semelhante vedação na pretensão de responsabilidade por serviço.56 É admissível o chamamento ao processo do segurador, nas pretensões contra o fornecedor de produtos e de serviços, impedido o ingresso do ressegurador (art. 101, II, primeira parte, da Lei 8.078/1990). O provimento que acolher o pedido condenará o chamante e o chamado, solidariamente, perante o adversário do segurado, fornecendo título executivo, ademais, para o segurado que eventualmente cumprir a prestação obter reembolso do segurador. 768. Restrições à intervenção de terceiro no controle concentrado de constitucionalidade Os artigos 7.º, caput, e 18, da Lei 9.868/1999 vetam a intervenção de terceiros nos processos de declaração da inconstitucionalidade e da constitucionalidade perante o STF. Idêntica restrição aplica-se ao controle

concentrado de constitucionalidade das normas municipais e estaduais perante a Constituição dos Estados-membros, cuja competência toca aos TJ (art. 125, § 2.º, da CF/1988). Os processos em que a corte constitucional empreende o controle concentrado (ou abstrato) de constitucionalidade têm natureza objetiva.57 Inexistem partes no sentido tradicional, ou seja, sujeitos polarizados por seus interesses subjetivos. A própria legitimação ativa concorrente e restritiva é conferida a mais de um órgão ou pessoa com o único propósito de assegurar defesa mais eficiente à supremacia da Constituição.58 Razões dessa ordem compeliram o art. 169, § 2.º, do RISTF, conforme a ER 2/1985,59 a rejeitar a assistência, figura destinada à tutela de interesses subjetivos. E “mesmo alguns dos demais legitimados ativos não teria interesse além daquele já deduzido em juízo, a defesa da ordem jurídica, em ação da qual o autor não pode desistir”.60 Esse terceiro interveniente não exibe legitimação para recorrer, exceto do ato que lhe nega a intervenção.61 A natureza do debate em tais processos modificou esse panorama hostil. O debate não se limita ao simples contraste entre a norma impugnada e a constitucional. Reclama, ainda, a identificação dos fatos que ensejaram a criação da norma pelo Parlamento (v.g., os riscos à saúde da mulher, no caso do aborto), os prognósticos acerca dos efeitos da norma na vida da sociedade pluralista, em múltiplos aspectos, e assim por diante. Essa amplitude da discussão conduziu à abertura do procedimento do processo objetivo à participação de terceiros (des) interessados. Objetiva-se enriquecer o debate, trazendo visões contrastantes da norma, e aportar elementos técnicos relevantes à aferição da constitucionalidade.62 Em tal sentido, o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 consagrou a “importante inovação”63 de autorizar o ingresso voluntário, por decisão irrecorrível do relator, doamicus curiae, considerando dois parâmetros: (a) a relevância da matéria: (b) a representatividade do postulante. Ademais, o art. 9.º, § 1.º, Lei 9.868/1999, autoriza o relator a requisitar informações adicionais, ante a insuficiência das informações prestadas pelos órgãos e autoridades da qual emanou a norma impugnada (art. 7.º,caput, Lei 9.868/1999), designar perito ou comissão de peritos, para emitir parecer técnico sobre a questão controvertida, e até designar audiência pública, colhendo depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Por fim, o art. 9.º, § 1.º, Lei 9.868/1999, contempla a possibilidade de o relator solicitar informações aos tribunais (superiores e inferiores) a respeito da aplicação, e, a fortiori, da interpretação da norma impugnação no âmbito da respectiva competência. O art. 138, caput, do NCPC, emprestou a necessária generalidade à intervenção do amicus curiae. Em relação ao diploma especial, avulta a ampliação dos pressupostos autorizadores da intervenção: (a) relevância da matéria; (b) especificidade do thema decidendum; e (c) repercussão social da controvérsia. A regra alcança o incidente de resolução das demandas repetitivas, no qual o legislador apostou suas últimas fichas para, ao menos em médio prazo, remediar o número vertiginoso de demandas que acumulamse nos órgãos judiciários do País. Legitimou o interveniente, por exceção, a impugnar pelo recurso próprio a resolução tomada nesse incidente (art. 138, § 3.º)

Um dos exemplos mais expressivos da providencial atuação do amicus curiae – literalmente, amigo do tribunal, embora seja mais adequado retratá-lo como amigo da causa, senão do próprio interesse –, no âmbito da Suprema Corte americana, do qual se copiou o brief of amicus curiae no art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999, consistiu no caso Boynton v. Virginia (1960). Cuidava-se de restaurante em Richmond, Virginia, situado no terminal da linha de ônibus interestadual, que discriminava pessoas de cor negra, vedando-lhes acesso às suas dependências. A controvérsia travada pelas partes baseava-se unicamente na aplicação da décima quarta emenda da Constituição americana àquele caso. Porém, o Solicitor General, em seu brief, mudou o enfoque da questão para o Interstate Commerce Act, de 1887, alegando que o restaurante integrava o serviço interestadual de ônibus de passageiros, como parte essencial do respectivo funcionamento, e o estatuto federal impedia a segregação racial nesse serviço. A Suprema Corte acolheu a tese constitucional por sete votos a dois, favorecendo o reclamante,64 em razão do oportuno e clarividente fundamento invocado pelo amicus curiae. A intervenção do amicus curiae no processo objetivo de constitucionalidade, em virtude da natureza da missão confiada à corte constitucional, modificou a natureza do interesse que habilita o terceiro a intervir no processo pendente (retro, 759.1.3). Diz-se jurídico esse interesse, mas especialmente qualificado, transmudando-se em interesse institucional,65 haja vista a cláusula da representatividade inserida no art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 e repetida no art. 138, caput, do NCPC. É preferível chamá-lo de interesse político, porque, geralmente, timbra o sectarismo do móvel da intervenção. A intervenção dessas pessoas – a mais das vezes,66 organizações da sociedade civil, grupos de pressão e órgãos governamentais – abre espaço para o enriquecimento da controvérsia, mediante a manifestação pluralista de opiniões. Igualmente, porém, torna o processo objetivo possível palco das sôfregas paixões dos audaciosos, externadas em manifestações contundentes, digladiando-se grupos acirradamente opostos; por exemplo, de um lado representantes religiosos e, de outro, ativistas de direitos humanos, em temas controversos como o aborto e a maioridade penal. O que se pode concluir, à luz do art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999, é a mudança de paradigma no interesse exigido na intervenção do terceiro, e, não, a existência de real impedimento à intervenção de terceiros, só formalmente consagrada nos artigos 7.º, caput, e 18, desse diploma. 769. Restrições à intervenção de terceiro no procedimento comum O empenho em desimpedir o itinerário do antigo procedimento sumário de incidentes retardadores inspirava a proibição, todavia relativa, da intervenção de terceiros no desaparecido procedimento acelerado. A experiência revelara que as denunciações da lide sucessivas tornavam irrealizáveis, no ainda mais antigo procedimento “sumaríssimo”, os propósitos de celeridade intrínsecos à subespécie do procedimento comum. Embora não se revelasse difícil conciliar a estrutura do procedimento e a intervenção de terceiros, em geral,67 no caso da denunciação a suspensão do processo, mandando o juiz citar o denunciado, implicava a designação de outra data para audiência, desvantagem compensada, segundo alvitre otimista,68 pela resolução

simultânea das pretensões. É bem de ver que, inexistisse o acúmulo de feitos no juízo, os prazos mais rigorosos comportariam estrita observância. Porém, a proibição ressalvava, a par da assistência, a intervenção fundada em contrato de seguro, porque vantajosa ao adversário do réu.69 Essas considerações destacam e apontam a função deletéria do chamamento em garantia no desenvolvimento do procedimento e explicam as ressalvas opostas a essa modalidade de intervenção no procedimento comum. A ojeriza manifestou-se em várias frentes. O art. 1.072, II, do NCPC revogou o art. 456 do CC, visando a impedir sucessivas denunciações. Ademais, tornou facultativa a denunciação, porque o art. 125, § 1.º, admite ação autônoma para o exercício da pretensão regressiva, não sendo ela deduzida, in simultaneo processu, ou indeferida ou proibida (v.g., art. 88 da Lei 8.078/1990). E, por fim, proibiu as tormentosas denunciações sucessivas (infra, 910), admitindo apenas contra o antecessor imediato na cadeia dominial – porém, a revogação do art. 456 do CC, bem como a identificação do possível denunciado, não pré-exclui a denunciação per saltum -, não podendo o denunciado promover nova denunciação, “hipótese em que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma” (art. 125, § 2.º, in fine). É preciso interpretar a inadmissibilidade da denunciação da lide, no procedimento comum, mais por sua finalidade – interpretação teleológica – do que pela literalidade do art. 125, § 2.º na referência ao antecessor imediato. O problema consistia nas denunciações sucessivas, e, não, na denunciação per saltum. Importará, sobretudo, admitir uma só denunciação, a fim de evitar perda de tempo e imprimir celeridade ao procedimento, não importando quem seja o denunciado (infra, 888). § 158.º Intervenções atípicas de terceiros 770. Casos atípicos de intervenção de terceiros O sistema de intervenção de terceiros encontrava-se calibrado, no CPC de 1973, precipuamente para satisfazer as necessidades mais notórias do processo cuja função precípua consistia na formulação da regra jurídica concreta. Evitou-se, de caso pensado ou não, o terreno árduo da atividade executiva. Desse modo, aí floresceram hipóteses intervencionais atípicas. O NCPC adotou visão mais abrangente. Por exemplo, a desconsideração da personalidade jurídica cabe, expressis verbis, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (art. 134, caput). É nesse âmbito, aliás, sua mais expressiva utilidade, haja vista o princípio da responsabilidade patrimonial (art. 391 do CC e art. 789 do NCPC). Não desaparecem integralmente, contudo, os problemas anteriores. Também na seara executiva o único critério hábil para distinguir parte de terceiro é o da exclusão. Terceiro é a pessoa que, em dado momento, não figura como parte principal, nem parte auxiliar desta, no processo executivo pendente, mas habilita-se a participar, provocada ou voluntariamente, da relação processual. Todavia, já não se cuidará de localizar as situações que capacitam o terceiro a intervir cogitando das possíveis repercussões desvantajosas dos

efeitos do provimento que julga o mérito, como ocorreu precedentemente (retro, 759.2). Essas situações decorrem de um aspecto mais específico. A função executiva caracteriza-se pela prática de atos de força, tendentes a conformar a realidade material à regra jurídica concreta, fundamentalmente deslocando pessoas e coisas. Enquanto a função de cognição é trabalho de gabinete, a função executiva constitui trabalho de campo. Logo, as repercussões que alcançam pessoas que não figuram como partes na execução adquirem intensidade material, ou física, cumprindo as distinguir com nitidez. Em primeiro lugar, interessa identificar em que hipóteses, legitimamente ou não, o patrimônio de certa pessoa (execução por sub-rogação), que responde pelo cumprimento da obrigação (art. 789), ou a própria pessoa (execução por coerção), mediante técnicas de pressão psicológica, sofrem o ataque dos atos executivos. Os que são legitimamente atingidos, no seu patrimônio e na sua pessoa, assumem a qualidade (e a função) de partes – originariamente ou não. Os que são ilegitimamente atingidos podem reagir como terceiros. E, além dessa grande divisória, há situações em que se estabelece um vínculo instrumental entre duas ou mais execuções autônomas, porque a atividade executiva recaiu sobre o mesmo bem do executado comum, ou porque este bem se encontra gravado com direito real de garantia. É plena de repercussões práticas a exata distinção entre parte e terceiro, na demanda executória, considerando a flagrante diversidade do regime de defesa do devedor e do terceiro. Cumpre ao devedor opor-se à execução mediante os embargos do art. 914, ou através da impugnação (art. 525 e art. 535, no prazo de trinta dias. Ao terceiro tocam os embargos do art. 674, subordinados ao prazo mais exíguo, porém flexível (art. 675, caput). Equívoco na qualificação da pessoa, tomando-se alguém que é parte por terceiro, pode conduzir à perda do prazo para embargar. Convém examinar, portanto, as modalidades atípicas de intervenção de terceiros na execução. 771. Intervenção de terceiros na execução Antes de chegar-se à identificação das situações que habilitam o terceiro a intervir, cumpre identificar as partes na execução. São partes (e legítimas) as pessoas que figuram, nominatim, no título executivo (art. 784 e art. 515) – o credor, a quem a lei confere o título (art. 778, caput); o devedor, “reconhecido como tal no título executivo” (art. 779, I). E são partes as pessoas que, por imposição legal (v.g., o sócio, a teor do art. 790, II) ou negócio jurídico (v.g., o fiador), têm responsabilidade executiva, ou seja, o respectivo patrimônio responde, legitimamente, pela obrigação constante no título executivo. E partes são as pessoas que, embora desprovidas de legitimidade, acham-se declinadas na petição inicial, quer no polo ativo, quer no passivo. Não se trata de parte legítima, obviamente, eis que nenhuma situação legitimadora lhes confere capacidade para conduzir o processo. Mas, vencida a fase de controle da inicial sem denúncia da irregularidade ou exame de ofício pelo juiz, a execução segue seu curso, tocando ao executado arguir a

ilegitimidade mediante uma das modalidades de oposição à execução (embargos ou impugnação). Dos artigos 525, § 1.º, II; 534, II; e 917, VI, inferese que o legitimado passivo, na execução, legitima-se ativamente, na oposição, para alegar a sua própria ilegitimidade. O STJ já declarou: “A parte citada na execução como executada, mesmo indevidamente, integra a relação processual enquanto não excluída por decisão judicial”.70 A falta de legitimidade decorre ou de lapso na petição inicial: homonímia, se pessoa natural; ou confusão quanto à razão social, se pessoa jurídica; ou de erro ao apreciar-se a situação legitimadora que, supostamente, tornaria parte legítima alguém em princípio alheio ao título. O alcance da responsabilidade executiva ou patrimonial como fonte da legitimação passiva suscitou perplexidades sem razão plausível. É fato que determinados bens sujeitam-se a essa responsabilidade, arrastando o proprietário para o processo executivo. É o caso, por exemplo, do adquirente do bem sujeito ao meio executório do desapossamento (art. 808). A rigor da lógica,71 o atual proprietário do bem escapa ao figurino de parte, eis que o exequente não lhe demandou na petição inicial; mas, inversamente, considerá-lo terceiro, como o designa o art. 808, aberra à circunstância de o juiz, ciente de sua estranheza quanto ao título, todavia autorizar a invasão da sua esfera jurídica, praticando a constrição no bem integrante do patrimônio dessa pessoa. É tendência frisante adotar o primeiro ponto de vista: o adquirente submetido ao desapossamento é terceiro. O alvitre se baseia na diferença entre dívida (Schuld) e responsabilidade (Haftung) haurida do direito germânico.72 O adquirente da coisa tem responsabilidade, mas não é devedor. Responsáveis são terceiros, os obrigados são partes. Infelizmente, o argumento prova em excesso. A acreditar-se nele, o fiador judicial somente tem a responsabilidade patrimonial e não se ostentaria parte; porém, o contrário resulta da explicitação constante no art. 779, IV. Também é parte legítima o “titular do bem vinculado por garantia real ao pagamento do débito” (art. 779, V). O fato de o NCPC instituir legitimidade passiva de dois responsáveis não pré-exclui a de outros em idêntica condição. Resolve-se o problema, outra vez, empregando o conceito puro de parte e aquilatando a natureza prática da execução. Embora não se tenha demandado o adquirente explicitamente, pouca dúvida resta que, desde a inicial da demanda executória, ou na oportunidade em que o oficial de justiça certificar a alienação e o exequente optar pela perseguição do bem – pode deixar de fazê-lo –, o adquirente sofre o peso do meio executório mediante o placet judicial. Logo, é parte desde essa oportunidade.73 Fica a questão da legitimidade postergada aos embargos ou à impugnação. Em certo julgado do extinto TARS,74 o acerto da tese aqui sustentada manifestou-se de forma dramática. Tratava-se de execução hipotecária, questionando-se a condição de parte do “terceiro” hipotecante. É que, morrendo a pessoa que gravou o bem, sem deixar bens e herdeiros, inexiste sucessão em dívida. Por outro lado, o crédito do exequente se encontra garantido pela hipoteca, e, naturalmente, a execução deveria prosseguir. Se o “terceiro” hipotecante não figurasse como parte, a execução prosseguiria sem executado no polo passivo. O absurdo da conclusão prova que o hipotecante não devedor é parte passiva legítima.75 O art. 54, n.º 2, do NCPC português

de 2013 estipula, explicitamente, que “a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também devedor demandado o devedor”. É um exemplo de legitimidade ultra titulum.76 Essa tese acabou consagrada na atual redação do art. 779, V, do NCPC. Não há intervenção de terceiro, mas intervenção superveniente de parte passiva. À luz dessas considerações, chega-se ao primeiro grupo de terceiros: os que, segundo o direito material, não respondem pela dívida. O “responsável secundário”, infeliz construção para abranger pessoas que, por força da lei ou em decorrência de negócio jurídico, têm responsabilidade patrimonial, e, conseguintemente, figurará como parte originária ou superveniente. A responsabilidade executiva baliza a condição de parte ou de terceiro. Por esse motivo, o cônjuge que teve bem próprio atingido por ato executivo, é terceiro a esse título (art. 674, § 2.º, I), posto que figure como parte na execução e os bens da sua meação respondam pela dívida. Também se mostrará terceiro o hipotecante, no caso de a constrição atingir outros bens, a teor do art. 674, § 2.º, IV. É terceiro, por igual, o adquirente do bem alienado em fraude contra a execução (art. 790, V). É que o negócio jurídico revela-se ineficaz perante o exequente. Tudo se passa “como se” o bem, objeto de constrição judicial, ainda integrasse o patrimônio do executado. Logo, o adquirente desse bem permanece terceiro, relativamente à execução em curso. Além das pessoas que, não se mostrando patrimonialmente responsáveis pela satisfação do direito contemplado no título executivo, permanecem terceiros, e podem combater quaisquer agressões ilegais por intermédio dos embargos de terceiro, há um segundo grupo de terceiros. Ele é representado pelas pessoas que se relacionam, instrumentalmente, com o objeto da constrição, ou porque também são credores e, destarte, têm igual direito de satisfazer seu crédito com esse bem, respeitando as prelações de direito material, ou porque instituíram gravame real sobre tal bem. Nesse último caso, desnecessário que o proprietário do bem gravado seja devedor do titular do direito real. Por exemplo, A é credor de B, e, na execução, penhorou o bem x, gravado com direito real de garantia, cujo titular é C, em garantia da dívida de D. O titular do gravame C não é credor de B, pois seu devedor é D, mas o bem x, que pertence a B, responderá por seu crédito. O titular de direito real de garantia, cujo gravame recai sobre o bem objeto de constrição judicial na execução, obrigatoriamente participará da distribuição do produto da alienação do bem, haja ou não promovido execução própria, pois essa alienação extinguirá o gravame real. É preciso, para esse efeito, intimá-lo da constrição (art. 889, V), sob pena de ineficácia da alienação (art. 804). Do ponto de vista do adquirente do bem penhorado, inexistindo tal intimação, e, conseguintemente, subsistindo o gravame – o adquirente pagou, em virtude do princípio da cobertura, o preço sem detrair o valor correspondente ao crédito real –, o negócio mostrar-se-á viciado, embora o art. 903, § 1.º, III, considere-a ineficaz. Ora, é imperioso desfazer o negócio jurídico de arrematação. Tem o titular do direito real de garantia, ademais, o direito de controlar a legalidade da constrição, que pressupõe a inexistência de outros bens livres e desembargados no patrimônio do

executado, impedindo a alienação do bem gravado em detrimento de bens livres, pretensão fundada no direito material. E, por fim, efetivadas duas penhoras sucessivas sobre idêntico bem, origina-se, de um lado, o concurso especial de credores e, por outro, a necessidade de todos os credores penhorantes participarem da fase de pagamento, devendo ser intimados, obrigatoriamente, os titulares de penhora averbada (art. 889, V). O titular da penhora C, que penhorou o bem x na execução contra B, ingressará na execução de A contra B, na qual se penhorou primeiro o mesmo bem, postulando a satisfação do seu crédito, uma vez alienado o bem, porque terceiro titular de um direito crédito instrumentalmente relacionado, através da constrição comum, com a execução deA. Do exame precedente chega-se à conclusão que há três grupos de terceiros na execução: (a) os terceiros que, segundo o direito material, não respondem pela dívida, inexistindo responsabilidade patrimonial; (b) o terceiro titular de gravame real sobre o bem objeto de constrição, haja ou não promovido execução; (c) os terceiros que, mediante execução autônoma, penhoraram o mesmo bem, e, por força dessa constrição, concorrem na distribuição do produto da alienação, consoante a preferência dos respectivos créditos (art. 908, caput, c/c § 2.º).77 Esse esquema é mais simples do que o cogitado em estudo a respeito da defesa do terceiro,78 mas plenamente satisfatório. Identificam-se, assim, duas modalidades de intervenção atípicas de terceiros na execução: (a) o ingresso voluntário na execução alheia, precedido ou não de intimação (artigos 889, V), com o fito de participar do concurso especial de credores; e (b) os embargos de terceiro, modalidade de intervenção principal, ad excludendum, cuja condição de modalidade interventiva já recebeu análise. 772. Modalidades de intervenção proibidas na execução Excluem-se, em virtude da natureza da atividade jurisdicional desenvolvida na execução, destinada a realizar a regra jurídica concreta prevista no título executivo, as formas intervencionais típicas do processo com função predominantemente de conhecimento.79 Não comporta a execução, a par dos atos executivos operando no mundo físico, a simultânea resolução de questões trazida por uma das partes e da qual participaria, ademais, o terceiro. A denunciação da lide demonstra, convincentemente, semelhante impossibilidade. O denunciante (autor ou réu) exercerá pretensão regressiva, in simultaneo processu, pedindo reembolso contra o terceiro, e caso venha a sucumbir na ação principal, criará título executivo favorável a este reembolso perante o denunciado (art. 129, caput). Ora, a execução visa à realização da obrigação prevista no título, e, não, à sua criação. O processo executivo tem mérito, ou lide,80 mas o seu objeto litigioso é incompatível com o exigido para a inserção de pretensão regressiva.

E também é o caso do chamamento ao processo, pelo qual o réu amplia o polo passivo da demanda, fazendo todos suportarem a condenação (art. 132).81 O óbice decorrente da estrutura procedimental e da finalidade do instituto é similar à do caso precedente.82 Todavia, há uma hipótese em que se pode cogitar da ampliação do polo passivo da execução, em termos similares ao do chamamento no processo de conhecimento, que é a do chamamento do afiançado pelo fiador, baseando-se a execução em título comum a ambos. Em tal hipótese, vigorosamente defendida,83existindo o benefício de ordem (art. 794, § 3.º, a contrario sensu), o fiador pode requerer que sejam primeiro excutidos os bens do afiançado existentes no foro da execução (art. 794, § 1.º), e, satisfeita a dívida, a execução contra o afiançado pode prosseguir no mesmo processo (art. 794, § 2.º). Não existiria a necessidade de qualquer verificação da responsabilidade do afiançado, já constante do título em que se funda a pretensão a executar, e, portanto, desapareceriam os obstáculos aventados. Fora daí, não se cogitando da oposição, porque os embargos de terceiro assumem, via de regra, a respectiva função de intervenção principal, admitirse-ão a assistência (infra, 778) e a desconsideração da personalidade jurídica. 773. Participação concorrente na obrigação alimentar O art. 1.698 do CC instituiu modalidade interventiva singular, cujas características tornam-na inconfundível com os modelos da lei processual.84 Dispõe a regra: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”. Encarrega-se o texto de esclarecer que a obrigação alimentar, entre parentes, não se ostenta solidária, mas sucessivamente concorrente, a saber: cada obrigado, na ordem estabelecida pelos artigos 1.696 e 1.697 do CC, participará “na proporção dos respectivos recursos”. Por exemplo, A é filho de B e C, e move ação contra os pais, pois tem a necessidade de 100 para a sua subsistência; todavia, B e C só podem prestar-lhe 30, e, em razão disso, A (também podem fazê-lo B e C) pede ao juiz que chame a avó D, única remanescente da classe seguinte de obrigados, que pode prestar-lhe mais 30; em seguida, pede ao juiz (idêntica faculdade socorre aD) que chame E, F, G e H, o primeiro irmão germano e os demais unilaterais, componentes da classe seguinte, e cada qual contribui com 10, completando, assim, a integralidade da prestação. Embora a solidariedade seja incompatível com a função da obrigação alimentar, convém assinalar que o art. 12 da Lei 10.741/2003 a institui quanto ao crédito alimentar da pessoa idosa. À luz dos princípios, semelhante dispositivo não pode ser aplicado literalmente, valendo, em qualquer caso, a diretriz que cada obrigado responde na proporção dos seus recursos.

Evidenciada a situação de fato, no exemplo ministrado, logo se percebe que ela não se ajusta aos esquemas do chamamento, cujas subespécies contemplam as modalidades de intervenção obrigatória: de um lado, inexiste direito de regresso (v.g., da avó D contra os pais B e C), pois cada prestação é autônoma e irrepetível, não se enquadrando a situação no figurino do chamamento em garantia; de outro, inexiste responsabilidade solidária, na qual cada obrigado responde por inteiro pela dívida comum, podendo reembolsar-se da quota do coobrigado – e, portanto, não se configuram os pressupostos do chamamento ao processo. O fato de formar-se litisconsórcio passivo nessa espécie de chamamento, ou seja, o fato de o chamado tornarse réu da pretensão do autor, não se revela suficiente para situar a peculiar integração do art. 1.698 do CC no instituto.85 Em virtude da estrutura do processo, após a intervenção do terceiro, o chamamento ao processo constitui a figura que mais se aproxima da modalidade interventiva atípica do art. 1.698 do CC; e, no que couber, correspondendo às respectivas necessidades, deve ser aplicada subsidiariamente, norteando o órgão judiciário. É que, após a intervenção dos diversos obrigados concorrentes, formar-se-á litisconsórcio passivo, ulterior facultativo e simples. O objeto do processo se alarga, abrangendo a possibilidade do terceiro, e, subjetivamente, amplia-se a estrutura do processo. Fica evidente que o autor, através da integração do processo, pede alimentos do terceiro. Esse aspecto tem particular relevância na correta aplicação da regra da lei civil. Ela relativiza a estabilidade da demanda além dos já flexíveis limites do art. 329. Bem pode acontecer que somente após a coleta da prova, e, portanto, do saneamento do processo (art. 329, II) – marco final para alteração da causa e do pedido, convergindo a vontade das partes –, patenteie-se a insuficiência de recursos do réu originário. Ora, vedar a integração após a fase de instrução frustraria as finalidades do art. 1.698 do CC, e, portanto, impõe-se admitir após o marco final originário para modificação dos elementos objetivos da demanda. O regime do litisconsórcio é simples, e, não, especial (ou unitário). O julgamento da causa não decidirá a lide uniformemente para os litisconsortes, senão em tese, respondendo cada qual “na proporção de seus recursos”. À diferença do que sucede no típico chamamento ao processo, porém, legitimase o autor a provocar a intervenção de novos réus, apurada a incapacidade financeira do(s) demandado(s) original(is), e, não, a estes. É o autor que sofrerá com a falta de recursos do réu para integralizar o valor da prestação. Entende-se por essa razão o respectivo poder de iniciativa em provocar a intervenção do terceiro. Em princípio, o réu não tem nenhum interesse em convocar os obrigados sucessivos. Ele somente arcará com o valor que lhe corresponder segundo for apurado na sentença. Representaria excessivo formalismo, inadmissível nesses domínios, negar-lhe totalmente o poder de iniciativa de integrar ao processo o terceiro. O calor do debate, alegando o réu primitivo falta de recursos suficientes, talvez lhe convenha a apontar o obrigado que, na ordem legal, parece-lhe idôneo para arcar com o restante, persuadindo o juiz da sua condição. Não lhe cabe, de toda sorte, impedir a integração do terceiro, pois a

inovação subjetiva (e, a fortiori, objetiva) do processo em tese não lhe prejudica ou beneficia.86 E, por fim, o caráter facultativo desse litisconsórcio ulterior decorre do fato de não se mostrar obrigatório o credor de alimentos convocar o terceiro, com o intuito de receber, no mesmo processo, a integralidade da prestação. É possível, como já acontecia anteriormente, demandar posteriormente o(s) outro(s) obrigado(s). Em tal hipótese, conforme a posição do réu na ordem legal sucessiva da obrigação alimentar, configurar-se litisconsórcio facultativo, passivo e eventual. Por exemplo, o filhoA pleiteia alimentos dos pais B e C, e, no caso de insuficiência de recursos, da avó D, e, em seguida, dos irmãos E, F, G e H. O caráter eventual dos pedidos decorre do fato de o juiz somente examinar o dever alimentar da avó D no caso de acolher em parte o pedido antecedente formulado perante B e C. É lançar a barra da informalidade além dos seus limites próprios ao se pretender aplicar essa intervenção sui generis à pretensão a executar. Legitimam-se na execução, passivamente, as pessoas que figuram no título executivo, inexistindo cognição suficiente para, sem a definição prévia do título, definir o montante da participação de cada obrigado. Logo, a “integração à lide” do art. 1.698 do CC incide apenas nos processos em que predomina a função cognitiva.

Capítulo 39. INTERVENÇÃO VOLUNTÁRIA: ASSISTÊNCIA À PARTE SUMÁRIO: § 159.º Assistência – 774. Conceito de assistência – 775. Espécies de assistência – 775.1. Assistência simples – 775.2. Assistência qualificada – § 160.º Pressupostos da assistência – 776. Momento de ingresso do assistente – 777. Interesse jurídico do assistente – 778. Possibilidade de influência do assistente – § 161.º Procedimento de admissão do assistente – 779. Formação do incidente de admissão do assistente – 780. Deslocamento da competência em razão do pedido de assistência – 781. Controle inicial do pedido de assistência – 782. Obrigatoriedade do contraditório no pedido de assistência – 783. Processamento da impugnação ao pedido de assistência – 784. Recurso cabível contra a decisão do incidente de intervenção do assistente – 785. Efeitos do provimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente – 786. Efeitos do desprovimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente – § 162.º Efeitos da intervenção do assistente – 787. Aquisição da qualidade de parte pelo assistente – 788. Efeitos internos da intervenção do assistente – 789. Efeitos externos da intervenção do assistente – 789.1. Objeto dos efeitos externos da assistência – 789.2. Limitações aos efeitos externos da assistência – 789.2.1. Limitação em razão do estágio do processo – 789.2.2. Limitação em razão do comportamento positivo do assistido – 789.2.3. Limitação em razão do comportamento omissivo do assistido – § 163.º Disciplina da atividade processual do assistente – 790. Extensão dos poderes processuais do assistente – 791. Limitações aos poderes processuais do assistente simples – 791.1. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto ao objeto do litígio – 791.2. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de defesa – 791.3. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de prova – 791.4. Limitações aos

poderes processuais do assistente quanto aos meios de impugnação – 792. Limitações aos poderes processuais do assistente qualificado – 793. Direitos processuais do assistente – 794. Deveres e ônus processuais do assistente – 795. Cessação da assistência. § 159.º Assistência 774. Conceito de assistência A assistência constitui modalidade de intervenção voluntária e ad adjuvandum. O interveniente ingressa no processo, por sua própria iniciativa, objetivando ajudar ou auxiliar uma das partes a obter resultado favorável no processo.1 Chama-se esse interveniente de assistente; a parte favorecida pelo auxílio de assistido. A origem do instituto remonta ao processo romano da cognitio extra ordinem.2 O art. 119, caput, alude ao interesse na obtenção de “sentença favorável” ao assistido, referindo-se, por óbvio, ao pronunciamento que acolhe ou rejeita o pedido (art. 487, I). Entretanto, o conteúdo do provimento não importa. Uma boa vitória “tática”, em que o assistido logra a extinção do processo (v.g., o reconhecimento da coisa julgada, a teor do art. 485, V), preenche satisfatoriamente o requisito. O pressuposto de admissibilidade da assistência precisa ser encarado no sentido mais largo possível (infra, 778), entendendoo como desfecho do processo, a fim de contemplar a óbvia possibilidade de o interveniente coadjuvar uma das partes na execução, emprestando o devido alcance a “qualquer procedimento” mencionado no art. 119, parágrafo único, fórmula menos analítica que a do art. 134, caput (“…no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”). Funda-se a assistência na circunstância de o provimento de mérito, vinculando as partes originárias, surtir efeitos, reflexos ou direitos, em relação jurídica da qual é titular o interveniente. Tal relação tem um vínculo de conexão com o objeto do processo, em geral de dependência, e, assim, o provimento emitido entre as partes originárias produzirá vantagens ou desvantagens para o terceiro, conforme o respectivo teor. Por exceção, o titular do direito posto em causa poderá intervir no processo pendente, com a finalidade de assistir uma das partes. Esta forma de assistência se distingue do litisconsórcio ulterior, ou intervenção litisconsorcial voluntária, porque o interveniente não tem legitimidade originária para conduzir o processo (infra, 775). O ingresso do terceiro no processo pendente torna-o parte,3 embora parte auxiliar,4 conforme declara o art. 121, caput. O fato de terceiro mostrar-se alheio ao objeto do processo, na maioria dos casos, não obsta à assunção da qualidade de parte. É irrelevante o fato de o assistente não formular qualquer pedido perante o adversário do assistido, ou perante o terceiro este formular algum pedido. Além da separação metodológica da relação processual e do seu objeto, é preciso considerar o exercício pelo assistente de poderes processuais, em maior ou menor extensão, e isto somente tem justificação plausível na qualidade de parte.5 É o que acontece, de resto, com os demais terceiros que, intervindo forçadamente no processo, tornam-se partes ou sujeitos da relação processual (retro, 761).

Em princípio, a assistência constituiu modalidade de intervenção espontânea. O terceiro dirige o seu próprio interesse e pode, ou não, intervir no processo pendente. Nada impede a admissibilidade genérica da assistência provocada. Por exceção, há previsão legal específica no mais clássico dos exemplos de assistência simples: a intimação do sublocatário, seja qual for o fundamento da ação de despejo (art. 59, § 2.º, da Lei 8.245/1991).6 Em tal hipótese, pode-se afirmar que a lei instituiu autêntico fator de eficácia da sentença perante o terceiro.7 Daí não parece generalizável a possibilidade de o órgão judiciário convocar terceiros que poderiam ser assistentes, perturbando a respectiva paz jurídica, a seu talante.8 A intervenção iussu judicis só existe, no direito brasileiro, no litisconsórcio necessário (art. 115, parágrafo único),9 por sinal preservando a iniciativa da parte. 775. Espécies de assistência Existem duas espécies de intervenção assistência: (a) simples (ou subordinada); (b) qualificada (ou autônoma). A assistência qualificada, ou autônoma, também se costuma designar de “assistência litisconsorcial”. É a designação da Seção III do Capítulo I – Da Assistência – do Título III do Livro III da Parte Geral do NCPC. Todavia, tal expressão revela-se altamente equívoca. Enseja confusões com a intervenção litisconsorcial ou litisconsórcio ulterior. Deve ser rejeitada, firmemente, a bem da clareza. Um dos problemas que perturbam a exata configuração da assistência autônoma reside na dificuldade de extremá-la do litisconsórcio. A indevida intromissão da autoridade da coisa julgada, irrelevante no caso de o terceiro não intervir no processo pendente, voluntariamente, turva ainda mais águas já pouco cristalinas. 775.1. Assistência simples – A assistência simples ocorre na hipótese de a intervenção ad adjuvandum fundar-se na existência de relação jurídica entre o assistente e o assistido. Essa relação jurídica não integra o objeto do processo.10 Logo, o julgamento jamais a abrangerá. Os efeitos do provimento judicial é que, reflexamente, atingem a relação alheia ao processo, no todo ou em parte. Tal repercussão se afigura desvantajosa para o terceiro. Então, o assistente ingressa no processo para defender diretamente o interesse do assistido, buscando evidenciar ao juiz que este tem razão. Assim, influenciará a formação de julgamento favorável ao assistido e, indiretamente, defenderá o seu próprio direito. Por exemplo, o sublocatário tem interesse, por suposto jurídico, em intervir no despejo movido pelo locador contra o locatário, porque, dissolvida a locação, dissolver-se-á o subcontrato (art. 15 da Lei 8.245/1991), haja ou não semelhante intervenção. O efeito reflexo da sentença de despejo é inexorável na esfera do sublocatário. A repercussão não acontece em virtude da obrigatoriedade do vínculo gerado pelo pronunciamento inter partes. Opera em razão da dependência da relação jurídica mantida pelo sublocatário com o locatário, perante a qual o locador, no plano do direito material, ostenta a posição de terceiro. Os efeitos reflexos não se produzem, em todos os casos, com igual intensidade. Mas sempre alcançam o terceiro em graus variáveis. Expõem os

terceiros a situações desvantajosas; por exemplo, anulada a escritura pública lavrada pelo tabelião, este pode ser responsabilizado pela parte prejudicada, obrigando-se a indenizá-la. É inegável, portanto, que o assistente ingressa no processo animado pela expectativa de obter uma vantagem pessoal no caso de pronunciamento a favor do assistido. Exemplos de assistência simples, figura prevista no art. 119, caput, c/c art. 121, caput, são os seguintes: (a) ingresso do fiador na demanda entre o credor e o devedor, controvertendo a validade do contrato; (b) ingresso do tabelião na demanda entre os figurantes da escritura pública por ele elaborada, uma das partes pleiteando-lhe a invalidade; (c) ingresso do segurador na demanda entre o segurado e outra pessoa, pleiteando indenização coberta pelo seguro.11 Logo se percebe que nem sempre é o efeito constitutivo da sentença proferida entre as partes que atinge o assistente. A força condenatória predominará na sentença que julgar a demanda em que o segurado é réu e intervém o segurador para assisti-lo. 775.2. Assistência qualificada – A segunda forma de intervenção ad adjuvandum é a assistência qualificada ou autônoma. Encontra-se prevista no art. 124 do NCPC. Inspirou-se o legislador pátrio no § 69 da ZPO alemã no CPC de 1973, texto reproduzido com ligeiras modificações redacionais. Essa é a fonte contemporânea do instituto, todavia preso a profundas origens latinas.12 Relativamente ao seu modelo, o art. 124 diverge num ponto capital, ignorando a extensão da coisa julgada ao interveniente (infra, 789). Na assistência qualificada, o terceiro ingressa para auxiliar uma das partes. Todavia, o interveniente não mantém relação jurídica com o assistido. O liame é com o adversário do assistido. O assistente qualificado “nada pede e em face dele nada se pede: não é autor nem réu e, consequentemente, não é litisconsorte”.13 Por esse motivo, segundo o art. 124 os efeitos da sentença influem “na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”. Tal influência não é reflexa, mas direta: o objeto litigioso firmado entre as partes originárias também envolve o assistente. Não se cuida de projetar-se, caso o terceiro não intervenha, a autoridade de coisa julgada – o vínculo atinge apenas as partes e seus sucessores –, mas os efeitos próprios, ou naturais, do provimento. À semelhança da assistência simples, o efeito que atinge o interveniente, nesse caso, é efeito externo comum às duas espécies de assistência, previsto no art. 123 (infra, 789) – ou não se trataria de assistência, mas de litisconsórcio. É controversa a explicação de semelhante “figura intercalar entre o litisconsorte e o assistente”.14 Em tese, sem descer às profundezas do liame entre o assistente e o adversário do assistido, abstraindo os exemplos concretos – por influência da doutrina italiana antiga, geralmente de litisconsórcio ulterior (v.g., a intervenção do credor na ação de invalidade por fraude movida contra o devedor comum),15 a posição de assistente e a de litisconsorte distingue-se de maneira nítida. O assistente limita-se a sustentar a posição da parte principal assistida, diretamente, em proveito indireto do seu próprio interesse. Esse interesse do assistente permanece alheio ao objeto do processo. Em outras palavras, “o litisconsorte ativo pede para si, o litisconsorte passivo esforçar-se por afastar de si o risco de uma decisão desfavorável; o assistente, esse, pede para o autor, reforça o pedido que o autor faz para si, ou então colabora nos esforços para afastar do réu o risco

da decisão desfavorável. Ao litisconsorte, ativo ou passivo, cabe provar que tem razão; ao assistente, cabe provar que o assistido tem razão”.16 Lição precisa e memorável. O panorama cristalino divisado nesta distinção ficará enevoado densamente, chegando-se a não distinguir as duas figuras, admitindo-se a chamada intervenção litisconsorcial voluntária ou litisconsórcio ulterior (infra, 580.4). O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo. No primeiro caso, faltando um dos litisconsortes, ativo (hipótese controversa) ou passivo, o juiz ordenará a sua integração ao processo (art. 115, parágrafo único), completando a relação processual (retro, 589). Forma-se, assim, a relação processual entre as partes necessárias à eficácia ou validade do processo e perante as quais, obrigatoriamente, a sentença deve surtir efeitos, incluindo a autoridade de coisa julgada. No segundo, pretendendo ingressar no processo pendente o titular do mesmo direito posto em causa, ou o titular de direito conexo, nos variados graus estabelecidos no art. 113, há intervenção litisconsorcial.17 Figure-se o caso de D, servidor público do município X, pleitear o ingresso na ação movida por B, servidora do mesmo município, pedindo a concessão da vantagem pecuniária y, a qual D também pretende obter; ou o de C, que ingressa na demanda movida por A contra B, fundada em ilícito de que participou C, de quem A poderia pedir a mesma indenização que pede de B. Parece óbvio que, na primeira hipótese, D pede idêntica vantagem para si, não se limitando a auxiliar B em obtê-la; e, na segunda hipótese, C defende a si próprio da pretensão de A, e não para coadjuvar a defesa de B. Não é oportuno examinar, nessa conjuntura, as condições de ingresso de A e de C, respectivamente, nos polos ativo e passivo das demandas, questão já examinada no capítulo do litisconsórcio (retro, 580.4). Importa não se cuidar no caso, absolutamente, de assistência. O direito dos intervenientes não estava em causa, mas passou a integrar o objeto litigioso, supervenientemente tornado complexo. Ora, ao se exemplificar as hipóteses de assistência, invocam-se situações similares a estas. Por exemplo: (a) o ingresso de outro sócio na demanda em que outro controverta a deliberação da assembleia geral de companhia: (b) o ingresso do devedor solidário na demanda em que credor pleiteia a prestação de outro devedor;18(c) o ingresso do condômino A na ação reivindicatória movida pelo condômino B contra C.19 Flagrantemente, o sócio, o devedor e o condômino são titulares do mesmo direito (sócio e condômino) e do mesmo dever (devedor) integrantes do objeto litigioso do processo em que intervieram espontaneamente. Não provoca resistência essa identificação, afirmando-se que “o interveniente poderia ser parte principal em ação autônoma”.20 Diante dessa encruzilhada, surgem dois termos de alternativa: (a) ou bem a assistência qualificada é a forma pela qual o litisconsorte intervém tardiamente no processo, o desaguadouro natural dessa vertente de intervenção, vez que a lei processual absteve-se de disciplinar a intervenção litisconsorcial voluntária; (b) ou bem a assistência qualificada é algo distinto, posto que de emprego residual. Buscou-se distinguir as duas figuras no âmbito da eficácia subjetiva da coisa julgada, a respeito do risco latente de perpetuar os mais lamentáveis

mal-entendidos, tomando os efeitos pela causa. Inexistindo a intervenção do terceiro, a extensão subjetiva da autoridade de coisa julgada produzir-se-ia de forma distinta, a saber: “a) litisconsorte ulterior (que poderia ter sido, mas não o foi) é um terceiro que não pode ser atingido por efeitos da sentença e nem pela coisa julgada; b) assistente litisconsorcial é alguém que, fatalmente, será atingido pelos efeitos da sentença, tenha ingressado no processo ou não”.21 É certo, rigorosamente certo, que o litisconsorte preterido (necessário ou não) não pode ser atingido pelos efeitos próprios da sentença. Por definição, o provimento não surte efeitos, é ineficaz perante ele. Tampouco o seu direito próprio sofre influências desvantajosas originárias do primeiro processo. Por exemplo, seA não obteve a vantagem pecuniária pretendida do Município X, nada impede que B pleiteie o seu próprio direito. Esse pedido pode ou não ser acolhido, conforme a posição jurídica de B (v.g., o cargo ocupado é o mesmo ou é cargo diferente) seja totalmente idêntica à de A, ou que o órgão judiciário do segundo processo adote, ou não, a mesma tese jurídica perfilhada no processo anterior (v.g., o juiz Y entende que há necessidade de lei local para conceder a gratificação por risco à saúde, mas o juiz Z entende desnecessária tal lei, bastando a situação de fato – a exposição ao risco). Duas outras hipóteses merecem consideração: (a) sócio X, rejeitada a demanda em que o sócio Y pedia a invalidação da decisão da assembleia da companhia Z, não se encontra inibido de ingressar com a sua própria ação; (b) o condômino A ingressa com reivindicação perante C, reclamando o bem x, apesar de o condômino Bjá ter sucumbido com pretensão idêntica. No primeiro caso, há multiplicidade de relações jurídicas conexas e paralelas,22 e nada justifica que X seja atingido pela coisa julgada vinculando Y. O fato de se tratar de situação substancial única, no segundo caso, tampouco autoriza a conclusão que X seja atingido pela autoridade da coisa julgada.23 A limitação dos efeitos subjetivos da coisa julgada protege a pessoa do terceiro (art. 506), individualmente considerada, não se podendo afirmar que o direito do condômino que não participou do processo modificou-se em razão do primeiro processo. Acontece, devido à repercussão do efeito constitutivo, a falta do necessário interesse em pleitear uma segunda resolução: o acolhimento do pedido formulado pelo sócio X tornar inútil o sócio Y ingressar em juízo com o mesmo objetivo. O obstáculo à renovação da controvérsia não decorre de hipotética extensão subjetiva da coisa julgada. No entanto, afigura-se excessivo estender ao possível assistente qualificado ou autônomo, que não haja participado do processo, a autoridade da coisa julgada. E a razão é simples: os terceiros não são ordinariamente atingidos pela coisa julgada (art. 506). Talvez essa extensão seja coerente e natural, a mais das vezes, no plano do direito substantivo. É o que acontece na hipótese de comunhão de direitos (art. 113, I). O credor solidário X, que não participou da demanda de cobrança movida pelo credor Y contra o devedor comum, aparentemente submeter-se-á ao resultado desfavorável da demanda de X, porque é titular do mesmo direito. Tal desfecho harmoniza-se, em tese, com a estrutura da solidariedade ativa, abstraindo-se a nova redação do art. 274 do CC, por força do art. 1.068 do NCPC. Todavia, entra em cena, sem prejuízo da regra civil modificada, contrapondo-se à disciplina substantiva, os direitos fundamentais, edificados em atenção às pessoas. Assim, o direito fundamental processual previsto no art. 5.º, LIV, da CF/1988 assegura que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo

legal, ou seja, sem que tenha usufruído a oportunidade de defender o seu alegado direito em nome próprio no processo. Esse fundamento repele a extensão subjetiva da coisa julgada a terceiros, encontrando-se claramente explicitado no art. 506 do NCPC. O art. 274 do CC apenas lhe dá explicitação. Em qualquer hipótese, portanto, o vínculo da coisa julgada não se estende ao litisconsorte ou ao assistente qualificado que não haja participado do processo. Problema distinto, naturalmente, consiste em identificar e estabelecer a natureza do vínculo que lhes atinge no caso de participação. No caso do assistente qualificado, só pode ser o efeito da assistência, previsto no art. 123, embora previsto unicamente para a assistência simples (infra, 789). Um modo diverso, mas geralmente adotado,24 de separar litisconsórcio ulterior e assistência qualificada, residiria na circunstância de o assistente, ao ingressar no processo, transformando-se em parte – no sentido de figurante da relação processual, exclusivamente no plano do iudicium, jamais quanto ao objeto litigioso –,25 não colocaria o seu direito em causa – “não pede para si a tutela jurisdicional”.26 Em termos mais precisos, “na assistência litisconsorcial existe uma pretensão material do assistente sobre o objeto material do processo, mas não pretensão processual pelo assistente deduzida, senão que foi deduzida pelo assistido, mas que, por isso mesmo está em juízo, e também a ele, assistente, diz respeito (tal como se ele a houvesse deduzido).”27 O artificialismo dessa construção é patente. Também na intervenção litisconsorcial voluntária inexiste necessidade de o interveniente pedir expressamente o bem da vida, pois “o simples ingresso do litisconsorte tem a virtude de envolvê-lo na demanda, estendendo-lhe os pedidos nela contidos”.28 Por outro lado, mais avulta a identidade de situações, sublinhada nos exemplos colecionados (v.g., o ingresso do sócio X no processo em que o sócio Y pede a invalidade da decisão tomada na assembleia geral da companhia Z), na circunstância que nada impedirá o possível interveniente de formular demanda conjunta com o futuro assistido. Parece óbvio que não pode ser o momento do ingresso a lhe definir a posição, litisconsorte se a participação é originária, assistente se a participação é superveniente. Bem por isso a primeira impressão colhida por arguto crítico dos textos legislativos, repelindo semelhante distinção, segundo o momento do ingresso, é a de que o art. 124 previu, “pura e simplesmente, uma hipótese de intervenção litisconsorcial, voluntária, no curso do processo”.29 E, por fim, se o objeto litigioso respeita ao assistente, tal como se ele, assistente, deduzisse a pretensão processual originária, tal fato só pode significar que seu direito está em causa e o juiz irá decidi-lo, declarando-o existente ou não. É alhures que se há de localizar o traço diferencial entre o litisconsórcio ulterior e a assistência autônoma. O elemento decisivo reponta em dado legislativo até agora negligenciado. Haverá assistência qualificada, na qual os poderes do assistente equiparam-se aos do litisconsorte, “sempre que a sentença influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido” (art. 124). À luz desse princípio, o ingresso do legitimado a postular, originariamente, o direito ou a defender o direito posto em causa, caracteriza a intervenção litisconsorcial voluntária. Não importa que essa legitimação seja ordinária

(v.g., o credor ou o devedor solidário) ou extraordinária (v.g., a do fiador que ingressa na execução movida pelo credor contra o devedor, promovendo-lhe o andamento, porque paralisada sem justa causa pelo credor, a teor do art. 834 do CC). Nessas situações, o interveniente (a) altera o objeto litigioso, tornando-o superveniente complexo, e (b) sujeitar-se-á à autoridade da coisa julgada. Inexiste influência da sentença na relação entre o interveniente e a outra parte, como exige o art. 124, mas formulação de regra jurídica atinente ao direito do interveniente, e, por isso, há coisa julgada. Por sua vez, a intervenção assistencial abrange hipóteses distintas. “Resta a assistência litisconsorcial para a situação do terceiro titular de legitimidade para litigar com o adversário do assistido, que intervém sem alterar o objeto do processo, mas não tem legitimidade para figurar como autor ou como réu desde o início”.30Desapareceu o exemplo da situação da mulher que ingressa na demanda movida pelo marido em defesa dos bens dotais, mas há outros, calhando à essa espécie de assistência: (a) o ingresso do herdeiro na demanda movida pelo espólio, sustentada pelo inventariante; (b) o ingresso do debenturista na ação movida pelo agente fiduciário contra a companhia devedora. Em casos tais, o interveniente não tem legitimidade para conduzir o processo em nome próprio, ou seja, de figurar como parte principal, mas os efeitos da sentença atingirão, diretamente, o seu direito. O vínculo externo que o submete à eficácia da sentença é diferente da coisa julgada, traduzido no efeito da assistência (art. 123). A fórmula da parte inicial do art. 124 (“Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente…”) suscita dúvida, porque calcada em ficção: ou se trata de assistência, induzida pela alusão à parte principal, ou se cuida de litisconsórcio, mais convindo esclarecer de que hipótese se trata, enfim, do que reputar o assistente um litisconsorte. Como quer que seja, o assistente qualificado não é litisconsorte. Quis o art. 124 declarar, pois necessitava fazêlo para tornar funcional o instituto da assistência qualificada, equivalerem os poderes do assistente autônomo aos do litisconsorte (infra, 787), seguindo a versão originária do § 69 da ZPO alemã (“… gilt der Nebenintervenient im Sinne des § 61 als Streitgenossen der Hauptpartei”).31 Em que pese concebível a distinção entre litisconsorte ulterior e assistente autônomo, nos termos aqui propostos, este último adquire, no direito brasileiro, função residual. Se o problema básico, ensejando a criação dessa figura no direito alemão, residia na intrínseca limitação dos poderes do assistente simples, inconveniente nos casos de litisconsórcio ulterior, talvez a disciplina dessa modalidade de ingresso mostrar-se-ia mais vantajosa.32 § 160.º Pressupostos da assistência 776. Momento de ingresso do assistente O primeiro e trivial requisito de admissibilidade da assistência consiste na pendência de uma causa. O art. 119, caput, exige que o ingresso do terceiro ocorra “pendendo uma causa entre 2 (duas) ou mais pessoas”. Essa expressão indica que é indispensável litispendência, cujo efeito origina-se, perante o réu, após a respectiva citação válida (art. 312, segunda parte). Ora, já existe

litispendência, relativamente ao autor, a partir da formação do processo. Por exemplo, proposta a demanda (art. 312, primeira parte), não se afigura lícito ao autor, mesmo antes de citado validamente o réu, ingressar com demanda idêntica, a teor do art. 337, § 2.º. Essa iniciativa esbarraria no óbice da litispendência, implicando a extinção do segundo processo (art. 337, § 3.º, c/c art. 485, V). Não é, pois, propriamente a litispendência, entendida como a integração do réu ao processo, que impede o ingresso do terceiro em fase tão preliminar do processo, logo após a propositura da ação, como geralmente se entende,33 mas em outro e mais significativo aspecto. O ingresso efetivo do interveniente, segundo o art. 120, caput, exige a audiência prévia de autor e de réu, ou seja, de ambas as partes, independentemente de qual delas o terceiro indicou como assistido. Ora, não se mostra possível colher a manifestação do réu antes que seja citado, exceto se o interveniente providenciar a anuência expressa do réu na própria petição. Eis a razão por que o ingresso do assistente, via de regra, ocorre após o réu encontrar-se representado no processo, ensejando a intimação por um dos meios hábeis. A defesa processual do réu não abrange a indevida intervenção de terceiro (art. 337). Por conseguinte, o momento oportuno para o ingresso do assistente começa em fase adiantada do processo em virtude de razões práticas nada desprezíveis, derivadas da obrigatoriedade do contraditório (infra, 782). É preciso que o réu se encontre representado ou, permanecendo revel, que os prazos fluam mediante publicação no órgão oficial (art. 346, caput). No tocante ao termo final para o ingresso do assistente, à luz da maleável expressão “em todos os graus de jurisdição”, inserida no art. 119, parágrafo único, entende-se, inicialmente, ocorrer até após a emissão de pronunciamento, de meritis, desfavorável ao assistido, talvez por essa razão, mediante o emprego do recurso próprio (art. 996, caput). O ordenamento jurídico brasileiro confere ao terceiro os mesmos recursos atribuídos às partes (art. 994). Consoante fórmula que prima pela elegância, “não há recurso de que só terceiro disponha, nem recurso de que disponham as partes e se negue em tese ao terceiro”.34 É mais duvidosa a possibilidade de o terceiro aderir ao recurso já interposto. Restringindo a análise, por amor à brevidade, ao termo final, o certo é que, proferida a sentença de primeiro grau, o terceiro poderá interpor embargos declaratórios e apelação, e do acórdão do tribunal, conforme a hipótese, embargos de declaração e os recursos especial e extraordinário. O termo final se situaria, nessa perspectiva, no trânsito em julgado.35 A pendência de recurso nos tribunais superiores (STF e STJ) não impede o pedido de assistência.36 Porém, nem todo processo se encerra com a emissão de provimento apto a extingui-lo (art. 316). Em geral, proferida a sentença definitiva (art. 487), o processo prosseguirá com o intuito de realizar, na prática, a regra jurídica formulada. E mesmo na hipótese de se tratar de sentença terminativa (art. 485), não se descarta o prosseguimento para executar o capítulo acessório da sucumbência. Concebe-se, nesses casos, a intervenção do terceiro na fase (ou no processo) de execução (infra, 778). Desse modo, o trânsito em julgado não fixa, em termos peremptórios, o termo final para admissão do assistente.37 Na realidade, a faculdade findará no momento em que o processo extinguir-se, ou porque nada há para executar ou cumprir (v.g., a

sentença tem força declaratória e o vencido desfruta do benefício da gratuidade), ou porque o vencedor já executou o capítulo principal e o acessório do pronunciamento judicial. Nesses casos, desaparece o requisito do processo pendente previsto no art. 119, caput. 777. Interesse jurídico do assistente É preciso que a pessoa interessada em ingressar no processo pendente exiba interesse jurídico que o habilite a figurar como assistente. Ressalva feita às situações em que a lei, explicitamente, dispensa o caráter estritamente jurídico a tal requisito, não basta o interesse econômico – ou de qualquer outra natureza: moral, classista, intelectual e partidário.38 Essas aspirações convolaram-se no interesse político que autoriza outra espécie de intervenção, a do amicus curiae (retro, 759.1.3). A distinção entre o interesse jurídico e o interesse de fato já foi traçada anteriormente (retro, 759.1.1). Consoante ponderações feitas então, o interesse jurídico deriva da titularidade de relação jurídica autônoma, mas dependente da relação jurídica transformada em objeto do processo, reflexamente atingida pelos efeitos da sentença. Exemplo clássico reponta no caso do sublocatário. A decretação do despejo do locatário, dissolvendo a relação principal de locação, por via de consequência também desfaz a relação jurídica derivada de sublocação. É menos intenso, mas igualmente jurídico, o interesse do tabelião em intervir na ação em que os figurantes de escritura pública, lavrada em seu cartório, disputam a validade do instrumento. Eventual acolhimento da invalidade expõe o tabelião à pretensão indenizatória do figurante prejudicado. A rejeição da pretensão, ao contrário, situa o tabelião em posição mais favorável, isentando-o dessa responsabilidade. É verdade, todavia, que inexiste relação jurídica dessa natureza, no momento da intervenção, entre o tabelião e os figurantes da escritura.39 Ela surgirá secundum eventus litis – decorre da possível invalidação do instrumento notarial. Também é jurídico, porque descansa em relação jurídica, o interesse do cônjuge, do companheiro ou de qualquer parente em grau sucessível de intervir na ação de interdição (art. 752, § 3.º). O direito do pretendente a ingressar no processo alheio como assistente pode encontrar-se subordinado a termo ou a condição. Porém, admissível que seja o interesse jurídico eventual, a ameaça há de ser atual, não bastando o receio temido ou futuro, pois não se admite o ingresso do assistente baseado em simples jactância.40 Em contrapartida, o interesse autorizador da assistência autônoma ostenta intensidade idêntica à do interesse do assistido.41 Os efeitos da sentença atingirão, diretamente, a relação entre o assistente e o adversário do assistido, na qual figura o assistente, todavia desprovido de legitimidade para participar do processo como parte principal. Esse aspecto acabou fixado na identificação dessa espécie de assistência (retro, 775.2). 778. Possibilidade de influência do assistente

O art. 121, caput, autoriza a assistência com o fito de a parte auxiliar a obter uma sentença favorável à parte principal assistida. É complemento necessário dessa disposição a possibilidade de o terceiro intervir “em qualquer procedimento”. A conjugação das regras revela o exato sentido do princípio intrínseco à intervenção assistencial. Ela tem lugar independentemente da estrutura do procedimento ou da função instrumental predominante do processo. No processo em que a função preponderante avulta na formulação da regra jurídica concreta, não importa o tipo de procedimento, comum ou especial. E, no processo formado com pretensão à segurança antecedente ou autônoma (art. 294, parágrafo único), em que a cognição é sumária, atendendo à tutela da aparência, nada há de particular que pré-exclua a assistência.42 A tranquila admissibilidade da assistência nos processos em que predomina cognição sumária demonstra a fragilidade do entendimento, todavia predominante, no sentido que não cabe assistência no procedimento do mandado de segurança. O “rito célere e expedito do mandado de segurança” não constitui óbice relevante à intervenção do assistente. Esse fundamento, invocado nos precedentes,43 ignora que a celeridade decorre, basicamente, do caráter sumário da cognição, que ésecundum eventus probationis, pois a pretensão depende de prova pré-constituída. Eventual falta de remissão ao instituto da assistência, na disposição da lei especial que admite o cabimento do litisconsórcio (art. 24 da Lei 12.016/2009),44 tampouco justifica a restrição. O NCPC funciona, nesses casos, como regra geral supletiva, o imenso reservatório de disposições complementares que suprem as omissões das leis extravagantes.45 Não é uniforme o entendimento em prol da admissão da assistência na seara executiva. Enquanto alguns a admitem sem reservas,46 inclusive invocando a disposição permissiva do velho Regulamento 750/1850,47 forte corrente inclina-se pelo cabimento da assistência exclusivamente nos embargos do executado, porque ação incidental em que predomina a função cognitiva.48 As opiniões contrárias à admissibilidade no direito anterior brandiam argumentos de peso, plenamente aplicáveis ao NCPC: (a) o art. 119, caput, adscreve o escopo da intervenção do assistente à obtenção de uma sentença favorável ao assistido, mas “sentença” desse conteúdo inexiste na execução, cujo desfecho é unívoco, sempre a favor do exequente, esvaziando, assim, a finalidade precípua do instituto; (b) não se configura o interesse capaz de levar alguém a coadjuvar uma das partes da demanda executória. E há um terceiro e novo argumento: quando pretendeu admitir a modalidade interventiva na execução, o NCPC o faz expressamente (art. 134, caput). Ora, na leitura do art. 119, caput, convém não olvidar a reminiscência do vezo calibrar seus conceitos e regulamentos com vistas ao processo de conhecimento. As mãos que modelaram o CPC de 1973 julgaram inútil uma parte geral, onde os institutos afins às estruturas concebidas, ou seja, aos processos de conhecimento, de execução e cautelar, visão superada no NCPC. A despeito da vocação universalista do capítulo da assistência, persistem indefinições, porque há regras oscilando em zonas duvidosas.

O art. 119, caput, ainda padece daquela vocação “imperial” do segundo estatuto unitário.49 Despreza as peculiaridades da execução. Exageram no rigor da interpretação os adversários da assistência. Em primeiro lugar, há sentença no processo executivo (art. 925), podendo favorecer ao exequente, na clássica hipótese de satisfação do crédito (art. 924, II), ou ao executado se, por qualquer motivo, extinguir-se a execução sem perda patrimonial, mediante juízo de inadmissibilidade (art. 924, I). Fato líquido é que o art. 119, caput, abrange sentença definitiva e sentença terminativa. Tampouco se afigura improvável pinçar o interesse autorizador dessa espécie de intervenção voluntária. Se o futuro assistente deve exibir interesse qualificado, vale dizer, a titularidade de relação jurídica dependente ou conexa à litigiosa, de modo que o resultado do processo influa na sua posição ativa ou passiva,50preencherá o requisito à primeira vista no procedimento in executivis. Por exemplo, o fiador possui legitimidade para promover a execução se o credor permanece inerte ou a retarda, sem justo motivo, frente ao afiançado. Ora, o fiador e o abonador, dotados de legitimidade para propor a execução, ostentam o mesmo jurídico interesse para intervir em processo pendente, objetivo bem menos ambicioso. Exemplo de interesse em auxiliar o legitimado se colhe, ainda, no debenturista ansioso pelo êxito do agente fiduciário – por sinal, assistência qualificada (retro, 775.2). Em certa ocasião, o extinto TARS reconheceu interesse ao terceiro adquirente da coisa penhorada em assistir ao executado e alienante, defendendo a higidez do negócio, de outra maneira passível de ineficácia por fraude.51 Por fim, a menção a “qualquer procedimento” revela-se suficientemente maleável para abranger o procedimento in executivis autônomo ou incidental (cumprimento da sentença). Em suma, admissível que seja a assistência na ação de embargos, ela há de ser acolhida, igualmente, na execução. § 161.º Procedimento de admissão do assistente 779. Formação do incidente de admissão do assistente Em qualquer das duas espécies, simples (dependente) ou litisconsorcial (autônoma ou qualificada), a intervenção subordina-se a pedido do assistente. É o que declara o art. 120, caput, curando do deferimento da postulação. Localizado na Seção I – Disposições Gerais – do capítulo, abrange as duas modalidades. A formulação desse pedido de intervenção enseja um incidente no processo, parcamente disciplinado no art. 120, parágrafo único, em virtude da particular aversão do NCPC aos incidentes autônomos e, especialmente, suspensivos. Fixação curiosa, vez que dilatou prazos e flexibilizou sua contagem, malbaratando tempo precioso. A iniciativa do interveniente expressar-se-á em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, no primeiro grau, e ao relator do recurso ou do processo de competência originária (v.g., mandado de segurança), no tribunal. Essa

petição seguirá, em termos, o art. 319. O emprego desse modelo tornará o pedido minimamente inteligível ao órgão judiciário: o interveniente não propõe demanda autônoma, e, nessa contingência, simplificações e ajustes precisam ser feitos na peça. Em seguida ao endereçamento (art. 319, I), o assistente qualificar-se-á adequadamente na petição, explicitando nome, prenome, estado civil, profissão, endereço físico e eletrônico e o número do cadastro na Receita Federal, a teor do art. 319, II. O assistente indicará a causa em que pretende ingressar fornecendo os dados úteis à sua cabal identificação: o nome das partes, a natureza do feito, o número do seu registro e a data do seu início (art. 206). Esses dados facilitam a juntada da petição no processo físico correto. Cuidando-se de processo eletrônico, o interveniente postulará nos respectivos autos virtuais. Depois, o interveniente apontará claramente quem almeja coadjuvar, explicitando – e aqui reside o ponto de maior transcendência – o interesse jurídico que o habilita a prestar semelhante auxílio, ou seja, o interesse concreto e atual no êxito de um dos litigantes. Para essa finalidade, constitui ônus do assistente indicar o vínculo entre o seu direito, devidamente individualizado, e o objeto litigioso.52 Por exemplo, tratando-se de sublocatário, almejando ingressar na ação de despejo em auxílio do locatário, deverá alegar (e provar) a existência dessa relação jurídica. É nesse momento que o juiz verificará se a sublocação mostra-se legítima, porque consentida, ou não, posto que tacitamente (art. 13, § 2.º, da Lei 8.245/1991). Tratando-se de sublocação ilegítima, contratada pelo locatário sem o consentimento do locador, e até contra expressa disposição contratual, entende-se que o sublocatário nem sequer exibe interesse jurídico, como revelam precedentes a respeito.53 Será caso de rejeição liminar. O art. 120, caput, parte final, aventa essa possibilidade, mostrando-se plausível conjecturar fundado nesse caso a previsão legislativa. Finda o interveniente por requerer a intimação das partes, ensejando-lhes oportunidade para impugnar, e o acolhimento do pedido de ingresso no processo. O art. 120, caput, assinala o prazo de quinze dias para essa oposição. Não se tratando de causa nova, mas de simples adesão à que já tramita em juízo, inexiste a necessidade de indicar qualquer valor específico na petição do interveniente. Nada obsta que o interveniente, desde logo, indique os meios de prova que estima úteis ao assistido. Cabe-lhe, sem embargo, produzir a prova pré-constituída disponível do seu interesse jurídico, por analogia com o art. 434, caput. Segundo a tradição do direito brasileiro, “não é precisa uma prova rigorosa, mas basta que aliqueter, et apparenter mostre o seu prejuízo, ou interesse”.54 E, realmente, às vezes o assistente não dispõe de prova documental (v.g., contratou a sublocação verbalmente: a locação é contrato informal). 780. Deslocamento da competência em razão do pedido de assistência

Concebe-se que o pedido de assistência seja formulado por sujeito federal, hipótese expressamente indicada como de competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). Nessa hipótese, a jurisprudência do STJ cristalizou-se no sentido de que a competência do processo, tramitando na Justiça Comum, desloca-se, incontinenti, para a Justiça Federal, a qual compete privativamente avaliar o cabimento da intervenção assistencial (Súmula 150 do STJ). Não importa que a intervenção ocorra após a sentença (Súmula 365 do STJ). Excluído o sujeito federal, posteriormente, o juiz federal restituirá os autos à origem (Súmula 224 do STJ). Essa decisão não comporta reexame na origem (Súmula 254 do STJ). O deslocamento do processo para a Justiça Federal não ocorre no caso de participação do sujeito federal no concurso especial de credores, modalidade atípica de intervenção de terceiros na execução, consoante a Súmula 270 do STJ. Esses verbetes inspiraram o art. 45 do NCPC. Esse assunto já recebeu análise anteriormente (retro, 388.5), mas cabe recordar alguns aspectos. Não se deslocará a competência nos processos arrolados no art. 45: (a) de recuperação judicial, falência, insolência civil e acidente de trabalho (inc. I); (b) adstritos à justiça eleitoral e à justiça do trabalho (inc. II). E, ademais, havendo pedido de competência da Justiça Comum, também não se deslocará o processo (art. 45, § 1.º), mas o julgamento não abrangerá o que for do interesse do sujeito federal (art. 45, § 2.º): nesse caso, o juiz reduzirá objetivamente o objeto litigioso, fazendo cessar a causa da intervenção. 781. Controle inicial do pedido de assistência O pedido de intervenção submeter-se-á, desde logo, ao controle inicial do juiz. Evidenciando-se a circunstância de o interveniente não preencher os requisitos legais (v.g., inexiste interesse jurídico, pois se trata de interesse de fato), o órgão judiciário pode indeferir o pedido de plano (art. 120, caput, parte final). Dessa decisão caberá agravo de instrumento (art. 1.015, IX). Naturalmente, criou-se incidente para a admissão do assistente, mas o ato do juiz, a despeito de impugnável, não outorga ao interveniente os poderes (e deveres) que só o ingresso admitido podem lhe atribuir. Cuida-se de intervenção efêmera, supondo-se correto o indeferimento, porque fadada ao insucesso. Por outro lado, a petição do (ainda) terceiro talvez padeça de defeito formal – por exemplo, o interveniente não a fez acompanhar da procuração passada ao advogado, que é documento indispensável (art. 320). Em tal hipótese, o juiz aplicará, por analogia, o art. 321, caput, abrindo o prazo de quinze dias para o interveniente erradicar o vício. 782. Obrigatoriedade do contraditório no pedido de assistência Vencida a etapa do controle inicial, porque, à primeira vista, o juiz estimou apta a petição do interveniente, concorrendo, em tese, os pressupostos de admissibilidade da assistência, o juiz colherá, obrigatoriamente, a manifestação das partes no prazo de quinze dias (art. 120, caput, primeira parte). O prazo flui na forma comum (art. 219 c/c art. 224).

Lícito que seja ao juiz indeferir o pedido de intervenção de plano, porque flagrantemente inadmissível, a exigência do contraditório impede-lhe, ao invés, de deferi-lo imediatamente.55 Não se mostra exato que, mandando ouvir as partes, o juiz adiantaria o deferimento do pedido, emitindo provimento sujeito a confirmação ou resolução conforme o juiz, posteriormente, acolha ou rejeite a impugnação porventura oferecida.56 O ingresso do assistente não é automático. Do contrário, inexistiria a previsão de audiência das partes. O art. 120, caput, primeira parte, declara que, inexistindo impugnação, “o pedido do assistente será deferido”. O único dado em apoio à censurada interpretação avulta na menção a “assistente”, quando o correto seria chamá-lo interveniente, mas trata-se de simples pecadilho.57 Importa mais a fórmula verbal emprega no art. 120, caput, primeira parte. O futuro do presente evidencia que o pedido de intervenção não recebera, ainda, qualquer apreciação significativa do juiz e, em princípio, considerando a anuência tácita das partes, “será deferido”. Em outras palavras, o “texto é imperfeito quando se reporta a pedido do assistente, pois, só depois do deferimento, será ele assim denominado”.58 Na verdade, não sendo o caso de indeferimento liminar, o juiz cinge-se a abrir vista às partes. O tão enaltecido diálogo do juiz com as partes assim o exige por força do art. 9.º e 10 do NCPC, nada importando a falta de previsão do ato no art. 120, caput. Existem situações em que não se pode aquilatar, definitivamente, o interesse do interveniente. Figure-se a hipótese de sublocação contratada verbalmente. Esse contrato não tem forma ad solenitatem e, neste caso, o pedido do interveniente não se encontrará instruído de prova documental idônea. Representaria temeridade o juiz admitir a assistência sem, ao menos, colher a confirmação do locatário quanto à existência desta relação jurídica derivada ou subcontrato. Prescindir-se-á, todavia, da abertura de vista no caso de o interveniente houver obtido, previamente, a anuência de ambas as partes. Então, concorrendo os pressupostos, cujo exame incumbe ao juiz aquilatar, ex officio, com ou sem a convergência de vontade das partes principais, o juiz poderá deferir, in limine, o ingresso do terceiro. É mais comum que a anuência seja só do futuro assistido. Cumpre intimar a outra parte principal, então, antes de deferir o pedido. Legitimam-se ambas as partes a impugnar o pedido de intervenção. É o que se depreende do art. 120, parágrafo único (“Se qualquer parte alegar…”). Ao adversário do futuro assistido não interessa, por óbvio, o ingresso do assistente. Os poderes conferidos ao interveniente podem suprir, em pontos decisivos e relevantes, os comportamentos omissivos ou a deficiência na atuação da parte principal. A representação técnica do interveniente por mestre do ofício talvez indique dificuldades superiores às impostas pela contraparte originária. Por sua vez, o futuro assistido talvez não queira reconhecer, nem sequer implicitamente, a existência de relação jurídica com o pretendente à qualidade de assistente. A esses motivos, há que se acrescentar outro, mais geral, relativo à regularidade do processo. A intervenção do assistente impõe aumento de atividade processual (v.g., a intimação do advogado do assistente) e, não concorrendo os pressupostos do instituto, de modo estrito, semelhante acréscimo revelar-se-á contraproducente na perspectiva do interesse público, inteiramente voltado a imprimir duração razoável ao processo.

Seja como for, não se afigura lícito a nenhuma das partes impugnar o pedido de intervenção imotivadamente. O art. 120, parágrafo único, ao aludir à falta de interesse jurídico, contentou-se com o quod plerumque accidit, e, sem dúvida, o pressuposto fundamental. Nada pré-exclui, porém, a arguição de defeitos formais,59todavia supríveis, a qualquer momento, por determinação do juiz (v.g., a juntada de procuração). Concebe-se, em lugar da impugnação fundamentada, a inércia das partes. Em tal hipótese, divisando aceitação tácita das partes, e já tendo o pedido passado pelo crivo inicial do órgão judiciário, há opinião no sentido de entender superada a questão relativa à admissibilidade da assistência.60 Esse alvitre baseia-se na errônea suposição que o juiz já admitiu o pedido de ingresso do terceiro, funcionando o acolhimento da impugnação como condição resolutiva da participação do interveniente. Não é isso que ocorre, na realidade, e por relevantes razões práticas, pois nem sempre o juiz dispõe de elementos para emitir decisão positiva. E, de toda sorte, o silêncio das partes jamais conduziria à preclusão dos poderes do juiz. Os pressupostos de admissibilidade da assistência constituem matéria de ordem pública, submetida, portanto, ao conhecimento ex officio.61 Logo, o silêncio tem apenas o efeito de gerar presunção a favor do interveniente, cumprindo ao juiz decidir à luz do estado dos autos. 783. Processamento da impugnação ao pedido de assistência Feita a impugnação ao pedido de intervenção, no prazo peremptório de quinze dias, o lacônico art. 120, parágrafo único, declara: “o juiz decidirá o incidente, sem suspensão do processo”. Também o direito anterior negava efeito suspensivo ao incidente de admissão do interveniente, mas previa a autuação em apenso da postulação interventiva, da impugnação e documentos correspondentes. Formavam-se autos autônomos, porque o processamento do incidente, in simultaneo processu, implicaria tumulto e procrastinação no andamento da causa, fatores negativos debitáveis a uma intervenção talvez impertinente. O art. 120, parágrafo único, quis imprimir automatismo à decisão do juiz e simplificar o que, salvo engano, não se afigura tão simples. De ordinário, o impugnante produz prova documental, hipótese em que o juiz mandará ouvir o interveniente, no generoso (e prorrogável, a teor do art. 437, § 2.º) prazo de quinze dias, a teor do 437, § 1.º, porque o contraditório é imperioso para legitimar eventual decisão em qualquer sentido. A respeito dos documentos produzidos no pedido a que se refere o art. 120, caput, a(s) parte(s) manifesta-se na impugnação. Logo, é com o pedido de intervenção e com a impugnação que a prova documental há de ser produzida, por analogia ao disposto no art. 434, caput. Ora, a impugnação à prova documental – ponto alto do NCPC – envolve as matérias do art. 436, I a IV, e nada préexclui, v.g., a arguição de falsidade; por exemplo, o interveniente falsificou o contrato de sublocação. Não parece nada razoável, existindo controvérsia dessa natureza, repelir o pedido de assistência, à outrance, sem apurar semelhante questão de fato. E nada impede ao impugnante e ao interveniente propor outras provas. Requerida produção da prova testemunhal, ou determinada ex officio, ao juiz

caberá designar audiência para inquirir as testemunhas. Essa possibilidade era prevista no direito anterior, e, nada obstante a omissão, semelhante meio de prova pode ser admissível. Por exemplo, o interveniente alega a existência de sublocação, o suposto locatário impugna a afirmação, mas há começo de prova por escrito (v.g., recibo da administradora do imóvel, passado em nome da parte), autorizando a produção da prova testemunhal (art. 444). Não tem o menor sentido fixar prazo exíguo para a produção de prova.62 Em vista disso, há dois termos de alternativa: (a) o indeferimento da intervenção, fundada apenas na resistência esboçada à intervenção, não se mostrando esclarecedora a prova documental; (b) o deferimento da prova testemunhal, esclarecendo se há, ou não, o interesse jurídico, decorrente de relação jurídica autônoma em que figura o interveniente. A primeira alternativa é claramente inadmissível. Como já se disse, o adversário da parte assistida tem o maior interesse em não vê-la coadjuvada pelo terceiro, às vezes por motivos contrários ao direito ou – permita-se dizer – táticos. Em contrapartida, a intervenção é direito processual do terceiro, pois o pronunciamento surtirá efeitos na sua esfera jurídica. Logo, em determinados casos, impõe-se resolver a questão de fato. Era superior, nesse ponto, a autuação em apartado do incidente. É a linha recomendada, ponderando os interesses em jogo. 784. Recurso cabível contra a decisão do incidente de intervenção do assistente Decidido o incidente, conforme o art. 120, parágrafo único, in fine, o juiz proferirá decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Seja qual for o respectivo conteúdo, admitindo ou não o terceiro, dessa decisão caberá agravo de instrumento (art. 1.015, IX).63 A parcimônia do NCPC quanto ao cabimento do agravo de instrumento não atingiu as decisões positivas ou negativas a respeito da fase de conhecimento. Revelar-se-ia inútil, com efeito, reexame ulterior dessa questão, prejudicando a sua atividade útil em prol do assistido.64 Por exemplo, em dado processo controverte-se a possibilidade de o tabelião exibir interesse jurídico para intervir na ação em que se controverte a validade da escritura pública lavrada no seu ofício,65 não convindo que essa questão permaneça latente até a subida da apelação; então, o uso do agravo de subida imediata é recomendável. Embora no atual sistema sejam parcas as hipóteses de admissibilidade do agravo, sempre nos pareceu que à boa marcha do processo importa resolver as questões prévias o quanto antes, em qualquer sentido, ou para declarar inadmissível o julgamento do mérito ou para propiciá-lo, em primeiro grau, e o da apelação, no órgão ad quem, sem empecilhos de qualquer natureza. Legitimam-se a recorrer, da decisão de acolhimento, o impugnante; e do indeferimento, o interveniente. Em princípio, à parte que não impugnou o pedido de intervenção falta interesse em impugnar a decisão que admitiu o assistente, porque representaria comportamento contraditório, quanto à anterior admissão tácita, e, pela razão inversa, nada a impede de agravar do indeferimento. Essas posições iniciais, inclusive a que confere interesse ao interveniente para recorrer do indeferimento,66 no fundo dependem da fundamentação do ato. Por exemplo, estimando o juiz que o pretendente

quadra-se na figura da assistência qualificada, surge interesse do adversário do assistido em impugnar o ato, apesar de não ter impugnado o ingresso. O agravo não controverteria apenas os motivos do ato decisório, mas propiciaria ao recorrente flagrante vantagem prática, impedindo a apreciação incidental dessa suposta relação. 785. Efeitos do provimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente A pendência de recurso contra o indeferimento da intervenção tem relevantes consequências. Por óbvio, no caso de desprovimento da pretensão recursal, a consolidação do provimento de primeiro grau confere natureza efêmera à intervenção: o terceiro não logrou sucesso no seu intento de transformar-se em parte. O simples pedido de intervenção carece dessa eficácia, em que pese o juiz processá-lo na forma do art. 120, parágrafo único (retro, 779). Resta enfrentar o problema da eventual renovação do pedido (infra, 795). Revela-se mais complexa a situação, porém, no caso de o provimento do agravo interposto pelo interveniente (ou, a fortiori, pelo adversário do impugnante, reconhecendo-se o seu interesse em impugnar o ato, retido ou não), ocorrer após algum tempo, desenvolvendo-se o processo, entrementes, sem a participação do interveniente. Nenhuma solução é plenamente satisfatória. O efeito ex tunc da resolução do tribunal, como de regra, implicaria desfazer os atos praticados, in medio temporis, a exemplo da instrução, em flagrante contrariedade ao princípio da economia. Por outro lado, o efeito ex nunc da decisão do tribunal tornaria irrelevante a contribuição do assistente ao debate em pontos capitais – a exemplo, outra vez, da produção da prova. E não parece razoável, nesta contingência, não influindo o assistente no material que o juiz empregará para julgar a causa, haja vista as preclusões ocorridas, submetê-lo ao efeito da intervenção, porque caracterizada, por suposto, a hipótese do art. 123, I – o assistente, em razão do estado em que recebeu o processo (art. 119, parágrafo único, segunda parte) ficou impedido de “produzir provas suscetíveis de influir na sentença”. A concessão de efeito suspensivo ao agravo do interveniente evita essas consequências, porém não as evita completamente, por duas razões: (a) a concessão desse efeito não é obrigatória, mas ope judicis; (b) o art. 120, parágrafo único, in fine, nega efeito suspensivo ao incidente de intervenção, e tal regra não se dirige unicamente ao primeiro grau, obstando que o relator suspenda o processo com base no art. 1.019, I, restando-lhe tão somente antecipar os efeitos da pretensão recursal, admitindo o assistente. Nesse último caso, desprovido o agravo pelo órgão fracionário, surge o problema do aproveitamento dos atos praticados pelo interveniente. É preferível, cotejando os interesses em jogo, eliminar o efeito ex tunc do provimento do agravo contra a decisão que não admitiu a intervenção. Em matéria de assistência, o princípio básico é o do art. 119, parágrafo único: o assistente recebe o processo no estado em que se encontra. Assim, de

acordo com o estágio do processo, no momento em que o tribunal admiti-lo, o interveniente não se submeterá aos efeitos da intervenção (art. 123, I).67 No entanto, o STJ já desfez os atos praticados, in medio temporis, pela falta de participação do assistente admitido no julgamento de agravo de instrumento.68 786. Efeitos do desprovimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente Desprovido o agravo interposto contra a decisão que indeferiu o pedido de intervenção, ou deixando o interveniente de recorrer, ocorrerá preclusão, consolidando a negativa ao ingresso. Porém, concebe-se o interveniente pleiteiar o ingresso, outra vez, em estágio diferente do processo. Cumpre distinguir os fundamentos do ato que indeferiu o pedido de intervenção. O indeferimento baseado na inexistência do interesse jurídico (v.g., o juiz entendeu imprópria a intervenção do tabelião que lavrou o ato na ação em que partes controvertem a validade da escritura pública), ou na inadmissibilidade da intervenção no procedimento (v.g., o juiz estimou incabível, erroneamente, a assistência na execução), não permite a renovação do pedido. Incide, diretamente, o art. 505, caput, segundo o qual nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas e relativas à mesma lide. Voltada às questões de mérito, a disposição aplica-se como luva à mão na hipótese sob exame. Não há fundamento novo repelindo o obstáculo já reconhecido, em virtude do princípio da eventualidade, mostrando-se improvável a alegação de fundamentos realmente novos ou o andamento do processo produza fato novo relevante. Eventualmente, há mudança na situação jurídica do terceiro, superveniente ao indeferimento, permitindo a intervenção. Por exemplo, A invoca o ingresso na ação entre B e C, controvertendo a validade de negócio jurídico, dizendo-se fiador de C, e, portanto, interessado no êxito do devedor B, mas o contrato de fiança encontrava-se extinto, porque vencido o termo, e, por isso, o juiz indeferiu o pedido. Em seguida, A pleiteia a intervenção, outra vez, porque ocorreu a renovação da fiança. Nessa hipótese, bem como em outras excepcionais (v.g., o juiz indeferiu o pedido, porque o interveniente não se fez representar por advogado), mostra-se admissível renovar o pedido. § 162.º Efeitos da intervenção do assistente 787. Aquisição da qualidade de parte pelo assistente Deferido o pedido, o interveniente adquire a condição de parte auxiliar da parte principal (art. 121, caput). É o objetivo principal do terceiro, mas à condição de parte agregam-se outros efeitos. A intervenção do assistente produz, incontinenti, dois efeitos: (a) o assistente receberá o processo no “estado em que se encontra” (art. 119, parágrafo único, in fine); (b) transitada em julgado a sentença proferida no processo entre o assistido e seu adversário, o assistente, posto não deduza direito próprio na causa, “não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão” (art. 123, caput), salvo exceções.

Esse último efeito, chamado “efeito da intervenção”,69 constitui o principal corolário da participação do assistente no processo. 788. Efeitos internos da intervenção do assistente É lícito ao assistente, segundo o art. 119, parágrafo único, primeira parte, intervir “em todos os graus de jurisdição”, significando intervir em qualquer fase do processo. O termo inicial e o termo final, ou momento da intervenção, já foram assinalados (retro, 776). Sucede que nem sempre a intervenção consolida-se, mediante o provimento definitivo admitindo-a, na fase inicial do processo, descortinando horizontes mais vastos para o interveniente. É bem possível ocorrer essa intervenção, por exemplo, após o encerramento da instrução, inclusive depois da prolação da sentença, hipótese em que só resta ao assistente apelar do provimento, invocando o art. 996, caput. Consoante o efetivo momento da intervenção, cogita-se dos efeitos atuais desse ingresso no processo pendente. Resolve a questão o art. 119, parágrafo único, in fine, rezando que o assistente receberá o processo “no estado em que se encontre” (in statu et terminis). Essa regra esclarece que a intervenção do assistente surte efeitos ex nunc. Em outras palavras, não se reabrem, por força da intervenção, as fases ou oportunidades processuais perdidas ou consumadas.70 O assistente submete-se às preclusões já verificadas entre as partes. Fica impedido de discutir as questões já suscitadas e decididas (art. 507).71 Por exemplo, intervindo o assistente após a designação do perito e do prazo de quinze dias para as partes formularem quesitos e indicarem assistentes (art. 465, caput, e § 1.º), essa oportunidade escapou do assistente, restando-lhe os poderes subsequentes: impugnar o laudo, formular quesitos suplementares e inquirir o perito e assistentes em audiência. Em contrapartida, conforme a extensão maior ou menor do efeito da intervenção (infra, 789), mostrar-se-á lícito ao assistente controverter a questão já decidida, anteriormente ao momento do respectivo ingresso, no futuro e eventual processo movido pelo assistente para controverter a justiça da decisão. 789. Efeitos externos da intervenção do assistente A intervenção do assistente simples no processo pendente tem finalidade nítida. O interveniente ingressa no processo para defender diretamente o direito posto em causa do assistido, e indiretamente o seu próprio direito, mas estranho ao objeto litigioso. E intervém, no processo alheio, porque os efeitos próprios da resolução de mérito repercutiriam na sua esfera jurídica, reflexamente (assistência simples) ou diretamente (assistência qualificada). Esses efeitos se produziriam, de qualquer maneira, intervindo ou não o titular da relação jurídica conexa com o objeto litigioso. Porém, realizada a intervenção voluntária, a participação do assistente o vincula ao desfecho na causa. Em outras palavras, “os efeitos naturais da sentença que – na ausência de convocação do terceiro – refletir-se-iam, não o atingindo, agora o atingem e produzem o fenômeno denominado efeito da intervenção”.72

A finalidade da intervenção do assistente qualificado é um pouco diferente. Os efeitos da sentença atingem, diretamente, o seu próprio direito (retro, 775.2). Em qualquer hipótese, todavia, a autoridade da coisa julgada (estritamente) não atinge o assistente simples ou autônomo. O motivo é trivial, mas nada tem a ver com a exequibilidade como pretendeu o CPC português de 1939.73 Na realidade, o órgão judiciário simplesmente não julga a relação jurídica na qual figura o assistente, por definição estranha ao objeto litigioso, no primeiro caso. E o art. 503, caput, declara, categoricamente, produzir-se a autoridade da coisa julgada “nos limites da questão principal”, ou seja, do mérito ou objeto litigioso. Em tal âmbito, ademais, a autoridade recai sobre as questões expressamente decididas (infra, 789.1). Pouco importa a participação da parte auxiliar. Logo, após a intervenção o assistente simples adquiriu a qualidade de parte, e, destarte, como estabelece o art. 506, deixou de ser terceiro desvinculado da autoridade de coisa julgada, mas ainda assim subtrai-se à eficácia da declaração do decisum por outro motivo mais substancial: o objeto do processo não envolveu a relação jurídica da qual é figurante. Por exemplo, o fiador que interveio na ação de invalidade movida pelo devedor principal contra o credor, julgada improcedente, não encontrará obstáculos, na demanda superveniente em que credor pleiteie a prestação, em controverter a validade do próprio contrato de fiança, invocar causas autônomas de extinção da fiança (v.g., ocorreu mudança da obrigação) e questionar a extensão da sua responsabilidade (Súmula 214 do STJ). Em relação à assistência autônoma, partindo premissa que a distingue do litisconsórcio ulterior em ponto capital – o interveniente não ostenta legitimidade para conduzir o processo, autonomamente, como parte principal –, a tendência natural consiste em submetê-lo à autoridade da coisa julgada.74 Tal não acontece, porém, por razão distinta da precedente. Com efeito, o assistente litisconsorcial, embora figurante da relação jurídica substancial transformada em objeto litigioso, ou mérito, enfrenta restrições em sua capacidade de conduzir o processo em nome próprio e autonomamente. Ora, não podendo conduzir o processo como entende correto e desejável, a autoridade de coisa julgada também não pode atingir essa pessoa com toda a sua força e intensidade. Deslocou-se o art. 123 para seção relativa à assistência simples, mas o arranjo formal não elimina a força do argumento precedente, cujo fundamento é constitucional. E há mais um elemento a considerar nessa conclusão sistemática. O art. 123 não copiou, nesse particular, a redação do § 69 da ZPO alemã. A disposição germânica pressupõe, consoante a disciplina do direito material, a extensão da coisa julgada à relação entre o assistente e o adversário do assistido (“Insofern nach den Vorschriften des bürgerlichen Recths die Rechtskraft der in dem Hauptprozess erlassenen Entscheidung auf das Rechtshältnis des Nebenintervenient zu dem Gegner von Wirksamkeit ist…”). Naquele sistema, portanto, a autoridade da coisa julgada opera perante o assistente qualificado (v.g., do herdeiro perante a ação sustentada pelo espólio representada pelo inventariante).75

Ora, tal vínculo não é admissível, no ordenamento brasileiro, consoante o direito fundamental processual do art. 5.º, LIV, da CF/1988. A pessoa que não teve ou não tem a oportunidade de pôr em causa o seu direito com todos os direitos, poderes e faculdades processuais legalmente admissíveis, não se encontra vinculada ao desfecho do processo na mesma medida e extensão das partes principais, porque a vinculação dessas descansa, por definição, na qualidade de titulares de todos os direitos, poderes e faculdades processuais (retro, 759.3). É incoerente negar a qualidade de parte e, ao mesmo tempo, reconhecer a extensão da coisa julgada ao assistente qualificado, seguindo a orientação germânica. Incorre nesse vício a construção germânica. Esse aspecto recebeu a seguinte crítica: “Intervindo voluntariamente no processo, deixa o assistente de ser terceiro e, não sendo terceiro, será forçosamente parte, sujeito aos efeitos da decisão que no processo for proferida, como de certo modo reconhecem os próprios processualistas alemães, que negam aquela qualidade ao assistente”.76 Entre nós, e bem definida a figura da assistência autônoma no direito pátrio (retro, 775.2), ao ingressar no processo o terceiro torna-se parte, e, tratando-se de assistente, precisamente parte auxiliar. Resta definir o modo pelo qual os efeitos da sentença atingirão o interveniente que deixou de ser terceiro. É fora de dúvida que, inexistindo intervenção da pessoa que poderia figurar no processo pendente como assistente simples ou autônomo, não há submissão à coisa julgada. A tanto impede, além do art. 506, o direito fundamental processual de que ninguém pode ser privado dos seus bens, entendida essa expressão no sentido mais largo possível, sem a oportunidade de defendê-lo em juízo (art. 5.º, LIV, da CF/1988), muito bem expresso na regra processual. Ocorrendo, entretanto, a intervenção dessas pessoas, tal atitude não se afigura neutra e inócua. O assistente, na medida do possível, influiu no teor da sentença. Assim, o assistente se vincula ao julgado, mas o art. 123, caput, admite a possibilidade de o assistente, em determinados casos e condições, em processo ulterior controverter “justiça da decisão”. Não lhe cabe arguir, no processo ulterior, a chamada excepcio male iudicati processu. Pode opor a má gestão processual da parte principal assistida. O vínculo do assistente ao julgado é de outra natureza, chamado de efeito da intervenção ou efeito da assistência (Interventionswirkung).77 789.1. Objeto dos efeitos externos da assistência – O efeito da assistência vincula o assistente em qualquer processo posterior entre ele e a parte assistida. Em princípio, o vínculo não alcança o assistente e o adversário da parte assistida: na assistência simples, porque não há relação jurídica entre eles; na assistência qualificada, em que há essa relação, tudo dependerá do alcance outorgado à intervenção, ou seja, da separação maior ou menor com o litisconsórcio ulterior. A interpretação sistemática do direito brasileiro, independentemente da localização formal do art. 123, estende a aplicação do efeito da assistência a ambas as espécies.78 Porém, o que alcança o assistente qualificado não é a autoridade da coisa julgada,79 mas outra espécie de vínculo – o efeito da intervenção.

À semelhança da autoridade de coisa julgada, produzirá efeitos ad extra, repercutindo em outro processo, aliás mencionado no art. 123, caput. Comparativamente à coisa julgada material, essa eficácia tem objeto distinto e inconfundível. Essa diferença é aceita no direito lusitano, em que pese o art. 332, caput, do CPC português de 2013 dispor que “a sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente”.80 O efeito da (intervenção do assistente) assistência abrangerá, considerando que o juiz não apreciou a relação jurídica em que figura o assistente, em primeiro lugar o decisum entre o assistido e o seu adversário. Esse vínculo tem importância relativa para o assistente, exceto no caso da assistência qualificada, porque é pessoa alheia a semelhante relação jurídica. O art. 123 do NCPC não reproduziu, nesse ponto, a cláusula inicial do § 68 da ZPO alemã – “Der Nebentintervenient wird im Verhältnis zu der Hauptpartei mit der Behauptung nicht gehört…” –, a qual, não sem controvérsias, limita o efeito à relação entre o assistente e o assistido.81 A localização da regra predecessora do art. 123 após a enunciação da assistência qualificada, no direito anterior, induzia a ideia que abrange ambas as modalidades.82 O argumento era secundário. O vínculo estende-se, mas irrelevantemente, em razão do objeto que lhe é próprio e natural. Em segundo lugar, e fundamentalmente, o efeito da assistência abrangerá as resoluções tomadas na sentença a respeito das questões de fato e de direito decididas pelo juiz.83 Essas resoluções tornam-se indiscutíveis em eventual processo subsequente (art. 503, caput). Não é, destarte, a indiscutibilidade da fundamentação,84 mas a da resolução de questões. O juiz do segundo processo não poderá decidir divergentemente da resolução do primeiro processo. E, coerentemente, não abrange as questões não examinadas e, por isso, não decididas no primeiro processo (Vorprozess).85 Em sentido contrário, argumenta-se que, mostrando-se lícito ao assistente alegar tudo o que poderia ter sido objeto de decisão do juiz no primeiro processo, também as questões que poderiam ter sido julgadas, mas não o foram (v.g., a prescrição), inexistiria fundamento para essa restrição.86 A liberdade de o assistente suscitar questões, autonomamente, não pode contradizer o comportamento processual do assistido. Não é justo impedir-lhe alegações autônomas, de um lado, no processo em que não figura como parte principal, e, de outro, impedir-lhe de suscitar essas mesmas questões posteriormente. O assistente fica submetido ao que foi decidido desfavoravelmente ao assistido, e, não, ao que poderia ter sido decidido em seu favor. O efeito futuro da assistência exibirá, em certo sentido, extensão maior que a da autoridade ordinária da coisa julgada.87 O vínculo decorrente da autoridade do julgado, entre as partes, permite ao juiz, no segundo processo, reexaminar os fundamentos de fato e de direito, o que não acontece no caso do art. 123, caput.88Exemplos: (a) na ação entre A e B, controvertendo a validade da escritura pública, em que interveio o tabelião C, este não poderá impugnar a invalidade do contrato, decidida naquela causa, na posterior ação de indenização movida por B; (b) o devedor C, que interveio na ação de cobrança movida por A contra B, não pode alegar que inexiste a dívida,

furtando-se a pagar a sua parte, porque esta questão recebeu solução positiva no juízo de procedência da ação anterior.89 789.2. Limitações aos efeitos externos da assistência – O efeito da assistência não obsta que o assistente, em determinadas hipóteses, legitimamente subtraia-se à indiscutibilidade dos fundamentos, controvertendo o que o art. 123, caput, designa de “justiça da decisão”. O pressuposto do efeito da assistência assenta na premissa que as questões de fato e de direito tenham sido apreciadas com a virtual contribuição plena do assistente ao debate judicial.90 Em tal hipótese, novas alegações e meios de prova não podem ser acolhidos em processo posterior. Fora daí, porém, intervindo o assistente em fase muito adiantada – por exemplo, limitou-se a apelar da sentença desfavorável ao assistido, a teor do art. 966, caput -, ou porque pode influir decisivamente na formação do julgado, ministrando elementos de convicção ao juiz, já não opera o efeito da intervenção. Chegou-se a arrolar essas hipóteses,91 mas parece preferível a visão geral. O assistente poderá alegar, no futuro processo, a exceptio male gesti processus.92 Os fundamentos desta exceção atenuam o efeito da assistência, pois ao juiz do segundo processo mostrar-se-á lícito decidir em sentido diverso do desfecho cristalizado no primeiro processo. No entanto, a resolução conferida às questões de fato e de direito permanece como “persuasivo dado de convicção” no segundo processo, “circunstância esta que faz ressaltar, por si só, o quão não será fácil provar a injustiça da decisão que pôs fim ao processo em que o assistente interveio”.93 O art. 123, I e II, pré-exclui o efeito da intervenção em duas hipóteses: (a) o assistente não pode produzir as provas suscetíveis de influir na sentença, porque contrariaria os atos do assistido ou pelo estágio em que recebeu a causa; (b) o assistente desconhecia alegações e provas, que influiriam na sentença, que o assistido não utilizou por dolo ou culpa. É a configuração, no direito brasileiro, da exceptio male gesti processus. Em qualquer hipótese, há um denominador comum: a caracterização das exceções legais do art. 123, I e II, constituem inequívocas questões de fato, funcionando como prejudiciais à admissibilidade do pedido. O juiz do segundo processo apreciará, livremente, a configuração dessas hipóteses de exclusão da eficácia da intervenção. E a regra grava o antigo assistente com o ônus da prova.94 789.2.1. Limitação em razão do estágio do processo – A primeira hipótese do art. 123, I, tem natureza objetiva. O assistente ingressou no feito em estágio muito avançado. Desse modo, vencidas as fases de proposição e de admissão das provas, de regra já não poderá influir, relevante e positivamente, no desfecho do processo. Por exemplo, a intervenção ocorreu no recurso especial, recorrendo o assistente da decisão singular que o desproveu. 789.2.2. Limitação em razão do comportamento positivo do assistido – A segunda hipótese do art. 123, I, ao invés, decorre do comportamento positivo do assistido, que restringe a atuação do assistente. Os atos processuais (v.g.,

o reconhecimento do pedido) ou afirmações contidas em atos processuais (v.g., a impugnação indireta aos fatos narrados na inicial, feita na contestação, apresentando nova versão) não podem ser contrariados pelo assistente. Em consequência, a admissibilidade dos meios de prova – a iniciativa de propôlos cabe ao assistente –, fica pré-excluída (v.g., no reconhecimento do pedido) ou segue linha errônea (v.g., na impugnação indireta), que fatalmente provocará o insucesso do assistido. Além dessa circunstância, há outro requisito concorrente: a relevância da prova omitida.95Essa prova deve ser de natureza tal que, produzida na forma legal, influiria decisivamente no teor da sentença. É questão de fato a ser avaliada pelo juiz. 789.2.3. Limitação em razão do comportamento omissivo do assistido – Por fim, a terceira hipótese, prevista no art. 123, II, deflui das omissões do assistido. Não é qualquer omissão, porém: somente as omissões dolosas, ou intencionais, e as que resultam de culpa grave do assistido.96 É a orientação germânica, exigindo negligência grosseira do assistido 97 (grobfahrlässig). Outra espécie de culpa, “além de mostrar-se esquiva a uma demonstração cabal, por outro lado, não seria suficiente, a nosso ver, dadas as naturais oscilações, perfeitamente lícitas, na condução da causa, para legitimar a abertura de uma nova controvérsia sobre os fatos e fundamentos da primeira sentença”.98 Cuidar-se-á, outra vez, de questão de fato, livremente apreciada no segundo processo. É ônus do antigo assistente alegar e provar o dolo e a culpa grave, bem como demonstrar a relevância da prova para o deslinde da controvérsia, agora tornada objeto do processo, a respeito da relação jurídica entretida com o antigo assistido, e que influiria no decisum anteriormente tomado.99 § 163.º Disciplina da atividade processual do assistente 790. Extensão dos poderes processuais do assistente Consoante o art. 121, caput, o assistente, atuando como parte auxiliar, exercerá “os mesmos poderes” processuais do assistido. É claro que o terceiro somente adquire tais poderes quando abandona essa qualidade e adquire a condição de parte auxiliar (retro, 787). Parece óbvio que não poderia a lei disciplinar diferentemente a atuação do terceiro transformado em parte. Se o objetivo básico da intervenção consiste em ajudar a parte principal a obter uma sentença favorável, ou, genericamente, um desfecho vantajoso no processo, sem pejo da respectiva função instrumental predominante (cognição ou execução), incorreria o legislador em grave erro de política legislativa ao atar as mãos do assistente, subordinando-o de modo inexorável à atuação processual do assistido. Em tal hipótese, a serventia real e concreta do assistente desapareceria, cabendolhe presenciar, impotente e desarmado, a sucumbência do assistido. O instituto da assistência mostrar-se-ia inútil e supérfluo. Acompanhando as raízes lusas, há muito o direito pátrio reconhece a equivalência de poderes entre o assistente e o assistido – “o terceiro não

pode alegar, nem provar, senão o que pode o principal, que ele defende, e coadjuva… não pode ter mais direito na causa, que aquele, a quem assiste” –, sem embargo dessa limitação intrínseca se mostrar insuficiente em caso de colusão das partes principais.100 Por outro lado, o assistente não é titular do direito posto em causa. O objeto litigioso não lhe diz respeito diretamente. Compreende-se, desse modo, que não possa se opor, eficazmente, aos negócios jurídicos dispositivos entre o assistente e a parte contrária, que versem o objeto litigioso, ou o ato do assistido que dispõe do direito à tutela jurídica (desistência, a teor do art. 485, § 4.º). E isso, porque o assistido exerceu esse direito, e, não, o assistente. Pode o assistente, portanto, livremente, desistir da ação. É o que preceitua, corretamente, o art. 122: a participação do assistente no processo não obsta à parte principal o reconhecimento do pedido (art. 487, III, a), a desistência da ação (art. 485, VIII) e a transação (art. 487, III, b), e ao autor renunciar ao direito sobre o que se funda a ação – o art. 487, III, c, menciona a pretensão processual como o objeto da renúncia, a revelar falta de ajuste terminológico –, hipóteses em que, porque encerrado o processo, chega ao fim a sua intervenção. E, por outro lado, convém assinalar que é a coisa julgada que põe termo, definitivamente, à assistência após a emissão do pronunciamento judicial que emprestar efeitos processuais ao negócio jurídico unilateral do assistido (reconhecimento e renúncia), ou ao negócio jurídico processual bilateral (transação e desistência, haja vista o momento da intervenção), e, não, negócio em si. A assistência poderá renovar-se, na fase de execução, havendo necessidade de cumprimento da sentença nos capítulos principal e secundário. Impende ressalvar, contudo, a possibilidade de o assistente impugnar os negócios jurídicos de disposição relativamente aos seus aspectos formais, de resto submetidos ao controle, ex officio, do juiz. Por exemplo, o advogado da parte assistida carece de poderes especiais para transigir, como exige o art. 105, caput. Evidentemente, os traços gerais da disciplina das relações entre assistente e assistido não exaurem toda a problemática. Importa a esse tema estabelecer diretrizes nítidas para o caso de as partes coligadas adotarem comportamentos contraditórios no processo (v.g., o assistido abstém-se de recorrer, mas o assistente interpõe o recurso próprio), quiçá francamente antagônico (v.g., instados a se manifestar sobre as provas que pretendem produzir, apesar de já propostas na inicial e na contestação, o assistido pede o julgamento conforme o estado do processo, mas o assistente requer a realização de perícia). Não se pode supor a convergência permanente e duradoura nas respectivas atuações processuais. Variam, de resto, as táticas admissíveis para alcançar o objetivo comum. E o intercâmbio de informações entre os procuradores (v.g., o advogado do assistente anteviu que a perícia apresentará resultados desfavoráveis, conforme a profundidade que o perito empreenda na investigação dos fatos controversos) nem sempre se realiza a contento. Às vezes, essa comunicação frutífera nem tem condições de realizar-se por motivos diversos (v.g., a antipatia mútua dos advogados, divergências latentes entre o assistente e o assistido, e assim por diante).

A esse propósito, a orientação largamente prevalecente no direito pátrio,101 equaciona o problema atenuando, severamente, os poderes que o art. 121, caput, tão nítida e explicitamente conferiu ao assistente. A despeito de não constar da lei quaisquer restrições, o regime é o da subordinação da atividade do assistente, o qual “não pode estar em oposição ou em incompatibilidade com a da parte assistida enquanto estiver em curso o processo em que ocorreu a sua intervenção assistencial”. E continua a mantra: “não deve o assistente simples praticar ato processual algum contrário a outro já levado a efeito pelo assistido”.102 O art. 121, caput, precisaria ser “interpretado dentro do espírito que anima o instituto”.103 É claro que contribui para essa asfixia a sistemática recusa de reconhecer ao assistente a condição de parte, o que, a esta altura, soa como altamente arbitrário.104 A subordinação total do assistente à atuação do assistido logo se abre à inevitável e expressa exceção do art. 121, parágrafo único, segundo o qual, ficando o réu revel ou inativo, o seu assistente atuará como substituto processual. Abandonou-se a imprópria figura da gestão de negócios do direito anterior. Apresentada a contestação pelo assistente, havendo prazo hábil – o assistente recebe o processo no estado em que se encontra, a teor do art. 119, parágrafo único, ou seja, perante ele ocorrem as mesmas preclusões do assistido –, afasta-se a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor,105 passando à condição de fatos controvertidos, a despeito da revelia do assistido. Em outro ponto também se abriu brecha à atuação do assistente, cabendo-lhe recorrer do pronunciamento desfavorável, desde que o assistido não haja manifestado qualquer ato contrário à vontade de recorrer (v.g., a renúncia ao direito de recorrer),106 porque, então, incidiria o art. 123. Ora, essas excessivas restrições esterilizam as possibilidades de o assistente influir na decisão a favor do assistido.107 Além disso, no caso do recurso, trata desvantajosamente o terceiro que intervém no curso do processo, e que recorre na qualidade de parte, e o terceiro que intervém para recorrer (art. 996, caput), que não sofre as injunções do comportamento divergente da parte principal. Em outras palavras, se a parte principal recorre, mas desiste do recurso interposto, e, nesse interregno, o terceiro recorre, invocando o art. 996, caput, e parágrafo único, a desistência do recurso anterior não surtirá quaisquer efeitos perante a impugnação posterior. E o recurso do terceiro prejudicado é considerado modalidade de assistência tardia – “não há diferença em ser admitido, como terceiro assistente no progresso da causa, ou apelar depois da sentença”, já se ensinava no direito reinol.108 Os fins públicos do processo civil recomendam outra solução mais consentânea à realidade. Interessa à realização do direito objetivo, mantida a ampla disposição do assistido acerca do objeto litigioso, tal como assegurado no art. 121, caput, que a atuação do assistente supra as deficiências e as omissões do assistido. Do contrário, frustrar-se-á não só o objetivo da assistência – a obtenção de desfecho favorável do processo para o assistido –, como o propalado interesse público de o órgão judiciário dar razão a quem a tem. Tem razão voz até agora isolada que propugna maior amplitude à atuação do assistente.109 É a linha básica seguida no direito italiano:

autonomia das partes principal e auxiliar no que tange aos poderes de impulso processual e à atividade probatória, interdependência no que concerne aos atos de dispositivo do processo enquanto tal.110 É significativo que o vínculo do assistente ao desfecho do processo, consistente na eficácia da assistência (art. 123), subordina-se à intensidade da sua participação do processo. Ora, mostrar-se-ia incoerente vinculá-lo ao processo, de regra, e ao mesmo tempo negar-lhe os poderes processuais idênticos aos da parte principal, também como regra. O entendimento prevalecente no direito anterior, aqui criticado, mas superado pelo art. 121, parágrafo único, inspirava-se no disposto na cláusula final do § 67 da ZPO alemã, segunda qual a intervenção autoriza o assistente a exercer todos os meios de ataque e de defesa e a praticar quaisquer atos processuais, contanto que não se oponham aos meios e aos atos da parte principal, in verbis: “… insoweit nicht seine Erklärungen und Handlung der Hauptpartei in Widerspruch stehen”. O direito brasileiro não reproduziu essa regra. E não é admissível incorporá-la ao direito nacional, de modo tão radical e incisivo, rompendo com o regime explícito do art. 121. O autor do anteprojeto que redundou no CPC de 1973 seguramente conhecia a disposição, mas preferiu outra solução técnica para o problema de política legislativa, ao contrário de outros sistemas jurídicos (v.g., art. 52-2 do CPC colombiano).111 É preciso buscar, conseguintemente, outro ponto de equilíbrio. Em matéria de litisconsórcio unitário, desenvolveu-se a proveitosa distinção entre comportamentos determinantes e comportamentos alternativos, explicando a extensão ou a recusa da eficácia de ato praticado por um dos litisconsortes na esfera do outro,112 e, salvo engano, nela se localizará a chave hábil para o problema da disciplina das relações entre assistente e assistido. Entende-se por comportamento determinante o que a parte adota, deparando-se com variantes do procedimento, e que, por sua eficácia, revelase idôneo a influir, em termos decisivos, no todo ou em parte, o desfecho do processo. Inversamente, ao comportamento determinante corresponde um comportamento alternativo, desprovido dessa influência, ao menos em tese. Por exemplo: (a) o reconhecimento do pedido pelo réu importará a emissão de sentença a favor do autor, mas o oferecimento da contestação, dotada de conteúdo mínimo (infra, 791.2), deixa incerto o resultado do processo; (b) interposta apelação contra a sentença desfavorável, subsiste a incerteza quanto ao resultado do processo, pois o recurso pode ser provido, ou não, enquanto a inércia da parte predetermina o resultado, que se torna inconteste. Ao se comparar essas situações hipotéticas aventadas, percebe-se que o comportamento determinante pode ser comissivo (v.g., o reconhecimento do pedido) ou omissivo (v.g., a inércia do interessado em impugnar a resolução desfavorável). As atividades divergentes do assistente e do assistido, no curso do processo, harmonizam-se consoante os seguintes princípios: (a) os comportamentos determinantes comissivos do assistido impõem-se ao assistente, sempre que impliquem, diretamente, a disposição do objeto litigioso, ou a extinção do processo (v.g., a desistência do processo), encerrando a causa da intervenção; (b) os comportamentos determinantes

omissivos do assistido podem ser supridos pelo assistente (art. 121, parágrafo único), pois não é lícito supor que o assistido atue com vista à sua própria derrota, hipótese que descambaria, facilmente, para a colusão das partes principais em prejuízo do assistente; (c) os comportamentos alternativos do assistente, que não predeterminam a resolução de mérito, em qualquer sentido, mostram irrelevantes, cabendo ao assistente, de seu turno, tomar o comportamento que favoreça o êxito do assistido. Resolvem-se, por esta via, as situações mais expressivas de conflito entre o assistente e o assistido. A desistência do recurso já interposto, ou a renúncia ao direito de recorrer, por exemplo, apesar de cristalizarem o resultado a que chegou o pronunciamento impugnável, mas não podem ser considerados como atos de disposição do objeto litigioso. Por essa razão, não podem impedir o assistente de aviar o seu próprio recurso. Já a aquiescência expressa ao provimento, representa negócio jurídico dispositivo, razão pela qual só resta ao assistente conformar-se a ele, à semelhança do que sucede com o reconhecimento do pedido. Essas considerações abrem caminho à explicitação das limitações ao conjunto do poderes do assistente simples e autônomo. 791. Limitações aos poderes processuais do assistente simples Os poderes do assistente simples equiparam-se, substancialmente, aos da parte principal. Como o objetivo geral da assistência consiste em ajudar o assistido, o assistente só pode praticar atos benéficos. Os atos prejudiciais se mostrarão ineficazes perante o adversário do assistido. Por exemplo, a renúncia ao direito de recorrer, manifestada pelo assistente, só atinge o direito de o próprio assistente impugnar o provimento desfavorável ao assistido. Existem, porém, restrições significativas no que tange à prática de atos benéficos, a começar pela impossibilidade de o assistente tocar o mérito da causa através de atos processuais. 791.1. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto ao objeto do litígio – É vedado ao assistente interferir ou rebelar-se contra os negócios jurídicos de disposição do assistido, relativamente ao objeto litigioso, como dispõe o art. 122. Essa regra não retrata, ao primeiro contato, e em todos os seus quadrantes, essa impossibilidade natural, pois o assistente é estranho ao objeto litigioso, embora haja incluído a renúncia (art. 487, III, c). Impõe-se acrescentar, relativamente ao tópico, as seguintes restrições: (a) formular pedido, alterar o objeto de pedido, valendo-se das alternativas postas no art. 329, e invocar fatos supervenientes (art. 493); (b) oferecer exceções substantivas, ou seja, a defesa de mérito indireta, ressalva feita à prescrição e à decadência, passíveis de resolução ex officio; (c) deduzir reconvenção, tornando objetivamente complexo o processo alheio, embora possa figurar como litisconsorte ativo ou passivo de eventual reconvenção do réu, “a exemplo de qualquer outra pessoa que não participa diretamente da relação processual, nos casos de reconvenção subjetivamente ampliativa”;113 (d) reclamar a declaração incidente, obtendo emissão de decisum sobre a questão prejudicial; (e) participar da conciliação entre o assistido e o seu adversário, embora seja legítimo acordar com qualquer deles, relativamente

ao seu direito (v.g., o sublocatário pode acertar com o locador a subsistência da sublocação, transformada em locação, após a extinção do vínculo originário). Existem bons argumentos pró e contra ao direito de o assistente pleitear a tutela provisória incidental. Repelido, porque impertinente e errôneo, o argumento fundado na falsa suposição que o assistente não figura como parte no processo, e falte-lhe poder de iniciativa, todavia assegurado no art. 121, caput (“… os mesmos poderes…”), de um lado a atuação do assistente visa ao sucesso do assistido, e quanto mais cedo o bem da vida perseguido no processo seja alcançado, melhor se atenderia o interesse do assistido, que o assistente há de reverenciar. E o êxito imediato do assistido talvez muito convenha ao próprio assistente. Por exemplo, ao figurante em pré-contrato de locação interessa a imediata desocupação do imóvel, objeto do pré-contrato, na ação de despejo movida pelo locador, porque finda a locação originária, e na qual resiste o inquilino, alegando recondução. Nada obstante, parece inadmissível ao assistente imiscuir-se no objeto litigioso, que lhe é estranho, e regular por sua vontade o momento em que o titular do direito passará a desfrutar o bem da vida que lhe resultaria do provimento favorável do juiz, requerendo o provimento antecipatório.114 O último argumento revela-se persuasivo. Não cabe ao assistente requerer a antecipação da fruição de direito que não integra a esfera jurídica,115 posto que resolução dessa natureza também produza efeitos positivos ao seu próprio interesse. Por outro lado, confundindo a concepção dominante assistência qualificada e litisconsórcio ulterior, partindo da premissa que o assistente autônomo adere ao pedido formulado pelo assistido, elimina-se o impedimento, legitimando-se o assistente a pleitear do juiz a imediata fruição do bem da vida que lhe toca, relativamente ao objeto do processo, preenchidos os pressupostos legais. E mesmo nos autênticos casos de assistência autônoma (v.g., a intervenção do herdeiro na ação sustentada pelo espólio, representado pelo inventariante), a falta de legitimidade ordinária não obsta que o assistente, legitimado subordinado, requeira a antecipação de tutela. As medidas cautelares visam à segurança do objeto do litigioso (segurança para execução), e, não, à sua fruição antecipada (execução para segurança). Por esse motivo, o assistente (simples ou autônomo) legitima-se a provocar o juiz, autorizado, ademais, a prover ex officio. 791.2. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de defesa – Em relação à defesa, encontra-se implícito no art. 121, parágrafo único, o direito de o assistido contestar. Havendo revelia, e apresentando contestação o assistente no prazo aberto ao réu, a iniciativa do assistente neutraliza o efeito material da revelia (art. 344), persistindo o efeito do art. 346, caput, quanto ao réu, salvo se houver feito representar-se no processo. Por outro lado, concedido curador especial ao revel, nos termos do art. 72, não incide o art. 121, parágrafo único. O assistente do réu não assume a qualidade de substituto processual,116 nem decorrerá da sua atuação a responsabilidade que grave o gestor. Em outras palavras, “curador

especial e assistente simples, presentes na demanda, cada um exercerá a sua função processual”.117 A cogitação a respeito da natureza jurídica da gestão processual conferida ao assistente, no direito anterior, era descartável por uma razão fundamental. A invocação da figura prevista na lei substantiva significava somente que o assistente, tornando-se revel o assistido, fundava-se na presunção que o assistente atuará solitariamente no curso do processo. Em tal caso, as suas iniciativas processuais, começando pela contestação, assumirão destaque e papel decisivos na defesa do revel, convindo responsabilizar o assistente que negligenciá-la por dolo ou culpa. Logo, o art. 121, parágrafo único, indica a responsabilidade especial do assistente na hipótese de revelia. O assistente não se transforma em parte principal em decorrência da inércia do réu,118 apesar de substituto: a posição é de parte auxiliar. O assistente continuará impedido, evidentemente, de praticar atos de disposição do objeto litigioso.119 O direito português confere-lhe, coerentemente, a qualidade de substituto processual.120 Essa era sua posição também no direito brasileiro anterior.121 O art. 121, parágrafo único, descartou a figura do gestor de negócios e assumiu a qualificação correta. Revela-se muito difícil, de qualquer modo, a admissão do assistente em prazo hábil para apresentar contestação, opportuno tempore, que é o prazo que flui contra o assistido. Em geral, o assistente levanta as questões de ordem pública posteriormente, cabendo, todavia, examinar os meios de defesa com maior atenção. O conteúdo da defesa sofre limitações, atendendo à impossibilidade de o assistente interferir no objeto litigioso. É lícito ao assistente, portanto, apresentar a defesa processual peremptória (v.g., alegar coisa julgada) e a dilatória (v.g., incompetência absoluta), impugnação ao direito (retro, 335) e a impugnação de fato direta (retro, 330). Por óbvio, não se poderia negar ao assistente o direito de provocar o juiz sobre as questões que ele deva apreciar ex officio.122 Já não poderá, porém, realizar impugnação de fato indireta, apresentando nova versão ao episódio da vida narrado pelo autor (retro, 331), porque essa espécie de impugnação modifica as alegações de fato passíveis de prova. Por identidade razões, não lhe cabe apresentar defesa de mérito indireta,123 arguindo as exceções substantivas que tocam ao assistido, e, a fortiori, as exceções que lhes são pessoais. É mais uma razão de apoio à tese que a exceção substantiva modifica o objeto litigioso, não se limitando a alterar a área lógica do decisum (retro, 313.2.2). Fica ressalvada a prescrição, pois se trata de questão suscetível de apreciação ex officio (art. 487, II), e, relativamente a questões dessa natureza, não há como obstar a alegação do assistente. Controvertia-se, no âmbito da defesa, o direito de o assistente oferecer exceção de incompetência, obstando que o juiz incompetente se transforme em competente, firmando esse entendimento na disposição das partes, permanecendo inerte o réu, em litigar no juízo escolhido pelo autor.124 É razoável o alvitre, posto que não seja unânime.125 O fato de se cuidar de matéria de contestação (art. 337, II), no direito vigente, não altera a base dispositiva da prorrogação. Entretanto, o assistente pode alegar o impedimento (art. 144) e a suspeição (art. 145), pelo meio próprio (art. 146) porque aos fins públicos do processo interessa que a causa seja julgada por

juiz imparcial, desde que o faça no prazo do assistido.126 Convém recordar a circunstância dessas causas operarem, indistintamente, perante o substituto e o substituído, no caso de revelia (art. 121, parágrafo único). 791.3. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de prova – Inexistem quaisquer limitações à iniciativa probatória do assistente simples, e, a fortiori, do assistente qualificado.127 Nenhum comportamento determinante do assistido, comissivo ou omissivo, pode ser cogitado nessa área, subordinando a atividade do assistente. Em especial, instadas as partes para indicarem meios de prova, ato judicial tão corriqueiro quão despiciendo – as partes têm o ônus de indicar os meios de prova na inicial e na defesa –, e silenciando o assistido, ao assistente se mostra lícito requerer a produção de qualquer prova. Os amplíssimos poderes instrutórios conferidos ao órgão judiciário (infra, 944), no sistema brasileiro, tornam vã qualquer tentativa de restringir os impulsos processuais do assistente, nesta ou em qualquer outra situação similar, concebendo-se sempre a provocação do juiz acerca dos assuntos que deva apreciar de ofício. Na realidade, a coleta do material necessário ao esclarecimento do órgão judiciário constitui área particularmente propensa a receber os préstimos da ajudância ocupada pelo assistente. A sua atuação vigilante e ágil suprirá a deficiente atuação do procurador do assistido nessa área decisiva. O assistente pode produzir prova documental e arguir a falsidade dos documentos produzidos pelo adversário do assistido;128 requerer perícia, formular quesitos e indicar assistente técnico; arguir a suspeição ou o impedimento do perito; arrolar testemunhas, até o número máximo permitido – não há, no direito pátrio, a restrição do art. 330, in fine, do NCPC português de 2013, que permite unicamente a complementação do número de testemunhas, todavia fixado no máximo dez no direito brasileiro (art. 357, § 6.º) –, e inquiri-las em audiência; requerer o depoimento pessoal do adversário do assistido e inspeção judicial, acompanhando as diligências; e assim por diante. Tais atos são benéficos ao assistido e encontram-se contemplados no art. 121, caput. Em contrapartida, porque não é parte principal e não tem direito posto em causa, o assistente não tem aptidão para confessar; em outras palavras, a admissão de fato desfavorável ao assistido, e favorável à contraparte, não produzirá os efeitos de confissão (ficta ou provocada).129 O assistente tem o ônus de prestar depoimento (art. 385), meio de prova dotado de função probatória autônoma no direito pátrio, apartada da confissão, que é produto acidental e contingente, e de prestar o depoimento livre (art. 139, VIII). É duvidoso que as declarações do assistente não produzam elementos de prova no sistema processual que tolera (e estimula) meios atípicos (art. 369). Essa questão reclama, a olhos vistos, visualização por outro ângulo, mas o NCPC não a enfrentou diretamente. Ao nosso ver, produzem prova hábil a favor (in rem suam) e contra, como oportunamente explicado no capítulo do depoimento pessoal. O assistente não serve como testemunha.130 São duas as razões que préexcluem o testemunho do assistente: (a) a condição de parte, embora auxiliar;

(b) a condição de interessado no litígio. Resta ao juiz, sendo estritamente necessário, ouvi-lo como informante.131 791.4. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de impugnação – É lícito ao terceiro impugnar as decisões desfavoráveis ao assistido através dos recursos, previstos no art. 994, de forma principal ou subordinada (art. 997, § 1.º). O assistente é parte distinta do assistido, nas relações perante o adversário comum. E, com efeito, “se a situação é tal que o habilitaria a interpor o recurso como terceiro prejudicado, ou seja, ainda que até então não participasse do feito, deve a fortiori habilitálo à interposição quando nele já figure antes de proferida a decisão”.132 Não é necessário um interesse específico (v.g., a colusão das partes originárias, em detrimento do interesse do assistente) no recurso.133 O assistente não fica preso à inércia do assistido, que deixou de impugnar a decisão desfavorável, inclusive quanto ao mérito, nem os fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer porventura criados pelo assistido (v.g., desistência) inibem o seu próprio direito de recorrer autonomamente. É digno de registro que a jurisprudência do STJ estima que o assistente (simples ou qualificado) pode recorrer, desde que o assistido não haja manifestado vontade em sentido contrário.134 Em três aspectos, porém, a condição de parte auxiliar da parte principal tolhe o emprego dos meios de impugnação. Em primeiro lugar, a aquiescência expressa do assistido ao provimento desfavorável, representa ato de disposição do objetivo litigioso. Nessa contingência, só resta ao assistente conformar-se a ele, à semelhança do que sucede com o reconhecimento do pedido. Por igual, não pode impugnar a sentença de mérito nos casos do art. 487, exceto quanto aos aspectos formais (v.g., na falta de poderes do advogado do assistido ou do seu adversário). Ademais, a interposição de recurso autônomo pelo assistente, mas parcial, impede que o assistido recorra adesivamente, havendo sucumbência recíproca, contrapondo-se ao recurso principal do adversário. Uma situação peculiar decorre da interposição de recurso principal pelo assistente, recorrendo adesivamente o adversário. Segundo certo alvitre, o recurso principal “impede a admissibilidade da impugnação subordinada eventualmente proposta pelo adversário do assistido”, porque seu provimento prejudicaria o assistido, cuja situação não pode ser piorada pelo assistente.135 Ora, não se pode subtrair ao adversário do assistido o direito de recorrer em razão da dinâmica das relações entre assistente e assistido. Na melhor das hipóteses, a circunstância apontada tornaria inadmissível o recurso do assistente; mas, tal consequência não se ostenta aceitável, considerando a irrestrita legitimação do assistente tardio em impugnar as decisões, a teor do art. 996, caput. É intrínseco ao sistema o risco de o recurso ser provido, ou não, o que não caracteriza comportamento determinante. 792. Limitações aos poderes processuais do assistente qualificado O assistente qualificado ou autônomo, segundo a concepção dominante, equiparando-o ao litisconsorte ulterior, não padece das restrições do assistente simples, porque titulares conjuntos de legitimidade ordinária na

causa.136 Incide a regra do art. 117: assistente e assistido são litigantes distintos, perante o adversário comum, e “os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”. Em outras palavras, “pode o assistente litisconsorcial agir no processo, e conduzir a sua atividade, sem subordinar-se à orientação do assistido”.137 Eventuais limitações decorreriam de outra particularidade. A sentença haveria de disciplinar uniformemente a lide para o assistente e o assistido, por que ambos são titulares do objeto litigioso (v.g., reivindicatória movida por um condômino em que o outro ingressa como assistente) e, assim, o regime precisaria ser idêntico ao do litisconsórcio unitário (retro, 587).138 Daí por que os negócios dispositivos entre o assistido e o respectivo adversário (v.g., a transação) não podem ser homologados pelo juiz sem audiência prévia e anuência do assistido, “sob pena que não seja atendido o fim próprio do instituto, preservação do interesse do interveniente”.139 As restrições aos poderes processuais do assistente qualificado, principalmente, a do art. 122, relativa aos negócios e atos de disposição do objeto litigioso, tendem a ser abandonadas na assistência qualificada. É claro que, bem entendida a figura desse assistente (retro, 775.2), o regime das relações entre assistente e assistido não se afigura idêntico nesse último e crucial ponto: em tese, tanto o assistente, quanto o assistido podem dispor do objeto litigioso. Por exemplo, na ação sustentada pelo espólio, representado pelo inventariante, perante o terceiro que reivindica um dos bens da herança, um dos herdeiros, que ingressou no processo como assistente, pode compor com o adversário, em nome próprio, mas semelhante negócio surtirá efeitos limitados à sua pessoa; igualmente, nada obsta que os debenturistas, que são os titulares do crédito, transacionem com a companhia, individual e coletivamente, hipótese em que ocorrerá modificação no objeto litigioso ou, conforme a hipótese, extinção do próprio processo, fazendo cessar a causa da intervenção. Parece excessivo, portanto, inibir a eficácia dos negócios jurídicos dispositivos de um perante o outro: a tanto não chega o regime do direito material. Para os que confundem assistência qualificada e litisconsórcio ulterior (v.g., o ingresso do condômino na ação reivindicatória movida por outro) soa natural que, compondo a parte principal com o adversário, o assistente a suceda nessa posição, “quer assumindo a titularidade da pretensão posta em juízo – se era assistente do autor –, quer se opondo à pretensão do autor, se era assistente do réu”.140 Não é o que acontece nas hipóteses de autêntica intervenção assistencial qualificada: os negócios dispositivos firmados pelo espólio, representado pelo inventariante, e do agente fiduciário, legitimado extraordinário exclusivo para defender em juízo os interesses da comunhão de debenturistas, observada a disciplina do direito material – respectivamente, autorização do juiz e da assembleia geral dos debenturistas –, implicará a emissão de pronunciamento de mérito, conseguintemente encerrando a intervenção do herdeiro ou do debenturistas, embora divergentes. Essas considerações processuais do autêntico litisconsorte ulterior. Eles exceto no que tange à

permitem fixar o princípio aplicável aos poderes assistente qualificado, jamais confundidos com um não discrepam dos poderes do assistente simples, possibilidade de praticarem atos autônomos de

disposição do objeto litigioso, em nome próprio, cuja eficácia, todavia, não atingirá o assistido. 793. Direitos processuais do assistente Os direitos processuais do assistente são idênticos aos do assistido. Os pontos concernentes ao impulso da relação processual, ao emprego dos meios de ataque e de defesa, à produção de prova e à impugnação das resoluções judiciais desfavoráveis ao assistido receberam análise no item precedente, assinalando-se, de resto, as eventuais limitações resultantes da qualidade de parte auxiliar. Três aspectos suplementares exigem exame nessa rubrica. Em princípio, o assistente simples, porque alheio ao objeto litigioso, jamais suportará os efeitos do provimento de mérito desfavorável ao assistido senão reflexamente. O dispositivo da sentença não o atinge no próprio processo. É excepcional o caso do segurador. Intervindo voluntariamente no processo pendente, em auxílio do segurado réu, as mesmas razões que autorizam a sua condenação solidária, nos casos de intervenção compulsória, permitem que seja condenado solidariamente com o assistido. Esse resultado é ditado por motivos de oportunidade. A condenação do segurador mostrar-se-á útil na hipótese de insolvência do segurado na execução movida pelo adversário vitorioso. Fora desse caso, porém, o assistente simples não sofrerá os efeitos diretos da sentença de mérito, ao contrário do assistente qualificado. Em qualquer caso, por se tratar de assistente, e não da parte principal, o efeito que vincula o assistente autônomo ao julgado é mais tênue, porque é o previsto no art. 123 (retro, 789). Após a sua admissão no processo pendente, o assistente figurará como parte, embora parte auxiliar, devendo ser intimado, por uma das formas legalmente admissíveis, dos atos processuais. E, por fim, a reflexão dos efeitos da sentença na esfera jurídica dos terceiros, explica a legitimidade conferida ao terceiro juridicamente interessado para rescindir a sentença transitada em julgado (art. 967, II), nada obstante a autoridade da coisa julgada não lhe atingir diretamente.141 O assistente (simples ou autônomo) legitima-se a rescindir o julgado, sem embargo do art. 123, porque atuou como parte (art. 967, I), nas hipóteses em que não lhe socorre as exceções à eficácia da intervenção (art. 123, I e II).142 Por sua vez, a pessoa que poderia ter sido assistente, mas não participou do processo, pode invocar o art. 967, II.143 Por exemplo, o sublocatário, cujo relação jurídica se dissolveu em consequência do desaparecimento da locação, tem interesse jurídico em rescindir a sentença que decretou o despejo do inquilino.144 794. Deveres e ônus processuais do assistente Da qualidade de parte, embora parte auxiliar, resulta evidente que os mesmos deveres e ônus da parte principal gravam o assistente, como preceitua o art. 121,caput, parte final. Eventual dificuldade, derivada da sistemática recusa à condição de parte do assistente, desapareceu com a elástica e abrangente redação do art. 77, caput, que impôs os deveres processuais a todos os que, de alguma forma, participam do processo.

Terceiros que se tornaram partes têm responsabilidade por atos ilícitos (retro, 601). O assistente participa do processo e, conseguintemente, há de pautar sua conduta no processo segundo os elevados princípios éticos previstos na lei processual. O art. 94 regulamenta, explicitamente, a responsabilidade do assistente quanto às despesas processuais, estabelecendo que o juiz o condenará “em proporção à atividade que houver exercido no processo”, sucumbindo o assistido. Embora intuitivo o princípio, a regra não é isenta de entraves na sua aplicação. Exige do juiz a medida da atividade do assistente e do assistido e a distribuição proporcional a essa participação. A prática demonstra que raramente há motivação explícita quanto a essa proporção. É “matéria prudencial”,145 entregue à finesse judicial, exceto quando se mostra possível individualizar, precisamente, a responsabilidade pelo ato (v.g., só o assistente requereu a perícia, obrigando a contraparte a pagar honorários ao assistente técnico). Como quer que seja, havendo revelia, o assistente suportará integralmente as despesas do processo, pois só ele atuou no processo. Inversamente, vencendo o assistido, o adversário comum será condenado a reembolsar a este e ao assistente na proporção das despesas feitas por cada qual. O art. 94 incide nos casos de assistência simples e qualificada (retro, 775.2). É claro que, na perspectiva dos que equiparam assistência autônoma à intervenção litisconsorcial voluntária (litisconsórcio ulterior) – tese aqui rejeitada (retro, 775.2) –, o dispositivo não se aplica ao assistente qualificado. Ele suportará as despesas na forma do art. 94 (retro, 647), com a parte principal.146 Omisso o art. 94 no tocante dos honorários advocatícios, retira-se a conclusão que o assistente não pode ser condenado nessa verba.147 É o entendimento do STJ.148 Reduzidos os riscos da intervenção, facilita-se o ingresso do terceiro – para o bem e para o mal. 795. Cessação da assistência A assistência encerra-se ordinariamente com a extinção do processo. O assistente só pode intervir enquanto pender o processo, a teor do art. 119, caput, e, correlatamente, extinta a litispendência, desaparece a causa da intervenção, o que lhe põe termo. Mas, há que cogitar de outras hipóteses concebíveis. Em primeiro lugar, situa-se a pretensão de o assistente, por qualquer razão, desligar-se unilateralmente do processo após o juiz admitir o respectivo ingresso. Em que pese aceitar-se semelhante extromissão, presumivelmente baseada na errônea tese que nega ao assistente a qualidade de parte, mas com a importante ressalva que, feito isso, o antigo assistente jamais se furtará à eficácia da intervenção (art. 123),149 a rigor o ato se mostra inadmissível. Ninguém pode desvincular-se, a seu talante, do processo.150 É o que entendeu a jurisprudência do STJ no tocante à intervenção assistencial da União.151 O desligamento representaria flagrante venirem contra factum proprium,152 aqui tão mais inaceitável quanto em outras paragens.

Outras circunstâncias encerram a intervenção do assistente antes do momento natural. Fatos da vida acontecem em momentos inesperados ou inoportunos e atingem a relação processual. A morte do interveniente antes ou depois da decisão que admitir o respectivo ingresso no processo pendente é um desses fatos. Falecendo o interveniente antes de o juiz admiti-lo no processo, a única solução consiste na extinção do incidente, em razão do fato superveniente, porque somente as partes podem ser sucedidas no processo, causa mortis, e o assistente, antes do deferimento definitivo do pedido de intervenção, ainda não é parte. Idêntica solução se empresta ao falecimento do assistente após o seu ingresso (retro, 562). Ele se tornou parte, mas não parte principal, ou seja, sujeito da relação processual com direito posto em causa, e a sucessão cogitada no art. 313, I, é apenas a da “parte litigante, isto é, aquela que se marca por uma posição e uma pretensão autônoma no processo”.153 A morte do assistente encerra a respectiva intervenção no processo, cabendo aos respectivos sucessores, mostrando-se transmissível o direito que motivou a intervenção, de seu turno requerer a própria intervenção.154 Enfim, “a morte do assistente nem paralisa o processo nem obriga ao incidente de habilitação”.155 A sucessão da pessoa jurídica interveniente (v.g., fusão ou incorporação) opera automaticamente. Por outro lado, a morte do assistido não repercute na assistência pendente ou já admitida pelo juiz. É até admissível que o assistente promova a habilitação dos sucessores do antigo assistido.156

Capítulo 40. INTERVENÇÃO VOLUNTÁRIA: ASSISTÊNCIA AO JUIZ SUMÁRIO: § 164.º Amicus curiae – 796. Função do amicus curiae – 797. Espécies de amicus curiae – 798. Modalidades de intervenção do amicus curiae – § 165.º Pressupostos da intervenção do amicus curiae – 799. Pressupostos gerais de admissão do amicus curiae – 800. Pressupostos objetivos da admissão doamicus curiae – 801. Pressupostos subjetivos do amicus curiae – 801.1 Representatividade do pretendente a amicus curiae – 801.2 Idoneidade do pretendente aamicus curiae – 802. Tipicidade da intervenção do amicus curiae – § 166.º Intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – 803. Casos de intervenção da CVM – 804. Fundamento da intervenção da CVM – 805. Obrigatoriedade da intimação da CVM – 806. Facultatividade da intervenção da CVM – 807. Momento da intimação da CVM – 808. Forma da intimação da CVM – 809. Prazo para intervenção da CVM – 810. Efeitos processuais da intervenção da CVM – 811. Poderes processuais da CVM – 812. Legitimidade recursal da CVM – § 167.º Intervenção das pessoas jurídicas de direito público – 813. Casos de intervenção das pessoas jurídicas de direito público – 814. Constitucionalidade da modalidade de intervenção das pessoas jurídicas de direito público – 815. Forma e pressupostos da intervenção das pessoas jurídicas de direito público – 816. Efeitos da intervenção da pessoa jurídica de direito público – 817. Poderes processuais das pessoas jurídicas de direito público – 818. Legitimidade

recursal das pessoas jurídicas de direito público – § 168.º Intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – 819. Casos de intervenção do INPI – 820. Fundamento da intervenção do INPI – 821. Oportunidade da intervenção do INPI – 822. Obrigatoriedade da intervenção do INPI – 823. Forma da intervenção do INPI – 824. Efeitos processuais da intervenção do INPI – 825. Poderes processuais do INPI – § 169.º Intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – 826. Casos de intervenção do CADE – 827. Fundamento da intervenção do CADE – 828. Obrigatoriedade da intimação do CADE – 829. Facultatividade da intervenção do CADE – 830. Momento da intervenção do CADE – 831. Forma da intervenção do CADE – 832. Efeitos processuais da intervenção do CADE – 833. Poderes processuais do CADE – § 170.º Intervenção dos Conselhos da Ordem dos Advogados (OAB) – 834. Casos de intervenção da OAB – 835. Fundamento da intervenção da OAB – 836. Facultatividade da intervenção da OAB – 837. Forma da intervenção da OAB e atribuição organizacional – 838. Efeitos processuais da intervenção da OAB – 839. Poderes processuais da OAB – § 171.º Intervenção do amicus curiae consoante o objeto litigioso – 840. Intervenção no controle concentrado de constitucionalidade – 840.1 Fundamento da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 840.2 Pressupostos da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 840.3 Momento da intervenção doamicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 840.4 Intervenção voluntária ou provocada do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 840.5 Forma da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 840.6 Poderes processuais do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – 841. Intervenção no controle difuso de inconstitucionalidade – 842. Intervenção no pedido de uniformização de jurisprudência no Juizado Especial – 843. Intervenção no procedimento do recurso extraordinário e no julgamento dos casos repetitivos – § 172.º Procedimento da intervenção do amicus curiae – 844. Incidente de admissão do amicus curiae – 845. Forma da intervenção do amicus curiae – 846. Momento da intervenção doamicus curiae – 847. Modalidades de intimação do amicus curiae – 848. Prazo da manifestação do amicus curiae – 848.1 Natureza do prazo de manifestação doamicus curiae – 848.2 Consequências da falta de manifestação do amicus curiae – 848.3 Quantitativo do prazo de manifestação do amicus curiae – § 173.º Efeitos da intervenção do amicus curiae – 849. Posição processual do amicus curiae e o problema de competência – 850. Deveres processuais do amicus curiae – 851. Poderes processuais do amicus curiae – 852. Eficácia da resolução de mérito perante o amicus curiae. § 164.º Amicus curiae 796. Função do amicus curiae O amicus curiae (literalmente, amigo da corte) é o terceiro que, interessado politicamente no desfecho do litígio (retro, 759.1.3), ingressa no processo pendente para trazer subsídios de fato e de direito em proveito da qualidade e perfeição da resolução judicial. O nome não retrata com a suficiente nitidez a função dessa figura. Ela se desenvolveu e ganhou corpo no âmbito no âmbito do judicial review norteamericano.1Originalmente, o ingresso exibia flagrante viés partidário: o

terceiro ingressava no processo para persuadir o juiz a julgar a favor de uma das partes. É mais acurada, portanto, a designação amigo da causa (friend of the cause).2 O interesse no julgamento da causa em determinada linha constitui elemento indispensável para admitir-se o moderno friend, ressalvando-se que ele não pode ser patrimonial.3 Os sistemas jurídicos filiados à Civil Law importaram essa figura à medida que perceberam que os provimentos judiciais podem alterar significativamente o ius positum e a ordem social.4 E o poder judicial, ao garantir os direitos fundamentais, assume posição contramajoritária,5 convindo estabelecer alguma forma de equilíbrio. É emblemático o caso do controle concentrado de constitucionalidade. Neste terreno fértil os amici brotam à semelhança dos cogumelos após chuvas abundantes. A declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de uma regra pode afetar a vida de milhões de pessoas. Em tal contingência, impõe-se reestruturar o procedimento, tornando-o aberto à participação dos segmentos organizados da sociedade, e, do mesmo modo, qualificar o provimento judicial com a integração desses agentes sociais no debate judiciário. Não é diferente no processo coletivo.6 E, por outro lado, os meios de recrutamento das pessoas que se encontram investidas no órgão judiciário (infra, 928) não bastam para legitimar suas decisões. É o debate amplo, geral e irrestrito das questões de direito e de fato, no âmbito renovado do contraditório,7 o fator legitimador da decisão do juiz, socialmente aceitável e passível de acatamento. A qualificação do provimento judicial constitui o denominador comum das diversas hipóteses típicas de amicus curiae (infra, 802). Em alguns casos, como na intervenção da CVM (infra, 803) e do CADE (infra, 826), comumente relacionadas ao poder de polícia dessas agências governamentais, o elemento da participação democrática no debate é mínimo, senão inexistente, todavia assume imenso relevo no controle concentrado e difuso de constitucionalidade. A abertura às manifestações de origens discrepantes, no processo objetivo, em que a tarefa do tribunal consiste em contrastar a norma com os parâmetros constitucionais, propicia maior legitimidade à resolução tomada. Do contrário, a objetivação do processo causaria a impressão de provimento de portas fechadas. Curiosamente, no judicial review norteamericano o fenômeno é inverso: como o writ of certiorari é instrumento do controle difuso, originário de processo entre partes determinadas, embora de repercussão, o ingresso do amicus curiae demonstra que o processo interessa a todos, não só àquelas partes.8 A democracia participativa e a contribuição para a justa decisão constituem, em graus variáveis, a base da intervenção.9 O fundamento da intervenção do amicus curiae advém da conexidade entre os interesses individuais ou gerais, abstratos ou concretos, objeto da controvérsia em juízo, e os que integram os escopos institucionais do interveniente. Localiza-se na singularidade desse interesse, distinto do interesse jurídico tradicional,10 e, nada obstante também jurídico, e chamado de político no item próprio (infra, 801), que habita a identidade dessa figura interventiva. É a repercussão da causa o móvel da intervenção voluntária ou provocada desse terceiro. Por exemplo, a associação criada para defender a vida e a

integridade física de animais legitima-se a intervir como amicus curiae tanto (a) na ação movida pelo condômino contra o síndico, pleiteando perdas e danos, em razão de evento em que o réu teria provocado a morte do animal de estimação da família, e que ganhou espaço na mídia, quanto (b) no controle concentrado de constitucionalidade, em que se controverta lei local que autoriza o sacrifício ritual de animais como tradicional prática religiosa. O exemplo ilustra, convenientemente, a diversidade da natureza das causas que habilitam a intervenção do amicus curiae. A finalidade da intervenção do amicus curiae permite distinguir essa figura de quaisquer outros participantes do processo. Não se confunde com o assistente, porque o interesse que o habilita a intervir, apesar de jurídico, não provém de relação jurídica conexa com o objeto do processo, e, portanto, o pronunciamento judicial não atingirá, reflexamente, relação jurídica própria. Não ocupa a função de perito, em geral particular que presta auxílio ao juiz em matérias alheias ao saber jurídico, porque inexiste vínculo com o órgão judiciário, em que pese a origem da designação, mas com o seu próprio interesse sectário. E, enquanto o Ministério Público, como custo legis, nas hipóteses do art. 178, atua em posição de equidistância das partes, dando razão a uma delas conforme estime a sua posição conforme, ou não, ao direito objetivo, o amicus curiae intervém partidariamente, buscando o predomínio, a priori, do interesse da parte com a qual se identifica no campo político, institucional e ideológico. A associação de proteção aos animais, retornando ao exemplo ministrado, intervém para defender o condômino lesado pelo ato do síndico, porque este é o interesse afinado com os seus objetivos institucionais. É ingênua a atitude de exigir do amicus curiae a condição de interveniente neutro ou desinteressado.11 Embora esclareça o órgão judiciário, ministrando dados que auxiliarão a adequada solução do litígio, e não fique vinculado, para desempenhar essa função, às teses da parte, o interveniente toma partido, a priori, em favor de um dos interesses envolvidos. A própria fragmentação dos interesses sociais, que dividem grupos e aglutinam pessoas em posições divergentes, localizada na organização dos grupos de pressão (retro, 759.1.3), dá azo a flagrante partidarismo. Em nenhum outro sítio esse fenômeno se revela com maior intensidade do que no controle concentrado de constitucionalidade. Nessa seara nobre e restrita, com efeito, há inúmeros exemplos da intervenção de grupos com interesses opostos – por exemplo, de um lado associações de defesa de animais, e, de outro, de organizações representativas das religiões de origem africana, que praticam o sacrifício ritual de animais –, travando, indiretamente, ressentido debate em processo supostamente “objetivo”. Seja como for, “o reconhecimento do caráter parcial do amicus curiae é fundamental para a compreensão do instituto, em sua feição hodierna, bem como das consequências de sua intervenção”, sendo que o partidarismo não torna ilegítima a respectiva atuação.12 Exemplo de partidarismo repontou no controle da constitucionalidade da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), ingressando como amicus curiae, e contribuindo para o debate, de um lado, diversas entidades ligadas à prática do tiro, e, de outro, entidades promovedoras da defesa dos direitos humanos, que defenderam pontos de vista opostos.13

O valor dos argumentos trazidos pelos amici no controle concentrado de constitucionalidade, e, a fortiori, nas demais hipóteses em que ocorra semelhante intervenção, ficou suficientemente demonstrado na reviravolta do entendimento do STF no tocante à constitucionalidade das normas estatuais à exploração de mineral (amianto) potencialmente danoso à saúde.14 Em tal caso, os argumentos brandidos pelos amici convenceram a maioria a rever o entendimento anterior.15 797. Espécies de amicus curiae A rica experiência norte-americana evidenciou que postulam seu ingresso como amici as seguintes categorias de pessoas: (a) organizações representativas de grupos de pressão; (b) partes em processos análogos; (c) pessoas naturais potencialmente afetadas pelo desfecho do processo; (d) pessoas naturais especializadas em determinadas áreas do saber jurídico; (e) associações nacionais, estaduais e locais de advogados; (f) pessoas jurídicas de direito público, órgãos e agências governamentais.16 Essas categorias heterogêneas podem ser reunidas, abstraindo as diferenças menores, em apenas dois grupos: de um lado, os amici privados; de outro, os amici públicos. O critério para diferenciar uma classe da outra assenta na natureza pública ou privada da personalidade jurídica, e, não, no interesse que pretendem tutelar, em princípio transindividuais.17 Essa distinção explica a frisante tendência legislativa de habilitar, expressamente, as pessoas jurídicas de direito público, principalmente autarquias, como supostos amici, fitando os casos típicos de intervenção desse terceiro no direito pátrio (infra, 802). Em algumas hipóteses, a lei exige a intimação do terceiro (v.g., da Comissão de Valores Mobiliários, ou CVM, a teor do art. 31 da Lei 6.385/1976, na redação da Lei 6.616, de 16.12.1978), facultando o seu ingresso; em outras, apenas consente, genericamente, com semelhante postulação, sem arredar o exame dos respectivos pressupostos (v.g., do Conselho Federal e dos Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, ou OAB, conforme o art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1998). Já os amici privados hão de se socorrer da disposição geral que autoriza o ingresso do terceiro. A diferença de tratamento permite encetar outra classificação relevante, separando as modalidades de intervenção dos amici. 798. Modalidades de intervenção do amicus curiae A análise dos casos típicos de intervenção dos amici no direito pátrio revela que há duas modalidades de intervenção: (a) provocada; e (b) voluntária. Dá-se a intervenção provocada quando a lei, explicitamente, exige que o órgão judiciário noticie a existência do litígio à pessoa previamente habilitada a postular o ingresso como amicus curiae. É dessa natureza a intervenção da CVM (art. 31 da Lei 6.385/1976), do INPI (artigos 57 e 118 da Lei 9.279/1996) e do CADE (art. 118 da Lei 12.529/2011). Nada obstante a provocação, a intervenção não é obrigatória, no sentido que seja compulsório à pessoa intervir no feito. Variam, de resto, as consequências da preterição dessa formalidade, examinadas individualmente.

Por outro lado, a intervenção espontânea ocorre nas hipóteses em que, haja ou não previsão legal específica quanto à possibilidade interventiva (v.g., no caso da OAB, a teor do art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1998), o terceiro identifica a causa de repercussão e postula seu ingresso por iniciativa própria. Essas duas modalidades de intervenção convivem no controle concentrado de constitucionalidade. O art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.868/1999 permite ao relator, no STF, “ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”, e o art. 7.º, § 2.º, a admitir a manifestação de “órgãos ou entidades” no controle concentrado de constitucionalidade. A primeira é forma provada e a segunda espontânea de intervenção de diferentes amici. § 165.º Pressupostos da intervenção do amicus curiae 799. Pressupostos gerais da admissão do amicus curiae Importa muito à exata caracterização da figura do amicus curiae a identificação dos pressupostos gerais da respectiva intervenção. Esses pressupostos moldam a máscara que reveste o terceiro habilitado à intervenção. A definição localiza-se no art. 138, caput, do NCPC. O problema fica consideravelmente abreviado, mas não inteiramente solvido, nos casos de intervenção típica, em que há disposição legal expressa, obrigando ou convidando à intervenção. Em tais situações, as regras próprias descrevem os casos que habilitam à intervenção, valendo-se, naturalmente, de cláusulas genéricas. Basta mencionar a hipótese que, na legislação moderna, precedeu aos demais: o art. 31 da Lei 6.385/1976, na redação da Lei 6.616/1978. Essa regra pioneira impõe a intimação da CVM e possibilita a intervenção nos processos cujo objeto inclua matéria da competência dessa autarquia. O órgão judiciário cotejará o objeto litigioso e as atribuições da CVM, decidindo se aquele envolve, ou não, matéria que se insira na vasta competência do órgão que fiscaliza o mercado de valores mobiliários. Fora dos casos típicos de intervenção, em que inexiste previsão legislativa indicando o interveniente de modo prévio, o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999, concernente ao controle concentrado da constitucionalidade, oferece base aos requisitos que o juiz há de localizar na postulação para deferir a manifestação do terceiro. Em síntese, há dois pressupostos: um, objetivo, relativo à lide, pode ser entendido como a repercussão social da causa; o outro, subjetivo, respeita à qualificação do interveniente. É intuitivo que não é qualquer causa trivial que necessitada a peculiar qualificação do pronunciamento judicial propiciada pelo amicus curiae, nem qualquer pessoa que pode contribuir eficazmente para legitimar a decisão judicial. O art. 138, caput, ampliou o pressuposto objetivo, exigindo: (a) relevância da matéria; (b) especificidade do objeto litigioso; (b) repercussão social da controvérsia. Os requisitos não se ostentam cumulativos, e, rigorosamente, o primeiro abrange os demais.

Não há qualquer limitação decorrente da natureza do processo ou do tipo de procedimento. Tampouco restrição à publicidade impede a intervenção (art. 189).18 800. Pressupostos objetivos da admissão do amicus curiae Objetivamente, a causa há de ser socialmente relevante para interessar aos amici. Esse requisito oscila entre polos opostos: de um lado, a causa envolve matéria de repercussão ou relevância, suscitando ou não debate público, talvez mostrando potencial de se tornar o leading case no assunto; de outro, a especificidade do seu objeto torna a causa singular, exigindo conhecimentos especiais e inauditos esforços do órgão judiciário para apreciá-la. Eis a razão de o art. 138, caput, mencionar esses elementos. No que tange ao primeiro grupo, os casos de repercussão geral no recurso extraordinário, revelados empiricamente na jurisprudência do STF, exemplificam o relevo da matéria. Não é por outra razão que o terceiro pleiteia o ingresso no processo pendente: a causa revela-se sensível ao seu interesse político. A controvérsia das partes transcende aos seus interesses particulares, evidenciando relevo econômico, político, social ou jurídico. O rol de causas com esse potencial revela-se imenso: controvérsias sobre o aborto, a igualdade de gênero, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o suicídio acompanhado, a política de cotas raciais, a barriga de aluguel,19 e assim por diante, dividem, comovem e radicalizam a sociedade. Também nas chamadas causas repetitivas, em que há multiplicidade de recursos versando idêntica questão de direito, admite-se a intervenção dos amici. A quantidade de feitos, talvez situando milhares de pessoas na mesma situação, evidencia repercussão social. Em tal hipótese, processandose causas em primeiro grau com o potencial de se multiplicarem, tal circunstância por si só garante relevo à matéria controvertida, ensejando ingresso do amicus. Por óbvio, cabe a intervenção no julgamento de casos repetitivos (art. 928, I e II). Versando questão de direito processual (art. 928, parágrafo único), tudo recomenda auscultar especialista renomado, autor de trabalho acadêmico na matéria. Existem causas em que, desprovidas do potencial de multiplicar-se em milhares de feitos análogos, ou de repercussão intensa na sociedade, apresentam objeto tão específico que nem sequer o concurso de pessoa dotada de conhecimento especial (ou experto) informaria, adequadamente, o órgão judiciário. Por exemplo, o dissídio em torno da filiação de sociedade de caráter reservado a determinada federação que já engloba outras similares, sociedade governada não só por seus estatutos formais quanto por antiquíssimas tradições. É natural que o juiz colha subsídios para melhor prover junto a pessoas de experiência e autoridade. É digno de nota que, nessas hipóteses, a participação do amicus curiae desfruta de notável vantagem no respeitante às partes. Cabe-lhe escolher a causa mais apropriada para promover o entendimento que lhe interessa, valorando fatores altamente subjetivos, a exemplo da pessoa que ocupa, na oportunidade, o órgão judiciário competente para julgá-la, o estágio do processo, e, assim, os seus argumentos sempre se apresentarão mais robustos e persuasivos do que os das partes.20

801. Pressupostos subjetivos da admissão do amicus curiae Nada obstante a recorrente alusão a órgãos ou entidades, nada pré-exclui a postulação das pessoas naturais, por sinal mencionadas no art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.868/1999, e no art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999, com a prudente referência à experiência e autoridade na matéria. O art. 138, caput, do NCPC, generalizou essa possibilidade. Verdade que incomum a admissão de particulares.21 Porém, há base legal. Estabelecidas essas premissas, a qualificação das pessoas naturais e jurídicas para intervir como amicus curiae pode ser encarado no duplo aspecto da representatividade e da idoneidade do interveniente. 801.1. Representatividade do pretendente a amicus curiae – Ressalva feita às hipóteses em que o amicus curiae é indicado taxativamente na lei (v.g., a CVM, a teor do art. 31 da Lei 6.385/1976), há que se exigir, nas situações gerais, representatividade da pessoa. Parece fácil localizar a representatividade adequada (adequacy of representation), noção desenvolvida pelo STF,22 consoante a conexão virtual entre o objeto do processo e os propósitos institucionais do órgão ou da entidade indicados nos atos constitutivos. Não é qualquer pessoa, física ou jurídica, legitimada a intervir, mas só a que tem entre seus propósitos institucionais defender escopo legítimo, haja sido constituída há tempo razoável e envolva um universo representativo de um dos interesses controvertidos. Ninguém negará, por exemplo, a representatividade da associação protetora, tão antiga que sua presidente se notabilizou em proteger cavalos contra os maus tratos a eles impostos por carroceiros, hoje veículo raro no cenário urbano, no litígio em que se controverta a legalidade do sacrifício ritual de animais de pequeno porte (galinhas e bodes). E a própria pessoa natural que se encontra à testa da associação, que promoveu a aglutinação em torno do assunto e destacou-se como proeminente nessa área, poderá postular, em seu nome, a condição de amicus curiae. Preencherá o pressuposto da representatividade o terceiro que, envolvido em litígio similar, defenda a existência de repercussão geral no recurso extraordinário de outras partes, valendo-se do art. 1.035, § 4.º, ou do valor da tese jurídica, em recurso especial repetitivo, pretendendo intervir com fundamento no art. 1.038, I, ou participar da audiência pública prevista no art. 1.038, II, regras também aplicáveis ao recurso extraordinário repetitivo. Podem existir múltiplos representantes do mesmo segmento, todos apresentando a qualificação virtual reclamada para a intervenção. Nada obsta que o juiz a todos convoque ou permita a manifestação dos que se apresentarem voluntariamente. O STF não divisou qualquer dificuldade em admitir, ao mesmo tempo, a Confederação Brasileira de Tiro Prático, a Federação Gaúcha de Tiro Prático e a Federação Gaúcha de Caça e Tiro.23 Nas hipóteses em que a conexão se desvanece, a representatividade é parcial ou duvidosa, a conexão longínqua, abre-se oportunidade para o juiz exercer os poderes intrínsecos à finesse judicial, admitindo ou não o ingresso. Compreende-se, por exemplo, que organizações representativas das carreiras policiais se manifestem sobre o estatuto do desarmamento; porém, a

representatividade dos advogados públicos, nessa matéria, parece muito tênue, não justificando a manifestação. 801.2. Idoneidade do pretendente a amicus curiae – Em que pese intervenção partidária, respaldada na exigência de conexidade entre o objeto litigioso e o interesse político protagonizado pelo interveniente, ao amicus curiae, haja vista o propósito de auxiliar o órgão judiciário, com o clássico grão de sal incidem os motivos de impedimento e de suspeição contemplados nos artigos 144 e 145.24 É que de todos os participantes do processo, que não sejam partes, exigese certa equidistância, relativamente aos interesses em conflito, a fim de não comprometer a objetividade do debate judiciário, conforme se infere do art. 147. Do próprio Ministério Público, na condição de custos legis, função que guarda relativa similitude com a desempenhada dos amici, exige-se semelhante predicado, a teor do art. 148, I. Por óbvio, além dos casos dificilmente configuráveis perante o amicus, não se aplicará, literalmente, a suspeição fundada no interesse. O amicus curiae, no próprio ato da intervenção, revela interesse de propiciar julgamento favorável a uma das partes. A suspeição ocorre quando há interesse próprio do interveniente no processo. Em outras palavras, dos amici reclama-se independência perante as partes,25 a fim de desempenhar a contento a missão de qualificar o debate judiciário. O regime de controle da imparcialidade é o comum (infra, 964). 802. Tipicidade da intervenção do amicus curiae Existem casos em que a lei confere a determinadas pessoas, diretamente, habilitação para intervirem como amicus curiae. É raro atribuir essa qualidade explicitamente. Mas, o que importa é a natureza da intervenção e a análise dos elementos de incidência revela que o interesse posto à base dessas hipóteses é o político. Tais casos têm em comum a circunstância de designarem a pessoa legitimada a intervir. Por isso, podem ser chamados de casos típicos de intervenção doamicus curiae. Além das hipóteses precisamente identificadas (v.g., a CVM no art. 31 da Lei 6.385/1976), em que a pessoa legitima-se a intervir, há a paradigmática intervenção de órgãos e entidades como representação adequada no controle concentrado de constitucionalidade (art. 7.º, § 2.º, da Lei 8.868/1999). Ela difere dos casos típicos, porque não são previamente designados tais entes, e nem sequer poderia fazê-lo abstratamente, a disposição legal. Todavia, o fato de a Lei 9.868/1999 tratar oamicus curiae, como tal, sem dúvida justifica sua inclusão nesse item. E, por idênticas razões, mencionam-se outros casos em que há previsão explícita da intervenção desse terceiro. § 166.º Intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 803. Casos de intervenção da CVM O mercado dos valores mobiliários no Brasil tem agência reguladora autônoma, inspirada na Securities and Exchange Comission (SEC) norte-

americana, que é a Comissão de Valores Mobiliários, ou CVM, consoante o modelo contemporâneo dessa espécie de órgão. Segundo o art. 5.º da Lei 6.385, de 07.12.1976, na redação da Lei 10.411, de 26.02.2002, a CVM é “entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária”. O art. 31 da Lei 6.385/1976, na redação da Lei 6.616, de 16.12.1978, exigiu a intimação da CVM nos processos “que tenham por objetivo matéria incluída na competência” da autarquia, “para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação”. Dessa disposição legal decorrem as características e o regime da intervenção da CVM. 804. Fundamento da intervenção da CVM Facilmente se compreendem os fins dessa disposição pioneira. O órgão judiciário é especialista na matéria jurídica e, como se infere do disposto do art. 156,caput, do NCPC, para decidir questões em outras áreas do conhecimento, necessitará do concurso do “entendido de fato” (Sachverständiger) ou perito (infra, 992). Ora, até na matéria jurídica, consoante o assunto, faltam subsídios para o juiz prover adequadamente, sobrelevando-se a circunstância que, no mercado de capitais, a CVM produz copiosamente normas regulamentares e há costumes enraizados só conhecidos pelos entendidos na área. O fundamento da contribuição da CVM reside nessa hipotética dificuldade do órgão judiciário. A CVM esclarecerá o juiz sobre matéria jurídica, apesar da presunção de conhecimento universal das leis do País, e regulamentar.26 Além disso, eventual provimento heterodoxo produziria efeitos deletérios no mercado, tão volúvel e sensível que reage às mais variadas indicações econômicas e ressente-se, profundamente, das interferências externas. A intervenção do CVM visa à erradicação desses males reais ou hipotéticos. Para essa finalidade, ainda segundo a regra sob foco, a CVM ofertará parecer técnico ou prestará esclarecimentos a respeito das questões de fato e de direito debatidas na causa, obviamente em petição escrita, subscrita por advogado, em assunto posto sob sua fiscalização ou regulamentação. Por exemplo, controvertendo as partes acerca da omissão de informação relevante, que provocou danos ao investidor, a causa envolve o disposto no art. 8.º, III, da Lei 6.385/1976, segundo o qual compete à CVM fiscalizar a veiculação dessas informações relevantes para o mercado. A circunstância de a CVM, ao intervir, não ter partido, visa à preservação do seu poder regulamentar e à normalidade do mercado, considerando efeitos potenciais da resolução do litígio, revela que não se trata de assistência. Eventual adesão à posição de uma das partes na contenta é acidental e contingente. O objetivo é auxiliar o órgão judiciário a dar razão à parte quem a tem, e, não, coadjuvar uma das partes em proveito do interesse próprio. Assim, a CVM atuará como amicus curiae de modo bem definido e evidente. 805. Obrigatoriedade da intimação da CVM

A intimação da CVM mostra-se obrigatória (“… será esta sempre intimada…”). Por esse motivo, a preterição do ato gera vício no processo, cuja decretação subordina-se à disciplina geral das invalidades processuais, cabendo notar a falta de cominação – indício que inexistirá prejuízo, porque a nulidade cominada presume o gravame do vício. É preciso, então, que se verifique prejuízo à resolução do juiz; por exemplo, ante a falta de intervenção do amicus curiae, a questão de fato essencial ao correto deslinde da controvérsia permaneceu obscura, não merecendo o esclarecimento da prova. 806. Facultatividade da intervenção da CVM A obrigatoriedade da intimação não importa o caráter forçado dessa espécie de intervenção. O art. 31, caput, da Lei 6.385/1976 declara que a CVM intervirá “querendo”, ou seja, aquilatará as repercussões do objeto litigioso e, conferindo o teor do debate das partes – daí o momento estabelecido para a intimação –, e, consoante o seu teor, a necessidade da intervenção. 807. Momento da intimação da CVM O art. 31, § 1.º, parte inicial, da Lei 6.385/1976 fixa a oportunidade da intimação “logo após da contestação”. Vale dizer que, no procedimento ordinário, a intimação da CVM precederá as providências preliminares (artigos 350 a 353). É nessa oportunidade que o juiz, sendo admissível e útil o processo prosseguir, saneia o processo, antes de decidi-lo, abreviando o procedimento (art. 355) e abre a fase da instrução da causa (art. 357, II). O objetivo da regra em marcar semelhante oportunidade à intimação não discrepa do traçado no art. 179, I, segundo o qual o Ministério Público tem vista dos autos após as partes. É preciso que a CVM inteire-se das questões de direito ou de fato pendentes para aquilatar a necessidade da intervenção e a conveniência do parecer ou dos esclarecimentos, a fim de manifestar-se a contento. E, ademais, o parecer ou os esclarecimentos eventualmente produzidos nortearão a atividade instrutória ou o pronunciamento, de meritis, do juiz. No entanto, mostra-se excessivo pré-excluir a intimação posterior, verificando o juiz tratar-se de causa em que incide a regra no momento em que, finda a instrução, ou saneado o processo, recebe os autos para proferir sentença. Enquanto o juiz não emitir o provimento final (artigos 485 e 487), sempre se revelará oportuno intimar a CVM, recolhendo os subsídios que possa oferecer. Tampouco se estimará inválidos, nessa contingência, os atos processuais porventura praticados após a contestação, e a despeito de o art. 31, § 2.º, da Lei 6.385/1976, exigir a intimação da CVM de todos os atos processuais subsequentes. Essa consequência se atrela à efetiva intervenção da agência no processo pendente, e, não, à eventual omissão da intimação. Na hipótese mais extrema, verificando o juiz, consoante o parecer ou os esclarecimentos, subsistirem dúvidas e lacunas na prova produzida, mandará renovar a prova indispensável à formação do seu convencimento. 808. Forma da intimação da CVM

O art. 31, § 1.º, da Lei 6.385/1976 ocupou-se de inesperado pormenor, que conviria confiar à disciplina geral das leis de processo. Segundo a regra, “conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação”, far-se-á a intimação, respectivamente, por mandado ou por carta com aviso de recebimento. O que sobressai, no dispositivo, pois ambas constituem formas notórias de intimação real, é a pessoalidade intrínseca à intimação inicial. Por conseguinte, admite-se a intimação postal, cabível para qualquer comarca do país e a intimação eletrônica (art. 246, § 1.º, do NCPC), embora a causa tramite na comarca da sede da CVM ou que nela haja representantes. Ocorrendo a intervenção, e determinando o art. 31, § 2.º, que a CVM seja intimada de todos os atos processuais subsequentes, as demais intimações podem ser feitas pelo modo comum, em particular por via eletrônica e através de publicação no órgão oficial.27 A prerrogativa da intimação pessoal abrange os advogados da União (art. 6.º da Lei 9.028/1995 c/c art. 183, § 1.º, do NCPC), em quaisquer causas, e os procuradores da Fazenda Pública (da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Municípios e outras pessoas jurídicas de direito público), nas execuções fiscais (art. 25, caput, da Lei 6.830/1980), e estende-se aos advogados públicos, genericamente, incluindo os procuradores autárquicos.28 809. Prazo para intervenção da CVM O prazo para a CVM intervir é de quinze dias (art. 31, caput, parte final, da Lei 6.385/1976). Esse prazo fluirá normalmente e harmoniza-se com o do art. 138,caput. Não é, porém, prazo preclusivo. Nada obsta que a intervenção ocorra posteriormente, inclusive para interpor recurso. É possível que a CVM entenda que só posteriormente caracterizou-se a necessidade da respectiva intervenção, haja vista o conteúdo da sentença. 810. Efeitos processuais da intervenção da CVM A intervenção da CVM como amicus curiae, provocada pela intimação, ou voluntariamente, no feito em tramitação na Justiça Comum, aparentemente atrai a incidência do art. 109, I, CF/1988. A CVM é autarquia federal e, para os fins do art. 109, I, da CF/1988, importaria participação superveniente do sujeito federal no processo, mostrando-se irrelevante que estejam envolvidos, na lide, interesses particulares das partes, ou seja, não tem importância a matéria do processo. No entanto, a questão não se revela tão simples no direito anterior, como demonstra a solução concebida para a intervenção da pessoa jurídica de direito público federal no art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 (infra, 816). É que o art. 109, I, da CF/1988, ao pretender ser exaustivo e abrangente, definiu a competência em razão da pessoa (União, entidade autárquica ou empresa pública federal) mencionando a posição processual, ou seja, para todas as causas em que o sujeito federal for interessado na condição de autor, réu, assistente ou opoente. Ora, o amicus curiae jamais assume posição tão definida, nem sequer é “assistente”, pois, de regra, faltalhe interesse jurídico.

Legítimo entender, portanto, que a intervenção da CVM, como amicus curiae, não desloca a competência para a Justiça Federal. Não é esse o entendimento prevalecente, mas é o que melhor se afeiçoa à figura do amicus curiae, e, atualmente, o art. 138, § 1.º, do NCPC, repele o deslocamento. Como quer que seja, aplicando-se o art. 109, I, da CF/1988, por qualquer motivo, o processo deslocar-se-á para a Justiça Federal a partir da efetiva intervenção, cabendo unicamente ao órgão judiciário federal examinar os pressupostos da admissibilidade dessa intervenção (Súmula n.º 150 do STJ). Se o juiz federal indeferir a intervenção, cessa a competência, restituindo-se os autos à Justiça Comum, bem de acordo com o regime do art. 45 do NCPC. 811. Poderes processuais da CVM O objetivo da intervenção, entendendo-a necessária e pertinente a CVM, consiste em oferecer ao órgão judiciário parecer ou esclarecimentos. Tal ocorrerá mediante petição escrita firmada por procurador habilitado. Ele é quem receberá as intimações dos atos processuais subsequentes, a teor do art. 31, § 2.º, da Lei 6.385/1976. A lei exige a intimação ulterior da CVM para, acompanhando o processo, nele intervir em cada ato, momento ou fase processual, inclusive para interpor recurso. Logo, os poderes da CVM excedem as raias da função usual do amicus curiae, e, nesse caso particular, por força da regra expressa, semelham aos do assistente simples (retro, 790), não se aplicando o art. 138, § 2.º, do NCPC; por exemplo, lícito se afigura propor prova que vise ao cabal esclarecimento do órgão judicial. Todavia, a legitimidade recursal, expressamente conferida, merece item próprio. 812. Legitimidade recursal da CVM O art. 31, § 3.º, da Lei 6.385/1976, outorga legitimidade recursal à CVM, podendo interpor quaisquer recursos (art. 994) nas causas em que ocorreu a respectiva intervenção, através da intimação do art. 31, caput, da Lei 6.385/1976, ou nas causas em que, a despeito da preterição da formalidade, caracterizem-se os pressupostos da intervenção, também definidos nesta última regra. Logo, à CVM não se aplica a restrição do art. 138, § 1.º, do NCPC. A legitimação recursal da CVM é subsidiária. Legitima-se a recorrer “quando as partes não o fizerem”, e, para esse efeito, o art. 31, § 4.º, do mesmo diploma, fixa o termo inicial do prazo, que é o comum, “no dia imediato aquele em que findar o das partes”. Cuida-se, assim, de notável exceção ao princípio de que, no direito brasileiro, o prazo recursal do terceiro é o das partes, haja ou não prévia intervenção. É admissível, nada obstante, a CVM interpor recurso principal, ou seja, apesar de as partes terem impugnado o provimento. O art. 31, § 3.º, há de ser entendido como regra excepcional, a conjurar o prejuízo ao mercado decorrente da aquiescência do vencido à resolução do juiz. Assim, a lei prolongou o prazo recursal, propiciando à CVM, verificando a inércia, remeter a questão ao órgão ad quem. Essa orientação robustece-se visualizando a questão do interesse em recorrer. Ele surge do contraste entre o fundamento

do provimento impugnado, e, conseguintemente, da conclusão a favor de uma das partes, e entendimento que a CVM considera aplicável à espécie. Ora, tal espécie de interesse recomenda que a CVM recorra desde logo. Realmente, há causas estrepitosas, resolvidas com base em flexíveis princípios constitucionais, em flagrante choque com as disposições regulamentares da agência. Em tal hipótese, o prazo é o previsto no art. 31, § 4.º, iniciando após o prazo originário das partes.29 Por outro lado, ingressando a CVM no processo para impugnar a sentença, quiçá propugnando a invalidade do processo por sua preterição, como facultado pela legitimação geral dos terceiros – e, nesse caso, necessitará demonstrar a incidência do art. 31, caput, da Lei 6.385/1976 –, o termo a quo do prazo é o previsto no mesmo art. 31, § 4.º, do diploma especial. § 167.º Intervenção das pessoas jurídicas de direito público 813. Casos de intervenção das pessoas jurídicas de direito público O art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 autoriza as pessoas jurídicas de direito público a intervir nas causas pendentes, “cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica”, independentemente da demonstração de interesse jurídico, “para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes”. É primorosa a redação do dispositivo no que tange à consecução de seus objetivos. Logo se percebe que, a despeito de o art. 5.º, caput, da Lei 9.469/1997, aludir à intervenção da União, nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, o parágrafo único exibe alcance mais largo, mencionando as “pessoas jurídicas de direito público”. Por conseguinte, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, bem como as pessoas integrantes da Administração Indireta (autarquias, funções públicas e agências reguladoras), legitimam-se, em igualdade de condições, a intervir nos processos pendentes. Em princípio, a regra não comporta interpretação extensiva para abranger sociedades de economia mista e empresas públicas. Tais pessoas figurarão como partes ou, não sendo este o caso, devem buscar supedâneo em alguma das hipóteses típicas de intervenção de terceiros. O que não podem, sob pena de ampliar regra excepcional, é valer-se do regime especial de intervenção do art. 5.º da Lei 9.469/1997, notadamente quanto à existência de interesse jurídico para intervir como assistente. O zelo apurado na elaboração do texto legislativo se justifica pelo contexto em que surgiu a regra. Era a época em que se promoveu o desmonte parcial do Estado social e intervencionista, por influência da ideologia neoliberal, o que suscitou inúmeras demandas judiciais, nem sempre figurando como ré a União. O legislador mostrou-se consciente da resistência que ensejava a redação neutra do art. 2.º da Lei 8.197/1991, bem como as regras antecedentes, respectivamente, os artigos 70 da Lei 5.010/1996 e art. 7.º da Lei 6.825/1980, apesar do entendimento prevalecente no STJ, dispensando a demonstração de interesse jurídico.30 A intimação da União, no regime

anterior, possibilitava a respectiva intervenção “numa das posições reguladas pelo diploma processual”.31 Optou-se, naquelas circunstâncias históricas, por tornar letra expressa a orientação pretoriana, atalhando o principal argumento da dissidência – a falta de interesse jurídico, cuja necessidade chegou a ser objeto da Súmula n.º 61 do extinto TFR –, e com o cuidado de não caracterizar como assistência a intervenção. E, de resto, nas causas em que se controvertia a privatização o interesse da União se mostrava, realmente, econômico. Por idênticas razões, indeferida a intervenção, o art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997, combatendo a concepção doutrinária prevalecente, estimou “parte” o interveniente – o que, indubitavelmente, o interveniente é, pois a impugnação contra o ato que indefere a intervenção dispensa a demonstração (talvez este seja o mérito do recurso…) do interesse, a teor do art. 996, parágrafo único, do NCPC –, ensejando, desse modo, o automático deslocamento da competência para a Justiça Federal (infra, 816), ante a incidência do art. 109, I, da CF/1988, por óbvio se tratando de sujeito federal. O art. 138, § 1.º, impedindo o deslocamento da competência em virtude da intervenção de amicus curiae, deve ser compatibilizado com o art. 45, caput, do NCPC e norma especial. O próprio recurso será endereçado e julgado pelo TRF da região em que tramita a causa. Superado o entendimento do caráter jurídico do interesse da pessoa jurídica de direito público, em virtude da redação da própria regra habilitadora, o que revelaria especial atenção do legislador, em geral o móvel imediato é econômico; porém, como demonstrava o cenário institucional da época em que surgiu a regra, sobrelevava-se o interesse político. A pessoa jurídica de direito público almeja a defesa das políticas públicas adotadas por determinado governo, tenazmente combatidas por interesses contrariados, invocando os mais contraditórios princípios constitucionais. Trata-se, pois, de intervenção de amicus curiae. 814. Constitucionalidade da intervenção das pessoas jurídicas de direito público Nada há de inconstitucional nessa regra. Não há, absolutamente inexiste alguma figura “constitucional da assistência” que leve a conclusões diversas: ou para rejeitar a participação de sujeito federal, invocado o art. 5.º da Lei 9.469/1997, e deslocar a competência para a Justiça Federal.32 Em geral, a assistência funda-se em interesse jurídico, porque assim dispõe a lei infraconstitucional; por exceção, basear-se-á, ope legis, no simples interesse econômico. Ora, o art. 109, I, da CF/1988 não adota nenhuma configuração especial e particular de assistência. Tampouco a regra constitucional reporta-se, necessariamente, ao regime ordinário da assistência, previsto no art. 119, caput, do NCPC. O cabimento da assistência é assunto confiado ao direito infraconstitucional.33 Não se pode exigir o interesse jurídico, francamente dispensado no art. 5.º da Lei 9.469/1997, como imposição da regra constitucional, para o deslocamento da causa para a Justiça Federal.34 E não se cuida de outra espécie de intervenção voluntária,35 mas de intervenção de amicus curiae.

O fato é que se garimparam razões frágeis para repelir regra que muitos consideraram autoritária e limitadora dos poderes judiciais. 815. Forma e pressupostos da intervenção das pessoas jurídicas de direito público O art. 5.º da Lei 9.469/1997 contempla os pressupostos da intervenção. É preciso que a decisão da causa produza reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica para a pessoa jurídica de direito público. A disposição revela-se suficientemente flexível para, na prática, abranger qualquer hipótese – objetivo de maior apreço do legislador. No tocante à forma, entende-se que a pessoa jurídica de direito público intervirá mediante petição escrita, dirigida ao juiz da causa, sob a forma de memorial, ou não, e acompanhada, ou não, de documentos, devidamente subscrita por procurador habilitado. Em se tratando de advogado da União, v.g., desfrutará das prerrogativas da intimação pessoal (art. 6.º da Lei 9.028/1994 c/c art. 183, § 1.º, do NCPC), mas não da ampliação, porque se cuida de prazo próprio do interveniente (art. 183, § 2.º). O controle do ingresso far-se-á de modo análogo ao do assistente. 816. Efeitos da intervenção da pessoa jurídica de direito público O ingresso da pessoa jurídica de direito público não afeta a competência originária da causa. O art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997, afasta o deslocamento do feito para a Justiça Federal, tratando-se de intervenção de sujeito federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988, justamente porque não se cuida de assistência, mas de intervenção do amicus curiae. Logo, incide o art. 138, § 1.º, e, não, o art. 45, caput, do NCPC. Conforme já assinalado, a interposição de recurso pelo sujeito federal torna-o parte, deslocando, a partir daí, a competência para a Justiça Federal. O julgamento do recurso, então, far-se-á pelo TRF da respectiva região em que se insere a comarca de origem. E, nesse ponto, ao atribuir semelhante competência recursal ao segundo grau da Justiça Federal, a regra feriu o art. 108, II, da CF/1988, pois aos TRF só toca julgar as causas inseridas na competência da Justiça Federal. Em tal aspecto, não é de simples solução o problema criado pelo art. 5.º da Lei 9.469/1996. Deslocando-se a competência imediatamente, a partir da intervenção do sujeito federal, assente que cabe à Justiça Federal examinar a admissibilidade da intervenção (Súmula n.º 150 do STJ), afastar-se-ia o vício, mediante interpretação conforme à Constituição da regra.36 Assim, não se mostraria inconstitucional a previsão do deslocamento da competência em caso de recurso, mas a disposição precedente, vedando a modificação da competência desde a intervenção. Valem, aqui, as considerações já feitas quanto à intervenção da CVM (retro, 803). A posição de amicus curiae não se encontra mencionada no art. 109, I, da CF/1988. Logo, o ingresso do sujeito federal em qualquer processo, a esse título, não atrai a competência da Justiça Federal, incidindo o art. 138, § 1.º.

A única solução concebível desse problema subsequente, a fim de não outorgar interpretação extensiva à competência constitucionalmente fixada, repontaria na equiparação do amicus curiae ao assistente. Essa equiparação revela-se inadmissível, na espécie, porque o ingresso da pessoa jurídica baseia-se em interesse político, em geral econômico, jamais em interesse jurídico. É claro que a lei pode dispor em contrário, equiparando o amicus curiae ao assistente, como acontece no caso do CADE (infra, 827). Nesse caso, parece inelutável o deslocamento da competência, mas a regra excepcional do 118 da Lei 12.529/2011 não comporta generalizações. Enfim, para explicar o art. 5º da Lei 9.469/1996, entende-se que recurso do sujeito federal, na qualidade de amicus curiae, submete-se ao regime geral do recurso do terceiro. Exige-se – para recorrer – a demonstração de interesse jurídico, hipótese em que, efetivamente, há deslocamento da competência para o exame inicial da admissibilidade do próprio recurso (Súmula n.º 150, do STJ). Não seria excessivo, nessa linha de raciocínio, considerar jurídico o interesse econômico previsto na própria regra. O art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997 trata o recorrente como parte – parte auxiliar, bem entendido, à semelhança do assistente. 817. Poderes processuais das pessoas jurídicas de direito público À semelhança de qualquer outro amicus curiae, a função das pessoas jurídicas de direito público, ao ingressarem no feito, radica em ministrar subsídios ao órgão judiciário, relativamente às questões de fato e de direito controvertidas, podendo produzir prova documental, inclusive pareceres técnicos. A pessoa jurídica de direito público, transmudada em amicus curiae, exercerá os poderes fixados pelo órgão judiciário, na forma do art. 138, § 2.º, não se mostrando insensato autorizar a produção das provas tendentes a esclarecer o juízo.37 818. Legitimidade recursal das pessoas jurídicas de direito público A legitimidade recursal das pessoas jurídicas de direito público, intervindo na forma do art. 5.º da Lei 9.469/1996, não se submete às restrições do art. 183, § 1.º, do NCPC. A parte superveniente pode empregar todos os remédios contemplados no art. 994 e quaisquer sucedâneos recursais (v.g., a suspensão da segurança). Os pressupostos de admissibilidade são os comuns. É claro que, na condição de pessoa jurídica de direito público, a dilatação do prazo obedece ao art. 138, § 2.º. E o objeto da impugnação tampouco sofre limitações, envolvendo a reforma, a invalidação e a integração do provimento impugnado. § 168.º Intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) 819. Casos de intervenção do INPI Os artigos 57, caput, e 175, caput, da Lei 9.279/1996, preceituam que, nas ações de nulidade de registro e nulidade de patente, processadas na Justiça Federal, “intervirá” o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O

caráter imperativo da forma verbal deixa claro que se trata de intervenção forçada ou obrigatória.38 Tirante esse aspecto, diversamente do que ocorre em outras hipóteses, as regras da lei especial em nada contribuem para esclarecer. 820. Fundamento da intervenção do INPI O objetivo dessa intervenção inominada é tutelar o interesse público, subsumido na validade do registro ou da patente. Por esse motivo, os artigos 118 e 175, § 2.º, da Lei 9.279/1996 preceituam que, transitada em julgado a sentença, o INPI publicará anotação, cientificando os terceiros. É induvidoso que o INPI, após a intervenção, transforma-se em figurante da relação processual. Resta definir qual a sua exata posição processual. Em tese, há três alternativas: (a) parte auxiliar, porque assistente; (b) litisconsorte necessário; ou (c) amicus curiae. O fato de se tratar de intervenção provocada não desnatura, em princípio, a assistência. Mas, a circunstância de o INPI não exibir interesse em favor de qualquer parte,39 propugnando a validade do ato, aproxima essa intervenção da posição do Ministério Público como fiscal da lei (art. 178), e, conseguintemente, afeiçoa-o à moldura de amicus curiae. O mesmo acontece nas ações controvertendo a titularidade da propriedade intelectual. Antes de firmar esse entendimento, impõe-se afastar, ou não, a figura do litisconsórcio necessário. A favor do litisconsórcio necessário, há um dado significativo: o INPI pode invalidar o registro ou a patente, administrativamente, ou ingressar em juízo com esse objetivo. Não sendo autor, estipula o art. 57, caput, da Lei 9.279/1996, intervirá obrigatoriamente no feito, o que parece indicar a necessidade da demanda conjunta, pois o INPI é o autor do ato administrativo. Em outras palavras, não se mostra possível, como sói ocorrer nas ações de invalidade, cuja força é constitutiva negativa, dissolver o vínculo jurídico perante só um dos figurantes da relação jurídica de registro, cumprindo integrar ao contraditório a pessoa que concedeu o registro da marca ou da patente. Essa tese se afigura correta, nas ações cogitadas nos artigos 57, caput, e 175, caput, da Lei 9.279/1996, no caso de a causa de pedir da ação de invalidade abranger a existência de vícios formais do processo administrativo que culminou com o registro da marca ou o reconhecimento da patente. Então, o ato administrativo há de ser desfeito com vinculação obrigatória do beneficiário e do INPI. Ao invés, nada imputando o autor ao INPI, mas unicamente ao réu – por exemplo, falsificação dos documentos atestadores da invenção –, a lide não respeita ao INPI, cujo ingresso realizar-se-á a outro título.40 E só pode ser na condição de amicus curiae, vez que o alinhamento com uma das partes se afigura acidental e contingente. Dependerá das razões expostas por uma das partes principais no processo.41 821. Oportunidade da intervenção do INPI

Nas causas em que as partes controvertem a validade do procedimento administrativo promovido pelo INPI, e que resultou no registro da marca e na concessão da patente, figurando como litisconsorte passivo necessário, a oportunidade de integração, sem viciar o processo, coincide com o término da fase postulatória. Esse é o momento hábil para o juiz mandar o autor promover a citação do INPI, conforme preconiza o art. 115, parágrafo único, do NCPC. Integração posterior, quando já praticados atos que influenciam o convencimento do juiz, implicará a invalidação e a retomada do curso do processo a partir do ponto em que o litisconsorte passivo deveria apresentar resposta. Tratando-se, porém, de intervenção como amicus curiae, inexiste oportunidade predeterminada na lei especial. Ela ocorrerá, portanto, a qualquer tempo, no primeiro e no segundo graus de jurisdição, enquanto houver litispendência. 822. Obrigatoriedade da intervenção do INPI O regime verbal dos artigos 57, caput, e 175, caput, da Lei 9.279/1996, utilizando o verbo intervir no futuro do presente, ao menos nessas hipóteses explícitas, indica o caráter forçado da intervenção. É preciso o órgão judiciário, tratando-se de ação de invalidade de registro ou de patente, promover a intervenção INPI, ex officio, a teor do art. 138, caput, por um dos meios legais admissíveis. À primeira vista, a intimação eletrônica (art. 246, § 1.º) constitui o meio mais prático e eficiente. Cabe ao juiz fixar o prazo para a manifestação e, à falta de interstício legal, incide o art. 138, caput: o prazo é de quinze dias. No interregno fixado pelo juiz, o INPI assumirá uma das posições admissíveis: (a) declara-se litisconsorte passivo; (b) ingressa como amicus curiae; (c) manifesta desinteresse, expressa ou tacitamente. No primeiro caso, produz-se o efeito do deslocamento da competência, pois o juízo da Justiça Comum não é competente para examinar a existência desse litisconsórcio (Súmula do STJ, n.º 150); ao invés, nos demais, inexiste razão bastante para modificar a competência em atenção ao posicionamento inequívoco do INPI. A efetiva intervenção do INPI é uma faculdade. Raramente, o INPI abstém-se de intervir, tempestivamente ou não. Por óbvio, inexiste preclusão – a contribuição, apresentada em algum momento posterior, ainda se mostrará útil e bem vinda na perspectiva do órgão judiciário. A ausência de manifestação não constitui vício passível de decretação no futuro. Não é de se excluir, em tese, a participação do INPI em outras causas que sejam, estritamente, pretensões a invalidar registro ou patente. Em tal hipótese, o regime há de ser diverso, pois se tratará de intervenção voluntária, dispensada a intimação subsumida no caráter imperativo das disposições legais precitadas, não se deslocando a competência (art. 138, § 1.º, do NCPC). 823. Forma da intervenção do INPI

Também varia, à semelhança da oportunidade do ingresso, a forma da intervenção do INPI, consoante ela ocorra a título de litisconsorte passivo ou na qualidade de amicus curiae. Nesse último caso, deixando de lado o regime do litisconsórcio, que não discrepa de situações similares, através de petição escrita, firmada por procurador habilitado, o INPI apresentará as suas razões, sob a forma de parecer ou de memorial, esclarecendo o órgão judiciário a respeito das questões de direito ou de fato controvertidas no processo. 824. Efeitos processuais da intervenção do INPI O INPI é autarquia federal (art. 1.º da Lei 5.648, de 11.12.1970). Nos casos em que figurar como autor da ação de invalidade ou litisconsorte passivo necessário, fatalmente atrairá a competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). Entretanto, os artigos 57, 118 e 175 da Lei 9.279/1996 aludem à tramitação dessas ações, originariamente, na Justiça Federal, atendo-se ao quod plerumque fit: ou o INPI é autor ou figurou como réu na petição inicial. Fora desses casos a competência é da Justiça Comum: a matéria (invalidade do registro de marca ou da concessão de patente) não se encontra prevista no art. 109 da CF/1988, motivo por que a competência só pode ser em razão da pessoa, ou seja, em virtude da participação do sujeito federal como autor, réu, assistente ou opoente. Como quer que seja, sendo o caso de litisconsórcio obrigatório, porque a causa de pedir abrange vício intrínseco do ato administrativo, e havendo determinação de integrar à lide o INPI, na forma do art. 115, parágrafo único, do NCPC, a causa deslocar-se-á, incontinenti, da Justiça Comum para a Justiça Federal. O órgão judiciário da Justiça Comum não é competente para realizar a própria citação da autarquia federal (Súmula do STJ, n.º 150). No tocante à competência territorial do juízo federal, e apesar de o art. 1.º da Lei 5.468/1970 declarar que a sede e o foro do INPI é o Distrito Federal, já então transferido para o planalto central, em Brasília, a efetiva mudança jamais ocorreu, permanecendo o INPI sediado na cidade do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. Tal circunstância não significa que, deslocada a competência pelo ingresso superveniente do INPI, o juiz remeterá os autos, necessariamente, para a cidade do Rio de Janeiro. É que, em matéria de competência territorial, o sujeito federal pode ser demandado nos foros concorrentes do art. 51, parágrafo único, do NCPC (retro, 430). Em tal contingência, competente é a seção judiciária que abrange o local de domicílio do autor.42 Por outro lado, a intervenção do INPI, como amicus curiae, não desloca a competência para a Justiça Federal. A competência da Justiça Federal somente se caracteriza quando o sujeito federal assumir uma das posições arroladas no art. 109, I, da CF/1988 (v.g., a de assistente) e, dentre elas, não figura a qualidade deamicus curiae. Aplica-se, portanto, o art. 138, § 1.º, do NCPC. Por identidade de razões, a intervenção da própria União, na forma do art. 5.º da Lei 9.469/1996, não modifica a competência, senão quando interpor recurso (retro, 816). 825. Poderes processuais do INPI

A ambivalência da posição efetivamente assumida pelo INPI, ora parte passiva obrigatória, ora amicus curiae, também se reflete nos poderes processuais. Não há necessidade de comentar a condição do litisconsorte passivo. É parte e usufruirá dos poderes atinentes à parte. É mais obscura a definição dos poderes processuais que tocam ao amicus curiae nessa hipótese especial de intervenção. Em relação ao Ministério Público, cuja posição se avizinha do amicus curiae, exercerá poderes de parte no processo. No caso, a Lei 9.279/1996 silenciou quanto ao conteúdo da manifestação e até mesmo a respeito da possibilidade de produzir prova documental. O conteúdo da intervenção só pode ser o de apresentar memorial quanto às questões de fato e de direito, salvo disposição mais extensa do órgão judiciário, a teor do art. 138, § 2.º, do NCPC. E o direito de produzir documentos parece intrínseco à atuação do amicus curiae, cabendo ao INPI, por exemplo, juntar cópia integral do procedimento administrativo, independentemente do fato de uma das partes já ter requerido a providência. Fora daí, a atuação do INPI é limitada pelo órgão judiciário. Faltar-lhe-á, contudo, legitimidade genérica para impugnar as decisões desfavoráveis ao entendimento esboçado na intervenção, porque a Lei 9.279/1996 não o habilitou a tanto, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a CVM (retro, 812). Incidirá, outra vez, o art. 138, § 1.º, do NCPC. § 169.º Intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) 826. Casos de intervenção do CADE O art. 118 da Lei 12.529, de 30.11.2011, estipula o seguinte: “Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente”. A redação é idêntica à do art. 89 da Lei 8.884, de 11.06.1994, hoje revogado. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ou CADE, é uma autarquia federal com sede e foro no Distrito Federal e ambiciosamente rotulada como entidade judicante no art. 4.º da Lei 12.529/2011. É dotada de vasta competência, concentrada no Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, avultando a de “decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei” (art. 9.º, II, da Lei 12.529/2011). Em suma, o CADE é agência regulatória da ordem econômica e da livre concorrência e, para atingir seu escopo institucional, necessita intervir em determinados feitos. 827. Fundamento da intervenção do CADE Leitura ligeira do art. 118 da Lei 12.529/2011 já revela que a intervenção se justificará em amplíssimas hipóteses em que os bens tutelados pela agência sejam controvertidos, a exemplo das demandas individuais ou coletivas envolvendo práticas concorrenciais abusivas,43 ou tolhimento da livre concorrência, através da dominação do mercado, como acontece nos casos de oligopólio e de cartel, em que os ajustes comerciais prejudicam os consumidores. É também precisa a regra na qualificação da modalidade interventiva, indicando que o CADE intervirá na “qualidade de assistente”.

Perante disposição tão peremptória parece ocioso perquirir o real fundamento dessa espécie de intervenção. Embora tais esforços indiquem a existência de um interesse substancialmente diverso do que o localizado à base da assistência, a qualidade que expressamente a lei lhe atribuiu torna muito difícil negar ao CADE o regime próprio dessa modalidade típica de intervenção de terceiros no processo. Tal regime difere, em aspectos essenciais, do reconhecido ao amicus curiae. A própria localização desse assunto, no contexto da intervenção de friend of the court, revela-se imprópria e impertinente. Nada obstante, forçoso reconhecer que, a rigor dos princípios, o CADE funcionará como amicus curiae.44 O assistente entretém um vínculo jurídico com uma das partes em litígio e o CADE, na condição de agência fiscalizadora, obviamente não se vincula a qualquer das partes. Figure-se o caso clássico de a rede de farmácia Xabrir filial na mesma quadra e bairro das farmácias Y e Z, e, naquele estabelecimento, praticar preços substancialmente mais baixos que Y e Z e das outras lojas da sua própria rede. É compreensível que, conforme a escala do negócio, a rede X adquira produtos por preços mais competitivos que empresas isoladas, como Y e Z, o que já lhe colocaria em situação superior nessa espécie de comércio no bairro, mas é abusivo reduzi-los, ainda mais, somente para angariar a clientela. Eventual litígio entre Y e Z, de um lado, e X, de outro, decerto envolverá matéria regulada pela Lei 12.529/2011, e eventual intervenção do CADE sustentará as razões de Y eZ. Não há, porém, interesse jurídico do CADE, ou seja, o interesse subjetivado em relação jurídica com Y ou com Z. O interesse é político, ou institucional, sobranceiro ao interesse particular das partes. É típica intervenção de amicus curiae.45 A natureza do interesse suplanta a dicção legal. Essas considerações não apresentam força bastante para negar ao CADE o regime jurídico da assistência. O objetivo da lei, presumindo-se que haja tratado fenômeno àquela altura pouco entendido e insuficientemente desenvolvido, era o de facultar ao CADE amplos poderes processuais e vinculá-lo, nos termos do art. 123 do NCPC, à justiça da decisão. Não há como arredar esse regime com a exata configuração do interesse do CADE. 828. Obrigatoriedade da intimação do CADE É obrigatória a intimação do CADE, pois o 118 da Lei 12.529/2011 utiliza fórmula verbal imperativa (“… deverá ser intimado…”). A forma e prazo dessa intimação não discrepam do modelo comum. Observar-se-ão, genericamente, os ditames da lei processual civil. Assim, a intimação far-se-á, seja qual for o local em que tramita a demanda, através de intimação eletrônica (art. 246, § 1.º). O prazo para manifestação do CADE, à falta de disposição expressa, há de ser de quinze dias (art. 138, caput, do NCPC). A respeito da preterição dessa formalidade, valem as considerações já feitas no tocante à intervenção da CVM (retro, 809). O pronunciamento da nulidade dependerá da efetiva prova do prejuízo decorrente da falta de intimação.

829. Facultatividade da intervenção do CADE Embora obrigatória a intimação do CADE, em todas as causas que envolvam a ordem econômica, no sentido mais lato possível, a efetiva intervenção se mostra facultativa, como revela o gerúndio “querendo” do 118 da Lei 12.529/2011. Por um lado, a opção técnica se mostra feliz.46 O CADE dificilmente dispõe de meios e de recursos para intervir em todas as causas, e, de resto, há as que não têm transcendência bastante, a seu critério, para justificar eventual intervenção. De outro lado, feita a intimação do CADE validamente, inexistirá vício no procedimento subsequente em virtude da sua omissão, tratando-se de intervenção como amicus curiae, que poderá acontecer inclusive no segundo grau ou perante a interposição de determinado recurso no tribunal. 830. Momento da intervenção do CADE É preciso cogitar do momento em que o juiz ordenará a intimação do CADE e a oportunidade da respectiva intervenção. No que tange ao primeiro aspecto, convém o juiz promover a intimação na fase postulatória, a fim de que o CADE, ao intervir na causa, exerça plenamente os poderes processuais que a sua ficta equiparação ao assistente, na pior das hipóteses, assegura-lhe no processo. Não há qualquer impedimento que a intervenção ocorra após o prazo de quinze dias, iniciado com a intimação e contado da forma comum (art. 219 c/c art. 224), porque se trata de intervenção de amicus curiae, que pode ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme o critério do interveniente. 831. Forma da intervenção do CADE O CADE intervirá no processo pendente, acudindo à intimação decorrente do caráter imperativo do 118 da Lei 12.529/2011, através de petição escrita, subscrita por procurador habilitado, valendo, aqui, as considerações expendidas quanto à forma da intervenção da CVM (retro, 808). 832. Efeitos processuais da intervenção do CADE O CADE é uma autarquia federal, e, portanto, a sua efetiva intervenção deslocará a competência, incontinenti, para a Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988, inclusive para avaliar a admissibilidade da intervenção (Súmula do STJ, n.º 150). Não se aplica, destarte, o art. 138, § 1.º, do NCPC. A circunstância de o CADE, na realidade, exercer as funções típicas de amicus curiae, filiando-se a uma das partes em virtude de acidental coincidência de interesses, não elimina a equiparação legal do art. 118 da Lei 12.529/2011 à condição de assistente.47 Por conseguinte, a intervenção do CADE atrai a competência da Justiça Federal, em razão da qualidade da parte (art. 45, caput, do NCPC). Em tal contingência, a letra expressa da lei não autoriza, salvo engano, tratamento diverso, independentemente da efetiva conduta adotada, ou seja, da maior ou menor participação como coadjuvante de uma das partes. 833. Poderes processuais do CADE

O CADE é, para todos os efeitos legais, assistente (118 da Lei 12.529/2011). Logo, como sublinhado no item anterior, os seus poderes processuais submetem-se ao regime próprio da assistência (retro, 790), incluindo suas limitações (retro, 791). Legitima-se o CADE, por exemplo, a impugnar as decisões desfavoráveis à linha preconizada na petição de intervenção,48 mas não porque os seus poderes equivalem aos do Ministério Público,49 e, sim, porque fictamente equiparado ao assistente, repelindo a incidência do art. 138, § 1.º, do NCPC. É bem de ver que a atividade processual do CADE jamais modificará o objeto litigioso ou tolherá os negócios jurídicos processuais dispositivos. § 170.º Intervenção dos Conselhos da Ordem dos Advogados (OAB) 834. Casos de intervenção da OAB O art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1998 autoriza os Conselhos Federal e Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil – autarquia federal, sui generis, consoante decidido pelo STF (infra, 1.032.3)50 – a intervir “nos inquéritos e processos em que sejam indicados, acusados ou ofendidos” os inscritos em seus quadros. Esse dispositivo tem maior aplicação na órbita penal, mas a sua redescoberta, na área civil, desempenhará funções relevantes nas décadas vindouras. 835. Fundamento da intervenção da OAB É possível encarar a intervenção da OAB sob dois ângulos distintos, variando, em consequência, a respectiva natureza jurídica: (a) ou a OAB age em nome próprio, mas em defesa do direito particular alheio, o do advogado inscrito no quadro próprio; (b) ou a OAB intervém em nome próprio, mas na defesa dos interesses institucionais, corporativos e políticos. Nessa última modalidade, constitui típica intervenção de amicus curiae. Nada obstante a atuação seja em prol do inscrito em seu quadro, configurando-se a coincidência acidental dos interesses, raramente a relação jurídica entre a OAB e a parte sofrerá, reflexamente, os efeitos da decisão. Se isso vier a ocorrer (v.g., a causa controverte a autenticidade do diploma de bacharel em direito, cuja falsidade acarretará a exclusão do quadro de advogado, a teor do art. 34, XXVI, c/c art. 38, II, da Lei 8.906/1994), então será hipótese de assistência. É preciso que se encontre em jogo, no inquérito e no processo, os direitos e prerrogativas inerentes à profissão, para justificar o ingresso com supedâneo no art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1994. Por exemplo, a ação em que a parte pretenda responsabilizar algum advogado pela retirada dos autos em carga além do prazo legal (art. 234), objeto de cobrança (art. 234, § 2.º), ou na ação em que se pretenda cobrar a multa correspondente à metade do salário mínimo que lhe foi imposta pelo mesmo fato. No entanto, a jurisprudência ainda não percebeu a real dimensão do art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1994. Por exemplo, julgado do STJ asseverou que “as condutas de advogados que, em razão do exercício do seu

múnus venham a ser incluídos em polo passivo de ações cíveis, não estão a significar, diretamente, que a OAB seja afetada, porque, admitida tal possibilidade, qualquer advogado que cause dano material ou moral a outrem, poderia suscitar intervenção sob o argumento de defesa de prerrogativa”.51 Ora, esse é o objetivo da regra estatutária. Em outro precedente, o STJ rejeitou a intervenção da OAB em processo no qual o advogado, estatutariamente ligado à Administração Indireta, pugnada pelo direito próprio à percepção de honorários, conforme disposto no art. 4.º da Lei 9.527/1997.52 Em ambos os casos, exigiu-se o interesse jurídico na sua forma clássica, ignorando o interesse político que caracteriza o amicus curiae. Não é para tanto. Era cabível a intervenção da OAB nas duas situações. Por outro lado, o papel político da OAB na vida nacional, exposto de forma dramática antes da consolidação democrática empreendida na CF/1988, vai muito além do campo de incidência da regra já referida. Sob o disposto no art. 44, I, da Lei 8.906/1994, compete à OAB “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. Esse amplíssimo rol encorpa vasto interesse político que se localiza na base de qualquer intervenção de amicus curiae. É inegável que a OAB tem interesse em intervir nas principais causas políticas da Nação. 836. Facultatividade da intervenção da OAB A intervenção da OAB, como assistente ou amicus curiae, revela-se facultativa. Não há regra alguma impondo a sua prévia intimação ou constrangendo-a à intervenção. Dependerá essa última do juízo porventura feito nas instâncias administrativas da instituição. 837. Forma da intervenção da OAB e atribuição organizacional A OAB intervirá, como os demais assistentes e amicus curiae, através de petição escrita, em qualquer fase do processo, devidamente representada por advogado. Representa o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais o respectivo presidente e, advogado que é, poderá postular em nome próprio ou constituir outro advogado, investindo-o de poderes. É mais importante, nesse ponto, destacar a repartição das atribuições organizacional da Ordem dos Advogados que, à imagem do Estado brasileiro, assumiu forma federada (art. 44, caput, da Lei 8.906/1994). O art. 49, parágrafo único, da Lei 8.906/1994, legitimou a intervir tanto o Conselho Federal, quanto o Conselho Seccional, e, naturalmente, considerou a base territorial da causa. Assim, pretendendo a OAB ingressar em demanda que tramita em São Paulo, quer na Justiça Federal, quer na Justiça Comum, a atribuição é do Conselho Seccional de São Paulo, sem prejuízo da avocação dessa atribuição pelo Conselho Federal. Mas, nos processos de competência originária dos tribunais superiores (STF ou STJ), a atribuição é unicamente do Conselho Federal, como decidiu o STF.53 838. Efeitos processuais da intervenção da OAB

A OAB é uma autarquia federal, sui generis, situada numa zona imprecisa e autônoma da Administração Indireta do Estado brasileiro, subtraindo-lhe das exigências do art. 37 da CF/1988 e da fiscalização que recai, em tese, sobre tais sujeitos. De toda sorte, ocorrendo intervenção da OAB, independentemente do fato de se tratar do Conselho Federal ou do Estadual, põe-se o problema já examinado no tocante à CVM do imediato deslocamento da causa pendente para a Justiça Federal, a fim de apreciar os requisitos de admissibilidade da própria intervenção (Súmula do STJ, n.º 150), em razão do disposto no art. 109, I, da CF/1988. Trata-se de consequência que inibe a admissibilidade da intervenção. O deslocamento da competência é compreensivelmente mal visto pela parte contrária, arrastada contra a vontade e presumível interesse para outro foro, e pelo órgão judiciário federal, conduzido a apreciar feito heterogêneo, relativamente aos que, de ordinário, inserem-se na sua competência natural. Essa dificuldade real e concreta inspirou a tese que, tratando-se do Conselho Seccional, e tramitando a causa na Justiça Comum, a causa não se deslocaria para a Justiça Federal.54 Na realidade, a tese não convence por uma razão: o art. 45, § 2.º, da Lei 8.906/1994 atribui ao Conselho Seccional personalidade jurídica própria, como parte autônoma da OAB, e semelhante personalidade é a de autarquia federal sui generis. Logo, sob este ângulo, não importa que se trate de Conselho Secional, pois este atrai a competência federal.55 Na verdade, resolve-se a dificuldade na forma já preconizada para a intervenção da CVM (retro, 808): o amicus curiae não assume quaisquer das posições processuais mencionadas no art. 109, I, da CF/1988 – autor, réu, assistente ou oponente –, e, haja vista a impossibilidade de conferir interpretação extensiva à regra constitucional, inexiste razão idônea para deslocar a competência para a Justiça Federal. Aplica-se, então, o art. 138, § 1.º, e, não, o art. 45, caput, do NCPC. Às vezes, a OAB exibirá interesse jurídico na causa, pois a relação jurídica com o seu filiado, parte no processo, sofrerá influência da decisão da causa. Volta à mente o exemplo da ação em que se controverte a falsidade ou não do diploma de bacharel em direito, que constitui requisito para o ingresso no quadro de advogados da OAB. Em tal hipótese, incidirá o art. 109, I, da CF/1988, c/c art. 45, caput, do NCPC, porque a OAB ingressará como assistente. 839. Poderes processuais da OAB Os poderes processuais da OAB, ao ingressar na causa pendente, dependerão do título da intervenção: na qualidade de assistente, o regime é o próprio dessa figura; na condição de amicus curiae, limita-se a informar o juízo nos termos já preconizados no caso da CVM (retro, 811), salvo extensão, ope iudicis, desses poderes. § 171.º Intervenção do amicus curiae consoante o objeto litigioso 840. Intervenção no controle concentrado de constitucionalidade

O art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 autoriza o relator, por decisão irrecorrível, “considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes”, “admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades”, no processo objetivo de controle da constitucionalidade. A jurisprudência do STF identifica nesta disposição intervenção de amicus curiae.56 Idêntica figura aparece na arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999). E antes mesmo da expressa disposição legal, apesar de vigorante o art. 169, § 2.º, do RISTF – lei em sentido formal –, que vetava o ingresso de terceiros no controle concentrado, o STF acolhera semelhante intervenção, assinalando que o ingresso do amicus curiae, no caso juntando documentos esclarecedores da controvérsia, não representava, tecnicamente, intervenção ad coadjuvandum.57 840.1. Fundamento da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – O art. 7.º, caput, da Lei 9.868/1999 reproduz a regra regimental e veta, genericamente, a intervenção de terceiros nas ações que compõem o chamado controle concentrado de constitucionalidade. A razão desse veto repousa na natureza objetiva do processo.58 Não envolve situações jurídicas concretas,59 inexistindo partes no sentido próprio desse termo, pois os legitimados atuam como representantes do interesse público.60 A intervenção do amicus curiae, nada obstante à sua adesão ao acolhimento ou a rejeição do pedido, modulada pelas inúmeras técnicas de controle (v.g., a da interpretação conforme), qualifica o debate constitucional, abrindo as portas do tribunal às manifestações dos grupos organizados na sociedade civil. É o que sublinhou já invocado precedente do STF: “A ideia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do amicus curiae no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho do seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade”.61 Em outras palavras, a intervenção permite que os diversos segmentos da sociedade pluralista se manifestem, pró ou contra a norma objeto de controle, emprestando conteúdo “participativo” à decisão, em questões polêmicas e que dividem a opinião pública. Em tais termos se formula a proposição teórica, respaldando o ingresso do amicus curiae. O estágio atual da sociedade pluralista e complexa dificilmente suportaria os efeitos um provimento do STF sem esse mecanismo de legitimação participativa.62 Todavia, o mecanismo abre o processo constitucional ao intercâmbio de opiniões contrastantes, porque admissível pluralidade de intervenções,63 nem sempre convergentes em sentido. E não raro a pluralidade advém da paixão provocada por interesses inconciliáveis. Figure-se a hipótese de certa regra excepcionar a proibição de matar animais mediante prática cruel, assim entendida a que implique sangrar o animal até a morte no curso de prática

religiosa. O sacrifício ritual de animais é costume muito antigo e registrado no Velho Testamento, integrando a liturgia de diversas seitas e religiões. Posta em causa semelhante disposição normativa, a exigir ponderação entre a liberdade de crença e a proteção das demais espécies da atividade predatória humana, a intervenção de amicus curiae, em posições divergentes, significa introduzir no processo supostamente objetivo um debate amargo e pouco promissor ao desate da questão constitucional. Eventuais divergências entre a fé e a ciência oferecem outro exemplo eloquente e aconteceu no caso das células-tronco. Não se pode excluir a introdução indireta de situações subjetivas no processo objetivo, reproduzindo o amicus curiae, conforme o viés assumido, determinadas hipóteses abrangidas na norma impugnada, com o fito de demonstrar os efeitos futuros da legislação. É risco inerente à abertura do debate. Em grande parte das intervenções já ocorridas no STF, o amicus curiae revela-se antes amigo da parte do que amigo do tribunal.64 Seja como for, a intervenção do amicus curiae, no controle concentrado de constitucionalidade, há de ministrar subsídios relevantes aos integrantes do STF, jejunos em outras áreas do saber, notadamente em relação à verificação dos fatos e dos prognósticos legislativos.65 Realmente, o controle da constitucionalidade não se limita ao simples contraste entre a norma impugnada e a Constituição. Também se impõe verificar se a base de fato, sobre a qual o Parlamento legislou, corresponde à realidade e se aplicação da norma, no futuro, produzirá efeitos benéficos à sociedade. É nesse âmbito da interação entre a norma e os fatos passados, atuais e futuros que a contribuição do amicus curiae encontra o ambiente mais propício para aperfeiçoar a decisão do STF. 840.2. Pressupostos da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – Do art. 7.º, caput, da Lei 9.868/1999, inferem-se os dois requisitos que autorizam a intervenção do órgão ou da entidade: (a) a relevância da matéria; (b) a representatividade do postulante. Em relação ao primeiro requisito, a simples controvérsia sobre a constitucionalidade de determinada norma já implica, por si mesmo, inegável relevo político à matéria;66 porém, a disposição exige mais do que a estatura intrínseca à demanda, sob pena de redundância, e reclama peculiar repercussão, no seio da sociedade, do juízo sobre a constitucionalidade, ou não, da norma. Os casos de “repercussão geral” do recurso extraordinário, progressivamente evidenciados na jurisprudência do STF, dão norte em tal assunto. A própria postulação do amicus curiae, porque sensível a causa ao seu interesse político, já indica interesse dessa natureza. Não é por outro motivo que, em determinadas matérias, não se julgando o relator suficientemente esclarecido ou seguro da seriedade e profundidade das informações prestadas, poderá “requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria” (art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.868/1999), bem como solicitar esclarecimentos a tribunais sobre a aplicação da norma questionada no âmbito da sua competência (art. 9.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999). Essas providências para melhor prover a respeito da norma indicam a relevância da matéria. Por exemplo, norma que autorizasse o casamento civil de pessoas do mesmo sexo exigiria amplo debate, colhendo manifestações de variadas origens, mediante a participação de antropólogos, sexólogos,

sociólogos, teólogos e assim por diante. Objetiva-se tornar a estrutura processual aberta às manifestações da sociedade.67 No tocante à representatividade do postulante, a legitimidade restrita, mas concorrente, adotada no art. 103 da CF/1988, empresta a tais legitimados a representatividade necessária para ingressar no processo como amicus curiae.68 Despem-se, por conseguinte, da qualidade de parte (no sentido estritamente formal), e, portanto, dos poderes inerentes a essa condição, e atuarão com as limitações próprias da qualidade de amicus curiae. Além disso, há que se exigir do “órgão ou entidade”, sob a rubrica da representatividade, alguma correlação entre a norma contestada e os respectivos objetivos institucionais, o que o STF designou de “pertinência temática”. Por exemplo, a Federação Nacional das Empresas de Seguro Privado e Capitalização, ou FENASEG, ingressou como amicus curiae na ação que impugnava a criação de novo órgão fiscalizador desse mercado particular.69 O art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 alude a “órgão ou entidade” sem propósitos restritivos. A pessoa natural pode intervir como amicus curiae, demonstrando o nexo entre a sua especialidade técnica, artística, científica ou prática e o objeto da demanda (art. 138, caput, do NCPC). Assim, um eminente teólogo e um pesquisador na área genética, autoridade em matéria de células-tronco, seguramente enriquecerão o debate, legitimando-se a intervir em nome próprio, e, não, por intermédio das entidades das quais eventualmente participem. 840.3. Momento da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – Não há momento predeterminado para o pedido de ingresso como amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade. A oportunidade azada começa com o juízo de admissibilidade provisório, emitido pelo relator, ao requisitar informações, ou seja, inicia com a litispendência. O problema reside no termo final. É preciso localizar o termo final de acordo com as finalidades da intervenção. Ela visa a fornecer ao órgão julgador subsídios relevantes na formação do seu convencimento. Formada a convicção do relator, a intervenção ou mostrar-se-á inútil, havendo coincidência entre o teor da manifestação do postulante e o voto do relator, ainda in pectoris, ou exibir-seá contraproducente, no caso de divergência, pois importaria simples contestação ao juízo pronto. A delicadeza na tarefa de persuadir juízes de qualquer hierarquia recomenda aos procuradores, instintivamente, evitar esses incômodos. De resto, sucessivos pedidos de intervenção, na última hora, tumultuariam o procedimento. Por isso, firmou-se no entendimento no STF que é inadmissível o pedido de admissão “após a liberação da ação direta de inconstitucionalidade para julgamento”.70 Essa flexibilidade significa, por outro lado, que não há prazo para o amicus curiae se manifestar na intervenção voluntária. Em tal hipótese, o próprio ato da intervenção já traz os subsídios e os documentos esclarecedores. Se o postulante cingiu-se a pleitear o ingresso, deixando para se manifestar oportunamente, o prazo só pode ser o de trinta dias (art. 6.º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999), prescrito para as informações. É o prazo, de resto, que será assinado pelo relator quando convocar alguém para se manifestar.

840.4. Intervenção voluntária ou provocada do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – A redação do art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 (“… poderá… admitir…) revela-se neutra, possibilitando que a intervenção do amicus curiae ocorra voluntariamente ou mediante provocação do relator. Por exemplo, controvertendo-se norma que autorize o casamento de pessoas do mesmo sexo, nada obsta que o relator, ciente da existência de expressivas manifestações científicas, emanadas de pessoa natural, solicite a sua contribuição para o deslinde da controvérsia. Em tal hipótese, por analogia, o relator fixará o prazo do art. 6.º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, e, por óbvio, resolve-se o problema do termo final. O prazo se conta de forma comum (art. 219 c/c art. 224 do NCPC). Não parece possível, todavia, estimar que a intervenção da pessoa natural seja necessariamente provocada, pois o art. 7.º, § 2.º, alude, unicamente a “órgãos ou entidades”.71 Postulada a intervenção voluntária por pessoa natural, caberá ao relator admiti-la, ou não, através do preenchimento pressupostos legais (retro, 801), valendo o juízo positivo como sucedâneo da prévia convocação. 840.5. Forma da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – Na intervenção voluntária, cabe ao postulante pleitear o respectivo ingresso em petição escrita, subscrita por procurador habilitado. Essa peça tomará a forma de memorial ou de parecer, especificando os requisitos de admissibilidade (retro, 800), e, desde logo, expondo o interveniente os subsídios e produzindo a prova documental que estimar pertinente à espécie. O relator admitirá, ou não, a intervenção do amicus curiae, por decisão que o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 declara irrecorrível, repetido no art. 138, caput, do NCPC. Já na intervenção provocada fica superado o juízo de admissibilidade, implícito na convocação específica a determinada pessoa natural ou jurídica. O relator assinará o prazo de trinta dias para o terceiro se manifestar. Concebem-se, como já assinalado, multiplicidade de intervenientes, nem sempre defendendo teses convergentes. O contraste de opiniões, favoráveis ou não à constitucionalidade da norma impugnada, de um lado, enriquece o debate, e, de outro, transforma o processo objetivo em palco de penosa e arrebatada controvérsia. Não se pode excluir que, na análise dos fatos e prognoses legislativos, o amicus curiae reproduza situações individuais feridas pela norma, demonstrando os efeitos salutares ou perversos do regramento à luz dos direitos fundamentais. Essa multiplicidade de intervenientes, revestidos dos pressupostos legais, oferecerá dificuldades na oportunidade do julgamento, haja vista os poderes processuais de cada amicus curiae. Por esse motivo, parece razoável limitar-lhes o número, aplicando, por analogia, o art. 113, § 1.º, do NCPC.72 840.6. Poderes processuais do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade – Limitam-se os poderes processuais do amicus curiae à apresentação da sua manifestação, acompanhada ou não da prova documental pertinente, inclusive pareces técnicos. Não se legitima a recorrer das resoluções interlocutórias e do julgamento final, por via de embargos de declaração (art. 26 da Lei 9.868/1999), e, apesar de o STF ter admitido recurso para impugnar a “não admissão nos autos”,73 o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 declara semelhante provimento irrecorrível. Não persuade o

argumento que todo provimento singular emanado de integrante de órgão colegiado comporta revisão.74 É contra legem e o processo civil se subordina ao princípio da legalidade. Em contrapartida, o procurador do amicus curiae poderá sustentar oralmente,75 e, correlatamente, apresentar memoriais aos julgadores. 841. Intervenção no controle difuso de inconstitucionalidade O art. 97 da CF/1988 impõe reserva de plenário (full bench) para o tribunal, órgão eminentemente colegiado no direito brasileiro, pronunciar a inconstitucionalidade, motivo por que, arguida a inconstitucionalidade da norma, no julgamento de recursos ou de causas de competência originária, e acolhida a alegação pelo órgão fracionário, submeter-se-á a questão ao tribunal pleno ou, onde houver, ao órgão especial (art. 949, II). O art. 950 faculta (a) às pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição da norma (art. 950, § 1.º); (b) aos legitimados a suscitar o controle concentrado de constitucionalidade, a teor do art. 103 da CF/1988, abrangendo o Ministério Público (art. 950, § 2.º); e (c) aos órgãos e às entidades representativos (art. 950, § 3.º) a intervirem na fase de julgamento perante o tribunal pleno ou o órgão especial. Nos dois primeiros casos, considerando as fórmulas verbais do art. 950, §§ 1.º e 2.º, cuida-se de intervenção espontânea, embora o Ministério Público haja de intervir, obrigatoriamente, quando já figurar como parte coadjuvante no processo (art. 178). Reproduzindo o art. 950, § 3.º, literalmente, o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999, a intervenção pode ser espontânea ou provocada. E, por outro lado, a referência ao art. 103 da CF/1988 há de ser entendida como alusiva ao quod plerumque fit, constituindo objeto do incidente norma federal; porém, versando o incidente normas estaduais ou municipais, os legitimados, a que alude o art. 950, § 2.º, são os que a Constituição do Estado-membro legitima a propor o controle de constitucionalidade perante o TJ, consoante o art. 125, § 2.º, da CF/1988. É significativo que, relativamente a tais legitimados, o art. 950, § 2.º, assegura-lhes o direito de “apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos”. Tal faculdade se estende a quaisquer intervenientes, porque constitui característica frisante da atuação do amicus curiae. Esse poder não se restringe, absolutamente, à distribuição de simples resumo escrito dos seus argumentos no debate oral, na sessão de julgamento. Trata-se de permissão para se manifestar, por escrito, no prazo regimental, a favor ou contra a inconstitucionalidade, nos autos em que se processa o incidente. Em relação aos “outros órgãos e entidades”, consoante prevê o art. 950, § 3.º, existem dois aspectos dignos de menção. Em primeiro lugar, a admissão, ou não, mostrar-se-á irrecorrível; ademais, não se exclui a intervenção de pessoa natural (art. 138, caput, do NCPC). Fora daí valem as considerações anteriormente feitas no âmbito do controle concentrado (retro, 840). 842. Intervenção no pedido de uniformização de jurisprudência no Juizado Especial

O art. 14, §§ 4.º e 5.º, da Lei 10.259/2001 criou incidente de uniformização da jurisprudência, cabível na hipótese de a Turma de Uniformização, integrada por juízes das Turmas Recursais, sob a presidência do Ministro coordenador da Justiça Federal, fixar tese jurídica que divergir da súmula de jurisprudência dominante do STJ em questões de direito material. É flagrantemente inconstitucional essa disposição legislativa, pois não cabe à lei infraconstitucional alargar a competência traçada no art. 105 da CF/1988 ao STJ. Como quer que seja, o art. 14, § 7.º, da Lei 10.259/2001 autoriza eventuais interessados se manifestarem no prazo de trinta dias, buscando influenciar a decisão do STJ. Cuida-se de intervenção de amicus curiae.76 Convém notar que os artigos 18 e 19 da Lei 12.153/2009, criando incidente similar nos Juizados Especiais da Justiça comum – por sinal, há os juizados especiais formam sistema próprio, segundo esse diploma –, e, inclusive, acometendo competência para o STJ dirimir a divergência entre Turmas Recursais de diferentes Estados-membros, quando houver contraste com a súmula de jurisprudência dominante do STJ (art. 18, § 2.º, da Lei 12.153/2009), e se a própria uniformização, ocorrida no Estado-membro, estampar esse dissídio (art. 19, caput, da Lei 12.153/2009), não reproduziu a intervenção do amicus curiae. 843. Intervenção no procedimento do recurso extraordinário e no julgamento dos casos repetitivos O art. 1.035, § 4.º, atribui ao relator do recurso extraordinário, no STF, a faculdade de admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado. Dispõe no mesmo sentido o art. 323, § 2.º, do RISTF. Essa última regra declara irrecorrível a decisão do relator que admitir, ou não, a intervenção. Não é inconstitucional esta parte do dispositivo.77 O cabimento do recurso dependeria de previsão legal expressa e ela, simplesmente, não existe nesse caso. De toda sorte, o imenso poder depositado no relator não se harmoniza com a moderna política de “portas abertas” praticada na Suprema Corte dos Estados Unidos. Apesar de o pretendente a amicus curiae necessitar de autorização das partes, na prática o ingresso do terceiro, dirigindo-se diretamente ao tribunal, embora uma ou ambas as partes hajam recusado sua colaboração, raramente é rejeitado.78 O STF admitiu a intervenção de amicus curiae precedentemente à disposição legislativa.79 O caso concreto cuidava de recurso extraordinário tirado de julgado de Turma Recursal dos Juizados Especiais e o art. 15 da Lei 10.259/2001 mandava aplicar, no julgamento, as disposições do art. 14 da mesma lei, cujo § 7.º autorizava manifestação dos amici. Além disso, o objeto exibia imensa repercussão social, versando o valor do benefício previdenciário da pensão por morte. Habilita-se à manifestação o terceiro que figura recorrente em processo similar, pretendendo demonstrar ao relator a superioridade das suas razões, quer no tocante à parte contrária, quer no tocante à parte que ocupa posição equivalente no processo cujo recurso encontra-se sob julgamento no STF.

Por sua vez, no julgamento dos casos repetitivos (art. 928), entendendo por tal o julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos (inciso I) e o incidente de resolução de causas repetitivas (inciso II), cabe a intervenção do amicus curiae. É nessas hipóteses que sua contribuição ao debate na fixação do precedente assumirá extraordinário valor. Em relação aos recursos, prevê a intervenção o art. 1.038, I; no tocante ao incidente, o art. 983, caput, inclusive com a previsão de audiência pública (art. 983, § 2.º) para colher depoimentos e subsídios sobre a matéria. Em quaisquer desses casos, a intervenção é típica de amicus curiae.80 Os pressupostos dessa intervenção, o procedimento e os efeitos são os gerais da figura.81No incidente de resolução de causas repetitivas, o art. 983, caput, houve por bem especificar os poderes, permitindo ao amicus curiae requerer a juntada de documentos e diligências imprescindíveis à elucidação da questão de direito objeto do incidente. § 172.º Procedimento da intervenção do amicus curiae 844. Incidente de admissão do amicus curiae A análise dos casos típicos de intervenção do amicus curiae no direito brasileiro, anterior, reuniu material suficiente para destacar os tópicos de relevo no tocante ao itinerário de ingresso desse terceiro no processo pendente. As disposições legislativas apresentam-se marcadamente lacônicas, mas a simples sugestão de informalidade, a par de insatisfatória, cede à vista do conjunto, no qual repontam diversos elementos indicativos dos passos a serem tomados pelo interveniente. A esse conjunto acrescenta-se o art. 138 do NCPC. É hora de sistematizar esses requisitos, orientando, precipuamente, a intervenção voluntária. A intervenção provocada regula-se automaticamente no ato do juiz que convoca o terceiro, mas, subsidiariamente, tem pontos em comum (v.g., a forma). É óbvio que a intervenção do amicus curiae, nas suas duas modalidades, forma um incidente no processo. O juiz pode entender que o interveniente não exibe representatividade adequada (retro, 801.1), rejeitando-lhe a admissão, ou bem ao contrário, tomar a iniciativa de convocar o terceiro a se manifestar. O art. 138, caput, do NCPC prevê três modalidades de ingresso dos amicis no processo alheio: (a) iniciativa oficial; (b) iniciativa de uma das partes; (c) iniciativa do terceiro. É bem de ver que, nos casos disciplinados na lei extravagante, há intervenções (a) voluntárias e (b) provocadas dos amicis. Nos casos legalmente previstos de intimação de terceiros, a fim de desempenhar essa função, a iniciativa oficial é imperativa, a das partes, supletiva. E, em qualquer hipótese, tramitando o feito em qualquer grau de jurisdição – daí, a referência a juiz ou a relator no art. 138, caput -, concebe-se a iniciativa do terceiro, tomando conhecimento da pendência de causa relevante aos seus propósitos políticos.

O terceiro interveniente pode ser pessoa jurídica ou natural. A mais das vezes, trata-se de pessoa jurídica, mas a manifestação de especialista é bemvinda. O órgão judiciário tem amplíssima liberdade na verificação dos pressupostos autorizadores da intervenção dos amici. Primeiro, a efetiva intervenção não escapa ao controle judiciário – o art. 323, § 2.º, do RJSTF, declara irrecorrível a decisão do relator quanto à intervenção de terceiros na repercussão geral do recurso extraordinário, norma que contrasta com a política de portas abertas hoje adotada na Suprema Corte dos Estados Unidos da América.82 Segundo, na Common Lawconstitui privilégio concedido pelo tribunal semelhante participação. O art. 138, caput, generalizou a inadmissibilidade do recurso próprio contra o ato admitindo, ou não, a intervenção do amicus curiae, excepcionando, nesse caso, o art. 1.015, IX, do NCPC. Disposição de lei geral, não é incompatível com regra em contrário da lei especial (v.g., art. 31, § 3.º, da Lei 6.385/1976, quanto à CVM). 845. Forma da intervenção do amicus curiae O amicus curiae intervirá mediante petição escrita dirigida ao relator, tratando-se de recurso, ou ao órgão judiciário em que tramita o processo. Essa petição pode assumir a forma de parecer ou de memorial – no direito norte-americano chama-se de brief -, e, como repetidamente destacado nos casos típicos, produzirá desde logo a prova documental porventura cabível (v.g., informes técnicos, artigos publicados em revistas especializadas, relatos de experiências científicas ou pessoais, gráficos e levantamentos estatísticos, e assim por diante), por analogia com o disposto no art. 434, caput. O conteúdo da peça variará, consoante a organização dos argumentos, mas recomenda-se a concisão e a precisão no direito norte-americano. “If only page is needed to articulate the position of the amicus, then file a one page brief; it will be greatly aprreciated and much more effective than a lengthy, redundant brief”.83 E o que convém à gabada sistemática processual norteamericana os assoberbados juízes brasileiros também apreciam… Far-se-á habilitado.

o amicus

curiae representar

por

advogado

devidamente

Em princípio, afigura-se correta a distinção entre as modalidades de intervenção. Na espontânea, há postulação do terceiro, cumprindo ao juiz examinar a admissibilidade, à luz dos pressupostos cabíveis, e apenas o advogado tem capacidade para praticar esse ato em juízo. Na intervenção provocada, ao invés, o juiz convoca o particular para colaborar com a Administração da Justiça – e, reza o art. 378, ninguém se exime de colaborar com a Justiça para o descobrimento da verdade –, e, portanto, à semelhança do que sucede com o perito e outros auxiliares, a sua participação prescinde de procurador, o que lhe imporia despesas desnecessárias.84 Os casos típicos de intervenção provocada (retro, 798) exigem a constituição de procurador. E, de resto, o art. 1.035, § 4.º, no procedimento do recurso extraordinário, a fim de auxiliar o relator na análise da repercussão geral, a intervenção ocorrerá por intermédio de “procurador habilitado”.

Se o terceiro intervém, espontaneamente, desacompanhado de advogado, incidirá o art. 76, cabendo ao juiz fixar prazo razoável para regularizar a representação. Não é necessário constituir procurador, por óbvio, se o próprio terceiro detém capacidade postulatória. 846. Momento da intervenção do amicus curiae Não há momento específico para o amicus curiae intervir no processo pendente. Essa possibilidade inicia com a litispendência. A natureza dessa intervenção, a exemplo do que acontece com a manifestação do Ministério Público, na qualidade de custos legis (art. 179, I), indica a conveniência de os amici manifestarem-se após a cristalização das posições das partes, na inicial e na defesa. Porém, nada obsta de o amicus curiae, intervindo em primeiro grau, precipitar-se à própria contestação do réu, principalmente nos casos em que ela, por razões variadas, demora a ocorrer. E há um benefício suplementar nessa diretriz. A intervenção na fase postulatória assegura ao amicus curiae o exercício pleno dos poderes processuais que lhe tocam. Por esse motivo, relativamente à CVM, o art. 31, § 1.º, parte inicial, da Lei 6.385/1976 fixa a oportunidade da intimação “logo após da contestação”. Igualmente, nos casos em que obrigatória a intimação do terceiro, ocorrendo ela nessa fase inicial do processo arreda-se qualquer tentação de decretar-se a invalidação do processo, a posteriori, em virtude da preterição da formalidade. A intervenção do amicus curiae pode ocorrer em qualquer grau de jurisdição. Eis o motivo por que o art. 138, caput, menciona juiz e relator. Eventualmente, a própria resolução tomada no segundo grau, objeto de impugnação pela parte, produz a repercussão social na causa até então despercebida no meio judiciário. Por exemplo, ao prover a apelação da pessoa jurídica de direito público, os votos vencedores teceram considerações supostamente preconceituosas ao deficiente físico, candidato reprovado em concurso público, o que despertou a ira das organizações que defendem ações afirmativas em benefício dessas pessoas. Caracterizada nesse momento a ofensa ao interesse político do interveniente, estimula-se a postulação do amicus curiae, embora tardiamente, na causa. E, de outro lado, talvez o relator enfrente, na hipótese retratada, a necessidade de colher melhores subsídios para julgar o recurso pendente, e, assim, convoca especialista a explicar a aptidão do deficiente no tocante às atribuições do cargo. A oportunidade de intervenção encerra-se após a emissão do pronunciamento objeto da hipotética influência do interveniente. No incidente de inconstitucionalidade, por exemplo, a intervenção prevista no art. 950, § 3.º, do NCPC, necessariamente precederá o julgamento da questão constitucional pleno plenário. Eventual interposição de recurso contra o julgamento proferido pelo órgão fracionário, aplicando a tese fixada pelo plenário, porque a ela se encontra vinculado reabrirá a oportunidade perdida, agora com o intuito de influenciar o pronunciamento subsequente do STF. Convém notar a inadmissibilidade de recurso extraordinário diretamente contra a decisão do tribunal pleno ou do órgão especial. 847. Modalidades de intimação do amicus curiae

Na intervenção provocada, haja ou não expressa disposição legal a esse respeito, há flagrante necessidade de convocar o terceiro por um dos meios legalmente admissíveis. Do assunto ocupou-se, explicitamente, art. 31, § 1.º, da Lei 6.385/1976, no tocante à intimação da CVM, e a interpretação da regra revelou frisante preocupação com a intimação real. O meio que melhor se acomoda à espécie é a intimação eletrônica (art. 246, § 1.º), seguida pela intimação postal, cabível para qualquer comarca do país (art. 247, caput), independentemente do foro em que tramita a causa. Concebe-se, por igual, a intimação por oficial de justiça e, havendo necessidade, a expedição de carta (de ordem, precatória ou rogatória, conforme o caso) para essa finalidade. 848. Prazo da manifestação do amicus curiae A intervenção provocada traz à tona o problema do prazo para o terceiro convocado manifestar-se em juízo. O prazo genérico é de quinze dias (art. 138, caput). 848.1. Natureza do prazo de manifestação do amicus curiae – Conforme ressaltado no exame dos casos típicos, conquanto obrigatória a intimação do terceiro, nos casos em que prevista, a intervenção em si é facultativa, cabendo ao terceiro, senhor do próprio interesse, avaliar se a causa exibe dignidade e estaturas suficientes para exigir-lhe a participação. Por conseguinte, o prazo não é preclusivo, cabendo tolerar a manifestação serôdia, mas realizada a contento. É o que se há de entender na hipótese de intervenção provocada genérica. 848.2 Consequências da falta de manifestação do amicus curiae – Exceto valendo-se dos seus poderes de constrição pessoal (v.g., impondo multa ao terceiro reticente), não há como o órgão judiciário compelir o terceiro à efetiva manifestação. O amicus curiae há de ser arrancado da letargia ou da indiferença pelo próprio interesse. O emprego de medida coercitiva contra o terceiro insubmisso ou indiferente representará expediente nada promissor, mas, eventualmente, mostrar-se-á indispensável, porque a própria colaboração do terceiro tem essa natureza. Dificilmente a pessoa natural com reconhecida autoridade e experiência na matéria sob julgamento deixará de acudir ao chamado judicial, desincumbindo-se do dever de colaboração previsto no art. 378; ao contrário, o convite é extremamente honroso, sinal de extrema consideração, e de acatamento imperativo. Não há qualquer vício a ser reconhecido no caso de subsistir a inércia do terceiro. Também a falta de preterição da intimação, quando obrigatória, não gera invalidade dos atos subsequentes sem a cabal demonstração de prejuízo. 848.3. Quantitativo do prazo de manifestação do amicus curiae – Por simetria ao prazo de defesa do art. 335, o órgão judiciário assinará idêntico interstício para oamicus curiae produzir a sua manifestação, ou seja, quinze dias, a teor do art. 138, caput, do NCPC. Também é o prazo assinado no art. 31, caput, parte final, da Lei 6.385/1976, relativamente à paradigmática

intervenção do CVM. Não coincidência o quantitativo equiparar-se ao da contestação no procedimento. Um prazo maior se mostraria supérfluo, e o prazo menor pouco confortável. Expressa disposição legal pode assinalar prazo distinto. Por exemplo, o art. 950, § 3.º, remete ao prazo fixado no regimento interno do tribunal o interregno para os legitimados a provocar o controle concentrado manifestarem-se no incidente de inconstitucionalidade; o art. 14, § 7.º, da Lei 10.259/2001 estabelece o prazo de trinta dias para a manifestação de eventuais interessados, típica alusão a amicus curiae.85 O prazo se conta ordinariamente (art. 219 c/c art. 224 e art. 231). § 173.º Efeitos da intervenção do amicus curiae 849. Posição competência

processual

do amicus

curiae e

o

problema

de

A intervenção do amicus curiae interfere na dinâmica da relação processual. Na intervenção provocada, precedida de intimação ao terceiro, o procedimento assume variante dispendiosa, porque o juiz empregará tempo e energia para convocar o terceiro. Os reflexos da intervenção não se reduzem a esse aspecto secundário. O amicus curiae assume, no processo, posição neutra, pois a sua função consiste em colaborar no aperfeiçoamento e na legitimidade social do pronunciamento judicial. Nada pede para si e nada contra ele é pedido. Tampouco pede, ainda que ad adjuvandum tantum, a favor de uma das partes e em proveito do seu próprio interesse. No entanto, após a intervenção assume a qualidade de parte, a despeito de limitação nos poderes processais (infra, 851). Essa posição singular, apesar de interessada na solução do litígio em determinado sentido, permite que subsista, integralmente, o princípio da perpetuação da competência originária (art. 43 c/c art. 138, § 1.º). Inexistirá deslocamento da causa para a Justiça Federal, em princípio, porque até o sujeito federal não assume uma das posições indicadas no art. 109, I, da CF/1988. De regra, a intervenção de amicus curiae não afeta a competência originária, fixada no momento em que a ação é proposta. Se ocorrerem modificações, nas hipóteses ventiladas no art. 43, o motivo mostrar-se-á estranho à própria intervenção. É preciso ressalvar, entretanto, eventual disposição em contrário. O CADE é uma autarquia federal, e, consoante o 118 da Lei 12.529/2011, equiparado à condição de assistente. Portanto, a efetiva intervenção do CADE deslocará a competência, incontinenti, para a Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988, inclusive para avaliar a admissibilidade da intervenção (Súmula do STJ, n.º 150). Conforme já se explicou no item próprio (retro, 832), a circunstância de o CADE exercer, tipicamente, função de amicus curiae, não tem o efeito de desfazer a equiparação legal ao assistente, e, conseguintemente, a incidência inevitável do art. 109, I, da CF/1988. 850. Deveres processuais do amicus curiae

À semelhança do que acontece ao Ministério Público, cuja função como custos legis é similar, embora ontologicamente distinta do amicus curiae, e ao qual tocam os poderes, os deveres e os ônus comuns a quem figura como parte, o interveniente submete-se aos copiosos e rígidos deveres previstos no art. 77 do NCPC. Da fórmula vaga e abrangente do art. 77, caput, que apanha “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”, já derivaria essa inclusão. E, após a intervenção, o amicus curiae tornar-se-á parte. Logo, sujeitar-se-á ao regime comum da responsabilidade por atos processuais ilícitos. Não há exceções. Um exemplo ilustra o caráter inevitável dessa submissão. O amicus curiae há de se desincumbir do dever de veracidade (art. 77, I), em intensidade superior ao dever imposto às partes, porque manifestou o intuito de colaborar com o órgão judiciário. Se a respectiva manifestação contiver inverdades, relevado o natural sectarismo, a exemplo de falsear os dados estatísticos apresentados para demonstrar o erro dos prognósticos legislativos da norma porventura aplicável ao litígio, no controle concentra de constitucionalidade, decerto atrairá as sanções cabíveis para a má-fé processual (retro, 600). Também no caso de participar de audiência pública ao representante técnico do amicus curiae veda-se o emprego de expressões ofensivas, sob pena de cassação da palavra, após advertência do juiz ou do relator (art. 78, § 1.º). 851. Poderes processuais do amicus curiae É no campo dos poderes processuais que mais se torna agudo o problema da caracterização do amicus curiae. Não há dúvida que, sujeito da relação processual, assume a condição de parte – no sentido alhures preconizado (retro, 849), exclusivamente formal, como figurante do processo –, acentuada essa qualidade por sua inegável participação no contraditório. Em virtude da condição de parte, o amicus curiae, desde que representado por advogado (retro, 845), deverá ser intimado de todos os atos processuais subsequentes à intervenção. No tocante à CVM, o art. 31, § 2.º, da Lei 6.385/1976 exige a ulterior intimação para intervir em cada ato, momento ou fase processual. Dir-se-á que, na espécie, a intimação revela-se indispensável, pois a lei conferiu, excepcionalmente, legitimidade recursal à CVM; mas, objeção se desfaz, considerando a iniciativa probatória do amicus curiae. E, com efeito, além de produzir prova documental, irrestritamente, acompanhando o seu memorial ou parecer (art. 434, caput), cuja utilidade parece flagrante, oamicus curiae pode propor ao juiz outros meios de prova, a exemplo da perícia, visando a esclarecê-lo a respeito dos fatos controvertidos, salvo deliberação em contrário (art. 138, § 2.º). Entre nós, o cabimento dessa proposição fica simplificado à vista dos amplos poderes de instrução do órgão judiciário (infra, 944.3). Se a possibilidade de o amicus curiae propor meios de prova é poder processual próprio dessa parte coadjuvante, ou simples sugestão ao juiz, estimulando o exercício dos poderes oficiais, constitui questão de somenos importância. O fato é que essa iniciativa se harmoniza com o poder de colaboração inerente à função do amicus curiaedo processo;

mais do que isto: harmoniza-se com o dever de cooperação das partes com o juiz.86 Também socorre o Ministério Público, intervindo na condição decustos legis, a teor do art. 179, II, do NCPC, e não é legítimo negá-lo a quem se apresenta para subsidiar o juiz. É bem de ver que, em algumas situações, a lei assegura o direito de produzir prova documental (v.g., no incidente de inconstitucionalidade, a teor do art. 950, § 2.º). Para esse efeito, ao menos, impõe-se a intimação do amicus curiae dos atos processuais. Trata-se, de resto, de medida escassamente onerosa para o processo, bastando incluir o nome do procurador nas intimações eletrônicas. Tal não significa que a intervenção do amicus curiae modifique o objeto litigioso, subordinado, unicamente, à iniciativa das partes principais. O amicus curiae não pode inovar o material de fato ou modificar a causa de pedir ou o pedido, elementos integrados ao domínio das partes. Incumbe-lhe trazer fundamentos jurídicos ou apresentar os já alegados em nova e revigorada perspectiva. Em relação à legitimidade para impugnar as resoluções judiciais desfavoráveis, há casos em que a própria lei se encarrega de reconhecê-lo, como acontece com as pessoas jurídicas de direito público, a teor do art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997, e a CVM, conforme o art. 31, § 3.º, da Lei 6.385/1976. Fora desses casos explícitos, porém, o legislador sentiu a necessidade de habilitar o Ministério Público, como custos legis, através de regra expressa (art. 996, caput). À falta de disposição desse teor, legitimando o amicus curiae a recorrer, genericamente, há que se entender que a sua posição processual neutra, embora interessada no sucesso de uma das partes (rectius: da tese jurídica coerente com o seu interesse político), não lhe autoriza o emprego dos meios de impugnação (art. 994), salvo os embargos de declaração (art. 138, § 1.º) e o recurso porventura cabível do julgamento do incidente de resolução de causas repetitivas (art. 138, § 3.º). Tampouco se legitima a recorrer do juízo negativo quanto à sua participação (art. 138, caput). Nenhuma das partes legitima-se a recorrer do provimento positivo. É preciso reconhecer certa margem de manobra para o juiz ou o relator admitir, ou não, conforme as circunstâncias do caso concreto, a utilidade da contribuição doamicus curiae. É verdade que há precedente do STF admitindo a impugnação do ato do relator que não admitiu a intervenção do amicus curiae (retro, 840.6), mas o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999 declara semelhante provimento irrecorrível. E vale assinalar que os amici públicos têm legitimidade para invocar o sucedâneo recursal da suspensão da execução de liminar ou de sentença por expressa disposição legal (art. 15, caput, da Lei 12.016/2009), e, não, por força da função de amici. O STF admitiu a sustentação oral dos amici públicos e privados na sessão de julgamento. Em contraste positivo com a posição dos tribunais norteamericanos, nos quais o amicus é persona non grata no oral argument, inclusive na Suprema Corte, em que depende da boa vontade da parte em ceder-lhe parte do tempo,87 o magno exemplo do tribunal superior merece reprodução nos demais tribunais. Não há razão plausível para pré-excluir nesse momento de capital importância a contribuição dos amici.88 Por identidade de motivos, os amici poderão participar dos debates orais ou

apresentar memoriais, no primeiro grau, haja vista a referência do art. 364 a todos os terceiros admitidos no processo.89 852. Eficácia da resolução de mérito perante o amicus curiae O amicus curiae é estranho ao objeto litigioso, e, portanto, a resolução judicial porventura tomada não lhe vincula.90 Não se cogita, por outro lado, no similar efeito da intervenção (art. 123), pois inexiste, por definição, relação jurídica de que o amicus curiae seja titular atingida, reflexamente, pelo provimento de mérito. Se o vínculo produzido pela coisa julgada não atinge os amici, parece ocioso investigar a sua legitimidade para propor a ação rescisória. Porém, há duas exceções: (a) nos casos em que a lei prevê a intimação do terceiro (v.g., art. 31 da Lei 6.385/1976, quanto à CVM), a preterição dessa formalidade justifica a rescisória, por analogia com o disposto no art. 967, III, a, do NCPC, e fundamento no art. 966, V; (b) expressa disposição legal poderá legitimar o interveniente.

Capítulo 41. INTERVENÇÃO COMPULSÓRIA: CHAMAMENTO AO PROCESSO SUMÁRIO: § 174.º Chamamento ao processo – 853. Conceito de chamamento ao processo – 854. Desvantagens e vantagens do chamamento ao processo – 855. Pressupostos do chamamento ao processo – 856. Facultatividade do chamamento ao processo – § 175.º Casos de admissibilidade do chamamento ao processo – 857. Chamamento ao processo do afiançado – 858. Chamamento ao processo do cofiador – 859. Chamamento ao processo do devedor solidário – 860. Chamamento do segurador – 861. Chamamento ao processo, força da sentença e funções instrumentais do processo – § 176.º Procedimento do chamamento ao processo – 862. Iniciativa do pedido de chamamento ao processo – 863. Momento do pedido de chamamento ao processo – 864. Forma do pedido de chamamento ao processo – 865. Controle inicial do pedido de chamamento ao processo – 866. Efeitos do deferimento do pedido de chamamento ao processo – 867. Atitudes do chamado após a citação – § 177.º Efeitos do chamamento ao processo – 868. Efeitos do chamamento no curso do processo – 868.1. Relações entre o autor e o chamado – 868.2. Relações entre o chamado e o chamador – 869. Efeitos do chamamento no julgamento do processo – 869.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento ao processo – 869.2. Tutela de urgência no chamamento ao processo – 869.3. Eficácia de coisa julgada no chamamento ao processo – 869.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento ao processo. § 174.º Chamamento ao processo 853. Conceito de chamamento ao processo Em sua feição vigente (arts. 130 a 132 do NCPC), o chamamento ao processo constituiu modalidade interventiva original trazida no CPC de 1973. A sistematização da matéria inspirou-se no incidente do “chamamento à

demanda” do CPC português de 1939, hoje “suprimido como tal” naquele ordenamento.1 Transformou a lei brasileira o velho instituto luso como forma de intervenção principal provocada, atualmente prevista no art. 316, n. 3, a, do NCPC português de 2013. Por intermédio do chamamento ao processo, o réu (ou chamador) provoca a integração do coobrigado (ou chamado) no polo passivo da demanda movida pelo autor. A intervenção obrigatória do terceiro, a pedido do réu, tem duplo objetivo: de um lado, o ingresso do chamado possibilitará a sua condenação (ou declaração de responsabilidade) conjunta com o chamador pela dívida comum; e, de outro, na hipótese de o autor exigir do chamador a dívida por inteiro, ensejar-lhe-á, in simultaneo processu, através do exercício de pretensão a executar sucessiva, obter a parte que couber ao chamado, reembolsando-se no todo ou em parte. O chamamento ao processo forma litisconsórcio (a) passivo, (b) ulterior, (c) facultativo e (d) simples por iniciativa do réu.2 Essas características merecerão exame no item dedicado aos efeitos do chamamento no curso do processo (infra, 868). É em outro aspecto que se há de buscar os reflexos do chamamento ao processo para aquilatar sua real dimensão e relevo. Nos termos em que o legislador elaborou o chamamento ao processo no CPC de 1973, percebidos e assinalados ao primeiro contato com o segundo estatuto unitário,3 e plenamente aplicáveis ao diploma de 2015, a modalidade interventiva, no processo brasileiro, apartou-se do modelo luso, inovando o regime tradicional da solidariedade passiva previsto na lei substantiva. E, com efeito, à luz do art. 275 do CC, semelhantemente do que ocorria perante o art. 904 do CC de 1916, “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum”, sendo que o fato de demandar um dos devedores, abstendo-se quanto ao(s) outro(s), não importará renúncia à solidariedade (art. 275, parágrafo único, do CC). Fica, pois, ressalvada a possibilidade de acionar os demais, posteriormente, na hipótese de não receber todo o crédito do devedor originariamente demandado. O privilégio do credor permite-lhe demandar um ou algum dos obrigados, e, não, outros, considerando dados objetivos e subjetivos. Objetivamente, a prévia avaliação do patrimônio do devedor demandado, tanto no quesito da solvência, quanto no da existência de certos bens (v.g., ativos financeiros) que facilitarão a futura execução forçada, é o que mais importa a qualquer credor. Não deixa de acontecer de o credor não demandar algum obrigado dotado de opulento patrimônio com base em outros pressupostos; por exemplo, laços de amizade e parentesco. Ora, o chamamento ao processo, ampliando o polo passivo da demanda, constrange o autor a litigar contra quem não incluiu como réu na petição inicial, expondo-o às exceções pessoais desse novo adversário. E, de resto, submete-o ao constrangedor retardamento provocado pelo incidente de admissão, à eventual ampliação dos prazos processuais (art. 229) e à modificação do teor do debate judicial, impugnando o chamado a existência de solidariedade. O chamamento ao processo desfigura a disciplina da

solidariedade passiva, retirando o legislador processual com “a mão esquerda aquilo que o legislador material deu ao credor com a direita, suprimindo, na prática, o benefício que a lei civil lhe concede”.4 Tão profunda modificação no cediço regime da solidariedade passiva suscitou reações, rejeitando a ampliação do polo passivo da demanda originária. Segundo tal entendimento, no plano do direito material o chamamento ao processo distingue-se do chamamento em garantia, ou denunciação da lide, porque os intervenientes são obrigados perante o autor, enquanto o denunciado só tem relação com o denunciante, mas há um denominador comum entre as duas modalidades interventivas: o exercício de pretensão regressiva, decorrente da fiança conjunta ou da solidariedade, do chamador contra o chamado.5 Por conseguinte, os chamados não se tornam réus da pretensão principal, chegando-se a afirmar que o objeto do processo, objetiva e subjetivamente, permaneceria idêntico.6 Essa última conclusão, preliminarmente, revela-se inexata. É flagrante que o objeto do processo tornar-se-á complexo, modificando-se após o chamamento. Tal fenômeno ocorre, inicialmente, porque à relação processual o chamamento agregou mais um réu, no mínimo, e, sendo o caso de litisconsórcio facultativo passivo, a pluralidade de partes gera cumulação de ações (retro, 269). Não importa que esse litisconsórcio passivo forme-se a contragosto do autor. E ocorre a ampliação do objeto litigioso, fundamentalmente, porque o chamado pode contestar a existência do vínculo de solidariedade, obrigando o juiz a decidir acerca da relação jurídica entre o autor e o réu e relação entre o réu (ou chamador) e o coobrigado (ou chamado).7 Por isso, no direito português, acentua-se que, através do chamamento “modifica-se, ipso facto, a instância e o chamado passa logo a assumir a posição de réu”.8 É compulsória e inegável a mudança no objeto do processo. A intromissão de matéria nova no objeto do processo, conforme o chamado negue, ou não, a existência da solidariedade, não pareceu ao edificador do esquema legislativo tão incômoda para o autor. O desconforto do demandante aumenta com a faculdade de o réu chamar ao processo pessoa contra a qual não pretendera litigar originalmente. Segundo a lei material, a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes (art. 265 do CC), e, por isso, o chamado introduzirá ou (a) questão de direito, exigindo do órgão judiciário interpretação da lei para verificar se há, ou não, solidariedade, ou (b) questão de fato, mas dotada de prova pré-constituída, pois a vontade das partes há de se manifestar documentalmente. Em suma, o chamado aumentará o objeto litigioso, eventualmente, mas de forma bem delimitada, impondo sacrifício apequenado e tolerável ao autor. Não é o que sucede, porém, no chamamento em garantia (ou denunciação da lide) – ao menos, consoante a concepção prevalecente no direito anterior (infra, 873.1). Volvendo à tese examinada, negando a qualidade de réu ao chamado, mas passando-a a limpo pelas lentes do NCPC, o conjunto dessa engenhosa construção fraqueja na própria base. Imperioso órgão judiciário condenar o chamador e o chamado perante o credor ao julgar a causa, porque haverá litisconsórcio passivo (art. 131 do NCPC). Portanto, não se pode negar ao chamado a condição de réu (superveniente) da pretensão do autor. É o quanto basta, embora muito suavizada a redação do art. 132 do NCPC, não

mais aludindo ao capítulo principal (art. 80 do CPC de 1973: “A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores…”), e, principalmente, eliminada a parte inicial do art. 78 do CPC de 1973 (“Para que o juiz declare, na mesma sentença, as responsabilidades dos obrigados…”). Essa “declaração” de duas órbitas de responsabilidades era, de toda sorte, imprópria, porque o juiz – e o art. 132 do NCPC não deixa dúvida – na verdade condena o chamado perante o chamador e seu adversário. O autor vitorioso poderá exigir a prestação, no todo ou em parte, de qualquer um dos réus condenados, vez que haverá litisconsórcio passivo (art. 131). Esse efeito decorre independentemente do fato de o chamador veicular pretensão regressiva perante o chamado, de haver deste a quota que lhe couber, a teor do art. 283 do CC.9 Submetendo-se o chamado à força da sentença perante o autor, que dele pode exigir a prestação por inteiro, apesar de não tê-lo demandado originariamente, surgirá para o chamado, a teor do art. 132 (“… valerá como título executivo em favor do réu satisfizer a dívida, a fim de que possa exigila…”), pretensão de receber a quota do chamador. Dir-se-á que esse resultado não se harmoniza com a identificação apenas do exercício de pretensão deste contra o chamado, o que jamais possibilitaria a situação exatamente contrária.10 Esse engajamento do chamador e o chamado perante o autor sucederá em igualdade de condições. Por esse motivo, nascerá para o obrigado que satisfizer a dívida comum, oportunamente, a pretensão a executar, in simultaneo processu, visando a receber do outro a quota respectiva. No entanto, continua irretorquível o fato de o chamador, pagando a dívida, executar o chamado. O máximo que se pode dizer, nessa conjuntura, é que a pretensão regressiva do chamador é in eventum. Já a pretensão regressiva do chamado contra o chamador origina-se da superveniente condição de réu. No chamamento, em síntese, distinguem-se duas relações: o chamado passa a ser réu superveniente perante o autor, pois será condenado solidariamente com o réu originário (chamador), ensejando-lhe pretensão regressiva, no caso de solver a dívida; e também figura como réu na pretensão regressiva exercida pelo chamador, no caso deste solver a dívida comum. Essa pretensão de regresso “consubstancia, afinal, o enxerto na causa principal de uma dualidade de conflitos de interesses, isto é, o que existe entre o credor acionante e o devedor acionado e o que existe entre este e o terceiro chamado, o último com incidência sobre o direito de regresso e respectivos pressupostos”.11 Ela é eventual, no sentido que será exercida posteriormente, como pretensão a executar, em favor do réu pagou mais do que a sua responsabilidade,12 mas é acertada desde logo. O chamamento implica a inserção do chamado processo.13 Correlatamente, amplia subjetivamente o objeto litigioso.

no

854. Desvantagens e vantagens do chamamento ao processo O instituto do chamamento ao processo apresenta quatro vantagens processuais concretas para o réu. A intervenção do terceiro aumenta a densidade da defesa. O chamado é um aliado na defesa comum perante o autor, e, paralelamente, poderá atacá-lo com suas próprias exceções pessoais, fragilizando a pretensão. No caso de insucesso da defesa, o autor

vitorioso poderá escolher o chamado para sofrer a execução da sentença de procedência, livrando o chamador de qualquer desfalque patrimonial. Se não for este o caso, ao chamador abre-se a possibilidade de deduzir pretensão a executar contra o chamado, no mesmo processo, se pagar integralmente ao autor vitorioso,14 o que traduz o principal benefício do instituto: poupa um segundo processo, no qual o coobrigado deduziria a pretensão para se ver reembolsado.15 Finalmente, formando-se litisconsórcio passivo, e representando-se o chamado por advogado diferente do constituído pelo chamador, ampliam-se prazos processuais, nos termos do art. 229. Não é, pois, uma “inutilidade jurídica, uma extravagância jurídica importada sem qualquer finalidade”.16 Em contrapartida, o autor suportará as desvantagens inversas a essas vantagens conferidas ao réu. E há outras bastante significativas: (a) o aumento da duração do processo, provocado pelo incidente de ingresso do chamado; (b) o ônus de litigar contra quem não desejava, em virtude de motivos objetivos (v.g., insolvência) ou subjetivos (v.g., laços de parentesco e de amizade);17 (c) ampliação do debate mediante a introdução de questões respeitantes aos coobrigados, a exemplo da existência de solidariedade, e que lhe são estranhas, mas podem exigir prova e, assim, necessariamente postergam o desfecho da demanda; (d) exposição às exceções pessoais do chamado (art. 281 do CC). O único consolo do desafortunado autor reside no fato de a sentença de procedência permitir que execute, indiferentemente, o chamador e o chamado. Porém, essa aparente vantagem já fora descartada, na opção por demandar somente o chamador, e, a mais das vezes, revela-se ilusória, porque o chamado não dispõe de patrimônio suficiente para arcar com a condenação. 855. Pressupostos do chamamento ao processo O chamamento ao processo exige a configuração de quatro pressupostos simultâneos. Em primeiro lugar, há que existir iniciativa do réu originário, a fim de que ocorra a intervenção do terceiro.18 É preciso, ainda, que o chamado responda pela dívida comum em caráter principal (v.g., devedor solidário) ou subsidiário (v.g., o cofiador) perante o devedor comum, segundo a relação jurídica substantiva. Por outro lado, mostra-se indispensável que, em tese, do adimplemento da dívida comum pelo chamador nasça para este pretensão de se reembolsar, no todo ou em parte, do que pagou ao credor. O segundo pressuposto caracteriza o interesse jurídico na intervenção do terceiro. Por esse motivo, o fiador pode chamar o afiançado, a teor do art. 130, I, na hipótese de o credor demandá-lo, “com a vantagem ainda de o afiançado não poder opor ao fiador exequente eventuais defesas de direito material oponíveis contra o devedor”;19 porém, o afiançado não pode chamar o fiador, embora principal pagador ou devedor solidário, pois obviamente não lhe assiste qualquer pretensão de reembolso perante a pessoa que lhe prestou a garantia.20

Os pesados ônus impostos ao autor, na hipótese de o réu invocar o art. 130, naturalmente não passaram despercebidos na prática. A ampla admissibilidade do chamamento ao processo nos casos de solidariedade em decorrência da lei aumentou as dificuldades naturais de um instituto que, ao fim e ao cabo, aproveita apenas ao réu. Para assegurar os fins públicos do processo, e, de alguma maneira sutil, mas firme, proteger o autor do extensíssimo rol de inconvenientes do chamamento, buscou-se restringir o campo de atuação do instituto por dois ângulos diferentes. Conforme já se acentuou, tratando das noções gerais dessa modalidade de intervenção de terceiro (retro, 853), o chamamento produz litisconsórcio passivo e facultativo. Embora a contragosto do autor, o instituto provoca o surgimento de cumulação sucessiva de ações, admitida a premissa que o chamado se transformará em réu (o art. 131, caput, designa o chamado de litisconsorte passivo) – o autor vitorioso poderá executar o provimento unicamente contra o chamado. Ora, no litisconsórcio facultativo, pouco importa se ativo ou passivo, a cada uma das partes corresponde, na sua relação com o adversário, uma pretensão perfeitamente individualizada. Existindo dois réus (B e C), que poderiam ser demandados separadamente, todavia reunidos no mesmo processo movido por A, o objeto litigioso abrange duas pretensões homogêneas (A versus B; A versus C), mas distintas. É justificável, nessa conjuntura, aplicar o regime da cumulação de ações subsidiariamente à espécie. E um dos pressupostos do cúmulo de pedidos reside na identidade de competência (retro, 280.3). A jurisprudência do STJ rejeita o chamamento da União Federal na demanda em que alguém postula correção monetária sobre o empréstimo compulsório sobre energia elétrica, originariamente dirigida contra sociedade de economia mista (Eletrobrás),21 porque importaria modificação da competência. O fundamento do julgado sustenta que a escolha do autor em demandar “apenas um dos devedores solidários para a demanda, o qual não goza de prerrogativa de juízo, torna-se imutável a competência ratione personae”, que é da Justiça Comum (Súmula n.º 556 do STF). Realmente, a aceitação do chamamento ao processo da União, ante a sua inequívoca responsabilidade solidária, deslocaria a causa, por força da incidência do art. 109, I, da CF/1988, para a Justiça Federal, em detrimento dos interesses do autor. Na verdade, o fundamento correto é a inadmissibilidade do chamamento, porque a competência de “jurisdição” atraída pelo chamado não se revela compatível com a competência fixada na pretensão original. Menos óbvia e pouco explicável é a segunda restrição erigida para se admitir o chamamento o processo: a natureza da prestação. Partindo do pressuposto que a hipótese do art. 130, III, “é típica de obrigações solidárias de pagar quantia”, rejeitou-se o chamamento, havendo solidariedade, na prestação para entregar coisa certa – fornecimento de medicamentos prescritos pelo médico a pessoa pobre e necessitada –, “cuja satisfação efetiva não comporta divisão”.22 O exame do caso concreto demonstra, todavia, que o problema enfrentado é idêntico ao da hipótese anterior. Modificou-se o fundamento da rejeição ao chamamento da União Federal, implicando gravoso deslocamento da competência para a Justiça Federal, mas o caso pode ser enquadrado no pressuposto genérico da inadmissibilidade de o chamamento alterar a competência da demanda original.

Em suma, o chamamento ao processo pressupõe: (a) responsabilidade por dívida comum; (b) possibilidade do exercício de pretensão regressiva entre os obrigados solidários; (c) identidade de competência das ações do autor perante o réu e o terceiro. 856. Facultatividade do chamamento ao processo As finalidades intrínsecas do chamamento ao processo e a natureza benéfica do instituto, relativamente ao réu, e o seu relativo proveito no terreno da economia, indica a existência de simples faculdade do réu na provocação para o terceiro intervir.23 Dependerá das conveniências do réu realizar, ou não, o chamamento. Eventual omissão dessa iniciativa, no momento oportuno, não apresenta quaisquer reflexos desfavoráveis no plano do direito substantivo. Em particular, vencido o réu, e satisfeito o débito para com o autor, nada obsta a demanda dos demais coobrigados, em processo ulterior, exercendo a pretensão que lhe confere o art. 283 do CC, segundo o qual o devedor que satisfez a dívida por inteiro tem o direito de exigir de cada um dos coobrigados a sua quota. Essa circunstância mereceu destaque em certo julgado. Cuidava-se do chamamento do segurador pelo transportador, réu na ação em que a vítima de acidente de trânsito pleiteia indenização, mas negou-se a invalidação do processo, porque prejudicaria o autor e, ademais, o transportador não sofreria “a perda do seu direito de regresso contra a empresa seguradora”.24 § 175.º Casos de admissibilidade do chamamento ao processo 857. Chamamento ao processo do afiançado O art. 130 contempla as hipóteses de cabimento do chamamento do processo. Além desses casos, há outros disseminados na lei, mostrando-se digno de nota as disposições do CC a esse respeito. O art. 131, I, admite o chamamento “do afiançado, na ação em que o fiador for réu”. Fiança é contrato acessório, ocorrendo “quando uma pessoa assume, para com o credor, a obrigação de pagar a dívida, se o devedor não o fizer”.25 Assim dispõe o art. 818 do CC. Esse negócio jurídico constitui forma de garantia pessoal (ou fidejussória) da obrigação. E distingue-se de várias figuras afins. Da adesão à dívida (Schuldbeitritt), consistente no reforço pessoal da obrigação, mediante o ingresso de alguém na relação obrigacional, passando a exibir “no lado passivo, sujeito plural, estabelecida a solidariedade entre os devedores”,26 a fiança diverge na nota da inserção subjetiva no vínculo obrigacional, pois a adesão torna a dívida subjetivamente plural. Em princípio, o fiador presta garantia subsidiária, e, não, em caráter principal, como o garante solidário. A jurisprudência do STJ acabou por reconhecer que a figura do garante solidário “não se confunde com o avalista e com o fiador”.27 E a fiança difere do aval que, apesar de garantia, constitui obrigação autônoma, própria dos títulos cambiais.28

No contrato de fiança, cumpre distinguir as relações entre o credor e fiador e o fiador e o afiançado. No tocante à primeira dessas relações, a lei civil instituiu dois benefícios para o fiador: (a) o benefício de divisão; e (b) o benefício de ordem (beneficium excussionis). Em princípio, prestada fiança a um só débito, conjuntamente, haverá solidariedade entre os cofiadores (art. 829, caput, do CC), salvo estipulação em contrário, que consiste no benefício de divisão. Nessa hipótese, o fiador responderá “pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento”, a teor do art. 829, parágrafo único, do CC. O benefício de ordem significa que, executado o fiador, tem o ele o direito de exigir do credor que execute, em primeiro lugar, os bens do afiançado. É o que dispõe o art. 827 do CC. Infelizmente, essa regra ainda agasalha a impropriedade de marcar o exercício dessa pretensão “até a contestação da lide”, em termos somente compatíveis com a “assinação de dez dias” das Ordenações Filipinas, a revelar quão insatisfatória a atualização da lei civil. O art. 794 do NCPC dispõe corretamente: “O fiador, quando executado, tem o direito de exigir que primeiro sejam executados os bens do devedor situados na mesma comarca, livres e desembargados, indicando-os pormenorizadamente à penhora”. Na prática, preenchidos os pressupostos da lei civil, e na oportunidade fixada pela lei processual, recairá a constrição sobre os bens do afiançado e, transformados em dinheiro, mas não solvida integralmente a dívida, só então o credor realizará constrição no patrimônio do fiador, que responderá pelo saldo. Nem todos os fiadores desfrutam do benefício de ordem. Raramente, no comércio jurídico, os contratos de fiança não estipulam a cláusula que obriga o fiador como principal pagador ou devedor solidário (art. 828, II, do CC). Ademais, concebe-se a renúncia expressa ao benefício de ordem (art. 828, I, do CC) e a insolvência ou falência do devedor principal tornam o fiador responsável principal (art. 828, III, do CC). Em tais casos, existindo solidariedade entre o devedor principal e o fiador, não incidirá o art. 794 do NCPC.29 E, a fortiori, o benefício de ordem não aproveita o garante solidário, na adesão à dívida (Schuldbeitritt), cuja estrutura se mostra congenitamente incompatível com a possibilidade de um dos obrigados solidários condicionar a excussão do seu patrimônio ao esgotamento do patrimônio de outro devedor.30 No direito anterior, em que se previa o chamamento pelo fiador do “devedor”, sustentava a tese de o chamamento do afiançado fundar-se na regra equivalente ao art. 130, III, do NCPC.31 Por óbvio, o art. 130, I, corrigiu o texto anterior; de toda sorte, a questão mostrava-se irrelevante, na prática, porque a errônea invocação do dispositivo legal pelo fiador, iludido pela indistinção terminológica, não o prejudicava, em virtude do princípio de que cabe ao juiz qualificar juridicamente os fatos alegados pelas partes (iura novit curia). Pouco improva o inciso invocado. Ao juiz deferirá o chamamento, enquadrando-o na hipótese legal correta. Por idênticas razões, embora a parte promova a intervenção do terceiro sob o título impróprio de “denunciação da lide”, o juiz há de deferir e julgar a intervenção como a forma própria de chamamento. Não há fungibilidade entre os institutos, mas qualificação jurídica do fato alegado, oportunizando a intervenção do terceiro.32

Mais importante, sem dúvida, é a consequência da falta de chamamento do devedor principal na ação movida pelo credor unicamente contra o fiador. Figurando somente o fiador como condenado, no título judicial, de um lado o credor somente poderá executar o fiador, jamais o afiançado, ao menos fundado no título judicial; e, de outro, não caberá ao fiador invocar, no procedimento in executivis, o benefício de ordem (art. 794 do NCPC).33 Enfrentando a questão no caso mais trivial de fiança, prestada em contrato de locação, firmou-se a jurisprudência do STJ, preceituando a Súmula n.º 268 do STJ: “O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”. Por sua vez, o art. 513, § 5.º, reza o seguinte: “O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”. O mecanismo para essa finalidade, ou seja, obrigar à participação nas atividades tendentes à formulação da regra jurídica concreta, avulta no chamamento ao processo. Em última análise, portanto, na execução fundada em título judicial, para o fiador invocar o benefício de ordem, precisará valer-se, no caso de o credor não demandá-lo conjuntamente com o devedor principal, do chamamento ao processo previsto no art. 130, I. Por óbvio, inexiste impedimento para o fiador utilizar o benefício de ordem na execução fundada em título extrajudicial. Não se cuida, aí, de exceção ao princípio da facultatividade do chamamento ao processo (retro, 856). O fiador não perde a pretensão de regresso perante o afiançado. Ela poderá ser exercida posteriormente. Ocorrerá apenas renúncia tácita ao benefício de ordem (art. 794, § 3.º). Por outro lado, pago o exequente, sub-rogar-se-á o fiador no crédito (art. 346, III, do CC) e, figurando a obrigação em título executivo, lícito se afigura executar o afiançado “no mesmo processo” (art. 794, § 2.º), ou seja, exercer sucessivamente a pretensão de reembolso, prevista no art. 831, caput, primeira parte, do CC. O disposto no art. 794 beneficia o exequente. É que, movida a execução somente contra o fiador, talvez haja ocorrido o chamamento ao processo do afiançado. Figuram ambos como condenados no título. Nessas condições, o benefício de ordem se transformaria em fato impeditivo, alegável na impugnação (art. 525, § 1.º, VII) e nos embargos (art. 917, VI). Em outras palavras, “a prévia excussão dos haveres do devedor constitui requisito necessário” para exigir a obrigação do fiador.34 Na melhor das hipóteses, suspender-se-ia a execução contra o fiador até a expropriação do patrimônio do afiançado.35 Em razão do art. 794, no direito pátrio evita-se esse “grave atraso à realização do direito do credor”,36 aplicando-se a regra, que “tem base no objeto, não no sujeito”.37 É admissível o fiador chamar, conjuntamente, o afiançado (art. 130, I) e o cofiador (art. 130, II).38 Por essa via, o fiador poderá exigir a totalidade da dívida do devedor, sub-rogado no crédito, ou a quota que couber ao cofiador (art. 831, caput, segunda parte, do CC), revelando-se aquele insolvente. 858. Chamamento ao processo do cofiador

Prestada fiança conjunta, sem a expressa estipulação do princípio da divisão, segundo o qual cada fiador responder por uma quota precisa (v.g., um terço), existirá solidariedade passiva entre os fiadores, mostrando-se admissível ao credor demandar qualquer um deles. Em tal hipótese, o fiador que se tornou réu poderá chamar ao processo o cofiador, a teor do art. 130, II. Oportunamente, solvida a dívida comum, poderá executar o cofiador nos próprios autos, para dele haver a quota que lhe couber (art. 831, caput, segunda parte, do CC). Ao invés, existindo divisão de responsabilidades entre os cofiadores, não cabe o chamamento do cofiador, por falta de interesse jurídico: inexistirá, por definição, pretensão do chamador de reembolso perante o chamado, pois cada fiador responde tão só na proporção da sua quota.39 A faculdade prevista no art. 130, II, como já se assinalou, pode ser cumulada com o chamamento do devedor principal (art. 130, I).40 Existindo pluralidade de cofiadores, concebe-se que o réu chame ao processo apenas um deles ou a todos.41 Ocorrendo o chamamento de apenas um dos cofiadores, o cofiador chamado, por sua vez, baseado igualmente no art. 130, I, talvez convoque o(s) outro(s),42 e, assim, sucessivamente. É hipótese remota, mas admissível. O NCPC não proibiu chamamentos ao processo sucessivos, tal como fez no chamamento em garantia (art. 125, § 2.º). O chamamento ao processo em cascata só aumenta a dilação do processo e prejudica, flagrantemente, o autor que a ela não pode opor-se eficazmente (infra, 867). 859. Chamamento ao processo do devedor solidário O art. 130, III, admite o chamamento ao processo “dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum”. Segundo o art. 264 do CC, há solidariedade passiva quando na mesma obrigação concorre mais de um devedor, cada qual obrigado à dívida toda. Essa solidariedade não se presume. Resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265 do CC). Exemplo típico de solidariedade convencional é a adesão à dívida (Schuldbeitritt), negócio jurídico através do qual o terceiro, no plano obrigacional, obriga-se a solver a dívida conjuntamente com o devedor. É muito comum nos negócios bancários. Em virtude desse último dispositivo, o art. 130, III, incide na solidariedade por força de lei.43 O art. 942 do CC estipula que os bens do autor do ilícito respondem pela reparação do dano, sendo solidariamente responsáveis as pessoas designadas no art. 932, a exemplo do empregador ou comitente (art. 932, III, do CC); portanto, caberá o chamamento do motorista no caso de a vítima de acidente demandar a empresa de ônibus. O chamamento ao processo, na hipótese do art. 130, III, distingue-se do chamamento em garantia ou denunciação da lide. Nessa última forma de chamamento, o terceiro só mantém relação jurídica, em tese, com o adversário do chamador (denunciante); ao invés, na primeira forma de chamamento, o terceiro é obrigado perante o autor. As vantagens e

desvantagens do instituto já mereceram análise (retro, 854). Não há dúvida que o regime tradicional da solidariedade passiva sofreu alteração radical e, no balanço feito dos prós e contras, o credor sofre sensível restrição no seu direito de litigar contra o devedor que lhe parece mais conveniente, fracamente compensada pela ulterior possibilidade de executar os inicialmente preteridos. No início da vigência do CPC de 1973, controverteu-se a possibilidade de o obrigado cambial chamar ao processo os demais obrigados cambiais, solidariamente responsáveis perante o credor. Ora, as obrigações cambiais se mostram autônomas e independentes uma das outras. E essa circunstância reflete-se no regime da solidariedade, que é profundamente diferente do regime geral.44 Não convém reintroduzir a questão à luz do art. 130, III, do NCPC. Em síntese larga, na solidariedade comum, apesar da pluralidade de vínculos jurídicos, há unidade de causa, ou seja, há dívida comum, sendo simultâneas (ou concorrentes) as obrigações. Por esse motivo, demandado um só dos obrigados conjuntos, o chamamento ao processo do(s) outro(s) se justifica, para reporem, em parte, o desfalque do réu, na hipótese de solver integralmente a dívida comum, ou contribuírem nessa solução, proporcionalmente às suas quotas. Já na solidariedade cambial, cada obrigação tem causa própria, originando-se pluralidade de dívidas, que somente se extinguem através do pagamento feito pelo devedor principal (v.g., o emitente da nota promissória), e a responsabilidade por essas dívidas é sucessiva, apresentando-se cada credor como devedor do outro, na ordem em que prestaram a declaração cambial. Essas marcantes características da solidariedade cambial não se harmonizam com o chamamento fundado no art. 130, III. A finalidade do instituto é o de permitir ao chamador, satisfazendo a obrigação perante o credor, cobrar a quota que cabe aos demais devedores. Tal efeito inexiste na obrigação cambial. Ao “endossatário não cabe o poder de chamar ao processo os endossantes, o sacador e o sacada na letra de câmbio, ou o emitente da nota promissória, e os respectivos avalistas, porque o direito que tem contra eles, se pagar o título, não é de cobrar a parte de cada um, como codevedores, mas sim o direito de regresso, que nada tem com o instituto da solidariedade”.45 Não é menos exato que, existindo obrigados do mesmo grau (v.g., dois emitentes ou dois avalistas), além da relação externa, perante o portador do título, que é autônoma e independente, há a relação interna entre esses coobrigados, governada pela solidariedade comum.46 Então, um avalista não tem ação cambiária perante o outro, mas pretensão extra-cambiária, podendo o devedor cambiário que pagou a soma constante do título “recobrar a quotaparte em relação aos demais obrigados”.47 Por exemplo, A e B emitem nota promissória a favor de C, mas A satisfaz por inteiro o crédito de C, podendo cobrar de B, regressivamente, a respectiva quota. Nesse caso, por exceção, caberia o chamamento ao processo (art. 130, III). No entanto, o STF firmou o entendimento que, em qualquer hipótese, não cabe o chamamento ao processo do coobrigado em título cambial.48 Além disso, como a pretensão cambial tem natureza executiva, no direito brasileiro,

a teor do art. 784, I, e o chamamento ao processo afigura-se inadmissível na execução (retro, 772),49 o problema fica superado em termos de direito cambial. Na relação fundada no direito comum, entre vários obrigados do mesmo grau (A, B e C), vigora o princípio da divisão, e, assim, como acontece entre cofiadores, na demanda de A contra B não caberá o chamamento de C, porque A só pode exigir de B a sua quota, no caso um terço, e este, por sua vez, nada pode cobrar de C. 860. Chamamento ao processo do segurador É peculiar o tratamento ao segurador nas relações de consumo. O fornecedor de produtos e de serviços, demandada a sua responsabilidade por vício ou defeito, e que houver contratado seguro para cobrir esses riscos, poderá chamar ao processo o segurador, impedida a integração ao contraditório do eventual ressegurador (art. 101, II, primeira parte, da Lei 8.078/1990). Por força da remissão ao art. 80 do CPC/1973, equivalente ao art. 132 do NCPC, o fornecedor e segurador serão condenados a indenizar, no caso de acolhimento do pedido. Nessa contingência, mostrar-se-á lícito o consumidor executar diretamente o segurador. Por sua vez, o segurado, pagando a indenização, valer-se-á da mesma sentença para obter reembolso, no todo ou em parte, do segurador. O flagrante intuito de assegurar ao consumidor a devida reparação autoriza, declarada a falência do fornecedor (ou a insolvência), a demandar diretamente o segurador, cabendo ao síndico, instado para essa finalidade, informar a existência do seguro de responsabilidade (art. 101, II, segunda parte, da Lei 8.078/1990). Em suma, nas relações de consumo, o segurador é obrigado solidário perante o consumidor.50 Essa hipótese seria de chamamento em garantia (art. 125, II),51 e, para alguns, ainda o é, mas sob o disfarce de chamamento ao processo.52 A posição do segurador perante o terceiro se alterou nas relações de consumo, porque estabelecida a solidariedade ope legis. É a explicação mais simples e direta para a regra. Por outro lado, o ressegurador não pode intervir a qualquer título – na verdade, como litisconsorte, malgrado opiniões em contrário.53 Também se afigura caso de chamamento ao processo o previsto no art. 787, § 3.º, do CC, segundo o qual, no seguro de responsabilidade civil, demandado o segurado pela vítima, “dará este ciência da lide ao segurador”. Evidentemente, a fórmula legal mostra-se imprecisa, pois não corresponde a nenhuma das formas de intervenção de terceiro da lei processual. À primeira vista, poder-se-ia cogitar do fato de a lei civil rejeitar o modelo da denunciação da lide prevista no CPC de 1973, permitindo (e, no direito anterior, em alguns casos obrigando) a inserção da pretensão de regresso, in simultaneo processu, filiando-se à Streitverkündung alemã, ou seja, a regra contemplou a simples, mas formal comunicação da pendência da lide,54 ensejando a intervenção do segurador como assistente, sob pena de vinculá-lo à decisão. Os comentadores da lei civil, de olhar fito na lei

processual brasileira, estimam tratar-se de nova hipótese de chamamento em garantia obrigatório,55 conquanto legitimado somente o segurado perante o autor, “eis que a sua relação com o segurador não interessa ao terceiro lesado”.56 Em realidade, os fins do art. 787, § 3.º, do CC, são outros. Os seguros dessa natureza adquiriram expressiva relevância social. Esse negócio jurídico deixa em segundo plano a recomposição do patrimônio do segurado e, à vista da função social, tornou o segurador responsável perante o segurado. Não importa figurar no contrato a cláusula on a first demand. Ela vincula apenas os figurantes do seguro. A posição do segurador equivale à do fiador.57 Consoante tal entendimento, a posição do segurador é similar à que decorre do art. 101, II, primeira parte, da Lei 8.078/1990: cabe ao segurado chamá-lo ao processo, agora com fundamento no art. 130, III, e a sentença de procedência condenará a ambos a ressarcir o evento, assegurando-se ao segurado que pagar indenização a pretensão de reembolso perante o segurador. Logo, o caso é de chamamento ao processo – não pela literalidade da regra, mas por sua função.58 861. Chamamento ao instrumentais do processo

processo,

força

da

ação

e

funções

A inadmissibilidade do chamamento ao processo na pretensão a executar fundada em título extrajudicial ou judicial já recebeu análise anteriormente. Em síntese, o chamamento visa à criação de título executivo, enquanto a execução pressupõe esse elemento, inexistindo cognição suficiente para a emissão da regra jurídica concreta prevista no art. 132, definindo a possibilidade de regresso do chamador perante o chamado. Não se harmoniza o chamamento, portanto, à função instrumental do procedimento in executivis.59 O STJ não admitiu o chamamento do fiador no processo de execução.60 Não é muito diferente o caso da pretensão à segurança. O processo em que o autor veicula pretensão dessa natureza tem predominância da cognição, embora sumária. Mas, o objeto litigioso não se harmoniza com juízo a respeito da existência, ou não, de solidariedade entre o chamador e o chamado, emitindo o juiz o provimento contemplado no art. 132.61 A função do processo consiste em outorgar garantia (segurança para execução) ao direito em situação de perigo mediante cognição sumária, e, não, declarar a solidariedade. Também nesse caso o STJ refutou o cabimento do chamamento ao processo.62 No caso, por exemplo, da asseguração da prova (vistoria ad perpetuam rei memoriam) – eventualmente, pretensão à segurança autônoma, ou seja, independente de futura ação principal – contra só um dos responsáveis pelo dano ocorrido no imóvel, interessaria que todos participassem, mas intervenção coativa desse gênero não tem previsão legal e, de toda sorte, jamais produziria os efeitos próprios da intervenção. De chamamento essa intervenção só teria o nome.63 É admissível o chamamento ao processo no procedimento comum. Nos procedimentos especiais, conforme o objeto do processo, o chamamento se mostrará admissível em todas as hipóteses em que o rito reflui para o esquema genérico do rito comum,64 ou não lhe afete as peculiaridades, conforme exige, no caso de cumulação de pedidos originária, o art. 327, § 2.º.

O fraseado é retumbante: “técnicas processuais diferenciadas”; porém, os resultados são pífios: tudo se resume em respeitar as características imprimidas pela ação material no procedimento. Em particular, o chamamento se mostra cabível no procedimento monitório,65 verificada uma das hipóteses do art. 130, desde que o réu haja embargado.66 O chamamento é admissível nos embargos e inexiste razão para tratar diferentemente a oposição do réu ao mandado liminar da monitória. Por exemplo, movida a monitória contra o fiador, mostra lícito a este chamar o afiançado, ensejando-lhe a pretensão regressiva do art. 132. O art. 702, § 1.º, autoriza o réu alegar toda a matéria de defesa admissível o procedimento comum. Não há dúvida que abrangido o chamamento ao processo. E, na ação monitória, só não cabe reconvenção de reconvenção (art. 702, § 6.º). A finalidade precípua do chamamento consiste em condenar o chamado solidariamente com o chamador. É o que se depreende do art. 132 (infra, 869.1). Parece claro que, valendo a sentença como título executivo, o provimento vai além da simples declaração, notadamente no que concerne à relação entre o chamado e o chamador. Em razão disso, o chamamento é particularmente propício no âmbito das pretensões à condenação, hipótese em que é conferida ao réu que solver a dívida comum a pretensão a executar regressiva do art. 132. Por exemplo, o credor deduz pretensão de cobrar a dívida do fiador, porque o afiançado não se obrigou em documento afeiçoado à tipologia dos títulos executivos (art. 784), nem o credor pretende demandá-lo, após considerar insuficiente o respectivo patrimônio ou na suposição que o garante honrará a condenação sem maiores resistências. Em tal demanda, lícito ao fiador chamar ao processo o afiançado, nos termos do art. 130, I, e, caso pague o credor, julgada procedente a ação, recobrar o que for possível do afiançado, no mesmo processo, pois a sentença lhe confere o título executivo do art. 132. Facilmente se concebem outras situações em que, apesar de a sentença não produzir o efeito do art. 132, há notório interesse de o fiador vincular o afiançado à autoridade do provimento. Por exemplo, há dúvida quanto à validade ou ao alcance da fiança e o credor deduz perante o fiador pretensão à simples declaração (art. 19, I). Nada impede o chamamento em ações dessa espécie.67 A própria estrutura da pretensão à condenação, pressupondo a declaração da responsabilidade, antes da imposição de prestação (retro, 233), propicia a intervenção. Quem pode o mais (condenar o chamado), pode o menos (declarar a responsabilidade conjunta do chamado), sem embargo de o art. 130, III, aludir à pretensão de o credor obter o “pagamento”. Feito o chamamento, o juiz não aplicará o art. 132, pois a pretensão à simples declaração não comporta a formação de título judicial, limitando-se a declarar, na mesma sentença, as responsabilidades dos obrigados.68 Se for além, como aventa o art. 515, I, já não se cuidará de simples declaração, mas de condenação. Não há falta de interesse.69 Bem o demonstra a possibilidade, aventada pelos opositores do cabimento, de o réu noticiar a pendência da lide ao possível chamado – medida sem previsão legal –, a fim de que possa coadjuvá-lo como assistente,70 e, por essa via oblíqua, vinculá-lo à autoridade do julgado. O caminho direto, admitindo o chamamento, é mais prático para alcançar essa finalidade. É claro que, nesse caso, o provimento carece de

força executiva. Se o chamador pagar a dívida comum, precisará pleitear a condenação do chamado, mas esse direito se mostrará indiscutível. § 176.º Procedimento do chamamento ao processo 862. Iniciativa do pedido de chamamento ao processo O chamamento ao processo compete unicamente ao réu. É o que se deduzia do direito anterior, fixando a oportunidade no prazo da contestação, e, atualmente, decorre do art. 130, caput, parte final. Reforça o dispositivo a dicção do art. 131, caput: “A citação… será requerida pelo réu na contestação…” O autor desfrutou a oportunidade de apontar o terceiro como réu na petição inicial. Formando chamamento litisconsórcio passivo (art. 131, caput), ulterior e facultativo, na petição inicial, absteve-se o autor de fazê-lo, em virtude motivos de oportunidade e conveniência na petição inicial. Seja como for, a iniciativa do réu provoca um incidente, cujos requisitos e desdobramentos merecem atenção. 863. Momento do pedido de chamamento ao processo Consoante o art. 131, caput, incumbe ao réu requerer a citação do chamado “na contestação”. Fitando somente a hipótese do procedimento comum, tal interregno é de quinze dias (art. 335), contados na forma do art. 231 e das regras especiais porventura aplicáveis (v.g., art. 229). Era pouco precisa a redação da regra equivalente no direito anterior. Não esclarecia se o chamamento seria feito com a apresentação da contestação propriamente dita – ao contrário, induzia a ideia de petição autônoma – e as possibilidades de o chamamento ser requerido antes ou depois do oferecimento da defesa. Do ponto de vista do réu, o mais vantajoso era requerê-lo no curso do prazo de resposta, independentemente de qualquer outra atitude defensiva. Em tal hipótese, suspenderia, restituindo-se posteriormente o prazo que faltava para completar o interregno da resposta, presumivelmente em dobro por força da constituição de advogado diferente pelo litisconsorte passivo. Além disso, o chamador e o chamado harmonizariam as respectivas defesas, enfrentando o adversário comum de posição tática superior à inicial. O art. 131, caput, dilucidou a questão, reclamando a iniciativa do réu “na contestação”. Era preferível, no direito anterior, a fim de não emprestar efeito suspensivo automático ao chamamento inadmissível, a posição clássica de exigir que o chamamento ocorra simultaneamente com a defesa,71 na própria peça da contestação ou mediante petição autônoma. O fato de o réu chamar terceiro ao processo, antes de excepcionar o impedimento ou a suspeição (art. 148), jamais implicará o desaparecimento do direito de alegar a quebra da parcialidade da pessoa investida na função judicante, em virtude de preclusão lógica.72 Não há vínculo de dependência entre uma atitude e outra, por sinal paralelas e, identificada a causa de impedimento ou de suspeição ab initio, adstritas ao mesmo prazo de quinze dias.

Ficou resolvida, ainda, a segunda questão aventada pela deficiente redação do direito anterior. Admissível que seja o chamamento através de petição avulsa, porque a fórmula “na contestação” mais obriga à simultaneidade do que a reunião formal, todavia desejável segundo os propósitos do legislador, observando os requisitos do art. 319 (infra, 864), não poderá fazê-lo antes de contestar, a fim de se desvincular dos riscos de o juiz indeferir o chamamento e, no entretempo, consumar-se o prazo de defesa. É inadmissível o chamamento ao processo do terceiro em fases posteriores (v.g., após o deferimento da prova pericial).73 E não tem o menor sentido a arguição em recurso especial.74 864. Forma do pedido de chamamento ao processo O exercício da pretensão regressiva do chamador perante o chamado há de se incorporar dos requisitos do art. 319.75 Formalmente, o réu insere a pretensão em item destacado da contestação ou mediante petição autônoma. A observância dos requisitos do art. 319 é natural, porque torna a iniciativa inteligível. Para esse efeito, o réu identificará e qualificará o chamado, exporá o vínculo deste com o autor e pedirá a emissão do provimento cabível, responsabilizando-o pela sua quota, pois o chamador propõe contra o chamado “verdadeira ação condenatória de evento futuro e 76 condicional”, findando por requerer a citação do chamado por um dos meios admissíveis (art. 246). 865. Controle inicial do pedido de chamamento ao processo O juiz examinará, preliminarmente, o cabimento do chamamento do processo. É lícito ao juiz indeferir o pedido por várias razões. Por exemplo: (a) a intempestividade do pedido, porque realizado depois da contestação (não há intempestividade no ato praticado ante tempus, a teor do art. 218, § 4.º); (b) a impropriedade no procedimento em que ocorreu o chamamento; (c) a falta de adequação às hipóteses de cabimento, porque inexiste solidariedade (v.g., entre a empresa de previdência privada e o patrocinador do plano);77 e assim por diante. Deferido o pedido, inexiste suspensão do processo, no sentido técnico, mas variante procedimental, pois o chamador deverá promover o ingresso do terceiro no prazo de trinta dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento (art. 131, caput), prorrogável nas hipóteses do art. 131, parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz proferirá decisão interlocutória, passível de agravo de instrumento (art. 1.015, IX). Legitimam-se o autor, o réu e o próprio terceiro, conforme o caso. O agravo de subida imediata é a única modalidade admissível dessa impugnação imediata. Eventual reforma do ato de primeiro grau implicará o desfazimento dos atos processuais praticados, no interregno, e não raro, atendendo o princípio da economia, refutou-se essa consequência excessivamente danosa ao autor, rejeitando chamamento perfeitamente cabível ante o desenvolvimento do processo.78 É preciso resolver o quanto antes, definitivamente, o incidente de chamamento. Por esse motivo, não

cabe postergar a resolução do incidente para as razões ou contrarrazões de apelação (art. 1.009, § 1.º). Faltava interesse recursal ao autor, agravando do ato que deferiu o chamamento, e introduz novo réu no processo, no direito anterior na forma de agravo retido.79Em virtude do desenvolvimento normal do processo, o provimento exauriria os seus efeitos gravosos, e, proferida a sentença, somente lhe aproveita, ensejando execução contra o chamado no caso de acolhimento do pedido. 866. Efeitos do deferimento do pedido de chamamento ao processo O deferimento do pedido imprime variante ao procedimento comum, ope legis, cumprindo ao juiz ordenar que o réu promova a citação do chamado (v.g., velando pela expedição do mandado e pagando as despesas do oficial de justiça), mandando o autor observar os prazos do art. 131. Desapareceu a imprópria remissão à disciplina do chamamento em garantia.80 Doravante sucederá o contrário: a citação do denunciado pelo autor ocorrerá nos prazos do art. 131. Residindo o chamado na mesma comarca em que tramita o processo o prazo será de trinta dias e real a citação; residindo em outra comarca, ou em lugar incerto, o prazo é de dois meses. Far-se-á a citação por edital, no caso de o chamado residir em lugar incerto, porque incidirá o art. 256, II. Desapareceu a inexplicável citação do chamado por edital no caso de residir em outra comarca, seção ou subseção judiciária, fundada em razões de economia, pois o intuito consistia em evitar a procrastinação decorrente da expedição de carta. Essa disposição revelava-se inconstitucional. Do réu, cujo domicílio é conhecido, subtraía notícia adequada do litígio e a melhor oportunidade de defesa. Em tal hipótese, a citação também há de ser feita pessoalmente, à luz do art. 131, parágrafo único, expedindo-se carta precatória e fixando-lhe o juiz prazo de cumprimento. Far-se-á a citação por edital apenas no caso de o réu residir em lugar incerto. A falta de observância dos prazos do art. 131 implicará, a teor do art. 131, caput, parte final, a retomada do curso do processo unicamente contra o chamador. Em outras palavras, o chamamento ficará sem efeito. Entende-se que, nesse caso, o réu pode dar ciência da demanda aos coobrigados, a fim de intervirem como assistentes.81 Essa modalidade de notícia não se encontra prevista no roteiro traçado na lei processual. O que pode acontecer, legitimamente, é a notificação extrajudicial dos coobrigados. Pode acontecer que, feita a citação fora do prazo (v.g., a carta precatória não retornou no prazo fixado pelo juiz), e indiferente ao prosseguimento do processo nesse ínterim, o terceiro acuda ao chamamento em juízo, tomando uma das atitudes concebíveis do chamado (infra, 867). Os prazos do art. 131 favorecem o autor e não respeitam ao terceiro. Desse modo, inexistindo qualquer prejuízo ao terceiro em virtude do ingresso tardio (v.g., o estágio do processo já não comporta o oferecimento de contestação), a intervenção há de ser admitida.82 867. Atitudes do chamado após a citação

Feita a citação do chamado, no prazo legal, assumirá a posição de réu perante o autor. Vale recordar que se trata de intervenção obrigatória de terceiro. A ele não é dada opção de intervir ou não. Deixando de participar, incidirá o art. 132 e o chamado submeter-se-á à autoridade da coisa julgada (infra, 869). O prazo para resposta é do art. 335, no procedimento, ou o que a lei assina ao réu, em geral, no procedimento especial. O prazo fluirá na forma comum. Não há previsão de o juiz ordenar a renovação da audiência de conciliação e de mediação do art. 334. Cumpre distinguir, relativamente às posições processuais concebíveis do chamado, as relações com o autor e o chamador – objeto do item especialmente dedicado aos efeitos do chamamento no curso do processo (infra, 868). § 177.º Efeitos do chamamento ao processo 868. Efeitos do chamamento no curso do processo Realizado o chamamento, forma-se litisconsórcio passivo no processo. Impende estabelecer a natureza desse litisconsórcio. O chamamento ao processo forma litisconsórcio (a) passivo, (b) ulterior, (c) facultativo e (d) simples por iniciativa do réu; (e) irrecusável. As duas primeiras características (litisconsórcio passivo e ulterior) dispensam maiores considerações. É facultativo o litisconsórcio, porque o chamamento subordinase à vontade do réu.83 E, existindo vários coobrigados, não se mostra necessário demandá-los originariamente ou chamá-los conjuntamente.84 O caráter simples do litisconsórcio exige maiores explicações. O regime das relações entre os litisconsortes revela-se simples: no caso paradigmático de chamamento, ou seja, nas obrigações solidárias passivas, inexistem condições ao aparecimento do regime especial ou unitário nas relações entre os coobrigados. Além das exceções comuns, cada devedor dispõe de exceções pessoais. Eventualmente, o julgamento poderá produzir resultados heterogêneos para os coobrigados.85 E, de resto, tornando-se a presença do coobrigado necessária, porque a relação jurídica há de ser julgada uniformemente perante todos os obrigados, já não se cuidará de intervenção de terceiro, mas de integração da legitimidade passiva.86 É claro que, deduzida defesa comum (v.g., o chamado alega nulidade do contrato principal garantido por fiança, porque obtido mediante coação), o respectivo acolhimento aproveitará o chamador, mas esse resultado eventual não transforma o litisconsórcio em unitário.87 Neste, o resultado é inexorável e invariavelmente uniforme, independentemente do caráter comum ou pessoal da defesa. O fato de que “exceções pessoais podem fazer que uns sejam absolvidos enquanto outros são condenados”88 chancela a existência de regime simples. Por fim, o litisconsórcio passivo entre o chamador e o chamado é irrecusável para o autor, “desde que atendidos os pressupostos que autorizam a utilização do instrumento”.89

868.1. Relações entre o autor e o chamado – Em razão da sua qualidade de réu, cabe ao chamado apresentar defesa, contestando o pedido do autor com as exceções comuns e pessoais (v.g., prescrição) porventura cabíveis. São cabíveis a reconvenção, e, por motivo próprio do chamado, a exceção de incompetência,90 e a exceção (autônoma) de suspeição e de impedimento (art. 148). Permanecendo o chamado inerte, há revelia, entretanto desprovida do efeito material (art. 345, I).91 Equipara-se o chamado, portanto, ao réu originário. O chamado tem idênticos direitos e poderes, ônus e deveres processuais. Logo, mostram-se admissíveis os negócios jurídicos dispositivos (v.g., o reconhecimento do pedido e a transação), com a eficácia que lhes é inerente nos casos de litisconsórcio facultativo, não se estendendo ao chamado. É o que vale na relação do chamado perante o autor. O panorama modifica-se, em parte, no caminho inverso da relação. A circunstância de o chamamento apresentar-se para o autor irrecusável, a despeito de formar-se litisconsórcio passivo facultativo, altera o regime da demanda conjunta. É claro que o autor poderá impugnar a admissibilidade do chamamento, controvertendo os aspectos que o juiz considera ao deferi-lo (v.g., a existência de solidariedade). Mas, vencido o juízo de admissibilidade do chamamento, o regime do litisconsórcio passivo formado contra a vontade do autor sofre influências provenientes dessa circunstância. Em primeiro lugar, cogita-se da possibilidade de o autor desistir da ação perante o chamador ou o chamado, obtendo, conforme a hipótese, o consentimento de um e de outro, nos termos do art. 485, § 4.º. Em princípio, regulando-se a relação do autor com os réus segundo a disciplina do litisconsórcio facultativo (art. 117, primeira parte), nada obsta ao autor desistir da ação perante um dos litisconsortes, obtido o seu consentimento (art. 485, § 4.º), a despeito das objeções do(s) outro(s) litisconsorte(s). É o que aconteceria na hipótese de o autor demandar originariamente os devedores solidários. Todavia, no caso de chamamento, a possibilidade de o autor desistir da ação perante o chamado implicaria torná-lo recusável ao talante do autor, subtraindo, indiretamente, a faculdade consagrada na lei processual, subvertendo o regime da solidariedade passiva, e bem ou mal conferida ao devedor solidário. O direito de desistir da ação, previsto no art. 485, § 4.º, relaciona-se com o princípio dispositivo: o autor escolheu a quem demandar, e, portanto, pode desistir da pretensão, no todo ou em parte, e até unilateralmente, relativamente a um dos réus, antes do oferecimento da contestação. No caso do chamamento, porém, o autor não demandou o chamado originariamente. Desse modo, o autor não pode desistir da pretensão, agora voltada contra o chamado sem considerar a vontade do chamador.92 E, por outro lado, admitir a desistência do autor quanto à ação perante o chamador, deixando sozinho o chamado, quiçá aproveitando a circunstância deste não haver apresentado oposição à pretensão, preferindo negar a sua responsabilidade conjunta, não parece natural. O litisconsórcio passivo

formou-se por iniciativa do primitivo réu e no seu interesse de reembolsar-se do coobrigado. O chamado tem o direito de ser demandado conjuntamente com o chamador, e, não, de modo isolado. Demandar o chamado não foi a escolha inicial do autor, mas não lhe cabe liberar o chamador sem liberar o chamado. Em tal conjuntura, o único remédio consiste em limitar a faculdade de o autor desistir da ação perante o chamado ou o chamador. Exige-se a concordância de ambos os litisconsortes – o que dificilmente ocorrerá na prática. O autor deverá desistir da ação perante ambos os litisconsortes: não é lícito fazê-lo em relação ao chamado, porque não o demandou; e não é lícito fazê-lo quanto ao chamador, apesar de tê-lo demandado, sem liberar, por igual, o chamado.93 Em relação à hipótese do art. 130, I, há uma ressalva. É admissível o autor desistir da ação perante o fiador (chamador), naturalmente com a concordância deste, mas subsistindo a pretensão perante o devedor principal, haja vista o caráter subsidiário da fiança.94 E, de fato, o afiançado nada pode reclamar dessa nova situação, em que responderá sozinho por dívida própria, pois não lhe cabe qualquer regresso perante o fiador. Por fim, concebe-se que a contestação do chamador alegue ilegitimidade passiva, e, contudo, tome a iniciativa de chamar, sob o abrigo do art. 130, terceiro que seja legitimado. Flagrantemente, nesse caso o chamamento serviria para corrigir o polo passivo da demanda, conquanto de forma indireta. Reconhecida a ilegitimidade passiva do réu originário, todavia subsistirá o chamamento, e, conseguintemente, admite-se o acolhimento do pedido perante o chamado, aplicando-se o art. 338. Não há como traçar paralelo útil com a denunciação da lide, pois no chamamento ao processo há relação jurídica, no plano material, entre o autor e o chamado, enquanto na denunciação esse vínculo, por definição, inexiste. Por esse motivo, rejeitada a pretensão contra o denunciante, seja qual for o motivo, restará prejudicada a denunciação. Ao invés, no chamamento ao processo, rejeitada a pretensão do autor perante o réu originário, cumprirá ao juiz examinar se o pedido pode ser acolhido em face do chamado, como sói ocorrer nos casos de litisconsórcio facultativo passivo simples.95 868.2. Relações entre o chamado e o chamador – No tocante ao chamador, o chamado pode aceitar ou não a sua condição de responsável subsidiário ou solidário perante o autor. É lícito ao chamado controverter a existência da solidariedade, introduzindo, portanto, questão nova no processo. Talvez a contestação se limite a esse aspecto peculiar. O regime do litisconsórcio facultativo incide nesse caso. O chamado se beneficiará da contestação ao pedido do autor oferecida pelo chamador, de um lado, e, de outro, caberá ao juiz decidir a relação entre o chamador e o chamado na sentença (art. 132), que também passou a interessar ao autor, haja vista o direito de executar a sentença contra o chamado. É tão natural essa questão, após o chamamento, que o autor pode impugnar o cabimento do pedido por não se enquadrar nas hipóteses do art. 130. 869. Efeitos do chamamento no julgamento do processo

O processo plural criado pelo chamamento ao processo influencia o conteúdo do provimento, nos capítulos principal e acessório (sucumbência), e a extensão da coisa julgada. 869.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento ao processo – O pronunciamento que acolher o pedido do autor (art. 487, I), realizado o chamamento ao processo, condenará o chamador e o chamado solidariamente. Não pareceu necessário ao NCPC enunciar claramente essa consequência, porque intrínseca à formação de litisconsórcio passivo (art. 131, caput) e as relações entre os réus no plano do direito material, segundo as hipóteses de chamamento do art. 130. A força da sentença será condenatória.96 Ela vale como título executivo para o chamador perante o chamado e, como notou-se no direito anterior, a condenação produz a eficácia executiva.97 Representa ilusão atribuir à declaração eficácia análoga. Se o pronunciamento reconhece a exigibilidade de obrigação a cargo do vencido, como pretende a tortuosa redação do art. 515, I, estendeu-se além da declaração em si. Em geral, a ilusão decorre da coexistência de outros efeitos no pronunciamento (retro, 228). Excepcionalmente, admitir-se-á o chamamento no caso de o autor deduzir pretensão à declaração (retro, 861). No entanto, deduzida pretensão à condenação, como normalmente acontece, o conteúdo da sentença assume natureza condenatória, concedendo ao vitorioso a pretensão a executar os litisconsortes vencidos. Entretanto, o chamamento dá azo ao debate dos coobrigados a respeito da respectiva responsabilidade conjunta, solidária ou subsidiária, conforme o teor da defesa do chamado. Em tal hipótese, ampliado o objeto litigioso, o órgão judiciário também julgará a relação dos litisconsortes. Flagrantemente, o chamador pede algo em relação ao chamado – que seja declarado responsável pela dívida comum perante o autor. Não é, pois, simples correção do polo passivo da demanda (o chamador também é parte legítima), nem mera formação de litisconsórcio ulterior, ou a sentença de procedência não surtiria o efeito do art. 132. Por esse frisante motivo, considerando o regime simples do litisconsórcio, pode ocorrer que a pretensão seja julgada favoravelmente perante o chamado e rejeitada perante o chamador, e vice-versa. É que, como já se assinalou em item anterior (retro, 855), no chamamento ao processo, ao contrário do que ocorre na denunciação da lide, o chamador e o chamado têm relação jurídica com o autor e mostram-se, em tese, obrigados solidariamente, revelando-se admissível exceção pessoal beneficiar um deles, permanecendo obrigado só o outro. Já no caso de rejeição da pretensão perante ambos, liberados de qualquer pagamento perante o autor vencido, o conteúdo da sentença nada dispõe no tocante à relação entre os coobrigados, porque desnecessário. O mesmo ocorre nos casos em que o juiz não examina o mérito da pretensão do autor (art. 485). Segundo certo alvitre, na hipótese de falta de interesse do autor (v.g., a dívida não se encontra vencida), admitida a renovação da demanda (art. 486, caput, c/c § 1.º), convém o juiz decidir, desde logo, se há ou não responsabilidade conjunta do chamador e do chamado.98 É desnecessário

juízo sobre tal aspecto, superado pela extinção do processo. Ficará postergado para a ulterior demanda, se e quando renovar-se o chamamento. Por sua vez, acolhida a pretensão do autor, e solvida a dívida por um dos litisconsortes, para este surgirá pretensão a reembolsar-se, no todo ou em parte, perante o outro, a teor do art. 132. Essa pretensão eventual não favorece apenas o chamador. Se o chamado solver a dívida, conforme a relação entre ambos, também lhe aproveita o efeito executivo do provimento. Pode acontecer que inexista a pretensão regressiva. É o caso do afiançado chamado pelo fiador (art. 130, I).99 Seja como for, o pagamento da dívida funciona como condição indispensável ao nascimento da pretensão regressiva.100 Da fórmula do art. 132 – “… em favor do réu que satisfizer a dívida…” – resulta evidente o fato futuro, condicional: “se satisfizer a dívida, se pagar…”.101 Não há motivo para surpresa ou razão para resistência. As sentenças condicionais são expressamente contempladas no direito pátrio (art. 514). 869.2. Tutela de urgência no chamamento ao processo – A análise do conteúdo da sentença esclarece as possibilidades de tutela de urgência incidental (at. 294, parágrafo único) no processo em que ocorreu chamamento ao processo. Não comporta maiores discussões a antecipação reclamada pelo autor perante o chamado. Ela é intuitiva, decorrendo da assumida posição de réu do chamado. Por óbvio, também abra-se espaço para a tutela da evidência, em especial as hipóteses dos incisos I e IV do art. 311. O problema reside na admissibilidade de pedido semelhante do chamador perante o chamado. É irrefutável tal possibilidade, justamente porque o objeto do processo modifica-se com a integração da relação entre os coobrigados nesse âmbito.102 Por exemplo, o autor A pede tutela provisória antecipada perante o réu B, que chamou C ao processo, e, nesta conjetura, na iminência de pagar a dívida comum para A, nada impede que B peça idêntica tutela provisória perante C, preenchidos os respectivos pressupostos. Por igual, nada impede ao chamador pleitear tutela provisória cautelar perante o chamado. Figure-se a hipótese de, no curso do processo, o chamador B verificar que o chamado C desfaz-se dos bens suficientes para suportar a posterior pretensão a executar regressiva. Parece evidente que B poderá obter arresto desses bens, forrando-se ao risco de não realizar a contento a pretensão regressiva perante C. 869.3. Eficácia de coisa julgada no chamamento ao processo – Havendo julgamento de mérito, no processo em que aconteceu o chamamento, integrando-se o terceiro ao processo, obrigatoriamente, o vínculo que subordina os litisconsortes passivos ao pronunciamento decorre da autoridade de coisa julgada (art. 502). Não podem os réus, em demanda ulterior, controverter a inexistência da dívida comum. A autoridade da coisa julgada “vinculará o autor e o réu originário aos efeitos do primeiro capítulo da sentença (litígio entre o autor e o réu) e vinculará todos os três aos efeitos do segundo capítulo (declaração da obrigação do chamado perante o autor, pedida pelo réu)”.103 A extensão da coisa julgada é efeito inexorável da convocação obrigatória do chamado. Permanecendo inerte o terceiro, nem por isso deixará de ser

condenado, na forma do art. 132, e submeter-se à autoridade da coisa julgada. Por óbvio, o devedor solidário alheio ao chamamento ao processo não se subordina à coisa julgada.104 A tanto impede, como reiteradamente assinalado, o art. 5.º, LIV, da CF/1988, e o art. 506 do NCPC. Nenhum provimento mostrar-se-ia indiscutível perante a pessoa que não teve a oportunidade de defender o seu juízo em processo anterior. 869.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento ao processo – No processo em que ocorreu a intervenção do chamado ao processo, a sentença condenará o(s) o vencido(s) a reembolsar as despesas processuais (art. 82, § 2.º) e pagar os honorários do(s) advogado(s) (s) vencedor(es), a teor do art. 85, caput, e § 14. É uma condenação solidária no capítulo principal, mas sujeita ao regime do art. 87 (retro, 646), no capítulo acessório da sucumbência, ficando vencidos os litisconsortes passivos.105 Em princípio, acolhida a pretensão perante os litisconsortes, e reconhecendo a sentença existir responsabilidade conjunta do chamador e do chamado perante o autor, não há condenação do chamado em favor do chamador, nesse capítulo acessório, porque não surgiu, ainda, a pretensão de reembolso.106 Restando vencedor o chamado, porque a sentença rejeitou a existência dessa responsabilidade conjunta, não parece justo que responda o autor, a parte que jamais pretendeu litigar contra o chamado, pelas despesas e pelos honorários. As despesas “devem ser carreadas ao que o chamou ao processo, porque este é que ocasionou aqueles gastos”,107 mediante interpretação extensiva.108 Essa diretriz ajusta-se ao princípio da causalidade (retro, 633.2), consagrado no art. 85, caput, conforme o correto entendimento do STJ.109

Capítulo 42. INTERVENÇÃO COMPULSÓRIA: CHAMAMENTO EM GARANTIA SUMÁRIO: § 178.º Chamamento em garantia – 870. Conceito de chamamento em garantia – 871. Sistema latino de denúncia da lide (denunciação da lide) – 872. Sistema germânico de denúncia da lide (chamamento em garantia) – 873. Sistema brasileiro de denúncia da lide – 873.1. Configuração prevalecente do chamamento em garantia: cumulação de pretensões – 873.2. Configuração alternativa do chamamento em garantia: litisconsórcio passivo ou pretensão regressiva em processo ulterior – 873.3. Reconstrução do chamamento em garantia: cumulação e ação regressiva autônoma – 874. Desvantagens e vantagens do chamamento em garantia – 875. Pressupostos do chamamento em garantia – 876. Obrigatoriedade e facultatividade do chamamento em garantia – 877. Campo de incidência do chamamento em garantia – § 179.º Chamamento em razão de eventual perda do domínio – 878. Perda do domínio na denúncia da lide – 879. Conceito e natureza da evicção – 880. Campo de incidência da evicção – 881. Casos especiais de evicção – 882. Objeto da evicção – 883. Pressupostos da responsabilidade pela evicção – 883.1. Privação do direito recebido – 883.2.

Preexistência do direito do terceiro – 884. Espécies de evicção – 885. Extinção da responsabilidade pela evicção – 886. Exclusão da responsabilidade pela evicção – 886.1. Conhecimento do vício jurídico – 886.2. Alienação de coisa alheia – 886.3. Alienação de coisa litigiosa – 887. Condições e efeitos do chamamento em razão do risco de evicção – 888. Chamamento per saltum em razão do risco de evicção – § 180.º Chamamento em razão de eventual perda da posse – 889. Perda da posse na denúncia da lide – 890. Espécies de posse na denúncia da lide – § 181.º Chamamento em razão de eventual indenização – 891. Garantia na denúncia da lide – 892. Espécies de garantia na denúncia da lide – § 182.º Procedimento do chamamento em garantia do autor – 893. Campo de incidência do chamamento em garantia do autor – 894. Oportunidade do chamamento em garantia do autor – 895. Forma do chamamento em garantia do autor – 896. Controle do chamamento em garantia do autor – 897. Deferimento do chamamento em garantia do autor – 898. Posição processual do denunciado no chamamento em garantia do autor – 899. Limites ao aditamento da inicial no chamamento em garantia do autor – 900. Prosseguimento do processo no chamamento em garantia do autor – § 183.º Procedimento do chamamento em garantia do réu – 901. Oportunidade do chamamento em garantia do réu – 902. Forma do chamamento em garantia do réu – 903. Legitimidade ativa e passiva no chamamento em garantia do réu – 903.1. Legitimidade passiva do litisconsorte no chamamento em garantia – 903.2. Legitimidade ativa do litisconsorte no chamamento em garantia – 903.3. Legitimidade passiva coletiva no chamamento em garantia – 903.4. Legitimidade ativa do assistente no chamamento em garantia – 903.5. Legitimidade ativa do chamado em garantia em chamar ao processo – 904. Competência no chamamento em garantia do réu – 905. Controle do chamamento em garantia do réu – 906. Efeito do deferimento do chamamento em garantia do réu – 906.1. Termo inicial do prazo de citação em virtude do chamamento em garantia do réu – 906.2. Termo final do prazo de citação do processo em virtude do chamamento em garantia do réu – 907. Prazos para a citação do chamado em garantia – 908. Efeitos da falta de citação no prazo hábil do chamado em garantia – 909. Efeitos da citação no prazo hábil do chamado em garantia – 910. Chamamentos em garantia sucessivos – § 184.º Posição processual do chamado em garantia – 911. Atitudes concebíveis do chamado em garantia – 912. Primeira atitude: aceitação da responsabilidade – 912.1. Explicação prevalecente: chamado como assistente – 912.1.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração prevalecente – 912.1.2. Posição processual do chamado na configuração prevalecente – 912.1.3. Primeira variante na atitude do chamado responsável: contestação do pedido principal – 912.1.4. Segunda variante na atitude do chamado responsável: falta de contestação do pedido principal – 912.1.5. Terceira variante na atitude do chamado responsável: confissão dos fatos da causa principal – 912.1.6. Consequência da posição processual (assistente) do chamado responsável – 912.2. Explicitação alternativa: chamado como litisconsorte – 912.2.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração alternativa – 912.2.2. Posição processual do chamado na configuração alternativa – 912.2.3. Consequência da posição processual (litisconsorte) do chamado responsável – 913. Segunda atitude: revelia – 914. Terceira atitude: negação da responsabilidade – § 185.º Efeitos do chamamento em garantia – 915. Efeitos do chamamento em garantia no curso do processo – 915.1. Reconhecimento do pedido e transação na causa principal – 915.2. Reconhecimento do pedido e transação

na causa regressiva – 915.3. Desistência da causa principal e chamamento em garantia – 916. Efeitos do chamamento em garantia no julgamento do processo – 916.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento em garantia – 916.2. Tutela provisória no chamamento em garantia – 916.3. Eficácia da coisa julgada no chamamento em garantia – 916.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento em garantia – 916.5. Problemas recursais decorrentes do julgamento conjunto das pretensões no chamamento em garantia. § 178.º Chamamento em garantia 870. Conceito de chamamento em garantia Em sentido lato, a denunciação da lide constitui a comunicação formal do litígio, feita pelo titular de um direito,1 e parte no processo pendente, ao terceiro, cujo desfecho, secundum eventus litis, implicará o surgimento de pretensão regressiva contra este. A parte (ou denunciante) chama o terceiro (ou denunciado) para integrar o processo, acompanhando seus trâmites, e, por esse meio, protege-se da eventualidade de sucumbir no processo e tornar-se titular de pretensão de regresso contra o denunciado. Dá-se o nome de denunciado à pessoa “que se atrai a juízo, a fim de assistir ao que se está passando”, porque o denunciante encontra-se “ameaçado de perder a coisa (domínio ou posse), ou o direito real, ou pessoal, ou de ter de suportar a apreensão de outrem sobre a coisa recebida”.2 É o que acontece quando alguém reivindica o domínio de coisa transmitida por contrato oneroso, hipótese em que cabe ao adquirente denunciar o alienante imediato (ou, na verdade, a qualquer um dos anteriores, mas apenas um), conforme o art. 125, I, a fim de exercitar o direito que resulta da evicção. O caso da evicção é paradigmático e, de certo modo, polariza essa modalidade de intervenção de terceiro. Obrigou-se o legislador processual a revogar o art. 456 do CC (art. 1.072, II, do NCPC), com o fito da atalhar as denunciações sucessivas na cadeia dominial, de olhar fito na evicção. Infelizmente, adotou terapêutica muito radical, produzindo efeitos indesejáveis no plano do direito material. Antes de enfrentar essa questão mais detidamente, impende ressaltar o campo de incidência mais ampla da denunciação. Fitando a renovada e radical disciplina do NCPC, a parte servese da denunciação da lide toda vez que, em virtude das relações existentes no plano do direito material, resultantes da lei ou do negócio jurídico, surge pretensão contra o terceiro (no plano processual), tirante a área já coberta pelo chamamento do processo (solidariedade passiva). É modalidade de intervenção de terceiros de singular abrangência no direito pátrio. Ela não se atém às clássicas situações de garantia formal (v.g., do cedente, na cessão onerosa de crédito, a teor do art. 295 do CC), abrangendo qualquer pretensão “regressiva” de ressarcimento que formaria causa conexa e ulterior à do processo pendente, conforme o elastério maior ou menor conferido à cláusula aberta do art. 125, II.

Realmente, a pretensão resultante pode fundar-se em (a) garantia formal (própria); ou (b) em garantia (simples). Entende-se por garantia formal, ou própria, os “casos em que aquele, que chama, se ache em causa como titular de um direito que lhe foi transmitido pelo chamado e que o adversário lhe contesta”. E entende-se por garantia simples, ou imprópria, “os casos em que aquele, que chama, se acha em causa por uma obrigação para com seu adversário, a qual corresponde uma obrigação de regresso do chamado”.3 Exemplo de garantia formal, ou própria, localiza-se na aquisição a título derivativo (e, por essa razão, o art. 447, segunda parte, do CC, contempla a alienação forçada ou aquisição em hasta pública); de garantia simples, ou imprópria, nas obrigações solidárias e na fiança.4 É comum a alusão, nos domínios do chamamento em garantia ou denunciação da lide, a direito, pretensão ou ação regressiva. Aliás, essa última expressão consta, explicitamente, do art. 125, II. O art. 109 do CPC de 1973, invocado pela teoria alternativa à estruturação da denunciação da lide no segundo estatuto unitário, utilizava a expressão “ações de garantia”. Tecnicamente, na pretensão de regresso, o “titular volta-se contra aquele por quem pagou”.5 Em outras palavras, o direito de regresso “pressupõe que alguém pagou porque devia, mas, mesmo devendo, tinha o direito de se voltar contra outrem para reclamar, no todo ou em parte, o que desembolsou”.6 É a nota que a distingue da ação direta, ou seja, dos direitos originários que resultam à sucumbência em juízo. O ponto comum reside nessa circunstância, mas a pretensão resultante do fato da evicção, a pretensão do sub-rogado e, em geral, as pretensões fundadas em enriquecimento sem causa não se mostram regressivas, mas próprias, e, assim, diretas. Essa questão é fundamental na interpretação do art. 125, II. (infra, 891). Eis o motivo por que a denunciação da lide afigura-se assaz completa. É preciso encarar o direito material e realizar opções difíceis nessa área. Seja como for, aqui empregar-se-á sentido intermediário à pretensão regressiva, assim considerada a que resulta do fato de a parte ficar vencida em juízo, e, em virtude, voltar-se contra o terceiro. Fundamenta-se essa construção, deleitando os que tudo localizam na lei fundamental, no art. 37, § 6.º, da CF/1988: as pessoas jurídicas de direito público respondem, diretamente, pelos danos causados a terceiros por seus agentes, “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Para corresponder ao problema originário da lei material, em geral reclamando notícia do litígio a quem responderá regressivamente como condição de exercício da subsequente pretensão, a lei processual cunhou dois sistemas básicos – o latino (denunciação da lide) e o germânico (chamamento em garantia).7 Eles absorveram, ademais, os casos em que nasce para o vencido, segundo o resultado do processo, pretensão regressiva de uma das partes contra terceiro, independente da prévia e formal comunicação da pendência de litígio em que tal possa ocorrer. Esses sistemas genéricos demarcam o ponto de partida hábil, bem como a análise das soluções adotadas nos mais proeminentes sistemas jurídicos estrangeiros que inspiraram o CPC de 1973 e, mais aqui do que alhures, assoalham o caminho para desvelar a tão engenhosa, quanto obscura construção da figura da denunciação da lide segundo estatuto unitário e sua reconstrução sob o NCPC.

871. Sistema latino de denúncia da lide (denunciação da lide) Em linhas gerais, no sistema latino, a denúncia da lide convoca o terceiro para auxiliar a parte, veiculando-o ao resultado do processo. Evita a renovação do debate de questões já examinadas e superadas no primeiro processo, e, assim, preserva o direito de regresso que o denunciante precisaria deduzir em processo autônomo ulterior.8 Não permite, entretanto, o ingresso da ação in eventum desde logo. Era o modelo adotado, nesse ponto capital, pelo CPC de 1939, sob a rubrica de “chamamento à autoria”. Explica-se facilmente a designação do instituto: “autoria, etimológica e juridicamente, é sinônimo de garantia”, originando-se da palavra latina auctoritas, ou segurança, enquanto o termo garantia deriva do étimo germânicowahren. O legislador, no primeiro código unitário, escolheu um dos sistemas possíveis. Na época dos códigos estaduais, inexistia uniformidade nessa solução.9 Com efeito, o art. 95, caput, do CPC de 1939 rezava o seguinte: “Aquele que demandar ou contra quem se demandar acerca de coisa ou direito real, poderá chamar à autoria a pessoa de quem houve a coisa ou o direito real, a fim de resguardar-se dos riscos da evicção”. Feita a citação do terceiro, em determinados prazos, o procedimento subsequente dependeria da respectiva atitude: (a) aceita a denúncia, o terceiro recebia o processo no estado em que se encontrava, e a causa prosseguiria contra ele, como dominus litis,10 excluído o denunciante,11 caracterizando autêntica extromissão da parte originária – o art. 97, in fine, do CPC de 1939, nessa contingência, proibia ao autor “de litigar contra o denunciante”; (b) não vindo o terceiro a juízo, presumivelmente porque negava a responsabilidade, cumpria ao denunciante prosseguir na defesa da causa, na qualidade de substituto processual, “sob pena de perder o direito a evicção” (art. 98 do CPC de 1939); porém, transformado o terceiro em parte, equiparava-se ao revel,12 ficando sujeito à autoridade da coisa julgada.13 Em qualquer hipótese, “a evicção pedir-se-á em ação direta” (art. 101 do CPC de 1939). Também nessa linha estruturou-se a figura da Streitverkündung germânica, filiando-se, paradoxalmente, ao sistema latino. Essa modalidade de intervenção de terceiro engloba, na realidade, três situações diferentes. Na que mais se assemelha à denunciação da lide, a parte provoca o terceiro a ingressar no processo como interveniente adesivo ou assistente. Tal sucede sempre que, desfavorável o julgamento da lide pendente, em tese coubesse o exercício de direito de regresso ou de ressarcimento, ou, inversamente, ficasse o denunciante exposto à pretensão dessa natureza cujo titular seja terceiro. A denúncia pode ocorrer em qualquer fase do processo, mas até a sentença. E o terceiro pode aceitar a denúncia, ingressando como assistente, ou manter-lhe alheio ao processo, recusando explícita ou tacitamente a qualidade que lhe é atribuída. No caso de ingresso, o juiz examinará a existência da relação jurídica envolvendo o denunciante e o denunciado, tornada indiscutível posteriormente, por força da auctoritas rei iudicate, mas inexiste o exercício da ação in eventum. Esta deverá ser proposta numa segunda etapa. Todavia, a despeito de o denunciado permanecer alheio ao processo, deixando de intervir, ficará subordinado ao efeito da intervenção. Desse modo, não lhe caberá discutir a justiça do provimento (exceptio male iudicati processus), no processo ulterior,

ressalvando-se, conforme a oportunidade da intervenção, a invocação da exceptio male gesti processus, como ocorre, entre nós, na assistência (retro, 789.2). A inteligência intrínseca dessa sistemática consiste em armar para o denunciado terrível dilema: (a) ou tem responsabilidade, em razão de garantia própria ou imprópria, e, nessa situação, convém ingressar como assistente, impedindo tornarem-se indiscutíveis, no processo subsequente, “pontos vitais para a sua futura defesa”, sem a contribuição útil para o debate;14 (b) ou não tem responsabilidade, e, nessa conjuntura, aguardar serenamente o ingresso em juízo do denunciante, confiando no seu êxito. É exigida do denunciado, em seu próprio proveito, atitude rigorosamente conforme ao princípio da lealdade ou da boa-fé. Exemplo simples ilustra a situação antevista na legislação alemã. A adquiriu de B a coisa x e a transmitiu a C, que ingressa em juízo, pedindo o desfazimento do negócio, em razão de vício oculto, que denuncia da lide B, ficando este inerte, subentendendo-se que nega a responsabilidade por vício do bem. Nessa contingência,B subordina-se à justiça da decisão proferida entre na lide entre A e C, não lhe sendo lícito arguir a má condução do processo por A. No processo subsequente, que é a ação regressiva movida por A, na prática B só pode discutir a existência da responsabilidade (v.g., o contrato isentou-o de responder pelo vício que ensejou a pretensão de C), pois a existência do vício em si e o montante do prejuízo tornaram-se, em virtude da eficácia da denúncia, indiscutíveis. Por sua vez, o direito português, na versão de 1961, consagrara o chamamento à autoria, instituto que emprestara o nome à modalidade interventiva análoga no CPC brasileiro de 1939. Por intermédio dessa modalidade, a parte convocava o terceiro, perante o qual exibia direito de regresso, na eventualidade de perder o litígio, e oferecendo-lhe a oportunidade de coadjuvá-lo ou, negando a autoria, vinculando-o à eficácia da sentença, facultado o respectivo ingresso como assistente do denunciante. Em nenhuma hipótese, o chamador fica dispensado de propor, oportunamente, a pretensão regressiva, objeto do processo posterior. É a diretriz seguida na vigente “intervenção principal espontânea” (art. 317, n. 1, do NCPC português de 2013). Importante acréscimo decorre do disposto no art. 317, n. 2, do NCPC português de 2013, segundo o qual, impugnada tão só a responsabilidade pelo chamado, e sendo possível conhecer diretamente do pedido do autor, o primitivo réu será condenado no saneamento, chamado ainda de “despacho saneador”, prosseguindo a causa a respeito do direito de regresso. O chamamento há de ser feito na contestação “ou, não pretendendo contestar”, no prazo respectivo (art. 318, n. 1, c, do NCPC português de 2013); admitem-se chamamentos sucessivos (art. 323, n. 3, do NCPC português de 2013); e, principalmente, a sentença tem autoridade perante o chamado (art. 320 do NCPC português de 2013). Tal significa que “o interveniente não é, pois, condenado nesta primeira ação, e apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os fatos dos quais derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento”.15

É o bastante para filiar o direito português ao sistema latino: inexiste cumulação, in simultaneo processu, da pretensão in eventum. 872. Sistema germânico de denúncia da lide (chamamento em garantia) É completamente diferente a solução emprestada ao problema no sistema germânico. A ele filiou-se, paradoxalmente, o direito italiano, influenciado pela escola germanista do início do século XX. Da conjugação dos arts. 32 e 106 do CPC italiano, resulta que a intervenção obrigatória de terceiro (intervento coatto a instanza di parte), no fundo a face reserva das situações legitimadoras habilitando o terceiro a intervir espontaneamente,16 divide-se em duas modalidades. Por primeiro, há a denunzia di lite, ou chiamata in causa, ou chiamata non innovativa, através da qual “a parte que, no caso de perder, tem ação de regresso contra o terceiro, pode denunciar-lhe a lide, para dar-lhe meio de intervir e coadjuvá-la em sua defesa, a fim de evitar a exceção de defesa negligente no processo posterior”,17 ou seja, a exceptio mali gesti processu. Não é, pois, necessária a proposição de demanda contra o terceiro. Fica ele, através do chamamento, vinculado à justiça da decisão, e o objeto litigioso não se altera, objetivamente, porque há simples cúmulo subjetivo.18 E, por segundo, há chiamata innovativa, na qual o chamador deduz, desde logo, pretensão contra o chamado que, na subespécie de chiamata in garanzia,19 presta-se a evitar um segundo processo, permitindo à parte, titular de direito de regresso, deduzir essa pretensão no mesmo processo, chamando o terceiro. Em tal hipótese, “pede ao juiz uma sentença necessariamente condicional, que declare o direito de regresso e condene o garante a reembolsar o garantido, subordinada à ocorrência de em evento futuro: o pagamento pelo garantido ao credor”.20 Os traços essenciais do modelo da chiamata in garanzia também se localizam no appel en garantie do direito francês. É forma de intervention forcée, na prática chamada de mise en cause.21 As linhas básicas são as seguintes: (a) o réu pode empregar o appel en garantie em qualquer momento; (b) a suspensão do processo, no interregno necessário para chamar o terceiro, só ocorre se o réu deduzi-lo como exceção prévia (excepcion de garantie) no âmbito da contestação; (c) deferido chamamento, reúnem-se no mesmo processo duas pretensões,22 ocupando o garantido a posição de réu perante o autor, e de autor perante o garante; (d) embora a lei preveja apenas o chamamento pelo réu, admite-se o chamamento pelo autor, evocando-se o exemplo de o cessionário pretender receber a dívida do cedido, que rejeita a condição de devedor, obrigando o cessionário a chamar o cedente, pois este garantiu (garantia formal ou própria) a existência do crédito na oportunidade da cessão (art. 295, primeira parte, do CC brasileiro), apesar da qualidade de autor;23 (e) no tocante às relações das partes, nos casos de garantia simples, o terceiro simplesmente intervém, enquanto nos casos de garantia formal o garante ingressa no processo substituindo (mise hors de cause) o garantido;24 (f) seja qual for a espécie de garantia, a mesma sentença julgará as duas pretensões, mas no caso de garantia formal, porque o garantido saiu da causa, o garante indenizará o vitorioso; (g) a despeito da derrogação do art. 184 do CPC francês, segundo o qual, não estando a demanda principal e a de garantia aptas a serem julgadas simultaneamente, a

sentença postergaria a tramitação e julgamento da ação em garantia para momento ulterior à solução da ação principal, entende-se aplicável esse mesmo regime.25 873. Sistema brasileiro de denúncia da lide Existem duas interpretações concebíveis, segundo os dados coligidos, a respeito do sistema adotado pelo CPC de 1973 no concernente à denunciação da lide. Nenhuma delas implica adesão irrestrita aos modelos aventados. O sistema brasileiro resulta da fusão de vários elementos de origens discrepantes e de natureza heterogênea.26 873.1. Configuração prevalecente do chamamento em garantia: cumulação de pretensões – A concepção dominante baseou-se no art. 76 do CPC de 1973. Segundo a regra, conforme o caso, a sentença que julgar procedente a ação declarará “o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo”. Logo se percebe que o provimento vai além da simples declaração, impondo sanção (prestação) a cargo do denunciado, porque comportará execução forçada. Como quer que seja, a iniciativa do autor ou do réu em denunciar da lide o terceiro implicaria, desde logo, o exercício da pretensão regressiva contra o terceiro (ação in eventum). O pronunciamento de mérito julgará procedente, ou não, a ação in eventum, na hipótese de o denunciante, na posição de autor ou de réu, sucumbir perante o seu adversário.27 Nessa linha, o STJ decidiu que a denunciação da lide “importa a inserção de demanda secundária, tendente a obter a condenação do denunciado ao ressarcimento do que for pago pelo denunciante”.28 O objetivo precípuo da inserção da pretensão regressiva, no mesmo processo, consiste em atalhar o inevitável segundo processo conexo ao primeiro, na qual o envencido reclamaria indenização regressivamente,29 assegurando-se, de resto, a harmonia das decisões. O denunciado passa a figurar como réu na ação proposta pelo denunciante. Porém, ao mesmo tempo exibe nítido interesse na vitória do denunciante, traduzindo essa possibilidade o seu próprio êxito automático diante do denunciante. Por essa razão, a posição do denunciado é de assistente do denunciante na relação com o respectivo adversário,30 embora os arts. 74 e 75, I, do CPC de 1973, declarassem o denunciado litisconsorte do denunciante perante o adversário. A subordinação do denunciado à eficácia da sentença se justifica em virtude da oportunidade da denúncia. Ela ocorrerá, quando a iniciativa cabe ao autor, na petição inicial, e, promovida pelo réu, no prazo da contestação. Em vista disso, o denunciado participará do debate, encontrando-se em posição de influenciar o conteúdo da sentença. Calha aqui uma observação terminológica. A designação do instituto no primeiro código unitário era a de chamamento à autoria, impropriamente, porque esse rótulo devia “caber apenas à construção que reúne os dois processos”,31 e, naquele regime, como já destacado, o exercício da pretensão regressiva ocorrida posteriormente. Por sua vez, o CPC de 1973, reunindo as pretensões, in simultaneo processu, segundo o entendimento predominante, chamou o instituto de denunciação da lide, nomenclatura mais adequada ao sistema anterior.32

O sistema apresentava nítidas e intensas desvantagens para o adversário do denunciante. Por esse motivo, a jurisprudência restringiu, consideravelmente, o campo de incidência do art. 70, III, do CPC de 1973 – equivalente ao art. 125, II, do NCPC –, com o intuito implícito de minorar a carga de sacrifícios decorrente da introdução na causa de “fundamento jurídico novo”, como se tal consequência não se mostrasse inextirpável e congênita à dedução de ação in eventum. Fique desde logo sublinhado: o exercício de outra ação, in simultaneo processu, fatalmente introduzirá “fundamento jurídico novo”: a relação entre o denunciante e o denunciado. Disso não há como escapar, admitida a premissa da cumulação sucessiva de pretensões. Em geral, no âmbito do sistema germânico, atenua-se o contratempo criado por essa desequilibrada inserção, desfavorável ao adversário do denunciante, através do expediente de limitar a possibilidade de deduzir a ação in eventum às hipóteses de garantia formal (ou própria). Daí o rumo progressivamente tomado pelos tribunais brasileiros, consolidando o sensato entendimento de restringir o amplíssimo art. 70, III, do CPC de 1973, à garantia formal, objetivo alcançado sem consciência plena e lúcida das causas recomendando percorrer o caminho. Após examinar o funcionamento da denunciação da lide desde a vigência do CPC de 1973, não se pode afirmar que, admitida a premissa de a denunciação introduzir pretensão regressiva no mesmo processo, inexoravelmente, o direito brasileiro haja recolhido, nos ordenamentos estrangeiros, as soluções mais equilibradas para o instituto. Em primeiro lugar, não conferiu ao denunciante a opção de limitar-se à comunicação formal da lide, abstendo-se da propositura imediata da ação in eventum. Ao contrário, tornou o exercício da pretensão regressiva obrigatório, em qualquer hipótese, a teor do art. 70, caput, do CPC de 1973, regra também suavizada pela jurisprudência. E, ademais, não permitiu o sobrestamento da instrução e do julgamento da pretensão regressiva proposta pelo réu, conforme a necessidade da demanda principal, como acontece no direito francês, na frágil suposição de a oportunidade da denúncia, feita no início do processo, não ensejar gravame excessivo ao autor, adversário do denunciante. Evidentemente, o prognóstico otimista não repercutiu na realidade: o processo suspendia-se até o chamamento do terceiro, nos prazos rígidos estipulados, e, de resto, o art. 73 do CPC de 1973 permitia denunciações sucessivas – ao nosso ver, o principal inconveniente na estruturação legislativa dessa intervenção forçada. O tempo gasto nessas providências impõe ao adversário do denunciante duríssima provação. Tal gravíssimo problema inspirou, enfim, o veto peremptório à intervenção de terceiros no (muito mal visto) procedimento sumário (art. 280 do CPC de 1973). Embora não haja impossibilidade absoluta de conciliar a denunciação com o procedimento por audiências do antigo sumaríssimo, depois rito sumário, servindo a intervenção do terceiro para poupar inevitável ação subsequente,33 inegavelmente o terceiro é um “hóspede incômodo”:34 realizada a denunciação pelo autor, não poderia o juiz designar a audiência inicial, antes de consumado o chamamento do terceiro, pois este

tem o direito de aditar a inicial, para só então realizar-se a citação do réu, e não se mostrava “possível prever com segurança a demora que essas providências acarretarão”;35 feita pelo réu, nova audiência se mostraria imprescindível, antes de passar à instrução, e, assim, sucessivamente, porque “a cada nova citação deverá realizar-se audiência”.36 A dilação inviabilizava o cumprimento dos prazos instituídos à ultimação do procedimento, de resto irrealizáveis, e não se harmonizava com o objetivo geral de celeridade do procedimento.37 Duas eram as principais dificuldades técnicas existentes na construção então prevalecente. A primeira repontava no art. 75, II, do CPC de 1973. Esse dispositivo previa duas atitudes do denunciado: (a) inércia total, não acudindo à citação, tornando revel; (b) a rejeição da própria responsabilidade. Realmente, concebe-se o denunciado permanecer inerte, ou comparecer para negar a qualidade de responsável regressivo, e, nessas hipóteses, o inciso mencionado apenas declarava que “cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até final”. Nada esclarece quanto à posição assumida pelo denunciado, nessas hipóteses, ao contrário do que sucede no caso de o denunciado “aceitar” a intervenção (art. 75, I, do CPC de 1973), em que se esclarece que o processo prosseguirá “entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado”. Como se observou, não sem desalento, “parece que o legislador só teve em vista a ação principal e se esqueceu da outra, que criou no art. 76” [do CPC de 1973].38 Em tal árdua conjuntura, o entendimento prevalecente escuda-se na “mais cômoda (e também duvidosa) de todas as regras de hermenêutica: o legislador disse o que não queira ou não disse o que deveria ter dito”.39 Assim, supre-se a lacuna, talvez deliberada, asseverando-se: “a solução é entender que ela será regida pelas normas gerais, isto é, o denunciado, além de contestar a ação principal, tem o ônus de, no mesmo prazo, contestar a ação indenizatória”.40 E a segunda dificuldade reside, paradoxalmente, na generalização do art. 76 do CPC de 1973, segundo o qual, acolhido o pedido do adversário do denunciante, o juiz declararia ou direito do evicto ou a responsabilidade por perdas e danos. Nem sempre, realizada a denunciação nos casos legais, surgiria pretensão regressiva para o denunciante. O caso paradigmático é o da denunciação da lide do proprietário ou possuidor indireto no caso de posse direta (art. 70, II, do CPC de 1973).41 Por exemplo: A reivindica o imóvel x de B, que é comodatário de C, que adquiriu x por usucapião. Segundo o art. 76, II, do CPC de 1973, cumpre a B, possuidor direto, denunciar da lide C, possuidor indireto, pois B não é detentor, e, pois, não lhe é lícito nomear à autoria. Ora, transferida a posse direta de x de C para B, a título de liberalidade, nenhuma pretensão surge de B perante C no caso de acolhimento do pedido de A.42 Ao contrário, acolhida a pretensão de A perante B, este é que responderá, regressivamente, perante C. À luz desse caso, a existência da pretensão regressiva do denunciante, em tese, não constituía pressuposto geral da denunciação da lide. Esse é o motivo aparente da supressão da hipótese autônoma do art. 70, II, do CPC de 1973, no rol do art. 125 do NCPC. Porém, incorreu o legislador, em 2015, no pecado do excesso: a perda da posse também enseja a ação regressiva do art. 125, II.

873.2. Configuração alternativa do chamamento em garantia: litisconsórcio passivo ou pretensão regressiva em processo ulterior – Essas deficiências na disciplina legal sugeriram outra explicação. Ela é engenhosa e superior na maioria dos aspectos. A lei processual civil de 1973 rompeu com a tradição, divorciou-se dos modelos estrangeiros, e adotou um sistema híbrido: “não é romano em sua pureza, porque consente que os eventuais prejuízos do denunciante, conforme o caso, sejam declarados, apurados e compostos no mesmo processo, dispensando posterior demanda regressiva; nem é germânico, na sua concepção tradicional, porque a denunciação da lide, propriamente dita, não importa a interseção de um litígio subsidiário entre o denunciante e o denunciado”.43 Segundo esse entendimento, a parte realiza a denúncia da lide para resguardar a pretensão de regresso, nos termos da lei substantiva, ou seja, quando obrigatória a comunicação formal da pendência do litígio para exercer essa pretensão. Feita a citação do denunciado, surgem três possibilidades: (a) aceitação da responsabilidade que o denunciante atribui ao denunciado; (b) recusa formal da responsabilidade ou inércia do denunciado; (c) confissão dos fatos alegados pelo adversário do denunciante. No primeiro caso (a), incidirá o art. 75, I, do CPC de 1973: o processo prosseguirá o processo entre o “autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o denunciado”. Inexiste lide entre o denunciante e o denunciado, quanto à existência da responsabilidade, e a divergência hipotética (único ponto passível de controvérsia nessa situação), que é o montante dos prejuízos, resolve-se mediante esforço conjunto contra o adversário do denunciante. Nenhum entrave se produz à pretensão deste último. E a sentença, à semelhança do que acontece no chamamento ao processo, compõe o dever de o denunciado ressarcir o denunciante, a teor do art. 76 do CPC de 1973, condenando ambos os litisconsortes solidariamente. No segundo caso, ou seja, (b) recusando o denunciado sua responsabilidade, ou ficando omisso, esgota-se aí o incidente, cumprindo ao denunciante prosseguir na defesa até o final (art. 75, II, do CPC de 1973). Entendimento semelhante à citação por evicção do direito argentino, no qual, porque o terceiro pode permanecer alheio ao processo, chega-se à conclusão de que não se cuida de intervenção obrigatória.44 E, no último caso, (c) confessando o denunciado os fatos, “poderá o denunciante prosseguir na defesa” (art. 75, III, do CPC de 1973), ou, simplesmente, aquiescer com a pretensão do adversário, porque o denunciado o indenizará, aplicando o juiz o art. 76 do CPC de 1973. A construção prevalecente explica muito mal a hipótese de o denunciado “recusar” a intervenção (infra, 914). Não é o caso do entendimento alternativo agora exposto. Parte-se da premissa que a denunciação da lide é modalidade de intervenção obrigatória. Desse modo, refutando o denunciado a responsabilidade que lhe é imputada, ou permanecendo alheio ao processo, todavia produzem-se três efeitos da maior envergadura: (ba) o denunciante

preserva o direito de regresso; e (bb) o denunciado vincula-se ao resultado do processo, a este cabendo arguir em defesa, se for possível, a exceptio mali gesti processu; (bc) o denunciado não pode denunciar sucessivamente (art. 73 do CPC de 1973), e, de seu turno, resguardar seu próprio direito de regresso perante eventual antecessor. Por outro lado, ainda na mesma situação, não se admitirá a intervenção do denunciado como assistente do denunciante, subentendendo-se da sua recusa e da sua inércia falta de interesse jurídico (requisito para o ingresso do assistente) para respaldar semelhante intervenção.45 E, por fim, a receita completava-se com tempero forte, mas suave ao paladar: pendendo o processo principal, e conforme a perspectiva de insucesso nessa demanda, o denunciante afrontado pela recusa ou inércia do denunciado pode deduzir a pretensão regressiva autonomamente, ensejando a reunião dos processos por força da conexão (retro, 302). Por esse preciso motivo, o art. 109 do CPC de 1973, a par de indicar a competência do juízo da causa principal nas hipóteses de intervenção de terceiro, também declara competente esse juízo para as “ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro interveniente”. Não se compreende semelhante ressalva a uma hipótese já incluída na intervenção de terceiro (v.g., a intervenção principal, ou oposição, não precisou ser mencionada) sem relacioná-la à possibilidade de o denunciante, abstendo-se o denunciado de ingressar no processo, aceitando a sua responsabilidade no caso de o denunciante sucumbir perante o adversário comum, formando litisconsórcio passivo, ingressar com a pretensão regressiva paralelamente.46 Embora haja previsão de julgamento simultâneo das demandas conexas, este efeito não se afigura inelutável, como explicado alhures (retro, 307), assim exigindo a instrução do processo. Por esses motivos, o art. 70, III, do CPC de 1973 ampliou as hipóteses de admissibilidade da denunciação da lide, abrigando quaisquer casos de responsabilidade legal ou contratual. Se tal responsabilidade baseia-se, ou não, em “fundamento jurídico novo”, afigura-se irrelevante, pois semelhante controvérsia jamais ingressa no processo pendente. Assim, evitou a lei reduzir o chamamento em garantia à responsabilidade por evicção, como é comum em outros sistemas jurídicos ibero-americanos.47 Esse engenhoso sistema elimina as principais desvantagens do entendimento predominante (infra, 874). Todavia, o ponto de vista não prevaleceu.48 Não se tem notícias de sua aplicação na prática. Por conseguinte, impõe-se explorar o instituto consoante a diretriz largamente prevalecente. 873.3. Reconstrução do chamamento em garantia: cumulação e ação regressiva autônoma – À luz dos dados anteriormente coligidos, logo salta à vista a impropriedade do título posto no Capítulo II – Da Denunciação da Lide – do Título III – Da Intervenção de Terceiros – do Livro III da Parte Geral do NCPC. Se o denunciante exerce ação in eventum, passível de julgamento se vencido na ação principal (art. 129, caput), calharia melhor a designação de chamamento em garantia, aqui adotado. Independentemente do reparo terminológico, de resto irrelevante em termos operacionais, justo reconhecer o esforço na contenção dos dissabores

do adversário do denunciante, impedindo denunciações sucessivas. Se a denunciação for indeferida (v.g., no caso de garantia imprópria, pois o art. 125, II, não sofreu modificações de vulto nessa perspectiva), deixar de ser promovida ou não for permitida (v.g., art. 88, in fine, da Lei 8.078/1990), o titular do (suposto) direito de regresso exercerá a pretensão autonomamente (art. 125, § 1.º). Por óbvio, deduzida na pendência do primeiro processo, configura-se conexão, em sentido largo, devendo reunirem-se os processos para tramitação e julgamento conjuntos. E, ademais, o art. 125, § 2.º, proíbe denunciações sucessivas, limitando-se o denunciado a chamar o “antecessor imediato na cadeia dominial”, por sua vez o “alienante imediato” chamado pelo denunciante, segundo o art. 125, I. Em síntese larga, são duas denunciações: uma, de iniciativa da parte (autor ou réu); outra, do terceiro chamado. Excedeu-se o art. 125, § 2.º, ao ministrar a dose do remédio hábil a impedir denunciações sucessivas. Em vez de remodelar o art. 456 do CC, relativamente à denunciação per saltum, permitindo o chamamento em garantia de qualquer dos responsáveis, da interpretação conjunta do art. 125, I, e § 2.º, resulta necessária a denunciação do antecessor imediato, apesar de insolvente. Não é solução minimamente satisfatória a um problema suscitado já nos primórdios do CC francês. A despeito da revogação do art. 456 do CC, antes da vigência do atual CC brasileiro entendia-se possível a denunciação do alienante remoto e essa possibilidade, resguardado o espírito do art. 125, § 2.º, proibindo denunciações sucessivas, pode e deve ser admitida (infra, 888). O art. 128, II, previu corretamente os dois termos de alternativa do denunciante, caso o denunciado seja revel: (a) ou prossegue na defesa contra a pretensão do adversário (v.g., o denunciado não dispõe de patrimônio), apostando no sucesso, embora não se livre da condenação na sucumbência (art. 129, in fine); (b) ou abstém-se de “recorrer”, concentrando esforços no êxito da ação de regresso. Em relação ao art. 75, II, do CPC de 1973, deixou de prever a possibilidade de o denunciado negar sua responsabilidade, sem manifestar-se acerca dos fatos alegados pelo adversário do denunciante. Essa atitude não equivale à revelia, porque o denunciado opõe-se à pretensão do denunciante; nem sequer implica confissão dos fatos alegados pelo adversário do denunciante (art. 128, III). Tampouco é lícito pressupor, ao negar a responsabilidade, o denunciado negue a veracidade dos fatos alegados pelo adversário do denunciante (art. 128, I). Assim, uma das atitudes concebíveis do denunciado, de modo algum suprimida pela simples omissão, fica sem disciplina quanto aos seus reflexos. Embora seja concebível o denunciado negar a responsabilidade imputada pelo denunciante (v.g., o negócio jurídico a excluiu), tornando obrigatória a respectiva análise posteriormente, não parece mais possível entender, como sustentado na concepção alternativa do direito anterior (retro, 873.2), encerrar-se nesse ponto o incidente, bem como no caso de revelia, permanecendo o denunciado alheio ao feito, mas vinculado ao desfecho do processo, não lhe cabendo discutir a justiça da decisão. Enquanto a revelia do denunciado assegura o êxito da pretensão regressiva, em princípio no julgamento subsequente à ação principal (art. 129, caput), motivo por que ao denunciante é dado abster-se de prosseguir na defesa, rejeitada a responsabilidade pelo denunciado tudo fica em aberto: o denunciante poderá sucumbir na ação principal e na ação regressiva.

Desapareceu a principal vantagem visualizada na referida concepção alternativa: a preservação da ação regressiva, de outro modo extinta, porque obrigatório o exercício in simultaneo processu. Eis o principal efeito do art. 125, § 1.º. Existem outras modificações altamente positivas; por exemplo: a correta redação do art. 125, I, prevendo a contestação pelo denunciado do pedido formulado pelo autor; a precisa sequência do julgamento da ação principal e da ação in eventum, nada adiantando o art. 129, caput, quanto ao desfecho dessa última. 874. Desvantagens e vantagens do chamamento em garantia A única concreta vantagem atribuída à denunciação da lide reside no princípio da economia.49 Aprimorado o regime do CPC de 1973, a denunciação da lide no NCPC manteve o giro radical, repelindo o sistema latino do CPC de 1939, segundo o qual a responsabilidade resultante da evicção era objeto de ação autônoma e posterior à que ocorrera o chamamento à autoria (art. 101 do CPC de 1939). No regime em vigor, dispensa-se o segundo processo: encartada a pretensão regressiva no processo pendente, a mesma sentença fornecerá título executivo ao adversário do denunciante para executá-lo, solidariamente com o denunciado (art. 128, parágrafo único), e ao denunciante executar o denunciado, conforme o teor do julgamento da ação regressiva. São duvidosos os resultados da denunciação da lide no terreno da economia. E as desvantagens intrínsecas ao sistema germânico não compensam o quimérico objetivo. Por um lado, o adversário do denunciante suportará maior elastério do processo – a marcação de sucessivas audiências, no antigo procedimento sumaríssimo do CPC de 1973, banira do seu seio a denunciação –, que a fixação de prazos rígidos para o chamamento do denunciado não logrou controlar, e, principalmente, a introdução de controvérsia que não lhe diz respeito, a exigir prova dispensável na demanda principal. O benefício da instrução conjunta,50 divisado na fórmula, prejudica a parte contrária ao denunciante. Faltou o contrapeso, a exemplo do que sucede no direito francês, em que pese o desaparecimento neste da regra específica, da possibilidade de o juiz separar as demandas conexas, priorizando a causa principal. O art. 129 exige o julgamento conjunto, embora na devida ordem, da pretensão principal e da regressiva, objeto do chamamento em garantia. Em princípio, nula é a sentença que não aprecia o pedido formulado na denunciação,51 exceto se o juiz a quo não processou a denunciação, mandando citar o denunciado.52 Tampouco o denunciante livra-se de incômodos. Inicialmente, constrangeo o dilema, por mais promissora que se revele a causa, de não denunciar o terceiro, conquanto preservada sua ação regressiva (art. 125, § 1.º), ou de denunciá-lo, e, nessa contingência, inclusive na hipótese de vitória, responder pelos honorários advocatícios e despesas processuais.53 Eventual condenação no capítulo acessório da sucumbência, relativamente à pretensão regressiva, tem o perverso efeito de subtrair-lhe, no todo ou em parte, o reembolso das despesas imposto ao seu adversário. O fato de os honorários pertencerem ao advogado do vencedor só aumenta o descompasso: o denunciante pagará a verba ao advogado do denunciado, mas nada receberá,

a título de ressarcimento, do seu adversário. E, além disso, coloca o denunciante na difícil posição de persuadir o juiz, na banal hipótese de denunciação do seu preposto na ação de reparação de dano, conforme o elastério conferido ao art. 125, II, que há culpa exclusiva da vítima, e, simultaneamente, que o preposto agiu culposamente.54 É claro que, vagamente, o princípio da eventualidade (retro, 311.2), todavia inaplicável na relação entre defesa e intervenção de terceiros, explicaria semelhante contradição desconfortável; porém, como sói ocorrer, a primeira posição enfraquece na medida em que o denunciante põe ênfase na segunda mediante a denúncia da lide, tendendo o juiz a acolher a postulação da vítima. O balanço é tão desalentador que levou à descaracterização do instituto tal como concebido na disciplina do direito anterior. 875. Pressupostos do chamamento em garantia Os pressupostos gerais da denunciação da lide, tal como configurada no direito pátrio segundo o entendimento predominante reconstruído (retro, 873.3), são cinco: (a) pendência do processo (art. 312, primeira parte); (b) emprego da modalidade de intervenção na oportunidade assinalada na lei; (c) legitimidade passiva do denunciante; (d) relação regressiva ativa e passiva; (e) invocação de uma das situações que legitimam o interveniente (art. 125). Surpreenderá, à primeira vista, a ausência da (alegada) titularidade do denunciante da pretensão regressiva. Em que pese essa estranheza, o requisito não se mostra passível de generalização: há situações em o denunciante visa a se forrar de futura pretensão de regresso, e, não, exercê-la desde logo. Em relação à pendência do processo, contrariando a tendência dominante (retro, 91), há processo desde a distribuição da petição inicial, nos termos do art. 312, primeira parte, do NCPC, e até mesmo daí se origina, relativamente ao autor, litispendência. O acerto dessa tese se evidencia na disciplina do chamamento em garantia ou denunciação da lide. Feita a denunciação pelo autor, o comparecimento do denunciado implica a formação de litisconsórcio ativo, autorizado o aditamento da inicial, e só então, cumprido o ato ou vencida a respectiva oportunidade, o juiz ordenará a citação do réu (art. 127, in fine). Por óbvio, essas providências se consumam no processo pendente, ou seja, na relação processual linear (retro, 91). Por outro lado, deduzida a denunciação da lide pelo réu, na contestação, o juiz não suspenderá o processo, mas imprime-se variante ao procedimento (art. 127, in fine, c/c art. 131). Em tal hipótese, haverá litispendência perante o réu (art. 312, segunda parte, c/c art. 240, caput). Esses marcos cronológicos impostos à denunciação no direito brasileiro têm supedâneo no regime da inserção da pretensão regressiva. Não é possível à parte denunciar da lide, a qualquer tempo, porque impediria a defesa útil do denunciado, e, conseguintemente, atenuaria a respectiva vinculação à autoridade de coisa julgada. Realiza-se a denunciação na fase postulatória com o intuito de favorecer a tramitação e a instrução conjunta das pretensões principal e regressiva, culminando com a sentença conjunta do art. 129, caput. Não é possível, enfim, realizar a denúncia a qualquer tempo.

A denunciação da lide não se presta, inserindo-se ação in eventum, a corrigir eventual ilegitimidade passiva.55 Essa era a função da nomeação à autoria (laudatio actoris), generalizada no art. 338. Bem ao contrário, a denúncia da lide pressupõe a legitimidade passiva do denunciante. É preciso a parte alegar a existência de relação de regresso, ativa ou passiva, em que o outro figurante é o terceiro. O sujeito estranho a essa hipotética relação não se legitima a denunciar. Ora, se a titularidade ativa e passiva da relação jurídica regressiva permite denunciar, essa qualidade é, justamente, o título que legitima a parte, ativa ou passivamente, na demanda pendente. Logo, somente a parte legítima pode denunciar da lide. Figure-se o caso de A, invocando a condição de verus dominus, reivindicar o imóvel do locatário B, ao qual incumbe, denunciar da lide o locador C, proprietário ou não, porque é dever do locatário “levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito” (art. 569, III, do CC). Em tal situação, B é titular de direito à posse da coisa alugada e o acolhimento da pretensão de A implicará a perda desse direito, uma das modalidades de evicção.56 Por essa razão, B legitima-se, passivamente, na demanda de A – o verus dominus não tem o ônus de pesquisar o título da posse –,57 e, conseguintemente, denunciará da lide C, o locador. Entenda-se bem o exemplo ministrado: o vínculo contratual une o réu B ao terceiro C. Não há relação contratual entre A e B, pré-excluindo a reivindicação, in verbis: “… a existência de contrato só exclui a reivindicatória se ele vincula o réu ao autor da ação, porque, evidentemente, contratos do réu com terceiros não tem o condão de legitimar a posse ou de conferir-lhe o caráter justo para os efeitos de elidir a pretensão reivindicatória”.58 Logo se percebe a indevida eliminação da denunciação no caso de posse, pois a evicção não se cinge à perda do domínio, salvando a hipótese o art. 125, II, prevendo denunciação por força de relação contratual. Em geral, a exigência de legitimação passiva para denunciar da lide transparece nos casos do art. 125, II, ou seja, na hipótese de garantia simples ou impróprio. Por exemplo, A move contra B ação de reparação de danos e B, alegando não ter responsabilidade pelo evento danoso, atribui responsabilidade exclusiva a C, denunciando a este da lide. O STJ fixou o entendimento: “Não cabe a denunciação quando se pretende, pura e simplesmente, transferir a responsabilidade pelo evento 59 danoso”. Atualmente, essa situação encontra resposta nos arts. 338 e 339, especialmente na possibilidade de o autor emendar a petição inicial e demandar conjuntamente A e B, formando litisconsórcio alternativo ulterior (retro, 581.3). Não se mostra razoável sustentar o contrário com base no princípio da eventualidade.60 O chamamento em garantia, forma de intervenção obrigatória do terceiro, não integra a defesa,61 embora seja deduzida pelo réu, formalmente, na contestação. E, fora desse âmbito, o princípio da eventualidade há de ser rejeitado, porque consagra comportamentos contraditórios. Por último, a denunciação da lide subordina-se à configuração de uma das situações que legitimam o ingresso do terceiro na relação processual. Elas são previstas no art. 125 e receberão análise nos itens próprios.

A (alegada) existência de pretensão regressiva da parte perante o terceiro, paradoxalmente, não constitui pressuposto de todas as espécies de denunciação arroladas no art. 125, I e II. Em item anterior, considerando a aplicação do art. 129, caput, considerou-se exemplo ilustrativo, em que o juiz, contanto acolhida a pretensão do autor, nada dispõe a respeito da pretensão regressiva: A reivindica o imóvel x de B, que é comodatário de C, que adquiriu x por usucapião. É cabível B, possuidor direto, denunciar da lide C, possuidor indireto, a teor do art. 125, II, pois B não é detentor, e, pois, é legitimado passivo. Ora, transferida a posse direta de xde C para B, a título de liberalidade, nenhuma pretensão surge de B perante C no caso de acolhimento do pedido de A.62 Acontecerá justamente o contrário: omitida a denúncia e acolhida a pretensão de A perante B, este é que responderá, regressivamente, perante C. É mais exato, portanto, identificar “relação ativa e passiva de regresso entre o denunciante e o denunciado”,63 inserida no exaustivo catálogo do art. 125, e, não, de pretensão regressiva do denunciante perante o denunciado, o que só representa o quod plerumque fit. 876. Obrigatoriedade e facultatividade do chamamento em garantia O art. 70, caput, do CPC de 1973 declarava obrigatória a denunciação da lide nas hipóteses arroladas em seus incisos. Ao invés, o art. 125, § 1.º, do NCPC, admite ação regressiva autônoma ulterior, simultânea ou não, se a parte não promover a denunciação da lide, não couber ou o juiz não admitir seu processamento, in simultaneo processu, antevendo divergências na interpretação do art. 125, II, quanto aos casos de garantia simples. É obrigatório o processamento da ação regressiva em separado, voltando-se contra quem não seja o antecessor imediato (art. 125, § 2.º). Os termos elásticos desse regime apontam virada radical e decisiva na diretriz legislativa: da obrigatoriedade absoluta e inflexível do art. 70, caput, do CPC de 1973 passou-se ao seu contrário, a facultatividade irrestrita do art. 125, § 1.º. Não se compreenderá o motivo dessa mudança sem avaliar o sistema do direito anterior e, no atual, avalição desse teor permitirá localizar, ou não, situações em que o direito material exige a imediata denúncia da lide. O sistema da denunciação da lide gravitava entre duas concepções discrepantes. No sistema híbrido, todavia ignorado e, via de regra, desconhecido nas exposições gerais, inexistia mal discernível no caráter compulsório da chamada em garantia: ou o denunciado “aceitava” a responsabilidade atribuída pelo denunciante, ingressando no processo e dele participando como litisconsorte passivo; ou, ao invés, rejeitava a respectiva responsabilidade regressiva, expressa ou tacitamente (revelia), e, nessa hipótese, o incidente esgotava-se, sem introduzir outra pretensão no processo pendente, envolvendo questões que não respeitam ao adversário do denunciante. As consequências da obrigação eram profundamente diferentes na esteira da concepção dominante: a denunciação da lide inseria automática e inexoravelmente a pretensão regressiva no processo, exigindo julgamento conjunto. O objeto litigioso se transformava, tornando-se complexo, prejudicando o adversário do denunciante. Ele precisava tolerar a dissipação

de tempo precioso com o chamamento do terceiro, quiçá terceiros em sucessivas oportunidades (art. 73 do CPC de 1973), e os desvios do debate para questões novas, postergando o desfecho do processo que, de outra maneira, ocorreria do modo direto e sem tergiversações. Tais considerações reclamavam, intuitivamente, temperamentos na categórica dicção do art. 70, caput, do CPC de 1973, abstraída a possível inconstitucionalidade de parte demandar sob pena de perder o direito material.64 Se inconstitucionalidade houvesse, também inconstitucionais todos os prazos de decadência, mas esse é outro problema. Importa destacar a conveniência na eliminação da obrigatoriedade da denunciação da lide. Representava condição necessária para outro passo mais largo, corrigindo o ilogismo da sistemática então vigente, quanto à abrangência do art. 70, III, do CPC de 1973, grosso modo equivalente ao art. 125, II. Formou-se o entendimento que o chamamento em garantia somente revela-se obrigatório, no direito anterior, nos casos de garantia formal, ou própria, e, não, nas hipóteses de garantia simples, em que nasce para o denunciante somente pretensão de ressarcimento.65 Explicou-se, em item anterior, a diferença entre garantia formal e garantia simples (retro, 870). Desaparecia o direito de regresso se a parte não empregasse a denúncia da lide no caso de perder o domínio por iniciativa de quem não lhe transmitira tal direito, ou seja, no caso mais grave e típico de evicção,66 conforme determinava a cominação explícita do art. 456, caput, do CC, todavia revogado pelo art. 1.072, II, do NCPC, também por essa razão. Existiam outras hipóteses de garantia formal ou própria e, inclusive, de evicção. O instituto da evicção, conforme se demonstrará adiante, abrange outras situações além da perda do domínio ou da posse (infra, 880) e até a perda de domínio não ocorre somente quando alguém move reivindicatória contra o adquirente.67 Nem sequer nos casos de evicção, em que há garantia formal, a omissão do chamamento em garantia importava o desaparecimento integral da pretensão regressiva. Em outra virtuosa reação jurisprudencial ao asfixiante regime da denunciação imposto no direito anterior, o evicto exibia direito à recuperação do preço, independentemente da falta de denunciação do alienante na demanda reivindicatória porventura vencida pelo terceiro.68 E, em algumas situações, mostra-se desnecessário o adquirente litigar contra o verus dominus (v.g., no de apreensão do veículo furtado ou roubado pela autoridade policial),69 propondo demanda fadada ao insucesso, com o fito de preservar a pretensão regressiva e reclamar os direitos que resultam do fato da evicção. Uma das maneiras de justificar essa conclusão consiste na preservação da pretensão (ação de direito material), perempto o remédio processual.70 O chamamento em garantia adquirira, na vigência do CPC de 1973, caráter predominantemente facultativo (rectius: obrigatório para exercer a pretensão regressivain simultâneo processu),71 pois a abstenção da parte em denunciar apenas restringe, na pior das hipóteses, o montante da indenização.

Conviria rejeitar de uma vez por todas os resquícios da obrigatoriedade. E assim fez o art. 125, § 1.º, do NCPC. Incorreu no excesso contrário: proibiu a ação in eventum, salvo contra o “antecessor imediato na cadeia dominial”, em caso de perda do domínio, na vã tentativa de suprimir o chamamento em garantia per saltum. 877. Campo de incidência do chamamento em garantia O art. 125, I e II, do NCPC, enumera as situações que legitimam a parte a provocar o terceiro a intervir no processo pendente. Não cabe o chamamento em garantia fora dos casos taxativamente previstos na regra. No entanto, os dois incisos reclamam esforços tendentes a esclarecê-los. Em particular, a cláusula inserida no art. 125, II, contemplando a obrigação legal ou contratual de indenizar, regressivamente, “o prejuízo de quem for vencido no processo” mostrou-se tão inconvenientemente ampla que a jurisprudência restringiu-a, na prática, às hipóteses de garantia formal. Ora, o desaparecimento do chamamento em garantia no caso de perda da posse por iniciativa de quem não a transmitiu ao possuidor, quiçá do verus dominus, acomoda-se a essa espécie, pois o art. 125, II, contempla só a pretensão dominial. Impende recordar, outra vez, o âmbito de admissibilidade do chamamento em garantia (retro, 870). É modalidade interventiva própria do processo com função predominantemente cognitiva. Pressupõe o vencimento do chamador, ou seja, a formulação da regra jurídica concreta em seu desfavor, ensejandolhe, de seu turno, voltar-se contra o chamado (ação in eventum). Parece fora de propósito, nessas condições, admitir o chamamento em garantia no âmbito da pretensão a executar e da pretensão à segurança.72 Em tal seara, não se formula regra jurídica concreta idônea a propiciar regresso contra terceiro. O chamamento em garantia cabe em qualquer procedimento, envolvendo qualquer matéria, salvo disposição em contrário (v.g., art. 88, in fine, da Lei 8.078/1990). A única exigência consiste na formulação da regra jurídica concreta, fazendo a parte perder direito; por exemplo, cabe o chamamento em garantia nos embargos de terceiro.73 § 179.º Chamamento em razão de eventual perda do domínio 878. Perda do domínio na denúncia da lide O art. 125, I, contempla o chamamento do alienante imediato, na ação relativa à coisa, cujo domínio foi transferido à parte, “a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam”. O sentido geral da regra se afigura compreensível, apesar de suas flagrantes imperfeições: o adquirente receia perder o domínio que o chamado lhe transferiu para terceiro, arvorando-se titular do domínio, e semelhante eventualidade constrange-lhe a chamar ao processo o alienante, promovendo, in simultaneo processu, a pretensão regressiva que lhe assegura a garantia intrínseca à transmissão da “coisa”. No entanto, o art. 125, I, corrigiu os defeitos mais sensíveis da regra anterior. A perda do domínio talvez resulte da demanda promovida pelo adquirente, e, por isso, menciona denunciante, e não, “adquirente”. A redação anterior baseava-se no hipotético conceito restrito de evicção, derivado da

fórmula lacônica do art. 447,caput, primeira parte, do CC, c/c o art. 1.275, caput, I, do CPC de 1973 segundo o qual se perde a propriedade através da alienação. Nessa linha de raciocínio, o instituto da evicção somente se aplicaria à perda do domínio.74 Ocioso acrescentar que, na visão sistemática da lei civil, semelhante conceito restrito não vingou. O direito anterior também induzia a impressão que essa demanda há de ser a reivindicatória do domínio, consoante indicava o emprego do verbo “reivindicar”, e na qual figura o adquirente como réu ou autor. Na verdade, a perda do domínio amiúde resulta de remédio de outra natureza (v.g., usucapião). E, ademais, designava a parte contrária ao denunciante de “terceiro”, o que ela efetivamente era no plano do direito material; porém, no plano material, tratava-se do autor ou do réu na demanda cujo desfecho implicasse a perda do domínio.75 O terceiro, no plano processual, é o chamado, e, não, a parte contrária. A própria palavra “alienante”, em virtude da extensão da garantia da evicção no direito brasileiro, só podia ser entendida como alusiva ao quod plerumque fit. Há evicção na partilha, a teor do art. 2.024 do CC, e não se pode designar o responsável pela garantia, em tal hipótese, de “alienante”. E a própria palavra evicção revela-se imprópria. Evictio significa “vitória em juízo”,76 e nem sempre a evicção decorre, no direito vigente, de provimento judicial. E, por fim, o objeto da garantia, segundo a lei substantiva, é bem mais amplo do que os bens corpóreos, ou coisas, mencionadas no art. 125, I. É inevitável à exata compreensão da hipótese prevista no art. 125, I, breve incursão nos domínios do direito material, precisando do que se trata, afinal, sob a rubrica de evicção. 879. Conceito e natureza da evicção O alienante responderá pela evicção nos contratos onerosos. É o que reza o art. 447, primeira parte, do CC, Evitou essa regra ministrar conceito explícito e direto de evicção, limitando a indicar, no art. 447, segunda parte, que se cuida de garantia. Portanto, filiouse à tese que divisa o fundamento do instituto no princípio da garantia, por força de lei, do adquirente perante o alienante.77 É indispensável, nessa contingência, estabelecer uma distinção preliminar. A partir do negócio hábil – assunto exposto nos domínios de aplicação do instituto (infra, 880) –, sem dúvida aparecerá pretensão à responsabilidade pela evicção, correspondente à garantia, ope legis, contra vícios jurídicos, todavia distinta da pretensão (ou dívida) pela evicção. Esta última pressupõe que a evicção verifique-se concretamente; em outras palavras, dependerá da ocorrência do fato da evicção. Dá-se o nome de evicção à privação de alguma utilidade do bem recebido, no sentido mais amplo possível, em geral objeto de prestação contratual, por força de direito anterior ao negócio jurídico.78

Em virtude de razões de vulto, essa noção mostra-se deliberadamente cautelosa. Como já se assinalou, há evicção na partilha, e, nesse caso, inexistirá alienante, bem como a garantia não se restringe aos contratos onerosos, todavia mencionados no art. 447, primeira parte, do CC. Ocorrerá evicção, na realidade, reconhecendo-se direito preexistente de terceiro, relativamente ao objeto de relação jurídica, idôneo a provocar a supressão ou restrições ao direito do evicto. Fundamenta-se a evicção, portanto, na existência de vício jurídico quanto à titularidade do objeto de negócio jurídico.79 Em nada ajudará intrometer no assunto um hipotético inadimplemento do responsável por semelhante vício. Não há obrigação preexistente descumprida no caso de alguém se tornar evicto.80 O que ocorre é a imposição do direito do terceiro em detrimento do direito do evicto, a saber: “o terceiro, ou o próprio outorgante, que vence, quer como demandante quer como demandado, e vence, porque vence e põe fora, no todo ou em parte, o direito do outorgado. O vencedor é o evictor; o vencido é o evicto”.81 A função do instituto, nos contratos onerosos, avulta na restauração do equilíbrio contratual, eventualmente rompido pelos riscos inerentes ao comércio jurídico.82Esta é a sua função social. Na partilha, assume análoga finalidade, recompondo o princípio da igualdade entre os herdeiros. 880. Campo de incidência da evicção O art. 447, primeira parte, do CC, eliminou menção à transferência de domínio, de posse ou de uso por força do negócio jurídico, mas preservou a cláusula inicial atinente aos contratos onerosos. Por óbvio, nessa espécie de contrato, “o outorgante tem de prestar o que prometeu, de modo que o outorgado esteja a salvo a quanto direitos e ações de outrem no tocante ao objeto da prestação”.83 É o domínio natural da responsabilidade pela evicção. E o exemplo mais comum consiste na compra e venda. Nesse sentido, a menção a contrato oneroso se mostra positiva, vez que ampla e genérica.84 Ela abrange toda uma classe de contratos, e, assim, elimina quaisquer “resquícios do apego originário da evicção ao contrato de compra e venda”.85 Por outro lado, a cláusula sugere restrições indevidas à aplicação do instituto. O fato gerador da evicção aparece em várias outras situações, previstas explicitamente na lei civil – v.g., o art. 1.939, III, do CC, prevê a caducidade do legado se a coisa for evicta sem culpa do herdeiro, indiretamente criando a responsabilidade nas situações em que há culpa do sucessor –,86 ou não, em que o terceiro obtém o objeto da prestação ou o direito transmitido, haja vista o vício de direito. Por essa razão, os domínios reais do instituto ultrapassam a restrita esfera dos contratos onerosos, ou seja, naqueles em que há vantagens e sacrifícios recíprocos entre os figurantes. A esta conclusão se chega através do exame sistemático do estatuto civil. Além da hipótese do legado, antes mencionada, arts. 359, 552, 845, 1.005, e 2.024 a 2.026 do CC 2002 contemplam a evicção, relativamente à dação em pagamento, à doação, às sociedades personificadas e à distribuição dos quinhões hereditários.

A simples indicação desses casos mostra a generosa abrangência da responsabilidade pela evicção. Se, em algumas espécies, os dispositivos reforçam o plano geral – v.g., a responsabilidade nos contratos plurilaterais de sociedade –, a doação e a partilha escapam do gabarito. E o próprio art. 447 do CC, na segunda parte, concernente à alienação coativa, completa o quadro heterogêneo, ministrando um dado relevante à conclusão de que a responsabilidade “não é fenômeno restrito aos contratos onerosos”.87 Na realidade, nem mesmo aos contratos,88 propriamente ditos, cinge-se o instituto. Fora do campo dos contratos onerosos talvez se possa afirmar, e nada mais, a necessidade de regra explícita.89 Embora seja verdade que, cuidando-se de doação pura, mostra-se assaz difícil reconhecer admissível reclamação do donatário perante o doador,90 essas impressões fáceis não comportam maiores generalizações. E isto vale para os contratos aleatórios, nos quais há vários exemplos de evicção.91 881. Casos especiais de evicção A adoção é contrato unilateral, consensual e gratuito,92 e, portanto, alheio à classe dos contratos onerosos, aludida na abertura do art. 447 do CC, e, todavia, responderá o doador pela evicção na doação remuneratória, ou gravada, até o limite do valor dos serviços remunerados ou do encargo.93 É o que dispõe o art. 540 do CC.94 Também responderá o doador na doação “para casamento com certa e determinada pessoa”, consoante reza o art. 552, segunda parte, do CC. Esta última disposição recebeu a pecha de inconstitucional, porque ninguém se encontra obrigado a casar com determinada pessoa em decorrência de uma doação modal, cabendo-lhe assumir as consequências de seu ato baseado no interesse econômico ou na própria cobiça.95 Seja como for, revela o fato de a doação não se mostrar infensa ao instituto; por sinal, nada impede a assunção voluntária da responsabilidade (art. 448 do CC). No CC anterior, seguindo a tradição romana, admitia-se a responsabilidade do doador em caso de dolo;96 no CC vigente, a exceção recebe o merecido e prudente registro, aduzindo-se que a pretensão do outorgado se baseará, todavia, no ato ilícito,97 e, não, no reconhecimento do direito do terceiro. Exemplo mais frisante de garantia por evicção fora do âmbito dos contratos onerosos avulta na partilha dos bens da herança (actio familiae erciscundae), nos termos do art. 2.024 de CC. Nesta hipótese, a responsabilidade deriva da quebra do princípio da igualdade entre os sucessores,98 em razão de fato contemporâneo à sua realização – por exemplo, não há responsabilidade, conforme o art. 2.025, in fine, do CC, adquirido o bem pelo terceiro em decorrência de usucapião cujo prazo se consumou após a partilha99 –, vez que, na partilha, o “certo e o duvidoso devem distribuir-se por igual”.100 E, de fato, “se o bem recebido pelo herdeiro não pertence à herança, em decorrência da evicção sofrida, aquele princípio foi violado, impondo-se, como consequência, o restabelecimento da igualdade, mediante contribuição dos demais herdeiros, proporcionalmente ao que receberam”.101 Por fim, o art. 447, segunda parte, do CC, declara que a responsabilidade pela evicção subsiste na aquisição realizada em hasta pública. O estatuto

utiliza a locução “hasta pública”, como se verifica nos artigos 497 e 1.237 do CC no sentido de alienação coativa. Além do emprego da imprópria expressão “venda judicial” (v.g., no art. 1.481, § 1.º, do CC), utiliza com toda propriedade a palavra “leilão” no art. 1.268, caput, do CC. Embora essa disciplina envolva preferentemente a alienação coativa, idênticos princípios aos aqui tratados regem o leilão particular,102 ou seja, há evicção em tal hipótese. Realmente, na execução forçada concebe-se que a penhora recaia sobre bem de terceiro e, haja ou não a oposição dos embargos previstos no art. 674 do NCPC – a improcedência desses embargos não impede a reivindicação ulterior103 –, ocorra a transmissão da propriedade ao arrematante, em hasta pública, ou ao credor adjudicatário, após a frustração da oferta ao público, e, então, suceda a ulterior privação do direito perante o verus dominus. É tradicional, no ordenamento brasileiro, o direito de o arrematante e de o credor adjudicatário demandar pela evicção. Ensinava-se, ao propósito, na vigência das Ordenações Filipinas: “Se ao arrematante ou adjudicatário são vencidos os bens por terceiro que deles fosse senhor, tem o direito da “evicção”: 1.º, contra o devedor da dívida em execução da qual se arremataram ou adjudicaram; 2.º, e subsidiariamente o arrematante contra o credor que recebeu o dinheiro, produto dessa arrematação, não sendo solvável o devedor…”.104 Tal efeito da arrematação, naquela oportunidade, considerava a noção que a arrematação “tem força de venda, e regula-se pelos mesmos princípios desse contrato”.105 A esse respeito, a natural evolução dogmática realizou a correta distinção entre alienação coativa e compra e venda. É negócio jurídico em que o Estado sub-roga o poder de alienar do executado, o qual não deseja a alienação e, na maioria das vezes, a ela resiste abertamente, transferindo o bem penhorado ao adquirente. E, assim, o Estado expropria o domínio do executado. O órgão judiciário exerce jurisdição, sub-rogando-se nos poderes do executado, titular do domínio, e, desse modo, prescinde do consenso entre o executado e o adquirente,106 além de o órgão judiciário não alienar em representação daquele. Entretanto, há acordo de transmissão – o bem objeto da constrição é oferecido ao público, por edital ou por intermediário, e o interessado faz sua oferta, que é aceita ou rejeitada –, uma vez ultimado o negócio mediante a assinatura do auto ou do termo. Por óbvio, cuida-se de aquisição derivativa: o Estado se cinge a transmitir o direito do executado. Em relação às coisas móveis, o art. 1.268, caput, do CC, torna existente, válida e eficaz a aquisição a non domino realizada em leilão público. O caráter público da alienação forçada comprometeu, originalmente, a aplicação do instituto da evicção a tal negócio. O art. 447, segunda parte, do CC, espanta essa resistência, bem revelada por julgado do STJ.107 O adquirente de bem na alienação coativa tem pretensão à dissolução do negócio e nada lhe impede pleitear a responsabilidade pela evicção. Ela é útil e proveitosa perante a evicção parcial, prevista no art. 455 do CC. Respondem pelo fato da evicção o credor, que recebeu seu crédito mediante a conversão em dinheiro de bem que não integrava o patrimônio do seu obrigado; o devedor, pela razão inversa;108 e o Estado, em razão do risco inerente à atividade jurisdicional: ao transmitir o bem com vício jurídico, assumiu o inequívoco risco de entregar com uma mão o que, em seguida,

retirará com a outra. Eis o fundamento do dever de o Estado indenizar o evicto pelo risco de sua própria atividade jurisdicional, sem prejuízo da responsabilidade do executado e do exequente, haja vista o disposto no art. 447, segunda parte, do CC. O fato da evicção não restringe as demais pretensões que tocam ao adquirente da alienação coativa; por exemplo, a de dissolver o negócio.109 E podem o arrematante e o credor adjudicatário desinteressar o terceiro, atalhando a evicção, pleiteando do responsável “que se lhe restitua aquilo com que desinteressou o terceiro”.110 882. Objeto da evicção Em relação aos mais variados efeitos, os arts. 449, 450, 451 e 457 do CC aludem a “coisa”, indicando que o objeto da evicção envolve somente utilidades patrimoniais corpóreas. Na verdade, a tutela contra a evicção do outorgado abrange todos os direitos, pretensões, ações ou exceções relacionadas, nos contratos onerosos e nas demais situações, todo e qualquer bem material ou imaterial, no sentido mais largo possível. É preciso que o direito recebido perca alguma utilidade para terceiro e que a ele não seja imanente, como acontece nas restrições administrativas ou legais ao direito de construir. Por via de consequência, a evicção se caracteriza na privação da posse em si, como acontece no contrato de locação – e, ocioso acrescentar, a essa hipótese precisa se refere o art. 125, II –, de todo o domínio ou apenas de uma parte dele, a exemplo do reconhecimento de gravame real a favor de terceiro.111 E, alegando o terceiro direito de posse, nascido antes do negócio entre outorgante e outorgado, de molde a excluir a posse recebida pelo outorgado em decorrência de negócio jurídico, “não se pode deixar de ter por evicto o outorgado”.112 Em suma, para identificar a extensão da responsabilidade, mostra-se imperioso determinar o objeto da evicção. Mas, do laconismo atual do art. 447, caput, do CC, quanto ao objeto da privação ou da diminuição, não se extrai a inferência de o fato da evicção se limitar à perda do domínio, doravante, apesar de interpretação nesse sentido.113 A última regra contempla uma das hipóteses de evicção (receio da perda do domínio). 883. Pressupostos da responsabilidade pela evicção O fato da evicção exige dois pressupostos: em primeiro lugar, a “privação da coisa”, conforme rezava o art. 1.117, I, do CC de 1916, reclamando provimento judicial a respeito; ademais, a preexistência de um direito de terceiro, desconhecido pelo evicto. Nenhuma uniformidade localizar-se-á, ao propósito, na doutrina, embora a tradição medieval aponte o desapossamento, a vitória judicial do terceiro e o vitium in iure auctoris.114 Por esse motivo, há quem indique três elementos: onerosidade da aquisição; sentença judicial e chamamento à autoria (rectius: denunciação da lide) do alienante;115 e outros relacionam a perda da coisa, a prolação de sentença e a anterioridade do direito de terceiro.116 Razões sistemáticas, todavia, restringem a tipologia do direito consagrado no art. 447 do CC aos pressupostos inicialmente apontados.

883.1. Privação do direito recebido – Inicialmente, impõe-se uma precisão terminológica, adotando-se a expressão “privação de direito”, em lugar de privação da coisa, atendendo à largueza do objeto da evicção. À luz do antes mencionado art. 1.117, I, do CC de 1916, formara-se relativo consenso quanto à necessidade de a supressão ou a diminuição do direito recebido decorrer de provimento judicial, ao menos como regra, e devidamente transitado em julgado, conforme o modelo francês.117 Então, já se realizavam algumas ressalvas oportunas à inflexível privação através de “meios judiciais”, inserida no texto derrogado. Por exemplo, prescindiria de resolução judicial a evicção no caso de remissão da hipoteca (art. 1.481 do CC), cabendo ao adquirente do imóvel, que por ele pagou isento do gravame, reaver do alienante a importância alcançada ao credor hipotecário; e admitir-se-ia o “abandono da coisa” antes da sentença (contra o alvitre que arrola com causa de perda da pretensão a defesa defeituosa),118 quando evidente o direito de terceiro; a sucumbência posterior ao desforço pessoal do terceiro; a conservação da coisa por título diverso (evicção invertida, consoante a doutrina italiana,119 objeto de comentários posteriores), como fatos constitutivos da pretensão baseada na evicção.120 Faltaria, nessas hipóteses, o reconhecimento judicial do direito de terceiro ou o fato decorreria da participação do evicto. Era evidente a falta de justificativa racional para semelhante interpretação da ambígua referência a “meios judiciais”. O art. 1.117, I, do CC de 1916 estabelecia exceções – a saber: o caso fortuito, a força maior, o roubo ou o furto, ou seja, fatos posteriores ao negócio – à responsabilidade pela evicção, exigindo, na melhor hermenêutica, uma aplicação restritiva.121 A exigência da privação judicial acrescentava-se outro tormentoso requisito suplementar: ao outorgado tocava, demandando o terceiro, ou por ele demandado, chamar à autoria, a teor do art. 95 do CPC de 1939, ou denunciar a lide pendente ao outorgante, para forrar-se dos riscos da evicção, já sob a vigência do art. 70, I, do CPC de 1973, no caso de o litígio envolver o domínio. Em tal hipótese, o primeiro entendimento foi o da obrigatoriedade da denunciação da lide, sob pena da perda do direito à indenização.122 Ora, semelhante consequência somente se aplicaria ao caso explícito, ou seja, à privação do domínio. Conforme logo se notou,123 admitida evicção em outras situações, a exemplo da perda da posse, o ônus criado pelo art. 1.116 do CC de 1916, exigiria entendimento diverso. Uma das soluções, então alvitradas, repousava na revogação do mencionado art. 1.116 do CC de 1916.124 Tal problema também existia no âmbito do art. 95 do CPC de 1939, cogitando-se de sua interpretação extensiva, pois o outorgado precisaria chamar à autoria (denunciar a lide ou realizar chamamento em garantia) em todo litígio “a respeito de direito real ou pessoal que recaia no bem prestado, seja corpóreo, seja incorpóreo, e o demandado o houve do outorgante”.125 Essas dificuldades provocaram virtuosa reação jurisprudencial no sentido de assegurar ao evicto a recuperação do preço, independentemente da falta de denunciação do alienante na demanda reivindicatória porventura vencida pelo terceiro.126 E, de resto, excluiu-se a necessidade de o adquirente litigar contra o verus dominus no caso da apreensão do veículo furtado ou roubado pela autoridade policial.

É exemplar o julgado do STJ, que assentou o seguinte: “O direito de demandar pela evicção não supõe, necessariamente a perda da coisa por sentença judicial. Hipótese em que, tratando-se de veículo roubado, o adquirente de boa-fé não estava obrigado a resistir à autoridade policial; diante da evidência do fato criminoso, tinha o dever legal de colaborar com as autoridades, devolvendo o produto do crime”.127 Desaparecida a exigência formal, na lei civil vigente, a formação do fato da evicção deixou de se subordinar, como regra, à emissão de pronunciamento judicial transitado em julgado.128 Às vezes, o fato da evicção decorrerá de ato do juiz; na reivindicatória, ainda se aplicará o disposto no art. 125, I, do NCPC. Fora daí, na generalidade dos casos, bastará supressão total ou parcial do direito recebido.129 Por óbvio, cuidar-se-á de uma questão de fato, reclamando prova idônea de quem se diz evicto. A título de exemplos, caracteriza-se o fato da evicção nas seguintes hipóteses:130 (a) por força de ato administrativo – o art. 2.094 do CC argentino contempla semelhante privação131 –, a exemplo da apreensão do veículo furtado pela autoridade policial,132 fato às vezes equiparado ao reconhecimento extrajudicial do direito alheio;133 (b) a conservação da coisa por título diferente (evicção invertida),134 a exemplo do que sucede quando alguém adquire um imóvel, através de compra e venda, cujo verdadeiro proprietário é outra pessoa, da qual o adquirente é herdeiro e acaba por receber o domínio por via da sucessão; (c) a existência ou o desaparecimento de servidão;135 (d) o implemento da condição resolutória;136 (e) a remissão da hipoteca (art. 1.481, caput, do CC);137 (f) reconhecimento do direito do terceiro, porque incontroverso; (g) a emissão de sentença arbitral. De seu turno, as limitações legais e administrativas – v. g., o zoneamento de uso – são imanentes ao próprio direito, e, portanto, não ensejam evicção.138 A despeito das restrições extraírem valor do bem, não ensejam a pretensão derivada da evicção, decidiu o STJ.139 E, ademais, as perturbações de fato provocados por terceiros devem ser repelidas pelo outorgante através dos remédios possessórios cabíveis.140 A evicção invertida mencionada no segundo exemplo anterior (b) exige uma consideração final. Cuidar-se-á, via de regra, de situação incomum no comércio jurídico. Na situação criada observa-se, ademais, a ausência de perda ou supressão do direito recebido. Ao contrário, ocorreu a aquisição do direito por outro título, acompanhada das consequências econômicas naturais da evicção.141 Ressalvada a impropriedade de se exigir, aqui, sentença evincendo o adquirente, pelos motivos explicados, parece flagrante que o adquirente passou a titular de outra relação jurídica, oposta à primeira; ademais, o fato provoca a necessidade de restaurar o equilíbrio das recíprocas prestações no contrato oneroso, posta na raiz do instituto. O patrimônio do adquirente ficou desfalcado do preço inutilmente pago. Logo, se origina desse fato pretensão à dívida da evicção.142 E há outro aspecto digno de registro. Sempre se raciocinou, até este estágio, pressupondo o reconhecimento do direito de terceiro, ou seja, de alguém estranho ao negócio jurídico originário. Mas, pode ocorrer de o alienante provocar a supressão do direito transmitido. Figure-se o caso de o outorgante ensejar a aquisição do domínio pelo terceiro, através de negócio

paralelo, após o acordo de transmissão com o parceiro preterido. Ora, em tal hipótese há inadimplemento, e, não, evicção, porque “venceu-se, sem se evencer”.143 É a solução correta para o problema. Não convence a opinião contrária baseada na notória e certa distinção entre o acordo de transmissão e a aquisição do domínio, segundo a qual antes desta última fase há inadimplemento e, depois dela, evicção por fato do outorgante.144 E isso, porque o fato do outorgante é casualmente irrelevante, na privação, ou representa inadimplemento. Se o terceiro passa à frente do outorgado, adquirindo o domínio, ou se constitui gravame sobre o bem por motivo anterior ao negócio, ensejado pelo outorgante, ocorre descumprimento. 883.2. Preexistência do direito do terceiro – A responsabilidade pela evicção assegura o outorgado por quaisquer vícios jurídicos, na prestação do parceiro, porventura existentes até a conclusão do negócio.145 É este o objeto formal da “garantia” mencionada no art. 447 do CC e uma regra fundamental do instituto.146 A causa da ulterior privação de alguma utilidade do bem (domínio, posse ou uso) se situará, cronologicamente, em algum momento anterior ao negócio. Tal significa que terceiro adquiriu direito superior ao do outorgado antes do negócio através pelo qual este recebeu o bem. A privação em si ocorrerá posteriormente, mas baseada no direito preexistente. O fenômeno acontece, por exemplo, na aquisição a non domino. Desconhecendo o domínio alheio, e restando evicto, o outorgante poderá reclamar a evicção do falso titular do domínio. Em contrapartida, se o outorgado deixou constituir “em favor de alguém um direito que motive a perda da coisa, sibi imputet e não vá reclamar do alienante, pois este lhe transferira um bem escorreito”.147 Exemplo de perda do bem que não caracteriza evicção, porque casualmente desligada do negócio, consiste no fato de a Administração desapropriar imóvel, declarando-o de utilidade pública através do competente decreto e ingressando com a ação posteriormente à transmissão do domínio pelo outorgante.148 Um caso particular desponta na prescrição aquisitiva iniciada antes da alienação do bem e completada depois deste momento. O adquirente pode impedir a consumação do direito alheio através dos remédios cabíveis. Em tal hipótese, descaracteriza-se a evicção por força de usucapião, consoante o clássico alvitre, “porque está no poder do adquirente interrompêlo”.149 Ressalvam-se as hipóteses de a aquisição se acontecer muito próxima do implemento do prazo da prescrição, impedindo uma reação oportuna do adquirente, e o desconhecimento da posse alheia,150 faltando o alienante ao dever de informar adequadamente. Valem, ainda, essas considerações, em que avulta a importância da boa-fé do adquirente.151 E, por fim, derradeiro exemplo de evicção reside no fato de o decreto expropriatório anteceder a aquisição do bem, ocorrendo a desapropriação depois de consumado o negócio.152 884. Espécies de evicção Importa considerar o objeto da evicção (domínio, posse, uso e outros direitos, exceções e ações conexas ao bem) para variados efeitos. A extensão do prejuízo do evicto, relativamente ao bem recebido por força do negócio, permite distinguir a evicção em duas espécies: (a) total; (b) parcial. Na

primeira, o fato da evicção atingirá todo o bem; na segunda, somente algum elemento. Lição clássica explica: “O que determina ser total, ou parcial a evicção é ter sido evicto todo o objeto da prestação, ou apenas elemento dele”.153 Por exemplo: o reconhecimento de algum direito real limitado sobre a coisa caracteriza a evicção parcial.154 O art. 455 do CC ocupa-se da evicção parcial e o emprego do adjetivo “considerável”, na verba legislativa, revela o caráter “puramente quantitativo” da evicção parcial.155 Ela pode consistir tanto na negação de um direito (v.g., servidão positiva), quanto no reconhecimento do direito alheio (v.g., o adquirente é vencido em ação confessória de servidão movida por terceiro).156 Nesse aspecto, o art. 125, I, do NCPC, é bem flexível, aludindo a processo relativo à coisa. No que tange às universalidades, distingue-se a evicção do direito relativo à universitas, gerando responsabilidade, por sua vez subdividida em total ou em parcial, e a privação de um dos bens que compõem a universalidade, na qual “não há responsabilidade pela evicção, salvo se houve pacto especial”, e, ainda, mostrando-se o bem da essência do conjunto.157 É muito difícil aceitar a explicação. Figure-se a transmissão de uma valiosa coleção de obras de arte, nacionais e estrangeiras, posteriormente desfalcada de um quadro de Matisse, porque tocava a terceiro, cujo direito é reconhecido. Em tal hipótese, o fato não lesou o direito à coleção, nem se pode reputar este quadro necessariamente essencial ao conjunto – talvez remanesçam obras de igual quilate e até maior valor –, exceto considerando cada peça como única e nesta condição; todavia, as consequências econômicas que dão azo à evicção se verificaram, a perda parcial da utilidade ocorreu concretamente. O exemplo evidencia um nítido caso de evicção parcial. Se a privação atinge uma parte essencial da universitas, há evicção total, e, não, parcial. Consoante diverso ponto de vista caracteriza-se a evicção (a) negativa e (b) positiva: o outorgado pode ser evicto quer se defendendo da demanda do terceiro (evicção negativa), quer sucumbindo na ação movida contra o terceiro (evicção positiva).158 Não se aplica a diferença à privação extrajudicial. Finalmente, cabe rememorar a evicção invertida. Por exemplo: A adquire um imóvel de B, através de compra e venda, cujo verdadeiro proprietário é C, do qual o adquirente A é herdeiro e acaba por receber o domínio por via da sucessão. É evidente a consequência econômica, na medida em que Paulo pagou o preço inutilmente e por coisa alheia. Não houve privação do domínio, porém, sucedendo a sua aquisição por outro título. Esse pormenor estabelece uma identidade própria à evicção invertida, que se distingue da evicção direta. 885. Extinção da responsabilidade pela evicção A responsabilidade resultante da evicção extingue-se pela renúncia do outorgado ou pela dissolução do contrato. É importante não confundir as causas de pré-exclusão dessa responsabilidade, previstas no art. 457 do CC, com a renúncia. Somente renuncia-se, expressa ou tacitamente, à responsabilidade que já nasceu para o outorgado. Logo, importa definir o momento em que ocorre a revelação do vício jurídico. Tomando conhecimento, por força do dever de informar do outorgante, do vício jurídico no momento da formação do negócio, nem sequer nasce a responsabilidade. Se o outorgado conhece o vício jurídico

posteriormente, e renuncia aos direitos que resultariam da evicção, através de pacto próprio (art. 448 do CC), há renúncia expressa. Exemplo de renúncia tácita se localiza na atitude do outorgado que descumpre o ônus do art. 456, caput, do CC. Também se concebe a renúncia da pretensão à evicção. Para essa finalidade, a oportunidade do ato de disposição assumirá, outra vez, papel relevante. Como somente se renuncia ao que já nasceu, a renúncia pressupõe o fato da evicção, ou seja, a privação judicial ou extrajudicial do bem. 886. Exclusão da responsabilidade pela evicção A responsabilidade pela evicção surge, ope legis, na formação do negócio hábil – âmbito que recebeu exame em item anterior (retro, 880). Em outras palavras, essa responsabilidade é “sempre subentendida, no silêncio das partes a respeito”.159 Todavia, semelhante responsabilidade pode ser objeto de negócio jurídico dispositivo dos figurantes,160 conforme evidencia o art. 448 do CC, autorizando aos figurantes do negócio “reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção”. E a própria lei, de resto, pré-exclui a responsabilidade nos casos do art. 457 do CC. Em ambas as hipóteses, excluída a responsabilidade pela evicção, não se admitirá o chamamento ao processo, a despeito de configurada as hipóteses do art. 125 do NCPC. É motivo hábil para o juiz indeferir a intervenção de terceiro, possibilidade subentendida no art. 125, § 1.º, do NCPC (infra, 907). Deixando à parte as hipóteses de aumento e de diminuição da responsabilidade, alheias à disciplina processual, interessa a exclusão total. Por óbvio, nos termos lançados no art. 448 do CC, ficaria pré-excluído o exercício da pretensão regressiva cogitada no art. 125, I, do NCPC. No entanto, ela nunca é total, embora às partes seja lícito reduzir, substancialmente, as regras de liquidação da obrigação, previstas no art. 450, I a III, do CC. É que, segundo o art. 449 do CC, por razões de equidade, a restituição do preço, desconhecendo o outorgado do risco da evicção, ou deixando de informá-lo o outorgando, “não o assumiu” expressamente, não pode ser pré-excluída. É possível, então, deduzir a pretensão regressiva, embora excluída a responsabilidade pela evicção, para receber o preço. Em relação a este, aplica-se o art. 450, parágrafo único, do CC, salvo pacto em contrário, ou seja, o valor da indenização equivalerá ao valor do bem, “na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial”. O art. 448 do CC exige convenção expressa acerca das modificações ao regime legal da responsabilidade pela evicção. O pacto pode ser anterior, simultâneo ou posterior ao negócio em si; todavia, observará a forma imposta ao contrato,161 em razão do princípio da simetria de formas. Enquanto o art. 448 do CC contempla a exclusão convencional da exclusão da responsabilidade por evicção, temperada pela indenização mínima do art. 449 do CC, o art. 457 do mesmo diploma arrola duas causas que, ope legis, impedem o nascimento da pretensão à responsabilidade pela

evicção, ambas subordinadas ao conhecimento prévio do outorgado: o domínio alheio (rectius: o direito alheio, pois talvez se trate de gravame real, por exemplo) e a pendência de litígio. É admissível a instituição convencional de outras causas de pré-exclusão da responsabilidade, a renúncia à responsabilidade por evicção, e a pactuação da responsabilidade nesses casos, através da autonomia privada dos figurantes do negócio.162 Em outras palavras, o art. 457 do CC constitui regra dispositiva. Em comparação à lei civil anterior, o art. 457 do CC eliminou a referência à privação do bem em decorrência de caso fortuito, força maior, roubo ou furto. O motivo é tão elementar quanto evidente: não há vício jurídico nessas situações ou, supondo-se que ele exista, não atuou como causa eficiente da privação. Nessas condições, com ou sem o texto desaparecido do CC de 1916, nada se modifica no regime da evicção. Nenhuma pretensão toca ao outorgado perante o outorgante, privado da coisa nas hipóteses aventadas, porque ela não se evenceu,163 a perda não decorreu de vício jurídico preexistente ao negócio. São riscos alheios àqueles cobertos pela garantia do outorgante. Além desse meritório aprimoramento sistemático, a supressão da infeliz referência a “meios judiciais” aclarou a privação extrajudicial. É preciso decompor as hipóteses de incidência dessa regra para compreender a sua autêntica extensão. 886.1. Conhecimento do vício jurídico – À incidência do art. 457 do CC, revela-se indispensável o fato de o outorgado receber minuciosas informações, quanto à existência vício jurídico, na oportunidade da formação do negócio jurídico. Existe o dever de o outorgante inteirar, prevenir e comunicar ao outorgado, agindo com boa-fé, a exata condição da coisa e a pendência do litígio. Embora não se prenda ao papel relevante do dever de informar, no comércio jurídico contemporâneo, deve ficar claro que não incumbe ao outorgante “limpar juridicamente o objeto”.164 A ciência do outorgado há de ser expressa e inequívoca. Sua negligência em se informar acerca do direito alheio não preenche o elemento de incidência do art. 457 do CC. Por exemplo: o litígio a que alude o art. 457 tramita, envolvendo o outorgante e o terceiro, no lugar em que o outorgado recebeu a coisa, mas o adquirente descura de informar-se acerca dessa pendência nos registros forenses. Nesta hipótese, subsiste a responsabilidade pela evicção do outorgante. 886.2. Alienação de coisa alheia – O art. 457 do CC menciona, expressamente, a venda de coisa alheia. No entanto, é manifesto que o dispositivo abrange situações similares, a exemplo da existência de gravame real.165 Na venda de coisa alheia, o negócio existe, vale é eficaz entre seus figurantes, mas se revela ineficaz perante o verus dominus. Não exibe eficácia real semelhante negócio, tout court, ou subordina esta eficácia à condição de o vendedor adquirir o domínio posteriormente. A falta de implemento da condição gera a responsabilidade pela evicção, salvante a assunção do risco pelo outorgado. Na aquisição a non domino, ao invés, o negócio opera eficácia plena perante o verus dominus, porque realizado pelo substituto negocial em nome deste último, na condição de substituído. É o que acontece

na hipótese versada no art. 1.433, VI, do CC, em que o credor pignoratício aliena a coisa gravada. Na venda a non domino, ao invés, ocorre a alienação da coisa alheia como própria.166 Segundo reza o art. 1.268, caput, do CC, rompendo a fórmula anterior, há transmissão do domínio ao adquirente de boa-fé. Por conseguinte, mostra-se irrelevante o conhecimento do direito alheio, pois jamais ocorrerá o risco coberto pela evicção. Seja como for, convém o outorgado deduzir a pretensão regressiva, na forma do art. 125, I, controvertendo a boa-fé. Em relação aos bens imóveis, a boa-fé do adquirente não livra da reivindicação do verdadeiro dono, a teor do art. 1.247, parágrafo único, do CC. É a posição dominante, no direito pátrio, assim resumida: “Assim, a transcrição e a inscrição, quer em relação às partes, quer em relação a terceiros de boa ou má-fé, não constituem legitimação formal do inscrito e, conseguintemente, não purgam os vícios do título, nem suprem a faculdade de disposição, em uma palavra, não liquidam o domínio ou outro qualquer direito real”.167 Logo, poderá ocorrer evicção do outorgado. 886.3. Alienação de coisa litigiosa – Entende-se por litigiosa a coisa (rectius: o direito alegado em relação a alguma coisa ou a algum bem) a partir do momento em que a relação processual se completa com a citação do réu (art. 312, segunda parte, c/c art. 240, caput) até o provimento final outorgando-a a um dos litigantes. Em si mesmo, o direito litigioso como “um constante vir a ser, à espera da sua superação pela sentença”.168 Em razão dessa particularidade, pouco importa se o direito material exista ou não, pois o direito litigioso se caracteriza pela instabilidade. Assim, o objeto da transferência não é o direito material afirmado pelas partes.169 Pendendo o litígio, concebe-se a alienação da coisa litigiosa, fenômeno tratado no art. 109 do NCPC, subordinando o adquirente à força da sentença (art. 109, § 3.º, c/c art. 808 do NCPC), e, por isso mesmo, gera a privação do direito recebido, e a alienação da própria coisa acerca da qual pende o litígio. Ora, o pressuposto para demandar pela evicção reside na ignorância do evicto, motivo por que a eficácia da litigiosidade “decorre da litigiosidade e, não, da ciência da litigiosidade”.170Logo, quem adquire o direito já litigioso jamais poderá demandar por evicção, pois se subordina aos riscos da resolução judicial, ingresse ou não no processo pendente. O art. 457 do CC não se ocupa somente da aquisição do direito litigioso. É possível que, controvertido o domínio de algum bem, em lugar de alienar tal direito, a parte transmita a coisa em si. Nesta contingência, o adquirente ainda se subordinará à força do provimento judicial, que lhe arrebatará a coisa, ressalva feita ao desinteresse do verus dominus (art. 809 do NCPC). Em tal hipótese, conhecendo o evicto a litispendência, nos termos já explicados, o dispositivo pré-exclui a responsabilidade do outorgante. 887. Condições e efeitos do chamamento em razão do risco de evicção

O revogado art. 456, caput, do CC, reclamava a denúncia imediata do litígio, na forma da lei processual. Equivalia essa regra, no tocante à proposição básica, ao disposto no art. 1.116 do CC de 1916. Na vigência do primeiro estatuto unitário de processo civil, o instituto aplicável ao caso se designava de chamamento à autoria, previsto no art. 95 do CPC de 1939. O dispositivo autorizava o chamamento quer na hipótese de o outorgado figurar como réu quer como autor. O objetivo consistia em “resguardar-se dos riscos da evicção”, envolvendo o litígio “acerca de coisa ou de direito real”. Logo se impôs interpretação extensiva, vez que a evicção exibe objeto mais amplo que a perda do domínio propriamente dito e do “direito real” mencionado na regra do primeiro código unitário. A nomeação à autoria caberia em todo litígio “a respeito de direito real ou pessoal que recaia no bem prestado, seja corpóreo, seja incorpóreo, e o demandado o houve do outorgante”.171 Seja como for, a interpretação do requisito se mostrava unívoca: o chamamento revelava-se imperativo, figurando como “condição essencial para que o alienante seja obrigado a prestar a evicção”.172 Envolvendo o litígio domínio, o art. 125, I, do NCPC estabeleceu a denunciação da lide, ou chamamento em garantia, como o veículo próprio para a parte beneficiada pela garantia contra os riscos da evicção deduzir, desde logo, “os direitos que da evicção lhe resultam”. A parte não se cinge a notificar do litígio o outorgante. Deduz pretensão de regresso, fundada na eventual evicção – na oportunidade em que tal ocorre o fato da evicção ainda não ocorreu, porque dependerá do resultado do processo pendente –, para julgamento, em simultaneo processu, e cujo mérito o juiz apreciará no caso de acolhimento da demanda principal e proposta pelo verus dominus. Em tal hipótese, de olhar fito na obrigatoriedade do chamamento em garantia, no direito anterior, alvitrou-se a perda do direito à indenização na falta de chamamento.173 Um dos argumentos capitais da caudalosa corrente a esse respeito repousava na exigência da lei material, ou seja, do art. 1.116 do CC de 1916, inutilmente combatido na consideração de que a regra se encontrava revogada pelo superveniente estatuto de processo civil, na medida em que este não contemplara, afinal, a simples denúncia do litígio.174 O CC vigente repôs a questão da ordem do dia, exigindo novas reflexões sobre entendimento consolidado. Porém, o art. 1.072, II, do NCPC revogou a exigência da lei civil. O chamamento em garantia é facultativo, e pode ser exercido posteriormente (art. 125, § 1.º, do NCPC). Parecia fora de dúvida não se aplicar a exigência, no direito anterior, à privação extrajudicial. Da perda da pretensão à evicção somente se cogitava preexistindo litígio do qual resultou a privação do bem ou do direito. Em caso de privação extrajudicial, nenhuma notificação prévia se mostraria necessária ao exercício pleno da pretensão resultante do fato da evicção. Não serviria, ademais, notificação extrajudicial.175 A lei processual anterior tornava, aparentemente, a denunciação da lide privativa do adquirente na condição de réu.176 A clássica hipótese de o adquirente sucumbir em demanda movida contra o possuidor da coisa não se

encontrava prevista. E, de resto, o adquirente jamais perderia o direito à recuperação do preço,177deixando de denunciar da lide o alienante. Tampouco desaparecia a pretensão fundada no ilícito contratual,178 que, à diferença da evicção, investigará a culpa do alienante. Finalmente, convém recordar que, não se realizando a citação do denunciado no prazo marcado pela lei processual, a ação prosseguiria unicamente em relação ao denunciante e o outorgado ficava, nada obstante, resguardado dos riscos da evicção.179 Por outro lado, o fato da evicção pode suceder em situações bem mais amplas do que a perda do domínio. O revogado art. 70, I, do CPC de 1973 não comportava interpretação extensiva, embora entendido o verbo “reivindicar” no sentido largo, abrangendo outras pretensões (v.g., a declaratória), exibia aptidão para alcançar essas situações. Em que pese o acolhimento da tese ampliativa do direito anterior em julgado STJ,180 e o forte apoio doutrinário,181 soa mais convincente o alvitre segundo o qual, admitindose a evicção em outras situações, “tem que ser buscada solução para essas hipóteses, mas diferente da mera subsunção na norma”.182 Para resolver o impasse trazido pela deficiente redação da regra anterior, existiam duas soluções concebíveis: (a) admitir, subsidiariamente, a denúncia simples do litígio, por via judicial ou extrajudicial, medida tendente a resguardar a pretensão regressiva para processo subsequente, retirando a obrigatoriedade do chamamento ao processo;183 (b) enquadrar as situações em que o fato da evicção resulte de ação proposta pelo adquirente, ou de outros litígios idôneos a provocar a evicção total ou parcial (v.g., ação confessória de servidão), em outra hipótese legal. O art. 125, I, do NCPC resolveu o assunto trocando “alienante” por “denunciante”, e, de resto, o chamamento em garantia é simples faculdade (art. 125, § 1.º). 888. Chamamento per saltum em razão do risco de evicção Cumpre perquirir um derradeiro aspecto para colher todos os frutos dessa incursão no terreno reservado à evicção, no campo da lei material. O revogado art. 456, caput, do CC, contempla a “notificação do litígio” ao “alienante imediato, ou qualquer dos anteriores”. Era expressiva inovação do estatuto civil vigente. Por exemplo: na ação reivindicatória movida por A (terceiro no plano do negócio jurídico que transferiu o domínio), sob a alegação de falsidade do título, o adquirente B pode denunciar o alienante direto C e, simultaneamente, o alienante pretérito D, presumível autor do vício jurídico que ofendeu A, ou denunciar apenas a D, omitindo a denúncia da lide a C, a pessoa que lhe vendeu a coisa.184 A admissibilidade do chamamento simultâneo do alienante imediato e remoto ou direto do alienante remoto é questão antiga. Ela retrocede aos primeiros comentadores do CC francês. Em geral, responde-se afirmativamente ao chamamento per saltum no direito francês.185 No entanto, objeta-se que tanto o alienante direto, quanto o alienante remoto podem ter convencionado a exclusão de sua responsabilidade pela evicção, e admiti-la nesses casos, principalmente no primeiro, mostrar-se-ia manifestamente

iníquo.186 Ora, cuida-se de inconveniente menor, resolvido inadmissibilidade, nesse caso específico, do chamamento per saltum.

pela

Portanto, nem sempre se revelaria admissível o outorgado, excepcionalmente dotado de legitimidade extraordinária, demandar o alienante remoto, ao invés do direto, isoladamente ou em conjunto com o outorgante, perante a regra permissiva anterior. É preciso que o alienante remoto seja responsável pela evicção. Por exemplo: o direito do terceiro surgiu por ato do alienante direto. Em tal hipótese, não cabe denunciar da lide seus antecessores. O expediente da denúncia per saltum evita a cumulação sucessiva de pretensões regressivas in simultaneo processu. Essa possibilidade gerava grande sacrifício para o adversário do chamador, mas atingia de modo frontal e direto o verdadeiro responsável pela evicção.187 E há um benefício suplementar, pois o chamamento per saltum previne a eventual insolvência do alienante imediato. Essas virtudes do chamamento per saltum embasavam a opinião que o sustentava admissível antes da vigência do atual CC.188 E há precedente do STJ, sem o texto expresso, consentindo com a denunciação “coletiva”, ou seja, o chamamento à autoria conjunto, e, não, “sucessivo”, dos vários antecessores na cadeia de proprietários ou possuidores.189 De olhar fito nos chamamentos sucessivos, o art. 125, I, prevê só o chamamento do “alienante imediato”, e o art. 125, § 2.º, mais amplo, porque abrange tanto o “antecessor imediato na cadeia dominial’, quanto “quem seja responsável por indenizá-lo”, uma só denunciação pelo denunciado, ou seja, duas intervenções. Da conjugação das regras resulta proibição do chamamento per saltum. Ora, o espírito da regra é o de obstar mais de duas denunciações, ou só uma pelo denunciado, erradicando o principal incômodo da inserção da pretensão regressiva in simulaneo processu. Nada mais. Pelas razões que, na vigência do CC de 1916, já admitia-se a denunciação do responsável remoto, talvez o único dotado de recursos financeiros, urge superar a literalidade desses dispositivos. A jurisprudência brasileira já flexibilizara a obrigatoriedade e, na vigência do NCPC, há de admitir, porque convém ao futuro evicto, a denunciação do alienante ou responsável remotos. § 180.º Chamamento em razão de eventual perda da posse 889. Perda da posse na denúncia da lide O possuidor direto, cuja posse originou-se do proprietário ou de outro possuidor, em razão de direito real ou de direito pessoal, pode ser demandado por alguém, invocando pretensão que implique a perda dessa posse. Conforme o desfecho do processo, então, ocorrerá o fato da evicção, compreendido o objeto desse instituto nos termos largos preconizados (retro, 880), ensejando o chamamento em garantia. No direito anterior, tratando-se de garantia formal ou própria,190 contemplava-se, expressis verbis, o chamamento do proprietário ou do possuidor indireto por iniciativa do possuidor direto. Desapareceu essa hipótese específica, mas subsistem os casos que a ensejam.

Exemplo de evicção do possuidor direto: (a) A ingressa com reintegração de posse contra B, sob a alegação de que este lavrou terras de sua propriedade, gleba inserida em todo maior e arrendada por B de C.191 Demandado B em nome próprio, pois promoveu a alegada ofensa à posse alheia, cabe a denúncia da lide a C, possuidor indireto, eis que a perda da pessoa implicará o nascimento de pretensão indenizatória de B perante C. Outro exemplo: (b) Locada o imóvel para uso comercial, o Município nega a concessão de alvará de localização, fundado na interdição dessa atividade no bairro em que se situa o imóvel, segundo a lei local de zoneamento de uso, e, nessa contingência, o locatário A ingressa em juízo contra o Município, defendendo a inexistência da alegada restrição, denunciando da lide o locador B, proprietário ou não. É título hábil da posse direta, conforme se depreende dos casos arrolados no direito anterior, por sinal exemplificativamente:192 (a) direito real sobre coisa alheia (servidão, usufruto, uso, habitação); (b) direito real de garantia (penhor, anticrese); (c) direito pessoal (locação, comodato, depósito).193 Presentemente, essas hipóteses inserem-se no art. 125, II, do NCPC. Em todos esses casos, desalojado o possuidor direto, alguém há de lhe indenizar os prejuízos. Por exemplo, na ação movida por A contra B, sendo o réu locatário de C, e ignorando o autor A o título da posse do réu B, admitir-se-á o chamamento do locador C, proprietário ou possuidor (há locação a non domino no direito brasileiro), ou o exercício da ação regressiva posteriormente. 890. Espécies de posse na denúncia da lide A hipótese de admissibilidade do chamamento em garantia promovido pelo possuidor direto padecia de defeito no direito anterior. Focalizada, unicamente, a demanda em que o possuidor direto figurasse na posição de réu. Ora, um dos exemplos ministrado recorda a hipótese de o possuidor direto deparar-se com a impossibilidade de exercer a posse nos termos assegurados no contrato. O locador obriga-se, segundo o art. 566, II, do CC, a garantir ao locatário o “uso pacífico da coisa”, não só resguardá-lo “dos embaraços e turbações de terceiros”, conforme estipula o art. 568 do CC, regra aplicável ao primeiro exemplo. Cabe, igualmente, o chamamento em garantia, fundado no art. 125, II, do NCPC. Do possuidor indireto distingue-se o detentor ou fâmulo da posse (v.g., o empregado do possuidor). Não tem legitimidade passiva para figurar, em nome próprio, em litígios que conduzam à perda da posse. O direito anterior previa a tradicional nomeação à autoria (laudatio actoris) como meio de corrigir a ilegitimidade passiva. Tal expediente técnico corresponde à opção política do legislador nessa espécie de litígios, sobrelevando-se as imensas dificuldades do autor em precisar a qualidade do possuidor. Não cabe ao detentor denunciar da lide o possuidor: o chamamento em garantia não é meio para corrigir a ilegitimidade passiva; ao contrário, pressupõe a legitimidade passiva (retro, 875). Logo, aplicar-se-á o art. 338 do NCPC, corrigindo-se a legitimidade passiva. Nem sempre, nas variadas situações englobadas antevistas no art. 125, II, do NCPC, incluindo o caso da posse, o denunciante figura como titular de

pretensão regressiva. É bem possível que, recebida a coisa a título de liberalidade (v.g., comodato), nenhum direito a receber indenização exiba perante o denunciado, verificando-se, na realidade, o oposto: a omissão da parte acarretar-lhe-á o dever de indenizar o terceiro, na falta de aviso oportuno do litígio. § 181.º Chamamento em razão de eventual indenização 891. Garantia na denúncia da lide A esta altura, os domínios do art. 125, II, do NCPC, regra que autoriza o autor e o réu a chamar em garantia os que estejam obrigados, “por lei ou por contrato”, a indenizar, em ação regressiva, os prejuízos do vencimento na causa já se encontram parcialmente delineados. Em primeiro lugar, abrangerá as situações não previstas no art. 125, I, em que ocorra o fato da evicção. O exemplo clássico é o da cessão de crédito, em que o cedente, “ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu”, que é forma de garantia formal ou própria, a teor do art. 295, primeira parte, do CC. A redação do art. 125, I, do NCPC, apanha as hipóteses em que o titular do domínio e o possuidor direto figurarem como autores em demanda da qual possa resultar o fato da evicção. O art. 125, II, na teoria não constitui regra de fechamento do sistema. Tem objetivos mais amplos, situados além do marco da responsabilidade pela evicção, e que exigem explicação satisfatória. O problema toca fundo nas bases próprias do instituto. O art. 125, II, assegura o chamamento em garantia quando da derrota em juízo surgir para a parte vencida nada menos que “ação regressiva”. Em relação à natureza da garantia que dá azo ao regresso, de resto, desenvolveram-se os dois sistemas concorrentes, o germânico (chamamento em garantia) e o latino (denunciação da lide), distinguindo-se, a esse propósito, duas espécies de garantia: (a) a garantia formal, ou própria; e (b) a garantia simples, ou imprópria. Entende-se por garantia formal, ou própria, a imposta por lei à pessoa que transmitiu o direito que o adversário da parte contesta em juízo; por garantia simples, ou imprópria, a imposta pela lei ou pelo contrato à pessoa que deve, no todo ou em parte, ao adversário do chamador, cuja sucumbência resulta obrigação de regresso perante o chamado.194 Exemplo de garantia formal, ou própria, localiza-se na aquisição a título derivativo (e, por essa razão, o art. 447, segunda parte, do CC, contempla a alienação forçada ou aquisição em hasta pública); de garantia simples, ou imprópria, nas obrigações solidárias e na fiança.195 Ora, o campo relativo às obrigações solidárias encontra-se coberto, no direito brasileiro, pelo chamamento ao processo, e, de outro lado, inexiste consenso a respeito da noção de pretensão de regresso. O sentido de pretensão regressiva pode ser fixado em termos largos ou estritos. Em termos elásticos, entende-se por regresso toda pretensão que resulte de derrota em juízo, e, assim, abrangeria pretensões de reparação de danos contra o autor do ilícito (v.g., do transportador, no caso de acidente

com o passageiro, contra o terceiro que provocou o evento, como assinalado na Súmula do STF, n. 187), de reembolso (v.g., do terceiro não interessado que solve dívida alheia, a teor do art. 305, caput, primeira parte, do CC), de enriquecimento, e assim por diante. A rigor, essas hipóteses são de direito originário e, portanto, de pretensão direta, jamais regressiva. É digno de nota que o art. 125, § 2.º, aludindo ao “responsável” pela indenização do chamador, aparentemente chancela essa concepção larguíssima de “regresso”. Estritamente, na pretensão de regresso o “titular volta-se contra aquele por quem pagou”.196 O figurante ativo dessa pretensão pagou porque devia, mas assiste-lhe o direito de reclamar de outra pessoa o que desembolsou. Exibem essa natureza as seguintes pretensões: (a) do cofiador perante os demais fiadores por sua quota (art. 831, caput, segunda parte, do CC); (b) do obrigado solidário passivo que satisfez a dívida por inteiro, hipótese em que lhe cabe exigir regressivamente de cada um dos coobrigados a sua quota, consoante o art. 283, primeira parte, do CC. Esses casos são, no direito brasileiro, de chamamento ao processo. Pois bem: na visão restritiva nem sequer a pretensão derivada do fato da evicção se afigura regressiva, pois o evicto não tem relação com seu adversário, mas com o terceiro que lhe transmitiu o domínio, a posse ou outro direito.197 892. Espécies de garantia na denúncia da lide A conciliação entre garantia própria ou imprópria e pretensão regressiva revela-se muito difícil, exceto adotando-se a noção amplíssima de regresso. Essa eventual amplitude do art. 125, II, evidentemente intencional, porque mantida no NCPC, revela-se altamente inconveniente (na construção do sistema brasileiro segundo a diretriz germânica) em relação ao objetivo precípuo – economizar um segundo e inevitável processo, julgando imediatamente causas diferentes, mas afins, porque conexas – do chamamento em garantia. Nenhum outro exemplo é mais frisante que o da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Segundo o art. 37, § 6.º, da CF/1988, tais pessoas respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, “assegurado direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. A palavra agente tem sentido lato.198 Ela abarca todas as categorias de servidores e de agentes políticos, inclusive os integrantes das carreiras da magistratura, do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública, os quais respondem civilmente pelos seus atos (infra, 1.054 e 1.081). Ora, na demanda que o lesado move contra a Fazenda Pública a controvérsia, em tese, recairá sobre a existência do dano, a qualidade do respectivo agente e a imputabilidade do evento, não se investigando a culpa lato sensu; porém, denunciado da lide o agente, vem à baila o problema da culpa – nos casos mencionados, na verdade da fraude e do dolo (v.g., quanto aos magistrados, art. 143, II, do NCPC), dificultando a instrução e provocando postergações em detrimento da vítima do dano. É o fundamento da tese para proibir o chamamento em garantia sempre que a intervenção de terceiro introduza, na causa originária, fundamento jurídico

novo – na verdade, questão de fato nova que, ao exigir prova em audiência, atenta contra a economia e a presteza da prestação jurisdicional.199 Em sentido contrário, argumenta-se que o fato de a denunciação tornar o processo mais demorado, em prejuízo da vítima, “revela uma visão inaceitável, desvirtuada, do processo”, calcada na perspectiva do autor; mas, o que hoje se persegue é o “processo civil de resultados” – e a solução de dois litígios, de uma só vez, calha à perfeição com o pensamento contemporâneo.200 Evoluiu a jurisprudência do STJ, nessa matéria, da admissibilidade da denunciação da lide do agente, seja a ação fundada no risco administrativo (responsabilidade), seja na culpa,201 para reconhecer o caráter facultativo do chamamento em garantia. Em tal hipótese, a pretensão regressiva ficaria resguardada para processo subsequente.202 E, ainda, passou a admitir o indeferimento da denunciação, verificando o juiz de primeiro grau “que a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional – linha preconizada para, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, admitir ou não a denunciação –,203 sendo desnecessária em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, § 6.º, da CF/1988, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária”.204 Por óbvio, caberia um temperamento nessa linha de raciocínio: fundando-se a demanda no lesado na culpa do agente, ou na participação da vítima no evento, a denunciação da lide promovida pela Fazenda Pública não introduziria fundamento jurídico novo, pois a questão da culpa se afigura intrínseca à causa “principal”.205 Nenhuma dessas distinções tem pertinência na teoria alternativa da denunciação, que simplifica o problema: ou o servidor aceita a responsabilidade, e assume a condição de litisconsorte passivo, ou recusa a imputação, e o Estado moverá a ação de regresso contra ele oportunamente.206 Seja como for, à luz do art. 125, II, cuja redação sofreu pequenos reparos, o problema subsiste e o art. 125, § 1.º, coonesta a jurisprudência anterior do STJ, admitindo o indeferimento do chamamento em garantia. Existem resistências à possibilidade de chamamento em garantia do agente público. Ela se funda no revogado art. 197, § 2.º, da Lei 1.711, de 28.10.1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União), que rezava: “Tratando-se de dano causado a terceiro, responderá, o funcionário perante a Fazenda Nacional, em ação regressiva, proposta depois de transitar em julgado a decisão de última instância que houver condenado a Fazenda a indenizar o terceiro prejudicado”. À luz dessa regra, “só depois de convencida a Fazenda de sua própria responsabilidade, é que poderá propor ação regressiva contra o funcionário, se persuadida, igualmente, da culpa deste, pelos elementos colhidos em inquérito administrativo regular ou no curso do procedimento judicial indenizatório”.207 É o fundamento implícito da tese que só cabe ação regressiva após o trânsito em julgado da sentença que condenou a Fazenda Pública e após o pagamento ao lesado, “pois somente depois desse ato consuma-se o efetivo prejuízo da Administração Pública”.208 No entanto, por força do art. 37, § 6.º, da CF/1988, o art. 122, § 2.º, da Lei 8.112, de 11.12.1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos

Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais) – regra copiada pelas leis próprias das demais pessoas jurídicas de direito público (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), que têm competência legislativa privativa para, observadas as diretrizes da CF/1988, disciplinar a relação jurídica com o seu pessoal –, dispôs diferentemente e agora prevê o seguinte: “Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva”. Desapareceu, portanto, o obstáculo decorrente da lei estatutário para o imediato chamamento em garantia.209 O entendimento prevalecente no direito anterior rejeitava os termos amplos da regra hoje prevista, em termos similares, no art. 125, II, do NCPC. Em síntese, admite-se o chamamento em garantia apenas nos casos em que, “por força da lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante”.210 Restringe-se a denunciação às hipóteses de garantia própria e, em especial, aos de evicção não contemplados no art. 125, I, explicitados na abertura desse item. É corolário fatal da construção germânica radical, que não apreendeu o sentido real de o legislador pátrio adotar chamamento em garantia, e, não, a denunciação da lide, frustrando a extensão da ação in eventum a todas as hipóteses.211 § 182.º Procedimento do chamamento em garantia do autor 893. Campo de incidência do chamamento em garantia do autor Lícito se afigura ao autor, na petição inicial, denunciar da lide terceiro, invocando os fundamentos do art. 125, I e II. O chamamento em garantia nos casos de receio de perda do domínio estritamente traçados no art. 125, I, independe da posição de réu ou de autor. O fundamento legal do chamamento em garantia pelo autor constitui questão marcadamente secundária. Em qualquer hipótese, releva notar, admitir-se-á o chamamento, amparado no art. 125, II; porém, o uso da palavra “denunciante” eliminou defeito da regra anterior, tornando o chamamento privativo do réu no caso de ameaça ao domínio. É mais comum, de toda sorte, o chamamento em garantia formulado pelo réu. Concebem-se, entretanto, situações em que alguém perderá o domínio ou passe na condição de autor, a despeito da garantia própria imposta a terceiro. Por exemplo, A ingressa com reintegração de posse contra B e chama em garantia C, que lhe transmitiu a posse do bem x, forrando-se, assim, do risco de eventual insucesso perante B, hipótese em que C indenizar-lhe-á o prejuízo decorrente da perda da posse. A hipótese de admissibilidade dessa denunciação reside no inc. II do art. 125. 894. Oportunidade do chamamento em garantia do autor O procedimento do chamamento em garantia do autor se mostra relativamente simples. Ficou explícito no art. 126, que ocorrerá na própria petição inicial. Esse critério objetivo, marcando o ingresso do terceiro na fase postulatória, exibe finalidades precisas: o contraditório desenrolar-se-á,

plenamente, após o chamamento do terceiro, e, assim, nada poderá objetar à sua subordinação à autoridade da coisa julgada, até porque poderá aditar a petição inicial mediante “novos argumentos”. Não se encerra exatamente no momento do ingresso em juízo (art. 312, primeira parte) a possibilidade de o autor denunciar da lide terceiro. Enquanto não houver sido citado o réu, revela-se lícito ao autor modificar a petição inicial (art. 329, I). Logo, o autor poderá pleitear o chamamento em garantia após o ingresso em juízo, desde que o faça antes da citação do réu. Embora sejam concebíveis situações especiais, não cabe ao autor realizar o chamamento do processo em momento ulterior à apresentação da contestação do réu. O pedido de intervenção deve ser feito com a inicial.212 Em prol dessa tese, ministra-se o exemplo de o cessionário A, pretendendo realizar o crédito que lhe foi cedido onerosamente por C, surpreende-se com a contestação do réu B, negando a existência do crédito no momento da cessão, o que se encontra garantido pelo cedente,ope legis, de acordo com o art. 295, primeira parte, do CC.213 O problema remonta à interpretação do art. 95, § 1.º, do CPC de 1939, e, naquela conjuntura, inexistindo disposição similar em limpidez ao art. 126, sustentava-se essa possibilidade.214 Não era solução retirada do segundo estatuto unitário e, muito menos, perante o texto vigente. O risco do fato da evicção, ademais, representa questão latente na pretensão para realizar o crédito cedido. Em decorrência disso, à semelhança do que sucede com a futura e eventual improcedência, o autor haverá de prognosticar semelhante exceção e, desde logo, evitar a perda do direito de garantia, chamando em garantia o cedente. Idêntico raciocínio vale para a possível alegação de usucapião perante pretensão reivindicatória (Súmula do STF, n. 237). Por outro lado, as hipóteses de modificação superveniente do objeto litigioso (v.g., através da reconvenção), representando fato novo relevante, suscetível de ensejar o chamamento em garantia posteriormente,215 o problema desaparece naturalmente, porque o autor se transforma em réu, e, dessa condição, poderá chamar em garantia na contestação (art. 126, segunda parte). 895. Forma do chamamento em garantia do autor A forma implícita da postulação prevista no art. 126, primeira parte, exigindo que o chamamento em garantia do autor ocorra na própria petição inicial, ou em aditamento posterior, mas antes da citação do réu, equaciona os tópicos negligenciados na lei quando essa iniciativa cabe ao réu. Resolve-se intuitivamente o problema de competência do juízo para as duas pretensões, com as ressalvas oportunamente ressaltadas (infra, 904): o art. 61 declara que o juízo da causa principal é o competente para a ação acessória. Por conseguinte, a indicação da autoridade judiciária competente, na inicial (art. 319, I), segundo as regras comuns de competência, abrange as duas pretensões. O conteúdo da petição inicial obedecerá à lógica do exercício simultâneo de duas pretensões contra pessoas diferentes, uma delas in eventum.

Em razão disso, incumbe ao autor expor a causa de pedir perante o chamado (v.g., os fatos relativos à transmissão da posse de C para A) e o respectivo pedido (v.g., o de que C seja condenado a indenizar A no caso de êxito do réu B), seguindo o roteiro do art. 319. Cumpre ao juiz, no caso de omissão, assinar ao autor o prazo de quinze dias (art. 321, caput) para corrigir a petição inicial.216 896. Controle do chamamento em garantia do autor Recebida a petição inicial, em que o autor formula o chamamento em garantia, o órgão judiciário realizará o controle da admissibilidade da modalidade interventiva empregada. Além dos aspectos eminentemente formais, a exemplo da exposição da causa de pedir hábil e do pedido congruente à pretensão in eventum, o juiz examinará o âmbito de admissibilidade da intervenção, que exige processo com função predominantemente cognitiva, e as hipóteses de admissibilidade contempladas no art. 125, I e II. A natureza do ato decisório, emitido juízo negativo de admissibilidade, e os efeitos desse controle serão adiante examinados. 897. Deferimento do chamamento em garantia do autor Da cláusula final do art. 126, segundo a qual a citação deve realizar-se na forma e nos prazos do art. 131, infere-se que, formulado o chamamento em garantia pelo autor, o juízo positivo quanto à admissibilidade da postulação implicará a ordem do juiz de citar o chamado, em primeiro lugar, a fim de que exercite a faculdade de modificar a inicial (art. 127). Não se suspende o processo, mas o procedimento assume variante até a ultimação dessa fase preliminar. É possível que, no curso das providências tendentes a chamar a juízo o terceiro, vencerá o termo final do prazo de prescrição, relativamente da pretensão do autor perante o réu, fato que esse poderia alegar a seu favor. Nada obsta que o chamado promova, de seu turno, novo chamamento em garantia, a teor do art. 125, § 2.º, e, assim, a citação do réu demore ainda mais. Nessa contingência, no direito cogitou-se da realização simultânea de ambas as citações, do réu e do chamado, e, havendo aditamento da inicial (art. 127), renovando a citação do réu.217 O expediente não é desconhecido, pois subentendido na modificação dos elementos objetivos até a decisão de saneamento e de organização do processo (art. 329, II). E, alternativamente, harmonizar-se-iam as disposições, sob o abrigo do art. 315, requerendo o autor a imediata citação do réu a fim de evitar o encobrimento da pretensão.218 Nenhuma dessas soluções se mostra necessária. Distribuída a petição inicial, o efeito interruptivo da prescrição retroage à data da propositura da ação, a teor do art. 240, § 1.º, não ficando a parte prejudicada “pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário” (art. 240, § 3.º), e, muito menos, pelo incidente prévio à citação do chamado em garantia. Ao propor tempestivamente a ação, ou seja, antes da consumação do prazo de prescrição (e, a fortiori, de decadência, a teor do art. 240, § 4.º), o autor livra-se do risco de o prazo completar-se enquanto promove-se a citação do chamado. A demora inerente à atividade processual subsequente

ao ingresso em juízo não lhe prejudica (Súmula do STJ, n. 106). Só não pode ser desidioso (v.g., deixando de antecipar as despesas do oficial de justiça, a teor do art. 82, caput), cabendo-lhe promover a citação. A citação do chamado far-se-á nos prazos do art. 131, e, não ocorrendo no prazo hábil, ficará sem efeito o chamamento. E sem consequências: o art. 125, § 1.º, assegura a ação regressiva autônoma (infra, 900). Feita a citação do chamado, variam as atitudes concebíveis do terceiro. 898. Posição processual do denunciado no chamamento em garantia do autor A denunciação da lide do autor implica a formação de litisconsórcio eventual passivo: em caráter principal, o autor pede determinado bem da vida perante o réu; restando vencido, pede o bem da vida equivalente do chamado.219 Há cumulação de ações (pretensões) e numa delas, a ação in eventum, o chamado figura como réu. Feita a citação prevista no art. 126, parte final, a chamado em garantia, como qualquer réu, assiste o ônus de se defender da pretensão regressiva. O prazo é o comum (art. 335), geralmente após a audiência de conciliação ou de mediação (art. 334). O chamado inerte – ou, na rebuscada linguagem figurada da lei processual, não “comparecer” – tornar-se-á revel.220 Se as relações entre o chamador e o chamado, admitida a premissa que a denunciação da lide implica a dedução de pretensão regressiva, fundada em garantia formal ou simples, timbram pela nitidez, nos termos explicados, já as relações entre o chamado e o adversário do chamador se enevoam, graças à imprecisão do art. 127. Segundo o art. 127, acudindo à citação o chamado “poderá assumir a posição de litisconsorte do denunciante”. Parece óbvio que a regra não pode ser compreendida tão literalmente. Ela atenta contra a natureza do objeto litigioso (ninguém pode ocupar, simultaneamente, as posições de autor e de réu na mesma relação jurídica sem ocorrer confusão) e, como veementemente já se disse, não compete à lei processual decidir se alguém há de figurar como litisconsorte, mas ao direito material.221 O chamado não tem relação jurídica alguma com o adversário do chamador. Desse modo, nada pode pedir-lhe legitimamente. E, nada podendo pedir contra ele, jamais figurará como autêntico “litisconsorte” do chamador. Litisconsórcio significa demanda conjunta, haja ou não pluralidade de pretensões, e o chamado, nada podendo pedir, tampouco demanda (= pede o bem da vida) contra o adversário do chamador. Na realidade, a posição do denunciado, relativamente à causa principal, será a de assistente do denunciante perante a outra parte. Interessa-lhe, em suma, o êxito do denunciante. Tal evento implicará, automaticamente, o seu próprio êxito, ou seja, a declaração de que não tem responsabilidade perante o chamador. Figure-se o caso trivial de A reivindicar de B o imóvel y que adquiriu de C, e, por isso, A desde logo chama em garantia o transmitente C. Ora, C não é mais proprietário do imóvely, e, portanto, não se legitima a reivindicá-lo de B, ou de quem quer seja, cabendo-lhe indenizar A pelo fato da

evicção. Em razão da inexistência de qualquer relação entre B e C, este não pode ser litisconsorte de A, no plano substancial. Todavia, C tem interesse que A vença, pois ficará livre da responsabilidade perante A. Logo, é assistente de A. E assistente simples: por definição, inexiste relação entre B e C sujeita à influência do julgamento da pretensão de A contra B, conforme exige, para se caracterizar a assistência qualificada (ou litisconsorcial) o art. 124 in verbis: “Considera-se litisconsorte da parte principal” – no caso, A – “o assistente sempre que a sentença influir na relação jurídica entre ele” – no exemplo aventado, C – “e o adversário do assistido” – no exemplo, B.222 Litisconsórcio que não se origina da relação substancial não é litisconsórcio. É falso litisconsórcio. Explica-se a insistência de o art. 127 equiparar o chamado à condição de litisconsorte do chamador – em relação ao chamamento em garantia feito pelo réu, segue essa linha o art. 128, I –, e, não, de assistente, em virtude da inequívoca intenção de vinculá-lo à autoridade da coisa julgada e outorgar-lhe o regime próprio da pluralidade de pessoas em um dos polos da relação processual (v.g., o prazo em dobro do art. 229). O expediente mostra-se desnecessário. O chamamento em garantia constitui modalidade obrigatória de intervenção de terceiro no processo pendente. Desse modo, o chamado vincular-se-á ao processo queira ou não, assumindo a posição de réu da pretensão regressiva in eventum e, por força da natureza do objeto litigioso, de assistente do autor, relativamente à pretensão deduzida pelo autor contra o réu. Em qualquer caso, subordinar-se-á à autoridade da coisa julgada, pois ambas as pretensões são julgadas conjuntamente. Não há, realmente, a menor possibilidade de o chamado invocar a exceptio mali gesti processu, pois inexistirá, por definição, um segundo e subsequente processo. O efeito da intervenção, tão característico da assistência, justamente pressupõe este segundo processo, porque o direito do assistente não se encontra em causa. Não é o que ocorre, segundo a construção dominante, no chamamento em garantia, em que há duplicidade de pretensões. Como quer que seja, concebem-se do chamado as seguintes atitudes subsequentes à citação: (a) permanece inerte, hipótese em que, no concernente à pretensão de garantia, torna-se revel; (b) recusa a responsabilidade, defendendo-se contra a pretensão de garantia através de contestação, restando da posição de réu perante as pretensões do denunciante; (c) aceitação da responsabilidade, hipótese em que o chamado reconhece o pedido formulado pelo autor, passando a coadjuvar o denunciante. A natureza da aceitação da responsabilidade revela-se controversa. Em tese, guarda afinidade com três situações: (a) o reconhecimento do pedido (art. 487, III, “a”; (b) a confissão (art. 389); e (c) admissão expressa ou tácita da veracidade de fato jurídico (art. 374, III). Conforme se assinalou, egregiamente, a diferença reside “no grau de intensidade com que vinculam o juiz”:223 o reconhecimento vincula o órgão judiciário plenamente, permitindo a emissão de sentença de mérito; a confissão vincula o juiz quanto ao fato, mas não quanto ao direito porventura aplicável à espécie; e a admissão de veracidade do fato vincula relativamente, pois o juiz pode desconsiderá-la, em atenção ao conjunto probatório. Segundo esse mesmo raciocínio, o regime

jurídico da aceitação da responsabilidade pelo denunciado equivale ao da admissão de veracidade do fato jurídico, não se cogitando de reconhecimento do pedido, porque a atitude do chamado revela a inexistência de lide.224 Por óbvio, esse argumento não se mostra convincente: a lide é virtual, ou potencial, e mais aqui do que alhures nada impede o reconhecimento do direito do autor. Trata-se, destarte, de reconhecimento de pedido, porém de natureza eventual como a pretensão de garantia. Ele produzirá efeitos no caso de insucesso do chamador. E, por essa razão, o juiz abstém-se de julgar, incontinenti, a pretensão in eventum. O art. 127 silencia, curiosamente, quanto ao prazo para o chamado tomar uma dessas atitudes. Já se defendeu como consentânea a incidência da regra equivalente ao atual art. 219, § 3.º, ou seja, na falta de interregno legalmente fixado, o chamado responderia à pretensão de garantia no prazo (previsto no direito anterior) de noventa dias,225 reduzido, no NCPC, para cinco dias. É manifestamente exíguo semelhante prazo. O chamado é réu, no concernente à pretensão de garantia, e, por isso, desfrutará do prazo de resposta comum, que é de quinze dias (art. 335). E, por óbvio, há de fluir antes da audiência de conciliação e de mediação do art. 334, pois antecipará o próprio ingresso do réu. Posteriormente, as partes podem se compor com a colaboração do auxiliar do juízo. O chamado pelo autor que comparece, negando ou não a responsabilidade que a parte lhe atribui, desfruta do excepcional poder de interferir na petição inicial alheia. Por esse motivo, o réu não é citado desde logo, realizando-se a citação do chamado, em primeiro lugar, para só depois de o chamado exercitar, ou não, esse surpreendente poder, promover-se o ingresso do réu. Impõe-se exame do art. 127 em item próprio. 899. Limites ao aditamento da inicial no chamamento em garantia do autor O art. 127 não se cinge a permitir ao denunciado associar-se à demanda do autor contra o réu. Ele lança a barra ainda mais longe: faculta ao chamado a realizar acréscimos à petição inicial, evitando, por cautela, o verbo aditar. O poder de aditar a petição inicial, no que se refere à pretensão em que o chamado não figura como parte, somente se legitimaria no regime do CPC de 1939, no qual o chamado, assumindo a causa o chamador era “substituído por ele e excluído do processo”.226 Não tem o menor sentido segundo a construção dominante do chamamento em garantia. Consoante essa criticável concepção, todavia aceita sem maiores contestações, há duas pretensões simultâneas, passíveis de julgamento conjunto: de um lado, autor versus réu; de outro, chamador (no caso, o autor) versus chamado (terceiro). Nessa linha se orienta a jurisprudência.227 Parece flagrante que o chamado não pode interferir na pretensão deduzida pelo autor contra o réu. E muito menos justifica-se o aditamento da inicial reconhecendo-se a posição de assistente do chamado relativamente à pretensão principal. Os poderes do assistente não alcançam os elementos objetivos da demanda (retro, 791.1), simplesmente porque não é figurante da alegada relação entre autor e réu.

Desse modo, o art. 127 não permite modificações da causa de pedir e do pedido,228 como sustentava-se no direito.229 O emprego do verbo “aditar” na regra anterior, em vez de modificar, lexicamente mais expressivo, já evidenciava a existência de limites imperativos às possíveis modificações (ou acréscimos) propostas pelo chamado.230 Por sinal, alterar a causa de pedir, permanecendo imutável o pedido, conforme determinado alvitre,231 implicaria modificações nos fundamentos da própria pretensão regressiva, deduzida contra o chamado. Ora, nenhum réu, sob qualquer circunstância, usufruiu dessa prerrogativa. O que se admitirá do chamado, nos termos do art. 127, a título de acréscimos de novos argumentos, consiste na correção dos fatos expostos (v.g., esclarecendo que o réu ocupara o imóvel x, como comodatário, mas o negócio jurídico já se dissolvera anteriormente à transmissão do bem para o autor) e na livre alegação de outros fundamentos jurídicos (iura novit curia) aptos a amparar o pedido. Realmente, considerando a hipótese mais trivial, que é a da transmissão do domínio, em geral o adquirente conhece melhor as origens da pretensão do adversário do adquirente, pois ela precede ao negócio jurídico. Foi imaginando essa circunstância que, basicamente, o art. 127 autoriza modificações no material de fato alegado pelo autor. Entretanto, não se revela admissível ao denunciado alterar a causa de pedir, invocando o título dominial, por exemplo, ou acrescentar pedido sucessivo de perdas e danos porventura omitido na inicial. O prazo para o chamado aprimorar a petição inicial é o de resposta – quinze dias, no procedimento comum (art. 335). Como se sublinhou, esse interregno fluirá antes do próprio chamamento do réu, e, portanto, antes da audiência de conciliação e de mediação do art. 334. 900. Prosseguimento do processo no chamamento em garantia do autor Deferido o chamamento em garantia e integrado o terceiro, seja qual for sua atitude, o processo prosseguirá, aceitando ou não o chamado a responsabilidade que o autor lhe atribuiu, contestada ou não a pretensão regressiva, e, principalmente, aditada ou não a petição inicial. O juiz ordenará a citação do réu para responder a pretensão que lhe concerne, deduzida pelo autor, designando a audiência do art. 334. § 183.º Procedimento do chamamento em garantia do réu 901. Oportunidade do chamamento em garantia do réu O réu realizará o chamamento em garantia, reza o art. 126, na contestação. Essa opção de política legislativa, marcando a intervenção obrigatória do garante na fase postulatória, guarda fidelidade à tradição do direito brasileiro, nessa matéria, e tem objetivos técnicos nítidos. A parte integrará o terceiro ao processo no início do processo e, desenvolvendo-se o procedimento até se ultimarem as providências tendentes ao chamamento do terceiro, nenhum prejuízo teórico recairá sobre a sua defesa. A oportunidade do chamamento

submete o chamado plenamente à autoridade da coisa julgada, pré-excluindo a invocação da exceptio mali gesti procesus em ulterior processo que pretenda controverter eventual condenação que o juiz lhe imponha com base no art. 129. O prazo para contestar variará conforme o procedimento da pretensão deduzida pelo autor. No procedimento ordinário, é de quinze dias (art. 335), fluindo ordinariamente. Resolveram-se desde o direito, de um lado, as dúvidas que medravam na interpretação do art. 95, § 2.º, do CPC de 1939, que assinava os três dias “seguintes à propositura da ação”, necessariamente não coincidente com o prazo da resposta.232 Não fica claro se há, ou não, necessidade de renovar a audiência de conciliação e de mediação do art. 334. Aparentemente, infrutíferas as tratativas iniciais, a lei dispensa essa custosa sessão outra vez. Fora desse aspecto, a fórmula legal corrigiu dúvida anterior, porque previa-se o chamamento em garantia “no prazo para contestar”. A regra anterior não esclarecia ponto capital: se ao réu cabe contestar e chamar em garantia, simultaneamente, talvez na própria peça, ou se pode chamar ao processo, antes do vencimento do prazo de defesa e, suspenso o processo (art. 72, caput), posteriormente apresentar a contestação no interregno faltante, realizada, ou não, a citação do chamado no prazo hábil, hoje previsto no art. 131. Evidentemente, não se mostrará lícito o réu chamar ao processo após a contestação. Ocorrerá preclusão consumativa, em virtude da prática do ato, e, assim, desaparecerá a oportunidade do réu.233 O STJ já admitiu o pedido de chamamento em garantia após a contestação, embora assinalasse a preclusão, erigindo dois requisitos: (a) ausência de vencimento do prazo legal de contestação; e (b) a ausência da prática de qualquer ato posterior – e, no caso, o juiz já ordenara a intimação do autor para se manifestar sobre a contestação, o que levou ao indeferimento da denunciação extemporânea.234 Logo, o art. 126 revela-se, nesse particular, muito mais preciso. Nada impede o réu de contestar e de chamar em garantia o terceiro, em peças separadas. O ideal é que abra item específico na própria, desde que observado o conteúdo pertinente da ação in eventum (infra, 902). De acordo com a opinião mais liberal no direito anterior,235 inexistiria proibição de o réu pedir o chamamento em garantia e aguardar o desfecho do processo para contestar.236 A regra anterior não exigia que o réu chamasse em garantia “com a contestação”.237 Era inadmissível a hipótese, porém: a suspensão encerrava-se com a juntada, v.g., do mandado de citação e o prazo para o chamado tomar uma das atitudes concebíveis esgotar-se-ia, de qualquer maneira, após o prazo faltante para contestar,238 não dispensando, portanto, a prévia defesa do chamador e réu. Era errôneo, todavia, negar o chamamento ante tempus sob o fundamento que “o denunciado, para habilitar-se à própria defesa, precisa conhecer a posição do denunciante relativamente aos fatos e pretensões apresentadas na petição inicial”.239 O chamado, segundo a construção dominante do instituto, defender-se-á contra a pretensão regressiva. Ora, semelhante

pretensão há de ser exposta na peça em que o chamador tomar a iniciativa de provocar a intervenção do terceiro. É inútil, na perspectiva do chamado, conhecer o teor real da impugnação de fato, direta ou indireta, e da impugnação do direito (retro, 335), porventura empregadas na contestação. Em geral, como acontece nas controvérsias dominiais, o contrário se mostraria proveitoso: o alienante conhece melhor a origem da controvérsia que o adquirente. Por essa razão, cuidando-se de chamamento em garantia promovido pelo autor, o art. 127 autoriza ao chamado realizar pequenos ajustes no material de fato, conformando-o ao dever de veracidade (art. 77, I). O enxerto da pretensão regressiva antes da contestação, revela-se inadmissível, pois a fórmula do 126 rejeita esse entendimento. Porém, relevante motivo de ordem prática induzia o réu, via de regra, a apresentar a contestação e realizar o chamamento simultaneamente. Ao chamar o terceiro sem contestar, o réu deveria “ficar atento para que o deferimento da denunciação, com a ordem de citação do denunciado, ocorra ainda dentro do prazo para contestação, pois, sem tal ordem, este continua correndo e poderá se escoar por inteiro, com todas as consequências disso decorrentes”.240 Essas considerações ficaram superada pela fórmula superior do art. 126. 902. Forma do chamamento em garantia do réu Admitida a premissa que, através do chamamento em garantia, a parte deduz pretensão regressiva contra o terceiro, consoante a construção desse instituto no direito pátrio, revela-se consentâneo a essa natureza que o faça segundo o roteiro do art. 319. Em síntese larga, compete ao chamador: (a) endereçar a postulação à autoridade judiciária competente, que é a da causa principal (art. 61); (b) identificar e qualificar o terceiro, ministrando os dados que permitam a citação; (c) alegar o fato constitutivo do direito de regresso – no sentido largo dessa expressão (retro, 877) – e os fundamentos jurídicos da respectiva pretensão; (d) formular o pedido correspondente, pleiteando a condenação, secundum eventus litis, do chamado (art. 129,caput); (e) indicar o valor da causa, pois o valor da pretensão regressiva talvez discrepe do valor da pretensão principal (v.g., o pedido perante o chamado abrange dano extrapatrimonial, decorrente da perda da coisa), e, de resto, a lei local pode exigir o pagamento da taxa judiciária e de custas, pois a denunciação haverá de constar dos registros do distribuidor; (f) propor os meios de prova pertinentes à apurar a veracidade das alegações de fato. Esses requisitos são naturais e intuitivamente seguidos, na prática, não oferecendo maiores dificuldades. Eventuais omissões podem ser supridas, no prazo do art. 321, caput, no controle realizado, na sequência, pelo órgão judiciário. Se o chamador omitir o domicílio do chamado, por exemplo, não se mostrará possível citá-lo, urgindo que seja instado a fornecer esse dado elementar. Formalmente, a denunciação pode constar de petição própria ou inserida, em item destacado, na própria peça da contestação.241

Em dois aspectos de extremo relevo a interseção da pretensão regressiva no processo pendente gera problemas que, por seus efeitos, refletem-se diretamente na petição em que a parte provoca a intervenção do terceiro: (a) identificação do legitimado a chamar e a da pessoa que se mostra lícito chamar; e (b) a competência. 903. Legitimidade ativa e passiva no chamamento em garantia do réu Legitima-se tanto o autor, quanto o réu para deduzir a pretensão regressiva, requerendo o chamamento em garantia, e, passivamente, o outro figurante da relação de garantia. Em princípio, o chamador (autor ou réu) é o sujeito ativo da relação de garantia, e o chamado (terceiro), o sujeito passivo; porém, há casos em que sucede o contrário, buscando o hipotético sujeito passivo de eventual e futura pretensão regressiva resguardar-se, justamente, de futura demanda de responsabilidade – exercerá, nesse caso, pretensão à segurança –, denunciando na lide o sujeito passivo. Por exemplo, o comodatário, na qualidade de possuidor direto, legitima-se a chamar em garantia o comodante, mas, conforme a natureza da pretensão da outra parte, porque recebeu o bem por liberalidade e gratuitamente, nenhum interesse exibirá em demandar o chamado. Fora desse esquema básico inexistirá legitimidade para chamar em garantia. E sublinhe-se que o órgão judiciário não pode integrar na relação processual, ex officio, o terceiro – o art. 115, parágrafo único, contempla litisconsórcio necessário, e, não, simplesmente, a integração de terceiro por outras razões. 903.1. Legitimidade passiva do litisconsorte no chamamento em garantia – É concebível que o chamado seja considerado terceiro unicamente na relação de garantia, porque já consta como parte no processo. Preenchidos os requisitos legais, cabe chamá-lo em garantia, invocando título diverso do ostentado na condição de parte. A esse propósito, figurou-se o exemplo: A ingressa com reivindicatória perante B e C, que ocupam o imóvel, alegando que os respectivos títulos se mostram nulos, mas o título de C proveio de transmissão de B, e, nesse caso, C pode chamar em garantia B.242 Em tal hipótese, no regime do CPC de 1939 dispensava-se o chamamento à autoria (denunciação da lide), porque a responsabilidade por evicção haveria de ser objeto de processo seguinte, in verbis: “Se o outorgante e o outorgado foram citados na demanda do terceiro, de cuja sentença pode resultar evicção, a litisdenunciação é supérflua”.243 Tal orientação não pode ser aceita no regime do chamamento em garantia, em que há, desde logo, o exercício da pretensão regressiva,244 embora facultativo o exercício in simultaneo processu. E o STJ já admitiu o chamamento em garantia do litisconsorte.245 903.2. Legitimidade ativa do litisconsorte no chamamento em garantia – Existindo litisconsórcio ativo ou passivo, mas de regime simples, mostra-se lícito a qualquer deles chamar em garantia. Na hipótese de regime especial, ou de litisconsórcio unitário, a questão se equaciona da mesma maneira, mas há um pormenor: o chamamento alcança os litisconsortes omissos, porque o comportamento determinante benéfico se estende ao conjunto. No litisconsórcio unitário, no qual a relação de garantia há de ser julgada

uniformemente para todos os litisconsortes, a convocação do garante por um deles só irá beneficiar os demais. Ao invés, o chamador beneficiar-se-á do acolhimento da pretensão regressiva (art. 129, caput), no caso de insucesso perante o adversário, consoante a construção dominante – inserção de pretensão autônoma no processo pendente –, tratando-se de litisconsórcio sujeito ao regime simples, apesar de a sentença na ação principal comportar execução contra o chamado (art. 128, parágrafo único). Não tem sentido estender aos litisconsortes omissos, reguladas as relações dos litisconsortes pelo princípio do art. 117, primeira verdade, as vantagens do chamamento em garantia. É verdade que o chamado participará do processo e, ao tempo do CPC de 1939, dizia-se que semelhante fato, assegurada a plena tentativa de o terceiro evitar a evicção, retirava a seriedade da negativa de prestar a garantia contra evicção na ação própria.246 É completamente diferente o regime atual do instituto. A responsabilidade pela evicção não é objeto do processo ulterior, mas julgada conjuntamente com a causa principal. Quem pediu, leva; quem não pediu, não leva. A tese socializante da responsabilidade do garante, em desatenção à autonomia privada e do regime da independência recíproca dos litisconsortes (art. 117, primeira parte), mostrava sua inconsistência um passo adiante. Ao se admitir que a condenação do chamado (art. 129, caput), além de sujeitá-lo à coisa julgada perante todos, e resguardar os litisconsortes omissos contra os riscos da evicção, apesar de independentes do litisconsorte chamador (art. 117, caput), em princípio beneficiará o chamador, como é natural, incorrendose, então, na necessidade de ressalvar o seguinte: “aos litisconsortes que não denunciaram a lide… restará reclamar o seu prejuízo, querendo ou podendo, mediante ação regressiva autônoma”.247 Pois bem: se a convocação do garante é facultativa (art. 125, § 1.º), a pretensão regressiva não será julgada, mas não desapareceu em consequência da omissão, tornando a tese supérflua. Finalmente, existindo vários sujeitos passivos na relação de garantia, solidariamente obrigados (v.g., o domínio foi transferido por duas ou mais pessoas), o réu poderá chamar em garantia a todos ou a qualquer deles, pois são os alienantes imediatos, como quer o art. 125, I. 903.3. Legitimidade passiva coletiva no chamamento em garantia – O chamamento em garantia “coletivo”, ou seja, de todos os integrantes da cadeia dominial,brevitatis causa, constitui questão clássica no âmbito da responsabilidade por evicção, e logrou defesa veemente já na vigência do CPC de 1973.248 Essa possibilidade aparentemente encontra-se excluída pela interpretação conjunta do art. 125, I, c/c § 2.º, mas comporta temperamentos úteis, mantido o espírito de não admitir denunciações sucessivas. O chamamento em garantia per saltum prende-se à origem do vício jurídico. Pode acontecer que o imóvel x, transmitido por B a A, teve seu título dominial falsificado por C, posteriormente transmitindo o domínio para B. Nessa conjuntura, promovida a reivindicatória de D contra A, este pode optar por denunciar da lide o alienante direto B ou, pulando a este, voltar-se contra C. Também se afigura lícito a A chamar em garantia, desde logo, tanto B quanto C. Por óbvio, a escolha de C, e não de B, como chamado,

dependerá da criteriosa análise de A. Eventualmente, a opção se fundará nas melhores condições de C em indenizá-lo pelo fato da evicção. Do ponto de vista técnico, entende-se que A exercerá a pretensão regressiva perante C como substituto processual de B.249 Supera-se, dessa forma, a objeção antevista no art. 125, I, não autorizando a chamar em garantia o alienante remoto, pois inexiste, por definição, relação jurídica no plano material entre tais sujeitos.250 Tal entendimento tornaria inócua a possibilidade de chamamento em garantia. E o processo, ao menos na teoria, serve à realização do direito material. 903.4. Legitimidade ativa do assistente no chamamento em garantia – É preciso, ademais, avaliar a legitimidade dos terceiros intervenientes para tomarem a iniciativa de provocar o chamamento em garantia. Em relação ao assistente simples, conquanto parte auxiliar, ou seja, figurante da relação processual, não há a menor dúvida que lhe é impossível chamar em garantia. E isso, porque o seu direito não está em causa, e, portanto, o assistente simples não se acomoda ao esquema básico da legitimidade para o chamamento em garantia, exigindo a titularidade ativa ou passiva da relação de garantia (ou relação de cobertura). Era o entendimento à época do CPC de 1939,251 seguido no CPC de 1973, a despeito das mudanças estruturais do instituto.252 Por identidade de razão, o assistente qualificado, porque figurante do objeto litigioso, mas desprovido de legitimidade para conduzir o processo (retro, 775.2), ou porque litisconsorte superveniente, segundo a opinião predominante, legitima-se a chamar em garantia, concorrentemente com o respectivo substituto processual. Não soa razoável, realmente, submeter o assistente ao efeito da intervenção, de um lado, e, de outro, impedir-lhe de deduzir a pretensão regressiva. Figure-se o caso de alguém adquirir debêntures, mediante cessão a título oneroso, e o agente fiduciário promover ação de cobrança, figurando o debenturista como assistente, este antecipando que a defesa da companhia alegará a inexistência do crédito no momento da cessão. Nada obsta que chame em garantia o cedente. Por óbvio, há dois pressupostos implícitos nessa legitimidade do assistente: (a) exibir legitimidade para exercer a pretensão em garantia; (b) deduzir a pretensão, como assistente qualificado do autor ou do réu, na oportunidade própria assinada a cada qual. Na prática, a última exigência torna a legitimidade do assistente qualificado mais teórica do que real. O assistente recebe o processo “no estado em que se encontre” (art. 119, parágrafo único) e, de ordinário, a intervenção ocorrerá após a preclusão da oportunidade para chamar em garantia. 903.5. Legitimidade ativa do chamado em garantia em chamar ao processo – Existindo dois ou mais obrigados na relação de garantia, à parte mostra-se lícito chamar apenas um deles. O interesse do chamante se prende à suficiência patrimonial do chamado. Ora, pode acontecer que, responsáveis regressivamente A e B, somente B tenha patrimônio para suportar os efeitos práticos do acolhimento do pedido. O exercício dessa faculdade típica das obrigações solidárias pela parte principal não pode obstar que o terceiro, chamado em garantia isoladamente, valha-se do disposto no art. 130, III, por sua vez chamando ao processo o(s)

obrigado(s) faltante(s), com todas as consequências previstas em lei. É que, no caso de obrigação solidária, mostra cabível o chamamento ao processo (retro, 859), e, não, o chamamento em garantia. 904. Competência no chamamento em garantia do réu Em princípio, o problema de competência, no chamamento em garantia do autor, recebe solução direta no art. 61. O juiz da causa principal também o é para ações acessórias. Formando-se litisconsórcio passivo eventual entre o réu e o denunciado, incide a regra do art. 47 (foro da situação da coisa) no exemplo antes ministrado de reintegração de posse, por sinal competência absoluta (art. 47, § 2.º). O quadro se modifica nos casos de competência de “jurisdição” (retro. 378.3). Por exemplo, A adquiriu da Caixa Econômica Federal o imóvel x, ocupado por B, e na reintegração de posse movida contra o réu, divisando que B alegará usucapião, necessita chamar em garantia a Caixa Econômica Federal e, nesse caso, não há outro remédio senão propor a ação na Justiça Federal, por força do art. 109, I, da CF/1988. Por conseguinte, a força atrativa da causa principal somente opera quando a competência (da ação de garantia) for derrogável.253 O problema muda de figura quando a iniciativa de efetuar o chamamento em garantia toca ao réu. A pretensão regressiva atrairá a competência da Justiça Federal. Em tal hipótese, consoante a construção dominante, existem dois termos de alternativa: (a) desloca-se a competência para processar o feito, inclusive para avaliar a admissibilidade da denunciação da lide, imediatamente para a Justiça Federal, a teor da Súmula n.º 150 do STJ – “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas” – orientação que o STJ já entendeu aplicável a todas as modalidades de intervenção de terceiro, a exemplo da denunciação da lide,254 e resulta do art. 45, caput; (b) ou o chamamento, porque implicará o deslocamento da causa principal, em prejuízo do adversário do chamador, revela-se inadmissível em razão da incompetência do juízo da causa principal.255 A jurisprudência do STJ firmou-se no primeiro sentido, aplicando a Súmula. O art. 45, § 2.º, empresta solução distinta: o processo não será remetido para a Justiça Federal (art. 45, § 1.º), mas o juiz não examinará o mérito. A ação regressiva deverá ser proposta ulteriormente. Por essa via encaminham-se, de resto, as questões atinentes aos litígios entre pessoas jurídicas de direito público, cuja competência originária para processar e julgar incumba ao STF. Por exemplo, oferecida oposição pela União, em litígio entre particulares, e, naquela, denunciado à lide o Estadomembro, a competência para decidir a respeito da admissibilidade da denunciação da lide passa, automaticamente, para o STF.256 No entanto, o STF estima que, na desapropriação indireta movida contra a União, não cabe denunciar à lide o Estado-membro que alienou ao particular a gleba, porque semelhante situação não se ajustava às hipóteses de chamamento em garantia do direito anterior.257 O STF adotou rígida interpretação, entendendo que o chamamento em garantia só cabia quando o titular do domínio figurasse como réu, situação superada perante o art. 125, I, do NCPC. O julgado

apresenta escopo tão flagrante que a fundamentação expressa pouco disfarça, servindo para tolher a tramitação da causa, originariamente, no STF. Parcialmente distinto é o tratamento desse ponto consoante a concepção alternativa do chamamento em garantia. Feita a denunciação do sujeito federal, há dois termos de alternativa: (a) recusada a denúncia, expressa ou tacitamente (inércia), o sujeito federal, conquanto subordinado os efeitos da decisão da causa, não integra a relação processual, nem sequer pode ingressar no feito na condição de assistente, porque ao negar sua responsabilidade lhe faltaria interesse jurídico para intervir, e, nessas condições, não há motivo para deslocar a competência para a Justiça Federal; (b) aceita a denúncia, cumulada ou não com a ação de garantia, em processo autônomo, o sujeito federal adquire a condição de litisconsorte ou de réu, e, assim, as causas principal e acessória passam à competência da Justiça Federal.258 905. Controle do chamamento em garantia do réu Feito o chamamento em garantia, no momento oportuno, a iniciativa do réu (e, a fortiori, a do autor), passa pelo controle preliminar do órgão judiciário. O âmbito de admissibilidade dessa forma de intervenção obrigatória, as hipóteses de admissibilidade (art. 125) e, os aspectos formais (art. 319), compõem a matéria que o juiz examinará ex officio. É possível, nesse último caso, o juiz indeferir o chamamento em garantia fundado em qualquer das hipóteses do art. 330.259 Controverte-se a necessidade, ou não, de colher a prévia manifestação do adversário do chamador, a respeito do pedido formulado pelo réu, porque a sua anuência ou tolerância mostrar-se-ia ou supérflua ou inoportuna.260 A observância do contraditório decorre de direito fundamental processual e, atualmente, do disposto nos arts. 9.º e 10 do NCPC. Por conseguinte, mostrase obrigatória na espécie, à semelhança de outras situações em que a lei omite essa providência de modo expresso. É imperativo atender o legítimo interesse de o autor se opor ao chamamento em garantia inadmissível (v.g., porque intercala, no processo pendente, questão de fato nova, o que a jurisprudência dominante repele no âmbito do art. 125, II, nesse aspecto, idêntico ao direito anterior), pois a intervenção do terceiro retarda o processo, comprometendo a respectiva duração razoável, e até pode implicar modificação da competência, conforme o entendimento do juízo (retro, 904). O prazo para o adversário do chamador manifestar-se é de cinco dias (art. 218, § 3.º). O prazo fluirá ordinariamente da intimação por um dos meios admissíveis, em geral por via eletrônica ou publicação no órgão oficial (infra, 1.242). Em caso de juízo negativo, o juiz proferirá decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), passível de agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, IX. O STJ entende, reiteradamente, inadmissível rever a decisão que indeferiu o chamamento em garantia de forma errônea, após o regular desenvolvimento do processo sem intervenção do terceiro, porque essa revisão implicaria desperdício de atividade processual e, conseguintemente, violaria o princípio da econômica que fundamenta o instituto.261 Legitimam-se a recorrer tanto o réu, quanto o autor.262

Admitido o chamamento em garantia, em termos, o juiz ordenará a citação do terceiro, nos prazos do art. 131. É possível o juiz reexaminar, posteriormente ao ingresso do terceiro, o cabimento do chamamento em garantia. Em tal hipótese, indeferida a intervenção, não se limitará a condenar o chamador nas despesas do incidente, mas, igualmente, fixará honorários advocatícios a favor do advogado do chamado, fundando-se no art. 85,caput. Conforme realçou o STJ, a condenação do vencido no incidente somente nas despesas pressupõe o processo entre as partes, sem participação de terceiro, e, por isso, a questão dos honorários posterga-se para o final, pagando-os o vencido ao advogado do vencedor.263 Na espécie, repelida a intervenção do terceiro, o chamador responderá também por honorários advocatícios, a semelhança de quando der por prejudicada a pretensão regressiva (art. 129, parágrafo único). 906. Efeito do deferimento do chamamento em garantia do réu Admitindo, provisoriamente que seja, a postulação de chamamento em garantia, o juiz ordenará a citação do terceiro. A variante do procedimento comum exibe a finalidade precisa e nítida de integrar o terceiro ao processo antes do desenvolvimento pleno do contraditório entre as partes. Assim, o terceiro ficará vinculado ao desfecho do processo à autoridade da coisa julgada, não podendo controverter, posteriormente, o resultado desfavorável senão através de rescisória (art. 966). É diferente a explicação dessa variante na teoria alternativa à natureza do instituto. Rememore-se que, nessa linha de pensamento, a denúncia da lide não introduz a pretensão regressiva no processo pendente; bem ao contrário, tal pretensão deverá ser exercida incidentemente, em processo autônomo, e reunido por conexão, ou posteriormente ao encerramento do primeiro processo. Então, o autêntico benefício de ordem, possibilitando o réu contestar após o encerramento do incidente de chamamento, precisamente, depois de esgotar-se o prazo de resposta do chamado – hipótese, todavia, repelida na sistemática prevista no art. 126 (infra, 908) –, decorreria da necessidade deste conhecer, previamente, a atitude do chamado. Presume a lei que o chamado, magis instructus quanto à matéria de fato, encontre-se em “melhores condições de articular a defesa”,264obviamente no caso de aceitar a denúncia e, nessa concepção, estabelecer litisconsórcio com o chamador. O paralelo com o chamamento ao processo robustecia o engenhoso entendimento. Nessa modalidade interventiva, o litisconsórcio passivo é irrecusável, e todos os réus usufruiriam prazo de contestação comum; no chamamento em garantia, o litisconsórcio é recusável (o chamado pode recusar a responsabilidade ou omitir-se), e, de resto, tratando-se de obrigações solidárias, a presunção só pode ser diversa: todos os chamados estão bem instruídos acerca dos fatos da causa. 906.1. Termo inicial do prazo de citação em virtude do chamamento em garantia do réu – O procedimento comum não assume a variante

procedimental, automaticamente, com a postulação do réu. Esse efeito decorre do deferimento pelo juiz da intervenção de terceiro. Entre um fato e outro transcorrerá um interregno variável, quiçá superior a quinze dias. No direito anterior, nessa contingência, surgia um problema: o vencimento do prazo restante para contestar antes do deferimento da intervenção do terceiro. Tal indesejável consequência constituía um dos fundamentos implícitos da tese rejeitando, categoricamente, o direito de o réu chamar em garantia sem apresentar, juntamente, a contestação. Entretanto, havia outra solução mais consentânea com o problema. A decisão do juiz, deferindo a postulação do réu e suspendendo o processo, retroagiria à data da apresentação do pedido de chamamento em garantia.265 Era o entendimento correto, superado pelo ônus de o réu chamar em garantia na contestação (art. 126). O réu não ficaria prejudicado pela demora natural do órgão judiciário, sobrecarregado com muitos feitos, todos a exigir provisão urgente. Essa retroação do termo inicial da suspensão pouco auxiliava o réu no caso de indeferimento do pedido. Então, ressalvada a hipótese de provimento do recurso próprio – agravo de instrumento (retro, 905) – no juízo ad quem, hipótese em que a decisão do relator ou do órgão fracionário do tribunal retroagiria à data do protocolo do pedido de intervenção, vencia-se o prazo de defesa. Por esse motivo, evitando riscos desnecessários, o réu raramente empregava a faculdade de chamar em garantia antes e independentemente da contestação. O art. 126 nada mais fez do que simplificar as coisas. 906.2 Termo final do prazo de citação em virtude do chamamento em garantia do réu – O incidente de intervenção, iniciado com o deferimento da intervenção do terceiro, encerra-se com os eventos: (a) vencimento do prazo de chamamento do terceiro sem que ocorra a respectiva citação, hipótese em que ficará sem efeito o chamamento, sem qualquer prejuízo da ação regressiva, exercitável por via autônoma (art. 125, § 1.º); (b) vencimento do prazo para o chamado intervir no processo, opondo-se ele, ou não, à pretensão regressiva do chamador, ou permanecendo inerte, e, portanto, revel. Os prazos são de trinta dias, caso o chamado resida no foro em que tramita o processo (art. 131, caput), e de dois meses, caso resida em outra comarca, seção ou subseção judiciária, ou em lugar incerto, a teor do art. 131, parágrafo único. O interregno maior visa à citação por edital cabível nesse último caso (art. 256, II). Nos demais casos, ocorrerá citação postal ou, frustrada esta via, expedir-se-á carta, ou o juiz recorrerá ao auxílio direto, pois a citação há de ser real. Só cabe citação por edital se o réu residir em lugar incerto (retro, 866). Na hipótese de realizar-se a citação do chamado no prazo hábil, previsto no art. 131, parece evidente não gravar ao réu o ônus de verificar o cumprimento do prazo. Cuida-se de dever acometido ou escrivão ou ao chefe de secretaria, cabendo a este certificar os autos o respectivo implemento, ou não, in albis. Dependerá a retomada do curso do processo, nesse caso, do ato do órgão judicial, ordenando ao réu manifestação, ou não, sobre a contestação do chamado à pretensão regressiva, se for este o caso, tomando a providência preliminar cabível à espécie.

Esgotando-se o prazo hábil para o chamamento a juízo do terceiro, sem que tal ocorra, não ficará automaticamente sem efeito o chamamento em garantia, retomando o procedimento seus trâmites. A citação dependerá de atos que, ordinariamente, escapam à esfera de influência da parte (v.g., a expedição do mandado de citação, a diligência do oficial de justiça ou a rapidez dos correios). Parece muito pouco razoável extrair consequência tão radical para a parte de falhas do serviço judiciário ou auxiliares. O STJ estimava, no direito anterior, que o prosseguimento do processo sem a participação do chamado só ocorria no caso de omissão culposa do chamador.266 É a orientação aplicável no direito vigente. 907. Prazos para a citação do chamado em garantia O princípio da igualdade das partes (art. 139, I) exige que se harmonizem, de um lado, o interesse de o réu chamar em garantia, e, de outro, o interesse do autor em evitar um incidente que lhe é indiferente e avizinha-se como potencial fator de retardamento do processo. Por esse motivo, o art. 96 do CPC de 1939 estipulou prazos rígidos para o chamador promover a citação do chamado. O CPC de 1973 reproduziu, com aperfeiçoamentos – o art. 96, § 2.º, estipulava que, não se realizando a citação, a demanda “prosseguirá contra o réu”, olvidando que também o autor legitimava-se a chamar à autoria (designação do instituto naquele código) –, o esquema da estipulação de prazos para citação do chamado. Far-se-á a citação do terceiro, consoante depreende-se da remissão do art. 126 ao art. 131 do NCPC nos seguintes prazos, assinalados no item precedente (retro, 906.2): (a) residindo o chamado no foro da causa, dentro de trinta dias (art. 131, caput); (b) residindo em outra comarca, seção ou subseção judiciária, ou em lugar incerto, dentro de dois meses (art. 131, parágrafo único). O aumento do interregno prendeu-se à razoabilidade, porque anteriormente eram muito exíguos, e, não, ao efeito de o vencimento do prazo tornar sem efeito o chamamento em garantia. Os prazos do art. 131 fluirão da intimação do chamador do ato do juiz que ordenar a citação do chamado.267 O ônus do chamador consiste em promover os atos tendentes à citação; por exemplo, antecipando as despesas das diligências do oficial de justiça (art. 82, caput). Os flagrantes defeitos dessa regra superam-se mediante interpretação sistemática. Em primeiro lugar, há que se entender a menção a residência do terceiro como englobando o seu domicílio em outra comarca. Ademais, o prazo de dois meses, para realizar a citação do terceiro, quando em lugar incerto, compreende apenas os atos iniciais da citação por edital, pois essa forma de chamamento a juízo, embora dilatado o prazo, tende a superálo.268 Não era entendimento uniforme, considerando o objetivo da lei ao fixar prazos rígidos para se consumar o chamamento em garantia pelo réu,269 finalidade ainda manifesta no art. 131. Buscava-se harmonizar a regra, no direito anterior, prevendo a fixação do prazo mínimo de aperfeiçoamento, ou seja, de vinte dias (art. 257, III, do NCPC), sobrando tempo suficiente para consumar-se o chamamento.270 Razoável que seja o alvitre, nada assegura que o juiz adote o prazo mínimo, nem que o edital seja expedido a tempo. É bom recordar que o escrivão cumprirá os atos ordenados pelo juiz em ordem

cronológica (art. 153), incluindo atos urgentes, consoante lista própria (art. 153, § 3.º). Os prazos previstos no art. 131 talvez se revelem impraticáveis por mais de um motivo. Existem ocorrências supervenientes que impedem a sua rígida observância (v.g., o oficial de justiça certifica que o citando mudou de domicílio para outra cidade), como as deficiências intrínsecas ao serviço judiciário escapam ao controle do chamador, a quem não é dado constranger o escrivão a elaborar e expedir o edital tempestivamente, senão através da oblíqua reclamação do art. 153, § 5.º; na realidade, os auxiliares do juízo têm a seu cargo o cumprimento de outras e urgentíssimas providências, tudo indicando que trinta dias é pouco tempo para a citação por oficial de justiça, por exemplo. O STJ firmou o entendimento, atento às duras provações das partes, que o efeito atualmente previsto no art. 131, caput, produzir-se-á apenas nos casos de culpa ou dolo do denunciante.271 Da nebulosa redação do art. 72, § 1.º, b, do CPC de 1973, reprodução do art. 96, § 1.º, b, do CPC de 1939, misturando o lugar da residência (rectius: domicílio) do chamado e a inexistência de domicílio ou residência conhecidos, uma das hipóteses de citação por edital, já não parecia ilegítimo inferir o cabimento em todas as hipóteses da citação por edital. O problema subsiste à luz do art. 131, parágrafo único, do NCPC. Embora residente em outra comarca, seção ou subseção judiciária, o réu cujo domicílio seja conhecido há de ser citado pessoalmente, ou seja, mediante uma das modalidades de citação real (v.g., citação eletrônica), em último caso expedindo-se carta precatória. Aliás, domiciliado o réu no exterior, urge citá-lo por carta rogatória; em tese, ao menos, “é possível cumprir uma carta rogatória em trinta dias”.272 O defeito remonta às legislações estaduais e, então, respondia-se afirmativamente à necessidade de citar o chamado domiciliado no exterior.273 Flagrantemente, a citação por edital fora dos casos expressos do art. 256, I e II, todos verificáveis em relação ao chamado, mostrar-se-ia inconstitucional, subtraindo ao citando, em razão de fato irrelevante – o lugar do domicílio – a melhor oportunidade para defesa. Vale recordar que, segundo a construção dominante do instituto no direito vigente, o chamamento em garantia significa a introdução de uma pretensão autônoma contra o chamado. É motivo bastante para assegurar-lhe, a todo transe, a situação mais vantajosa para a defesa. No tocante à citação por carga precatória ou rogatória, os propósitos de aceleração do art. 131, parágrafo único, justificam-se em termos. A dilação do prazo de dois meses imporia gravame excessivo ao adversário do chamador.274 E o juízo deprecante não exerce nenhuma influência na prontidão dos serviços auxiliares do juízo deprecado. Dilatar o prazo, aguardando a indefinida restituição da carta devidamente cumprida, só terá lugar em virtude da comprovação de justa causa (v.g., greve dos servidores do juízo deprecado, quiçá situado em outro Estado-membro). 908. Efeitos da falta de citação no prazo hábil do chamado em garantia Segundo o art. 131, caput, parte final, não se realizando a citação no prazo legal, ficará sem efeito o chamamento. O efeito permanece idêntico no

caso do descumprimento do prazo dilatado do art. 131, parágrafo único, residindo o chamado em outra comarca, seção ou subseção judiciária ou em lugar incerto. A despeito de o art. 125, § 1.º, somente admitir o exercício autônomo da ação regressiva quando indeferida, por identidade de motivos há de permitir-se a renovação da demanda, a mais não seja por força do art. 486, caput. O art. 131, caput, parte final, tutela os interesses do adversário do chamador. Não pode ele ficar aguardando, indefinidamente, o esgotamento das providências tendentes a ultimar o chamamento do terceiro, haja vista a imobilização dos trâmites normais do processo. A paralisação sine die ofende o dever de o juiz velar pela rápida solução do litígio (art. 139, II), presumindose que o autor almeje obter o bem da vida perseguido no processo o mais cedo possível. Se este é o escopo da regra, equilibrando os interesses das partes, pois o chamamento em garantia beneficiará, em tese, o chamador, constituindo gravame para o respectivo adversário, todavia beneficiado com eventual condenação passiva do chamador e do chamado (art. 128, parágrafo único), convém realizar distinções. Em atenção à finalidade implícita do dispositivo, o art. 131, caput, parte final, deve ser aplicado com temperamentos, promovido o chamamento pelo autor. A citação do réu realizar-se-á posteriormente e, nessa perspectiva, nada obsta que o juiz aguarde o tempo necessário, principalmente no caso de a citação do chamado realizar-se por carta precatória ou rogatória. Cumpre não olvidar, entretanto, que a pendência do processo já produz efeitos perante o réu (v.g., restrições ao crédito) e, nessas condições, intervindo voluntariamente no processo, poderá requerer a declaração da caducidade do chamamento, em virtude da demora na citação do chamado, propiciando a apresentação de contestação e, atendidos os requisitos do art. 355, I, o julgamento antecipado da pretensão. Percebe-se, por tais fundamentos, não operar automaticamente efeito da falta de citação do chamado em tempo hábil. Dependerá de ato do juiz, verificando que inexiste justa causa para o retardamento. Relativamente ao prosseguimento do processo quanto às partes originárias, outra distinção se impõe, considerando as causas da falta de citação. A jurisprudência do STJ assentou que a regra anterior e similar à vigente somente incidiria nos casos de culpa ou dolo do chamador, ou seja, na hipótese de não promover, no âmbito que lhe compete, as providências necessárias ao ato processual (v.g., não distribuindo a precatória no juízo deprecado ou antecipando as despesas do oficial de justiça). Em outras palavras, releva-se o descumprimento dos prazos de citação do chamado, perante favores alheios à vontade do chamador, incidindo a regra, por intermédio de provimento do juiz, no caso de desídia ou má-fé, ou porque também há necessidade de tutelar os interesses do réu. Eis a razão pela qual as consequências de se tornar sem efeito o chamamento em garantia variavam no plano material, no sistema em que, ao menos em tese, obrigatório o chamamento para o exercício da pretensão regressiva. No caso de o art. 131 incidir por fato imputável ao chamador, tratando-se de chamamento obrigatório, no direito anterior, desapareceria, correlatamente, a pretensão regressiva. Do contrário, subsistiria semelhante

pretensão, que pode ser exercida em ulterior processo,275 sem qualquer limitação quanto ao montante da indenização. Ora, deixando o adquirente de chamar em garantia no caso de evicção, de toda sorte tem o direito de reaver o preço, limitação sem o menor cabimento de o chamamento, apesar de feito, não se ultimar por motivos alheios ao chamador, no sistema que torna facultativa a ação regressiva no mesmo processo. E, isento o chamador de culpa, preserva-se a pretensão regressiva sem qualquer limitação, como já acontecia no direito anterior.276 A pretensão regressiva ficará preservada, na sua inteireza, para o processo ulterior. Não se afigura totalmente isenta de consequências desfavoráveis a incidência do art. 131, caput, parte final. Em primeiro lugar, a parte não vincula o terceiro à autoridade da coisa julgada; ademais, não se aplicará o art. 128, parágrafo único, no caso de julgamento desfavorável ao chamador.277 909. Efeitos da citação no prazo hábil do chamado em garantia Ao ordenar a citação do chamado, o juiz assinar-lhe-á o prazo para assumir uma das posições concebíveis, em princípio previstas no art. 128. Representa exigência elementar, fundada no direito processual fundamental do contraditório, que a citação, por um dos meios admissíveis (art. 246), indique a finalidade do ato e o prazo para defesa, e, versando a causa direitos disponíveis, do mandado, da carta, do edital e da mensagem eletrônica conste menção à revelia, permanecendo o citando inerte (v.g., quanto ao mandado de citação, o art. 250, II). Em vão se buscará nos arts. 125 a 129 indicação explícita do indispensável prazo para defesa. Por simetria, há de ser idêntico ao fixado para o réu da causa principal. Se o chamamento ocorreu em pretensão submetida ao rito comum, o prazo é de quinze dias (art. 335);278 nos procedimentos especiais, o prazo geralmente é idêntico. No caso de chamamento em garantia promovido pelo réu, na contestação, já ocorreu a audiência de conciliação e de mediação (art. 334), e não há qualquer indicativo que haja a necessidade de renovar-se. Completamente distinto é o caso do chamamento em garantia promovido pelo autor: o chamador, o chamado e o réu comparecerão, caso não optem convergentemente pelo contrário, à audiência. O prazo da defesa é comum. Por exemplo, é simples o prazo do único chamado,279admitindo-se o chamamento coletivo, uma única vez pelas partes originárias, como é o espírito do art. 125, § 2.º, fitando ulterior chamamento do denunciado. E os efeitos da citação são os comuns (art. 240). 910. Chamamentos em garantia sucessivos O art. 125, § 2.º, erradicou a principal dificuldade da orientação prevalecente do instituto do chamamento em garantia, no direito anterior, permitindo sucessivas e ilimitadas denunciações pelo chamado, deduzindo pretensão regressiva contra o antecessor imediato na cadeia dominial (art. 125, II) ou do responsável imediato (art. 125, I).

Recebia interpretação ampla e irrestrita a permissão de chamamentos sucessivos no direito anterior. A regra remontava ao direito colonial.280 O chamamento em garantia não se limitava à primeira geração de responsáveis, ou seja, ao transmitente imediato do domínio, da posse ou ao garante e responsável por indenizar a parte no processo pendente. Tal modalidade interventiva comportaria a inserção, pelo primeiro chamado, da sua própria pretensão regressiva, contra as pessoas que, por sua vez, transmitiram-lhe domínio, posse ou prestaram-lhe garantia, e, assim, sucessivamente,281 “até chegar ao que, afinal, vai arcar com as obrigações que decorrem do resultado desfavorável do pleito”.282 Na realidade, o garante da segunda geração ficará constrangido, de seu turno, a denunciar o da terceira geração, a fim de não arriscar-se à perda da pretensão regressiva,283 e assim em cascata até o ponto final da linha de garantes. Por óbvio, alcançando sucessivas gerações de garantes ou de responsáveis, e considerando o intervalo necessário à citação em cada chamamento, no chamamento por iniciativa do réu o autor ficava enredado por período considerável (retro, 906). E semelhante possibilidade aterrorizava o mais desarmado dos adversários do eventual chamador. Sem nenhuma compensação ou temperamento, o ônus do suposto interesse público em julgar, no mesmo processo, o conjunto pretensões conexas eram repassados diretamente. A possibilidade de chamamentos sucessivos desnuda aos mais crédulos o caráter utópico do ideal da efetividade. Em vão, decerto, ponderaria a construção alternativa do instituto, não admitida à inserção da pretensão regressiva, in simultaneo processu, a vantagem intrínseca na sua concepção, pois só o chamado que aceita a responsabilidade poderia lançar mão do chamamento, encerrando-se o incidente com a atitude posterior do novo chamado, aceitando ou recusando, explícita e tacitamente, a responsabilidade.284 Esse parece o regime mais equilibrado e consentâneo das chamadas sucessivas, infelizmente não praticado. O art. 73 do CPC de 1973 agasalhava duas imperfeições: (a) empregava o verbo “intimar”, em vez de citar, como se mostraria próprio ao ato que convoca o terceiro a juízo para se defender contra a pretensão regressiva; (b) remetia somente ao artigo antecedente, ou seja, aos prazos de chamamento, olvidando a oportunidade do chamamento. Do primeiro pormenor retirou-se a sensata interpretação que, no chamamento sucessivo, ocorreria simples denúncia da lide, segundo o sistema latino, sem a concomitante dedução da pretensão regressiva, resguardada para processo posterior. Assim, mitigar-seiam os gravames do adversário do chamador. À falta de maior repercussão, o autor dessa tese moderada logo a abandonou, associando-se à maioria.285 Firmou-se o entendimento dominante na circunstância que, se o chamamento em garantia sucessivo ocorre “para os fins do disposto no art. 70” (do CPC de 1973), como reza a parte inicial do art. 73 do CPC de 1973, “há de ser para os mesmos fins que a ‘obrigatória’ denunciação da lide encerra, quais sejam, o da propositura de uma ação incidental de garantia ou de indenização, a ser julgada no mesmo processo”.286 À luz dessa orientação, buscou-se minorar os transtornos do adversário do chamador, a dilação indevida imposta ao trâmite e julgamento da causa principal, através de dois expedientes.

Em primeiro lugar, admitindo o chamamento coletivo ou conjunto, de todos os antecessores na cadeira de proprietários ou de sucessores,287 e, não, gradualmente, atendendo à titularidade de cada relação jurídica. Fitando a responsabilidade pela evicção, se A reivindica o imóvel x de B, que o adquiriu de C, o qual, de seu turno, adquiriu-o de D, a literalidade do art. 73 só autoriza B a chamar C, que lhe transmitiu o bem. Por sua vez, conforme o caso, a C tocará chamar a D, e, assim, sucessivamente, até o término da cadeia de transmissões. No figurado exemplo, o precedente autoriza B a chamar em conjunto C e D. Ora, B não pode, em princípio, chamar D, porque este não lhe transmitiu o domínio e, conseguintemente, não lhe prestou qualquer garantia. E a dificuldade só aumenta de grau se D, no negócio jurídico em que transmitiu o domínio, pré-excluiu a própria responsabilidade pelos riscos de evicção perante C. Se não é justo que D responda perante C, muito menos o é que responda perante B, com o qual não tem relação jurídica direta. Por outro lado, figure-se a hipótese de D ter transmitido o domínio a C sem vícios jurídicos, mas este permitiu que B ocupasse o imóvel, sem oposição e com ânimo de dono, pelo tempo necessário a adquirir o domínio por usucapião. É óbvio, nessa hipótese, que D não responde pela evicção perante C, nem perante B. Em virtude dessas ponderações, percebe-se que o chamamento em garantia conjunto, ou per saltum, aqui admitido, não prescinde de criteriosa análise dos termos da responsabilidade por evicção em cada passo da cadeia de transmissões. Não se mostra legítimo perturbar a paz jurídica de quem não criou o vício jurídico que ensejará o fato da evicção. E não se pode pretender a responsabilidade objetiva de todos os integrantes da cadeia de transmissões, principalmente no caso de o alienante imediato encontrar-se insolvente. Tal circunstância é irrelevante para definir a existência, ou não, da responsabilidade. O que se pode admitir, sem maiores injustiças, é o seguinte: localizando-se o vício jurídico na transmissão de D para C, e revelando-se este insolvente, B chame em garantia diretamente D. Mas, se o alienante remoto (D) é isento de responsabilidade, apesar da insolvência de C, que criou o vício jurídico aproveitado por A, não cabe o chamamento em garantia per saltum (de B em relação a D). O segundo expediente para minimizar os incômodos suportados pelo adversário do chamador consistia na entrega ao órgão judiciário do controle dos chamamentos sucessivos, indeferindo-os sempre que se mostrarem excessivamente custosos e demorados.288 Essa orientação tem a inequívoca simpatia da doutrina.289 Porém, ela só resolvia em parte problema. Para resguardar-se da possível perda do direito de regresso, latente no direito anterior, o primeiro chamado haveria de, ao menos, provocar a deliberação contrária do juiz. Não ficava claro se precisava insistir na tese, recorrendo da primeira decisão desfavorável, obtendo pronunciamento negativo do tribunal, mas é bom que o faça, forrando-se da futura alegação de negligência. Uma última consideração se impõe quanto ao direito anterior. O chamamento em garantia sucessivo, apesar de analisado preponderantemente no viés da responsabilidade por evicção, também cabe nas hipóteses de garantia simples, e, nesse âmbito, pugnava-se simplesmente por sua inadmissibilidade.290

Do art. 125, I, c/c § 2.º, do NCPC, verifica-se a adoção de meio termo. Às partes originárias, assegura-se um chamamento em garantia, e ao denunciado outro, mas do antecessor imediato na cadeia dominial ou do responsável imediato. Como já se destacou alhures, o exagero consiste em limitar o chamamento à primeira geração de responsável, em sentido lato, quando, sem prejuízo dos interesses contrastante, concebe-se o chamamento, uma vez, de responsável de outra geração. O sistema vigente intenta corrigir essa dificuldade, mas incorreu em excesso. Não proibiu o art. 125, § 2.º, na verdade, chamamentos sucessivos. Ao contrário, admite uma única denunciação sucessiva pelo chamado. Logo, são dois os chamamentos tolerados: o primeiro, por iniciativa do autor ou do réu; o segundo, por iniciativa do chamado. Ao nosso ver, não importa que, cada vez, haja chamamento plural ou coletivo e chamamento de geração diferente da imediata. Esses chamamentos não alteram o espírito das regras ou dificultam, além do já consentido, a tramitação do feito. O desperdício de tempo é idêntico. E se o móvel do chamador é o de efetivamente garantir-se, porque solvente o responsável da geração seguinte, tal iniciativa favorece o adversário, pois o vencedor poderá “requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva” (art. 128, parágrafo único, in fine). Não há como negar essa vantagem. § 184.º Posição processual do chamado em garantia 911. Atitudes concebíveis do chamado em garantia O núcleo da disciplina legal do chamamento em garantia localiza-se nas regras traçadas ao comportamento do chamado após a citação. A interpretação e a harmonização dos três incisos do art. 128 com o art. 129 representam tarefa complexa e de resultados duvidosos. Neles residem as principais perplexidades do instituto. E não importa, como se realçará nos subitens seguintes, a teoria porventura usada para explicar as grandes linhas do chamamento em garantia. O legislador reuniu materiais heterogêneos e dilatáveis em graus distintos que, interagindo nessa modalidade interventiva, têm potencial para provocar graves fissuras estruturais no conjunto. Uma das trincas que se alargou, lenta e progressivamente, tendendo a derrubar a edificação usual do instituto, avulta na possibilidade de condenar, solidariamente, o chamador e chamado perante a outra parte. Em síntese larga, mostra-se lícito ao chamado tomar as seguintes atitudes: (a) aceitar a denúncia, hipótese traduzida no fato de o terceiro constituir advogado e efetivamente comparecer no processo, por sua vez subdividida em três alternativas – (aa) contestar o pedido; (ab) não contestar o pedido; (ac) dar razão ao adversário do chamador; (b) deixar transcorrer o prazo de defesa, in albis, e, assim, transformar-se em revel; (c) negar a qualidade que o chamador lhe atribuiu, e, do mesmo modo que na hipótese inversa, o terceiro poderá contestar ou não o pedido do adversário do chamador, e até lhe dar razão. O art. 128 não define todas essas situações díspares, mas a algumas delas atribui determinada consequência. Cumpre avaliar se o resultado explícito aplica-se às hipóteses implícitas e, caso contrário, qual o efeito adequado e coerente à postura do terceiro.

Logo se nota que os verbos “aceitar” e “comparecer”, nesse contexto, soam muito mal, incutindo estranheza sobre o alcance do ato. O chamamento constitui modalidade de intervenção obrigatória. Não cabe ao terceiro furtarse, a exemplo do réu, à convocação do órgão judiciário, sem sofrer as consequências naturais do descumprimento de um ônus processual.291 Feita a citação do chamado, portanto, o terceiro deixa essa posição de alheamento ao litígio e passa à condição de parte (participante ou não), assumindo o ônus de toda pessoa convocada a juízo, a saber: convém “comparecer” (ou intervir), queira ou não, a fim de influir na tramitação e no resultado do processo. Tudo indica que o art. 128, I, contém elipse pouco recomendável na redação dos textos legislativos. Em nenhum momento, ademais, o art. 128 cogitou da atitude natural de o chamado contestar a pretensão regressiva do chamador. Até eliminou referência à óbvia possibilidade de o chamado “negar a responsabilidade”, hipótese explícita no direito anterior, talvez tomando esse fundamento da defesa como representação idônea do conteúdo da cogitada contestação da ação in eventum. Mas, além de uma coisa e outra não se identificarem plenamente, a expressão utilizada podia (e devia, segundo a teoria alternativa) significar algo completamente diferente – a desnecessidade de o chamado se opor ao que não existe, vez que, nessa linha de pensamento, o chamador não deduzia, in simultaneo processu, qualquer pretensão regressiva. Essas observações introdutórias permitem aquilatar a magnitude dos problemas contidos no art. 128. Impende, todavia, responder à pergunta implícita na identificação do fato de o art. 128 não ter contemplado a óbvia possibilidade de o chamado defender-se contra o que lhe interessa diretamente, a pretensão regressiva do chamador, alegando, v.g., pacto de exclusão de responsabilidade, independentemente da atitude tomada perante o adversário do chamador. A isso pode se limitar, por óbvio, a atividade processual do chamado. Seguro do sucesso perante a pretensão regressiva, porque dispõe de prova idônea da falta de responsabilidade, nada lhe importará o destino da ação principal. Da eliminação da cláusula inicial do art. 75, I, do CPC de 1973 (“se o denunciado a aceitar e contestar o pedido…”), no vigente art. 128, I, do NCPC, tornando mais nítido o alvo da contestação e a que pedido se refere a resistência, não se há de subentender o desaparecimento desse termo de alternativa fundamental. O chamado não contesta sua própria responsabilidade regressiva e, desde logo, associa-se ao chamador na luta contra adversário comum. Por exemplo, na ação reivindicatória movida por A contra B, o réu B denuncia o alienante imediato C, responsável pelo risco da evicção (v.g., posto que desnecessário, o acordo de transmissão entre B eC previu, expressis verbis, essa responsabilidade), e o chamado C, sem qualquer palavra sobre tal assunto, contesta o pedido formulado por A. Pois bem: inexiste vínculo jurídico entre A e C, pois quem perderá o domínio, acolhido o pedido da ação principal é B, e C só responde, regressivamente, peranteB. Logo, B e C não são litisconsortes na demanda de A. A lei processual não altera as relações jurídicas no plano substancial. O efeito agregado a atitude do chamado no art. 128, I (“… o processo

prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado”) constitui mera ficção ou manifesta impropriedade. É duvidoso que o legislador haja modificado a regra com pleno conhecimento de causa… 912. Primeira atitude: aceitação da responsabilidade A primeira atitude que se afigura lícito ao réu adotar, realizado o chamamento em garantia, é a de aceitar a denúncia. Cuida-se de atitude da mais lhana boa-fé, como almeja o art. 5.º do NCPC para todos os litigantes. O alcance desse ato varia conforme a linha de pensamento seguida para explicar a modelagem do chamamento em garantia. Antes de examinar as explicações concorrentes, cumpre estabelecer um ponto comum: a atitude de o terceiro aceitar a responsabilidade pode ser: (a) expressa, mediante declaração desse teor, independentemente da atitude tomada perante o adversário comum; ou (b) implícita. Nesse último caso, a mais das vezes decorrerá da oposição à pretensão do autor, qualquer que seja a posição processual efetiva (litisconsorte ou assistente) do terceiro, ou do reconhecimento dos fatos alegados pelo autor (art. 128, III). Não há, pois, forma rígida para essa “aceitação” da denúncia (rectius: responsabilidade). 912.1. Explicação prevalecente: chamado como assistente – Se o chamamento em garantia engloba o exercício da pretensão regressiva, na qual o chamado é réu, a aceitação da denúncia, sem reserva alguma, importará aquiescência ao pedido formulado pelo chamador. Sobrevindo derrota deste perante o respectivo adversário, ou seja, o fato da evicção – valha, aqui, o emprego genérico dessa responsabilidade, a rigor uma de tantas previstas no art. 125 – o juiz formulará contra ele a regra jurídica concreta, no julgamento a que se refere o art. 129, caput, segunda parte. Tal provimento exibirá força condenatória. 912.1.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração prevalecente – Em princípio, entende-se que a atitude do terceiro perante o chamador importa reconhecimento do pedido.292 Existem divergências quanto a semelhante entendimento. O ato do terceiro se aproxima, sem identificação absoluta, com três manifestações típicas da vontade no processo: (a) o reconhecimento do pedido (art. 487, III, a); (b) a confissão (art. 389); e (b) admissão expressa ou tácita da veracidade de fato jurídico (art. 374, III). Conforme se assinalou, egregiamente, a diferença entre elas reside “no grau de intensidade com que vinculam o juiz”:293 o reconhecimento vincula o órgão judiciário plenamente, permitindo a emissão de sentença de mérito; a confissão vincula o juiz quanto ao fato, mas não quanto ao direito porventura aplicável à espécie; e a admissão de veracidade do fato vincula relativamente, pois o juiz pode desconsiderá-la, em atenção ao conjunto probatório. Tal raciocínio define o regime jurídico da aceitação da responsabilidade pelo denunciado na admissão de veracidade do fato jurídico. Não se cogitaria de reconhecimento do pedido, porque a atitude do chamado revelaria a inexistência de lide.294 Ora, semelhante argumento não se mostra convincente: a lide é virtual, ou potencial, como retratada pelo chamador na petição em que força a intervenção do terceiro e, mais aqui do que alhures,

nada obsta o raso reconhecimento do direito do autor. Trata-se, destarte, de reconhecimento do pedido, porém de natureza eventual como a pretensão de garantia. Ele produzirá os efeitos que lhe são próprios condicionalmente, sobrevindo o insucesso do chamador perante seu adversário. E, por essa razão, o juiz abstém-se de julgar, incontinenti, a pretensão in eventum. E, de fato, o juiz não extrai efeitos imediatos desse reconhecimento, emitindo provimento fundado no art. 487, III, a, porque a pretensão regressiva é condicional – o juiz só a julga na hipótese de acolher o pedido do adversário do chamador; por conseguinte, o reconhecimento assume idêntico caráter. De resto, como o órgão judiciário só dará razão a quem a tem no fim do processo, salvo tutela da evidência intercalar (art. 311), o STF decidiu, em acórdão relatado pelo autor do anteprojeto de que lei que resultou no CPC de 1973, não caber “ao tribunal decidir sobre direito de regresso, sem inversão tumultuária da ordem processual”, ao ensejo do saneamento do processo.295 912.1.2. Posição processual do chamado na configuração prevalecente – Ao aceitar a responsabilidade que o chamador lhe atribuiu, na hipótese de êxito do adversário, o chamado alia-se ao chamador, na causa principal, assumindo a qualidade de assistente.296 Claro está que, relativamente, à pretensão de regresso, figura como réu e, valendo-se do art. 125, § 2.º, de seu turno, passará a autor da nova ação de regresso.297 No entanto, o art. 128, I, por ora abstraindo-se da questão a possibilidade de o chamado “contestar o pedido”, considera-o litisconsorte, aduzindo: “o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado”. A esse propósito, dividem-se radicalmente as opiniões, admitindo-se que o chamado adquire a condição de parte principal, porque réu na pretensão regressiva, e de parte também principal na causa entre o chamador e o seu adversário, “recebendo o tratamento de litisconsorte unitário”, tanto que seja chamado, compareça ou não.298 Essa qualificação do terceiro interveniente no processo, no âmbito da teoria dominante, revela-se flagrantemente incoerente com a introdução, in simultaneo processu, da pretensão regressiva. Basta pensar que, não se realizando o chamamento em garantia, essa mesma pessoa poderia intervir, voluntariamente, como assistente simples.299 É inequívoco o seu interesse jurídico no êxito de uma das partes. O fato de ter ocorrido o chamamento em garantia, distinguindo-se as duas pretensões cumuladas, não modifica a qualidade ulterior do terceiro no processo pendente, no tocante à pretensão que não lhe respeita. Valem, aqui, as considerações já feitas no exame da posição processual do terceiro no chamamento em garantia do autor (retro, 898). Impende apenas invertê-las e passar à perspectiva do réu. O chamado não é litisconsorte passivo no chamador na causa principal, porque o respectivo adversário não lhe pede nada – e, houvesse pedido desse o teor na petição inicial, o órgão judiciário divisaria flagrante ilegitimidade passiva –, nem sequer ele pode alcançar-lhe, legitimamente, o bem da vida. Figure-se – inversamente, é claro – o exemplo já ministrado, a trivial hipótese de A reivindicar de B o imóvel y, que B adquiriu de C, motivo por que B chama em garantia o transmitente C. Ora, C não é mais proprietário do

imóvel y, e, pois, transmitido a B, e, portanto, A não poderia reivindicar contra C. Só cabe a C, acolhido o pedido de A, indenizar B pelo fato da evicção. Em razão da inexistência de qualquer relação entre A e C, este não pode ser litisconsorte de B, no plano substancial. Todavia, C tem interesse que B vença, livrando-se, assim, da responsabilidade pelo fato da evicção. Logo, é assistente de B. E assistente simples: por definição, inexiste relação entre A e C sujeita à influência do julgamento da pretensão de A contra B, conforme exige, para se caracterizar a assistência qualificada (ou litisconsorcial) o art. 124, in verbis: “Considera-se litisconsorte da parte principal” – no caso, B – “o assistente sempre que a sentença influir na relação jurídica entre ele” – no caso, C – “e o adversário do assistido” – no caso, A.300 Litisconsórcio que não se origina da relação substancial não é litisconsórcio. É falso litisconsórcio. A confusão origina-se das disceptações doutrinárias em dois temas aqui secundários: a qualidade de parte do assistente e o alcance da coisa julgada. Ora, o assistente é parte, embora parte auxiliar na causa principal (retro, 774), e a autoridade da coisa julgada estender-se-á naturalmente ao chamado, jamais o efeito da intervenção, cogitado no art. 123 e a forma mitigada do vínculo resultante da coisa julgada, em virtude de circunstância banal: por definição, inexistirá – segundo a proposta da teoria prevalecente – processo ulterior (ou paralelo) em que o chamado se habilite a invocar a exceptio mali gesti processu. O órgão judiciário julgará, conjuntamente, as duas pretensões, a principal e a regressiva, aplicando o art. 129, caput. Por conseguinte, os bem intencionados esforços da teoria dominante do instituto, objetivando conciliar a dedução imediata da pretensão regressiva e a redação do art. 128, I, que impropriamente trata o terceiro como litisconsorte, ao fim e ao cabo se mostraram baldas e inconvincentes. Ou não é o que ocorre, ou o art. 128, I, precisa ser lido como se dissesse “assistente”, não “litisconsorte”. A inconsistência não impediu a jurisprudência de aplicar ao chamador e o ao chamado o regime do litisconsórcio. Por exemplo, assegurando-lhes prazo em dobro, porque constituídos procuradores distintos (art. 229). O quadro não se altera com a responsabilidade solidária do art. 128, parágrafo único. Em primeiro lugar, não se aplica a todos os casos. Valha o exemplo da reivindicatória. Ressalva feita à formulação de pedido sucessivo de perdas e danos, quem fica vencido e responderá perante o adversário é o chamador, perdendo o bem da vida (o domínio de y). Na verdade, o art. 128, parágrafo único, intenta eliminar ou reduzir os riscos inerentes à responsabilidade patrimonial (art. 391 do CC): o de o vencido não dispor de patrimônio a suportar a prestação que lhe é atribuída pela regra jurídica concreta. É regra extravagante, concebida por espírito idealista e comprometido com o processo de resultados, sem qualquer consciência ou respeito com a disciplina material. Essa responsabilidade secundária, qual efeito anexo da sentença de procedência da ação principal, não torna o chamado litisconsorte do chamador, porque inexiste relação jurídica com o adversário vitorioso deste último. 912.1.3. Primeira variante na atitude do chamado responsável: contestação do pedido principal – Fica sem explicação mais convincente, nos

termos da teoria prevalecente, a atitude do chamado coligada à aceitação da responsabilidade, e que consiste na possibilidade de contestar o pedido formulado pelo adversário do chamador. Embora com a devida crítica à redação do inciso, mais compatível com o regime da nomeação à autoria no CPC de 1939 – então, o nomeado substituía o nomeante (excluído do processo) no litígio com o respectivo adversário –, assinalou-se que, relacionando a contestação do pedido à condição de litisconsorte, o direito anterior referia-se à contestação feita ao pedido do autor.301 O art. 128, I, esclareceu esse ponto. Por óbvio, o assistente – real posição do chamado perante o adversário do chamador – carece de legitimidade para contestar pedido que não é formulado contra si, deduzido em causa a ele estranha. Nessa contingência, corrigiu outra voz do mais alto merecimento, “como assistente (…) poderá reforçar a contestação que este (denunciante) houver apresentado na ação principal”.302 A pressuposição que o chamado conhecerá os fatos melhor do que o chamador, subentendida na última asserção retificadora, remonta às origens do instituto da “autoria” no direito lusitano. Proclamava-se, naquela altura, que “o chamado deve estar mais bem instruído do negócio, para impedir a evicção” (magis instructus),303imputando-lhe, no mínimo, quebra do dever de informar o adquirente na oportunidade da formação do negócio, senão debitando a ele o vício jurídico alegado pelo adversário do chamador. Evidentemente, essas presunções contra o transmitente são relativas. Ele pode perfeitamente ignorar os fundamentos da pretensão e não ter provocado vício jurídico algum. Por exemplo, o adversário do adquirente se apresenta em juízo munido de título de domínio falso, evento bastante comum em algumas regiões do país. E mesmo no caso de o chamado exibir amplo e profundo domínio dos fatos, qual magis instructus, há uma dificuldade na iniciativa de o chamado “reforçar” a contestação. É que se afigura lícito ao réu chamar o terceiro sem contestar e, nesse caso, o peso da defesa recairá sobre os ombros do chamado. Ora, não tem sentido “reforçar” o que não existe concretamente. Por óbvio, realizado o chamamento em garantia na própria contestação, talvez esta receba as complementações que o chamado, senhor do próprio interesse, entender devidas e oportunas. Fora daí, inexistem meios de o chamado colaborar com o chamador, exceto promovendo confabulações fora do processo, nem sempre realizáveis, ou simplesmente admitindo – como fez a lei – que o chamado, bem ou mal, conteste o pedido. Repelindo qualquer rigidez dogmática quanto à posição concreta do chamado – assistente simples, assistente qualificado ou litisconsorte –, e vendo o lado prático da questão, o STJ reconheceu, “e não poderia ser diferente, o interesse em oferecer resistência, de forma ampla, à pretensão deduzida pelo adversário do denunciante, tendo em vista que o desfecho da demanda principal poderá repercutir na demanda secundária”.304 912.1.4. Segunda variante na atitude do chamado responsável: falta de contestação do pedido principal – Embora seja natural que o terceiro, aceitando a responsabilidade, e propondo-se a coadjuvar o chamador, também formule oposição à pretensão do adversário, trazendo ao debate

fatos que o chamador não conhece, cuida-se de simples faculdade. Nada obriga ao chamado contestar o pedido do adversário do chamador. O terceiro faz-se representar no processo, constituindo advogado, mas deixa esgotar-se o prazo de defesa. Essa variante não se encontra prevista no catálogo do art. 128: o chamado aceita a responsabilidade que lhe é atribuída, tacitamente, e não se opõe ao pedido do adversário do chamador. Em tal hipótese, o chamado torna-se revel na pretensão regressiva, fundada em garantia formal ou simples, e “sofrerá os efeitos da não contestação da ação incidental”,305 em princípio acolhida no caso de insucesso do chamador perante o seu adversário. O regime da revelia aplicarse-á integralmente. Assim, como o terceiro se fez representar nos autos, deverá ser intimado de todos os atos processuais e nada obsta que, em seguida, valha-se da condição de assistente e auxilie o chamador conforme o estado do processo (v.g., interponha apelação contra a sentença desfavorável). Enfim, a causa principal prosseguirá entre o autor, de um lado, e o chamador e o chamado como assistentes, de outro, corrigida a imprópria posição reconhecida ao chamado no art. 128, I. Ficará pendente de julgamento a pretensão regressiva in eventum, entre o chamador, de um lado, e o chamado, de outro. Fatalmente, operado o efeito do art. 344, o chamado decairá no pedido regressivo. 912.1.5. Terceira variante na atitude do chamado responsável: confissão dos fatos da causa principal – O terceiro que, acudindo à citação, ingressa no feito, talvez vá além da simples aceitação da responsabilidade e, paradoxalmente contribuindo para a sua própria e futura derrota, confesse “os fatos alegados pelo autor na ação principal” (art. 128, III). Preliminarmente, o comportamento do terceiro, imaginado no art. 128, III, há de ser passado no prisma da estrutura e do conteúdo da defesa (retro, 314). A circunstância de o chamado abster-se de impugnar diretamente os fatos afirmados pelo adversário do chamador e, a fortiori, o de admiti-los verdadeiros, não importa, necessariamente, reconhecimento do pedido, renúncia à defesa autorizada no art. 128, I,306 ou, em termos mais abrangentes, o hipotético prejuízo à defesa do chamador. Embora “confesse” os fatos afirmados pelo adversário do chamador, talvez o chamado articule impugnação indireta, apresentando nova versão àqueles fatos (retro, 331); controverta os fundamentos jurídicos da pretensão principal, suscitando questão de direito; ou apresente exceção material, oferecendo, neste último caso, defesa de imérito indireta (v.g., prescrição). Essas modalidades de defesa de mérito direta e indireta, a par da também concebível defesa processual (v.g., as preliminares do art. 337), mostram-se compatíveis com a “confissão” prevista no art. 128, III, e, na verdade, afastam a incidência dessa regra. Elas se ajustam ao art. 128, I: o processo prosseguirá com as partes principais e a parte auxiliar. Feita a ressalva, situando a “confissão” no seu devido lugar, por vezes dissolvendo-se no conjunto da defesa, não há dúvida que o art. 128, III, conjurou a hipótese de o terceiro, mais do que “aceitar” a responsabilidade, recatadamente, vá além, ao admitir como verdadeiros os fatos alegados pelo

adversário do chamador em nome do dever de veracidade (art. 77, I). Por exemplo, A ingressa com usucapião contra B, que adquiriu o imóvel de C, e, portanto, a este chamou em garantia; Cingressa no processo e, aceitando a responsabilidade, admite não ignorar a posse ad usucapionem de A. Como já se assinalou (retro, 912.1.3), examinando a eventual contribuição do chamado à contestação do chamador, remonta ao velho direito português o entendimento que o chamado se encontrasse, na responsabilidade por evicção, “melhor instruído” (magis instructus) a respeito dos fatos. Fica subentendido, no viés negativo, que (a) quebrou o dever de informar o parceiro, minuciosamente, ou (b) criou o vício jurídico alegado pelo adversário do chamador. Nem sempre o transmitente, em casos tais, obra de má-fé. Pode acontecer que sua contribuição seja positiva, informando ao adquirente, por exemplo, originar-se a posse do adversário de antigo comodato. Como quer que seja, o art. 128, III, concebe ao terceiro admitir os fatos afirmados pelo autor, pura e simplesmente, e reconhecer a procedência da pretensão regressiva, explícita ou tacitamente. Essa é a conjuntura desfavorável ao chamador visualizada na regra. Tem melhor direito o adversário do chamador, há o vício jurídico alegado na inicial, e o terceiro se dispõe a indenizá-lo. É evidente o realismo com que o dispositivo tratou o comportamento do chamado, pois não poderia impedir-lhe de tomar atitude contrária, diretamente, ao seu próprio interesse, e, indiretamente, ao interesse do chamador. A despeito do emprego do verbo “confessar”, não se cuida, realmente, da confissão espontânea prevista no art. 390, § 1.º. O art. 128, III, antevê o comportamento do chamado ao acudir à citação, e, não, nos resultados do depoimento pessoal, tendente a obter confissão (provocada). Na realidade, porque o chamado é assistente do chamante, e os assistentes não confessam eficazmente, eis que ato privativo da parte principal, tampouco lhes cabe reconhecer o pedido (do adversário do chamador) que não lhe respeita,307 o evento é outro: admissão do fato como verdadeiro (art. 341, caput, segunda parte). Em tal hipótese, o art. 128, III, com razão, estipula a ineficácia do ato do chamado perante o chamador,308 porque esse poderá prosseguir com sua defesa contra o adversário, sem embargo da impropriedade de tratar o chamado como litisconsorte, aplicável por analogia. Parece inútil, de resto, distinguir o ato do chamado à luz da garantia formal ou simples,309 porque em ambos os casos exibe a mesma natureza e produzirá idêntico efeito. Nessa contingência tão adversa, o art. 128, III, declara que “o denunciante poderá prosseguir com sua defesa”. O sentido geral da regra, portanto, consiste em evitar prejuízos e entraves à ampla defesa do chamador em razão do comportamento incômodo ou inconsequente do chamado, mais um aliado do autor do que do réu. Assim, criou-se a faculdade de o réu persistir na defesa, não se convencendo do móvel da admissão do fato, talvez produto de conluio entre o chamado, desprovido de patrimônio idôneo para suportar a pretensão a executar que surgirá contra ele na forma do art. 128, parágrafo único. O chamado “atendeu” à denúncia – a regra também incide na hipótese de revelia –, mas adotou atitude alinhada com o adversário, tornando a defesa do chamador sem esperanças. A solvência do chamado, disposto a indenizar, e

os deveres éticos do processo civil recomendam ao chamador abdicar da defesa infrutífera. É correta, pois, a consequência explícita conferida na regra ao ato do chamado. Ao chamador é lícito, aderindo ao reconhecimento dos fatos, “pedir apenas a procedência da ação de regresso”. 912.1.6. Consequência da posição processual (assistente) do chamado responsável – Da premissa segundo a qual, através do chamamento em garantia, o réu deduz pretensão regressiva contra o terceiro, e o chamado nenhuma relação jurídica mantém com o adversário do réu, chega-se à inexorável conclusão que o chamado assumirá a posição de assistente, no tocante à causa principal entre autor e réu. Ao julgar as duas pretensões, o juiz emitirá sentença formalmente única, mas dividida, materialmente, em capítulos autônomos: no primeiro, acolherá ou rejeitará o pedido do autor perante o réu; no segundo, conforme o teor do primeiro juízo – e daí a inequívoca relação de prejudicialidade entre a pretensão principal e a pretensão regressiva destacada no art. 129, caput ,310 julgará o pedido do chamador perante o chamador.311 Concebem-se dois resultados quanto ao segundo juízo: rejeitado o pedido do autor, o juiz julgará prejudicada a pretensão regressiva; acolhido o pedido do autor, o juiz passa a examinar, de meritis, a pretensão regressiva. O desfecho outorgado à pretensão regressiva, no segundo capítulo, dependerá da atitude tomada pelo terceiro no processo. Pode ocorrer que o terceiro haja negado a responsabilidade, e, nesse caso, cumpre ao juiz decidir a questão, juízo que favorecerá, ou não, ao terceiro. Mas, partindo da premissa que o terceiro “aceitou” (expressa ou tacitamente) a responsabilidade, explorada neste item, resta ao juiz acolher a pretensão regressiva. A aceitação da responsabilidade importa reconhecimento condicional do pedido do réu (retro, 912.1.1). Não pode o juiz, na ação movida por A contra B, em que este chamou em garantia C, rejeitar o pedido de A contra B, mas acolhê-lo perante C, ou acolher o pedido de A perante B e C, solidariamente, como se A houvesse demandado apenas C ou demandado, em litisconsórcio passivo, B e C.312 O art. 128, parágrafo único, é efeito anexo. Independe de qualquer menção no julgamento. Do ponto de vista do direito substancial, distintas as duas relações, apesar do julgamento conjunto, o juiz condena o réu perante o autor e condena chamado perante o réu. Logo, como a sentença vale como título executivo surge pretensão a executar do autor perante o réu e do réu perante o chamado. Não há como sustentar-se, sem grande aberração sistemática, que o autor tem pretensão a executar o chamado por força de juízos distintos a respeito de relações autônomas. O direito material não o autoriza. O autor não formulou pedido perante o denunciado e “condenação sem pedido importa atividade jurisdicional sem demanda”.313 No entanto, nos casos em que o chamado em garantia é o segurador – e, a esse respeito, a disciplina substancial se modificou, razão pela qual caberá o chamamento ao processo (retro, 860) –, a insolvência do segurado, réu da ação, levou à “flexibilização” do regime da denunciação da lide, em nome da “efetividade” do processo.314 É

natural o risco de o autor demandar um réu insolvente, tornando infrutífera a futura execução, inerente a qualquer pretensão à condenação. E a desenvolta orientação liberal chega a admitir a absolvição do réu originário, por ausência de culpa, e a condenação direta do denunciado,315 o verdadeiro responsável pelo evento danoso, empregando o chamamento, desse modo, para corrigir a ilegitimidade passiva.316 O art. 128, parágrafo único, acolhendo essas orientações, atribuiu à sentença efeito anexo, possibilitando o adversário do chamador executar diretamente o chamado. Nada mais. E, ao fim e ao cabo, a dificuldade se coloca apenas para os defensores da construção prevalecente do instituto; na construção alternativa, ao invés, o resultado se harmoniza com a tese que o chamado, aceitando a responsabilidade, forma litisconsórcio passivo unitário com o chamador (infra, 912.2.2). 912.2. Explicitação alternativa: chamado como litisconsorte – É muito mais satisfatória a explicação segundo a teoria alternativa do instituto sui generis da denunciação da lide. Fundamentalmente, o incidente da denunciação da lide se esgota com a atitude do chamado: ou aceita a responsabilidade, e, por isso, ingressa no processo como litisconsorte do chamador e com o propósito de contestar o pedido do adversário, ou recusa a responsabilidade, expressa ou tacitamente (revelia), ficando alheio ao processo, embora terceiro vinculado aos efeitos da sentença (v.g., não poderá controverter o montante do prejuízo). Não há, na teoria alternativa da configuração do chamamento em garantia, variantes internas à aceitação da responsabilidade subentendida no art. 128, I: o chamado ingressa para contestar o pedido, formando par com o chamador contra o adversário comum. Se o terceiro ingressa no processo para confessar os fatos alegados pelo autor (art. 128, III), trata-se de outra situação, a exigir exame em separado. Ocioso frisar que não é assim, afinal, que se entende configurado o chamamento em garantia, valendo as considerações seguintes para demonstrar a coerência e utilidade da construção alternativa do instituto. 912.2.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração alternativa – Na teoria alternativa, a aceitação da responsabilidade significa admissão do fato jurídico alegado pelo chamador, no tocante à responsabilidade do chamado. O defensor da teoria não poderia aceitar o reconhecimento do pedido (art. 487, III, a), porque o chamador não formula pedido, mas denuncia a lide. Eventualmente, ingressa em juízo com demanda paralela, a ação de mencionada no art. 61, reunida por conexão. É no âmbito desta que ocorrerá, ou não, o autêntico reconhecimento do pedido. 912.2.2. Posição processual do chamado na configuração alternativa – No caso de o chamado aceitar a responsabilidade, o art. 128, I, objeto do exame, aplicar-se-á literalmente: assume o ônus de contestar o pedido do adversário comum, voluntariamente, e, assim, forma-se litisconsórcio passivo entre o chamador e o chamado.317

Não há dúvida quanto à formação do litisconsórcio. Ao contrário do que sucedida no CPC de 1939,318 já no segundo código unitário não permitia ao terceiro assumir a direção do processo, afastando o réu original do processo (extromissão), conquanto este permaneça vinculado ao seu desfecho. Então, o litisconsórcio forma-se, aceitando o terceiro a responsabilidade (art. 128, I), ou não se formará, porque o terceiro rejeita a sua responsabilidade. Naturalmente, incumbe ao litisconsorte passivo, como parte que comparece para aceitar a responsabilidade, contestar o pedido do adversário comum. O prazo de resposta do novo réu esgotar-se-ia em primeiro lugar pela razão já indicada, presumivelmente o chamado conhece melhor os fatos (magis instructus). A ulterior contestação do denunciante, no que couber, aproveitará a exposição precedente do denunciado. Daí também o retrato da situação no momento do julgamento: o juiz declararia a responsabilidade do chamado, impondo-lhe a obrigação de indenizar o chamador, no caso de sucesso do adversário comum. O denunciado é legitimado extraordinário, porque não defende direito próprio, mas direito alheio. Todavia, como acontece em outras situações, atuará conjuntamente com o legitimado ordinário. Origina-se a situação legitimadora do próprio chamamento.319 O litisconsórcio entre o chamador e o chamado tem regime qualificado (litisconsórcio unitário). A circunstância de o chamado legitimar-se extraordinariamente (substituição processual) implica a necessidade de a sentença julgar uniformemente a lide para os litisconsortes. Não se concebe possa julgar procedente a ação quanto ao denunciante e improcedente no que tange ao denunciado, e vice-versa.320 Logo se percebe que não é o art. 129 que deixa aberta essa possibilidade. Embora o órgão judiciário aprecie em primeiro lugar o pedido do adversário comum, e não predetermine o resultado da responsabilidade regressiva, também não exclui juízos de procedência alinhados. 912.2.3. Consequência da posição processual (litisconsorte) do chamado responsável – E, finalmente, o ponto mais alto da tese. À medida que a situação legitimadora do litisconsórcio passivo, habilitando extraordinariamente o chamado, pressupõe a aceitação da responsabilidade que lhe atribuiu o chamado, “o juiz deve condenar solidariamente denunciante e denunciado (desde que o última tenha aceito a denúncia e automaticamente ingressado na lide), consoante secular e invariável entendimento que deita raízes nas Ordenações”.321 Nesse sentido se inclinam as opiniões, cristalizadas no art. 128, parágrafo único, do NCPC, conquanto sem a devida resposta hábil à flagrante contradição com a premissa da dualidade de pretensões.322 913. Segunda atitude: revelia É possível que o chamado deixe fluir in albis o prazo de resposta. Findo o prazo, sem o chamado constituir procurador para negar ou aceitar a responsabilidade que lhe é atribuída, seguindo alguma das variantes implícitas em ambos os casos, em primeiro lugar o processo retomará seu

curso (retro, 906.2), vencida a variante procedimental. O chamado tornou-se revel, quanto à pretensão regressiva, incidindo no regime próprio da falta de defesa no direito brasileiro (retro, 357). Produzem-se, relativamente ao chamado, (a) o efeito material da revelia, presumindo-se verdadeiros os fatos constitutivos alegados pelo chamador como fundamento do direito de regresso (art. 344), salvo nas hipóteses legais (art. 345) – por exemplo, o chamamento em garantia pode envolver dois ou mais garantes, bastando que um só deles conteste para afastar a presunção de veracidade –, e (b) o efeito processual do art. 346, realizando-se as intimações por publicação no órgão oficial. Não caberá, porém, ao órgão judiciário julgar antecipadamente a pretensão regressiva (art. 355, II). O desfecho da pretensão regressiva, deduzida in eventum, também no caso de revelia do chamado, dependerá do teor da sentença quanto à causa principal (infra, 916.1), e das suas próprias vicissitudes. Com efeito, a presunção do art. 344 é relativa, e, além disso, o juiz sempre poderá rever o juízo provisório quanto à admissibilidade do chamamento em garantia. Não parece admissível o julgamento antecipado parcial de mérito do art. 356. A responsabilidade do chamado é, ainda, eventual, ao contrário do aí pressuposto. Antes de permitir ao adversário do chamador executar diretamente o chamado, na forma do art. 128, parágrafo único, impede darlhe, ou não, razão perante o chamador. Nada obsta que, posteriormente, renegando a inércia inicial, o terceiro constitua procurador (art. 346, parágrafo único) e participe ativamente das fases posteriores do processo,323 socorrendo o chamador na sua posição natural de assistente (v.g., apelando da sentença a favor do autor). Por óbvio, não poderá mais negar a sua responsabilidade.324 O chamamento em garantia constitui modalidade de intervenção obrigatória e, conquanto revel, o terceiro fica vinculado ao julgamento final do processo, eventualmente sujeitando-se à pretensão a executar do chamador e do seu adversário. Na hipótese de o chamado tornar-se revel, a primeira atitude concebível do chamador, implícita no art. 128, II (“… pode deixar de prosseguir com sua defesa…”) consiste em prosseguir na resistência à pretensão do adversário. Valem, aqui, as considerações anteriores quanto a essa possibilidade. A inércia do chamado equivale à “confissão” do art. 128, III, embora manifestada tacitamente. Também no caso de revelia do chamado, por conseguinte, o chamador tem a opção de abandonar a defesa, abstendo-se de recorrer, concentrando esforços na ação regressiva. O silêncio do chamado, na peculiar terminologia forense, equivale a não “atender” à denunciação da lide. Descumprindo o chamador o ônus de prosseguir na defesa, previsto no direito anterior, entendia-se perdida “a possibilidade de ver o seu direito declarado na sentença que lhe asseguraria o título reclamado para execução contra o alienante ou contra o regressivamente responsável”.325

Forte reminiscência da parte final do art. 98 do CPC de 1939 (“… cumprirá, a quem o houver chamado defender a causa até final, sob pena de perder o direito a evicção”) impregna essa tese. No entanto, o art. 75, II, do CPC de 1973, não reproduzira a cláusula final da regra, objeto de fortes críticas na vigência do primeiro código unitário,326 em que pese o abandono da causa, naquele regime, abrir espaço para o chamado alegar a exceptio mali gesti processu na ulterior demanda fundada na evicção (art. 101 do CPC de 1939). E, de fato, acontece de o próprio chamador convencer-se da razão do adversário, e de caso pensado. O panorama fixado no CPC de 1973 era muito distinto e não toleraria esse desfecho draconiano. Primeiro, inexistirá demanda ulterior, encontrando-se o terceiro omisso sujeito à autoridade da coisa julgada. E não caberia à lei processual, tão ornamentada de deveres, dentre os quais avulta o de não alegar, ciente que é destituída de fundamento, exigir do réu prosseguir em defesa fundada ao insucesso. Por fim, omitida a sanção no texto, perdeu seu fundamento, porquanto “as restrições de direito devem ser expressas, não comportando interpretação analógica e muito menos histórica (odiosa restringenda favorabilia amplianda)”.327 A lei civil posterior liquidou o falso problema, criando para o denunciante a alternativa de não prosseguir na defesa, revelando-se flagrante o direito do autor.328 Não era solução aceita pacificamente,329 em virtude de possível contrariedade à boa-fé, mas as suas vantagens são manifestas: dá-se solução imediata ao pedido de quem tem razão. Eis o motivo por que o art. 128, II, chancelou a solução. A revelia do chamado abre dois termos de alternativa: (a) ou o chamador prossegue na sua defesa, porque abandonado pelo chamado, mas convicto do seu direito; (b) ou o chamador rende-se ao inevitável, aderindo à admissão tácita do chamado e pedindo a procedência da ação regressiva. É outra a consequência do silêncio do chamado segundo a construção alternativa do instituto. A denunciação da lide teria conservado a mesma natureza da nomeação à autoria, não permitindo controvérsia incidental quanto à responsabilidade do chamado, motivo por que se equivalem, no art. 128, II, o silêncio e a negativa de responsabilidade. O chamador resguardou a pretensão regressiva. Ela a exercitará se e quando vencido. Assim, equiparou-se a inércia à negativa, considerando-a forma tácita de negar a responsabilidade, dispensando o chamado de constituir o advogado. Mas, sendo evidente a falta de responsabilidade de terceiro, poderá apresentar suas razões, desde logo, sem que sejam discutidas e julgadas, a fim de demover o chamador “de propor, futuramente, a ação regressiva”.330 914. Terceira atitude: negação da responsabilidade Lícito se afigura ao chamado comparecer, representado por advogado, “para negar a qualidade que lhe foi atribuída” de responsável, no caso de sucumbência do réu. Não em maior importância a omissão dessa atitude no catálogo do art. 128. É uma das atitudes concebíveis do chamado, independentemente da posição assumida perante o adversário do chamador, confessando os fatos desfavoráveis ao chamador (art. 128, III) ou, bem ao contrário, contestando o pedido formulado pelo adversário do chamador.

Segundo a construção prevalecente do instituto, a negação da responsabilidade, por si mesma, representa contestação à pretensão regressiva, incidindo, portanto, no respectivo regime.331 Entre dois polos gravitará a defesa imbuída dessa finalidade: ou o terceiro nega a qualidade de garante legal ou contratual, ou rejeita a responsabilidade em si (v.g., não deu causa ao vício jurídico alegado pelo adversário do chamador, na responsabilidade por evicção; o contrato oneroso pré-excluiu a responsabilidade; e assim por diante). Não impede, naturalmente, outra espécie de defesa, como a exceção substancial de prescrição. O juiz decidirá,opportuno tempore, essas questões. Enquanto tal não acontecer, eventualmente excluindo o terceiro do processo, o chamado atuará como assistente do chamador. E, paralelamente à contestação da pretensão regressiva, o chamado também poderá opor-se à pretensão principal, como facultado no art. 128, I. O princípio da eventualidade explica eventual contradição no conjunto da defesa (retro, 311.2). E inexistirá incompatibilidade entre a confissão dos fatos alegados pelo adversário do chamador (art. 128, III) e a negativa de responsabilidade, outra das variantes concebíveis. Por exemplo, o chamado alega que o contrato oneroso pré-excluiu a responsabilidade por evicção, ou incide causa legal dessa responsabilidade, embora admita como reais os fatos afirmados pelo autor (v.g., a posse pelo tempo hábil à aquisição do domínio por usucapião). Em tal hipótese, o ônus de o chamador prosseguir na defesa da causa, subentendido no art. 128, II, torna-se intenso. O prosseguimento é autêntico imperativo para o interesse do chamador. Do contrário, arrisca-se a sucumbir duplamente, ficando vencido na causa principal e na pretensão regressiva. De acordo com a explicação alternativa à natureza do instituto do chamamento em garantia, feita a denúncia o chamador resguarda seu direito de regresso, mas não o põe em causa. Por sua vez, o chamado ingressa no processo para negar a responsabilidade, embora não precise fazê-lo, com o fito de demover o chamador de propor a futura ação in eventum, quando e se vencido. Essas razões permanecem alheias à causa em curso. O incidente finda nesse estágio inicial. Porém, não se convencendo o chamador das razões apresentadas (v.g., o contrato oneroso pré-exclui a responsabilidade), nada o impede de deduzir, em demanda autônoma e paralela, desde logo a pretensão regressiva. E, finalmente, porque negou sua responsabilidade, o chamado não figurará como assistente no processo pendente, fiscalizando e ajudando a atuação do chamador. Ao negar a responsabilidade, despiu-se do interesse jurídico “(embora possa ter de fato) no desfecho do litígio, desfecho esse que lhe seria, pelo menos em tese, absolutamente indiferente”,332 requisito obrigatório na assistência (retro, 777). A atividade processual também repudia o venire contra factum proprium. § 185.º Efeitos do chamamento em garantia 915. Efeitos do chamamento em garantia no curso do processo

Os poderes processuais do chamado em garantia têm a extensão (retro, 788) e as limitações inerentes à sua condição de assistente (retro, 791). Fundamentalmente, não pode dispor do direito do chamador, nem sequer reconhecer o pedido formulado pelo adversário deste. O máximo que pode ocorrer, nesse caso, reside no reconhecimento como verdadeiros os fatos alegados pelo adversário do chamador, ato eminentemente prejudicial ao chamador. O art. 128, III, versou a hipótese, porque não poderia a lei impedila. E, conjurando hipotético prejuízo para o chamador, o art. 128, III, reconhece a ineficácia desse ato perante o chamador, que prosseguirá, ou não, na defesa da causa principal, consoante recomendar-lhe o próprio interesse (retro, 912.1.5). Os resultados práticos não discrepam entre os que visualizam o chamado como litisconsorte: ou o chamador prossegue na defesa, estimando que, malgrado a traição do possível assistente, logrará êxito perante o adversário; ou o chamador “adere” ao ato dispositivo, facilitando a própria vitória perante o chamado (art. 129,caput, segunda parte).333 O que varia, segundo a concepção adotada, é o fundamento das conclusões convergentes. Os negócios jurídicos processuais dispositivos suscitam atenções especiais, objeto de subitens particulares. Antes de ingressar nesse assunto, há um relevante efeito a considerar: a incidência do art. 229 na relação entre o chamado e o chamador. Entende-se que a parte principal e a parte auxiliar desfrutarão do prazo em dobro, porque litisconsortes e, necessariamente, representados por diferentes procuradores, enquanto se mantiver esse vínculo, a exemplo do que acontece se ambos são condenados, respectivamente, na causa principal e acessória.334Desfazendo-se o litisconsórcio, em razão do resultado do julgamento – por exemplo, o juiz acolheu a pretensão principal, mas rejeitou a pretensão regressiva –, desaparece a dobra. À semelhança do que ocorrerá em matéria de sucumbência, a jurisprudência do STJ enceta distinção entre a hipótese em que o chamado aceita a responsabilidade, formando litisconsórcio,335 e na qual há prazo em dobro;336 e, ao invés, no caso de negação da responsabilidade, caso em que o prazo é simples.337 Na realidade, o chamado não é litisconsorte do chamador, mas assistente; porém, o art. 229 incidirá, todavia, em virtude do princípio da utilidade do prazo. A dobra existe para ensejar o exame dos autos pelos diferentes procuradores e não há dúvida que tanto o chamador, quanto o chamado ostentam interesse em impugnar a sentença favorável ao adversário do primeiro. Desse modo, a incidência da regra se respalda em seu princípio intrínseco, sobreposto à literalidade da disposição, atinente unicamente ao litisconsórcio.338 Seja como for, essa razão não se verifica no processo eletrônico, motivo por que, em tal caso, inexistirá a dobra (art. 229, § 2.º). Tampouco haverá dobra no caso de revelia do chamado (art. 128, II, c/c art. 229, § 1.º). 915.1; Reconhecimento do pedido e transação na causa principal – Eventual reconhecimento do pedido do chamador, propiciado pelo fato que,

sendo este o réu e senhor do próprio interesse, mostra-se lícito chamar sem apresentar contestação (retro, 901), e ulterior transação entre as partes da causa principal, implicam na configuração prevalecente do instituto: (a) a extinção do processo com resolução de mérito (art. 487, III, a e b); (b) prosseguimento da ação regressiva, cabendo ao juiz declarar, ou não, a existência da responsabilidade e condenar o chamado, no caso do art. 128, II.339 Não diferem, ainda na configuração prevalecente, essas conclusões no caso de se tratar o chamado como litisconsorte.340 Impende notar que, aceita a responsabilidade (art. 128, I), ou confessados os fatos alegados pelo adversário do chamador, na prática a pretensão regressiva encontra-se prejulgada. E, como o órgão judiciário profere resolução de mérito incontinenti, talvez este seja o melhor exemplo de sentença de mérito parcial que não tumultua o processo. Entretanto, como o processo prossegue, não é extinto, o recurso cabível é o de agravo de instrumento (art. 356, § 5.º, c/c art. 1.015, XIII), salvo se a transação envolver todos os figurantes do processo, as partes processuais e os chamados. Dir-se-á que nenhum dos transatores, por exemplo, tem interesse em recorrer. E, de fato, além de algum vício respeitante à capacidade, não há motivo para impugnar o negócio. Já ocorreu – e a experiência forense sempre ministra exemplos desconcertantes – de as partes e os denunciados transacionarem, cabendo a responsabilidade de pagar ao autor ao transmitente que se situava no final da cadeia de transmissões. Posteriormente, apelou da sentença homologatória, alegando que, comunicado o fato no ambiente doméstico, a varoa rejeitara o acordo, manifestamente prejudicial ao interesse do casal. Na configuração alternativa do instituto, revela-se inadmissível, porque incoerente, chamar em garantia e, simultaneamente, reconhecer o pedido do adversário. Esse último ato impediria o chamado, aceitando a responsabilidade, formar litisconsórcio passivo (e unitário) com o chamador, opondo-se à pretensão do autor. O óbice desaparece se o chamado recusa a responsabilidade que o chamador lhe atribui, ou permanece inerte, porque, nessas situações, fica afastado do processo, embora sujeito à autoridade da coisa julgada. Após o ingresso do chamado, eventual reconhecimento do pedido revelar-se-á ineficaz perante o chamado, que prosseguirá na defesa da causa, em virtude do regime especial (unitário) do litisconsórcio já formado.341 915.2. Reconhecimento do pedido e transação na causa regressiva – A aceitação da responsabilidade importa reconhecimento do pedido formulado pelo chamador perante o chamado. O tema já recebeu análise (retro, 912). Igualmente, concebe-se transação entre o chamado e o chamador. Em tal hipótese, prosseguirá a causa principal, em nada afetada por esse negócio jurídico dispositivo.342 Aliás, existindo-se dois ou mais chamados, pode haver transação parcial, envolvendo apenas um dos garantes ou responsáveis (admite-se, no mínimo, dois chamamentos, a teor do art. 125, § 2.º, sem prejuízo do chamamento coletivo), caso em que os demais não são afetados e ambas as causas prosseguem normalmente. O processo somente extinguirse-á no caso de transação total, envolvendo as partes principais e o(s) chamado(s), caso examinado no item anterior.

915.3. Desistência da causa principal e chamamento em garantia – Nada obsta que o autor, haja ou não ele próprio chamado em garantia, desista da ação, obtendo a concordância do chamador (art. 485, § 4.º). Eventual resistência do chamado, dispensada sua audiência prévia, mostrar-se ineficaz, porque simples assistente. Por identidade de motivos, desnecessária a anuência do chamado pelo autor, mas a desistência da causa principal implica a da pretensão de regresso, por natural decorrência. Nesse caso, inevitavelmente o autor suportará o ônus da sucumbência perante o chamado representando nos autos. É diferente a solução no caso de entender que o chamado é litisconsorte do chamador, ativo ou passivo, conforme se trate de chamamento pelo autor ou chamamento pelo réu. O regime do litisconsórcio formado pelo autor é especial (unitário), e, nesse caso, somente os atos determinantes benéficos o atingem. Por essa razão, ou o chamado anuiu com a desistência,343 ou o processo prosseguirá, porque ineficaz a desistência, a despeito da concordância do adversário, mantendo-se as mesmas partes principais e auxiliar. 916. Efeitos do chamamento em garantia no julgamento do processo É o art. 129 a escora básica da configuração prevalecente do chamamento em garantia como a introdução da pretensão regressiva, in simultaneo processu, por intermédio da denúncia da lide ao terceiro. Segundo a regra, acolhido o(s) pedido(s) da ação principal (v.g., reivindicação do imóvel y mais perdas e danos), o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide, ou seja, declarará a responsabilidade e, se for este o caso, condenará o chamado. A possibilidade de o juiz declarar a responsabilidade do terceiro somente lograria justificativa plausível no exercício de uma pretensão a ele dirigida. O ponto de vista da construção alternativa do instituto oferece outra explicação para esse julgamento. O chamamento em garantia é feito na abertura do processo e, no caso de o chamado aceitar a responsabilidade que lhe é atribuída, formando litisconsórcio com o chamador perante o adversário comum, dispõe de todos os meios para repelir a pretensão principal. Em tal contingência, inexistira “sentido lógico ou prático impor ao denunciante um futuro procedimento cognitivo, para ressarcir seus eventuais prejuízos, mesmo porque nada mais haveria que discutir”.344 Desse modo, conquanto inexista litígio entre o chamador e o chamado, pois este aceitou a responsabilidade, o acolhimento do pedido do adversário comum importará a declaração da responsabilidade do chamado perante o chamador, através de expediente técnico similar ao que ocorre no chamamento ao processo. Seja qual for a melhor explicação, num caso e noutro o juiz proferirá, a mais das vezes, sentença formalmente única, mas materialmente dividida em dois capítulos distintos. E, de fato, salvo nas hipóteses de negócios dispositivos, em que uma das pretensões encerra-se prematuramente, inexiste possibilidade de julgar em separado as pretensões, entre as quais há inequívoco nexo de prejudicialidade. É preciso julgar “ambas as ações, a principal e a regressiva, na mesma sentença”.345

A começar pelo chamamento em garantia pelo réu, rejeitada a pretensão principal, o juiz julgará prejudicada a pretensão regressiva (art. 129, parágrafo único, primeira parte),346 pois o chamador não suportou prejuízo, e, nesse caso, não há responsabilidade imputável ao chamado. Ao contrário, acolhida a pretensão principal, enseja-se o fato da evicção (ou constitutivo de responsabilidade de outra natureza), e, em princípio, o chamado há de recompor o patrimônio do chamador, ressalva feita ao acolhimento da respectiva defesa, tratada como negação da responsabilidade, o chamado pode não ter responsabilidade (v.g., não ensejou o vício jurídico que conduziu o chamador à perda do domínio ou pré-exclui, contratualmente, a respectiva responsabilidade).347 Por esse motivo, o art. 129, caput, deixou em aberto o juízo a respeito da pretensão regressiva, a evidenciar que, sem embargo da prejudicialidade, a pretensão regressiva pode ser rejeitada por razões autônomas. No chamamento em garantia do autor, julgado improcedente o pedido principal, haverá de julgar procedente o pedido regressivo, e, portanto, invertem-se as proposições do art. 129.348 Cumpre ao órgão judiciário, havendo pretensões cumuladas (construção prevalecente), ou porque o chamado aceitou a responsabilidade e o caso é de acolhimento do pedido principal (construção alternativa), julgar o objeto do processo por inteiro. A diferença se localiza no fato de caber ao juiz sempre julgar as duas pretensões, na configuração dominante, ou eventualmente precisar declarar a responsabilidade do chamado, na construção alternativa (desde que acolhido o pedido do adversário principal). Eventual sentença que não apreciar a posição do chamado em garantia revelar-se-á citra petita. Na perspectiva material, há um provimento existente, válido e eficaz, no que tange à pretensão principal, e inexiste provimento quanto à pretensão regressiva.349 Essa espécie de vício comportará suprimento, no julgamento da apelação, conforme a sistemática do art. 1.013, § 3.º, III, inovadora quanto a essa espécie de vício. Discrepa a hipótese de anulação da sentença de primeiro grau, porque o juiz não julgou quando deveria fazê-lo, da que surge no caso de rejeição do pedido principal e, conseguintemente, tendo o juiz julgado prejudicado o pedido regressivo. Então, interposta apelação e reformado o capítulo principal para acolher o pedido contra o chamador, e estando madura a causa acessória, aplicar-se-á o art. 1.013, § 3.º,350 e o órgão ad quem passará a julgar a pretensão regressiva,351 percorrendo caminho não desbravado pelo primeiro grau, ou seja, o pedido que o órgão a quo não julgou, originariamente, porque não poderia fazê-lo. Eis uma das razões por que se diz que, no direito brasileiro, nem sempre o órgão ad quem refaz o caminho trilhado pelo órgão a quo. Eventualmente, irá além, dentro do objeto litigioso, sem nenhuma mácula ao princípio do duplo grau de jurisdição. 916.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento em garantia – Em geral, o provimento vai além da simples declaração, assumindo vestes condenatórias.352 A esse respeito, decidiu o STJ perante a ambígua regra anterior: “… embora consigne que a sentença declarará o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, acrescenta que valerá como título executivo, evidenciando o seu conteúdo condenatório”.353 Esse ponto não

suscita maiores dificuldades para os que, erroneamente, emprestam eficácia executiva, tout court, à simples declaração. Porém, se o órgão judiciário impõe prestação ao vencido, ou reconhece a exigibilidade de obrigação a seu cargo, consoante a tortuosa redação do art. 515, I, inegavelmente condena e, não, apenas declara. O procedimento da pretensão a executar é o do art. 513. Em relação aos legitimados ativos e passivos, a questão se transmuda na possibilidade de condenação direta do chamado perante o adversário do chamador, situação já examinada (retro, 912.1.2 e 912.2.2). 916.2. Tutela provisória no chamamento em garantia – É admissível a tutela provisória de urgência antecipada, quer o da pretensão principal, quer o da pretensão regressiva. Embora a última seja deduzida in eventum, nada impede o chamador, evitando desembolsar o que deve ao adversário, desde logo se previna contra o evento futuro, instando o chamado, responsável final pela sucumbência, a depositar o montante do prejuízo. O requisito da probabilidade não constitui obstáculo de maior monta à antecipação requerida pelo chamador.354 Basta o órgão judiciário considerar provável a sucumbência do chamador. Nesse sentido, a única dificuldade avulta na incômoda posição assumida pelo chamador: ao requerer a antecipação, na perspectiva que venha a sucumbir, fragiliza a defesa perante o adversário. Embora, nos termos estritos da construção prevalecente dessa modalidade interventiva, em que a posição do chamado é de assistente do chamador perante o adversário, não seja possível a este pleitear o bem da vida perante o chamado, a admissibilidade da execução “direta” (art. 128, parágrafo único) relativiza o princípio. Parece possível, nos casos em que ocorrerá tal execução direta (v.g., figurando o segurador como chamado em garantia), a parte adversa ao chamador pleitear o provimento antecipatório perante o chamado e para idênticos efeitos. Na configuração alternativa dessa modalidade interventiva, o provimento antecipatório diante do chamado revela-se naturalmente admissível: ou o chamado aceita a responsabilidade, e assume a posição de litisconsorte ulterior (e unitário), e, nesse caso, lícito o adversário comum pleitear a antecipação perante qualquer um dos litisconsortes passivo; ou recusa a responsabilidade, inclusive no caso de revelia, e, nessa hipótese, ficará afastado do processo e, não sendo parte, nada pode ser pleiteado, porque a sua responsabilidade não integrará o julgamento da causa. Ressalva feita à hipótese de se considerar, como acontece na configuração alternativa, litisconsortes passivos o chamador e o chamado, submetidos ao regime especial (unitário) nas suas relações perante o adversário comum, dificilmente se pode entender como estendido ao chamado, de forma automática, o provimento antecipatório requerido contra o chamador. E isso, porque a antecipação de tutela se subordina à iniciativa da parte, exibindo alcance subjetivo parcial ou total no termos do pedido. 916.3. Eficácia da coisa julgada no chamamento em garantia – Julgada a pretensão de garantia, em qualquer sentido, porque acolhido o pedido do adversário do chamador, na forma do art. 129, caput, primeira parte, o chamado submete-se à autoridade da coisa julgada. Não é possível às partes da pretensão regressiva, chamador e chamado, impugnar a justiça da

decisão.355 Tampouco ao chamado, em que pese a sua condição de assistente, tocará a exceptio mali gesti processu(art. 123). Por definição, julgada a pretensão regressiva no mesmo processo, inexistirá demanda ulterior ou futura a ensejar semelhante exceção. Na configuração alternativa do instituto, recusada a responsabilidade, o chamado ficará vinculado à eficácia da decisão, no tocante à existência do vício jurídico e o montante do prejuízo. É a linha clássica do direito brasileiro: o terceiro que não participa, apesar de chamado, ficará adstrito aos termos do julgado das partes.356 No entanto, o chamado poderá eximir-se de compor o prejuízo do chamador, na posterior demanda. Necessitará alegar e provar que não é o sujeito passivo da relação de garantia ou que a sua responsabilidade inexiste na espécie, pré-excluída por disposição legal (art. 457 do CC) ou contratual (art. 448, in fine, do CC), conforme já explicado (retro, 886). Em outras palavras, a sua defesa, no segundo e necessário processo, limita-se às causas que legitimaram a recusa, abrangendo todas as hipóteses do art. 125, e não só a resultante do fato da evicção: “não é, realmente, possuidor indireto; não se responsabilizou pelo risco da evicção; nenhuma participação teve no evento que gerou o dano”.357 Essa hipotética segunda demanda, porém, revela-se inadmissível no sistema vigente, a teor do art. 129, caput. A ação principal e a ação in eventum, sem prejuízo do nexo de prejudicialidade, são julgadas conjuntamente. 916.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento em garantia – Em matéria de responsabilidade pela sucumbência – despesas processuais e honorários advocatícios –, a distribuição far-se-á em razão de dois elementos: primeiro, o nexo de prejudicialidade entre a pretensão principal e a regressiva; segundo, a atitude do chamado. Em primeiro lugar, rejeitado o pedido do adversário do chamador, e julgando o órgão judiciário prejudicada a pretensão regressiva, haverá dupla condenação: uma favorável ao chamador, porque vitorioso na causa principal; outra desfavorável ao chamador, vencido na causa acessória, e que provocou improcedentemente a intervenção do terceiro (art. 129, parágrafo único). Do mesmo modo, extinta a causa principal, por qualquer motivo, o chamador pagará honorários para o advogado do chamado, prejudicado o chamamento em garantia.358 Não é justo, em ambas as hipóteses, o adversário arcar com semelhante ônus.359 Ele nada pediu perante o chamado, nem lhe promoveu o ingresso forçado no processo. Tampouco parece correto isentar o chamador por identidade de motivos. É risco que há de suportar, porque tomou certa iniciativa em prol do próprio interesse, e, apesar da crítica,360 inexiste outra solução mais justa. Basta a parte não denunciar a lide e aguardar o desfecho para exercitar a pretensão regressiva, como lhe assegura o art. 125, § 1.º. Foi o chamente quem deu causa – e o princípio da causalidade fundamenta a responsabilidade prevista no art. 85, caput, e, a fortiori, a do art. 82, § 2.º – à intervenção do terceiro, independentemente do chamado aceitar ou recusar a responsabilidade. É a orientação seguida pelo STJ no caso de garantia simples, ou seja, de chamamento em garantia facultativo (retro, 876).361

No entanto, tratando-se de garantia formal, na errônea suposição que o chamado se torna litisconsorte do chamador e, ademais, que o adversário controverteu a relação garantia,362 o STJ debita unicamente ao autor a verba da sucumbência.363 Busca-se explicar o desfecho paradoxal com o fato de o adversário do chamador, ao demandá-lo sem razão, tê-lo colocado na inexorável posição de denunciar da lide, sob pena de perder o direito de regresso.364 Esse fundamento não tem o menor cabimento, à luz do art. 125, § 1.º, e a explicação não convencia inteiramente no direito anterior. O adversário do chamador jamais quis litigar contra o terceiro, e, de resto, dificilmente tem condições de aquilatar se há, ou não, direito de regresso. Talvez não haja, no caso concreto, porque excluído convencionalmente, e, dessa maneira, de qualquer sorte o chamador sucumbiria perante o chamado. Essa tentativa de eliminar quaisquer riscos financeiros do processo não apresenta serventia real. Por outro lado, a alegação que a isenção estimularia o chamado a adotar atitude responsável, aceitando a responsabilidade nos casos em que ela realmente se configura,365 assim isentando-se do risco financeiro, ainda não equaciona a controvérsia do ângulo do adversário do chamador – não tem nada com isso. Se o escopo do entendimento consiste em livrar o chamador vitorioso de quaisquer ônus, resolvia-se o problema de forma mais fácil e direta sopesando melhor os critérios de fixação de honorários. O juiz atribuiria percentual de honorários maior ao adversário vencido e menor ao chamado, servindo a diferença para compensar, adequadamente, o chamador. Por óbvio, nada disso é possível no sistema que atribui os honorários ao advogado, e, não, à parte vitoriosa (art. 85, caput, e § 14). Existindo sucumbência parcial na causa principal, todavia é total a sucumbência do chamado na pretensão regressiva, que arcará com total do prejuízo do chamador.366 Feito o chamamento em garantia pelo autor, ao associar-se o chamado, acrescentando novos argumentos na petição inicial (art. 127) responderá pela sucumbência perante o réu vitorioso.367 Na situação inversa, ou seja, acolhido o pedido do adversário do chamador, que é a situação prevista no art. 129, caput, o chamador responderá pelo ônus da sucumbência perante o chamado, tanto que rejeitada a pretensão regressiva, por alguma razão autônoma (v.g., préexclusão contratual da responsabilidade).368 No caso de acolhimento simultâneo da pretensão regressiva, como sói ocorrer, cumpre distinguir entre a recusa e a aceitação da responsabilidade. O chamado que aceita a responsabilidade não responde pelo ônus da sucumbência perante o adversário do chamador, ressalva feita à hipótese de condenação direta (retro, 912.1.2), nem perante o próprio chamador.369 Porém, negada a responsabilidade (v.g., o chamado alegou prescrição da pretensão regressiva), o chamado responderá pelo ônus da sucumbência perante o chamador.370 Convém ressaltar que, indeferido o chamamento em garantia, porque o terceiro demonstrou a respectiva inadmissibilidade, na oportunidade em que realizado o chamamento, mostra-se devida a verba da

sucumbência.371 Provocada a intervenção do terceiro, sem sucesso, e tendo este constituído advogado, deverá ser ressarcido da despesa. 916.5. Problemas recursais decorrentes do julgamento conjunto das pretensões no chamamento em garantia – O chamamento em garantia provoca problemas específicos quanto ao interesse em recorrer e à técnica de julgamento da apelação no órgão ad quem que inexiste no chamamento ao processo. No caso de o juiz julgar improcedente o pedido principal, e, conseguintemente, estimar prejudicada a denunciação da lide, só tem interesse em recorrer o adversário do chamador, por intermédio de apelação (art. 1.009, caput). O chamado e o interveniente lograram êxito, inexistindo gravame que eventual recurso arredaria, colocando o recorrente em posição mais favorável, salvo no tocante à distribuição do ônus da sucumbência (v.g., a sentença não debitou ao chamador o ônus da sucumbência, porque se tratava de garantia formal, e, por igual, não cometeu o ônus ao vencido). No caso de provimento do apelo, cabe ao órgão ad quemexaminar a pretensão regressiva, de meritis, independentemente de qualquer recurso dos antigos vitoriosos, como sucederia no caso de cumulação eventual de pedidos (art. 327, caput). A matéria se encontra devolvida através da apelação do adversário do chamador. De outro lado, acolhido o pedido principal e, por decorrência, acolhida a pretensão regressiva, legitimam-se a recorrer tanto o chamador quanto à pretensão principal, quando o chamado, relativamente ao conjunto do provimento.372 A possibilidade de impugnar a sentença no tocante à procedência do pedido principal se funda na sua qualidade de assistente: o provimento, nesse tópico, por si só garante-lhe êxito na relação de regresso. Por identidade de razões, o órgão ad quemapreciará, em primeiro lugar, o apelo do chamador e, desprovido este, passará a examinar a admissibilidade e o mérito da apelação do chamado, se interposta. O provimento do apelo do chamador derrubará, ainda que o chamado não recorra, o capítulo desfavorável quanto à relação de regresso, porque incompatível a sua manutenção com a rejeição do pedido principal. Finalmente, a hipótese mais simples: o pedido principal é acolhido, mas o juiz rejeita o pedido regressivo. Em tal hipótese, o único interessado em impugnar os dois capítulos da sentença é o chamador.373

TÍTULO VII - DO JUIZ Capítulo 43. ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS BRASILEIROS SUMÁRIO: § 186.º Organização judiciária brasileira – 917. Conceito e objeto da organização judiciária – 918. Evolução da organização judiciária brasileira – 919. Normas de organização judiciária – 919.1 Fundamento das normas de organização judiciária – 919.2 Conteúdo das normas de organização judiciária – 919.3 Efeitos das normas de organização judiciária no processo civil – § 187.º Órgãos judiciários brasileiros – 920. Órgãos judiciários – 921. Órgãos jurisdicionais anômalos – 921.1 Senado Federal – 921.2

Tribunal de Contas – 921.3. Tribunal Marítimo – 922. Órgãos jurisdicionais especiais – § 188.º Independência dos órgãos judiciários – 923. Independência jurídica do órgão judiciário – 923.1 Restrições à independência jurídica – 923.2 Responsabilidade pessoal do órgão judiciário – 924. Independência política do órgão judiciário – 925 Independência financeira do órgão judiciário – 926 Independência funcional do órgão judiciário – 926.1 Vitaliciedade – 926.2 Inamovibilidade – 926.3 Irredutibilidade de subsídios – § 189.º Estrutura judiciária nacional – 927. Composição dos órgãos judiciários (singular ou coletivo) – 928. Sistemas de recrutamento dos juízes – 929. Recrutamento dos juízes de primeiro grau – 930. Recrutamento dos juízes de segundo grau – 930.1 Provimento derivado – 930.2 Provimento originário – 930.2.1 Cálculo do percentual das classes – 930.2.2 Igualdade de participação das classes – 930.2.3 Requisitos dos candidatos das classes – 930.2.4 Procedimento da escolha no provimento originário – 931. Recrutamento dos juízes nos tribunais superiores de jurisdição civil – § 190.º Organização da Justiça Federal na jurisdição civil – 932. Origem e evolução da Justiça Federal – 933. Segundo Grau da Justiça Federal – 934. Primeiro grau da Justiça Federal – § 191.º Organização da Justiça Comum na jurisdição civil – 935. Origem da Justiça Comum – 936. Segundo grau da Justiça Comum – 936.1 Origem do tribunal de justiça – 936.2 Designação dos juízes no tribunal de justiça – 936.3. Divisão interna do tribunal de justiça – 936.4 O órgão especial do tribunal de justiça – 937. Primeiro grau da Justiça Comum – 937.1 Distribuição territorial dos juízes de direito – 937.2 Classificação das comarcas de primeiro grau – 937.3 Distribuição dos juízes de direito nas comarcas – 937.4 Juízes de investidura temporária – 937.5 Juizados especiais da Justiça Comum. § 186.º Organização judiciária brasileira 917. Conceito e objeto da organização judiciária A distribuição da Justiça Pública realiza-se através dos órgãos judiciários arrolados no art. 92 da CF/1988. O conjunto desses órgãos forma o Poder Judiciário ou o “poder jurisdicional instituído”.1 Ao lado do órgão judiciário, composto por uma ou mais pessoas investidas na função judicante, existem órgãos auxiliares, ocupados por servidores públicos, especificamente designados de serventuários da justiça, sem os quais a tarefa de distribuir justiça tornar-se-ia irrealizável na prática. O art. 31 do ADCT da CF/1988 declarou estatais as serventias do foro judicial, ressalvando o direito dos seus ocupantes. A primeira parte desse dispositivo reforça o caráter público dos órgãos auxiliares e veda a privatização.2 Já a ressalva reflete-se na forma de retribuição pecuniária dos serviços: o particular que recebia delegação da serventia judicial, e a preservou, tem seus rendimentos pagos diretamente pelas partes, sob a forma de custas. Os servidores públicos recebem do erário, sob a forma de vencimentos, porque as partes recolhem ao tesouro as custas dos atos. Nada obstante a predominância do caráter público, sempre haverá os particulares que, sem perder essa condição, colaboram com a administração da Justiça. Por exemplo, a tomada do depoimento de pessoa que não fala português exigirá a presença de intérprete na audiência. Essa eventualidade não justifica a criação de cargo público e seu provimento por uma pessoa.

Idêntico juízo atrai os peritos, os administradores, os depositários – particulares que, embora frequente a sua participação nos processos, colaboram em caráter privado, habilitando-se previamente ou não (v.g., quanto aos peritos, o art. 156, § 1.º), porque único meio eficiente e econômico de auxiliar o órgão judiciário. E há pessoas designadas, de modo episódico, para alguns atos, como a pessoa idônea investida como substituto eventual do escrivão (art. 152, § 2.º, in fine). Todas essas pessoas, exemplificativamente arroladas no art. 149, consideram-se auxiliares da justiça, independentemente da natureza do vínculo mantido com a administração pública. Os órgãos judiciários, os órgãos auxiliares e os particulares em colaboração permanente ou eventual com a administração judiciária têm disciplina legal que concerne à constituição, composição e atribuições (natureza e extensão). No tocante aos órgãos, há regime legal quanto à investidura, posição, carreira (acesso e promoção), garantia e condições de exercício das respectivas funções. O conjunto dessas disposições forma a organização judiciária. Segundo definição clássica, a organização judiciária, classicamente designada de Justizverwaltung,3 é “a doutrina da constituição e disposição dos órgãos judiciários, principais e auxiliares”,4 que se aparelham para atingir os fins visados pelo processo civil. A complexa estrutura da organização judiciária nem sempre se baseia nos melhores princípios da administração pública. A contrariedade frontal à eficiência, à impessoalidade (v.g., a investidura de parentes em cargos comissionados) e à economia verga a máquina judiciária. Resquícios de tradições seculares deixaram marcas indeléveis. Por exemplo, a designação honorífica de alguns juízes (v.g., a de desembargador para os juízes dos tribunais de segundo grau) nada contribui em termos de clareza e compreensão do povo, em geral, quanto à estatura da função judiciária. À intrincada organização judiciária é possível debitar, em boa parte, as dificuldades de acesso à Justiça e realização dos direitos consagrados na ordem jurídica. 918. Evolução da organização judiciária brasileira Era particularmente complexa a organização judiciária de Portugal. Ela vigorou, entre nós, até 1833, quando a Lei de 29.11.1832 instituiu o Código Criminal do Império, cujo anexo agasalhava algumas disposições acerca da administração da Justiça Civil.5 Antes disso, a Lei de 18.09.1828 criou o Supremo Tribunal de Justiça; a Lei de 22.09.1828 extinguiu os tribunais da Casa de Suplicação e da Mesa de Desembargo do Paço, Consciência e Ordens; a Lei de 15.10.1828 criou juízes de paz para freguesias e distritos; e, por fim, a já mencionada Lei de 19.11.1832 extinguiu os juízes ordinários e almoçatéis, os juízes de fora, os ouvidores das comarcas, além da reorganizar competência dos desembargadores dos Tribunais de Relação então existentes, desaparecendo os desembargadores dos agravos. O Supremo Tribunal de Justiça, integrado por conselheiros, julgava precipuamente o recurso de revista (art. 164, I, da Constituição de 1824), destinado a manter a integridade formal da lei ferida por julgados contaminados por nulidade manifesta ou injustiça notória, com função de cassação: reformado o acórdão,

fixada a tese jurídica porventura aplicável, cabia a outro Tribunal de Relação, distinto do que havia emitido o julgado desfeito, julgar a causa consoante a diretriz da corte superior. Findou essa primeira reorganização com a Lei de 03.01.1835, que criou juízes de direito para as comarcas, juízes municipais, promotores públicos e conselhos de jurados. A Lei 261, de 1841, cujo regulamento permitiu a livre nomeação dos juízes municipais pelo Executivo, redefiniu alguns aspectos secundários. Em 1873, o movimento forense já era suficiente para criar mais sete Tribunais de Relação, equivalentes aos atuais TJ, e, assim, dividiu-se o território nacional em onze distritos judiciários, denominados segundo a respectiva sede, a saber: (a) Belém (Amazonas e Pará); (b) São Luiz (Maranhão e Piauí); (c) Fortaleza (Ceará e Rio Grande do Norte); (d) Recife (Pernambuco, Paraíba e Alagoas); (e) Salvador (Bahia e Sergipe); (f) Corte (Município Neutro, Rio de Janeiro e Espírito Santo); (g) São Paulo (São Paulo e Paraná); (h) Porto Alegre (Rio Grande do Sul e Santa Catarina); (i) Ouro Preto (Minas Gerais); (j) Cuiabá (Mato Grosso); (k) Goiás (Goiás). Nessa contingência, a divisão judiciária do Império se delineou da seguinte maneira: (a) Supremo Tribunal de Justiça; (b) onze distritos judiciários, correspondentes aos onze tribunais de segundo grau; (c) juízes de direito, nas comarcas; (d) juízes municipais, nos termos; (e) juízes de paz, nos distritos. Os juízos de paz se dividiam nas seguintes espécies: (a) termo simples, compreendendo uma única comarca; (b) termo composto, formados por dois ou mais municípios, mas com um só conselho de jurados; (c) termo reunido, “quando, sob a jurisdição de um só juiz municipal, qualquer dos municípios dele componentes, podia apurar mais de 50 jurados e, nesta conformidade, ter conselho de juros separado e ter foro cível”.6 As comarcas abrangiam um ou mais termos. Eram escalonadas em três entrâncias, conforme a importância e o volume do serviço forense. Eventualmente, a última forma da organização judiciária do Império a que exibiu o maior grau de simplicidade, bastando aumentá-la e adotar forma única de recrutamento para os magistrados de primeiro grau e dos Tribunais de Relação. A República separou a Justiça Comum, atribuída aos Estados membros, e a Justiça Federal, mantida pela União. O órgão de cúpula da Justiça Pública, criado antes da CF/1891 pelo Decreto 848, de 24.10.1890, era o Supremo Tribunal Federal, que também funcionava como tribunal de apelação da Justiça Federal, intimamente ligado, na primeira função, ao novel recurso extraordinário, similar ao writ of error norte-americano. A organização da Justiça Federal foi complementada pelo Decreto 173-B, de 10.11.1893, e a Lei 221, de 19.11.1894, e assim se dividia, territorialmente, até sua extinção pela CF/1937: (a) STF em todo o território nacional; (b) vinte e duas (22) circunscrições, vinte abrangendo os Estados-membros, uma o Distrito Federal e a última o Território do Acre, ocupadas pelos juízes de seção, dotadas de um substituto e de três suplentes; (c) o júri federal. De seu turno, a Justiça Comum organizou-se, na República Velha, em cada Estado-membro segundo distintos critérios. A base era ocupada por juízes de direito, juízes distritais (ou juízes municipais) e juízes de paz, de variada competência, sendo vitalícios os juízes de direito. É digno de nota que juízes distritais e juízes de paz, salvo nos Estados do Piauí, de Goiás e do Rio Grande do Sul, eram eleitos. Também variava a designação do tribunal de

segundo grau (Tribunal de Justiça, Corte de Justiça, Corte de Apelação e até Tribunal de Relação) e a dos próprios juízes que os integravam (desembargadores, título herdado das Relações do Império, ministros e conselheiros). Esses breves dados históricos permitem avaliar que muito pouco se adiantou na simplificação da Justiça Pública. Ao contrário, ela se dividiu, com a especialização da Justiça Federal, e, salvo as variantes terminológicas, impera a complexidade de uma estrutura pesada, lenta e insuficiente. 919. Normas de organização judiciária O CPC alude às normas de organização judiciária, diretamente, nos artigos 44, 149, 150, 152, II, 212, § 3.º, 334, § 1.º e 1.003, § 3.º. Essas regras versam sobre variados assuntos: competência (art. 44); auxiliares do juízo (artigos 149, 150, 152, II, 334, § 1.º); expediente forense (art. 212, § 3.º); protocolo dos recursos (art. 1.003, § 3.º). O NCPC exigirá adaptações profundas na organização judiciária. Os dispositivos arrolados fornecem ideia geral acerca do conteúdo das normas de organização judiciária. As regras e os princípios que regem a organização judiciária integram os domínios do direito constitucional e administrativo. Mas, há reflexos diretos e indiretos no processo civil. Por exemplo, o horário do expediente forense, fixado na regra de organização judiciária, revela-se decisivo para o protocolo do recurso, e, conseguintemente, para aferir a respectiva tempestividade (art. 1.003, § 3.º). As fontes legislativas da organização judiciária mostram-se heterogêneas. Localizam-se, em primeiro lugar, na CF/1988, que delineia a organização do Poder Judiciário. Em seguida, essas normas constam de leis federais, no sentido formal, relativas à organização da Justiça Federal, e de leis locais, quanto à Justiça Comum, mantida pelos Estados-membros (art. 96, II, da CF/1988). O art. 93 da CF/1988 traça os princípios e o conteúdo mínimo do estatuto da magistratura, ou Lei Orgânica da Magistratura (LC 35, de 14.03.1979), em vigor no que compatível com a CF/1988. A essas normas acrescem os regimentos internos dos tribunais (art. 96, I, a, da CF/1988). A incumbência de os tribunais regularem seu funcionamento constitui prova cabal da competência legislativa dos órgãos judiciários. E oferece prova suplementar da inutilidade, para distingui-los de outros órgãos, do critério orgânico: os regimentos têm natureza de lei, “prevendo abstratamente situações que disciplinam, atuando genericamente, coercitivamente e obrigatoriamente”.7 E, de fato, incumbe unicamente aos tribunais elaborar o seu regimento interno (art. 96, I, a, da CF/1988), distribuindo a competência recursal e originária entre os órgãos fracionários, conforme permita a composição do tribunal, e instituindo os serviços auxiliares, como as secretarias das câmaras ou turmas. Finalmente, resoluções administrativas, originadas dos tribunais e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na esteira da competência conferida pelo art. 103-B, § 4.º, da CF/1988, complementam a vasta e obscura disciplina legislativa. O CNJ prescreve normas gerais para o funcionamento da Justiça. Por exemplo, a Resolução n.º 72, de 31.03.2009, disciplina a convocação dos

juízes de primeiro grau para substituir desembargadores nos tribunais locais ou federais; a Resolução n.º 75, de 12.05.2009, estabelece regras homogêneas para o concurso de ingresso na magistratura de carreira em todos os ramos do Poder Judiciário. 919.1. Fundamento das normas de organização judiciária – As normas de organização judiciária se fundamentam, em primeiro lugar, na necessidade de coadjuvar os órgãos judiciários com os meios materiais indispensáveis ao pleno e eficiente exercício de suas funções. O juízo necessita de lugar próprio, que é a sede, onde ocorrem, ordinariamente, os atos processuais (art. 217). As peças processuais (iniciais e recursos) precisam ser recepcionadas, num protocolo, distribuídas imediatamente (art. 93, XV, da CF/1988), onde houver mais de um órgão, e autuadas pelo escrivão, ou chefe de secretaria, mencionando os dados do art. 206. A prática dos atos materiais, a exemplo da citação e da audiência, depende da intermediação de agente hábil e exigem registro adequado. Toda essa atividade ministra os meios para o exercício da atividade jurisdicional propriamente dita. Por outro lado, o princípio da unidade da jurisdição convive com o modelo federativo do Estado. Há a Justiça Comum, mantida pelos Estados-membros, e a Justiça Federal, mantida pela União. Esses ramos diferentes implicam a distribuição das competências legislativas entre os Estados-membros e a União, explicando a origem discrepante das leis e resoluções da organização judiciária. E sentiu-se, em virtude da experiência, os benefícios de órgão interno de controle administrativo, disciplinar e financeiro, no tocante aos juízes de hierarquia inferior ao STF, porque a magistratura se revela eminentemente nacional. Essa ideia inspirou a criação do CNJ.8 As resoluções editadas pelo CNJ sobrepõem-se às de outra origem. Em larga síntese, fundamentam-se as normas de organização judiciária em duas colunas: (a) na disposição dos meios materiais indispensáveis à função típica do órgão judiciário, tornando-o operante em todo território brasileiro, de modo eficiente e econômico; (b) e na coesão nacional do poder jurisdicional instituído. 919.2. Conteúdo das normas de organização judiciária – As normas de organização judiciária envolvem o seguinte conteúdo: (a) organização da magistratura; (b) composição dos juízos; (c) divisão judiciária; (d) organização dos serviços auxiliares. Em relação à magistratura, leis de organização judiciária, o que abrange os princípios inscritos na Constituição, disciplinam o acesso à carreira, mediante concurso de provas e títulos; a promoção dos juízes; o ingresso nos tribunais, inclusive por pessoas estranhas à magistratura (um quinto dos tribunais de segundo grau será composto por advogados e membros do Ministério Público, consoante o art. 94 da CF/1988); a eleição dos membros dos Tribunais Regionais Eleitorais; a remuneração, sob a forma de subsídio, e o pagamento de outras vantagens pecuniárias.

A composição dos juízos, no primeiro e no segundo grau, integra a organização judiciária. Leis de organização judiciária afetam dois ou mais juízes ao mesmo ofício ou vara. A divisão dos tribunais em órgãos fracionários, câmaras, turmas, grupos e órgão especial (art. 93, XI, da CF/1988), e a competência em razão da matéria (v.g., a especialização da vara Y da comarca X) e do valor (v.g., a vara dos juizados especiais), são objeto da organização judiciária, respeitado o regime da competência prescrito na lei processual nacional.9 Os órgãos judiciários operam dentro de certos limites territoriais. Chamase, tradicionalmente, de comarca a base territorial do juízo. Às vezes, a lei designa essa área de seção judiciária, porque abrangem várias cidades de porte; por sua vez, o art. 93, XIII, da CF/1988 rotula de “unidade jurisdicional”, determinando que o número de juízes seja proporcional à demanda e à população. Compete ao STF, ao STJ e aos TJ, no âmbito civil, propor ao Legislativo a “alteração da organização e da divisão judiciárias” (art. 96, II, d, da CF/1988). Os juízes residem na comarca (art. 93, VII, da CF/1988), salvo autorização excepcional do tribunal (v.g., inexistem residências no lugar; familiares do magistrado carecem de tratamento médico especial em outra cidade). O modelo constitucional adotou a figura do juiz residente e permanente. Entre nós, proscreveu-se o juiz ambulante, o qual se desloca de um lugar a outro, conforme as exigências do serviço, e o juiz periódico, designado para um lugar específico, a exemplo do “juiz de fora”, previsto nas Ordenações Filipinas (Livro I, Título 65). Do juiz ambulante se distingue o juiz itinerante (art. 125, § 7.º, da CF/1988; art. 107, § 2.º, da CF/1988), previstos na Justiça Comum e na Justiça Federal. O juiz itinerante se movimenta no interior da comarca da qual é titular, fora da sede do juízo, para atender, in loco, os litígios, a exemplo dos acidentes de trânsito. A divisão judiciária exibe suma importância. Ela é decisiva para colocar o juiz ao alcance das partes, “de sorte a não forçá-las a viagens dispendiosas e a grande perda de tempo, o que equivaleria a negar-lhes justiça”.10 Por fim, as normas de organização judiciária criam os órgãos auxiliares, estipulam a respectiva remuneração, regulam o ingresso dos candidatos, conformando-os em carreira própria, ou não, e prescrevem as atribuições de cada cargo, conforme reza do art. 149. As atribuições do escrivão, ou chefe de secretaria, por exemplo, consistem em cumprir as ordens do juiz, promovendo citações e intimações, e praticar os atos previstos nas leis de organização judiciária (art. 152, II). 919.3. Efeitos das normas de organização judiciária no processo civil – À parte a hipótese de carência, porque a falta de pessoal, de recursos financeiros e de equipamentos (v.g., os computadores se mostram essenciais à agilidade na prática e na comunicação oficial dos atos processuais, devendo o Poder Judiciário instalar os equipamentos necessários, a teor do art. 198, inclusive para atender portadores de necessidades especiais, conforme o art. 199), as normas de organização judiciária refletem-se processualmente de modo direto e indireto.

Repercutem diretamente, no processo civil, as normas de organização judiciária quanto à competência em razão do valor e à matéria. O sistema federativo, atribuindo aos Estados-membros a Justiça Comum, exige a distribuição da competência, segundo o critério objetivo, de acordo com as leis estaduais.11 A competência originária dos tribunais da Justiça Comum deriva das Constituições dos Estados-membros, a teor do art. 125, § 1.º, da CF/1988, mas a criação dos cargos, de juízes e de desembargadores, dependem da lei local, de iniciativa do tribunal de justiça (art. 96, I, d, da CF/1988), e a distribuição da competência, dentre os vários órgãos fracionários, de resolução do tribunal. É o que prevê o art. 93, primeira parte, da CF/1988. Nessas situações, as normas de organização judiciária hão de ser consultadas e, se for o caso, invocadas na resolução de incidentes processuais. Por exemplo, incumbe ao órgão especial do TJ, via de regra, resolver dúvida de competência entre dois ou mais órgãos fracionários do tribunal (art. 958). O regimento interno do tribunal fornecerá a regra aplicável à espécie. Indiretamente, as normas de organização judiciária se refletem na criação das varas judiciárias, na divisão territorial, na criação dos cargos dos auxiliares do juízo, a respectiva remuneração e atribuições. § 187.º Órgãos judiciários brasileiros 920. Órgãos judiciários Diz o art. 92 da CF/1988: “São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; I-A – o Conselho Nacional de Justiça; II – o Superior Tribunal de Justiça; III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”. No que tange aos órgãos do Poder Judiciário, um dos poderes independentes do Estado (art. 2.º da CF/1988), cuja missão específica consiste na resolução das lides, a enumeração revela-se exata e exaustiva. O único reparo consiste na indicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela EC 45/2008 para realizar o controle externo do Poder Judiciário, como órgão “judiciário”. Cuida-se, na verdade, de órgão administrativo. E mostra-se incompleto o rol dos órgãos estatais com função judicante. É preciso considerar duas outras classes: (a) os órgãos jurisdicionais anômalos; (b) os órgãos jurisdicionais especiais. A despeito de integrar o Poder Judiciário, o CNJ (art. 92, I-A, da CF/1988) tem unicamente funções administrativas, exercendo o controle interno dos demais órgãos judiciários, exceção feita ao Supremo Tribunal Federal, no concernente aos aspectos administrativo, financeiro e disciplinar. O controle externo contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade dos atos administrativos dos órgãos judiciários, compete aos Tribunais de Contas (art. 70, caput, da CF/1988), órgão externo do Legislativo (local ou federal).

Do art. 92 da CF/1988 resulta inequívoca a organização hierárquica dos órgãos judiciários. Em graus superiores, os títulos formais (desembargador, ministro) destacam esse aspecto e, no âmbito do mesmo corpo (v.g., tribunal), a distribuição dos juízes e das juízas obedece à ordem de antiguidade da investidura.12 Os ministros do STF ingressam no plenário na ordem de antiguidade. Esse aspecto recebe críticas dos órgãos de classe sob a bandeira do “democratismo” e, ao fim e ao cabo, presta-se a atender as expectativas dos magistrados que se ocupam mais dos assuntos de classe do que da jurisdição. 921. Órgãos anômalos de jurisdição Por vezes, outros órgãos no aparelho estatal, a título de exceção, recebem a incumbência de atuar jurisdicionalmente. Os atos proferidos se revestem das características da autêntica jurisdição (retro, 181). No entanto, há algumas controvérsias no segundo caso. 921.1 Senado Federal – O Presidente da República, o Vice-Presidente e os Ministros de Estado podem sofrer impeachment, em razão da autoria de crimes de responsabilidade. Essas infrações encontram-se definidas na Lei 1.079/1950, e, na verdade, têm natureza político-administrativa.13 Funcionam como mecanismo de defesa da Constituição contra abusos cometidos no exercício de cargos políticos. O processo de impeachment não tem natureza criminal.14 Enseja a aplicação de duas penas: a perda do cargo e a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. O impeachment “tem feição política, não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos – julgamento que não exclui, antes supõe, é óbvio, a adoção de critérios jurídicos”.15 O Senado Federal, nos termos do art. 52, I, c/c art. 86, § 1.º, II, da CF/1988, assume competência para processar e julgar o Presidente da República, depois de autorizada, pela Câmara dos Deputados, votando neste sentido dois terços dos seus membros, a instauração do processo (art. 51, I, da CF/1988) ou admitida acusação (art. 86 da CF/1988). O Presidente da Câmara examinará as formalidades extrínsecas da denúncia e a legitimidade do autor, podendo rejeitá-la liminarmente, ao invés de submetê-la ao plenário.16 O juízo da Câmara dos Deputados é político, verificando “se a acusação é consistente, se tem ela base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a notícia do fato reprovável tem razoável procedência, não sendo a acusação simplesmente fruto de quizílias ou desavenças políticas”.17 O procedimento do julgamento se encontra previsto na Lei 1.079/1950.18 Recebida pela Mesa do Senado a autorização da Câmara para instaurar o processo, e lido o expediente na sessão seguinte, eleger-se-á a Comissão Processante, constituída de um quarto da composição do Senado, respeitada a proporcionalidade partidária. Constitui-se o Senado, a partir daí, em tribunal político, composto por todos os senadores, mas presidido pelo presidente do STF. Após a instauração do processo, o Presidente ficará afastado do cargo, por cento e oitenta dias, findo o qual o processo prosseguirá, mas o Presidente retorna ao cargo. O procedimento observará a

ampla defesa. Na sessão marcada para julgamento, findos os debates, a procedência dependerá da votação convergente de dois terços dos senadores. A sentença constará de resolução do Senado (art. 35 da Lei 1.079/1950). O Senado Federal também julgará, por iguais motivos, os Ministros do STF,19 o Procurador-Geral da República, os Conselheiros do CNJ e do CNMP, e o Advogado-Geral da União (CF/1988, art. 51, I, c/c art. 52, I e II). O Senado Federal e a Câmara dos Deputados, no concernente à admissibilidade, proferem decisão jurisdicional, porque “incontrastáveis, irrecorríveis, irreversíveis, irrevogáveis, definitivas”.20 Foi o que decidiu o STF no caso do Presidente da República que, antes do julgamento, renunciou ao cargo, mas o Senado aplicou a pena acessória de inabilitação para a função pública.21 921.2. Tribunal de Contas – A posição do Tribunal de Contas suscita controvérsias. O controle externo da Administração Pública, relativamente à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitar cabe ao Legislativo (art. 70, caput, da CF/1988), com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71, caput). Em princípio, trata-se de órgão técnico, porque julgar contas ou a legalidade dos atos para registro constitui típica atividade administrativa.22 As decisões do Tribunal de Contas comportariam controle judiciário na mesma extensão e profundidade dos atos demais atos administrativos.23 Em sentido contrário, sustenta-se que, ao julgar contas dos administradores públicos, o provimento do Tribunal de Contas, “no que concerne ao aspecto contábil, sobre a regularidade da própria conta”,24 transforma-se em questão prejudicial indiscutível na ação penal e na ação civil de ressarcimento, exibindo, neste aspecto, as características de ato jurisdicional. O STF atribuiu natureza administrativa ao Tribunal de Contas,25 negando, coerentemente, a possibilidade de conflito de competência entre aquele órgão e outro integrante do Poder Judiciário.26 E decidiu que o integrante do Tribunal de Contas não ocupa cargo de juiz.27 No máximo, concedeu qualidade “quasejurisdicional” aos procedimentos de controle.28 Prevalecendo essa orientação, ressente-se a atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas das características imanentes aos atos jurisdicionais (retro, 181). 921.3 Tribunal Marítimo – O Tribunal Marítimo é órgão auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha, segundo o art. 1.º da Lei 2.180, de 05.02.1954, na redação da Lei 5.056, de 29.06.1966. Exercerá jurisdição sobre embarcações e pessoal relacionado à navegação (v.g., os armadores, os agentes consignatários no Brasil de empresas estrangeiras de navegação, os empreiteiros e proprietários de estaleiros, carreiras, diques ou oficinais de construção e de reparos navais), a teor do art. 10 da Lei 2.180/1954, e, principalmente, tem competência para julgar acidentes de navegação (v.g., o naufrágio e a avaria), bem como fatos de navegação (v.g., o mau

aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço), consoante a definição haurida dos artigos 14 e 15 da Lei 2.180/1954. É um órgão anômalo de jurisdição nesse último caso. O Tribunal Marítimo define a natureza, a causa, a extensão e as responsabilidades decorrentes de acidentes e fatos da navegação, aplicando penalidades administrativas (v.g., a proibição ou suspensão de tráfego da embarcação e a suspensão do pessoal marítimo). A composição heterogênea (o presidente é oficial general da Armada, na ativa ou não) e especializada do tribunal assegura o conhecimento de questões técnicas para as quais o órgão judiciário, de ordinário, não se encontra adequadamente instruído. Não deixa de ser um tribunal administrativo.29 O STF definiu a condição jurídica dos seus integrantes: “membros de um órgão independente, com caráter administrativo, autônomo, não contencioso, não integrante do Poder Judiciário”.30 Os acórdãos do Tribunal Marítimo, nas matérias integrantes da sua competência (artigos 14 e 15 da Lei 2.180/1954), não vinculam o órgão judicial.31 Falta-lhe, em última análise, o atributo da palavra final. Porém, versando matéria técnica, a eficácia probatória intrínseca do julgado só pode ser repelida através de prova pericial. 922. Órgãos jurisdicionais especiais O art. 98, I, da CF/1988 impôs a criação de dos juizados especiais, integrados no âmbito da Justiça Comum e da Justiça Federal. As atribuições conciliatórias dos juizados de paz, mencionados no inc. II da regra, explicitamente não ostentam caráter jurisdicional.32 Na esteira do movimento universal de acesso à Justiça,33 e tendo por base a instituição de alternative dispute resolution34– universalmente conhecida pela sigla “ADR” –, o art. 98, I, da CF/1988 ordenou a criação de juizados especiais na área cível, destinados à conciliação, ao julgamento e à execução das causas cíveis de menor complexidade. O tema mereceu estudo em item anterior (retro, 15). O caráter especial desses juizados resulta da possibilidade de opção pela via judiciária comum (art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995). O juiz decidirá por equidade (art. 6.º da Lei 9.099/1995), descompromissado com a legalidade estrita. Tecnicamente, a Lei 9.099/1995 assegura o princípio do acesso por intermédio dos seguintes expedientes: (a) descentralizando os órgãos judiciários, tornando-a “mais próxima, menos misteriosa e, portanto, mais humana” (art. 1.º); (b) ensejando a realização dos atos processuais no horário noturno (art. 12): (c) legitimando pessoas naturais maiores de dezoito anos a postular sem representação técnica, nas causas de valor até vinte salários mínimos; (d) dispensando o pagamento de custas no primeiro grau (art. 54); (e) universalizando a assistência judiciária (art. 9.º, § 1.º, c/c art. 56).35 O procedimento dos juizados especiais recebe o rótulo de sumaríssimo, porque concentra os atos processuais, haja cognição sumária ou não, buscando o máximo de celeridade. Os princípios gerais dos juizados – oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade –,

contemplados no art. 2.º da Lei 9.099/1995 representam autêntica virada na mentalidade tradicional. § 188.º Independência dos órgãos judiciários 923. Independência jurídica do órgão judiciário Uma das características marcantes da função judiciária reside na equidistância do órgão judiciário no tocante aos interesses concretos defendidos pelas partes. Ao bom desempenho dos seus misteres, afigura-se indispensável remarcar a independência do juiz, máxime perante os demais órgãos estatais. Por força do princípio da unidade, o juiz brasileiro julga, além dos litígios entre particulares, as lides envolvendo o Estado e os particulares. Impõe-se circundá-lo de garantias peculiares, a fim de realçar-lhe a autonomia e imparcialidade, predicados essenciais ao bom julgamento. Os órgãos judiciários gozam de independência jurídica e política. Enquanto pessoa, investida regularmente no cargo, o juiz desfruta das garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Seja qual for sua posição hierárquica, inferior ou superior, os predicados da magistratura asseguram à pessoa investida na função judicante independência para julgar a lide (ou seja, processar, julgar e – o que mais importa – executar), consoante sua livre convicção acerca das questões de fato e de direito.36 O único dever do juiz no julgamento, formada a convicção sobre o material de fato, consiste na inequívoca indicação das “razões da formação do seu convencimento” (art. 371). É autônomo para decidir a lide conforme ao direito (art. 8.º) e, quando autorizado, segundo a equidade (art. 140, parágrafo único). Os problemas de interpretação do direito, a incidência direta da CF/1988 no litígio e seus reflexos na lei,37 e a própria adstrição do juiz à lei constituem temas próprios da hermenêutica, e, não, do direito processual. À diferença do que sucede no direito alemão,38 a CF/1988 não subordina o juiz brasileiro à lei e ao direito.39 O objetivo dessa sujeição consistiria em livrar as partes do arbítrio e da prepotência judicial. Esse modelo encontra-se em crise perante os postulados no neoconstitucionalismo. A força normativa da CF/1988, segundo essa teoria prevalecente, impõe a realização dos valores nela positivados por toda a sociedade. Para tal arte, o órgão judiciário abandona sua clássica posição de revelador e aplicador das normas emanadas do Poder Legislativo, assumindo papel de protagonista, contribuindo na construção social dos valores constitucionais. O juiz não possui o monopólio dessa tarefa, mas atua concorrentemente no cenário legislativo. Essa concepção tem base frágil e suscita grave receio. A legitimidade democrática do juiz afigura-se duvidosa e frágil. A pessoa investida na função judicante não responde perante a sociedade, como sói ocorrer com o legislador, invadindo sem maiores responsabilidades a área reservada a outro Poder do Estado, e nem sequer responde perante os infelizes litigantes (teoria do escudo: art. 143, caput). E há risco de o juiz resvalar para o subjetivismo, em que as decisões são tomadas não seguindo o direito como ele é, mas como deveria ser conforme

as opiniões pessoais e a ideologia do juiz. O dilema não tem ainda resposta plenamente satisfatória. A liberdade no exercício da função jurisdicional se mostra incompatível com o recebimento de instruções, sugestões e ordens de órgãos hierarquicamente superiores ou de terceiros. Exemplo dessa espécie de influência perniciosa se localiza nas tristemente famosas “cartas aos juízes”, expedidas pelo Ministro da Justiça do Reich, no curso do regime nazista (1933-1945).40 Formalmente, a independência dos juízes se manteve incólume; na prática, as diretivas administrativas orientavam os juízes, transformados em “guerreiros” da comunidade popular. A única ordem admissível e legítima do órgão superior é a que, em decorrência do julgamento de recursos, origina-se da jurisdição alheia, cumprindo ao juiz inferior acatá-las como manifestação do mesmo princípio da independência jurídica. Trata-se de competência de derrogação, e, não, mando.41 Ocioso notar que o tribunal não se subordina às teses do primeiro grau, competindolhe revê-las, porque degrau superior, e, neste caso, traçará a linha de conduta do primeiro grau. É o caso, por exemplo, de o juízo ad quem antecipar a pretensão recursal, ao julgar o recurso, concedendo a liminar pleiteada e negada em primeiro grau, porque a execução do ato insere-se na competência do juízo a quo. O juiz de elevada estatura moral tampouco se dobra às pressões da opinião pública (ou publicada).42 Não é incomum a mídia externar juízos peremptórios e fatais a respeito de processos em andamento. A demora natural do processo, necessária ao pleno exercício das garantias processuais das partes, e as soluções que, por razões técnicas invencíveis, deixam de apreciar o mérito, potencialmente geram incompreensões e descontentamentos. Inexistem mecanismos idôneos para blindar o juiz contra as pressões da mídia, a manipulação do povo, o ardor dos linchadores morais. O próprio segredo de justiça suscita mais desconfianças do que benefícios, contrapondo-se à liberdade de informação (retro, 168).43 De qualquer modo, “o dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranquilo”.44 É preciso o juiz demonstrar serenidade e firmeza, não se desviando da linha reta e justa, e, muito menos, decidindo para granjear notoriedade. Em tal contingência, abandonaria a curul de juiz para assumir a duvidosa condição de justiceiro. O juiz é independente em relação às partes, que têm a faculdade de recusá-lo, nos casos legais, e perante os demais órgãos do Estado. Não há juiz alheado da vida social e econômica, nem grau tolerável de autonomia e equidistância impede a condução do processo com mão firme, mas desapaixonada. A independência jurídica do órgão judiciário sofre uma restrição significativa e, malgrado a respectiva plenitude no Estado democrático constitucional, não isenta o juiz de consequências na esfera penal e administrativa. 923.1. Restrições à independência jurídica – O art. 103-A, caput, da CF/1988, introduzido pela EC 45/2004, outorgou ao STF competência para

“aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Embora dominante, a jurisprudência, como fator de produção de sentido, é mais do que um conselho, e menos que uma ordem. A subordinação do juiz à súmula vinculante, ou seja, à interpretação consagrada em órgão judiciário superior, traduz uma espécie de violência simbólica, formando o que designou de “arbitrário juridicamente prevalecente”.45 Ela reduz o espaço da legitimação da decisão judicial.46 Ressuscitou-se o velho instituto português dos assentos da Casa de Suplicação, que fixavam a “inteligência geral e perpétua da lei”, originários de regimento de 07.06.1605,47 ou importou-se a gabada doutrina do binding precedent (oustare decisis) própria da Common Law.48 Esse peculiar efeito do acórdão do STF em matéria constitucional receberá exame, nessa perspectiva, no capítulo dedicado aos efeitos dos pronunciamentos judiciais (infra, 1.685). No que tange ao ponto sob exame, sustentava-se a súmula não restringir os domínios da persuasão racional (art. 371). O juiz aplicaria o direito positivo, cabendo-lhe examinar, no caso concreto, todas as formas de expressão do direito, inclusive a súmula, e “verificando que determinada súmula vinculante não rege ou não abrange o objeto litigioso do processo, poderá, fundamentadamente, deixar de aplicá-la”.49 O itinerário mental do juiz semelharia às operações intelectuais que culminam na aplicação da lei em sentido estrito. Esse raciocínio ladeia a verdadeira repercussão do vínculo imposto pela súmula (art. 927, IV) e, atualmente, pelo precedente haurido dos acórdãos do incidente de assunção da competência, da resolução de demandas repetitivas, do julgamento do recurso extraordinário e recurso especial repetitivos e da orientação do plenário ou do órgão especial do TJ e do TRF (art. 927, III e V). É verdade que a incidência da súmula vinculante jamais se mostrará mecânica e automática. O enunciado precisará de interpretação pelos métodos usuais. Eventualmente, o juiz apurará a discrepância da questão de fato, relativamente à da base do verbete, ensejando pronunciamento alternativo. Esse ponto é indubitável, mas irrelevante. O problema reside em outro aspecto. Se a tese jurídica consagrada rege a espécie litigiosa, ao órgão judiciário faltará a liberdade de aplicá-la, ou não. É imperativo a sua aplicação ao objeto litigioso. Ficará impedido de rejeitá-la, oferecendo sua própria interpretação da questão constitucional ou infraconstitucional. E deixando de aplicá-la, estritamente, ensejará a reclamação prevista no art. 103-A, § 3.º da CF/1988 e no art. 988, I a IV. O acolhimento da reclamação implicará a anulação do provimento contrário à súmula.50 Desaparece, correlatamente, a independência do juiz. É duvidoso esse vínculo no que tange à matéria infraconstitucional, mas um dos postulados do NCPC consiste na verticalização da independência jurídica: o órgão superior vincula o órgão inferior.

Ora, essa situação de modo algum equivale à submissão usual do juiz à lei. O juiz é livre para negar aplicação à lei e para interpretá-la, ao seu modo, adotando entendimento minoritário ou vencido. Tal não ocorrerá perante o art. 988, I a IV. A desvantagem indicada, ou o sacrifício do livre convencimento clássico, tem contrapartida apreciável. A submissão completa do órgão judiciário à tese consagrada na súmula vinculante e nos precedentes produzirá a uniformidade e previsibilidade das decisões judiciais para casos idênticos, operando o princípio da igualdade.51 É forçoso reconhecer, ademais, a independência jurídica do órgão judiciário conviver, pacificamente, com outras modalidades de vinculação, quer na aplicação de teses jurídicas, quer na sua interpretação, no direito anterior. Exemplo do primeiro caso avulta na tese sufragada, por maioria absoluta de votos, no incidente de uniformização de jurisprudência (art. 479 do CPC de 1973). Retornando o processo ao órgão de origem, realizar-se-á a subsunção da tese, inexoravelmente incorporada ao julgamento daquele caso, ao esquema de fato da causa.52 Na prática, os juízes integrantes do órgão fracionário do tribunal, talvez sem participação no órgão encarregado da uniformização, perderam a autonomia para acolher a tese vencida. É o que acontece, no NCPC, no incidente de assunção da competência. E o exemplo do segundo caso patenteia-se nos pronunciamentos do STF, no controle concentrado de constitucionalidade, que opera efeitos erga omnes e vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Trata-se de decisão impositiva.53 A declaração da constitucionalidade da lei, a interpretação da lei conforme à Constituição ou a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade constrangem os demais órgãos do Poder Judiciário a abster-se do controle difuso de constitucionalidade e decidir divergentemente da orientação fixada pelo STF.54 A incipiente experiência brasileira, nesta matéria, ainda não evidenciou as magníficas benesses prometidas pela introdução do instituto. 923.2. Responsabilidade pessoal do órgão judiciário – A liberdade de opinião jurídica do juiz não constitui biombo atrás do qual floresce irresponsabilidade, arbítrio e prepotência. A pessoa ocupante do órgão judiciário responderá por atos do seu ofício – civil, penal e administrativamente.55 E, ainda, responderá pela quebra do decoro e do prestígio do próprio Poder Judiciário, cabendo-lhe, dentre outros deveres, a manutenção de conduta proba e ilibada na vida pública e privada. Um dos problemas ainda pendentes, entre nós, admitindo-se essas duas largas esferas – deveres atinentes ao ofício e deveres relativos à vida pessoal e social –, consiste na tipificação das infrações. Não é tarefa impossível.56 Em termos de técnica legislativa, impende enunciar os ilícitos precisamente, evitando a tentação de condenar o magistrado em nome de princípios ou de conceitos juridicamente indeterminados.

A par da responsabilidade pessoal do magistrado, há a responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. Esta é mais ampla, abrangendo ilícitos e danos não relacionados com as infrações do próprio juiz.57 Por exemplo: a demora além razoável de certa causa, a despeito de os sucessivos magistrados praticarem os seus atos tempestivamente, por razões intestinas ao sistema judiciário, representa ilícito imputável ao Estado, não ao magistrado. É questão relevante, na afirmação da responsabilidade pessoal do juiz, a possibilidade de o lesado demandá-lo diretamente ou tão só contra o Estado, fundado no art. 37, § 6.º, da CF/1988, admitindo-se a ação de regresso – embora não se cuide, propriamente de direito regressivo, como se mostrou no exame do chamamento ao processo (retro, 892) – do réu nos casos de culpa e de dolo. A responsabilidade do Estado “longe de afastar a responsabilidade do juiz, a supõe e nela se funda”.58Em muitos Países, vigora o sistema do “escudo”: responde o Estado perante o lesado, assegurado regresso contra o magistrado (incluído o agente do Ministério Público),59 e, assim mesmo, de modo limitado, quer ao se exigir o dolo, quer no montante do ressarcimento.60 Não era o sistema adotado pelo art. 133 do CPC de 1973, inexistindo essa limitação, cabendo ação direta contra o agente político, todavia muito rara. Infeliz precedente do STF negou ação direta contra o magistrado,61invocando argumentos insubsistentes de lege lata, mas reconheceu a admissibilidade da ação de regresso, regra adotada, afinal, no art. 143, caput. E não se pode, legitimamente, pré-excluir o efeito civil da sentença penal condenatória do magistrado, que torna certa a obrigação de reparar o dano (art. 91, I, do CPB). Esses caminhos revelam que a responsabilidade pessoal do juiz, quiçá por caminhos indiretos e tortuosos, acaba afirmando-se. A responsabilidade pessoal do órgão judiciário decorre dos deveres funcionais, previstos no NCPC (v.g., art. 143, II), e na LC 35/1979 (artigos 35 e 36). A independência jurídica não acoberta eventual descumprimento desses preceitos, e, muito menos, quaisquer malfeitorias. Essa atividade de fiscalização e disciplina tutela, ao fim e ao cabo, a dignidade e a independência do juiz (art. 40 da LC 35/1979), impondo segredo de justiça na apuração dos fatos.62 Facilmente se concebem ilícitos imputáveis ao juiz atrás da independência jurídica. Por exemplo, a pretexto de proferir decisão conforme sua livre convicção, na verdade o juiz nutre a intenção de prejudicar uma das partes, por animosidade pessoal, por paixão ideológica ou para obter vantagem pecuniária. A conduta dolosa do juiz,63 nessas situações, constitui ilícito e, conforme a hipótese, gerará responsabilidade administrativa, penal e civil, independentes e cumuláveis entre si. Evidentemente, absurdo pretender que o provimento proferido por juiz peitado, formalmente perfeito que se apresente no processo – o corrupto não deixa recibo nos autos, nem a motivação do ato deixa transparecer a peita –, sirva de proteção eficaz contra a persecução penal e o procedimento administrativo correspondentes, porque exteriorização da livre convicção do magistrado. E, para apurar se houve ou não a peita, cumpre investigar minuciosamente os fatos.

Na área civil, verificada a prevaricação (art. 319 do CPB), a concussão (art. 316 do CPB) e a corrupção passiva (art. 317 do CPB) do juiz, a sentença de mérito expõe-se à rescisão (art. 966, I), mostrando-se desnecessária a prévia condenação do magistrado na esfera penal, ou a preexistência de processo penal contra ele instaurado.64 E abrir-se-á o procedimento disciplinar, pois a apuração dessa responsabilidade ocorre interna corporis.65 O sistema de controle interna corporis da magistratura suscitou veementes críticas e imensa desconfiança. E, de fato, a bem-intencionada, mas ingênua ideia de livrar a imagem da instituição perante o público, em prol dos magistrados honestos, inspirou algumas absolvições desconfortáveis. Daí a criação do órgão de controle externo, o CNJ, cuja competência disciplinar abarca a avocação de processos disciplinares (art. 103-B, § 4.º, III, da CF/1988) e a sua revisão, de ofício ou por iniciativa do interessado (art. 103B, § 4.º, V, da CF/1988). As penas aplicáveis no processo disciplinar contra magistrado são a advertência, a censura, a remoção compulsória, a disponibilidade, aposentadoria compulsória e a demissão (art. 42, I a VI, LC 35/1979) – esta última, haja vista o predicado da vitaliciedade, após sentença judicial transitada em julgado, a teor do art. 95, I, in fine, da CF/1988. As penas de advertência e de censura são aplicáveis somente a juízes de primeiro grau.66 As penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria compulsória fundar-se-ão no voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do CNJ (art. 93, VIII, da CF/1988). O exemplo dos atos criminosos do juiz revela a necessidade de perquirir o conteúdo dos provimentos, em princípio proferidos sob o pálio da independência jurídica, verificando, para fins disciplinares, a intenção expressa de violar a lei, de beneficiar amigos, o erro macroscópico e a busca de interesses alheios à justiça.67O exercício anormal da jurisdição é punível.68 924. Independência política do órgão judiciário O órgão judiciário desfruta, no âmbito do Estado Constitucional Democrático, de independência política. A simples indicação do art. 2.º da CF/1988 já revela que o Poder Judiciário não se subordina ao Executivo. O atributo se desvela em duas vertentes: (a) independência administrativa; (b) independência funcional. Por seu destaque, merecem análise em itens específicos. A arquitetura constitucional contemporânea superou a construção que nega essa independência ao órgão judiciário.69 O órgão judiciário é, por definição, órgão político. Embora seus integrantes estejam vinculados à pessoa jurídica de direito público por um vínculo administrativo, a organização estatal contemporânea evoluiu por reconhecer uma esfera própria de autonomia: (a) a auto-organização e (b) a autorregulamentação. O exercício efetivo dessa autodeterminação institucional constitui problema distinto. Ela é monopolizada pelos órgãos de cúpula e, na prática, desempenhada pelo presidente do TJ, do STJ e do STF e, de forma mais limitada, pelo presidente do TRF. E, de resto, mostrar-se-ia impossível, senão caótico, distribuí-la por todos os órgãos.

Não é nesse aspecto que reside o âmago da independência política. O órgão judiciário recebe a investidura do Estado (e, não, do povo – ao menos no nosso sistema) e presta um serviço público que reflete parcela da soberania Estatal: a resolução do conflito. Em seus misteres próprios, no ofício judicante, o juiz é soberano. Recebe prerrogativas que o imunizam contra pressões ou sugestões internas (v.g., do presidente do respectivo tribunal) ou externas (v.g., da mídia). No entanto, à semelhança do que acontece em outros setores da vida pública, o sucesso da fórmula dependerá da integridade do homem ou da mulher investidos na função de julgar. 925. Independência administrativa do órgão judiciário O chamado autogoverno da magistratura compreende a competência de auto-organização e de autorregulamentação.70 O art. 99, caput, da CF/1988 assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira. Segundo o art. 96, I, a, b, c, e e f, da CF/1988, incumbe aos tribunais eleger seus cargos de direção; elaborar o regimento interno, dispondo sobre competência e funcionamento dos respectivos órgãos fracionários; prover os cargos de juiz de carreira e os cargos efetivos e cargos em comissão necessários à administração da justiça; conceder licença, férias e outros afastamentos aos juízes e aos serventuários da justiça. Essas competências demonstram a autonomia administrativa. A rigidez desse modelo recebeu confirmação em julgado do STF, declarando inconstitucionais dispositivos da carta do Estado-membro que outorgava ao Governador do estado competência para promover juízes de carreira ao TJ, porque ato privativo do presidente da corte.71 O ponto alto da independência do Poder Judiciário recai na autonomia financeira. Embora em conjunto com os demais Poderes do Estado, e respeitando os limites da lei de diretrizes orçamentárias – por sinal, de iniciativa também conjunta –, o presidente do STF e os presidentes dos demais tribunais superiores, colhida as manifestações dos próprios tribunais e dos tribunais que lhes são inferiores (v.g., no caso do STJ, os TRF), conforme dispõe o art. 99, § 2.º, I, da CF/1988, e os presidentes dos TJ, nos Estadosmembros (art. 99, § 2.º, II, da CF/1988), encaminharão a proposta orçamentária ao Legislativo. Caberá ao Executivo, estando as propostas em desacordo com a lei de diretrizes orçamentárias, realizar a adequação aos respectivos limites (art. 99, § 4.º). Os tribunais executarão o orçamento aprovado. Na prática, pagam os juízes e servidores, ativos e inativos, realizando as despesas de custeio e os investimentos previstos na peça orçamentária. E graças a essa autonomia os meios materiais da Justiça Pública transformaram-se prodigiosamente. Equipamentos de informática aumentaram a produtividade dos juízes e propiciaram informações on line às partes e aos advogados. É acontecimento banal o cliente surpreender seu advogado com informações atualizadas sobre o andamento do processo. Os prédios se modernizaram e, não sem algum fausto dispensável, principalmente na Justiça Federal, adaptaram-se ao grande fluxo de pessoas e às necessidades do serviço forense. Longe ficou o tempo em que o

Executivo cedia acomodações inadequadas, obsoletas e excessivamente deterioradas à Justiça Pública.72 A independência administrativa e financeira não se mostra absoluta. A criação dos cargos de juízes, dos serventuários e a organização e divisão judiciárias dependem de lei em sentido formal (art. 96, I, d, II, a até d). O Legislativo aprova o orçamento do Judiciário. O provimento dos cargos nos tribunais de segundo grau (art. 94 da CF/1988), a cargo do Governador do Estado, e nos tribunais superiores e nos tribunais federais, em geral, insere-se na competência do Presidente da República (art. 84, XVI, c/c art. 104, parágrafo único; art. 107, caput; art. 111-A, caput; art. 115, caput; art. 119, II; art. 120, III; art. 123, caput). Esses contrapesos visam ao equilíbrio dos poderes do Estado, consoante a doutrina constitucional. 926. Independência funcional do órgão judiciário A independência funcional envolve os tão decantados predicados da magistratura. As garantias do juiz asseguram a tranquilidade para decidir sem constrangimentos e temor de desagradar os poderosos, política ou economicamente, ou a opinião pública orquestrada pelos órgãos da mídia. Em última análise, beneficiam o povo, motivo por que constituem prerrogativas da cidadania responsável. Impende assinalar que o magistrado entretém com o Estado-membro ou a União, conforme o caso, relação estatutária especial,73 da qual decorrem direitos (v.g., a aposentadoria) e deveres específicos (v.g., o de manter conduta irrepreensível na vida pública e privada). A partir da EC n.º 19/1988, a submissão do magistrado ao regime comum dos servidores públicos acentuou-se, ignominiosamente, como se verifica no regime da aposentadoria e da retribuição pecuniária. A majestade desconhecida em outras funções, como se dizia outrora,74 apequenou-se e tende à extinção. Há flagrante contradição entre a posição funcional do magistrado e as elevadas aspirações institucionais do Judiciário. O art. 92 do CPC de 1973 declarava que só ao juiz de direito competiria processar, julgar e, se for o caso, executar as causas concernentes à (a) insolvência (inciso I) e (b) estado e capacidade das pessoas (inciso II). O art. 140, § 1.º, do CPC de 1939 era mais claro, indicando o magistrado revestido dos predicados constitucionais, e, não, o título do cargo (juiz de direito).75 O objetivo permaneceu idêntico. O NCPC não reproduziu a disposição, porque desnecessária, embora existam magistrados togados sem a integralidade desses atributos (v.g., o pretor, no Rio Grande do Sul), agrupados em quadro em extinção. Em relação à insolvência, o âmbito da regra já recebeu menção ao se tratar das causas excluídas da competência da Justiça Federal. As ações concernentes ao estado (v.g., o divórcio) e ao estado (v.g., a interdição) tramitam em foro especial. 926.1. Vitaliciedade – A vitaliciedade significa que o juiz, após a investidura no cargo conservá-lo-á enquanto viver. O juiz só perde o cargo em duas hipóteses: (a) na de condenação criminal por crime comum ou de responsabilidade (art. 26 I, da LC 35/1979), hipótese em que

inexiste quorum especial para a resolução;76 (b) na de sentença condenatória à perda do cargo transitada em julgado, objeto de ação autônoma. Essa sentença há de ser precedida de procedimento administrativo para essa finalidade, que tramitará perante o órgão competente, em razão da prática dos fatos arrolados no art. 26 II, da LC 35/1979; por exemplo, tratando-se de juiz de direito, perante o órgão especial do respectivo tribunal. Os integrantes dos tribunais superiores e dos tribunais de segundo grau, inclusive os advogados e membros do Ministério Público nomeados na forma do art. 94 da CF/1988, adquirem vitaliciedade no momento da investidura no cargo. Excepcionalmente, os ministros do STF e os conselheiros do CNJ podem sofrerimpeachment, em virtude da prática de crimes de responsabilidade, cabendo ao Senado Federal processá-los e julgá-los, consoante o art. 52, II, da CF/1988. O Senado Federal exerce, nesta hipótese, poder jurisdicional (retro, 180). Os juízes de carreira adquirem a vitaliciedade após dois anos de exercício do cargo (art. 95, I, da CF/1988). Neste período de estágio probatório, avaliarse-á a aptidão da pessoa ao cargo, mediante verificação técnica do desempenho funcional e exames de saúde. Só perdem o cargo, neste interregno, por força de deliberação do órgão competente do tribunal ao qual se encontram subordinados, tomada em processo administrativo aberto para esse fim, e nele respeitadas as garantias da ampla defesa e do contraditório. A perda do cargo difere do eventual afastamento do exercício. O juiz pode aposentar-se, voluntariamente, segundo o regime comum dos servidores públicos (art. 93, VI, c/c art. 40 da CF/1988), e, compulsoriamente, afastar-seá do exercício ao completar setenta anos de idade – embora plena a lucidez do espírito, a regra pressupõe que não basta a integridade da mente, exigindo resistência orgânica, presumivelmente diminuída nesta idade –,77 aumentada para setenta e cinco anos (EC 88/2015), ou por invalidez permanente. Também compulsoriamente o magistrado pode se afastado do cargo, no curso do processo administrativo (art. 27, § 3.º, da LC 35/1979), ou por aplicação das penas de disponibilidade ou de aposentadoria, na forma do art. 93, VIII, da CF/1988). Nesses casos, não se dissolve a relação estatutária entre o magistrado e o Estado-membro ou a União, conforme o caso, ocorrendo simples enfraquecimento do vínculo, dispensado o ocupante do cargo de alguns deveres. 926.2. Inamovibilidade – Em princípio, o juiz não pode ser removido de um lugar para outro, nem mesmo promovido (art. 30 da LC 35/1979), contra a sua vontade. Compreende a entrância, a sede do juízo, o cargo, o tribunal e o órgão fracionário.78 É bem comum o juiz, instalado confortavelmente em comarca aprazível e segura, dotada de boas instalações hospitalares e de educandários para os filhos, recusar a ascensão na carreira, senão para sempre, ao menos por largos anos. A inamovibilidade protege o magistrado contra abusos e mal-querenças do tribunal ao qual se encontra jungido, mas compromete a carreira da magistratura. No caso de extinção da comarca, ou de mudança da sede do juízo, assiste-lhe o direito de remover para ela ou para comarca de igual entrância, ou pedir disponibilidade, sem prejuízo dos subsídios (art. 31 da LC 35/1979). No entanto, o STF aplicou, subsidiariamente, o art. 41, § 3.º, da CF/1988,

motivo por que o magistrado, após três recusas, pode ser aproveitado, compulsoriamente, em cargo equivalente e no mesmo local.79 A inamovibilidade tampouco se forra à relatividade intrínseca às prerrogativas da magistratura. O juiz pode ser removido do lugar, a bem do interesse público, e até posto em disponibilidade, ou seja, afastado do exercício do cargo, através de processo disciplinar, votando convergentemente a maioria absoluta do tribunal ou do CNJ (art. 93, VII, da CF/1988). O movimento corporativo dos juízes; as aspirações políticas dos mais jovens, calcadas em projetos pessoais; e a vaidade insopitável dos militantes nas associações de classe dos magistrados abalaram a inamovibilidade, ao eleger (sem ressalva expressa quanto ao princípio sob exame) imediatamente os membros para o órgão especial, consoante a previsão do art. 93, XI, da CF/1988, na redação da EC 45/2004, sem aguardar que vagasse a lotação no órgão, por aposentadoria ou morte. 926.3. Irredutibilidade dos subsídios – Parece óbvio que a subtração dos meios de subsistência do magistrado interfere na sua vontade. Ficaria afetada gravemente a independência jurídica. O juiz preocupado com as necessidades básicas próprias e da família (alimentação, habitação, vestuário e educação) nunca julgará de forma tranquila e equilibrada. O princípio da irredutibilidade dos vencimentos (e dos proventos) tutela a paz da pessoa investida na função judicante. Ele não visa à independência econômica, “pois vencimentos insuficientes, irredutíveis ou não, nunca constituem elemento dessa independência”.80 O art. 95, III, da CF/1988 assegura a irredutibilidade da retribuição pecuniária dos magistrados, designadas de subsídios, mas em igualdade de condições com os demais servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada. É o que se deduz das remissões desse dispositivo. Os subsídios hão de ser fixados e alterados por lei específica, de iniciativa do tribunal, respeitada a revisão geral (art. 37, X, da CF/1988), em parcela única (art. 39, § 4.º, da CF/1988), observando a proporcionalidade relativa aos cargos e o teto, que é o subsídio fixado para Ministro do STF (art. 37, XI, da CF/1988). Não há tratamento tributário diferenciado para os subsídios (artigos 150, II, 153, III, e 153, § 2.º, I, da CF/1988 c/c art. 32 da LC 35/1979). O STF encara o princípio da irredutibilidade do prisma jurídico, e, não real.81 O art. 95, III, da CF/1988 só protege o valor nominal dos subsídios. Por essa via, verifica-se a erosão progressiva do subsídio, mediante o expediente de alteração por índice aquém da desvalorização da moeda nacional. “É pacífico o entendimento do STF no sentido de que o princípio da irredutibilidade de vencimentos, que, na Constituição anterior, contemplava apenas os magistrados, e na atual se aplica aos membros do Ministério Público e a todos os servidores públicos, não possibilita, sem lei específica, reajuste automático de vencimentos, como simples decorrência da desvalorização da moeda, provocada pela inflação”.82 Esse entendimento expõe a magistratura a restrições econômicas e à mesquinhez do Legislativo e do Executivo.

Convém recordar o fato de o magistrado afastado das respectivas funções, por razões disciplinares, provisória (disponibilidade) ou definitivamente (aposentadoria), beneficiar-se dessa garantia. Essa salutar providência, e nada obstante o encargo financeiro suportado pela sociedade, evita tropelia similar à da Lei Constitucional n.º 8, de 12.10.1942, emprestando interpretação autêntica à retribuição dos servidores aposentados compulsoriamente por força do art. 177 da CF/1937, a critério exclusivo do Poder Executivo, insuscetível de revisão judiciário, e determinou proventos proporcionais aos juízes afastados arbitrariamente de suas funções. O exemplo histórico não pode ser olvidado no Estado Constitucional Democrático. § 189.º Estrutura judiciária nacional 927. Composição dos órgãos judiciários (singular ou coletiva) O Poder Judiciário estrutura-se consoante disposições taxativas e cogentes da CF/1988. É o texto maior que enumera os órgãos do Poder Judiciário (art. 92); enuncia os princípios que governarão o estatuto da magistratura (art. 93), eminentemente nacional, apesar de estadual ou federal; estabelece a forma de recr utamento e promoção dos magistrados; estipula as prerrogativas e as restrições do cargo de juiz (art. 95), a autonomia financeira e administrativa (art. 96 e 99) e a composição dos tribunais, dentre outras diretrizes. O princípio da unidade da jurisdição se reflete outra vez na organização do sistema judiciário (retro, 179). Os órgãos judiciários processam, julgam, asseguram e executam litígios entre os particulares e entre o Estado e os particulares, independentemente da nacionalidade. Esse aspecto, desconhecido nos sistemas da Civil Law, aproxima a estrutura judiciária da Common Law. Esse arcabouço institucional interessa por várias e relevantes razões. A determinação da competência de jurisdição e da competência originária e recursal dos tribunais superiores e inferiores é uma delas. Constitui problema universal, encaminhado e resolvido conforme fatores culturais, políticos e até religiosos, o da composição do órgão judiciário, quer em primeiro grau, quer em segundo grau.83 Em princípio, a modalidade colegiada, na qual duas ou mais pessoas compõem o órgão judiciário, participando da coleta e da avaliação da prova, e, principalmente, tomando as decisões por maioria de votos, tende a processar, julgar e executar melhor as causas.84 O intercâmbio de opiniões e o trabalho em conjunto, sem embargo de marcantes diferenças quanto ao modo de pensar e sentir, às partes oferece garantia suplementar da justiça das decisões. Os órgãos colegiais tendem a emitir juízos mais ponderados. Por essa razão, na maioria dos Países, os órgãos judiciários superiores são colegiados,85 e o conhecimento das maiores causas não é confiado a juiz único. Além disso, o convívio com os mais experientes serve à formação dos juízes mais jovens.86

A desvantagem mais flagrante dos juízes elevadíssimo custo dessa carga suplementar de judiciária.87 O juízo singular multiplica o número aumentando a produtividade exponencialmente. É o adapta a países de grande extensão territorial e densidade demográfica.88

colegiados reside no pessoas na máquina de órgãos judiciários, sistema que melhor se de pouca ou desigual

Essas razões conduziram à progressiva eliminação dos órgãos judiciários coletivos em primeiro grau. Por exemplo, a reforma de 1990, na Itália, criou a figura do juiz de instrução, no âmbito do tribunale, que é órgão de primeiro grau, e, assim, “o tribunal julga, de ordinário, na composição singular”.89 A tradição brasileira orienta-se por juízes singulares no primeiro grau. É a fórmula da Justiça Comum. A exceção ocorre na Justiça Militar. As antigas juntas de conciliação e julgamento, órgãos de primeiro grau na Justiça do Trabalho, desapareceram com a EC 24, de 09.12.1999, que eliminou os juízes classistas. A preferência por juízes togados, verificada neste último caso, também se impôs em toda parte. O juiz togado é o jurista, com formação universitária,90 que exercerá a jurisdição profissionalmente, ingressando em carreira própria, desfrutando das garantias do art. 95, I a III, da CF/1998.91 A participação popular na administração da justiça revelou-se infrutífera. Na prática, ao menos nos órgãos de primeiro grau da Justiça do Trabalho, o juiz classista desempenhava funções protocolares e burocráticas. A real condução do processo e a decisão ficavam a cargo com o juiz togado. Nos órgãos superiores, as decisões dos juízes classistas, na condição de relatores dos recursos e dos processos de competência originária dos tribunais, dependiam do trabalho dos assessores técnicos, com raras exceções. Remanesce o ingresso, via o art. 94 da CF/1988, ou de outra norma especial (v.g., no caso do STJ, o terço da composição a que alude o art. 104, parágrafo único, II, da CF/1988), dos juristas integrantes da advocacia e do Ministério Público, como meio de quebrar o natural corporativismo da magistratura de carreira. Os juízes de investidura limitada no tempo, chamados de pretores, passaram a compor quadro em extinção, segundo o art. 21, caput, do ADCT da CF/1988. Eram juízos togados, mas temporários. As leis locais não lhe reconheciam a condição de “magistrado”, nem lhe atribuíam a prerrogativa da inamovibilidade, situação que subsiste à luz da disposição indicada. A estabilidade outorgada no art. 21 do ADCT, feita ressalva às naturais exceções, favorece o juiz desinteressado no ingresso na carreira e no aperfeiçoamento técnico.92 Sem prejuízo da divisão em órgãos fracionários – câmaras, turmas, grupos e seções –, os tribunais brasileiros constituem juízes colegiados, tomando as decisões, de regra, por maioria de votos. No entanto, a demora dos feitos em ambos os graus de jurisdição, na forma sentida pelas partes, que aspiram ao fim do litígio, e, não, às resoluções recorríveis do primeiro grau, rompeu o caráter colegiado dos órgãos de segundo grau e dos tribunais superiores na jurisdição civil.

Distribuído o recurso ou o processo de competência originária no tribunal, através de sorteio, escolhe-se o relator, cuja função transformou-se progressivamente. De primeiro juiz a examinar a causa, preparando um sumário para coadjuvar o julgamento dos seus pares, ou resolvendo incidentes menores (v.g., a habilitação dos sucessores da parte morta), passou à condição de julgador singular, decidindo o mérito com maior ou menor amplitude, consoante a interpretação elástica – de resto, largamente predominante – ou restritiva, outorgada ao art. 932, IV e V. Esse inobscurecível fenômeno ainda provoca grandes apreensões, não é compreendido e, até, simplesmente negado por tibieza ou conveniência. No entanto, parece irresistível o movimento na direção do juiz singular, em ambos os graus de jurisdição, tornando exceção o julgamento das causas por órgão colegiado. 928. Sistemas de recrutamento dos juízes Dá-se o nome de recrutamento à investidura da pessoa natural no órgão judicante. Por intermédio da investidura, o homem e a mulher adquirem legitimidade (constitucional) para exercer a função jurisdicional.93 Ocioso frisar o relevo desse ponto, e sob dupla perspectiva: (a) no plano processual, concebem-se vícios na investidura, de maior (v.g., o non judex, caso da pessoa que perdeu a investidura por aposentadoria e, inadvertidamente, profere decisão singular ou participa de julgamento colegiado) e de menor envergadura (v.g., iudex inhabilis, envolvendo problemas na lotação da pessoa no ofício judicante); e (b) no plano político, a seleção da pessoa consoante sua aptidão assegurará, ou não, o bom funcionamento do Poder Judiciário. Esse é o aspecto a seguir tratado. Os sistemas jurídicos recrutam homens e mulheres para exercer a função judicante através de meios heterogêneos.94 Distinguem-se os seguintes: (a) eleição por voto popular; (b) livre nomeação do Executivo; (c) indicação por lista e nomeação pelo Executivo, com ou sem aprovação do Legislativo; (d) livre escolha pelo Judiciário; (e) livre escolha por órgão especializado; (f) através de concurso público. Todos apresentam pontos positivos. A opção por um deles ou por mais de um, baseia-se em fatores culturais, políticos, religiosos e filosóficos.95 Uma coisa é certa, porém: não se pode prescindir de juízes profissionais.96 Entre nós, adotaram-se os critérios do concurso,97 e, em alguns casos, da nomeação pelo Executivo, com aprovação ulterior do Legislativo. A crer-se em diagnóstico iconoclasta e sombrio, nenhum deles produziu magistratura à altura da missão constitucional, mas uma massa de homens e mulheres que, no viés mais benevolente, tem como lema errar de acordo com a lei.98 É excessiva a crítica, que peca pela generalização: os juízes brasileiros desempenham a contento a suas tarefas em condições de trabalho muito piores que seus congêneres em outros países. Por sua vez, os sistemas jurídicos filiados à Common Law convivem muitíssimo bem com a livre indicação do Executivo, submetida a controle Legislativo – sistemacheck and balances -, residualmente por indicação do Legislativo, e (do ponto de vista brasileiro) insólita eleição de democrática.99

Habilitam-se à indicação ou à eleição pessoas destacadas na respectiva área de atuação profissional. A escolha baseia-se no sucesso notório (principalmente econômico, entre nós visto com desconfiança) na iniciativa privada ou em outras áreas da Administração Pública, na reputação granjeada perante os colegas e na influência política. Na Comunidade Britânica, a escolha recai sobre os barristers, advogados com atuação nos tribunais superiores.100 Evidentemente, o preenchimento desses requisitos pessoais (v.g., sucesso econômico, influência política), numa sociedade tão competitiva como a norte-americana, leva tempo. Assim, a escolha recai basicamente sobre pessoas maduras.101 Essa circunstância, mero efeito colateral, altera positivamente o perfil do magistrado da Common Law. Teoricamente, a eleição é o sistema de recrutamento ideal, pois o homem e a mulher assumem a função judicante pela vontade dos cidadãos, em manifestação de confiança no futuro desempenho, legitimando-os originária, direta e democraticamente.102 Em contrapartida, o homem e a mulher postulante ao cargo talvez assumam compromissos ideológicos ou partidários para vencer a disputa. O modelo adotado nos países de Civil Law é muito diferente, quanto ao recrutamento, e a posição do juiz, basicamente um servidor público de elevada hierarquia. Em qualquer comparação entre esses sistemas, apresentados em linhas gerais, destacam-se dois pontos altamente favoráveis ao recrutamento mediante concurso público de provas e de títulos. A pessoa que se investe na função judicante por força de seus próprios méritos intelectuais, através de disputa rasa, preserva sua independência jurídica (retro, 923) e funcional (retro, 926) – melhor se diria: a integridade pessoal – sem transtornos. Do ponto de vista administrativo, o procedimento de recrutamento passa-seinterna corporis, sem a necessidade de obter e dever influência política: integram a comissão de concurso, majoritariamente, juízes do tribunal a que se subordinará o candidato vitorioso e a própria investidura originária incumbe ao presidente desta corte. A independência do futuro magistrado constitui bem inestimável para a sociedade, em geral, e para as partes, em particular. O sistema do concurso propicia a investidura de pessoas originárias de todos os segmentos da sociedade pluralista. Não há discriminação de gênero, de raça ou de religião. Naturalmente, a aptidão intelectual se revela indispensável; entretanto, não se pode defender a investidura de integrantes de minorias desprovidos de conhecimentos mínimos para desempenhar a função judicante. Encarrega-se o próprio concurso de estabelecer com nitidez o requisito. Ao menos, a tendência de a composição da magistratura nacional refletir todas as minorias aumenta exponencialmente no concurso público. Tal não se verifica nos Estados Unidos: as minorias raciais, tão relevantes naquele País, não se encontram proporcionalmente representadas na magistratura. Por sinal, existem distorções concretas no sistema da eleição democrática. Em certo distrito eleitoral da Lousiana, majoritariamente composto de afro-americanos, o coeficiente eleitoral desfavorecia a eleição proporcional dos juízes nas cortes superiores daquele Estado.103

Em suma, o sistema do concurso público, principalmente temperado por modalidades de investidura originária nos tribunais (art. 94 da CF/1988), revela-se superior no recrutamento homogêneo no seio da sociedade pluralista, mas recai, basicamente, sobre pessoas jovens e sem experiência de vida. Em contrapartida, a livre escolha e, residualmente, a eleição democrática para a investidura na função judicante, por vezes partidária, recruta pessoas traquejadas em direito e com rica experiência, mas não representa convenientemente todos os setores da sociedade. 929. Recrutamento dos juízes de primeiro grau O recrutamento da magistratura togada para ocupar os órgãos fracionários de primeiro grau, no direito brasileiro, faz-se por intermédio de concurso público de provas e de títulos. A Ordem dos Advogados do Brasil participa de todas as etapas do certame. O regulamento do concurso decorre da Resolução n.º 75, de 12.05.2009, do CNJ. Estabeleceu regras homogêneas para o concurso de ingresso na magistratura de carreira em todos os ramos do Poder Judiciário, enfatizando a formação humanística do candidato. Do candidato, relativamente jovem e recém egresso da faculdade de direito, exige-se o indispensável grau de bacharel em direito, ou jurista, e, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 93, I, da CF/1988). Essa atividade jurídica básica compreende a exercida unicamente pelo bacharel em direito, a exemplo da advocacia, ou o exercício de cargos, funções ou empregos, inclusive a docência universitária, que dependam preponderantemente de conhecimentos jurídicos, “vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à colação de grau” (art. 2.º da Resolução n.º 11/2006 do CNJ). O termo inicial do prazo é a colocação de grau e o final a data da inscrição no concurso. O cargo inicial, nos vários ramos da jurisdição, é o de juiz substituto (art. 93, I, da CF/1988), no qual o magistrado aguardará o fim do estágio probatório. O provimento do cargo cria entre o juiz e o Estado-Membro, ou a União, um vínculo estatutário. A carreira da magistratura se divide em entrâncias. Dependerá da lei de organização judiciária o número de entrâncias, ou degraus na carreira; de regra, há três: inicial, intermediária e final. Um grave problema é a cessão do juiz ou da juíza para serviços especiais (v.g., assessor de Ministro do STF; substituição nos tribunais de primeiro grau, em razão de afastamento temporário do titular ou litígio sobre o preenchimento da vaga). O deslocamento da atividade primária do magistrado deixa uma vaga irreparável no primeiro grau. Não é fenômeno exclusivo do aparato judiciário brasileiro.104 930. Recrutamento dos juízes de segundo grau Os tribunais de segundo grau compõem-se de número variável de juízes, designados de desembargadores, mediante provimento derivado e originário.

930.1. Provimento derivado – Da composição dos tribunais de segundo grau, três quintos são preenchidos por juízes de primeiro grau, coroando árdua e honrosa carreira, mediante promoção, alternadamente, por merecimento e por antiguidade, dentre os magistrados na última ou única entrância (art. 93, III, da CF/1988). O provimento derivado dos cargos de desembargador compete ao respectivo tribunal (art. 96, I, c, da CF/1988). Em sessão pública, mas votação secreta, o tribunal, ou seu órgão especial (art. 93, XI, da CF/1988), examinará os nomes dos magistrados e organizará a lista tríplice para promoção por merecimento, aprovando ou rejeitando o nome para a vaga por antiguidade. O ato em si incumbe ao presidente do tribunal. O art. 93, II, b e c, da CF/1988, institui certos requisitos à promoção por merecimento: (a) dois anos de exercício na última ou única entrância, devendo o magistrado integrar “a primeira quinta parte da lista de antiguidade”, salvo recusa de recusa dos demais juízes que atendam o requisito temporal e a posição na lista; (b) apuração do merecimento “conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento”. Apesar da aparente rigidez, e evocação explícita da objetividade, a disciplina não se mostra isenta de boa dose de subjetivismo, pois a lei emprega conceitos largos, como “produtividade” e “presteza”. A dificuldade reponta na determinação do fator principal. Importará um número maior de audiências, mantendo o juiz contato com partes e testemunhas, ou a emissão da quantidade superior de provimentos? O art. 93, II, e, da CF/1988 proíbe, simplesmente, a promoção do juiz que, injustificadamente, “retiver os autos em seu poder além do prazo legal”, aduzindo que não poderá restituí-los em cartório sem o despacho ou a decisão. Ora, poucos magistrados de primeiro grau logram despachar todos os processos nos prazos previstos no art. 226, haja vista a quantidade de feitos a seu cargo. O art. 227 autoriza, por sinal, “havendo motivo justificado”, o juiz exceder por igual tempo esses interstícios (art. 226). O justo motivo para retardar o provimento reponta na quantidade excessiva de feitos, o que torna o preceito letra morta. É digno de registro, ademais, relacionarem-se os elementos avaliados, na promoção por merecimento, à celeridade da prestação jurisdicional, e, não, com a qualidade dos atos. A Constituição omitiu-se a respeito desse espinhoso tema, nem sequer traçando parâmetros genéricos, motivo por que o controle dos órgãos correcionais da magistratura ignora, ou avalia superficialmente, o teor dos atos decisórios. Em algumas carreiras, para não ferir suscetibilidades, a promoção por merecimento ocorre sempre por antiguidade, porque o escolhido, segundo o mérito, é o juiz situado imediatamente após o promovido por antiguidade, dependendo a ascensão, por uma ou outra via, mais da sorte – recusas e aposentadorias de última hora alteram a ordem dos atos subsequentes – do que dos propalados critérios objetivos.

Figurando certo juiz três vezes consecutivamente na lista de merecimento, ou figurando cinco vezes alternadas, torna-se obrigatória a sua promoção, nada obstante não se situe em primeiro lugar (art. 93, II, a, da CF/1988). A medida obsta que o arbítrio do presidente do tribunal tranque, indefinidamente, a progressão do magistrado que o tribunal, ou o respectivo órgão especial, por maioria dos seus integrantes, entendem apto e merecedor do acesso.105 Na antiguidade, o juiz de carreira só poderá ser recusado por voto fundamentado de dois terços do tribunal, conforme procedimento próprio, e assegura ampla defesa (art. 96, II, d, da CF/1988). 930.2. Provimento originário – Um quinto dos tribunais de segundo grau estaduais ou federais é preenchido por membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira; ou por advogados, com mais de dez anos de atividade profissional – o termo inicial é a inscrição –, de notório saber jurídico e ilibada reputação, indicados em lista sêxtupla para cada cargo, escolhidos, respectivamente, pelo Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho (Estadual ou Federal) da Ordem dos Advogados do Brasil. Recebidas as indicações, o tribunal reduzirá a lista a três nomes, submetendo-a, conforme ao caso, ao Presidente da República ou ao Governador do Estado e do Distrito Federal, que escolherá um nome em vinte dias (art. 94, e parágrafo único, da CF/1988). A fórmula compartilha a indicação e a investidura entre os órgãos de classe, o Judiciário e o Executivo.106 Ela é muito rara nos países de Civil Law.107 As tensões políticas que cercam semelhante investidura geraram várias questões. O fundamento do provimento derivado nos tribunais de segundo grau e no STJ radica na necessidade de romper com o corporativismo da magistratura de carreira. Em que pese o modelo constitucional sugerir a necessidade de progressivos aperfeiçoamentos até o juiz chegar ao segundo grau, o fato é que a única prova, sem dúvida duríssima – a aprovação no concurso constitui expressiva vitória pessoal e inequívoca demonstração de aptidão intelectual e de saber jurídico –, a que se submete o homem ou a mulher na magistratura reside no concurso de ingresso. Essa etapa decisiva conduz o juiz e a juíza a um laboratório, progressivamente mais exigente, conforme a ascensão na carreira, mas importa experiências sociais e econômicas muito limitadas, em geral restritas à convivência com os seus colegas. A desejável inserção do magistrado na comunidade na qual operam e a qual servem no seu ofício, por si só difícil nos grandes conglomerados urbanos, onde eles se concentram, também oferece riscos. Um dos mais palpáveis reside no comprometimento para julgar determinadas causas. Daí a necessidade de introduzir, nos tribunais, togados com outro perfil. Por definição, a qualidade de postulante do advogado, ou de consumidor da Justiça, em grande parte compartilhada pelos agentes do Ministério Público, que se legitimaram a promover ações civis progressivamente, confere-lhe outra perspectiva dos problemas da Administração da Justiça e do controle interna corporis da magistratura. É o advogado quem conhece e sofre com a insuficiência e o despreparo dos serviços auxiliares da Justiça. É essa

visão distinta, mas concorrente, que o provimento derivado busca incorporar aos tribunais e às suas instâncias administrativas. 930.2.1. Cálculo do percentual das classes – O cálculo do quinto subordina-se ao número de juízes do tribunal. O STF estabeleceu que, não sendo divisível o número por cinco, arredonda-se a fração, superior ou inferir a meio, para cima,108 “obtendo-se, então, o número inteiro seguinte”, porque cálculo diverso importaria diminuir o número dos integrantes do quinto, que é norma expressa.109 Por exemplo, num tribunal de sete integrantes, o quinto corresponderá a dois lugares, e não a um, diminuindo, na prática, o número de juízes de carreira 930.2.2. Igualdade de participação das classes – Não é necessário igualdade no número de desembargadores oriundos da advocacia ou do Ministério Público. Em caso de desigualdade, as vagas serão preenchidas alternativamente, conforme o art. 100, § 2.º, da LC 35/1979. Encontrando-se uma das classes em inferioridade na composição do tribunal, no preenchimento da vaga “inverter-se-á a situação”, explicitou o STF: “a classe que se achava em inferioridade passa a ter situação de superioridade, atendendo-se, destarte, ao princípio constitucional da paridade das duas classes, Ministério Público e advocacia”.110 930.2.3. Requisitos dos candidatos das classes – Cuidando-se de provimento originário, e no tribunal de segundo grau, que administra o Judiciário no Estado-membro ou na região, estabeleceram requisitos à indicação e ulterior nomeação do juiz. O art. 94, caput, da CF/1988 impõe o interregno mínimo de dez anos de efetivo exercício profissional. Presume-se que, nesse interstício, o candidato adquira o tirocínio necessário para passar à atividade judicante. Por isso, o texto constitucional não impôs idade mínima ao candidato, subentendendo-se que dez anos de advocacia militante envelheceu, suficientemente, o homem ou a mulher aspirante… O membro do Ministério Público, de outro lado, consumiu três anos ou mais, após a colocação do grau de bacharel em direito, disputando o ingresso na respectiva carreira (art. 129, § 4.º, c/c art. 93, I, in fine, da CF/1988), e, de regra, ostentará mais idade que o advogado. Não existindo candidato do Ministério Público com mais de dez anos na carreira, o STF admitiu a inclusão de quem não preenche o requisito temporal.111 O adjetivo “efetivo”, quanto ao exercício profissional do advogado, solveu antiga controvérsia. Não basta a habilitação perante o órgão de classe. Impõe-se prova cabal da advocacia militante, na área pública ou privada, demonstrada na elaboração de trabalhos forenses.112 O candidato gozará de notório saber jurídico e reputação ilibada. Esses conceitos jurídicos indeterminados interpretam-se, via de regra, por exclusão. O adjetivo “notório” indica que a proficiência profissional há de ser do conhecimento público. Há advogados e membros do Ministério Público de

sólida cultura jurídica, provada pela edição de obras jurídicas de fôlego e sucesso editorial ou por trabalhos forenses de repercussão. Por outro lado, a reputação ilibada não se harmoniza com escândalos, na vida privada ou pública, a condição de réu em processo por improbidade administrativa, sem embargo da presunção de inocência, a insolvência ou a existência de dívidas contraídas em excesso. Do futuro desembargador a sociedade aguarda isenção e serenidade, decorrente da independência financeira, não servindo ao cargo o candidato que nele pretende a estabilidade econômica. O candidato processado criminalmente, e absolvido por insuficiência de provas, nenhum entusiasmo despertará no tribunal. Nunca se levou o problema à apreciação judicial, porque a indicação de seis nomes na lista atalha a questão, sobrando candidatos em número suficiente e sem a pecha. A redação do art. 94, caput, da CF/1988 sugere que tais requisitos aplicarse-iam unicamente aos advogados, como se os membros do Ministério Público deles se isentassem em razão do simples fato de exercerem tal função. Por óbvio, os pressupostos influem a escolha dos indicados pelo Conselho Superior do Ministério Público.113 É mais fácil, às vezes, apurar a idoneidade do procurador ou promotor, fitando os respectivos assentamentos, positivos (v.g., votos de louvor) e negativos (v.g., a imposição de penas disciplinares). 930.2.4. Procedimento da escolha no provimento originário – O art. 94 da CF/1988 instituiu um procedimento assaz complexo para o provimento originário nos tribunais de segundo grau. Cabe ao Conselho da Ordem dos Advogados, estadual no caso do TJ, e federal no caso dos TRF, após a elaboração de listas sêxtuplas pelos conselhos dos Estados-membros inseridos na região (v.g., o TRF da 4.ª Região abrange os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e, portanto, dos dezoito nomes, originários de três listas sêxtuplas, o Conselho Federal tirará seis nomes), organizar a lista sêxtupla. O procedimento interna corporisenvolve a arguição pública dos candidatos. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, colhendo informações e, eventualmente, arguindo os candidatos, através de votação secreta. O STF admitiu a recusa de todas as indicações, mediante a apresentação de razões objetivas, externadas na motivação do ato, em virtude da falta das qualificações pessoais exigidas no art. 94, caput, da CF/1988.114 Não se subtraiu do tribunal, realmente, a competência para emitir juízo positivo ou negativo a respeito dos candidatos, embora haja um examine preliminar no órgão que realizou as indicações. Em tal hipótese, o órgão representativo da classe apresentará nova lista, sem embargo da legitimidade dos figurantes em controverter, judicialmente, a motivação explícita da recusa. Nenhum prazo estipulado há no art. 94 da CF/1998 para o tribunal deliberar sobre a lista. Em geral, há um prazo mínimo, antes de o presidente da corte designar o dia da sessão, durante o qual procede-se discreta investigação entre todos os integrantes do tribunal, e os candidatos aproveitam esse interregno, cortejando os futuros eleitores. Essa constrangedora prática, antigamente desconhecida em alguns tribunais, disseminou-se como praga incontrolável. A reiterada omissão do tribunal em tirar três nomes da lista pode ser controvertida judicialmente.

O art. 94, parágrafo único, da CF/1988 fixa o prazo de vinte dias, ao invés, para o Governador do Estado ou o Presidente da República nomear um dos candidatos que figuram na lista tríplice. A escolha é discricionária. O Executivo não precisa nomear o mais votado, simples referência da predileção do tribunal, desprovida de qualquer outro efeito. À semelhança do que sucede nos países de Common Law, tão gabados, a nomeação dependerá da influência política do candidato, mostrando-se trivial os integrantes da lista colecionar apoio no partido político do governante e de outros setores da sociedade civil. O sistema do “quinto” rompe com o corporativismo natural da magistratura de carreira, constituindo valioso instrumento de controle interno da instituição. O compartilhamento das competências, distribuídas em três esferas (órgão de classe, Judiciário e Executivo), é engenhosa, participativa, e sem paradigma superior. Nada obstante, produzem-se distorções, porque nenhum sistema é imune às vicissitudes humanas. A maior ou menor estatura moral dos futuros magistrados subordina-se à dos seus eleitores. 931. Recrutamento de juízes nos tribunais superiores de jurisdição civil O Presidente da República indicará, livremente, os onze ministros do STF. É preciso que a pessoa seja brasileiro nato (art. 12, § 3.º, IV, da CF/1988), com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A indicação precisa ser aprovada pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, e parágrafo único, c/c art. 52, III, a, da CF/1988). Após a aprovação, o Presidente da República nomeará o ministro, ensejando a posse no cargo. O ministro adquirirá a vitaliciedade neste último momento. O preenchimento das vagas na corte constitucional constitui assunto de suma relevância. O papel político dessa Corte de Justiça, que é o guarda da Constituição, e, não, o respectivo senhor, assegura a transcendência ao tema.115 Não faltam críticas e reparos à livre indicação do Presidente da República, avolumando-se sugestões, oriundas do meio político e jurídico, no sentido de que, ao menos em parte, a corte seja composta de magistrados profissionais ou que os indicados apresentem requisitos formais de capacidade na área jurídica.116 Entretanto, comparação com outros ordenamentos revela mais semelhanças do que contrastes. Compreende-se que a República haja buscado inspiração noappointment do Presidente para a Suprema Corte norte-americana. O próprio imperador Pedro II desejava criar corte análoga.117 A única objeção consistente repousa no papel do Senado Federal. Ao contrário do que acontece no Senado norte-americano, no qual há costumes e consultas prévias (v.g., o blue slip),118 o Senado brasileiro exerce controle protocolar e superficial dos indicados. Exemplo de controle positivo da indicação surgiu no pressuposto de notável saber jurídico. Ele impõe indicação de jurista, ou seja, no mínimo a de bacharel em direito.119 O art. 56 da CF/1891 exigia “notável saber”, e, apoiado na cláusula, o Presidente da República nomeou o médico Cândido Barata Ribeiro, que tomou posse – hoje, hipótese impossível – no cargo, exercendo-o

de 25.11.1893 até 29.09.1894, rejeitando o Senado Federal a indicação, em 22.09.1894, oportunidade na qual consagrou a tese que “o notável saber refere-se a conhecimentos jurídicos; não basta ser diplomado em direito, mas é essencial ser notável pelo conhecimento das matérias que constituem as funções do Supremo Tribunal”.120 Seja como for, o adjetivo “notável” imprime grandeza ao saber, ao contrário do “notório” consagrado no art. 94 da CF/1988, no acesso aos tribunais de segundo grau pela fórmula do “quinto” constitucional, que alude ao generalizado conhecimento, à nomeada do indicado. A razão da exigência de idade mínima prende-se, justamente, à necessidade de evidenciar o notável saber jurídico, através da experiência judicante em outro tribunal, ou atuação profissional como professor de direito, advogado (público e privado) ou membro do Ministério Público, incorporada em trabalhos forenses ou doutrinários de valia e conhecimento geral. Por essa razão, o art. 101, caput, da CF/1988 não impõe qualquer interstício à experiência profissional, como sucede no art. 94. Já a idade mínima impõe permanência mínima ao magistrado, porque é compulsório o afastamento aos setenta anos de idade,121 atualmente fixado em setenta e cinco anos. Em relação à reputação ilibada, valem aqui as considerações já expendidas por ocasião do exame do art. 94 da CF/1988 (retro, 930.2). No primeiro momento, o Executivo e, na arguição pública do indicado, o Senado Federal, em última instância, emitem o juízo positivo ou o negativo. A composição do STJ afigura-se mais complexa. O tribunal superior, órgão de cúpula da Justiça Comum e da Justiça Federal, compõe-se, reza o art. 104, caput, da CF/1988, no mínimo, de trinta e três ministros. A lei ordinária poderá aumentar o número de integrantes, considerando a necessidade do serviço. O recrutamento dos brasileiros maiores de trinta e cinco e com menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e ilibada reputação, darse-á da seguinte forma: (a) um terço de juízes oriundos de TRF; (b) um terço de desembargadores oriundos de TJ; (c) um sexto de advogados; (d) um sexto de membros do Ministério Público. A indicação de integrantes dos tribunais de segundo grau (TJ e TRF) parte de lista tríplice elaborada pelo STJ, cabendo ao Presidente da República a livre indicação de um dos nomes para o escrutínio do Senado Federal (art. 104, parágrafo único, I, da CF/1988). O procedimento da indicação dos advogados e membros do Ministério Público, consoante o art. 104, parágrafo único, II, segue a diretriz do art. 94. Cabe ao Conselho Federal da OAB e ao Conselho Superior do Ministério Público, após receberem listas sêxtuplas dos Estados, organizarem sua própria lista sêxtupla, reduzida a tríplice pelo STJ, incumbindo a indicação final de um nome ao Presidente da República. § 190.º Organização da Justiça Federal na jurisdição civil 932. Origem e evolução da Justiça Federal A República criou a Justiça Federal, na jurisdição comum, através do Dec. n.º 848, de 11.10.1890.122 Os “juízes de seção” compunham o primeiro grau, funcionando o STF como corte de apelação, estrutura confirmada pelo art. 55

da CF/1891. As bases iniciais da Justiça Federal consolidaram-se na Lei 221, de 10.11.1894. Desapareceu a Justiça Federal na CF/1937, na jurisdição comum, porque o Estado adotou a esdrúxula forma de Estado Federal, unitário, avesso ao regime federativo,123 contrapondo-se aos regionalismos excessivos e tendentes à secessão. A traumática eliminação provocou muitos desapontamentos nos magistrados federais. É digno de nota que um dos juízes de seção, em exercício no Rio Grande do Sul, acabou aproveitado na judicatura comum e terminou guindado a desembargador do TJ. Fora da jurisdição comum, todavia, o Estado Novo criou a Justiça do Trabalho, e preservou a Justiça Militar federal. O art. 94, II, da CF/1946 criou o Tribunal Federal de Recursos (TFR), compostos de nove juízes (art. 103 da CF/1946) – receberam a designação de “ministros” pela Lei 87, de 09.09.1947 –, como órgão de segundo grau da Justiça Federal, competindo-lhe, fundamentalmente, julgar em grau de recurso “as causas decididas em primeira instância, quando a União for interessada, como autora, ré, assistente ou opoente”, com algumas exceções (art. 104, I, a, da CF/1946). Os interesses da União discutiam-se, em primeiro grau, perante a Justiça Comum, consoante a organização judiciária local. À CF/1946 só interessava, como expressivamente se mencionou, a “federalidade” do recurso.124 A Justiça Federal de primeiro grau é obra do Ato Institucional n.º 2, de 27.10.1965. Os juízes federais eram indicados pelo STF, livremente, e nomeados pelo Presidente da República. O art. 105, § 3.º, da CF/1946, na redação do ato de 1965, definiu-lhes a competência. A Lei 5.010 de 30.05.1966, ainda vigente, e tida como Lei Orgânica da Justiça Federal, esboçou a organização que perdura até os dias atuais. Distribuiu as seções judiciárias em cinco regiões, criou o Conselho da Justiça Federal, e restaurou o cargo de juiz federal substituto, provido mediante concurso público, exigência generalizada na CF/1967. 933. Segundo grau da Justiça Federal A Justiça Federal ampliou-se, a partir de 1988, através da criação dos Tribunais Regionais Federais, atualmente abrangendo cinco regiões (art. 27, § 6.º, do ADCT da CF/1988, c/c Resolução n.º 1, de 06.10.1988, do extinto TFR) – há emenda constitucional ampliando o número de regiões, travada pelo STF –, e o superlativo aumento das varas sediadas em cidades do interior, correspondendo cada seção judiciária a um Estado-membro, ocupadas por juízes federais de primeiro grau. A composição dos tribunais regionais federais será de sete juízes, no mínimo, recrutados nas respectivas regiões (dois ou mais Estados-membros), dentre brasileiros com mais de trinta anos e menos de sessenta e cinco anos, da seguinte forma: (a) um quinto dentre advogados, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, e membros do Ministério Público com dez anos de carreira; (b) os demais juízes mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antiguidade e merecimento, alternadamente (art. 107, I e II, da CF/1988).

A nomeação compete ao Presidente da República. As modalidades de provimento, derivado e originário, já receberam exame (retro, 930). Esses tribunais têm competência, em razão da matéria, originária e recursal (retro, 397). 934. Primeiro grau da Justiça Federal Os juízes federais, recrutados por concurso público, na forma do art. 96, I, c, da CF/1988, e nomeados segundo a ordem da classificação no certame (art. 93, I, da CF/1988), formam o primeiro grau. Cada Estado-membro constitui uma seção judiciária, cuja sede é a capital, distribuindo-se as varas, conforme a lei, neste lugar e no interior (art. 110 da CF/1988). Os Territórios não terão juízes federais (art. 110, parágrafo único). A competência de jurisdição recairá, neste caso, nos juízes da Justiça Comum, subordinados ao TJ do Distrito Federal e Territórios, com sede na capital da República. E os juízes de primeiro grau da Justiça Comum, nos Estados-membros, exercerão a competência federal nas causas arroladas, explicitamente, no art. 109, § 3.º, da CF/1988, e nas causas prescritas em lei, sempre que a comarca não seja sede de Vara do juízo federal. O art. 98, I, da CF/1988 contempla o juizado especial federal, organizado pela Lei 10.259/2001. § 191.º Organização da Justiça Comum na jurisdição civil 935. Origem da Justiça Comum A Justiça Comum, ou Ordinária, representa a sucessora legítima da velha organização judiciária do Império. É a Justiça mais próxima da vida comum do cidadão, inserindo-se na sua competência os litígios envolvendo sua personalidade e, em geral, a vida de relação. Os Estados-membros organizarão a Justiça Comum observando o disposto nos artigos 93 a 110 e 125 e 126 da CF/1988. Existem dois graus de jurisdição, o primeiro ocupado pelo Tribunal de Justiça (TJ); o segundo, pelos juízes de direito. 936. Segundo grau da Justiça Comum O órgão de cúpula da Justiça Comum, no Estado-membro, é o Tribunal de Justiça (TJ). 936.1. Origem do Tribunal de Justiça – A origem do TJ remonta às Relações da Bahia (antiga Relação do Brasil) e do Rio de Janeiro.125 O nome “relação” derivada do fato de a decisão se formar em relação, ou seja, de modo colegiado.126 Em 1873, já existiam, no Brasil, onze Tribunais de Relação.127 A designação dos tribunais dos Estados-Membros, na República, sofreu algumas variações. A CF/1891 não outorgou nome específico, aludindo ao “tribunal do estado” no art. 59, § 1.º, a e b. Em vista da lacuna, conservaram o nome de Relação os tribunais do Ceará, de Sergipe, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais. O tribunal do Distrito Federal (então na cidade do Rio de

Janeiro) tomou o nome de Corte de Apelação; o do Espírito Santo, de Corte de Justiça. E os demais assumiram o nome grandioso de Superior Tribunal de Justiça.128 A CF/1934 rotulou os tribunais dos Estados-membros de Corte de Apelação, passando, na CF/1937, a Tribunal de Apelação, para chegar, na CF/1891, à sua última forma: Tribunal de Justiça.129 936.2. Designação dos juízes no Tribunal de Justiça – Os juízes que integram o TJ recebem o título de desembargador (art. 34 da LC 35/1979 c/c art. 104, parágrafo único, I, segunda parte, da CF/1988). Era omissa, no ponto, a CF/1891. Assim, nos tribunais de São Paulo e do Espírito Santo, os juízes de segundo grau empolgaram o nome de ministros e, na Bahia, de conselheiros. Fora desses casos anômalos, a antiquíssima nomenclatura lusitana130 preservou-se nos demais Estados. Originou-se o epíteto na Casa de Justiça da Corte portuguesa. Era dividida em duas mesas e na primeira sentavam os sobrejuízes, dentre outras figuras. Essa Casa de Justiça recebeu, posteriormente, o nome de Casa de Suplicação. Dela se destacaram posteriormente os Desembargadores do Paço, formando a Casa do Cível, sediada em Lisboa. A designação de desembargador prevaleceu para tais juízes de segundo grau na segunda metade do século XV.131 O étimo da palavra é o seguinte: “Desembargar é desimpedir, desembaraçar, despachar, sobretudo despachar em Relação ou em Desembargo”.132 A usurpação desse título por outros juízes de segundo grau, em razão da sua sonoridade vetusta, ou para enaltecer a dignidade de outros cargos – não basta ser desembargador; desembargador federal soa melhor nas solenidades e nas reuniões sociais –, contraria a disposição constitucional explícita do art. 104, parágrafo único, I, segunda parte, da CF/1988. Na realidade, o princípio republicano que não tolera as espiciosidades terminológicas. Todos deveriam se chamar simplesmente de juízes – o mais nobre título, na República, a ornamentar o cidadão e cidadã investida do poder de julgar. 936.3. Divisão interna do tribunal de justiça – A Constituição do Estadomembro definirá a competência originária do TJ (art. 125, § 1.º, da CF). Leis processuais não podem aumentá-la ou restringi-la. A lei processual, que é federal (art. 22, I, da CF/1988), estabelece a competência recursal. A atividade judicante no tribunal, haja vista a importância da causa ou a natureza do recurso, sem embargo da quantidade excessiva de feitos, obriga à sua divisão interna. Os tribunais estaduais ostentam número suficiente de desembargadores para essa finalidade. Assim, dividem-se em dois ou mais órgãos fracionários. Conforme a estrutura da corte, a divisão mais geral é duas seções: (a) civil; e (b) criminal. O art. 101, caput, da LC 35/1979 não só autoriza o fracionamento do tribunal em câmaras ou turmas, especializadas ou agrupadas em seções (v.g., seção criminal e seção civil), consoante a lei local ou o regimento interno, mas preceitua que cada órgão fracionário funcionará como tribunal distinto ou autônomo (art. 101, § 4.º, da LC 35/1979), quer dizer, é o tribunal para julgar recursos e causas de competência originária. Em alguns tribunais,

há o grupo de câmaras, formadas por dois ou mais órgãos fracionários, para julgamentos de maior porte. As seções civil e criminal constituem, na prática, tribunais completamente diferentes nas suas necessidades, constituição e fins próprios. 936.4. O órgão especial do Tribunal de Justiça – Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, reza o art. 93, XI, da CF/1988, poderá ser constituído o órgão especial, no máximo integrado por vinte e cinco membros. Esse órgão especial é a engenhosa solução técnica para evitar a dispersão dos julgamentos nos tribunais mais numerosos. A configuração desse órgão reveste-se de duas características: de um lado, porque interna corporis, preserva a unidade do tribunal, revelando a criação paralela de um tribunal superior no âmbito do Estado-membro; e, de outro, atua como órgão eminente do tribunal, exercendo as funções administrativas e jurisdicionais do conjunto.133 O órgão especial exercerá a competência administrativa e jurisdicional inerente ao tribunal pleno. Em particular, cabe ao órgão especial do TJ o controle da constitucionalidade das leis locais (municipais e estaduais) perante a Constituição do Estado-membro (art. 125, § 2.º, da CF/1988), e o controle difuso da constitucionalidade de quaisquer leis, inclusive a federal, submetido pelo art. 97 da CF/1988 à regra do full bench – a decisão há de ser tomada pela maioria absoluta dos membros do órgão especial, não cabendo aos demais órgãos fracionários. A composição do órgão especial é objeto de disposição específica (art. 93, XI, da CF/1988). A metade das vagas será preenchida por antiguidade e a outra metade por eleição do tribunal pleno. Essa composição se deve à imposição corporativa e à ambição política dos juízes mais jovens. Encontrase disciplinada na Resolução n.º 16, de 02.06.2006, do CNJ. É bem de ver que, respeitando a inamovibilidade e freando a impaciência dos protagonistas da política classista (retro, 926.2), o art. 9.º desta Resolução autoriza a eleição para as vagas ocorridas no órgão especial a partir de 01.01.2005, data da vigência da EC 45/2004, publicada no dia anterior. 937. Primeiro grau da Justiça Comum Os juízes de direito ocupam os órgãos judiciários de primeiro grau, criados por lei de iniciativa do TJ, ingressando mediante concurso público de provas e de títulos com o cargo de juiz substituto. Após o estágio probatório de dois anos, adquirem vitaliciedade, objeto de procedimento específico em que se avalia a idoneidade intelectual, moral e psicologia da pessoa para percorrer a árdua carreira da magistratura. O sistema da promoção por antiguidade e por merecimento, tratado na CF/1988 e já examinado (retro, 930.1), assegura ao juiz de direito a ascensão funcional na carreira. 937.1. Distribuição territorial dos juízes de direito – A lei local classifica as divisões territoriais, ou comarcas, em três entrâncias, via de regra pela ordem

numeral ascendente (primeira, segunda ou terceira), mas há outras designações (entrâncias inicial, intermediária e final). A carreira do juiz de direito cobre as três etapas, dependendo a efetiva ascensão das vagas abertas por aposentadoria ou morte, até chegar ao zênite – o cargo de desembargador. A promoção para desembargador recrutará magistrados na última entrância (terceira ou final). Entretanto, há juízes que, bem postos em certa comarca, na qual recebem a gratificação pelo exercício da Justiça Eleitoral, exibem um padrão de vida superior ao da média da população circundante, e desfrutam, ainda, as vantagens de maior segurança na vida privada, desinteressam-se da carreira (e do aperfeiçoamento intelectual), recusando indefinidamente qualquer promoção. Legitimamente que seja, a generalização desse comportamento individual tranca e distorce a carreira, porque subtrai as boas comarcas do interior dos demais juízes e catapulta alguns juízes mais jovens, cativados pela última entrância, à progressão fulminante na carreira sem cabal amadurecimento. 937.2. Classificação das comarcas de primeiro grau – Em geral, agrupamse as comarcas em três categorias – inicial, intermediária e final. A classificação da comarca como inicial ou intermediária, e como terceira ou final a capital do Estado-membro ou de várias cidades de porte análogo, prende-se ao movimento forense, à densidade populacional e a outros fatores políticos e econômicos (art. 97 da LC 35/1979). Nos últimos tempos, as capitais dos Estados-membros abandonarem a condição de entrância final ou última para o acesso ao TJ, solidificando-se tendência descentralizadora da carreira. Inexistem, porém, critérios sólidos e bem fundados nessa organização territorial. Por exemplo, a qualidade e o número das moradias, outrora decisivo fator para a criação da comarca, vez que o juiz de direito é residente no local, deixou de ser um problema, pois as associações de classe abririam um departamento habitacional, cujos recursos provêm das contribuições voluntárias dos associados, que edifica e preserva residências funcionais. 937.3. Distribuição dos juízes de direito nas comarcas – A distribuição dos juízes de direito nas entrâncias é assimétrica. A cada comarca corresponderá, necessariamente, um juiz de direito (e os respectivos auxiliares), mas há comarcas com dois ou mais juízes, consoante a necessidade do serviço, distribuídos em varas. Nesta contingência, “onde houver mais de um juiz”, reza o art. 284 do NCPC, ocorrerá a distribuição das causas, alternada e aleatoriamente, obedecendo “rigorosa igualdade” (art. 285, in fine). Nas comarcas com vários juízes, a lei local outorga-lhes competência para processar e julgar causas de toda a natureza, ou especializa-os conforme a matéria (v.g., um juiz civil, outro penal), alterando, conseguintemente, a base da distribuição equitativa dos feitos. As grandes comarcas contam com requintes de especialização, como duas ou mais varas da infância e juventude, duas ou mais varas de falência, varas dos registros públicos, e assim por diante. São corriqueiros os apelos do legislador à especialização das varas, como acontece no art. 126 da CF/1988 e no art. 70 da Lei

10.741/2003, in verbis: “O Poder Público poderá criar varas especializadas e exclusivas do idoso”. O melhor aproveitamento da estrutura do ofício judicial recomenda, às vezes, a lotação de dois juízes de direito na mesma vara, coadjuvados, ou não, por dois ou mais juízes substitutos. E a própria vara pode ser repartida em dois ou mais ofícios; por exemplo, a vara de família e sucessões pode dividir-se num ofício de família, outro de sucessões.134 As grandes capitais dos Estados-membros, como São Paulo, experimentaram a descentralização da sede dos juízos. Além do Foro Central, há em São Paulo onze Foros Regionais, nas diversas zonas urbanas. Essa distribuição de sedes suscita sérios problemas de competência. Em relação à matéria e ao valor, a competência dos foros regionais é absoluta, no sentido que, fundando a descentralização no superior interesse da administração da justiça, não é dado ao autor preferir o foro central em detrimento do regional (art. 4.º da Lei 3.947/1983-SP).135 937.4. Juízes de investidura temporária – A partir da CF/1934, as cartas da República, excepcionando a prerrogativa da vitaliciedade, permitiram a criação, nos Estados membros, de juízes de investidura temporária, com funções de substituição do juiz de direito.136 A Lei 1.108-RS, de 12.04.1950, previu a figura do pretor, no Rio Grande do Sul, nomeado pelo Governador do Estado, após concurso de títulos, prelo prazo de dois anos, admitindo uma recondução por igual período. Por decorrência da EC n.º 7-RS, de 19.12.1978, a então CE/47-RS, de 08.07.1947, passou a contemplar, no art. 127, V, os “juízes togados de investidura temporária que a lei instituir”, e o art. 3.º da referida emenda chamou-os de pretor. E o art. 3.º da Lei 7.288-RS, de 17.09.1979, distinguindo o pretor dos magistrados, remeteu as prerrogativas deste ao estatuto da magistratura estadual, negando-lhe o art. 27 da Lei 6.929-RS, de 02.12.1975, as garantias da vitaliciedade, incompatível com a investidura temporária, a inamovibilidade e a irredutibilidade dos vencimentos. Era essa a situação quando o art. 21, caput, do ADCT da CF/1988, estabilizou os juízes temporários nos cargos. Tais juízes preservaram a competência e as prerrogativas existentes no momento da aquisição da estabilidade (art. 21, parágrafo único, do ADCT da CF/1988), nenhuma delas equiparável às dos magistrados. Em última análise, esses juízes compõem quadro em extinção, não sendo admissível exonerá-los, ad nutum, porque estáveis, ou seja, só perdem o cargo após processo administrativo ou por força de sentença judiciária.137 A administração pode movimentá-los, livremente, de uma vara para outra, na mesma comarca, ou para outra comarca de igual ou diferente entrância. A lei local fixa a competência desses juízes para processar e julgar as causas de menor complexidade. O art. 87, II, do Código de Organização Judiciária do Rio Grande do Sul (COJE/RS, Lei 7.356-RS, de 01.12.1980, objeto de sucessivas alterações) estabelece competência em razão do valor, mas limitadas essas causas em razão da matéria (v.g., as ações de despejo de prédios urbanos e rurais, consoante o art. 87, II, c, do COJE/RS). 937.5. Juizados especiais da Justiça Comum – A Justiça Comum difundiu os juizados especiais previstos no art. 98, I, da CF/1988. Apesar de órgãos de

primeiro grau, neles há uma instância inferior, ocupado por juiz de direito, auxiliado por número variável de juízes leigos e conciliadores, que exercem serviço público honorário, e a instância recursal, consubstanciado em turmas recursais, compostas por juízes de direito. É autorizada a instituição de juizados especiais em lugares que não constituem comarcas, presidido por juiz de paz. As turmas recursais localizam-se nas cidades maiores. Funcionam os juizados especiais, em princípio, nas sedes dos juízos, em horário noturno. Leis locais organizaram esses juizados especiais, criando um Conselho de Supervisão, disciplinando o recrutamento dos juízes leigos e dos conciliadores, e, principalmente, a respectiva retribuição pecuniária, que é um valor fixo por causa julgada ou conciliada. Um dos problemas futuros desse regime consiste no reconhecimento de relação de emprego entre o Estado e as pessoas que, de acordo com a lei, desempenham serviço público honorífico. O juizado repousa no trabalho voluntário dos particulares, mostrando-se incompatível com seus princípios a institucionalização do vínculo, hipótese em que valeria investir os recursos públicos nos juizados comuns, e, não, nessa justiça criada para litígios de menor importância econômica.

Capítulo 44. PODERES E DEVERES PROCESSUAIS DO JUIZ SUMÁRIO: § 192.º Poderes processuais do órgão judiciário – 938. Poderes do juiz no processo – 939. Classificação dos poderes processuais do juiz – 939.1. Poderes de direção, de decisão e de execução do juiz – 939.2. Poderes oficiais e poderes provocados do juiz – 939.3. Poderes limitados e poderes ilimitados do juiz – 939.4. Poderes preclusivos e poderes não preclusivos do juiz – 939.5. Poderes vinculados e poderes discricionários do juiz – § 193.º Poderes de direção – 940. Poderes de direito no modelo autoritário – 941. Poderes de controle do juiz – 941.1. Poder de reprimir ilícitos processuais – 941.2. Poder de adotar medidas processuais – 941.3. Poder de dilatar prazos processuais – 941.4. Poder de polícia – 941.5. Poder de suprir vícios processuais – 942. Poderes de fiscalização do juiz – 942.1. Caracterização do processo simulado e do processo fraudulento – 942.2. Constatação da simulação e da fraude – 942.3. Consequências do processo simulado e fraudulento – 943. Poderes ordinatórios do juiz – 944. Poderes instrutórios do juiz – 944.1. Poder de fixar o tema da prova – 944.2. Poder de distribuir o ônus da prova – 944.3. Poder de determinar produção da prova útil e necessária – 944.4. Poder de presidir a produção da prova – 944.5. Poder de alterar a produção da prova – 944.6. Poder de avaliar a prova – § 194.º Poderes de decisão do processo – 945. Regras de julgamento – 946. Juízo de legalidade – 946.1. Objeto do juízo de legalidade – 946.2. Integração do juízo de legalidade – 946.3. Interpretação do juízo de legalidade – 946.4. Formação do juízo de legalidade – 946.5. Fidelidade ao direito – 946.6. Efeitos do juízo de legalidade – 947. Juízo de equidade – § 195.º Poderes de execução – 948. Conceito do poder de executar – 949. Natureza do poder de executar – 950. Objeto do poder de executar – 951. Meios de poder de executar – 952. Limites do poder de executar – § 196.º Deveres processuais do órgão judiciário – 953. Deveres processuais do juiz – 954. Dever de jurisdicionar –

954.1. Objeto do dever de jurisdicionar – 954.2. Conteúdo do dever de jurisdicionar – 954.3. Limites dos poderes de jurisdicionar – 955. Dever de cooperar – 955.1. Dever de esclarecer – 955.2. Dever de consultar – 955.3. Dever de prevenir – 955.4. Dever de auxiliar – 956. Dever de motivar – 957. Dever de pontualidade – 958. Dever de urbanidade – 959. Dever de residência – 960. Dever de atendimento – 961. Dever de conciliar – 961.1. Cabimento da conciliação – 961.2. Importância e natureza da conciliação – 961.3. Espécies de conciliação – 961.4. Objeto da conciliação – 961.5. Procedimento da conciliação – 961.6. Efeitos da conciliação – 962. Dever de indenizar – 962.1. Responsabilidade civil por dolo ou fraude – 962.2. Responsabilidade civil por impontualidade – 963. Dever de abstenção. § 192.º Poderes processuais do órgão judiciário 938. Poderes do juiz no processo O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve sob o impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei (art. 2.º). Por intermédio dessa fórmula, a lei brasileira harmonizou dois princípios antagônicos: o princípio dispositivo e o princípio inquisitório. A formação do processo decorre da iniciativa do titular do direito à tutela jurídica do Estado (retro, 223) – na prática, qualquer pessoa e outros sujeitos sem personificação –, provocando atividade jurisdicional do Estado. Formase, a partir da entrega do protocolo da petição inicial no juízo, relação peculiar entre o Estado e quem toma essa iniciativa: a relação processual. Inicialmente linear (retro, 91), envolvendo autor e o Estado, em geral completa-se o vínculo mediante o chamamento do réu, hipótese em que assumirá feição definitiva angular. Também compete às partes prolongar a relação processual, impugnando os pronunciamentos desfavoráveis. O protagonista na formação do processo usufrui de amplo e irrestrito domínio na alegação dos fatos (causa petendi) e, almejando obter determinado efeito jurídico, proveito, vantagem, benefício ou bem da vida perante o réu, a providência pleiteada (petitum) para esse propósito, baseada nos fatos alegados, constitui o objeto litigioso (ou mérito) do processo. As respostas do órgão instituído pelo Estado para prestar o serviço público reclamado através do processo variam muito em conteúdo e alcance. Fundam-se tanto em aspectos relacionados à regularidade do instrumento (juízo de admissibilidade), quanto da apreciação do objeto litigioso (juízo de mérito). A pior e mais radical das hipóteses, formulando o autor pedido impossível (retro, 225.1) – há outras situações intermediárias e de variados matizes (v.g., os defeitos formais da petição) –, sobrevém juízo liminar de inadmissibilidade, negando-se o juiz a dar seguimento ao processo já na sua etapa inicial. Em relação ao juízo de mérito, geralmente precedido da atividade de instrução, controverte-se o alcance da contribuição do réu, na defesa, na configuração final do objeto litigioso, principalmente na hipótese de deduzir exceções materiais (retro, 313.2.2). Prevalece, todavia, a tese que a defesa do réu somente alarga a cognição do juiz, suscitando questões, mas não altera a objeto litigioso. Em princípio, as partes dispõem do objeto litigioso, livremente, no curso do processo. É comum que se encerre o litígio mediante transação (art. 487,

III, b). A lei não exclui outras possibilidades, mais remotas, como a renúncia da pretensão processual, prevista no art. 487, III, c, mas chamada em outros dispositivos chamada de renúncia ao direito sobre o que se funda a ação (v.g., art. 122). Pouco importa, nessa conjuntura, os limites à cognição do juiz em casos tais, porque restrito à validade do negócio jurídico, abstendo-se a examinar o respectivo conteúdo. É digno de registro que, no reconhecimento do pedido (art. 487, III, a), o juiz formula a regra jurídica concreta, próprio da sua função, mas subordinado ao esquema de fato alegado pelo autor e aceito pelo réu (infra, 1.631). Essas modalidades de disposição do objeto litigioso constituem, manifestação particular do princípio dispositivo.1 No entanto, existem objetos litigiosos indisponíveis (v.g., as ações de estado) ou cuja disponibilidade se encontra limitada, como acontece na ação civil pública (art. 5.º, § 3.º, da Lei 7.347/1985),2 exigindo motivação do negócio jurídico unilateral da desistência. Em larga síntese, configurou-se assim, no processo civil brasileiro, a autonomia das partes no processo. Ela expressa-se na clássica máxima da disposição (Dispositionsmaxime).3 Às partes cabe, segundo expressão cativante, buscando situar o domínio das partes no contexto do processo civil autoritário (retro, 80), o poder de suscitação (ou princípio da demanda).4 Evoluiu-se, posteriormente, acrescentando o poder de debate. As partes desenvolvem atividades interligadas no curso do processo. Essas atividades geram situações jurídicas ativas e passivas. As partes adquirem direitos processuais. O conteúdo desses direitos engloba uma ou mais faculdades (ou poderes), por sua vez dotados de pretensão (v.g., a pretensão recursal, aludida no art. 1.019, I), e, correlatamente, exaustivos e rígidos deveres. A lei processual civil brasileira caracteriza-se pela exigência de rigor ético na atuação das partes desde, ao menos, o CPC de 1973 (retro, 605). Formado o processo, através da iniciativa do titular do direito à tutela jurídica do Estado, imediatamente cria-se para o órgão instituído pelo Estado o dever de prestar a tutela jurisdicional cabível na espécie. Tal aspecto comporta algumas distinções, parcialmente adiantadas. Em primeiro lugar, cumpre ao juiz vencer o juízo de admissibilidade da demanda, ou seja, o conjunto de pressupostos que, simultaneamente preenchidos, permitem ao órgão judiciário julgar o mérito. Não sendo este o caso, existindo óbice insuperável (v.g., a ilegitimidade), a resposta jurisdicional devida ao autor consiste no juízo de inadmissibilidade. Ato desse conteúdo satisfaz plenamente o dever de o Estado prestar jurisdição. Não se pode interpretar o art. 4.º, segundo o qual as partes têm o direito de obter em tempo razoável a “solução integral do mérito”, incluindo a satisfação do respectivo direito, senão como régua temporal, e, não, medida do conteúdo da resposta jurisdicional. Por maiores que sejam os esforços do órgão judiciário, haverá pretensões que jamais ultrapassarão o juízo de admissibilidade. Habilitado a julgar o mérito, porque vencidas as barreiras erguidas no juízo de inadmissibilidade, nem sempre o órgão judiciário se pronunciará a favor do autor. Talvez a razão beneficie o réu. Seja como for, cabendo-lhe julgar a favor do autor, o juiz prestará unicamente a tutela reclamada na petição

inicial, haja vista o princípio da congruência. Varia muito o teor da postulação. O pedido reflete e subordina-se à força e aos efeitos da ação (retro, 230), e, nesta contingência, decidirá toda a demanda e nada fora dos limites criados por iniciativa das partes.5 É o que estabelece, categoricamente, o art. 141, instituindo o princípio da congruência: a decisão do mérito ater-se-á aos limites fixados pelas partes no debate da causa, fundamentalmente à causa petendi e ao pedido da ação e da reconvenção. Parece óbvio, nessa linha de raciocínio, incumbir ao juiz praticar todos os atos processuais necessários para, na forma da lei – e, não, conforme bem entender,6inexistindo abertura análoga à do Common Law -, atingir o patamar do mérito, e julgar a favor ou contra o autor, nos limites da demanda. Para essa finalidade, o art. 2.º, segunda parte, declara que o processo civil se desenvolve por impulso oficial. O juiz tomará todas as providências para empurrar o processo até seu desfecho conforme à lei (julgamento do mérito e satisfação do vencedor). Na teoria, a atuação do juiz brasileiro não depende da existência e da direção do impulso das partes, nada obstante convergentes. É claro que, por exceção, a lei pode exigir a iniciativa da parte (v.g., na tutela antecipada, conforme a melhor interpretação da ambígua redação do art. 303, § 6.º). Mas, não há dúvida que, de regra, vigora o impulso oficial, remarcado sempre que necessário (v.g., o art. 381). O impulso da parte revela-se secundário e acidental no que tange à suscitação das questões relativas ao juízo de admissibilidade (art. 337, § 5.º) ou, mais amplamente, as questões processuais (art. 357, I). E convém acrescentar que, nas causas de intervenção obrigatória (art. 178), outro órgão do Estado, o Ministério Público, exerce poder de impulso, coadjuvando e suprindo as omissões do órgão judiciário e a iniciativa das partes (v.g., quanto à incompetência relativa, o art. 65, parágrafo único). Seja como for, o art. 2.º, in fine, consagra o poder de direção do juiz. Este poder é intrínseco à função do órgão estatal. Representa, como assinalou o teórico precursor do processo civil social, autêntico poder e dever.7 Em contrapartida, o poder de direção do juiz só alcança legitimidade democrática e social mediante respeito ao princípio de debate. Ao juiz não é dado prover, tanto no juízo de admissibilidade, quanto no juízo de mérito, salvo exceções, sem antes propiciar a discussão das partes a respeito da matéria (arts. 9.º e 10). Essas considerações evidenciam o problema capital do processo civil contemporâneo: o regime e os limites da divisão de trabalho entre as partes e o órgão judiciário. É na ênfase maior ou menor na atividade das partes e na atividade do juiz que se expressa as linhas ideológicas do ordenamento processual. O papel reservado ao órgão judiciário, na maior parte dos sistemas jurídicos contemporâneos, revela-se extenso e profundo. Em primeiro lugar, ao juiz incumbe a tarefa própria do seu ofício, que é a de decidir o processo, pronunciando-se, ou não, sobre as aspirações contrastantes das partes, e, conforme o teor do pronunciamento, realizar na realidade material o que decidiu, a fim de alcançar ao vitorioso o bem da vida almejado.

É natural, portanto, que a lei confie ao juiz, assoberbado por tais impressionantes objetivos, a direção formal do processo. Eventuais faculdades que o movimento do processo assegura às partes convivem com poderes similares do órgão judiciário. Não desempenharia o juiz a sua função social, pronunciando-se sobre o objeto litigioso e formulando a regra jurídica concreta aplicável ao litígio, sem tais poderes. As reformas processuais, autorizando o juiz a decidir segundo modelos de verossimilhança, sem dúvida alargaram e aprofundaram esses poderes.8 O caráter social do processo também exigiu ao juiz se outorgassem poderes materiais de direção. Não ficará ele adstrito às iniciativas das partes na proposição dos meios de prova, pois incumbe-lhe, antes de mais nada, esclarecer-se da veracidade das alegações de fato para desempenhar sua função. Os poderes do juiz constituem, portanto, o modo pelo qual se manifesta, especificamente, o poder jurisdicional.9 O principal problema técnico posto ao juiz, no curso do processo, respeita à iniciativa de reunir e ministrar as provas tendentes a confirmar, ou não, as alegações das partes. O juiz brasileiro tem poderes irrestritos nessa esfera. O poder de direção era unicamente formal (formelle Prozessleitung), porque atinente ao impulso do processo. Posteriormente, dilatou-se para poder de direção “material” (materielle Prozessleitung).10 Esse poder possibilita o juiz de investigar oficiosamente a veracidade dos fatos afirmados pelas partes.11 Pode ordenar a produção de qualquer prova (art. 370, caput), ex officio, incumbindo ao autor antecipar as respectivas despesas (art. 82, § 1.º). Por exemplo, o juiz poderá valer-se do tão enaltecido, quanto esquecido interrogatório para esclarecimento, previsto no art. 139, VIII. E não convém olvidar, nas causas de particular interesse social ou público, a intervenção do Ministério Público (art. 178, I), órgão do Estado cuja função se distingue da acometida ao órgão judicial, mas revestido de poderes equiparáveis aos das partes, em particular o de produzir prova (art. 179, II). Em matéria de prova, costuma-se identificar dois grandes sistemas, empregando-se, em razão de crescente predomínio cultural, a expressão inglesa inquisitorial, para retratar o vigorante na Civil Law, e adversarial, para designar o predominante na Common Law. As partes figuram como protagonistas exclusivos na tarefa de propor e de produzir as provas, atividade chamada de discovery, a cargo, precipuamente, dos respectivos advogados, no sistema prevalecente na Common Law. Já nos ordenamentos filiados à Civil Law, dentre os quais o brasileiro, essa iniciativa é atribuída ao juiz (art. 370, caput). Talvez não seja legítimo traçar fronteira tão incisiva e viva entre os dois sistemas. Reformas legislativas, pois as há em toda parte, aumentaram o controle judicial na produção da prova no direito norte-americano, coibindo a investigação com o intuito de molestar, constranger, oprimir e asfixiar a parte contrária, sob o pretexto de coligir elementos para futura demanda.12 E a iniciativa das partes, fora do processo, também existe nos Países da Civil Law. É lícito às partes, na petição inicial e na defesa, produzirem pareceres técnicos para elucidar as questões de fato (art. 472). Feita a devida ressalva, a filiação do direito brasileiro ao regime inquisitorial é evidente, situando-se quase na contramão da tendência de

reduzir o caráter público do processo civil.13 As linhas ideológicas do processo civil brasileiro evidenciam o flagrante predomínio da Inquisitionsmaxime, e, não, da Verhandlungsmaxime, segundo a qual só às partes, por meio do debate, compete produzir as provas idôneas à demonstração da veracidade das alegações de fato, pré-excluindo a iniciativa do juiz.14 Cumpre ressaltar a inusitada distância entre a teoria e a prática na vida forense. O juiz brasileiro mostra-se pouco afeito a intervenções de vulto na pesquisa do material de fato. Limita-se a avaliar a prova documental, produzida com a inicial e a contestação, e a admissibilidade dos demais meios propostos pelas partes, abreviando o procedimento, através da técnica do julgamento antecipado (art. 355, I), sempre que honradamente possível. Essa inércia e a ojeriza à prova decorrem de vários fatores. Porém, o dado de fato é indubitável: o contundente arsenal do juiz brasileiro é mais virtual do que real. O ativismo judicial não assumiu contornos dramáticos em razão dessa particularidade. É uma prescrição acadêmica, refletida na legislação, como escassas repercussões práticas. Por exceção, o juiz deforma o procedimento predeterminado na lei processual, acomodando-o à economia do serviço, como sucedeu no caso na suspensão, ope judicis, da ação individual, em virtude do ajuizamento de ação coletiva com idêntico objetivo, e sua ulterior transformação, ex officio, em liquidação do provimento coletivo favorável.15 Ocioso frisar a impossibilidade de maiores generalizações nessas mudanças oportunistas, nem sequer devem ser aceitas como naturais e intrínsecas à atividade judicante. A alteração do procedimento, adaptando-o ao caso concreto, sob o pretexto de conferir a tutela mais adequada ao objeto litigioso, infringe o direito fundamental à ampla defesa. Aliás, o caso concreto recordado só produziu resultados funestos: suspensas as ações individuais pendentes e, destarte, desestimulado o ingresso de novas, em prol do processo coletivo, posteriormente o STJ reconheceu a prescrição da pretensão coletiva,16 obrigado à retomada das ações individuais. Foi imenso o desperdício de tempo e de dinheiro com processos fadados ao insucesso. E, paralelamente, as pessoas que não ingressaram em juízo, tempestivamente, afinal na ação individual não tramitaria, padeceram com a árdua controvérsia do prazo de prescrição da pretensão individual. Nos processos em que o objeto litigioso é transindividual (direito difuso ou coletivo), inexiste tratamento diferente dos poderes do juiz, porque supérfluo. Ficam mantidas e preservadas (a) a inércia inicial do órgão judiciário (o processo começa por iniciativa da parte); (b) a incolumidade do objeto litigioso; e (c) o princípio da congruência entre o objeto litigioso e o conteúdo da sentença de procedência.17 São os elementos indispensáveis ao processo constitucionalmente justo e equilibrado. Os poderes do juiz já são extensos e profundos o suficiente no processo individual e não se potencializam no processo coletivo além das suas raias naturais. Como quer que seja, a direção material do processo (art. 139, caput: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código…”) incumbirá ao órgão judiciário. A direção ocorre no âmbito da comunidade de trabalho da qual participam as partes, mediante cooperação recíproca (art. 6.º), não porque desempenhem atividades convergentes, mas ao contrário, porque

perseguem objetivos diferentes: o autor pede, o réu impede, o juiz dirige, velando a aplicação do direito processual objetivo para, se possível, julgar o mérito. Esse é o sentido dos poderes judiciais. É intrínseco à atividade do juiz, personificação da autoridade do próprio Estado, a existência de extensos poderes, como os mencionados poderes de instrução e de decisão. Esses poderes emanam diretamente da CF/1988, ao instituir os órgãos judiciários, devendo a lei processual conformar-se em regular o respectivo exercício de modo a alcançar os elevados escopos de resguardar a paz social, realizar o direito objetivo e concretizar os direitos fundamentais. Entende-se só o juiz investe-se de autênticos poderes no processo civil, em razão de o órgão estatal atuar autoritariamente, por força da investidura constitucional no cargo.18 Essa concepção é errônea. As partes têm direitos processuais. E no núcleo de cada direito figuram dois ou mais poderes. Nesse sentido, afigura-se correto aludir aos poderes das partes, a exemplo do poder de recorrer ou não do provimento desfavorável. Os poderes do órgão judiciário pertinentes à disciplina do processo civil são os que tocam ao juiz na condução do próprio processo. Fora dessa seara, o órgão judiciário tem outros poderes, às vezes sem influência direta na marcha do processo, em outras oportunidades com repercussão indireta, a exemplo do poder de correição sobre os serventuários lotados no seu ofício (poderes administrativos) e o poder de polícia (art. 139, VII, c/c art. 78). É evidente a influência do controle e a disciplina imposta pelo juiz aos seus colaboradores, mais ou menos rígido, na presteza e na exatidão dos atos a cargo dos auxiliares, beneficiando o conjunto dos processos em tramitação ao ofício. Tal assunto pertence ao direito administrativo, e, não, ao processual. Por outro lado, existem poderes seguramente alheios ao órgão judiciário: (a) o de formar a relação processual; (b) o de configurar o objeto litigioso; (c) o de julgar fora dos limites do objeto litigioso; (d) o de empregar ciência privada para resolver as questões de fato (quod non est in actis non est in mondo), hipótese em que deve se declarar impedido e depor como testemunha (art. 452, I); (e) o de infringir o direito processual das partes (v.g., impulsionar o processo no prazo de resposta).19 A lei não confere apenas poderes ao órgão judiciário. Também impõe ao juiz determinados deveres (v.g., “promover, a qualquer tempo, a autocomposição”, a teor do art. 139, V), com o fito de imprimir caráter social ao processo e lograr os escopos políticos da jurisdição. Esses deveres específicos, destacados do quadro geral, situam-se ao lado do reverso dos poderes. Assim, o inequívoco poder de decidir, próprio do ofício do juiz, corresponde ao dever de decidir. O juiz sempre deverá julgar, em qualquer sentido, simplesmente porque é juiz. Não servindo de escusa, conforme reza o art. 140,caput, a lacuna ou a obscuridade do ordenamento jurídico e – convém acrescentar – a catastrófica falta de prova, subsistindo incerteza quanto à veracidade das alegações de fato. Nessa última contingência, o art. 373 oferece-lhe regras de julgamento, hipótese pouco tranquilizadora para o juiz consciencioso, mas por vezes inevitável. A falta de

decisão “é a manifestação mais característica da denegação de justiça”.20 O poder do juiz “é um dever também”.21 É preciso classificar os poderes para apreender o seu conjunto. 939. Classificação dos poderes processuais do juiz Todo esquema classificatório repousa em determinado critério. Em relação aos poderes do juiz, há classificações simples, dividindo-os em três espécies (poder de resolução, poder de condução e poder de polícia),22 e classificações complexas.23 Também identifica-se a tendência de evitar esse terreno, relegando o exame dos poderes do juiz ao campo da dinâmica do processo.24 O critério da finalidade dos atos realizados pelo juiz autoriza, porém, obter o quadro geral.25 Existem, sem embargos, outros critérios úteis à identificação da atividade do juiz. 939.1. Poderes de direção, de decisão e de execução do juiz – Segundo a finalidade do ato, os poderes do juiz dividem-se em três classes: (a) direção; (b) decisão; (c) execução. É a classificação mais relevante e esclarecedora da atuação do órgão judiciário no processo civil. Por intermédio dos poderes de direção o juiz conduz e controla o processo, promovendo o debate prévio das questões, incluindo as que lhe é dado conhecer de ofício (art. 10), além de fiscalizar a atividade das partes (v.g., exercendo o poder de polícia nas audiências, a teor do art. 360, I, c/c art. 78, e, genericamente, fundado no art. 139, VII), buscando que atinja seus fins de modo mais rápido e econômico possível. O objeto da direção é amplíssimo e abarca todos os meios e instrumentos que servem a um processo.26 Eles se dividem nas seguintes subespécies: (a) poderes de controle, tocando ao juiz promover o debate, sanear o processo, suspendê-lo nos casos legais, reunir e separar processos, repelir e reprimir a prática de atos processuais supérfluos; (b) poderes de fiscalização, incumbindo ao juiz disciplinar e sancionar a atividade das partes e dos terceiros, valendo-se da caracterização dos respectivos deveres processuais; (c) poderes ordinários, através dos quais impulsiona o processo; e (d) poderes instrutórios, mediante os quais o juiz identifica as questões de fato controvertidas, determina ou autoriza a prova necessária (art. 370, caput), reunindo o material para decidir a causa, e avalia esse conjunto (art. 371). O poder de decisão permite ao juiz decidir o mérito, em juízo de legalidade (art. 8.º) ou em juízo de equidade (art. 140, parágrafo único), e as questões antecedentes a tal patamar. É digno de registro o incremento do poder de decisão através do uso de modelos de verossimilhança, como acontece na tutela provisória de urgência e da evidência. E, por fim, os poderes executórios permitem ao juiz, inexistindo cumprimento voluntário, e sempre que tal atividade mostre-se concretamente necessária à obtenção do bem de vida – neste tópico, interessa o momento da satisfação do vitorioso, examinado no item dedicado à força e aos efeitos da ação (retro, 229) –, empregar a força contra o vencido (art. 782).

939.2. Poderes oficiais e poderes provocados do juiz – Em geral, como deflui do art. 2.º, segunda parte, o juiz pode atuar ex officio, independentemente da provocação das partes. É o que acontece, por exemplo, em matéria de prova e, principalmente, no que tange às questões de processo, conforme estipula o art. 337, § 5.º, c/c art. 485, § 3.º. É preferível utilizar a terminologia questões de ordem pública, a fim de abranger questões respeitantes ao mérito e, nada obstante, passíveis de conhecimento ex officio, como a prescrição e a decadência (art. 487, II). Por exceção, há questões processuais cuja apreciação se subordina à alegação das partes (v.g., a incompetência relativa), e, naturalmente, no tocante ao mérito, vigora o princípio da iniciativa da parte, ou princípio dispositivo, sendo vedado ao juiz “conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte” (art. 141, in fine). 939.3. Poderes limitados e poderes ilimitados do juiz – Em relação aos elementos da demanda, sob diferente perspectiva, os poderes do juiz são (a) limitados e (b) ilimitados.27 Em relação ao mérito, os poderes do juiz são duplamente limitados: de um lado, o julgamento se encontra adstrito aos limites prefixados pelo autor, que expôs a causa de pedir e formulou o pedido com as suas especificações (art. 319, IV), controvertendo-se se o réu, ao alegar as exceções substantivas, alarga o mérito ou só aumenta a área de cognição do juiz (retro, 313.2.2); de outro lado, compete ao juiz decidir “o mérito nos limites propostos pelas partes” (art. 141, primeira parte), sendo-lhe vedado, portanto, julgar além, aquém ou fora desses lindes. É ilimitado, em princípio, o poder de o juiz qualificar os fatos alegados pelas partes (iura novit curia). O órgão judiciário desfruta de liberdade para enquadrar a ação material do autor em tal ou qual regra jurídica, ignorar a errônea qualificação jurídica do conteúdo fático da demanda e suprir as deficiências que, porventura, contenha a petição inicial na lembrança das regras aplicáveis ao caso. Essa liberdade não elide o direito de o autor utilizar suas opiniões jurídicas, no mérito ou nas questões do processo, a fim de influir no convencimento do juiz.28 No entanto, a liberdade de o juiz alterar a qualificação jurídica exige o prévio debate das partes (contraditório).29 Não é lícito, em especial, o juiz surpreender o réu com o acolhimento do pedido com outros fundamentos jurídicos, subtraindo-lhe oportunidade para rebater esse novo enquadramento. Eis o motivo por que o art. 357, IV, impõe ao juiz delimitar as questões de direito idôneas a influenciar o julgamento do mérito, em qualquer sentido, na decisão de saneamento e de organização do processo. 939.4. Poderes preclusivos e poderes não preclusivos do juiz – A preclusão significa que o processo, tendendo ao julgamento do mérito, para atingir esse escopo há de ultrapassar determinadas etapas ou fases processuais, sem retorno, garantindo, assim, o desenvolvimento automático do processo. Em sua construção clássica, o instituto da preclusão realça a perda de faculdades das partes, mas acaba por admitir a preclusão das questões

decididas pelo juiz, no curso do processo. Em tese, ao menos, a preclusão atinge, com maior ou menor extensão, os poderes do órgão judiciário.30 Desse modo, mostra-se possível classificar os poderes do órgão judiciário em preclusivos e não preclusivos. O assunto merecerá desenvolvimento, à luz dos dados do ius positum, no item dedicado à extensão subjetiva preclusão (infra, 1.144). Por ora, resta fixar o esquema geral. No que tange aos poderes do órgão judiciário, a preclusão opera de cima para baixo, na chamada preclusão hierárquica, jamais de baixo para cima e no mesmo grau. Os poderes de direção do órgão judiciário, envolvendo a resolução de questões relativas ao processo, tendo por objeto os pressupostos processuais e as condições da ação, jamais precluem. Por exemplo, após ter reconhecido a legitimidade do autor e instruída a causa, nada impede, exceto a interposição de recurso e a manifestação de igual teor do órgão judiciário ad quem, o juiz de julgar o autor ilegitimado, extinguindo, conseguintemente, o processo (art. 485, VI). E idêntico tratamento recebe as questões concernentes à admissibilidade dos meios de prova. Indeferida certa prova, no momento oportuno (art. 357, II), e recebidos os autos conclusos para sentença, nada obsta o juiz, reexaminando o problema e confrontado pela impossibilidade de julgar a causa sem tal prova, retratar o pronunciamento inicial. Essas são as únicas questões que, a rigor dos princípios, cumpre ao juiz resolver antes de julgar a causa, proferindo sentença que acolha ou rejeite o pedido do autor (art. 487, I). Excepcionalmente, o juiz examina parte do mérito antes da sentença, aplainando o terreno, desembaraçando o caminho para chegar ao ponto central da causa. Então, sim, parece admissível cogitar de preclusão no mesmo grau de jurisdição. Daí por que, nesses termos, os poderes do órgão judiciário se dividem em preclusivos e não preclusivos. 939.5. Poderes vinculados e poderes discricionários do juiz – A atividade do órgão judiciário no processo, provocada ou não, constitui manifestação de um órgão do Estado.31 É natural, portanto, governarem-se os atos judiciais compreendidos nessa atividade pelos princípios do direito público. Por igual, a atividade das partes, aparentemente integrada nos domínios do direito privado, porque oriundas de sujeitos privados, via de regra insere-se no processo e integrará da mesma forma a esfera do direito público. É sob tal perspectiva que se há de examinar a subsistência, ou não, de poderes vinculados e de poderes discricionários do órgão judiciários. Em relação aos atos em si, já se desenvolveu suficientemente, no direito administrativo, a diferença entre atos discricionários e vinculados. Em determinados casos, a regra não deixa ao aplicador opção: preenchidos os elementos de incidência ou suporte fático, a lei fixa a consequência, restandolhe adotar a solução prescrita; em outras hipóteses, os efeitos jurídicos são relativamente indeterminados, cabendo ao aplicador optar por uma das várias soluções concebíveis, segundo critérios de oportunidade, conveniência, equidade e isonomia, dados igualmente extraídos dos conceitos juridicamente indeterminados da regra.32 Diz-se que, na primeira hipótese, o ato é vinculado; na segunda, discricionário.

Em princípio, toda a atividade do órgão judiciário é vinculada. A lei estabelece, a priori, todos os elementos de incidência dos fatos na norma processual. Essa técnica legislativa retira do órgão judiciário o juízo de conveniência e de oportunidade de exercer este ou aquele poder processual. Por exemplo, necessário que seja conhecimento técnico, científico, artístico ou prático para conhecer determinado fato, e, portanto, configurados os pressupostos da admissibilidade da prova pericial, cumpre ao juiz assistir-se de expert na matéria, não lhe cabendo substituir o intermediário pelo seu próprio conhecimento pessoal. O roteiro traçado previamente para os atos processuais que compõem o procedimento é outro exemplo. Tal ordenação integra os direitos fundamentais das partes contra o arbítrio do juiz. Não é por outro motivo que, perante excessos e abusos, a prática desenvolveu o instituto da correição, dita “parcial”, a fim de evitar a inversão ilegal e o tumulto nos atos processuais. Às vezes, entretanto, a lei processual apela ao tirocínio do judiciário, não lhe impondo padrões rígidos de atuação. É decorrência do uso em profusão dos conceitos juridicamente indeterminados nas normas jurídicas. Essa técnica legislativa tem dupla finalidade: por um lado, posterga o envelhecimento precoce da pauta de conduta, tornando-a flexível e adaptável às mudanças sociais, econômicas e políticas; de outro, e não em menor medida, reflete a ausência de consenso na sociedade pluralista, instituindo opções para os chamados hard cases. Convém fixar dois exemplos triviais: (a) a liquidação e execução da resolução parcial de mérito processar-se-á nos autos originais ou em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz (art. 356, § 4.º); (b) não estabelecendo a lei o quantitativo do prazo, o juiz o determinará, “considerando a complexidade do ato”, a teor do art. 218, § 1.º. A admissibilidade de o juiz exercer poderes verdadeiramente discricionários no processo civil suscita controvérsias. Influenciam o debate opções ideológicas raramente explícitos. Desenvolve-se palpitante pugna entre os adeptos do processo civil garantista (retro, 81) e do processo civil autoritário (retro, 80). É fato que, em determinadas situações, o legislador estima necessário confiar ao órgão judiciário alguma flexibilidade, abstendose de fixar, abstratamente, consequências rígidas, instituindo normas imperativas. Se a lei entrega juiz, com o escopo de assegurar-lhe o desempenho de suas funções, a avaliação da oportunidade, em princípio confiar-lhe-á poder discricionário, nada obstante de natureza jurisdicional.33 Exemplo de poder dessa espécie é o de polícia nas audiências (art. 360, I). Em tema de conceitos jurídicos indeterminados, ou de conceitos vagos, disseminados na lei processual, rejeita-se discrição análoga às previstas nas hipóteses recordadas. Por exemplo, o art. 303, caput, condiciona a concessão de tutela de urgência provisória à existência de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Reunidos os elementos de convicção idôneos à emissão de um juízo a respeito, o órgão judiciário exercerá a interpretação do conceito vago, mas a regra do art. 303, caput, e outras similares, comportam interpretação única. Não cabe ao juiz, nessas situações, a escolha típica do ato discricionário. A conduta imposta ao órgão judiciário é única, comportando duas opções fechadas: verificado o receio de lesão, cabe a tutela provisória; ao invés, inexistindo o receio de lesão, não cabe providência desse teor.34

A conclusão descansa na distinção fundamental entre os elementos de incidência da norma e o efeito jurídico atribuído à incidência.35 Os conceitos juridicamente indeterminados constituem elementos de incidência, razão por que a liberdade conferida ao julgador exaure-se na fixação da premissa; mas, estabelecida a coincidência entre os fatos concretos e o modelo abstrato da norma, ao juiz não resta alternativa senão a de extrair o respectivo efeito jurídico. É situação profundamente distinta da que desfruta o órgão da Administração, pois a norma confia-lhe a estipulação da própria consequência. É bem de ver que, por exceção, ambas as técnicas legislativas se combinam: o art. 1.637, caput, do CC autoriza ao juiz, abusando o pai ou a mãe da sua autoridade, ou faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos – elementos de incidência –, “adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor ou seus haveres”. Aí se tem opção aberta ao julgador, que poderá escolher a medida que melhor lhe aprouver para curar a falta de cumprimento dos deveres dos pais. § 193.º Poderes de direção do processo 940. Poderes de direção no modelo autoritário Em linhas gerais, mostra-se possível descrever o papel do juiz no processo segundo três tendências: (a) a primeira, individualista e liberal, atribui às partes a iniciativa de formar o objeto litigioso, e, assim, predeterminar o objeto do julgamento, impulsionar o processo e ministrar as provas necessárias ao esclarecimento das suas alegações; (b) a segunda, preservando o objeto litigioso incólume à intervenção judicial, outorga ao juiz o poder de impulso; (c) a terceira, por fim, subtrai às partes a liberdade de determinar o objeto litigioso, permitindo a intervenção do juiz neste âmbito, e, ainda, confia ao órgão estatal impulso nas atividades processuais.36 Tais sistemas correspondem, grosso modo, às figuras do juiz espectador, diretor e ditador. Não há esquema superior ou ideal, pois todos exibem, abstratamente, vantagens e defeitos,37 dependendo a predominância de um deles das valorações políticas, econômicas, culturais e ideológicas do próprio sistema constitucional. Todavia, o sistema que autoriza o juiz a imiscuir-se no objeto litigioso, estranho às tradições do direito brasileiro, afigura-se excessivamente radical e intolerável. O art. 139, caput, declara que o juiz dirigirá o processo. Portanto, a lei retirou o juiz do papel de simples espectador, subordinado ao ânimo das partes para imprimir impulso ao processo. Os destinos do processo e da própria função jurisdicional não interessam somente às partes (sache dei Partei), devendo o processo cumprir a sua função social de resolver a lide e aplicar o direito objetivo imparcial e autoritariamente. E, de outro lado, a qualidade de diretor repele a de ditador arbitrário e prepotente, que submete as partes, incondicionalmente, à sua vontade e aos seus caprichos, no papel de Führer desregrado e volúvel. A experiência histórica declarou essa concepção trágica, “não porque o sistema fosse manejado por homens, mas porque os homens eram manejados pelo sistema”.38 Em última análise, a transição do Estado liberal para o Estado social importou notável incremento da participação dos órgãos públicos na vida

social, e, no plano processual, o intervencionismo redundou na intensificação dos poderes do juiz.39

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O poder de direção – construção tipicamente germânica (Prozessleitung) – tem dupla acepção técnica: (a) formal e (b) material.

Formalmente, tem por objetivo controlar a regularidade dos atos processuais, imprimindo ordem e ritmo à atividade processual.41 Do ponto de vista material, a direção do processo avança nos domínios da iniciativa e controle na coleta do material probatório, articulando-o “de modo que se colha a venda, se esclareçam as argumentações das partes, se tenha visão do conjunto”,42 e nos esforços para obter a composição voluntária da lide. O poder (e dever) de “promover, a qualquer tempo, a autocomposição”, objeto do art. 139, V, evidencia a direção material do processo pelo juiz brasileiro.43 A direção material do processo subentende os seguintes poderes do órgão judiciário: (a) poderes de controle; (b) poderes de fiscalização; (c) poderes ordinatórios; (c) poderes de instrução. 941. Poderes de controle do juiz Os poderes de controle do órgão judiciário englobam vasta atividade judicial. Os verbos debater, cumular, reunir, separar, admitir, suspender, arquivar rasgam os horizontes dessa função.44 Cumpre ao juiz zelar pela regularidade do processo do início ao fim. É autêntica e paulatina atividade de saneamento. O juiz remove quaisquer obstáculos, aplaina o terreno, vencendo as questões incidentes, e, desse modo, prepara o julgamento do mérito, favorável ou não ao autor. O direito brasileiro se destacou por marcar momento específico para a decisão de saneamento do processo. O impropriamente chamado “despacho saneador”, previsto nos arts. 293 a 296 do CPC de 1939, diretamente filiado ao art. 19 do Dec.-lei 960/1938 (Execução Fiscal), era decisão “proferida logo após a fase postulatória, na qual o juiz, examinando a legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação do processo ou da ação, dispondo, se necessário, sobre a correção de vícios sanáveis”.45 A esse propósito, realizando-se a audiência preliminar, o art. 301, § 2.º, do CPC de 1973, expressou, esplendidamente, a função de controle, exigindo que o juiz decida “as questões processuais pendentes”. Não é diferente o art. 357, I, do NCPC, mas a decisão de saneamento e de organização do processo, nesse diploma, tornou-se muito mais exigente. O juiz exercerá tal controle já ao primeiro contato com a petição inicial. Cabe-lhe verificar se a peça apresenta “defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito”, além de zelar pela regularidade formal da peça propriamente dita, mediante o cumprimento dos requisitos dos arts. 319 e 320. Em caso de necessidade, o juiz assinará prazo para a erradicação de eventuais defeitos (arts. 321, caput, e 801). O primeiro aspecto a merecer a atenção do juiz, nesse contato com a inicial, reside na sua própria competência (retro, 378). Compete-lhe declarar, prontamente, a incompetência absoluta, segundo o art. 64, § 1.º. Compreende-se o juiz desse assunto ocupar-se primeiro momento. Todos os

demais necessitarão, pronunciada a incompetência, dos cuidados do juiz competente. Além desse pressuposto de validade da relação processual, o juiz cuidará de todos os demais pressupostos processuais e condições da ação, ex oficio, a teor dos arts. 485, § 3.º e 337, § 5.º, e cuja ausência implicará a emissão do juízo de inadmissibilidade (art. 485). São as questões processuais mencionadas no art. 357, I. O problema da preclusão, relativamente a tais poderes, já foi ventilado, operando hierarquicamente (de cima para baixo). Do controle do órgão judiciário não escapam pontos secundários, tal como o controle do valor da causa (art. 292, § 3.º) e a regularidade da distribuição (art. 288). A mais das vezes, o saneamento decorre do teor da reposta do réu, terminada a fase postulatória, hipótese em que o juiz tomará as providências preliminares, objeto do Capítulo IX do Título I – Do Procedimento Comum – do Livro I da Parte Especial do NCPC, embora aplicável aos ritos especiais, e ponto capital do saneamento. Trata-se da “última alternativa em busca do desate da demanda no momento do julgamento do processo em seu estado”.46 E, de fato, ou o juiz erradica os obstáculos – e, na sequência, fixa o tema da prova (e determinada a produção do meio de prova adequado [art. 357, II]) –, ou julga o processo no estado em que se encontra, extinguindo-o (art. 354) ou resolvendo antecipadamente o mérito, no todo (art. 355) ou em parte (art. 356). A demonstrar que todo poder do órgão judiciário transforma-se, na perspectiva inversa, no dever de prover, mostra-se digno de nota que o julgamento de meritis, em que pese a falta de pressuposto processual ou de condição da ação, não repelindo o juiz a pretensão nesse caso, representará grave vício.47 Não sendo corrigido através do recurso próprio, convola-se em motivo de rescisão do julgado, apesar do art. 488 (v.g., na ação em A pede a pretensão do seguro contra o estipulante B, em vez da seguradora C). A decisão de saneamento não encerra o exercício do poder de controle quanto à regularidade e ordenação do processo. No curso da demanda, a validez dos atos processuais sujeitar-se-á ao controle individual do juiz. A invalidação exige que o juiz declare quais atos subsequentes o vício do ato antecedente afetou, e, principalmente, ordene providências para repetição ou ratificação, conforme reza o art. 282, caput. A verificação dos prazos (art. 233, caput) e aplicação das penalidades aos serventuários, no âmbito de processo administrativo, assegurado o contraditório e prestigiada a ampla defesa, integra o poder de controle do juiz. Ocioso frisar a importância desse controle. Em geral, as etapas mortas do processo ocorrem em virtude da inércia e da desídia dos auxiliares do juízo. Decerto em nada contribuirá à celeridade o cumprimento dos atos em ordem cronológica pelos auxiliares (art. 153), em nome da igualdade entre os feitos no mesmo juízo. O poder de controle abrange o de suspender o processo, nos casos predeterminados no art. 313; o de reunir os processos para instrução e julgamento conjunto (art. 55); e, sob certas condições, o de “separar processos”,48 ou seja, desmembrar pedidos indevidamente cumulados (retro, 281.3) – por exemplo, no caso do art. 45, § 2.º – e o restringir o número de litisconsortes (art. 113, parágrafo único). Cabe ao juiz, de resto, avaliar a

preterição de litisconsorte necessário e ordenar à parte que promova sua integração na relação processual, a teor do art. 115, parágrafo único, sob pena de extinção do processo (retro, 589). Ao juiz incumbirá, no âmbito da comunidade de trabalho instituída no processo, sob a égide da cooperação (art. 6.º), promover o debate das partes sobre as questões a serem resolvidas. O contraditório recebeu enorme estatura no NCPC, como se percebe no art. 9.º e 10, e o juiz não pode deliberar sobre questões não debatidas previamente. A última das facetas do poder de controle do órgão judiciário reside na restrição à publicidade do processo (retro, 172). Em todas essas áreas, o controle exercido pelo juiz pauta-se pela igualdade de tratamento que há de assegurar às partes (art. 139, I). Esse poder suscita o difícil problema da distribuição equivalente de meios técnicos para ambos os litigantes, ou paridade de armas. Esse assunto recebeu exame no item dedicado ao princípio da igualdade (material) das partes (retro, 157). O art. 139 dilatou o poder de controle do órgão judiciário. Convém examinar separadamente alguns incisos da regra. 941.1. Poder de reprimir ilícitos processuais – O NCPC seguiu a trilha do estatuto anterior e instituiu numerosos deveres para as partes (art. 77). Por óbvio, cabe ao juiz reprimir os ilícitos processuais de quaisquer participantes do processo, indeferindo postulações meramente postulatórias (v.g., o adiamento da audiência de instrução sem motivo plausível). Esse assunto já recebeu exame em item anterior (retro, 617). 941.2. Poder de adotar medidas processuais – O órgão judiciário tem o dever de cumprir e fazer cumprir suas próprias determinações. Para essa finalidade, segundo o art. 139, IV, cumpre-lhe adotar medidas indutivas (v.g., a interdição do estabelecimento), coercitivas (v.g., a imposição de multa pecuniária), mandamentais (v.g., ordem de não molestar o ex-cônjuge) ou sub-rogatórias (v.g., a remoção da pessoa de determinado lugar) destinadas a assegurar o cumprimento das decisões judiciais. O assunto se relaciona com o poder de execução (infra, 950). 941.3. Poder de dilatar prazos processuais – O art. 139, VI, autoriza o juiz a dilatar os prazos processuais, mas somente antes de encerrado o prazo normal, chamado de “regular” (art. 139, parágrafo único). O art. 222 já prevê a dilatação dos prazos na comarca, seção ou subseção judiciária em que for difícil o transporte. O objetivo dessa dilatação extraordinária, adequando o interregno hábil às necessidades do conflito, a fim de emprestar maior efetividade à tutela do direito, relaciona-se à perseguição, a todo custo, da resolução do mérito. Porém, deve ser interpretado estritamente, pois agasalha o potencial de desequilibrar o processo. Não é possível considerar a qualidade da parte; por exemplo, dilatar os prazos da Defensoria Pública, porque representante técnico de vulnerável, concedendo-lhe três meses para apelar da sentença desfavorável. O ato fundado no art. 139, VI, há de fundar-se em fato objetivo e devidamente provado no processo: o excesso de serviço do único Defensor

Público da comarca, seção ou subseção judiciário, encarregado de atuar em milhares de processos e, por infeliz coincidência, constrangido a recorrer ao mesmo tempo de centenas de casos diferentes. 941.4. Poder de polícia – O art. 139, VII, deslocou a enunciação do poder de polícia da audiência de instrução, emprestando-lhe feição mais geral. Ao juiz cabe requisitar a força policial (polícia judiciária e polícia militar), sempre que necessário (v.g., manifestação de organizações sociais na sede do juízo, perturbando a ordem dos trabalhos, por ocasião de julgamento de causa de repercussão) e da incipiente, mas real, segurança interna do fórum ou do tribunal. Os tribunais dispõem de serviço próprio de segurança, em geral sob orientação de oficial graduado da polícia militar, mas nem sempre o pessoal é suficiente ou adestrado para lidar com comoções mais sérias. O poder de polícia avulta nos casos de o juiz conter manifestações orais abusivas (art. 78) e de ordenar a retirada dos inconvenientes da sala de audiência (art. 360, II). 941.5. Poder de suprir vícios processuais – Em diversas disposições, a lei processual traça como meta desejável a resolução do mérito. Esse objetivo é alcançado quando vencido o juízo de admissibilidade. Assim, antes de proferir sentença terminativa, impõe-se ao juiz estimular a parte a corrigir o vício, a teor do art. 317. E o art. 139, IX, manda o juiz determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais, cujo momento ideal é o do art. 351, inserido nas providências preliminares. Exemplo do acolhimento dessa diretriz no ius positum avulta no disposto no art. 75, caput. O vício respeitante à capacidade processual ou à capacidade postulatória há de ser sanado em prazo razoável assinado pelo juiz. Findo o prazo inicial, e demonstrando a parte a dificuldade de suprir o defeito nesse interstício originário, o juiz prorrogará o prazo ou assinalará interstício suplementar, propiciando ao interessado a oportunidade de sanar o defeito e, assim, o processo retomar seu curso. Nem sempre se mostrará possível repelir o juízo de admissibilidade. Por exemplo, na ação em que A pretende receber a prestação do seguro do estipulante B, em lugar da seguradora C, vencida a oportunidade de corrigir o polo passivo (art. 338), não há como julgar o mérito. Não tem o menor cabimento a invocação do art. 488: perante o estipulante B, pronunciamento desse teor é supérfluo; perante a seguradora C, inútil, pois não haverá vinculação (art. 506). 942. Poderes de fiscalização do juiz Os poderes de fiscalização do juiz abrangem a própria atividade, a dos seus auxiliares (art. 149) e a das partes. É digno de nota que o procurador da parte, enquanto tal, não se submete à fiscalização do juiz, em princípio, restando-lhe comunicar fatos desonrosos ao órgão disciplinar da respectiva corporação. O desdobramento do poder de fiscalização no de policiar a conduta dos participantes da audiência (arts. 360 e 78) revela, todavia, a submissão dos advogados públicos e privados a essa fiscalização. Excluemse, todavia, (a) a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, devendo a falta ser apurada pelo órgão de classe ou pelo órgão

correcional interno do Ministério Público e da Defensoria Pública (art. 77, § 6.º); e (b) o cumprimento da decisão em lugar da parte (art. 77, § 8). O art. 139, II, determina ao juiz “velar pela duração razoável do processo”, com o fito que se encerre, conforme o comando constitucional, em prazo razoável (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988), repetido no art. 4.º. O verbo velar tem o sentido de vigiar e de zelar, bem de acordo com a disposição constitucional, exigindo a subministração de meios para assegurar a celeridade. Assim, o juiz controla os prazos assinados às partes e aos servidores, incumbindo as partes, de seu turno, representar contra o excesso de prazo do próprio juiz, sem dúvida meio que se harmoniza com a parte final do art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, o que resultará, em casos extremos, na designação de outro juiz para julgar a causa (art. 235, § 3.º). No entanto, vem à mente, aqui, a advertência que a justiça rápida não se revela necessariamente uma boa justiça. Em outras palavras, a delicada tarefa do juiz, velando pela rapidez, não significa transformar a ligeireza em leviandade ou irreflexão, pois o “juiz inconsiderado é ainda pior que o juiz vagoroso”.49 É preciso, pois, distinguir as causas simples, porque não apresentam questões jurídicas de alta indagação ou questões de fato extremamente árduas, das causas complexas. Elas não podem ser tratadas uniformemente. A demora no julgamento da causa simples é insuperável, enquanto a da causa complexa é suportável. Em linha oposta orientou-se, infelizmente, o art. 12 do NCPC, uma das medidas altamente polêmicas do terceiro estatuto unitário. A atividade processual das partes encontra-se adstrita a rígidos limites éticos (retro, 596). Compete ao juiz, no manejo dos seus poderes de direção material do processo, “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias” (art. 139, III). Os chamados poderes éticos do juiz sofrem ampliação na lei processual vigente para vigiar a conduta das partes.50 Os comportamentos que suscitam essa intervenção do juiz receberam análise no item dedicado aos deveres das partes no processo civil (retro, 605). É um catálogo amplo, abarcando deveres de expressivo relevo, como o de veracidade (art. 77, I), e deveres de menor importância, a exemplo da proibição de lançar cotas marginais e interlineares nos autos (art. 202). E cabe ao juiz, segundo o art. 360, manter a ordem e o decorro na audiência (inciso I); ordenar o afastamento dos participantes que se comportarem inconvenientemente (inciso II), incluindo os que compareçam com trajes inadequados, requisitando, se necessário, a força pública (inciso III). Não fica isento o órgão judicial de a todos tratar com urbanidade e serenidade (inciso IV) e de registrar quaisquer eventos no termo da audiência (inciso V). A manifestação autônoma mais expressiva do poder de fiscalização do juiz avulta no art. 142. Segundo prescreve a regra, apurando o juiz, nas circunstâncias da causa, servirem-se as partes do processo para “praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei”, proferirá sentença obstando esses objetivos, sem prejuízo das penas pela litigância bilateral de má-fé. A disposição reclama análise atenta. 942.1. Caracterização do processo simulado e do processo fraudulento – A primeira hipótese reprimida no art. 129 é a do processo simulado.

Pode haver lide aparente ou objetivo das partes consiste em obter, através do pronunciamento judicial, bem da vida impossível de obter nos domínios da autonomia privada. Por exemplo, um dos cônjuges pleiteia a anulação do casamento,51 apesar de inexistir causa hábil, com o fito de permitir que ambos casem, outra vez, na qualidade de solteiros, atendendo a imperativo da fé professada. Não há prejuízo (jurídico) a terceiros, mas a lide é aparente, e, não, real e atual. Outra hipótese, anteriormente cogitada, consistia em as partes, já estabelecidas em caráter definitivo as bases da respectiva transação, e, portanto, encerrado o litígio no âmbito da autonomia privada, simularem o processo, e, posteriormente, transacionarem, objetivando revestir o ato da autoridade da coisa julgada. O art. 515, III, autoriza as partes levarem o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, à homologação do juiz, dotando-o da eficácia de título executivo judicial, e, assim, eliminou o campo propício a essa espécie de simulação. Ela nunca mereceu simpatias e ocorria, fundamentalmente, em causas trabalhistas, por conta do vezo criado em ignorar a eficácia da quitação passada no âmbito da autonomia privada. É fraudulento o processo pelo qual as partes, dissimuladamente ou não, buscam prejudicar terceiro, burlando a lei. Por exemplo, os cônjuges simulam separar-se, apesar de mantida a convivência mútua, partilhando o patrimônio comum e o varão obrigando-se a pagar alimentos à mulher, objetivando pôr a salvo dos credores a parte do patrimônio que couber à mulher e usufruir o benefício fiscal decorrente do pagamento. 942.2. Constatação da simulação e da fraude – O juiz apurará a simulação e a fraude coibidas no ar. 142 nos elementos de prova. Para essa finalidade, mostra-se lícito valer-se dos seus poderes instrutórios (art. 370, caput), ordenando as provas necessárias para desvelar a aparência, que encobre a simulação, e identificar o prejuízo a terceiro. 942.3. Consequências do processo simulado e fraudulento – O processo simulado ou fraudulento é absolutamente nulo, a despeito da falta de cominação, e essa circunstância já afasta a preclusão e a necessidade de iniciativa da parte, aplicando-se, destarte, art. 278, parágrafo único.52 Em tal contingência, o juiz proferirá sentença que “impeça os objetivos das partes”. Em princípio, nessa sentença o juiz não examinará o mérito da causa, e, portanto, incidirá o art. 485, X, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito. Não é inviável cogitar, considerando os exemplos ministrados, tanto de processo fraudulento, quanto de processo simulado, da pura e simples rejeição do pedido: o juízo de improcedência implicaria a subsistência do vínculo do casamento – todavia, as partes podem se divorciar – e da sociedade conjugal, impedindo, eficazmente, o sucesso dos objetivos das partes. E, além disso, a sentença de mérito revestir-se-ia da autoridade da coisa julgada (art. 502), obstando definitivamente a renovação da demanda, efeito admitido com frágeis argumentos.53 Verdade que a sentença é rescindível (art. 966, III) e, de resto, uma das partes pode suscitar a questão,54 mas essa não parece a melhor solução. E, com efeito, o problema da renovação da demanda, emitida sentença terminativa, só pode ser resolvido dessa maneira. Não há outro motivo para

repelir a incidência do art. 466, caput, porque conteúdo da sentença desconstituiria o nulo, impedindo o esforço de renovação do processo fraudulento.55 943. Poderes ordinatórios do juiz O impulso processual a cargo do juiz, previsto no art. 2.º, segunda parte, serve para movimentar o processo, e, assim, ultrapassar as etapas ou fases em que se divide o procedimento. Nesse entendimento, tem estatura menor do que a de método para solucionar as questões que porventura se apresentem ao juiz,56 objeto do poder de controle. Os poderes ordinatórios expressam-se através dos despachos do juiz (art. 203, § 3.º) e dos atos “meramente ordinatórios” a cargo do escrivão ou chefe de secretaria (art. 203, § 4.º). E, com efeito, a ordenação do processo realiza-se através de decisões e de despachos. Os despachos são atos ordinatórios do juiz, integrando o poder de direção formal do processo (retro, 940). O art. 203, § 4.º, exemplifica os atos “meramente ordinatórios”, inseridos nos poderes do órgão judiciário, com os termos de juntada e de vista obrigatória, sem dúvida impulsos secundários, mas o segundo de suma importância, porque garante o contraditório. São atos passíveis de serem exarados,ex officio, e independem de despacho. O art. 203, § 4.º, instituiu simples faculdade, ancorando-se na permissão constitucional (art. 93, XIV, da CF/1988), promovendo delegação de poder próprio do juiz a um dos seus auxiliares mais próximos, com o intuito de aliviar a carga de trabalho que afeta a maioria dos órgãos judiciários. Entretanto, sempre haverá atos ordinatórios, ante a complexidade do raciocínio exigido do agente, reclamando a ingerência do órgão judiciário.57 E, de resto, há juízes de espírito mais centralizador e exclusivista que, sem embargo de outras tarefas mais relevantes e urgentes, assumem a emissão desses atos de impulso. O processo percorre o itinerário previamente traçado na lei através dos despachos, exarados pelo juiz, e dos atos “meramente ordinatórios”. Ao movimento em si não se outorga maior importância, nem sequer se percebe conscientemente, pois o processo marcha como devido; porém, a falta de despacho, a inércia dos auxiliares do juízo – por exemplo, o escrivão recebe a petição inicial, mas abstém-se de autuá-la –, a demora em julgar, logo chamam a atenção e a ira das partes. 944. Poderes instrutórios do juiz O poder de direção material do juiz abrange os chamados poderes instrutórios. Tais poderes implicam: (a) o poder de o juiz delimitar as questões de fato controvertidas (art. 357, II), cotejando as afirmações da inicial com a impugnação feita pelo réu na defesa, este se desincumbindo, no todo ou em parte, do ônus previsto no art. 341, caput; (b) o poder de regular o ônus da prova consoante a condição material das partes e a complexidade da causa (art. 357, II); (c) o poder de determinar, de ofício ou a requerimento das

partes, a produção de provas, indeferindo as inúteis ou protelatórias (art. 370), a exemplo da prova demorada para apurar o quantum debeatur (art. 491, II); (d) presidir a produção da prova; e (e) apreciar o conjunto das provas para emitir o juízo de fato (art. 371). O princípio dispositivo subordinava o órgão judiciário a julgar segundo as provas produzidas pelas partes (iudex secundum allegata et probata partium judicare debet). Se a recepção do brocardo, originariamente pré-excluindo o julgamento segundo a íntima convicção, ocorreu por equívoco, não é menos verdadeira a assunção pela regra dessa alcance. Abandonado o modelo liberal de processo (retro, 78), a diretriz transmudou-se no princípio da demanda, reservando ao autor a iniciativa de formar o processo e às partes (admitindo-se a participação do réu) a de estabelecer o objeto litigioso. O modelo autoritário de processo, aqui assaz próximo da visão totalitária, generalizou o poder de instrução oficial concorrente à iniciativa das partes. Era aspiração doutrinária antiga no direito pátrio.58 Não traduz entendimento uniforme no direito estrangeiro. Por exemplo, o art. 429, primeira parte, da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola confia iniciativa unicamente às partes em matéria de proposição de prova,59 facultando ao juiz, no entanto, orientar as partes na produção da prova necessária à veracidade das alegações de fato. Tal contemporização não satisfez a nenhuma das correntes ideológicas do processo civil contemporâneo. Existem bons argumentos a favor do dever de o juiz esclarecer as partes acerca do estágio da atividade de instrução,60 mas convém admitir sem tergiversações que, nessa medida, o ato do juiz descansa no caráter público do processo (e no modelo autoritário). Em nosso sistema jurídico, já não se pode reputar excepcional e complementar à atuação das partes o poder geral de instrução.61 É claro que, fundamentalmente, às partes interessa provar os fatos que afirmam em seus atos postulatórios principais (petição inicial e contestação). Em tal atividade, as partes guiam-se pelas regras do ônus da prova, previstas no art. 373, I e II, ou pelo ato do juiz fixando diretriz distinta (art. 373, § 1.º), previamente à fase de instrução (art. 357, III), destinadas a obstar o non liquet. Ao juiz cumpre, a fim de alcançar os fins próprios do processo civil, o exercício efetivo dos poderes a ele confiados para essa finalidade. Todo poder constitui, na face reversa, dever do órgão judiciário. A lei impõe-lhe a fixação das questões de fato controvertidas (art. 357, II) e, em seguida, a determinação das provas úteis e necessárias, com o intuito flagrante de apurar a veracidade das alegações de fato e permitir o julgamento justo. Objetivamente, o escopo dessa disciplina retira das partes a primazia na proposição dos meios probatórios. O juiz ativo e equilibrado – atributos escassamente combinados em dose certa na prática –, sem prejuízo de recuperar a participação das partes, há de investigar os fatos para esclarecer suas próprias dúvidas e proferir julgamento justo.62 Os poderes do juiz não eximem as partes de buscar o material probatório necessário à comprovação das suas afirmações.63 O poder oficial convive, na comunidade trabalho, com a iniciativa individual dos litigantes. 944.1. Poder de fixar o tema da prova – É ônus do réu, na defesa, “manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial” (art.

302, caput). Não se desincumbindo desse ônus de impugnação direta, os fatos principais e relevantes ao acolhimento do pedido não adquirem a qualidade de fatos controvertidos, transformando-se em questões de fato em sentido técnico. São fatos incontroversos, porque afirmados pelo autor e aceitos pelo réu. Por essa razão, presumem-se verdadeiros, a teor do art. 341, caput, segunda parte, c/c art. 374, III, do CPC. “Onde não haja controvérsia, com referência aos fatos pelos litigantes, a questão se reduz à mera aplicação do direito”.64 Essa presunção implica a desnecessidade de o autor, a quem toca o ônus de provar o fato constitutivo (art. 373, I), realizar prova ao seu respeito – exceto a documental, produzida com a inicial (art. 434, caput) –, e, via de regra, se o contrário não resultar dessa prova (ou a impugnação no art. 336 não provocar controvérsia adequada da força probante dos documentos), acarretará a abreviação do procedimento (art. 355, I). Diversamente, havendo impugnação específica direta (retro, 330) ou impugnação indireta do réu (retro, 331), tecnicamente surgem questões de fato e, no momento oportuno, o órgão judiciário, identificando os pontos controversos, determinará a prova necessária e útil à sua elucidação. Tal momento reponta na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, II), eventualmente na audiência preliminar (art. 357, § 3.º). Também ao iniciar a audiência de instrução e julgamento, que serve à colheita da prova oral, o juiz reavaliará o quadro inicial, pois uma ou mais questões podem ter sido elucidadas pela prova pericial. Essa delimitação aponta a linha de inquirição das partes e das testemunhas. Embora a regra do direito anterior houvesse sido tacitamente revogada pela antecipação desse ato para a audiência preliminar ou decisão escrita de saneamento,65 na verdade subsistem boas razões (o exemplo ministrado indica uma delas) para o juiz de bom domínio sobre o material de fato reexaminá-la na audiência. O poder de fixar o tema da prova, identificando as questões de fato controvertidas, repercute na admissão dos meios de prova requeridos pelas partes, na inicial ou na defesa, ou na determinação ex officio da produção da prova. É através desse ato que o juiz avalia se há necessidade de perícia ou bastará prova testemunhal. 944.2. Poder de distribuir o ônus da prova – O art. 373, I e II, estipula as regras de distribuição rígida do ônus da prova. Elas se plasmaram após longa evolução histórica. A finalidade da distribuição rígida reponta no receio de o juiz, chegado o momento de julgar o mérito e deparando-se com subsídios insuficientes para resolver as questões de fato, abstenha-se e profira juízo de non liquet. O art. 140 c/c art. 373 veta juízo dessa natureza. Não constitui termo de alternativa razoável após o tempo e os esforços gastos na atividade processual. O processo fracassaria, redondamente, não atingindo seus fins próprios, provocando imensa perda de tempo, de dinheiro e de trabalho do Estado e das partes.66 Assim, por opção política, o juiz fica manietado a julgar a favor ou contra o autor, mas regras de ônus da prova fornecem-lhe regra de julgamento. Todavia, a estrita obediência aos incisos do art. 373 nem sempre mostrase viável e prática. Existem causas, por sua natureza, complexidade e condição dos figurantes processuais, a reclamar regime mais flexível ou

diverso. Por exemplo, o autor alega que estacionou seu veículo no local apropriado, criado, mantido e sinalizado pelo supermercadista, e ao voltar das compras constatou o furto. A prova dos fatos constitutivos (v.g., o fato de ter estacionado naquele local, dia e hora) revela-se muito difícil, convindo imputar ao réu a prova de que o suposto cliente jamais ingressou naquela área ou realizou compras no estabelecimento. Nas relações de consumo, a prova do pagamento também se caracteriza por análoga dificuldade. Para enfrentar tais situações, identificado o problema na prefixação abstrata e estática da regra de julgamento,67 desenvolveu-se a teoria dinâmica do ônus da prova, cabendo ao juiz definir, previamente, a quem caberá provar o que, em atenção à facilidade de acesso da parte à prova (art. 373, § 1.º).68 O assunto receberá maiores desenvolvimentos no lugar próprio (infra, 1.340). Importa destacar, entrementes, que o poder de distribuir o ônus probatório, segundo essa orientação, inseriu-se no âmbito dos poderes instrutórios do juiz, e obrigatoriamente deve ocorrer antes do início da fase de instrução (art. 357, II). Não há dúvida que a iniciativa oficial, em matéria de prova, revela-se compatível com as regras de julgamento. É incorreto, porém, divorciá-las do seio dos poderes instrutórios, afirmando que “não guardam relação com a iniciativa probatória do juiz”.69 Bem ao contrário: integram o respectivo âmbito. 944.3. Poder de determinar produção da prova útil e necessária – Exceção feita à prova documental, que as partes produzem na inicial e na contestação (art. 434,caput), toca ao autor indicar na inicial as provas com as quais “pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados” (art. 319, VI), e, simetricamente, incumbe ao réu, na defesa, especificar “as provas que pretende produzir” (art. 336, in fine). Requerida, ou não, a produção de determinada prova pelas partes, no momento hábil, deferir a prova útil e necessária, indeferindo as demais (art. 370). Ao indeferir as provas inúteis e protelatórias, o juiz zela pela duração razoável do processo (art. 139, III). É inútil a prova que se pretenda fazer de fatos incontroversos ou objeto de presunção absoluta. E protelatória a prova que, razoavelmente, não se presta ao esclarecimento do fato controvertido.70 Não há dúvida que a regra excepciona o princípio dispositivo. As provas propostas pelas partes, opportuno tempore, podem ser indeferidas pelo órgão judicial, eliminando o direito à prova.71 O art. 370 demonstra, categoricamente, a adesão ao poder de direção material do processo. É o núcleo do poder instrutório. A regra enaltece o impulso oficial e estipula a pesquisa de ofício de provas.72 Por exemplo, nenhuma das partes, na investigação de paternidade, propôs a realização de perícia, meio altamente produtivo para estabelecer a verdade biológica, preferindo a prova testemunhal. É imperativa a intervenção do juiz determinando a perícia. Para julgar corretamente, o juiz deve conhecer o direito e o fato. Ora, sem tal prova, largamente difundida e disponível nos últimos tempos, não ficará o juiz esclarecido a respeito da questão de fato. Não satisfeito com o poder genérico instituído no art. 370, outras disposições particulares reafirmam o poder de o juiz intervir no processo para recolher os subsídios indispensáveis ao bom julgamento. Dentre outras regras, anotam-se as seguintes: (a) os arts. 139, VIII e 772, I, este atinente ao processo executivo, permitem ao juiz ordenar, a qualquer tempo, o

comparecimento pessoal das partes, a fim de obter esclarecimentos; (b) os arts. 396 e 401 autorizam a ordem de exibição de documento ou de coisa em poder da parte ou de terceiro; (c) o artigo 438 permite ao juiz requisitar às repartições públicas “as certidões necessárias à prova das alegações das partes” e, conforme a qualidade da parte, os procedimentos administrativos; (d) o art. 443, caput, segunda parte, autoriza o juiz a indeferir a produção da prova testemunhal nos casos que especifica, e ouvir, de ofício, as testemunhas referidas (art. 461, I), bem como promover a acareação (art. 461, II); (e) o art. 156, caput, obriga o juiz a assistir-se de perito, dependendo a percepção ou a dedução do fato conhecimento técnico, científico, artístico ou prático, mas o art. 472 autoriza-a a dispensar essa assistência no caso de as partes juntarem pareceres técnicos esclarecedores; (f) o art. 481 autoriza a inspeção de ofício em pessoas ou coisas. Esse aparato que traduz o poder de instrução não se revela imune a críticas. Não há dúvida que o emprego lúcido e diligente desses poderes servirá para esclarecer pontos negligenciados pela atuação das partes, e, assim, suprir a deficiência técnica de um dos litigantes. Segundo alvitre que reproduz a essência da preocupação dominante,73 a inércia do juiz, no terreno probatório, afigura-se assaz recomendável, derivando de uma característica essencial à atividade jurisdicional – a imparcialidade – e de um imperativo psicológica, pois há o risco latente de o juiz privilegiar a prova trazida por sua iniciativa em detrimento das produzidas pelas partes. A iniciativa supletiva à das partes, no assunto, deve ser confiada ao Ministério Público, nos casos estritamente necessários. Esses temores mostram-se parcialmente excessivos. A atuação oficial não elimina, nem restringe a iniciativa das partes nessa área. Deferindo a produção da prova, o juiz não pode estabelecer, antecipadamente, a qual dos litigantes beneficiará o resultado da produção da prova. Fenômeno similar também acontece, de ordinário, quanto às provas requeridas pelas partes. Por exemplo, ao requerer a perícia, a parte realiza certo prognóstico favorável, mas nada assegura que o experto chegue à conclusão correta ou desejável. Neste sentido, a iniciativa oficial estabelece o necessário clima de colaboração entre as partes e o órgão judiciário, cujo compromisso é o da emissão de uma sentença justa.74 Imparcialidade não significa passividade.75 Porém, nem sempre o ativismo preserva a neutralidade. A crítica ecoou na formulação da moderna Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola, cujo art. 282 declara, categoricamente, que as provas dependem da iniciativa das partes, salvo disposição legal em contrário. Por sua vez, o art. 429, n.º 1, do mesmo diploma autoriza o órgão jurisdicional a apontar o fato ou fatos cuja prova pode ser insuficiente, perante os meios propostos pelas partes, indicando-lhes a prova considerada idônea. Essa disposição, sem embargo de não tocar o princípio da iniciativa da parte em matéria de prova, mereceu a censura de desequilibrar a igualdade das partes e limitar seriamente as armas processuais de alguma delas.76 Em suma, há solução de compromisso, tomada no curso do processo legislativo, que modificou, neste ponto, o projeto liberal e garantista, pelo o qual o juiz manteria atitude neutra e equidistante dos litigantes.77 Em conclusão, os poderes instrutórios do juiz são intrínsecos processo civil social (e ao Estado intervencionista na autonomia privada),78 marcado

pela intensa participação do órgão judiciário, inclusive no que tange a promover a igualdade real das partes, não é incompatível com Estado Constitucional Democrático e os direitos fundamentais processuais.79 É o modelo alemão e a Alemanha pontifica pelo viés democrático e subserviência aos direitos fundamentais.80 Talvez seja melhor o juiz receber o epíteto de parcial atuando do que tornar-se parcial por omissão.81 A principal crítica ao art. 370 reside na indeterminação. Existem juízes e juízas marcadamente atuantes e há os que, por razões variadas, omitem-se no cumprimento deste dever do ofício. Assim, “a utilização eletiva e arbitrária da instrução oficial pode configurar um grave problema, como se a iniciativa probatória fosse uma roleta processual”.82 A omissão generalizada, rompida pela irrupção de atividade oficial em certos processos, constitui grave ofensa ao processo garantista. 944.4. Poder de presidir a produção da prova – Compete ao juiz presidir a audiência e, assim, proceder à coleta da prova. E, de fato, da produção da prova o juiz participa ativamente, exercendo controle da legalidade do procedimento probatório.83 É o juiz quem inspeciona pessoas e coisas, inicia a inquirição das testemunhas (art. 459, § 1.º), sem embargo do exame cruzado, indeferindo as perguntas impertinentes, promove a acareação (art. 461, II), recebe assistência do perito, por ele designado dentre as pessoas habilitadas e da sua confiança inscritas no rol do art. 145, § 1.º, e interroga o expert e os assistentes técnicos indicados pelas partes.84 944.5. Poder de alterar a produção da prova – As partes produzem a prova documental nos atos postulatórios principais (art. 434, caput) – petição inicial e contestação. A finalidade dessa regra é flagrante: obriga os litigantes a pôr na mesa, por assim dizer, suas principais cartas, abrindo o jogo perante o adversário. O controle judicial da admissibilidade dessa prova realizar-se-á, por exceção, a posteriori (art. 436, I). Os demais meios de prova, propostos nesses atos postulatórios, passam pelo controle do juiz na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, II), ocasião em que, fixado o tema da prova, verificará a respectiva admissibilidade. Implicitamente que seja, a prova pericial, nos casos em que o juiz depende de experto para adquirir conhecimento sobre assuntos científicos, técnicos, artísticos ou práticos (art. 156, caput), antecederá a prova testemunhal: o perito e os assistentes técnicos esclarecem os pontos duvidosos na audiência (art. 477, § 3.º). Logo, a prova oral ocorrerá após a apresentação do laudo pericial, seguindo, ademais, determinada ordem na coleta de depoimentos (art. 361). O art. 139, VI, permite ao juiz alterar de produção dos meios de prova, “adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Ressalva feita aos casos de urgência, permitindo a produção antecipada da prova, talvez haja a necessidade de coletar depoimentos para orientar o trabalho do perito. Por exemplo, na ação em que A pede a reparação de danos de B, porque atingido por objeto lançado de edifício em construção, entrementes concluído, interessa fixar o estado da obra no momento do fato ou a própria sua própria ocorrência, porque parece improvável, antes de o perito estabelecer as causas eficientes do evento, evitando recorra o experto aos poderes conferidos no art. 473, § 3.º.

A alteração da ordem na produção da prova é muito limitada. A alteração da ordem dos depoimentos, prevista no art. 361, é natural em muitos casos. Não há dúvida, entretanto, quanto ao aumento do poder de instrução do órgão judicial no art. 139, VI. 944.6. Poder de avaliar a prova – O juiz tem o poder de avaliar a prova segundo seu livre convencimento (art. 371). Os sistemas de avaliação da prova, e opção brasileira pelo sistema da livre apreciação, receberão análise no capítulo próprio (infra, 1.335). Convém, entretanto, antecipar ponto de relevo. O art. 131, parte inicial, do CPC de 1973 rezava o seguinte: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes (…)”. Essa cláusula suscitava dúvida quanto à possibilidade de o juiz intervir nacausa petendi, invocando, como razão de decidir, fato não alegado pelo autor. Realmente, ao juiz se mostra lícito conhecer, ex officio, dos fatos supervenientes (art. 493). Essa possibilidade não significa modificação da causa de pedir originária. A recepção do fato superveniente subordina-se à sua compatibilidade com os fatos principais alegados na petição inicial ou os fatos alegados pelo réu na defesa e a respectiva qualificação jurídica (infra, 1.618). Os fatos e as circunstâncias constantes dos autos que podem ser conhecidas independentemente da alegação das partes, como imperativo do princípio dispositivo e não importando a redação diferente do art. 371, são os seguintes: (a) os fatos simples, porque independem de alegação e cuja modificação é irrelevante para a causa de pedir, e, a fortiori, para as exceções (v.g., a prescrição) e objeções (v.g., o pagamento) porventura alegadas pelo réu na defesa de mérito; (b) os indícios – circunstância é palavra sinônima de indício –,85 nos quais o juiz baseará o raciocínio indutivo posto na base das presunções judiciais e presunções legais relativas; (c) os fatos que resultam dos próprios atos do processo (v.g., o órgão encarregado do controle da admissibilidade do recurso verifica a tempestividade à luz da data lançada na certidão de intimação e a data do protocolo).86 Fora daí, o juiz é livre para estabelecer se os fatos alegados pelas partes subsistem, ou não, à luz dos dados hauridos no próprio processo, mas não pode substituir o fato principal (constitutivo, extintivo, modificativo ou impeditivo) alegado por fato diverso87 O juiz que considera fato não alegado, exceção feita aos supervenientes (art. 493), na verdade julgaria outra demanda, descumprindo o art. 141.88 Chama atenção no art. 371 outro aspecto: a supressão do advérbio “livremente” constante na regra anterior. Não se localizará, aí, mudança significativa no regime da apreciação da prova. O juiz brasileiro jamais apreciou livremente a prova, porque adstrito à força probante, em determinados casos (v.g., na escritura pública, a teor do art. 215 do CC), e parece muito pouco provável divisar esse alcance no art. 371. Possivelmente, a omissão se deve ao acatamento rígido ao prévio debate das partes acerca do material probatório. § 194.º Poderes de decisão 945. Regras de julgamento

O processo desenvolve-se para um fim determinado: a resolução do mérito, o acolhimento ou a rejeição do pedido (art. 487, I), inclusive na hipótese de o juiz pronunciar a prescrição e a decadência (art. 487, II). Em determinados casos, o processo não chega a esse estágio elevado. O instrumento de resolução dos conflitos não preencheu todas as condições necessárias ao julgamento da pretensão processual, cabendo ao juiz extinguilo prematuramente (art. 485), ou a resolução versa negócio jurídico dispositivo das partes (art. 487, III, a, b e c). Em qualquer hipótese, o juiz presta jurisdição, desincumbindo-se do dever de jurisdicionar, e, conseguintemente, exercita o poder de decisão, que é intrínseco à atividade distribuída pelo Estado através do seu órgão particular e especial. Os conflitos existentes na sociedade jamais seriam resolvidos se não fossem, sendo necessário, decididos autoritariamente. É tão intenso o poder de decisão que, em geral, reveste-se de autoridade peculiar – a eficácia de coisa julgada (art. 502) –, vinculando as partes e os demais órgãos jurisdicionais. O poder de decisão tem variantes expressivas. Ele engloba o poder de redicidir, no julgamento dos recursos, e o poder de rescindir, “poder decisório mais forte do que o de decidir e do que o de redicidir, porquanto tem a força de atingir a coisa julgada”.89 Também é importante considerar que o poder de decisão aumentou com o emprego de modelos de verossimilhança. É da tutela provisória de urgência (art. 303). O juiz não se mostra livre para julgar a causa, dentro dos limites estabelecidos pelas partes, como bem entender e lhe aprouver. É claro que essa possibilidade não se encontra descartada. Ao contrário, a lei processual contempla a violação manifesta de norma jurídica como causa de rescisão do julgamento do mérito, a teor do art. 966, V. Mas, a lei traça critérios para nortear o julgamento. Em relação às questões de fato, o juiz encontra-se adstrito ao regime da persuasão racional, ou do livre convencimento motivado (art. 371). No tocante às questões de direito, o juiz desfruta de independência jurídica (infra, 1.301.1), segundo o tradicional princípio iura novit curia. Todavia, o art. 8.º impõe-lhe fidelidade à legalidade constitucional, exigindo que aplique o ordenamento jurídico – expressão designativa do direito constituído. De toda sorte, o primeiro critério, relativamente às questões de direito, consiste no julgamento segundo a estrita legalidade: “o juiz tem de aplicar aos fatos da causa o direito constituído”.90 Ao lado deste, a lei faculta ao juiz julgar por equidade nos casos previstos em lei (art. 140, parágrafo único), a exemplo das causas de jurisdição voluntária, nas quais não é obrigado “a observar o critério da legalidade estrita” (art. 723, parágrafo único). Esses critérios reclamam ulteriores considerações. Desde logo se estabeleça, entretanto, a razão de ser dessas regras. Elas são regras de julgamento. 946. Juízo de legalidade

O art. 8.º, do NCPC, manda o juiz aplicar o ordenamento jurídico, atendendo os fins sociais e o bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Em outras palavras, ao aplicar as normas (regras e princípios), o juiz há de fitar e sopesar os efeitos da decisão no seu contexto social. Ora, não é somente nessa oportunidade que tem lugar semelhante aplicação; ao contrário, no curso do processo, resolvendo as questões incidentes, impulsionando o processo e preparando a resolução de mérito, os acontecimentos compelem o juiz a aplicar o ordenamento jurídico e fitar as potenciais consequências da decisão. 946.1. Objeto do juízo de legalidade – O juiz tem o poder e o dever de aplicar para os fins do art. 8.º o seguinte: (a) as normas jurídicas emanadas do Estado brasileiro, preferencialmente as elaboradas pelo Congresso Nacional – não se olvidem, entretanto, os atos regulatórios instituídos por agências federais e a as disposições regulamentares, que são muito importantes na área tributária –, cujas espécies se localizam no art. 59, I a VII, da CF/1988, formando o chamado direito comum, sem negligenciar a eventual incidência do direito estadual, distrital e municipal (art. 376); (b) as normas que, sem embargo de origem estrangeira e supranacional, vigoram no território nacional, porque incorporadas ao ordenamento pátrio. Embora ostentem caráter supletivo na aplicação do ordenamento jurídico, convém mencionar outras fontes além da lei em sentido formal, a exemplo dos costumes. E, a par dos costumes e dos usos, tão importantes nos litígios empresariais, o juiz aplicará normas comunitárias, normas originárias de tratados e de convenções internacionais e normas corporativas (v.g., o Código de Ética e Disciplinar da OAB), em certas circunstâncias. Essas disposições integram o direito objetivo ou ordenamento jurídico. Em determinadas situações, do órgão judiciário brasileiro se exigirá até a delicada tarefa de aplicar o direito estrangeiro; por exemplo, a lei do País em que for domiciliada a pessoa regula o início e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família (art. 7.º, caput, do Dec.-lei 4.657/1942). O adágio iura novit curia abrange todas as normas. E a aplicação do direito estrangeiro, nas causas em que ele incide, é obrigatória, embora confiada à responsabilidade do juiz brasileiro. Deixar de aplicá-lo importa negar aplicação à própria lei brasileira que assim prescreveu.91 É duvidoso, na prática, que o juiz conheça suficientemente tal direito, habilitando-se a aplicá-lo sem pesquisa e reflexão profunda, recorrendo ao auxílio direto previsto no art. 30, I (“obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico (…)”). Nada obsta, entretanto, o juiz colocar-se à vontade perante normas francesas, italianas, portuguesas ou alemãs, em virtude da sua formação intelectual, em muitos casos ultimada em universidades estrangeiras. Não sendo este o caso, ordenará à parte que lhe prove o teor e a vigência da norma porventura invocada (art. 14 do Dec.-lei 4.657/1942) ou socorrer-se-á do art. 30, I, do NCPC. Esse sumário evidencia a pluralidade de fontes que o juiz há de conhecer para prestar jurisdição. Entre elas, porém, não há hierarquia, como se, cotejando lei e costume, o juiz devesse, necessariamente, aplicar aquela e não a este. Existem litígios que só podem ser resolvidos pela norma costumeira. E, por outro lado, as próprias normas estatais não se hierarquizam consoante a pessoa jurídica que as editou (União, Estado-

Membro, Distrito Federal e Município). Em outras palavras, a lei federal não é superior, nem sequer melhor que a estadual, mas cada qual exibe esfera autônoma de incidência, conforme a competência legislativa prescrita na CF/1988. Por exemplo, compete ao Estado-membro regular a relação estatutária com o seu pessoal, respeitadas as regras constitucionais. O litígio do servidor público estadual contra a pessoa jurídica de direito público local não se resolverá, pois, segundo as disposições da lei federal, mas conforme o previsto na lei local. Nada obstante, há alguma hierarquia interna nas fontes: a CF/1988 tem irretorquível supremacia perante as leis (no sentido lato e de qualquer origem) e a lei perante o respectivo regulamento, ou decreto. O juiz talvez enfrente, relativamente aos direitos estadual, distrital e municipal (e, a fortiori, quanto ao comunitário e consuetudinário), o mesmo problema do desconhecimento que turva a aplicação do direito estrangeiro. A esse propósito, a solução é unívoca. À parte interessada, reza o art. 376, incumbirá provar-lhe a vigência e o teor. E sobre todas essas múltiplas fontes domina a supremacia das normas e princípios constitucionais. Logo se percebe que a aplicação das normas, no julgamento, não pode ser considerado na literalidade. Em primeiro lugar, o juiz pode e deve aplicar a CF/1988, retirando de suas regras e princípios todas as consequências concebíveis para resolver a causa. Até as regras de eficácia positiva contida, e, portanto, subordinadas à edição de lei infraconstitucional, exibem, ao menos, eficácia negativa plena. O típico fenômeno da inflação legislativa,92 na sociedade moderna, transformou o mundo jurídico em cipoal altamente complexo e incerto. E não há dúvida que a distribuição de competências legislativas, no âmbito de federação brasileira, aumenta a pressão, diluindo o material com que o órgão judiciário trabalha com base no brocardo iura novit curia. Quer dizer, o material jurídico de trabalho do juiz constitui um cipoal inextrincável, razão bastante para promover a especialização dos órgãos judiciários. Segundo os dados até agora ministrados, as normas têm origem diferente, legislativa ou não; surgiram em tempos distintos, primando algumas pela obsolescência social, cultural e científica; derivaram de competências autônomas, complementares e suplementares, conforme o modelo constitucional de distribuição dessas competências entre as pessoas jurídicas de direito público; comportam formas de hierarquia; e, por fim, amiúde conflitam entre si (antinomias). 946.2. Integração no juízo de legalidade – O conjunto complexo e altamente caótico de normas não se revela fechado (retro, 946.1). Existem lacunas, reconhecidas no art. 140, caput, e semelhante espaço não isenta o juiz de jurisdicionar, “sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Logo se percebe a virtual impossibilidade do ordenamento jurídico conter lacunas. O fenômeno ocorre perante uma norma e, não, perante o conjunto. Seja como for, a colmatação da lacuna far-se-á, antes de mais nada, através da analogia (argumento a simili): havendo identidade de razões jurídicas, incidirá a mesma disposição em duas ou mais situações heterogêneas (ubi aedem ratio, ibi aeden juris dispositio). Depois, há o costume, ou seja, o uso reiterado que se impõe como regra de conduta substancial, de origem não estatal, mas dotado de idêntico valor jurídico. E, por fim, os princípios gerais de direito, ou seja, as máximas de valor que

condicionam, orientam e restringem as próprias regras legais. Não há, evidentemente, ordem fixa no emprego dos meios hábeis de integração das lacunas. Chegado este estágio, não se fixou, definitivamente, o panorama da regra geral de julgamento. É preciso considerar, ainda, outro dado relevante: a natureza contemporânea da norma, inclusive na espécie de regra jurídica, o que fere o problema da interpretação. 946.3. Interpretação no juízo de legalidade – O juiz tem ampla liberdade para interpretar o direito. Essa tarefa tornou-se mais árdua, porque as normas integrantes do ordenamento jurídico sujeitaram-se a notáveis transformações no âmbito da técnica legislativa. Em geral, os textos aprovados pelo Poder Legislativo utilizam profusamente conceitos jurídicos indeterminados, ou cláusulas gerais, tendência da qual não se furta a própria lei processual. Feriu-se esse ponto na análise do poder discricionário do órgão judiciário (retro, 939.5). Por exemplo, a concessão de tutela provisória de urgência reclama “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo” cumprindo ao juiz, no plano da pura teoria, dois termos de alternativa: ou se configura a condição, impondo-se a concessão da medida requerida pela parte; ou não se configura tal condição, e impõe-se a rejeição da medida. As decisões tomadas a esse respeito evidenciam que não há critério seguro e, por definição, realmente inexiste diretriz uniforme sob dois ângulos: o objetivo e o subjetivo. Em primeiro lugar, o entendimento do que seja “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo” variará de caso a caso. A flexibilidade constitui o mérito dos conceitos juridicamente indeterminados. Logo, neste particular, a fluidez se mostra compreensível e tolerável. Já é menos razoável a subjetividade intrínseca ao juízo externado perante casos idênticos. O tratamento conferido às causas repetitivas escancara o problema. O juiz A entende que o indeferimento da produção da perícia técnica preenche o pressuposto de admissibilidade, mas o juiz B, apreciando caso idêntico, exceto quanto ao autor da demanda, entende o contrário. Dir-se-á que divergências ao propósito de questões de direito sempre existiram e, nessas bases, explicar-se-iam os múltiplos (e ineficazes) mecanismos de uniformização existentes, como sintomas de um mal endêmico. Não é menos verdade, porém, a divergência em torno da interpretação de uma norma de estrutura aberta acaba por demonstrar que sempre há mais de uma solução admissível, comprometendo o regime da legalidade constitucional. Tal conclusão desfaz a ilusão que a atividade do juiz, na aplicação do direito, limita-se a “descobrir” a regra porventura aplicável, na única solução correta e juridicamente predeterminada.93 Tal premissa corresponde a uma das tendências na área da interpretação e da aplicação da lei.94 Parece evidente que, bem ao contrário, há de se reconhecer ao juiz uma boa dose de poder criativo, não só explicitando regras incompletas ou suprindo lacunas, segundo as regras interpretativas usuais, mas optando por uma das soluções possíveis e concebíveis para o litígio. Em princípio, essa atividade criativa não pode se situar acima da lei, “porque a ordem constitucional se acha apoiada no princípio da legalidade”.95 A forma de harmonizar o latente subjetivismo da resolução judicial, tomada nessas condições, com a fidelidade à ordem

constitucional é questão em aberto e para a qual inexiste solução satisfatória. A proclamação que o juiz “não haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios pessoais de justiça”96 constitui anúncio vazio. Uma das inovações mais incensadas do CPC é o julgamento dos casos repetitivos, subdivido em resolução das demandas repetitivas (art. 928, I) e recurso extraordinário e recurso especial repetitivos (art. 928, II), cujo objeto pode ser questão de direito material ou processual (art. 928, parágrafo único). Desse julgamento resulta uma tese jurídica, ou precedente, de observância obrigatória nos órgãos judiciários inferiores (art. 927, III), a fim de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 927, caput). De nada adiantaria o precedente sem remédio eficaz contra as rebeldias e insubmissões, em determinadas regiões consideradas virtuosas e republicanas, e o instrumento hábil é a reclamação (art. 988, IV). Em que pese o potencial desses mecanismos de reduzir o número de litígios, em detrimento da diminuição da independência jurídica dos órgãos judiciários de primeiro grau, tampouco eles resolvem, definitivamente, o problema aventado. O caráter aberto das normas, propiciando distinções (art. 489, § 1.º, VI), retóricas ou não, aparentes ou reais, subsistirá indômito e incontrolável pelos órgãos superiores. 946.4. Formação do juízo de legalidade – Nada disso revela e desnuda, ainda, o itinerário seguido pelo juiz na forma do ato decisório. A gênese lógica dos pronunciamentos judiciais representa um dos tantos mistérios desse mundo. É recomendável que o juiz chegue à decisão através de raciocínio crítico, avaliando e ponderando as razões de fato e de direito alegadas pelas partes, para chegar à emissão de um juízo. A verificação dos julgados ensina que o juiz intuiu o decisum antes de organizar na sua mente os respectivos fundamentos.97 Seja como for, feito esse trabalho de inteligência e de vontade, a lei obriga o juiz a organizar o ato decisório segundo o modelo do art. 489, simplesmente a exteriorização necessária à racionalidade do ato (infra, 1.122.2). 946.5. Fidelidade ao direito – Por mais de uma razão só em sentido amplíssimo mostra-se possível conceber o julgamento segundo a legalidade, conseguintemente, a obediência do juiz à lei. O juiz não deve contas unicamente à sua consciência e aos pendores do senso de justiça próprio. Não julga porque quer, nem recebeu investidura nesse sentido. O Estado outorgou-lhe esse poder, consoante o modelo constitucional, exigindo-lhe modesta contrapartida: obediência ao ordenamento jurídico, principalmente à lei, ou seja, ao direito vigente no Estado, na sua inteireza, especialmente quanto às fontes formais emanadas do Poder Legislativo. E impõe essa exigência por razão básica, mas fundamental:98 a conduta prescrita aos particulares e aos agentes públicos é conhecida prévia e abstratamente nas normas legais, e o próprio juiz, o mais importante órgão estatal, não se furta desses comandos. O problema da legitimidade democrática da criação judicial não pode ser resolvido pelos controles internos da magistratura, porque esses são exercidos por outros juízes.99 Em matéria de previsibilidade dos pronunciamentos judiciais, e, portanto, de segurança e de certeza, que constituem o cimento imprescindível à ordem

jurídica justa,100 a súmula vinculante significou notável avanço, agora acompanhado dos precedentes no julgamento dos casos repetitivos (art. 928, I e II). E, perante a súmula vinculante e o precedente, a obediência à lei (ou antes à consciência da pessoa investida na função judicante) não serve de pretexto hábil ao seu descumprimento.101 À primeira vista, as operações intelectuais do órgão judiciário, perante o verbete, não se distinguiriam das feitas para aplicar o direito objetivo.102 Embora a aplicação da súmula vinculante e do precedente não seja mecânica e automática, pois a adequação da tese jurídica à questão de fato depende de interpretação, ensejando pronunciamento alternativo, tal questão não toca o ponto. E, com efeito, se a tese jurídica consagrada na súmula e no precedente rege a espécie litigiosa, todavia, ao órgão judiciário faltará a liberdade de aplicá-la, ou não. É imperativo que a aplique ao objeto litigioso. Ficará impedido de rejeitá-la, oferecendo sua própria interpretação da questão constitucional. E deixando de aplicá-la, estritamente, ensejará a reclamação prevista no art. 103, § 3.º da CF/1988 e no art. 988 do NCPC. O acolhimento da reclamação implicará a anulação do provimento contrário à súmula.103 Desaparece, correlatamente, a independência do juiz. Essa situação de modo algum equivale à submissão do juiz ao ordenamento jurídico subentendida no art. 8.º. O juiz é livre para negar aplicação à lei e para interpretá-la, ao seu modo, adotando entendimento minoritário ou vencido, o que nunca ocorrerá perante uma súmula vinculante ou precedente. Em suma, a liberdade de interpretação fica restrita à adequação da tese jurídica ao material de fato (art. 489, § 1.º, VI) e desaparece a liberdade de aplicação. A súmula vinculante e o precedente constituem elemento indispensável à racionalidade e à previsibilidade na aplicação da norma a casos idênticos. Evita o medo aos juízes: o “(…) medo do direito alternativo, medo do direito achado na rua, do direito achado na imprensa (…)”104 À fidelidade ao direito repugna, sobretudo, o arbítrio judicial. 946.6. Efeitos do juízo de legalidade – O juízo de legalidade, tal como exige o art. 8.º, exibe relevante particularidade na técnica processual. Ele comporta revisão,de iure, por órgãos situados na cúspide do sistema judiciário. Recursos de direito estrito, como o recurso extraordinário e o recurso especial, propõem-se a velar pela integridade e uniformidade nacional, respectivamente da CF/1988 e do direito federal. 947. Juízo de equidade Em alguns casos, a lei reconhece a impropriedade da abstração intrínseca às regras formais. Tal atributo da norma revela-se inidôneo, incapaz de prever e de resolver as inúmeras variáveis subentendidas nos elementos de incidência. Nesta conjuntura, a lei autoriza o juiz a decidir por equidade ou como parece, mais próprio, por equidade particular: o direito não se contenta em ser justo no plano das abstrações, mas igualmente na sua aplicação aos casos particulares.105 O órgão judiciário jurisdicionará segundo a legalidade, de ordinário e por princípio, a despeito dos termos elásticos assumidos por

esse critério de julgamento na atualidade. Por exceção, empregará a equidade. É o que se deduz do art. 140, parágrafo único, segundo o qual o juiz “só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. O julgamento segundo a equidade significa, conforme estipula o art. 723, parágrafo único, nas causas de jurisdição voluntária, ampla margem para o juiz, sem observar o critério da legalidade estrita, “adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna”. O direito administrativo já desenvolveu com amplitude a noção de ato discricionário. Em tal ato, pressupondo norma de estrutura aberta, o aplicador optará “por uma das várias dentre várias soluções possíveis”,106 todas legítimas, consoante critérios de oportunidade e de conveniência. A estrutura das normas jurídicas contemporâneas favorece essas escolhas. Nem sempre as disposições legais estabelecem soluções unívocas, porque os elementos de incidência se mostram excessivamente variáveis, valendo-se, então, de conceitos juridicamente indeterminados. O caso clássico reponta na fixação da prestação alimentar que, dentre os fatores, deve ser fixada “na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (art. 1.694, § 1.º, do CC). E, por vezes, a lei convida, expressis verbis, o juiz a exercitar a equidade, como acontece no art. 413 do CC: a cláusula penal “deve ser reduzida equitativamente pelo juiz”, na hipótese de cumprimento em parte da obrigação principal. O poder criador do órgão judiciário mostra-se imenso, atendendo mais ao caso concreto, menos ao abstratamente previsto.107 Não tem autorização, porém, para jurisdicionar contra legem,108 impondo-se resguardar o direito objetivo. Cabe-lhe escolha quase ilimitada, mas deve expor as razões do seu convencimento de modo persuasivo.109 Do ponto de vista do controle do juízo, o julgamento segundo a equidade estampa, em tese uma marcante diferença com o julgamento segundo a legalidade: não comporta revisão de iure. Em última análise, tal controle implicaria a substituição do juízo de equidade antes formulado por outro sem vantagens apreciáveis e segurança que o último pronunciamento seja melhor que o primeiro. Por esse motivo, no caso dos honorários advocatícios fixados conforme “apreciação equitativa” do juiz (art. 85, § 8.º) – equidade integrativa –,110 não caberia controle do valor determinado nas instâncias ordinárias no recurso extraordinário (Súmula do STF n.º 389), salvo a falta de observância dos parâmetros legais (v.g., os percentuais máximo e mínimo do art. 85, § 2.º, todavia aplicáveis na apreciação equitativa). O STJ entende da mesma forma.111 Por exceção, a exorbitância e a insignificância impuseram-se como parâmetros de controle.112 E, por óbvio, cabe controlar a hipótese de o juiz decidir equitativamente fora das hipóteses legais.113 O juízo de equidade assume, por essas razões que o tornam próximo a concretrização, em vez da subsunção, natureza jurisdicional.114 § 195.º Poderes de execução 948. Conceito do poder de executar

Em algumas situações, hauridas do direito material, e, portanto, decorrentes da pretensão processual deduzida pelo autor, o provimento judicial favorável, por si mesmo, não traz ao vencedor o proveito almejado. Para obtê-lo, inexistindo o cumprimento voluntário do vencido, impõe-se ao órgão judiciário, a requerimento do interessado – o princípio da iniciativa encontra preservado na execução, em linhas gerais (a iniciativa nas prestações de fazer e de não fazer mereceriam consideração à parte), conforme deflui do art. 513, § 1.º, e do art. 798, caput, dentre outras disposições –, o órgão judiciário exercerá o poder de executar. Entende-se por execução os atos do juiz que, empregando a força estatal, deslocam pessoas e coisas para adequar a realidade material à regra jurídica concreta (ou individualizada), constante do título executivo (arts. 515 e 784), e entregar o bem da vida ao vitorioso. É irrelevante à configuração do poder de executar se a atividade a ele inerente se realiza no processo pendente, incidentalmente, ou exige a formação de novo processo. Em qualquer hipótese, o vencedor requererá a execução, deduzindo a pretensão a executar, e, ocorrendo tal fato, in simultaneo processu, o fenômeno sucedido já recebeu enquadramento na cumulação sucessiva de objetos litigiosos (retro, 282). 949. Natureza do poder de executar A função executiva reclama a prática de atos processuais profundamente diferentes dos atos decisórios catalogados nos arts. 203 e 204, nos quais prepondera a inteligência, própria da função de conhecimento. Enquanto nesta função a missão do juiz consiste em transformar fatos alegados pelas partes em direito, ou seja, em formular a regra jurídica concreta, na função de execução o juiz transformará essa regra individualizada em fatos. Os atos do juiz, exercitando o poder de executar, têm por escopo alterar o mundo real,115 empregando a força do Estado (art. 782), e, via de regra, implicam a invasão da esfera jurídica do vencido, especialmente a patrimonial. A atividade executiva não se passa no mundo jurídico (dever ser), mas no mundo real (ser), exigindo operações “precedidas, acompanhadas e sucedidas de variações no mundo sensível, de deslocamentos de coisas ou de pessoas”.116 O uso da força física se afigura indispensável. Esse emprego da força estatal transparece na estrutura dos meios técnicos predeterminados para o exercício do poder de executar (infra, 951). A execução da prestação de dar coisa certa importa desapossamento, compulsório (art. 806, § 1.º) ou voluntário (art. 807); igualmente, há perda da posse (na pior das hipóteses, da posse mediata) no primeiro ato da expropriação, que é a penhora (art. 829, § 2.º); na chamada transformação (art. 817), meio hábil para executar prestação de fazer fungível (v.g., a construção de um muro), eventualmente exigir-se-á a prática de atos em bem do executado, que em outra situação configurariam esbulho; na expropriação, iniciada pela penhora, a execução elimina, no patrimônio exposto à execução (art. 789), o domínio de bens, mediante adjudicação (art. 825, I) ou alienação (art. 825, II), ou de direito parciário a eles inerentes (apropriação de frutos e de rendimentos, a teor do art. 825, III).

Cumpre não turvar a natureza do poder de executar através da inoculação do vírus da jurisdição como atividade substitutiva.117 Segundo a frágil ressalva amparada nessa improcedente tese, a “autêntica” execução forçada se realiza contra e independentemente da vontade do executado (execução “direta”).118 Ora, visando a função executiva obter os “mesmos fins práticos que teriam sido alcançados se a vontade do indivíduo titular daquela esfera jurídica houvesse sido conforme ao direito”,119 nada mais consentâneo a tal elevado objetivo que a multiplicidade de terapias. Assim, conforme o bem da vida almejado, o emprego da força realiza-se de modo mais sutil, pressionando psicologicamente o executado. É chamada execução por coerção (execução “indireta”). O órgão judiciário põe o executado perante dois termos de alternativo: ou satisfaz, voluntariamente, a regra jurídica individualizada, ou sofrerá mal maior (v.g., a prisão). Trata-se de técnica assaz delicada, porque vizinha área sob reserva de valores constitucionalmente protegidos, e requer prudente cotejo dos interesses em jogo.120Mas, é executiva: funcionalmente, atua o direito do demandante e satisfaz seu interesse; e, estruturalmente, aumenta a coerção a ponto de voltá-la contra a pessoa. Além do vínculo à vencida concepção de atividade jurisdicional “substitutiva”, à doutrina que renega semelhante técnica e se recusa a designá-la de “execução”, pode-se opor, vantajosamente, outro argumento: o cumprimento do executado em processo governado por tais meios, ou seja, induzido pela pressão psicológica, imposta por iniciativa do órgão jurisdicional, não constitui adimplemento. Chega-se apenas ao resultado do adimplemento obrigando o executado a uma conduta forçada (quamvis coactus volui). Finalmente, há que considerar o fato de os poderes de direção material do juiz (retro, 940), na execução, assumirem vulto expressivo e maior que os usuais na função de conhecimento. Por óbvio, o juiz encontra-se adstrito à escolha do meio técnico (art. 798, II, a), que representará o pedido imediato, e, por igual, ao pedido mediato. Exemplo dessa última subordinação localiza-se na impossibilidade de o juiz, apurado o excesso de execução, limitar o pedido do exequente, embora possa limitar a constrição patrimonial ao valor entendido como devido (art. 524, § 1.º). Fora daí, porém, os poderes são imensos: (a) o recrutamento de terceiro, para realizar o facere à custa do executado, a teor do art. 817, embora a regra vigente haja abstraído a modalidade desse recrutamento; (b) o juiz delibera pela arrematação em globo (art. 893), determina a cessação da arrematação (art. 899), e delibera sobre a aceitação das ofertas, havendo pluralidade de propostas à vista e a prazo, rejeitando as que caracterizarem preço vil (art. 891); (c) o juiz realiza a adequação da penhora (art. 874); (d) o juiz adotará, no caso da obrigação de fazer, as “as medidas necessárias à satisfação do exequente”, seja para obter execução em natureza, seja pelo resultado prático equivalente, e, para essa finalidade, além da multa pecuniária, o juiz determinará as medidas necessárias, a exemplo da busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, o impedimento à atividade nociva (art. 536, § 1.º), (e) o juiz requisitará a força policial, caso

necessário (art. 139, VII, c/c 782, § 2.º), a fim de erradicar a resistência do executado (art. 846); e assim por diante. É claro que semelhante atividade realiza-se dentro dos quadros da legalidade, por força dos limites políticos do poder de executar (infra, 952). 950. Objeto do poder de executar O objeto do poder de executar dependerá do bem da vida (res) almejado pelo vitorioso. Segundo a visão clássica, os bens perseguidos são os seguintes: uma coisa certa ou determinada (corpus); uma soma em dinheiro, ou uma quantidade de coisas em dinheiro passíveis de conversão (genus); e, finalmente, uma atividade ou uma abstenção do executado (facere e non facere).121 E, na concepção contemporânea, a função executiva ostenta dois escopos centrais: (a) eliminar os efeitos da infração a algum direito, entregando ao exequente a mesma utilidade objeto de lesão, e, assim, reconstituindo o direito em sua feição originária; (b) impedir a infração ao direito, bem como a repetição do ato lesivo (art. 497, parágrafo único), chamada de tutela inibitória. Na primeira hipótese, a infração atinge corpus, genus e facere (fungível e infungível; positivo e negativo); na última, o executado suportará um facere, positivo ou negativo, e infungível – prestação só a ele imposta, ou só por ele exequível.122 A simples sinalização do senso comum indica que, conforme o objetivo colimado – corpus, genus e facere, o último preventiva ou repressivamente, pouco importa –, o meio de atuação variará de maneira dramática. Impedir a poluição do lençol freático por indústria química, despoluir águas do açude e compelir o obrigado inadimplente a entregar determinada quantia são metas heterogêneas e inconfundíveis, exigindo técnicas executivas equivalentemente desiguais. E, por outro lado, a permanente e neutra colaboração do executado se ostenta improvável. Se o obrigado descumpriu seu dever no tempo, modo e lugar previstos, fugindo ao desconforto menor do adimplemento, em geral não se curva aos sacrifícios ainda maiores impostos na regra jurídica individualizada, que a execução se encarrega de realizar na prática. O prestígio do órgão judiciário, a palavra do juiz, às vezes persuade o vencido a cumprir espontaneamente o comando judicial. Se tal não ocorre, convém admitir de forma lhana que a autoridade precisa ser imposta ao vencido pela força. Para essa finalidade, a lei predetermina meios técnicos. 951. Meios do poder de executar O poder de executar se vale de certos meios predispostos na lei e que permitem subtrair os bens da esfera jurídica do executado segundo o devido processo legal. Em outras palavras, o órgão judiciário atuará a pretensão a executar mediante o uso de meios executórios.123 Os meios executórios (Zwangsmitteln) surgiram na doutrina alemã do século dezenove.124 No entanto, modernamente, podem ser encarados como o conjunto dos poderes

executórios do órgão judiciário.125 Esses meios consistem na articulação de dois ou mais atos executivos, concretamente, e o respectivo emprego se subordina à iniciativa da parte (art. 798, II, a). O Título II – Das Diversas Espécies de Execução – do Livro II da Parte Especial do NCPC preferiu a designação de “espécies de execução”. O problema dessa terminologia reside na possível identificação de “espécie” com “classe”, ou seja, do critério classificatório com o objeto classificação. Também se consideram “espécies” de execução: (a) a execução fundada em título judicial, contraposta à execução baseada em título extrajudicial; (b) a execução definitiva, porque fundada em título judicial transitado em julgado, contraposta à execução provisória, baseada em título judicial sujeito a recurso não suspensivo (art. 520, caput).126 Parece mais consentâneo designar as operações executivas com epíteto próprio e unívoco, consoante a fórmula germânica: meios executórios. Os meios executórios classificam-se consoante o envolvimento pessoal do executado, ou não, com o fito de obter o bem da vida, tornando a execução frutífera, e a relação instrumental entre este bem e a operação empreendida sob os auspícios do órgão judiciário. Existem certos bens (corpus e genus) que comportam apreensão e entrega ao exequente independentemente da participação do executado. E isso, porque o meio executório ataca o patrimônio do executado, em razão do princípio da responsabilidade patrimonial (art. 789). Assim, a inércia do executado, ou a respectiva resistência (art. 846), dificultam e perturbam a atividade executória, mas não a impedem, existindo patrimônio (bens corpóreos e bens incorpóreos). Devida quantia em dinheiro, o juiz apreenderá os respectivos ativos financeiros (art. 854); inexistindo dinheiro, afetar-se-á algum bem, mas de valor suficiente à satisfação do crédito (art. 831), convertendo-o, em seguida, em dinheiro, através da alienação (art. 826, II), ou satisfazendo o exequente com a entrega do próprio bem, na adjudicação (art. 826, I). A adjudicação do bem por terceiro constitui, para o exequente, modalidade de alienação coativa, porque receberá o respectivo produto. Dizse que tal execução é direta, porque não depende do executado, mas da existência de bens aptos à apreensão no seu patrimônio. Mas, há bens que, em razão da natureza da prestação, ou da ordem emitida pelo órgão judiciário, só podem ser alcançados mediante a participação ativa do executado. Por exemplo, o executado assumiu a obrigação de realizar cirurgia estética, mas descumpriu o contratado. Trata-se de obrigação só pelo executado exequível (art. 247 do CC). Em outras situações, há tensão específica no adimplemento, provocada pela urgência, como acontece no caso de alguém encontrar-se obrigado a prestar alimentos a outra pessoa. Nesses casos, o juiz exercerá pressão psicológica sobre o executado, ameaçando-o com mal maior (multa pecuniária ou prisão). Diz-se que a execução é indireta, pois a finalidade precípua do meio executório reside no induzimento da vontade do executado. Dividem-se os meios executórios, segundo tal esquema, em dois grupos distintos: (a) meios de sub-rogação, ou execução direta; (b) meios de coerção, ou execução indireta. Em princípio, superou-se a opinião errônea que apenas no primeiro grupo há autêntica execução.127 E, por outro lado, o adjetivo nas

fórmulas “execução direta” e “execução indireta” são empregados impropriamente: a execução por coerção, que influencia a vontade do executado, se afigura mais direta do que a execução por sub-rogação, que recai sobre o patrimônio do executado.128 Em ambos os grupos de meios executórios, há subdivisões decalcadas da correlação instrumental dentre a técnica e o bem da vida. Por exemplo, as prestações de fazer fungíveis (v.g., a construção de um muro) comportam execução forçada através do recrutamento de terceiro, e à custa do executado (art. 817) – execução “direta” –, ou por intermédio do emprego de pressão psicológica, cominando o juiz ao executado multa pecuniária de alto valor e desproporcional ao conteúdo econômico do facere, a teor do art. 536, § 1.º, c/c art. 814 – execução “indireta”. Também as prestações de dar coisa podem ser executadas diretamente, através do desapossamento (art. 806, § 2.º, e art. 538, caput), ou mediante a técnica da multa pecuniária (art. 806, § 1.º e art. 538, § 3.º, c/c art. 536, § 1.º). Enfim, os meios de coerção se dividem em duas classes: (a) coerção pessoal (art. 528, § 3.º); e (b) coerção patrimonial (536, § 1.º e disposições correlatada antes mencionadas). E os meios de sub-rogação se repartem em três classes: (a) transformação (art. 817); (b) desapossamento (art. 538, caput, e art. 806, § 2.º); (c) expropriação (art. 826). O estudo desses meios ou poderes executórios realizar-se-á, naturalmente, no livro da execução. Entrementes, convém realçar que razões políticas tornam esses meios essencialmente típicos, não podendo o órgão judiciário substituí-los por outro de sua própria e soberana criação. Em outras palavras, os meios em si hão de ser taxativos, sob pena de infração ao devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1998), o empego é que varia conforme o caso concreto. Por exemplo, para impedir emissão poluidora, proibido o uso de certo produto nocivo ao meio ambiente no processo industrial, o juiz pode chegar ao extremo de interditar a atividade ou remover do local o técnico especializado na administração desse produto (art. 536, § 1.º). O exemplo arrosta o problema dos limites políticos da atividade executiva (infra, 952). 952. Limites do poder de executar O poder de executar exibe duas espécies de limites: (a) políticos; e (b) práticos. Em primeiro lugar, a CF/1988 traçou determinadas fronteiras que ao órgão judiciário não se afigura lícito ultrapassar. Por exemplo, a prisão do executado por dívida civil só cabe na hipótese estrita do inadimplemento inescusável da dívida alimentar, a teor do art. 5.º, LXVII (“Não haverá prisão civil por dívida (…)”). A clássica medida constritiva da “remoção de pessoas” não atrairá a pecha de inconstitucionalidade tão só na hipótese de significar o deslocamento coativo de um lugar para outro, e, chegado a este, a pessoa readquirirá, imediatamente, o poder de locomoção. Do contrário, jamais se executaria um despejo, por exemplo, pois o mandado de evacuando sempre implicou a retirada forçada dos ocupantes do imóvel. O poder de executar atua, preponderantemente, sobre o patrimônio do executado. No que tange às prestações em dinheiro, ou de coisas traduzíveis

em dinheiro (genus), vigorosa evolução histórica plasmou o princípio da responsabilidade patrimonial (art. 789), segundo o qual o devedor responde com seus bens pelo cumprimento da obrigação. Logo, inexistindo patrimônio, o poder de executar deparar-se-á com limite prático intransponível: não há como realizar o crédito. Os limites políticos também exprimem-se no interior da responsabilidade patrimonial. É preciso garantir ao executado o mínimo existencial. Por essa razão, a lei protege a residência familiar (art. 1.º da Lei 8.009/1990), os bens domésticos (art. 833, II) e os bens pessoais (art. 839, III), sob certas condições. Nem todos os bens do executado encontram-se, portanto, ao alcance do poder de executar (arts. 833 e 834), aumentando os limites práticos da atividade expropriatória (art. 826). Os limites práticos do poder de executar não se confinam às injunções dos direitos fundamentais processuais. Desde que o homem fez o fogo, pela vez primeira, compreendeu as dificuldades de transformar o mundo consoante vontade própria, embora o êxito dos esforços empreendidos neste sentido comprometa até a sobrevivência da respectiva espécie. Nada obstante, subsistem as impossibilidades. Simplesmente, há providências inexequíveis, e não é a ordem do juiz que as torna realizáveis; por exemplo, a determinação para resgatar corpos humanos presos em navio afundado em grande profundidade atualmente não pode ser cumprida por razões técnicas e fisiológicas. Um aspecto particularmente importante dos limites políticos da execução avulta na tipicidade ou atipicidade dos meios executórios. A cláusula “entre outras medidas”, inserida no art. 536, § 1.º, emprestando caráter exemplificativo ao catálogo das medidas em seguida enumeradas – imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, e assim por diante –, sugeriu aos espíritos mais impressionáveis e autoritários a teoria da atipicidade. Se a regra comportasse essa interpretação, revelar-se-ia inconstitucional neste ponto. E a razão repousa no disposto no art. 5.º, LIV, da CF/1998, segundo o qual ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal, ou seja, de modo diferente do modelo prefixado na lei processual. O problema se entronca nas bases ideológicas do processo civil. O caráter social, a intervenção do juiz no processo, posto sob sua direção material, não lhe autoriza, entretanto, repelir a aplicação das regras processuais, porque supostamente estorvam a satisfação do exequente. Resta-lhe aplicá-las ou declará-las inconstitucionais. E, neste último caso, nem sequer a corte constitucional (STF) arvora-se explicitamente em legislador positivo. Por conseguinte, mostrar-se-ia ilegítimo engendrar um mecanismo próprio, específico para o caso concreto, em benefício de uma das partes e em detrimento da outra. Nada disso impede a incidência da adequação do meio ao fim como método de concretizar direitos;129 porém, no âmbito da tipicidade. § 196.º Deveres processuais do órgão judiciário 953. Deveres do juiz no processo A todo poder processual conferido ao órgão judiciário corresponde, na perspectiva das partes, um dever. O poder de jurisdicionar, por exemplo, tem

como contrapartida o dever de jurisdicionar, particularmente qualificado por limites derivados da técnica processual (infra, 1.593). Por outro lado, o juiz entretém com o Estado um vínculo administrativo especial. Desse vínculo dimanam: (a) restrições de direitos na vida civil (v.g., exercer o comércio, a teor do art. 36, I, da LC 35/1977), e até à liberdade de expressão (v.g., a emissão de juízo depreciativo sobre atos decisórios de processos pendentes, “ressalvada a crítica nos autos e em outras técnicas ou no exercício do magistério”, conforme o art. 36, III, da LC 35/1977); (b) deveres funcionais, a exemplo o de manter conduta irrepreensível na vida pública e na vida privada (art. 35, VIII, da LC 35/1977). Essas restrições e esses deveres só interessam indiretamente ao processo civil. É claro que o juiz que não mantém conduta “irrepreensível” na vida pública, que é a judicante, acabará afetando os processos a seus cuidados. Então, conforme a natureza da repercussão (v.g., o juiz consome bebida alcoólica em excesso, tem movimentada vida noturna, e, portanto, não dorme o suficiente, e assim, não cumpre o expediente forense mínimo), o fato passa a interessar ao direito processual. Importam os deveres processuais propriamente ditos, os que se relacionam diretamente com o processo e a atividade nele desenvolvida. Os limites receberam, entretanto, alguma elasticidade. Incluiu-se o dever de urbanidade, porque respeita ao delicado relacionamento do juiz com os procuradores das partes, e o dever de indenizar, a despeito de a responsabilidade pessoal do magistrado depender do ajuizamento de ação autônoma, porque assunto versado com destaque no art. 143. É raro localizar menção explícita a tais deveres. A lei processual não organizou essa matéria. A despeito dessa lacuna, são deveres processuais do órgão judiciário: (a) o dever de jurisdicionar; (b) o dever de motivar os atos decisórios; (c) o dever de pontualidade; (d) o dever de urbanidade; (e) o dever de residir na comarca; (f) o dever de atender pessoalmente aos interessados; (g) o dever de conciliar; (h) o dever de indenizar pessoalmente os ilícitos praticados no exercício das suas funções; e, por fim, (i) o dever de abstenção. 954. Dever de jurisdicionar O Estado, ao proibir a autotutela e atribuir o direito à tutela jurídica do Estado (retro, 1), assumiu o dever de prestar jurisdição. Do órgão judiciário as partes aspiram, no mínimo, a resolução do mérito. Daí o dever de o órgão judiciário, especialmente constituído para esse fim, jurisdicionar mediante provocação da parte. A falta de decisão “é a manifestação mais característica da denegação de justiça”.130 É o que pretendeu expressar, fitando a resolução de mérito, o art. 140, caput: “o juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento”. Entende-se a alusão ao ordenamento como abrangendo todas as fontes normativas anteriormente mencionadas (retro, 946.1). É exagera parte final da regra, pois as regras e os princípios integrantes do ordenamento jurídico permitem formular a regra jurídica concreta. Determinada regra é que pode ser lacunosa ou obscura. 954.1. Objeto do dever de jurisdicionar – Em sua forma literal, o art. 140, caput, induz a impressão de o dever de jurisdicionar respeita ao provimento de mérito. Não parece generalizar, embora não alcance o inaudito

extremo do art. 4.º, segundo o qual “as partes têm o direito de obter a solução integral do mérito (…)” Embora viáveis problemas análogos quanto à própria lei processual, o art. 140, caput, ocupou-se com a qualificação jurídica dos fatos alegados pelas partes, travando a subsunção (ou concretização) que incumbe ao juiz realizar para acolher ou rejeitar o pedido (art. 489, I). Ora, nem dos os processos alcançam o estágio do julgamento do mérito. Há os que se encerram no juízo de inadmissibilidade. Nada obstante, o art. 140, caput, aplicar-se-á, mutatis mutandis, a quaisquer outras respostas menos qualificadas à pretensão deduzida na inicial, tal o juízo de inadmissibilidade (art. 485). O Estado obrigou-se a prestar jurisdição, resolvendo a lide, segundo as disposições do estatuto processual, sob a direção do juiz (art. 139, caput: “(…) conforme as disposições deste Código (…)”), e, não, de qualquer forma, e muito menos obrigatoriamente mediante resposta positiva ou negativa sobre a pretensão processual. O uso da expressão “dever de jurisdicionar”, e, não, “dever de sentenciar”, justifica-se pela razão exposta. O provimento que extingue o processo, sem resolução do mérito, representa a resposta jurisdicional cabível, nas hipóteses legais. E, de resto, há que considerar as outras funções instrumentais do processo (v.g., a execução), em que a sentença não formula regra jurídica concreta. A atividade judicante exprime-se, preferentemente, através do emprego de força para realizar o direito consagrado no título. A terminologia adotada abarca, ademais, o “dever de despachar”, relativo ao poder ordinatório (retro, 943). Não é só no caso de o juiz se deparar com lacunas e obscuridades, ou outros problemas de interpretação, que se impõe o dever de jurisdicionar. Também na hipótese de o material de fato do processo não se mostrar suficiente e idôneo à formação do convencimento do órgão judiciário, a despeito de sua intervenção positiva, exercendo os poderes instrutórios, o juiz não se exime de jurisdicionar. As regras do ônus da prova representam diretrizes de julgamento no caso de faltar prova, impedindo o non liquet. 954.2. Conteúdo do dever de jurisdicionar – O conteúdo do dever de jurisdicionar varia conforme a força e os efeitos da ação material (retro, 230). É atitude corriqueira, na doutrina brasileira mais recente, referir às modalidades de “tutela”. Não há prejuízo ao sentido real da atividade jurisdicional na troca de expressões. O conteúdo do dever de jurisdicionar é integrado do dever de cumprir e fazer cumprir os atos do ofício (art. 35, I, da LC 35/1979). Esse cumprimento realizar-se-á através de medidas indutivas (v.g., a interdição do estabelecimento), coercitivas (v.g., a imposição de multa pecuniária), mandamentais (v.g., ordem de não molestar o ex-cônjuge) ou sub-rogatórias (v.g., a remoção da pessoa de determinado lugar) destinadas a assegurar o cumprimento das decisões judiciais, a teor do art. 139, IV. 954.3. Limites do dever de jurisdicionar – Os limites impostos ao dever de jurisdicionar mostram-se inequívocos. O juiz julgará o mérito e realizará, quando necessário, a regra jurídica concreta resultante desse julgamento.

O juiz prestará jurisdição resolvendo o mérito “nos limites propostos pelas partes” (art. 141), ou seja, não pode incidir nos graves vícios de julgar extra, ultra ouinfra petita. Os limites do mérito, lide, ou objeto litigioso, dependem da iniciativa exclusiva da parte. E deve julgar toda a lide, individualizada por seus elementos objetivos, embora possa acolher o pedido no todo ou em parte, conforme autoriza o art. 490, observando a eventual modalidade de cumulação originária empregada pelo autor (retro, 267). Conforme a modalidade de cúmulo e o teor do pronunciamento, o juiz ficará desonerado de apreciar o pedido sucessivo e o pedido eventual. Esse aspecto traduz o princípio da congruência (infra, 1.593). O juiz é livre para qualificar juridicamente os fatos (iura novi curia), tarefa de máxima delicadeza, e para afastar a incidência deste ou daquele dispositivo de lei, porque inconstitucional – os órgãos colegiados dos tribunais precisam, todavia, observar a regra do full bench, prevista no art. 97 da CF/1988 –, mas não pode julgar outra demanda e deve julgar toda a demanda.131 É lícito o juiz, adstrito que esteja aos fatos alegados, considerar as circunstâncias constantes dos autos, ou seja, fatos que decorrem dos atos processuais praticados (retro, 944.5). Fora daí, porém, não conhecerá dos fatos não alegados pelas partes. É a proibição da parte final do art. 141 (“(…) sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”). Esses limites se aplicam à pretensão a executar: o título executivo delimita a natureza da prestação, quem responde pela dívida e os limites da responsabilidade. 955. Dever de cooperar A formação do processo conduz o órgão judiciário, especialmente constituído com a finalidade de dirigi-lo, ao centro de uma comunidade de trabalho (Arbeitgemeinschaft). Essa comunidade não se forma artificial e forçadamente. As partes têm interesses contrastantes e pouca disposição à colaboração recíproca, senão na medida do próprio interesse. A comunidade forma-se pela natureza das coisas e por necessidades práticas imperiosas. Feita abstração às construções forçadas, os resultados do processo decorrem da precedente atividade das partes (v.g., através dos atos postulatórios) e do juiz (v.g., através dos atos decisórios).132 A cooperação tal como se verifica, na realidade, descansa dissenso das partes. Não necessita de consenso e, muito menos, envolve convergência das postulações. É falsa a proposição literal do art. 6.º, segundo a qual os sujeitos do processo (partes e órgão judicial) cooperam entre si, a fim de obterem, em duração razoável, “decisão de mérito justa e efetiva”. É excessivamente idealista. Nenhuma das partes, exceto acidentalmente, produz prova contra o próprio interesse. Por sua vez, ao réu interessa o juízo de inadmissibilidade da demanda do autor, propiciando vitória tática. E a solução autoritária da lide, em qualquer sentido, deixará uma das partes inconformada. Em que pese a diversidade de objetivos, os atos das partes, inclusive quando contrastam entre si, e os provimentos do juiz desfavoráveis a uma

delas concorrem para objetivo comum e é nesse sentido que se vislumbra a cooperação. Impor às partes o dever de cooperar entre si, em nome de postulados éticos, como geralmente se sustentava e propõe o art. 6.º,133 mostrar-se-ia antinatural e, sobretudo, irrealizável. Estabelecida a premissa adequada, de forma realista, ao órgão judicial acode o dever de cooperar. O direito fundamental processual do contraditório (retro, 130) exige do juiz a posição de participante ativo, reclamando e propiciando esclarecimentos e ministrando orientações prévias sobre os riscos das omissões das partes ou instando-as a tomar ações que erradiquem defeitos sanáveis (art. 139, IX).134 O juiz atuante “não é sinônimo de juiz prepotente ou mesmo de juiz autoritário”.135 Essa prudente advertência concilia a cooperação com o diálogo e o equilíbrio no exercício da função judicial. Decididamente, não é através da cooperação que o sistema processual evoluiu de hipotético duelo “para atingir um sistema de processo social, dirigido por um juiz ativo, responsável e assistencial, preocupado com a igualdade efetiva das partes que devem dispor de igualdade de armas, processo nitidamente publicístico”.136 Não é constitucionalmente legítimo transformar o processo na contenta entre mocinho (v.g., o consumidor) e bandido (v.g., a empresa de banco). Pode acontecer de o poderoso ter (…) razão. E ao órgão judicial cumpre reconhece-la lhanamente. Realmente, o juiz não está só no processo, nem o Estado institui este caríssimo instrumento para seu proveito e desfrute exclusivo. Ao contrário, os poderes judiciais encontram-se condicionados à iniciativa das partes, por uma via ou outra, na medida em que resistem ou se acomodam às deliberações do diretor do processo, e reagem ou se omitem perante a atividade judicial. É fácil constatar que, malgrado a ausência de vontade concordante, estabelecese interação recíproca entre os sujeitos processuais, um autêntico diálogo, traduzido no conteúdo dos atos processuais, em que há postulações, respostas, estímulos e resistência, ataque e defesa. Por óbvio, a participação ativa do órgão judiciário, munido de vastos poderes, provocará desconforto, arrancando as partes do comodismo intrínseco à inércia. Pouco repercute na realidade forense. A larga maioria dos juízes e das juízas não dispõe dos vagares e do ânimo necessário para intervir ativamente nos processos a seus cuidados. Tal dado não elimina os benefícios de se perseguir o ideal da cooperação plena. O dever de cooperar já decorria do ius positum,137 embora de disposições esparsas, e tem sólidas bases teóricas. Por força da natureza das coisas, a interação entre juiz e partes cria autêntica comunidade de trabalho, marcada pelo diálogo, realçado no âmbito do contraditório (arts. 9.º e 10). O juiz participa desse diálogo em igualdade de condições, destacando-se na oportunidade da decisão.138 A cooperação no seio da comunidade de trabalho engloba duas dimensões (a) a cooperação material (v.g., o dever de colaborar na descoberta da verdade); e (b) a cooperação formal (v.g., designação de horário compatível da audiência principal).139 O dever de o juiz cooperar com as partes no esclarecimento da verdade, a fim de formular a regra jurídica concreta (função de conhecimento), e de realizar o comando judicial com equilíbrio e moderação (função de execução), assegurando a efetividade de ambos os objetivos (função cautelar), desdobra-

se em quatro deveres secundários e que lhe conferem a fisionomia própria: (a) dever de esclarecer; (b) dever de consultar; (c) dever de prevenir;140 (d) dever de auxiliar. Não é isento de críticas o modelo fundado na cooperação.141 É forçoso ressaltar, outra vez, não implicar a cooperação consenso e convergência de esforços dos sujeitos da relação processual. No entanto, os deveres secundários da cooperação aumentam, na prática, as possibilidades do processo constitucionalmente justo e equilibrado. O que não consegue evitar é a discrição do juiz e, conseguintemente, o arbítrio de um órgão (…) estatal.142 955.1. Dever de esclarecer – Desde o primeiro contato com a petição inicial, surgindo alguma dúvida quanto ao seu teor, ou apresentando defeito capaz de dificultar o futuro julgamento do mérito, cumpre ao juiz solicitar os devidos esclarecimentos da parte. Os artigos 321, caput, e 801 consagram esse dever do juiz. Implicitamente que seja, ao valer-se dessas disposições, o juiz reclama do autor esclarecimentos sobre a pretensão deduzida, alinhando os rumos em que a entenderá admissível. A parte final do art. 321, caput, acentuou esse dever, exigindo a precisa indicação “do que deve ser corrigido ou completado”. O § 139 da ZPO alemã é expresso a respeito do dever de o tribunal esclarecer-se, através do diálogo das partes, relacionando-se este dever com o processo constitucionalmente justo e equilibrado.143 É idêntico o art. 357, § 3.º, permitindo ao juiz designar audiência preliminar e, cooperando com a partes, exigir-lhes a integração e o esclarecimento das suas alegações. É claro que, na prática, surge o problema de persuadir o juiz, ocupado com tarefas variadas e urgentes, a ler a petição inicial com atenção, meditar a seu respeito e prognosticar as variáveis concebíveis. Leitura desse teor antecipará eventuais dificuldades, ensejando que o valioso instrumento estatal atinja seus fins políticos. Concretamente, o prazo para corrigir a petição inicial indicará o melhor caminho para a tramitação da pretensão processual, para o réu se defender eficazmente e, ainda, para o próprio julgamento da causa. É dado concreto escapar a maior parte das petições iniciais desse crivo (infra, 1.531). Os benefícios do controle mais apurado, instando o autor a esclarecer os pontos obscuros, aperfeiçoando a redação da peça, são naturais e intuitivos. O dever de o juiz esclarecer-se e de promover o esclarecimento da outra parte não se cinge à etapa da formação do processo. O mesmo vale para os demais atos postulatórios. É com este sentido admissível que se compreende o costume de o juiz, conquanto haja o ônus de as partes proporem os meios de prova na inicial e na contestação, a mais das vezes requerimento protocolar, ordenar que as partes especifiquem os meios de prova que efetivamente pretendam utilizar para demonstrar a veracidade das afirmações de fato. E na audiência preliminar (art. 357, § 3.º), que tem a função de preparar a instrução, dentre outras, cumpre o juiz esclarecer as partes a respeito do ônus da prova,144 indicando-lhes quem deve provar o que, bem como instar as partes a aprimorar suas alegações. Essa atitude é imperiosa no caso de distribuição dinâmica do ônus da prova (infra, 1.340). A ponto culminante da colaboração expressar-se-á na motivação, fruto da participação das partes e do órgão judicial.145

O dever de esclarecimento suscita a delicada questão da neutralidade na divisão do trabalho entre partes e órgão judiciário. O emprego explícito do poder de obter esclarecimentos, em atenção ao respectivo dever, revela potencial para interferir o domínio das partes – alegação dos fatos – e gerar a sensação de desequilíbrio. À vista de todos, graças aos meios de comunicação de massa, surge a figura olímpica do juiz norte-americano nos julgamentos pelo júri, em que sua atividade se cinge à fiscalização dos advogados das partes, coibindo-lhes excessos. E as instruções às partes passadas pelo órgão judicial no processo da antiga União Soviética consagra orientação oposta.146 A doutrina alemã realça o fato de o dever de esclarecimento (Aufklärungspflicht) das partes não lhes limitar a autonomia; ao invés, combate seu pior inimigo: o abuso (Missbrauch).147 Resta instituir o meio de controle dos abusos do próprio órgão judicial. O meio termo desejável não consiste em subtrair do órgão judiciário o controle da sua própria atividade, habilitando-o a formular corretamente o juízo de fato. Legitima-se essa atividade mediante o contraditório das partes, e, principalmente, a estrita fidelidade aos valores constitucionais.148 955.2. Dever de consultar – Das questões que lhe é dado conhecer ex officio, e que respeitam à admissibilidade do julgamento do mérito, o juiz não deve extrair todas as suas radicais consequências sem antes consultar previamente as partes, ensejando o debate (art. 10). É o aspecto de maior relevo no âmbito da colaboração. O dever de consulta vigora no curso do processo.149 E assume particular relevo na fase decisória. Antes de pronunciar a ilegitimidade ativa, que identificou no caso, toca ao órgão judiciário promover o debate dessa questão, a fim de evitar uma decisão surpreendente, abrindo-lhes a possibilidade de influenciar o seu convencimento. Talvez o autor, ministrando prova hábil, convença o juiz da respectiva capacidade de conduzir o processo, razão pela qual não se deve recusar-lhe essa oportunidade independentemente do estágio do processo (v.g., realizada a instrução, o juiz identifica a questão na oportunidade em que estuda o processo para proferir a sentença).150 E vai mais longe o dever de consultar: na medida do possível, desanuviado o tradicional receio de prejulgamento, o juiz possibilitará aos litigantes que formem ideia precisa sobre as questões debatidas que, no seu espírito, revelam-se fundamentais ao desfecho da causa. Embora iura novit curia, o juiz não pode julgar o objeto litigioso com base em fundamento considerado irrelevante pelas partes, ou por elas valorado diferentemente, sem indicar-lhes que este é o aspecto a seu ver decisivo. Por esses motivos, o art. 357, III, prevê a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e organização do processo; o art. 139, IX, obriga o juiz a determinar o suprimento de pressupostos processuais e de outros vícios; o art. 317 manda o juiz, antes de proferir sentença terminativa (art. 485), propiciar a possível correção do vício. 955.3. Dever de prevenir – O objetivo fundamental do processo consiste na resolução do litígio apresentado ao juiz e, para que essa finalidade seja atingida, o juiz deverá envidar esforços para erradicar todos os defeitos que o impossibilitam de julgar o mérito. A tal aspecto calha o dever de prevenir. O maior exemplo do acolhimento dessa diretriz no ius positum avulta no disposto no art. 75, caput. O vício respeitante à capacidade processual ou à

capacidade postulatória há de ser sanado em prazo razoável assinado pelo juiz. Findo o prazo inicial, e demonstrando a parte a dificuldade de suprir o defeito nesse interstício originário, o juiz prorrogará o prazo ou assinalará interstício suplementar, propiciando ao interessado a oportunidade de sanar o defeito e, assim, o processo retomar seu curso. Nesse sentido dispõem, convergentemente, os já assinalados artigos 139, IX, e 317. O art. 139, X, determina ao juiz oficiar ao legitimado coletivo estatal, ou seja, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, deparando-se com diversas demandas individuais repetitivas, prevenir da existência dessa espécie de litígio, a fim de que proponham a demanda coletiva. O objetivo consiste em evitar a proliferação das demandas individuais. Limita-se a essa iniciativa o poder do órgão judiciário. Em particular, não lhe é dado suspender, ex officio, as ações individuais, aguardando o desfecho da ação coletiva, e, muito menos, advindo resultado favorável, transformar a pretensão originária em liquidação, alterando o objeto litigioso e ferindo o princípio da demanda. Essa imprópria e ilegítima gestão da própria atividade, aliviando-se dos ossos do ofício, redundou em desastre no caso das ações pleiteando diferenças remuneratórias das cadernetas de poupança. É preciso respeitar o direito de as partes demandarem individualmente, porque intrínseco ao direito fundamental processual de acesso à Justiça. O remédio eficaz consiste no incidente de causas repetitivas (art. 976), para o qual o juiz tem iniciativa (art. 977, I), e sobrevindo o precedente, aplicá-lo irrestritamente. 955.4. Dever de auxiliar – A prática do ato processual pela parte onerada enfrenta vários óbices materiais. Por exemplo, os documentos públicos são acessíveis a quaisquer interessados, salvo os casos de segredo de Estado, e há remédios processuais específicos que habilitam as partes obter as devidas reproduções (infra, 1.922) por via autônoma. É dever do órgão judicial, na causa pendente, auxiliar a parte a desincumbir-se do ônus da prova (e de quaisquer outros ônus), requisitando as reproduções dos documentos públicos úteis à prova da veracidade das alegações de fato (infra, 1.939.2) e outros dados (v.g., o endereço do réu, geralmente registrado nas distribuidoras de energia elétrica).151 956. Dever de motivar Um dos direitos fundamentais processuais das partes consiste na motivação de todas as decisões judiciárias (art. 93, IX, da CF/1988). A regra constitucional emprestou singular importância a esse direito, cominando nulidade ao vício da falta de motivação. Fundamentação e motivação são palavras usadas, via de regra, como sinônimas. Não convém estabelecer diferenças cerebrinas. É verdade que o texto constitucional emprega o adjetivo “fundamentadas”; entretanto, parece preferível o uso da palavra “motivação”. Essa palavra corresponde à terminologia usual no processo civil.152 O dever de motivar é bem antigo no direito brasileiro. A ela já se referia as Ordenações Filipinas (Livro II, Título 66, § 7.º), obrigando os desembargadores, e quaisquer outros julgadores, letrados ou não, a “a

declarem especificamente em suas sentenças definitivas… as causas, em que se fundarem a condenar ou absolver, ou a confirmar, ou revogar”. Trilhando o caminho percorrido no direito anterior, o NCPC consagrou diversas disposições a esse respeito. O art. 371, autorizando o juiz a apreciar a prova, acrescentou: “e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.”. É ínsita ao sistema da persuasão racional a necessidade de o juiz expor os motivos do respectivo convencimento.153 À motivação alude o art. 489, § 1.º, oportunamente examinado em suas minuciosas exigências. Em que pese a omissão, também os despachos, no que se mostrar essencial ao seu entendimento pelo destinatário (parte ou auxiliar do juiz), e, principalmente, os acórdãos, precisam de motivação bastante. Por conseguinte, o art. 93, IX, da CF/1988 não inovou, substancialmente, a disciplina há muito tempo vigorante no direito brasileiro, exceto para ajustar o direito constitucional à tendência universal (v.g., art. 111 da Constituição da República da Itália, de 1948). Duas observações complementares se mostram úteis a esta altura. Primeira, o art. 489, II, declara que o juiz, na motivação, “analisará as questões de fato e de direito”. É óbvio que o juiz não se limita a analisar tais questões. Cumpre-lhe resolvê-las,154 antes de decidir as questões principais. Segunda, evidenciando a íntima concatenação entre o poder e o dever, o juiz há de expressar as razões que o conduzem, no uso dos seus poderes oficiais, determinar a produção de certa prova (art. 370, caput, c/c art. 357, II).155 Os demais aspectos relativos à motivação – natureza, conteúdo, requisitos, espécies, finalidades e consequências da motivação inexistente ou insuficiente – receberão exame no item dedicado à tipologia dos atos judiciais (infra, 1.122). 957. Dever de pontualidade O dever de pontualidade do juiz exprime-se em dois sentidos concorrentes. Em primeiro lugar, o juiz há de exarar os atos decisórios no prazo assinado na lei, não excedendo, injustificadamente, esses interregnos (art. 35, II, da LC 35/1977). Esses prazos são chamados de impróprios, porque o respectivo descumprimento não acarreta, em princípio, sanções no processo (infra, 1.153.4), e encontram-se previstos, genericamente, no art. 226, I a II. Em primeiro grau, o juiz proferirá os despachos em cinco dias art. 226, I); as decisões em dez dias (art. 226, II); e a sentença em trinta dias (art. 226, III). Repete o art. 366 este último prazo para proferir a sentença, não a emitindo o juiz, desde logo, na audiência de instrução e julgamento. Existem diversos interregnos assinados aos do juiz em primeiro e em segundo graus. Excepcionalmente, descumprindo o prazo para sentenciar, e perante representação da parte, o tribunal afastará o juiz desidioso, designando outro para julgar (infra, 1.189). Por óbvio, o juiz retardatário contumaz não vela pela duração razoável do processo (art. 139, II). Não dá bom exemplo para partes e auxiliares. Não é menos verdade, porém, que o excesso de processos em tramitação no ofício,

apesar da promessa constitucional de proporcionalidade (art. 93, XIII, da CF/1988), representa justa causa perfeitamente invocável. O homem e a mulher investidos na função jurisdicional têm capacidade de trabalho variável, conforme a respectiva formação intelectual e física, e subordinada a múltiplos fatores profissionais, sociais e familiares. Não se pode esperar o impossível: o juiz que tem sob sua responsabilidade seiscentos processos por ano cumprirá os prazos (e a lei processual funcionará maravilhosamente), salvo desídia manifesta; o juiz que maneja dez mil processos por ano, número médio de uma vara cível, dificilmente desincumbir-se-á do dever de pontualidade. E não merece censuras, mas condescendência. A quantidade de feitos tem o efeito perverso de impedir o controle da produtividade dos maus juízes. Por outro lado, o dever de pontualidade impõe ao juiz cumprir o expediente forense e comparecer, no horário hábil, às solenidades que presidirá (v.g., a audiência de instrução e julgamento) ou das quais participará (v.g., a inspeção judicial). É o que estabelece o art. 35, VI, da LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura), exigindo que o juiz compareça “à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término”. Essa regra deve ser entendida nos devidos termos. O juiz não precisa comparecer, diariamente, na sede do juízo, ou nele ficar, à disposição dos advogados das partes, durante o expediente forense, cujo horário não é uniforme (infra, 1.135.1). Não raro os juízes trabalham em casa, onde dispõem de recursos e tranquilidade para julgar as causas mais complexas. Por sinal, o juiz não trabalha apenas nos dias hábeis (de segunda a sextafeira) e no horário do foro. Desempenham atividade intelectual em horários extravagantes, altas horas da noite e em qualquer dia da semana, inclusive feriados e férias. Seja como for, convém que o juiz compareça à sede do juízo, e, por isso, as leis de organização judiciária fixam horário mínimo para o expediente do magistrado no foro. Esse horário recebe divulgação em avisos fixados no local de costume e respeita ao dever de atendimento. É manifestação do dever de pontualidade o comparecimento do juiz, em primeiro grau, pouco antes das audiências, que lhe incumbem presidir, e, no segundo grau, pouco antes das sessões de julgamento. Essas solenidades hão de começar na hora e no minuto designados previamente. Não cabe retardar o início dos trabalhos com preparativos (v.g. envergar as vestes talares). Se providências de qualquer natureza revelam-se imprescindíveis à atividade, impõe-se o comparecimento com a devida e regular antecedência. Os regimentos internos e as leis de organização judiciária disciplinam o tópico, fixando a antecedência de dez minutos. Embora existam magistrados, a outros títulos dignos de encômios, que se atrasam normalmente, tal fato mancha a reputação da Justiça. O deslocamento das partes, dos advogados e das testemunhas custa-lhes muito em suas atividades habituais, interrompidas ou perdidas naquele dia ou turno. Os atrasos dos juízes desrespeitam e ferem a cidadania dessas pessoas. 958. Dever de urbanidade O juiz tem o dever de tratar a todos com urbanidade. O art. 35, IV, da LC 35/1977 explicita os destinatários como as partes, os membros do Ministério

Público, os advogados, os funcionários e os auxiliares da Justiça. O art. 360, IV, introduziu o preceito na lei processual, mandado o juiz “tratar com urbanidade as partes, os advogados, os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e qualquer pessoa que participe do processo”. O juiz equilibrado, sereno, independente e cioso das próprias prerrogativas não tem motivo para conferir tratamento desrespeitoso a tais pessoas. Os profissionais do foro até toleram e compreendem as exasperações momentâneas. Porém, indesculpável tratar rispidamente a testemunha, por exemplo, e as pessoas humildes. Em geral, todos se dirigem ao juiz como excelência, epíteto inicialmente restrito aos integrantes do Supremo Tribunal de Justiça do Império,156 conferindo-lhe o elevado atributo de “meritíssimo”, ou, no mínimo, o de senhor e senhora. Raro o juiz chamado de excelência que retribui o advogado, concedendo-lhe a mesma homenagem; porém, a terceira pessoa (senhor e senhora; doutor e doutora) é usual e suficiente. O uso de adjetivos – insigne, ilustre e sinônimos – acompanha, tão frequente quanto desnecessariamente, o nome (por extenso) do magistrado. É curioso, mas real: a República regulou as fórmulas e os tratamentos forenses (Dec. 25, de 30.11.1889),157 pretendendo eliminar o tratamento majestático e outros legados do Império, mas originou o costume hoje seguido. Por outro lado, existem juízes mais informais, que vulgarizam a segunda pessoa, e falam a terceiros com familiaridade, recebendo a resposta no mesmo nível. Na realidade, o protocolo comum representa o abrigo seguro que todos hão de compartilhar amavelmente. Excessos, em qualquer sentido, ora distante frieza, ora proximidade calorosa, não interessam à boa marcha das audiências e sessões de julgamento, devendo ser evitados a todo transe, de um lado e de outro. Às vezes, degeneram em permissividade e geram conflitos. O dever de urbanidade incide nas sessões de julgamento, nos tribunais, e nas audiências, em primeiro grau. Do juiz espera-se que mantenha-se atento ao debate oral, não falando ao mesmo tempo – não lhe faltam oportunidades para manifestar-se oralmente –, levantando-se sem maior respeito ou fechando os olhos. Essa última atitude atrai a fundada suspeita que esteja a dormitar. 959. Dever de residência O dever de residência do juiz na comarca ou seção judiciária baseia-se em dois fundamentos. Primeiro, o ideal da inserção do juiz na comunidade em que exercerá a função judicante, a fim de conhecer os respectivos problemas econômicos, sociais e políticos, facilitando-lhe a compreensão da natureza dos litígios e o alcance da futura solução. Segundo, há cargos que exigem atividade em qualquer dia e hora,158 e, naturalmente, os juízes obrigam-se a atender medidas urgentes, haja ou não plantão (infra, 1.136.3), nessas condições. O art. 93, VII, da CF/1988 erigiu o dever de residência nos seguintes termos: “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. A extensão do dever de residência afigura-se eminentemente relativa. A regra constitucional não exige que o juiz substituto, designado para atender

ofício vago, ocasionalmente (v.g., férias do titular) ou definitivamente (v.g., promoção ou aposentadoria do titular), resida na comarca ou seção judiciária. Esse juiz tem o dever de residir na própria comarca ou seção judiciária. E convém não olvidar a classe dos juízes substitutos, em estágio probatório (retro, 926.2). Tais juízes podem perfeitamente residir na comarca ou seção judiciária para a qual são designados como auxiliares. Tampouco se explica, racionalmente, a omissão desse dever relativamente aos desembargadores – título constitucionalmente privativo dos componentes do tribunal de justiça (retro, 936.2), aos juízes dos tribunais regionais federais e até aos ministros integrantes dos tribunais superiores (STJ e STF). Também são chamados a atender os advogados e a prover a respeito de medidas urgentes (v.g., a antecipação da tutela recursal, no agravo; a liminar, nos mandados de segurança e nos habeas corpus). Por conseguinte, devem residir na capital do Estado-membro ou no Distrito Federal. Conhecem-se casos de desembargadores que residem em lugares distantes, decerto aprazíveis e seguros, e só comparecem no tribunal nos dias de sessão, bem como de ministros que residem no Estado de origem e viajam por todo o território nacional, ficando parcas horas no Distrito Federal. Por óbvio, só em ocasiões especiais, marcadas com grande antecedência, por gentileza do chefe de gabinete, recebem os procuradores das partes. Esse comportamento infringe o espírito do art. 93, VII, da CF/1988 e não é o desejável. E, de resto, o destinatário precípuo da regra, o juiz titular de ofício na comarca, seção ou subseção judiciária, pode ser autorizado pelo respectivo tribunal a quebrar o dever de residência. A exceção já constava no art. 35, V, da LC 35/1977. É verdade que “os meios de comunicação facilitam a pronta atuação do juiz e, com a rapidez dos meios de transporte, até a sua presença quase imediata”.159 Mas, a experiência demonstra que, na concessão da licença para residir fora da comarca, prevalecem mais as razões pessoais e familiares (v.g., a localização da escola dos filhos; o lugar de trabalho do cônjuge), do que o interesse público ou necessidade real (v.g., falta de habitação condigna). E não se pode olvidar expediente pouco tolerável, impróprio para o magistrado de escol, a exemplo de o juiz alugar pequeno apartamento ou quarto de hotel na comarca, propiciando a visita diária, ou em fim de semana prolongado de sexta à segunda-feira, à família localizada em outra cidade.160 A regra constitucional não se harmoniza com esses expedientes. Ela tem outra finalidade. O território brasileiro é vasto e, às vezes, as comarcas se localizam em áreas remotas e de pouco movimento forense, sendo possível que o expediente do juiz se restrinja a alguns meses do ano e que sua família resida em cidades maiores por falta de habitação adequada. Felizmente, a maioria dos juízes e das juízas reside nas comarcas do interior por razões de conveniência pessoal (v.g., o baixo custo de vida) e familiar (v.g., há escolas de excelência na localidade). A imposição do dever de residência, na medida em que as exceções se mostram de difícil e improvável controle, pode ser eliminada sem que se afete, substancialmente, a aderência do juiz à sede do juízo. 960. Dever de atendimento

É dever do juiz de qualquer hierarquia, segundo o art. 35, IV, in fine, da LC 35/1977, “atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”. De seu turno, o art. 7.º, VIII, da Lei 8.906/1994, assegura ao advogado “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada”. Essas disposições harmonizam-se sem maiores dificuldades e tem sólido fundamento. Em primeiro lugar, há situações de urgência que reclamam providências imediatas (v.g., a busca e apreensão do menor, confiado a um dos pais). Tal hipótese não ocorre, necessariamente, no horário hábil à prática dos atos processuais, nem sequer em dia hábil. Eventos urgentes ocorrem no fim de semana. Por conseguinte, para atendê-las, o juiz há de se encontrar acessível a qualquer hora do dia e em qualquer dia da semana, cumprindo que forneça endereço e telefone ao escrivão ou chefe de secretaria, senão ao onipresente e anônimo assessor. Leis de organização judiciária exigem do juiz, de ordinário, a designação, no curso do expediente forense, de horário específico, mas preferencial, destinado ao atendimento das partes e dos procuradores. O mais corriqueiro dos assuntos que induzem o advogado a procurar o juiz (v.g., entrega de memorial; solicitação de preferência no julgamento, em razão da idade ou da urgência) serão tratados neste momento. O horário preferencial não pode ser excessivamente reduzido (v.g., meia hora), ou inoportuno (v.g., às oito horas da manhã, na abertura do expediente), a ponto de inviabilizar o efetivo atendimento e entravar o acesso. O STJ já estimou que uma hora por dia, em vara de família da capital do Estado-membro, revela-se insuficiente.161 Em contrapartida, compreende-se que o juiz não fique sempre à disposição do público. Os magistrados têm múltiplas ocupações. E uma delas é a decidir com tranquilidade, o que interessa, sobretudo, aos jurisdicionados. Não parece razoável, nesta contingência, imobilizá-lo na sede do juízo, à disposição dos procuradores, fazendo-o perder tempo precioso e melhor aproveitado no exame dos milhares de autos. Seja como for, tratando-se de medidas urgentes, não há como evitar o contato a qualquer hora, no foro ou fora dele, nada obstante penoso e perturbador da ordem de serviço. Importa que o juiz não recuse receber, obstinada e ilegitimamente, a visita do advogado em casos tais. O art. 7.º, VIII, da Lei 8.906/1994, veta que o juiz estabeleça horário rígido e “outra condição” para receber o advogado. Em consequência da amplitude da regra, interpretada no seu contexto, mostra-se ilegal a prática comum de o juiz subordinar o atendimento pessoal do procurador de uma das partes à presença do representante da outra. Essa atitude revela um elemento de insegurança do magistrado ou da magistrada, implicitamente suscetível a avanços indevidos do visitante, e, não, respeito subserviente ao princípio da igualdade. O magistrado e a magistrada que suspeite do comportamento do visitante, por qualquer razão, proteger-se-á, suficientemente, com a simples presença de alguém do seu gabinete ou ofício na entrevista.

Embora não se desconheçam méritos nessa autêntica conferência oficiosa, quiçá assoalhando o caminho à autocomposição judicial, encarregar o futuro visitante de arrastar seu adversário à presença do juiz atribui-lhe encargo assaz difícil, senão de impossível realização. É muito difícil a contraparte, de boa vontade, aquiescer ao convite e concordar com o horário proposto pelo adversário ou designado pelo juiz. Nem sempre os interesses de rapidez e prontidão empolgam ambas as partes no mesmo grau. Um meio termo aceitável consiste em o próprio juiz convidar o procurador da outra parte, dando-lhe ciência da data e da hora da entrevista concedida ao seu colega. O juiz afável, circunspecto e sereno jamais estabelecerá maiores entraves ao atendimento das partes e dos procuradores, em geral regozijando-se com a visita dos advogados militantes, excelente oportunidade para trocar impressões sobre a vida forense, o único assunto que realmente empolga os profissionais do foro. 961. Dever de conciliar O dever de o juiz promover a autocomposição das partes, a qualquer tempo (art. 139, V), com auxílio dos conciliadores e mediadores judiciais, tem especial importância no processo civil social. Em lugar da solução autoritária, dando razão a quem a tem (ou parece ter), a modernidade pugna por soluções consensuais e que permitam a futura convivência dos litigantes, resultando o processo em paz sem vencidos, nem vencedores.162 Esse modo de encerrar o litígio vale-se de certa inclinação dos litigantes a aceitar solução pronta e rápida, fruto de negociações, eliminando as agruras e incertezas da pendência do processo.163 Os profissionais do foro tendem as vantagens com máximas – por exemplo, “meglio una magra transazione che uma grassa sentenza” (melhor um mau acordo que uma boa demanda).164 Logo surge o problema terminológico do dever acometido ao órgão judicial. A atividade da pessoa investida na função judicante consiste na tentativa de reconciliar os litigantes ou de mediar o conflito, pessoalmente, coadjuvado, ou não, por especialistas. Essa tentativa traduz o incentivo e o auxílio prestado às partes, a fim de que se aproximem, restaurem o diálogo e busquem suprimir suas diferenças. Resultando frutífera, o resultado é a autocomposição. Acrescenta-se o adjetivo judicial a essa autocomposição incidental e sob os auspícios do órgão judiciário (art. 515, II), em contraposição à autocomposição extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III). Logo, para não tomar o efeito pela causa, aqui se prefere a designação “dever de conciliar”, porque traduz o encargo do juiz. O fato do dever de promover a autocomposição inserir-se no art. 139 revela a opção da lei brasileira em prol da direção material do processo (retro, 940). Vai além e transformou-se num dos objetivos do Estado (art. 3.º, § 2.º) e em dever compartilhado com advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público (art. 3.º 3.º). É a rotunda em que se entrecruzam a direção material e os valores constitucionais.165 Se desconhece objeções, tampouco deixa claro o ponto de saída… O fato de o art. 98 da CF/1988 enfatizar a conciliação nas atribuições dos juizados especiais (inciso I) e nos juízos de paz eletivos (inciso II) só reforça as virtudes da lei processual nesse ponto.

O art. 344 instituiu audiência específica para conciliação e mediação. Em item anterior (retro, 8), diferenciou-se as duas modalidades de auxílio, aliás definidas no art. 165, § 2.º e § 3.º, segundo a opinião prevalecente. Essa audiência será objeto de análise específica, mas convém traçar as diretrizes gerais do dever do juiz. 961.1. Cabimento da conciliação – É antiga a tradição do direito brasileiro nos domínios da promoção da autocomposição.166 Nas Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 20, n.º 1) já incumbia ao juiz dizer aos litigantes, “que antes que façam despesas, e se sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem as suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso”. E o art. 161 da Constituição de 1824 estabeleceu nada menos que a tentativa de conciliação prévia à causa, confiada aos juízes de paz eletivos. Regulamentou tal dispositivo o art. 5.º, I, da Lei de 15.10.1827, que merece transcrição: “conciliar as partes que pretendem demandar, por todos os meios que estiverem ao seu alcance, mandando lavrar termo do resultado, que assinará com as partes e o escrivão”. Não está claro se a tentativa consistia, ou não, requisito de admissibilidade da futura demanda em juízo.167 Mas, nas causas comerciais, o art. 23 do Regulamento 737/1850 prescreveu nesse sentido, in verbis: “Nenhuma causa comercial será proposta em juízo contencioso, sem que previamente se tenha tentado o meio da conciliação, ou por ato judicial, ou por comparecimento voluntário das partes”.168 Disposição nesse sentido não padeceria, atualmente, de inconstitucionalidade. Da conciliação como atividade prévia à instrução na audiência o CPC de 1973 tratou nos arts. 447 a 449, e, posteriormente, as reformas parciais do processo civil brasileiro criaram a audiência preliminar (art. 331 do CPC de 1973, cujo objetivo inicial reside na tentativa de conciliação. O NCPC radicalizou e instituiu a audiência do art. 334, na abertura do processo, em seguida ao juízo positivo de admissibilidade da demanda, sem prejuízo da tentativa na abertura da audiência de instrução (art. 359). 961.2. Importância e natureza da conciliação – A tentativa de conciliação adquiriu suprema importância no final do século passado. A massa de lides, cujo aumento revelou-se exponencial naquela época, estimulou a reorganização do aparelho judiciário, adaptando-o à realidade econômica que se globalizava. Variaram muitos os esquemas. Mas, a criação de mecanismos parajudiciais de conciliação e de mediação é a tendência hoje predominante. Lei francesa de 1995, por exemplo, contempla a mediação e a conciliação de terceiro habilitado nesses misteres por instigação judicial.169 Eis ponto delicado. É difícil traçar fronteiras definitivas entre uma e outra figura. Segundo a opinião tradicional, conciliação e mediação exibem estruturas similares, mas distinguem-se pelo resultado: a mediação visa à composição, seja qual for seu conteúdo, enquanto a conciliação visa à composição justa.170 O melhor critério repousa no método (ou forma de intervenção no litígio) dos agentes da conciliação e da mediação.171 O mediador abstém-se de emitir opinião própria, nem sequer esboça a solução, buscando incentivar e auxiliar as partes na restauração do diálogo,

por sua vez meio para conceber solução autônoma para a contenda (art. 165, § 3.º). A mediação engloba, geralmente, áreas paralelas à jurídica, envolvendo assistentes sociais, psicólogos e médicos. A mediação objetiva a chamada justiça restauradora, desanuviando os espíritos, estabelecendo relações e minorando o sofrimento dos litigantes. Em suma, a mediação traduz o esforço concertado de um terceiro neutro, ou de grupo de pessoas neutras, para facilitar a comunicação entre os litigantes e chegar a resultado mutuamente aceitável.172 O conciliador participa de modo ativo no diálogo dos desavindos. Ele interfere na conversa, orientando o debate, analisa as posições das partes, e propõe solução que talvez desagrade um ou a ambos os litigantes (art. 165, § 2.º). Flagrantemente, a atividade do conciliador, ao contrário da que toca ao mediador, afigura-se mais direta e invasiva da intimidade dos litigantes. Não estacam nesse ponto as controvérsias a respeito da natureza da conciliação, especialmente a da conciliação endoprocessual, realizada sob os auspícios e com a intervenção do órgão judiciário. É problema que interessa, sobretudo, ao regime da respectiva invalidação. Não há dúvida que o termo de conciliação (art. 334, § 11), assinado pelas partes, reveste-se de peculiar autoridade, porque homologado pelo juiz. Portanto, tem natureza jurisdicional;173 ademais, o único objetivo da custosa audiência do art. 334 é a de promover a autocomposição, bem como obrigatória a tentativa na abertura da audiência de instrução (art. 359). Formado o negócio jurídico, mediante a assinatura do termo de conciliação, as partes vinculam-se no plano material e o conteúdo do negócio localiza-se nesse plano (não há outro concebível). Porém, a atividade do juiz, na etapa de formação do negócio e na emissão do provimento homologatório, discrepa da que empregaria para acolher ou rejeitar o pedido. Compreende-se, à luz desses elementos, recair o enfoque num ou noutro aspecto, desenvolvendo-se as teorias processual e material da natureza da conciliação, culminada a teoria eclética, conferindo natureza mista (material e processual) ao negócio jurídico.174 A solução do ponto dependerá dos dados colhidos no ius positum. Em relação ao regime da invalidação da sentença homologatória, ponto crucial nas referidas teorias, no direito anterior, encerrado o processo, a sentença homologatória exibia aptidão para revestir-se da autoridade de coisa julgada, necessitando a parte de ação rescisória para desvincular-se.175 No direito atual, ao invés, posto que sentença de mérito (art. 487, III, b), atenuou-se a coisa julgada, porque cabe ação anulatória (art. 966, § 4.º). Ora, o direito processual brasileiro agasalha negócios jurídicos processuais (art. 200) e a autocomposição quadra-se bem nesse gabarito. O instrumento apto a desfazer o vínculo é questão secundária. O tema receberá outras considerações no tópico dos efeitos da transação (infra, 1.640). 961.3. Espécies de conciliação – No que concerne à conciliação, costumase diferenciar, conforme a ocasião, duas espécies: (a) a conciliação préprocessual, intentada antes da formação do processo, de modo obrigatório ou facultativo; e (b) a conciliação incidental, realizada no curso do processo. Por diferente critério – a participação do juiz ou da juíza –, distingue-se (a) a conciliação extraprocessual, realizada pelas partes longe da vista do juiz,

eventualmente levada à respectiva homologação, haja ou não processo pendente (art. 515, III); e (b) a conciliação endoprocessual. A conciliação endoprocessual ocorre sob o patrocínio do órgão judiciário, nos momentos processuais marcados, ou seja, na audiência do art. 334, quando cabível, e na audiência de instrução e julgamento (art. 359), ou em qualquer outra oportunidade designada para esse fim – o art. 221, parágrafo único, prevê a suspensão dos prazos e, a fortiori, do processo, ingressando o processo no programa instituído pelo Poder Judiciário para promover a autocomposição. Não se limita ao primeiro grau essas tentativas e, nos últimos tempos, com resultados quantitativos pouco apreciáveis, organizaramse mutirões com semelhante escopo. 961.4. Objeto da conciliação – A tentativa de conciliação versará o objeto litigioso disponível. Não discrepa, portanto, do objeto da transação (infra, 1.639), e receberá considerações no capítulo próprio. Duas observações se impõem no presente contexto. Em primeiro lugar, o juiz há de considerar tanto os interesses primários, quanto os interesses secundários, estes representados pela repercussão financeira do processo para os advogados das partes. Em muitos casos, os honorários advocatícios constituem o ponto mais delicado a ser equacionado para que a tentativa de conciliação resulte frutífera, conduzindo às partes ao consenso, quer sob a forma de transação, quer a de aquiescência ao direito alheio (reconhecimento do pedido ou renúncia). Ademais, a qualidade do litigante exerce influência direta no êxito dos esforços do órgão judiciário em conciliar as partes. Figurando no processo (a) quem nada tem a perder (v.g., o beneficiário da gratuidade) e (b) quem litiga habitualmente, utilizando aparato técnico permanente e beneficia-se da duração do processo no seu modelo empresarial (v.g., empresa de banco; seguradora), a solução consensual se afigura muito pouco atraente. Eis o motivo por que a audiência preliminar (art. 357, § 3.º) é, sobretudo, faculdade do órgão judiciário, ao contrário da audiência do art. 334, deliberadamente imperativa, salvo opção em contrário dos litigantes. 961.5. Procedimento da conciliação – A tentativa de conciliação exige habilidades especiais do juiz e da juíza. O temperamento da pessoa investida na função judicante e a indiferença ao transcurso do tempo são fatores cruciais. O auxílio do conciliador e do mediador, na audiência do art. 334, é obrigatório, salvo inexistência desse auxiliar do juízo na comarca, seção ou subseção judiciária (art. 334, § 1.º). Em nenhum momento, por sinal, a presença do juiz é dispensada, salvo como dado ocasional, visando a obtenção de resultados. É preciso ouvir interessadamente o relato das partes, concedendo-lhes a palavra e mantendo-se inexpressivo perante as suas emoções e excessos verbais, funcionando o poder de polícia como último e drástico recurso (art. 78); em seguida, recapitular os motivos da divergência, identificando os núcleos do conflito; induzir nova discussão sobre os aspectos básicos, precedentemente identificados; obtida proposta sobre um dos núcleos, originária de um dos litigantes, incumbe-lhe persuadir a contraparte a aceitála, ou oferecer contraproposta; inexistindo proposta, o conciliador formulará a

sua própria, item por item, recolhendo as objeções e adaptando-as, na medida do possível, ao anteriormente dito; e, assim, sucessiva e indefinidamente. Também se mostra possível e aconselhável movimentar as pessoas na sala de audiências, retirando-se o juiz, por alguns momentos, ou retirando uma das partes, ou os advogados de ambas, e assim por diante. O principal erro é a impaciência, expressada não só por palavras impróprias, como na atitude corporal. É o que o magistrado, a todo transe, deve evitar para chegar a bons resultados. O segundo maior erro é tomar partido claro. Não sem motivos hauridos da experiência averba-se o juiz como mau conciliador, porque não é indiferente aos interesses em jogo, mercê de sua própria tábua de valores.176 Em alguns casos, a nomeada precede à pessoa: o juiz X é machista, a juíza Y feminista militante. Eis motivo ponderável para o juiz abster-se de emitir opiniões públicas sobre temas controversos. O protagonismo assumido prejudicará concretamente o desempenho de um dos deveres do ofício. Os indefiníveis atributos que tornam o juiz conciliador da melhor cepa revelam-se, ou não, na prática, e desenvolvem-se paulatinamente no curso da carreira. Em outros tempos, ressalvam-se matérias por gênero,177 avaliação hoje superada. Há magistrados que, sem pejo da neutralidade, e jamais adiantando ou fornecendo indícios do seu entendimento quanto às questões de fato e de direito – atitude que não é pré-excluída, mas reclama parcimônia –, persuadem facilmente os desavindos. E há outros juízes, a larga maioria, que cumprem a rotina de perguntar se há acordo ou se ele é concebível. Não há, porém, desdouro na baixa produtividade nessa área. A tarefa principal do juiz, e para qual recebe adestramento, é a de julgar. O serviço impede-lhe dedicação maior à tentativa de conciliação. Essa dificuldade é universal. A ela se soma o receio de comprometer o futuro julgador com a linha encampada por uma das partes, durante a tentativa de conciliação. Convém desvencilhar o juiz dessa tarefa, criando a função própria de conciliador,178 um novo e promissor auxiliar do juízo. E, paralelamente, estimular as diversas formas de mediação. Assim procedeu o NCPC, dedicando vários artigos, sem embargo da tendência frisante de utilizar parágrafos numerosos em outros assuntos de igual transcendência (v.g., o art. 85) na Seção V – Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais – do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça –, compreendendo os arts. 165 a 175. 961.6 Efeitos da conciliação – A tentativa de conciliação é dever do órgão judiciário. Existem litígios, todavia, de antemão inconciliáveis. Em princípio, nas causas em que o objeto litigioso se afigura disponível, a tentativa de conciliação é obrigatória e haverá audiência especial (art. 334) para essa finalidade. É o que deriva do caráter imperativo do verbo “designar” empregado no art. 334, caput. Mas, também ela pode ser dispensada, nas condições traçadas no 334, § 5.º. E, na audiência de instrução (art. 359), a menção protocolar à falta de êxito jamais implicará invalidade irreversível do processo. Obtido êxito na tentativa de conciliação, o art. 334, § 8.º, manda reduzir o ajuste a termo, emitindo o juiz o provimento homologatório que cabe na

espécie, conforme o respectivo conteúdo, a mais das vezes transação (art. 487, III, b). 962. Dever de indenizar O juiz desfruta de independência funcional (ou política) e jurídica. Os predicados da magistratura mostram-se essenciais ao bom desempenho da função. Dentre eles avulta a independência jurídica, conforme explicado no item próprio (retro, 923), autorizando o juiz, em princípio, a julgar questões de direito consoante o seu entendimento, exceção feita à súmula vinculante e o precedente haurido do julgamento dos casos repetitivos (art. 928), e as questões de fato, segundo a livre apreciação motivada (infra, 1.355.1.3). Todavia, independência não é sinônimo de irresponsabilidade no Estado Constitucional Democrático. O juiz responderá civil, penal e administrativamente por atos e omissões praticados no seu ofício.179 Essas responsabilidades são autônomas entre si e cumulam-se reciprocamente. Deixando de lado a responsabilidade penal e a administrativa, esta já resumida no item próprio (retro, 923), interessa delinear a responsabilidade civil prevista no art. 143. É preciso ter em mente, antes de mais nada, responder diretamente o Estado pelos atos (jurisdicionais e administrativos) do seu órgão. Essa responsabilidade do Estado-membro ou da União, conforme se trate da Justiça Comum ou da Justiça Federal, afigura-se mais ampla, abrangendo ilícitos e danos não relacionados com as infrações do próprio juiz.180 Por exemplo: a demora além razoável de certa causa, a despeito de os sucessivos magistrados praticarem os seus atos tempestivamente, préexcluindo a incidência do art. 143, II, por razões intestinas ao sistema judiciário, representa ilícito imputável ao Estado, jamais ao magistrado. É questão secundária, na afirmação da responsabilidade pessoal do juiz, em nosso sistema jurídica, o lesado poder demandá-lo diretamente, ou somente contra o Estado, fundado no art. 37, § 6.º, da CF/1988, admitindo-se a ação de regresso do réu nos casos de culpa e de dolo. A responsabilidade do Estado “longe de afastar a responsabilidade do juiz, a supõe e nela se funda”.181 Infeliz precedente do STF negou ação direta contra o magistrado,182 invocando argumentos insubsistentes, no direito anterior, mas reconheceu a admissibilidade da ação de regresso. A responsabilidade substitutiva do Estado absorveu, em outros sistemas jurídicos, a responsabilidade civil do juiz.183 O sistema brasileiro era outro, mas seguiu essa linha no art. 143, estendendo-o, ademais, aos integrantes da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e do Ministério Público. A pessoa investida na função judicante, a despeito da prática, v.g., de ato fraudulento, não responderá pessoalmente, mas regressivamente. Logo, a parte só tem pretensão perante a União ou o Estado-membro, conforme a hipótese, e à pessoa jurídica de direito público incumbe denunciar da lide, nos termos do art. 125, II, ao magistrado ou à magistrada. Porém, nada exclui, legitimamente, o efeito civil da sentença penal condenatória do magistrado, que torna certa a obrigação de reparar o dano (art. 91, I, do CP). Em tal hipótese, haverá ação direta da parte.

Esses caminhos revelam que a responsabilidade pessoal do juiz, quiçá por caminhos indiretos e tortuosos, acaba afirmando-se. Por conseguinte, nesse caso a pretensão toca ao lesado (v.g., a parte prejudicada pela omissão da providência, conforme menciona o art. 143, II), figurando o próprio juiz como réu, e que deve ser proposta no lugar do fato (art. 53, IV, a),184 que é a sede do juízo. O que direito brasileiro deveria considerar, corajosamente, reside num procedimento específico, distinguindo o ilícito civil que também constitui ilícito penal do ilícito civil, tourt court, como faz a Lei italiana n.º 117, de 1988,185 e, principalmente, prevendo uma fase preliminar de admissibilidade, à semelhança da prevista no art. 17, §§ 7.º e 8.º da Lei 8.429/1992, a fim de controlar pretensões temerárias. Essa lei não é isenta de reparos, porque, ao fim e ao cabo, tributou infidelidade aoreferendum que sinalizou no sentido da responsabilidade pessoal da pessoa investida na função judicante.186 O tema suscita resistências corporativas. A responsabilidade civil do magistrado assenta no descumprimento dos deveres do cargo. O art. 143 contempla dois casos específicos, mas nada pré-exclui que do descumprimento do dever de residência, por exemplo, resulte dano à parte. 962.1. Responsabilidade civil por dolo ou por fraude – Em primeiro lugar, o art. 143, I, alude ao dolo e à fraude praticados pelo juiz “no exercício de suas funções”. Desse modo, eventuais ilícitos ocorridos na vida privada (v.g., o acidente de trânsito), inclusive criminais (v.g., o atropelamento de uma pessoa), não atraem a responsabilidade administrativa, exceto quebrando a conduta irrepreensível exigida, também na vida privada, pelo art. 35, VIII, da LC 35/1977. A independência jurídica do juiz não pré-exclui a configuração da responsabilidade nos casos de dolo e de fraude. A rigor, a fraude – manobras enganosas tendentes a falsear a verdade, especialmente a falsificação ideológica e material – encontra-se, todavia, subentendida no dolo.187 Facilmente se concebem ilícitos imputáveis ao juiz supostamente protegido pela independência jurídica. Por exemplo, a pretexto de proferir decisão mediante a livre apreciação da prova, na realidade o juiz nutre o propósito firme de prejudicar uma das partes, por animosidade pessoal, ou predisposição contra o advogado, ou paixão ideológica, ou para obter vantagem pecuniária. O dolo também pode consistir em deixar de emitir a sentença por motivos similares.188 A conduta dolosa do juiz, nessas situações,189 constitui ilícito que, de acordo com o art. 143, I, acarretará responsabilidade civil pessoal e regressiva. Por óbvio, a perfeição do provimento, escudado na liberdade de opinião jurídica, não serve de escudo eficaz contra essa responsabilidade. O juiz corrupto não deixa recibo nos autos, nem sequer revela a peita na motivação do ato. Essa trivial constatação revela a necessidade de perquirir o conteúdo dos provimentos, em princípio proferidos sob o pálio da independência jurídica, verificando, para fins disciplinares ou civis, a intenção expressa de violar a lei, de beneficiar amigos, o erro macroscópico e a busca de interesses alheios à justiça.190 O exercício anormal da jurisdição é punível.191

A falta de observância no julgamento da súmula ou do precedente, nos termos do art. 927, não se quadra nessa hipótese. Constitui ilícito processual, erradicado pelo enérgico remédio da reclamação, e, eventualmente, administrativo. Não é, entretanto, ilícito civil. 962.2. Responsabilidade civil por impontualidade – O art. 143, II, declara que o juiz também responderá por perdas e danos se “recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte”. Em última análise, o ilícito imputável ao magistrado assenta na quebra do dever de pontualidade – os atos devem ser praticados, estritamente, nos prazos estipulados no art. 226, I a III. Ora, o excesso de serviço constitui motivo mais do que justo para retardar ou omitir ato do ofício. Ademais, o juiz se encontra adstrito à ordem cronológica do art. 12, e, decerto, não chegando a vez do processo, não se cogitará do art. 143, II. Por essa razão, a simples inércia, embora prolongada, particularmente sensível noshard cases, ainda não caracteriza o ilícito. O preenchimento do tipo reclama uma inércia particularmente qualificada, não pelo tempo maior ou menor, e, sim, no terreno da imputabilidade. Resolveu o problema, antevendo o pretexto do excesso de serviço, o art. 143, parágrafo único. É preciso que a parte interessada requeira, expressamente, a emenda do atraso perante o escrivão ou ao chefe de secretaria, a quem competirá elaborar o termo de conclusão. O escrivão não se alça além da estatura do juiz, não procedendo a crítica a esse propósito.192 Ele assume, no caso, apenas a desagradável posição de mensageiro de más notícias. O juiz dispõe de dez dias, fluindo da conclusão do requerimento, para purgar a mora, ou seja, suprir a falta. Supõe-se já vencido os prazos do art. 226, I a III. Subsistindo a omissão, findo o prazo suplementar de dez dias, enfim caracterizar-se-á o atraso como ilícito irretorquivelmente imputável ao juiz. Precisará o interessado comprovar o dano decorrente do atraso na demanda contra a União e o Estado-membro, cuja responsabilidade é objetiva. Enfatize-se a circunstância de o art. 143, II, empregar o verbo “recusar” no sentido de abster-se. O juiz que indefere a providência não pratica ilícito, inclusive no caso de responder ao requerimento do art. 143, parágrafo único, emitindo pronunciamento desfavorável ao interessado, exceto se este pronunciamento se reveste de dolo. O juiz responderá por negligência, e, não, porque exarou decisão errada ou injusta.193 963. Dever de abstenção Por definição, o Estado institui o órgão judiciário para resolver as lides de modo equidistante dos interesses concretos das partes. É característica fundamental da jurisdição (retro, 181.2). Para essa finalidade, a lei institui um regime de inibições, defendendo as partes contra os interesses, as paixões e os excessos do juiz, inculcando-lhe o dever de se abster de processar, julgar e executar causas em que haja motivo de impedimento ou de suspeição. O dever de abstenção aplica-se a qualquer magistrado, independentemente da posição hierárquica (v.g., Ministro do STF).

O problema atinente à imparcialidade do órgão judiciário receberá atenção específica mais adiante. Duas observações impõem-se desde logo. Em primeiro lugar, o homem e a mulher investidos na função judicante não têm o duty of disclosure, conforme previsto no art. 14, § 1.º, da Lei 9.307/1996. E a razão é simples: o ingresso na vida pública significa o desvelamento da intimidade (vida privada) do órgão judicial, e, assim, as partes têm acesso aos motivos que compõem o regime de inibições. Eis o motivo por que o juiz não precisa revelar o motivo de foro íntimo ao Conselho da Magistratura, a teor do art. 135, parágrafo único, medida prevista no CPC de 1939, mantida na vigência do CPC de 1973 e reiterada no art. 145, § 1.º, in fine (“… sem necessidade de declarar suas razões”). Ademais, o regime do dever de abstenção do órgão judicial aplica-se ao Ministério Público e aos auxiliares do órgão judiciário (art. 148).

Capítulo 45. IMPARCIALIDADE DO JUIZ E DOS SEUS AUXILIARES SUMÁRIO: § 197.º Imparcialidade na função judiciária – 964. Imparcialidade do juiz no processo civil – 965. Imparcialidade perante as funções processuais – 966. Causas de frustração da imparcialidade – 966.1. Distinção entre impedimento e suspeição – 966.2. Regime da suspeição e do impedimento na arbitragem – 966.3. Caráter estrito das causas de frustração da imparcialidade – 966.4. Domínios objetivos das causas de frustração da imparcialidade – 966.5. Domínios subjetivos das causas de frustração da imparcialidade – § 198.º Impedimento do órgão judiciário – 967. Motivos de impedimento – 967.1. Juiz como figurante anterior no processo – 967.2. Juiz oficiante no processo em grau inferior – 967.3. Juiz como cônjuge ou parente do titular da capacidade postulatória – 967.4. Juiz como parte no processo ou cônjuge e parente da parte – 967.5. Juiz como sócio e órgão de direção ou de administração da parte – 967.6. Juiz como herdeiro presuntivo, donatário ou empregador da parte – 967.7. Juiz como empregado da parte – 967.8. Juiz como cônjuge ou parente do sócio de escritório de advocacia – 967.9. Juiz como autor de ação contra a parte e seu advogado – § 199.º Suspeição do órgão judiciário – 969. Motivos de suspeição – 969.1. Juiz amigo ou inimigo da parte ou do advogado – 969.2. Juiz conselheiro, agradecido ou patrocinador da causa – 969.3. Parte credora ou devedora do juiz, do seu cônjuge e dos seus parentes – 969.4. Juiz interessado no julgamento da causa – 970. Suspeição em razão de motivo de foro íntimo – § 200.º Imparcialidade do Ministério Público e dos órgãos auxiliares do juízo – 971. Impedimento e suspeição do Ministério Público e dos auxiliares do juízo – 972. Imparcialidade do Ministério Público – 973. Imparcialidade dos auxiliares da justiça – § 201.º Controle da imparcialidade no processo civil – 974. Formas de controle da imparcialidade no processo civil – 975. Controle da imparcialidade do juiz – 975.1. Prazo da exceção de parcialidade – 975.2. Objeto da exceção de parcialidade – 975.3. Legitimidade na exceção de parcialidade – 975.4. Procedimento da exceção de parcialidade – 975.5. Efeitos do julgamento da exceção de parcialidade – 976. Controle da imparcialidade do Ministério Público e dos auxiliares do juízo – 976.1. Forma da arguição de parcialidade – 976.2. Momento da arguição de parcialidade – 976.3. Legitimidade para arguir a parcialidade – 976.4. Efeitos do

oferecimento da arguição de parcialidade – 976.5. Contraditório e instrução da arguição de parcialidade – 976.6. Julgamento da arguição de parcialidade – 977. Efeitos do controle da imparcialidade. § 197.º Imparcialidade na função judiciária 964. Imparcialidade do juiz no processo civil A singeleza com a qual se reveste, no campo do direito processual, a análise da perene questão da imparcialidade do juiz não representa o vulto do tema. É da essência da jurisdição o desinteresse objetivo do órgão judiciário diante do litígio das partes. A equidistância representa uma característica fundamental da intervenção de órgão estatal no conflito das partes (retro, 181.2). Por outro lado, a imparcialidade é problema filosófico, ora elevado à virtude da síntese entre o universal e o particular, ora realçado na universalidade da lei.1 Nenhuma dessas concepções revela-se imune a contestações. Considerando o exercício da jurisdição pelos órgãos pré-constituídos na lei, por sua vez ocupados por pessoas validamente investidas na respectiva função, surge a necessidade suplementar do desinteresse subjetivo ou da imparcialidade.2 O juiz carece ser de todo estranho aos interesses a ele apresentados em razão do seu ofício, desconhecendo os fatos concretos que originaram o litígio – do contrário, deve abster-se, pois é proibido de invocálos (infra, 1.353). Tampouco essas pessoas podem ligar-se pessoalmente à parte ou ao seu representante, haja vista elementar exigência de imparcialidade no processamento da causa, objetivando preservar-se incontrastável o prestígio do órgão jurisdicional em face dos desavindos e perante a opinião pública.3 Na realidade, “o regime de inibições” – recusa do juiz parcial – “foi desde o começo o regime da defesa da pessoa humana do litigante contra as paixões, os interesses ou os excessos do juiz”.4 É um direito fundamental processual.5 Não basta, para essa finalidade, o juiz ter consciência e convicção da sua equidistância dos litigantes. É preciso que o grupo social, desarmadamente, confie no vigor, na presença e na atualidade dessa garantia. Só a confiança pública conserva crível a neutralidade da intervenção do Estado no conflito de interesses. Por essa razão, insere-se entre os deveres do juiz o de abster-se de julgar, toda vez que a sua indiferença exterior, aos olhos do público, apresente-se comprometida. O regime das inibições protege a aura de austeridade, de respeitabilidade, de incorruptibilidade, de retidão, e de imparcialidade do órgão judicante.6 A violação do dever de abstenção atribui à parte o direito de perseguir a imparcialidade, recusando o juiz ante a quebra da fidúcia. A lei processual, recolhendo dados coligidos na experiência comum, estipula os casos que o juiz dificilmente se manteria imune à tentação de favorecer uma das partes.7 À diferença do que ocorre na arbitragem, a teor do art. 14, § 1.º, da Lei 9.307/1996, entretanto, a pessoa investida na função judicante não tem o duty of disclosure, ou seja, o dever de revelar possíveis motivos de inibição para as partes.8 Em princípio, o ingresso na vida pública assegura às partes razoável

conhecimento da vida privada e social do homem e da mulher ocupantes do órgão judicial, ensejando-lhe a recusa. A imparcialidade do juiz encerra problema de transcendência, envolvendo os limites dos seus poderes na aplicação do ordenamento jurídico e concretização dos direitos fundamentais. Em primeiro lugar, destaca-se a função reservada, no Estado moderno, ao juiz – aplicar as normas. Em tais misteres, ao juiz o Estado outorga o poder espantoso de vincular os cidadãos e os demais órgãos do Estado ao seu pronunciamento, mediante prévia provocação da parte. Essa iniciativa, precisamente o exercício do direito à tutela jurídica (ação), exibe caráter abstrato, relativamente ao direito alegado, e incondicionado, porque qualquer interessado, sejam quais forem seus desígnios, pode exercê-la. Eventuais sanções contra o dolo da parte se aplicam no processo, e, portanto, não inibem a provocação do órgão judiciário; antes, supõe a iniciativa da parte. Ora, tocando ao órgão judiciário, no julgamento da lide e na realização prática dos respectivos atos decisórios, a aplicação das normas integrantes do ordenamento jurídico (art. 8.º), em princípio o direito Estado que lhe investiu na função, vedado o emprego da equidade (art. 140, parágrafo único), salvo disposição em contrário, a imparcialidade ingressa no delicadíssimo terreno da legitimidade da lei. As fontes do direito assumem condição subsidiária, perante a supremacia da Constituição. Nesse sentido, inserido o órgão judicial no poder político do Estado, logo se percebe que a jurisdição é política e parcial, garantindo-se a imparcialidade possível por duas vias: independência e desinteresse (terzietà).9 Esses predicados integram o “giusto processo” no direito italiano.10 É consentânea à noção de imparcialidade, pois, a independência jurídica do órgão judiciário (retro, 923), e, por força da direção do processo, valorando o que o Estado considera, em certo momento histórico, o direito vigente. Correlatamente, desafia ao juiz a expectativa das partes em relação à previsibilidade dos seus pronunciamentos. Todos os esperam estritamente em conformidade à ordem jurídica. Enfatizar que a primeira e a mais importante qualidade de um juiz é a imparcialidade parece elementar: o requisito afeta a pessoa natural investida na função jurisdicional. A imparcialidade é, sobretudo, um elemento psíquico, íntimo de cada homem e mulher. O art. 95, I a III, CF/1988 instituiu prerrogativas especiais, e vedações inequívocas (art., 95, parágrafo único, da CF/1988), com o intuito de influenciar o ânimo do juiz. Porém, as relações que afetam ou rompem, aparentemente, a imparcialidade, abarcam vastíssima ciranda de razões. A lei processual não as pode prever integralmente, em abstrato, apesar da sua elevada significação – o requisito integra o devido processo legal (art. 5.º, LV, da CF/1988).11 Da pessoa investida na função judicante as partes esperam uma série de atributos. A primeira e mais relevante qualidade do juiz é a imparcialidade. Lastimar-se-á, sem dúvida, a falta de operosidade, de preparo cultural, de urbanidade, de correção familiar e nos negócios particulares, do espírito elevado e de outros predicados do cidadão ou da cidadã investida na função judicante. O engajamento ideológico também interfere, mas dificilmente

comporta controle, a priori, porque indissociável da bagagem humana. Entretanto, a ausência de imparcialidade, porque elimina a tranquilidade e a confiança no julgamento justo, mostra-se intolerável.12 Ao mesmo tempo, os requisitos formais da impugnação da pessoa protegem a honra do magistrado.13 É o processo em si, estruturado pelos direitos fundamentais, e por eles também dotados de eficácia particular, em que avulta a publicidade (retro, 168), que oferece paliativo ao juiz e à juíza indevidamente recusados. 965. Imparcialidade perante as funções processuais As funções instrumentais do processo para cumprir as finalidades intrínsecas à atividade jurisdicional do Estado expõem dois aspectos do instituto: (a) em primeiro lugar, provocam diferenças exteriores na equidistância do órgão judiciário; (b) ademais, geram dúvida quanto à possibilidade de o mesmo juízo presidir duas ou mais funções no mesmo processo. Na função de conhecimento, o órgão judiciário encarrega-se de formular a regra jurídica concreta do litígio, e, para tal arte, o tratamento das partes baseia-se no princípio da igualdade formal (art. 139, I). A imparcialidade do órgão judiciário não ficará abalada, todavia, em virtude da aplicação dos meios técnicos para promover a igualdade substancial, ou paridade de armas entre os litigantes, agrupados na direção material do processo, mediante a investigação oficial dos fatos controversos, ou da emissão de juízos de verossimilhança – base da tutela de urgência, usualmente confundida com autêntico prejulgamento. A direção material do processo pelo órgão judiciário, prospectando as provas hábeis à elucidação do litígio, representa ponto da maior sensibilidade. Às partes competem, privativamente, a alegação dos fatos e a configuração da pretensão processual, na ação e na reconvenção. Todavia, o princípio dispositivo perdeu o alcance originário, assegurando-se ao órgão judiciário poderes de produzir a prova tendente a esclarecer as alegações de fato controversas. Em princípio, a atividade probatória fica a cargo das partes por razões pragmáticas. Elas conhecem as circunstâncias do litígio e os meios disponíveis para trazê-las ao conhecimento do terceiro imparcial. Conhecendo, previamente, as regras de distribuição do ônus da prova (art. 373), ultima ratio na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, III), preparam-se para trazer aos autos prova apta a influenciar o convencimento do juiz e, aproveitando as brechas abertas pelo adversário, almejam conduzir o processo a um desfecho favorável. Ora, a lei processual brasileira, à semelhança das congêneres, habilita o órgão judiciário a tomar medidas conducentes ao esclarecimento dos fatos e à formação do próprio convencimento. O juiz requisitará documentos em repartições públicas e outras informações das pessoas naturais e jurídicas de direito privado (infra, 1.846); determinará a realização de perícia; inspecionará pessoas e coisas; e, na coleta da prova oral, lícito tornar a iniciativa de perguntar às testemunhas (art. 459, § 1.º) e às partes o que lhe ocorrer de relevante no espírito, sem restringir-se à linha de interrogatório almejada ou seguida pelos advogados.

Não há dúvida que, por excesso de serviço e outros fatores, os juízes mostram-se escassamente propensos a exercer a plenitude desses poderes na prática. O fenômeno ocorre em vários Países.14 Porém, empolgando os poderes conferidos na lei, e sem embargo de o juiz ignorar o beneficiado por sua investigação, incute no espírito da parte o temor de a oportuna intervenção judicial, suplantando a inércia, a incúria ou a falta de objetividade do adversário, reverter o quadro probatório, fazendo-lhe escapar a vitória antes desenhada com nitidez. Realmente, o resultado da produção oficial da prova, no todo ou em parte, beneficiará um dos litigantes, prejudicando o adversário. Esse é um dado real, mas irrelevante. O juiz não sabe de antemão a quem favorecerá a prova que determina ex officio. A imparcialidade do órgão judiciário de modo algum ficará comprometida com o exercício de quaisquer poderes legalmente instituídos à direção do processo. Não há, no particular, ofensa ao princípio formal da igualdade das partes (art. 139, I). A censura que porventura se faça ao magistrado, porque obrou no terreno probatório, desvelando a verdade em favor de uma das partes, é a mesma que a ele se poderia fazer acaso permanecesse indiferente.15 A inércia do juiz, nesse caso, favoreceria o adversário – a parte sem razão, como a prova demonstrou. Não há, pois, quebra da imparcialidade, ou melhor, da impartialidade (Umparteilichkeit).16 É curioso assinalar que, nos Países filiados ao sistema da Common Law, a atitude desejada do juiz é de olímpica indiferença e de obsequioso respeito à soberana atividade das partes. Chega-se ao extremo de almejar que o juiz presida o trial sem prévia ciência dos fatos que originaram o litígio, para não comprometer-lhe o espírito quanto ao controle da legalidade – este, sim, confiado ao órgão judiciário – da prova. Em ambos os casos, a justificativa reside no resguardo da imparcialidade.17 Ocioso notar que, bem ao contrário, do juiz brasileiro se aguarda o estudo prévio dos autos. Do contrário, impossível fixar os pontos controvertidos da contenda, como lhe exige o art. 357, II. Na função de conhecimento, como em qualquer outro processo, a imparcialidade não equivale à neutralidade. A pessoa não permanece indiferente ao litígio e ao seu desfecho. Ao magistrado cônscio dos seus deveres interessa dar razão a quem tem, e, não, à parte que se aproveita do desleixo ou da fragilidade econômica e técnica do adversário. O papel reservado ao órgão judiciário na função executiva atende às peculiaridades da execução e discrepa, na própria formulação dos princípios, do modelo anterior. Em tais domínios, já não se cuidará de descobrir qual dos litigantes tem razão, mas, sim, de efetivar, no mundo real, a regra jurídica concreta precedentemente expressa. Desaparece até a igualdade formal das partes (art. 139, I), pois o executado sujeitar-se-á, tout court, aos atos executivos, de seu turno proveitosos apenas ao exequente. Essa circunstância preside a notória desnecessidade da participação do executado na execução sub-rogatória. A jurisdição alcançará seus fins, graças aos meios executórios, independentemente da colaboração do executado e até contra sua resistência e omissões.

Essa mudança no ambiente do processo induz alterações extrínsecas no comportamento do juiz. Não há dúvida sobre o interesse digno da tutela do Estado. O exequente tem razão. A imparcialidade reclamada do órgão judiciário adquire novos matizes. O juiz vincula-se ao cumprimento da promessa da lei, a sua independência e neutralidade ocorrem perante interesses que não sejam os da lei.18 Neste sentido, não há a indesejável incompatibilidade de funções processuais desempenhadas pelo mesmo juiz, do que se poderia cogitar em tese. Ao contrário, a regra de competência expressa nos incisos I e II do art. 516, relativamente à execução dos pronunciamentos civis, pressupõe essa compatibilidade. A lei considera desejável que o juízo no qual o título se formou, ou acabaria se formando não existisse a impugnação do vencido, realize a execução ou cumprimento, empenhando-se na satisfação do julgado. Fica subentendida a ocupação do órgão pela pessoa que julgou a causa ou deferiu tutela provisória. Tampouco existirá incompatibilidade real ou virtual de funções na hipótese de idêntico juiz emitir a providência cautelar ou antecipatória e julgar a demanda principal.19 O fato é objeto de preocupações, variando, todavia, a extensão do óbice.20 O fato de o juiz, emitindo juízo de verossimilhança, deferir tutela provisória de urgência antecipada – releve-se o uso da terminologia pesada do NCPC –, não constitui prejulgamento. A independência jurídica do juiz lhe autoriza a julgar a causa em qualquer sentido. Entendimento diverso implicaria a reestruturação dos órgãos judiciais de primeiro grau e outros inconvenientes indesejáveis.21 Por óbvio, o ideal é o juiz evitar afirmações categóricas, guardando prudente discrição e reservando-se juízo definitivo mais adiante.22 A imprudência da palavra mal posta, todavia, não o torna necessariamente insuspeito ou constitui razão bastante para dilatar os casos legais. A imparcialidade do órgão judiciário, nessa desejável dimensão das funções processuais, revela a penetração do pressuposto (ou impedimento) processual do juiz no âmago ideologia do ordenamento. E isso obriga a avaliar com exatidão os fins de cada processo em particular. A lei processual disciplina, explicitamente, as causas objetivas de frustração da garantia de imparcialidade e, correlatamente, institui os meios para controlar a observância da capacidade de exercício do juiz. 966. Causas de frustração da imparcialidade O art. 144 do NCPC estipula os casos de impedimento do juiz. E o art. 145 ocupa-se da suspeição. Da capacidade objetiva do órgão judiciário, expressa nas regras de competência (retro, 379), distingue-se a capacidade subjetiva – a inexistência de algum dos motivos que, provocando suspeitas de falta de isenção, levam à recusa ou permitem a abstenção do juiz.23 966.1. Distinção entre impedimento e suspeição – Em relação ao primeiro estatuto unitário, o CPC de 1973 tratara, em separado, o impedimento e a suspeição, frisando diferença que, na vigência do CPC de 1939, era estimada “inteiramente destituída de interesse pragmático”.24 Seguiu idêntico sistema do NCPC. Com efeito, a suspeição não é o mesmo que o impedimento. A pessoa

sob suspeição provoca dúvida quanto ao seu bom procedimento. A pessoa impedida “está fora de dúvida, pela enorme probabilidade de ter influência maléfica para a sua função”.25 Tal pessoa, simplesmente, não pode exercer a jurisdição abstratamente atribuída em determinada causa. Segundo outra opinião, os vícios concernentes à imparcialidade do juiz dividem-se em três categorias: (a) o vínculo com qualquer das partes gera a suspeição; (b) a relação dos interesses do magistrado com o objeto do processo implicaria impedimento; (c) razões de conveniência, não incluídas nas categorias anteriores, origina a incompatibilidade.26 Exemplo dessa última classe despontaria no art. 147 do CPC.27 Inexiste expressividade maior nesta terceira figura, nem o exemplo, ao fim e ao cabo, é autônomo, pois se cuida de caso evidente de impedimento. A diferença repercute nos efeitos distintos nessas duas classes de causas de frustração da imparcialidade. O impedimento importa proibição absoluta de o juiz dirigir o processo. A inobservância ao veto, e sua ulterior comprovação, ensejam ação rescisória contra a sentença de mérito já transitada em julgado (art. 966, II). Embora subsista o dever de o juiz se abster na causa, perante causa de suspeição, o vício resta superado, não o declinando o magistrado e a parte não o recusando oportunamente.28 Não é diverso o regime, nessa matéria, do direito italiano.29 Todavia, a inércia da parte não inibe o juiz de se declarar suspeito, inclusive por motivos íntimos (art. 145, § 1.º). Na realidade, o juiz tem o dever de abster-se e, não o fazendo, fica exposto à recusa da parte.30 O artigo 146 institui incidente autônomo, vez que inexistiria outra possibilidade, fundado tanto do impedimento (art. 144), quanto da suspeição (art. 145). Não há mal em visualizar exceção de impedimento ou de suspeição, porque se trata de defesa processual dilatória (retro, 312.1.2). Ao oficiar no processo juiz impedido, haverá nulidade absoluta, que se transformará, após o trânsito em julgado do provimento de mérito (art. 487), em causa de rescisão (art. 966, II) ou de anulação (art. 966, § 3.º), nos casos do art. 487, III. Por conseguinte, a exceção mostrar-se-ia, a rigor, indispensável apenas nos casos de suspeição. Por força do regime do vício, a alegação do impedimento não se subordina ao prazo de quinze dias (art. 146, caput), nem sequer sujeita-se à preclusão, podendo a parte alegá-la no primeiro e no segundo grau, a qualquer momento, por intermédio de simples petição.31 966.2. Regime da suspeição e do impedimento na arbitragem – O regime da alegação fato subsumido aos artigos 144 e 145 não integra a essência do instituto. Ele comporta variantes. O art. 14, caput, da Lei 9.307/1996 declara impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que, relativamente às partes ou ao litígio, enquadrarem-se numa das situações previstas na lei processual, atualmente constantes dos artigos 144 e 145 do NCPC. Os árbitros têm o dever de revelar, antes da aceitação do encargo, fatos que gerem dúvida quanto à respectiva imparcialidade. Esse dever de revelação implica a impossibilidade de árbitro ser recusado por motivo anterior à investidura na função, salvo se a parte desconhecer tal fato ou na ausência de designação direta pela parte, gravada com o ônus de alegar o motivo na primeira oportunidade (art. 20 da Lei 9.307/1996).

Caracterizando-se um dos fatos dos artigos 144 e 145, caberá a ação de nulidade, segundo o art. 32, II, da Lei 9.307/1996. Assim, suspeição e impedimento recebem tratamento uniforme, ensejando a nulidade absoluta da sentença arbitral. 966.3. Caráter estrito das causas de frustração da imparcialidade – A casuística do impedimento e da suspeição encontra-se limitada às hipóteses legais. Não comportam ampliação por analogia. Em mais de uma situação, essa peculiaridade provocará antinomias. O caráter estrito se baseia, em primeiro lugar, em razões internas à estrutura judiciária. Não é fácil aos(às) colegas do(a) magistrado(a) recusado(a), e do que se abstenha de julgar determinado processo, por motivo irrelevante, assumir a carga de trabalho alheia, mercê da qualidade de substituto legal, sem base objetiva e travas expressas. Também o direito fundamental processual da pré-constituição do órgão judiciário, abrangendo tanto o órgão, quanto a pessoa do juiz (retro, 149) – sem a última dimensão, operaria no vazio, pois os órgãos são pré-constituídos por lei no Estado Constitucional Democrático –, indica a necessidade de rol exaustivo. Ora, a adoção de um sistema flexível de recusa, ou aberto, permitiria à parte escolher, senão o órgão, ao menos o juiz mais simpático à causa.32 Por fim, o horizonte ilimitado de causas de recusa tornaria o juiz vulnerável às maquinações da parte por razões menores.33 Nesta linha de raciocínio, a despeito das críticas,34 o STJ reconheceu a admissibilidade do pai do juiz de primeiro grau julgar o recurso interposto contra a sentença do filho.35 Simplesmente a lei não inabilita o juiz de hierarquia superior a revisar o juízo do parente que ocupa cargo inferior. Não é, porém, orientação firme e segura no direito pátrio. Limitações estritas não se harmonizam com a cultura brasileira. O art. 145, IV, servia de válvula de escape, permitindo o reconhecimento da parcialidade em algumas hipóteses pouco acomodadas à tipologia legal.36 O princípio do juiz natural, de resto, não se opõe à abertura relativa do sistema. É que, simultaneamente, as partes têm direito ao juiz imparcial, justificando-se, pois, a reação contrária ao juiz parcial.37 Trata-se, pois, de ponderar direitos fundamentais processuais nas hipóteses concretas. O caráter exaustivo expressar-se-á melhor na objetividade, com poucas exceções, na tipologia dos artigos 144 e 145. A prova da circunstância prevista na lei para recusar o juiz, de regra, não se afigura difícil. Elementos subjetivos e íntimos avultam nas hipóteses de amizade e inimizade (art. 145, I) e de interesse na solução da causa em favor de qualquer das partes (art. 145, IV). Fora daí, porém, preponderam os fatos objetivos, e, neste sentido, pode-se afirmar estrito o sistema brasileiro. Por sinal, a divisão das causas em subjetivas e objetivas merece o rótulo de racional.38 966.4. Domínios objetivos das causas de frustração da imparcialidade – Os artigos 144 e 145 operam em qualquer processo, seja qual for a sua função processual (cognição, execução ou cautelar),39 e natureza (contenciosa ou voluntária), e em quaisquer graus de jurisdição, incluindo recursos e causas de competência originária dos tribunais superiores (STF e STJ).

966.5. Domínios subjetivos das causas de frustração da imparcialidade – Em relação aos magistrados, intuitivamente as regras dos artigos 144 e 145 aplicam-se a quaisquer juízes de primeiro grau e, na área civil, dos tribunais inferiores (TJ e TRF) e dos tribunais superiores (STJ e STF). O art. 147 contempla a nada incomum hipótese de atuarem no mesmo tribunal dois ou mais juízes relacionados por parentesco. O RISTF, entendido na Corte como lei em sentido formal, remete a configuração das hipóteses de impedimento e de suspeição “nos casos previstos em lei” (art. 277 do RISTF). A diferença mais flagrante, tratando-se de tribunais, reside nas regras procedimentais erigidas ao controle desse pressuposto processual subjetivo. Os respectivos regimentos internos regulam o procedimento da exceção oposta a desembargador ou a ministro com fundamento nos artigos 144, 145 e 147. O modelo geral não pode, nem deve discrepar das linhas traçadas no art. 146.40 É importante realçar, por outro lado, o dever de abstenção do juiz (art. 277, caput, do RISTF). Em tal hipótese, explicitando o motivo legal, o magistrado remeterá os autos ao substituto legal, constante da tabela própria (art. 146, § 5.º: “(…) remeterá os autos ao seu substituto legal (…)”), ou, nos tribunais, à nova distribuição. A violação do dever sujeita o magistrado à recusa da parte e a sanções disciplinares, justamente porque se trata de dever, e, não, de ônus.41 As causas de frustração da imparcialidade também se aplicam ao Ministério Público e aos auxiliares do juízo, a teor do art. 148, objeto de item específico (infra, 971). Invertendo o ângulo de análise, as causas de impedimento e de suspeição comprometem o juiz e a juíza perante as partes – a parte principal, a parte auxiliar e a parte coadjuvante – figurantes do processo. No caso de substituição processual, o juiz e a juíza devem se apresentar imunes às hipóteses legais tanto perante o substituto, que ocupa um dos polos da relação processual parte principal, como perante o substituído. § 198.º Impedimento do órgão judiciário 967. Motivos de impedimento O art. 144 arrola as hipóteses em que é defeso ao juiz oficiar no processo, haja vista seus liames com a causa. Em princípio, o catálogo é taxativo. O impedimento constitui categórica proibição de o juiz oficiar nas causas perante as circunstâncias enumeradas no catálogo legal.42 É o que decorre do art. 144,caput: “(…) sendo-lhe vedado exercer suas funções (…)”. Funda-se em fatos objetivos facilmente comprovados, à exceção da extensão do inciso IV à união estável, raramente dotada de prova pré-constituída, e, ademais, inexistindo convivência sob o mesmo teto, de incerta caracterização em algumas situações.

Em particular, as causas de impedimento prescindem do sentimento real do juiz em relação aos participantes do processo. Por exemplo, o juiz ignora a qualidade de parente do advogado participante da causa, ou não nutre sentimento algum, de afeto ou de ódio, a seu respeito. Tampouco vinga a existência de efetivo interesse econômico ou moral no desfecho causa. Bastam as aparências, o suposto mal-estar de uma das partes, os efeitos produzidos na opinião pública, para afastar o magistrado com base na disposição legal. 967.1. Juiz como figurante anterior no processo – As pessoas que ingressam na magistratura, justamente em razão dos requisitos exigidos a essa investidura (retro, 929), exigindo para o ingresso na carreira três anos de atividade jurídica, no mínimo, a teor do art. 93, I, da CF/1988, em geral participaram ativamente da cena judiciária antes da investidura. Em tal condição, o juiz pode ter figurado no processo, precedentemente, como mandatário da parte, como perito, como agente do Ministério Público, ou prestado testemunho, ficando impedido, posteriormente, de oficiar neste processo (art. 144, I). Não se cuida de hipótese acadêmica,43 mas de evento concebível. O impedimento do advogado e do agente do Ministério Público justifica-se no fato de haverem propugnado, nessa condição, o êxito de uma das partes. Não exibem a isenção necessária, após essas manifestações, para processar, julgar e executar a causa. Por exemplo, o procurador que ingressa no tribunal, na forma do art. 94 da CF/1988, fica impedido de assumir a posição de relator em processo de cujo julgamento anterior participou como integrante do Ministério Público, embora, na primeira oportunidade, não haja se manifestado oralmente de modo expresso.44 Em princípio, o estagiário que recebeu mandato da parte inclui-se na disposição legal – a regra menciona, ao fim e ao cabo, o mandatário, e, não, ao advogado. Mas, o STJ recusou o impedimento, implicitamente porque, em causa tributária, controvertiam-se questões de direito.45 O perito e a testemunha interferem na produção da prova. Por definição, desempenham essas funções pessoas desinteressadas: os motivos de impedimento e de suspeição aplicam-se aos auxiliares do juízo (art. 148, II) e as testemunhas prestam o compromisso de dizer a verdade, existindo rol de inibições (art. 447), embora, por exceção, prestem testemunho independentemente desse compromisso (art. 447, § 5.º). Essas pessoas podem jurisdicionar a causa, todavia, pois julgariam a causa com base em seu conhecimento particular.46 O caráter estrito das hipóteses de impedimento cobra algum preço neste quesito. Ficaram de fora os principais auxiliares do órgão judiciário, o escrivão e o oficial de justiça. Nada obstante esses serventuários, situação equiparável às do contador, do distribuidor e de outros auxiliares, não influenciarem no resultado do processo, o ressentimento da parte, caso passem a atuar como juiz na causa, surgirá imediatamente, concebendo-se situações constrangedoras. Por exemplo, o antigo escrivão, que certificara a intimação pessoal da parte para dar andamento ao feito, não pode julgar com terceiro imparcial a alegação, embora inverídica, de que tal intimação não existiu ou é inválida.47 E o escrivão, atualmente, tem competência para os atos ordinatórios (art. 203, § 4.º). Por óbvio, o conciliador e o mediador, a despeito

da confidencialidade imperiosa da sua atividade (art. 166, caput), não detém a isenção necessário ao desempenho da função judicante na mesma causa, em virtude do seu conhecimento pessoal. É preciso optar, nesses casos, entre o rigor dos princípios e a realidade, ou seja, as aspirações máximas da atividade judiciária, tornando obrigatório o reconhecimento do impedimento do antigo auxiliar, transmudado em juiz. 967.2. Juiz oficiante no processo em grau inferior – O art. 144, II, torna impedido o juiz superior (desembargador ou ministro) que conheceu do processo em grau inferior (juiz ou desembargador), e nela proferiu decisão, para julgar recursos ou causas da competência originária relacionadas com a causa anterior (v.g., a ação rescisória). Flagrantemente, o óbice se verifica na linha vertical, e, não, horizontal (v.g., o juiz substituto, que proferiu decisão interlocutória, pode sentenciar o feito, tornando titular da vara). O art. 144, II, padece de dois defeitos flagrantes. Não é muito próprio o emprego do verbo conhecer. Na hipótese mais comum, a da promoção do magistrado de carreira, o verbo não se afigura expressivo, pois o juiz oficiou no processo. E até no caso de investidura do integrante do TJ ou do TRF no STJ enseja dúvida, aplicando-se o impedimento ao desembargador que não conheceu do recurso vertido na mesma causa. Do ponto de vista do recorrente, por sinal, juízo de inadmissibilidade quanto à pretensão recursal constitui hipótese de maior gravidade que o desprovimento. O emprego da palavra “decisão”, embora adequado na linha vertical mais elevada, abrangendo os atos do relator, suscita dúvida quanto aos atos de primeiro grau. Eles são chamados de pronunciamentos no art. 203, caput, e subdivididos em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. No entanto, há certa tendência no NCPC de empregar o verbo decidir e seus cognatos como sinônimo de sentença (v.g., no art. 357, IV, no qual o juiz delimitará as questões relevantes à “decisão do mérito”). Ora, só as sentenças (artigos 485 e 487) e as decisões interlocutórias, porque recorríveis, quebram a imparcialidade no futuro reexame. Em tais hipóteses, presume a lei que faltaria isenção ao magistrado para rever o próprio ato. A produção da prova, presidindo a audiência, o cumprimento da precatória e a emissão de despachos (art. 203, § 3.º), embora atividade relevante, não tornam o juiz promovido a desembargador impedido de reexaminar os atos decisórios que não proferiu. Não há impedimento no caso de o desembargador, então juiz, ter ordenado a citação do réu.48 E, com efeito, apesar desse ato retratar o juízo positivo de admissibilidade da petição inicial, não é recorrível. O agravo cabe das decisões, e, não, das omissões do órgão judiciário. Por outro lado, a noção de hierarquia – de baixo para cima – se afigura indispensável. O ministro do STJ que, como desembargador, admitiu o recurso especial, não pode julgá-lo. Faltaria isenção, por exemplo, para reapreciar a admissibilidade. O exemplo demonstra que o impedimento não se aplica somente nas instâncias ordinárias. A ausência do óbice hierárquico explica, no mesmo grau de jurisdição ou plano horizontal, algumas situações triviais. Não se encontram impedidos os integrantes do órgão fracionário do tribunal, nem sequer o relator, que julgaram o recurso vertido na causa, objeto de rescisória, não ficam impedidos

de julgar este remédio.49Reza a Súmula do STF, n. 252: “Na ação rescisória, não estão impedidos juízes que participaram do julgamento rescindendo”. Essa orientação suscita dúvida no caso do art. 966, I – ato decisório dado por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz –, impõe-se reconhecer a impossibilidade de atuação do julgador a quem se imputa a falta. Por igual, os participantes do julgamento da apelação não ficam inibidos de julgar os embargos declaratórios, e assim por diante. No primeiro grau, o juiz que julgou a ação penal pode julgar a ação civil, baseada em idênticos fatos, ou presidir a execução civil da sentença condenatória. 967.3. Juiz como cônjuge ou parente do titular da capacidade postulatória – Os laços que unem, formalmente, o juiz ao titular da capacidade postulatória – advogado, agente do Ministério Público ou membro da Defensoria Pública – que atua na causa, estabelecem o impedimento do art. 144, III, do NCPC. Impedido o juiz se, na causa, atua seu cônjuge, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou em linha colateral, até o terceiro grau, inclusive. A redação do art. 144, III, provoca sérias dúvidas em algumas situações. Em primeiro lugar, avulta o problema do parentesco por afinidade, na linha colateral, até o terceiro grau. Parentes consanguíneos, em linha reta, são (a) pais, incluindo padrasto e madrasta e filhos (primeiro grau); (b) avós e netos (segundo grau); (c) bisavós e bisnetos (terceiro grau); na linha colateral, são (a) irmãos (segundo grau); (b) tios e sobrinhos, bem como os respectivos cônjuges (terceiro grau). Parentes por afinidade, em linha reta, são (a) sogros, enteados, genros e noras (primeiro grau); (b) avós e netos do cônjuge ou do companheiro (segundo grau); e (c) bisavós e bisnetos do cônjuge ou do companheiro (terceiro grau); e, em linha colateral, são os cunhados, ou seja, os irmãos do cônjuge e do companheiro (segundo grau). O art. 1.595, § 1.º, do CC, declara o seguinte: “O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro”. Para chegar ao terceiro grau (tios e sobrinhos do cônjuge ou companheiro) é preciso interpretar ampliativamente a regra civil, o que parece fora de cogitação. É questão em aberto, salvo engano, pois a regra de impedimento do juiz há de merecer a mais estrita das interpretação. Ademais, há os casos de parentesco civil, resultante da adoção. À luz do art. 40 da Lei 8.069/1990, o impedimento estende-se aos descendentes do adotado, porque também passaram a ser do adotante, e aos respectivos cônjuges, que assumiram a qualidade de parentes por afinidade do adotante.50 Ademais, o divórcio dissolve o vínculo, não, porém, a afinidade em linha reta (art. 1.595, § 2.º, do CC). Nada obstante, subsiste o impedimento, pois faltará isenção ao magistrado na causa em que o antigo marido, ou a antiga mulher, postulam em juízo. E, em caso de morte, não se pode supor que a afeição entre os cunhados desaparecerá após o falecimento, o que representaria “dar base apenas formal a essa estima, o que não se compadece com a realidade”.51 Finalmente, há o caso de o(a) juiz (juíza) manter união estável com o(a) advogado(a) da parte. Embora já se mostrasse irrecusável no direito anterior

que o(a) companheiro(a) equiparava-se ao cônjuge,52 independentemente de constituir, ou não, motivo de suspeição,53 essa hipótese introduzida no art. 144, III, enseja dois esclarecimentos. Não importa, na verdade, se tal relação é heterossexual ou homossexual. À finalidade da regra interessa, sobretudo, a afeição intensa e estável, que rompe a imparcialidade, e, não, o fato de a relação se constitua por pessoas de mesmo sexo biológico.54 Em algumas situações, a caracterização da união estável pode se tornar duvidosa, quer pelo tempo exíguo, quer pela intermitência do convívio. E inexiste, a mais das vezes, prova pré-constituída da relação. Na dúvida, haverá suspeição. Ligações afetivas de outra natureza, sem estabilidade e notoriedade, como o namoro, e principalmente o fato de o(a) advogado(a) da parte ser amante da(o) magistrada(o), por vezes relacionamento furtivo (um dos figurantes é casado), não geram impedimento, mas suspeição.55 Os laços cogitados na regra devem preexistir à atuação do juiz (art. 144, § 1.º). Não se afigura lícito, portanto, a parte constituir advogado unido ao juiz para impedi-lo no processo. O impedimento é do advogado. Por exemplo, o casamento do filho do juiz com a advogada da causa implica o impedimento desta e, não, do magistrado. Vale a máxima: “quem já estava no processo, fica; quem não estava, não pode nele ingressar”.56 O art. 144, § 2.º, veda a criação de fato superveniente para gerar o impedimento, calhando os exemplos há pouco ministrados. Porém, a proibição há de ser compreendida em termos. Nada impede o magistrado apaixonar-se e casar com a advogada da parte, ou vice-versa, caso em que, malgrado o veto, e não sendo o caso de preexistência do motivo legal (art. 144, § 1.º), o mais razoável é entender impedida a pessoa investida na função judicante. O impedimento independe da efetiva participação do cônjuge ou do parente na causa. E, como se infere do art. 144, § 3.º, opera no caso de o cônjuge ou do parente integrar escritório do advogado que recebeu, individualmente ou não, o mandato da parte. É comum cônjuges dos juízos atuarem em escritório de advocacia, embora não atuem nos processos a cargo do marido ou da esposa. O perigo erradicado no art. 144, § 3.º, é do tráfico de influência. Por exemplo, o escritório X, sediado no Rio de Janeiro, tem em seu quadro a advogada Y, cujo nome consta no papel timbrado do escritório, mas é esposa do Ministro Z do tribunal superior. Embora seja compreensível o constrangimento da parte contrária, a suspeita indiscriminada do art. 144, § 3.º, cobra elevadíssimo preço pela relação conjugal ou de parentesco, estendida além da conta. A regra timbra pela escassa razoabilidade, apesar dos seus propósitos moralistas, representando fonte de possíveis desinteligências familiares ou de exclusão do mercado de trabalho. As causas de impedimento contempladas na regra atuam objetivamente. Não importa o fato de o juiz desconhecer o parentesco. O impedimento incide

ainda neste caso.57 Em famílias numerosas, ou segregadas geograficamente, revela-se comum a falta de conhecimento recíproco dos parentes. 967.4. Juiz como parte no processo ou cônjuge e parente da parte – Figurando o juiz como parte no processo, originária ou supervenientemente (v.g., por sucessão mortis causa no direito litigioso),58 o art. 144, IV, declara-o impedido de oficiar no processo. Ninguém pode ser juiz em causa própria. Eis a singela diretriz da regra: no man is a fit arbitrator in his own cause.59 É indiferente a legitimidade do juiz na causa. O art. 144, IV, alude à parte, à pessoa que figura no processo, e, não, à parte legítima, ou seja, provida de capacidade para conduzir o processo. O juiz chamado ao processo, ou denunciado, torna-se parte, e, portanto, perde a capacidade de exercício da jurisdição, relativamente ao processo em que uma das partes promoveu essas modalidades de intervenção de terceiros, admissíveis ou não. A impossibilidade de o juiz exercer suas funções judicantes e, simultaneamente, figurar como parte no processo, constitui óbice dos mais elementares. Desaparece a condição de terceiro imparcial. Esse atributo é essencial à atividade jurisdicional (retro, 181.2). O juiz vira interessado, no mínimo do ponto de vista econômico, no resultado da causa. Tão básico parece o motivo de impedimento que, em geral, considera-se o art. 144, IV, simples expressão positiva da condição inerente ao órgão judiciário.60 Por exemplo, o juiz não pode julgar a causa em que é parte o condomínio no qual reside, pois, a teor do art. 1.324 do CC, o condomínio ou seu administrador atua em substituição de todos os condôminos (“representante comum”, diz a regra), inclusive do próprio julgador (parte em sentido material).61 O art. 144, IV, segunda parte, impede o juiz de atuar no processo em que figura como parte, legítima ou não, seu cônjuge, parente por consanguinidade ou afinidade, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau. As considerações anteriores se aplicam, nesta hipótese, por identidade de motivos. A presença no processo do ex-cônjuge ou do(a) companheiro(a) impede o juiz. O impedimento se estende até o terceiro grau (sobrinho, tio; enteado e avó do cônjuge), não parando no segundo grau (irmão, cunhado). A noção de parte revela-se ampla, abrangendo as partes originárias e supervenientes, os terceiros após a intervenção, bem como os representantes legal e voluntário da parte (v.g., o curador).62 967.5. Juiz como sócio e órgão de direção ou de administração da parte – O juiz pode ser acionista ou cotista (art. 36, I, da LC 35/1979). Todavia, o art. 36, II, da LC 35/1979, veda o exercício de “cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração”. Essa disposição prestase a controvérsias. Na prática, obsta a inserção do magistrado em organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, e objetivos altruístas.

O art. 144, V, do NCPC impede o juiz que é sócio (ou cotista) e o que ignorou a proibição, ou não se desvencilhou do encargo após a investidura, de atuar no processo quando “membro de direção ou de administração da pessoa jurídica parte no processo”. Era mais técnica a regra anterior, ao mencionar órgão, e, não, membro. O motivo da regra se afigura simples: o órgão se confunde, na prática, com a pessoa jurídica. E o impedimento subsiste ainda que o juiz não ocupe cargo de representação judicial: o interesse na vitória da parte é flagrante.63 967.6. Juiz como herdeiro presuntivo, donatário ou empregador da parte – Figurando o juiz como herdeiro presuntivo, donatário ou empregador da parte, ficará impedido de oficiar no processo (art. 144, VI). O direito anterior consagrava essa hipótese como suspeição. Herdeiro presuntivo é o juiz, morrendo a parte no curso do litígio, receberia a herança. Em princípio, ante a vocação hereditária, há impedimento, nos termos do art. 144, IV, do NCPC. Logo, a herança futura não se advirá da pessoa que, figurando como parte, impede o juiz na forma do art. 144, IV, mas de outra pessoa. O impedimento recairá sobre o juiz legatário, porque, como acontece no caso de figurar como donatário, surge natural sentimento de gratidão pelo ato de liberalidade. Por outro lado, o impedimento do atual ou antigo empregador ampara-se no mesmo sentimento e no seu inverso, a malquerença do juiz em relação ao empregado, senão a relação de crédito e de débito prevista no art. 145, III, como motivo de suspeição. O art. 144, VI, apanha os empregados domésticos do juiz – o motorista, a copeira, o cozinheiro, o jardineiro, o caseiro –,64 porque aos magistrados não é lícito exercer atividade empresária (art. 36, I e II, da LC 35/1979). Não interessa a natureza da relação de trabalho (autônomo ou subordinado).65 Em geral, os integrantes da magistratura recebem unicamente seus subsídios e empregam, ordinariamente, uma ou das pessoas nessas condições. Nada exclui, porém, a investidura originária ou derivada de pessoas com fortuna própria, permitindo dar emprego a número maior de pessoas para fins diversos (v.g., motorista, copeira, cozinheira, faxineira, auxiliares de enfermagem para acompanhar pais idosos e doentes, e assim por diante). O art. 144, VI, não abrange os empregados da pessoa jurídica da qual seja sócio ou, ilegalmente que seja, integrante do órgão de direção ou de administração. O impedimento seria indireto e, em razão do princípio da taxatividade, descabido. 967.7. Juiz como empregado da parte – A única atividade paralela compatível com a magistratura, entre nós, é o magistério em instituição de ensino pública ou privada (art. 95, parágrafo único, I, in fine, da CF/1988). Em outros Países, a magistratura exige dedicação exclusiva. Não é isenta de críticas a ressalva constitucional, pois há muitos magistrados demasiadamente preocupados com suas atividades acadêmicas, obtendo licenças remuneradas para aperfeiçoarem-se no exterior, e indiferentes ao volume e à pontualidade no exercício da função judicante. Seja como for, vínculo dessa natureza impede o juiz de oficiar no processo em que o empregador figura como parte, a teor do art. 144, VII, do NCPC. A

regra aplica-se ao juiz que ocupa cargo no magistério público federal, estadual ou municipal, embora mencione a relação de emprego. E, demonstrando realismo escorreito, desconsidera o recebimento da remuneração por pessoa jurídica da qual seja sócio o magistrado, mediante contrato de prestação de serviços com a instituição de ensino, a fim de beneficiar-se de regime tributário mais favorável. Não fica impedido de processar, julgar e executar litígios entre a pessoa jurídica e seus alunos e professores.66 Essa conclusão, estritamente legal, soa duvidosa, pois a relação de emprego enseja subordinação. No entanto, no direito estrangeiro já se rejeitou a suspeição do juiz que integra o conselho de editora no litígio entre esta e o autor de obra científica.67 967.8. Juiz como cônjuge ou parente do sócio de escritório de advocacia – O juiz ficará impedido de oficiar no processo em que figure como representante da parte o escritório de advocacia integrada por seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta e em linha colateral, até o terceiro grau, nada importando quem atue no processo (art. 144, VIII). Valem, aqui, as considerações já feitas anteriormente quanto aos propósitos da regra (retro, 967.3). 967.9. Juiz como autor de ação contra a parte e seu advogado – Figurando em determinado processo como parte, principal ou não, e advogado contra o qual o juiz ou a juíza movam ação, cria-se impedimento objetivo para o juiz (art. 144, IX). Por óbvio, carecerá da isenção de ânimo imprescindível ao exercício da função judicante. É incomum, mas acontece de o magistrado, ao ingressar na carreira, desentender-se com o antigo colega e sócio, movendo-lhe ação para desfazer a sociedade ou recuperar honorários comuns. Não importará a natureza da ação. Inversamente, ações promovidas pela parte ou por seu advogado, obviamente por motivos alheios à função judicante, por força da responsabilidade regressiva do art. 143, caput, não impedirá o juiz. 968. Impedimento nos órgãos judicantes colegiados A carreira da magistratura atrai pessoas da mesma família, inclusive por gerações sucessivas, criando certa tradição profissional. No primeiro grau, dotado de órgãos singulares, o parentesco entre juízes não assume maior relevância. Cada juiz ou juíza ocupará um órgão diferente da mesma hierarquia. Porém, nos tribunais e nas turmas recursais dos Juizados Especiais, que são órgãos colegiados, surge o problema de terem assento, nesses órgãos, dois ou mais juízes relacionados por parentesco. Residualmente, no primeiro grau, concebe-se a substituição ou a sucessão no órgão singular de um juiz por outro juiz aparentado. A afeição (ou, mais raramente, o desamor e a competição intelectual) entre cônjuges, pais e filhos e irmãos magistrados implica influência recíproca, quer de convergência, quer de antagonismo, em virtude de fatores psicológicos estranhos à objetividade da causa. Convém impedir que tais fatores quebrem a imparcialidade e desvirtuem o julgamento. Desse impedimento, nos tribunais, ocupou-se o art. 147 do NCPC. Esse dispositivo, proveniente do CPC de 1973, exibe o grande mérito de admitir,

implicitamente, a participação no mesmo tribunal de pessoas ligadas por matrimônio ou parentesco. Na vigência do CPC de 1939, essa participação era considerada “inadmissível por alguns tribunais do País”.68 Realmente, representaria flagrante injustiça impedir o acesso, simultânea ou sucessivamente, de dois magistrados casados ao mesmo tribunal, cortando a carreira de um deles. A regra anterior (art. 136 do CPC de 1973) fora derrogada pelo art. 128 da LC 35/1979, porque disposição superveniente e de hierarquia superior. Reza este dispositivo: “Nos tribunais, não poderão ter assento na mesma turma, câmara ou seção, cônjuges e parentes consanguíneos ou afins em linha reta, bem como em linha colateral até o terceiro grau”. Tais vínculos, segundo o parágrafo único, do art. 128 da LC 35/1979, não impedem a integração no pleno do tribunal, ou no órgão especial, mas o primeiro dos membros mutuamente impedidos a votar excluirá o outro do julgamento. O art. 147 do NCPC repõe o problema, mas propõe solução convergente à do art. 128 da LC 35/1979, e, portanto, é compatível com a norma de hierarquia superior, estendendo-a ao primeiro grau. Segundo o art. 147, quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (sobrinho, tio e seus correspondentes entre os parentes do cônjuge),69 inclusive, o primeiro a conhecer (rectius: atuar) no processo, impede o(s) outro(s), caso em que o segundo se escusará, remetendo os autos ao substituto legal. O impedimento não opera nos assuntos administrativos.70 Os juízes casados entre si ou aparentados votam, por exemplo, para os cargos de direção do tribunal. O art. 128 da LC 35/1935 subsiste no tocante à impossibilidade de dois ou mais juízes aparentados terem assento no mesmo órgão fracionário – câmara, turma ou seção, não olvidando os grupos. Essa proibição de os juízes impedidos ocuparem o mesmo órgão fracionário não resolve inteiramente o problema. Neste órgão, talvez haja uma vaga, resultante da aposentadoria ou da morte de ocupante originário, e chega ao tribunal, por investidura derivada ou originária, juiz impedido por ligação civil com outro integrante. Resta entender que o novel desembargador não poderá classificar-se neste órgão, aguardando, na desconfortável condição de substituto, outra vaga. E aplicar-se-á o art. 128, parágrafo único, da LC 35/1979 na hipótese de os juízes impedidos participarem, eventualmente, de órgão colegiado de composição aumentada – por exemplo, cônjuges que integram câmaras e grupos de câmaras distintos, reunidos nas câmaras reunidas (chamadas, por vezes, de turmas, mas inconfundíveis estas com o equivalente da câmara nos tribunais federais, também chamadas, usualmente, de turmas) para julgar certas causas (v.g., rescisórias), recursos e outros incidentes. Recomenda-se aos juízes reciprocamente impedidos, dividindo-se o tribunal em duas ou mais seções (v.g., uma seção civil, outra criminal), classificarem-se em áreas de especialização diferentes. No tribunal pleno, ou no órgão especial, onde houver, o art. 128, parágrafo único, da LC 35/1979 não obsta a participação conjunta dos juízes impedidos, mas o primeiro que votar excluirá do julgamento o(s) subsequente(s), conforme estipula, outrossim, o art. 147 do NCPC. Nem sempre o mais antigo

votará em primeiro lugar. O juiz mais novo poderá situar-se em posição superior ao mais antigo na ordem do julgamento, começando pelo voto do relator. A despeito de o dispositivo realçar o surgimento do impedimento na votação, na verdade a distribuição da causa ou do recurso já permite antever o impedimento: a obrigatória participação do relator ou do revisor pré-exclui o outro ligado por parentesco (ou por afinidade, ou por matrimônio). Incumbe ao presidente da sessão do pleno ou do órgão especial evitar que o juiz impedido também profira voto. Chamado a participar da votação, por equívoco, o próprio juiz impedido tem o dever de se abster, declarando o impedimento em voz alta. Nada impede de o advogado da parte, eventualmente presente na sessão, pedir a palavra pela ordem para, relembrando os desatentos acerca do impedimento, evitar o vício do julgamento. Não há necessidade de a parte utilizar o incidente do art. 146, bastando a arguição, oralmente ou por escrito, a qualquer momento.71 Eventual desrespeito à regra implicará a nulidade de todo o julgamento, em virtude da má constituição do órgão julgador. É importante assinalar que a simples presença de dois ou mais juízes impedidos, na forma do art. 128, caput, da LC 35/1979, na sessão de julgamento não implica a invalidade, conforme o STJ.72 E, de fato, se o impedimento do juiz impedido subsequente decorre de voto anterior, a regra pressupõe a presença de ambos na sessão do julgamento. § 199.º Suspeição do órgão judiciário 969. Motivos de suspeição Os motivos de suspeição significam dúvida, desconfiança, receio quanto à ausência de imparcialidade do juiz. Não há certeza e bem pode acontecer de o espírito do juiz preservar a isenção. Todavia, caracterizados os fatos antevistos no art. 145, lícito se afigura à parte recusar o juiz, por via de exceção de suspeição, no prazo de quinze dias, contado do fato (art. 146, caput), sob pena de preclusão, caso pratique ato de manifesta aceitação do juiz suspeito (art. 145, § 2.º, II). 969.1. Juiz amigo ou inimigo da parte ou do advogado – O art. 145, I, parte inicial, declara suspeito o juiz “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes”. Nessa configuração, a regra é antiga de cinco séculos.73 Os sentimentos profundos de amizade e de inimizade potencialmente incapacitantes da pessoa no ofício judicante não decorrem do simples contato social. Nas pequenas comarcas, nas quais o magistrado envolve-se com os problemas da comunidade de forma intensa e pública, estabelecem-se relações próximas entre o juiz e um número considerável de pessoas, de diferentes níveis sociais, e entendimento com esse alcance inviabilizaria a prestação jurisdicional. E, de resto, não importam os sentimentos da parte em relação ao juiz, conquanto amizade e inimizade sejam geralmente recíprocas, mas do juiz no tocante à parte.74 A convivência social gera simpatia e antipatia entre o juiz ou a juíza (e respectivos familiares) e uma das partes. Não são estes os sentimentos, absolutamente, relacionados no art. 145, I.

O art. 145, I, exige amizade íntima para caracterizar a suspeita. Nesta situação incorre o juiz que, acompanhado, ou não da esposa e dos filhos, frequenta a casa de outra família, participando dos saraus domésticos, ou presta obséquios a alguém.75 É o comensal habitual a que alude o direito italiano.76 A proximidade implica intimidade, troca de confidências, apoio mútuo nas desventuras da vida. O namoro firme, a afeição entre pessoas do mesmo ou de sexos diferentes também gera elevadíssima suspeição.77 E o “denominado parentesco espiritual, decorrente de compadrio, é relação capaz de gerar suspeita”.78 Logo se percebe que não é fácil a prova da suspeita. Ao namoro entre pessoas do mesmo sexo, infelizmente submetido ao preconceito, de regra os participantes impõem o maior sigilo. Nas demais situações, a alegação se prenderá ao caráter notório do fato ou, restringindo-se a poucas pessoas, exigirá prova testemunhal, admissível na exceção, a teor do art. 146, caput, parte final. A inimizade não significa desentendimento, malquerença, a falta de saudações recíprocas nos eventos sociais e nas solenidades cívicas, o desprezo do juiz pelas atitudes pessoais da parte, a aversão pela opção partidária, o desamor mais ou menos visível nas atitudes pretéritas.79 Existem juízes de alta circunspecção, e radical austeridade, que se isolam e primam por ignorar as pessoas próximas. É indispensável que haja fato concreto, contrapondo parte e juiz (e, como no direito italiano, seu cônjuge),80 tornandoos inimigos figadais.81 Não parece correto inferir da supressão do adjetivo “capital”, constante da regra anterior, haja alterado radicalmente o entendimento nessa matéria. Somente forte animosidade exterioriza ódio e desejo de desforra, como sucede nos fatos típicos penais.82 A inimizade em apreço tem causas patológicas e, na literatura universal, a acirrada oposição entre os Montechios e os Capulletos galgou reconhecimento universal em obra literária.83 A inimizade da parte em relação ao juiz não preenche o elemento de incidência da regra.84 Em geral, o sentido é recíproco. Mas, não se deve excluir o ódio unilateral, até ignorado pelo juiz. Não se afigura bastante para criar a suspeita. A espinhosa função judicante gera antipatias e aversão intensas da parte em relação ao julgador. Admitir a suspeição, nessas condições, equivaleria a permitir à parte localizar o juiz mais favorável aos seus interesses no quadro da magistratura. Eis o motivo por que o art. 145, § 2.º, I, declara ilegítima a arguição da suspeição provocada por quem alega. É o caso da parte que hostiliza o juiz para, indevidamente, afastá-lo do caso. Nas hipóteses de amizade e o de inimizade, afigura-se indispensável exprimir o sentimento, mediante fatos concretos e atitudes, à margem do processo, previamente e no âmbito das relações pessoais.85 Quer dizer, os estados da alma relacionados no art. 145, I, devem ser ostensivos, prescindindo de palavras, mas reclamando exteriorização,86 porque revelar-se impossível investigar a alma da pessoa ocupante do ofício judicial. A suspeição tratada no art.145, I, estendeu-se à pessoa do advogado de uma das partes principais ou auxiliares.

Parece natural, ante as respectivas profissões, a convivência de advogados, de agentes do Ministério Público e de juízes, nem sempre ocorrer harmoniosamente. É claro que a troca costumeira de impressões, os comentários esportivos, os diálogos travados na roda do cafezinho, a lisonja sincera, ou não, do advogado ou do promotor de justiça quanto aos predicados do juiz, de modo algum denotam a amizade íntima comprometedora. Revelam-se comuns os casos de admiração recíproca, de companheirismo intelectual (v.g., o juiz e o advogado participam do mesmo grupo de estudos, no qual compartilham a paixão pelo processo civil), e de amizade profissional, entre juízes, agentes do Ministério Público e advogados, e, inversamente, o estranhamento, a repulsa e a diferença entre tais pessoas essenciais à distribuição da Justiça. Não faltavam vozes a sustentar conveniente inserir, dentre as causas de suspeição, a amizade íntima ou a inimizade capital entre o juiz e um dos advogados do processo.87 Seguiu essa linha o art. 145, I, mas cabe uma ressalva. A atitude hostil ou simpática do juiz, relativamente a um dos advogados (v.g., na audiência de instrução), não preenche os elementos de incidência da suspeita, nem denota interesse, para os fins do art. 145, I, no julgamento da parte por ele representada. Impõe-se a amizade íntima e a inimizada nos termos preconizados entre parte e juiz. O STJ, sob fundamento que a juíza não apresentaria condições de julgar com imparcialidade, já reconheceu suspeição no caso de parentesco colateral e por afinidade com os opositores políticos da parte.88 969.2. Juiz conselheiro, agradecido ou patrocinador da causa – O recebimento de dádivas, antes ou depois de iniciado o processo, o aconselhamento jurídico de alguma das partes, e a subministração de meios para a parte conduzir o processo, leva à suspeição (art. 145, II). O art. 145, II, abrange às dádivas de pequeno valor, na melhor exegese, para evitar a superposição com o art. 144, VI, que alude à doação.89 E, de fato, não se mostra incomum os juízes, nas comarcas do interior, tornarem-se destinatários de pequenos presentes, entregues no foro, a contragosto do magistrado, ou pessoalmente, a exemplo de animais de pequeno porte para abate ou criação, produtos agrícolas ou de fabricação caseira. Muitos juízes se constrangem em devolver o presente à pessoa humilde que, sem malícia, homenageia a autoridade, e, não, a pessoa que lhe deu razão. No entanto, receber dádivas é algo além do razoável, pois se aguarda do magistrado comportamento escorreito.90 Nada obstante o receio de incompreensões, a repulsa imediata constitui a única solução; do contrário, a parte contrária levantará a suspeita, presumindo-se o proveito em razão do processo. Não fica impedido o juiz que, mediante o pagamento do preço usual, adquire produtos para abastecer sua despensa doméstica, embora de um único fornecedor. O juiz exige as necessidades materiais comuns às demais pessoas da comarca, e, de toda sorte, existindo um único mercado, a exigência tornaria vida familiar impossível nesta localidade, o que contraria o dever de residência obrigatória (art. 93, VII, da CF/1988).

A dádiva deve aguardar relação com o processo. “Às vezes há presentes, feitos no passado, de pessoas que se tornaram inimigas; e há amigos íntimos que não dão presentes”.91 O STJ já considerou suspeito, todavia, o juiz que, na qualidade de diretor do foro, recebeu dinheiro para a reformar do prédio.92 A outorga de medalhas e comendas ao magistrado, a exemplo do Prefeito que distingue o juiz, bajulando e incentivando a vaidade, não implicam comprometimento em julgamentos futuros.93 Existem notórios magistrados que acumulam honrarias, exibindo-as publicamente, o que não significa comprometimento. São homenagens que o Estado presta aos seus mais leais e dedicados servidores. O aconselhamento do juiz levanta suspeita (art. 145, II). Os juízes expansivos, comunicativos, não se controlam e manifestam opiniões, no caso concreto e à pessoa bem identificada, acerca da procedência da demanda ou da respectiva defesa, nos casos que, futuramente, chegarão à sua mesa. Não se confunde essa hipótese, evidentemente, com as opiniões doutrinárias, exposta em tese e publicada no meio adequado,94 nem com declarações (v.g., sobre a competência) que não respeitem ao objeto da causa.95 O aconselhamento cogitado no art. 145, II, é específico, o célebre prejulgamento, e não se compadece com a condição de terceiro imparcial do magistrado – por exemplo, o juiz antecipa à parte o diagnóstico que a futura demanda mostrar-se-á “improdutiva”.96 Trata-se de atividade inerente à advocacia (art. 1.º, II, da Lei 8.906/1994), precipuamente dos jurisconsultos, motivo por que a conduta merece investigação e, se for o caso, reprimenda dos órgãos disciplinares.97 Tampouco configura a hipótese os conselhos ministrados pelo juiz à parte, neste ou naquele sentido, em audiência de conciliação, porque dirigida a ambas as partes, representando dever do juiz nesses misteres (art. 139, V).98 Finalmente, a subministração de meios materiais a uma das partes, incapacitada de suportar por si as despesas do processo, no todo ou em parte, denota interesse do juiz no resultado do processo. A suspeição para julgar a causa é flagrante. O financiamento da parte revela proximidade ou aspiração a vantagens pecuniárias posteriores. E o dever de prestar jurisdição sobrepõe à caridade.99 969.3. Parte credora ou devedora do juiz, do seu cônjuge e dos seus parentes – O juiz, seu cônjuge e os parentes destes, em linha reta ou colateral até terceiro grau, por força de negócios naturais, podem tornar-se credores ou devedores de uma das partes, tornando-se suspeitos aos olhos da comunidade e, naturalmente, da contraparte (art. 145, III). Os parentes por afinidade encontram-se abrangidos na regra.100 Valem, aqui, as considerações já feitas no que tange ao art. 144, III (retro, 967.3). A relação de crédito gera suspeita quanto à isenção do juiz. A situação mais comum é a do juiz endividado na empresa de banco na qual recebe os vencimentos. Raramente a suspeita aflora, porque o sigilo bancário inibe a alegação do credor, de um lado, e o juiz não pode declarar-se suspeito, por razões de foro íntimo, em todos os processos do banco, de outro lado, porque a atitude evidenciaria a precariedade da sua situação financeira, constrangendo-o na comarca. Por outro lado, os órgãos de controle interno da magistratura não podem proibir, genericamente, a atuação dos magistrados

nas causas do banco que administra a folha de pagamento do Judiciário, no qual, presumivelmente, a magistratura contrai dívidas. Esse problema é de difícil solução e desfavorece, flagrantemente, a atividade bancária. É possível provar a relação de crédito, para o efeito do art. 145, III, por qualquer meio de prova, inclusive a testemunhal, expressamente mencionada no art. 146,caput, parte final.101 969.4. Juiz interessado no julgamento da causa – O art. 145, IV, considera suspeito o juiz “interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”. A ênfase da regra no interesse funciona como regra de fechamento do sistema de incompatibilidades. Em princípio, o interesse não pode ser vago,102 mas objetivo e concreto. Logo, o interesse intelectual – v.g., o juiz sustenta tese idêntica à da parte em obra doutrinária publicada anteriormente –,103 e o interesse proveniente da aura de simpatia humana circundante a um dos litigantes, estigmatizando, ou não, o adversário eventual, não se quadram nessa rubrica. O interesse a que alude o art. 145, IV, pode ser (a) direto ou (b) indireto.104 O interesse jurídico preenche satisfatoriamente os elementos de incidência da regra. Existe interesse jurídico direto quando o juiz legitima-se a intervir no processo pendente, e indireto quando o juiz é titular de relação jurídica dependente ou conexa com o objeto do processo.105 O interesse indireto não se caracteriza, portanto, na possibilidade de o juiz ou seus parentes tornarem-se partes em processos análogos ao pendente.106 Indireto é o interesse de fato (retro, 759.1.1). Assim, o interesse moral tem natureza indireta – e, portanto, é suspeito o juiz que, por razões filosóficas ou religiosas, exterioriza convicções a respeito da tese defendida por um dos litigantes. Por exemplo, o católico fervoroso, apesar de comprometido a aplicar as leis do País, desfruta de isenção para julgar o divórcio direto, exceto nos casos em que declarou contrário a qualquer divórcio.107 O interesse político difuso (v.g., sobre o juiz e a juíza pesam o rótulo vago de “esquerdista” ou de “direitista”) não inabilitam a pessoa.108 É bem que ver que a pessoa investida na função judicante não pode exercer atividade político-partidária. Fora daí, presumíveis convicções ideológicas não preenchem o tipo legal. O interesse econômico se configura quando for parte na causa empresa em que o juiz for cotista ou acionista. Exemplo de interesse econômico, mas indireto, é o que resulta do fato de o juiz ser autor de uma demanda idêntica à que lhe compete julgar.109 A suspeição é um estado transitório, porque o desaparecimento do processo em que o juiz postula o mesmo direito sob julgamento extingue o óbice, aduzindo que “não teria sentido o juiz ficar eternamente suspeito de parcialidade”.110 O interesse jurídico e econômico no resultado do processo enseja situações paradoxais. Segundo antigo provérbio, quanto todos os julgadores têm interesse, nenhum é interessado.111 Por exemplo, na ação direta de inconstitucionalidade de lei da capital sobre o IPTU, perante a Constituição do Estado-membro, presumivelmente todos os integrantes do órgão especial do

TJ têm interesse concreto e direto, porque residentes na cidade e, quando proprietários de imóvel, contribuintes. O caráter objetivo, sem partes, do processo de controle abstrato da constitucionalidade não elide o manifesto interesse econômico dos julgadores no resultado do processo. Essa causa se insere na competência originária do STF, por força do art. 102, I, n, da CF/1988, mas parece excessivo remeter-lhe o processo, ocupando a corte constitucional com assunto estritamente local. Não raro, portanto, o TJ julga ações desse naipe sem reclamação das partes. 970. Suspeição em razão de motivo de foro íntimo O art. 145, § 1.º, autoriza o órgão judiciário a declarar-se suspeito por foro íntimo. Subentende-se que tal motivo, seja ele qual for, não se ajusta perfeitamente à tipologia dos artigos 144 e 145, porque, nesses casos, o juiz de qualquer grau de jurisdição tem o dever de abster-se,112 ou de declarar-se, abertamente, suspeito. É claro que, sem embargo, o motivo pode adequar-se àquelas situações (v.g., trata-se de inimizade com a parte), mas o juiz considera inconveniente explicitá-lo.113 Logo se percebe a ausência do duty of disclosure previsto no art. 14, § 1.º, da Lei 9.307/1996 (retro, 964). À aspiração coletiva de imparcialidade (ou equidistância) do órgão judiciário, corresponde o dever de o juiz, não se sentido habilitado a julgar com isenção, abdicar das atribuições inerentes ao cargo, remetendo o processo ao substituto legal, previsto na tabela previamente organizada pelos órgãos administrativos, respeitando o princípio do juiz natural. É preferível acatar o instituto e, não, repudiá-lo, na suposição que, contra o espírito da finalidade, o juiz pusilânime – simples hipótese – possa deixar de decidir a causa contra pessoas influentes e poderosas na comarca ou seção judiciária.114 O motivo concreto da abstenção, na forma do art. 145, § 1.º, permanecerá desconhecido. O juiz se declarará suspeito nos autos sem enunciá-lo. Do contrário, o motivo deixará de ser íntimo, passando a ser expresso e verificável à luz dos artigos 144 e 145. Não se mostra incomum o regimento interno do tribunal, ou a lei de organização judiciária, ciosos do uso regular e comedido dessa faculdade, exigirem do juiz a declinação, por ofício, do real motivo da escusa para o Conselho da Magistratura. O órgão de controle interno apreciará o assunto em sessão reservada, mandando arquivar o expediente. Respaldava-se o sistema no art. 119, § 1.º, do CPC de 1939. Impedia essa regra o expediente fácil do juiz menos afeito ao trabalho livrar-se do processo volumoso e complexo, ou dobrar-se, indevidamente, às pressões políticas e econômicas das pessoas influentes da comunidade. O CPC de 1973 não reproduziu essa disposição. Presumivelmente, acolheu a crítica irônica, feita a esse respeito, de que essa “confissão”, em tese resguardada pelo segredo de justiça, acabaria conhecida no meio 115 forense, constrangendo o magistrado. Nada obstante, a Resolução 82/2009, do STJ, consagrou o sistema da revelação do motivo íntimo, quanto aos juízes de primeiro grau, e, nos tribunais inferiores, os desembargadores comunicarão motivo, consoante o

mesmo roteiro, à Corregedoria Nacional de Justiça (art. 2.º), rejeitando a alegação de ilegalidade.116 O art. 145, § 1.º, in fine, adota a melhor solução: o juiz não necessitará declarar as suas razões, no processo e no ofício ao Conselho da Magistratura. Como quer que seja, importa fixar que o órgão administrativo de controle interno não tem poder para desfazer a declaração do magistrado, por duas razões: (a) trata-se de ato processual, insuscetível de revisão administração e de retratação pelo juiz; (b) o art. 145, § 1.º, consagra direito subjetivo do juiz.117 A declaração revela-se irretratável. É imperativo o acolhimento da abstenção. A rejeição do fato como idôneo a amparar a suspeição não submeterá o magistrado a qualquer procedimento administrativo para imporlhe pena. § 200.º Imparcialidade do Ministério Público e dos órgãos auxiliares do juízo 971. Impedimento e suspeição do Ministério Público e dos auxiliares do juízo O art. 148, I a III, estende (a) ao Ministério Público, (b) aos auxiliares “da justiça” (v.g., ao escrivão e ao chefe de secretaria); e (c) aos demais “sujeitos imparciais do processo” (v.g., o perito, o conciliador e o mediador), as causas de frustração da imparcialidade contempladas nos artigos 144 e 145, bem como suas condições e ressalvas (v.g., a criação de fato superveniente para gerar impedimento, a teor do art. 144, § 2.º). A rigor, os auxiliares da justiça, enumerados exemplificativamente no art. 149, abrangem os “sujeitos imparciais do processo”, porque, tirante a pessoa investida na função judicante, inexistem outros possíveis candidatos ao gabarito. A imagem da Justiça Pública ficaria desmerecida se tais participantes do processo (art. 77, caput) mantivessem algum elo perceptível com as partes, os advogados ou a causa. Também deles a sociedade espera imparcialidade. Tal predicado mostra-se, realmente, imprescindível ao processo justo e equilibrado. Pouco valeria a garantia de equidistância do juiz, decerto predominante, se as demais protagonistas da cena judiciária induzissem a ideia de favorecimento. Por exemplo, o perito – presumivelmente incluído no art. 148, III –, geralmente particular em colaboração com a administração da justiça, incumbe cumprir escrupulosamente o encargo recebido (art. 466, caput), podendo escusar-se (art. 157), pois sua tarefa não lhe permite inclinar-se em favor de uma ou de outra parte. A parcialidade do perito afetaria a higidez da prova e o desfecho do processo. Por esse motivo, uma das atitudes da parte, intimada da designação, consiste em arguir o impedimento ou a suspeição do perito, a teor do art. 465, § 1.º, I. A disciplina dos artigos 144, 145 e 147 aplica-se, ressalva feita a algumas peculiaridades quanto ao Ministério Público, na sua integralidade às pessoas mencionadas no art. 148, I a III. A suspeição por foro íntimo (art. 145, § 1.º), não é descartada, pois não parece razoável compelir o serventuário da justiça a participar do processo quanto há motivos na sua consciência que lhe recomendam o afastamento.118

À finalidade da garantia não importa, entretanto, a relação porventura existente entre os auxiliares (por exemplo, a atuação do escrivão e do perito irmãos no mesmo processo) e entre os auxiliares e o juiz.119 Esses vínculos não desequilibram os pratos da balança da justiça na direção de uma das partes. No entanto, o STJ já proclamou não constituir “exemplo de ética profissional” o juiz nomear seu irmão como perito.120 972. Imparcialidade do Ministério Público Os agentes do Ministério Público desempenham duas funções diferentes no processo civil: (a) o Ministério Público intervém, como fiscal da ordem jurídica, nas causas indicadas no art. 178; (b) o Ministério Público age como autor, independentemente da natureza da legitimidade (ordinária ou extraordinária), eventualmente como réu (v.g., na rescisória movida por condenado por improbidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público). Na primeira condição, é parte coadjuvante; na segunda, parte principal do processo. Na qualidade de fiscal da ordem jurídica, opinando a favor da inteireza do direito objetivo, e, por isso, manifestando-se a favor de uma das partes, ao Ministério Público aplicam-se as causas já examinadas (artigos 144, 145 e 147). Encontra-se impedido o agente do Ministério Público de emitir parecer, por exemplo, representando uma das partes na causa o cônjuge, a companheira ou o irmão (art. 144, III). Por igual, o agente do Ministério Público não pode, nos tribunais, integrar o órgão colegiado de que participa seu cônjuge. Fatalmente, atuaria em processos nos quais o cônjuge votaria, como relator, revisor ou vogal. Também não pode o casal de Procuradores da Justiça oficiarem no mesmo órgão fracionário do tribunal. A emissão de parecer a favor da tese de uma das partes, ou a divulgação de trabalho técnico em prol de certa tese jurídica, não desvela qualquer interesse inidôneo ao desempenho das funções do agente do Ministério Público (art. 145, IV).121 Essa possibilidade é muito mais sensível no processo penal que do processo civil, mas vale para ambos. A atividade administrativa dos agentes do Ministério Público (v.g., no processo administrativo disciplinar) não o impede de oficiar no processo judicial sobre o mesmo assunto.122 É diferente o regime da imparcialidade do Ministério Público na condição de parte. O agente sujeitar-se-á às causas de suspeição (art. 145) – por exemplo, é suspeito ao mover ação contra o seu credor (art. 145, III) –, ressalvada a do inciso IV do art. 145 por motivos óbvios: o Ministério Público só pode ter interesse na derrota do seu adversário no processo. Os motivos de impedimento não incidem, agindo o Ministério Público como parte principal. Em tal posição, do agente do Ministério Público ninguém – exceção feita aos órgãos de imprensa, que gabam a iniciativa sem atentar para seu caráter parcial, embora tão sério quanto a de qualquer advogado – aguardará serena equidistância. A contrário, deduz pretensão contra o réu, talvez inadmissível ou infundada. 973. Imparcialidade dos auxiliares da justiça O Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça – designa os servidores e os colaboradores, exemplificativamente enumerados no art. 149, de forma

coerente com a do art. 148, II, submetidos, por força dessa última regra, ao regime da imparcialidade aplicável ao órgão judiciário. O alcance subjetivo desses órgãos já recebeu ligeira menção (retro, 964). O art. 148, II, respeitada a nomenclatura, abrange todos os auxiliares do art. 149, como já acontecia no direito anterior.123 Por sua vez, o art. 148, III, estende as incompatibilidades aos “demais sujeitos imparciais do processo”. Logo vem à mente o perito, passível de recusa (art. 465, § 1.º, I). Ora, nesse aspecto há flagrante sobreposição, pois o perito é auxiliar da justiça, conforme a enumeração do art. 149. E, ademais, parece excessivo considerá-lo “sujeito” do processo. Não há outros candidatos a enquadramento no art. 148, III. O Defensor Público, por exemplo, jamais será imparcial: ou representa a parte no processo ou a própria Defensoria Pública figura como parte principal. Indicado pela parte, o assistente técnico é da sua confiança e não se sujeita aos motivos de impedimento e de suspeição (art. 466, § 1.º). A lei afastou-os do regime de incompatibilidades. É mais delicada a posição do assessor, seguramente o mais íntimo dos Auxiliares, encarregado (nada mais) de redigir os provimentos que afetarão os direitos das partes, e acerca do qual a lei omite qualquer disposição específica e guarda obsequioso e incompreensível silêncio. O art. 149 menciona o regulador de avarias, mas omite o assessor. A identidade dos assessores, em geral ocupantes de cargos em comissão, de livre escolha do magistrado, não é divulgada e previamente conhecida de advogados e partes. Porém, não haver dúvida ou hesitação em submetê-los ao regime das incompatibilidades, embora não seja “sujeito” do processo. Aos auxiliares do juízo, seja qual for sua condição jurídica, aplicam-se os motivos de suspeição e de impedimento já examinados nos itens precedentes. Não há diferenças palpáveis. Assim, o perito que defendeu tese favorável aos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, no âmbito acadêmico, não é suspeito.124 Os auxiliares da justiça têm o dever de afirmar a parcialidade.125 E, naturalmente, eles podem ser recusados, traçando os parágrafos do art. 148 o procedimento, porque a parte não alegará o impedimento ou a suspeição através da exceção – anteriormente justificou-se essa terminologia – do art. 146, porque meio de defesa, figurando como excepto o juiz. § 201.º Controle da imparcialidade no processo civil 974. Formas de controle da imparcialidade no processo civil Não basta a lei instituir os motivos de impedimento (artigos 144 e 147) e de suspeição (art. 145). A efetivação prática da garantia da imparcialidade necessita de instrumentos hábeis. Talvez o magistrado, sem prejuízo do dever legal de se declarar impedido e de se afirmar suspeito, não se abstenha de oficiar no processo. Outro tanto se pode afirmar dos participantes gravados com o dever de abstenção (v.g., o órgão do Ministério Público).

Em tal contingência infeliz, mas trivial, caberá às partes, os destinatários da jurisdição e principais interessados em resguarda-se de influências estranhas à objetividade da causa, provocar incidente específico para afastar o impedido e o suspeito. Variam, no entanto, os remédios para essa finalidade, conforme o sujeito supostamente parcial. O afastamento do juiz e da juíza ocorrerá através de incidente ao qual calha o nome de exceção de parcialidade. Localiza-se no art. 146. Embora o extremo cuidado em não lhe conferir qualquer designação, a arguição dessa matéria (a) veicula defesa processual, porque erradica a incapacidade episódica de um dos sujeitos do processo, e nada tem a ver com o objeto litigioso; (b) não implica a extinção do processo, e, portanto, cuida-se de defesa dilatória. Chamá-la, ou não, de exceção de parcialidade é tão legítimo quanto não lhe dar qualquer nome próprio. Só não é possível ignorar sua natureza. A incapacidade da pessoa investida no órgão do Ministério Público e nos órgãos auxiliares da justiça veicula-se através da arguição do art. 148, § 1.º. 975. Controle da imparcialidade do juiz Concorrendo um dos motivos de impedimento e de suspeição quanto ao juiz, às partes caberá alegá-lo na exceção de parcialidade (art. 146). 975.1. Prazo da exceção de parcialidade – O art. 146, caput, estipula o prazo de quinze dias para a parte alegar a exceção de parcialidade. O interregno do prazo é idêntico ao da contestação (art. 335), mas não coincidem, absolutamente, o termo inicial do interregno. Também variam os legitimados (infra, 975.3): a contestação representa ato postulatório privativo do réu (na ação e na reconvenção) e a exceção de parcialidade incumbe a qualquer das partes. O prazo de quinze dias fluirá do “conhecimento do fato”. A ciência da parte dependerá de circunstâncias variáveis. A inimizade entre o juiz e o advogado preexiste ao processo (art. 145, I), e, portanto, o prazo para o réu fluirá da contestação, para o autor da distribuição da petição inicial. O parentesco entre o juiz e o advogado (art. 144, III) talvez não seja tão evidente, por desconhecido, e, de toda sorte, o art. 144, § 2.º, pode ser interpretado no sentido de que o advogado aparentado deve recusar o mandato outorgado pelo réu, pois já conhece o oficiante do processo. Não há, em suma, precisão maior no termo inicial, mais fácil de ser visualizado a posteriori. O prazo de quinze dias é preclusivo quanto aos motivos de suspeição. Segundo o art. 145, § 2.º, II, pré-exclui a alegação no caso de a parte e do seu advogado praticarem ato de “manifesta aceitação do arguido”. Por exemplo: o réu contesta a ação, conquanto seu advogado seja inimigo do juiz; o recorrente distribui memorial ao relator do recurso, embora o saiba devedor da empresa de banco recorrida. Ao contrário, nos casos de impedimento inexistirá preclusão. O vício da parcialidade constitui nulidade absoluta, transformado em causa de rescisão após o trânsito em julgado (art. 966, II). A alegação tardia só atrairá, eventualmente, sanções processuais para o retardatário.

975.2. Objeto da exceção de parcialidade – Os motivos de impedimento (art. 144) e de suspeição (art. 145) revelam-se taxativos. No entanto, a lei emprega conceitos juridicamente indeterminados (v.g., a noção de amizade íntima, a teor do art. 145, I), reclamando interpretação teleológica, alargando o espaço da valoração judicial. Valores são coextensivos aos conceitos juridicamente indeterminados. Fora dessa trivial observação, as hipóteses receberam análise nos itens precedentes (retro, 967, 968 e 969). 975.3. Legitimidade na exceção de parcialidade – Em matéria de imparcialidade do juiz, impera o interesse público. O art. 146, caput, legitima “a parte” a excepcionar o impedimento ou a suspeição. Não distingue, e nem poderia fazê-lo, entre parte principal (autor e réu), parte auxiliar (assistente) e parte coadjuvante (Ministério Público). Desse modo, o assistente simples ou litisconsorcial (art. 124) pode e deve excepcionar o impedimento (art. 144) e a suspeição (art. 145), porque aos fins públicos do processo interessa que a causa seja julgada por juiz imparcial. O único requisito é que utilize o prazo do assistido.126 Diz-se que o interesse relaciona-se com a causa invocada na petição da exceção.127 É preciso recepcionar a prestigiosa lição nos seus devidos termos. As causas de impedimento constituem vício tão grave que após o trânsito em julgado se transformam em causa de rescisão da sentença de mérito (art. 966, II, primeira parte). Assim, o próprio parente do juiz, consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral até o terceiro grau (art. 144, IV) – em determinados casos, parentesco desconhecido do juiz – pode e deve arguir a incapacidade subjetiva. E, nos casos de suspeição, não se pode negar, absolutamente, ao litigante unido à pessoa do magistrado por laços afeição extrema e intimidade (v.g., compadrio) o direito de recusá-lo, visando a assegurar a aparência de lisura do julgamento, a despeito da objetividade moral do julgador. 975.4. Procedimento da exceção de parcialidade – Segundo o art. 146, caput, a arguição de parcialidade deduz-se através de petição específica. Não pode a alegação ser inserida, posto que em capítulo próprio, ou diluída em outro ato postulatório. O destinatário é o juiz da causa ou, nos tribunais, o relator, ou seja, o arguido. A petição será autuada em apartado (não em apenso), como se infere do art. 146, § 1.º, salvo se o excepto admitir o impedimento e a suspeição, de plano, caso em que remeterá o processo ao seu substituto legal. O processo ficará automaticamente suspenso. Tal se infere do fato de o processo, recebendo o relator o incidente sem efeito suspensivo, voltar a correr, como diz o art. 146, § 2.º, I. A parte exporá os fundamentos do impedimento ou da suspeição. Para essa finalidade, indicará um dos motivos arrolados nos artigos 144 e 145 (o art. 147 aplica-se, basicamente, nos órgãos colegiados), apontando os fatos específicos e idôneos a caracterizar o tipo legal. Não há, porém, necessidade de invocar inciso determinado. O pedido consiste no afastamento do arguido.

A par de expor os fatos, a parte instruirá a petição com a prova documental cabível e, se for o caso, com o rol de testemunhas. Em determinadas situações, só essa última espécie de prova revela-se, em tese, apta à demonstração dos fatos (v.g., a amizade íntima entre o excepto e a contraparte). O art. 105, caput, não exige poderes especiais do procurador da parte. E a jurisprudência do STJ, no direito anterior, dispensava a formalidade.128 Recebida a petição pelo excepto, conforme esclarece o art. 146, caput (“em petição específica dirigida ao juiz do processo”), há dois termos de alternativa: (a) o juiz reconhece o motivo de impedimento ou de suspeição, caso em que ordenará a remessa do processo ao substituto legal, encerrando-se o incidente; (b) o juiz não reconhece a existência de motivo incapacitante para processar, julgar e executar a causa, e, nesse caso, autuada em separado a petição, usufruirá do prazo de quinze dias para expor suas razões de fato e razões de direito, instruídas com os documentos cabíveis e, existindo pessoas habilitadas a depor, acompanhada do rol de testemunhas, ordenando dos autos ao órgão ad quem (art. 146, § 1.º, in fine). Não incumbe ao excepto, por conseguinte, indeferir liminarmente a exceção de parcialidade.129 O STJ já admitiu mandado de segurança contra ato de semelhante teor.130 O regime anterior do agravo de instrumento substituíra vantajosamente o mandado de segurança, então admitido por bom alvitre doutrinário:131 perante o rol do art. 1.015 do NCPC, o mandado de segurança retorna à cena e é cabível contra o indeferimento liminar da exceção de parcialidade. Duas razões pré-excluem a competência do excepto: (a) compete ao órgão ad quem processar e julgar a exceção; (b) o sujeito passivo é o próprio juiz, e a ninguém a lei permite oficiar como juiz em causa própria (art. 144, IV). Por liberalidade, há quem admita a possibilidade de o juiz ordenar a correção da petição,132 mas esse ato competirá ao relator no tribunal. Os autos da exceção da exceção, juntada a resposta do juiz, sobem ao tribunal. Os autos principais ficam na origem. Pode haver necessidade da prática de atos urgentes e, nesse caso, o substituto legal do juiz arguido proverá acerca das medidas correspondentes (art. 146, § 3.º). Embora a regra preveja requerimento do interessado, a tutela provisória cautelar pode ser concedida ex officio. O ato material da remessa toca ao escrivão do juízo. O processamento, a instrução e o julgamento da exceção de parcialidade integram a competência privativa e originária do órgão fracionário do tribunal para o qual caberia recurso na causa.133 Esse último pormenor tem relevo no exercício de competência federal delegada (retro, 392 e 398). Atendendo ao disposto no art. 187, II, do CPC de 1939, o STF estimava necessário o pronunciamento do plenário do tribunal, sem embargo do sorteio de relator.134Em realidade, inexiste razão para atribuir competência ao órgão especial ou ao pleno.135 A competência interna corporis dependerá do disposto na lei de organização judiciária ou o regimento interno.136 O juiz comunicará o motivo de foro íntimo (art. 145, § 1.º) ao Conselho da Magistratura. Este órgão administrativo tomará conhecimento do

desligamento do juiz e mandará arquivar o ofício (sem divulgá-lo). No entanto, a exceção de parcialidade constitui incidente da causa e a decisão assumirá natureza jurisdicional, razão por que um dos órgãos fracionários dessa espécie encarregar-se-á de processá-lo e julgá-lo. Nada impede, mas também não parece recomendável, levar o incidente ao plenário, por força de norma regimental. Recebido o incidente, registrado na secretaria do tribunal, vida de regra sem a menção nominal do juiz e da juíza, mas ao órgão, far-se-á o sorteio do relator. Conclusos os autos, ao relator compete, segundo o art. 146, § 2.º, declarar os efeitos do incidente: (a) recebido sem efeito suspensivo, o processo voltará a correr (inciso I); (b) recebido com efeito suspensivo, “permanecerá suspenso até o julgamento do incidente” (inciso II do § 2.º do art. 146). O ato é passível de agravo interno. Ao relator cumprirá instruir o incidente, produzindo a prova oral porventura imprescindível ao esclarecimento dos fatos articulados pelo excipiente e pelo excepto. Talvez haja necessidade de expedir carta de ordem para ouvir testemunha domiciliada em lugar distinto da sede do tribunal. Claro está que o excepto não presidirá a coleta dessa prova, e, sim, o respectivo substituto legal. E convém notar que a contraparte do excipiente não será ouvida.137 Falta-lhe interesse em sustentar a inexistência da causa de parcialidade. O julgamento da exceção de parcialidade pode ser feito por decisão singular, assegurado recurso ao órgão fracionário, ou pronunciamento colegiado. Parece excessivo inferir da repetida menção a “tribunal” no art. 146, § 4.º e § 7.º a pré-exclusão da competência do relator para julgar, de meritis, o incidente, em virtude de norma regimental (art. 932, VIII). Seria medida na contramão da tendência de atribuir competência ao relator para aliviar a carga de trabalho dos órgãos fracionários do tribunal. Importa definir os efeitos do julgamento exceção de parcialidade. 975.5. Efeitos do julgamento da exceção de parcialidade – O art. 146 prevê os dois resultados concebíveis do julgamento da exceção de parcialidade do juiz. Rejeitada a exceção por ausência de fundamento legal para afastar a pessoa investida na função judicante, ou seja, não sendo provado o motivo alegado pelo recusante (art. 146, § 4.º), o órgão competente confirmará a competência do juiz. Responderá o excipiente pelas despesas processuais. E a suspensão imposta pelo relator, nos termos do art. 146, § 2.º, II, cessará na oportunidade em que, baixados os autos ao órgão a quo, ocorrer a intimação das partes.138 A rejeição da exceção pode fundar-se nos contrapesos constantes nos artigos 144 e 145. Assim, postulando no processo, como advogado, Defensor Público ou órgão do Ministério Público, cônjuge, companheiro ou parente do juiz quando este já oficiava no feito, impedido estará o cônjuge, o companheiro ou parente, nos termos do art. 144, § 1.º. Vale o raciocínio para o caso de a parte outorgar mandato a advogado integrante de escritório do qual faça parte o cônjuge, o companheiro ou o parente do juiz (art. 144, § 3.º).

Se uma das partes faz doação ao juiz, no curso do processo, em princípio incidirá o art. 144, § 2.º, vedando a criação de fato superveniente; porém, o exemplo revela que, em tal caso, ou o juiz rejeita a liberalidade, prontamente, ou deverá ser afastado do processo. A disposição do art. 144, § 2.º, visa principalmente ao juiz. Não lhe é permitido, por exemplo, lecionar na instituição de ensino que é parte em processos no seu juízo (art. 144, VII), criando o impedimento. Por igual, já entendida a aceitação tácita do magistrado suspeito, incidirá o art. 145, § 2.º, I, no caso de o advogado declarar-se inimigo do juiz superveniente à formação do processo (art. 145, I) ou realizar empréstimo ao cônjuge do juiz (art. 145, III), no curso da demanda, e ato contínuo arguir a suspeição. Ao invés, acolhendo a exceção, o órgão fracionário competente do tribunal para julgá-la, segundo as normas regimentais, além de condenar o juiz nas despesas do incidente (retro, 977),139 mandará “os autos ao seu substituto legal” (art. 146, § 5.º). A suspensão do processo encerrar-se-á, então, remetidos os autos ao substituto legal do juiz impedido ou suspeito, na data em que as partes forem intimadas da assunção do processo pelo substituto. Legitima o art. 146, § 5.º, in fine, o juiz excepto a impugnar a decisão pelos recursos próprios (embargos de declaração, agravo interno, tratando-se de decisão singular do relator, e recurso especial). Era o entendimento correto no direito anterior. Porém, nenhuma palavra adiantou-se quanto às consequências do provimento da impugnação. Parece correto defender a tese da reassunção do processo. Quem defendeu com denodo sua imparcialidade, apesar de confrontar uma das partes, merece voltar a dirigir o processo e julgar a causa. O acolhimento da exceção de parcialidade implicará dois outros efeitos, incumbindo ao órgão ad quem o seguinte: (a) fixar o momento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado (art. 146, § 6.º); (b) invalidar os atos praticados quando já existia o motivo do impedimento ou da suspeição. Em princípio, os efeitos do acolhimento são ex tunc, retroagem a algum ponto no passado, mas frequentemente à formação do processo (art. 312), porque vedado criar fato superveniente para impedir o juiz (art. 144, § 2.º) ou colocá-lo sob suspeita (art. 145, § 2.º, I), e, seja qual for a causa (impedimento ou suspeição), importará a invalidade dos atos do juiz. Representaria excesso entender todos inválidos. Os atos materiais subsistem, invalidando-se os atos decisórios (art. 203, § 1.º e 2.º). Em qualquer dos dois sentidos, julgado agravo interno contra o ato de relator, no caso de decisão singular, o acórdão do órgão ad quem é passível, em tese, de aperfeiçoamento através de embargos de declaração e de recurso especial por infração ao art. 144 ou ao art. 145. Esta última via de impugnação enfrentará a natural dificuldade de reexame da questão de fato.140 976. Controle da imparcialidade do Ministério Público e dos auxiliares do juízo O art. 148, caput, declara que os motivos de impedimento e de suspeição aplicam-se (a) ao Ministério Público, (b) aos auxiliares “da justiça” (v.g., ao escrivão e ao chefe de secretaria); e (c) aos demais “sujeitos imparciais do processo” (v.g., o perito, o conciliador e o mediador). Como já se disse, a

classe dos auxiliares da justiça, exemplificativamente enumerada no art. 149, já abrange os “sujeitos imparciais do processo”, porque, a par dos colaboradores (v.g., o perito), inexistem outros candidatos, relevada a impropriedade de considerar órgãos auxiliares (porque dotados de competência para praticar atos no processo) “sujeitos” da relação processual. A fórmula “auxiliares da justiça” é suficientemente ampla para abranger a pessoa onipotente, onipresente e, a mais das vezes, invisível – a identidade não é jamais revelada, desconhecendo-se, por exemplo, a lotação dessas pessoas no gabinete do desembargador ou do ministro – do assessor do órgão judiciário, eventualmente juiz de fato. Por outro lado, as pessoas ocupantes do órgão do Ministério Público e dos órgãos auxiliares têm o mesmo dever de abstenção, cabendo às partes recusar-lhes a atuação no processo. Não é por intermédio de exceção de parcialidade (meio de defesa), mas através de incidente autônomo, sumariamente disciplinado no art. 148, que a parte veiculará a pretensão de recusar o órgão do Ministério Público e os auxiliares da justiça. Os parágrafos do art. 148 estabelecem a legitimidade, a forma, os requisitos, a tempestividade e procedimento da arguição de parcialidade dessas pessoas. À primeira vista, nesse incidente não incidirá o art. 146, cuja leitura revela que na exceção só pode figurar como excepto o juiz. Na arguição de parcialidade do órgão do Ministério Público e dos auxiliares da justiça o suscitado é a pessoa ocupante do órgão (v.g., o escrivão). 976.1. Forma da arguição de parcialidade – Segundo o art. 148, § 1.º, a arguição de parcialidade do agente do Ministério Público e do auxiliar da justiça há de se expressar através de petição. O destinatário é o juiz da causa ou, nos tribunais, o relator (art. 148, § 3.º). O legitimado exporá os fundamentos da arguição em peça escrita. Para essa finalidade, indicará um dos motivos arrolados nos artigos 144, 145 e 147 (v.g., a escrivã é companheira do juiz), apontando os fatos que o caracterizam. O descumprimento desse ônus importa o indeferimento liminar, porque o catálogo é exaustivo. O pedido consiste no afastamento do arguido. Além de fundamentada, o legitimado apresentará a petição “devidamente instruída”, reza o art. 148, § 1.º, primeira parte, o que significa o ônus de produzir, desde logo, a prova documental pertinente à espécie. Não se exclui, à semelhança do que sucede na exceção da parcialidade do juiz, a produção de prova oral, motivo por que o requerente apresentará, desde logo, o rol das testemunhas. 976.2. Momento da arguição de parcialidade – O art. 148, § 1.º, primeira parte, constrange o legitimado a apresentar a arguição “na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos”. Entenda-se que essa oportunidade surge após a intervenção, no processo, do agente do Ministério Público ou do auxiliar impedidos ou suspeitos. Em momento anterior, não há interesse em fazê-lo. O impedido ou o suspeito podem abster-se da intervenção, em virtude do fato que lhes retira a imparcialidade.

Escusando-se o perito indicado pelo juiz, por exemplo, e aceita a abstenção pelo juiz, outra pessoa receberá o encargo. Neste caso, por sinal, a primeira oportunidade é a do art. 465, § 1.º, I, ou seja, no prazo de quinze dias, contado da intimação do provimento de nomeação do perito. É importante assinalar que dessa decisão do juiz não cabe recurso. Concebe-se, nessa oportunidade, a parte desconhecer a existência de motivo real de impedimento e de suspeição. É admissível arguir a parcialidade posteriormente, chegando ao conhecimento da parte o fato. Em outras palavras, a “primeira oportunidade” subordina-se “ao instante em que o interessado tem ciência do fato gerador”.141 No entanto, o legitimado deverá alegar e provar as razões do desconhecimento anterior na petição dirigida ao juiz.142 976.3. Legitimidade para arguir a parcialidade – Legitima-se a arguir a parcialidade do auxiliar da justiça e do agente do Ministério Público a “parte interessada” (art. 148, § 1.º, parte inicial). É interessada presumível a parte que não se beneficiaria, em tese, com a participação do impedido ou do suspeito no processo. Por exemplo, se o escrivão é inimigo do autor (art. 145, I), ou amigo íntimo do réu, a legitimidade recai no autor, principal interessado em afastá-lo para debelar o receio de parcialidade. O próprio Ministério Público, quer figurando como parte principal (autor ou réu), quer como parte coadjuvante (art. 178), legitima-se a arguir a parcialidade do auxiliar da justiça. Neste último caso, não se reproduz, nos domínios do controle da imparcialidade dos auxiliares, os motivos de resistência à legitimidade do Ministério Público para oferecer exceção de suspeição ou de impedimento do juiz. Não se pode negar ao Ministério Público o direito de requerer ao órgão judicante, por simples petição, a declaração do impedimento ou da suspeição do seu auxiliar. Essa possibilidade nada tem a ver com o cabimento ou não da exceção promovida pelo Ministério Público.143 O incidente do art. 148 não é o meio hábil para arguir a incapacidade da testemunha (art. 148, § 4.º). O meio hábil é a contradita do art. 457, § 1.º. 976.4. Efeitos do oferecimento da arguição de parcialidade – Formalmente, consoante o art. 148, § 1.º, ao receber a arguição, o juiz da causa ou, no tribunal, o relator (art. 148, § 3.º), mandará formar autos próprios para o incidente, que receberá numeração autônoma. O oferecimento da arguição de parcialidade do auxiliar do juízo ou do agente do Ministério Público não suspenderá o processo (art. 148, § 2.º). O art. 189, parágrafo único, do CPC de 1939 previa o afastamento temporário do arguido até a solução do incidente. Era norma baseada na prudência e na economia.144 Omissa que seja a lei vigente, razoável supor que o arguido não continuará oficiando no processo. Se o juiz, a figura predominante na relação processual, porque investido de amplos poderes de direção formal e material, fica incapacitado, ope legis, de oficiar no processo após o oferecimento da exceção de parcialidade e até deliberação em contrário do relator (art. 146, § 2.º, I), com maiores razões o impedimento estende-se aos seus auxiliares e ao agente do Ministério Público.145

O regime das causas de frustração de imparcialidade é o comum.146 Por isso, a falta de oferecimento da arguição, tratando-se de suspeição (art. 145), implicará a preclusão.147 O impedimento não preclui e, após o trânsito em julgado, convola-se em causa de rescindibilidade (art. 966, IV). 976.5. Contraditório e instrução da arguição de parcialidade – Recebida sem suspensão do processo, mas com o afastamento temporário do arguido, nos autos formados para o processamento da arguição o juiz ou o relator mandará ouvir o arguido no prazo de quinze dias. Não se revela imprescindível, no caso, a constituição e a representação por advogado. O arguido falará por si e, por simetria com a forma da arguição, convém que o faça mediante petição dirigida ao juiz da causa. Releva-se, todavia, a simples cota – anotação escrita lançada no corpo da folha dos autos –, outrora modalidade comum nas manifestações do Ministério Público. O arguido poderá produzir prova documental e requerer prova testemunhal. Dependendo da natureza do fato alegado, e impugnado pelo arguido, a audiência de testemunhas mostrar-se-á indispensável. Por exemplo, a natureza da amizade nutrida pelo escrivão ou pelo perito com uma das partes dificilmente incorpora-se ou revela-se em documentos (v.g., cartas ou bilhetes) acessíveis à outra parte. Neste caso, o juiz ou o relator designará audiência para colher os depoimentos, possibilidade aventada no art. 148, § 2.º, in fine. 976.6. Julgamento da arguição de parcialidade – Feita a instrução, quando necessária, o juiz julgará a arguição, proferindo decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Não caberá agravo de instrumento, porque decisão fora do catálogo do art. 1.015. O relator também proferirá decisão e, em geral, os regimentos internos contemplam, apesar da constitucionalidade controversa, agravo contra esse ato decisório.148 É competente para julgar o agravo o órgão fracionário integrado pelo relator e ao qual recurso ou causa chegou por distribuição. 977. Efeitos do controle da imparcialidade As causas de frustração da imparcialidade afetam a pessoa do juiz, do agente do Ministério Público e dos auxiliares, e não, o juízo. Trata-se de pressuposto processual subjetivo. Por conseguinte, acolhida a exceção, no caso do juiz, ou a arguição, no caso do Ministério Público e dos auxiliares, o feito passa ao substituto legal, conforme determina o art. 146, § 5.º, no tocante ao juiz. Não há deslocamento do processo do juízo.149 Figure-se, por exemplo, a hipótese de o escrivão declarar-se suspeito. O titular de outra vara, desimpedido, passará a oficiar nos autos, indo o processo à outra escrivaninha sempre que necessário. O substituto encontra-se previsto, abstrata e previamente, nas normas de organização judiciária ou interna corporis do Ministério Público. O conflito negativo de competência não constitui meio hábil para o substituto do juiz que exerceu o dever legal de abstenção impugnar, indiretamente que seja, a remessa dos autos.150 Resta ao substituto assumir a causa sem protestos ou resistências.

A condição dos atos processuais já praticados dependerá do disposto na decisão que acolher a exceção ou a arguição. Em princípio, no que tange aos atos dos auxiliares e do agente do Ministério Público, a invalidação só ocorrerá na hipótese de caracterizar-se prejuízo – por exemplo, o juiz decidiu outra questão incidente, louvando-se no parecer do agente impedido ou suspeito. Fora daí não há necessidade de pronunciar a invalidade dos atos. Em relação aos atos do juiz, o assunto receberá exame em item próprio. Mas, vale recordar que o art. 285 do RISTF estatui que, afirmada a suspeição ou o impedimento, ou declarada uma e outra pelo tribunal, “ter-se-ão por nulos os atos” praticados pelo ministro. Não é distinto o alcance do art. 146, § 7.º.

Capítulo 46. ÓRGÃOS AUXILIARES DA JUSTIÇA SUMÁRIO: § 202.º Órgãos auxiliares do juízo – 978. Função dos órgãos auxiliares do juízo – 979. Classificação dos auxiliares do juízo – 980. Identificação dos auxiliares do juízo – § 203.º Serventuários da justiça – 981. Lotação dos serventuários da justiça – 982. Principais serventuários da justiça – 983. Demais serventuários da justiça – 984. Responsabilidade dos serventuários da justiça – § 204.º Escrivão – 985. Conceito de escrivão (ou chefe de secretaria) – 986. Deveres do escrivão – 986.1. Formação e guarda dos autos – 986.2. Redação de atos processuais – 986.3. Efetivação das ordens do juiz – 986.4. Comparecimento nas audiências – 986.5. Expedição de certidões – 986.6. Realização dos atos ordinatórios – 986.7. Elaboração da ordem cronológica da publicação e da efetivação dos atos decisórios – 987. Substituição do escrivão – § 205.º Oficial de justiça – 988. Conceito de oficial de justiça – 989. Deveres do oficial de justiça – 989.1. Cumprimento do mandado de citação – 989.2. Cumprimento do mandado de constrição e demais ordens – 989.3. Certificação das diligências – 989.4. Restituição dos mandados – 989.5. Comparecimento e manutenção da ordem nas audiências – 989.6. Realização das avaliações – 989.7. Certificação da propensão à autocomposição – § 206.º Colaboradores da justiça – 990. Principais colaboradores da justiça – 991. Responsabilidade dos colaboradores da justiça – § 207.º Perito – 992. Fundamentos do auxílio do perito – 993. Conceito de perito – 994. Funções do perito – 995. Nomeação do perito – 996. Poderes do perito – 996.1. Poder de escolha do meio – 996.2. Poder de coleta dos dados – 996.3. Poder de instrução do laudo – 997. Deveres do perito – 997.1. Dever de cumprimento do perito – 997.2. Dever de imparcialidade do perito – 997.3. Dever de pontualidade do perito – 997.4. Dever de diligência do perito – 997.5. Dever de veracidade do perito – 997.5.1. Extensão subjetiva do dever de veracidade do perito – 997.5.2. Responsabilidades decorrentes do dever veracidade do perito – 997.5.3. Aplicação da pena de inabilitação – 997.6. Dever de comparecimento do perito – 997.7. Dever de pessoalidade do perito – 998. Direitos do perito – 998.1. Direito do perito ao reembolso das despesas – 998.2. Direito do perito à remuneração – 998.2.1. Valor da remuneração do perito – 998.2.2. Antecipação da remuneração do perito – 998.2.3. Momento do recebimento da remuneração do perito – 998.2.4. Perda do direito do perito à remuneração – 998.2.5. Realização do direito do perito à remuneração – 999. Controle da imparcialidade do perito – § 208.º Depositário ou administrador – 1.000. Definição de depositário ou administrador – 1.001. Escolha do depositário ou administrador – 1.002. Natureza do vínculo do

depositário ou do administrador – 1.003 Deveres do depositário ou administrador – 1.003.1. Dever de guarda e conservação do objeto da constrição – 1.003.2. Dever de administração do objeto da constrição – 1.003.3. Dever de restituição do objeto da constrição – 1.003.4. Dever de prestação de contas – 1.003.5. Dever do depositário de indenizar – 1.004. Direitos do depositário ou administrador – 1.004.1. Direito à posse do objeto da constrição – 1.004.2. Direito do depositário e do administrador à remuneração – 1.004.3. Direito à designação de prepostos – 1.005. Remoção do depositário ou administrador – 1.006. Extinção do vínculo do depositário ou administrador – § 209.º Intérprete e Tradutor – 1.007. Definição de intérprete e de tradutor – 1.008. Função do intérprete e do tradutor – 1.009. Número de intérpretes e de tradutores – 1.010. Obrigatoriedade do intérprete e do tradutor – 1.011. Casos de designação de intérprete – 1.011.1. Tradução de documento redigido em língua estrangeira – 1.011.2. Versão das declarações orais das partes e testemunhas – 1.011.3. Tradução da linguagem de portadores de necessidades especiais – 1.012. Capacidade para ser intérprete e tradutor – 1.013. Deveres e direitos do intérprete e do tradutor – § 210.º Colaboradores participativos – 1.014. Conciliador e mediador no processo civil – 1.015. Disciplina do conciliador e do mediador – 1.015.1. Designação do conciliador e do mediador – 1.015.2. Impedimentos do conciliador e do mediador – 1.015.3. Poderes do conciliador e do mediador – 1.015.4. Deveres do conciliador e do mediador – 1.015.5. Direitos do conciliador e do mediador. § 202.º Órgãos auxiliares do juízo 978. Função dos órgãos auxiliares do juízo A instituição de órgãos judiciários em número adequado representa condição necessária, mas insuficiente para o Estado aviar-se do dever de prestar a tutela jurisdicional. É indispensável prover o juiz de recursos materiais e humanos, com o fito de promover os atos necessários à consecução dos fins próprios da jurisdição. O juízo envolve diversos atos materiais que podem e devem ser delegados a auxiliares. O juiz ocupa-se, teórica e predominantemente, da elaboração intelectual dos atos decisórios, também chamados de pronunciamentos (art. 203, caput) ou provimentos. Ficaria excessivamente sobrecarregado o órgão judiciário se, além dessa magna e principal incumbência, dispersasse esforços e atenção, v.g., na documentação e comunicação desses atos. O processo ficaria paralisado, na prática, “tal a lentidão com que se desenrolariam os atos do procedimento”,1 havendo o órgão judiciário de praticar a todos pessoalmente. Os atos de documentação do processo – espécie do gênero dos atos materiais –, desde os primórdios da jurisdição como atividade estatal e burocrática passaram a outra pessoa, apta a escrever, e, assim, chamado de escriba.2 Assim, o órgão judicial é secundado por pessoal variado, ocupando órgãos auxiliares. Encarados objetivamente, como conjunto de poderes e deveres, o órgão é o ofício judicial.3 As modalidades de recrutamento e, principalmente, o adestramento desse pessoal auxiliar, adquiriram a maior importância para o desempenho da atividade judiciária. Pouco se investe na capacitação dos auxiliares da justiça.

Em contrapartida, passou-se a exigir, em geral, o título de bacharel em direito, e, de resto, o provimento dos cargos criados pelas leis de organização judiciária pressupõe a realização de concurso público. É ainda incipiente a organização de carreira, facilitando a progressão do serventuário da comarca de menor movimento para os ofícios mais concorridos das grandes capitais. Desapareceu, de toda sorte, a investidura isolada e mediante cooptação. O art. 96, II, b, da CF/1988, incumbe aos tribunais iniciativa exclusiva do processo legislativo, estadual ou federal, conforme o caso, para “a criação e a extinção e a remuneração dos cargos dos seus serviços auxiliares”. É competência dos tribunais, ainda, prover esses cargos por concurso de provas e de títulos, exceto os cargos de confiança (art. 96, I, e, da CF/1988). A atividade desenvolvida por esses órgãos (v.g., a expedição do mandado de citação pelo escrivão; o ato de citação praticado pelo oficial de justiça) é basicamente administrativa. Praticam atos materiais em cumprimento às ordens judiciais. Não desempenham atividade jurisdicional.4 979. Classificação dos auxiliares do juízo O art. 149 do NCPC arrola, exemplificativamente, os órgãos auxiliares da justiça (o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete). O Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça – do Título IV – Do Juiz e Dos Auxiliares da Justiça – Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC sufraga essa terminologia. Evita cuidadosamente, o uso da palavra “órgão”, porque nem todos ocupam cargo, embora todos tenham competência para a prática dos atos que lhes competem (v.g., o perito e o mediador). Aqui se prefere, sem embargo, a nomenclatura “auxiliares do juízo”. O pessoal auxiliar da justiça divide-se em duas classes funcionais: (a) os serventuários da justiça, que ocupam cargo público de provimento efetivo ou de provimento em comissão, principalmente na assessoria do juiz, espécie de auxiliares a que a lei processual menciona em várias disposições (v.g., art. 148, II); (b) particulares em colaboração com a Administração da Justiça, investidos em munus público, a exemplo do perito, que é livre para recusar o encargo, alegando motivo legítimo (art. 157, caput). Tomando como critério a participação no processo, dividem-se em três grupos: (a) auxiliares permanentes (v.g., o escrivão ou chefe de secretaria); (b) auxiliares eventuais (v.g., o partidor, o intérprete); (c) auxiliares ocasionais (v.g., o contabilista).5 Os auxiliares da justiça compõem gênero que abriga servidores públicos, em sentido escrito, e particulares. O enquadramento numa das classes subordina-se à previsão da lei. Por exemplo, o depositário judicial (art. 840, II) tanto pode ser um serventuário, quanto um particular, conforme a lei haja criado, ou não, o cargo respectivo, provendo-o o presidente do tribunal. 980. Identificação dos auxiliares do juízo A lei processual atribui atividades, especificamente, a alguns serventuários da justiça. Os principais são os seguintes: (a) o oficial de justiça; (b) o

escrivão; (c) o distribuidor (v.g., art. 134, § 1.º; art. 286, parágrafo único); (d) o contabilista, anteriormente chamado de contador (v.g., artigos 152, IV, c; 524, § 2.º; 638, § 1.º); (e) o partidor (v.g., artigos 152, IV, c; 651); (f) o avaliador (v.g., artigos 630; 664, § 1.º; 870, parágrafo único; 872, caput; 873, I); (g) o depositário (v.g., artigos 553; 730; 740, § 2.º; 836, § 2.º; 838, IV; 840, II, e § 1.º; 862, caput, e § 2.º; 863, caput, e § 1.º; 866, § 2.º; 868, caput; 869, caput; 896, caput); (g) o mediador (v.g., artigos 139, V e 334, § 1.º); (i) o conciliador (v.g, artigos 139, V e 334, § 1.º). Em alguns casos, principalmente o mediador e o conciliador, em vez de serventuário desempenhará a função particular em colaboração com a Administração da Justiça. O art. 36 da Lei 5.010/1996, ao organizar o pessoal dos serviços auxiliares da Justiça Federal, arrolou, como cargos isolados, os seguintes serventuários: (a) chefe de secretaria (equivalente ao escrivão); (b) oficial judiciário; (c) depositário-avaliador; (d) auxiliar judiciário; (e) oficial de justiça; (f) porteiro; (g) auxiliar de portaria; (h) servente. O direito brasileiro nunca cunhou um conceito único de serventuário da justiça. Admitindo-se que a pessoa ocupe cargo, e assim se delineie a respectiva função, tampouco há um quadro fixo por vara, valendo realçar que, na comarca, podem existir ou não, conforme a necessidade de serviço, determinados cargos (v.g., o de partidor). Essa flexibilidade conferida às leis de organização judiciária é salutar. O movimento forense e os costumes locais podem recomendar estrutura mais ampla ou mais restrita. A tendência geral é de o mesmo serventuário exercer diversas funções no processo. Assim, a antiga figura do porteiro – “oficial público encarregado de apregoar as partes nas audiências, e os bens nas praças judiciais” –,6 outrora tão destacada no foro, desapareceu em quase todos os Estados-membros (e do texto do NCPC), mas a função subsiste no cargo de oficial de justiça. Dentre esses serventuários, há os que servem a um só juiz, em geral o escrivão, e outros que atendem vários juízos, a exemplo do contador. No entanto, o art. 150 do NCPC permite que, no mesmo juízo, criem-se vários ofícios. Inserindo-se a disposição na seção que alude ao escrivão, chefe de secretaria e aos oficiais de justiça, e inferindo-se do art. 251 do CPC de 1973 que o mesmo juízo comporta mais de um escrivão, parece clara a referência à pluralidade de escrivaninhas no mesmo juízo.7 No tribunal, os oficiais de justiça agrupam-se num departamento único e cumprem as ordens de todos os desembargadores, recebendo os mandados por distribuição. Em primeiro grau, no mínimo haverá um oficial de justiça para cada juízo (art. 151). A designação comum ao serventuário e aos profissionais liberais conduziu a lei, às vezes, a referir-se ao último, como acontece no art. 862, § 2.º em que o depositário é, por óbvio, pessoa qualificada para administrar empresas. E funções diferentes – por exemplo, as de distribuidor e escrivão; as de contador e distribuidor; as de avaliador e partidor – podem ser aglutinadas no mesmo cargo, conforme a organização judiciária local. Também se concebe que a lei não crie, na comarca, o cargo correspondente à função contemplada no NCPC. Nesta hipótese, o juiz chamará algum particular para desempenhála, conforme sucede, amiúde, com a de avaliador e o depositário (art. 840, II). Ocioso acrescentar que algumas funções competem unicamente a particulares (v.g., a de administrador), obrando no processo por designação

do juiz, em razão de sua capacidade profissional e moral. Não poderia a Administração da Justiça, com efeito, criar cargos e provê-los em número suficiente para algumas atividades, como a de perito, considerando as especialidades diferentes. Por essa razão, segundo o art. 156, § 1.º, o juiz escolherá o perito dentre os “profissionais legalmente habilitados” (e pessoas jurídicas), constante do cadastro prévio organizado pelo tribunal, na forma do art. 156, § 2.º. § 203.º Serventuários da justiça 981. Lotação dos serventuários da justiça Os serventuários da justiça mantêm vínculo estatutário com o Estadomembro ou a União, conforme se trate de Justiça Comum ou Justiça Federal, e são lotados na vara, que é a designação da unidade funcional do órgão judiciário de primeiro grau. Um cartório supre a atividade de cada vara. Aos cartórios judiciais alude a lei processual em inúmeras oportunidades (v.g., artigos 12, § 1.º; 92; 383, caput; 403, caput; 404, parágrafo único; 425, III; 618, IV). A designação de cartório provém do velho direito português. Os tabeliães trabalhavam no paço e cada compartimento chamava-se de cartório.8 É a unidade operacional no qual tramitam os autos, confiados ao escrivão, recebendo as petições, entregues no protocolo geral ou diretamente, passando recibo, e preside as idas e vindas do expediente ao juiz. Nos tribunais, recebe o nome de secretaria, desempenhando idênticas funções. O esquema mínimo para um juízo funcionar a contento, amparado pelo cartório, assenta na lotação nessa unidade de um escrivão e de um oficial de justiça (art. 151).9 Não há, porém, base fixa e universal. Não raro a organização do cartório judicial revela-se mais complexa, abrangendo servidores de hierarquia inferior, como os escreventes, além de uma autêntica multidão de estagiários. Restrições orçamentárias à contratação de pessoal obrigam os tribunais, cada vez mais, a valerem-se desse sucedâneo barato, mas perigoso. Nenhum controle minucioso os juízes e os tribunais exercem sobre o ingresso e a idoneidade das pessoas que manuseiam os autos, minutam decisões e praticam atos oficiais. Os serventuários da justiça não gozam do predicado constitucional da inamovibilidade. É perfeitamente admissível remover o serventuário de vara, dentro da mesma comarca, ou de uma comarca para outra, conforme a necessidade de serviço, através de ato devidamente motivado. O servidor também pode remover-se de uma comarca para outra com o fito de acompanhar o cônjuge.10 Fixado o panorama geral, impõe-se examinar os cargos mais importantes, cujas atribuições a lei processual predetermina nas seções do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça. 982. Principais serventuários da justiça Os principais serventuários da justiça são o escrivão ou chefe de secretaria e o oficial de justiça. A importância resulta de o NCPC dedicar-lhes a Seção I – Do Escrivão, do Chefe de Secretaria e do Oficial de Justiça – do

Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça. O título da seção não obriga a lei local de seguir à nomenclatura. Leis locais rotulam esse servidor de “oficial judicial” ou expressão equivalente. O uso da designação “chefe de secretaria” atende à organização da Justiça Federal. 983. Demais serventuários da Justiça Além do escrivão, ou chefe de secretaria, e do oficial de justiça, os demais serventuários da justiça, designados da lei processual, têm importância desigual. Em toda comarca há de existir um contabilista, sob pena de tornar-se impossível o atendimento ao art. 524, § 2.º. A intervenção do contabilista na execução diminui bastante, porque de obrigatória passou a eventual.11 Indiretamente que seja, o art. 1.007, § 2.º, prevendo a complementação do preparo insuficiente, exige a participação do contador, o único habilitado a quantificar a diferença. O cálculo das custas representa a tarefa ordinária do contabilista. O processo não prossegue sem a parte prover as despesas dos atos (art. 82). A existência de distribuidor mostra-se obrigatória nas comarcas aonde houver duas ou mais varas, ocupadas por dois ou mais juízes (art. 284, parte final). Esse serventuário repartirá as causas entre os juízos, alternadamente, “obedecendo rigorosa igualdade” (art. 285). A distribuição pode ser fiscalizada pela parte, por seu advogado, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública (art. 289). É mais teórica do que real essa possibilidade. Os sistemas de informática impedem, na prática, semelhante conferência. Resta confiar na exatidão do programa e no obstáculo intrínseco às manipulações. Figuras há que tendem à extinção, absorvidas suas funções pelo oficial de justiça ou por outro servidor. Este é o caso do porteiro dos auditórios. No CPC de 1939, cabia-lhe declarar aberta a audiência, apregoando as pessoas cujo comparecimento se revelasse obrigatório (art. 264 do CPC de 1939), e realizar leilão público dos bens que não forem arrematados (art. 972 do CPC de 1939).12 Foi substituído, na primeira tarefa, pelo oficial de justiça, e na segunda pelo leiloeiro. A escassa atividade própria provocou o desaparecimento do cargo de partidor (art. 651), absorvida a função pelo contador, e o elevado custo na preservação dos bens penhorados e falta de espaço para guardá-los eliminaram o depositário judicial (art. 840, II), substituído pelo leiloeiro nesses misteres. E o avaliador de serventuário da justiça passou a perito, ou seja, um particular que colabora com Administração da Justiça, porque a avaliação é tarefa do oficial de justiça (art. 154, V), salvo em casos especiais (v.g., obras de arte). 984. Responsabilidade dos serventuários da justiça O art. 155 estipula a responsabilidade civil do escrivão, do chefe de secretaria e do oficial de justiça, a fortiori dos demais serventuários do cartório. Essa responsabilidade civil é regressiva, e, portanto, responderá o Estado objetivamente, na forma do art. 37, § 6.º, da CF/1988. Respondem, ainda, penal e administrativamente (v.g., quanto ao excesso de prazo, art.

233, caput, e § 1.º). Mas, como toda responsabilidade civil, exige a conjugação de três elementos: culpa, imputabilidade e dano.13 Em primeiro lugar, respondem os serventuários pela recusa em cumprir, no prazo, os atos determinados por lei ou ordenados pelo juiz (art. 155, I). Compete ao órgão judiciário, com efeito, verificar o cumprimento do prazo, a teor do art. 233, ex officio ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública (art. 233, § 2.º) e instaurar o procedimento administrativo para aplicar a sanção correspondente (art. 233, § 1.º). Independentemente dessa iniciativa, o prejudicado pela demora, demonstrando o prejuízo, poderá demandar diretamente a União ou o Estadomembro para obter a reparação porventura devida. Exime-se o serventuário desta responsabilidade, de seu turno, alegando e provando “motivo legitimo”, que é causa excludente da antijuridicidade. Um motivo dessa natureza é o preenchimento do tempo com outras tarefas inerentes ao cargo.14 Por essa razão, poucas representações chegam a juízo. Os serventuários convivem com permanente excesso de trabalho, não se mostrando razoável responsabilizá-los por falhas do serviço, debitáveis à falta de recursos humanos. A impossibilidade de dar preferência a algum ato, em detrimento de outros, em igualdade de condições de urgência, caracteriza justo motivo. Já a recusa em desincumbir-se dos seus deveres, firme e expressa, pode ser tratada diferentemente. O serventuário é órgão de execução, e, não, pessoa encarregada do controle da legalidade dos órgãos judiciais.15 A insubordinação gera responsabilidade administrativa, civil e penal. Ademais, os serventuários responderão pela prática de ato nulo, obrando com culpa ou dolo (art. 155, II). A responsabilidade configurar-se-á na hipótese de o servidor desejar, conscientemente, a invalidade, mas também, se obrar com negligência (v.g., o oficial de justiça deixou de identificar o citando); imperícia (v.g., o escrivão omitiu os requisitos do art. 250 no mandado de citação); ou imprudência (v.g., o oficial de justiça não respeitou o honorário do art. 212, caput, e ingressou na residência do citando, fora desse horário, sem prévia autorização expressa do juiz). O lesado há de demonstrar prejuízo, razão pela qual o vício em si não basta, exigindo-se a decretação da invalidade e a repetição do ato. A responsabilidade civil há de ser objeto de demanda própria.16 § 204.º Escrivão 985. Conceito de escrivão (ou chefe de secretaria) O escrivão, ou chefe de secretaria, retribuído pelo Estado, é auxiliar de relevo, senão o de estatura mais elevada, no quadro dos auxiliares do juízo. A imensa responsabilidade do escrivão no manuseio dos processos exige que seja servidor público, e, portanto, serventuário da justiça. Essa figura tem origem remota, relacionada ao domínio da escrita, e as Ordenações Filipinas assim designavam pessoas investidas nas mais variadas funções.17 É “o oficial público encarregado de escrever os documentos legais, autos e mais atos dos processos, junto às autoridades judiciárias e outras administrativas entrosadas na atividade judiciária”.18

A lei de organização judiciária federal designa esse complexo de atribuições de “chefe de secretaria”. O escrivão desempenha, genericamente, duas funções: (a) a documentação dos atos processuais; (b) a movimentação material do processo. Mas, há outra função, cuidadosamente encoberta pelos participantes e omitida na lei, mas bem real e comum: a de ajudar, aconselhar o juiz pouco experiente.19 986. Deveres do escrivão O art. 152 do NCPC predeterminou as incumbências concretas do escrivão, sem prejuízo de outras, pertencentes “ao seu ofício” (art. 152, I, in fine), ou que lhe sem atribuídas “pelas normas de organização judiciária” (art. 152, II, in fine). O caráter exemplificativo do catálogo decorre dessas disposições e de várias outras que especificam deveres do escrivão. Por exemplo, o art. 203, § 4.º, c/c art. 152, IV, atribuiu-lhe a prática de “atos meramente ordinatórios”, como a juntada e a vista. A ordem dos deveres constantes no art. 152 não é a melhor. Antes de redigir os atos do seu ofício (inciso I), ao escrivão ou chefe de secretaria incumbirá receber a petição inicial e autuá-la, formando os autos físicos, na forma do art. 206, a partir do que os autos ficarão sob sua guarda e responsabilidade (inciso IV). Essas disposições perderão o sentido no processo eletrônico. Impossível constranger o escrivão ou chefe de secretaria a “guardar” arquivos eletrônicos armazenados em servidor alhures localizado, presumivelmente no exterior. 986.1. Formação e guarda dos autos – Em primeiro lugar, toca ao escrivão formar e guardar os autos físicos em cartório (art. 152, IV). Incumbe ao escrivão ou chefe de secretaria, ao receber a petição inicial do processo distribuída e registrada, autuá-la, “mencionando o juízo, a natureza do processo, o número de seu registro, os nomes das partes e a data de seu início” (art. 206). Formar-se-ão volumes sucessivos, a partir de certo número de páginas, mas o escrivão procederá do mesmo modo em relação a cada qual (art. 206, in fine). E, igualmente, quanto aos já abandonados autos físicos suplementares, assim procedia o escrivão. Os autos só saem do cartório, e, conseguintemente, da guarda do escrivão, nas situações previstas em lei (art. 152, IV, a até d): (a) passando ao juiz, mediante termo de conclusão, o qual poderá mantê-los no gabinete, ou levá-los para sua residência, não sem os riscos de trânsito, a fim de estudálos com mais vagar; (b) retirados, por vista, em carga pelos advogados (o art. 107, III, assegura ao advogado a retirada dos autos do cartório “sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz”), pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pela Fazenda Pública; (c) confiados a outro serventuário (contador, partidor, e, a fortiori, o avaliador), a fim de que pratiquem atos do seu ofício; e (d) modificando-se a competência, o processo se transferirá para outro juízo (art. 58; art. 64, § 3.º). A par das situações

versadas no art. 152, IV, há outras em que o escrivão perde a guarda regular dos autos; por exemplo, subindo os autos ao tribunal, interposto recurso de apelação,20 ou confiados ao perito nomeado pelo juiz.21 O escrivão anotará as modificações em livros próprios. Por exemplo, o livro de carga dos autos aos advogados (art. 107, § 1.º). Os autos eletrônicos suscitam desafios sem solução. Parece óbvio que ao escrivão tocará a “guarda”, no sentido de velar pelo que os demais serventuários e estagiários lançam no arquivo digital, pois a dimensão e as características desse arquivo escapam-lhe do controle, e haverá disciplina própria para a cópia de segurança (backup). Ressuscitarão redimidos, tardiamente, os obsoletos “autos suplementares”. Não é concebível, no entanto, responsabilizar o serventuário por ataques virtuais liderados por hackers, apagando ou danificando o arquivo do processo. Falta-lhe formação na área de informática e, presumivelmente, os singulares dotes que possibilitam ao hacker vencer as barreiras de segurança. É o contrário do que acontece com os autos físicos, no caso de perda e de extravio. 986.2. Redação de atos processuais – Segundo o art. 152, I, incumbe ao escrivão “redigir, na forma legal, os ofícios, os mandados, as cartas precatórias e os demais atos que pertençam ao seu ofício”. Lavrará o escrivão, portanto, os termos relativos ao andamento do feito.22 Esse dispositivo só menciona, explicitamente, os atos de comunicação. E, de fato, cabe ao escrivão redigir e expedir as cartas de ordem, as cartas precatórias e as cartas rogatórias, assim como definidas no art. 237, I a III – a carta de ordem (art. 237, IV) será expedida pelo tribunal arbitral, geralmente (arbitragem institucional) pela câmara –, que mandam, solicitam ou rogam a prática de atos a outros juízos. Também os atos para dar ciência às partes e aos terceiros (ofícios, mandados, telegramas, mensagens eletrônicas). Mas, há outros atos carreados ao escrivão, preparatórios ou não; por exemplo, a expedição de guias de recolhimento para o preparo dos recursos; a expedição de mandado de levantamento, quanto às quantias depositadas sob responsabilidade do juízo, previsto no art. 906, caput; as assentadas dos depoimentos da partes e testemunhas.23 E dos atos privativos do escrivão, ou chefe de secretaria, localizados nos artigos 206 a 211, surge o dever de redigir outros tantos atos; por exemplo, o escrivão numerará e rubricará todas as folhas dos autos originais ou secundários (art. 207, caput); elaborará os termos de juntada, de vista, de conclusão, e outros semelhantes, por “notas datadas e rubricadas pelo escrivão” (art. 208), datilografando-os ou redigindoos em arquivo digital (art. 209, § 1.º); produzirá os atos a serem armazenados digitalmente, assinados pelo juiz, pelo escrivão e pelos advogados das partes, certificando a recusa em assiná-los (art. 209, caput). O escrivão ou chefe de secretaria desenvolve vasta atividade de documentação, redigindo atos, auxiliado por modelos predeterminados, ou não, assoalhando o devenir do processo. Nos sistemas processuais em que o processo de desenvolve sob impulso oficial, à semelhança do brasileiro (art. 2.º), a atuação exata e pontual desse serventuário revela-se fundamental. Do contrário, o “procedimento sofrerá hiatos e paradas sucessivas, com a prejudicial procrastinação do desfecho da causa”.24

986.3. Efetivação das ordens do juiz – O juiz cumprirá as ordens escritas (ou verbais) do juiz (art. 152, II). A lei processual escolheu a palavra “efetivação” para retratar atos (materiais) de execução. Entre tais ordens, incumbe ao escrivão promover as citações ou as intimações, ou seja: confeccionará o mandado de citação, com os requisitos do art. 256, a carta com aviso de recebimento (art. 248, § 1.º)25 e a mensagem eletrônica (art. 246, § 1.º); redigirá, ainda, a nota de expediente para intimar as partes através de publicação no órgão oficial (art. 272, caput); intimará in faciem o advogado, as partes e os sujeitos do processo (art. 274, caput: “… ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria”), inclusive os advogados públicos.26 Não é possível e ainda menos razoável exigir que todas as ordens decorram de despachos escritos. Ordens verbais são costumeiras, mas sempre há o risco de ilegalidade (v.g., negar o direito de carga a determinado advogado, todavia no gozo desse direito, porque inconfiável). O escrivão acompanhará o juiz nas diligências realizadas fora da sede do juízo, competindo, por exemplo, lavrar o auto circunstanciado da inspeção judicial (art. 484, caput). E exercerá a supervisão dos trabalhos do cartório, fiscalizando o cumprimento de horário e o desempenho funcional dos demais serventuários, bem como dispondo dos móveis e dos equipamentos. 986.4. Comparecimento nas audiências – É o escrivão ou chefe de secretaria o auxiliar do juiz nas audiências, de acordo com o art. 152, III, substituído, nos impedimentos eventuais, por servidor, chamado de escrevente juramentado nas leis locais. Tal regra dificilmente é seguida à risca. O juiz prefere o próprio secretário, ou um estagiário mais hábil, para registrar a audiência de instrução por um dos modos admissíveis (datilografia, taquigrafia, estenotipia ou arquivo eletrônico). A antiga menção ao “escrevente juramentado”, substituído pela neutra designação de “servidor”, constante no art. 122 do CPC de 1939 e no art. 141, III, do CPC de 1973, originava-se da vetusta disposição das Ordenações Filipinas (Livro I, Título 97, § 10), permitindo tivesse o escrivão “pessoa que o ajude a escrever” nas audiências, mas proibia-lhe de ir às audiências e tomar os termos. Essa proibição não tem sentido.27 Ela se mostra incongruente, de resto, com a regra de substituição do escrivão, que recai, na última forma, sobre qualquer pessoa idônea (art. 152, § 2.º). Por óbvio, o juiz não deixará de realizar a audiência, ato extremamente custoso para partes e testemunhas, porque impedido o escrivão e inexistente servidor disponível no cartório ou alhures. 986.5. Expedição de certidões – O escrivão expedirá, independentemente de despacho, certidão de qualquer ato ou termo do processo (art. 152, V). A ninguém mais é dado, validamente, passar certidões. Decidiu o STJ, por exemplo, que a certidão para provar a tempestividade do agravo de instrumento não pode ser expedida por servidor do Executivo lotado na Procuradoria.28 A certidão é documento público (infra, 1.920.1). Trata-se de atribuição autônoma do escrivão, porque independe de autorização do juiz.29 Uma das certidões mais relevantes, do ponto de vista da

atividade processual, reponta no recebido a que alude o art. 201 (infra, 1.112.3). Em princípio, porque público o processo, qualquer pessoa poderá solicitar a certidão. Terceiros têm todo o direito de pedir certidão dos processos públicos sem alegar e provar interesse mais concreto.30 Ficam ressalvadas, em termos, as certidões nos processos que correm em segredo de justiça (art. 152, V, in fine), pois só as partes e os procuradores têm direito obtê-las (art. 189, § 1.º, in fine). Terceiros juridicamente interessados (v.g., a Fazenda Pública) podem requerer “certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação”, a teor do art. 189, § 2.º, não devassando, portanto, a privacidade do litígio. Nesses casos, a expedição da certidão dependerá de provimento do juiz. O direito do terceiro é restrito, parcial e indireto.31 Objeto da certidão, segundo reza o art. 152, V, é o ato ou o termo do processo. O art. 425, I, também menciona o “protocolo das audiências”, que só pode ser o livro próprio (art. 367, § 1.º), e outros livros a cargo do escrivão. A lei de organização judiciária obriga o escrivão a organizar e manter vários livros. Respeita a termo do processo a certidão da intimação da decisão agravada, documento obrigatório nos traslados do agravo de instrumento. No entanto, o escrivão também pode passar certidão dos seus livros e outros papéis sob sua guarda. Por exemplo, apurada a falta do advogado que excedeu o prazo, não restituindo os autos ao cartório, seguramente certidão do livro carga instruirá a comunicação à OAB, cogitada no art. 234, § 3.º, ou ao órgão correcional do Ministério Público e da Defensoria Pública (art. 234, § 4.º). Fatos estranhos aos existentes nesses documentos, conquanto ocorridos em cartório, podem ser objeto de depoimentos, não de certidão.32 Uma das certidões mais relevantes, do ponto de vista das partes, consiste no protocolo de petições, de arrazoados, de papéis e de documentos entregues em cartório (art. 201). Eventual dúvida acerca da tempestividade da contestação, por exemplo, dissipa-se à luz de certidão do livro de protocolo. As certidões do escrivão desfrutam de fé pública, presumindo-se verdadeiras até prova em contrário, conforme o art. 405, motivo por que fazem a mesma prova dos originais, a teor do art. 425, I.33 986.6. Realização dos atos ordinatórios – Uma das múltiplas facetas da frustrada desburocratização da atividade judiciária, na perspectiva da pessoa investida na função judicante, consiste na delegação de atos de menor importância ao escrivão ou chefe de secretaria. Assim, a prática de atos ordinatórios, ou de simples impulso, como a juntada e a vista dos autos, competem ao escrivão ou chefe de secretaria, ex officio, conforme o art. 152, VI. A origem se comprova pela possibilidade de cada juízo regular essa atividade (art. 152, § 1.º). Porém, o art. 203, § 4.º, acomete a tarefa ao “servidor”. À luz do art. 152, VI, só o escrivão ou chefe de secretaria tem essa incumbência, e, não, qualquer serventuário lotado na vara. Não é admissível, sob os auspícios do art. 152, § 1.º, ampliar a competência do escrivão ou chefe de secretaria para outros atos (v.g., a designação do perito). Logo, o parágrafo é inútil, apesar do caráter exemplificativo da juntada e da vista.

986.7. Elaboração da ordem cronológica de publicação e efetivação dos atos decisórios – O princípio da igualdade formal exacerbou-se no NCPC. O juiz proferirá as sentenças em ordem cronológica (retro, 156.8). E o escrivão ou chefe de secretaria, de seu turno, publicará e efetivará – no que lhe couber, bem entendido – os pronunciamentos judiciais em ordem cronológica (art. 153, caput). Para essa finalidade, organizará lista própria, posta para consulta pública permanentemente (art. 153, § 1.º). Essa lista, na verdade, subdivide-se em duas: (a) dos atos comuns; (b) dos atos urgentes e preferenciais (art. 153, § 3.º). A urgência dependerá de declaração nesse sentido no pronunciamento (art. 153, § 2.º, I), a exemplo da tutela provisória de urgência, enquanto a preferência decorre da lei (art. 1.048, I e II). Não fica claro se o idoso ou o doente preferem a criança e adolescente ou vice-versa. Há bons argumentos em prol de um ou de outro. Parece preferível atender o doente em primeiro lugar, talvez em estágio terminal, seguido do idoso, porque pouco tempo lhe resta, findando pela criança e pelo adolescente – têm muito tempo à frente e podem aguardar um pouco. Ocorrendo preterição, a parte poderá reclamar, nos próprios autos, mediante petição ao juiz da causa. O juiz requisitará informações, a serem prestadas em dois dias (art. 153, § 4.º). Verificada a preterição, o juiz mandará publicar ou efetivar o ato imediatamente, abrindo processo disciplinar (art. 153, § 5.º). A estrita observância da ordem cronológica, praticada em alguns juízos, curiosamente os menos operosos, constitui medida controversa e de duvidosa eficácia. Figure-se o caso de o autor requerer tutela provisória de urgência na petição inicial. O autor dessa demanda terá prioridade de tramitação, em detrimento dos que, por sensata opção, abstiveram-se de requerer idêntica medida. Indiretamente, estimular-se-á pedidos de tutela de urgência e outros expedientes, não convindo olvidar a sobrecarga de trabalho de todos os serventuários da justiça em qualquer grau de jurisdição. Resta aguardar os efeitos da terapêutica da igualdade a todo custo. 987. Substituição do escrivão De acordo com o art. 148, II, os motivos de impedimento e de suspeição aplicam-se aos auxiliares da justiça e, portanto, ao escrivão ou chefe de secretaria. Por essa razão, o escrivão ficará impedido de obrar em alguns processos. Também se concebe o afastamento do escrivão em decorrência de licença ou de férias, ou a simples falta imotivada ao serviço.34 Em tais situações, o juiz dar-lhe-á substituto dentre os demais servidores do cartório, e, “não o havendo, nomeará pessoa idônea para o ato” (art. 152, § 2.º). As leis de organização judiciária regulam, minuciosamente, semelhante substituição, organizando tabelas. O sistema oferece previsibilidade e transparência, atalhando os inconvenientes da substituição ad hoc. Na ausência de substituto tabelar, o juiz designará qualquer pessoa idônea (v.g., o advogado sênior da comarca, afastado da militância da sua profissão). Essa substituição eventual restringe-se ao ato específico,35 quiçá urgente, a exemplo da audiência de instrução. Em seguida, o juiz afastará o estranho logo que possível. O afastamento definitivo do escrivão, acolhida a

exceção de impedimento ou de suspeição, não autoriza a permanência do particular a exercer essa função no curso do processo. § 205.º Oficial de justiça 988. Conceito de oficial de justiça O oficial de justiça é o serventuário encarregado de cumprir as ordens do juiz. Trata-se, pois, do agente dos atos materiais, sobrelevando-se a prática dos atos executivos (art. 782, caput, parte final: “… e o oficial de justiça os cumprirá”). Em seguida às atribuições do escrivão, ou chefe de secretaria, o art. 154 ocupa-se das que são conferidas ao oficial de justiça. Suas funções principais são as seguintes: (a) realizar atos de comunicação; (b) realizar atos de execução.36 989. Deveres do oficial de justiça O art. 154 elucida os atos de competência do oficial de justiça. O catálogo é exemplificativo, como resulta do inciso I, que alude às “demais diligências próprias do seu ofício”. Dependerá da lei de organização judiciária as atribuições do cargo. Omitiu referência especial à pontualidade. Nada obstante, o oficial de justiça “comparecerá pontualmente lá onde o exigir o seu dever e realizará as diligências dentro do prazo”.37 989.1. Cumprimento do mandado de citação – O oficial de justiça cumprirá, pessoalmente, o mandado de citação (art. 154, I). A exigência de pessoalidade prendeu-se, no direito anterior, à prática reprovável, mas banal, de o escrivão ou o oficial de justiça encarregarem pessoa estranha aos quadros da Administração da Justiça do cumprimento desta diligência.38 O ato praticado por essa pessoa revelar-se-á nulo. Nenhuma fé pode ser atribuída ao que for certificado no mandado por algum particular. A citação por oficial de justiça tornou-se subsidiária. A modalidade preferida, in pectore, na lei processual é a citação por via eletrônica. Não sendo possível, principalmente no caso das pessoas naturais e das microempresas e das empresas de pequeno porte (art. 246, § 1.º, a contrario sensu), caberá a citação pelo correio “para qualquer comarca” (art. 247, caput), e, a fortiori, seção e subseção judiciária. A citação por oficial de justiça, outrora soberana, terá lugar casos ressalvados no art. 247, I a V (v.g., quando incapaz o citando), e, ainda, frustrada a citação pelo correio, a teor do art. 249. O art. 251 institui deveres suplementares do oficial de justiça, na realização do ato, incumbindo ao oficial: (a) ler o mandado e entregar ao citando a segunda via, chamada de contrafé (inciso I); (b) portar por fé se o citando aceitou ou recusou a contrafé (inciso II); (c) obter nota de ciente do citando na primeira via do mandado ou certificar a recusa do citando em assiná-la (inciso III). Embora o art. 143, I, aluda à citação, que é o ato de chamamento do réu, do executado e do interessado (art. 238), o oficial de justiça também cumprirá, porque inserido nas “diligências próprias do seu ofício”, o mandado de intimação (art. 275, caput) e o de notificação ou interpelação (art. 726). O

conteúdo da certificação, nesses casos, semelha ao da citação, cabendo ao oficial de justiça portar por fé o lugar, o dia e a hora de quaisquer atos de comunicação (art. 154, I, in fine). 989.2. Cumprimento do mandado de constrição e demais ordens – O art. 154, I, alude aos atos de constrição patrimonial (penhora e arresto) e pessoal (prisão). E, de fato, o juiz ordenará os atos executivos e o oficial de justiça os cumprirá no mundo material (art. 782, caput). Nessas diligências, em princípio, o oficial de justiça atuará solitariamente. Porém, no caso de resistência, um colega o coadjuvará, a teor do art. 846, § 1.º, e, ademais, o juiz poderá requisitar força policial (art. 782, § 2.º c/c art. 139, VII e art. 846, § 2.º). De acordo com o art. 154, II, compete ao oficial de justiça, genericamente, “executar as ordens do juiz a que estiver subordinado”. O verbo “executar” significa “cumprir” ou “efetivar” neste contexto. A lei processual revela nítida preferência pelo último verbo (art. 152, II). Por exemplo, o oficial de justiça conduzirá a testemunha recalcitrante (art. 455, § 5.º). A condução é ato executivo. O oficial de justiça não é portador de recados,39 o prestadio mandalete posto pelo Estado à disposição do magistrado, mas serventuário da justiça agregado à unidade operacional do órgão. O cumprimento previsto na lei abrange somente as ordens relacionadas com seu ofício. O oficial de justiça deve recusar, sem receio de sanção ou retaliação, quaisquer encargos diferentes e estranhos, como o de buscar os filhos do magistrado no colégio ou o de pagar contas no banco. 989.3. Certificação das diligências – O oficial de justiça tem competência para lavrar certidões, narrando o acontecido no curso das suas diligências, “com menção ao lugar, ao dia e à hora” (art. 154, I, in fine), e, sempre que possível, as pessoas presentes (v.g., na citação por hora certa, o familiar ou vizinho do citando, a teor do art. 253, § 3.º). Tal certidão pode ser manuscrita, impressa por meio mecânico ou em arquivo digital. Em geral, a certidão é lançada no verso do mandado. A falta de identificação cabal da pessoa não afeta a validade do ato.40 É quase impossível obter a colaboração dos circunstantes. As certidões do oficial de justiça constituem modalidade de prova atípica – a constatação oficial (infra, 1.850). 989.4. Restituição dos mandados – O oficial de justiça restituirá os mandados ao cartório logo depois de cumpridos (art. 154, III). A exigência decorre da necessidade de fixar o termo inicial da fluência dos prazos (art. 231, II). Não há elastério temporal concebível. A restituição há de ser imediata, no mesmo dia, ou no dia seguinte, após o reinício do expediente forense.

O escrivão registrará em livro próprio o dia e hora da entrega e da restituição dos mandados pelo oficial de justiça. 989.5. Comparecimento e manutenção da ordem nas audiências – O art. 154, IV, recolhendo a prática usual, não mais prevê o comparecimento do oficial de justiça nas audiências, estipulando apenas o dever de coadjuvar o juiz na manutenção da ordem. Era função do oficial de justiça apregoar a audiência, ou seja, anunciar o início e o fim da solenidade, chamando partes, advogados, peritos e testemunhas, na devida ordem, desempenhando, neste último caso, as funções originais do porteiro. Parece óbvia a relação do dever de “auxiliar o juiz na manutenção da ordem” (ar. 154, IV) e a audiência, oportunidade propícia para desinteligências entre os respectivos participantes. Nas sessões de julgamento dos tribunais, sempre há, no mínimo, um oficial de justiça a recepcionar partes, advogados e assistentes, relacionando os que debaterão, na devida ordem, e marcando o tempo da peroração no relógio próprio. Porém, o dever de coadjuvar o juiz na manutenção da ordem ultrapassa a sala de audiências. Não é incomum a ocorrência de altercações na sede do juízo. O oficial de justiça intervirá em qualquer dependência do foro. Ocorrendo perturbações na própria audiência, por força do indevido comportamento dos participantes, incluindo os assistentes, o oficial de justiça auxiliará o juiz na pacificação, sem prejuízo da atuação mais eficiente do serviço de segurança interna do foro ou do tribunal (art. 139, VII, in fine). 989.6. Realização das avaliações – A lei processual anterior atribuíra ao oficial de justiça, explicitamente, a incumbência de realizar avaliações, hoje prevista no art. 154, V. Repete essa disposição o art. 870, caput. A avaliação do bem penhorado é uma perícia (art. 464, caput), reclamando conhecimentos técnicos, raramente apropriados pelo oficial de justiça. Por essa razão, 870, parágrafo único, autoriza o juiz, ante a natureza do bem, e comportando o valor em execução essa despesa, quiçá elevada, a nomeação de avaliador. A lei aposta que, na maioria dos casos, recaindo a constrição sobre bens imóveis ou automóveis, a identificação do valor corrente de mercado pelo oficial de justiça é tão boa quanto a de qualquer outro especialista, valendo-se do método comparativo e coligindo os dados em veículos de comunicação, principalmente na seção dos anúncios classificados. 989.7. Certificação da propensão à autocomposição – Ao realizar as diligências próprias, em especial os atos de comunicação processual (citação e intimação), o oficial de justiça recolhe impressões e manifestações heterogêneas. Impropérios são comuns e há lugares em que, simplesmente, o oficial de justiça não chega sem acompanhamento da polícia militar. Dentre as manifestações concebíveis pode suceder a propensão do citando ou do intimando à autocomposição (v.g., o réu declara já ter proposto pagar ao autor determinada quantia, evitando o ingresso em juízo). Em tal hipótese, o oficial de justiça certificará o ocorrido, a teor do art. 154, VI, pois o art. 3.º, § 3.º, recomenda aos juízes, em geral, dos quais o oficial de justiça é o auxiliar de campo, promover a autocomposição. O juiz mandará intimar a

contraparte, segundo o art. 154, parágrafo único, para se manifestar no prazo de cinco dias, entendendo-se o silêncio como recusa. Essa providência não tem cabimento se já existe audiência de conciliação e de mediação designada (art. 334), salvo manifestando-se o advogado do réu, mais realista, contrário à realização da sessão, convergindo, nesse propósito, com a opção do autor na petição inicial (art. 319, VII). Tirante esse último caso, a propensão será melhor explorada na audiência, da qual participarão, necessariamente, o conciliador e o mediador (art. 334, § 1.º). § 206.º Colaboradores da justiça 990. Principais colaboradores da justiça As seções II, III, IV e V do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça – do Título IV – Dos Juiz e dos Auxiliares da Justiça – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC ocupam-se dos principais particulares que, eventualmente, colaboram com a Administração da Justiça. Em caráter episódico da participação desses especialistas indica a inconveniência da criação de cargos de provimento específico, preenchidos mediante concurso público, na estrutura do ofício judicial. A lei reserva esse tipo de investidura, preferencialmente, aos participantes permanentes (v.g., o escrivão e o oficial de justiça). É preferível, nas circunstâncias, investir particulares na condição de auxiliares do juízo, quando necessário, e remunerá-los consoante o preço de mercado. Esse panorama afigura-se parcialmente correto no que tange ao conciliador e o mediador. Em princípio, a audiência de conciliação e de mediação (art. 334) constitui fase preliminar obrigatório do procedimento comum, salvo “opção” convergente das partes em não participarem desse contato, e dessa audiência participarão “necessariamente” (art. 334, § 1.º) tais auxiliares do juízo. O art. 167, § 6.º, do NCPC autoriza a cada tribunal (TJ ou TRF) criar “quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos”, aumentando, insensatamente, o gasto público no custeio do funcionalismo público. É preferível promover o trabalho voluntário (art. 169, § 1.º) dentre os particulares ou, na pior das hipóteses, cadastrar e remunerar particulares por hora trabalhada, em vez de dilatar quadro já enorme de servidores públicos prestando serviços de precária qualidade e eficiência. O caráter privado do auxiliar não modifica a natureza eminentemente pública do liame estabelecido entre o particular e o órgão judiciário. Conforme já se assinalou, “entre o juiz, o escrivão, o oficial de justiça, o perito e o intérprete existe de comum o serem órgãos de jurisdição, razão por que podem esses ser recusados, por suspeição, nos mesmos casos em que o podem ser o juiz, o escrivão e o oficial de justiça”.41 991. Responsabilidade dos colaboradores da justiça O artigo 155 ocupa-se da responsabilidade dos principais serventuários da justiça (escrivão ou chefe de secretaria e oficial de justiça). Nenhuma palavra há quando à dos colaboradores. E não se pode afirmar que essa classe de auxiliares é ignorada ou desconhecida na arquitetura legislativa.

Desse silêncio extrai-se a segura ilação de os colaboradores da justiça responderem nos termos da lei civil – a prática de ilícito culposo ou doloso quanto atos que lhe são incumbidos pelo órgão judiciário. E, naturalmente, respondem criminalmente, avultando a disposição do art. 242 do CPB. § 207.º Perito 992. Fundamentos do auxílio do perito É comum o órgão judiciário necessitar de conhecimentos especiais, alheios à sua área de saber específica – o juiz é, na expressão francesa, o maître du droit -,42para apurar a veracidade da alegação de fato objeto de prova (infra, 1.307) e, destarte, resolver as questões de fato que lhe são submetidas e definiu na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, II). Por definição, o homem a mulher investidos no órgão judiciário são especialistas na matéria jurídica. Disposições explícitas impõem que o ingresso na carreira judicial, ocupando o cargo de juiz substituto, mediante a duríssima provação de concurso público de provas e títulos (art. 93, I, da CF/1988), e o provimento originário de cargos nos tribunais “notório saber jurídico” (art. 94 da CF/1988), senão “notável saber jurídico” (art. 101, caput, e art. 104, parágrafo único, da CF/1988). Essas pessoas têm cultura geral acima da média, mas carecem de conhecimentos mais profundos e consistentes em áreas distintas, inclusive nas que lhes despertam a curiosidade ou a vocação anteriormente. Não é incomum o engenheiro, o médico e o odontologista, desiludidos com essas nobres profissões, habilitarem-se em direito e tornarem-se juízes. O conhecimento ordinário desses trânsfugas profissionais vai além do saber jurídico. A detenção de conhecimentos especiais pelo juiz constitui situação eventual e, a mais das vezes, insuficiente para neles fundar o juízo de fato e incompatível com os direitos fundamentais processuais. Em primeiro lugar, o vertiginoso progresso científico na sociedade pós-moderna não assegura ao antigo engenheiro, médico e odontologista, a atualização necessária para avaliar os casos de sua antiga profissão. E, de toda sorte, as partes e os seus procuradores talvez não desfrutem da mesma iniciação,43 habilitando-os a contraditarem o juízo de fato emitido nessas condições. Presume-se que não depositem irrestrita confiança irrestrita na capacitação do magistrado fora de sua área própria. E, por fim, ao juiz é vedado utilizar seu conhecimento privado para resolver as questões de fato (infra, 1.353), e, destarte, interpretar originariamente fatos alheios ao âmbito jurídico. Reclamando a imissão do juízo de fato imprescindível ao julgamento da causa da aquisição de conhecimentos especiais (científicos, técnicos e artísticos), que não se traduzem em regras (ou máximas) de experiência (infra, 1.327), o juiz de primeiro grau, em cujo âmbito, basicamente, produzirse-á a prova, socorrer-se-á de um auxiliar especial: o perito. E como ao juiz não cabe utilizar seu conhecimento privado para resolver questões de fato, subentende-se que, exigindo tal juízo conhecimentos científicos, técnicos e artísticos que não se compreendam nas regras de experiência, a produção da prova pericial é obrigatória.

O conhecimento científico, técnico e artístico pode chegar ao processo através de vários meios de prova.44 Em especial, o expert witness, ou depoimento técnico, mais sugerido do que admitido no art. 464, § 1.º, pois, aí, subentende-se a existência de vínculo de confiança entre o juiz e o especialista convocado – no expert witness inexiste vínculo entre o depoente e o juiz –, tende a ser admitido com mais intensidade no direito brasileiro. É preciso ter em mente que esse meio de introduzir o conhecimento apresenta vantagens e desvantagens, especialmente no tocante à confiabilidade do testemunho que, oficial ou oficiosamente, pode ser pago pela parte interessada.45 993. Definição de perito Segundo definição clássica, o perito é a “pessoa douta, versada ou entendida, na ciência, arte ou ofício respeitantes a certos fatos da causa”.46 É também chamado “entendido de fato” (Sachverständiger), ou seja, a pessoa que, em razão do seu conhecimento, tirocínio e competência, auxilia o juiz na confirmação dos fatos litigiosos.47 Formalmente, perito é o particular que presta colaboração ocasional com a Administração da Justiça.48 De ordinário, o perito é profissional liberal, desparecendo o título do ofício praticado no processo comum,49 especializado na sua área de saber e ativo nesta função de assistência. Por exceção, o perito é oficial – por exemplo, na perícia grafológica (art. 478). O art. 149 situou o perito dentre os auxiliares do juízo. A designação do perito pelo juiz estabelece um vínculo de direito público, todavia efêmero, entre o particular e a pessoa jurídica de direito público, gerando deveres e direitos. Cuida-se de opção de política legislativa, haja vista a natureza das funções do perito (infra, 994). Este vínculo não modifica a natureza da perícia, que é meio de prova. 994. Funções do perito O perito desempenhará, na prática, atividade muito heterogênea. Equivale em extensão, em riqueza e em variedade aos próprios domínios do conhecimento humano. Tudo dependerá da natureza do litígio. No geral, considerando o quod plerumque fit, ao perito incumbem as seguintes tarefas: a avaliação de bens de toda espécie, na execução (art. 870, parágrafo único) ou não; a vistoria, medição e a definição de limites de imóveis; a apuração das causas e das circunstâncias de um acidente de veículos nas vias terrestre, aérea e aquática, atendo-se à velocidade e às condições técnicas de funcionamento dos veículos envolvidos, ou seja, aos aspectos dinâmicos e estáticos; realização exames para apurar o teor de álcool no sangue, as condições físicas ou mentais de uma pessoa, o diagnóstico e o prognóstico de enfermidades ou de perda de membro, órgão e função, e genéticos para apurar a paternidade e a maternidade; a apuração da autenticidade ou a falsidade de autógrafos, documentos e obras de arte; a avaliação de livros e dados contábeis; e, por fim, a investigação de dados provenientes de arquivos informáticos.50 Essa amplíssima atividade, mas atinente aos casos mais comuns, em larga síntese desdobra-se em duas espécies: (a) percepção; (b) dedução.

Não é ainda o momento adequado para tratar dos modelos de constatação ou meios de prova (infra, 1.342). Mas, é certo que a atividade pericial segue dois caminhos. Em primeiro lugar, o perito empregará o seu conhecimento técnico, científico ou artístico – a enumeração do art. 156, caput, seguindo o direito anterior, negligenciou a especialidade artística e a prática –, a fim de adquirir conhecimento a respeito dos fatos alegados. Para esse fim, o perito utiliza os respectivos sentidos, antes de assentar sua conclusão ou seu parecer, transmitidos ao juiz. Por exemplo – e tendo em mente as fontes de prova (infra, 1.341), incumbe ao perito apurar a composição química dos materiais empregados na estrutura da edificação, a qualidade de um produto oferecido aos consumidores, e o estado de saúde de certa pessoa.51 O perito funciona, até aí, como instrumento de percepção. Findasse nesse estágio a atividade pericial, e prescindindo da dificuldade de depurar a aquisição do conhecimento de qualquer juízo a respeito dos fatos, ela pouco ou nada acrescentaria ao que o próprio juiz, por outros meios, lograria obter. É preciso um passo mais. Assim, em segundo lugar, apurados os fatos, o perito ingressa na de delicada fase de “compreendê-los, distinguilos, caracterizá-los, fornecendo ao juiz máximas ou regras técnicas, científicas ou mesmo de experiência não ordinária, capazes de servir para a interpretação dos mesmos fatos”.52 Funcionará o perito, então, como instrumento de dedução. Não é estranha ao domínio da dedução pericial a projeção das consequências futuras de fatos presentes, especulando o porvir (v.g., a avaliação das sequelas do dano à pessoa; o risco de ruína do imóvel, porque mal projetado ou assentado em fundações elaboradas com materiais impróprios e de má qualidade). Em geral, porém, a atividade pericial ocupa-se e preocupa-se com as causas do estado de fato; por exemplo, se os defeitos de construção do imóvel, para os fins da garantia prevista no art. 618, caput, do CC, decorrem do projeto da edificação (v.g., erro de cálculo das cargas que as fundações suportariam) ou da execução desse projeto (v.g., o emprego de materiais impróprios, como areia com alto grau de salinidade, nas fundações). Desse ponto de vista, a atividade dedutiva do perito abrange: (a) causas; e (b) efeitos. Em todas as hipóteses em que o perito abandona o terreno mais firme e usual da confirmação dos fatos controversos, porque há a necessidade para esse mister de conhecimento técnico, científico ou artístico, surge o risco latente de o perito assumir função judicante, emitindo – eis o ponto – juízo de fato categórico e infalsificável. Por força da natureza mesma do fato, o perito usurpa do órgão constitucionalmente legitimado (que é somente o juiz) o controle efetivo do respectivo resultado.53 O exame genético para apurar a paternidade é um caso flagrante. Embora o art. 479 estabeleça que ao juiz é dado deixar de considerar a conclusão pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, dificilmente se mostrará lícito, em casos tais, rejeitar as conclusões do perito, sem o emprego de outro especialista. O suposto caráter científico do parecer, emitido com bases irreproduzíveis (e infalsificáveis) pelo profano, juiz ou não, tocado por certeza absoluta, inibe qualquer divergência. Na realidade, e quanto mais

complexa tecnicamente for o objeto da perícia, a opinião do perde a sua função auxiliar e passa a de senhor dos fatos.54 Não é um problema que comporte solução no processo civil. Mas não se pode perder de vista que, também nos assuntos técnicos, científicos ou artísticos, a orientação dos especialistas varia conforme determinadas correntes de pensamento, formando-se autênticas escolas, nas quais eventualmente campeiam disputas virulentas e irreconciliáveis. E tal decorre em razão do fato de inexistirem, tanto nas ciências exatas, quanto nas humanas, certezas absolutas. Assim, no caso da apuração da paternidade biológica, o número expressivo de sistemas genéticos permite estabelecer uma probabilidade de exclusão da paternidade de mais de 99%, e, inversamente, “pode-se intuitivamente aferir haver alta probabilidade” de um homem ser pai, recomendando-se como muito provável os índices de 95% a 99%; e quase certa a paternidade indicada com índice acima de 99%.55 Limites dessa ordem são altamente arbitrários. Não escondem o principal: exames genéticos que alcançam tão altos graus de probabilidade, segundo a metodologia vigente, amanhã talvez tenham seu índice reduzido drasticamente, senão tornados insubsistentes. Por essa boa razão, o art. 479 não subordina o juiz ao parecer ou à conclusão do perito, no que tange à percepção e à dedução – para indignação do técnico, afrontado pelo menoscabo à ciência cultivada –, preservando-lhe a qualidade de peritus peritorum. 995. Nomeação do perito O perito desempenha a função central da perícia.56 E a nomeação do perito constitui o ponto de partida e base fundamental da perícia, entrelaçando questões de sumo relevo: o número de peritos, os sistemas de escolha, a capacidade, a qualificação técnica, o modo de o perito se vincular à função e a possibilidade de recusá-la. Os quatro primeiros aspectos agrupam-se na chamada escolha quantitativa e qualitativa do perito. As modalidades de escolha do perito dependem da prevalência, em determinado sistema jurídico, do princípio dispositivo e do princípio inquisitório. O parecer do perito subministrará elementos para o órgão judiciário desempenhar a contento a atividade que lhe é própria e indelegável. Sob tal ângulo, o perito há de ser pessoa da estrita confiança do juiz. A perícia interessa às partes por dois motivos: (a) a prova permitirá ao juiz emitir o juízo de fato e, assim, resolver o conflito, sacrificando um dos interesses em jogo, razão bastante para o maior empenho na produção da prova; (b) a regra de conduta (infra, 1.388.1) que resulta da distribuição do ônus da prova impõe o maior interesse em provar os fatos alegados e controversos. Em determinado período, predominando o princípio dispositivo, às partes a lei facultou a escolha do perito, intervindo o juiz em caso de desacordo. O processo civil social, cuja índole inquisitorial é manifesta, conferiu maior autoridade ao órgão judiciário, passando os interesses convergentes das partes ao incômodo segundo plano. A escolha do perito era atribuição exclusiva do órgão judiciário, mas o art. 471 excepcionou o poder de direção do juiz nesse ponto. Em princípio, no direito pátrio, harmonizando-se com a tendência prevalecente,57 o juiz nomeará o perito (art. 465, caput). Concebem-se, entretanto, sistemas diversos, no todo ou em parte, a exemplo do que sucede

no direito espanhol, em que o perito judicial é escolhido de comum acordo das partes ou por sorteio dentre os integrantes da lista de pessoas previamente habilitadas (art. 339, n.º 4, c/c art. 341 da Ley de Enjuiciamiento Civil de 2002).58 De uma lista oficial retirará o juiz, no direito italiano, o consulente técnico.59 Representará problema diverso, neste contexto, a espécie a condição da pessoa investida na função – serventuário da justiça, servidor público de outro setor da Administração ou particular em colaboração com a Administração da Justiça. E, por igual, a exigência de qualificação ou de escolha em lista (art. 156, § 1.º) deixa incólume a liberdade do juiz.60 Em consequência da designação oficial, banira-se definitivamente o antigo sistema da louvação,61 como pretendera a redação originária do art. 129 do CPC de 1939.62 Esse regime implicava o direito de as partes, de comum acordo, louvarem – consagrarem – o expert habilitado a emitir o parecer, por isso chamado de louvado, outrora fiéis,63 ou havendo desacordo, cada qual louvava o seu próprio perito.64 O art. 471 reintroduziu, sob certas condições, o antigo sistema da louvação. Tal assunto receberá considerações oportunamente. Por enquanto, assinala-se a possibilidade e a diminuição do poder do juiz nesse tópico. 996. Poderes do perito A condição de auxiliar do juiz assegura ao perito os poderes indispensáveis ao cabal desempenho da atividade que redundará na emissão do laudo. São eles: (a) o poder de escolha do meio; (b) o poder de coleta de dados; e (c) o poder de instrução do laudo. 996.1. Poder de escolha do meio – Fixado o objeto da perícia, e escolhido o experto adequado à missão, pelo juiz ou pelas partes, a atividade subsequente orientar-se-á consoante regras apropriadas da área de saber específica do especialista. O perito tem inteira liberdade na escolha do método de investigação que necessário à formação do seu juízo a respeito dos fatos que originaram o litígio.65 “Sem liberdade de pesquisa e de pensamento não se pode acertar, ou se acerta por acaso; sem a liberdade de expressão dos enunciados de fato e das induções ou deduções contidas no laudo, faltariam a esse os pressupostos de transmissibilidade que servem à formação da convicção do juiz”.66 O poder de escolha do método encontra-se explícito na declaração do art. 473, § 3.º: o perito e os assistentes podem “valer-se de todos os meios necessários” ao desempenho da função. Esse poder natural do experto não se afigura arbitrário, nem absoluto.67 Ao perito incumbe respeitar os direitos fundamentais: não cabe a inspectio corporisforçada, a coleta compulsória de material orgânico, para o exame genético, porque contrariam o princípio da incolumidade física. Da recusa surgirá apenas argumento de prova desfavorável à parte recalcitrante. A atividade do perito ficará adstrita às prescrições científicas, técnicas ou artísticas próprias do ofício. Ao formular o juízo que lhe compete, condensado no laudo pericial, o experto explicitará métodos e meios utilizados. O caminho percorrido submeter-se-á ao controle das partes e do órgão judiciário na

comunidade de trabalho que se forma no âmbito do processo. Assim, na perícia destinada à apuração da autenticidade ou da falsidade da assinatura, o método usualmente utilizado consiste na comparação da espécie questionada com similares – para essa finalidade, o art. 478, § 3.º, segunda parte, autoriza o perito requerer ao juiz que “a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação” –, a partir de três elementos: (a) papel; (b) tinta; e (c) impressão.68 Os exames feitos em relação a cada um desses elementos (v.g., a viscosidade da tinta) serão descritos no laudo e, se for o caso, reproduzidos e submetidos a testes de verificação. Em determinada oportunidade, o STJ invalidou a perícia, porque o laudo não explicitou o método empregado na avaliação do imóvel 69 desapropriado. Atendendo a essa orientação, o art. 473, III, exige a indicação do método utilizado na perícia, que há de ser “predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou”, invocando o uso da junk science. Limite natural a essa liberdade de pesquisa e de pensamento deriva, ainda, do objeto da perícia. É o entendimento clássico, haurido do antigo direito português.70Recebida a incumbência de analisar a autenticidade da assinatura de A no documento X, não cabe ao perito estendê-la, a seu critério, à assinatura de B e ao documento Y, embora ambos sejam objeto de alegações de fato controvertidas. Assim dispôs o art. 473, § 2.º, vedando ao perito ultrapassar os limites da sua designação, bem como emitir opiniões pessoais alheias ao objeto da perícia. Na condição de profano no saber técnico, científico ou artístico, ao juiz não cabe, sem contrariar a liberdade do perito, prescrever certo método, nada obstante este lhe pareça adequado ou recomendável, segundo a experiência acumulada em feitos similares. A prescrição feita neste sentido, na decisão que admite a prova pericial, viola o art. 473, § 3.º, e expõe-se a controle, de jure, no recurso cabível. E ao perito toca representar ao juiz, declarando a impossibilidade de seguir o método prescrito, quiçá porque levará a resultados incompletos ou falsos, e, assim, aliviar-se do encargo. Cuida-se de motivo legítimo para o perito escusar-se na forma da lei. Ao juiz só cabe fixar o objeto da perícia (v.g., a apuração da filiação de A), o que orienta e, em alguma medida, define as futuras diligências do perito, quiçá esgotando-as, como acontece no caso de reproduzir-se documento, objetos e lugares.71 Às vezes, a lei prescreve regras técnicas, até excedendo-se nos pormenores, como se observa relativamente à demarcação de terras particulares; nesse caso, o perito seguirá o itinerário traçado.72 Não é dado ao perito destruir, inutilizar ou alterar coisas ou bens, todavia exigência do método apropriado à pesquisa, sem autorização expressa do órgão judiciário. É expresso o art. 481, n.º 2, do NCPC português de 2013.73 O juiz deferirá a providência atentando à fungibilidade do objeto, a necessidade do ato e aos interesses envolvidos. Parece inviável, a título de apuração da autenticidade da obra de arte, desfigurá-la no todo ou em parte. 996.2. Poder de coleta dos dados – O perito tem o poder de coletar os dados necessários à sua atividade. Em primeiro lugar, assiste-lhe o direito de consultar os autos,74 inteirando-se do objeto da perícia, ou seja, do âmbito da controvérsia das partes, e examinando a prova documental produzida. É usual

as partes juntarem documentos fiscais e contábeis nos seus atos postulatórios, reunindo, destarte, toda a documentação necessária à perícia contábil. É antiga a prática de o perito retirar os autos em carga.75 O art. 478, caput, autoriza nada menos que a remessa dos autos ao estabelecimento oficial, porque o exame recairá em documento juntado no processo; porém, o fato de se tratar de perito oficial não elimina essa possibilidade no caso do perito particular. A leitura dos autos não deixará de influenciar o perito em alguma medida. Em particular, nos exames feitos no autor que perdeu ou apresenta deficiência de membro, órgão e função, por força de ilícito imputado ao réu, sensibilizam o especialista. O inconveniente não se revela insuperável ou decisivo e, no exemplo ministrado, prescinde da leitura dos autos. Do profissional encarregado pelo juiz espera-se a mesma frieza e equidistância do órgão judiciário. O estudo dos autos parece útil e aconselhável.76 Eventualmente, os elementos dos autos e as informações por eles fornecidas bastam à atividade pericial. Não sendo este o caso, o perito tem pretensão à exibição das coisas móveis que deva examinar, à apresentação da pessoa que inspecionará e ao livre acesso ao imóvel que avaliará, conforme o objeto da perícia. O art. 473, § 3.º, autoriza o perito a solicitar (rectius: requisitar) “documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas”, indispensáveis ao esclarecimento dos fatos ou à elaboração do parecer. A recusa da parte (v.g., não franqueando ao perito os dados da contabilidade) ou do terceiro obrigará o perito a recorrer à autoridade judiciária, que determinará a respectiva exibição forçada, na forma legal. Cuidando da perícia grafotécnica, visando à apuração da falsidade de documento, de letra ou de firma, o perito “poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação” (art. 478, § 3.º). Na perícia médico-legal, inclusive a inspeção corporal, parece óbvia a necessidade de a parte apresentar-se, no dia, hora e local previamente designado, a fim de submeter-se ao exame e, se for o caso, submeter-se à coleta de material orgânico (v.g., sangue). A falta ou recusa de colaboração das partes com o perito pode, ou não, impedir a emissão do parecer. Às vezes, o obstáculo é superável; por exemplo, a resistência da parte, recusando apresentar o documento requisitado, comporta emenda através da pretensão à exibição de documento ou de coisa (art. 396), prevendo o art. 400 as consequências da recalcitrância.77 Em outros casos, como no exame médico, inexiste remédio ou sucedâneo: ou a parte (e, conforme a espécie, terceiros) colabora, realizando-se o exame, ou recusa inviabilizará a produção da prova. Nessa última situação, a falta de colaboração da parte constituirá indício desfavorável à parte, devendo o perito consigná-lo no laudo.78 É o tratamento que recebeu a recusa de a parte submeter-se à perícia médica no art. 232 do CC: presume-se o fato averiguado, inexistindo, porém, na regra “autoritária e definitiva substituição da perícia pela imposição de veracidade do fato”.79 Segundo a Súmula do STJ, n.º 301, trata-se de presunção relativa, cedendo a contraprova.

No que tange à colaboração de terceiros, outra vez os artigos 473, § 3.º e 478, § 3.º, contemplam poderes do perito: (a) o de requisitar documentos de terceiros e de repartições públicas; (b) o de ouvir testemunhas. A recusa na entrega de documentos se resolve, como no caso das partes, mediante o recurso à exibição compulsória. Existe o outro lado da moeda: uma das partes pode oferecer ao perito certas informações adicionais, quiçá não documentadas nos autos, e que só podem ser utilizadas pelo perito com prévia e expressa autorização do juiz. É o órgão judiciário quem decide se tais informações se harmonizam, ou não, com o material de fato, após consulta aos autos.80 A coleta de informações com as testemunhas não substitui a prova testemunhal produzida em juízo.81 Às vezes, revela-se indispensável o perito ouvir o relato de outras pessoas a respeito dos fatos necessários ao lançamento das premissas científicas, técnicas, artísticas ou práticas em que baseará seu trabalho. Por exemplo, a disposição das máquinas e dos materiais no canteiro de obras, onde ocorreu o acidente, ou a intensidade da luz solar no momento do evento, dentre outros dados. Tais informações podem ser controvertidas pelas partes e objeto da prova testemunhal na audiência. Resultando dessa prova a refutação cabal das premissas empregadas pelo perito, caberá ao juiz realizar segunda perícia (art. 480), porque errônea e imprestável a primeira. É preciso, portanto, o perito relatar, “circunstanciadamente, o seu procedimento e as informações colhidas, com a indicação dos autores destas por forma que possam ser identificados pelas partes e pelo juiz”.82 Essa identificação permitirá aquilatar a isenção das informações prestadas ao perito, motivo por que impende consignar eventuais vínculos entre o informante e as partes. É expresso, nesse último ponto, o direito francês.83 Assim, no caso de o perito averiguar as circunstâncias de acidente do trabalho ocorrido em canteiro de obras, no qual há movimento contínuo de máquinas e materiais, fatalmente recorrerá aos empregados do réu, porque inexistem outras fontes de prova concebíveis, o que deverá ser devidamente consignado no laudo. A identificação das pessoas informalmente ouvidas pelo perito deverá ser a mais precisa possível (nome, estado civil, profissão e domicílio). Admite-se que o perito consulte outros especialistas na mesma área para auxiliá-lo nas atividades de percepção e de dedução. Recorda-se, ao propósito, o costume de os médicos reunirem-se em juntas para formar diagnósticos ou prescrever tratamentos.84 O STJ reconheceu que o perito, e, a fortiori, os assistentes técnicos “podem socorrer-se de todos os meios de coleta de dados necessários, inclusive conhecimentos técnicos de outros profissionais, devidamente qualificados nos autos”.85 Convém notar que, na hipótese de o perito incorrer em erro a partir de informações inexatas dos seus informantes, inexistirá descumprimento do dever de veracidade (infra 997.5). Não se sujeitará o perito às responsabilidades do art. 158. Eventualmente, infringiu ao dever de diligência: deu crédito, imprudentemente, a pessoas indignas dessa confiança. Não há sanção específica para esse comportamento.

996.3. Poder de instrução do laudo – O art. 473, § 3.º, autoriza o perito a instruir o laudo, exemplificativamente, “com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos”. Não se cuida, absolutamente, de simples faculdade,86 como sugere a redação da regra, mas de poder que corresponde ao dever de diligência. É indispensável o perito anexar ao laudo os elementos de justificação que lhe ensejou a formulação do juízo condensado no laudo. Esses elementos ensejarão a reprodução do exame, da vistoria e da avaliação. Assim, encarregado o contador de investigar o saldo credor ou devedor da relação de negócios entre as partes, derivadas de múltiplas operações, a juntada dos documentos contábeis – e a explicação da respectiva falta – revela-se essencial ao acolhimento ou à rejeição do montante apurado. 997. Deveres do perito A lei processual cuidou dos deveres do perito nos artigos 157, caput, primeira parte, 158 e 466, caput, e § 2.º Não há uniformidade no tratamento legislativo. A explicitação dos deveres prende-se à necessidade de aumentar a confiança das partes no desempenho reto e liso dos auxiliares do juízo, a bem da imagem da Justiça Pública.87 Em outras palavras, com ou sem regra similar à do art. 158, o perito responderia civil e criminalmente, na hipótese nela versada, mas a ênfase põe todos de sobreaviso quanto à seriedade da atividade do perito. Não é difícil compreender esse plexo de deveres e o que, em suma, espera-se do perito. “Auxiliar do juiz, que é, exercendo transitoriamente função judicial, não no interesse das partes, mas no interesse exclusivo da justiça, insta ao perito espelhar-se no juiz e lembrar-se que sua missão a deste se avizinha e como o juiz precisa comportar-se: reto, imparcial, sereno, verdadeiro”.88 997.1. Dever de cumprimento do perito – Merece a maior atenção os sistemas de escolha do experto. À semelhança da testemunha, que tem o dever de atender à convocação do juiz, sendo o recalcitrante conduzido coercitivamente, e, principalmente, considerando dever de o terceiro “informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento” (art. 380, I) – dever de cooperação facilmente extensível ao experto, em tese a aceitação do encargo é obrigatória. É incomum a autoridade, o prestígio ou a erudição de certa pessoa, dentre muitas, relativamente à matéria do litígio, torná-la indispensável à consecução dos objetivos do processo civil. E, decerto, parece pouco confiável a edificação do sistema de investidura do experto baseado nessa hipótese excepcional.89 O juiz escolherá livremente o perito no âmbito do cadastro referido no art. 156, § 2.º, e, atendido esse âmbito, na lista depositado em cartório das pessoas que se dispõe a exercer o encargo profissionalmente, respeitando, é claro, a respectiva qualificação na área de saber e a distribuição equitativa do serviço (art. 157, § 2.º). Não há dúvida, entretanto, que subsistirá o dever de colaboração do terceiro, verificando-se a situação peculiar de o conhecimento, a técnica e os equipamentos imprescindíveis serem privativos de uma ou de poucas pessoas. Por exemplo, na investigação das causas do desabamento do prédio X, apenas o instituto Y domina o método e dispõe dos instrumentos para realizar o exame; em tal hipótese, caberá ao juiz requisitar o exame. A

imposição da qualidade de experto é “encargo” (dever, fardo) para o art. 466, caput.90 Não se mostraria lógico tratar o entendido de modo mais brando do que a testemunha – constrangida a depor sem embargo das perturbações na sua ocupação habitual. Imposto ou aceito o encargo (ou ofício, a teor do art. 157, caput), o perito tem o dever de cumpri-lo, a teor do art. 466, caput. Mas, o múnus público não assumirá, eis que a cultura brasileira tende à transigência, a “feição de sacrifício desmedido”.91 Assim, criou-se válvula de escape para o terceiro. O art. 157, caput, segunda parte, c/c art. 467, caput, permite o particular escusar-se, apresentando motivo legítimo. Consoante o entendimento prevalecente quanto à seriedade do motivo apresentado pela pessoa escolhida, e a multiplicidade dos habilitados na mesa área de saber, ninguém é constrangido, na prática, a assumir a função de perito. Do dever de cumprimento decorrem todos os demais que recaem na pessoa encarregada do ofício. O perito encontra-se obrigado ao seguinte: (a) protocolar o laudo no prazo assinado pelo juiz (art. 477, caput); (b) elaborar o laudo com a estrita observância do art. 473, no qual avulta pelo singular relevo, coibindo práticas antigas e errôneas: (ba) a indicação do método (art. 473, III); (bb) a resposta cabal e fundamentadamente aos quesitos originais e suplementares, apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público (art. 473, IV); (c) assegurar aos assistentes técnicos o acesso e acompanhamento das diligências (art. 466, § 2.º); (d) elaborar pessoalmente o parecer escrito ou laudo; (e) declarar-se impedido ou suspeito de atuar no processo (art. 467, caput c/c art. 148, II); (f) obrar diligente e verazmente; (g) comparecer à audiência de instrução, intimado no prazo legal, se necessário. Esses deveres reclamam explicação em separado. 997.2. Dever de imparcialidade do perito – Figurando dentre os órgãos auxiliares da justiça, o perito necessita incutir confiança nas partes de que desempenhará seu ofício em condições análogas à do órgão judiciário, mantendo-se equidistante dos interesses concretos em juízo. O perito tem o dever de abstenção.92 É o que decorre da aplicação dos motivos de impedimento e de suspeição (art. 148, II). Aqui se estabelece outra diferença entre o perito e o assistente técnico (ou, na terminologia italiana, consulente tecnico di parte). Ao assistente técnico, porque pessoa da confiança da parte, não se aplicam os motivos de impedimento e de suspeição (art. 466, § 1.º). Por definição, o assistente se mostra partidário. Um dos motivos para banir a designação dos louvados das partes baseou-se, justamente, na constatação de que, invariavelmente, manifestavam-se em prol dos interesses de quem os havia indicado (retro, 994). O art. 471 adotou a escolha conjunta do louvado das partes. Por definição, as partes aceitam a equidistância desse louvado. O caráter partidário da atuação do assistente não obsta que, em tese, o parecer emitido por um deles, divergente do perito, afinal revele-se correto e seja acolhido pelo juiz. O assistente que permanece fiel à metodologia científica e técnica geralmente aceita e acreditada, ou às regras de experiência inerentes à arte ou ao ofício em que se especializaram, porque têm reputação a zelar, recebe esse crédito especial. Não se deve esquecer

que, entre nós, os expertos em determinadas áreas de saber organizam-se no cadastro. É recente a preocupação de realizar consulta pública para cadastrar os interessados, na forma do art. 156, § 1.º, periodicamente renovado (art. 156, § 3.º), copiando a sistemática da organização de um quadro dos colaboradores da justiça, mediante credenciamento prévio e certos requisitos, no caso dos corretores, intermediários na alienação dos bens penhorados (art. 685-C, § 3.º, do CPC de 1973). Abreviando o grave problema da obrigatoriedade na aceitação do encargo, geralmente a escolha do juiz recai sobre um desses nomes, respeitada a área de especialização, porque ignora quem é o especialista no assunto ou se o estranho prestará o serviço de bom grado. Conferindo as escolhas pretéritas do juiz da causa, é natural as partes socorrerem-se de especialista já designado pelo órgão judiciário em processo distinto. Em movimento inverso, o assistente buscará não perder a confiança, merecendo outra designação, e o novato intentará se credenciar aos olhos do juiz, fitando mercado promissor. Eis estímulo suficiente para apresentar trabalho do mais elevado nível. A imparcialidade de que aqui se cogita respeita à indiferença do experto (e do assistente, induzido a observá-la) em relação aos interesses concretos dos litigantes. Não significa que, na qualidade de especialista, a priori não tenha orientação técnica, científica ou artística. Em particular na matéria científica, há paradigmas, correntes e seitas mais ou menos definidas. Também a ciência é processo contraditório, embate de ideias, cujas armas consistem na observação, na coleta de dados e nos experimentos que confirmam ou refutam determinada teoria. Assim, o perito que desenvolveu determinada metodologia para apurar algo tão banal quanto o valor de mercado do imóvel tenderá a empregá-lo, não se podendo acusá-lo que quebrar o dever de imparcialidade se o resultado, a priori, favorecerá uma das partes, nem questionar por este motivo a designação do juiz. Cabe à contraparte, nessa conjuntura, escolher assistente técnico que se filie a outra linha metodológica. Na ciência, na técnica e nas artes inexiste neutralidade absoluta. Tal é o problema da apreciação da prova pericial e, em particular, da científica, objeto de item específico no capítulo dedicado a este meio de prova. 997.3. Dever de pontualidade do perito – Ao admitir a prova pericial proposta pelas partes, ou ordená-la, ex officio, na ocasião propícia, o juiz fixará prazo para entrega do parecer ou do laudo (art. 465, caput), ou seja, para o término das operações periciais. O perito tem o dever de cumprir seu ofício no tempo que lhe é assinado. À luz do art. 465, caput, o quantitativo desse prazo é judicial, e, não, legal.93 Só o termo final – vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento (art. 477, caput) – é fixado na lei. Na fixação desse prazo, o juiz levará em conta as peculiaridades do objeto da perícia. É intuitivo que a perícia combinada – a palavra “complexa” é equívoca –, prevista no art. 475, revela-se mais complexa, e, presumivelmente, demorará mais que a perícia simples. O juiz fia-se na experiência haurida de casos anteriores, mas poderá prorrogar, por uma vez, o prazo originário (art. 476), a instâncias do perito. Fora desse caso, regula a espécie o art. 477, caput: o perito apresentará o laudo no prazo fixado, em cartório, e pelo menos com vinte dias de antecedência em relação à audiência de instrução e julgamento.

Do conjunto dessas disposições, por enquanto, fica claro que o prazo fixado, embora passível de prorrogação, deve ser cumprido para evitar a frustração da audiência de instrução e julgamento. A realização da magna solenidade depende de vaga na pauta do juiz, em geral sobrecarregada, e no direito anterior recomendava-se não designá-la, desde logo, por força da sistemática do “desempatador” então adotada.94 A possibilidade de prorrogação do prazo originário (art. 476) e, principalmente, o insuficiente interregno de vinte dias para o contraditório prévio das partes conspira contra a designação imediata da audiência principal. O art. 357, § 8.º, buscou superar o problema, ordenando a fixação de calendário, pois o art. 357, V, obriga o órgão judicial a designar, desde logo, a audiência principal. O calendário não elimina totalmente as vicissitudes. De ordinário, no direito anterior o juiz abstinha-se dessa designação, aguardando que se completasse a produção da prova pericial, inclusive instando perito e assistentes a responderem por escrito o questionário hoje previsto no art. 477, § 3.º, in fine. Os transtornos provocados às partes, em virtude de eventual transferência na data da audiência, afiguram-se bem maiores que a eventual omissão da imediata designação da audiência na decisão de saneamento e organização do processo. Tudo indica que a prática se manterá na vigência do NCPC, máxime inexistindo necessidade de prova oral. É no plano das sanções à impontualidade, sem motivo legítimo, que o dever se encorpa, demonstrando o relevo emprestado na lei ao ponto. Em primeiro lugar, o juiz examinará dois termos de alternativa: ou o atraso assenta em motivo legítimo (v.g., entraves na importação dos reagentes químicos necessários ao exame), mas a perícia permanece exequível, oportunamente, e o perito apto, hipótese em que o juiz prorrogará, uma vez, o prazo original, a teor do art. 476; ou o atraso revela-se inescusável, e, então, o juiz destituirá o perito relapso da função (art. 468, II), nomeando substituto. É bem de ver que, às vezes, o motivo do atraso se afigura mais do que legítimo. Razões supervenientes tornaram a perícia impossível (v.g., o desfazimento do canteiro de obras, no qual o perito apuraria a causa do acidente fatal, mostrando-se inviável a reprodução, no local ou em laboratório, do estado anterior) ou implicaram incapacidade do perito (v.g., ao visitar o canteiro de obras, o perito despencou do andaime e sofreu múltiplas fraturas). No primeiro caso, encerra-se a perícia; no segundo, a substituição perde o seu caráter de pena, porque há motivo legítimo do substituído.95 A diversidade das causas do atraso demonstra o caráter imperativo da prévia audiência do perito. O juiz mandará intimar o perito, verificando o vencimento do prazo do art. 465, caput, para se manifestar no prazo de cinco dias (art. 218, § 3.º). Não é necessário consultar as partes, pois o experto é auxiliar do juiz, mas estas podem se manifestar no mesmo interregno. O problema talvez se verifique, ainda, na perícia consensual, porque é o juiz quem fixa o prazo para entrega do laudo e pareceres dos assistentes (art. 471, § 2.º). Deferida a substituição, a título de sanção pelo atraso inescusável, o juiz comunicará o fato à “corporação profissional respectiva” (v.g., tratando-se de engenheiro, ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA), a fim de apurar a responsabilidade administrativa do desidioso e aplicar a pena adequada (art. 468, § 1.º). Embora o perito seja um particular, geralmente

submetido à deontologia prescrita no respectivo estatuto profissional, conceber-se-ia o juiz cuidar diretamente dessa responsabilidade, abrindo procedimento administrativo contra o seu auxiliar, respeitado o contraditório e a ampla defesa. É o que acontece no caso de infração ao dever de probidade (art. 158), em que há a previsão da grave pena da inabilitação. Trataram-se espécies similares diferentemente. O art. 468, § 2.º, impõe ao perito a restituição dos honorários recebidos, no prazo de quinze dias, “sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de 5 (cinco) anos”, sem prejuízo de submeter-se a execução forçada, a teor do art. 468, § 3.º, por iniciativa da parte que houver adiantado a verba. Por óbvio, declarado o descumprimento do prazo de quinze dias, o nome do perito será excluído do cadastro a que alude o art. 156, § 1.º, e, conseguintemente, da lista constante do ofício judicial (art. 157, § 2.º). O caso é de exclusão, e, não, referência à vexatória pena de impedimento. Por fim, na decisão que estimar o atraso injustificável, o juiz multará o perito, fixando o valor da multa à luz do valor da causa e do hipotético prejuízo decorrente do atraso no processo (art. 468, § 1.º, parte final). É digno de nota que inexiste piso (valor mínimo) ou teto (valor máximo) para essa sanção. O destino dessa multa não se encontra explicitamente previsto. Por analogia com o art. 96, reverterá em benefício da parte que requereu e obteve a perícia, presumivelmente prejudicada pelo atraso, e será contada como custas. Não é possível atribuí-la ao Estado-membro ou à União, porque o perito não é serventuário da justiça (art. 96, in fine). O ato decisório que substitui o perito e aplica-lhe essas sanções não comporta impugnação autônoma. Controvertia-se a legitimidade recursal do perito, no direito anterior, considerando a qualidade de auxiliar do juízo; entretanto, cuida-se de particular em colaboração eventual com a Administração da Justiça e não pode ser reduzido à impotência, desassistido de poder de reação contra sanções graves, quiçá injustas e desproporcionais. A jurisprudência prevalecente do STJ rejeita a legitimidade recursal do perito,96 mas admite a impetração de mandado de segurança, solução menos satisfatória.97 É o remédio cabível no atual sistema de impugnação das interlocutórias. 997.4. Dever de diligência do perito – Dispensado do compromisso, porque abstraído o sentido religioso tornou-se formalidade inócua na República, à semelhança do que sucedeu com o juramento no direito francês,98 o experto tem o dever de empregar no ofício toda a sua diligência (art. 157, caput), cumprindo “escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido” (art. 466, caput). Essa redundância, relativamente ao dever de diligência, resultou de reforma parcial do CPC de 1973, mantendo-se no NCPC. A diligência exigida do perito ultrapassa a do homem ou da mulher comuns. É a diligência profissional, temperada pelos atributos do tirocínio e da experiência, elevada à potência máxima pela responsabilidade do encargo judicial. Fatalmente, mostrando-se negligente o perito, descumprirá o prazo fixado pelo juiz (art. 465,caput).

O dever de diligência implica o ônus de o experto harmonizar suas atividades habituais com o encargo assumido. A pessoa dedicada a atuar como perito profissionalmente apresenta melhores condições para organizar sua agenda e, em determinadas áreas (v.g., a perícia contábil), trabalha em equipe, encarregando auxiliares das tarefas menores (v.g., a coleta dos comprovantes da receita e da despesa necessários ao cálculo). A relação da pontualidade com a diligência não se afigura eventual. A assunção simultânea de várias perícias, em processos distintos, potencialmente infringe o dever de diligência e aumenta o risco de atrasos. Entre nós, ressentia-se o processo civil de controle externo a respeito das designações feitas em cada órgão judiciário, distribuindo equitativamente o trabalho entre todas as pessoas inscritas na lista do cartório, evitando que um só experto, embora notável, monopolize o serviço.99 O art. 157, § 2.º, cuidou do assunto, no âmbito de cada ofício judicial, e permite o controle das partes, havendo o perito assumido encargos perante diferentes órgãos judiciais. O dever de diligência impõe ao experto iniciar prontamente as operações periciais, na data e no local designado pelo juiz (art. 474), ou por ele próprio designado, e obriga a confabular com os assistentes técnicos, nos termos do art. 466, § 2.º. O perito exercerá os poderes conferidos no art. 473, § 3.º (infra, 2.010). Por óbvio, inúmeros fatores subjetivos (v.g., a maior ou menor agilidade mental da pessoa) e objetivos (v.g., a complexidade da perícia) influenciam essa atividade. Porém, há uma meta a cumprir e os bons peritos, os que usualmente recebem a convocação do juiz, ou merecerão a escolha conjuntada das partes (art. 471) apresentam desempenho satisfatório neste quesito. A experiência elimina os desidiosos e inoperantes. O desempenho escrupuloso do ofício assumirá proporções delicadas em áreas específicas do conhecimento humano. A despeito de vinculado a certa corrente de pensamento na sua área de saber, o perito deverá na função (a) empregar a teoria acreditada nesse meio, (b) seguir a técnica compatível com essa premissa e, sobretudo (c) aplicá-la corretamente no caso concreto, etapas necessárias para confiabilidade às conclusões.100 Assim, na trivial perícia para avaliar o valor de mercado de imóvel, escolhendo o método comparativo, o perito coletará dados confiáveis e em número adequado, aplicará o modelo matemático pertinente, para chegar ao resultado. O procedimento contrário a esse roteiro infringirá o dever de diligência e, além de responder administrativa e penalmente, o experto expor-se-á à pretensão de reparação da parte lesada. O art. 473, § 3.º declara que, para o desempenho da sua função, perito e assistentes técnicos podem “valer-se de todos os meios necessários”. Retirase daí o dever de o perito efetivamente utilizar os meios adequados e necessários para formular a conclusão exposta no laudo,101 não sendo aceitável pesquisa negligente, divergente da técnica ou incompleta. 997.5. Dever de veracidade do perito – A lei processual impõe às partes o dever de veracidade (art. 77, I). Do auxiliar do juiz, em área tão sensível quanto a da perícia, em que o perito funciona como instrumento de percepção ou instrumento de dedução, e no assunto que escapa ao conhecimento ordinário do órgão judiciário, exige a lei que o parecer preste informações fidedignas ao juízo. O art. 158 prevê semelhante dever, ao responsabilizá-lo caso preste informações verídicas. Entende-se por tal emitir o laudo na esfera

da sua competência científica, técnica ou artística, expondo os respectivos limites.102 O objeto do dever de veracidade consiste tanto na atestação dos fatos verificados quanto nas conclusões externadas. O laudo do perito pode ser confrontado pelas partes nos dois aspectos.103 As informações colhidas sobre a matéria de fato, cuja incorreção ocasiona a da conclusão, em princípio comportam verificação direta em muitos casos. Por exemplo, o material utilizado no exame fica à disposição do juízo e permite contraprova (v.g., o sangue colhido pelo perito para o exame de DNA). No entanto, concebe-se que o laudo do experto, baseado em fatos verídicos e respeitada a metodologia acreditada, apresente conclusão infiel ou errônea. Em tal ponto, “como acontece com o juiz, o erro de opinião, o desacerto do julgamento, é tido como risco do ofício e não acarreta responsabilidade para o perito”.104 O ilícito do art. 158 não se cinge à falsidade da percepção, estendendo-se, também, à dedução falsa, desde que proveniente de culpa. Exemplos de imperícia e negligência são comuns. A troca do material do exame, utilizando o sangue da pessoa A em lugar da pessoa B; o descuido na manipulação dos elementos, deixando-os contaminar por agentes externos, caracterizam hipóteses de culpa. Esses equívocos não se relacionam com a veracidade dos fatos, nem com a técnica do exame, mas falseiam a conclusão. E é claro que a lei não poderia excluir a conduta dolosa do perito, a intenção concertada de lograr o juiz, beneficiando uma das partes, por força de peita ou não. O suborno é apenas causa de aumento da pena prevista para o crime (art. 342, § 1.º, do CPB). A veracidade reclamada no art. 158 é intrínseca ao estágio contemporâneo da ciência, técnica, arte ou ofício do perito. Os primeiros exames genéticos destinados a apurar a paternidade, baseados em modelos estrangeiros, revelaram-se insatisfatórios, apresentando inconsistências e discrepâncias. Ao realizar exame consoante este modelo, outrora aceito, mas atualmente ultrapassado, o perito descumpre o dever de veracidade, incorrendo em responsabilidade – culposamente que seja. Não constitui descumprimento do dever de veracidade, ainda, o uso de informações errôneas prestadas por terceiro, na forma do art. 473, § 3.º, posteriormente apuradas como inexatas ou falsas. Equívocos na conclusão do experto acarretam consequências processuais gravíssimas. Comprometem a prestação jurisdicional de duas maneiras: (a) induzem erro na emissão do juízo sobre a questão de fato, na fase de formulação da regra jurídica concreta; (b) desequilibram a realização do direito, na execução (v.g., a avaliação incorreta do objeto da penhora). É particularmente difícil controlar a exatidão do laudo nos exames, que se realizam através de técnicas cuja metodologia permanece inacessível aos profanos, senão restringindo-se a especialistas contados nos dedos. O papel do assistente técnico assume, aí, capital importância. Cabe-lhe identificar o erro, apresentando razão bastante. O art. 158 estipulou duras sanções ao perito mendaz, atendendo à gravidade do fato e o comprometimento da função processual subsequente.

997.5.1. Extensão subjetiva do dever de veracidade do perito – O dever de veracidade aplica-se, de ordinário, ao perito designado pelo juiz ou escolhido consensualmente pelas partes. O art. 158 indica, claramente, o perito como destinatário desse dever. O assistente técnico é da confiança da parte, e, portanto, figurante partidário do processo. As peculiaridades do sistema brasileiro de escolha do perito, através de credenciamento voluntário do particular que almeja atuar profissionalmente nessa atividade, contrabalança o risco inerente à sistemática. É comum a mesma pessoa funcionar como perito no processo entre A e B e como assistente no processo entre C e D. O partidarismo não isenta o assistente de responsabilidade civil. Responderá civilmente, perante a outra parte, baseando-se o juiz no parecer falso do assistente para julgar a causa. Livra-se o assistente apenas das responsabilidades administrativa e penal. O tipo penal (art. 342, caput, do CPB) alude a “perito”, inconfundível com assistente técnico. 997.5.2. Responsabilidades decorrentes do dever veracidade do perito – O art. 158 menciona três espécies de responsabilidades do perito mendaz, cumulativas e simultâneas: (a) processual; (b) civil; e (c) penal. A parte lesada buscará responsabilizar o perito, civilmente, através de ação própria, na qual são questões de fato a existência do ilícito, do dano e a imputabilidade do ato contrário ao direito.105 A responsabilidade é extracontratual.106 E a ação penal, exigindo-se o dolo, é de iniciativa do Ministério Público, motivo por que, constatada a falsidade do laudo, o juiz comunicará o fato a este agente. Ao invés, no próprio processo em que o perito apresentou o parecer verificar-se-á a responsabilidade processual e aplicar-se-á a sanção respectiva. 997.5.3. Aplicação da pena de inabilitação – Compete ao juiz da causa, verificando o descumprimento do dever de veracidade, abrir procedimento administrativo contra o auxiliar, assegurando-lhe o contraditório e a ampla defesa. É certo que, ao contrário do que rezava o art. 131 do CPC de 1939, o art. 158 não atribui tal competência, explicitamente, ao juiz da causa.107 Entretanto, ela é intuitiva: o juiz da causa designou o perito e com ele estabeleceu o vínculo, erigindo-o à condição de auxiliar do juízo. E, de resto, a parte final do art. 158, ao tratar da comunicação ao órgão de classe, deixa claro o ponto. A responsabilidade processual não dependerá da existência efetiva de dano à parte. Basta a quebra da confiança.108 O dano é ao processo. Não se exige, também, o dolo. A imprudência, a imperícia e a negligência (v.g., o perito, inadvertidamente, trocou o material destinado ao exame) preenchem os elementos de incidência do art. 158. O pressuposto básico assenta no fato de o perito prestar informações inverídicas, de qualquer natureza, apresentando conclusão errônea no laudo. Por isso, não se estende ao cumprimento de outros deveres (v.g., o da pontualidade). O juiz aplicará ao imperito a pena de inabilitação de dois até cinco anos. Neste interregno, ficará “inabilitado para atuar em outras perícias”, como auxiliar do juízo ou assistente da parte. Esse fato precisa ser comunicado aos demais juízos mediante publicação dos órgãos de controle interno da

magistratura, a fim de excluído do cadastro (art. 156, § 1.º), modalidade de avaliação periódica (art. 156, § 3.º). O interregno da pena dependerá da gravidade do ilícito, devendo ser fundamentada a decisão nesse tópico. O alcance da sanção é geral.109 As normas do estatuto de processo civil têm alcance nacional. Por esse motivo, “lançada a inabilitação”, o perito fica incapacitado para novas incumbências até o seu término ou revogação.110 A pena aplicada em processo afeito à competência da Justiça Comum, por exemplo, estende-se a processos em tramitação na Justiça Federal ou Justiça do Trabalho. Por conseguinte, representa causa autônoma – a de maior importância – para destituição do mesmo perito, estando em curso outras perícias. Não há pena de multa, em decorrência do princípio da legalidade estrita, sem dúvida aplicável à espécie. 997.6. Dever de comparecimento do perito – O perito tem o dever de comparecer à audiência, intimado com a antecedência de dez dias, mas por meio eletrônico (art. 477, § 4.º). Responderá o experto, nessa sessão, as perguntas das partes, formuladas sob a forma de questionário (art. 477, § 4.º), dissipando as dúvidas. É oportunidade crucial para o perito reafirmar a conclusão do laudo. Ao fixar antecedência mínima – dez dias – para a intimação obrigar o comparecimento do perito e dos assistentes, o art. 477, § 4.º, preocupou-se em conceder prazo adequado para o perito preparar-se, harmonizando sua agenda e estudando as respostas cabíveis ao questionário, vez que não bastaram os esclarecimentos escritos do art. 477, § 2.º, I e II. Desapareceu quase totalmente a boa prática de inquirir o perito em audiência. A razão básica avulta na ojeriza generalizada de juízes e advogados a sessão trabalhosa e dispendiosa. Motivos técnicos também desestimulavam o contato do órgão judiciário e das partes, no procedimento da perícia previsto na última forma do CPC de 1973. Eles se reproduzem na lei vigente O interregno entre o termo final da antecedência mínima para a entrega do laudo e a data aprazada da audiência, que é de vinte dias (art. 477, caput), não assegura plenamente o contraditório a respeito do laudo. Depois da entrega do laudo, respeitada a antecedência mínima, mostra-se necessário intimar as partes para se manifestarem, no prazo de quinze dias (art. 477, § 1.º), não olvidando que, no mesmo prazo, lícito aos assistentes juntarem seu parecer. Em seguida, o escrivão intimará o perito para, no prazo de quinze dias, esclarecer divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do Ministério Público (art. 477, § 2.º, I) ou divergência decorrente do parecer do assistente técnico (art. 477, § 2.º, II), em ambos os casos a requerimento do interessado ou por determinação do órgão judicial. A soma desses prazos, abstraindo a movimentação interna do processo (recepção das peças e juntada), é de trinta dias, superior à antecedência mínima de vinte dias. E não é só. Subentende-se do art. 477, § 3.º, parte inicial (“Se ainda houver necessidade…”) que as partes serão ouvidas acerca dos esclarecimentos escritos do parágrafo anterior. Por analogia, o prazo é de quinze dias. Então, persistindo divergência(s) e dúvida(s), apresentarão questionário (art. 477, § 3.º, in fine), intimando-se o perito para prestar os esclarecimentos oralmente, na audiência principal, com antecedência de dez dias (art. 477, § 4.º). Ora, a soma desses prazos inviabilizará a realização da

audiência. E a fixação de calendário, como recomenda o art. 357, § 8.º), nada resolve, vez que antecedência mínima para entrega do laudo é de vinte dias, segundo o art. 477, caput. Aparentemente, a parte final desse caput não se harmoniza, por lapso, com as providências subsequentes e a previsão do “calendário”. Em tal contingência, sempre parecerá preferível, ao deferir ou ordenar a produção da prova pericial, o juiz abster-se de designar, desde logo, a audiência de instrução. Parece preferível aguardar a realização da perícia, instando o perito a responder por escrito impugnações e questionários, e, sendo o caso de também coletar a chamada prova oral (depoimentos pessoais e prova testemunhal), só então designar a audiência principal. 997.7. Dever de pessoalidade do perito – O perito desempenhará sua atividade pessoalmente.111 É o seu conhecimento particular necessário para assistir o juiz (art. 156, caput, parte final). Em relação ao experto, e a ninguém mais, os motivos de impedimento e de suspeição (art. 148, II, c/c art. 467) permitem o controle da imparcialidade do auxiliar do juiz. Eis o motivo por que, no caso do art. 478, caput, no direito anterior o perito não era o estabelecimento oficial, mas o técnico aí lotado, segundo a opinião prevalecente.112 Quem sofrerá as sanções legais por qualquer deslize era e é o especialista. O art. 156, § 1.º, alterou o panorama, admitindo que funcionem como perito “órgãos técnicos ou científicos” (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Y). Para os efeitos do art. 148, II (ou III, conforme o entendimento acerca de “sujeito imparcial”), acrescenta o art. 156, § 4.º, o órgão técnico ou científico, designado perito, informará ao juiz nome e qualificação dos profissionais que participarão da atividade. Ao nosso ver, não basta: deverá informar todos os nomes do quadro do órgão. Quem, eventualmente, não participa da “atividade” não perde a capacidade de influir nos colegas. Seja como for, a delegação da atividade do perito (e dos especialistas do órgão) mostra-se inviável. Entende-se por tal a (a) escolha do método; a (b) seleção dos dados; o (c) controle da aplicação dos dados ao método; a (d) observação dos resultados; e a (e) conclusão do laudo. Concretamente, o perito assumirá integral responsabilidade nessas etapas ao assinar o laudo e entregá-lo em juízo. Não se ignora que, em determinadas áreas (v.g., a contábil), formam-se verdadeiras equipes de especialistas, sob a chefia nominal da pessoa designada pelo juiz. O concurso desses auxiliares e de prepostos (v.g., estagiário) cinge-se às etapas antecedentes à formulação do resultado. Se a participação é mais extensa, convém que seja declinada no laudo; o § 407a, n.º 2, segunda parte, da ZPO germânica o exige.113 998. Direitos do perito Os deveres arrolados no item anterior não esgotam a disciplina do complexo vínculo entretido entre o perito e o órgão judiciário. Além de poderes e deveres, o perito tem direitos concernentes à respectiva condição profissional.

998.1. Direito do perito ao reembolso das despesas – No desempenho da sua atividade própria, o perito arca com despesas de índole diversa (v.g., condução, extração de cópias dos documentos constantes de repartições públicas, elaboração de gráficos e plantas, aquisição de materiais de exame, uso de equipamentos e assim por diante). Incumbe à (a) parte que requereu a perícia, incluindo as pleiteadas pelo Ministério Público, como parte principal, e por órgão da Defensoria Pública, na qualidade de representante da parte (art. 95, § 1.º); ou (b) a ambas, se requerida convergentemente, ou (c) ao autor, requerida pelo Ministério Público, na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 178) ou ordenada, ex officio, antecipar tais despesas (art. 82, § 1.º, c/c art. 95, caput; art. 91, § 1.º; art. 465, § 3.º).114 As despesas intrínsecas à realização da prova científica na apuração da paternidade exibem singular importância e mereceram menção explícita no art. 98, § 1.º, V, como objeto de isenção (retro, 745.3). O juiz atribuirá o reembolso de tais despesas ao vencido (art. 82, § 2.º), na sentença final, que indenizará as despesas feitas pelo vencedor, não as tendo antecipado o próprio vencido. Em geral, o perito pleiteia e o juiz fixa a remuneração globalmente, incluindo as despesas, ordenando o depósito prévio de que trata o art. 95, § 1.º c/c art. 465, § 4.º. Porém, decotadas as despesas da remuneração, incumbe à parte responsável pelo adiantamento, nos termos expostos, a provê-las na medida da necessidade. 998.2. Direito do perito à remuneração – O perito é, via de regra, particular em colaboração com a Administração da Justiça que tem direito de receber contraprestação por seu trabalho. Esse assunto suscitava inúmeras dificuldades no direito anterior e, sem dúvida, o NCPC buscou resolvê-las e até o fez engenhosamente. Em vez de fazê-lo em conjunto, entretanto, concentrando as soluções num único dispositivo, dispersou-as em vários, exigindo do aplicador que percorra penoso itinerário. Fundamentalmente, (há remissões necessárias) trata da remuneração do perito, antecipado ou não o pagamento pelo responsável, nos artigos 91, § 1.º e § 2.º, 95 e 465. Em primeiro lugar, o art. 95, caput, § 1.º, estabelece o regime da antecipação dos honorários periciais, um pouco diferente do concernente às despesas, explicado no item anterior (retro, 998.1). Enquanto o adiantamento dos atos ordenados pelo juiz, ex officio, ou requerido pelo Ministério, intervindo nos casos do art. 178, recai sobre o autor art. 82, § 1.º), o art. 95, caput, estipula o seguinte quanto à responsabilidade: (a) antecipará os honorários a parte que houver requerido a prova; (b) ambas as partes anteciparão os honorários quando houverem requerido, ou for determinada ex officio. Fica subentendido que, requerendo a perícia o Ministério Público, como parte coadjuvante (art. 178), iniciativa admitida na parte inicial do art. 179, II, a responsabilidade é exclusivamente do autor. Ambas as partes anteciparão os honorários, de resto, no caso de escolherem conjuntamente o perito (art. 471). Fixados os honorários pelo juízo, o responsável dos depositará integralmente, facultando-se ao perito, na forma do art. 465, § 3.º, levantar a metade. A sentença final decidirá qual das partes, porque vencida, suportará integral e definitivamente as despesas, ordenando o reembolso, inclusive, dos

honorários pagos pelo vencedor ao seu assistente técnico (art. 84).115 É claro que a remuneração do assistente reembolsável é a arbitrada pelo juiz, e, não, a efetivamente paga pela parte. Ademais, o art. 95, § 3.º, cuida da hipótese de o responsável pela antecipação usufruir da gratuidade da justiça, hipótese em que a despesa será custeada: (a) com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário (v.g., do Departamento Médico Judiciário) ou por órgão público conveniado (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Y), a teor do inciso I; e (b) com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular em colaboração com o Poder Judiciário, cujo valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, na sua falta, pelo CNJ (inciso II). Ficando vencida a contraparte, o art. 95, § 4.º, após o trânsito em julgado da sentença, o juiz mandará oficiar a Fazenda Pública da União, do Estado-membro ou do Distrito Federal, conforme o caso, para executar o capítulo acessório da sucumbência, nessa parte, que condenou o vencido a reembolsar o vencedor os valores antecipados (art. 82, § 2.º). Vencido o beneficiário da gratuidade, não ficará isento da condenação, a teor do art. 98, § 2.º, tornadas inexigíveis pelo prazo de cinco anos, subsistindo os pressupostos da gratuidade, findo o qual extinguir-se-á a responsabilidade (art. 98, § 3.º). O art. 95, § 4.º, in fine, realiza remissão ao art. 98, § 2.º; porém, também incidirá o art. 98, § 3.º, inibindo a pretensão a executar da Fazenda Pública nos termos expostos. Requerida a perícia pelo Ministério Público, na qualidade de parte principal, ou por órgão da Defensoria Pública, na qualidade de representante técnico de vulnerável, e pela Fazenda Pública, os honorários do perito, porque colaborador da justiça, escapam da regra geral – da antecipação, bem entendido, e, não do pagamento a final pelo vencido (art. 91, caput), sendo este a contraparte. Em tais hipóteses, ou (a) a perícia é realizada por “entidade pública” (v.g., o Departamento Médico Judiciário do TJ) ou, havendo previsão orçamentária, o valor será adiantado na forma do art. 95, § 1.º, c/c art. 465, § 4.º (art. 91, § 1.º); ou (b) ou, inexistindo a previsão orçamentária, o pagamento (e o adiantamento) serão feitos no exercício seguinte ou a final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes dessa oportunidade (art. 91, § 2.º) Essas disposições resolvem, na medida do possível, o problema da remuneração do perito nos casos em que o responsável é o Ministério Público, como parte principal, ou a parte representada em juízo por órgão da Defensoria Pública e a Fazenda Pública. Remanesce apenas a dificuldade de conjugar dispositivos e parágrafos. Em caso de perícia consensual (art. 471), a convenção das partes – e não parece, a priori, excluída essa possibilidade no caso de figurar como partes a Fazenda Pública, o Ministério Público e a Fazenda Pública, consoante seja, ou não, disponível o objeto litigioso – abrangerá o valor e a forma do pagamento dos honorários do perito e dos assistentes técnicos. A remuneração do perito quadra-se como despesa processual, submetendo-se à respectiva disciplina, porque se cuida de “um gasto indispensável para que o processo alcance a sua finalidade”.116

998.2.1. Valor da remuneração do perito – Ao ser intimado para assumir o encargo, o art. 465, § 2.º, manda o perito apresentar a proposta de honorários em determinado valor. É o juiz, todavia, que fixa o valor da remuneração do perito,117 após colher a manifestação das partes, assegurando o contraditório, no prazo de cinco dias, antes de realizar-se despesas de tal envergadura (art. 465, § 3.º). Os critérios para fixar os honorários do perito não discrepam dos prescritos, relativamente aos honorários advocatícios, no art. 85, § 2.º, sem a restrição da observância do piso (percentual mínimo) e do teto (percentual máximo). Cumpre ao juiz avaliar a natureza, a complexidade, o valor dos trabalhos técnicos, o tempo necessário para realizá-los – no duplo sentido de duração e de exclusividade total ou parcial da atividade profissional do expert -, e o local em que ocorrerão as operações periciais. A diversidade desses fatores, que variam de intensidade em cada perícia, impede uma sistematização mais clara.118 É preciso ter em mente a especialização e os atributos pessoais do perito. Há profissionais do maior quilate, cujo tempo custa muito, e a circunstância de colaborar com a justiça não é pretexto hábil para amesquinhar o valor do seu trabalho profissional. Não é incomum o perito, implicitamente contrariado com o baixo valor fixado, escusar-se da tarefa sob os mais diversos pretextos. O valor da causa é um fator relevante,119 mas não o único, nem sequer o fundamental: as grandes causas comportam a antecipação e, a fortiori, o pagamento de valor justo, adequado às capacidades do perito, restando adequar, nas pequenas causas, a escolha do entendido, e, não, o valor da sua remuneração, às condições econômicas das partes e ao valor global do litígio. É simples decorrência do regime de mercado imposto pela opção de escolher os peritos no seio dos particulares. Foi muito sentida essa dificuldade nas perícias médicas para investigar a paternidade. A parte carecia de recursos para suportar o custo do exame, sem pejo da remuneração dos especialistas envolvidas na coleta e no processamento do material genético. A Administração da Justiça acabou assumindo estes custos, diretamente ou através de convênios remunerados com instituições privadas, situação ventada, por sinal, no art. 95, § 3.º, I, in fine. Em decorrência da multiplicidade dos fatores envolvidos – a qualificação do perito, o objeto da perícia, a capacidade econômica das partes e o valor da causa –, surgem contradições aparentes: “pagam-se a peritos em desapropriações, nas quais o seu trabalho é de mera avaliação, somas muito mais elevadas que as atribuídas a quem, em causas de igual valor, para chegar a conclusões verdadeiras, precisa aprofundar-se em indagações de ordem técnica ou científica e até mesmo recorrer a experiências para esclarecer ou comprovar fatos ou pormenores”.120 A sugestão de bitolar o valor da remuneração aos subsídios do juiz ou, tout court, ao dos honorários do vencedor não resolve todos os problemas. Seja como for, figurando como parte beneficiário da gratuidade, e não sendo possível atribuir a perícia a servidor do Poder Judiciário ou a órgão público conveniado, o particular há de conformar-se com o valor estipulado na tabela editada pelo TJ ou pelo CNJ (art. 95, § 3.º, II).

A decisão que arbitra os honorários, ordenando o depósito antecipado (art. 465, § 4.º), constitui interlocutória, mas não comporta agravo de instrumento. Já no direito anterior as partes exerciam o direito de recorrer desse provimento, cautelosamente, temendo melindrar o perito, mas a impossibilidade de antecipar o valor arrastava o interessado a recorrer. O valor dos honorários, fixados antecipadamente, comporta revisão posterior, havendo modificações supervenientes. Por exemplo, o perito empregou mais material no exame do que o originalmente previsto, deslocouse com maior frequência ao local da perícia, e assim por diante. 998.2.2. Antecipação da remuneração do perito – O art. 465, § 4.º, permite ao juiz ordenar à parte responsável pela antecipação das despesas e dos honorários, inclusive a perícia requerida pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público, como parte principal, e por órgão da Defensoria Pública, como parte principal ou representante técnico de vulnerável, o depósito prévio de cinquenta por cento do valor correspondente à remuneração fixada nos termos do art. 465, § 3.º. Recolher-se-á o dinheiro em instituição financeira oficial, à disposição do juízo, rendendo juros e correção monetária (art. 95, § 2.º). A perícia começa, de fato, após esse depósito, poderoso estímulo à diligência do perito. Esse parágrafo reproduziu o direito anterior, chancelando a prática adotada em diversos juízos, desenvolvida para atalhar o inadimplemento, a posteriori, do dever previsto no art. 95, caput. O ônus de antecipar a remuneração do perito alcança a Fazenda Pública como parte em juízo (Súmula do STJ, n.º 232) e, como visto, o Ministério Público, como parte principal, e órgão da Defensoria Pública, como parte principal e representante técnico de vulnerável. Requerida a perícia pelo Ministério Público, na qualidade de parte coadjuvante, ou ordenada a perícia, ex officio, a responsabilidade do pagamento, incluindo a antecipação, é do autor, a teor do art. 82, § 1.º. Em caso de gratuidade da justiça, no litígio entre particulares, incumbe à União, na Justiça Federal, e ao Estado-membro e ao Distrito Federal, na Justiça Comum, adiantar esse valor, nos termos do art. 95, § 3.º, II,121 não se realizando por servidor público ou entidade conveniada (art. 95, § 3.º, I), caso em que, de toda sorte, será “custeada com recursos alocados no orçamento do ente público”. A gratuidade abrange as despesas relativas à realização da perícia.122 O juiz não pode inverter o ônus do adiantamento, porque a parte responsável goza da gratuidade.123 Também a inversão do ônus da prova, nas causas versando direito do consumidor, não interfere com o ônus da antecipação, regulado pelo art. 465, § 4.º.124 Figurando na causa a Fazenda Pública, de um lado, e beneficiário da gratuidade, de outro, o regime é o do art. 95, § 3.º, I e II, ou o do art. 91, § 1.º e § 2.º, conforme o dever de antecipação seja do beneficiário ou da Fazenda Pública. No direito anterior, não concordando o perito em receber seus honorários no final do processo, na expectativa da derrota da Fazenda Pública, conforme a previsão do art. 27 do CPC de 1973, hoje reproduzida no art. 91, caput, com o acréscimo oportuno do Ministério Público e da Defensoria Pública, recomendava-se ao juiz valer-se de outro perito ou dos estabelecimentos oficiais,125 providências adotada no art. 95, § 3.º, I e II. O

particular há de conformar-se, em tal caso, com a prefixação dos honorários na tabela editada pelo TJ ou pelo CNJ. 998.2.3. Momento do recebimento da remuneração do perito – O art. 465, § 4.º, esclarece o momento da percepção da remuneração do perito, objeto de depósito (art. 95, § 1.º) na forma do art. 95, § 2.º. Levantará cinquenta por cento, desde logo, e o restante após a entrega do laudo e a prestação de “todos os esclarecimentos necessários”. Quer dizer, após os esclarecimentos escritos (art. 477, § 2.º) e orais (art. 477, § 3.º). Facultou, o levantamento parcial presumivelmente para atender as despesas intercorrentes,126 pois os peritos pedem, ordinariamente, um valor global e fixo pelo seu trabalho. O direito à remuneração surge, portanto, no momento da entrega do laudo. Não se esgota, todavia, a atividade do perito neste ponto preciso. Tem o dever de comparecer à audiência e prestar esclarecimentos, respondendo às perguntas das partes, antecipadamente formuladas sob a forma de quesitos (art. 477, § 3.º). Os eventos posteriores, inclusive a realização de segunda perícia, não interferem com o direito à remuneração, e, conseguintemente, com o levantamento, no todo ou em parte, do valor previamente depositado. 998.2.4. Perda do direito do perito à remuneração – Suprindo omissão anterior, o art. 468, § 2.º, contempla a perda da remuneração do perito, em caso de substituição, a parte de outras sanções, e a restituição forçada, inexistindo devolução voluntária (art. 468, § 3.º). Além disso, o juiz reduzirá proporcionalmente a remuneração no caso de a perícia não chegar a conclusões precisas ou apresentar deficiências (v.g., a ausência de respostas aos quesitos, a teor do art. 473, IV), conforme estipula o art. 465, § 5.º), talvez chegando a valor inferior ao antecipado, hipótese em que incidirá o art. 468, § 2.º c/c § 3.º, quanto ao excedente. É flagrante que o perito destituído não tem direito algum ao valor depositado, no todo ou em parte, até porque, na hipótese do art. 468, II, não entregou o laudo, e, assim, não nasceu o direito à percepção dos honorários. E repugna ao direito que o perito mendaz, sujeito às graves sanções do art. 158, subsista com direito à remuneração. Neste último caso, a entrega do laudo viciado não gera o direito à remuneração. 998.2.5. Realização do direito do perito à remuneração – A antecipação contemplada no art. 465, § 4.º, a despeito de corriqueira, constitui simples faculdade do órgão judiciário, revelada pela forma verbal empregada na regra (“O juiz poderá autorizar…”). Concebe-se, portanto, que não haja o depósito e o vencido não deposite o valor arbitrado. O perito tem pretensão a realizar o crédito através de execução, pois o ato previsto no art. 465, § 3.º, constitui título executivo judicial para os fins do art. 515, I. 999. Controle da imparcialidade do perito O art. 467 assegura à parte recusar o perito designado pelo juiz nos casos de impedimento (art. 144) e de suspeição (art. 145). Essas causas aplicam-se ao perito por força do art. 148, II, porque auxiliar do juízo, assim arrolado no art. 149. A rigor, portanto, o art. 148, III, encontra-se absorvido no inciso anterior. Além dos particulares em colaboração com a Administração da

Justiça, arrolados no art. 149, do órgão judiciário e do Ministério Público (art. 148, I), inexistem outros candidatos a “sujeitos imparciais do processo”. A forma e os efeitos desse controle receberam tratamento no item dedicado ao órgão judiciário (retro, 976). § 208.º Depositário ou administrador 1000. Definição de depositário ou administrador Os bens corpóreos tornam-se objeto de constrição, em alguns procedimentos, por ordem do juiz, a fim de realizar ou resguardar direitos. O art. 159 menciona, exemplificativamente, a penhora, o arresto, o sequestro e a arrecadação. As funções instrumentais desses atos processuais exigem que, até ulterior resolução judicial, essas coisas sejam objeto de depósito judicial. Eles são confiados a um depositário ou administrador, em geral um particular, assumindo a condição eventual de auxiliares da justiça. Não são apenas coisas que constituem objeto do depósito judicial. Tratando-se de importância em dinheiro (bem fungível), que há de ser recolhida em juízo, o art. 1.058 exige que seja depositada em nome da parte ou do interessado, em conta especial movimentada em juízo. Em princípio, incidirá o art. 840, I – o depósito será feito em banco oficial. A empresa de banco, depositária do dinheiro, assume a qualidade de auxiliar do juízo.127 É nos atos de constrição clássicos que o depósito judicial tem destacado papel. A penhora e a arrecadação ocorrem nas execuções governadas pelo meio da expropriação, destinado a realizar créditos pecuniários, e se distinguem pelo objeto: a penhora, ato executivo da execução contra devedor (supostamente) solvente, incidirá “sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios” (art. 831); a arrecadação, na execução contra devedor insolvente, e, portanto, objetiva e subjetivamente universal, recairá sobre todos os bens do executado (art. 766, I, do CPC de 1973), insuficientes, por definição – na insolvência, segundo o art. 648, do CPC de 1973, o passivo supera o ativo –, à satisfação de todos os credores do devedor comum. Essas disposições permanecem vigente (art. 1.052 do NCPC). Por sua vez, o arresto e o sequestro são típicas medidas cautelares (art. 301). Dentre outros traços, distinguem-lhes o objeto e a finalidade: o arresto implica constrição no patrimônio do devedor, abrangendo bens suficientes para a segurança da futura cobrança ou execução de crédito pecuniário; de seu turno, o sequestro representa medida que assegura a futura execução para entrega de coisa, recaindo, portanto, sobre alguma coisa individualizada, com o fito de impedir que seja subtraída, ou alienada fraudulentamente, ou destruída, ou danificada pela pessoa que a detenha, em prejuízo do direito à posse ou à propriedade de outra pessoa. A disciplina dessas constrições patrimoniais segue, substancialmente, o regime legal da penhora. A guarda e a conservação dos bens objeto dessas constrições são confiadas ao depositário ou administrador (art. 159). No que tange à penhora, e, a fortiori, às medidas cautelares (tutela provisória de urgência cautelar) que se submetem ao respectivo regime, a

pessoa que assumirá o encargo de depositária variará conforme o respectivo objeto. O art. 840 c/c art. 838, IV, torna claro que incumbe ao oficial de justiça, ao qual tocou o cumprimento da ordem de constrição (art. 782, caput), investir a pessoa previamente designada, na lei, para assumir o encargo. Tratando-se de dinheiro, de papéis de crédito, pedras e metais preciosos, o depositário será instituição financeira oficial (art. 840, I, c/c art. 1.058). Os bens móveis, os semoventes, os imóveis urbanos e os direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos, de acordo com o art. 840, II, serão confiados ao depositário judicial, exceto no caso de inexistir depositário judicial na comarca, seção ou subseção judiciária, caso em que o exequente ficará como depositário (art. 840, § 1.º) ou os bens foram de difícil remoção (v.g., grande número de semoventes), hipótese em que o executado será o depositário (art. 840, § 2.º). É muito difícil confiar tais bens ao depositário judicial. As comarcas de menor movimento forense dificilmente mantêm depósito público e raramente contemplam, dentre os cargos criados por lei, o de depósito. E, nas comarcas de intenso movimento, mostra-se impraticável recolher os bens móveis ao depósito judicial, porque esgotada sua capacidade. Por essas razões, é comum investir particulares, senão o próprio executado, no encargo de depositário dos bens móveis. Por fim, os bens arrolados no art. 840, III – imóveis rurais e os respectivos direitos aquisitivos, as máquinas, os utensílios, os instrumentos necessários e úteis à atividade agrícola – são depositados com o executado. Em outros casos, como navios e aeronaves, excluídos nas classes precedentes, depositam-se em mãos de administrador ou depositário-administrador (v.g., art. 862, caput). A arrecadação de todos os bens do executado é atribuição do administrador, que o juiz nomeará dentre os maiores credores do devedor comum (art. 761, I, do CPC de 1973), que terá tais sob sua custódia e responsabilidade, exercendo as respectivas atribuições “sob a direção e superintendência do juiz” (art. 763 do CPC de 1973). Ao contrário do que acontece na penhora, e, a fortiori, no arresto e no sequestro, a investidura do administrador, mediante compromisso (art. 764 do CPC de 1973), antecede a constrição. Não se infere dessa circunstância, todavia, diferença substancial entre o depositário e o administrador. No caso do art. 862, caput, o depositário particular, designado posteriormente, em atenção à natureza do bem, essencialmente é um administrador. À luz dessas disposições, a figura do auxiliar chamado de “depositário ou administrador”, e prevista nos artigos 159 a 161 do NCPC, torna-se nítida. A natureza dos bens objeto da constrição (v.g., área rural povoada e plantada; estabelecimento comercial ou industrial), a impossibilidade de confiar todos os bens móveis e os imóveis urbanos ao depositário judicial, e o fato de a arrecadação envolver múltiplos bens, impõem que a custódia e administração sejam entregues a um particular mediante depósito. Eis o sentido da cláusula final do art. 159 – “não dispondo a lei de outro modo”. Conforme a natureza do bem, o depósito acontece com o serventuário da justiça (art. 840, II). O depósito é essencial ao ato de constrição patrimonial (art. 839, caput). Desse modo, sem o depósito, não se completou, ainda, a penhora. Ora,

aperfeiçoando-se a relação jurídica de depósito, entretida entre o órgão judiciário e o depositário (ou administrador) através da entrega do(s) bem(ns) – elemento real comum ao depósito convencional –, percebe-se que é insustentável a tese de que, no depósito judicial, inexiste transmissão da posse.128 1.001. Escolha do depositário ou administrador A designação do depositário ou do administrador incumbe privativamente ao órgão judiciário. A escolha pode recair em qualquer pessoa capaz e idônea, particularmente dotada para conservar e administrados os bens objeto da constrição, a exemplo do produtor rural de renome, incidindo a penhora sobre valioso plantel de semoventes. No caso do administrador, preferencialmente, o juiz indicará um dos maiores credores (art. 761, I, do CPC de 1973). Fica subentendido que o administrador pode ser pessoa jurídica, incorrendo nos impedimentos do art. 30, caput, e § 1.º, da Lei 11.101/2005. A idoneidade patrimonial do depositário ou do administrador assumiu, por força do desaparecimento da prisão civil (infra, 1.399.3), relevo capital na escolha. Descumprido o dever de restituição, restará à parte prejudicada a pretensão para obter o equivalente pecuniário, e, para essa finalidade, a existência de patrimônio suficiente constituirá requisito indispensável (art. 391 do CC); do contrário, erige limitação prática à realização da prestação pecuniária substitutiva. A designação, em nosso sistema jurídico, mostra-se recusável. Explicitou esse princípio a Súmula do STJ, n.º 319: “O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado”. É o que acontece, igualmente, na designação do administrador na insolvência civil (art. 761, I, do CPC de 1973).129 Em alguns casos, sobrelevando-se o depósito de dinheiro (art. 1.058), a lei indica várias pessoas concorrentemente, como se deduz do art. 840, I, cabendo ao juiz a escolha. Em geral, ela recairá na instituição financeira que mantém convênio com o ramo do Poder Judiciário para guardar os depósitos judiciais; assim, na jurisdição federal, a atribuição recai no Banco do Brasil S.A., que é sociedade de economia mista, e na Caixa Econômica Federal, que é empresa pública. O ponto merece de registro, porque o Banco do Brasil S.A. não é sujeito federal, e, portanto, não se insere na competência em razão da pessoa da Justiça Federal (Súmula do STJ, n.º 42). Então, a importância da natureza do vínculo, eminentemente administrativo entre o órgão judiciário e o respectivo auxiliar – objeto do item subsequente –, no caso o depositário, adquire particular relevo. O fato de a empresa de banco assumir a forma de sociedade de economia mista não lhe subtrai ao controle do órgão judiciário federal; por exemplo, a restituição da importância depositada, e o seu montante, a exemplo de diferenças de correção monetária, hão de ser resolvida incidentalmente, no processo em que se constitui o encargo. É por essa razão que o art. 1.058, in fine, determina que a conta corrente especial somente será movimentada por ordem do juiz. 1.002. Natureza do vínculo do depositário ou administrador

O art. 839, caput, estabelece obrigatória correlação entre a apreensão da coisa penhorada e o desapossamento do executado, cujo instrumento reponta no depósito. Não é substancialmente diferente o art. 763 do CPC de 1973, aludindo à custódia dos bens da massa na insolvência civil. A análise da natureza dessa espécie de depósito envolve, ao fim e ao cabo, a mesma problemática da penhora e da alienação forçada, fonte de controvérsias. Na época em que a ciência processual aspirava, sobretudo, à autonomia, a perspectiva empregada negligenciava os dados de direito material, porque incompatíveis com esse objetivo. A dogmática processual buscou, intransigentemente, a maior distância concebível das ricas construções tradicionais nos domínios do direito privado. Os laços indispensáveis do processo com o direito substantivo – aliás, reciprocamente implicados – desvaneceram-se. Por um lado, volver à base de partida, ou seja, à base confortável do direito privado, negaria o caráter público do processo, de outro parece inconveniente cortar e romper os canais e ligações deste com seu objeto, em termos categóricos. As explicações a respeito da natureza jurídica do depósito na penhora – problema comum às demais formas de constrição – percorreram duas etapas iniciais, antes de alcançar o equilíbrio. No direito romano, vigorava o princípio sequester cum depositario assimiletur, no sentido do direito privado, ou seja, o juiz contrataria o depósito em nome do exequente, de modo que “na penhora o credor era considerado autêntico contratante com o depositário, por intermédio do oficial de justiça”.130 Era a interpretação corrente do direito comum, que prevaleceu na vigência, por exemplo, do CPC italiano de 1865.131 Em oportuna reação a esse entendimento, as impugnações se bifurcaram: alguns autores, partindo da negotiorium gestum, sustentaram a teoria da representação, prontamente rejeitada, pois o depositário não representa, no desempenho de suas funções, nenhuma das partes;132 outros, atentando ao caráter público do instituto, identificaram no depositário a longa manus do órgão judiciário, o qual se encarregaria de relevante “serviço público”.133 Esta, por sinal, a concepção prevalecente perante o CPC português de 1939: o depósito decorreria de investidura da lei ou pelo juiz.134 Segundo a teoria da representação, no depósito haveria contrato de direito público entre o Estado e o depositário.135 Existe um ponto de convergência nessas teorias: a aceitação do depositário. Com efeito, a nomeação do custode é ato do juiz e, por força dele, a pessoa designada assume a condição de auxiliar da justiça (art. 149 do NCPC).136 Porém, entre nós a função comporta recusa,137 diversamente de outros sistemas.138 É o que acabou sendo incorporado à Súmula do STJ, n.º 319. O papel dessa manifestação de vontade do depositário reduzir-se-ia, segundo outro viés, à “condição de eficácia do ato de nomeação”.139 Trata-se de concepção errônea no direito brasileiro, em virtude da necessidade de aceitação do encargo pelo particular. Essa declaração de vontade se afigura imprescindível e ocupa lugar central no depósito. Existe relação jurídica autônoma, vínculo administrativo entre o órgão judiciário e o particular, disciplinando um dos elementos da penhora, e que se

torna flagrante quando o próprio executado assume o encargo. A partir daí, o executado passa a desempenhar, simultaneamente, dois inconfundíveis papéis no processo: de um lado, é sujeito da relação processual executiva; de outro, é auxiliar do juízo, porque depositário dos bens sujeitos à técnica expropriatória. Por conseguinte, o depósito configura negócio jurídico entre o Estado e o depositário. Este último obtém a posse imediata da coisa decorrência da apreensão da res pignorata, posse imediata da coisa.140 Daí a legitimidade no emprego dos interditos possessórios pelo depositário, os seus poderes de conservação e, modernamente, os de administração do bem. Então, é inútil esquivar o depósito judicial criado no art. 839, caput, de toda influência originada do direito material. Do contrário, sem explicação plausível restaria a responsabilidade do depositário, instituída no art. 150, primeira parte, do CPC de 1939. Não se cuida de depósito irregular. Embora intrinsecamente fungíveis, como acontece no caso do dinheiro depositado na forma do art. 1.058 do NCPC, a destinação específica dos bens depositados os tornam bens infungíveis ou bens fungíveis com destinação específica.141 O objeto do depósito é a res pignorata, seja móvel ou imóvel,142 fungível ou infungível, e corpórea. Compreende o bem e seus acessórios,143 e, neste sentido, harmoniza-se com a extensão natural da constrição realizada na penhora ou na arrecadação. 1.003. Deveres do depositário ou administrador O vínculo entretido entre o depositário ou administrador e a Administração da Justiça produz diversos efeitos, no plano processual e material, gerando direitos e deveres. 1.003.1. Dever de guarda e conservação do objeto da constrição – Fundamentalmente, ao depositário ou administrador incumbe guardar e conservar o(s) bem(ns) objeto da constrição. No desempenho natural desta atividade, principalmente quando encarregado da administração, o depositário empregará o melhor do seu tirocínio, o maior dos zelos, ou, consoante fórmula que se tornou universal,144 a diligência de um bom pai de família. Por exemplo, recaindo a constrição sobre veículo não afetado a atividade econômica (v.g., carro de passeio), compete ao depositário guardá-lo em lugar seguro, devidamente trancado, observando as cautelas normais de qualquer proprietário. Deixandoo em lugar aberto, ou perigoso, responderá pelos danos porventura verificados na coisa. O depositário não dispõe, juridicamente, do objeto da constrição. O depósito do bem não afeta a titularidade do domínio. Este permanece com a parte. Mas, ostentando a disponibilidade material, eis que usufrui da posse imediata, a mais das vezes, não se revela lícito utilizá-la em seu próprio proveito. O bem fica afetado ao seu emprego econômico usual. Por exemplo, penhorado veículo de via terrestre, o uso dependerá de explícita autorização judicial e beneficiará o executado, ou, se for o caso, a massa ativa, na execução universal (falência ou insolvência). Por óbvio, o veículo não pode ser cedido à autoridade policial e, muito menos, para o uso próprio do

magistrado. Representará falta gravíssima, por exemplo, o juiz passear na Maserati ou na Mercedes-Benz do executado. Recaindo a penhora em bem frutífero, o depositário perceberá os frutos, colocando-os à disposição do juízo, e, tratando-se de dinheiro, depositando o numerário na conta prevista no art. 1.058. A locação precisa ser previamente autorizada, porque instrumento fácil de fraude.145 Todos os rendimentos, provenientes ou não do trabalho do depositário, aproveitam à massa ativa e, em última análise, à execução. Ao depositário ou ao administrador cabe, configurados os pressupostos, requerer a alienação antecipada,146 nos termos do art. 852, quando for excessivo o custo da manutenção da coisa perecível – naturalmente, o depositário atenderá às despesas normais de conservação; por exemplo, pagará o aluguel da garagem onde se encontra o veículo –, ou o bem sujeitarse à deterioração ou à progressiva depreciação (art. 852, I), ou ainda, conforme prevê o inc. II do art. 852, configurar-se manifesta vantagem, ante as condições favoráveis de mercado (v.g., a penhora recai sobre semoventes e eles atingiram o peso e a idade convenientes, na época mais oportuna do mercado). 1.003.2. Dever de administração do objeto da constrição – Além de guardar e conservar o objeto da constrição, e de acrescer os frutos que, de ordinário, a coisa produz, às vezes cabe ao depositário a tarefa mais árdua de mantê-la ou torná-la frutífera. Essa necessidade decorre, por exemplo, da administração do bem penhorado “economicamente produtivo, que mereça tratamento especial, quanto à respectiva administração, para que, assegurado o normal funcionamento, não se deixem de obter, durante o período de constrição, os frutos que dele se esperam”.147 Tais bens, aliás, depreciam-se ou se perdem com a paralisação de inopino do seu emprego natural. Exemplo dessa classe de bens se depara nos estabelecimentos agrícolas, comerciais ou industriais, nas plantações e até nos semoventes, que reclamam cuidados periódicos e demandam comercialização em determinadas épocas do ano. Nesta contingência, os poderes do depositário alargam-se, ultrapassando a simples guarda e conservação.148 Eles implicam a gestão do objeto da constrição. Ocioso assinalar que essa é a regra no caso da massa de bens entregue ao administrador na execução universal (insolvência ou falência). Habilita-se o depositário a praticar todos os atos que se mostrem necessários à boa administração, conforme a natureza da coisa e a planificação porventura adotada, aprovada pelo juiz. Essa ampla liberdade é contrabalançada pela escolha do depositário ou administrador. Ela recairá em alguém especialmente dotado para semelhante tarefa, e de ilibada reputação, a impedir danos derivados de administração insana, incompetente ou infeliz. A idoneidade patrimonial do depositário ou administrador, desaparecida a possibilidade de prisão civil, no caso do descumprimento do dever de restituir o bem, assume relevo capital. 1.003.3. Dever de restituição do objeto da constrição – Os atos executivos mencionados no artigo 159 são eminentemente instrumentais. A penhora e a

arrecadação constituem requisito para a ulterior alienação coativa dos bens e entrega do respectivo produto aos credores. O arresto e se transformará, oportunamente, em penhora e, atingido este estágio, destinam os bens, por igual, à alienação coativa. O bem sequestrado há de ser entregue ao autor da medida, logrando êxito, ou restituído ao réu, na hipótese contrária. O objeto da constrição também pode ser reivindicado por terceiro, ou reclamado pelos embargos do art. 674, e, em tal hipótese, cumpre entregá-lo ao verus dominus. E concebe-se, por igual, o desfazimento dessas constrições – por exemplo, a penhora ou o arresto recaiu sobre o imóvel residencial do executado, que alegou o vício nos embargos ou na impugnação –, restituindose os bens. Também é instrumental o depósito em dinheiro na forma do art. 1.058. A empresa de banco não se torna proprietária do direito depositado, embora ele alavanque as suas operações usuais no mercado financeiro, porque a este ativo corresponde um passivo. É esse dado que não permite a equiparação total do depósito das coisas fungíveis (ou depósito irregular) ao mútuo, conforme assinala o art. 649 do CC.149 É natural, portanto, que incumba ao depositário ou administrador, em variadas situações, e porque extinto o depósito (infra, 1.006), entregar os bens. Essa entrega ocorrerá, mediante termo lavrado pelo escrivão nos próprios autos em que ocorreu a constrição, tratando-se de coisas, sem a necessidade de ação de depósito. Já não é mais possível a prisão do depositário (Súmula Vinculante 25 do STF). Disposições em contrário encontram-se revogadas (v.g., art. 652 do CC), porque incompatíveis com a CF/1988. E isso, porque o art. 7.º, § 7.º, do Pacto de São José da Costa Rica, aprovado pelo Dec. Legislativo 27/1992 restringiu a prisão civil ao caso da dívida alimentar. Essa orientação do STF, a despeito de fundada na obrigação assumida pelo Estado brasileiro, no plano internacional, provocou fundadas críticas. Em particular, não se distinguiram, convenientemente, as situações do devedor fiduciante e do depositário judicial.150 É uma tênue brecha que, eventualmente, ensejaria atenuação do entendimento radical, que não beneficia, absolutamente, o cumprimento dos deveres legais, e, conseguintemente, o princípio da solidariedade social. Em outras palavras, o desrespeito ao dever assumido perante o órgão judiciário ficará sem sanção apreciável e o exequente, cujo direito talvez haja sido reconhecido em provimento judicial, irremediavelmente prejudicado. No entanto, a Súmula Vinculante 25 do STF não abre espaço para essa possibilidade. Ficara esse descumprimento, no direito anterior, sem nenhuma sanção real o descumprimento do dever de restituir o bem em algumas situações, particularmente na hipótese de o próprio executado, sem patrimônio, assumir o encargo quanto a bens móveis. No caso da investidura de particular em colaboração com a Administração da Justiça, nos casos do art. 682, caput, do NCPC e do art. 761, I, do CPC de 1973, ainda em vigor, o requisito da idoneidade compreende a suficiência patrimonial, e, portanto, caberá ação para recuperar o equivalente do bem sonegado, mais perdas e danos (infra, 1.003.5). O art. 161, parágrafo único, do NCPC ministra fraco remédio: a par da responsabilidade por perdas e danos, e da imposição de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, cuja eficiência dependerá do patrimônio do

depositário, por definição insuficiente no caso do executado, acena com a responsabilidade penal. Em vão se buscará nos repertórios de jurisprudência condenações frequentes a esse título. No caso de quantias judicialmente depositadas (art. 1.058), o dever de restituir compreende a remuneração do dinheiro – correção monetária e juros compensatórios –, e, ocorrendo atraso ou controvérsia a respeito do montante (v.g., diferenças de correção em virtude de expurgos inflacionários), juros de mora,151desde a intimação do depositário para restituir. 1.003.4. Dever de prestação de contas – O depositário prestará contas ao juízo da sua atividade de guarda, conservação e administração do objeto da constrição.152 É expresso, a esse último respeito, o art. 866, § 2.º, exigindo a apresentação de contas mensalmente, no que tange à penhora do faturamento de empresa. Em caso de omissão, o remédio é a ação para exigir contas.153 Existe momento próprio para o depositário prestar contas espontaneamente. O nascimento desse dever coincide com a extinção do depósito. Omitida a prestação voluntária, surge o interesse na proposição da demanda competente. Legitimam-se as partes a pedir contas do depositário ou do administrador. Também não é necessária ação autônoma para essa finalidade, a fortiori da Súmula do STJ, n.º 271. É questão a ser resolvida, incidentalmente, no processo em que se constituiu o encargo. Por essa razão, a empresa de banco que assumiu personalidade de direito privado, qual seja a de sociedade de economia mista, não se subtrai à jurisdição federal, haja vista o vínculo administrativo entre o depositário e o órgão judiciário, embora não constitua sujeito federal e se insira na competência em razão da pessoa da Justiça Federal (Súmula do STJ, n.º 42). 1.003.5. Dever do depositário de indenizar – O depositário ou administrador respondem por danos que, por ação ou omissão culposa, causar ao bem penhorado. O art. 161, caput, acrescenta outra sanção: a perda do direito à remuneração. Ressalva a regra, porém, a percepção ou, ao menos, a compensação das despesas legítimas de conservação ou administração com o valor indenizatório do dano. O art. 161, caput, não exclui a indenização pelo valor da própria coisa, se destruída ou dissipada pelo depositário, e tampouco o saldo devedor apurado na prestação de contas. Desaparecida a prisão civil (retro, 1.399.3), o item adquiriu transcendente relevo, sobrelevando-se a multa do art. 161, parágrafo único. O acertamento da responsabilidade dependerá de ação de reparação.154 Legitima-se a parte que sofreu o dano. A existência do dever de indenizar supõe culpa lato sensu do depositário. Ele não responde por caso fortuito ou força maior (v.g., a destruição do objeto da constrição em virtude de incêndio ou o seu desaparecimento em decorrência de furto e roubo). Incide, pois, a regra res perit pro domino. Desaparecendo fortuitamente a coisa penhorada, o juiz atenderá aos reflexos desse fato no processo em curso; em geral, ordenará nova constrição. No caso de penhora de joias, pedras e objetos preciosos, depositados em empresa de banco, o art. 840, § 3.º, adotou solução inteligente, porque exigiu

do depositário a fixação de “valor estimado de resgate” para os bens. Dessa maneira, ocorrendo algum evento imprevisível, como o furto dos bens na caixa-forte, nenhum prejuízo maior provocará o fato na execução, recaindo a constrição no equivalente pecuniário. No tocante à empresa de banco, recebendo em depósito dinheiro (art. 840, I), já decidiu o STJ que “o banco há de diligenciar no sentido de que seja resguardado da desvalorização, não carecendo, para isso, de determinação específica”.155 E, realmente, os depósitos bancários feitos judicialmente aproveitam a empresa de banco e devem render correção monetária e juros compensatórios, evitando que o dinheiro se desvalorize para a parte ou o interessado. Representaria grave atentado à razão a empresa de banco restituir a quantia por seu valor histórico. O reajuste monetário representa, na ordem jurídica pátria, um imperativo ético, econômico e jurídico. Ao pretender restituir sem correção, o depositário denota manifesta negligência no cumprimento dos seus deveres de guarda e de conservação, pois aproveitou, neste interregno, a quantia depositada. Por isso, dispõe a Súmula 179 do STJ: “O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos”. Sobre tais depósitos, aduz a Súmula 185 do STJ, não incide o imposto sobre operações financeiras. E não há necessidade de o interessado mover ação específica contra a empresa de banco (Súmula 271 do STJ). Eventual controvérsia sobre o montante da restituição ocorrerá incidentalmente no processo em que se constituiu o encargo. Eventualmente, os atos do depositário constituirão fato típico penal, apuráveis no processo-crime respectivo. 1.004. Direitos do depositário ou administrador O depósito do objeto da constrição em mãos do depositário ou do administrador produz direitos específicos, cujo exercício se realiza sob a supervisão do órgão judiciário. 1.004.1. Direito à posse do objeto da constrição – O negócio jurídico de depósito concede ao depositário ou administrador, em geral, a posse imediata da coisa, ou, na pior das hipóteses, a posse mediata. A parte que sofreu a constrição continua titular do domínio. Nomeado depositário a própria parte, o título de sua posse imediata se altera, deixando de ser em nome próprio. Em razão do regime da posse no direito pátrio, tanto o depositário,156 como as partes (via de regra o executado) ostentam legitimidade para promover em juízo os interditos possessórios porventura cabíveis.157 Todavia, somente a parte pode reivindicar o bem de terceiro. Legitima-se o depositário, por igual, no concernente às medidas cautelares relativas à conservação da coisa. Essas iniciativas concernentes aos poderes ordinários de administração prescindem de autorização judicial prévia.158 Finalmente, ao depositário socorre legitimidade recursal. Trata-se de legitimidade excepcional, mas fundada na natureza das coisas: o provimento do juiz, ordenando a restituição, pode se mostrar ilegal ou injusto.

1.004.2. Direito do depositário e do administrador à remuneração – O depositário ou o administrador têm direito, a teor do art. 160, caput, a certa remuneração arbitrada pelo juiz. Excluem-se desse estipêndio, porque verbas autônomas, as despesas inerentes à guarda e conservação, ou à administração.159 Tais despesas hão de ser indenizadas, separadamente, ao depositário. Nas duas hipóteses aventadas – remuneração e despesas –, a parte que obteve a constrição compete adiantar tais verbas, a teor do art. 82, caput. Por óbvio, o vencido as suportará a final. O direito à remuneração depende do vínculo estabelecido com o depositário ou o administrador. Em princípio, o depositário judicial (art. 840, II), investido em cargo ou função pública, possui seus emolumentos previamente estipulados na lei (federal ou estadual) de custas. Ao invés, o depositário particular, recrutado entre os especialistas de determinada área técnica, ou o administrador, merecem contraprestação que considere a situação dos bens, o tempo de duração do depósito e as dificuldades para sua execução, conforme reza o art. 160, caput.160 Nada importa, ainda no tocante à remuneração, a natureza do objeto da constrição. Até na custódia de moeda corrente (art. 840, I), a instituição financeira receberá a contraprestação usual, ao extrair do dinheiro rendimentos em proveito da massa ativa da execução. Embora antiga, a jurisprudência do STF, nada obstante aplicável à hipótese agora versada, assegura remuneração do dinheiro depositado judicialmente nas empresas de banco.161 Essa remuneração decorre da própria disposição do ativo financeiro que alavanca as operações do banco no mercado financeiro. Essa característica revela que o depósito judicial, contemplado no art. 839, sempre adquirirá caráter oneroso, ao contrário do depósito convencional (art. 651, primeira parte, do CC), cabendo ao juiz prover a respeito. Embora inexista regra análoga à do art. 559 do CPC italiano, o executado, assumindo o encargo de depositário, não ostenta direito algum à remuneração ou ao ressarcimento das despesas.162 Ocupa-se do que é seu, segundo a diligência habitual, independentemente da existência do depósito. 1.004.3. Direito à designação de prepostos – O art. 160, parágrafo único, assegura ao depositário ou ao administrador o direito de pleitear do órgão judiciário a designação de um ou mais prepostos. É o auxiliar do auxiliar.163 Objetivamente, a designação se justifica no caso de depositário e do administrador, por si, não ostentarem condições materiais para ocuparem-se de todos os bens que integram a constrição. Por exemplo, a constrição recaiu sobre áreas rurais povoadas por semoventes, e situadas em municípios diferentes e distantes, convindo que, não gozando o auxiliar do juízo do dom da ubiquidade, outra pessoa permaneça numa delas constantemente. Incumbe ao órgão judiciário avaliar a necessidade.164 E, subjetivamente, do preposto se exigem os mesmos predicados do depositário ou do administrador. Os atos do preposto são da exclusiva responsabilidade do depositário ou do administrador, a quem se subordinam, respondendo perante as partes. E a remuneração corre por conta do depositário que pleiteou a

designação.165 Naturalmente, o depositário e o administrador consideram essa retribuição despesa, refletindo-se na pedida que formulam ao juiz para sua própria remuneração. 1.005. Remoção do depositário ou administrador Sem embargo do dever de indenizar, eventualmente o depositário ou o administrador revelam-se negligentes e indignos de confiança. Em tal hipótese, afigura-se mister substituí-los. Nada dispõe a lei acerca dessa remoção antes da extinção do depósito. No entanto, haja vista sua condição de auxiliar do juízo (art. 149), a mudança poderá ocorrer a qualquer tempo, a critério da autoridade judiciária. Existindo requerimento da parte que obteve a constrição, ou de algum credor concorrente, impõe-se a apresentação de causa relevante, demonstrada documentalmente. A resolução tomada no incidente, devidamente motivada, em qualquer sentido, comportará agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único). 1.006. Extinção do vínculo do depositário ou administrador Extingue-se o depósito da coisa penhora ou arrecadada através da respectiva alienação. Este é o modo natural de extinção. O arresto e o sequestro se extinguem conforme a resolução tomada quanto à medida cautelar (tutela provisória de urgência) que lhes deu origem. No entanto, há outras causas extintivas, que refletem as vicissitudes intercorrentes do objeto da constrição ou da causa em que ela ocorreu. Põem fim ao vínculo do particular com a Administração da Justiça, liberando-se, conseguintemente, o depositário e o administrador, os seguintes eventos: (a) perecimento da coisa penhorada; (b) remição da execução (art. 826); (c) extinção do crédito penhorado; (d) desaparecimento do título que deu causa à execução singular; (e) desistência da primeira penhora (art. 851, III); (f) decretação da invalidade da constrição; (g) substituição do bem originariamente objeto da constrição, alterando-se o depositário; (h) a falta de prestação de compromisso no prazo de vinte e quatro horas (art. 764 do CPC de 1973); e assim por diante. A par dessas causas, relativas ao bem em si ou à causa, há as que afetam unicamente a pessoa do depositário ou do administrador. Entram na classe a remoção (retro, 1.005): (a) a morte; (b) a incapacidade civil superveniente; e (c) a renúncia do depositário. E, de fato, o particular pode renunciar ao encargo, respondendo pelos atos praticados até essa oportunidade, na mesma medida que pode recusar a assunção do depósito. Em certas hipóteses, como deflui do catálogo dos eventos que afetam o administrador ou o depositário, a extinção do depósito pendente se convolará na instituição de outro, mediante a escolha de novo depositário. § 209.º Intérprete e tradutor 1.007. Definição de intérprete e de tradutor

A penúltima seção do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça –, anteriormente referido, ocupa-se do intérprete e do tradutor, auxiliares arrolados no art. 149. Evoluiu a lei processual ao mencionar os particulares que colaboram com a Administração da Justiça. O tradutor juramentado encarrega-se de verter para o vernáculo os documentos redigidos em língua estrangeira (art. 192, parágrafo único, in fine), a teor do art. 162, I, mas tal pessoa, antes esquecida, nenhum liame formal estabelecerá com o órgão judiciário. Em princípio, a parte onerada na produção do documento, na oportunidade do art. 434, caput, escolherá livremente o tradutor, dentre os profissionais habilitados na forma do respectivo regulamento da profissão (Dec. 13.609, de 21.10.1943). É a mesma situação do assistente técnico, escolhido pela parte e da sua exclusiva confiança. Nenhum deles é auxiliar do juízo. O tradutor e intérprete comercial – terminologia correta –166 é o auxiliar do juízo que o habilita a adquirir o conhecimento imprescindível à formulação do juízo de fato a respeito de idiomas estrangeiros. A obrigação do juiz é conhecer apenas o vernáculo. Os atos e termos do processo serão no idioma nacional (art. 192, caput), e, portanto, necessitará o juiz de auxílio de especialista sempre que o acesso à fonte de prova exigir o emprego de língua estrangeira. 1.008. Função do intérprete e do tradutor A função do intérprete assemelha-se, em parte, à do perito, mas na área da linguagem. Funciona, portanto, como intermediário do juiz, propiciando-lhe o conhecimento da linguagem oral, escrita ou mímica utilizada por um dos figurantes do processo que não conhece ou domina.167 O intérprete serve como comunicador de dois códigos linguísticos diferentes em proveito de terceiros.168 É o que ocorre no depoimento do surdo e mudo: a sua linguagem gestual se traduz na linguagem oral. O intérprete é instrumento de percepção do juiz. O art. 192, parágrafo único, autoriza a juntada no processo de documento redigido em língua estrangeira acompanhado de versão em português tramitada por via diplomática, ou pela autoridade central do sistema de cooperação internacional ou firmada por tradutor juramentado. Em algumas situações, o Ministério Público Federal funciona como autoridade central. Logo, a atividade do tradutor é supletiva; porém, continua de responsabilidade da parte contratá-lo para realizar a tradução. O art. 162, I, tem incidência residual, descumprido o ônus do art. 192, parágrafo único, ou existindo dúvida no espírito do juiz – hipótese contemplada no direito anterior e mais consentânea à realidade. 1.009. Número de intérpretes e de tradutores Em princípio, as razões de economia que reduziram o número de peritos de três para um, indicam que também um só intérprete assistirá o juiz. Um intérprete para cada idioma: se um alemão e um francês precisam depor, o juiz designará dois intérpretes, salvo a convocação de alguém com domínio de ambos os idiomas.

Existem situações especiais, porém, em que surge a necessidade de mais de um especialista. Pode acontecer de deporem, no mesmo processo, pessoa portadora de necessidade especial (art. 162, III), e de estrangeira sem domínio do idioma nacional (art. 162, II), estampando-se a necessidade de dois intérpretes: um para linguagem mímica, outro para verter a declaração escrita.169 Conforme o domínio do idioma estrangeiro, dois tradutores diferentes talvez se mostrem necessários: um para a língua inglesa e outro para a língua chinesa. 1.010. Obrigatoriedade do intérprete e do tradutor À semelhança do que sucede com a perícia (infra, 1.933), a questão da obrigatoriedade de o juiz, configuradas as hipóteses do art. 162, em designar intérprete, apesar do seu domínio da linguagem diferente do vernáculo, suscita controvérsias. Também aqui se opta pela tese da obrigatoriedade.170 O juiz não se afigura o único destinatário da prova, superado o brocardo iudici fit probatio, pois os direitos fundamentais processuais compreendem o direito de as partes entenderem o que se passa no processo e, eventualmente, confrontar as afirmações do adversário ou das testemunhas. Flagrantemente, ocorreria infração a esse direito se o juiz, na audiência, tomasse o depoimento do estrangeiro, graças ao seu perfeito conhecimento do idioma alemão, ignorado, todavia, pelas partes e por seus procuradores. É verdade que o art. 162, caput, parte final, emprega a cláusula “quando necessário”. Ela precisa ser encarada, entretanto, perante o inciso I da regra. O entendimento duvidoso do documento, redigido em língua estrangeiro, é evento ocasional, e, neste caso, a investidura do intérprete dependerá da credibilidade, aos olhos do juiz, da versão do tradutor escolhido pela parte (art. 192, parágrafo único). Fora dessa hipótese, em que avulta o elemento subjetivo – a dúvida pode ou não surgir no espírito do órgão judiciário –, a designação do intérprete mostra-se obrigatória. 1.011. Casos de designação de intérprete e de tradutor O art. 162 estipula os casos em que o juiz, em dificuldades para compreender a linguagem do figurante do processo ou perante documento redigido em língua estrangeira, valer-se-á de intérprete ou de tradutor. O rol é exemplificativo. O estrangeiro tem capacidade para funcionar como perito e, neste caso, reclamando a parte esclarecimentos do expert na audiência de instrução e julgamento, precisará de intérprete. 1.011.1. Tradução de documento redigido em língua estrangeira – A parte produzirá o documento redigido em língua estrangeira acompanhado de versão feita alhures, tramitando o documento por via diplomática ou pela autoridade central, ou então por tradutor juramentado (art. 192, parágrafo único). O art. 192, caput, ao impor o uso do vernáculo em todos os atos processuais, constitui regra cogente. Não há exceções. O juiz mandará

desentranhar o documento sem tradução, porque art. 224 do CC declara, categoricamente, desprovido de efeitos, e, portanto, imprestável para fins probatórios, o documento desacompanhado de tradução. É excessivamente óbvia, de resto, a necessidade tradução. O conteúdo dos autos deve ser acessível a todos, haja vista o princípio da publicidade (art. 189, caput). Por essa razão, o conhecimento do idioma estrangeiro pelo juiz, principalmente tratando-se de idioma de uso geral como o inglês, não supre a exigência. Não se pode pressupor que todos os participantes do processo sejam proficientes nesta língua. Parece óbvio que essas disposições miraram a prova documental. Porém, concebe-se o erudito advogado das partes transcrever passagens em língua estrangeira nos atos processuais, desatendendo ao art. 192, caput. Tolera-se essa prática em relação às máximas latinas e a trechos breves, convindo, de toda sorte, porque o objetivo consiste em persuadir o juiz, acompanhar umas e outros com tradução livre. Por outro lado, exigindo o objeto do litígio a aplicação do direito estrangeiro, também as fontes normativas, jurisprudenciais e doutrinárias hão de receber tradução oficial. Daí a previsão do art. 162, I, investindo o juiz determinado tradutor como auxiliar da justiça. O art. 162, I, é de escassa ocorrência. O art. 151, I, do CPC de 1973 previa outra situação, todavia bem real e mais comum. Pode acontecer de o juiz não confiar, integralmente, na versão juntada pela parte, ou o seu domínio específico da língua estrangeira introduza no seu espírito fundada dúvida a respeito do conteúdo do documento (v.g., a inteligência de certa cláusula contratual; o da norma estrangeira aplicável ao litígio). Em tal hipótese, designará tradutor, a fim de lhe assistir na leitura do original e confrontar este com a tradução. Convém que junte breve parecer sobre os pontos duvidosos e, havendo prévia controvérsia das partes, o resultado da atividade do intérprete há de vir aos autos, necessariamente, para esclarecer-se com o arejamento do contraditório. 1.011.2. Versão das declarações orais das partes e testemunhas – O juiz tomará o depoimento das partes e das testemunhas, que não conhecerem o vernáculo, com a intermediação obrigatória de intérprete (art. 162, II). Não é a condição de estrangeiro que determina o ingresso do intérprete na audiência. O cidadão português é estrangeiro, mas exprime-se no vernáculo. A ausência ou – hipótese mais frequente – insuficiência no domínio da língua portuguesa, e, não, a nacionalidade do depoente (parte ou testemunha) predeterminará a intervenção. Ela se exercerá em duplo sentido: verterá do português para a língua nacional do depoente as perguntas feitas pelos advogados e pelo juiz (art. 459,caput, e § 1.º), e as respostas desta para o vernáculo.171 1.011.3. Tradução da linguagem de portadores de necessidades especiais – O juiz também se socorrerá de intérprete no caso de tomar o depoimento, como parte ou testemunha, de pessoas com necessidades especiais. O artigo 162, III, contempla os deficientes auditivos. Essas pessoas, integradas à vida social, desenvolveram linguagem mímica particular. Ela recebeu, nos últimos tempos, alguma difusão, pois se tornou

politicamente correto utilizar essa linguagem nas modalidades visuais de divulgação de informações. Cuida-se, no fundo, de verter uma linguagem não auditiva para a linguagem auditiva.172 Essas pessoas também podem depor por escrito, na falta de intérprete na comarca, seção ou subseção judiciária. 1.012. Capacidade para ser intérprete e tradutor Toda pessoa idônea e capaz, habilitada na linguagem necessária, independentemente de gênero, tem capacidade de atuar como intérprete ou tradutor em auxílio ao juiz. Não há inconveniente na designação de quem, habitualmente, mantém comunicação com o portador de necessidade especial, por exemplo, desde que afastado o receio de deturpações.173 É digno de nota que, em área bem menos sensível que a perícia, abalouse a lei em enunciar restrições à capacidade no art. 163. Em primeiro lugar, não pode ser intérprete ou tradutor em juízo quem não estiver na “livre administração de seus bens” (art. 163, I). Ficam excluídos, portanto, pessoas relativa e absolutamente incapazes, nos termos da lei civil, os falidos e os insolventes. O índio, cuja capacidade se encontra regulada em lei especial (art. 4.º, parágrafo único, do CC), pode ser intérprete ou tradutor. Os índios têm língua própria e não se pode descartar que o juiz lhes tome o depoimento, como parte e testemunha, nesta linguagem, não se expressando com suficiência no vernáculo. Ademais, não podem funcionar como intérprete as pessoas suspeitas e impedidas. O art. 163, II, apenas explicita a incompatibilidade da função de perito e de testemunha com a de intérprete ou tradutor e reforça o impedimento da testemunha.174 Por fim, não pode atuar como intérprete quem “estiver inabilitado para o exercício da profissão por sentença penal condenatória, enquanto durarem seus efeitos” (art. 163, III). É indispensável que haja sentença penal, transitada em julgado, em que haja a aplicação da pena acessória de inabilitação,175 e, principalmente, que esta seja incompatível com o exercício da função de intérprete.176 Os repertórios de jurisprudência não consignam precedente desse teor, mas não é admissível censurar a lei por contemplar o implausível. A vida não é feita só de plausível e do verossímil. 1.013. Deveres e direitos do intérprete e do tradutor O art. 164 prescreve o dever de cumprir o ofício ao intérprete e ao tradutor, oficial ou não. Na verdade, os deveres e os direitos do intérprete, inclusive quanto à remuneração, por analogia obedecerão à disciplina do perito (retro, 997 e 998). § 210.º Colaboradores participativos 1.014. Conciliador e mediador no processo civil Longeva a tradição do direito brasileiro quanto à reconciliação dos desavindos. As Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 20, n.º 1) já incumbia o juiz de dizer a ambas as partes, “que antes que façam despesas, e se sigam

entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem as suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso”. O art. 161 da CI/1824 estabeleceu o mecanismo da conciliação prévia à causa, confiada aos juízes de paz eletivos. E, com efeito, vale a máxima universal, expressa em vários idiomas e em fórmulas similares: “meglio una magra transazione che uma grassa sentenza” (melhor um mau acordo que uma boa demanda).177 A crise da Justiça Pública (retro, 5) repôs na ordem do dia as virtudes da autocomposição dos litigantes. Em muitos casos, realmente, a decisão autoritária do conflito cria mágoas profundas e nem sempre as relações dos litigantes se dissolvem, principalmente nas causas de família. Importará mais, nessa espécie de conflito, restaurar a paz e promover a futura convivência das litigantes, sem vencedores, nem vencidos.178 Uma das apostas mais altas do NCPC reponta na audiência de conciliação e mediação (art. 334), etapa obrigatória do procedimento, salvo a vontade convergente em contrário de todas as partes. Esse regime complementa-se com as disposições da Lei 13.140, de 26.06.2015, dentre as quais avulta a possibilidade de suspensão do processo pelo prazo suficiente à obtenção do consenso por meio de decisão irrecorrível (art. 16, caput, e § 1.º, da Lei 13.140/2015). Aqui se tratará do regime do NCPC. Parece improvável, enquanto não se difundir a videoconferência e o processo eletrônico (art. 334, § 7.º), prescindindo do custoso deslocamento das partes e dos advogados até a sede do juízo, o êxito dessa sessão. Produzirá escassos frutos quantitativos, todavia gabados como promissores, como até agora ocorreu nos sucessivos programas de autocomposição estimulados pelo CNJ. Da audiência do art. 334 tratar-se-á mais adiante. Impende assinalar, entrementes, a obrigatoriedade da presença do órgão judiciário (art. 139, V), necessariamente secundado por conciliador ou mediador. Desses auxiliares da justiça, anteriormente definidos (retro, 8), bem de acordo com o art. 165, §§ 2.º e 3.º, do NCPC, ocupa-se a Seção V – Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais –, a última do Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça – do Título IV do Livro atinente aos sujeitos do processo da Parte Geral do NCPC. Essa seção compõe-se de normas heterogêneas e nem sempre harmonizáveis. E algumas matérias, objeto de parágrafos, estão deslocadas (v.g., art. 167, § 5.º). Exemplo de falta de harmonia avulta no art. 168, caput. A regra faculta às partes a escolha conjunta do conciliador e do mediador, pessoa natural ou integrante de câmara especializada, mas parece pouco aplicável essa disposição à audiência do art. 334. Seja como for, em lei tão parcimoniosa na distribuição dos assuntos em artigos autônomos, as dez disposições, seus parágrafos e incisos revelam a importância do tema. Antes de passar à disciplina concreta do auxiliar do juízo, há aspectos dignos de registro imediato. Os tribunais (inferiores e superiores) criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos (art. 165, caput). A composição e a organização do centro competem ao tribunal, respeitadas as disposições gerais do CNJ (art. 165, § 1.º). Do art. 170, caput, infere-se que haverá, ao menos, um coordenador. É de responsabilidade desse centro as

sessões (v.g., instituídas em programa específico, aventado no art. 221, parágrafo único, como causa de suspensão dos prazos e, conseguintemente, do próprio processo) e da audiência do art. 334, a par da magna tarefa de auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Responsável direto dessa promoção é o juiz da causa (art. 139, V). Também os advogados, membros do Ministério Público e integrantes da Defensoria Pública devem estimular a reconciliação dos desavindos (art. 3.º, § 3.º). Os centros judiciários do TJ e do TRF organizarão cadastro de conciliadores, de mediadores e de câmaras privadas de conciliação e de mediação, mediante registro dos profissionais habilitados (art. 167, caput). Também haverá um cadastro nacional, cuja finalidade não é explicitada, presumindo-se a atuação dos integrantes nos tribunais superiores. É dentre esse pessoal, devidamente habilitado por curso específico, cujo conteúdo e duração decorrerá de regulamentação conjunta do CNJ e do Ministério da Justiça (art. 167, § 1.º, c/c art. 11 da Lei 13.140/2015), quiçá recrutado por concurso público, que o juiz distribuirá a atividade do auxiliar da justiça, de forma alternada e aleatória, respeitando o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional (art. 167, § 2.º). Receberá o diretor do foro lista dos que atuarão na comarca, seção ou subseção judiciária. Os trabalhos desenvolvidos por esses auxiliares da justiça serão catalogados (art. 167, § 3.º) para fins estatísticos (art. 167, § 4.º). Essas normas ficariam melhor postas em lei distinta. Não têm natureza processual. Em princípio, o conciliador ou o mediador será particular em colaboração com a Administração da Justiça. Porém, o art. 167, § 6.º, abre a preocupante possibilidade de o TJ ou o TRF criar quadro próprio, recrutando particulares mediante concurso de provas e de títulos, e, conseguintemente, aumentar as despesas de pessoal na atividade meio e, não, na atividade fim. Dos tribunais aguarda-se a sensata falta de predisposição em percorrer esse caminho, arrependendo-se quando for tarde e inexistir verba suficiente para pagar seus servidores. O melhor exemplo é o custo da Vara da Criança e do Adolescente das capitais e dotadas de grandioso número de órgãos auxiliares. Na melhor das hipóteses, o quadro próprio fará sentido para os cargos de direção dos centros judiciários previstos no art. 165,caput. O art. 174 é norma impertinente na lei processual. Lugar próprio é o art. 32 da Lei 13.140/2015. A União, o Estado-membro, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e de conciliação, destinadas a promover a solução consensual dos conflitos administrativos, para as finalidades do art. 174, I a III. Também não é disposição apropriada o art. 175, segundo o qual as disposições da Seção V não excluem outras formas de conciliação e de mediação, institucionais ou formadas por profissionais independentes, objeto de lei específica. A regra diz muito pouco para dispor sobre o futuro incerto. O art. 175, parágrafo único, manda aplicar às câmaras privadas, no que couber, as disposições da Seção V. Vale para o regime dos poderes e deveres da mediação e da conciliação extrajudicial.

Feitas essas observações, destinadas a enquadrar o conciliador e o mediador na categoria dos colaboradores participativos, o item seguinte realça disciplina da atividade. 1.015. Disciplina do conciliador e do mediador Em princípio, o mediador e o conciliador são particulares, habilitados em curso próprio (art. 167, § 1.º), sem embargo da sua área de formação superior (v.g., psicólogo, assistente social, médico, administrador de empresa) integrantes ou não de câmaras privadas de conciliação e de mediação, registrados no cadastro nacional, regional ou local (art. 167, § 1.º), mantido e organizado pelo centro judiciário (art. 165, caput), e cuja atuação, segundo a lista própria recebida pelo diretor do foro, ocorre em determinada comarca, seção ou subseção judiciária (art. 167, § 2.º). 1.015.1. Designação do conciliador e do mediador – Existindo dois ou mais conciliadores ou mediadores, na comarca, seção e subseção judiciária, haverá distribuição da atividade entre os profissionais da mesma área de habilitação técnica ou científica (v.g., assistência social). Essa distribuição há de ser alternada e aleatória (art. 167, § 2.º) e ocorrerá, vez que obrigatória a audiência do art. 334, na distribuição da demanda pelo distribuidor do foro. Em comarcas de vara única, caberá ao juiz da causa esse ato. Sempre que recomendável, principalmente nas ações de família, nas quais os desavindos podem ingressar em programa de mediação extrajudicial ou de atendimento multidisciplinar (art. 694, parágrafo único), haverá múltiplos auxiliares, a teor do art. 168, § 3.º. Essa norma situar-se-ia melhor no art. 167. De toda sorte, a atividade conjunta leva à formação da equipe visualizada no art. 166, § 2.º. Lícito às partes, de comum acordo, escolher o conciliador, o mediador e a câmara (art. 168, caput). O escolhido pode não figurar no cadastro nacional, regional ou local (art. 168, § 1.º). Feita escolha dessa natureza, embora pouco provável na audiência do art. 334, distribuir-se-á o processo para um dos conciliadores ou mediadores cadastrados e atuantes na comarca, seção ou subseção judiciária, dentro da área da respectiva especialização (art. 168, § 2.º). Não é provável, mas possível, ocorrer a convergência das partes para os fins do art. 334. 1.015.2. Impedimentos do conciliador e do mediador – Previsivelmente, apesar da formação voltada ao litígio, bacharéis em direito e advogados concorrerão ao credenciamento a que alude o art. 167, § 1.º. A experiência dos Juizados Especiais demonstra essa possibilidade. Ficarão impedidos de advogar nos juízos em que desempenharem a atividade de conciliação (art. 167, § 5.º). O impedimento restringe-se ao juízo, não alcançando a comarca, a seção e a subseção judiciária, havendo duas ou mais varas, conforme a organização judiciária. Admite-se ao jovem advogado criminalista, por exemplo, advogar nessa área e tentar conciliar os desavindos na vara cível local, sem mais perturbações a uma e outra atividade. Complementa essa disposição o art. 172: o conciliador e o mediador ficará impedido, pelo prazo de um ano, contado da última sessão da qual participaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes. Eventual infração a essa regra, além de implicar a exclusão do cadastro (art. 173), será apurada pelo órgão de classe respectivo. Tratando-se de advogado, como se infere dos verbos representar e patrocinar, caberá à OAB a apuração da falta disciplinar.

Do impedimento e da suspeição do conciliador e do mediador em determinada causa cogita o art. 170. Aplicam-se a esses auxiliares da justiça as hipóteses do art. 144, 145 e 147. Ao receber a designação na forma já explicada (retro, 1.015.1), o auxiliar comunicará imediatamente o fato ao juízo da causa ou ao coordenador centro judiciário (art. 165, caput), restituindo os autos, com o fito de ocorrer nova distribuição (art. 170, caput). É edificante exemplo do dever de abstenção (retro, 964). Não havendo abstenção voluntária, qualquer das partes poderá recusar o auxiliar (art. 148, II), instalando incidente específico. Porém, constatada a causa de impedimento ou de suspeição no curso da atividade, o art. 170, parágrafo único, manda o auxiliar interrompê-la, por ato próprio ou ordem do juiz – presumivelmente, presente na audiência, a teor do art. 334, § 1.º –, lavrando-se relatório da ocorrência, a fim de apurar a responsabilidade do auxiliar, e procedendo-se na distribuição. Facilmente se percebe a grave perda de tempo com esse incidente, transferindo a audiência do art. 334 para a data mais próxima possível. A desatenção aos artigos 144, 145 e 147 vai além do afastamento do processo. Poderá levar à exclusão do cadastro nacional, regional e local dos auxiliares da justiça (art. 173, II). 1.015.3. Poderes do conciliador e do mediador – Os poderes do conciliador e do mediador já receberam análise (retro, 13). Admite-se o uso de técnicas negociais (art. 166, § 3.º) e o procedimento em si governar-se-á pela livre autonomia dos interessados. Logo, pode haver recusa expressa ou tácita de uma das partes, permanecendo em obstinado silêncio ou hostilidade às aproximações do auxiliar. 1.015.4. Deveres do conciliador e do mediador – A conciliação e a mediação governam-se pelos seguintes princípios (art. 166, caput): (a) independência; (b) imparcialidade; (c) autonomia da vontade; (d) confidencialidade; (e) oralidade; (f) informalidade; (g) decisão informada. A esses princípios diretores acrescentam-se (a) isonomia entre as partes e (b) boa-fé (art. 2.º, II e VIII, da Lei 13.140/2015). A busca do consenso, também arrolada dentre os princípios na lei especial, é o objetivo da atividade. Esses são os deveres e, simultaneamente, os predicados do auxiliar da justiça. A independência significa não tomar partido. Esse dever constrange o conciliador e o mediador a manter a compostura e não externar sentimentos. Da imparcialidade já se tratou no item precedente (retro, 1.015.3). A autonomia da vontade implica desobrigar os litigantes a qualquer solução. A oralidade e a informalidade respeitam à atividade do auxiliar (art. 166, § 4.º). Existem técnicas apropriadas, na mediação e conciliação, a exemplo da movimentação das pessoas da sala, mas inexiste itinerário ou roteiro fixos para alcançar o consenso. E, chegado esse estágio, o auxiliar deverá informar claramente as partes da consequência do ajuste, evitando arrependimento e amarguras ulteriores, intoleráveis quando os laços não se desfazem (v.g., nas relações de vizinhança). O art. 166, § 1.º, declara que as informações recolhidas pelo auxiliar não devem ser utilizadas para fins diversos dos previstos pela autonomia de vontade das partes. Esse desvio de finalidade só pode ser apurado mediante a pouco recomendável gravação em áudio e imagem da sessão. Dependerá

de reclamação do interessado. O auxiliador e o conciliador, bem com os integrantes da respectiva equipe, se houver, ficam impedidos de depor a respeito desses fatos, geralmente íntimos e delicados, e de divulgá-los (art. 166, § 2.º). O desatendimento dos deveres do art. 166, caput, pode levar à exclusão do conciliador ou do mediador do cadastro em todos os níveis (art. 173, caput). A falta será apurada em procedimento administrativo (art. 173, § 1.º). Responsável é o juiz do processo São fatos típicos: (a) dolo ou culpa na atividade ou violação do dever de confidencialidade (art. 173, I); (b) atuar na atividade apesar da incompatibilidade por força de impedimento ou de suspeição (art. 173, II). Em vez da exclusão, a atuação inadequada (v.g., falta de comparecimento à audiência do ar. 334), poderá implicar, por decisão fundamentada do juiz do processo ou do coordenador do centro judiciário, a suspensão por até cento e oitenta dias, sem prejuízo da abertura de processo administrativo para exclusão (art. 173, § 2.º). Por óbvio, nenhuma dessas sanções prescinde da estrita observância do direito fundamental processual da ampla defesa. Também se concebe a responsabilidade civil e penal do auxiliar da justiça. Não é beneficiado, por falta de regra expressa, pela responsabilidade regressiva. A parte prejudicada poderá auxiliar a pessoa diretamente (v.g., divulgação de informação confidencial, revelando uma das partes sua tendência ou opção sexual). 1.015.5. Direitos do conciliador e do mediador – O art. 169 consagra o direito básico do conciliador ou do mediador. Ressalva feita aos que integram o quadro próprio, criado com base no art. 167, § 6.º, caso em que o auxiliar receberá vencimentos da União, do Distrito Federal ou do Estado-membro, frutífera ou não a atividade, o auxiliar terá direito à remuneração fixada pelo TJ ou pelo TRF, observados parâmetros definidos pelo CNJ (art. 169, caput). O direito à remuneração não é indissociável da atividade. O conciliador ou o mediador talvez se credenciem a trabalho voluntário (art. 169, § 1.º). O credenciamento das câmaras privadas é oneroso. Todavia, há processos em que uma das partes, ou ambas, não dispõem de recursos. Logo, o TJ ou TRF fixará o percentual de sessões não remuneradas. Essa atividade gratuita é a contrapartida do credenciamento prévio (at. 169, § 2.º). Dessa breve e indireta referência a situação específica retira-se o regime geral de quem suportará as despesas. As partes rateiam o custo da remuneração do auxiliar da justiça (art. 82, caput), tal como acontece na perícia (art. 95, caput), porque a atividade, em tese, realiza-se em benefício comum. E aos necessitados, reza o art. 4.º, § 2.º, da Lei 13.140/2015, assegurar-se-á a gratuidade da medição.

TÍTULO VIII - DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA Capítulo 47. DA ADVOCACIA PRIVADA E PÚBLICA SUMÁRIO: § 211.º Representação técnica no processo civil – 1.016 Conceito e fundamento da capacidade postulatória – 1.017. Extensão da capacidade postulatória – 1.018. Casos de dispensa da representação técnica – 1.018.1. Dispensa da representação técnica por força de lei – 1.018.2. Constitucionalidade da dispensa da representação técnica – 1.018.3. Dispensa da representação técnica por fato objetivo – 1.019. Titulares da capacidade postulatória – § 212.º Outorga do mandato judicial – 1.020. Casos de dispensa da exibição da procuração – 1.020.1. Dispensa da procuração na postulação em causa própria – 1.020.2. Dispensa da procuração nos casos de assistência judiciária – 1.020.3. Dispensa da procuração nos casos de investidura legal – 1.020.4. Dispensa da procuração na postulação dos atos urgentes – 1.021. Modalidades da outorga do mandato judicial – 1.022. Poderes gerais e especiais no mandato judicial – 1.022.1. Objeto dos poderes gerais – 1.022.2. Objeto dos poderes especiais – 1.022.3. Interpretação dos poderes especiais – 1.022.4. Consequências da falta de poder especial – 1.023. Procuração conjunta ou solidária – 1.024. Substabelecimento do mandato judicial – 1.025. Extinção do mandato judicial – 1.025.1. Revogação do mandato judicial – 1.025.2. Renúncia ao mandato judicial – § 213.º Direitos e deveres do procurador no processo – 1.026. Prerrogativas profissionais do advogado – 1.026.1. Prerrogativas dos advogados públicos – 1.026.2. Responsabilidade dos advogados públicos – 1.027. Dever de indicar o endereço nos autos – 1.028. Direitos processuais do advogado – 1.028.1. Direito de exame dos autos – 1.028.2. Direito de vista dos autos – 1.028.3. Direito de carga dos autos – 1.029. Dever de restituir os autos no prazo – § 214.º Defeitos relativos à capacidade postulatória – 1.030. Espécies de defeitos relativos à capacidade postulatória – 1.031. Insuficiência de habilitação profissional – 1.032. Proibições relativas à habilitação profissional – 1.032.1. Incompatibilidade no exercício da advocacia – 1.032.2. Impedimento ao exercício da advocacia – 1.032.3. Limitação territorial ao exercício da advocacia – 1.032.4. Efeitos processuais da incompatibilidade e do impedimento – 1.033. Falta da habilitação e irregularidade da representação – § 215.º Controle da capacidade postulatória – 1.034. Natureza do vício relativo à capacidade postulatória – 1.035. Momento da verificação do defeito relativo à capacidade postulatória – 1.036. Regime geral do suprimento da incapacidade postulatória – 1.037. Iniciativa no conhecimento da incapacidade postulatória – 1.038. Fundamento do suprimento dos vícios relativos à incapacidade processual – 1.039. Efeitos dos vícios relativos à capacidade postulatória – 1.040. Subsistência dos vícios relativos à capacidade postulatória – 1.040.1. Incapacidade postulatória do autor – 1.040.2. Incapacidade postulatória do réu – 1.040.3. Incapacidade postulatória do terceiro – 1.040.4. Incapacidade postulatória nos recursos – 1.041. Natureza dos atos de suprimento da incapacidade postulatória. § 211.º Representação técnica no processo civil

1.016. Conceito e fundamento da capacidade postulatória Os sujeitos habilitados à posição de parte no processo civil, nos limites largos e generosos da personalidade processual (retro, 507), e os terceiros, estes inclusive no curso do incidente da respectiva intervenção, não podem promover, em nome próprio, os atos processuais.1 Pouco importa que sejam civilmente capazes e que a respectiva incapacidade esteja suprida, também na forma da lei civil, sendo os incapazes representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, conforme o art. 71 do NCPC. O diálogo com o órgão judiciário realiza-se, de ordinário, através de representante técnico – o advogado. Dispõe, a esse respeito, o art. 103, caput, do NCPC: “A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil”. O processo penal distingue do processo civil. A defesa adquire caráter indisponível e, por esse motivo, no processo penal o juiz designará defensor ao réu, se o acusado não o tiver (art. 263 do CPP). Portanto, a representação é obrigatória, suprindo o órgão judiciário, ex officio, a falta de representação técnica do réu. Ao invés, a representação técnica é voluntária no processo civil – a parte constituirá o seu advogado, embora indisponível o objeto litigioso. A representação no processo civil não discrepa da noção geral desse instituto no direito substantivo. O representante atua em nome do representado, praticando atos processuais vinculativos ao representado, e produzindo efeitos na respectiva esfera jurídica.2 O caráter voluntário da representação técnica no processo civil tem reflexos frisantes, conforme a posição do sujeito na relação processual. O réu que não responde à demanda civil por intermédio de advogado torna-se revel e não lhe é dada defesa técnica, exceção feita às hipóteses de citação ficta, em que o juiz designará curador especial (art. 72, II). Imprescindível à validade da relação processual é, ressalva feita aos casos legalmente admissíveis, a representação técnica do autor.3 Assim, somente a capacidade postulatória do autor, cuja falta importará extinção do processo (infra, 1.040.1), integra o juízo de admissibilidade. A capacidade postulatória do réu e do terceiro constitui ulterior requisito de validade dos próprios atos processuais.4 A representação técnica da parte por advogado integra, portanto, o conjunto dos requisitos de validade da relação processual (infra, 1.034). Essa representação obrigatória chama-se de capacidade postulatória (Postulationsfähigkeit) ou, no direito francês, representação ad litem.5 Traduzse no direito privativo de o advogado (titular do jus postulandi) pleitear em juízo ou fora dele por conta da parte. A capacidade postulatória integra o Capítulo III – Dos Procuradores – do Título II – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III – Dos Sujeitos do Processo – da Parte Geral do NCPC. A inserção do assunto na parte geral empresta-lhe a devida universalidade. É versado em cinco dispositivos, à semelhança do anterior: o art. 103 prevê a capacidade postulatória, admitindo a postulação em causa própria do advogado; o art. 104 regula os efeitos da postulação sem mandato; o art. 105 contempla os poderes básicos e

especiais para postular em juízo, conforme a natureza do ato processual, os requisitos da procura judicial e seu alcance; o art. 106 estabelece o ônus de indicação do endereço e suas mudanças, bem como as consequências do descumprimento desse ônus, e apesar de referir-se à postulação em causa própria é óbvio sua aplicação a qualquer processo; e, por fim, o art. 107 arrola os direitos de o advogado consultar e retirar os autos, com ou sem mandato. Da distribuição das matérias, vez que o capítulo relativo aos deveres das partes e dos procuradores situa-se antes, infere-se a inequívoca intenção do legislador em distinguir a personalidade processual e a capacidade postulatória. O propósito revela-se, principalmente, na instituição de regra específica para suprir a ausência de mandato (art. 105). Os poderes de representação em juízo decorrem, de regra, da outorga de mandato ao advogado. Por isso, o mandato judicial constitui espécie do mandato comum e, externamente, modalidade de representação voluntária. As partes obram, em juízo, por si mesmas, ou através de seus representantes legais, no caso de incapacidade da pessoa natural, e dos representantes orgânicos (v.g., a pessoa jurídica de direito privado), mas a lei exige a representação técnica do advogado.6 Em nosso ordenamento, não se costuma utilizar a representação processual voluntária. Entende-se por tal a investidura de alguém nos “poderes de figurar em nome de outrem na relação processual”.7 Por exemplo, A recebe de B poderes para ingressar em juízo em nome próprio, representando a B, pleiteando perdas e danos de C, suposto autor de ilícito. Partes serão A e C nesse esquema. Fica subentendido, nas regras que respeitam à representação legal (art. 71) e à capacidade processual (art. 75), que as pessoas naturais capazes, e, a fortiori, as pessoas jurídicas e demais entes, postulam em nome próprio.8 A única modalidade de representação voluntária, em processo civil, é a técnica – a constituição de advogado, através do negócio jurídico de mandato. A representação técnica decorre da outorga de poderes à pessoa habilitada – advogado – para defender interesses do outorgante perante qualquer juízo.9 A outorga dos poderes permite às partes e aos terceiros representarem-se validamente no processo. Os problemas relativos a essa representação técnica formam um conjunto de questões agrupadas sob o rótulo de capacidade postulatória e respeitam à validade da relação processual. O advogado afigura-se indispensável à administração da Justiça Pública, consoante proclamou o art. 133 da CF/1988, porque lhe incumbe traduzir as aspirações das partes na linguagem jurídica, com o fito de “facilitar a obra do juiz no interesse do Estado”.10 O ministério do advogado é precioso e indispensável à realização dos fins próprios do processo civil.11 A interlocução do advogado culmina notável evolução histórica e prende-se à complexidade do ordenamento.12 O fundamento da capacidade postulatória reside no fato de faltar às partes o suficiente preparo jurídico para defenderem pessoalmente seus direitos no processo judicial.13 Por essa razão, a dispensa da representação técnica, tolerada em casos singulares, sempre representará exceção. É digno de registro, como já assinalado no item relativo aos deveres das partes, a inexistência de subordinação. Todos se obrigam a consideração

e respeito recíprocos, a teor do art. 6.º da Lei 8.906/1994 (Estatuto do Advogado). A atividade do advogado não é a de confrontar o juiz ou a juíza. Essa antiga e permanente lição jamais pode ser esquecida. Ela é universal e até em sistema jurídico marcado pelo individualismo na coleta da prova, a análise da cross examination recorda: “Advocacy is the art of persuasion. The role of an advocate is to persuade the judge or jury as to the truth of his client’s cause”.14 1.017. Extensão da capacidade postulatória A representação técnica afigura-se obrigatória, salvo as exceções analisadas no item subsequente (infra, 1.018), em todas as causas de jurisdição contenciosa e voluntária perante quaisquer graus de jurisdição. Esse modelo não é universal. O monopólio advocatício inexiste em primeiro grau, na Alemanha15 e na França,16 nos quais a constituição de advogado é facultativa, obrigatória a representação técnica tão só nos tribunais. A generalização da representação técnica obrigatória no primeiro grau serviria apenas para garantir base financeira aos jovens advogados e repelida pelo argumento superior de que o patrocínio obrigatório não é meio sério de obter remuneração pelo trabalho advocatício.17 Como quer que seja, as sutilezas jurídicas e a complexidade do processo em geral conduzem à contratação do advogado.18 Comportamento semelhante se verifica, entre nós, nos Juizados Especiais (infra, 1.018.1). O valor constitucional da representação técnica, consagrado no art. 133 da CF/1988, harmoniza-se com o entendimento de que a falta de representação técnica, a mais das vezes, nega um efetivo acesso à Justiça e desequilibra a necessária paridade de armas.19 A obrigatoriedade da representação técnica envolve, basicamente, os atos de postulação da parte, a teor do art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994. A petição inicial, a contestação e os recursos, exemplificativamente os principais atos dessa natureza, precisam da assinatura de advogado legalmente habilitado para se mostrarem válidos. Às vezes, as partes também subscrevem as peças, máxime nos litígios de família, como forma de manifestar concordância com as alegações desairosas ao adversário, reveladoras de fatos íntimos e ultrajantes. Determinados atos processuais exigem a participação pessoal da parte. O advogado não supre a atuação da parte. Incumbe à parte, por exemplo, comparecer em juízo, respondendo ao que for perguntado (art. 379, I); submeter-se à inspeção judicial (art. 379, II) e cumprir as determinações do juiz (art. 379, III). Também há atos que a lei põe sob o critério da parte representar-se, ou não, por advogado. Esses atos constam da parte final do art. 105, caput. São os que exigem a outorga de poder especial. À falta da outorga desses poderes, cabe só à parte, e, não, ao advogado, “receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação” – o art. 487, III, c, alude à pretensão formulada na ação ou na reconvenção, revelando fato de ajuste terminológico entre

partes diferentes do NCPC –, receber, dar quitação e firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica”. Este último ato, por sinal, não é exigido pelo art. 99 para a concessão da gratuidade. Exemplo de ato pessoal é o compromisso de depositário, admitindo-se recusa do encargo (Súmula n.º 319 do STJ). E, por fim, há atos em que o advogado não precisa representar a parte e o terceiro, porque desprovido de caráter postulatório. Por exemplo, o terceiro poderá, pessoalmente, “informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento”, verbalmente ou por escrito (art. 380, I); a parte poderá indicar, oralmente, ao oficial de justiça os bens passíveis de penhora,20 participar da hasta pública, e assim por diante. 1.018. Casos de dispensa da representação técnica O monopólio da representação técnica das partes e dos terceiros pelo advogado, proclamado no art. 103, caput, e reafirmado pelo art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994, comporta várias exceções. Tais situações decorrem da natureza da causa ou do ato processual, e, também, de singularidades da pessoa do advogado. Em todos esses casos, prescindindo-se da representação técnica, desaparecerá a necessidade de outorgar mandato judicial. Não há qualquer incompatibilidade entre a natureza da capacidade postulatória, situada no plano da validade (pressuposto processual subjetivo) da relação processual, e os processos em que, por uma razão e outra, a lei estipula diferentemente.21 Nesses casos, taxativamente previstos, o ato processual ingressa no mundo jurídico sem vício, porque a capacidade postulatória não integra os elementos de existência, e surtirá os efeitos que lhe são próprios. 1.018.1. Dispensa da representação técnica por força de lei – Às vezes, disposição legal expressa confere capacidade postulatória à própria parte. É evidente que tais situações pressupõem a capacidade civil plena da pessoa natural ou o suprimento do respectivo déficit, na forma da lei civil (art. 71 do NCPC). Em primeiro lugar, o art. 1.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994 exclui da “atividade privativa de advocacia” a impetração de habeas corpus “em qualquer instância ou tribunal”. Não é comum essa impetração, mas a própria pessoa ameaçada ou constrangida no direito de ir, vir e ficar pode impetrar, em nome próprio, habeas corpusperante a autoridade judiciária competente. A interposição de recursos, segundo a interpretação restritiva, reclama capacidade postulatória,22 cabendo ao órgão judiciário outorgar defensor ao impetrante.23 O STF admite, porém, a interposição de recurso por pessoa sem habilitação técnica.24 No processo civil, a dispensa interessa nos casos de prisão do devedor de alimentos (art. 528, § 3.º) e do depositário, inclusive, neste último caso, para arguir a inconstitucionalidade da prisão, atualmente reconhecida na Súmula Vinculante n.º 25 do STF e na Súmula n.º 419 do STJ. O art. 791, caput, da CLT permite aos empregados e aos empregadores reclamar e defender-se, pessoalmente, nos casos da competência material da Justiça do Trabalho (art. 114 da CF/1988). A representação técnica é

facultativa nos litígios individuais e coletivos. O art. 791, § 2.º, da CLT, apenas “faculta” a procura por advogados nos dissídios coletivos. O art. 9.º da Lei 9.099/1995 faculta a participação de advogado nas causas de valor até vinte salários mínimos, no Juizado Especial Comum; em tal hipótese, “as partes comparecerão pessoalmente”, promovendo em nome próprio quaisquer atos processuais, exceto a interposição de recurso (art. 41, § 2.º, da Lei 9.099/1995), para o qual a participação do advogado passa a ser obrigatória. Por sua vez, o art. 10, caput, da Lei 10.259/2001, atinente ao Juizado Especial Federal, limita-se a autorizar a designação de representante das partes para a causa, e acrescenta: “advogado ou não”. A Lei 12.153/2009, que instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, omitiu-se a respeito, motivo porque as causas submetidas a esse órgão judiciário submetem-se ao regime da Lei 9.099/1995, por força da remissão feita no art. 27. Compreensivelmente, as opiniões se dividiram acerca da conveniência – o problema da constitucionalidade é objeto de item específico (infra, 1.018.2) – dessas disposições: de um lado, a falta de participação do advogado gera dúvida quanto ao equilíbrio do processo;25 de outro lado, a dispensa representaria louvável desburocratização da Justiça Pública.26 Na prática, porém, as partes socorrem-se de advogados.27 Prevenindo eventual desigualdade de armas, infringindo o direito fundamental constitucional da igualdade (retro, 156.2), haurida de as pessoas jurídicas de direito público atuarem por intermédio de seus procuradores, o art. 4.º, X, da LC 80/1994 assegura a prestação de assistência judiciária por órgão instituído junto ao Juizado Especial, ou seja, através de defensor público. O art. 2.º, caput, da Lei 5.478/1968 autoriza o alimentário, pessoalmente, a pleitear a prestação alimentar.28 Deixando de indicar seu advogado, no momento desta postulação, incumbirá ao juiz designar “desde logo quem o deva fazer” (art. 2.º, § 3.º, da Lei 5.478/1968). Em princípio, outra vez se cuidará do defensor público (art. 4.º, III, da Lei Complementar 80/1994). Em tal hipótese, a dispensa de representação revela-se parcial, em razão de presumida urgência, e respeita à elaboração da petição inicial (art. 319). E isso porque, após a propositura da demanda, o prosseguimento da causa exigirá a outorga de mandato judicial.29 O art. 31, caput, do hoje revogado Dec.-lei 7.661/1945, tornava facultativa a constituição de advogado pelos credores para “representá-los na falência”. Por exemplo, desnecessária a participação de advogado nas declarações de crédito.30 Esta possibilidade desapareceu na Lei 11.101/2005, motivo por que a representação por advogado tornou-se obrigatória, nos termos gerais, atendendo às expectativas dos profissionais da advocacia. No entanto, já os demais atos, os incidentes ou as causas relacionadas com o processo da falência e da antiga concordata, no regime anterior, exigiam a outorga de mandato judicial. O ônus mantém-se em vigor na falência e recuperação judicial que se processarem segundo a Lei 11.101/2005.31 O art. 13 da Lei 6.367/1976 dispensa a “constituição de advogado” para pleitear direitos acidentários. A regra subsistiu ao advento da Lei 8.213/1991,

e, na demanda sob foco, abrangerá todos os atos do processo,32 incluindo a interposição de recursos.33 De acordo com o STF, o Governador do Estado, e as demais autoridades e entidades referidas no art. 103, I a IX, da CF/1988, legitimadas à propositura do controle concentrado de constitucionalidade, dispõem, por força de lei, de capacidade postulatória, podendo “praticar, no processo da ação direta de inconstitucionalidade, quaisquer atos ordinariamente privativos de advogado”.34 Essa decisão incorreu em incompreensível confusão entre a capacidade para conduzir o processo, ou legitimidade, conferida por aquela disposição constitucional, e a habilitação técnica do legitimado, em nenhum momento excepcionada na regra – por exemplo, o sindicato de âmbito nacional, legitimado para propor ação direta de constitucionalidade, a teor do art. 103, IX, da CF/1988, representado pelas pessoas designadas em seu estatuto (art. 75, VIII, do NCPC), fatalmente necessitará de advogado. A transação e a conciliação em juízo prescindem da outorga de mandato judicial.35 É tradicional a interpretação de torná-la simples faculdade, embora providência talvez desejável, a constituição de advogado(s) pelos transatores.36 Porém, para que esse negócio jurídico surta efeitos no processo, não há dúvida que há necessidade de habilitação técnica para introduzir o instrumento público ou particular nos autos e, ademais, emprestarlhe força executiva, a teor do art. 784, IV. 1.018.2. Constitucionalidade da dispensa da representação técnica – Os dispositivos arrolados, anteriores à CF/1988, ou, como nas hipóteses do art. 9.º, caput, da Lei 9.099/1995, e do art. 10, caput, da Lei 10.259/2001, até posteriores à CF/1988, receberam veemente impugnação. Segundo semelhante raciocínio, mostrando-se indispensável o advogado à administração da justiça, a teor do art. 133 da CF/1988, não mais caberia a “postulação judicial por leigos, mesmo em causa própria, salvo falta de advogado que o faça”.37 Se o art. 1.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994, criou exceção quanto ao habeas corpus, todas as demais exceções, situadas fora da “postulação jurisdicional comum”,38 apresentam-se constitucionais, na medida em que facilitam o acesso à Justiça. O STF interpretou o art. 1.º da Lei 8.906/1994 conforme a Constituição e ressalvou, além da impetração de habeas corpus, a postulação pessoal das partes nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho.39 E julgados específicos reconheceram a constitucionalidade do art. 9.º da Lei 9.099/199540 e do art. 10 da Lei 10.259/2001.41 Identidade de razões conduz à constitucionalidade de todas as disposições legais há pouco examinadas. O Pleno do STF assentou o caráter relativo da indispensabilidade da participação do advogado nos processos judiciais, por exemplo, ao examinar o art. 623 do CPP, estabelecendo a seguinte diretriz: “A constitucionalização desse princípio não modificou a sua noção, não ampliou o seu alcance e nem tornou compulsória a intervenção do Advogado em todos os processos. Legítima, pois, a outorga, por lei, em hipóteses excepcionais, do jus postulandi a qualquer pessoa, como já ocorre na ação penal de habeas corpus, ou ao próprio condenado – sem referir outros – como se verifica na ação de revisão criminal”.42

1.018.3. Dispensa da representação técnica por fato objetivo – A par das hipóteses em que a própria lei releva a representação técnica, e que respeitam à natureza da causa e ao regime peculiar do ato processual, há fatos que, objetivamente, afetam o titular da representação técnica, passandoa ao leigo. O direito anterior autorizava a parte a postular em nome próprio, nada obstante a falta de habilitação legal, em três situações verificadas na comarca ou seção judiciária em que tramitará a demanda: (a) falta de advogado; (b) recusa dos advogados em receber o mandato; (c) impedimento do(s) advogado(s) existente(s) no lugar. A constitucionalidade dessas exceções parece incontestável. Em todas elas, a lei abria passagem, de olhar fito nas pequenas comarcas, ao imperativo do acesso à justiça. Nessas localidades, existiam poucos advogados, ou revelava-se excessivamente dispendiosa a contratação de profissional de outra localidade, acontecendo, então, a inexistência de advogado desimpedido e próximo, para os efeitos do art. 30, I e II, da Lei 8.906/1994, nem sequer advogado que aceite o mandato judicial para propor ou responder à demanda. Fatos igualmente objetivos, impedindo o acesso da parte à Justiça, a exemplo da grave e incapacitante doença do único advogado domiciliado na comarca,43 recomendavam interpretação extensiva às exceções. O panorama é outro no primeiro quartel do século XXI. As faculdades de direito proliferaram no interior do País e não faltam advogados. Desse modo, desapareceram as antigas exceções, restaurado em toda extensão o art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994. 1.019. Titulares da capacidade postulatória O art. 103, caput, do NCPC indica o titular da capacidade postulatória: o advogado (art. 3.º, caput, da Lei 8.906/1994). É a única pessoa apta a figurar como titular pleno do exercício dos poderes de representação inerentes ao mandato judicial,44 abrangendo, segundo o art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994, a “postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”. Trata-se de bacharel em direito devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 8.º da Lei 8.906/1994). O título de advogado é privativo dos homens e das mulheres integrantes do quadro específico da Ordem dos Advogados do Brasil. A lei busca assegurar aos que ingressam em juízo o auxílio de pessoas submetidas à vigilância eficaz e às severas regras deontológicas de um corpo profissional altamente respeitado e honrado.45Nenhuma outra formalidade (v.g., o compromisso perante o órgão judicial) substitui a exclusividade postulatória de quem ostenta o título de advogado. O advogado é tão antigo quanto a Justiça Pública e dela indissociável. Em vão a Revolução Francesa pretendeu proscrever o título de advogado.46 Logo se restaurou a figura, essencial à administração da Justiça. Em juízo, o advogado postula a favor da pessoa que lhe outorgou poderes, por intermédio do negócio jurídico de mandato, e desenvolve atividade fundamentalmente parcial, visando ao sucesso do cliente. Também é essencial à Administração da Justiça, a teor do art. 133 do CF/1988, porque

o contraste dos advogados das partes, no processo, auxilia a formulação da regra jurídica concreta, desnudando a verdade, e a realização efetiva dos direitos. Nos ordenamentos da família da Common Law, o advogado é um oficial da corte, subordinado, por um vínculo especial, à autoridade do tribunal.47 Entre nós, a tradição consiste na independência e autonomia do advogado diante do órgão judiciário. É o que estipula o art. 6.º da Lei 8.906/1994. Assim, entre nós o advogado forra-se de sanções diretas por sua atuação no processo (v.g., não cumpre a decisão em lugar da parte, a teor do art. 77, § 8.º), recaindo sobre as partes os efeitos materiais e processuais da conduta reprovável, apesar dos precedentes em contrário (retro, 599). Tal não significa que o advogado não deva obedecer aos preceitos do código de ética da profissão. Assim, “o primeiro dever do advogado é não enganar os juízes; pois não deve esquecer-se jamais de que é um elemento indispensável à administração da justiça”.48 Tampouco há, na advocacia brasileira, graus de habilitação técnica, separando as funções do procurador (v.g., chamado de avoué em França) e do advogado (v.g., designado de avocat em França). Em termos gerais, o avocat representa a parte em primeiro grau, o avoué nos tribunais de segundo grau e superiores.49 O direito italiano igualmente agasalhou a distinção entre procuratore e avvocato.50 Funções progressivamente aglutinadas em França.51 Duas outras figuras habilitam-se a praticar atos processuais em juízo. O estagiário, como revela a designação, atua fundamentalmente como aprendiz, agregado ao advogado. Costuma assinar os atos postulatórios juntamente com seu mentor. No processo do trabalho, tolera-se a atuação isolada em primeiro grau. E o quadro de provisionados está em extinção, talvez findo pela morte dos seus integrantes porventura remanescentes. A capacidade postulatória do advogado brasileiro revela-se irrestrita e geral e, por isso, inexiste espaço para a figura do procurador. A habilitação única conferida pela inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), após a conclusão do bacharelado em direito, a aprovação no exame de ordem e a ultimação do procedimento de que ingresso com o compromisso, no quadro dos advogados, autoriza o novel advogado a postular perante órgãos judiciários de qualquer hierarquia, independentemente da competência de “jurisdição” (v.g., Justiça Comum ou Justiça do Trabalho), sem a progressão da antiguidade ou exame suplementar. O advogado há pouco inscrito habilitase, no dia seguinte ao do compromisso, ao debate oral perante o STF. O art. 74 da Lei 4.215/1963 autorizava o provisionado – prático da advocacia, inscrito na forma dos arts. 51 e 52 do mesmo diploma – a advogar em primeiro grau de jurisdição, no máximo em três comarcas, em cada uma das quais inexistam advogados em número superior a três.52 Tal antiquíssima figura, cuja origem remonta às Ordenações Filipinas, Livro I, Título 48, § 4.º,53 teve freio com o art. 1.º da Lei 7.346/1985, vedando novas inscrições, mas ressalvou o direito dos já inscritos.54 O art. 87 da Lei 8.906/1994 manteve os efeitos dessa última lei. Sobrevivem poucos provisionados. O quadro extingue-se, paulatinamente, com a morte dos remanescentes.55 Registre-se

que o art. 791, § 1.º, da CLT continua a mencionar o provisionado como representante facultativo das partes nos dissídios individuais. Os estagiários, acadêmicos do curso de bacharelado, desfrutam de habilitação parcial, limitada às hipóteses do art. 29, § 1.º – fundamentalmente, “assinar petições de juntada de documentos a processos judiciais ou administrativos” (inc. III) –, do Regulamento Geral da Ordem, e à prática de atos privativos “em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste” (art. 3.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994). Os órgãos da Defensoria Pública ocupam cargo de carreira e para nela ingressar, no essencial, comprovarão a inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil até a data da posse. Todavia, o art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, estabeleceu o seguinte: “A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”. Em situação similar à dos defensores encontram-se os advogados da União, dos procuradores federais, dos procuradores dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios.56 O art. 182 do NCPC ministra a definição correta, esclarecendo ocorrer a representação “em todos os âmbitos federativos”. Logo, o procurador do Estado-membro A pode postular no Estado-membro B ou, ainda, na Justiça Federal. Esses dois grupos autorizam a agrupar os advogados em duas classes: (a) os advogados privados; (b) os advogados públicos. Os advogados públicos representam em juízo a pessoa jurídica de direito público, e, não, os titulares das funções governamentais.57 O NCPC dedicou-lhes o Título VI – Da Advocacia Pública – do já mencionado Livro III da Parte Geral, estendendolhes as prerrogativas do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como a responsabilidade pessoal, mas regressiva, por atos do seu ofício. Por fim, tem capacidade postulatória, como parte, o Ministério Público. § 212.º Outorga do mandato judicial 1.020. Casos de dispensa da exibição da procuração O art. 5.º, caput, da Lei 8.906/1994, estipula que o advogado postula, em juízo, “fazendo prova do mandato”. Em outras palavras, “o advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração” (art. 104, caput, primeira parte, do NCPC). A relação entre o advogado e o cliente descansa nesse vínculo contratual, mas o exercício da atividade constitui serviço público.58 Constitui ônus do advogado a prova da outorga de mandato judicial, contendo os poderes de representação, e, dessa forma, exibirá a procuração, que é o instrumento do mandato (art. 653, segunda parte do CC). A outorga envolverá, no mínimo, os poderes gerais do art. 105, caput, do NCPC. Tais poderes permitem ao advogado procurar em juízo, equivalendo, no plano material, aos “termos gerais” aludidos no art. 661, caput, do CC. O advogado produzirá a prova da existência do mandato judicial junto com a inicial – tratase, portanto, de documento indispensável nesta peça, a teor do art. 320 do NCPC, e o art. 287, caput, do NCPC impõe seja a petição inicial

acompanhada do instrumento do mandato – ou no momento da sua intervenção, na qualidade de advogado do réu ou de interveniente. Em que pese o caráter consensual do negócio jurídico de mandato (art. 656 do CC), a procura judicial há de ser outorgada por escrito, conforme exige o art. 657 do CC e se infere do disposto no art. 5.º da Lei 8.906/1994.59 Faz a mesma prova do original a cópia autenticada por oficial público (art. 424 do NCPC), conforme decidiu o STJ.60 Ao invés, mostra-se irregular a representação baseada em cópia sem autenticação. E não se admite o depósito da procuração em cartório, para o advogado atuar em vários processos autônomos, conexos ou não, ou em autos apensos, pois o ônus consiste em produzir a prova do mandato judicial, salvo (art. 287, parágrafo único): (a) no caso do art. 104 (inc. I); (b) no caso do Defensor Público (inc. II); (c) decorrente a representação de norma prevista na CF/1988 ou em lei, a exemplo do habeas corpus e dos advogados públicos (inc. III). Existem várias hipóteses de dispensa da exibição do instrumento do mandato. O art. 287 do NCPC atualmente não proíbe a distribuição de petição inicial – por conseguinte, a regra focalizou o problema na perspectiva do autor –, mas objeto de fiscalização do distribuidor, desacompanhada da prova do mandato em três hipóteses. Desapareceu a dispensa no caso de a procuração encontrar-se juntada nos autos principais. Logo, nas ações conexas supervenientes, como os embargos à execução, cumpre ao advogado do autor transladar a procuração, declarando autêntica a cópia (art. 914, § 1.º). Porém, as exceções ao dever de exibição mostram-se mais extensas que o rol do art. 287. 1.020.1. Dispensa da procuração na postulação em causa própria – O art. 103, parágrafo único, do NCPC admite a postulação em causa própria. O advogado “não incompatibilizado, impedido ou suspenso, não necessita constituir procurador judicial”.61 A habilitação técnica mostra-se inerente a quem figura como parte, ou intervém como terceiro, devendo-se interpretar extensivamente a palavra “parte” no art. 103, parágrafo único. A capacidade postulatória diz-se automática,62 na verdade intrínseca ao litigante. O emprego da palavra “advogado” no art. 103, caput, indica a abrangência do parágrafo. Dispõe de habilitação legal a pessoa regularmente inscrita no quadro de advogados da OAB, e, não, o bacharel, mestre ou doutor em direito. Esses são títulos acadêmicos e, credenciando a pessoa a obter a inscrição na OAB, preenchidos os demais requisitos legais, não habilitam à prática de atos processuais. 1.020.2. Dispensa da procuração nos casos de assistência judiciária – O art. 44, XI, da LC 80/1994, secundando o art. 16, parágrafo único, da Lei 1.060/1950 – em vigor, ante o art. 1.072, III, do NCPC –, autoriza o defensor público a representar a parte, “independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais”. Por sua vez, o art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, declarou que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”. Essas disposições se aplicam, indiferentemente, ao processo civil e ao penal.

O advogado particular, representando o beneficiário da gratuidade da justiça (art. 99, § 4.º) – hipótese diferente da assistência integral, prestada pela Defensoria Pública –, poderá comparecer em juízo sem exibir a procuração; porém, na primeira audiência (v.g., a do art. 334), o juiz registrará na ata da sessão “os termos da referida outorga” (art. 16, caput, da Lei 1.060/1950). Os advogados comprovam, geralmente, a outorga do mandato judicial pelo necessitado, requerendo ao juiz, na primeira intervenção no processo (art. 99, caput), o benefício da gratuidade. 1.020.3. Dispensa da procuração nos casos de investidura legal – Ficam dispensados do ônus de exibir a procuração, do mesmo modo, os procuradores das pessoas jurídicas de direito público. A habilitação dessas pessoas decorre da lei e da sua investidura no cargo público. O art. 9.º da Lei 9.469/1997 também isenta os procuradores e advogados de autarquias e fundações públicas. A esses advogados se refere o art. 287, parágrafo único, III, in fine. É o caso, por igual, do Defensor Público, consoante a ressalva explícita do art. 287, parágrafo único, II, e do agente Ministério Público quando figurar como parte e atuar como fiscal da lei. 1.020.4. Dispensa da procuração na postulação dos atos urgentes – Em caso de urgência, e para evitar a decadência ou a prescrição (art. 104, caput, do NCPC c/c art. 5.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994), mostra-se lícito ao advogado postular em nome da parte (ou do terceiro) independentemente de mandato judicial (art. 287, parágrafo único, I). Incluem-se no campo de incidência da regra: (a) a propositura de petição inicial com pedido de liminar, antecipatória ou cautelar; (b) a interposição de recurso contra a decisão desfavorável. O art. 104, § 1.º, dispensa o advogado de prestar a caução de rato, que era um termo antiquado e dispendioso.63 Mas, instituiu-lhe o ônus, no prazo de quinze dias, prorrogáveis por mais quinze por decisão do órgão, de “exibir a procuração”. A prorrogação do interregno legal há de ser concedida sempre que possível e à vista de motivo razoável, a exemplo da ausência do cliente do lugar da demanda por interregno maior que o prazo original. Evidentemente, o art. 104 não cogita de vício na habilitação profissional. Cuida de faculdade própria de “advogado”, pressupondo, por óbvio, a plena capacidade postulatória. O dispositivo antevê a falta de representação técnica, decorrente do descumprimento do ônus de provar a outorga de mandato, pouco importando se o advogado alega, concretamente, alguma situação de emergência para justificar a postulação. O direito anterior declarava “inexistentes” os atos processuais não ratificados, não se desincumbindo o advogado do ônus de juntar a procuração. Na verdade, o processo em si existe e o juiz o extinguirá, não ocorrendo o suprimento, pela ausência de capacidade postulatória, que é um pressuposto processual de validade, a teor do art. 485, IV.64 Por esse motivo, o art. 104, § 2.º, corrigiu a impropriedade, declarando os atos praticados ineficazes em relação ao suposto representando, respondendo o advogado por perdas e danos. São titulares da pretensão à reparação tanto o suposto representado, quanto o réu, prejudicado pela atuação do advogado em juízo.

1.021. Modalidades da outorga do mandato judicial Incumbe ao advogado, de ordinário, provar a outorga do mandato judicial para postular em juízo (art. 103, caput). Os atos postulatórios principais (petição inicial e contestação) são escritos. Logo, a regra exibe a forma escrita.65 E, segundo o art. 105, caput, a procuração geral para o foro há de ser conferida “por instrumento público ou particular”. Não se admitirá, destarte, o mandato tácito no processo civil. Figurando como outorgado advogado, a procuração implica a representação em juízo ou fora dele, para a prática dos atos privativos da advocacia (art. 1.º da Lei 8.906/1994). Para determinados mandatos, afigurase indispensável a representação, como acontece com o mandato judicial, cuja longínqua origem romana o vinculava à “procura”.66 Não se afigura essencial, porém, outorga direta ao advogado. Pode ocorrer a outorga a pessoa sem habilitação, substabelecendo os poderes recebidos ao advogado. O mandato judicial pode ser outorgado por instrumento público ou particular. Tem flagrante natureza intuitu personae. A disciplina do mandato judicial, nos termos do art. 692 do CC, segue as disposições genéricas desse negócio jurídico na lei civil (arts. 653 a 692 do CC) e disposições da lei processual. No tocante ao mandato por instrumento particular, a outorga poderá ser “manuscrita, como datilografada ou por qualquer meio de impressão, não importando quem a escreveu, datilografou, ou imprimiu”.67 A assinatura do outorgante no instrumento, em geral com disposições predeterminadas, basta à formação da procura. É também admissível a procuração outorgada e assinada digitalmente, a teor do art. 105, § 1.º Outorgado o mandato a pessoa natural, a procuração deverá conter o nome completo, o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o endereço completo, ou seja, físico e eletrônico (art. 105, § 2.º). Integrando o(s) outorgado(s), em geral todos os sócios, sociedade de advogados inscrita no foro da demanda, também o nome desta, o número de inscrição na OAB e o endereço completo, físico e eletrônico, constará no instrumento (art. 105, § 3.º). A fórmula verbal imperativa denota o caráter obrigatório desses dados. Faltando um deles, no todo ou em parte, o vício deverá ser suprido na forma do art. 76 do NCPC. O instrumento público é exigido – a contrario sensu do disposto no art. 654, caput, do CC, autorizando a outorga mediante instrumento particular por toda pessoa capaz – na hipótese de incapacidade do outorgante. Revela-se indispensável idêntica forma no mandato outorgado por quem não saiba ou não possa escrever. Tal hipótese abrange tanto o analfabeto, incapaz de assinar seu próprio nome ou redigir o instrumento, quanto a pessoa que, embora alfabetizada, encontra-se incapacitada de escrever ou assinar em virtude de ferimento ou de doença.68 À vista do texto expresso no art. 654, caput, do CC, não tem sentido a exceção aberta, perante a diferente dicção do art. 1.289, caput, do CC de 1916, para os relativamente capazes, admitindo-se para essas pessoas a outorga mediante instrumento particular. Segundo esse entendimento, os

absolutamente incapazes não podem constituir procuradores, seja qual for a modalidade da outorga, e, neste caso, o seu representante, desde que capaz, utilizar-se-ia, licitamente, de ambas as modalidades.69 Tal opinião baseava-se na eventual omissão da lei anterior, quanto à forma da procuração. Ora, justamente na falta de qualquer disposição expressa, na lei processual, aplicar-se-á, supletivamente, as regras do CC, principalmente o art. 654, caput, do CC. No entanto, a ojeriza à forma vinculada (infra, 1.099.3), predominando no processo contemporâneo, induzirá o reconhecimento da validade e da eficácia do mandato judicial outorgado pelo incapaz através de instrumento particular. É admissível a procuração apud acta, ou seja, lavrada nos próprios autos do processo pelo escrivão e cujos efeitos limitam-se, naturalmente, a esta relação processual em particular.70 Exemplos de procuração apud acta localizam-se no art. 16, caput, da Lei 1.060/1950 e no art. 266 do CPP. Este último dispositivo estabelece que a constituição de advogado prescindirá da procuração “se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório” ou na oportunidade em que o réu comparecer no processo. Disposição similar consta do art. 791, § 3.º, da CLT, introduzido pela Lei 12.437/2011: a outorga pode ser feita mediante registro na ata de audiência, “a requerimento verbal do advogado interessado, com anuência da parte representada” (reclamante e reclamada, esta através do respectivo preposto). A procuração apud acta insere-se na informalidade dos modos de outorga, reconhecida em outros países, em que pese os propósitos restritivos.71 Nada obsta, como se depreende do art. 104, caput, do NCPC, o advogado constituir a si mesmo procurador da parte. Nesta contingência, obrigar-se-á a juntar a procuração de que não dispõe ou a que infringe aos requisitos do art. 654 do CC, e, portanto, necessita da ratificação.72 Em princípio, mostra-se desnecessário reconhecer a firma do outorgante no mandato outorgado por instrumento particular, conforme o § 2.º do art. 654 do CC. O texto originário do art. 38 do CPC, seguindo o disposto no art. 107 do CPC de 1939, exigia o reconhecimento da firma. Entretanto, desde a Lei 8.952/1994 desapareceu a imposição de semelhante fator de eficácia. Prevalece a regra especial.73 Nada obstante, o disposto no art. 654, § 2.º, do CC, harmoniza-se com a disciplina da lei processual. A exceção é nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, a teor do art. 13, § 7.º, da Lei 12.153/2009. É lícito ao adversário do outorgante, no processo, controverter a autenticidade da assinatura, esclarecida através do reconhecimento (art. 411, I, do NCPC). De acordo com o art. 429, II, do NCPC, existindo contestação da assinatura, hipótese em que cessa a fé do documento particular (art. 428, I, do NCPC), o ônus da prova incumbe à parte que produziu a procuração. A parte exibirá o instrumento público ou particular no original ou através de cópia autenticada (arts. 424 e 425 do NCPC). E convém recordar que o substabelecimento não se subordina à forma do mandato originário (art. 655 do CC). 1.022. Poderes gerais e especiais no mandato judicial

O advogado recebe poderes para representar a parte em juízo. Esses poderes não conferem ao advogado qualidade jurídica autônoma.74 Os poderes expressam o consentimento do outorgante com a procura. Tanto faz que sejam conferidos antes ou depois do ato.75 Encontra-se prevista no art. 105, caput, a extensão dos poderes da representação técnica, anteriormente objeto do art. 1.326 do CC de 1916. A procuração com poderes gerais para o foro “habilita o advogado a praticar todos os atos do processo” – do início do processo até o final da execução do provimento,76 a teor do art. 105, § 4.º, salvo disposição em contrário inserida no instrumento. Todavia, alguns atos repercutem sobre o direito material ou os direitos fundamentais das partes, exigindo a outorga de poderes especiais, a saber: “receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica”. E o art. 5.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994 reza que a “procuração para o foro em geral” habilita o advogado à prática de quaisquer atos, “salvo os que exijam poderes especiais”. Os poderes conferidos sem limitação do seu objetivo, indicando processo determinado, através do número e do juízo em que tramita, autorizam o advogado a postular em quaisquer processos em que o outorgante figurar como parte ou pretender ingressar como terceiro.77 1.022.1. Objeto dos poderes gerais – Os poderes gerais para o foro autorizam a prática de todos os atos processuais, ressalva feita aos que dependem da outorga de poder especial (art. 5.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994). Logo, a procuração com poderes especiais habilita o advogado a propor e a responder à demanda, inclusive pleiteando quaisquer medidas urgentes, e representar a parte na futura execução. Por esse motivo, bastam poderes gerais para atender o disposto no art. 105, caput, do NCPC. E, principalmente, tal procuração habilita a interposição de todos os recursos, ordinários ou não (art. 994).78 1.022.2. Objeto dos poderes especiais – O art. 105, caput, do NCPC exige poderes especiais, em primeiro lugar, para os atos de disposição direta ou indireta do objeto litigioso: a confissão, o reconhecimento da procedência do pedido, a transação, a desistência (da demanda e do recurso) e a renúncia do direito sobre o qual se funda a ação ou, como prefere o art. 487, III, c, a renúncia da pretensão processual. Em qualquer hipótese, impõe-se a especificação do objeto do ato; por exemplo, indicando qual o pedido a ser reconhecido, a qual a pessoa favorecida (pode existir pluralidade de autores), e qual o processo (número do protocolo) em que se formulou o pedido a ser reconhecido. Por exemplo, a outorga do poder especial de confessar indicará, especificamente, o(s) fato(s) objeto do ato.79 Posto que decorrentes de comportamentos com idêntico efeito – excluem a alegação de fato do tema da prova, a teor do art. 374, I e II –, a confissão e a admissão se distinguem nitidamente, porque esta significa a ausência de contradita à alegação de fato do autor (art. 341, caput, segunda parte). Não há necessidade de poderes especiais para admitir e tornar incontroverso o fato.

Os poderes especiais são inconfundíveis e incomunicáveis entre si. Assim, o poder de desistir não inclui o de renunciar.80 No caso da transação do objeto litigioso, o art. 842, segunda parte, do CC impõe forma escrita, estipulando que se realizará “por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz”. Feita a transação por escritura pública, mas almejando os respectivos figurantes homologarem-na em juízo, como determina o art. 842, segunda parte, do CC, c/c art. 515, III, do NCPC, também dos advogados das partes exigir-se-á o poder especial de transigir para esse ato. O poder de transigir, reza o art. 661, § 2.º, do CC não implica o poder de firmar compromissos. Para o mandatário comprometer-se pelo mandante, então, precisa dispor do respectivo poder especial. A palavra “compromisso” tem várias acepções no processo. A testemunha presta o compromisso de dizer a verdade (art. 458, caput, do NCPC), e, neste contexto, o vocábulo exprime o vetusto juramento. O inventariante prestará o compromisso de “bem e fielmente desempenhar a função”, a teor do art. 617, parágrafo único. E prestam compromisso o tutor e o curador em livro próprio (art. 759, § 1.º, do NCPC). Nessas hipóteses, o vocábulo assume sentido diferente, caracterizando a assunção de atividade ou de encargo. Por óbvio, pretendendo as partes e os auxiliares do juízo em tais atos utilizar procurador, outorgarão mandato com o poder especial, a teor do art. 105, caput. Também constitui “compromisso” o negócio judicial ou extrajudicial pelo qual submetem os particulares seu litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas (art. 9.º da Lei 9.307/1996). O art. 661, § 2.º, do CC emprega neste último e exato sentido o flexível vocábulo sob exame. E isso porque respeitável teoria, em que pese superada há muito, considerava o compromisso arbitral modalidade de transação,81 ficando suas condições deferidas aos árbitros, e, assim, implicaria ato de disposição mais extenso e profundo que o da transação. É marcante, sem embargo, a intuitiva diferença entre os dois institutos: a transação põe fim ao litígio; o compromisso estabelece o modo pelo qual o litígio acabará resolvido.82 Portanto, o mandatário para obrigar-se a resolver o litígio do mandante mediante arbitragem, precisará o poder especial para firmar o compromisso. O objetivo da exigência de poder especial para receber citação, ato através do qual o juiz chama o réu, executado ou interessado a juízo (art. 238), parece intuitivo. A lei quis “preservar o conhecimento pessoal acerca da existência e do teor do pedido ou da alegação que tenha de ser respondida”.83 Não excluiu, porém, a possibilidade de o réu abdicar dessa ciência particular. As razões da outorga desse poder fundam-se na conveniência (v.g., o representante legal do litigante institucional considera oneroso receber a visita frequente do oficial de justiça ou mais seguro habilitar advogado do que o “funcionário da portaria”, a teor do art. 252, parágrafo único), na confiança irrestrita depositada no procurador ou em fato ocasional (v.g., o afastamento do País para realizar curso prolongado). A outorga de poder especial para “receber, dar quitação”, haja vista os efeitos liberatórios do ato, em geral as culminâncias de longa porfia judicial (v.g., o levantamento do dinheiro penhorado ou do produto da alienação dos

bens, a teor do art. 905, caput), revela prudência no trato de valores em moeda. A expressão “receber, dar quitação” equivale, perfeitamente, a “receber e dar quitação”.84 O fato é que o legislador reputou excessivo inserir nos poderes gerais a possibilidade de o advogado levantar dinheiro depositado em nome da parte. A última forma desse preconceito avulta no art. 13, § 7.º, da Lei 12.153/2009: o levantamento da quantia depositada “por meio de procurador” – a lei, presumivelmente, evitou indicar o advogado para flanquear resistências no processo legislativo, mas ele é um procurador e dificilmente convencerá o gerente da agência bancária de que a norma não se aplica aos advogados –, na agência depositária, reclama a exibição de “procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência”. À luz dessa disposição, a procuração juntada no processo, embora com o poder especial, não autoriza o ato, porque lhe faltará “o valor originalmente depositado e sua procedência”. Por fim, o art. 105, caput, exige poder especial para o advogado “assinar declaração de hipossuficiência econômica”. Em nenhum momento, porém, o art. 98,caput, c/c art. 99 impõe declaração autônoma e em instrumento próprio – subentendido na fórmula legal, exigindo assinatura ou subscrição –, assinada pelo postulante da gratuidade ou por seu advogado com esse poder especial, para obter isenção total ou parcial do dever de antecipar as despesas do processo e, ficando vencido, reembolsá-las e pagar honorários ao advogado do vencedor. Basta a alegação no próprio ato postulatório. E nem sequer quando o advogado alega que ele próprio não pode preparar o recurso, como aventa o art. 99, § 5.º, assinará qualquer declaração nesse sentido, simplesmente alegando o fato e aproveitando-se da presunção do art. 99, § 3.º. Cuida-se de reminiscência do direito anterior, inconsistência da sistematização no processo legislativo ou falta de ajuste entre partes do CPC redigidas por pessoas diferentes. 1.022.3. Interpretação dos poderes especiais – Em princípio, os poderes ressalvados no art. 105, caput, não comportam ampliações, porque taxativo o respectivo rol. Por exemplo, o poder de receber e dar quitação confere ao advogado, decidiu a 1.ª Turma do STJ, o “direito inviolável à expedição de alvará em seu nome, a fim de levantar depósitos judiciais e extrajudiciais”;85 a apresentação de embargos do devedor não carece da outorga de procuração com poder especial para essa finalidade.86 Às vezes, no entanto, disposição legal explícita impõe, no processo civil, a outorga de poder especial. É o caso das primeiras e últimas declarações do inventariante, a teor do art. 618, III, do NCPC. À luz deste texto explícito, não se compreende a opinião que exclui tal necessidade.87 Tampouco se afigura lícito divisar a habilitação do advogado para concordar com a partilha,88 implicando ela transação a respeito dos quinhões: a procuração geral para o foro não compreende tal poder e o de alienar (art. 661, § 1.º, do CC). 1.022.4. Consequências da falta de poder especial – A falta de poder específico para realizar determinado ato processual, mas realizado unicamente pelo advogado, acarretará vício na representação técnica, cabendo ao órgão judiciário exigir-lhe a ratificação in tempore.89 É lícito à parte

praticar os atos do art. 105,caput, pessoalmente (v.g., dar quitação, levantando em nome próprio o produto da execução, a teor do art. 905). Já não poderá, feita a transação, por exemplo, reclamar-lhe a homologação judicial (art. 515, III), porque se cuida de ato de postulação privativo do advogado, a teor do art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994. 1.023. Procuração conjunta e solidária É possível a outorga do mandato judicial a dois ou mais advogados. Cuida-se de evento comum, organizando-se a advocacia contemporânea em grandes escritórios, compostos de dezenas ou de centenas de advogados e a ele alude, indiretamente, o art. 105, § 3.º. Chama-se de procuração plural a autorização representativa conferida a várias pessoas.90 O art. 672 do CC deixa claro que, exceção feita da procuração conjunta, na qual, expressamente, estabeleça o outorgante que os outorgados somente podem agir conjuntamente, presume-se que os advogados exerçam a representação técnica da parte ou do terceiro de modo autônomo, configurando a chamada procuração solidária. É a regra no mandato judicial. Nesta contingência, as causas de extinção do mandato judicial – por exemplo, a morte, o impedimento ou a suspensão disciplinar, a revogação ou a renúncia – operam individual e isoladamente,91 não comprometendo a representação técnica da parte no processo. Se a procuração for conjunta, todavia, a eficácia do(s) ato(s) porventura praticado(s) se subordinará a oportuna ratificação, na primeira oportunidade, retroagindo seus efeitos “à data do ato”; por outro lado, atingindo a um dos advogados alguma das causas de extinção (art. 682 do CC), desaparece a eficácia da autorização representativa em relação ao(s) remanescente(s). 1.024. Substabelecimento do mandato judicial Na falta de expressa disposição em contrário, nas leis de processo, especialmente no art. 105 do NCPC, aplicam-se ao mandato judicial os arts. 655 e 667 do CC, relativamente ao substabelecimento. Logo, salvo vedação explícita, inserida na procuração, o advogado poderá substabelecer, no todo ou em parte, com ou sem reservas, os poderes recebidos do outorgante. É o que se infere do § 4.º do art. 667, do CC, resolvendo a controvérsia sobre a possibilidade de o mandatário, e, particularmente, o advogado, substabelecer na falta de expressa autorização.92 A regra adotou a melhor diretriz. Sempre se admitiu o consentimento tácito, a exemplo do substabelecimento para outro advogado acompanhar a produção de prova através de carta precatória. Por outro lado, o art. 667, caput, do CC, reproduzindo o art. 1.300, caput, do CC de 1916, contempla os efeitos entre mandante e mandatário do substabelecimento sem autorização. Entre as exceções do art. 105, caput, do NCPC, de resto, não figura o poder especial para substabelecer.93 Pouco razoável, nesta contingência, a interpretação contrária, de vez por todas proscrita à luz do citado § 4.º do art. 667 do CC. A jurisprudência do STJ reconheceu a desnecessidade de autorização expressa para substabelecer.94

No substabelecimento sem reservas, o antigo procurador desvincula-se, definitivamente, dos poderes outorgados. Todas as intimações devem recair na pessoa do substabelecido. Em princípio, no substabelecimento com reservas, em que o procurador e o substabelecido são titulares em conjunto da representação, mostra-se indiferente intimar a ambos ou a um deles. Todavia, requerida a intimação exclusiva do substabelecido, não valerá a intimação realizada na pessoa do substabelecente;95 ao invés, inexistindo tal requerimento, considera-se válida a intimação feita na pessoa do advogado que subscreveu o recurso e, posteriormente, substabeleceu seus poderes.96 O advogado que substabelecer os poderes recebidos, com ou sem autorização, responderá perante o cliente, nos casos previstos no art. 667 e seus parágrafos do CC. O substabelecimento prescinde de forma idêntica à da procuração. Embora indispensável a outorga do mandato judicial através de instrumento público, o art. 655,in fine, do CC, autoriza o substabelecimento por instrumento particular. Entretanto, deverá ocorrer por escrito (art. 657, segunda parte, do CC), para ensejar prova no processo, e observar os requisitos do art. 654, § 1.º do CC. E a produção dos seus efeitos, seja qual for a hipótese, subordinar-se-á à exibição da procuração originária, observando-se o regime geral do suprimento dos vícios da representação técnica no processo. Em caso de substabelecimento, surge para os recorrentes o pesado ônus de juntar, nos traslados do agravo de instrumento interposto contra a denegação do recurso especial, a procuração original e toda a cadeia dos eventuais substabelecimentos, até chegar à prova dos poderes conferidos ao advogado subscritor do recurso.97 Não há possibilidade de ratificação do ato pela juntada das peças omitidas.98 1.025. Extinção do mandato judicial A extinção do mandato judicial segue o disposto no art. 682 do CC. Concebem-se a morte do advogado e a perda da sua capacidade civil (art. 682, II, do CC), que é causa de suspensão do processo (art. 313, I, in fine, do NCPC); o desaparecimento de sua habilitação profissional (art. 682, III, do CC); e o vencimento do termo assinado pelo cliente – cláusula comum no mandato outorgado por pessoa jurídica a banca profissional de advogados –, ou a conclusão do processo, qualquer que seja seu desfecho (art. 682, IV, do CC), a exigir disposição específica no instrumento (art. 105, § 4.º, do NCPC). A essas causas gerais aplica-se o regime da lei civil. Em certa oportunidade, tratando do implemento do termo, decidiu a 1.ª Seção do STJ o seguinte: “Verificando-se que decorreu o prazo do mandato outorgado por tempo certo, supre-se a omissão com o recebimento parcial dos embargos declaratórios, não para considerar o recurso inexistente, mas para determinar que a representação seja regularizada”.99 As hipóteses de renúncia e de revogação (art. 682, I, do CC) receberam tratamento específico nos arts. 111 e 112 do NCPC. O assunto localiza-se no Capítulo IV – Da Sucessão das Partes e dos Procuradores – do Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III da Parte Geral do CPC, porque ao

procurador original há que suceder outro advogado, a fim de não deixar a parte sem representação técnica. 1.025.1. Revogação do mandato judicial – O mandato judicial comporta revogação ao talante do outorgante. A revogação pode ser expressa, declarando tal fato à parte e, ato contínuo, constituindo novo advogado, ou tácita, surtindo efeitos através da juntada de nova procuração, sem ressalva da anterior, habilitando procuradores diferentes.100 Mas, visando a impedir ou diminuir as perturbações à tramitação do processo, o art. 111, caput, do NCPC exige no ato da revogação do mandato judicial a constituição de outro advogado. Nada impede, por óbvio, a revogação e a outorga do novo mandato judicial ocorrerem em instrumentos separados. A expressão “no mesmo ato” busca impedir a falta de representação técnica da parte por consequência da revogação, e não a simultaneidade formal dos atos.101 E, de resto, competirá ao novo advogado produzir prova da revogação e da própria constituição, juntando a respectiva procuração. Eventualmente, a parte desatende ao ônus do art. 111, caput, porque necessita revogar o mandato outorgado, imediatamente, em virtude de desavença com o advogado, e não logra entender-se incontinenti com outro causídico. Em tal hipótese, a revogação surtirá seus efeitos, de plano, desaparecendo a representação técnica a partir do momento em que juntada a prova da revogação.102 Então, fluirá o prazo de quinze dias para correção do vício, findo o qual, reza o art. 111, parágrafo único, o juiz invocará o art. 76 do NCPC. Era o entendimento doutrinário do direito anterior,103 tornado expresso no atual. 1.025.2. Renúncia ao mandato judicial – O art. 112, caput, do NCPC permite ao advogado renunciar ao mandato judicial “a qualquer tempo”. O emprego do verbo “renunciar” no art. 112 revela-se altamente impróprio. A rigor, o mandatário não renuncia ao mandato, mas ao poder de representação, ou a direito, ou a ação, ou a exceção de que dispõe perante o mandante. Tecnicamente, o advogado põe termo ao mandato, nos termos do art. 112, caput. A modalidade de extinção do contrato prevista no dispositivo é a denúncia.104 A relação jurídica entre o cliente (mandante) e o advogado (mandatário) encerra-se a partir do momento em que este declara vontade de extingui-la. O equívoco terminológico da lei é recorrente e, no direito brasileiro, remonta ao art. 109 do CPC de 1939.105 Lícito ao advogado denunciar o mandato, deixando a parte sem representação técnica no processo, a qualquer tempo. Em outras palavras, a declaração de vontade pode ocorrer em qualquer etapa e fase do processo, ou grau de jurisdição. Feita a denúncia, o art. 112, caput, adota medida para contornar a falta de representação da parte, o que implicaria a suspensão do processo (art. 313, I), até a erradicação do defeito. Preliminarmente, art. 112, caput, impõe ao advogado dar ciência ao cliente, manifestando sua vontade de encerrar daí em diante o mandato, “a

fim de que este nomeie sucessor”. O denunciante provará a ocorrência dessa comunicação, e, portanto, implicitamente a regra rejeita a denúncia oral. A comunicação pode ser judicial ou extrajudicial. É comum que se realize por via postal com aviso de recebimento. Desincumbe-se o denunciante do ônus prescrito no art. 112 do NCPC, provando a remessa da carta o efetivo recebimento desta pelo destinatário. Eis o sentido da inequívoca ciência reclamada, por vezes, na jurisprudência.106 Dispensa-se a comunicação, entretanto, havendo procuração plural ou conjunta e solidária (retro, 1.023), e subsistindo a representação técnica da parte no processo, a teor do art. 112, § 2.º. Não é o caso, porém, da renúncia do substabelecente com reservas, caso em que desaparecerão os poderes do substabelecido. O substabelecimento sem reservas implica o desligamento do antigo procurador e assunção exclusiva do substabelecido. Assim, não cabe a renúncia do substabelecente, extinto o mandato por causa anterior, e só a renúncia do substabelecido provoca a incidência do art. 112, e, se for o caso, dos respectivos parágrafos. A renúncia revelar-se-á ineficaz, subsistindo a procura judicial, se o advogado deixar de notificar o cliente. Por exemplo, o advogado comunica ao órgão judiciário que renunciou, mas não comprova a remessa e entrega da notificação ou nada alude a esse respeito. Foi o que decidiu, com acerto, o STJ.107 Nada obstante a prova de que o cliente tomou conhecimento da renúncia, presumindo a lei que tome providências para constituir novo procurador, o art. 112, § 1.º, obriga o denunciante, a despeito do término da relação, a representar a parte nos dez dias seguintes à data do efetivo conhecimento do ato,108 “desde que necessário para lhe evitar prejuízo”. Exemplo maior de prejuízo reside na perda do prazo para contestar ou para recorrer de pronunciamento desfavorável já emitido. Essa eficáciaultra vires visa assegurar o prosseguimento do processo sem paralisações, presumindo-se que, no entretempo, novo procurador junte procuração nos autos. A fixação do prazo de dez dias não se mostra particularmente feliz e suficiente aos propósitos da regra. Discrepa do prazo de resposta (art. 335) e dos prazos recursais de quinze dias, tão marcantes que adotado no caso da emenda da petição inicial (art. 321, caput). Fluindo o prazo no momento do recebimento da notificação pelo cliente, e dependendo da respectiva oportunidade da notificação dentro desse interstício, de um lado o advogado denunciante não ficará obrigado a recorrer, competindo ao novo advogado realizar ingentes esforços para entender a causa e elaborar o recurso no prazo restante. Já tendo fluído oito dias do prazo originário de quinze, por exemplo, o denunciante praticará o ato,109 sob pena de responder por perdas e danos, e nada assegura que se esmere neste sentido. A habilitação de novo procurador, no curso do prazo de dez dias, implica o desaparecimento da autêntica eficácia, ultra vires, instituída no art. 112, § 1.º, e, conseguintemente, do ônus de o antigo advogado praticar os atos indispensáveis para evitar prejuízo ao antigo cliente. É a hipótese antevista no art. 5.º, § 3.º, da Lei 8.906/1994. E é claro que a continuação do denunciante não tem sentido se a procuração for plural e solidária.

Findo o prazo de dez dias, cessará a representação do denunciante, e, por essa razão, o STJ estimou inexistente o recurso interposto após esse interstício.110 O encerramento do prazo suscita duas hipóteses: (a) a parte constituiu novo procurador; (b) a parte permaneceu inerte. No primeiro caso, o processo prosseguirá normalmente, inclusive quanto à fluência dos prazos pendentes; no segundo, porém, incumbe ao órgão judiciário suspender o processo, nos termos do art. 76, fixando prazo razoável para o suprimento da ausência de representação técnica.111 Entretanto, a jurisprudência do STJ inclina-se pelo prosseguindo do processo, tratando a parte como revel (art. 346, caput) e considerando válidos os atos processuais praticados até a constituição de novo advogado.112 § 213.º Direitos e deveres dos procuradores no processo 1.026. Prerrogativas profissionais do advogado Das prerrogativas profissionais, ou dos direitos dos advogados, ocupamse os arts. 6.º e 7.º da Lei 8.906/1994. O exercício da atividade liberal do advogado, em proveito do representado, sem pejo da função pública intrínseca à advocacia, exige proteção contra a autoridade sobranceira do juiz. O art. 7.º, VI, assegura ao advogado, por exemplo, o ingresso nas salas de sessões dos tribunais, “mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados” (letra a), e nas salas e dependências das audiências, secretarias, cartórios, ofícios da justiça, e em outros lugares (letra b) – não, porém, ingressar no gabinete do magistrado, devassando-lhe a privacidade do trabalho –, e o inc. VII, do mesmo dispositivo, faculta-lhe permanecer sentado ou em pé, “e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença”. As leis locais de organização judiciária completam tais prerrogativas, obrigando o magistrado a receber partes e advogados em horários e dias predeterminados. Não podem, nem devem limitar os direitos instituídos na lei federal. A lei processual civil almejou atribuir aos procuradores idênticos deveres que às partes, como se infere da designação do Capítulo II – Dos Deveres das Partes e de seus Procuradores – do Título I – Das Partes e Dos Procuradores – do Livro III da Parte Geral do NCPC, inutilmente, porque a tradição do nosso direito e o art. 6.º,caput, da Lei 8.906/1994 pré-excluem a subordinação do advogado à autoridade do órgão judiciário A interpretação conferida pelo STF à cláusula inicial do revogado art. 14, parágrafo único, do CPC de 1973 chancelou essa orientação.113 E assim dispôs o art. 77, § 8.º, do NCPC, mirando o advogado público, frequentemente instado a praticar atos, mas extensível aos advogados privados: “O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”. A regra abrange os representantes técnicos, e, não, às pessoas mencionadas no art. 75. Entretanto, a isenção não é absoluta, porque o art. 106 grava o advogado com ônus próprio, em proveito da efetividade da Justiça. E o art. 107, I, prevê o direito de o advogado consultar os autos, embora não seja procurador das partes, no interesse do seu próprio cliente, obtendo cópias, bem como obter vista e retirar os autos (art. 107, I e II, como procurador, atendendo às necessidades da atuação processual do advogado.114 Existe, ainda, dever de restituir os autos no prazo (art. 234caput).

São esses os deveres e direitos, porque inerentes à atividade do advogado no processo civil, a par de gerais, propícios a exame mais detido. Os advogados públicos, a quem incumbe a representação judicial da União, do Distrito Federal, dos Estados-membros, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público, “em todos os âmbitos federativos” (v.g., o procurador do Estado-membro A pode postular perante a Justiça Federal ou na Justiça Comum do Estado-membro B), nos termos do art. 182, receberam prerrogativas (ou direitos) especiais. Tal se deve ao relevante fato de não exercerem qualquer controle, ao contrário dos advogados privados, acerca do volume de trabalho ou de atividade forense. E sua responsabilidade é declarada no art. 184. 1.026.1. Prerrogativas dos advogados públicos – O art. 183 estabelece duas prerrogativas especiais dos advogados públicos no processo civil: (a) dobra dos prazos; (b) intimação pessoal. Objetivamente, a contagem em dobro dos prazos alcança todas as manifestações do advogado público (art. 183, caput). Serão dobrados, por exemplo, o prazo para contestar (art. 335) e o prazo para recorrer (art. 1.003, caput, c/c § 5.º). Também será dobrado o prazo para se manifestar acerca da produção tardia da prova documental (art. 437, § 1.º). Em termos mais gerais, dobram-se os prazos para a prática de atos postulatórios. Prazos assinados à própria parte (v.g., o prazo assinado pelo juiz para purgar o atentado, nos termos do art. 77, § 7.º) não comportam dobra (art. 183, § 2.º). Do ponto de vista do serviço do processo (comunicação dos atos) a prerrogativa da intimação pessoal revela-se mais problemática. Não há dúvida que afeta a duração do processo e constitui fator de retardamento. Porém, o fundamento da prerrogativa é sólido, pois o advogado público não tem controle sobre o volume do respectivo serviço, ao contrário, teoricamente, dos advogados privados, e os interesses confiados à sua responsabilidade são do interesse geral (v.g., os do erário), senão público. Far-se-á a intimação pessoal mediante três meios concorrentes: (a) carga dos autos (art. 107, II), ficando intimados de qualquer decisão proferida no processo, a teor do art. 272, § 6.º; (b) remessa e entrega dos autos no protocolo escritório do procurador, no endereço fornecido no primeiro ato postulatório; (b) por meio eletrônico, devendo credenciar-se, conforme o art. 270, § 1.º, na forma do art. 246, § 1.º. São modalidades de intimação real (infra, 1.226). Os demais problemas atinentes à fluência dos prazos a partir desse termo inicial serão examinados no capítulo próprio. 1.026.2. Responsabilidade dos advogados públicos – Os advogados públicos responderão, por atos do seu ofício, pessoal e regressivamente, em caso de dolo ou fraude, declara o art. 184. Equiparam-se, nesse particular, às pessoas investidas na função judicante (art. 143, I), ao órgão da Defensoria Pública (art. 187) e aos agentes do Ministério Público (art. 181). Porém, a responsabilidade é regressiva, instituindo-se a chamada “teoria do escudo”, anteriormente examinada (retro, 962) em seus méritos e deméritos. À luz do art. 184, concebem-se duas pretensões diferentes: (a) da contraparte à representada pelo advogado público, ou seja, às pessoas

jurídicas de direito público arroladas no art. 182 e no art. 183, caput, competindo-lhe demandar contra estas, e, não, o advogado, admitida a pretensão de regresso (art. 125, II), in simultaneo processu, ou mediante ação autônoma (art. 125, § 1.º); (b) da pessoa jurídica de direito público contra representada contra seu representante, apurada a responsabilidade em prévio processo administrativo, não sendo possível o ressarcimento nos termos da respectiva lei estatutária, geralmente prevendo o desconto em parcelas do valor respectivo dos subsídios mensais do servidor público. 1.027. Dever de indicar o endereço nos autos À época em que surgiu o CPC de 1939, em matéria de intimações do procurador das partes, era regra quase absoluta a intimação pessoal do advogado, nas comarcas do interior, conforme o respectivo domicílio. Segundo o art. 273, I, do NCPC, domiciliado o advogado na comarca, realizarse-ia a intimação pessoalmente, através de mandado ou, segundo o art. 273, II, pelos correios – a Lei 8.710/1993 já generalizara o uso da intimação postal –, bem como in faciem (“… se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria”), a teor do art. 274, caput, parte final, do NCPC. Posteriormente, a intimação através do órgão oficial, outrora restrita ao Distrito Federal e às Capitais dos Estados (art. 236, caput, do CPC de 1973), logrou grande impulso, estendendo-se a todas as comarcas do Estadomembro e seções judiciárias da Justiça Federal. Hoje, o órgão oficial impresso desapareceu, substituído pela via eletrônica. Essa atualização tecnológica produziu enormes ganhos em tempo e produtividade nos serviços judiciários. Ora, no sistema originário, à efetiva intimação das partes e dos procuradores interessava, sobremodo, a indicação do domicílio profissional do advogado. Por essa razão, o art. 105, § 2.º, exige a indicação na procuração do “endereço completo” do advogado. O art. 287, caput, explicita: a procuração conterá “os endereços do advogado, eletrônico e não eletrônico”. O objetivo da regra mostra-se evidente: a falta de endereço dificultará as intimações. Parece inexistir saída para os advogados mais antigos e refratários ao mundo virtual: obrigatório a adoção de endereço eletrônico (email) profissional. Esse endereço pode constar no papel timbrado ou na própria peça. Não servia o consignado na procuração, salvo prova da ausência de prejuízo,115 mas o art. 287, caput, alterou esse entendimento É comum, existindo vários procuradores, o requerimento que a intimação se faça na pessoa de um deles, o mais antigo dos outorgados, ou o advogado local. O art. 272, § 2.º, autoriza requerimento para que se faça a intimação da sociedade de advogados, cujo endereço completo constará, por igual, da procuração (art. 105, § 2.º). A indicação do endereço na contestação supre, indiretamente, a falta na reconvenção.116 Em comparação com o art. 111, caput, do CPC de 1939, inexiste a obrigação de o advogado indicar endereço na sede do juízo. Domiciliado em lugar diferente da sede do juízo em que postula, introduziu-se – novidade do CPC de 1973 – a intimação postal, que já era o costume em casos tais.

Essas disposições completam-se com o art. 274, parágrafo único, do NCPC. Presumem-se válidas as comunicações e intimações “dirigidas ao endereço constante dos autos”. E cumprirá às partes (rectius: ao advogado) atualizar o respectivo endereço, comunicando ao juízo, sempre que houver “modificação temporária ou definitiva”. Deixando o advogado de noticiar a mudança de endereço, válida a intimação feita no endereço anterior, conforme dispõe o art. 106, § 2.º, dispositivo aplicado na jurisprudência anterior,117 apesar de aplicar-se, atualmente, à postulação em causa própria. À primeira vista, generalizada a intimação pelo órgão oficial, e pela via eletrônica, bem como o uso dessa modalidade nos tribunais,118 poder-se-ia entender em superação essas exigências.119 O STJ decidiu que essa omissão não é causa de inépcia da petição inicial nas comarcas abrangidas pela intimação pela imprensa.120Sucede que as reformas processuais do CPC de 1973 eliminaram a intimação pessoal da parte, substituindo-a pela intimação pessoal do advogado, concorrentemente ou não. Por conseguinte, o requisito permanece atual. E, na sistemática do NCPC, a intimação eletrônica, modalidade de intimação pessoal, tornou-se prevalecente (art. 273, caput). Para essa finalidade, a petição inicial indicará o endereço eletrônico (art. 319, II) do autor e do réu. Por outro lado, as pessoas públicas e privadas, exceção feita às empresas de pequeno porte e microempresas, definidas no estatuto respectivo, cadastrão endereço eletrônico para receber citações e intimações (art. 246, § 1.º), no prazo do art. 1.051, caput, regra de direito transitório. O dever de credenciamento de endereço eletrônico aplica-se aos advogados públicos, à Defensoria Pública e ao Ministério Público (art. 270, parágrafo único). Do art. 105, § 2.º, subentende-se que o “endereço completo” compreende o endereço eletrônico do advogado privado ou, no caso do art. 105, § 3.º, da sociedade de advogados. À semelhança do que sucede com a intimação no órgão oficial (art. 272, caput), todavia subsidiária à via eletrônica, essa modalidade intimação, vantajosa porque real, simplifica e imprime notável celeridade ao serviço do processo. O art. 106 erige dois deveres ao advogado que postular em causa própria: (a) declinar, no ato postulatório principal (petição inicial e contestação), o endereço, número de inscrição na OAB e o nome da sociedade de advogados da qual participa, como sócio ou associado, para o recebimento de intimações (inc. I); (b) comunicar qualquer mudança de endereço (inc. II). Descumprido o inc. I do art. 106, o juiz intimará a parte para corrigir o vício, no prazo de cinco dias, “sob pena de indeferimento da petição” (art. 106, § 1.º). Cuidando-se de petição inicial, já constando do art. 319, II, exigência análoga, não tem o menor sentido o prazo inferior ao de quinze dias do art. 321, caput. E, ademais, tratando-se de contestação, e, a fortiori, de intervenção provocada como terceiro, incabível o “indeferimento”. O advogado será tratado como revel, no máximo, valendo a contestação para suscitar questões de ordem pública. Era interpretação benévola do direito anterior.121 É um temperamento justificável aos rigores da regra. Outra possibilidade consiste no escrivão, malgrado a ausência de indicação, conhecer o endereço do advogado, suprindo-a indiretamente.122

Por outro lado, abstendo-se de comunicar a mudança de endereço físico ou eletrônico, presumir-se-ão válidas as intimações feitas no antigo, reza o art. 106, § 2.º. As sanções ao descumprimento do dever previsto no art. 274, parágrafo único, e no art. 106, § 2.º, mostram-se drásticas, embora compreensíveis, garantido a tramitação do processo. É preciso atendê-las rigorosamente. 1.028. Direitos processuais do advogado O NCPC institui numerosos deveres e direitos dos advogados no processo civil. Para ilustrar a afirmativa com exemplos tirados da produção da prova testemunhal, constitui dever do advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência (art. 455, caput) e, na sessão, tem o direito de formular perguntas diretamente à testemunha, segundo a técnica do exame cruzado (cross examination), a teor do art. 459, caput. Porém, como destacado antes (retro, 1.026), esses direitos gerais, geralmente inerentes à postulação em nome de outrem, receberão exame nos itens próprios. Importam, aqui, os direitos processuais do art. 107 do NCPC. O art. 107 regulamenta três direitos diferentes do advogado, indicando os respectivos elementos de incidência: o exame, a vista e a retirada dos autos do processo. Voltado ao processo civil, impõe-se verificar a compatibilidade com a Lei 8.906/1994, lei que derrogara, em parte, o direito anterior.123 O titular dos direitos previstos no art. 107 é o advogado – na verdade, ao titular da capacidade postulatória, a exemplo do Ministério Público e do Defensor Público. Deixou à margem o estagiário, também inscrito, ao qual só cabe praticar atos privativos “na forma do Regimento Geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste” (art. 3.º, § 2.º, in fine, da Lei 8.906/1994). O estagiário não exerce atividade profissional, visando sua atuação à “aprendizagem prática e tem função pedagógica”.124 No entanto, o art. 29, § 1.º, I, do Regulamento Geral da OAB autoriza ao estagiário “retirar e devolver autos em cartório, assinando a respectiva carga”, o que compreenderá, obviamente, direito a exame e à vista. O art. 3.º, § 2.º, in fine, da Lei 8.906/1994 amplia o alcance subjetivo do art. 107, caput, sem qualquer prejuízo à tramitação do feito. O estagiário tem idênticos direitos. E com boa razão, porque, considerando a “complexidade da vida profissional, especialmente nas comarcas dos grandes centros urbanos, nem sempre o advogado pode comparecer aos cartórios pessoalmente, valendo-se muitas vezes de estagiários para essa função”.125 Em grandes centros urbanos, realmente, o advogado jamais comparece no foro, infelizmente abdicando da profícua convivência do pessoal forense, mandando seus pupilos atrás de autos e de cópias das peças processuais. 1.028.1. Direito de exame dos autos – O art. 107, I, assegura ao advogado – e, a fortiori, ao estagiário, cuja menção conjunta fica doravante subentendida – o exame, no cartório de fórum ou na secretaria de tribunal, dos autos de qualquer processo, ressalva feita àqueles que tramitam em segredo de justiça, na forma do art. 189. Nesse caso, só o advogado do processo tem acesso aos autos para exame.

Esse direito já era reconhecido, a despeito da falta de regra expressa, na vigência do CPC de 1939.126 Releva notar a finalidade do exame para os efeitos do art. 107, I: obtenção de cópias (v.g., através de scanner) e tomada de anotações. Em realidade, o art. 7.º, XIII, da Lei 8.906/1994, no que interessa ao processo civil, concede idêntico direito de forma mais ampla. Ele inclui “processos findos ou em andamento”, dispensa a exibição de procuração e permite a obtenção de cópias e a tomada de apontamentos. Daí por que, findo o processo, o advogado poderá retirar os autos, além de examiná-los em cartório, conforme estabelecia o art. 89, XVIII, da Lei 4.215/1963, reputado compatível com o direito anterior.127 A interpretação sistemática já revelava, no direito anterior, a dispensa de procuração da parte ou do terceiro para o simples exame dos autos físicos.128 E não importa, para tal arte, eventual fluência de prazo, recursal ou não, encontrando-se os autos disponíveis no cartório ou na secretaria, ou seja, não os havendo retirado o advogado da causa (art. 107, III). O exame dos autos prende-se, em geral, à necessidade de o advogado deliberar sobre a aceitação da causa.129 Esse singelo expediente elimina quaisquer constrangimentos decorrentes da ulterior recusa. Nada ficará documentado, ao contrário do que aconteceria obrigando-o a requerer vista (art. 107, II). Eis a razão por que o advogado não precisa provar seu interesse. Também se dá curso à publicidade dos atos processuais, que é a regra (art. 189, caput, primeira parte), valioso instrumento para dissipar a desconfiança do público com a Justiça.130 O obstáculo criado ao salutar direito de exame representará grave abuso de poder, passível de correção através de mandado de segurança. Nem sempre se mostrará evidente o motivo real do exame. Por essa razão, o art. 107, I, do NCPC ressalva as causas protegidas pelo segredo de justiça. Em tal hipótese, a consulta aos autos restringe-se às partes e aos procuradores (art. 189, § 1.º). A obtenção de certidões, por sua vez, reclama a demonstração de interesse jurídico e restringe-se à certidão da sentença, e, não, a qualquer peça dos autos (art. 189, § 2.º). O exame dos autos é vedado, peremptoriamente, atalhando a coscuvilhice inerente ao fórum. O interesse científico e acadêmico do advogado, buscando elementos para suas pesquisas, tampouco autoriza o exame sem procuração.131 O segredo é automático, nas hipóteses do art. 189, II a IV, porque especificado o objeto do processo. Por exemplo, a arbitragem é confidencial, e, portanto, no cumprimento da carta arbitral, juntada a convenção arbitral, contendo a cláusula, a ninguém é dado examinar os autos, a teor do art. 189, IV. Porém, os termos genéricos do art. 189, I, reclama disposição do juiz, recobrindo o processo de segredo. O juiz, previamente, decidirá se há ou não interesse público e social na causa, a recomendar o sigilo, e, ainda, se a restrição se harmoniza com “a defesa da intimidade ou o interesse social” (art. 5.º, LX, da CF/1988). Nesses termos, a discrição judicial aumentou,132 em virtude da influência da CF/1988. O segredo automático, inclusive, poderá dar lugar a irrestrita publicidade, se estiver em desacordo com os valores tutelados pela norma constitucional. Fora, portanto, das causas arroladas nos incs. II a IV do art. 189 – e, quanto a essas, inexistindo deliberação em

contrário –, o veto ao exame se vinculará a provimento anterior do juiz, impondo o segredo de justiça. O exame dos autos também se presta a outro propósito menos louvável: reprodução das razões de fato e de direito alegadas por mestre do ofício, a fim de serem reproduzidas alhures. Não há remédio para controlar o plágio intelectual senão recurso ao poder disciplinar da OAB. 1.028.2. Direito de vista dos autos – O art. 107, II, permite ao procurador requerer o direito de vista “de qualquer processo, pelo prazo de 5 (cinco) dias”. Tal direito pressupõe a representação processual de qualquer das partes, ou do interveniente (v.g., o assistente), e dependerá de requerimento, endereçado ao juiz da causa, e por ele deferido. O indeferimento constará de decisão motivada do juiz. E caber negar a vista fora do cartório toda vez que a vista prejudicar o andamento do processo, “o que se daria, por exemplo, quando coincidisse com a data da audiência, ou de julgamento de recurso no tribunal, ou quando estiver correndo prazo para a parte contrária”.133 O direito de vista dos autos originais, regulado no art. 123 do CPC de 1939, acabou reconhecido após pungente polêmica.134 A vista constitui direito do procurador, e, não do advogado, em geral,135 motivo por que não há ilegalidade em recusá-la ao advogado sem procuração.136 Essa regra se harmoniza com o art. 7.º, XV, da Lei 8.906/1994. Reforça a interpretação a circunstância de o inc. XVI do mencionado art. 7.º só outorgar direito de retirada dos autos, sem procuração, e pelo prazo de dez dias, dos processos findos.137 Tratando-se de pedido formulado pelo procurador da parte, parece claro e indiscutível incidir esse direito, inclusive, nos processos que tramitam em segredo de justiça (art. 189, § 1.º) – inexiste motivo idôneo para defender a privacidade da parte perante o seu procurador ou o do adversário –,138 e nos que existem documentos originais de difícil restauração, hipóteses cogitadas no art. 7.º, § 1.º, 1 e 2, da Lei 8.906/1994 como exceções ao direito à vista dos autos. A vista pode ser impedida em três casos: (a) existindo “circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório”, reconhecida por decisão explícita do juiz, a requerimento da parte (art. 7.º, § 1.º, 2, da Lei 8.906/1994); e (b) cominada ao advogado a perda do direito à retirada (art. 234, § 2.º, do NCPC, e art. 7.º, § 1.º, 3, da Lei 8.906/1994); (c) prevendo a lei, expressamente, vista em cartório, como sucede no art. 935, § 1.º, após a publicação da pauta de julgamento no órgão oficial, hipótese criada para beneficiar o advogado, pois no direito anterior a secretaria do órgão fracionário raramente facultava acesso aos autos. Decidiu o STJ ter o advogado direito à vista, no tribunal, “antes de incluído o feito em pauta”.139 Incluído o recurso em pauta, com efeito, o pedido de vista postergaria o julgamento e, anunciada a aposentadoria ou a movimentação dos integrantes do órgão colegiado, prestaria a manobras pouco condizentes com o princípio do juiz natural.

Em contrapartida, desaparecerá o direito de vista com a revogação do mandato (art. 111) e com a renúncia, expirado o prazo de dez dias, durante o qual, porém, subsiste o direito à vista para “evitar prejuízo” à parte (art. 112, § 1.º).140 O art. 107, II, estabelece o prazo da vista é de cinco dias. O interregno fluirá da intimação do deferimento do requerimento ou da retirada (art. 107, § 1.º). Embora formulado pelo advogado de um dos litisconsortes, seu caráter pessoal afasta a incidência da dobra prevista do art. 229. Por igual, inadmissível a contagem em dobro para os advogados públicos, porque a vista não pressupõe manifestação.141 1.028.3. Direito de carga dos autos – Por fim, o art. 107, III, permite ao advogado retirar os autos, assinando carga no livro competente (art. 107, § 1.º), “sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei”. A retirada dos autos distingue-se da simples vista, porque prescinde de requerimento do advogado.142 E isso, porque o ato do juiz abre prazo para manifestação da parte, conferindo ao seu procurador direito à carga. O art. 272, § 7.º, permite ao advogado e à sociedade de advogados credenciar preposto para retirar os autos em carga. Entende-se valer o credenciamento unicamente para determinado juízo ou feito específico. E, segundo o art. 272, § 6.º, a retirada dos autos em carga implica intimação, fluindo daí o prazo legal, embora pendente de cumprimento outra modalidade de intimação. Em princípio, sempre se possibilitará a retirada dos autos. É um regime liberal, comparado, por exemplo, com o do direito italiano,143 mas realista: as proibições, forcejando os advogados no sentido oposto, terminam caindo por terra.144 No entanto, concebe-se norma expressa em contrário, a exemplo de regra revogada do direito anterior, prevendo a fluência do prazo recursal “em cartório”,145 ou do art. 204 do Dec.-lei 7.661/1945 ainda em vigor para os processos em curso. O direito à carga dos autos não é absoluto. Tratando-se de prazo comum, o art. 107, § 2.º, condiciona a retirada, obrigando os advogados a realizá-la em conjunto (e o tempo que cada qual fica com os autos dependerá de entendimento privado) ou “mediante prévio ajuste, por petição nos autos”, obviamente deferido pelo juiz.146O prazo comum atinge tanto adversários, a exemplo do acolhimento parcial do pedido, ensejando para ambos o interesse em impugnar a sentença, quanto litisconsortes.147 À falta de retirada conjunta, ou de ajuste escrito, porém, o art. 107, § 3.º, autoriza a retirada dos autos do cartório ou da secretaria pelo interregno de duas até seis horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da fluência do prazo comum, a fim de extrair cópias das peças inexistentes nos arquivos particulares dos advogados. A disposição ampliou consideravelmente o interregno fixado no direito anterior, porque uma hora era pouco, e incidiu no excesso contrário, porque seis horas é muito. Talvez haja pensado na possibilidade de o advogado extrair as cópias fora do foro ou do tribunal, porque onero o serviço aí disponível. Mas, ainda nesse caso, somente nas capitais de trânsito muito difícil necessitará de seis horas para copiar o mais

volumoso dos processos. Seja como for, salvo prorrogação do juiz, o advogado perderá o direito de retirada dos autos por esse prazo, não o restituindo no termo final (art. 107, § 4.º). O direito de carga singular (art. 107, III) e de vista (art. 107, II) não é afetado. A opção prevista no art. 117, § 2.º, tem reflexos diferentes relativamente ao cumprimento do prazo. Com efeito, ocorrendo carga em conjunto, eventual falta de acesso aos autos por um dos advogados é problema alheio ao juiz, resolvendo-se entre os procuradores, sem embargo de eventual tipicidade disciplinar. Ao contrário, realizado o prévio ajuste por petição, seu descumprimento por algum dos advogados ensejará a restituição do prazo ao prejudicado.148 A confiança do processo ao advogado, sem prévia autorização do juiz, a teor do art. 107, III, restringe-se aos casos em que o procurador deva se manifestar em virtude de algum ato judicial.149 Não se configurando tal situação, o advogado interessado em reexaminar os comemorativos processuais deverá requerer vista (art. 107, II).150 1.029. Dever de restituir os autos no prazo Recebido os autos em confiança, deverá o advogado público ou privado, o defensor público e o agente do Ministério Público restituí-los “no prazo do ato a ser praticado” (art. 234, caput). Logo, o termo final da carta e do prazo coincidem. O ato não é privativo do advogado. O estagiário, a secretária e a própria parte podem restituir os autos em cartório e na secretaria. Porém, a responsabilidade é de quem firmou a carga. Recebidos os autos, o escrivão baixará a carga no livro competente (art. 107, § 1.º). Parece intuitivo, mas convém realçar: o aludido prazo variará consoante o ato a ser praticado. Na simples vista, ele é de cinco dias (art. 107, II, in fine); para interpor apelação, é de quinze dias (art. 1.003, § 5.º); e assim por diante. Deixando o titular da capacidade postulatória arrolado no art. 234, caput, de restituir os autos, oportunamente, por si ou por interposta pessoa, incumbe ao escrivão ou chefe de secretaria, a quem compete tê-los “sob sua guarda e responsabilidade” (art. 152, IV) e velar pelo cumprimento do prazo,151 ao juiz comunicar a retenção indevida. A tradicional locução forense inspirou-se na letra do art. 36, caput, do CPC de 1939. Como até hoje acontece, o texto coíbe a “tolerância dos advogados para com seus colegas, em relação aos prazos para arrazoar”, motivo para “abusos indesculpáveis, que amarguravam os advogados atenciosos e tolerantes”.152 Evidentemente, a alteração dos prazos através do mútuo consentimento dos advogados escapa à disciplina dos estatutos nacionais de processo. Retrata essa crítica o caos provocado pela fidalguia vigorante antes das codificações. Legitima-se a cobrar a restituição dos autos indevidamente retidos qualquer interessado (art. 234, § 1.º). Por óbvio, o maior interesse é o da parte principal, da parte auxiliar ou da parte coadjuvante, mas não fica pré-excluído o interesse de terceiro, advogado ou não, para os fins do exame previsto no art. 107, I. Os auxiliares do juiz também gozam dessa iniciativa.153 E, de resto, a iniciativa concreta do “interessado” mostra-se, a rigor, desnecessária. Ao juiz compete, ex officio, iniciar o procedimento de cobrança,154 mediante

comunicado do escrivão, “alerta à retenção e descaminhos dos autos”.155 O direito atual, seguindo o CPC de 1973, exibe redação superior à do confuso art. 36, § 2.º, do CPC de 1939. Este parágrafo induzia a ideia de que a cobrança tocava ao interessado, equívoco verberado como absurdo.156 Do art. 234, § 2.º, infere-se que o subscritor da carta (advogado ou estagiário) será intimado, pessoalmente, para devolvê-los ao lugar de origem no prazo de três dias. O oficial de justiça (art. 143, I) intimará o advogado a restituir os autos, dilatando a regra em vigor o antigo prazo de vinte e quatro horas, contado minuto a minuto, a partir da intimação.157 Nada acontecendo, no interregno aprazado, sujeitar-se-á o advogado três sanções autônomas e independentes. Da retenção abusiva dos autos resultam, cumulada ou isoladamente, conforme o caso, três sanções diferentes: (a) processual; (b) disciplinar; e (c) criminal.158 O art. 234, § 2.º ocupa-se da primeira delas: desrespeitando o advogado à confiança, (a) perderá o advogado direito de vista fora do cartório (art. 107, II e III) e (b) incorrerá em multa no valor de meio salário-mínimo. Ao contrário do direito anterior, e sem embargo do princípio da inexistência de hierarquia ou de subordinação entre juízes e advogados (art. 6.º, caput, da Lei 8.906/1994), a regra atribui a sanção ao próprio advogado.159 Era a parte, com efeito, quem sofreria a sanção do desentranhamento e do risco do que lançado nos autos, certo que, conquanto cumprido o prazo, o juiz sempre ordenaria a obliteração da glosa.160 O ponto positivo, ao contrário do art. 36, § 1º, do CPC de 1939, era a menção ao advogado, no art. 196, caput, do CPC de 1973, e, não, “procurador retardatário”,161 também atingindo quem postulava em causa própria, única hipótese em que, realmente, a antiga sanção alcançaria o verdadeiro responsável. A sanção da perda de vista, todavia, confina-se ao processo em que ocorreu a quebra da confiança.162 Não é admissível proibir, genericamente, a carga ao advogado. O direito anterior previa sanção processual completamente diferente e inadmissível: o desentranhamento e a glosa do que lançado no processo. Posta a visão em plano mais geral, o desentranhamento da peça extemporânea constitui efeito relacionado à preclusão temporal, segundo a qual, vencido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato.163 Ora, ocorreria idêntica preclusão se o advogado da parte não obtivesse os autos em confiança e desrespeitasse o prazo. Em tal hipótese, careceria de base legal o ato do juiz que determinasse o desentranhamento da manifestação e documentos. Assim, as duas coisas nem sempre andavam de mãos dadas. A distinção era relevante para solucionar a grave questão subentendida no direito anterior, respeitante ao desentranhamento da petição protocolada dentro do prazo, mas restituídos os autos posteriormente. O ponto ventilado assumia capital importância, v.g, quanto ao prazo recursal. Nem sequer a corrente mais incisiva emprestava caráter absoluto à sanção anterior. Por exemplo, desobedecido ao prazo para resposta, deveria ser mantida nos autos a procuração – “sob pena de entender-se – o que não tem o mínimo sustento legal – que ao revel seja vedada a constituição de

advogado”.164 E, em qualquer hipóte-se, poderá o advogado invocar justa causa, alegando e provando a ocorrência de evento hábil para esse efeito.165 Não importava que a manifestação da parte, motivo da retirada dos autos em confiança, “venha com data anterior ou que se prove que ela havia sido realizada dentro do prazo estipulado”.166 Tal conclusão simplista perdeu o foco preciso do problema, porém: o desentranhamento e, a fortiori, o riscamento das cotas representam sanção à parte, emergente do descumprimento do prazo, não da quebra da confiança depositada no advogado. Nada obstante restituídos os autos fora do prazo, cabia a juntada do recurso ou da contestação apresentados, a tempo, no cartório. É a orientação do direito italiano.167 Objetivamente, não se verificou a preclusão do direito de recorrer ou de contestar, mas a retenção indevida, fenômeno conceptualmente diverso. Em duas direções diferentes, mas complementares, essa diretriz consolidou-se na jurisprudência. No tocante à situação talvez mais delicada, decidiu-se a irrelevância da restituição tardia dos autos, insuficiente para penalizar a parte, “cujo recurso foi oportunamente protocolado”.168 E “não se considera intempestiva a contestação, se o advogado do réu devolve os autos fora do prazo desta”.169 Relativamente ao prazo recursal, é bem verdade que só vale a data do protocolo. Porém, a rigidez dessa compreensível orientação revela, sobretudo, o predomínio da tempestividade do ato (e a inexistência de preclusão temporal) sobre a eventual restituição tardia dos autos. No que tange à contestação, a aplicação da regra anterior, na sua infeliz literalidade, resultava efeitos indesejáveis e injustos. Por primeiro, a regra exigia a conjugação de dois pressupostos: a preclusão temporal e devolução tardia dos autos. Daí por que, (a) protocolada a contestação no prazo, cumpriu-se o direito processual, e, destarte, nenhum relevo há no momento em que os autos chegam a cartório; (b) ao invés, restituídos tempestivamente os autos, mas protocolada a contestação fora do prazo, o réu torna-se revel, mas carece de base legal o ato do juiz ordenando o desentranhamento da contestação. Nos dois casos, portanto, contestação e documentos permaneciam nos autos. Na segunda hipótese, verificada revelia, a peça e respectivos documentos recebem do juiz toda deferência e respeito que, intrinsecamente, porventura mereçam, conquanto verdadeiros os fatos alegados pelo autor, ou seja, a presunção hoje constante no art. 344. Ficava em aberto a derradeira hipótese: a intempestiva apresentação dos autos e da contestação. À primeira vista, mister desentranhar a peça e documentos produzidos. Todavia, nem todos: a procuração outorgada pelo revel devia remanescer nos autos, pois nenhum texto legal impede a representação processual do revel.170 Em tal sentido, exata afigurava-se a lição nesses termos: “Se o réu constitui procurador nos autos não se lhe aplica o art. 322 [do CPC de 1973], ainda que tenha sido omisso no contestar. A revelia quanto à atuação tem suas consequências próprias; a revelia quanto ao comparecimento, igualmente. Uma não acarreta, necessariamente, a outra”.171 Nenhum relevo apresentava, para tal arte, o momento em que o revel representava-se no processo. Talvez aconteça na oportunidade do oferecimento da contestação serôdia. Tem direito à juntada da procuração e,

a partir daí, desaparece o efeito hoje previsto no art. 345. Da própria decisão que indefere a juntada da contestação intimar-se-ia o revel, cabendo o recurso próprio do direito anterior.172 Assim, mostrando-se parcial a rebeldia do réu, em virtude de se encontrar representado, surge o direito de ser intimado dos atos processuais.173 Os prazos corriam da intimação do advogado.174 Na verdade, nem sequer a afirmativa de que o revel só perdeu “o direito de ver considerado o conteúdo da contestação”, consoante julgado do STJ,175 ostentava-se cabalmente verdadeira. Nada impedia a iniciativa supletiva do réu, provocando pronunciamento do juiz, relativamente questões conhecíveis ex officio.176 O conjunto dessas “alegações”, quiçá integrantes do “conteúdo” da contestação, recebia a atenção do juiz quando, restituídos os autos dentro do prazo, e com redobradas razões não tendo sido levados em carga, o desentranhamento da contestação carece de amparo legal. Eis a razão por que o desentranhamento da contestação era inútil e contraproducente.177 Verificada a falta, ou seja, a ausência de restituição dos autos no prazo de três dias, o juiz comunicará o fato à OAB, a fim de que seja aberto processo disciplinar e aplicada a multa (art. 234, § 3.º), ou ao órgão corregedor do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, para idênticos efeitos (art. 234, § 4.º). Esses parágrafos esgotam todas as possibilidades e, salvo engano, não tem sentido o art. 234, § 5.º. Presumivelmente, pretendeu-se criar regra geral, posteriormente desconexa dos parágrafos anteriores. Seja como for, em tese há crime (356 do CPB), e, por isso, o juiz oficiará o Ministério Público (art. 40 do CPP). Desse regime draconiano de sanções decorre premissa relevante: a perda da vista só compromete o advogado que, pessoalmente intimado, omite a devolução dos autos no prazo de três dias.178 Em tal sentido decidiu o STJ no direito anterior: “No caso de retenção dos autos além do prazo legal, o advogado só perde o direito de neles ter vista fora de cartório e incorre em multa se, após intimado, não os devolver dentro de vinte e quatro horas”.179 E o mesmo requisito comum baseia as demais sanções. O procedimento disciplinar, envolvendo, a um só tempo, a aplicação das penas de suspensão e de multa, caberá à Ordem dos Advogados ou ao órgão corregedor do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública. O art. 234, §§ 3.º e 4.º evidencia a absoluta falta de poderes disciplinares do juiz sobre o advogado.180 E no processo disciplinar, assegurada a ampla defesa, investigar-se-á o abuso, ou seja, “a intenção de tirar proveito indevido ou de prejudicar e prova do prejuízo”.181 De modo algum, portanto, a pura retenção gera sanções. A caracterização do tipo penal exige a falta de restituição no prazo aberto pela intimação, “pela qual o crime se consuma”;182 todavia, ao revés, basta essa omissão, não interferindo no tipo a posterior expedição do mandado de busca e apreensão.183 O autor do crime é o advogado, jamais a parte representada.184 O advogado retardatário, entregando os autos, logo que intimado validamente, não perde o direito à vista, nem incide nas sanções disciplinar e penal.

Apesar de intimado, o advogado talvez não restitua os autos. Nesta infeliz contingência, o juiz expedirá mandado de busca e apreensão.185 Respeitados os direitos fundamentais, o oficial de justiça estenderá a revista ao escritório e residência do advogado. Segundo rezava o art. 7.º, II, in fine, da Lei 8.906/1994, representante da Ordem dos Advogados acompanhava, obrigatoriamente, as diligências, mas essa salutar providência desapareceu na redação em vigor – presumivelmente, atendendo a injunções da autoridade policial. Localizados os autos, resolve-se o problema imediato e premente; extraviados, tudo se complica: cumpre restaurá-los, mediante o procedimento próprio. Nesta hipótese, o advogado responderá pelas despesas e honorários (art. 718 do NCPC), sem embargo das responsabilidades civil, penal e disciplinar. Cogitou-se, até o presente momento, da conduta reprovável do advogado, infelizmente banalizada nos grandes centros. Às vezes, porém, o desaparecimento dos autos decorre de ato atribuível a algum terceiro (v.g., furto em seu escritório). Por sem dúvida, trata-se de infortúnio profissional, digno de lástimas. Cabe ao advogado atento e responsável, diante da situação constrangedora, comunicar o fato ao órgão judiciário, incontinenti, atalhando as providências de cobrança e, provada a ausência de culpa, as sanções há pouco identificadas. Esse regime aplica-se, mutatis mutandis, a todos os titulares da capacidade postulatória (art. 234, caput).186 § 214.º Defeitos relativos à capacidade postulatória 1.030. Espécies de defeitos relativos à capacidade postulatória A despeito da constituição de advogado por ambas as partes, não raro se manifestam defeitos, originária ou supervenientemente, no âmbito da habilitação profissional da pessoa contratada. A habilitação do advogado pode sofrer duas espécies de vícios: (a) subjetivamente, revela-se insuficiente; (b) objetivamente, mostra-se proibida, no todo ou em parte. Em tal matéria, considerando o vínculo entre a parte e o advogado decorrente do contrato de mandato, cumpre distinguir os defeitos concernentes à capacidade postulatória, os quais focalizam a habilitação legal do advogado, e dois outros problemas conexos à representação técnica no processo: de um lado, a pura e simples falta de representação; de outro, a ausência ou a insuficiência de poderes para praticar o ato processual. Na primeira hipótese, sucede de a parte não contratar advogado ou, enganada ou não, de contratar falso advogado. O autor conhece a necessidade de contratar advogado para postular em juízo ou de socorrer-se do órgão da Defensoria Pública para essa finalidade, mas o réu talvez desconheça essa necessidade. Por exemplo, comparece na audiência de conciliação e de mediação, no dia, hora e lugar designados, desacompanhado de representante técnico, apesar da exortação do art. 334, § 9.º. Também se concebe alguém demandar em nome próprio fora das hipóteses legais (retro, 1.018). O segundo caso é diferente. A pessoa legalmente habilitada como advogado postula em juízo, e, portanto, o defeito não respeita à capacidade postulatória em si,187 pois o advogado tem habilitação profissional; todavia, a

parte não lhe conferiu poderes – hipótese aventada nas situações do art. 104, caput -, ou os poderes conferidos e expressos na procuração não servem para o ato, porque devem ser especiais (art. 105, caput). Faltam poderes ao advogado ou os poderes outorgados ao procurador são insuficientes. Frisa essa diferença a preocupação do legislador com a perda superveniente da capacidade postulatória, evento suspensivo do processo (art. 313, I), juntamente com a morte do advogado, envolvendo acontecimentos que lhe afetam como pessoa (v.g., a incapacidade civil) e decorrem do regulamento da sua profissão.188 O exame autônomo dessas espécies de vícios é decisivo para estabelecer seus efeitos no processo. 1.031. Insuficiência de habilitação profissional A capacidade postulatória plena, envolvendo a postulação a quaisquer órgãos judiciais (art. 1.º, I, da Lei 8.906/1994), tem o advogado (art. 3.º, caput, da Lei 8.906/94), que é o bacharel em direito devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 8.º). Os defensores públicos, os advogados da União, os procuradores federais, os procuradores dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios – estes, existindo carreira organizada – têm capacidade postulatória plena, que decorre na investidura nos respectivos cargos. O art. 74 da Lei 4.215/1963 (antigo Estatuto da OAB) contemplava a figura do provisionado. Era pessoa desprovida da formação acadêmica, do título de bacharel em direito, mas versada nos assuntos jurídicos, de idoneidade sem jaça, e, após exame de conhecimentos perante comissão formada de três advogados, habilitada a advogar em primeiro grau de jurisdição no máximo em três comarcas, em cada uma das quais inexistam advogados em número superior a três. A capacidade postulatória reduzida usufruem os estagiários, limitada às hipóteses do art. 29, § 1.º – fundamentalmente, “assinar petições de juntada de documentos a processos judiciais ou administrativos” (inc. III do referido § 1.º) –, do Regulamento Geral da Ordem, e à prática de atos privativos “em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste” (art. 3.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994). Em outras palavras, todos os atos processuais devem ser praticados pelo advogado, “embora possam conter, também, o nome, o número de inscrição e a assinatura do estagiário”.189 A principal tarefa prática do estagiário, adjunto do advogado ou do escritório de advocacia, consiste em retirar os autos em carga e obter cópias de suas peças. Interessa desvendar a condição do ato privativo da advocacia praticado unicamente pelo estagiário no plano processual. Do ponto de vista administrativo, representará infração disciplinar, haja vista infração à regra estatutária (art. 36, III, da Lei 8.906/1994). Em virtude da limitação intrínseca à capacidade postulatória, a retirada dos autos em carga por estagiário não traduz a ciência inequívoca do

pronunciamento constante nos autos, marcando o início da fluência do prazo recursal.190 Por outro lado, o recurso assinado unicamente pelo estagiário constitui nulidade sanável, exigindo a aplicação, nas instâncias ordinárias, do art. 76 do NCPC, segundo precedente do STJ com remissão ao texto equivalente no direito anterior.191 Já na instância especial, a jurisprudência do STJ declara insuprível o vício.192 Essa última orientação contra legem recebeu correção no art. 932, parágrafo único, do NCPC. O vício é corrigível em qualquer recurso. É nulo, entretanto, o processo iniciado com petição inicial subscrita somente por estagiário.193 A outorga de mandato conjunto a advogado e a estagiário, inscrevendo-se este último, oportunamente, como advogado, habilita-o, automaticamente, ao exercício pleno da representação técnica.194 1.032. Proibições relativas à habilitação profissional A Lei 8.906/1994 instituiu um sistema de proibições intrínseco à atividade da advocacia que inabilita, no todo ou em parte, a habilitação exigida no art. 103, caput, do NCPC, em determinadas causas. O catálogo é taxativo e reclama interpretação estrita, haja vista a liberdade profissional prevista no art. 5.º, XIII, da CF/1988. Existem duas espécies de proibições, segundo o art. 27 da Lei 8.906/1994: (a) a incompatibilidade, que implica a proibição total para o exercício da advocacia, mesmo em causa própria; e (b) o impedimento, em que há proibição ou restrição parcial. 1.032.1. Incompatibilidade no exercício da advocacia – Localizam-se os casos de incompatibilidade no art. 28 da Lei 8.906/1994. Não é muito diferente a lei brasileira, neste ponto, da tradicional disciplina francesa.195 e abrangem titulares de cargos e de funções públicas e privadas, a saber: (a) os titulares dos cargos políticos de Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito) e da Mesa do Legislativo (Congresso, Senado Federal e Câmara dos Deputados), bem como seus substitutos eventuais (inc. I); (b) os titulares de cargos cujas funções envolvam julgamento, jurisdicional ou não, a exemplo dos juízes de qualquer hierarquia, e os agentes do Ministério Público, de qualquer nível e grau (inc. II); (c) ocupantes de cargos e de funções na Administração direta e indireta, bem como nas fundações, empresas controladas e nas concessionárias de serviços públicos (inc. III); (d) os ocupantes de cargos ou funções na Administração da Justiça (v.g., os assessores do desembargador ou do ministro; os auxiliares do juízo, a teor do art. 149 do NCPC) e os particulares que exercem funções notariais e registrais (inc. IV), esta última situação contemplada, no mesmo sentido, no art. 25, caput, da Lei 8.935/1994; (e) os policiais de qualquer natureza (inc. V); (f) os militares da ativa (inc. VI); (g) os ocupantes de cargos e de funções atinentes à atividade tributária (inc. VII); e (h) os ocupantes de funções de direção e de gerência de instituições financeiras públicas e privadas (inc. VIII). O art. 29 da Lei 8.906/1994 ressalva o exercício da advocacia, relativamente à função exercida e ao tempo da investidura, dos que ocupam cargo jurídico na Administração direta e indireta.

Um caso expressivo é o do vice-prefeito. A alusão ao substituto eventual do chefe do executivo municipal, no art. 28, I, da Lei 8.906/1994, sem dúvida o torna proibido de advogar privadamente.196 Ora, apesar de eleito juntamente com o titular, às vezes carreando-lhe os votos decisivos para o sucesso eleitoral, o vice enquanto tal não ocupa cargo, nem exerce função pública que o habilite a receber subsídios. A eleição do advogado para tal posto, vez que bastará o caráter virtual da substituição do titular para inibir sua atividade profissional, talvez o arruíne financeiramente e à sua família. Do ponto de vista temporal, a incompatibilidade do art. 28 da Lei 8.906/1994 pode ser permanente (v.g., a do magistrado) e transitória (v.g., a do Secretário de Estado). Pouco importa: os efeitos permanecem idênticos. A incompatibilidade desaparecerá, todavia, com a aposentadoria no cargo público – fato que não extingue o vínculo, mas o enfraquece, e, destarte, elimina o potencial conflito de interesses que inspira a regra – e o desligamento da função (v.g., o afastamento da gerência em instituição financeira). O magistrado que se aposentar no seu cargo vitalício, extinguindo a causa de incompatibilidade prevista no art. 28, II, da Lei 8.906/1994, e pretender ingressar ou retornar à advocacia, sujeitar-se-á ao período de “quarentena”, previsto no art. 95, parágrafo único, V, da CF/1988. Ficará inabilitado a exercer a advocacia por três anos no juízo ou tribunal do qual se afastou. Desse modo, o ministro do STJ não pode advogar neste tribunal; o desembargador do TJ ou do TRF, no respectivo tribunal (mas é lícito advogar em primeiro grau); e o juiz de direito ou o juiz federal na comarca ou seção judiciária em que ocupava o cargo de magistrado. Caso peculiar é o do magistrado que, no momento da aposentadoria, encontrava-se convocado a atuar em órgão judiciário de hierarquia superior (v.g., o juiz de direito no TJ; o desembargador no STJ). O espírito da restrição recomenda que a habilitação seja neste último órgão, desvinculando-se do cargo em que ocorreu a aposentadoria. Por óbvio, o antigo magistrado convocado e, doravante, advogado não ficará inabilitado nas duas esferas simultaneamente. O emprego da expressão “do qual se afastou”, na regra constitucional, reforça a interpretação. 1.032.2. Impedimento ao exercício da advocacia – Os casos de impedimento se encontram previstos no art. 30 da Lei 8.906/1994 e compreende: (a) a dos servidores da Administração direta, indireta e fundacional, ou seja, de todos os procuradores das pessoas jurídicas de direito público, perante a Fazenda Pública que os remunere e à qual esteja vinculada a entidade empregadora, podendo a lei específica exigir-lhes dedicação exclusiva, e, assim, proibir a advocacia privada (inc. I); (b) os membros do Poder Legislativo, de qualquer nível, perante a Administração direta, indireta e fundacional, bem como concessionárias e permissionárias de serviços públicos (inc. II). O art. 30, parágrafo único, da Lei 8.906/1994, ressalva os docentes dos cursos jurídicos, relativamente ao inciso primeiro, autorizando a advocacia, portanto, dos professores das universidades públicas e de outras escolas de grau inferior. Existem dois outros tipos de impedimento, porque proibição parcial: (a) a dos advogados que ocupam funções nos tribunais eleitorais, impedidos de advogar perante a Fazenda

Pública Federal, e os juízes suplentes não remunerados;197 (b) a dos advogados que exercem as funções de juízes leigos e de conciliadores perante os Juizados Especiais (art. 7.º da Lei 9.099/1995).198 1.032.3. Limitação territorial ao exercício da advocacia – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é uma autarquia sui generis, imune à fiscalização do Tribunal de Contas, organizada federativamente. A inscrição do advogado ocorrerá perante o Conselho Secional do seu domicílio profissional, que é da sede principal da sua advocacia, prevalecendo, em caso de dúvida, o domicílio civil (art. 10, § 1.º da Lei 8.906/1996). O advogado deverá obter inscrição suplementar, segundo o art. 10, § 2.º, da mesma lei, perante o Conselho Secional em cujo território passe a exercer advocacia habitual, assim considerado o patrocínio de mais de cinco causas por ano. A falta de cumprimento à exigência de inscrição suplementar nenhum relevo tem no processo.199 Caracteriza-se simples infração disciplinar, decorrente do descumprimento da norma estatutária.200 1.032.4. Efeitos processuais da incompatibilidade e do impedimento – As causas de incompatibilidade e de impedimento do advogado antecedem à formação do processo (v.g., o parlamentar já integra integrante da Mesa do Parlamento) ou surgem no seu curso (v.g., o advogado da parte é eleito vereador). Para repercutir no processo, tais fatos subordinam-se à oportuna comunicação da parte interessada ou a provimento ex officio do órgão judiciário. Em alguns casos, o fato é suficientemente público para o juiz conhecê-lo sem a iniciativa da parte. A partir da notícia da existência da incompatibilidade e do impedimento do advogado, no processo, os atos praticados pelo advogado proibido de exercer a profissão tornam-se nulos.201 Nulos são, reza o art. 4.º, parágrafo único, da Lei 8.906/1994, os atos realizados por advogado impedido, nos limites do impedimento, ou “que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia”. No entanto, a jurisprudência do STJ reluta em invalidar atos processuais firmados por advogado impedido ou incompatibilizado, haja vista a falta de prejuízo à parte.202 Como quer que seja, antes de invalidar os atos processuais viciados, e o próprio processo, cumprirá ao juiz aplicar o art. 76 do NCPC, abrindo prazo à sanação do defeito.203 É vício sanável, passível de ratificação e de convalidação.204 O art. 313, I, ocupa-se do desaparecimento da habilitação profissional do advogado por motivo superveniente à formação do processo, determinando a respectiva suspensão. Identidade de razões recomenda a suspensão no caso de o vício anteceder à intervenção do advogado no processo. 1.033. Falta de habilitação e irregularidade da representação técnica É possível que pessoa, anteriormente habilitada profissionalmente, cuja inscrição haja sido suspensa ou cancelada, por motivos disciplinares, postule em nome da parte, ignorando a sanção disciplinar. Equipara-se a essa situação, por óbvio, a postulação realizada pelo falso advogado – pessoa que jamais se inscreveu na Ordem dos Advogados, porque não pode ou não quis, mas invoca a condição de advogado, indicando ou não número de inscrição pertencente a outrem.

Em tais situações, os atos praticados apresentam-se nulos, reza o art. 4.º, caput, da Lei 8.906/1994, “sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas”. É contravenção penal o exercício ilegal da advocacia. No entanto, a nulidade não se mostra insanável. Suspenso o advogado temporariamente, decidiu-se que o juiz abrirá o prazo para regularizar a situação, nos termos do art. 76.205 Não há como prejudicar a parte inocente, ignorando a verdadeira situação profissional da pessoa que contratou como advogado. Também já se reputou inexistente o recurso por advogado eliminado do quadro da Ordem dos Advogados, porque na instância especial não incidiria a regra predecessora do art. 76.206 Rejeita o entendimento o art. 932, parágrafo único, do NCPC, e, sem dúvida, merecia repúdio, porque eracontra legem. Essa última orientação receberá, entretanto, exame no item dedicado ao suprimento do vício (infra, 1.034). O advogado postula em juízo, o art. 5.º, caput, da Lei 8.906/1994, “fazendo prova do mandato”. Em outras palavras, sem mandato o advogado não será admitido a postular em juízo (art. 104, caput). Os casos em que a lei dispensa a juntada da procuração já foram examinados (retro, 1.020). Nas hipóteses em que, na forma do art. 104, caput, o advogado postula em nome da parte sem procuração, não se cogita de qualquer vício atinente à habilitação profissional. Ao contrário, a regra chancela faculdade própria do “advogado”, pressupondo plena capacidade postulatória. Então, sucede falta de representação técnica, decorrente do descumprimento do ônus de provar a outorga de poderes, pouco importando se o advogado alega, concretamente, a situação de emergência idônea a justificar a postulação in extremis. Se a pessoa natural outorgar poderes ao advogado, mas o ingresso em juízo ocorrer após a morte do outorgante, fato extintivo dos poderes de representação (art. 682, II, do CC), institui-se situação similar. Processo há, mas ineficaz, e sentença que o juiz profira, a favor ou contra ao autor, não surtirá efeitos.207 Extinção superveniente do mandato, mediante revogação (art. 111), renúncia (art. 112) e vencimento do termo final imposto à procura,208 ensejam a incapacidade postulatória, no caso de a parte não constituir, imediatamente, outro advogado ou renovar os poderes ao anteriormente destituído ou desligado da procura. Esses eventos, cessando a procura judicial do antigo e sem habilitar-se novo advogado, implicam a perda superveniente da representação técnica da parte. E o art. 105, caput, exige a outorga de poderes especiais para a prática de determinados atos. Embora o vício da falta de representação seja mais profundo, a ausência de poder específico para realizar certo ato processual constitui defeito, irregularidade na representação técnica, devendo o órgão judiciário impor a sua correção. § 215.º Controle da capacidade postulatória 1.034. Natureza do vício relativo à capacidade postulatória À primeira vista, os vícios relativos à capacidade postulatória situam-se no plano da validade.

Não era isenta, entretanto, de aparentes contradições a disciplina legal dessa matéria. O art. 37, parágrafo único, do CPC de 1973, versando os casos em que advogado postula desprovido de poderes de representação, previa a ulterior e oportuna ratificação dos atos porventura praticados. Recusa a ratificação pelo autor, mas formado o processo declara inexistente o processado. Já o art. 4.º, caput, e parágrafo único, da Lei 8.906/1994 comina nulidade aos atos realizados por pessoas não inscritas na Ordem dos Advogados e aos que, a despeito de realizados por pessoas inscritas, encontrem-se estas impedidas, suspensas, licenciadas ou incompatibilizadas com o exercício da advocacia. Embora a aparente divergência no tratamento do vício, inexiste incompatibilidade real nas disposições, porque tratam de situações distintas, vista a questão sob o NCPC. O art. 104 contempla a hipótese de falta ou de irregularidade da representação do advogado. Assim, pressupõe a atuação da pessoa regularmente inscrita na corporação dos advogados, mas desprovida do indispensável consentimento da suposta, que não lhe outorgou poderes ou os poderes conferidos não se ostentam suficientes para o caso. O art. 4.º da Lei 8.906/1994 cura dos casos das pessoas alheias à profissão, e só aparentemente titulares da habilitação legal, e das pessoas inscritas, mas impedidas, licenciadas, incompatibilizadas e suspensas para atuar no processo. Esses defeitos não respeitam à inexistência permanente ou eventual de habilitação do advogado. Consoante os termos expressos dessas regras, ao primeiro grupo cominou-se a ineficácia (anteriormente, inexistência, mas impropriamente) dos atos; ao segundo, a nulidade aos atos. É patente, nessa última situação, o caráter sanável do vício. Nada justifica o alvitre que se cuidaria de defeito insuprível,209porque em manifesto desacordo com o regime do art. 76. A declaração do art. 37, parágrafo único, do CPC de 1973, não havendo ratificação, no sentido da inexistência dos atos porventura praticados (v.g., a concessão de tutela provisória), indicava errônea concepção quanto ao caráter referencial dessa categoria. O equívoco é corriqueiro em muitas exposições. A inexistência afigura-se definitivamente insuprível. Aliás, o verbo suprir é o corretor, reservando-se o verbo corrigir ou sanar para invalidades. O ato processual inexistência jamais ingressará no mundo jurídico, posto que defeituosamente. Logo, jamais comportará ratificação ulterior. Na realidade, o art. 37, parágrafo único, do CPC de 1973, apesar da evocação imprópria e incorreta da inexistência, nem sequer cuidava de invalidade.210 Trata-se de hipótese inequívoca de ineficácia do processo, oportunamente corrigida a dicção legal no art. 104, § 2.º, do NCPC, inclusive no tocante a pessoa na qual repercutirá a ineficácia. Realmente, o processo instaurado por advogado sem poderes de representação não produz efeitos perante o suposto mandante, transformado em autor.211 É tão existente o processo que gerará responsabilidade do advogado pelas despesas do processo e por perdas e danos. Essa última pretensão toca, em primeiro lugar, ao réu – logo, perante o demandado o processo era eficaz –, mas o próprio autor pode sofrer prejuízo pela demanda temerária do advogado. Evidentemente, recusada a ratificação, incumbe ao juiz extinguir o processo, mediante sentença terminativa, em razão da falta desse pressuposto

processual (art. 485, IV). Equipara-se essa situação à verificada nos casos de ilegitimidade ativa: no fundo, o advogado pleiteou direito alheio em nome próprio, sem autorização legal.212 Em suma, o processo existe, precisará ser extinto, embora ineficaz perante a parte que não ratificou os atos do açodado e voluntarioso advogado.213 E, por igual, de ineficácia do(s) ato(s) cogitar-se-á, igualmente, no caso de ausência de poder especial, exigido a teor do art. 105, in fine.214 Nenhum motivo plausível existe para tratar o mandato judicial diferentemente dos demais negócios do mesmo gênero.215 O art. 662, caput, do CC 2002, expressamente, declara ineficazes os atos praticados pelo falsus procurator, ou o procurador que excede aos poderes outorgados, subordinando-os à ratificação expressa, ou resultante de ato inequívoco, que retroagirá à data do ato (art. 662, parágrafo único).216 A esse respeito, ensinava-se, no direito anterior, existir e valer o ato praticado, mas não surte eficácia perante o suposto mandante, em razão da falta de poder outorgado.217 A disciplina processual harmoniza-se, neste particular, com a da lei material. Tirante esse caso, há nulidade.218 O STF, no julgamento de rescisória, reconheceu a natureza do vício: “A exigência de capacidade postulatória constitui indeclinável pressuposto processual de natureza objetiva, essencial à válida formação da relação jurídico-processual. São nulos de pleno direito os atos processuais, que, privativos de Advogado, venham a ser praticados por quem não dispõe de capacidade postulatória”.219 1.035. Momento da verificação do defeito relativo à capacidade postulatória Em relação ao autor, os defeitos na capacidade postulatória apresentamse, de ordinário, na própria inicial. Na hipótese do art. 104, caput, o advogado assume, expressamente, a ausência de poderes. Todavia, à margem de declaração em tal sentido, acontece de o advogado do autor simplesmente não exibir a procuração,220fora dos casos legalmente admissíveis (art. 287, parágrafo único), sem adiantar qualquer explicação para o fato. Em relação ao réu e aos terceiros, os defeitos despontam na oportunidade da respectiva intervenção no feito. Nem sempre o órgão judiciário constata os vícios da capacidade postulatória ao primeiro contato com a inicial ou a contestação. Por exemplo, o advogado do autor juntou procuração cujo termo final expirou, mas o pormenor passou despercebido da vista do juiz. E acontece de fatos supervenientes afetarem a regularidade da representação – a revogação do mandato, a eliminação do advogado do quadro próprio da Ordem dos Advogados, e, sem dúvida, o falecimento do procurador no curso do processo. O momento de verificação das incapacidades processual e postulatória tem singular relevo quanto às formas de suprimento, desgarradas, no direito pátrio, da desejável uniformidade. 1.036. Regime geral do suprimento da incapacidade postulatória

Percebendo o juiz o vício presente na petição inicial, de saída a demanda do autor tropeça em juízo provisório de inadmissibilidade, porque apresenta defeito idôneo a impedir seu ulterior prosseguimento e julgamento do mérito, conforme estipula o art. 321, caput. O órgão judiciário abrirá o quindênio previsto nesta regra ou, tratando-se de processo executivo, no art. 801, instigando o autor a corrigir o defeito, sob pena de indeferimento (art. 330, IV). Inspirou-se o legislador brasileiro, ao permitir a correção da inicial defeituosa e seu ulterior aproveitamento, sanado o vício, no art. 482 do CPC português de 1961, posteriormente art. 477, na redação originária. Este dispositivo incidia nos defeitos da capacidade postulatória,221 e, de modo geral, o juiz controlava a capacidade no despacho liminar.222 É diverso o direito português vigente. Incumbirá à secretaria do órgão judiciário, e, não, ao próprio juiz, verificar a regularidade da representação. Os vícios dessa natureza podem ser conhecidos e decretados a qualquer tempo. Ao confiar o conserto dos defeitos relativos à capacidade postulatória do autor à órbita do art. 321, caput, harmoniza-se, em primeiro lugar, com os poderes do órgão judiciário, e, ademais, com as finalidades conspícuas do princípio do aproveitamento da inicial previsto na regra mencionada. É obrigatório, pois, assinar o quindênio ao autor para corrigir o eventual defeito. Nem sempre o interregno de quinze dias mostrar-se-á cômodo e, principalmente, suficiente para tal fim. Em tema de suprimento da representação técnica das partes, concorrem circunstâncias objetivas e subjetivas que, eventualmente, interferem no suprimento. Por exemplo, a distância em que se encontra o suposto representado; o estado de saúde do advogado, incapacitando-o de desempenhar suas atividades habituais,223 e assim por diante. Decidiu-se, perante situação análoga, que o prazo da regra equivalente ao art. 321, caput, é prorrogável a critério do juiz.224 E, sem dúvida, esse é um caso do emprego legítimo do poder previsto no art. 139, VI, primeira parte. Inadequado que seja o prazo de quinze dias, no caso concreto, cumpre ao juiz velar pela assinação de prazo razoável, consoante determina o art. 76, caput, do NCPC. É o prazo útil e hábil à sanação do vício. Esse entendimento respalda-se, ainda, no art. 218, § 1.º, segundo, quando a lei omitir o quantitativo temporal, o juiz determinará os prazos “em consideração à complexidade do ato”.225 Essa disposição levou em conta a leitura corrente da doutrina,226 enfatizando o ato, e, não, as particularidades da causa. Não cabe interregno máximo predeterminado.227 No caso de o réu alegar a incapacidade postulatória, baseado no art. 337, IX, o juiz mandará corrigi-las, fixando à parte prazo “nunca superior a 30 (trinta) dias”, a teor do art. 352. Nada obstante o interstício mais elástico, há idêntica incompatibilidade com a disciplina geral do art. 76, caput, decidida em favor desta última: o prazo máximo de trinta dias poderá ser alargado, de ofício ou a requerimento da parte, considerando eventual impossibilidade de sanar o defeito naquele interregno fixo. É bem de ver que a disposição do art. 76, caput, se tornaria sem préstimo não se aplicando à incapacidade postulatória originária, existente no momento em que autor, réu e terceiros praticam o primeiro ato postulatório no processo.

Como quer que seja, ao juiz é vedado anular e, se for o caso, extinguir o processo “por deficiência sanável sem antes ensejar oportunidade à parte de suprir a irregularidade”.228 Eventos supervenientes também produzem a incapacidade postulatória. Sucede, por exemplo, de o advogado, a princípio normalmente habilitado, receber punição disciplinar, implicando a suspensão ou exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados. Essas hipóteses, a teor do art. 313, I, determinam a suspensão do processo, pois verifica-se, positivamente, a perda da capacidade postulatória. O dispositivo não discrepa do art. 76, caput, primeira parte, segundo o qual, verificando “a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte”, o juiz suspenderá o processo. Entretanto, no caso de morte do advogado de qualquer das partes, tudo muda de figura. Desaparecida a representação técnica da parte, o processo não pode continuar, em qualquer hipótese, razão por que o juiz determinará que a parte constitua novo advogado, no prazo de quinze dias, findo o qual, cuidando-se do autor, extinguirá o processo sem resolução do mérito (art. 485, X), e, tratando-se do réu, prosseguirá à revelia (art. 313, § 3.º). Assinalou-se, com propriedade, que “os efeitos da morte ou incapacitação são mais graves do que em relação às próprias partes”,229 haja vista o caráter imprescindível da representação técnica (art. 103,caput). Embora o art. 313, § 3.º, só aluda à morte do advogado, o princípio nele contido aplicar-se-á, por identidade de razões, a todos os defeitos da habilitação técnica,230 afetem eles à pessoa do advogado (v.g., sua incapacidade civil) ou à sua condição profissional (impedimento, incompatibilidade, suspensão e exclusão). Em relação aos dissabores profissionais, talvez ignorados até estágio adiantado da causa, a incidência do art. 313, § 3.º, de modo algum impede a ratificação dos atos já praticados, “em atenção aos interesses e à boa-fé do cliente”.231 Em tal sentido, o STF já decidiu que, nada constando quanto ao impedimento do advogado, “não pode a parte ser prejudicada com sua participação no processo”.232 Eventos relacionados à pessoa do advogado põem em dúvida a racionalidade dos atos realizados, tornando-os inaproveitáveis e impondo sua repetição. Fiel ao entendimento anteriormente esposado, flexibilizando os prazos dos arts. 321, caput, e 352, em especial consideração ao disposto no art. 76, caput, o interstício de quinze dias, assinado à parte para constituir novo advogado (art. 313, § 3.º), talvez se revele insuficiente ao seu desiderato, cabendo ao juiz ampliá-lo.233É certo que se trata de prazo peremptório e que, no tempo previsto, em geral a parte localizará novo advogado. Porém, haverá casos em que o advogado, escolhido por força de suas incomuns aptidões pessoais, não se encontrará disponível neste interregno, por qualquer razão relevante e justificável, recomendando a estreita relação de confiança entre cliente e advogado, ou a singularidade da causa, a dilação do prazo. Os defeitos da incapacidade postulatória, quanto ao prazo de suprimento, governam-se, preferencialmente, pelo disposto no art. 76, caput. 1.037. Iniciativa no conhecimento da incapacidade postulatória

Os problemas atinentes à capacidade postulatória são conhecíveis de ofício pelo juiz. Tal diretriz se aplica aos pressupostos processuais, em geral, e o art. 337, § 5.º, do NCPC não ressalva a representação técnica.234 Em várias passagens, os poderes oficiosos do juiz, agora genericamente expostos, receberam destaque e menção explícita. Nada inibe a parte interessada, eventualmente mais atenta, ou situada em melhores condições para identificar e denunciar o defeito. Por exemplo, participando o advogado da contraparte dos órgãos de classe, tomará conhecimento da desdita do outro advogado, eliminado da profissão, assunto estranho às preocupações do juiz nas grandes comarcas. O contraditório há de ser observado nos termos do art. 10. Percebendo o juiz defeito até então despercebido, submeterá a questão ao debate das partes, antes de assinar o prazo do art. 76, caput. 1.038. Fundamento do suprimento dos vícios relativos à incapacidade postulatória Localiza-se no Capítulo I – Da Capacidade Processual – do Título I – Das Partes e dos Procuradores – do Livro III da Parte Geral o art. 76 do NCPC. Esse dispositivo situa-se bem distante do Capítulo III – Dos Procuradores – do mesmo Título I, iniciado no art. 103, mas revela-se apto a incidir na capacidade processual. As coordenadas da carta do NCPC representam argumento frágil e secundário, em que pese real, para definir exatamente a área de incidência, antes condicionada à identificação dos seus elementos normativos do que a deslizes do legislador. E, neste ponto decisivo, além da “incapacidade processual”, o art. 76 abriga a “irregularidade da representação”, proposição suficientemente larga, idônea a atrair todos os defeitos relativos à capacidade postulatória. Ademais, o art. 104, caput, regula a estrita hipótese de o “advogado”, confessadamente desprovido de representação, postular em nome da parte para evitar prescrição ou decadência e praticar atos urgentes. Não se ocupa o dispositivo, então, dos defeitos originários relativos à habilitação profissional, todos supríveis, porque, surgindo eles supervenientemente, o problema passa à órbita do art. 313, I, e § 3.º. Em homenagem a tais considerações sistemáticas, o art. 76 aplica-se à incapacidade postulatória,235 ressalva feita à hipótese prevista no art. 104, § 2.º. A jurisprudência do STJ permite o suprimento da falta de instrumento de mandato nas instâncias ordinárias.236 E, de resto, o NCPC arredou as barreiras ao conhecimento dos recursos com defeitos formais existentes no direito anterior, a exemplo do agravo de instrumento,237 objeto, nesse particular, da disposição do art. 1.017, § 3.º, remetendo ao dever geral do art. 932, parágrafo único. No antigo regime do agravo de instrumento, com efeito, cumpria ao agravante providenciar o traslado das procurações, ou juntar a nova procuração, sob pena de inadmissibilidade.238 Não é o mais o caso. Enfim, o art. 76 incide nas questões relativas a quaisquer formas de representação.239 É que, de acordo a opinião prevalecente, o vocábulo “representação” ostenta três sentidos: (a) a representação legal, respeitante aos incapazes e à pessoa jurídica; (b) a representação voluntária, envolvendo

o negócio de mandato; e (c) a representação técnica, consistente na intervenção do advogado em juízo.240 Todavia, na “instância especial”, a Súmula n.º 115 do STJ considera inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos, rejeitando a incidência do art. 76 e o suprimento do vício. Nenhum texto legal ampara a genérica restrição da súmula; aliás, já se afirmou, convincentemente, que inexiste razão “para interpretar restritivamente o art. 13 [do CPC de 1973], tornando aplicável apenas à fase anterior a dos recursos”.241 Em realidade, o raciocínio que baseia a Súmula n.º 115 incorre em grosseira contradição: ou o art. 76 aplicar-se-ia, em idênticas condições, aos demais recursos, ou a todos convém permitir o suprimento do vício, nos seus termos. Do ponto de vista legal, insustentável é o meio termo adotado, cujo mérito consistirá, talvez, na imposição de grande rigor à advocacia nos Tribunais superiores.242 Porém, o objetivo é outro: o objetivo era eliminar o máximo de recursos sem exame do respectivo mérito. Valia a Súmula nº 115 do STJ, para os recursos ordinários perante o STJ243 – no mesmo sentido se manifesta o STF244 –, previstos na CF/1988 em homenagem ao duplo grau. E isso, a despeito da admissibilidade desses recursos subordinar-se às regras da apelação, na tramitação da qual o vício admita suprimento. O art. 76 incidirá, plenamente nas causas da competência originária daqueles Tribunais.245 Como já assinalado, o art. 932, parágrafo único, do NCPC contraria o verbete frontalmente. Resta persuadir os tribunais superiores a aplicar a lei nova. 1.039. Efeitos dos vícios relativos à capacidade postulatória Efeito primordial da incapacidade postulatória, conforme os arts. 76, caput, e 313, I, reside na imperativa suspensão do processo pelo tempo hábil à supressão do defeito. Essa consequência mereceu acerba crítica, “porque propicia ao réu a representação irregular como medida protelatória, uma vez que, suspenso o processo, os prazos não correm e o tempo passa em desfavor do autor”.246 Na verdade, o expediente harmoniza-se com o ideal do aproveitamento e da efetividade do processo, curando feridas leves “para que ele viva e atinja sua finalidade”.247 No caso da intervenção de terceiro, considerando a existência de juízo sobre o cabimento das suas diversas modalidades, alvitrou-se a desnecessidade da suspensão em decorrência do pedido em si, porque somente excluir-se-á o terceiro que, efetivamente, ingressou no processo.248 Barrada a intervenção pelo juiz, de plano, a suspensão do processo perante as partes originárias parece providência desnecessária e protelatória. A paralisação do processo, seja a intervenção espontânea ou provocada, pressupõe ingresso deferido e consumado do terceiro. Por exemplo, na

hipótese de qualquer das partes impugnar a pretensão de alguém ingressar como assistente, o juiz “decidirá o incidente, sem suspensão do processo” (art. 120, parágrafo único), mas há de promover prévio debate, por força do art. 10. Também nas intervenções provocadas o efeito suspensivo decorrerá do juízo positivo, emanado do juiz, a respeito do respectivo cabimento, desenvolvendo-se o processo, normalmente, até semelhante oportunidade. A partir deste ponto, jamais antes de pronunciamento judicial positivo a respeito da intervenção, dizia-se no direito anterior, “a estagnação é necessária para as providências de convocação ou ingresso”.249 E, de toda sorte, embora ultrapassada a fase de admissibilidade, o processo entre as partes originárias não se suspenderá o processo em virtude da incapacidade postulatória do terceiro. Deverá o interveniente postular seu ingresso sem defeitos ou sequer será admitido. Constatando-se, após semelhante etapa, o vício no tocante à incapacidade postulatória, a participação do terceiro ficará prejudicada – por exemplo, na assistência, em que o assistente recebe o processo no estado no seu respectivo estágio (art. 119, parágrafo único, in fine), deixando claro a lei que “a relação processual não espera por ele”.250 O prazo “razoável” dependerá do conjunto de circunstâncias objetivas e subjetivas do caso, ou seja, o juiz assinará prazo “útil”.251 Legalmente estipulado o prazo (v.g., art. 352), o juiz poderá ampliá-lo, baseado na dicção do art. 76, caput. Opõem-se, neste passo, considerações mais gerais às restrições feitas à discrição do juiz; por exemplo, aplicando, analogicamente, o prazo de trinta dias do art. 352.252 Faltando capacidade postulatória ab initio, por incidência do art. 104, caput, os prazos operam automaticamente, desde o provimento do juiz, e a consequência da infração radica em pronunciar a “ineficácia” dos atos porventura realizados. O processo em si existe e o juiz o extinguirá, não ocorrendo o suprimento, pela ausência de capacidade postulatória (art. 485, IV).253 Verificando o juiz, ao contrário, que a parte se acha representada por pessoa alheia aos quadros da corporação advocatícia, ou por inscrito suspenso ou impedido, e constatando defeito concernente à capacidade postulatória, incumbe ao juiz, explicitamente, suspender o processo, ex vi do art. 76. O processo “só se suspende com a fixação do prazo para a sanação do defeito”.254 E, aduz o STJ, “sem a marcação do prazo o processo não pode ser extinto, ainda que o despacho judicial seja desatendido”.255 Em nada se diferenciam as consequências para o caso de morte do advogado (art. 313, I) e perda posterior da capacidade postulacional. Revogando a parte o mandato (art. 111), sem conferir outro a procurador diverso no mesmo ato, ou renunciando o advogado (art. 112), a fluência dos dez dias em que o renunciante se responsabiliza pelo processo, acompanhada da inércia da parte, também calham ao regime do art. 76. Suspenso o processo, fica vedado às partes a prática de atos processuais, exceto os urgentes,256 com o fito de evitar dano irreparável (art. 315). 1.040. Subsistência dos vícios relativos à capacidade postulatória

O descumprimento da decisão que assinou prazo para sanar a incapacidade postulatória gera consequências relevantes. Nenhuma influência exercerá, neste ponto, a possibilidade de a parte que provocou a intervenção do terceiro dispor de meios concretos para erradicar o vício. Em alguns casos, há interesse em alcançar o resultado útil do processo, e parte a quem não incumbe o ônus de suprir semelhante falha acode, pressurosa, à determinação judicial, juntando, por exemplo, a procuração constante de processo conexo. Nada obstante, desobedecido o ônus de regularizar o defeito, o ato subsequente atenderá, exclusivamente, à posição da parte no processo. A lei distribuiu os reflexos da falta de suprimento do vício, com exatidão, consoante a posição ocupada – autor, réu ou terceiro –, na relação processual, pelo participante do processo que suporta o ônus de desarraigar o vício. A redação do art. 76, º 1.º, sugere que o ônus de suprir a falta ou de erradicar o vício na representação técnica compete ao sujeito da relação processual, respectivamente o autor, o réu e o terceiro interveniente. Ora, dificilmente o autor que se tornou incapaz, em virtude de enfermidade mental, por exemplo, reunirá condições para satisfazer o requisito. É preciso entender, portanto, a atividade de saneamento incumbir a qualquer interessado e, na medida do possível, ao juiz ex officio. Fora daí, entende-se o art. 76, § 1.º, como simples localização do defeito conforme a posição da parte e, dependendo de circunstâncias variáveis, também ônus dessa parte – por exemplo, há esse ônus nas hipóteses de a parte revogar o mandato (art. 111) ou de o advogado renunciar aos seus poderes (art. 112), casos em que a iniciativa oportuna do mandante supre a falta de representação. O problema da responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais (art. 82, § 2.º) e pelo pagamento de honorários advocatícios, objeto de condenação (art. 85, caput), reduz-se à hipótese de emissão de sentença terminativa no caso de a causa não vencer o juízo de admissibilidade (retro, 716). 1.040.1. Incapacidade postulatória do autor – Recaindo o defeito sobre o autor, incumbindo-lhe, ou não, o ônus de sanar o vício ou de suprir a falta de representação, o juiz pronunciará a nulidade dos atos porventura realizados, extinguindo o processo, reza o art. 76, § 1.º. Evidentemente, a decretação da nulidade, e da ineficácia dos atos realizados pelo advogado na hipótese do art. 104, caput, e § 2.º, revela-se insuficiente. O juiz deverá extinguir o processo, através de julgamento conforme o processo, ante a irreversível falta de pressuposto processual (art. 485, IV).257 Em tal caso, o autor poderá renovar a demanda (art. 486, caput),258 corrigindo o defeito. Esse fato revela que a capacidade postulatória do autor integra o juízo de admissibilidade da demanda.259 O juízo negativo, a esse respeito, implicará a extinção do processo.

1.040.2. Incapacidade postulatória do réu – Se a falta de representação ou seu defeito recaem sobre o réu, o processo prosseguirá, porque ele se reputará revel (art. 76, § 1.º, II). Revel é o réu que se absteve de contestar.260 Equivale à revelia, no seu aspecto substancial, o oferecimento de contestação privada de conteúdo mínimo, ou seja, da impugnação específica dos fatos alegados pelo autor (art. 341, caput).261 O art. 76, § 1.º, II, acrescenta outra hipótese: a contestação viciada pela falta de capacidade postulatória. Essa opção técnica se justifica pelo balanço dos interesses, segundo os direitos fundamentais processuais, pois a demanda do autor não pode ser inviabilizada em razão de problema que afeta o réu. Decidida a revelia, a situação do réu modifica-se radicalmente. Os prazos fluem da publicação do ato no órgão oficial – efeito natural da incapacidade postulatória, estendido àqueles casos de incapacidade processual, em que há advogado, mas a parte se encontra mal representada –, nos termos do art. 346, e há presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344), ensejando o julgamento antecipado (art. 355, II), ressalva feita às hipóteses do art. 345, em que o juiz ordenará a produção de prova (art. 348). Em princípio, o órgão judiciário julgará antecipadamente a favor do autor, beneficiado pela presunção do art. 344. Todavia, o efeito material da revelia se afigura relativo, podendo o contrário decorrer da prova documental e das próprias alegações (art. 345, IV). Seja como for, a sanção imposta ao réu que descumpriu o prazo assinado pelo juiz ao suprimento da incapacidade postulatória afigura-se gravíssimo, principalmente comparada com as brandas consequências suportadas pelo autor. 1.040.3. Incapacidade postulatória do terceiro – Em relação ao terceiro (rectius: a pessoa que, deferida sua intervenção no processo pendente, adquiriu a qualidade de parte), o art. 76, § 1.º, III, comina revelia, figurando como réu (v.g., no chamamento do processo) ou a exclusão do processo (v.g., o chamado em garantia pelo autor). Era enganosa a simplicidade da regra de exclusão no direito anterior. É preciso considerar as espécies de intervenção, classificadas na perspectiva tradicional, distinguindo a intervenção espontânea da intervenção provocada, como corretamente fez a nova disposição. No que tange à intervenção voluntária – assistência e amicus curiae -, o art. 76, § 1.º III, segunda parte, do NCPC, tem inteira aplicação. Válido que seja o processo pendente, ao terceiro grava o ônus de atender aos pressupostos processuais, porque, do contrário, ficará de fora, ou seja, “sua solicitação não poderá ser apreciada”.262 Cuidando-se de intervenção provocada, os efeitos variam conforme o caso. No chamamento ao processo, o chamado figura como réu, e, portanto, reputar-se-á revel, com os desdobramentos antes assinalados. O litisdenunciado considerar-se-á revel,263 porque (entendimento prevalecente) réu na demanda secundária formada pela litisdenunciação, e, ao mesmo tempo, figurando ele como litisconsorte do denunciante na demanda principal,264 desta última há de ser excluído (art. 76, § 1.º, III, in fine). O autor da intervenção principal (oposição) que abster-se de suprir a incapacidade incidirá no art. 76, § 1.º, I, extinguindo o juiz o processo,265 sem que tal evento

afete a causa principal. Idêntico tratamento recebe o autor dos embargos de terceiro.266 1.040.4. Incapacidade postulatória nos recursos – O art. 76, § 2.º, contempla a falta de correção do vício nos recursos em geral. O esquema é simples e binário: (a) cuidando-se do recorrente, o órgão ad quem não conhecerá do recurso (inc. I); (b) tratando-se do recorrido, desentranhar-se-á as contrarrazões, se houverem (inc. II). Quanto a esta última providência, valem as considerações feitas à descabida sanção aplicada no direito anterior à falta de restituição dos autos no prazo (retro, 1.029). Ela é inútil e contraproducente. Pode acontecer de o recorrido alegar a intempestividade e outra matéria passível de conhecimento ex officio, devendo o tribunal levar em consideração essas matérias. 1.041. Natureza dos atos de suprimento da incapacidade postulatória O ato adequado para emendar defeitos concernentes à incapacidade postulatória dependerá da natureza do vício. Por exemplo, nos casos do art. 104, § 1.º, a parte juntará procuração. Nem sempre, porém, a iniciativa compete, exclusivamente, à parte atingida pelo defeito. É perfeitamente admissível que seu adversário, projetando o desfecho favorável da causa, providencie o suprimento, a exemplo da juntada da procuração existente em processo conexo. Não há necessidade de anular e repetir os atos porventura realizados, de ordinário, pois esses vícios mostram-se sanáveis. Bastará ratificar os atos contaminados, na especialíssima hipótese de ausência de representação, desdobrada para os demais defeitos. Feita a emenda, o processo retoma seu curso normal.267

Capítulo 48. MINISTÉRIO PÚBLICO SUMÁRIO: § 216.º – Ministério Público no processo civil – 1.042. Origens e natureza institucional do Ministério Público – 1.043. Funções institucionais do Ministério Público – 1.044. Princípios institucionais do Ministério Público – 1.044.1. Princípio da unidade do Ministério Público – 1.044.2. Princípio da indivisibilidade do Ministério Público – 1.044.3. Princípio da autonomia funcional do Ministério Público – 1.045. Estruturação institucional do Ministério Público – 1.046. Formas de participação do Ministério Público no processo civil – 1.046.1. Ministério Público como parte principal – 1.046.2. Ministério Público como parte coadjuvante – 1.047. Competência institucional do Ministério Público na jurisdição civil – § 217.º Disciplina da atividade processual do Ministério Público – 1.048. Forma de comunicação dos atos processuais – 1.049. Prazos especiais do Ministério Público – 1.050. Poderes e deveres processuais do Ministério Público – 1.050.1. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte principal – 1.050.2. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte coadjuvante – 1.051. Comportamentos contraditórios na intervenção simultânea – 1.052. Responsabilidade financeira do Ministério Público – 1.053. Responsabilidade por dano processual do Ministério Público – 1.054. Responsabilidade civil dos agentes do Ministério Público – § 218.º Intervenção da parte coadjuvante nos casos da lei geral – 1.055. Casos de intervenção na lei geral – 1.056. Intervenção nas causas envolvendo interesses de incapazes – 1.057.

Intervenção nas causas envolvendo estado das pessoas – 1.058. Intervenção nas causas envolvendo interesse público – 1.059. Intervenção nas demais hipóteses da lei geral – § 219.º Intervenção da parte coadjuvante nos casos das leis extravagantes – 1.060. Casos de intervenção nas leis extravagantes – 1.061. Intervenção na tutela dos direitos fundamentais – 1.061.1. Intervenção do Ministério Público no habeas corpus – 1.061.2. Intervenção do Ministério Público no habeas data – 1.061.3. Intervenção do Ministério Público no mandado de segurança – 1.061.4. Intervenção do Ministério Público no mandado de injunção – 1.061.5. Intervenção do Ministério Público na ação popular – 1.061.6. Intervenção do Ministério Público na ação civil pública – 1.061.7. Intervenção do Ministério Público na ação civil por improbidade administrativa – 1.062. Intervenção na tutela dos direitos dos vulneráveis – 1.062.1. Intervenção na tutela dos direitos dos consumidores – 1.062.2. Intervenção na tutela dos direitos dos indígenas – 1.062.3. Intervenção na tutela dos direitos dos menores – 1.062.4. Intervenção na tutela dos direitos dos idosos – 1.062.5. Intervenção na tutela dos direitos dos acidentados – 1.063. Intervenção na tutela da ordem, da saúde, da segurança e da economia pública – 1.063.1. Intervenção do Ministério Público em matéria de insolvência – 1.063.2. Intervenção do Ministério Público em matéria de registros públicos – 1.063.3. Intervenção do Ministério Público em matéria de desapropriação – 1.063.4. Intervenção do Ministério Público em matéria de fundações – § 220.º Disciplina processual da intervenção da parte coadjuvante – 1.064. Controle judicial da intervenção da parte coadjuvante – 1.065. Oportunidade da intervenção da parte coadjuvante – 1.065.1. Momento da intervenção no processo com predomínio de atividade cognitiva – 1.065.2. Momento da intervenção no processo com predomínio da atividade executiva – 1.065.3. Cessação do motivo da intervenção – 1.065.4. Consequências da intervenção tardia do Ministério Público – 1.065.5. Consequências da falta de intervenção do Ministério Público – 1.066. Faculdade ou obrigatoriedade na manifestação da parte coadjuvante – 1.067. Conteúdo da manifestação da parte coadjuvante – 1.068. Forma da manifestação da parte coadjuvante – § 221.º Ministério Público como parte principal – 1.069. Espécies de legitimação do Ministério Público – 1.069.1. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa de interesses sociais indisponíveis – 1.069.2. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa das suas prerrogativas institucionais – 1.069.3. Legitimidade extraordinária do Ministério Público na defesa dos vulneráveis – 1.070. Princípios diretores da iniciativa do Ministério Público como autor – 1.070.1. Princípio da reserva legal – 1.070.2. Princípio da obrigatoriedade – 1.070.3. Princípio da indisponibilidade. § 216.º Ministério Público no processo civil 1.042. Origens e natureza institucional do Ministério Público Formou-se o Ministério Público mediante lenta evolução histórica. Deu solução às necessidades da administração da Justiça Pública na área criminal, até que o célebre texto legislativo de 25.03.1302, de Felipe IV, em França, exigiu juramento dos seus procuradores. Em seguida, outros diplomas reconheceram a instituição preexistente. É inegável a influência francesa na criação e desenvolvimento desse sujeito processual.1 Legou à instituição terminologia que a acompanha até hoje: a de Parquet (assoalho), retratando a origem modesta, “uma vez que seus agentes, nos primeiros tempos, permaneciam em lugar separado, na sala de audiências, e, não no

estrado” reservado aos magistrados.2 Posteriormente, quando seus integrantes já sentavam ao lado dos juízes (magistrature assise), os procuradores do rei sustentavam a acusação oralmente, e de pé, motivo pelo qual receberam a alcunha de magistrature débout. Tal excelente qualificação prestava tributo à altivez desse corpo. A expressão Ministère Public é recente, tornando-se comum a partir da segunda metade do Século XVIII, conforme a opinião mais segura.3 No que respeita ao direito brasileiro, nas suas sólidas e longínquas fontes lusitanas, a primeira menção a uma função desempenhada pelo Ministério Público, a de Procurador da Coroa, ou dos feitos da Fazenda Pública, localiza-se nas Ordenações Afonsinas (Livro I, Título VII).4 O Livro I das Ordenações Manuelinas, ao lado desse procurador, cuidou do “Promotor de Justiça da Casa de Suplicação”, com atuação no processo criminal. As Ordenações Filipinas desdobraram as funções em três figuras – Procurador dos Feitos da Coroa; Procurador dos Feitos da Fazenda, Promotor de Justiça da Casa de Suplicação, função ocupada por um dos desembargadores –, e, ainda, criou o Promotor de Justiça da Casa do Porto, além dos solicitadores da Fazenda e curadores especiais, em primeiro grau.5 A esta altura, no direito português, “o Ministério Público não estava completamente instituído”.6 E, de resto, só a criação Relação da Bahia, em 1609, transportou essa organização para o território nacional, pois na composição do tribunal previu-se um procurador dos feitos da Fazenda e da Coroa e um promotor de justiça.7 A acusação criminal, na Constituição do Império de 1824, tocava ao Procurador da Coroa (art. 48), exceto nos casos em que ela competia à Câmara dos Deputados. O primeiro tratamento sistemático do Ministério Público, no direito brasileiro, ocorreu no Código de Processo Criminal do Império (1832). É ocioso acompanhar as vicissitudes da instituição no Século XIX. Segundo sombrio diagnóstico desse período, o regime da instituição era incompleto, “sem centro, sem ligação, sem unidade, inspeção e harmonia”.8 Existiam um Procurador da Coroa, perante o Supremo Tribunal de Justiça, e, nas relações (equivalentes aos atuais TJ), um Promotor de Justiça, designado dentre os desembargadores, e, em cada comarca, atuava um agente do Ministério Público. Foi a República, através do Decreto 848, de 11.10.1890, a fonte da organicidade à instituição. A exposição de motivos desse diploma explicou que competia aos procuradores “velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”.9 A CF/1891 contentou-se em mencionar o Procurador-Geral da República (art. 58, § 2.º), e legitimá-lo concorrentemente na proposição da revisão criminal (art. 81, § 1.º), e estabelecer a respectiva escolha pelo Presidente da República dentre os ministros do STF.10 À CF/1934 deve-se a institucionalização inicial do Ministério Público, organizando-o sob a forma federativa. Ela destacou o Ministério Público dos três poderes – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário –, situando-o em posição particular.11 É de realçar não assumir a localização formal do Ministério Público particular relevo no que tange à identidade e à independência no exercício das funções.12 Na democrática Alemanha, amante da paz, o Ministério

Público, cuja atuação como interveniente cessou em 1998,13 integra o Executivo.14 Por sua vez, a CF/1937 volveu à configuração de 1891, felizmente abandonada na CF/1946 (arts. 125 a 128). Logo, o tratamento legislativo não primou pela homogeneidade, no que tange à posição constitucional,15 nem pela constância. Não se pode abstrair o período iniciado com a CF/1967 e seu sucedâneo na CF/1969. Na vigência dessa Carta outorgada, o art. 1.º da LC 40/1891, conferiu ao Ministério Público a sua feição contemporânea. Rezava o art. 1.º deste diploma: “O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis…”. A CF/1988 emprestou ao Ministério Público a importância e a estrutura consentâneas com as suas elevadas funções, objeto de análise em item próprio (infra, 1.043). Fixou claramente a independência do poder político, consagrando-lhe garantias similares às do Poder Judiciário, à semelhança do Ministério Público italiano.16Nessa Carta, o Ministério Público recebeu – na verdade, a questão essencial – a atribuição de velar a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição” (art. 129, II, da CF/1988), o que, rigorosamente, abrange todas as funções concebíveis, inclusive a defesa do regime democrático (art. 127, caput, da CF/1988). O bosquejo histórico exibe a finalidade exclusiva de preparar o caminho para identificar a natureza do Ministério Público no Estado Constitucional de Direito. É uma instituição permanente de tutela os interesses da sociedade, em juízo e fora dele, e de modo autônomo relativamente às demais funções do Estado. Os seus membros são organizados em carreira e, para o bom desempenho de suas funções, guarnecidos de predicados idênticos aos da magistratura (art. 128, § 5.º, I, da CF/1988). Não é só essencial à administração da Justiça. Exerce o controle da atividade pública, no sentido mais largo possível, conforme se preconizava desde há muito,17velando para que os direitos assegurados na Constituição se materializem na vida social, através da atuação em juízo e fora dele. Essa missão é essencialmente política.18 1.043. Funções institucionais do Ministério Público As funções institucionais do Ministério Público encontram-se no art. 127, caput, c/c art. 129 da CF/1988. Existem valores que essa instituição permanente cura objetivamente: a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF/1988). Para a consecução dessa missão constitucional, o art. 129 da CF/1988 arrola as seguintes funções na área civil: (a) promover as medidas necessárias (inclusive judiciais) para garantir o efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição (art. 129, II); (b) promover a ação civil pública, instaurando, se for o caso, o respectivo inquérito civil para a

investigação preliminar, visando à proteção “do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III); (c) promover o controle concentrado de inconstitucionalidade e a representação para fins de intervenção da União e dos Estados (art. 129, IV); (d) defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; (e) “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129, IX). Essas funções explícitas não se mostram exaustivas. O art. 129, IX, permite que a lei, em sentido formal, outorgue outras funções ao Ministério Público, compatíveis com a sua finalidade. O conjunto demonstra que o Ministério Público defende os interesses da sociedade, em sentido lato, gerando resistências descabidas.19 O Ministério Público não exibe mais a função institucional de defender as pessoas jurídicas de direito público em juízo. A disposição constitucional expressa, nesse sentido, já desaparecera na CF/1969, apesar da defesa dessa tradicional atribuição.20 Do ponto de vista técnico, as mencionadas funções expressam-se em situações legitimadoras, previstas na lei infraconstitucional, que no processo civil conferem ao Ministério Público duas posições incompatíveis no mesmo processo: (a) a de parte principal; (b) a de parte coadjuvante (infra, 1.046.2). 1.044. Princípios institucionais do Ministério Público O art. 127, § 1.º, da CF/1988 declara que são princípios institucionais do Ministério Público: (a) a unidade; (b) a indivisibilidade; (c) a autonomia funcional. Essa disposição se originou, literalmente, do art. 2.º da (revogada) LC 40/1981, e encontram-se reproduzidos no art. 4.º da LC 75/1993 e no art. 1.º, parágrafo único, da Lei 8.625/1993. É preciso examinar as repercussões desses princípios estruturantes na atividade que o Ministério Público desenvolverá no processo civil. 1.044.1. Princípio da unidade do Ministério Público – A unidade do Ministério Público significa que todos os agentes e os órgãos integram organismo único, posto sob a chefia administrativa do Procurador-Geral, o que implica duas consequências relevantes: (a) o agente ocupante do órgão competente (v.g., a Procuradoria de Justiça ou a Promotoria de Justiça) do Ministério Público não age como parte principal (art. 177 do NCPC), nem se manifesta como parte coadjuvante (art. 178, I a III, c/c art. 179, caput) em nome próprio, mas como órgão e agente do Ministério Público, e, portanto, em nome da instituição;21 (b) os agentes do Ministério Público, no curso do processo, podem ser substituídos uns pelos outros, vez que não interessa a pessoa, mas o órgão competente, sem que haja alteração do sujeito processual.22 A substituição de um agente pelo outro sofre considerável restrição por força do princípio do promotor natural. Encontra obstáculo na inamovibilidade no membro do Ministério Público (art. 128, § 5.º, I, b, da CF/1988), que restringe a movimentação dos integrantes da carreira. Ocorre que o STF não reconhece o impedimento à designação, na extensão devida, natural e

democrática, inclusive no processo penal.23 A limitação derivada do princípio do promotor natural impede, teoricamente, designações arbitrárias do Procurador-Geral, investindo certo agente, não integrante do órgão legalmente competente e pré-constituído, com o único propósito de oficiar em determinado feito.24 Em tal sentido, que é o único aceitável, trata-se de autêntica garantia do cidadão de ser processado impessoalmente.25 A substituição legítima, à luz do princípio da unidade, pressupõe o preenchimento simultâneo de quatro requisitos: (a) a investidura da pessoa natural no cargo de carreira do Ministério Público; (b) a pré-constituição do órgão (dito de “execução”) do Ministério Público, legalmente criado; (c) a lotação do membro do Ministério Público no órgão; (d) a definição, por lei em sentido formal, das atribuições do órgão, correspondente à finalidade da atuação do Ministério Público no processo (parte principal ou parte coadjuvante).26 O princípio da unidade não obsta a vários agentes distintos oficiarem no processo. Exige que tal ocorra sem o arbítrio de designação específica e posterior à sua instauração. É por essa razão, de resto, que interessa investigar as manifestações contraditórias de membros diferentes do Ministério Público. Eventual designação de membro do Ministério Público, em contravenção ao princípio do promotor natural, representará vício que ao órgão judiciário é dado conhecer e pronuncia, ex officio, após a observância do contraditório (art. 10). O princípio da unidade vale para cada ramo do Ministério Público (v.g., o MPF e o MPF). Nenhuma unidade há, a despeito de o art. 128, I e II, da CF/1988, declarar que o Ministério Público abrange o MPU e o MPE, entre Ministérios Públicos diversos.27 Na prática, unidade se expressa na identidade da atividade exercida, no processo, por cada um desses ramos. 1.044.2. Princípio da indivisibilidade do Ministério Público – A indivisibilidade do Ministério Público permite que, sem modificação do sujeito, atuem no processo, independentemente da posição ocupada, distintos órgãos do Ministério Público. É o que acontece com a intervenção sucessiva, no primeiro grau, da Promotoria de Justiça, e, no segundo, pela Procuradoria de Justiça, na condição de parte coadjuvante. Em contrapartida, o princípio da indivisibilidade obsta ao Ministério Público, no mesmo processo, desempenhar duas funções diferentes como parte: ou é fiscal da lei, e parte coadjuvante, ou é parte principal (autor ou réu). O fato que, legitimamente, às vezes se configuram duas ou mais hipóteses interventivas, in simultaneo processu, ensejando a intervenção do mesmo órgão competente, ou que órgãos distintos intervenham sucessivamente, suscita a delicada questão de possíveis comportamentos contraditórios, objeto de item específico (infra, 1.051). 1.044.3. Princípio da autonomia funcional do Ministério Público – O Ministério Público, formalmente separado dos demais poderes do Estado na arquitetura constitucional,28 enquanto instituição usufrui de ampla independência. A autonomia do Ministério Público opera em três âmbitos (art. 3.º da Lei 8.625/1993): (a) o funcional, no sentido que nenhum membro do Ministério

Público recebe instruções e recomendações para atuar neste ou naquele sentido, e nem sequer o Procurador-Geral, indicado pelo Chefe do Executivo, subordina-se, hierárquica ou politicamente, às diretrizes estranhas à instituição, representando grave anomalia institucional o fato de o ProcuradorGeral da República abster-se de tomar as iniciativas que lhe incumbam por força de lei, amesquinhando a sua posição à de “engavetador”; (b) o administrativo, pois é o Procurador-Geral, chefe da instituição, auxiliado por outros órgãos internos previstos em lei, vinculativamente ou não, a única pessoa habilitada a traçar a política institucional, nos mais variados aspectos de pessoal e de meios materiais; (c) o orçamentário: desprovido de recursos financeiros mínimos, o Ministério Público não pode funcionar. Os membros do Ministério Público têm, a par de prerrogativas funcionais idênticas às da magistratura (art. 128, § 5.º, I, da CF/1988), individualmente da autonomia funcional. O único controle processual da sua atividade ocorre no processo penal (art. 28 do CPP). No âmbito civil, o órgão do Ministério competente, através do seu agente, tem independência jurídica, no sentido que é livre para manifestar a sua convicção, independentemente da posição processual ocupada, neste ou naquele sentido. A independência do Ministério Público manifesta-se, por igual, relativamente ao órgão judiciário. Entre o juiz e o agente do Ministério Público não há subordinação, mas o vínculo processual de cooperação (art. 6.º do NCPC), nem sequer cabe àquele poder censório da atividade do último.29 O vínculo hierárquico não autoriza o Procurador-Geral a ministrar instruções e orientações.30 As recomendações provenientes de outros órgãos internos, fixando diretrizes institucionais, “não exibirão caráter normativo ou vinculativo”.31 A autonomia é instituída para o bom desempenho das funções, imunizando o agente contra pressões políticas e populares, incluindo as da mídia. Por óbvio, não elide a responsabilidade administrativa, penal e civil do agente. Responderá o membro do Ministério Público, administrativamente, ao praticar os fatos típicos previstos no art. 43 da Lei 8.625/1993 e nos arts. 236 e 237 da LC 75/1993, e somente nessas hipóteses. 1.045. Estruturação institucional do Ministério Público O Ministério Público organiza-se, em nosso País, na forma federativa. Dispõe o art. 128, I e II, da CF/1988 que a instituição abrange o Ministério Público da União (MPU) e o Ministério Público dos Estados (MPE). O Ministério Público da União (MPU) abrange o Ministério Público Federal (MPF) – identificado como o gênero, mas, na realidade, representa subespécie do MPU –, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A enumeração olvidou o Ministério Público Eleitoral. Tal significa que só existem funções eleitorais no âmbito do Ministério Público, explicitando o art. 72, caput, da LC 75/1993 que caberá aos agentes do MPF exercer essas funções na Justiça Eleitoral, “atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral”. Entretanto, segundo os arts. 78 e 79 da Lei 75/1993, essas funções do MPF perante juízes e juntas eleitorais incumbirão ao promotor eleitoral, por sua vez integrante do Ministério Público “local”, ou seja,

do MPE ou do MPDFT. E, de outro lado, a enumeração não é exaustiva. O art. 130 da CF/1988 previu outro Ministério Público, junto aos Tribunais de Contas, que é órgão do legislativo e, a despeito da designação ambígua – frequentemente, os integrantes da Corte de Contas e o respectivo Ministério Público se arvoram condição imprópria, buscando autoafirmação na mídia –, não integra o Poder Judiciário. O STF estimou que o Ministério Público “especial” é ramo autônomo,32 cuja natureza jurídica também é autônoma, relativamente ao MPU e ao MPE.33 Por outro lado, subtraiu da chefia do Procurador-Geral da República o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, equiparado ao MPE na escolha do seu próprio Procurador-Geral. Felizmente, essas incongruências não interferem no valoroso trabalho da instituição nessas esferas. O modelo constitucional considera o Ministério Público, nos seus diversos ramos, função essencial à Justiça. Figura, nessa condição, na primeira seção do Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça – do Título IV – Da Organização dos Poderes – da CF/1988. Formalmente, porque destacado nesse capítulo autônomo, o Ministério Público não integra o Poder Judiciário, embora a sua organização em boa medida espelhe a judiciária. Tampouco exerce funções típicas de governo.34 Representará exagero, na ordem constitucional vigente, reputá-lo o quarto poder.35 A dimensão institucional do Ministério Público é menor que a do Legislativo, do Executivo e do Judiciário: não cria normas, não institui programas públicos e não julga: pleiteará todas essas providências ao Judiciário. Se o Ministério Público tem estatura, já se vê que não pode ser maior que a do Judiciário, sem o qual toda a vasta gama de atribuições representaria flatus vocis. Supondo-se, todavia, existentes mais do que três poderes na organização estatal, embora assimétricos, pois a clássica tripartição de poderes não contenta a ninguém, o Ministério Público é um deles, talvez “órgão de soberania”, conforme a peculiar Constituição de Portugal.36 A conjugação dos poderes de investigação, que diferencia o Ministério Público dos demais legitimados em ações coletivas,37 com o poder de iniciativa em juízo confere à instituição papel predominante na concretização das diretrizes constitucionais. O cotejo da LC 75/1993, que é o Estatuto e a Lei Orgânica do Ministério Público da União, e da Lei 8.625/1993, que é a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e contém as normas gerais de organização do MPE nos Estados-membros – tem natureza de lei ordinária, o que suscita controvérsias –,38 revela que a instituição se estrutura mediante órgãos de administração (a Procuradoria-Geral; o Colégio de Procuradores; o Conselho Superior; e a Corregedoria Geral) e órgãos de execução (o Procurador-Geral; o Conselho Superior; a Procuradoria de Justiça; o Promotor de Justiça), variando a terminologia segundo o ramo do Ministério Público, e órgãos auxiliares. À cúspide dos diversos ramos do Ministério Público se situa um Procurador-Geral. O Procurador-Geral da República, que oficia no STF, encontra-se à testa MPU. É pessoa indicada pelo Presidente da República, livremente, entre os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, para um mandato de dois anos, permitida a recondução, mediante aprovação

pela maioria dos membros do Senado Federal, e, posteriormente, nomeado pelo Presidente (art. 128, § 1.º, da CF/1988). Essa modalidade de investidura de pessoa com poderes da mais alta envergadura (v.g., no âmbito civil, a titularidade da ação direta de inconstitucionalidade e constitucionalidade, a teor do art. 129, IV, da CF/1998) recebe críticas improcedentes. Elas têm nítido viés corporativista, mas constituem útil contrapeso, no sistema de freios recíprocos, à irrestrita independência funcional do Ministério Público. Em cada Estado-membro, e no Distrito Federal e Territórios, há um Procurador-Geral, escolhido mediante a organização de lista tríplice pelos integrantes da carreira e indicado um deles pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, admitida uma recondução (art. 128, § 3.º, da CF/1988). Existem regras para o impeachtment (art. 128, §§ 2.º e 4.º, da CF/1988). O Procurador-Geral é o chefe da instituição (ou o primeiro dentre seus pares) e o representante em juízo ou fora dele (art. 26, I, da LC 75/1993; art. 10, I, da Lei 8.625/1993), habilitado, por esse motivo, a receber a citação, figurando o Ministério Público como réu (v.g., na ação rescisória). O desempenho das funções constitucionais do Ministério Público (art. 129 da CF/1988), timbrando pela independência, exige que usufrua de autonomia funcional e administrativa, asseguradas, explicitamente, no art. 127, § 2.º, da CF/1988. Essa autonomia implica, no âmbito administrativo, a autonomia financeira, expressa na iniciativa conjunta do processo legislativo quanto às diretrizes orçamentárias e a elaboração de proposta orçamentária própria (art. 127, § 4.º, da CF/1988) – sem recursos adequados não há instituição autônoma e eficiente –,39 e, principalmente, a iniciativa exclusiva do processo legislativo quanto à “criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares”, providos por concurso público de provas ou de provas e de títulos (art. 127, § 2.º, in fine, da CF/1988). O art. 61, § 1.º, II, d, da CF/1988 atribui ao Presidente da República a iniciativa exclusiva de leis que versem a “organização do Ministério Público” da União, “bem como normas gerais para a organização do Ministério Público” dos Estados-membros e do Distrito Federal e Territórios. Essa iniciativa, quando se tratar de lei complementar sobre a organização, atribuições e o estatuto do MPU, concorrerá com a iniciativa facultativa do Procurador-Geral da República, e, por simetria, nos Estados-membros e no Distrito Federal e Territórios, conjunta do Governador e do Procurador-Geral.40 E em matéria de organização, propriamente, a antinomia resolve-se em prol da especialidade do art. 128, § 5.º, da CF/1988, em detrimento da exclusividade prevista no art. 61, § 1.º, II, d, da CF/1988. A independência funcional torna o integrante do Ministério Público imune às influências internas e externas, incluindo as pressões da mídia e da opinião pública. Mas, como sói ocorrer com o órgão judiciário, em última análise a integridade e isenção de ânimo do agente dependem do caráter do homem ou da mulher investidos no cargo. Como quer que seja, asseguram a

independência funcional: (a) os predicados da vitaliciedade, da inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (art. 128, § 5.º, I, da CF/1988); (b) as vedações do art. 128, § 5.º, II, da CF/1988; e (c) o recrutamento dos bacharéis em direito mediante concurso público de provas e de títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do art. 129, § 3.º). Em tais aspectos, o Ministério Público não se distingue, substancialmente, da magistratura de carreira, em tudo similares. O Ministério Público já conquistara em muitos Estados-membros, anteriormente à CF/1988, paridade remuneratória com a magistratura. Essa isonomia eliminava hipotético gravame ao decoro profissional e à posição institucional. A bem da verdade, atualmente algumas vantagens indiretas são maiores do que as da magistratura, invertendo-se o processo histórico. O controle externo da autonomia funcional, administrativa, financeira e – ponto de discórdia, mas indispensável – e profissional dos agentes do Ministério Público compete ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Também aqui há simetria com o controle da magistratura, ressalva feita à maior discrição nas suas atividades. No que concerne à jurisdição civil, o panorama traçado demonstra que à União compete fixar normas gerais sobre a organização, atribuições e estatuto do MPE e do MPDF, que é a função da Lei 8.625/1993, incumbindo à lei complementar local, de iniciativa conjunta do Chefe do Executivo e do Procurador-Geral, concretizar essas diretrizes. O MPF é inteiramente regulado pela LC 75/1993. Segundo o esquema da Lei 8.625/1993, ao processo civil interessam diretamente duas espécies de agentes: (a) o procurador de justiça, que integra um órgão do Ministério Público – Procuradoria de Justiça –, cuja atividade respeita ao segundo grau; e (b) o promotor de justiça, também integrante de órgão (Promotoria de Justiça), atuando no primeiro grau. Tais são as designações dos cargos dos agentes do MPE, organizados em carreira própria. É diferente a terminologia do MPF, pois são órgãos do Ministério Público, sempre fitando a jurisdição civil, (a) os Subprocuradores Gerais da República (no STJ), (b) os Procuradores Regionais da República (nos TRF) e (c) os Procuradores da República (no primeiro grau da Justiça Federal); a teor do art. 43, VI a VIII, da LC 75/1993, também organizados em carreira autônoma. Convém assinalar que, tirante a menção ao “Procurador-Geral” (da República, no caso do MPU), no art. 128, a única outra denominação empregada no texto constitucional é a de “promotor de justiça” no art. 235, VII, da CF/1988. O próprio art. 130-A, fruto da EC 45/2008, ladeou a questão terminológica, aludindo, inexpressivamente, a “membros do Ministério Público” na sua composição diversificada (art. 130-A, II e III, da CF/1988). Em fase pré-processual, tem relevo o Conselho Superior do Ministério Público (MPE, MPDF e MPF), integrado por membros natos e eleitos, ao qual compete arquivar ou rejeitar o arquivamento do inquérito civil (art. 9.º, § 3.º, da Lei 7.347/1985). Essa distribuição de órgãos em Procuradorias de Justiça e Promotorias de Justiça, na Justiça Comum, e seus equivalentes nos três graus do MPF, refletem a estrutura judiciária,41 e, não, as necessidades próprias da

instituição. Enquanto a Promotoria de Justiça é órgão agente e interveniente, especializando-se numa e noutra função nas comarcas de intenso movimento forense, a ênfase da Procuradoria de Justiça (no processo civil) consiste na emissão de pareceres, nos feitos em que participa o Ministério Público, e na participação das sessões de julgamento, uma vez por semana (ou, se mais de um Procurador atende a mesma câmara ou turma, em periodicidade ainda menor), sustentando, ou não, o parecer escrito. Em situações excepcionais, ajuizará rescisória, por exemplo, assumindo o papel de órgão agente. Ora, o Procurador de Justiça ou a Procuradora de Justiça, no fim da sua carreira, tem larga experiência e tirocínio, merecendo, sem dúvida, melhor aproveitamento do seu imenso potencial, o que só acontece através de comissões administrativas. 1.046. Formas de participação do Ministério Público no processo civil O cumprimento da missão institucional do Ministério Público, nas suas variadas hipóteses, repercute na lei infraconstitucional, estabelecendo situações legitimadoras heterogêneas. A análise dessas situações, cotejandoas com os poderes conferidos ao Ministério Público na relação processual, evidencia que a instituição assumirá duas posições, que o CPC sistematizou do seguinte modo: (a) a de parte principal – e, assim, não figura como titular de “mera azione” como se pretende na doutrina italiana –,42 de ordinário no polo ativo, equiparando nos poderes, deveres e ônus a qualquer outra pessoa; (b) a de interveniente como fiscal da ordem jurídica (art. 179, caput, c/c art. 178, I a III). Nada de particularmente útil se acrescenta à classificação procurando distinções no objeto da intervenção.43 Tais variantes englobam, exaustivamente, as duas dimensões distintas dos poderes processuais do Ministério Público. A busca de alguma nota particular e diferente em determinadas hipóteses interventivas, a exemplo do caso previsto no art. 178, II, acaba em criar restrições indevidas aos poderes processuais. Assim, impedir o Ministério Público de impugnar a sentença favorável ao incapaz, mas contra ius, representará flagrante violação à função prescrita no art. 127, caput, da CF/1988, encarregando o Ministério Público de zelar pela ordem jurídica – motivo bastante para a mudança terminológica na designação dessa função no art. 178, caput, do NCPC. Essa restrição justificar-se-ia na suposta função “assistencial” da intervenção, o que não é exato, levando a distorções facilmente evitáveis com a regra da homogeneidade dos poderes processuais do Ministério Público como parte coadjuvante. A breve exposição das origens do Ministério Público não obscureceu o fato de ostentar, na sua origem mais remota, a função de representação nos feitos da Fazenda Pública. Essa terceira função, a de procurador das pessoas jurídicas de direito público, desapareceu na ordem constitucional vigente, expressamente interditada no art. 129, IX, in fine, da CF/1988 (“… sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”), porque incompatível com os objetivos da instituição.44 A sobrevida do art. 29 do ADCT da CF/1988 cessou com o advento da LC 73/1993. Também inexiste previsão para a representação de pessoas naturais – o que, de resto, não se confunde com a legitimidade extraordinária, nas

excepcionais hipóteses em que a lei habilita o Ministério Público a postular individual alheio –, em particular a representação em juízo de incapazes. O art. 9.º, parágrafo único, do CPC de 1973 mencionava, vagamente, a figura do “representante judicial de incapazes”. Essa menção genérica levou os intérpretes a identificá-lo como “órgão de carreira do Ministério Público”.45 Ora, o texto não legitimava essa inferência, oposta à sistemática desse diploma. A lei processual isentava o Ministério Público dessa função anômala, todavia mantida no direito francês,46 existindo, bem ao contrário, advogados públicos para esses misteres (v.g., no Rio Grande do Sul, o antigo advogado de ofício, posteriormente incorporado aos quadros da Defensoria Pública). É função exclusiva do defensor público o exercício da curadoria especial (art. 4.º, XVI, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, c/c art. 72, parágrafo único, do NCPC). Não há, pois, uma terceira função do Ministério Público no processo civil além das duas já apontadas. O Ministério Público tem outras funções indiretamente relacionadas ao processo civil. Não constituem, entretanto, atividades processuais em sentido estrito, porque ocorrem anteriormente à formação da relação processual. Por exemplo: (a) a aprovação (referendo) de transações extrajudiciais (art. 784, IV); (b) a realização de inquérito civil (art. 8.º, § 1.º, da Lei 7.347/1985). 1.046.1. Ministério Público como parte principal – O incremento das situações que legitimam o Ministério Público a figurar como parte principal correspondeu às expectativas da sociedade e, principalmente, às reclamações doutrinárias.47 O art. 81 do CPC de 1973 antevira a posição de predominância e o protagonismo da instituição, acentuado na última década do Século XX. No entanto, a redação dessa regra inovadora padecia de singular defeito. Ficava a impressão que o Ministério Público, na condição de parte principal, figura no processo unicamente na qualidade de autor, pois “o Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei”. Por exceção, o Ministério Público pode e deve figurar como réu.48Idêntico defeito recai sobre o art. 177 do NCPC, segundo o qual o Ministério Público exercerá o “direito de ação” – expressão imprópria (retro, 223) – conforme as atribuições constitucionais. Exemplo expressivo dessa inusitada posição de réu ocorre na hipótese de o Ministério Público mover ação civil pública, valendo-se da situação legitimadora prevista no art. 25, IV, b, da Lei 8.625/1993, ou seja, para anular ato lesivo ao patrimônio público e à moralidade administrativa, contra o respectivo Estado-membro (Súmula do STJ, n. 329). Julgada procedente e pretendendo um dos réus rescindir o julgado, senão o próprio Estadomembro, interessa identificar o réu. Legitimam-se, passivamente, as partes que participaram da relação processual originária e não sejam autores da rescisória.49 Existindo litisconsórcio ativo na demanda originária, a legitimidade passiva dependerá do regime desse litisconsórcio (v.g., se o litisconsórcio era unitário, todos os litisconsortes, obrigatoriamente, figurarão como réus na rescisória) e do próprio objeto da rescisória (v.g., se o regime do litisconsórcio era simples, talvez o objeto da rescisória envolva o capítulo relativo a um dos litisconsortes, e, nesse caso, só ele figurará como réu na rescisória).50 No

exemplo ministrado, somente o Ministério Público legitima-se passivamente na rescisória, em nome próprio, principalmente no caso de o Estado-membro pretender a rescisão do julgado, independentemente da natureza da legitimidade ativa. O Estado-membro não pode ser autor e réu simultaneamente. Um dos efeitos da procedência da rescisória, e do novo julgamento favorável à parte anteriormente vencida, consistirá no desaparecimento da condenação (art. 3.º da Lei 7.347/1985), e, conseguintemente, a reversão da indenização passada ao fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/1985 à sua origem, efeito que exige a participação do Ministério Público. Essa possível condição de réu do Ministério Público manifestou-se progressivamente, à medida que se multiplicavam as ações civis públicas julgadas procedentes, mostrando-se inexorável do ponto de vista técnico. Ela deve ser encarada com naturalidade. É de réu a posição do Ministério, ademais, no caso do art. 745, § 4.º, em que será citado para contestar a pretensão do ausente ou de algum de seus descendentes ou ascendentes, requerendo a entrega dos bens arrecadados. A natureza da legitimidade ativa do Ministério Público nas ações coletivas é objeto de controvérsia (infra, 1.069). Para os casos em que a lei, excepcionalmente, autoriza alguém a conduzir o processo como autor ou réu cujo objeto litigioso toca a outra pessoa, a teor do art. 18 do NCPC, desenvolveu-se a profícua noção de substituição processual. Ora, cuidandose de direitos individuais, o substituto processual sempre atua em lugar de pessoa determinada, que é o substituído.51Portanto, movendo o Ministério Público ação em prol de direitos individuais homogêneos, a clássica noção se ajusta perfeitamente e explica a natureza da sua legitimidade. Tal não acontece nas ações coletivas para defesa dos interesses difusos ou coletivos, porque os substituídos ou se revelam indetermináveis (interesse difuso), ou indeterminados (interesse coletivo), obstando a completa assimilação do instituto àqueles interesses. Parece mais adequado, então, estimar ordinária a legitimidade ativa do Ministério Público em tais demandas. A sugestão alvitrada considera decisivo o signo da “indivisibilidade” que o art. 81, parágrafo único, I e II, da Lei 8.078/1990 exige na configuração dos interesses difusos e coletivos.52 Essa nota marcante opera a transformação do conjunto em algo novo, diferente das frações, repercutindo na natureza da legitimidade. Logo, a “transmigração do individual para o coletivo”,53 e que explicaria a posição do Ministério Público nessas demandas, implica uma transformação mais profunda e intensa do que a simples substituição,54 outorgando a titularidade do coletivo e do difuso a uma pessoa diferente dos titulares da situação individual incluída no conjunto. Em outras palavras, o Ministério Público legitima-se ativamente, porque titular do direito posto em causa, sem embargo de existirem outros titulares dos direitos parciais que, coletivamente, formam o objeto litigioso. A soma das partes adquire identidade própria e nova, substancialmente diversa das frações, de que é titular pessoa também diferente, graças à indivisibilidade. E tal legitimação se revela ordinária. É uma legitimidade coletiva,55 mas ordinária.

O emprego cada vez mais profícuo da ação civil pública, em nosso país, desmentiu o vaticínio que semelhante legitimação de órgão do Estado tornaria praticamente ineficaz a tutela dos interesses difusos, originando a lesão do Poder Público, em virtude da circunstância de o Procurador-Geral ser escolhido pelo Chefe do Poder Executivo a que se filia o ramo institucional do Ministério Público.56 Tal fato jamais diminuiu ou extinguiu o zelo, o ânimo e a independência funcional dos agentes do Ministério Público. Na verdade, o alegado defeito somente se configurará, em tese, nas demandas de competência exclusiva do Procurador-Geral (v.g., a ação direta de inconstitucionalidade), pois além dessa área tal autoridade é mero primus inter pares; e, mesmo aí, mais avulta a altivez dos integrantes da carreira que ascendem ao cargo e os controles internos da instituição. Seja qual for causa, a crítica revelou-se falsa e agourenta, apesar do enorme prestígio alcançado fora do país.57 Eis o motivo por que, tratando-se de interesse individual, há necessidade de expressa autorização legal para a atuação do Ministério Público e, a fortiori, de sindicados e de associações. Incide, plenamente, o art. 18 do NCPC. O Ministério Público não se legitima a pleitear determinada prestação positiva do Estado, na área da saúde, em favor de pessoa doente. Ao invés, o art. 68 do CPP outorga legitimidade ao Ministério Público para pleitear indenização em nome das vítimas de ilícito penal;58 o art. 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/1990 autoriza-o a propor ação em prol de interesses individuais homogêneos; e assim por diante. Nessas hipóteses, a disposição legal preenche o requisito indispensável à substituição. A jurisprudência do STJ nega ao Ministério Público, pelo motivo exposto, legitimidade para defender direito de incapaz sob poder dos pais59 e, nessas condições, a propor ação de alimentos.60 O argumento de que as funções institucionais do art. 127, caput, da CF/1988 preenchem o requisito da expressa autorização legal, em que pese a defesa veemente,61 esbarra na dificuldade inerente às “ideias jurídicas diretivas”, ou princípios abertos, que não ostentam suficiente densidade normativa para conferir posições subjetivas a determinada pessoa. Em outras palavras, o fato de o art. 127, caput, da CF/1988 declarar que toca ao Ministério Público tutelar os “interesses sociais (…) indisponíveis” não importa, por si só, legitimidade para propor ação de alimentos, que é um crédito e, enquanto tal, perfeitamente disponível. E não é para qualquer remédio processual que o Ministério Público ostenta legitimidade ativa. Segundo construção persuasiva, não lhe cabe demandar, deduzindo pretensão coletiva ou não, nos juizados especiais, porque não se encontra arrolado no art. 8.º da Lei 9.099/1995, no art. 6.º, I, da Lei 10.259/2001 e no art. 5.º, I, da Lei 12.153/2009.62 Não há a menor dúvida que a multiplicação das situações legitimadoras do Ministério Público, no processo civil, insere-se no fenômeno global da intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais, representando uma das facetas do processo de viés “social”. É um temperamento ao princípio dispositivo. Existem relações jurídicas que, em virtude dos interesses

sociais envolvidos, não podem ficar unicamente à mercê da iniciativa em juízo dos particulares.63 1.046.2. Ministério Público como parte coadjuvante – O art. 178 autoriza o Ministério Público a intervir no processo pendente, considerando algumas características do objeto litigioso, propugnando a correta aplicação da lei. O art. 178, caput, rotula essa intervenção como a de “fiscal da ordem jurídica”, adaptando-se à nomenclatura constitucional. E, com efeito, ao contrário do assistente, que assume uma posição definida, a favor do autor ou do réu, lícito se afigura ao Ministério Público, no desempenho da sua missão constitucional, adotar atitude de independência em relação ao interesse socialmente relevante que lhe enseja a intervenção. Exibirá larga independência jurídica, e, por exemplo, no caso do art. 178, II, pode manifestar-se contra ou a favor do interesse do incapaz. O Ministério Público defenderá “o interesse do Estado de ver a lei perfeitamente aplicada a situações jurídicas de extrema relevância social”.64 Essa característica revela-se comum a todas as hipóteses de intervenção: a defesa do interesse público, a tutela dos valores caros à Constituição, não permite ao Ministério Público endossar as teses da parte que, em princípio, em razão do próprio interesse deduzido, aproximar-se-ia dos valores que lhe incumbe tutelar no processo civil. Legitimado que seja a propor ação civil pública, todavia nela intervirá o Ministério Público, não figurando como parte principal, a teor do art. 5.º, § 1.º, da Lei 7.347/1985, mas pode se manifestar contrariamente ao autor. Não se revela razoável realizar distinções nas hipóteses interventivas, identificando uma terceira posição, a de apoio a uma das partes litigantes.65 O apoio do Ministério Público é sempre acidental e contingente. As disposições que contemplam a intervenção do Ministério Público como “fiscal da ordem jurídica” relutam em chamá-lo de parte. É significativo, porque paradigmático dessa ambiguidade, o art. 5.º, § 1.º, da Lei 7.347/1985, in verbis: “O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”. No mesmo sentido, reza o art. 148, caput, e I, aplicando ao membro (ou agente) do Ministério Público os motivos de impedimento e de suspeição. Essa imprecisão se originou no direito italiano.66 Não tem mais razão plausível. O Ministério Público, ao intervir no processo pendente, passa a integrar a relação processual. Portanto, transforma-se em parte.67 Não é parte principal, porque não age, nem reage à pretensão processual. Tampouco sofrerá os efeitos processuais e substanciais do eventual acolhimento do pedido. Por outro lado, o Ministério Público não ingressa como parte auxiliar, vez que exerce seus poderes autonomamente, sem adesão prévia e inevitável a uma das partes. Também não atuará necessariamente como parte “imparcial” (ou desinteressada):68 o Ministério Público associar-se-á à parte que, segundo o seu entendimento, tem razão, e nesse sentido, tem interesse e pugna que o juiz imprima certo desfecho ao processo. Do art. 148, III – “demais sujeitos imparciais do processo” não se retirará, legitimamente, a ilação que ao Ministério Público não cabe emparelhar-se a uma das partes de forma acidental, porque assim determina o interesse público ou social.

É preciso enquadrá-lo em categoria autônoma – a de parte coadjuvante (partie jointe).69 Essa designação soa melhor que a de “parte adjunta”, porque o Ministério Público, ao fim e ao cabo, inclina a balança na direção da parte principal que, a seu ver, tem razão. Costuma-se localizar o fundamento da intervenção do Ministério Público como meio técnico de corrigir o princípio da iniciativa da parte em matéria de prova, pois não convém entregá-la às partes nos litígios em que haja interesse público.70 Tal seria o sentido do art. 179, II, habilitando o Ministério Público a produzir prova e requerer as medidas processuais pertinentes, com o fito de descobrimento da verdade, como decorre da prova carreada ao feito. A explicação mostra-se insuficiente no ambiente e no sistema processual contaminado pelo ativismo do órgão judiciário. Entre nós, o juiz dispõe de um amplo arsenal para descobrir a verdade (art. 370, caput) e coibir atos reprováveis das artes. A atuação do Ministério Público, como interveniente, constitui contrapeso aoserrores in iudicando e in procedendo do órgão judiciário. Se há fiscalização, como indica o art. 178, caput, a verdade é que ela recairá, diretamente, sobre o órgão judiciário, e somente de forma indireta sobre a atividade processual das partes, suprindo a inércia do juiz no exercício dos seus poderes de iniciativa (retro, 940). 1.047. Competência institucional do Ministério Público na jurisdição civil Em razão da estrutura organizacional do Ministério Público, basicamente federativa, e a necessidade de os respectivos agentes oficiarem em todos os órgãos judiciários, porque a atividade se mostra essencial ao exercício da jurisdição, a distribuição da competência institucional parece intuitiva. O MPF atuará na Justiça Federal de primeiro e de segundo graus, bem como nos tribunais superiores (STJ e STF). Estes tribunais são federais – a União paga os subsídios dos seus integrantes. É digna de nota, sem pejo da natureza federal, a heterogeneidade da composição do STJ: um terço dos seus integrantes origina-se dos desembargadores do TJ da Justiça Comum e outro terço pelos juízes – o título de desembargador, segundo a CF/1988, é privativo do TJ (retro, 936.2) – com assento nos TRF. E, por sua vez, o MPE do Estado-membro e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios atuarão no âmbito territorial dessas unidades, no primeiro e no segundo grau. Nada obstante a naturalidade dessa divisão, uma questão subsiste implícita no esquema, haja vista os múltiplos ramos do Ministério Público. Enfrenta-a, na sua configuração mais extrema, o art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985. Declara o dispositivo que “admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos” contemplados na LAP. Não é diferente o preceituado no art. 210, § 1.º, da Lei 8.069/1990, quanto aos interesses da criança e do adolescente, e o art. 81, § 1.º, da Lei 10.741/2003, no tocante aos interesses dos idosos.

As disposições indicadas suscitam o problema mais geral de o MPF postular perante a Justiça Comum e o MPE na Justiça Federal. Feriu-se o tema ao tratar da exclusão de certas pessoas da competência da Justiça Federal (retro, 388.4), valendo reproduzir, neste capítulo, as conclusões então ministradas. O assunto apresenta delicadezas instigantes. Não comporta, destarte, equiparação à representação da parte por dois advogados diferentes.71 A respeito do problema, existem duas respeitáveis correntes. Segundo a primeira, as ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), particularmente a ação civil pública, extrapolam a competência da Justiça Federal – quer dizer, não se inserem automaticamente na respectiva competência – por duas razões: (a) o catálogo do art. 109 da CF/1988 é exaustivo, e, destarte, não comporta interpretação extensiva, motivo por que a presença do MPF – de resto, ausente do rol do art. 109, I, da CF/1988 –, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal; (b) as atribuições constitucionais do MPF excedem a competência natural da Justiça Federal, como se observa no art. 37, II, da LC 75/1993, segundo o qual os agentes exercerão suas atribuições “nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais”,72 bem como a legitimidade recursal para impugnar os julgamentos proferidos em controle concentrado pelos TJ (art. 37, parágrafo único, da LC 75/1993). Nenhum dispositivo confina a atuação do Ministério Público do Estadomembro à respectiva Justiça Comum ou o MPF à Justiça Federal. Restaria sem explicação convincente, ou se introduziria restrição indébita na figura, o litisconsórcio entre Ministérios Públicos,73 no polo ativo da ação civil pública, previsto art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1995.74 O art. 27, § 1.º, da Lei 9.966/2000, expressamente determina à Procuradoria Geral da República instar o Ministério Público dos Estados à propositura conjunta da ação, no caso de poluição por óleo e outras substâncias nocivas, em águas nacionais.75 Eventualmente, e talvez até como regra, considerando as preocupações institucionais, o MPF moverá ação civil pública contra as pessoas mencionadas no art. 109, I, da CF/1988. Em tal hipótese, mas por razão diversa – o réu é sujeito federal –, a Justiça Federal processará e julgará a demanda coletiva. Não entende dessa maneira a jurisprudência do STJ. Primeiro, estima que o interesse federal sobrepõe-se ao local. A União não se submete à Justiça Comum, mas os Estados podem ser demandados na Justiça Federal. Portanto, o Ministério Público do Estado-membro não tem legitimidade para propor ação civil pública em prol de interesse federal, não podendo demandar em conjunto com o MPF, nem ingressar como assistente.76 Segundo, proposta a ação civil pública pelo MPF, inclusive para negar-lhe legitimidade, ou porque versam unicamente interesses locais, a competência é da Justiça Federal.77 O STF examinou, incidentalmente, o problema da demarcação da competência de segmentos do Ministério Público. Enfrentou a inconstitucionalidade do art. 66, § 1.º, do CC, regra que atribuiu ao Ministério Público Federal a fiscalização das fundações sediadas no Distrito Federal. De acordo com o STF, a regra “peca, a um só tempo, por escassez e por excesso”: de um lado, há funções públicas cuja sede não é o Distrito Federal,

mas sua fiscalização é do Ministério Público Federal; de outro, há fundações privadas alheias à fiscalização do Ministério Público Federal, apesar de sediadas no Distrito Federal. O fundamento desse raciocínio consiste no fato que a repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público “corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e dos Estados e do Distrito Federal”.78 A Lei 11.151/2015 deu nova redação ao art. 66, § 1.º, do CC, atribuindo a fiscalização ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Resta acrescentar que a simples presença do MPF, no processo, já implica a competência da Justiça Federal,79 a qual incumbe pronunciar-se a respeito da respectiva atribuição para mover a ação civil pública, e, se for o caso, extinguir o processo por ilegitimidade ativa, salvo se houver litisconsórcio, na forma do art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985. E ao Ministério Público dos Estados-membros e do Distrito Federal compete, residualmente, mover ação civil pública para tutelar todo e qualquer interesse não incluído nas atribuições do MPF.80 § 217.º Disciplina da atividade processual do Ministério Público 1.048. Forma de comunicação dos atos processuais Cumpre ao juiz, configurada hipótese legal de intervenção (art. 178), determina a intimação do Ministério Público, ex officio, porque tal é a sistemática do NCPC em matéria de intimações (art. 271). Essa previsão sobrecarrega o atarefado órgão judiciário, conforme visualizava-se no direito anterior,81 confiando à atenção do diretor formal do problema difícil, a mais das vezes exigindo ponderação de valores, principalmente na hipótese do art. 178, I. Porém, preserva a coerência intrínseca à atuação do órgão judicial na delicadíssima audiência de saneamento e de organização do processo (art. 357), na qual, dentre outras atribuições, delimitará o tema da prova, segundo o teor do debate, e nada mais natural que, na leitura do processado, acuda à mente as variadas hipóteses interventivas do Ministério Público. E harmonizase com o dever de o relator, nos recursos, determinar a intimação do Ministério Público (art. 932, VII). Também não era muito seguro o anterior, atribuindo à parte, sem definir a qual, o ônus de promover a intimação do Ministério Público. O preceito dividia as opiniões. Nada pré-excluía a iniciativa de qualquer das partes, havendo interesse na higidez do processo, e percebendo o interessado a configuração de hipótese legal de intervenção.82 Interessava, porém, apontar precisamente a quem tocava esse dever, em virtude da responsabilidade autônoma da parte que dava azo à invalidação do processo e à repetição de atos processuais. Essas indefinições nada contribuem em prol da celeridade e da economia do processo. Era preferível, tudo medido e somado, atribuir o ônus genericamente ao autor, porque tomara a iniciativa de instaurar o processo em que haveria, por força de lei, intervenção do Ministério Público.83 Essa iniciativa concorre, atualmente, com a do órgão judiciário (art. 271). As intimações do Ministério Público ocorrem pessoalmente. É o que determinam os arts. 41, IV, da Lei 8.625/1993 e 180, caput, parte final, do NCPC. Desapareceu a antiga dificuldade do cabimento dessa forma de intimação consoante a função do agente do Ministério Público.84 Por um lado,

o Ministério Público já não representa em juízo as pessoas jurídicas de direito público; e, de outro, os procuradores das pessoas jurídicas de direito público também são intimados pessoalmente. A prerrogativa abrange o órgão do Ministério Público, independentemente da qualidade de parte principal ou coadjuvante. Em item próprio examinar-se-ão as modalidades de intimação pessoal (infra, 1.226). Realizava-se in faciem (art. 274, caput, parte final) antigamente – o escrivão procurava o agente do Ministério Público, no seu gabinete, situado na sede do juízo, ou entrava em contato no dia do seu usual comparecimento no cartório ou secretaria do tribunal, lançando certidão e colhendo a sua assinatura. O art. 180, caput, parte final, faz remissão ao art. 183, § 1.º, prevendo a intimação (a) por carga; (b) por remessa; e (c) por meio eletrônico. A remessa dos autos ao órgão competente do Ministério Público, mediante protocolo no livro próprio, em geral localizado em lugar distinto da sede do Juízo (infra, 1.235), equivale à intimação in faciem. Realizar-se-á a intimação pessoal em quaisquer circunstâncias. É pessoal a via eletrônica e, para essa finalidade, o Ministério público há de cadastrar endereço próprio (art. 270, parágrafo único, c/c art. 246, § 1.º). Não importa que, na comarca, as intimações de realizem, ordinariamente, através de publicação no órgão oficial.85 Estimou-se fundada a prerrogativa no fato de o Ministério Público, funcionando sem interesse próprio, não exibir predisposição idêntica ao do procurador das partes para acudir às intimações fictas.86 Os fundamentos da comunicação obrigatória são outros. Em primeiro lugar, assegura que, nos casos previstos em lei, o Ministério Público efetivamente conheça a existência do litígio, prescindindo de comunicações informais, todavia 87 admissíveis. Ademais, permite a modulação do número de intimações de acordo com o serviço. O agente do Ministério Público, à semelhança dos advogados públicos e diferentemente dos advogados privados, não tem qualquer meio para controlar o volume de serviço. A intimação pessoal permite melhor distribuição dos prazos em casos complexos sem prejuízo da celeridade global dos feitos em determinado ofício. Essa prerrogativa incide também no caso de o Ministério Público atuar como parte.88 O termo inicial do prazo é o comum (art. 230 c/c art. 231). Em geral, fluirá da data em que o agente do Ministério Público apõe o seu ciente, na intimação in faciem, ou na data do protocolo dos autos no ofício da procuradoria (infra, 1.159). Suprem a falta de intimação pessoal o comparecimento espontâneo do agente do Ministério Público e a ciência inequívoca (v.g., praticando ato condizente com a ciência do processado, retirando os autos em carga, e assim por diante). O Ministério Público, intervindo como fiscal da ordem jurídica, há de ser intimado de todos os atos do processo (art. 179, I, segunda parte). 1.049. Prazos especiais do Ministério Público O art. 180, caput, determina o cômputo em dobro para quaisquer manifestações do Ministério Público. Não é por outro motivo que, embora as

partes usufruam geralmente do prazo de quinze dias, o art. 178, caput, estipula trinta dias para intervenção como fiscal da ordem jurídica. Em que pese flagrante má vontade dos intérpretes com norma de teor parcialmente idêntico no direito anterior, recordados, talvez, do art. 21 do CPC de 1939, atribuindo ao Ministério Público prazo igual ao das partes, semelhante disposição ajusta-se ao modelo constitucional de processo justo e equilibrado. O STF declarou a constitucionalidade do art. 188 do CPC de 1973, similar à regra em vigor.89 Fundamenta-se a regra em duas considerações plausíveis: primeira, a tutela do interesse público exige maior prazo de reflexão e de preparo da manifestação;90 e segunda, os agentes do Ministério Público não dispõem de meios materiais, nem controlam o fluxo de serviço para arcar com as responsabilidades do prazo normal. Em particular, a disposição se harmoniza com o procedural due process of law, porque trata desigualmente o desigual. O art. 180, caput, exige interpretação estrita, porque institui situação especial. Não se aplica aos prazos próprios do Ministério Público (art. 180, § 2.º). Por exemplo, o prazo para responder ao recurso da parte contrária é igual ao das partes.91 Também é simples o prazo de cinco dias para o Ministério Público manifestar-se no conflito de competência, a teor do art. 956. Tampouco haverá dobra do prazo de vinte minutos, assinado ao debate oral na audiência de instrução e julgamento (art. 364 caput), e de quinze minutos para o debate no julgamento de recursos e causas de competência originária do tribunal (art. 937, caput). A natural exigência de interpretação estrita não condiz com exageros que levem a consagrar absurdos contrários ao seu espírito. Assim, competindo ao Ministério Público arguir a incompetência relativa (art. 65, parágrafo único), e manifestando após as partes (art. 179, I), ou seja, no procedimento comum após as providências preliminares, essa é a oportunidade, anterior à decisão do art. 357, para suscitar a questão e seu prazo será de trinta dias. Não há a menor dúvida que o prazo especial incide em qualquer procedimento, previsto ou não em lei extravagante, haja ou não remissão à lei geral. A ampliação do prazo para o Ministério Público independe da posição ocupada no processo. Incide nos casos de intervenção do art. 178.92 O Ministério Público tem prazo em dobro para recorrer quando figura no processo como parte principal e parte coadjuvante.93 Fórmula feliz exprimiu a razão desse tratamento isonômico das funções nesse contexto: “o benefício não visa à natureza da atuação, mas ao órgão agente”.94 E há outras razões para justificar esse entendimento, inclusive a interpretação literal da palavra “parte”, que abrange tanto a parte principal, quanto a parte coadjuvante.95 Nada obriga, entretanto, o Ministério Público a se manifestar tempestivamente. Findo o interregno legal, o juiz requisitará o processo (art. 180, § 1.º) e dar-lhe-á andamento. 1.050. Poderes e deveres processuais do Ministério Público

Segundo o art. 177, o Ministério Público exercerá o “direito” de ação em conformidade com as suas atribuições constitucionais. Essa disposição só aponta para os casos em que o Ministério Público deve agir em juízo – princípio da obrigatoriedade –, não lhe conferindo qualquer posição de destaque ou de proeminência em relação à posição de parte principal em qualquer processo. Logo, ao Ministério Público acodem os mesmos direitos, poderes, deveres e ônus das partes em geral. A tônica do art. 177 reside na atuação do Ministério Público como parte principal. Parece óbvio que, ingressando como parte coadjuvante, ao Ministério Público a posição discrepa da conferida às partes principais. É cedo para delimitar os lindes exatos dos poderes processuais do Ministério Público, nessa qualidade, mas basta um dado para realçar a diferença: a intangibilidade do objeto litigioso ou mérito. O objeto litigioso formar-se-á unicamente pela iniciativa das partes principais, como já explicado, e o Ministério Público opinará sobre o material de fato e de direito trazido pelas partes. E tanto é assim que o Ministério Público, como parte coadjuvante, manifestar-se-á após as partes (art. 179, I), quando já delineado esse quadro. Escapam inteiramente à intervenção do Ministério Público os negócios jurídicos dispositivos (v.g., transação), a respeito dos quais se limitará a ministrar conselhos, persuadir e opinar neste ou naquele sentido, sem dispor efetivamente da matéria litigiosa, nem exercer controle sobre a legalidade do negócio, juízo afeto ao órgão judiciário. Se o Ministério Público atua como parte principal, e independentemente da natureza individual ou transindividual dos interesses que compõem o objeto litigioso, concebem-se negócios jurídicos dispositivos com a sua participação, admitindo-se a celebração de compromisso de ajustamento no curso de ação civil pública.96 Esse negócio, uma vez homologado pelo juiz, conforme o respectivo teor adquirirá eficácia de título judicial (art. 515, III). Enfim, dos poderes do Ministério Público como parte coadjuvante ocupase o art. 179, e nada têm a ver com o art. 177. Nessa contingência, cumpre distinguir os poderes (e deveres) processuais do Ministério Público como parte principal e parte coadjuvante. 1.050.1. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte principal – Em sua formulação básica, o art. 177 exprime diretriz natural e cômoda. Ela evita construções desnecessárias e intrincadas para explicar a extensão dos poderes e dos deveres processuais do Ministério Público como parte principal. Enfrentado o problema técnico da atividade processual, equipara-se o Ministério Público, tout court, às demais partes. Em tese, portanto, o autor Ministério Público obrará como outro sujeito ativo qualquer,97 elaborando a inicial com os requisitos do art. 319, desincumbindo-se do relevante dever de veracidade (art. 77, I), no que tange à exposição dos fatos, recusando o juiz, nos casos legais, e assim por diante. Os poderes processuais do Ministério Público são objeto de preclusão.98

Nada obstante o mérito intrínseco dessa construção, o art. 177 padece de flagrante imperfeição, induzindo falsa impressão de isonomia absoluta entre a parte principal pública e a parte principal privada. No que toca ao primeiro aspecto, as transformações sofridas pelo Ministério Público, no último quartel do Século XX, evidenciaram que, além da legitimidade ativa contemplada no art. 177, a parte pública também ostentará legitimidade passiva em algumas situações. Se a omissão era compreensível no direito anterior, explicando o quod pluremque fit da sua época, é inaceitável no presente. A multiplicação dos juízos de procedência em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e a reação dos vencidos, após o trânsito em julgado, através da ação rescisória do art. 966, situou na ordem do dia o problema da legitimidade passiva nesse último remédio. Se o Ministério Público deduziu a pretensão, afinal acolhida, no exercício de sua plena independência funcional, tornar-se-á réu obrigatório na futura rescisória. Com efeito, devem integrar o contraditório da rescisória “todos aqueles que eram partes no feito anterior, ao ser proferida a sentença (lato sensu) rescindenda”.99 A natureza da legitimidade do Ministério Público, ao mover ações civis em defesa de interesses transindividuais, já recebeu análise em item anterior (retro, 557) e ao assunto se retornará adiante (infra, 1.069). É legitimado ordinário. O fato de enquadrar essa legitimidade do Ministério Público nos domínios da substituição processual não afeta a solução do ponto: “se, no outro processo, havia substituição processual, ocupando algum legitimado extraordinário a posição de autor ou réu,e subsiste a legitimação extraordinária, é da participação desse substituto que se tem de cogitar na rescisória”.100 De outro lado, inexiste isonomia absoluta entre o Ministério Público e outras partes principais. Na verdade, o Ministério Público desfruta de inúmeros privilégios processuais,101 a exemplo da intimação pessoal (art. 180, caput); da ampliação de alguns prazos; do regime financeiro do processo (art. 1.007, § 1.º), e assim por diante. Em alguns casos, as prerrogativas processuais se justificam pela necessidade de conduzir eficientemente o interesse público; às vezes, porém, trata-se de privilégio inexplicável e desarrazoado, que deixa a parte contrária (e a parte que o juiz reconheceu ter razão) exposta a um dano injusto e irremediável, como acontece no genérico bill of indenity quanto ao ônus da sucumbência (infra 1.052). Em compensação, motivos de impedimento e de suspeição incidem ao órgão do Ministério Público (art. 148, I). Entendeu oportuna a lei processual a explicitação de determinados poderes processuais do Ministério Público, abreviando controvérsias. Exemplo típico é o do art. 996, caput, segundo o qual o Ministério Público tem legitimidade para recorrer “como parte ou como fiscal da ordem jurídica”. Essa regra louvável, mas haurida do direito anterior, superou a restrição do art. 814 do CPC de 1939, legitimando o Ministério Público a recorrer somente “quando expresso em lei”, o que conduzia a doutrina, sob o primeiro código unitário, a recusar-lhe legitimidade recursal genérica como parte coadjuvante.102

Em relação à legitimidade para recorrer como parte principal, o art. 996, caput, parte final, é meramente explicativo, pois já estaria abrangido na menção alusiva à “parte vencida”. Em termos similares, o art. 967, III, legitima o Ministério Público a propor ação rescisória, se não figurou como parte coadjuvante e “quando a sentença é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei”, entendendo-se as demais hipóteses, figurando o Ministério Público como parte principal no processo civil, englobadas, genericamente, no art. 967, I,103 ou, ainda, na cláusula relativa “em outros casos em que se impunha sua atuação”. Calha recordar, ainda, a possibilidade de litisconsórcio entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado-membro, expressamente contemplado no art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985. Os deveres processuais das partes, superfluamente, também são explicitados, relativamente ao Ministério Público. Por exemplo, o art. 234 preceitua que se aplica ao Ministério Público o dever de restituir os autos ao juízo no prazo legal, submetendo-o, ademais, à sanção da multa, em procedimento administrativo no órgão corregedor interno (art. 234, § 4.º), e ao procedimento de cobrança, previsto no art. 234, § 2.º. Fora desses casos, e de outros análogos, vale plenamente a diretriz genérica, não cabendo restringir a atividade do Ministério Público em seu detrimento, nem privilegiá-la sem regra explícita. Por exemplo, cabe ao Ministério Público, na condição de parte principal, pleitear medidas urgentes, em especial tutela provisória.104 1.050.2. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte coadjuvante – É singular a posição processual do Ministério Público como parte coadjuvante. Embora idêntica à do assistente quanto ao objeto litigioso, que se delineia segundo as postulações das partes principais e escapa à sua disposição,105 não parece se harmonizar com os elevados propósitos dessa hipótese de intervenção quaisquer restrições que, sem embargo dos termos flexíveis do art. 121, caput, costuma-se aplicar ao assistente simples. Em particular, intervindo o Ministério Público com fundamento no art. 178, II, mostra-se inteiramente autônomo o teor da respectiva manifestação, quiçá desfavoravelmente aos interesses que embasaram a intervenção. O caso da intervenção fundada no interesse público é mais frisante, pois semelhante interesse pode não coincidir com o das partes principais. Essas considerações permitem traçar o regime da atividade processual como parte coadjuvante. O agente do Ministério Público desfruta de amplíssima independência jurídica para desempenhar as funções subsumidas na razão do ingresso no processo pendente. É lícito apresentar ao juiz todos os dados que sejam do seu conhecimento quanto aos fatos alegados pelas partes.106 Após a respectiva intervenção, adquire os poderes processuais inerentes à condição de parte (v.g., o de suscitar conflito de competência, a teor do art. 951, caput), eventualmente explicitados na lei, como acontece com o poder de recorrer (art. 996, caput), e os deveres processuais que pesam sobre todos os que

participam do processo (art. 77, caput).107 Da parte pública aguarda-se nada menos que atuação eticamente irretocável. Por isso, ao agente do Ministério Público se aplicam os motivos de impedimento e de suspeição (art. 148, I). Por exemplo, o Ministério Público deve restituir os autos em juízo no prazo legal, submetendo-se, destarte, ao regime comum aos advogados públicos e privados (art. 234). Apurada a falta, incorrerá inclusive na multa do art. 234, § 4.º, além de perder o direito de vista fora de cartório, cabendo ao órgão judiciário, comunicar o fato ao órgão corregedor do Ministério Público.108 Só regra expressa excepciona esse regime, em igualdade de condições com os advogados públicos e privados, a exemplo da multa do art. 77, § 2.º, em virtude do disposto no art. 77, 6.º. O art. 179, I, estimou prudente indicar, precisamente, o momento da manifestação do Ministério Público, cabendo ao órgão judiciário promover-lhe a intimação para intervir no prazo de trinta dias (art. 178, caput). Esse tópico receberá exame posteriormente (infra, 1.255.1). Interessa realçar, no art. 179, II, o poder de o Ministério Público produzir prova, propondo os meios de prova pertinentes. Embora desnecessária, a explicitação só contribuiu para desanuviar a atividade do Ministério Público nesse tópico essencial. Facultase ao Ministério Público “requerer toda classe de provas e diligências que lhe pareçam oportunas para o esclarecimento das alegações das partes”.109 É a orientação seguida no direito francês, a despeito da ausência de regra expressa, autorizando a juntada de documentos.110 E cabe-lhe acompanhar a produção das provas (v.g., formulando quesitos, na prova pericial; inquirindo partes e testemunhas, na audiência de instrução). Não há qualquer diferença quantitativa ou qualitativa, nesse âmbito, entre as partes (principais) e a parte coadjuvante. Os poderes processuais do Ministério Público abrangem a postulação de medidas urgentes. Se a finalidade da intervenção consiste em garantir um processo constitucionalmente justo e equilibrado, efetivando os valores superiores do ordenamento, a inércia da parte interessada não constitui obstáculo relevante à iniciativa do Ministério Público, requerendo a seu favor tutela provisória de urgência.111 1.051. Comportamentos contraditórios na intervenção simultânea A intervenção do Ministério Público nas causas pendentes como parte coadjuvante visa à proteção dos interesses públicos envolvidos no litígio. A observação da vida forense revela que nem sempre as partes principais curam desses interesses. Elas se concentram no êxito dos próprios interesses, por vezes divergentes do plano mais geral. Pode acontecer, e não raro sucede que, em virtude de diferentes hipóteses concorrentes, o Ministério Público haja de intervir, no mesmo processo, em funções idênticas ou diferentes. Legitimamente, o princípio da indivisibilidade impede que o Ministério, in simultaneo processu, atue como parte principal e como parte coadjuvante – o que se chega a admitir sem motivação convincente.112 As intervenções simultâneas mostram-se admissíveis na posição de parte coadjuvante. A representação legal dos incapazes, mencionada no art. 72, parágrafo único, tradicionalmente era acometida ao agente do Ministério Público, mas passou à função institucional da Defensoria Pública, desde o art. 4.º, VI, da LC 80/1994.113 Desapareceu,

assim, a incompatibilidade dessa função de substituto processual e a de parte coadjuvante, com fundamento no art. 179, II, acometida a um único agente. Existem outras possibilidades a serem aventadas, como a de o mesmo agente do Ministério Público atuar como parte coadjuvante de dois ou mais incapazes, ocupando idêntico polo processual, cujos interesses estejam em conflito. Em tal hipótese, caracteriza-se autêntico conflito de atribuições, passível de resolução administrativa, atribuindo a diferentes agentes uma e outra função. Nada obstante, o problema processual subsiste: cada uma das partes tem a legítima expectativa que seu interesse seja zelado eficientemente. Ora, no caso de colisão, ocorreria comprometimento no mínimo psicológico dos agentes encarregados da intervenção,114não dirimida satisfatoriamente no âmbito da independência jurídica. Trata-se de questão para a qual não há solução plenamente satisfatória. Entende-se que o Ministério Público, porque parte única, não pode adotar comportamentos contraditórios, nem sua intervenção se realiza a favor do interesse de um incapaz determinado, mas do que tem razão da causa, motivo por que haverá de optar por linha única, embora desfavorável a uma das partes. A situação mais comum consiste em diferentes agentes do Ministério Público, atuando na mesma ou em diferentes funções, adotarem comportamentos contraditórios. Por exemplo, inicialmente o Ministério Público exara parecer no sentido que há fatos controversos, dependentes de prova, e, em oportunidade subsequente, por outro agente, manifesta-se em contrário à produção da prova. É claro que os agentes do Ministério Público, no exercício de suas atribuições funcionais, desfrutam de independência jurídica. Tal não impede que o comportamento contraditório, uma vez expresso, assuma relevância processual. O Ministério Público atua como parte única, independentemente do agente concreto que oficia no processo, e, portanto, o comportamento contraditório há de ser reprimido tanto quanto o praticado pelos particulares. É inadmissível o Ministério Público atuar como parte, movendo ação civil pública, e, com fundamento no art. 178, I, intervir como parte coadjuvante, no mesmo processo,115 em razão do mesmo princípio: incompatibilidade de funções. A jurisprudência do STJ orienta-se nesse sentido.116 Essa situação revela-se bastante comum na prática. Eventualmente, oficiando no recurso interposto nessas causas, o agente do Ministério Público em segundo grau manifesta-se contrariamente às teses de direito ou de fato defendidas pelo Ministério Público autor da demanda. O comportamento contraditório, nessa hipótese, exibe gravidade menor, porque há diferença de funções, mas ainda se mostra discernível e constrangedor à instituição. E mais: levada a intervenção a esses extremos, concebe-se que o Ministério Público emita parecer pelo provimento de certo recurso, processado sem efeito suspensivo, mas conteste e interponha recurso contra a decisão do relator que lhe deferiu efeito suspensivo, através do órgão encarregado de promover a ação civil pública, decisão fundada na verossimilhança da pretensão recursal já admitida pela parte coadjuvante. A contradição torna a atividade do Ministério Público paradoxal. Por isso, não há como admitir a intervenção da parte coadjuvante, devendo ser desentranhada eventual manifestação. Em sentido contrário, o STJ reconheceu a possibilidade de o Ministério Público manifestar-se contraditoriamente, e de intervir como parte

coadjuvante nos processos em que figura como parte principal, mas atribuiu efeito insólito: a última manifestação, proferida na sessão de julgamento do tribunal, vinculará a instituição como um todo.117 O problema conexo a essa ocorrência, e relativo ao eventual conflito de atribuições, ocupando o mesmo corpo duas posições processuais diferentes (e, como visto, assumindo entendimentos contraditórios), resolve-se facilmente. É preciso distinguir entre as competências funcionais para praticar atos processuais no primeiro e no segundo grau de jurisdição.118 Nas causas de competência do primeiro grau, compete ao órgão de atuação nessa esfera desempenhar as duas funções, inclusive recorrendo ao tribunal dos pronunciamentos desfavoráveis. O órgão com atuação no segundo grau assumirá, a partir da distribuição do recurso no tribunal, a competência administrativa correspondente, emitindo parecer e recorrendo (v.g., interposição de embargos de declaração). É claro que, sendo a causa de competência originária do segundo grau, também é o órgão de atuação correspondente do Ministério Público que deverá propô-la na forma da lei. 1.052. Responsabilidade financeira do Ministério Público O processo civil brasileiro evoluiu de um liberalismo acanhado e sujeito a retrocessos para feição marcadamente “social”. Esse modelo sobrepõe a autoridade do juiz, considerando os fins públicos do instrumento de resolução dos conflitos, às iniciativas convergentes das partes. Não há motivo para surpresas nessa filiação entusiástica. O autoritarismo marcou decididamente o direito e a política brasileira. Expressou-se o intervencionismo, na lei processual civil, mediante a superlativa concentração de poderes no órgão judiciário, um dos aspectos mais frisantes do CPC de 1939, reproduzido, com flagrante aumento de grau, no art. 125 do CPC de 1973 e, atualmente, no art. 139 do NCPC. Em certo sentido, o processo civil pátrio, na atualidade, situa-se na contramão da tendência de reduzir o caráter público do processo civil.119 Uma das formas de autoritarismo no processo civil localiza-se na disciplina da responsabilidade financeira do Ministério Público como parte. Dispõe o art. 82, § 1.º, que cumpre ao autor antecipar as despesas dos atos ordenados pelo juiz, ex officio, ou a requerimento do Ministério Público. Por sua vez, o art. 91, caput, estipula que tais despesas serão pagas a final pelo vencido. Esse esquema básico funciona, mas em termos, nas hipóteses em que o Ministério Público atua como parte coadjuvante. Não figurando como autor ou réu, mas parte desinteressada, cuja intervenção tutela, predominantemente, o interesse público e social (art. 178, I), compreende-se que o Ministério Público, mesmo quando exerce seus poderes processuais (v.g., o de propor meios de prova), não suporte os encargos financeiros do processo. É verdade que a atuação do Ministério Público implica aumento das despesas processuais. No entanto, vencendo o autor, que as antecipou, no final será reembolsado; ao invés, vencendo o réu, que não as suportou originariamente, com maiores razões o sistema respalda-se, retroativamente, no desfecho do processo; e, em qualquer hipótese, o êxito da parte vitoriosa, inclusive o do adversário da que ensejou a intervenção da parte coadjuvante, talvez decorra da oportuna providência requerida pelo agente da instituição. O gravame do

autor vitorioso, no que tange à antecipação das despesas relativas aos atos praticados a requerimento do Ministério Público, revelar-se-á provisório no caso de sucesso e, presumivelmente, remediado através da execução do capítulo acessório da sucumbência. Eventual risco de o vitorioso não receber seu crédito é o usual. Ele existiria, de toda sorte, apesar de aumentado pelo custo da atividade processual do Ministério Público. Não é exatamente satisfatório, mas aceitável. Figurando o Ministério Público como parte principal (em geral, como autor; mais raramente, como réu), tudo muda de figura. O art. 18 da Lei 7.347/1985 desequilibrou a balança, de vez, estipulando que na ação civil pública, principal remédio processual empregado pelo Ministério Público como autor, “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas”, excepcionando a regra geral do art. 82. O art. 18 da Lei 7.347/1985 não resolve satisfatoriamente os problemas práticos que esse regime agasalha. Parece sumamente injusto transferir os encargos de antecipar as despesas processuais para o réu,120 invertendo, simplesmente, a proposição normativa do art. 82, caput, do NCPC, por várias e plausíveis razões. Tome-se como caso emblemático a antecipação dos honorários periciais (art. 95). É contra a natureza constranger o réu, que se tornou parte passiva na demanda contra a sua vontade, e enfrenta o mais poderoso e temível dos adversários – o Ministério Público –, suportar tais encargos e, por exemplo, arcar com as despesas intrínsecas à realização de uma perícia que, eventualmente, resultará em prova contra o próprio interesse. Do contrário, o réu requereria semelhante prova, depositando fé no resultado. E, além disso, inexiste base para atribuir, contra legem, as despesas para o réu. Tratando-se de custas, devidas ao próprio Estado e aos serventuários (v.g., ao escrivão, ao oficial de justiça, ao contador, ao distribuidor) a solução consiste em isentar o Ministério Público da antecipação e do pagamento dessas despesas a final. Então, há dois resultados concebíveis: no caso de vitória do réu, a máquina judiciária movimentou-se, inutilmente, mas toda a sociedade suportará o conjunto das despesas; logrando sucesso o autor, o réu ressarcirá custas devidas a esses serventuários e pelos atos por eles praticados. Como quer que seja, no curso do processo a inexistência do dever de o Ministério Público antecipar as despesas processuais gera profundo desequilíbrio das partes. O réu arcará com as despesas dos atos que requereu ou praticou no processo, inclusive na ação civil pública, porque assentado não se aplicar a ele o art. 18 da Lei 7.347/1985,121 enquanto o autor litiga sem quaisquer encargos, provocando, no mínimo, a latente sensação de injustiça. Em relação aos particulares que colaboram com a Administração da Justiça, a exemplo do perito, semelhante raciocínio obviamente não se ajusta ao particular, que só desempenhará a função mediante contraprestação imediata e completa. Exemplo frisante é o da perícia. Para cativar os especialistas a colaborar com o processo, e mesmo considerando o dever genérico de cooperação do terceiro no esclarecimento dos fatos que originariam o litígio (art. 378), também aplicável a quem detém conhecimento científico, técnico, artístico e prático, o art. 95, § 1.º, instituiu a faculdade de o juiz determinar o depósito prévio da remuneração. Do ponto de vista prático,

tal depósito, a cargo da parte responsável pelo pagamento, talvez de ambas, hipótese de rateio (art. 95, caput) e a respectiva liberação parcial (art. 465, § 5.º) condicionam a aceitação do encargo e a realização do trabalho. Se o Ministério Público requer a realização de perícia, toca-lhe o ônus de pagá-la, a teor do art. 91, § 1.º, e de antecipar o valor fixado pelo juiz, sob pena de o perito – invocando o justo motivo de que não é obrigado de trabalhar gratuitamente – rejeitar a atividade. É bem de ver que, no tocante à Fazenda Pública como parte, submetida a regime análogo – o art. 91, caput, mencionaa expressamente – a Súmula do STJ, n. 232, sujeita-a ao depósito prévio dos honorários no direito anterior. O STJ ensaiou seguir a orientação cristalizada neste verbete, por analogia,122 impondo ao Ministério Público o ônus de antecipar os honorários do perito, em virtude das “dificuldades práticas” provocadas pela isenção legal – impossibilidade de realizar a perícia –,123 mas acabou por mantê-la, realçando importante ressalva: a parte adversária não pode ser obrigada a antecipar a despesa.124 O art. 91, §§ 1.º e 2.º, deu a solução possível a esse problema, mandando utilizar recursos orçamentários, não sendo feita a perícia por entidade pública (v.g., o Departamento de Genética da Universidade Federal, na ação civil pública que envolva prova dessa natureza). A mais das vezes, o dinheiro aparece, pois há recursos no orçamento, indicando a ausência de base atual do art. 18 da Lei 7.347/1985. Outra solução, alvitrada pelo STJ no direito anterior, residia em fazer o fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/1985.125 Não há falta de verba, nos recursos que tratam do tema, mas a defesa do próprio orçamento – tendência natural nas corporações de qualquer espécie. O art. 18 da Lei 7.347/1985 vai mais longe. Também determina que, salvo nos casos de comprovada má fé, o juiz não condenará a “associação autora (…) em honorários de advogado, custas e despesas processuais”. Literalmente, a regra não incide quando o Ministério Público figurar como autor da ação. Por esse motivo, silenciando a regra quanto a ele, tem plena vigência as regras gerais do art. 82, § 2.º e do art. 85, caput, “porque, como se sabe, lex specialis deogat lege generale, mas só nos limites da especialidade”.126 A jurisprudência do STJ, todavia, estende ao Ministério Público o art. 18 da Lei 7.347/1985, e, para conferir tratamento isonômico às partes, também isenta o réu vencido dessa condenação.127 É digno de lembrança que o STF estimou que eventual condenação a favor do Ministério Público não infringe a proibição do art. 128, § 5.º, II, a, da CF/1988, vedando à instituição “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários”, porque a verba é recolhida ao erário.128 Não há argumento convincente a justificar esse singular e insólito regime. Ele não é exclusivo do direito brasileiro.129 Tal circunstância acidental não o torna aceitável e imune a críticas. O fato de o Ministério Público defender em juízo, supostamente, o interesse público, considerado dado bastante para inviabilizar a condenação a favor da parte vencedora,130 não resiste à inexistência desse interesse na hipótese de restar vencido. Um órgão do Estado perturbou a paz jurídica do réu, por si só bem inestimável, obrigou-o a realizar despesas de vulto para se defender em juízo, pois ninguém litiga com o Ministério Público sem contratar os melhores (e, portanto, mais caros) procuradores, exceto as pessoas temerárias ou sumamente corajosas, e,

nada obstante o próprio Estado reconhecer-lhe a razão, objetivamente sofrerá um prejuízo irremediável, ficando sem o devido ressarcimento dessas despesas. O entendimento infringe o princípio constitucional de que o processo não pode resultar em dano à parte que tem razão.131 A ruína financeira da pessoa natural ou jurídica processada injustamente por órgão do Estado não tem base social sadia. E, como enfatizado, não faltam recursos orçamentários para o Ministério Público, visualizados na justa e necessária opulência das suas instalações materiais, indício que, na partilha das receitas públicas, o seu generoso quinhão pode ter outro destino. A falta de riscos financeiros, em qualquer demanda, constitui poderoso emulador senão da temeridade mais impudente e atrevida, ao menos da falta de maior reflexão e ponderação quanto à existência da pretensão e à responsabilidade real do réu, e conseguintemente, da sua condição de legitimado passivo. O autor estende rede estreita, deliberadamente, confiando que o juiz, na sentença, apanhe os que sejam responsáveis e mereçam a condenação. Entrementes, os inocentes permanecem enredados no processo, por tempo indeterminado, sofrendo os efeitos da litispendência (v.g., restrições ao crédito). Dir-se-á que essa situação encontra oportuna ressalva no art. 18, que autoriza a condenação no caso de má fé. É exigir muito que o órgão judiciário arroste a antipatia do Ministério Público ao averbá-lo de litigante de má-fé (art. 79). Por isso, raramente chega-se a esse resultado e, quando ele é proclamado, suscita toda sorte de rancores profissionais. Por outro lado, não se mostra admissível condenar o Estado-membro ou a União no processo em que tais pessoas políticas não figuraram como parte, e, assim, usufruíram o direito fundamental à defesa. O único caminho para o vencido ressarcir-se, uma vez armado de suficiente intrepidez, consiste em mover ação autônoma contra a União e o Estado-membro, pleiteando a devida indenização por seu dano (art. 37, § 6.º, da CF/1988). O fato é que a única solução justa consiste em impor os encargos da sucumbência ao Ministério Público, conforme se sustenta no direito italiano132 e brasileiro,133sob o irrepreensível argumento que, do contrário, adotar-se-ia “veramente una soluzione iniqua”.134 1.053. Responsabilidade por dano processual do Ministério Público O Ministério Público, na qualidade de parte principal e coadjuvante, tem os mesmos poderes e deveres que as demais partes e figurantes do processo, ressalva feita a regra expressa em contrário (v.g., art. 77, § 6.º). Os respectivos agentes – e não apenas, impessoalmente, a instituição – incluemse no âmbito do art. 77.135Regras particulares dispõem nesse mesmo sentido. Por exemplo, o art. 93 estipula que as despesas pelos atos adiados (v.g., o Ministério Público não compareceu à audiência) ou repetidos ficarão a cargo, dentre outros responsáveis, do Ministério Público. Tal dispositivo comprova que o Ministério Público não se forra aos deveres impostos às partes.136 A elevada qualificação dos agentes do Ministério Público deles exige maior probidade, pontualidade e compostura. A propositura de ação civil, em geral utilizada pelo Ministério Público, com “comprovada má-fé” acarreta, segundo o art. 18 da Lei 7.347/1985, a

condenação em honorários e custas. Também poderá ocorrer, sob o mesmo fundamento, a condenação por dolo processual, relativamente a algum ato específico (v.g., a interposição de recurso manifestamente protelatório, a teor do art. 80, VII). 1.054. Responsabilidade civil dos agentes do Ministério Público O art. 181 do NCPC disciplina a responsabilidade civil do “membro” do Ministério Público por atos do seu ofício. É preferível essa expressão, equivalente à integrante ou agente, em lugar do “órgão” do direito anterior (v.g., a 1.ª Promotoria Cível), porque se cuida de responsabilidade de quem, mediante concurso público, ingressou na carreira do Ministério Público.137 As distintas acepções de “órgão” no direito administrativo pouco convidam à clareza. Por igual, essas pessoas têm responsabilidade penal e administrativa, haja ou não múltipla incidência do mesmo fato em regras diferentes. As relações entre as pretensões originadas desse trivial fenômeno exibem disciplina complexa, nem sempre harmoniosa, mas examinada no item em que se cotejou o delicado intercâmbio entre o processo civil e o processo penal (retro, 35) e o primeiro e o administrativo (retro, 36). À primeira vista, o art. 181 destacou o agente do Ministério Público do regime comum da responsabilidade prevista na lei civil. E o fez para restringila sob dois aspectos: (a) natureza da conduta; (b) natureza da responsabilidade. O agente do Ministério Público responderá, civilmente, quando proceder “com dolo ou fraude” no exercício das suas funções. Escapam da incidência do dispositivo, na sua curial literalidade, os atos funcionais culposos (v.g., a perda do prazo recursal; a ausência ou a insuficiência de atuação como parte principal ou coadjuvante) e os eventos ilícitos estranhos às atribuições do cargo (v.g., o acidente de trânsito, no qual o veículo do promotor que se deslocava de uma comarca para outra, a fim de desincumbir-se da substituição de colega, e que gerou danos pessoais e materiais em terceiros). Existem bons argumentos favoráveis à instituição do regime especial, assinalando-se, basicamente, que não se mostraria razoável expor os agentes “ao risco de ter de ressarcir os danos provenientes de erro, ainda que grosseiro, mas praticado de boa-fé, sem lhes tolher a ação”.138 Os atos processuais culposos, nada obstante reprováveis, ostentam unicamente reflexos administrativos.139 Expõem o agente à persecução dos órgãos de controle internos e do CNMP. Os atos dolosos arrolados no art. 77, ou seja, os que implicam o descumprimento dos deveres processuais das partes, em geral, têm outra disciplina. Eles são apurados, incidenter tantum, e, declarado o an debeatur (art. 79) o juiz fixará o valor da indenização, desde logo, ou remeterá a(s) parte(s) lesadas(s) à liquidação (art. 81, § 3.º), evidenciando que se cuidará somente do quantum debeatur. A muitos pareceu muito restritivo o regime da responsabilidade pessoal dos agentes do Ministério Público. No mínimo, cumpriria distinguir a responsabilidade decorrente dos atos processuais e a atinente aos atos materiais, ou seja, à participação do agente nesses atos, a exemplo da ofensa

à honra assacada em audiência. Em suma, haveria campo largo para a invocação do art. 186 do CC.140 Em realidade, a responsabilidade dos agentes do Ministério Público não se atém aos casos de dolo e de fraude, por duas razões autônomas: (a) há outros casos de responsabilidade civil que se contentam com a culpa, ou não exigem explicitamente o dolo, como acontece, tratando-se do Ministério Público Federal, do uso indevido de documentos ou de informações requisitadas (art. 8.º, § 1.º, da LC 75/1993); (b) a lei ordinária não pode restringir a pretensão regressiva contemplada no art. 37, § 6.º, da CF/1988, que pode ser fundada em culpa.141 À semelhança do que sucedia com a responsabilidade civil da pessoa investida na função judicante, mostrava-se irrelevante a circunstância de as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados-membros, Distrito Federal e Territórios) responderem, objetivamente, pelos ilícitos provocados por seus agentes – expressão de conteúdo lato, abrangendo quaisquer agentes, independente do seu escalão –,142 a teor do art. 37, § 6.º, exceto no que toca ao aspecto aventado. A regra constitucional admite a pretensão regressiva no caso de culpa, e, portanto, a lei infraconstitucional não pode restringi-la ao dolo, no caso dos juízes e dos agentes do Ministério Público. Porém, o art. 181 declara responsável, pessoalmente, o membro do Ministério Público, mas regressivamente, a denotar a adoção da chamada teoria do escudo, impedindo a ação direta contra o agente político.143 Não existirá, doravante, concurso eletivo de pretensões, cabendo ao lesado propor a ação de reparação contra o autor do dano, fundada em culpa no sentido lato, ou contra o Estado, invocando a responsabilidade objetiva, assegurado a este a pretensão regressiva contra o seu agente. Resta ao lesado pela atuação em juízo do agente do Ministério Público apenas a pretensão contra a União, o Distrito Federal e o Estado-membro, conforme o ramo do Ministério Público. O STF negava, no direito anterior, ação direta contra magistrado,144 invocando argumentos insubsistentes, de lege lata, embora admitisse a pretensão regressiva, o que se aplica, em igualdade de condições, aos agentes do Ministério Público. Esperava-se outra orientação do art. 181, pois alterou-se profundamente a disciplina geral da responsabilidade civil e sem maior proveito. Por exemplo, nada pré-excluiu o efeito civil da sentença penal condenatória do membro do Ministério Público, que torna certa a obrigação de reparar o dano (art. 91, I, do CPB), e, portanto, a execução pelo lesado do título executivo judicial. E há dificuldade adicional: o STF estimou a emissão de parecer errôneo do Ministério Público, que é o ato processual típico praticado por seus agentes, atuando como parte coadjuvante, não constitui ilícito indenizável porque semelhante opinião não é vinculativa para o juiz.145 Ora, se a infração por dolo processual tem disciplina peculiar e se o ato típico não constitui ilícito, em tese, a despeito de dolosamente induzir o juiz em mau caminho (v.g., indicou falsos precedentes favoráveis às teses de uma das partes), a responsabilidade civil do agente do Ministério Público ficará esvaziada, ao menos no papel de parte coadjuvante.

Superadas as dificuldades, sovadas pelo malsão corporativismo, resta definir, em linhas gerais, a responsabilidade civil dos agentes do Ministério Público. O art. 181 contempla pretensão que toca ao lesado (v.g., a parte prejudicada pela falta de restituição dos autos físicos, no prazo legal, a teor do art. 234, ou pelo seu desaparecimento, exigindo restauração, a teor do art. 718), figurando o agente do Ministério Público como réu. Essa pretensão deve ser proposta no lugar do fato (art. 53, IV, a),146 que é a sede do juízo. Legitimam-se, passivamente, a União, o Distrito Federal e o Estado-membro, conforme o caso. Assim, processar-se-á na Justiça Federal, no caso de figurar como réu a União. A pretensão direta fundar-se-á em fatos que configurem fraude (v.g., a falsificação ideológica ou material) ou dolo (v.g., a promoção retardadora dos trâmites processuais, com a intenção de prejudicar uma das partes). A independência jurídica do Ministério Público não pré-exclui a ilicitude desses fatos. Não se distingue se o ato ilícito foi praticado pelo agente do Ministério Público na condição de parte principal ou de parte coadjuvante.147E a pessoa jurídica de direito público poderá chamar em garantia o agente do Ministério Público (art.125, I) ou propor ulterior ação autônoma (art. 125, § 1.º). Tal é a consequência da responsabilidade regressiva prevista no art. 181. Fora desses pontos realçados, nada há de peculiar no processamento e julgamento da pretensão à indenização. § 218.º Intervenção da parte coadjuvante nos casos da lei geral 1.055. Casos de intervenção na lei geral O estatuto processual arrola diversas hipóteses em que, para desempenhar a contento a missão que lhe confia o art. 127, caput, da CF/1988 – “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” –, o Ministério Público intervirá no feito pendente como parte coadjuvante. O art. 178 traça as situações básicas. Elas desvelam o interesse que propicia a intervenção. Disposições dispersas no corpo da lei têm idêntica finalidade. O preceito equivalente do CPC de 1973 exibia direta ascendência italiana.148 No entanto, as respectivas modalidades de intervenção entroncamse no velho direito português. O Livro I, Título 12, das Ordenações Manuelinas, obrigava o promotor de justiça da Casa de Suplicação alegar e requerer tudo quanto respeitasse à Justiça. Não é difícil ler a regra de modo consentâneo com os vigentes fundamentos constitucionais do Ministério Público. Os últimos tempos se caracterizaram senão pelo desprezo, ao menos por marcante indiferença a essa função. A atuação do Ministério Público como ator principal no processo coletivo parece preferível ao trabalho insípido e tormentoso de intervir em causas alheias sem reconhecimento e compreensão dos litigantes. Ocorre que o interesse social intrínseco nas hipóteses de intervenção é tão intenso quanto o que inspira as situações de legitimidade ativa.149 O Ministério Público não pode negligenciar a intervenção

como parte coadjuvante sem prejudicar os relevantes interesses que lhe incumbe tutelar. O art. 178 remodelou as hipóteses de intervenção. Em primeiro lugar, engloba todas as hipóteses previstas na lei infraconstitucional e na CF/1988. Em seguida, destacou três casos específicos: (a) interesse público ou social (inc. I); (b) interesse de incapaz (inc. II); (c) litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana (inc. III). Em relação ao direito anterior, desapareceu a menção especial às ações de estado, todavia exigida em alguns casos, sem embargo do disposto no art. 698, razão bastante para tratá-la nesse parágrafo. E, a rigor, o interesse público e social engloba as hipóteses dos incs. II e III do art. 178. Ao menos no caso dos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, o tratamento conjunto é imperioso. As hipóteses de intervenção do art. 178, I a III, tendem à universalização. Assim, nos procedimentos de jurisdição voluntária o Ministério Público nesses casos, como resulta do art. 721. Passa-se a examinar as hipóteses interventivas, começando pela mais peculiar (art. 178, II). 1.056. Intervenção nas causas envolvendo interesses de incapazes O art. 178, II, determina a intervenção do Ministério Público nas causas em que haja “interesse de incapaz”. Não importa, para os fins da regra, a natureza da incapacidade, que pode ser absoluta ou relativa, a natureza da causa ou o seu valor.150 Porém, o STF estimou desnecessária essa intervenção em processos administrativos,151 sob tal causa. É suficientemente forte esse interesse para legitimar o Ministério Público a requerer a abertura do inventário (art. 626, caput), existindo herdeiro incapaz. Fundamenta-se essa intervenção no interesse social mencionado no art. 127, caput, da CF/1988. A lei civil tem o maior apreço pela tutela dos incapazes. Assim, a lei processual, repercutindo a proteção material, além da representação ou assistência dos incapazes por pais, tutores e curadores (art. 71), impõe ao juiz dar curador especial ao incapaz sem representante, ou quando houver potencial colisão entre os interesses próprios do incapaz e do seu representante (v.g., a alienação do patrimônio), nos termos do art. 72, I (retro, 537.1). Essas medidas integram a capacidade processual do incapaz em juízo. Não pareceu proteção suficiente, entretanto, confiar toda atividade processual unicamente ao representante do incapaz, acompanhado, ou não, de curador especial. A bem da legitimidade do desfecho do processo, curando do interesse social que o incapaz não seja prejudicado, intervém o Ministério Público. Por óbvio, não representará em juízo o interesse do incapaz,152 pois outro é o motivo da intervenção. O art. 11 da Lei 9.099/1995 declara que, nos juizados especiais, o Ministério Público intervirá nos casos legais. Porém, inexiste necessidade dessa intervenção se a lei especial habilita o incapaz a postular em nome próprio.153

O fundamento constitucional dessa intervenção não se revela incompatível com a independência jurídica do agente do Ministério Público. Caber-lhe-á, sobretudo, a defesa da ordem jurídica. Assim, não deve opinar a favor do incapaz que, a seu juízo, não tem razão. Embora a intervenção ocorra predominantemente a favor do interesse do incapaz – o que explica, de resto, o suprimento do vício, secundum eventus litis, resultante da ausência de intervenção (infra, 1.255.1.2) –,154 velando pela efetiva paridade de armas, o Ministério Público pode opinar contra a tese jurídica do incapaz e a favor da parte contrária maior e capaz.155 A tese atrelando o entendimento do Ministério Público inexoravelmente ao interesse de incapaz, defendida por alguns prosélitos,156 não se harmoniza com a independência jurídica do órgão. Essa possibilidade indica que há interesse público envolvido, mas não predominantemente.157 Seja como for, o Ministério Público legitima-se a impugnar o provimento a favor do incapaz, mas contrário à ordem jurídica. 1.057. Intervenção nas causas envolvendo estado das pessoas Estipulava o direito anterior intervenção do Ministério Público nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade. Essa regra abrangia, por um lado, a hipótese da intervenção quando houvesse interesse de incapaz, porque as causas relativas à tutela, à curatela, ao poder familiar, à intervenção, envolvem, por definição, esse interesse; e, de outro lado, era redundante, porque a cláusula inicial abarcaria, a rigor, todos os casos subsequentes.158 Era amplíssimo o universo dessas causas. E o catálogo aumentava mediante a interpretação elástica da regra, a fim de ajustá-la à missão do art. 127, caput, da CF/1988. Assim, o estado da pessoa abrange, além do clássico estado familiar (v.g., a pretensão à investigação da paternidade ou da maternidade), o estado político, envolvendo a cidadania em sentido lato. Nesse sentido, o dispositivo absorveria disposições específicas (v.g., a intervenção do Ministério Público no habeas data, a teor do art. 12 da Lei 9.507/1997), reafirmando a tutela dos interesses sociais. Inteiramente diferente é o sistema do NCPC. Segundo o art. 698, nas ações de família o Ministério Público só intervirá existindo interesse de incapaz. Nas causas relativas ao poder familiar, ainda sobreleva-se, a teor do art. 178, caput, a intervenção no procedimento para dirimir o conflito entre os pais (art. 1.631, parágrafo único, do CC; art. 21 da Lei 8.069/1990), bem como pretensões relativas à guarda, à destituição do poder familiar, alienação de imóveis, e assim por diante. Idênticas razões militam em prol das causas relativas à tutela e à curatela (v.g., as pretensões à destituição do tutor ou do curador ou às pretensões destes de cobrar as despesas realizadas) e à interdição (art. 752, § 1.º, do NCPC). E intervirá o Ministério Público nas causas relativas ao casamento (v.g., as pretensões à dissolução da sociedade conjugal e do próprio vínculo), a verdade simples subespécie de ações de estado, bem como a união estável entre pessoas do mesmo ou de diferente sexo, existindo menores (art. 698).

É bem de ver que o Ministério Público não defende a constituição ou a subsistência desses vínculos. Defendia o interesse social subjacente à estabilidade dessas relações.159 Eis o motivo por que incluir-se-ia a intervenção na hipótese do art. 178, I, do NCPC não fora a regra contrária do art. 698. Por fim, mencionava-se as causas atinentes à declaração de ausência (v.g., art. 745, § 4.º) e às declarações de última vontade (v.g., na confirmação do testamento particular, a teor do art. 735, § 2.º e art. 737, § 2.º). Um caso especial reponta no art. 1.770 do CC que, na ação de interdição movida por um dos legitimados concorrentes (art. 1.768, I e II, do CC), declara que o Ministério Público oficiará como “defensor” do interditando. Na realidade, o Ministério Público não funciona como representante dos incapazes em juízo, função que toca à Defensoria Pública (art. 4.º, XVI, da LC 80/1994). Em tal hipótese, existe o contraditor legítimo que, em outros sistemas jurídicos, conduz à participação do Ministério Público nessa causa.160 Nesse sentido dispõem, agora, os incs. I e II do art. 748 do NCPC. Logo, a intervenção prevista na lei civil é na condição de parte coadjuvante, não tendo o Ministério Público a iniciativa do art. 747, IV. 1.058. Intervenção nas causas envolvendo interesse público e social Nenhum outro item denotava melhor a intensidade da filiação do art. 82 do CPC de 1973 ao direito italiano que seu inc. III. Essa regra contemplava a intervenção do Ministério Público nos litígios em que houver interesse público, “evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”. Em sua redação primitiva, a regra inspirou-se na parte final do art. 70 do CPC italiano, e, como na primeira hora notou-se naquele ordenamento, a fórmula genérica deve-se a um peculiar interesse na justiça da decisão: “ou porque a questão jurídica é séria e delicada, ou porque o contraditório entre as partes não se revela plenamente eficiente ou, ainda, porque a matéria controvertida é tal que eventual decisão injusta pareceria muito sensível e provocaria considerável desconforto no espírito público”.161 É verdade que, nas legislações anteriores ao CPC de 1939, localizavam-se regras análogas,162 não consideradas na ulterior codificação nacional. A inspiração direta afigurava-se mais prosaica: a emenda legislativa que transferiu a redação do projeto baseou-se em tese defendida em colóquio corporativista.163 É digno de nota que a atual redação do art. 425 do CPC francês eliminou essa hipótese de comunicação obrigatória do litígio ao Ministério Público. Embora o Ministério Público também possa atuar como parte principal nessas causas, prevalece o entendimento que a omissão vigente não constitui empecilho à intervenção.164 A Lei 9.415/1996 explicitou como espécie do gênero de causa em que há flagrante interesse público os “litígios coletivos pela posse da terra rural”, assim definida pelo art. 4.º da Lei 8.629/1993. O destaque não mirou tanto na desapropriação para reforma agrária, mas, fundamentalmente, ensejou a intervenção nas ações possessórias e reivindicatórias em que figurem número expressivo de pessoas, como acontece com as ocupações de áreas

supostamente improdutivas pelo MST e congêneres.165 O art. 178, III, do NCPC ampliou a hipótese interventiva, com razão, para aos imóveis urbanos – interpretação consentânea com a finalidade da regra (v.g., a ocupação de edifício em construção por movimento social organizado). À primeira vista, o art. 82, III, do CPC de 1973 pareceu excessivamente genérico e indefinido, em razão das notórias imprecisões do conceito juridicamente indeterminado de “interesse público”. A insegurança na exata definição da hipótese de intervenção sovou a tese de entendê-la simples faculdade a do Ministério Público.166 Objetivava-se não macular a validade dos atos processuais, conforme o momento em que postulado o ingresso no processo pendente, bem de acordo, aliás, com o art. 70, parte final, do CPC italiano. Essa crítica não tem procedência. O dispositivo autoriza o Ministério Público a intervir, sob controle judicial (infra, 1.064), em todas as causas que, não abrangidas em outras disposições legais, apresentem suficiente repercussão social para ensejar a fiscalização de outro órgão do Estado sem as peias da condição de “terzeità” característica do órgão judiciário. Os elementos de incidência exibiam as mesmas virtudes e padeciam dos mesmos defeitos das regras que empregam conceitos jurídicos indeterminados. É preciso que o litígio individual ou coletivo denote repercussão social, reclamando do julgamento – como oportunamente se notou – interpretação dos valores sociais, éticos e ideológicos em discussão na causa.167 É nesse sentido que se deve aplicar o art. 178, I, do NCPC. A peculiar repercussão social que atrai a intervenção do Ministério Público decorre, em primeiro lugar, dos interesses em litígio. Por óbvio, tratando-se de interesses indisponíveis, o relevo da questão se desvanece, porque a intervenção é imperativa. Todavia, a lei cobre as hipóteses de interesses indisponíveis em outras disposições específicas. Em realidade, o art. 178, I, vai além dos interesses indisponíveis, originários do direito material e do próprio direito processual (v.g., os direitos fundamentais processuais).168 Existem interesses sociais patrimonialmente disponíveis. Por exemplo, a ação de reparação de dano, movida por pessoa mencionada em crônica policial, contra o jornal ou o jornalista, porque envolve a liberdade de expressão, talvez galvanize a opinião pública, a favor e contra as partes. Por isso, reclamará a participação do Ministério Público. No entanto, o objeto do processo é disponível. Existem outras hipóteses, desamparadas de disposição expressa na lei processual, que reafirmam a sólida base do art. 178, I. Nada obstante opinião em contrário,169 ecoando no STJ,170 o Ministério Público intervém na insolvência civil, porque há notório interesse público, senão em afastar os devedores relapsos do mercado, ao menos em velar pela satisfação equânime dos créditos, aumento da atividade produtiva dos bens (art. 75, caput, da Lei 11.101/2005) e proteção à “economia nacional”.171 O Ministério Público, por outro lado, intervirá na rescisória (art. 966),172 independentemente do fato de não existir intervenção na causa que originou o provimento impugnado. É que, na rescisória, discute-se “a validade de decisão judicial trânsita em julgado”,173 assunto da maior expressão social.

Vale notar que a redação original do art. 801, § 4.º, do CPC de 1939 mandava observar o art. 783 do mesmo diploma, prescrevendo a obrigatória audiência do Procurador-Geral da República nas rescisórias perante o STF (hoje, previsto no art. 262 do RISTF, que é lei em sentido formal). Ora, nada dispôs o CPC de 1973, especificamente, quanto às rescisórias de competência dos tribunais inferiores (TJ e TRF), porque bastava a regra geral. Essa é a razão de o art. 967, parágrafo único, do NCPC suprir a lacuna do direito anterior, prevendo a intervenção do Ministério Público na rescisória nos casos do art. 178. Era costume, no direito anterior, colher a manifestação do Ministério Público na rescisória, malgrado a ausência de disposição nesse sentido. Idêntico fundamento localiza-se na intervenção do Ministério Público no incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, § 2.º), não tendo assumido a iniciativa de suscitá-lo, embora lhe caiba a titularidade no caso de desistência ou de abandono. Há latente interesse social na uniformidade de julgamento de casos em que divergências comprometam a isonomia e a segurança jurídica (art. 976, II). Funda-se no interesse social (art. 178, I), ainda, a intervenção do Ministério Público nas demandas que envolvem benefícios previdenciários (v.g., revisão de aposentadoria).174 Interesse público flagrante há nas exceções de impedimento ou de suspeição opostas ao juiz, a ensejar a intervenção do Ministério Público.175 O direito anterior entendia decorrer da qualidade da parte o interesse público ou social, revelando os trâmites legislativos que esse foi, realmente, o prognóstico do legislador.176 O erário desperta a cobiça dos particulares. E os legisladores reagem com inúteis linhas defensivas estáticas, usualmente vencidas pela vertiginosa imaginação dos fraudadores. A barreira criada pela iniciativa, como parte principal, e pela fiscalização do Ministério Público, como parte coadjuvante, serve de rasa trincheira contra esses propósitos malsãos. O interesse público mencionado no art. 178, I, é o primário, que interessa à sociedade, e, não, os interesses secundários, que respeitam ao Estado como pessoa jurídica,177 incluindo o aspecto patrimonial. Realmente, o interesse patrimonial da Fazenda Pública, em si mesmo, “não torna obrigatória a intervenção do Ministério Público”.178 Desnecessária, por exemplo, a intervenção do Ministério Público na execução fiscal, pois “o interesse público, que a justifica (…) não se identifica com o da Fazenda Pública, que é representada por procurador e se beneficia do duplo grau obrigatório”.179 Essa última orientação se consolidou na Súmula do STJ, n. 189. O art. 178, parágrafo único, ecoou a orientação do verbete, fazendo a devida ressalva. Não significa, com efeito, nesses domínios e alhures, inexistir, a par do interesse patrimonial, às vezes de enorme magnitude, também interesse público nas causas em que figurem como parte pessoas jurídicas de direito público e as integrantes da Administração Indireta (autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo Poder Público, independente da personalidade de direito privado, e sociedades de economia mista). Por exemplo, a demanda em que servidor público impugna o corte de vantagem pecuniária, eliminada com base no art. 17 do ADCT da CF/1988, envolve direito unicamente patrimonial, mas exibe interesse social relevante, pois

compete ao Ministério Público velar pela integridade da ordem jurídica, facilmente comprometida pelo recebimento de vencimentos ou proventos acima do teto constitucional. Em suma, “a parte pode ser uma entidade de direito público e não haver ‘interesse público’ a ser protegido; e, inversamente, a parte pode ser um ente privado e, por circunstâncias especiais do caso, haver ‘interesse público’ a ser protegido”.180 Essas considerações demonstram que ausência de delimitação do art. 178, I, mostra-se intrínseca ao uso de conceitos juridicamente indeterminados. A intervenção do Ministério Público, nas causas em que haja interesse público e social, revela-se tão obrigatória como em qualquer outra hipótese específica.181 A esse respeito, há confusão com a faculdade de o agente avaliar se há, ou não, interesse público e social, e a obrigatoriedade da intervenção no caso de juízo positivo.182 A palavra final é do órgão judiciário (infra, 1.064). Eventual invalidade dos atos processuais, havendo preterição da intimação do agente, na forma dos art. 279, caput, resolver-se-á pelos princípios comuns (infra, 1.255.2). O art. 178, III, c/c art. 565, § 1.º, prevê a obrigatória participação nos litígios coletivos acerca da posse de área rural e urbana. O interesse social é evidente. Em relação às áreas rurais, a regra repercute o art. 4.º da Lei 8.629/1993, acrescentando-lhe a disputa urbana, pois os movimentos sociais organizaram-se para promover ocupações de imóveis nas grandes cidades. Não é possível interpretar literalmente o art. 178, III, quanto à área urbana. Também no caso de edificações coletivas (v.g., loteamentos) e singulares intervirá o Ministério Público. 1.059. Intervenção nas demais hipóteses da lei geral A par da disposição genérica do art. 178, e sem embargo de o respectivo inc. I funcionar como regra de fechamento do sistema, a lei processual não descurou de apontar casos em que há necessidade de intervenção do Ministério Público. Levantamento minucioso, no direito anterior, arrolou várias disposições esparsas na lei processual.183 O NCPC contempla os seguintes casos: (a) na possessória em que haja número expressivo de litisconsortes passivos (art. 554, § 1.º), hipótese distinta da prevista no art. 565, § 1.º, c/c art. 178, III, porque não se cuida de pretensão coletiva, mas individual; (b) no inventário, havendo interesse de incapaz (art. 626, caput); (c) nas ações de família (art. 698), havendo interesse de incapaz; (d) nos feitos de jurisdição voluntária (art. 721), nas hipóteses do art. 178; (e) na alteração do regime patrimonial dos cônjuges (art. 734, § 1.º); (f) na confirmação do testamento cerrado (art. 735, § 2.º) e do testamento particular (art. 737, § 2.º); (g) nas causas de interesse da herança jacente (art. 739, § 1.º, I, in fine); (h) na interdição (art. 752, § 1.º), não sendo autor da ação; (i) no incidente de assunção da competência (art. 947, § 1.º); (j) no incidente (ou arguição incidental) de inconstitucionalidade (art. 948, caput); (k) no conflito de competência (art. 951, parágrafo único); (l) no incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, § 2.º); (m) na reclamação (art. 991); (n) no agravo de instrumento (art. 1.019, III), interposto antes da manifestação do art. 179, I; (o) no julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos (art. 1.038, III).

É expressiva a diminuição das hipóteses autônomas de intervenção, relativamente ao direito anterior, bem como a tendência de relacioná-las aos incisos do art. 178, incorrendo, por vezes, na mesma superfetação do direito anterior.184 Os feitos de jurisdição voluntária merecem menção à parte. O art. 721 corrigiu o defeito anterior, prevendo a intimação, e, não, a citação do Ministério Público, e remete às hipóteses do art. 178. Era controvertida, por outros motivos, a intervenção do Ministério Público em todos os feitos da jurisdição voluntária. Segundo a concepção prevalecente, há administração pública dos interesses privados, restringindo a autonomia privada, a fim de analisar a legalidade e a conveniência dos efeitos jurídicos almejados pelas partes, convergentemente, e nem sempre os motivos determinantes dessa disciplinam coincidem com os que, segundo o modelo constitucional, determinam a intervenção do Ministério Público. Por exemplo, inexistiria interesse público nos procedimentos de alienação de coisa, comum, administração ou locação de coisa comum, alienação de quinhão em coisa comum e especialização de hipoteca legal,185 se por outra razão (v.g., a existência de interesse de incapazes, a teor do art. 178, III) não houver necessidade da intervenção. O direito anterior intuíra, corretamente, a transcendência do interesse social nesses casos, impondo tanto a intervenção do órgão judiciário, quanto à fiscalização do Ministério Público. As funções institucionais não se cingem à tutela dos interesses individuais indisponíveis. Existem interesses sociais disponíveis, e, nada obstante, suscetíveis de idêntica repercussão. Leis extravagantes também contemplam a intervenção do Ministério Público em procedimentos que não correm perante órgão judiciário. É atribuição do juiz de paz realizar casamentos, mas o Ministério Público intervém na habilitação do casamento (art. 68 § 1.º, Lei 6.015/1973), podendo impugná-la. As averbações no registro civil de competência do registrador são precedidas de audiência do Ministério Público (art. 98 da Lei 6.015/1973), incluindo a correção de erros que não reclamem maior indagação (art. 110, caput, e § 1.º, da Lei 6.015/1973). E, no registro de imóveis, o Ministério Público fiscalizará a averbação no registro do imóvel próprio de qualquer dos cônjuges a existência do regime legal de separação (art. 245 da Lei 6.015/1973) e na remição de imóvel hipotecado em que haja interesse de incapaz (art. 274 da Lei 6.015/1973). Em item próprio, examinar-se-á a intervenção do Ministério Público em procedimentos que correm sob a presidência da autoridade judiciária. § 219.º Intervenção da parte coadjuvante nos casos das leis extravagantes 1.060. Casos de intervenção nas leis extravagantes É amplíssimo o catálogo das hipóteses de intervenção na legislação extravagante. Um bom critério didático identificará três linhas fundamentais nesse heterogêneo conjunto: (a) a intervenção na tutela dos direitos fundamentais, envolvendo os remédios típicos de controle da atividade administrativa e governamental, inclusive as incursões no domínio privado; (b) a intervenção na tutela dos hipossuficientes (menores, idosos, acidentados,

consumidores, e assim por diante); (c) intervenção na tutela da ordem, da saúde, da segurança e da economia públicas. Essa divisão constitui simples divisor de matérias. A atuação do Ministério Público no processo civil, nas duas funções de parte, encontra-se enunciada no art. 176, simples reprodução da CF/1988. Esses domínios não comportam generalização excessiva. Impende examiná-los em cada situação legalmente prevista. 1.061. Intervenção na tutela dos direitos fundamentais O particular exerce o controle da atividade administrativa e governamental através de remédios genéricos – e, nesse caso, a intervenção do Ministério Público ocorrerá sob os auspícios do art. 178, I – e específicos (retro, 42), repartidos em diversos writs constitucionais, igualmente idôneos para o particular deduzir pretensões relacionadas aos direitos fundamentais. Existe relevante interesse público e social nesses remédios, que é o fundamento da intervenção do Ministério Público, incumbindo à instituição zelar pelos direitos assegurados na lei fundamental (art. 129, II, da CF/1988). Também toca ao Ministério Público proteger o patrimônio público (art. 129, III, da CF/1988), e, assim, erradicar os atos de improbidade administrativa. Em todos esses casos há questões particulares, reclamando o devido esclarecimento. 1.061.1. Intervenção do Ministério Público no habeas corpus – O habeas corpus tutela o direito fundamental de ir e vir, e de ficar, a teor do art. 5.º, LXVIII, da CF/1988, e, independentemente da possibilidade de o Ministério Público impetrá-lo, intervirá no processo como parte coadjuvante. Na área civil, como explicado alhures, o habeas corpus tem função residual, porque a prisão civil legítima restringiu-se ao caso do devedor de alimentos (retro, 43.1). Nesse caso, bem como na ilegal decretação da prisão do depositário, vedada na Súmula Vinculante n. 25, do STF, o Ministério Público intervirá como parte coadjuvante.186 Controverte-se a legitimidade recursal do Ministério Público para impugnar a decisão que deferiu ou indeferiu a prisão civil.187 Essa controvérsia não tem base legal: o art. 996, caput, assegura a legitimidade do Ministério Público como fiscal da lei sem distinções. Em boa hora, portanto, o STJ admitiu essa legitimidade.188 1.061.2. Intervenção do Ministério Público no habeas data – O art. 12 da Lei 9.507/1997 exige a manifestação do Ministério Público, findo o prazo para informações, antes de o juiz proferir decisão no habeas data. Essa manifestação, como sói ocorrer, revela-se facultativa, ou seja, não há vício a macular o processo no caso de o agente do Ministério Público abster-se de opinar. Porém, não há qualquer motivo para repelir a hipótese interventiva conforme o caráter “meramente pessoal” da pretensão.189 A exatidão das informações contidas nos bancos de dados, mantidos ou não pelo poder público, sempre exibirá repercussão social, fundamento da hipótese interventiva. 1.061.3. Intervenção do Ministério Público no mandado de segurança – No mandado de segurança impetrado por pessoa natural ou jurídica, o Ministério Público atua como parte coadjuvante,190 representando autêntico mal-

entendido a antiga e vencida tese que o considera representante da autoridade coatora. O art. 12, parágrafo único, da Lei 12.016/2009 rejeitou a equívoca tese da obrigatoriedade da manifestação,191 que se tornara predominante no STJ.192 Reza o dispositivo que, intimado o Ministério Público, “com ou sem o parecer”, o escrivão fará conclusos os autos para julgamento. Logo, não há necessidade de o Ministério Público se manifestar em qualquer sentido, contentando-se a validade do processado com a sua intimação. O fundamento dessa intervenção mostra-se curial. O dever de o Ministério Público velar pela ordem jurídica (art. 127, caput, da CF/1988) não se compadece com a prática de atos ilegais e abusivos da Administração Pública. Existe frisante interesse público em banir tais atos.193 Não importa, portanto, o objeto do mandado: a impetração deduzida por um único contribuinte, por exemplo, já denota semelhante interesse.194 1.061.4. Intervenção do Ministério Público no mandado de injunção – O mandado de injunção propicia o trânsito da norma constitucional de eficácia positiva contida, respeitante ao exercício “dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.º, LXXI, da CF/1988), à eficácia plena. Essa transição normativa por ato judicial permite que a pessoa usufrua o bem jurídico previsto na norma. O procedimento da injunção, a teor do art. 24, parágrafo único, da Lei 8.038/1990, subordinar-se-á ao modelo prescrito ao mandado de segurança. É óbvio que, conforme o art. 129, II, da CF/1988, às funções do Ministério Público sempre interessa velar a fruição dos direitos fundamentais, assento bastante da intervenção. 1.061.5. Intervenção do Ministério Público na ação popular – O Ministério Público desempenha, no processo da ação popular, a condição de parte principal e de parte coadjuvante em três situações distintas: (a) legitima-se extraordinariamente a prosseguir na demanda, sucedendo ao autor originário, no caso de inércia (art. 9.º da Lei 4.717/1965); (b) legitima-se extraordinariamente a promover a execução da sentença de procedência, a teor do art. 16 da Lei 4.717/1965, no caso de inércia do autor vitorioso, “sob pena de falta grave”; e (c) acompanhará a ação, sem embargo de promover a responsabilidade civil e criminal dos que nelas incidirem, atuando, portanto, como parte coadjuvante, conforme o art. 6.º, § 4.º, da Lei 4.717/1965.195 Flagrantemente, o venerando diploma que disciplina a ação popular, tão progressista na sua edição, hoje se ressente de atualização consentânea com o estágio atual do processo civil. No entanto, o sentido geral dessas disposições revela-se inequívoco. Assim, a explicitação de que cabe ao agente do Ministério Público “acompanhar” a ação e “apressar” a produção da prova significa que lhe tocam os poderes intrínsecos à condição de parte coadjuvante, devendo ser intimado, pessoalmente, de cada ato processual, e, se for o caso, praticar atos de impulso (v.g., interpor recurso).196 Em particular, a cláusula final do art. 6.º, § 4.º, da Lei 4.717/1965, segundo a qual é defeso ao agente do Ministério Público, “em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores”, não lhe retira a natural independência jurídica.197 O Ministério Público “deve atuar na ação popular como o requer o interesse público, não a versão do autor”.198 Pode opinar livremente em qualquer sentido.199 Mas, julgada procedente a pretensão do autor, o mesmo interesse público grava-lhe com dever de promover a respectiva execução,

suprimindo os efeitos do ato ilegal e lesivo objeto da demanda. O fundamento da intervenção, e, a fortiori, da legitimidade extraordinária, é um só e reside na integridade da ordem jurídica. A atividade processual do Ministério Público, intervindo na forma do art. 6.º, § 4.º, da Lei 4.717/1695, sofre importante restrição, em virtude da regra especial do art. 19, § 2.º, do mesmo diploma, legitimando-o a recorrer apenas da sentença desfavorável ao autor.200 O problema da sucessão do autor nos casos de desistência e de abandono, prevista no art. 9.º da Lei 4.417/1965, receberá análise no item subsequente. 1.061.6. Intervenção do Ministério Público na ação civil pública – O rótulo equívoco e elástico de “ação civil pública”, empregado no art. 1.º da Lei 7.347/1985, abriga remédio processual que, sem prejuízo da ação popular, presentemente presta-se à tutela os interesses relativos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e à economia popular, à ordem urbanística e, como fecho, a qualquer outro interesse difuso e coletivo, formando o arcabouço do chamado processo coletivo comum. É ocioso frisar a importância desse diploma. Um dos seus objetos concebíveis, concorrendo com a ação popular, consiste na defesa do patrimônio público (Súmula do STJ, n. 329) e dos direitos transindividuais do erário. Em geral, o Ministério Público atua, na ação civil pública, como autor (art. 5.º, I, da Lei 7.347/1985), na verdade o principal legitimado ativo,201 evidenciando que a sociedade civil não se organizou suficientemente.202 Porém, o art. 5.º, § 1.º, aduz o seguinte: “O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”. Entenda-se bem: fiscal da ordem jurídica. Logo salta à vista a impropriedade do verbo intervir nesse contexto. O autor não intervém em processo pendente. Toma a iniciativa de formar a relação processual. A regra só pode se referir à intervenção litisconsorcial (ou litisconsórcio ulterior) do Ministério Público, que também lhe é facultada. E impressiona ainda mais a imprecisão redacional, dando a entender que, atuando como fiscal da lei, o Ministério Público não figura como parte. Por outro lado, o art. 5.º, § 1.º, declara enfaticamente que o Ministério Público “atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”, repondo a questão do caráter obrigatório ou facultativo da intervenção. Não há maior dúvida quanto à importância dos bens tutelados nessa demanda, e, pois, a perfeita harmonia da hipótese interventiva com a missão confiada à instituição no art. 127, caput, da CF/1988. O advérbio inculca a ideia que, na seara dos interesses transindividuais, e considerando que o Ministério Público também é legitimado ativo, inexiste discrição do agente Ministério Público, cabendo-lhe intervir efetivamente, sem embargo de usufruir de liberdade jurídica para se manifestar em qualquer sentido. Pareceria pouco razoável, realmente, constranger o Ministério Público a opinar favoravelmente a pretensão infundada ou temerária.203 Limitações ulteriores, na atividade processual do Ministério Público, decorrem da causa da intervenção, que é a

tutela dos interesses transindividuais; por exemplo, não exibirá interesse para impugnar a sentença favorável. A participação do Ministério Público, na ação civil pública, revela-se inexorável, assumindo necessariamente uma das posições concebíveis: ou de parte principal ou de parte coadjuvante.204 A independência jurídica também explica o caráter facultativo de o Ministério Público assumir a condição de autor, no caso de desistência infundada ou de abandono pelo autor originário da ação civil pública, apesar de o art. 5.º, § 3.º, da Lei 7.347/1985 utilizar fórmula verbal imperativa (“(…) o Ministério Público… assumirá a titularidade ativa”). É preciso reconhecer ao Ministério Público a liberdade de resolver, interna corporis, a respeito da conveniência de ocupar, ou não, o polo ativo da relação processual. Ao contrário do órgão do Estado, que timbra pela conformidade à lei, a realidade demonstra que há associações movidas pela falta de seriedade ou de propósitos elevados. Promovem ações civis públicas francamente temerárias, visando obter vantagens pecuniárias para os seus fundadores. E pode acontecer de a demanda encontrar-se mal posta, devido à displicência ou à inépcia do autor, hipótese em que a própria tutela dos interesses transindividuais impõe recomeço mais adequado. Em tal conjuntura, a lei não pode obrigar o Ministério Público a associar-se à temeridade e ao insucesso, tocando-lhe prosseguir, ou não, com a demanda, e, no caso negativo, expondo suas razões ao órgão judiciário. É facultativa, pois, a assunção da “titularidade ativa” mencionada no art. 5.º, § 3.º, da Lei 7.347/1985,205 similar à tomada nos casos de propor ou não a ação.206 Idêntica solução se aplica ao problema similar suscitado pelo art. 9.º da Lei 4.717/1965. Em princípio, figurando como parte principal, mostra-se desnecessária a intervenção como parte coadjuvante.207 Expressiva incongruência, ou manifesta incompatibilidade de funções, haverá se o mesmo órgão desempenhar, simultaneamente, o papel de parte principal e da parte coadjuvante em idêntico processo; porém, o fato de a organização interna do Ministério Público atribuir essas funções a órgãos distintos não elimina o problema, solidamente amarrado ao princípio da unidade da instituição e expresso na possibilidade da emissão de opiniões divergentes e de atritos interna corporis. Esse aspecto não se encontra resolvido. Na prática, há dupla intervenção, chegando-se ao extremo de o agente do Ministério Público no segundo grau manifestar opinião contrária ao provimento do recurso interposto pelo agente de primeiro grau. A solução desse conflito já recebeu análise no item próprio (retro, 1.051). 1.061.7. Intervenção do Ministério Público na ação civil por improbidade administrativa – A latente preocupação com os atos ilícitos dos agentes públicos conferiu estatura constitucional ao lícito da improbidade, prescrevendo o art. 37, § 4.º, da CF/1988 que os “atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Ocupou-se a Lei 8.429, de 02.06.1992, em tipificar esses ilícitos, sendo que os fatos típicos ensejam responsabilidade civil, disciplinar e criminal, fenômeno natural da incidência múltipla. A ação civil por improbidade, em que se aplicam gravíssimas sanções ao autor do ilícito, para a qual se legitima, ativamente, o Ministério Público (art.

17, caput, da Lei 8.429/1992), declara a existência do ilícito, desconstitui o ato lesivo e condena o autor do ilícito e os beneficiários do ato lesivo a ressarcirem o dano, além de impor outras sanções.208 É função do Ministério Público, dentre outras igualmente assinaladas na Constituição, a de proteger o patrimônio público (art. 129, III, da CF/1988). Tal constitui motivo bastante para legitimá-lo a propor a ação civil ou a intervir na demanda proposta pela pessoa jurídica de direito público lesada, sem embargo das atividades preliminares de investigação. A probidade administrativa representa interesse transindividual,209 bem caracterizado na superlativa repercussão social da simples imputação de atos a ela contrários. Por esses motivos, dispõe o art. 17, § 4.º, da Lei 8.429/1992: “O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade”. No tocante ao art. 5.º, § 3.º, da Lei 7.347/1985, o dispositivo incorre em idênticas impropriedades técnicas, acrescentando, de resto, a cominação de nulidade em virtude da falta de intervenção do Ministério Público. Valem, aqui, as considerações já externadas no item anterior: (a) a hipótese interventiva exige a efetiva manifestação, motivo por que a nulidade não decorre, simplesmente, da ausência de intimação; (b) o agente do Ministério Público desfruta de independência jurídica para manifestar-se desfavoravelmente à pretensão;210 (c) se o Ministério Público figurar como parte ativa, não precisa manifestar-se como parte coadjuvante.211 1.062. Intervenção na tutela dos direitos dos vulneráveis A tradicional função tutelar do Ministério Público em causas que envolvam incapazes não se restringe à hipótese genérica do art. 178, II. Ela é bem mais extensa, abrangendo os hipossuficientes em geral. São pessoas naturais (v.g., a vítima de acidente de trabalho) ou grupos de pessoas (v.g., os indígenas) que a lei pressupõe necessitarem de auxílio em juízo, porque o natural handicap não lhes assegura igualdade de oportunidades no exercício dos direitos fundamentais processuais. 1.062.1. Intervenção na tutela dos direitos dos consumidores – É ampla a intervenção administrativa do Ministério Público nas relações de consumo, investigando e ajustando comportamentos contraventores, e como legitimado ativo nas demandas coletivas, versando, indiferentemente, interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos, a teor do art. 82, I, c/c art. 81, parágrafo único da Lei 8.078/1990. Os termos de ajustamento de conduta mostram-se comuns, nessa área, e exibem a profícua função de equilibrar um pouco a balança da desigualdade intrínseca das relações de consumo. Em tais domínios, como se infere da localização do art. 92 da Lei 8.078/1990, ou seja, nas demandas coletivas em que não for o autor, o Ministério Público “atuará sempre como fiscal da lei”. A primeira e expressiva consequência dessa regra consiste em repelir a intervenção do Ministério Público nas demandas individuais, conquanto o respectivo objeto envolva relação de consumo, porque a tanto não pode chegar a ingerência do Estado na autonomia privada. Interessa ao Estado o

equilibro geral do mercado de consumo, e, não, a situação individual de um consumidor, talvez nem sequer figurante em relação de massa. Por outro lado, não é difícil divisar as finalidades da intervenção do Ministério Público. Legitimam-se ativamente, de forma concorrente e disjuntiva, segundo o art. 82 da Lei 8.078/1990, diversas pessoas, inclusive associações, contentando-se a regra legitimadora, nesse último caso, em exigir constituição há mais de um ano e a inclusão nos seus fins institucionais “a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código” (art. 82, IV, da Lei 8.078/1990). Embora mais objetivo que o daadequacy of representation da class action norte-americana – objeto de análise abrangente e insubstituível entre nós –,212 que emprega conceito juridicamente indeterminado, semelhante regra legitimadora mostrou-se insatisfatória, autêntica sementeira da fraude. Com efeito, a regra de legitimação ensejou a criação de associações sem raízes sólidas e profundas no corpo social, subproduto da incipiente organização autônoma da sociedade civil, a mais das vezes concebidas com o único propósito de explorar certas fraquezas setoriais de fornecedores (v.g., a forma de medição dos serviços prestados por concessionárias de telefonia). Tais associações oportunistas promovem inúmeras demandas com o mesmo objeto, mas réus distintos, nutrindo a esperança de que um único êxito compense, financeiramente, os esforços empregados no conjunto e os insucessos ocasionais. Além de arrancarem vantagens financeiras indevidas, em troca da desistência ou mediante transação, mediante acordos confidenciais, as associações oportunistas podem buscar conluios com o réu, a fim de predeterminar o conteúdo da sentença, cuja autoridade produzse erga omnes. Esse panorama indica a necessidade de mais efetivo controle judicial sobre a representatividade adequada,213 sem maiores repercussões até agora; resta providência mais concreta: a intervenção do Ministério Público, com os poderes inerentes à condição de parte coadjuvante, apto a combater o mau uso do processo coletivo. A intervenção do Ministério Público, conforme o art. 92 da Lei 8.078/1990, não se vincula aos interesses defendidos por qualquer das partes.214 Frustrarse-iam as finalidades da intervenção, há pouco identificadas, na hipótese de o Ministério Público ficar constrangido a apoiar a associação oportunista. Um desdobramento dessa hipótese geral da defesa dos consumidores localiza-se no art. 23, § 2.º, da Lei 6.766/1979, que manda o juiz ouvir o Ministério Público antes de decidir se homologa, ou não, o cancelamento do registro de loteamento. 1.062.2. Intervenção na tutela dos direitos dos indígenas – Ocupou-se a CF/1988, especialmente, das comunidades indígenas remanescentes no país, reconhecendo-lhes os costumes, crenças e tradições, bem como a posse das terras que tradicional ocupam, e o direito ao ensino fundamental na sua própria língua (art. 210, § 2.º da CF/1988). E dispôs o art. 232 da CF/1988, ainda, que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. É digno de nota que

semelhante disposição confirma a noção anteriormente ministrada de personalidade processual (retro, 507). Ela institui hipótese interventiva no texto constitucional, revelando a natureza da CF/1988, a par de legitimar o Ministério Público, extraordinariamente, a promover ações civis na defesa dos interesses indígenas (art. 129, V, da CF/1988). No respeitante à intervenção como parte coadjuvante, os seus domínios naturais são as demandas coletivas; porém, os índios isolados ou não integrados na “comunhão nacional”, assim como definidos no art. 4.º, I e II, da Lei 6.001/1973, também podem figurar em demanda individual, e, nesse caso, determina o art. 7.º da Lei 6.001/1973, sujeitam-se ao regime especial de tutela e, conseguintemente, nessas causas deve intervir o Ministério Público. Os índios integrados, a teor do art. 4.º, III, da Lei 6.001/1973 têm pleno exercício dos direitos civis, inexistindo razão para a intervenção do Ministério Público – do mesmo modo, acrescentou-se com perspicácia, que não haveria no caso de participar do processo pessoa de ascendência minoritária na sociedade brasileira.215 1.062.3. Intervenção na tutela dos direitos dos menores – Desde as origens mais remotas, entroncadas no velho direito lusitano, o Ministério Público tem papel destacado na proteção da infância e da adolescência. A observância do direito dos menores tem absoluta prioridade (art. 227, caput, da CF/1988). É muito variada e complexa a atividade do Ministério Público nessa área, conforme se percebe das atribuições conferidas no art. 201 da Lei 8.069/1990, em juízo ou não. Ocupam-se os arts. 202 a 205 da intervenção do Ministério Público em todo processo ou procedimento cujo objeto litigioso envolva direitos e interesses de que cuida a Lei 8.069/1990. Dispensou-se enumeração taxativa,216 para conferir a maior amplitude à hipótese interventiva. Não discrepam essas disposições do regime da lei processual geral, destacando-se: (a) o caráter obrigatório da intervenção (art. 202); (b) o momento da intervenção, pois o agente “terá vista dos autos depois das partes” (art. 202); (c) a atribuição de poderes de iniciativa probatória e recursal (art. 202); (d) a necessidade de intimação pessoal (art. 203); (e) a expressa cominação de nulidade à falta de intervenção, “que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado” (art. 204); (f) a necessidade motivação do parecer (art. 205). O conjunto revela que, nesses feitos, impõe-se a efetiva intervenção, inexistindo qualquer faculdade do agente do Ministério Público. Um desdobramento dessa hipótese se localiza na intervenção do Ministério Público no pedido de alienação (art. 1.717 do CC) e extinção da instituição do bem de família (art. 1.719 do CC). 1.062.4. Intervenção na tutela dos direitos dos idosos – O art. 1.º da Lei 10.741, 01.10.2003, considera idosas as pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos. Esse diploma dedica um capítulo específico ao Ministério Público. Os arts. 75 a 77 da Lei 1.0.741/2003 correspondem, literalmente, aos arts. 202, 203 e 204 da Lei 8.069/1990, comentados no item anterior. O fundamento da intervenção reside no interesse em assegurar a fruição dos direitos dos idosos instituídos neste estatuto. Figurando idoso num dos

polos, e sem embargo da prioridade de tramitação (art. 1.048, I), nas causas em que se controvertem interesses particulares e patrimoniais, inexiste a necessidade de intervenção do Ministério Público.217 É preciso que haja repercussão social na causa, cujo objeto, então, exigirá intervenção respaldada no art. 178, I. 1.062.5. Intervenção na tutela dos direitos dos acidentados – Fundamentase a intervenção do Ministério Público, nos processos cuja causa de pedir envolva acidente do trabalho, no interesse social indisponível que marca o chamado direito infortunístico (art. 178, I).218 A intervenção é equidistante, não promovendo o interveniente a favor do autor, mas em prol da clareza do evento e da justiça da decisão.219 Não importa que se trate da ação acidentária propriamente dita, em que o réu é a autarquia previdenciária,220 ou a pretensão a obter indenização do empregador, disciplinada pela lei civil. É verdade que, nesse último caso, existem precedentes do STJ dispensando a intervenção.221 Mas, a ratio essendi permanece idêntica nas duas hipóteses. Nenhum óbice pode existir à plena legitimidade recursal do Ministério Público, em casos tais, a favor ou contra o acidentado, haja vista a sua liberdade de opinião jurídica.222 O STJ pacificou a questão neste sentido.223 Reza a Súmula do STJ, n. 226: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer na ação de acidente do trabalho, ainda que o segurado esteja assistido por advogado”. Em matéria previdenciária, por outro lado, firmou-se o entendimento que se trata de direito patrimonial disponível, revelando-se desnecessária a intervenção do Ministério Público.224 1.063. Intervenção na tutela da ordem, da saúde, da segurança e da economia pública A ordem, a saúde, a segurança e a economia pública representam bens de sumo relevo no comércio jurídico. E, por sua natureza, ostentam natureza transindividual. São comuns os provimentos judiciais, a mais das vezes emitidos com base em cognição sumária e sem maior reflexão, comprometerem tais bens jurídicos. Esse grave problema ensejou a criação de sucedâneo recursal, concentrando poderes na presidência do tribunal, instituto previsto, atualmente, no art. 15 da Lei 12.016/2009. Por identidade de razões, estampa-se o interesse público idôneo a propiciar a intervenção do Ministério Público em processos individuais ou coletivos em que tais valores assumam preponderância ou destaque. A visão abrangente desses valores explica certos casos controvertidos de intervenção do Ministério Público. Em geral, é a economia pública que está em jogo, como sucede na falência ou liquidação extrajudicial das instituições financeiras; outras vezes, a boa ordem administrativa sofrerá sérios abalos (e a própria máquina judiciária sobrecarregar-se-á com pretensões similares no

futuro) na demanda movida por servidor público, postulando vantagens pecuniárias abusivas; ou a causa interessa à saúde pública, como ocorre na demanda em que particular doente e necessitado postula medicamentos ou tratamento hospitalar da pessoa jurídica de direito público. 1.063.1. Intervenção do Ministério Público em matéria de insolvência – A insolvência do empresário e do devedor civil timbra pela repercussão social e econômica. O interesse público em tais hipóteses ensejou a instituição de procedimentos específicos com fito de apurar haveres, realizar ativos e liquidar o passivo de modo equânime. Não é assunto que envolva interesses patrimoniais e particulares, haja vista o eventual comprometimento da economia pública. Compreensivelmente, a visão liberal estrita rejeitava a intervenção do Ministério Público na falência, supondo que “ninguém defende e fiscaliza melhor os interesses comprometidos na falência do que os próprios credores”,225 olvidando a lesão aos interesses sociais. Ficou superado esse entendimento com a progressiva intervenção estatal no domínio econômico. Em virtude de disposição específica na legislação anterior à vigente, prepondera a tese que se mostra desnecessária a intervenção do Ministério Público na fase anterior à decretação da quebra, apesar do convincente argumento que já então há interesse público em evitar a quebra.226 É a linha atual do STJ.227 O veto presidencial oposto ao art. 4.º da Lei 11.101/2005, que previa, genericamente, a intervenção do Ministério Público na falência e na recuperação judicial, bem como nas ações em que a massa falida figurasse como parte, não afasta, a priori, essa participação. Em primeiro lugar, há disposições específicas (arts. 52, V, 99, XIII, e 187 da Lei 11.101/2005), concernentes aos principais atos da execução coletiva; ademais, as razões do veto enfatizaram que, além da possibilidade de o Ministério Público requerer a intimação para os atos posteriores, quando intimado da sentença que decretar a quebra (art. 99, XIII), incidirá subsidiariamente o art. 178, I. Na prática, nada mudou e, por cautela, o juiz mandará intimar o Ministério Público. O problema da intervenção do Ministério Público na insolvência civil já recebeu análise em item anterior (retro, 1.058). Enfatize-se que, a despeito de menos aparente, o progressivo endividamento familiar. É assunto sensível, objeto de atenção legislativa em outros países, a fim de garantir a estabilidade da família, e, conseguintemente, da economia nacional. São motivos suficientes para ensejar a participação do Ministério Público no procedimento disciplinado nos arts. 748 a 786-A do CPC de 1973,228 ainda vigentes até lei ulterior (art. 1.052). É muito mais intensa, ao invés, a repercussão econômica e social da liquidação extrajudicial das instituições financeiras, companhias de seguro, administradoras de consórcio, entidades de previdência privada e congêneres, submetidas à disciplina da Lei 6.024, de 13.03.1974, haja vista os riscos à economia popular. Por conseguinte, o Ministério Público atua no respectivo procedimento, obrigatoriamente, conforme a jurisprudência do STJ,229 com fundamento no art. 178, I.230 Nas ações em que tais pessoas jurídicas, postas sob o regime de liquidação extrajudicial, figurem como

partes, o Ministério Público também intervirá obrigatoriamente. Pretendeu-se desnecessária a intervenção no caso das entidades de previdência privada,231 mas inexiste razão plausível para distingui-las das instituições financeiras. 1.063.2. Intervenção do Ministério Público em matéria de registros públicos – À ordem pública interessa preservar a eficácia imanente aos registros públicos. Essa eficácia empresta segurança às relações jurídicas privadas, em especial nas questões de domínio e do estado das pessoas. A tutela da eficácia dos registros públicos levou a lei a prever a intervenção do Ministério Público em procedimentos administrativos, processem-se eles, ou não, perante a autoridade judiciária. Um dos casos expressivos avulta no procedimento de dúvida no registro imobiliário. O art. 201 da Lei 6.015/1973 exige a manifestação do Ministério Público, havendo impugnação do interessado. Em certas hipóteses, como a pretensão a invalidar escritura pública, a alteração no registro ocorrerá por via de consequência, controvertendo-se a necessidade de intervenção do Ministério Público no respectivo processo. Ela é desnecessária, porque o objeto do processo não envolve, diretamente, o registro.232 Inclinou-se o STJ por esse entendimento.233 1.063.3. Intervenção do Ministério Público em matéria de desapropriação – A desapropriação constitui modalidade de perda do domínio pelo particular, consoante dispõe o art. 1.275, V, do CC, e, inversamente, aquisição pelo expropriante. É forma de conciliar a tutela à propriedade privada, fundamento econômico do capitalismo de mercado, decorrente do princípio da livre iniciativa, e as limitações progressivamente impostas ao domínio dos particulares, em virtude da função social (art. 5.º, XXII, c/c inc. XXIII da CF/1988). A desapropriação pelo Estado, nos casos de necessidade ou de utilidade pública, bem como de interesse social, e a requisição, no caso de perigo iminente, previstas no art. 1.228, § 3.º, do CC, são as formas de conciliar o domínio privado com sua função social. A tônica do processo expropriatório, objetivando a perda da propriedade privada, reside na controvérsia a respeito da indenização prévia. É causa de conteúdo eminentemente patrimonial. O poder de expropriar mediante indenização prévia ingressou, na ordem constitucional brasileira, através do art. 179, XXII, da Constituição de 1824, seguindo os passos do Decreto de 21.05.1821, firmado pelo então Príncipe Regente, cuja ementa vetava tomar qualquer coisa contra a vontade do proprietário “e sem indenização”.234 Esse direito fundamental alcançou o art. 5.º, XXIV, da CF/1988. A revelar, todavia, o caráter disponível dessa indenização, o fio histórico apresenta a existência de duas modalidades de desapropriação, ambas condicionadas pelo requisito comum do recebimento da indenização pelo particular: (a) a desapropriação objeto de negócio jurídico acerca do preço entre o desapropriante e o desapropriado, expresso na aceitação deste da oferta daquele, designada de “acordo” (art. 38 do Dec. 4.956/1903, regra posteriormente revogada; art. 10 do Dec.-lei 3.365, de 21.06.1941) ou –

impropriamente235 – de “desapropriação amigável” (art. 27, § 2.º, do Dec.-lei 3.365/1941); (b) a desapropriação objeto de processo judicial, culminada com a expedição de mandado de imissão na posse a favor do desapropriante, “efetuado o pagamento ou a consignação” da indenização (art. 29 do Dec.-lei 3.365/1945). É digno de registro que a desapropriação se concretiza, conforme estipulava o art. 9.º do Dec. 4.956/1903 (posteriormente revogado), e, hoje, dispõe o art. 29, primeira parte, do Dec.-lei 3.365/1941, obedecendo ao comando inserido no art. 5.º, XXIV, da CF/1988, através do pagamento ou da consignação do valor da indenização devida ao particular.236 Felizmente, a opinião majoritária é neste sentido.237 E a aquisição do domínio pelo expropriante independe de registro imobiliário (art. 1.275, parágrafo único, do CC).238 A visualização mais nítida do objetivo e da controvérsia latente no processo desapropriatório destrinça o terreno para identificar as razões para eventual intervenção do Ministério Público. A causa nem sequer toca a problemática do registro. É uma questão pecuniária, às vezes complexa – a indenização do proprietário, abrangendo juros compensatórios e moratórios cumulados, em taxas elevadas, e correção monetária, facilmente eleva o respectivo montante, na oportunidade do pagamento, a valor maior que o do bem ao preço de mercado –, mas não passa de dinheiro. A intervenção do Ministério Público é indispensável somente na desapropriação para fins de reforma agrária, nos termos do art. 18, § 2.º, da LC 76, de 06.07.1993. Por exceção, o litígio alcança repercussão social relevante, abrangendo o delicado problema da reorganização fundiária brasileira. Não se vislumbra, fora daí, interesse público nas demais modalidades desapropriatórias, cuja controvérsia é o valor da indenização.239 A jurisprudência do STJ estima, corretamente, facultativa a intervenção do Ministério Público na desapropriação. Dependerá da natureza do bem objeto da investida do Estado. Por exemplo, recaindo sobre bens de valor histórico, cultural ou paisagístico, ou afetando o meio ambiente, o ingresso justificar-seia pelo art. 178, I.240 E não há, por óbvio, necessidade de o Ministério Público intervir no processo de desapropriação indireta, simples pretensão a indenizar do particular contra o Poder Público fundada no apossamento ilícito da propriedade particular.241 O único interesse da Fazenda Pública é patrimonial (art. 178, parágrafo único). 1.063.4. Intervenção do Ministério Público em matéria de fundações – Segundo o art. 66, caput, do CC, “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas”, esclarecendo o parágrafo primeiro que, localizadas no Distrito Federal, ou em Territórios, o encargo caberá ao Ministério Público Federal, regra que o STF interpretou como relativa às funções públicas,242 ou seja, instituídas com personalidade de direito público, competindo, na redação atual, a fiscalização ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O desvelo do Ministério Público pelas fundações ocorre, fundamentalmente, no âmbito administrativo, do nascimento, no curso da existência e, na extinção, até a efetiva liquidação do acervo patrimonial (art. 51 do CC). Fundamenta-se essa extensa atividade na particular destinação do

patrimônio dessa pessoa jurídica, instituída com fins previstos no art. 61, parágrafo único, do CC. O mesmo interesse público que reclama os zelos do Ministério Público administrativamente transporta-se para o plano processual. O Ministério Público intervirá como parte coadjuvante nas causas em que fundações figurarem como parte principal, ressalvada hipótese de o próprio Ministério Público promover a ação, como no caso de requerer a extinção de fundação cuja finalidade se tornou ilícita, impossível ou inútil, a teor do art. 69 do CC. Do contrário, os elevados propósitos do art. 66,caput, do CC, frustrar-se-iam através do uso da via judicial. É um caso flagrante de interesse público (art. 178, I). A jurisprudência do STJ orienta-se pela desnecessidade dessa intervenção, sobrelevando-se o fato de o art. 86 da Lei 6.435, de 15.07.1977,243 hoje revogada e substituída pela LC 109, de 29.05.2001, ter a incidência das disposições da lei civil então vigente, cabendo tal fiscalização a uma agência governamental específica. § 220.º Disciplina processual da intervenção da parte coadjuvante 1.064. Controle judicial da intervenção da parte coadjuvante Acontecem divergências de opinião entre o órgão judiciário e o agente do Ministério Público a respeito da possibilidade de intervenção. À frente de todas as hipóteses, a do art. 178, I, descerra área muito fértil para desencontros, haja vista o emprego do conceito juridicamente indeterminado “interesse público” nesta regra. Esse amargo contraste pode assumir duplo sentido: (a) o órgão judiciário julga configurada hipótese legal de intervenção, mas o Ministério Público, não; (b) o Ministério Público pretende ingressar no processo pendente, mas o juiz avalia inexistente hipótese legal de intervenção. Intensos debates transformaram o último caso em falso e perigoso dilema institucional: a se permitir o controle judicial da intervenção, o Ministério Público, cujo objetivo constitucional residiria em velar pela exata aplicação da lei pelo magistrado, transformar-se-ia em órgão fiscalizado pelo juiz em seus próprios e exclusivos misteres. O Ministério Público não fica, absolutamente, adstrito ao juízo do órgão judiciário a respeito da existência da hipótese legal de intervenção.244 A independência jurídica assegura ao agente do Ministério Público o direito de não ingressar no feito, avaliando que inexiste, por exemplo, o interesse público e social mencionado no art. 178, I. E não fica ele obrigado a expor suas razões. É suficiente que se abstenha – ao menos, no plano processual; administrativamente, a abstenção pode ser encarada de outra maneira –, e, nesse caso, nenhum defeito maculará o processo. À vista da recusa expressa ou tácita do Ministério Público, cogitou-se a incidência do art. 28 do CPP, por analogia, instando o magistrado ao Procurador-Geral de Justiça para que, reconhecendo a insubsistência da inércia do agente do Ministério Público em primeiro grau, designar outro órgão

para intervir, ou perfilhar a orientação por este adotada.245 De ordinário, essa medida extrema mostra-se desnecessária. Compete ao juiz somente assegurar a participação do Ministério Público, como deflui do art. 180, § 1.º, não se admitindo ao magistrado tornar a intervenção compulsória, exceto nos casos em que a lei subordina a validade do processo à efetiva participação do órgão. Tampouco há o dever institucional de o Ministério Público impugnar o ato decisório, a fim de reformar o provimento e obter o reconhecimento que inexiste motivo plausível para exigir-lhe a intervenção. Feita a intimação pessoal, na forma do art. 180, caput, c/c art. 183, § 1.º, a inércia da parte coadjuvante não afeta a validade do processo, podendo, ou não, a abstenção ser referendada ou suprida pela atuação do Ministério Público em segundo grau. Não é incomum, de resto, que o agente de segundo grau entenda desnecessária a intervenção, todavia realizada em primeiro grau, e abstenhase de exarar parecer no recurso pendente. Essas divergências de opinião mostram-se corriqueiras e, para a higidez do processo, irrelevantes. A intervenção voluntária do Ministério Público representa hipótese excepcional. O agente respectivo raramente dispõe dos vagares que lhe permitam compulsar autos em cartório, procurando os feitos que deva intervir e, por qualquer motivo, o órgão judiciário sonegou determinação a respeito.246 Eventualmente, há processos que adquirem singular repercussão na mídia, reflexo do interesse social que abrigam, e, nesse caso, pode e deve o Ministério Público postular seu ingresso, a mais das vezes com apoio no art. 178, I, expondo suas razões e, desde logo, opinando o que lhe parecer adequado à espécie. Se o órgão judiciário admite essa intervenção espontânea, liquida-se a questão, haja ou não a necessidade de invalidar alguns atos do processo, em virtude do momento em que deveria ocorrer a intervenção (infra, 1.065); porém, concebe-se que a rejeite, porque inexistente a hipótese legal. Em tal caso, o juiz proferirá decisão interlocutória, da qual não cabe agravo de instrumento, reservando-se o reexame da questão para a apelação. Do ponto de vista técnico, não há dúvida que ninguém ingressa no processo pendente, e nenhuma parte aí permanece, sem o consentimento do órgão judiciário.247É falso o dilema proposto, rejeitando a possibilidade de o órgão fiscalizador da aplicação da lei transformar-se em órgão fiscalizado.248 A jurisdição se caracteriza, justamente, pelo atributo da palavra final (retro, 180.3). A autoridade do juiz, a natural proeminência desse órgão do Estado, estende-se a quaisquer sujeitos do processo. Nada excepciona o Ministério Público. Se o Ministério Público usufruiu de ampla independência para não intervir, quando o juiz entende necessário, em contrapartida o juiz tem o poder para recusar-lhe a intervenção espontânea. O STJ proclamou, corretamente, que “a aferição da existência do interesse público que imponha a intervenção do Ministério Público pode ser objeto de controle pelo Judiciário”.249 Por óbvio, a orientação abrangerá todas as hipóteses de intervenção. 1.065. Oportunidade da intervenção da parte coadjuvante

Segundo o art. 179, I, o Ministério Público, intervindo como parte coadjuvante, “terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo”. Esse dispositivo contém duas proposições: (a) fixa o momento da intervenção inicial; (b) estabelece a necessidade de manifestação da parte coadjuvante após o contraditório da parte em relação a cada ato e previamente à resolução judicial. 1.065.1. Momento da intervenção no processo com predomínio de atividade cognitiva – O órgão judiciário determinará a intimação do Ministério Público, a teor do art. 271, e pessoalmente, conforme o art. 180, caput, c/c art. 183, § 1.º, após a resposta do réu ou, ocorrendo revelia, vencido o prazo de resposta.250 É esse o momento inicial da intervenção e a ocasião em que o Ministério Público, conhecendo previamente o contraditório, os fundamentos de fato e de direito defendidos por autor e réu, usufruirá a melhor oportunidade para “firmar sua posição”.251 E a lei emprega a expressão “depois das partes” (art. 179, I), no plural, justamente com o fito de dar a conhecer à parte coadjuvante os dois lados da causa. Logo, não participará da audiência de conciliação e de mediação do art. 334. Esse entendimento alivia o Ministério Público desse inconveniente compromisso. A conclusão geral quanto ao momento da intervenção subsiste na revelia do réu. A parte coadjuvante manifestar-se-á acerca da situação posta, após a fluência do prazo de resposta, discernindo, ou não, os pressupostos que ensejam a abreviação do procedimento, a teor do art. 355, II. A necessidade de a parte coadjuvante conhecer o contraditório explica o porquê de o juiz não precisar ouvi-la previamente à emissão de provimentos inaudita altera parte. E, com efeito, mostra-se ocioso o órgão judiciário, ato tomar contato com a petição inicial, e mesmo divisando hipótese legal de intervenção, abrir vista ao Ministério Público antes de realizar o controle da inicial, abrindo prazo para emenda (art. 321, caput) ou, desde logo, proferindo juízo de inadmissibilidade, porque inepta a inicial (art. 330), ou juízo liminar de improcedência (art. 332). Tais atos prescindem da manifestação prévia do Ministério Público. Por identidade de motivos, a tutela provisória de urgência antecipada não carece de prévia manifestação da parte coadjuvante. Só cabe ao juiz intimar o Ministério Público, ex officio, a fim de exerça, ou não, o direito impugnar o pronunciamento. A orientação aqui preconizada aplica-se às etapas subsequentes do procedimento. Havendo necessidade de providências preliminares (arts. 350 a 353), o Ministério Público manifestar-se-á antes da réplica do autor, inclusive para sugeri-la ao juiz e, conforme o teor da réplica, na oportunidade ulterior que outorgue máximo rendimento do art. 179, I. Assim, exposta defesa de mérito indireta pelo réu, o Ministério Público manifestar-se-á antes da réplica e, havendo ou não impugnação do autor, na forma do art. 350, após o escoamento do quindênio, para sugerir ao juiz o caminho a seguir – prosseguimento do processo, preparando a futura instrução (art. 357), porque há questões dependentes de prova distinta da documental, ou abreviação do procedimento, mediante julgamento antecipado (art. 355, I). A intervenção do Ministério Público não deve se limitar a esta segunda manifestação: na primeira, além de sugerir a própria aplicação do art. 350, também cabe à parte

coadjuvante levantar preliminares, a respeito da qual cabe a audiência do autor (art. 351). Cumpre ao juiz assegurar o contraditório das partes antes de decidir qualquer questão ou incidente (art. 10), e, nesse caso, também antes da decisão abrirá vista ao Ministério Público. Por exemplo, requerida a desistência da ação, após o prazo de resposta, o juiz colherá a manifestação do réu (art. 485, § 4.º), e, em seguida, a do Ministério Público, antes de homologá-la (art. 200, parágrafo único).252 Existem disposições específicas que marcam a audiência do Ministério Público antes da resolução judicial; por exemplo: (a) no conflito de competência, hipótese em que, prestadas ou não as informações pelo juízo suscitado, o relator mandará ouvir o Ministério Público, no prazo de cinco dias, a teor do art. 956; (b) na arguição do incidente de inconstitucionalidade perante órgão fracionário do tribunal, hipótese em que o relator submeterá a questão ao órgão fracionário, “após ouvir o Ministério Público” (art. 948), sem embargo da possibilidade de ulterior manifestação, antes do julgado pelo órgão especial ou plenário (art. 950, § 2.º), em atenção à regra do full bench (art. 97 da CF/1988); (c) no incidente de assunção de competência (art. 947, § 1.º), pois a legitimidade para requerê-lo implica a da intervenção prévia. A preterição da manifestação prévia infringe o art. 179, I, e, verificado o prejuízo, o ato decisório expõe-se ao pedido de invalidação do Ministério Público, quiçá no recurso próprio interposto contra o provimento, desfazendo os atos processuais subsequentes e incompatíveis. Transitada em julgado a sentença ou o acórdão, o vício se transmuda em motivo de rescisão, com fundamento no art. 966, V, hipótese hoje explicitada no art. 967, III, c. A oportunidade da intervenção do Ministério Público varia conforme o momento em que se verifique a hipótese legal de intervenção. Por exemplo, o processo iniciou com partes maiores e capazes, mas ocorreu o óbito de uma delas, figurando incapazes dentre os herdeiros. É a partir daí que há necessidade de intervenção, e, inclusive, eventual nulidade pela preterição atingirá “somente os atos posteriores ao surgimento de tal interesse”, pontificou o STJ,253 dando correta aplicação a preceito hoje previsto no art. 279, § 1.º. A especialidade do procedimento marca, às vezes, determinado momento preciso para a intervenção do Ministério Público. Por exemplo, no inventário, proceder-se-á à citação do Ministério Público, havendo herdeiro incapaz ou ausente, após as primeiras declarações do inventariante, a teor do art. 626, caput. Em geral, porém, o caráter especial do rito não altera a regra que a promoção da parte coadjuvante ocorrerá após estabelecer-se o contraditório das partes principal e previamente à resolução judicial. 1.065.2. Momento da intervenção no processo com predomínio da atividade executiva – No procedimento in executivis, havendo causa de intervenção, o Ministério Público terá vista dos atos após o vencimento do prazo de cumprimento, conforme a espécie de execução.254 Não há, pois, diferença substancial com o processo predominantemente cognitivo.

Cuidando-se de expropriação, que é a execução mais comum, surge pequena variante, baseando-se em título judicial: a parte coadjuvante manifestar-se-á após a penhora e intimação do executado. Daí em diante o juiz abrirá vista ao Ministério Público, intimando-o dos atos subsequentes, seja qual for o procedimento de execução. Deduzida oposição pelo executado, por intermédio de impugnação (art. 525 e art. 535) ou embargos (art. 914), a intimação ocorrerá após o prazo de resposta do exequente, por similaridade dos motivos com a fase cognitiva. 1.065.3. Cessação do motivo da intervenção – As hipóteses legais de intervenção do Ministério Público consideram dados fixos e imutáveis no curso do processo. Por exemplo, instaurada demanda para interditar alguém, o Ministério Público intervirá, no momento propício, e somente o trânsito em julgado, mediante juízo de procedência ou de improcedência, implicará o encerramento da sua atividade de parte coadjuvante. Entretanto, no caso do art. 178, II, surge uma particularidade: a participação de incapazes talvez sobrevenha ao início do processo (v.g., em razão do falecimento de uma das partes e da transmissão do objeto litigioso a herdeiros menores), e, de resto, talvez cesse no curso do processo, adquirindo a parte plena capacidade processual pela maioridade. Em razão disso, por um lado altera-se, acidentalmente, a oportunidade da intervenção, que se dará a partir do momento em que aparecer o interesse de incapaz no processo. Assim, já decidiu o STJ: “Surgindo no curso da ação reivindicatória o superveniente interesse de incapazes em face do obtido do seu pai, herdando-lhe direitos sucessórios provenientes de imóvel deixado por seu extinto avô, objeto de disputa judicial, torna-se necessária a intervenção do Ministério Público”.255Eventual preterição da intimação cogitada no art. 180, caput, na habilitação voluntária ou forçada, invalidará apenas os atos subsequentes à sucessão causa mortis(retro, 568). E, por outro lado, adquirida a maioridade, cessa o motivo legal da intervenção. Não importa a fase do processo. “Se, no curso do processo e estando este em fase recursal, o menor atinge a maioridade, cabe-lhe defender-se por si mesmo, dispensada a assistência ministerial”.256 1.065.4. Consequências da intervenção tardia do Ministério Público – Levando-se em conta múltiplos fatores, como o número exponencial de feitos em cada órgão judiciário, diminuindo o tempo de contato, de estudo e de reflexão do juiz nos “seus” processos, de um lado, e a desatenção dos procuradores das partes – não custa nada requerer a intimação do Ministério Público na petição inicial –, de outro, acontece de a causa chegar a estágio adiantado, atingindo fase muito além do ponto em que deveria ocorrer a intervenção, sem que ninguém se aperceba de semelhante vício. Estampa-se, aí, defeito gravíssimo no processo. Ele mereceu a disposição específica no art. 279, cominando a nulidade, e comando preciso quanto os efeitos da invalidação (art. 279, § 1.º: “(…) a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado”). A própria falta de intimação – ato que propicia a efetiva intervenção – constitui, igualmente, nulidade cominada.

Embora a cominação, por si mesma, implique presunção de prejuízo e de que o processo não atingiu sua finalidade, e ao menos nas hipóteses dos incs. I e III do art. 178, porque fundada a intervenção no interesse público e social, a nulidade seja absoluta, a invalidação do processo, após imensa atividade, às vezes julgado – e bem julgado –, esbarra em vigorosa resistência. Em primeiro lugar, no caso do art. 178, II, em que a intervenção ocorre presumivelmente a favor do interesse do incapaz, relativizou-se a nulidade, proclamando-se, categoricamente, que a ausência de prejuízo (v.g., o julgamento de primeiro grau favoreceu o incapaz), sana o processo.257 E, intervindo posteriormente o Ministério Público no tribunal, supre-se a falta de participação em primeiro grau,258 bem de acordo com a linha liberal que imperava no primeiro estatuto unitário.259 O art. 279, § 2.º, do NCPC, recepcionou essa orientação, assentando: “A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo”. Convém notar que a superação da ausência não fica a critério do Ministério Público. Em outras palavras, não constitui pressuposto do suprimento da falta a opinião do Ministério Público no sentido da inexistência do prejuízo, constituindo falso problema atribuir à parte coadjuvante “fixar a conveniência ou a intensidade e profundidade” da sua atuação, sob pena de transformar o fiscal da aplicação da lei pelo juiz em “fiscalizado dele não que tange à sua própria intervenção fiscalizadora”.260 Basta atentar ao fato de o Ministério Público, externando embora a opinião no sentido da invalidação, encontrar-se adstrito à resolução do juiz, que pode ou não decidir em conformidade ao parecer. É a razão pela qual o juiz repele o ingresso do Ministério Público, entendendo não existir causa legal de intervenção (retro, 1.064), o que se aplica à situação versada. Seja como for, opinando o Ministério Público no sentido da inexistência de qualquer prejuízo, resolve-se a questão pela subsistência dos atos anteriores. Essa questão receberá maiores considerações no capítulo das nulidades (infra, 1.255.1). Fica desde logo assentado que a intervenção tardia, além do ponto em que ela naturalmente deveria ocorrer, explicado nos itens anteriores, não invalidará necessariamente o processo. 1.065.5. Consequências da falta de intervenção do Ministério Público – O processo em que o Ministério Público haveria de intervir, mas correu sem que se abrisse a oportunidade da intervenção, agasalha vício que pode conduzir à desconstituição da coisa julgada. A hipótese de rescisão encontra-se expressamente prevista no art. 967, III, a, do CPC. A regra estende a legitimidade para pleitear a rescisão do julgado a pessoa estranha ao feito originário (terceiro), mas não torna inexorável, vencido o iudicium rescindens, a procedência do iudicium rescissorium, a invalidação do processo, ou seja, o novo julgamento da causa favoravelmente à opinião do Ministério Público. Valem, aqui, os mesmos princípios que obstam a inexorável decretação da nulidade no processo pendente: a ausência de prejuízo do interesse em prol do qual interviria o Ministério Público.

1.066. Faculdade ou obrigatoriedade na manifestação da parte coadjuvante O art. 80, § 2.º, do CPC de 1939 declarava “obrigatória a intervenção do órgão do Ministério Público nos processos em que houver interesse de incapazes”. Era inteiramente diversa a fórmula do art. 82, caput, do CPC de 1973, segundo a qual “compete ao Ministério Público intervir” nos casos contemplados nos seus incisos. O art. 178, caput, do NCPC retornou a dicção peremptória: o Ministério Público “será intimado” para intervir. Porém, o conjunto das disposições gera a convicção que, na sistemática vigente, cabe ao juiz, a requerimento da parte ou ex officio, ensejar a intervenção, sob pena de invalidade (art. 279, caput), ficando a critério do agente do Ministério Público intervir, ou não, e de “praticar (e como praticar), ou não, os atos que a lei põe à sua disposição para o bem desempenho do mister fiscalizatório”.261 O meio técnico que assegura a intervenção é a intimação pessoal prevista no art. 180, caput. É claro que, nos casos do art. 178, o agente Ministério Público tem o dever funcional de intervir, verificados os seus pressupostos, inexistindo discrição a esse propósito, incluindo o caso do inc. II do art. 178.262 Nesses termos, nenhuma intervenção é facultativa; ao invés, todas são obrigatórias.263 O que se cogita, aqui, é algo diverso: o efeito processual da inércia, por negligência ou outro motivo, do órgão competente do Ministério Público. E, com efeito, a lei processual não impõe a efetiva intervenção do Ministério Público. Por isso, esgotado o prazo de trinta dias (art. 178, caput), o juiz requisitará os autos, com ou sem manifestação, e o processo prosseguirá em seus termos ulteriores. Tampouco a lei comina de invalidade a ausência de participação do Ministério Público, salvo disposição em contrário (v.g., o art. 17, § 4.º, da Lei 8.429/1992). Eventual vício do processo decorrerá da ausência de intimação, e, não, da falta de participação (ou da participação insuficiente e negligente).264 O agente do Ministério Público tem ampla independência jurídica. Pode entender, legitimamente, que não é caso de intervenção – principalmente no caso do art. 178, I –, e não acudir à intimação, sustentando, ou não, tal ponto de vista. Os atos processuais não se tornam viciados em virtude da abstenção voluntária do integrante do Ministério Público, ou da insuficiência na sua manifestação.265 Essa omissão só adquire relevo no âmbito administrativo. Os órgãos corregedores da instituição, apurando a falta e a desídia, talvez exponham o agente omisso à investigação administrativa. No entanto, semelhante falta não repercute no processo.266 Firmara o STJ o errôneo e excessivo entendimento que, no mandado de segurança, em que o Ministério Público se manifesta como parte coadjuvante,267 não bastaria “a intimação do Ministério Público, fazendo-se mister o seu efetivo pronunciamento”.268 Essa intervenção é de parte coadjuvante, não se justificando apontar o Ministério Público como representante da parte. O art. 12, parágrafo único, da Lei 12.016/2009 corrigiu a orientação,269 deixando claro que, passado o prazo de dez dias da intimação do Ministério Público, “com ou sem parecer”, o escrivão fará conclusos os autos para julgamento.

Em muitas áreas sensíveis continua ecoando a disciplina anterior, apontando-se a necessidade de participação efetiva do órgão do Ministério Público, como acontece nas demandas que envolvem interesses de menores e de adolescentes.270 Respalda-se esse entendimento ora em disposições infraconstitucionais específicas (v.g., no art. 205 da Lei 8.069/1990, que exige motivação nas manifestações processuais do Ministério Público), ora na indisponibilidade do direito social em jogo (art. 129, caput, da CF/1988). Importa sublinhar que, faltando a participação efetivamente, há que concorrer o prejuízo para a invalidação dos atos processuais posteriores ao momento propício à intervenção (infra, 1.255.1.2) 1.067. Conteúdo da manifestação da parte coadjuvante Figurando o Ministério Público como parte coadjuvante, nas hipóteses legais, o art. 179, I, estipula que lhe cabe manifestar-se depois das partes. Conforme já se assinalou, a lei fixa essa oportunidade inicial com o objeto de inteirar-lhe da extensão da controvérsia das partes, inclusive no tocante às consequências da eventual ausência de defesa, e assim sucessivamente, renovando-se a intimação a cada ato processual, antes da resolução judicial, por identidade de motivos. Conforme o estágio do processo, ou o ato praticado, variará o conteúdo da manifestação. É bem de ver que, desfrutando o Ministério Público de independência jurídica, tem a parte coadjuvante liberdade para se manifestar em qualquer sentido, inclusive em aparente contradição com o interesse que, na hipótese interventiva, pareceu suficientemente relevante para autorizar a intervenção. Por outro lado, conforme já ressaltado no exame dos poderes processuais do Ministério Público, escapa à parte coadjuvante a possibilidade de fixar o objeto litigioso e de alterar a sua dimensão subjetiva e objetiva. Não lhe cabe promover a intervenção de terceiros, embora possa opinar no sentido de que a parte legitimada promova semelhante ingresso. Por exemplo, oficiando em ação de despejo, e existindo elementos de fato que indiquem a existência de sublocação, pode e deve o Ministério Público alertar as partes para o disposto no art. 59, § 2.º, da Lei 8.245/1991, que exige a intimação do sublocatário, seja qual for o fundamento do despejo.271 Não incumbe ao Ministério Público investir na área reservada à disposição das partes. Por exemplo, realizando ou interferindo nos negócios jurídicos processuais, exceto quanto aos aspectos formais (v.g., a capacidade das partes na transação). Pode-se dizer que, nesse âmbito, os poderes do Ministério Público não têm extensão maior que os do órgão judiciário, o que se reflete no conteúdo da respectiva manifestação no processo. Dependendo do estágio do processo, o conteúdo da manifestação do Ministério Público envolverá dois aspectos concorrentes: (a) regularidade do processo, suscitando, supletivamente, as questões que o órgão judiciário deva apreciar ex officio (art. 337, § 5.º) e, por exceção, a incompetência relativa (art. 65, parágrafo único); (b) o mérito da causa. Vale remarcar, outra vez, o princípio da independência. O Ministério Público suscitará, ou não, as questões relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação, a seu exclusivo critério, e manifestar-se-á sobre o

mérito conforme o seu próprio convencimento, não ficando atrelado aos fundamentos jurídicos expostos pelas partes. Não tem o dever, entre nós, de necessariamente examinar e apresentar ao juiz conclusões acerca dessa matéria.272 Essa manifestação, de meritis, jamais ostentará alcance análogo à defesa da parte. Assim, intervindo o Ministério Público na forma do art. 178, II, a inércia do incapaz, através do seu representante legal, não autoriza o Ministério Público a contestar a pretensão do autor, controvertendo os fatos, embora seja livre para suscitar as questões de direito.273 Em matéria de fato, o Ministério Público só pode indicar ao juiz a inverossimilhança das afirmações das partes e reclamar a produção de prova. À regularidade do processo interessa, dentre outros pontos, a imparcialidade do órgão judiciário. Assim, é lícito ao Ministério Público oferecer exceção de impedimento ou de suspeição.274 A jurisprudência do STJ não é unívoca acerca da possibilidade de o Ministério Público excepcionar a competência, existindo precedentes no sentido da legitimidade do Ministério Público.275 O alvitre prevalecente, no direito anterior, inseria esse assunto na esfera de disposição das partes, não cabendo ao Ministério Público impedir que o juízo incompetente se transformasse, pela legítima vontade das partes, no juízo competente.276 O art. 65, parágrafo único, admite a exceção de incompetência relativa. E, na verdade, a legitimidade do Ministério Público, a esse respeito, descansa no alcance da intervenção; no caso do art. 178, II se ocorre em prol do interesse do incapaz, e não em favor da integridade do direito objetivo, forçoso admitir semelhante poder.277 Fatores ideológicos presidem uma e outra concepção. Quanto à impugnação ao valor da causa, cumpre distinguir as situações. É lícito ao Ministério Público suscitar a questão nos casos em que o juiz deva intervir ex officio, ou seja, havendo critério legal para a fixação do conteúdo econômico da causa. Fora daí, intervindo a parte coadjuvante em proveito do interesse público latente na causa, e não se confundido este com o interesse patrimonial, a questão não lhe diz respeito e a impugnação é inadmissível. No entanto, na intervenção do art. 178, II, a atuação do Ministério Público tutela os interesses do incapaz, incluindo o interesse patrimonial, talvez o único em jogo. Recusar-lhe a impugnação para efeitos do art. 293, nessa contingência, mostrar-se-ia insatisfatória em ponto capital, porque deixaria aumentar ou diminuir as repercussões econômicas desfavoráveis ou favoráveis ao incapaz, a despeito de infringida a lei pelo autor. Em tal hipótese, portanto, legitimarse-á o Ministério Público para impugnar o valor da causa.278 Em relação ao mérito, o art. 179, II, conferiu-lhe o relevante poder de produzir prova e, não sendo a documental, de propor quaisquer meios de prova. A fórmula verbal da regra indica que se cuida de faculdade. O Ministério Público participará da audiência, pois deve ser intimado de todos os atos do processo (art. 179, I), e, nela, mostrar-se-á admissível a inquirição das partes, testemunhas, peritos e assistentes técnicos, a formulação de quesitos, na perícia, e participará do debate oral na audiência de instrução e julgamento (art. 364. Em razão do momento da intervenção, não participará da audiência de conciliação e de mediação (art. 334). O Ministério Público indiretamente suprirá a inércia das partes nessa esfera, propondo ao juiz a produção de determinada prova (v.g., a perícia) que lhe pareça indispensável ao esclarecimento da verdade dos fatos controvertidos.

O poder de iniciativa instrutória do Ministério Público constitui indicativo do caráter social do processo, pois a instituição é órgão do Estado, tanto quanto o juiz. Disponíveis que sejam os interesses envolvidos no litígio, e, em geral, eles não o são nos casos de intervenção do Ministério Público, há o interesse público remanescente em aplicar e realizar o direito objetivo, o que impede que a condução do processo fique entregue exclusivamente aos pendores das partes principais. 1.068. Forma da manifestação da parte coadjuvante O CPC de 1973 absteve-se de nomear explicitamente o ato processual que traduz a manifestação do Ministério Público nos feitos em que deva intervir. Embora parcimonioso, o CPC de 1939 ministrou dois modestos indícios a esse propósito: (a) no art. 775, parágrafo único, tratando das arribadas forçadas, designou o ato de “promoção”; e (b) no art. 793, III, concernente à homologação de sentença estrangeira, chamou o ato do Procurador-Geral da República de “parecer”. Em direito processual, tecnicamente promoções constituem atos de impulso do processo, requerimentos feitos a bem da justiça com a finalidade de levá-lo para adiante. A própria função do promotor público, e o complexo de atividades de certo órgão do Ministério Público (v.g., 1.ª Promotoria de Falências), “ganha nela seu nome”.279 Ocioso frisar que, no direito administrativo, a palavra exibe acepção completamente distinta, traduzindo a passagem do servidor de carreira de um grau a outro. Por sua vez, o CPC de 1973 utilizava a palavra “parecer” para rotular a manifestação escrita do assistente técnico indicado pela parte. E, comumente, também se chamam dessa maneira os pronunciamentos interventivos do Ministério Público.280 O art. 180, § 1.º, do NCPC esclarece o problema terminológico. Chama de “parecer” a manifestação do Ministério Público. O Ministério Público, após o termo de vista, em geral deduzia a sua manifestação ou parecer mediante cota nos autos. Entende-se por cota a alegação de próprio punho, ou por inserção mecânica, na folha inserida no corpo dos autos.281 Forma muito antiga de prática de atos processuais, a origem perdeu-se no tempo. Ocupou-se dela, exigindo assinatura, o Assento n. 116, de 02.05.1654, da Casa da Suplicação.282 Equivale ao avis do art. 424 do CPC francês.283 Desdenhavam juízes e advogados, nada obstante, dessa prática corriqueira. Na verdade, em muitos casos, o costume era salutar e contemporâneo no amor à brevidade. Por esse motivo, o art. 128, IX, da LC 80/1994 permite ao defensor público se manifestar nos autos por intermédio de cota. Como quer que seja, promovendo a respeitabilidade da instituição, o art. 22, II, da LC 40/1981 mandou observar no ato do Ministério Público a forma da sentença.284 Essa forma também permite a aferição dos trabalhos dos promotores em estágio probatório, após o ingresso na carreira. Os órgãos de controle interno do Ministério Público não admitem tergiversações quanto à observância da forma nas manifestações escritas dos seus agentes de primeiro grau, exigindo-lhes a estrita observância da forma legal.

À falta de melhor modelo, eventualmente para emprestar aos olhos dos procuradores das partes estatura análoga, a escolha recaiu na forma que o art. 489 impõe às sentenças. Iniciam os pareceres do Ministério Público, portanto, com a identificação do órgão e do feito em que o escrivão juntará a peça, a título de cabeçalho, seguido de um breve relatório, da motivação e, como fecho, dos requerimentos pertinentes. Leis posteriores confirmaram essa forma, implicitamente, exigindo motivação (art. 205 da Lei 8.069/1990). Também é essa a forma empregada nos pareceres exarados nos tribunais, nos recursos e causas de competência originária, em que haja de atuar como parte coadjuvante e, mais raramente, nos feitos desencadeados por iniciativa do Ministério Público. Nada obsta, entretanto, que ainda sejam lançadas cotas. Se o Ministério Público deve ser intimado de quaisquer atos do processo (art. 179, I, segunda parte), às vezes a cota se presta, admiravelmente, para sintetizar o passo subsequente; por exemplo, verificando superadas as irregularidades, mas existindo fatos controvertidos, simples cota pode conter a manifestação do Ministério Público no sentido de proferir o juiz a decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357). Dizer mais do que isso representa excesso. E a lei só proíbe a cota marginal ou interlinear (art. 202), estruturalmente diferente, evitando a poluição dos autos. Desaparecerá a cota, definitivamente, no processo eletrônico, em que o programa determinará a forma do parecer do Ministério Público. É claro que, existindo forma prescrita em lei, o parecer desconforme ao art. 489, a estrutura, apresentará defeito, mas sem maiores repercussões, representando imenso exagero invalidar o processo por esse motivo.285 Em decorrência da dedicação e do discernimento dos membros da instituição, os pareceres do Ministério Público apresentam e oferecem valiosos subsídios para a condução do processo e o julgamento de causas ou recursos. Essas manifestações se revelam persuasivas e confiáveis. E tão idôneo se mostrará o parecer, na reprodução dos comemorativos do processo no relatório, na exatidão a jurisprudência e a doutrina invocadas em amparo ao raciocínio da motivação, e na congruência do requerimento formulado, a final, que suscitou, na prática, um problema técnico: a validade da motivação dos atos decisórios do juiz calcada, unicamente, nas razões do agente do Ministério Público. Trata-se da chamada motivação per relationem interna (infra, 1.222.3.1). Ela é, a rigor, inadmissível. A boa motivação há de examinar e refutar, dialeticamente, as razões das partes, mediante o chamado cotejo analítico, e, não, reproduzir os fundamentos de dos figurantes do processo. O mais econômico dos juízes convirá que, figurando o Ministério Público como autor no processo, a sentença que adotar as respectivas razões padecerá da falta desse cotejo e, ainda, sacrificará quaisquer aparências de equidistância no discurso judicial. § 221.º Ministério Público como parte principal 1.069. Espécies de legitimação do Ministério Público Dispõe o art. 177 do NCPC que o “Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais”. Cuidou da

legitimação ativa do Ministério Público para deduzir pretensões na jurisdição civil, contrapondo-se à função mais tradicional de titular da ação penal, todavia concorrente e disjuntiva em certas hipóteses, e adiantou um dos princípios dessa atuação (infra, 1.070.1). Essa disposição equivale, salvo quanto à parte final, ao art. 81 do CPC de 1973. Então, aludia-se à “lei”, e, não, à lei fundamental. Retratava a concepção da sua época, em que eram pouco numerosas as hipóteses de legitimação ativa,286 e o quod plerumque fit. Excepcionalmente, o Ministério Público legitima-se passivamente. Esse fenômeno incômodo, mas real, evidenciou-se progressivamente (retro, 1.046.1), à medida que a participação da instituição se intensificava no processo civil. Exemplos de legitimidade passiva: (a) a pretensão do figurante do ajuste para invalidar compromisso de ajustamento; (b) rescisória (art. 966) proposta por réu condenado em ação civil pública.287 É como réu que o Ministério Público responderá a pretensão do ausente e dos seus ascendentes ou descendentes (art. 745, § 5.º). Não é necessário ir adiante. As hipóteses de legitimidade ativa do Ministério Público hoje são copiosas, e, de ordinário, também são concorrentes e disjuntivas (art. 129, § 1.º, da CF/1988). Encontram-se previstas no art. 129, II, III, V e IX, subsumidas nos verbos “promover”, “defender” e “exercer” e em inúmeros dispositivos da lei civil e processual ou de legislação extravagante. O NCPC arrola as seguintes hipóteses de iniciativa do Ministério Público: (a) instaurar o inventário (art. 616, VII); (b) promover a restauração de autos físicos e eletrônicos (art. 712); (c) promover medida de jurisdição voluntária (art. 720); (d) promover a interdição (art. 747, IV, c/c art. 748, I e II); (e) promover a remoção do tutor e do curador (art. 761); (f) propor a extinção de fundação (art. 765); (g) propor execução (art. 778, § 1.º, I); (h) propor reclamação (art. 988). Essa multiplicação da legitimidade ativa repercute a intervenção do Estado na autonomia privada e no domínio econômico. O Ministério Público é órgão estatal, e os ventos liberais da última década do Século XX não arrefeceram a força desse avanço, alimentado, legitimamente, pela definição constitucional dos direitos sociais. É significativa, a esse propósito, a repetida menção ao Ministério Público em diversas disposições do CC. É como autor que o Ministério Público assumiu expressivo papel de protagonista das transformações da sociedade através de provimentos judiciais. O ativismo dos jovens agentes da instituição mostra-se salutar na essência. Ele gera algumas incompreensões e profundas antipatias dos setores atingidos pelos ataques de instituição tão poderosa e respeitável, mas o tempo e as vantagens de longo prazo, os frutos dessa intensa atividade, compensarão eventuais e inevitáveis abusos. Fundamenta-se, tecnicamente, a legitimação ativa do Ministério Público na necessidade de superar o princípio dispositivo.288 Não há dúvida que alterou o modelo liberal (retro, 78). Não convém incumbir ao órgão judiciário, ex officio, a instauração do processo civil. A iniciativa do juiz comprometeria a respectiva imparcialidade, condição indispensável ao exercício da função jurisdicional.289 Por esse motivo, não deixando essa iniciativa a cargo unicamente dos particulares, sob pena de a respectiva inércia levar ao

perecimento direitos socialmente relevantes, a lei legitima o Ministério Público a provocar a autoridade judiciária, tornando-o indispensável à jurisdição. Os remédios processuais instituídos para essa finalidade recebem o rótulo de “ação civil pública”, cuja matéria, porque heterogênea, dificilmente comporta enumeração a priori.290 Os poderes (e os deveres) processuais do Ministério Público, como parte principal, já receberam análise no plano geral (retro, 1.050.1). Pareceu desinteressante arrolar todas as disposições do NCPC que aludem ao Ministério Público por um motivo e outro. Interessa, aqui, evidenciar que a legitimidade conferida ao Ministério Público não é homogênea, distinguindo-se três categorias: (a) a legitimidade ordinária para a defesa dos direitos difusos e coletivos, ou de direitos individuais indisponíveis, homogêneos ou não, em que o Ministério Público personifica os interesses sociais (parte pro populo); (b) a legitimidade ordinária para a defesa das suas próprias prerrogativas institucionais; (c) a legitimidade extraordinária, em que o Ministério Público funciona como substituto processual do titular do direito socialmente débil. 1.069.1. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa de interesses sociais indisponíveis – Em diversas situações, previstas na lei, o Ministério Público personifica interesses sociais indisponíveis, buscando tutela judicial para direitos lesados (tutela repressiva) ou ameaçados de lesão (tutela preventiva). Essa legitimidade afigura-se ordinária, admitindo-se a clássica e flexível classificação da capacidade para conduzir o processo (retro, 555). Na legitimidade extraordinária, ou substituição processual, a pessoa autorizada a deduzir direito alheio em juízo, ou defendê-lo, em nome próprio, na qualidade de réu, a teor do art. 18 do NCPC, atuará em lugar de pessoa determinada, que é o substituído. Não é o que ocorre nas ações coletivas para defesa dos interesses difusos ou coletivos, porque os substituídos ou se revelam indetermináveis (interesse difuso), ou indeterminados (interesse coletivo). Parece mais adequado, então, estimar ordinária a legitimidade ativa do Ministério Público em tais demandas, em razão da indivisibilidade desses interesses (art. 81, parágrafo único, I e II, da Lei 8.078/1990). O elemento transforma o conjunto em algo novo, diferente das respectivas frações. É o que se designou de “transmigração do individual para o coletivo”,291 outorgando a titularidade do coletivo e do difuso a uma pessoa diferente dos titulares da situação individual incluída no conjunto. É uma legitimidade coletiva, mas ordinária, porque o objeto litigioso tem outros titulares dos direitos subjetivamente parciais, cabendo ao Ministério Público (e aos demais legitimados concorrentes) personificarem o conjunto (retro, 557). A legitimidade decorrente da personificação dos interesses socialmente relevantes no Ministério Público não predetermina, a priori, o remédio jurídico processual posto à disposição do agente. São as peculiaridades do objeto litigioso, no caso concreto, que indicarão a natureza da pretensão. Assim, a ação civil pública “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (art. 3.º da Lei 7.347/1986), exibindo, de ordinário, força condenatória; porém, a própria fórmula verbal da regra denuncia o caráter exemplificativo: a ação civil pública para “a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações

indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem”, prevista no art. 25, IV, b, da Lei 8.625/1993, subespécie do gênero contemplado no art. 129, III, da CF/1988, tem força predominante constitutiva negativa, sem embargo da eficácia imediata condenatória em benefício do erário. É mais claro o art. 212 da Lei 8.069/1990, segundo o qual para a defesa “dos direitos e interesses protegidos por essa lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”. Esse princípio decorre do sistema normativo e é aí explicitado. Por óbvio, as ações pertinentes podem ser preventivas (v.g., cautelar) ou repressivas, conforme a situação material concreta. Exemplos de legitimação ordinária dessa espécie: (a) a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, da CF/1988, c/c art. 1.º, da Lei 7.347/1985; art. 82, I, da Lei 8.078/1990; art. 201, V da Lei 8.069/1990; art. 74, I, da Lei 10.741/2003); (b) a ação direta de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, a inconstitucionalidade por omissão, e a representação interventiva (art. 129, IV, da CF/1988, c/c art. 103, VI, da CF/1988 e art. 2.º, VI, da Lei 9.868/1999); (c) a ação para defender os direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V, da CF/1988); (d) a ação de responsabilidade por improbidade administrativa (art. 17, caput, da Lei 8.429/1992); (e) a ação de responsabilidade objetiva por dano ecológico (art. 14, § 1.º, segunda parte, da Lei 6.938/1981); (f) a ação de responsabilidade objetiva por dano nuclear (Lei 6.453/1977 c/c art. 129, III, da CF/1988); (g) a ação de arresto e de responsabilidade dos administradores de instituições financeiras e outras pessoas jurídicas submetidas ao regime da intervenção e liquidação extrajudicial (arts. 45,caput, e 46, parágrafo único, da Lei 6.024/1974); (h) a declaração de ausência da pessoa natural e nomeação de curador (art. 22 do CC); (i) a abertura de sucessão provisória do ausente (art. 28, § 1.º, do CC); (j) a pretensão de extinguir fundação cujo objeto se tornou ilícito, impossível ou inútil (art. 69 do CC); (k) a pretensão a obrigar o donatário a cumprir o encargo (art. 553, parágrafo único, do CC); (l) a ação de liquidação da sociedade (art. 1.037 do CC); (m) a ação para invalidar casamento (art. 1.549 do CC); (n) a ação para segurança pessoal ou patrimonial do menor sob poder familiar (art. 1.637, caput, do CC); (o) a pretensão a dar curador especial ao menor no caso de colisão de interesses dos titulares do poder familiar (art. 1.692 do CC); (p) a ação de interdição (art. 1.768, III, do CC c/c arts. 747, IV, e 748, I e II, do NCPC); (q) as ações contempladas no art. 201, III, da Lei 8.069/1990, e quaisquer outras que respeitem às crianças e aos adolescentes (art. 201, VIII, da Lei 8.069/1990), incluindo a impetração de mandado de segurança, habeas corpus e mandado de injunção (art. 201, IX, da Lei 8.069/1990); (r) as ações individuais a favor do idoso mencionadas no art. 74, I, IV e VI da Lei 10.741/2003; (s) a ação de dissolução de sociedades civis com fins assistenciais (art. 3.º, caput, do Dec.lei 41/1966); (t) a ação de cumprimento das decisões definitivas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a teor do art. 50 da Lei 8.884/1994; (u) os pedidos de abertura de procedimentos de jurisdição voluntária (art. 720 do NCPC); (v) a ação declaratória para deslindar o estado civil das pessoas, cujo deslinde configure questão prejudicial na ação penal pública (art. 92, I, do CPP); (w) a ação de sequestro dos bens imóveis adquiridos com as vantagens econômicas da infração penal (art. 127 do CPP); (x) a ação de dissolução de sociedade anônima que se dediquem ao loteamento rural, explorem diretamente áreas rurais ou sejam proprietárias de

imóveis rurais não vinculados às suas atividades estatutárias (art. 6.º, I a III, da Lei 5.709/1971), e que se tornaram irregulares, a teor do art. 16, § 1.º,in fine, da Lei 5.709/1971; (y) a apreensão e outras medidas assecuratórias dos bens móveis e imóveis adquiridos com o produto de crimes relativos a tóxicos (art. 60 da Lei 11.343/2006), bem como a sua alienação (art. 62, § 4.º da Lei 11.343/2006; (x) a ação rescisória (art. 967 do NCPC); (aa) a defesa dos interesses e direitos transindividuais das mulheres em situação de violência doméstica e familiar (art. 37 da Lei 11.340/2006); (ab) propor as medidas judiciais cabíveis para erradicar as irregularidades apuradas na fiscalização dos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar (art. 26, II, in fine, da Lei 11.340/2006); (ac) propor ação revocatória, a teor do art. 129 da Lei 11.101/2005;292 (ad) executar os provimentos condenatórios nas ações em que figurou como autor (art. 778, § 1.º, I). Essa última legitimidade ativa merece uma breve explicação. No processo de conhecimento que originou o título executivo judicial (art. 515, I), a legitimidade do Ministério pode se ostentar ordinária ou extraordinária, conforme defenda, por exemplo, interesses difusos e coletivos, de um lado, ou interesses individuais homogêneos, de outro; porém, obtida a condenação do réu, como figurou como parte principal e tornou-se “vencedor”, a sua legitimidade para a pretensão a executar é ordinária e primária. O catálogo apresentado, além de incompleto – o fenômeno da inflação legislativa, tão característico do Estado contemporâneo, impede a elaboração do cenário completo –, não contempla certas hipóteses controvertidas ou havidas por insubsistentes. Por exemplo, o art. 688, I, in fine, do CPP legitima o Ministério Público a executar a pena pecuniária imposta ao condenado no processo-crime. No entanto, a jurisprudência do STJ estima que, passando tal crédito (não tributário) para o regime da Lei 6.830/1980, desapareceu essa legitimidade, porquanto assumida pela Fazenda Pública representada por seu respectivo procurador.293 Não parece lógico que o Ministério Público exiba legitimidade para propor a ação penal e, não, para pedir a execução de uma das penas impostas na sentença condenatória,294mas não é esse o entendimento prevalecente. Em algumas hipóteses, estende-se a legitimidade para situações duvidosas. Por exemplo, a postulação do Ministério Público a favor de menor sob o poder familiar; ou o pedido em prol de pessoa maior e capaz para obter prestações positivas do Estado em matéria de saúde (medicamentos, tratamento e internação hospitalar). O fundamento utilizado neste último caso é que o direito à saúde, integrando o princípio da dignidade da pessoa humana,295 insere-se dentro dos direitos sociais indisponíveis.296 É frisante a tendência, anteriormente assinalada, de o Estado interferir na autonomia privada. E, apesar da crítica,297 é acertado negar legitimidade para o Ministério Público reclamar a tutela de interesses individuais homogêneos em matéria tributária, e, a fortiori, previdenciária.298 Tal solução não se mostra satisfatória para os que visualizam a necessidade do processo coletivo como o único modo de obrigar o Poder Público a respeitar a Constituição, nessas matérias, e, ao mesmo tempo, evitar maiores sacrifícios individuais. Por isso, legitimar-se-ia o Ministério Público, harmonize-se ou não a iniciativa judicial com as funções

constitucionalmente consagradas a esta instituição, além das causas de relevo social, toda vez que a tutela coletiva se apresentar mais econômica, eficiente e segura.299 1.069.2. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa das suas prerrogativas institucionais – Legitima-se o Ministério Público, enquanto instituição permanente e órgão do Estado, ordinariamente, a pugnar em juízo em proveito das suas prerrogativas e independência administrativa, funcional e financeira,300valendo-se de quaisquer remédios processuais. O art. 32, I, da Lei 8.625/1993 legitima o promotor de justiça a impetrar mandado de segurança, mas não se exclui que semelhante remédio seja empregado pelo respectivo Procurador-Geral, que representa a instituição judicial e extrajudicialmente. Não há a menor dúvida quanto à personalidade processual do Ministério Público (retro, 1.045). O STF reconheceu a admissibilidade de o Procurador-Geral da República impetrar mandado de segurança contra atos do Presidente da República usurpando competência que àquele afigura-se intrínseca e privativa.301 Convém registrar que o art. 4.º, IX, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, legitima a Defensoria Pública a impetrar habeas corpus, mandado de injunção,habeas data e mandado de segurança, ou quaisquer outros remédios, “em defesa das funções institucionais e prerrogativas dos seus órgãos de execução”, a evidenciar que, em igualdade de condições, o Ministério Público dispõe desses remédios para idênticas finalidades. O caso mais emblemático, nessa rubrica, avulta no da legitimidade para propor ação rescisória “se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção” (art. 967, III, a, do CPC). Em tal hipótese, o Ministério Público defende diretamente a sua prerrogativa institucional de participar do processo nos casos prescritos em lei, e apenas indiretamente a regra violada. Flagrantemente, a situação legitimadora se distingue da seguinte – outros casos em que se imponha sua atuação –, caso em que há interesse público na preservação da ordem jurídica (art. 127, caput, da CF/1988). 1.069.3. Legitimidade extraordinária do Ministério Público na defesa dos vulneráveis – Legitima-se o Ministério Público, extraordinariamente, nas hipóteses em que, mediante expressa autorização legal, postula direito alheio em nome próprio. Os direitos que legitimam essa atividade processual do Ministério Público são eminentemente individuais ou, eventualmente, individuais homogêneos. Todavia, por razões de conveniência, considerando a repercussão social da debilidade financeira, física (v.g., a do idoso portador de condição especial, a teor do art. 43, III, da Lei 10.741/2003), mental ou emocional, presume o legislador que os bens jurídicos garantidos pela CF/1988 não seriam, de outra maneira, obtidos de modo pleno e suficiente. E têm relevante interesse social.302 Essas situações legitimadoras se respaldam, no plano constitucional, no disposto no art. 129, II, da CF/1988, norma tão ampla que, a rigor, dispensaria os demais enunciados normativos.

É difícil, em determinados casos, identificar a real natureza do interesse posto à base da situação legitimadora, definindo a natureza da legitimidade conferida ao Ministério Público. O art. 74, IV, da Lei 10.741/2003 autoriza o Ministério Público a revogar a procuração passada pelo idoso em situa de risco (art. 43 da Lei 10.741/2003), “quando necessária ou o interesse público justificar”, e, nesse último caso, trata-se de legitimidade ordinária. No entanto, o art. 74, III, do mesmo diploma, autoriza o Ministério Público a atuar como substituto processual do idoso em situação de risco, em quaisquer demandas, exista ou não interesse público, razão pela qual, expressis verbis, declara extraordinária a legitimidade. Nem sempre as regras explicam, nitidamente, a finalidade dos seus elementos de incidência. A autêntica substituição processual exige que haja substituído determinado, atuando o substituto unicamente em prol do seu interesse individual, e, não por outra razão transindividual. É o caso, sem dúvida, da pretensão à interdição ou à dação de curador especial (art. 74, II, da Lei 10.741/2003), clareza que se dissipa nas outras hipóteses. Não se pode perder de vista que a classificação tem fins basicamente didáticos. O que importa é enunciar as hipóteses de legitimidade, embora o arranjo, numa ou noutra categoria, não se mostre satisfatório ou convincente. A legitimidade extraordinária do Ministério Público se afigura concorrente e disjuntiva. Em outras palavras, apesar da diversidade de autores, haverá litispendência se, ao mesmo tempo, correrem ações contra o mesmo réu com a mesma causa e o mesmo pedido, a teor do art. 337, § 3.º (retro, 237). Por exemplo, se o adquirente do lote e o Ministério Público moverem, ao mesmo tempo, ação para regularizar o loteamento, extinguir-se-á o segundo processo, em virtude da litispendência. Em matéria de relações privadas, há outro aspecto a considerar, respeitante à observância dos direitos fundamentais e da ordem jurídica (art. 127, caput, da CF/1988 c/c art. 176 do NCPC). Não faltando vozes a favor da legitimidade do Ministério Público para ajustar contratos privados ao modelo constitucional.303 Ao propósito, configuram-se dois termos de alternativa: (a) ou trata-se de direito difuso ou coletivo, encontrando-se o Ministério Público legitimado, a teor do art. 129, III, da CF/1988, e demais regras complementares; (b) ou cuida-se de direito individual, caso em que a legitimidade dependerá de regra explícita nesse sentido (art. 18 do NCPC). O art. 127, caput, da CF/1988, por sua natureza de conceito juridicamente indeterminado, não exibe densidade normativa suficiente para criar a situação legitimadora, ou seja, por si mesmo não determina hipóteses de sua aplicação. Exemplos de legitimidade extraordinária do Ministério Público: (a) a ação civil pública em defesa dos interesses individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III, c/c art. 82, I, da Lei 8.078/1990);304 (b) o pedido de inscrição de hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado e o arresto de bens móveis, legitimando-se o Ministério Público, a teor do art. 142 do CPP, “se o ofendido for pobre e o requerer”; (c) a notificação do loteador irregular da cessação dos pagamentos, a teor do art. 38, § 2.º, da Lei 6.766/1976, e prover a ação tendente à regularização; (d) executar a sentença penal

condenatória (art. 63 do CPP) e propor a ação de reparação de dano (art. 64 do CPP), quando o réu for pobre e o requerer (art. 68 do CPP), o que é constitucional;305 (e) executar a sentença de procedência proferida em ação popular, vencido o prazo de sessenta dias, ocorrendo inércia do autor originário ou de outro legitimado, a teor do art. 16 da Lei 4.717/1965; (f) liquidar e executar a sentença coletiva condenatória, no caso de interesses individuais homogêneos, decorrido o prazo de um ano e inexistindo a habilitação de interessados em número suficiente, a teor do art. 100 da Lei 8.078/1990; (g) a ação de reparação dos danos individualmente sofridos nas relações de consumo, no interesse da vítima e dos seus sucessores (art. 91 da Lei 8.078/1990); (h) requerer a abertura de inventário (art. 616, VII, do NCPC); (i) a ação investigatória de paternidade do filho havido fora do casamento (art. 2.º, § 4.º, da Lei 8.560/1992). Em contrapartida, a Súmula do STJ, n.º 470, estabelecia o seguinte: “Não tem legitimidade o Ministério Público para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado”. O seguro obrigatório é relação jurídica privada e disponível, inexistindo, segundo tal orientação, interesse social relevante. Porém, entendendo diferentemente o STF,306 o STJ estimou superada a orientação do verbete.307 O art. 68 do CPP submete-se, segundo a jurisprudência do STF, porque representaria modalidade de assistência judiciária,308 à progressiva inconstitucionalidade, porque transferida essa responsabilidade para a Defensoria Pública,309 processo que acabará com a criação da Defensoria em todos os Estados-membros. Esse entendimento confunde representação processual, a cargo da Defensoria Pública, hipótese em que figura como autor o próprio necessitado, e a situação legitimadora que habilita pessoa diferente do titular do direito a postular em nome próprio. 1.070. Princípios diretores da iniciativa do Ministério Público como autor Os valores que determinaram a instituição de regras legitimando o Ministério Público a deduzir pretensões em juízo (art. 176), em nome próprio, seja titular originário dessa pretensão (legitimidade ordinária), seja o direito titulado por outra pessoa (legitimidade extraordinária), evidenciam que as situações legitimadoras dessa iniciativa se governam por três princípios diretores. 1.070.1. Princípio da reserva legal – O art. 177 declara que o Ministério Público acudirá à autoridade judiciária, na qualidade de parte principal, segundo as atribuições constitucionais. Logo, a atuação do Ministério Público se baliza pelo princípio da reserva legal. É preciso regra expressa habilitando o Ministério Público. Em princípio, lei em sentido formal – necessariamente federal (retro, 54.2) – dispõe neste sentido; porém, a própria CF/1988 contemplou situações legitimadoras, a exemplo da ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, da CF/1988). Por conseguinte, o disposto no art. 1.º, da Lei 7.347/1985, no art. 82, I, da Lei 8.078/1990, no art. 201, V da Lei 8.069/1990, e no art. 74, I, da Lei 10.741/2003, explicitam o advérbio “outros” da regra constitucional. No entanto, o art. 129, II, da CF/1988, incumbindo ao Ministério

Público de promover as medidas necessárias à garantia dos direitos consagrados na Constituição, revela-se suficientemente ampla para abranger essas hipóteses, e quaisquer outras, remarcando o art. 177 do NCPC. Por esse fundamento, o STJ legitimou o Ministério Público a postular prestações positivas do Estado a favor de uma única pessoa, inclusive de menores sob poder familiar. 1.070.2. Princípio da obrigatoriedade – Existindo elementos suficientes que pré-excluam a demanda manifestamente improcedente, ou seja, havendo justa causa – paráfrase do processo penal –, ao órgão do Ministério Público não socorre qualquer discrição, fundada em motivos de oportunidade e conveniência, para ingressar ou não em juízo.310 É dever funcional exercitar a pretensão à tutela jurídica do Estado nas hipóteses legais, examinadas nos itens precedentes, sob pena de responder administrativamente. Tal não impede, como em outros países, a fixação de metas e prioridades, a fim de encaminhar os assuntos mais relevantes.311 A iniciativa do Ministério Público como parte principal baseia-se no Ministério Público abster-se de propor a ação de invalidade, fundada no art. 1.548, II, c/c art. 1.521, VI, do CC, porque um dos cônjuges sofre de grave e terminal enfermidade.312 É o que acontece, de resto, aberto o inquérito civil, se a investigação do Ministério Público não carreira dados suficientes à propositura da ação civil pública, hipótese em que o promotor promoverá o arquivamento, motivadamente, submetendo suas conclusões à revisão do Conselho Superior do Ministério Público (art. 9.º, caput, e § 1.º, da Lei 7.347/1985), sob pena do cometimento de falta grave. Descumpriria o agente Ministério Público o dever de não formular pretensões destituídas de fundamento, como impõe o art. 77, II, do NCPC, pouco observado pelos particulares, mas imperativo para os agentes políticos. Às vezes, a lei enfatiza, expressis verbis, semelhante princípio; por exemplo, o art. 46, parágrafo único, da Lei 6.024/1974 reza o seguinte: “O órgão do Ministério Público, nos casos de intervenção e liquidação extrajudicial, proporá a ação obrigatoriamente dentro de 30 (trinta) dias a contar da realização do arresto, sob pena de responsabilidade e preclusão da sua iniciativa”. O princípio da obrigatoriedade não se afigura incompatível com a teoria da ação. Verdade que se cuida do exercício de função pública (rectius: institucional).313 1.070.3. Princípio da indisponibilidade – Iniciado o processo, vigorará o princípio da indisponibilidade: o Ministério Público não pode desistir da ação, nem dispor do direito material, conduzindo o processo até final e impugnando, nos estritos limites legais (v.g., não lhe cabe interpor recursos com intuito protelatório, comportamento vedado no art. 80, VII, do NCPC), os atos decisórios desfavoráveis. Variam, entretanto, as razões inspiradoras do princípio da indisponibilidade. De um lado, nos casos de legitimidade ordinária, a indisponibilidade mostra-se intrínseca à natureza do objeto litigioso, envolvendo interesses sociais indisponíveis; de outro, na legitimidade extraordinária, o Ministério Público simplesmente não é o titular do objeto litigioso e não pode descurá-lo por dever do seu ofício. Por exemplo, não cabe ao Ministério Público desistir da investigação de paternidade,314 proposta com fundamento no art. 2.º, § 4.º, da Lei 8.560/1992, impedindo que a pessoa adquira a sua própria identidade.

Capítulo 49. DA DEFENSORIA PÚBLICA SUMÁRIO: § 222.º – Defensoria Pública no processo civil – 1.071. Origens e natureza institucional da Defensoria Pública – 1.072. Funções institucionais da Defensoria Pública – 1.073. Princípios institucionais da Defensoria Pública – 1.073.1. Princípio da unidade da Defensoria Pública – 1.073.2. Princípio da indivisibilidade da Defensoria Pública – 1.073.3. Princípio da independência funcional da Defensoria Pública – 1.074. Estruturação institucional da Defensoria Pública – 1.075. Formas de participação da Defensoria Pública no processo civil – 1.075.1. Defensoria Pública como parte principal – 1.075.2. Defensoria pública como representante da parte – 1.075.3. Defensoria Pública como curador especial – 1.076. Competência institucional da Defensoria Pública na jurisdição civil – § 223.º Disciplina da atividade processual da Defensoria Pública – 1.077. Forma de comunicação dos atos processuais quanto à Defensoria Pública – 1.078. Prazos especiais da Defensoria Pública – 1.078.1. Extensão objetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública – 1.078.2. Extensão subjetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública – 1.079. Responsabilidade financeira da Defensoria Pública – 1.080. Responsabilidade da Defensoria Pública por dano processual – 1.081. Responsabilidade civil do Defensor Público – § 224.º Funções da Defensoria Pública no processo civil – 1.082. Capacidade de conduzir o processo da Defensoria Pública – 1.082.1. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos difusos e coletivos dos hipossuficientes – 1.082.2. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa das suas funções e prerrogativas institucionais – 1.082.3. Legitimidade extraordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos individuais e individuais homogêneos dos hipossuficientes – 1.083. Capacidade postulatória da Defensoria Pública – 1.084. Integração da capacidade processual pela Defensoria Pública § 222.º Defensoria Pública no processo civil 1.071. Origens e natureza institucional da Defensoria Pública As origens da Defensoria Pública ligam-se umbilicalmente à evolução da assistência judiciária às pessoas desprovidas de recursos financeiros. A expressão “assistência judiciária” apareceu pela primeira vez no art. 113, n.º 32, da CF/1934, já com o seu alcance contemporâneo, ensaiando tímida resposta ao problema tão antigo quanto a própria criação da Justiça Pública. Em muito poucas sociedades, e por períodos descontínuos, o Estado prestou jurisdição gratuitamente; na verdade, além de jamais ter preponderado o caráter gratuito, a rigor toda justiça é onerosa, e o financeiro o menor de seus custos. Os interessados em obter as prestações intrínsecas a esse serviço público, em nosso sistema jurídico, necessitam desembolsar quantias às vezes expressivas no seu orçamento doméstico para movimentar a máquina judiciária e custear o respectivo funcionamento no curso dos trâmites processuais. Nem sempre são quantias impagáveis, em termos absolutos, pela maioria da população. Em geral, as somas exigidas são modestas e, nas causas de grande conteúdo econômico, há um limite máximo de desembolso. A parcimônia da cobrança não desfaz o entrave. A condição pessoal e concreta da pessoa que acode à tutela jurisdicional do Estado há de ser levada na devida conta. Embora irrisória a despesa, na oportunidade do

dispêndio a soma em dinheiro talvez se revele indispensável à sobrevivência própria e da família. Essa faceta da questão, a impossibilidade de arcar com as despesas processuais, e que constitui séria limitação ao acesso universal à Justiça, recebe a designação de justiça gratuita. São notórias as inconsistências semânticas nesse assunto, mas semelhante designação trata os casos em que o Estado, por exceção, não cobra pelo serviço prestado. O benefício da justiça gratuita “compreende a isenção de toda e qualquer despesa necessária ao pleno exercício dos direitos e faculdades processuais”.1 Sob tal ângulo, o problema pode ser resolvido com alguma facilidade, concedendo-se gratuidade à parte que alegue não ter condições de atender as despesas processuais – sistema vigorante, entre nós, em virtude do art. 99, § 3.º, do NCPC, relativamente às pessoas naturais – ou que comprove essa insuficiência perante a autoridade judiciária – sistema mais racional e justo, acolhido pelo art. 72, caput, do CPC de 1939, e aplicável, na atualidade, às pessoas jurídicas. Esta disposição reclamava da parte, na petição em que requeresse o benefício da gratuidade, a menção do “rendimento ou vencimentos que percebe” e dos “seus encargos pessoais e de família”. Não se esgota nessa dimensão, embora significativa, o problema do custo financeiro do processo. A pessoa natural ou jurídica necessita contratar advogado para postular em juízo. Essa exigência prende-se, em primeiro lugar, ao seu próprio interesse. A mediação do advogado impede a ocorrência de prejuízos ao hipotético direito material alegado por força de manuseio amador e imperito. E, ademais, auxilia a qualidade e a eficiência da prestação jurisdicional, pois o órgão instituído para prestar jurisdição precisa de interlocutores técnicos, que lhe traduzam e exponham os fatos pertinentes, por intermédio dos meios técnicos corretos, e, ainda, efetivamente colaborem no descobrimento da verdade e na aplicação do direito. Nesse sentido, a posição do réu é ainda pior que a do autor, porque este começa o processo porque quer, após medir e avaliar as vantagens e desvantagens da iniciativa, enquanto o réu tem o ônus de se defender ainda que não queira. Ora, de longa data o expert em matéria jurídica é um profissional liberal, exercendo sua atividade, conquanto sem intuitos mercantilistas, mediante contraprestação, incumbindo à parte remunerá-lo adequadamente. Em sua grande maioria, os advogados pedem antecipação – pro labore – do eventual êxito ou da imposição ao adversário dos ônus da sucumbência (art. 85, caput). Por outro lado, os serviços auxiliares do órgão judiciário não cobrem todos os atos concebíveis à entrega da prestação jurisdicional. Às vezes, impõe-se a participação de particulares em colaboração eventual com a administração da Justiça – peritos, tradutores, administradores e depositários, e assim por diante –, também remunerados pelas partes. São duas ordens de problemas diferentes, cuja relevância, em tema de acesso à Justiça, não pode ser negligenciada. O segundo é de solução difícil ou dispendiosa. A assistência judiciária propriamente dita envolve o patrocínio da causa em juízo, encarregando-se da tarefa advogado público ou privado, através de um serviço organizado sob auspícios do Estado, e o esclarecimento preliminar a essa iniciativa. Antes de apontar os sistemas desenvolvidos em resposta a semelhante dificuldade, e identificar a filiação da CF/1988 a um deles, a evolução da questão no direito brasileiro auxiliará o juízo a respeito.

O Livro 3, Título 84, § 10, das Ordenações Filipinas – texto que, por força da Lei de 20.10.1823, vigorou no Brasil até o advento do CC de 1916 –, datada de 1603, versando o agravo contra as sentenças interlocutórias com força de definitivas, estabeleceu a principal regra no terreno da gratuidade: “E sendo o agravante tão pobre, que jure que não tem bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater noster pela alma del’Rei Dom Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o agravo”. Não era infenso o velho diploma à questão, conquanto faltasse a ele enunciação mais genérica, e originou, ainda, o sistema de atribuir os advogados privados, a título honorífico, a defesa dos pobres em juízo nos processos penal e civil. Em seguida, o art. 99 da Lei 261, de 03.12.1841, determinava, sendo o réu pobre, ao escrivão pagar metade das custas da Câmara Municipal da Cabeça do Termo, “guardando o seu direito contra o réu quanto à outra metade”. O panorama permaneceu sem mudança, a par de algumas disposições concernentes à justiça penal, até fase adiantada do Século XIX.2 Foram os advogados brasileiros, no último quartel desse século, reunidos no Instituto da Ordem dos Advogados, e sob os ventos liberais, os patrocinadores da necessidade de criar um sistema de assistência judiciária geral, resgatando a plenitude do princípio da igualdade perante a lei. E, naquela conjuntura, não se furtavam ao encargo como parte integrante, caritatis causa, da sua profissão. O governo provisório da República, no art. 176 do Decreto 1.030, de 14.11.1890, autorizou o Ministro da Justiça, ouvindo o Instituto da Ordem dos Advogados, a criar “uma comissão de patrocínio dos pobres no crime e no cível, do que resultou a Assistência Judiciária no Distrito Federal (Rio de Janeiro), regulada no Decreto 2.457, de 08.02.1897. Localizam-se nesse diploma duas regras que, mediante pequenas alterações de forma, em substância continuaram vigentes na Lei 1.060, de 05.02.1950, diploma parcialmente vigente (o art. 1.072, III, revogou seus arts. 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 11, 12 e 17) quanto à disciplina do benefício da gratuidade no direito pátrio atual. O art. 2.º do Decreto 2.457/1897 definiu o beneficiário nos seguintes termos: “Considera-se pobre, para os fins desta instituição, toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em juízo, estiver impossibilitada de pagar ou adiantar as custas e despesas do processo sem privar-se de recursos pecuniários indispensáveis para as necessidades ordinárias da própria manutenção ou da família”. Por sua vez, o art. 4.º, do mesmo diploma, especificava o objeto do benefício: “A Assistência Judiciária aos pobres consistirá na prestação de todos os serviços necessários para a defesa de seus direitos em juízo, independentemente de selos, taxa judiciária, custas e despesas de qualquer natureza, inclusive a caução judicatum solvi (Decreto 564, de 10 de julho de 1850)”. A universalização da assistência judiciária, objetivamente, decorreu da criação da Ordem dos Advogados, através do Decreto 19.408, de 18.11.1930, cujo regulamento, aprovado pelo Decreto 20.784, de 14.12.1931, ocupava-se do assunto nos arts. 91 e 93. Rezava o art. 91, in verbis: “A Assistência Judiciária, no Distrito Federal, nos Estados e no Território do Acre fica sob a jurisdição exclusiva da Ordem”. Nada obstante, alguns Estados-membros, a começar pelo Estado de São Paulo, criariam serviços públicos, prestados pelos chamados “advogados de ofício”, na vigência desse diploma, e, assim,

em parte subtrairiam a “jurisdição” da Ordem, na altura em que encargo já pesava sobre os profissionais liberais. Em substância, porém, nas médias e pequenas comarcas o patrocínio judicial dos necessitados estava a cargo dos advogados privados, em virtude do dever prescrito no art. 26, IV, do Decreto 20.784/1931, observando, na área civil, as disposições do CPC de 1939 (arts. 68 a 79) – sob a rubrica “Do benefício da justiça gratuita”, integrante do Capítulo II – Das Despesas Judiciais – do Livro I –, substituídas pela Lei 1.060, 05.02.1950, e complementadas pelos arts. 90 a 95 da Lei 4.215, de 27.04.1963. O art. 91 da Lei 4.215/1963 rezava que, “no Estado onde não houver serviço de Assistência Judiciária mantido pelo Governo”, caberia à Seção ou Subseção da Ordem nomear advogado para os necessitados. Os dois últimos diplomas surgiram na vigência do art. 141, § 35, da CF/1946, rezando: “O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”. Segundo o art. 14, caput, da Lei 1.060/1950, “os profissionais liberais designados para o desempenho do encargo de defensor ou de perito, conforme o caso, salvo justo motivo previsto em lei ou, na sua omissão, a critério da autoridade judiciária competente, são obrigados ao respectivo cumprimento”, sob pena de multa e de infração disciplinar, cabendo ao juiz, não indicando a própria parte necessitada esse profissional, solicitar a indicação ao órgão de classe respectivo (art. 14, § 1.º, da Lei 1.060/1950). Para aumentar o rebaixamento da classe, a multa imposta ao recalcitrante beneficiará o profissional que “assumir o encargo na causa” (art. 14, § 2.º, da Lei 1.060/1950), e acadêmicos de direito, a partir da quarta série, podem ser indicados para a assistência judiciária. Tal sistema jamais se revelou satisfatório na economia de mercado, constrangendo profissionais liberais a trabalhar gratuitamente, transformando essa atividade em farsa ou tragédia, conforme o ponto de vista, como se notou perante regime similar do direito italiano.3 O aumento do volume de feitos e do serviço forense no atendimento aos pobres desagradava profundamente os advogados privados, salvo exceções. A classe clamava pela universalização do serviço estatal, desonerando-a do incômodo encargo. Não poucos enxergavam na omissão legislativa e na prestação de serviço gratuito um locupletamento ilícito do Estado brasileiro.4 Existia, além disso, embaraçoso vácuo na assistência jurídica, ou seja, no esclarecimento prévio dos direitos litigiosos e nenhum esforço na composição extrajudicial da lide. Era preciso imprimir nova sistemática ao assunto, condizente com a noção de processo social, assegurando não só a garantia formal de titularidade do direito à tutela jurídica do Estado, mas a garantia de igualdade material das partes perante o órgão judiciário.5 O divisor de águas sucedeu na CF/1988. É bem de ver que o regime em vigor até a CF/1988 não discrepava dos adotados no Século XIX na França, na Itália e na Alemanha. A assistência aos pobres, nos seus pleitos judiciais, não passava de empreendimento da caridade cristã.6 Essa forma de encarar o problema contrariava os fundamentos do Estado intervencionista e assistencialista (Welfare State) e apresentava, segundo investigações empíricas, os seguintes problemas: (a) falta de informações a respeito de matéria jurídica, inclusive das regras

criadas em proveito das classes populares (v.g., os benefícios previdenciários), somada à natural desconfiança dos pobres com a Justiça Pública, inconscientemente relacionada com a sua função repressiva na área penal; (b) a distância social e, em alguns casos, geográfica entre os pobres e os escritórios dos profissionais liberais, a dificultar a consulta; (c) a dificuldade de resolver os problemas de habitação, de assistência à saúde, de instrução e de trabalho dos necessitados a partir da resolução de litígios individuais.7 Razões práticas e ideológicas determinaram a proclamação, proclamasse, no art. 5.º, LXXIV, da CF/1988, o dever de o Estado prestar “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Não se contentou, portanto, com o simples patrocínio de causas em juízo, condição necessária, mas insuficiente à fruição dos direitos fundamentais: obrigou o Estado brasileiro à assistência “integral”, ou seja, a prestar assistência jurídica – noção mais ampla do que assistência judiciária –,8 que é pré-processual, orientando, esclarecendo e informando as pessoas, ficando subentendido que semelhante serviço estatal promoverá a solução extrajudicial dos litígios. Essas altissonantes promessas se tornariam inócuas, ou não alterariam o regime vigente, desacompanhadas do meio técnico para realizá-las. O modelo constitucional de 1988 contemplou, numa das seções do Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça – do Título IV – Da Organização dos Poderes –, ao lado da advocacia, a Defensoria Pública. Declara o art. 134, caput, da CF/1988 (redação da EC 80/2014): “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expresso e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5.º desta Constituição Federal”. A análise do capítulo revela que a Constituição separou nitidamente as mencionadas funções essenciais: de um lado, o Ministério Público representa os interesses da sociedade, cumprindo-lhe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da CF/1988). Dessa instituição expungiu-se a função a representação judicial das pessoas jurídicas de direito público (art. 129, IX, in fine, da CF/1988), que lhe enevoara a atividade desde a origem dos procurateurs du Roi, no velho direito francês, da qual encarregar-se-á a advocacia pública, representando a União a Advocacia-Geral, coadjuvava pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional na execução da dívida ativa de natureza tributária (art. 131, § 3.º, da CF/1988), e os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, as respectivas Procuradorias. Em relação aos Municípios, o art. 132 da CF/1988 não obriga à organização de carreira própria, ou seja, uma Procuradoria para representar judicialmente o Município, porque a maioria não dispõe de recursos financeiros que lhes permita manter semelhante atividade ou tem volume de serviço compatível com semelhante estrutura. E, por último, ao lado da advocacia privada, confiou-se à Defensoria Pública o patrocínio dos interesses individuais e coletivos dos necessitados. Essa atividade estatal assenta no princípio da igualdade, propiciando a criação de ordem jurídica justa.9

Essas categorias de interesses amiúde contrapõem-se em situações concretas, exigindo o sacrifício, no todo ou em parte, de um deles. Os interesses individuais das pessoas vulneráveis talvez conflitem com os interesses patrimoniais do Estado e, mais raramente, com os interesses gerais da sociedade, e, por isso, mostra-se conveniente que um órgão público preste os serviços de assistência judiciária com isenção e independência.10 À exceção dos países socialistas, na segunda metade do Século XX ocorreram expressivas mudanças na assistência judiciária dos países filiados à Civil Law, identificando-se três tendências: (a) o sistema do patrocínio gratuito, que preservou, em linhas gerais, o regime do Século XIX, caracterizado pelo dever de os profissionais liberais prestarem assistência judiciária aos pobres, remunerados ou não pelo Estado (sistema judicare); a necessidade de postulação perante a autoridade judiciária, que verificará os requisitos para a obtenção da gratuidade; e a análise, também a cargo da autoridade judiciária, da plausibilidade do direito que o necessitado controverterá em juízo; (b) o sistema de custeio estatal, no qual os profissionais prestam um serviço de interesse público e social – nessa linha, o art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994 declara que, no seu ministério privado, “o advogado presta serviço público e exerce função social” –, integrados a um sistema de assistência governado e custeado por fundos públicos, sem embargo de outras formas de assistência privada (v.g., a prestada pelos sindicatos aos seus associados); e (c) o sistema público de assistência judiciária, em que o Estado assume, diretamente, a prestação desse serviço.11 Nenhum deles revela-se imune a críticas mais ou menos intensas.12 Como quer que seja, o sistema brasileiro é misto: a criação da Defensoria Pública inclinou a balança, decisivamente, na direção de um serviço público de assistência judiciária, tendente à universalização subjetiva (todos os necessitados) e objetiva (todos os lugares). Levantamentos empíricos demonstram que, na distribuição dos recursos humanos da Defensoria Pública, inexiste a devida correlação entre os índices de vulnerabilidade social e o número de Defensores Públicos.13 É preciso intensificar esforços nesses rumos. A LC 80, de 12.01.1994, organizou a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e Territórios, e fixou as normas gerais da Defensoria Pública nos Estados-membros. Após as alterações da LC 132, de 07.10.2009, a instituição estatal tem funções que propiciam a solução, no devido tempo, das dificuldades encontradas no sistema do patrocínio gratuito. E, simultaneamente, na legislação infraconstitucional (art. 14 da Lei 1.060/1950 c/c art. 99, § 4.º, do NCPC), subsiste a livre escolha do profissional liberal, muito útil nas causas de elevado conteúdo econômico e plausibilidade de êxito, ou para direitos individuais homogêneos (advocacia de massa), e, nas áreas não cobertas pela Defensoria Pública, a indicação do advogado pela Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil. Ao advogado indicado para patrocinar causa de necessitado em juízo, “no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, terá direito aos honorários fixados pelo juiz”, entendendo-se que, no caso de insucesso do necessitado, o Estado arcará com o pagamento dos honorários.14 Ao invés, existindo Defensoria Pública na localidade, mas optando o necessitado por seu direito de escolher profissional liberal, “deverá

ele arcar com os ônus decorrentes da escolha”.15 Em casos tais, portanto, o profissional liberal receberá os honorários da sucumbência (art. 85, caput, e § 14), às vezes de vulto, ou, em caso de insucesso, nada receberá em caso de insucesso. O sistema misto tem fundamento constitucional: a CF/1988 trata a advocacia privada e a Defensoria Pública na mesma seção do Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça – do Título IV – Da Organização dos Poderes. Ele conjuga as vantagens do sistema do patrocínio gratuito e do serviço estatal, suprindo, eventualmente, as deficiências intrínsecas a qualquer serviço público, de um lado, e propiciando ao necessitado a escolha do seu advogado, conforme a natureza econômica da causa, e tão acreditado no meio forense quanto o do adversário.16 A prestação estatal da assistência judiciária não é um serviço público exclusivo. Limitou-se o art. 4.º, § 5.º, da LC 80/1994 a proclamar, em consequência, que “a assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública”. O direito constitucional do beneficiário da assistência judiciária abrange dois benefícios, a isenção das despesas processuais e a gratuidade da prestação de serviços, e mostrar-se-ia autêntico absurdo obrigá-lo ao falso dilema do tudo ou nada, subsistindo, assim, a livre escolha do advogado privado.17 Tampouco fica pré-excluída, embora não seja custeada pelo Estado, a assistência judiciária prestada por entidades e organizações privadas, a exemplo dos sindicatos, a favor dos seus associados ou integrantes de certa categoria, ou por outros organismos, a exemplo dos centros de assistência e prática judiciária, subordinados às faculdades de direito de instituições particulares e públicas – por final, mencionados no art. 186, § 3.º, como titulares da dobra dos prazos processuais (não, porém, da prerrogativa da intimação pessoal). O que varia, num caso e noutro, é a disciplina processual da atividade. 1.072. Funções institucionais da Defensoria Pública A função constitucional precípua da Defensoria Pública encontra-se indicada no art. 134, caput, da CF/1988, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do art. 5.º, LXXIV, da CF/1988. É preciso, segundo a última regra, que o necessitado comprove o seu estado de necessidade perante o órgão da Defensoria Pública. O art. 185 do NCPC declara competir à Defensoria Pública a “orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”. O art. 4.º da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, explicita tais funções no âmbito desses polos – orientação jurídica e patrocínio em juízo (inc. I) –, acrescentando na área civil: (a) “promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos” (art. 4.º, II, da LC 80/1994); (b) “promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico” (art. 4.º, III, da Lei 80/1994); (c) prestar atendimento interdisciplinar aos necessitados (art. 4.º, IV, da LC 80/1994); (d) “representar aos sistemas internacionais de proteção dos

direitos humanos, postulando perante seus órgãos” (art. 4.º, VI, da LC 80/1994); (e) participar de conselhos federais, estaduais e municipais – olvidou o Distrito Federal e os Territórios – afetos às suas finalidades. Em juízo, as funções institucionais são as seguintes: (a) “exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses” (art. 4.º, V, da LC 80/1994); (b) “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes” (art. 4.º, VII, da LC 80/1994); (c) “exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5.º da Constitucional Federal” (art. 4.º, VIII, da LC 80/1994); (d) “impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução” (art. 4.º, IX, da LC 80/1990); (e) “promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 4.º, X, da LC 80/1994); (f) “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado” (art. 4.º, XI, da LC/1994); (g) “exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei” (art. 4.º, XVI, da LC 80/1994); (h) “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos”, hipótese em tais quantias se destinarão aos “fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores” (art. 4.º, XXI, da LC 80/1994). Em algumas situações, as normas se sobrepõem, e, a rigor, o inc. V abrange todas as demais hipóteses, eventualmente separadas em atenção ao grupo tutelado (v.g., os consumidores, a teor do inc. VIII; da criança, do adolescente e do idoso, e outros grupos vulneráveis, conforme o inc. XI) ou à natureza coletiva ou individual da demanda (v.g., o inc. X abarca quaisquer demandas individuais e coletivas, explicitadas em outros incisos em atenção a diversos grupos de desfavorecidos). O conjunto demonstra que, no processo civil, a Defensoria Pública exercerá três funções: (a) a de parte principal, legitimando-se ativamente a mover ações coletivas, e, desse modo, tornando-se réu em potencial nas respectivas ações rescisórias; (b) a de representante judicial dos necessitados, em demandas individuais e coletivas, indicando a LC 80/1994, exemplificativamente, determinados grupos (os consumidores, as crianças e os adolescentes, os idosos, e assim por diante); (d) a de curador especial (art. 72, parágrafo único, do NCPC).

1.073. Princípios institucionais da Defensoria Pública O art. 3.º da LC 80/1994 arrola três princípios institucionais da Defensoria Pública: (a) a unidade; (b) a indivisibilidade; e (c) a independência funcional. Esses princípios, diferentemente do que ocorre com o Ministério Público (retro, 1.044), não se encontram expressos no texto constitucional, mas decorrem das funções desempenhadas no processo civil (infra, 1.075). 1.073.1. Princípio da unidade da Defensoria Pública – O princípio da unidade da Defensoria Pública tem feição análoga ao do Ministério Público, operando em cada ramo da instituição da seguinte maneira: (a) os diversos órgãos da instituição, em especial o órgão de execução, que é o Defensor Público, integram um só corpo funcional, e a pessoa que nele se encontra investido não atua no processo civil, nas respectivas funções (parte principal, representante da parte e curador especial) em nome próprio, mas em nome da Defensoria; (b) as pessoas que ocupam os órgãos podem ser substituídas sem solução de continuidade no serviço, ou seja, os atos processuais anteriores e os atos processuais subsequentes ao afastamento do Defensor Público, na forma da lei, não padecem de qualquer vício.18 E, como o órgão de execução precipuamente se dedica a advogar, há uma terceira consequência, que é a impessoalidade da atuação, exercida objetivamente, em atenção das funções institucionais. Dispõe o art. 4.º-A, IV, da LC 80/1994 que constitui direito do assistido pela Defensoria “o patrocínio dos seus direitos e interesses pelo defensor público natural”. Desse modo, a lei em sentido formal definirá a competência do órgão de execução, que não pode ser alterada pelos órgãos de Administração senão nos casos legais. É vedado designar certo Defensor Público, em razão de suas supostas aptidões ou formação pessoal, para patrocinar causa ou parte determinada. 1.073.2. Princípio da indivisibilidade da Defensoria Pública – O princípio da indivisibilidade da Defensoria Pública significa que todos os atos processuais praticados pelos diferentes agentes não se distinguem, uns dos outros, em razão da hierarquia do agente ou da posição ocupada no processo. É possível que, no mesmo processo, duas ou mais partes sejam representadas por Defensor Público, inclusive em posição antagônica à da própria Defensoria como parte principal. Por exemplo, a Defensoria Pública move ação coletiva em proveito de consumidores necessitados e, como réus, figuram pessoas naturais ou jurídicas, igualmente representadas por Defensor Público, assinalando-se que o art. 4.º, V, da LC 80/1994 assegura também às pessoas jurídicas representação pela Defensoria Pública. 1.073.3. Princípio da independência funcional da Defensoria Pública – A instituição da Defensoria Pública desfruta de autonomia funcional (art. 134, § 2.º, da CF/1988). Ocorre que esse predicado se estende aos órgãos de atuação e de execução (art. 127, I, da LC 80/1994), ou seja, a hierarquia administrativa não pode interferir (v.g., afastando o Defensor Público natural do processo, em virtude do modo concreto da sua atuação, como no caso expor tese contrária à opinião pública) no comportamento do agente. Eventuais instruções ou diretrizes emanadas dos órgãos de administração da Defensoria Pública não vinculam, processualmente, o Defensor Público. Assim, o Defensor Público é livre para impugnar, ou não, o provimento

desfavorável ao necessitado, conforme a sua convicção de que há elemento bastante na lei, na jurisprudência ou prova dos autos (art. 129, VII, da Lei 80/1994). No entanto, responderá ele civil, administrativamente ou penalmente no caso de descumprimento dos deveres legais (v.g., o Defensor Público não interpôs o recurso por manifesta negligência). A responsabilidade civil é pessoal, mas regressiva, e fundada em fraude ou dolo (art. 187 do NCPC). 1.074. Estruturação institucional da Defensoria Pública A Defensoria Pública abrange três ramos autônomos: (a) a Defensoria Pública da União; (b) a Defensoria Pública do Distrito Federal; e (c) a Defensoria Pública dos Estados-membros (art. 2.º, I a III, da LC 80/1994). À diferença do Ministério Público da União (MPU), a Defensoria Pública da União (DPU), cujos órgãos atuam em todo território nacional, não espelha a estrutura judiciária, atuando na Justiça Federal, na Justiça do Trabalho, na Justiça Eleitoral, na Justiça Militar, em todos os graus de jurisdição e em quaisquer instâncias administrativas (art. 14 da LC 80/1994). A estrutura federativa da instituição expressa-se, todavia, na existência de ramos distintos para cada pessoa jurídica de direito público que administra a Justiça (União, Estados-membros e Distrito Federal e dos hoje inexistentes Territórios), consoante determina o art. 134, § 1.º, da CF/1988. Nada obsta que os Municípios instituam, de seu turno, órgãos específicos para prestar assistência judiciária no seu território,19 mas não se cuidará de Defensoria Pública. A localização da Defensoria Pública na Seção III do Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça – do Título IV – Da Organização dos Poderes – na CF/1988, a mesma seção da advocacia privada, importa nítida divisão de atribuições das instituições que desempenham funções essenciais à Justiça: de um lado, o Ministério Público ocupa-se dos interesses da sociedade; de outro, a Advocacia Pública representa os interesses das pessoas jurídicas de direito público; e, por fim, a advocacia privada e a Defensoria Pública defendem os interesses individuais e coletivos dos necessitados, sem embargo do fato de a advocacia privada defender também os econômico e socialmente fortes, ou seja, o ministério privado do advogado estende-se além das raias em que se confina a Defensoria Pública. Esse esquema remedeia o incômodo gerado pelo fato desses três interesses, legitimamente, colidirem uns com os outros. A satisfação dos interesses dos necessitados não raro contraria os interesses secundários da Administração. A posição constitucional da Defensoria Pública assegura-lhe a necessária independência à consecução dos ambiciosos objetivos traçados no art. 3.º-A da LC 80/1994. Dentre outros, igualmente relevantes, sobressai a “primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais” (inc. I). O art. 4.º, § 2.º, da LC 80/1994 não olvidou de prescrever que as funções institucionais da Defensoria Pública “serão exercidas inclusive contra as pessoas jurídicas de direito público”. É claro que, podendo voltar-se contra as pessoas jurídicas de direito público, em juízo e fora dele, a Defensoria Pública necessita, além da independência funcional, implícita no arranjo constitucional, de independência

administrativa e financeira. O art. 134, § 2.º, da CF/1988, na redação da EC 45/2004, que alterou, por igual, o art. 168 da CF/1988, assegura-lhe essas prerrogativas, assinalando a iniciativa da proposta orçamentária, essencial à existência de recursos para custear a respectiva atividade. Em outras palavras, tem a Defensoria Pública dotação orçamentária própria, “incluindo créditos suplementares e especiais, que lhe devem ser entregues até o dia 20 de cada mês, em forma de duodécimo”.20 Esses recursos autorizam os órgãos administrativos da instituição a cuidar autonomamente os seus negócios, exercendo as atribuições do art. 97-A da LC 80/1994, destacando-se o recrutamento do seu pessoal, mediante concurso de provas e de títulos, e o controle soberano sobre a progressão na carreira. Não há um órgão de controle externo específico da gestão administrativa da Defensoria Pública e da atividade processual dos Defensores Públicos, como ocorre com a magistratura (CNJ) e o Ministério Público (CNMP). O controle é o geral dos demais órgãos administrativos, a cargo do Tribunal de Contas, órgão do Legislativo. Segundo o art. 134, § 1.º, da CF/1988, lei complementar – no caso, a LC 80/1994, modificada e modernizada pela LC 132/2009 –, organizará a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal, e prescreverá as normas gerais para organização da Defensoria Pública dos Estados-membros, objeto, de seu turno, por lei complementar no âmbito de cada uma dessas pessoas jurídicas de direito público. À testa da DPU situase o Defensor Público-Geral Federal, escolhido pelo Presidente da República dentre os integrantes de lista tríplice formada pelo voto secreto, plurinominal e obrigatório dos integrantes da carreira, e submetido à aprovação do Senado Federal, para mandado de dois anos, admitida uma recondução (art. 6.º da LC 80/1994), forma de escolha que se aplica ao Defensor Público-Geral da Defensoria do Distrito Federal e Territórios (art. 54 da LC 80/1994) e o Defensor Público-Geral nos Estados (art. 99 da LC 80/1994). É criticável a realização de eleições para compor a lista tríplice. Ela obriga os candidatos a cooptar votos entre os Defensores Públicos, ignorando os graus hierárquicos, e talvez obrigue a compromissos pessoais que inibirão o ulterior exercício independente das atribuições do cargo. Internamente, a estrutura dos diversos ramos da Defensoria Pública segue o modelo do Ministério Público. Há órgãos de administração, de atuação e de execução. Os órgãos de administração, cuja competência é definida em lei (v.g., compete ao Defensor Público-Geral dirimir os conflitos de atribuições entre os órgãos de atuação), são a Defensoria Pública-Geral, a Subdefensoria Pública-Geral, o Conselho Superior e a Corregedoria-Geral; os órgãos de atuação, as Defensorias Públicas e os Núcleos de Defensoria Pública; e o órgão de execução é o Defensor Público (arts. 5.º, 53 e 98 da LC 80/1994). A Defensoria Pública dos Estados-membros também tem uma Ouvidoria (art. 98, IV, da LC 80/1994). Não há, portanto, um órgão de atuação específico para o segundo grau ou nos tribunais superiores. A crescente importância da Defensoria Pública e o aumento da sua atuação no processo civil modelaram o Título VII – Da Defensoria Pública – do Livro III da Parte Geral do NCPC. À instituição dedicou o diploma os arts. 185 a 187 e, a cada passo, outros dispositivos ocupam-se da atividade da

Defensoria Pública, outra olvidada, em assuntos tão triviais quanto o da restituição tempestiva dos autos (art. 234 do NCPC). 1.075. Formas de participação da Defensoria Pública no processo civil A análise do art. 4.º da LC 80/1994 evidencia que são três as funções processuais da Defensoria Pública: (a) a de parte principal; (b) a de representante da parte principal, por óbvio necessitado, independentemente do grupo a que pertença; e (c) a de curador especial. A Defensoria Pública desempenha outras funções que, indiretamente, repercutem na esfera processual. É claro que a ênfase na composição extrajudicial dos litigantes, apontada como meta prioritária da instituição no art. 4.º, II, da LC 80/1994, busca eliminar e diminuir a procura em juízo, beneficiando a atividade jurisdicional. O principal obstáculo ao êxito dessa prioridade recai, paradoxalmente, nas pessoas jurídicas de direito público, que podem ocupar o polo passivo nas demandas individuais e coletivas movidas pela Defensoria Pública em nome próprio ou alheio (art. 4.º, § 2.º, da LC 80/1994). Esses sujeitos relutam e resistem em atender às respectivas obrigações constitucionais nas mais diversas áreas (v.g., prestações positivas na área da saúde), e dificilmente compõem seus interesses secundários com os interesses patrocinados pela Defensoria Pública. Em fase anterior ao processo, representam atividades relevantes da Defensoria Pública: (a) a aprovação (referendo) de transações, mediações e conciliações extrajudiciais, que adquirem eficácia de título executivo extrajudicial, “inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público” (art. 4.º, § 4.º, da LC 80/1994 c/c art. 784, IV, do NCPC); (b) a realização de inquérito civil, investigação preliminar às ações coletivas para as quais a Defensoria Pública legitima-se ativamente; (c) a promoção da autocomposição extrajudicial (art. 3.º, § 3.º, do NCPC). 1.075.1. Defensoria Pública como parte principal – O art. 4.º, VII, X e XI, da LC 80/1994 legitima a Defensoria Pública, em nome próprio, a propor ações coletivas, em particular a ação civil pública, sempre que os efeitos do acolhimento do pedido beneficiarem, no todo ou em parte, os necessitados. Em contrapartida, a Defensoria Pública também ostentará legitimidade passiva nas rescisórias desses julgados, em posição similar à do Ministério Público. Tal assunto já recebeu considerações no item próprio (retro, 1.046.1) e decorre da necessidade de o vencido, almejando subtrair-se ao vínculo da coisa julgada material, mover a ação rescisória contra quem figurou como parte principal no polo ativo do processo coletivo originário. Não importa, como oportunamente se assinalou, a natureza dessa legitimação ativa (ordinária ou extraordinária). Nas duas situações, o antigo autor haverá de figurar como parte passiva na rescisória. Essa legitimidade da Defensoria Pública já decorria do art. 82, III, da Lei 8.078/1990, que habilitava órgãos da Administração, genericamente, a essa iniciativa, respaldada pela missão de defender os direitos do conjunto de necessitados. A Lei 11.448/2007 introduziu item específico na Lei 7.347/1985, acolhendo tal legitimidade (art. 5.º, II, da Lei 7.347/1985). A jurisprudência do STJ acolheu julgado que, fundado no primeiro dispositivo, proclamou a

legitimidade da Defensoria Pública.21 Essas disposições harmonizam-se com a missão constitucional da Defensoria Pública de prestar assistência judiciária aos necessitados. Em alguns casos, a exemplo das crianças e dos idosos em situação de risco, parece legítimo à lei presumir-lhes a condição de necessitados, tout court, e, no tocante aos consumidores, reconhecidamente a parte débil na relação de consumo, ou quaisquer outros grupos de pessoas hipossuficientes, o juízo de procedência atingirá apenas esse universo, conforme determina o art. 4.º, VII, da LC 80/1994. A legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública recebeu impugnações no terreno da constitucionalidade. Segundo tal opinião, o art. 5.º, II, da Lei 7.347/1985 mostra-se inconstitucional, porque a função institucional da Defensoria Pública consiste em defender necessitados em juízo, e não há sentido em conferir-lhe habilitação legal para defender interesses difusos, cujos titulares são indetermináveis, não sendo possível determinar nesse universo quem é ou não é necessitado. O signo da indivisibilidade dos interesses difusos e coletivos importará, no caso de procedência, benefícios aos necessitados e aos não necessitados, extrapolando, pois, a função precípua da instituição.22 O problema aventado, decorrente da relação entre legitimidade ativa e coisa julgada erga omnes, não é exclusivo das ações coletivas movidas pela Defensoria Pública. O fenômeno verifica-se nas ações movidas por associações civis, nas quais o juízo de procedência beneficiará os seus associados e, por igual, pessoas não associadas, sem que tal eficácia implique qualquer dificuldade. Nos casos em que violado o interesse de um só vulnerável – v.g., no caso de emissões poluidoras de um riacho, utilizado por necessitados para lavar roupas, e pelo público, em geral, para banhos –, parece mais sensato legitimar a Defensoria Pública a agir coletivamente, resolvendo a questão para a sociedade.23 A natureza da legitimidade ativa da Defensoria Pública, nesse tópico, suscita problema similar à do Ministério Público. Ela se mostrará ordinária no caso dos direitos difusos e coletivos dos necessitados, pois a indivisibilidade desses interesses torna o respectivo conjunto distinto das respectivas frações, ou seja, do direito que, individualmente, pode ser objeto da pretensão da pessoa ligada por circunstância de fato ou do integrante do grupo, categoria ou classe. É extraordinária no caso de direitos individuais homogêneos dos necessitados. Enquanto parte principal, a Defensoria Pública usufruirá de todos os poderes inerentes a semelhante qualidade, e suportará todos os ônus e deveres intrínsecos à condição de sujeito da relação processual, embora lhe aproveitem as prerrogativas instituídas. Não há motivo plausível para subtrairlhe, nessa posição de maior realce, a disciplina que lhe aproveita como representante da parte e arroladas no item subsequente. As mesmas razões que instituem o prazo em dobro na ação individual movida por necessitado se reproduzem na demanda coletiva que lhe favorecerá no caso de desfecho positivo. 1.075.2. Defensoria Pública como representante da parte – É na qualidade de procurador que a Defensoria Pública mais se aproxima dos necessitados, concretamente, representando-os tecnicamente no processo, na condição de autor, de réu ou de terceiro interveniente.

Para essa finalidade, a LC 80/1994 instituiu variadas prerrogativas para o homem ou a mulher ocupante do cargo de Defensor Público. O objetivo genérico dessas regras excepcionais consiste em melhorar o desempenho da atividade processual. Também diminui ou elimina a sensação de inferioridade do necessitado perante o profissional liberal contratado pela parte contrária, incutindo-lhe confiança na atuação do agente da Defensoria Pública. Essas prerrogativas, na realidade, colocam o Defensor Público em situação de nítida vantagem, relativamente à advocacia privada, mas justificam-se por duas razões autônomas: (a) as peculiaridades intrínsecas a um serviço estatal, geralmente desprovido dos meios materiais e humanos ideais; (b) a condição pessoal da parte. Intimado para se manifestar sobre a contestação, por exemplo, talvez seja imprescindível o Defensor Público entrevistar a parte, obtendo esclarecimentos sobre a matéria de fato. Esse contato pessoal, a mais das vezes, é muito mais demorado e penoso que o usual na advocacia privada. As prerrogativas são as seguintes: (a) a capacidade postulatória decorre unicamente da investidura no cargo (art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994), comprovado através da identidade profissional, que “terá fé pública em todo o território nacional” (art. 4.º, § 9.º, da LC 80/1994), dispensando-se, portanto, a outorga de mandato ad judicia, exceto no concernente aos poderes especiais do art. 105, caput (art. 44, XI, da LC 80/1994); (b) a intimação pessoal (art. 44, I, da LC 80/1994), razão por que o art. 287, parágrafo único, II, do NCPC, dispensa a apresentação da procuração na distribuição da petição inicial; (c) a dobra de todos os prazos (art. 44, I, da LC 80/1994); (d) o direito à carga dos autos (art. 44, VI, da LC 80/1994 c/c art. 186, caput, do NCPC); (e) examinar quaisquer autos e obter cópias (art. 44, VIII, da LC 80/1994); (f) manifestar por cotas nos autos (art. 44, IX, da LC 80/1994); (g) “requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições” (art. 44, X, da LC 80/1994); (h) sentar-se, nas audiências e sessões de julgamento dos tribunais, no mesmo plano do agente do Ministério Público (art. 4.º, § 7.º, da LC 80/1994), o que, mais das vezes, revela-se fisicamente impossível, em virtude da configuração da sala de audiências; (i) receber o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares de cargos ou funções essenciais à administração da Justiça (art. 44, XIII, da LC 80/1994). Não descurou a LC 80/1994 do aspecto capital da relação do Defensor Público e o necessitado. Um dos problemas mais graves do sistema do patrocínio gratuito radicava na falta de informação prévia e o acesso ao profissional liberal designado pela Seção ou Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil ou, subsidiariamente, pelo juiz. Desse modo, o art. 4.º-A, I a V, da LC 80/1994 assegura ao necessitado: (a) informação sobre a localização e o horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública; (b) informação sobre os trâmites processuais e extraprocessuais (v.g., a perícia médica); (c) qualidade e eficiência do atendimento; (c) o direito de revisão da sua pretensão negada, na primeira análise, pelo Defensor Público, encargo acometido ao Defensor Público-Geral (art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994); (d) o patrocínio pelo defensor natural; (e) a atuação de diferentes Defensores Públicos, no caso de colisão de interesses. Essas ambiciosas metas dependem da existência de meios materiais e humanos. Por exemplo, a eficiência, a qualidade e a pontualidade no atendimento subordinam-se aos equipamentos de informática suficientes,

manuseados pelo Defensor Público, pessoalmente ou por auxiliar habilitado, de pessoal em número adequado à recepção e triagem dos visitantes e, por fim, de instalações físicas espaçosas e funcionais para o atendimento ao público. Existe considerável distância entre o país ideal e o país real que só o tempo e recursos financeiros reduzirão. Figurando como partes dois ou mais necessitados, concebe-se que seus interesses sejam antagônicos ou colidentes. Por exemplo, a vítima de ilícito penal move ação de reparação de danos contra dois apenados, que solicitam a representação de Defensor Público, existindo entre as suas versões dos fatos antagonismo. Em tal hipótese, inexistindo mais de um Defensor Público na comarca ou seção judiciária, evento natural, haja vista a insuficiência dos quadros da Defensoria para atender clientela tão numerosa, tornando irrealizável, na prática, o comando do art. 4.º-A, V, da LC 80/1994, não há outro remédio que a representação mista: um dos necessitados receberá representação por advogado particular. 1.075.3. Defensoria Pública como curador especial – O curador especial, segundo o art. 72, parágrafo único, do NCPC, é o Defensor Público, a teor do art. 4.º, XVI, da LC 80/1994. O assunto já recebeu exame no parágrafo dedicado à integração da capacidade processual através de curador especial (retro, 534). Por força da separação das funções essenciais à Justiça, neste particular ocorreu saudável depuração das funções institucionais do Ministério Público – todavia, não se mostraria inconstitucional disposição neste sentido, por força do disposto no art. 129, IX, da CF/1988 (“exercer outras funções que lhe forem conferidas…”), que perdeu o encargo de proteger diretamente os interesses dos necessitados,24 subsistindo apenas a função de parte coadjuvante, nos casos do art. 178, II, do NCPC. 1.076. Competência institucional da Defensoria Pública no processo civil Da estrutura da Defensoria Pública, organizada sob a forma federativa, existindo um ramo para cada pessoa jurídica de direito público responsável pela administração da Justiça Pública (União, Distrito Federal e Territórios e Estados-membros), define a competência administrativa nas áreas de atuação. À Defensoria Pública da União compete participar de processos, nas respectivas funções processuais (retro, 1.075), na órbita federal (Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar); a do Distrito Federal e Territórios, na Justiça Comum do Distrito Federal, que também é mantida pela União; e do Estado-membro, no respectivo território, perante a Justiça Comum e, havendo sido constituída, a Justiça Militar estadual. Existe natural coextensão da atividade de cada ramo da Defensoria Pública, nos dois graus de jurisdição, sendo que a DPU atuará nos tribunais superiores de interesse nos litígios civis (STF e STJ). Essa divisão de competência suscita o problema da possibilidade de litisconsórcio entre a DPU, a DPDFT e as DPE perante a Justiça Federal ou a Justiça Comum. A esse propósito, falta regra análoga à do art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985. Valem, aqui, as considerações já externadas no item dedicado ao ponto no tocante ao Ministério Público (retro, 1.047). Não é admissível semelhante litisconsórcio e, figurando como sujeito passivo na ação coletiva sujeito federal, compete à Defensoria Pública da União (DPU)

mover a ação coletiva perante a Justiça Federal, inversamente não lhe cabendo demandar na Justiça Comum do Distrito Federal e Territórios e na Justiça Comum do Estado-membro. § 223.º Disciplina da atividade processual da Defensoria Pública 1.077. Forma de comunicação dos atos processuais quanto à Defensoria Pública Uma das mais notáveis simplificações no regime da comunicação dos atos processuais consistiu na progressiva, mas consistente substituição da intimação pessoal pela intimação ficta. Em seu modelo originário, o legislador de 1973 sentiu-se suficientemente seguro para instituir a intimação ficta no Distrito Federal e nas capitais dos Estados-membros, mediante publicação no órgão oficial (então, impresso), porque nessas cidades a demografia e a extensão geográfica já acarretavam boa dose de impessoalidade. Residualmente, essa forma ficta mostrava-se admissível onde houvesse “órgão de publicação dos atos oficiais”, nas pequenas comarcas. Depois, o órgão oficial passou a circular, fisicamente, em todo o território do Estadomembro, e, nos dias de hoje, assumiu forma eletrônica e ubíqua. Desapareceu a intimação pessoal do advogado, por mandado ou pelo correio, na prática; porém, em algumas situações excepcionais, a lei a determina expressamente. Essa modalidade de intimação, chamada de pessoal ou real, até pouco tempo a regra, hoje é encarada como série entrave à celeridade e inútil desperdício de atividade processual. Os arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC 80/1994; o art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950; e o art. 186, § 1.º, do NCPC, asseguram ao ocupante do cargo de Defensor Público a intimação pessoal, inclusive da publicação da pauta de julgamento do recurso no tribunal (art. 934), mediante vista dos autos, implicando a retirada em carga; porém, nos recursos e processos de competência do tribunal, o art. 935, § 1.º, do NCPC, assegura vista em cartório – medida vantajosa, pois, na prática, os autos ficavam inacessíveis aos advogados em geral. Por um lado, a intimação pessoal empresta segurança à intimação, na prática garantindo maior controle dos órgãos auxiliares da Defensoria Pública do fluxo de movimento processual. A vista fora de cartório ou de secretaria relaciona-se com o princípio da unidade (retro, 1.073.1). A pessoa que ocupa o órgão de atuação pode não se encontrar plenamente inteirado dos trâmites do processo, porque nele lotado há pouco, ou tratar-se do substituto legal do Defensor Público natural. O art. 186, § 2.º, atentou para as peculiaridades da defesa em juízo dos vulneráveis. Requerendo o Defensor Público, o juiz mandará intimar pessoalmente o representado, “quando o ato processual depender de providência ou informação” que somente pela parte puder ser realizada ou prestada. Por exemplo, deferida a prova testemunhal (art. 357, II), o Defensor Público dependerá de contado com o vulnerável para arrolar testemunhas, e nem sempre essa comunicação é fácil ou expedita. A intimação judicial supre a dificuldade. É bem ver que, por exceção prevista no art. 455, § 4.º, IV, a intimação para a audiência será feita pelo juízo, e, não, pelo órgão da Defensoria Pública. Seja como for, o art. 186, § 2.º, não garante o

atendimento e, ademais, constitui fator de retardamento dos trâmites do processo. A intimação pessoal do Defensor Público realizar-se-á, conforme revela a remissão ao art. 183, § 1.º, no art. 186, § 1.º, através de três meios concorrentes: (a) carga dos autos, assinado o livro próprio; (b) remessa dos autos ao escritório local da Defensoria Pública; (c) meio eletrônico. Para essa finalidade, o Defensor Público há de cadastrar endereço eletrônico, conforme estabelece o art. 270, parágrafo único, c/c art. 246, § 1.º. São três modalidades de intimação pessoal. Ficta é a intimação pelo órgão oficial. E, como resulta do 270, caput, c/c art. 273, a via eletrônica é o meio preferencial. A prerrogativa da intimação pessoal somente aplica-se aos ocupantes de cargos na estrutura organizacional da Defensoria Pública. A assistência judiciária não constitui serviço público exclusivo. Assim, outras pessoas jurídicas, a exemplo dos sindicatos e associações, prestam assistência, gratuitamente, aos seus filiados, mas não se beneficiam dessa modalidade excepcional de comunicação dos atos processuais. Em outras palavras, nem todos os advogados que prestam assistência judiciária são destinatários das disposições legais arroladas. Por exceção, cabe a intimação pessoal, a teor do art. 186, § 3.º: (a) escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas por lei; e (b) entidades conveniadas como a Defensoria Pública. Nesse último caso, há de produzir-se prova da existência do convênio, pois não basta a prestação do serviço em si. Não há motivo para restringir, em virtude da função processual concretamente desempenhada pela Defensoria Pública no processo – parte processual, representante da parte ou curador especial –, o benefício da intimação pessoal. As razões que predeterminaram essa forma de intimação existem em qualquer hipótese. 1.078. Prazos especiais da Defensoria Pública Consoante o art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950, na redação da Lei 7.871, de 08.11.1989, nos Estados que organizarem o serviço de assistência judiciária o defensor público, “ou quem exerça cargo equivalente”, beneficiar-se-á de prazo em dobro para a prática de quaisquer atos processuais. Não se apresenta diversa a redação dos arts. 44, I, 89, I e 128, I, da LC 80/1994, no tocante, respectivamente, à Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios (DPDFT) e a Defensoria Pública dos Estados-membros (DPE). O art. 186, caput, do NCPC generalizou a regra da dobra de quaisquer prazos. É preciso investigar as dimensões objetivas e subjetivas dessas disposições convergentes. 1.078.1. Extensão objetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública – O quantitativo temporal – hora, dia, semana, mês e ano – do prazo para a prática de atos processuais é automaticamente dobrado se o ato deva ser praticado por Defensor Público. O escrivão ou chefe de secretaria, antes de certificar nos autos o decurso do prazo, in albis, há de atentar para a

qualidade do autor do ato. Assim, o prazo para a parte representada pela Defensoria Pública interpor o recurso de apelação, figurando a própria Defensoria Pública na relação processual, será de trinta dias, e, não, apenas o prazo simples de quinze dias previsto no art. 1.003, § 5.º, do NCPC. É de trinta dias, e, não, de quinze (art. 335), o prazo para o Defensor Público contestar a ação movida contra seu representado. O benefício abrange todos os prazos. Ficou ressalvado, todavia, o prazo próprio assinado à Defensoria Pública (art. 186, § 4.º). Assim, é de três dias, sem dobra, o prazo para restituir os autos retidos indevidamente, a teor do art. 234, § 2.º. Em relação aos prazos de direito material, a exemplo do prazo para o vencido rescindir o provimento de mérito transitado em julgado (art. 975), que é de dois anos e de decadência, e cujo respectivo termo final não se desloca para o primeiro dia útil após o vencimento, a teor do art. 975, § 1.º, acolhendo julgados mais liberais do direito anterior,25 não incide a regra que amplia o prazo em atenção à qualidade da parte. A única influência da cobra ocorre no termo inicial do prazo de dois anos. Com efeito, se o recurso abstratamente previsto para impugnar o último provimento do processo tem prazo em dobro, semelhante interregno deve ser considerado para determinar o termo inicial da rescisória, e, não, o prazo recursal simples.26 1.078.2. Extensão subjetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública – O art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950 e os arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC 80/1994, beneficiam apenas os ocupantes do cargo de Defensor Público e os integrantes das pessoas mencionadas no art. 186, § 3.º (faculdades de Direito e entidades conveniadas). Trata-se de prerrogativa pessoal, intrínseca ao cargo, e, por esse motivo, não há como distinguir os prazos da Defensoria Pública como parte principal, do particular (pessoa natural ou jurídica) representado por Defensor Público ou do curador especial (art. 72, parágrafo único). A jurisprudência do STF27 e do STJ28 interpretava, restritivamente, o art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950 e sua ambígua fórmula, no que tange à cláusula “ou quem exerça cargo equivalente”. Excluíam de seu âmbito os advogados privados nomeados pelo juiz ou indicados pelas partes para tais misteres (art. 5.º, § 4.º, da Lei 1.060/1950 c/c art. 99, § 4.º, do NCPC) – incluídos, aí, os órgãos das Faculdades de Direito, atividade desempenhada por acadêmicos, mas submetida a supervisão pedagógica. Tais pessoas exercem funções idênticas às do defensor público; contudo, não ocupam “cargo”, e, muito menos, o cargo de Defensor Público. A interpretação restritiva recebeu reparos, entendendo-se que apequena o direito fundamental contemplado no art. 5.º, LXXIV, da CF/1988.29 Mas, havia razão plausível para esse entendimento (retro, 747.1), transcendente à dobra do prazo, por sua vez tolerável sacrifício à economia de tempo no processo (objeto, entretanto, da ironia e de latente inconformidade dos advogados privados). O art. 186, § 3.º, do NCPC optou por elogiável meio termo. Haverá a dobra, mas não intimação pessoal, pois realiza remissão unicamente ao art.

186, caput.Realmente, fundamentava-se a interpretação restritiva na dificuldade de intimar pessoalmente (entenda-se: pelo escrivão, in faciem, ou por oficial de justiça, no direito anterior) número indeterminado de pessoas, talvez profissionais arredios à pronta localização. Os inconvenientes desestimulavam a aplicação analógica da norma. E não se podia dizer que a interpretação vigorante nos tribunais superiores era desarrazoada e absurda – ao invés, resultava de uma ponderação dos direitos fundamentais processuais, sobrelevando-se o da efetividade da Justiça. 1.079. Responsabilidade financeira da Defensoria Pública A Defensoria Pública como parte principal, a parte representada pelo órgão de execução da Defensoria Pública e o Defensor Público que se encontra investido na função de curador especial, integrando a capacidade processual da parte, evidentemente não têm o dever de antecipar as despesas processuais, encargo geral das partes que litigam em juízo (art. 82, caput). A assistência judiciária prestada aos necessitados compreende, naturalmente, a gratuidade dos atos processuais. Parece legítimo aplicar à Defensoria Pública, na falta de disposições mais específicas, regime similar ao do Ministério Público. Não é isenta de dificuldades essa gratuidade. Em princípio, a lei carrega ao autor a antecipação das despesas dos atos determinados pelo juiz, ex officio, ou a requerimento do Ministério Público (art. 82, § 1.º), bem como a remuneração do perito, mas rateia a despesas requerida a perícia por ambas as partes a perícia ou sendo ela determinada pelo juiz (art. 95, caput). Ora, uma coisa é a isenção do custo dos atos praticados pelos serventuários da Justiça, igualmente assegurada no benefício da gratuidade (art. 98, § 1.º, I), custas que revertem, de ordinário, ao erário da União, do Distrito Federal ou do Estado-membro – o art. 31 do ADCT da CF/1988 estatizou os serviços auxiliares, ressalvado o direito adquirido dos ocupantes dos cargos privatizados, e, assim, tornou-se residual o recebimento de custas diretamente pelo escrivão e outros auxiliares –, e outra, bem diferente, reside na obtenção do trabalho gratuito dos particulares em colaboração eventual com a Justiça (retro, 1.052). Na economia de mercado, os profissionais liberais, chamados a desempenharem encargos em juízo – engenheiros, contadores, médicos, e assim por diante – dificilmente se comovem com a vulnerabilidade de uma das partes, e, de resto, há exames complexos (v.g., os exames genéticos e ambientais), exigindo o emprego de equipamentos e insumos muito dispendiosos. Em tal conjuntura, mostra-se inviável (e injusto) transferir o custo do ato para a parte adversária.30 Restava à Defensoria Pública, no direito anterior, o expediente de recorrer aos recursos orçamentários predispostos para essa finalidade, situação quase impraticável. Também se mostrava admissível o juiz designar perito que se preste a trabalhar gratuitamente ou encarregar órgão oficial de realizar a perícia.31 O art. 91, §§ 1.º e 2.º, deu ao assunto a solução possível: (a) a perícia será realizada por entidade pública (v.g., Departamento de Genética da Universidade Federal) e, havendo recursos orçamentários, a Defensoria Pública adiantará os honorários; (b) inexistindo tais recursos, haverá previsão no orçamento subsequente, ou será paga pelo vencido, encerrando-se antes o processo. Por sua localização, o art. 91 aplica-se à perícia requerida pela Defensoria Pública como parte principal. A situação do beneficiário da

gratuidade é regulada no art. 95, § 3.º, aplicando-se aos vulneráveis representados pela Defensoria Pública. Em tal hipótese, a perícia: (a) será custeada por recursos orçamentários, e realizada por servidor do Poder Judiciário (v.g., integrante do Departamento Médico Judiciário) ou por órgão público conveniado (v.g., Departamento de Genética da Universidade Federal); (b) será custeada por recursos orçamentários, realizada por particular, porém os honorários obedecerão à tabela do tribunal (TJ ou TRF) ou, na sua falta, a tabela do CNJ. Em nenhum caso, acrescenta o art. 95, § 5.º, empregam-se para essa finalidade fundos do custeio da Defensoria Público, alimentado pelas verbas da sucumbência. Logo, o fundo só recebe, mas não paga despesas processuais, por força do art. 4.º, XXI, da LC 80/1994. A segunda dificuldade avulta nos ônus da sucumbência (art. 85, caput). Em tal tópico, cumpre distinguir as funções processuais da Defensoria Pública no processo civil. Não é devido pela parte vencida ao Defensor Público, a título de honorários, porventura investido na condição de curador especial (art. 72, parágrafo único).32Resta definir se, como parte principal e representante da parte necessitada, a Defensoria Pública tem direito a honorários ou responde por esta verba perante o vencedor. Eventual direito tocará à Defensoria Pública, e, não, ao Defensor Público, porque proibido de receber honorários (arts. 46, III; 91, III; e 130, III, da LC 80/1994). O art. 4.º, XXI, da LC 80/1994, assegura à Defensoria Pública executar, em nome próprio, “e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinandoas a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”. Ressalva feita à última parte, que trata de aspecto administrativo, diminuindo a penúria de meios materiais da Defensoria Pública, a primeira parte da regra reage à errônea jurisprudência do STJ no sentido que, vencida a pessoa jurídica de direito público que mantém a Defensoria Pública (União, Distrito Federal e Estado-membro), nada seria devido, porque ocorreria confusão entre credor e devedor (Súmula do STJ, n.º 421). Era admissível, em todo caso, receber a verba de sucumbência da Fazenda Pública municipal vencida.33 Esse entendimento encontra-se superado pela regra superveniente (art. 85, caput, e § 14, do NCPC). Ficando vencida a Defensoria Pública, na condição de autor de ação coletiva, não responderá pelos ônus da sucumbência, a teor do art. 18 da Lei 7.347/1985, ressalva feita às hipóteses de comprovada má-fé. Valem, aqui, as extensas considerações já feitas no concernente à isenção do Ministério Público de pagar honorários e ressarcir as despesas da parte vencedora (retro, 1.052). É solução profundamente injusta, sem base legal ou decorrente de qualquer princípio constitucional, expondo os particulares, quando demandados por órgão do Estado, supostamente – o desfecho do processo desmentiu o prognóstico – em proveito do direito hipotético de vulneráveis, a um injusto sacrifício financeiro. E sem remédio à vista: eventual demanda de indenização ulterior, movida pelo vencedor contra a União, o Distrito Federal e o Estado-membro a que se vincula o ramo da Defensoria Pública, enfrentará a plausível alegação que a iniciativa não constituiu de per si ato contrário ao direito.

Cuidando-se de ações individuais, em que uma das partes principais, porque comprovadamente necessitada, recebeu representação técnica de órgão da Defensoria Pública, a condenação do litigante necessitado, mas vencido, ficará suspensa pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, § 3.º, do NCPC. Findo esse prazo, sem modificação do estado da parte, a dívida extinguir-se-á (decadência). 1.080. Responsabilidade da Defensoria Pública por dano processual A Defensoria Pública na condição de parte principal sujeitar-se-á aos deveres impostos às partes em geral. Dos órgãos estatais espera-se nada menos que conduta processual impecável, representando incômoda exceção o fato de o Defensor Público praticar atos processuais ilícitos, mas, ocorrendo semelhante evento, a litigância de má-fé será punida como qualquer outra. Também como curador especial, em virtude do alcance do art. 77, caput, do NCPC, o órgão de execução da Defensoria Pública, que é o Defensor Público, é destinatário dos deveres processuais. Desempenhando a função mais usual de representante da parte necessitada em juízo, a Defensoria Pública, enquanto instituição, e o Defensor Público que atua no processo, desfrutam da alforria conferida aos advogados, subtraindo-os da autoridade do juiz. É nessa função que, a despeito das recomendações de impessoalidade e probidade no trato da causa, que as paixões aumentam e rompem os controles, propiciando a prática de atos reprováveis. A isenção da Defensoria Pública não se estende à parte por ela representada. A ausência de risco financeiro – a condenação do necessitado vencido, no tocante aos ônus da sucumbência, ficará suspensa, pelo prazo de cinco anos, subsistindo a situação de fato, após o que extinguir-se-á a dívida (art. 98, § 3.º) –, enseja pretensões temerárias, ou seja, deduzidas em descumprimento ao art. 77, II. Não há regra jurídica e princípio constitucional que elimine a responsabilidade por dano processual cujo autor seja parte necessitada. Essa qualidade não lhe assegura um bill of indenity quanto à litigância de má-fé.34 Assim dispôs o art. 98, § 4.º, do NCPC: “A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas”. Representaria grave absurdo liberar uma das partes, porque necessitada, dos deveres processuais e das consequências financeiras do ilícito (art. 81, caput). Na prática, porém, inexistindo patrimônio, o crédito decorrente não poderá ser realizado. Como quer que seja, é certo que os ônus financeiros da infração aos deveres processuais, praticado pelo Defensor Público em nome da parte necessitada, jamais o atingirão, pessoalmente, ou recairão sobre a Defensoria Pública. O art. 77, § 6.º, é expresso nesse sentido, quanto às infrações aos incisos IV e VI do art. 77, objeto da multa do art. 77, § 2.º, em razão da prática de ato atentatório à dignidade da Justiça. Responderá o integrante da Defensoria Pública administrativamente. 1.081. Responsabilidade civil do Defensor Público Não há qualquer disposição específica na LC 80/1994 tratando da responsabilidade civil do Defensor Público por atos praticados no exercício do

cargo em processo judicial. Ocupou-se, unicamente, da responsabilidade administrativa ou funcional. O art. 187 do NCPC cuidou, inovadoramente, da responsabilidade civil do Defensor Público, equiparada ao do órgão judiciário, da Advocacia Pública e do Ministério Público, em razão da teoria do escudo: não cabe ação direta contra Defensor Público, porque essa simples possibilidade inibiria sua atuação em juízo. Valem, aqui, as considerações feitas em item anterior (retro, 1.053). À parte lesada caberá propor a ação de reparação contra a União, o Distrito Federal ou o Estado Membro, no lugar em que tramitou o processo (art. 53, IV, a), fundada em fraude ou em dolo e invocando a responsabilidade objetiva, assegurado ao réu a pretensão regressiva contra o Defensor Público, no mesmo processo (art. 125, II) ou mediante ação autônoma (art. 125, § 1.º). § 224.º Funções da Defensoria Pública no processo civil 1.082. Capacidade de conduzir o processo da Defensoria Pública Legitima-se a Defensoria Pública a figurar como autor, em nome próprio, nas demandas coletivas cujo resultado possa beneficiar, no todo ou em parte, segmentos que a lei presume necessitados, a exemplo dos consumidores, dos idosos, das crianças e adolescentes, e assim por diante. Os poderes (e os deveres) processuais da Defensoria Pública, como parte principal, não se distinguem, nesse particular, dos poderes e deveres reconhecidos às partes no processo civil. Essa legitimidade não se revela, entretanto, homogênea. Ela se divide em três categorias: (a) a legitimidade ordinária para a defesa dos direitos difusos e coletivos, em que a Defensoria Pública personifica grupos de pessoas vulneráveis (b) a legitimidade ordinária para a defesa das suas próprias prerrogativas institucionais; (c) a legitimidade extraordinária, nos casos em que a Defensoria Pública atuará como substituto processual do titular do direito titulado pelo hipossuficiente. 1.082.1. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos difusos e coletivos dos hipossuficientes – A Defensoria Pública se legitima, ativamente, a promover ações coletivas em favor de grupos de hipossuficientes (art. 4.º, VII, da LC 80/1994). O exemplo mais comum é o da ação civil pública; porém, a regra admite o uso de quaisquer ações idôneas a “propiciar a adequada tutela dos direitos” difusos e coletivos. Nada obstante essa disposição genérica, a LC 80/1994, dissipando dúvidas e vencendo resistências ao protagonismo social, destacou os direitos difusos e coletivos dos consumidores (art. 4.º, VIII, da LC 80/1994); os direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo direitos coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais (art. 4.º, X, da LC 80/1994); os direitos coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis, a exemplo dos indígenas (art. 4.º, XI, da LC 80/1994).

Essa legitimidade tem natureza ordinária, porque, na legitimação extraordinária, ou substituição processual, a pessoa substituída é passível de individualização. Ora, no caso dos direitos difusos ou coletivos, ou os substituídos são indetermináveis (interesse difuso) ou indeterminados (interesse coletivo). Não há qualquer limitação quanto à natureza da tutela concretamente pleiteada. Pode ser em caráter preventivo ou repressivo. Exemplo de ação coletiva em defesa do interesse coletivo dos consumidores hipossuficientes é a pretensão para evitar corte de energia elétrica, porque serviço público essencial e contínuo. Também inexistem discriminações em relação ao remédio processual. É lícito à Defensoria Pública, por exemplo, impetrar mandado de segurança coletiva, postulando vantagens pecuniárias em favor de servidores públicos que, haja vista o valor seus dos vencimentos, enquadrem-se na condição de necessitados, segundos os padrões abstratamente fixados nas normas internas da instituição. 1.082.2. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa das suas funções e prerrogativas institucionais – O art. 4.º, IX, da LC 80/1994 legitima a Defensoria Pública a “impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução”. Trata-se de consectário natural da condição de instituição permanente e função essencial à função jurisdicional do Estado. As prerrogativas não podem ficar sem tutela judiciária. Por exemplo, a resolução administrativa do tribunal que impeça a retirada dos autos com vista (art. 4.º, V, da LC 80/1994) ou nega assento ao órgão da Defensoria Pública no mesmo plano do Ministério Público (art. 4.º, § 7.º, da LC 80/1994). Espécie de defesa judicial de prerrogativa da instituição avulta no direito autônomo de executar e receber honorários advocatícios da sucumbência (art. 4.º, XXI, da LC 80/1994), inclusive das pessoas jurídicas de direito público, destinando tais recursos ao seu aparelhamento e à capacitação de pessoal. Essa legitimidade ativa é similar à que o art. 24 da Lei 8.906/1994 confere ao advogado. A jurisprudência do STJ resiste ao direito de a Defensoria Pública haver honorários da própria pessoa que a mantém, orientação cristalizada na Súmula do STJ, n.º 421, mas o entendimento há de ceder à lei superveniente, ou seja, as disposições do art. 85, caput, e § 14, não permitindo a compensação de crédito próprio da Defensoria Pública. 1.082.3. Legitimidade extraordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos individuais e individuais homogêneos dos hipossuficientes – Legitimase a Defensoria Pública, ainda, a promover ações individuais, em nome próprio, a favor de grupos de hipossuficientes ou vulneráveis. A menção a direitos individuais e a direitos individuais homogêneos é recorrente nos incs. VII, VIII, X e XI do art. 4.º, e no art. 1.º da LC 80/1994, envolvendo os grupos de desfavorecidos já mencionados. É possível à Defensoria Pública, em nome próprio, pleitear do Estado o fornecimento de medicamentos, a internação hospitalar ou o tratamento especializado, no Brasil ou no exterior, em proveito de uma única pessoa, desde que vulnerável, presumindo-se essa condição no caso do consumidor, do idoso, da criança e do adolescente, e assim por diante. Rejeita-se, pois, legitimidade dissociada do seu escopo institucional, ou seja, da defesa dos vulneráveis.35 Essa possibilidade de órgão do Estado

agir em nome alheio interfere na autonomia privada. No entanto, a Defensoria Pública atuará, nesses casos, a partir da provocação do interessado, que acudiu aos seus serviços. É bom recordar que, segundo o STF, a legitimidade para o Ministério Público executar a sentença penal condenatória (art. 63 do CPP), ou propor a ação de reparação de dano (art. 64 do CPP), encontra-se sob inconstitucionalidade progressiva, porque representa modalidade de assistência judiciária.36 Em tal hipótese, entende-se como legitimada, a teor do art. 4.º, X, da LC 80/1994, em nome próprio a Defensoria Pública. 1.083. Capacidade postulatória da Defensoria Pública A função precípua da Defensoria Pública, a despeito da legitimidade extraordinária que lhe confere os incs. VII, VIII, X e XI do art. 4.º da LC 80/1994, consiste em representar em juízo necessitados, substituindo em tais misteres os advogados privados. É preciso que o interessado em utilizar os serviços da Defensoria Pública comprove, administrativamente, a condição de necessitado, a teor do art. 5.º, LXXIV, da CF/1988, ao qual se reporta o art. 1.º da LC 80/1994. Nos serviços prestados pela Defensoria Pública, verifica-se o fenômeno elogiável da “desjudicialização” do direito à gratuidade, no que tange ao dever de antecipar ou de ressarcir as despesas processuais, o que oferece duas vantagens notáveis à consecução do direito de acesso à Justiça e à celeridade do processo: (a) elimina-se a atividade processual tendente a verificar a condição de necessitado – entre nós, todavia, muito simplificada, a partir da obtenção do benefício da gratuidade através da simples alegação da parte – e a concedê-la, o que enseja recurso da parte contrária; (b) empresta-se rapidez à solução do pedido de assistência judiciária.37 O simples fato de a Defensoria Pública representar em juízo a pessoa natural e jurídica já significa que ela litigará com as isenções do art. 98, § 1.º, I a IX, do NCPC. Não abrange as multas processuais (retro, 666.1). Tampouco o necessitado deverá alguma retribuição pecuniária ao órgão de execução da Defensoria Pública que o representa em juízo. Mas, vencido no processo, o ressarcimento à parte vencedora se governa pelo disposto no art. 98, § 3.º: a condenação ficará suspensa, pelo prazo de cinco anos, comportando imediata execução na hipótese de mudança superveniente nas condições financeiras do necessitado, e, findo esse prazo, extinguir-se-á a pretensão para receber o crédito. Dificilmente ocorrem impugnações à assistência judiciária concedida pela Defensoria Pública. A apuração da qualidade de necessitado, baseada em critérios abstratos e predeterminados, é muito conscienciosa e rígida. Porém, há que se entender admissível a impugnação de que trata o art. 99 do NCPC, a fim de garantir a igualdade de armas, garantida a exibição dos elementos que, no âmbito interno da Defensoria Pública, conduziram ao reconhecimento da condição de necessitado. E, uma vez acolhida essa impugnação, através de decisão não mais sujeita a recurso, desaparecerá a causa de intervenção da Defensoria Pública, cessando a respectiva representação técnica. O antigo beneficiário da assistência judiciária deverá constituir procurador nos autos e remunerá-lo nos termos do contrato, a par da incidência do art. 102.

A capacidade postulatória do Defensor Público decorre da sua investidura no cargo (art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994). Tal fato não elide os deveres gerais que a lei processual impõe aos advogados. Por exemplo, o dever de indicar o endereço do órgão da Defensoria Pública nos autos (art. 106, I) e o de comunicar eventuais mudanças (art. 106, II), ensejando a intimação pessoal, quando for o caso (retro, 1.077). Não é necessário o Defensor Público, postulando em nome do necessitado, exibir procuração (arts. 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC 80/1994), salvo para a prática de atos que a lei exija poderes especiais (art. 105, caput). 1.084. Integração da capacidade processual pela Defensoria Pública Entende-se por curador especial, também chamado de “curador à lide” no CPC de 1973 (arts. 1.179 e 1.182, § 1.º), a pessoa designada pelo juiz para representar a parte em juízo, suprindo-lhe déficit presumível na atuação, a exemplo da falta do representante ou do assistente previsto na lei civil, nas hipóteses de incapacidade absoluta e relativa. Esse curador assume a sua função por ato do juiz da causa. Por conseguinte, distingue-se da parte principal, auxiliar e coadjuvante, representando modalidade de integração da capacidade processual. Em outras palavras, configuram as hipóteses legais de designação de curador especial, todavia o sujeito da relação processual é o incapaz, o réu preso e o réu revel citado por edital ou por hora certa. O objetivo da lei, nesse particular, consiste outorgar paridade de armas e preservar o equilíbrio das partes.38 Presume-se handicap da parte em virtude de algum elemento inerente à sua pessoa, a exemplo do fato de se encontrar privado da liberdade, cumprindo pena. Em sua essência, a função do curador é defensiva, atuando “em proteção e/ou em defesa daqueles a quem é chamado a representar”.39 O art. 4.º, XVI, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, definiu como função institucional do defensor público atuar como curador especial.40 É ao Defensor Público, portanto, que calha o gabarito de curador especial (art. 72, parágrafo único). Segundo o art. 72, há a necessidade de designar curador especial em quatro hipóteses: (a) na inexistência de representante legal de incapaz (inc. I, primeira parte, do art. 72); (b) no conflito de interesses entre o representante legal e o incapaz (inc. I, segunda parte, do art. 72); (c) ao réu preso revel (inc. II, primeira parte, do art. 72); (d) ao réu revel, desde que citado por edital ou hora certa (inc. II, segunda parte, do art. 72). O assunto já recebeu análise no item dedicado a esta modalidade de integração da capacidade processual (retro, 534). Calham, aqui, as considerações já feitas ao propósito dessa função processual da Defensoria Pública (retro, 1.075.3). O Defensor Público investido na função de curador especial usufruirá as prerrogativas inerentes ao seu cargo, a exemplo do prazo em dobro e da intimação pessoal (art. 44, I, da LC 80/1994).41 É preciso notar que o exercício das atribuições do cargo Defensor Público mostra-se indelegável e privativo dos integrantes da respectiva carreira (art. 4.º, § 10.º, da LC 80/1994), razão pela qual o Defensor Público não pode substituir-se, na atividade de curador

especial (e, por óbvio, em qualquer outra), por outra pessoa – e logo acode à mente os numerosos estagiários que o auxiliam. Designada a audiência de conciliação e de mediação (art. 334), por exemplo, não pode o Defensor Público encarregar estagiário de comparecer à solenidade. O art. 334, § 9.º, exige o comparecimento do Defensor Público como representante da parte. Em tal hipótese, o juiz anotará a ausência e oficiará ao órgão de correição interna da instituição. À falta de Defensor Público na comarca, pois a cobertura desse serviço ainda não é universal e, muito menos, bem distribuída, o juiz designará curador especial qualquer advogado, ex officio ou a requerimento do interessado.42 É admissível a designação de pessoa desprovida de capacidade postulatória, mas convém que seja advogado, evitando a dispendiosa contratação de procurador para postular em nome do curador especial. Configuradas duas ou mais hipóteses de designação de curador especial, no mesmo processo, e havendo um só Defensor Público na comarca, concebe-se a designação mista, designando o juiz, além do órgão de execução disponível, tantos advogados quanto necessários. Essa conjuntura não discrepa da representação de duas ou mais partes necessitadas, mas ocupantes de posições antagônicas, inexistindo número hábil de Defensores Públicos na comarca ou seção judiciária: o juiz precisará designar advogado para uma das partes.

TÍTULO IX - DOS ATOS PROCESSUAIS Capítulo 50. DA FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 225.º Dos atos processais em geral – 1.085. Desenvolvimento, momentos e fases do processo – 1.086. Fatos jurídicos processuais – 1.087. Negócios jurídicos processuais – 1.087.1. Falsos negócios processuais – 1.087.2. Verdadeiros negócios processuais – 1.088. Conceito de ato processual – 1.089. Omissão como ato processual – 1.090. Classificação dos atos processuais – 1.090.1. Classificação subjetiva dos atos processuais – 1.090.2. Classificação objetiva dos atos processuais – § 226.º Características do ato processual – 1.091. Especialidade do ato processual – 1.092. Unilateralidade do ato processual – 1.093. Forma do ato processual – 1.094. Interdependência do ato processual – 1.095. Unidade teleológica do ato processual – 1.096. Discrição ou vinculação do ato processual – 1.097. Efeitos internos ou externos do ato processual – § 227.º Forma dos atos processuais – 1.098. Princípios orientadores da forma dos atos processuais – 1.099. Forma livre, forma autorizada e forma vinculada dos atos processuais – 1.099.1. Atos de forma livre – 1.099.2. Atos de forma autorizada – 1.099.3. Atos de forma vinculada – § 228.º Publicidade dos atos processuais – 1.100. Acesso do público ao processo – 1.101. Fins da publicidade dos atos processuais – 1.102. Espécies de publicidade dos atos processuais – 1.103. Publicidade dos julgamentos – 1.104. Imposição do segredo de justiça – 1.104.1. Preservação do interesse social – 1.104.2. Preservação da intimidade das partes – 1.104.3. Preservação da confidencialidade – 1.104.4. Extensão do segredo de justiça – 1.104.5. Comunicação dos atos processuais

nas causas em segredo de justiça – 1.104.6. Término do segredo de justiça – § 229.º Idioma dos atos processuais – 1.105. Obrigatoriedade do vernáculo – 1.106. Depoimento oral dos estrangeiros – 1.107. Depoimento oral dos portadores de necessidades especiais – 1.108. Produção de prova documental em língua estrangeira § 225.º Dos atos processuais em geral 1.085. Desenvolvimento, momentos e fases do processo Os fins do processo civil mostrar-se-iam irrealizáveis sem a energia idônea a impelir o processo. Fenômeno essencialmente humano, o processo, do início à entrega do bem da vida ao vencedor (retro, 229), consome (e dilapida) impulsos originários dos seus participantes na prática de atos específicos. Tais atos formam, desenvolvem e extinguem a relação processual. Chamamse de atos processuais. A ordenação serial dos atos processuais, consoante particularidades (ou da respectiva inexistência) do objeto litigioso, determina o procedimento (retro, 105), tema de ampla análise anterior. É hora de visualizar os atos em si mesmos. A noção de ato processual, primeira etapa dessa empreitada, arranca das profundezas da teoria geral do direito para acomodar-se no posto hierárquico mais elevado da ciência processual. Afinal, o processo compõe-se de atos processuais idealizados e ordenados segundo o notável e elevado escopo da atividade jurisdicional. Paradoxalmente, banalizou-se a afirmativa dea teoria dos atos processuais jamais ter sido elaborada de modo consistente.1 A visão pessimista há de se aclarar com os decisivos e abundantes recursos hauridos na mencionada teoria geral do direito. O primeiro passo reside na investigação da natureza do ato processual, a fim de ministrar-lhe conceito idôneo, à luz dos dados do direito positivo. Em seguida, passar-se-á à respectiva regulação. E convém mirar o conjunto, com o fito de não perder o sentido de proporção. A lei processual utiliza, para alcançar os fins próprios do processo, unidades de movimento, ou ciclo evolutivo que se desenvolve de um princípio a um fim, chamado de momento. Assim, há o momento da propositura da demanda: a entrega da petição inicial em juízo. Um grupo de momentos constitui uma fase do processo.2 O procedimento comum do processo de conhecimento divide-se, a esse propósito, em três fases (ou etapas): (a) fase da propositura, abrangendo o controle da admissibilidade da petição inicial e da resposta do réu: (b) fase da instrução, iniciada pela decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357) e finda na audiência de instrução de julgamento (art. 364, caput, parte inicial: “Finda a instrução…”); e (c) fase da decisão, iniciada com o debate e ultimada pela sentença (art. 366 c/c art. 316). Os que não visualizam os fenômenos nitidamente, assinalando a inserção da pretensão a executar sucessivamente à sentença, tornando complexo o objeto litigioso, o eventual cumprimento da sentença representaria a quarta fase. A tese não se harmoniza ao arranjo formal do NCPC, pois o Livro I – Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento da Sentença – da Parte Especial subdivide-se em dois títulos, o primeiro relativo ao procedimento comum, o segundo ao cumprimento da sentença. Por sinal, o

procedimento do cumprimento da sentença varia conforme a natureza da prestação e da qualidade do vencido. O procedimento comum da expropriação no Livro III da Parte Especial – Do Processo de Execução – do NCPC, técnica concebida para realizar prestações pecuniárias a cargo do vencido, compartimenta-se em três fases – (a) inicial; (b) culminante; e (c) final –,3 que correspondem, conforme síntese inspirada, aos atos de penhora de alienação e de pagamento.4 Emprega-se também a nomenclatura proposição, instrução e entrega do produto a essas fases.5 O ato processual compõe o momento do processo, inserindo-se, desse modo, no conjunto dinâmico que persegue os fins da relação processual. 1.086. Fatos jurídicos processuais Os acontecimentos da vida interessam, ou não, ao direito objetivo.6 Parece excessivamente óbvio que ao direito interessam os acontecimentos que têm previsão normativa. Esses acontecimentos se encontram descritos, abstratamente, no suporte fático da norma jurídica. Tal fórmula assinala a previsão de certo acontecimento, ou fato da vida, em virtude de juízo de valor a respeito da sua relevância à vida em sociedade, na norma jurídica.7 Os suportes fáticos contemplam, no sentido mais largo, duas espécies de acontecimentos: eventos, porque originários da órbita física ou animal; e condutas, derivadas as ações e omissões humanas. A incidência da norma na hipótese de fato constante do suporte fático, suficientemente, transforma as condutas e os eventos em fatos jurídicos. Os que não alcançam semelhante estatura, porque irrelevantes, consideram-se fatos naturais. Os fatos jurídicos se organizam consoante diretrizes variadas. A lei processual, considerando o modo como os figurantes do processo afirmam os fatos no processo, e os efeitos que os fatos objeto dessas afirmações produzem no decisum do órgão judiciário, agrupa-os em quatro categorias: (a) constitutivos; (b) impeditivos; (c) modificativos; (d) extintivos (retro, 312). Existem outras possibilidades. E a lei processual não é indiferente a elas. O art. 771, caput, inovadoramente alude aos fatos processuais e, não sem exagero, atribui-lhes eventual força executiva. Tal menção, abstraindo o problema da força executiva, torna obrigatória sistematização desses fatos. Fatos jurídicos que decorrem de eventos, e, portanto, independentemente da ação ou da omissão humanas, escapam ao esquema anterior. São os fatos jurídicos em sentido estrito. E há fatos jurídicos, sem dúvida de maior realce, originados da ação humana. Chamam-se, por esse motivo, de atos jurídicos em sentido lato (lato sensu).8 E comportam ulterior subdivisão: (a) provindo o ato da ação ou omissão humana, sem o propósito específico de produzir efeito jurídico, e considerando a conduta em si mesma, idônea a surtir os efeitos necessários, predeterminados “pelas normas jurídicas respectivas, e invariáveis”, trata-se de ato jurídico em sentido estrito (stricto sensu);9ao invés, (b) havendo positivamente a intenção de produzir efeito jurídico predeterminado – por intermédio de manifestação ou declaração consciente da vontade, “em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de

categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas” –,10 cuidar-se-á de negócio jurídico; e, ainda, (c) provindo o ato da conduta, em algumas situações abstrai-se a relevância da vontade humana, considerando apenas o fato daí gerado, criando, assim, a subespécie do ato-fato jurídico. A essas categorias básicas, porque há outras subdivisões cabíveis – por exemplo, os negócios jurídicos se dividem em unilaterais, bilaterais e plurilaterais, dentre outras classes –, juntar-se-á outro ingrediente essencial: os planos da existência, da validade e da eficácia. Em primeiro lugar, o ingresso no mundo jurídico do ato ou do negócio pressupõe o atendimento suficiente de certos elementos, tal como descritos no suporte fático. É o plano da existência. Diz-se existente o ato ou negócio que preencheu, suficientemente, os dados previstos no suporte fático, ditos seus elementos. Às vezes, porém, o preenchimento dos elementos ocorre deficientemente, e, neste caso, vencido o patamar da existência, passa-se ao plano da validade. Por fim, há fatores que permitem, ou não, a produção dos efeitos próprios do ato ou do negócio. É atitude pouco comum repassar os fatos jurídicos nos planos da existência, da validade e da eficácia, em particular no tocante aos negócios jurídicos. Na realidade, a certa altura sentiu-se aflitiva necessidade de aclarar e reorganizar a matéria. E lograram-se resultados convincentes, principalmente no tocante ao negócio jurídico.11 Em relação aos elementos, ou seja, o que compõe a existência jurídica do negócio, a análise exige necessários graus progressivos de abstração, conforme se tenha em mente a figura genérica do negócio e seu tipo concreto. Classificam-se do seguinte modo: (a) elementos gerais, que integram todos os negócios; (b) elementos categoriais, que são próprios de cada tipo de negócio; e, por fim, (c) elementos particulares, que existem em determinado negócio. Os elementos gerais se subdividem nos seguintes: (aa) intrínsecos (a forma; o objeto; e circunstâncias negociais); e (ab) extrínsecos (o tempo; o lugar; e o agente). Por sua vez, há dois tipos de elementos categoriais: (ba) essenciais, ou inderrogáveis, sem os quais não se configura o negócio em determinada categoria; e (bb) naturais, ou derrogáveis, que comportam alteração pela vontade da parte sem desfigurar o negócio no conjunto da sua classe. Os elementos particulares são os agregados ao negócio mediante a vontade dos parceiros; por exemplo, o termo e a condição. Problema particular consiste na relevância da vontade do agente como elemento de existência do ato processual. A vontade do agente é elemento geral e extrínseco dos elementos de existência do ato processual. O agente declara ou manifesta vontade suficiente para preencher o elemento de incidência da norma (v.g., o ato postulatório de ingressar em juízo; o ato decisório de emitir sentença definitiva). E tal vontade pode padecer de determinados vícios, a exemplo do dolo (v.g., o autor deduz pretensão pretendendo controverter fato incontroverso, a teor do art. 80, I) ou por coação (v.g., de arma em punho, o réu ditou a sentença e fez o juiz subscrevê-la).

Embora não sejam estudados e encarados como naturais na disciplina dos atos processuais, os vícios na vontade do agente têm pertinência nessa esfera. O ato processual não apresenta disciplina tão discrepante e insulada dos atos jurídicos em geral. Os exemplos há pouco ministrados revelam que se concebem, a seu respeito, os mesmos vícios que, no plano material, provocam a dissolução dos negócios jurídicos. Essa circunstância, geralmente obscurecida, assumiu relevo no âmbito da desistência e da renúncia.12 Do tratamento conferido à transação e à confissão, anuláveis em conformidade ao regime comum (ao menos, em princípio: o art. 214 do CC restringe as causas de invalidação da confissão), não se extrai argumento decisivo à irrelevância dos vícios da vontade em outros atos processuais (v.g., a desistência da ação, a teor do art. 485, § 4.º), abstraindo, por enquanto, o exato enquadramento da transação. Às considerações sistemáticas, sobreleva-se um dado trivial, relegado a inexplicável esquecimento: a análise da intenção do agente informa o regime da responsabilidade das partes por dolo processual (retro, 496).13 Os requisitos representam as qualidades necessárias para que tais elementos sejam isentos de defeitos. Esses predicados se afiguram variáreis e abrangem o elemento individualmente. Por exemplo, do agente se requer capacidade; da condição, a ausência de arbitrariedade; e assim por diante. Os fatores de eficácia representam eventos extrínsecos ao negócio. A presença desses fatores autoriza a plena produção dos seus efeitos naturais e desejados pelos figurantes. Assim, constitui fator de eficácia do negócio subordinado a condição suspensiva a ocorrência do evento futuro nela previsto.14 Esses subsídios, bastante sumários, e recolhidos da teoria geral do direito, oferecem explicação inicial à matéria versada no Livro IV – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC. Fica subentendido que ao direito processual, neste particular como alhures, não cabe reivindicar especialidade e exclusividade. Em que pesem as falhas da construção legislativa, a lei processual permanece filiada às categorias identificadas na teoria geral do direito – ou esta perderia o caráter geral. Existem numerosos exemplos de fatos jurídicos em sentido estrito (v.g., a morte), atos-fatos (v.g., o preparo), atos e negócios jurídicos processuais.15 Porém, não se há de perder de vista, ao mesmo tempo, o objeto do Livro IV e os fatos em sentido lato predominantes na relação processual: os atos processuais. Entendem-se por tais “todos os que constituem a sequência de atos, que é o próprio processo, e todos aqueles que, dependentes de certo processo, se praticam à parte, ou autônomos, para finalidade de algum processo, ou com o seu fim em si mesmo – em processo”.16 A circunstância de o ato processual irradiar efeitos no processo, praticar-se no instrumento da jurisdição, é a sua característica marcante. Mas, não lhe retira a natureza compartilhada com outros atos no âmbito da fenomenologia jurídica. No conjunto das disposições do Livro IV, portanto, localiza-se a disciplina das ações humanas que surtem efeitos jurídicos em decorrência da vontade do agente. Então, tecnicamente, os “atos processuais” representam atos jurídicos em sentido lato, cumprindo identificar a existência das respectivas subespécies: ato jurídicostricto sensu e negócio jurídico.

1.087. Negócios jurídicos processuais O negócio jurídico concede ao(s) respectivo(s) figurante(s) ampla liberdade de escolha em dois sentidos, respeitados os limites legais predeterminados: (a) da categoria jurídica, ou seja, dos elementos categoriais, a exemplo do pagamento do preço, cuja existência, ou não, distingue a locação do comodato; (b) da estruturação da eficácia (fatores de eficácia). Em princípio, os atos processuais lato sensu, de ordinário, recusam à vontade do sujeito do processo horizontes tão largos e papel tão preponderante. Os atos processuais têm efeitos rigidamente programados à finalidade de preparar a entrega da prestação jurisdicional. A rigidez deriva da garantia do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1998). O itinerário do processo, no qual se inserirão os atos processuais, encontra-se predeterminado para garantir as partes contra o arbítrio e prepotência do Estado. Esse modelo formal indica a tipicidade ordinária dos atos processuais. A prática do ato produzirá o efeito prescrito, haja ou não vontade neste sentido, e, inclusive, efeitos não almejados pelo agente, desde que predispostos na lei.17 Nesta conjuntura, a vontade não influi preponderantemente na estruturação da eficácia do ato, reduzindo o espaço natural de configuração do negócio jurídico. O problema concernente à existência de negócios jurídicos processuais surge no âmbito dos atos das partes. Os que provêm do órgão judiciário representam atos – talvez a designação de atos judiciais, tão criticada no CPC de 1939, calharia melhor a essa espécie – de um órgão do Estado. Por esse ângulo, destarte, discrepam dos atos das partes e só parcialmente ambos subordinam-se a regime jurídico comum.18 Por exemplo, o órgão judiciário tem o dever de praticar o ato prescrito e, ainda que perante conceitos jurídicos indeterminados, sem nenhuma discrição (infra, 1.095). Sob o rótulo de “convenção”, todavia, a lei processual prevê negócios jurídicos estabelecidos entre as partes que produzem efeitos processuais. Por exemplo, há menção expressa a esta espécie de negócio nos artigos 313, II; 362, I; 364, § 1.º; 373, § 3.º; e por aí vai. Assim, a existência de negócios jurídicos processuais, senão realidade flagrante no texto legal,19 reclama ulterior exame e ponderação, esconjurando rejeição a priori. A palavra “convenção” é havida como mais adequada à figura,20 em detrimento de “contrato”. Porém, aqui utilizar-se-á sem maiores tergiversações semânticas a designação própria e pertinente, a de negócio jurídico processual. 1.087.1. Falsos negócios processuais – Antes de rejeitar radical e definitivamente a classe dos negócios jurídicos processuais, convém repassar a tese pelo método da conjectura e falsificação, conciliando teoria e prática. É bom recordar que o art. 200, caput, alude às declarações unilaterais e bilaterais de vontade das partes, insinuando, ao menos, a possibilidade de negócios jurídicos processuais.

Às vezes, habilmente, a autoridade judiciária promove a autcomposição, obtendo um acordo apto a encerrar o litígio. É dever do órgão judiciário (e de outros protagonistas da Administração da Justiça), aliás, promovê-la qualquer tempo (art. 139, V), atitude considerada de suma valia para diminuir a quantidade de feitos represados nos ofícios judiciários, objetivo perseguido pela instituição da dispendiosa audiência do art. 334. O acordo envolvendo concessões mútuas representará transação. Cuidar-se-á de negócio jurídico – precisamente, contrato típico. Nesta contingência, lícito indagar se a transação obtida na audiência de conciliação e de mediação (art. 334, § 11), por assim dizer “sob a jurisdição”, quadra-se ou não ao figurino de negócio jurídico processual. Ora, há flagrante diferença básica entre a conciliação em juízo e os negócios privados. A declaração de vontade do figurante (visando a fins predeterminados, mas variáveis, na ordem jurídica), no negócio jurídico, bastará à irradiação do efeito jurídico, e somente do efeito jurídico querido. Não é o que sucede na transação obtida conforme o art. 334, § 11, pois nesse caso as coisas se passam diferentemente. Os efeitos não decorrem imediatamente das declarações de vontade das partes, “senão mediatamente, através de outra declaração de vontade do órgão judiciário, que recolhe a da parte”.21 A essa objeção, replica-se que, nos negócios jurídicos processuais, a vontade dos particulares não tem a mesma importância da esfera privada. Existe, nos domínios do processo, elemento especial a considerar: a presença do órgão do Estado, “sobre a atividade do qual, se bem que estranho ao negócio, pode ele exercer influência mais ou menos direta”.22 Então, modificar-se-ia a noção mesma de negócio jurídico. A mudança tópica não se coaduna com a qualidade de geral à teoria do direito da qual se origina a categoria dos negócios jurídicos. É mais séria a ponderação de a transação, nesses casos, distinguir-se dos atos processuais comuns através de duas características: (a) a eficácia não é determinada pela lei através do órgão judiciário, mas pela vontade das partes;23 (b) não insere-se na cadeia natural do procedimento, relacionando-se com os atos subsequentes para suscitarem os efeitos que lhe são próprios.24 No que tange à transação, e, a fortiori, a outros negócios jurídicos privados importantes no processo (v.g., o mandato judicial; a outorga da procuração; a vênia conjugal), a explicação mais condizente com a realidade é a seguinte: tais negócios jurídicos são privados, mas entram no processo, “revestindo-se de processualidade… O que vai ser processual realizar-se-á dentro do processo”.25 Mas, há outra questão superveniente: se a transação constitui negócio jurídico no plano direito material, e somente adquire caráter processual através da declaração de vontade unilateral (ou bilateral) das partes, acompanhada (ou não) da homologação do órgão judiciário, a partir do que transforma-se no conteúdo do pronunciamento do juiz, importa definir a que regime jurídico, afinal, ficará submetida. A sentença homologatória da transação não tem outro conteúdo senão o do próprio negócio jurídico, eventualmente defeituoso, porque não contempla

qualquer juízo do órgão judiciário a respeito da res in iudicum deducta (objeto litigioso). É admissível contra semelhante provimento de mérito (art. 487, III, b), a teor do art. 966, § 3.º, a ação anulatória, existindo fundamento para invalidar o negócio jurídico (v.g., a coação do autor). A procedência da ação anulatória (e, no direito anterior, da rescisória), de acordo com alvitre assaz persuasivo, implicará a dissolução da sentença e do próprio negócio.26 Não é apenas a casca (provimento com autoridade de coisa julgada) objeto de desconstituição, mas o próprio caroço (transação). No direito anterior, estipulando regra específica a possibilidade de desconstituir a sentenças homologatórias pelos vícios do negócio, em geral, e prevendo-se a rescisória para o caso de vício da transação, conciliavam as duas proposições através do regime imprimido para os vícios da confissão, a saber: antes do trânsito em julgado, e no curso do processo, caberia a ação anulatória; após a aquisição da autoridade de coisa julgada, a rescisória.27 Esse duplo regime resolvia, de um lado, e talvez satisfatoriamente, os meios de ataque contra a sentença hoje prevista no art. 487, III, b, e, indiretamente que seja, esclarecia o regime jurídico dos negócios jurídicos de direito material internados no processo. É o da lei civil, porque os motivos para invalidá-los (v.g., os vícios do consentimento) pertencem a este campo. O art. 966, § 4.º, confirma essa construção. 1.087.2. Verdadeiros negócios processuais – O segundo teste é mais conclusivo. Há declarações de vontade unilaterais (v.g., a desistência do recurso) e bilaterais (v.g., a desistência da ação) confiadas, unicamente, à vontade das partes e perante as quais o órgão judiciário não pode, legitimamente, intervir com a autoridade do Estado. E, com efeito, os chamados atos bilaterais (rectius: negócios jurídicos) “são verdadeiras convenções, requerem o acordo das partes”.28 A lei processual alude a tais negócios nos artigos 62, in fine, c/c 63; 313, II; 362, I; 373, § 3.º. O domínio das partes alcançou maior estatura no NCPC. Podem convencionar seus ônus, poderes, faculdades e deveres do processuais, antes ou depois do processo (art. 190), marcar datas para acelerar o procedimento (o fast track do art. 191) e escolher conjuntamente o mediador ou o conciliador (art. 168) e o perito (art. 471).O disposto no art. 200, caput, segundo o qual as declarações de vontade unilaterais ou bilaterais das partes irradiam efeitos imediatamente, ou seja, tão logo internados no processo e independentemente da manifestação judicial, “têm sentido na medida em que se põe em destaque a própria natureza jurídica dos atos dispositivos: o que importa é a vontade da(s) parte(s)”.29 Por esse ângulo, constituem verdadeiros negócios jurídicos processuais: (a) a desistência da ação, formulada após o decurso do prazo de resposta, concorrendo o assentimento do réu (art. 485, § 4.º);30 (b) a convenção acerca do calendário dos atos processuais (ar. 191), envolvendo, indiretamente, prazos (v.g., reduzindo de quinze para cinco dias o prazo de contestação); (c) convenção das partes sobre o ônus subjetivo da prova (art. 373, § 3.º).31 Em todos eles, os efeitos irradiam-se unicamente no processo. A opinião prevalecente restringe esse âmbito. Segundo corriqueiro enquadramento da doutrina germânica,32 reproduzido entre nós,33 dos

negócios jurídicos processuais distinguem-se os casos em que o ato de uma das partes (v.g., a desistência da ação, no caso do art. 485, § 4.º; a modificação do objeto litigioso até a decisão de saneamento, a teor do art. 329, I) depende da anuência da outra para o juiz adotar a providência requerida. O traço distintivo residiria na falta de declarações reciprocamente dirigidas, existindo apenas “dois atos distintos unilaterais, dirigidos ao órgão judicial”.34 Apesar da superlativa autoridade dessas opiniões, parece inobscurecível que a duplicidade de declarações de vontade tomadas separada e sucessivamente destinam-se a produzir o mesmo efeito jurídico. O réu que consente com a desistência da ação, o que não constituirá óbice para renová-la mais adiante, tem a mesma intenção do autor. Logo, há negócio jurídico processual. Excepcionalmente, essa categoria de atos jurídicos lato sensu verifica-se no processo. O seu campo reduzido, extremado de outros negócios de direito privado, não é argumento suficiente para eliminar-lhe a existência. Problema distinto consistirá em identificar-lhes positivamente a ocorrência. 1.088. Conceito de ato processual Chamam-se de atos processuais os que têm seus elementos de existência e requisitos de validade fixados no processo.35 Esses atos inserem-se no procedimento como atos típicos da série, produzindo os efeitos diretos e imediatos que lhes são próprios – a constituição, modificação e extinção de efeitos jurídicos na relação processual.36 Os atos processuais constituem espécie de atos jurídicos em sentido estrito.37 Destacam-se da classe porque seus elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia encontram-se previstos unicamente na lei processual civil. Os atos que adquirem existência fora do processo, incluindo os negócios jurídicos, ingressam no processo por meio das manifestações ou das declarações das partes (e dos demais figurantes do processo), e só então, alterada a respectiva natureza, passam a atos processuais. Fatos jurídicos, no estrito sentido do termo, que ocorrem fora do processo, a exemplo da morte da parte, que é causa de suspensão do processo (art. 313, I), influenciam o procedimento, mas não merecem o rótulo de atos processuais. É processual, ao invés, o ato da parte, comunicando a morte ao juiz, e o subsequente ato do órgão judicial, suspendendo ou extinguindo o processo, conforme o objeto litigioso seja, ou não, transmissível causa mortis. A lei processual, evidentemente, recolhe inúmeros fatos jurídicos – por exemplo, a impossibilidade de o réu receber a citação, verificada pelo oficial de justiça, que descreverá “minuciosamente a ocorrência” (art. 245, caput, e § 1.º) –, emprestando-lhes efeitos processuais. O fato jurídico, no exemplo ministrado, ingressa no processo por ato do auxiliar do juiz. E há fatos que, incidentalmente, originam-se no curso do processo – por exemplo, a altercação física de duas testemunhas durante a audiência de instrução –, mas não tem relevo no próprio processo, e, assim, não constituem atos processuais.38

É neste sentido que se há de entender o preceituado no art. 200, caput. A circunstância de os atos das partes produzirem “imediatamente” os efeitos que lhe são próprios há de ser bem entendida. Os efeitos surgem na oportunidade do seu ingresso no processo, ou nele são praticados originariamente. A eficácia (processual) não ocorre, necessariamente, no momento em que o sujeito exteriorizou a vontade.39 Os atos processuais decorrem de declarações de vontade dos sujeitos do processo, e no processo, e objetivam a criação, a modificação ou a extinção de direitos processuais na relação processual.40 1.089. Omissão como ato processual As condutas humanas distinguem-se em (a) comissivas e (b) omissivas. A ação e a inação constituem forma usual na prática dos atos processuais. Por exemplo, o autor propõe a demanda perante juiz relativamente incompetente; o réu abstém-se de excepcionar, e, neste caso, prorroga-se a competência: o juiz incompetente torna-se, graças à omissão, competente para processar e julgar a causa. A revelia constitui comportamento omissivo (= ausência de ato). O réu expressa, na sua passividade, a vontade de não comparecer no processo e resistir à pretensão do autor. Recolhendo o oficial de justiça manifestação da parte de conciliar-se, o juiz ordenará a intimação da outra parte, no prazo de cinco dias, “entendendo-se o silêncio como recusa” (art. 154, parágrafo único). É impróprio, todavia, dizer que a omissão do ato traz consequências desfavoráveis ao inativo,41 porque a omissão é o ato. Esse ponto merecerá atenção no item dedicado à forma dos atos (infra, 1.099). 1.090. Classificação dos atos processuais Os atos processuais comportam classificação por dois critérios: (a) subjetivo; e (b) objetivo. O primeiro assenta no agente do ato; o segundo, considera a função, a estrutura e a natureza dos diversos atos processuais. 1.090.1. Classificação subjetiva dos atos processuais – Flagrantemente, a lei processual fixou-se no primeiro. O Capítulo I – Da Forma dos Atos Processuais – do Título I – Da Forma, Do Tempo e Do Lugar dos Atos Processuais – do Livro IV da Parte Geral do NCPC repartiu a matéria tratada em cinco seções distintas. A primeira seção cuidou dos atos em geral. A seção agasalha proposições programáticas quanto aos atos eletrônicos. E as seções subsequentes ocuparam-se, respectivamente, dos atos das partes, dos atos do juiz e dos atos do escrivão ou chefe de secretaria. No tocante ao CPC de 1939, houve sensível melhora terminológica e, quanto ao CPC de 1973, o acréscimo dos atos eletrônicos. O Livro IV, o Título I e o Capítulo I aludem ao ato “processual”, e, não aos atos “judiciais”. A conjugação do adjetivo “judicial” ao ato praticado no processo implicaria indébita restrição, porque excluiria os atos das partes, ou o seu contrário, tomando-se como sinônimo de ato do juízo, o que abrangeria atos praticados por outros sujeitos.42 O CPC de 1973, reproduzido no NCPC, promoveu valiosa ampliação, acrescentando uma seção relativa aos atos dos auxiliares do juízo.

A lei processual não repele a classe dos atos “judiciais”. Os atos judiciais são os atos do órgão judiciário. Ao menos no art. 848, II, há menção a ato judicial nesse sentido. A classificação subjetiva utilizada no NCPC, formalmente correta, padece de sérios defeitos. Em primeiro lugar, olvidou os atos praticados (ou omitidos) por pessoas que “de qualquer forma participem do processo” (art. 77, caput), igualmente aptos a produzir efeitos na relação processual. Ademais, a Seção IV– Dos Pronunciamentos do Juiz –, a rigor contempla uma das classes dos atos judiciais – os atos decisórios. O juiz pratica atos materiais (v.g., a tomada do depoimento pessoal da parte) e preside a prática de atos executivos (art. 782), ignorados nessa seção. Porém, despareceu, vantajosamente, a designação de “atos do juiz” aos pronunciamentos aí regulados. 1.090.2. Classificação objetiva dos atos processuais – O critério objetivo se afigura bem mais promissor.43 Nele há compromisso implícito de desvelar rincões obscuros da totalidade da relação processual. Todavia, dificuldades e incertezas perturbam esse modo classificatório. Também neste particular impera a visão pessimista. Reconhecendo o valor da classificação objetiva, “pelo seu maior grau de precisão científica”,44 sem embargo do uso mais frequente da classificação subjetiva, por razões de ordem prática e exigências didáticas, arguto observador lamenta que a ciência processual atravesse “uma fase de ensaios e tentativas”.45 Nada obstante, inexiste motivo plausível para repudiar, de plano, as possibilidades de êxito. E, seja como for, trata-se de tarefa imperativa. A classificação objetiva revela-se indispensável em decorrência de um dado elementar: o critério subjetivo não esgota a matéria. Esclarece muito pouco a pletora de atos processuais, ignorando-lhes a estrutura e a função. Dizer que a multiplicidade dos atos processuais, à semelhança dos negócios jurídicos no plano do direito substancial, torna infecunda a respectiva sistematização,46 equivale a uma rendição e pequenez perante os que cultivam o direito privado e se abalaram com sucesso a classificar os negócios jurídicos. Os processualistas adeptos da sistematização inovadora empreendem classificação objetiva. Problema distinto consiste em descobrir e enunciar base segura e satisfatória nesse mister. É possível partir da repercussão do ato no processo como alicerce da classificação objetiva.47 Por essa diretriz, há três categorias fundamentais: (a) atos de iniciação, que instauram a relação processual – e, convém acrescentar, para não limitá-los à petição inicial – e veiculam pretensão; (b) atos de desenvolvimento, impulsionando o processo predeterminando o respectivo porvir; (c) atos de conclusão, pondo fim ao litígio, e, conseguintemente, ao processo (art. 316). Os atos processuais de desenvolvimento se desdobram em duas espécies: (ba) atos de instrução, através dos quais se recolhem os elementos de fato e de direito à resolução da lide, por sua vez divididos em duas subespécies: (baa) atos de alegação, através dos quais as partes afirmam os fatos jurídicos e os fundamentos jurídicos da pretensão e da defesa; (bab) atos probatórios, destinados à comprovar as afirmações das partes

relativamente aos fatos; (bb) atos de ordenação, que visam a estabelecer a sucessão do procedimento. Os atos de ordenação, de seu turno, dividem-se em três subespécies: (bba) atos de impulso, que se destinam a passar o procedimento de uma fase para outra; (bbb) atos de direção, que orientam as atividades em cada fase processual; e (bbc) atos de formação, que visam a registrar os atos através da (bbca) documentação ou (bbcb) incorporação do documento ao processo. Por sua vez, os atos de direção agrupam-se em três classes: (bbba) atos de solução, por intermédio dos quais ou o juiz decide questões incidentes ou imprime rumo ao processo, via de regra através de despacho; (bbbb) atos de comunicação, através dos quais ficam as partes cientes de outros atos (v.g., a citação e as intimações); (bbbc) atos de coação, nos quais o órgão judiciário impõe aos participantes do processo ou às coisas determinada sujeição. Por fim, os atos de conclusão compreendem os (ca) atos decisórios finais – a sentença, a decisão singular do relator e o acórdão –, definitivos (art. 487, I e II) ou terminativos (art. 485), e (cb) os atos dispositivos das partes que autorizam o órgão judiciário a resolver o mérito sem verdadeiramente julgá-lo (v.g., a transação e o reconhecimento do pedido). Essa classificação se ressente de falha capital. Em síntese, acompanha as fases do processo de função de conhecimento, ou seja, o processo cuja finalidade precípua consista na formulação da regra jurídica concreta. A realização dessa regra no mundo sensível, quando necessário, haja vista a natureza do bem da vida almejado pelo vencedor (retro, 230), recebe precária e insípida inserção na classe dos atos de coação. Essa classe constitui subespécie dos atos de direção, por sua vez espécie dos atos de ordenação, inseridos na categoria básica dos atos de desenvolvimento. Ora, nem todos os atos executivos servem para fazer o processo avançar, porque alguns têm, conforme o objeto, efeitos de satisfação (v.g., a penhora de dinheiro). Este defeito, dentre outros, recomenda o abandono da classificação insuficiente, porque falsificável.48 Bem mais satisfatória é a classificação projetada por um dos mais arrojados processualistas italianos. Fundamenta-se em duplo critério: (a) o técnico, considerando a relação do ato com a finalidade do processo; e (b) o jurídico, apanhando a transcendência do ato relativamente à situação jurídica em que ele surge no processo.49 Do ponto de vista técnico, há quatro tipos fundamentais: (a) atos de governo processual; (b) atos de aquisição processual; (c) atos de elaboração processual; (d) atos de composição processual. Por sua vez, na perspectiva jurídica, distinguem-se três classes: (a) atos segundo a eficácia; (b) atos segundo a finalidade; e (c) atos segundo a estrutura. O potencial dessa classificação é instigante. Embora insuficiente a classificação subjetiva, considerando as parcas indicações traçadas na lei, o exame das atividades das partes, do juiz e dos auxiliares autoriza o seguinte esquema: (a) atos das partes, divididos em quatro subclasses: (aa) atos postulatórios (v.g., petição inicial); (ab) atos de disposição (v.g., desistência da ação); (ac) atos probatórios (v.g. produção da prova documental); (ad) atos materiais (v.g., comparecimento à audiência); (b) atos do juiz, divididos em duas subespécies: (ba) atos decisórios (acórdãos, sentenças, decisões ou

despachos); (bb) atos materiais (v.g., inspeção judicial); (c) atos do escrivão, repartidos em duas subespécies: (ca) atos de documentação; (cb) atos de movimentação. § 226.º Características do ato processual 1.091. Especialidade do ato processual Os atos processuais revestem-se de características que, conjugadas ao elemento estrutural (realização no processo) e aos efeitos típicos (criação, modificação ou extinção de direitos processuais), emprestam-lhe feição particular e consistência original No plano mais geral, os atos processuais se distinguem dos atos jurídicos em virtude do fato de “serem praticados com o fito de encher certa série de atos, que é o processo”.50 Daí as consequências: (a) a vontade tem função reduzida, porque interessa o estado de fato resultante da conduta humana; (b) há efeitos pretendidos e não pretendidos; (c) há modelos prévios à exteriorização do ato; (d) há atos que obrigam, mediante cominação, as partes. 1.092. Unilateralidade do ato processual O ato processual é, de regra, unilateral.51 Origina-se da vontade do sujeito do processo ou, de modo mais amplo, do participante do processo (art. 77, caput), mediante declaração de vontade que produzirá os efeitos predeterminados e fixos previstos na lei processual. Por exemplo, o reconhecimento do pedido, que leva à extinção do processo com resolução de mérito (art. 487, III, a), é ato processual (rectius: negócio jurídico) unilateral do réu; a renúncia da pretensão processual (art. 487, III, c), igualmente chamada de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 105, caput), é ato processual (rectius: negócio jurídico) unilateral do autor; a interposição de recurso contra o provimento desfavorável é ato processual que, em tese, compete a ambas as partes. Eventualmente, o ato processual é praticado conjuntamente por duas ou mais partes. Por exemplo, a interposição de recurso por dois ou mais litisconsortes. O acórdão representa ato judicial complexo. À sua formação concorrem as vontades dos integrantes do colegiado, formando maioria, ou, em termos mais precisos, o respectivo suporte fático reclama a conjugação de vários atos jurídicos individuais.52 É o fenômeno que se verifica, por igual, na investidura de magistrado nos tribunais consoante a regra do art. 94 da CF/1988 (retro, 930.2). E, suscitado o incidente de assunção da competência, em que o julgamento do recurso ou da causa de competência originária reparte-se entre dois órgãos diferentes (o órgão fracionário e o órgão especial do tribunal), há ato composto. O destinatário do ato das partes é o órgão judiciário; dos atos judiciais, ou atos do órgão judiciário, a(s) parte(s).

O art. 200, caput, declara que os atos das partes consistem em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, suscitando o problema da existência de negócios jurídicos processuais. Entre nós, há quem admita essa classe de atos jurídicos em sentido amplo.53 A desistência da ação, após a contestação (art. 485, § 4.º), mas antes da sentença, exemplificaria a classe (infra, 1.611.1); nesse caso, manifesto o concurso de vontades. Porém, outros sentidos concebíveis na menção às declarações bilaterais de vontade no art. 200, caput. À luz do texto do anteprojeto do CPC de 1973, agasalhando cláusula afinal não reproduzida no texto definitivo (“ainda que sem o concurso do juiz”), infere-se o propósito da disposição. É o de tornar as declarações de vontade das partes, unilaterais ou bilaterais, independentes da homologação do órgão judiciário,54 salvo a desistência da ação (art. 200, parágrafo único). Por conseguinte, a redação do texto precedente e do atual no NCPC não logrou o intento original do direito anterior,55e, tornando os negócios jurídicos dependentes de homologação, transformou-os em atos processuais. Esse raciocínio mostra-se insatisfatório em um aspecto. O juiz não pode recusar a desistência formulada pelo autor com o consentimento do réu, nem lhe alterar o conteúdo, entregue à autonomia privada das partes. Por isso, trata-se de autêntico negócio processual. 1.093. Forma do ato processual Além de os atos processuais concentrarem-se em condutas positivas e negativas, porque o processo judiciário constitui atividade da pessoa humana, e adquirirem a qualidade de processuais em virtude da realização ou inserção da conduta com o processo (v.g., no caso do silêncio previsto no art. 154, parágrafo único), há outro dado significativo: a exteriorização da vontade há de se conformar à forma prescrita na lei processual. O ato processual é típico. A lei predetermina o modelo do ato (v.g., os requisitos da petição inicial, a teor do art. 319). Às vezes, a lei introduz certa flexibilidade, nos atos que o foro estima praticados sem forma ou figura de juízo, mas eles têm um modelo básico (v.g., empregarão a língua portuguesa e submetem-se às mesmas exigências de tempo e de lugar), que permite chamar-lhes igualmente de típicos. Forma é o meio pelo qual o agente exterioriza a vontade. Ela pode ser expressa ou tácita; ativa ou omissiva. As declarações de vontade exigem movimentos do corpo humano aptos a denotar o pensamento, e, para esse fim, a pessoa emite signos. O signo usual é a linguagem – traço próprio da pessoa humana, fruto da razão. Apesar de o art. 437, § 1.º, in fine, empregar a palavra “postura”, não se refere à expressão corporal da parte, manifestando-se sobre a prova documental, mas à declaração a esse respeito. Empregada a linguagem para exprimir o pensamento há declaração expressa. Ela pode ser verbal ou escrita. Os atos processuais verbais são imediatamente documentados (v.g., o auto de arrematação, ex vi do art. 901, caput). Entretanto, há signos ocasionais, distintos dos comumente usados, e que também expressam o pensamento. Então, a declaração de vontade é tácita.56

Em geral, os atos processuais são expressos. Exprimem-se oralmente ou por escrito, digitalmente ou não. As declarações orais reduzem-se, via de regra, à forma escrita, como ocorre com o depoimento pessoal. Tácita é a declaração deduzida de outro fato ou ato, denotando o emprego de signo ocasional. A essas duas maneiras de o agente declarar a vontade se refere o art. 1.000, caput, do NCPC, acrescentando que se considera aquiescência tácita – ato impeditivo do direito de recorrer – “a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer” (art. 1.000, parágrafo único); por exemplo, o depósito voluntário do valor da condenação quando o provimento ainda não produz efeitos. Também há atos processuais decorrentes da inação. Por exemplo, o autor propõe a demanda perante juiz relativamente incompetente; o réu abstém-se de excepcionar, e, neste caso, prorroga-se a competência: o juiz incompetente torna-se, graças à omissão, competente para processar e julgar a causa. A revelia é uma inércia proposital (forma omissiva expressa) ou não (forma omissiva tácita): no primeiro caso, a inércia expressa diretamente a vontade de não comparecer; no segundo, fato do qual se deduz a vontade do réu de não comparecer no processo. É irrelevante à revelia, no concernente à sua caracterização e efeitos, tratar-se de omissão expressa ou tácita; porém, as duas modalidades diferem no plano formal. 1.094. Interdependência do ato processual O ato processual, ao contrário do ato jurídico stricto sensu de direito material, não tem sentido algum de modo isolado e fora do conjunto. Ele se relaciona com o ato anterior, não sendo ele próprio o ato inaugural da relação processual, e, ainda, com os atos que lhe sucedem na série ordenada do procedimento.57 A petição inicial passa pelo juízo de admissibilidade e, vencendo esta barreira e descartado juízo liminar de improcedência, provoca o chamamento do réu, que ensejará a apresentação de defesa, ou não, e assim por diante. O ato processual revela-se, portanto, interdependente dos outros atos processuais, haja vista o liame comum de propiciar a entrega da prestação jurisdicional. A interdependência do ato processual exibe intenso valor na teoria da nulidade.58 O vício do ato antecedente provocará, por vezes, a inutilidade dos atos sequenciais, a teor do art. 281 (infra, 1.264). Segundo o art. 282, caput, o juiz, ao pronunciar a nulidade, “declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados”. 1.095. Unidade teleológica do ato processual No curso do processo, o autor e o réu praticam atos de índole diversa. Ocupam posições contrastantes. Empregando os meios de ataque e os meios de defesa, as partes estabelecem diálogo com o órgão judiciário e criam uma comunidade de trabalho dirigida pelo juiz. Essa comunidade tem propósito comum: a entrega da prestação jurisdicional. Embora autor e réu externem aspirações antagônicas, os atos praticados por tais sujeitos exibem unidade teleológica: contribuem aos fins do processo civil.59

É nesse sentido que se há de entender a cooperação entre os sujeitos do processo (art. 6.º). Cada qual faz o que lhe compete para o processo atingir seus fins. 1.096. Discrição e vinculação no ato processual Uma das dificuldades flagrantes na elaboração da teoria dos atos processuais, englobando os atos das partes e os atos judiciais, avulta na circunstância que o respectivo regime é, ao menos em parte, aparentemente diverso. Os atos do juiz, e, a fortiori, os atos dos respectivos auxiliares e do Ministério Público, representam atos de órgãos do Estado.60 Em princípio tais atos se governam pelos princípios do direito público. E os atos das partes, contanto de sujeitos privados – o Estado pode figurar como parte –, parecem integrar os domínios do direito privado. Essa fugidia impressão, tão destacada na literatura germânica, ignora que o direito processual e o processo, em si mesmo, filiam-se ao direito público. O respectivo regime jurídico, princípio da legalidade à frente, e, conseguintemente, o dos atos das partes, respeitada a diferença dos sujeitos, mais se afeiçoa ao domínio público que ao privado (retro, 90). Não é por outra razão que se restringiu a classe dos negócios jurídicos processuais. E por idêntico motivo no processo administrativo há participação de particulares, mas esse fato não distancia o conjunto dos atos no regime intrínseco ao direito público. É nessa perspectiva que se há de examinar o caráter discricionário ou vinculado dos atos processuais, em particular dos atos judiciais. O direito administrativo desenvolveu suficientemente a diferença entre atos discricionários e vinculados. Em determinados casos, a regra não deixa ao aplicador opção: preenchido o suporte fático, a lei fixa a consequência, restando-lhe adotar a solução prescrita; em outras hipóteses, os efeitos jurídicos são relativamente indeterminados, cabendo ao aplicador optar por uma das soluções concebíveis, segundo critérios de oportunidade, conveniência, equidade e isonomia, critérios previstos nos conceitos vagos da própria regra.61 Diz-se que, na primeira hipótese, o ato é vinculado; na segunda, discricionário. Não raro o legislador processual apela à discrição do órgão judiciário. Por exemplo, o processamento da liquidação e execução da decisão parcial de mérito realizar-se-á nos próprios autos ou em autos suplementares, a requerimento da parte e “a critério do juiz” (art. 356, § 4.º). E o uso de conceitos jurídicos indeterminados, ou de conceitos vagos, ou de cláusulas gerais, disseminou-se na lei processual;62 por exemplo, na tutela provisória de urgência, há que haver “probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (art. 300, caput). Após coligir os elementos de convicção idôneos à emissão do seu juízo a respeito, o órgão judiciário realizará a interpretação do conceito vago, mas a regra do art. 300, caput, e outras similares, comportam interpretação unívoca. Em outras palavras, ao juiz não cabe, apesar do convite da regra, realizar a escolha típica do ato discricionário. A conduta imposta ao órgão judiciário é unívoca, porque única resposta exigida pela Constituição,63 operando duas opções fechadas: verificados os elementos de incidência, cabe a tutela

provisória; ao invés, inexistindo fatos subsumidos a esses elementos, não cabe a providência. O provimento do órgão judicial orientar-se-á conforme uma ou outra hipótese.64 1.097 Efeitos internos e externos do ato processual Em princípio, os atos processuais produzem efeitos internamente à relação processual.65 Os atos processuais “não têm efeitos nem consequências fora do processo”.66 Realmente, a citação não repercute (juridicamente, bem entendido) além do processo na qual se realizou. Fora daí, entretanto, constitui demasia negar e repudiar a irradiação dos efeitos próprios dos atos processuais fora e além do processo. O provimento final de mérito produz efeitos neste plano (retro, 230). Um exemplo singelo ilustra a afirmativa. Antes do divórcio, há duas pessoas casadas; após, a sentença que decreta o divórcio, duas pessoas divorciadas. Os provimentos do juiz que julgam o mérito exibem autoridade peculiar, prescrevendo a conduta futura das partes, que inegavelmente se projeta no plano do direito material. A autoridade da coisa julgada, por definição, cria um vínculo em outros processos – entendendo-se, restritivamente, que esse vínculo tem como destinatárias as autoridades judiciais –, a demonstrar que a eficácia dos atos processuais não se cinge ao processo em que se verificou a respectiva prática. § 227.º Forma dos atos processuais 1.098. Princípios orientadores da forma dos atos processuais O processo é um conjunto de atos arquitetados e conjugados, cuja finalidade precípua reside na solução do litígio. E cada ato, para integrar-se legitimamente ao seu contíguo precisa, sobretudo, ingressar no mundo jurídico, preenchendo, suficientemente, os respectivos elementos de existência. Os elementos de existência gerais subdividem-se em duas espécies: (a) intrínsecos (a forma, o objeto e as circunstâncias); e (b) extrínsecos (tempo, lugar e agente). Em tal classificação, a forma é o meio pelo qual o agente exterioriza a vontade (retro, 1.086). Tempo e lugar, por exemplo, constituem elementos diferentes, exigindo-se algum cuidado em separá-los. Em termos de forma, o ato processual mostra-se típico. A sua forma, e, a fortiori, os demais elementos de existência, inclusive os extrínsecos (tempo, lugar e agente) obedecem ao modelo consentido, autorizado ou predeterminado na lei. Em consequência, inexistem atos atípicos. Do contrário, o processo se desorganizaria, jamais atingindo os fins que lhe são próprios. Em matéria de forma dos atos processuais, ou modalidades de o agente exteriorizar a vontade, a heterogênea disciplina adotada na lei precisa considerar o seguinte: (a) os atos processuais se concatenam no procedimento, de modo que a existência, validade e eficácia de cada ato

depende do antecedente e condiciona o subsequente, na série concreta, e o respectivo controle há de realizar por critérios objetivos; (b) os atos processuais são praticados por sujeitos diferentes, que dependem e contam com a existência, validade e eficácia dos atos próprios e alheios, com especial atenção à natureza receptícia de qualquer ato do processo; (c) os efeitos dos atos processuais produzem-se internamente ao procedimento, promovendolhe o desenvolvimento. Por conseguinte, a orientação imprimida à forma dos atos processuais objetivará, uniforme e objetivamente, a realização da sua finalidade, pré-excluindo critérios subjetivos.67 A regulação da forma do ato processual pode se governar, em tese, por dois princípios antagônicos, ambos idôneos à consecução dessa pauta: (a) princípio da liberdade de formas; e (b) princípio da legalidade das formas. O princípio da liberdade conduziria o processo, fatalmente, ao pântano da incerteza e do arbítrio, sujeitando-o à vontade inconstante e contraditória dos respectivos sujeitos. Ensina secular experiência o valor das formas, indispensáveis ao processo, “tanto ou mais que em qualquer relação jurídica”, e sua eventual “ausência carreia a desordem, a confusão e a incerteza”.68 A resposta à postulação das partes, à reclamação dos seus direitos no plano substancial, representaria ato de graça, “que não poderia ser senão arbitrário, inicialmente, e caótico, posterior e fatalmente”.69 O princípio da legalidade das formas conhece objeções de peso. A rigidez excessiva da forma leva à perda inconsequente dos direitos das partes, valorizando-se antes o meio (processo) que o fim (a solução do litígio). Um trabalho eloquente, fundado no humanismo cristão, repeliu o interesse público em matéria de forma.70 A construção ignora o fato de a mudança da regra do procedimento, a posteriori, a favor de uma das partes fatalmente prejudicará a outra, comprometendo a legitimidade constitucional do processo. O processo é bilateral. O favorecimento a uma das partes na mesma medida desfavorece a outra. E o processo justo e equilibrado, sem favorecimentos, constitui o fundamento dos direitos fundamentais processuais. Relevante que seja a forma ao ato, pois o processo necessita de forte dose de organização interna, nenhum desses princípios, encarados na essência, satisfaz os grandiosos escopos políticos do processo – apaziguar e fazer justiça, realizando o direito objetivo. Não é pouco. Desenvolveu-se, assim, posição intermediária: o princípio da instrumentalidade das formas. Dos artigos 188, caput, 276 e 277 do NCPC conclui-se vigorar no direito brasileiro essa diretriz, sem alterações substanciais quanto ao direito anterior, dividida em três princípios orientadores: (a) informalidade; (b) instrumentalidade; (c) finalidade. A informalidade decorre, diretamente, do art. 188, caput. Declara o dispositivo que, em princípio, os atos e termos do processo “independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir”. O ato já recebeu definição em item anterior (retro, 1.088). E termo, que a receberá com maiores pormenores no âmbito dos atos do escrivão (infra, 1.129), tanto indica o fim de um movimento e o início do próximo, ou termo de desenvolvimento (v.g., a juntada da contestação), quanto documenta atos

realizados fora do processo, ou termo de documentação (v.g., o termo de audiência). Nos atos e termos, a teor do art. 188, caput, a vontade do agente exteriorizar-se-á de qualquer modo, mas de algum modo apto a atingir a sua finalidade.71Indubitavelmente, o fim sobrepõe-se ao meio.72 A informalidade jamais será absoluta. Um processo informal descambaria na desordem e na prepotência do órgão judiciário, protegendo uma das partes, segundo seus pendores ideológicos, em desfavor da outra. A liberdade de forma evocada no art. 188 é mais ilusão que realidade.73 Dificilmente conceber-se-á ato processual inteiramente livre de forma – todavia, há alguns raros espécimes (infra, 1.099.1), e, nesse sentido, a regra do art. 188 mais do que supérflua,74 soa inexata. Por exemplo, as exigências formais dos termos, elaborados pelo escrivão, desmentem a propalada informalidade. O escrivão elaborará o termo de modo conciso ou extenso, conforme a respectiva natureza; subscreverá o termo através de rubrica (art. 208) ou de assinatura, decerto de forma indelével para impedir o desaparecimento ulterior da autenticação; e velará pela limpeza e totalidade (art. 211). O máximo a que se chega, elaborado o termo sem atenção ao modelo, consiste em reputá-lo válido, embora viciado, porque atinge a finalidade. Independentemente do fato de o ato exibir forma livre, autorizada ou vinculada, trata-se de meio para atingir a finalidade. Essa é a característica fundamental da instrumentalidade. O enunciado do princípio é relativamente simples: o órgão judicial não pronunciará a invalidade do ato se, realizado em desacordo com seu gabarito, todavia atingiu seu objetivo.75 Problema diverso é a respectiva aplicação. A renovação do ato e o dispêndio de atividade processual nesse desiderato beneficiam concretamente uma das partes, cujos direitos fundamentais podem ser gravemente violados (v.g., a invalidade da intimação da sentença desfavorável, caso não seja reconhecida, pode conduzir à formação da auctoritas rei iudicate). O ponto merecerá destaque no exame da teoria das invalidades processuais. É preciso ter em mente respeitar a instrumentalidade ao ato e ao procedimento. Quanto a este, inexiste, absolutamente, forma livre. Os sujeitos do processo não podem, sem grave ofensa aos direitos fundamentais inerentes ao mecanismo, unilateralmente forjarem um procedimento particular e adaptado à hipotética especialidade da causa. O art. 190 do NCPC autoriza procedimento convencional mediante o concurso da vontade das partes e, apesar do controle da validade do negócio jurídico processual – a convenção só produz efeitos no processo –, superado esse aspecto, o procedimento vincula o órgão judicial. Fora daí, provindo a modificação do procedimento da iniciativa exclusiva do juiz uma das partes sempre sofrerá prejuízo em sua atividade e nas suas expectativas. Por exemplo, paralisar a ação individual do consumidor, sob o pretexto de que pende de julgamento ação coletiva, e, após o êxito, transformá-la em execução, ex officio, representa ilegítima alteração das regras fundamentais do processo, desfavorecendo o réu. É o dilema eterno entre o juiz ativista e o juiz garantista. Este último é o único que aplica corretamente as normas constitucionais. O juiz ativista assume a qualidade de ser messiânico, pretendendo adaptar o mundo à sua vontade (ou semelhança).

1.099. Forma livre, forma autorizada e forma vinculada dos atos processuais A forma dos atos processuais comporta três formulações: (a) livre; (b) autorizada; (c) vinculada.76 1.099.1. Atos de forma livre – Em princípio, os atos processuais têm forma livre. Por exceção, os atos têm forma prescrita em lei, com ou sem a cominação de nulidade, como se infere dos artigos 276 e 277. Exemplo de ato processual de forma livre localiza-se na arrematação. A lei não se ocupou da forma da alienação coativa. Entregou ao respectivo agente – leiloeiro – o modo pelo qual, no dia e hora marcados, apresentará o bem aos pretendentes, instigará a formulação dos lanços, repetindo a oferta em voz alta, com o fito de aguardar a manifestação de outro pretendente, até fechar o negócio, porque ninguém ofertou mais. A tradição regula esse singular acontecimento. Explicou-se o modo informal seguido nos termos seguintes: “Iniciada a praça, cabe ao porteiro anunciar as coisas que vão ser objeto de arrematação. É o pregão. Cada coisa deve ser apregoada três vezes, em voz alta e distinta, com breve intervalo. Feito por um dos presentes o lanço, o porteiro repete-o três vezes. Se outro licitante oferecer quantia maior, o lanço inutilizará o anterior e o porteiro vai sempre repetindo os lanços sucessivos três vezes em voz alta até que ninguém dê mais. Valerá, afinal, o lanço maior, concluindo-se a arrematação”.77 Ocioso acrescentar que, na redução do ato oral ao auto de arrematação (art. 901, caput), não há transcrição, ad verbum, dos acontecimentos transcorridos na alienação (v.g., a enumeração dos lances superados). 1.099.2. Atos de forma autorizada – Existem atos cuja forma é autorizada, ou seja, o agente escolherá uma dentre duas ou mais modalidades. Equivalentes entre si, uma ou outra forma surtirá idêntico efeito.78 Em outras palavras, se a lei prescreve a forma, mas não comina nulidade à sua inobservância, “a norma legal é regra técnica que indica a preferência da lei”.79 Os termos serão digitados e impressos em papel nos autos físicos, mas nada impede que o escrivão use carimbo de borracha para imprimi-lo no papel. Os depoimentos podem ser datilografados, taquigrafados ou estenotipados (art. 210). É dessa natureza o disposto no art. 193, caput, segundo o qual os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, permitindo que sejam produzidos (v.g., o termo de audiência, previsto no art. 367, caput), comunicados (v.g., a citação da pessoa jurídica, a teor do art. 246, § 1.º), armazenados (v.g., autos eletrônicos) e validados (v.g., a assinatura na procuração, a teor do art. 105, § 1.º) no âmbito eletrônico. O NCPC se absteve de mencionar a datilografia. As máquinas mecânicas ou elétricas são peças de museu ou ornamentos em escritórios de advocacia, relembrando os heroicos esforços passados em retirar dessa atividade a própria sobrevivência. Indiretamente, porém, do art. 367, § 1.º (“Quando o termo não for registrado em meio eletrônico, o juiz rubricar-lhe-á as folhas…”) subentende-se essa possibilidade, meio tão idôneo quanto a taquigrafia e estenotipia (art. 210). 1.099.3. Atos de forma vinculada – E, por fim, há atos com forma vinculada. São os atos com forma prescrita na lei, conforme mencionam o art.

188, parte final, 276 e 277. A cominação de nulidade (v.g., dos atos de comunicação processual, a teor do art. 280) importa a presunção de que o ato, praticado viciosamente, não produzirá o efeito próprio. O art. 250 regulou o mandado de citação minuciosamente, haja vista a transcendência do ato de chamamento do réu, propiciando a bilateralidade da audiência, e o art. 251 prescreve a conduta do oficial de justiça ao realizar a citação em pormenores. Eis ato de forma vinculada. O desrespeito é cominado de nulidade (art. 280). No entanto, o comparecimento espontâneo do réu supre a falta ou o vício da citação (art. 239, § 1.º), “mas em absoluto a torna existente (ou perfeita)”.80 Por isso, o réu pode comparecer somente para arguir-lhe o vício e obter a restituição do prazo de resposta, a teor do art. 239, § 2.º, submetendo-se a efeitos drásticos caso a alegação insulada seja rejeitada (revelia, no caso do processo de conhecimento). Convém desde logo oferecer resposta, valendo-se o réu do princípio da eventualidade, e, assim, forrando-se às consequências prejudiciais da inexistência de vício (retro, 311.3). § 228.º Publicidade dos atos processuais 1.100. Acesso do público ao processo O art. 189, caput, primeira parte, declara que os atos processuais são públicos. Essa regra repercute o direito fundamental processual da publicidade (art. 93, IX, da CF/1988) e ajusta-se ao respectivo conteúdo essencial.81 Disposição de sentido amplo, injustamente averbada de “elegantemente burocrática” no direito anterior,82a regra faculta o acesso de todos, sem exceção, ao teor dos processos em juízo. Diz-se externa a essa publicidade. Internamente ao processo, a comunicação dos atos processuais promove o conhecimento mútuo das atividades processuais.83 O público tem acesso às sessões de julgamento, nos tribunais, e as audiências, no primeiro grau. Às vezes, as acomodações acanhadas – o ambiente da prática do ato processual tem especial importância (infra, 1.140) – permitem o ingresso de poucas pessoas no local. O impedimento físico não compromete o princípio da publicidade – as portas da sala, em todo caso, ficarão abertas ou, não ficando escancaradas para controlar o ruído e a temperatura, podem ser abertas, satisfazendo-se assim o direito processual fundamental. O princípio da publicidade não exige a presença efetiva de público no recinto, nem a transmissão necessária do dia, hora e lugar desse acontecimento à coletividade ou ao público.84 O direito fundamental satisfazse com a simples possibilidade de o interessado inteirar-se da ocorrência do ato e, querendo, assisti-lo. O escrivão deverá franquear os autos do processo, de regra, às pessoas comuns do povo, sem inteirar-se do motivo da consulta ou reclamar a alegação de interesse de fato, e fornecerá certidão, no todo ou em parte, independentemente de despacho do juiz (art. 152, V). E, naturalmente, o advogado tem o direito de examinar processo em que não é procurador (art. 107, I, do NCPC), por simples curiosidade ou para colher subsídios em causa similar a ele confiada.

É comum estagiários ou prepostos compulsarem os autos, copiando-lhes as peças com uso de scanners portáteis. Por sinal, mediante credenciamento prévio, também lhes cabe tirar os autos em carga (art. 272, § 7.º), hipótese em que, todavia, ficará a parte, incluindo o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, intimada de quaisquer atos decisórios (art. 272, § 6.º). Essa atividade de reprodução dos autos físicos (sem a carga dos autos) a ninguém prejudica, exceto, talvez, a pessoa terceirizada que explora o serviço anexo de cópias na sede do juízo. O STJ já proclamou que os prepostos dos advogados podem copiar livremente os autos, em cartório, desde que não se lhe imponha o segredo de justiça.85 Porém, a circunstância de o tribunal superior encarregado de uniformizar a aplicação do direito federal intervir nessa matéria já revela o desapreço ao direito fundamental processual à publicidade pelos agentes do Estado e a desconfiança ancestral da burocracia com a pessoa comum e desprovida de credenciais nobres. Parece óbvio que, além da publicidade nos julgamentos – qualquer pessoa tem o direito legítimo de assisti-los, pessoalmente, sendo digno de registro o fato de os julgamentos do STF, o tribunal supremo, serem transmitidos pela televisão –, o direito fundamental abrange, irredutivelmente, o direito de qualquer pessoa consultar os autos de processo judicial, confiados ao escrivão, por qualquer motivo – inclusive (e principalmente) e simples curiosidade. Além dos advogados constituídos em determinado processo, e os seus estagiários e prepostos, na prática ninguém mais (nem sequer a própria parte!) tem acesso fácil ou irrestrito aos autos de processo judicial, embora não corra a causa em segredo de justiça. O art. 189, § 1.º, não comporta interpretação no sentido de o direito de consultar os autos e obter certidões, salvo segredo de justiça, restrinja-se às partes e aos advogados.86 Esse entendimento infringe o direito fundamental processual à publicidade. O dispositivo se aplica somente aos processos que tramitam em segredo de justiça.87 A pessoa que vá ao foro e, chegando ao balcão do cartório, peça para ver certos autos – na duvidosa suposição de munir-se previamente dos dados do sistema de informática identificando o processo –, na melhor das hipóteses será acolhido como alguém tomado de insanidade inofensiva. Delicada, mas firmemente o atrevido será mandado embora após formular tão impertinente solicitação de vista dos autos. O escrivão e seus auxiliares consideram os autos coisa da sua propriedade (e não algo confiado à sua guarda) e privativo manuseio. Excessivamente cioso da responsabilidade, o escrivão ou chefe de secretaria entrega aos autos somente aos advogados e seus prepostos credenciados. Estranhos só obtêm vista dos autos após o requerer por escrito ao juiz e, obtendo gentil condescendência, lograrem anuência da autoridade. O processo eletrônico aumentará o amesquinhamento do direito fundamental à publicidade, apesar de o art. 194, solenemente, garantir a publicidade e o direito de acesso. Presentemente, apenas os advogados da causa, uma vez cadastrados, e através do manejo da senha hábil, consultarão o inteiro teor dos autos de qualquer – frise-se bem – processo. A predisposição de vetar o acesso público ao conteúdo dos processos eletrônicos revela quão escassa é, ainda, a cultura do respeito aos direitos

fundamentais no país. Em sentido contrário ao acesso irrestrito do público, argumenta-se que a exposição dos fatos que originaram o litígio à curiosidade geral inibiria o acesso à justiça.88 Relevando o caráter extremista do prognóstico, e olvidando os benefícios da diminuição dos feitos e da disseminação das soluções através do diálogo, em lugar da sobrecarregada via judicial, a tese não parece exata. O processo escrito é irrestritamente público. Os entraves erigidos pelos auxiliares do juízo são ilegais e não devem ser levados em conta no raciocínio. Nos casos em que haja a necessidade de preservação da intimidade, o remédio tradicional do segredo de justiça pondera corretamente os direitos fundamentais em contraste. E, fundamentalmente, limitar o acesso ao conteúdo do processo eletrônico ao pessoal forense – juiz, órgãos auxiliares e advogados – cerceia o que há de melhor no mundo virtual: a exposição do que é intrínseca e naturalmente público ao controle público. Afinal, a CF/1988 proclama que todo poder emana do povo e a jurisdição, enquanto poder, é exercida em seu nome. O direito fundamental processual da publicidade é bilateral. O juiz (a lei não se atreveria a esse extremo) não pode impor sigilo unilateralmente, vedando a uma das partes acesso aos autos. O advogado que não restitui os autos ao cartório no prazo e submete-se ao procedimento de cobrança, inexistindo justo motivo, incorre em multa e, no máximo, perderá o direito de vista fora do cartório (art. 234, § 2.º). Admite-se, todavia, sigilo parcial na formação do ato executório e até a sua execução, havendo receio de o prévio conhecimento implicar a frustração da medida. Assim, a liminar inaudita altera parte não viola o direito à publicidade, nem o caráter reservado da audiência de justificação, na qual o juiz colhe prova sumária para se convencer da verossimilhança das alegações. Executada a medida, cessará incontinenti a restrição: o advogado da parte tem o direito de inteirar-se integralmente do processado (v.g., do nome das testemunhas ouvidas na audiência de justificação, recorrer e realizar contraprova). 1.101. Fins da publicidade dos atos processuais A publicidade tem dupla finalidade: (a) garante controle social da atividade judiciária; (b) preserva a imagem do próprio magistrado, isentando-o de suspeitas e evitando maledicências.89 Esses fins que o art. 189, caput, cuida de promover, não se relacionam com o sistema da oralidade que há muito povoa o imaginário dos especialistas. O fato de os julgamentos, nas sociedades primitivas, realizar-se na presença de todos, dificilmente se harmoniza com a realidade contemporânea. O art. 189, caput, busca satisfazer o anseio popular de conhecer as particularidades da atuação dos agentes públicos. É muito mais eficiente transmitir as sessões e audiências, ao vivo na televisão, como ocorre entre nós, em especial as do STF, do que reproduzir práticas ultrapassadas. O processo oral jamais reviverá. O futuro é o processo eletrônico, cumprindo garantir acesso ao seu inteiro teor por essa mesma e revolucionária via. O valor da transmissão televisiva ficou comprovado em caso criminal julgado há vinte anos pelo órgão especial do TJ/RS. A autoria era controversa e dividiu a opinião dos desembargadores. Porém, o cotejo dos votos, uns mais inspirados, outros bem menos, e provindos de juízes manifestamente

distintos quanto às inclinações ideológicas e formação pessoal, logrou aquietar a sociedade, legitimando o desfecho. Por isso, o art. 5.º, LX, da CF/1988 só autoriza à lei impor restrições à publicidade dos atos processuais em duas circunstâncias: (a) na defesa da intimidade das partes; (b) em proveito do interesse social. 1.102. Espécies de publicidade dos atos processuais Costuma-se distinguir várias espécies de publicidade externa, ou seja, em relação a terceiros: (a) publicidade ativa, em que o fato processual, voluntariamente ou não, são levados ao conhecimento do público (v.g., a divulgação de julgado pioneiro ou de interesse geral no site do tribunal); (b) publicidade passiva, na qual o público toma a iniciativa de acudir à sessão ou audiência; (c) publicidade imediata, em que o público, em geral, pode compulsar os autos; (d) publicidade mediata, na qual o público tem acesso ao teor dos atos processuais por certidão ou pela mass media (v.g., imprensa); (e) publicidade externa, na qual os atos processuais das partes pode ser conhecidos de todos; (f) publicidade interna, na qual só as partes e respectivos advogados têm pleno conhecimento dos atos do processo.90 O valor dessas classificações mostra-se relativo. Como já assinalado, o direito fundamental satisfaz-se, ressalva feita àqueles casos em que é imposto o sigilo, com a possibilidade de o terceiro inteirar-se do conteúdo do processo. 1.103. Publicidade dos julgamentos É importante assinalar que o liberalismo brasileiro impôs precocemente a publicidade dos julgamentos e a respectiva motivação. O art. 13 da Lei de 18.09.1828, que criou o Supremo Tribunal de Justiça do Império, já previa julgamento “a portas abertas”, decidindo-se à pluralidade de votos, quer dizer, no regime de conferência ou relação. Essa forma da deliberação dos julgadores serviu de designativo aos tribunais de segundo grau – “Tribunal de Relação” – em Portugal e no Brasil, e, na República, conservaram essa designação os tribunais do Ceará, de Sergipe, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Mato Grosso,91 até a CF/1934 que os designou de “Corte de Apelação”. Desde o diploma precursor, inexiste permissão constitucional para julgamentos integralmente secretos, em câmara de conselho, expressão que não significa outra coisa senão o sigilo na deliberação.92 Em outros ordenamentos, a exemplo do italiano, haja ou não debate oral, decide-se a causa reservadamente, participando do conclave os magistrados (art. 131 das Disposições de Aplicação c/c art. 276 do CPC peninsular).93 A deliberação dos juízos, no direito francês (art. 448 do CPC), “est couvert par le secret le plus absolu”.94 O caráter reservado do julgamento transformou-se em princípio geral do direito público. Os magistrados obrigam-se a “garder religieusement le secret des délibérations”.95 Ora, o fato de as partes e o público, em geral, assistirem à discussão reforça a seriedade do julgamento e a fé na Justiça.96 Por sinal, as sessões de julgamento da mais alta Corte do País – o STF – são transmitidas, ao vivo, em canal aberto de televisão. E o art. 367, § 5.º, autoriza a gravação em vídeo e áudio da audiência de instrução, por

qualquer das partes e seus advogados, independentemente de prévia autorização do juiz (art. 367, § 6.º). Os julgamentos dos processos que tramitam em segredo de justiça tampouco ocorrem em sigilo. As partes e os respectivos advogados podem assisti-los. Em casos tais, no tribunal, o presidente do órgão fracionário exercerá o seu poder de polícia, esvaziando a sala de sessões. Idêntico procedimento tomará o juiz nas audiências em primeiro grau (art. 368). 1.104. Imposição do segredo de justiça Às vezes, com o fito de preservar o direito à intimidade do interessado ou o interesse social, e desde que não haja prejuízo do direito à informação, limitará a lei (federal) a presença nas audiências, além dos magistrados e dos servidores indispensáveis aos trabalhos, às partes e aos respectivos advogados (art. 93, IX, da CF/1988). É o segredo de justiça. O processo tramitará, em tese, fora de olhares curiosos (à huis clos). O art. 189, I a IV, estipula quatro hipóteses para essa medida excepcional. A rigor, há sobreposição: o interesse social, objeto do art. 189, I, predetermina o sigilo nas causas do inciso II do art. 189, por idêntico motivo – preservação do direito constitucional à intimidade – generalizado no inciso III do art. 189. Logo, reduzem-se a três, variando só o caso concreto e a preponderância do valor constitucionalmente protegido: (a) interesse público ou social; (b) preservação da intimidade; (b) cláusula de confidencialidade. O segredo de justiça não se confunde com o exercício do poder de polícia a cargo do juiz, nas audiências, e do presidente do órgão fracionário, nas sessões de julgamento no tribunal. É lícito à autoridade judiciária evacuar a sala, no todo ou em parte, a fim de assegurar o bom desempenho da atividade programada (art. 360, II), bem como cassar a palavra de quem a use, porque lhe cabe fazê-lo, mas emprega expressões ofensivas (art. 78, § 1.º). Por exemplo, expulsar o espectador que intervém em voz alta, intempestivamente, açulando os ânimos dos desavindos; ou os sindicalistas que portam camisetas com dizeres ofensivos à Justiça; ou algum participante do ato, porque adota postura incômoda, a fim de que se acalmem alhures. A realização de portas fechadas das audiências, em primeiro grau, e das sessões de julgamento, no segundo, constitui decisão que pondera interesses contrastantes, particularmente agudos na área criminal, mas igualmente verificáveis nas causas civis: de um lado, a liberdade de informação (free press); e, de outro, a isenção dos magistrados e o direito das partes ao julgamento constitucionalmente justo e equilibrado (fair trail).97 O segredo de justiça protege as partes. Todavia, sacrifica o controle social do processo e, indiretamente, a pessoa do magistrado, cujos atos não se sujeitam à avaliação pública e, em geral, são mal compreendidos por essa razão. 1.104.1. Preservação do interesse público ou social – Segundo o art. 189, I, o juiz imporá a tramitação em segredo quando o exigir o interesse público ou social, consoante a superior previsão do art. 5.º, LX, da CF/1988. Inegavelmente, o juiz deliberará com extremo cuidado, a esse propósito, pois a regra consiste na publicidade. Por exemplo, a pretensão de reparar dano

sofrido por número indeterminado de pessoas, despertando comoção e clamor público; o pedido de exibição de documento concernente a contrato para o fornecimento de equipamentos militares, interessando à parte avaliar possível quebra de patente internacional. O STJ reconheceu a necessidade de sigilo em processos que envolvam “informações comerciais de caráter confidencial e estratégico” de empresas.98 É o interesse público – efetividade do ato processual – que determina, por exemplo, a necessidade de realizar a audiência de justificação em segredo. Posteriormente, deferida e executada a medida de urgência, a contraparte terá acesso integral ao conteúdo da audiência. 1.104.2. Preservação da intimidade das partes – Da preservação da intimidade ocupou-se o art. 189, II, arrolando causas em que tal bem, inestimável na vida privada, presumivelmente sofreria violação com a possibilidade de consulta irrestrita aos autos. É o caso das causas (e recursos) que respeitem a casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável (art. 9.º Lei 9.278/1996), alimentos e guarda de crianças. O catálogo do art. 189, II, é exemplificativo. À guisa de regra de fechamento, valorizando o direito constitucional à intimidade, opera o art. 189, III; por exemplo, no já mencionado caso de sigilo empresarial (v.g., a fórmula química de determinado produto, constada em determinado processo como nociva à saúde). 1.104.3. Preservação da confidencialidade – Ao contrário do processo a cargo do órgão judicial, a arbitragem é, de regra, confidencial. Litígios entre empresas não podem ser divulgados sem repercussão no mercado. No entanto, a necessidade de cooperação entre os órgãos investidos em função judicante obriga os órgãos judiciários a receber e cumprir a carta arbitral (art. 237, IV), particularmente imprescindível à prática de atos de constrição (v.g., a condução da testemunha recalcitrante). Em tal hipótese, demonstrada a cláusula de confidencialidade no termo de arbitragem, ou alegada a convenção de arbitragem, a causa tramitará em segredo de justiça, a teor do art. 189, IV, do NCPC. 1.104.4. Extensão do segredo de justiça – O art. 189, § 1.º, permite tanto a consulta aos autos, quanto a obtenção de certidões, nos processos tramitando em segredo de justiça, às partes e aos respectivos advogados. Idêntico direito assiste ao Ministério Público, intervindo na causa (art. 178). Restringe-se a essa hipótese a regra.99 Do contrário, infringiria o princípio geral da publicidade e, tratando-se do advogado das partes, o direito à ampla defesa. Exemplar aresto do STJ proclamou que não se afigura lícito inibir o direito de vista fora do cartório do procurador da parte do processo que corre em segredo de justiça.100 O sigilo absoluto dificilmente protege o processo contra a curiosidade. Além do juiz e dos advogados, cujo ofício exige pleno conhecimento dos fatos, o escrivão e seus auxiliares conhecem perfeitamente os assuntos tratados. Incorrerão em crime se difundirem as informações. O pessoal do foro, na prática, devassa fotografias comprometedoras, regozija-se com as transcrições de telefonemas lascivos, nos intervalos do expediente forense.

Os servidores são a fonte dos boatos e ditos chistosos que logo se propagam na sociedade. Em relação a terceiros juridicamente interessados, hipótese coberta pelo art. 189, § 2.º, o acesso é restrito, parcial e indireto.101 É preciso, em primeiro lugar, o terceiro alegar e provar interesse jurídico. Trata-se do mesmo interesse exigido do terceiro para ingressar como assistente: a titularidade de relação jurídica conexa, dependente ou incompatível com a do objeto litigioso. É parcial o acesso no sentido de que a certidão versará a parte dispositiva da sentença e, por extensão, das decisões que surtam efeitos externos.102 A menção à partilha de bens, decorrente da dissolução da sociedade conjugal, é meramente exemplificativa. E, por fim, indireta, porque o terceiro, e, a fortiori, o seu advogado, não têm acesso pleno aos autos, só o direito de obter certidão. 1.104.5. Comunicação dos atos processuais nas causas em segredo de justiça – Os atos processuais, nos processos que tramitam em segredo de justiça, comunicar-se-ão às partes pelos modos usais, preferentemente por via eletrônica e, subsidiariamente através de publicação no órgão oficial (art. 272, caput). A existência do processo em si não constitui objeto de sigilo.103 Por esse motivo, a divulgação do julgamento e do resultado da causa, coberta pelo segredo de justiça, não constitui transgressão ou ilícito.104 Em tal matéria, o único cuidado concebível reside na omissão do conteúdo. Por exemplo, na citação por edital não constarão as especificações do art. 250, II (infra, 1.214.1), por sinal dispensados no art. 257, limitando o ato a enunciar a natureza da pretensão (v.g., divórcio). Em geral, nos atos inseridos no órgão oficial há omissão do nome completo das partes, substituído pelas iniciais. Ora, a publicação do nome das partes nada revela acerca do conteúdo da causa. É mais esclarecedora, mas inevitável a indicação da natureza da pretensão (v.g., investigação de paternidade). Por inferência, revelará o essencial incômodo. Representa contradição flagrante omitir o nome da parte e indicar, pouco antes, a natureza da causa (v.g., separação ou divórcio), como geralmente acontece. 1.104.6. Término do segredo de justiça – O art. 189 não cuidou de estabelecer o término do segredo de justiça. Na prática, vigora indefinidamente, pendendo ou não o processo. O acesso aos atos decisórios dos tribunais, proferidos nesses feitos, revela-se restrito, embora arquivados os autos. O interessado deverá pleitear a consulta com fundamento no art. 189, § 2.º. Em outros casos, o sigilo acaba por esgotamento: a execução da liminar inaudita altera parte faz cessar o motivo pelo qual a contraparte não participou da atividade tendente à formação do ato decisório. § 229.º Idioma dos atos processuais

1.105. Obrigatoriedade do vernáculo É obrigatório o uso nos atos processuais escritos ou orais, e nos termos, o uso da língua (art. 192). Desprovido de qualquer texto explícito a esse respeito, o CPC de 1939 recebera crítica, neste particular, buscando-se arrimo no seu art. 228 para afirmar-se o preceito posteriormente previsto no art. 156 do CPC de 1973, aludindo ao uso do vernáculo. O vernáculo – palavra banida da lei, porque erudita, à semelhança de outras, em indevida concessão ao empobrecimento da cultura nacional – é a língua portuguesa, idioma oficial no Brasil, a teor do art. 13, caput, da CF/1988. Não importam as características da demanda. O STF assentou que, em habeas corpus impetrado em castelhano, a petição exige redação em português, “eis que o conteúdo dessa peça processual deve ser acessível a todos, sendo irrelevante, para esse efeito, que o juiz da causa conheça, eventualmente, o idioma estrangeiro utilizado pelo impetrante. A imprescindibilidade do uso do idioma nacional decorre de razões vinculadas à própria soberania nacional, constitui projeção concretizadora da norma inscrita no art. 13, caput, da Carta Federal, que proclama ser a língua portuguesa o ‘idioma oficial da República Federativa do Brasil”.105 Percebeu o STJ que “embora seja, depois do galego, a língua mais próxima do português, o idioma castelhano tem idiossincrasias que a fazem traiçoeira para o leigo”.106 Esses precedentes revelam que, visando os artigos 162, I, e 192, parágrafo único, precipuamente à prova documental, todavia o art. 192, caput, obriga os atos postulatórios serem integralmente redigidos na língua portuguesa. Se o objeto do litígio exigir a aplicação de direito estrangeiro, as fontes normativas, jurisprudenciais ou doutrinárias invocadas e reproduzidas nos atos postulatórios, particularmente na petição inicial e a contestação, hão de ser acompanhados de tradução oficial. Não basta a tradução livre, todavia admissível para as máximas em latim, progressivamente em desuso – outro sintoma de empobrecimento cultural –, e trechos breves de doutrina, ornamento costumeiro do trabalho dos advogados mais eruditos. Não se localizam, em nosso País, os problemas verificados em outros, nos quais há mais de uma língua e pluralidade de dialetos, sentindo-se indispensável, em certas regiões, derrogar parcialmente o uso da língua nacional, salvo nos atos decisórios do juiz.107 O nacionalismo regional obrigou a Ley de Enjuiciamiento Civilespanhola, de 2000, a admitir o uso da língua da comunidade autônoma (v.g., o catalão), nenhuma das partes se opondo, devendo o processo ser traduzido para o castelhano, ex officio, para surtir efeitos em órgãos judiciais situados fora da comunidade autônoma.108 Em todos os pontos cardeais, no Brasil fala-se e escreve-se (de regra, muito mal) a língua portuguesa. O uso do português no foro remonta ao século XIV. Até o princípio do Século XIX, encontravam-se textos em latim, hoje relegado a algumas parcas expressões ou palavras (v.g., verbi gratia: por exemplo; “ut procuração anexa”: conforme). O sentido dessas palavras é mais intuído do que compreendido pelos mais jovens. A principal consequência do art. 192, caput, consiste na proibição de citações de autores jurídicos em língua estrangeira, nas petições,

desacompanhadas de tradução livre, feita pela parte. Entre nós, nada proíbe o órgão judiciário de invocar textos jurídicos alheios. No entanto, fazendo referência a autor estrangeiro, urge traduzir, inclusive o título da obra. 1.106. Depoimento oral de estrangeiros O juiz preside a produção da prova oral na audiência de instrução. Em determinadas causas, ocorrerá audição de estrangeiros e de pessoas que dominem o português. Em tal hipótese, o juiz recorrerá ao auxílio de intérprete, designado e compromissado pelo juiz (art. 162, II). À incidência do art. 162, II, não importa a condição de estrangeiro, embora semelhante contingência corresponda ao quod plerumque accidit, mas a ausência ou insuficiência no domínio da língua portuguesa. Este é o móvel do auxílio do intérprete. Afinal, o cidadão português é estrangeiro, mas exprimese em português, mostrando-se desnecessário o juiz assinalar a circunstância no termo de audiência, como já ocorreu em caso concreto. E até a metade do Século XX existiam comunidades de língua germânica no interior do País em que o português era desconhecido, por força da ausência de escolas públicas. A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial implicou a proibição do uso do alemão e à divulgação da língua portuguesa nessas comunidades do interior. 1.107. Depoimento oral do portador de necessidades especiais A designação de intérprete constitui providência obrigatória no caso da tomada de depoimento oral do portador de necessidades especiais. Este é o jargão politicamente correto e contemporâneo usado no art. 162, III. Faculta-se ao portador de necessidade especial, sabendo escrever o português, a formulação de respostas por escrito às perguntas feitas desse mesmo modo pelo juiz. 1.108. Produção de prova documental em língua estrangeira O art. 157 declara que não podem ser juntados ao processo documentos redigidos em língua estrangeira – incluindo o galego e o castelhano –, desacompanhados de versão em vernáculo, ou a que lhe imprimiu a tramitação diplomática ou por intermédio da autoridade central dos atos de cooperação internacional, ou a firmada por tradutor juramentado. Não se cuida de norma dispositiva, mas cogente: o juiz mandará desentranhar o documento sem tradução.109 O art. 224 do CC declara, categoricamente, desprovido de efeitos, e, portanto, imprestável para fins probatórios, o documento sem tradução. O eventual conhecimento do idioma estrangeiro, habilitando o juiz ou o advogado a decifrar o respectivo conteúdo, tratando de uma língua de uso geral, como o inglês, mostra-se irrelevante. Nem todos os participantes do processo exibirão essa proficiência, e, de toda sorte, o conteúdo dos autos deve ser acessível a todos, haja vista o princípio da publicidade (art. 189, caput).

O art. 129, n.º 6.º, da Lei 6.015/1973, exige que, para surtir efeitos perante terceiros, o documento e a respectiva tradução sejam registrados no cartório de títulos e documentos. Essa regra recebe o rótulo de absurda.110 A Súmula do STF, n.º 259, restringiu-lhe o alcance, em parte, relevando o registro no caso de o documento conter autenticação consular. A sensatez dos juízes ignora o requisito burocrático e dispendioso.

Capítulo 51. DOS ATOS DOS SUJEITOS DO PROCESSO E DO ESCRIVÃO SUMÁRIO: § 230.º Atos processuais das partes – 1.109. Espécies de atos das partes – 1.109.1. Atos postulatórios das partes – 1.109.2. Atos dispositivos das partes – 1.109.3. Atos probatórios das partes – 1.110. Forma dos atos postulatórios das partes – 1.111. Formação ocasional dos autos suplementares – 1.111.1. Subsistência dos autos suplementares – 1.111.2. Finalidades dos autos suplementares – 1.111.3. Formação dos autos suplementares – 1.111.4. Vista dos autos suplementares – 1.112. Recibo das peças escritas – 1.112.1. Finalidade do recibo – 1.112.2. Conteúdo do recibo – 1.112.3. Autenticação do recibo – § 231.º Atos processuais do juiz – 1.113. Espécies de atos do juiz – 1.114. Atos decisórios em primeiro grau – 1.114.1. Finalidade da definição dos atos decisórios – 1.114.2. Definição legal de sentença – 1.114.3. Definição legal de decisão – 1.114.4. Definição legal de despacho – 1.114.5. Diferença entre despachos e atos ordinatórios – 1.114.6. Desvirtuamentos da tipologia dos atos decisórios – 1.115. Atos decisórios no segundo grau – 1.115.1. Definição legal de acórdão – 1.115.2. Decisões do relator – 1.116. Forma dos atos decisórios – 1.116.1. Elementos da sentença – 1.116.2. Elementos da decisão – 1.116.3. Elementos do acórdão – 1.116.4. Capítulos da sentença – 1.117. Autenticação dos atos decisórios do juiz – 1.117.1. Redação dos atos decisórios – 1.117.2. Datação dos atos decisórios – 1.117.3. Assinatura dos atos decisórios – 1.118. Documentação dos atos decisórios do juiz – 1.119. Publicação dos atos decisórios – 1.120. Atos materiais do juiz – § 232.º Estrutura da sentença – 1.121. Relatório da sentença – 1.122. Motivação da sentença – 1.122.1. Natureza da motivação – 1.122.2. Conteúdo da motivação – 1.122.3. Requisitos da motivação – 1.122.3.1. Motivação per relationem – 1.122.3.2. Motivação implícita – 1.122.3.3. Motivação suficiente – 1.122.4. Espécies de motivação – 1.122.5. Finalidades da motivação – 1.122.6. Consequências da motivação inexistente ou insuficiente – 1.222.7. Interpretação da motivação – 1.123. Dispositivo da sentença – 1.123.1 Objeto do dispositivo da sentença – 1.123.2 Tipicidade do dispositivo da sentença – 1.123.3. Conteúdo do dispositivo da sentença – 1.123.4. Eficácia do dispositivo da sentença – 1.123.5. Localização do dispositivo da sentença – § 233.º Estrutura do acórdão – 1.124. Ementa do acórdão – 1.125. Relatório do acórdão – 1.126. Motivação do acórdão – 1.127. Dispositivo do acórdão – 1.128. Organização dos elementos do acórdão – § 234.º Atos do escrivão – 1.129. Espécies de atos do escrivão – 1.130. Formação dos autos – 1.131. Organização dos autos – 1.132. Elaboração de termos – 1.132.1. Espécies de termo – 1.132.2. Forma concisa e extensa do termo – 1.132.3. Limpeza e totalidade do termo – 1.132.4. Assinatura do termo – 1.133. Técnicas de documentação dos atos do escrivão. § 230.º Atos processuais das partes

1.109. Espécies de atos das partes Os atos processuais originados das partes receberam definição em item próprio (retro, 1.088). O art. 200 menciona a principal classe desses atos: as declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, que irradiam efeitos imediatamente. Essas declarações constituem atos jurídicos ou negócios jurídicos processuais (retro, 1.087). A designação da Seção III – Dos Atos das Partes – do Capítulo I – Da Forma dos Atos Processuais – do Título I do Livro III – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC revela-se, à primeira vista, enganosa. Não se encontrará nela a disciplina homogênea dos atos que incumbem à parte no processo civil. Além do art. 200, as demais disposições só interessam ao assunto indiretamente: o direito de recibo e o dever de não macular o processo através de cotas (retro, 609.7). Falta, no mínimo, a especificação dos atos materiais (ou reais) das partes (v.g., o comparecimento à audiência de instrução e julgamento). Os atos das partes podem ser (a) escritos (v.g., a petição inicial e a contestação) ou (b) orais (v.g., o depoimento pessoal; as alegações finais na audiência). O processo civil brasileiro é predominantemente escrito. Os atos orais acabam documentados – por exemplo, o resumo das alegações finais constará no termo de audiência. Por outro esquema, os atos das partes podem ser (a) lícitos ou (b) ilícitos. Os deveres das partes e as consequências da conduta desconforme ao direito receberam exame demorado (retro, 617). Os atos lícitos são (a) simples, em que há uma só conduta (v.g., a petição inicial); (b) complexos, em que se conjugam as condutas, coincidentes ou não (v.g., a audiência de instrução e julgamento). Excepcionalmente, o ato judicial é composto (v.g., na suscitação do incidente de inconstitucionalidade, no qual participam dois órgãos distintos, a câmara ou turma e o órgão especial do tribunal). Essa espécie de ato inexiste na conduta das partes. Tomando-se como critério o conteúdo das declarações de vontade,1 distinguem-se, consoante o art. 200, caput, três espécies de atos afetos às partes: (a) atos postulatórios; (b) atos dispositivos; (c) atos probatórios. 1.109.1. Atos postulatórios das partes – Por intermédio do ato postulatório, ou provocatório, a parte pleiteia do órgão judiciário um pronunciamento a respeito da causa ou do processo. No primeiro caso, há pedido; no segundo, requerimento. Exemplos: (a) na petição inicial o autor pede ao juiz, especificamente, a obtenção de um bem da vida perante o réu (art. 319, IV), e requer a não realização da audiência do art. 334 (art. 319, VII); (b) a parte vencida pede ao órgão ad quem a reforma, a invalidação ou a integração do pronunciamento desfavorável, requerendo o recebimento e o processamento do recurso. A classe dos requerimentos recebe menção em vários dispositivos (v.g., até o Livro IV da Parte Geral: artigos 12, § 4.º; 78, § 2.º; 81, caput; 82, § 1.º; 91, caput; 92; 98, § 8.º; 99, §§ 6.º e 7.º; 113, § 2.º; 134, § 4.º; 138; 143, II; 143, parágrafo único; 186, § 2.º). Nem sempre a terminologia revela-se unívoca.

Por exemplo, o benefício da gratuidade ora é objeto de pedido (art. 99, caput), ora de requerimento (art. 99, § 6.º). O “requerimento” do art. 513, § 1.º, equivale a pedido, porque introduz no processo, respectivamente, a pretensão a executar, tornando seu objeto supervenientemente complexo. As reformas parciais, realizada sem projeto definido e por injunções variáveis, cobraram seu tributo nessa terminologia em particular, infelizmente encampada no NCPC. E retorna à luz o tema indigesto da natureza jurídica da contestação. É um ato postulatório, através do qual o réu reage à pretensão do autor, mas nele inexiste um pedido substancial: o réu não pede, mas impede o acolhimento da pretensão formulada pelo autor na petição inicial, exercendo o direito constitucional de defesa. Por esse motivo, com ou sem a apresentação da defesa, o juiz poderá rejeitar o pedido do autor. Neste sentido, a única postulação contida na defesa do réu, na configuração mais simples, ou de conteúdo mínimo (retro, 330), consiste em se opor à pretensão. O réu formula pedido através da reconvenção, caso em que manifesta (rectius: deduz) pretensão própria (art. 343, caput), transformando-se em autor (reconvinte) e tornando réu (reconvindo) o autor. 1.109.2. Atos dispositivos das partes – Os atos dispositivos são declarações unilaterais ou bilaterais de vontade (negócios jurídicos) através dos quais as partes influem na causa ou no processo. Por exemplo, a transação, a renúncia, o reconhecimento do pedido e a desistência são atos dispositivos de conclusão, pois encerram o processo, com ou sem resolução do mérito. A suspensão do processo por convenção das partes (art. 313, II) são atos dispositivos atinentes ao desenvolvimento do processo.2 1.109.3. Atos probatórios das partes – Não basta às partes alegar os fatos que lhe concernem e aproveitam. É preciso prová-los. Os atos tendentes a fornecer provas ao órgão judiciário, influindo no seu convencimento, ou atos probatórios, dividem-se em etapas ou momentos distintos (retro, 1.085). Apresentadas as espécies de atos, razões de método indicam a conveniência de tratá-los em outros lugares. Os atos de disposição conclusivos, por exemplo, merecerão análise no capítulo dedicado à extinção do processo. O direito vigente não contempla a formação de autos suplementares, exceto ocasionalmente (art. 356, § 4.º), convindo enfrentar esse tópico. A Seção III complementa-se com o direito da parte ao recibo (art. 201). A proibição de lançar cotas nos autos, aí inserida (art. 202), recebeu exame suficiente no parágrafo dedicado aos deveres das partes em juízo (retro, 609.7). 1.110. Forma dos atos postulatórios das partes Os atos postulatórios são os principais atos praticados pelas partes no processo. Chama-se de (a) petição inicial à provocação primária, a cargo do autor, e responsável pela formação do processo, e, seguindo a dialética intrínseca ao modelo processual; e de (b) contestação à declaração oposta do réu, reunindo conjunto dos meios de defesa, incluindo a defesa ativa ou reconvenção. A interposição de recursos, outro ato postulatório de sumo relevo, realiza-se por “petição” (v.g., art. 1.010, caput). O direito português

designa de articulados às peças em que as partes principais expõem ao órgão judiciário as suas razões de fato e de direito.3 A terminologia advém da forma tradicional do ato – dedução por artigos –, entre nós ignorada. A última menção inequívoca à dedução dos artigos respeitava aos embargos infringentes, na versão originária do art. 530 do CPC de 1973, de resto pouco respeitada e, ainda assim, estilo sofrivelmente cumprido. Aos “fatos articulados” alude o art. 383 – herança do art. 226 do CPC português de 1876 –,4 no contexto da confissão, competindo ao depoente responder a seu respeito, mas a petição inicial e a contestação não articulam os fatos. O direito mexicano chama a tais peças de escrito, ocurso ou promoción.5 Os atos postulatórios das partes têm forma livre. Entretanto, a lei estabelece elementos estruturantes para a petição inicial, ou requisitos gerais, no art. 319, e para os recursos. A organização desses elementos na peça empresta-lhe determinada forma. Tal assunto receberá exame em item posterior (infra, 1.494). Importa sublinhar, entretanto, a circunstância de o costume impor forma aos atos processuais das partes. Em geral, a petição divide-se em três partes: (a) preâmbulo; (b) narração; (c) conclusão. O preâmbulo compreende o endereçamento da petição ao juízo competente, a identificação do processo e o número do seu registro e a qualificação das partes, situando o postulante como autor, réu ou interveniente. A identificação do expediente chama-se, no direito mexicano, de rubro e localiza-se na margem superior direita.6 A narração expõe as razões de fato e as razões de direito pertinentes à natureza do ato. E, por fim, a conclusão encerra a petição com a formulação do pedido ou do requerimento próprios da espécie. As petições necessitam ser datadas (não há necessidade de escrever as datas por extenso) e assinadas (de próprio punho ou eletronicamente) pelo representante técnico da parte. Para essa finalidade, o postulante traça linha própria no fecho da petição, no fecho da petição inicial, reserve-se linha própria para essa finalidade, abaixo da qual o redator grafa o nome do advogado por extenso, acompanhado do número de inscrição no quadro próprio da OAB. Nada obsta que a assinatura seja lançada sem essa identificação formal. É preciso, entretanto, que seja possível identificar a assinatura lançada no papel com um dos advogados constituídos. A assinatura ilegível, ou simples garatuja e rabiscos, não tem o efeito de autenticar a peça. Não há limite à extensão, a priori, dos atos postulatórios. O processo predominantemente escrito é infenso a tal espécie de controle. Ele só eficiente no processo oral (v.g., art. 454, caput). 1.111. Formação ocasional de autos suplementares O direito anterior contemplava o ônus de as partes oferecerem cópia bastante de todas as peças escritas e documentos produzidos em juízo. O escrivão formava com essas cópias, salvo no Distrito Federal e nas capitais dos Estados-membros, os chamados autos suplementares (art. 159, § 1.º, do CPC de 1973). Essas cópias não se confundem com os duplicados da petição inicial, destinados a acompanhar a carta de citação (art. 248, caput) e o mandado de citação (art. 250, V).

Os autos suplementares caíram em desuso: as partes omitiam as cópias, o escrivão não as exigia, ao receber a petição inicial, nem sequer abalava-se a formá-los, senão quando já era tarde, ou seja, quando extraviados ou destruídos os autos originais. Não se imagine, porém, superada ou obsoleta a duplicação no ambiente eletrônico. Ao invés, mais do que antes o backup é imperioso e inevitável – os autos eletrônicos também se mostram sensíveis ao perecimento instantâneo, talvez irreversível. A Seção III do Capítulo I – Da Forma dos Atos Processuais – do Título I do Livro IV da Parte Geral omitiu qualquer referência aos autos suplementares. Pois bem: a primeira questão respeita à subsistência, ou não, da cópia dos autos originais no NCPC. 1.111.1. Subsistência dos autos suplementares – Em apenas duas oportunidades o NCPC alude aos autos suplementares: (a) no caso de processamento da liquidação e da execução da resolução parcial do mérito, a requerimento da parte e a critério do juiz (art. 356, § 4.º); (b) no caso de desaparecimento dos autos originais, hipótese em que “havendo autos suplementares, nesses prosseguirá o processo” (art. 712, parágrafo único). O art. 712, parágrafo único, comporta duas interpretações. Talvez se refira aos autos suplementares formados por força do direito anterior, em virtude do zelo extraordinário do escrivão ou chefe de secretaria, e felizmente existentes para eliminar a necessidade de restauração. Ou pode exigir, obliquamente, a formação desses autos no direito vigente. O processo eletrônico, ao invés de sepultar a reprodução, ipsis litteris, dos autos originais, institucionalizará os autos suplementares sob a forma de backupcompleto. Porém, a contribuição das partes é irrelevante para efeito, incumbindo ao administrador do sistema duplicar os arquivos digitais em sítio seguro, presumivelmente distinto e inviolável. Aparentemente, a formação obrigatória de autos suplementares afigura-se desnecessária. Eles se formam ocasionalmente, para fins diversos, também designados de autos apartados (v.g., art. 828, § 5.º). 1.111.2. Finalidades dos autos suplementares – Os autos suplementares têm dupla função: (a) evitam a restauração, no caso de perda ou extravio dos autos originais (art. 712, parágrafo único); (b) prestam-se ao exercício de pretensões supervenientemente cumuladas, como a liquidação do capítulo líquido do pronunciamento judicial (art. 509, § 1.º), chamados, aí, de “autos apartados”, e a liquidação e execução da resolução parcial do mérito (art. 356, § 4.º). Os autos suplementares, no processo escrito, não desempenham a contento nenhuma dessas funções. No que tange à perda ou extravio, os autos suplementares são úteis só no caso desses fatos ocorrem na hipótese de retirada dos autos originais do cartório (v.g., o furto do automóvel do advogado ou do juiz, no qual o primeiro depositara os autos em carga, o segundo levava os autos para melhor exame na sua residência). Fora daí, porque armazenados no mesmo lugar, obrigatoriamente, pois permanecem em cartório, os eventos imprevistos (v.g., incêndio na sede do juízo) acarretam, potencialmente, a perda de ambos. Em 1951, incêndio criminoso

destruiu todos os autos, originais ou não, do foro de Porto Alegre e do TJ/RS. O infausto acontecimento constituiu verdadeira catástrofe para partes e advogados. 1.111.3. Formação dos autos suplementares – Compete ao escrivão organizar os autos suplementares, quando necessário, e na forma prescrita para os autos originais (infra, 1.130). Além das cópias fornecidas pelas partes, providenciará cópias dos termos elaborados por encargo de ofício, por sua conta, carreando também a reprodução dos atos decisórios registrados no livro próprio (art. 367, § 1.º). Documentos públicos podem ser requisitados ao registrador, ao tabelião ou à repartição competente. O escrivão autenticará todas as cópias (art. 423). Essa dupla e trabalhosa movimentação explica o desestímulo do servidor. A necessidade ocasional de formar autos suplementares ocorre em qualquer processo. O art. 14 do CPC de 1939 aludia a “processos contenciosos”, e, portanto, dispensava tal formação nos procedimentos de jurisdição voluntária. Omisso o art. 159 do CPC de 1973, pretendeu-se conferir-lhe maior amplitude maior,7 objetando-se a essa interpretação o uso da palavra processo, e, não procedimento, como são designados os de jurisdição voluntária.8 O argumento é insatisfatório, porque há processo na chamada jurisdição voluntária, parecendo decisiva a ausência da limitação outrora existente.9 Pode acontecer de a parte requerer duas providências homogêneas simultaneamente, dentre as mencionadas no art. 725, ou não, e uma delas (v.g., tutela provisória na interdição), reclamar liquidação e execução em autos separados. 1.112. Recibo das peças escritas O art. 201 assegura às partes o direito subjetivo de obter do escrivão ou chefe de secretaria recibo “de petições, arrazoados, papéis e documentos que entregarem em cartório”. Em contrapartida, tem o escrivão, em geral, e o chefe do protocolo do órgão judiciário, em particular, o dever de passar recibo. 1.112.1. Finalidade do recibo – O recibo cogitado no art. 201 atestará (a) a prática e (b) a tempestividade do ato processual. Daí a importância do protocolo único, em que chancela mecânica indica o ano, o mês, o dia e a hora da prática do ato – o último dado relevante, haja vista a diferença do horário dos atos processuais e o horário do expediente forense (infra, 1.135.1). Nem sempre a impressão é legível. Não há de se responsabilizar a parte por esse defeito. No que tange à tempestividade dos recursos, o art. 1.003, § 3.º, erigiu dois temos de alternativa: ou (a) o protocolo do cartório – logo, o escrivão ou chefe se secretaria não pode recusar o recebimento da petição; ou (b) o protocolo geral, previsto na lei de organização judiciária. Por um lado, o sistema do protocolo único beneficiou as partes. Não necessitam aguardar atendimento, por vezes demorado e negligente, senão abertamente hostil, no cartório da vara em que tramita o processo. O protocolo descentralizado, distribuído em diferentes lugares idôneos ao recebimento das peças escritas, inclusive nos moldes de drivethru,10 aumentou exponencialmente a eficiência do regime. Por outro lado, o protocolo limitou o conteúdo do recibo.

A chancela mecânica do protocolo único não satisfaz, plenamente, o direito criado na regra. Ele não especifica a quantidade de páginas, nem o rol de documentos. No caso de interposição de agravo de instrumento, simplesmente atribui-se ao agravante a responsabilidade pela inteireza dos traslados, em contrapartida à regra especial do art. 1.017, § 2.º, segundo o qual a petição pode ser entregue (a) no protocolo do tribunal (inciso I); (b) no protocolo da comarca, seção ou subseção judiciária (inciso II); (c) postagem nos correios, sob o registro, com aviso de recebimento (inciso III); (d) transmitido por fax, nos termos da lei (inciso IV), caso em que as peças acompanharão o original (art. 1.017, § 4.º); e (e) outra prova prevista em lei, a exemplo do protocolo descentralizado (inciso V). Entregues todas as peças no protocolo do tribunal, organizadas e numeradas, acontece de se perderem algumas na formação dos autos próprios, principalmente porque as partes se obrigam a reproduzir todos os autos originais, em dúvida quanto às peças facultativas que o relator estimará indispensáveis à compreensão da controvérsia. A parte suportava as consequências do juízo de inadmissibilidade, extraviando-se peças, situação remediada pelo art. 1.017, § 3.º, c/c art. 932, parágrafo único, do NCPC, cuja aplicação suscitará controvérsias e resistência. A rigor, o disposto no art. 201 só ficará plenamente satisfeito se a certidão do protocolo indicasse o número de páginas do agravo, resolvendo o problema de antemão e tranquilizando o recorrente. À semelhante de outras estruturas burocráticas, a judiciária serve a si, e, não, aos usuários do serviço público. 1.112.2. Conteúdo do recibo – O recibo cogitado no art. 201, em virtude da indicação do seu objeto virtual – petições, arrazoados, papéis e documentos – tem conteúdo específico. À simples entrega de petição, provando a prática e a momento do ato, basta o recibo simples, com data e assinatura, lançado pelo escrivão (ou servidor) em cópia apresentada pelo procurador da parte para essa finalidade. No entanto, almejando a parte comprovar a entrega de certo documento, cuja exibição lhe fora ordenada, ou um conjunto de documentos (v.g., os originais de títulos de crédito), o escrivão elaborará recibo único, especificando os documentos, um por um, ou passará recibo individual na cópia de cada documento. A remessa da peça por via de fax, curiosamente, resolve o problema, pois o aparelho transmissor passa recibo de todas as páginas. 1.112.3. Autenticação do recibo – O protocolo mecânico autentica, automaticamente, as peças escritas. Fica subentendida a assinatura do responsável. Existem casos em que a parte entrega diretamente a petição em cartório. Em tal hipótese, incumbe ao escrivão ou chefe de secretaria passar o recibo. O art. 201 não indica a pessoa habilitada a praticar o ato, ao contrário do que sucedia no art. 124 do CPC de 1939, repetindo omissão devida ao art. 160 do CPC de 1973. Legitima-se, pois, qualquer servidor,11 substituto eventual do escrivão, a despeito de se tratar de certidão, prevista como atribuição do escrivão ou chefe de secretaria (art. 152, V). Em tal hipótese, subscrevendo recibo o substituto eventual e evitando que pessoa desconhecida passe recibo, fonte amargos contratempos, impõe-se cabal identificação do servidor – todos recebem, antes de iniciar suas atividades,

incluindo os estagiários, número funcional. Então, emprestar-se-á eficácia ao recibo. Decidiu o STJ que o “carimbo, mesmo com data e rubrica, sem a possibilidade de identificação da autoria da assinatura, nem prova de que se tenha originado do protocolo, não caracteriza recibo capaz de invalidar certidão e outros elementos existentes nos autos dando conta da data da interposição do recurso”.12 § 231.º Atos processuais do juiz 1.113. Espécies de atos do juiz Cumpre ao juiz dirigir formal materialmente o processo (art. 139), julgar a causa, formulando a regra jurídica concreta, e, desse modo, prescrever a conduta futura das partes; realizar na prática tal provimento, a fim de entregar ao vitorioso bem da vida almejado, caso haja necessidade e inexista cumprimento espontâneo do vencido; e assegurar a integridade do bem da vida, passível de desaparecimento no entretempo, acautelando ou satisfazendo, antecipadamente, o direito da parte. O desempenho a contento de atividade tão vasta e heterogênea reclama o exercício de inúmeros poderes – acompanhados, no ângulo oposto, de correlatos deveres –, e, por óbvio, a prática de atos processuais. A Seção IV do Capítulo I – Da Forma dos Atos Processuais – do Título I do Livro IV da Parte Geral do NCPC tem por objeto uma classe desses atos: os pronunciamentos do juiz. Em vão o intérprete buscará, nos arts. 203 a 205, que compõem a rubrica, a disciplina de todos os atos judiciais. Era consenso que a seção correspondente do direito anterior ignorava, apesar do título de “atos do juiz”, e ressalva feita à documentação e à autenticação, os atos materiais.13 Por exemplo, a inspeção judicial compreende atividade alheia a essas regras; da mesma forma: os atos praticados em audiência, ouvindo partes, testemunhas e peritos – tecnicamente, ato de inspeção, na modalidade de interrogação; o exame do interditando; a presidência da arrematação; e assim por diante. A única explicação plausível reside na notória dificuldade de ordenação dos atos materiais.14 No mínimo, há que se distinguir duas classes de atos: (a) os atos decisórios; (b) os atos materiais.15 A seção modificou a designação, preferindo “Dos Pronunciamentos do Juiz”, mas a lacuna se manteve no CPC A superlativa importância dos atos decisórios, igualmente chamados, indistintamente, de pronunciamentos, de resoluções ou de provimentos, justifica o destaque obtido. E os atos materiais comportam organização nos tópicos principais. 1.114. Atos decisórios em primeiro grau Os arts. 203 e 204 definem os atos decisórios do órgão judiciário. Eles se dividem em quatro classes: (a) sentença; (b) decisão interlocutória; (c) despacho; e (d) acórdão. Estruturalmente, há uma diferença marcante entre os três primeiros e o último: sentença, decisão e despachos representam atos singulares, inclusive no caso da decisão proferida no tribunal pelo relator; o acórdão é ato colegiado (art. 204).

Os atos decisórios do primeiro grau (sentença, decisão e despacho) são chamados de “pronunciamentos” (art. 203, caput). Essa expressiva palavra pode ser substituída, ao nosso ver indiferentemente, por resolução ou provimento. Não há comprometimento à precisão da categoria. É passível de controvérsia a elaboração de definições legais em área tão sensível. As opiniões dividiram-se a respeito de tipologia similar no direito anterior. De um lado, alertou-se para os riscos de exceções e de incongruências,16 e, de outro, elogiou-se a enunciação dos atos decisórios, porque evitou incertezas,17 ecoando alvitre judicioso a esse respeito.18 Um juízo mais consistente se obtém na avaliação dos fins dessas regras. 1.114.1. Finalidade da definição dos atos decisórios – O objetivo da definição dos atos decisórios, subespécie dos atos judiciais, consistiu em tornar seguro o emprego dos meios de impugnação contra as resoluções do juízo de primeiro grau. São recorríveis, no direito brasileiro, unicamente os atos decisórios. Neste particular, distingue-se a disciplina de outros sistemas jurídicos, como o germânico, em que se admite impugnação dos atos dos auxiliares do juiz.19 Os atos das partes, do Ministério Público e dos auxiliares do juízo não exibem conteúdo decisório, subordinando-se a controle do juiz,20 do qual, conforme o respectivo alcance, então caberá recurso. Em síntese larga, da sentença caberá apelação; das decisões, agravo; e dos despachos, em princípio não cabe recurso, embora os embargos de declaração, sob certas condições, mostrem-se admissíveis. Essa correlação entre os atos decisórios recebe o prestimoso auxílio da indicação do conteúdo formal da sentença nos arts. 485 e 487. O arranjo, no direito anterior, era modo hábil de debelar a amarga área de indefinição quanto à impugnação das sentenças no CPC de 1939.21 Então, havia dois recursos – apelação e agravo de petição –, com nomes diferentes e variações mínimas, cabíveis para impugnar as sentenças, conforme o conteúdo do provimento: havendo exame do mérito (sentença definitiva), admissível a apelação; inexistindo tal conteúdo (sentença terminativa), agravo de petição. A jurisprudência, vigente do CPC de 1939, jamais logrou definir em termos definitivos e categóricos uma espécie da outra. O esquema traçado no CPC de 1973, em linhas gerais, alcançou seu objetivo precípuo. As vacilações terminológicas – por exemplo, do ato que julgava o incidente de falsidade, que o art. 395 do CPC de 1939 chamava de “sentença”, na verdade rendia agravo –, infelizmente verificadas, logo foram recenseadas e a solução apontada. E houve um proveito suplementar, acolhido no direito vigente. A forma ou o nome porventura atribuídos ao ato pelo órgão judiciário não afetam a admissibilidade do recurso.22 Interessa, para o respectivo cabimento, a precisa adequação do provimento à tipologia legal. O cabimento depende do caráter objetivo do ato ou da previsão do recurso cabível (v.g., quanto à resolução parcial do mérito, no direito vigente, o art. 356, § 5.º). Em que pese imprópria a designação ou, em menor grau, a forma errônea emprestada pelo órgão judiciário ao seu próprio ato, hipóteses em que se abre espaço à aplicação do princípio do recurso indiferente,23 a recorribilidade funda-se na natureza do

provimento. Assim, abdicando o órgão judiciário de empregar a austera organização do provimento em três partes, conforme determina o art. 489, em princípio aplicável às sentenças (art. 203, § 1.º) e aos acórdãos (art. 204), pois as decisões (art. 203, § 2.º) não raro prescindem dos requintes de motivação exigidos no art. 489, § 1.º, apesar de eliminada a possibilidade de concisão nos termos desse parágrafo, considerar-se-á o ato sentença, embora viciado, desde que adequado aos números dos arts. 485 e 487. Por conseguinte, comportará o recurso admissível para as sentenças (art. 1.009), inclusive para o fim de se obter a invalidação do ato por inobservância do art. 489, e, ato contínuo, o saneamento da invalidade (art. 1.013, § 3.º IV). 1.114.2. Definição legal de sentença – Formada a relação processual, através da demanda do autor, a pretensão passa pelo crivo inicial do órgão judiciário, ao qual se abrem três termos de alternativa: (a) o deferimento da inicial, ordenando a citação do réu e designando audiência de conciliação e de mediação (art. 334); (b) o indeferimento da inicial, com ou sem a abertura de prazo para correções (art. 321, caput), nos casos do art. 330; e (c) a improcedência liminar do pedido (art. 332). Prosseguindo o processo, na primeira hipótese, dependendo do conteúdo da defesa do réu, ou da sua falta (revelia com efeito material), o juiz pode abreviar o procedimento, apreciando, ou não, o mérito no todo (art. 355) ou em parte (art. 356). E, por fim, excluídas as hipóteses anteriores, mostrando-se necessária a instrução da causa, considerando a existência de fatos controvertidos e a necessidade de prova diversa da documental, ou a inexistência do efeito substancial da revelia (art. 345 c/c art. 348), o término da instrução marcará o momento propício para o julgamento. Pois bem: “sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. É diferente a redação do art. 316, inserido no Título III – Da Extinção do Processo – do Livro VI – Da Formação, Da Suspensão e Da Extinção do Processo – da Parte Geral do NCPC, que reza: “A extinção do processo dar-se-á por sentença”. Lícito indagar, portanto, o que exatamente a sentença extingue, porque há duas possibilidades: ou o procedimento (ao menos, uma de suas fases) ou o processo. A sentença extinguirá o processo, sem dúvida, na execução fundada em título extrajudicial (art. 925), mas, aí, o conteúdo do ato até pode coincidir com o art. 485, mas só haverá coincidência parcial com o art. 487. Enfim, o legislador não acertou o centro do alvo, mais uma vez, pois não é fácil utilizar dois critérios diferentes, o conteúdo e o efeito, na mesma proposição. Era completamente diferente a redação originária do art. 162, § 1.º, do CPC de 1973, segundo o qual a sentença é o “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”, em outras palavras é o “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. O dispositivo encampava controverso critério topológico. A sentença sempre extinguiria o processo, não importando o respectivo conteúdo. Porém, a regra incorria em crassa petição de princípio: indagando-se qual ato extinguiria o processo, o parágrafo responderia, peremptoriamente: a sentença; porém, indagando o que constituiria a “sentença”, recolher-se-ia a dúbia resposta calcada no efeito do ato: a extinção do processo.24 Ademais, a

disposição extintiva da sentença restringia-a ao primeiro grau, condicionada à falta de aviamento do recurso adequado. Realmente, interposto o recurso próprio, o pronunciamento do tribunal absorveria as virtudes extintivas do provimento impugnado, extinguindo o processo na falta de outro recurso, mas esse provimento recebe o nome característico de acórdão no direito brasileiro. E, de resto, entrevia-se conceito discrepante nas hipóteses de declaração incidente, exibição de documento ou coisa e do incidente de falsidade.25 Essas flagrantes impropriedades não tocavam o ponto. O argumento decisivo contra a proposição revogada decorria da circunstância que não é o ato decisório em si que extingue o processo, chame-se ele sentença ou acórdão, mas o esgotamento das vias recursais e o advento da coisa julgada formal.26 E, ainda, nas hipóteses em que, esgotadas ou não as vias de impugnação, a prática dos atos executivos seguia-se imediatamente à prolação da sentença (v.g., na ação de despejo), a proposição legal já não se ajustava à realidade. Esse último aspecto obrigou o legislador, no âmbito das reformas legislativas parciais desfiguradoras do sistema do CPC de 1973, a modificar o critério legal. A execução dos pronunciamentos do órgão judicial ou do tribunal arbitral, à frente dos quais situava-se os provenientes do processo civil, passaram a executar-se, sob o título de “cumprimento” da sentença, in simultaneo processu, retornando-se ao regime do CPC de 1939. Formulou-se, então, a seguinte definição: “Sentença é o ato do juiz que alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Essa redação do art. 162, § 1.º, do CPC de 1973, não era “tecnicamente correta, nem clara, nem – menos que tudo – elegante”.27 À primeira vista, a correção não se livrou de uma relevante impropriedade. A modificação se baseou na necessidade de acentuar que o processo, decidido o mérito, continuaria para cumprir a resolução. Daí por que alterou, coerentemente, o art. 269, caput, do CPC de 1973, também eliminou referência à extinção do processo. A relação processual prosseguiria, se necessário, por força da prática dos atos tendentes à realização concreta do comando judicial. Todavia, subsistiu a redação do art. 267, caput, do CPC de 1973, presumindo-se a extinção do processo, uma vez emitida sentença terminativa e não interposto o recurso próprio, sem embargo da faculdade de o autor renová-lo. Ora, em tais sentenças há condenação – ou, como hoje pretende o art. 515, I, do NCPC, o reconhecimento da exigibilidade de obrigação a cargo do vencido – nas custas e nos honorários, implicando o prolongamento da relação processual para realizar semelhante crédito do vitorioso. O dispositivo reformado da lei anterior agasalhava grosseiras impropriedades e não se harmonizava com sistema geral da lei.28 O verbo “implicar” recebeu uso altamente impróprio na regra. Nenhum dos seus sentidos correntes tem pertinência no caso. Não se pode dizer, por exemplo, que a sentença acarretava – uma das mais convidativas acepções do verbo “implicar” – a extinção do processo, senão que o extinguia ela própria. A surpreendente menção às “situações” (rectius: causas) relativas à sentença definitiva e à sentença terminativa soava mais desorientadora. Não se filiava regra à teoria da situação jurídica (retro, 84) e, muito menos, a outras noções,

como a do modo de ser do sujeito perante o conflito.29 Queria a regra aludir, simplesmente, às hipóteses previstas nos dispositivos aos quais realizava remissão explícita. Seja como for, outro aspecto parecia decisivo. Cumpre rememorar o fato de decisões interlocutórias, ou seja resoluções tomadas pelo juiz no curso do processo, amiúde exibirem conteúdo próprio da sentença definitiva ou da sentença terminativa, principalmente no que tange à emissão de juízo negativo de admissibilidade ou de mérito. Por intermédio de decisão, e não de sentença, o juiz rejeita a alegação de ilegitimidade de parte, saneando o processo, e (impropriamente) rejeita a questão prévia da prescrição, antes de se encontrar habilitado a julgar o restante do mérito. Eis o motivo por que, na interpretação da regra anterior considerava-se três vetores: (a) os conceitos ministrados quanto à tipologia atos decisórios (ou pronunciamentos), eram relacionais e exigiam interpretação harmônica; (b) o parágrafo se inseria num conjunto de regras harmônicas, ou código de processo, e reclamavam interpretação sistemática; (c) e, por fim, no que tange às deliberações sobre o processo, manteve-se o critério topológico primitivo.30 Chegado a esse estágio, rememorando os precedentes legislativos do art. 203, § 1.º, ministraram-se dos dados necessários ao seu cabal entendimento. A definição de sentença presta respeitosa reverência à consagrada lição, haurida do direito italiano, segundo a qual “nenhuma condição extrínseca caracteriza a sentença”.31 Trata-se, pois, de concepção substancial. Define a sentença o conteúdo virtual do ato consoante a previsão dos arts. 485 e 487.32 Ao deixar para trás o critério topológico da versão originária do CPC de 1973, despreza sua mais apreciável virtude: a regra anterior esclarecia sem dificuldades superlativas o cabimento dos recursos no primeiro grau de jurisdição.33 Ao combinar conteúdo e efeito no art. 203, § 1.º, o legislador teve consciência de que, em alguns casos, ao ato faltará o efeito, em que pese o conteúdo. Eis o motivo por que definiu decisão interlocutória por exclusão (art. 203, § 2.º). Assim, no direito anterior, impreciso acrescentar o elemento teleológico – a aptidão a pôr fim à fase processual.34 A mudança redacional do direito anterior era inócua, pois a apelação sempre se mostrou cabível contra sentenças definitivas ou contra sentenças terminativas, sem que se “discutisse o cabimento de outro recurso – o agravo – das decisões parciais”.35 Resolveu-se esse problema de outra maneira no NCPC. Das resoluções parciais de mérito caberá agravo de instrumento e o art. 356, § 5.º, é expresso a esse respeito. Em outras hipóteses (v.g., a rejeição da prescrição na decisão de organização e saneamento do processo, sob o abrigo do art. 357, I, por razões práticas e históricas oportunamente examinadas), também caberá agravo, a teor do art. 1.015, II. E o principal caso de juízo de admissibilidade negativo quanto à participação da parte no processo, em virtude da ilegitimidade – a exclusão do litisconsorte –, igualmente rende agravo (art. 1.015, VII). E, de fato, o cabimento da apelação não se harmonizava com a sentença parcial de mérito (v.g., o ato de rejeição da prescrição).36 Era e é impossível, na prática, e “seguramente inconveniente”, isolar a tipologia dos atos decisórios em primeiro grau da sistemática recursal.37 Nesse sentido, é

errôneo utilizar a noção de sentença apenas para saber o que ela contém ou o que ela é.38 O direito anterior já abrigava a diretriz segura,39 relativamente aos provimentos que, tocando em parte um dos conteúdos atualmente arrolados nos arts. 485 e 487, não encerravam as atividades tendentes a formular a regra jurídica concreta (v.g., a exclusão de litisconsorte; a transação parcial) ou de realizá-la na prática (v.g., o acolhimento do excesso de execução): se o ato não tem potencial para extinguir essas atividades, como exige o art. 203, § 1.º, do NCPC, caberá agravo de instrumento, se houver previsão no art. 1.015; de toda sorte, jamais apelação. O art. 203, § 1.º, do NCPC reservou a designação de sentença a certa classe de pronunciamentos emanados do juízo de primeiro grau. Embora dotado do conteúdo dos arts. 485 e 487, o pronunciamento do tribunal recebeu o epíteto de acórdão no art. 204. Nesse aspecto, o direito brasileiro discrepa de outros modelos, a exemplo do italiano, em que a palavra “sentença” aplica-se às decisões do primeiro grau e ao julgamento da apelação (art. 352, in fine, do CPC peninsular).40Explica-se tal particularidade, talvez, ante a circunstância de que o procedimento em segundo grau não reproduz, à diferença de outras legislações, o itinerário da causa em primeiro grau, do ajuizamento até seu desfecho, e o julgamento do recurso incumbe, de regra, a um órgão colegiado.41 O direito brasileiro desprezou, ao menos parcialmente, a noção histórica de sentença, distinguindo o órgão que originou o ato.42 Ademais, provimento com este título, às vezes, não formulará a regra jurídica concreta do litígio,43 cingindo-se a impedir o exame do mérito (art. 485). É possível identificar na remissão do art. 203, § 1.º, às hipóteses dos arts. 487 (resolução do mérito) e art. 485, as duas categorias de sentenças enunciadas na vigência do CPC de 1939: (a) a sentença definitiva, em que há pronúncia sobre a pretensão ajuizada (v.g., o acolhimento ou a rejeição do pedido, a teor do art. 487, I) ou composição da lide (v.g., através de transação, a teor do art. 487, III, b); (b) sentença terminativa, mencionada no art. 846 do CPC de 1939 como as “decisões que impliquem a terminação do processo principal sem lhe resolverem o mérito” – provável fonte de inspiração da canhestra definição reformada de sentença do CPC de 1973.44 Aqui se emprega essa flexível terminologia: sentença definitiva (art. 487) e sentença terminativa (art. 485). 1.114.3. Definição legal de decisão – Desde o primeiro contato com a petição inicial até o desenlace do processo em primeiro grau, e não sendo o caso de proferir sentença, ao órgão judiciário apresentam-se inúmeras questões, que lhe incumbe examinar e resolver, de ofício ou a requerimento das partes, começando pela investigação dos requisitos daquela peça. Avulta, no procedimento comum, o exame da hoje chamada de tutela provisória de urgência, passível de pedido incidental (art. 294, parágrafo único, in fine), independentemente do pagamento de custas (art. 295). O art. 203, caput, e § 1.º apelida esses atos de decisões interlocutórias.45 A classe das “decisões” é mais ampla do que a constituída pela resolução de questões incidentes. Do contrário, tornar-se-ia supérfluo o adjetivo aposto à decisão no referido parágrafo. O gênero “decisão” abrange dois tipos de atos decisórios, proferidos pelo juiz singular de primeiro grau: a sentença

(v.g., art. 317: “Antes de proferir decisão sem resolução de mérito…”) e a interlocutória (art. 203, § 2.º).46 Não importa a natureza da questão resolvida, ou seja, o modo pelo qual se integrou no processo (por iniciativa da parte e ex officio) e se condiciona, ou não, a resolução de outras questões, mas o efeito da resolução do juiz. Do ponto de vista pragmático, de olhar fito na sistemática recursal dos provimentos de primeiro grau, “haverá decisão interlocutória apenas quando o juiz, resolvendo questão que se insere no curso do procedimento, conclua no sentido do prosseguimento do processo”.47 Do contrário, ajunta-se com clarividência, haverá sentença terminativa, fitando pronunciamentos a respeito de questões do processo (art. 357, II, c/c art. 354). Por força do critério teleológico – extinção do processo ou de fase do procedimento – o art. 203, § 2.º, definiu a decisão interlocutória por exclusão: o pronunciamento proferido “curso do processo”,48 mas sem tal aptidão, independentemente do conteúdo. Por exemplo, alegada a ilegitimidade do autor pelo réu (art. 337, XI), há dois termos de alternativa: ao acolher a questão preliminar, o juiz “extinguirá” o processo (art. 485, VI, c/c art. 354), cabendo a apelação (art. 1.009), sem embargo do ulterior prosseguimento do processo para executar, no mínimo, a condenação nas despesas processuais e nos honorários advocatícios; ao rejeitar a questão preliminar, o juiz proferirá decisão interlocutória, preparando o julgamento do mérito, em princípio sem que caiba agravo de instrumento, consoante o catálogo do art. 1.015. Porém, se a ilegitimidade ativa afeta apenas um dos participantes da demanda conjunta, a extinção parcial (art. 354, parágrafo único) renderá agravo de instrumento, nessa hipótese específica (art. 1.015, VII). Esses dados revelam que decisão interlocutória prevista no art. 203, § 2.º, não guarda da noção clássica senão o adjetivo. Inexistem maiores entraves à transformação dessa classe de provimentos.49 A regra promove benéfica simplificação do sistema recursal, como já acontecia no direito anterior.50 E há que considerar nas decisões tratadas no art. 162, § 2.º, têm conteúdo decisório relevante – permitindo distingui-las dos despachos – e dividem-se em duas espécies: (a) decisões interlocutórias simples, regulando a atividade processual; (b) decisões interlocutórias mistas, suscetíveis de causar imediato gravame à parte. Também nesse aspecto a noção de interlocutória mista é apenas uma imagem imprecisa da sua noção histórica.51 1.114.4. Definição legal de despacho – A par da resolução incidental de questões, com o fito de preparar o julgamento da causa, o órgão judiciário, atuando ex officio ou apreciando requerimentos das partes, impulsiona o processo na mesma direção, sem resolver nenhuma questão, relativa ao próprio processo (pressupostos processuais e condições da ação) ou ao mérito (negativamente, a exemplo da rejeição da questão prévia à prescrição do direito alegado pelo autor), e, para tal finalidade, profere os chamados despachos. É particularmente exata a definição do art. 203, § 3.º, quanto a essa classe de pronunciamentos do juiz: “São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento

da parte”. Em relação às decisões interlocutórias, falta-lhe conteúdo decisório expressivo. Logo, o art. 203, § 3.º define o despacho por exclusão. E, como trocou a palavra atos por “pronunciamentos” não há motivo para confundir despacho e atos materiais.52 Conforme assinalou-se no direito anterior, “o dispositivo se refere aos atos jurídicos do juiz, não aos atos materiais relevantes para o processo. Ninguém pensaria que ouvir uma testemunha ou ler um documento é despachar”.53 O art. 226, I, chama igualmente o pronunciamento de despacho, eliminando a menção a “expediente”. Essa palavra sugeriu, no direito anterior, tratar-se o “despacho” de gênero dividido em mais de uma espécie. Esta distinção era inútil para estabelecer-se a irrecorribilidade.54 Os despachos não comportam recurso, porque seu conteúdo decisório se afigura tão ralo que nenhum gravame provoca às partes. Por sua natureza são insuscetíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros; do contrário, deixariam de ser despachos.55 Exemplos de despacho: (a) a determinação de juntada de petições e de documentos, todavia atos ordinatórios, mas passíveis de despacho por juízes mais centralizadores; (b) a designação de datas para a prática de outros atos processuais (v.g., a audiência de instrução e julgamento; a inspeção judicial; a entrega de laudo pericial, a teor do art. 465, caput); (c) a abertura de vista do processo (v.g., para o procurador, a teor do art. 107, II); (d) a remessa dos autos para outro ofício judicial.56 Em relação aos despachos, repetem-se as vacilações terminológicas da lei. Por exemplo, o “despacho saneador” raramente o é, pois o juiz resolve questões, e, por essa razão, melhor chamá-lo de “decisão de saneamento”. O conteúdo particularmente denso desse pronunciamento complexo levou a lei vigente a chamá-lo de “decisão de saneamento e de organização do processo” (art. 357). 1.114.5. Diferença entre despachos e atos ordinatórios – O art. 203, § 4.º, encarrega o “servidor” – na verdade, o escrivão (ou chefe de secretaria), e, não, qualquer funcionário lotado no ofício judicial (art. 152, VI) –,57 de praticar “atos meramente ordinatórios”, que independem de despacho. Esse parágrafo releva, inicialmente, a existência de uma classe de atos processuais, designados de ordinatórios, a cargo do juiz. Em geral, a ordenação do processo realiza-se através de decisões e de despachos. Neste sentido, os despachos são atos ordinatórios. O parágrafo quarto do art. 203 exemplifica a categoria com os termos de juntada e de vista obrigatória, sem dúvida impulsos secundários, mas o segundo de suma importância, porque garante o contraditório –, passíveis de serem exarados, ex officio, independentemente de despacho. Na realidade, o art. 203, § 4.º, instituiu simples faculdade e, além disso, promoveu delegação de atividade própria do juiz a um dos seus auxiliares mais próximos, com o intuito de aliviar a carga de trabalho que afeta a maioria dos juízos. Entretanto, sempre haverá atos ordinatórios que, ante a complexidade do raciocínio exigido do agente, reclamarão a ingerência do juiz.58 E, de resto, há juízes de espírito mais centralizador e exclusivista que, sem embargo de outras tarefas mais relevantes e urgentes, assumem a

emissão desses atos de impulso. A despeito da autoridade do juiz, tais atos continuam inclusos no expediente judicial, e, portanto, insuscetíveis de recurso. Se, neste último caso, provocam prejuízo à parte, o ato concreto abandona a classe do despacho e passa à categoria mais elevada de decisão interlocutória.59 Os atos ordinatórios praticados pelo escrivão ou chefe de secretaria não comportam recurso. Esse dado inspirou a formulação da regra, supostamente hostil à burocracia; porém, o sítio adequado é a seção dedicada aos atos do escrivão, daí a previsão no art. 152, VI. Segundo o art. 203, § 4.º, in fine, os atos ordinatórios hão de ser revistos pelo juiz “quando necessário”. O poder de revisão e de fiscalização do órgão judiciário é intrínseco à sua função. O juiz atuará ex officio, alterando o ato do escrivão, bem como responderá à eventual postulação da parte. Por exemplo, juntado documento extemporaneamente, e instado o adversário a se manifestar (art. 437, § 1.º), parece natural que controverta, preliminarmente, a admissibilidade da produção extemporânea da prova documental (art. 436, I), hipótese em que o juiz determinará o desentranhamento. O exemplo indica a oportunidade da revisão. O juiz reagirá à postulação da parte ou exercerá a função corregedora ao primeiro contato com os autos. O problema é que, no exemplo, surgirá inequívoca questão, a respeito do direito de juntar o documento, e, então, já não se tratará de despacho, mas de autêntica decisão interlocutória – insuscetível, porém, de revisão imediata através de agravo de instrumento na atual sistemática do recurso, ao menos no procedimento comum. O exercício do poder de revisão, previsto na parte final do art. 203, § 4.º, desnatura o teor do despacho, transformando-o, a mais das vezes, em decisão interlocutória. 1.114.6. Desvirtuamentos da tipologia legal dos atos decisórios – Existe outro dado, recolhido da experiência, que merece menção. Nem sempre o órgão judiciário de primeiro grau segue o roteiro prescrito no CPC no tocante à formulação dos atos decisórios. A esse respeito, o espaço de manobra do tribunal, e, a fortiori, do relator, é bem menor. Inovações de maior ou de menor alcance, por obra da imaginação do magistrado e dos desafios práticos, acontecem em inúmeros processos. Em tais situações, ocorre o desvirtuamento da simetria intrínseca ao esquema traçado no art. 203. Por exemplo: a contestação de um dos litisconsortes alegou prescrição e o juiz, considerando inútil postergar a resolução dessa questão de mérito, prendendo a parte ao processo, acolhe a exceção substantiva e exclui do processo o litisconsorte. Às vezes, acontece o contrário: o réu alegou a incompetência absoluta (art. 337, II) e o órgão judiciário, em lugar de rejeitá-la imediatamente, na decisão de saneamento de organização do processo (art. 357, II), passa a instruir a causa, somente desacolhendo a questão prévia ao proferir decisão acerca do mérito (art. 487, I). E há a fusão de fases processuais, amalgamadas na audiência de instrução e julgamento – agora já dentro do modelo do estatuto –, a exemplo de o órgão judiciário, no curso da audiência, acolher a contradita da testemunha e, realizada a prova, promover o debate das partes (art. 364, caput) e, ato contínuo, proferir sentença.

O conteúdo do ato, no primeiro caso, é de sentença (art. 487, II), mas o órgão judiciário emitiu, para os fins recursais, decisão (de mérito e parcial). É de todo inconveniente, a bem do funcionamento da sistemática recursal, considerar semelhante resolução “sentença interlocutória de mérito”. O provimento ressente-se da falta do caráter final que a nova definição de sentença (art. 203, § 1.º) exige para receber impugnação através do recurso próprio (apelação) para semelhante ato. Cabe agravo de instrumento (art. 1.015, II). No segundo caso, prevalece o conteúdo do ato: a resolução acerca do mérito, ou a inadmissibilidade da ação (art. 485), absorve a simultânea resolução de questões prévias. É, pois, sentença para fins de recurso.60 E, finalmente, no terceiro caso, o órgão judiciário proferiu decisão interlocutória, no tocante à contradita, e sentença. Do art. 367, caput, segundo o qual o escrivão lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, por extenso, “os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato”, extrai-se com clareza a autonomia dos provimentos do juiz tomados na audiência. Vale recordar, nesta contingência, o princípio anteriormente explicado: a forma e o nome porventura atribuídos ao ato pelo órgão judiciário, ou as condições em que é proferido, não têm maiores consequências quanto ao cabimento do recurso. Importa a adequação do ato aos gabaritos do art. 203. 1.115. Atos decisórios no segundo grau As causas de competência originária do tribunal (v.g., a rescisória do art. 966), os incidentes (v.g., a resolução de demandas repetitivas, a teor do art. 976) e a tramitação dos recursos oriundos do órgão ad quo ensejam a emissão de atos decisórios. O art. 204 dissociou-se na terminologia empregada nos ordenamentos estrangeiros, nos quais designa-se de sentença tanto os provimentos do primeiro, como do segundo grau, e adotou o epíteto acórdão. Além disso, o sorteio de um relator para os recursos permite cogitar da emissão de decisões. Portanto, no segundo grau há duas classes de atos: (a) acórdãos; (b) decisões. 1.115.1. Definição legal de acórdão – A peça escrita representativa do julgamento colegiado nos tribunais (órgãos de grau superior ao primeiro) chama-se acórdão (art. 204). O pronunciamento colegiado dos tribunais brasileiros adquiriu tal designação em época recente. As Ordenações Filipinas empregavam a palavra sentença referindo-se à decisão colegiada dos desembargadores (Livro I, Título I, n.º 13). O Dec. 5.618, de 1874 (Regulamento às Relações do Império), pela vez primeira, aparentemente, adotou essa designação peculiar.61 A semântica explica-se com maior facilidade: “Acordar ou concordar é afinar os corações (cor, cordis) pelo mesmo diapasão. A concordia é a confluência dos corações. Os juízes acordam (ou concordam quando sentem da mesma forma, quando é igual a sententia, a sentença de cada um. Transformada em substantivo que designa o ato de concordar, a palavra se escreve hoje acórdão: mas é o mesmo verbo acordar: estão de

acordo”.62 Trata-se, pois, da consubstanciação do julgamento colegiado e oral, a portas abertas, do recurso ou da causa de competência originária do tribunal. Esse julgamento é anterior ao acórdão e nele reduzido, posteriormente, à forma escrita. No primeiro grau, ao invés, não há intervalo entre o julgamento e a redução deste à forma escrita,63 fatos que ocorrem simultaneamente. O conteúdo do acórdão subordina-se à matéria julgada no recurso ou na causa. O ato abrange, por força do efeito substitutivo dos recursos (art. 1.008), quer o conteúdo da decisão (art. 203, § 2.º), quer o conteúdo da sentença (art. 203, § 1.º), seja de mérito (sentença definitiva) ou não (sentença terminativa).64 Identicamente, retratando o julgado proferido na causa de competência originária (v.g., a rescisória), tanto abarca o conteúdo natural da decisão de primeiro grau (v.g., o julgamento do incidente de impugnação ao valor da causa oposto na rescisória), quanto da sentença de mérito ou não. O incidente de resolução das demandas repetitivas, por exemplo, pode versar questão de direito material ou de direito processual (art. 928, I, e parágrafo único). 1.115.2. Decisões do relator – As decisões não se confinam ao primeiro grau de jurisdição. O art. 204 designa de acórdãos aos atos colegiados do tribunal (retro, 1.115.1), seja qual for seu conteúdo. Entretanto, a circunstância de os recursos receberem no órgão fracionário do tribunal um relator e a competência que a lei atribuiu, em variadas situações, previstas no art. 932, III, IV e V, a esse importante órgão dentre os integrantes do tribunal, determinam o afloramento de decisões no segundo grau. Trata-se de atos que, não se originando dos órgãos fracionários do tribunal, e, portanto, desprovidos de caráter colegiado, escapam da moldura do art. 204 e só podem ser considerados como decisões – nem sempre, é verdade, “interlocutórias” no sentido próprio do termo. Por exemplo, no caso de o juiz de primeiro grau excluir litisconsorte, repelindo-o do processo, caberá agravo e a decisão monocrática do relator, desprovendo o recurso, in limine, acomoda-se ao art. 485, VI, sem que se possa chamá-la de sentença ou de acórdão. É preciso rememorar alguns dados para explicar cabalmente a existência de decisões em recursos, notando-se, superfluamente, que provimentos dessa natureza, no sentido estrito, o relator já proferia nas ações de competência originária do tribunal (v.g., na rescisória). O CPC de 1973 multiplicou a impugnação das decisões interlocutórias em primeiro grau – problema de política legislativa, mas sofrivelmente resolvido entre nós –, rompendo com o sistema do CPC de 1939, no qual só por exceção se deixava de conceder o respectivo recurso.65 A reforma errática e parcial do CPC de 1973, realizada a partir da década de noventa do Século XX, incorporou às atribuições do relator o sistema que o art. 38 da Lei 8.038/1990 adotara para os tribunais superiores – e, antes dele, o art. 90, § 2.º, da LC 35, de 14.03.1979, no âmbito do extinto TFR –,66 permitindo-lhe “negar seguimento” a quaisquer recursos – o texto originário contemplava exclusivamente o agravo, presumível remédio contra sua proliferação – ,67 manifestamente inadmissíveis ou improcedentes, e, igualmente, provê-los

quando o provimento recorrido estiver “em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. Ora, a audaciosa reforma, com o fito de minorar a carga de trabalho dos órgãos fracionários do tribunal, quebrou o caráter colegiado dos pronunciamentos do tribunal nos recursos, então dogma incontestado do direito pátrio, refundindo as funções do relator. Antes da mudança, ao relator tocava, substancialmente, “preparar o julgamento, do qual participaria, com seu voto, na ocasião própria”;68 depois da reforma, passou a decidir singularmente recursos, com maior ou menor largueza, consoante exegese restritiva ou ampliativa dos conceitos jurídicos indeterminados utilizados na regra que lhe atribuiu essa competência. Evidentemente, modificação dessa magnitude provocaria séria oposição e, sobretudo, melancólica negação.69 O fato é que, acolhida a modalidade abreviada de julgamento dos recursos no primeiro grau, a impugnação das decisões, outrora restrita aos provimentos emanados do primeiro grau, transladou-se para as decisões monocráticas do relator, cabendo agravo interno, exceto nos casos de o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido e negar ou conceder a antecipação dos efeitos da pretensão recursal. Ficava sem regime próprio, no tocante à impugnação, a vasta atividade do relator, quer na tramitação dos recursos, quer nas ações e incidentes de competência originária do tribunal (v.g., na rescisória), que também podem ser consideradas decisões. Em geral, há manifestações favoráveis à ampla impugnação dos provimentos nos dois graus de jurisdição. Segundo voz influente, mostrar-seia imprudente “tornar imunes a qualquer impugnação as restantes decisões proferidas pelo relator”.70 Em relação ao provimento antecipatório da pretensão recursal veiculada em agravo de instrumento, chegou-se a afirmar, alto e bom som, que “o relator age na qualidade de porta-voz do colegiado, ao qual não se afigura razoável subtrair, em termos definitivos, o exame da matéria, inclusive para verificar se o relator usou bem ou mal sua discrição”.71 O art. 527, parágrafo único, do CPC de 1973 sepultou a errônea orientação: do ato do relator, convertendo o agravo em retido e concedendo ou negando a antecipação da pretensão recursal, não cabia qualquer impugnação para o órgão colegiado. Aos participantes de qualquer rápida e abrupta transformação histórica sempre parecerá difícil, com a necessária clareza e lucidez, discernir as profundas e penosas consequências das mudanças dos textos legislativos, rompendo preconceitos arraigados e dogmas incontestados. No entanto, bem ou mal, os poderes do relator quebraram o caráter colegiado dos tribunais. Compreende-se então, relativamente a algumas interlocutórias proferidas pelo relator, a impossibilidade de recorrer. A diretriz legislativa do NCPC é outra quanto à impugnação das decisões interlocutórias tomadas em primeiro grau. Restringiu o agravo de instrumento às decisões arroladas no art. 1.015, ficando as demais, insuscetíveis de preclusão, submetidas a reexame, por iniciativa do vencido, na ulterior apelação, se houver, e distribuiu a competência singular do relator nos incisos

III (inadmissibilidade), desprovimento (inciso IV) e provimento (inciso V), todas passíveis de agravo interno para o órgão colegiado. 1.116. Forma dos atos decisórios Os atos judiciais têm forma rígida. Na realidade, as regras processuais controlam o poder do órgão judiciário, e, conseguintemente, o poder do Estado ao intervir nos litígios dos particulares. Do contrário, o poder do juiz se mostraria ilimitado, irrestrito e arbitrário, comprometendo a legitimidade democrática do mecanismo concebido para resolver os conflitos individuais e transindividuais. O relevo particular dos atos decisórios, de longe os mais transcendentes, recomenda a imposição de forma estrita e invariável. A essa forma, essencial à existência, à validade e, fundamentalmente, à legitimidade constitucional da decisão judicial alude o art. 489. Segundo o art. 489, caput, são elementos essenciais da sentença: (a) o relatório; (b) os fundamentos; e (c) o dispositivo. No tocante à motivação, o art. 489, § 1.º, aplica-se a qualquer decisão, “seja ela interlocutória, sentença ou acórdão”. Portanto, ocorre (relativa) simetria absoluta de formas, considerando os pronunciamentos aí arrolados.72 Não há, a rigor, necessidade de relatório na decisão interlocutória, embora seja excelente que o haja, mas não pode faltar motivação e dispositivo. Faltou menção aos despachos (art. 203, § 3.º). Explica-se a ausência dessa classe de atos decisórios em razão da inexistência de núcleo decisório. É livre a sua forma.73 Incide plenamente, nos despachos, o princípio da liberdade de formas, contemplado no art. 188. Por exemplo, tratando de designar a audiência preliminar (art. 357, § 3.º), basta o juiz empregar o objeto direto, consignando dia e hora para a solenidade. É desnecessário motivar o ato. Elementos como: (a) o cabimento desse contato direto com as partes e seus advogados, porque complexas as questões de direito e de fato debatidas; e (b) a justificativa da conveniência do dia (próximo de feriado prolongado ou, ao contrário, situado em data distante) ou do horário (muito cedo, muito tarde ou no meio de expediente da manhã ou da tarde); nada importam ao conteúdo do despacho. Encarada no seu aspecto mais geral, a forma prescrita às decisões, às sentenças e aos acórdãos satisfaz três objetivos: (a) o relatório demonstra que o órgão judiciário conhece as questões de direito e as questões de fato objeto do juízo a ser exprimido; (b) os fundamentos – melhor preceituaria a regra: a motivação –,74permitem o controle do ato decisório (infra, 1.122.5), afastando o arbítrio; (c) o dispositivo define o objeto do ato (questão), eventualmente sobre a qual recairá a autoridade da coisa julgada (art. 503, caput).75 A redação do art. 489, caput, mencionando “elementos essenciais”, revelase tecnicamente perfeita e própria. Tratam-se, realmente, de elementos – “partes que devem integrar a estrutura” do ato decisório.76 A forma das decisões, das sentenças e dos acórdãos integra a substância do ato.77 Entretanto, a forma prescrita não desnuda os caminhos trilhados na formação e a gênese lógica do ato decisório. O juiz chega à decisão através de raciocínio crítico, avaliando e ponderando as razões de fato e de direito

alegadas, para chegar à emissão de um juízo. O juiz intuiu o decisum antes de organizar na sua mente seus fundamentos.78 A organização do ato em três elementos constitui, neste sentido, a exteriorização necessária à racionalidade do ato.79 E nada mais. E, realmente, na melhor das hipóteses representaria ingenuidade, ou ilusão,80 limitar o pensamento do juiz ao silogismo insinuado no art. 489, em que a premissa maior residiria nos fatos tidos por provados, a menor a norma porventura aplicável e a conclusão expressar-se-ia no dispositivo.81 A descoberto ficariam, em tal esquema primário, a atividade do juiz tendente a recolher e fixar as premissas de direito e de fato, que compõem o hipotético silogismo, e largamente subordinada à intuição do juiz;82 o reflexo da consciência moral do magistrado, porque pessoa submetida à influência de fatores sociais, culturais e econômicos, os quais condicionam a sua vontade, elemento tão importante quanto a razão.83 A estruturação dos elementos no art. 489, e, principalmente, a antecedência lógica dos dois primeiros no tocante ao terceiro, induzem certa semelhança da sentença definitiva com a conhecida fórmula do silogismo. Tal ideia revela-se errônea. O reparo nada tem a ver com as teorias que localizam na sentença o predomínio da intuição do juiz. Nenhum juiz decide segundo arroubos irracionais. Inevitavelmente, racionaliza o que haverá de decidir. A objeção à forma de silogismo do art. 489 assenta em argumentos lógicos. Não há dúvida que o modelo representa antes uma forma de apresentar e explicar a sentença do que retrato fiel do modo de fazê-la.84 Facilmente se desmonta o pretenso esquema do silogismo. O relatório (art. 489, I) não constitui a premissa maior, mas simples reconstituição do percurso do processo. E na motivação (art. 489, II), além de o juiz não se ater à análise das questões de fato e das questões de direito debatidas, mas resolvê-las – só a conclusão chega ao dispositivo –, tout court, sobretudo transparece o itinerário do raciocínio do juiz, expondo à luz do dia a concatenação de argumentos heterogêneos, formando um conjunto linguístico onde é assaz difícil separar a questio facti e a questio juris. Enfim, a estrutura imposta à sentença no art. 489 evidencia opção política para autorizar o controle do ato e evitar o arbítrio. Na verdade, a apresentação das premissas nada revela da atividade mental do juiz. O verdadeiro problema consiste em fixar tais premissas no material de fato e de direito objeto da discussão.85 É imperioso os atos decisórios explicar o como e o porquê da decisão. Em consequência, revelará às partes, na medida do possível – inexiste remédio para a mistificação –, a ideologia do prolator, expondo à luz do dia o que fica invisível.86 Fica velado o sentimento do juiz, a simpatia ou antipatia por uma das partes, as paixões, os temores, os afetos, os ódios que medram na alma humana. Como quer que seja, a consciência governada por fatores ideológicos apresenta riscos menores do que os juízos supostamente objetivos.87 Nos últimos tempos, a avaliação das consequências (econômicas, emocionais e assim por diante) do julgamento, que se encontra na base do legal pragmatism, em contraposição ao legalism, legal realism e outras teorias análogas, constitui a palavra que melhor descreve a forma pela qual a média dos juízes norte-americanos em todas as hierarquias toma as suas resoluções.88 Não há dúvida que, dentre os valores extrassistemáticos a serem considerados, tem especial relevo a circunstâncias que muitas decisões transcendem ao caso individual e o juiz deve sopesar suas

consequências. Um precedente mal concebido estimula postulações que, na melhor das hipóteses, asfixiarão inutilmente a máquina judiciária, e, na pior, produzirão dano social. É digno de registro que a aplicação mediante subsunção não se harmoniza com a complexidade dos litígios e a linguagem aberta, genérica, indeterminada e flexível das normas que, a fim de evitarem o envelhecimento precoce (e, principalmente, a falta de consenso da sociedade pluralista), tornaram-se comuns. Essas normas requerem um processo de aplicação muito mais árduo e complexo. Importante estudo metodológico deu-lhe o nome de concretização.89 O juiz preencherá de sentido a disposição normativa para o caso concreto (e, desse modo, o sentido emprestado para o caso individual, não se reproduzirá necessariamente para outro), valendo-se de elementos problemáticos (v.g., a finalidade da norma, a valoração social, e assim por diante) e sistemáticos, que limita e legitima o resultado.90 O desafio contemporâneo da hermenêutica reside em controlar o subjetivismo e o voluntarismo de um agente estatal – o órgão judiciário –, desafiado por tarefa que facilmente se alterará além de sua capacidade natural, emprestando racionalidade à decisão. E, aí, entram em cena as possibilidades da linguagem.91 Dizer que a subsunção não presta ou é insuficiente, pois contemporânea é a concretização, além de afirmativa discutível,92 não ajuda em nada nesse sentido. É tarefa de outras áreas de saber definir esses caminhos encobertos na mente do julgador. O processo civil ocupa-se da exteriorização do ato decisório e dos elementos que a lei lhe exige formalmente. Nenhuma decisão pode ser tomada pelo juiz fora do diálogo entretido com as partes, sob pela de ilegitimidade constitucional e ofensa ao devido processo,93 e sem uma forma predeterminada que permita a crítica das partes e as respectivas impugnações. O juiz brasileiro prolata a sentença na audiência ou profere-a no prazo de trinta dias (art. 366). A oportunidade dependerá da complexidade da causa e do calor dos debates. Aos adeptos do processo oral parecerá elogiável que o juiz prolate a sentença de pronto, antes que haja se dissipado a impressão da prova e dos debates, revivendo velhos costumes da justiça real, sentado o soberano à sombra de frondoso carvalho; na verdade, a sentença proferida em gabinete, após serena meditação e consulta às leis, à doutrina e aos precedentes, é bem melhor.94 1.116.1. Elementos da sentença – O art. 489, caput, indica como elementos da sentença: (a) relatório; (b) motivação; (c) dispositivo. É quase universal o modelo, sujeitando-se a escassas variações. Não há, nos formulários correntes entre nós, nenhuma evocação de autoridade superior. No direito alemão, ao invés, após as armas da República e a designação do órgão judiciário invoca-se a soberania popular, passando-se a sentença (Urteil) “im Namen des Volkes”.95 É também o que impõe o art. 111 da Constituição Italiana de 1948. Ora, a soberania do órgão judiciário, o seu poder de julgar deflui diretamente da CF/1988, só indiretamente esses poderes emanam do povo (art. 1.º, parágrafo único, da CF/1988). Evocações desse tipo recordam, amargamente, as sentenças dos juízes alemães proferidas em nome do Führer… Fora desse aspecto, a forma da sentença

civil no direito alemão compreende: (a) rubrica (Rubrum), na qual se designam partes e os prolatores da sentença, bem como é assinalada a data em que se encerrou a audiência; (b) dispositivo (Urteilsformel);96 (c) fatos; (d) a motivação (Entscheidungsgründe); (e) assinaturas.97 Todos os elementos do art. 489 têm importância. À sua falta (v.g., a sentença não dispõe de dispositivo), há que repassar o ato na peneira dos planos da existência e da validade, antes de concluir se ele ingressou, ou não, no mundo jurídico, e, vencida essa barreira, qual a natureza e magnitude do vício, extraindo as respectivas consequências. A despeito de a regra todos reputar essenciais, as três partes têm reflexos assimétricos. A sentença carente de relatório sem dúvida apresenta defeito muito grave, digno da atenção dos órgãos censores da magistratura – ponto a destacar no estágio probatório do juiz de carreira –, mas não se afigura totalmente imprestável à sua finalidade. A resolução porventura dada às questões, na motivação, e o dispositivo inequívoco indicando as conclusões a que chegou o juiz sobre tais questões, autorizam a convalidação do ato, sublimando o relatório inexistente. A sentença desprovida de dispositivo, ou seja, ato no qual o juiz não chegou a julgar efetivamente, é sentença inexistente.98 Nunca poderá aspirar a transitar em julgado.99 É viciada a sentença que delirar, no todo ou em parte, do objeto do processo. Mas, neste caso houve julgamento – imperfeito e impróprio, mas um juízo que deve ser corrigido através das formas legais de impugnação – por via de embargos de declaração, a teor do art. 494, II, em primeiro lugar (infra, 1.602). A motivação da sentença pode ser insuficiente ou inexistente. O problema da dose mínima da motivação necessária para a sentença ingressar no mundo jurídico receberá exame no item dedicado à motivação (infra, 1.122). Mas, convém acrescentar, predomina no direito brasileiro a tese da nulidade.100 Os vícios da sentença não decorrem, necessariamente, da inépcia da pessoa que redigiu o ato. O art. 205, caput, primeira parte, determina que os juízes se ocupem, pessoalmente, da redação dos atos decisórios. A quantidade de feitos impede o desempenho dessa atividade, delegada a plêiade de assessores. Esses auxiliares formais esboçam o ato que o juiz encampará, tomando como seu através da autenticação. Sucede de a impressão da peça, ou a inserção eletrônica, obliterar páginas inteiras, desconjuntando o ato. A causa do vício não lhe afeta a natureza, nem elimina as respectivas consequências. É tão inexistente a sentença para a qual o juiz não chegou a formular o dispositivo algum quanto a que veio aos autos sem esse elemento por falha técnica. Lenda forense, ou não, conta-se que já houve sentenças publicadas com a frase indevida “e agora, como julgo?”, no lugar do dispositivo, revelando a perplexidade do redator do ato. Raramente ementas encimam as sentenças. O art. 205, § 3.º só exige a publicação do dispositivo no órgão oficial. O papel dos tribunais é mais decisivo na formação da jurisprudência predominante. A publicação, na

íntegra, das sentenças, e o comentário crítico a tais atos, constituem fatos incomuns e isolados, em geral promovido por associações de classe, cortejando os associados e futuros eleitores. Às sentenças os repertórios especializados nenhum espaço dedicam. E poucos invocam sentenças como precedentes, como de fato o são, nem sequer a atitude empolga a simpatia dos magistrados de maior hierarquia. Delas se ocupam, realmente, os procuradores das partes no litígio, para criticá-la no recurso, ou lhes gabar as virtudes reais ou hipotéticas, na resposta à impugnação oferecida pelo vencido. Não é raro que a tese jurídica fixada na sentença forneça a melhor contribuição, mas “o prestígio cresce com a altura do tribunal, e é lógico, porque os arestos de pretório mais elevado alcançam mais larga periferia e inutilizam os dos juízes inferiores”.101 Um dos pontos capitais do NCPC consiste na vinculação vertical dos órgãos jurídicos inferiores às teses jurídicas dos órgãos superiores (art. 927, I a V). As desobediências suscitam o emprego do drástico remédio da reclamação (art. 988, III e IV). Reduziu-se, portanto, o âmbito da independência do órgão judicial de primeiro grau, em proveito da previsibilidade das decisões em casos idênticos. Nada impede o juiz, malgrado essas considerações, acrescentar a peça breve síntese, quiçá para organizá-la em seus arquivos, com o fito de localizála e usá-la, como modelo para casos futuros. O art. 489 apenas deixa entrever a delicada técnica de redação dos atos decisórios. Em todos os elementos, há de imperar dois atributos inexprimíveis fora do caso concreto: clareza e precisão.102 Do juiz se exige discernimento para elaborar sentença ajustada aos fins do processo civil. Não é tarefa simples. O estilo objetivo, desprovido de adjetivos fortes e ironias – “arma potente, mas perigosa” –,103 e o firme banimento de inovações no léxico da língua portuguesa (v.g., “improvido”, em lugar de desprovido), suficientemente rica para todas as necessidades, e invenções terminológicas (v.g., “peça ovo”, em vez de petição inicial), são qualidades bem avaliadas. E a repetição dos termos técnicos não constitui vício de estilo. O ato ganha clareza e precisão. Enfim, a boa formação cultural e a experiência têm influências decisivas em tais misteres do juiz. 1.116.2. Elementos da decisão – A técnica de redação das decisões, no primeiro grau, discrepa parcialmente do complexo modelo consagrado à sentença. Em princípio, conforme a natureza menos complexa da questão resolvida, prescindem de relatório. O direito anterior permitia a motivação concisa das decisões interlocutórias, porque lhes calhava perfeitamente, mas o art. 489, § 1.º, alterou esse panorama, impondo-lhe pormenores requintados, talvez dispensáveis em alguns casos, seguramente imperiosos em outros (v.g., deferimento ou não de tutela provisória de urgência). Por óbvio, necessitam de dispositivo dotado dos atributos da clareza e da precisão. Do contrário, as decisões provocariam perplexidade no espírito dos seus destinatários, tornando-se, nos casos extremos, ininteligíveis e inexequíveis. Por sinal, eis a razão pela qual cabem embargos de declaração contra decisões: a omissão, a contradição e obscuridade, além dos erros materiais, representam defeitos concebíveis em tais pronunciamentos do órgão judicial. Esses vícios produzem os mesmos efeitos que, nos atos de maior envergadura, comprometem o provimento.

Porém, há decisões de extraordinária importância no processo civil. A resposta do órgão judiciário ao pedido de tutela provisória de urgência é uma delas. O juiz consciencioso e atento fundamentará essa espécie de decisão, indicando, por força do art. 298, “de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento”. Em outras palavras, o emprego de conceitos juridicamente indeterminados no art. 300, caput – elementos que evidenciem a “probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” – impõe a árdua tarefa de concretizá-los no caso concreto, considerando: (a) a inexistência de discrição no ato judicial (retro, 1.096); (b) a necessidade de expor o motivo pelo qual, dentro das opções que a lei concede ao juiz, a escolhida parece-lhe mais apropriada (art. 489, § 1.º, II). As decisões motivadas genericamente (v.g., apontando a presença dos requisitos legais, sem maiores explicações) padecem de flagrante nulidade. Também se mostram nulas as decisões que, julgando embargos de declaração, declaram categoricamente inexistentes os vícios arguidos, omitindo o porquê dessa conclusão. As decisões do relator, nos tribunais, principalmente as aludidas no art. 932, III, IV e V, reclamam, via de regra, o emprego da técnica comum aos acórdãos: ementa, relatório, motivação e dispositivo. É claro que, na motivação, o relator indicará a jurisprudência predominante, arrolando os precedentes que hajam fixado tese jurídica contrária à causa de pedir do recurso; na pior das hipóteses, o julgado mais recente, que firmou a orientação, e oriundo da corte especial do STJ ou do pleno do STF, atenderá a exigência constitucional. No caso da súmula de jurisprudência dominante, de caráter persuasivo ou vinculante, a transcrição do verbete e a justificação de sua plena adequação à espécie constitui motivação bastante (art. 489, § 1.º, V). Mas, nos agravos em que o agravante postula a suspensão dos efeitos da decisão agravada, ou a antecipação dos efeitos da pretensão recursal, no todo ou em parte (art. 1.019, I), o relator ficará adstrito ao disposto no art. 298, em termos similares ao juízo de primeiro grau. No direito anterior, a decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal, admitindo ou não o recurso extraordinário ou especial, examinará o conjunto das condições de admissibilidade do recurso, exceção feita à repercussão geral, envolvia motivação explícita acerca de todas as condições de admissibilidade (Súmula do STJ, n.º 123: “A decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”). É claro que, no juízo negativo, ocorria motivação implícita: a constatação da falta de preparo, por exemplo, dispensava maiores considerações a respeito do preenchimento dos demais requisitos. Esse exemplo não se ajusta, presentemente, ao regime de admissibilidade dos recursos: o órgão a quo perdeu essa competência, incumbindo-lhe a tarefa – e o primus inter pares da processualística brasileira assinalara essa posição há mais de meio século – “que a qualquer funcionário subalterno se poderia cometer – de protocolar o recurso e fazê-lo chegar ao endereço”.104 1.116.3. Elementos do acórdão – A redação do acórdão, a cargo do redator (o relator ou outro magistrado designado pelo presidente, vencido aquele), observará o modelo erigido no art. 489 para a sentença.

Estrutura-se a peça, desse modo, através de três elementos diferentes: relatório, fundamentação e dispositivo. A bem da verdade, a ordem pode ser invertida, passando à frente o dispositivo. Esta forma assemelha o modelo alemão, de uso constante nos tribunais superiores. Todavia, nos tribunais de segundo grau da Justiça Comum repete-se o dispositivo, como regra, no fim do acórdão. E, antes de qualquer um deles, encima o documento a ementa (art. 943, § 1.º). O modelo legal do acórdão assemelha-se rigorosamente ao da sentença por força da tradição e das peculiaridades do julgamento. Existe, desde logo, um elemento a mais – a ementa. A formação do ato exige, além disso, a conjugação mínima de duas vontades no mesmo sentido, porque três sobrejuízes integram o julgamento no menor colégio, tomando-se a resolução por maioria simples, o que se refletirá na forma da motivação. Convém recordar que há colégios maiores e, conforme a causa ou o recurso, quórum qualificado. No tocante à exata observância do elemento da motivação (art. 489, II), cumpre distinguir o conteúdo do ato. Os atos decisórios dos tribunais abrangem questões, equivalendo à decisão do primeiro grau, e, por vezes, não ingressam no mérito, equivalendo à sentença terminativa (art. 487). Em qualquer hipótese, o art. 489, § 1.º, exige motivação pormenorizada. A atividade dos tribunais brasileiros não reproduz, no grau superior, as etapas do procedimento de primeiro grau, porque adotou, há muito tempo, o regime da apelação limitada (revisio prioris instantiae), contraposta ao da apelação plena (novum iudicium).105 Em síntese larga, neste último caso renova-se o debate travado em primeiro grau, confrontando o provimento recorrido, e admite-se novas causas e pedidos. Ao invés, o sistema da revisio prioris instantae é mais econômico, e implica limitação fundamental: a cognição do tribunal recairá sobre o material já examinado no juízo inferior. O tribunal não julga, outra vez, mas examina se o feito foi bem julgado. Em tal contingência, a técnica de redação do dispositivo do acórdão, e, a fortiori, das decisões do relator, sofre importantes alterações – por exemplo, constará como desprovida a apelação, no caso de manutenção da sentença, e só há necessidade de maiores explicitações no caso de provimento. 1.116.4. Capítulos da sentença – Os elementos dos atos decisórios comportam divisão em partes autônomas ou em capítulos. A teoria dos capítulos fitou precipuamente a sentença. Idênticos motivos permitem identificar capítulos nos acórdãos e, com menor intensidade, nas decisões. A lei processual brasileira anterior não usava a palavra capítulo, optando por “parte”. É com o sentido de unidade de motivação ou unidade de dispositivo, decompostas do todo, que a palavra parte ainda aparece no art. 509, § 1.º. E capítulo da sentença aparece no art. 966, § 3.º, delimitando o objeto da pretensão rescisória. Do conjunto dessas disposições resulta claro que a divisão da sentença em capítulos exibe repercussões em âmbitos tão heterogêneos quanto a disciplina dos recursos, a atribuição dos ônus da sucumbência e os limites da pretensão a liquidar ou da pretensão a executar. Dá-se o nome de capítulo da sentença às partes em que se divide o dispositivo.106 Essas partes respeitam à admissibilidade da pretensão, ou seja,

ao conjunto de questões, resolvidas na motivação, respeitantes aos pressupostos processuais, e às prescrições do dispositivo no tocante à pretensão.107 Fórmula persuasiva considera capítulo parte autônoma do decisório da sentença.108 Por exemplo, a rejeição da preliminar de ilegitimidade e o acolhimento do pedido; a disposição sobre o pedido (capítulo principal) e sobre os ônus da sucumbência (capítulo acessório). Os capítulos podem ser independentes (v.g., o dispositivo provê sobre duas pretensões cumuladas, acolhendo uma e rejeitando a outra) ou condicionantes e dependentes, como ocorre no caso de acolhimento da pretensão do autor (capítulo condicionante) relativamente à atribuição dos ônus da sucumbência (capítulo dependente ou subordinado). O segundo não pode logicamente subsistir eliminado o primeiro.109 E, quantitativamente, o capítulo admite divisão em frações – tantas quanto as unidades. Um exemplo, tirado dos embargos infringentes, ilustra as consequências dos capítulos quantitativos. No julgamento da apelação, o pedido de reparação do dano moral foi acolhido em parte, fixando-se a maioria em conceder ao autor 60, enquanto o voto vencido atingiu 80. A extensão máxima da devolução reside na diferença entre 80 e 60: nem o autor poderá obter mais de 80 – a diferença com 100 é outro capítulo –, nem o réu ser condenado a menos de 60 – a diferença com zero é outro capítulo.110 As consequências da divisão do dispositivo em capítulos, nos atos decisórios, receberão exame nas rubricas apropriadas. 1.117. Autenticação dos atos decisórios Segundo o art. 205, caput, os atos decisórios ou pronunciamentos – na ordem de crescente relevância da própria regra: despachos, decisões, sentenças e acórdãos – “serão redigidos, datados e assinados pelos juízes”. Essa parte da regra consagra o princípio da autenticação dos atos decisórios, propiciando às partes a garantia “que se trata de autêntica manifestação de órgão do Poder Judiciário”.111 Não há princípio mais frágil na realidade contemporânea. 1.117.1. Redação dos atos decisórios – Em todo ato decisório conjugamse dos elementos psicológicos, a razão e a vontade, e só a pessoa regularmente investida na função judicante legitima-se a manifestá-lo, afetando a personalidade (a vida, a liberdade, o nome e assim por diante) e o patrimônio dos particulares. A proliferação de assessores de variada hierarquia tornou ilusória a exigência. O recrutamento desses assessores por cooptação ou concurso público, e de formação heterogênea, representa imperativo da imensa quantidade de feitos. O número excessivo de trabalho sobrecarrega os juízes de qualquer hierarquia. Não há pessoa que se desincumba dos seus deveres satisfatoriamente a partir de certo número de processo. Os assessores, no primeiro grau, são acadêmicos de direito. A formação desses neófitos, na melhor das hipóteses, revela-se incompleta e insuficiente. A escassez de recursos públicos, pois a retribuição pecuniária dos acadêmicos é mais em conta, obsta que sejam escolhidos bacharéis em direito. Esses assessores redigem, efetivamente, os atos decisórios de menor e maior relevo, submetendo-se à revisão do juiz. O amplo uso dos meios eletrônicos,

aumentando a produtividade dos órgãos judiciários, e, sob muitos aspectos (v.g., eliminou o tempo outrora asfixiante entre o julgamento público e motivado, nos tribunais, e a lavratura do acórdão), tornou a prestação jurisdicional célere, facilitou os dois atos, a concepção e a revisão. Em tese, essa delegação da atividade pessoal do juiz, existindo efetiva e rigorosa revisão do ato esboçado pelo assessor, não o invalida. A autenticidade do ato dependerá da disposição do juiz em revisá-lo e tomá-lo como próprio, assinando-o com pleno conhecimento do que está decidindo. E, ocioso acrescentar, o controle de uma ou de outra hipótese, administrativamente, mostra-se possível no mundo eletrônico, que registra o autor do ato e o tempo que, aberto o arquivo, o juiz levou para conferi-lo e assiná-lo. O caráter estritamente pessoal do ato decisório permanece incólume, em parte, nos julgamentos orais, em audiência de instrução e julgamento e nas sessões de julgamento do tribunal. O juiz manifesta-se verbalmente, competindo o taquígrafo ou o datilógrafo registrar o ato por escrito (art. 943, caput), submetendo-o, na própria ocasião ou posteriormente, para revisão e assinatura. Nada obsta, evidentemente, que o juiz use minuta elaborada para essa finalidade, assegurando que nenhuma das questões discutidas e debatidas lhe escape neste momento, ou valha-se de notas feitas no exame prévio dos comemorativos do processo, ao exteriorizar o voto ou a resolução tomada. O juiz que delegou a elaboração do ato decisório ao assessor, e não lhe conhece o teor, dificilmente se afasta desse roteiro. Também nas audiências já se registraram casos de inviável delegação da atividade para assessores. Cumpre aos advogados das partes rejeitar essa indevida usurpação da função por pessoas desprovidas da investidura. Nem sempre, nos órgãos colegiados, há exata correspondência entre o dito na sessão pública e o que se reduz à forma escrita no acórdão. O calor do debate oral, às vezes, leva o magistrado a proferir palavra ou juízo impróprio (v.g., crítica à atuação do procurador), suprimidos, prudentemente, na peça escrita. Entende-se que as notas taquigráficas integram o registro pessoal do juiz, ressalva feita à disposição regimental em contrário, à semelhança da minuta deixada no seu gabinete de trabalho. A parte prejudicada, porque nem sequer o juízo a respeito da conduta do procurador se mostra supérfluo, para os fins do art. 80, deverá ingressar com embargos de declaração. Eventual divergência entre as notas tomadas na sessão de julgamento e o acórdão resolve-se a favor daquelas.112 No entanto, essas notas adquirem outra feição no julgamento do mandado de segurança nos tribunais. Deixando o redator de lavrar o acórdão, em trinta dias, as notas substituirão o acórdão, “independentemente de revisão” (art. 17, parte final, da Lei 12.016/2009). Fórmula tão promissora chegou ao art. 944, caput, recebendo o importante acréscimo de o presidente do tribunal lavrar as conclusões e elaborar a ementa, pois esta é objeto de publicação literal no órgão oficial (art. 943, § 2.º c/c art. 205, § 3.º, in fine). Em épocas passadas, empregava-se a letra cursiva, ortográfica e caligraficamente regulada para reduzir a fala dos atos processuais à escrita. Posteriormente, surgiu a datilografia, generalizando o emprego de máquinas manuais e elétricas, forma mencionada no art. 169, caput, e no art. 417, caput, do CPC de 1973. A datilografia tornou-se obsoleta. Digitação é a palavra apropriada ao programa redator de textos do computador pessoal,

imprimindo-se o texto já escoimado de vícios ortográficos e gramaticais, para juntá-lo aos autos físicos (art. 943, caput, parte final). 1.117.2. Datação dos atos decisórios – A data dos despachos, das decisões e das sentenças, em primeiro grau, é a do dia em que o juiz proferiu o ato. Necessariamente, não é a data da sua publicação (= ingresso no mundo jurídico, e, não, o fator de eficácia do art. 205, § 3.º), ou seja, a data em que o escrivão ou chefe de secretaria junta a peça aos autos, mas nada pré-exclui a coincidência. Os atos proferidos em audiência, a exemplo da sentença (art. 366), são prolatados de viva voz e registrados (art. 367, caput, segunda parte), considerando-se publicados na própria audiência. O prazo de trinta dias, previsto no art. 366, in fine, não prolatando o juiz a sentença na audiência, tem natureza imprópria. O cumprimento do interregno revela-se, a mais das vezes, impossível ao juiz operoso. Desapareceu, já na lei processual precedente, a designação de audiência específica para a leitura e publicação da sentença, prevista no art. 271, parágrafo único, do CPC de 1939.113 Era prática frequente, de resto, “publicar a sentença fora da audiência, fazendo-se intimar as partes, sucessivamente, por um dos meios normais de intimação”.114 A prolação de sentenças na audiência de instrução – daí a designação solene “audiência de instrução e julgamento” no título do Capítulo XI do Título I – Do Procedimento Comum – do NCPC – é acontecimento raro. Em geral, a apreciação da prova e a resolução das questões de direito exigem maiores reflexões na intimidade dos gabinetes. Por conseguinte, a data do ato varia conforme a hipótese: prolatado em audiência, esta é a data, independentemente da revisão feita, na mesma oportunidade; proferido fora da audiência, a data que a peça consigna no seu encerramento, sobrelevando-se a circunstância que há de ser proferida na ordem cronológica do art. 12. A resolução dos incidentes, nas audiências, mostra-se imediata, ou não teria curso normal a solenidade. A eliminação do agravo retido, sucessor do agravo no auto do processo, tornou essas resoluções passíveis de impugnação na apelação ulterior ou de suscitação nas contrarrazões do apelo (art. 1.009, § 1.º). Pode acontecer de o juiz proferir pronunciamentos oralmente, ditando-os ao assessor, enquanto perambula, ou não, por seu gabinete de trabalho para concatenar o raciocínio. Em tal hipótese, o servidor documentará o ato, digitando-o no processador de texto, ou tomando notas, se hábil em taquigrafia, e emprestada a forma do art. 489, submeterá o texto para revisão e assinatura do juiz (art. 205, § 1.º). É outro acontecimento raro, sendo curiosa sua menção no NCPC. Vale a regra pela exigência de revisão: o juiz ou a juíza devem inteirar-se do que assinam redigido por terceiros. Em pronunciamentos elaborados fora de audiência aparecem, por vezes, com data errônea. Por exemplo, o juiz utilizou modelo adrede preparado, retirado de caso similar, e olvidou de consignar-lhe outra data. São comuns atos datados, por equívoco, antes do início do processo em que proferidos ou da chegada do recurso em mãos do relator. O equívoco constitui simples irregularidade. A data exata ou aproximada se inferirá “do cotejo do termo de recebimento pelo escrivão como anterior termo de conclusão”.115

1.117.3. Assinatura dos atos decisórios – É de capital importância, para emprestar autenticidade ao ato decisório emanado do órgão judiciário, a subscrição pela pessoa investida na função judicante. Autenticação significa certeza quanto à autoria. Concebem-se duas espécies de assinatura: (a) manuscrita, lançada de próprio punho no papel com tinta indelével; (b) eletrônica (art. 205, § 2.º), lançada no suporte físico ou digital, por intermédio de senha pessoal e intransferível. Os atos prolatados na audiência pública têm pessoalidade inconteste. Os atos proferidos fora da audiência, todavia, outra vez dependem da correção do juiz. Há os que depositam irrestrita confiança no seu chefe de gabinete, ou assessor mais qualificado, entregando-lhe a senha e a peça (e-Token) que, inserida no computador, permite assinar eletronicamente o pronunciamento. Em casos tais, o juiz deixa-se levar pela nada razoável tendência de delegar atividade estritamente pessoal. Escuda-se na massa de trabalho ou em pretexto de ocasião (v.g., ministrar aulas no horário de expediente). Por óbvio, o ato é constitucionalmente ilegítimo. Não proveio da pessoa investida na função judicante e cercada de prerrogativas constitucionais. É contra ela, e não contra o anônimo assessor – olvidado no rol do art. 149, apesar da sua importância na vida forense brasileira –, que as partes podem reagir, alegando quebra da imparcialidade nos casos legais. E os demais agentes políticos do Estado, envolvidos no processo legislativo, ou seja, os legisladores e o Presidente da República, jamais delegam as respectivas funções. Às vezes, não medem as consequências do que votam e sancionam, mas o fazem pessoalmente. O controle dessa autêntica deturpação é difícil e aguarda iniciativas concretas dos órgãos internos e externos. A troca do sistema do e-Token pela leitura ótica da impressão digital evitaria as burlas mais gritantes. Da condição do ato decisório desprovido de assinatura, por lapso, cogitase há muito tempo. Diz-se que o despacho, a decisão e a sentença sem assinatura não é, quer dizer, não ingressa no mundo jurídico.116 Nessa perspectiva, a assinatura representa elemento de existência do ato.117 A falta de assinatura, no direito italiano, é defeito, porque incompleta a sentença, mas suprível no momento em que é completada pela firma do juiz.118 No entanto, sob certas condições (v.g., o uso de papel timbrado do órgão judiciário; a rubrica de algumas páginas), empresta-se existência ao ato, como estimou o STJ.119 Nos julgamentos colegiados, em que há intervalo entre a formação do ato decisório, prolatando os sobrejuízes seus votos motivadamente em sessão pública, e a ulterior redução por escrito, no acórdão (art. 204), inexiste o dever de todos firmarem o documento. O ato decisório já existe desde a sessão de julgamento. Ele carece apenas de documentação. E, a despeito de o art. 205, caput, declarar que os atos serão “assinados pelos juízes”, a subscrição do acórdão fica no âmbito regimental e, de ordinário, só o juiz encarregado de lavrá-lo, nos termos do art. 941, caput – ou seja, o redator do acórdão, e, não, necessariamente, o relator, que pode ter ficado vencido –, firmará a peça escrita. Inexistirá, nesta contingência, infração ao art. 205, caput.120 Costumava-se colher a assinatura do presidente do órgão fracionário antes da firma do redator. A economia eliminou essa formalidade.

O redator do acórdão, designado na sessão de julgamento, pode ser substituído, sobrevindo fato impeditivo (v.g., a aposentadoria ou a morte), por outro juiz, eventualmente integrante do mesmo órgão judicante. Esses fatos da vida decerto não obstam que se documente o julgamento já ocorrido.121 A solução constava do art. 17 do Decreto 5.618 de 27.06.1834, que regulava as Relações do Império.122 É usual nos ordenamentos em que o julgamento colegiado constitui a regra. Por exemplo, o art. 132 do CPC italiano estabelece que as sentenças serão subscritas pelo presidente do colégio e pelo redator; no impedimento do presidente, assinará em seu lugar o integrante mais antigo do colégio, assinalando o motivo do impedimento; no impedimento do relator, suficiente a assinatura do presidente, assinalado a causa do impedimento.123 Essa solução técnica chegou ao art. 944, parágrafo único. As notas taquigráficas substituirão o acórdão, embora não sejam revistas pelos integrantes do órgão fracionário, cabendo ao presidente do órgão fracionário lavrar as conclusões e a ementa, mandando publicar o acórdão, vencido o prazo de trinta dias do art. 944,caput. Não é dito expressamente, mas o presidente assinará o pronunciamento. O acórdão que, por lapso, não recebe o autógrafo do redator (manuscrito ou eletrônico) existe, vale e é eficaz. Retrata o julgamento já acontecido. É o que se subentende do art. 17 da Lei 12.016/2009 e do art. 944, caput, segundo os quais, omitida a lavratura do acórdão em trinta dias, as notas taquigráficas substituirão a peça escrita, independentemente de revisão. A assinatura de próprio punho há de ser feita em tinta indelével. Apesar de o NCPC não reproduzir disposição nesse sentido, não se entende possível utilizar lápis ou tinta delével pelo transcurso do tempo ou que comporte fácil eliminação. 1.118. Documentação dos atos decisórios Os atos decisórios exteriorizam-se verbalmente (v.g., a sentença ditada ao servidor na audiência de instrução e julgamento) ou por escrito, eletronicamente ou não, mas documentam-se sempre por escrito, em proveito da incidência na esfera jurídica dos demais participantes do processo e de terceiros (art. 205, § 1.º). Existem atos processuais exteriorizados verbalmente e que jamais se reduzirão à forma escrita. Por exemplo, o debate oral, travado nas sessões de julgamento do tribunal (art. 937, caput), não recebe registro que integre os autos. O juiz se dirige verbalmente aos seus auxiliares, em especial ao escrivão (ou chefe de secretaria), ministrando-lhes instruções, que tampouco ficam consignadas nos autos. Por exemplo, ao presidir a arrematação, o juiz instrui o leiloeiro ou o porteiro a aceitar, ou não, o lanço abaixo do valor da avaliação, sem nenhuma nota escrita desse ato. A segurança das partes impõe forma escrita aos atos decisórios. 1.119. Publicação dos atos decisórios Os atos decisórios proferidos em primeiro grau consideram-se publicados mediante a respectiva exteriorização no processo. Em tal momento,

ingressam no mundo jurídico, na qualidade de atos processuais,124 aptos ou não a produzirem eficácia. É o sentido em que a palavra publicação aparece no art. 494, caput, vetando a alteração da sentença, exceto nos casos expressos na regra. E, de fato, a sentença se torna irretratável a partir do momento em que o escrivão ou chefe de secretaria junta a peça escrita nos autos ou, do arquivo pessoal do magistrado, passa ao arquivo do processo, nele inserindo-se na série de atos do procedimento. Inexiste coincidência obrigatória entre a data do ato e da juntada. Entretanto, a sentença há de ser contemporânea à investidura do magistrado.125 O caráter irretratável dos atos decisórios não se mostra uniforme. O juiz modificará as decisões, a qualquer tempo, porque a preclusão cogitada no art. 507 cedeu à tese de que poderes do órgão judiciário não precluem. Às vezes, a lei declara o ato expressamente revogável, como sucede na tutela de urgência (art. 298). É similar a atitude dos relatores nos tribunais; por exemplo, após deferir o efeito suspensivo pleiteado (art. 1.019, I), alertado pela resposta do agravado ou pelo parecer do Ministério Público, sendo caso de intervenção obrigatória (art. 178), o relator nega seguimento ao agravo de instrumento, porque intempestivo. E, por fim, os despachos ostentam-se plenamente modificáveis após a publicação. Por exemplo, a designação da audiência de instrução não considerou que, na data aprazada, ocorrerá evento cívico no lugar em que tramita o processo, impedindo o comparecimento das partes e das testemunhas. O art. 943, § 2.º, estabelece que, lavrado o acórdão, e subscrito por quem regimento interno determinar, em geral só o relator, a secretaria do órgão fracionário providenciará a “publicação” da sua ementa no órgão oficial no prazo de dez dias. O art. 205, § 3.º, também exige a publicação da ementa. No direito anterior, aparecia no órgão oficial o resultado do julgamento, proclamado pelo presidente na própria sessão, e transcrito na tira ou minuta juntada aos autos, em todos os seus variados aspectos. Por exemplo: conheceram da apelação, rejeitando por unanimidade a intempestividade e por maioria a deserção, vencido nesta o revisor; por maioria, vencido o relator, conheceram da preliminar, rejeitando a falta de interesse, mas negaram provimento unânime ao agravo; e, por unanimidade, desproveram a apelação, confirmando a sentença sujeita a remessa oficial. Porém, o dever de os tribunais inferiores uniformizar a jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente (art. 936, caput), obrigou a mudança de rumos. Impõe-se, atualmente, a publicação da ementa no órgão oficial, como já era usual quanto aos tribunais superiores. O art. 943, § 2.º, elimina a publicação do inteiro teor do acórdão. A medida economiza papel e de tinta, mas não tem o menor sentido no ambiente eletrônico, nem satisfaz o dever de os órgãos judiciais inferiores, obrigados a respeitar os precedentes dos órgãos superiores, identificarem a ratio decidendi e, se for o caso, realizarem o distinguishing para repeli-los no caso concreto (art. 489, § 1.º, VI). É nos repertórios especializados, impressos ou eletrônicos, que os interessados examinam os fundamentos do julgado,

localizando os trechos aptos ao confronto analítico. As facilidades da via eletrônica induzirão o retorno da prática antiga: nada impede a intimação do procurador, no respectivo endereço eletrônico, acompanhada do inteiro teor do ato decisório. Fato inconteste é que os arts. 943, § 2.º, emprega o verbo “publicar” “publicação” no sentido de intimação. Desse ato, realizado com a observância do art. 272,126fluirá o prazo para a interposição de eventuais recursos (art. 1.003). Não desapareceu, porém, a diferença entre publicação e intimação, ou o intervalo entre o julgamento e sua exteriorização no processo. A rigor, o acórdão é publicado, nos termos entrevistos no art. 494, caput, no momento em que, devidamente impresso e subscrito, o secretário do órgão judiciário juntá-lo aos autos físicos,127 como preconiza o art. 943, caput, parte final, no caso de a peça encontrar-se registrada em arquivo eletrônico. A partir daí, o acórdão, seja qual for o seu objeto, torna-se irretratável como já o era o julgamento em si pelo órgão fracionário. 1.120. Atos materiais do juiz Os atos materiais do juiz compreendem atividades heterogêneas: (a) a presidência das audiências; (b) produção de prova (v.g., a inspeção judicial); (c) a documentação dos atos decisórios. Podem ser organizados, portanto, em duas classes: (a) atos de instrução; (b) atos de documentação.128 Exemplo de ato de gênero especial, evidenciando a amplitude da atividade material do juiz, localiza-se no art. 740, § 4.º. Dentre as providências tomadas na arrecadação da herança jacente, cumpre ao juiz examinar, reservadamente, “os papéis, as cartas missivas e os livros domésticos”, e, apurando que não apresentam interesse, “mandará empacotá-los e lacrá-los para serem assim entregues aos sucessores do falecido”, ou queimados (= destruídos, pois a incineração importará em emissões poluentes e não se concebem fogueiras na sede do juízo), inexistindo sucessores. O objetivo da consulta reside na identificação dos bens do falecido.129 A lei regula com pormenores a atuação do órgão judiciário na audiência (principal, preliminar e especial) e nos atos probatórios. A documentação dos atos decisórios já recebeu exame. § 232.º Estrutura da sentença 1.121. Relatório da sentença A primeira prova a que se submete o juiz no ato de julgar reside na elaboração do relatório. O art. 489, I, indica, expressamente, o objeto do relatório. Em primeiro lugar, o art. 489, I, exige a indicação dos nomes das partes. A qualificação consta na inicial e na defesa.130 Às vezes, semelhante dado não basta, porque há dois ou mais litígios entre as mesmas partes. Por isso, o relatório bem feito aponta o número do processo, recebido no registro da causa (art. 206), e identifica o ofício (v.g., 1.ª Vara Cível da comarca Y). Esses

dados permitem discriminar o ato decisório, obstando a juntada do ato no processo correto pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, não, em algum congênere. Existem sentenças que indicam tais dados no cabeçalho da peça, incluindo o nome do juiz, e reproduzem os nomes das partes após a rubrica “relatório”. E não só das partes: intervindo terceiros, no curso do processo, o juiz indicará o nome de cada qual quando assinalar a ocorrência do incidente. É comum o cabeçalho consignar a seguinte expressão: “vistos, et cetera”. Cuida-se de concentração da frase “vistos, examinados, relatados e discutidos estes autos”. Em realidade, só faz sentido no julgamento de feitos por órgãos colegiados. Relativamente aos atos singulares, “presume-se que o juiz haja visto e examinado os autos, mas não houve relato, e, muito menos discussão, a não ser que se pense numa discussão do juiz consigo mesmo”.131 O juiz explicitará, após a identificação, a “suma do pedido e da contestação”. Esse é o núcleo do relatório. Impõe-se individualizar, objetivamente, a pretensão do autor (causa e pedido) e a defesa do réu, apontando as questões de direito e de fato suscitadas e debatidas, ou simples pontos, porque o réu não se defendeu e produziu-se o efeito material da revelia (art. 344), bem como as questões passíveis de conhecimento ex officio, e debatidas nos termos do art. 10, reproduzindo-se essa exposição para cada pretensão (v.g., reconvenção). Esses dados indicarão, portanto, o que pode e deve ser julgado. O art. 489, I, alude à suma para dispensar o juiz de “inserir tudo quanto é reiteração, reforçamento e revestimento” dos pedidos, insuscetíveis de resumo, mas “limpam-se de considerações que não os aumentam, nem os restringem”.132 O resumo em si se atém aos fundamentos do pedido e da defesa, ou seja, às questões de fato e de direito. Finalmente, o relatório registrará, objetivamente, “as principais ocorrências havidas no andamento no processo”. Neste aspecto, o relatório sintetiza os fatos processuais,133 incluindo os incidentes ocorridos, e resolvidos. Por exemplo, se houve, ou não, tutela provisória de urgência; incidente de parcialidade do juiz ou de auxiliar do juízo; instrução; o ingresso de terceiros (oportunidade em que seus nomes serão mencionados, indicando-se o caráter do ingresso e a posição processual efetivamente ocupada por cada qual); e a interposição de agravos, o respectivo julgamento, no entretempo, sobrevindo decisão do tribunal. Esse último dado lembrará ao tribunal a pendência do agravo, pendendo de julgamento, para os fins do art. 946, sobrevindo apelação contra a sentença. O relatório solidamente estruturado primará, sobretudo, pela objetividade. O juiz consignará o necessário e o relevante ao julgamento da causa, sem digressões inúteis, e, muito menos, a antecipação de qualquer juízo a respeito das questões suscitadas e debatidas. Todo cuidado é pouco com os adjetivos. Não há menor necessidade de o juiz averbar a petição inicial de confusa (e, mesquinhamente, nomear o autor da peça censurado, o “célebre advogado dr. Fulano”) ou a defesa de esplêndida – e, depois, rejeitá-la in totum. Em princípio, a ausência de relatório leva à nulidade do ato decisório.134 O vício pode ser convalidado através das razões expostas na motivação.135

O relatório constitui importante indício que o magistrado leu o processo e compreendeu o alcance da causa. Não é elemento dispensável, em alguns casos,136 em proveito de suposta efetividade e melhor qualidade das resoluções judiciais. 1.122. Motivação da sentença O segundo elemento da sentença recebe a designação de “fundamentos” no art. 489, II. O elemento respeita à motivação da sentença.137 Fundamentação e motivação são palavras usadas, via de regra, como sinônimas. Não interessa estabelecer diferenças bizantinas no terreno terminológico. É preferível, todavia, o emprego da palavra “motivação”, porque corresponde à terminologia usual no processo civil.138 A exigência de motivação dos atos decisórios remonta ao antigo direito português. A ela já se referia as Ordenações Filipinas (Livro II, Título 66, § 7.º), obrigando os desembargadores, e quaisquer outros julgadores, letrados ou não, a “a declarem especificamente em suas sentenças definitivas… as causas, em que se fundarem a condenar ou absolver, ou a confirmar, ou revogar”. O avanço dos séculos não apagou tão incisiva proposição. O constitucionalismo liberal e as grandes codificações racionalistas, prendendo o juiz à lei,139 deu impulso decisivo para a exigência chegar ao direito posto. O art. 373, autorizando o juiz a apreciar a prova, acrescentou a explicitação das razões que lhe formaram o convencimento. Não inovou a disciplina infraconstitucional, substancialmente, o art. 93, IX, da CF/1988, exceto para ajustar o direito constitucional à tendência universal (v.g., art. 111 da Constituição da República da Itália, de 1948). O art. 489, II, declara que o juiz “analisará as questões de fato e de direito” na motivação. Esse inciso não retrata com a necessária exatidão e acuidade a atividade mental do juiz no itinerário da formulação da regra jurídica concreta, e muito menos o que ele, formada a convicção – adesão ao entendimento que a veracidade da alegação de fato encontra-se provada –,140 passa a documentar organizadamente o produto do seu labor intelectual. O juiz não consigna a simples análise das questões de fato ou de questões de direito, sopesando, medindo e avaliando os materiais que a comunidade de trabalho com as partes introduziu no processo, mediante recíproca cooperação (art. 6.º) sem adiantar qualquer conclusão. Se o juiz se limitasse a expor a sua análise das questões, decerto completa, criteriosa e exaustiva, inexistiriam as premissas necessárias para chegar à conclusão sobre a rejeição ou o acolhimento do pedido (art. 487, I). É preciso o juiz indicar, claramente, o método seguido passo a passo e, tudo ponderado, a resolução tomada sobre cada uma das questões suscitadas e debatidas.141 Essa última afirmativa incide em excessiva generalização. Nem sempre o juiz necessitará resolver todas as questões de fato e de direito para chegar a uma conclusão que lhe permita resolver a lide. Em várias situações, a resolução de uma, ou de mais de uma questão, já lhe permite adiantar um juízo, armando o silogismo formal do art. 489, e tomar a sua resolução. Existe um caso expressivo em que, brevitatis causa, o exame da defesa passa à frente da petição inicial, abstraindo todas as demais questões. Assim,

se Apretende cobrar a quantia x de B, dívida resultante de mútuo, e B nega ter recebido o dinheiro, mas alega prescrição, a análise dessa última questão, porque prévia, passará à frente da questão de fato da existência do mútuo, que nem será examinada na hipótese de o juiz acolher a exceção substancial, emitindo a sentença prevista no art. 487, II. Concebe-se o juiz, e assim sucede ordinariamente, na ação em que A pediu a separação de B, alegando as causas de pedir x e y, analisar e resolver só a alegação de fato concernente à causa de pedir x, porque satisfatoriamente provada e bastante para acolher o pedido. Essas duas hipóteses são antevistas no art. 1.013, § 1.º, sendo o qual a apelação devolverá ao órgão ad quem o conhecimento de todas as questões suscitadas e debatidas no processo, “ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado”. Por outro lado, num aspecto o art. 489, II, pecou por excesso. O juiz analisará e resolverá igualmente os pontos de fato e os pontos de direito. Formam-se questões a partir da controvérsia sobre as alegações de fato (v.g., o autor alega que o réu praticou o ato ilícito, negando o réu a autoria) e as alegações de direito (v.g., o autor entende que o fato é ilícito, mas o réu que é lícito, divergindo sobre a qualificação jurídica). O juiz delimita umas e outras na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, II e IV). Ora, a circunstância de inexistir impugnação, e, portanto, remanescerem sem controvérsia os pontos de fato e os pontos de direito, não exime o juiz do dever de analisá-los e resolvê-los para chegar à emissão do juízo no qual formula a regra jurídica concreta. 1.122.1. Natureza da motivação – A motivação compreende, inicialmente, reconstrução histórica, à semelhança do raciocínio desenvolvido pelo historiador,142 o juiz recolhe, analisa e interpreta as fontes de prova para recriar o episódio da vida e constituir norma genérica a ele aplicável.143 A motivação exterioriza o caminho lógico percorrido pelo juiz.144 E também é um instrumento de comunicação, expondo às partes a ratio essendi do ato judicial, e constitui indício do que se passou na mente do juiz: concebida como instrumento, o significado relativo assenta nas razões que o juiz enuncia para sustentar a decisão; como indício, o significado relativo decorre das conclusões que o observador extrai dos diversos fatos expostos na decisão.145 Por fim, a motivação é uma modalidade de discurso judicial e sustentáculo juízo afinal emitido. Em síntese, a motivação contém a “exposição dos fatos relevantes para a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento”.146 É típico trabalho de gabinete. O fascinante e exaustivo trabalho intelectual empolga as pessoas investidas em função judicante. A elaboração do juízo de fato, analisando as alegações das partes e as cotejando com as provas ministradas, é o ponto alto da motivação. Legitima a decisão e empresta-lhe qualidade.147 1.122.2. Conteúdo da motivação – O conteúdo da motivação, consoante se depreende do art. 489, II, consiste na atividade intelectual tendente a equacionar as questões suscitadas e debatidas no processo. A regra utiliza, impropriamente, o verbo analisar. Parece óbvio que o discurso judicial vai além da simples elaboração intelectiva: o juiz resolve, efetivamente, as questões de fato e de direito.

Para tal arte, cotejará as afirmações contraditórias das partes, relativamente às alegações de fatos relevantes – e, portanto, descartará os irrelevantes –, com a prova produzida, avaliando as diversas provas independentemente da origem (princípio da comunhão da prova). O debate das partes subsidia esse trabalho. Se a prova documental, produzida com a inicial e a defesa, não bastou à solução da controvérsia, o juiz fixará previamente os pontos controvertidos (art. 357, II): o tema da prova balizará a instrução e a ulterior atividade mental do julgador. Diz-se, e não sem razões plausíveis, que toda a prova há de ser apreciada. Porém, há atenuações inerentes às peculiaridades do litígio; por exemplo, a prova inconteste do fato extintivo se sobrepõe à investigação mais profunda dos fatos constitutivos. E, gerado o convencimento que permite ao juiz dar como assentes os fatos, neste ou naquele sentido, o juiz passará ao trabalho de aplicação do direito à espécie. O emprego de conceitos indeterminados na norma – tipicidade mínima – que, segundo a opção do juiz, incide no caso, torna a motivação mais exigente, e não menos, cabendo explicar porque uma solução é mais apropriada do que as outras. Os fatores que determinam a suficiência da motivação são dois: (a) o ônus de alegar e provar; (b) as razões de fato e as razões de direito.148 O juiz avaliará no debate das partes, inicialmente, o respectivo ônus de alegar e de provar. Em relação ao autor, o descumprimento do ônus de alegar o fato constitutivo do pedido (art. 310, III) torna a petição inicial inepta (art. 330, I, c/c § 1.º, I) e, portanto, a demanda não superou o juízo de admissibilidade. É mais comum examinar o ônus de alegar na perspectiva do réu. Não se desincumbindo o réu do ônus de impugnar precisamente os fatos principais que compõem a causa de pedir, como lhe exige o art. 341, caput, o fato se tornou incontroverso, dispensando prova. O juiz avalia se tal consequência se produziu no caso concreto – há exceções – e, em caso positivo, a indicação do evento constitui motivação suficiente, em princípio, passando o juiz, então, à análise das questões de direito. É lícito ao juiz atentar ao fato não alegado, mas constante nos autos, respeitando o debate prévio;149 por esse motivo, a falta de defesa, e, a fortiori, a defesa sem conteúdo mínimo, não implicam êxito automático do autor no âmbito das razões de fato. Desincumbindo-se as partes do ônus de alegar, como sói ocorrer, a existência de controvérsia quanto aos fatos – questões de fato –, na prática, leva o juiz a passar os olhos nos resultados da atividade probatória, e, assim, avaliar o cumprimento do ônus de provar (art. 373). É suficiente a motivação que imputa à parte, no provando o que lhe competia (em geral, o autor; o ônus do réu somente surgirá na defesa com estrutura mais complexa, como na hipótese de deduzir exceção substancial), o descumprimento do ônus de provar. Tal motivação não elimina o passo seguinte, a necessidade de examinar e resolver as questões de direito. Poder-se-ia supor que o art. 373, na sua qualidade de regra de julgamento, somente pode ser cogitado após a análise exaustiva do material de fato. O juiz consciencioso empreenderia todos os esforços na fiel reconstituição dos fatos relevantes à solução da lide – em geral, episódio da vida situado no passado; no processo coletivo, em que estão em jogo direitos

transindividuais, cabe ao juiz antever as variáveis do futuro, a fim de já disciplinar, no presente, a futura orientação dos acontecimentos –, a fim de emitir a sentença mais justa possível. Recorreria tal juiz, sumamente idealizado e cheio de vagares, ao ônus da prova como última saída para evitar o non liquet. E, nesse caso, restaria travo amargo de não ter fixado uma das premissas do julgamento. Ressalvadas as exceções de praxe, o quadro não retrata fielmente a realidade. A imensa quantidade de feitos não permite aos homens e as mulheres investidos na difícil, mas grandiosa função de julgar, entregar-se a ponderações inconclusivas à primeira vista. Assim, conclusos os autos, o juiz primeiro examina se há prova, antes de avaliá-la, e inexistindo prova, prima facie, passa a julgar a causa de acordo com as normas legais de distribuição de ônus da prova. A motivação que explique os motivos por que o juiz chegou à conclusão de que não há certeza que as alegações de fato controvertidas são verídicas, em seguida extraindo a consequência dessa falta, segundo as regras de julgamento, satisfaz plenamente este direito fundamental. Em outras palavras, a afirmação da incerteza, decorrente da atividade probatória infrutífera, equivale à negação da veracidade da alegação.150 A função das regras sobre ônus da prova consiste em ministrar ao julgador um critério, por mais insatisfatório e desalentador que seja ele, para julgar a causa. Superada essa etapa, que antecede à seguinte, o juiz necessitará, enfim, cotejar as afirmações de fato (razões de fato) com a prova produzida, sem pejo da origem (princípio da comunhão), para firmar convencimento ao seu respeito, indicando os motivos desta ou daquela conclusão. É o capítulo de mais árdua elaboração da sentença. O juiz avaliará os subsídios probatórios, decorrentes da iniciativa das partes ou do próprio juiz, porque restritas são as hipóteses em que pode utilizar conhecimentos adquiridos por meios diferentes. Fórmulas de estilo, como a alusão ao depoimento da testemunha x, ao documento y, ou à conclusão z do laudo pericial, são inaceitáveis. Embora não se possa exigir do juiz a análise de cada prova em particular e, no seu âmbito, o cotejo de cada elemento (v.g., no depoimento da testemunha x, a análise de todas as afirmativas), as opções têm de ser expostas e justificadas cabalmente. Por exemplo, existindo versões diferentes na prova testemunhal, cumpre o juiz explicar o motivo por que valorizou mais a declaração da testemunha x, e, não, da testemunha y, em razão do modo pelo qual se expressou na audiência, da coerência intrínseca do depoimento, das suas reações à inquirição, e assim por diante. E indicará, ainda, eventual concordância do depoimento com esta ou aquela peça informativa constante nos autos. A simples enunciação da motivação suficiente – o juiz precisa indicar as razões do seu convencimento, a teor do art. 371 – revela quão escassa é na prática forense. A raridade não elimina o ônus de oferecer motivação desse conteúdo, pois se cuida de imperativo do Estado Constitucional de Direito. Em seguida, analisará e resolverá as questões de direito suscitadas e debatidas, ou não suscitadas, porque não se encontra adstrito às alegações das partes (iura novit curia). Entenda-se bem: inexistindo alegação de direito, e, conseguintemente, o debate prévio das partes, o juiz não fica impedido de explorar todas as perspectivas jurídicas que envolvem o objeto litigioso; porém, deverá anunciar previamente às partes a linha que seguirá no seu

raciocínio, evitando proferir autêntica decisão “surpresa”. Eis o motivo por que o art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e organização do processo. A boa e convincente motivação dispensa evidências de erudição. Entre nós, não é vedado ao juiz indicar as fontes de seu saber jurídico; mas, dispensam-se, a bem da inteligibilidade do provimento, as citações copiosas, rebuscadas, extensas e – principalmente – em língua estrangeira. Estas, por sinal, somente se mostram admissíveis sob duas condições: primeira, acompanhadas de tradução livre, evitando ofensa ao art. 156; segunda, seguidas de indicação da sua pertinência com o direito nacional. A esse propósito, e segundo noticia magistrado de excelsas virtudes, costumava-se contar, no foro de São Paulo, que determinada sentença, copiosamente ornamentada com citações na língua alemã, tornou impossível ao tribunal averiguar o acerto ou o desacerto da motivação, não restando outro remédio que baixar os autos em diligência para o juiz de primeiro grau traduzir o seu escrito.151 A disciplina legal e os costumes forenses variam muito nessa matéria. O art. 118 das denominadas “Disposições para aplicação do Código de Processo Civil e disposições e disposições transitórias”, no direito italiano, hoje admite a indicação de precedentes, mas continua proibindo a indicação de autores jurídicos.152 É considerado elegante, na Inglaterra, não citar autores vivos, enquanto na Alemanha o socorro aos subsídios acadêmicos produzidos pelos mais eminentes professores na matéria é uma constante.153 Convém rememorar, neste passo, o aspecto meramente formal do silogismo implícito nesta explicação. Ele apenas serve à exteriorização da atividade mental, não desnudando, verdadeiramente, a sua gênese.154 O ato de julgar compreende intuição, sentimentos e vontade.155 Não se afigura aleatória, de resto, a ordem de resolução das questões. O juiz enfrentará primeiro as questões logicamente antecedentes, passando à subsequente no caso de superar a antecedente, verificando eventuais errores in procedendo. Também aí a atividade do juiz seguirá a ordem natural do processo, iniciando com a constituição da relação processual, passando à formação do contraditório e findando com a instrução e chegada à fase de decisão.156 O sumário apresentado focou precipuamente o problema da motivação suficiente. Nem tem o propósito de fixar roteiro ou retratar fielmente a atividade intelectual do juiz. Este é um fato interno (psíquico) e só pode ser apreendido na sua materialização no processo. Há quem faça sugestões ao itinerário mental: (a) o juiz começará pela aplicação da regra formalmente válida à hipótese de fato que ela disciplina, porque sentenciar contra legem geralmente enseja a arbitrariedade; (b) a solução alcança há de ser revista à luz dos precedentes e, levando estes a solução distinta, o juiz explicará os motivos para tanto, pois as partes atuaram prevendo a aplicação da regra conhecida, e, não, da regra desconhecida; (c) a solução discrepante deve ser coerente com o ordenamento; (d) em qualquer hipótese, o juiz sopesará os efeitos da solução proposta e, verificando consequências

institucionais, ainda minimizará os efeitos danosos.157 Este assunto escapa à área específica do processo civil. Apresentadas as generalizações necessárias à compreensão dos passos intrínsecos à motivação suficiente, cumpre assinalar as exigências do art. 489, § 1.º, anteriormente expostas (retro, 147). Nenhum reparo técnico merece o art. 489, § 1.º. Bem entendidos seus incisos, e corretamente aplicados, qualificarão as decisões judiciais, atendendo às finalidades do direito fundamental processual. Ademais, os vícios aí verberados não se deviam, no direito anterior, à negligência e à imperícia da pessoa investida na função judicante nos misteres do seu ofício, mas à numerosidade dos feitos. O art. 489, § 1.º, mostra-se praticável se o juiz der toda atenção a um processo de cada vez e, existindo dezenas de milhares de feitos a seu cargo, retardará a prestação jurisdicional. Não é justo negar, entretanto, a razoável expectativa de o NCPC resolver os litígios de massa (v.g., no incidente de resolução de causas repetitivas) e, diminuída a numerosidade, criar o panorama propício à cabal aplicação da motivação suficiente. É aposta alta, ambiciosa e, infelizmente, a lei abriga o ovo da serpente. Ao prever o julgamento do mérito pelo órgão ad quem, após decretar a invalidade da sentença pelo descumprimento da motivação suficiente (art. 1.013, § 3.º, IV) – na verdade, pela falta de motivação; porém, aplicando-se a regra ao mais, também incide no menos (insuficiência) –, abertamente convida o órgão judiciário de primeiro grau a desobedecer ao art. 489, § 1.º. Passando à análise do art. 489, § 1.º, declara a regra não fundamenta a decisão nas seguintes hipóteses: (A) limitada à indicação (v.g., menção ao art. 476 do CC), à reprodução (v.g., o art. 476 do CC é transcrito no todo ou em parte) e à paráfrase (v.g., o art. 476 do CC é reproduzido com outras palavras) do ato (rectius: texto) normativo, sem explicar a respectiva relação com a causa ou a questão decidida; por exemplo, opondo o réu exceção de inadimplemento, o juiz necessitará explicar que, no caso, as prestações dos figurantes guardam ou não guardam reciprocidade, a fim de acolher ou rejeitar a exceção (inciso I); (B) empregar conceitos juridicamente indeterminados (v.g., declara ter o réu perdido o prazo por justa causa, relevando a preclusão, consoante previsto no art. 223, § 1.º, do NCPC), sem explicar o motivo da sua incidência; por exemplo, há de enunciar o fato de parte ter sofrido acidente vascular cerebral, ficando impedida de contratar advogado e contestar a ação, consoante o atestado médico juntado aos autos (inciso II); (C) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; por exemplo, ao julgar embargos de declaração, declara já ter examinado a questão omitida, sem apontá-la e expor os fundamentos utilizados (inciso III); (D) não enfrentar todos os argumentos (de fato e de direito) idôneos, em tese, a infirmar a conclusão adotada; por exemplo, a alegação de que as prestações, teoricamente desvinculadas, guardam reciprocidade por estipulação dos figurantes do contrato (inciso IV);

(E) limitada a enunciação do precedente ou enunciado da súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes e ajustamento da causa ou da questão à tese jurídica; por exemplo, admitindo a oposição de embargos de terceiro pelo promitente comprador (Súmula do STJ, n.º 84), acolhe o pedido, não justificando a oponibilidade dessa posse ao direito do réu, titular de direito real de garantia constituído posteriormente, porque o demandado não poderia desconhecer a obrigação do promitente vendedor (inciso V); (F) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a distinção do caso ou a superação do entendimento; por exemplo, declara admissível o reajuste do IPTU mediante decreto do Executivo municipal (Súmula do STJ, n.º 160), sem invocar julgado posterior em contrário (inciso VI). Complementa o quadro o art. 489, § 2.º. Em caso de colisão de normas, particularmente ocorrente nos direitos fundamentais (v.g., o confronto entre o direito à vida, postulando o autor determinado medicamento do Estadomembro, não arrolado na lista própria, e as possibilidades orçamentárias), necessita indicar o objeto, ou seja, a causa do confronto (v.g., o Estadomembro só é obrigado fornecer os medicamentos da lista própria) e os critérios gerais da ponderação (v.g., o autor dispõe de condições financeiras para suportar individualmente a despesa), explicando, assim, o motivo da prevalência da lista em detrimento do direito de obter o medicamento, fundado na circunstância de fato (v.g., disponibilidade financeira do autor). 1.122.3. Requisitos da motivação – A motivação suficiente há de ser (a) expressa; (b) clara; (c) coerente; (d) lógica.158 Entende-se por motivação expressa a elaboração de fundamentos autóctones e completos, no que tange às questões de fato e de direito, a cargo do magistrado. A motivação tácita revela-se inadmissível. Ao juiz incumbe resolver, explicitamente, todas as questões suscitadas e debatidas pelas partes, esgotando-as por inteiro para acolher e rejeitar, no todo ou em parte, todos os pedidos formulados e implícitos. A resolução de todos os pedidos cumulados dependerá da modalidade de cúmulo empregada na inicial. Por exemplo, na cumulação sucessiva de pedidos, uma vez rejeitado o pedido principal (v.g., o de reintegração na posse), nenhuma palavra precisa ser emitida quanto ao seguinte (v.g., o de perdas e danos), logicamente subordinado ao acolhimento daquele. O predicado da motivação expressa suscita dois problemas: (a) a motivação per relatione, que investiga a medida da originalidade da motivação; (b) a motivação implícita, respeitante à inteireza da motivação. 1.122.3.1. Motivação per relationem – A motivação per relationem consiste ou na reprodução linear dos fundamentos de fato e de direito já constantes nos autos (motivação per relationem interna) ou na reprodução de fundamentos de outro processo idêntico ou similar (motivação per relationem externa). É meio assaz comum de simplificar a motivação dos atos decisórios proferidos nos tribunais (decisões e acórdãos), principalmente com o intuito

de “confirmar” a sentença, e praticado com desenvoltura contemporânea nos feitos de rotina e repetitivos no primeiro grau. Representará motivação per relationem interna a transcrição literal: (a) do parecer do Ministério Público, quando este intervém no processo; (b) da própria sentença, como razões para desprover a apelação; e (c) do parecer do jurisconsulto juntado aos autos por uma das partes. Exemplifica a motivação per relationemexterna a reprodução do inteiro teor de acórdãos ou de sentenças proferidas em outro feito idêntico ou similar, indistintamente, quiçá com a simples troca do nome das partes. Nem sempre, no último caso, atribui-se corretamente a autoria, mencionando o número do processo respectivo e o nome do magistrado. O órgão judiciário incorpora como próprios, ipsis litteris, os originais fundamentos alheios. Em certa oportunidade, ao examinar sentença oriunda de comarca na qual já julgara anteriormente processo similar, o órgão fracionário do tribunal surpreendeu-se com a incorporação anônima dos fundamentos do acórdão na segunda sentença proferida pelo mesmo juiz. Desprovendo a apelação, o relator não olvidou comedido elogio ao colega de primeiro grau: aprendera rápido… Os aspectos relacionados à autoria, pois o acesso fácil aos precedentes estimulou vampirismo desenfreado (ou apropriação do trabalho intelectual alheio sem indicação do autor), constitui problema alheio ao processo em que se incorporou motivação per relationem, interessando aos organismos de controle interno e externo da magistratura. Nenhuma das modalidades de motivação per relationem é, a rigor, admissível. Não basta o órgão revisor, ao encampar o raciocínio externado no ato, averbá-lo de reto e conforme à verdade, à justiça e ao direito. Cumpre-lhe responder à crítica formulada no recurso contra a sentença, dizer por que o ato está de acordo com a justiça, a verdade e o direito. Um argumento talvez baste para tanto. É preciso, para esse mínimo conforto do vencido, o tribunal demonstrar que considerou as razões do recurso – que é pretensão autônoma –,159 e, nada obstante, encampou como próprios os argumentos do ato impugnado.160 Nulo o acórdão, decidiu o STJ, que manteve a sentença por seus próprios fundamentos, sem replicar teses postas na apelação.161 E, no caso da sentença que adota motivação per relationem externa, há risco flagrante: a generalidade, a indistinção entre os casos julgados, a adoção de discurso empolado de erudição jurídica, sem conexão alguma com os fatos da causa em julgamento incorrem nos vícios combatidos no art. 489, § 1.º, cuja exemplificação no item anterior demonstra de forma cristalina. Em um caso, ao menos, a motivação per relationem não há de ser aceita pelo mais econômico dos juízes: o da simples transcrição dos argumentos do Ministério Público, todavia satisfatórios do ponto de vista do art. 489, § 1.º (v.g., quanto ao distinguishing do inciso VI), figurando como parte na causa. Inexistirá, nessa hipótese, além da óbvia falta de cotejo entre as razões dos litigantes, porque só órgão do Estado se manifesta pela autoridade do juiz, a aura de equidistância no discurso judicial. 1.122.3.2. Motivação implícita – O juiz não é obrigado a examinar, com a finalidade de refutar ou acolher, uma a uma as afirmações das partes que exprimem juízos e, portanto, representam razões, salvo as que colidem com a conclusão (art. 489, § 1.º, IV). Basta analisar e resolver todas as questões que sejam hábeis para rejeitar ou acolher o pedido. A motivação implícita é

motivação existente. Ela se infere da motivação expressa. Porém, não chegou a explicitar-se, porque desnecessário. Por exemplo: (a) o juiz não se manifesta sobre um ou mais pontos de fato ou de direito, porque incompatíveis com o ponto já considerado; (b) o juiz aceita a razão exposta por uma das partes, subtendendo-se rejeitada a razão divergente que a ela contraposta; e (c) o acolhimento da questão antecedente importa a desnecessidade de analisar a subsequente.162 Exemplos de motivação implícita enquadrados nessas classes: (a) o juiz declara inconstitucional a regra tributária perante certo dispositivo constitucional, silenciando acerca das demais inconstitucionalidades apontadas na inicial; (b) na ação de reparação de dano, em acidente de trânsito ocorrido na via terrestre, em que o autor alega ter sido atingido na traseira do seu veículo, o juiz avalia que o autor deu marcha à ré, abruptamente, e atingiu a frente do veículo do réu; (c) o juiz declara prescrita a pretensão, omitindo o exame da existência da dívida. Nessas hipóteses, o juiz se abstém de apreciar todos os pontos suscitados e debatidos; porém, nenhum prejuízo à parte se configura nesta omissão. Com efeito, o art. 1.013, § 2.º, institui o contrapeso necessário à motivação implícita, declarando que, “quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais”. À primeira vista, a regra admite a suficiência da motivação implícita, entroncada no princípio da economia: o máximo de resultados com o mínimo de atividade. Assim, na ação em que A pede a separação de B, alegando adultério com C e com D, o juiz não precisará examinar o adultério com D, declarando provado o contato sexual com C. Eventual juízo de improcedência, todavia, exigirá o exame de ambos os fatos. O STJ já decidiu que é nula a sentença de improcedência em que o juiz não motivou a rejeição das duas causas de pedir.163 A escolha de uma das razões de direito ou de fato invocadas, quer ao acolhimento, quer à rejeição do pedido, elimina a necessidade de examinar e resolver as demais. O requisito da clareza respeita à inteligibilidade do ato. O juiz deve evitar palavras ambíguas. A coerência envolve a ordem de apreciação das questões. Não se afigura correto inverter a ordem das questões, examinando em primeiro lugar a questão subsequente (existência da dívida), e, depois, a antecedente (prescrição). A ordem natural das questões, como já assinalado, não fica ao alvedrio do juiz. Ela decorre, sobretudo, da lógica mais elementar. No caso de acolhimento da prescrição, aliás, mostrar-se-ia irrelevante conclusão positiva a respeito da dívida, excluída em tese a pretensão dela decorrente. O raciocínio implicaria flagrante desperdício de atividade intelectual. É ainda mais grave a incoerência na hipótese de o juiz, após proclamar a ilegitimidade do autor, e, assim, expor fundamento suficiente e hábil à extinção do processo (art. 485, VI), passar ao exame hipotético do mérito, explicando o motivo pelo qual, habilitado o autor a conduzir o processo, jamais lograria sucesso.164 Notória dissipação da atividade mental, o juiz empregaria melhor seu tempo no exame de outros feitos. A alegação de que, expostas tais razões, o tribunal conheceria o pensamento do juiz de primeiro grau, no caso de rejeitar a ilegitimidade de passar a julgar o mérito, respeitados os pressupostos do art. 1.013, § 3.º, demonstra o caráter supérfluo desse esforço

suplementar: o tribunal pode ir além do caminho percorrido pelo juiz, haja ou não fundamentos a respeito da área descoberta. Nesse sentido, como já afirmado em outras oportunidades, o art. 488 constitui notória aberração. E, por fim, o caráter lógico da motivação ficará garantido com a congruência entre o fundamento exposto e o teor da resolução tomada a respeito da questão suscitada e debatida no processo. É evidente que a conclusão justa constitui o predicado fundamental da sentença. Todavia, “sem uma exposição hábil, clara, metódica, elevada, dos argumentos que a sustentam não logrará convencer os litigantes, nem o público”.165 1.122.3.3. Motivação suficiente – Considera-se suficiente a motivação que resolve todas as questões suscitadas e debatidas pelas partes, nos termos do art. 489, § 1.º, habilitando o órgão judiciário a emitir o juízo contido no dispositivo. É por essa razão que, uma vez rejeitado o pedido antecedente, nenhuma palavra precisa conter o ato quanto ao pedido subsequente (art. 324, caput), na cumulação sucessiva de pedidos (retro, 279.2), porque a rejeição daquele impede, por definição, que o juiz aprecie a este. Não é insuficiente, de resto, a motivação errônea ou que ignore razões secundárias. Não há uma diretriz unívoca para apurar a suficiência da motivação da sentença.166 Não pode o juiz, evidentemente, escolher as questões suscitadas e debatidas pelas partes que analisará e resolverá, sem questões preliminares, prévia ou de mérito.167 Em contrapartida, não precisa perder tempo com a resolução de questões insuscetíveis de influenciar o dispositivo (art. 489, § 1.º, IV). Por isso, basta-lhe resolver as questões que predeterminam o sentido e o alcance do dispositivo. É preciso, ainda, considerar obrigatória a resolução da questão federal e da questão constitucional suscitada e debatida, a fim de ensejar à parte vencida tanto o recurso especial, quanto o recurso extraordinário. A pluralidade de fundamentos há de ser objeto do recurso, pois a impugnação de um só deles torna o recurso especial inadmissível (Súmula do STF, n.º 283), e, existindo questão federal e questão constitucional, a impugnação daquela, mediante recurso especial, sem a impugnação da outra pelo recurso extraordinário, torna ambos os recursos inadmissíveis (Súmula do STJ, n.º 126). Interposto só um dos recursos, ou o especial ou o extraordinário, o julgamento não modificaria o provimento, que subsistiria pelo outro fundamento. 1.122.4. Espécies de motivação – Em casos de extinção do processo sem resolução do mérito, a motivação será mais breve do que a exigida no juízo do mérito. Em consequência, há (a) motivação concisa ou breve; em contraposição, existirá (b) motivação extensa ou ampla. Nenhuma delas é, em princípio, incompatível com o art. 489, § 1.º. A motivação extensa é inerente à sentença definitiva. Em tal espécie de pronunciamento, incumbe ao juiz resolver todas as questões suscitadas e debatidas no processo, por inteiro, preparando a emissão de juízo a respeito

do acolhimento ou da rejeição do pedido, e pronunciar-se sobre o próprio pedido – ressalvadas as hipóteses de motivação implícita (retro, 1.122.3.2). Na extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, caput), a atividade intelectual do juiz, tendente a resolver a questão que lhe impede de ingressar no mérito (v.g., a ilegitimidade do autor), flagrantemente diminuirá em extensão; porém, no tocante à profundidade, reconhecer a ilegitimidade do autor talvez envolva o juiz em intensas e infrutíferas investigações. Fundamentar de modo breve nem sempre se mostrará possível, inclusive nas espécies do art. 485. Tudo dependerá da natureza da questão de direito. Em alguns casos, realmente, o juízo de admissibilidade negativo, que culmina no juízo do art. 485, exige atividade intelectual mínima. Então, o juiz encontra-se autorizado a exteriorizá-lo, formalmente, na motivação concisa, na qual predominará a economia de palavras. Por exemplo, desistindo o autor da ação com a concordância do réu (art. 485, § 4.º), bastará realizar breve referência a tais fatos, extinguindo o processo em seguida. A motivação concisa se aplica em outras hipóteses além da extinção sem resolução de mérito. De ordinário, só o acolhimento ou a rejeição do pedido (art. 487, I), reclamará motivação extensa. Nos demais casos do art. 487, III, a até c, a economia de palavras representa um imperativo da situação.168 A resolução do próprio mérito, por vezes, restringe-se à análise de questão singela. Por exemplo, o executado se opõe à execução, alegando excesso (art. 525, V), mas a prova pericial elucida o montante da dívida, indicando quantia inferior ao objeto mediato do pedido. Poucas palavras precisam ser ditas para motivar, suficientemente, a rejeição do pedido. Lançadas essas premissas, alinha-se a diretriz. A admissibilidade e a pertinência da motivação concisa não se relacionam à ausência de julgamento do mérito, porque também se legitima neste âmbito, e, sim, à complexidade do(s) ponto(s) de fato e de direito que ao juiz incumbe(m) resolver. É comum na extinção do processo, porque há questão única, em princípio assentada em fatos incontroversos, não apresentando grandes dificuldades para resolver juridicamente; e eventual, sob as mesmas condições, na resolução do mérito. Não prescinde a motivação concisa, quando cabível, do obrigatório atributo da precisão.169 É corte nas palavras supérfluas. Todavia, as que sejam usadas hão de exprimir, na máxima correção, o teor da deliberação judicial. A motivação concisa de modo algum equivale à ausência total de motivação. O juiz deve evidenciar a pertinência lógica entre a situação processual – por exemplo, a formulação da desistência – e a resolução tomada, porque disponível o objeto litigioso. Há casos em que a desistência revela-se inadmissível (v.g., da ação direta de inconstitucionalidade, a teor do art. 5,º, caput, da Lei 9.868/1999). Uma palavra basta, afirmando a admissibilidade da desistência, na generalidade dos casos, mas ela precisão ser dita. A motivação concisa há de ser tão expressa como a motivação extensa. 1.122.5. Finalidades da motivação – A motivação tem várias finalidades. É comum agrupá-las em duas classes: (a) função interna; e (b) função

externa.170 As distintas projeções da motivação, dentro e fora do processo, explicaria a previsão constitucional e infraconstitucional.171 Em relação às partes, em particular na perspectiva do vencido, “importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi”,172 na expectativa que se convença do acerto da sentença. Eventualmente, a motivação convincente desestimulará a interposição de recurso, mostrando que resultado obtido não é fruto da sorte ou de simples capricho do órgão judiciário.173 Embora quimérico, pois raramente o vencido fica convencido, o objetivo se harmoniza com o processo constitucionalmente legítimo. O juiz dará os fundamentos que o convenceram da razão do vencedor e da falta de razão do vencido.174 Legitima-se, assim, na perspectiva da fenomenologia existencialista, o provimento.175 A finalidade técnica da motivação deriva da interligação do ato decisório com os meios de impugnação. No que tange à sentença, a motivação influencia a extensão e a profundidade do efeito suspensivo. E, de resto, só conhecendo as razões de decidir as partes se habilitam a impugnar adequadamente o provimento desfavorável. Neste sentido, a afloração das questões constitucional e federal, para efeitos de prequestionamento, revelase essencial ao cabimento dos recursos extraordinário e especial, e constitui outra manifestação do valor técnico da motivação. Do ponto de vista do órgão hierarquicamente superior, a motivação assegura o controle jurisdicional do ato, e, igualmente, o administrativo – a perfeição conta pontos a favor do magistrado em futuras progressões na carreira. E, por fim, o teor da motivação permite o controle público da legitimidade constitucional dos provimentos emanados dos órgãos judiciários, inclusive a opiniãoquisquis de populo.176 Tem a motivação, pois, a função de garantia de ordem política.177 Por idênticas razões, os julgamentos são feitos a portas abertas e sua transmissão televisiva, ao vivo, muito difundida em tempos recentes, aquieta a opinião pública nos casos de transcendência social, revelando como se formam, nos tribunais através de votos convergentes, cada qual com seu viés próprio, os provimentos judiciais. 1.122.6. Consequências da motivação inexistente ou insuficiente – Dos requisitos que norteiam a motivação hábil ao preenchimento dos requisitos constitucionais derivam quatro vícios: (a) a falta de motivação; (b) a contradição de fundamentos; (c) a ausência de resposta aos fundamentos de fato e de direito; (d) a motivação hipotética e duvidosa.178 É preferível, todavia, agrupá-los em duas classes: (a) falta de motivação; (b) insuficiência da motivação. Esse arranjo mais simples favorece o tratamento homogêneo dos vícios. A sentença sem motivação de qualquer espécie, ou que contenha motivação insuficiente, em princípio é nula. A falta de motivação não torna o provimento inexistente. Tampouco a má fundamentação implica a inexistência de motivação.179 O erro dos juízos externados pelo juiz torna a sentença injusta, jamais nula e, muito menos, inexistente.180 É preciso entender claramente os planos da existência, da validade e da eficácia (retro, 1.086) para não incorrer no excesso, muitas vezes repetido,181 olvidando o caráter apenas referencial da existência. O ato desprovido de motivação ingressa no mundo jurídico, mas deficientemente. É ato viciado – o art. 93, IX, in fine, da

CF/1988 realizou a opção correta. O art. 1.013, § 3.º, IV, considera a falta de fundamentação “nulidade”. Não poderia contrariar a regra constitucional. O vício que decorre da falta ou da insuficiência da motivação é nulidade cominada pelo art. 93, IX, in fine, da CF/1988. Trata-se de nulidade absoluta,182 consoante a linha preconizada na doutrina prevalecente (infra, 1.251), a par de cominada (infra, 1.254), em virtude da simultânea conjugação de dois dados: a infração atinge regra imperativa; e o interesse tutelado extravasa o âmbito do interesse particular dos litigantes,183 em atenção ao escopo político da garantia da motivação. Em consequência, o vício pode ser decretado ex officio, mas ficará suprido por julgamento posterior – por exemplo, no julgamento da apelação, o tribunal adota, originariamente, os fundamentos apropriados para fixar o montante dos honorários.184 A sentença desprovida de motivação transita em julgado. É de se refutar, pois dissociada da realidade e impróprio, a tese que localiza nos defeitos da motivação vício transrescisório,185 imunizando o ato à autoridade da coisa julgada após o esgotamento das vias recursais. Enquanto não ocorre o trânsito em julgado, os vícios da motivação inexistente e da motivação insuficiente comportam correção através de embargos de declaração ou, sucessivamente, da apelação. Também se concebe o vício da motivação contraditória. Por exemplo, inexiste coerência ou correlação entre os argumentos empregados na motivação para chegar à conclusão.186 Não se mostrará necessário pronunciar a invalidade da sentença nesse caso. Vale o que consta no dispositivo. A autoridade da coisa julgada não se estende aos motivos, ainda que determinantes (art. 504, I), exceto, talvez, no processo objetivo – a jurisprudência do STF, em todo o caso, não se firmou a respeito (infra, 1.685.4). Mas, o vício pode ser corrigido por meio de embargos declaratórios e dos meios de impugnação subsequentes (apelação). 1.222.7. Interpretação da motivação – O art. 489, § 3.º, ocupa-se inovadoramente, da interpretação da motivação. Impõe a interpretação integral de todos os seus elementos e segundo a boa-fé. Entenda-se bem: a auctoritas rei iudicate recairá sobre o dispositivo, mas a motivação dos acórdãos, especialmente nos casos repetitivos (art. 928), assume relevo transcendente, porque autorizará o juiz, ou não, aplicar o precedente (art. 489, § 1.º, V), identificando a ratio decidendi e indicando seu ajustamento à espécie sob julgamento, ou a realizar o distinguishing do art. 489, § 1.º, VI. A regra de interpretação também se destina às partes. Consoante o teor da motivação, as partes podem avaliar, v.g., os critérios de cálculo fixados na sentença de procedência, a teor do art. 491, caput. 1.123. Dispositivo da sentença O dispositivo da sentença (art. 489, III) consubstancia a resposta do órgão jurisdicional ao(s) pedido(s) formulado(s) pelo autor e, eventualmente, pelo réu. Em princípio, a defesa do réu direta ou indireta nada pede, porque o réu não age, mas reage à pretensão do autor, e o acolhimento da defesa, no todo ou em parte, refletir-se-á na rejeição do pedido (ou improcedência). O réu

formula pedido na reconvenção ou, mais raramente, no incidente de falsidade (art. 430, parágrafo único), que cumpre ao juiz julgar no dispositivo. O art. 489, III, assinala que, no dispositivo, o juiz resolverá “as questões principais que as partes lhe submeterem”. O juiz se pronuncia acerca dos pedidos nesse tópico da sentença. A palavra questões tem duplo sentido no processo civil brasileiro: ou são os pontos de direito e de fato controvertidos, analisados e solucionados na motivação (art. 489, II); ou são as postulações das partes (no mínimo, em todo processo há uma postulação do autor). O dispositivo contém o julgamento da causa, e, não, o das questões da causa. 1.123.1. Objeto do dispositivo da sentença – O objeto do dispositivo recai, formalmente, sobre os pedidos formulados no início e no curso do processo. O decisumexpressará “proposições que precisem a espécie e a extensão da prestação jurisdicional que se entrega”.187 E, a esse respeito, o juiz “não pode deixar nada implícito; o juiz há de pronunciar-se em termos inequívocos sobre tudo que se pleiteia, e bem assim sobre o que a lei ordena ao juiz decidir independentemente de pedido, como as custas e os honorários advocatícios”.188 No tocante à reconvenção, o STJ já estimou que o acolhimento da ação, haja vista a incompatibilidade de semelhante solução com o contrapedido do réu, supre a falta de dispositivo.189 Mas, o mesmo tribunal anulou a sentença que, julgando conjuntamente as pretensões cautelar e principal, omitiu disposição a respeito da primeira.190 Interessa sobremodo à técnica de redação do dispositivo a distinção entre pedidos explícitos e implícitos (art. 322, § 1.º). Entretanto, o dispositivo sempre se revestirá de caráter expresso, inclusive no tocante aos pedidos implícitos. Omitida provisão a respeito da distribuição dos ônus da sucumbência, dos juros de mora ou da correção monetária e, quanto a esta, os respectivos índices e formas de cálculo, há omissão, passível de correção por intermédio de embargos de declaração. Também no dispositivo o juiz interpretará o pedido, na forma do art. 322, § 2.º, entendendo nele compreendido tudo quanto virtualmente contenha (v.g., o pedido de indenização do danos, conforme as alegações da inicial, noticiando abalo emocional, abrange o dano patrimonial e o dano extrapatrimonial). A cumulação de pedidos oferece, nesses domínios, algumas particularidades e apresenta atenuações à regra geral: (a) rejeitado o pedido principal, o juiz não precisará julgar o pedido sucessivo, porque só cabe apreciar a este no caso de acolhimento daquele; (b) acolhido o pedido principal, na cumulação eventual (art. 324,caput), o juiz tampouco julgará o pedido subsequente, porque só cabe apreciar a este no caso de rejeição daquele. Mas, haverá vício na sentença – problema delicado e difícil examinado em item próprio (infra, 1.597) – se, acolhido o pedido principal, o juiz nada dispor quanto ao pedido sucessivo; ou inversamente, se o juiz rejeitar o pedido antecedente e não apreciar o subsequente. Na cumulação de pedidos simples, é fora de dúvida que todos, inclusive nas suas especificações (art. 319, IV), hão de merecer disposição expressa. Nos casos de cumulação sucessiva e eventual, os juízes menos calejados na função ficam em dúvida quanto à formulação do juízo final. Inexiste motivo para hesitar: há improcedência total e procedência total, respectivamente. O mesmo ocorre quando, expostas duas causas de pedir aptas ao acolhimento

do pedido, ao juiz pareça que a prova só lhe autoriza acolher uma delas. Nesta contingência, proferirá sentença de acolhimento total do pedido. A apelação do réu encarregar-se-á de devolver toda a matéria ao órgão ad quem. A improcedência parcial sucede nos casos de cumulação simples (retro, 279.1) – por exemplo, o cônjuge pleiteou a separação e a reparação do dano moral provocado pelo ilícito aos deveres do casamento – e nos de rejeição qualitativa (v.g., na ação de reparação de dano, os lucros cessantes) ou quantitativa (v.g., o autor pediu 100, mas o juiz concede 60) de partes do mesmo pedido. No tocante aos pedidos explícitos, o dispositivo ficará adstrito aos limites predeterminados pelo postulante. É o que determina, categoricamente, a teor do art. 492,caput. O provimento que descumprir os limites impostos pelo autor incorporará os defeitos citra, extra ou ultra petita,191 viciando a sentença. O princípio da congruência entre o pedido e o decidido explica essa limitação. É vedado, perante o pedido genérico, emitir sentença genérica, salvo nos casos do art. 491, I e II. 1.123.2. Tipicidade do dispositivo da sentença – O dispositivo da sentença terminativa ou definitiva revela-se essencialmente típico. Ele subsumir-se-á às molduras contempladas nos arts. 485 e 487, cuja enumeração exaure as possibilidades abertas ao julgamento, com ou sem resolução de mérito. É preciso, de resto, a explicitação do dispositivo na própria sentença e não alhures,192 invocando o juiz passagem de outro documento dos autos. 1.123.3. Conteúdo do dispositivo da sentença – Em virtude do princípio da tipicidade das sentenças, o conteúdo do dispositivo corresponderá às hipóteses legalmente fixadas nos arts. 485 e 487. Por exemplo, integrará o conteúdo do dispositivo da sentença homologatória da transação (art. 487, III, b) as disposições das partes, no seu conjunto, como o dever de o réu pagar ao autor certa quantia em dinheiro. O conteúdo da sentença mediante a qual o juiz acolhe ou rejeita o pedido do autor, no todo ou em parte (art. 490), merece realce à parte. No caso de procedência, o juiz empregará, na proposição constante do decisum, o verbo correspondente à força principal da ação (v.g., declarar e condenar). Existem variações hauridas do direito material, porque a classificação das sentenças através das forças e dos efeitos baseia-se em critério material (retro, 230); por exemplo: o verbo “anular”, tratando-se de pretensão para dissolver o negócio jurídico material celebrado por pessoa absolutamente incapaz (art. 166, I, do CC); e o verbo “resolver”, cuidando-se da pretensão prevista no art. 475 do CC. O estudo das eficácias intrínsecas às sentenças definitivas evitará erros banais – por exemplo, “declarar” a nulidade, pois o juiz desconstitui o nulo (força constitutiva negativa). Encerra o dispositivo, dentro dos limites traçados na petição inicial, porque o art. 319, IV, impõe ao autor formular o pedido “com as suas especificações”, as operações lógicas preparadas na motivação. Tratando-se, por exemplo, de restituir o patrimônio do autor ao estado anterior ao ilícito, o órgão judiciário já resolveu os pontos de direito e de fato respectivos – e, portanto, pronunciouse acerca dos aspectos qualitativos (v.g., o cabimento dos lucros cessantes) e

quantitativos (v.g., o valor da reparação).193 O art. 491 exige que ministre, ainda, os critérios de cálculo. O juízo de improcedência afigura-se mais simples. O juiz declara a inexistência da pretensão alegada pelo autor. Por essa razão, a força dominante das sentenças que desacolhem o pedido é declaratória. Em qualquer hipótese, ou seja, no juízo de procedência e no juízo de improcedência, ao órgão judicial caberá resolver “as questões principais que as partes lhe submeterem”, conforme determina o art. 489, III. A auctoritas rei iudicate recairá sobre o dispositivo e abrange as questões decididas (art. 503, caput). Por exemplo, na ação em que A pede alimentos de B, fundado na paternidade do réu, e obtemperando este (a) não ser pai de A (questão prejudicial, haja ou não pedido de declaração incidente) e (b) prescrição, o dispositivo conterá obrigatoriamente o reconhecimento da paternidade (biológica ou afetiva) e a rejeição da prescrição. É imperioso repelir, à luz do art. 489, III, c/c art. 468, in fine, a tese de o capítulo de mérito da sentença de mérito cingir-se à resolução dos pedidos do autor (infra, 1.590), haurida da doutrina italiana,194 porque também as questões suscitadas na defesa de mérito indireta são objeto de resolução no dispositivo. 1.223.4. Eficácia do dispositivo da sentença – A autoridade da coisa julgada recairá sobre o dispositivo.195 Transitada em julgado a sentença, e inexistindo a substituição do ato por acórdão emanado de autoridade judiciária hierarquicamente superior (art. 1.008), do dispositivo decorrem os efeitos próprios da sentença. Concebe-se que o dispositivo: (a) não julgue algum dos pedidos formulados; (b) julgue pedido não formulado. A coisa julgada cinge-se ao decidido. É lícito à parte, nesta contingência, adotar dois caminhos: (a) renovar o pedido omitido em outra demanda;196 ou (b) rescindir a sentença, por violação manifesta da norma jurídica (art. 966, V). E, no segundo caso, o vínculo das partes subsiste quanto ao decidido, e, não, no tocante ao pedido. Idêntica diretriz se aplica à divergência entre a motivação e o dispositivo. Em certa oportunidade, o tribunal negou provimento ao agravo aviado contra a decisão a exclusão de litisconsortes, apesar de fundamentar em sentido contrário, mas o STJ estimou que, considerando o dispositivo, não cabia o prosseguimento do processo.197 1.223.5. Localização do dispositivo da sentença – A bem da clareza, o dispositivo da sentença há de constar, explicitamente, no fecho da sentença. Parece altamente impróprio, em virtude das ulteriores dificuldades de interpretação e cumprimento, o dispositivo reportar-se às decisões tomadas na motivação. É certo que, ao contrário do que expressa o art. 489, III, segundo o qual o juiz resolve as “questões principais que as partes lhe submeterem”, o dispositivo contém o julgamento da causa, apreciando o juiz, favoravelmente ou não, os pedidos formulados. Disposição desse teor pode ser localizada, formalmente, alhures na sentença. Mas, a sentença precisa indicar, claramente, quais são essas resoluções e o lugar para fazê-lo, com o devido realce, é na parte própria: o dispositivo.

Em matéria de sentença, em especial a definitiva, as inovações formais provocam dúvida e confusão. Não há meios, porém, de constranger juízes adeptos do informalismo extravagante, após o estágio probatório, à forma prescrita em lei. O ato atinge sua finalidade, a despeito do vício, e mostrar-seá válido (art. 188). O que importa, neste sentido, é a existência do dispositivo, e, não, a sua localização no corpo da sentença. A sentença que exprime a resposta ao pedido na motivação, ao invés de situá-la no lugar apropriado, exigirá redobrado cuidado na sua interpretação e aplicação. § 233.º Estrutura do acórdão 1.124. Ementa do acórdão A ementa do acórdão, exigida no art. 943, § 1.º, dá conhecer à comunidade jurídica o objeto do julgamento, identificando a(s) tese(s) jurídica(s) adotada(s) pelo tribunal. A ementa permite localizar o acórdão facilmente, via internet, nas pesquisas profissionais e acadêmicas, dentro da massa de julgados provenientes do tribunal, e a organizá-lo nos repertórios de jurisprudência, com o fito de servir de precedente em casos similares. Por um lado, o acórdão sem ementa, prática outrora frequente, prestava-se, justamente, a submersão dos julgados extravagantes e insólitos, lançando-os ao progressivo olvido, a bem da respeitabilidade da Justiça, evitando que sejam invocados para repetir-se o erro e a injustiça. Tal objetivo obscuro sempre conviveu com a modéstia de alguns desembargadores e ministros, cuja indiferença à lisonja dos seus pares e dos advogados expressava-se eliminação da ementa. Escondiam-se, assim, das gerações futuras a grandeza do julgado e a cultura dos magistrados. Nenhuma das atitudes mostra-se saudável. Daí a obrigatoriedade de o acórdão conter ementa. A ementa exibe valor essencialmente relativo. É somente o ponto de partida. Por exemplo, no recurso especial baseado em dissídio jurisprudencial (art. 105, III, c, da CF/1988), exige a demonstração analítica do objeto da divergência, no tocante à questão federal, ou seja, “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”, bem como a prova material da divergência (art. 1.029, § 1.º). Inspirou-se a regra na Súmula do STF, n.º 291, hoje superada em pontos acessórios. Em princípio, o recorrente não se desincumbe desse ônus transcrevendo a ementa. É preciso comparar trechos do julgado e do paradigma, transcrevendo-os na peça recursal. No entanto, há ementas analíticas, extensas e precisas, que expõem as teses jurídicas, indicam a norma aplicável a cada uma delas, explicando o respectivo campo de incidência, que de per si atendem às exigências de cotejo.198 Não é incomum o pesquisador localizar acórdãos cuja ementa, desproporcional, excede o número de palavras da motivação. A ementa sintetiza a(s) tese(s) jurídica(s) adotada(s) no julgamento. Por exemplo: declara inadmissível o recurso deserto, porque não comprovou o recorrente o preparo, apesar de o relator facultar prazo para tanto. Diz-se muito delicada a técnica necessária à confecção de ementas.199 Realmente, apreender a essência do julgamento e traduzi-la em fórmula concisa e exata, quiçá apontando o fundamento legal – o que não se

confunde com a sua inútil reprodução –, exige variados atributos, o domínio de uma técnica avançada e de lucidez nem sempre gerais. Avulta o fato que inexiste padrão uniforme obrigatório nessa matéria. A falta de credibilidade das ementas induziu a necessidade de a petição do recurso especial especificar “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados” (art. 1.029, § 1.º, in fine), e já se estimou que “não basta indicar ementas ou fazer breves transcrições, desacompanhadas do indispensável confronto analítico”.200 Uma ementa equivocadamente redigida tem influência perniciosa, talvez perene, gerando uma corrente de julgados difícil de ser quebrada. Talvez por esse motivo tornou-se prática comum o relator redigir ementas analíticas e excessivamente extensas, divididas em vários itens, contendo excertos doutrinários e indicando precedentes jurisprudenciais, em alguns casos com o número do recurso e o nome do relator. A utilidade da ementa na forma clássica, ou no feitio analítico, é manifesta, simplificando a consulta dos precedentes nos repositórios autorizados ou na internet. A falta de ementa constitui omissão para os efeitos do cabimento dos embargos de declaração (art. 1.022, II). O defeito torna nulo o acórdão, vez embora o art. 489 não a caracteriza como elemento “essencial” do pronunciamento,201 porque impede sua publicação no órgão oficial (art. 943, § 2.º, c/c art. 205, § 3.º). O prejuízo do vício, no direito atual, afigura-se manifesto.202 Por óbvio, o vício jamais atingirá o julgamento em si, cingindo-se à peça que lhe é posterior. 1.125. Relatório do acórdão Ao relator incumbe, após receber em conclusão o recurso ou a causa de competência originária, chegado o momento do julgamento, devolver os autos no prazo de trinta dias, acompanhado de voto e de relatório (art. 931). O objeto do relatório (ou exposição) consiste nas afirmações relevantes das partes, no que tange às questões de fato ou de direito, mas incertas ou controversas. Ele conterá, ainda, a identificação das partes e o número do recurso, tirados do protocolo e constantes da autuação. Esses dados obstam que a secretaria extravie a peça, juntando-a noutro processo. É claro que tal possibilidade fica excluída no processo eletrônico. À diferença do relatório da sentença, o art. 931 não constrange o relator a reproduzir os comemorativos do processo, passo a passo, porque nem todos interessam ao mérito do recurso sob julgamento. Daí a regra anterior, limitando o acórdão ao que versar o recurso. Um bom relatório, desprovido de pormenores inúteis, mas completo, garante a compreensão por todos os juízes da matéria controvertida. Por exemplo, impugnando o recorrente a fixação dos honorários advocatícios, nenhuma palavra precisar ser dita sobre o mérito propriamente dito. O relatório versará este ponto e, ainda, as questões passíveis de conhecimento, ex officio, e que, embora não suscitadas, despertaram a atenção do relator. Raramente, o redator do acórdão acrescenta os acontecimentos posteriores ao relatório (ou exposição), elaborado antes do julgamento – por exemplo, mencionando que ele próprio anuiu (ou discordou, neste ou naquele

ponto) com a exposição; o presidente designou tal dia; o julgamento, em si, ocorreu na sessão de tal dia; e assim por diante. É comum o redator reportar-se, brevitatis causa, à exposição escrita, indicando o número das páginas nos autos. Se o relator, por sua vez, reportou-se a outro relatório existente nos autos – por exemplo, o da sentença ou o de outro recurso, cujo provimento implicou o retorno dos autos à origem ou o processamento da causa –, corre-se o sério risco de tornar ininteligível para o leitor o teor da controvérsia para quem, no futuro, queira inteirar-se do teor da controvérsia. Os julgamentos colegiados realizam-se oralmente e, passada a palavra ao relator, após o presidente da sessão chamar o processo a julgamento, cumpre-lhe ler o relatório. Em decorrência da expressiva quantidade de recursos e causas, impôs-se o costume de o presidente consultar o advogado se dispensa tal leitura, subentendo que haja os interessados hajam se inteirado do respectivo conteúdo mediante consulta aos autos, no prazo de cinco dias previsto no art. 935, caput. Essa presunção é irreal no processo físico (aliter, no eletrônico), pois os autos ficam inacessíveis, em algum sítio entre o gabinete do relator e a secretaria do órgão fracionário do tribunal, prática combatida no art. 935, caput, e cujos efeitos ainda são indeterminados. É preciso altivez para rejeitar a sugestão do presidente da sessão. Poucas vezes se ouve essa declaração. Seja como for, a falta de leitura não torna inválido o julgamento,203 nem caberia decretar a invalidade, ante a ausência manifesta de prejuízo. 1.126. Motivação do acórdão Em relação à motivação, as considerações já feitas a respeito da sentença se aplicam integralmente (retro, 1.122). É o que declara o art. 489, § 1.º. Cumpre destacar as peculiaridades e dessemelhanças do acórdão no tópico. À diferença da sentença, que é ato singular, simultâneo ao julgamento – a publicação faz o ato ingressar no mundo jurídico em sua forma definitiva, salvo o poder de correção –, o redator do acórdão obtém a motivação, o requisito previsto no art. 489, II, mediante a reunião dos votos de cada um dos julgadores. O acórdão que reproduz, na íntegra, os três votos proferidos (art. 941, § 2.º), por si só explicita os fundamentos da maioria e os do voto dissidente, se houver; e deixa claro, no que concerne aos votos vitoriosos, quais os fundamentos comuns e quais os isolados. Tal ponto exibe máxima importância. Assim, a admissibilidade de eventual recurso especial ou extraordinário, nos quais se cotejam os fundamentos do recurso com os da decisão recorrida, dependerá da precisa verificação sobre se todos os fundamentos encampados pela maioria se encontram abrangidos na impugnação, mostrando-se irrelevante a omissão de fundamento particular e constante de voto isolado. Além disso, a reprodução integral dos votos, adrede elaborados na rede de informática, ou improvisados na sessão e apanhados por taquigrafia, ou meio equivalente, substitui vantajosamente as declarações expressas de apoio ou de divergência, já abrangidas no voto respectivo. E, de ordinário, na maioria dos casos o revisor e o vogal se limitam

a manifestar seu “de acordo” com o voto do relator, o que não compromete a validade do acórdão.204 Ao contrário, redigindo o redator fundamentação única, urge que explicite os fundamentos efetivamente encampados pela maioria, no tocante a todas as questões discutidas e votadas, sem embargo da possibilidade de inserir declaração pessoal das razões específicas que o abrigaram na maioria. É indispensável, nesse esquema, colher a declaração de voto do vencido, essencial para estabelecer a extensão máxima dos eventualmente cabíveis embargos infringentes, e, obviamente, se assim o desejar, do(s) autor(es) do(s) voto(s) vencedor(es) cujas razões particulares do convencimento considere fundamentais. Por fim, uma observação trivial: o dever de motivar há de ser encarado com máxima seriedade e cumprido rigorosamente nos tribunais superiores. “Não é a circunstância de estar emitindo a última palavra acerca de determinado litígio que exime o órgão judicial de justificar-se”.205 1.127. Dispositivo do acórdão Na sessão de julgamento, o presidente do órgão fracionário do tribunal, uma vez colhidos os votos a respeito das questões debatidas e decididas, proclama o resultado. Por exemplo: rejeitada a preliminar, negaram (ou deram) provimento. O acórdão explicitará no dispositivo esse resultado. Às vezes, a peça exagera e consigna o resultado duas vezes: a primeira, logo após a ementa, fechando fórmula de estilo (“Acordam os desembargadores da … Câmara Cível do Tribunal …, à unanimidade, …”); a segunda, no fim, reproduzindo a proclamação do presidente. Quod abundat non nocet… 1.128. Organização dos elementos no acórdão O art. 489 arrola os elementos da sentença e dos acórdãos na seguinte ordem: relatório, motivação e dispositivo. Essa ordem não é sacramental e imperativa. Em princípio, a organização da peça escrita extraída do julgamento parece intuitiva: à ementa seguem-se o relatório, os votos e o dispositivo. É mera sugestão, porém, cedendo ao estilo preconizado em cada tribunal. Por exemplo, nenhuma regra obsta a colocação da ementa no fecho. E prejuízo não há, exceto ao senso estético de algum observador mais arguto e impertinente. Nessa linha de raciocínio, a crítica veemente à junção da série de votos dos juízes que participaram do julgamento, a título de fundamentação, revelase excessiva, senão integralmente descabida.206 Nenhuma dificuldade pode existir, a partir dessa forma, no que tange à apreensão dos motivos esposados pela maioria e o quórum da decisão, exceto deixando-se de acompanhar e ler os votos. Afinal, o acórdão retrata o julgamento, incumbindo ao presidente organizá-lo, na ordem devida, o que implicará a apreciação e a resolução das questões, uma a uma, nos termos expostos. O art. 188 elucida que os atos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei o exigir – o que é o caso. A ordem dos

elementos, quer dizer, a forma assumida no papel ou no mundo virtual, não tem importância. Só não podem faltar no acórdão. Embora o julgamento verse dois ou mais recursos – por exemplo, duas apelações autônomas; uma apelação principal e uma apelação adesiva –, tirase um único acórdão.207 E isso porque o julgamento é único, e o acórdão, seu espelho. O art. 205, caput, dispõe que, dentre outros atos do órgão judiciário, os acórdãos “serão redigidos, datados e assinados pelos juízes”. Apesar do emprego da palavra “juízes”, no plural, desnecessário que todos os participantes do julgamento subscrevam o acórdão. O assunto fica no âmbito regimental e, de ordinário, só o juiz encarregado de lavrá-lo, nos termos do art. 941, caput – ou seja, o redator do acórdão, e, não, necessariamente, o relator –, assinará a peça escrita. E este pode ser substituído, sobrevindo fato impeditivo, e “nem por isso se tornaria impossível a materialização dos julgamentos passados”.208 O art. 994 autoriza o presidente do acórdão lavrar a conclusão e a ementa, anexando as notas do arquivo eletrônico, posto que não sejam revisadas, montando, assim, o acórdão. Sucumbiu à quantidade de processos, paulatinamente, o costume inicial de todos os desembargadores assinarem o acórdão e, numa época recente, de o presidente da sessão de julgamento subscrevê-lo conjuntamente com o redator, exceto nos tribunais superiores. Hoje, com a assinatura eletrônica, mostra-se viável reviver a autenticação ampla do ato: um simples toque e todos assinam o acórdão na própria sessão. A atividade jurisdicional é indelegável. Facilmente se compreende, portanto, a exigência de que o acórdão seja redigido pelo próprio sobrejuiz (art. 205, caput). Hoje em dia, entretanto, a multiplicação dos processos protagonizou o aumento no número dos assessores, e raros são os desembargadores e ministros dos tribunais superiores ocupados em redigir, pessoalmente, relatórios e votos, exceto em processos muito complexos. Tudo é feito na intimidade do gabinete, por assessores recrutados dentre pessoas de confiança, sob a presumível responsabilidade do juiz, que autentica a redação através de sua assinatura. A data do acórdão será a do dia em que ocorreu o julgamento. O intervalo entre o dia da sessão e a lavratura do acórdão assume relevo para efeitos administrativos. O atraso na lavratura da peça há de ser considerado ilícito relevante e imputável ao sobrejuiz. § 234.º Atos do escrivão (ou chefe de secretaria) 1.129. Espécies de atos do escrivão O escrivão é o auxiliar de maior hierarquia no foro judicial e de maior proximidade com o órgão judiciário. As leis de organização judiciária, ao arrolar os servidores judiciais, arrolam o escrivão em primeiro lugar (v.g., art. 101 da Lei 7.356/80-RS ou COJE/RS). Essas leis, sem prejuízo da identidade de funções acometidas a este servidor, ensaiaram designações diferentes para rotular essa prisca figura. Por exemplo, na Justiça Federal comum ou especializada recebeu o nome de chefe de secretaria, presumivelmente

porque secretaria é palavra mais contemporânea do que escrivaninha (art. 35 da Lei 5.010/1966), embora identifiquem a mesma repartição,209 e, na Justiça Comum, o de oficial judicial.210 O escrivão na qualidade de auxiliar do juiz, tal como conhecido atualmente, originou-se de decretal do Papa Inocêncio III, de 1216.211 Eram pessoas letradas que “passaram então escrever não só os termos do movimento, como os atos da causa e do juízo, tais como petições, libelo, contrariedade, réplica, tréplica, depoimentos, alegações, despachos, sentenças, reproduzindo as palavras, exprimindo o mesmo pensamento, ou textualmente, conforme a natureza do ato”.212 Os atos praticados pelo escrivão, correspondentes aos seus deveres, genericamente compreendem: (a) a documentação dos atos processuais; (b) a movimentação material do processo. Dentre outras tarefas inerentes “ao seu ofício” (art. 152, I, in fine), ou que lhe sejam atribuídas “pelas normas de organização judiciária” (art. 152, II, in fine), avultam as seguintes: a formação dos autos, neles escrevendo os termos apropriados; a organização das peças processuais e documentos na devida ordem; a guarda dos autos; e a remessa dos autos ao juiz e demais ofícios da justiça (v.g., o contador), para as providências imprescindíveis à marcha do processo. Convém realçar outra tarefa fundamental: organizar o respectivo ofício, distribuindo os servidores de acordo com suas aptidões e capacidades. Um cartório eficientemente organizado, sob o comando de escrivão lúcido e dotado de energia, revela-se essencial à presteza da atividade jurisdicional. Os deveres do escrivão se encontram previstos no art. 152. São eles os seguintes: (a) a guarda dos autos; (b) a redação dos atos processuais; (c) a efetivação das ordens do juiz; (d) o comparecimento à audiência; (e) a expedição de certidões (retro, 986); (f) a prática de atos ordinatórios. A Seção V – Dos Atos do Escrivão ou do Chefe de Secretaria – do Capítulo I do Título I do Livro IV da Parte Geral do NCPC disciplina o conjunto dos atos do escrivão em correspondência a esses deveres. 1.130. Formação dos autos Recebendo a petição inicial, com ou sem despacho inicial do órgão judiciário, e conforme haja, ou não, dois ou mais ofícios na comarca (art. 284), o primeiro ato do escrivão consiste em registrar o feito no livro do protocolo geral. Esse livro conterá os seguintes dados: (a) a data da chegada da petição inicial ao ofício, ou seja, a data do início do processo; (b) o número recebido na distribuição ou, havendo ofício único, o que lhe for atribuído, consoante ordem de chegada; (c) o nome do juízo; (d) a natureza do processo; (e) o nome das partes; (f) o nome do advogado do autor. A alguns desses dados alude o art. 206, em ordem um pouco diferente, mas a enumeração aqui feita corresponde ao costume. Desapareceu, há algum tempo, o livro físico para tal protocolo. O livro do protocolo geral, e outros a cargo do escrivão, são todos eletrônicos. Em seguida, o escrivão procederá à autuação do feito, formando-se o expediente que, no direito brasileiro, chama-se de autos. O art. 152, IV, confia a guarda desses autos ao escrivão. É o conjunto das peças do processo

judicial.213 Essas peças, juntadas na devida ordem, compõem o expediente em que se desenvolverá a atividade processual das partes e do juiz.214 Os autos permitem ao juiz e às partes verificar a regularidade da atividade processual. É universal a necessidade dodossier,215 ou fascioli. O que distingue, todavia, os autos do processo brasileiro dos seus congêneres é a formação obrigatória e cronológica a cargo do escrivão.216Pode-se afirmar que os autos constituem a forma proeminente do procedimento escrito. A autuação inicia com a capa de papel espesso. Nela o escrivão lançará o termo de autuação. Em geral, esse é o formulário eletrônico impresso, reproduzindo os dados do livro de protocolo, há pouco indicados (art. 206). A primeira peça dos autos é a petição inicial. O escrivão numerará e rubricará as respectivas folhas (art. 207, caput), bem como os documentos que, de ordinário, acompanham esta peça – procuração outorgada ao advogado, se houver, e a prova documental produzida, desde logo, pelo autor (art. 434, caput). O costume antigo envolvia a costura dos autos com barbante para agregar as páginas. Essa antiga arte que perdurou até o último lustro do século XX, ensejando ironias e doestos à burocracia processual; hoje, o escrivão fura as peças com o uso da sovela, ou outro meio mecânico, prendendo-as com grampos de metal ou de plástico flexível. É delicada a tarefa de apurar a “natureza do processo” (art. 206). Não importa, a esse título, o nomen iuris da demanda. A experiência do escrivão habilita-o, todavia, a classificar o processo segundo o procedimento comum ou especial correspondente; e a identificar, no procedimento comum, a força da ação, derivada do pedido formulado pelo autor. Esses dados permitem a conservação adequada do volume e, posteriormente, a organização dos autos, consoante a natureza do processo, nos escaninhos próprios. Em caso de comparecimento das partes ou dos procuradores, a localização do processo na prateleira tornar-se-á mais fácil. O emprego do código de barras, na lombada da autuação, e de leitores óticos para localizar o feito, constitui novidade propagada dos tribunais superiores aos ofícios de primeiro grau com enorme proveito. Por óbvio, essas práticas antigas e obsoletas desaparecerão no processo unicamente eletrônico, nos quais a forma dos atos, todas em formulários rígidos, tornam-se virtuais. Não é incomum, já na abertura do processo, o maço de papéis exigir a formação de dois ou mais volumes. A divisão facilita o manuseio e a movimentação física do espaço reservado ao cartório para o gabinete do juiz.217 A previsão do número de páginas a partir da qual o escrivão abrirá novo volume, no momento da autuação ou posteriormente, subordina-se às instruções administrativas dos órgãos de controle interno da atividade judiciária ou do próprio juiz. Em cada volume, além da indicação de se tratar de autos sequenciais, repetir-se-ão os dados da autuação (art. 206),218 a fim de evitar, separados do volume inicial, extravio na massa de expedientes. No processo eletrônico, haverá arquivo único, todavia replicado alhures (backup). A capacidade de armazenamento releva-se quase infinita. De acordo com o andamento do processo, surgirá a necessidade de sobreautuação dos autos.219 Por exemplo, declinada a competência pelo juízo originário, os autos receberão outro termo de autuação no juízo competente;

iniciado o cumprimento de sentença, far-se-ão as anotações cabíveis no ofício da distribuição, ou no livro de protocolo do ofício em que tramita o feito, e processo receberá outro número e autuação; remetidos os autos ao tribunal, em virtude da interposição de apelação, ou de outro incidente (v.g., conflito de competência), o serviço de protocolo do tribunal tomará as providências do art. 929, caput, ocorrendo a distribuição a um relator (art. 930), caso em que haverá novo termo de autuação sobre a capa existente ou em outra. É mais fácil, como logo se percebe, a identificação da “natureza do processo” nos tribunais: segue-se a nomenclatura do recurso (v.g., apelação ou agravo)220 e da causa de competência originária (v.g., mandado de segurança ou ação rescisória). Embora em desuso, a previstos apenas indiretamente na lei processual (art. 712, parágrafo único), incumbirá ao escrivão formá-los em consonância com as regras dos autos originais. A sistemática aqui exposta sofrerá transformações no processo eletrônico. A tecnologia da informação é a ferramenta “para minimiza o esforço humano, simplificar processos e diminuir as dificuldades de manipulação, fazendo com que menos pessoas façam o mesmo trabalho em menos tempo (diminuição das horas de trabalho) ou as mesmas pessoas fazem mais trabalho no mesmo tempo (aumento da capacidade de trabalho).”221 Em outras palavras, haverá aumento na produtividade. Parece nítida a tendência de emprestar maior rigidez às formas dos atos (o sistema não aceitará, simplesmente, atos em desacordo com o gabarito), obedecendo a um roteiro predeterminado na programação. Os autos eletrônicos formar-se-ão de forma automática, prescindindo do secular guardião individual. Se o sistema de automação processual, previsto nos arts. 194 a 196, é seguro, ou não, é o desafio reservado ao futuro. Promete grandes emoções. 1.131. Organização dos autos Formados os autos, o art. 207, caput, contempla a organização posterior das peças, ministrando duas medidas de conservação: a numeração e a rubrica ou assinatura abreviada. O escrivão rubricará e numerará todas as folhas dos autos. Era tarefa do juiz, ao receber os autos conclusos; por exemplo, o art. 143, caput, do CPC/SP (Lei 24.21/1930-SP), mandava o juiz rubricar “as folhas acrescentadas, verificando a numeração”.222 Ficou o juiz aliviado dessa atribuição. Os acórdãos até o último quartel do século XX continham, por vezes, “recomendações” ao escrivão e ao juiz quanto à falta de ordem, tornando famosos os relatores detalhistas. A primeira folha numerada e rubricada pelo escrivão é a capa na qual consta o termo de autuação; a segunda, a primeira página da petição inicial. A rubrica impede a substituição da folha original. Evita a perpetração de fraudes. Em princípio, os atos materiais previstos no art. 207, caput, competem unicamente ao escrivão. Não comportam esses atos delegação, formal ou não, a algum servidor de menor hierarquia – no mínimo, como se ponderou, a rubrica se subordina à existência de fé pública do signatário.223 Na prática, porém, o escrivão não se ocupa dessa atividade, entregue aos atendentes subalternos.

Formando-se os autos suplementares quando se faça necessário,224 o que pode ser tarde, uma vez extraviados os autos originais, o escrivão ou chefe de secretaria procederá da mesma forma. Enquanto a numeração das folhas e a aposição da rubrica constituem deveres do escrivão, o art. 207, parágrafo único, faculta às partes, aos advogados, aos órgãos do Ministério Público e da Defensoria Pública, aos auxiliares da justiça – esqueceu a testemunha, que assinará o termo, a teor do art. 460, § 1.º, e tem o direito de rubricar as folhas anteriores ao encerramento –, a faculdade de rubricar “as folhas correspondentes aos atos em que intervierem”. Em geral, a numeração impressa das petições feitas pelos advogados dispensa a rubrica individual de cada folha. Lançar rubrica em cada folha é fastidioso. A rubrica não substitui a assinatura do autor do ato processual. A assinatura do advogado, e não sua rubrica em alguma das folhas, torna existente o recurso.225 No tocante ao perito, ou a testemunha, basta que uma frase, no ato de outrem, para ensejar “aquele a quem se atribui a frase rubricar a folha”.226 É digno de registro o fato de a lei não mencionar os atos decisórios. Eles serão assinados pelo juiz, na forma do art. 205 e as respectivas folhas, no momento da juntada, numeradas pelo escrivão. É duvidoso que o escrivão deva rubricá-las, já se encontrando autenticadas, ou não, através de rubrica do juiz. 1.132. Elaboração de termos No que tange à finalidade, termo é o ato de impulso do processo, a cargo do escrivão, e assinala o acréscimo de atos processuais no feito. Na concepção clássica, “o termo é o princípio e o fim de qualquer espécie de grandeza; relativamente ao movimento parcial dos atos da ação, o termo, fim do primeiro movimento, é o princípio e o fim de cada um dos sucessivos movimentos, assim como, relativamente ao movimento geral da ação, o termo é o motivo ou causa final do movente”.227 O termo indica a mutação no lugar, na qualidade e na quantidade ocorridas no tempo e no espaço. O termo de movimentação, cogitado no art. 208, afeta a quantidade, pois acrescenta um ato ao processo. Os termos de movimentação são atos do ofício próprio do escrivão, concernente ao conjunto das suas atividades. Os termos servem à movimentação do processo ou, passando fora dele, a eles se acrescentam na forma escrita. Daí, o termo de audiência.228 À sua falta, na linguagem vulgar, diz-se que o processo está parado ou imobilizado.229 1.132.1. Espécies de termo – O art. 208 arrola os termos: (a) de juntada, através do qual o escrivão entranha nos autos peça (v.g., a contestação do réu; o laudo pericial) que neles há de se integrar; (b) de vista, que enseja à parte ou a outro participante do processo, com ou sem carga dos autos, o respectivo exame; (c) de conclusão, entregando os autos ao juiz para prover em qualquer sentido.

No entanto, há outros termos indicados na lei: (a) termo de depoimento pessoal (art. 390, § 2.º); (b) termo de depoimento das testemunhas (art. 459, § 3.º); (c) termo de compromisso, para o efeito de dispensá-lo (art. 466, caput); (d) termo de entrega (art. 807); (e) termo de penhora (art. 838, caput); (f) termo de quitação (art. 869, § 6.º; art. 906, caput); (g) termo das primeiras declarações do inventariante (art. 620, caput); (h) termo das últimas declarações do inventariante (art. 636); (i) termo de colação de bens (art. 639); (j) termo de arrolamento (art. 664, § 1.º); (k) termo de abertura do testamento cerrado (art. 735, § 1.º); (i) termo de testamentaria (art. 735, § 3.º); (m) termo compromisso (art. 740, § 2.º; art. 759, § 1.º); (n) termo de alienação (art. 880, § 2.º). E há outros termos que, sem previsão explícita, incubem ao escrivão realizar, a saber: (a) termo de desentranhamento, em que retira peças dos autos; (b) termo de apensamento, pelo qual reúne processos conexos; (c) termo de recebimento, em que os autos remetidos a outro ofício são recebidos; (d) termo de baixa, através do qual a secretaria do tribunal retorna os autos ao primeiro grau ou o escrivão remete os autos ao arquivo, porque findos. 1.132.2. Forma concisa e extensa do termo – Os termos de simples movimentação (v.g., o termo de conclusão) e de inserção (v.g., o termo de juntada), que são os mais comuns, expressar-se-ão em notas. É a forma desses termos reduzida na mais breve expressão possível. Por esse motivo, são apenas datados e rubricados (art. 208). Os termos de maior relevo (v.g., o termo de testamentaria) exibem disciplina mais rígida. Esses termos serão digitados e impressos, posteriormente assinados “pelas pessoas que neles intervierem” (art. 209). O art. 209, caput, não mais exige que os termos de forma extensa sejam datilografados – a máquina de datilografia virou peça de museu – ou escritos em tinta escura e indelével, mostrando preocupação estética e preferência pela cor escura.230 Essa previsão objetiva a uniformidade na redação dos termos, obstando o uso de cores berrantes e extravagantes; e possibilitava a reprodução por leitura ótica, prejudicada no caso da tinta vermelha.231 Em que pese a supressão, o caráter indelével da impressão ou da assinatura é de rigor, porque prende-se à necessidade de conservar o termo (ou ato processual), sem que o tempo o apague.232 O sistema de transmissão de petições por fac-símile (art. 1.º da Lei 9.800/1999) superou dificuldade similar, ao exigir que, no prazo de cinco dias, a parte junte ao processo o original. Em qualquer de suas formas, concisa (notas) ou extensa, as usanças forenses traduziam os termos em formulários impressos, adrede preparados, ou a carimbos, realizando o escrivão o preenchimento dos espaços em branco, com as cautelas do art. 211. Porém, ante a difusão da informática, o art. 209, § 2.º, estipulou que, nos processos total ou parcialmente eletrônicos, quaisquer atos praticados na presença do juiz (v.g., a audiência de instrução) podem ser “produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável”, mediante registro em termo, também assinado digitalmente pelo juiz, pelo escrivão ou chefe de secretaria e os advogados

das partes. O art. 209, § 2.º, prevê o impossível na atualidade: eventuais contradições devem ser suscitadas oralmente, no ato, sob pena de preclusão, cabendo ao juiz decidir de plano e registrar no termo a alegação ou a decisão. Supõe-se a possibilidade de o advogado acompanhar em equipamento próprio a redação do ato, em tempo real, e para essa finalidade deve existir tantos equipamentos quantos se fizerem necessários na mesa. Em geral, só o juiz dispõe do equipamento, enquanto o auxiliar registra o ato, e nem sequer o imprime para conferência instantânea. Talvez, no futuro, cumpra-se a norma programática do art. 198, principalmente na rica Justiça Federal. 1.132.3. Limpeza e totalidade do termo – O art. 211 impõe limpeza na redação do termo. O uso intenso dos processadores de texto assegura, em princípio, a inexistência dos defeitos proscritos nos anteriores termos datilografados e escritos, a saber: (a) entrelinhas: “escritos, letras, algarismos ou sinais, que não fiquem nas linhas (pautas) ou se insiram entre duas linhas”;233 (b) emendas: redação sobre o que já está escrito ou sobrescritura; (c) rasura: riscos, raspagem ou obscurecimentos do que já está escrito, escrevendo sobre a parte obliterada, no todo ou em parte. É possível, entretanto, reproduzirem esses defeitos no processador de textos. Curiosamente, há outros defeitos comuns em autos mais antigos: os borrões de tinta; as manchas de água ou café; a consumpção por traças ou ratos.234 Uns e outros comprometem a inteligibilidade do texto. A inexistência de espaços em branco, ou seja, porção em branco no termo em que caberia alguma palavra, inserida posteriormente, sem tornar flagrante a intercalação, é imperiosa. Em particular, o vício assume relevo no que tange às datas. O termo em branco, no tocante à datação, impede a aferição da tempestividade do ato processual das partes; por exemplo, a data da contestação ou da interposição do recurso. O termo irregular, porque contaminado pelos vícios do art. 201, pode ser aproveitado, inutilizando o escrivão os espaços em branco ou ressalvando as entrelinhas, emendas e rasuras. O escrivão tomará essas providências sanatórias na oportunidade da confecção do termo ou a qualquer momento. Em geral, há o acréscimo de “em tempo”, consignando a irregularidade anterior e o saneamento posterior.235 Essa anotação será assinada pelo escrivão e datada. Do contrário, urge declarar a invalidade do ato do escrivão, cessando-lhe a fé com a apuração da falsidade ou adulteração. A responsabilidade, nos termos do art. 152, V, recai sobre o escrivão.236 A lei atual absteve-se de vedar o uso de abreviaturas. Porém, os dizeres dos termos hão de ser expressos por extenso. O mesmo vale, apesar da omissão do texto, para números e datas, a fim de evitar adulterações. Não se cuida de simples formalismo.237 A data por extenso elimina a dúvida na grafia do número. Existem abreviaturas consagradas no uso – por exemplo, o escrivão lança a expressão “data supra” no termo de recebimento dos autos do contador, em seguida ao termo de remessa do contador ao escrivão –, jamais eliminadas, e que não comprometem a finalidade do ato, nem provocam prejuízo. 1.132.4. Assinatura do termo – Em princípio, o escrivão assinará sozinho o termo de movimentação, e, neste caso, poderá rubricá-los (art. 208, in fine). É

superlativa a importância da rubrica e da assinatura do escrivão. Por exemplo, a certidão de intimação há de ser assinada, sob pena de não servir à apuração da tempestividade do recurso.238 Do advogado exige-se, nesta conjuntura, boa dose de habilidade para verificar a omissão e persuadir o escrivão a cumprir seu dever. Existem casos em que outras pessoas intervêm no ato, emprestando-lhe efeitos particulares; por exemplo, o termo de penhora, eventualmente assinado pelo executado, e o termo de alienação, assinado pelo adquirente. Em tais termos, não se admite o uso de rubrica. Representará exagero indesculpável, salvo engano, impor ao subscritor assinatura por extenso, ou de modo legível, quando a assinatura usual limitar-se a autêntico hieróglifo, indecifrável ao leitor ocasional, ou ao sobrenome. Recusando-se o participante assinar, acrescenta o art. 209, caput, segunda parte, “o escrivão ou o chefe de secretaria certificará a ocorrência”. Os motivos e as consequências variam conforme o caso. Há atos em que o interveniente recusa declarar vontade (v.g., a esposa do fiador nega vênia à caução). E há hipóteses de impossibilidade física (v.g., a interveniente quebrou a mão direita e não sabe assinar com a esquerda). Na primeira hipótese, não se formou a caução; na segunda, subentende-se declarada a vontade de anuir com a garantia. 1.133. Técnicas de documentação dos atos do escrivão Os atos verbais que o escrivão reduzirá à forma escrita, no termo, eram datilografados ou escritos. Era atividade demorada e custosa. Em matéria de reprodução desses atos (v.g., no traslado de peças para o agravo de subida imediata), as máquinas de cópia introduziram notável inovação tecnológica, eliminando as pessoas que ganhavam sua vida datilografando os traslados e recebendo contraprestação por rasa (número de linhas em cada página). O passo seguinte consistiu no uso generalizado da taquigrafia e da estenotipia (art. 210), principalmente nos tribunais, constituindo formas de escrita rápida e simplificada, empregando símbolos, materializada com rapidez idêntica à da fala. O art. 210 também alude a outro meio idôneo – a gravação fonográfica. No que tange ao depoimento de testemunhas, e, a fortiori, o das partes, o art. 210 conjuga-se, no processo tradicional, com o art. 460, § 2.º: o depoimento só ganhará versão escrita (digitada, e, não, datilografada) no caso de interposição de apelação contra a sentença, pois incumbe aos tribunais de segundo grau, no nosso sistema jurídico, reexaminar as questões de direito e de fato, sem pejo, quanto às últimas, do princípio da imediação. Em tal hipótese, porém, o arquivo poderá serenviado eletronicamente ao relator no órgão ad quem Tratando-se de processo total ou parcialmente eletrônico, incide o art. 209, § 1.º. Os atos e termos se produzem e são armazenados em arquivos eletrônicos, assinados pelo juiz, pelo escrivão e pelos advogados das partes digitalmente Do procurador da parte se exige, nesses atos, máxima atenção. Eventual divergência deve ser objeto de reclamação imediata, transcrita no termo, e objeto de decisão “de plano”, reza o art. 209, § 2.º). Paulatinamente, os participantes do processo habilitar-se-ão às inovações digitais.

É importante assinalar que o mundo digital não altera, substancialmente, a forma dos termos e dos atos processuais das partes e do órgão judiciário. A única mudança ocorre no suporte da documentação e na facilidade de acesso aos autos, a qualquer hora do dia, encontrando-se, ou não, conclusos ao juiz ou com vista ao Ministério Público.

Capítulo 52. DO TEMPO E DO LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 235.º Tempo dos atos processuais – 1.134. Tempo como elemento dos atos processuais – 1.135. Tempo da prática dos atos processuais – 1.135.1. Expediente forense – 1.135.2. Expediente do órgão judiciário – 1.135.3. Expediente eletrônico – 1.136. Exceções ao tempo da prática dos atos processuais – 1.136.1. Atos iniciados no tempo hábil – 1.136.2. Atos realizados fora do tempo hábil – 1.136.3. Atos urgentes em regime de plantão – 1.137. Proibição da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados – 1.137.1. Conceito de recesso ou férias forenses – 1.137.2. Conceito de feriados forenses – 1.137.3. Efeitos da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados – 1.138. Atos admitidos no recesso e nas férias – 1.139. Causas processadas no recesso e nas férias – § 236.º Lugar dos atos processuais – 1.140. Lugar dos atos processuais – 1.141. Atos ordinariamente realizados na sede do juízo ou fora dela – 1.142. Atos excepcionalmente realizados fora da sede do juízo – § 237.º Preclusão – 1.143. Conceito de preclusão – 1.144. Extensão subjetiva da preclusão – 1.145. Extensão objetiva da preclusão – 1.146. Finalidade da preclusão – 1.147. Natureza da preclusão – 1.148. Espécies da preclusão – 1.148.1. Preclusão temporal – 1.148.2. Preclusão lógica – 1.148.3. Preclusão consumativa – 1.148.4. Preclusão hierárquica – 1.149. Objeto da preclusão – 1.150. Efeitos da preclusão. § 235.º Tempo dos atos processuais 1.134. Tempo como elemento dos atos processuais O tempo integra o ato processual como elemento geral extrínseco (retro, 1.086). O processo desenvolve-se no tempo e no espaço, perseguindo os fins que lhe são próprios, consumindo e dilapidando tempo profusamente. O tempo, como realidade, é mudança constante e, ao aludir-se ao tempo dos atos processuais, considera-se a posição do ato neste devenir, ou seja, a respectiva inserção na história do procedimento. Infelizmente, o tempo do processo, marcado pelas normas porventura aplicáveis, alheia-se da vida real e não a acompanha.1 Ao processo, o tempo interessa predominantemente sob dupla perspectiva: (a) em relação a determinado fato (v.g., o leilão suspender-se-á, reza o art. 900, “ultrapassado o horário de expediente forense”; a prática dos atos processuais ocorrerá das seis às vinte horas, estipula o art. 212, caput); (b) em relação à distância de determinado fato, o que exige a marcação do início e do término, ou seja, a fixação de um interregno temporal – o prazo.2 A lei processual brasileira teve em conta a distinção: a Seção I – Do Tempo – do Capítulo II – Do Tempo e do Lugar dos Atos Processuais – do

Título I do Livro IV – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC ocupase do tempo hábil à atividade processual; o Capítulo III, todo ele, trata dos prazos. O desperdício de tempo constitui preocupação universal e mereceu estudos de vulto, quer no processo civil, quer no penal. O art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, assegura aos litigantes a duração razoável “do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, agora secundado pelo equívoco art. 4.º do NCPC – as partes têm direito a uma resposta conforme ao direito, e, não, ao juízo de mérito, como sugere a regra infraconstitucional – , em vão. O comando constitucional não se refletiu na realidade. Nenhuma fração de segundo, na média, poupou-se em qualquer processo em decorrência da solene proclamação constitucional. Por um lado, o tempo é benéfico ao processo: ninguém se contentará com provimentos emitidos de afogadilho, porque a pressa excessiva significa irreflexão. A Justiça rápida e segura, aspiração generalizada na sociedade, no fundo apresenta contradição: se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura.3 A descoberta da verdade constitui tarefa sutil, demorada e complexa, reclamando tempo (veritas filias temporis). Se uma justiça muito rápida não se ostenta necessariamente boa, não é menos verdade que “uma Justiça lenta demais é decerto Justiça má”.4 E, urge acrescentar, a bem da verdade Justiça parcialmente má, porque sempre há uma parte interessada que o desfecho do processo se prolongue, e, portanto, Justiça muito pior do que simplesmente morosa. Aqui, como alhures, o comedimento da análise se impõe para obter um exato equilíbrio de interesses contrapostos. O tempo merece ser encarado tanto como amigo leal (e, não raro, cúmplice da boa justiça), quanto inimigo visceral do processo constitucionalmente justo e equilibrado.5 Essas expressões retratam o dilema que o tempo suscita no processo. A fórmula constitucional da “duração razoável” pretendeu resolvê-lo.6 Os fatores de bloqueio e de retardamento da marcha do processo apresentam grande variedade. Há fatores institucionais (v.g., a relação do número de órgãos judiciários e a população do lugar), técnicos (v.g., a complexidade da lei processual: a depuração do léxico do NCPC, trocando “defeso” por “vedado”, veio acompanhada pela redação obscura de orações excessivamente longas, a exemplo do art. 167, § 1.º), humanos (v.g., o cumprimento dos prazos por juízes e auxiliares; a estrita observância do horário do expediente forense por juízes e servidores; a insuficiente formação cultural dos advogados) e materiais (v.g., a existência de meios suficientes de informatização).7 Faltam dados empíricos determinando a importância de cada fator, e apresentando as correlatas e adequadas medidas de correção e aperfeiçoamento, informações que só investigação pertinente, a cargo dos sociólogos do direito, lograria obter. E há fatores de muito prestígio doutrinário e escassos reflexos nas delongas, a exemplo da reacionária receita da oralidade.8 Reacionária, sim, porque anseia pelo retorno de procedimento existente em algum momento do passado, mais idealizado do que concreto e real. A marcação da audiência de

conciliação e de mediação, propiciando o primeiro contato das partes com o juiz para resolver a contenda, emperrará o processo, em vez de abreviá-lo, ao menos no caso de inexistir acordo. Do ponto de vista do conjunto, ocorrerá economia de tempo (e de despesas) se o percentual de acordos mostrar-se significativo, idealmente superior à metade; na verdade, se os dados merecerem divulgação, como preconiza o art. 167, § 3.º, sem manipulações – ao nosso ver, a credibilidade dependerá de auditoria independente –, talvez não alcancem dois dígitos… Desde logo, a quantidade dos feitos, impedindo maior presteza segundo a capacidade média de trabalho do homem e da mulher ocupantes da função judicante, a falta individual de diligência e a insuficiente gestão do processo pelo juiz – a ordem cronológica dos julgamentos (art. 12) decerto não contribui nesse sentido – e, principalmente, por seus auxiliares, em geral despreparados e indiferentes, representam os fatores principais, segundo a inferência do consciencioso levantamento na área penal.9 Dir-se-á que a análise é muito dura e injusta com os juízes. Dura é, mas não injusta: o órgão judicial é o diretor do processo, protagonista principal da comunidade de trabalho e titular de imensos poderes (art. 139), recaindo sobre si o maior peso da responsabilidade. Não se exclui do quadro, por óbvio, a influência dos atos reprováveis ou ineptos das partes como elementares fatores de dispersão da atividade judicial. E a quantidade de feitos, afinal gerados pela iniciativa da parte, constitui justificação universal e plausível. Individualidades de alta envergadura na magistratura realçam-se pela capacidade de trabalho e pontualidade e, obrando sob igualdade de condições, produzem muito mais que a maior parte dos colegas. A esse propósito, há distinção que precisa ser feita, definindo a responsabilidade primacial do atraso: a natureza da causa, essencialmente complexa, exigirá maior tempo de reflexão do órgão judiciário, em alguns casos; porém, há causas simples tratadas na vala comum – a ordem cronológica de julgamentos revela-se indesculpável nessa perspectiva. Se há alguma dúvida de que a causa principal da lentidão da Justiça não é imputável à lei, e sua reforma ou renovação jamais influenciará nos acontecimentos, “atente-se na diferença ponderável de resultados obtidos, no seio do mesmo tribunal, sob idênticos regimentos e condições de trabalho, pelos diversos órgãos fracionários: esta câmara julga qualquer apelação comum em um mês ou dois, aquela outra gasta quase um ano, possivelmente mais, para prestar igual serviço”.10 O fator humano, vergado pela quantidade de feitos, é a causa principal da morosidade judiciária. O processo eletrônico ensejará, inicialmente, expressiva produtividade. Até ele tem limites, todavia, e eles acabarão alcançados. Também se subordina à atividade humana: sem o impulso do juiz e dos seus auxiliares, o processo eletrônico para como o processo físico. E há outra possibilidade: o NCPC aposta na criação de precedentes, através de incidentes específicos (art. 928), e na sua observância obrigatória pelos órgãos inferiores (art. 927), revivendo os assentos da Casa de Suplicação portuguesa ao tempo em que o Brasil era colônia, e no eficaz remédio da reclamação (art. 988) para combater rebeldias e recalcitrâncias. Os frutos desse sistema surgirão, ou não, a médio prazo. 1.135. Tempo da prática dos atos processuais

O art. 212, caput, estipula que os atos processuais realizar-se-ão, de ordinário, nos dias úteis. Para esse efeito, dia útil é o que se trabalha na sede do juízo.11 Os dias em que há expediente forense na comarca ou na seção judiciária (ordinariamente, de segunda a sexta-feira) são dias úteis, mas há um dia potencialmente útil, o sábado, há décadas desprovido de expediente forense. Excluem-se, a teor do art. 216, os sábados, os domingos e os dias em que inexistir expediente forense, por força de feriado nacional, estadual, distrital ou municipal.12 Esses dias – sábados, domingos e outros, porque fechou o foro – são feriados forenses. Importam muito, na atual sistemática dos prazos judiciais, porque abstraem-se da respectiva contagem (art. 219, caput). Os feriados nacionais, estaduais, distritais e municipais encontram-se fixados em lei e seu número é limitado. O costume não basta: a quarta-feira de cinzas, por exemplo, é dia útil na maioria dos tribunais e das comarcas e seções judiciárias.13 Excepcionalmente, a lei de organização judiciária estabelece feriados forenses, incluindo todo o período de carnaval. O conjunto não difere, substancialmente, de outros Países.14 O dia de abertura do ano judiciário nacional, após as férias de janeiro do STF, é dia útil, como qualquer outro, embora marcado por um balanço das atividades passadas e augúrios para o período iniciado. O art. 216 do NCPC ministra noção relativa para o dia útil, por dois motivos: de um lado, as leis locais tornaram regra o trabalho aos domingos; de outro, há muito o sábado não integra o expediente forense, reconhecendoo, expressis verbis, a nova disposição. Era ambígua a posição do sábado, agora esclarecida. Os prazos não começam ou terminam nos sábados, porque inexiste expediente forense,15 nem se computam no prazo em curso (art. 219, caput). Em relação ao primeiro aspecto, assim já estabelecera a Súmula do STF, n.º 310. Embora seja raro, a lei processual não veda a prática de atos processuais externos nos sábados. Por exemplo, a citação, a intimação pessoal, a penhora e a hasta pública de bens móveis podem ser realizadas em sábados (art. 212, § 2.º).16 Aliás, o oficial de justiça localizará o citando ou o intimando, no seu domicílio, aos sábados com maior facilidade. O sábado também é feriado religioso para muitas pessoas, recolhimento respeitado rigidamente pela maioria. Ora, a Justiça Pública não pode ser indiferente às convicções religiosas,17 máxime consagrando a Carta Política a mais ampla e irrestrita liberdade. O fato de o sábado ter perdido seu caráter de dia útil resolve a contento essa dificuldade. Outras podem surgir em casos concretos. Feriados e festas religiosas dos que professam a religião judaica ou islamita, conquanto não sejam feriados nacionais ou forenses, merecem respeito. O juiz obsequioso aos valores constitucionais jamais designará a audiência de instrução em dia de feriado religioso judaico, figurando na relação processual como parte ou advogado pessoa dessa convicção. Um caso peculiar é o ponto facultativo dos servidores públicos. Não se equiparam, absolutamente, aos feriados,18 senão no sentido limitado a que alude o art. 216, aplicável por analogia. Nesses dias excepcionais, os

servidores ficam dispensados de comparecer à repartição, e, portanto, inexistirá expediente forense: cerram-se as portas do foro. O ato atinge “as repartições subordinadas à autoridade que o decretou”,19 e, portanto, considera-se dia forense útil, salvo se o próprio tribunal cerrou as portas de todos os foros.20 O art. 212, caput, também marca o horário da prática dos atos processuais: das seis às vinte horas, ininterruptamente. O horário inicial é mais cedo do que o espanhol, por exemplo.21 Os atos iniciados nesse interregno suspendem-se ao chegar o termo final (v.g., o leilão dos bens penhorados, a teor do art. 900). Por exceção, o ato prosseguirá até a conclusão (v.g., a audiência de instrução), quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano (art. 212, § 1.º). E como há diferentes fusos horários no País, e alterações na hora básica conforme a estação do ano, na prática dos atos processuais eletrônicos considera-se o horário do juízo perante o qual a parte deve praticar o ato (v.g., na transmissão do ato por via eletrônica de São Paulo para Manaus, o último segundo das 21h59min em São Paulo é o termo final, pois serão 23h59min em Manaus), conforme estipula o art. 213, parágrafo único. 1.135.1. Expediente forense – O interregno fixado no art. 212, caput, não se confunde com o horário do expediente forense. Depende das leis locais de organização judiciária o horário do funcionamento do foro propriamente dito, ou horário de expediente, mencionado no art. 212, § 3.º, pois as petições devem ser protocoladas dentro desse horário. Em geral, o expediente forense começa bem mais tarde (8h ou 8h30min), suspende-se ao meio dia, recomeça à tarde (13h30min ou 14h) e prolonga-se até 18h30min ou 19h. Há casos, na Justiça Ordinária, que o funcionamento é contínuo, das 10h até às 18h. Não é a melhor solução. No horário do almoço, os cartórios ficam esvaziados ou operam com pessoal reduzido, pois o controle do horário – fator registrado no atraso da prestação jurisdicional – ,22 segundo os costumes do País, não se faz com rigidez. Permanecendo o protocolo aberto no horário do expediente, nele e só nele as partes realizam os atos processuais de sua responsabilidade (v.g., a contestação e a interposição de recursos). É o que resulta do art. 212, § 3.º, segundo o qual o ato que deva ser praticado através de petição, como sói ocorrer, apresentar-se-á no protocolo dentro do horário de expediente forense. O tempo hábil, previsto no art. 212, caput, serve aos atos externos (v.g., a citação) dos auxiliares do juízo. À base da regra, pois, situa-se a distinção entre atos externos, realizados longe do foro, e os atos internos, que nas respectivas dependências ocorrem usualmente (v.g., a audiência de instrução e julgamento).23 Do art. 212, § 3.º, decorrem duas proposições: (a) as petições (v.g. a inicial, a contestação e os recursos) hão de ser sempre entregues no protocolo do foro, em princípio situado na sede do juízo; (b) não se mostram tempestivos os atos praticados fora (antes ou depois) do horário de expediente, tecnicamente impraticável – o advogado da parte necessitaria persuadir o funcionário a receber a petição antes ou depois do horário.

Em contrapartida, admitem-se: (a) o protocolo único, cobrindo todo o Estado-membro ou seção judiciária da Justiça Federal; e (b) o protocolo descentralizado, localizado em diversos locais da cidade, sediem ou não juízos (v.g., protocolo localizado no shopping). Os Estados-membros que, mediante convênio, elegeram os correios como protocolo, benéfica descentralização dessa atividade a transferiu para as respectivas agências. O horário de funcionamento das agências de correios nem sempre coincide com o expediente forense. Em tal hipótese, a tempestividade do ato ficará subordinada à observância deste último. Por exemplo, o recurso protocolado após as dezoito horas, término do expediente (art. 212, § 3.º), mas antes das vinte horas (art. 212, caput), é intempestivo.24 É completamente distinto o regime do processo eletrônico (infra, 1.135.3). Às vezes, inexiste coincidência entre o expediente forense e o horário de funcionamento do protocolo. Nesta contingência, o ato processual revela-se tempestivo – por exemplo, o tribunal encerra o expediente às treze horas, mas fecha o protocolo às dezoito horas –, praticado dentro do tempo hábil (art. 212, caput).25 1.135.2. Expediente do órgão judiciário – O art. 35, VI, da LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura) erige como dever do juiz comparecer “à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término”. A regra há de ser entendida nos termos devidos. Desejável que seja o comparecimento do juiz no início do expediente forense e a sua permanência no foro até o encerramento das atividades, a fim de trabalhar e, se for o caso, atender as partes e os advogados, raramente o ambiente movimentado e barulhento permitiria a elaboração dos atos decisórios de maior relevo. Os juízes trabalham em casa, em horários tardios e extravagantes, tendo à mão sua biblioteca e computador pessoal. Por esse motivo, as leis de organização judiciária fixam horário mínimo para o expediente do magistrado no foro, adaptado às conveniências do lugar e do juiz, objeto de portaria afixada no lugar de costume (v.g., quadro de avisos do foro) e publicada no momento da assunção da vara (art. 158, § 1.º, da Lei 7.356/1980-RS, COJE/RS). O expediente do juiz no foro propicia o atendimento dos advogados, principalmente com o intuito de despachar casos de urgência. A forma de o juiz desincumbir-se do compromisso dependerá da personalidade do magistrado. Alguns encaram esse contato como oportunidade social, outros o enfrentam como fardo insuportável e verdadeiro incômodo. A pontualidade dos juízes eleva o prestígio da Justiça. É dever do juiz presidir as audiências, em primeiro grau, e comparecer às sessões de julgamento, nos tribunais, um pouco antes da hora, a fim de não retardar o início da sessão com preparativos (v.g. envergar as vestes talares). O ato há de iniciar na hora e no minuto marcados, nem antes, nem depois. O deslocamento das partes, dos advogados e das testemunhas custa-lhes muito em suas atividades habituais, interrompidas ou perdidas naquele dia ou turno. Não há motivo para desrespeitar a cidadania com atrasos injustificados. 1.135.3. Expediente eletrônico – No processo total ou parcialmente eletrônico (v.g., o recurso extraordinário e o recurso especial), a prática dos

atos processuais não segue o horário prescrito no art. 212, caput, ou seja, das seis horas até vinte horas, e, muito menos, submete-se ao horário do expediente forense (art. 212, § 3.º). Os atos podem ser praticados até as vinte e quatro horas do último dia do prazo (art. 213, caput). O horário dilatado na prática dos atos processuais, do ponto de vista das partes, gera problema sério para os serviços de automação processual (art. 194). Eles devem prever e comportar volume expressivo de transmissões no último minuto do dia do termo final do prazo (23h59min). Eventual sobrecarga, falhando a transmissão nesse momento derradeiro, implica a existência de justa casa, incidindo o art. 223, § 1.º, cuja ulterior comprovação dependerá, naturalmente, do registro haurido do próprio serviço de informática. O ato poderá ser praticado no primeiro dia útil subsequente (art. 224, § 1.º, in fine). A falta de coincidência de horários entre a hora no local da transmissão e a hora no local da recepção, em virtude da diferença de fusos, encontra previsão no art. 213, parágrafo único. Vale o termo final na hora do juízo no qual a parte deva praticar o ato. Assim, o último minuto para o advogado sediado em São Paulo praticar ato no processo em andamento em Manaus será 21h59min, salvo a adoção de horário especial, em determinadas estações do ano, em que o termo final será às 20h59min. 1.136. Exceções ao tempo da prática dos atos processuais Os parágrafos do art. 212 contemplam duas exceções ao tempo da prática dos atos processuais. 1.136.1. Atos iniciados no tempo hábil – O art. 212, § 1.º, autoriza a conclusão dos atos iniciados dentro do interregno hábil, entre as seis horas e as vinte horas (art. 212, caput), prolongando-se mais do que o esperado. Por óbvio, não se revela possível frustrar a finalidade da regra, designando audiência de instrução e julgamento, na qual o juiz colherá o depoimento das partes e de várias testemunhas, minutos antes do encerramento do expediente forense. É presumível prolongar-se o ato noite afora. A exceção pressupõe fatos diferentes. Designado o ato para horário adequado à sua finalidade (v.g., a sessão de julgamento do tribunal, iniciada às quatorze horas), os trabalhos se estenderam, excepcionalmente, além do previsto (v.g., número excepcional de advogados reclamaram o direito de sustentar oralmente a causa). Em casos tais, conjugam-se os dois requisitos expressos no art. 212, § 1.º, a saber: (a) prejuízo à diligência; (b) grave dano. Facilmente se compreende a inconveniência de sustar julgamento em curso, antes de completá-lo com a emissão de todos os votos dos integrantes do órgão colegiado, ou de adiar o julgamento dos feitos incluídos na pauta, porque o relógio do presidente da sessão marca vinte horas. Também se afigura inoportuno cindir a produção da prova oral, ante o adiantado da hora, designando outra data, embora a mais próxima possível (art. 365, parágrafo único) para o prosseguimento da solenidade. O controle dos pressupostos do prosseguimento incumbe, relativamente aos atos internos, ao órgão judiciário. No tocante aos atos externos, a exemplo da citação (v.g., o oficial de justiça recebeu a informação do vizinho

que o citando só chega às vinte horas e trinta minutos), compete ao agente do ato deliberar a respeito, posteriormente certificando as circunstâncias.26 O juiz aquilatará, a posteriori, a validade do ato.27 1.136.2. Atos realizados fora do tempo hábil – Excepcionalmente, independentemente de prévia e expressa autorização do juiz – inovação quanto ao direito anterior –, a citação, a intimação e a penhora podem ser realizados fora do tempo hábil à prática dos atos processuais: (a) em domingos e em feriados; (b) antes ou depois do interregno das seis às vinte horas; (c) no curso das férias forenses. Em qualquer hipótese, reza o art. 212, § 2.º, respeitar-se-á o art. 5.º, XI, da CF/1988: o direito fundamental à inviolabilidade da casa, asilo inviolável do residente no País, e na qual ninguém ingressará, inclusive o oficial de justiça, à noite sem o consentimento do morador. O juiz só pode autorizar o ingresso do oficial de justiça na casa, contra a vontade do morador, durante o dia. O art. 212, § 2.º, pré-exclui, implicitamente que seja, a prática do ato externo, fora do dia útil e do horário hábil, mostrando-se realizável o ato no dia útil e no horário normal. É comum a petição inicial requerer, sem maiores justificativas, a aplicação do art. 212, § 2.º. Ora, se o executado pode ser encontrado, na residência ou fora dela, em dias úteis e no horário de expediente, inexiste causa para a medida de exceção. A regra destina-se a apanhar na rede da Justiça os particulares escorregadios e lisos e os que, por força de sua atividade profissional (v.g., o médico), encontram-se disponíveis a desoras. É taxativa a enumeração dos atos no art. 212, § 2.º.28 Esse dispositivo abrange os atos de comunicação processual – intimação e citação – e um ato constritivo específico da execução de prestação pecuniária fundada em título judicial ou extrajudicial: a penhora. Nenhuma outra medida constritiva encontra-se autorizada. No direito anterior, em que existia disciplina para medidas constritivas cautelares, atualmente só arroladas no art. 301, a remissão à disciplina da penhora incluía o arresto e o sequestro no campo de incidência da regra predecessora ao art. 212, § 2.º.29 Tal possibilidade desapareceu no NCPC. Logo, dependerá de ato do juiz a autorização. 1.136.3. Atos urgentes em regime de plantão – Segundo o art. 93, XII, da CF/1988, “nos dias em que não houver expediente forense normal” – portanto, sábados, domingos e feriados –, haverá “juízes em plantão permanente”. O princípio da continuidade da prestação jurisdicional elimina, relativamente aos atos urgentes, o tempo hábil previsto no art. 212, caput. A Resolução n.º 71, de 31.03.2009, do CNJ, parcialmente modificada pela Resolução n.º 152, de 06.07.2012, regula o serviço de plantão no primeiro e no segundo graus. Das suas disposições, de natureza cogente às autoridades judiciárias estaduais, distritais e federais, depreende-se que: (a) o plantão atenderá no prédio do tribunal ou do foro, em todas as comarcas, seções judiciárias e subseções judiciárias; (b) haverá escala prévia dos magistrados, obedecido o princípio da alternância; (c) o atendimento especial versará medidas urgentes, proibido o levantamento de dinheiro, disposição incorporada no art. 905, parágrafo único, do NCPC.

Entende-se por medida urgente, para os fins do plantão judiciário, as que não podem aguardar a abertura do expediente forense no próximo dia útil. É flagrante que, havendo essa espécie de urgência, o ato processual há de ser praticado fora do dia e do horário hábil. Por exemplo, o pedido de internação compulsória de pessoa doente, em nosocômio público ou privado, recusado pelo médico responsável. O juiz de plantão deliberará a tal respeito, com o auxílio do escrivão designado, e o oficial de justiça cumprirá o ato decisório. 1.137. Proibição da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados forenses O art. 214, caput, declara que “durante as férias forenses e nos feriados, não se praticarão atos processuais”. Essa tumultuada matéria exige considerações especiais. 1.137.1. Conceito de recesso ou férias forenses – O art. 93, XII, da CF/1988 pretendeu banir as férias forenses, tradicionalmente reservadas ao mês de janeiro, em primeiro grau, e aos meses de janeiro e de julho, nos tribunais, chamadas neste grau de férias coletivas (art. 66, § 1.º, da LC 35/1979); e o recesso (na verdade, feriados contínuos) da Justiça Federal, verificado entre os dias vinte de dezembro e seis de janeiro (art. 62, I, da Lei 5.010/1966), sem prejuízo das férias individuais de sessenta dias dos magistrados. Desde o início o propósito salutar da regra – não convém paralisar atividade essencial do Estado por tanto tempo – malogrou fragorosamente. Em primeiro lugar, nem toda a atividade judiciária submeteu-se ao princípio da continuidade, porque ressalvados os tribunais superiores (STF e STJ, na área civil), e o os bons exemplos vêm da cúpula, do contrário não persuadem as bases. A fadiga intelectual atinge, igualmente, ministros, desembargadores e juízes, não havendo motivo fundado na boa razão para distingui-los em termos de descanso. Ademais, logo se percebeu, especialmente nos órgãos colegiados, que o término das férias coletivas, coincidindo com as férias individuais da maioria dos desembargadores, provocava problemas difíceis de resolver para garantir a composição mínima dos órgãos fracionários no mês de janeiro. Poucos presidentes exibiam força política suficiente para negar férias a dois ou mais integrantes do mesmo órgão fracionário. E os advogados, cuja corporação defendera a medida de modo ostensivo, por razões diferentes, viram-se grandemente prejudicados. Os grandes escritórios de advocacia enfrentaram problemas análogos ao dos tribunais: desfalcados de pessoas essenciais no mês de janeiro, os respectivos sócios jamais poderiam tomar férias conjuntamente. E os advogados artesãos, isolados no seu árduo ofício, e ainda maioria nas pequenas e médias cidades, simplesmente perderam o direito às férias. À moda nacional, ignorou-se o problema, adotando-se a fórmula da Justiça Federal: recesso de vinte de dezembro a seis de janeiro. O art. 220, caput, do NCPC voltou atrás, acolhendo pleito dos advogados, na contramão do que postularam no período anterior à EC 45/2004. Os prazos forenses ficarão suspensos no interregno de 20 de dezembro a 20 de janeiro, inclusive. Chama-se a esse período de paralisia total da atividade

externa – os juízes, os serventuários da justiça, e os integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública exercerão atividade interna, salvo a concessão de férias individuais no mesmo período, apressouse a dizer o art. 220, § 1.º – de “férias dos advogados”. E, por via das dúvidas, o art. 220, § 2.º, proibiu a realização de audiências, no primeiro grau, e sessões de julgamento, nos tribunais. As férias forenses originaram-se da distinção entre dies fasti e dies nefasti, em Roma, sendo lícito ir a juízo só nos primeiros. O Império Romano organizou, verdadeiramente, as férias forenses, ao tempo da messe e da vindima, sob influência cristã acrescidas de “domingos, festas e dias que a Igreja manda guardar, tais como as de Natal, da Páscoa e do Espírito Santo”,30 fórmula que alcançou as Ordenações Filipinas (Livro III, Título 18). Os feriados, hoje em dia, são os sábados, os domingos e os dias declarados em que não haja expediente forense (art. 216), geralmente porque se trata de feriado nacional, estadual, distrital e municipal, cujo número é limitado legalmente. Essa antiga instituição, paralisando em parte a atividade judiciária, não se vergaria facilmente às injunções do Estado Constitucional Democrático contemporâneo. E, como visto, satisfaz os interesses pessoais de juízes e advogados. No máximo, assumiu as vestes mais discretas de recesso, ou feriados contínuos, no período de vinte de dezembro a vinte de janeiro, inclusive durante o qual a rotina diária se altera radicalmente, os litigantes esmorecem a beligerância. Pode-se ler recesso em lugar de “férias” no art. 214, caput, sem prejuízo terminológico. Recesso no segundo e no primeiro grau, entre vinte de dezembro e vinte de janeiro, inclusive, significa a proibição da atividade externa. Fica mantido o recesso nos tribunais superiores nos meses de janeiro e de julho. 1.137.2. Conceito de feriados forenses – O art. 216 declara feriados forenses o sábado, o domingo, resquício da dominância religiosa, “e os dias em que não haja expediente forense”. É bem intricada a legislação a respeito dos feriados comuns, determinando a inexistência de expediente forense, pois eles derivam de leis nacionais, estaduais, distritais e municipais. Parece impossível recensear as disposições nesta última origem, pois há mais de milhar de municípios. Leis dessa ordem só paralisam a atividade na comarca ou subseção judiciária, conforme o respectivo âmbito territorial. No entanto, perturbam o julgamento dos recursos nos TJ e nos TRF, passando despercebidos do relator na contagem do prazo. Cumpre ao escrivão certificá-los nos autos.31 As partes também podem ministrar prova a esse respeito. Aliás, devem fazê-lo (art. 1.003, § 6.º),32 a fim de comprovar a tempestividade do recurso.33 A enumeração dos feriados nacionais e estaduais afigura-se essencial, ao revés, porque paralisam a atividade judiciária em todo o território nacional ou do Estado-membro. O atendimento dos casos urgentes realiza-se, nesses dias, no âmbito do plantão. O art. 1.º da Lei 9.093/1995 declara feriados civis: (a) os dias declarados feriados por lei federal; (b) a data magna do Estadomembro fixada em lei estadual (v.g., 9 de julho em São Paulo; 20 de setembro

no Rio Grande do Sul); (c) os dias do início e do término do centenário do Município, fixados em lei municipal. E o art. 2.º, desse mesmo diploma, remete à lei municipal designar feriados religiosos, ou dias de guarda, em número não superior a quatro por ano, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão. Pois bem: são feriados nacionais, segundo o art. 1.º da Lei 662/1949, na redação da Lei 10.607/2002: 1.º de janeiro, 21 de abril, 1.º de maio, 07 de setembro, 02 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro; e, segundo a Lei 6.802/1980, o dia 12 de outubro. O art. 62 da Lei 5.010/1966 declara feriados na Justiça Federal: a segunda e a terça-feira de Carnaval; 11 de agosto, 1.º e 2 de novembro; 08 de dezembro; de quarta-feira até o domingo de Páscoa, além dos já mencionados feriados contínuos de 20 de dezembro a 06 de janeiro (recesso), ampliados para 20 de janeiro, inclusive, por força do art. 220, caput, do NCPC. Os TJ costumam, no início de cada ano judiciário, estipular os feriados forenses, repetindo a legislação nacional e estadual. O dia 11 de agosto, no qual se criaram os cursos jurídicos, e o dia 08 de dezembro, Dia da Justiça, acabam integrando o calendário de feriados forenses em muitos Estadosmembros. 1.137.3. Efeitos da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados – O ato processual que, sem embargo das exceções legalmente admitidas, infringe à flagrante proibição do art. 214, caput, ocorrendo no recesso e no feriado, é ato viciado. Ele ingressa no mundo jurídico, mas deficientemente, porque arrosta a proibição do art. 214, caput. Ora, despeito do vício, a decretação da invalidade se subordina à ocorrência de prejuízo e ao ato não atingir a sua finalidade. Logo, o ato revela-se nulo, mas passível de convalidação. Essas noções se harmonizam com o ius positum em matéria de invalidades.34 É inaceitável declarar inexistente o ato praticado em infração ao art. 214, caput,35alvitre fundado no exagero de, nesses períodos, suspender jurisdição do juiz.36 Como quer que seja, a jurisprudência do STJ firmara-se no sentido da ineficácia, aplicando o art. 240, parágrafo único, do CPC de 1973 – regra não reproduzida no NCPC –, segundo o qual se estimará feita no primeiro dia útil seguinte a intimação ocorrida em dia que não houver expediente forense. Por exemplo, juntada a prova do ato de intimação do devedor para embargar nas férias, “tem-se que o mesmo ocorreu no primeiro dia útil seguinte ao término das férias”.37 Idêntica solução se defendeu na abertura do prazo de apelação.38 Porém, se a parte interpõe a apelação durante as férias, cumprialhe apresentar nesta oportunidade a prova do preparo, sob pena de deserção.39 Em particular, não se mostram nulas as sentenças proferidas nas férias (art. 220, caput). O ato surtirá os efeitos próprios após o término do período de suspensão.40 Em atenção à regra proibitiva do art. 214, caput, e sem embargo da ausência de regra equivalente à que amparava o entendimento explicado no direito anterior, o melhor entendimento continua a ineficácia relativa. Se o ato praticado antes do termo inicial do prazo considera-se tempestivo, a teor do art. 218, § 4.º, também o será o praticado no curso da suspensão do art. 220, caput, ou em feriado local.

1.138. Atos admitidos no recesso e nas férias Os incisos do art. 214 contemplam atos cuja prática admite-se no recesso ou férias. Em todos, há a nota comum da urgência, convindo recordar que, verificada situação de emergência em feriado (domingo ou dia não útil), o órgão judiciário de plantão proverá a respeito. O art. 214, I, realiza remissão aos atos de comunicação e à penhora, objeto do art. 212, § 2.º não sendo possível praticá-los em dia útil. Entendese, como no direito anterior, fluir o prazo do primeiro dia útil subsequente (v.g., 21 de janeiro), observado o art. 231. Nada obsta, evidentemente, que o réu responda desde logo (art. 218, § 4.º).41 Em tal hipótese, o escrivão juntará as peças aos autos, independentemente de despacho (art. 203, § 4.º), dando-lhe o juiz andamento após o feriado ou recesso.42 Quanto ao processo eletrônico, a juntada independe do ato do escrivão ou chefe de secretaria (art. 228, § 2.º). O art. 214, II, alivia da proibição os casos de tutela de urgência. Essa disposição abrange as medidas cautelares e antecipadas incidentes e antecedentes, bem como atos urgentes. Por exemplo, a testemunha encontrase gravemente enferma, o prognóstico da doença é reservado, sugerindo o risco de óbito, convindo realizar audiência imediata, inclusive no feriado ou nas férias. 1.139. Causas processadas no recesso e nas férias O art. 215 estipula as causas que, a despeito do recesso, tramitam normalmente, ou seja, não se suspendem pela superveniência do recesso, ou nele podem iniciar sem ficarem aguardando o fim do período de paralisação temporária e parcial da atividade judicante. O art. 215, I, permite a tramitação dos procedimentos de jurisdição voluntária, bem como os necessários à conservação de direitos (v.g., a interpelação; o protesto interruptivo da prescrição), quando o adiamento prejudicar a respectiva finalidade. O inciso restringe, nesses casos, o preceituado no art. 215, caput, pelo qual “processam-se durante as férias forenses”. E isso, porque o elemento do receio de dano, exigido na cláusula final do inciso I do art. 215 (“… quando puderem ser prejudicados pelo adiamento”), alude tanto à jurisdição voluntária, quanto aos atos de conservação do direito. Não há impasse.43 Figure-se o caso de o interessado requerer a alienação de bem, inexistindo acordo entre os interessados (art. 730); deferida e realizada a alienação, na forma da lei, posteriormente o condômino prejudicado pleiteia a adjudicação: este pedido ficará paralisado até o fim do recesso. Desse modo, praticar-se-ão os atos urgentes nos procedimentos de jurisdição voluntária, ou de conservação de direitos, paralisando-se, em seguida, o respectivo procedimento.44 As causas arroladas no art. 215, II – “a ação de alimentos e os processos de nomeação ou remoção de tutor e curador” – processam-se no curso do recesso. Entende-se por processamento da causa a atividade jurisdicional plena, do início ao fim do processo, incluindo o julgamento do mérito e respectiva execução, como decidiu o STJ,45 no tocante à desapropriação.

Finalmente, processam-se no recesso as causas que “a lei determinar” (art. 215, III). Por exemplo, a desapropriação, a teor do art. 39 do Dec.-lei 3.365/1941.46 A redação atual, retirando o adjetivo “federal”, preserva a competência do legislador estadual – em matéria de procedimento, competência legislativa concorrente, a teor do art. 24, XI, da CF/1988 (retro, 103) –, no âmbito da Justiça Comum, de estipular causas de tramitação obrigatória no recesso.47 § 236.º Lugar da prática dos atos processuais 1.140. Lugar como elemento dos atos processuais O lugar da prática integra os elementos do ato processual. É conformidade da conduta do sujeito do processo com o modo de exteriorizá-la no processo. Ocupa-se do lugar do ato processual o art. 217 do NCPC. A ciência modificou a noção usual de espaço. À lei processual, todavia, interessa a concepção horizontal de espaço, ou seja, a porção da superfície terrestre onde ocorrem as condutas humanas, transformadas em atos processuais, relativas ao processo. A área mais geral consiste na circunscrição territorial – comarca ou seção judiciária – na qual se implanta a divisão judiciária (retro, 416). É nela que tramitará o processo. Em tal área, há um ou mais lugares específicos, chamados no art. 217 de sede do juízo, e, nesta última, diversos ambientes (v.g., o cartório, a sala de audiências e o gabinete do juiz),48 propícios à prática de atos processuais específicos. Os atos processuais ocorrem, de regra, na sede do juízo e no ambiente especialmente adaptado à sua natureza. Os atos acontecem na sede do juízo, porque é este o lugar que as partes têm o dever de conhecer de antemão.49 Se, por razões de oportunidade (v.g., a audição da testemunha enferma), o ato há de realizar-se em outro lugar, as partes deverão ser comunicadas, a fim de acompanhá-lo. 1.141. Atos ordinariamente realizados na sede do juízo ou fora dela O art. 217, primeira parte, elucida que os atos processuais realizar-se-ão, de ordinário, na sede do juízo – tribunal ou fórum. Lugar em que se situa o gabinete do juiz, no qual presta expediente (retro, 1.135.2), atendendo partes e advogados no horário predeterminado, e localizam-se os autos, no cartório respectivo, na guarda do escrivão (retro, 986.1). A sede do juízo é, sobretudo, o sítio de convivência quotidiana do pessoal forense – juízes, advogados, servidores, peritos, estagiários –, nem todos ocupados com seus misteres, pois jubilados de toda espécie afluem ao fórum e ao tribunal para trocar impressões e reminiscências. A qualidade e a natureza do prédio variam muito. Os povos civilizados, todavia, “destinam à Justiça edifícios suntuosos em que o culto externo, verdadeira liturgia, procura impressionar os sentidos para esses formarem a imagem da majestade assumida pela função jurisdicional”.50 O ideal é o meio termo: nem a suntuosidade de um palácio, intimidando as pessoas modestas, nem prédios erodidos pelo uso e abandonados, porque imprestáveis, por outros setores da Administração Pública.

O autogoverno do Poder Judiciário, acentuado a partir da CF/1988, produziu escassos frutos nesta área. Os prédios destinados ao funcionamento das serventias judiciais, a mais das vezes, têm localização imprópria, porque não dispõem de estacionamentos amplos e de outras facilidades de acesso, e carecem de projeto funcional.51 O planejamento mostra-se sofrível – não se consultam urbanistas, por exemplo. Não é razoável transformar as repartições judiciárias em labirintos, acumulando cartórios e juízes em espaços acanhados, sem o mínimo conforto. Os usuários dos serviços judiciais perdem-se em corredores parcamente iluminados. Franz Kafka descreveu as agruras e os temores da sua personagem K, perplexo com a existência, num obscuro pátio interno, de três escadas, nenhuma delas sinalizadas, dando acesso ao terceiro andar de certo edifício decrépito, situado em zona mal afamada, e onde se localizaria a obscura sala do juizado do seu processo. Tornou-se célebre a sala 325 do TJ/SP, no terceiro andar do esplêndido prédio que ornamenta a Justiça Comum de São Paulo, onde se processavam o recurso especial e o extraordinário, “bem mais difícil de ser localizada do que, muitas vezes – digamos –, a elaboração das razões do próprio recurso”.52 Enfim, a sede do juízo há de ser um prédio construído e modelado tecnicamente para obter o máximo rendimento dos atos processuais.53 Em sua origem remota, o art. 217, primeira parte, já se limitava aos atos do juiz (v.g., a publicação da sentença) e aos atos do escrivão (v.g., a elaboração dos termos do processo).54 Então, o juiz concebia os atos decisórios no lugar que lhe aprouvesse e, não raro, elaborava (e continua a fazê-lo em dias úteis e nos feriados, em férias individuais ou não) as sentenças definitivas (art. 487) no recesso do lar, porque provimento subordinado a melhor reflexão. Na sede do juízo, como prevê o art. 217, primeira parte, o juiz proferia os atos de rotina. Os atos decisórios só ingressam no mundo jurídico no momento da publicação, esta sim, tramitando o processo nos autos de papel, ocorrida na sede do juízo. Ora, o processo eletrônico, no todo ou em parte, modificou radicalmente a noção espacial de quaisquer atos: criada no computador pessoal do juiz, localizado em sua residência, a sentença ingressará nos autos virtuais, já datada e assinada, armazenados no servidor, e, não, necessariamente, na sede do juízo. É um segredo de polichinelo que alguns provedores – o art. 194 absteve-se de mencionar esse pormenor, aplicando-se a Lei 12.965, de 23.04.2014 – nem sequer se situam no território nacional. Nesta contingência, pode-se dizer que, fisicamente, trabalham na sede do juízo, praticando atos próprios do ofício, o escrivão ou chefe de secretaria e seus auxiliares. É no tribunal, entretanto, que se realizam as sessões de julgamento; e no fórum, via de regra, que ocorrem as audiências. Por enquanto, bem entendido: a tecnologia para realizar sessões e audiências virtuais, os magistrados, partes e testemunhas em suas residências, e os advogados nos respectivos escritórios, amplamente disponível, em breve se generalizará, atribuindo-se terminais a esses agentes do processo. O debate oral, nos recursos e nas causas de competência originária dos tribunais, já ocorre na modalidade virtual (art. 937, § 4.º), nos TRF. E antevê essa possibilidade, na coleta da prova oral, o art. 453, § 1.º. Sempre existiram atos processuais ordinariamente realizados fora da sede do juízo. E as razões para tal ainda subsistem. Por exemplo, os atos de comunicação (v.g., a citação e a intimação pessoal), a penhora, o leilão, a

prisão do devedor de alimentos, e assim por diante. Esses atos se realizam fora da sede do juízo, salvo exceções (v.g., o executado é preso, porque decretada a prisão, no momento em que compulsava os autos, inteirando-se dos acontecimentos), mas na circunscrição territorial do juízo.55 O oficial de justiça diligente não fica estático no foro, mas desloca-se constantemente, visitando locais ermos ou perigosos da comarca – um despejo, na periferia da cidade, já custou a vida de um desses auxiliares –, no desempenho dos seus encargos. E há atos que, concebíveis fora da sede do juízo, necessariamente, ocorrerão na sede do juízo. O art. 686, § 2.º, do CPC de 1973 previa a realização da alienação de imóveis no “átrio do edifício do fórum”, requinte arquitetônico imaginário nos prédios que servem à Justiça Comum, e, não, no lugar da situação do imóvel. É na sede de juízo, de resto, que funciona o plantão nos dias não úteis (art. 2.º da Resolução n.º 71, de 31.03.2009, do CNJ). A visita do advogado na residência do juiz mostra-se imprópria, comprometendo a equidistância, e deve ser evitada a todo transe. Afinal, a sede do juízo constitui repartição pública e nelas existem “os meios idôneos de certificação dos acontecimentos e do dia e hora em que ocorreram”.56 Também aí se localizam os equipamentos necessários (art. 198), de uso gratuito, e os equipamentos para atender pessoas portadoras de necessidades especiais (art. 199). 1.142. Atos excepcionalmente realizados fora da sede do juízo O art. 217, prudentemente, indicou três hipóteses em que os atos, em geral previstos na sede do juízo, efetuam “em outro lugar”. Em primeiro lugar, em razão de deferência à função da pessoa, como o depoimento das autoridades mencionadas no art. 454, que desfrutam da prerrogativa de indicar o local, dia e hora da sua conveniência para depor.57 O interesse da Justiça, por vezes, determina que o juiz e aparato de apoio desloquem-se para lugar diferente da sede do juízo. É o que ocorre na inspeção judicial (art. 481): o deslocamento do órgão judiciário decorre da natureza das coisas. As audiências e as sessões de julgamento de órgãos judiciários, estas mediante autorização do tribunal pleno ou do órgão especial, realizam-se em faculdades e universidades, para fins “didáticos” e lisonja dos seus participantes, em contato com os jovens acadêmicos. É comum designar sessões de julgamento para a comarca da qual se originou número significativo de recursos e de causas de competência originária do tribunal. O fundamento genérico especifica-se, nesta hipótese, no ideal de aproximar a Justiça dos jurisdicionados. A configuração de obstáculo, previamente arguido pelo interessado e acolhido pelo juiz, impõe a realização do ato em lugar diverso da sede do juízo. Exemplos: (a) a audiência da testemunha impossibilitada de locomoção (art. 449, parágrafo único); (b) o exame do interditando (art. 751, § 1.º). Não se exige a impossibilidade absoluta em comparecer à sede do juízo. Dispensa-se das pessoas obrigadas a colaborar com a Justiça “o esforço heroico, o trabalho árduo, a tarefa penosa dura e aflitiva. O juiz considerará, ainda, a delicadeza de certas situações e o risco de eventuais prejuízos”.58

E, por fim, há atos que devem ser praticados fora da circunscrição territorial do juízo, exigindo, para essa finalidade, atos de cooperação nacional ou internacional.59 § 237.º Preclusão 1.143. Conceito de preclusão O processo civil começa por iniciativa do autor. E se desenvolve, mediante o impulso do juiz ou das partes, na consecução dos fins próprios, consoante determinado roteiro. O avanço do processo, no curso programado, progressivamente cria limites à atuação dos diversos sujeitos, com o fito de alcançar o respectivo escopo. As barreiras criadas pré-excluem retrocessos e variantes rituais. A paulatina superação dos momentos e das fases inerentes ao procedimento, através da extinção de faculdades e poderes, revela-se fundamental para assegurar o movimento permanente do processo. Trata-se, pois, de consumar atos e fases processuais, em razão da inatividade – por exemplo, a inércia total do réu torna incontroversos os fatos afirmados pelo autor, salvo as exceções legais (art. 345) – e da própria atividade feita ou mal feita. Esse fenômeno possibilita o impulso ex officio do processo.60 Recebeu o nome de preclusão.61 Os arts. 63, § 4.º; 209, § 2.º, 278, caput, e parágrafo único; 293; 507; e 1.009, § 1.º, usam a palavra nesse sentido. O étimo da palavra indica a rara felicidade da escolha terminológica. Preclusão formou-se do verbo latino praecludo, -ere, substantivo preclusio, nis, significando “fechar diante ou na cara de, tapar, obstruir”, e, figurativamente, “fechar, proibir, vedar, impedir e tolher”.62 À altura em que se erigiu a palavra preclusão, ressoava o uso da palavra forclusion, no direito francês, sinônimo de decadência, ainda hoje utilizada para retratar as consequências do vencimento do prazo peremptório (v.g., prazo recursal).63 Foi menos feliz, porém, a indicação do conjunto de situações agrupadas sob o abrigo do instituto da preclusão. Em sua versão original, e jamais superada de modo convincente e definitivo,64 preclusão é “a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual que se sofre pelo fato: a) ou de não se haver observado a ordem prescrita em lei ao uso de seu exercício, como os prazos peremptórios, ou a sucessão legal das atividades e das exceções; b) ou de se haver realizado uma atividade incompatível com outra, ou a realização de um ato incompatível com a intenção de impugnar uma sentença; c) ou de já se haver validamente exercido a faculdade (consumação propriamente dita)”.65 Tais situações inspiraram a separação da preclusão em três espécies (temporal, lógica e consumativa). Elas constituem o objeto do item subsequente (infra, 1.148). Ressalva feita à preclusão consumativa, e numa abrangência muito limitada, essas classes não apanham os poderes do juiz. O caso da preclusão temporal, a espécie mais importante, demonstra a extensão da dificuldade. Os prazos para o juiz dizem-se impróprios (infra, 1.153.4). Não se sujeitam ao efeito prescrito no art. 223, caput, primeira parte. Logo, para o juiz não há preclusão temporal. E há um problema adicional a

eficácia ad intra, ou seja, unicamente interna ao processo, ou ad extra da preclusão. Antes de examinar esses dois aspectos capitais, recorde-se a finalidade da extinção do direito de praticar ou de emendar o ato. A preclusão é uma técnica, cuja aplicação imprime aos atos seriais do procedimento uma maior ou menor rigidez, gravando as partes e o órgão judiciário com maior ou menor intensidade, conforme os valores prevalecentes do ordenamento processual.66 Não surpreenderá, portanto, a preclusão atingir parcamente os poderes do juiz, pois o processo civil brasileiro tem feitio autoritário. A técnica da preclusão harmoniza-se com qualquer concepção de processo, inclusive o processo em que os direitos fundamentais processuais das partes assumem papel predominante. Rejeita-se, desse modo, a objeção de a preclusão basear-se na teoria do processo como relação jurídica.67 Primeiro, essa teoria é aqui adotada, porque explica satisfatoriamente a natureza processo, e mencionada no art. 238, in fine, do NCPC; segundo, o dado mostra-se, a rigor, irrelevante.68 É problema secundário estimar exclusiva, ou não, do direito processual a preclusão.69 1.144. Extensão subjetiva da preclusão A construção clássica do instituto da preclusão enfatiza perda de faculdades das partes, mas acaba por admitir a preclusão das questões decididas pelo juiz, no curso do processo. Em tese, ao menos, a preclusão atinge, com maior ou menor extensão, os poderes do órgão judiciário.70 Calha, todavia, uma precisão terminológica. Não se cuidará de preclusão pro judicato, pois a expressão significa coisa oposta, subentendendo-se a falta de decisão.71 A esse respeito, impende considerar, desde logo, o disposto no art. 505, caput: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide”. Segundo uma das interpretações concebíveis, a regra respeita tanto à coisa julgada, quanto à preclusão. Rejeitando o juiz a exceção substancial da prescrição incidentalmente, v.g., na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, I), supostamente fora do momento processual oportuno – na sentença definitiva –, a questão ficaria solucionada em termos definitivos. Em outras palavras, ressalva feita à oportuna impugnação da parte (art. 1.009, § 2.º), a resolução tomada na pendência da causa, v.g, sobre a prescrição, criaria vínculo para o órgão judiciário de primeiro grau e para o tribunal, no ulterior julgamento da apelação, no mesmo e em outro processo.72 Na realidade, as coisas se passam diferentemente, ao menos por conta do art. 505. É no campo da coisa julgada, após a sentença de mérito se tornar indiscutível, que se localizará o real alcance do dispositivo. Força a mão o raciocínio, aplicando-o ao processo em que se resolveu a questão, ou seja, produzindo efeitos ad intra. O emprego do pronome indefinido “nenhum” no art. 505, caput, pré-excluindo a atuação de outros juízes, e não, especificamente, a do próprio autor do ato decisório, na mesma causa, revela o sentido da regra: eficácia ad extra, própria da sentença de mérito revestida da autoridade de coisa julgada, mas relativamente às questões principais

decididas (art. 503, caput). É significativo, ademais, o objeto do inc. I da regra. Parece flagrante não se relacionar com a preclusão, mas com a coisa julgada material, ou melhor: com a inexistência da respectiva autoridade, relativamente às questões decididas perante eventos supervenientes. Por exemplo, A pleiteou alimentos do pai B, sobrevindo, posteriormente ao trânsito em julgado, modificação da situação de fato. Conforme a hipótese, A ou B podem pedir a revisão do valor dos alimentos, na esteira do que estabelece o art. 15, in fine, da Lei 5.478/1968. O teor deste dispositivo é idêntico ao art. 505, I. A bem da verdade, o art. 505, caput, reproduz instituto similar ao da Common Law – o collateral estoppel ou issue preclusion. À semelhança da coisa julgada, aissue preclusion baseia-se na ideia que a finalidade dos julgamentos há de ser preservada e, debatendo-se ampla e suficientemente certa questão, o princípio da economia recomenda, num segundo processo entre as partes, com diferente pedido (claim), ocorra a limitação decorrente da decisão tomada sobre a questão (issue) no primeiro processo.73 A indiscutibilidade da pretensão é objeto, no mesmo sistema jurídico, da claim preclusion ou da res judicata.74 É o equivalente à coisa julgada material entre nós. Ora, a preclusão é, por definição, fenômeno ad intra, ou interno à relação processual: proíbe nova controvérsia e nova resolução sobre a questão já decidida no mesmo processo, permitindo a este ir à frente, queimando etapas. Esse fenômeno não equivale, absolutamente, à issue preclusion. A eficácia da resolução sobre uma mesma questão em outro processo, como pretende o art. 505, e a issue preclusion, pertence aos domínios, entre nós, da coisa julgada. Naturalmente, representará outro problema o acatamento da issue preclusion, na extensão existente no direito norte-americano, entre nós. Logo acode à mente o problema das questões prejudiciais segundo o regime anterior, objeto de regra de transição (art. 1.054): haverá preclusão, e, não, coisa julgada material (na terminologia norte-americana,issue preclusion), resolvida a prejudicial na sentença. E haverá coisa julgada na sistemática do art. 503, § 1.º. Não se referindo o art. 505 à preclusão, aplica-se às questões decididas, mas insuscetíveis a impugnação imediata, ante o cabimento restrito do art. 1.015, o art. 1.009, § 1.º: não se sujeitam a preclusão. A preclusão dos poderes do órgão judiciário opera de cima para baixo, por intermédio da chamada preclusão hierárquica, jamais de baixo para cima e no mesmo grau. É o que todos constatam, diariamente, na realidade. Os poderes de direção do órgão judiciário, envolvendo a resolução de questões relativas ao processo, tendo por objeto os pressupostos processuais e as condições da ação, debatidas previamente com as partes, nunca precluem. E idêntico tratamento recebe as questões concernentes à admissibilidade dos meios de prova. Essas são as únicas questões que, a rigor dos princípios, cumpre ao juiz propriamente resolver antes de julgar a causa, na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, I e II), proferindo sentença, feita a instrução, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor ou o pedido reconvencional do réu (art. 487, I). Excepcionalmente, o juiz examina parte do mérito antes da sentença, aplainando o terreno, desembaraçando o caminho

para chegar ao âmago da causa. Então, sim, parece admissível cogitar de preclusão. O art. 357, § 1.º, in fine, introduziu importante elemento nessa equação. A decisão de saneamento e de organização do processo assumiu proporções grandiosas. Transformou-se, como a designação já insinua, a encruzilhada de condensação do procedimento comum. Essa decisão capital abrange o seguinte: a resolução das questões processuais pendentes (art. 357, I), a fixação do tema da prova e o deferimento dos meios de prova pertinentes, ou a ordem para produzirem-se, ex officio(art. 357, II), a distribuição do ônus da prova (art. 357, III), a delimitação das questões de direito idôneas a influir no juízo de mérito (art. 357, IV) e a designação de audiência de instrução (art. 357, V), se este for o caso. Realizado o saneamento, em tais termos, o juiz assumirá o pleno domínio da causa, doravante verdadeiramente preparada para chegar à solução de mérito, porque inteirar-se-á do litígio em termos exaustivos. Pois bem: vencido o prazo de cinco dias para as partes pedirem esclarecimentos e ajustes – fórmula ambígua, mas compreensiva de eventuais embargos de declaração (o pedido de reconsideração é perigoso) e do respectivo julgamento –, “a decisão se torna estável”, reza o art. 357, § 1.º. Essa estabilidade há de ser bem entendida. Não se confunde com a da tutela antecipada, inexistindo impugnação através de agravo (art. 304, caput), porque findo o prazo de dois anos para uma das partes pleitear a revisão da medida de urgência (art. 304, § 5.º), a decisão revestir-se-á de auctoritas rei iudicate, bem interpretado o art. 304, § 6.º. A rigor, a estabilidade do art. 357, § 1.º, equivale a preclusão. Resta decidir seu alcance subjetivo. Um subsídio valioso extrai-se do art. 357, § 2.º. Lícito às partes a delimitação consensual das questões de direito e das questões de fato e, homologada, a convenção “vincula as partes e o juiz”. Fora desse caso excepcional, destarte, a decisão de saneamento e de organização do processo não vincula o juiz, mas as partes, a teor do art. 507. E não vinculará jamais o órgão ad quem. Em princípio, só cabe agravo de instrumento da distribuição do ônus da prova (art. 357, III, c/c art. 1.015, XI). Logo, as disposições restantes entram na órbita do art. 1.009, § 1.º, reexamináveis na futura apelação, uma vez requerido pela parte. 1.145. Extensão objetiva da preclusão Ao ensejo de distinguir coisa julgada e preclusão, elemento altamente perturbador turvou o conceito deste último instituto. Em síntese larga, a autoridade de coisa julgada consiste na eficácia que subordina à resolução tomada a quaisquer juízes em outro processo. Tem por objeto a resolução do mérito. Formalmente, chama-se esse ato decisório de “decisão” (art. 502), englobando sentenças (art. 203, § 1.º), acórdãos (art. 204) e decisões singulares do relator (art. 932, IV e V), relativas ao mérito (art. 487). É o provimento final que formula a regra jurídica concreta aplicável à causa e, por isso, indiscutível no presente e no futuro. Em princípio, a preclusão das faculdades das partes e dos poderes do juiz se distingue da coisa julgada, porque repercute unicamente no interior do processo, ou seja, ad intra.75 Por definição, a utilidade da autoridade de coisa

julgada decorre da circunstância de surtir efeitos ad extra, ou seja, em outro processo – por exemplo, idêntico ao primeiro, a teor do art. 337, § 2.º. Nem todo o processo, porém, terminará com a emissão de pronunciamento revestido da autoridade do art. 502, conforme a respectiva função. É o caso do processo de execução (art. 924 c/c art. 925). No entanto, os pronunciamentos do órgão judiciário, tomados no curso da execução, ressentir-se-iam de idêntica estabilidade em outros processos. Razões de conveniência, portanto, exigiriam a agregação de indiscutibilidade desses provimentos. Reservou-se essa espinhosa tarefa à preclusão, adjetivada, então, de pro iudicato.76 Essa preclusão expressaria vínculo idôneo a extravasar o processo originário, imunizando a execução a controvérsias futuras. A investigação em torno dessa preclusão pro iudicato, no direito italiano, recaiu no procedimento monitório (procedimento d’ingiunzione). Trata-se de meio peculiar de tutela de certos créditos, visando à rápida constituição de título executivo. O provimento inicial do juiz, neste procedimento, passível de ulterior impugnação do devedor, constitui o título e, na ausência de oportuna reação, torna-se estável, em geral se reconhecendo o destino de transirem in rem iudicatum.77 Ocorre que, no monitório, prepondera a função de conhecimento, e o provimento inicial constitui espécie de sentença liminar de mérito, suscetível de adquirir a autoridade de coisa julgada.78 O paralelo mostra-se impróprio e imprestável à demonstração da existência de um vínculo fora do processo. Embora não seja razoável que só haja preclusão porque a atividade executiva revela-se puramente processual,79 os atos que preparam a satisfação do exequente, bem como a entrega do respectivo produto, na execução fundada em título judicial ou extrajudicial, jamais desfrutarão da indiscutibilidade inerente à formulação da regra jurídica concreta resultante da função de cognição.80 Por exemplo, a alienação dos bens penhorados pode ser impugnada através de simples ação anulatória, prescindindo da rescisória (art. 966). Não se cogita na execução, pois, da autoridade de coisa julgada idêntica à da função de cognição, e, por igual, do vínculo análogo designado de preclusão pro iudicato. É uma autoridade atenuada, pois os atos preparatórios à satisfação do exequente comportam invalidação, desfazendose, pois, a autoridade decorrente da sentença prevista no art. 925 do NCPC. Elaborado como forma de tornar indiscutível o resultado prático da pretensão a executar, que não recebe julgamento final, a noção de preclusão pro iudicatosofreu mutação profunda no direito brasileiro. Evoluiu para abraçar as resoluções de conteúdo processual, incidentalmente tomadas no curso do processo.81 A preclusão pro iudicato dividir-se-ia em duas espécies: (a) explícita (v.g., resolução do juiz acerca das preliminares, previstas no art. 337), ou implícita (v.g., a prorrogação da competência, por falta de oposição do réu); (b) integral, impedindo o reexame por ambos os graus de jurisdição, ou limitada, em que o impedimento ocorre tão só no primeiro grau.82 Essa construção incorre na grave impropriedade de designar fenômeno intrínseco ao processo com instituto concebido para regular o vínculo fora do processo. A expressão preclusão pro iudicato significa, literalmente, preclusão

como se tivesse sido julgado, e, não, preclusão para o juiz.83 É um modo de expressar a eficácia preclusiva da coisa julgada prevista no art. 508. É mais simples e direto aludir à preclusão dirigida à atividade das partes e preclusão das questões incidentais.84Problema diferente, por óbvio, reside na extensão dessa última preclusão (infra, 1.149). 1.146. Finalidade da preclusão Entende-se por preclusão, em síntese, a perda das faculdades das partes ou dos poderes do juiz, impedindo o retrocesso no procedimento, fenômeno a produzir efeitos no próprio processo. A preclusão tem a elevada função de garantir o dinamismo da atividade processual – e, portanto, harmoniza com o processo governado pelos direitos fundamentais.85 A distinção entre decadência e preclusão reside neste ponto: o último fenômeno encara-se dinamicamente, do ponto de vista do processo como procedimento.86 1.147. Natureza da preclusão A preclusão barra o ingresso de atos no mundo jurídico, precisamente no processo, válida e eficazmente. Por esse motivo, “preclui o que deixa de estar incluído no mundo jurídico”.87 A preclusão verifica-se no plano da eficácia. É o resultado de atos comissivos ou omissivos. Decorrido o prazo, “extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial”, estatui o art. 223, caput, primeira parte, do NCPC. Eis a sua natureza jurídica. Não se cuida de sanção ou de penalidade em sentido técnico.88 Da premissa decorre que preclusão não é ato passível de ser praticado. É simples consequência, ope legis, de atos omissivos ou comissivos, ou efeito, e, por sua vez, verificado no processo, erige-se em causa de outros fatos inseridos na cadeia do procedimento. Por exemplo, o esgotamento das vias recursais contra o provimento de mérito (art. 487), chamada de coisa julgada formal, traduzindo preclusão máxima, porque nenhuma outra ocorrerá naquele processo, constitui elemento indispensável ao aparecimento da coisa julgada material (art. 502) e termo inicial do prazo para rescindir o julgado (art. 975), conforme estabeleceu a Súmula do STJ, n.º 401, ao nosso ver corretamente. E, por fim, a preclusão é um fato impeditivo, “destinado a garantir o avanço progressivo da relação processual e obstar o seu recuo para fases anteriores do procedimento”.89 1.148. Espécies da preclusão Classifica-se a preclusão, em razão da respectiva causa, em três espécies: (a) temporal; (b) lógica; e (c) consumativa.90 Por óbvio, há outros esquemas de relevo variável.91 Opta-se, aqui, pela arrumação clássica dos eventos preclusivos. No tocante aos poderes do juiz, objeto de item específico (infra, 938), em que a preclusão encontra-se profundamente mitigada em nosso direito,

cogita-se de uma quarta espécie: a preclusão hierárquica ou vertical. Por exemplo, o juiz extingue o processo, fundado na ilegitimidade do autor (art. 354 c/c art. 485, VI), mas o tribunal dá provimento à apelação do vencido, repelindo a ilegitimidade. O juiz ficará vinculado ao pronunciamento do tribunal, impedido de decidir em sentido contrário, caso não seja possível ao tribunal julgar diretamente o mérito (art. 1.013, § 3.º, I), e sem embargo de o art. 337, § 5.º, declarar semelhante questão de ordem pública passível de conhecimento, ex officio, a qualquer tempo, ou seja, o respectivo exame não preclui para o órgão judiciário. O juízo positivo a respeito da legitimidade do autor só poderá ser revisto pelo próprio tribunal no futuro recurso interposto contra a sentença de mérito.92 Em termos classificatórios, o problema não reside na circunstância de se tratar de preclusão. É evidente que se trata do mesmo fenômeno – no caso, a perda do poder de reexaminar, a qualquer tempo, questão de ordem pública.93 A hierarquia entre os órgãos judiciários, o superior subordinando o inferior, revela-se essencial à organização judiciária bem-sucedida e eficaz. A preservação da hierarquia dos tribunais superiores mereceu tratamento constitucional através do remédio específico da reclamação (art. 102, I, l, e art. 105, I, f, da CF/1988). Estendeu esse remédio às hipóteses do art. 927 por força do art. 988. Resta decidir, entretanto, se tal vínculo assume fisionomia própria, constituindo classe autônoma, ou reduz-se a uma das três espécies consagradas na versão clássica do instituto da preclusão. A resposta advirá da análise das três espécies tradicionais. 1.148.1. Preclusão temporal – O art. 223 caput, primeira parte, do NCPC, define a preclusão temporal como a extinção do direito de a parte praticar o ato decorrido o prazo previsto.94 Logo avulta o fato que, carregados ao juiz prazos impróprios (infra, 1.153.1), simples indicação da oportunidade do ato, de ordinário inexiste preclusão temporal relativamente aos poderes do órgão judiciário. Por exemplo, deixando o juiz de proferir sentença no prazo do art. 366, in fine, não desaparece a respectiva vinculação ao processo. Nada o impede de proferir o ato posteriormente – tão logo que possível, respeitada a ordem cronológica dos julgamentos prevista no art. 12. O art. 235 instituiu o remédio da representação para a parte reclamar do descumprimento dos prazos pelo órgão judiciário. Essa representação ensejará, nos termos do art. 235, § 3.º, como medida extrema (infra, 1.189), a designação de outro juiz para decidir a causa, no prazo especial de dez dias. Não é incomum identificar na hipótese a perda da competência do juiz, e, assim, preclusão temporal, fundada em ato ilícito.95 Obtempera-se, vantajosamente, cuidar-se de consequência funcional, pois outro juiz pronunciará o julgamento e “o ato entrará naturalmente no processo”.96 Como quer que seja, além dessa hipótese estrita e controversa, o poder do órgão judiciário não preclui em virtude da inobservância dos prazos do art. 226. A organização dos procedimentos em fases relativamente demarcadas (postulação, instrução e decisão) sugere, porém, a existência de barreiras para o juiz, vencida uma das fases, retroceder à fase anterior a seu talante. A esse propósito, ancorado na sequência legal de atos, criou-se remédio no CPC de 1939, complementando os meios de impugnação, que é a correição

parcial (ou reclamação), concebida para erradicar erros e abusos que impliquem “inversão tumultuária de atos e fórmulas legais” (art. 195, caput, da Lei 7.356/1980-RS, COJE/RS).97 O mecanismo só tem sentido admitida a premissa “de as etapas vencidas poderem estar cobertas pela preclusão também para o próprio juiz”.98 É duvidoso, na realidade, operar semelhante preclusão perante o órgão judiciário. Por exemplo, o juiz indeferiu a realização da prova pericial, mas recebendo os autos conclusos para sentença, após a coleta da prova oral, constata que o material de fato reclama análise, vistoria ou exame de expert. Parece muito difícil negar-lhe o poder de reabrir a instrução, retornando à fase já ultrapassada. Dir-se-á que a preclusão não atinge os poderes instrutórios do juiz. Mas, nada se passa diferentemente se o juiz, reconhecendo a legitimidade ativa, ao resolver as questões processuais pendentes (art. 357, I), e, assim, não julgar conforme o estado do processo (art. 354, caput), voltar atrás do juízo primitivo após o encerramento da instrução e, após o debate do art. 354 – logo, satisfazendo a prescrição do art. 10 –, proferir sentença declarando extinto o processo por força da ilegitimidade do autor. A extensão da preclusão, no tocante aos poderes do órgão judiciário, encontra-se profundamente reduzida no direito processual brasileiro (infra, 938). 1.148.2. Preclusão lógica – A preclusão lógica implica a impossibilidade de a parte praticar ato processual logicamente incompatível com a conduta pretérita. Fundamenta-se na vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), que é inerente à boa-fé exigida na condução do processo.99 Exemplos: (a) a parte que ofereceu exceção de incompetência não pode suscitar conflito (art. 952, caput); (b) a parte que, conhecendo o teor do provimento impugnável,100 sem reserva alguma pratica ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 1.000, parágrafo único). A aquiescência tácita resulta o depósito do valor da condenação, ainda inexigível,101 e, simplesmente, da liquidação extrajudicial da dívida.102 Essas disposições legais não esgotam as possibilidades de preclusão lógica. A incompatibilidade entre o antecedente e o subsequente surge em outras situações. Por exemplo, o locatário que, na ação de despejo por falta de pagamento, purga a mora, sem ressalvas – calha recordar, no particular, o papel transcendente do princípio da eventualidade (retro, 311.2), permitindo a apresentação de argumentos defensivos contraditórios, mas organizados sob forma eventual –,103 preclui do direito de impugnar o alegado inadimplemento.104 O autor que se opôs ao ingresso de terceiro no processo não pode, posteriormente, reclamar sua integração ao contraditório.105 Estimou o STJ, não interpondo a Fazenda Pública apelação contra a sentença desfavorável, posteriormente confirmada pelo tribunal em reexame, implicitamente conformar-se com o teor do provimento, e, portanto, não pode impugnar o acórdão que manteve a sentença através de recurso especial, em virtude de preclusão lógica.106 Não se manteve a orientação, posteriormente,107 mas subsiste a lembrança. Em princípio, a preclusão lógica não deriva da inércia, como a temporal, mas da prática de um ato antecedente incompatível com o subsequente.108 Todavia, o exemplo da falta de impugnação da sentença desfavorável à Fazenda Pública, mas sujeita a reexame necessário, como

fato impeditivo da interposição de recurso contra o acórdão que mantém o ato de primeiro grau na íntegra, revela que também a conduta omissiva da parte implica preclusão lógica. Em relação ao órgão judiciário, ministram-se os seguintes exemplos de preclusão lógica: (a) a concessão de tutela da evidência, com fundamento no abuso do direito de defesa (art. 311, I), o que se mostraria incompatível com a recusa em aplicar ao réu a sanção correspondente, porque descumprido o dever do art. 80, III; (b) julgar antecipadamente o pedido (art. 355, I), concluindo pela falta de prova do direito alegado pelo autor.109 Nenhum deles convence plenamente. A tutela provisória comporta revogação “a qualquer tempo”, nos termos do art. 296, caput, e, a despeito do alvitre que tal aconteça à luz de elementos novos, o órgão judiciário raramente acolhe essa limitação. E se o juiz retratar a anterior tutela da evidência na subsequente sentença, também desaparecerá a incompatibilidade. Todavia, nada impede que o juiz entenda suficiente o abuso para antecipar a tutela e insuficiente para impor a sanção ao réu por litigância de má-fé. E o segundo caso representa, simplesmente, error in procedendo, a exigir a interposição da apelação para corrigi-lo. Erros lógicos frequentemente viciam os pronunciamentos judiciais, o que não obsta que sejam proferidos e subsistam, inexistindo impugnação adequada. 1.148.3. Preclusão consumativa – A preclusão consumativa consiste na perda da faculdade de repetir, melhorar ou corrigir o ato processual já praticado. Esse efeito já decorria da regra precedente ao art. 200, caput, do NCPC, segundo o qual as declarações bilaterais ou unilaterais de vontade das partes irradiam efeitos imediatamente, exaurindo a respectiva faculdade.110 O art. 223, caput, engloba essa espécie com menção ao verbo “emendar”, implicando a repetição e a correção. Por exemplo, o vencido interpõe apelação parcial (art. 1.002), no décimo dia do prazo de quinze dias (art. 1.003, § 5.º), e, no dia subsequente, interpõe nova apelação, impugnando o capítulo inicialmente olvidado no primeiro recurso. Os defeitos formais dos recursos, em geral, comportam emenda posterior. É dever do relator, conforme o art. 932, parágrafo único, assinar ao recorrente o prazo de cinco dias para sanar o vício ou complementar a documentação. Assim, (a) o relator mandará recolher o preparo em dobro, se o recorrente não comprova o preparo no ato da interposição (art. 1.007, § 4.º) ou, havendo erro no preenchimento da guia, determinar a correção do vício no prazo de cinco dias (art. 1.007, § 7.º); (b) ordenará a juntada de qualquer peça faltante nos traslados do agravo de instrumento (art. 1.017, § 3.º), no prazo de cinco dias. Interposto o recurso dentro do horário do expediente forense, mas já fechado o expediente bancário, no direito anterior o STJ entendeu inexistente a deserção se o recorrente preparar o recurso no primeiro dia útil após a data do protocolo.111 Em sentido contrário, diz-se que a emenda e a complementação do ato já praticado, quiçá irregularmente, mas dentro do prazo originário, mostra-se perfeitamente concebível, pois não provoca nenhum retrocesso à marcha do processo.112 Essa tese ofende, frontalmente, o disposto no art. 223, caput, pressupondo, sem razão plausível, a subsistência do direito de renovar o ato já praticado ou de repeti-lo, porque pendente prazo. Ora, o prazo extinguiu-se através da prática do ato.

A preclusão consumativa atinge o principal poder do juiz: o de julgar. Publicada a sentença, o juiz não poderá alterá-la, reza o art. 494, caput, salvo nos casos previstos, óbice que se estampa antes mesmo da interposição do apelo.113 É modalidade de preclusão consumativa.114 O mesmo já não acontece com a decisão tomada no tocante às questões de processo, relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação. As partes não poderão discuti-las outra vez (art. 507). Porém, a despeito do art. 505, caput, cujos domínios interessam apenas à coisa julgada, ao órgão judiciário cabe reexaminá-las, a qualquer tempo, conforme autoriza o art. 485, § 3.º.115 1.148.4. Preclusão hierárquica – Flagrantemente, o vínculo estabelecido para o juiz de primeiro grau, uma vez resolvida questão de ordem pública pelo tribunal, instado a se pronunciar pelo recurso da parte – por exemplo, o tribunal, julgando o recurso do réu, declarou o autor legitimado ativo –, impedindo-o de rever o provimento, não se enquadra em nenhuma das espécies anteriores. Logo, trata-se de classe autônoma, a exigir análise no item subsequente. 1.149. Objeto da preclusão Estabeleceu-se, ao exprimir o respectivo conceito (retro, 1.143), o fato de a preclusão atingir os poderes do órgão judiciário, repelindo-se, inclusive, a necessidade de conceber um fenômeno conceptualmente distinto – a preclusão pro iudicato – para essa finalidade. Resta definir, como também ressalvado, a extensão assumida pelo instituto nesses domínios. A análise das espécies de preclusão (temporal, lógica e consumativa) revelou que, propriamente, somente a preclusão consumativa atingirá o órgão judiciário após a emissão da sentença. Um juízo mais seguro decorre do exame da preclusão das questões decididas no curso do processo. Segundo o roteiro do procedimento comum, o juiz preparará o julgamento do mérito, através de sentença, resolvendo e decidindo as questões que, por sua natureza, mostram-se idôneas a impedirlhe o acesso ao acolhimento ou a rejeição do pedido (art. 487, I). A tais questões alude o art. 357, I, ordenando que o juiz, antes de apreciar a admissibilidade das provas propostas pelas partes, resolva as “questões processuais pendentes”. As questões desse teor respeitam aos pressupostos processuais e às condições da ação. São questões de ordem pública, e, portanto, passíveis de exame ex officio, reza o art. 485, § 3.º, c/c art. 337, § 5.º, a qualquer tempo e grau de jurisdição. As questões respeitantes ao mérito, chamadas de principais no art. 503, caput, comportam julgamento só na sentença. Figure-se o caso da prescrição: reconhecido o encobrimento da eficácia da pretensão do autor, toca ao juiz julgar o processo no estado em que se encontra, abreviando o procedimento (art. 354,caput, c/c art. 487, II); do contrário, rejeitará essa exceção substantiva na sentença que acolher ou rejeitar o pedido do autor, eventualmente após a instrução, ordinariamente respeitante aos demais fatos alegados por autor e réu. Não há motivo para precipitar o seu exame antes dessa oportunidade. Mas, se o juiz precipitar juízo negativo a seu respeito, na decisão de saneamento e organização do processo, naturalmente o problema aqui versado também surgirá quanto a tais questões prévias de mérito.

Em primeiro lugar, só pode se cogitar, legitimamente, da resolução e da respectiva preclusão, e no sentido de impedimento ao reexame, das questões atinentes ao próprio processo. É dessa natureza, de resto, a decisão tomada pelo juiz quanto à admissibilidade da prova diversa da documental (v.g., declarando saneado o processo, o juiz indefere a prova pericial, designando audiência para coletar a prova oral). Nada obstante, interessa investigar, na hipótese de o juiz decidir questão dessa natureza (v.g., rejeitada a preliminar de ilegitimidade ativa; indeferida a prova pericial), a impossibilidade de reexaminá-la, ex officio, e chegar a uma conclusão diversa. A lei processual reclama atenção do juiz no tocante à regularidade do seu método de trabalho, o processo, já ao primeiro contato com a inicial. Neste momento, o juízo negativo é o que mais importa, pois o juiz, divisando a ilegitimidade, desde logo indeferirá a petição inicial (art. 330, II, c/c art. 485, VI), ressalva feita ao caso de a inicial comportar emenda (art. 321, caput). Depois da defesa, o momento propício para decidir a respeito na decisão de saneamento e organização do processo escrita ou oral (art. 357, I). Se nenhuma resolução é tomada, ou porque a questão da legitimidade passou despercebida e sem debate prévio, ou porque o juiz a relegou para ulterior exame, nenhuma preclusão afeta o poder de julgá-las.116Porém, decidindo a respeito da legitimidade, no sentido positivo – do contrário, extinguirá o processo, abreviando ou não o procedimento (art. 354, caput) –, parece manifestamente contrário à economia tolher o juiz de alterar o seu entendimento posteriormente.117 O STF reviu o verbete da Súmula, n.º 424 – “Transita em julgado o despacho saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas, explícita ou implicitamente, para a sentença” – em julgado relatado pelo próprio autor do anteprojeto do CPC de 1973.118 Por óbvio, a revisão legitima-se através do contraditório prévio (art. 10),119 indicando às partes, especialmente à parte que o anterior pronunciamento beneficiava, que a resolução sofrerá mudança. É preciso confrontar esses dados com a eficácia da decisão de saneamento e de organização do processo. Vencido o prazo de cinco dias para as partes pedirem esclarecimentos e ajustes – fórmula ambígua, mas compreensiva dos embargos de declaração e do seu julgamento –, “a decisão se torna estável”, reza o art. 357, § 1.º. Tal atributo nada tem a ver com a estabilidade da tutela antecipada (art. 304, caput). Esta se destina, interpretado corretamente o art. 304, § 6.º, a revestir-se deauctorictas rei iudicate, vencido o prazo de dois anos para qualquer das partes pedir a revisão dos seus efeitos. À primeira vista, pois, o art. 357, § 1.º, atribui eficácia preclusiva à decisão de saneamento. Porém, ela só vincula as partes, nos termos do art. 507, e, não o juiz. Chega-se a essa segura conclusão pelo vínculo criado pela convenção das partes, prevista no art. 357, § 2.º. No que tange ao órgão hierarquicamente superior, também inexistirá preclusão, conforme evidencia a análise do efeito devolutivo.120 As questões de ordem pública são devolvidas, automaticamente, ao conhecimento do órgão ad quem, interposta a apelação, embora versando o mérito da causa. A devolução não depende sequer de prévia decisão do órgão judiciário de primeiro grau a seu respeito, conforme o art. 1.009, § 1.º. É suficiente pudesse decidi-las, ocorrendo alegação do interessado, ou provendo o juiz ex officio.

Relativamente às questões dessa natureza porventura decididas, em primeiro grau, cumpre distinguir: deixando o interessado de impugná-las, através de agravo, nos casos em que cabível este recurso, nem por isso o tribunal fica inibido de apreciá-las outra vez, porque a preclusão não atinge os poderes do órgão ad quem;121não cabendo agravo, devolver-se-á a matéria mediante a reiteração nas razões ou na resposta ao apelo, mas falta dessa suscitação, seja qual for o motivo, tampouco obsta seu exame pelo tribunal, por idênticos motivos, aplicando-se o art. 933, caput; finalmente, interposto e julgado agravo de instrumento, a resolução tomada pelo tribunal obriga o juiz de primeiro grau – por exemplo, não mais poderá julgar imprescindível a integração à relação processual do litisconsorte excluído, questão passível de agravo, a teor do art. 1.015, VII –, mas comporta revisão pelo próprio órgão ad quem. Por óbvio, reviravolta desse teor suscitará melindres nos espíritos mais firmes e generosos. No entanto, harmoniza-se com o regime da preclusão. Ao relator (e ao órgão fracionário), por exemplo, permitir-se-á rever o juízo anterior, esgotadas ou não as vias de impugnação, e pronunciar a ilegitimidade da parte. Desvinculado o relator primitivo, por força de aposentadoria, de transferência de seção ou de outro motivo regimental, nenhum compromisso atará o novo relator (e órgão fracionário, se a vinculação, objeto exclusivo das normas regimentais, considerar a pessoa do julgador de segundo grau), com maior razão, ao julgamento pretérito. Por exemplo, o juiz proferiu sentença terminativa, o autor apelou e o órgão ad quem, reformando a sentença, não conheceu diretamente do pedido (art. 1.013, § 3.º, I), porque as questões de fato necessitavam de instrução para esclarecê-las. Posteriormente, interposta a apelação contra a sentença definitiva, o órgão ad quem não se encontra adstrito a manter o juízo anterior. Revela semelhante disciplina que a preclusão jamais opera de baixo para cima e no mesmo grau.122 Só há vinculação de cima para baixo, quer dizer: dos órgãos inferiores. Foi o que decidiu, com invulgar acerto, a 3.ª Turma do STJ: “A questão sobre legitimidade de parte, decidida em acórdão com trânsito em julgado, não mais pode ser discutida no mesmo processo, por força da preclusão”.123 Em outras palavras, a profundidade do efeito devolutivo abrange as questões anteriores à sentença. Era questão controvertida, no direito anterior, porque dizia-se relacionada a profundidade do efeito devolutivo “a questões dispositivas (e não de ordem pública) que deveriam ser decididas – mas não o foram! – antes da sentença, e não nela”.124 A tese ignorava a circunstância de as questões anteriores, salvo raríssimas exceções, quadrarem-se na classe das questões de ordem pública.125 Um dos casos apontados para exemplificar o argumento é revelador: o juiz não examinou a questão atinente ao valor da causa, posto que obrigado a fazê-lo.126Cuida-se, por óbvio, de questão que lhe caberia conhecer ex officio, e, assim, de ordem pública.127 E não parece lícito ou razoável, nas raras hipóteses de disposição quanto às questões do processo, atingir a preclusão os vícios de atividade – por exemplo, remeteria ao conhecimento direto do tribunal a impugnação oferecida pelo réu ao valor da causa, não a resolvendo o juiz opportuno tempore.

A resolução das questões de ordem pública não se sujeita à preclusão e, resolvidas ou não, impugnadas ou não, quando cabível, por agravo de instrumento julgado pelo tribunal, sempre podem ser revistas. Nesta linha de raciocínio, a preclusão constitui fenômeno vertical (subordinação do órgão de menor hierarquia ao de maior hierarquia), jamais horizontal.128 E, de fato, parece absurdo que, rejeitada a existência de coisa julgada no primeiro grau, expressis verbis, ao órgão judiciário seja vedado proclamá-la e respeitála na sentença, reexaminando a posição primitiva. Se o órgão judiciário de primeiro grau deliberou a respeito, acolhendo a objeção e extinguindo o processo, e o tribunal reviu a decisão, apreciando apelação, o juiz não poderá insistir na tese, porque vinculado ao pronunciamento superior; porém, nada impede o tribunal de alterar seu ponto de vista na apelação contra a sentença definitiva. Por identidade de motivos, a apelação total ou parcial devolverá ao tribunal todas as questões que foram, ou poderiam ter sido, suscitadas e, também, resolvidas antes da sentença, mas acabaram não decididas no órgão a quo. Acontece de o órgão judiciário decidir-se por acolher uma das questões prévias, abstendo-se de rejeitar a seguinte. A questão omitida é devolvida ao tribunal e poderá ser resolvida em qualquer sentido. É diferente a solução do problema respeitante à preclusão da decisão tomada acerca de questão respeitante ao mérito da causa. As questões de fundo hão de ser resolvidas somente na sentença, seja após a instrução, seja para abreviar o procedimento (art. 354), superando a fase de instrução. Às vezes acontece de o juiz entender indispensável manifestar-se acerca de parte do mérito (v.g., da exceção de prescrição). Entende-se, então, aplicável o art. 505, caput. Trata-se de questão relativa à lide, ou seja, ao mérito. O juiz não mais poderá rever esse pronunciamento – o tribunal, entretanto, poderá fazê-lo, no agravo interposto contra semelhante ato decisório (art. 1.015, II) ou na ulterior apelação aviada contra a sentença –, “como estará pautado o julgamento final no que concerne ao resultado já atingido para tal ponto controverso”.129 A existência de preclusão quanto às questões de mérito resolvidas incidentalmente recebe confirmação indireta no disposto no art. 296, caput. A decisão concernente à tutela provisória, apreciando o mérito sob a perspectiva da situação de urgência e através de cognição sumária, poderá “a qualquer tempo, ser revogada ou modificada”, mediante motivação clara e precisa (art. 298). O juiz não deve mudar a decisão anterior consoante as alterações do seu convencimento. A tanto obsta, na opinião prevalecente, o art. 505, caput,130 mas a mudança no material de fato, à luz do qual concedeu tutela provisória de urgência antecipada, no todo ou em parte, autoriza a aplicação do art. 296, caput.131 Igual efeito tem a lei superveniente.132 Em tais condições, o juiz revogará ou modificará a liminar, ex officio,133 conforme admitiu o STJ,134 respeitando, porém, o princípio do contraditório prévio (art. 10).135 1.150. Efeitos da preclusão A preclusão surte efeitos automaticamente ou ipso jure.136 É o que deflui, em primeiro lugar, do art. 223, caput. Decorrido o prazo para as partes, reza o

dispositivo, “extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial”. A regra se harmoniza com o art. 200, caput. As manifestações positivas ou negativas de vontade das partes surtem efeitos imediatamente no processo. É, por igual, o que decorre do art. 507. Decidida a questão, e abstendo-se a parte de impugná-la, através do recurso próprio, já não cabe discuti-la, porque ocorreu preclusão. Não se pode afirmar, em tal hipótese, subordinar-se a preclusão a provimento do juiz.137 O efeito – impossibilidade de discussão – nem sequer é objeto do ato, decorrendo de modo automático. No que tange à preclusão lógica e consumativa, a simples prática do ato opera preclusão, excluindo a realização de outro ato incompatível com o primeiro (preclusão lógica) ou a correção do ato praticado (preclusão consumativa).138 Ressalve-se, outra vez, as disposições especiais em matéria de recursos (art. 932, parágrafo único), concebidas para limitar os poderes do órgão ad quem.

Capítulo 53. DOS PRAZOS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 238.º Prazos processuais – 1.151. Conceito de prazo processual – 1.152. Unidades de tempo nos prazos processuais – 1.153. Classificação dos prazos processuais – 1.153.1. Prazos legais, judiciais e convencionais – 1.153.2. Prazos peremptórios e dilatórios – 1.153.3. Prazos comuns e particulares – 1.153.4. Prazos próprios e impróprios – 1.154. Princípios dos prazos processuais – 1.154.1. Princípio da utilidade – 1.154.2. Princípio da continuidade – 1.154.3. Princípio da inalterabilidade – 1.154.4. Princípio da peremptoriedade – 1.154.5. Princípio da simetria – 1.155. Fluência e contagem dos prazos – § 239.º Termo inicial do prazo processual – 1.156. Relevância do termo inicial do prazo – 1.157. Termo inicial dos prazos do juiz – 1.158. Termo inicial dos prazos dos auxiliares – 1.159. Termo inicial do prazos das partes – 1.159.1. Data da comunicação como regra geral – 1.159.2. Exceções à data do início do prazo – 1.159.3. Dia hábil para a intimação – 1.159.4. Data da juntada como fator de eficácia – 1.159.4.1. Comunicação postal – 1.159.4.2. Comunicação por mandado – 1.159.4.3. Comunicação pelo escrivão – 1.159.4.4. Comunicação por carta – 1.159.4.5. Comunicação por edital – 1.159.4.6. Comunicação eletrônica – 1.159.4.7. Comunicação por publicação – 1.159.4.8. Ciência inequívoca – 1.159.4.9 Comunicação plural – 1.160. Termo inicial do prazo recursal – 1.160.1 Destinatário da intimação – 1.160.2 Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos em audiência – 1.160.3 Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos fora da audiência – 1.160.4 Termo inicial do prazo de recurso perante duplicidade de intimações – 1.160.5 Termo inicial do prazo de recurso quanto ao revel – § 240.º Contagem do prazo processual – 1.161. Contagem progressiva do prazo processual – 1.162. Contagem progressiva do prazo em dias – 1.163. Contagem progressiva do prazo em horas e em minutos – 1.164. Contagem progressiva dos prazos em meses e em anos – 1.165. Contagem regressiva do prazo processual – § 241.º Interrupção e suspensão do prazo processual – 1.166. Eventos supervenientes ao termo inicial do prazo – 1.167. Eventos suspensivos dos prazos processuais – 1.167.1 Suspensão do prazo processual por força das férias forenses – 1.167.2 Suspensão do prazo processual por força da suspensão do processo – 1.167.3 Suspensão do prazo processual por força de obstáculo – 1.168.

Evento interruptivo dos prazos processuais – 1.169. Eventos interruptivos dos prazos recursais – 1.170. Efeitos da suspensão e da interrupção dos prazos processuais – § 242.º Restituição do prazo processual – 1.171. Efeito do vencimento do prazo – 1.172. Conceito legal de justa causa – 1.173. Prazo do pedido de restituição – 1.174. Procedimento do pedido de restituição – 1.175. Efeitos da decisão do pedido de restituição – § 243.º Ampliações dos prazos processuais – 1.176. Fundamento das ampliações dos prazos – 1.177. Prazos da Fazenda Pública e do Ministério Público – 1.177.1 Constitucionalidade do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – 1.177.2 Extensão objetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – 1.177.3 Extensão subjetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – 1.178. Prazos da Defensoria Pública – 1.179. Prazos dos litisconsortes com procuradores diferentes – 1.180. Prorrogação dos prazos processuais – 1.180.1. Prorrogação convencional dos prazos processuais – 1.180.1.1. Requisitos da prorrogação convencional – 1.180.1.2. Efeitos da prorrogação convencional – 1.180.2. Prorrogação judicial dos prazos processuais – § 244.º Renúncia ao prazo processual – 1.181. Conceito de renúncia ao prazo processual – 1.182. Requisitos da renúncia ao prazo processual – 1.183. Efeitos da renúncia ao prazo processual – § 245.º Especialidades do prazo processual – 1.184. Prazo básico dos atos processuais das partes – 1.185. Prazo de espera no comparecimento das partes – § 246.º Verificação dos prazos e penalidades – 1.186. Sistema de verificação dos prazos processuais – 1.187. Controle dos prazos processuais das partes – 1.187.1. Controle da tempestividade dos atos processuais das partes – 1.187.2. Controle da restituição dos atos – 1.187.2.1. Legitimidade para requerer a cobrança dos autos – 1.187.2.2. Intimação do procurador e consequências da inércia – 1.187.2.3. Entrega dos autos após a intimação – 1.187.2.4. Expedição do mandado de busca e apreensão dos autos – 1.187.2.5. Desaparecimento dos autos por fato de terceiro – 1.188. Controle dos prazos processuais dos servidores – 1.188.1. Sujeitos da verificação judicial – 1.188.2. Objeto da verificação judicial – 1.188.3. Consequências da verificação judicial – 1.189. Controle dos prazos processuais do órgão judiciário – 1.189.1. Representação contra o excesso de prazo no primeiro grau – 1.189.2. Representação contra excesso de prazo nos tribunais § 238.º Prazos processuais 1.151. Conceito de prazo processual O prazo processual é a unidade de tempo fixada para realizar-se, ou não, determinada atividade, e também para designar a distância entre dois ou mais atos processuais. Em tais períodos de tempo, a atividade ou a inatividade produzirão efeitos processuais. Fenômeno desenvolvido basicamente no tempo, a progressão do processo da petição inicial até a sentença emprega marcos temporais. Em outras palavras, “avanzar significa ir realizando etapas que se van desplazando hacia lo pasado y preparar otras que se anuncian en lo porvenir”.1 Estruturalmente, o prazo se compõe de três elementos: (a) o ponto de referência inicial (dies ad quo); (b) o ponto de referência final (dies ad quem); (c) a unidade de tempo inserida entre os dois primeiros elementos.2 O prazo

começa num determinado momento, porque nessa ocasião ele tem seu ponto inicial; e sabe-se que finda num determinado momento, porque neste se situa o seu ponto final.3 Emprega-se a palavra termo para designar a essas balizas temporais. Termo é palavra polissêmica, utilizada para designar os atos do escrivão, mas o sentido de ponto ou de limite calha perfeitamente e, inclusive, “parece preceder-lhe”.4 A unidade de tempo merece realce à parte. 1.152. Unidades de tempo nos prazos processuais A lei utiliza várias unidades para medir o tempo entre o termo inicial e o termo final. Em ordem crescente, a lei evoca o minuto, a hora, o dia, o mês e o ano. Faltam prazos medidos em semanas e em segundos. O conjunto revela que os prazos em dias preponderam. No entanto, há grande número de outras grandezas, conforme as necessidades e os caprichos do legislador. Por exemplo, o art. 611, estipula o interregno de doze meses, e, não, de um ano, sem razão aparente. Flagrantemente, as leis mais recentes inclinaram-se ao profícuo do prazo em dias. A tendência geral é a dilatação dos prazos e, de um modo geral, quinze dias concentra as preferências do NCPC. Desaparecem do corpo do NCPC os prazos de sessenta, quarenta e cinco e oito dias. Prazos em minutos: (a) dez minutos – art. 364, caput; (b) quinze minutos – art. 937, caput; (c) vinte minutos – art. 364, caput; (d) trinta minutos – arts. 362, III; 984, II, a e b. Prazos em horas: (a) setenta e duas horas – art. 22, § 2.º, da Lei 12.016/2009; (b) quarenta e oito horas – 218, § 2.º; 235, § 2.º; (c) vinte e quatro horas – art. 854, § 1.º e § 8.º. Prazos em dias: (a) cento e oitenta dias – art. 27 da Lei 12.016/2009; (b) cento e vinte dias – art. 23 da Lei 12.016/2009; (c) sessenta dias – art. 605, II; (d) trinta dias – arts. 131, 178, caput; 226, III, 308; 309, II; 334, caput; 352; 366; 485, III; 524, § 2.º e § 4.º; 535, caput; 565, caput; 668, I; 734, § 1.º; 910; 931; 944; 970; 1.050; e 1.051; (e) vinte dias – arts. 257, III; 334, caput; 477; 620; (f) quinze dias – arts. 98, § 8.º; 104, § 1.º; 111, parágrafo único: 120, caput, 135; 138, caput, 146, caput, e § 1.º; 148, § 2.º; 157, § 1.º; 235, § 1.º; 290; 303, § 1.º, I; 313, § 3.º, 321, caput; 329, II, 332, § 4.º; 335, caput; 338, caput; 339, § 1.º e § 2.º; 343, § 1.º; 350; 351; 357, § 4.º; 364, § 2.º; 401; 430; 432, caput; 437, § 1.º; 465, § 2.º; 401; 430; 432, caput; 437, § 1.º; 465, § 1.º; 468, § 2.º; 477, § 1.º e § 2.º; 495, § 3.º; 511; 515, § 1.º; 523,caput; 525, caput; 525, § 11; 550, caput, e § 2.º, 5.º e 6.º; 564, caput; 577; 586, caput; 592, caput; 596; 601, caput; 623, caput; 627, caput; 629; 635, caput; 637; 641,caput e § 1.º; 647, caput; 652; 679; 683, parágrafo único; 695, § 2.º; 701, caput; 702, § 5.º; 721; 752, caput; 792, § 4.º; 801; 806, caput; 812; 819, caput e parágrafo único; 915, caput; 917, § 1.º; 920, I; 921, IV, e § 5.º; 970; 982, II e III; 983, caput; 989, III; 1.003, § 5.º; 1.009, § 2.º; 1.010, § 1.º; 1.019, II e III; 1.021, § 2.º; 1.024, § 4.º; 1.028, § 2.º; 1.030, caput; 1.032, caput; 1.038, § 1.º; 1.042, § 3.º; 1.070; (g) dez dias – arts. 112, § 1.º; 143, parágrafo único; 226, II; 235, § 2.º e 3.º; 240, § 2.º; 254; 268; 334, § 5.º; 477, § 4.º; 539, § 1.º; 664, § 1.º; 708, § 1.º; 710, § 2.º; 723, caput; 818, caput; 828, § 1.º e 2.º; 830, § 1.º; 847, caput; 857, § 1.º; 862, caput; 870, parágrafo único; 903, § 2.º e § 5.º, I; 940, caput, e § 1.º; 943, § 2.º; 973, caput; 989, I; (h) sete dias – art. 244, II; (i) cinco dias – arts. 101, § 2.º; 106, § 1.º; 107, II, 154,

parágrafo único; 218, § 3.º; 226, I; 228, caput, 306; 307, caput; 331, caput; 332, § 3.º; 357, § 1.º 398, caput; 403, caput; 465, § 2.º e 3.º; 466, § 2.º; 485, § 1.º; 485, § 7.º; 526, § 1.º;541; 542, I; 503; 559; 564; 617, parágrafo único; 638, caput; 675, caput; 690; 703, § 3.º; 714, caput; 759, caput; 760, caput; 761, parágrafo único; 820, parágrafo único; 854, § 3.º; 872, § 2.º; 877, caput; 887, § 1.º; 888, parágrafo único; 889, caput; 916, § 1.º; 932, parágrafo único; 933, caput; 935, caput; 945, § 2.º; 956; 991; 1.006; 1.007, § 2.º, 6.º e 7.º; 1.019, caput; 1.023, caput, e § 2.º; 1.024, caput; 1.024, § 3.º; 1.035, § 6.º; 1.036, § 2.º; 1.037, § 11; (j) três dias – arts. 234, § 2.º; 455, § 1.º; 462; 517, § 2.º; 528, caput; 827; § 1.º; 829, caput; 853, caput; 892, § 1.º; 911, caput; 1.018, § 2.º; (k) dois dias – arts. 153, § 4.º; 884, V; 984, II, b; (l) um dia – arts. 228, caput; 884, IV. Prazos em meses: (a) um mês – arts. 383; 438, § 1.º; 454, § 2.º; 528, § 3.º; 539, § 3.º, 741, caput; 972; 1.020; (b) dois meses – arts. 131, parágrafo único; 222,caput; 313, § 2.º, I; 334, § 2.º; 535, § 3.º, II, 611, 745; caput; (c) três meses – arts. 315, § 1.º; 528, § 3.º, 741, caput, 861, caput; 888, parágrafo único, 972; (c) seis meses – arts. 313, § 2.º, I, e § 4.º; 741, caput; 755, § 3.º; (d) doze meses – arts. 611, caput; 710. Prazos em anos: (a) um ano – arts. 172; 313, § 4.º; 315, § 2.º; 485, II; 513, § 4.º; 565, § 1.º; 593; 657, parágrafo único; 743, caput; 745, caput; 896, caput; 921, § 1.º; 980, caput; 1.035, § 9.º e § 10; 1.037, § 4.º e § 5.º; 1.045; (b) dois anos – arts. 158; 304, § 5.º, 975, caput; (c) três anos – art. 880, § 3.º; (d) cinco anos – arts. 98, § 3.º; 158; 468, § 2.º, 975, § 2.º. A lei não utiliza o prazo em segundos. Em seu lugar, a título de sucedâneo, emprega o advérbio “imediatamente” para exigir que o ato seja praticado sem delonga, acelerando ao máximo o procedimento. A ordem de prontidão máxima envolve o órgão judiciário, os órgãos auxiliares e terceiros (v.g., o Serviço de Proteção do Crédito), principalmente nos atos de comunicação processuais. O advérbio aparece nesse sentido nos arts. 64, § 2.º; 134, § 1.º; 146, § 1.º; 170, caput; 173, § 2.º; 232; 262, parágrafo único; 340, caput; 625; 691; 738; 755, § 3.º; 782, § 4.º; 841, caput, 854, § 6.º; 903, § 5,º; 915, § 4.º; 920, I; 931; 738; 933, § 1.º; 945, § 4.º; 1.011,caput; 1.019, caput; 1.048, § 4.º. Às vezes, a lei não quer ato instantâneo, nem sequer se mostraria possível semelhante conduta, haja vista a atividade material envolvida. Por exemplo, a remessa dos autos físicos ao distribuidor, a fim de anotar as pessoas envolvidas no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 1.º), demorará algum tempo, horas ou dias, conforme volume do serviço. Em outros, porém, a prática do ato consome tempo incomensurável – a exemplo da comunicação da realização da citação ou da intimação pelo juízo deprecado ao juízo deprecante por via eletrônica (art. 232). Não equivale, propriamente, a um segundo, mas ao tempo normal da exteriorização da vontade nesse meio, variando de pessoa a pessoa. Por fim, a idade da pessoa em anos consta em outras disposições para finalidades distintas, a saber: (a) capacidade para depor (art. 447, § 1.º, III); (b) prioridade do processo envolvendo pessoa idosa (art. 1.048, II). 1.153. Classificação dos prazos processuais

A lei brasileira distingue várias espécies de prazos. Ao percorrer o Capítulo III – Dos Prazos – do Título I do Livro IV – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC, o primeiro adjetivo surge no art. 222, § 1.º, vedando ao juiz reduzir prazos “peremptórios” sem a anuência das partes. E, antes disso, no art. 218, § 3.º subentende-se, quanto à origem do interstício, prazos fixados em lei e prazos fixados pelo juiz. A utilidade dessas categorias é palmar na sistemática legal. A correta distinção dos prazos dilatórios e peremptórios, por exemplo, permitirá decidir se determinado prazo comporta, ou não, redução pelo juiz. À semelhança de outras situações, os dados recolhidos do ius positum forneceram a instável base sobre a qual se edificaram classificações fundadas em considerações de todo gênero, consoante a maior ou menor imaginação do intérprete.5 Por exemplo, uma classificação abrangente englobaria os seguintes critérios: (a) origem do prazo (legal, judicial, convencional e misto); (b) destinatário do prazo (prazos próprios e impróprios, comuns e particulares); (c) abrangência do prazo (prazos comuns e especiais); (d) curso do prazo (prazos contínuos e descontínuos); (e) imperatividade da regra (prazos dilatórios e peremptórios); (f) finalidade da regra (prazos passivos e ordenatórios).6 Nenhuma classificação revela-se ilegítima e inadequada, a priori, mas é preciso alguma cautela para não incorrer em casuísmo exagerado. 1.153.1. Prazos legais, judiciais e convencionais – O manejo do tempo interessa ao processo, substancialmente, porque o seu movimento ocorre mais nessa dimensão do que no espaço. A movimentação física dos autos, deveras excepcional (v.g., do prédio da sede do juízo ao prédio em que se situa o tribunal, por via terrestre ou aérea), dissipa tempo, configurando a chamada etapa morta do processo. Bem se compreende, nesta conjuntura, não entregar a lei aos sujeitos processuais, preponderantemente, a fixação de marcos temporais, ocupandose ela mesma da elevada missão de encurtar o gasto excessivo de tempo, predeterminando interregnos à prática dos atos processuais. Na teoria, o propósito consiste em garantir ao processo duração razoável. O fardo principal recai sobre as partes. Os atos que lhes incumbe sempre têm prazo, fixado em caráter principal ou subsidiário (art. 218, § 3.º). Porém, sempre haverá áreas em que razões de conveniência recomendam a flexibilidade, encarregando-se o juiz ou, mais raramente, as próprias partes de regular o tempo do processo. Daí a distinção entre três espécies:7 (a) prazos legais, expressamente fixados na lei (v.g., o prazo da resposta do réu, a teor do art. 335; o prazo para interpor os recursos do art. 1.003, § 5.º), por sua vez divididos em prazo principal e prazo subsidiário (art. 218, § 3.º); (b) prazos judiciais, assinados pelo juiz (v.g., o prazo “razoável” para sanar a incapacidade processual ou a incapacidade postulatória, a teor do art. 76, caput; (c) prazos convencionais, acertados pelas partes (v.g., o da suspensão do processo até seis meses, a teor do art. 313, § 4.º). Tratou o legislador, desconfiado do bom e equilibrado autogoverno do processo, de impor certos limites à liberdade supletiva dos sujeitos do processo em matéria de prazos. No tocante ao órgão judiciário, por exemplo,

estabeleceu o tempo mínimo e máximo ao prazo de aperfeiçoamento da citação por edital (art. 257, III). Esse pormenor induz a chamar essa classe de prazo misto.8 Quanto às partes, simplesmente restringiu o prazo máximo de suspensão convencional em até seis meses (art. 313, § 4.º, primeira parte). Esse é exemplo significativo da diminuição, no modelo autoritário de processo, da área de domínio das partes. Os atos processuais realizar-se-ão “nos prazos prescritos em lei”, reza o art. 218, cujo vencimento provocará a incidência do art. 223, caput. A regra contempla os prazos judiciais. Ela impede a prática do ato fora do prazo: Frise-se bem: fora do prazo significa depois do termo final, nos prazos peremptórios,9 porque “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo” (art. 218, § 4.º). A regulação legal dos prazos necessariamente apresentaria lacunas imprevisíveis. Em casos tais, omissa a lei, “o juiz determinará os prazos em consideração à complexidade do ato”, complementa o art. 218, § 1.º. São os prazos judiciais: o dispositivo aplica-se nas omissões legais, e, igualmente, nas hipóteses em que a lei indique o juiz como encarregado de fixar interregno temporal.10 Não era feliz a referência à “complexidade da causa”, no direito anterior, entendendo-se por tal a complexidade do ato,11 como hoje dispõe o parágrafo transcrito. Em causas simples há atos de extraordinária complexidade e, nas causas complexas, atos de simplicidade redundante.12 A título de regra de fechamento, considerou-se possível a omissão do juiz, encarregado de fixar o prazo no silêncio da lei, e, para cobrir essa contingência infeliz, o art. 218, § 3.º, estipula que “será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte”. A disposição só incide nos atos imputados às partes, e, não, relativamente aos de outros sujeitos do processo.13 Em decorrência, “nenhum ato processual da parte independe de prazo”.14 A essa espécie de prazo designou-se de prazo legal subsidiário.15 1.153.2. Prazos peremptórios e dilatórios – A distinção dos prazos em peremptórios e dilatórios não se revela unívoca e pacífica no plano doutrinário. A intensa divergência existente ao tempo do CPC de 1939,16 em boa parte calcada em ideias pouco felizes – por exemplo, dilatórios se apresentariam os prazos tendentes “a distanciar no tempo certos atos” – ,17 migrou para o CPC de 1973. Esse diploma não solucionou a dúvida cabalmente e, por via das dúvidas, o NCPC só menciona o prazo peremptório. Indiretamente, aludindo à dilação assinada pelo juiz, o art. 231, IV, remente ao típico prazo dilatório do art. 257, III, ou prazo de aperfeiçoamento da citação por edital. Parece haver nítida preferência de amplos setores doutrinários pelo seguinte critério: (a) peremptório (ou aceleratório) é o prazo que impõe a prática do ato processual entre os respectivos termos inicial e final (v.g., o prazo para interpor e responder o recurso, a teor do art. 1.003, § 5.º); (b) dilatório, o prazo que precisa transcorrer antes que se possa praticar o ato (terminus post quem), ocasionando uma pausa no processo, ficando em compasso de espera (v.g., o prazo de aperfeiçoamento da citação por edital, a teor do art. 257, III).18

Em linhas gerais, semelhante concepção corresponde à teoria prevalecente no direito italiano, cuja tônica reside na finalidade do termo. Ao prever a prática do ato dentro de certo interregno, a lei tende a acelerar o movimento do processo; ao invés, estabelecendo que o ato deva ser praticado depois e não antes de certo momento, a lei tende a retardar o movimento do processo. Daí a separação dos prazos, ministrando exemplos tirados do direito brasileiro, em duas espécies: (a) prazos aceleratórios ou finais (v.g., o prazo para interpor recursos, a teor do art. 1.003, § 5.º); e (b) prazos dilatórios (v.g., o prazo de espera para o comparecimento em juízo, a teor do art. 218, § 2.º). Por sua vez, os prazos aceleratórios dividem-se em duas subespécies: (a) prazos peremptórios, cujo vencimento importa a extinção do direito processual (art. 223); (b) prazos ordinatórios, que só implicam preclusão após juízo discricionário do órgão judiciário.19 Os reflexos da influência marcante da doutrina peninsular já se fizeram sentir com a incorporação dessa terminologia (v.g., prazo aceleratório).20 O propósito de acelerar o procedimento também recebe ênfase em outros ordenamentos.21 O CPC de 1973 não seguira categoricamente essa doutrina.22 À primeira vista, da conjugação dos arts. 181, caput, e 182, caput, do CPC de 1973 presumir-se-ia que o prazo dilatório é prorrogável, enquanto o peremptório se revela improrrogável, em duas classes opostas e simétricas.23 Essas proposições se mostravam flagrantemente tautológicas: prazo peremptório é improrrogável, e prazo improrrogável é peremptório. E, basicamente, as disposições nenhuma diretriz ministravam ao órgão judiciário que lhe permitisse, com a necessária segurança, discernir se o prazo é, ou não, peremptório, e, portanto, improrrogável,24 diante de requerimento da parte para prorrogá-lo. É muito diferente a concepção do NCPC nessa matéria. Permite a convenção das partes em torno de quaisquer prazos, no âmbito do procedimento convencional (art. 190) e, de comum acordo com o órgão judicial, a fixação de calendário (fast track) para a prática de atos processuais (art. 191). E autorizou o juiz a dilatar quaisquer prazos (art. 139, VI), independentemente da sua natureza, vedando-lhe apenas reduzir prazo peremptório sem anuência das partes (art. 222, § 1.º). Antes, porém, de encerrar esse assunto, vale a pena investigar a ratio legis dos vários tipos de prazos e valorar as possibilidades de alteração convencional consoante os interesses em jogo, confirmando ou não a ampla disposição das partes subentendida no art. 190. Os motivos potencialmente hábeis são o interesse das partes, às vezes contrapostos, e o interesse público, que alicerça toda a construção temporal do processo, no sentido de não desperdiçar o precioso tempo indispensável à composição da lide. O tema já recebeu estudo definitivo o direito.25 Convém reproduzir as linhas mestras do raciocínio. Em suma, há quatro razões básicas para se fixarem prazos: (a) marcar o espaço de tempo em que o ato deve ser realizado pelo sujeito do processo, motivo por que eventual descumprimento não o isenta do cumprimento, embora lhe acarrete alguma espécie de sanção (v.g., o dever de o juiz despachar em cinco dias, proferir decisões interlocutórias em dez dias e as

sentenças em trinta dias – na ordem cronológica do art. 12 –, a teor do art. 226, I a III, cuja ultrapassagem caracteriza ilícito administrativo, conforme o art. 235); (b) marcar o interregno em que ato pode se realizar, mediante o exercício de direito ou faculdade (v.g., o prazo de defesa, a teor do art. 335); (c) distanciar o ato a ser praticado dos outros que já o foram no processo, no interesse do próprio sujeito onerado de praticá-lo (v.g., o prazo de aperfeiçoamento da citação por edital, a teor do art. 257, III); (d) proibir a prática de certo ato antes de certo momento no interesse de outrem (v.g., a intimação do perito e dos assistentes técnicos com antecedência de dez dias da data designada da audiência de instrução, a teor do art. 477, § 4.º). Ora, a extinção do direito de praticar o ato, ante o simples decurso do prazo, previsto no art. 223, caput, somente se harmoniza com a segunda hipótese. O adjetivo “peremptório” tem a mesma raiz, justamente, do verbo perimir, que é sinônimo de extinguir. É impróprio dizer que os prazos peremptórios se mostram preclusivos. A preclusão atinge o direito ou a faculdade de realizar o ato. Porém, resta pouca dúvida que, em princípio, os prazos peremptórios são os que implicam a extinção desse direito ou faculdade. Explicava-se, assim, porque às partes não cabia, mesmo de acordo, prorrogar prazos peremptórios. O ajuste contraviria o interesse público em obter uma solução do processo o mais rápido possível. É menos claro o motivo para impedir-lhes a redução dos prazos peremptórios. Presumivelmente, o art. 182 do CPC de 1973 estimou-o desnecessário, porque a parte pode antecipar a prática do ato (v.g., interpondo a apelação no quinto dia, em vez de aguardar o décimo quinto), ou simplesmente renunciar ao prazo, conforme facultava o direito anterior e permite o art. 225 do NCPC. Essas conjecturas permitem localizar o interesse público, por igual, nos prazos prescritos à parte para o cumprimento de um dever. A tanto lhes impediria o interesse público, devendo realizar tão logo quanto possível, os efeitos do provimento judicial. Logo, também os casos em que incumbe à parte desincumbir-se de um dever em certo tempo o respectivo prazo é peremptório. Por conseguinte, são peremptórios, v.g., os prazos recursais (art. 1.003, § 5.º). E são dilatórios os prazos, v.g., do art. 218, § 2.º, e do art. 244, II e III. Fixado o panorama geral da classe, impõe-se destacar o art. 139, VI. Ao juiz é dado, na sistemática do NCPC, dilatar quaisquer prazos, a fim de adequá-los às necessidades do conflito e conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. É poder que abrange prazos de qualquer natureza e, embora inspirado na atividade executiva, a localização da regra empresta-lhe generalidade. Limita-se pelo princípio da igualdade (art. 139, I). Não é possível dilatar o prazo de uma das partes (v.g., na causa complexa, dobrar o prazo de apelação do vulnerável, sob o pretexto de a resposta do adversário usufruir de idêntico benefício), em nome da hipotética igualdade material, e transformar, de uma vez por todas, o processo em pugna entre bons e maus agrupados em categorias abstratas (v.g., consumidor versusempresa de banco).

1.153.3. Prazos comuns e particulares – A distinção repousa na identificação do sujeito afetado pelo prazo.26 Os prazos que correm contra as partes contrapostas (autor e réu), ou contra mais de uma parte no mesmo polo do processo, e, por isso, designam-se de prazos comuns. Por exemplo, o prazo para o autor e o réu apelarem da sentença que acolheu o pedido, parcialmente, é comum.27 Exemplos de prazos comuns: (a) o prazo para as partes reclamarem esclarecimentos da decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, § 1.º); (b) o prazo para as partes se manifestarem acerca da proposta de honorários do perito (art. 465, § 3.º); (c) prazo para as partes se manifestarem sobre o laudo pericial (art. 477, § 1.º); e por aí vai. Em princípio, os prazos comuns correm em cartório.28 Exemplo de prazo comum, declarando a lei correr em cartório, é o interregno para os interessados se manifestarem acerca das primeiras declarações do inventariante (art. 627, caput). O escrivão ou chefe de secretaria não pode confiar os autos em carga a um dos procuradores, preterindo o outro, salvo por uma hora, a fim de que sejam tiradas cópias de interesse das partes (v.g., da sentença de parcial procedência). A saída dos autos dar-se-á por carga conjunta ou por prévio ajuste por petição, a teor do art. 107, § 2.º. Os prazos particulares correm contra uma só parte. Por essa razão, os autos encontram-se à disposição do procurador desta parte e podem ser retirados de cartório (art. 107, III). 1.153.4. Prazos próprios e impróprios – Os prazos próprios (ou reais) destinam-se às partes e aos seus procuradores. Não se distingue, a esse propósito, entre a advocacia privada e a pública e outros titulares da capacidade postulatória (Ministério Público e Defensoria Pública). A inobservância dos prazos próprios implicará, geralmente, a extinção do direito de praticar o ato ou preclusão (art. 223, caput). Os prazos impróprios presidem a atividade do juiz e dos seus auxiliares.29 De regra, o respectivo descumprimento, sem justificativa plausível, não lhes carreta sanção na esfera processual. Repercutem unicamente no âmbito disciplinar. Tecnicamente, o juiz e seus auxiliares não se eximem, diante o transcurso do prazo, do cumprimento dos deveres do seu ofício.30 Contraviria à moral e à disciplina da atividade judiciária, porque outra pessoa se encarregaria de suprir a falta, beneficiando o juiz negligente e onerando o substituto cumpridor e íntegro, a solução simplista de designar outro juiz ou servidor para praticar o ato. Ao mesmo tempo, as partes não podem aguardar indefinidamente. A esse dilema, respondeu a lei com uma exceção à irrelevância processual do atraso: no caso de o juiz exceder os prazos contemplados no art. 226, sem justo motivo, e suscitado o incidente do art. 235, o respectivo relator, subsistindo a inércia, ordenará a remessa dos autos ao substituto legal, proferindo decisão em dez dias (art. 235, § 3.º). Não há paralelo possível entre a classe do prazo próprio e impróprio, no processo civil, e a do prazo acidental ou essencial, no direito privado. Entende-se, nessa última seara, prazo essencial o que resulta da vontade das partes, na configuração do negócio, ou representa elemento categorial do negócio.31

O duplo papel do Ministério Público, como parte e fiscal da lei, situa-a em posição especial. Por óbvio, atuando como parte, todos os prazos do Ministério Público têm as características dos prazos próprios. No entanto, intervindo como fiscal da lei, a elevada missão pouco condiz com a imposição de prazos próprios. 1.154. Princípios dos prazos processuais O conjunto das disposições atinentes aos prazos revela a existência dos seguintes princípios nesta matéria: (a) utilidade; (b) continuidade; (c) inalterabilidade; (d) peremptoriedade; (e) simetria. 1.154.1. Princípio da utilidade – O interregno temporal que integra o prazo há de ser suficiente à prática do ato. Por esse motivo, em algumas situações, a lei se encarrega de aumentar o quantitativo originário, a exemplo do prazo em dobro para os litisconsortes (art. 229). Esse prazo especial, porque ampliado, assegura aos procuradores, mediante carga conjunta ou não (art. 107, § 2.º), a efetiva e plena consulta aos autos.32 Em atenção ao princípio da celeridade, não multiplicou o quantitativo originário pelo número de litisconsortes, o que procrastinaria o feito. O legislador fixou, nos prazos legais, o lapso que lhe pareceu adequado à natureza e às circunstâncias de cada ato processual. Em determinadas hipóteses, adotou critério aparentemente discutível; por exemplo, no direito anterior o juiz usufruía igual prazo para proferir sentenças e decisões, atos que não se equiparam em conteúdo e relevo, embora a motivação seja exigente em ambas as hipóteses (art. 489, § 1.º). Uma coisa é certa: o princípio da utilidade pré-exclui a uniformidade total dos prazos, haja vista a heterogeneidade intrínseca dos atos das partes e do juiz. 1.154.2. Princípio da continuidade – O princípio da continuidade sofreu profunda alteração no NCPC. Embora aplicável aos prazos processuais, o art. 219, caput, declara: “Na contagem de prazo em dias, (…) computar-se-ão somente os dias úteis”. Por conseguinte, abstrai-se na contagem os feriados forenses (art. 216): sábados, domingos e os dias em que inexiste expediente forense. Idêntico efeito produzirá o fechamento total ou parcial do foro em dia originariamente útil ou houver “indisponibilidade da comunicação eletrônica” (art. 224, § 1.º). Na prática, considerando os dias úteis, os prazos de cinco dias, iniciados na quinta-feira, acabam ampliados (e, não, encurtados, como no direito anterior) em dois dias (sábado e domingo), do ponto de vista das partes. O desconforto criado pela situação anterior sugeriu a adoção do princípio oposto, como acontece no direito espanhol.33 Por sinal, o princípio da continuidade já não se afigurava absoluto, pois os prazos suspendem-se e interrompem-se em algumas situações (infra, 1.166). 1.154.3. Princípio da inalterabilidade – Os prazos processuais só comportam modificação, para mais ou para menos, por exceção. Os prazos são improrrogáveis e irredutíveis de regra. Em particular, não é dado ao órgão judiciário, fora das hipóteses estritas do art. 222 (dificuldade de transporte e calamidade pública) manipular os prazos processuais ao seu talante,34 baseado no art. 139, VI, beneficiando uma das partes e prejudicando

a outra, inclusive sob o pretexto de assegurar a igualdade material (retro, 1.153.2). 1.154.4. Princípio da peremptoriedade – Os prazos próprios (retro, 1.153.4), ou reais, são peremptórios. Ressalva a hipótese de restituição, por força de justa causa, o vencimento do termo final do prazo implicará preclusão (art. 223, caput), ou seja, a extinção do direito de praticar e emendar o ato. Por esse motivo, diz-se fatal o prazo. A preclusão temporal recebeu exame em item específico (infra, 1.148.1). 1.154.5. Princípio da simetria – Os prazos processuais asseguram, na medida do possível, a igualdade das partes.35 O princípio da simetria, ou da paridade, significa que o prazo para interpor e responder o recurso é idêntico (art. 1.003, § 5.º). 1.155. Fluência e contagem dos prazos De acordo com entendimento bastante difundido na doutrina, mas despercebido na prática, cumpre distinguir entre a fluência do prazo, ou seja, o início do prazo, e a regras atinentes à sua contagem, em particular o início da contagem do prazo.36 Os verbos correr e contar expressam conceitos juridicamente diferentes.37 O prazo flui, ou corre, de um ponto temporal a outro. Traz a ideia de movimento. A sua contagem considera a unidade de tempo usada no prazo. Desse modo, a contagem do prazo inicia após completar-se a primeira unidade, e, não, no termo a quo. Por exemplo, no prazo em dias, sendo o termo inicial segunda-feira, a fluência começa na terça-feira, sendo dia útil. O início do prazo, relativamente às partes, decorre da respectiva ciência, objeto da comunicação dos atos, ou seja, da citação e da intimação.38 Em geral, a regra adota fatores de eficácia para marcar o início do prazo. Por exemplo, a juntada do mandado de citação cumprido aos autos, no caso de a citação realizar-se por oficial de justiça (art. 231, II). O primeiro dia da fluência do prazo é o primeiro dia útil subsequente à data da juntada do mandado (art. 224, caput). A lei processual anterior não se aviara com a necessária clareza dessa distinção. O art. 184, § 2.º, do CPC de 1973 impropriamente declarava que os prazos “somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação”. Literalmente interpretado, significava que “o prazo começa a correr no primeiro dia útil seguinte à citação ou intimação e a contar-se no segundo dia útil, uma vez que no cômputo dos prazos se exclui o dia do começo”.39 É diferente a redação do art. 224, § 2.º: “Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico”. Por exemplo, publicado o Diário da Justiça em feriado local (v.g., segunda-feira), o primeiro dia útil será o subsequente (v.g., terçafeira). E, complementa o art. 224, § 3.º, a contagem iniciará no primeiro dia útil seguinte ao da publicação (v.g., quarta-feira). Da contagem do prazo em dias ocupa-se o art. 224; da fluência do prazo, de olhar fito no seu termo inicial, cuidam os arts. 230, 231 e 1.003. § 239.º Termo inicial do prazo processual

1.156. Relevância do termo inicial do prazo Em matéria de prazos, o problema decisivo consiste em precisar o respectivo termo inicial (dies a quo).40 E isso, porque, a contagem do prazo em dias, que é a hipótese mais trivial, assenta em regra básica bem conhecida, constante no art. 224, caput, e não oferece, via de regra, dificuldades de vulto. Sucede que a contagem também envolve minutos, meses e anos. Omissa a lei processual, urge recorrer aos subsídios ministrados na lei civil. E, volvendo ao termo inicial, o dos prazos que correm contra as partes revela-se o de maior relevo e interesse. A mais das vezes, as partes arcam preponderantemente com o peso do impulso do processo. E, solitariamente, sofrem as consequências da preclusão. Todavia, impõe-se analisar, igualmente, o termo inicial dos prazos impróprios fixados para o juiz e respectivos auxiliares, para organizar de modo adequado a sistemática legal. 1.157. Termo inicial dos prazos do juiz O termo inicial dos prazos impróprios fixados para o juiz decorre da data do termo de conclusão (art. 208). A esse respeito, o NCPC não repetiu a regra desse teor inscrita no art. 20, § 1.º, do CPC de 1939; porém, a chegada dos autos nas mãos do juiz constitui o único termo concebível na situação.41 É o que infere, de resto, do termo inicial fixado para o juiz que tomou ou pediu vista por não se considerar habilitado a proferir voto, pois só pode ser contado da data desse ato. O juiz proferirá os despachos, reza o art. 226, I, em cinco dias; as decisões interlocutórias, em dez dias (art. 226, II); e a sentenças, em trinta dias (art. 226, III). Essa regra corrigiu o defeito da anterior, exigido interpretar a palavra decisão.42 No entanto, existiam regras específicas quanto à sentença, recomendando, portanto, interpretação restrita.43 No procedimento comum, ou o juiz prolata a sentença imediatamente, na audiência de instrução e julgamento, ou no prazo de trinta dias (art. 366). O termo inicial do trintídio era a data da audiência, interpretação haurida do CPC de 1939.44 Entra em cena, todavia, o notório art. 12 do NCPC, impondo o julgamento em rigorosa ordem cronológica de conclusão. Uma das exceções dessa ordem consiste na sentença proferida em audiência (art. 12, § 2.º, I). Fora daí, quanto ao termo inicial, o art. 12, caput, ateve-se ao quod plerumque fit: data da conclusão. Ora, entre a data da audiência e a conclusão mediará, na melhor das hipóteses, um dia (art. 228, caput), não se olvidando, outra vez, a estrita ordem cronológica na atividade do escrivão ou chefe de secretaria (art. 153). Em síntese, o interregno é variável para entrar na ordem do art. 12. Em outros casos, o prazo teórico – a ordem cronológica do art. 12 atravanca o julgamento dos casos simples – reduz-se: (a) para dez dias, na decisão do pedido formulado nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (art. 723); (b) para cinco dias, na pretensão à segurança antecedente (art. 307, caput); (c) nem sequer existe, pois o juiz decidirá imediatamente os embargos à execução 920, II inexistindo necessidade de audiência de instrução. Também decisões, no estrito sentido contemplado no art. 203, § 2.º, tiveram o prazo reduzido de dez para cinco dias, nas seguintes situações,

dentre outras: (a) a retratação da sentença terminativa de indeferimento da petição inicial (art. 331, caput); (b) a retratação da sentença definitiva, no julgamento prévio do mérito (art. 332, § 3.º); (c) a retratação da sentença terminativa em geral (art. 485, § 7.º); (d) a decisão do pedido de parcelamento da dívida em execução (art. 916, § 1.º). Existem outros prazos assinados ao juiz cujo quantitativo varia sem nenhum critério seguro. Bons exemplos são colhidos no segundo grau de jurisdição. Os prazos para o relator contam-se do termo de conclusão. O prazo para elaborar relatório e voto é de trinta dias (art. 931). Retomou o NCPC o prazo do art. 873, segunda parte, do CPC de 1939, cuja ausência receba crítica na vigência do CPC de 1973. É de dez dias o prazo do sobrejuiz que pediu ou tomou vista para estudar o caso e restituir os autos na secretaria do órgão judiciário (art. 940), possibilitando a reinclusão em pauta na primeira sessão seguinte à restituição. É de cinco dias o prazo para o relator tomar as providências do art. 1.019 no agravo de instrumento e de um mês para julgamento, contado da intimação do agravo, razão por que, na prática, é de quinze dias. É de cinco dias o prazo para julgar embargos de declaração (art. 1.024, caput). O incidente de resolução de demandas repetitivas há de ser julgado em um ano (art. 980, caput), cessando, vencido o interregno, a suspensão dos processos afetados. Parece difícil retirar uma orientação firme desses dispositivos e que conduzisse à formulação de sugestões quanto à uniformidade. Ao menos no caso da decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357), na qual o órgão judiciário tem o dever de examinar as questões processuais pendentes antes de ordenar a produção de prova (art. 357, I), reclamaria prazo especial. Essa resolução, no caso de rejeição das preliminares, de um lado limpa o terreno, por assim dizer, no que tange ao julgamento da questão de fundo, reduzida à sua real e estrita dimensão, e, de outro, reclama do órgão judiciário boa dose de esforço intelectual, talvez maior que a necessária ao julgamento de meritis.45 O prazo de dez dias é insuficiente e, desse modo, infringe o princípio da razoabilidade, integrante conspícuo dosubstantive due process of law. O excesso de prazo (art. 235), por motivo justificado, merecerá comentários à parte (infra, 1.189). 1.158. Termo inicial dos prazos dos auxiliares O termo inicial dos atos do escrivão é duplo: (a) da data em que se houver concluído o ato anterior, se lhe foi imposta pela lei (art. 228, I); (b) da data em que tiver ciência da ordem do juiz (art. 228, II), hipótese em que, reza o 228, § 1.º, ao receber os autos certificará o dia e a hora em que ficou ciente da ordem. Essas regras aplicam-se ao processo eletrônico, mas há uma ressalva: a juntada das petições e dos atos do juízo e dos seus auxiliares ocorrem automaticamente (art. 228, § 2.º). O prazo assinado à prática dos atos de ofício do escrivão, e, a fortiori, de outro auxiliar eventual – designado de “serventuário” no art. 228, § 1.º – varia conforme o termo de movimentação. Tratando-se de conclusão ao juiz, em

razão da conclusão do ato anterior (v.g., a entrega da contestação em cartório) ou da ordem do juiz, o prazo é de um dia; nos demais casos, o prazo é de cinco dias. A diferença subordina-se à relevância da conclusão. O impulso oficial cogitado no art. 2.º, precipuamente incumbe ao órgão judiciário. Era comum, no prazo em horas do direito anterior, o escrivão ou chefe de secretaria omitir a hora no termo de recebimento dos autos. Essa prática transformava o prazo em horas em prazo em dia(s). Ora, transformado o prazo legalmente em dias no NCPC, a menção ao horário, olvidada no art. 228, § 1.º De prazos em dias do escrivão cogitam outras disposições. Por exemplo, o escrivão tem o dever de restituir as cartas em dez dias (art. 268); de até um mês para extrair cópias do processo administrativo (art. 438, § 1.º); de cinco dias para ordenar as declarações de crédito na insolvência (art. 768 do CPC de 1973); de cinco dias para o escrivão ou chefe da secretaria do órgão fracionário do tribunal providenciar a baixa dos autos à origem (art. 1.006); de dez dias para publicar a ementa do acórdão no órgão oficial (art. 943, § 2.º). Na contagem dos prazos em horas não incidirá o art. 224, mas o art. 132, § 4.º, do CC: conta-se de minuto a minuto. Esse tema receberá exame no item dedicado à contagem dos prazos em horas, dias, meses e anos (infra, 1.161). A exiguidade dos prazos previstos no art. 228 se prende à eficiência dos serviços auxiliares na prestação tempestiva da jurisdição. O escrivão é a fonte primária de energia que, sob a direção do órgão judiciário, movimenta o processo O processo tranca por duas razões fundamentais: (a) ou a parte não promove o ato a seu cargo, situação versada no art. 485, III – regra, todavia, incompatível com o impulso oficial previsto no art. 2.º, segunda parte (infra, 1.610.1) –, sancionando o abandono da causa pelo autor por mais de trinta dias; (b) ou o escrivão não desempenha os atos do seu ofício, eventualmente impedindo que sejam extraídos os efeitos pertinentes da inércia das partes. A muitos pareceu escassamente realista a lei processual anterior ao fixar prazos em horas. A quantidade de feitos, o movimento diário de um cartório de vara cível nas capitais dos Estados-membros, contado em milhares, torna humanamente impossível ao escrivão e aos seus auxiliares dar conta dos termos e promover as demais diligências (v.g., expedir os mandados e as cartas; inserir o provimento do juiz no órgão oficial) nos prazos legais. Por esse motivo, alvitrou-se a concessão de prazos maiores pelo juiz.46 O art. 228 dilatou os prazos e os transformou em dias. Razoável que seja conduta do juiz ainda sob o NCPC, porque há justa causa, jamais pode abdicar o controle rigoroso da atividade do cartório, sob pena de ocorrerem intoleráveis distorções, a exemplo de o escrivão só dar andamento às demandas em que haja pedido de liminar. 1.159. Termo inicial do prazo das partes A disciplina do termo inicial do prazo das partes fragmentou-se em disposições heterogêneas. Em relação à sistemática do CPC de 1973, em que só um dispositivo situava na Seção I – Das Disposições Gerais –,47 o arranjo do NCPC é muito superior.

1.159.1. Data da comunicação como regra geral – Os prazos das partes começam a correr da citação, da intimação e da notificação, reza o art. 230, especificando, superfluamente, os destinatários da regra: partes, procuradores, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Embora seja louvável destacar os advogados públicos, não lhes concedendo posição inferior ao Ministério Público e à Defensoria Pública, a rigor a menção a “procurador” já os engloba. O art. 230 do NCPC alude aos prazos próprios, cujo descumprimento gera consequências desfavoráveis às partes. Não há ressalvas, pois o revel será intimado através da publicação no órgão oficial (art. 346, caput). Em princípio, inexistirá disposição das partes a respeito do termo inicial dos prazos;48 porém, no âmbito do fast track concebe-se disposição em contrário (art. 191). Em relação à intimação, o art. 230 conjuga-se perfeitamente ao art. 269, caput. A intimação é o ato pelo qual se comunica ou dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, a fim de que pratique ou deixe de praticar ato próprio. A forma das intimações recebeu extensa e precisa regulamentação. A modalidade corriqueira era a intimação feita por publicação no órgão oficial, inicialmente impresso, depois eletrônico, e, sem embargo do alto valor na simplificação dos atos, o NCPC relegou-a a segundo plano, porque ficta, outorgando prioridade à intimação eletrônica (art. 272, caput). Todas as demais formas (v.g., intimação in faciem) tornaram-se subsidiárias, exceto nos casos que a lei impõe a intimação pessoal (v.g., integrantes da Advocacia Pública, Ministério Público e Defensoria Pública). A inclusão da citação no âmbito do art. 230 prende-se à precedente distinção entre a data do início do prazo, ou fluência, e o termo inicial do prazo, ou contagem do prazo. O prazo fluirá da citação e da intimação, mas o dia do começo é o previsto no art. 231. Sempre nos pareceu tecnicamente exata a distinção e escassamente útil no quotidiano forense. Legem habemus… Por fim, ressurgiu a outrora banida e mal vista notificação no art. 230. Também é objeto de alusão em dispositivos concernentes à cooperação internacional (v.g., art. 27, I) e ao auxílio direto (art. 69, § 2.º, I). A acreditar-se no art. 726, por intermédio da notificação alguém manifesta formalmente sua vontade a outrem, enquanto através da interpelação espera-se do destinatário que faça ou deixe de fazer o que entenda do seu direito (art. 727). Se algum prazo deriva, num caso e noutro, só pode ser da interpelação, motivo por que o art. 230 não se relaciona com o art. 726. E como modalidade de comunicação de atos a notificação aparece, obliquamente, no art. 663, parágrafo único, no contexto da reserva de bens no inventário a favor do credor. 1.159.2. Exceções à data do início do prazo – O art. 230 do NCPC disciplina a data do início do prazo, mas há exceções significativas. Elas ampliaram e restringiram-lhe o alcance, respectivamente. Em primeiro lugar, há meio substitutivo da intimação nas formas prescritas em lei: a ciência inequívoca do advogado da parte.

Realmente, acontece de o advogado, inteirando-se da existência do ato, através de consulta anônima à movimentação registrada eletronicamente, ir ao cartório e retirar os autos em carga (art. 107, III), antes de o escrivão elaborar a nota de expediente para publicação no órgão oficial e independentemente de intimação in faciem, ou seja, feita no cartório, mediante termo de intimação lançado nos autos. Em geral, o intuito do procurador consiste em interpor imediatamente o recurso (v.g., contra a decisão liminar) ou responder a demanda sem tardança. Essa forma de ciência se harmoniza com o princípio da instrumentalidade de formas (retro, 1.098). Alcançou-se a finalidade do ato de intimação por outro modo. À lei interessa mais o fim do que o meio no concernente aos atos processuais. Essa modalidade recebeu reconhecimento no art. 231, VIII, de forma curiosa. Por óbvio, o termo inicial da contagem do prazo é o dia da carga (= data da assinatura no livro próprio, a teor do art. 107, § 1.º). Porém, salvando as aparências, declara ocorrer a intimação “por meio da retirada dos autos”. Ora, o efeito não pode ser a causa de si próprio. Não houve intimação, mas a retirada dos autos em carga, entendendo-se intimado o advogado, nesta data, por simples ficção. A segurança desse ato tão trivial, quanto conveniente do procurador, quanto ao cômputo do prazo, ficara intensamente comprometida com a rejeição, nos tribunais superiores, do recurso interposto ante tempus (infra, 1.160). Felizmente, o art. 218, § 4.º, superou esse problema. Por outro lado, os prazos não começam a correr para a Advocacia Pública, para o Ministério Público e para a Defensoria Pública da intimação pessoal, antigamente in faciem (v.g., o integrante do Ministério Público passava diariamente no cartório, recolhendo seu expediente), em seguida por carga, mas – tal a regra do art. 183, § 1.º a fluência do prazo, ou seja, o início do prazo, e a regras atinentes à sua contagem, em particular o início da contagem do prazo igualmente por “remessa”. Essa forma peculiar de movimentação do processo intensificou-se com a ocupação pelo Ministério Público de prédios próprios, nas cercanias da sede do juízo, em lugar de ocupar sala no próprio foro, na precária condição de fâmulo da posse e sujeito, segundo os humores do juiz diretor do foro, ao constrangimento de mudar-se forçadamente para o lado da copa… O Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública dispõem, presentemente, de prédios próprios, alguns amplos e suntuosos, e nesse lugar trabalham seus integrantes. Remetem-se a tal lugar os processos, por via de malotes, acompanhados de guia de movimentação, passando o encarregado da recepção o recibo. O dia do início do prazo é a data do ingresso dos autos na sede administrativa do órgão. É firme a jurisprudência civil e criminal do STJ.49 Na prática, entre a intimação e o protocolo de ingresso medeiam dois ou mais dias, razão pela qual o art. 230 restringe-se, contra legem, por essa prática proveitosa ao Estado. Existem atos que, por sua natureza, incumbem pessoalmente à parte. O representante técnico não pode ser constrangido a cumpri-los no lugar da parte (art. 77, § 8.º). Por exemplo, promovida inovação ilegal no estado de fato, ou atentado, em contravenção ao art. 77, VI (retro, 607.8), o juiz ordenará o retorno ao estado anterior (art. 77, § 7.º), e só a parte poderá fazêlo a contento.

Em tais casos, reza o art. 231, § 3.º, a data do começo do prazo será a data em que ocorrer a comunicação ato. Assim, intimado o autor a restaurar o estado anterior na segunda-feira, através do oficial de justiça, o prazo começará no dia útil seguinte, independentemente da data da juntada (art. 231, II). 1.159.3. Dia hábil para a intimação – É indispensável a ocorrência da intimação (e da notificação, ao menos no caso do art. 663, parágrafo único) em dia de expediente forense. O procurador da parte precisa de acesso aos autos por diversas razões. A mais comum consiste em inteirar-se do teor do provimento. Em geral, a intimação restringe-se à parte dispositiva da decisão (v.g., “… julgo procedente…”). Por exceção, especialmente na intimação eletrônica, acompanha o interior teor do ato. Nem sempre será o bastante. Também se mostrará necessário compulsar os autos, em outros casos, para verificar os atos da contraparte que ensejaram a emissão do provimento do juiz. Absteve-se de reproduzir o NCPC a anterior regra liberal,50 entendendo realizada a intimação, feita em dia não útil, no primeiro dia útil subsequente, porque desnecessário: o art. 231 regula o dia do começo do prazo e suas hipóteses são completas, subentendendo-se dia útil. Em contrapartida, quanto aos atos comunicados eletronicamente, a data da publicação, fictamente, será a do primeiro dia útil à disponibilização no órgão oficial eletrônico (art. 224, § 2.º), e, ainda, altera o termo inicial ou o termo final para o primeiro dia útil seguinte em dois casos: (a) início ou encerramento do expediente forense fora do horário normal; (b) indisponibilidade da comunicação eletrônica (art. 224, § 1.º). Explicou-se o assunto de forma eloquente no direito anterior: “em matéria de contagem de prazos, todos os dias hábeis (para a realização de atos processuais) devem ser úteis, mas nem todos os dias úteis são hábeis. Assim, se o forum está fechado – que é o que ocorre, de ordinário, aos sábados – de nenhuma importância que o dia seja útil (e, por isso, hábil para a realização dos atos processuais, ex vi do art. 172, caput [do CPC de 1973]): não se inicia a contagem de prazo pela simples circunstância de que não se desenvolvem, em razão do fechamento do forum, atividades forenses”.51 Eis a razão da importância do art. 224, § 1.º. A regra incidirá na hipótese de o expediente forense encerrar-se, por qualquer motivo, antes do horário normal. Por exemplo, ocorrida intimação no turno da manhã, trancam-se as portas do foro ao meio dia, passando a funcionar em expediente interno, sem franquear acesso ao público. Não desfrutou a parte de todo o expediente forense para compulsar os autos. Era mais difícil solucionar o problema da intimação ocorrida nas hipóteses em que foro, fechado pela manhã, funciona normalmente à tarde, em expediente reduzido. É comum as autoridades de controle da magistratura e disciplina forense instituem “expediente interno”, em horários variáveis, a fim de que o escrivão e seus auxiliares descarreguem o serviço acumulado. Nesta contingência, o princípio da utilidade do prazo regulava a situação: intimada à tarde, e permanecendo o foro aberto nessa jornada, inexistiu óbice real à consulta dos autos, porque antes do início da atividade forense inexistia a ciência da parte. O art. 224, § 1.º, seguiu linha diferente: protrai-se tanto o dia do início quanto o dia do vencimento para o primeiro dia útil seguinte em casos de o expediente forense ter iniciado após o honorário normal.

Essas considerações se aplicam ao prazo de aperfeiçoamento da citação por edital, previsto no art. 257, III: ele não começa a correr, nem sequer, a fortiori, terminará, senão em dia útil – dia em que houver expediente forense completo. No tocante à citação, passível de ocorrer nas férias e nos feriados forenses, a teor do art. 212, § 2.º, a regra só pode ser a mesma, seja qual for o meio empregado: o dia do começo do prazo segue o disposto no art. 231. 1.159.4. Data da juntada como fator de eficácia – O art. 231 do NCPC consagra, relativamente às intimações e citações – a notificação não é mencionada –, consoante a modalidade da comunicação do ato, um fator de eficácia: a data da juntada ou, na via eletrônica, a data da consulta. Por óbvio, no caso da citação o prazo cogitado, na marcação do termo inicial, não é mais o da defesa, mas o da designação da audiência do art. 334, salvo “nos demais casos” (art. 334, III, in fine), em que não haja o juiz designado tal audiência. O art. 231 abrange as intimações. E, realmente, nada exclui que se façam intimações por intermédio dos correios, do oficial de justiça, ou por carta precatória, rogatória ou de ordem e, por via eletrônica. O rol do art. 231 almeja a exaustão dos meios de comunicação dos atos, incluindo, portanto, a citação e a intimação in faciem (art. 274, caput, parte final), a intimação pelo órgão oficial e a citação inequívoca do representante técnico. 1.159.4.1. Comunicação postal – A comunicação postal dos atos processuais representou, no início da vigência do segundo estatuto unitário de processo, expressiva inovação, progressivamente absorvida e difundida na atividade forense. Far-se-á a citação e a intimação através de carta postada com aviso de recebimento. O termo inicial do prazo é a data da juntada do aviso que retornou ao cartório (art. 231, I). O termo de juntada compete ao escrivão, que verificará a regularidade do ato. A eficácia do recibo passado pelo destinatário da carta varia conforme a natureza do ato. Na citação da pessoa natural, a carta há de ser entregue ao citando, conforme prescreve o art. 248, § 1.º, exigindo-lhe a assinatura do recibo. Não sendo encontrado o citando, o carteiro deixa aviso para o destinatário procurar a correspondência na agência mais próxima dos correios. No condomínio horizontal e nos loteamentos, geralmente dotados de portaria, a carta poderá ser entregue ao funcionário da portaria, salvo se este declarar, sob as penas da lei, encontrar-se ausente o citado (art. 248, § 4.º). Em se tratando de pessoas jurídicas, o escasso apreço aos direitos fundamentais processuais e a infeliz tendência de sobrelevar o meio (o serviço do processo) ao fim (a convocação do réu para exercer o direito de ampla defesa) introduziu a regra do art. 248, § 2.º, entendendo admissível o recibo passado por quem aparenta poderes de gerência geral e administração ou, pior, o encarregado da recepção. O chamamento do réu ao processo deveria cercar-se de formalismo mais acentuado, porque essencial ao processo constitucionalmente justo e equilibrado. No que tange à intimação, a regra é mais flexível, presumindo-se ocorrida validamente a do destinatário no endereço profissional ou residencial declinado nos atos postulatórios principais, embora a carta não seja recebida

pessoalmente pelo destinatário, se a mudança temporária ou definitiva de domicílio ou de residência não tiver sido comunicada ao juízo (art. 77, V), segundo reza o art. 274, parágrafo único. 1.159.4.2. Comunicação por mandado – Cuidando-se de citação ou intimação realizada por mandado, cujo cumprimento toca ao oficial de justiça, o termo inicial do prazo recai na data da juntada aos autos do mandado cumprido, reza o art. 231, II. Irrelevantes, portanto, a data da efetiva ciência do ato – incluindo a circunstância de realizar em feriado forense, a teor do art. 212, § 2.º –, certificada no mandado, e a data da entrega do mandado no cartório pelo oficial de justiça. Essa última providência, às vezes, sofre atrasos por negligência do oficial de justiça. Cumpre ao escrivão ou chefe de secretaria anexar o mandado aos autos na data em que elaborar o termo de juntada, e, não, na data em que recebeu o mandado, consignada no livro de protocolo. Não é legítimo juntar o mandado com data retroativa, consumindo, no todo ou em parte, o prazo da parte. Os procuradores das partes, informados por seus representados da visita do oficial de justiça, conferem a data da juntada através do sistema de informações judiciárias. Raramente os dados mostram-se plenamente confiáveis e idôneos. O procurador deverá acautelar-se, não só quanto à juntada retroativa, bem como aos eventuais erros de alimentação do sistema. Um erro de digitação provoca a troca da data da juntada, situando-a mais à frente, ou a própria informação sobrevém no sistema em termos equívocos, ocorrendo erro no código (v.g., vista ao autor, em vez de mandado de citação ou de intimação juntado). O art. 197, caput, do NCPC admitiu o problema, declarando presumiremse verazes e confiáveis as informações constantes do sistema de automação do tribunal, divulgados na página própria na rede mundial de computadores. Presunção relativa: ocorrendo problemas do sistema – infelizmente, comuns no último minuto do prazo… –, erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro da movimentação do processo (art. 197, parágrafo único), impropriamente designado de “andamento”, configurar-se-á a justa causa do art. 223, caput, e § 1.º. Convém realçar o verbo correto aqui empregado: nos casos apontados, haverá justa causa, pois a imprevisibilidade não mais lhe integra a figura (infra, 1.172), e, não, a mera possibilidade de evento impeditivo à prática do ato. A citação por hora certa (arts. 252 e 253) é variante da citação por oficial de justiça. Não sendo localizado o citando, a notícia do litígio chega a familiar ou vizinho, sendo o art. 253, § 3.º, seguida de carta, telegrama e correspondência eletrônica endereçada ao citando, expedida pelo escrivão no prazo de dez dias, contado da data da juntada do mandado (art. 254). Pois bem. O art. 231, § 4.º, ordena a aplicação da regra do inc. II – data da juntada aos autos do mandado cumprido – a essa variante. Assim, a comunicação do art. 254 não interfere com o dia do começo do prazo. 1.159.4.3. Comunicação pelo escrivão – Era controvertida a possibilidade de a citação realizar-se in faciem, ou seja, pelo escrivão ou chefe de secretaria, comparecendo o réu em cartório (infra, 1.149.6). O art. 246, III, não

deixa qualquer dúvida a respeito. Cuidando-se de pessoa jurídica, parece duvidosa a interpretação extensiva do art. 248, § 2.º, citando o escrivão pessoa dotada de poderes de gerência geral ou de administração. Seja como for, tratando-se de pessoa natural ou de microempresas ou empresas de pequeno porte, em que a empresa se confunde com o representante orgânico, a norma é de suma valia. Também as intimações, especialmente nas pequenas comarcas, realizam-se amiúde in faciem, modalidade permitida no art. 274, caput, parte final. Essas regras facilitam o serviço do processo e merecem elogios. O dia do começo do prazo, nesse caso, será a data da ocorrência da citação e da intimação (art. 231, III). 1.159.4.4. Comunicação por carta – Realizando-se a citação ou a intimação por meio de cooperação nacional ou internacional entre órgãos judiciários, na modalidade mais comum de carta precatória, rogatória ou de ordem, o prazo começará a fluir da data da juntada: (a) da notícia eletrônica da citação ou da intimação pelo juiz encarregado da prática do ato, nos termos do art. 232, embora a regra, atendo-se à hipótese mais comum, aluda a “juízo deprecado”; (b) da carta precatória, rogatória ou de ordem “devidamente cumprida” (art. 231, VI). A essa regra geral, soma-se o problema da comunicação plural: figurando vários réus, ou procedendo-se a comunicação do ato por modalidades heterogêneas, o prazo começará a correr da última juntada ou da expiração do prazo de aperfeiçoamento da citação por edital. 1.159.4.5. Comunicação por edital – A citação por edital envolve três prazos diferentes: (a) o prazo do edital, ou prazo de aperfeiçoamento da citação por edital, que é prazo dilatório e judicial, pois o juiz o fixará entre vinte e sessenta dias (art. 257, III), e que começa a correr da publicação única do édito ou, havendo mais de uma da primeira; (b) a data da publicação do edital no sítio do tribunal e do CNJ (art. 257, II); (c) prazo de defesa, que é o previsto na lei, conforme o procedimento, e de quinze dias no procedimento comum (art. 335). Segundo o art. 231, IV, este último prazo começará a correr “ao fim da dilação assinada pelo juiz”, ou seja, após expirar o prazo do edital. Por sua vez, conforme se deduz do art. 257, III, este último prazo fluirá da única ou da primeira publicação – o juiz poderá autorizar a publicação em jornal de ampla circulação local ou “por outros meios” (v.g., a afixação nos lugares presumivelmente frequentados pelo citando), a teor do art. 257, parágrafo único. Idêntica disciplina regula a intimação por edital. Por exemplo, no caso de mostrar-se necessária a intimação por edital do autor, para os fins do art. 485, III, e § 1.º, porque abandonou a causa por mais de trinta dias e a extinção se subordina à intimação pessoal, o prazo de cinco dias fluirá do dia útil em que findar o prazo do edital concretamente fixado pelo juiz. 1.159.4.6. Comunicação eletrônica – A Lei 11.419/2006 contempla a intimação por diário oficial eletrônico e a intimação por via eletrônica propriamente dita, dirigida ao endereço eletrônico (e-mail). O art. 270 incorporou essa modalidade de comunicação ao NCPC. A citação por meio eletrônico já se encontra prevista no art. 246, V. É preciso adotar o jargão

desse meio, profusamente ornamentado por neologismos de sonoridade aflitiva (v.g., disponibilização, conforme prevê o art. 224, § 1.º). A intimação através do diário oficial eletrônico substitui todas as modalidades tradicionais (v.g., a intimação postal), incluindo, por força da remissão do art. 270, parágrafo único, ao art. 246, § 1.º, os integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, porque se trata, indubitavelmente, de intimação real (ou pessoal). Encontra-se revogada, pois, a parte final do art. 4.º, § 2.º, da Lei 11.419/2006 e a esta disposição, salvo engano, dirige-se o art. 1.053 do NCPC, convalidando atos anteriores que hajam atingido sua finalidade sem prejuízo à parte. Porém, considerando o momento do acesso à informação eletrônica, o art. 4.º, § 3.º, da Lei 11.419/2006 estabeleceu como data da publicação do diário oficial “o primeiro dia útil seguinte” à divulgação da informação. O art. 224, § 2.º, do NCPC reproduz a regra. Por conseguinte, o jornal do dia primeiro, e disponível a partir do dia dois, considera-se efetivamente publicado no dia três. Entende-se por dia útil, para esse fim, o dia em que há expediente forense (retro, 1.135.1). Em geral, as duas primeiras datas coincidem na prática; todavia, ocorrendo divulgação posteriormente à data formal constante no arquivo eletrônico, só esta interessa (data da divulgação), postergando-se, então, a data da publicação para o primeiro dia útil subsequente. O prazo fluirá a partir do primeiro dia útil seguinte à data da publicação (art. 224, § 3.º, do NCPC; art. 4.º, § 3.º, da Lei 11.419/2006). Essa inovação se deve ao fato que o sistema eletrônico é eletrônico e “não há como exigir que alguém tome conhecimento de uma publicação no período noturno”.52 Cuidando-se de prazo em horas, o termo inicial recai no primeiro minuto da primeira hora do tempo hábil que coincida com o dia (ficto) da publicação.53 No exemplo ministrado, às 6h01min do dia três. É ocioso investigar e precisar a hora da circulação.54 A intimação eletrônica tem como destino o endereço cadastrado pelo usuário no portal próprio. Considera-se feita no momento em que ocorrer a consulta à mensagem, fato que o escrivão certificará nos autos, a teor do art. 5.º, § 1.º, da Lei 11.419/2006. Tal consulta deve ocorrer em até dez dias contados da data do envio. Não se verificando, “considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo” (art. 5.º, § 3.º, da Lei 11.419/2006). Realizada a consulta, no curso dos dez dias, em dia não útil (v.g. domingo), considera-se a intimação feita no primeiro dia útil subsequente (art. 5.º, § 2.º, da Lei 11.419/2006). A título informativo, reza o art. 5.º, § 4.º, poderá ser enviada mensagem ao endereço eletrônico do destinatário, comunicando o envio da intimação, abrindo-se automaticamente o prazo. Essas disposições encontram-se resumidas no art. 231, V, do NCPC: o dia do começo do prazo é (a) o primeiro dia útil seguinte à consulta ou (b) o primeiro dia útil seguinte ao término do prazo de consulta (dez dias). O escrivão ou chefe de secretaria há de certificar nos autos um fato (data da consulta) e outro (término do prazo de consulta), nos autos físicos, gerando o sistema, automaticamente, essa informação no processo integralmente eletrônico.

1.159.4.7. Comunicação por publicação – O art. 231, VII, empresta coerência ao sistema geral do dia de começo dos prazos. É a data da publicação no órgão oficial impresso ou eletrônico. Nesse último caso, aplicam-se as regras especiais antes examinadas, salvo no caso de incompatibilidade (v.g., aplicação do art. 246, § 1.º). O sistema já se enraizou na prática advocatícia. 1.159.4.8. Ciência inequívoca – A ciência inequívoca do procurador da parte substitui a citação e a intimação formais. O art. 231, VIII, marca a data da carta como o dia do começo do prazo, recebendo o tema comentários em item anterior (retro, 1.159.2). Resta acrescentar um pormenor. A carga dos autos constitui ciência inequívoca formal. Informalmente, o advogado compulsa os autos físicos – os autos eletrônicos são inacessíveis para essa finalidade, apesar da promessa em contrário do art. 194 –, reproduzindo por imagem seu inteiro teor, e salvo intimação in faciem (art. 274, caput, parte final), pilhando o escrivão ou chefe de secretaria o ato, daí não começa o prazo. Parece evidente excluir-se a citação, pois o art. 231, VIII, alude só à intimação, em virtude do caráter pessoal dessa comunicação (art. 242, caput). Concebe-se exceção nos casos em que, segundo regra expressa, o chamamento ocorre na pessoa do advogado (v.g., na reconvenção, em que a intimação equivale à citação, nos termos do art. 343, § 1.º). Tampouco se aplicará o art. 231, VIII, no caso de intimação plural, porque o art. 231, § 1.º, não realiza remissão a esse inciso. 1.159.4.9. Comunicação plural – Figurando vários réus como citandos, ou mais genericamente, destinando-se a comunicação do ato para duas ou mais pessoas, através dos correios (art. 231, I), de mandado (art. 231, II), in faciem (art. 231, III), por edital (art. 231, IV), ou via eletrônica (art. 231, V), o dia do começo do prazo para defesa começará da última das datas (art. 231, § 1.º). Desta data começará a fluir o prazo comum, seja ele qual for, e sem prejuízo da dobra prevista no art. 229, quando for o caso. Valem, em relação a cada última data, as considerações expendidas nos itens respectivos. Conforme se percebeu, no direito anterior, o sentido do art. 231, § 1.º, é o seguinte: “o início do curso do prazo, para todos os réus, coincidirá com o início do prazo para o último réu citado”.55 Assim, ocorrendo a citação por edital de um dos réus, o prazo para todos começará a fluir da data em que expirar o prazo de aperfeiçoamento (art. 257, III). Aos procuradores dos réus, nesta conjuntura, incumbe medir e pesar com extrema atenção os atos de chamamento dos consortes. E, por outro lado, a sucessiva menção ao cumprimento do ato evidencia que, frustrada a diligência, a simples juntada não marca o início do prazo: impõe-se a realização do chamamento a juízo. Essas frequentes evocações ao escrúpulo profissional dos procuradores demonstra quão espinhosa é a tarefa que lhes pesa no processo civil. Dessa regra escapa a intimação: o art. 231, § 2.º determina, havendo mais de um intimando, a contagem individual (per capita) do prazo, valendo para cada qual o termo inicial da modalidade (v.g., intimado um autor por mandado

e outro por edital, no caso do art. 485, § 1.º, a inércia de um possibilitará a emissão de sentença terminativa parcial, no regime simples do litisconsórcio). 1.160. Termo inicial do prazo recursal Não se completaria a investigação, iniciada pelo art. 230, sem maiores dados acerca do termo inicial dos prazos recursais. Do assunto ocupa-se o art. 1.003, ministrando regras específicas, abstendo-se o NCPC do exagero anterior de sobrepor duas regras distintas sobre o ponto. 1.160.1. Destinatário da intimação – Do art. 1.003, caput, resulta evidente, em primeiro lugar, fluir o prazo recursal da intimação, e não data em que o órgão judiciário emitir o ato decisório. Também é o caso do revel: o art. 346, caput, prevê a publicação dos pronunciamentos no órgão oficial. A ciência do conteúdo do provimento representa condição indispensável para impugná-lo, tecendo-lhe a devida crítica, e, assim, estabelecer o diálogo atual e congruente com a resolução, conforme exige a motivação eficiente (e legítima) de qualquer recurso. Por esse motivo, o prazo recursal só iniciará na data em que pessoa dotada de capacidade postulatória (advogados públicos e privados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública) é intimada da decisão. Esta é a regra básica inferida do art. 1.003, caput. E a ratio essendi da norma reside no fato de que recorrer constitui ato privativo de quem possui habilitação técnica para postular em juízo em nome de outrem.56 Essa regra assumia particular relevo na concessão de liminar inaudita altera parte no direito anterior. Em princípio, nenhum prazo recursal fluiria da data em que a parte tomasse ciência da decisão, através da citação, pois ela não pode, por si, interpor o recurso.57O prazo começaria na data na data da intimação do advogado da parte, evidentemente após intervir no processo, munido de mandato, ou da intimação pessoal, quando necessária, a exemplo do agente Ministério Público. Corretamente, a nosso ver, em certa oportunidade o STJ estimou irrelevante, para tal efeito, a intimação realizada na pessoa da parte.58 E, aduziu o órgão, o comparecimento espontâneo do réu supre a intimação realizada sem a publicação do nome do seu advogado.59Em sentido contrário, julgado do STJ contou o prazo da juntada da carta precatória de citação.60 Na verdade, a visão garantística do processo induz a seguinte regra: tomando o advogado ciência da liminar proferida inaudita altera parte, por qualquer meio (v.g., retirada dos autos), o prazo fluirá dessa data; na pior das hipóteses, o prazo correrá da data em que o réu, representado por advogado, juntar a contestação. O art. 1.003, § 2.º, adotou a diretriz oposta: o prazo para recorrer das decisões proferidas antes da citação, fitando a tutela provisória de urgência, começará a correr na forma do art. 231, I a VI. Esqueceu o legislador a ciência inequívoca, mediante a retirada dos autos em carga (art. 231, VIII), aplicável por identidade de motivos.

Neste assunto, há imperiosa distinção a realizar-se no tocante à decisão inaudita altera parte proferida contra a Fazenda Pública. É que, nesta hipótese, receberá a citação, e, portanto, tomará conhecimento do provimento, o respectivo representante judicial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ou seja, justamente a pessoa dotada de capacidade postulatória. Nessa contingência, nenhum problema suscita o art. 1.003, § 2.º: o prazo recursal fluirá a partir do momento em que for juntado o mandado de citação, aplicando-se, no que couber, a regra da juntada, conforme decidiu a Corte Especial do STJ,61 porque o integrante da Advocacia Pública citado tem capacidade postulatória. Já o Município é representado pelo Prefeito ou pelo procurador(art. 75, III). Logo, inexistindo procurador do Município, o próprio Chefe do Executivo receberá a citação e, não dispondo de capacidade postulatória, retorna-se ao problema crucial. Na prática, nos casos em que a parte deva constituir representante técnico, o art. 1.003, § 2.º, encurtará o prazo recursal: o réu necessitará entrevistar-se com o advogado particular, outorgar mandato e este inteirar-se do conteúdo do pronunciamento. Entre a data marcada pelo art. 231, I a VI, e este último evento fatalmente transcorrerão alguns dias. Não é, absolutamente, regra equânime em confronto com a Advocacia Pública, e, esse sentido, ferindo o direito fundamental processual da igualdade, abertamente inconstitucional. É particularmente espinhoso o problema do prazo para o terceiro recorrer da decisão proferida inaudita altera parte. Às vezes, a própria decisão atribui ao terceiro o dever de cumpri-la; por exemplo, na ação de alguém contra empresa de banco para cancelar o registro do seu nome no banco de dados mantido por outra pessoa, acontece de o juiz mandar o organizador do banco de dados providenciar o cancelamento do registro. Em tal caso, respeitada a exigência quanto à demonstração de interesse jurídico para o terceiro legitimar-se a recorrer, o prazo fluirá da juntada da prova da comunicação ao processo. Por definição, o terceiro não figura no processo, e, justamente por tal condição, pressupõe-se que não constitua advogado. Se o terceiro não recorrer, de acordo com a concepção dominante do direito brasileiro, quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, terá ação própria para controverter a justiça da decisão; se o terceiro recorrer, sujeitar-se-á ao efeito da intervenção (art. 123), porque o recurso do terceiro prejudicado constitui forma de assistência tardia. 1.160.2. Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos em audiência – O prazo para impugnar atos proferidos em audiência contar-se-á da data em que se verificar a solenidade. E isso, porque na audiência reputam-se as partes (rectius: seus advogados) intimadas, a teor do art. 1.003, § 1.º, e, desse modo, prescindir-se-á de nova intimação por qualquer meio.62 A incidência do art. 1.003, § 1.º, reclama prévia e válida intimação dos advogados da data da audiência, Intimados os advogados, a falta de comparecimento do advogado na audiência não altera o termo inicial, fluindo o prazo de forma automática.63 A incidência do art. 1.003, § 1.º, pressupõe o termo de audiência registrado em termo físico (art. 367, § 1.º) ou produzido e registrado em

arquivo eletrônico inviolável (art. 209, § 1.º), porque tais modalidades de registro permitem a conferência imediata do teor dos atos. Se, porém, o juízo empregar a taquigrafia ou a estenotipa (art. 210), que exigem ulterior degravação, os advogados das partes não terão acesso imediato ao teor dos atos decisórios, subentendendo-se que o termo inicial do prazo iniciará no momento em que a degravação ficar documentada nos autos. 1.160.3. Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos fora da audiência – O prazo fluirá da intimação que se realizar aos advogados das partes e ao Ministério Público, relativamente às decisões e sentenças de primeiro grau e aos pronunciamentos do segundo grau. No direito anterior, publicava-se o dispositivo do acórdão – v.g., “negaram provimento”; “deram provimento” –, na generalidade dos tribunais.64 Os arts. 205, § 3.º, e 943, § 2.º, tornaram obrigatória a publicação da ementa do acórdão no órgão oficial. Jamais se considerou a contagem do prazo da eventual inserção no diário oficial da ata da sessão ou das conclusões do julgamento (minuta ou tira).65 De toda sorte, assinale-se o sentido equívoco da palavra publicação. O prazo flui, na verdade, da intimação – feita através da publicação na imprensa. E considera-se “publicado” o pronunciamento, ainda, na oportunidade em que é inserido nos autos.66Tal ato não abre, de per si, o prazo recursal. Razões práticas universalizaram o órgão oficial, hoje eletrônico, e, no âmbito da Justiça Comum, os Estados criaram veículos próprios, abrangendo todas as comarcas. Não importa a hora da circulação do órgão oficial. Se é impresso, e circula à tarde, considera-se a intimação feita neste mesmo dia.67 Por óbvio, o uso generalizado do órgão oficial, e, recentemente, a do órgão oficial eletrônico (art. 4.º da Lei 11.419/2006), não eliminou o uso das demais formas de intimação. Todas se mostram admissíveis. Às vezes, há uma só modalidade válida, e não é a do órgão oficial: a intimação pessoal. É o caso da Advocacia Pública, do Ministério Público e da Defensoria Pública, cuja intimação far-se-á na forma do art. 183, § 1.º, ressalva feita ao art. 1.003, § 2.º. É firme a jurisprudência do STJ no sentido que o arquivamento do mandado de intimação na secretaria do tribunal supre a necessidade de juntada aos autos.68 Em relação à Defensoria Pública, mister assinalar que, consoante a jurisprudência do STJ e do STF, o benefício da intimação pessoal atinge o defensor dotado de vínculo estatutário, e não o advogado que, eventualmente, assuma semelhante função ou ao defensor constituído por meio de convênio com órgãos públicos. As críticas à orientação ostentam-se infundadas.69 A disposição reclama interpretação restritiva, seja porque constitui privilégio, seja porque toda intimação pessoal emperra a marcha do processo e prejudica a parte contrária. Por isso, o art. 186, § 3.º, assegura a dobra, e, não, a intimação pessoal aos escritórios de prática judiciária das Faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica mediante convênio com a Defensoria Pública.

A ciência inequívoca do advogado quanto ao conteúdo do ato substitui todos os meios de intimação formais. Revela-se tal conhecimento mediante a retirada dos autos em carga (art. 231, VIII),70 a intervenção no processo, praticando ato que evidencie a informação, e atos de natureza similar. Nesta contingência, o prazo flui da data da ciência inequívoca, mostrando-se irrelevante a posterior repetição da intimação (v.g., a publicação no órgão oficial). Não parece razoável pré-excluir essa hipótese do âmbito do art. 1.003, § 2.º (retro, 1.160.1). 1.160.4. Termo inicial do prazo de recurso perante duplicidade de intimações – Eventualmente, por erro do serviço, ocorrem duas intimações. O motivo usual reside na constatação de algum vício na primeira intimação. Por exemplo, a parte requereu, expressamente, a intimação do advogado substabelecido. Em tal conjuntura, o escrivão providencia, por sua conta, nova publicação no diário oficial. A rigor, ao escrivão falta o poder de invalidar e deveria obter, previamente, provimento do órgão judiciário a esse respeito. Não o fazendo, e realmente existindo vício na primeira intimação, o prazo fluirá da segunda, conforme decidiu o STJ.71 Ocorrendo simples repetição do ato, por falha no serviço, o prazo conta-se da primeira e válida intimação. 1.160.5. Termo inicial do prazo de recurso quanto ao revel – O prazo do revel conta-se da publicação do pronunciamento no órgão oficial (art. 346, caput), e, não, da data em que emitido o ato decisório. Era o que acontecia no direito anterior,72 mas o NCPC adotou linha mais garantista nesse ponto. Como quer que seja, ao revel atribuiu-se o ônus de conferir a data de publicação no órgão oficial (art. 272), sob a pena de perder o prazo. Existindo curador especial (art. 72, II), ou representando o revel, opportuno tempore, no processo, conforme permite o art. 346, parágrafo único, o prazo correrá da intimação desses representantes técnicos. § 240.º Contagem do prazo processual 1.161. Contagem progressiva do prazo processual Definido o marco inicial, a contagem do prazo subordina-se à unidade de tempo nele contemplada: horas, dias, meses e anos. O NCPC só cuidou de disciplinar a contagem do prazo em dias. Chama-se de contagem progressiva a que considera o termo a quo no presente e o termo ad quem no futuro.73 1.162. Contagem progressiva do prazo em dias O art. 224 do NCPC consagra a regra aplicável ao prazo em dias. É a mesma diretriz do art. 132, caput, e § 1.º, do CC. Ela é bem conhecida, fundada em razões práticas,74 inculcada no saber geral, e quase universal.75 Desconsidera-se o termo inicial (início do prazo), incluindo-se o dia do vencimento (termo final). Do contrário, ocorreria a subtração de um dia do prazo. Daí por que o art. 224 leva em conta o tempo real. Tudo se passa como se a contagem acompanhasse a seguinte regra, verificado o termo

inicial na segunda-feira e sendo o prazo de três dias: segunda/terça; terça/quarta; quarta/quinta.76 A contagem do prazo processual só leva em conta dias úteis (art. 219, caput). Era assim quando o termo inicial ou o termo final recaiam em dia não útil, protraindo-se, em casos tais, para o primeiro dia útil seguinte. Entenda-se, mais uma vez, que “dia útil”, na contagem do prazo em dias, é o dia em que há expediente forense (de segunda a sexta-feira) completo. Feriados ou não – e o feriado nacional, estadual ou municipal, cuja data seja fixa no calendário gregoriano, talvez caia em sábado –, o sábado e o domingo, bem como os que não haja expediente forense, não representam “dias úteis”, e, portanto, não se computam no interstício legal. O art. 219,caput, modificou a regra básica num ponto fundamental: os feriados forenses (sábados, domingos e dias sem expediente forense) descontam-se da contagem. Figure-se, outra vez, em virtude da simplicidade, o prazo de três dias: se a intimação ocorre na sexta-feira, e o primeiro dia útil seguinte é segunda-feira, aí localiza-se o termo inicial (art. 224, caput); porém, se terçafeira é feriado, exclui-se o dia não útil: os três dias são segunda/terça; quarta/quinta e quinta/sexta. No processo eletrônico, por exemplo, o ato pode ser praticado até às 23h59min de quinta-feira. O emprego do fax na entrega da petição retarda o término do prazo em cinco dias, contados do seu vencimento ordinário (art. 2.º da Lei 9.800/1999) por essa mesma regra.77 Os dias normais de expediente forense, de segunda a sexta-feira, sofrem percalços, provindos de múltiplos fatores, implicando (a) o fechamento total do foro, caso em que inexistirá expediente forense; ou (b) o início ou encerramento do expediente forense “antes da hora normal”; ou (c) indisponibilidade da comunicação eletrônica. Em tais hipóteses, segundo o art. 224, § 1.º, prorrogar-se-á o termo inicial ou o termo final para o primeiro dia útil seguinte. Por exemplo, tumulto verificado na área do foro obrigou o respectivo diretor – um dos juízes designado para essa função – a cerrar as portas no meio da tarde de sexta-feira. Os prazos que se venciam nesta sexta-feira ficam prorrogados para segunda-feira. Resta estabelecer o que seja a “hora normal” do funcionamento do foro. Esta é o horário, fixado na lei de organização judiciária, em que se desenvolve a atividade judiciária e de conhecimento prévio das partes e dos procuradores. Em geral, o expediente forense começa bem depois da hora hábil à prática dos atos processuais (v.g., às nove horas) e encerra-se antes (v.g., dezoito horas e trinta minutos). Encerrado o expediente forense, por qualquer razão, antes dessa hora final, jamais superior às vinte horas (art. 212, caput),78 automaticamente prorrogado ficará o prazo para o primeiro dia útil subsequente. Em caso de suspensão parcial da atividade forense (v.g., o movimento grevista dos servidores impediu o acesso ao prédio por duas horas contínuas, das treze às quinze horas), também se aplicará o art. 224, § 1.º. Entende-se a redução parcial do expediente subtrair da parte, relevantemente, a melhor oportunidade para praticar o ato.

Esses eventos redutores do horário normal do expediente forense não afetam a prática eletrônica do ato. Em tal hipótese, o acontecimento há de ser outro: a indisponibilidade dessa forma de comunicação. Entende-se por tal, salvo engano, a indisponibilidade parcial devidamente comprovada. Não se vá submeter o advogado da parte ao suplício chinês de verificar minuto a minuto se o sistema funciona ou não. É dever da Administração da Justiça “disponibilizar” o sistema de comunicação vinte e quatro horas por dia ininterruptamente. Bastará comprovar a transmissão falhada para ensejar a incidência do art. 224, § 1.º, in fine. Cogita-se, por fim, do fechamento parcial do foro, paralisando-se algumas atividades, mas mantendo-se aberto o protocolo. Em tal hipótese, alvitra-se a subsistência do término do prazo.79 A orientação há de ser recebida com o clássico grão de sal. É preciso que, notoriamente, não se configure impedimento ao cumprimento do prazo nas condições aventadas. Por exemplo, fixando a portaria do diretor do foro que o protocolo ficará aberto em certo dia, apesar de vedado o ingresso nas demais dependências da sede do juízo, decerto ninguém poderá reclamar da impossibilidade de entregar as petições. As regras restringindo as faculdades das partes, em matéria de prazos, têm interpretação estrita e, surgindo dúvida entre duas soluções, o aplicador “haverá de dar preferência àquela menos gravosa para a parte em favor da qual o prazo processual foi estabelecido”.80 O art. 224, § 2.º, considera como data da publicação no órgão oficial eletrônico o primeiro dia útil após a “disponibilização” do ato. E, acrescenta o art. 224, § 3.º, a contagem do prazo iniciará no dia seguinte ao da publicação. Essas regras têm a ver com a contagem dos prazos na intimação eletrônica (retro, 1.159.4.6). 1.163. Contagem progressiva do prazo em horas e em minutos O art. 27, segunda parte, do CPC de 1939 estabelecia que o prazo em horas contava-se minuto a minuto. Omisso que seja o NCPC, como já ocorria no CPC de 1973, aplica-se o art. 132, § 4.º, do CC, de igual teor e sentido.81 Desse modo, o prazo de vinte e quatro horas para o juiz determinar o cancelamento (e a instituição financeira cancelá-la) da constrição excessiva do ativo financeiro do executado inicia no exato momento da conclusão (ou seja, o início do prazo se confunde com o início da respectiva contagem) e o término “ocorrerá a mesma hora do dia em que deva encerrar-se” (v.g., recebidos os autos às 15h30min do dia 8, terminará às 15h30min do dia 9).82 É imperativo, para ensejar a verificação do prazo, que o escrivão ou chefe de secretaria certifique a hora e o minuto no termo de conclusão. Nada constando no termo, a esse respeito, “outro caminho não há senão presumirse ter ocorrido a intimação no último minuto do expediente forense do dia em que se efetivou”.83 Na prática, porém, prazos em horas transformam-se facilmente em prazos em dia (vinte e quatro horas) ou dias (quarenta e oito e setenta e duas horas), razão bastante para a lei contemplá-los parcimoniosamente, preferindo exigir ato imediato. O prazo em minutos conta-se de idêntica maneira. Por exemplo, o procurador da parte desfruta de vinte minutos para o debate oral (art. 364): “o início se dá no preciso instante em que é concedida a palavra” e o fim

ocorrerá no momento em que preenchidos os minutos (v.g., 14h20min + 20’ = 14h40min).84 Em geral, o oficial de justiça marca os vinte minutos no cronômetro em uso na sala de sessões, independentemente da hora. 1.164. Contagem progressiva dos prazos em meses e em anos O CC de 2002 reivindicou, outra vez, a disciplina da contagem dos prazos em meses e em anos, que fora subtraída do CC anterior pela Lei 810/1949. Não ocorreram mudanças substanciais.85 O art. 132, § 3.º, do CC, reza o seguinte: “Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência”. A cláusula final atende à existência dos anos bissextos e ao fato de alguns meses terem trinta e um dias, outros trinta. E o art. 2.º da Lei 810/1949 dispõe: “Considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondente do mês seguinte”. Consoante tais disposições, a contagem dos prazos em meses torna-se simples e direta. Por exemplo, suspenso o processo por um mês (art. 313, § 4.º), mediante convenção das partes (art. 313, II), em 1.º de março, cessará a suspensão em 1.º de abril. Ficou superada, nessa sistemática, a contagem do mês como trinta dias corridos, “seja em vista de fevereiro, que nunca os terá, seja em vista dos que têm um dia a mais”.86 E o prazo em anos conta-se conforme art. 132, § 3.º, do CC. Tomando por exemplo o prazo de um ano do art. 313, § 4.º, cujo início ocorreu em 31 de março, findará no mesmo dia do ano seguinte. Porém, há um problema suplementar: o art. 219 exclui os feriados forenses apenas do prazo em dias, limitando sua aplicação, ademais, aos prazos processuais. Ora, o prazo em meses e em anos do art. 313, § 4.º, são processuais, mas não se contam em dias, obviamente. Assim, ficou descoberta a possibilidade de 1.º de abril e 1.º de outubro caírem em dia não útil (art. 216). Não há outra alternativa senão protraí-los para o primeiro dia útil seguinte. Outro ponto é digno de nota. Acontece de o prazo em horas encerrar-se antes do fechamento excepcional do foro, ou seja, antes da hora normal do expediente forense. Em tal hipótese, vale a regra que só os eventos ocorridos no curso da contagem do prazo assumem relevo. A solução do ponto suscitado parece curial: o prazo venceu-se normalmente, pois o evento ulterior em nada lhe afetou; ao invés, vencendo-se o prazo em horas em momento no qual o foro já findou o expediente, prorrogar-se-á, automaticamente, para o primeiro minuto do primeiro dia útil subsequente. 1.165. Contagem regressiva do prazo processual O termo inicial do prazo pode se situar cronologicamente antes do termo final. É o que ocorre, por exemplo, com o prazo de dez dias para obrigar o perito e os assistentes a comparecerem à audiência de instrução e prestarem esclarecimentos orais, respondendo aos quesitos, a teor do art. 477, § 4.º. Em tal situação, impõe-se contar o prazo regressivamente: de uma data fixa no futuro parte-se para o passado, buscando-se o termo final do prazo em data

também futura, do ponto de vista da parte, porém data mais próxima que a primeira. À contagem regressiva aplicar-se-á, mutatis mutandis, o critério geral do art. 224, descontando-se os dias não úteis (art. 219, caput). Excluir-se-á o dia da audiência, presumivelmente fixado em dia útil – todavia, acontecem equívocos na agenda do órgão judiciário –, motivo por que o prazo começará a correr no primeiro dia útil anterior a este (v.g., se a audiência é na segundafeira, o primeiro dia do prazo é na sexta-feira anterior); e incluir-se-á o dia do vencimento. Este ficará prorrogado, recaindo em dia não útil, para o próximo dia útil.87 E, também, não havendo expediente forense neste dia, ou inexistindo expediente forense completo (art. 224, § 1.º), o vencimento prorrogar-se-á para o próximo dia útil. O termo inicial fixado no futuro só provocará a perda do direito de a parte praticar o ato se o ato processual futuro efetivamente se realizar. Adiada a audiência, por qualquer razão (v.g., o juiz designou-a para feriado, porque a assessoria utilizou calendário antigo), renova-se o prazo. É claro que, em matéria de audiência de instrução e julgamento, há que diferenciar o adiamento da respectiva suspensão, porque ela é una e contínua (art. 365), com a designação de outra data para o término dos trabalhos. Essas considerações valem para os prazos contados em horas regressivamente, a exemplo do prazo mínimo de quarenta e oito horas para o comparecimento das partes (art. 218, § 2.º). § 241.º Interrupção e suspensão do prazo processual 1.166. Eventos supervenientes ao termo inicial do prazo O curso do prazo interrompe-se ou suspende-se nos casos legalmente previstos. No caso da interrupção, restitui-se à parte, beneficiada pelo evento interruptivo, o prazo por inteiro, ignorando-se o lapso já decorrido; na hipótese de suspensão, devolve-se à parte o interregno que faltaria para o prazo se completar, não houvera o evento suspensivo (v.g., art. 221, caput, parte final: “(…) devendo o prazo ser restituído por tempo igual ao que faltava para sua complementação”). Por definição, interessam eventos ocorridos entre o termo inicial e o final do prazo, inclusive, e não posteriores ou anteriores aos acontecimentos, expressis verbis, dotados de efeitos idôneos a provocar a interrupção ou a suspensão. Eventos que, no curso do prazo, impliquem a inexistência de expediente forense em determinado dia (art. 216), ingressam na órbita do art. 219, caput, sendo abstraídos da contagem do prazo em dias. Os percalços antevistos no art. 224, § 1.º, ou seja, o expediente reduzido e a indisponibilidade da comunicação eletrônica afetam só os termos inicial e final. A vontade convergente das partes mostra-se irrelevante no sentido de suspender ou de interromper a fluência do prazo. Verdade que, no âmbito da autonomia de vontade, podem estabelecer calendário (art. 191) e modificar inteiramente a disciplina dos prazos no procedimento convencional (art. 190). Porém, fora dessas convenções, os atos processuais realizar-se-ão nos

prazos legais (art. 218, caput), matéria subtraída à disposição episódica dos litigantes, porque afeta a ordem pública intrínseca ao uso do tempo no processo. Também os prazos convencionais (v.g, art. 313, II e § 4.º) governam-se por idêntico princípio. Do contrário, a vontade das partes influenciaria a contagem dos prazos, o que não convém ao interesse superior em queimar etapas e assegurar a quaisquer processos a solução mais rápida. Os eventos suspensivos e interruptivos constituem assunto de direito estrito, rejeitando acontecimentos estranhos às previsões legais. Por esse motivo, o célebre pedido de reconsideração não obsta à fluência do prazo recursal.88 Assim, fluindo o interstício fixado para recorrer entre a intimação do provimento e o julgamento do pedido de reconsideração desfavorável à parte, ocorreu preclusão (art. 223), tornando inadmissível o recurso próprio eventualmente interposto depois de rejeitada a reconsideração. Para evitar semelhante consequência, as partes desenvolveram o artifício de pedir a reconsideração como preliminar do recurso. 1.167. Eventos suspensivos dos prazos processuais Os prazos processuais suspendem-se por força: (a) do recesso forense; (b) da suspensão do processo, incluindo o caso atípico do programa de autocomposição; (c) obstáculo à prática do ato. 1.167.1. Suspensão do prazo processual por força das férias forenses – O princípio de a superveniência das férias suspender os prazos processuais persistiu vigente, no direito anterior, a despeito da disposição constitucional tornando ininterrupta a atividade judiciária (93, XII, da CF/1988), em virtude das razões já explicadas (retro, 1.137): (a) a regra constitucional ressalvou férias coletivas nos tribunais superiores em janeiro e julho; (b) generalizou-se, na Justiça Comum, o período de recesso (vinte de dezembro a seis de janeiro), à semelhança do que estabelecida, sob a forma de feriados contínuos, o art. 62, I, da Lei 5.010/1996, na Justiça Federal. Em suma, a palavra férias acabou substituída por “recesso”. E a noção que sequência longa de feriados não se confunde com férias acabou alterada:89 os feriados corridos, ou recesso, equipararam-se às férias. Voltaram revigoradas as férias forenses no NCPC. Convém aos profissionais do foro. O art. 93, XII, da CF/1988, a par do mau exemplo da cúpula do Poder Judiciário, instituindo recesso os tribunais superiores, exceção muito pouco justificável, no fundo interessa a quem menos importa: os destinatários da atividade jurisdicional do Estado. Férias forenses ocorrem entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 220, caput). É a época relativamente oportuna, ao menos quanto aos últimos dias de dezembro. O art. 220, caput, estende o período previsto no art. 62, I, da Lei 5.010/1996, até 20 de janeiro. Os prazos processuais suspendem-se na data do início das férias (vinte de dezembro); e recomeçam a correr a partir do primeiro dia útil seguinte ao termo das férias, como declarava o direito anterior, ou seja, em princípio no dia 21 de janeiro, ressalva feita à circunstância de não se tratar de dia útil. Tudo se passa como se o recesso não houvesse existido “e o primeiro dia útil

subsequente ao seu término fosse o primeiro dia útil após o último anterior” a ele.90 O art. 220, § 2.º, impede a realização, nas férias, de audiências e sessões de julgamento, exceto nos casos do art. 215 (retro, 1.139). É norma de reforço. E, para salvar as aparências, o art. 220, § 1.º, determina às pessoas que mantém vínculo estatutário (juízes, auxiliares e integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública) permanecem trabalhando, salvo a concessão de férias individuais coincidentes com as férias forenses. 1.167.2. Suspensão do prazo processual por força da suspensão do processo – Os casos de suspensão do processo, previstos no art. 313, suspendem os prazos processuais em curso, a teor do art. 221, caput. A rigor, inexiste rigorosa simetria entre os casos de suspensão do processo, previstos no art. 313, e a suspensão dos prazos. O falecimento da parte e do seu procurador suspenderá, ordinariamente, o prazo processual, mas interromperá o prazo recursal, a teor do art. 1.004. E, por fim, o evento da força maior (art. 313, VI) transmuda-se em justa causa, permitindo à parte prejudicada obter a restituição do prazo comum (infra, 1.172) e interrompe o prazo recursal. Essa hipótese distingue-se dos eventos suspensivos (e, a fortiori, dos interruptivos), porque o prazo fluiu por inteiro, sem que seu curso haja sido suspenso ou interrompido, aparentemente, e pelo caráter estritamente individual da justa causa.91 No que tange à morte ou a perda da capacidade processual (art. 313, I), a parada forçada do prazo na data do respectivo evento suspensivo ou interruptivo, e não na data em que o interessado comunica o fato ao juízo.92 Eis aspecto que sempre suscitou dúvida e para o qual inexiste solução plenamente satisfatória. O fato de a jurisprudência do STJ adotar esse entendimento colocou ponto final no dissídio: um critério, seja qual for, é bem melhor do que nenhum critério. A influência do art. 313, § 2.º (“(…) ao tomar conhecimento da morte (…)”) receberá análise no capítulo da suspensão do processo. Da maior importância, por outro lado, determinar o momento em que recomeça a fluência do prazo. O reinício da fluência do prazo, suspenso pelo advento das férias, ocorrerá automaticamente, no primeiro dia útil após seu término. Nos demais casos, inclusive no de morte ou perda da capacidade processual, assentou-se que o prazo recursal recomeçará na data em que se intimar o advogado da devolução.93 Encampou esse princípio julgado do STJ.94 É o que se infere da cláusula final do art. 1.004, no tocante aos prazos recursais (“(…) começará a correr novamente depois da intimação”). Por igual, o art. 113, § 2.º, in fine (“(…) que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar”) segue essa linha, todavia interrupção do prazo de resposta (infra, 1.168). O conjunto permite traçar a diretriz geral: impõe-se, em princípio, intimar a parte de que o prazo passou a correr outra vez, exceto na hipótese das férias (art. 220, caput). Resta identificar “de que intimação se trata, e quando se realizará”.95 Depende da hipótese. Falecendo uma das partes, o prazo fluirá a partir da intimação que porventura se faça do ato que acolher a habilitação,

institua-se ou não o incidente respectivo. Convém ressalvar a hipótese em que, intransmissível o objeto litigioso, o juiz extinguirá o processo, a teor do art. 485, IX (retro, 565). Falecendo o advogado de uma das partes, o prazo iniciará no momento em que se intimar o novo advogado constituído, no prazo do art. 313, § 3.º, ou, nada providenciando a parte neste interregno, variam as consequências: no caso do autor, extinguir-se-á o processo; no caso do réu, prosseguirá o processo à revelia (rectius: sem o réu encontrar-se representado, porque talvez haja contestado). À regularização dos vícios da capacidade processual aplicar-se-á o art. 76 (retro, 545). A duração do evento suspensivo, e, portanto, o interregno em que o prazo ficará suspenso, revela-se muito variável. Às hipóteses de perda da capacidade processual aplica-se o art. 76, que alude a prazo razoável. Fora daí, a sucessão da parte falecida pode demandar meses, bem como o julgamento da exceção de parcialidade, caso o relator haja concedido efeito suspensivo (art. 146, § 2.º, II). Um caso especial de suspensão avulta no art. 221, parágrafo único, c/c art. 313, VIII. Suspendem-se os prazos na pendência de programa instituído para promover a autocomposição dos litigantes. Esse é um dos objetivos primaciais do NCPC, cristalizado na obrigatória audiência do art. 334, visando à diminuição da numerosidade dos litígios, e não raro o CNJ estabelece épocas propícias para submeter os litigantes, a contragosto, a contados com conciliadores e mediadores, sem embargo da frustração das tentativas anteriores. Em princípio, o programa tem termo inicial e final específico (v.g., o mês de agosto) e engloba processos predeterminados. Logo, o programa pode ser geral (v.g., todos os processos da comarca X) ou particular (v.g., os processos da vara Y), comportando infinitas variações e tempo e de objeto. A restituição do prazo suspenso far-se-á, reza o art. 221, caput, segunda parte, “por tempo igual ao que faltava para sua complementação”. Evitou o NCPC, repetindo a lei precedente, a disposição ambígua do art. 26, in fine, do CPC de 1939, que previa a restituição “por tempo igual ao da suspensão”. Literalmente, suspenso prazo de quinze dias no quinto dia da sua fluência, a restituição abrangeria até vários meses (…). O raciocínio hoje é outro, “como se não tivesse ocorrido a causa suspensiva”.96 Ocorrendo o evento no último dia do prazo, restituir-se-á um dia. Como quer que seja, e urge repisar, a devolução do restante do prazo dependerá de provimento específico do juiz (v.g., após a chegada dos autos ao juízo competente), assinalando o desaparecimento do evento suspensivo. 1.167.3. Suspensão do prazo processual por força de obstáculo – O art. 221, caput, também prevê a suspensão dos prazos processuais por obstáculo criado em detrimento da parte. Por óbvio, a regra alude à parte contrária: a lei repetiu vício já constante do art. 26 do CPC de 1939, não servindo mais de sete décadas de aplicação das leis anteriores de aviso suficiente.97 Ninguém pode se beneficiar de evento criado com o exclusivo propósito de influir no curso do prazo. O exemplo mais comum consiste na retirada dos autos em carga pelo vencedor, já correndo o prazo para o vencido recorrer da decisão desfavorável.98

Ao obstáculo criado por terceiros, ou pelo juiz (v.g., retendo os autos para exame, embora fluindo prazo para a parte), resolve através da aplicação da restituição prevista no art. 223.99 1.168. Evento interruptivo dos prazos processuais O prazo de resposta, reza o art. 113, § 2.º, ficará interrompido pelo pedido de limitação do número excessivo de litisconsortes, “que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar”. O incidente recebe a designação altissonante de “desmembramento do litisconsórcio multitudinário”.100 Em tal contingência, o pedido pode ser formulado antes ou depois da citação, e, em qualquer hipótese, o prazo recomeçará do zero. 1.169. Eventos interruptivos dos prazos recursais O art. 1.004 disciplina os eventos interruptivos dos prazos recursais. Não se revela perfeita a redação do art. 1.004, reproduzindo os defeitos da regra precedente. Da cláusula intermediária – “(…) será tal prazo restituído (…)” – e da final – “contra quem começará a correr novamente depois da intimação” – retira-se a orientação adequada. O lapso porventura decorrido até o surgimento dos eventos contemplados no art. 1.004 será desconsiderado.101 Interrompem-se os prazos recursais por força: (a) do falecimento da parte ou de seu advogado; (b) de motivo de força maior “transindividual” – por exemplo, a calamidade pública (enchente ou incêndio) que impede o acesso ao foro de todos –, suspendendo o curso do processo;102 (c) da interposição de embargos de declaração (art. 1.026, § 1.º). No tocante à morte da parte ou do seu procurador, valem as considerações já expendidas no item dedicado à suspensão dos prazos por força desses eventos. Igualmente, quanto à força maior – conceito equivalente ao de obstáculo. Em princípio, os embargos de declaração não inibem a eficácia da decisão impugnada (art. 1.026, caput). Porém, ao relator cabe, ponderando a probabilidade de provimento ou a relevância da fundamentação do recurso – os vícios do art. 1.022 talvez comprometam o alcance do ato – suspender os efeitos do provimento. E, de toda sorte, os embargos de declaração “interrompem o prazo para a interposição de recurso” (art. 1.026, caput, parte final). É peculiar o caso dos embargos de declaração intempestivos. Sob o regime do CPC de 1939, o art. 862, § 5.º, na redação do Dec.-lei 8.750, de 08.01.1946, com o fito de atalhar o emprego abusivo desse recurso, retirava o efeito interruptivo dos prazos para os demais recursos dos embargos “manifestamente protelatórios”, assim declarados na decisão que os rejeitasse. Esse caso, na vigência do CPC de 1973, implicava sanção pecuniária para o embargante, orientação agora encampada,expressivis verbis, no art. 1.026, § 2.º, eliminando a reminiscência no espírito dos julgados do que rezava o art. 862, § 5.º, do CPC de 1939. Formou-se expressiva corrente jurisprudencial, e muito bem representada por julgado do

STJ,103 segundo a qual os embargos intempestivos não ostentam qualquer efeito suspensivo – o precedente antecedeu a reforma da Lei 8.950, de 13.12.1994, trocando o efeito suspensivo pelo interruptivo – sobre o prazo para os demais recursos. Não importava, inclusive, a admissão do recurso pelo órgão a quo.104 Intempestivos ou não, os embargos de declaração interrompem o prazo do recurso subsequente porventura cabível: após o julgamento, com ou sem a imposição de sanção pecuniária, fluirá o prazo recursal por inteiro. 1.170. Efeitos da suspensão e da interrupção dos prazos processuais Os eventos suspensivos e interruptivos impedem a prática de quaisquer atos processuais (art. 314). Logo, nenhuma das partes, incluindo a parte que não é beneficiada pelo evento, encontra-se autorizada a praticá-los. No que tange aos prazos recursais, há uma exceção: a parte que não interpôs embargos de declaração e, sem prejuízo da interrupção de quaisquer prazos recursais em virtude da interposição desse recurso por outro legitimado, todavia interpõe seu recurso, em geral ignora o evento interruptivo. O recurso é tempestivo. É inadmissível, realmente, interpretar a regra benéfica em seu desfavor, e, de toda sorte, no sistema do NCPC incidirá o art. 218, § 4.º: tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo. Em casos tais, no direito anterior exigia-se superfluamente a “reiteração” do recurso. Na verdade, se o julgamento dos embargos de declaração modificou o ponto embargado, há dois termos de alternativa: (a) o recurso interposto se encontra prejudicado, porque desapareceu o gravame para o recorrente; (b) o recurso interposto pode ser completado, versando o ponto modificado (princípio da complementariedade). E, em caso de litisconsórcio, o prazo para os litisconsortes recorrer ficará sobrestado na pendência do evento interruptivo. Cessado o impedimento, impõe-se intimar o advogado do litisconsorte prejudicado; “para os restantes, a fluência do prazo de interposição recomeça de pleno direito”,105 a partir desta data, mas o trânsito em julgado, tratando-se de litisconsórcio unitário, dependerá da preclusão do prazo para todos. § 242.º Restituição do prazo processual 1.171. Efeito do vencimento do prazo Em princípio, decorrido o prazo, extinguir-se-á, “o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial” (art. 223, caput). Esse dispositivo contempla duas modalidades de preclusão, a temporal (praticar) e a consumativa (emendar). A tônica do instituto da preclusão, nas suas diversas facetas consiste em assegurar o desenvolvimento do processo, fase por fase, mediante a consumação de momentos e etapas. O vulto que lhe é próprio já recebeu análise item específico (retro, 1.143). Por enquanto, no âmbito dos prazos processuais, impende concentrar a atenção na segunda parte do art. 223, caput. Ficou ressalvado nessa regra o

direito de parte alegar e provar que não realizou o ato por justa causa e, verificado o obstáculo, obter permissão para realizar o ato omitido no prazo que o juiz lhe assinar. Essa faculdade não se confunde com a interrupção, nem com a suspensão dos prazos: o prazo consumou-se; todavia, a posteriori que seja, o juiz concederá à parte novo prazo. A preclusão temporal (art. 223, caput, primeira parte) ocorreu, mas será relevada.106 Esse direito recebeu exame no capítulo dedicado à defesa do réu, porque institui mecanismo hábil para o revel obter a restituição do prazo de resposta. Revive-se, aí, segundo a opinião prevalecente, a antiga restitutio in integrum romana (retro, 374). É preciso resgatar os subsídios então ministrados com o olhar fito da revelia, generalizando-os para os demais prazos. 1.172. Conceito legal de justa causa Evitando as controvérsias que frutificaram em torno do similar art. 38 do CPC de 1939, e a dificuldade de extremar a força maior, nele prevista, do caso fortuito,107 o art. 223, § 1.º, do NCPC, seguiu a tendência geral do CPC de 1973 em propor definições legais. Estimou justa causa, evento idôneo a impossibilitar a prática dos atos processuais, tout court, “o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário”. À luz da regra, dois elementos distintos, mas complementares, compõem a incidência: (a) a ausência de participação voluntária da parte neste fato, ou seja, de qualquer espécie de culpa;108 (b) o impedimento à prática do ato, por si ou por mandatário, ou seja, em razão do evento involuntário a prática do ato se tornou impossível.109 Em relação ao direito anterior, o art. 223, § 1.º, eliminou a imprevisibilidade do evento. E há bons motivos para a nova orientação. É previsível o colapso parcial ou total das comunicações eletrônicas no último dia do prazo. Apesar das promessas programáticas dos arts. 194 e 195, e da presunção de veracidade e confiabilidade do art. 197, caput, interrupções momentâneas e erros primários (v.g., o auxiliar do juízo, encarregado de alimentar o sistema, digita o número errado do evento, informando erradamente a movimentação do processo) da comunicação eletrônica atormentam os advogados, sentimento potencializado pela distância física invencível (v.g., o advogado A, em São Paulo, não consegue acesso ao sistema do TJ do Amazonas). A Administração da Justiça é indiferente a esse suplício chinês. Por esse motivo, o art. 224, § 1.º, protrai o termo inicial e o termo final dos prazos, ante a indisponibilidade da comunicação eletrônica (seja qual for o tempo) e, de um modo geral, o art. 197, parágrafo único, remete ao art. 223, caput, e § 1.º. No direito anterior, a conjugação de três elementos – imprevisibilidade, involuntariedade e causalidade –,110 mostrava “quão difícil se apresenta a aplicação do instituto”.111 O caráter excepcional da restituição do prazo justifica a rigidez. A jurisprudência jamais se mostrou flexível a respeito da caracterização da justa causa e nada indica que acolherá em todas as hipóteses a previsão do art. 197, parágrafo único. No entanto, há exemplos que aquietam a drástica regra: (a) a súbita doença do advogado,112 que o incapacitou, no último dia do

prazo, e impossibilitou-o de articular a defesa a favor do réu, e de substabelecer seus poderes; (b) a doença da parte, logo após a citação, impedindo-a de constituir advogado no curso de todo o prazo.113 Fora desses casos extremos, os tribunais recusavam justa causa a eventos triviais, porque previsíveis. Por exemplo, o acidente de trânsito, ou o colapso dos transportes públicos, que atalharam a ida do advogado do réu ao protocolo, raramente convenceram juízes e tribunais como fatos idôneos à restituição de prazos, no intransigente alvitre que incumbia ao procurador providenciar o cumprimento do prazo em tempo hábil a evitar esses impedimentos corriqueiros nas grandes cidades. O raciocínio aplicar-se-ia aos colapsos eletrônicos, razão bastante para eliminar a imprevisibilidade do art. 223, § 1.º. Erros do sistema de informática, no regime atual, sempre configurarão justa causa. Segundo a orientação prevalecente no direito anterior, o “erro ou atraso na divulgação destas informações não configuram justa causa para efeito de reabertura de prazo nos termos do art. 183, § 1.º {do CPC de 1973}”,114 secundando julgado da Corte Especial do STJ.115 Essa cômoda posição jurisprudencial obriga o procurador da parte a diligenciar no cartório, penosamente, a data exata da juntada do mandado ou do aviso de recebimento, fatos que abrem o prazo de resposta. Ora, o objetivo do sistema eletrônico de informações consiste em dispensar essa atividade. O advogado não tem o dever de organizar a própria atividade, e do seu escritório, de modo a evitar erros e desatenções no cumprimento dos prazos.116 Não tem o dever de conferir as informações prestadas pela própria Justiça. A mais das vezes, a distância física impede essa vigilância. Por óbvio, a progressiva implantação do processo eletrônico mudará o entendimento, porque desaparecerão os autos físicos, transformados em virtuais, aplicando-se, tout court, o art. 197, parágrafo único, c/c art. 223 § 1.º. 1.173. Prazo do pedido de restituição O art. 223 não estabelece prazo para o réu pleitear a restituição do prazo de resposta. Nesta contingência, incide o art. 218, § 3.º: o prazo é de cinco dias.117 O problema reside no termo inicial desse interstício. Por óbvio, o prazo só correrá uma vez desaparecido o evento imprevisto acomodado à moldura do art. 223, § 1.º. Existe larga margem para divergências quanto ao exato momento em que o impedimento encerra, permitindo a parte, ou seu advogado, promover o incidente de restituição. Nem sempre, por exemplo, cessada a internação hospitalar do advogado acometido de moléstia cardíaca, o discernimento do procurador retorna de chofre, recordando-se do prazo perdido. Os juízes hão de empregar o bom senso para solucionar problemas desse jaez.118 Este aspecto, bem como as circunstâncias do próprio evento, há de ser alegado e provado pelo réu; em geral, produzirá prova documental, mas outros meios típicos e atípicos (v.g., a constatação oficial) não ficam préexcluídos. Por outro lado, o pedido de restituição há de ser formulado em tempo hábil, antes que o processo precipite-se a um ponto sem retorno. Já se

configurou a hipótese de o juiz, verificada revelia, abreviar o procedimento (art. 355, II) e julgar a causa favoravelmente ao autor. Em tal contingência, resta ao revel apelar da sentença, no curso do respectivo prazo (art. 346, caput). Mas, ocorrendo a justa causa no curso do prazo de apelação, naturalmente cogitar-se-á da restituição do prazo, a despeito do aparente trânsito em julgado. E tal poderá ocorrer, admitindo-se que o prazo de cinco dias somente iniciará após o desaparecimento do evento, muito depois de esgotado o prazo de quinze dias para apelar. O entendimento predominante é hostil a essa possibilidade. Deverá a parte prejudicada ingressar com rescisória (art. 966). 1.174. Procedimento do pedido de restituição A lei processual omitiu o procedimento próprio para o incidente provocado pelo pedido de restituição. É certo, rigorosamente certo, que o juiz não restituirá o prazoex officio. Logo, cabe à parte requerê-lo dentro do prazo – cinco dias (art. 218, § 3.º) após a cessação do impedimento. Ao postular a restituição do prazo, não é necessário à parte, desde logo, praticar o ato omitido. Nada impede a adoção desse cauteloso comportamento, aliás, de acordo com o princípio da eventualidade. Seja como preliminar do ato praticado após o prazo, seja através de peça avulsa, incumbe à parte requerente narrar o evento imprevisto, nos seus pormenores, requerendo a restituição, explicitamente, e ministrando, desde logo, a prova documental hábil (v.g., laudo médico, indicando o código da doença da parte ou do advogado). A cláusula final do art. 223, caput, não restringe a espécie de prova. Todos os meios legais são admissíveis e, caso seja imprescindível a prova oral, o juiz designará audiência de instrução.119 É obrigatório assegurar, no prazo de cinco dias (princípio da simetria dos prazos), o contraditório ao adversário da parte postulante do benefício da restituição. Em seguida, com ou sem essa manifestação, o juiz decidirá, de plano, ou deferirá as provas requeridas. O incidente não representa causa legal de suspensão do processo.120 O processo somente se suspenderá, legitimamente, nos estritos casos do art. 313. Imprimirá o incidente variante ao procedimento, sem efeito suspensivo, no curso do qual o juiz pode tomar as providências adequadas ao estado real do processo. 1.175. Efeitos da decisão do pedido de restituição Verificada a justa causa, reza o art. 223, § 2.º, “o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar”. A esse efeito, o juiz avaliará a prova produzida livremente (art. 371), mas não se lhe concede discrição alguma: ou há a justa causa, e o prazo há de ser restituído, ou inexiste fato dessa natureza, cabendo ao juiz rejeitar a restituição. A cláusula final do § 2.º do art. 223 tampouco oferece espaço ao arbítrio do órgão judicial. O objeto da restituição é o prazo legalmente previsto, nem maior ou menor.121 Por exemplo, no caso da resposta, o prazo é de quinze dias (art. 335). Inexiste motivo plausível, haja vista o desaparecimento do

evento, para atribuir ao revel um prazo maior que o legal.122 Em particular, não incide o art. 139, VI, porque absurdo. O ato do juiz constitui decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), mas no procedimento comum da função de conhecimento não caberá agravo de instrumento (art. 1.015). § 243.º Ampliações dos prazos processuais 1.176. Fundamentos das ampliações dos prazos Em algumas situações, regras especiais ampliam, quantitativamente, o prazo originalmente fixado. As razões invocadas em prol dessa ampliação nem sempre se mostram plenamente convincentes. Em particular, a ampliação dos prazos do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública oscila entre o rótulo de privilégio, simples apanágio de interesse pessoal, e a identificação de prerrogativa, fundada em interesse público. A exposição do regime auxilia a compreensão dos seus fundamentos. Como quer que seja, inexiste critério geral único e, no caso da Fazenda Pública e do Ministério Público, as razões de tradicionais – carência de recursos materiais e pessoais – tornaram-se flagrantemente insubsistentes, relativamente às pessoas jurídicas de direito público de maior expressão: União, Estados-Membros, os Municípios de médio e grande porte, e respectivos órgãos da Administração Direta. 1.177. Prazos da Fazenda Pública e do Ministério Público O art. 180, caput, assegura ao Ministério Público prazo em dobro, na prática de qualquer ato, independentemente da posição de parte coadjuvante ou de parte principal, iniciado com a intimação pessoal. Por igual, os representantes da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, representados em juízo pela Advocacia Pública, terão prazo em dobro “para todas as suas manifestações processuais” (art. 183, caput). 1.177.1. Constitucionalidade do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – O STF declarou a constitucionalidade do art. 188 do CPC de 1973,123 cujo sentido é similar ao art. 180, caput, e ao art. 183, caput, embora mais generoso. Esse pronunciamento, derivado do tribunal que dá a última palavra a respeito das questões constitucionais, não dobrou as opiniões em contrário.124 A prerrogativa baseia-se em dois fundamentos plausíveis. Em primeiro lugar, os beneficiários – Ministério Público e Fazenda Pública – tutelam interesses de ordem pública no processo, em atenção dos quais, em tese, o interregno especial propiciaria defesa melhor concebida e executada. Ademais, raramente os procuradores desses órgãos dispõem de meios materiais para arcar com suas responsabilidades no prazo normal. Neste sentido, a regra especial do prazo aplicaria o princípio da isonomia, tratando desigualmente os desiguais.125

Essas razões levaram o NCPC a adotar a dobra do prazo como regra para tais sujeitos da relação processual. 1.177.2. Extensão objetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – Ao contrário da regra anterior, cuja interpretação estrita repelia a extensão do prazo especial para alguns atos (v.g., o prazo para responder o recurso),126 os arts. 180, § 2.º e 183, § 3.º, pré-excluem a dobra no caso de prazo próprio. Por exemplo: (a) o prazo de cinco dias para o Ministério Público emitir parecer na reclamação (art. 991); (b) o prazo de trinta dias para a Fazenda Pública impugnar a pretensão a executar fundada em título judicial (art. 535, caput). Fora daí, a ampliação incide em qualquer procedimento.127 Não importa que seja procedimento especial previsto em lei extravagante.128 Os arts. 180, § 2.º e 183, § 3.º, têm caráter geral, aplicando-se subsidiariamente, haja ou não remissão explícita na lei extravagante ao diploma. A ampliação do prazo para o Ministério Público independe da posição ocupada no processo. Incide nos casos de intervenção do art. 178.129 Assim, o Ministério Público tem prazo em dobro para recorrer quando figura no processo como parte ou como fiscal da lei.130 Em relação à reconvenção, apresentada juntamente com a contestação, também haverá dobra, como já se entendia no direito anterior.131 E, por identidade de razões, a exceção de parcialidade será oferecida no plano ampliado.132 Nenhum benefício à celeridade processual decorreria do entendimento contrário.133 O STJ decidiu, no direito anterior, especial o prazo da Fazenda Pública para opor exceção de incompetência oferecida de modo autônomo no direito anterior.134 E, por igual, o STF decidiu quanto à reconvenção.135 Em relação aos recursos, a ampliação incide na interposição de todos os meios de impugnação às resoluções judiciais arrolados no art. 994.136 Por esse motivo, a Súmula do STJ, n. 116, reza: “A Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazo em dobro para interpor agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça”. E não importa que a Fazenda Pública recorra como parte ou como terceiro.137 O STJ assegurou a dobra na interposição do recurso subordinado, porque a interposição do recurso adesivo não fica condicionada à tempestiva apresentação de resposta ao recurso principal,138 razão hoje insubsistente, mas sem excluir a ampliação. Os prazos ampliados, na prática, dilatam-se ainda mais, em virtude do artifício de fixar-lhes o termo inicial na data em que o procurador recebe os autos com vista (art. 183, § 1.º).139 No juizado especial federal, porém, o prazo para recorrer é simples, a teor do art. 9.º da Lei 10.259/2001. 1.177.3. Extensão subjetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público – A ampliação dos prazos beneficia o Ministério Público e a Fazenda Pública. Essa última e imprecisa fórmula abrange a administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; os respectivos órgãos (v.g., a Câmara de Vereadores),140 dotados de

personalidade processual; e, por força do art. 10 da Lei 9.469/1997, as autarquias e as fundações públicas. O art. 183, caput, corrigiu esse ponto, mencionando a todos esses sujeitos. Ficaram à margem do benefício, portanto, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e – no alvitre mais rigoroso e, por suposto, acertado na interpretação das normas benéficas – as fundações instituídas pelo Poder Público com personalidade de direito privado. E, no que tange aos prazos recursais, não importa que tais pessoas já figurem no processo ou recorreram na qualidade de terceiro.141 Em relação ao Ministério Público, a menção à condição de “parte”, no direito anterior, suscitou controvérsias. Segundo certo alvitre, a ampliação do prazo comum não beneficiaria o Ministério Público que oficiasse no processo como fiscal da ordem jurídica,142 apesar de legitimado a recorrer nos termos. A jurisprudência do STJ optou por dobrar o prazo, nesta situação.143 Seguiu-a o STF.144 E, de fato, a interpretação literal e restritiva não se afigura razoável.145 Após sua intervenção, o Ministério Público adquire a condição de parte, pois abandona a de terceiro, vez que passa a figurar no processo. Não é parte principal, decerto, mas parte coadjuvante (retro, 774). Logo, a dobra do prazo beneficia o Ministério Público que figura no processo como parte principal ou coadjuvante.146 Em síntese feliz, pode-se dizer que “o benefício não visa à natureza da atuação, mas ao órgão agente”.147 O art. 180 caput, do NCPC não deixa mais dúvida a esse respeito. 1.178. Prazos da Defensoria Pública O art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950, na redação da Lei 7.871, de 08.11.1989, nos Estados que organizarem, por sua conta, o serviço de assistência judiciária, o defensor público, “ou quem exerça cargo equivalente”, beneficia-se de prazo em dobro para a prática de quaisquer atos processuais e da prerrogativa da intimação pessoal. Não há dúvida que a regra, vigente nos termos do art. 1.072, III, do NCPC, aplica-se aos defensores públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados-membros. Os arts. 44, I, e 89, I, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, instituem como prerrogativa do integrante da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados-membros: “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contandose-lhes em dobro todos os prazos”. Portanto, quanto aos prazos o benefício se revela objetivamente extenso. Nenhum prazo, seja qual for a respectiva natureza, escapa à dobra. Não é diferente o disposto no art. 186, caput, do NCPC. A Defensoria Pública, independentemente da posição ocupada (parte principal ou representante técnico), gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais. À luz da cláusula destacada do art. 5.º, § 5.º da Lei 1.060/1950, e da necessária interpretação restritiva dessa espécie de norma,148 a jurisprudência do STF149 e do STJ150 excluíam de seu âmbito os advogados privados nomeados pelo juiz ou indicados pelas partes para tais misteres (art. 5.º, § 4.º,

da Lei 1.060/1950) – abrangidos, aí, os órgãos das Faculdades de Direito, atividade desempenhada por acadêmicos, mas submetida a supervisão pedagógica. Tais pessoas exercem funções idênticas às da Defensoria Pública; contudo, não ocupam “cargo” – termo técnico do direito administrativo e exigência expressa da regra transcrita. Por isso, não tem cabimento a intimação pessoal (por carta com aviso de recebimento) do defensor constituído através de convênio com órgãos públicos. Esse insensível entendimento, segundo opinião abalizada, apequena o direito fundamental contemplado no art. 5.º, LXXIV, da CF/1988 e ignora o descumprimento do dever de os Estados prestarem a assistência judiciária integral, subsidiariamente atendida por aqueles profissionais.151 A simples dobra do prazo não constitui o móvel real da restrição. O problema reside na prerrogativa da intimação pessoal (entenda-se: pelo escrivão, in faciem, e por oficial de justiça, meios acrescidos da via eletrônica) a um número indeterminado de pessoas e, principalmente, a profissionais de difícil localização. Os inconvenientes desestimulam a aplicação analógica da norma. E não se podia dizer que a interpretação vigorante nos tribunais superiores é desarrazoada e absurda – ao invés, resulta de uma ponderação dos princípios constitucionais, sobrelevando-se o da efetividade da Justiça. O art. 186, § 3.º, do NCPC, adotou o meio termo conveniente à espécie: a dobra do prazo beneficiará (a) os escritórios de prática jurídica das Faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e (b) órgãos públicos prestadores de assistência judiciária gratuita, conveniados com a Defensoria Pública. Não usufruem esses representantes técnicos da prerrogativa da intimação pessoal, na forma do art. 183, § 1.º, porque o parágrafo só realiza remissão ao caput do art. 186. 1.179. Prazos dos litisconsortes com procuradores diferentes O art. 229 manteve a possibilidade de os litisconsortes, quando tiverem diferentes procuradores, “de escritórios de advocacia distintos”, contarem em dobro dos prazos para quaisquer manifestações nos autos. Em matéria de extensão objetiva do benefício, a fórmula analítica do art. 229, caput, não deixa dúvida. “Manifestações processuais” é expressão de amplitude máxima. Todos os prazos comportam ampliação (v.g., o prazo para interpor e responder ao recurso).152 Ressalva-se, porém, regra expressa em contrário. Assim, o prazo de quinze dias para os executados oporem-se à execução é simples, embora contratados advogados diferentes, por força do art. 915, § 3.º. E não se aplica a dobra a quaisquer prazos no processo eletrônico (art. 229, § 2.º). É irrelevante a natureza do litisconsórcio (facultativo ou necessário), o seu regime (comum ou especial) e a posição topológica (ativa, passiva ou recíproca). À incidência do art. 229 interessa o número de pessoas ocupantes do polo processual e o fato de ao menos um deles constituir procurador diferente dos demais. É o quanto basta – no processo em tramitação em autos físicos, bem entendido. Um caso peculiar é o do litisdenunciado passivo. A despeito de o art. 128, I, estimá-lo litisconsorte do denunciante – na verdade, são adversários e,

nesta qualidade, jamais poderiam ter o mesmo advogado.153 O litisdenunciado tem flagrante interesse em recorrer do provimento que julgar procedente a ação movida contra o denunciante, porque a improcedência lhe aproveita; porém, não lhe aproveita o benefício da dobra.154 E no caso de reunião dos processos por conexão (art. 55), no sentido largo do termo, cada causa será considerada autônoma, e, desse modo, inexistirá a dobra com base no art. 229.155 A circunstância de os advogados integrarem o mesmo escritório,156 ou manterem sociedade entre si, mostrava-se irrelevante na hipótese de os litisconsortes, para usufruir a dobra, contratarem os profissionais separadamente.157 Desaparecia a dobra, porém, se nos dois grupos há um advogado em comum.158 O art. 229, caput, dispôs em sentido contrário; porém, a regra é inócua: os grandes escritórios de advocacia relacionam-se afavelmente e nada os impede de ajustarem a representação em separado dos litisconsortes (v.g., na ação de A, dizendo angariador de seguros, contra o banco B e a seguradora C, integrantes do mesmo conglomerado, o primeiro réu contrata o escritório Y, o segundo contrata o escritório X; porém, na similar ação movida por D contra B e C, inverte-se o patrocínio). Regras restritivas dessa natureza, propondo-se a controlar as conveniências das partes, raramente alcançam seus objetivos. Desfazendo-se o litisconsórcio, em virtude de alguma razão subjetiva (v.g., um dos litigantes, insatisfeito com seu procurador, revoga a procuração a ele outorgada e contrata o advogado que atua a favor do parceiro) ou objetiva (só um dos litisconsortes sucumbiu e tem interesse em recorrer), desaparecerá, a partir desse momento, a causa da dobra. Por conseguinte, o prazo passa a ser simples. O art. 229, § 1.º, cura da hipótese de apenas um dos réus contestar a pretensão do autor. Então, desfaz-se um dos elementos de incidência do art. 229, caput, qual seja: a duplicidade de advogados. E, nada obstante, a norma exagera, pois o revel pode representar-se posteriormente (art. 346, parágrafo único). Não parece que a inexistência de defesa seja o motivo hábil, mas a inexistência de dois ou mais advogados diferentes. Como quer que seja, o ponto exibe extrema delicadeza no tocante aos prazos recursais. Em princípio, mostra-se irrelevante, sobrevindo pronunciamento desfavorável, só um dos litisconsortes efetivamente recorra da decisão.159 É preciso, no entanto, ambos os litisconsortes ostentarem interesse em impugnar o provimento – ainda que não o faça. É o que se subentende da Súmula do STF, n. 641: “Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido”. Acompanhou a orientação a Corte Especial do STJ.160 Por exemplo, se um dos litisconsortes foi condenado, mas o outro absolvido, o prazo do primeiro é simples. Poderse-ia dizer que o litisconsórcio (ainda) não se desfez, pois o fato ocorrerá no movimento subsequente, após a interposição do recurso.161Ora, eventualmente interposto recurso pelo litisconsorte absolvido, o juízo de inadmissibilidade retroagiria à data do provimento, que não autoriza impugnação, demonstrando ocorrer a dissolução do vínculo neste momento, e, não, posteriormente. O prazo dos litisconsortes é comum. Portanto, tal prazo corre em cartório. A retirada dos autos subordina-se ao “prévio ajuste, por petição nos autos”, consoante o art. 107, § 2.º, ou a carga conjunta. Por óbvio, o “ajuste” traduz o

pacto dos procuradores quanto ao tempo que cada qual ficará com os autos para consulta. Não cabe ao juiz resolver eventual impasse nessa distribuição. Em outras palavras, ou há ajuste, e os autos podem ser retirados, mediante carga conjunta ou carga sucessiva, ou inexiste acordo, e os autos permanecerão em cartório. Eventual descumprimento do ajuste não enseja, ademais, a incidência do art. 223, caput, segunda parte, porque abrigaria burla e dilatação indevida do prazo. O prazo de defesa, na prática, suscita maiores apreensões. Depois de as partes já se encontrarem representadas nos autos, a verificação objetiva dos elementos de incidência do art. 229, caput, torna-se relativamente simples. Porém, a circunstância de os réus ainda não se encontrarem representados através de procuradores diferentes, na abertura do prazo de resposta, cujo termo inicial é a última data (art. 231, § 1.º), põe os advogados em dúvida quanto à necessidade de comunicar o juízo, previamente, o exercício da faculdade leal. Nada obsta que um dos procuradores junte a procuração e declare que não representará o(s) outro(s) litisconsorte(s). Decidiu o STJ, com razão, desnecessário que os procuradores apresentem, no prazo singelo de quinze dias, requerimento para aplicação do prazo em dobro para a resposta.162 Figurando vários réus no polo passivo, urge aguardar o prazo dobrado, antes de reconhecer a revelia de todos (ou de quem não contestou). Por isso, o art. 229, caput, assegura a dobra em qualquer juízo e tribunal, “independentemente de requerimento”. O benefício da dobra desfar-se-á posteriormente, abstendo-se um do réu de apresentar defesa (art. 229, § 1.º). O debate oral tem prazo em minutos. O art. 364, § 1.º, ministra regra especial: o prazo de vinte minutos, prorrogável em mais dez minutos, formará um bloco, dividindo-se per capita entre os integrantes do mesmo grupo, salvo convenção em contrário (v.g., cinco minutos para um dos advogados dos autores e dez minutos para os demais). Em geral, os regimentos dos tribunais distribuem de igual modo o prazo do debate oral nas sessões de julgamento. O art. 937 não versa o assunto diretamente. Porém, a obscura remissão da parte final do caput ao art. 1.021, segundo a qual, no processamento do agravo interno, observar-se-ão “as regras do regimento interno do tribunal”, sugere o assunto regimental da distribuição do tempo. À toda evidência, pecou pela falta de clareza. 1.180. Prorrogação dos prazos processuais Da alteração convencional ou judicial do quantitativo originário dos prazos processuais ocupam-se regras heterogêneas no NCPC. O art. 222 versa sobre prorrogação judicial em casos de dificuldade de transporte e calamidade pública. O art. 139, VI, conferiu ao órgão judicial o extraordinário e inaudito poder de ampliar quaisquer prazos processuais, perseguindo dois objetivos muito pouco precisos: (a) adequação às necessidades do conflito; e (b) maior efetividade da tutela do direito. Por sua vez, as partes têm ampla liberdade de disciplinar o procedimento e, conseguintemente, os respectivos prazos (art. 190), e, ainda, de fixar datas com consentimento do órgão judiciário (art. 191). Embora haja a possibilidade de as partes reduzirem o quantitativo dos prazos, movimento oposto da prorrogação ou ampliação, esta é a situação proeminente e, presumivelmente, a única que lhes interessa na prática. Esse

dado justifica o tratamento conjunto dessas hipóteses como de “prorrogação”. A redução convencional de prazos judiciais tem papel residual e pouco significativo. A prorrogação dos prazos assenta na necessidade de adequar os rígidos limites temporais prefixados pelo legislador à realidade do processo. Em tal assunto, a inflexibilidade do quantitativo originário do prazo produziria efeito diametralmente oposto ao visado pela lei.163 À base da possibilidade de as partes pactuarem a prorrogação do prazo processual, autêntico negócio jurídico processual (retro, 1.087), no direito brasileiro encontra-se a controversa distinção entre prazos dilatórios e peremptórios. Era lícito, no direito anterior, as partes prorrogarem apenas os prazos dilatórios. A esse propósito, anteriormente estabeleceu o critério adequado para o órgão judiciário discernir o caráter dilatório ou peremptório do prazo (retro, 1.153.2), assunto turvado pela flagrante tautologia empregada no direito anterior (v.g., peremptório é o prazo improrrogável; prazo improrrogável é peremptório) e persistente cizânia doutrinária. De acordo com os dados coligidos, os prazos peremptórios – e, portanto, os que não comportavam convenção das partes –, correspondem a duas situações: (a) o tempo marcado para o exercício de direito ou de faculdade (v.g., o prazo de resposta do art. 335); (b) o tempo marcado para o cumprimento de um dever (v.g., o dever de o advogado exibir a procuração no prazo do art. 104, § 1.º). Essa diferença não tem maior sentido perante o art. 190, caput. 1.180.1. Prorrogação convencional dos prazos processuais – É lícito às partes, nos litígios cujo objeto seja disponível, prorrogarem quaisquer prazos, vez que a convenção regulará seus “ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo” (art. 190, caput). Quem pode o mais, pode o menos. Por óbvio, ampliar os prazos marcados para o exercício de direito ou o cumprimento de deveres contraviria o interesse público em promover a solução da lide no tempo mais breve possível. É menos claro o motivo para vedar às partes a redução desses prazos, harmonizando-se a essa finalidade. Uma cogitação talvez explique o ponto. É lícito à parte antecipar a prática do ato (v.g., interpondo a apelação no quinto dia, em vez de aguardar o décimo quinto), ou simplesmente renunciar ao prazo, conforme faculta o art. 225, alcançando, por via indireta, os mesmos resultados práticos que lhe adviriam da redução consensual dos prazos peremptórios. A prorrogação far-se-á mediante negócio jurídico processual. Essa convenção é o pacto das partes; requer-se ao juiz, com base na convenção, a modificação, para mais (prorrogação) ou para menos (redução) do quantitativo originário.164 Do art. 190 resultam nítidos os requisitos da prorrogação. 1.180.1.1. Requisitos da prorrogação convencional – O primeiro requisito reside na existência de convenção entre as partes. A lei não permite a modificação unilateral. E todos os litisconsortes, existindo mais de uma pessoa num dos polos da relação processual, precisam declarar vontade convergente em promover a modificação.

É duvidoso que, à falta de consenso, ao juiz cabia suprir o consentimento da parte relutante, deferindo a prorrogação requerida por um dos participantes do processo.165 Presumivelmente, tal requerimento provirá da parte a quem o prazo aproveita. A prorrogação judicial – e o art. 139, VI, não discrimina prazos – subordina-se a requisitos específicos, estranhos à simples discrição do juiz. O art. 35 do CPC de 1939 autorizava o juiz a abreviar ou a prorrogar prazos, a requerimento de uma das partes, mas com o consentimento das demais. Por conseguinte, sem o consentimento da outra parte, não pode o juiz acolher requerimento unilateral. Em seguida, as partes submeterão o negócio ao crivo do juiz. Cumpre-lhe verificar os seus elementos de existência e requisitos de validade. O objeto litigioso há de ser disponível, as partes plenamente capazes e, em qualquer hipótese, verificar se não prejudica vulnerável (art. 190, parágrafo único). O requerimento pode ser conjunto, contemplando a própria convenção, ou formulado só por uma das partes, acompanhado da convenção entabulada em peça autônoma. Feito o ajuste em audiência (v.g., quanto ao prazo das razões escritas), o juiz mandará reduzir a convenção a termo. A convenção há de anteceder o vencimento do prazo. Do contrário, não se trataria de prorrogação de prazo em curso, mas de novo prazo, existindo entre o primeiro e o segundo o transcurso de algum tempo.166 Os amplíssimos poderes do órgão judiciário não alcançam estatura que lhe permita manipular prazos, outorgando-os às partes na medida das necessidades ou caprichos. O uso do tempo, no procedimento, tem marcos rígidos. Novo prazo só pode ser concedido na hipótese do art. 223, caput, segunda parte, ou seja, configurada justa causa. Nada obsta que se requeira a prorrogação antes do início do prazo,167 antevendo as partes a futura exiguidade do interstício original. Aliás, mostra-se muito difícil, senão impossível, reduzir eficazmente o prazo em curso.168 Como quer que seja, a convenção fixará novo termo ad quem. Revelandose insuficiente ou inconveniente o quantitativo originário do prazo, outro há de ser sugerido ao órgão judiciário. Não há como entender-se completa, quanto aos seus elementos, a convenção das partes que não indique, explicitamente, o quantitativo da prorrogação. 1.180.1.2. Efeitos da prorrogação convencional – As partes indicarão o termo ad quem que lhes pareça mais oportuno, relativamente a um prazo determinado, ou de quaisquer outros a abrirem-se futuramente. Não há limites prévios explícitos ao termo final da prorrogação. Porém, há um limite implícito: o prazo máximo de suspensão convencional do processo (art. 313, II), que é de seis meses (art. 313, § 4.º). Fora daí, a convenção das partes, respeitados os requisitos do art. 190, vincula o juiz. Formulado o requerimento no curso do prazo, ou antes do implemento do termo a quo primitivo, acontece de o requerimento das partes, e respeitado o prazo de assinado à elaboração do termo de conclusão, obter pronunciamento após o escoamento do prazo original.

O tempo assim decorrido pode ser menor, igual ou maior ao da prorrogação requerida. No primeiro caso, o juiz acrescentará ao interregno solicitado o tempo tomado pelo trâmite dos autos até seu provimento, prorrogando o prazo por igual período. No caso de o provimento tomar tempo igual ao da prorrogação, há quem alvitre considerar o dia da decisão como o do vencimento, acrescentando: “é inconveniente a fixação do vencimento num dia pretérito e impossível a fixação numa data vindoura, o que equivaleria a uma prorrogação maior que a requerida”.169 No entanto, a solução condizente é outra: o termo inicial da prorrogação é o da decisão, escoando, a partir daí, o prazo suplementar requerido pelas partes. Finalmente, chegando tarde a decisão favorável, porque o prazo com a prorrogação já se escoou, a convenção das partes tornou-se supervenientemente ineficaz, cabendo o pedido de restituição. Concebe-se, pendendo o requerimento de apreciação, a prática do ato processual. A tempestividade desse ato dependerá da respectiva oportunidade. Dentro do interregno original ou do prorrogando, o ato se afigura tempestivo; realizado após o novo prazo de vencimento, intempestivo. Em princípio, o órgão judiciário vincula-se à vontade convergente das partes Os poderes de direção do processo autorizam, o controle das convenções abusivas ou que estipulem interregno superior ao máximo autorizado à convenção das partes: seis meses. Como se dizia no direito anterior, muito mais restritivo, “nada tem de incompatível uma coisa com a outra: a convenção e a decisão”.170 Em geral, a prorrogação beneficia uma das partes. Por exemplo, as partes convenciam a dilatação do prazo de defesa. Disso não resulta acréscimos de despesas, “ambas devem suportar as custas por igual”.171 Idênticos critérios empregará o juiz na improvável hipótese de as partes convencionarem a redução.172 A decisão favorável a respeito da convenção quanto aos prazos surtirá efeitos imediatos. Não há necessidade de intimação às partes.173 Ressalva feita aos prazos extensos, nem sequer existiria tempo hábil a essa intimação.174 É neste sentido a tradição do direito brasileiro (Ordenações Filipinas, Livro III, § 54, n.º 1), solidamente fundada na equidade: “não responsabiliza a parte pela demora na execução de atos que não lhe competem”.175 Apesar do interesse em recorrer dessa decisão, a fim de decidir sobre a tempestividade dos atos praticados in medio temporis,176 não cabe agravo de instrumento. 1.180.2. Prorrogação judicial dos prazos processuais – Os prazos peremptórios são, via de regra, inalteráveis para mais ou para menos. Essa qualidade mede-se e avalia-se abstratamente.177 É lícito à parte antecipar a prática do ato processual, e, assim, abreviar o tempo do processo. O ato realizado antecipadamente não comportará ulteriores emendas ou retificações, porque atingido pela preclusão consumativa (art. 223, caput).178

Ao órgão judiciário vedava-se, no direito anterior, modificar prazos peremptórios, ressalva feita às taxativas hipóteses legais.179 Os poderes do juiz não alcançavam essa dimensão inaudita de diminuir ou aumentar– por exemplo, conceder ao vencido vinte dias para apelar da sentença –, consoante às condições subjetivas das partes, ou objetivas do processo, inclusive sob o pretexto de assegurar a igualdade (art. 139, I). Embora haja o latente risco de o processo perder sua uniformidade, instituindo o juiz regras variáveis, e comprometer a respectiva legitimidade constitucional, o art. 139, VI, autoriza o juiz a dilatar quaisquer prazos processuais. Não distinguiu entre prazos peremptórios ou dilatórios. Porém, lícito entender aplicável o art. 222, § 1.º, impedindo o juiz de reduzir prazo peremptório sem anuência das partes. E, por outro lado, a dilatação só tem cabimento antes do vencimento do interstício originário (art. 139, parágrafo único). Quer dizer, o juiz proverá de modo antecipado e, a fim de assegurar a igualdade das partes, bilateralmente; por exemplo, dilatando para trinta dias para as partes apresentarem o rol de testemunhas (art. 357, § 4.º). A fórmula “não superior a 15 (quinze) dias”, inserida nesse dispositivo e repetida em outras disposições (v.g., art. 870, parágrafo único), sugere a inconveniência ou a impossibilidade da dilatação. Ora, inexistirá mal algum, conforme a data da designação da audiência (art. 357, V), na ampliação, ope judicis, do prazo para arrolar testemunhas. O poder geral do art. 139, VI, é altamente perigoso e, ao nosso ver, só pode ser empregado por exceção. A par desse poder geral, sob certas condições lícito ao juiz modificar quaisquer prazos, incluindo os dilatórios, em situações especiais. O juiz poderá dilatar quaisquer prazos “na comarca, seção ou subseção judiciária onde for difícil o transporte”, até o máximo de dois meses (art. 222, caput). Essa regra recebeu artigo próprio, corrigindo o CPC de 1973.180 A dificuldade de transporte considera as peculiaridades da vastidão territorial do País. Parece faculdade supérflua e inócua nas comarcas interligadas pela malha rodoviária e terrestre, mas há regiões em que a comunicação depende, no todo ou em parte, do transporte fluvial e aéreo. Por exemplo, entre Manaus e Belém o tempo de viagem fluvial é de sete dias, conforme a época do ano, razão pela qual o impedimento ao transporte aéreo transformaria Manaus em cidade insular. Essa hipótese revela uma dificuldade natural e permanente. Às vezes, entretanto, surgem dificuldades episódicas: por exemplo, a queda da única ponte que franqueia o acesso à comarca. A única exigência consiste na generalidade do evento, atingindo número indeterminado de pessoas. Fatos isolados, como o desarranjo mecânico no automóvel do advogado, eventualmente ensejarão a restituição do prazo, mas não a sua dilatação com base no 222, § 2.º.181 Em tais situações, o juiz dilatará o prazo, ex officio, antecipadamente ou não, sem que a lei estabeleça critério rígido para o quantitativo concreto. Cumpre-lhe avaliar as circunstâncias do caso. A lei confiou ao tino do juiz a fixação do quantitativo concreto.182 Não se descarta a iniciativa das partes, conjunta ou não, provocando o órgão judiciário.

O prazo dilatado jamais excederá o máximo de dois meses. Esse interstício não se soma ao legalmente previsto de modo genérico,183 mas este aumentará até o termo máximo.184 Por exemplo, se fixar o juiz o prazo de resposta em cinquenta dias, no quinquagésimo terminará o prazo, pois não se acrescerá o prazo original de resposta (quinze dias), o que resultaria em sessenta e cinco dias (15 + 50 = 65), quantitativo superior aos dois meses. É verdade, porém, que dilação maior de sessenta dias não prejudicará as partes, considerando-se tempestivo o ato processual praticado nesse interstício.185 A calamidade pública constitui motivo de força maior e, ordinariamente, suspende os prazos processuais (art. 313, VI). Por exemplo, chuvas copiosas inundaram a comarca, invadindo o foro.186 A previsão do art. 222, § 2.º, permitindo exceder o máximo de dois meses, em casos tais, a rigor não tem razão de ser, pois a calamidade entra no campo de incidência da suspensão. A outra possibilidade aventada é a de considerar o parágrafo como hipótese autônoma de prorrogação.187 Neste caso, ainda, a suspensão do processo até o desaparecimento do evento infausto, o cataclismo afetando a vida na comarca (v.g., a inundação), é a melhor solução. Essas considerações não abalaram o NCPC, mantendo a regra haurida do direito anterior. O pronunciamento previsto no art. 222, em ambas as hipóteses (difícil transporte e calamidade pública), não comporta agravo de instrumento, exceto nos casos do art. 1.015, parágrafo único, e, salvo engano, criam verdadeiro fato consumado, insuscetível de revisão ulterior. § 244.º Renúncia ao prazo processual 1.181. Conceito de renúncia ao prazo processual A renúncia é o negócio jurídico unilateral, abstrato e dispositivo na modalidade extintiva. Segundo opinião digna do maior crédito, senão a de mais elevada autoridade, “o que caracteriza a renúncia é a deixação do que é valor para alguém (direito, pretensão, ação, exceção), por manifestação de vontade, o que é bastante, em si, para isso, posto que, de regra, seja receptícia”.188 Ora, o prazo constitui direito processual, e, por esse motivo, passível de abdicação ou renúncia. É o que declara o art. 225 do NCPC. Da renúncia, que é manifestação de vontade positiva, distingue-se a inércia (v.g., a parte deixa o prazo escoar). Essa atitude implica a preclusão temporal. E não se confunde com a prática antecipada do ato, porque enseja a preclusão temporal.189 A renúncia genérica do art. 225 não se confunde com a renúncia ao direito de recorrer (art. 999). Esta merecerá exame no sítio adequado. 1.182. Requisitos da renúncia ao prazo processual A renúncia ao prazo processual há de ser expressa. Dar-se-á, ainda, por petição dirigida ao órgão judiciário. O art. 35, parágrafo único, do CPC de 1939 superfluamente exigia capacidade do renunciante e a pendência da demanda. Ora, a capacidade se

subentende pelo simples fato de parte figurar em juízo, e, nessa condição, ou é plenamente capaz ou encontra-se representada ou assistida na forma da lei (art. 71). E a pendência do processo localiza-se, implicitamente, no objeto da renúncia: o prazo processual. Fica pré-excluída a renúncia prévia ao processo, pois o renunciante não pode aquilatar, adequadamente, as consequências do ato no processo. O principal requisito da renúncia avulta no fato de que seu objeto há de ser prazo estabelecido exclusivamente a seu favor. Todo prazo é a favor de alguém, porque a parte desfruta da liberdade para praticar o ato, ou contra alguém, porque a parte tem o ônus (ou o dever) de praticar o ato, no interregno fixado. O art. 225 pressupõe, na verdade, a identificação do beneficiário hipotético do ato. Por exemplo, o prazo do art. 357, § 4.º, segundo o qual a parte deve depositar o rol de testemunhas no prazo de quinze dias, contado da intimação da decisão de saneamento e de organização do processo, beneficia o seu adversário. A finalidade do prazo consiste em propiciar o conhecimento das testemunhas e, se for o caso, coligir as provas de eventual contradita. Já o prazo do art. 477, caput, devendo o perito protocolar o laudo pericial com a antecedência mínima de vinte dias da data audiência, aproveita a ambos os litigantes, ensejando a análise da peça.190 O primeiro prazo é renunciável; o segundo, não. Dispensam-se poderes especiais do procurador da parte para renunciar.191 O art. 105, caput, só os exige para renunciar o direito sobre o qual se funda a ação. Regra de interpretação estrita, não comporta ampliação. 1.183. Efeitos da renúncia ao prazo processual O ato de renúncia ao prazo processual surtirá efeitos desde logo. Não depende de homologação judicial (art. 200, caput), nem de aceitação da outra parte. É expresso, neste último sentido, o art. 999, tratando da renúncia ao direito de recorrer. E, manifestada a vontade de renunciar, o ato torna-se irretratável. O renunciante não pode revogá-lo. § 245.º Especialidades do prazo processual 1.184. Prazo básico dos atos processuais das partes A lei processual encarrega-se de fixar o quantitativo temporal dos prazos. Daí por que prevalecem os prazos legais. Eventualmente, a lei autoriza o juiz a fazê-lo, em condições e limites predeterminados, nos prazos judiciais (art. 218, § 1.º). A título de regra de fechamento do sistema, inexistindo previsão legal ou encontrando-se o juiz impossibilitado de estipular o prazo – por exemplo, o prazo do pedido de restituição, a teor do art. 223, inserido na exclusiva iniciativa da parte, que o juiz não pode suprir, nem antecipar –, o art. 218, § 3.º resolve o ponto: o ato processual da parte realizar-se-á em cinco dias. Em relação ao art. 31 do CPC de 1939, o prazo passara de três para cinco dias no CPC de 1973, quantitativo adotado no NCPC. Flagrante é a consequência do art. 218, § 3.º, visualizado o fenômeno subjacente, de fatalidade inexorável. Nenhum ato processual da parte

independe de prazo.192 E, se todos os atos da parte têm prazo, nenhum ato da parte escapará da fatal extinção contemplada no art. 223, caput, após o vencimento do termo final. Enfim, todos os atos da parte são objeto de preclusão. O termo inicial do prazo previsto no art. 218, § 3.º, subordina-se à natureza do ato. Por exemplo, no pedido de restituição é a data do encerramento do fato que configura a justa causa (retro, 1.173). 1.185. Prazo de espera no comparecimento das partes Desempenhando as atividades inerentes ao seu ofício, o órgão judiciário enfrenta, amiúde, a necessidade de convocar pessoas à sua presença – partes, terceiros, particulares em colaboração com a Administração da Justiça (v.g., o intérprete; o administrador) e testemunhas. Variam muito as finalidades de semelhante ato. Por exemplo, o art. 139, VIII, permite ao juiz, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos causa; o art. 772, I, autoriza o juiz, simplesmente, a ordenar o comparecimento das partes, no curso da execução, sem propósito específico; os terceiros podem ser compelidos a informar ao juiz “os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento” (art. 380, I); havendo necessidade de analisar documento de conteúdo duvidoso, embora acompanhado da respectiva tradução, o juiz requisitará os serviços de tradutor (art. 162, I); ao administrador, por vezes, cumpre explicar o andamento do plano de administração. E, por óbvio, designada audiência de instrução de julgamento, partes, perito, testemunhas e auxiliares (v.g., o intérprete, na hipótese do art. 162, III) hão de comparecer no dia, hora e lugar designados. Em todos os múltiplos casos em que se fizer imprescindível o comparecimento de alguma pessoa perante o órgão judiciário, proceder-se-á à sua prévia intimação. É justamente “o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo” (art. 269, caput). Essa intimação realizarse-á por um dos modos legalmente admissíveis. A bem da certeza da ciência da pessoa, preferencialmente empregar-se-á a intimação real (ou de pessoa a pessoa), por via de mandado, cujo cumprimento incumbe ao oficial de justiça, por via postal ou por via eletrônica, não olvidando-se a possibilidade de intimação de advogado para advogado (art. 269, § 1.º). Às vezes, a própria lei impõe a intimação pessoal (v.g., para prestar depoimento pessoal, a teor do art. 385, caput). Também se concebe, ante a falta de melhor alternativa (v.g., o oficial não localizou a parte que deveria intimar da data da audiência), a intimação ficta, por edital ou por publicação no órgão oficial – a modalidade empregada no caso dos procuradores, atualmente subsidiária à intimação eletrônica (art. 272, caput). Toda vez que o juiz exigir o comparecimento, fitando as conveniências do intimando, que precisará deslocar-se até à sede do juízo com o sacrifício de suas atividades habituais, o art. 218, § 2.º, estabelece um prazo de espera, ou de conforto, de quarenta e oito horas, dobrado em relação ao previsto no CPC de 1973. Esse prazo tem a dupla finalidade de ensejar à pessoa preparar-se para o comparecimento e refletir sobre a conduta a tomar perante o juiz.193 Não parece razoável o órgão judiciário exigir que a pessoa compareça incontinenti, “como se nada mais tivesse a fazer, ou pudesse largar de

imediato suas ocupações, a fim de se despachar às carreiras, para dar cumprimento ao objeto da intimação”.194 Por conseguinte, a pessoa só tem o dever ou, conforme o caso, o ônus de comparecer se intimada com a antecedência mínima de vinte e quatro horas da data designada à audiência, no sentido largo da palavra, do órgão judiciário. Descumprido o prazo de espera, não se criou, legitimamente, o dever ou o ônus de comparecimento. Não sofrerá a pessoa intimada, conseguintemente, as consequências porventura prescritas na lei. Por exemplo, a parte intimada para prestar depoimento pessoal, na audiência de instrução e julgamento, e que não compareceu, porque a intimação ocorreu na manhã do dia designado, não poderá ser a ela aplicada a pena de confissão (art. 385, § 1.º). O prazo de quarenta e oito horas conta-se regressivamente (retro, 1.165), pois o termo inicial é a data futura do comparecimento, e minuto a minuto (retro, 1.163). A definição do termo inicial dependerá da forma da intimação. Realizando-se por mandado, o oficial de justiça consignará a data e a hora da intimação, fluindo do minuto seguinte o prazo. Não se aplica, nesse caso, a regra da juntada (art. 231). Deixando o oficial de justiça, negligentemente, de consignar a hora, “há de se contar como se realizada fora no último minuto da última hora hábil para a realização dos atos processuais”.195 Efetivando-se a intimação por via postal, cumpre ao carteiro obter do intimando, ao preencher o espaço próprio no formulário, o dia e hora da efetiva entrega da carta. A eficiência dos correios brasileiros, a mais das vezes, chega a esse requinte. À falta desse dado, e em contradição à diretriz antes fixada, alvitra-se a contagem do momento da juntada do aviso de recebimento ao processo (art. 231, I).196 O fato de o art. 231, I, não distinguir os prazos em dias e os prazos em minutos (ou horas) não é motivo bastante para repelir o critério adequado:197 o último minuto da última hora hábil à realização do ato processual (19h59min). E acrescenta uma dificuldade suplementar: a negligência do escrivão de indicar a hora da juntada do mandado ou do aviso de recebimento (art. 231, I e II), obrigando a prescrever que o prazo comece a “correr a partir do encerramento do expediente do dia em que a intimação ou a juntada foram feitas”.198 Não convém à marcha do processo a intimação por via eletrônica, ante o interstício de dez dias para consulta (art. 5.º, § 3.º, da Lei 11.419/2006). Por fim, na intimação por edital, o termo inicial é o primeiro minuto da primeira hora do dia útil subsequente ao do término do prazo de aperfeiçoamento do edital. § 246.º Verificação dos prazos e penalidades 1.186. Sistema da verificação dos prazos processuais A Seção II – Da Verificação dos Prazos e Das Penalidades – do Capítulo III – Dos Prazos – do Título I do Livro IV da Parte Geral do NCPC ocupa-se, nominalmente, da verificação dos prazos e das respectivas penalidades. Relativamente aos demais sujeitos do processo, a tarefa incumbe ao órgão

judiciário. O objetivo consiste em assegurar a rápida solução do litígio, reprimindo os atos atentatórios à dignidade da Justiça com os vigorosos instrumentos postos à disposição do diretor do processo. O juiz exerce controle sobre os prazos atribuídos às partes e aos servidores do seu ofício. Mas, o próprio órgão judiciário de qualquer grau submete-se, por iniciativa do interessado, como se verifica do art. 235, caput, ao controle do órgão hierarquicamente superior e, nos tribunais, dos respectivos pares, encimando a todos o CNJ, quanto ao cumprimento dos prazos e demais deveres intrínsecos ao cargo. Os aspectos disciplinares da má conduta do juiz, dos auxiliares e do advogado permanecem estranhos à disciplina processual. A justificativa sistemática dessa seção reside no fato de o descumprimento do prazo, em tese, surtir efeitos no âmbito do processo. É ponto frisante, no ordenamento brasileiro, a ausência de controle disciplinar do juiz sobre o advogado. Tal controle compete, exclusivamente, ao órgão de classe. A consulta dos autos fora de cartório degenera, por vezes, em retenção indevida, não os devolvendo o procurador dentro do prazo. O órgão judiciário não poderia ficar inteiramente desarmado nessa infeliz situação. Daí, o instituto da cobrança de autos, exceção necessária à disciplina dos atos do procurador. Em suma, a lei processual, prevendo a verificação dos prazos e erigindo mecanismos para prevenir e coibir abusos, não merece qualquer censura. O sistema de verificação dos prazos processuais completa-se com o controle da tempestividade dos atos das partes. A referida Seção II do Capítulo III ignora essa disciplina, porque a consequência, prevista no art. 223, caput, primeira parte, não representa, tecnicamente, sanção. 1.187. Controle dos prazos processuais das partes A verificação do cumprimento dos prazos processuais impostos às partes interessa sob dupla perspectiva: (a) o controle da tempestividade; (b) a restituição dos autos confiados ao advogado. 1.187.1. Controle da tempestividade dos atos processuais das partes – Os atos processuais das partes devem ser protocolados dentro do prazo em cartório. À medida que se generalizou a intimação das partes, na pessoa dos procuradores, através do diário oficial eletrônico, em todo o território do Estado-membro ou das seções judiciárias da Justiça Federal, sentiu-se a correlata necessidade de criar um protocolo único, ou universal, propiciando a prática do ato em diversos lugares, independentemente do grau de jurisdição. É em matéria de recursos que o controle da tempestividade tem singular importância. Daí o termo de alternativa aberto no art. 1.003, § 3.º (“… ou conforme as normas de organização judiciária…”), subentendendo a criação de um protocolo geral. O art. 929, parágrafo único, permite a delegação para os ofícios de primeiro grau o protocolo dos recursos interpostos no próprio tribunal (v.g., o agravo de instrumento, a teor do art. 1.016, caput). Na verdade, porém, o protocolo unificado cobre o território do Estado-membro (TJ) e da Região (TRF). Assim, o advogado do réu, pode entregar a contestação da ação rescisória, proposta no TJ, na comarcaX e, cumprindo o prazo, o serviço de protocolo encarrega-se de enviar a petição para a capital Y do Estado-membro. Eis o motivo por que, a par da sede do juízo na

comarca, o TJ mantém convênio com os correios, delegando à secular instituição o serviço de protocolo judicial. Do art. 929, parágrafo único, não há de se inferir a proibição do emprego dos correios para essa finalidade. O que é, ou não, protocolo judicial depende da lei de organização judiciária.199 O art. 1.003, § 3.º, fixa como meio único e particular de controle da tempestividade o protocolo do recurso. Varia apenas o lugar do protocolo: (a) no cartório, entendendo-se por tal o do juízo de primeiro grau e a secretaria do órgão fracionário do tribunal; (b) segundo norma de organização judiciária, contemplando a criação de protocolo unificado para ambos os graus de jurisdição (entrega em qualquer lugar), inclusive no caso de a Administração da Justiça utilizar os correios como protocolo, mediante convênio, valendo, em tal caso, a data da postagem. A Súmula do STJ, n.º 216, reforça a obrigatoriedade do protocolo, estipulando: “A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria e não pela data da entrega na agência do correio”. Esse verbete indica a adoção de critério parcialmente uniforme, no direito anterior,200 e hoje deve-se entender superada, ante o disposto no art. 1.003, § 4.º. Em tal oportunidade, ademais, o recorrente produzirá prova do feriado local (art. 1.003, § 6.º), para os fins do art. 216, sobrelevando a circunstância de o feriado forense importar em duplo aspecto, quanto ao termo final e a subtração do dia da contagem (art. 219, caput). O art. 1.003, § 3.º, tem caráter geral. Não faz ressalva ao agravo de instrumento, apesar desse recurso interpor-se no órgão ad quem (art. 1.016, caput). Não importa à tempestividade do agravo de instrumento, apurada consoante a data do protocolo, a restituição dos autos em cartório. Desde que o recurso seja protocolado no prazo, a devolução ulterior dos autos em nada prejudica o cumprimento desse requisito temporal.201 A importância exibida por outras datas na sistemática pretérita, apesar de provadas documentalmente, desapareceu por completo. Por exemplo: o recebimento do recurso pelo juiz, sem o protocolo no prazo, não basta; do mesmo modo, a demora do cartório em juntar a petição aos autos.202 Convém atentar à possibilidade de a parte praticar o ato processual através de fax (art. 1.º da Lei 9.800, de 26.05.1999). A parte assumirá o ônus, utilizando-se dessa via, o ônus de apresentar os originais da petição no prazo de até cinco dias após o término do prazo recursal – aplica-se, no que couber, o art. 224, caput -, sob pena de não se aperfeiçoar o ato.203 É imperioso observar, no protocolo, o horário do expediente forense, nos termos da “lei de organização judiciária local” (art. 212, § 3.º). Ficando aberto o protocolo, antes ou depois do horário do expediente (das seis horas às vinte horas, a teor do art. 212, caput), considerar-se-á tempestivo o recurso,204 e, a fortiori, os demais atos processuais. Neste sentido, há precedente do STJ, distinguindo o expediente externo, subordinado àquele horário, e o expediente interno, mais ou menos largo conforme a lei local de organização judiciária.205 Ao invés, outro julgado do STJ considerou obrigatória a observância, na lei local, do horário estipulado no art. 212,caput, e, portanto, declarou intempestiva petição protocolada após o horário aí determinado.206 É curioso e digno de nota que o relógio do protocolo, em algumas comarcas,

permanece funcionando além do horário previsto no art. 212, caput e, assim, provocando o problema sob foco. E há agências do correio, localizadas emshoppings centers, abertas até horário tardio. A transformação dos correios em protocolo único enseja essas questões, outrora inexistentes, em que o rigor do horário hábil à prática dos atos processuais (retro, 1.134) e o horário do expediente forense (retro, 1.135.1) acabam superados. A rigor, só os atos praticados das seis às vinte horas, a teor do art. 212, caput, revelam-se tempestivos. No entanto, a interpretação restritiva, no tocante à perda dos prazos, justamente criticada, repercute sem uniformidade, revelando-se firme a tendência de considerar tempestivos os atos praticados enquanto o protocolo único (ou seja, os correios) estiver funcionando.207 E havia outro fator de complicações e dúvidas: particularmente caso do agravo, importarão o horário e os dias de funcionamento do protocolo do órgão ad quem, talvez não coincidentes com os do órgão a quo.208 Para esse efeito, incide o art. 213, parágrafo único: vale o horário (e o dia) de funcionamento do órgão perante o qual o ato deva praticar-se, ou seja, no caso do agravo de instrumento o do órgão ad quem. A despeito da localização da regra, como parágrafo da regra quanto ao horário da prática dos eletrônicos, presta-se para solucionar esse problema, urgindo emprestar-lhe efeitos gerais. O art. 1.003, § 3.º, indicou o cartório em que, no primeiro grau, tramita o processo que originou o ato judiciário, e a secretaria do tribunal competente, jamais qualquer outro, na mesma ou em comarca diversa. Assim, protocolado o recurso no cartório errado, dentro do prazo, mas somente após seu vencimento chegado o recurso ao cartório certo, há intempestividade.209 Assim decidiu o STJ, tratando de recurso ordinário em mandado de segurança, endereçado ao STF.210 Com maiores razões, é inadmissível o recurso, aduziu outro julgado do STJ, se em lugar do protocolo mecânico a data da interposição decorre de certidão manuscrita.211 Mas existindo protocolo unificado, mostrar-se-á tempestivo o recurso oferecido na comarca diversa do juízo do processo.212 O regime do agravo, interposto diretamente no tribunal, provoca outra modalidade possível de equívocos do recorrente. Ao contrário do que ocorre com a identificação do órgão a quo, conhecida do recorrente, há casos em que a competência do órgão ad quem gera fundada dúvida. Por exemplo: tratava-se de execução ajuizada, por força do art. 15, I, da Lei 5.010, de 30.05.1966 (hoje revogado), perante órgão da Justiça Ordinária, mostrandose competente para processar e julgar os recursos, sem embargo, o TRF. Reputar-se-á tempestivo o agravo protocolado ou recebido, dentro do prazo, no tribunal errado (TJ), em vez do correto (TRF).213 Em suma, são tempestivos os atos processuais, consoante os princípios que regem a matéria, praticados dentro do horário de funcionamento do protocolo único, respeitando o tempo hábil previsto no art. 212, caput. Uma última observação impõe-se nessa matéria. O recorrente não controla o bom ou mau funcionamento do protocolo, incluindo a atividade dos correios. Se o carimbo é legível, ou não, o problema não afeta a

tempestividade do recurso, salvo prova cabal em contrário. O julgado de sentido diverso acaba lançando dúvida, no espírito impressionável das partes, acossada por notícias alarmantes da mídia, quanto à retidão dos julgadores, realizando inferências descabidas (v.g., se um julgador é originário da cidade X, o juízo de inadmissibilidade de recurso daí proveniente gera desconforto na parte prejudicada). 1.187.2. Controle da restituição dos atos – O art. 107, II e III, autoriza o advogado a retirar os autos em confiança, respectivamente, requerendo vista, por cinco dias, e, ainda, “sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei”. A quebra da confiança e a sanção do art. 234, § 2.º, já receberam exame no capítulo dedicado aos procuradores (retro, 1.029). A bem da clareza, o procedimento de cobrança, parcimoniosamente previsto no art. 234, § 1.º, merece exame neste tópico. Prolongando-se indefinidamente a ilegítima retenção dos autos pelo procurador, os interesses da outra parte e o da boa Administração da Justiça recomendaram a instituição de procedimento para reaver os autos. O art. 234, § 1.º contempla a cobrança dos autos do procurador faltoso. Embora a tônica do dispositivo seja o advogado público e privado e o agente do Ministério Público, a disciplina prevista no art. 234, mutatis mutantis, aplicar-se-á aos demais participantes do processo que receberam os autos em confiança (v.g., o perito).214 É a essas pessoas, vinculadas ao conselho de classe (v.g., o engenheiro) que alude o art. 234, § 5.º. Outra vez sobreleva o fato que, inexistindo subordinação hierárquica dos titulares da capacidade postulatória ao órgão judiciário, o superior interesse público, no prosseguimento do processo, coloca esses agentes sob a órbita da medida extrema, reservando-se apenas a responsabilidade administrativa ao órgão competente. Não importa, ademais, a natureza do procedimento. O representante da Fazenda Pública não raro tem vista dos procedimentos de jurisdição voluntária. 1.187.2.1. Legitimidade para requerer a cobrança dos autos – O art. 234, § 1.º, legitima qualquer interessado para requerer a imediata restituição dos autos ilegitimamente retidos. Em princípio, a providência interessa à parte adversa; mas, toda pessoa com direito a examinar os autos assiste análogo poder, incluindo os servidores da Justiça.215 E, de resto, a iniciativa concreta do “interessado” se mostra desnecessária, pois ao juiz compete, ex officio, iniciar o procedimento de cobrança.216 O escrivão ministrará “alerta à retenção e descaminhos dos autos”.217 Neste aspecto, o art. 234, § 1.º, reproduzindo o CPC de 1973, exibe verba legislativa superior à do confuso art. 36, § 2.º, do CPC de 1939. Este parágrafo induzia a impressão de a cobrança em si tocar ao próprio interessado, equívoco verberado como absurdo.218 1.187.2.2. Intimação do procurador e consequências da inércia – Deferida a cobrança dos autos, o escrivão expedirá o respectivo mandado. O oficial de justiça (art. 154, I) intimará o advogado a restituir os autos em três dias (art.

234, § 2.º). A contagem do prazo em dias é a comum (art. 219, caput, c/c art. 224). Nada acontecendo, no interregno aprazado, sujeitar-se-á o advogado a sanções autônomas e independentes. Em primeiro lugar, perderá o direito à vista fora de cartório, sanção baseada no intolerável abuso de confiança, mas restrita ao processo em curso.219 Ademais, incorrerá em multa, “correspondente à metade do salário-mínimo” (art. 234, § 2.º, in fine) e, possivelmente, no crime capitulado no art. 356 do CPB. E, finalmente, cuidando-se de advogado privado, praticará infração disciplinar (art. 34, XXII, da Lei 8.906/1994), punida com suspensão (art. 37, I, da Lei 8.906/1994). O regime dessas sanções assenta em premissa relevante: a perda da vista só compromete o advogado, pessoalmente intimado, omisso na devolução dos autos no prazo de três dias.220 Em tal sentido decidiu o STJ: “No caso de retenção dos autos além do prazo legal, o advogado só perde o direito de neles ter vista fora de cartório e incorre em multa se, após intimado, não os devolver dentro de vinte e quatro horas”.221 Idêntico requisito comum incide na configuração das demais sanções. O procedimento disciplinar, envolvendo, a um só tempo, a aplicação das penas de suspensão e de multa, caberá à OAB (art. 234, § 3.º), ao órgão correcional do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública (art. 234, § 4.º) e ao órgão de classe do colaborador da justiça (art. 234, § 5.º). O art. 234, § 3.º, evidencia a absoluta falta de poderes disciplinares do juiz sobre o advogado privado.222Jamais se cogitou de poder disciplinar do juiz sobre integrantes do Ministério Público, e, a fortiori, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública. E no processo disciplinar, assegurada a ampla defesa, investigar-se-á o abuso, ou seja, “a intenção de tirar proveito indevido ou de prejudicar e prova do prejuízo”.223 A pura simples retenção dos autos, além do prazo, não gera sanções. Por outro lado, a caracterização do tipo penal exige a falta de restituição no prazo aberto pela intimação, “pela qual o crime se consuma”;224 mas, inversamente, a omissão bastará ao tipo penal, nada importando a posterior expedição do mandado de busca e apreensão.225 O autor do crime é o advogado, jamais a parte representada.226 O juiz encaminhará as peças competentes ao Ministério Público (art. 40 do CPP). 1.187.2.3. Entrega dos autos após a intimação – O advogado retardatário, entregando os autos, logo que intimado validamente, não perde o direito à vista, nem incide nas sanções disciplinar e penal. A parte representada pelo procurador tampouco arcará com efeitos negativos. É inadmissível o desentranhamento de qualquer peça processual. 1.187.2.4. Expedição do mandado de busca e apreensão dos autos – Não restituídos os autos, no prazo de três dias, contados na forma ordinária, o juiz expedirá mandado de busca e apreensão. Era a providência prevista no direito anterior.227 Omisso que seja o art. 234, o art. 139, IV, autoriza essa medida sub-rogatória, pois mostrar-se-ia intolerável passar-se ao custoso procedimento da restauração dos autos físicos.

Respeitados os direitos fundamentais, o oficial de justiça estenderá a revista ao escritório e residência do advogado. Segundo rezava a redação origináia do art. 7.º, II, in fine, da Lei 8.906/1994, representante da Ordem dos Advogados acompanharia, obrigatoriamente, as diligências; porém, na redação atual (presumivelmente para facilitar as buscas da polícia judiciária) desapareceu essa útil prerrogativa profissional. Localizados os autos, resolve-se o problema imediato e premente; extraviados, tudo se complica: cumpre restaurá-los, mediante o procedimento contemplado nos arts. 712 a 718 do NCPC. Nesta hipótese, o advogado responderá pelas despesas e honorários (art. 718), sem embargo das responsabilidades civil, penal e disciplinar. 1.187.2.5. Desaparecimento dos autos por fato de terceiro – A restituição dos autos torna-se impossível, inclusive frustrando a busca e apreensão, no caso de o desaparecimento dever-se a fato ilícito de terceiro ou a caso fortuito. O furto dos autos no escritório, ou do interior do automóvel do advogado, e o incêndio na residência, provocam o extravio ou a destruição física dos autos Trata-se de infortúnio profissional digno de lástimas. O advogado atento e responsável, diante dessa situação aguda e constrangedora, comunicará o fato ao órgão judiciário, incontinenti, a evitar o início das providências de cobrança. Em sua manifestação, alegará e provará o fato ilícito imputável a terceiro (v.g., através do boletim de ocorrência). Livrar-se-á, assim, das sanções que a lei lhe reserva (retro, 1.187.2.2). 1.188. Controle dos prazos processuais dos servidores O juiz verificará o cumprimento dos prazos processuais dos seus auxiliares. Um dos fatores mais significativos na demora dos feitos em juízo reside nas chamadas etapas mortas. O processo, realizada a atividade das partes do juiz, enreda-se na burocracia do cartório. Fica parado, aguardando a elaboração do termo ou a expedição de nota de expediente, sem embargo da ordem cronológica do art. 153. O controle do juiz revela-se imperioso para debelar esse mal crônico. Ele assumirá caráter preventivo, determinando o juiz “as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais”, a teor do art. 35, III, da LC 35/1979; ou repressivo, conforme preconiza o art. 233. Cumpre ao juiz verificar se o serventuário excedeu os prazos legais. Se a primeira tarefa exige perspicácia, diagnóstico dos entraves (v.g., servidor inepto ou desinteressado) e firmeza de propósitos, com o fito de reorganizar o serviço, a segunda depende da constatação do fato, ao receber os autos conclusos, ou de reclamação específica do interessado. Neste sentido, o controle preventivo adquire feição ativa, exigindo-se do juiz participação efetiva nos fatos que interessam ao seu trabalho; o repressivo torna-se mais passivo, ocorrendo após o atraso. O desempenho da atividade corregedora assenta, via de regra, na autoridade moral do juiz. O juiz relapso jamais será levado a sério por seus subordinados. E o juiz diligente e operoso, como sói ocorrer, precisará

aguardar distância dos servidores, negando-lhes intimidade excessiva, ou tornar-se-á condescendente com as falhas flagrantes e indesculpáveis. 1.188.1. Sujeitos da verificação judicial – O art. 233 indica os prazos a cargo do serventuário como passíveis de controle. Ele abrange, conseguintemente, todos os auxiliares do juízo (art. 139), conforme a lotação do cartório: escrivão, oficial de justiça e escreventes. Às vezes, na mesma vara há dois ou mais ofícios e a supervisão de um único juiz recai sobre todos os titulares do mesmo cargo de escrivão (retro, 981). O diretor do foro, existindo dois ou mais ofícios autônomos na comarca, comuns às diversas varas, realizará o controle do distribuidor, do contador, do partidor e congêneres. Os particulares em colaboração com a Administração da Justiça, a exemplo do perito, do conciliador, do mediador, do administrador e do intérprete, igualmente têm o dever de cumprir prazos. Todavia, variam as sanções. No que tange ao perito, o art. 157, caput, primeira parte, estipula o dever de cumprir seu ofício “no prazo que lhe designar o juiz” – no caso, prazo judicial assinado na oportunidade da designação, a teor do art. 465, caput -, mas o art. 158 só institui o dever de indenizar por informações inverídicas, dentre outras sanções. Esse regime se aplica ao intérprete (art. 164). O descumprimento dos prazos se resolve pela substituição do perito e do intérprete, dificilmente nomeados para trabalhos futuros. A pontualidade na audiência de conciliação e mediação (art. 334) é dever do auxiliar do juízo. O mediador e o conciliador moroso incidem na cláusula da “atuação inadequada” do art. 173, § 2.º. Legitimam-se a reclamar contra a desídia do auxiliar as partes, o Ministério Público, na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 178), e a Defensoria Pública (art. 233, § 2.º). O art. 153, § 4.º, indica a parte prejudicada pela preterição da ordem cronológica, mas é óbvio que ao Ministério Público, na condição de fiscal da ordem jurídica, legitima-se nessa iniciativa, assegurando-se ao escrivão ou chefe de secretaria o prazo de dois dias para explicar-se. 1.188.2. Objeto da verificação judicial – O art. 228 contempla os prazos do escrivão ou chefe de secretaria. Por analogia, empregando o art. 228 a palavra serventuário, o distribuidor, o contador e os outros servidores, não dispondo a lei diferentemente, dispõem de igual interstício para os atos do seu ofício. O objeto genérico da verificação consiste no cumprimento de tais prazos. O art. 233, caput, parte final, menciona os “prazos estabelecidos em lei”, referência inequívoca aos prazos legais; porém, os prazos judiciais também podem ser excedidos dolosamente. O simples atraso não constitui motivo bastante para mandar instaurar procedimento administrativo. O art. 233, § 1.º, abranda a linha ríspida do art. 23, § 2.º, do CPC de 1939. Essa regra sujeitava o servidor retardatário, de pleno direito, ao pagamento de multa. O juiz avaliará, no sistema vigente, a causa do excesso de prazo, relevando os atrasos decorrentes de motivo legítimo (art. 233, § 2.º: “…injustificadamente exceder os prazos…”), incluindo o descumprimento do art. 153. Enquadram-se nesse conceito elástico a falta

de pessoal (v.g., um escrevente atende ao público e movimenta os processos) e de material (v.g., há apenas um servidor capacidade para alimentar o sistema de informática); os problemas na rede de servidores; as obras físicas na sede do juízo; e, principalmente a quantidade de serviço. O acúmulo de feitos como motivo legítimo enseja divergência.228 Dependendo da situação real do ofício, “ignorar a sobrecarga dos cartórios é ignorar a realidade”.229Não há como discordar desse ponderado juízo. 1.188.3. Consequências da verificação judicial – Segundo o art. 233, § 1.º, apurada a falta, o juiz mandará instaurar o devido procedimento administrativo. Ora, somente o excesso indevido, praticado sem motivo legítimo, em tese constitui ilícito administrativo, passível de sanção em processo administrativo disciplinar. Logo, incumbe ao juiz, antes de mais nada, ouvir o servidor, quiçá no prazo de dois dias (art. 153, § 4.º), facultandolhe a exposição oral dos motivos do atraso. O juiz há de conhecer as mazelas do seu próprio cartório melhor do que outra pessoa. E a diligência do pessoal lotado na vara não escapou às suas observações diuturnas. Não existe justa causa para abrir processo administrativo, precedido ou não de sindicância, de antemão fadado à improcedência. No entanto, mostrando-se flagrante a desídia do servidor, ou não se convencendo o magistrado com essas explicações iniciais, a abertura da investigação preliminar ou do processo administrativo subordina-se à verificação da materialidade do ilícito.230 De regra, cuida-se de ilícito apurado consoante a fórmula clássica do direito administrativo: a “verdade sabida”. O simples exame dos autos permite avaliar o decurso, ou não, do exíguo prazo de quarenta e oito horas, assinado à maioria dos atos do escrivão. Esse elemento inicial, a materialidade do ilícito, fundamentará a ordem prescrita no art. 233, § 1.º. Faltou acrescentar o óbvio: o juiz ordenará a prática do ato omitido pelo auxiliar. Dessa omissão não parece o art. 153, § 5.º, valendo, quanto à instauração do procedimento administrativo, nesse caso específico, as considerações já feitas. A partir daí o assunto já não interessa ao direito processual civil. A relação do servidor com a Administração decorre da lei estatutária respectiva.231 É a lei federal ou a lei estadual, conforme se trate, respectivamente, da Justiça Federal ou da Justiça Comum. O Estado-membro tem competência legislativa exclusiva para disciplinar a relação mantida com os seus servidores e, por esse motivo, a lei federal não incide direta ou subsidiariamente. A lei de organização judiciária, referida no art. 233, § 1.º, in fine, em geral faz remissão ao estatuto do servidor da Justiça, no concernente à responsabilidade administrativa. Em tal diploma se localizarão a tipicidade do ilícito; a prescrição; o regulamento do procedimento administrativo disciplinar, obrigatoriamente precedido, ou não, de sindicância; a autoridade competente (em geral, o próprio juiz da vara em que lotado o servidor) e a sanção porventura aplicável ao excesso de prazo. 1.189. Controle dos prazos processuais do órgão judiciário É claro que, ao lado dos juízes ativos e prestativos, “haverá, também, juízes tardinheiros, displicentes, relapsos, que não se preocupam com os

prazos e deixam os autos empilhar-se nos armários”,232 lesando os direitos fundamentais das partes. Fatores estritamente pessoais, a personalidade do magistrado, o ambiente familiar interferem na sua produtividade. Há os que refletem demasiado, perdem-se em pormenores irrelevantes; os que hesitam por escrúpulos excessivos; e os que desanimam perante as dificuldades da causa e a numerosidade dos litígios. O resultado é a demora na prestação jurisdicional. O antiquíssimo problema da falta de presteza do juiz, especificamente da indolência dolosa, jamais logrou solução satisfatória no plano processual.233 Restringindo a análise aos precedentes mais atuais, convém rememorar o art. 24 do CPC de 1939. Reproduziu o dispositivo o conjunto de soluções hauridas dos diplomas estaduais que lhe precederam, especificamente do CPC de São Paulo e do CPC de Minas Gerais,234 cominando duas sanções cumulativas ao juiz, ao agente do Ministério Público e ao procurador da Fazenda Pública retardatários: (a) a perda de “tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos”; (b) a perda em dobro dos dias excedidos “na contagem do tempo de serviço, para o efeito de promoção e aposentadoria”. E o Código de Organização Judiciária do então Distrito Federal (Dec.-lei 8.527, de 31.12.1945), hoje Rio de Janeiro, mediante a alteração promovida pelo art. 19 da Lei 1.301, de 28.12.1950,235 contemplou a perda da competência, devendo o juiz que excedesse o dobro do prazo previsto para proferir decisão recorrível passar os autos ao seu substituto legal. O anteprojeto de CPC que se transformaria no CPC de 1973 regulava, extensamente, a verificação do excesso dos prazos pelo juiz, cominando – em atenção ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados, pois controversa a constitucionalidade do art. 24, primeira parte, do CPC de 1939236 – a perda de tempo de serviço para efeito de promoção e aposentadoria. O projeto já chegou ao Congresso Nacional depurado dessa parte, por interferência da Comissão Revisora, sem embargo do juízo de um dos seus integrantes no sentido de que “normas rígidas se impuseram aos magistrados de ambos os graus de jurisdição”.237 Essa rigidez decorreria do art. 198 do CPC de 1973, prevendo a reclamação e a avocação do processo. O balanço favorece a solução técnica do CPC de 1973 e seguida no NCPC. Os aspectos disciplinares ficam relegados ao processo administrativo, aberto ex officio, ou por decorrência de reclamação apresentada. Não é assunto que se deva imiscuir, diretamente, a lei processual. Neste plano, o art. 235 do NCPC adotou a única solução concebível: o afastamento do juiz e a eventual designação de outro para “decisão” (infra, 1.189.1). 1.189.1. Representação contra o excesso de prazo no primeiro grau – O art. 235 institui a representação contra o excesso de prazo. A lei de organização judiciária de alguns Estados-membros contempla, com idêntico propósito, a correição parcial, cabível contra a “paralisação injustificada dos feitos” e a “dilatação abusiva dos prazos processuais” (art. 195, caput, da Lei 7.356/80-RS, COJE/RS). Os remédios são concorrentes. O ilícito do excesso de prazo imputável ao órgão judiciário caracteriza-se, em tese, quando este haja excedido, por igual tempo, os prazos assinados pela lei (art. 227), quais sejam (art. 226): (a) cinco dias para despachos; (b) dez dias para decisões; (c) trinta dias para sentenças (retro, 1.157). E,

competindo ao órgão judicial de primeiro grau proferir sentenças na ordem cronológica do art. 12, surge outro ingrediente indigesto: o cumprimento do prazo na ordem de conclusão. Nem sempre se mostrará possível, destarte, proferir sentenças em trinta dias. Talvez dezenas de processos cheguem a esse termo e é humanamente impossível exigir a leitura dos autos e a elaboração de sentença em todos ao mesmo tempo. É problema sem solução a curto prazo. Avulta pretender o art. 12 resolver a tendência de postergar o exame dos casos difíceis. Por óbvio, exige muito tempo de meditação e trabalho do julgador. Nada dispõe a regra, explicitamente, quanto aos prazos para realizar os atos materiais (retro, 1.120). No entanto, o atraso em realizar a inspeção judicial, por exemplo, pode ensejar a representação do legitimado, ocorrendo flagrante desperdício de tempo (v.g., a designação de data remota ou sucessivos adiamentos da diligência). Da parte final do art. 235, caput, inferese a inclusão desses atos na órbita da representação. E, mesmo sobrevindo sentença no prazo alargado do art. 227, a ausência de motivo plausível, não tendo o magistrado declarado a razão do uso da dobra, em tese cabe a reclamação. Dificilmente, porém, o procurador da parte empregará esse expediente extremo em casos tais, medida que não lhe angaria simpatia nos meios forenses. Legitimam-se a representar contra o juiz moroso, segundo o art. 235, caput, qualquer das partes, o Ministério Público, independentemente da posição efetivamente ocupada no processo de parte principal ou de parte coadjuvante (art. 178), e a Defensoria Pública. Os terceiros, demonstrando legítimo interesse (v.g., o amicus curiae), também se legitimam a tomar a providência. A representação constará de petição escrita, dirigida ao corregedor do tribunal ou diretamente ao CNJ, ministrando, desde logo, prova do atraso. O art. 25 do CPC de 1939 previa a expedição de certidão do escrivão do feito para proceder ao desconto nos vencimentos. O dispositivo recebeu a infundada crítica de que colocaria o juiz sob a fiscalização do escrivão.238 Ocorre que inexiste outra prova hábil à demonstração do fato. As informações eletrônicas presumem-se verídicas (art. 197,caput). Porém, a mais das vezes, consideram-se ilustrativas e pouco confiáveis. Não resta outra prova, portanto, ao interessado, malgrado a relutância do escrivão em fornecê-la. Em casos extremos, impossibilitado de apresentar a prova idônea, o representante reclamará ao corregedor do tribunal que colha a informação na relação mensalmente remetida à Corregedoria da Justiça na forma do art. 39 da LC 35/1979. Recebida a representação, o presidente do tribunal mandará distribuí-la ao órgão competente (art. 235, § 1.º). O relator sorteado ouvirá preliminarmente o juiz, salvo se negar-lhe seguimento, porque insuficientemente instruída ou prejudicada (v.g., entrementes, sobreveio o ato sonegado). O órgão competente para processar e julgar a representação contra juízes por excesso de prazo, bem como o respectivo procedimento, encontra-se na lei de organização judiciária e no regimento interno do tribunal.

O art. 235 permite à parte endereçar a reclamação ao corregedor do tribunal. Realmente, é a autoridade competente para corrigir a atividade judicante em primeiro grau. Não o é, porém, quanto aos seus pares, e nem sequer para processar e julgar administrativamente o magistrado. Ademais, a representação será distribuída no órgão competente (art. 235, § 1.º). Logo, cuida-se de simples endereçamento da petição. Em geral, as normas de organização judiciária instruem o relator a requisitar informações ao juiz, seja para inteirar-se da real situação da vara, seja para ensejar ao magistrado, in extremis, a emissão do ato sonegado, hipótese em que a representação ficará prejudicada. O relator só encaminhará o expediente para o Conselho da Magistratura, a fim de apurar e julgar, se for o caso, o ilícito administrativo, após resolver o problema processual evocado pelo representante. O procedimento administrativo disciplinar observará o disposto na LC 35/1979. O art. 235, § 1.º, antecipa-se um pouco, prevendo a instauração do procedimento administrativo, não sendo o caso de indeferimento imediato, e mandando ouvir o juiz, por intimação eletrônica, para se defender em quinze dias. Apresentada a justificativa cabível, ou não, o art. 235, § 2.º, prevê a emissão de ordem, no prazo de quarenta e oito horas, para o representado praticar o ato em dez dias. Apesar da menção ao corregedor do tribunal competente, há de se entender que o ato originar-se-á do relator, porque distribuída a representação, nada impedindo que seja o próprio corregedorgeral. Mantida a inércia, reza o art. 235, § 3.º, o relator ordenará o traslado do processo para o substituto legal, a fim de que esse profira decisão em dez dias. Significa que o representado perderá a competência ratione temporis. Parece um prêmio a esse magistrado relapso, mais trabalho para o juiz pontual designado para desincumbir-se da ingrata tarefa de suprir a deficiência alheia, e assim o profano interpretará o ato. Mas, é a única solução concebível no interesse da parte. O princípio da incolumidade obsta que, fisicamente, o magistrado seja compelido a proferir o pronunciamento protelado. Em outras palavras, ou há a designação de outro juiz, ou o impasse persistirá indefinidamente, na melhor hipótese até a aplicação das penas de remoção, disponibilidade ou aposentadoria compulsórias. E, de resto, a redistribuição constitui rotina nos tribunais, aposentando-se o magistrado com grande acervo de processos atrasados. Houve casos de remoção da seção cível para a criminal do tribunal, e vice-versa, tão só para zerar os processos conclusos, fazendo-os redistribuir aos integrantes do mesmo grupo ou turma, até os regimentos travarem o ardiloso expediente, vinculando o desembargador aos processos a ele distribuídos no órgão fracionário de origem. A avocação no sentido de designar outro juiz só cabia na hipótese de se tratar de sentença no direito anterior.239 O art. 235, § 2.º, alude a ato em sentido genérico. Livrou-se do defeito de “dar permissão ao juiz omisso para exceder todos os prazos, menos o do proferimento da sentença”.240 1.189.2. Representação contra excesso de prazo nos tribunais – O art. 235 aplica-se aos integrantes de quaisquer tribunais que hajam descumprido

os prazos “previstos em lei, regulamento ou regimento interno”. Entende-se por regulamento a lei de organização judiciária e outros provimentos emanados do autogoverno dos tribunais. O CPC de 1973 também estendia a representação aos sobrejuízes. Evitou a interpretação complacente, ocorrida no TJ/MG,241 isentando os desembargadores. Portanto, cabe em quaisquer tribunais, e, não, apenas nos tribunais “superiores” mencionados no direito anterior (STF e STJ),242 a representação contra o excesso de prazo de desembargadores e ministros, bem como a avocação do recurso ou causa atrasados. Além dessa reclamação, dirigida ao presidente do tribunal respectivo, há a possibilidade de o interessado reclamar, diretamente, perante o CNJ (art. 103-B, § 4.º, III, da CF/1988). O procedimento já mereceu análise no item anterior. Em caso tal, manifesta é a impropriedade da designação do corregedor no art. 235, caput, revelando má compreensão da organização interna dos tribunais brasileiros. O corregedor do segundo grau é o presidente do tribunal. O “Corregedor-Geral de Justiça”, também eleito pelos pares, corrige o primeiro grau. Vários são os prazos passíveis de descumprimento nos graus superiores de jurisdição. Por exemplo, fitando os recursos contra atos do primeiro grau de jurisdição: (a) o de trinta dias para o relator preparar voto e relatório, restituindo os autos à secretaria do órgão fracionário, senão julgar singularmente o recurso, nas hipóteses do art. 932, III, IV e V: (b) o de trinta dias para lavrar o acórdão (art. 944, caput); (c) o de dez dias para restituir os atos, tomando ou pedindo vista (art. 940, caput); (d) o de cinco dias para tomar as providências do art. 1.019 no agravo de instrumento; (e) o de um mês para julgar o agravo de instrumento (art. 1.020); (f) o de cinco dias para julgar os embargos de declaração (art. 1.023, caput). Os exemplos se multiplicariam nas causas e incidentes de competência originária dos tribunais. O volume de serviço impede, a mais das vezes, a estrita observância desses prazos. Nem sequer os ministros do STF, tão ciosos quanto às suas prerrogativas, observam esses prazos. E há de se convir que não lhes cabe censura por atrasos: as causas e os recursos sob sua competência só podem ser julgadas após a devida meditação.

Capítulo 54. DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 247.º Do intercâmbio processual – 1.190. Finalidade técnica da comunicação processual – 1.191. Formas de comunicação processual – 1.192. Espécies de comunicação processual – § 248.º Da citação – 1.193. Conceito legal de citação – 1.194. Espécies da citação – 1.194.1. Cabimento das espécies de citação – 1.194.2. Citação pelo correio – 1.194.3. Citação por oficial de justiça – 1.194.4. Citação por edital – 1.194.5. Citação por meio eletrônico – 1.194.6. Citação pelo escrivão – 1.195. Ônus de requerer a citação – 1.196. Destinatário da citação – 1.196.1. Identificação do réu – 1.196.2. Identificação do executado – 1.196.3. Identificação do interessado – 1.196.4. Citação da pessoa natural – 1.196.5. Citação da pessoa jurídica – 1.196.6. Citação na pessoa representante habilitado – 1.196.7. Citação na pessoa do representante presumido – 1.197. Lugar da citação – 1.197.1.

Citação no estabelecimento militar – 1.197.2. Citação no culto religioso – 1.198. Tempo da citação – 1.198.1. Proibição da citação no período de nojo – 1.198.2. Proibição da citação no período de gala – 1.199. Verificação da capacidade do citando – 1.199.1. Incapacidade transitória do citando – 1.199.2. Incapacidade permanente do citando – § 249.º Citação pelo correio – 1.200. Preferência e dificuldades na citação pelo correio – 1.201. Exclusão da citação pelo correio – 1.201.1 Proibição de natureza objetiva da citação pelo correio – 1.201.2 Proibição de natureza subjetiva da citação pelo correio – 1.202. Controle da admissibilidade da citação pelo correio – 1.203. Requisitos da carta de citação – 1.204. Entrega da carta de citação ao destinatário – 1.205. Recusa do destinatário de firmar o aviso – 1.206. Frustração da citação pelo correio – § 250.º Citação por oficial de justiça – 1.207. Posição da citação por oficial de justiça – 1.208. Requisitos do mandado de citação – 1.208.1. Identificação das partes – 1.208.2. Finalidade da citação – 1.208.3. Cominação de pena – 1.208.4. Dia, hora e lugar de comparecimento – 1.208.5. Cópia da decisão – 1.208.6. Assinatura do escrivão – 1.209. Execução do mandado de citação – 1.209.1. Prazo da diligência – 1.209.2. Localização do citando – 1.209.3. Identificação do citando – 1.209.4. Leitura do mandado de citação – 1.209.5. Entrega da contrafé ao citando – 1.209.6. Obtenção da nota de ciência – 1.210. Incidente da citação por hora certa – 1.210.1. Requisitos da citação por hora certa – 1.210.2. Procedimento da citação por hora certa – 1.210.3. Efeitos da citação por hora certa – § 251.º Citação por edital – 1.211. Posição e espécies de citação por edital – 1.212. Condições de admissibilidade da citação por edital – 1.212.1. Identificação impossível do citando – 1.212.2. Localização impossível do citando – 1.212.3. Casos de obrigatoriedade da citação por edital – 1.212.4. Ônus da afirmação de desconhecer o réu ou o respectivo paradeiro – 1.213. Deferimento da citação por edital – 1.214. Requisitos do edital de citação – 1.214.1. Conteúdo do edital de citação – 1.214.2. Fixação do prazo do edital – 1.214.3. Advertência ao citando do efeito material da revelia – 1.215. Lugar de publicação do edital de citação – 1.216. Publicidade do edital – 1.216.1. Afixação do edital de citação na sede do juízo – 1.216.2. Publicação do edital de citação – 1.216.3. Divulgação do edital de citação em emissora de radiodifusão – 1.217. Responsabilidade por dolo na realização da citação por edital – 1.218. Fator de eficácia da citação por edital – § 252.º Efeitos da citação – 1.219. Enumeração dos efeitos da citação – 1.220. Efeitos processuais da formação do processo – 1.220.1. Proibição da renovação da demanda – 1.220.2. Perpetuação da competência – 1.220.3. Prevenção da competência – 1.221. Efeitos materiais da citação – 1.221.1. Litigiosidade da coisa – 1.221.2. Indisponibilidade patrimonial relativa – 1.221.3. Constituição em mora – 1.221.4. Interrupção da prescrição e da decadência – 1.221.4.1. Conceito de prescrição – 1.221.4.2. Momento do efeito interruptivo da prescrição – 1.221.4.3. Prescrição intercorrente – 1.221.4.4. Decretação ex officio da prescrição – 1.221.4.5. Efeito interruptivo dos prazos decadenciais – 1.222. Natureza do vício da falta (e o caso da citação da pessoa já falecida) ou nulidade da citação e remédios cabíveis – 1.223. Comparecimento espontâneo e suprimento dos vícios da citação – 1.224. Natureza e recorribilidade do ato decisório ordenatório da citação – § 253.º Da intimação – 1.225. Conceito legal de intimação – 1.226. Espécies de intimação – 1.227. Destinatários da intimação – § 254.º Intimação pessoal – 1.228. Posição da intimação pessoal – 1.229. Destinatários da intimação pessoal – 1.230. Meios da intimação pessoal – § 255.º Intimação postal – 1.231. Posição da intimação

postal – 1.232. Inadmissibilidade da intimação postal – 1.233. Forma da intimação postal – 1.234. Entrega da carta ao destinatário – § 256.º Intimação pelo escrivão (in faciem) – 1.235. Admissibilidade da intimação pelo escrivão – 1.236. Destinatário da intimação pelo escrivão – 1.237. Forma da intimação pelo escrivão – § 257.º Intimação por oficial de justiça – 1.238. Admissibilidade da intimação por oficial de justiça – 1.239. Forma da intimação por oficial de justiça – § 258.º Intimação ficta – 1.240. Posição da intimação ficta – 1.241. Admissibilidade da intimação ficta – 1.242. Formas de intimação ficta – 1.243. Requisitos da publicação na intimação ficta – 1.243.1. Identificação do destinatário na publicação – 1.243.2. Conteúdo do ato na publicação –1.243.3. Invalidação da publicação. § 247.º Do intercâmbio processual 1.190. Finalidade técnica da comunicação processual A atividade das partes no processo civil endereça-se, primariamente, ao órgão judiciário. É o órgão especialmente instituído pelo Estado que promoverá a composição do litígio, formulando a regra jurídica concreta aplicável à espécie e realizando-a na prática, com ou sem medidas que, variando de intensidade, debelem as situações de perigo que comprometam esses elevados propósitos. As partes dirigem-se ao juiz para obter resultados favoráveis na causa. No entanto, para alcançar êxito, interessa às partes conhecer perfeitamente a atividade do adversário. Tal conhecimento propicia o controle da regularidade do ato praticado, a reação contra ele e permite influir no convencimento do órgão judiciário, contrabalançando a iniciativa da contraparte. E interessa às partes, por óbvio, conhecer o teor das resoluções do próprio juiz, medindo a conveniência de impugnar os atos desfavoráveis. Logo, a atividade de uma das partes, diretamente dirigida ao juiz, indiretamente também visa à outra parte, e os atos do juiz se endereçam a ambas, formando a comunidade de trabalho regida pelos princípios do contraditório e da cooperação que se afiguram essencial à plena realização dos direitos fundamentais no processo. É indispensável, portanto, realizar esse escopo, a formação da comunidade de trabalho regida pelo contraditório, mediante a ciência das partes, e até de outras pessoas, convocadas para participar do processo, inclusive de pessoas desconhecidas (art. 256, I e art. 259, I a III), da atividade desenvolvida no processo.1 O meio técnico que leva ao conhecimento das partes a atividade processual, reciprocamente, consiste na comunicação dos atos processuais. Feliz síntese expressou que “comunicar é tornar comum”.2 A comunicação dos atos processuais chama-se elegantemente de intercâmbio processual.3 O ato processual de comunicação tem seus elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia próprios. É ato independente, pois, do ato comunicado.4 À semelhança do que sucede no âmbito da formação dos contratos, desenvolveram-se duas teorias quanto à eficácia dos atos de comunicação:5 (a) a da recepção, segundo a qual é preciso certeza quanto ao conhecimento do destinatário, o que somente se obtém com a estrita

observância das formas legais;6 (b) a do conhecimento, em que a efetiva ciência do destinatário impera sobre a forma, que se prescinde em alguns casos – entre nós, ponto de importância quanto à admissibilidade de outros meios de intimação que não os previstos na lei processual (infra, 1.226); (c) a da transmissão, enfatizando a observância ao gabarito do mecanismo de transmissão do conhecimento.7 Variante sustenta que todas são teorias do conhecimento, por sua vez subdivido em duas espécies: (a) real (v.g., entrega da carta de citação ao citando, a teor do 248, § 1.º); ou (b) potencial (v.g., a entrega da carta de citação ao “funcionário da portaria responsável pelo recebimento da correspondência”, no condomínio horizontal, a teor do art. 248, § 4.º).8 Parece preferível adotar posição eclética nesse assunto. A citação faculta ao réu a defesa. Logo, quaisquer temperamentos formais mostram-se discutíveis, e, infelizmente, seguiu essa linha o art. 248, § 4.º, na citação postal. Não é adequado aos direitos fundamentais processuais a entrega da carta no meio em que vive ou trabalha o citando (v.g., ao porteiro do edifício). As intimações ocorrem com as partes (no mínimo, o autor) representadas por advogados. Lícito tolerar moderadamente a tese da simples ciência (v.g., a retirada dos autos do cartório pelo advogado, prevista no art. 231, VIII). 1.191. Formas de comunicação processual Os atos processuais – declarações unilaterais ou bilaterais de vontade – têm destinatário e forma oral ou escrita. Em algumas situações, o intercâmbio ocorre direta e imediatamente. Na audiência principal, ou audiência de instrução e julgamento, da qual participam partes e órgão judiciário, inexiste a menor necessidade de distinguir entre a manifestação do ato e a respectiva ciência. As partes reputam-se intimadas em audiência quando nela o juiz prolata decisão ou sentença (art. 1.003, § 1.º). E o intercâmbio entre as partes e o juiz, por intermédio de declarações escritas, ocorre através do contato com o próprio juiz. O juiz toma ciência, compulsando os autos, dos atos postulatórios das partes, das provas e dos atos dos auxiliares. A ciência do escrivão, recebendo os autos para praticar os atos do seu ofício (v.g., a elaboração do termo de juntada ou do termo de conclusão), ocorre da mesma forma direta e imediata. Fora desses casos, em que o contato recíproco e os autos suprem a necessidade de ciência, o intercâmbio realiza-se através de formas especiais que, por sua vez, geram outros atos processuais – no direito vigente, segundo o Capítulos II e III do Título II – Da Comunicação dos Atos Processuais do Livro IV da Parte Geral, a citação e a intimação. Essas duas espécies de atos de intercâmbio realizam-se de duas formas: (a) real; ou (b) presumida, igualmente chamada de ficta. Na primeira hipótese, o ato alcança, diretamente, o destinatário, como acontece com a citação ou a intimação feita pelo escrivão ou chefe de secretaria (art. 246, III); na segunda, emprega-se órgão (v.g., sítio) ou pessoa estranha (v.g., o vizinho, a que alude o art. 253, § 3.º).9

Existem outros modos de classificar os atos de comunicação processual.10 Em relação ao lugar: (a) na sede do juízo, na qual ocorre a intimação in faciem; (b) no domicílio da parte. E, no tocante à forma, há duas espécies: (a) expressa (v.g., a intimação pelo correio); (b) tácita (v.g., a retirada dos autos em carga). A intimação expressa pode ser (a) real (entrega no domicílio) ou (b) pessoal (entrega à pessoa). Esta última se divide em (ba) consentida (v.g., o oficial de justiça obtém a nota de ciente do citando, a teor do art. 251, III)) ou (bb) forçada. Não há, entre nós, forma ad solenitatem de comunicação para dignitários. Assim, o Presidente e o Vice-Presidente da República, que depõem como testemunhas na sua residência (art. 454, caput, e inc. I), e no dia e horário por eles agendados (art. 454, § 1.º), são intimados por um dos meios legalmente previstos (v.g., intimação postal). Em relação a determinados órgãos, a exemplo do Ministério Público, desenvolveu-se a entrega dos autos na respectiva sede (a remessa mencionada no art. 183, § 1.º), entendendo-se que a comunicação ocorre na data do protocolo ou da recepção. O direito argentino prevê, em seus diferentes diplomas processuais, tal forma de intimação.11 1.192. Espécies de comunicação processual Os atos de intercâmbio processual dividem-se em duas espécies: (a) citação; (b) intimação. A lei processual definiu ambos. A citação é o “ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238). E a intimação é o “ato pelo qual se dá ciência a alguém dos termos e dos atos do processo” (art. 269, caput). A exatidão dessas noções, consoante o ius positum, e sem embargo do contraste com as proposições do CPC de 1973, receberá comentários nos itens adequados. Antes disso, entretanto, domina o panorama aspecto mais genérico. Esses atos de intercâmbio, instrumento ou meio da comunicação de outros atos processuais, também constituem, de per si, atos processuais – por sinal, no caso da citação, de transcendência capital –, razão por que a eles incidem as regras gerais sobre atos processuais.12 Em relação às funções, os atos de intercâmbio limitam-se, por vezes, a noticiar o que se passou, propiciando ao destinatário preparar e realizar outros atos processuais porventura previstos no procedimento. É o caso da citação inicial (art. 238), que abre oportunidade à defesa, no processo de conhecimento, e enseja o cumprimento espontâneo da prestação contemplada no título (art. 829, caput) ou a reação do executado contra a execução injusta ou ilegal, por intermédio de embargos (art. 914), na execução fundada em título extrajudicial. Também a intimação dos atos decisórios (art. 1.003, caput), na pessoa do advogado, estimula eventual impugnação contra o provimento desfavorável. Mas, há outros atos de intercâmbio que reclamam futura realização material de atos das partes e de terceiros – por exemplo, a intimação da testemunha para comparecer à audiência de instrução e julgamento –, ou exigem abstenção (v.g., deixar de turbar a posse alheia, a teor do art. 567). Portanto, os atos de comunicação cumprem diferentes funções, convindo não olvidar os que traduzem simples advertência (v.g., de a conduta constituir atentado à dignidade da Justiça, a teor do art. 77, § 1.º).

O ato de comunicação que determinava algo às partes ou aos terceiros recebia o nome de notificação no art. 167 CPC de 1939. Enquanto a intimação respeitava a ato pretérito (v.g., a intimação da sentença proferida fora da audiência), a ciência de alguém quanto aos atos e termos do processo, a notificação abrangia ato futuro (v.g., o comparecimento da testemunha na audiência),13 ou seja, veiculava ordem para que alguém fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa.14 A essa mesma modalidade o direito espanhol designa “intimação judicial”.15 O CPC de 1939 empregou critério baseado no conteúdo da comunicação. Todavia, não lhe permaneceu fiel, utilizando o verbo notificar e seus cognatos no sentido de chamar a juízo (art. 373, parágrafo único, do CPC de 1939); dar ciência (art. 720 do CPC de 1939); e ordenar a prática de ato extrajudicial (art. 352 do CPC de 1939).16 Idênticas imprecisões, de resto, impregnavam os atos de citação e de intimação, formando autêntico emaranhado. Fez bem o CPC de 1973 em ignorar o conteúdo do ato e abrigar essas modalidades de ciência no rótulo de intimação. Porém, o NCPC volta a mencionar a notificação, dentre os atos passíveis de auxílio direto (art. 69, § 2.º, I) e, significativamente, suprimiu a cláusula final do art. 234 do CPC de 1973 (“…para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”) no equivalente art. 269, caput, do NCPC. Porém, as testemunhas são intimadas para comparecer à audiência (art. 455, caput, e § 1.º), pelo advogado do arrolador, e, não, notificadas – como seria de se esperar se a notificação ressurgisse na forma do art. 167 do CPC de 1939. Da notificação ocupou-se o art. 726. Tratou-a como meio de o requerente comunicar sua própria vontade ao requerido, com o intuito de prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direitos, ou manifestar intenção de modo formal, preventivamente. Em tema de comunicação dos atos processuais, desaparecida ou não a notificação, não importa mais se a intimação dá conta do ato passado ou exige que o respectivo destinatário faça ou deixe de fazer alguma coisa.17 O art. 269, caput, fundiu efeitos diferentes no mesmo ato de comunicação, acompanhando sugestão, de lege ferenda, externada na vigência do CPC de 1939,18 e, como visto, seguida no NCPC. Em qualquer hipótese, para realizar a citação e a intimação, o órgão judiciário empregará meios materiais internos, próprios da estrutura do seu ofício, valendo-se de seus auxiliares (v.g., o oficial de justiça ou o escrivão na citação pessoal) ou meios externos (v.g., os correios na citação postal).19 A novidade consiste na intimação feita pelo advogado, a exemplo da intimação da testemunha arrolada (art. 455, caput, e § 1.º) e, principalmente, a intimação de advogado para advogado (art. 269, § 1.º), por via postal. A lei utiliza a figura da requisição, marcando a autoridade do órgão judiciário, tratando-se de exigir a colaboração de outros órgãos públicos. Exemplos da primeira espécie: (a) a requisição da força policial (art. 139, VII), inclusive para auxiliar a realização ou praticar diretamente atos executivos (art. 782, § 2.º); (b) a requisição do servidor público civil ou militar para testemunhar, hipótese em que, segundo o art. 455, § 4.º, III, o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo armado; (c) a requisição de certidões e de procedimentos administrativos em tramitação em

outros órgãos da Administração (art. 438); (d) a requisição dos dados bancários do executado à autoridade supervisora do sistema financeiro nacional (art. 854, caput). O emprego do verbo “requisitar” não se mostra unívoco, prestando-se a assinalar outras exigências do órgão judiciário e de seus auxiliares. Por exemplo: (a) a avocação dos autos pelo presidente do órgão fracionário, expirado o prazo de vista do julgador (art. 940, § 1.º), a fim de prosseguir no julgamento; (b) a obtenção de autógrafos paradigmas pelo perito, apurando a autenticidade de letra ou firma (art. 478, § 3.º). Segundo opinião exarada na vigência do CPC de 1939, a requisição representaria espécie autônoma de intercâmbio processual.20 Em tais situações, todavia, ao destinatário incumbe fazer ou deixar de fazer alguma coisa (v.g., liberar o servidor público ou militar). Portanto, a comunicação encontra-se no âmbito da noção de intimação.21 § 248.º Da citação 1.193. Legal de citação O art. 238 ministra o conceito legal de citação. É o ato através do qual o juiz, emitindo juízo positivo a respeito da regularidade da petição inicial, embora implícito, convoca o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Desapareceu a cláusula final do artigo precedente que chamava a juízo para apresentar defesa. Com razão, pois nem sempre o réu apresentará defesa, quedando-se inerte, e o executado é convocado satisfazer a prestação ou o direito contemplado no título no título extrajudicial e judicial (art. 515, § 1.º). Estruturalmente a citação engloba tanto o chamamento a juízo (in jus vocatio), quanto a comunicação do conteúdo da pretensão (editio actionis).22 Em outras épocas, a legislação processual brasileira já separou os dois atos, convocando o réu para comparecer em juízo, e, na audiência designada para tal fim, conhecer o conteúdo da pretensão do autor (v.g., art. 514 do CPC/RS, Lei 65/1908-RS). Em termos, é o regime vigente do direito italiano.23 O elemento da ciência decorre do art. 250, II. A aglutinação das duas funções no mesmo ato imprimiu notável simplicidade e economia ao ato processual. Do sistema extrai-se, portanto, um conceito diferente: a citação é “o ato judicial através do qual se chama alguém a juízo, para que venha integrar a relação processual, cientificando-se-o do objeto (fim ou escopo)”.24 Lição clarividente acolhida no art. 238. 1.194. Espécies citação Existem cinco modalidades de citação: (a) pelo correio; (b) por oficial de justiça; (c) pelo escrivão ou chefe de secretaria; (d) por edital; (e) por meio eletrônico (art. 246).

Em tais quatro modos, na verdade há duas espécies diferentes de citação: (a) a citação real, em que o citando recebe, em mão própria, direta ou indiretamente, o chamado a juízo, ocorrendo na citação pelo correio, por oficial de justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria e por meio eletrônico; e (b) citação presumida, na forma do edital. Era controvertida a possibilidade de o escrivão dar por citado o réu que comparece espontaneamente em cartório, no direito anterior, mas o art. 246, III, abrigou a modalidade (infra, 1.196.6). Comparativamente às modalidades herdadas das Ordenações Filipinas, não há diferença de forma, mas de meio – por exemplo, a citação pelo correio. Desapareceu, entretanto, a citação por “licença”: o juiz autorizava o próprio autor, ou terceiro, a citar o réu na presença de uma testemunha.25 O que caracteriza a citação real, bem como todas as formas de comunicação dessa espécie, consiste na imediação entre os sujeitos ativos (v.g., o carteiro) e o sujeito passivo (v.g., o citando) do ato.26 A citação é ato que incumbe ao juiz promover ex officio. Embora o processo civil inicie por iniciativa das partes, a ordem de citação emana do órgão judiciário, suprimida a anterior exigência de requerimento do autor na estrutura da petição inicial (art. 319). Porém, quem move ação em juízo postula perante outra pessoa, e tal iniciativa há de ser preservada nos termos do art. 2.º. Assim, verificando o juiz a preterição de litisconsorte necessário, o art. 115, parágrafo único, estipula que somente “ordenará ao autor que promova a citação”, no prazo assinado, e tal significa que o autor precisa endereçar a demanda também quanto à(s) pessoa(s) inicialmente ignorada(s), requerendo-lhe(s) a citação. A rigor, o art. 115, parágrafo único, empregando o verbo “requerer”, não se ajusta ao esquema geral do art. 319; entende-se essa parte da regra como ônus da parte promover a citação do preterido, ministrando os dados necessários (v.g., o fornecimento dos endereços físico e eletrônico). 1.194.1. Cabimento das espécies de citação – A ordenação das modalidades de citação no art. 246 insinua, mas não revela integralmente a preferência da lei processual. O CPC de 1973 colocava a citação postal como prioritária, exceto quando excluída, e nesse sentido ao art. 246 do NCPC segue-se a citação postal, arrolados os casos de inadmissibilidade (art. 247). A preferência da citação postal, relativamente à citação por oficial de justiça, subentende-se do art. 247, V: efetuar-se-á a citação pelo correio, exceto quando “o autor, justificadamente, a requerer de outra forma”. Também se revela expresso, neste mesmo sentido, o art. 8.º, I, da Lei 6.830/1980. Não requerendo a Fazenda Pública a citação “por outra forma”, realizar-se-á pelo correio, cabendo a citação por oficial de justiça ou por edital, reza o inciso III do mesmo artigo, se o aviso de recepção não retornar em quinze dias. No entanto, a citação por edital só é cabível nos casos de frustração das modalidades de citação real, conforme esclareceu a Súmula do STJ, n.º 414. Essa preferência cede, no regime do NCPC, à citação por meio eletrônico, motivo por que é enganosa a localização dessa modalidade no último lugar do catálogo do art. 246. Os parágrafos desnudam os propósitos legislativos.

Exceção feita às empresas de pequeno porte e as empresas de pequeno porte, as demais ficam obrigadas a cadastrarem-se “nos sistemas de processo em autos eletrônicos”, a fim de receberem citações e intimações, reza o art. 246, § 1.º. E tal exigência aplica-se à União, ao Distrito Federal, aos Estados-membros e aos Municípios, bem como às “entidades da administração indireta” (autarquias e fundações de direito público), complementa o art. 246, § 2.º. Os arts. 1.050 e 1.051 fixam o prazo de 30 (trinta dias), a partir da vigência do NCPC, para esse cadastro. Compreende-se facilmente a preferência legal. A citação por via eletrônica simplifica o serviço do processo. É aposta alta, mas insegura. Ao nosso ver, a publicidade do processo não assegura adequadamente a incolumidade dessas comunicações, como acontece na arbitragem, em geral confidencial, e, portanto, desconhecida das pessoas de má intenção. À experiência comum corresponde o recebimento de mensagens eletrônicas alarmantes, pois a segurança da rede mundial de computadores é precária e instável. O tempo revelará o acerto, ou não, da proposição legislativa. No processo físico, prioritária que seja a citação pelo correio, em virtude da simplicidade e eficiência dessa modalidade, também se mostra lícito o autor optar pela citação por oficial de justiça. A citação pelo escrivão ou chefe de secretaria é eventual, pois subordina-se ao comparecimento do citando na sede do juízo e, aí, à sua cabal identificação pelo serventuário. A citação por edital mostra-se cabível somente nas hipóteses estritas do art. 256, I a III, e do art. 259, I a III (procedimento edital). Não há, pois, margem de escolha do autor no que tange às modalidades do art. 256, IV e V. 1.194.2. Citação pelo correio – O art. 256, I, do NCPC emprestou a indeclinável e oportuna generalidade à citação pelo correio. Em última análise, a Administração da Justiça terceirizou o chamamento dos réus e interessados, valendo-se de serviço estatal de reconhecida eficiência, rapidez e abrangência nacional. Os correios constituem monopólio da União. A quebra do caráter estatal, mediante a delegação do serviço a particulares, não prejudicou essa tradicional modalidade de comunicação no direito alemão.27 É digno de nota não se cuidar de novidade do CPC de 1973, reproduzida no NCPC. Já se recorria ao correio, para esse fim, no processo do trabalho. E até nas Ordenações Filipinas (Livro III, Título I, § 3.º), “estava prevista, para ser utilizada em certos e determinados casos, com relação a pessoas que eram tidas como merecedoras de especial respeito e acatamento”,28 a correspondência epistolar. O art. 610 do CPC/RS (Lei 65, de 16.01.1908), em determinados casos, e o art. 76 do CPC/BA (Lei 1.121, de 21.08.1915), previam essa modalidade com amplitude, ignorada no CPC de 1939. Os argumentos contrários, na vigência do CPC de 1939, fundavam-se na precariedade do serviço postal. “Especialmente”, assinalou comentário ao código baiano, “anteviam os adversários os abusos cometidos por indivíduos sem escrúpulos, obtendo da complacência criminosa de agentes da distribuição postal falsos recibos, como se dos citandos fossem, correndo contra estes o processo com inteira ignorância de sua existência. Mas, a necessidade do recibo, firmado pelo réu que se vai citar, constitui forte garantia, sendo muito mais fácil provar a falsidade da citação do que se procedesse duma certidão do oficial de justiça”.29

Firmou-se a citação postal, apesar de algumas mazelas na interpretação do art. 223, parágrafo único, do CPC de 1973 (infra, 1.198.1.1), infelizmente oficializadas no NCPC em detrimento do direito fundamental processual da ampla defesa, como prestimoso mecanismo da efetividade da Justiça brasileira. É uma das modalidades do chamado constructive service norteamericano, compatível com o direito de o réu receber adequada comunicação (adequate notice) da demanda para se defender.30 1.194.3. Citação por oficial de justiça – A citação por oficial de justiça era o meio comum de chamamento do réu a juízo até o auspicioso desenvolvimento da citação pelo correio. Dos requisitos do art. 250 depreende-se que é a forma real de citação por excelência. No entanto, assumindo a variante da hora certa, transforma-se em citação presumida, por intermédio da entrega da contrafé ao familiar ou ao vizinho do citando. E, subsidiariamente, tem lugar quando “frustrada a citação pelo correio” (art. 249, in fine). O art. 161, III, do CPC de 1939, aludia à citação por carta precatória ou rogatória, e, a fortiori, de ordem – esquecida no dispositivo –, como modalidade autônoma de chamamento. Ora, deprecação do ato, por injunções hierárquicas ou territoriais, não elimina a atividade do oficial de justiça: na carta, transformada em mandado, o auxiliar do juízo deprecado efetivará a citação. As cartas constituem simples meio para um juízo requisitar de outro a citação inicial por oficial de justiça.31 E, no regime do NCPC, passível de substituição pelo impreciso “auxílio direto” (art. 69, § 2.º, I). A citação por oficial de justiça demonstra a adoção no processo civil brasileiro, relativamente ao ato da citação, do sistema da mediação: o autor eventualmente requer (art. 247, V), o juiz ordena e o oficial de justiça cumpre o ato pessoalmente (art. 154, I). É inteiramente fora de propósito o autor, por si por intermédio do advogado, ou através de particular especialmente encarregado desse mister, citar diretamente o adversário a comparecer a juízo. Admite-se apenas a intimação de advogado para advogado (art. 269, § 1.º) A imediação afigura-se mais intensa nos atos de comunicação no processo civil norte-americano. O personal service implica a entrega em mão da citação ou da intimação através do “sheriff, marshal or someone similarly authorized by law”.32 Existem outros meios, chamados de substituted service (v.g., a citação através da pessoa de idade respeitável e discrição) e deconstructive service (v.g., publicação na imprensa; o uso dos correios). Em França, a citation – termo que substituiu a assignation ou ajournement, hoje reservado à convocação das testemunhas – é ato do oficial de justiça (huisser),33e, inclusive, tende a desaparecer a intimação de advogado a advogado (ou de avoué a avoué no tribunal de apelação), chamados de actes du Palais, porque ordinariamente ocorriam no próprio foro, onde se encontravam os procuradores das partes. E, de fato, o processo civil de modelo social e público, hoje largamente difundido e vigorante entre nós, não abre semelhante espaço às partes quanto ao chamamento ao juízo. 1.194.4. Citação por edital – De ordinário, a citação presumida, sob a forma da publicação do edital (art. 246, IV), revela-se subsidiária. É cabível nas hipóteses de frustração da citação real. A Súmula do STJ, n.º 414, afirma

esse princípio, no que tange à execução fiscal. Mas, há casos em que a citação por edital revela-se indispensável: (a) na ação de usucapião; (b) na ação discriminatória (art. 20, § 2.º, da Lei 6.383/1976). Então, há autêntico procedimento edital – oAufgebotsverfahren -,34 no qual, em vez de chamar para integrar a relação processual, chama-se para deduzir pretensão (provocatio ad agendum). Essa diferença inspira a identificação de dois tipos de citação nesta modalidade: (a) essencial (v.g., art. 259); e (b) acidental (v.g., art. 256, II).35 Como quer que seja, nenhuma opção a lei confere ao autor no que tange ao cabimento da citação por edital. Ela é obrigatória tanto que configuradas as hipóteses legais. 1.194.5. Citação por meio eletrônico – O art. 246, V, autoriza a citação por meio eletrônico. É natural que, no processo integralmente eletrônico, o chamamento se realize pelo envio de correspondência ao endereço eletrônico do réu (e-mail). Por exceção, e em virtude unicamente de motivos técnicos (art. 9.º, § 2.º, da Lei 11.419/2006), a exemplo da inexistência desse endereço, o juiz valer-se-á dos meios ordinários (art. 246, I a IV, do NCPC), “digitalizando-se o documento físico, que deverá ser posteriormente destruído”. Por isso, o art. 246, V, manda realizar a citação por esse meio “conforme regulado em lei” O direito brasileiro acompanha, no que tange à consagração dessa modalidade autônoma de chamamento, outros sistemas jurídicos.36 Destacouse, precedentemente, a compreensível prioridade conferida a essa modalidade (retro, 1.194.1). A citação por meio eletrônico é real.37 Desaparecerá, entretanto, a mediação do oficial de justiça. 1.194.6. Citação pelo escrivão – Controvertia-se a possibilidade de o escrivão ou chefe de secretaria, comparecendo o réu em cartório, acompanhado ou não de advogado, realizar a citação. A favor da tese, dizia-se que a enumeração do art. 221 do CPC de 1973 não fixava as atribuições funcionais do escrivão;38 em sentido contrário, pondera-se o seguinte: (a) o art. 221 do CPC de 1973 indicava, exaustivamente, as modalidades de citação;39 (b) o art. 141, II, do CPC de 1973, segundo o qual incumbia ao escrivão promover citações e intimações, não contemplava a hipótese, pois “promover” significa diligenciar a realização do ato (v.g., expedindo o mandado de citação; elaborando a nota de expediente que o órgão oficial eletrônico publicará; e assim por diante).40 Embora o princípio da economia ficasse comprometido, razão assistia a última corrente: nem sequer as leis de organização judiciária, mencionadas incluíam dentre as atribuições do escrivão realizar a citação. O art. 246, III, modificou o panorama legislativo. Comparecendo o réu em cartório, e após sua cabal identificação, o escrivão ou chefe de secretaria, realizará a citação, respeitando os requisitos do art. 251. O escrivão ou chefe de secretaria também pode colher a declaração de vontade do réu,

declarando ele que comparece espontaneamente, e elaborar termo desse teor, suprindo a falta de citação (art. 239, § 1.º). 1.195. Ônus de requerer a citação O art. 319 não contempla, dentre os requisitos da petição inicial, o requerimento da citação. A iniciativa do autor consubstancia-se apenas na proposição de demanda contra outra pessoa. Porém, o art. 115, parágrafo único, verificando o juiz a preterição de litisconsorte necessário, prevê o ônus de autor requerer a citação. E o art. 247, V, preferindo o autor a citação por oficial de justiça, contempla requerimento motivado nesse sentido, préexcluindo a citação postal. Em diversas outras hipóteses, repete-se a exigência de o autor requerer a citação do réu; por exemplo, o art. 6.º, III, da Lei 6.830/1980 exige o “requerimento para a citação” na inicial da execução promovida pela Fazenda Pública. Disposições desse teor não se mostram incompatíveis com o NCPC, embora seja obriguem o juiz a abrir o quindênio para emenda da inicial. Facilmente se compreende a finalidade do ônus de requerer supletivamente a citação. É através da citação que a pretensão deduzida em juízo pode alcançar a esfera jurídica do réu, executado ou interessado e, assim, o autor obter o bem da vida almejado. Em algumas situações, o autor precisará, ainda, requerer a forma da citação. Às vezes, a lei supre a sua omissão. Por exemplo, nada indicando a inicial, far-se-á a citação pela via eletrônica ou pela via postal, porque a citação por oficial de justiça, outrora a comum, necessitará ser expressamente requerida, conforme o art. 247, V. É através do correio que realizar-se-á a citação do executado na execução fiscal, não requerendo a Fazenda Pública outra modalidade (art. 8.º, I, da Lei 6.830/1980). Já a citação por edital, configuradas as situações do art. 256, I, II e III, precisa ser requerida pelo autor, acompanhada, no caso dos incisos I e II da afirmativa que o réu é ignorado ou incerto, ou que o réu se encontra em lugar desconhecido, incerto ou inacessível, e, controlados os pressupostos, deferida pelo juiz. O autor ficará responsável pela falsidade das afirmativas (art. 258, caput). A ausência de requerimento de citação pode ser suprida, ex officio, pelo órgão judiciário. Em determinadas situações, entretanto, requerer a citação traduz a iniciativa do autor em dirigir a demanda contra determinada pessoa e ato desse teor não comporta suprimento oficial. Verificando o juiz a ausência de litisconsorte necessário, não lhe cabe ordenar a citação, mas ordenar ao autor requerê-la, dentro do prazo assinado (prazo judicial), sob pena de extinção. Em atenção ao pronunciamento do juiz, reconhecendo a preterição de litisconsorte obrigatório, ao autor cabe aditar a petição inicial, “a fim de conste como demandado também o legitimado que fora inicialmente excluído, cuja citação então ele requererá”.41 Requerer a citação, nos termos do art. 115, parágrafo único, significa “requerê-la, bem como arcar com as despesas para a realização das diligências”, proclamou o STJ.42 E, desistindo o autor da citação ou permanecendo inerte, o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito.43 1.196. Destinatário da citação

O art. 238 indica os destinatários da citação: (a) o réu; (b) o executado; e (c) o interessado. É preciso identificar uma e outra figura, consoante a dogmática do processo civil, e, além disso, separar as pessoas naturais das pessoas jurídicas. A lei não é rigorosamente uniforme a esse respeito. O art. 215, caput, exige a citação pessoal, mas permite realiza-la “na pessoa do represente legal ou do procurador do réu, do executado e do interessado”. O art. 248, § 1.º, exige que a carta de citação seja entregue ao “citando”, mas abre exceções (v.g., o porteiro do edifício, a teor do art. 248, § 4.º). O “citando” é a fórmula mais elástica e correta.44 Todavia, ainda não esclarece, suficientemente, quem seja o destinatário do chamamento a juízo. É indispensável identificar, para essa finalidade, as figuras do réu do executado e do interessado. 1.196.1. Identificação do réu – Considera-se réu a pessoa individualizada na petição inicial e perante a qual o autor veicula a sua pretensão. A essa pessoa compete reagir, ativamente ou não, à demanda. A partir dessa indicação, a pessoa assumirá, independentemente da sua vontade, a condição de sujeito da relação processual. A qualidade de réu precede à citação; na verdade, a prévia identificação de quem figura como réu permitirá que o chamamento recaia na pessoa correta. Por um lado, não se afigura necessário que o réu participe efetivamente do processo. Basta que possa fazê-lo. O revel não participa, mas ostentará a condição de parte. E, de outro, nem sequer se mostra indispensável que a pessoa arrolada como réu seja citada. Assim, pessoa apontada como réu na petição inicial indeferida liminarmente, somente citada no caso de autor apelar,45 figura como parte. Transitada em julgado a sentença, cumpre ao escrivão comunicar-lhe o resultado (art. 241). Interposta apelação pelo autor, o provimento da apelação não o prejudica inteiramente, pois as demais questões podem ser objeto de contestação oportunamente apresentada, após o retorno dos autos à origem.46 Essa noção de réu aplica-se a qualquer processo, seja qual a respectiva função, predomine a cognição. Os meios de reação postos à disposição do réu, neste ou naquele caso, mostram-se irrelevantes, bem como seu efetivo emprego. 1.196.2. Identificação do executado – Os arts. 238 e 242, não esqueceram-se do executado. É contra quem o vencedor deduz pretensão a executar, in simultaneo processu, fundada em título judicial, especialmente o do art. 515, I, ou mediante a formação de processo autônomo. O art. 799 arrola as partes passivas legitimas na execução. Fundada a execução em título extrajudicial, intuitivamente a citação é imperiosa (v.g., art. 829, caput), possibilitando a reação e, destarte, satisfazendo o direito fundamental processual da (ampla) defesa; entretanto, também ocorrerá na execução baseada nos títulos mencionados no art. 515, § 1.º. A função básica da citação do executado é para cumprir a prestação imposta ou constante no título executivo e, eventualmente, reagir contra a execução injusta ou ilegal. Todavia, o executado é réu – o exequente veicula perante tal pessoa a pretensão a executar.

1.196.3. Identificação do interessado – O art. 238 menciona o interessado, porque nem sempre a pessoa é citada para apresentar defesa. Os interessados a que alude o art. 238 são os seguintes: (a) os litisconsortes necessários, olvidados e preteridos na petição inicial, que hão de integrar a relação processual (art. 115, parágrafo único); (b) as pessoas cujos interesses sejam afetados pelo pedido formulado no processo de jurisdição “voluntária” (art. 721); (c) “o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários”, intimando a Fazenda Pública e o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento”, na forma do art. 626, caput, para participarem do inventário e defenderem os respectivos interesses, estipulando o art. 626, § 1.º, a modalidade do chamamento. Essas situações heterogêneas revelam que a citação, no processo civil, presta-se a integrar pessoas à relação processual, não necessariamente na posição de réu. 1.196.4. Citação da pessoa natural – O réu, o executado e o interessado serão citados pessoalmente. A estipulação do art. 242, caput, basicamente abrange as pessoas naturais capazes. Em relação às pessoas naturais incapazes, cumpre distinguir o grau de incapacidade, matéria já aventada no parágrafo dedicado à capacidade postulatória (retro, 512). Em síntese, o absolutamente incapaz é citado na pessoa do seu representante legal; o relativamente incapaz receberá a citação por si e através da pessoa que deva assisti-lo. O problema da representação do menor sob poder familiar conjunto recebeu exame em item específico (retro, 515.1). Mas, o art. 245 curou de um incidente específico na citação por oficial de justiça, verificando-se, à primeira vista, a incapacidade ou a impossibilidade de discernimento do réu (infra, 1.199). Convém ressaltar que o princípio da pessoalidade da citação, consagrado no art. 242, caput, não impede a realização do ato indiretamente. Em vez de o ato atingir o próprio citando, presume-se a ciência mediante a entrega da contrafé a algum familiar ou vizinho (art. 253, § 3.º); portanto, o destinatário real do ato é pessoa diferente do réu ou do interessado. É ainda mais difusa a ciência presumida na citação por edital. 1.196.5. Citação da pessoa jurídica – A citação da pessoa jurídica estrangeira, cuja sede se localiza fora do território nacional, recairá na pessoa do respectivo gerente, representante ou administrador da sua filial, agência ou sucursal – tecnicamente, noções diferentes,47 porém sem relevo neste particular –, aberta ou instalada no Brasil. Essas pessoas encontram-se habilitadas, por força de lei, a receber citação em qualquer processo (art. 75, § 3.º). As pessoas jurídicas nacionais serão citadas nas pessoas naturais designadas, para essa finalidade, em seus estatutos ou no contrato social, integrem, ou não, algum órgão específico (art. 75, VIII). O autor ministrará tal informação na petição inicial, juntando ou não cópia dos estatutos ou do contrato social, bem como a ata de eleição do órgão de representação, documentos arquivados no registro competente (infra, 1.496.1). Nada pré-

exclui recair a representação em dois ou mais órgãos conjuntamente.48 Faltando essa indicação, no negócio constitutivo da sociedade, incide o art. 75, III, in fine, do CPC: a representação caberá “aos seus diretores”. O assunto recebeu exame no item dedicado à capacidade processual dessas pessoas (retro, 520). Embora cuidando-se de citação, ato essencial ao faires Verfahrem (processo constitucionalmente justo e equilibrado), o rigor formal seja objeto de cominação de nulidade (art. 280), infletiu perigosamente o NCPC em prol da simplificação do serviço do processo. O art. 248, § 1.º, autoriza a citação do gerente geral e do administrador, e, ainda, do “funcionário responsável pelo recebimento da correspondência”. Presumivelmente, a fórmula analítica – a palavra “recepcionista” retrata perfeitamente essa pessoa – deve-se ao fraseado correto. Não é lícito bulir com o direito fundamental processual à defesa, transformando o gerente da agência, fora das hipóteses legais, em representante da pessoa jurídica. É de se exigir segurança máxima na concretização do chamamento do réu ao juízo,49 sem o qual todos os demais direitos fundamentais processuais tornarse-ão inócuos. Em certa oportunidade, todos os empregados da agência bancária postularam em juízo, o gerente recebeu as cartas de citação, engavetou-as, demitiu-se após o prazo, e moveu, por sua vez, ação idêntica à dos colegas. Exemplo tirado de caso real, a demonstrar os perigos da citação postal. 1.196.6. Citação na pessoa do representante habilitado – O art. 242, caput, indica o “representante legal ou o procurador do réu” como apto a receber a citação pelo réu ou interessado. Entende-se por representante legal o mandatário, advogado ou não, habilitado pelo representado ou mandante pela outorga do poder especial de receber citação (art. 105, caput). Em outras palavras, a representação cogitada no dispositivo comporta duas modalidades: (a) voluntária; e (b) legal. A fórmula do art. 215, caput, significa que o representante há de estar autorizado na forma da lei,50 incluindo a outorga de procura, e, não, decorra da lei. De ordinário, o poder voluntariamente outorgado pelo citando há de ser explícito, conferido o poder de “receber citação inicial”; porém, expressões análogas, como “demandar e ser demandado”, implicitamente que seja, conferem idêntico poder de representação,51 viabilizando o chamamento a juízo na pessoa desse terceiro (e, ocioso frisar, essa pessoa permanecerá terceiro). Encontrando-se a parte tecnicamente representada no processo, através de advogado, a lei habilita o procurador a receber a citação. É o caso da oposição (art. 683, parágrafo único) e de outras pretensões incidentais.52 A dispensa da comunicação pessoal granjeou, nos últimos tempos, expressiva preferência da lei processual, como ocorre na intimação da penhora (art. 841, § 1.º), em virtude da simplicidade do ato, feito pela via eletrônica, e da economia de atividade processual. Por essa razão, salvo disposição em contrário na procuração, a procura vale para todas as fases do processo de conhecimento, incluindo o cumprimento da sentença (art. 105, § 4.º). A parte precavida inserirá, portanto, a devida ressalva na procuração. Fora das hipóteses expressas da lei, porém, o advogado há de ter recebido o poder especial de receber citação.

Finalmente, há procuradores que, em razão do cargo, representam em juízo a pessoa jurídica de direito público (retro, 517), e, nessa qualidade, habilitam-se a receber a citação inicial. A essas pessoas alude o art. 242, § 3.º, realizando-se a citação “perante o órgão da Advocacia Pública responsável por sua representação judicial”. 1.196.7. Citação na pessoa de representante presumido – A lei pretendeu simplificar a citação do réu em algumas situações específicas. A localização do réu tornar-se-ia extremamente difícil, dispendiosa ou improvável em casos tais. Para essa finalidade, os parágrafos 1.º e 2.º do art. 242 alteraram a representação passiva ordinária das pessoas naturais e jurídicas. São habilitadas determinadas pessoas, independentemente da sua vontade, em virtude do vínculo entretido com o réu. Em primeiro lugar, encontrando-se o réu ausente, e originando-se a ação de atos praticados por seu mandatário, administrador, feitor ou gerente, tais pessoas representarão o réu (art. 242, § 1.º). Ademais, o locador, ausentando-se do Brasil sem deixar procurador com poderes especiais para receber citação (art. 105, caput), será representado pela “pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis” (art. 242, § 2.º). Encontrando-se o réu ausente, consoante o art. 242, § 1.º, a lei habilita o mandatário, o administrador, ou o gerente para receber a citação, sob determinadas condições. A regra exige a presença de três elementos simultâneos para ensejar sua incidência: (a) ausência do réu; (b) existência de mandatário, de administrador, ou de gerente; (c) natureza da causa. É preciso que todos concorram para tornar válida a citação na pessoa do terceiro.53 E cada um deles, por si só, revela-se problemático. O pressuposto da “ausência” do réu do território nacional, no que tange às pessoas jurídicas privadas nacionais, relaciona-se com o disposto no art. 119, caput, da Lei 6.404/1976. De acordo com a regra, o acionista residente ou domiciliado no exterior “deverá manter, no País, representante com poderes para receber citação em ações contra ele, propostas com fundamentos nos preceitos desta Lei”. Tal representante exercerá, no Brasil, as atribuições do órgão em que se acha investido o acionista. Naturalmente, existindo outra pessoa, ocupando o órgão de representação, incidirá o art. 75, VIII, in fine, afastando a regra do § 1.º do art. 242. Nenhuma influência exerce a nacionalidade desse acionista ou a sua condição de pessoa física ou jurídica.54 Impossibilitado de receber, pessoalmente, a citação (art. 215, caput, porque ausente o acionista do território nacional, a lei atribui ao mandatário, administrador, ou gerente, a capacidade para receber o chamamento a juízo (art. 75, IX). O dispositivo prende-se, intuitivamente, à informalidade que predomina nos negócios empresariais, tornando inútil perquirir a qualidade da representação. Desaparece a retrógrada figura do “feitor” da enumeração legal, mas o sentido geral permanece idêntico. O art. 242, § 1.º, não cura da representação legal do ausente, mas, “sim da ausência tomada em sentido comum, de não estar presente”,55 no lugar do

seu domicílio, temporária ou permanentemente. O réu domiciliado e “presente” em qualquer localidade brasileira haverá de ser citado neste lugar, se for o caso através de carta precatória, não se justificando aplicar o art. 242, § 1.º, em virtude do ajuizamento da ação “em comarca diversa daquela em que domiciliado o réu”.56 O entendimento prevalecente, no direito anterior, entendia bastante a ausência eventual do lugar em que deve ocorrer a citação.57 Transmite-se o poder excepcional ao sucessor do representante original.58 Neste particular, a regra tutela a efetividade da jurisdição brasileira. Entretanto, figura-se indispensável que, segundo a alegação do autor, o litígio se origine de ato imputável ao representante. É bem possível que, ao fim e ao cabo, a prova ministrada pelo réu revele e o juiz conclua pela falsidade da alegação. Tal juízo a posteriori, respeitante ao mérito da causa, não invalida, retroativamente, a citação. O autor sujeitar-se-á, neste caso, à sanção porventura cabível contra a deslealdade processual. Finalmente, às vezes surgirão controvérsias sobre a qualidade do mandatário, do administrador, ou do gerente do “ausente”. O órgão judiciário assegurará a manifestação da pessoa apontada como tal e recepcionará a prova produzida. Acolhida a alegação, há que se proceder a nova citação. Exemplo de representante, incluído na regra, é o agente marítimo, na pessoa do qual se pode citar o armador, relativamente a litígios envolvendo cargas que “hajam sido despachadas ou descarregadas no porto em que atua” o agente.59 Entre essa hipótese e a do art. 75, § 3.º, relativa à pessoa jurídica estrangeira, há diferenças de vulto: primeira, não presume autorização para recebê-la; segunda, exige-se relação entre a causa e o ato do representante.60 Segundo o art. 242, § 2.º, ausentando-se o locador do território nacional, definitiva ou temporariamente, sem cientificar o locatário de que deixou, no lugar de situação do imóvel locado, procurador com poderes específicos para receber a citação (art. 105, caput), presume-se seu representante o administrador do imóvel encarregado de receber os aluguéis. Essa regra reforça a interpretação do parágrafo primeiro do art. 242. A sua aplicação, naturalmente restrita, diminuiu ainda mais com a progressiva irrelevância quantitativa dos litígios concernentes à locação dos imóveis urbanos. As funções de administrador e da pessoa encarregada de receber os aluguéis não se confundem. O art. 242, § 2.º, conjugou as duas figuras e só neste caso ocorrerá a representação legal do locador. Não basta que haja pessoa encarregada de receber os aluguéis, desprovida de poderes de representação.61 E, naturalmente, não estando mais a pessoa física ou jurídica na administração do imóvel, recebendo os aluguéis, talvez por força da própria ausência, desaparece a possibilidade de fazê-la citar em lugar do locador.62 A incidência do art. 242, § 2.º, pressupõe que, ausentando-se do território nacional, o locador não haja notificado o locatário, previamente, indicando seu representante legal no lugar em que se situa o imóvel. Ocorrendo, ao invés,

essa notificação, a pessoa nela indicada receberá a citação, mostrando-se inválido o chamamento do administrador do imóvel. 1.197. Lugar da citação A citação constitui ato processual que se realiza, ordinariamente, fora da sede do juízo (retro, 1.141). Na verdade, realizar-se-á “em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado ou o interessado” (art. 243, caput). Incumbe ao oficial de justiça, complementa o art. 251, caput, “procurar o citando e, onde o encontrar, citá-lo”. É a tradição do nosso direito a indiferença do lugar em que se efetue a citação.63 No desempenho dessa atividade, o auxiliar do juízo promoverá os atos do seu ofício “com a cautela e a discrição necessárias para se evitarem vexames inúteis”.64 Não é diferente o entendimento no direito português. A citação realizar-se-á “com recato, sem exibição, nem estrépito inútil”.65 Dispensa-se, portanto, a proclamação aos colegas de trabalho, ou aos familiares do citando, a natureza e os fins do ato. O assunto interessa ao oficial de justiça e ao citando. Em geral, a citação efetiva-se no domicílio do citando, respeitado, quanto ao ingresso do oficial de justiça no seu interior, a inviolabilidade da residência, a teor do art. 5.º, XI, da CF/1988: contra a vontade do morador, o encarregado da diligência não pode entrar.66 O local de trabalho, tratando-se de empregado da iniciativa privada ou profissional liberal, também constitui lugar hábil à citação. Desapareceu já no CPC de 1973 a restrição à citação do servidor público civil na repartição e durante o expediente. O êxito da citação postal acentua-se no local de trabalho. Escolhendo essa modalidade de citação o autor, em detrimento da citação por oficial de justiça, deve endereço profissional do réu ser indicado preferencialmente. Nem sempre, com efeito, o carteiro procura o citando no horário em que ele se encontra no respectivo domicílio. A jornada de trabalho mais extensa favorece a realização do ato no horário adequado (art. 212, caput). E nada, absolutamente nada proíbe ou exclui a citação no interior de veículo de transporte coletivo ou nos logradouros públicos. Em tais casos, o oficial de justiça (ou o carteiro) presumivelmente vigiou as andanças do réu arredio ou discreto, espreitando a melhor oportunidade para citá-lo. A localização do citando nesses locais constitui tarefa árdua. Ela é entregue ao tirocínio profissional do auxiliar do juízo. O banal porteiro eletrônico, instalado nas residências coletivas ou unifamiliares, por exemplo, erige obstáculo que há de ser superado com argúcia e firmeza pelo oficial de justiça. A informação obtida de que o citando já não mais vive no apartamento, obtida por esse meio, é suficiente para o oficial de justiça estimar frustrada a diligência.67 O art. 248, § 4.º, impropriamente localizado na regra atinente à citação postal, declara válida a “entrega do mandado” ao recepcionista da portaria do condomínio horizontal (condomínio edilício) ou do loteamento “com controle de acesso”, salvo se este declarar, sob as penas da lei e por escrito, não se encontrar no local o “destinatário da correspondência”. Flagrantemente, a regra comete a impropriedade de mencionar o mandado, quando deveria ser carta de citação, e, nesse caso aumenta o equívoco, pois o oficial de justiça entregará ao citando a contrafé (art. 251, I, in fine). O mandado será juntado aos autos (art. 231, II). Relevados esses aspectos, o

sentido é claro: o carteiro, e,a fortiori, o oficial de justiça cita na pessoa do porteiro ou do recepcionista do edifício o loteamento, porque não têm acesso direto e imediato à morada do citando O processo corre em determinada circunscrição territorial definida (comarca ou seção judiciária). Os limites geográficos impostos ao órgão judiciário influenciam em graus diferentes as diversas modalidades de citação (art. 246). A citação postal realizar-se-á para “qualquer comarca do País” (art. 247, caput). Em outras palavras, tramitando o processo na comarca, seção ou subseção judiciária X, mas domiciliado o citando na comarca, seção ou subseção judiciária Y, no mesmo ou em outro Estado-membro, a citação postal mostra-se admissível. Os correios abrangem todo o território nacional. Dispõe de serviços especiais de entrega de correspondência oficial e de empregados adestrados para colher o recibo do citando. Por exceção, inexistindo o serviço especial na localidade, não cabe a citação postal (art. 247, IV). À citação por edital releva-se indiferente, por óbvio, o lugar da residência do citando. Uma das suas hipóteses consiste no fato de o citando encontrarse em lugar ignorado ou incerto (art. 256, II) ou, simplesmente, no inventário, para provocar a participação de terceiros incertos ou desconhecidos (art. 259, III, c/c art. 626, § 1.º, in fine). Feita a citação pelo escrivão, ante a presença do citando no cartório, a teor do art. 246, III (retro, 1.194.6), não importa o lugar do seu domicílio. E a citação por meio eletrônico (art. 246, V) caracteriza-se pela ubiquidade virtual do citando. Ele pode se encontrar, literalmente, em qualquer lugar. Em princípio, as atividades do oficial de justiça circunscrevem-se ao território da respectiva comarca ou seção judiciária. Por exceção, nas comarcas contíguas, ou adjacentes;68 nas de fácil comunicação, ou seja, de fácil acesso através dos meios de transporte usuais (v.g., linha de ônus regular e estrada asfaltada); e nas comarcas integradas da mesma região metropolitana, o oficial de justiça ultrapassará a sua esfera territorial, a teor do art. 254; na verdade, supera a competência territorial do órgão judiciário. Por assim dizer, graças aos meios de transporte, oficial de justiça amigavelmente invade outra comarca para realizar o ato de citação. Na maior parte do País, as dificuldades de transporte desapareceram, e não mais, como antigamente, “viaja-se apenas a cavalo, muitas vezes através de péssimas estradas, vadeando rios que, nas estações das águas, são atravessados com grande perigo de vida”.69 Todavia, há comarcas separadas por grandes distâncias, na região amazônica, e cujo acesso depende unicamente do transporte fluvial. Em tal caso, elimina-se a vizinhança útil, cabendo deprecar o ato, se possível eletronicamente, ao outro juízo. E não importa as comarcas vizinhas situarem-se em diferentes Estadosmembros.70 Nos casos previstos no art. 254, mostra-se difícil, às vezes, fixar os limites das comarcas, onde termina uma e começa a outra. É o próprio oficial de justiça, fiando-se no costume ou na própria vontade, independentemente de autorização específica do juiz, quem decide se deve ou não realizar o ato fora da comarca originária.

Nenhum rigor há no preenchimento dos requisitos contemplados no art. 254. A matéria comporta interpretação flexível e ajustada à realidade. O que mais importa é a realização do ato. Feita a citação, fora da comarca, presume-se a perfeição do ato.71 Limites espaciais rígidos já foram amplamente superados na citação postal e na citação eletrônica e as fronteiras municipais abstratas não têm maior importância. A título de exceção, a lei recomenda a citação em determinado lugar (v.g., do militar da ativa) ou proíbe que se realize em determinadas circunstâncias de lugar (v.g., durante celebração religiosa). 1.197.1. Citação no estabelecimento militar – O art. 243, parágrafo único, autoriza a citação do militar da ativa na unidade em que estiver servindo, “se não for conhecida a sua residência ou nela não for encontrado”. O militar da ativa tem domicílio fixo e conhecido. Segundo o art. 76, parágrafo único, do CC, o domicílio do militar situa-se “onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado”. A regra inspira-se em duas razões de ordem prática. Em primeiro lugar, as atividades habituais dos militares, genericamente o adestramento físico e técnico para operações bélicas, afasta o homem ou a mulher da residência por períodos indeterminados, ou irregulares, dependendo da conjuntura interna e externa. Esse fato torna muito difícil realizar a citação na residência e no dia e hora hábil para prática dos atos processuais. Não raro, ademais, o militar reside no interior da própria base. É o que acontece nos quartéis localizados em regiões de fronteira e em lugares remotos do território nacional. Mas, por igual, bases militares situadas em áreas metropolitanas contemplam residências familiares para a tropa e oficiais. Em suma, nas unidades militares de lotação o servidor militar exerce suas atividades rotineiras, podendo ser facilmente encontrado. Não há, pois, privilégio discernível na regra.72 Ao contrário, mais convém à Administração da Justiça citar esses servidores no local de trabalho do que ao próprio militar sofrer o constrangimento público da visita do oficial de justiça ou do carteiro. Por óbvio, nada obsta que o militar da ativa seja citado no lugar em que for encontrado (art. 243, caput). O parágrafo único do art. 243 especifica o lugar em que o ato se realizará preferencialmente, mas não se divisa, de modo algum, exclusividade ou exceção peremptória à regra geral. Ocioso, portanto, avaliar a perfeição do ato de citação em lugar outro.73 Ao contrário do sucedido na hipótese de convocação do militar para depor, em que o juiz requisitará o comparecimento ao respectivo comando da unidade do corpo armado (Marinha, Exército e Aeronáutica), afastando-o, temporariamente, do serviço, a teor do art. 455, § 4.º, III, na citação inexiste necessidade de prévio aviso da visita do oficial de justiça. Razões de deferência, entretanto, indicam a conveniência dessa medida de cortesia, considerando os transtornos provocados à rotina do quartel, coincidindo a visita do oficial de justiça com exercícios militares. O direito português era mais específico, proibindo a citação do servidor enquanto estiver ocupado com ato de serviço que não deva ser interrompido.74 Para evitar semelhante desaire à atividade militar, avulta a importância do aviso prévio ao comandante da unidade.

É preciso sublinhar que a citação, em si, realiza-se pessoalmente. O oficial de justiça, por exemplo, observará escrupulosamente o roteiro do art. 251. A citação do militar, no direito brasileiro, prescinde da mediação do superior hierárquico imediato, como ocorre no direito italiano.75 Por identidade de motivos, o art. 243, parágrafo único, se aplica aos policiais militares da ativa.76 Os militares da reserva ou reformados, inclusive os de maior hierarquia, ou seja, os oficiais-generais, citam-se em qualquer lugar. A citação do militar da ativa em sua unidade impede, aparentemente, a possibilidade de ocultação. Fica afastada, assim, a citação por hora certa (art. 252). Em princípio, a citação por edital, esgotada as diligências do art. 243, parágrafo único, revelar-se-á admissível. 1.197.2. Citação no culto religioso – O art. 244 proíbe a citação, transitoriamente, em algumas situações. Em quaisquer hipóteses, a regra ressalva a realização do ato com o fito de evitar o perecimento do direito, pois necessário cumprir o prazo de dez dias, fixado no art. 240, § 2. Do lugar proibido, diretamente, cogita o inciso I do art. 244, vedando a citação de “quem estiver participando de ato de culto religioso”. Os demais incisos relacionam-se antes com o tempo do que com o lugar. Por exemplo, não importa o lugar em que estejam os doentes graves, amparados no art. 244, IV, internados em nosocômio especializado ou aguardando o desenlace fatal na própria moradia, mas o estado de saúde do citando na oportunidade (tempo) da citação. O objeto da tutela do art. 244, I, afigura-se assaz nítido. O art. 5.º, VI, da CF/1988 assegura o livre exercício dos cultos religiosos. E constitui fato típico penal “impedir ou perturbar cerimônia ou prática religiosa” (art. 208 do CPB). Flagrantemente, as formalidades da citação, em especial as providências do art. 251, atentariam contra a fluência normal do culto religioso, retirando da respectiva contrição o citando e – pior – melindrando a fé dos demais assistentes. É regra antiga no direito pátrio, originária das Ordenações Filipinas (Livro III, Título IX, § 7.º), e abrange o(s) participante(s) e o(s) oficiante(s) do culto. Igual entendimento esclarece o alcance subjetivo da regra hoje vigente.77 Em geral, os cultos a que alude o art. 244, I, são públicos, realizando-se em locais fechados (templos) ou abertos. Eventuais procissões e romarias, ao percorrerem logradouros públicos com a participação do citando, ou a missa campal, também se acham abrigados na regra. No entanto, há cultos reservados aos iniciados, em que se veta o acesso dos profanos, ou limita-se a frequência aos familiares, como acontece com algumas pompas fúnebres. Essas cerimônias restritas, insuscetíveis de ofenderem à ordem pública e aos bons costumes, impedem o ato de citação. O impedimento previsto no art. 244, I, cessa com o término do culto. É permitido citar o fiel antes ou depois do culto, ou seja, na entrada e na saída do templo, ou o citando que se separou da cerimônia externa, tomando caminho diferente.78

1.198. Tempo da citação À semelhança de qualquer ato processual, a citação realizar-se-á em horário (art. 212, caput) e em dia hábeis e, em geral ato externo, independentemente do horário do expediente forense. O oficial de justiça não necessita autorização prévia e expressa do órgão judiciário para realizar o ato em dias não úteis, domingos e feriados, ou fora do horário hábil (art. 212, § 2.º), ou nas férias forenses (art. 220, caput), em casos excepcionais. Respeitará, de toda sorte, a inviolabilidade do domicílio (art. 5.º, XI, da CF/1988). Nada obstante, o art. 244 proíbe a citação em determinados períodos de tempo. Vale recordara ressalva do caput do art. 244 quanto às hipóteses em que haja o risco, nesses períodos de impedimento, do perecimento de direito. Os eventos mais comuns consistem no vencimento dos prazos de prescrição e de decadência. Em tal hipótese, fluindo o prazo de dez dias, previsto no art. 240, § 2.º, admitir-se-á a citação das pessoas protegidas pelos incisos II e III do art. 244, aqui considerados. 1.198.1. Proibição da citação no período de nojo – O art. 244, II, veda a citação das pessoas mais chegadas ao morto no período de nojo, fixado em oito dias – o dia do falecimento e os sete dias subsequentes. É possível a citação no mesmo dia da morte, mas antes do óbito, pois o impedimento surge neste evento.79 Infração a regra proibitiva gera nulidade. Não há razão sistemática para estimar o ato, a partir do óbito, ineficaz.80 É uma exceção temporal no que tange à citação. Presume a lei a perda do discernimento do citando perante o desgosto, o pesar e a tristeza decorrente do falecimento do ente querido, impedindo-o de tomar as providências práticas exigidas pelo chamamento a juízo. Por isso, a citação do procurador legalmente habilitado de alguma das pessoas protegidas pelo período de nojo não encontra óbice.81 Fica impedida a citação, em primeiro lugar, do cônjuge e do(a) companheiro(a). Entende-se por tal o viúvo ou a viúva, sem embargo da natureza do vínculo – casamento ou união estável. Eventual dissolução da sociedade conjugal não afasta a incidência da regra, que abriga o(a) excônjuge ou o(a) ex-companheiro(a), pois não se pode eliminar, a priori, a subsistência dos sentimentos de solidariedade humana em tais circunstâncias,82 havendo ou não filhos comuns. Por esse motivo, a ruptura do vínculo, mediante divórcio, tampouco afasta a incidência do dispositivo. Em seguida, o art. 244, II, obsta a citação de “qualquer parente” do morto, “consanguíneo ou afim, em linha, ou na linha colateral em segundo grau”. Na verdade, a lei impede o ato relativamente aos pais, avós, bisavós, trisavós e tetravós; filhos, netos, bisnetos, e assim por diante; ou sogros, ou genros; ou, na linha colateral, os irmãos e cunhados. Ficam de fora primos, tios, sobrinhos e afins correspondentes. Não é, pois, qualquer parente que fica a salvo da citação. E não basta a intensidade, ressalva feita à caracterização da impossibilidade momentânea a que alude o art. 245, caput, parte final, ou a inexistência do sentimento de

pesar, porque a lei enumerou, taxativamente, as pessoas presumivelmente atingidas pela morte, fato inelutável na vida. 1.198.2. Proibição da citação no período de gala – Não é admissível citar qualquer dos noivos no chamado período de gala, fixado “nos três primeiros dias seguintes ao casamento” (art. 244, III). Inclui-se o próprio dia do casamento. Trocou-se “bodas” por casamento: o NCPC manifesta profunda hostilidade à linguagem culta, preferindo palavras de fácil entendimento pelas massas. A regra adveio das Ordenações Filipinas (Livro III, Título IX, § 8.º) e, originariamente, abrangia familiares e convidados, envolvidos com as núpcias. Funda-se na legítima presunção de que, ante o auspicioso evento, os cônjuges teriam “sérias dificuldades para preparar e apresentar defesa consentânea”.83 Ao contrário do que acontece no período de nojo, o dia do casamento encontra-se determinado, e, portanto, mostrar-se-á nula a citação realizada neste dia, antes ou depois do ato. Impedimento algum há na citação do procurador, convidado ou não para a cerimônia, com as cautelas de não realizá-la com estrépito. As bodas mencionadas no art. 244, III, se referem ao casamento religioso ou civil. Legitimamente, atendendo à finalidade da regra, estender-se-á o impedimento para quaisquer cerimônias destinadas a festejar ou consagrar a união livre de duas pessoas e sem discriminação de gênero. Em atenção à finalidade da regra, o impedimento do art. 244, III, não opera na ação movida por um cônjuge contra o outro (v.g., a anulação do casamento).84 1.199. Verificação da capacidade do citando A citação constitui ato indispensável à validade dos atos subsequentes do procedimento. Representa, também, elemento essencial do direito fundamental à ampla defesa e contraditório. Compreende-se, nessas circunstâncias, a citação recair sobre pessoa viva – a citação de pessoa já falecida receberá exame no item dedicado aos vícios da citação (infra, 1.222) – constitua elementar requisito de validade da citação a plena capacidade do citando para entender, avaliar e sopesar a natureza e as consequências do ato de chamamento a juízo. Tratando-se de pessoa absoluta ou relativamente incapaz, a lei civil encarrega-se de apontar os representantes legais, que receberão a citação isolada ou conjuntamente, e o art. 242, caput, prevê o chamamento nessa pessoa. Às vezes, porém, o oficial de justiça, no curso das diligências para realizar o ato, verifica que o citando, presumivelmente maior e capaz, não exibe, de fato, a capacidade necessária, porque acometido de alguma doença. Esse fato da vida pode ser transitório ou permanente. Em qualquer hipótese, o oficial de justiça não realizará a citação, aguardando a recuperação do citando ou, desde logo, certificando o fato para ulterior investigação a mando do juiz, a teor do art. 245, § 2.º.

1.199.1. Incapacidade transitória do citando – Em caso de enfermidade ocasional, que impossibilite o citando de reagir ao chamado a juízo, o art. 244, IV, impede a citação ao doente, “enquanto grave seu estado”. Por exemplo, o réu sofreu enfarto, ou alguma cirurgia, eletiva ou não, e encontra-se hospitalizado. Essa espécie de impossibilidade manifesta não depende de parecer técnico. Fora daí, o oficial de justiça obterá auxílio na opinião de médico, especialista ou não na doença, certificando o fato no mandado de citação. As informações dos familiares, relativas ao estado de saúde do citando, provadas ou não por atestado ou laudo técnico, definitivamente mostram-se insuficientes. Os familiares tendem a manifestar preocupação excessiva. E os laudos particulares não retratam, por vezes, o estado real e atual do citando. Por sinal, o impedimento atinge o doente, e, não, os respectivos familiares, inclusive os mais próximos (v.g., o cônjuge).85 Por óbvio, o oficial de justiça, aqui repetidamente mencionado, porque tal regra dificilmente se aplicará às demais modalidades de citação (v.g., na citação postal, o carteiro simplesmente não entregará a carta de citação), agirá com a sensibilidade e a prudência reclamada ao caso. Por exemplo, evitará citar a esposa transtornada, também parte na causa, ocupando-se do marido enfermo, até a recomposição de ambos. É preciso, seja como for, o oficial de justiça constatar e apurar, icto oculi, acompanhado ou não do médico da sua confiança, o verdadeiro estado do paciente e citando. Em casos particularmente difíceis, em que o citando encontra-se segregado ou impedida a visita, por ordem médica, o auxiliar do juízo socorrer-se-á do art. 245, § 1.º, certificando o fato, a fim de o juiz designar médico para atestar o verdadeiro estado do citando. O impedimento do art. 244, IV, revela-se essencialmente transitório. Recuperando-se o citando, no sentido de que se encontra apto a receber a citação e tomar as providências a seu cargo, o oficial de justiça realizará a citação; ao invés, ocorrendo o óbito, o oficial de justiça certificará o fato e restituirá o mandado ao cartório, a fim de que se decida acerca da transmissibilidade da pretensão e, em caso positivo, o autor requeira a citação dos sucessores. Em caso de morte, incidirá o art. 244, II, relativamente aos parentes do citando. No entanto, há casos de maior gravidade, nos quais a doença, segundo a experiência comum, não é transitória, eliminada a possibilidade de recuperação futura do citando. 1.199.2. Incapacidade permanente do citando – O art. 245 determina ao oficial de justiça (e, a fortiori, ao escrivão e ao chefe de secretaria, comparecendo o réu, executado ou interessado no cartório) não realizar a citação ao réu mentalmente incapaz ou, de qualquer forma, impossibilitado de recebê-la. Rejeitou a tese que, presumindo-se a capacidade, cabível a citação.86 O direito anterior já adotara, nessa circunstância, a tutela da aparência. É demente, para os fins do art. 245, caput, a pessoa acometida de enfermidade ou deficiência mental aparente e grave. A lei considera demente – não há mal algum nessa palavra – o réu portador de “estado de

desagregação mental de tal ordem, revelador de anomalia psíquica tão intensa”,87 impossibilitado de receber a citação, apreendendo a natureza e os efeitos do ato, e, conseguinte, de providenciar a defesa. Faltará ao réu discernimento para a prática do ato da vida civil (art. 3.º, II, do CC). Se o citando já se encontra interditado, em razão dessa enfermidade ou deficiência, às vezes congênita, cumpre ao oficial de justiça citar o respectivo representante legal (art. 242, caput). Impossibilitada de receber a citação, de outro lado, é a pessoa, enferma ou não, que, “mesmo por causa transitória”, não tem condições de exprimir a sua vontade (art. 3.º, III, do CC). A idade não constitui fator relevante. Ressalva feita à incapacidade de fato, igualmente apurada pelo oficial de justiça, em que a consequência é a do art. 245, § 1.º, o fato de o citando ter mais de sessenta anos não significa que ele seja incapaz, no todo ou em parte. O art. 245, caput, versa assunto eminentemente técnico. O oficial de justiça é leigo nesta matéria. Não tem formação para avaliar o estado psíquico do citando. Por esse motivo, a lei cinge a verificação à aparência. Pode acontecer que a própria doença mental atribua ao citando, em determinados momentos, plena consciência, retirando-a em outras ocasiões. Dependerá a validade do ato, nessas condições, da ulterior prova da incapacidade. No caso de o citando aparentar a anormalidade psíquica, e não existindo possibilidade de recuperação próxima (v.g., o citando sofreu enfarto, mas receberá alta em breve; a incapacidade mental é momentânea, em razão de concussão sofrida em acidente de trânsito), o oficial de justiça “descreverá e certificará minuciosamente a ocorrência”, reza o art. 245, § 1.º. Diante da certidão, e sem colher a manifestação do autor, o juiz designará médico, a fim de examinar o citando (art. 245, § 2.º). Não servia, no direito anterior, o laudo do médico assistente do citando.88 O art. 245, § 3.º, permitiu a apresentação de declaração do médico do citando, diretamente ao oficial de justiça. E, à vista da própria certidão dotada de fé pública (e modalidade de prova atípica: constatação oficial) o juiz pode concluir seguramente a incapacidade do citando e, abstraído o exame, dar-lhe curador de imediato.89 O médico cogitado no art. 245, § 2.º, é um perito, eventualmente recrutado no cadastro do art. 156, § 1.º, especialmente designado para esse incidente específico. Apresentará seu laudo no prazo de cinco dias (art. 245, § 2.º, in fine). Declarada a capacidade do citando, malgrado as aparências, o juiz mandará o oficial de justiça citá-lo, na forma do art. 242, caput. Ao invés, apurada a impossibilidade, o juiz dará ao citando um curador especial, restrita a nomeação à causa (art. 245, § 4.º). Para essa finalidade, observará a preferência da lei civil, prevista no art. 1.775 do CC: cônjuge (ou companheiro), pai, mãe e descendente “que se demonstrar mais apto”. O juiz precisará, neste caso, dos subsídios fornecidos pelo autor, porque não lhe cabe adivinhar os integrantes da família do citando. Escolhido e compromissado o curador especial, receberá a citação, gravando-lhe o ônus de apresentar defesa e representar o citando no processo (art. 245, § 5.º). Incide, ainda, o art. 178, II, sendo caso de intervenção obrigatória do Ministério Público, havendo o autor de promover-

lhe a intimação (art. 178, caput), ou o juiz ordená-la, ex officio, sob pena de nulidade (art. 279). A citação do incapaz que, todavia, aparentou capacidade para o oficial de justiça revela-se nula. A invalidade há de ser demonstrada no processo ou no remédio porventura cabível (infra, 1.222). § 249.º Citação pelos correios 1.200. Preferência e dificuldades na citação pelos correios Os arts. 247 e 248 ocupam-se da citação pelo correio. Não há qualquer requisito especial no tocante à pessoa do citando. Pouco importa que seja pessoa natural ou pessoa jurídica, bem como a respectiva nacionalidade, exigindo-se somente que o citando possa ser localizado em qualquer ponto do território brasileiro pelo serviço de entrega “domiciliar” de correspondência (art. 247, IV). A citação pelo correio prefere as demais modalidades (art. 247, V), em especial a citação por oficial de justiça E, nesta espécie, sobreleva o fato de a competência territorial do órgão judiciário alarga-se “para qualquer comarca do País”, consoante dispõe o art. 247,caput. Era a opinião prevalecente perante o texto originário do CPC de 1973.90 As preocupações externadas com essa modalidade de chamamento a juízo têm solução. Ao meio de comunicação averba-se indiferença com a situação “dos que são incapazes de ler e compreender a importância do ato”.91 Elogiável pela sensibilidade social, a ressalva é relativa. Existe, realmente, déficit na alfabetização, em todo o território nacional, e numerosos semianalfabetos, que apenas desenham o próprio nome a título de autógrafo. Em casos tais, o juiz avaliará a regularidade do ato citatório. É muito mais grave, na realidade, a concepção segundo a qual bastará a entrega da carta de citação no endereço do citando, entregando ao porteiro ou ao recepcionista nos condomínios horizontal e nos loteamentos, sem colher a assinatura do citando no recibo (infra, 1.204). 1.201. Exclusão da citação pelo correio O art. 247, I a V, estipula casos em que não se mostrará admissível, posta sob a iniciativa do juiz, a citação postal. Fundam-se as exceções em critérios heterogêneos. Os casos do art. 247, I a III, não se afiguram plenamente persuasivos. Na verdade, faltou coragem e franqueza para explicitar o motivo real, o elo comum desses casos tão díspares: a desconfiança com a probidade do carteiro. Ora, semelhante juízo revela-se improcedente ou, na pior das hipóteses, não difere, qualitativa e quantitativamente, da exação do oficial de justiça. 1.201.1. Proibição de natureza objetiva da citação pelo correio – O art. 247, I, impede a citação pelo correio nas ações de estado. Portanto, o critério baseia-se, neste caso, na natureza da causa, inegavelmente transcendente, tanto que tais demandas tramitam em segredo de justiça, a teor do art. 189, II (retro, 1.104.2). Exemplos de ações de estado são as que envolverem separação, divórcio, dissolução de união estável e filiação. Mas, há outros numerosos estados (v.g., o de liberdade; o de cidadania),92 e, não, somente o estado da pessoa natural. Em caso de dúvida, quanto à natureza da causa,

sugere-se a interpretação extensiva, valendo o caráter subsidiário da citação por oficial de justiça.93 À toda evidência, não é a melhor solução: a citação postal, na dúvida, deve ser empregada O art. 247 I, manda observar o art. 695, § 3.º, segundo o qual a citação há de ser pessoal. Ora, a citação pelos correios é real (retro, 1.192). Aparentemente, a restrição só abrange mandatário (v.g., o advogado com poderes especiais, a teor do art. 105, caput). A citação do incapaz cai na restrição do art. 247, II, fundando-se em causa subjetiva A possibilidade de citação postal nas ações de estado obtém apoio na insubsistência da restrição. E, de fato, a hipótese demonstra flagrante má ponderação dos interesses em jogo. O propósito de imprimir reserva aos fatos da causa, concernentes à intimidade das partes, lograria maior proteção na citação postal. Ressalva feita à improvável e rara violação da carta fechada, o carteiro desconhece o teor das peças, que são lidas pelo oficial de justiça, movido por curiosidade natural. Logo após a vigência do CPC de 1973 surgiram dúvidas quanto à admissibilidade da citação pelo correio na execução, sob o argumento de que o executado pode cumprir no ato do chamamento e as mãos do carteiro se revelariam inidôneas ou despreparadas para semelhantes misteres.94 Naquela oportunidade, opinião intermediária alvitrava o cabimento limitado dessa espécie de citação, excluindo-a sempre que, a par do chamamento, o mandado contivesse providências outras (v. g., a possibilidade de adimplir).95 Ficava a citação pelo correio restringida, segundo semelhante diretriz, na execução de prestações pecuniárias. Essas indevidas limitações à admissibilidade, baseadas em preconceitos desamparados de comprovação empírica, receberam desmentido cabal com a adoção da citação postal na execução do crédito fiscal (art. 8.º, I, da Lei 6.830/1980). Segundo o dispositivo, na execução do crédito da Fazenda Pública a citação pelo correio se tornou prioritária, e produziu resultados frutíferos. O NCPC acolheu a sabedoria dessa experiência. Não há qualquer impedimento à citação postal do executado, embora não seja a regra no procedimento comum da execução por quantia certa. O art. 247, IV, atende razão pragmática, mas insubsistente, Realmente, inexistindo o serviço de “entrega domiciliar de correspondência”, no local em que se há de realizar o ato, a citação postal, que exige a restituição do aviso de recebimento (art. 248, § 1.º), revelar-se-ia impraticável. Ora, os correios gabam-se de entregar a correspondência em qualquer endereço remoto do território nacional. Não há, pois, local desatendido pela entrega de mão própria postal. E, ademais, a regra não se furtou de grave impropriedade. Nem sempre o endereço indicado na inicial é o domiciliar, pois a realização pode se realizar em qualquer local, inclusive no endereço profissional. Finalmente, o art. 247, V, permite ao autor optar pela citação por oficial de justiça, e, a fortiori, a citação por meio eletrônico. Incumbe-lhe justificar a preferência. A incerteza quanto à entrega da correspondência ao citando ou ao órgão da representação da pessoa jurídica, admitida no art. 248, 2.º e 4.º,

bastam para essa finalidade. Revelará o autor, nessas hipóteses, zelo particular com o direito fundamental processual da ampla defesa. 1.201.2. Proibição de natureza subjetiva da citação pelo correio – O art. 247, II, veda a citação pelo correio figurando como réu o absoluta ou o relativamente incapaz. Não convencem, outra vez, os fundamentos da regra. Razões relativas ao sigilo, em atenção aos fatos narrados na inicial, oferecem frágil pretexto à regra. E, conhecida a condição do réu, nada obstaria a citação do representante legal pelo correio. Seja como for, verificando o juiz que o autor qualifica o réu como incapaz (art. 319, II), ordenará a citação por oficial de justiça. É verdade que a noção de incapacidade, para o efeito de recebimento da citação, mostra-se mais ampla do que a da lei civil, tutelando a aparência, e o art. 245 aplica-se, fundamentalmente, na citação por oficial de justiça. Embora o art. 247, II, haja de incidir sempre que o citando se encontre impossibilitado de receber a citação, inclusive quando a lei material considera a pessoa capaz, tudo dependerá do fato de o autor declinar a condição do réu na inicial. Depois, o art. 247, III, exclui da incidência da citação postal as pessoas jurídicas de direito público (interno e externo). A União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios, as respectivas autarquias e fundações públicas encontram-se abrangidas. Ficam de fora as empresas públicas e as sociedades de economia mista.96 E, outra vez, considerando o caráter real da citação postal, o dispositivo não tem o menor cabimento. A citação postal é muito mais segura do que a citação eletrônica prevista para as pessoas jurídicas de direito público (art. 246, § 2.º). Se a lei prevê a necessidade de as pessoas jurídicas organizarem-se adequadamente para receberem a citação postal, no mínimo escolhendo a dedo o “funcionário responsável pelo recebimento de correspondência” (art. 248, § 2.º), maiores razões recomendam essa organização interna exemplar das pessoas jurídicas de direito público e do “órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial” (art. 242, § 3.º). Não ponderou-se adequadamente o princípio da igualdade. 1.202. Controle da admissibilidade da citação pelo correio A citação é ato de impulso oficial. Nada impede, todavia, o autor de requerê-la, pois este era o ônus instituído no direito anterior. Eventualmente, desincumbindo-se do ônus, o autor se atreve a dar um passo além, indicando, desde logo, a espécie de citação cabível no procedimento. Às vezes, até grava-lhe o ônus suplementar de motivar o cabimento da modalidade de citação porventura indicada. Por exemplo, encontrando-se o réu em lugar inacessível (art. 256, II), tornando cabível a citação presumida, alegando e provando o fato respectivo. Não raro a lei extrai da omissão do autor a modalidade cabível: omissa a inicial, a citação do executado far-se-á pelo correio, na execução fiscal, “se a Fazenda Pública não a requerer de outra forma” (art. 8.º, I, in fine, da Lei 6.830/1980). É o sistema do procedimento comum. Far-se-á a citação pelo correio, salvo “quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma” (art. 247,

V). Porém, há casos em que a lei, requerida ou não tal espécie de citação, pelo autor, pré-exclui sua admissibilidade, em virtude de razões objetivas (v.g., nas ações de estado) ou subjetivas (v.g., nas demandas movidas contra pessoas jurídicas de direito público). Então, o objeto do controle do juiz, ao despachar a petição inicial, abrange a admissibilidade da espécie de citação especificada pelo autor ou o cabimento da citação pelo correio, omitida qualquer referência a seu respeito na inicial. É neste sentido que se há de interpretar a cláusula inicial do art. 248, caput (“Deferida a citação pelo correio…”). Cumpre ao juiz verificar, em suma, o cabimento da citação pelo correio, e, na verdade, indeferi-la nos casos do art. 247. O laconismo da decisão inicial – o notório e decisivo “citese” – significa deferimento. Deferida a citação pelo correio, ou omisso o ato do juiz, o escrivão ou o chefe de secretaria promoverá os atos de seu ofício para realizar a citação pelo correio. Expedirá a carta de citação como os requisitos do art. 248, caput. Não lhe cabe, requerida a citação pelo correio, e nada dispondo em contrário o órgão judiciário, a seu talante optar pela citação por oficial de justiça. 1.203. Requisitos da carta de citação O art. 248, caput, estipula as condições específica da carta de citação. Antes de avaliar o respectivo conjunto, merece destaque a ausência de um requisito. Reforma parcial do CPC de 1973 eliminara o requisito do “sobrescrito com timbre impresso do juízo ou tribunal, bem como do cartório”, indicando expressamente a finalidade do ato. A ponderação dos valores em jogo levou à proscrição desse requisito. De um lado, o manuseio do envelope com tais elementos indiscretos comprometia a intimidade do citando. Além do carteiro, o porteiro do edifício e os vizinhos tomavam conhecimento da citação. Por outro lado, rápida olhada no envelope, no qual se indica a citação e, não, por exemplo, a convocação para testemunhar, induzia o citando a refugar a assinatura no recibo. A lealdade das relações entre o Estado-juiz e o jurisdicionado há de ser recíproca. É atitude ingênua ignorar as manhas do citando. À luz do art. 248, caput, não se exige sobrescrito sem qualquer identificação, até porque o escrivão ou chefe de secretaria só dispõe dos modelos distribuídos pelos serviços administrativos do tribunal aos juízos de primeiro grau. O envelope de tamanho ofício conterá o timbre do Poder Judiciário e as armas do Estado-Membro ou da República, porque o escrivão não dispõe de outra sobrecarta, mas o conteúdo da missiva permanecerá sigiloso. É vedado ao escrivão, decididamente, consignar na sobrecarta a finalidade do ato,97 tutelando, simultaneamente, a intimidade das pessoas responsáveis e cônscias dos deveres inerentes à cidadania plena e a efetividade do direito fundamental do autor à prestação jurisdicional rápida e efetiva, eventualmente comprometida pela malícia do citando. O réu contumaz e malicioso, de resto, jamais receberá o carteiro ou retirará a correspondência na agência mais próxima. Em tal caso, frustrada a citação pelo correio (art. 249, in fine), o juiz expedirá o mandado de citação.

O conteúdo da carta de citação acompanhará, no essencial, os requisitos do art. 250, I a VI, conforme depreende-se do caput do art. 248 e da remissão do § 3.º do mesmo artigo. Do contrário, aberto o envelope e lida a carta, o destinatário jamais entenderia o ato. O art. 248, caput, realçou os dados mais elementares. E fez muito bem. À falta dessas prescrições, como ocorreu no direito francês, a jurisprudência acabaria por afirmá-las, recomendando ao remetente a estrita observância das condições necessárias ao exercício do direito de defesa.98 Em primeiro lugar, na ordem de prioridades, a carta assinalará o prazo para resposta. O art. 248, caput, utiliza a palavra “resposta” impropriamente, por dois motivos: (a) no processo de conhecimento, a defesa concentra-se na contestação; (b) na execução, inexiste resposta, cabendo o cumprimento da prestação ou reação contra a execução injusta. É mais exato, a esse propósito, o art. 250, II, in fine. Relevado o ponto, a assinação do prazo é imperativa. É preciso que essa advertência seja feita em termos expressos,99 por extenso, não bastando a indicação do dispositivo legal, porque a parte é jejuna em matéria de direito. Acompanhará essa carta, explicita o art. 248, caput, “cópias da inicial e do despacho do juiz”, fornecidas aquelas pelo autor, a quem incumbe promover a citação (art. 240, § 2.º). Essas cópias permitirão ao réu ter adequada comunicação (adequate notice) do que o autor pretende e porque o almeja, conhecendo os fatos afirmados. O despacho do juiz acompanha a carta pelo mesmo motivo, inclusive para o efeito do art. 250, III, mencionando a sanção porventura aplicável no caso de descumprimento da ordem atinente a tutela provisória de urgência. Da remissão do art. 248, § 3.º, avulta a intimação para comparecer, se for o caso, à audiência do art. 334, acompanhado de advogado ou de defensor público, mencionando o dia, a hora e o lugar do comparecimento (art. 250, IV). Infelizmente, a carta de citação não adverte o réu da opção do art. 334, § 5.º. O princípio da cooperação recomenda, entretanto, indicar essa opção, incluindo o prazo respectivo, no formulário físico ou eletrônico que a Administração da Justiça aprovará para uso do escrivão ou chefe de secretaria. Finda a carta de citação, assinada na forma do art. 250, VI, o endereço do juízo e o respectivo cartório (art. 240, caput, parte final). Esses permitem ao réu procurar advogado ou buscar ele próprio cópias do inteiro teor do processo. O escrivão registrará a carta de citação (art. 248, § 1.º, parte inicial). O registro tem dupla finalidade: (a) comprova a entrega da correspondência aos correios; e (b) assegura o retorno ao remetente.100 Existem formas diferentes de registro, retratando operações especiais de alto custo e notável eficiências, mas a lei fitou o registro com aviso de recebimento (AR). É o que expressou, com maior nitidez, o art. 18, I, da Lei 9.099/1995: “por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria”. Tanto há aviso que o prazo de resposta fluirá da sua juntada aos autos (art. 231, I). Reza a Súmula do STJ, n.º 429: “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”. 1.204. Entrega da carta de citação ao destinatário

O ponto capital da citação pelo correio reside no ato de entrega da carta de citação ao destinatário e obtenção de recibo do citando. A citação postal constitui modalidade de citação real. Cumpre ao carteiro localizar o destinatário no endereço da entrega. Encontrada a pessoa, e, conforme o tempo em que percorre a rota, o carteiro talvez a conheça, impõese identificá-la formalmente. Em geral, o carteiro transcreve o número da identidade no formulário próprio, pois o destinatário apresenta o documento. Nada exclui a recusa do destinatário em identificar-se ou enganos do carteiro (infra, 1.205). Feita a identificação positiva do destinatário, geralmente através da cédula de identidade, o carteiro exigir-lhe-á recibo de próprio punho (art. 248, § 1.º), que será restituído ao remetente, a fim de ser juntado aos autos (art. 231, I). É o aviso de recebimento (AR). Este documento comprova a chegada da correspondência ao destinatário,101 assegurando o caráter real da citação, e a efetiva comunicação do ato processual. E, com efeito, art. 248, § 1.º, impõe a entrega da carta ao “citando”, e, não, a qualquer pessoa, conhecida ou não, residente ou não no local, vinculada ou não ao destinatário da citação. Duas perigosas exceções encontram-se consagradas no art. 248: (a) quanto às pessoas jurídicas, o carteiro entregará a correspondência ao gerente e ao administrador ou, ainda, ao “funcionário responsável pelo recebimento de correspondências”, presumivelmente porque inacessível o ocupante do órgão de representação (art. 248, § 2.º); (b) quanto às pessoas naturais, nos condomínios edilícios e nos loteamentos com controle de acesso (v.g., portaria), outra vez ao “funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência”, salvo se este declarar, por escrito e sob as penas da lei, encontrar-se ausente o citando (art. 248, § 4.º). No direito anterior, a jurisprudência do STJ estabelecera distinção entre a citação da pessoa natural e a da pessoa jurídica através do correio. A citação da pessoa natural exige a “entrega direta ao destinatário, de quem o carteiro deve colher o ciente”, cabendo ao autor o ônus de provar que, a despeito da falta de assinatura do aviso, o réu teve conhecimento da demanda.102 No que tange à pessoa jurídica, prescinde-se dos poderes de representação da pessoa que efetivamente recebe a correspondência.103 Em algumas hipóteses, realmente, a própria lei transforma a citação pelo correio de real em presumida, eliminando a pessoalidade (in-hand delivery). O art. 18, II, da Lei 9.099/1995 declara que, “tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado”. E, antes desse dispositivo, o art. 8.º, II, da Lei 6.830/1980 radicalizou, dando por satisfeita a citação com a entrega da carta “no endereço do executado”. O STJ decidiu que, na execução fiscal, mostra-se válida “a citação postal entregue no domicílio correto do devedor, mesmo que recebida por terceiros”.104 O primeiro aspecto digno de consideração, na interpretação dessas regras, reponta no princípio da probidade. O art. 274, parágrafo único, presume válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço constante nos autos. Não alude, diretamente, à citação, e, além disso, o dispositivo pressupõe declaração da própria parte, e não do seu adversário

em juízo. Entenda-se: pressupõe-se válida a “comunicação” feita ao autor no endereço que ele próprio declinou na petição inicial. Eis a razão por que, reza o art. 77, VI, cumpre as partes atualizar o endereço. É flagrante a impossibilidade de aplicar essa presunção à comunicação feita ao réu, no endereço apontado pelo autor. Pode haver simples equívoco ou erro malicioso. Em seguida, convém considerar o relevo do ato de citação em qualquer processo. Ele propicia a defesa do réu. Integra o devido processo legal o direito de ser citado. É o “corolário do princípio universalmente consagrado de que ninguém deve ser condenado sem ser previamente ouvido”, e, portanto, direito irrenunciável.105Liberalidade nesta matéria, em prol da celeridade, resultará na violação desse direito fundamental mais valioso. De fato, e na prática, a citação não chegará ao destinatário ou, tratando-se de pessoa jurídica, à pessoa habilitada a providenciar a defesa em juízo. Todo cuidado é pouco, evitando grave nulidade, mostrando-se prudente o autor que, recusando o destinatário assinar o recebido, ou não se identificando o subscritor, invocar o art. 249 e requerer a citação por oficial de justiça. O juiz digno das funções dimanadas da CF/1988 tomará a providência, ex officio, sacrificando o resultado aparente em benefício do direito fundamental à defesa. Em outras palavras, comparecendo o réu no prazo, o ato viciado surtiu efeitos, e, neste caso, convalidou-se; não comparecendo o réu, o juiz decretará inválida a citação, ordenando a expedição de mandado. É certo que o due process não requer, necessariamente, a citação real (ou pessoal) do réu.106 À semelhança, porém, do que acontece entre nós, a teor do art. 75, VIII, no processo civil norte-americano as leis especificam a pessoa autorizada a receber a citação em nome da empresa, e, na maioria dos casos, oferece razoável garantia de recebimento pelo órgão de representação a entrega a um funcionário que esteja em posição de informar ao representante.107 Não, pois, a qualquer pessoa (v.g., a recepcionista da clínica médica; o gerente da agência bancária), cujos interesses pessoais talvez não coincidam com os institucionais da empresa. Por esse motivo, a irrestrita aplicação da teoria da aparência, dando-se por citada a pessoa jurídica tanto que recebida a carta num dos seus estabelecimentos, conduz à violação objetiva do direito de defesa. Por exemplo, o STJ proclamou a validade da citação postal, recebida a carta “por empregado da empresa que se identifica assinando o AR”, estimando, ainda, sem relevo “dificuldades operacionais no âmbito da empresa citanda”.108 O julgado revela, em primeiro lugar, o escasso apreço aos direitos fundamentais processuais, em especial ao direito de defesa, sobrepondo o meio (serviço do processo) aos fins; ademais, demonstra desconhecimento da complexidade da vida empresarial. Nada assegura que o empregado que recebeu a carta, encarregado ou não do recebimento da correspondência, conheça a natureza do ato e suas consequências, ou desfrute de posição hierárquica que lhe permita acesso aos órgãos de representação. Outro exemplo é o da admissibilidade da citação através da entrega da carta na caixa postal em demanda versando relação de consumo.109 A ponderação dos direitos fundamentais (acesso à Justiça versus ampla defesa) é tarefa

extremamente delicada, não se mostrando inferir que a indicação de caixa postal seja expediente instituído para impedir o chamamento a juízo. O autor sempre poderá diligenciar a localização do lugar da sede social da empresa no registro competente. A citação constitui ato de suma importância. É equívoco tremendo invocar e aplicar, no tocante a este ato fundamental, o princípio da instrumentalidade de formas, olvidando que, ocorrendo a citação em qualquer empregado da sociedade empresária, o ato não atinge a finalidade e provoca prejuízo, motivo por que se mostra inválido. Outro problema, insuficientemente enfrentado, é o da validade da citação postal em dia que não há expediente forense. A citação não padece de qualquer vício.110 1.205. Recusa do destinatário de firmar o aviso À perfeição da citação postal não basta o carteiro entregar a carta ao destinatário: a atividade ultima-se, legitimamente, firmando o destinatário o recibo (art. 248, § 1.º). Recusando-se este a assinar, a citação não se completou. Nenhum valor tem, a esse propósito, a declaração do carteiro de que o destinatário recebeu a carta, mas refugou a assinatura no recibo.111 O carteiro não é auxiliar do juízo, nem tem fé pública.112 Nesse caso, por sinal, a carta de citação não será entregue, mas retida pelo carteiro, para ulterior devolução ao remetente. Frustrou-se a citação postal. Resta ao autor recorrer à citação por oficial de justiça (art. 249, in fine).113 1.206. Frustração da citação pelo correio Acontece de o carteiro não conseguir localizar o destinatário da citação no endereço declinado na petição inicial ou, de qualquer modo, fornecido pelo autor. Em tal contingência, devolverá a carta ao remetente. Frustrou-se a citação pelo correio (art. 249, in fine). Cumpre ao autor requerer, intimado pelo juiz, a citação por oficial de justiça, envidando esforços para indicar o endereço correto. Nada impede, por óbvio, a renovação da tentativa da citação pelo correio, após a obtenção de novo endereço residencial ou profissional, conforme permite o art. 319, § 1.º. § 250.º Citação por oficial de justiça 1.207. Posição da citação por oficial de justiça A citação por oficial de justiça era a modalidade comum. As formas concorrentes dependiam do preenchimento de requisitos específicos. Todavia, acabou apeada do trono pela citação postal, bem menos dispendiosa, e, quanto às pessoas jurídicas, pela citação por via eletrônica (art. 242, § 3.º c/c art. 246, § 1.º e § 2.º). A citação por oficial de justiça é forma subsidiária, relativamente à citação postal, e a fortiori, à citação por via eletrônica, cabível nos casos de exclusão (art. 247) ou de frustração da

citação pelo correio (art. 249, in fine). E representa a única modalidade possível de realizar-se em qualquer hipótese coberta pela citação postal ou pela citação por meio eletrônico.114 O art. 249 prevê a citação por oficial de justiça “nas hipóteses previstas neste Código ou em lei”. Exemplo dessa previsão é a do art. 695, § 3.º. A citação por oficial de justiça realizar-se-á após a petição inicial passar pelo controle preliminar do juiz. Deferida, mediante o clássico “cite-se”, a primeira providência consiste na expedição do mandado de citação, a cargo do escrivão ou chefe de secretaria (art. 152, II). É o meio de comunicar ao citando a ordem do juiz de chamá-lo a integrar a relação processual. 1.208. Requisitos do mandado de citação O art. 250 contempla os requisitos essenciais do mandado de citação. A falta implica a existência de vício. Entretanto, a decretação de nulidade dependerá, no sistema legal, da frustração da finalidade do ato e do prejuízo causado ao réu. Para evitar controvérsias indesejáveis, o exato cumprimento do roteiro traçado no art. 250 interessa ao processo constitucionalmente legítimo, hoje auxiliada a tarefa do escrivão com o preenchimento dos campos abertos no formulário virtual, sem o que o sistema de informática não completará a expedição. Seja como for, o STJ admitiu que, a despeito de erroneamente designado “mandado de intimação”, tal fato não invalida a citação, pois o mandado atendera aos demais requisitos do art. 250.115 Em linhas gerais, o art. 250 não discrepa de outros sistemas jurídicos, até mais exigentes na individualização da causa no ato de chamamento a juízo.116 1.208.1. Identificação das partes – O mandado conterá o nome do autor e do réu, bem como os respectivos domicílios ou residências (art. 250, I). Do ponto de vista do citando, a individuação das partes tem escopo preciso. Ficará sabendo contra quem litigará, optando por reagir à demanda, e, caso existam, as pessoas que compartilharão o polo passivo. Entende-se por “nome” (nome do indivíduo) o prenome e o patronímico (nome de família): o primeiro é demasiado vago e nome de família não designa apenas um indivíduo. A falta de nome completo favorece a citação do homônimo, ou do filho em lugar do pai, ou vice-versa. A indicação do domicílio ou da residência na petição inicial tem por objetivo permitir a localização do citando. É válida a citação realizada em outro lugar – as diligências do oficial de justiça, no intuito de localizar o réu, conduzem-lhe aos lugares mais inesperados. Pouco importa. Conquanto a relevância do chamamento a juízo indique a necessidade que se faça a citação no domicílio real,117 interessa que o ato atinja sua finalidade. 1.208.2. Finalidade da citação – O art. 250, II, exige que conste do mandado o fim “da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial”. Não é necessária, para essa finalidade, a reprodução integral da petição. Um sumário ou extrato, indicando os fatos principais articulados, em breve síntese, e os pedidos, claramente expressos e circunstanciados,118 calham ao propósito de permitir ao réu a exata compreensão do que enfrenta e contra o que deverá reagir, decidindo-se

neste sentido. Nem todo escrivão, inclusive os mais traquejados na função, tem o poder de síntese reclamado na tarefa. A lei atribuiu ao escrivão “trabalho delicado e sutil”.119 Poucos o desempenharão a contento. O autor costuma fornecer, atalhando eventual repetição de ato viciado, tantas cópias da inicial quantos os citandos. Depois de conferidas com o original, farão parte integrante do mandado substituindo a suma elaborada pelo escrivão. A apresentação de cópias constitui faculdade do autor que deveria tornar-se obrigatória. Tentou-se ensaiá-la, rejeitando o distribuidor, ilegitimamente, iniciais desacompanhadas de cópias. O STJ adotou a tese da obrigatoriedade, permitindo ao juiz abrir o prazo do art. 321, caput, para o autor fornecer as cópias.120 A chamada contrafé (art. 251, I) consistirá na cópia do mandado e da petição inicial. O art. 250, II, também reclama que o mandado indique o prazo de contestação, e o efeito da inércia – revelia –, e o prazo para embargar a execução. Entendeu o STJ, em certa oportunidade, dispensável o requisito no caso de o citando ostentar a condição de bacharel em direito, “que não pode alegar o desconhecimento da lei”, devendo a regra ser interpretada teleologicamente.121 Em outra ocasião, corretamente, estimou que a omissão invalida a citação, “independentemente do grau de cultura jurídica da pessoa que recebe a citação”.122 O direito anterior previa, mais acuradamente, a advertência que, não sendo contestada, presumir-se-iam verdadeiros os atos alegados na petição inicial. Essa advertência era bem eloquente. Esperava-se reação energia do réu ao ler afirmações contrárias à verdade. A falta dessa advertência invalidava a citação.123 Por decorrência, e manifesta incompatibilidade entre o vício e o efeito, a ausência obstava a presunção de veracidade (retro, 362); porém, ao contrário da orientação encapada pelo STJ, não se poderia afirmar válida a citação desacompanhada da advertência.124 O ato deveria ser repetido na forma legal.125 1.208.3. Cominação de pena – Havendo o juiz, apreciando pedido do autor, cominado pena ao réu, o mandado indicará essa cominação (art. 250, III) e, como aduziu o STJ, o prazo de cumprimento.126 Em realidade, a exigência de transcrição do despacho ou da decisão concedendo tutela provisória (art. 250, V) supre com maior eficiência o requisito. 1.208.4. Dia, hora e lugar de comparecimento – À contestação do réu, salvo opção convergente das partes em sentido contrário, a do réu apresentada com dez dias de antecedência (art. 334, § 5.º), antecederá, no procedimento comum, a audiência de conciliação e de mediação (art. 334). Logo, do mandado de citação constará a intimação do réu para comparecer a essa audiência, acompanhando de representante técnico, e submeter-se às técnicas terapêuticas do conciliador ou do mediador, indicando o dia, a hora e o lugar da sessão (art. 250, IV). Faltou acrescentar o prazo do art. 334, § 5.º, como exige o princípio da cooperação.

Isoladamente, a intimação para comparecer à audiência não supre a ausência de outros requisitos, deixando o mandado de instar o réu a contestar a demanda, oportunamente, “e, muito menos, sem adverti-lo sobre os efeitos da sua inércia”.127 Em tais hipóteses, o mandado indicará o dia, a hora e o lugar de comparecimento do citando. Esses dados hão de ser precisos e completos. No tocante ao lugar, o endereço da sede do juízo e a designação do ofício (v.g., 1.ª vara cível) revelam-se insuficientes,128 porque dados parciais. É preciso indicar o andar do prédio, ala (ou corredor) e o número da sala. Infelizmente, olvidados esses pormenores essenciais, veem-se pessoas desorientadas, independentemente do grau de instrução, a percorrer palácios suntuosos, ou prédios decrépitos e labirínticos, clamando pela boa vontade de seguranças e outros transeuntes para obterem esclarecimentos. E, como há o dever de comparecer, urge respeitar o prazo de antecedência de dez dias, a fim de possibilitar a opção do art. 334, § 5.º, e, não, as quarenta e oito horas do art. 218, § 2.º. O horário marcado é para o comparecimento. Às vezes, a audiência não inicia no momento aprazado. Em doutrina, cogitou-se do direito de a pessoa convocada afastar-se ou do dever de permanecer no recinto, aguardando indefinidamente, em flagrante prejuízo às suas atividades habituais. A subsistência do dever de aguardar recebeu enérgica defesa.129 E, de resto, só os resolutos e audaciosos arrostam a autoridade judiciária. Raramente ocorrem protestos verbais contra o intervalo longo entre uma audiência ou outra, ou a demora em iniciar a solenidade, sem maiores explicações e desculpas. Existem motivos razoáveis para atrasos. Por exemplo, a audiência antecedente exigiu prementes esforços do juiz para promover a autocomposição, secundado pelo conciliador ou o mediador, demorou mais do que o previsto. Em outros casos, há juízes e auxiliares (como há outras pessoas em geral) inclinados à impontualidade. Nada há para fazer. As desvantagens da retirada abrupta e da subsequente controvérsia, a esse respeito, mostram-se mais intensas que a espera. E, de resto, na audiência do art. 334, não se beneficia do art. 362, III, autorizando o adiamento por atraso superior a trinta minutos. Por sinal, só o órgão judicial pode adiar a audiência e, nesse sentido, a regra é relativamente inócua. 1.208.5. Cópia da decisão – O art. 250, V, determina que o escrivão anexe ao mandado a cópia do despacho, ordenando a citação, e da decisão que concedeu tutela provisória. A importância dessa cópia reside na circunstância de o prazo para interpor agravo de instrumento (art. 1.015, I) iniciar na forma do art. 231, conforme o art. 1.003, § 2.º, e, não, da data que o advogado do réu habilitar-se no processo (retro, 1.160.3). 1.208.6. Assinatura do escrivão – Por fim, encerra o mandado de citação a assinatura do escrivão, lançada digitalmente ou não, acompanhada da declaração de que o subscreve por ordem do juiz. É tarefa do escrivão, e não do juiz, firmar o mandado. O juiz não assina o mandado de citação, nem delega atividade intrínseca do seu ofício ao seu mais próximo auxiliar.130 Talvez seja infeliz a redação do art. 250, VI. Porém, o intuito da

regra parece flagrante: a assinatura do escrivão autentica o documento, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à existência da ordem de citação e decisão concedendo tutela provisória,131 juntada por cópia (art. 250, V). Foi o que procurou exprimir a regra na fórmula “e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz” do art. 250, VI – quer dizer, que o subscreve em virtude de o juiz ter ordenado a citação. 1.209. Execução do mandado de citação Recebido o mandado de citação, através de recibo no livro próprio, o oficial de justiça, pessoalmente, procurará o citando no(s) endereço(s) indicado na inicial, ou no local em que a busca o conduzir, e realizará a citação. Cumpre ao oficial de justiça realizar pessoalmente a diligência. É inválido o ato praticado por preposto.132 Como já se assinalou, em matéria de citação impera a teoria da recepção, segundo a qual o ato há de se revestir de todas as formalidades legais, única interpretação compatível com as garantias intrínsecas aos direitos fundamentais processuais. 1.209.1. Prazo da diligência – Não há prazo fixo para a ultimação das diligências. Depositou-se irrestrita confiança no oficial de justiça, supostamente conhecedor dos meandros da comarca. E, por igual, recebendo vários mandados, tudo dependerá do tempo gasto em cada citação. 1.209.2. Localização do citando – Compete ao oficial de justiça localizar o citando. A citação realiza-se em qualquer lugar, a teor do art. 243, caput (retro, 1.197). É muito raro, hoje em dia, o oficial de justiça, apurando a mudança do réu para outro local, porque transferiu o domicílio ou trocou de emprego, informarse com os antigos vizinhos e colegas, perseguindo os rastros do citando, qual aplicado investigador ou detetive. O mais comum é que certifique a mudança e restitua o mandado a cartório. Mas, ainda há oficiais de justiça tenazes e empenhados na tarefa. As diligências efetuadas até localizar o réu no novo endereço serão certificadas no mandado. Dá-se o nome de “certidão negativa” à diligência infrutífera. Não localizando o devedor, malgrado os esforços, o oficial certificará o ocorrido e restituirá o mandado. 1.209.3. Identificação do citando – A identificação do citando compete ao oficial de justiça. As pessoas de boa vontade oferecem-lhe a identidade civil. Por analogia, aplica-se o art. 275, § 1.º, I, no caso. Não conhecendo o oficial o citando, como sói ocorrer, concebem-se enganos: (a) o oficial localiza o suposto citando, mas a pessoa recusa identificar-se, e terceiros confirmam, erroneamente, a respectiva identidade; (b) o oficial localiza pessoa que nega ser a que deve receber a citação, negando identificar-se; (c) o oficial localiza pessoa que, falsamente, alega (e, às vezes, faz prova com o documento alheio) ser o próprio citando.133 Eventual erro, invalidando a citação, deverá ser provado pelo interessado oportunamente.

1.209.4. Leitura do mandado de citação – O art. 251 estabelece, precisamente, os atos que compõem a citação. Em primeiro lugar, o oficial de justiça lerá o mandado (art. 251, I, primeira parte). Essa tradicional exigência prende-se à alfabetização precária ou inexistente de muitas pessoas. A simples entrega da contrafé impediria o citando, analfabeto e vivendo entre analfabetos, de conhecer do que se tratava. Daí a leitura completa e vagarosa, em voz audível, feita apesar de o citando negar-se a ouvir e interromper o oficial de justiça.134 Eventuais dúvidas, suscitadas pela leitura, o oficial de justiça esclarecerá prontamente.135 A leitura em voz alta do mandado é um meio para atingir o fim – pleno conhecimento do ato –, mostrando-se unicamente neste caso. Flagrando o oficial de justiça que o citando compreenderá o ato, haja vista sua condição social, inexiste irregularidade em ele próprio ler, rapidamente ou não, o mandado, ou em dispensar a leitura.136 É o que acontece, via de regra, nas grandes comarcas. O citando e o oficial não trocam palavras, exceto as de cortesia. Impossibilitado o citando de compreender, com ou sem leitura, ante alguma doença ou incapacidade, incidirá o art. 245 (retro, 1.199). Mas, há os problemas do surdo e do estrangeiro. No tocante à pessoa com déficit auditivo, não se presumindo a leitura labial, nem a possibilidade de o oficial dominar os sinais que permitem a comunicação aos portadores dessa deficiência, buscará pessoa habilitada à mediação, presumivelmente um familiar.137 No caso do estrangeiro, cujo domínio do português não seja satisfatório, o oficial de justiça recorrerá a intérprete.138 1.209.5. Entrega da contrafé ao citando – Em seguida, o oficial entregará a contrafé ao citando (art. 251, I, in fine), ou seja, cópias autênticas do mandado, do despacho e da petição inicial (art. 250, V). Deve tentar fazê-lo, ao menos, pois o citando talvez recuse pegá-la. Em tal contingência, deixará a contrafé ao alcance do citando, hipótese em que este, “voltando à reflexão, pode resolver-se a apanhá-la”.139 Certificará, no mandado, se o citando recebeu ou recusou a contrafé (art. 251, II). A importância da entrega da contrafé reside no fato que, uma vez compulsada, ensejará as providências tendentes à apresentação da defesa, ao comparecimento à audiência do art. 334 ou ao cumprimento da prestação, na execução, ou de quaisquer ordens judiciais (v.g., a tutela provisória). É nula a citação “em que o oficial de justiça entrega ao réu cópia da inicial relativa a outro processo”.140 1.209.6. Obtenção da nota de ciência – Finalmente, o oficial de justiça obterá a nota de ciente do citando na primeira via do mandado ou, na certidão das diligências realizadas, certificará a recusa do citando em lançá-la (art. 251, III). Os motivos dessa recusa variam muito, indo da ignorância ao temor. Não há necessidade de testemunhas, pois o oficial de justiça tem fé pública.141 É simples faculdade do oficial, como se depreende da cláusula “sempre que possível”, inserida no art. 154, I, valer-se de duas testemunhas. E nem

sempre há pessoas (e mais de uma) dispostas a testemunhar e, principalmente, a assinar o mandado, comprometendo-se em ulterior convocação a juízo para esclarecimentos. A certidão consignará, ainda, que o oficial de justiça realizou a diligência, pessoalmente, as circunstâncias que conduziram ao êxito, e o dia, a hora e o lugar da citação (art. 154, I). A certidão do oficial de justiça tem fé pública, mas admite prova em contrário. Em certa ocasião, não localizando o réu em múltiplas ações, notório por essa condição na comarca, e na qual ocupara relevante cargo público, o oficial de justiça pressupôs que se escondesse no interior da residência e, sem as formalidades da hora certa, deu-o por citado. Posteriormente, provouse que, no dia e hora consignados, o réu encontrava-se em coma induzido no nosocômio municipal. A invalidade da citação ensejou processo administrativo. E o oficial de justiça perdeu o cargo. 1.210. Incidente da citação por hora certa A citação por oficial de justiça pode ser pessoalmente (a) direta (in faciem, in-hand, face a face) ou (b) indireta (in domum). Neste último caso, o da citação na moradia do citando, mediante entrega da contrafé a um familiar ou vizinho (art. 253, § 2.º), diminui a pessoalidade do ato. Não há, entretanto, o sucedâneo da afixação do documento na porta da residência, escritório ou estabelecimento do citando.142 Essa característica induziu a opinião prevalecente, no direito anterior, a filiá-la à categoria de citação presumida.143 Em sentido similar, no substitute service do processo civil norte-americano, a entrega no local habitual de residência (usual place of abode) ocorre através de pessoa de “suitable age and discretion residing therein”144 A citação com hora certa constitui subespécie de citação por oficial de justiça, ou meio de executá-la, e não forma autônoma.145 Razões didáticas recomendam seu exame no item dedicado à citação por oficial de justiça, e, não, no âmbito da citação por edital. A citação por hora certa originou-se das Ordenações Filipinas (Livro 3, Título I, § 9.º) e distinguia duas situações: o citando que se ocultava e o que se ausentava propositalmente para evitar a citação.146 Os arts. 252 a 254 disciplinam a citação por hora certa. Trata-se de variante excepcional, e, portanto, merece particular atenção o minucioso regime. A modalidade aplica-se ao processo de conhecimento e ao processo de execução.147 1.210.1. Requisitos da citação por hora certa – A citação por hora certa assenta em dois requisitos: (a) o primeiro, de natureza objetiva, avulta na busca infrutífera do citando por duas vezes no local declinado na petição inicial; (b) o segundo, subjetivo, consiste na suspeita de ocultação. A citação por hora certa ocorre após o oficial de justiça procurar o réu no seu domicílio ou residência por duas vezes infrutiferamente. Embora nada impeça que tal ocorra no mesmo dia, via de regra a busca ocorre em dias diferentes, no endereço residencial ou em outro lugar, na mesma ou em horas

diferentes. A falta de indicação dos horários vicia o ato.148 É obrigatória, entretanto, a busca no domicílio ou na residência, consoante as definições pertinentes da lei civil.149 Flexível, porque indicada a residência, o STJ admitiu essas diligências no endereço comercial.150 Na verdade, o endereço profissional é lugar de domicílio.151 Entenda-se bem: nada obsta a busca do citando em qualquer outro lugar em que se presuma localizar-se – e, de resto, encontrado o réu, ocorrerá a citação pessoal –, mas a validade do incidente pressupõe que ela seja feita no domicílio ou na residência.152 A frustração dessas tentativas de contato pessoal introduz, no espírito do oficial de justiça, a forte suspeita de ocultação para evitar o ato. A lei entendeu de presumir a ocultação: a busca infrutífera, por duas vezes, oferece motivo bastante para se configurar a suspeita. Trata-se de presunção relativa: existindo indícios em contrário (v.g., o familiar presente à diligência apresentou motivo plausível para os desencontros), “cumpre ao oficial voltar outras vezes ou procurar o citando noutro local em que se afigure mais fácil encontrá-lo”.153 À configuração da suspeita de ocultação, no direito vigente, prescinde-se do deslocamento físico do citando para outra moradia, desconhecida do oficial de justiça, cidade ou região. A ocultação compreende o ato de homiziar-se e a própria fuga. Dependerá das circunstâncias, vale insistir, a robustez da presunção de ocultação, e, conseguintemente, a formação da suspeita do oficial de justiça. Às vezes, há motivo plausível para a ausência – por exemplo, a época é de férias e, presumivelmente, o citando encontra-se viajando. Por esse motivo, duas vezes (antes eram três) constituem o número mínimo de tentativas de localização. Talvez o oficial persista nas diligências.154 Não representa consequência fatal da busca infrutífera, por duas vezes, o ato preparatório do art. 252. Outras tentativas podem ser feitas, em várias oportunidades, como admitiu o STJ.155 O objetivo básico do oficial consiste em efetuar a citação pessoal. Por exceção inelutável, a atividade assumira a variante de pessoalidade indireta. 1.210.2. Procedimento da citação por hora certa – Caracterizada a presunção legal de ocultação, o oficial de justiça intimará qualquer pessoa da família – daí o caráter imperativo que a citação se realize ad domum, ou seja, na moradia do citando – ou, na sua falta, qualquer vizinho, do seu futuro retorno. Essa é a primeira etapa da intimação por hora certa, chamada de preparação.156 Ela compreende: (a) ato de ciência; (b) pessoa qualificada. A finalidade da intimação prevista no art. 252 parece evidente. Presumivelmente, o familiar ou o vizinho avisarão o citando da visita do oficial de justiça no dia e hora marcados. Essa intimação se realiza ordinariamente. O oficial de justiça localizará e identificará a pessoa qualificada, colhendo seu “ciente” no mandado. A hora é de livre escolha do oficial de justiça (respeitado, por evidente o horário à prática do ato processual, previsto no art. 212, caput), convindo que consulte, informalmente, o intimando acerca da melhor oportunidade para encontrar o citando em casa. A lei exige que a diligência se realize no “dia imediato”. Não há escolha, mas precisa ser dia útil; do contrário, passa-se ao primeiro dia útil subsequente.157 No entanto, o STJ admitiu a citação realizada “em data posterior ao dia imediato à terceira vez que oficial de justiça procurou o réu”.158

O art. 252, caput, aponta, genericamente, o familiar e o vizinho como aptos a receber a intimação preparatória. O conceito de família e de vizinhança é o mais largo possível. Não se investiga o grau do parentesco ou a distância entre as residências. Interessa a proximidade emocional, a intimidade, o interesse pelos assuntos alheios. O direito argentino emprega a noção de “pessoa da casa”.159 Por exemplo, nos edifícios de apartamentos, o porteiro – objeto de precedente específico do STJ –,160 o ascensorista, a faxineira e o manobrista servem ao propósito legal.161 O art. 252, parágrafo único, parece restringir indevidamente o círculo das pessoas qualificadas, mencionando apenas o “funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência”, nos condomínios e loteamentos com controle de acesso, ou seja, portaria. O oficial de justiça escolherá, havendo pluralidade de pessoas com esses atributos, a que pareça mais idônea, confiável e de boa vontade para o fim de transmitir o ultimato ao citando. É preciso, naturalmente, que seja pessoa maior e capaz, ou, como se diz no direito norte-americano, alguém de “suitable age e discrition”, como pai, a mãe ou, last but not the least, o cônjuge. E, ademais, que aceite a intimação. Do contrário, a providência resultaria inútil: o intimado descumpriria a atividade subsequente, que é o aviso verbal ao citando. Não revela-se necessário afixar na porta da moradia qualquer aviso escrito. Segundo o art. 253, caput, “no dia e na hora designados”, e sem prévia determinação judicial, o oficial de justiça retornará, pontualmente, ao domicílio ou à residência do citando para desincumbir-se da diligência. Passa o oficial de justiça à etapa da realização da citação. E surgem dois termos de alternativa nessa visita: (a) encontrando-se o citando em sua moradia, realizará a citação pessoal, na forma do art. 251; (b) não se fazendo presente o citando, o oficial de justiça informar-se-á, inicialmente, das razões da ausência. Então, abrem-se duas variantes. (ba) A pessoa que recebera a intimação, ou terceiro, explica a ausência satisfatoriamente (v.g., surgiu inesperada viagem a negócios, da qual o citando não se poderia furtar). Neste caso, o oficial encerrará a diligência incontinenti. Conforme o teor da informação recebida (v.g., o citando mudou-se para o exterior), o oficial restituirá, em seguida, o mandado a cartório. (bb) A falta de explicações, ou a justificativa implausível, confirma a suspeita inicial,162 e, ainda que o citando haja se transladado para outra comarca, seção ou subseção judiciária, o oficial de justiça dá por feita a citação (art. 253, § 1.º, in fine). A inserção de o citando ter se ocultado “em outra comarca, seção ou subseção judiciária” objetivou eliminar a necessidade de citação por carta, haja vista a malícia, e tem sentido largo. Pode ocorrer o deslocamento de cidade brasileira (v.g., Jaguarão, RS) para a cidade limítrofe de outro País (v.g., Rio Branco, República Oriental do Uruguai).163 A expressão dar “por feita a citação” (art. 253, § 1.º) significa que o oficial de justiça cumprirá as operações do art. 251 – leitura do mandado, entrega da contrafé e obtenção do ciente do familiar ou do vizinho. Não é necessário, conforme esclarece o art. 253, § 2.º, que seja a mesma pessoa que recebeu a intimação preliminar.164Tal exigência tornaria impraticável o ato. Mas, a lei exige que se trate, outra vez, de familiar ou de vizinho, e, a fortiori, do porteiro (art. 252, parágrafo único), guarnecido dos predicados anteriormente examinados. O art. 253, § 2.º, permite a efetivação do ato mesmo que a pessoa inicialmente intimada esteja ausente e, embora presente, recuse-se a receber a contrafé.

Nada esclarece a lei quanto à ciência pelo terceiro (familiar, vizinho ou porteiro) quanto ao conteúdo da petição inicial nos processos sob segredo de justiça. Por exemplo, o autor pretende reconhecer a paternidade do réu casado quanto a filho havido fora do casamento. Por óbvio, rompe-se o sigilo, dificilmente preservado através do expediente de cerrar a contrafé em envelope fechado, como sucede no direito argentino.165 À falta de proibição, e como o incidente depende do tirocínio do oficial de justiça, é preciso estimar válida a citação em casos tais. De tudo o oficial de justiça lavrará certidão, complementa o art. 253, § 3.º, narrando as duas procuras do citando, o lugar, os dias e a hora dessas diligências; os motivos da suspeita de ocultação; a intimação do terceiro da ulterior visita, no dia imediato e na hora designada; as explicações prestadas e recebidas nesta oportunidade; os motivos que levaram à convicção de efetiva ocultação; e, por fim, o cumprimento do mandado, indicando o nome do familiar ou do vizinho que recebeu a citação. Dessa certidão o oficial de justiça dará contrafé, mediante recibo, ao vizinho ou ao familiar, conforme o caso. Antes de restituir o mandado ao cartório, o oficial de justiça advertirá o terceiro, fazendo constar no mandado, que ao citando o juiz dará curador especial, sobrevindo revelia (art. 253, § 4.º). A certidão da diligência permite ao órgão judiciário controlar a regularidade do ato. Existe uma terceira etapa, já feita a citação, que põe fecho ao ato. É a remessa, pelo escrivão ou chefe de secretaria, de carta (registrada com AR), telegrama ou mensagem eletrônica, no prazo de dez dias, dando ciência “de tudo” ao citando (art. 254). A única forma de dar ciência “de tudo” consiste em remeter-lhe cópia da certidão prevista no art. 253, § 3.º. O fato de empregarse telegrama só torna mais dispendiosa a comunicação ao citando, mas não dispensa tais pormenores.166 O escrivão transcreverá, em síntese, o conteúdo da certidão lavrada pelo oficial de justiça no telegrama ou mensagem eletrônica. O art. 254 contempla medida obrigatória a cargo do escrivão ou chefe de secretaria. A forma verbal imperativa dissipa qualquer dúvida.167 E, como o citando se ocultou, até o momento eficazmente, o endereço para o qual o escrivão encaminhará a comunicação é o do domicílio ou o da residência (e o eletrônico, constando da petição inicial, a teor do art. 319, II) – enfim, o endereço físico no qual ocorreu a citação.168 Declinado outro endereço, nas informações prestadas ao oficial de justiça (art. 253, § 3.º), nem sequer é caso de citação por hora certa, mas de citação por carta ou por edital, conforme a hipótese. O descumprimento do art. 254 impede a citação de surtir os seus já diminuídos efeitos próprios (infra, 1.219). E, de fato, a citação em si não será afetada pela omissão da providência contida no art. 254, que não integra a realização do ato. O motivo revela-se curial: a expedição da carta, do telegrama ou da mensagem eletrônica supõe citação feita, como declara o próprio dispositivo. Logo, não incide o art. 280, tornando nula a citação.169 Tampouco acarretará medidas administrativas contra o escrivão omisso.170 É típico fator de eficácia, sem o qual o ato não surte efeitos. O STJ, após sublinhar que a comunicação deve ser feita no prazo, proclamou que “se

não é feita a comunicação, ou feita quando já esgotado o prazo de contestação, é nula a citação”.171 Tal pronunciamento confundiu, salvo engano, nulidade e ineficácia. O prazo de defesa, se for este o caso, fluirá da juntada do mandado aos autos (art. 231, II).172 A eficácia da juntada ficará sob a condição de o escrivão desincumbir-se do dever de comunicar a citação ao réu no prazo de dez dias do art. 254. Todavia, consignado na carta enviada ao réu que o prazo se contaria da juntada do aviso de recebimento, aplicar-se-á o art. 231, I, porque induzido em erro o citando.173 1.210.3. Efeitos da citação por hora certa – Os efeitos próprios da citação por hora certa não se equiparam aos da citação real. Não opera a presunção de veracidade, prevista no art. 344, nem cabe a abreviação do procedimento (art. 355), tratando-se de réu citado por hora certa, verificando-se revelia. Em tal hipótese, o juiz dará ao revel curador especial, a teor do art. 72, II. A necessidade de nomear curador especial não desaparecerá perante a hipótese de o réu receber a carta prevista no art. 254 e subscrever o aviso. A citação em si já se realizou, e por hora certa, de modo que, nessa singular hipótese – a realidade jamais deixa de surpreender – manter-se-á a incidência do art. 72, II. § 251.º Citação por edital 1.211. Posição e espécies de citação por edital A citação por edital constitui a forma clássica de citação presumida. À primeira vista, semelhante modalidade funciona como regra de fechamento do sistema de chamamento para integrar a relação processual. Por conseguinte, a respectiva admissibilidade decorre da frustração da citação real (ou pessoal). O requisito básico da citação por edital residiria na prévia frustração “de todos os meios possíveis para tentar realizar a citação pessoal”.174 É o que afirma, na execução fiscal, a Súmula do STJ, n.º 414. Entretanto, há casos em que, apesar de conhecido o réu, e, principalmente, determinado o seu endereço residencial ou profissional, a lei impõe o procedimento edital (Aufgebostverfahren). Por exemplo, a citação dos eventuais interessados na ação de usucapião (art. 259, I). Desse modo, identificam-se duas espécies de citação por edital: (a) essencial (v.g., art. 259); e (b) acidental (v.g., art. 256, II).175 Por outro lado, a citação por edital não esgota as formas de citação presumida. Tem essa característica o incidente de citação por hora certa, subespécie de citação por oficial de justiça (retro, 1.210). Da mesma maneira que acontece nesta última, ocorrendo revelia do citando, o juiz dar-lhe-á curador especial (art. 72, II). Os arts. 256 a 259 ocupam-se da citação por edital. Não é uma disciplina bem organizada. O art. 256 traça os requisitos dessa forma de chamamento, secundado pelo art. 259; o art. 257 prevê os requisitos do edital, exceto no

inc. I, e da respectiva publicidade, bem como o parágrafo único; e o art. 258, finalmente, estipula a responsabilidade do requerente dessa forma de citação. 1.212. Condições de admissibilidade da citação por edital O art. 256 estipula os casos de admissibilidade da citação por edital acidental, e, por remissão do inciso terceiro, a essencial. Da leitura conjunta dos incisos do art. 256 resulta claro que o prévio e cabal esgotamento de todos os meios concebíveis para realizar a citação pessoal não constitui requisito geral e uniforme da citação por edital. É apenas uma condição na hipótese de o citando, de resto conhecido e certo, encontrar-se em lugar desconhecido, incerto ou inacessível (art. 256, II). Fora desse campo, em que o ato até pode pedir ao órgão judiciário, preliminarmente, e esgotados os esforços particulares, localizar o endereço exato através da expedição de ofícios a órgãos públicos (v.g., a concessionária de energia elétrica) – medida acolhida com extrema relutância ou rejeitada, prontamente, porque o juiz não é investigador a serviço das partes, mas agora prevista no art. 319, § 1.º –, o requisito não tem maior relevo. É dispensável na citação essencial (art. 256, III, c/c art. 259). E, na hipótese do inc. I do art. 256, corretamente entendido, a identificação do réu mostra-se impossível – ou ele não é desconhecido, nem incerto.176 A citação por edital é meio altamente insatisfatório para chamar alguém a juízo. Ela é quase sempre ineficaz.177 Cuida-se, na verdade, de um mal necessário, pois a sua exclusão em termos categóricos tornaria estéril o direito fundamental de acesso à Justiça. 1.212.1. Identificação impossível do citando – Em item anterior (retro, 1.196.1), enfrentou-se o problema da identificação do réu. É ônus exclusivo do autor a identificação cabal (art. 319, II, exige o requinte necessário da qualificação) a pessoa contra a qual pretende litigar na petição inicial, sofrendo as consequências de eventuais enganos, ultrapassado o prazo para correção e oportuna integração da pessoa certa na relação processual, a teor dos arts. 338 e 339 – a extinção do processo por ilegitimidade passiva (art. 485, VI). Em determinadas hipóteses, porém, mostra-se impossível identificar o(s) réu(s), ou porque é desconhecido ou porque é incerto (art. 256, I). É desconhecido o réu determinado, mas cuja identidade – prenome e sobrenome – não se conhece.178 Por exemplo, desconhecida afigura-se a pessoa na posse da qual se encontra o título de crédito ao portador extraviado.179 Por definição, o autor não pode apontar a sua identidade, ou deixaria de ser desconhecido. É a hipótese de citação essencial por essa via prevista no art. 259, II. O réu incerto significa que não se mostra possível individualizar, em tese, o demandado. A incerteza decorre do fato de os réus “serem muitos, sem individuação possível, ou extremamente difícil”.180 Por exemplo, a invasão (ou ocupação, como prefere o fraseado politicamente correto) de imóvel rural, por dezenas, centenas ou milhares de pessoas, organizadas ou não em grupos

militantes, o que impossibilita, acentuou julgado do STJ,181 o autor de identificar todos, ou ao menos um dos invasores. Essa hipótese demonstra que, ao fim e ao cabo, as expressões “réu desconhecido” e “réu incerto” não se equivalem na prática, nem a respectiva distinção soa artificial.182 As Ordenações Filipinas (Livro 3, Título I, § 8.º) prescreviam a citação por edital “quando a pessoa, que há de ser citada, não é certa”. Essa verba legislativa transmudou-se, posteriormente no art. 53, § 2.º, do Decreto 737/1850, na expressão “pessoa incerta”. Os invasores são conhecidos, têm nome, fazem-se acompanhar das famílias, mas incertos, porque acontece de alguns entrarem e outros saírem no curso da “ocupação”. São incertos os indivíduos que compõem a multidão. Já desconhecido, realmente, é a pessoa que possui o título ao portador ou o cessionário. Vale a pena rememorar o caso do litisconsórcio multitudinário (retro, 583). O juiz poderá limitar o número de litisconsortes “se este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”. Diz-se que, havendo entraves à demanda do autor, ante o número de litisconsortes que ele próprio elegeu, decorrente da demora ou da dificuldade de citá-los pessoalmente, o juiz admitirá a citação por edital.183 Nada mais errôneo. Se este é o caso, a única maneira de harmonizar o direito fundamental à jurisdição e o direito fundamental à defesa consiste, exatamente, em limitar o número de litisconsortes. O sacrifício da melhor oportunidade ao direito de defesa não se justifica perante a opção do autor de demandar número excessivamente grande de pessoas, sanável pela medida do art. 113, § 1.º, ou a conveniência da Administração da Justiça de resolver, num processo único, número correspondente de pretensões idênticas. 1.212.2. Localização impossível do citando – O art. 256, II, autoriza a citação do réu certo e conhecido, cuja localização, todavia, seja ignorada, incerta ou inacessível. É desconhecido o paradeiro da pessoa conhecida que tomou rumo ignorado. O local da sua situação é absolutamente não sabido.184 Acontece de o oficial de justiça, diligenciando a citação pessoal do réu e procurando-o no endereço declarado na inicial, constatar que o citando mudou-se para lugar desconhecido, ou viajou, ninguém sabendo informar, precisamente, a direção tomada. Na incerteza da localização do citando, o paradeiro exato é conhecido genericamente.185 Trata-se de localização relativamente não sabida.186 Não há dúvida quanto ao lugar (v.g., São Paulo). Porém, afora esse dado, desconhece-se o endereço do domicílio ou da residência, o nome da rua e o número da casa em que mora o citando. Em certo caso, o contrato indicava o local do domicílio (São Paulo), mas não o endereço, e, apesar da condição insigne do réu – professor universitário da maior nomeada –, o STF validou a citação por edital.187 E, por fim, conhecida a pessoa do citando, também se conhece perfeitamente o lugar em que se encontra, mas o local é fisicamente inacessível. A inacessibilidade dá-se em razão de perigos ou da interdição da zona, da região ou do lugar (v.g., para operações militares contra insurgentes). Lembrou-se, há muito tempo atrás, a inacessibilidade do lugar

em que haja “o perigo de ser atacado o oficial de justiça”.188 É o caso doloroso de algumas “comunidades” em metrópoles brasileiras, ocupadas por bandos criminosos fortemente armados: ninguém entra, ninguém sai sem o consentimento do chefe do tráfico. E, nessas zonas restritas, os criminosos recebem os agentes estatais à bala. Essa hipótese recebeu vigorosas críticas no processo legislativo do CPC de 1973. O lugar em que não ingressa o oficial de justiça também parece inóspito ao carteiro, ao estafeta, ao jornaleiro e a outras pessoas que entregam jornais particulares. Mas, os particulares têm maior acesso à “comunidade” que o oficial de justiça e, de resto, vizinhos, parentes e amigos podem levar a notícia ao citando.189 Um meio termo parece razoável com o intuito de harmonizar os direitos fundamentais do autor e do réu em colisão. No caso de inacessibilidade temporária, em virtude de cataclismo, ou de “qualquer acontecimento que derramasse a morte, o terror, a desolação”, tornando impossível o acesso ao lugar, representaria contrassenso flagrante realizar a citação por edital fadada ao insucesso, porque de antemão impedido o réu de acudir ao chamamento.190 A citação por edital teria lugar, ao invés, verificando-se a inacessibilidade permanente, ou indefinida – há regiões assoladas por insurreições endêmicas –, e, mesmo na hipótese de inacessibilidade transitória, ocorrendo o receio de perecimento do direito do autor.191 Além dessa noção de fato, o art. 256, § 1.º, considera inacessível, fictamente, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória, ou seja, nega genericamente cooperação jurídica internacional. Por óbvio, se o Estado estrangeiro recusou o cumprimento da carta rogatória, por falta de algum requisito, não se aplicará o art. 256, § 1.º.192 É caso de renovação da carta. As normas de cooperação jurídica encontram-se previstas, genericamente, em acordos bilaterais, regionais e multilaterais, objeto de expressivo incremento nas últimas décadas. Desaparecem, assim, as anteriores dificuldades no assunto. O art. 256, § 2.º, complementa a citação por edital através da divulgação da notícia do ato por rádio, existindo na comarca – aqui a lei atentou para a divisão territorial concentrada da Justiça Comum – emissora de radiodifusão. E, com efeito, nas pequenas comarcas a emissora local institui programa de grande audiência para divulgação de avisos diversos (v.g., o parto realizado no hospital da sede do município; a morte e a data do velório; a movimentação das pessoas, entrando e saindo do município), incluindo-se, via de regra, os “avisos da justiça”. Era o programa de audiência obrigatória, na manhã de sábados, pelo noivo e depois marido de jovem juíza, depois desembargadora do TJ/RS, pois a magistrada controlava o teor dos anúncios, coibindo excessos e impropriedades. Localizar-se-á em lugar ignorado ou incerto, acrescenta o art. 256, § 3.º, se infrutífera as buscas de endereço nos cadastros de órgãos públicos e de concessionárias de serviços públicos. Eis o réu fugidio por excelência; em geral, o fornecedor de energia elétrica ou a operadora da telefonia celular dispõe do endereço da maior parte da população brasileira.

1.212.3. Casos de obrigatoriedade da citação por edital – Existem casos em que a lei determina a citação por edital. Em tais casos, a incerteza quanto ao citando ou o lugar em que se encontra se afigura eventual. Por exemplo, o art. 830, § 2.º, exige a citação por edital do executado; porém, neste caso o oficial de justiça, após procurá-lo, no interregno de dez dias após a prépenhora, por duas vezes, simplesmente não o localizou (art. 830, § 1.º),193 frustrando-se até a citação por hora certa. Ao invés, na citação por edital dos credores (art. 761, II, do CPC de 1973) do devedor, que pleiteou a insolvência (art. 753, II, do CPC de 1973), e, na inicial, apresentou “a relação nominal de todos os credores, com a indicação do domicílio de cada um” (art. 760, I, do CPC de 1973) – disposições ainda vigentes –, far-se-á o chamamento de pessoas certas e cujo endereço é perfeitamente conhecido. O art. 259 arrola dos casos de procedimento edital, porque incertos ou desconhecidos os réus, a saber: (a) na ação de usucapião, agora subordinada ao procedimento comum, porque desconhecidos ou incertos os titulares de direito incompatível (inc. I), além de obrigatória a citação pessoal dos confinantes (art. 246, § 3.º), exceto se a demanda tiver por objeto unidade autônoma de condomínio horizontal; (b) na ação de recuperação ou substituição de títulos ao portador, pois circulam e a posse legitima a titularidade do crédito (inc. II); (c) em qualquer que seja necessária a provocatio ad agendum (inc. III), a exemplo da ação discriminatória (art. 20, § 2.º, da Lei 6.383/1976). 1.212.4. Ônus da afirmação de desconhecer o réu ou o respectivo paradeiro – O art. 257, I, institui o ônus de o autor afirmar que o réu é desconhecido ou incerto, hipótese do art. 256, I, ou encontra-se em lugar desconhecido, incerto ou inacessível (art. 256, II), ou este último fato encontrar-se certificado pelo oficial de justiça, frustrada a pessoal, incluindo a variante da hora certa (art. 252). A simples afirmativa expressa, em qualquer dos sentidos, na petição inicial, considera-se satisfatória.194 Dispensa-se início de prova dessa alegação.195 E, de resto, mostrar-se-ia muito difícil produzi-la, tendo por objeto fato negativo. Nada impede, entretanto, que haja tal prova. Por exemplo, o autor pretendeu interpelar o futuro réu, através dos correios, e o aviso de recebimento voltou com a informação do carteiro que o destinatário mudou-se para lugar desconhecido. E, por óbvio, o autor responderá pela falsidade da afirmativa (art. 258).196 O sistema legal rejeita o uso do oficial de justiça para suprir o art. 256, I. Não se mostra possível o autor propor a ação sem réu individualizado, porque desconhecido e incerto, pretendendo que, expedido o mandado, o oficial de justiça se encarregue de identificar a pessoa.197 Os próprios exemplos evocados (retro, 1.196.1) demonstram a impossibilidade prática da atuação do oficial de justiça. E também não se mostra admissível condicionar a citação por edital à frustração da citação pessoal na hipótese do inc. II do art. 256. O art. 257, I, é de clareza palmar: ou a afirmativa do autor, porque antevê o fato de o réu encontrar-se em lugar desconhecido, incerto ou inacessível, ou a certidão do oficial de justiça, hipótese em que o autor nada precisa afirmar. Logo, há situações em que, independentemente da tentativa de citação pessoal, desde logo se impõe a citação por edital. Não convém estender o

requisito do prévio esgotamento da citação pessoal além do seu campo natural de incidência e aplicação. A caracterização dos elementos de incidência dos incs. I e II do art. 256, para os efeitos do ônus do art. 257, I, ocorre no momento da propositura da demanda. Posteriormente, talvez o réu, que se encontrava em lugar incerto, passe a ter endereço conhecido. Tal circunstância não invalida a citação por edital. A afirmação do autor submete-se ao controle do órgão judiciário. Pode acontecer de a prova documental (v.g., o contrato juntado) indicar endereço profissional, hipótese em que o juiz ordenará a citação por oficial de justiça. O STJ já decidiu: “Cabe ao juiz averiguar a afirmação do autor, de se encontrar o réu em local incerto e não sabido, se existem elementos, nos autos, demonstrando o contrário”.198 É nula, de resto, a citação realizada sem a declaração do autor.199 Elimina-se a necessidade de o autor afirmar os pressupostos da citação por edital, na hipótese do inc. II do art. 257, frustrando-se citação por oficial de justiça. Tal não ocorrerá na hipótese do inc. I do art. 256. A afirmação de que o réu é incerto ou desconhecido origina-se unicamente do autor, expondo as circunstâncias na inicial (v.g., a invasão do imóvel por dezenas, centenas ou milhares de pessoas).200 O art. 257, I, alude à certidão do oficial de justiça neste sentido. É desnecessário que o auxiliar do juízo descreva todas as diligências realizadas para localizar o réu.201 A fé pública supre tais pormenores. O único elemento essencial reside na certificação pelo auxiliar que o réu se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível. Deixou-se, neste caso, o terreno da suspeita de ocultação, próprio da citação por hora certa, passando-se aos domínios da citação por edital.202 1.213. Deferimento da citação por edital Ao autor incumbe requerer a citação por edital na petição inicial, afirmando as situações do art. 256, I e II, ou invocando a certidão do oficial de justiça, e ao juiz cumpre deferir, ou não, essa forma de chamamento. Já se realçou o controle do juiz sobre a admissibilidade dessa modalidade de citação (retro, 1.194.4). O realce ao deferimento da citação se deve ao fato que, neste ato, o juiz fixará o prazo do edital (art. 257, III), oscilando entre vinte e sessenta dias, conforme as circunstâncias. Em geral, o órgão judiciário, de olhar fito na celeridade, opta pelo prazo menor. No entanto, haverá casos em que o uso do prazo maior mostrar-se-á imperativo. Basta recordar o disposto no art. 256, § 1.º. A notícia da pendência da demanda ao citando residente em país que não coopera internacionalmente não chegará em meros vinte dias. 1.214. Requisitos do edital de citação O art. 257 arrola os requisitos obrigatórios do edital de citação. Porém o inc. I do art. 257 trata da admissibilidade dessa espécie de citação, e o inc. II, bem como o parágrafo único do art. 257 e o § 2.º do art. 256 versam a forma e publicidade do edital.

Ao se percorrer os incisos do art. 257, salta à vista a ausência de qualquer referência mais concreta ao conteúdo e aos fins do edital. Lastimavelmente, a enumeração não se mostra completa e suficiente. 1.214.1. Conteúdo do edital de citação – O chamamento do citando para integrar a relação processual há de noticiar-lhe, de forma apropriada e ampla, o que lhe espera, acudindo ou não ao chamado. Os fatos principais afirmados, resumidamente, hão de ser levados ao conhecimento do citando, bem como as especificações do pedido. Nenhum sentido concreto e real exibiria a advertência “de que será nomeado curador especial em caso de revelia” (art. 257, IV), analisada posteriormente (infra, 1.214.3), sem breve síntese dos fatos articulados na inicial. O conteúdo do edital abrangerá os requisitos do mandado de citação (art. 250). Far-se-ão apenas as adaptações indispensáveis. Por exemplo, em vez de cópias do despacho de citação ou da decisão quanto à tutela provisória (art. 250, V), o edital conterá a suma desse provimento. 1.214.2. Fixação do prazo do edital – À citação por edital se afigura essencial a fixação de prazo de aperfeiçoamento ou prazo do edital – pitorescamente designado de prazo de vida.203 Esse prazo variará entre vinte e sessenta dias (art. 257, III), no curso do qual, presumivelmente, a notícia da demanda chegará ao conhecimento do citando. Em matéria de citação por edital, cumpre distinguir três prazos: (a) prazo do edital, contemplado no art. 257, III, “espaço de tempo que se há de reputar suficiente para que dele tenha conhecimento o réu”;204 (b) prazo de publicação do edital, estipulando publicações virtuais no sítio do TJ ou do TRF e no CNJ, sem embargo da publicação episódica em “jornal local de ampla circulação”, segundo o art. 257, parágrafo único (infra, 1.216.2); e (c) prazo de defesa (art. 250, II), que constitui exigência impostergável para o citando conhecer o tempo que dispõe para aviar sua contestação ou outra forma de reação e sem o qual não faz sentido a advertência do art. 257, IV. O prazo do edital é típico prazo judicial (retro, 1.153.1). Cumpre ao juiz fixá-lo na oportunidade do deferimento da citação (retro, 1.213). E constará do corpo do edital. A fixação concreta do prazo subordina-se ao prudente critério do juiz. O juiz estipula o prazo mínimo de vinte dias, a mais das vezes, evitando o desperdício de tempo. Existirão casos (v.g., o citando residente em país que nega a cooperação internacional, a teor do art. 256, § 1.º) em que outro interregno, mais amplo, talvez o máximo de sessenta dias, revelar-se-á imprescindível. Findo o prazo do edital, começará o prazo de defesa (art. 250, II), também consignado no corpo do edital (v.g., quinze dias no rito comum, conforme o art. 335). Fluirá esse prazo, reza o art. 231, IV, do “dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital”. 1.214.3. Advertência ao citando do efeito material da revelia – Embora não se produza perante o réu citado por edital o efeito material da revelia (art. 344),205deixando de contestar a demanda no prazo de defesa, pois o juiz dará ao revel curador ad litem (art. 72, II), do corpo do edital constará a advertência de que, permanecendo o citando inerte, o juiz dar-lhe-á curador especial (art.

257, IV). Era mais enérgica e precisa a advertência do direito anterior, no sentido de que, não sendo contraditos, presumir-se-iam verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Tal como redigido o art. 257, IV, só iniciados compreendem o significado da designação de curador especial e de revelia. Não é muito próprio de um estatuto tão hostil à linguagem culta empregar noções técnicas obscuras em anúncio cujo alvo é o mesmo público ignaro e incapaz de compreender palavras como “adrede” e “defeso”. A advertência é, sobretudo, requisito inútil.206 Não convence a enérgica defesa da regra fundada no fato que, apresentada contestação pelo curador especial, e contrariados os fatos principais por negação geral, porque inexistente o ônus da impugnação específica (art. 341, parágrafo único), os outros efeitos se produziriam normalmente.207 O sentido geral da advertência não versa efeitos outros, v.g., a publicação dos atos no órgão oficial, mas a presunção do art. 344. Nem sequer no caso de citando comparecer, representado por advogado, mas não contestar a pretensão do autor, a advertência se mostrará útil.208 Essa atitude é tomada com conhecimento de causa pelo procurador da parte. O representante técnico conhece, ou deve conhecer, o disposto no art. 344. Como quer que seja, a lei impõe a advertência e o edital incorrerá em vício ao ignorá-la. Os formulários contemplam a exigência. Na implausível hipótese de omissão, a decretação da invalidade dependerá da existência de prejuízo ao citando. 1.215. Lugar de publicação do edital de citação O edital de citação será publicado no lugar de tramitação do processo. Embora inserido na rede mundial de computadores, cuja ubiquidade torna o dado irrelevante, a datação denunciará o local de origem. E, de toda sorte, a publicação na imprensa escrita, se deferida pelo juiz, dar-se-á no foro da causa (art. 257, parágrafo único: …será “feita também em jornal local de ampla circulação…”). O lugar da publicação interessa mais por contraste. É irrelevante o endereço originário do citando e no qual não foi encontrado pelo oficial de justiça, talvez no cumprimento da carta precatória ou de ordem. Implicitamente, ao autorizar essa modalidade de chamamento quando incerto o lugar em que se encontra o réu (v.g., o oficial de justiça apurou que o réu mudou-se para Recife, não deixando endereço), o art. 256, II, agasalha tal diretriz. Indica claramente a comarca em que corre o processo o art. 256, § 2.º, havendo emissora local de radiodifusão, para a divulgação do edital. Em certa ocasião, no direito anterior, o STJ admitiu a validez da citação por edital, publicado o édito em jornal impresso da sede da comarca (Rio de Janeiro), e não no lugar indicado como domicílio (Petrópolis), pois a própria parte confirmara domicílio atual em São Paulo.209 1.216. Publicidade do edital O art. 257, II, e parágrafo único, cuidam da publicidade do edital. O NCPC promoveu mudanças radicais. Eliminou a afixação do edital na sede do juiz, ao menos como medida obrigatória, e, principalmente, a título de publicidade básica, previu a inserção do edital na rede mundial de computadores (web),

nos sítios do TJ ou do TRF e do CNJ, uma vez – na verdade, de uma vez para sempre. A supressão definitiva dessas notícias na web é quase impossível. Localizam-se facilmente velhos conhecidos, há muito afastados, e antigos colegas, vivos e mortos, graças às informações judiciárias… 1.216.1. Afixação do edital de citação na sede do juízo – Era costume imemorial afixar o edital na sede do juízo. O escrivão certificava nos autos tal afixação, juntando uma cópia do édito, permitindo o controle, a posteriori, da observância deste e dos demais requisitos. A sede do juízo contém lugar adequado para a afixação das comunicações dirigidas ao público. Em geral, trata-se de um mural, situado na entrada do prédio, no qual se amontoam, em qualquer ordem, avisos e editais. A eficácia dessa forma de publicidade variava conforme as circunstâncias. Não é totalmente inútil. Os advogados e outros visitantes costumam olhar o mural e, eventualmente, transmitirão a notícia ao citando, conhecendo a pessoa. É particularmente eficaz nas pequenas comarcas,210 em que tudo interessa aos curiosos. Fizera bem o CPC de 1973 em mantê-la,211 mas já era publicidade controversa há mais de quarenta anos. Entendeu o NCPC em banir a afixação do edital na sede do juízo do art. 257. E com bons motivos: a falta de afixação em si representava motivo de invalidade, porque sonegada, implausivelmente que seja, uma das oportunidades de o réu tomar conhecimento do chamamento a juízo.212 O costume desaparecerá paulatinamente, pois o vezo da tradição cobra seu preço e o pessoal do foro não é, em geral, comunidade aberta e ávida por mudanças. Importa sublinhar, por esse motivo (e para não despertar desconfianças quanto à atualidade do presente texto), a admissibilidade da afixação, porque “outros meios” de publicidade (art. 257, parágrafo único), talvez bem adequado às “peculiaridades da comarca, da seção ou da subseção judiciária”. 1.216.2. Publicação do edital de citação – O núcleo da publicidade da citação por edital avulta no art. 257, II. O edital deve ser publicado uma vez no sítio do TJ ou do TRF e no sítio do CNJ. À semelhança do que sucedida no direito anterior, prevendo-se a publicação na imprensa escrita e no órgão oficial, o NCPC manteve o sistema do duplo sítio obrigatório.213 Porém, eliminou uma das maiores despesas extraprocessuais e importante fonte de renda das empresas de comunicação através da imprensa escrita. O art. 98, § 1.º, III, recorda a circunstância de o órgão oficial, publicado eletronicamente, cobrar a inserção de editais dos particulares, ao isentar dessa despesa o beneficiário da gratuidade. Outro tanto se pode imaginar quanto aos sítios do tribunal e do CNJ. Em qualquer hipótese, a despesa é pequena. Inexiste a necessidade de inserir os editais no mesmo dia em ambos os sítios do art. 257, II. Eventualmente, não será possível, mas basta o escrivão ou chefe de secretaria, mediante consulta, certificar a data do início da divulgação em cada meio. Como se realçou no início, publica-se o edital uma vez – e de uma vez para sempre.

Os efeitos práticos da publicação unicamente na rede mundial de computadores são apreciáveis por sujas características no mundo contemporâneo. Fitando o caso da publicação no órgão oficial, hoje exclusivamente eletrônico já se averbou esse meio de simples formalismo.214 Não parece correto o diagnóstico pessimista. Na verdade, o meio eletrônico alcança número mais expressivo de pessoas que a imprensa escrita, em franco e inexorável declínio, como revela a progressiva diminuição das tiragens e a migração dos veículos para o mundo virtual. Por exceção, às expensas do autor, a seu requerimento ou ex officio, o juiz poderá determinar a divulgação em “em jornal local de ampla circulação” (art. 257, parágrafo único). Não está claro se impresso ou eletrônico. Entendese possível em ambos os casos, inclusive concorrentemente. Entende-se por jornal local o editado no município em que se situa a comarca ou a seção e subseção judiciária.215 É o lugar da publicação do edital de citação (retro, 1.216.1). Neste particular, o uso da expressão “jornal local”, e, não, “jornal de ampla circulação local”, no art. 257, parágrafo único, revela de notável acanhamento. Esqueceu-se que alguns jornais tornaram-se, nas últimas décadas, autênticos órgãos nacionais. Em alguns Estados-membros, há cidades interioranas que dispõem de dois ou mais jornais locais diários. Também há as que, em razão de crises financeiras conjunturais, perderem seus órgãos locais, substituídos por jornal publicado na capital e de ampla circulação em todo o território estadual. De acordo com respeitável opinião, haurida em emérita experiência judicante, inexistindo órgão particular no município, o remédio consiste em dispensar a publicação em tal meio.216 Não parece o alvitre mais adstrito à aplicação do direito fundamental à ampla defesa no processo. Há que se buscar inspiração noconstructive service norte-americano e adotar a solução que, conquanto dispendiosa, oferece maiores oportunidades à defesa, publicando o edital no jornal que circula amplamente na comarca. E havia complicação adicional, na exigência inflexível que o edital seja publicado no jornal particular do município em que se situa a comarca (ou a seção e a subseção judiciária), quanto espaçamento da publicação. Existem jornais locais hebdomadários, quinzenais e mensais. No direito anterior, decidiu o STJ, “a exigência da parte final do inc. III do art. 232 do CPC [de 1973] pressupõe que o jornal local tenha pelo menos regular publicação quinzenal”.217 A solução desse problema, hoje desaparecido, era a precedente – publicação em jornal de ampla circulação local, porque sempre os há no lugar –, e, não, sacrificar a melhor oportunidade ao direito de defesa, dispensando a publicação.218 O art. 1.º da Lei 8.639, de 31.03.1993, oportunamente recordado,219 prescreve a forma para tornar legível o edital de citação, exigindo um tipo de letra “suficientemente legível”, no mínimo de corpo seis de quaisquer famílias, e, no título – “edital de citação” –, no mínimo de corpo doze para quaisquer famílias. É norma imperativa que, atalhando a redução de custos, impede o uso de letras pequenas.

Por fim, o art. 257, parágrafo único, permite a divulgação “por outros meios”, atendendo as peculiaridades da comarca, seção ou subseção judiciária. É o objeto do item seguinte. 1.216.3. Divulgação do edital de citação em emissora de radiodifusão – O art. 256, § 2.º, autoriza a divulgação do edital de citação, encontrando o citando em lugar inacessível, através da emissora local de radiodifusão, havendo tal emissora na comarca. O dispositivo mereceu boa acolhida, pois o rádio constitui, ainda, um poderosíssimo meio de comunicação. Há emissoras que organizam programas destinados à troca de mensagens. Falta à disposição maior generalização e, como no direito argentino, o uso da televisão.220 Esse dispositivo confirma, indiretamente, o lugar da publicação do edital, mencionando a comarca como a fonte da irradiação, que só pode ser a que tramita o processo (retro, 416). A exigência de emissão do anúncio através de emissora local se prende, sobretudo, à mensuração da audiência. Os programas locais são atentamente acompanhados pelos munícipes e prestam informações valiosas às pessoas radicadas no interior (v.g., o estado de saúde do parente internado no hospital). A eventual inexistência de emissora local, nessas condições, não impedirá a aplicação da regra. Existem outras emissoras, localizadas em outro lugar, que têm imensa audiência local e nelas mostra-se possível realizar a emissão esclarecedora ao citando. Tem caráter imperativo (“será divulgada”). Não distingue a pessoa do litigante, mas subentende-se que, desfrutando o autor de isenção na antecipação das despesas, não dispõe de recursos para essa divulgação (art. 256, § 2.º). Incorreu em contradição julgado do STJ que, na ação civil pública, figurando como autor o Ministério Público, repeliu a incidência da última regra, mas aplicou a primeira.221 E, ao mencionar divulgação, contenta-se com a simples notícia, veiculada nos termos comuns desse meio de comunicação social, mostrando-se desnecessária a reprodução, na íntegra, dos termos do edital.222 É um acréscimo na publicidade, e, desse modo, não dispensa a publicação na imprensa eletrônica (art. 257, II). O art. 256, § 2.º, omitiu o número de vezes da divulgação. Basta uma vez.223 O juiz pode autorizar, arcando o autor com o custo, a divulgação periódica, ou seja, em dias e horários variáveis, assegurando a mais ampla notícia ao citando. A divulgação radiofônica da citação ao réu, limitada ao caso de o citando encontrar-se em local inacessível, tem justificativa plausível. Presumiu a lei que o impedimento do oficial de justiça estende-se a outras pessoas (v.g., o jornaleiro). Mas, “poderá ser estendida aos demais, pela mesma razão”.224 Por exemplo, no caso de o País estrangeiro recusar, em tese, cumprir carta rogatória (art. 256, § 1.º). É entendimento que prestigia o direito de defesa na justa medida. E, na verdade, nada obsta que o juiz autorize a divulgação do edital na televisão, no horário mais adequado.225 O art. 257, parágrafo único, não préexclui essa possibilidade. 1.217. Responsabilidade por dolo na realização da citação por edital

O art. 258, caput, responsabiliza a parte que, dolosamente, requereu a citação por edital, afirmando falsamente os elementos de incidência do art. 256, I, e II, e lhe comina “multa de 5 (cinco) vezes o salário mínimo”. Funda-se essa responsabilidade no princípio da probidade processual (art. 5.º).226 Em primeiro lugar, a responsabilidade configura-se, em tese, nos casos em que incumbe ao autor o ônus de afirmar as situações do art. 256, I e II (retro, 1.212.4), e, não, quando a citação viabilizou-se a partir de fato certificado pelo oficial de justiça. Inutilmente se busca harmonizar o art. 249, in fine, com o inadmissível requisito do prévio esgotamento das tentativas de citação pessoal, que não se aplica em todos os casos.227 É claro que oficial de justiça responderá, em casos tais, administrativa, civil e penalmente, se for o caso, mas não incorrerá na multa do art. 258, caput. Tampouco o autor, por óbvio, incidirá nessa responsabilidade. E não bastará simples culpa, é preciso o dolo. Era o que se entendia na vigência do CPC de 1939 – responsabilizava-se a má-fé, o erro grosseiro, a “negligência supina requerente”.228 Essa multa reverterá em favor do citando (art. 258, parágrafo único). Por conseguinte, não escapará dessa sanção o beneficiário da gratuidade (art. 98, § 4.º), que desfruta de bill of indenity quanto às sanções processuais (retro, 666.1). O valor é fixado a forfait das perdas e danos. Não exclui que se apure quantia maior na ação própria.229 O juiz apurará a responsabilidade do requerente da citação por edital, em geral o autor, no próprio processo. É preciso assegurar ampla defesa, admitindo-se a produção de prova da existência do dolo. A decisão que aplicar a multa – o valor é fixo, mas a quantidade varia conforme a escala móvel – representará decisão interlocutória, mas não desafia o recurso de agravo de instrumento. Nada obsta, porém, que o dolo seja apurado no remédio utilizado pelo revel para desconstituir o processo (art. 525, § 1.º). E há uma derradeira consequência do dolo: a invalidade da citação por edital.230 O comparecimento espontâneo do réu, para alegar a invalidade, supre o vício, “porque a citação foi feita e o réu atendeu a ela”,231 mas não afasta a incidência do art. 258, caput. Não tem cabimento extinção do processo.232 Invalidar-se-á o processo, a partir da citação, provendo o juiz a esse respeito, ex officio ou a requerimento do réu, no próprio processo, ou no remédio do art. 525, § 1.º, I. Bem andou o legislador, no CPC de 1973, passando a orientação para o NCPC, ao proscrever a possibilidade de “absolvição de instância” (hoje, extinção do processo sem resolução do mérito) prevista no art. 179 do CPC de 1939. 1.218. Fator de eficácia da citação por edital O art. 257, II, in fine, institui como fator de eficácia da citação por edital o escrivão ou chefe de secretaria certificar a data em que ocorreu a publicação no sítio do TJ ou do TRF e do CNJ. Não é necessário anexar qualquer reprodução desses sítios. Ao invés, publicado o edital em jornal local, a teor do art. 257, parágrafo único, o escrivão ou chefe de secretaria anexará aos autos página do jornal (com a data visível). Representaria flagrante demasia avolumar os autos com

o exemplar do jornal. Ademais, como talvez o jornal local seja publicado eletronicamente, inexistirá exemplar passível de juntada. Em tal conjuntura, o escrivão certificará nos autos o número da edição, a data da publicação e a respectiva página. E, relativamente, à cópia do edital afixada no lugar de costume na sede do juízo (retro, 1.217.1), ela própria há de ser juntada, certificando-se o tempo que ficou exposta ao público,233 se tal providência foi ordenada pelo juiz com base no art. 257, parágrafo único. Esses dados permitem ao juiz controlar a regularidade da citação nos seus dois aspectos principais: (a) número de vezes da publicação (duas, a teor do art. 257, II, uma em cada sítio); (b) sítio das publicações. Desrespeitados esses requisitos, renovar-se-á o ato de citação. Indiscutível que seja a natureza da certidão ou da juntada, conforme a hipótese, constituindo fator de eficácia,234 é mais difícil estabelecer as consequências do descumprimento do dever do escrivão. Em princípio, completa-se a citação por edital, iniciando o prazo de resposta, com o vencimento do prazo do edital (art. 231, IV). O fator de eficácia intromete-se neste ponto. Para o prazo fluir, após o implemento do prazo do edital, impõese a certidão do escrivão ou chefe de secretaria. Do contrário, o prazo não fluirá. É por essa razão que se trata de fator de eficácia. Não se cuida, portanto, de simples irregularidade.235 § 252.º Efeitos da citação 1.219. Enumeração dos efeitos da citação O art. 240, caput, estipula os efeitos que decorrem da citação válida perante o réu: (a) litispendência; (b) litigiosidade da coisa; (c) constituição em mora do devedor; (d) interrupção da prescrição. Não indica a prevenção da competência, decorrente do protocolo (art. 312), mas o assunto merecerá análise nesse contexto. Para fins didáticos, classificam-se esses efeitos em duas espécies: (a) efeitos materiais, respeitando o efeito fundamentalmente ao objeto litigioso ou res in iudiciam deduta (v.g., a interrupção da prescrição, e, a fortiori, da decadência); (b) efeitos processuais, respeitando a fenômenos unicamente ocorridos nesta esfera (v.g., a litispendência). É inapropriado considerar a litispendência como efeito autônomo. Na realidade, da litispendência decorrem tais efeitos, no plano processual e no plano material, sendo que o efeito previsto no art. 337, § 3.º, a proibição de renovação da demanda, representa uma das consequências processuais da litispendência. O primeiro elemento importante, na interpretação do artigo, localiza-se na sua harmonia com a remissão feita no art. 312, segunda parte: os efeitos da propositura da demanda, perante o réu, a despeito de formada a relação processual linear pela entrega da inicial em juízo (distribuição ou despacho do juiz), subordinam-se à ulterior citação do réu. Na realidade, porém, há efeitos que antecedem à citação (v.g., a litispendência) e também existem os que o art. 240 omitiu (v.g., a averbação do art. 828).

É digno de nota que a citação surte efeitos no momento em que é realizada, inclusive no caso da citação pelo correio,236 e, não, na oportunidade fixada como termo inicial para o prazo de defesa, na forma do art. 231. 1.220. Efeitos processuais da formação do processo Existem efeitos que não decorrem da citação, absolutamente, mas da própria formação do processo, e, quando muito, produzem-se forma assimétrica perante as partes. 1.220.1. Proibição da renovação da demanda – Segundo o art. 240, caput, a citação válida induz a litispendência. Por sua vez, o art. 337, § 3.º, declara que verifica-se a litispendência “quando se repete ação que está em curso”. Nenhum dos dispositivos revela-se integralmente exato. Dá-se o nome de litispendência ao estado de fato e de direito que marca a pendência do processo, a fluência da causa em juízo.237 Esse estado se produz com a formação do processo. E o processo forma-se, no direito brasileiro, com o simples ingresso do autor em juízo, independentemente da citação do réu (art. 312, primeira parte). O ato do juiz que, examinando a admissibilidade da demanda, rejeita a petição inicial (art. 330), por definição extinguirá o processo (art. 485, I). A formação do processo, nessas condições, já produz efeitos relevantes no mundo jurídico. Desde logo surge, relativamente ao autor, o mais destacado dos efeitos: a proibição de renovar a demanda (art. 337, § 3.º, c/c art. 485, V). Em geral, tal efeito se confunde com o rótulo do próprio instituto que lhe origina. Fica impedido o autor, após a propositura dessa primeira ação, e independentemente da ulterior citação do réu, de ajuizar a mesma pretensão processual e forma um segundo processo com objeto litigioso idêntico ao do primeiro. Essa hipótese nada exibe de teórica. Concebe-se que a parte, por inadvertência ou desinformação, constitua dois advogados diferentes para a mesma causa e cada qual se desincumba de seus misteres, ajuizando demandas idênticas. Tão comum é o fenômeno, aumentado pelo interesse prático na obtenção de tutela provisória de urgência antecipada (art. 303) – ocorre que o juiz da 1.ª vara talvez adote a tese do autor, ao contrário do juiz da 2.ª vara, na mesma comarca, e o autor elimina os azares da distribuição propondo duas ações idênticas –, que o art. 286, III, é suficientemente largo para abranger a distribuição da segunda no juízo da primeira, ou das duas demandas idênticas e simultâneas no mesmo juízo. A regra de distribuição facilita o conhecimento do juiz da litispendência e a extração do inexorável efeito que lhe é próprio – a extinção, ex officio, da demanda repetida (art. 485, V). Esse efeito antecede, por óbvio, a citação do réu. O motivo se afigura intuitivo: visa unicamente ao autor. O réu não lograria jamais, trabalhando com os mesmos materiais do autor, reproduzir a mesma demanda no segundo processo. Na melhor das hipóteses, nessa conjuntura, o réu consegue mover a demanda simetricamente oposta. Por exemplo: o autor A pleiteia a resolução (pedido) do contrato de compra e venda em que o outro figurante é o réu B o qual prevê prestações recíprocas simultâneas,

alegando inadimplemento (causa de pedir) do réu B; por sua vez, o réu B, transformado em autor, pleiteia a resolução (pedido) do mesmo contrato, alegando que é parceiro fiel, e inadimplente (causa de pedir) é A. Logo se percebe que as partes ocupam polos invertidos e a ação de A perante B não pode ser idêntica à de B contra A. Além disso, a despeito da homogeneidade dos fatos, ao juiz tocará examinar qual dos parceiros inadimpliu a sua prestação. Na verdade, perante o réu, o efeito da litispendência – a proibição de renovar a demanda – não se produz com a citação. O fenômeno versado no art. 337, § 3.º, conferindo ao réu a defesa processual do art. 337, VI, ou objeção de litispendência, antecede ao próprio chamamento a juízo. O juiz, distribuída a ação idêntica nos termos do art. 286, III, já pode conhecer da matéria e extinguir o segundo processo ex officio (art. 485, V). É por essa razão, dentre outras, que a pessoa indicada como ré na petição inicial ocupa essa posição desde a formação do processo.238 1.220.2. Perpetuação da competência – Outro efeito próprio da litispendência que surge com a propositura (art. 312, primeira parte), e, não, da citação válida do réu (art. 312, segunda parte, c/c art. 240, caput), avulta na perpetuação da competência, traduzida na expressão latina muito empregada, mas imprópria, perpetuatio jurisdicitionis (retro, 466). Realmente, segundo o art. 43, determina-se a competência no momento em que a ação é protocolada ou distribuída, e, a partir desse momento, fixada a competência do juízo, ela ficará imunizada às modificações supervenientes de fato e de direito. Por exemplo, proposta a demanda no foro do domicílio do réu (art. 46,caput), a mudança de domicílio posterior não afetará a competência fixada inicialmente. 1.220.3. Prevenção da competência – A prevenção da competência já mereceu exame no capítulo anterior (retro, 465). Cabe assinalar, todavia, que também esse efeito antecede, ao menos em parte, a citação do réu, valendo reproduzir os fundamentos dessa conclusão. Existindo dois ou mais juízos abstratamente competentes, a prevenção indica qual deles reunirá as causas e, portanto, mostrar-se-á competente para processá-las, julgá-las ou executá-las. Não se trata de fator de determinação da competência. A competência (no caso, de um dos juízos) já se encontra previamente determinada e substituirá íntegra. Tampouco se cuida de modificação da competência. Nenhum dos juízos concorrentes é originalmente incompetente e, por qualquer razão, torna-se competente posteriormente. Em realidade, dentre vários juízos igualmente competentes, a prevenção aponta um deles como o único competente. É o critério de seleção entre dois ou mais juízos,239 um dos quais assumirá as ações conexas, conforme declara, expressis verbis, o art. 58.240 Essa função original da prevenção ampliou-se no direito brasileiro. O art. 286, I, já obriga a distribuição do segundo processo ao juízo no qual tramita processo conexo àquele. Neste sentido, portanto, os fatos geradores da prevenção tornaram-se meios para se corrigir a errônea distribuição, evento altamente provável, haja vista a dificuldade do distribuidor em identificar o fenômeno – a conexão – tão controverso e dúbio.

Entretanto, o art. 286, II, impondo a distribuição de um segundo processo, embora alterados, ao menos em parte, o(s) autor(es) e o(s) réu(s) original(ais), ao juízo que extinguiu o primeiro, sem julgamento do mérito (art. 485), criou uma prevenção diferente. Ela se destina, neste caso, a assegurar o princípio do juiz natural – ou seja, impede que o autor, reiterando o pedido, evite o juiz que já esposou entendimento desfavorável e escolha outro, mais promissor, liberal ou, simplesmente, alinhado à tese exposta na inicial. A competência de dois ou mais juízos, abstratamente considerada, pode envolver juízos de circunscrições territoriais diferentes ou não. Por exemplo, tratando-se de ação pessoal, e dispondo o réu de um ou mais domicílios (v.g., São Paulo e Rio de Janeiro), lícito se afigura ao autor propor a demanda em qualquer deles. Em tal hipótese, a distribuição torna prevento o juízo de São Paulo, e, não o do Rio de Janeiro. No direito anterior, a hipótese de competências concorrentes na mesma comarca ou seção e subseção judiciária (v.g., há duas varas dotadas de competência comum, e, portanto, habilitadas à distribuição), incidia regra especial, considerando-se prevento o juízo que despachou em primeiro lugar.241 Vale, no direito vigente, a regra geral: prevento é o juízo no qual o autor protocolou ou para o qual distribuiuse a primeira ação, assunto já examinado em suas infelizes particularidades (v.g., a identidade de datas). Do conjunto dessas disposições resulta claro que, para as partes, a prevenção surge com a distribuição da primeira demanda (art. 312, primeira parte). 1.221. Efeitos materiais da citação É no plano material que os efeitos da litispendência produzem-se a partir da citação. 1.221.1. Litigiosidade do objeto do processo – Litigiosa, no processo, não é a coisa, segundo expressão que se tornou célebre, mas o objeto do processo (coisa ou direito).242 O art. 240, caput, alude à coisa litigiosa (res litigiosa) por romanismo tardio, derivação da nomenclatura romana para objeto do processo (res in iudicium deducta). A nota marcante do objeto do processo reside na sua incerteza. O direito pessoal ou real alegado no processo poderá existir, ou não, conforme o desfecho do processo, e é um direito que tende a ser declarado pela sentença.243 Este é o objeto da sucessão, no plano do direito material, para os efeitos do art. 109, caput: um direito precário, incerto e aguardando o provimento do juiz. Em outras palavras, o direito é litigioso porque suscetível de ser alcançado pela eficácia própria do provimento judicial no processo. Chega tal momento, desaparecem o direito ou a coisa litigiosa, pois a uma das partes o juiz atribui o bem da vida. É atitude comum, mas errônea, porque institutos diferentes,244 relacionar litigiosidade e fraude à execução no âmbito do processo executivo. Em primeiro lugar, a possibilidade de a parte alienar o objeto litigioso, prevista no art. 109, ocorre também na execução, em virtude do disposto no art. 771, parágrafo único. Estabelecida essa premissa, cabe extremar a

alienação do direito litigioso da alienação dos bens sujeitos aos atos executivos. Litigioso, na execução, porque ainda insatisfeito, é o crédito objeto do processo. Tal objeto é cessível, por exemplo, e nesta hipótese incide o art. 109, autorizando o cessionário a pleitear seu ingresso na relação pendente, seja substituindo o credor/cedente, se o executado anuir com a substituição, seja assistindo-o, no caso de ocorrer motivada recusa àquela troca. Ademais, os créditos comportam cessão antes do início do processo executivo, legitimando o cessionário a executar, a teor do art. 778, § 1.º, III. A par desses tais acontecimentos, flagrantemente lícitos – o direito processual brasileiro admite a alienação ou a cessão do objeto litigioso –, poderá suceder fraude contra execução. Trata-se de negócios jurídicos de disposição do executado a respeito de bem, inserido na responsabilidade patrimonial (art. 391 do CC), e, portanto, sujeito à atuação do meio executório, mas indiferente à força do provimento que julgar o processo. Um exemplo torna claro o assunto: o réu, derrotado na demanda condenatória, pode transmitir convencionalmente a obrigação de entregar o bem, conforme o comando da sentença, e, então, alienará (licitamente) objeto litigioso; se, porém, alienar a terceiro o próprio bem, frauda a execução na forma do art. 790, I.245 A litigiosidade para o autor não decorre da citação válida do réu, mas da formação do processo (art. 312, primeira parte). Parece óbvio que, feita a alienação do direito posto em causa após a formação do processo, mas antes da citação do réu, o autor não aliena direito incontroverso, mas direito litigioso. Para o réu os efeitos da litigiosidade surgem com a citação. Por esse motivo, tratando-se de fraude, os negócios de disposição do réu somente se tornam ineficazes perante o autor após a respectiva citação, conforme a interpretação prevalecente do art. 792, IV, relativamente à regra de redação similar do direito anterior, se não houver averbação no álbum imobiliário, incidindo, nesse último caso, o art. 792, I. Diz-se, então, ocorrer indisponibilidade relativa do patrimônio do réu a partir da citação, e futuro executado, se vencido, porque atos fraudulentos apresentam-se ineficazes perante o autor, embora existentes, válidos e eficazes entre os figurantes do negócio. Uma das maneiras de o autor invocar, posteriormente, presunção jure et de jure de fraude, e, desse modo, sujeitar o terceiro adquirente à força da sentença (art. 109, § 3.º), consiste em registrar a citação no álbum imobiliário (art. 167, I, n.º 21, da Lei 6.015/1973). 1.221.2. Indisponibilidade patrimonial relativa – À semelhança do que ocorre com a litigiosidade, a citação do réu constitui o marco inicial para outro relevante efeito da litispendência: a indisponibilidade patrimonial relativa. É lícito, consoante o art. 109, inclusive tratando-se de pretensão a condenar, a alienação do objeto litigioso. Litigioso, para o credor, é o alegado crédito; para o devedor, a suposta dívida. Pode acontecer que, a fim de frustrar a futura realização do crédito, caso seja vencido, o réu se reduza à insolvência, passando a alienar os bens integrantes do seu patrimônio, os quais, genericamente, garantem o cumprimento da obrigação, haja vista o princípio da responsabilidade patrimonial previsto no art. 391 do CC. Então, já

não se cuidará de alienação de “coisa” litigiosa, mas de fraude contra a execução, ocorrendo o negócio jurídico de dispositivo durante a litispendência. Idêntica diretriz se aplica aos direitos pessoais à coisa certa e aos direitos reais. Um exemplo torna claro o assunto: o réu, derrotado na demanda condenatória, pode transmitir convencionalmente a obrigação de entregar o bem, conforme o comando da sentença, e, então, alienará (licitamente) objeto litigioso; se, porém, alienar a terceiro o próprio bem, frauda a execução na forma do art. 792, I.246 Também esse efeito sujeita-se a duplo regime: para o autor, a indisponibilidade patrimonial relativa, caso seja vencido e condenado no capítulo acessório da sucumbência, surge com a formação do processo; para o réu, ao invés, firmou o entendimento na jurisprudência do STJ que a fraude contra a execução pressupõe citação válida no processo que originará a necessidade de constrição patrimonial.247 A partir da citação válida do réu, o regime jurídico do respectivo patrimônio se transforma, na antevisão do futuro vencimento. A disposição dos bens mostrar-se-á ineficaz perante o autor vitorioso, embora existente, válida e eficaz perante os figurantes do negócio jurídico. Essa ineficácia relativa caracteriza o instituto da fraude contra a execução. A jurisprudência do STJ passou a exigir prova da má-fé do adquirente, não bastando publicidade emanada da litispendência (Súmula do STJ, n.º 375). O meio hábil para o autor atalhar essa controvérsia, na futura execução, consiste em registrar a citação no álbum imobiliário (art. 167, I, n.º 21, da Lei 6.015/1973). 1.221.3. Constituição em mora – Segundo o art. 394 do CC, incorrerá o obrigado em mora não efetuando o pagamento em tempo, lugar e forma “que a lei ou a convenção estabelecer”. E, conforme complementa o art. 396 do CC, o descumprimento exige ato omissivo ou comissivo imputável ao obrigado. No que tange à mora, o direito brasileiro adotou o princípio da imputabilidade. Ao inadimplemento relativo basta, assim, atribuir-se ao devedor ato de que resulte antagonismo com a conduta devida, atendendose, destarte, “a que pode ocorrer mora sem culpa”.248 A distinção entre imputabilidade e culpa se afigura de grande utilidade prática, vez que a imputação objetiva adquire “imensa relevância nos campos de vida nos quais o princípio da segurança social – tutelar do interesse da comunidade – se apresentar como prevalecente”.249 Exclusivamente para fins indenizatórios, como se infere do art. 392 do CC, interessa a nota culposa, porventura discernível no retardamento. Em tal hipótese, à semelhança do que ocorre na impossibilidade definitiva, ou inadimplemento absoluto, incumbe ao credor demandar a prévia condenação do obrigado, a fim de constituir semelhante crédito. É característica da mora o seu caráter transitório.250 Embora imputável, o retardamento comporta purga ou adimplemento tardio, respeitando, em qualquer caso, os interesses do credor. Em princípio, o simples atraso não implica inutilidade da prestação para o credor (art. 395, parágrafo único, do

CC). Mas, tornada inútil a prestação, consoante os interesses do credor, a ele caberá rejeitá-la, pois não é caso de mora, e, sim, de inadimplemento absoluto. O retardamento da prestação torna-se imputável, incorrendo o devedor em mora, de forma automática ou através de interpelação. Em relação às obrigações a prazo ou a termo, o direito pátrio praticou opção explícita quanto à constituição em mora, tanto de dar, quanto de fazer. É o que decorre do art. 397, caput, do CC: “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”. Em decorrência desta regra (dies interpellat pro homine), a mora, geralmente, assume a forma ex re, ou automática. Idêntica modalidade de mora se presencia na dívida indenizativa dos ilícitos extracontratuais (art. 398 do CC) e quando somente o obrigado conhece a oportunidade de cumprimento. Exceções diversas tornam a mora ex persona, ou dependente de prévia interpelação judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único, do CC. Exemplos: (a) o crédito oriundo de mútuo contraído no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação e garantido por hipoteca, consoante dispõe o art. 2.º, IV, da Lei 5.741/1971; (b) o crédito decorrente da falta de pagamento do preço após a entrega da coisa alienada (art. 492, § 2.º, do CC).251 Do vencimento antecipado cogita o art. 1.425 do CC e, nas obrigações negativas, incide o art. 390 do mesmo diploma. Essas considerações relativas ao regime do direito material permitem compreender as dificuldades na interpretação do art. 240, caput, do NCPC, segundo o qual a citação constituirá o réu em mora, ressalvados os arts. 397 e 398 do CC. Flagrantemente, a citação não supre a necessidade de mora preexistente, pois os elementos de incidência das regras atinentes ao inadimplemento absoluto ou relativo do obrigado integram a causa de pedir passiva (retro, 250). Realmente, na condição de fatos constitutivos do interesse processual, ou a mora preexiste à demanda, ou não, e, neste último caso, há falta de interesse em demandar a prestação em juízo. Ocioso frisar a importância do ponto. A pretensão surge quando violado o direito, reza o art. 189 do CC, e desde tal oportunidade, paralelamente, fluirá o respectivo prazo de prescrição. É particularmente frisante a necessidade de o inadimplemento anteceder ao ajuizamento da pretensão a executar (art. 786, caput). Entretanto, o fato de o credor optar pelas vias ordinárias, apesar de dispor de título executivo extrajudicial (art. 785), ou seja, empregar o procedimento comum da função de conhecimento, não altera a conclusão: a demanda é precipitada. Figure-se o caso de o autor demandar a condenação do réu ao pagamento da quantia X, no dia A, mas o vencimento da obrigação ocorrerá em data futura à da propositura – A + B. Em tal hipótese, a citação não constituirá em mora o devedor, antecipando o vencimento, nem a invocação de causa legal de vencimento antecipado confere essa função à citação – no caso, a mora ocorreu, ou não, antes da propositura. A remissão aos arts. 397 e 398 do CC dissipam qualquer dúvida.

Tampouco a citação supre a falta de interpelação prévia, mediante ato extrajudicial (v.g., o protesto do título) ou judicial. Nesses casos, bem ao contrário, surgirá o ônus de provar o inadimplemento relativo. Lembra-se, bem a propósito, o disposto no art. 3.º do Dec.-lei 911/1969, possibilitando a concessão de liminar de busca e a apreensão da coisa alienada fiduciariamente “desde que comprovada a mora”. E a mora, nesta espécie de negócio jurídico, comprova-se através de interpelação extrajudicial (e, naturalmente, mediante o protesto do título, se houver), a teor do art. 2.º, § 2.º, do Dec.-lei 911/1969.252 Lastimavelmente, a redação imprimida pela Lei 13.043/2014, dispensou a entrega do aviso de recebimento ao próprio destinatário da interpelação, mas há de entender-se que a entrega há de ser feita no respectivo endereço residencial ou profissional. A ação especial de busca e apreensão proposta sem tal prova pré-constituída do fato constitutivo do interesse processual mostrar-se-á inadmissível. Não escapam desse regime as tão comuns ações de reparação de dano extracontratual. O réu se encontra em mora desde a data do ilícito (art. 398 do CC). Em suma, faltam exemplos convincentes que a citação – segundo se diz, eloquentemente, a mais enérgica das interpelações –,253 à luz do direito material, preste-se a constituir o réu em mora. O entendimento de que, nas obrigações sem prazo,254 a citação supre a falta de prévia interpelação,255 mostra-se muito pouco razoável. Tirante a incômoda (e insuperável) contradição de o credor deduzir pretensão em juízo sem que haja surgido semelhante pretensão, há um problema adicional: o obrigado pode cumprir tempestivamente logo que interpelado. Ora, em tal hipótese, segundo o entendimento prevalecente no direito material, “não terá que arcar com as custas da demanda iniciada”, pois “a sua inação não traduzia falta”.256 O impasse se torna absoluto: de um lado, o juiz não poderia condenar o réu nos ônus da sucumbência; de outro, e igualmente, não poderia condenar o autor: nenhum deles agiu em desconformidade com direito (material), e, assim, deu causa ao processo (princípio da causalidade). Efeito lícito da citação se encontra previsto, todavia, no art. 405 do CC. Segundo tal regra, os juros de mora contam-se “desde a citação inicial”. Em síntese, sob crítica, o dispositivo separa o termo inicial da fluência dos juros moratórios, pleiteando o credor a prestação em juízo, da existência da própria mora.257 Não é difícil antever que a jurisprudência temperará a regra, aplicando-a somente às obrigações ilíquidas (in illiquidis mora non fit). Como quer que seja, no caso do art. 405 a mora preexistente, ficando diferida apenas a contagem dos juros. 1.221.4. Interrupção da prescrição e da decadência – O efeito mais problemático da citação válida consiste na interrupção da prescrição. O importante tema exige, preliminarmente, a fixação do conceito de prescrição. Mas, desde logo, cumpre atentar ao fato que o efeito ocorrerá no caso de a citação ser ordenada por juiz incompetente. É o que se designa de redução dos efeitos do ato.258 1.221.4.1. Conceito de prescrição – O preenchimento dos elementos de incidência da norma jurídica, o encaixe do fato no esquema de fato

abstratamente previsto, produz algo de vantajoso para alguém, e, nesta contingência, a pessoa adquire um direito subjetivo. Na linguagem corrente, a partir da incidência do fato a pessoa favorecida “tem” um direito, assume situação de vantagem perante todos ou perante outrem, numa posição por assim dizer estática. Em geral, o direito surge no mundo jurídico apto a impor-se imediatamente a quem quer que seja (sujeito passivo total), como acontece nos direitos absolutos, ou a(s) pessoa(s) predeterminada. Essa última característica verifica-se nos direitos relativos, classe integrada, sobretudo, pelos direitos de crédito. Também se concebe o oposto. Há direitos mutilados de imposição presente e futura. Logo acode como exemplo a obligatio naturalis. Essa designação encara a mutilação na perspectiva do obrigado, e não retrata perfeitamente o fenômeno,259 mas difundiu-se. Exemplo de crédito jamais exigível, desprovido de pretensão, é o resultante de jogo ou de aposta (art. 814 do CC). No entanto, mais corriqueiramente, no âmbito dos direitos de crédito, há o simples adiamento da aptidão para o direito impor-se (ou exigibilidade). É o que sucede com créditos subordinados a termo ou a condição. Uma vez implementado o termo, que é evento futuro e certo, ou a condição, que é evento futuro e incerto, o crédito tornar-se-á exigível; portanto, dotado de pretensão – “o poder de exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa”.260 A pretensão imprime ao direito subjetivo atitude (ou situação jurídica)261 dinâmica. Toda pretensão tende à satisfação, objetivo atingido, em geral, através do cumprimento (“execução” voluntária) pelo sujeito passivo do dever correlato ao direito subjetivo. Em proveito bem da clareza, neste terreno controverso, importa distinguir a pretensão do direito subjetivo, que lhe antecede, e da ação, que pode lhe corresponder. Do direito subjetivo difere a pretensão, porque há direitos congenitamente inexigíveis, mutilados de pretensão, como já explicado. Neste sentido, o célebre § 194 do BGB, e fonte da ideia, pouco contribuiu para a nitidez do conceito ao aludir ao “direito de exigir” (“Das Recht, von einem anderen ein Tun oder ein Unterlassen zu verlangen [Anspruch] unterliegt der Verjährung”).262 A pretensão não é o direito, mas o poder de exigir o direito. Para mais de um observador a menção do texto legal alemão é infeliz.263 Entre nós, a questão diminui de intensidade. O direito pátrio absteve-se de ministrar definição análoga de pretensão. Por outro lado, ao desaparecimento da pretensão subsiste o direito subjetivo. Exemplo clássico, quanto a esse aspecto relevante, avulta no pagamento da dívida prescrita. Desaparecida a pretensão, encoberta pela alegação da prescrição, o obrigado paga porque deve, e, todavia, jamais poderá pedir repetição (art. 882 do CC). E da ação distingue-se a pretensão porque, na qualidade de potência, não importa, ainda, o agir. Se o titular do direito pretende, e o sujeito passivo cumpre o dever respectivo, torna-se inútil qualquer agir ulterior. Importa esclarecer, chegado tal estágio, o que acontece no caso de obrigado não cumprir o dever que lhe incumbe perante o titular do direito. O veto à justiça

de mão própria constrangerá o credor, estampado o conflito no inadimplemento, a transformar-se na figura de autor, pleiteando na via judicial a satisfação da pretensão. Invocará, para tal finalidade, não a mesma, mas outra pretensão – a pretensão à tutela jurídica.264 A esta altura, a ninguém parece lícito equiparar a ação correspondente à pretensão à tutela jurídica, e que origina a relação processual, às pretensões e ações (de direito material) porventura deduzidas no processo,265 e que lhe formam o respectivo mérito… Foi mérito inconteste da processualística alemã, burilando a noção de objeto litigioso (Streitgegenstand), e buscando identificar o sentido de palavras cognatas – Streitverhältnis, Streitsache e Prozessgegenstand -,266 diferenciar a Anspruch do § 194 do BGB da prozessuale Anspruch ou mérito. É preciso, antes de reunir todo o material necessário para alcançar o conceito de prescrição no direito brasileiro, trocar a perspectiva, passando-se a fitar o fenômeno do ponto de vista passivo. À pretensão em alguns casos, conforme a incidência de outros fatos (v.g., o decurso do tempo…), contrapõe-se a exceção.267Conforme já se explicou, exceção é o poder, exercido através de declaração unilateral de vontade, que paralisa no todo ou em parte a eficácia da pretensão.268 Se a realidade localiza semelhante paralisia no plano da eficácia, parece menos certo que a exceção sempre atinja a pretensão; por exemplo, a exceção de inadimplemento, prevista no art. 476 do CC, pode ser exercida antes do nascimento da pretensão do outro figurante do contrato bilateral, afigurando-se mais exato dizer, nesta contingência, que a exceção “vai contra o direito”.269 A exceção surge no plano do direito material e, à semelhança do que ocorre com a pretensão, há pouco analisada, jamais pressupôs, necessariamente, alegação no processo judicial.270 Deduzida que seja no processo, por iniciativa do réu, a exceção integra o mérito da causa,271 alargando a cognição do órgão judiciário. Às vezes, a exceção paralisa a eficácia da pretensão de modo temporário (exceção dilatória ou suspensiva); em outras hipóteses, inibe a pretensão para sempre (exceção peremptória, extintiva ou permanente). Não se confundem a exceção haurida do direito material e as “exceções” processuais.272 São defesas processuais dilatórias (retro, 313.1). Deve-se ao direito comum o indevido alargamento daquela ideia para abranger questões que, por sua origem e finalidade, respeitam ao processo (v.g., a imparcialidade da pessoa investida na função judicante).273 Fora do processo, realmente, não interessa o problema de competência ou a garantia de imparcialidade do órgão judiciário. É fato digno de registro que a separação das questões processuais e das exceções substantivas marcou o nascimento do processo moderno.274 Essas noções preliminares permitem apreender o conceito de prescrição ministrado pelo art. 189 do CC. Em síntese, o dispositivo estabelece que, violado o direito, para o credor nasce a pretensão, extinguindo-se pela prescrição. À luz da regra, já não se pode afirmar que a prescrição elimina o direito – segundo abalizada doutrina o acolhimento da exceção é incompatível com “sinais tanatológicos” ou de vida após a morte275 – ou a ação.276 Esta última concepção assenta, salvo engano, na ausência de distinção precisa

entre processo, iniciado pela ação (rectius: exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado) e a pretensão porventura nele veiculada. Na realidade, a prescrição encobre a eficácia da pretensão.277 Não atinge o direito.278 A prescrição é uma exceção peremptória ou extintiva.279 A redação do art. 189 do CC apresenta defeitos em mais de um aspecto. Localizou o nascimento da pretensão, como se infere da cláusula inicial (“Violado o direito…”), no momento da violação do direito. Ora, há direitos que já nascem com pretensão e prescindem de qualquer violação para se mostrarem, desde logo, exigíveis.280 O proprietário tem o poder de exigir que outrem se abstenha de lesar a sua propriedade – por exemplo, que alguém ocupe a sua casa. Efetivada tal ocupação, ou seja, violado o direito de propriedade, surge outra pretensão – a pretensão à restituição da coisa.281 Por outro lado, o emprego do verbo extinguir, porque excessivamente vinculado ao plano da existência, pode conduzir a rumo falso. A prescrição, exceção que é, encobre a eficácia da pretensão, e, portanto, tudo sucede em outro sítio – o plano da eficácia. Escoimado desses defeitos, o art. 189 do CC aplica-se literalmente aos créditos em geral. A prescrição ser alegada a qualquer momento, a teor do art. 193 do CC, c/c art. 342, III.282 1.221.4.2. Momento do efeito interruptivo da prescrição – O art. 240, caput, estipula a citação válida como o momento em que ocorrerá a interrupção da prescrição, retroagindo, porém, à data do deferimento do chamamento do réu, do executado e do interessado a juízo. Nesse sentido, o sistema se harmoniza com o art. 202, I, do CC. Porém, impede esclarecer a extensão do ajuste feito pelo NCPC. O art. 166, § 2.º, do CPC de 1939, na redação do Dec.-Lei 4.565/1942, fixava o efeito interruptivo da prescrição “na data do despacho que ordenar a citação”. Essa regra já inovara no respeitante ao art. 172, I, do CC de 1916, que exigia a “citação pessoal” para esse propósito. Em relação à regra substantiva, portanto, o art. 166, § 2.º, do CPC de 1939, antecipava o efeito interruptivo, pois o “despacho” que ordena a citação é o ato que admite a petição inicial, verificando, perfunctoriamente, a respectiva admissibilidade, antecedendo o ato de convocação do réu a juízo. Os fundamentos dessa antecipação, segundo o autor do anteprojeto que ensejou o primeiro código unitário, assentavam na experiência forense. Com efeito, rejeitou-se a diretriz do art. 172, I, do CC de 1916, por duas razões: primeira, o prazo prescricional pressupõe, além do decurso do respectivo interregno temporal (medida tempo: dias, meses, anos), o concurso do elemento subjetivo da inércia, fato incompatível com o ajuizamento da demanda; segunda, às vezes mostra-se assaz difícil promover a citação do devedor burlão.283 Exemplo persuasivo – a cada passo renovado, com as devidas adaptações – ilustra a diferença de tratamento legislativo. Pretendendo A haver de B os juros do contrato x, vencidos mensalmente, e cujo prazo de prescrição era de cinco anos (art. 178, § 10, III, do CC de 1916), ingressa em juízo em 05.02, antecipando-se à prescrição, que ocorrerá em 15.02, ordenando o juiz a citação em 10.02. Segundo a diretriz do art. 172, I, do CC de 1916, para se interromper a prescrição mostrar-se-ia necessário

citar (pessoalmente) o réu B antes de 15.02. Ocorrendo a citação, v.g., em 20.03, a pretensão prescreveu irremediavelmente. No entanto, observando-se o critério do art. 166, § 2.º do CPC de 1939, em que pese ocorrida a citação em 20.03, posteriormente ao vencimento do prazo prescricional, em 15.02, os efeitos do ato de 20.03 retroagem, fictamente, à data do despacho positivo de admissibilidade da demanda, verificado em 10.02, momento anterior ao vencimento do prazo prescricional. Assim, a pretensão livrar-se-ia da prescrição. Eis o engenho da retroação prevista na lei processual. O art. 219 do CPC de 1973 radicalizou a sistemática, extraindo-lhe consequências ainda mais radicais. Realizada a citação nos dez dias subsequentes ao despacho que a ordenar (art. 219, § 2.º, do CPC de 1973), prazo prorrogável até noventa dias (art. 219, § 3.º, do CPC de 1973), independentemente de requerimento do autor,284 o efeito interruptivo “retroagirá à data da propositura da ação” (art. 219, § 1.º, do CPC de 1973), não prejudicando o autor, de qualquer modo, a “demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário” (art. 219, § 2.º, in fine, do CPC do CPC de 1973). Essa última cláusula legislativa recolheu a diretriz fixada na Súmula do STJ, n. 106. Volvendo ao exemplo dos juros, e agora submetendo a pretensão ao prazo de três anos que lhe toca, segundo o art. 206, § 3.º, III, do CC, ingressando A contra Bem 05.02, e deferida a petição inicial em 20.02, a realização da citação em 20.03, dentro do prazo de noventa dias a contar de 20.02 (art. 219, § 3.º, do CPC de 1973), não afeta a pretensão, bem como se afigura irrelevante que o deferimento da inicial (20.02) haja ocorrido após o vencimento do prazo prescricional de três anos (15.02): os efeitos da citação retroagirão à data da formação do processo (05.02), que é anterior ao vencimento do prazo prescricional. Esse sistema levou ao seu extremo a ideia que, sem negligência do titular da pretensão, inexiste prescrição. À parte basta ingressar em juízo antes do vencimento do prazo prescricional e, realizada a citação dentro dos prazos legais, ou mesmo fora deles, mas por falha imputável ao serviço judiciário (art. 219, § 2.º, in fine, do CPC de 1973), evitará a prescrição, graças ao efeito retroativo ficto do art. 219, § 1.º, do CPC de 1973. É verdade que o art. 219, § 2.º, do CPC de 1973, gravava o autor com o ônus de “promover a citação”. Ora, o autor não realiza, pessoalmente, a citação. É tarefa dos auxiliares do juízo. E, de ordinário, nenhum controle o autor exerce sobre tais pessoas, na melhor das hipóteses clamando pela prática de atos de ofício (v.g., a extração do mandado de citação; o lançamento do mandado no livro carga do oficial de justiça; o cumprimento do mandado pelo oficial). A expressão do parágrafo significa “requerê-la, bem como arcar com as despesas para a realização das diligências”, proclamou o STJ.285 É nesse sentido que há de se interpretar o art. 240, § 1.º, no tocante às “providências necessárias para viabilizar a citação” previstas no art. 240, § 2.º. Ocorrendo a citação fora do prazo legal, mas por fato debitado à negligência do autor (v.g., não depositou as despesas de condução do oficial de justiça), considera-se interrompida a prescrição na data da própria citação.286 Embora A ingresse contra B em 05.02, e o despacho positivo se verifique em 10.02, antes do vencimento do prazo em 20.02, como a citação

ocorreu após noventa dias (v.g., em 10.09), nesta data já se vencera o prazo da prescrição (20.02); por esse motivo, o art. 240, § 2.º, do NCPC, declara não aplicar-se a retroação do art. 240, § 1.º, do NCPC. É preciso realçar a excelência do momento apontado como termo do efeito retroativo ficto da citação do NCPC. Entre a data da distribuição da causa e a do despacho ordenando a citação podem transcorrer vários dias, e até semanas, em decorrência de estéreis trâmites burocráticos não se olvidando, ainda, a circunstância de o escrivão ou chefe de secretaria cumprir as decisões do juiz na estrita ordem cronológica (art. 153).287 Nesse interregno, apesar da diligência do autor que deduziu sua pretensão em juízo tempestivamente, talvez o prazo de prescrição atinja o termo final. Fato digno de registro consiste na quebra desse regime no âmbito do próprio sistema da lei processual. O CPC de 1973 adotara a posição do primeiro código unitário nos domínios da execução. Segundo art. 617 do CPC de 1973, a interrupção da prescrição ocorreria com a “propositura da execução, deferida pelo juiz”.288Imediatamente, percebeu-se que “o deferimento deve ser no sentido de mandar citar o devedor”, não se justificando a opinião – por sinal, contraditória com a primeira afirmativa – de bastar simples distribuição.289 Além da demora decorrente dos trâmites já explicados, concebe-se outro motivo de atraso, este imputável ao exequente: apresentando algum defeito a petição inicial, o juiz abre o prazo para correções, antes de indeferir a petição. A tramitação usual até a intimação do exequente, da apresentação da emenda e, enfim, do deferimento da inicial, ordenando a citação, demandará vários dias, quiçá fatais para o exequente pelo implemento do prazo prescricional.290 Como quer que seja, a disposição do art. 617 do CPC de 1973, secundada pela remissão aos prazos do art. 219 do CPC de 1973, harmonizava-se com o art. 202, I, do CC, pelo qual sucederá a interrupção “por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”;291 e, ademais, aplicava-se ao “cumprimento” da sentença, ou execução fundada em título judicial. O art. 202, I, do CC retornou ao regime que vigorava sob o art. 166, § 2.º, do CPC de 1939, e, como visto, também vigente na execução comum (art. 617 do CPC de 1973). Não era fácil compor a lei civil com o termo inicial previsto no segundo código unitário. Na realidade, existiam apenas dois termos de alternativa: ou o art. 202, I, do CC prevalecia sobre o art. 219, § 1.º, do CPC de 1973, como parece correto;292 ou ele simplesmente não se aplicava em processo civil, sem motivo bastante para excluir-lhe a incidência. Ademais, incidindo a regra civil, ou seja, interrompendo-se a prescrição “por despacho do juiz”, mostrava-se supérfluo fazer retroagir os efeitos da citação à data da propositura da ação. Volvendo ao exemplo utilizado: A ingressa contra B em 05.02, pretendendo haver juros que prescrevem em 15.02; o juiz despacha a inicial em 20.02, ocorrendo citação do réu em 20.03. Para o efeito interruptivo, basta retroagir os efeitos da citação até 10.02 (despacho positivo), que é anterior ao vencimento do prazo prescricional (15.02), sendo desnecessária, porque inútil, a retroação até 05.02. Por outro lado, verificando-se a citação após o prazo de noventa dias (art. 219, § 3.º, do CPC de 1973), por fato debitado ao

autor, descumpriu-se a exigência da parte final do art. 202, I, do CC – “(…) no prazo e na forma da lei processual” –, razão por que, rezava o art. 219, § 4.º, do CPC de 1973, “haver-se-á por não interrompida a prescrição”. Não é diversa a disciplina da execução fiscal. O art. 174, parágrafo único, I, do CTN, na redação da LC 118/05, fixa o efeito interruptivo no “despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal”. Assim, o art. 8.º, § 2.º, da Lei 6.830/1980, dispondo no mesmo sentido, passou a aplicar-se também na execução dos créditos tributários.293 O art. 240, § 1.º, do NCPC ajustou a disciplina da lei processual ao art. 202, I, do CC. Manteve-se, de resto, o sistema na execução fundada em título extrajudicial (art. 802, caput, e parágrafo único). Não existe dúvida razoável que, deferindo o juiz o requerimento do art. 513, § 1.º, produzir-se-ão os efeitos do art. 312, segunda parte perante o executado. Um exemplo esclarece o tópico. O art. 516, parágrafo único, autoriza o exequente a propor sua execução no juízo do local aonde se localizarem os bens penhoráveis. Figure-se a hipótese de o exequente se valer dessa faculdade, propondo a execução na aprazível Maceió, embora o processo de conhecimento tramitasse em São Paulo. Deferida a execução, operam-se os efeitos cabíveis: surge o veto à dupla litispendência, o objeto da execução torna-se litigioso, e, last but not the least, interromper-se-á a prescrição da pretensão executória na data em que ordenar-se a intimação do executado. Nada impede regra de natureza diferente quanto ao momento da interrupção da prescrição. O art. 25, parágrafo único, da Lei 12.846/2013 torna o efeito interruptivo indiferente ao deferimento da petição inicial ou à ulterior citação do réu, declarando interrompida a prescrição na “instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração”. Por óbvio, a regra excepcional aplica-se apenas à ação (condenatória ou não) cujo objeto litigioso abranja a responsabilidade da empresa por ilícito praticado contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. Interrompida que seja a prescrição através do juízo de admissibilidade positivo, a antecipação do efeito a tal ocasião (deferimento da petição inicial ou do requerimento) subordinar-se-á à ulterior realização da citação “no prazo e na forma da lei processual” (art. 202, I, in fine, do CC), estabelecido em dez dias (art. 240, § 2.º, do NCPC). Não se realizando a citação no prazo legal, simplesmente não haverá a retroação. Porém, a Súmula do STJ, n. 106, continua valendo: a autor não será prejudicado pela demora imputável unicamente ao serviço judiciário, reza o art. 240, § 3.º. O efeito interruptivo, em qualquer hipótese, somente ocorrerá uma vez (art. 202, caput, do CC). Do art. 202, parágrafo único, do CC resulta evidente que o “ato interruptivo da prescrição tem função dúplice, pois faz extinguir o prazo anterior, e é o termo inicial do novo prazo”.294 Esses aspectos receberão mais consideração no item dedicado aos efeitos materiais da formação do processo (infra, 1.525).

1.221.4.3. Prescrição intercorrente – O evento interruptivo da prescrição exibe efeito suspensivo: desaparece, ou apaga-se, o tempo até então decorrido. Em consequência, “novo prazo de prescrição se inicia”.295 No entanto, o efeito interruptivo não é perpétuo ou permanente. Tal efeito não subsiste enquanto durar a litispendência. Ele pode cessar antes. Aliás, há muito se rejeitou o princípio da perpetuatio actiones no direito brasileiro. Diante do art. 173 do CC de 1916, explicava-se o seguinte: “(…) proposta a demanda, a constância em juízo dessa demanda como que a cada momento interrompe a prescrição da ação, de maneira que enquanto a demanda estiver durando, estiver em andamento, a prescrição da ação não correrá, mas sim somente correrá do momento em que a demanda parar no seu andamento (…)”296 E de acordo com outra opinião: “O ‘último (ato) do processo para a interromper’ é o ato que provocou a conclusio in causa, porém, também, só até qualquer dos anteriores após o qual se haja cessado de atuar. ‘Último ato’ é, aí, portanto, o último ato das partes ou do juízo, de modo que, em verdade, novo prazo de prescrição se inicia após qualquer ato, ou das partes, ou do juízo, e se reinicia a qualquer ato processual posterior de uma das partes ou do juízo (exceto o ato para se prosseguir, por se ter excedido algum prazo processual)”.297 Idêntico é o sentido, porque reproduziu a redação do art. 173 do CC de 1916, do art. 202, parágrafo único, do CC. Dispõe o seguinte: “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”. Essa disposição infirma, entre nós, o célebre aforismo – actiones quae tempore pereunt, semel inclusae judicio, salve permanent -, que significa, hoje em dia, apenas não recomeçar a fluência do prazo prescricional enquanto o processo tiver andamento.298 O direito brasileiro não acolhe, desde 1916, senão do célebre Regulamento 737/1850, o regime da perpetuação da ação, segundo o qual, interrompida a prescrição pelo ingresso em juízo, remanescerá também suspensa a prescrição durante a litispendência.299 É diferente, por exemplo, o direito português. O art. 327, n.º 1, do CC português reza o seguinte: “Se a interrupção resultar da citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”. Por óbvio, semelhante sistema rejeita, firmemente, o curso do prazo de prescrição na pendência do processo. A cláusula final do art. 202, parágrafo único, do CC – “ou do último ato do processo para a interromper” – sugeriu outra interpretação. Não correria a prescrição intercorrente, segundo tal alvitre, “enquanto o processo estiver em andamento”.300 Ora, já se averbava de inexata a redação do art. 173 do CC de 1916, neste particular, “como se para operar a interrupção da prescrição houvesse necessidade de qualquer outro processo que não o próprio processo da demanda”.301 Em outras palavras, “se há interrupção por citação (…) a prescrição começa a correr depois que se dá, com eficácia definitiva, o último ato no processo em que a citação a interrompeu, ou de qualquer ato processual, se o processo parou”.302 Suspenso o processo, portanto, cessará o efeito interruptivo gerado pelo deferimento da pretensão a executar, começando a prescrição intercorrente.

O prazo da prescrição intercorrente é o mesmo prazo da prescrição da pretensão a condenar (título judicial) ou da pretensão a executar (título extrajudicial).303 E vencido o prazo de prescrição, embora suspenso o processo, o juiz decretará a prescrição ex officio – inclusive no tocante aos créditos da Fazenda Pública, porque direito patrimonial, segundo o STJ – ,304 ou a requerimento da parte. Suspende-se a execução, reza o art. 921, III, quando o executado não possuir bens penhoráveis. O prazo de suspensão é de um ano, no curso do qual se suspenderá o prazo de prescrição (art. 921, § 1.º). Decorrido o prazo máximo de um ano, não sendo localizados bens ou o próprio executado, o juiz ordenará o arquivamento dos autos (art. 921, § 2.º), Independentemente desse arquivamento, destinado a desentulhar os escaninhos cartoriais, localizados bens penhoráveis, os autos serão desarquivados, prosseguindo a execução (art. 921, § 3.º). Do contrário, inexistindo manifestação do exequente, findo o prazo de um ano (art. 921, § 1.º), “começa a correr o prazo de prescrição intercorrente” (art. 921, § 4.º). Vencido o prazo, conforme a natureza do título, o juiz ouvirá as partes, no prazo de quinze dias, e, mantida a situação, extinguirá a execução (art. 921, § 5.º, c/c arts. 924, V, e 925). Essas disposições têm fonte nítida. Na execução fiscal, a orientação consta da Súmula do STJ, n. 314: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. É preciso, neste caso, ponderar melhor os dados legislativos no âmbito da execução fiscal, limitados pelo art. 174 do CTN. A redação vigente do art. 40, caput, da Lei 6.830/1980, passou a dispor o seguinte: “O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”. Em seguida, o juiz abrirá vista ao procurador da Fazenda Pública (art. 40, § 1.º, da Lei 6.830/1980) e, decorrido o prazo de um ano, ordenará o arquivamento dos autos (art. 40, § 2.º). Se, uma vez arquivada a execução fiscal, houver decorrido o prazo prescricional, depois de ouvida a Fazenda Pública, o juiz “poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato” (art. 40, § 4.º). Por outro lado, antes disso, adquirindo bens o executado, a Fazenda Pública poderá requerer o prosseguimento da execução (art. 40, § 3.º). A cláusula “a qualquer tempo”, inserida neste último parágrafo citado, abrange a aquisição de bens antes de implementado o prazo de prescrição,305 caso em que o juiz a pronunciará (art. 40, § 4.º). De acordo com o art. 40, caput, da Lei 6.830/1980, portanto, não fluirá o prazo de prescrição da pretensão a executar durante a suspensão do processo, ante a falta de bens penhoráveis, dentre outros motivos, prazo que recomeçará a fluir, interrompido que seja com o deferimento da inicial, a partir do arquivamento do processo. Trata-se de regra especial, derivada do art. 174 do CTN, insuscetível de aplicação à hipótese de suspensão da execução comum por falta de bens penhoráveis, salvo disposição expressa, só agora prevista no art. 921, § 4.º, do NCPC; e regra inovadora quanto à disciplina do art. 202, parágrafo único, do CC – e o princípio da rejeição à perpetuação da ação. Aplicando-se à execução comum, o prazo da prescrição intercorrente

iniciaria após o decurso de um ano de suspensão, consoante alvitre doutrinário no direito anterior,306 adotado no NCPC. A jurisprudência do STJ continua hostil à configuração da prescrição intercorrente no caso versado. Em primeiro lugar, tem recusado reexaminar o assunto, porque se cuidaria de questão de fato. Ademais, exige mais do que o simples transcurso do tempo, acrescentando o elemento da inércia do exequente.307 À guisa de exemplo, proclamou julgado do STJ: “A suspensão da execução a pedido do exequente e autorizada judicialmente, constitui fator impeditivo à fluição da prescrição intercorrente, que pressupõe inércia da parte, o que não ocorre se o andamento do feito não está tendo curso sob respaldo judicial”.308 Evidentemente, na hipótese de suspensão pela ausência de bens penhoráveis, jamais se caracterizará inércia do exequente, porque o prosseguimento da execução, por qualquer via, revela-se impossível na falta de bens penhoráveis. Verificar-se-á a prescrição intercorrente, na linha restritiva, quedando-se o exequente omisso perante as determinações judiciais para dar andamento ao processo, providenciando a localização dos bens penhoráveis ou deixando de praticar ato de impulso no processo. Por exemplo, o exequente retirou os autos para se manifestar sobre a avaliação e, na sua mão, transcorreu o prazo de prescrição da cambial.309 Esse entendimento não se harmoniza, de um lado, com o art. 202, parágrafo único, do CC, e, de outro lado, confere relevo excessivo à negligência do credor, elemento alheio à disciplina da prescrição. Originou-se, salvo engano, das Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 79, parte inicial), segundo o qual, “por a negligência que a parte teve, de não demandar em tanto tempo sua coisa, ou dívida, havemos por bem, que seja prescrita a ação, que tinha para demandar”. Ora, os prazos de prescrição, ao encobrirem a pretensão (art. 189 do CC), “atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade”.310 A negligência não é elemento necessário às regras sobre prescrição no direito vigente. Não se trata de pena aplicada ao credor desidioso, mas de exceção conferida ao obrigado. A tese de punição falseia o raciocínio.311 É da máxima conveniência social que a execução, suspensa em razão da inexistência de bens penhoráveis, não subsista indefinidamente. Implementado o prazo de prescrição, que passou a fluir, outra vez, vencido o prazo de um ano do ato que a suspendeu, incumbe ao órgão judiciário extinguir o processo, dando cabo à execução inútil, respeitado o princípio do contraditório (art. 921, § 5.º). Mas, há outro argumento: a falta de bens penhoráveis revela insolvência, que pode ser requerida tanto pelo exequente, quanto pelo executado, e, nesta hipótese, a instauração do concurso de credores interrompe a prescrição, que recomeçará “a correr no dia em que passar em julgado a sentença que encerrar o processo de insolvência” (art. 777 do CPC de 1973, ainda em vigor), extinguindo-se após o transcurso de cinco anos (art. 778 do CPC de 1973).312 A tese exige exame cuidadoso.

Em primeiro lugar, a insolvência civil, no caso da inexistência de bens arrecadáveis, serve unicamente para o obrigado valer-se do expediente da extinção geral das obrigações (art. 779 do CPC de 1973), reabilitando-se no comércio jurídico.313 Por isso, há interesse do executado em requerer a auto insolvência, inexistindo bens penhoráveis,314 como decidiu o STJ.315 Ademais, o prazo de cinco anos, previsto no art. 778, do CPC de 1973, não é de prescrição, porque extingue a obrigação.316 A prescrição encobre a pretensão. Não serve para extinguir direitos. Logo, o prazo do art. 778 do CPC de 1973 não influencia o desaparecimento da pretensão a executar, enfeixada no concurso universal, pelo vencimento do prazo próprio relativo ao título.317 É o que se ensina nesse tópico: “Se, no entanto, a prescrição operar antes do quinquênio do art. 778 [de 1973] extintas estarão as obrigações do insolvente, desde logo, sem depender do prazo especial instituído pela sistemática concursal da insolvência civil”.318 Esse entendimento não colide com a parte final do art. 777 do CPC de 1973 – regra localizada em lugar impróprio,319 porque próxima do prazo extintivo do art. 778 do CPC de 1973 –, segundo o qual a prescrição, interrompida com a instauração do concurso universal de credores, “recomeça a correr no dia em que passar em julgado a sentença que encerrar o processo de insolvência”. É que, declarada a insolvência, a falta de bens “atuais” arrecadáveis, impede o prosseguimento da execução coletiva, à semelhança do que ocorre na execução singular. A causa suspensiva, como sói ocorrer, opera imediatamente.320 E cumpre ao juiz declarar encerrada a fase intermediária da insolvência – arrecadação, apuração do passivo, realização do ativo, pagamento dos credores –, com o fito de iniciar a fluência do prazo de prescrição (art. 777, in fine, do CPC de 1973), e, além disso, a contagem do prazo extintivo previsto no art. 778 do CPC de 1973.321 Na verdade, não se trata de extinção da execução coletiva, mas de suspensão do processo: subsiste a litispendência, continuam inadmissíveis execuções singulares e a reabilitação dependerá da declaração da extinção das obrigações (art. 782 do CPC de 1973).322 Uma coisa é o encerramento da insolvência, outra é o da execução concursal.323Também calha distinguir entre o reinício da fluência do prazo de prescrição (art. 777, in fine, do CPC de 1973) e o início do prazo extintivo (art. 778 do CPC de 1973). Enfim, a invocação do art. 777 do CPC de 1973 não demonstra, absolutamente, a inexistência da fluência do prazo de prescrição na suspensão do processo por falta de bens penhoráveis. Ao contrário, evidencia, impossibilitada a arrecadação de quaisquer bens “atuais” (art. 751, II, do CPC de 1973), e a despeito da possibilidade de se arrecadarem bens futuros (art. 775 do CPC de 1973), o dever de o juiz proferi, incontinenti, o ato previsto no art. 777, in fine, do CPC de 1973, com duplo objetivo: (a) marcar o reinício do prazo de prescrição, interrompido com a declaração de insolvência; (b) marcar o início do prazo extintivo do art. 778 do CPC de 1973. Volvendo ao ponto, a suspensão cogitada no art. 921, III, do NCPC tem desfecho com vencido da chamada prescrição intercorrente, iniciada imediatamente ao término do prazo de suspensão de um ano, e propiciada, justamente, pela inatividade processual. Incide o princípio político do art. 391 do CC: inexistindo bens penhoráveis, não é possível realizar o crédito, convindo ao interesse público extinguir a pretensão a executar.

1.221.4.4. Decretação ex officio da prescrição – A despeito de representar exceção material, o 487, II, autoriza o juiz a decretar, ex officio, a prescrição, respeitando o contraditório (art. 487, parágrafo único), salvo na hipótese de controle da petição inicial e de julgamento liminar do mérito (art. 332, § 1.º). É o que acontece com a decadência (art. 210 do CC). O escrivão comunicará ao réu, complementa o art. 241, o conteúdo da sentença, ocorrendo o trânsito em julgado, haja vista o legítimo interesse em conhecer o encobrimento da eficácia da pretensão.324 Em vão se buscará um motivo transcendente para modificação legislativa dessa imensa envergadura.325 O pretexto útil descansou celeridade.326 Porém, o objetivo pragmático do legislador residiu em permitir a extinção dos processos executivos paralisados, há muito tempo, ante a ausência de bens penhoráveis, entulhando os cartórios. 1.221.4.5. Efeito interruptivo dos prazos decadenciais – O regime do efeito interruptivo antecipado, previsto no art. 240, § 1.º, incidirá na decadência e demais prazos extintivos previstos em lei (art. 240, § 4.º). Essa disposição, haurida do art. 220 do CPC de 1973, por sua vez remotamente inspirada no do art. 166, § 2.º, do CPC de 1939, na redação do Dec.-lei 4.565/1942, apresenta excelsas virtudes. Evita controvérsias acerca do prazo, no que tange à respectiva natureza prescricional ou decadencial. Quer se trate de prescrição, quer se trate de decadência, como sói ocorrer nas ações de força constitutiva, o exercício da pretensão dentro do prazo obsta que o vencimento do termo final, enquanto não se realize a citação do réu, produza os seus efeitos próprios: o encobrimento da eficácia da pretensão (prescrição) ou a extinção do próprio direito (decadência). A retroação do efeito interruptivo à data da ordem de citação (art. 240, § 1.º), ocorrendo a convocação do réu, do executado e do interessado – dez dias, contados do ato que ordena a citação –, impede essa consequência. E, com efeito, não parece razoável, inclusive no caso da decadência, exigir do autor que promova a ação com antecedência tão expressiva e elástica que compreenda o tempo presumível necessário ao deferimento da citação. Esse elastério não comporta generalizações e, de toda sorte, importaria drástica redução do prazo legalmente fixado ao exercício do direito. É de decadência, por exemplo, o prazo de dois anos para pedir a rescisão da coisa julgada (art. 975). Em termos práticos, “basta que a ação tenha sido proposta dentro do biênio, pouco importando que o réu já venha a ser citado fora dele”.327 Por igual, o locatário pode propor a ação renovatória no último dia do prazo previsto no art. 51, § 5.º, da Lei 8.245/1991. Deferida a citação, ainda nesse dia, e ocorrendo o ato em dez dias, não haverá a perda do direito à renovação do contrato. O prazo do art. 23 da Lei 12.016/2009 é prazo extintivo do remédio processual,328 não afetando o direito posto em causa, passível de arguição por outra via. 1.222. Natureza do vício da falta (e o caso da citação de pessoa falecida) ou nulidade da citação e remédios cabíveis À semelhança de qualquer ato jurídico, em geral, e dos atos processuais, em particular, a citação pode ser inexistente, inválida e ineficaz. A falta (ou

inexistência) e a nulidade da citação são vícios de imensa gravidade; porém, conforme a hipótese, comportam suprimento e saneamento.329 Esses vícios acarretam a nulidade dos atos posteriores do procedimento no que for prejudicial ao réu.330 Em contrapartida, não provocam, ao contrário do que geralmente se imagina, a inexistência do processo.331 Chega-se a tal conclusão, primeiramente, da dicção inequívoca do art. 239, caput, segundo o qual a citação afigura-se indispensável à “validade do processo”.332 E, ademais, o provimento originado do processo contaminado por esses vícios existe e produz efeitos, tanto que há a premente necessidade de o vencido reagir para subtrair-se à sua eficácia, impedindo o prosseguimento da execução. Tratando-se de pronunciamento com força condenatória, o executado dispõe de pretensão a executar, cabendo ao vencido impugná-lo, alegando a “falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento o processo correu à revelia”, rezam os arts. 525, § 1.º, I, e 535, I. Um dos casos em que “falta” citação é o do citando já falecido no momento da prática do ato. Esse acontecimento deriva da conjugação de circunstâncias infelizes na prática do ato – por exemplo, o oficial de justiça tomou como oculto, na verdade, pessoa natural que já não habitava neste mundo e o vizinho, no qual o deu por citado, ignorava o falecimento. Ora, exigindo o ato processual, como elementos de existência, tanto o agente (v.g., oficial de justiça), quanto o paciente (v.g., réu vivo), parece flagrante constituir ato inexistente a citação de pessoa já falecida.333 O art. 188, I, e, do NCPC português declara, expressamente, como hipótese de “falta” de citação “quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando”. Daí não se segue, porém, a inexistência ulterior do processo. Ele existe e produzirá efeitos até que seja invalidado. O art. 525, § 1.º, e o art. 535, I, consagram, como remédio adequado às hipóteses nele versadas – falta ou nulidade da citação –, a vetusta querela nullitatis insanabilis.334 É tão grave o vício atinente à citação, porque atenta contra o direito fundamental de defesa do réu, que o desfecho do processo, normalmente resguardado pela autoridade de coisa julgada, não adquire indiscutibilidade. Mas, a querela nullitatis insanabilis, remédio romano contra a inexistência, assumiu o caráter de mecanismo hábil para eliminar a eficácia de provimento emanado de processo inválido. Não é preciso, conforme realçado, um esforço muito grande para demonstrar a existência do processo, evidentemente no plano jurídico, apesar de inexistente (ou inválida) a citação. O provimento surte os efeitos típicos, comporta execução e, deixando o executado de reagir, fatalmente perderá seu patrimônio por conta dos atos executivos. Existem três caminhos para o executado invalidar o processo que formou o título e se desenvolveu sem citação válida: a impugnação (art. 525, § 1.º, I), a anulatória autônoma335 e a rescisória fundada em infração da norma jurídica (art. 966, V). Entre tais remédios processuais, existirá concurso eletivo: deduzida a nulidade nos embargos, nenhum dos outros meios se mostrará cabível, pois ocorrerá, conforme a hipótese, litispendência ou coisa julgada, a partir da identidade dos elementos das demandas, a teor do art. 337, § 2.º.

Para ensejar vício dessa envergadura, idôneo a impedir o provimento, embora existente e eficaz, revestir-se da autoridade da coisa julgada (art. 502), impõe-se que haja ocorrido revelia.336 Pouco importa a produção do efeito material (art. 344) e a designação de curador especial (art. 72, II). É preciso, naturalmente, que o vício subsista à altura da impugnação do executado. Comparecendo o réu espontaneamente ao processo, como lhe faculta o art. 239, § 1.º, desaparecerá o elemento considerado no dispositivo, como deixa entrever a cláusula “se o processo correu à revelia”. O tema receberá exame no item subsequente (infra, 1.223). O processo mencionado uniformemente nas disposições transcritas é qualquer relação processual tendente à formulação da regra jurídica concreta. Por óbvio, a questão surge, preferentemente, nos processos em que, ante a força do provimento, a entrega do bem da vida exige a prática de atos executivos. Daí por que, fitando aquelas disposições, é qualquer processo do qual decorra provimento condenatório e sua exequibilidade (v.g., a falta de chamamento da parte adversa na liquidação, conforme exige o art. 511). Escapam à incidência do art. 525, § 1.º, I, vários títulos previstos no art. 515,337 a saber: (a) a sentença penal condenatória (art. 515, VI), pois não cabe ao juiz civil invalidar o processo penal, matéria posta sob reserva da revisão criminal;338 (b) a sentença estrangeira (art. 515, VIII) ou a decisão dotada de exequatur (art. 515, IX), porquanto a existência e a validade da citação integram o juízo de delibação privativo do STJ (art. 105, I, i, da CF/1988); (c) a sentença homologatória autocomposição judicial (art. 515, II), porque supõe o concurso da vontade do futuro executado; (d) a sentença homologatória de autocomposição extrajudicial (art. 515, III), porque não lhe antecede processo, e conseguinte, a necessidade de integração do réu à relação processual. A sentença arbitral (art. 515, VII) reclama contraditório, e, assim, a impugnação do executado poderá versar o tema (art. 32, VIII, c/c art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996). O vício do art. 525, § 1.º, I, ocorre em todos os meios de citação (art. 246). Concebe-se, por exemplo, o oficial de justiça certificar, falsamente, a citação do réu, ou o réu encontrar-se em lugar bem conhecido, ao contrário do que afirmou o autor (art. 257, I, c/c art. 256, II). As controvérsias recaem sobre a citação pelo correio. O art. 248, § 1.º, exige a entrega da carta de citação ao “citando”, mediante recibo colhido pelo carteiro. Fora, portanto, das situações excepcionais do art. 248, § 2.º e § 4.º, relativamente às pessoas naturais e às pessoas jurídicas, inválida a citação se terceiro (v.g., o cônjuge) passar o recebido previsto no art. 248, § 1.º, in fine. Na hipótese de êxito da impugnação, desconstituir-se-á o julgado, competindo ao antigo exequente retomar o processo, promovendo citação válida. 1.223. Comparecimento espontâneo do réu e suprimento dos vícios da citação Esse tema mereceu análise no âmbito da defesa do réu (retro, 316.3). Todavia, convém reapresentá-lo nos seus aspectos principais.

Depreende-se do art. 239, § 1.º, que a nulidade da citação pode ser sanada, e a inexistência da citação suprida, mediante o comparecimento espontâneo do réu e do executado (art. 239, caput). Entende-se por tal o ingresso voluntário do réu no processo. As duas hipóteses não se confundem. No primeiro caso, a citação, apesar do seu ingresso deficiente no mundo jurídico, produziu os efeitos que lhe são próprios, alcançando a finalidade precípua de chamar o réu a juízo; no segundo, é como se tivesse ocorrido o que, na realidade, não ocorreu. Concebem-se três atitudes do réu neste ingresso no processo: (a) o réu comparece, espontaneamente, e somente alega a nulidade; (b) o réu comparece, alega a nulidade, preliminarmente (art. 337, I), e contesta; (c) o réu comparece, nada alega a respeito do vício verificado na citação, e contesta dentro do prazo originário. Nas duas primeiras situações, a segunda prevista no art. 337, I, o órgão judiciário examinará a ocorrência, ou não, do vício, e do seu pronunciamento surgem dois termos de alternativa: (a) o juiz decreta o vício do chamamento; (b) o juiz rejeita o vício no chamamento. Reconhecendo a existência do vício, na hipótese (b) o assunto fica superado, pois o prazo de contestação flui da data do comparecimento. Não há a necessidade de renovar ou de praticar o ato, propriamente, porque o réu compareceu, afinal, na verdade aplicando-se o art. 239, § 1.º.339 Rejeitando a existência do vício e dando o juiz a citação por válida, a condição do réu (e da contestação e dos embargos porventura apresentados) dependerá do momento em que ingressou no processo. Havendo feito fora do prazo aberto com a citação reconhecida como válida, produzem-se os efeitos materiais da revelia no processo de conhecimento (art. 239, § 2.º, I). O processo prosseguirá com o réu presente, mas revel.340 É por esse motivo, evitando-lhe as nefastas consequências da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, que o art. 337, I, situa a matéria como objeção dilatória, sugerindo que o réu, atendo ao princípio da eventualidade (art. 336), conteste no momento em que ingressar no processo, apostando na decretação da invalidade. É a útil e prudente recomendação que se faz ao réu no âmbito doutrinário.341 E, por outro lado, tratando-se de arguição do executado, a rejeição do vício da citação implica o prosseguimento execução (art. 239, § 2.º, II), vencido o prazo do art. 915 ou, apresentados no momento do comparecimento espontâneo, rejeitados por força da intempestividade. Por fim, a terceira situação – o réu comparece, dentro do prazo, e nada alega quanto ao vício da citação, apresentando resposta – revela-se mais simples. Nenhum pronunciamento específico se exige do órgão judiciário, estimando-se sanado o vício. Na espécie do art. 337, I, a rigor mostrar-se-á irrelevante o fato de o comparecimento do réu ocorrer antes ou após o término do prazo de defesa aberto com a citação nula. Ingressando o réu no processo dentro desse prazo, “despicienda será a arguição” da nulidade.342 O ato não provocou prejuízo à defesa. É comum, então, o réu silenciar a esse respeito. Entretanto, nada o impede de arguir o vício, esgotando a matéria de defesa. Ingressando, posteriormente a esse prazo, para arguir o vício, o prazo de defesa iniciado

com o comparecimento e a apresentação da contestação ou dos embargos somente terá utilidade no caso de o juiz acolher a alegação da nulidade ou da falta.343 Rejeitada a nulidade, ocorreu preclusão e os meios de resposta porventura apresentados ficam sem efeito, no que tange à matéria disponível e subordinada à iniciativa da parte. A alegação de nulidade, e, a fortiori, a da inexistência, mostra-se meramente supletiva. Decidiu o STJ: “O exame da anomalia na citação independe de provocação da parte, uma vez que ao Judiciário incumbe apreciar de ofício os pressupostos processuais e as condições da ação”.344 1.224. Natureza e recorribilidade do ato de deferimento da citação É bastante complexa, na teoria, a atividade do órgão judiciário ao receber a petição inicial. Em princípio, a lei determina que, já no primeiro contato, o juiz profira juízo de admissibilidade, examinando as questões processuais (pressupostos processuais e condições da ação). Eventual juízo negativo, no tocante a tais questões, o conduzirá ao indeferimento liminar da inicial, extinguindo o processo prematuramente (art. 330 c/c art. 485, I). E, às vezes, a lei exige do juiz ir além, impondo o julgamento prévio do mérito (v.g., a prescrição, a teor do art. 332, § 1.º), para rejeitar a pretensão. E, ainda, a requerimento do autor, a lei reclama a emissão de juízo de verossimilhança acerca do mérito, emitindo o juiz tutela provisória (antecipada ou cautelar). Também poderá o juiz determinar a correção da inicial, suprindo-lhe os vícios sanáveis, nos casos do art. 321, caput. O provimento de conteúdo positivo, a respeito da admissibilidade da demanda, flagrantemente provisório, pressupõe que o juiz “haja apreciado (e resolvido no sentido afirmativo) todas as questões acima enumeradas, conquanto não deva entender que fiquem elas desde logo preclusas”.345 Em tal despacho positivo, juiz decidirá se o réu há de ser citado e por qual modalidade realizar-se-á tão relevante ato. Em geral, o juiz não aponta as questões que lhe assomaram ao espírito, ao ler a petição inicial, e que resolveu em prol da admissibilidade, apresentado a respectiva motivação. Lança, simplesmente, o despacho de “cite-se”. E representaria, realmente, desperdício de atividade exigir provimento explícito e motivado.346 O ato assumira ou função protocolar, ou conteúdo abstrato e teórico, nada percebendo o juiz de relevo quanto aos pressupostos processuais e condições da ação. Vale, simplesmente, como juízo implícito da admissibilidade. Essas características do provimento inicial geram dúvida quanto à sua natureza. Em primeiro lugar, inexiste dúvida quanto à natureza do provimento liminar de conteúdo negativo. Para emiti-lo, o juiz fundamenta num dos permissivos legais. Tratar-se-á de sentença, a teor do art. 203, § 1.º, haja ou não resolução negativa do mérito. E também não há dúvida quanto ao provimento liminar de conteúdo positivo que concede tutela provisória. Cuidar-se-á, então, de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), na qual o juiz “motivará seu convencimento de modo claro e preciso” (art. 298). O ato que determina a emenda da inicial não produz, ainda, qualquer gravame ao autor, e, portanto, mostra-se irrecorrível. Porém, se o ato especifica o defeito e ordena

providência ao autor (v.g., a apresentação da planilha do art. 798 I, b, na pretensão a executar), já se mostraria recorrível no direito.347 Era controvertida a natureza do ato ordenando a citação sem maiores especificações. Oscilava entre o despacho, intrinsecamente irrecorrível (art. 1.001), e a decisão 203, § 2.º. Ora, à primeira vista não se cuida de ato de puro impulso do processo.348 Fica subentendido, nesse “despacho” previsto no art. 240, § 1.º e no art. 334, caput, a emissão de juízo positivo de admissibilidade, embora provisório. Abstendo-se o juiz de externá-lo, motivadamente, tampouco o ato assume o gabarito de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Não é, pois, recorrível por sua própria natureza, e, de resto, não se quadra nas hipóteses do art. 1.015, exceto na liquidação e na execução (art. 1.015, parágrafo único). Também existiriam, no tocante à condição de admissibilidade do interesse recursal, superada questão do cabimento, graves dificuldades em caracterizá-lo, relativamente ao ato do art. 240, § 1.º. Eventual recurso do autor incidiria em flagrante preclusão lógica, porque ele próprio requereu a citação (v.g., por oficial de justiça, no caso do art. 247, V), e, mais genericamente, elaborou a petição inicial; recurso do réu, cujo propósito consistiria em evitar o chamamento a juízo, por si mesmo traduziria o ingresso voluntário no processo, atingindo o ato impugnado à sua finalidade natural.349 Um meio termo parece concebível. Em certas condições, o ato decisório inicial tem conteúdo decisório mais denso, resolvendo questão, e assumirá inequívoca natureza interlocutória, comportando agravo de instrumento na liquidação, na fase inicial do cumprimento de sentença, na execução e no inventário (art. 1.015, parágrafo único). Logo acode à mente o exemplo da decisão do juiz, ao receber a petição inicial, excluir litisconsorte. Tal ato é recorrível através de agravo de instrumento.350 Do mesmo modo, recorrível o ato que, na execução, ordena a citação do sócio supostamente responsável pela dívida social.351 Em tais hipóteses, há gravame e interesse recursal, pois o provimento do recurso colocará o recorrente em posição mais favorável que a gerada pelo provimento impugnado. § 253.º Da intimação 1.225. Conceito legal de intimação O ato de intercâmbio processual, realizado após a relação processual completar-se mediante a citação, assumindo feição angular (retro, 91), e através do qual ocorre a ciência do destinatário, objetivando a respectiva atividade ou inatividade, chama-se de intimação. A definição legal de intimação, prevista no art. 269, caput, em primeiro lugar evidencia a finalidade do ato, que consiste em dar ciência a alguém. Em seguida, apresenta o objeto da intimação: (a) ciência dos atos ou termos do processo; e (b) ciência para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa. Essa última função reservava-se, tradicionalmente, à notificação, mas o CPC de 1973, almejando simplicidade num terreno propenso às incertezas, aglutinou-as no mesmo ato. À época da vigência do CPC de 1939, asseverava-se o seguinte: “A intimação supõe que seja praticado algum ato. É cognição de pretérito pelo interessado. A notificação refere-se ao futuro da

atividade de quem foi notificado, quanto a certo ponto”.352 A lei processual vigente conjuga as duas funções: intima-se o advogado da sentença proferida fora de audiência, a fim de deflagrar o prazo recursal (art. 103, caput), e intima-se a parte pessoalmente para comparecer à audiência de instrução e prestar depoimento pessoal (art. 385, § 1.º). A notificação, ressurgida no art. 69, § 2.º, I, é um remédio processual específico, prestando-se para o notificante manifestar ao notificado suas próprias intenções, como no CPC de 1973.353 Logo, não tem maiores consequências a supressão, no art. 269, caput, da cominação ao destinatário da intimação fazer ou deixar de fazer alguma coisa, como previsto no direito anterior. A característica de o ato de comunicação realizar-se após a integração da parte no processo, por intermédio da citação válida, e facilidade em localizar o destinatário, fictamente, inspirou o legislador a adotar a intimação como meio de intercâmbio nos casos em que, pendente o processo, há dedução de nova pretensão, tornando o objeto do processo complexo. É o caso da intimação do autor-reconvindo na pessoa do seu procurador da postulação contida na reconvenção (art. 343, § 1.º). E, realmente, não há necessidade de chamar quem já se encontra no processo, bastando dar ciência à parte que já se encontra tecnicamente representada. 1.226. Espécies de intimação O Capítulo IV – Das Intimações – do Título II – Da Comunicação dos Atos Processuais – do Livro IV – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC ocupa-se, formalmente, das intimações. Dessas disposições retiraram-se regras concernentes aos prazos. Do conjunto dos arts. 269 a 275 apura-se que há duas espécies de intimação: (a) a intimação pessoal (direta ou real), mencionada no art. 273, I, e dotada de múltiplos meios de concretização (v.g., a intimação de advogado para advogado através dos correios); (b) a intimação ficta, realizada através da publicação dos atos no órgão oficial, inicialmente impresso e diversificado, posteriormente único e eletrônico (art. 272, caput), ainda predominante, mas preterida pela intimação pela via eletrônica, que é real (ou pessoal). É preciso não confundir a natureza do ato de intimação, real ou ficta, e o meio técnico empregado para realizar o ato. O art. 273 ainda incorre nesse defeito. À falta de órgão oficial na comarca – e, convém acrescentar, hipótese hoje inexistente, porque adotado o órgão oficial único (e eletrônico), como contrapartida idônea ao protocolo único, mas descentralizado (retro, 1.186) –, e inviável a intimação eletrônica, a intimação far-se-á pessoalmente, tendo o destinatário domicílio na comarca, ou por carta registrada, residindo este fora da comarca, reza o art. 273, I e II. Ora, a intimação postal constitui forma de intimação pessoal ou real, pois o destinatário receberá em mão própria a correspondência. Estabeleceu a diferença entre o meio técnico e a espécie de intimação pessoal, perfeitamente, julgado do STJ: “A ‘intimação pessoal’ não pode ser confundida com a ‘intimação por oficial de justiça’, referida no art. 241, II, do CPC [de 1973]. Esta última, que se efetiva por mandado, ocorre somente em casos excepcionais, como previsto no art. 239 {do CPC de 1973}. Já a intimação pessoal não depende de mandado, nem de intervenção

do oficial de justiça. Ela se perfectibiliza por modos variados, previstos no Código ou na praxe forense, mediante a cientificação do intimado pelo próprio escrivão, ou chefe de secretaria (art. 237, I, e art. 238, parte final, do CPC [de 1973], ou mediante o encaminhamento da ata da publicação de acórdãos, ou, o que é mais comum, com a entrega dos autos ao intimado ou a sua remessa à repartição a que pertence”.354 A intimação por vista constitui variante da intimação in faciem (infra, 1.235). Em matéria de intimações, o art. 269, § 1.º estabelece importante novidade. Em geral, o agente da intimação (v.g., o escrivão ou chefe de secretaria, na intimaçãoin faciem, do art. 274, caput, parte final) é o auxiliar do juízo. Porém, lícito ao advogado do arrolador promover a intimação da testemunha, por via postal (art. 455,caput, e § 1.º), e, principalmente, promover a intimação do advogado da contraparte (art. 269, § 1.º), mediante ofício, acompanhado ou não de cópia do despacho, da decisão ou da sentença (art. 269, § 2.º). Entende-se cabível essa modalidade nas condições do art. 274, caput, em razão do meio técnico (correios) e para quaisquer atos. Logo, há duas espécies de intimação quanto ao agente: (a) intimação privada; (b) intimação judicial (expressão tirada do art. 455, § 4.º). Essa intimação é pessoal e seu único meio técnico são os correios. Chamada de actes du Palais, no direito francês, porque ordinariamente ocorriam no próprio foro, onde se encontravam os procuradores das partes, e comum na Common Law, só o tempo revelará a recepção pelos profissionais do foro. As intimações judiciais, salvo disposição em contrário, realizam-se ex officio, a teor do art. 271. Por esse motivo, não mais constitui ônus do autor requerer a intimação do Ministério Público, para os efeitos do art. 178, mas ao órgão judicial. Também variam, conforme a natureza do ato cuja ciência se comunica, os destinatários da intimação. É o ponto de partida. As intimações se destinam às partes, por si ou por seus representantes legais, e aos advogados. 1.227. Destinatários da intimação Em sua versão originária, o CPC de 1973 consagrava o oficial de justiça como regra quanto ao meio da intimação pessoal.355 Nessa modalidade de intimação, ainda subsistente, mas residual (art. 275 do NCPC) empregava-se, fundamentalmente, o oficial de justiça, expedindo o escrivão mandado de intimação (art. 152, II, do NCPC). Era meio dispendioso e demorado. Eis o motivo por que, posteriormente, deu-se preferência à intimação ficta, através do órgão oficial, e a intimação pessoal através dos correios. Não se proscreveu totalmente a intimação por oficial de justiça no NCPC. Essa modalidade de intimação realizar-se-á, conforme se infere da parte inicial do art. 275, caput (“(…) quando frustrada a realização por meio eletrônico ou pelo correio”). Significativamente, enquanto no direito anterior a intimação da parte para prestar depoimento pessoal realizava-se através de oficial de justiça, a vigente redação do art. 385, § 1.º, deixa aberta a possibilidade da intimação eletrônica ou postal.

Ao que interessa nesse item, o art. 274, caput, identifica os destinatários do ato de intercâmbio: literalmente, far-se-á a intimação “às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo”. A intimação endereça-se à parte e ao advogado. A menção ao representante legal da parte e “aos sujeitos do processo” é secundária. No tocante ao representante legal, o art. 274, caput, considera o fato de a parte não se encontrar habilitada, por si, à prática do ato processual, porque incapaz; e, ademais, atende às peculiaridades da representação orgânica das pessoas jurídicas (retro, 521).356 Nada exclui, porém, que o próprio representante legal seja intimado para praticar ato como pessoa natural, e, não, na qualidade de órgão da pessoa jurídica. Na realidade, por força do disposto no art. 77, caput, as pessoas que “de qualquer forma participem do processo” podem ser destinatárias de intimação, explicando-se, desse modo, a referência aos “sujeitos do processo”. É o caso do órgão da pessoa jurídica de direito público competente, na organização do serviço público, a praticar o ato administrativo reclamado em juízo, embora não figure como parte (v.g., o fornecimento de medicamento indispensável à sobrevivência do autor necessitado). Essas pessoas e os particulares em colaboração eventual com a Administração da Justiça (v.g., o perito) não constituem “sujeitos do processo”. A relação entretida com o órgão judicial é administrativa. Sujeitos da relação processual são as partes e o Estado. Embora diferente na sua redação relativamente à regra anterior, o art. 274, caput, também repele controvérsias acerca do destinatário.357 Far-se-á a intimação, conforme a natureza do ato, à parte, ao representante legal e ao advogado, não se mostrando irrelevante que a parte receba a intimação cujo destinatário seja o advogado e vice-versa. E isso, porque há atos que competem unicamente ao advogado. Por exemplo, a interposição do recurso, e, por essa razão, o art. 1.003, caput, estipula que o prazo recursal conta-se da data em que “os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão” (rectius: pronunciamento). Se, por exceção, quanto às decisões anteriores à citação, o destinatário é a parte, tal se deve justamente ao fato de a parte figurar como destinatária da ciência, e, não, porque seja, absolutamente indiferente intimar ou a parte ou o titular da capacidade postulatória. E só na hipótese de a intimação destinar-se ao advogado, de resto, viabiliza-se a intimação por publicação no órgão oficial (art. 272, caput), ou intimação ficta, endereçada ao advogado. E há atos que tocam à parte, pessoalmente, e, assim, só a elas se dirigirá, validamente, a intimação. Exemplos: (a) a intimação para dar andamento ao processo, nas hipóteses do art. 485, II e III – nesta última hipótese, dependente de requerimento do réu (Súmula do STJ, n. 240) –, a teor do art. 485, § 1.º, providência cuja falta impede a extinção do processo;358 (b) a intimação para prestar depoimento pessoal (art. 385, § 1.º); (c) a intimação para determinar a fluência da multa pecuniária (Súmula do STJ, n. 410). Destinava-se à parte a intimação para pagar as custas da distribuição, sob pena de extinção do processo (art. 257 do CPC de 1973);359; porém, o art. 290 passou a prever a intimação do advogado. O art. 274, caput, não impede que a intimação recaia sobre a parte e o seu advogado.360 Conforme a natureza do ato, todavia, apenas uma delas se mostrará válida e atingirá o escopo previsto na lei. Assim, a intimação prevista

no art. 485, § 1.º, pode ser feita à parte e ao advogado, mas somente a primeira legitimará a extinção do processo, escoado o prazo de cinco dias. A intimação ficta, mediante publicação no órgão oficial eletrônico, passou para segundo lugar nas prioridades legais. Embora em autos físicos, a intimação real, por mensagem eletrônica, tem a preferência, segundo art. 272, caput (“Quando não realizadas por meio eletrônico, (…)), mediante cadastramento do advogado no portal próprio (art. 5.º da Lei 11.419/2006).361 § 254.º Intimação pessoal 1.228. Posição da intimação pessoal O princípio da economia promoveu, no CPC de 1973, a progressiva substituição da intimação pessoal pela intimação ficta. É fato digno de nota que, originariamente, a intimação por publicação no órgão oficial restringia-se ao Distrito Federal e às capitais dos Estados-membros e dos Territórios e, nas demais comarcas, onde houvesse “órgão de publicação dos atos oficiais”. O órgão oficial impresso passou a circular em todo o território dos Estadosmembros e, posteriormente, difundiu-se o uso do ubíquo meio eletrônico. Assim, a intimação pessoal do advogado, por mandado ou pelo correio (art. 273, I e II), ou pelo escrivão ou chefe de secretaria (in faciem), atualmente prevista no art. 274, caput, parte final, desapareceu quase integralmente. As reformas processuais eliminaram hipóteses de intimação da parte (e, portanto, de intimação pessoal, independentemente do meio técnico) pela intimação ficta do advogado (v.g., intimação do advogado). A intimação pessoal reassumiu seu papel predominante no NCPC. É pessoal a intimação por meio eletrônico (art. 270, caput), meio técnico preferencial, aplicando-se, conforme proclama o art. 270, parágrafo único, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Advocacia Pública o art. 246, § 1.º, ou seja, os integrantes dessas instituições do Estado têm o ônus de cadastrarem endereço eletrônico para essa finalidade. Também são pessoais: (a) a intimação de advogado para advogado, através dos correios, a teor do art. 269, § 1.º; (b) a intimação pelo escrivão ou chefe de secretaria in faciem (art. 273, I, e art. 274, caput, parte final); (c) a intimação postal (art. 273, II); e (d) a intimação por oficial de justiça (art. 275). Entre esses meios, existem diferenças na intensidade da imediação, mas há certeza da ciência do destinatário. 1.229. Destinatários da intimação pessoal Em geral, intimar-se-á pessoalmente a parte. Não importa o meio técnico empregado para essa finalidade. Às vezes, como sublinhado no item precedente, a lei exigia determinado meio para comunicar o ato à parte, visando à segurança e à plena ciência do intimando. O NCPC preferiu flexibilidade quanto ao meio. No caso do art. 485, § 1.º, por exemplo, há que admitir-se a intimação eletrônica (forma preferencial, a teor do art. 270,caput), e, subsidiariamente, pelos correios (art. 274, caput), e, por exclusão, pelo oficial de justiça (art. 275, caput). A intimação in faciem é eventual, não cabendo presumir o comparecimento da própria parte no cartório, mas também cabível. A título de último recurso, o

juiz ordenará a intimação por edital (art. 275, § 2.º, in fine).362 Porém, não se justifica abdicar a intimação pessoal, empregando o edital, porque o domicílio da parte situa-se fora da comarca.363 A lei exige, sob certas condições, a intimação pessoal de outros participantes do processo. Intimar-se-á pessoalmente o Ministério Público, nos casos de intervenção obrigatória (art. 178), a teor do art. 41, IV, da Lei 8.625/1993 c/c art. 180, caput, do NCPC. Por óbvio, figurando como parte o Ministério Público, impõe-se a respectiva intimação pessoal, via de regra, in faciem (art. 274, caput, parte final), admitindo o sucedâneo da remessa ao escritório local do Ministério Público (art. 183, § 1.º). É pessoal a intimação do Defensor Público (arts. 44, I, 89, I, e 128, I, da LC 80/1994; art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950; art. 186, § 1.º, do NCPC), inclusive da publicação da pauta de julgamento do recurso no tribunal, com direito de e vista retirada dos autos em carga do cartório ou secretaria. Essa última prerrogativa só se aplica aos ocupantes de cargos na estrutura da Defensoria Pública (retro, 1.077). E, por fim, será pessoal a intimação dos Advogados Públicos (art. 183, § 1.º). Essa disposição generalizou o direito dos Advogados da União (art. 6.º da Lei 9.028/1994), em quaisquer causas, e os procuradores da Fazenda Pública (da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Municípios e outras pessoas jurídicas de direito público), nas execuções fiscais (art. 25, caput, da Lei 6.830/1980). Essa prerrogativa não se estendia aos advogados públicos, a exemplo dos procuradores do Estado-membro, segundo o entendimento do STJ.364 Essas regras anteriores reclamavam interpretação restritiva.365 Não eram bem vistas pelos advogados particulares. A explicação usual do excesso de serviço, de resto compulsório, enquanto o advogado particular, em tese, decide o número de processos que compõem a respectiva banca, revela-se insatisfatória. E, com efeito, a forma de intimação em si não prejudica a defesa em juízo do interesse público, e até dos relevantes interesses patrimoniais da Fazenda Pública, efeito que deflui, em tese, do desequilíbrio entre o número de advogados públicos e o número de feitos a seu cargo. Em contrapartida, o simples aumento do quadro de advogados públicos, em cada esfera da Federação, e da correspondente ampliação exponencial dos gastos com pessoal, não aproveita o bem comum. É um problema de difícil solução, na estrutura do Estado contemporâneo, mas a intimação pessoal seguramente nada contribui neste sentido. E, de resto, utilizado o meio técnico eletrônico, conforme impõe o art. 270, parágrafo único, do NCPC, na prática equiparam advogados públicos e advogados particulares, inexistindo motivos para desconforto. Nos casos em que há obrigatoriedade de intimação pessoal, e prescrita forma expressa (v.g., a intimação por mandado para prestar depoimento pessoal, a teor do art. 485, § 1.º), importará nulidade a prática do ato fictamente. Por exemplo, “a intimação pessoal do defensor público, conforme o art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950, é norma de ordem cogente, devendo, por

isso mesmo, ser obedecida, sob pena de nulidade, notadamente na espécie onde a falta gera prejuízo para a defesa do réu (recorrente)”.366 A intimação pessoal far-se-á através de carta, remessa ou eletronicamente (art. 183, § 1.º). Dispensa-se, portanto, o requerimento da parte, exceto em casos especiais, a exemplo da intimação contemplada no art. 485, § 1.º. Ao juiz cabe ordenar as intimações, ex officio (art. 271) a exemplo do Ministério Público (art. 178,caput), desaparecendo o ônus de a parte requerê-la, porque a realização da intimação constitui ato privativo dos auxiliares do juízo.367 1.230. Meios da intimação pessoal Os meios técnicos da intimação pessoal revelam-se taxativos. Não se admitem meios alternativos – o telegrama, o telefonema, o telex e o fax. Admite a lei processual esses meios técnicos para outras finalidades; por exemplo, a expedição da carta de ordem ou da carta precatória por telefone, a teor do art. 265, em razão de urgência. Aí, porém, o art. 265, § 1.º, prevê ulterior confirmação. Eis a causa da inadmissibilidade de meios alternativos: a falta de certeza da chegada da ciência do ato ao destinatário.368 O STJ não admitiu, por esse motivo, a intimação por telefone.369 É importante assinalar que, a teor do art. 19, caput, da Lei 9.099/1995, no juizado especial, espelhando os respectivos princípios, vigora o princípio da atipicidade dos meios de comunicação, razão por que tais meios revelam-se admissíveis naquele procedimento.370 Desapareceu, no sistema processual comum, a antiga intimação (e citação) por despacho. Essa modalidade consistia em entregar ao oficial de justiça a petição da parte, após despacho do juiz, dispensada a expedição de mandado específico, a fim de que o auxiliar passe cópia ao intimando.371 A ela sempre se opôs a grave ponderação, em matéria de citação, que o risco de desaparecimento da petição e documentos jamais compensaria “a economia de alguns minutos e de alguns tostões, gastos com a extração do mandado”.372 Esse obsoleto meio de comunicação dos atos processuais sobrevive insuspeito, porém, no art. 18, III, da Lei 9.099/1995, segundo o qual, “sendo necessário”, far-se-á a citação (e, a fortiori, as intimações, porque cabíveis todos os meios de comunicação), nos juizados especiais da Justiça Comum, “por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória”. Em virtude do desconhecimento dos dados históricos, não se identificou na fórmula “independentemente de mandado” a antiga citação por despacho, rejeitando-se a novidade sob o fundamento que inexiste outro meio de o oficial de justiça cumprir as ordens judiciais além do mandado.373 Como quer que seja, na prática o escrivão expede o mandado e o confia ao oficial de justiça. A proibição no emprego de meios técnicos modernos, no processo civil comum, há de ser entendida, todavia, à luz dos princípios que determinam a invalidade dos atos processuais. Não raro, nas pequenas comarcas, o escrivão verifica que, por lapso, não intimou um dos procuradores para a audiência e, conhecendo-o pessoalmente, estabelece contato telefônico, acudindo o advogado incontinenti ao chamado, a fim de participar

normalmente do ato. Em tal hipótese, o meio anômalo atingiu sua finalidade, graças à prestimosa colaboração do procurador, e nenhum vício há para ser decretado. Fora daí, a lei agasalhou a intimação pessoal eletrônica, e logrará êxito nessa técnica. § 255.º Intimação postal 1.231. Posição da intimação postal O art. 274, caput, erige como segundo meio técnico da intimação pessoal a via postal.374 Vale, considerando a cláusula inicial, a lição do direito anterior, segundo a qual, “inexistindo regra prevendo diferentemente, quer no corpo do Código, quer em legislação esparsa”,375 qual a da preferência pelo meio eletrônico (art. 270), realizar-se-á a intimação pelos correios. A intimação postal constitui o meio técnico para a comunicação dos atos processuais às partes e, quando cabível, aos seus representantes legais. Não se exclui do seu campo de incidência, categoricamente, os advogados particulares, quando necessária a intimação pessoal – de ordinário, realiza-se por via eletrônica, pessoalmente, ou através do órgão oficial, fictamente (art. 272, caput). Embora seja previsto, por exemplo, a intimação postal do advogado residente fora da sede do juízo (art. 273, II), “não haverá surpresa e nem nulidade se o ato for implemento por meio de publicação no Diário da Justiça”,376 sendo impertinente a pretensão de a intimação efetivar-se obrigatoriamente correio.377 Inversamente, ocorrendo a intimação postal, ela é válida, “eis que não viola o princípio da isonomia, nem traz prejuízo à parte adversa”.378 Cabível que seja a intimação pessoal do procurador, ainda há que se atender o art. 273. Em outras palavras, a intimação postal dos advogados, por força da cláusula inicial do art. 274 (“Não dispondo a lei de outro modo (…)”), encontra-se adstrita ao art. 273.379 Residindo o advogado na sede do juízo onde tramita o processo, a intimação far-se-á por mandado (art. 273, I), e só “quando domiciliado fora do juízo”, realizar-se-á o ato “por carta registrada, com aviso de recebimento” (art. 273, II). Entende-se por sede do juízo o município em que se localiza o foro, e, não, a comarca ou a seção e subseção judiciária.380 Evitou a regra, prudentemente, a expressão “fora da comarca”, no alvitre que a divisão judiciária pode abranger dois ou mais municípios distantes um do outro. E optou pelo domicílio do advogado, e, não, por seu domicílio profissional.381 É residual, hoje em dia, essa forma de intimação dos advogados das partes. Assumirá ela, talvez, renovada fisionomia pela intimação de advogado para advogado, segundo o art. 269, § 1.º, antes explicada (retro, 1.226). 1.232. Inadmissibilidade da intimação postal O art. 274, caput, parte inicial, ressalva disposição em contrário ao cabimento, em tese, da intimação postal. Não se pode presumi-la, entretanto, no simples emprego do advérbio “pessoalmente” em outras disposições, porque a intimação postal representa modalidade de intimação pessoal, salvo inferindo-se o contrário do contexto. É a situação do art. 273, I, porque o “pessoalmente”, contrastando com a intimação postal do art. 273, II, traduz

exigência da intimação por oficial de justiça (art. 275, caput) ou in faciem (art. 274, caput, parte final). Como quer que seja, há casos em que a lei pré-exclui a intimação postal, impondo outra modalidade de intimação pessoal. É o caso do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, intimados pela via eletrônica (art. 270, parágrafo único) ou mediante carga dos autos, em cartório (art. 272, § 6.º) ou remessa do processo (em geral, vários feitos) ao escritório local dessas instituições do Estado, a teor do art. 183, § 1.º. Entretanto, decidiu o STJ que, inexistindo representante judicial da Fazenda Pública na sede do juízo, “nada impede que a sua intimação seja promovida na forma do art. 237, II, do CPC [1973]”.382 A orientação é salutar. Do contrário, os prazos contra a Fazenda Pública, nas execuções fiscais, só fluiriam quando e se o respectivo procurador comparecesse na sede do juízo, deixando-se intimar in faciem. E não se pode interpretar o art. 269, § 3.º, segundo o qual a intimação “será realizada perante o órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial” como relativa ao meio técnico, mas ao destinatário do ato de comunicação processual. No entanto, há uma relevante questão suplementar. O art. 247 indica hipóteses objetivas e subjetivas em que se mostra inadmissível a citação postal (retro, 1.201), cabendo decidir se o óbice estende-se às intimações nesses casos. A regra restritiva há de ser interpretada estritamente.383 Logo, admitir-se-á a intimação postal nas hipóteses do art. 247, I a V, como anteviu o STJ, tolerando intimação postal da penhora no direito anterior,384 hipótese em que era vedada a citação postal, atualmente eliminada do art. 247 do NCPC. 1.233. Forma da intimação postal Do art. 273, II, infere-se, a despeito de omisso o art. 274, caput, neste aspecto, realizarem-se todas as intimações pelo correio, à semelhança da citação, através de carta registrada com aviso de recebimento (AR). É da juntada deste último aos autos que fluirá o prazo (art. 231, I). Esse entendimento obtém confirmação pela parte final do art. 274, parágrafo único. Nada se dispôs a respeito do conteúdo da carta. Cumpre ao escrivão reproduzir, no essencial, o teor do ato, objeto da comunicação que faz à parte, por si ou por seu representante legal, e ao respectivo advogado. Empregará linguagem compreensível ao profano, assinalando eventual prazo e a advertência que couber à espécie, destinando-se a missiva à parte. Em relação ao advogado, o ato é mais simples, bastando resumo. 1.234. Entrega da carta ao destinatário O art. 274, caput, não estipula a entrega da carta em mão própria do intimando. Tratando-se de intimação real, e, não, ficta, ficava subentendido o requisito, estendido por analogia às intimações.385 O carteiro exige a identificação do destinatário no ato de entrega interna ou externa da correspondência. É desnecessário explicitar requisito intrínseco ao próprio ato.386

Relativamente ao advogado (art. 273, I e II), para haver certeza quanto ao endereço hábil, cumpre-lhe indicar na procuração seu endereço físico ou eletrônico (art. 287, caput). Idêntico ônus grava o advogado, postulando em causa própria, incluindo eventuais alterações dos endereços (art. 106, I e II). Tais assuntos já receberam exame (retro, 1.027). Por sua vez, às partes incumbe, nos seus atos postulatórios principais (petição inicial e contestação), particularmente ao autor (art. 319, II), declinar os endereços residencial e profissional, bem como informar ao juízo mudanças temporárias e definitivas (art. 77, V). Essas disposições convergem à finalidade do art. 274, parágrafo único. Presumir-se-ão válidas e eficazes, com efeito, as intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional constantes nos autos, embora a correspondência não seja recebida pelo destinatário, não desincumbindo-se do ônus de atualizar os endereços, “fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço”. A regra busca expandir o uso da intimação postal, pouco utilizada em razão da exigência da entrega em mão própria. É que, na versão originária do CPC de 1973, estampara-se preferência pela intimação por mandado, apesar de legalmente subsidiária, na maioria dos casos, fundada no temor da frustração da intimação postal.387A partir dessa disposição, o desencontro do carteiro e do destinatário perdeu relevância, bastando a efetiva entrega no endereço constante nos autos. A presunção do art. 274, parágrafo único, relativamente à correção do endereço, mostra-se relativa ou juris tantum. Admite-se prova em contrário: (a) da falta de entrega da carta no endereço; (b) do endereçamento incorreto da carta pelo escrivão, por qualquer motivo (v.g., o endereço atualizado já constava dos autos, mas passou despercebido). E, por óbvio, a presunção do art. 274, parágrafo único, incide no caso de o endereço ter sido fornecido, na inicial, na contestação e nos embargos, pelo próprio intimando. Ele não opera no caso de outra parte, principalmente o adversário, fornecer o endereço para intimação. § 256.º Intimação pelo escrivão (in faciem) 1.235. Admissibilidade da intimação pelo escrivão O art. 274, caput, contempla a intimação pelo escrivão, em cartório ou in faciem. Incumbe ao escrivão, segundo o art. 152, II, promover as intimações, mas o auxiliar só as realizará em cartório. A intimação in faciem distingue-se de outras modalidades. Na intimação eletrônica, por mandado ou postal, o escrivão tomará as providências próprias do seu ofício (v.g., expedição da carta ou do mandado), funcionando como intermediário do ato. O agente material do ato é outro auxiliar do juízo (o oficial de justiça) ou a particular em colaboração com a administração da Justiça (o carteiro). Ao invés, na intimação eletrônica e na intimação in faciem, o escrivão ou chefe de secretaria é o agente do ato. A intimação in faciem fortalece o princípio da economia e favorece a duração razoável do processo.388

1.236. Destinatário da intimação pelo escrivão O destinatário da intimação in faciem pode ser: (a) a parte, por si ou por seu representante legal (v.g., o curador); e (b) o advogado público e privado e o Ministério Público e a Defensoria Pública. O sistema original do CPC de 1939 restringia a intimação in faciem ao advogado.389 Tal restrição desapareceu já no CPC de 1973. Comparecendo a parte desavisada em cartório, procurando informar-se do andamento do feito, o escrivão poderá intimá-la, conforme a natureza do ato (v.g., para dar andamento ao processo, a teor do art. 485, § 1.º). Registre-se a possibilidade de a própria citação ocorrer in faciem (art. 246, III). Evidentemente, mostrar-se-á inválida a intimação da parte, por esse meio, exigindo o ato a atuação privativa do procurador (v.g., a interposição de recurso, a teor do art. 1.003, caput), relativamente aos atos decisórios proferidos após a citação e fora da audiência. 1.237. Forma da intimação pelo escrivão Nos casos cabíveis, o escrivão ou chefe de secretaria, face a face ao intimando, dar-lhe-á ciência do ato, colhendo o seu ciente ou certificando a recusa do intimando. Por essa razão, o ato é privativo do escrivão, do chefe de secretaria ou do seu substituto legal (retro, 985). Darão fé quanto ao ato. Existindo divergência entre as datas lançadas no ciente da parte e do advogado e a certificada pelo escrivão, prevalecerá esta última, pois o auxiliar do juízo tem fé pública. Uma variante da intimação in faciem, usada no caso de multiplicidade de processos, é a intimação mediante remessa dos autos. A ela se refere, explicitamente, o art. 25, parágrafo único, da Lei 6.830/1980, que dispõe o seguinte: “A intimação de que trata este artigo poderá ser feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, pelo cartório ou secretaria”. Essa variante difundiu-se para o Ministério Público. Em lugar de o agente do Ministério Público comparecer no cartório, ou na secretaria do órgão fracionário do tribunal, via de regra, somente no dia da sessão, o escrivão ou o chefe de secretaria reúne os processos em que deva oficiar, abre vista em cada qual e, mediante protocolo, remete o maço à sede local do Ministério Público. Estimulou a prática o fato de o Ministério Público retirar-se da sede do juízo, onde ocupava locais subalternos e precários, e edificar magníficas sedes próprias nas proximidades da sede do juízo. Da mesma forma, os advogados públicos, incluindo os Defensores Públicos, trabalham em grandes escritórios, em edifícios próprios, longe da sede do juízo. Eis o motivo da generalização da remessa ao escritório da Advocacia Pública no art. 183, § 1.º, aplicável, em virtude de remissões, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. É uma variante da intimação in faciem, ou presencial, porque ato privativo do escrivão a confecção do termo de vista e a remessa dos autos, mediante protocolo, à repartição pública correspondente. Tem cabimento essa variante quando há representante judicial da Fazenda Pública na sede do juízo,

porque sempre há agente do Ministério Público no local, ou substituto. Do contrário, localizando o escritório do advogado público fora da sede do juízo, intimar-se-á o representante da Fazenda Pública por carta, na forma do art. 273, II.390 Em relação ao termo inicial do prazo, apresenta particularidade digna de nota, conforme realça o STJ: “A intimação da Fazenda Pública dos atos processuais, por meio da entrega dos autos com vista, considera-se realizada no momento do recebimento do processo pelo órgão, quando começa então a fluir o prazo para interposição do recurso, sendo irrelevantes, para esse fim, os trâmites internos aí realizados. Entendimento em sentido diverso, subordinando o início da fluência do prazo à aposição de ‘ciente’ pelo procurador, importando deixar ao arbítrio de uma das partes a determinação do termo a quo do prazo”.391 E há outra variante, bastante comum: a retirada dos autos em carga pelo advogado, sem certidão de intimação específica. Encontra-se prevista no art. 272, § 6.º. Tal ato representa ciência inequívoca do procurador, ensejando a fluência de eventuais prazos. A essa última modalidade, entretanto, opunhase, relativamente aos recursos, a necessidade de praticar-se o ato dentro do prazo iniciado pela intimação por outro meio, estimando-se intempestivo o recurso interposto ante tempus, entendimento repelido no art. 218, § 4.º. Ao contrário, segundo o art. 272, § 6.º, a carga traduz intimação, embora outro meio esteja pendente de cumprimento (v.g., a publicação no órgão oficial). A intimação in faciem substitui, eficazmente, qualquer outra forma de intimação pessoal ou ficta. Por exemplo, residindo o advogado fora da sede do juízo (art. 273, II), hipótese em que cabe a intimação postal ou por publicação no órgão oficial, mas comparecendo em cartório, poderá ser validamente intimado. É in faciem, enfim, a intimação dos atos decisórios, realizadas na própria audiência (art. 1.003, § 1.º), inclusive do Ministério Público, para os efeitos do art. 180,caput, desde que presente o agente à solenidade. § 257.º Intimação por oficial de justiça 1.238. Admissibilidade da intimação por oficial de justiça A intimação por oficial de justiça, porque sobrecarrega os meios materiais do juízo, tornou-se subsidiária. O sistema das intimações evoluiu neste sentido. Em primeiro lugar, a lei autorizou a intimação das partes pelo escrivão. Ademais, o art. 274, caput, outorgou prioridade à intimação postal. Por fim, sobreleva-se a quaisquer meios a via eletrônica (art. 270, caput). Frustrados outros meios de intimação pessoal, eletrônico e postal, reza o art. 275, caput, realizar-se-á a intimação por meio do oficial de justiça. A frustração cogitada na regra pode ser técnica (v.g., os correios suspenderam a entrega domiciliar em determinada localidade) ou prática (v.g., inexiste endereço hábil nos autos). Em quaisquer circunstâncias, considerando a segurança emprestada por essa modalidade, equivalente tão só à intimação in faciem, o juiz poderá optar por essa modalidade, antevendo dificuldades na intimação postal.392

1.239. Forma da intimação por oficial de justiça Recebido o mandado e assina a carga no livro próprio, a primeira tarefa do oficial de justiça consiste em localizar o intimando. Valem, aqui, as considerações já expendidas no tocante à citação (retro, 1.209.2). Suspeitando o oficial da ocultação do intimando, o STJ admite o incidente de hora certa (retro, 1.210.1),393 hipótese obscuramente admitida no art. 275, § 2.º. Localizado o intimando, o oficial de justiça realizará a intimação, dando-lhe a ciência do conteúdo do mandado, realizando as operações da citação (art. 251), ressalva feita aos requisitos evidentemente inaplicáveis ou impertinentes (v.g., a lembrança de prazo de defesa). Em seguida, lançará certidão no verso do mandado (art. 275, § 1.º). Não é necessário que seja manuscrita pelo oficial de justiça. Admite-se o uso de meios mecânicos, carimbos ou formulários.394 Em relação ao conteúdo da certidão, o primeiro requisito consiste nos dados do art. 275, § 1.º, I. É preciso que oficial de justiça indique o lugar da intimação, com duplo objetivo: (a) apurar a ocorrência do ato na divisão territorial do juízo, incidindo ou não o art. 255; (b) confirmar o endereço residencial ou profissional do intimando constante nos autos (art. 274, parágrafo único). E o oficial identificará o intimando, descrevendo a pessoa, através dos seus sinais distintivos (v.g., altura, peso, cor dos cabelos e dos olhos, tatuagens visíveis, brincos nas orelhas, e assim por diante), e explicitando, “quando possível, o número de seu documento de identidade e o órgão que o expediu”. Raramente o oficial de justiça, preocupado com discriminações reprováveis – por exemplo, descrever pessoa do sexo feminino como “baixa e gorda” ofenderá, a mais das vezes, a testemunha sensível –, ou desprovido de vocabulário mais rico, descreve o intimando. Além disso, somente em alguns casos têm acesso ao documento de identidade. Em relação a este último requisito, a indicação torna mais segura a identificação do intimando, sem dúvida, mas não obsta enganos. São notórios os casos de falsificações. Por essas razões, o oficial de justiça limita-se a portar fé de que intimou a pessoa x, indicada no mandado, o que revela-se plenamente satisfatório. O oficial de justiça certificará, ainda, a entrega da contrafé do mandado (art. 275, § 1.º II), que é a cópia de inteiro teor do mandado. Essa formalidade revela-se importante. A partir desse documento, a parte, a testemunha ou outro participante (art. 77, caput) buscará informar-se com seu procurador ou pessoa legalmente habilitada a respeito da conduta cabível. O art. 275, § 1.º, III, encerra com a certidão de que o intimando deu-se por ciente no mandado, eventualmente datando e assinando, ou recusou-se a fazê-lo, o que não se mostra essencial à consumação do ato. Não há necessidade de o oficial de justiça escolher e identificar duas testemunhas.395 A sua certidão da recusa do intimando basta ao ato. O art. 154, I, constitui simples recomendação, tanto mais ignorada, quanto irrealizável o dever previsto no art. 378 – ninguém se exime de colaborar com

órgão judiciário –, pois ninguém se dispõe a testemunhar, temendo a convocação posterior e o consequente prejuízo às suas ocupações habituais. Embora o silêncio da regra a esse respeito, subentende-se o dever de o oficial de justiça indicar o dia, o mês, o ano e a hora da intimação, assinando, por fim, a certidão. A indicação da hora da intimação tem dupla finalidade: (a) há prazos em horas (v.g., art. 218, § 2.º, quando à antecedência da intimação para obrigar o comparecimento em juízo), contados minuto a minuto (retro, 1.163), impondo-se a fixação precisa do termo inicial; (b) a verificação da incidência do art. 212, § 2.º, e o cumprimento do horário prescrito no art. 212, caput. § 258.º Intimação ficta 1.240. Posição da intimação ficta É ficta a intimação realizada através de publicação dos atos processuais no órgão oficial (art. 272, caput) ou, frustrada a intimação pelo oficial de justiça, a intimação por edital (v.g., para os fins do art. 485, § 1.º), incidentalmente mencionada no art. 275, § 2.º, in fine. Enquanto na intimação real ou pessoal, inclusive a feita pelo correio, há certeza quanto ao recebimento, na intimação ficta há presunção legal que o destinatário tenha ciência através do ato de publicação. É a intimação ordinária dos procuradores. Neste caso, a intimação pessoal do procurador, embora viável, adquire caráter subsidiário, exceto na via eletrônica. Realizar-se-á por determinação do juiz, ex officio, atendendo às peculiaridades da causa (v.g., através do correio, no caso do art. 273, II). A intimação ficta por publicação realizava-se, ordinariamente, no Distrito Federal e nas capitais dos Estados-membros, porque nessas cidades circulava o órgão oficial amplamente. E, nas demais comarcas, a existência de órgão oficial na comarca ou seção e subseção judiciária (art. 273, caput, primeira parte) também viabilizava essa modalidade. Por sinal, o uso da imprensa particular, mediante convênio, era veementemente 396 defendida. Atualmente, o órgão oficial eletrônico abrange toda a área de competência do TJ ou do TRF. A simplicidade e a eficiência desse meio técnico, na perspectiva da Administração da Justiça, estimularam a generalização da publicação a todas as comarcas, mediante convênios firmados com órgãos da mídia impressa local. Posteriormente, o órgão oficial impresso passou a circular, fictamente, em todo o território do Estado-membro. Os advogados recebiam em seus escritórios o recorte das intimações através de serviço especializado contratado para essa finalidade. Por fim, surgiu o diário oficial eletrônico, generalizando a intimação ficta. Recebem os advogados, por via eletrônica, os antigos recortes escritos. Não há dúvida que a intimação ficta, máxime o diário oficial eletrônico, produziu frutos apreciáveis. Desapareceu o gasto dos escassos recursos públicos com a compra de papel e impressão do diário oficial. Ocorreu notável economia, na tramitação dos processos, abreviados os atos escritos necessários à realização da intimação pessoal (por oficial de justiça ou pelo correio), a exemplo da expedição do mandado e da carta de intimação.

Ademais, reduziu-se consideravelmente o tempo decorrido entre a emissão dos atos decisórios e a respectiva intimação, o que enseja o ato subsequente. Além desses efeitos naturais e legítimos, a intimação ficta representou golpe mortal contra a protelação do ato,397 mediante a falta de comparecimento em cartório ou fuga do oficial de justiça, prática que distinguia alguns advogados escorregadios. E nada disso sacrificou a segurança jurídica: os requisitos de validade continuaram idênticos.398 1.241. Admissibilidade da intimação ficta A intimação ficta, por meio de publicação no órgão oficial eletrônico, tem como destinatário precípuo o advogado privado. Os demais titulares de capacidade postulatória (Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública) são intimados pessoalmente, na forma do art. 183, § 1.º. É inválida a intimação da parte, por si ou por seu representante legal, por essa modalidade, tratando-se de ato privativo do seu procurador, sem embargo dos casos em que seja obrigatória a intimação pessoal (retro, 1.227). 1.242. Formas de intimação ficta A intimação por publicação no órgão oficial não é a única espécie de intimação ficta. Em caráter subsidiário, não se logrando intimar a parte pessoalmente, por si ou por seu representante legal, mostra-se cabível recorrer, por analogia, à intimação por edital, prevista no art. 275, § 2.º, in fine. É lícita, proclamou o STJ, a intimação por edital, após esgotados os demais meios.399 Os requisitos do edital e da publicação são os da citação (retro, 1.214 e 1.216). A intimação por edital assume frisante relevância no caso de a parte ou o terceiro localizarem em País que nega a cooperação internacional por carta rogatória. Por analogia, aplica-se ao caso o art. 256, § 1.º (retro, 1.212.2). 1.243. Requisitos da publicação na intimação ficta O art. 272 cercou de alguns requisitos de validade elementares a intimação por publicação no órgão oficial. O conjunto dessas disposições dirige-se ao escrivão ou chefe de secretaria. É este o auxiliar do juízo gravado com a responsabilidade de redigir a nota de expediente e, posteriormente, enviá-la, eletronicamente, para publicação. Por conseguinte, trata-se de tarefa confiada à pessoa humana e suscetível a falhas. O art. 272, § 6.º, prevendo a intimação por carga dos autos, seja quem for o signatário do livro próprio, e o credenciamento de prepostos (art. 272, § 7.º), pelo advogado privado ou pela sociedade de advogados, nada tem a ver com a intimação ficta. Ficariam melhor situados no art. 107. 1.243.1. Identificação do destinatário na publicação – O art. 272, § 2.º, considera indispensável, cominando nulidade – quer dizer, presumindo o prejuízo e a frustração da finalidade do ato (infra, 1.255.2) –, “que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados”, acompanhando, quanto aos advogados, o número de inscrição da OAB, “ou, se assim requerido” – a referência é ao art. 272, § 1.º, posteriormente comentado – “da sociedade de advogados”. Nenhum dos requisitos, apesar

de o ato se endereçar ao procurador, revela-se dispensável. A falta do nome do advogado inutiliza, integralmente, o ato, impedindo até mesmo ciência presumida. E a falta de nome da parte deixaria o procurador na ignorância de a qual processo a ele confiado se refere semelhante intimação, exigindo dispendioso deslocamento até a sede do juízo para conferir o ato, diligência às vezes frustrada pela impossibilidade de localizar os autos. É bom que conste, como geralmente acontece, o número do processo. O número de inscrição na OAB evita o risco de homonímia Em relação ao direito anterior, o art. 272, § 4.º, exige o nome completo do advogado, constante na procuração ou na inscrição na OAB. Retornou-se à fórmula do art. 168, § 1.º, do CPC de 1939. Este dispositivo reclamava avisadamente os “nomes exatos dos advogados de todos os interessados”. Ao contrário, o CPC de 1973 contentava-se com os dados suficientes à identificação do advogado. Em tal pormenor irrelevante baseava-se a interpretação prevalecente no direito anterior, reputando desnecessário o nome completo do advogado, desde que os dados expressos sejam suficientes para fixar a identidade do intimando.400 Embora sejam releváveis os erros de grafia, a tese só podia ser aceita com o clássico grão de sal. Há nomes comuns, ensejando confusão, além de homônimos. O fato é que esse entendimento privilegiava a insegurança e o subjetivismo do órgão judiciário, ao examinar se o nome obliterado identificou, ou não, cabalmente o intimando. O uso do número de inscrição no quadro definitivo dos advogados obviará as dificuldades mais frequentes. O STJ decidiu que no caso de ausência ou de equívoco do número de inscrição a intimação mostrar-se-á válida, porque o direito anterior exigia apenas o nome do advogado; porém, existindo homonímia, semelhante equívoco torna-se relevante, presumindo-se que o ato não alcançou a finalidade própria.401 De resto, a intimação na pessoa de advogado que não figura nos autos há de ser repetida.402 No que tange ao nome das partes, o temperamento da opinião prevalecente parece mais razoável. O destinatário precípuo da intimação ficta é o advogado. Assim, existindo litisconsortes, válida a intimação em que conste somente o nome de uma das partes, “desde que acompanhada da expressão ‘e outros’ e presente o nome de todos os advogados das partes”.403 Em sentido contrário, porém, o art. 272, § 3.º, proíbe o uso de abreviaturas. Se o propósito da regra é o de impedir confusões, inexistindo segredo de justiça, não merece censura; porém, nos casos em que o feito tramita em segredo de justiça a revelação do nome das partes, máxime no fundo virtual, é altamente inconveniente, merecendo a regra interpretação adequada à finalidade. Em princípio, existindo pluralidade de advogados, havendo ou não litisconsórcio, o nome de todos há de constar na publicação.404 Eventual omissão de algum nome, existindo outros intimados, representará simples irregularidade.405 A jurisprudência do STJ, no entanto, entende válida a intimação de apenas um dos advogados constantes da procuração.406 Por óbvio, tendo os litisconsortes advogados diferentes, exige-se a consignação de todos os nomes. Decidiu acertadamente o STJ: “É obrigatória a intimação de todas as partes por meio dos respectivos advogados. A circunstância de os causídicos assinarem em conjunto as petições formuladas por litisconsortes

não dispensa a intimação individual dos respectivos patronos”.407 Bem por isso o art. 272, § 5.º, existindo requerimento no sentido de que sejam intimados os advogados indicados, quiçá a sociedade de advogados (art. 272, § 1.º), a intimação de qualquer outro importará nulidade. Em geral, os grandes escritórios de advocacia, agrupando dezenas ou centenas de advogados, têm a cautela de requerer, no momento da primeira intervenção no processo, a intimação específica do titular da banca, ou do advogado de inscrição mais antiga, evitando a reprodução de todos os outorgados na procuração. E isso, porque o encarregado de elaborar a nota de expediente sempre reluta, a bem da economia do próprio esforço, em reproduzir todos os nomes, um a um, com a respectiva inscrição no quadro dos advogados. Feito o requerimento, mostrar-se-á inválida a intimação que consigne nome de outro advogado (art. 272, § 5.º). É bom lembrar que a Justiça está à disposição dos cidadãos e não o contrário. A movimentação natural nos grandes escritórios, por razões diversas (aposentadoria, morte e afastamento a qualquer título), suscita o risco real de a intimação, feita em qualquer um deles, recair sobre pessoa que não mais representa, de fato, a parte. Segundo a jurisprudência do STJ, particularmente sensível ao problema, “havendo requerimento expresso, a intimação dos atos processuais só é válida se efetivada em nome do advogado indicado”.408 Esse é o sentido de o art. 272, § 1.º, autorizar que as intimações sejam endereças à sociedade, em nome próprio, constando do ato, para os efeitos do art. 272, § 2.º, o número de inscrição da sociedade na OAB, distinto do número de cada um dos seus integrantes. É de rigor, ademais, intimar só o substabelecido, ocorrendo substabelecimento sem reserva.409 Entende-se escorreita, ao invés, no substabelecimento com reservas, a intimação realizada em qualquer dos patronos, ressalva feita ao art. 272, § 5.º. Existem casos em que, entretanto, o substabelecido conduzirá o processo sozinho, na comarca ou em grau superior, quiçá contratado em virtude da sua especialidade. O requerimento de que as futuras intimações se realizem em sua pessoa, acompanhando o substabelecimento com reservas, resolve o problema – inválida a intimação feita em outro advogado. A falta desse requerimento, segundo a jurisprudência do STJ, mostrando-se flagrante que o substabelecido acompanhará o processo em comarca diferente do domicílio profissional do advogado substabelecente, ou no tribunal, não torna certa a intimação deste em lugar daquele.410 O espírito dessa orientação, enfatizou outro precedente, atende à teleologia da intimação ficta, evitando “surpresas que prejudiquem o exercício profissional da ampla defesa e do contraditório, informando diretamente aos advogados – e por intermédio desses às partes – acerca do andamento da demanda, aí inclusos os atos a serem praticados e as audiências realizadas”.411 1.243.2. Conteúdo do ato na publicação – A intimação por publicação mostrar-se-ia flagrantemente incompleta se omitisse a natureza do ato.412 É preciso que, resumidamente, reproduza o ato já praticado. Explicitamente, o art. 205, § 3.º, exige a publicação do despacho, das decisões, do dispositivo das sentenças e da ementa dos acórdãos no órgão oficial. Esse requisito, acrescentando o dispositivo e a ementa, aumenta o conteúdo do ato. Porém, sem repercussões financeiras ou físicas, pois o

mundo virtual comporta esse alargamento. O STF decidiria, no direito anterior, que publicação “não necessita reproduzir o teor integral do despacho, bastando a publicação de suas conclusões”.413 Não é mais aceitável essa orientação. Tratando-se de ato futuro, a exemplo da designação de audiência, impõese que conste o dia, o mês, o ano e a hora da solenidade, bem como o lugar (número da sala). 1.243.3. Invalidação da publicação – A cabal identificação do destinatário da intimação, da causa e do conteúdo do pronunciamento revelam-se essenciais à sua validade, cominando nulidade o art. 272, § 2.º, e § 5.º. Os vícios levam ao vencimento do prazo. Atendendo a essa hipótese, o art. 272, § 8.º, autoriza a parte a praticar o ato (v.g., interpor o recurso próprio), destacando, em capítulo próprio, a questão da nulidade. É regra que excepciona, em parte, o art. 223. Reconhecida a nulidade da intimação, desaparece a preclusão, pois considerar-se-á o ato tempestivo. Ao invés, requerendo a invalidação, tout court, ao abrigo do art. 223, abrem-se dois termos de alternativa: (a) reconhecida a validade da intimação, consolida-se a preclusão; (b) decretada a invalidação, o prazo será restituído a partir da intimação da respetiva decisão (art. 272, § 8.º).

Capítulo 55. DAS INVALIDADES PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 259.º Invalidades processuais em geral – 1.244. Existência, validade e eficácia dos atos processuais – 1.245. Requisitos necessários e requisitos úteis dos atos processuais – 1.245.1. Pressuposto útil: ato irregular – 1.245.2. Pressuposto necessário: ato inválido – 1.246. Conceito de invalidade processual – 1.247. Posição sistemática das invalidades no processo civil – 1.248. Depuração terminológica: invalidade ou nulidade processual? – § 260.º Classificação das invalidades processuais – 1.249. Critérios de classificação das invalidades processuais – 1.250. Espécies de invalidades – 1.251. Nulidade absoluta – 1.252. Nulidade relativa – 1.253. Anulabilidade – § 261.º Nulidade cominada – 1.254 Nulidade cominada e não cominada – 1.254.1. Fundamento da cominação – 1.254.2. Compatibilidade das classificações – 1.255. Nulidades cominadas na fase e no processo de conhecimento – 1.255.1. Invalidade por ausência de intimação do Ministério Público – 1.255.1.1. Intimação e participação do Ministério Público – 1.255.1.2. Natureza da invalidade e saneamento do vício – 1.255.2. Invalidade da citação e das intimações feitas sem observância das prescrições legais – 1.256. Nulidades cominadas na fase e no processo de execução – 1.256.1. Falta de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo – 1.256.2. Citação inexistente ou nula do executado – 1.256.3. Verificação do termo ou condição – 1.257. Invalidade em razão da forma dos atos processuais – 1.258. Invalidade em razão da forma do processo – § 262.º Decretação da invalidade – 1.259. Iniciativa no controle das invalidades – 1.259.1. Iniciativa quanto à nulidade absoluta – 1.259.2. Iniciativa quanto à nulidade relativa – 1.259.3. Iniciativa quanto à anulabilidade – 1.259.4. Oportunidade da iniciativa da parte – 1.259.5. Legítimo impedimento como obstáculo à preclusão – 1.260. Meios de controle das invalidades – 1.261. Momento do controle da invalidade – 1.262. Barreiras à invalidação: princípios da finalidade e do não prejuízo – 1.262.1. Incidência do princípio da finalidade – 1.262.2. Incidência do princípio

do não prejuízo – § 263.º Efeitos da invalidação – 1.263. Posição do ato viciado – 1.264. Invalidade derivada – 1.264.1. Conceito de invalidade derivada – 1.264.2. Dependência e autonomia dos atos posteriores – 1.264.3. Condição jurídica dos atos dependentes do ato inválido – 1.264.4. Condição jurídica do ato anterior ao ato inválido – 1.265. Invalidade parcial – 1.266. Decretação expressa da invalidade e técnicas de reparação. § 259.º Invalidades processuais em geral 1.244. Existência, validade e eficácia dos atos processuais Eventos, provenientes da órbita física, e condutas, originárias da pessoa humana, interessam ao direito conforme haja a respectiva previsão na norma jurídica. Dá-se o nome de suporte fático a semelhante previsão. O ingresso no mundo jurídico desses fatos pressupõe o atendimento suficiente de certos elementos. É o plano da existência. Diz-se existente o fato jurídico (evento ou conduta) que preencheu, suficientemente, os dados previstos no suporte fático. A esses dados se designam de elementos. Às vezes, as condutas (ações ou omissões humanas) preenchem tais elementos deficientemente. Os atos jurídicos em sentido amplo (atos em sentido estrito e negócios jurídicos) existem, nesses casos, porque ingressaram no mundo jurídico, mas padecem de vícios, relativamente a um ou mais elementos. É o plano da validade, no qual o direito realiza a triagem entre os atos válidos e os atos não válidos ou inválidos. Já os eventos ficam confinados ao plano da existência. Eles jamais passam ao plano da validade, porque este envolve o elemento cerne do suporte fático – a vontade humana. E no evento, por definição, a vontade humana inexiste. É rigorosamente impróprio, por exemplo, afirmar que a morte é nula. Tal fato natural importante para o direito existe de per si, independentemente da qualificação jurídica a ele outorgada pela pessoa humana. Finalmente, apesar de existente e válido o ato jurídico, há fatores que permitem, ou não, a produção dos efeitos próprios do ato ou do negócio. É o plano da eficácia. Esses dados sumários encaminham com a segurança necessária a análise do problema relativo à invalidade dos atos processuais. Representa atitude incomum, como já assinalado em item anterior (retro, 1.086), repassar os fatos jurídicos nos planos da existência, da validade e da eficácia, e, sem prejuízo das reticências e da indiferença, a empreitada se revelou frutífera por mais de um motivo. É hora de dar um passo adiante. O ponto de partida parece evidente. Os atos que o juiz, as partes e demais participantes praticam no processo constituem espécie do gênero atos jurídicos. Não diferem, ontologicamente, da mesma categoria no direito material.1 Merecem a análise, portanto, nesses três planos. Um sugestivo exemplo ilustrará o ponto. Em determinado processo, o autor requer, haja vista a certidão do oficial de justiça, e ordena o juiz a citação do réu por edital, porque ignorado o lugar em que se encontra (art. 256, II). O escrivão até elabora um rascunho do edital (art. 257), mas não completa a atividade. Passados alguns meses, certifica que o réu permaneceu inerte, apesar de citado por edital, e faz conclusão dos autos ao juiz, que profere sentença (art. 355, II), acolhendo o

pedido do autor. É flagrante que não ocorreu a citação por edital. A expedição do edital de citação revela-se elemento desse ato processual. Eventual falta do elemento retira a base mínima para o ingresso no mundo jurídico.2 O arremedo de citação não necessitará ser desfeito, nem comporta convalidação.3 Não há como ato posterior confirmá-lo em nome da aparência.4 O que não é, embora aparente ser, não passa a ser pelo simples decurso do tempo. Na pior das hipóteses, a qualquer o momento o juiz declarará o ato como não ocorrido,5ex officio ou a requerimento da parte (v.g., na impugnação fundada no art. 525, § 1.º, I). Como quer que seja, a problemática da existência dos atos processuais e a própria categoria dos atos processuais inexistentes não integram, por definição, o regime das invalidades processuais.6 É um simples fato, cujo relevo no mundo jurídico é o de fixar-lhe fronteiras, nem sequer ingressando no plano da validade. Essa conclusão sistemática não importa irrelevância dos atos inexistentes no processo civil. O próprio art. 525, § 1.º, I, ao indicar a falta de citação como situação hábil à querela nullitatis insanabilis (retro, 374), identifica processos que se desenvolveram com citação inexistente, disciplinando a respectiva situação. Na verdade, o regime da inexistência é que se diferencia do aplicado aos atos inválidos. Em primeiro lugar, o ato inexistente jamais produzirá efeitos. O motivo é curial: “efeitos não podem vir do não ser, do nada”.7 Tal circunstância não impede que os atos praticados em sequência, no curso do procedimento e nele previstos, existam e surtam efeitos, como no caso da sentença proferida sem a citação do réu, todavia exequível (e, portanto, eficaz: o executado necessitará opor-se à pretensão a executar, no caso do art. 525, § 1.º, I). Em geral, os atos inexistentes não necessitam de expressa declaração judicial; porém, quando ela se fizer necessária, não há limitação temporal.8 Em tema de inexistência, há outra consideração de valor. No direito romano, em que o ato jurídico era “ser” formal, o que não fora feito era nullus, reclamando declaração de inexistência. A evolução posterior separou, nitidamente, o inexistente do nulo. Não é possível, por exigência lógica elementar, classificar o nulo como não sendo e tratá-lo como ser. E o exemplo da declaração de vontade parece convincente. “Ou ela foi feita, ou não foi feita. Não se pode dizer que a declaração de vontade pelo que estava coagido, ou ameaçado, não foi feita; foi-o, embora atingida pelo defeito. Defeito não é falta. O que falta não foi feito. O que foi feito, mas tem defeito, existe. O que não foi feito não existe, e, pois, não pode ter defeito. O que foi feito, para que falte, há, primeiro, de ser desfeito”.9 Por conseguinte, o provimento do juiz que invalida o ato desconstitui o ato processual viciado; a inexistência, o juiz declara. Trata-se de erro grosseiro, nesta perspectiva, mencionar “declaração de nulidade”, fórmula inexata e romanismo tardio empregado por certos setores da doutrina pátria. O art. 276 emprega o substantivo “decretação” e o art. 278, parágrafo único, o verbo “decretar”, em sentido rigorosamente técnico. O verbo decretar significa desconstituir, não sendo lícito, conquanto absoluta a nulidade, empregar o verbo declarar.10

É preciso dar outro passo, abandonando o terreno da inexistência, para alcançar a invalidade. A despeito de o escrivão expedir o edital e publicá-lo no modo traçado no art. 257, III – portanto, de citação existente, porque preenchidos os respectivos elementos de existência –, ninguém atenta ao fato de o escrivão omitir o prenome e o nome exatos do réu (retro, 1.214.1), trocando-os por outra pessoa, estranha ao feito. A citação por edital existe, ou seja, ingressou no mundo jurídico. Todavia, não ingressou no processo em conformidade com o esquema abstrato previsto para o chamamento do réu por esse meio. O ato de citação padece de defeito tão grave – a omissão do nome do destinatário e chamado a juízo – que, presumivelmente, jamais atingirá a sua finalidade. O ato precisará ser desfeito – o nulo é objeto de provimento constitutivo negativo do juiz – e repetido. Bem pode ocorrer, contudo, que o réu acuda ao chamado, porque acompanhava o processo pelo serviço eletrônico de informação de dados processuais, e apresente resposta tempestiva, nem sequer alegando o vício. Em tal hipótese, inútil invalidar a citação por edital. O ato defeituoso atingiu seu propósito e não causou nenhum prejuízo ao réu. Não bastará o edital ser expedido e publicado rigorosamente dentro dos requisitos dos artigos 256 e 257, I a IV, e parágrafo único. O roteiro dessa modalidade de citação ficaria incompleto. É indispensável, a fim de o ato suritr os efeitos próprios, o escrivão certificar o fato de o edital ter sido divulgado nos sítios previstos no art. 257, II, e, se for o caso, o autor juntar cópia do “jornal local de ampla circulação” (art. 257, parágrafo único), aos autos físicos e eletrônicos, sem o que nenhum prazo – em particular, o prazo do edital – fluirá normalmente (retro, 1.218). A regra erigiu um fator de eficácia da citação por edital através dessa certidão e juntada de cópia. A eficácia constitui a aptidão de produzir efeitos jurídicos. Em tema de eficácia, há que considerar o fenômeno da redução dos efeitos dos atos inválidos.11 Tal fenômeno se passa no plano da eficácia. O direito brasileiro consagra efeito marcante. Segundo o art. 240, caput, a citação, ainda quando ordenada por juiz incompetente – portanto, ato viciado –, “constitui em mora o devedor”. Dos efeitos típicos da citação válida a lei preserva alguns na citação inválida. A existência de vícios no ato processual, como em qualquer outro ato jurídico, não inibe a geração de efeitos jurídicos. Não se confundem os defeitos com a falta de fatores para irradiação de efeitos.12 Vale aqui, outra vez, o exemplo da citação por edital defeituosa que, todavia, alcançou o réu, ensejando-lhe a apresentação da defesa no prazo. E, também por esse motivo, a citação de terceiro, alheio ao processo, revela-se ineficaz perante o autêntico réu, mas gera para o citado o ônus de se defender e alegar a própria ilegitimidade passiva.13 Identificar os vícios do ato com os fatores de eficácia, como acontece em outros ordenamentos,14 gera confusões e perda de rumo em matéria tão delicada. À vista desses dados, o primeiro aspecto consiste, para chegar-se à teoria das invalidades processuais, pressupor atos existentes. A inexistência é simples categoria referencial e ignorar esse aspecto leva a confusões lamentáveis. Por outro lado, impõe-se retirar do cenário os fatores de eficácia, situados em plano diverso e, por isso, estranhos ao assunto. Existem atos perfeitos (ou isentos de vícios, e, portanto, válidos) incapazes de surtir efeitos.

E os atos viciados produzem efeitos até a respectiva desconstituição.15 A citação por edital, deixando o autor de juntar as respectivas cópias publicadas aos autos ou o escrivão de certificar a divulgação do édito nos sítios do art. 257, II, representa ato processual válido, mas ineficaz. Em contrapartida, a citação ordenada por juiz incompetente produz efeitos, sem embargo da ulterior declaração da incompetência. A circunstância de o ato ingressar deficientemente na relação processual não basta para aclarar a noção de ato inválido. Existem atos que, flagrantemente defeituosos, jamais provocam invalidade. Por exemplo, a transgressão do art. 207, caput – numeração e rubrica das folhas dos autos pelo escrivão ou chefe de secretaria –, inegavelmente elemento formal dos autos, exigirá provisão do juiz no sentido de o auxiliar corrigir ou completar a tarefa, e, não, a invalidação do erroneamente feito. Revela-se indispensável examinar as causas invalidantes ou os requisitos que, descumpridos pelo agente, ensejam a invalidade, para esclarecer esse fenômeno. Os vícios não essenciais reclamam, por vezes, correção e expõem o agente à responsabilidade (processual ou administrativa). 1.245. Requisitos necessários e requisitos úteis dos atos processuais A questão de alguns atos defeituosos jamais chegarem ao estágio da invalidação prende-se à importância heterogênea dos requisitos integrantes da estrutura, ou pressupostos, dos atos jurídicos. Em outras palavras, nem todos os requisitos exibem a mesma transcendência. Todos são obrigatórios, mas a função que lhes empresta a lei varia, de modo que alguns passam à frente de outros. A esse respeito, distinguem-se dois tipos: (a) requisitos necessários; (b) requisitos úteis. Convém assinalar um aspecto terminológico da questão. Costuma-se distinguir requisito e pressuposto. “Pressuposto é aquilo que precede o ato e se coloca como elemento indispensável à sua existência jurídica; requisito é tudo quanto integra a estrutura do ato e diz respeito à sua validade”.16 É preferível, contudo, a nomenclatura “elementos de existência” e “requisitos ou pressupostos de validade”. Entende-se, pois, “requisitos” e “pressupostos” como sinônimos no que concerne ao que é necessário ao ato processual para ingressar no mundo jurídico sem jaça. Os requisitos necessários, segundo a técnica do processo, revelam-se imprescindíveis (ou essenciais) à finalidade prática do ato. Por exemplo, a indicação do prenome e do nome suficientes à cabal identificação do réu, apesar de não constar no art. 257, é fundamental à chegada da notícia do chamamento a juízo à pessoa certa. O edital de citação indicando outra pessoa como réu seguramente não atingirá o verdadeiro réu, o que constou na inicial, incorrendo no risco de provocar o ingresso no processo de pessoa desprovida de legitimidade. De seu turno, os requisitos úteis não respeitam aos fins próprios do ato inserido na cadeia do procedimento. Relacionam-se a outros aspectos transcendentes (v.g., a data), mas secundários ou auxiliares. A lei prescreve, destacando o relevo do requisito, a obrigação de o agente realizá-lo conforme o modelo predeterminado. Eventual desatenção à regra, maculando o ato, implicará responsabilidade do agente, que produziu ato imperfeito. Por

exemplo, a falta da data de expedição do edital, requisito ausente do art. 257, e, também, da regra básica do art. 250, aplicável por analogia, mas decorrente da incidência do art. 208 – todos os atos do processo hão de ser datados pelo respectivo agente, no processo eletrônico automaticamente –, sem dúvida constitui um vício, mas sem maior relevo. A data do edital pode ser inferida nos autos físicos, aproximadamente, da cadeia dos atos – cotejando a data do ato que ordenou essa modalidade de citação e a data da primeira publicação a que alude o art. 257, III –, e, por óbvio, não prejudica a finalidade da citação – o chamamento do réu. O objeto da infração, requisito necessário ou útil, corresponde a duas espécies de vícios: (a) essenciais; e (b) não essenciais.17 Somente os vícios essenciais exigem invalidação. 1.245.1. Requisito útil: ato irregular – Fixada a noção de requisito útil, cumpre examinar as consequências de vício dessa natureza. O descumprimento de requisito útil enseja vício não essencial. O ato é imperfeito e, para distinguir esse ato viciado dos atos perfeitos, cumpre designá-los de modo próprio. Os atos assim contaminados formam a classe das irregularidades. É a terminologia utilizada no art. 352.18 Em termos concretos, o “ato processual irregular é aquele afetado por pequenos vícios de forma que em absoluto afetam a sua validade”,19 e, a fortiori, a irradiação dos seus efeitos próprios.20 A infração em nada compromete a estrutura do ato.21 Não há dúvida que o descumprimento de requisito útil provoca defeito de pouca monta. O vício é de baixa intensidade. Por esse motivo, o vício não essencial dispensa invalidação.22 A sanção à sua prática consiste na eventual responsabilidade do agente.23 Na essência, porém, o ato irregular deriva do descumprimento do requisito útil, e que estabelece, a mais das vezes, deveres para o agente.24 O ato irregular se divide em duas espécies: (a) reparável (ou corrigível); e (b) irreparável (ou incorrigível).25 É sanável, por exemplo, a falta de rubrica e numeração nas folhas do processo (art. 207, caput) e os erros materiais da sentença. O erro material, ou inexatidão material (art. 494, I), constitui vício próprio das declarações de vontade e das declarações de ciência. Tais atos compõem-se da forma interna, que é a ideia, produzida pela inteligência ou pela vontade, e da forma externa, que é a sua expressão. Ora, às vezes há discordância entre a ideia e a fórmula, que expressa o ato através de palavras ou de números.26 Em geral, verifica-se o chamado lapsus linguae. O juiz condena o réu a pagar ao autor três prestações de dez, mas indica vinte como o total da dívida;27 ou o juiz condena o réu a pagar mil, valor numericamente expresso, mas entre parênteses consigna dez mil por extenso.28 Essas irregularidades comprometem a fórmula do ato decisório, e, portanto, podem ser corrigidas a qualquer tempo, independentemente da existência ou não do trânsito em julgado. Excepcionalmente, há irregularidades irreparáveis, no sentido de que não comportam, realmente, nenhuma correção. A infração ao prazo assinado ao juiz para proferir despachos e decisões, no art. 226, “nenhuma consequência resulta para a validade do ato nem resta algo a ser objeto de reparo”.29

1.245.2. Requisito necessário: ato inválido – Descumprido requisito necessário, o ato ingressa no mundo jurídico defeituoso ou viciado. A invalidade decorrerá do reconhecimento judicial desse déficit, da ausência ou da deficiência de algum requisito desses requisitos. Eis ponto de maior relevo. E, realmente, “ato processualinválido ninguém observa no curso de um processo; apreende, isso sim, um ato defeituoso (= maculado, viciado, deficitário)”.30 Em outras palavras, “a nulidade não é a pronunciação do juiz, exato, mas constitui-se com ela, nasce com ela, surge com ela, somente existe depois dela”.31 É neste sentido muito estrito, admitida a premissa que a invalidade é o estado subsequente ao pronunciamento constitutivo negativo, que o velho adágio nullum est quod producit effectum retrata a realidade. “Decretada a nulidade, cessam os efeitos decorrentes do ato; desfaz-se esse e seus efeitos (com eventuais ressalvas legais, quanto à extensão) e, eventualmente, pelo princípio da contaminação do nulo, os atos subsequentes dependentes”.32 Decorre de simples observação da realidade que os atos viciados, pendente a invalidação, produzem os efeitos que lhe são próprios ou naturais. Nula que seja a citação, por exemplo, fluirá o prazo de resposta e, permanecendo inerte o réu, receberá o duro tratamento reservado ao revel, até que o órgão judiciário pronuncie a invalidade, reabrindo oportunidade para a defesa. Os requisitos necessários, cuja ausência ou deficiência contaminam o ato, dividem-se em três classes, quanto (a) o sujeito; (b) o objeto; e (c) a forma da exteriorização da vontade.33 Em relação ao sujeito, os requisitos se referem à manifestação da vontade, abrangendo consciência e autenticidade. O agente há de exibir, ainda, capacidade de exercício, legitimação e, principalmente, a respectiva manifestação de vontade há de se mostrar isenta de defeito invalidante (erro substancial, dolo e coação) que lhe comprometa relevantemente. E o objeto do ato processual há de ser lícito e possível. A disciplina das invalidades dos atos processuais, no processo civil, não se ocupa dos defeitos atinentes aos sujeitos e ao objeto.34 É a posição prevalecente, por exemplo, na literatura italiana.35 As razões apresentadas para essa delimitação do campo das invalidades aos requisitos necessários formais são variadas, resumidas no caráter especial assumido por requisitos subjetivos e objetivos no processo. Os exemplos multiplicam-se facilmente. Os vícios atinentes às partes (v.g., a incapacidade), apurados no processo, receberam tratamento específico no art. 76 (retro, 550). A sentença proferida por juiz incapaz, porque mentalmente enfermo, não gera a invalidade do provimento. Essa sentença há de ser avaliada sob o prisma do error in iudicando.36 Os vícios da vontade relevam-se pouco relevantes, porque a voluntariedade do comportamento, inserida no modelo do ato, em geral sobreleva-se aos fins da declaração de vontade. Por exemplo, o recurso interposto por terceiro, alegando interesse jurídico, mas na verdade joci causa, é tão admissível quanto o apresentado por motivo sério, razão pela qual a ulterior desistência não afetará os direitos do recorrido (v.g., o recorrente suportará as despesas, a teor do art. 82, § 2.º). O recorrente ficará exposto, todavia, à sanção por dolo processual. Enfim, os requisitos necessários subjetivos e objetivos têm regime peculiar no processo civil,

diverso do imposto no direito privado, e, também, diferente do conferido aos requisitos necessários formais. Fundamentalmente, o motivo para restringir a disciplina das invalidades à inobservância dos requisitos necessários de forma reside no fato de a invalidade jamais produzir a extinção do processo. Poderá desfazer, no todo ou em parte, o próprio processo, como acontece na radical hipótese da citação nula (art. 525, § 1.º, I), alegada após o aparente trânsito em julgado. Em tais hipóteses, o processo reiniciará a partir do ato desfeito, aproveitados ou não os atos subsequentes. Em alguns casos, diversamente, a inobservância de requisitos necessários subjetivos implicará a extinção do processo (infra, 1.617.1). Essa limitação tem consequências práticas na organização da matéria. É infrutífera a distinção entre nulidades de forma, versadas nos artigos 276 a 283 do NCPC, e nulidades de fundo, relativas à constituição do processo (pressupostos processuais) e à admissibilidade do julgamento do mérito.37 Embora vigorosamente defendida,38 a diversidade de regime não recomenda a adoção. O processo em que o juiz declarou o autor parte ilegítima não é viciado, mas inadmissível – o autor não pode obter o bem da vida. Essa sistemática lembra a do casuísmo que se encontra nas velhas e arcaicas obras acerca das nulidades processuais. Desse modo, a disciplina das invalidades envolve os requisitos necessários formais. E os requisitos formais dos atos processuais já receberam exame em pormenores (retro, 1.086). 1.246. Conceito de invalidade processual A esta altura, mostra-se possível elaborar uma noção de invalidade em processo civil haurida do sistema consagrado na lei processual. A disciplina das invalidades pertence à teoria geral do direito, mas tem feição própria no direito processual.39 Resta apontar-lhe a nota específica. Ficaram bem remarcadas as diferenças entre o inexistente e o ineficaz. O ato nulo supõe defeito e o que falta não foi feito, e, conseguintemente, não pode ter defeito. O ato nulo produz efeitos, até que seja desfeito, e há atos que, plenamente válidos, não produzem (ainda) efeitos. Também se remarcou a distinção entre o ato viciado, em virtude da ausência ou da deficiência de requisito, e o ato nulo. Há defeitos que jamais necessitarão de invalidação. E há atos que, conquanto invalidante o vício que lhes contamina, dispensam o respectivo desfazimento, por influência de outros princípios (v.g., o ato atingiu a finalidade própria, a exemplo da citação inválida que, sem embargo do vício, provocou a intervenção tempestiva do réu). Logo, a invalidade não é o estado de anormalidade do ato processual.40 Em realidade, a invalidade é o estado que resulta da desconstituição do ato e dos seus efeitos. O ato viciado transita rumo à desconstituição dos próprios efeitos, mas este estágio depende do pronunciamento do juiz.41 O juiz não se limita a reconhecer ou a declarar o vício. Respeitados os pressupostos adequados para semelhante decreto, desfaz o ato e suprime os

respectivos efeitos, no todo ou em parte. É a “consequência do defeito do ato processual”.42 A invalidade elimina o desvio e a anormalidade do ato, remetendo o agente ao ponto de partido, ponto em que poderá retomar o bom caminho.43 A decretação da invalidade representa reação ao descumprimento do requisito formal necessário. É menos certo que represente sanção em sentido técnico ou reparo ao ato indevido.44 E o motivo é simples: o ato viciado não é ilícito.45 1.247. Posição sistemática das invalidades no processo civil A lei processual civil fixa modelos para os atos processuais, buscando atingir, eficientemente, os fins próprios do processo. O ato viciado discrepa do gabarito e a sua invalidação gera relevante desperdício de atividade processual. Dissipou-se atividade, e tempo precioso, praticando o ato defeituoso. Para invalidar, mais atividade e tempo acabarão desperdiçados. E a renovação do ato, desprovido de máculas, movimenta outra vez o processo em certo interregno temporal. O custo econômico da invalidade é marcante. Todas essas perdas provocam dano processual.46 Disposição escassamente aplicada, o art. 93 retira o efeito adequado da invalidade, atribuindo ao sujeito responsável – parte, serventuário, órgão do Ministério Público ou juiz – as despesas dos atos que tiverem de se repetir, ressalvado justo motivo. Não parece difícil entender que a estrita observância dos modelos prefixados aos atos processuais assegura a economia, a celeridade e a regularidade do processo. Insere-se, portanto, no campo dos pressupostos processuais objetivos extrínsecos à relação processual (retro, 100). Em vão se enumerariam “casuisticamente os pressupostos processuais objetivos”.47 Fórmula mais exata restringe os pressupostos objetivos intrínsecos à “ausência de nulidades e vícios em geral dos atos processuais”.48 É a posição sistemática das invalidades quanto à forma no processo civil. 1.248. Depuração terminológica: invalidade ou nulidade processual O Título III do Livro IV da Parte Geral do NCPC preservou a clássica designação “Das Nulidades”. Não é muito adequado rotular o gênero com palavra que se aplica às espécies (nulidades absoluta e relativa) e, de quebra, deixando descoberta a classe das anulabilidades. Ademais, a palavra nulidade presta-se a confusão com os vícios do ato, não se ajustando, portanto, à noção há pouco defendida (estado decorrente da invalidação). Por essas razões, parece preferível o uso do termo invalidade, “mais largo, e, rigorosamente, o antônimo de validade”.49 § 260.º Classificação das invalidades no processo civil 1.249. Critérios da classificação das invalidades

A lei processual não ministra uma classificação formal ou material das invalidades. O terreno encontra-se aberto às investigações dos setores especializados da doutrina. Chegou-se a expor painel das variantes, apontado semelhanças e divergências entre vários autores.50 Sem prejuízo do imenso valor dessas contribuições, o árduo capítulo das invalidades simplifica-se, considerando trabalho pioneiro, que garimpou a pedra preciosa no lamaçal das incertezas que cercavam a matéria.51 A originalidade dessa classificação desponta no uso da distinção entre norma cogente e norma dispositiva. Os esquemas anteriores já se valiam do interesse público ou privado objeto da tutela da norma.52 E, ao mesmo tempo, neste ponto se ressente a construção de fragilidades que não escaparam aos críticos. Em busca do esquema classificatório adequado, e operacional, revelando o mérito acentuado desse sistema precursor, impõem-se distinções. Por primeiro, cumpre realizar nítida separação entre os planos da existência, da validade e da eficácia. Depois, neles localizar com rigor atômico os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia. O ato inválido se distingue do ato inexistente. Embora inicialmente viciado ou deficiente, pois descumprido requisito formal necessário, ingressou no mundo jurídico e produziu efeitos até a invalidação. Por exemplo, o vício da citação não obsta que flua o prazo de resposta e, restando inerte o réu, sejalhe decretada a revelia. O ato nulo surge defeituoso. Já o ato inexistente falta e o que falta não foi feito, e, conseguintemente, não pode ter defeito.53 Essa diferença projeta-se nas consequências: o juiz desconstituirá o ato deficiente, eliminando os seus efeitos; e o juiz declarará a inexistência.54 A diferença entre desconstituir e declarar não pode ser esquecida ou negligenciada. É expressão altamente imprópria, no mínimo, dizer que o juiz “declara o nulo”. O certo é o juiz decretar ou desconstituir o nulo. A inexistência representa imprescindível dado referencial. Essa categoria permite contrastar o inexistente e o nulo. Por outro lado, o inexistente não se torna real pela aparência.55 A tutela da aparência, em vez de negar a inexistência, toma-a como pressuposto. Não há sentido em tutelar o aparente (ou não real) senão na hipótese de tomar o inexistente como aparente.56 Tampouco se mostra razoável identificar inexistência e nulidade absoluta, misturando dois planos radicalmente diferentes, na suposição de que a inexistência “exprime não tanto a inidoneidade do ato para produzir efeito, quanto, ao contrário, a de recuperar tal efeito”.57 O que falta, porque não foi feito, jamais equivale, inclusive no plano da eficácia, com o feito defeituosamente. Dir-se-á que tanto a inexistência, quanto a invalidade da citação impedem a agregação ao provimento que julga a causa da autoridade de coisa julgada,58 pois o remédio para impugná-lo, nas duas hipóteses, é a querela nullitatis insanabilis (art. 525, § 1.º, I). Tal circunstância não torna o mal feito equivalente ao não feito. O ato inexistente é simples ilusão de ato.59 Passando ao plano da validade, o primeiro passo consiste em confinar no lugar próprio o ato irregular. Descumprido requisito útil, que não integra a finalidade prática do ato, mas coadjuva tal objetivo,60 o ato defeituoso não exigirá invalidação. Exemplo de requisito útil localiza-se no art. 208, exigindo a datação do ato do escrivão ou chefe de secretaria.

A inobservância de requisito útil implica simples irregularidade (vício não essencial).61 Apurado que seja semelhante defeito, desdenha-se a correção do ato. Por exemplo, a confecção do edital de hasta pública pelo leiloeiro (art. 886), rebelde à tarefa menor de publicá-lo (art. 884, I), mas dotado o documento de todos os requisitos legais, constitui simples irregularidade. Não há necessidade de correção. E, de resto, há irregularidades incorrigíveis por sua natureza. Feitas essas considerações, surge conclusão ajustada à matéria versada nos artigos 276 a 283 do NCPC: a lei não cogita nem da inexistência, nem da irregularidade, ocupando-se tão só das invalidades.62 A invalidade surge na oportunidade em que o juiz, verificando o descumprimento de requisito formal necessário, ou seja, a prática do ato processual em desconformidade ao modelo legal, e a ocorrência de vício essencial, desfaz o ato viciado. Conforme já se realçou, a invalidade “não se identifica com o vício, mas é o estado consequente à decretação judicial”.63 Até lá, o ato viciado produzirá efeitos. Esses dados sugeriram o critério adequado. Passa-se a examiná-lo. 1.250. Espécies de invalidades A classificação prevalecente dos vícios essenciais, aplicável ao NCPC, emprega dois critérios concorrentes: (a) natureza da norma; (b) interesse tutelado.64 O ato encontra-se acometido de nulidade absoluta, ocorrendo violação da norma cogente,65 cujos fins abrigam interesse público; nulidade relativa, transgredida norma cogente, tutelando interesse particular;66 e, por fim, se a norma violada for dispositiva, há anulabilidade.67 É o sistema prevalecente,68 mas não se revela imune a críticas e reparos.69 Logo surgem dificuldades exatamente no aspecto mais original da teoria: a natureza da norma infringida. Não pode haver dúvida que, no direito processual, há normas resguardando o interesse da parte.70 A separação entre interesse público e interesse privado também instala graves preocupações. E a ênfase nas consequências do vício no conjunto de atos, no âmbito do processo, “numa simbiose relacional indissociável”, talvez explicasse porque o mesmo vício, conforme a realidade do processo, produzisse consequências diferentes.71 Segundo a teoria comunicativa dos atos processuais, imperaria a validade prima facie do ato processual, a priori, divorciado do gabarito. O único critério da invalidação descansaria na interferência do vício na comunicação relativa ao diálogo dos sujeitos processuais. Essa desconstrução radical ainda não produziu frutos palpáveis. Nada mais longe da realidade que o ideal da cooperação entre as partes e o órgão judiciário. Entre as partes, reina a cizânia, cada qual buscando a satisfação do próprio interesse, e, não, a cooperação convergente reclamada imprópria e idealistamente pelo art. 6.º, porque contrária à natureza do processo, a fim de assegurar que o processo produza resultados em conformidade com o direito. Não é um problema de mentalidade e não pode a lei ir contra a realidade. Não se modifica a natureza da conduta humana em momento tão intenso e pouco propício como o do debate judicial.

Como quer que seja, o princípio da instrumentalidade das formas (retro, 1.098) promove a conciliação entre a legalidade rígida e o informalismo anárquico, prescrevendo – as barreiras à invalidação comprovam a tendência geral do ordenamento processual – o máximo aproveitamento dos atos inválidos, eliminando só os atos que influenciem o desfecho da causa,72 de modo que o fundo prevaleça sobre a forma. Em processo civil, raramente há normas dispositivas (infra, 1.252). O processo integra o direito público, no qual as normas são cogentes, e, igualmente, todas as normas processuais parecem colimar o interesse público.73 Os fins próprios do processo são públicos, e, considerando a faceta social do processo brasileiro (retro, 80), o espaço reservado à disposição das partes reduz-se ao mínimo. Em todo caso, é possível recordar o disposto no art. 486, § 2.º, que exige, na renovação da demanda, o prévio pagamento das despesas do processo anterior. O silêncio do réu significaria o seu consentimento com o desenvolvimento do processo sem o atendimento da exigência. E há outro problema. Por definição, as normas dispositivas autorizam disposição em contrário das partes. Repelido o modelo legal, expressa ou tacitamente, porque a lei o permitiu, soa incongruente entendê-lo infringido. E, de resto, deixando a parte de alegar o vício, há preclusão. Portanto, o poder de disposição discernível, em casos tais, respeita à iniciativa da parte, e, não, à natureza da regra violada. Também é excessivo reputar insanável, sob quaisquer circunstâncias, a nulidade absoluta (infra, 1.251). Finalmente, a concepção prevalecente não tem respaldo direto nos artigos 276 a 283 que tratam do tema no NCPC. Essas disposições distinguem entre nulidade cominada e nulidade não cominada, espécies ignoradas na classificação exposta.74 É bem verdade que nenhum sistema parece satisfatório. A crítica é tão vigorosa que acaba por redigir os dispositivos legais conforme o próprio sistema… Essas objeções merecem avaliação mais cuidadosa no exame das espécies em questão. A acreditar-se no banimento definitivo da possibilidade de os sujeitos processuais praticarem atos em desconformidade com o gabarito legal, inútil a enunciação do princípio da instrumentalidade e o disposto no art. 277, pondo a mostra, desde logo, o exagero da censura feita à tese dominante. De acordo com o critério há pouco exposto, há três espécies de nulidades: (a) nulidade absoluta; (b) nulidade relativa; e (b) anulabilidade. 1.251. Nulidade absoluta Duas notas marcam a nulidade absoluta: (a) violação de norma cogente; (b) predominância da tutela do interesse público na norma. Uma das características da incidência da norma jurídica no suporte fático consiste na incondicionalidade. Em alguns casos, a norma se caracteriza pelo caráter impositivo da conduta, impedindo que a vontade humana disponha de modo diverso, constituindo autênticos comandos.75 Essas normas são chamadas de cogentes. Dividem-se em duas espécies: (a) imperativas; (b) proibitivas.

Por motivos óbvios, no estatuto do processo civil prevalecem tais normas, salvo convenção das partes em contrário (art. 190). Os atos que compõem o procedimento têm forma predeterminada, e ele próprio etapas nítidas e delimitadas, para ensejar que o processo alcance os fins próprios, e, principalmente, o poder do órgão judiciário (e, a fortiori, a intervenção estatal na autonomia privada) seja confinado em limites precisos e rígidos e não se torne incontrolável ou arbitrário. Revela-lhes o caráter, por vezes, a forma verbal (v.g., art. 256, caput: “A citação por edital será feita”), na regra imperativa, o generoso emprego do advérbio “não” (v.g., art. 244, caput: “Não se fará a citação…”), na regra proibitiva. As normas cogentes tutelam, predominantemente, o interesse público ou o interesse privado. Dir-se-á que, nos domínios do valioso e complexo instrumento instituído pelo Estado para resolver os conflitos, só avulta o primeiro. Tem primazia a aplicação do direito objetivo. Trata-se do velho problema dos fins do processo. Conforme o modelo político, ora prevalece o interesse das partes, ora o interesse público em compor a lide. O NCPC redimensionou o domínio das partes relativamente ao CPC de 1973 (v.g., no procedimento convencional do art. 190 e na delimitação convencional das questões de fato e de direito, prevista no art. 357, § 2.º). Em nenhum momento, porém, mostra-se possível reconhecer no processo um fim em si mesmo, indiferente às expectativas das partes. O impulso oficial convive com a iniciativa das partes. Esse dado revela que o interesse público e o privado integram os fins do processo civil, e, em determinados atos ou etapas do procedimento, sobreleva-se o interesse particular ao público. É na determinação do interesse prevalecente, no modelo prescrito ao ato processual, que reside o verdadeiro problema da separação das nulidades absoluta e relativa. A diretriz encampada, a esse respeito, recai na identificação do beneficiário da forma prescrita ao ato processual. E a regra é a seguinte: toda vez que “começa a esfumaçar-se a titularidade do interesse ou direito”,76 ou seja, não é possível visualizar o proveito ou utilidade concreta à parte – e interesse particular é o da parte –, por exclusão predomina o interesse público. Não se revela tão difícil visualizar essa predominância nos casos concretos. Por exemplo, a proibição de realizar-se a citação por oficial de justiça, exceto para evitar o perecimento da pretensão do autor, no período de gala (art. 244, III), tem destinatário flagrante: o réu. Cuida-se de norma cogente, da espécie proibitiva, tutelando predominantemente o interesse da parte. Logo, a infração à regra não representa nulidade absoluta. Ao invés, a infração à regra de competência funcional ou material, limitada que seja a contaminação dos atos decisórios (art. 64, § 4.º) – e, de resto, tais atos podem ser convalidados pelo tribunal, no conflito de competência, no todo ou em parte (art. 957, caput) –,77 importa nulidade absoluta.78 A tutela do interesse público, decorrente da especialização do órgão judiciário, tem largo predomínio nessa hipótese. Da mesma forma, a lei traça o procedimento e suas etapas com base no interesse público: o processo constitucionalmente legítimo tem as “regras do jogo” prévia e rigidamente estabelecidas, decorrendo do art. 283 que a “forma do processo” é instituída em proveito coletivo (retro, 109), embora passível de disposição das partes sob as condições do art. 190. As barreiras erigidas à invalidação de todos os atos, e

o aproveitamento dos atos compatíveis (art. 282, § 1.º e § 2.º), ajustam a invalidação ao princípio da economia. A prevalência do interesse público, na nulidade absoluta, torna o vício insanável. É a tradição do direito brasileiro.79 Tal fato não impede que, no interesse da pacificação, ou em nome do princípio da proteção, desapareça o direito (e o dever de o juiz atuar) a obter a decretação do vício.80 Em casos tais, o vício do ato não se desfaz, ou seja, o juiz absolutamente incompetente não se transforma em competente: “o que desaparece (ou resta encoberta) é a pretensão ao reconhecimento e desconstituição (= declaração do vício e decretação da invalidade)”.81 Após o trânsito em julgado, tal vício se transforma em causa de rescisão (art. 966, II), e, superado o prazo da rescisória (art. 975), definitivamente extinta a pretensão à desconstituição. 1.252. Nulidade relativa Infringida norma cogente, em que predomina o interesse da parte, há nulidade relativa. O exemplo da citação realizada ao réu no período de gala, infringindo regra proibitiva do art. 244, III, ilustra a hipótese. É imperioso não confundir as nulidades cominadas, situação na qual a lei pressupõe não ter alcançado o ato a sua finalidade, e, conseguintemente, provocado prejuízo à parte, com nulidade absoluta, e, a fortiori, nulidade relativa. Por exemplo, a nulidade decorrente da citação defeituosa é cominada (art. 280), mas relativa: o defeito é sanável pelo comparecimento espontâneo (art. 239, § 1.º). O exemplo da convalidação do chamamento defeituoso é recorrente.82 As regras que versam a forma das comunicações processuais são cogentes, mas tutelam o interesse das partes. Logo, produzem invalidades relativas, convindo não confundir este critério com o que baseia a nulidade cominada (infra, 1.254.2). Os vícios que compõem a figura da nulidade absoluta se mostram insanáveis, cabendo ao juiz prover, a qualquer tempo, a tal respeito. E qualquer das partes, independentemente da sua contribuição à formação do ato defeituoso, poderá invocar o vício. Dispensa-se a demonstração do interesse, ou proveito, que a decretação da invalidade produzirá em sua esfera jurídica. Por esse motivo, o art. 276, a impedir que alegação provenha da parte que deu causa ao defeito (v.g., propondo a demanda perante juiz absolutamente incompetente), simplesmente não incide. Evidentemente, nada obsta que o autor, dando-se conta que propôs a demanda perante juiz absolutamente incompetente, alegue o vício, ensejando que o processo tramite perante o juízo competente. Essa possibilidade explica-se pelo interesse público em jogo. O interesse do Estado abstrai a causa do vício, franqueando aos participantes do processo a respectiva alegação. E não há preclusão: a parte também pode alegar o vício a qualquer tempo. Por sua vez, os vícios atinentes à nulidade relativa mostram-se sanáveis. O juiz deles pode conhecer de ofício, mas há preclusão para a parte. Incide, pois, o art. 278, caput. A parte há de alegar o vício na primeira oportunidade em que intervir no processo. Por exemplo, juntado documento pelo adversário, e descumprido o art. 437, § 1.º, se a parte postular no processo

sem reclamar da preterição, em princípio ficará sanado o defeito. A necessidade de a parte alegar o vício na primeira oportunidade, conforme reza o art. 278, parágrafo único, não se aplica “às nulidades que o juiz deve decretar de ofício”. Entretanto, o art. 278, parágrafo único, somente se aplica às nulidades absolutas. O juiz pode decretar ex officio a nulidade relativa. Neste caso, porém, há preclusão, atinge os poderes das partes (retro, 1.144). Desse modo, quanto às nulidades relativas, vigora o princípio da alegação na primeira oportunidade. Então, pode ocorrer de o juiz conhecer do vício, e decretá-lo, após a ocorrência da preclusão. Tal aspecto do regime da nulidade relativa mereceu a ácida censura de não orientar, convenientemente, a atuação do órgão judiciário, pois o objetivo básico consiste em estabelecer, precisamente, em que casos o juiz deve ou não decretar a invalidade. Fica, aparentemente, ao talante do juiz invalidar o ato ou declarar a preclusão.83 Essa objeção mostra-se superável. Em casos tais, surgem em cena os princípios que presidem a decretação dos vícios sanáveis: a finalidade e o prejuízo. A despeito da omissão da parte, o juiz apreciará o ato do ponto de vista da sua finalidade, pois lhe incumbe dirigir o processo sobranceiro aos interesses das partes. Alcançada a finalidade, apesar de desobedecida a forma prescrita em lei, o juiz considerará válido o ato (art. 277). Desse modo, inexistindo prejuízo (art. 282, § 1.º), ou podendo decidir a causa em favor da parte a quem aproveite a pronúncia da invalidade (art. 282, § 2.º) – por exemplo, apesar do vício da citação e da revelia do réu, há subsídios de direito ou de fato que autorizam o juiz, no estado do processo, rejeitar o pedido do autor –, o juiz não “mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta”.84 1.253. Anulabilidade O papel da anulabilidade afigura-se residual. Raras são as regras dispositivas em processo civil. Existem, porém: (a) a ordem da produção da prova oral em audiência (art. 361);85 e (b) a penhora dos frutos dos bens inalienáveis (art. 834) exemplificam normas dessa natureza.86 Tutelam, senão exclusivamente, ao menos preponderantemente o interesse das partes. É irrelevante, na perspectiva do órgão judiciário, que as testemunhas do réu sejam ouvidas antes das do autor, ou que, existindo outros bens, a penhora recaia sobre os frutos dos bens inalienáveis. Os atos não afetam o interesse público. E nada impede ao réu requerer audiência das testemunhas por ele arroladas em primeiro lugar (v.g., em razão de doença, viagem para o exterior). No entanto, há que ponderar a objeção já exposta, segundo a qual, por definição, normas dispositivas não podem ser violadas. Tais normas, efetivamente, consagram a liberdade de a pessoa escolher, dentro de certos limites, a conduta que satisfaça o próprio interesse. Mas, à semelhança das normas cogentes, as normas dispositivas comportam violação, “desde quando, concretizado o seu suporte fático, incide, e a partir daí torna-se obrigatória e de aplicação compulsória”.87Nada obsta, por exemplo, existindo outros bens, que o executado indique os frutos dos bens inalienáveis como

passíveis de constrição; porém, não se manifestando neste sentido, e recaindo a penhora sobre tais frutos, incide a regra do art. 834. Em outras palavras, e definitivamente, “a distinção terminativa entre cogência e não cogência reside, portanto, na possibilidade de afastar-se, ou não, pela vontade individual a incidência da norma jurídica. A incidência, ela própria, depende apenas de que o suporte fáctico da norma jurídica se concretize suficientemente, não importando, assim, a natureza da norma jurídica, nem a sua posterior aplicação”.88 No tocante às anulabilidades, é vedado ao juiz decretá-las ex officio, incumbindo à parte alegar o vício, na primeira oportunidade, sob pena de preclusão (art. 278,caput). O vício ficará sanado pela simples inação da parte interessada, haja ou não prejuízo. Assim, não reclamando contra a constrição dos frutos, na primeira oportunidade marcada explicitamente no procedimento in executivis, a teor do art. 525, § 11, o ato ficará convalidado. § 261.º Nulidade cominada 1.254. Nulidade cominada e não cominada A distinção entre nulidade cominada e não cominada repousa em base própria. É diferente o critério norteador do que presidiu a identificação das classes precedentes (nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade). Tem largo respaldo na tradição. Não poucos assinalam a nítida evolução promovida pelo CPC de 1939 em matéria de invalidades, abandonando a técnica débil e insuficiente de enumerar os atos viciados, e o fato de ter preservado essa antiga distinção, repassada ao CPC de 1973. É cominada (ou expressa) a nulidade em que a infração à regra é expressa e indica, através de fórmula variável, diretamente tal consequência.89 A elas alude o art. 276 (“Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade…”), encarregando-se os artigos 279 e 280 de exemplificar a categoria. A fórmula da cominação varia um pouco. Em geral, emprega-se o verbo imperativamente (v.g., no art. 280: “… serão nulas quando feitas…”); o art. 279, caput, usa o verbo no presente do indicativo, estabelecendo a contaminação do vício ocorrido em momento anterior (“É nulo o processo…”). Outras expressões, como “obrigatoriamente”, “em qualquer caso”, e o verbo no futuro do indicativo, também evidenciam cominação.90 As expressões discordantes não prejudicam o entendimento da consequência derivada da infração à regra. A nulidade não cominada (ou implícita) é a nulidade desprovida da expressa estipulação nesse sentido. É o que assevera o art. 277. Essa classe de invalidade tem um proveito inesperado. Dela se deduz a inexistência, entre nós, do princípio da tipicidade ou da especificidade.91 O princípio da tipicidade declara inexistente nulidade sem previsão neste sentido (pas de nullité sans texte).92 Essa classificação, fundada em critério específico, suscita dois problemas relevantes: (a) o fundamento da cominação; (b) a compatibilidade e

harmonização operacional com o critério antecedente, ou seja, com as nulidades e anulabilidade. 1.254.1. Fundamento da cominação – A cominação da nulidade estimula o agente, energicamente, a praticar o ato de acordo com o modelo legal, advertindo-o da consequência provável: a invalidação. Por óbvio, estímulo dessa suprema intensidade só tem cabimento no âmbito dos atos de forma vinculada (retro, 1.099.3). O chamamento a juízo do réu é ato de suma importância e, tratando da citação por oficial de justiça, o art. 250 estipula os requisitos do mandado de citação. Para estimular o atendimento à regra, o art. 280 comina a nulidade. Por outro lado, o art. 277 deixa claro que, desrespeitada a forma do ato processual, cuidando-se de atos de forma livre (retro, 1.099.1) ou de forma autorizada (retro, 1.099.2), a invalidação mostrar-se-á fatal somente no caso de o ato efetivamente realizado não atingir a respectiva finalidade. Por exemplo, é livre a forma da arrematação, mas se o respectivo agente (leiloeiro) rejeitar o certame, ou seja, a participação de pessoas concorrentes, firmando o negócio com um interessado predileto, recusando lanços de maior valor, o ato há de ser invalidado. Esse contraste revela, por primeiro, ocupar-se a classe das nulidades cominadas da forma dos atos processuais. Eis a razão por que os artigos 276 e 277 tratam das invalidades cominadas ou não em relação à forma. E expõem o fundamento da cominação. O legislador emite juízo, a priori, que o ato praticado em desacordo com o gabarito legal não atingiu a respectiva finalidade. É juízo quanto à frustração do fim.93 A consequência expressa adverte o agente dos perigos de afastar-se do gabarito legal. No entanto, a efetiva constatação do prejuízo e da quebra de finalidade exige juízo a posteriori do órgão judiciário. Pode ocorrer que, defeituoso o ato, divorciado da forma vinculada, afinal alcance a finalidade. Por esse motivo, “a invalidade só será inevitável, em processo, quando, além de cominada, for absoluta a nulidade”, mais por absoluta do que por cominada.94 1.254.2. Compatibilidade das classificações – A discrepância dos critérios classificatórios, no tocante ao grupo das nulidades e da anulabilidade, de um lado, e o das nulidades cominadas e não cominadas, enseja múltiplas incertezas. É na própria origem das nulidades cominadas que surgem as dúvidas. Nulidade substancial, dizia-se então, é a que nasce da violação da lei, que fulmina expressamente “essa pena”, enquanto a nulidade acidental, ou relativa, resulta da inobservância da lei que tutela interesses individuais e privados.95 O caráter cogente da regra não torna, por esse motivo, a nulidade necessariamente cominada. Em particular, no caso das normas proibitivas (v.g., o art. 244,caput: “Não se fará a citação…”) esse entendimento é importante.96 Efeito do quilate da cominação exige a presença, ao lado da proibição em si, da chamada “cláusula irritante”.97 Esta é que indica a cominação, jamais a natureza da regra. Em alguns casos, há concorrência de conceitos, como sucede na hipótese da competência absoluta (art. 64, § 4.º). Trata-se de nulidade absoluta e cominada. Entretanto, a coincidência das noções é parcial em dois sentidos.

Existem nulidades absolutas não cominadas (v.g., a do processo simulado, a teor do art. 142), e há nulidades relativas cominadas (v.g., a falta de intervenção do Ministério Público na hipótese do art. 178, II; o vício na representação do autor, a teor do art. 76, § 1.º, I).98 Enfim, nulidade cominada e nulidade absoluta, porque assentadas em bases distintas, não se confundem.99 É por força da indevida indistinção entre tais espécies diversas que, impropriamente, diz-se sanável a nulidade absoluta em determinados casos.100 “Ora, ou a nulidade absoluta, por definição, reflete vício insanável”, escreveu-se egregiamente, “ou inexiste nulidade absoluta em processo”.101 1.255. Invalidades cominadas na fase ou processo de conhecimento Os artigos 279 e 280 cominam duas nulidades: (a) a decorrente da falta de intimação do Ministério Público, nos casos do art. 178; (b) a decorrente da realização das intimações e da citação em desconformidade com as prescrições legais. Essas disposições não esgotam as hipóteses de nulidades cominadas na fase ou no processo de conhecimento, mas reclamam realce, porque inseridas no capítulo das invalidades. 1.255.1. Invalidade por ausência de intimação do Ministério Público – No processo civil, o Ministério Público desempenha duas funções: (a) parte principal; e (b) parte coadjuvante (retro, 1.046). Neste último caso, verificado o motivo da intervenção como fiscal da ordem jurídica (art. 178), incumbe à parte e ao órgão judiciário promover a intimação do agente do Ministério Público (art. 178, caput) Trata-se, portanto, de nulidade diretamente cominada. O art. 279 reafirma o vício do processo, na falta dessa intimação. Antes de se estabelecer a natureza do vício, porém, é preciso identificar o seu objeto, ponto de imensa repercussão prática. 1.255.1.1. Intimação e participação do Ministério Público – É digno de atenção o objeto do vício que ensejará a invalidade. O art. 80, § 2.º, do CPC de 1939 declarava “obrigatória a intervenção do órgão do Ministério Público”, averbando o art. 84, caput, do CPC de 1939, “nulos os atos realizados com preterição” dessa formalidade. Por sua vez, o art. 84 do CPC de 1973, nos casos em que obrigatória a intervenção do Ministério Público, só gravava a parte com o ônus de promover a intimação. Ora, a intimação é só o meio técnico propiciador da intervenção opportuno tempore. Em nenhum momento, realmente, a lei vigente impõe a efetiva intervenção do agente do Ministério Público, cominando invalidade no caso de ausência dessa participação. Ao contrário, findo o prazo de manifestação, o juiz requisitará os autos e dará prosseguimento ao processo (art. 180, § 1.º). O vício dos atos subsequentes consiste na ausência da respectiva intimação.102 O agente do Ministério Público tem ampla independência jurídica (retro, 1.044.3), principalmente nos casos em que funciona como parte coadjuvante (retro, 1.050.2); por exemplo, entende que não é caso de intervenção, e não acode à intimação, sustentando, ou não, tal ponto de vista. Os atos processuais não se tornam viciados em virtude da abstenção voluntária do integrante do Ministério Público, ou da deficiência na sua

manifestação.103 Essa omissão só adquire relevo no âmbito administrativo. Eventualmente, sujeitará o agente omisso à sanção dos órgãos de controle interno da instituição. Porém, não repercute no processo.104 Vale lembrar, afinal, o art. 179, II, que só faculta a manifestação mais consistente (“… poderá produzir provas, requerer medidas processuais e recorrer”). O STJ firmara o entendimento que, no mandado de segurança, “não basta a intimação do Ministério Público, fazendo-se mister o seu efetivo pronunciamento”.105 O art. 12, parágrafo único, da Lei 12.016/2009 corrigiu o entendimento errôneo, deixando claro que, passado o prazo de dez dias da intimação do Ministério Público, “com ou sem parecer”, o escrivão fará conclusos os autos para julgamento. Idêntica é o efeito do art. 180, § 1.º, do NCPC. O comparecimento espontâneo do agente do Ministério Público, a despeito de não intimado, supre a inexistência do ato de intimação e sana o vício dos atos subsequentes. 1.255.1.2. Natureza da invalidade e saneamento do vício – Em princípio, a invalidade decorrente da falta de intimação do Ministério Público, além de cominada, revela-se absoluta, nas hipóteses descritas nos incisos I e III do art. 178.106 À primeira vista, prevalece o interesse público nessas hipóteses de intervenção. Logo, cuidar-se-ia de vício insanável, devendo o juiz, ex officio, anular o processo, a partir da oportunidade em que deveria ocorrer a intimação (art. 279, § 1.º, in fine). Nas causas cujo processamento se inicia no primeiro grau, o agente do Ministério Público há de ser intimado depois dos atos postulatórios principais das partes (art. 179, I), ou seja, após o prazo de contestação – fica, pois, aliviado da partição da audiência do art. 334 –, e, em seguida, intimado de todos os atos posteriores. A primeira brecha na armadura do interesse público, impossibilitando o suprimento ou o saneamento do vício, abriu-se na hipótese hoje versada no art. 179, II. A intervenção do Ministério Público nas causas em que houver interesse de incapaz realiza-se, prevalecentemente, no interesse da parte débil. Essa circunstância relativiza a invalidade, incidindo o princípio que rege a decretação da invalidade, o da inexistência de prejuízo.107 Decidindo o juiz a causa a favor do incapaz, a falta de intimação do Ministério Público, propiciando a sua intervenção no processo em prol desse interesse, nenhum prejuízo provocou, em tese, ao interesse tutelado. Em tal contingência, suprese a falta, conforme proclamou o STJ, reconhecendo não se configurar nulidade absoluta (e, portanto, insanável) em casos tais.108 Além dessa fissura, ainda insuficiente para diluir a predominância do interesse público, mencionado, expressis verbis, no art. 179, I, como o motivo da intervenção, à época da vigência do CPC de 1939 já desenvolvera-se o entendimento de a manifestação do Ministério Público, no tribunal, suprir a falta de intimação em primeiro grau.109 Ao exigir que a invalidação ocorra “a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado”, o art. 279, § 1.º, contrapõe-se a essa linha liberal, impressão logo desfeita pelo parágrafo seguinte, in verbis: “A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo”.

O NCPC seguiu no art. 279, § 2.º, a linha definida na jurisprudência. O STJ estimou que, intervindo o Ministério Público no segundo grau, sem arguir o vício, nem alegar prejuízo, suprir-se-ia a falta de intervenção no primeiro grau.110 Em tal hipótese, saneia-se o vício ocorrido a partir do momento em que o Ministério Público deveria ter sido intimado.111 Segundo opinião de alto crédito, “essa orientação expressa o princípio da retificação dos atos irrelevantes para a fiscalização da lei, que pode ocorrer em qualquer grau, desde que, porém, a opinião exarada pelo Ministério Público seja neste sentido”.112 Essa irrelevância é mais hipotética do que real, pois não se pode deduzir, legitimamente, que a coleta da prova oral, sem as perguntas formuladas pelo agente do Ministério Público, por exemplo, não tomaria outros rumos no caso concreto. Daí por que, alegando o Ministério Público prejuízo, o juiz invalidará os atos (art. 279, § 1.º). Não é isenta de consequências, no plano sistemático, o saneamento do vício do processo, a posteriori, e o suprimento da falta de intimação pela intervenção posterior. O que inexiste, convém recordar, supre-se.113 A nulidade absoluta, cominada ou não, é insanável. Se a atividade posterior sana o vício dos atos anteriores, por qualquer motivo, a nulidade é relativa. Essa transmudação harmoniza-se com tendência contemporânea de rejeitar vícios insanáveis, mas amesquinha as funções do Ministério Público. É melhor dispensar-lhe a intervenção, porque atualmente desnecessário coadjuvar a representação técnica das partes, do que reduzi-la a um simulacro de defesa do interesse público. 1.255.2. Invalidade da citação e das intimações feitas sem observância das prescrições legais – A comunicação dos atos processuais é de suma importância para o destinatário. A convocação a juízo abre o prazo de resposta e entronca-se com o direito fundamental processual à (ampla) defesa. E a intimação do advogado da emissão da sentença abre prazo de recursos. Parece natural prescrever nulos os atos da citação e da intimação no caso de descumprimento do gabarito legal. É o que preceitua o art. 280. A invalidade prevista no art. 280 é relativa. As regras que presidem a forma da comunicação dos atos processuais têm natureza cogente, mas tutelam, predominantemente, o interesse da parte. Por conseguinte, cabe ao interessado arguir o vício, na primeira oportunidade, provocando a inércia preclusão. No que tange à citação, há regra expressa: o comparecimento espontâneo supre a falta de citação (art. 239, § 1.º), e, por igual, tal comportamento do réu sana eventual vício. Comparecendo o réu somente para arguir o vício, ou a falta, o juiz examinará a questão, estipulando o art. 239, § 2.º, os reflexos do ato conforme a atitude do réu. Essas atitudes do réu já receberam exame (retro, 316.3). As disposições dos parágrafos mencionados aplicam-se indubitavelmente às intimações, por interpretação extensiva.114 Decretada a invalidade da intimação, há de se considerar feita na oportunidade em que o advogado da parte for intimado da respectiva decisão.115 A ciência inequívoca do procurador (v.g., a retirada dos autos em carga, a teor do art. 231, VIII) também supre a falta ou sana o vício da intimação.116

As prescrições legais, mencionadas na parte final do art. 280, respeitam ao modus operandi da comunicação.117 Por exemplo, viciado é o ato de citação realizado no período de gala, infringindo o art. 244, III, ou a intimação por publicação na qual não conste o nome completo do advogado suficiente à sua identificação (art. 272, § 4.º). Em doutrina, distingue-se o conteúdo da forma do ato;118 entre nós, a última engloba o primeiro. É importante remarcar os corolários da inexistência e da nulidade da citação no processo. Tal assunto já mereceu considerações na oportunidade da distinção dos planos da existência, da validade e da eficácia, mas tem particular relevo. Em caso de falta ou de nulidade de citação, provocando a revelia do réu – do contrário, ocorreu o suprimento ou a sanação, como sugere o art. 239, § 1.º –, o processo existe e mostra-se plenamente eficaz perante o réu, conquanto vicioso, tanto que o provimento nele proferido torna-se exequível. A simples necessidade de o art. 525, § 1.º, I, erigir como motivo hábil à impugnação do executado demonstra que o processo e o provimento nele proferido surtem efeitos até o réu arredá-los, opondo-se à execução.119 A omissão do executado implicará, eventualmente, a transferência irremediável de seu patrimônio para terceiros, salvo desistência do adquirente. Todavia, o vício (dos atos subsequentes) se afigura tão intenso e grave, haja vista a falta e a nulidade da citação, que semelhante provimento (existente e eficaz) fica amputada de uma eficácia particular, a da autoridade da coisa julgada (art. 502). Por esse motivo, a inexistência ou a nulidade da citação comportam alegação através dos meios de oposição do executado – embargos e impugnação (art. 525, § 1.º, I, e art. 535, I) –, e, não, necessariamente, por intermédio de ação rescisória. 1.256. Invalidades cominadas na fase ou processo de execução O art. 803 do NCPC comina três nulidades na fase (cumprimento da sentença) ou no processo de execução. À exceção da primeira, as demais nulidades são relativas e sanáveis pela falta de alegação na primeira oportunidade. O art. 803, parágrafo único, autorizando o juiz conhecer de todos os vícios, ex officio, não é incompatível com essa natureza. 1.256.1. Falta de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo – É nula a execução, segundo o art. 803, I, fundamentada em título despido dos caracteres previstos no art. 783: certeza, liquidez e exigibilidade. O título há de materialmente existir (certeza), indicar o objeto da prestação (liquidez) e, tratando-se de dívida subordinada a algum acontecimento futuro (termo ou condição), este já deve ter ocorrido (v.g., a data do vencimento da cártula). Os atributos do art. 783 “devem se verificar no momento inicial da execução forçada, não naquele em que se formou o título”.120 O alvitre aplicase, em especial, no concernente à exigibilidade e à liquidez, eventualmente decorrentes de eventos supervenientes à formação do título – respectivamente, o advento do termo e a liquidação. É lícito ao executado arguir a nulidade, a qualquer tempo – responderá, todavia, pelas custas derivadas do retardamento –, e ao juiz pronunciá-la de

ofício,121 na própria execução (art. 515, § 11), na impugnação (art. 525, § 1.º) ou nos embargos.122 Por exemplo, pretendendo o vitorioso executar antes de implementado o prazo de espera do art. 523, caput. No que tange aos títulos extrajudiciais, o art. 917, I, contempla, como causa petendi hábil para o executado se opor à pretensão a executar, a alegação de “inexequibilidade do título”. A fórmula compreende duas alegações: (a) a reação contra a inexistência, em tese, de título executivo, porque o documento que instrui a petição inicial é estranho ao catálogo do art. 784; e (b) reação contra a inexistência, em concreto, dos predicados da certeza e da liquidez, vez que a exigibilidade vem a seguir na previsão do art. 917, I. Em geral, dívidas ilíquidas são inexigíveis; mas há casos de dívidas líquidas e inexigíveis. Em virtude da colocação sistemática da matéria, sentença que pronuncie a nulidade da execução por vício do título, a teor do art. 803, I, extinguirá o processo, porque inadmissível a pretensão a executar, ajuizada prematuramente. Por conseguinte, não ofende a coisa julgada – admitida a premissa de o juízo a respeito revestir-se da auctoritas rei iudicate – o credor ajuizar nova execução, suprida a omissão.123 1.256.2. Citação inexistente ou nula do executado – A execução fundada em título judicial, exceto nos casos do art. 515, § 1.º, dispensa citação; porém, a execução fundada em título extrajudicial alcança a esfera jurídica do executado através da citação. Desapareceu o ônus de o autor requer a citação, ao deduzir pretensão em juízo, mas nada o impede de fazê-lo na petição inicial cujos requisitos encontram-se previstos no art. 798. O chamamento aludido no art. 803, II, do NCPC é o da própria execução, realizado em conformidade a um dos modos admitidos (retro, 1.194). E há citação dessa natureza no cumprimento de sentença, a teor do art. 515, § 1.º, tanto que se baseie a execução na sentença penal, na sentença arbitral, na sentença estrangeira e na decisão passado o exequatur e, apesar da omissão do texto, na autocomposição extrajudicial homologado, por identidade de motivos. A citação nula vicia todos os atos subsequentes do processo, sem que seja viável controlar os efeitos da moléstia como se se tratasse de focos de uma epidemia.124 Porém, não é elemento constitutivo da existência dos atos executivos ulteriores.125 Deverá o juiz, pronunciando a invalidade, ordenar a repetição da citação, desfazendo os atos já praticados desde este momento (art. 282, caput). 1.256.3. Verificação do termo ou condição – O art. 803, III, comina nulidade à execução realizada antes do implemento do termo ou da condição. É hipótese tautológica: a verificação desses acontecimentos futuros torna a dívida exigível do obrigado, e, portanto, a hipótese enquadra-se no inciso I do art. 803 c/c art. 783. 1.257. Invalidade em razão da forma dos atos processuais Formalmente, o ato processual é típico. Além da forma, no sentido estrito, como o meio de a pessoa exteriorizar a vontade, também os demais

elementos de existência, inclusive os extrínsecos (tempo, lugar e agente), obedecem ao modelo consentido, autorizado ou predeterminado na lei. A exigência de atos típicos se justifica pela necessidade de organizar o processo, a fim de que atinja os fins que lhe são próprios. Em que pese típico o ato, a forma propriamente dita é, em princípio, livre. Por exceção, os atos têm forma prescrita em lei, com ou sem a cominação de nulidade, como se infere dos artigos 276 e 277. E, neste caso, a forma pode ser predeterminada, ou seja, dotada de extrema rigidez, ou autorizada. Exemplo de ato de forma livre é a arrematação. Encarregado o auxiliar do juízo (leiloeiro) de realizar o ato, a lei não traçou o roteiro, ficando este entregue aos pendores da tradição. Dispôs tão só acerca do valor da proposta (v.g., proibindo o preço vil, a teor do art. 891, caput) e da legitimação (v.g., instituindo as restrições do art. 890). No entanto, atos de forma livre também podem ser inválidos – e, no caso da arrematação, há previsão explícita no art. 903, § 1.º, I, in fine, do desfazimento da arrematação por “outro vício”. Por exemplo, deixando o leiloeiro de realizar o pregão dos bens, e, dessa maneira, negando a possibilidade de os interessados competirem, vencendo o que oferecer o maior valor, o ato mostrar-se-á inválido, porque frustrada a finalidade. No caso dos atos de forma autorizada, a lei não exclui outras modalidades como aptas para atingir a finalidade, mas indica a sua preferência técnica. Assim, os termos podem ser produzidos digitalmente, inclusive nos autos físicos, mas nada impede que o escrivão use carimbo de borracha para imprimi-lo no papel. Os atos de forma vinculada, ao contrário, nenhuma margem de discrepância concedem ao agente. Por exemplo, o art. 250 regulou os requisitos do mandado de citação, e o art. 251 estipulou a conduta do oficial de justiça, considerando que, descumpridos tais pressupostos, o ato de citação não se revela idôneo à finalidade de chamar o réu a juízo. Esses atos têm forma prescrita em lei (art. 188). A eles se refere, precipuamente, as disposições dos artigos 276 e 277, começando ambos, convergentemente, com a seguinte cláusula: “Quando a lei prescrever determinada forma…” Havendo cominação de nulidade, como ocorre com a citação, exemplificativamente, o art. 276 declara que a decretação da invalidade “não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa”. Essa restrição só tem sentido na nulidade relativa – infração a requisito necessário, previsto em norma cogente, mas instituída a forma no interesse da parte.126 Ao invés, tratando-se de nulidade absoluta, por definição insanável, não importará a parte que deu causa ao vício, porque o juiz há de atuar ex officio, exigindo o dever de lealdade que as partes apontem, incontinenti, o vício. E, embora reduzida à dimensão própria, a regra há de ser interpretada com alguma flexibilidade. É certo que ela se inspira no antigo e salutar princípio “de que a ninguém é lícito tirar proveito da sua improbidade – nemo de improbitate sua consequitur actionem”.127 Ora, a parte que deu causa ao vício pode arrepender-se, tardiamente, e apontá-lo ao juízo. Figure-se a hipótese de o autor afirmar,

falsamente, encontrar-se o réu em lugar incerto (art. 256, II), descumprindo, conseguintemente, o art. 257, I. Feita a citação por edital, interessa precipuamente ao réu invalidar o ato; porém, o autor pode se arrepender da afirmativa falsa, indicando ao juiz o endereço exato do réu e requerendo a citação por oficial de justiça. Não há dúvida que o autor incidirá na sanção pecuniária do art. 258 (retro, 1.217). Ao juiz só cabe invalidar a citação, graças à provocação do autor, porque não disporia do dado necessário (o endereço do réu) para atuar de ofício. A aplicação literal do art. 276 impediria o juiz de decretar a invalidade, o que representaria autêntico absurdo, conquanto relativa (e cominada) a invalidade da citação por edital realizada. O art. 277 preceitua que, inexistindo cominação, o juiz considerará válido o ato realizado em desacordo com a forma prescrita em lei se alcançou a respectiva finalidade. A regra incide nos casos de a regra de forma indicar somente certa preferência técnica.128 Tem por objetivo regular os vícios dos atos processuais de forma livre (retro, 1.099.1) ou de forma autorizada (retro, 1.099.2). Em tais hipóteses, alcançada a finalidade do ato, “o juiz considerará válido o ato”. Nenhum reparo merece a disposição. Não importa o vício acarretar nulidade absoluta ou relativa.129 Embora se presuma na invalidade absoluta o fato de o ato não atingir a finalidade, tal presunção é relativa, não necessitando o juiz de decretar a invalidade no caso contrário, como determina, precisamente, a parte final do art. 277. 1.258. Invalidade em razão da forma do processo O emprego de procedimento impróprio só acarretará a extinção do processo se inexistir possibilidade de adaptação (ou conversão) ao procedimento legal. A adaptação exigirá a eliminação dos atos intrínsecos ao procedimento impróprio e incompatíveis com os do procedimento próprio. Em princípio, a lei estabelece o procedimento adequado à causa e retira do domínio das partes, ou do órgão judiciário, a respectiva adoção. É obrigatório o emprego do rito predeterminado pela lei, salvo a convenção do art. 190, inserida no domínio das partes. Não é assunto que fique à disposição do órgão judiciário, porque a instituição do procedimento, e a obrigatoriedade do uso, tutelam os direitos processuais fundamentais em proveito das partes, empreendendo a ponderação dos interesses em jogo e conflitantes. O equívoco no emprego do procedimento deriva, em geral, da errônea avaliação da natureza ou do valor da causa pelo autor. Por exemplo, o adquirente de imóvel ingressa em juízo contra o alienante, pleiteando posse, e considera tal pretensão (a de emissão) como possessória, em vez de petitória. O problema do erro de “forma do processo” também se põe, agudamente, na cumulação de ações, correspondendo a um dos pedidos do procedimento especial,130 ponto já examinado (retro, 280.3). Cumpre ao juiz, antes de mais nada, envidar esforços para adaptá-lo ao procedimento legal ou convencional. A extinção do processo é medida extrema. Segundo o art. 283, caput, inserido no capítulo das invalidades, o “erro de forma do processo” exigirá a invalidação somente dos atos que não possam ser aproveitados, ou seja, incompatíveis com o roteiro do procedimento próprio. Em tal contingência, há que praticar-se “os que forem necessários a fim de observarem”, quanto possível, “as prescrições legais”. A

expressão “forma do processo”, antigamente chamada de ordem do juízo, alude ao procedimento. Essa regra cura da escolha errônea do procedimento, ou seja, do emprego de procedimento impróprio em lugar do próprio.131 Tal fato não importará, fatalmente, a anulação dos atos já praticados, salvo os que prejudiquem à defesa (art. 283, parágrafo único). O juiz deverá aproveitar os atos praticados, na medida do possível, e ordenar a prática dos atos necessários a esse aproveitamento, quando necessário. Não há erro na “forma do processo” decorrente da designação errônea da pretensão do autor. É dado irrelevante, porque a individualização do objeto litigioso assenta nos elementos objetivos (causa petenti e pedido), a teor do art. 337, § 2.º (retro, 236). Por exemplo, o uso de “ação de cobrança” não impede que, desde o início, imprima-se o rito adequado a pretensão a executar fundada em documento previsto no art. 784. É preciso que o autor opte, explicitamente, pela via ordinária. O art. 283, caput, impõe ao órgão judiciário três atividades correlatas, com o escopo de realizar a adaptação: primeiro, anulará os atos já praticados, no procedimento impróprio, mas incompatíveis com o rito próprio; depois, declarará quais atos do procedimento impróprio, porque compatíveis, podem ser aproveitados; e, por fim, praticará os que forem necessários para observar as prescrições do procedimento próprio. O critério que há de nortear o órgão judiciário, nesses misteres, reside na idoneidade dos atos praticados no procedimento impróprio, considerando a natureza da causa, para atingir as finalidades dos atos previstos no procedimento próprio. A lei institui procedimentos especiais em atenção às peculiaridades do objeto litigioso. Então, o juiz deve indagar se o procedimento eleito, apesar de impróprio, não calha ao objeto litigioso, e só respondendo negativamente ao quesito providenciará a invalidação dos atos inadequados, aplicando diretamente o art. 283, caput. Dessa diretriz singela já derivam efeitos expressivos. O rito comum é subsidiário, flexível e, de regra, adaptável a quaisquer causas. É por essa razão que, elegendo o autor o rito comum (impróprio), em lugar do especial (próprio), nenhuma conversão mostrar-se-á necessária, respeitando as técnicas diferenciadas do próprio (art. 327, § 2.º). Deduzida a pretensão possessória pelo rito comum (impróprio), em vez do especial, também nenhuma emenda se revela imperiosa. E, principalmente, o crédito representado por título extrajudicial pode ser cobrado no procedimento comum (art. 785), abdicando o credor da via executiva, “o que enseja até situação menos gravosa para o devedor”, conforme proclamou o STJ.132 Nos exemplos ministrados, a rigor, nenhum ato praticado no procedimento impróprio necessitará de invalidação. Todos os atos hão de ser aproveitados, dispensada a prática de qualquer outro ato. É diferente a solução na hipótese de o autor escolher procedimento que restrinja a cognição do juiz, contemple uma fase inicial peculiar, ou conceda prazos menores à defesa do réu. Nesses casos, o prejuízo à defesa, ressalvado no art. 283, parágrafo único, mostra-se manifesto. É claro que essa expressão alcança ambas as partes, devendo ser entendida como prejuízo à defesa do direito de qualquer das partes;133 porém, em geral o réu

arca com os custos da concentração dos atos processuais e a especialidade do procedimento. O emprego do antigo rito sumário (impróprio), em lugar do antigo ordinário (próprio), exemplificava a hipótese.134Não é possível fundamentar a ausência de prejuízo na amplitude da cognição,135 porque idêntica nas duas hipóteses – o antigo sumário era plenário rápido –, mas na ausência de prejuízo, inexistindo ganho de tempo significativo no sumário. É muito difícil assentar, abstratamente, que atos o juiz invalidará, após ordenar a adaptação do procedimento. Parece claro que o juiz aproveitará a petição inicial, a resposta oferecida, empregando o rol de testemunhas já apresentado em futura audiência de instrução. Em certas condições, verificada a impropriedade ao primeiro contato com a inicial, nenhuma invalidação mostrar-se necessária, nem sequer haverá a necessidade de ratificar, retificar ou repetir qualquer ato. A impropriedade da designação da demanda não impede a incidência do art. 283. O fato de o autor designar a causa como “ação ordinária de cobrança”, mas exigir contas do réu, não impede que empreste à pretensão efetivamente deduzida o rito próprio (e especial). O que identifica a pretensão do autor são os elementos objetivos (causa de pedir e pedido) previstos no art. 337, § 2.º, do NCPC. Desse modo, apesar da designação de imissão na posse, que é ação petitória, o STJ admitiu o prosseguimento do processo como reintegração na posse, porque era a pretensão efetivamente deduzida.136 Em outras palavras, adaptou o rito comum ao rito especial. A adaptação concebível respeita à “forma do processo”, e, não, ao objeto litigioso. Não é dado ao juiz ingressar na esfera da autonomia privada e, ex officio, modificar ou corrigir a causa petendi ou o pedido, e, a partir dessas adaptações, eleger o procedimento próprio à pretensão modificada ou corrigida. Em outras palavras, a ação (no sentido de objeto litigioso) não comporta adaptação ou conversão.137 Por exemplo, pedindo o autor tutela possessória, sob o fundamento de esbulho, e defendendo-se o réu com a alegação de que jamais teve posse do bem, não é possível alterar a pretensão para resolução do contrato, como decidiu o STJ.138 § 262.º Decretação das invalidades 1.259. Iniciativa no controle das invalidades Em passagem anterior (retro, 1.249), remarcou-se a questão da iniciativa, consoante a natureza do vício contaminante do ato processual. As invalidades absoluta e relativa submetem-se ao controle ex officio do órgão judiciário. Cabe ao juiz prover, a qualquer tempo, a esse respeito, decretando a invalidade insanável, salvo neste caso, bem como na hipótese de vício sanável, a configuração de barreira à invalidação, decorrente da circunstância de o ato ter atingido a finalidade. As anulabilidades subordinamse à exclusiva iniciativa da parte. Na hipótese de o órgão judicial atuar ex officio, impõe-se respeitar o contraditório, evitando a emissão de “decisão surpresa”.139 A classificação das invalidades em cominada e não cominada nenhuma influência exercem na esfera do controle judicial dos vícios dos atos processuais. Não é incorreto afirmar que toda nulidade cominada há de ser

pronunciada ex officio.140 Todavia, semelhante juízo não expõe o motivo da atuação oficial. O juiz decretará a invalidade de ofício sempre que infringida norma cogente, seja a nulidade absoluta, seja a nulidade relativa. E não se pode dizer que as nulidades não cominadas dependam da alegação da parte.141 Há nulidades não cominadas que comportam decretação de ofício (retro, 1.254). 1.259.1. Iniciativa quanto à nulidade absoluta – No caso da nulidade absoluta, além da provisão de ofício, qualquer das partes, independentemente da sua contribuição à formação do ato defeituoso, legitima-se a alegar o vício e obter a invalidação. Dispensa-se a demonstração do interesse, ou proveito, que a decretação da invalidade produzirá em sua esfera jurídica. Por esse motivo, o art. 276, a impedir que alegação provenha da parte que deu causa ao defeito (v.g., propondo a demanda perante juiz absolutamente incompetente), simplesmente não incide.142 O exemplo da incompetência absoluta elucida o caso. O autor que dirigiu a demanda a órgão judiciário absolutamente incompetente, e que deu causa ao vício, tem o dever de denunciá-lo, consoante o princípio da lealdade processual. O interesse público, posto à base das regras de competência absoluta, leva à abstração da causa, ensejando a qualquer participante do processo a alegação do vício. Não há preclusão. A alegação tardia atribui à parte que causou o ato responsabilidade pelas despesas relativas aos atos supérfluos e invalidados. Nada mais. 1.259.2. Iniciativa quanto à nulidade relativa – O juiz pode conhecer da nulidade relativa, ex officio, mas tais vícios se mostram sanáveis. Por conseguinte, incidirá o art. 278, caput. A parte necessita alegar o vício na primeira oportunidade em que intervir no processo, sob pena de preclusão. Evidentemente, o prejuízo não desaparece com a preclusão. Ao contrário, o prejuízo consolida-se, graças à inércia do interessado. Exemplos: (a) juntado documento pelo adversário, e descumprido o art. 437, § 1.º, se a parte postular no processo sem reclamar da preterição, em princípio ficará sanado o defeito; (b) omitida a intimação do apelado para responder à apelação, não há oposição ao julgamento da causa, intimadas as partes da designação da sessão de julgamento (art. 935, caput), mas o apelado alega o vício somente nos embargos de declaração opostos ao acórdão desfavorável. Segundo o art. 278, parágrafo único, a necessidade de a parte alegar o vício na primeira oportunidade não se aplica “às nulidades que o juiz deva decretar de ofício”. A disposição somente se aplica às nulidades absolutas. No tocante às nulidades relativas, também decretáveis de ofício, há preclusão,143 que atinge os poderes das partes (retro, 1.144). E não importa que seja nulidade cominada, como no caso das intimações (art. 280). O STJ incorreu em erro ao não reconhecer a preclusão derivada da falta de arguição do vício da intimação na primeira oportunidade para a parte falar nos autos, aplicando, sem as distinções necessárias, o art. 278, parágrafo único.144 Fica subentendida, na convivência da preclusão para a parte e atuação do juiz, ex officio, a possibilidade de o juiz conhecer do vício, e decretá-lo, após a ocorrência da preclusão.145 Logra explicação o fenômeno na circunstância de,

sem prejuízo do assentimento da parte, o juiz verificar que o ato não atingiu a respectiva finalidade. E convém não confundir, na matéria, a nulidade cominada e a nulidade absoluta. O art. 276, segunda parte, aplica-se às nulidades cominadas, impedindo a alegação pela parte que lhe deu causa, só no caso de serem relativas.146 1.259.3. Iniciativa quanto à anulabilidade – As anulabilidades subordinamse à alegação da parte. Delas o juiz não pode conhecer de ofício. E, naturalmente, vigora o princípio da alegação na primeira oportunidade (art. 278, caput). Ocorrerá preclusão, deixando a parte de alegar o vício, no momento oportuno, salvo demonstração de justo impedimento. O saneamento dependerá, simplesmente, da inércia do interessado.147 1.259.4. Oportunidade da iniciativa da parte – A “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos”, segundo a expressão do art. 278, caput, varia conforme a etapa do procedimento. O vício da citação há de ser alegado pelo réu na defesa (art. 337, I). Desejando apontá-lo o autor, admitindo-se a estrita incidência do art. 278, não há oportunidade predeterminada, e, no caso de revelia do réu, acompanhada do efeito material (art. 344), hipótese em que o procedimento se precipita (art. 355, II), inexiste momento definido. O autor há de intervir antes de o juiz julgar a causa. Já no caso de revelia desacompanhada do efeito material, o autor denunciará o vício no prazo do art. 348. Por vezes, a parte precisará interpor recurso para o órgão judiciário apreciar o vício. Por exemplo, desrespeitado o prazo do art. 935, caput, e, sem embargo, julgado o recurso pelo órgão fracionário do tribunal, a parte prejudicada deverá interpor embargos de declaração e, no caso de insucesso no pedido de retratação, aviar recurso especial. 1.259.5. Legítimo impedimento como obstáculo à preclusão – O art. 278, parágrafo único, afasta a preclusão no caso de a parte alegar (e provar) legítimo impedimento. O prazo para alegar o justo impedimento é de cinco dias, a teor do art. 218, § 3.º, contados da data do desaparecimento da causa do obstáculo.148 Fora daí, valem as considerações já feitas no concernente às restituições de prazos, em geral (retro, 1.171). Os conceitos de justa causa e de legítimo impedimento, e fórmulas congêneres, equiparam-se na prática.149 1.260. Meios de controle das invalidades Em matéria de invalidades, há pluralidade de meios à disposição das partes para alegar o vício, admitindo-se a respectiva fungibilidade. O vício pode ser apontado, sem maiores formalidades, através de petição do interessado. A alegação na primeira oportunidade, exigida para as nulidades relativas e anulabilidades, porque sanáveis, delimita o meio por este motivo, e não porque haja remédio específico e determinado. Nada impede, por exemplo, o comparecimento do réu no processo, espontaneamente, somente para alegar o vício, aguardando a sua decretação antes do término do prazo de contestação (art. 239, § 1.º). Não é atitude cautelosa, e, por isso, raramente acontece na prática, preferindo o réu acomodar a reação com o princípio da eventualidade (retro, 311.2). Entretanto, é perfeitamente

concebível. Se ao réu toca alegar os vícios até então verificados na própria contestação (ou, no mínimo, no prazo da contestação), ao autor cabe escrutinar a resposta do réu e arguir-lhe os vícios no prazo do art. 351, o que também marca o meio pelo qual realizará a alegação. As linhas gerais desses pontos referenciais – o réu alega o vício na contestação e, preliminarmente, o juiz colhe a manifestação do autor, antes de ordenar medidas saneadoras – evidenciam que, na decretação da invalidade, indispensável respeitar o contraditório.150 A arguição fora do momento propício, embora admissível, exigirá a prévia audiência do adversário. É comum as partes alegarem vícios do procedimento (errores in procedendo) na impugnação aos atos decisórios (art. 994). Neste particular, inexiste no direito pátrio, à semelhança da maioria das legislações, recurso específico para impugnar errores in procedendo.151 Os recursos ordinários, de longa data, absorveram essa função, conjugada à da reforma.152 Na fase ou no processo de execução, a pluralidade de meios é mais evidente. É lícito ao executado, por exemplo, alegar o vício da penhora diretamente nos autos da execução (v.g., art. 525, § 11) ou através da ação de oposição, nas modalidades de impugnação (art. 525, § 1.º) e de embargos (art. 917, II). Neste último caso, a alegação dar-se-á em processo autônomo Por sinal, o vício do art. 803, I, é objeto de motivo específico para embargos, como se infere do art. 239, § 2.º, II, mas também pode ser alegado diretamente na execução. E na arrematação, não se mostrando mais possível decretar o vício na própria execução, o legitimado poderá valer-se de ação anulatória (art. 903, § 4.º). Por óbvio, os vícios alegáveis e decretáveis, tratando-se de execução fundada em título judicial, são os atinentes aos atos de cumprimento da regra jurídica já formulada (art. 525, § 11), e, não, os porventura ocorridos na fase de conhecimento, com exceção da hipótese do art. 525, § 1.º, I. Fora daí, a coisa julgada tornou oserrores in procedendo anteriores ao cumprimento da sentença motivos de rescisão (art. 966, V), tratando-se de execução definitiva.153 Em relação à liquidação, o art. 509, § 4.º, erige barreira à invalidação dos atos que originaram o título executivo judicial, na medida em que é vedado “discutir de novo a lide”. Já não se afigura tão simples a diretriz no caso da execução provisória. Não há coisa julgada como obstáculo à invalidação sem o uso da rescisória, exceção feita, outra vez, ao vício estampado no art. 525, § 1.º, I. E o princípio da economia recomenda, a despeito de o hipotético vício não ser objeto do recurso pendente, o conhecimento da matéria, cujo acolhimento talvez implique o desaparecimento do ato impugnado pelo recurso pendente (nulidade derivada), tornando, assim, prejudicado o recurso. O regime dos mecanismos de reação contra a execução injusta ou ilegal (impugnação ou embargos) pré-exclui essa possibilidade. Em primeiro lugar, os motivos do art. 525, § 1.º, ou do art. 535, não comportam ampliação; ademais, os errores in procedendo na atividade executiva são alegáveis incidentalmente (art. 917, § 1.º). 1.261. Momento do controle das invalidades

O momento em que ocorrerá o controle dos vícios dos atos processuais já se encontra adiantado nos itens precedentes. Em relação às nulidades absoluta e relativa, que ao juiz é dado prover de ofício, o controle pode e deve ocorrer a qualquer momento, iniciando com o primeiro contato do juiz com a petição inicial. Mas, no rito comum, o art. 351, marca o momento ideal, que surge após a manifestação do autor a respeito das questões preliminares aventadas pelo réu na contestação. Nesta ocasião, reza o art. 352, “verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias”. É o momento, por exemplo, de o juiz invalidar a citação, renovando o ato reabrindo o prazo de defesa. No que tange às anulabilidades, ou às nulidades relativas, a fim de obstar a preclusão, o momento da iniciativa da parte já recebeu exame, investigando-se o sentido da expressão “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos”, inserida no art. 278, caput (retro, 1.259.4). Entretanto, há outros aspectos a serem explorados. Uma das barreiras erigidas à invalidação consiste, nas nulidades sanáveis, a possibilidade de o juiz resolver o mérito a favor da parte supostamente beneficiada com a decretação do vício (art. 282, § 2.º). Rigorosamente, trata-se de simples explicitação do parágrafo anterior do art. 282. O órgão judiciário chegaria a resultado idêntico, com efeito, em razão da inexistência de prejuízo à parte, no julgamento favorável de meritis. Como quer que seja, o art. 282, § 2.º tem o mérito, ao menos, de evitar que se insinue entendimento diverso.154 E, relativamente ao momento da aplicação da regra, não resta dúvida, considerando o respectivo teor, que só tem lugar no caso de haver a possibilidade de julgar o mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado (art. 485, I), ocorrido antecipadamente ou não (art. 355, I). Por analogia, cabendo a extinção do processo, por outro motivo inserido no art. 485, e aproveitando o vício ao réu, o juiz não deixará de extinguir, mas fundado na inexistência de prejuízo ao réu, a quem a decretação da invalidade beneficiaria. A extinção é um benefício maior do que a invalidação. Remetida a questão ao tribunal, porque interposta apelação, não há motivo para divergência: o tribunal pode seguir linha idêntica à da sentença ou, ao contrário, decretar a invalidade, porque passível de reforma a sentença de meritis. O que não se afigura lícito, sem o suprimento do vício, é reformar a sentença a favor da parte a quem o vício beneficiava.155 Por exemplo, respondida a apelação pelos réus preteridos, e que declararam não reclamar contra a falta de citação ante o julgamento favorável, o STJ invalidou o acórdão do tribunal que proveu a apelação e reformou a sentença, a fim de que os réus apresentassem defesa no primeiro grau e produzissem prova.156 A invalidade do processo, nessas condições, a mais das vezes revelar-seá excessivamente penosa à parte que tem razão. Em algumas hipóteses, o ato inválido não afeta o processo radicalmente, a exemplo da intimação nula da sentença, que omitiu uma das partes. Era costume o tribunal converter o julgamento em diligência, a fim de repetir o ato, reabrindo o prazo de recurso, no próprio tribunal, e, assegurado o contraditório, julgar todas as impugnações.

Essa possibilidade consagrara-se no direito anterior e, atualmente, o art. 933, emprestou-lhe a devida generalização. O relator ordenará, tratando-se de nulidade sanável (nulidade relativa ou anulabilidade), a realização ou a repetição do ato viciado e, escoimado o vício, passa-se à etapa seguinte, submetendo-se aos autos ao presidente do órgão fracionário (art. 934). Por exemplo, o relator apurou a irregularidade da representação técnica de uma das partes (v.g., expirou o termo previsto na procuração), hipótese em que, nos termos do art. 76, assinar-se-á prazo razoável para sanar o defeito (retro, 550). Tal defeito é sanável nas instâncias ordinárias.157 Em determinadas hipóteses, o reconhecimento do vício, e, portanto, a invalidação, exigem a renovação de outros atos dependentes e incompatíveis com a resolução tomada. Por exemplo, nos casos de (a) invalidação da citação e (b) invalidação do julgamento antecipado (art. 355, I), porque indispensável produzir prova, não há como prosseguir no julgamento. Em casos tais, o juiz de primeiro grau proferirá nova decisão. E, conforme o respectivo teor, esse provimento mostrar-se-á impugnável pelo adversário do antigo apelante, por óbvio sob diversos fundamentos. Invalidada a citação, e oferecida defesa, o problema aumenta de grau. O próprio material de trabalho empregado no primeiro provimento sofrerá profundas alterações, em virtude da eventual suscitação pelo réu de questões de direito e de fato estranhas ao primeiro julgamento. Enfim, o art. 933 jamais incidirá nos casos em que exigida a emissão de nova sentença.158 E tampouco incide nos recursos especial e extraordinário.159 1.262. Barreiras à invalidação: princípios da finalidade e do não prejuízo Embora viciado o ato processual, o Título III do Livro IV da Parte Geral do NCPC, voltado à disciplina das invalidades, à semelhança do direito anterior ocupa-se e dá destaque às “regras jurídicas contrárias à nulidade e à sua decretação”.160 Essas disposições harmonizam-se com a orientação contemporânea de impedir a invalidade.161 A natural primazia das regras salvadoras não obsta a visão do conjunto e a sistematização dos vícios dos atos processuais,162 Não há como operar o sistema sem compreender o respectivo funcionamento. Por primeiro, o art. 277 pré-exclui a invalidação, no caso da forma vinculada (retro, 1.099.3), se o ato, “realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”. Ademais, “o ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte”, complementa o art. 282, § 1.º, do qual o § 2.º é simples especificação. Essas disposições constituem autênticas barreiras que, conjuntamente, mediante proteção recíproca dos flancos, vedam e impedem a invalidade. A ideia de tornar relativo o descumprimento de normas imperativas expressa em normas particulares, a exemplo do art. 283, parágrafo único, mereceu mais de um estudo útil.163 1.262.1. Incidência do princípio da finalidade – O princípio da finalidade exclui a invalidação do que, divorciado do modelo legal, atingiu o seu objetivo, realizou a respectiva função.164 À decretação da invalidade interessa, na verdade, a faceta negativa – o descumprimento do fim.165

A cominação de nulidade avalia, a priori, a função para a qual se delineou determinado ato, a exemplo da citação, estimulando o agente a seguir a forma vinculada, advertindo que os desvios ensejarão, de regra, a invalidade. E, embora desgarrado do modelo legal, a exemplo do edital de citação que omitiu o nome do réu, eventualmente o ato produz o efeito programado, chamando o réu a juízo. Assim, apesar de cominada a nulidade (art. 280), e viciado o ato de citação, o vício fica superado. Não há necessidade de repetir o ato. O juiz só pode, embora seja cominada a nulidade, considerar válida e eficaz a citação. Não atingida a finalidade, em geral há prejuízo. O exemplo do edital de citação que omitiu o nome do réu, e, assim, não chegando a notícia, evidencia o dano à parte. No entanto, há casos de inexistência de prejuízo. Por exemplo, a publicação da pauta no órgão oficial não incluiu o nome correto do procurador em certa apelação (art. 935), e, por isso, não sustentou oralmente, nem compareceu ao julgamento, todavia favorável ao cliente. O ato viciado não atingiu a finalidade (prévia comunicação do julgamento), tampouco gerou prejuízo à parte. O advogado, contratado especialmente para sustentar a causa no tribunal, talvez não receba os honorários ajustados para o ato, mas semelhante interesse secundário afigura-se irrelevante, pois interessa à relação entre o procurador e o cliente, negócio jurídico extraprocessual. 1.262.2. Incidência do princípio do não prejuízo – O princípio do não prejuízo é o que pré-exclui a invalidade do ato viciado inidôneo a provocar danos à parte. Ao contrário do anterior, este princípio “há de ser considerado apenas, e necessariamente, a posteori”.166 E, com efeito somente à luz do caso concreto mostrar-se-á lícito ao juiz aquilatar se ocorreu, ou não, o sacrifício do interesse da parte tutelado na regra infringida. O prejuízo consiste na perda de uma oportunidade (v.g., a de se defender ou de comparecer à audiência) processual. O princípio do não prejuízo encontra-se previsto no art. 282, § 1.º. O dispositivo agasalha as mesmas duas imperfeições do direito anterior. De um lado, menciona apenas à repetição do ato, olvidando retificação. São operações de saneamento distintas. Na primeira, pertinente à invalidade total, a invalidação nada aproveita do ato anterior, que é totalmente desfeito, e, por isso, repetido e renovado (v.g., o edital de citação omitiu o nome do réu: o escrivão expedirá outro, a fim de ser publicado). A segunda ocorre na validade parcial. Em tal hipótese, parte do ato anterior merece aproveitamento (v.g., a expedição do edital de citação), porque hígido, retificando-se a parte viciada (v.g., a publicação do edital de citação, que não seguiu a diretriz do art. 257, II, não sendo incluído no sítio do CNJ). Representaria flagrante absurdo aplicar o princípio do não prejuízo a viciosidade mais grave, a exigir traumática repetição, e, não, à viciosidade menos grave, reclamando só a retificação. E, de outro lado, ao declarar desnecessário o suprimento da falta, o art. 282, § 1.º, incorre em impropriedade. Acontece justamente o contrário: suprese o que falta. Os defeitos se corrigem através da retificação, ratificação ou repetição. O comparecimento espontâneo do réu, antes de ser citado, ou após citação equivocadamente certificada nos autos, supre a falta de citação, ou seja, preenche o espaço vazio, ultrapassando a etapa do processo. Em tal

aspecto, a regra do art. 282, § 1.º, revela-se imprestável. O que não é não pode passar a ser,167 haja ou não dano à parte. O art. 282, § 1.º, incide nas nulidades relativas e anulabilidades, e, segundo a jurisprudência do STJ, nas nulidades absolutas.168 É o interesse da parte, entretanto, que o juiz sopesará para aferir a existência, ou não, do prejuízo. Se o edital de citação omitiu o nome do réu, presumivelmente a notícia do processo não lhe alcançou, restando evidente o prejuízo – o prejuízo consiste, basicamente, na perda de uma oportunidade no processo.169 Não importa se cogente ou dispositiva a regra infringida. Prevalecendo o interesse da parte, incide o princípio: pas de nullité sans grief.170 Uma coisa é a teoria, outra, bem diversa, a estrita observância dos princípios. A leitura dos precedentes do STJ é desalentadora. A má aplicação do art. 282, § 1.º, constitui a regra, explicando-se a abstração do prejuízo retoricamente, inclusive mediante a invocação do processo civil moderno. Na verdade, busca-se, a todo transe, evitar a renovação dos atos e a perda do tempo, a despeito do prejuízo. Ninguém nega o óbvio: o respeito aos direitos fundamentais processuais reclama sacrifícios, principalmente de tempo, mas é imperativo no ordenamento jurídico sadio. Entendeu o STJ, por exemplo, inexistente prejuízo na falta de intimação da parte para a audiência na qual produziu-se prova testemunhal, porque ratificou o fato incontroverso e “não trouxe qualquer prejuízo ao direito de defesa, tampouco influiu no juízo de convencimento do julgador”.171 Ora, se o fato era incontroverso, desnecessária a produção de prova; porém, ordenada a audiência de testemunhas, o prejuízo é evidente – e, em qualquer hipótese, não importa o convencimento do julgador –, pois a participação do advogado da parte nessa audiência clandestina talvez produzisse declarações a seu favor. Essa simples possibilidade evidencia o prejuízo. O vício do ato não desaparece em decorrência da aplicação do princípio do não prejuízo. Ao contrário, o vício permanece, posto que sem transcendência, porque não provocou danos à parte. § 263.º Efeitos da decretação invalidade 1.263. Posição do ato viciado O ato inválido insere-se na cadeia do procedimento, em geral vinculandose ao ato antecedente e condicionando o ato subsequente, e, portanto, a invalidade produzirá consequências em ambas as direções. A interligação dos atos processuais, todos integrados no procedimento, provoca o problema da extensão da invalidade.172 É o assunto do art. 281. O art. 281 agasalha duas regras distintas, mas complementares: a primeira concerne à invalidade derivada, a segunda respeita à invalidade parcial. A segunda parte da regra não contraria a primeira, como se poderia supor da conjugação adversativa.173 As duas partes se complementam: a nulidade de um ato só contamina o ato posterior dependente e a nulidade de parte do ato apenas contamina as outras partes que dela dependam. No tocante à extensão da invalidade, convém aludir a limites externos e internos.174

Essas disposições norteiam a pronúncia da invalidade, ou seja, a declaração dos atos atingidos e as providências indispensáveis à erradicação dos efeitos do vício (art. 282, caput).175 1.264. Invalidade derivada Segundo reza o art. 281, primeira parte, decretada a invalidade do ato antecedente, “consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam”. 1.264.1. Conceito de invalidade derivada – Entende-se por invalidade derivada, portanto, a contaminação do ato posterior, formalmente perfeito, pelo vício do ato precedente (invalidade originária).176 Um exemplo ilustra o caso: a citação do réu padece de nulidade, não produziu seu efeito próprio, que é o chamamento do réu para apresentar defesa, e, assim, ocorreu revelia. Configurado o efeito material da contumácia do réu (art. 344), o órgão judiciário abrevia o procedimento, proferindo sentença favorável ao autor (art. 355, II). Essa sentença representa ato perfeito, salvo vício que lhe seja intrínseco, mas a invalidação da citação implicará a reabertura do prazo de defesa, e, conseguintemente, o desfazimento do pronunciamento do juiz. A sentença é nula enquanto ato dependente do vício do ato anterior.177 O exemplo mais eloquente é do provimento do agravo de instrumento pendente na oportunidade da emissão de sentença, interposto contra ato que indeferiu a intervenção de terceiro. Esse ato repercute no procedimento e, se for o caso, desfaz o julgamento da causa.178 É por essa razão que o julgamento do agravo antecede o da apelação (art. 946). É inegável que, inexistisse a formulação de regra expressa a esse respeito, qual a do art. 281, primeira parte, e, contudo, impor-se-ia a invalidação da sentença. O princípio utile per inutile non vitiatur parece intrínseco aos atos processuais interligados. 1.264.2. Dependência e autonomia dos atos posteriores – O desfazimento dos atos posteriores só mostrar-se-á inexorável no caso de dependência. Os atos posteriores independentes jamais serão afetados por vícios anteriores à sua própria formação. O vínculo de dependência que atrai o ato sucessivo válido à órbita do ato anterior inválido, apontado no art. 281, primeira parte, não é cronológico, mas teleológico: o ato ulterior há de ter como pressuposto necessário, talvez não suficiente, o ato antecedente.179 Não se praticaria o ato posterior, no curso do procedimento, não fora a existência, embora defeituosa, do ato anterior. É bem o caso da sentença prevista no art. 355, II. Tal provimento supõe que tenha ocorrido revelia, após o chamamento válido do réu, e a presunção prevista no art. 344. Invalidada a citação, e renovado este ato, a apresentação de defesa pelo réu elimina os pressupostos do julgamento antecipado na hipótese do art. 355, II. É exemplo corriqueiro o da invalidade da citação que atinge a declaração de revelia do réu.180 Exemplo análogo surge na invalidade da audiência de instrução e julgamento, em virtude da inválida intimação do procurador de uma das partes, ou da falta de intimação do agente do Ministério Público (e, não, da falta de participação no ato, como se destacou no item específico), nos casos

de intervenção obrigatória (art. 178). A invalidação da audiência, se o órgão judiciário não dispensou as testemunhas arroladas pelo advogado ausente, seguramente exigirá a repetição dos debates orais – ao menos, no plano ideal, um diálogo de alto nível entre os procuradores, hipótese em que, faltando um deles, inexorável a repetição –, e, principalmente, o ulterior julgamento da causa. É digna de atenção a atividade instrutória desenvolvida na audiência invalidada, objeto de consideração linhas abaixo. Existem atos posteriores que subsistem incólumes à contaminação da invalidade do ato precedente. A invalidade da intimação de um dos réus para prestar depoimento pessoal, sendo-lhe aplicada pena de confissão, jamais invalidará a audiência em que se decidiu a esse respeito, a tomada do depoimento das outras partes, nem a inquirição das testemunhas, desde que presente o procurador da parte faltante. O único ato que deverá ser repetido consiste na intimação do réu, tomando-se, então, o seu depoimento, caso compareça à audiência designada para essa finalidade. Em certa oportunidade, o STJ, atento à ressalva do art. 64, § 4.º, estimou inválida a pena de confissão aplicada pelo juiz absolutamente incompetente, caracterizado o dano à parte.181 Também os atos de disposição do objeto litigioso (v.g., a renúncia) não ficam comprometidos por atos inválidos anteriores.182 Esses atos até sanam eventuais errores in procedendo. A invalidade de um meio de prova não implica a dos demais que se produziram paralelamente.183 A invalidade do processo, em que a parte pediu a consignação em pagamento, por falta de citação dos litisconsortes necessários, e no qual o autor realizara depósitos em dinheiro, não os torna sem efeito, bastando que o autor reporte-se às importâncias depositadas.184 É excepcional, em todo o caso, a subsistência dos atos posteriores. De ordinário, os atos processuais relacionam-se tão intimamente (unidade teleológica), ou seja, revelam-se tão estreitos e rígidos os elos da cadeia dos atos no procedimento, que o liame de dependência se torna inevitável. 1.264.3. Condição jurídica dos atos dependentes do ato inválido – A propagação do vício do ato anterior ao ato posterior transforma em questão relevante a condição jurídica do último. A relevância avulta na medida corretiva a ser tomada quanto ao ato subsequente. Calha retornar ao exemplo da audiência de instrução e julgamento invalidada, porque o procurador da parte não fora validamente intimado. Em primeiro lugar, a própria audiência há de ser repetida, mas não se harmoniza com o princípio da economia desperdiçar integralmente a atividade desenvolvida na solenidade anterior, desprezando-se as respostas das testemunhas constantes do termo de audiência. A valorização excessiva do direito fundamental ao contraditório (rectius: o formalismo malsão) recomendaria o sacrifício de todo o ato material, punindo as partes inocentes e as testemunhas, impondo-lhes fastidiosa repetição de perguntas e respostas suficientemente documentadas. É mais razoável conceder a palavra ao advogado anteriormente ausente, facultando-lhe a formulação ao juiz das perguntas suplementares que lhe pareçam indispensáveis, aproveitando-se, todavia, as respostas já proferidas na inquirição anterior. Admitida essa solução correta, tecnicamente haverá retificação, e, não, repetição da atividade instrutória. Ora, invalidade da comunicação dos atos processuais é cominada (art. 280), mas relativa. As regras que estabelecem a forma da intimação (v.g., a

identificação do procurador, a teor do art. 272, § 4.º) ostentam natureza cogente, mas tutelam, prevalentemente, o interesse da parte. Logo, contaminado o ato anterior com nulidade relativa, os atos posteriores dependentes também padecerão de vício da mesma natureza. No caso, realmente cabível a retificação, e, não, de repetição. Desse modo, ocorreria simetria entre o ato inválido e a condição jurídica do ato posterior, afetado pela invalidade e arrastado ao desfazimento por via de consequência, A invalidade derivada é absoluta ou relativa conforme o seja a invalidade originária.185 É o entendimento preconizado na doutrina nacional: “Absolutamente nulo o ato anterior, igualmente absolutamente nulo será o subsequente que dele dependa. Não há retificação desse último; o caso será de repetição,tout court”.186 E, realmente, a simetria dos vícios é a melhor solução. Não a desmente o art. 64, § 4.º. A infração à competência em razão da matéria (v.g., o processamento da cobrança de honorários advocatícios de profissional liberal perante a Justiça do Trabalho) provoca nulidade absoluta. A regra cogente quanto à competência absoluta tutela preferencialmente o interesse público. Todavia, o dispositivo preserva os atos decisórios, passíveis de revisão pelo juízo competente, e nem sequer todos esses atos hão de ser desconstituídos: o próprio ato que declara a incompetência absoluta mostrar-se-á válido e insuscetível de desfazimento. O que se considera, na dicção do art. 64, § 4.º, é a integridade dos atos materiais (v.g., a audiência de instrução e julgamento, produzida prova oral),187 independentemente da condição dos atos decisórios. 1.264.4. Condição jurídica do ato anterior ao ato inválido – Em princípio, o vício do ato posterior não atinge o ato anterior válido. Às vezes, porém, a invalidade do ato posterior impede o ato anterior de surtir seus efeitos próprios. A invalidade da citação por edital, porque a publicação do édito descumpriu a periodicidade do art. 257, III, não afeta o ato que, preenchido o pressuposto do art. 256, II, deferiu tal espécie de chamamento a juízo, nem o edital expedido, ficando os efeitos desses atos na dependência da renovação da publicação. A repercussão ocorre no plano da eficácia.188 1.265. Invalidade parcial Estruturalmente, os atos processuais podem ser simples, integrados por um elemento único, ou compostos, nos quais há dois ou mais elementos singulares, comportando a última classe divisão em partes. Os atos processuais também podem ser complexos, concorrendo à sua formação as declarações de vontade de dois órgãos, como acontece no julgamento da questão constitucional dos tribunais inferiores, repartindo-se o julgamento entre o órgão fracionário e o órgão especial do tribunal (art. 949, II). O art. 281, segunda parte, leva em conta essa distinção, resolvendo o problema do vício ocorrido em apenas parte do ato. Entende-se por invalidade parcial, portanto, o vício que afeta parte do ato composto ou complexo. Vale, outra vez, o exemplo da citação por edital. A estrutura desse ato envolve a conduta de vários agentes (do juiz, deferindo esse meio de chamamento; do escrivão, expedindo o edital; da parte, publicando o edital em jornal local de ampla circulação, a teor do art. 257,

parágrafo único) e cada uma delas, interligadas no conjunto, podem ser afetadas por vício autônomo. O problema do contágio, nesses casos, revela-se idêntico ao antevisto no art. 281, primeira parte, do CPC. Em vez de encarar o ato no conjunto, cogitando-se da repercussão no procedimento, a regra da invalidade parcial empresta a mesma solução às partes dos atos compostos ou complexos, visualizando o ato em si mesmo. Em síntese larga, valem as considerações já feitas. O vício do próprio edital contamina a publicação, que lhe é dependente. O vício da publicação, porque desrespeitado o art. 257, II, não repercute na expedição do edital, devendo apenas ser renovada a publicação (v.g., no sítio do CNJ, anteriormente omitido). É também o caso do vício parcial da audiência: a acareação de pessoa capaz com incapaz não atinge os demais depoimentos.189 1.266. Decretação expressa da invalidade e técnicas de reparação Cumpre ao juiz, vencidas as barreiras contrárias à invalidação, cuja análise precederá, logicamente, à resolução tomada, pronunciar a nulidade e declarar os atos atingidos (art. 282, caput). Neste último caso, o juiz se baseará no art. 281. O ato tem natureza constitutiva negativa e efeitos ex tunc.190 O ato inválido desaparece e desfazem-se seus efeitos. O novo ato repetido, retificado ou ratificado toma o seu lugar.191 A consequência tangível da renovação reponta em restituir a perfeição formal ao ato.192 O art. 282, caput, exige ato expresso e motivado do juiz. Trata-se de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), mas não comporta agravo de instrumento na sistemática do NCPC, ficando a apreciação postergada para o âmbito da apelação (art. 1.009, § 1.º) Não parece admissível, à luz do art. 282, caput, o alvitre segundo o qual, alegada a nulidade relativa e a anulabilidade, opportuno tempore, ou provendo o juiz, ex officio, ordenaria este, pura e simplesmente, a repetição do ato viciado, pois a invalidação poderia trazer consequências no tocante aos atos posteriores.193 Ora, o contágio dos atos dependentes se produz por força de lei (art. 282). É efeito inexorável. Invalidada a citação, no julgamento da apelação interposta pelo revel, não há como salvar a sentença de procedência, fundada na presunção do art. 344, intrínseca à revelia, haja ou não pronunciamento explícito do tribunal. Tampouco se poderá cogitar de o órgão ad quem passar a julgar o mérito favoravelmente ao autor. Na realidade, a utilidade do pronunciamento expresso, consoante o art. 282, caput, reside antes no seu aspecto positivo, respeitante aos atos preservados, do que à invalidade derivada. É através dessa resolução que o juiz salvará o que puder, pois os atos dependentes fatalmente desaparecem, em virtude da incompatibilidade. Neste sentido, o STJ realçou o princípio: “Na proclamação de nulidades deve o tribunal declinar quais os atos que são atingidos, os efeitos e a extensão, tudo para que se cumpra o comando da ratificação ou da repetição do ato”.194

É comum o juiz não se pronunciar, explicitamente, como exige o art. 282, caput, apontando os atos atingidos, porque dependentes, e declarando aproveitados certos atos, porque independentes. O caráter imperativo dos verbos declarar e ordenar não deixa dúvida, contudo, da obrigatoriedade desse juízo. Em tal hipótese de omissão, o arrastamento é inexorável, nos termos do art. 281, como já sublinhado. Resta decidir se eventuais atos autônomos, perante omissão, consideram-se, ou não, subsistentes. A nosso ver, contraria o sistema a insubsistência, porque o primoroso regime legal funda-se na radical hostilidade ao desperdício e à repetição desnecessária. Assim, anulada a audiência já realizada, por força da invalidade da intimação feita a um dos procuradores das partes, mostra-se lícito ao juiz aproveitar posteriormente os atos materiais, retificando os atos de instrução, nos moldes anteriormente preconizados (retro, 1.264.3). Vencida a primeira etapa, o juiz adotará as providências técnicas ao saneamento do processo. O art. 282, caput, menciona a retificação e a repetição. Ocorrerá repetição quando, invalidado o ato, nada se aproveite dele para atingir a respectiva finalidade. É a técnica aplicada às invalidades totais. Por exemplo, a citação por edital é nula, porque o réu não se localizava, na verdade, em lugar não sabido. Desaparece a citação por edital, integralmente, e no seu lugar realizar-se-á, conforme os respectivos pressupostos, a citação postal ou a citação por oficial de justiça. Já a retificação revela-se útil para aperfeiçoar o ato parcialmente inválido. A repetição do ato produzirá todos os efeitos programados do ato desconstituído. Por exemplo, da sentença desfavorável recorre somente um dos litisconsortes. Posteriormente, o ato é anulado. Uma vez proferida a nova sentença, e dela intimadas todas as partes, afigura-se lícito ao litisconsorte anteriormente omisso a interposição de apelação autônoma contra a sentença. Decidiu corretamente o STJ: “Desde a repetição do ato nulo, este produz todos os seus normais efeitos, que não ocorreram em face da irregularidade. Destarte, não se pode limitar a decisão que determina a nova intimação à interposição de um único recurso, mas a todos os eventualmente cabíveis”.195 Faltou, no art. 282, caput, a menção a outra providência bastante comum: a ratificação. Por exemplo, postulando na causa advogado que perdeu a habilitação profissional, vício sanável, lícito se afigura ao novo procurador ratificar os atos praticados até a sua intervenção no processo (retro, 1.041).

Capítulo 56. REGISTRO, DISTRIBUIÇÃO E VALOR DA CAUSA SUMÁRIO: § 264.º Registro da causa – 1.267. Localização dos atos de registro e de distribuição – 1.268. Conceito de registro da causa – 1.269. Funções do registro – 1.270. Elementos do registro – 1.270.1. Número do processo – 1.270.2. Identificação do ofício – 1.270.3. Data do início do processo – 1.270.4. Natureza do feito – 1.270.5. Nome das partes – 1.270.6. Nome dos advogados – 1.270.7. Indicação do valor da causa – 1.271. Efeitos do registro – § 265.º Distribuição da causa – 1.272. Classes de distribuição – 1.272.1. Distribuição das causas no primeiro grau – 1.272.2. Distribuição das causas nos tribunais – 1.273. Obrigatoriedade da distribuição – 1.274.

Princípios da distribuição – 1.274.1. Princípio da publicidade – 1.274.2 Princípio da alternância – 1.274.3. Princípio da igualdade – 1.275. Espécies de distribuição – § 266.º Distribuição por dependência – 1.276. Funções da distribuição por dependência – 1.277. Casos implícitos de distribuição por dependência – 1.278. Casos explícitos de distribuição por dependência – 1.278.1. Dependência em razão de conexão ou continência – 1.278.2. Dependência em razão do juiz natural – 1.278.3. Dependência em razão da conexão instrumental – § 267.º Impedimentos à distribuição – 1.279. Distribuição sem procuração – 1.280. Objeto da fiscalização do distribuidor – 1.281. Efeitos da fiscalização do distribuidor – 1.282. Dispensa da fiscalização do distribuidor – 1.282.1. Postulação em causa própria – 1.282.2. Postulação de atos urgentes – 1.282.3. Postulação em representação do vulnerável – 1.282.4. Postulação em decorrência de investidura constitucional – § 268.º Correção da distribuição – 1.283. Casos de erro na distribuição – 1.283.1. Erro na distribuição – 1.283.2. Falta de distribuição – 1.284. Incidente de impugnação da distribuição – 1.285. Compensação na distribuição – 1.286. Cancelamento da distribuição – § 269.º Valor da causa – 1.287. Conceito de valor da causa – 1.288. Finalidades do valor da causa – 1.289. Obrigatoriedade de fixação do valor da causa – 1.290. Oportunidade da fixação do valor da causa – 1.291. Espécies de fixação do valor da causa – 1.292. Critérios para fixação do valor da causa – 1.292.1. Valor da causa segundo o critério legal – 1.292.1.1. Valor da causa na cobrança de dívidas – 1.292.1.2. Valor da causa na pretensão fundada em ato ou negócio jurídico – 1.292.1.2. Valor da causa na cumulação simples e sucessiva de pedidos – 1.292.1.3. Valor da causa na pretensão alimentar – 1.292.1.4. Valor da causa nas pretensões de divisão, de demarcação e de reivindicação de imóvel – 1.292.1.5. Valor da causa na pretensão à indenização –1.292.1.6. Valor da causa na cumulação simples e sucessiva de pedidos – 1.292.1.7. Valor da causa perante pedido alternativo –1.292.1.8. Valor da causa na cumulação eventual de pedidos – 1.292.1.9. Valor da causa na cobrança de dívida de prestações vencidas e vincendas – 1.292.1.10. Valor da causa nas pretensões derivadas de locação predial urbana – 1.292.2. Valor da causa segundo o critério do autor – 1.292.2.1. Valor da causa na pretensão à declaração – 1.292.2.2. Valor da causa na pretensão a executar – 1.292.2.3. Valor da causa na oposição do executado à pretensão a executar – 1.292.2.4. Valor da causa na oposição do terceiro à pretensão a executar – 1.292.2.5. Valor da causa na pretensão à segurança – 1.292.2.6. Valor da causa na pretensão de rescisão de provimentos transitados em julgado – 1.292.2.7. Valor da causa da pretensão à anulação de atos homologados em juízo – 1.292.2.8. Valor da causa em casos específicos – 1.292.2.8.1. Valor da causa na pretensão de consignar em pagamento – 1.292.2.8.2. Valor da causa nas pretensões possessórias – 1.292.2.8.3. Valor da causa na pretensão de usucapião – 1.292.2.8.4. Valor da causa na pretensão de desapropriação – 1.292.2.8.5. Valor da causa na ação civil pública – 1.292.2.8.6. Valor da causa na ação popular – 1.292.2.8.7. Valor da causa na ação de depósito – 1.292.2.8.8. Valor da causa na ação de prestação de contas – 1.292.2.8.9. Valor da causa no mandado de segurança – 1.229.2.8.10. Valor da causa na ação monitória – 1.292.2.10. Valor da causa nos procedimentos de jurisdição voluntária – § 270.º Incidente de impugnação ao valor da causa – 1.293. Objeto da impugnação ao valor da causa – 1.294. Natureza da impugnação ao valor da causa – 1.295. Legitimidade para impugnar o valor da causa – 1.296. Prazo da impugnação ao valor da causa – 1.297. Forma da

impugnação ao valor da causa – 1.298. Procedimento da impugnação ao valor da causa – 1.298.1 Atitudes do autor na réplica – 1.298.2 Instrução da questão processual do valor da causa – 1.298.3 Resolução da questão processual do valor da causa – 1.299. Correção ex officio do valor da causa – 1.300. Efeitos da alteração do valor da causa. § 264.º Registro da causa 1.267. Localização dos atos de registro e de distribuição A localização dos atos de registro e de distribuição interessa sob dois ângulos. A arquitetura legislativa do NCPC dedica ao assunto, respetivamente, o Título IV – Da Distribuição e Do Registro – e o Título V – Do Valor da Causa – do Livro IV da Parte Geral. À primeira vista, causa estranheza a reunião do registro, logicamente, a distribuição, no mesmo título; ademais, a distribuição e o registro ficariam superiormente arranjados no capítulo dedicado aos atos processuais em geral. A localização parece não ser a melhor, como acontecia no direito anterior, do ponto de vista da adequação.1 Explica-se o projeto legislativo fitando as disposições do Livro VI, salteado o Livro V. O registro e a distribuição antecedem, ante a natureza das coisas, a formação do processo. Forma-se o processo, segundo o art. 312, primeira parte, mediante o protocolo da petição inicial. E a movimentação futura dos autos exige que cada processo seja individualizado, distinguindo-se dos congêneres por dados objetivos e nisso consiste a função do registro. Um desses dados, também dotado de reflexos sobre a competência,2 é o valor da causa. 1.268. Conceito de registro da causa O art. 284, primeira parte, estabelece que “todos os processos estão sujeitos a registro”. E o art. 929, caput, estipula que “os autos serão registrados no protocolo do tribunal no dia de sua entrada”. Essa última disposição se afigura mais abrangente do que a sua literalidade. O agravo de instrumento se interpõe diretamente no tribunal (art. 1.016, caput). Formamse, então, os autos próprios para esse recurso. Porém, não só os “autos”, anteriormente, sujeitar-se-ão ao registro no tribunal. A regra abrange também as petições iniciais das causas de competência originária do tribunal; por exemplo, a ação rescisória e o mandado de segurança. Os autos formam-se na secretaria do tribunal. A redação melhorou, pois a regra anterior aludia a “autos remetidos”, olvidando os autos formados no tribunal Pode-se dizer, considerando tal circunstância, bem entendido o art. 929, caput, buscarem idênticos fins os registros no primeiro e no segundo graus. Entende-se por registro da causa a documentação da existência do processo.3 O ato exibe duas funções correlatas. 1.269. Funções do registro O registro propicia a coleta de dados para as estatísticas judiciárias. Os dados relevantes tirados da petição inicial ou do recurso permitem aquilatar o volume do serviço, desde o ingresso da causa no primeiro ou no segundo

graus, a importância econômica e a homogeneidade das causas, bem como a demora maior ou menor do seu desfecho. O registro auxilia o planejamento das atividades judiciárias. Por exemplo, os órgãos de controle interno da magistratura se valem da data do ingresso – elemento do registro – para eleger metas de julgamento, exigindo que os processos entrados até determinada data sejam julgados em certo período de tempo. Em teoria, ao menos, a lotação do ofício a que alude o art. 150 há de ser alterada, aumentando ou diminuindo o número de servidores e de juízos, consoante o fluxo de processos iniciados e pendentes. A mesma causa induz a criação, por lei, de novas varas e ofícios. Por outro lado, o registro fornecerá os dados indispensáveis, onde houver distribuição, para uma segunda anotação, no livro de protocolo do cartório, e à autuação, tarefa que compete ao escrivão (art. 206). Eis a segunda finalidade do registro: a individualização do processo, separando-o dos congêneres. A ulterior movimentação dos autos basear-se-á no número de registro inicial na comarca (ou seção e subseção judiciária) e tribunal. 1.270. Elementos do registro Recebendo a petição inicial, distribuída onde houver mais de um juízo, o escrivão procederá à autuação (art. 206). Em geral, os dados (v.g., o número de registro) são anotados pelo distribuidor – não há como remeter a petição à escrivaninha ou à secretaria sem registro, evitando extravios. Formam-se os autos físicos ou eletrônicos. É o expediente em que se desenvolverá a atividade processual das partes e do juiz. O escrivão numerará e rubricará todas as folhas. No tribunal, complementa o art. 929, caput, segunda parte, o serviço de protocolo verifica essa numeração e, se for o caso, corrige as falhas, ordenando os autos recebidos para distribuição. Nos casos já indicados (v.g., na ação rescisória), o serviço de protocolo forma autos próprios, numerando e rubricando as folhas. A primeira página dos autos contém o termo de autuação. O escrivão ou chefe de secretaria utiliza a etiqueta emitida pelo distribuidor. Nos autos físicos, a primeira página era uma capa de papel espesso, dentro da qual o escrivão reunia a petição inicial, os documentos que a acompanharam e as peças subsequentes, prendendo o conjunto com grampo de metal. Os autos eletrônicos mantiveram a forma do termo de autuação. É usual cores diferentes conforme a natureza do feito. O termo de autuação, colado na capa do processo, origina-se do formulário eletrônico que reproduz os dados do livro de protocolo. Assim, os elementos do registro encontram-se indicados no art. 206 do NCPC. Todavia, o rol não se afigura completo: o valor causa, constando, obrigatoriamente, da petição inicial (art. 291, caput, c/c art. 319, V), há de ser mencionado no registro. Também o nome completo do(s) advogado(s) do(s) autor(es), inicialmente, e, após a representação, o do(s) réu(s) e do(s) interveniente(s) serão consignados, bem como o da inscrição na OAB. E, nos tribunais, via de regra se acrescenta a comarca, a vara e o município de origem. 1.270.1. Número do processo – A petição inicial recebe um número de registro (art. 284). Por sua vez, os recursos oriundos de cada processo

recebem número autônomo (art. 929, caput). O banco de dados relaciona todos os números quando consultado por esse elemento de pesquisa ou por qualquer outro (v.g., nome das partes). O processo adquire seu número individual na distribuição eletrônica, havendo dois ou mais ofícios, ou no próprio cartório, respeitada a ordem de chegada. Em geral, a escrituração do livro tombo (eletrônico ou não) divide-se em colunas, ocupando o número a primeira coluna. Há dupla numeração: o primeiro número é o de ordem geral do cartório, em série contínua, começando pelo primeiro processo e indo ao infinito; o segundo número é o da ordem de ingresso durante o ano, reiniciado anualmente. As fórmulas variam de acordo com as leis de organização judiciária. 1.270.2. Identificação do ofício – Em seguida, o registro identificará o ofício em que tramitará o processo (v.g., 1.ª Vara Cível; 1.º Juizado da 1.ª Vara Cível), no primeiro grau, ou o órgão fracionário do tribunal (v.g., 1.ª Câmara Cível; 2.ª Turma). Não era incomum, à época em que particulares ocupavam os ofícios da justiça brasileira, realizando-se a autuação manualmente, a indicação do nome do escrivão (Bacharel A) e do juiz. O princípio da impessoalidade baniu esses dados em primeiro grau. Mas, no tribunal, o nome do relator (v.g., desembargador B; ministro C) consta do registro, porque a distribuição se faz ao magistrado, e, não, ao órgão fracionário do tribunal. 1.270.3. Data do início do processo – Deduz-se do art. 206, que o registro conterá a data do início do processo. É a data da chegada ao ofício judicial e a data da formação do processo (infra, 1.492). O art. 929, caput, exige o registro no livro de protocolo na data da chegada dos autos, ou da petição inicial ou recursal, no tribunal. O art. 870 do CPC de 1939 permitia a realização do registro no dia imediato. Pode acontecer, chegando muitos feitos no mesmo dia, ou ocorrendo a chegada no encerramento do expediente forense, o descumprimento da regra. Fora daí, incidem os arts. 233 e 234, competindo ao presidente ou vice-presidente do tribunal, encarregado da distribuição, tomar a providência cabível. 1.270.4. Natureza do feito – O art. 206 manda o escrivão ou chefe de secretaria, na prática o distribuidor, assinalar a “natureza do processo”. Ora, o processo é uma relação jurídica, até aí entre o autor o Estado. Era melhor a expressão do art. 166 do CPC de 1973, aludindo à “natureza do feito”, presumivelmente banida pelo uso de jargão forense desconhecido dos mais novos. Seja como for, a natureza antevista no art. 206 respeita à pretensão do autor, ou objeto litigioso; enfim, à causa posta em juízo. É tarefa das mais delicadas apurar semelhante natureza, haurida dos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) e do procedimento (v.g., prestação de contas). Não importa a designação porventura outorgada pela parte. Logo, o auxiliar do juízo examinará a petição inicial com os olhos da experiência. Estagiários costumam desempenhar essa atividade. Em caso de dúvida, consultarão o titular do ofício. No tribunal, o princípio da taxatividade auxilia o servidor, cabendo-lhe consignar um dos recursos do art. 994. Mas, há os sucedâneos recursais e as ações de competência originária, às vezes

impropriamente indicadas. Eventuais equívocos podem ser corrigidos posteriormente pelo relator. Para esses fins, os órgãos de controle interno da magistratura organizam classes e subclasses de processos, atendendo à respectiva natureza. As classes têm importância na distribuição. Elas viabilizam o princípio da alternância e o da igualdade (infra, 1.274). 1.270.5. Nome das partes – O servidor encarregado do registro assinalará o nome completo das partes. Em primeiro grau, o nome do(s) autor(es) e do(s) réu(s), bem como do(s) denunciado(s), havendo denunciação feita pelo autor (art. 126). É vedado o uso de abreviaturas, tal como se infere, relativamente às futuras intimações, do art. 272, § 3.º. Esse expediente ainda não erradica totalmente os riscos da homonímia. Porém, o objetivo é nítido, permitindo a consulta no ambiente eletrônico e a constatação da litispendência. O número de inscrição do cadastro fiscal do autor e, se disponível esse dado, do réu também são incluídos no registro. 1.270.6. Nome dos advogados – O registro apontará o(s) nome(s) completo(s) do(s) advogado(s) do(s) autor(es) e o número da sua inscrição no quadro da OAB, tal como consta no timbre do papel ou na procuração (art. 105, § 2.º). Requerida a realização das futuras intimações se realizem na pessoa de um dos vários advogados, eventualmente o titular do escritório e responsável pela causa, ou o da sociedade de advocacia (art. 272, § 1.º), o responsável pela causa, basta um desses nomes. Em decorrência do registro do nome do advogado, mostrar-se-á possível identificar, desde o início do processo, os casos de dispensa de representação técnica (retro, 1.018); a ausência de representação, apesar de exigida na espécie; a insuficiência de poderes; e, principalmente, os defeitos na habilitação do advogado (retro, 1.030). O processo já chegará às mãos do órgão judiciário, nos casos de ausência ou insuficiência de poderes, e de defeitos da habilitação, destinado à emenda (art. 321, caput). 1.270.7. Indicação do valor da causa – O registro consignará o valor da causa (art. 291). O dado tem interesse estatístico e, existindo no ofício juiz togado cuja competência seja em razão do valor, chamado de Pretor no Rio Grande do Sul e integrante de quadro em extinção, influencia a própria distribuição. 1.271. Efeitos do registro O registro da causa produz efeitos da maior envergadura. Dá existência ao processo, embora formado a partir do protocolo da petição inicial (art. 312). E a litispendência (infra, 1.517), antes mesmo do deferimento da petição inicial e da citação do réu, propaga-se quase instantaneamente, por intermédio de listas renovadas diariamente, aos bancos de dados que cuidam do crédito. Em outras palavras, a existência do processo por si já tem aptidão suficiente para restringir o crédito do réu. Tal aspecto induz o réu, às vezes, a buscar medida judicial que impeça o registro positivo e suas consequências perversas – ao menos, obstando a migração do registro para outros bancos de dados, consultados por fornecedores e prestadores de serviços em geral.

Inversamente, a ausência de registro de processos contra determinada pessoa, que pode e deve ser certificada pelo ofício encarregado do registro e da distribuição, a pedido do interessado, empresta segurança aos negócios, especialmente aos imobiliários, eliminando a possibilidade de fraude. O art. 799, IX autoriza o exequente a obter, no ato da distribuição, certidão do ingresso da pretensão a executar, identificando partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, no registro de veículos e outro registro pertinente (infra, 1.530). O art. 828, caput, também autoriza a averbação de certidão da execução deferida pelo juiz, igualmente identificando o valor da causa Feitas essas averbações, presumir-se-á, jure et de jure, realizada em fraude contra a execução a eventual alienação do bem (art. 828, § 4.º). O registro do processo é perpétuo.4 Ele jamais desaparece do banco de dados. O que ocorre, findando por qualquer motivo, é a anotação da respectiva extinção.5 § 265.º Distribuição da causa 1.272. Classes de distribuição Em tema de distribuição, feita conjuntamente com o registro, impõe-se distinguir o primeiro do segundo grau. A distribuição é fenômeno relacionado à pluralidade de órgãos jurisdicionais dotados de competência concorrente. 1.272.1. Distribuição das causas no primeiro grau – A distribuição dos feitos ocorre nas comarcas, seções e subseções judiciárias em que houver pluralidade de juízos. Dependendo da organização judiciária, como se infere do art. 150, podem existir mais de um ofício, na mesma vara, ocupados por dois ou mais escrivães, ou dois ou mais juízos, atendidos por um só escrivão, ou, simplesmente, pluralidade de varas – este é o arranjo mais comum –, cada qual com o seu juízo e escrivão. É comum, explorando de maneira intensa a lotação da vara, levando os servidores ao máximo, atribuir dois juízes a cada escrivão. É indispensável, para que haja distribuição, que à pluralidade de juízos corresponda unidade de atribuições.6 Reparte-se a massa de lides entre iguais. Se há diferenças na atribuição de cada escrivão ou de cada juízo – por exemplo, na mesma comarca há dois juízos, cada qual com o seu escrivão, mas a competência do primeiro é cível e a do segundo, criminal –, não se reparte e atribui, como sugere o étimo da palavra “distribuição”,7 mas encaminha-se o feito, com a anotação necessária, ao único juízo competente. Verificados os respectivos pressupostos – pluralidade de juízos com atribuição idêntica – a distribuição revela-se obrigatória. O ato impossibilita a parte de escolher o juiz. É ilegal e abusivo despachar “com o juiz que se quer, e levar-se ao distribuidor, pondo esse os autos em ordem tal que satisfaça às partes e aos advogados”.8 O ato do juiz que, não se configurando os casos de dependência (art. 286), ordenar para si próprio a distribuição de determinado feito, comportará correção, nos termos do art. 288, a qualquer tempo, ex officio ou a

requerimento do réu. Inexistindo recurso próprio, na atual sistemática do agravo de instrumento (art. 1.015), resta entender administrativo o ato. Em tal conjuntura infeliz, a parte prejudicada poderá valer-se da antiga “correição parcial”, prevista na lei de organização judiciária, ou remédio equivalente. A distribuição é ato do auxiliar do juiz (distribuidor). Em virtude da sua superlativa importância, tal ato é fiscalizado por um juiz predeterminado, em geral o diretor do foro, que tem os poderes de corrigir o erro e suprir a falta de distribuição (art. 288).9 1.272.2. Distribuição das causas nos tribunais – Recursos e causas de competência originária dos tribunais (v.g., a ação rescisória e a ação anulatória), devem ser obrigatoriamente distribuídas a um relator. O tribunal é órgão essencialmente colegiado. Após as providências materiais de conferência, numeração e rubrica (art. 929, caput), a distribuição far-se-á, reza o art. 930, “de acordo com o regimento interno do tribunal”. O art. 93, XV, da CF/1988, exige a distribuição imediata das causas e dos recursos nos tribunais. Esta regra coibiu o represamento dos autos, guardados em lugares precários, e aguardando oportuna distribuição, porque limitado o número de feitos distribuídos, mensalmente, a cada integrante da corte, verificado em alguns tribunais. O art. 527, caput, do CPC de 1973 já previra, quanto ao agravo de instrumento, a distribuição imediata com idêntica finalidade. A necessidade de distribuição prende-se à composição do tribunal. É um órgão colegiado. Existindo vários juízes, classificados em órgãos colegiados (art. 941, § 2.º) – a designação varia, mas o menor órgão chama-se de câmara, no TJ, e de turma, no TRF –, dotados de competência concorrente para julgar a causa ou a matéria versada no recurso, urge repartir os feitos, de forma mais ou menos equânime. Um dos integrantes do tribunal (desembargadores ou ministros) recebe, graças à distribuição, competência para os atos do art. 932, incluindo o julgamento singular, ou preparar-lhes o julgamento, elaborando voto e relatório (art. 931), lidos na sessão pública de julgamento. A distribuição cogitada no art. 931 não é ao órgão fracionário (v.g., à 1.ª Câmara Cível). Distribui-se o recurso ou a causa ao Desembargador X ou ao Desembargador Y, nominalmente, respeitada a competência predeterminada do órgão fracionário. Em geral, a competência dos órgãos colegiados é ratione materiae, eventualmente ratione personae (v.g., figurando como parte pessoa jurídica de direito público), e tais disposições internas fixam a competência do magistrado na respectiva câmara, turma ou grupo de câmaras, conforme o número de juízes e a organização de cada tribunal. É verdade que o art. 872, II, do CPC de 1939 previa a remessa dos autos ao órgão fracionário e, nele, realizar-se-ia a distribuição pelo presidente da câmara “a que couber conhecer do recurso”, antes de iniciada a sessão de julgamento dos feitos já anteriormente distribuídos. No CPC de 1973, a regra consistia na distribuição ao desembargador e, só por decorrência, ao órgão fracionário no qual se encontra lotado, regime preservado no art. 931 do NCPC.

Da sistemática adotada derivam efeitos da maior importância. A distribuição do primeiro recurso protocolado tornará prevento o relator para outros recursos provenientes da mesma causa e de processos conexos (art. 930, parágrafo único). Essa regra inova a regra geralmente adotada nos regimentos internos dos tribunais, vinculando o relator só no caso de conhecimento do primeiro recurso. Transferindo-se de órgão fracionário, por necessidade de serviço (v.g., o presidente do tribunal necessita de desembargador experiente para presidir o novo órgão fracionário criado por lei) ou preferência pessoal (v.g., o magistrado tem formação acadêmica na área penal, mas classificou-se, originariamente, em câmara cível), os recursos pendentes e os supervenientes, vinculados na forma do art. 930, parágrafo único, serão julgados no órgão originário. Esse sistema impede o sobrejuiz de aliviar-se dos recursos acumulados mediante o expediente de transferir-se de órgão fracionário. Conforme o relator sorteado, também vinculava-se, no direito anterior, o respectivo revisor. Este era o magistrado seguinte ao relator na antiguidade – apurada no conjunto da corte – dentro do órgão fracionário, e, desse modo, o desembargador mais antigo revisa o de antiguidade inferior. A função consistia em rever o relatório, acrescentando dados negligenciados ou errôneos, e, de um modo geral, tomar contato com os autos em determinados recursos e nas causas de competência originária. Nenhuma dessas funções era desempenhada a contento. Jamais se viu o revisor corrigir o relatório, temendo melindrar o colega – e arregimentar desafetos, interna corporis, nas futuras eleições a cargos de direção do tribunal. E, introduzida a preparação de relatório e voto no ambiente eletrônico, limitava-se o revisor a ler o trabalho do relator, concordando ou não, sem qualquer contato íntimo com os autos. Significativamente, o art. 40 da Lei 8.038/1990 dispensou revisão nos recursos de competência do STJ e o art. 35 da Lei 6.830/1980 tornou facultativa, remetendo o assunto ao regimento interno de cada tribunal, a revisão nos recursos originários da execução fiscal e ações conexas. Era tendência dispensar a revisão.10 Deu o passo ousado o NCPC. Porém, subsiste um problema: regras especiais consagram a revisão (v.g., na ação rescisória de competência do STJ, a teor do art. 40, I, da Lei 8.038/1990), e, portanto, a revisão ainda se impõe com as atribuições referidas, efeito direto da distribuição ao relator. 1.273. Obrigatoriedade da distribuição A distribuição retrata evento da maior transcendência na perspectiva das partes. O resultado definirá, por vezes, o desfecho provável da causa ou do recurso. O entendimento dos juízes, externados em casos similares, e outros fatores (v.g., há juízes liberais, ou especializados em determinadas matérias) idôneos a influenciar os julgamentos, representam dados valiosos e do maior interesse, inicialmente para o autor. Daí por que a lei tornou obrigatória a distribuição, erigindo princípios rígidos para evitar manipulações. E, com efeito, experiências antigas recomendaram firmeza e transparência na enunciação dos princípios aplicáveis ao ato, cortando na raiz dúvidas a respeito da honestidade da distribuição. Ecoaram, na verdade, “as queixas das partes e advogados, contra a substituição indevida de relatores efetuada sub-repticiamente por empregados subalternados dos tribunais”.11

Não há qualquer distinção quanto à natureza dos feitos. Todo processo, seja qual for o procedimento, ou a natureza contenciosa ou “voluntária”, sujeitam-se ao princípio da distribuição.12 1.274. Princípios da distribuição O art. 285 declara alternada a distribuição entre juízes, “obedecendo-se rigorosa igualdade”, e o art. 930, nos tribunais, manda observar os princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio eletrônico. Esses princípios asseguram a distribuição equitativa e impessoal dos feitos. O art. 872 do CPC de 1939 já impusera à distribuição nos tribunais os princípios da obrigatoriedade, da alternatividade, do sorteio e da publicidade, repetido no art. 548 do CPC de 1973. Essas garantias chegaram a ser estimadas, na era eletrônica, como relativas a “outros tempos”.13 E, de fato, a eletrônica oferece vantagens e desvantagens. 1.274.1. Princípio da publicidade – Segundo o art. 289, “a distribuição poderá ser fiscalizada pela parte, por seu procurador, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública”, e, para tal arte, o ato há de ser público, conforme menciona, nos tribunais, o art. 930. Fiscalizar é bem mais do que observar e assistir, compreendendo o exame, a inspeção e a verificação.14 Há vários anos adotou-se, entre nós, o sistema eletrônico na distribuição de processos e de recursos. É expresso, ao propósito, o art. 204 do NCPC português de 2013. No caso de o sistema não se encontrar funcionando, por qualquer motivo, o sorteio efetiva-se de forma manual. Em tal contingência, presidirá o ato, no primeiro grau, o juiz diretor do foro, e, nos tribunais, o presidente ou o vice-presidente competente segundo o respectivo regimento interno. Não se pode deixar o feito sem imediata distribuição. A distribuição eletrônica compromete a plena publicidade do ato. É fácil chegar a semelhante conclusão, recordando o art. 872, III, do CPC de 1939, aplicável às causas e recursos nos tribunais. Então, verificados os números de ordem dos processos, consoante o livro de protocolo, “o presidente os escreverá em papéis destacados, colocando-os na urna; em seguida irá, por sorteio, distribuindo os que for retirando da urna, na ordem de antiguidade dos juízes que compuserem o tribunal”. Esse procedimento realizava-se à vista do público (advogados e partes) presente no início da sessão do órgão fracionário. Leis de organização judiciária, entretanto, atribuíam o sorteio ao presidente do tribunal, em sessões semanais, utilizando esferas numeradas em lugar de papéis.15 Ora, a distribuição eletrônica não se realiza em sessão pública, mas longe da vista de quem quer que seja,16 inclusive do juiz responsável, alimentandose o sistema eletrônico com os dados hauridos do registro. É uma autêntica caixa preta, suscetível a manipulações pelos técnicos em informática, e de improvável controle das partes. O único direito que o interessado pode exercer, enfraquecido pela falta de elementos concretos, consiste em apresentar a reclamação de que cogita o art. 288. Somente perícia técnica (complexa, custosa, demorada) pode apurar se a distribuição, efetivamente, observou os demais princípios do ato.

O art. 285, parágrafo único, prevê a publicação da lista de distribuição no órgão oficial. Era o costume no direito anterior. A par da ciência das partes quanto ao destino do recurso ou do processo, a regra pouco acrescenta em termos de controle concreto da correção do ato, salvo o fato de ensejar a reclamação do art. 288. 1.274.2. Princípio da alternância – O art. 285, caput, diz que a distribuição será alternada entre juízes. O art. 930 conjuga a alternância ao critério do sorteio. Entende-se por alternância, ou distribuição mecânica e por ordem de chegada,17 o recebimento do primeiro processo por um dos juízes, o seguinte pelo segundo, até encerrar-se o número de juízes, recomeçando pelo primeiro, e assim sucessiva e indefinidamente.18 Já o sorteio é aleatório e uniforme. O sistema escolhe um dos juízes, e, em seguida, distribui para um dos remanescentes, até alcançar o número de juízes (ou de relatores nos tribunais), recomeçando em seguida. É flagrante que, através do sorteio, assegura-se a distribuição alternada e a igualdade, impedindo a transformação do “que havia de ser mecânico e por ordem em algo de compensatório fraudulento”.19 Por essa razão, a despeito de o art. 285 só aludir à distribuição alternada e aleatória, a única modalidade satisfatória reponta no sorteio,20 “desde que cada juízo sorteado não volte a concorrer com os demais senão depois de esgotado o número total”.21 O único cuidado consiste em realizar o sorteio dentro da classe do processo, anotada por ocasião do registro, de modo que a “repartição permaneça igualitária também quanto à natureza dos feitos ou espécies de procedimento”.22 Nos tribunais, há exceções específicas à alternância, que se somam às do art. 286, e tornam “perfeitamente razoável o tratamento especial”:23 (a) prevenção do relator pelo julgamento de recurso anterior oriundo da mesma causa (v.g., o julgamento de agravo de instrumento, de meritis, em princípio vincula o relator da futura apelação); (b) vinculação do relator, a exemplo do previsto no art. 1.023, caput, c/c art. 1.024, § 2.º, quanto aos embargos de declaração, pré-excluindo o sorteio.24 Desapareceu, por outro lado, o relevo do valor da causa na distribuição alternada. Esse critério era utilizado, segundo as leis de organização judiciária, a fim de se obter a igualdade preconizada na parte final do art. 285, relativamente ao recebimento das custas pelo escrivão. Dependendo do valor da causa, realmente, poderia acontecer de um escrivão receber feitos de maior valor econômico, em detrimento dos demais, e, assim, receberia custas mais elevadas, calculadas sobre o valor da causa, avantajando-se a respectiva remuneração. Interessava à boa distribuição da Justiça atribuir aos escrivães da área civil renda mais ou menos equivalente, impedindo a existência de cartórios deficitários. Tais cartórios, presumivelmente, prestariam serviços de qualidade inferior às partes, impossibilitado o escrivão de investir em pessoal. A oficialização dos cartórios judiciais eliminou o problema.

1.274.3. Princípio da igualdade – Um dos objetivos da distribuição consiste em “repartir igualitariamente os feitos entre os cargos de igual competência ou atribuição”.25 A principal vantagem da distribuição eletrônica reside neste ponto. O sistema sadio assegura, nos grandes números, a igualdade dentre todas as classes concebíveis de processos. 1.275. Espécies de distribuição Existem duas dependência.26

espécies

de

distribuição:

(a)

autônoma;

(b)

por

À distribuição autônoma ou livre, mas obrigatória, na qual concorrem todos os juízos, alternada e igualitariamente. Na distribuição por dependência, prevista no art. 286, inexiste distribuição em sentido próprio, mas atribuição. O juízo encontra-se predeterminado, em razão de algum vínculo relevante entre o novo processo e o(s) processo(s) pendente(s). Caberá ao distribuidor, feito o registro, remeter o processo ao juízo previamente competente. § 266.º Distribuição por dependência 1.276. Funções da distribuição por dependência A distribuição por dependência quebra o caráter aleatório do sorteio e, concretamente, fere o princípio da alternância. Por esse motivo, o distribuidor realizará, oportunamente, a devida compensação (infra, 1.285).27 Nesta hipótese, tem lugar a compensação em sentido estrito: o juízo que recebeu o processo por dependência, ou subordinação ao já distribuído, ficará de fora do próximo sorteio, a fim de que se promova a rigorosa igualdade, dentro da classe e subclasse do processo dependente. A distribuição por dependência ostenta funções diversas. Originariamente, buscava impedir a contradição de julgados, mas a ampliação do rol do art. 286 funda-se em outros princípios, a exemplo da interdição à quebra do direito fundamental processual ao juiz natural. O rompimento da alternância, na distribuição por dependência, representará situação excepcional. Essa modalidade caberá nos casos estritamente previstos em lei. A esse respeito, decidiu o STJ: “A distribuição da causa por dependência somente se dá nos casos autorizados por lei, sob pena de agressão ao princípio do juiz natural, um dos pilares do due process of law, devendo ser coibida com rigor qualquer praxe viciosa em contrário”.28 Eventual distribuição por dependência em desacordo com os casos legais padecerá de grave ilegalidade, senão de frisante inconstitucionalidade, porque ofenderá ao princípio do juiz natural (retro, 149). Incorrerá no vício resolução administrativa que afetar a determinado juízo certas causas, independentemente de lei prévia, considerando a respectiva natureza ou a qualidade da parte (v.g., processos repetitivos contra concessionária de serviços telefônicos). Essas providências heterodoxas invocam o princípio da efetividade na prestação jurisdicional. Cuida-se de pretexto, talvez ato praticado com sadias intenções, mas não elimina o principal: endereça causas a determinado juiz ou juíza, o que possibilita fraudes e corrupção.

1.277. Casos implícitos de distribuição por dependência As exceções à distribuição alternada, previstas no art. 286, não esgotam todas as hipóteses de distribuição por dependência. O art. 914, § 1.º, contempla hipótese de distribuição por dependência. O tema já recebeu examine no capítulo da competência (retro, 463). E as pretensões deduzidas em processos pendentes, tornando objetivamente complexo o objeto litigioso, a exemplo da reconvenção e da denunciação da lide, correm perante o juiz da causa principal (art. 61). O art. 286, parágrafo único, determina que o juiz, ex officio, mande o distribuidor realizar as anotações devidas. Faltava, no direito anterior, conferir idêntico tratamento ao litisconsorte ou ao assistente.29 Pretendeu alcançar esse objetivo o art. 286, parágrafo único, mediante a cláusula “outra hipótese de ampliação objetiva do processo”. Ora, a integração do litisconsorte necessário nem sempre ampliará, objetivamente, o objeto litigioso. Regras específicas complementam o defeituoso art. 286, parágrafo único, a exemplo da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, § 1.º), todavia já incluído na “intervenção de terceiro” mencionada naquele dispositivo. 1.278. Casos explícitos de distribuição por dependência O art. 286 arrola três situações em que, explicitamente, abre exceção à distribuição alternada. 1.278.1. Dependência em razão de conexão ou continência – Uma das formas de cumulação objetiva superveniente reponta na reunião de autos por conexão ou continência. É a hipótese prevista no art. 286, I. O assunto já recebeu exame no tópico adequado (retro, 301). 1.278.2. Dependência em razão do juiz natural – É atitude natural, mas ilegítima, o autor buscar o juízo que já adotou, em outros processos, entendimento favorável à pretensão deduzida. Para tal arte, desenvolveu-se a prática de distribuir tantas ações idênticas quantos forem os juízos na comarca, seção ou subseção judiciária, até chegar ao juízo conveniente, desistindo o autor, imediatamente, dos processos distribuídos aos juízos havidos como inconvenientes. O art. 286, II, fechou as portas ao expediente. Extinto o processo precedente, sem julgamento do mérito, mas reiterado o pedido em processo ulterior, “ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda”, a distribuição ocorrerá ao juízo que proferiu a sentença extintiva. A ratio legis recebeu a seguinte explicação em julgado do STJ: “O legislador atendeu ao clamor da comunidade jurídica que reivindicava um instrumento capaz de coibir a prática maliciosa de alguns advogados de desistir de uma demanda logo após sua distribuição – seja em virtude do indeferimento da liminar requerida, seja em razão do prévio conhecimento da orientação contrária do magistrado da matéria em discussão, ou qualquer outra circunstância que pudesse indicar o insucesso na causa – para, logo em seguida, intentá-la novamente com o objetivo de chegar a juiz que, ainda que em tese, lhes fosse mais favorável e conveniente”.30

O art. 286, II, incide também na hipótese de o autor trocar de remédio processual, a exemplo do emprego do mandado de segurança, extinto sem julgamento do mérito, e, em seguida, veiculada a pretensão por intermédio de procedimento ordinário.31 Por esse motivo, o art. 286, caput, alude a causas de qualquer natureza. 1.278.3. Dependência em razão da conexão instrumental – O art. 286, III, apanha as hipóteses em que inexista vínculo tão intenso quanto à conexão em sentido estrito e a continência (litispendência parcial), objeto do inc. § 1.º da regra. Esse propósito transparece na remissão ao art. 55, § 3.º. O art. 253, III, do CPC de 1973 previa o caso mais estrito da renovação da pretensão já deduzida, ou seja, a hipótese de litispendência versada no art. 337, § 3.º. Por um lado, o art. 55, § 3.º abrange as pretensões que, sem repetir propriamente a causa em curso, tendem a objetivo antagônico ou diferente – e logo acode o exemplo da intervenção ou principal (retro, 762.2). Litispendência é, realmente, fenômeno mais amplo que o da renovação da ação em curso (retro, 322.1). A circunstância de o art. 286, III, abranger vínculos mais tênues do que os da conexão e da continência, ou seja, as hipóteses em que surge o risco de pronunciamentos contraditórios, não significa deixar a descoberto o caso de renovação da demanda já pendente (art. 337, § 3.º). Verificando o distribuidor relação dessa natureza, haverá distribuição por dependência. § 267.º Impedimentos à distribuição 1.279. Distribuição sem procuração Um dos elementos do registro do processo recai no nome e no número de inscrição do advogado do autor (retro, 1.270.6). O art. 287, caput, obriga a petição inicial “vir acompanhada de procuração”. Logo, é documento indispensável para os efeitos do art. 320. Em princípio, cabendo a representação da parte em juízo à pessoa inscrita no quadro próprio da OAB, o outorgado é o advogado (ou sociedade de advogados), impressão confirmada pela parte final do art. 287, ao reclamar o endereço completo, eletrônico e físico, do advogado (retro, 1.027). Parece inexistir saída para o advogado mais antigo e reticente, desconfiado das inseguranças do ambiente virtual, pois há de criar endereço eletrônico (e-mail) para postular em juízo. O art. 287, caput, atribui ao distribuidor, recebendo a petição inicial do protocolo (art. 312), o elementar dever de examinar o rol de documentos, verificando se há, ou não, outorga de poderes ao advogado que subscreve a peça. Tal exame impede que o processo inicie com defeito relativo à capacidade postulatória. Não se chegou, no direito pátrio, ao excesso de passar o exame dos requisitos exteriores da petição inicial, constatáveis a olho nu, à responsabilidade do distribuidor, atribuindo-lhe o poder de recusar o registro na falta desses elementos.32 Fez bem. O assunto é jurisdicional e o art. 321, caput, permite correções – a ausência de endereço eletrônico é o caso mais evidente.

1.280. Objeto da fiscalização do distribuidor O dever atribuído ao distribuidor revela-se necessariamente superficial. O art. 287, caput, não impõe o exame da suficiência dos poderes outorgados e dos demais aspectos que compõem a regularidade da representação técnica. Interessa a existência do instrumento do mandato. E o comum consiste na procuração acompanhar a petição inicial. Lapsos acontecem, porém, em virtude de fatores vários, objeto do item seguinte. Feita a verificação, e identificando o distribuidor procuração, ou prova análoga da outorga dos poderes, fará a distribuição normalmente, observando os respectivos princípios. 1.281. Efeitos da fiscalização do distribuidor À primeira vista, o art. 287, caput, tem como destinatário o distribuidor.33 E, ademais, trata-se de regra imperativa. A falta da procuração impede a realização do registro do processo, ao menos com todos os elementos do art. 206. O fato de o NCPC ter trocado a fórmula da regra, anteriormente proibitiva, preferindo instituir um dever, não é isenta de consequências. Em que pede o defeito formal, a petição inicial receberá o registro cabível e, havendo mais de juízo, distribuída. Em seguida, desde logo advertido o órgão judiciário, abrirse-á o prazo do art. 321, caput. O distribuidor restituía, simplesmente, a petição ao advogado no direito anterior ou, valendo-se dos dados do papel timbrado, informalmente instava-o a suprir a falta. Por sinal, ao manusear os papéis, o escrevente do distribuidor recusava-se a protocolar a petição. Não fica excluída, por reminiscência de prática superada, o distribuidor receber a petição inicial despachada pelo juiz, mas desacompanhada da prova da procura. Em tal conjuntura, não lhe resta outra possibilidade senão a de praticar o ato, certificando a falta.34 É o juiz quem manda. A irregularidade da representação constitui matéria de defesa, passível de arguição pelo réu (art. 337, IX), no momento oportuno, e pode ser conhecida pelo juiz, ex officio, talvez provocado pela certidão do distribuidor. Eventual equívoco do distribuidor, recusando a prática do ato, existindo mandato, ou configurada uma das exceções previstas no art. 287, parágrafo único, pode ser objeto de reclamação perante o juiz da comarca ou o diretor do foro.35 1.282. Dispensa da fiscalização do distribuidor O art. 287, parágrafo único, contempla três exceções ao ônus de juntar a procuração, e, conseguintemente, dispensa o distribuir do dever de fiscalizar os anexos da petição inicial. Não se esgotam, aí, as possibilidades, exceto outorgando interpretação extensiva ao art. 287, parágrafo único, III, englobando a mais óbvia das exceções: a postulação em causa própria. 1.282.1. Postulação em causa própria – Figurando advogado como autor, este pode postular em causa própria (art. 103, parágrafo único), assinando a petição inicial. Desnecessário exibir qualquer instrumento se inexiste, por

definição, representação do autor por outra pessoa. Também fica esclarecida a razão de o art. 105, § 2.º, exigir a indicação dos endereços físico e eletrônico do advogado, porque inaplicável o art. 287, caput. É claro que tudo muda de figura se, embora advogado o autor, outro causídico firma a petição inicial. Nesta hipótese, há que se exibir prova da outorga dos poderes ao procurador,36 haja, ou não, também a assinatura da parte legalmente habilitada na petição. 1.282.2. Postulação de atos urgentes – O art. 287, parágrafo único, I, dispensa a fiscalização do distribuidor, quanto à exigência da apresentação do instrumento de mandato, “no caso previsto no art. 104”. O art. 104, caput, c/c art. 5.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994, permite ao advogado procurar em juízo, em nome alheio, sem a outorga de poderes, intentando a ação, a fim de “evitar preclusão, decadência ou prescrição”, ou intervir no processo pendente, praticando “ato considerado urgente”. O elemento comum das duas hipóteses é a urgência. Esse assunto já recebeu exame em item próprio (retro, 1.020.5). Incluem-se no campo de incidência da regra: (a) a propositura de petição inicial com pedido de liminar, antecipatória ou cautelar; (b) a interposição de recurso contra a decisão desfavorável. O art. 287, parágrafo único, I, aplica-se à primeira hipótese. Entretanto, cuida-se de dispensa provisória,37 porque ao advogado cumpre juntar prova da outorga dos poderes no prazo previsto no art. 104, § 1.º 1.282.3. Postulação em representação do vulnerável – O art. 44, XI, da LC 80/1994, secundando o art. 16, parágrafo único, da Lei 1.060/1950 – em vigor, ante o art. 1.072, III, do NCPC –, autoriza o defensor público a representar a parte, “independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais”. Por sua vez, o art. 4.º, § 6.º, da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, declarou que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”. Essas disposições se aplicam, indiferentemente, ao processo civil e ao penal. Explicam o disposto no art. 287, parágrafo único, II, dispensando procuração. O advogado particular, representando o beneficiário da gratuidade da justiça (art. 99, § 4.º) – hipótese diferente da assistência integral, prestada pela Defensoria Pública –, poderá comparecer em juízo sem exibir a procuração; porém, na primeira audiência (v.g., a do art. 334), o juiz registrará na ata da sessão “os termos da referida outorga” (art. 16, caput, da Lei 1.060/1950). Os advogados comprovam, geralmente, a outorga do mandato judicial pelo necessitado, requerendo ao juiz, na primeira intervenção no processo (art. 99, caput), o benefício da gratuidade. 1.282.4. Postulação em decorrência de investidura constitucional – Existem casos de investidura legal dos poderes de representação, conforme sói ocorrer com os procuradores das pessoas jurídicas de direito público (art. 9.º da Lei 9.469/1997). E há, outrossim, o caso do direito de postular em juízo por força da investidura constitucional, figurando o Ministério Público como parte principal (retro, 1.050.2),38 e, a fortiori, parte coadjuvante. A rigor, o Defensor Público insere-se no art. 287, parágrafo único, III, mas o caso específico da Defensoria Pública localiza-se no inciso precedente.

§ 268.º Correção da distribuição 1.283. Casos de erro na distribuição É lícito às partes reclamar contra o erro e a falta de distribuição, instando o juiz a corrigir tais vícios (art. 288). Em princípio, a iniciativa incumbe ao réu, surpreendido com a afetação do processo a um juízo ou a um escrivão que, pela ordem legal, jamais receberia o processo. O motivo dessa inconformidade varia muito. Às vezes, prende-se ao fato de que há juízo prevento, mas a distribuição ignorou a dependência do art. 286; em outras oportunidades, o processo não cai na vara de competência privativa, como deveria, e acaba em vara de competência comum. Os exemplos aventados já demonstram que a iniciativa de pleitear a correção da distribuição também cabe ao autor. Na medida em que toca ao autor, conforme o art. 319, I, endereçar a petição inicial ao juízo competente, o requisito não se exaure na divisão territorial, ingressando na organização dos juízos dentro da comarca e da seção judiciária. Assim, indicando a inicial vara cível como a competente, mas remetida a causa à vara de família, o autor tem interesse em impugnar a distribuição errônea. Os tribunais têm problemas específicos. A falta de observância das regras regimentais é a situação mais comum. Essas regras vinculam o relator do recurso precedente aos recursos subsequentes, no mesmo processo, ou às ações de competência originária, como no caso do mandado de segurança contra ato judicial, sob certas condições (v.g., o conhecimento do recurso). É possível que a distribuição ignore a diretriz do art. 930, parágrafo único. A iniciativa da reclamação cabe, via de regra, ao recorrente. É preciso verificar, detidamente, o teor da regra regimental, por vezes insuficientemente conhecida. Pouco adianta reclamar, por exemplo, da distribuição de recursos envolvendo determinada tese, dividido o tribunal grupos de câmaras, cada qual competente em razão da matéria, chegar às mãos dos integrantes desses órgãos fracionários, cujo entendimento se afigura desfavorável ao recorrente. Não há como escapar do juiz certo. Fora desses casos, em que há violação de regra explícita, na prática faltam elementos concretos para embasar eventual reclamação. O sistema eletrônico de distribuição encerra mistérios insolúveis para os profanos. A distribuição se passa sem controle visível das partes e dos procuradores (art. 285), como se realçou no exame do princípio da publicidade, sob véu indevassável, restando depositar irrestrita confiança no sistema. 1.283.1. Erro na distribuição – A primeira causa de reclamação, indicada no art. 288, avulta no erro da distribuição. Além dos casos de infração à regra da dependência, prevista no art. 286, o equívoco consiste em ofender o princípio da alternância. Em vez do primeiro processo para o juízo A, e o segundo para o juízo B, ambos são distribuídos para o juízo A. Também se concebe ofensa ao princípio da igualdade: em lugar de atribuir um processo para o juízo A e um para o juízo B, o juízo A recebe os dois processos, e o juízo B, nenhum. Em tese, esses erros podem ser apurados tanto na distribuição manual, quanto na distribuição eletrônica. Nesta última, porém, haja vista os motivos

apresentados, a verificação se apresenta mais difícil, dependendo de prova técnica demorada e dispendiosa. Ao que se sabe, jamais se produziu reclamação desse conteúdo que haja provocado a realização de perícia informática. 1.283.2. Falta de distribuição – A segunda causa mencionada no art. 288, a falta de distribuição, mostra-se de difícil configuração. A distribuição é obrigatória, havendo dois ou mais juízos com idêntica competência, e o processo sempre chega a um ou outro. Do contrário, o processo simplesmente não tramitará perante algum juízo ou escrivão O pulo de um juízo, que fica com um processo a menos,39 sobrecarregando outro, constitui erro na distribuição, e, não, falta de distribuição. Há infração ao princípio da alternância, garantido pelo sorteio, e ao princípio da igualdade. Nessa linha de raciocínio, a falta decorreria da ausência material do ato da distribuição e o único exemplo recordado, pertinentemente, é o da avocação de certo processo por despacho do juiz.40 1.284. Incidente de impugnação da distribuição Os regimentos dos tribunais disciplinam o incidente de reclamação contra o erro e a falta de distribuição. Estabelecem prazo hábil e a competência, em geral do presidente ou vice-presidente responsável pela distribuição, materialmente realizado pelo distribuidor. Omissa que seja a lei processual quanto à forma do incidente, no primeiro grau, tal “reclamação” – designação conferida à impugnação do interessado – recebe previsão nas disposições da lei de organização judiciária. Infelizmente, a identificação do juízo competente suscita questão da maior delicadeza. É que, em certo aspecto, a distribuição constitui assunto administrativo, a cargo do juiz diretor do foro. O STJ admitiu a impetração de mandado de segurança contra o ato de distribuição, porque ato “pré-processual”.41 O equívoco é flagrante: o processo já se encontra formado (art. 321), e, portanto, o assunto é “processual”. Do ponto de vista das partes, a opção entre o juízo A ou o juízo B assume estatura jurisdicional. Este parece ser o rumo correto. A competência administrativa incumbe ao juiz diretor do foro. Esta autoridade preside e fiscaliza a distribuição na comarca ou seção judiciária, exaurindo-se na oportunidade em que o processo chega a determinado ofício judicial. Por sua vez, a correção há de ser pleiteada ao juiz que recebeu a causa e que, nessa condição, assumiu competência sobre o processo. Nenhum outro, nem sequer o juiz diretor do foro, tem o poder de retirar o processo de um juiz, após a distribuição equivocada, e atribuí-lo a outro, adotando a compensação como medida de saneamento. O diretor do foro pode e deve, a requerimento ou ex officio, corrigir a distribuição ao escrivão; porém, a distribuição errônea a determinado juízo transforma-se, salvo engano, em questão estritamente jurisdicional. Basta considerar a hipótese versada no art. 286, II. A constatação se há, ou não, identidade entre a demanda subsequente, extinta a demanda precedente, não raro enseja a suscitação de conflito de competência (retro, 471).42 É tema jurisdicional. E o distribuidor só por si não pode corrigir, compensando: “pulou algum juízo ou cartório, distribuiu-lhe em dobro ou mais de dobro os processos, quebrando a igualdade e a alternatividade, ou simplesmente errou, como se escreveu duas vezes o mesmo processo – tem de prosseguir, até que o ‘juiz’ decida”.43

Não há prazo estipulado, mas aplica-se, por analogia, o seguinte critério: (a) o autor suscitará o incidente de impugnação da distribuição no prazo de cinco dias, a teor do art. 218, § 3.º, contado da data em que tiver ciência inequívoca da distribuição, através da publicação do art. 285, parágrafo único; (b) o réu suscitará o incidente no prazo de contestação. O STJ já decidiu que a “eventual anomalia na distribuição deve ser impugnada pelas vias hábeis, pena de preclusão, salvo em se tratando de competência absoluta”.44 O ato do juiz que acolher ou rejeitar o incidente não comporta agravo de instrumento. 1.285. Compensação na distribuição O art. 288 indica a compensação como medida hábil para corrigir o erro ou a falta de distribuição. Em princípio, o processo que ingressou em determinado juízo, ou ficou sob a responsabilidade de certo escrivão, permanece no respectivo ofício, e outro vai para o juízo ou o escrivão prejudicado. Presumivelmente, o expediente rende homenagem ao princípio do juiz natural. Por exemplo, havendo excesso (v.g., o juízo A recebeu dois processos, em lugar de um, beneficiando o juízo B, que nenhum recebeu), retira-se o juízo prejudicado da próxima distribuição, a fim de obter a equivalência. O processo erroneamente distribuído não vai para juízo que, originalmente, deveria receber o processo.45 A medida não comporta maiores generalizações. Nos casos em que ocorreu violação à distribuição por dependência (art. 286), de rigor remeter-se o processo ao juízo prevento – e, nos tribunais, a fortiori, ao relator vinculado –, passando outro a tomar-lhe o lugar. É o único modo de evitar as consequências indesejáveis eliminadas através da junção do processo posterior ao processo pendente. Por exemplo, a reunião da segunda causa idêntica à primeira no juízo prevento (art. 286, III) evita a emissão de provimentos contraditórios, ensejando a extinção do segundo processo por força da litispendência. Além disso, há que considerar o princípio do juiz natural: a parte tem o direito de ver processada e julgada a causa pelo juiz que, consoante regras gerais previamente fixadas, caberia conhecê-la.46 Por exceção, como no caso do excesso de distribuição, e porque à parte se mostra indiferente ver julgada pelo juízo A ou pelo juízo B, há compensação sem saída do processo mal distribuído. Tecnicamente, as operações de compensação, cuidando-se de número expressivo de processos, mostram-se complexas e demoradas. É preciso respeitar as classes e subclasses do(s) processo(s) subtraído(s) a determinado juízo, até que se atinja a igualdade. 1.286. Cancelamento da distribuição A distribuição da petição inicial exige do autor o ônus de recolher a taxa judiciária e pagar custas devidas ao distribuidor, relativamente ao registro e à distribuição, e, em geral, adiantar parte das custas devidas ao escrivão. O Estado não se dispõe a prestar o serviço judiciário, que lhe é muito oneroso, sem o sinal de que o autor retribuirá as despesas realizadas mesmo para o indeferimento liminar da petição inicial. Ficam isentas as partes que desfrutam da assistência judiciária ou da gratuidade. Esse pagamento, entretanto, não

precisa ser imediato. Dispõe o art. 290 que, deixando o autor de atender ao custo financeiro inicial do processo, intimar-se seu advogado, por um dos meios admissíveis (v.g., a intimação eletrônica), seguindo-se o cancelamento da distribuição. Regra similar no direito anterior, embora um pouco distinta da atual – não previa intimação formal do autor na pessoa do seu advogado – suscitou controvérsias surpreendentes Parece flagrante independerem o registro e a distribuição, em si, de preparo imediato. Recebida a petição inicial, cumpre ao distribuidor desincumbir-se dos atos do seu ofício. Por definição, o cancelamento pressupõe que a distribuição haja sido feita. Em outros ordenamentos, como o português, a secretaria do órgão judiciário pode rejeitar petições desprovidas, à primeira vista, dos caracteres formais, de modo possível impedir a distribuição sem preparo. E o caráter compulsório da distribuição, haja ou não o pagamento prévio das despesas iniciais no CPC de 1973 e no NCPC, resulta enfatizado através do contraste com o art. 51 do CPC de 1939. Tal disposição impedia, realmente, a distribuição, e, ainda, responsabilizava o distribuidor administrativamente em casos tais, inexistindo prova do pagamento, no mínimo, da metade da taxa judiciária, salvo o benefício da gratuidade.47 A disposição em vigor se harmoniza melhor com o direito fundamental processual de acesso à Justiça (retro, 120). Em geral, o preparo realiza-se imediatamente, eliminando a incidência do art. 290. A parte ou seu procurador, comparecendo perante o distribuidor, efetuam o pagamento no ato, sem o qual o distribuidor restitui a petição inicial. O protocolo previsto no art. 312 realiza-se, via de regra, perante o distribuidor, e, não, no protocolo unificado. O art. 290 aplica-se, ordinariamente, a outras situações. Por exemplo, o distribuidor recebe a petição pelos correios, ou, simplesmente, o interessado entrega a peça no distribuidor e, antes que seja cobrado, retira-se da sede do juízo. Embora não seja impossível o distribuidor devolver a petição inicial, por via postal, endereçando a carta com aviso de recebimento para o endereço do autor declinado na inicial, quer o art. 290 que faça, a despeito da falta de pagamento, o registro e a distribuição. Realizados os atos de registro e de distribuição, da respectiva data fluía, no direito anterior, prazo de espera (trinta dias), automática e independentemente de qualquer intimação pessoal da parte, e, a fortiori, do seu procurador.48 O STJ entendeu dispensável a intimação da parte exigida no caso de abandono unilateral.49 Em relação a esse regime, o art. 290 evoluiu positivamente. O escrivão intimará o advogado do autor, valendo-se dos dados da procuração (art. 287, caput), convindo realçar que as partes representadas pela Defensoria Pública e pela Advocacia Pública encontram-se isentas de preparo inicial, bem como o Ministério Público como parte principal. O prazo de quinze dias fluirá ordinariamente (art. 219, caput, c/c art. 224). Findo o interregno, o juiz ordenará o cancelamento da distribuição e o arquivamento dos autos. Tal ato significa a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 485, X).50 Vale a diretriz para a reconvenção.51 O pagamento dentro do prazo, mas comprovado posteriormente, não importa o cancelamento da distribuição.52 E, ocorrendo deslocamento de competência (v.g., da Justiça Comum para a

Justiça Federal), eventuais diferenças devem ser recolhidas após a intimação da parte.53 Na hipótese, inexiste ausência de preparo, mas insuficiência. Eventualmente, a demanda tem curso, apesar da falta de preparo inicial, e, nesta hipótese, ficará pré-excluído o cancelamento da distribuição nas condições descritas. O estágio adiantado do processo não recomenda esse desfecho. Decidiu o STJ: “Se o processo está na fase de réplica, a distribuição já não pode ser cancelada por falta de preparo, porque essa providência, de natureza administrativa, só pode ser tomada quando caracterizado o abandono antes do seu processamento”.54 Por óbvio, recusando a parte antecipar as despesas do processo, conforme estabelece o art. 82, caput, e não desfrutando do benefício da gratuidade, o processo não continuará normalmente. Chegará determinado ponto que, não promovendo o autor os atos e as diligências que lhe incumbem, caracterizar-se-á o abandono previsto no art. 485, III. Em tal contingência, a extinção ocorrerá após a intimação pessoal, consoante o art. 485, § 1.º. Não soa razoável, na conjuntura, dar por superada a questão relativa ao pagamento da taxa judiciária e das custas, remetendo os credores, respectivamente a Fazenda Pública e o servidor, à via executiva. § 269.º Valor da causa 1.287. Conceito de valor da causa Em direito processual, valor da causa tem conceito preciso. É a quantia em dinheiro que corresponde ao benefício, proveito, utilidade ou vantagem pretendida pelo autor do réu, nos limites do(s) pedido(s) formulado(s) na demanda.55 Às vezes, há necessidade de interpretar o pedido à luz da causa de pedir: a restituição de imóvel, por exemplo, pode ser pedida em razão do término da locação, hipótese coberta pelo art. 58, III, da Lei 8.245/1991, ou a título de comodato; nessa última hipótese, há de se buscar nas hipóteses do art. 292 a definição do conteúdo econômico, e o único enquadramento concebível, dissolvendo o negócio jurídico, localiza-se no art. 292, II.56 A toda causa, reza o art. 291, corresponderá um valor certo, ainda que não exiba conteúdo econômico imediatamente estimável. Esse dispositivo pré-exclui a falta de fixação do valor da causa, não se admitindo as antigamente designadas causas de valor inestimável.57 Emprega essa última palavra o art. 85, § 8.º, convidando o juiz a fixar os honorários do advogado vencedor mediante juízo de equidade, mas o sentido é um pouco diverso. Equivalem-se o valor do objeto mediato do pedido e valor da causa. Essa relação estampa-se no art. 292, VI a VIII, pois o critério legal tem em mira a cumulação simples, o pedido alternativo e a cumulação eventual, respectivamente. E, em certas situações, essa equivalência torna-se flagrante. Deduzida pretensão a executar, no valor de cem, e embargando o executado, alegando excesso de execução (art. 917, III, e § 2.º, I), no valor de vinte, o valor da causa dos embargos não corresponderá ao do valor da execução. Limitar-se-á ao proveito porventura obtido no hipotético juízo de procedência. E tal proveito corresponde ao valor do excesso (vinte), declarando-se o executado, ademais, obrigado por oitenta, a teor do art. 917, § 3.º, no demonstrativo que acompanhará a petição inicial dos embargos. O

acolhimento dos embargos reduzirá a dívida a oitenta. A diferença entre cem e oitenta (= vinte) é o valor da causa nos embargos. O autor indicará o valor da causa, requisito da inicial (art. 319, V), em moeda corrente nacional.58 O uso de escala móvel (v.g., o salário mínimo) generalizou-se para outras finalidades, a exemplo da determinação da competência do juizado especial (art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995), mas ao movimento subsistiu incólume o ônus de apontar o valor da causa pelo valor nominal da moeda de curso forçado. É verdade que, no processo legislativo do CPC de 1973, retirou-se a expressão “em moeda nacional” da disposição equivalente ao art. 291 do NCPC.59 Não se infere daí, absolutamente, a admissibilidade da indicação do valor da causa em moeda de conta. Na realidade, expresso o valor da obrigação em escala móvel (v.g., nos negócios imobiliários, é comum o emprego de unidades de conta específicas), ou em moeda estrangeira, na ação para haver o respectivo valor o demandante converterá a obrigação para a moeda de curso forçado no dia do ajuizamento.60 É inadmissível, por esse motivo, declarar o autor na inicial que o valor é o “de alçada”. Sempre haverá a necessidade de apontar valor certo.61 Se há um piso para o recolhimento das custas, e a causa não apresenta conteúdo econômico imediatamente aferível, cumpre ao autor, desincumbindo-se do ônus de apontar o valor da causa da ação ou da reconvenção – o art. 292, caput, é redundante quanto à pretensão do autor, por força do art. 319, V –, informar-se e reproduzir o valor em moeda nacional. Não há valor mínimo ou valor máximo na estipulação. Um e outro são estabelecidos, todavia, para fins fiscais (infra, 1.288). Em outras palavras, inestimável que seja o conteúdo econômico da pretensão, a lei federal, no caso da Justiça Federal, e a lei local do Estado-membro, estipulam um valor mínimo (piso), sob o qual são cobradas as despesas da distribuição, e fixam o valor máximo (teto), com o fito de eliminar eventuais entraves ao acesso à Justiça. 1.288. Finalidades do valor da causa O valor da causa tem vários efeitos processuais relevantes. São eles os seguintes:62 (a) O valor da causa é a base de cálculo da taxa judiciária e das custas iniciais da distribuição (retro, 1.274),63 conforme lei específica a respeito. A constitucionalidade do critério legal de tomar o valor da causa como base de cálculo de taxa judiciária provocou controvérsias.64 O montante não tem relação direta com o custo do serviço público. Porém, o STJ admitiu a constitucionalidade, subordinando-a a previsão de piso (valor mínimo) e teto (valor máximo) no montante a ser recolhido.65 (b) Em matéria de procedimento, o valor da causa discrimina as causas perante as quais o autor pode optar por deduzir a pretensão, respeitada a matéria admissível, no juizado especial comum (art. 3.º, I, e § 1.º, II, da Lei 9.099/1995), cumulando sucessiva ou eventualmente pedidos até o teto da competência (art. 15 da Lei 9.099/1995), e no juizado especial federal (art. 3.º, caput, da Lei 10.259/2001). No âmbito do juizado especial comum, ainda,

o valor da causa constitui fator excludente da representação técnica obrigatória (art. 9.º, caput, da Lei 9.099/1995). (c) É elemento que determina a competência, no primeiro grau de jurisdição, conforme as disposições da lei de organização judiciária, existindo magistrados togados cuja competência seja em razão do valor (retro, 400). (d) O valor da causa importa, nas execuções fiscais, à admissibilidade da apelação ou de embargos infringentes contra a sentença proferida na execução ou nos embargos (art. 34 da Lei 6.830/1980), devendo se proceder ao cotejo entre os valores de alçada e da execução, para fins de determinação do cabimento ou não do recurso de apelação, no momento do ajuizamento da execução.66 (e) O valor da causa serve para base de cálculo e limite para prestações pecuniárias impostas pelo órgão judiciário, a título de multa (v.g., art. 81, caput: “… a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa…”). (f) É o fator determinante na fixação dos honorários advocatícios da parte vendedor por critério de equidade (art. 85, § 11.º). 1.289. Obrigatoriedade de fixação do valor da causa O valor da causa é requisito da petição inicial (art. 319, V). Da conjugação do art. 291 ao caput do art. 292 (“O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção…”), resulta inequívoca a obrigatoriedade da indicação do seu valor. Variará apenas o critério empregado para fixá-lo (infra, 1.291). Às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que “a toda causa será atribuído valor certo”.67 Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável.68 Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor. E não importam, perante os termos peremptórios do art. 292, caput, a natureza da causa, o procedimento e o caráter contencioso ou voluntário.69 Em virtude do caráter imperativo das regras aplicáveis à espécie, ao juiz cumpre, ao primeiro contato com a inicial, realizar o controle da petição sob dois ângulos distintos: (a) verificar se o autor cumpriu o requisito do art. 319, V; (b) fiscalizar se o autor observou o critério legal de fixação (art. 292).70 Descumprido o requisito do art. 319, V, o juiz abrirá prazo para o autor emendar a petição inicial, corrigindo o defeito (art. 321, caput). A inércia do autor, no quindênio legal, implicará o indeferimento da petição inicial (art. 321, parágrafo único, c/c art. 330, IV). O STJ tolera a correção do defeito feita após

o prazo legal.71 E considera ilegítima a extinção do processo sem a oportunidade para o autor emendar a petição inicial.72 Mas, permanecendo o autor inerte no prazo de quinze dias, desnecessária a intimação pessoal como requisito prévio da resolução extintiva.73 É diferente a hipótese de o autor, tendo indicado o valor da causa, desobedecer ao critério legal. Nesta hipótese, o juiz pode corrigir de plano o valor da causa,74ex officio, assinalando prazo para o autor complementar o valor inicial as custas e a taxa judiciária. A localização desse poder como parágrafo do art. 292 é bastante. E há fundamento para a iniciativa oficial: “a competência, a forma do processo ou o cabimento do recurso não ficarão subordinados ao acerto dos interessados, pois o juiz deverá intervir de ofício, para corrigir os defeitos de estimação, com isso fixando acertadamente a competência e determinando a forma do processo”.75 Do ato do juiz que, ex officio, altera o valor da causa, para mais ou para menos, ajustando-o ao critério legal, não caberá o recurso de agravo de instrumento (infra, 1.300). A obrigatoriedade da atribuição de valor a toda causa tem outra consequência. Ela é incondicional.76 A declaração do autor que atribui valor à causa a título provisório, ou fórmula similar, revela-se ineficaz.77 Em consequência, ou o valor atribuído corresponde ao critério legal, e a petição inicial revela-se apta; ou, havendo desrespeito, cabe ao juiz corrigir o valor ex officio, nos casos de fixação legal, ou ao réu impugná-lo, na hipótese de fixação voluntária, a fim de que prevaleça o princípio geral do art. 291. 1.290. Oportunidade da fixação do valor da causa À fixação do valor da causa, haja vista a qualidade de requisito da petição inicial (art. 319, V), importa o momento da propositura da demanda (art. 312). Forma-se, então, a relação processual linear, e o valor já produz efeitos – por exemplo, no que tange ao registro, à distribuição e à competência em razão do valor. Não pode ser o momento da citação,78 porque há repercussões anteriores ao chamamento do réu – o pagamento da taxa judiciária, por exemplo. Eventuais alterações supervenientes conseguintemente, mostrar-se-ão irrelevantes.79

a

tal

oportunidade,

Do ponto de vista do réu, formulando pedido na reconvenção, o momento adequado é o da contestação (art. 343, caput). A despeito de a reconvenção, formalmente, inserir-se na reconvenção, há de respeitar, mutatis mutandis, os requisitos do art. 319, em capítulo destacado da peça. O valor da causa não fica subordinado ao teor do julgamento futuro. Do contrário, emitida sentença de improcedência, reduzir-se-ia a zero. Por identidade de razões, exigindo-se a fixação do valor da causa através de escala móvel (v.g., salários mínimos), “entende-se que toma o quantum correspondente no momento da propositura”.80 É a diretriz seguida, por exemplo, para definir o cabimento ou não da apelação nas execuções fiscais (art. 34, § 1.º, da Lei 6.830/1980).81

Eventualmente, a lei considera o valor da condenação – por exemplo, em quantia certa de valor superior a mil salários mínimos, a teor do art. 496, § 3.º, I, cuidando de condenação proferida contra a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público – para fins diferentes, determinando a admissibilidade a remessa oficial. Trata-se, porém, de regra de interpretação estrita. A dispensa de reexame necessário, prevista no art. 496, § 3.º, pressupõe a conjugação de dois requisitos: (a) o dispositivo da sentença conterá condenação líquida (art. 491, caput); (b), o valor explícito dessa condenação não pode exceder o teto de mil, quinhentos e cem salários mínimos, conforme a pessoa jurídica de direito público.82 Não existindo condenação líquida, e superando o valor da causa, devidamente atualizado, aos tetos previstos no art. 496, § 3.º, caberá o reexame.83 A inalterabilidade do valor da causa não é absoluta. O valor inicial comporta modificações, decorrentes de mudanças do pedido ou da causa de pedir, ou da formulação de novo pedido, nos termos do art. 329, ou seja, submete-se ao mesmo regime da estabilização da demanda.84 Eis o sentido de o art. 329, parágrafo único, mandar aplicar as disposições do artigo “à reconvenção e à respectiva causa de pedir”. 1.291. Espécies de fixação do valor da causa A satisfação das múltiplas finalidades processuais do valor da causa exige que, a mais das vezes, semelhante matéria se subtraia do poder de disposição das partes. Para tal arte, a lei predetermina o valor da causa, estipulando-o nos casos do art. 292. Desse modo, há dois critérios para fixação do valor da causa: (a) o legal; (b) e o voluntário, decorrente da estimativa do autor.85 Em mais de um aspecto, o critério legal ressente-se de omissões e de incertezas. Não era um dos capítulos mais felizes do CPC de 1973. Resta verificar até que ponto o NCPC corrigiu a lei anterior. 1.292. Critérios da fixação do valor da causa Renovado, o art. 292 traça os critérios legais de fixação do valor da causa. Fora do seu âmbito, disposições de variada origem complementam o quatro. Por sua vez, o autor não estimará livremente o valor da causa, inexistindo critério legal, porque não deve ser apartar do conteúdo do proveito, vantagem ou utilidade constante do pedido mediato. 1.292.1. Valor da causa segundo critério legal – As regras legais de fixação do valor da causa exsurgem do art. 292. Essas disposições revelamse imperativas. Delas o autor não pode se afastar, pois estimativa própria só tem cabimento nos casos em que inexiste critério legal.86 1.292.1.1. Valor da causa na cobrança de dívida de prestação única – O valor da causa, na demanda em que o autor pretende receber crédito pecuniário, originária ou supervenientemente de prestação única, corresponderá à soma do principal corrigido, dos juros de vencidos e “outras penalidades” até a data da propositura da ação (art. 292, I).

É exemplificativa a enumeração dos acessórios.87 Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de “penalidade”. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula pena (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), “não entram na estimativa da causa”.88 O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei. Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá “o valor da importância reclamada no pedido”.89 O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único. Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa. 1.292.1.2. Valor da causa na pretensão fundada em ato ou negócio jurídico – A pretensão envolvendo a existência, a validade, o cumprimento, a resolução, a resilição ou a rescisão de “ato jurídico”, o valor causa será o “ato ou o de sua parte controvertida” (art. 292, II). Entenda-se bem: ao valor do negócio jurídico (bilateral ou unilateral) e do ato jurídico em sentido estrito, nesse particular equiparado ao negócio (art. 185 do CC). Esmerou-se o art. 292, II, ao registrar as pretensões de resolução, resilição e rescisão dos negócios jurídicos, correspondendo a modos distintos de dissolução do negócio jurídico (v.g., arts. 476 e 477 do CC). Em princípio, o valor encontra-se explícito no negócio, prefixado pelos figurantes, cabendo ao autor apenas “transplantá-lo para a petição inicial”.90 Não é incomum omitir valor em negócios jurídicos (v.g., no testamento). Faltando o dado, cumpre ao autor estimá-lo, respeitando o

conteúdo da pretensão (v.g., controvertido apenas certo legado, este será o valor da causa).91 O valor da causa, nesses casos, assumia superlativa importância, porque predeterminava, ou não, a admissibilidade ad valorem da prova testemunhal, problema abstraído pelo NCPC. As pretensões abrangidas no art. 292, II, mostram-se muito variadas, exigindo alguns temperamentos. Por exemplo, pleiteando o autor, sob a alegação de vício oculto do objeto, o abatimento do preço (art. 442 do CC), em vez da dissolução do vínculo, calhará melhor a hipótese do art. 292, I, embora o art. 292, II, haja considerado essa particularidade com a menção da “parte controversa” do negócio. Em todo caso, extrai-se a seguinte diretriz versando a lide apenas parte do negócio jurídico, o valor da causa corresponderá a esta parte, e, não, ao todo.92 Também se regula nessa linha a pretensão de realizar pretensão única, objeto de inadimplemento do obrigado, inserida em contrato mais amplo. É na pretensão à declaração da existência do negócio jurídico que o art. 292, II, revela-se, em parte, inapropriado. Não há dúvida que o art. 291 aplicase às pretensões à declaração.93 O valor da causa corresponderá ao bem jurídico pretendido e, no caso da pretensão à declaração, o benefício econômico resulta da certeza ínsita à eficácia de coisa julgada. Pretendendo o autor declarar a existência de negócio jurídico, subordina-se ao critério legal do valo do contrato.94 É a orientação haurida da doutrina italiana clássica,95 encampada pelo autor do anteprojeto de CPC de 1973,96 bem como de outros setores expressivos da doutrina nacional,97 segundo o qual “as ações declaratórias exprimem o mesmo valor da relação jurídica a que se referem”, razão por que a respectiva estimação realizar-se-á “com os mesmos critérios que prevalecem para as ações destinadas à atuação da relação”. Por óbvio, pretendendo o autor declarar em parte o valor do negócio jurídico, obtendo certeza, por exemplo, quanto à efetiva data de vencimento de uma das prestações, o critério já não se revela satisfatório. O valor da causa dependerá da estimativa do autor. Tal assunto receberá exame no item do valor da causa segundo critério do autor (infra, 1.292.2.1). 1.292.1.3. Valor da causa na pretensão alimentar – O valor da causa na ação de alimentos, almejando o autor a constituição da obrigação do alimentante, ou este forrar-se do dever alimentar (pretensão à exoneração), é o equivalente a doze prestações mensais. O art. 292, III, consiste em supérflua especificação do parágrafo segundo.98 Como quer que seja, não importa a natureza preventiva ou definitiva da pretensão a alimentos.99 Em atenção à controvérsia usualmente travada nas ações de alimentos, envolvendo a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentário, o critério da regra significa, na prática, a indicação como valor da causa doze vezes um terço do que presumivelmente recebe o alimentante.100 O art. 292, III, pressupõe que o quantum da prestação a cargo do alimentante ainda não tenha sido fixado. Desejando o alimentário cobrar prestações já fixadas, provisionalmente ou não, incidirá o art. 292, I, ou seja, o valor da causa é o que o autor pediu (v.g., duas prestações no valor x + x),101 somados os respectivos consectários, independentemente da natureza executiva, ou não, da pretensão. Nessa linha de raciocínio, consoante o montante das prestações devidas, o valor da causa pode ser

inferior (v.g., abrangendo o valor de duas prestações mensais) ou superior (v.g., abrangendo quinze prestações mensais) à regra geral do art. 292, III.102 O art. 292, III, tampouco abrange a pretensão à revisão da prestação alimentar já fixada provisoriamente ou definitivamente. Nesta hipótese, o valor da causa corresponderá a doze vezes o valor da diferença entre o valor da prestação estabelecido e o valor sugerido na petição inicial.103 Não importa que, no âmbito das doze prestações, incluam-se as vencidas e as vincendas, pois o valor da causa considerará “umas e outras” (art. 292, § 1.º). 1.292.1.4. Valor da causa nas pretensões de divisão, de demarcação e de reivindicação de imóvel – Em se cuidando de pretensões de divisão, de demarcação e de reivindicação de coisas imóveis, o valor da causa consistirá no “valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido” (art. 292, IV). Em relação ao critério anterior, o art. 292, IV, corrigiu defeitos flagrantes, pois a estima oficial do imposto não se aplicava à reivindicação de coisas móveis e de semoventes, sobre os quais não incide o imposto territorial ou predial,104 e, tampouco, esclarecia as hipóteses em que o objeto da divisão, da demarcação ou da reivindicação não se sujeitavam a imposto. É o caso, por exemplo, dos bens públicos, passíveis de divisão e de demarcação, e que não se sujeitam ao tributo mencionado. E sempre haverá casos em que, por um motivo ou outro, o imóvel não se encontra cadastrado. Ademais, o valor da reivindicatória, na qual o autor pretende incorporar o imóvel ao seu patrimônio, jamais equivale ao da divisão ou demarcação deste mesmo bem.105 No entanto, nem sempre o autor disporá do “valor da avaliação da área”. Não parece razoável onerá-lo com avaliação particular por experto na matéria. Em se tratando de imóvel sujeito a tributação, pode-se entender perfeitamente o critério explícito art. 292, IV, como a “estimativa oficial para lançamento do imposto” do direito anterior. Convém admitir, fora daí, a estimativa do autor quanto ao “valor do bem”. No caso da reivindicatória de coisa imóvel ou móvel, e de semoventes, o valor da causa será o valor dos bens. E, na divisão e na demarcação, o valor da vantagem econômica decorrente dessas providências. O órgão judiciário só pode controlar, ex officio, o valor da causa, estando o imóvel cadastrado e houver lançamento de imposto,106 hipótese em que se retorna ao mais seguro critério anterior. Concebe-se a divisão e a demarcação parciais, hipótese em que a o valor da área há de ser reduzido proporcionalmente.107 O valor da causa deveria corresponder ao quinhão do promovente. E, de toda sorte, este é o critério que preside a distribuição das despesas processuais e dos honorários, consoante o art. 89 (retro, 649). 1.292.1.5. Valor da causa na pretensão à indenização – Em princípio, o art. 292, I, também se aplica às pretensões em que o autor reclama a reparação do dano civil, independentemente da sua natureza patrimonial ou extrapatrimonial. Porém, a omissão da espécie no catálogo anterior, embora tão corriqueira na vida forense, não deixava de causar estranheza. O art. 292,

V, encerra o problema: o valor da causa, incluindo o dano moral, é o valor pretendido. Em ações dessa natureza, raramente o autor formula pedido líquido, embora estimável o valor do dano (retro, 261). Não é incomum a tese que, dependendo o valor definitivo da condenação dos critérios porventura fixados no provimento final (v.g., no dano à pessoa, a expectativa de vida da vítima), ou dependendo de ulterior liquidação, lícita se afigura a estimativa do autor, “ainda que em valor mínimo”.108 Ora, o valor da causa se define pelo conteúdo econômico da pretensão deduzida em juízo, ou seja, segundo o pedido e “suas especificações” (art. 319, IV), e, não, pelo conteúdo da futura sentença. O pedido pode ser acolhido em parte, mas semelhante circunstância, verificada a posteriori, não é idônea para limitar, a priori, o valor da pretensão. Não se afigura impossível, absolutamente, o autor calcular esse conteúdo econômico para formular pedido fixo, e, a fortiori, indicar a corretamente o valor da causa. Encara-se essa exigência, todavia, com o mesmo liberalismo, livrando o autor de ambos os ônus. Ocorrendo, porém, impugnação ou determinação do juiz – cuida-se de critério legal – não haverá outro remédio senão a adequação do valor e a complementação do recolhimento da taxa judiciária e das custas iniciais. 1.292.1.6. Valor da causa na cumulação simples e sucessiva de pedidos – Os pedidos podem ser originariamente cumulados de forma simples, sucessiva ou eventual (retro, 279). No que tange ao cúmulo simples e sucessivo (art. 327), haja ou não simultânea cumulação subjetiva – o autor pode pedir x perante o réu A e pedir y perante o réu B -, o valor da causa decorre da soma de todos eles, consoante estabelece o art. 292, VI. Era o regime do CPC de 1939: conjugando-se ao pedido principal um ou mais pedidos sucessivos, somavam-se todos os pedidos para a “apuração e cálculo do valor da causa”.109 Os pedidos cumulados de forma simples ou sucessiva submetem-se, eventualmente, a regras próprias no seu cômputo. No exemplo já empregado no item próprio, versando a cumulação simples de pedido (retro, 279.1), em que o autor pede a condenação do réu ao pagamento da dívida, decorrente do contrato de mútuo, e o preço de compra e venda, o valor do primeiro pedido é o que deflui do art. 292, I; o do segundo, do art. 292, II. A soma respectiva resulta na regra do art. 292, VI. 1.292.1.7. Valor da causa perante pedido alternativo – O pedido alternativo, previsto no art. 326, parágrafo único, não traduz cumulação em sentido próprio, pois a alternatividade alude aos objetos mediatos. A pretensão é única e satisfaz-se, igualmente, através de uma prestação.110 Na realidade, contrapõe-se ao pedido fixo, em que autor pleiteia um único objeto mediato (bem da vida) único mediante um único pedido imediato. O pedido alternativo tem lugar nos casos em que, no negócio jurídico, os figurantes estipularam obrigação alternativa ou disjuntiva, na qual o devedor se obrigou a cumprir prestações distintas, mas juridicamente equivalentes (art. 252, caput, do CC). Por exemplo, A compra imóvel de B, obrigando a pagar x em dinheiro ou pela dação do automóvel y. E, por igual, cabe o pedido do art. 326, parágrafo único, nas obrigações facultativas,111 ou com faculdade de substituição (facultas alternativa).112 Por exemplo, no

compromisso de compra e venda firmado com A, o promissário B obriga-se a assumir a dívida hipotecária do proprietário com B, mas nada impede que pague esta dívida, liberando o imóvel do gravame real. O proprietário A não pode objetar a essa modalidade de solução, que em nada lhe prejudica. No que tange ao valor da causa, formulado pedido alternativo, o art. 292, VII, declara que o valor da causa corresponderá ao pedido de maior valor. Em geral, a equivalência jurídica, intrínseca à pluralidade de prestações distintas, também significa equivalência econômica, do contrário o credor rejeitaria as prestações alternativas. Desse modo, a questão se afigura mais teórica do que prática.113 Nada obstante, concebe-se que haja assimetria no valor das prestações, pois a equivalência é, sobretudo, jurídica, e, não, econômica; por exemplo, o automóvel y vale menos do que a prestação pecuniária de valor x. Em tal hipótese, embora a escolha seja, via de regra, do obrigado, o autor indicará como valor da causa x, e, não, y. 1.292.1.8. Valor da causa na cumulação eventual de pedidos – A cumulação eventual de pedidos encontra-se prevista no art. 326, caput. O juiz somente passará a apreciar o segundo pedido na hipótese de rejeitar o primeiro pedido. Exemplo clássico dessa cumulação consiste na cumulação dos pedidos de desfazimento do negócio jurídico, por vício oculto, chamada de ação redibitória (art. 441, caput, do CC), e o de abatimento do preço (art. 442 do CC), em razão do mesmo vício, chamada de quanti minoris. A cumulação eventual autoriza que tais pedidos, em princípio incompatíveis entre si, sejam cumulados no mesmo processo. Não pode o autor pedir de uma só vez a redibição do contrato e a restituição parcial do preço; ao invés, ele pede uma coisa ou outra, a última só na hipótese de o juiz lhe negar a primeira. É de extrema utilidade essa forma de cumulação nos casos em que o órgão judiciário, considerando insignificante o vício, estima excessivo o desfazimento do negócio. O autor evita o juízo de improcedência. Em tais casos, há um pedido principal, que corresponde à preferência básica do autor, e um pedido subsidiário, decorrendo tal ordem da formulação dos pedidos na petição inicial, baseada no interesse do autor.114 De acordo com o art. 292, VIII, o valor da causa, na cumulação eventual, será o valor do pedido principal. Por conseguinte, o valor varia conforme a ordem dos pedidos exposta na petição inicial, ou seja, com a preferência do autor. Pleiteando o autor, em primeiro lugar, a desconstituição do negócio jurídico, em virtude do vício oculto, determinará o valor da causa o art. 292, II; ao invés, pedindo em primeiro lugar o abatimento do preço, incide o art. 292, I, senão empregar-se a parte final do art. 292, II, respeitante o valor da “parte controvertida”. 1.292.1.9. Valor da causa na cobrança de dívida de prestações vencidas e vincendas – Por vezes, o negócio jurídico é de duração ou de trato sucessivo (v.g., a locação de bens móveis), haja ou não termo final (prazo determinado), abrangendo prestações periódicas a cargo de um dos seus figurantes (v.g., o aluguel mensal). Eventualmente, não interessa ao parceiro fiel resolver o contrato, fundado no inadimplemento, mas realizar o respectivo crédito, caso

em que o valor da causa seria o do contrato. É facultado ao credor, em princípio de forma incondicional,115 optar entre a pretensão à resolução ou a pretensão ao cumprimento, “cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”, reza o art. 475 do CC. Optando o credor pela cobrança da dívida, pleiteará as prestações vencidas, hipótese em que se aplica, tout court, o art. 292, I. Todavia, o art. 292, § 1.º desobriga o autor de pedir as prestações vincendas, todas e cada uma, explicitamente.116 A sentença contemplará as prestações vencidas no curso do processo até o termo final da obrigação, independentemente de pedido expresso do autor, como realçou o STJ: “As prestações vincendas (periódicas) se consideram implícitas no pedido, devendo ser incluídas na condenação, se não pagas, enquanto durar a obrigação”.117 No tocante ao valor da causa, entretanto, o autor levará em consideração o valor das prestações vencidas e vincendas (art. 292, § 1.º). Neste aspecto, a regra explicita o art. 292, I, ou seja, “consagra uma especial modalidade de calcular-se o principal”,118 devendo acrescentar-se, por óbvio, os acessórios (correção monetária, juros e cláusula penal). Porém, vigorando o contrato por tempo indeterminado, ou sendo o prazo superior a um ano, o “valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual”, complementa o art. 292, § 2.º. O propósito manifesto é o de limitar o valor da causa nos contratos de longa duração. Ao invés, vencendo-se as prestações futuras em tempo inferior a um ano, contado do ajuizamento da demanda, o valor da causa abrangerá a soma das prestações vencidas e vincendas, ainda que a soma dessas prestações exceda ao número de doze. Em última análise, nesta hipótese, a operação destinada a fixar o valor da causa é idêntica à que se realizaria existissem somente prestações vencidas.119 E, convém frisar, em qualquer hipótese o autor computará os acessórios de cada prestação (v.g., a correção monetária, os juros e a cláusula penal moratória). Também se incluirá no cômputo o pedido sucessivo de perdas e danos (art. 475 do CC). 1.292.1.10. Valor da causa nas pretensões derivadas de locação predial urbana – O art. 46 do CPC de 1939 disciplinava, expressamente, a ação de despejo, considerando valor da causa a “renda anual do imóvel”. O CPC de 1973 omitiu previsão análoga quanto a esse importante remédio processual. Ficou a hipótese inserida na órbita das pretensões fundadas em negócio jurídico,120 norma de espectro mais amplo do que o desejável.121 O NCPC não tratou do assunto. O art. 58, III, da Lei 8.245/1991 contempla, portanto, a matéria. Na demanda de despejo, o valor da causa equivale a doze meses de aluguel, ou, fundado o despejo no art. 47, II, da Lei 8.245/1991 – extinção do contrato de trabalho –, ao valor correspondente a três salários vigorantes na data do ajuizamento.122 A primeira proposição do art. 58, III, da Lei 8.245/1991 incide em quaisquer demandas de despejo, envolvendo locação predial urbana, ressalva feita a do art. 47, II, da Lei 8.245/1991. Por conseguinte, aplica-se tanto à ação fundada em falta de pagamento, porventura cumulada com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios (art. 62, I, da Lei 8.245/1991) de valor inferior à anualidade, quanto à ação baseada na denúncia vazia da locação. E

a segunda proposição demonstra que, no caso de extinção do contrato de trabalho, legitima-se a pleitear despejo o empregador, pois só ele conhecerá o valor do salário. Em geral, o empregador figura como locatário, sublocando o imóvel ao empregado, porque poucos edificam habitações residenciais, posteriormente locando-as aos empregados. Do art. 58, caput, da Lei 8.245/1991 decorre a aplicação do critério previsto no inc. III às ações de consignação em pagamento do aluguel, revisional do aluguel e renovatória da locação. No caso da consignação, porém, salta à vista a inadequação do critério legal. O valor da causa, objetivando o autor consignar um só mês de aluguel, quiçá a última prestação do contrato já findo, sofreria profundo desvirtuando com a diretriz geral do art. 291, que é a do benefício econômico. Neste caso, o valor só pode ser o das consignações, em geral, na forma exposta adiante (infra, 1.292.2.9.1). Idêntico problema surge com a locação por prazo inferior a um ano. Neste caso, o valor da causa é o valor do contrato (soma do valor dos aluguéis).123 1.292.2 Valor da causa segundo critério do autor – A disciplina do valor da causa resultante do art. 292 revela-se, ao fim e ao cabo, incompleta e insuficiente. No mínimo, a sistemática imprimida à matéria se ressente da falta de regras específicas no concernente a outros remédios processuais E o NCPC absteve-se de enfrentar problemas clássicos e bem conhecidos; por exemplo, o valor da pretensão declaratória, bem mais complexo que a disposição do art. 292, II. Ao relegar a fixação do valor da causa em tais casos ao critério do autor, contendo a intervenção legislativa, a legislação processual engendrou dúvidas só extirpáveis depois de laboriosa e demorada construção jurisprudencial no direito anterior. A regra geral é bem conhecida e decorre do art. 291: o valor da causa se relaciona com o benefício econômico obtido pelo autor no caso do acolhimento do(s) pedido(s). A transposição desse norte para os casos concretos a fonte indutora de erros. No CPC de 1939, aludia-se às causas de valor inestimável, a exemplo das que tratassem do estado e capacidade de pessoas, e como o processamento de tais causas tocasse aos juízes com as prerrogativas da magistratura, sustentava-se a desnecessidade da estimativa do autor.124 Embora o art. 85, § 8.º, seguindo a trilha do CPC de 1973, agasalhe rápida menção a tais causas inestimáveis, o regime é distinto do adotado no primeiro estatuto unitário. Cabe ao autor fixar valor estimativo para todas as causas, inclusive as que envolvam o estado e a capacidade das pessoas. 1.292.2.1. Valor da causa na pretensão à declaração – Nem toda pretensão à declaração tem por objeto ato ou negócio jurídico, atraindo, conseguintemente, a incidência do art. 292, II (retro, 1.292.1.2). Fora dessa hipótese explícita, incumbirá ao autor estimar seu proveito econômico no juízo de procedência da declaratória. A fixação do valor da causa a critério do autor, nas pretensões declaratórias, gera inúmeras incertezas. Na declaração autônoma, o bem da vida almejado pelo autor consiste na certeza (retro, 231). É fato inconteste não equivaler o valor da garantia ao do objeto garantido. Ora, a declaração outorga ao seu objeto a singular e insuperável segurança derivada da autoridade de coisa julgada (art. 502). À

guisa de exemplo, a declaração da autenticidade do testamento, assegurando ao legatário a participação na herança, jamais ostentará valor idêntico ao próprio legado.125 É menos do que o do legado. Esse problema não escapou ao formulador da diretriz hoje prevista no art. 292, II.126 Examinando o caso da hipoteca, pretendeu-se solucionar a questão através da analogia, invocando a diretriz legal para o sequestro, na lei italiana, que é o valor do crédito. Entre nós, a pretensão à segurança, em geral, e o sequestro, em particular, carecem de diretrizes explícitas, embora governados pela idêntica questão do “valor da segurança”.127 À falta de critério expresso, cabe ao autor, sob a fiscalização da parte contrária (art. 293), ponderar as circunstâncias do objeto litigioso na fixação do valor da declaração. Por exemplo, versando a interpretação de cláusula contratual (Súmula do STJ, n. 181), o valor da causa corresponderá ao proveito que a exegese defendida outorgará ao autor no contraste com aquela almejada pelo réu. Não se mostrando cristalina a disposição contratual, e, por isso, entre os respectivos figurantes ensejando controvérsia em torno do valor da dívida, se é X ou Y, o valor da causa resulta da diferença entre X e Y a favor do autor. Em tal sentido, decidiu o STJ: “Na espécie, trata-se de ação declaratória onde a autora pretende seja apenas declarado direito, não se evidenciando de imediato benefício econômico delimitado. Desse modo, segundo o sistema processual brasileiro, ainda que inexistente conteúdo econômico ou não sendo possível a constatação desde logo de seu quantum, é lícito ao autor estimar o valor da causa”.128 1.292.2.2. Valor da causa na pretensão a executar – O art. 798, ao cuidar da petição inicial da execução, omitiu referência ao valor da causa. Não há dúvida que haverá essa indicação, para os efeitos comuns ao instituto; por exemplo, a certidão prevista no art. 828 conterá o valor da causa. O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I,b, e parágrafo único, e no art. 524. Envolvendo o crédito prestações vencidas e vincendas, aplica-se o art. 292, § 1.º e § 2.º. 1.292.2.3. Valor da causa na oposição do executado à pretensão a executar – O executado opõe-se à execução injusta ou ilegal por intermédio de embargos (art. 914) ou de impugnação (art. 525), ressalva feita às matérias alegáveis na própria execução. Em princípio, consoante o objeto dos embargos, estabelece-se paralelismo entre o valor da execução e o dos embargos (ou impugnação).129 Incide, por analogia, o art. 292, I. Por exemplo, o executado alega pagamento (art. 525, § 1.º, VII; art. 917, VI), hipótese em que o proveito econômico equivale ao do crédito. O paralelismo obrigatório com o valor da pretensão a executar cessará na hipótese de embargos parciais ou não colocando o executado em causa todo o crédito.130 Por exemplo, controvertendo o embargante os juros ou a cláusula penal, inexistirá motivo plausível para outorgar aos embargos valor equivalente à integralidade do crédito.131 Conforme decidiu o STJ, “versando

os embargos do devedor sobre excesso de execução, o valor atribuído à causa deve ser a diferença entre o valor cobrado e o reconhecido pelo devedor”.132 Eventual equívoco do exequente, ao apontar o valor da execução, que restou sem impugnação pelo executado, não o impedirá de, nos embargos, consignar o valor que considera correto na causa. Por outro lado, na transformação, no desapossamento e na coerção patrimonial (astreinte), por decorrência da falta de relevância econômica imediata e explícita das obrigações de fazer e de dar, tuteladas nesses meios executórios, o valor da causa dependerá de estimativa do embargante.133 O valor da causa na ação anulatória da arrematação, não sendo mais possível desfazê-la incidentalmente, prevista no art. 903, § 4.º e sucedâneo dos embargos da segunda fase no NCPC, à semelhança deste último é o do negócio jurídico que o executado pretende desfazer (valor da aquisição).134 Não é o valor do bem penhorado. É admissível ao embargado suscitar, no prazo de defesa (art. 920, I), a incorreção do valor da causa (art. 337, III). 1.292.2.4. Valor da causa na oposição do terceiro à pretensão a executar – Eventualmente, os atos de constrição de bens, praticados no curso da execução, ou de outro processo, recaem ilegitimamente sobre bens de terceiro, que reagirá através de embargos (art. 674). O valor da causa, nos embargos de terceiro, consiste no benefício econômico visado pelo embargante: a liberação do bem objeto da constrição. Do contrário, o bem será alienado coativamente. Logo, o valor da causa é o “do bem que se quer libertar”.135 Neste sentido, há julgado do STJ: “(…) outro não pode ser o valor da causa, senão o do próprio bem, já que o resultado econômico a ser alcançado é apenas um: a disponibilidade total do bem, e não o valor da penhora”.136 A orientação harmoniza-se com os embargos oferecidos pelo titular do domínio. No entanto, essencial à admissibilidade desse remédio é a posse, e, no caso dos embargos ajuizados pelo possuidor, há que se admitir o fato de que a posse não vale o mesmo que o domínio pleno. Por outro lado, o critério fixado revela-se inadequado aos embargos do titular do direito real: o benefício econômico cinge-se ao valor do crédito detraído do bem. O valor da causa dos embargos, esquecido pelo legislador no catálogo do art. 292,137 varia conforme o direito tutelado. No processo executivo,138 o valor equivalerá ao crédito, se este for inferior ao valor da coisa constrita, e a ela se limitará, caso o valor desta supere aquele. O STJ assentou o seguinte: “Devendo ter como parâmetro o benefício patrimonial que se possa obter, não será superior ao valor do bem, nem ao do débito a cujo pagamento a penhora visa a satisfazer”.139 E, defendendo a mulher sua meação, o valor corresponderá ao da metade do bem.140

Este critério variável ostenta a vantagem inconteste de se estender à generalidade dos embargos, afigurando-se, outrossim, mais razoável que a simples nomeação do valor do bem.141 Em outro julgado, reconhecendo que o valor da causa corresponderá ao valor do bem, o STJ assentou o seguinte: “Não pode, entretanto, superar o valor do débito, na medida em que, no caso de eventual alienação judicial, o que ultrapassar esse valor será destinado ao embargante”.142 Ocorrendo divergência entre o valor indicado e a vantagem econômica almejada, através dos embargos, cabe ao embargado impugnar o valor da causa (art. 293 c/c art. 337, III).143 1.292.2.5. Valor da causa na pretensão à segurança – A renovada disciplina das medidas de urgência antecedentes só contém referência explícita ao valor da causa na tutela antecipada. Em tal hipótese, reza o art. 303, § 4.º, o valor da causa considerará o valor da pretensão principal. Por sua vez, nada é dito quanto ao valor da causa na pretensão à segurança antecedente. Curvou-se o legislador à dificuldade de distinguir e organizar, no âmbito das medidas arroladas no art. 301, exemplificativamente, a pretensão à segurança, segundo determinados critérios classificatórios, parecendo-lhe difícil traçar regra abrangendo, a um só tempo, protesto contra a alienação de bens e o arresto. Quer dizer, manteve-se o problema já existente no CPC de 1973,144 apesar das notórias diferenças na estruturação da matéria no NCPC. Tal não significa a inexistência do ônus de o autor da pretensão à segurança antecedente indicar o valor da causa. O autor veiculará essa pretensão através de “petição inicial” (art. 305, caput). Portanto, incidirá o art. 319, V, seja a medida cautelar típica (v.g., o arresto), seja atípica. Nenhuma das hipóteses previstas no art. 292 acomoda-se diretamente à pretensão à segurança. As omissões do critério legal revelam-se notórias. Logo, o autor atribuirá, livremente, valor à causa. Em contrapartida, sujeitarse-á, em caso de erro, à impugnação da parte adversa (art. 293). Resta estabelecer a diretriz adequada para o autor fixar o valor da causa. Não há, nem se concebe, a rigor dos princípios, simetria e relação rigorosa entre o valor da segurança pleiteada, na medida cautelar, o valor do virtual pedido principal (art. 308, caput). O valor da segurança temporária “não pode se identificar com o objeto assegurado, devendo ser necessariamente menor”.145 Por exemplo, o valor da causa no sequestro do bem imóvel jamais equivale ao valor da reivindicatória desse mesmo bem.146 O valor da causa alicerça-se no prejuízo que, através da segurança, o autor da medida intenta evitar.147 O STJ assentou, no direito anterior, a obrigatoriedade do valor da causa, de um lado, e a diretiva aplicável, orientações aplicáveis ao NCPC: “Necessário que da petição inicial das ações cautelares conste indicação do valor da causa, o qual, sempre que possível, deve equivaler ao benefício patrimonial visado pela parte requerente”.148 É muito difícil transportar a diretriz enunciada, teoricamente incontestável, à realidade do caso concreto. Por exemplo, na sustação de protesto, o STJ realçou a diretriz, declarando não se controverter o valor do crédito, matéria

própria da ação principal, e, por isso, tal demanda ostentaria valor inestimável.149 Em outra oportunidade, o STJ frisou que o valor da cambial, objeto da sustação, “não reflete a real expressão econômica do objeto específico da lide preventiva”.150 Idêntica orientação traçou-se para a ação cautelar fiscal.151 Nenhum desses julgados, entretanto, baliza a atividade do autor. No arresto, por exemplo, o valor da causa envolve o benefício (ou a desvantagem) decorrente da indisponibilidade do bem. Todavia, a inegável vantagem econômica proveniente da constrição do bem arrestado, de resto inconfundível com o valor do crédito, não pode ser estimada concretamente. Por essa razão, o art. 313, n.º 3, e, do NCPC português de 2013, divorciou-se da diretriz correta, simplificando as coisas: o valor da causa é o “do crédito que se pretende garantir”. Em tal contingência, o autor arbitrará livremente o valor da pretensão à segurança, sujeitando-se, todavia, ao controle ex officio do juiz.152 O STJ proclama a possibilidade de o juiz, excepcionalmente, controlar o valor da causa na cautelar,153 em tese insuscetível dessa forma de verificação, porque entregue a critério do autor. 1.292.2.6. Valor da causa na pretensão à rescisão de pronunciamentos transitados em julgado – O valor da causa da rescisória (art. 966) dependerá do teor do pedido concretamente formulado. A importância do requisito da inicial aumenta, no caso da rescisória, em razão de valor conferido à causa representar a base de cálculo do valor do depósito inicial (art. 968, II), limitado ao teto de mil salários mínimos (art. 968, § 2.º). Em tal remédio processual, há um elemento a ser sopesado pelo autor: a ausência de correlação obrigatória, ou de subordinação, do valor da rescisória ao da causa originária.154 O pedido talvez verse parte do julgado (v.g., o capítulo acessório da sucumbência). De resto, o valor da causa originária varia no tempo, como acontece na hipótese de o julgado rescindendo envolver prestações pecuniárias, cujos acessórios aumentam a dívida progressivamente. À luz desse princípio, objetivando a rescisão o desaparecimento de condenação, o valor da causa corresponderá ao valor da liquidação da sentença ou do acórdão, porque este valor reflete o conteúdo econômico “que se pretende obter com a rescisão do julgado”.155 1.292.2.7. Valor da causa da pretensão à anulação de atos homologados em juízo – Em princípio, as pretensões à anulação dos negócios jurídicos encontram previsão no art. 292, II. No entanto, o art. 966, § 4.º, prevê a pretensão para anular negócios jurídicos processuais (retro, 1.087), impropriamente designados de “atos de disposição”, homologados em juízo. O campo de incidência desse remédio processual, em contraste com o da ação rescisória,156 exige tópico específico. Nenhuma dúvida há, entretanto, quanto à incidência do art. 291 nos casos de anulação dos negócios jurídicos processuais. E o valor da causa há de ser o do negócio que o autor pretende anular; por exemplo: (a) o valor do objeto da transação, na sentença homologatória do art. 487, III, b; (b) o preço da arrematação, devidamente corrigido, na ação do art. 903, § 4.º. 1.292.2.8. Valor da causa em casos específicos – Os procedimentos especiais do Título III do Livro I da Parte Especial do NCPC e das leis extravagantes apresentam particularidades em tema de valor da causa.

Exemplo típico é o da ação de despejo (retro, 1.292.1.10). É preciso da atenção a esses casos. A par dos procedimentos especiais, há casos em que, malgrado o uso do procedimento comum, o objeto litigioso apresenta especificidades notórias, a exemplo da pretensão à aquisição do domínio pela posse. 1.292.2.8.1. Valor da causa na pretensão de consignar em pagamento – O valor da causa na consignação em pagamento é o valor da dívida da qual pretende o autor se liberar. É assunto regulado, por inversão, pelo art. 292, I, e §§ 1.º e 2.º, conforme se trate de prestação única ou periódica. 1.292.2.8.2. Valor da causa nas pretensões possessórias – O valor da causa, nas pretensões possessórias, depende do valor econômico da posse e da extensão da ofensa a ela praticada pelo réu. Não há outra maneira senão a de avaliar o valor de modo casuístico. O valor da causa, praticado esbulho, é um, distinto do valor em caso de manutenção, e o valor, na hipótese de esbulho de terreno no qual o autor plantava é diferente do esbulho de terreno baldio.157 O valor é sempre menor que o do domínio.158 O uso de percentual sobre o valor do bem, não isento de arbitrariedade, inclusive legislativa, ao menos não conduz a soluções iníquas,159 e deve ser empregado pelo autor. Em tema de valor da causa nas pretensões possessórias, dois esclarecimentos suplementares se impõem: (a) no caso de pedido sucessivo de perdas e danos, como sói ocorrer, incide o art. 292, VI; (b) na hipótese de a reintegração defluir da dissolução de contrato, como acontece na resolução de promessa de compra e venda de imóvel, em virtude do inadimplemento do promissário, e na qual nem sequer há necessidade de formular pedido sucessivo, pois a resolução implica restituições recíprocas, aplica-se o art. 292, II.160 1.292.2.8.3. Valor da causa na pretensão de usucapião – A pretensão do autor de reconhecer a aquisição do domínio por usucapião não se adscreve mais a procedimento especial, mas ao procedimento comum do NCPC. Duas regras conferem, todavia, especificidade a semelhante pretensão: (a) o litisconsórcio obrigatório dos confinantes, salvo se o autor visar ao reconhecimento do domínio de “unidade autônoma de prédio em condomínio” (art. 246, § 3.º); (b) a citação por edital de terceiros (art. 259, I). Em tal pretensão, o proveito do autor não é o valor da coisa já adquirida, mas o derivado da certeza que a sentença declaratória forçosamente lhe acrescentará,161propiciando o registro no álbum imobiliário. Não é exata, portanto, a clássica orientação de que o valor da pretensão à declaração do domínio equivale ao valor da reivindicação,162 hipótese em que se aplicaria, por analogia, o art. 292, IV, na versão atual: o valor da avaliação da área. Corresponde ao mais elementar senso comum o valor da transmissão da coisa variar conforme o alienante exiba, ou não, o reconhecimento formal do domínio. O valor da causa corresponde ao acréscimo patrimonial, e, não, a “estimativa oficial para lançamento do imposto”163 ou o valor em si do imóvel, como quer o art. 292, IV. Não é menos verdade trazer semelhante diretriz, teoricamente exata, mais incertezas que subsídios para o autor calcular o proveito da declaração do

domínio. E ignora o fato de somente após a sentença declaratória, na prática, o autor exerce as faculdades inerentes ao domínio.164 A primeira dificuldade é comum a todas as hipóteses em que entrega-se o valor da causa à estimativa do autor. A segunda reforça que o autor incorporará, por intermédio do processo, a diferença entre o valor do imóvel sem o registro em seu nome e o valor do imóvel com esse registro. Não há como escapar de boa dose de incerteza, fixando o autor em valor menor inferir à avaliação da área, fiscal ou não. 1.292.2.8.4. Valor da causa na pretensão de desapropriação – O valor da causa na desapropriação direta é o valor do bem,165 ou seja, o preço que o expropriante pretende pagar por retirá-lo do domínio do particular. A desapropriação “indireta” é a pretensão dirigida pelo particular contra quem lhe tomou a posse do bem. Logo, “o valor da causa é o montante da indenização que o autor pretende receber, que, em regra, é o da aquisição, atualizado monetariamente”,166 incidindo o art. 292, III. Por exemplo, compreendendo a pretensão, além das áreas em si, “as matas e revestimentos florestais que as recobrem”, a quantia correspondente deve ser computada no valor da causa.167 1.292.2.8.5. Valor da causa na ação civil pública – Nas ações civis públicas, em que o autor, em geral o Ministério Público, cujo protagonismo é dominante, pede a condenação a prestação de fazer ou de pagar quantia em dinheiro, a natureza do interesse tutelado torna muito difícil a mensuração do benefício econômico, e, conseguintemente, a aplicação direta e irrestrita dos incs. I e II do art. 292. O autor estimará o valor da causa,168 razoavelmente, garantindo o equilíbrio das partes, pois o autor ficará isento da sucumbência.169 Em se tratando de improbidade administrativa, o conteúdo econômico é determinado pelo valor da reparação do dano ao erário.170 1.292.2.8.6. Valor da causa na ação popular – O valor da causa na ação popular dependerá do conteúdo econômico do pedido formulado. Tratandose, por exemplo, de pretensão para anular negócio jurídico, incidirá o art. 292, II.171 Fora daí, cabe ao autor estimá-lo.172 1.292.2.8.7. Valor da causa na ação de depósito – As pretensões fundadas em contrato de depósito subordinam-se ao procedimento comum. Não se esqueceu o NCPC da circunstância de semelhante pretensão desfrutar de prova pré-constituída. Por isso, possibilita a concessão de tutela provisória a favor do autor perante o pedido de restituição da coisa, a teor do art. 311, III, aí chamado – na lei hostil às palavras eruditas e repressoras da linguagem culta – de “pedido reipersecutório” corretamente. O valor da causa, em casos tais, melhor se acomoda ao art. 292, IV, que ao art. 292, II. É o valor convencional ou de mercado do bem objeto de depósito, cujo valor, impossibilitada a restituição em natura, servirá de parâmetro na entrega do equivalente pecuniário. O “equivalente em dinheiro”, esclarece o STJ, “corresponde ao valor da coisa, ou ao valor da dívida, se este for menor”.173

1.292.2.8.8. Valor da causa na ação de prestação de contas – O valor da causa na ação de prestação de contas varia conforme a natureza da pretensão, consoante o autor almeje pedir ou prestar contas. É o valor da quantia recebida pelo autor, desejando prestar contas, somado ao montante do saldo, do qual pretende se liberar perante o réu.174 O NCPC entendeu aplicável a essa pretensão, no final das contas, o procedimento da consignação em pagamento (art. 539, caput), pois o bem da vida almejado pelo obrigado a prestar contas é a liberação. A pretensão de exigir contas – pretensão objeto de procedimento especial –, apresenta dimensão incerta. O proveito econômico é o próprio objeto da controvérsia, a ser definido pela sentença, motivo por que o valor dependerá da estimativa do autor. 1.292.2.8.9. Valor da causa no mandado de segurança – Por intermédio do mandado de segurança, às vezes o autor almeja benefício econômico concreto e estimável. O mandado de segurança no qual o servidor público pleiteia vantagem pecuniária, hipótese em que é vedada a concessão de liminar (art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009), implicará o pagamento das vantagens vencidas a contar da data do ajuizamento da inicial (art. 14, § 4.º, da Lei 12.016/2009) no caso de acolhimento. Em tal hipótese, além de a petição inicial submeter-se, ante a remissão genérica do art. 6.º, caput, da Lei 12.016/2009, aos “requisitos estabelecidos pela lei processual”, tornando certo o cabimento do art. 319, V, incidirá o art. 291, existindo proveito econômico. Essas disposições não podem ser elididas nesse remédio processual. O caráter mandamental da pretensão deduzida na impetração, contrastada ao critério patrimonial que preside a fixação do valor da causa, estimulou a rejeição a esse requisito na inicial, porque incompatível com a própria natureza do remédio. Ora, as ações mandamentais têm conteúdo patrimonial imediato ou mediato, a exemplo dos embargos de terceiro (retro, 1.292.2.4). E não convencem, em particular, os argumentos fundados na nobreza do remédio, ponto irrelevante quanto ao valor da causa, e no eventual desestímulo ao seu emprego.175 Em caso de dificuldade para recolher as despesas processuais, a solução é simples e natural: o impetrante socorrer-se-á do instituto da assistência judiciária. E há um pormenor de imensa importância. O valor da causa correspondente ao conteúdo econômico da causa outorgará ao juiz a possibilidade de empregar eficazmente a ameaça de sanções processuais, em particular a do art. 77, § 2.º. Essa multa encontra-se limitada a um percentual sobre a atribuição de valor feita na petição – uma das finalidades do valor da causa (retro, 1.288) –,176 e constituirá valioso (senão o único) instrumento para compelir a autoridade ao cumprimento expedito da decisão judicial. Um valor insignificante, divorciado do conteúdo econômico real da causa, importará a fixação de multa de valor irrisório, de antemão imprestável à sua finalidade coercitiva. O STJ firmou o entendimento que, postulado o pagamento de vantagem econômica certa e passível de quantificação, “o valor a ser atribuído à causa deve refletir o exato proveito econômico perseguido”.177 E o fato de no

momento da impetração não se mostrar possível avaliar o benefício econômico integralmente, “não justifica a fixação do valor da causa em quantia muito inferior ao de um valor mínimo desde logo estimável”.178 Residualmente, caberá ao autor estimar o valor da causa, inexistindo proveito econômico. Somente nesse caso pode-se cogitar de simples irregularidade no equívoco do autor e, assim, ficará impedido de posterior a medida de urgência porventura requerida.179 1.229.2.8.10. Valor da causa na ação monitória – O valor da causa no procedimento especial da “ação monitória” é, por força da remissão do art. 700, § 3.º, o seguinte: (a) a quantia devida, prevista no demonstrativo anexado à petição inicial (art. 700, § 2.º, I); (b) o valor atual da coisa reclamada (art. 700, § 2.º, II); (c) o conteúdo patrimonial ou o proveito econômico nas prestações de fazer ou de não fazer (art. 700, § 2.º, III). Esses valores correspondem ao objeto da pretensão (art. 700, I a III). A distribuição da matéria em parágrafos, em vez de artigos autônomos, e as remissões legislativas, tornam a técnica legislativa do NCPC bem pouco estimulante. Seja como for, a diretriz não é diferente do art. 292, I e II nos dois primeiros casos, e do art. 291, no terceiro. O valor da causa na ação monitória tem relevo no caso de as partes incidirem na multa do art. 702, § 10 e § 11. 1.292.2.9. Valor da causa nos procedimentos de jurisdição voluntária – O procedimento especial de jurisdição voluntária começa por iniciativa do interessado, devendo constar na respectiva petição inicial o valor da causa (art. 319, V).180 Não há regra específica e, de ordinário, inexiste mesmo conteúdo patrimonial imediato. Assim, a fixação dependerá da estimativa do autor,181 como decidiu o STJ em protesto interruptivo da prescrição.182 § 270.º Incidente de impugnação ao valor da causa 1.293. Objeto da impugnação ao valor da causa O art. 293 legitima o réu a suscitar, como matéria preliminar da contestação (art. 337, III), a incorreção do valor da causa. Explicitamente, o art. 293 do NCPC cuida do efeito da falta de alegação e o do acolhimento dessa modalidade de defesa processual. O art. 261 do CPC de 1973 instituíra incidente específico, no prazo da defesa, para o réu impugnar o valor da causa atribuído pelo autor. Essa disposição agasalhava várias proposições explícitas. Tratava da legitimidade, do prazo, da forma, do contraditório, da instrução e, em parte, da atitude assumida pelo impugnado em reação à iniciativa do réu. À diferença do que decorria do art. 48 do CPC de 1939, todavia, absteve-se de erigir restrições quanto ao conteúdo da impugnação.183 É o ponto de contato com o art. 293. Com efeito, o art. 293 possibilita o réu impugnar, indiferentemente, o valor da causa segundo o critério legal (retro, 1.292.1) e segundo critério do autor (retro, 1.292.2), ou seja, em qualquer hipótese.184 Basta que haja motivo bastante para tal, ou seja, a alegação de descumprimento pelo autor de algum

inciso do art. 292, porventura aplicável à espécie, ou de errônea expressão do conteúdo econômico da causa (art. 291). No entanto, há uma diferença frisante: no caso do critério legal, o juiz pode (e deve) controlar o valor da causa, ex officio (art. 292, § 3.º), e, por esse motivo, inexiste a preclusão apontada no art. 293. É lícito ao réu suscitar a questão, a qualquer momento, provocando a atuação do juiz. E o próprio órgão judiciário, verificando a desobediência ao critério legal, tomar a medida de correção (infra, 1.299). No tocante à iniciativa, a matéria subordina-se, conforme o objeto, à iniciativa da parte ou à iniciativa oficial.185 Por outro lado, nos casos de critério legal, a manifestação do réu já podia ser feita na própria contestação. Essa flexibilidade descansa na instrumentalidade da forma. E assim decidiu o STJ: “Quando o valor a ser atribuído à causa é taxativamente previsto em lei, é possível ao julgador, de ofício, corrigir aquele consignado na petição inicial, mormente quando apresenta grande discrepância com o valor real da causa. Pelo mesmo motivo, pode ser acolhida a impugnação do réu, ainda que não autuada em apenso, mas aduzida em preliminar da contestação”.186 Na realidade, lícito se afigura ao réu alegar o erro por qualquer via. Por exemplo, o equívoco do exequente, na atribuição de valor à pretensão a executar, pode ser alegada como preliminar dos embargos opostos contra a pretensão a executar fundada em título extrajudicial e previstos no art. 914.187 Não se revela isenta de consequências a alegação tardia do réu. Eventualmente, essa conduta provocará retardamento do processo, atraindo sanção processual (retro, 609.2). Essas considerações revelam a admissibilidade da impugnação ao valor da causa em qualquer processo e procedimento. É cabível a alegação nas pretensões jungidas a rito especial, a exemplo do mandado de segurança, e nos procedimentos de jurisdição voluntária.188 O caráter sumário do procedimento, concentrando atos processuais, como sucede no mandado de segurança, não constituía razão bastante para admitir a impugnação nas informações.189 É o momento atualmente adequado, equivalendo as informações, tout court, à contestação do art. 293. 1.294. Natureza da impugnação ao valor da causa A impugnação do valor à causa integra, no sentido largo, o conjunto dos meios de defesa do réu. É uma forma de contrariar e embaraçar a pretensão do autor. Porém, o objeto da impugnação constitui questão acessória. A respectiva resolução, em qualquer sentido, jamais assumirá estatura suficiente para repelir a pretensão do autor, no todo ou em parte, e mesmo paralisá-la, definitiva ou temporariamente, pois a consequência explícita consiste no recolhimento das custas suplementares. Em particular, o art. 292, § 3.º, e o art. 293 não contemplam a possibilidade de o juiz, abstendo-se o autor de complementar as custas, extinguir o processo, como acontece no caso de revogação do benefício da gratuidade (art. 102, parágrafo único). Aparentemente, quedando-se inerte o autor, a solução se localizará no art. 485, III e § 1.º.

A iniciativa do réu, impugnando o valor da causa, gerava incidente autônomo do autor.190 É objeto de procedimento específico, e, por isso, inserese na classe dos incidentes típicos ou nominados.191 Traz um acréscimo de atos processuais que dilatam o procedimento.192 À luz da diferença já exposta entre ponto, questão e causa (retro, 318.1), não se cuida de ação incidental,193 mas incidente típico, tendo por objeto simples questão processual.194 Presentemente, a impugnação ao valor da causa integra a contestação (art. 337, III), e, sem dúvida, provoca o surgimento de questão processual, inconfundível com o mérito. Entretanto, a questão há de ser resolvida antes do julgamento do mérito, porque influenciará, em alguns casos, o capítulo acessório da sucumbência. E, como matéria de defesa processual, tem natureza peremptória (retro, 326.3) – virtualmente, se valer a comparação entre o art. 293 e o art. 102, parágrafo único, há pouco feita. Porém, há um pormenor nessa arquitetura, remetendo ao regime passado. Em determinados casos, a exemplo da intervenção em prol do interesse de incapaz (art. 178, II), o Ministério Público legitima-se a impugnar o valor da causa como fiscal da ordem jurídica, e, nesse caso, jamais poderá fazê-lo como “preliminar da contestação”, pois não figurará como réu. Desse modo, criar-se-á incidente autônomo. 1.295. Legitimidade para impugnar o valor da causa Em princípio, o art. 293, legitima o réu a impugnar o valor da causa (“O réu poderá impugnar (…)”). É preciso, todavia, estender um pouco a legitimação. Existem outros participantes do processo titulares de interesse (jurídico) em modificar o valor da causa. Entende-se por tal o terceiro que, alterado o valor atribuído pelo autor, beneficiar-se-á desse desfecho, principalmente no que tange ao capítulo da sucumbência. É o caso do denunciado (pelo autor e pelo réu), do assistente do réu,195 e do chamado ao processo. O adquirente do objeto litigioso (art. 109), negada a substituição do alienante pelo respectivo adversário, tem interesse econômico e jurídico, mas talvez lhe falte oportunidade, haja vista o momento da intervenção (infra, 1.296). Já não se mostraria razoável dilatar a legitimidade excessivamente, entretanto, e a quaisquer terceiros ou intervenientes. O oponente não tem interesse discernível em controverter o valor da causa do processo principal. Eventual resolução tomada nesse ponto em nada lhe aproveitará, nem sequer lhe beneficiará no todo ou em parte. É questão atinente a outro processo, do qual participam unicamente os réus da oposição (ou intervenção principal).196 É singular a posição do Ministério Público. Na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 178), o Ministério Público não é alcançado pelos reflexos econômicos do valor da causa errôneo, nem sequer ingressa como parte principal para defender interesse patrimonial – o art. 178, parágrafo único, relembrando não implicar a participação da Fazenda Pública, por si só, a caracterização de interesse público ou social, ilustra esse aspecto. A atuação tem por finalidade proteger o interesse público ou social. Porém, na intervenção do art. 178, II, inexiste dúvida que a atuação do Ministério Público

– todavia, independente do interesse concreto – almeja curar dos interesses do incapaz, incluindo o interesse patrimonial, talvez o único em jogo. Do contrário, a intervenção do parquet mostrar-se-ia insatisfatória em ponto capital, aumentando ou diminuindo as repercussões econômicas desfavoráveis ou favoráveis ao incapaz, a despeito de infringida a lei pelo autor. Em tal hipótese, portanto, legitimar-se-á o Ministério Público para impugnar o valor da causa.197 Não basta o Ministério Público oficiar no prazo do art. 179, I, provocando a intervenção do juiz, porque este só pode agir, ex officio, nas causas em que o valor da causa se encontrar prefixado na lei, conforme sugere a localização do art. 292, § 3.º. É indispensável tomar iniciativa mais concreta: impugnar o valor da causa (art. 293). Cabendo à estimação ao autor, intervindo o Ministério Público por força do art. 178 e figurando o incapaz como réu, eventual inércia implicaria preclusão. Admite esse efeito o aqui contrariado.198 Ficaria o interesse patrimonial do incapaz, nesta contingência, completamente desamparado, o que é inadmissível. Se a legitimidade aqui defendida afigura-se apropriada, e por razões similares ao Ministério Público toca arguir a incompetência relativa (art. 65, parágrafo único), então criar-se-á incidente relativamente autônomo, pois a impugnação não será veiculada como “preliminar da contestação”. Figurando o Ministério Público como réu (v.g., na ação rescisória movida pelo condenado em ação civil pública anteriormente movida pelo Parquet), a sua legitimação para impugnar decorre da própria situação legitimante enunciada no art. 293. Também se mostra assaz peculiar o interesse da Fazenda Pública nos processos em que não figura como ré. Tem flagrante proveito em que o valor da causa retrate o exatamente conteúdo econômico da pretensão. A base de cálculo da taxa judiciária considera o valor da causa. Falta-lhe, porém, interesse jurídico em intervir no processo alheio para essa finalidade.199 O STF declarou inconstitucional lei local que autorizava a Fazenda Pública a ingressar em qualquer processo para impugnar o valor da causa.200 1.296. Prazo da impugnação ao valor da causa O art. 293 declara, expressis verbis, lícito ao réu impugnar o valor da causa “em preliminar da contestação”. O prazo para impugnar o valor da causa é idêntico ao da contestação.201 Era assim no direito anterior, quanto ao termo inicial do prazo, hoje previsto no art. 231, e à identidade de interregno. Enfatizou esse pormenor o julgado do STJ que, admitindo a incidência na causa de regra especial, quanto ao referido prazo, estipulou que “dentro do prazo assim contado para a contestação que deve ser oferecida a impugnação”.202 A jurisprudência do STJ admitia a dobra legal do prazo de impugnar por razões de simetria com o da contestação.203 A relativa falta de equivalência repontava, no direito anterior, na possibilidade de o réu oferecer a contestação antes do vencimento do termo final do respectivo prazo e a impugnação no último dia.204 Não ocorria

preclusão, porque eram prazos diferentes, e, formalmente, o réu deduzia a impugnação em petição própria e autônoma. Por óbvio, a situação mudou radicalmente perante o art. 293 do NCPC. A “incorreção” do valor da causa é matéria de preliminar na contestação (art. 337, III). Logo, ou o réu alega nessa oportunidade, ou ocorrerá preclusão – ao menos, quanto ao valor da causa atribuído livremente pelo autor. Por outro lado, não somente o réu, ao qual se abre o prazo de contestação, tem legitimidade para impugnar o valor da causa (retro, 1.295). Têm-na, por igual, outros figurantes do processo. Os terceiros legitimados (v.g., o denunciado e o chamado) impugnarão “no prazo das suas contestações”.205 O assistente do réu e a adquirente do objeto litigioso podem impugnar consoante a oportunidade do respectivo ingresso. Ocorrendo a intervenção do assistente, por exemplo, após o término do prazo de resposta, já não mais poderá impugnar, pois receberá o processo no estado em que se encontra (art. 119, parágrafo único). O Ministério Público suscitará a questão após ter vista dos autos na oportunidade do art. 179, I, ou seja, após os atos postulatórios principais do autor e do réu. 1.297. Forma da impugnação ao valor da causa Deduzida anteriormente em petição autônoma, atualmente a impugnação ao valor da causa constará de preliminar da contestação. Cumpre ao legitimado (o réu e os figurantes da relação processual já indicados) expor as razões da impugnação, e, principalmente, indicar o valor que estima correto, pleiteando, a final, a correção do valor atribuído à causa. Era o que entendia o STJ no direito anterior: “A impugnação ao valor da causa deve ser oferecida no prazo da contestação, com a demonstração do valor entendido correto e os fundamentos que dão suporte às alegações do impugnante”.206 Explica-se a necessidade de o impugnante indicar o valor correto da causa por um motivo curial. A impugnação do art. 293 é, em princípio, contradição ao valor fixado a critério do autor. Naturalmente, caberá ao impugnando explicitar o critério próprio, demonstrando-o como o único a espelhar fielmente o conteúdo econômico da pretensão. No que tange ao valor deduzido do critério legal (art. 292), a própria lei encarrega-se de apontar os elementos para o cálculo. Por essa razão, a impugnação desprovida de fundamentos e da indicação do valor correto é inadmissível.207 Era a posição do STJ.208 Essa impugnação não estabelece o contraponto à fixação voluntária do autor, omitindo os parâmetros para juiz decidir a impugnação. Em contrapartida, na impugnação cujo objeto envolva o critério legal, basta o impugnante invocar a regra porventura aplicável e demonstrar a erronia do valor inicialmente atribuído à causa. 1.298. Procedimento da impugnação ao valor da causa A forma da impugnação ao valor da causa, objeto de preliminar na contestação (art. 337, III), repercute decisivamente na esfera procedimental. Feita a alegação, inclusive a do Ministério Público, excepcionalmente

legitimado (retro, 1.295), cuja oportunidade para se manifestar (art. 179, I) começa com a contestação (ou melhor: findo o prazo de contestação, porque talvez o réu permaneça inerte), o juiz tomará a providência preliminar que assegura o contraditório (art. 351). Assinará, pois, o prazo de quinze dias para o autor replicar o conjunto da defesa e, no que aqui interessa, a incorreção do valor da causa. Poder-se-ia encerrar as considerações acerca dos aspectos procedimentais com essa breve menção. Porém, interessa visualizar a questão isoladamente, porque apresenta particularidades. 1.298.1. Atitudes do autor na réplica – Findo o interregno de quinze dias (art. 351), concebem-se três atitudes do impugnado: (a) inércia; (b) reconhecimento da impugnação; (c) contradição da impugnação. No último caso, estabelecidos os parâmetros da controvérsia, o juiz decidirá a questão, com ou sem o auxílio de perito. Os casos de inércia e de reconhecimento provocam dúvida quanto à subordinação do juiz ao valor apontado pelo impugnante. O juiz encontrar-seá adstrito, ou não, conforme o conteúdo da alegação. Tratando-se de descumprimento do critério legal (retro, 1.292.1), que cabe ao juiz conhecer ex officio (art. 292, § 3.º), mostra-se irrelevante a aceitação expressa (reconhecimento) ou tácita (inércia) do impugnado. A iniciativa da parte, provocando o órgão judiciário, tem caráter supletivo. O juiz resolverá a questão suscitada, nesses termos, de acordo com as diretrizes do art. 292. Eventual convergência do impugnado com o teor da impugnação do réu não impede resolução do juiz em sentido contrário ou diverso. Ao invés, no caso de o valor da causa decorrer de critério do autor, subentende-se que há espaço à disposição das partes. É o que se deduz do art. 293: a preclusão do direito de o réu impugnar, em casos tais, implica aceitação do valor atribuído ao autor. Em tal hipótese, o juiz acolherá de plano o valor proposto pelo impugnante. A jurisprudência do STJ não leva em conta, porém, essa distinção e, genericamente, rejeita qualquer repercussão à omissão do impugnado, desconhecendo a aceitação tácita.209 1.298.2. Instrução da questão processual valor da causa – A necessidade de o valor da causa corresponder exatamente ao conteúdo econômico da pretensão implicará, por vezes, complexa avaliação do(s) pedido(s) genérico(s) formulado(s) na inicial. Na ação de reparação de dano, mostra-se possível ao autor avaliar as consequências já produzidas pelo ilícito, lícito que seja formular pedido genérico quanto às consequências futuras, a teor do art. 324, § 1.º, II, o que será objeto de estimativa. Eventual impugnação do réu, quanto a esses aspectos, exigirá o auxílio de experto. Ora, o deferimento de prova pericial para resolver unicamente essa questão de fato não parece muito adequado. Figure-se o caso de a resolução das questões de fato relativas ao mérito exigir apenas prova testemunhal. Se, para emitir sentença condenatória em prestação pecuniária, o juiz pode abster-se de proferir sentença líquida se a prova para apurar o quantum

debeatur revelar-se prova demorada e excessivamente dispendiosa (art. 491, II), com maiores razões a ressalva aplicar-se-á a essa questão processual. Por sinal, os vícios objeto do art. 337, quando necessário, serão supridos no prazo de trinta dias do art. 352. Tal o preço de o NCPC ter eliminado o incidente autônomo de impugnação ao valor da causa previsto no direito anterior. Não se entendendo assim, logo se percebe impossível ao juiz, sem instruir a questão pela prova cabível, resolver a questão processual na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, I). Ficará postergada para a futura sentença de mérito. E, por consequência, as partes podem participar, indicando assistentes e formulando quesitos.210 1.298.3. Resolução da questão processual do valor da causa – Não se mostrando necessária a produção de prova técnica, o juiz resolverá a questão incidente na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, I). Não há condenação em honorários,211 pois tal só ocorre na sentença, nem em custas.212 Da decisão do juiz caberá embargos de 213 declaração, possibilidade insinuada no art. 357, § 1.º, mas não cabe agravo de instrumento.214 Às vezes, no direito anterior, o juiz postergava o exame do incidente para o momento do julgamento do mérito. O STJ entendia admissível essa medida,215indispensável, atualmente, no caso de o juiz ordenar a realização de perícia para essa finalidade. Entretanto, ocorrendo descuido em julgar a questão, opportuno tempore, ou seja, antes da emissão de sentença, e na pendência da apelação proferida contra a sentença os autos retornarão para o primeiro grau, a fim de que o juiz emita a decisão cabível.216 Essa providência respalda-se no art. 933. 1.299. Correção ex officio do valor da causa É lícito ao juiz, nos casos em que a própria lei fixa os critérios para se apurar o valor da causa (art. 292), prover a respeito, a qualquer tempo e ex officio. Mas, tratando-se de valor da causa decorrente de critério do autor, a omissão do réu, e, a fortiori, dos demais legitimados (retro, 1.295), implica preclusão, conforme estabelece o art. 293.217 Depende da política legislativa de cada ordenamento processual a outorga de poderes maiores ou menores ao juiz nesse assunto. Assim, o CPC português de 1939, alargou o controle oficial, admitindo-o nos casos em que, malgrado a concordância expressa ou tácita das partes, ao juiz parecesse irreal o valor fixado.218 Essa distinção retira, por um lado, o assunto do exclusivo domínio das partes, nos casos em que prepondera o interesse público; e, de outro, esclarece o campo de incidência do art. 293, harmonizando a preclusão, prevista neste dispositivo, e a atuação ex officio do juiz. Assim decidiu o STJ: “Quando o valor a ser atribuído à causa for taxativamente previsto em lei, é possível ao julgador, ex officio, alterar aquele consignado na inicial. Pela mesma razão, pode ser acolhida a impugnação do réu, ainda que não autuada em apenso, mas aduzida em preliminar de impugnação aos embargos à execução fiscal”.219

Em sentido mais amplo, com o fito de evitar danos à Fazenda Pública, interessada na base de cálculo da taxa judiciária, e ao servidor, quanto ao valor das custas – interesse secundário vencido pela estatização das serventias judiciais –, o STJ admitiu a intervenção do juiz, ex officio, nos casos em que há flagrante discrepância entre o valor da causa e o critério adotado pelo autor.220 1.300. Efeitos da alteração do valor da causa O acolhimento definitivo da impugnação ao valor da causa produzirá as alterações porventura cabíveis no processo; por exemplo, conforme o teor da decisão. Existindo magistrado de competência ad valorem, por exemplo, importará a remessa dos autos ao juiz competente.221 Eventualmente, no caso de majoração do valor, o autor deverá recolher a diferença da taxa judiciária e das custas. É o que contemplam, convergentemente, o ar. 292, § 3.º, e art. 293, in fine. Em tal hipótese, como já se assinalou (retro, 1.286), já não caberá o cancelamento da distribuição (art. 290), mas, se for o caso, a extinção do processo, porque o autor não providencia o ato a seu cargo, precedida da intimação pessoal prevista no art. 485, § 1.º.222

TOMO II

TÍTULO X - PROVAS EM GERAL Capítulo 57. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE PROVA SUMÁRIO: § 271.º Prova no processo civil – 1.301. Objeto da cognição do juiz – 1.301.1. Conhecimento do direito – 1.301.1.1. Liberdade na qualificação jurídica – 1.301.1.2. Liberdade na seleção da norma – 1.301.2. Desconhecimento dos fatos – 1.302. Conceito de prova no processo civil – 1.303. Funções da prova no processo civil – 1.304. Sistemas probatórios contemporâneos – 1.305. Natureza das regras sobre prova – 1.305.1. Limites espaciais das normas probatórias – 1.305.2. Limites temporais das normas probatórias – § 272.º Objeto da prova – 1.306. Objeto e tema da prova – 1.307. Alegações de fato como objeto da prova – 1.307.1. Espécies de fatos objeto das alegações das partes – 1.307.1.1. Fatos jurídicos e fatos simples – 1.307.1.2. Fatos internos e fatos externos – 1.307.1.3. Fatos positivos e fatos negativos – 1.307.2. Regime do conhecimento das alegações de fato – 1.308. Alegações de direito como objeto da prova – 1.309. Tema da prova – § 273.º Prova das alegações de direito – 1.310. Desnecessidade de prova do direito comum – 1.311. Prova do direito local – 1.311.1 Causas fundadas no direito local – 1.311.2 Produção da prova do direito local – 1.311.3 Espécies de prova do direito local – 1.311.4 Consequências da falta de prova do direito local – 1.312. Prova do direito estrangeiro – 1.312.1. Causas fundadas no direito estrangeiro – 1.312.2. Produção da prova do direito estrangeiro – 1.312.3. Espécies de prova do direito estrangeiro – 1.312.4. Consequências da falta de prova do direito estrangeiro – 1.312.5. Consequências da aplicação do direito estrangeiro – 1.313. Prova do direito consuetudinário – 1.313.1. Requisitos e alcance do costume – 1.313.2. Produção da prova do costume – 1.313.3. Espécies de prova do costume – 1.313.4. Consequências da falta de prova do costume – § 274.º Prova das alegações de fato – 1.314. Prova dos fatos – 1.315. Fatos dependentes de prova – 1.316. Fatos independentes de prova – 1.317. Fatos incontroversos – 1.317.1 Configuração

dos fatos incontroversos – 1.317.2 Fundamento da falta de controvérsia dos fatos – 1.317.3 Requisitos da configuração dos fatos incontroversos – 1.317.4 Consequências da falta de controvérsia dos fatos – 1.317.5 Inadmissibilidade da iniciativa probatória oficial – 1.318. Fatos notórios – 1.318.1 Configuração da notoriedade dos fatos – 1.318.2 Espécies de notoriedade dos fatos – 1.318.3 Pressuposto do conhecimento da notoriedade dos fatos – 1.318.4 Consequências da notoriedade dos fatos – 1.319. Fatos presumidos – § 275.º Presunções – 1.320. Conceito de presunção – 1.321. Classificação dos indícios – 1.322. Localização sistemática das presunções – 1.323. Espécies de presunção – 1.324. Presunção judicial – 1.324.1. Conceito de presunção judicial – 1.324.2. Características da presunção judicial – 1.324.3. Requisitos da presunção judicial – 1.324.4. Presunção extraída do fato probando – 1.324.5. Inadmissibilidade da presunção judicial – 1.324.6. Consequências da presunção judicial – 1.325. Presunção legal relativa – 1.325.1. Espécies de presunção legal relativa – 1.325.2. Fundamento da presunção legal relativa – 1.325.3. Função da presunção legal relativa – 1.325.4. Admissibilidade da prova em contrário ao fato desconhecido – 1.325.5. Consequências da presunção legal relativa – 1.326. Presunções legais absolutas – § 276.º Regras de experiência – 1.327. Conceito de regras de experiência – 1.328. Espécies de regras de experiência – 1.329. Funções das regras de experiência – 1.329.1. Instrumento de apuração dos fatos – 1.329.2. Instrumento de apreciação da prova – 1.329.3. Concretização de conceitos juridicamente indeterminados – 1.329.4. Determinação de elemento de incidência – 1.329.5. Determinação de impossibilidades físicas e técnicas – 1.330. Prova das regras de experiência – § 277.º Momentos da prova – 1.331. Especificação da prova – 1.331.1. Especificação do autor – 1.331.2. Especificação do réu – 1.332. Proposição da prova – 1.333. Admissão da prova – 1.334. Produção da prova – 1.334.1. Tempo da produção da prova – 1.334.2. Lugar da produção da prova – 1.334.3. Órgão da produção da prova – 1.335. Apreciação da prova – 1.335.1. Sistemas de apreciação da prova – 1.335.1.1. Sistema da apreciação legal – 1.335.1.2. Sistema da íntima convicção – 1.335.1.3. Sistema da livre apreciação – 1.335.1.3.1. Requisitos da livre apreciação – 1.335.1.3.2. Medida da livre apreciação – 1.335.2. Momento da apreciação da prova – 1.335.3. Controle da apreciação da prova – § 278.º Ônus da prova – 1.336. Direito e ônus de provar – 1.337. Espécies de ônus da prova – 1.338. Funções do ônus da prova – 1.338.1. Regra de conduta – 1.338.2. Regra de julgamento – 1.339. Distribuição estática do ônus da prova – 1.339.1. Critério geral da distribuição estática – 1.339.1.1. Fatos constitutivos – 1.339.1.2. Fatos extintivos – 1.339.1.3. Fatos modificativos – 1.339.1.4. Fatos impeditivos – 1.339.2. Critérios especiais da distribuição estática – 1.339.2.1. Inversão legal direta do ônus da prova – 1.339.2.2. Inversão legal indireta do ônus da prova – 1.339.3. Critério convencional da distribuição estática – 1.339.3.1. Cabimento do negócio jurídico sobre ônus da prova – 1.339.3.2. Requisitos do negócio jurídico sobre ônus da prova – 1.339.3.3. Momento do negócio jurídico sobre ônus da prova – 1.339.3.4. Efeitos do negócio jurídico sobre ônus da prova – 1.340. Distribuição dinâmica do ônus da prova – 1.340.1. Cabimento da distribuição dinâmica do ônus da prova – 1.340.2. Momento da distribuição dinâmica do ônus da prova – 1.340.3. Controle da distribuição dinâmica do ônus da prova – § 279.º Meios de prova – 1.341. Fontes da prova – 1.342. Meios de prova – 1.343. Enumeração das provas – 1.343.1. Confissão – 1.343.2. Documento – 1.343.3. Testemunha – 1.343.4. Presunção – 1.343.5 Perícia – 1.344.

Enumeração dos meios de prova – § 280.º Classificação das provas – 1.345. Espécies de prova – 1.345.1. Prova pessoal e prova real – 1.345.2. Prova direta e prova indireta (ou crítica) – 1.345.3. Prova literal e testemunhal – 1.346. Prova préconstituída e prova constituenda (ou casual) – 1.347. Prova principal e contraprova – 1.348. Prova livre e prova plena (ou legal) – 1.348.1. Prova livre – 1.348.2. Prova plena – 1.348.2.1. Prova plena da escritura pública – 1.348.2.2. Prova plena nos arquivos de imagens e sons – 1.349. Prova típica e prova atípica – 1.350. Prova lícita e prova ilícita – 1.350.1 Formas de ilicitude da prova – 1.350.1.1 Ilicitude material e ilicitude formal da prova – 1.350.1.2 Ilicitude originária e ilicitude derivada da prova – 1.350.2 Efeitos da ilicitude da prova – § 281.º Princípios da prova – 1.351 Princípio da iniciativa concorrente – 1.352. Princípio da oportunidade – 1.353. Princípio da proibição do conhecimento privado – 1.354. Princípio da contradição – 1.355. Princípio da cooperação – 1.356. Princípio da comunhão – 1.357. Princípio da imediação – 1.357.1. Imediação subjetiva – 1.357.2. Imediação objetiva – 1.358. Princípio da publicidade – 1.359. Princípio da livre apreciação – 1.360. Princípio da unidade – § 282.º Cooperação das partes na investigação da verdade – 1.361. Cooperação da parte na produção da prova – 1.362. Finalidade da cooperação da parte na produção da prova – 1.363. Dever de comparecer – 1.364. Dever de responder – 1.365. Dever de submissão – 1.366. Dever de obedecer – § 283.º Cooperação dos terceiros na investigação da verdade – 1.367. Cooperação do terceiro na produção da prova – 1.368. Fundamento do dever de cooperação do terceiro – 1.369. Finalidade do dever de cooperação do terceiro – 1.370. Objeto do dever de cooperação do terceiro – 1.371. Caráter relativo do dever de cooperação do terceiro – 1.372. Dever de informação – 1.373. Dever de exibição – 1.374. Meios de constranger o terceiro à cooperação § 271.º Prova no processo civil 1.301. Objeto da cognição do juiz O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado toca às pessoas naturais e às pessoas jurídicas, bem como a outros sujeitos de direito (v.g., órgãos das pessoas jurídicas; entes despersonalizados), e forma relação jurídica especial, usualmente chamada de processo, entre a parte que tomou essa iniciativa e o Estado. Por intermédio dessa iniciativa, o autor almeja bem jurídico, vantagem, proveito ou utilidade perante outra pessoa, alegando que certo fato, ou conjunto de fatos, objeto de incidência na previsão da norma jurídica, produziu efeito jurídico favorável. Essa aspiração fundamental do autor fixa o objeto do processo. Dele decorrem – garantia elementar no processo constitucionalmente justo e equilibrado – limites ao futuro pronunciamento do órgão do Estado (infra, 1.593). A iniciativa de constituir a relação jurídica processual compete à parte. É o titular do direito que deve almejar sua concretização na realidade social. Essa feição contemporânea do clássico princípio da demanda (infra, 1.490) assenta solidamente na autonomia privada. E seu conteúdo político, e mais do que isso, o de Estado Constitucional de Direito, não pode ceder à tentação autoritária de o Estado imiscuir-se na esfera privada do cidadão, historicamente realizada com os elevados propósitos de tutelar os desamparados, mas transmudada em instrumento de opressão dos dissidentes. Baseado no postulado da autonomia individual, o princípio

dispositivo baseia-se em outra máxima muito cara ao ordenamento, o da oportunidade: ao titular do direito subjetivo desfruta tanto da liberdade de criar relações jurídicas, quando a de defendê-la, ou não, em juízo, tornando-se litigiosa. Não há Estado Constitucional de Direito sem espaço para a autodeterminação da pessoa no âmbito do direito substantivo.1 E nenhuma lei elimina o desequilíbrio inicial do processo: o autor prepara-se por tempo indeterminado, reunindo os materiais de fato e de direito; o réu convocado a juízo desfrutará de interregno fixo para os mesmos fins. Por exceção, a lei obriga o titular da capacidade de conduzir o processo a ingressar em juízo. Em geral, o princípio da obrigatoriedade envolve os casos de atuação do Ministério Público como parte principal, curando de direitos difusos e coletivos, ou de interesses indisponíveis da sociedade, conforme evidenciado em item anterior (retro, 1.070.2). A obrigatoriedade não dissipa o equilíbrio inicial – o Ministério Público, para não fugir do exemplo, tem o instrumento do inquérito civil para organizar os materiais que utilizará em juízo. Em processo civil, quer aplicando-se o princípio da oportunidade, quer o contraposto princípio da obrigatoriedade, há outro corolário fundamental. O autor formará e conformará o objeto litigioso segundo seus interesses. Fitando os elementos de incidência da norma, o autor apontará o fato constitutivo, ou conjunto de fatos, do qual extrai o efeito jurídico que pretende seja reconhecido perante o réu, da melhor forma possível – quer dizer, do modo mais simples e direto para obter êxito. Assim, o autor A que pode alegar contra B a violação x e a violação y dos deveres conjugais, mas efetivamente só expõe ao juiz a violação x, configura o objeto litigioso de forma a impedir que o juiz conheça e julgue a violação y e, com esse fundamento, decrete a separação das partes. Idêntica liberdade desfrutará o Ministério Público nos casos em que é obrigatório agir na tutela de interesses difusos ou coletivos. Desse órgão do Estado não se espera que deduzida as alegações de fato menos promissoras para a tutela do direito. Parece fora de dúvida que, além de critério legal explícito, previsto no art. 337, § 2.º, a limitação intrínseca que a causa de pedir produzirá no futuro julgamento, retratada acima, representa razão bastante para o objeto litigioso adquirir conteúdo binário. Compõe-se o mérito de dois elementos objetivos de valor equivalente, acausa petendi (fato ou fatos constitutivos) e o pedido, no que se designa zweigliedrigen Streitgegenstandsbegriff – construção predominante do direito germânico.2 Competindo ao autor alegar os fatos que constituem a causa de pedir e, no seu modo de ver, fundamentam a pretensão processual, correlatamente assume o ônus de provar-lhes a veracidade perante o órgão judiciário. Em virtude da sua condição de terceiro imparcial, o juiz ignora a existência desses fatos e nenhum sistema processual autoriza-lhe, senão quanto aos fatos notórios e às regras de experiência, o emprego de seu conhecimento pessoal para julgar a causa e formular a regra jurídica concreta. Diz-se, então, que em todo processo há, no mínimo, uma alegação de fato, a que o autor suscita na petição inicial. Problema diverso – que obterá resposta negativa – consiste saber se, feita a alegação de fato, a inércia do réu e, conseguintemente, a inexistência de controvérsia, atrai para o autor outro ônus, o de provar essa alegação e persuadir o juiz da sua veracidade.

Por outro lado, é preciso ter em mente que o processo se desenvolve progressivamente, por intermédio da cooperação das partes, que ficam subordinados aos resultados da atividade comum.3 E, à semelhança de qualquer outra relação jurídica, a relação processual tem seus elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia agrupados, desde a obra pioneira, na classe dos pressupostos processuais (retro, 100). A relação processual se distingue-se do objeto do processo, que é o seu conteúdo (mérito ou objeto litigioso), este basicamente formado através das razões de fato (que fundamentam a pretensão processual) e razões de direito (das quais decorre o efeito jurídico pretendido) alegadas pelo autor.4 Esse esquema de continente (processo) e de conteúdo (objeto litigioso), e que melhor retrata o fenômeno processual, indica que a atividade do órgão judiciário envolverá necessariamente duas órbitas distintas. Em primeiro lugar, cabe-lhe enfrentar eventuais questões atinentes ao próprio processo; em seguida, e vencida a primeira etapa, examinará o objeto litigioso ou mérito (res in iudicium deducta). Esses dois problemas intrínsecos ao processo situam-se em dois planos diferentes.5 É possível distinguir, portanto, entre o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. Do ponto de vista do autor, impõe vencer a primeira barreira, preenchendo todos os pressupostos processuais, para propiciar o julgamento do mérito, favoravelmente ou não. O julgamento do mérito sem o juízo de admissibilidade positivo ou é viciado ou é inútil. Passando à perspectiva do réu, processo e objeto litigioso atraem a respectiva defesa para dois alvos diferentes, mas concorrentes. Basta-lhe atingir um deles e o réu alcançará o sucesso, livrando-se do processo, embora variem os efeitos da decisão. É lícito ao réu atacar, simultaneamente, a regularidade do próprio processo, suscitando questões processuais – a problemática dos pressupostos processuais e condições da ação –, sob o ângulo que lhe favoreça, e, em seguida, enfrentar o mérito. Naturalmente, a reação do réu pode consubstanciar-se na dedução, por sua vez, de pretensão contra o autor no mesmo processo; porém, a defesa em sentido estrito englobará, em tese, processo e mérito, sem embargo de outras modalidades defensivas.6 Embora variem os objetivos, conforme o alvo visado, a defesa do réu abrangerá tanto (a) impugnação de fato, quanto (b) impugnação de direito. Por óbvio, impugnação ao fato e ao direito alegado pelo autor. Diz-se direta a impugnação de fato na hipótese de o réu “manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial” (art. 341, caput, primeira parte) e indireta a impugnação que apresenta nova versão ao episódio da vida narrado pelo autor (retro, 313.2.2). Em ambos os casos, tecnicamente é a impugnação que torna as razões de fato do autor em autênticas questões de fato. O réu também pode impugnar as razões de direito invocadas pelo autor (v.g., negando que do fato narrado decorra o efeito jurídico pretendido). Abstendo-se de acrescentar a impugnação direta ou indireta às alegações de fato, exercendo seu poder de disposição, vincula o juiz a julgar a causa unicamente baseado na questão de direito. O art. 355, I, antevê precisamente essa situação.

A controvérsia sobre fatos não é exclusiva do mérito. A defesa processual apresenta ao juiz fatos (v.g., a incapacidade do autor; a preexistência de processo com causa ou pedido idênticos; e assim por diante), cuja veracidade talvez seja objeto de controvérsia. E, por fim, concebe-se que o réu, de seu turno, alegue fatos extintivos, modificativos ou impeditivos, deduzindo exceções substanciais, hipótese em que ampliará o objeto litigioso, e eventual impugnação do autor provoca o aparecimento de novas questões de fato. Um dos aspectos menos explorados do princípio dispositivo, que postula o domínio das partes na introdução do material de fato no processo, predeterminando e circunscrevendo o julgamento – ou os que fundamentam a pretensão do autor, ou os que baseiam a resistência do réu –, avulta na possibilidade de as partes admitirem como verídicas as alegações de fato formuladas pela contraparte. É a iniciativa das partes, no contraditório, que torna as alegações de fato controvertidas ou não.7 A falta de impugnação das alegações de fato gera presunção de veracidade. Ocorre na revelia do réu (art. 344) e do descumprimento do ônus de impugnação específica (art. 341, caput, segunda parte). Ressalva feita aos casos expressos (respectivamente, nos artigos 345, I a IV, e 341, I a III), a convergência vincula o órgão judiciário. O juiz dispõe de poderes instrutórios tão amplos e, aparentemente ilimitados, que a cogitação de que os utilize, porque não se convencendo que a convergência retrate a realidade, nada exibe de teórica. Verdade seja dita: na prática, o juiz se abstém de maiores investigações, contentando-se em julgar com base nessa presunção. No entanto, ainda interessará fixar a linha correta para esconjurar a possibilidade de o juiz, em certo processo, intentar realizar prova para esclarecer-se devidamente. O julgamento da maioria dos litígios importa a resolução de questões de fato. As versões das partes quanto aos fatos que originaram o conflito raramente coincidem. Por exceção, antevista no art. 355, I (“quando não houver a necessidade de outras provas”), e operante na hipótese de inexistir controvérsia relevante sobre as alegações de fato, o julgamento limita-se às razões de direito contrastantes. Ora, no caso de existir a controvérsia, mas antes de resolver as questões de direito, o juiz necessita apurar como se passaram os fatos que originaram o litígio, a fim de realizar a subsunção, ou como elas devem se passar no futuro, nesse caso compelido à tarefa mais árdua de concretização. Para um e outro efeito passará a investigar a veracidade das alegações de fato das partes. Para atingir essa finalidade, partes e órgão judiciário valem-se das provas. As partes adquirem, nos termos expostos, o chamado direito à prova. Cuida-se de consequência natural do direito à tutela jurídica do Estado, conquanto direito abstrato e incondicionado de formar o processo, consoante o tema da prova. Esse direito já recebeu análise anteriormente (retro, 158.1) e aqui se reproduziu os termos em que se configura. Em síntese, as partes têm o ônus de provar, porquanto sofrem as consequências da inércia e do

resultado infrutífero da atividade probatória, e, para essa erradicar, acode-lhes o direito de provar suas alegações de fato controvertidas. O objeto da prova (o que se pode provar) e o tema da prova (o que se deve provar) merecerão estudo em item específico (infra, 1.306). Por enquanto, importa sublinhar a frisante diferença na atividade do juiz tendente a resolver questões de fato e questões de direito surgidas no seio da comunidade de trabalho que, apesar dos interesses contrapostos das partes, a dinâmica do próprio processo se encarrega de naturalmente constituir. 1.301.1. Conhecimento do direito – Recrutados segundo as modalidades constitucionalmente previstas (retro, 929), o homem e a mulher investidos na função judicante têm a notória qualidade de peritos em direito. Consoante a expressiva expressão francesa, o juiz é o maître du droit,8 ou seja, domina o ius positum em todos os seus pormenores. É um técnico altamente qualificado, desde a investidura na função judicante, e o paulatino exercício da magistratura aperfeiçoará esse saber, ajuntando-lhe, ademais, o traquejo da experiência. Logo, se incumbe às partes realizar as alegações de fato, sem embargo das razões jurídicas concomitantemente apresentadas, ao juiz toca qualificar esse material, consoante o brocardo iura novit curia. Dessa área de domínio do órgão judiciário decorrem expressivas consequências, a saber: (a) irrelevância da falta de indicação do fundamento legal, da errônea invocação da norma porventura aplicável e da falsa qualificação jurídica dos fatos expostos na petição inicial; (b) impossibilidade de o juiz dar por existente a norma que, apesar da convergência das opiniões das partes, na verdade não existe, ou declarar inexistente norma que, a despeito de idêntica convicção das partes, na verdade existe, porque a norma existe, ou não, independentemente da vontade das partes e do juiz, não sendo possível às partes criá-la mediante consenso oportunista.9 No direito vigente, a fim de evitar a decisão “surpresa”, o art. 10 exige o prévio debate desses aspectos, incumbindo ao juiz, por sinal, “delimitar as questões de direito relevantes para a decisão de mérito (art. 357, IV). O conhecimento que se exige do juiz nessa deliberação respeita ao direito comum. Este é o direito federal. Entretanto, o Estado brasileiro agasalha ordens jurídicas decorrentes da competência legislativa que a CF/1988 reconhece aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, e, por vezes, as normas produzidas por essas pessoas jurídicas de direito público são as únicas aplicáveis ao objeto litigioso (v.g., o servidor público A pleiteia certa vantagem pecuniária prevista no estatuto do Município X). E, mais raramente, o juiz é convocado, pelo direito brasileiro, a interpretar e aplicar norma jurídica estrangeira. A exigência que conheça por meios próprios essas ordens jurídicas, todavia hipótese que não se pode descartar, a priori, mostrar-se-ia pouco realista. Por exceção, nessa contingência, o conteúdo e a vigência dessas normas tornam-se objeto de atividade probatória (infra, 1.310). Ressalva feita a tais exceções, a diretriz iura novit curia envolve dupla liberdade na avaliação e resolução das questões de direito suscitadas e debatidas, ou não suscitadas, mas debatidas, convindo esclarecer esses aspectos.

1.301.1.1. Liberdade na qualificação jurídica – Em virtude da irrelevância do fundamento legal efetivamente invocado, indicado, ou não, corretamente o número do dispositivo (v.g., tal ou qual artigo) e o corpo legislativo no qual se encontra inserido (v.g., artigo tal do código civil), e da qualificação jurídica originariamente atribuída, lícito se afigura ao autor alterar, a qualquer momento, este e aquele na pendência da demanda. Também se mostra lícito o juiz acolher o pedido baseado em norma distinta da indicada na inicial ou rejeitá-lo com base em norma diferente da invocada na contestação.10 O STJ reconheceu a liberdade de o juiz aplicar “regra jurídica diversa da invocada, pelo autor, na inicial”.11 A liberdade se mantém do NCPC, mas o juiz, antes disso, há de promover debate a respeito (art. 10). A diretriz do brocardo iura novit curia implica a liberdade de o juiz (a) qualificar o material de fato, objeto do debate das partes, ignorando a errônea qualificação jurídica empreendida pelo autor, quiçá referendada pelo réu (v.g., declarar que a relação das partes constitui contrato de fornecimento,12 porque avulta a provisão, e, não compra e venda com prestações periódicas); e (b) convocar a norma aplicável à causa, suprindo as deficiências da petição inicial e contestação na oportuna lembrança dessas regras. No entanto, uma e outra ficam condicionadas pela dimensão vertical do princípio do contraditório. É preciso ensejar às partes o direito de utilizar suas opiniões jurídicas, no mérito ou nas questões do processo, a fim de influir no convencimento do juiz.13 O objetivo dessa restrição consiste em atalhar o pronunciamento “surpresa”, aplicando ou concretizando norma que as partes não debateram previamente. Essa ampla liberdade de o juiz qualificar juridicamente o material de fato não se revela incompatível com a exigência de o autor declinar na petição inicial os fundamentos jurídicos da pretensão (art. 319, III). Entre a causa de pedir e o pedido há de existir concordância e harmonia. O medio concludendi é a coerência entre acausa petendi e efeito jurídico consubstanciado no pedido. A falta de coerência importa o vício formal previsto no art. 330, § 1.º, III, do NCPC, o da “narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”. Logo, o autor há de extrair efeitos jurídicos coerentes do fato constitutivo, ou do conjunto de fatos, narrado na petição inicial. Os equívocos resultam da circunstância de o autor, qualificando corretamente o fato constitutivo, retirar consequências que ele não exibe (v.g., declara que entregou o imóvel em comodato, mas almeja retribuição pecuniária), ou da errônea qualificação jurídica do fato constitutivo (v.g., o autor declara que há locação, mas a relação jurídica é de comodato), e pleiteia efeito jurídico inadmissível, qual seja o pagamento da retribuição pecuniária.14 Em qualquer das hipóteses, adstrito o juiz ao pedido, não poderá acolhê-lo, haja vista a inadequação lógica. Cuida-se de evidência a mais da liberdade de qualificação jurídica do juiz. 1.301.1.2. Liberdade na seleção da norma – Em item específico (retro, 1.122), destacou-se a impossibilidade de desvendar os intrincados processos mentais que presidem a decisão do juiz. Ela há de se ater, sem embargo, à forma rígida do art. 489 em sua ulterior exteriorização, a título de penhor da racionalidade do ato. Na prática, a seleção da norma porventura aplicável não se mostra tão difícil, pois o debate das partes contribui decisivamente, explorando todas as razões de direito possíveis, e o saber jurídico do órgão judiciário é suficientemente amplo para enfrentar e resolver as mais árduas questões de direito. Por outro lado, nem toda causa apresenta questões de

alta indagação; a maior parte dos litígios se caracteriza pela trivialidade, no sentido que envolve questões muito bem conhecidas pelo julgador. Também importa sublinhar que cabe ao juiz aplicar no julgamento da lide as normas legais. Se o ordenamento exibe lacunas, obscuridades ou contradições, não se eximirá o juiz realizar seu ofício (art. 140, caput). O juiz arredará quaisquer dificuldades socorrendo-se de técnicas que lhe são familiares, empregando as fontes subsidiárias da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, observando os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. O desafio mais importante posto ao juiz reside na técnica de aplicação da norma. A subsunção já não satisfaz plenamente. Normas legais adotam linguagem aberta, genérica, indeterminada e flexível. Essa formulação evita o envelhecimento precoce da norma e substitui a falta de consenso da sociedade pluralista. O processo de aplicação das normas abertas reclama a atividade de concretização (ou concreção). Cumpre ao juiz preencher a disposição normativa para o caso concreto, valendo-se de elementos problemáticos, como a finalidade da norma, a valoração social dos fatos, o bem comum, e assim por diante, limitando e legitimando o resultado final.15 O sentido conferido ao caso individual não se reproduzirá necessariamente para outro, comprometendo a segurança jurídica. Ao juiz se impõem redobrados esforços na motivação, a fim de persuadir a parte vencida que, no caso específico, a solução divergente se afigura legítima e a única cabível. Em que pese a autonomia judicial na seleção (e criação) da norma e, ainda, dessa própria atividade hermenêutica, eventualmente o juiz poderá ficar vinculado a examinar as alegações de fato sob aspecto jurídico único ou ficar adstrito à opinião concordante dos desavindos sobre determinada questão de direito.16 É no art. 141, que veda ao juiz conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a iniciativa das partes constitui exigência da lei, que se localizará o fundamento dessa excepcional subordinação do órgão judicante. A adstrição do juiz se realiza através do pedido formulado pelo autor (art. 492, caput). Um exemplo demonstra o vínculo. O autor A pretende afastar a incidência de certo tributo em razão da inconstitucionalidade da regra x, e, não, em virtude da qualificação do fato gerador na regra y, cuja alíquota é mais elevada, pleiteando que o juiz declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade da regra x, e, assim, repelindo a exação do Fisco. O juiz fica atrelado ao pedido e não pode declarar que o valor do tributo respeitará a regra y. A norma porventura selecionada há de ser objeto de debate prévio das partes, evitando a decisão “surpresa”. Para esse efeito, o art. 357, IV, impõe ao juiz, na decisão de saneamento e de organização do processo, a delimitação das questões idôneas a influenciar o julgamento do mérito. Quer dizer, em lugar da seleção ocorrer na sentença, antecederá a dilação probatória, etapa do processo destinada a colher os subsídios necessários à emissão do juízo de fato, logicamente – no aspecto formal – à subsunção ou à concretização na sentença. Não é tarefa fácil, mas não se pode averbar de errôneo o preceituado no art. 357, IV, do ponto de vista do processo civil garantista. Problema diverso consistirá, como já ocorria no direito anterior quanto às questões processuais pendentes (v.g., a ilegitimidade passiva),

também objeto da decisão de saneamento e de organização do processo no direito posto (art. 357, I), a postergação dessa seleção. A falta de recurso autônomo (agravo de instrumento) contra a decisão, exceto quanto à distribuição do ônus da prova (art. 357, III, c/c art. 1.015, XI), aumenta exponencialmente esse risco. 1.301.2. Desconhecimento dos fatos – O juiz julgará a causa segundo as alegações de fato produzidas pelas partes, a cujo respeito impõe lei exige a iniciativa do litigante (art. 141). Tais alegações constituem o objeto primacial da atividade probatória.17 Essencial ao processo idôneo a produzir a regra jurídica concreta é apenas a alegação do fato constitutivo na causa de pedir (art. 319, III). Faltando a causa de pedir, a petição inicial abriga grave defeito (art. 330, § 1.º, I), que torna inadmissível o prosseguimento do processo. O réu pode limitar-se a “manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato da petição inicial” (art. 341, caput, primeira parte), oferecendo impugnação de fato direta, e, a rigor, limitando-se a negar a veracidade dos da alegação do autor (v.g., na separação movida por A contra B, em que a autora debita adultério ao réu, porque frequentou o motel X na companhia de C, este nega que tenha ido ao local no dia e horário descritos na inicial), não realiza qualquer alegação de fato. Apresentando nova versão aos fatos narrados (v.g., na separação movida por A, o cônjuge B admite que visitou o motel X, acompanhado de C, mas alega que desempenhava sua atividade de representante comercial, exibindo roupas de cama para o hospedeiro), através da impugnação indireta na contestação, o objeto litigioso não se amplia, mas o tema da prova abrangerá essa segunda versão do fato narrado na inicial. Fatos não alegados pelas partes simplesmente não podem ser considerados pelo órgão judiciário. Assim, pleiteando A separação de B, com base no adultério comC, não pode o juiz decretá-la baseado na demonstrada tentativa de homicídio praticada por B contra A. E, inversamente, as alegações de fato realizadas pelas partes não podem ser desconsideradas pelo juiz. Se A deduz pretensão de cobrança contra B, alegando que o réu deve-lhe x, e B alega que não contraiu a dívida e, ainda, que pagou ao autor – o princípio da eventualidade explica o paradoxo (retro, 311.2) –, o juiz encontra-se constrangido a investigar a veracidade tanto da existência da dívida, quanto do seu pagamento. É claro que o juiz seguirá certa ordem lógica na apreciação das questões de fato. O art. 1.013, § 1.º, no tocante ao efeito devolutivo da apelação, antecipa situação calcada nessa possibilidade. Estabelece a regra que a apelação do vencido devolverá ao órgão ad quem todas as questões suscitadas e debatidas no processo, “ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado”. Ora, o juiz não as solucionou, porque desnecessário: a resolução tomada acerca da questão logicamente precedente pré-excluiu a análise subsequente. O juiz paralisa seu raciocínio em determinado ponto, porque alcançou a decisão conforme ao direito, e, por conseguinte, abstém-se de julgar todas as questões suscitadas e debatidas. Defendendo-se o réu B da pretensão de cobrança do autor A com a exceção substancial da prescrição, a apuração do transcurso do tempo previsto na regra porventura aplicável ao

crédito litigioso, permitirá ao juiz a emissão da sentença do art. 487, II, dispensando-lhe, ainda, da investigação em torno da existência da dívida. As partes têm o dever de realizar suas alegações de fato de acordo com a verdade (art. 77, I). A falta de alegações verdadeiras é velho e insolúvel problema. Os exemplos até agora colecionados revelam que se trata de evento acidental e contingente. Do contrário, as alegações de fato jamais se transformariam em objeto de controvérsia. E nada assegura o descumprimento do dever de veracidade apenas por uma das partes. Acontece de o juiz apurar que nenhuma apresentou o material de fato fidedignamente. Essas humanas imperfeições perturbam a marcha do processo, mas são inevitáveis. A lei brasileira não se contentou com o dever de veracidade, instituindo, ademais, o dever de esclarecimento. Os litigantes são abertamente convocados a cooperar no descobrimento da verdade (v.g., no art. 357, § 3.º), independentemente dos respectivos e contrastantes interesses, vedando-lhe o art. 80, II, destarte, a alteração omissiva ou comissiva da verdade. Nada obstante, múltiplos fatores interferem na correta descrição do acontecido perante a autoridade judiciária. Existem omissões dolosas, retirando da narrativa os fatos dúbios e os marcadamente desfavoráveis ao próprio interesse – o dever de revelação contraria o comportamento usual do litigante –, com o fito de apresentar ao juiz visão edulcorada da realidade, e mentiras deslavadas. A lei combate sem quartel o dolo, mas seria ilusório garantir sua erradicação integral nos pleitos em juízo. E outros aspectos entram em cena. Dificuldades e entraves na comunicação entre cliente e advogado induzem o descumprimento do art. 77, I, ferindo a integridade das alegações de fato no processo. É comum o advogado entrevistar seu futuro cliente sem a devida persistência, habilidade e calma, extraindo tudo, realmente tudo quanto sabe ou recorda-se do episódio da vida, em sucessivas sessões para essa finalidade. E mesmo expressando-se o cliente com fluidez e coerência, informando o advogado pormenorizadamente dos acontecimentos, talvez a memória traia ao futuro patrono, que não tomou notas ou gravou a conversa, no momento da redação da peça processual. E isso supondo, não se tratando de avatar da nobre profissão, haja o próprio advogado mantido contatos pessoais com o cliente, refreando a natural inclinação para delegar a fastidiosa tarefa ao primeiro assistente do escritório. Quer dizer, a exata compreensão dos fatos que originaram o litígio representa condição necessária, embora insuficiente à cabal introdução do material de fato no processo. Existindo controvérsia sobre a alegação de fato de uma das partes, e pouco importa se deduzida com maior ou menor retidão, o litigante a quem aproveitará o reconhecimento da veracidade, porque do fato lhe decorre efeito favorável, empreenderá seus melhores esforços tendentes a persuadir o juiz de que o fato ocorreu como narrado. Dependendo a formulação da regra jurídica concreta da veracidade dessa alegação, entretanto, o principal interessado em investigar-lhe a veracidade é o próprio juiz, estabelecendo se as coisas se passaram conforme o alegado, conforme a diretriz política do processo civil social. E não lhe faltam poderes para fazê-lo. De qualquer modo, a atividade probatória das partes e do julgador se concentrará sobre o material de fato, precisamente sobre as alegações de fato controvertidas,

assim transformadas em questões de fato. Esse é o tema da prova (infra, 1.309). Pode acontecer de a alegação de fato não se tornar controvertida. Feita a alegação, a contraparte implícita ou explicitamente admite-a conforme à verdade. Como já se assinalou, ressalvadas as hipóteses legais em que não opera a presunção de veracidade (art. 341, I a III), o consenso das partes participantes do processo, sendo disponível o objeto litigioso, vincula o órgão judiciário. Desconfiando o juiz que as partes aspiram a julgamento sobre premissa de fato inexata, salvo intentando alcançar objetivo ilegal (art. 142), e no caso da revelia, ou seja, não se convencendo da veracidade das alegações de fato incontroversas, tem o poder de determinar a produção das provas hábeis. Na prática, o juiz se abstém desse esforço, contentando-se em julgar segundo o estado do processo, sem maiores perquirições dos pontos de fato. É peremptoriamente vedado ao juiz julgar a partir de conhecimentos particulares sobre alegações de fato. Entende-se por tal o conhecimento próprio e adquirido fora do processo. Deve o juiz restringir-se às provas produzidas regularmente no curso da instrução do feito. Se o juiz assistiu intercurso amoroso entre A e B, jamais poderá julgar de forma isenta o pedido de separação formulado por C, baseado na injúria grave de B. Não se afigura razoável, realmente, autorizar o juiz a empregar impressões pessoais, carreadas ao seu espírito sem passar pelo contraditório das partes, porque se situará na desconfortável posição de testemunha e de terceiro imparcial. O juízo emitido nessas condições sonegaria às partes a elementar garantia de julgamento imparcial e objetivo.18 Razões similares não prevalecem quando conhecimento do juiz é mais geral e sem relação direta com os fatos dos quais adveio o litígio. Representaria absurdo manifesto, e mesmo impossibilidade flagrante, despojar o homem e a mulher investida na função judicante das noções que reuniu por força de sua formação pessoal e experimentou ao longo da vida. Existem, ao propósito, duas espécies de conhecimento que o órgão judiciário pode considerar, independentemente da iniciativa das partes (mas não do contraditório): (a) a de fatos singulares a que toda pessoa de média cultura tem acesso, em geral, como a data nacional; e (b) a de fatos que se têm como certos e incorporados à cultura comum do povo. No último grupo de fatos, a repetição contínua vulgarizou o conhecimento, permitindo inferir que, no futuro, sob as mesmas circunstâncias, o fenômeno se renovará, haja ou base científica para semelhante juízo; por exemplo, é de conhecimento comum e geral que o período normal de gestação do ser humano é de aproximadamente trinta e oito semanas após a concepção. Respectivamente, chamam-se de fatos notórios ao primeiro grupo (art. 374, I); de regras de experiência (art. 375), ao segundo. Itens específicos ocupar-se-ão da prova nesses contextos. 1.302. Conceito de prova no processo civil Partindo dos dados arrolados no item precedente, esse peculiar instituto processual – a prova – condensou-se nos espíritos em termos latos. As partes realizam alegações de fato no processo (iniciativa exclusiva) e o juiz, para aplicar o direito à espécie, resolvendo o litígio mediante a formulação da regra

jurídica concreta, necessita apurar, na medida do humanamente possível, a veracidade dessas alegações. Fatos que interessam a essa finalidade são os que ingressaram no mundo jurídico (fatos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos). As alegações das partes levam em conta a previsão normativa e não destacam o essencial. Também compõem os fatos que, sem mostrarem-se suficientes para irradiarem efeitos jurídicos de per si, individualizam a alegação (fatos simples, auxiliares ou secundários).19 Exemplo de alegação de fato é a do cônjuge A, que almeja separar-se do marido B, pois este manteve relações sexuais com C no motel X, tornando a comunhão de vida impossível. Para essa finalidade, instado pelas partes ou por iniciativa própria, o juiz desenvolverá (a) atividade submetida a rígido roteiro legal, através dos quais se praticam atos processuais (retro, 102), aproveitando (b) fontes que lhe subsidiarão os sentidos e, assim, carreando ao processo (ou, ao menos, assim se espera) dados suficientes à formação do seu (c) convencimento a respeito da veracidade, ou não, das alegações das partes. Esses três aspectos – (a) atividade; (b) meio; e (c) resultado – entrelaçamse no conceito de prova.20 O resultado em si pode ser encarado de duas maneiras: (a) objetiva (v.g., o depoimento das testemunhas A e B, e o documento x, ministraram elementos de prova para o juiz); ou (b) subjetiva – a convicção gerada no espírito do órgão judiciário, após a apreciação da prova.21 A apreciação da prova envolve “percepção, representação, memória, imaginação, raciocínio”, supondo “no juiz certo grau, médio, de cultura, e um plus, que é o exigido para a função de julgar, segundo as convicções do povo, em seu estádio de civilização material e intelectual”.22 Prova é, por definição, palavra polissêmica.23 Representa a atividade – e há nítida preferência por conceito tal elemento –, meio e resultado.24 O jargão jurídico norte-americano emprega duas palavras distintas, evidence, que são os meios utilizados na apuração da veracidade dos fatos; e proof, que representa o êxito positivo nessa demonstração,25 terminologia pouco utilizada nos sistemas filiados à Civil Law.26 É preferível, na apresentação do conceito de prova, fixar o resultado, deixando de lado a atividade e os meios.27 Em tal sentido, as provas constituem os elementos extraídos do processo que subsidiam a convicção do juiz quanto à veracidade das alegações de fatos articuladas pelas partes.28 Dá-se ênfase especial nesse conceito à veracidade como fim próprio da prova. O resultado dos esforços empreendidos pelos sujeitos do processo, cuja iniciativa probatória é concorrente, via de regra não se contenta com a verossimilhança prevalente. Inúmeras disposições apontam nesse sentido. As partes têm o dever de expor os fatos conforme à verdade (art. 77, I). Elas praticarão grave ilícito processual, alterando a verdade (art. 80, II). A palavra verdade e seus cognatos aparecem em várias disposições da lei processual (artigos 77, I; 80, II; 319, VI; 341, caput; 344; 369; 378; 389; 398, parágrafo único; 400, caput; 408, caput; 417, 427, I e II; 458; 504, II). Assim, outros conceitos de prova, como declarar a prova “pressuposto da decisão

jurisdicional que consiste na formação através do processo no espírito do julgador da convicção de que certa alegação singular de fato é justificavelmente aceitável como fundamento da mesma decisão”,29 não se mostram corretos de iure conditio. O juiz só pode considerar provada a alegação de fato da parte quando entendê-la verdadeira, jamais como aceitável. Problema diverso, objeto do item seguinte, consiste na noção de verdade para o processo. 1.303. Funções da prova no processo civil É do conhecimento universal a função clássica da prova. Essa invulgar pré-compreensão tem por objeto, naturalmente, a função processual da prova, a única que interessa nesse tópico. Fora do processo, nada obstante, a prova desempenha finalidades assaz relevantes. Ela empresta segurança aos negócios jurídicos, usualmente formados por instrumento particular; incorpora créditos (v.g., títulos cambiais); previne e resolve litígios,30 em razão da sua simples existência. Esses atributos da prova verificam-se além dos marcos aqui traçados para o estudo da prova. Em processo civil, a prova objetiva ministrar subsídios para o órgão judiciário apurar, tanto quanto humanamente possível, a veracidade das alegações de fato feitas pelas partes. É claro que, realizado tal exame crítico, o juiz também apurará qual das partes se desincumbiu do dever de veracidade (art. 77, I) ou se ambas – acontecimento trivial, mas reprovável – tergiversaram, mentiram ou ocultaram a realidade. Cuida-se de subproduto, e, sem dúvida, assaz valioso aos postulados moralistas do processo civil social, mas secundário. Não pode obnubilar o principal nas funções intrínsecas do processo. O árduo trabalho de reconstrução do acontecido ou de especulação do porvir serve ao propósito de realizar os direitos das partes. Do ângulo do juízo a ser tomado, e segundo a garantia formal do silogismo armado no art. 489, o juiz assenta a premissa maior – resolução das questões de fato – que o conduzirá à formulação da regra jurídica concreta, na suposição que corresponda à verdade. Por essa razão fundamental, na visão mais antiga chamava-se a prova de “meio pelo qual a inteligência chega à descoberta da verdade”.31 A verdade que a inteligência humana procura incessantemente, fitando o mundo e especulando mentalmente, na essência constitui problema metafísico. A ele jamais se deu resposta satisfatória. Dessa verdade não se ocupa o direito e, muito menos, o instrumento concebido para solver os litígios da vida social. Em processo civil, a pesquisa da verdade não é uma finalidade em si mesma, como a que ocupa a vida inteira do físico em seu laboratório, cuja meta é obter tese infalsificável ou, não a obtendo, colecionar experiências que lhe permitam declarar que não sabe, mas que os próximos pesquisadores estarão mais próximos da verdade graças aos seus esforços.32 No processo civil, ao invés, a verdade é, sobretudo, um problema político: o Estado se comprometeu a resolver litígios e realizar os direitos em tempo razoável. O objetivo não é tutelar verdades, muito menos a “verdade real”, mas concretizar direitos.33 A verdade em processo representaria simples “ouro dos tolos”.34

Chega-se à verdade no processo através do uso dos sentidos do juiz (v.g., ouvir a testemunha; ler o documento; ver o sítio em que se deu o acidente de trânsito; degustar duas espécies de vinho; apalpar a deformidade física para concluir se ela é repulsiva; cheirar o ar de certo ambiente, verificando a contaminação por emissões poluentes), o que é comum a outras áreas de saber. O processo civil convive com a verdade, o juiz aspira conhecê-la para julgar, empreende sinceros esforços para acercar-se da realidade e reconstituir fielmente eventos e condutas ocorridos no passado, mas semelhante horizonte é muito vasto para ser compreendido e apreendido pelos meios de prova. A reconstrução do que ocorreu assume, a rigor, caráter probabilístico.35 É ainda preciso considerar que prova desempenha papel instrumental em relação à atividade do juiz: não se limita ele a declarar o que, a seu ver, aconteceu ou pode acontecer, mas extrai os correspondentes efeitos jurídicos. Assim, é altamente impróprio graduar a verdade no processo – verdade absoluta, verdade material e verdade formal –, pois nem sequer ao juiz é dado saber se e quando alcançou a verdade, e, nada obstante, haverá de julgar a causa, realizando os fins do processo. A esse propósito, o art. 504, II, se houve com realismo e modéstia ao recepcionar o princípio que res iudicata por veritate habetur. Declara a regra que a indiscutibilidade intrínseca à coisa julgada não alcança “a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”. Essa disposição se aplica aos fatos simples e aos fatos jurídicos.36 A utilidade dessa disposição é dupla. Ela proclama implicitamente que a verdade é meta do processo. Esclarece que nem sempre o processo alcança a verdade por intermédio dos meios de prova. E apresenta vastas aplicações; por exemplo, no transporte da produção probatória de um processo para outro (infra, 1.349). Em relação aos fatos que preenchem os elementos de incidência da norma aplicável ao litígio, o art. 504, II, admite que, a despeito de o juiz considerá-los provados e julgar a partir dessa conclusão, podem não corresponder à realidade, e tal pode ser a conclusão de um segundo processo em que eles voltem à tona. Na demanda entre A e B o juiz acolheu o pedido de redibição da coisa alienada x, reconhecendo a existência de certo defeito oculto, em virtude da prova pericial que apontou defeito de projeto; em seguida, A pede a redibição da alienação da coisa y contra o fabricante B, do mesmo tipo e série que x: a questio facti concernente à existência, ou não, do vício oculto assume, outra vez, a condição de tema da prova, e nesse segundo processo outra prova pode levar o juiz a concluir diversamente. Em realidade, no processo civil a verdade não passa de resultado acidental e contingente da atividade probatória. A fixação da verdade “objetiva” como propósito máximo do processo remete às ideologias autoritárias baseadas no historicismo científico.37 Ora, a meta da verdade “objetiva” não se harmoniza com a principal função da jurisdição, que é a de assegurar os direitos dos particulares no Estado Constitucional de Direito, realizando o direito somente nessa medida. Não se nega que, para esse fim, o juiz precisa conhecer se as alegações das partes correspondem à realidade, e quanto mais próxima for sua decisão da realidade melhor ela se revelará para garantir direitos.38 Ocorre que esse conhecimento da realidade é simplesmente instrumental. Tampouco se compatibiliza com a área de domínio das partes segundo o princípio dispositivo. As partes têm iniciativa exclusiva nas alegações de fato que o juiz empregará como premissa do

julgamento. Apesar de constrangidas a dizer a verdade nessas alegações (art. 77, I), as partes se cingem a expor a “sua” verdade (retro, 606). Nenhuma das versões apresentadas ao juiz talvez retrate a realidade do evento ou da conduta narrada. Aliás, o objeto da prova recai sobre essas alegações, e, não, sobre os fatos em si, razão por que é latente no sistema o risco de o juiz julgar sobre bases falsas, frustrados os seus próprios esforços para esclarecer-se. A relativização da verdade não caracteriza apenas do processo civil. Apresenta esse instrumento, até mesmo, a vantajosa a circunstância de as partes adotarem atitudes propositivas, em geral animando-se a provar suas razões de fato. Essa predisposição não se reproduz alhures. Se existe mecanismo geralmente inidôneo para buscar a “verdade material” (ou objetiva), não há dúvida que é o processo penal. De ordinário, o autor da pretensão punitiva fica amarrado à investigação policial, realizada sem meios técnicos adequados, e o réu guarda a maior reserva, senão remanesce inerte quanto à produção das provas, pois a dúvida lhe favorecerá no julgamento. Em certa oportunidade, o juízo penal competente absolveu réu, acusado da morte de passageiro de outro veículo em acidente de trânsito, por falta de provas. Era caso de grande repercussão pública, considerando a qualidade do réu, mas o levantamento pericial do órgão público encarregado das perícias criminalísticas, que nesse caso emitiu laudo, não era conclusivo. E as testemunhas ouvidas na instrução do processo-crime nada esclareceram acerca das circunstâncias do evento. Porém, na ação civil de reparação de dano, movida pelos pais da infeliz vítima, surgiram testemunhas presenciais – o advogado dos autores moveu-se até o local do acidente, localizou restaurante próximo, com ampla janela para o cruzamento, e identificou frequentadores habituais que assistiram a violenta colisão –, mas desconhecidas do Ministério Público, e laudos técnicos convincentes, elaborados por meios técnicos sofisticados. Dessas provas resultou a condenação do réu. A vida no foro revela que não se cuida de caso peculiar ou isolado. Decididamente, a verdade “objetiva” passa longe do processo penal. Consoante outra variante, a prova se destinaria a obter certeza que o real, constatado nas fontes das provas – pessoas, coisas ou fenômenos naturais ou artificiais –, corresponde à percepção do juiz, o que amiúde se verifica, mas nem sempre, a despeito de o juiz persuadir-se dessa identidade, ou seja, da correspondência dos fatos apurados à realidade.39 A função da prova consistiria em produzir a “verdade subjetiva”, a mais possível próxima da realidade,40 reunindo elementos suficientes para se ter como demonstradas as alegações de fato. Para essa finalidade, (a) a lei isenta de prova as alegações de fato incontroversas, que se tornam verdadeiras para o juiz; (b) estabelece eficácia particular para certos meios de prova (v.g., o documento público, que torna certos os fatos ocorridos na presença do tabelião, a teor do art. 405); por esses meios, então, dá-se como provada a alegação de fato secundada por elementos tais que uma pessoa razoável pode estimá-la correspondente à realidade.41 Essa certeza histórica, lógica e psicológica, cercada das limitações humanas, e inseparável do receio de falsidade, é o objetivo da prova.42 Não se prestando a prova à revelação da verdade, em que pese escopo ideal da atividade tendente à demonstração das alegações das partes, e sendo absurdo distinguir entre verdade material e verdade formal, pois a

verdade é uma só, chega-se à conclusão que a função da prova consiste em formar o convencimento do juiz quanto à exatidão das alegações de fato. As provas reconstituem o que se passou em algum momento anterior para formar o convencimento do juiz. É o que acontece nos processos em que se disputam interesses individuais. Porém, a transfiguração das finalidades da jurisdição no mundo contemporâneo, comprometida com a realização dos direitos fundamentais, acentuou-lhe outra perspectiva. As provas permitem ao juiz antever, na medida do humanamente possível, o que se passará no futuro, a fim de formular regra jurídica concreta disciplinando acontecimentos vindouros. Era finalidade latente, mas residual estando em causa direitos individuais, como nas hipóteses de (a) a apuração dos lucros cessantes na retirada do sócio e de (b) a apuração do valor da desapropriação. O processo coletivo tornou mais comum a visão prospectiva, em atenção aos interesses transindividuais. Por exemplo, pleiteando o Ministério Público a restauração do imóvel x, em virtude do seu valor histórico, a interdição de modificações paisagísticas na orla marítima da cidade y, a determinação que se preserve a flora e a fauna na área z, o juiz ocupar-se-á mais do futuro, excluindo no presente termos alternativa que o prejudiquem em prol da sociedade. É verdade que a instituição do processo civil sempre se interessou mais em preparar o futuro do que em reconstituir o passado.43 À coisa julgada sempre se reconheceu o duplo escopo de impedir a renovação no futuro da causa decidida (função negativa) e da impor no futuro o que já se decidiu no passado (função positiva); portanto, essa peculiar autoridade da resolução do mérito regula o futuro. Ocorre que, no processo em que predominam interesses individuais, o juiz olha o passado para regular o futuro; no processo coletivo, o juiz olha as variantes do futuro para escolher uma delas como a preferível, e, feita a opção mais adequada, disciplinar o futuro. Devidamente situada a verdade como objetivo ideal da averiguação empreendida pelo juiz e pelas partes, tal não significa que, salvo disposição em contrário, o juiz se contente com menos, em especial com a verossimilhança prevalente. Não é nesse sentido que se orientam as disposições legislativas, que recorrem ao substantivo verdade e seus cognatos (retro, 1.302); a análise da apreciação da prova demonstrará o acerto dessa conclusão (infra, 1.359). 1.304. Sistemas probatórios contemporâneos O sistema probatório a que concretamente se filia determinado ordenamento jurídico resulta de duas características: (a) a prevalência da iniciativa das partes ou da iniciativa do juiz na produção da prova; (b) o regime da valoração da prova. O primeiro aspecto tem maior relevo no mundo contemporâneo. Excessiva atenção se tem dado aos modelos processuais, apresentandoos como abstrações idealizadas, e, não, experiências concretas, alinhavadas por múltiplos fatores sociais, econômicos e culturais, dificilmente reproduzidos mediante enxerto em ordenamentos distintos. E, em geral, o modelo imaginado não corresponde à dura realidade. Na matéria aqui cogitada, surge demonstração prática da marcante diferença entre teoria e prática.

Em sua feição atual, o clássico princípio dispositivo (Dispositionsmaxime) exibe alcance distinto do tradicional. Em primeiro lugar, o autor formará a relação processual por sua própria e exclusiva iniciativa. A jurisdição é um serviço estatal que fica à disposição dos interessados, remanescendo o juiz inerte até a provocação de alguém e a formação do processo (art. 312, primeira parte). Diz-se, então, que ne procedat iudex ex officio. Ademais, compete o autor delimitar a pretensão processual na petição, ou objeto litigioso (Streitgegenstand), livremente, e assim predeterminar os limites do julgamento, segundo o princípio da congruência (infra, 1.597) e a máxima ne eat iudex ultra parte petitum. Por exemplo, e de acordo com a teoria binária do objeto litígio, se A pretende se separar de B, e dispõe para invocar x e y como causas de pedir, mas prefere invocar apenas x, em tal caso, o juiz não poderá decretar a separação com base na causa y, omitida pelo autor. Eventualmente, apresentando o réu a defesa de mérito indireta – as chamadas exceções substanciais –, este também contribui à configuração do objeto litigioso, consoante o ponto de vista aqui defendido (retro, 313.2.2). Também toca às partes dispor do objeto litigioso, mediante transação, reconhecimento do pedido ou renúncia ao direito sobre o que se funda a ação, vinculando o juiz às respectivas declarações de vontade. Esses aspectos do princípio dispositivo, essenciais à autonomia privada, devem conservar-se incólumes do Estado Constitucional de Direito.44 A flexibilização do princípio dispositivo implicaria desmedido intervencionismo no âmbito privado. E, por outro lado, nenhuma lei lograria eliminar a vantagem que desfruta o autor de propor a demanda no momento mais propício para obter êxito (v.g., quando já se consolidou jurisprudência favorável à tese jurídica nela defendida), preparando razões de fato e razões de direito com antecedência – princípio da oportunidade –, enquanto o réu tem a nítida desvantagem de reunir os mesmos materiais no prazo fixo de resposta. Da construção do princípio dispositivo resulta claro o domínio das partes quanto às alegações de fato. São as partes que definem o material de fato com o qual trabalhará o órgão judiciário para formular a regra jurídica individualizada, a se considerar a principal e decisiva função de conhecimento. Esse material, objeto das alegações das partes, traduz-se em fatos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos, classificação que já recebeu explicação (retro, 312). Formada a relação processual por iniciativa do autor, o processo desenvolver-se-á, conforme dispõe o art. 312, segunda parte, pelo impulso oficial. A própria integração do réu ao processo, através da citação, ato processual cuja prática o autor requererá na petição inicial (art. 319, VII), realizar-se-á, na falta deste, por impulso do juiz. Segundo a concepção “social” do processo, o valioso instrumento de composição do litígio não interessa somente às partes, mas à sociedade, razão por que a respectiva marcha não pode ser confiada à volúvel vontade dos litigantes. É o chamado poder de direção formal do processo (formelle Prozessleitung),45através do

qual o juiz promove o andamento do processo. No uso comedido desse poder, rejeitará (art. 370, parágrafo único) e reprimirá atos supérfluos e protelatórios, valendo-se da caracterização dos deveres das partes e da instituição de sanções; assegurará o rito de tramitação mais conveniente, reunindo e separando processos, ou suspendendo a marcha do processo nos casos legalmente previstos (art. 313), de modo a que atinja seus fins de modo rápido e econômico. Esses amplos poderes receberam na análise das subespécies do poder de direção do processo (retro, 941). A par da direção formal, o principal problema técnico que se põe ao juiz, haja vista o domínio das partes quanto às alegações de fato, consiste em reunir e ministrar as provas tendentes à demonstração da veracidade dessas alegações. Evoluiu o poder de direção, inicialmente formal, ou seja, atinente à condução da causa, para o poder de direção “material” (materielle Prozessleitung).46 O juiz tem o direito e o dever de investigar oficiosamente a veracidade dos fatos afirmados pelas partes.47Pode ordenar a produção de qualquer prova (art. 370, caput), ex officio, incumbindo ao autor antecipar as respectivas despesas (art. 82, § 1.º), salvo disposição em contrário, poder que o legislador, a bem da clareza, reforçou em disposições específicas na disciplina dos meios de prova (v.g., na inspeção judicial, a teor do art. 481). E não convém olvidar que, nas causas socialmente relevantes (art. 170), a lei coadjuva o órgão judiciário com a intervenção do Ministério Público, que é outro órgão do Estado, cujos poderes equiparam-se aos das partes (art. 179) e cobrem todas essa esfera de atuação. Feita a alegação de fatos constitutivos, extintivos, modificativos ou impeditivos, a mais das vezes acompanhados e esclarecidos pela alegação de fatos secundários, e surgindo controvérsia, à demonstração da veracidade dessas alegações, segundo o modelo social do processo, concorrem as iniciativas do órgão judiciário e das partes. Em tal assunto, costuma-se identificar dois grandes sistemas. Emprega-se para retratá-los em suas linhas fundamentais, em razão de crescente predomínio cultural norte-americana, expressões inglesas. Dizse inquisitorial o sistema vigorante na Civil Law, em que o órgão judiciário, jungido que esteja à definição do material de fato pelas partes na inicial e na contestação, tem o dever de investigá-lo oficiosamente, como determina, entre nós, o já mencionado art. 370, caput. E chama-se adversarial o sistema predominante na Common Law. Figuram as partes, neste último, como protagonistas exclusivos na tarefa de propor e de produzir as provas, atividade chamada de discovery, atividade a cargo, precipuamente, dos respectivos advogados. A fronteira entre os dois sistemas não se revela tão incisiva e nítida como normalmente se pensa. Por um lado, na órbita da Common Law reformas legislativas aumentaram o controle do juiz no direito norte-americano, coibindo a investigação com o intuito de molestar, constranger, oprimir e asfixiar a parte contrária, sob o pretexto de coligir elementos para futura demanda.48 E, no mundo da Civil Law, nada impede que as partes reúnam provas extrajudicialmente, com o mesmo propósito, a exemplo dos pareceres técnicos que produziram oportunamente para elucidar as questões de fato (art. 472) e, principalmente, realizem o exame cruzado da testemunha (art. 459, caput).

Formalmente, o processo civil brasileiro filia-se ao chamado regime inquisitorial. O autoritarismo tem peso decisivo no pensamento político. Seria ilusório imaginar que as leis processuais não deixariam de refleti-lo com igual intensidade. Mas, ao intensificar os poderes do juiz – reflexo da intervenção estatal na autonomia privada, e, principalmente, nos assuntos econômicos –, o direito brasileiro caminha quase na contramão da tendência de reduzir o caráter público do processo civil.49 Em síntese larga, as linhas ideológicas do processo civil brasileiro, recebendo a influência do autoritarismo latente, evidenciam o flagrante predomínio daInquisitionsmaxime – poder formal e poder material de direção do processo (art. 132) –, ficando mitigada Verhandlungsmaxime. A diretriz segundo a qual somente às partes cabe, por meio do debate, produzir as provas idôneas à demonstração dos fatos, pré-excluindo a iniciativa do juiz,50 não tem espaço entre nós: o art. 370,caput, consagra a inicial oficial em termos genéricos, secundado por redundantes disposições específicas (v.g., na inspeção judicial, o art. 481). É nesse ponto que se rompe a harmonia entre a teoria e a prática. O órgão judiciário brasileiro, na verdade, não utiliza ou usa com excessiva parcimônia a iniciativa de determinar a produção das provas necessárias à “instrução do processo”, como lhe faculta e determina o art. 370, caput, e quando o faz provoca perplexidade e indignação nas partes. Encarregam-se estas de propor e reclamar a produção de provas e, não raro, o juiz aceita passivamente a respectiva inércia, sem embargo da existência de questões de fato. Portanto, o quadro real apresenta-se de modo assaz diferente da construção normativa formal. O processo civil se desenvolve acordo com o postulado liberal: a iniciativa de reunir os elementos de convicção do juiz descansa predominantemente sobre as partes. A propensão ao autoritarismo só aparece em surtos intermitentes e isolados. Em contraste com a realidade da abstenção no exercício dos poderes do juiz na produção da prova, talvez não seja inteiramente verdadeiro o domínio das partes quanto à introdução e à apresentação do material de fato. Regra pouco ressaltada declarava o seguinte (art. 131, parte inicial, do CPC de 1973): “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes…”. Ao determinar que o juiz atentasse aos fatos constantes do processo, “ainda que não alegados pelas partes”, suscitava dúvida quanto à possibilidade de o juiz conhecer e julgar com base em fatos que, subordinados à iniciativa das partes (art. 141), não se tornaram objeto de alegação. Por exemplo: (a) A pede separação de B e, podendo alegar as causas de pedir xe y, inconfundíveis nos respectivos esquemas de fato, opta por alegar x (v.g., a embriaguez habitual do cônjuge), mas a prova acaba por denotar a existência de y(v.g., o adultério de B com C), e o juiz acolhe o pedido fundado neste último fato; (b) A pede a restituição da quantia mutuada com B, que alega não ter contraído a dívida, mas a prova revela o adimplemento da dívida, e o juiz rejeita o pedido com fundamento no pagamento. Em ambas as hipóteses, o juiz invocaria a parte inicial do art. 131 do CPC de 1973 para justificar a apreciação do fato não alegado oportunamente. Compreensivelmente, o emprego de causa petendi não alegada na sentença, caso aventado no primeiro exemplo, provoca maior desconforto, exigindo duas considerações suplementares. A rigor, a prova restrita à alegação de fato controvertido – o juiz, antes de determinar a produção das

provas requeridas, no caso presumivelmente oral, antes fixa o tema da prova, segundo preceitua o art. 357, II, na decisão de saneamento e de organização do processo –, lucidamente conduzida, jamais abrangerá o fato não alegado. Se os advogados das partes, de forma consciente ou não, formulam perguntas às testemunhas fora das raias da questão de fato, o juiz tolerará essas digressões por lapso ou conveniência. O fato é que prova reveladora de fatos não alegados pode ser produzida. Admite-se como hipótese de trabalho concebível, assim, a aquisição no processo de material de fato estranho ao objeto litigioso. E, por outro lado, a rigidez da alegação do fato constitutivo da causa que habilita o cônjuge a pedir a separação, de resto prevista como violação dos deveres do casamento que impossibilite a comunhão de vida (art. 1.571, caput, c/c art. 1.572, caput, ambos do CC) através de conceitos juridicamente indeterminados (v.g., injúria grave, a teor do art. 1.573, III, segunda parte, do CC), tende a se flexibilizar, bastando o autor narrar a incompatibilidade da vida em comum. Tal flexibilidade, como já se recordou (retro, 136), infringe o direito fundamental à defesa, porque utiliza fato genérico, e o réu somente pode se defender contra fato preciso e determinado. Também aqui a hipótese de trabalho não pode ser descartada. E há outro dado que deve ser levado em consideração. É lícito ao juiz conhecer, ex officio, os fatos supervenientes (art. 493). Segundo a opinião prevalecente, semelhante possibilidade não implica o poder de o juiz acolher fato situado além da causa de pedir originária. A recepção do fato superveniente subordina-se à sua compatibilidade com os fatos principais alegados na petição inicial ou os fatos alegados pelo réu na defesa e a respectiva qualificação jurídica (infra, 1.618). Em geral, o fato superveniente não respeita ao fato constitutivo, ou, a fortiori, aos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos, mas ao fato relativo ao interesse processual (retro, 247.3), que torna a prestação jurisdicional inútil (v.g., o casal desavindo se reconciliou), fenômeno chamado Erledigung der Hauptsache na doutrina germânica.51 Fatos e circunstâncias constantes dos autos, passíveis de conhecimento ex officio, independentemente da alegação das partes, conforme apregoa princípio dispositivo, são de duas espécies: (a) fatos que resultam dos próprios atos do processo (v.g., o juiz verifica a tempestividade do recurso consoante a data lançada na certidão de intimação e a data do protocolo);52 (b) fatos simples, ou secundários, que auxiliam na individualização, complementação e esclarecimento do fato principal (v.g., o adultério de B com C ocorreu no dia x e no lugar y, e, não, em z e h, como alegado na inicial). O juiz é livre para estabelecer se os fatos alegados pelas partes subsistem, ou não, à luz dos dados hauridos no próprio processo, mas não pode substituir o fato alegado por um fato diverso.53 O juiz que considera fato não alegado, exceção feita aos supervenientes (art. 493), na verdade julgaria outra causa, infringindo o art. 141.54 É altamente duvidoso, em ambos os exemplos ministrados, o juiz desempenhar a contento sua função, rejeitando o pedido de separação, porque o autor não alegou explicitamente a causa de pedir y, ou o réu não alegou a objeção z, embora fatos provados no processo, e, assim, obrigue o autor a demandar outra vez e ao réu rescindir a sentença desfavorável. Em tal hipótese, a posição do réu se revela mais difícil que a do autor, tornando o problema mais agudo. A eficácia preclusiva da coisa julgada atinge exceções

e objeções não alegadas. Se A postulou a cobrança do crédito x de B, e este não alegou prescrição, nem o juiz conheceu dela ex officio – nem sempre questio juris intuitiva e fácil apreensão –, não poderá se opor à pretensão a executar, porque a defesa do executado contra a pretensão a executar injusta somente admitirá a invocação da prescrição superveniente à sentença, nem rescindirá a sentença, porque a hipótese não se enquadra no rol do art. 966. Ao invés, segundo a interpretação prevalecente do art. 508