Os Intelectuais e a Sociedade

Table of contents :
OdinRights
SOBRE O AUTOR
SUMÁRIO
PREFÁCIO
AGRADECIMENTOS
OS INTELECTUAIS
CAPÍTULO 1
O INTELECTO E OS INTELECTUAIS
CAPÍTULO 2
CONHECIMENTO E NOÇÕES
CAPÍTULO 3
OS INTELECTUAIS E A CIÊNCIA ECONÔMICA
CAPÍTULO 4
OS INTELECTUAIS E AS VISÕES DE SOCIEDADE
CAPÍTULO 5
REALIDADE PARALELA NA MÍDIA E NO MUNDO ACADÊMICO
CAPÍTULO 6
OS INTELECTUAIS E A JUSTIÇA
CAPÍTULO 7
OS INTELECTUAIS E A GUERRA
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
CAPÍTULO 8
OS INTELECTUAIS E A GUERRA: REPETINDO A HISTÓRIA
CAPÍTULO 9
OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE
FICHA CATALOGRÁFICA

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poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."

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Provavelmente nunca houve outro período na história no qual os intelectuais tenham desempenhado um papel tão extenso na sociedade. Quando aqueles que são responsáveis pela geração de ideias, os intelectuais propriamente falando, estão cercados por uma espessa penumbra de auxiliares - jornalistas, professores, funcionários públicos, burocratas -, os quais disseminarão suas ideias, podemos, então, esperar que a influência dos intelectuais possa tomar, no curso da evolução social, proporções consideráveis, ou mesmo cruciais. Essa influência depende, é claro, das circunstâncias adjacentes, incluindo os níveis de liberdade para a propagação de suas ideias, em vez de se tornarem meros instrumentos de propaganda, como acontece nos países totalitários. Certamente, não haveria muito valor em se estudar as ideias expressas por proeminentes escritores durante regimes ditatoriais e totalitários, uma vez que suas ideias, em geral - apesar da existência de diversas exceções -, eram simplesmente as ideias permitidas ou defendidas pelo sistema. Portanto, o estudo sobre a influência dos intelectuais é, aqui, um estudo centrado nos lugares onde os intelectuais gozam (ou gozaram) de grande liberdade para exercer seu prestígio, ou seja, nas modernas nações democráticas.

SOBRE O AUTOR Thomas Sowell é professor de Economia em Cornell, UCLA, Amherst e outras instituições universitárias, e é atualmente um acadêmico e estudioso do Instituto Hoover, da Universidade Stanford. Thomas Sowell tem publicado artigos e ensaios tanto em periódicos acadêmicos quanto nos veículos de mídia mais populares, como o Wall Street Journal, a Forbes e a revista Fortune, além de escrever uma coluna independente que é publicada em jornais de vários lugares dos Estados Unidos. De sua autoria a Editora É também publicará Conflito de Visões.

COLEÇÃO ABERTURA CULTURAL

Impresso no Brasil, dezembro de 2011 Título original: Intellectuals and Society Copyright © 2009 by Thomas Sowell. Tradução publicada a partir de acordo com Basic Books, membro do Perseus Books Group. Os direitos desta edição pertencem a É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. Caixa Postal: 45321 · 04010 970 · São Paulo SP Telefax: (5511) 5572-5363 [email protected] www.erealizacoes.com.br Editor Edson Manoel de Oliveira Filho Gerente editorial Gabriela Trevisan Revisão técnica Prof. Galo Lopez Noriega Preparação Luciane Gomide Revisão Amandina Morbeck Liliana Cruz Capa e projeto gráfico Mauricio Nisi Gonçalves / Estúdio É Pré-impressão e impressão Cromosete Gráfica e Editora Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.

OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE

Thomas Sowell TRADUÇÃO DE MAURÍCIO G. RIGHI

É REALIZAÇÕES EDITORA

SUMÁRIO Prefácio Agradecimentos Capítulo 1 O Intelecto e os Intelectuais Capítulo 2 Conhecimento e Noções Capítulo 3 Os Intelectuais e a Ciência Econômica Capítulo 4 Os Intelectuais e as Visões de Sociedade Capítulo 5 Realidade Paralela na Mídia e no Mundo Acadêmico Capítulo 6 Os Intelectuais e a Justiça Capítulo 7 Os Intelectuais e a Guerra Capítulo 8 Os Intelectuais e a Guerra: Repetindo a História Capítulo 9 Os Intelectuais e a Sociedade Índice

PREFÁCIO Provavelmente, nunca houve outro período na história no qual os intelectuais tenham desempenhado um papel tão extenso na sociedade. Quando aqueles que são responsáveis pela geração de ideias, os intelectuais propriamente falando, estão cercados por uma espessa penumbra de auxiliares, os quais disseminarão suas ideias falo de jornalistas, professores, funcionários Públicos, burocratas e outros membros que compõem a intelligentsia -, podemos, então, esperar que a influência dos intelectuais possa tomar, no curso da evolução social, proporções consideráveis ou mesmo cruciais. Essa influência depende, é claro, das circunstâncias adjacentes, incluindo os níveis de liberdade para a propagação de suas ideias, em vez de se tornarem meros instrumentos de propaganda, como acontece nos países totalitários. Certamente, não haveria muito valor em se estudar as ideias expressas por proeminentes escritores como Ilya Ehrenburg, durante a época da União Soviética, uma vez que suas ideias eram simplesmente às permitidas ou defendidas pela ditadura soviética. Portanto, o estudo sobre a influência dos intelectuais é, aqui, centrado nos lugares onde os intelectuais gozam de grande liberdade para exercer sua influência, ou seja, nas modernas nações democráticas. Por diferentes razões, este estudo sobre os padrões da atividade dos  intelectuais dará pouca atenção a gigantes intelectuais, como Milton Friedman, assim como a outros excelentes intelectuais de menor iminência, simplesmente porque o professor Friedman foi, para sua época e de

diversas formas, um intelectual muito atípico, tanto do ponto de vista da erudição de sua obra, que o levou a receber um prêmio Nobel, quanto pelo seu trabalho como analista popular das questões de sua época. Uma história intelectual geral "equilibrada" de nossa época teria que dar ao professor Friedman muito mais atenção do que o estudo aqui proposto, o qual se foca, contudo, em padrões gerais, em relação aos quais ele se fazia uma exceção notável. Aleksandr Solzhenitsyn foi outra figura notável na história intelectual, moral e política de seu período, o qual também se apresentava como uma figura muito atípica aos padrões intelectuais de nossa época, para que fosse incluído neste estudo sobre os padrões gerais da profissão. Muitos livros já foram escritos sobre os intelectuais. Alguns fazem análises profundas sobre algumas figuras proeminentes, e o livro Intellectuals [Os Intelectuais], de Paul Johnson, é um clássico nesse tipo de abordagem. Outros livros sobre os intelectuais têm o foco nas ideias dominantes de cada época em particular. O livro de Richard A. Posner, Public Intelectuais [Intelectuais Públicos] trata dos intelectuais que se dirigem diretamente ao público, como formadores de opinião, ao passo que em Os Intelectuais e a Sociedade veremos a influência que eles exercem sobre as atitudes e crenças da sociedade em geral - moldando-as, mesmo quando não são amplamente lidos e reconhecidos pelo grande público. Como disse J. A. Schumpeter, "há muitos keynesianos e marxistas que nunca leram uma só linha de Keynes e Marx".[1] Eles retiram suas ideias e seus posicionamentos de segunda ou de terceira mão, a partir da influência da intelligentsia. Dentre as muitas observações ditas por aqueles que estudaram os intelectuais, um comentário feito pelo professor Mark Lilla da Columbia University, em seu livro

The Reckless Mind [A Mente Leviana] é especialmente revelador: Professores distintos, poetas talentosos e jornalistas influentes reuniram suas habilidades a fim de convencer, a todos seus ouvintes e admiradores, que os tiranos modernos eram libertadores e que seus crimes hediondos eram nobres, bastava vê-los na perspectiva correta. Quem quer que se dedique a escrever, honestamente, sobre a história intelectual do século XX na Europa tem que ter estômago forte. Mas ele precisará de algo mais. Precisará superar seu nojo para que comece a ponderar sobre as causas desse intrigante e estranho fenômeno.[2] Embora Os Intelectuais e a Sociedade não seja uma história intelectual do século XX na Europa - isso levaria a um projeto muito maior a ser realizado por alguém muito mais jovem -, o livro esforça-se por descortinar alguns fenômenos intrigantes que formam o mundo dos intelectuais, na medida em que esse mundo afeta o funcionamento da sociedade em geral. Em vez de simplesmente generalizar a partir dos escritos ou comportamentos de determinados intelectuais, este livro se propõe a analisar tanto a visão quanto os incentivos e as restrições que estão por trás dos padrões gerais encontrados nos membros atuais da intelligentsia, assim como o que eles dizem e o impacto que isso tem sobre a sociedade. Embora já saibamos muita coisa sobre as biografias e ideologias de determinados intelectuais de destaque, análises sistemáticas sobre a natureza e o papel dos

intelectuais como grupo social são muito menos comuns. Este livro busca desenvolver uma análise desse tipo, explorando suas implicações e mostrando a direção para a qual a intelligentsia está conduzindo nossa sociedade e a civilização ocidental em geral. Embora este livro fale sobre os intelectuais, ele não foi escrito para os intelectuais. Seu propósito é alcançar a compreensão sobre um importante fenômeno social e compartilhá-la com aqueles que buscam compreendê-la, sejam lá quais forem as atividades de cada um. Aqueles membros da intelligentsia que buscam autopromoção ou motivos para melindres serão deixados a agir conforme sua própria consciência. Este livro foi escrito para aqueles leitores que estão dispostos a me acompanhar na busca de compreensão de um segmento distinto da população, cujas atividades podem ter e têm grande peso sobre as nações e as civilizações. Thomas Sowell Hoover Institution Stanford University ◆ ◆ ◆

AGRADECIMENTOS

Assim como aconteceu com meus outros livros, este livro deve muito ao dedicado trabalho de minhas extraordinárias assistentes de pesquisa, Na Liu e Elizabeth Costa. A senhora Liu já trabalha comigo há vinte anos e não apenas extraiu muitos fatos, mas também contribuiu com muitos insights na elaboração desta obra, como fizera com as outras. Ela também criou os arquivos digitais a partir dos quais meus livros podem ser impressos diretamente. Minha outra assistente, a senhora Costa realiza o trabalho de edição e checagem dos fatos para mim, e raramente um lapso de minha parte escapa de seu escrutínio. Também sou beneficiário das informações e dos comentários fornecidos pelo dr. Gerald, P. O'Driscoll, do Cato Institute, professor Lino A. Graglia da Universidade do Texas em Austin, e do Dr. Victor Davis Hanson, do Hoover Institute. Quaisquer erros ou deficiências que possam ter permanecido apesar de seus esforços só podem ser de minha responsabilidade. ◆ ◆ ◆

OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE

CAPÍTULO 1

O INTELECTO E OS INTELECTUAIS

Inteligência é a rapidez com que se apreendem as coisas e que se distingue de outra habilidade, a qual se verifica na capacidade de agir com sabedoria sobre o que foi apreendido. ALFRED NORTH WHITEHEAD[3]

Intelecto não se confunde com sabedoria. Podemos ter, portanto, o caso de "intelectos insensatos", como bem colocou Thomas Carlyle ao caracterizar o pensamento de Harriet Taylor[4] amiga e posteriormente esposa de John Stuart Mill. Puro poder mental, o intelecto é a capacidade de apreensão e manipulação de conceitos e ideias complexas, e pode estar a serviço de conceitos e ideias que desembocam, por sua vez, tanto em conclusões equivocadas quanto em ações insensatas, tendo-se em vista todos os fatores envolvidos, incluindo aqueles que são deixados de lado durante as engenhosas construções do intelecto imaturo. O Capital, de Karl Marx, é um exemplo clássico de elaboração intelectual primorosa, mas que se encontra, no entanto, fundamentada num equívoco conceitual - no caso, a noção de que o "trabalho", a manipulação física de materiais e ferramentas de produção, apresenta-se como a real fonte de riqueza econômica. Caso isso fosse verdade,  certamente que os países com grande quantidade de trabalho, mas que gozassem de baixa tecnologia ou apresentassem baixos níveis de empreendedorismo, seriam

mais prósperos do que os países na situação inversa, quando, na verdade, é estrondosamente óbvio que temos exatamente o contrário. O mesmo acontece com o elaborado e intrincado A Theory of Justice [A Teoria da Justiça] de John Rawls, no qual a justiça se torna, categoricamente, mais importante do que qualquer outra consideração social. No entanto, é certo que se duas coisas têm algum valor, nenhuma delas pode ser, indiscutivelmente, mais valiosa que a outra. Um diamante pode valer muito mais que um centavo, mas uma quantidade suficiente de centavos valerá mais que qualquer diamante. ◆ ◆ ◆

INTELIGÊNCIA VERSUS INTELECTO A capacidade para apreensão e manipulação de ideias complexas é suficiente para definirmos o intelecto, mas não é suficiente para darmos conta da inteligência, cuja realidade envolve a combinação do intelecto com capacidade de julgamento e acuidade na seleção de fatores explicativos relevantes; assim como envolve a capacidade de, ao fazer uso das teorias que surgem, promover testes empíricos. Inteligência menos julgamento é igual a intelecto. Temos também a sabedoria, que é a qualidade mais rara de todas - a qual se verifica na habilidade de combinar intelecto, conhecimento, experiência e julgamento, de forma a produzir uma compreensão ou avaliação coerente. A sabedoria é a realização da antiga advertência: "Em posse do que tens, tenhas compreensão". É algo que exige disciplina e compreensão acurada sobre as realidades do mundo, incluindo a devida apreciação sobre os limites de nossas experiências e de nossa razão. O contrário do intelecto é o estado obtuso e a lerdeza mental,

mas o contrário da sabedoria é manifestação é muito mais perigosa.

a

estupidez,

cuja

George Orwell chegou a dizer que algumas ideias são tão estúpidas que apenas um intelectual poderia acreditar nelas, já que o homem comum nunca se faz tão tolo. Nesse sentido, o histórico dos intelectuais do século XX foi especialmente assombroso. Nesse século, raramente tivemos o caso de um ditador sanguinário que não dispusesse de um grupo de intelectuais militantes, e não estou falando apenas de compatriotas, mas também de admiradores estrangeiros, muito dos quais viviam em verdadeiras democracias, nas quais as pessoas são livres e podem opinar abertamente. Lênin, Stalin, Mao e Hitler, todos tiveram, nas democracias do Ocidente, seus admiradores, defensores e apologistas espalhados pela intelligentsia, apesar de tais ditadores terem, cada um deles, assassinado seus próprios compatriotas em escala maciça e sem precedentes, adotando práticas de violência até então desconhecidas mesmo para os regimes despóticos anteriores aos seus. ◆ ◆ ◆

DEFININDO OS INTELECTUAIS Devemos ser claros sobre o que queremos dizer com intelectuais. Aqui, neste nosso caso, "intelectuais" será entendido como uma categoria ocupacional, composta por pessoas cujas ocupações profissionais operam fundamentalmente em função de ideias - falo de escritores, acadêmicos e afins.[5] A maioria de nós não atribui o papel de intelectuais para neurocirurgiões e engenheiros, apesar do exigente treino mental que são obrigados a trilhar. Na prática, ninguém considera intelectual mesmo o mais brilhante e bem-sucedido gênio das finanças.

No âmago do exercício da atividade intelectual encontramos a noção do operador de ideias como tal - não falo da aplicação prática das ideias, como fazem os engenheiros, ao aplicarem princípios científicos complexos na criação de estruturas físicas e mecanismos. Um bitolado cientista social cujo trabalho pode ser descrito como "engenharia social", raramente administrará os esquemas que ele ou ela criam ou defendem. Tal trabalho é deixado a cargo de burocratas, políticos, assistentes sociais, a polícia, dentre outros, ou seja, de pessoas diretamente responsáveis pela implantação das ideias do cientista social. Rótulos como "ciência social aplicada" podem ser inseridos no trabalho desse cientista social, mas o seu trabalho está essencialmente baseado na manipulação de ideias gerais, as quais podem ser usadas na produção de ideias mais específicas e na gestão de políticas sociais que serão aplicadas, por sua vez, por terceiros. Nosso cientista social não executará, pessoalmente, essas ideias específicas, diferentemente de um médico que aplica os conhecimentos da ciência médica em seres humanos de carne e osso, ou mesmo de um engenheiro, calçando suas longas botas e que estará presente no palco de operações, participando da construção de uma ponte ou de um prédio. O resultado - o produto final - do trabalho de um intelectual é constituído de ideias. O produto final do trabalho de Jonas Salk foi uma vacina, assim como o resultado do trabalho de Bill Gates foi um sistema operacional para computadores. Apesar de todo o poder mental, insights e talentos envolvidos nessas e em outras grandes realizações, tais indivíduos não são intelectuais. O trabalho de um intelectual começa e termina com ideias, sem levar em conta a influência que essas ideias possam ou não exercer sobre a vida concreta - nas mãos de terceiros. Adam Smith nunca administrou um negócio e Karl Marx nunca gerenciou um Gulag (*). Os dois eram meros intelectuais. As ideias, como tais, não

constituem apenas a matéria-prima da vida intelectual, mas também funcionam como critério para avaliar as realizações intelectuais, apresentando-se como fonte de frequentes e perigosas seduções para os participantes dessa ocupação. No universo acadêmico, a nata dos intelectuais é composta, por exemplo, por aqueles indivíduos cujos campos de estudo estão mais impregnados pelas ideias. As faculdades de administração, de engenharia, de medicina ou o departamento de atletismo de uma universidade qualquer não representam as disciplinas que primeiro vêm à nossa mente toda vez que pensamos em intelectuais acadêmicos. Além do mais, as ideologias e atitudes predominantes entre acadêmicos intelectuais são, nos departamentos citados, bem menos visíveis. Contudo, os departamentos de sociologia são, geralmente, notados como muito mais inclinados politicamente à esquerda, se os compararmos com a escola de medicina, assim como os departamentos de psicologia também são notoriamente mais esquerdistas que os departamentos de engenharia, o mesmo acontecendo com o departamento de letras, que é mais esquerdista que o de economia, e assim por diante.[6] O termo "pseudointelectual" é por vezes usado para identificar os membros menos inteligentes ou menos preparados da profissão. Mas da mesma forma que um péssimo policial continua sendo um policial desconsiderando-se todo o problema que a situação gera -, um intelectual superficial, desonesto e confuso continuará sendo membro de sua ocupação, tanto quanto o seu modelo máximo. Uma vez que a realidade da qual estamos tratando fique clara, toda vez que falamos de intelectuais - a descrição de uma ocupação profissional, em vez de um rótulo qualitativo ou um título honorífico -, então podemos olhar para as características dessa ocupação, observando os incentivos e as restrições que ela comporta e identificando como esses elementos afetam aqueles que

seguem esse campo, para, então, podermos constatar como essas características se relacionam ao comportamento dos intelectuais. A questão maior é, certamente, como o comportamento dos intelectuais afeta a sociedade na qual eles vivem. Em geral, o impacto gerado pela atividade intelectual independe do fato de os intelectuais serem reconhecidos como "intelectuais públicos" - aqueles que se dirigem ao grande público, comparando-se aos intelectuais cujas ideias estão confinadas ao ambiente estritamente especializado de suas áreas ou mesmo ao universo puramente intelectual. Alguns dos livros que causaram mais impacto no século XX foram lidos por poucos e compreendidos por um público ainda mais exíguo. Estou falando dos trabalhos de Karl Marx e Sigmund Freud escritos no século XIX. Porém, as conclusões desses escritores - distinguindo-as da complexidade de suas análises - inspiraram um vastíssimo contingente de intelectuais por todo o mundo e, por intermédio dos últimos, alcançaram o grande público. A alta reputação que esses trabalhos alcançaram inflamou a confiança de muitos seguidores, os quais não chegaram, em grande parte, a dominar as obras nem sequer se esforçaram para tal. Mesmo intelectuais cujos nomes são praticamente desconhecidos do público em geral tiveram um impacto de repercussão mundial. Friedrich Hayek, cujos trabalhos notadamente The Road to Serfdom [O Caminho da Servidão] - deram início a uma contrarrevolução, mais tarde aderida por Milton Friedman, alcançando seu clímax político com a ascensão de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e de Ronald Reagan nos Estados Unidos. Essa obra era pouco conhecida e pouco lida até mesmo entre os círculos intelectuais, no entanto, inspirou muitos formadores de opinião e ativistas políticos, os quais, por sua vez, tornaram essas ideias tema para amplos projetos e discussões que influenciaram políticas e decisões de governo. Hayek foi um

exemplo clássico do tipo de intelectual descrito pelo juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes como um pensador que "mesmo um século depois de sua morte e seu esquecimento, homens que nunca ouviram falar dele estarão, no entanto, se movendo na medida ditada por seu pensamento".[7] ◆ ◆ ◆

A INTELIGENTSIA Cercando um núcleo mais ou menos sólido de criadores de novas ideias existe outra esfera de atuação composta por aqueles cujo papel se restringe ao uso e à disseminação dessas ideias. Estes últimos respondem, em grande parte, pelo corpo de professores, jornalistas, ativistas sociais, adidos políticos, funcionários do judiciário e outros que fundamentam suas crenças ou ações a partir das ideias produzidas pelos intelectuais do primeiro escalão. Os jornalistas, no papel de editores ou colunistas, são, além de grandes consumidores das ideias dos intelectuais de grande porte, produtores de ideias próprias e, dessa forma, podem ser considerados - em tais circunstâncias - intelectuais. A originalidade não se apresenta como um atributo essencial para definir um intelectual desde que as ideias sejam o produto final. Contudo, no papel de meros repórteres, os jornalistas estariam encarregados de simplesmente reportar os fatos. No entanto, à medida que os fatos são filtrados e modificados para que se alinhem às noções preponderantes do universo intelectual dominante, esses repórteres acabam desempenhando um novo papel, formando uma penumbra ideológica cuja sombra reflete o núcleo intelectual central. Eles se constituem, então, como membros de uma intelligentsia, a qual inclui, mas não se limita aos intelectuais. Finalmente, temos aqueles cuj as profissões não estão sob grande influência das ideias provenientes dos

intelectuais, mas estão, no entanto, interessados em participar e se inteirar das ideias, mesmo que seja apenas para usá-las socialmente, sentindo-se lisonjeados ao ser considerados membros da intelligentsia. ◆ ◆ ◆

IDEIAS E PRESTAÇÃO DE CONTAS Tendo-se em vista o enorme impacto social que intelectuais podem causar, sendo ou não publicamente conhecidos, é de fundamental importância tentar compreender os padrões de seu comportamento e os incentivos e as restrições que afetam esses padrões. É certo que o universo das ideias não está sob a propriedade exclusiva dos intelectuais, assim como a potencial complexidade, a dificuldade ou o nível qualitativo que certas ideias implicam não determinam,  necessariamente, se os produtores das ideias são ou não considerados intelectuais. Engenheiros e financistas lidam com ideias que são, n o mínimo, tão complexas quanto as que pertencem ao universo dos sociólogos e professores de letras. Ainda assim, são estes últimos que mais nos ocorrem lembrar sempre que falamos de intelectuais. Além do mais, são também os últimos que mais exibem as atitudes, as crenças e os comportamentos associados aos intelectuais. ◆ ◆ ◆

VERIFICAÇÃO EMPÍRICA São externos os padrões pelos quais engenheiros e financistas são julgados, pois a verificação se encontra para fora do reino das ideias e para além do controle de seus pares. Um engenheiro cujas pontes ou cujos prédios desabam estará certamente arruinado, assim como um financista que pede falência. Pouco importa quão plausíveis

ou admiráveis suas ideias possam, porventura, ter parecido aos seus colegas engenheiros e financistas, pois a qualidade do pudim será atestada, fundamentalmente, quando o comermos. O fracasso, nesse caso, pode ser observado no declínio de prestígio profissional, o que se dá como efeito e não como causa. Por outro lado, ideias que num primeiro momento pareciam desacreditadas por seus colegas engenheiros e financistas podem vir a ser plenamente aceitas entre os profissionais caso seu sucesso empírico se torne patente. O mesmo vale para cientistas e técnicos esportivos. No entanto, o teste fundamental para as ideias de um desconstrucionista realiza-se na opinião de outros desconstrucionistas, os quais irão dizer se acham ou não acham as ideias interessantes, originais, persuasivas, elegantes ou engenhosas o suficiente. Não existe um teste externo. Em resumo, dentre todos os que exercem ocupações mentalmente exigentes, a linha demarcatória que separa os mais propensos a serem vistos como intelectuais de outros menos propensos a receberem o título divide aqueles cujas ideias estão fundamentalmente sujeitas a critérios internos de verificação de outros cuj as ideias estão fundamentalmente sujeitas ao crivo externo da verificação empírica. Entre os intelectuais, os próprios termos que expressam admiração ou repúdio refletem uma total falta de critério empírico. Ideias que são "complexas", "excitantes", "inovadoras", "cheias de nuance" ou "progressistas" são admiradas, ao passo que outras ideias são prontamente rejeitadas por serem "simplistas", "ultrapassadas" ou "reacionárias". Todavia, ninguém julgaria as ideias de Vince Lombardi sobre o futebol americano por sua plausibilidade a priori, ou pelo fato de serem mais ou menos complexas do que as ideias de outros treinadores de futebol, ou se elas representam novas ou antigas concepções de como o jogo deveria ser jogado. Vince

Lombardi foi julgado pelo que aconteceu quando suas ideias foram colocadas à prova no campo de futebol. De maneira semelhante, no campo completamente distinto da física, a teoria de Einstein sobre a relatividade não conquistou aceitação em função de sua plausibilidade, elegância, complexidade ou novidade. Nesse caso, não obstante o fato de outros físicos terem sido inicialmente céticos, o próprio Einstein declarou que suas teorias não deveriam ser aceitas até que pudessem ser verificadas empiricamente. O teste crucial ocorreu quando cientistas em todo o mundo observaram um eclipse solar, confirmando que a luz se comportara de acordo com a teoria de Einstein, descartando-se o quão implausível a teoria possa ter parecido quando fora formulada. O grande problema - e o grande perigo social - de um critério puramente interno é que ele pode facilmente blindar as ideias, protegendo-as das verificações e dos feedbacks do mundo externo, instituindo, assim, a permanência de métodos de validação meramente circulares. A plausibilidade ou não que uma nova ideia incita depende do que cada um já tem incorporado como crença. Quando o único critério de validação externa se assenta no que outros indivíduos acreditam ou deixam de acreditar, tudo passa a depender da posição que esses outros indivíduos ocupam, ou seja, quem eles são. Caso sejam pessoas simples, as quais têm, em geral, um pensamento similar, então o consenso do grupo sobre uma nova ideia em particular dependerá do que o grupo já acredita em linhas gerais, porém não teremos nada a dizer sobre a validade empírica a respeito dessa ideia no mundo externo. Ideias que se encontram blindadas no mundo externo e m relação à sua origem ou validação, podem, no entanto, exercer grande impacto no mundo no qual milhões de seres humanos vivem. As ideias de Lênin, Hitler e Mao exerceram um enorme - e geralmente letal - impacto na vida de milhões de pessoas, mesmo ao saber da diminuta validade

que tais ideias tinham em si mesmas, pelo menos aos olhos dos que se encontravam fora dos círculos formados por seguidores ideológicos e subordinados ambiciosos. O impacto das ideias sobre o mundo real é bastante evidente. O oposto, todavia, não se faz tão evidente assim, apesar de dizerem o contrário certas noções da moda, as quais nos querem fazer crer que grandes mudanças nas ideias são geradas por grandes eventos. O recém-ganhador do Prêmio Nobel, o economista George J. Stigler, destacou: "Uma guerra pode devastar um continente inteiro ou mesmo destruir toda uma geração sem, contudo, apresentar quaisquer novas questões teóricas".[8] As guerras têm feito, com frequência, as duas coisas ao longo de muitos séculos, portanto essa questão não representa um novo fenômeno para o qual uma nova explicação seja necessária. Alguém pode, por exemplo, considerar a economia keynesiana um sistema de ideias particularmente relevante aos eventos da época em que foi publicada especificamente, a Grande Depressão da década de 1930 -, mas o que se faz notável é o quanto isso se torna insignificante diante de outros sistemas intelectuais marcantes. Os objetos em queda livre se verificavam em maior ou em menor abundância quando as leis da gravidade de Newton foram desenvolvidas? Novas espécies apareciam e velhas espécies desapareciam mais rápida e constantemente quando do lançamento de A Origem das Espécies de Darwin? O que produziu a teoria da relatividade de Einstein a não ser seu próprio pensamento? ◆ ◆ ◆

PRESTAÇÃO DE CONTAS Os intelectuais são, no senso estrito que estamos vendo, fundamentalmente inconsequentes às exigências do

mundo externo. A predominância e a presumida conveniência dessa situação é confirmada por coisas como estabilidade de cargos e privilégios acadêmicos, além de conceitos cada vez mais expandidos de "liberdade acadêmica" e "autogerência acadêmica". Na mídia, noções expandidas de liberdade de expressão e de imprensa desempenham papéis semelhantes. Tal irresponsabilidade diante do mundo real e concreto não se apresenta como simples acaso, mas se coloca como princípio. John Stuart Mill alegava que os intelectuais deveriam estar desimpedidos até mesmo dos padrões sociais - ao passo que ele mesmo determinava padrões sociais para os outros seguirem.[9] Os intelectuais não foram apenas isolados das consequências materiais, mas têm, com frequência, gozado de imunidade contra, até mesmo, a perda de reputação, mesmo quando se comprova que estavam completamente errados. Como bem coloca Eric Hoffer: Um dos privilégios surpreendentes dos intelectuais é o fato de se encontrarem livres para serem escandalosamente estúpidos sem, contudo, sofrerem qualquer abalo em suas reputações. Os intelectuais que idolatravam Stalin, enquanto este purgava milhões e sufocava o menor sinal de liberdade não foram, contudo, desacreditados. Eles ainda gozam de ampla voz pública e avaliam cada novo tópico que aparece, sendo ouvidos com grande deferência. Sartre voltou da Alemanha em 1939, onde estudara filosofia, dizendo ao mundo que havia pouca diferença entre a Alemanha de Hitler e a França. Ainda assim, Sartre acabou se tornando um papa intelectual, reverenciado pela classe culta em todos os lugares.[10]

Todavia, Sartre não estava sozinho. O ambientalista Paul Ehrlich disse em 1968: "A batalha para alimentar toda a humanidade está encerrada. Durante a década de 1970 o mundo passará por grandes surtos de fome - centenas de milhões de pessoas morrerão de fome e já é muito tarde para que qualquer programa de contenção tenha efeito".[11] No entanto, depois que aquela década chegou e se foi, assim como aconteceu às décadas subsequentes, não apenas a previsão não ocorreu, mas nos deparamos com o real problema de uma obesidade disseminada em nossa sociedade, assim como em um bom número de outros países, acompanhada pelo problema da superprodução agrícola. Todavia, o professor Ehrlich não só continuou a receber aplausos por todos os lados, mas também títulos e honras de prestigiadas instituições acadêmicas. Em outro exemplo, Ralph Nader também se tornou publicamente conhecido após o lançamento de seu livro Unsafe at Any Speed [Perigoso em Qualquer Velocidade], o qual tratava dos carros americanos em geral e do modelo Corvair em particular, como veículos extremamente inseguros e perigosos. Entretanto, estudos empíricos mostraram que o Corvair era, no mínimo, tão seguro quanto os outros carros de seu tempo,[12] e Nader não só continuou a gozar de credibilidade, mas adquiriu uma reputação de idealista e homem de insights, tornando-o uma espécie de guru tecnológico. Inumeráveis outros casos de previsões equivocadas, abrangendo todos os campos, desde o preço da gasolina até o resultado das políticas da Guerra Fria, revelaram incontáveis falsos profetas, os quais acabaram recebendo, não obstante, a mesma honra que teriam conquistado caso tivessem sido verdadeiramente proféticos. Resumindo, as restrições que se aplicam às pessoas na maioria dos outros campos profissionais não se aplicam nem de forma aproximada aos intelectuais. Seria, portanto, surpreendente se tamanho desregramento não levasse a

um comportamento diferente. Dentre essas diferenças, destaca-se a maneira única que avaliam o mundo e a si mesmos em relação tanto aos seus irmãos seres humanos quanto em relação às sociedades nas quais vivem. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 2

CONHECIMENTO E NOÇÕES

Desde cedo, quando ainda são muito jovens, as pessoas notadamente inteligentes são reconhecidas como tal e separadas em classes especiais, diferenciando-se de seus pares. Assim, são presenteadas com oportunidades indisponíveis para outros. Por esses e por outros motivos, intelectuais tendem a ter um senso inflado de sua própria sabedoria. DANIEL J. FLYNN[13]

Assim como acontece com todo mundo, os intelectuais comportam uma mistura de conhecimentos precisos e vagas noções sobre as coisas. Para alguns intelectuais em determinadas áreas, esse conhecimento inclui informações sobre procedimentos sistemáticos, cuja função é testar a veracidade das noções e determinar sua validade como conhecimento real. Uma vez que as ideias respondem pela vida profissional dos intelectuais, é esperado que estes sejam mais minuciosos e sistemáticos na aferição dessas noções, sujeitando-as aos devidos testes. Até que ponto eles realmente seguem essas normas é, também, uma noção que precisa ser testada. Afinal de contas, existem outras habilidades nas quais os intelectuais tendem a se esmerar, incluindo habilidades retóricas que podem ser facilmente usadas para se furtar aos testes que avaliarão, de fato, a veracidade de suas noções favoritas. Portanto, as muitas habilidades de que os intelectuais dispõem podem ser usadas tanto para promoção dos padrões intelectuais quanto, ao contrário, para contornar

esses mesmos padrões e promover práticas não intelectuais ou, até mesmo, anti-intelectuais. Em outras palavras, intelectuais - definidos como categoria ocupacional - podem ou não adotar os processos e as técnicas de aferição intelectual. De fato, é possível que pessoas não identificadas como intelectuais puros, como é o caso de engenheiros, financistas, médicos, dentre outros, acabem aderindo aos procedimentos rigorosamente intelectuais com muito mais frequência do que a maior parte dos intelectuais. Até que ponto isso é verdade parece, aqui, mais uma questão empírica. O que é importante, nesse nosso caso, é o fato de não permitirmos que a mera palavra "intelectual", aplicada a uma categoria ocupacional, insinue a aplicação estrita de princípios ou padrões intelectuais os quais, como estamos vendo, podem estar ou não presentes. Embora existam importantes e rigorosos princípios intelectuais, os quais compreendem alguns campos particulares em que alguns intelectuais se fazem especialistas, o fato é que ao se apresentarem como "intelectuais públicos", divulgando ideias e agendas para um público que ultrapassa o círculo profissional restrito de seus colegas intelectuais, o rigor pode ser afetado, podendo acarretar discussões mais genéricas, mais ideologicamente carregadas e mais politicamente orientadas. Bertrand Russell, por exemplo, era, ao mesmo tempo, um intelectual formador de opinião e uma autoridade ímpar dentro de seu campo. Todavia, o Bertrand Russell que, em nosso caso, é relevante não é o autor de tratados capitais em matemática, mas o Bertrand Russell que defendeu o "desarmamento unilateral" da Grã-Bretanha durante a década de 1930, enquanto Hitler reerguia o poderio bélico alemão. A defesa que Russell fez de uma política de desarmamento para a Grã-Bretanha estendeu-se a um completo "desmantelamento do exército, da marinha e da força aérea"[14] - destacando-se, mais uma vez, que, não

muito longe dali, Hitler se rearmava até os dentes. Da mesma forma, o Noam Chomsky que nos importa não é o acadêmico especializado em linguística, mas o Noam Chomsky que faz pronunciamentos de ordem política similarmente extravagantes. O Edmund Wilson que nos é relevante não é o crítico literário altamente conceituado, mas aquele que exortou os americanos para que votassem nos comunistas nas eleições de 1932. Em tal empreitada ele foi acompanhado de outros luminares da época, como John Dos Passos, Sherwood Anderson, Langston Hughes, Lincoln Steffens e muitos outros escritores conhecidos da época.[15] Em 1933, durante uma visita aos Estados Unidos, George Bernard Shaw disse: "Vocês, norte-americanos, têm tanto medo de ditadores. A ditadura é a única maneira que o governo tem para realizar as coisas. Vejam a bagunça que a democracia nos deixou. Por que vocês temem a ditadura?".[16] Ao sair de Londres para passar as férias na África do Sul, em 1935, Shaw declarou: "É bom sair de férias sabendo que Hitler deixou as coisas na Europa tão bem estabelecidas".[17] Embora, no final, as políticas antissemitas de Hitler tenham indisposto Shaw com o nazismo, o famoso dramaturgo permaneceu ao lado da ditadura soviética. Em 1939, depois do pacto germano-soviético, Shaw disse: "Hitler está sob a poderosa influência de Stalin, cuja predisposição para a paz é impressionante. E a todos, menos a mim, assusta a sagacidade deles!".[18] Uma semana depois, começava a Segunda Guerra Mundial, com Hitler invadindo a Polônia em sua fronteira ocidental, prontamente seguido por Stalin, que invadiu o mesmo país em sua porção oriental. A lista de intelectuais prestigiados que dispararam as mesmas afirmações absolutamente irresponsáveis e também defenderam posições desesperadamente perigosas, irreais e precipitadas poderia se estender quase

indefinidamente. Muitos intelectuais formadores de opinião são devidamente reconhecidos dentro de seus campos de estudo, mas a questão, no caso, é que muitos deles não se limitam aos seus respectivos campos. Como George J. Stigler disse a respeito de alguns de seus colegas agraciados com o Nobel, "mensalmente, e muitas vezes sem qualquer fundamento, eles lançam severos ultimatos ao público".[19] O equívoco fatal que tais intelectuais cometem é supor que uma habilidade intelectual ímpar, dentro de um segmento em particular, deriva sabedoria e moralidade universal superiores. Mestres de xadrez, prodígios musicais, dentre muitos outros talentos que são igualmente extraordinários dentro de suas especialidades, assim como certos intelectuais, raramente cometem o mesmo erro. Tal constatação é suficiente para que façamos uma aguda distinção entre a ocupação intelectual e os padrões intelectuais. Esses padrões estão sujeitos aos desvios e às violações perpetrados pelos membros da ocupação intelectual, especialmente quando os intelectuais se dedicam a exercer seu papel de formadores de opinião, emitindo pronunciamentos sobre a sociedade e exortando essa ou aquela política governamental. O que foi dito sobre John Maynard Keynes por seu biógrafo e colega economista Roy Harrod valeria para muitos outros intelectuais: Ele falava sobre uma grande variedade de tópicos, alguns dos quais ele revelava ser um profundo conhecedor, mas em relação a outros ele apenas adaptava sua visão a partir de algumas páginas de livros que ele folheara rapidamente. Em ambos os casos, porém, o ar de autoridade era o mesmo. [20] ◆ ◆ ◆

CONCEITOS DE CONHECIMENTO CONCORRENTES Frequentemente e de forma arbitrária, a forma como o conhecimento é usado por muitos intelectuais limita que tipo de informação verificada e analisada será considerada conhecimento. Essa limitação arbitrária, em relação ao significado do termo, foi expressa numa paródia sobre Benjamin Jowett, mestre da Faculdade Balliol, na Universidade de Oxford: Meu nome é Benjamin Jowett. Se for o caso de conhecimento, eu conheço. Sou o mestre desta faculdade. Aquilo que não sei, não é conhecimento. Uma pessoa considerada "entendida" possui geralmente um tipo especial de conhecimento. Talvez possua conhecimento acadêmico ou de outro tipo qualquer, mas que não é amplamente encontrado entre a população em geral. Alguém que tenha muito mais conhecimento sobre coisas mundanas, como encanamento, carpintaria e beisebol, por exemplo, estará muito menos propenso a ser reconhecido, pelos intelectuais, como "entendido ou Versado", pois, para eles, tudo o que desconhecem não pode ser considerado conhecimento. Embora o tipo especial de conhecimento associado aos intelectuais seja geralmente mais valorizado e receba mais prestígio social, não é certo, de forma alguma, que seja, necessariamente, mais significativo em seus efeitos no mundo real. O mesmo vale para o conhecimento associado ao universo dos especialistas. Sem dúvida, os profissionais encarregados de conduzir o Titanic tinham muito mais qualificação nos vários aspectos da navegação em comparação com a maioria das pessoas comuns, mas o que revelou ser crucial, em suas

consequências, foi o conhecimento mundano sobre onde estariam localizados os icebergs da região naquela noite. De forma semelhante, muitas decisões econômicas se encontram crucialmente dependentes do tipo de conhecimento mundano que os intelectuais talvez desdenhem, não o considerando um conhecimento genuíno no sentido que geralmente atribuem ao termo. A localização das coisas é apenas um dos tipos de conhecimento mundano e sua importância não se restringe, de forma alguma, à localização de icebergs. Por exemplo, o conhecimento mundano sobre a localização do cruzamento da Avenida Broadway com a Rua 23, em Manhattan, pode ser considerado irrelevante para determinar se um sujeito qualquer deve ser visto como uma pessoa entendida das coisas. Todavia, para um negociante procurando abrir uma loja, tal conhecimento pode representar a diferença entre a falência e a capacidade de fazer milhões de dólares. As empresas investem grande soma de tempo e dinheiro para determinar a exata localização de suas operações, e essas decisões não são, de forma alguma, aleatórias. Não é mera coincidência que postos de gasolina sejam sempre encontrados nas esquinas e geralmente próximos de outros postos, da mesma forma que concessionárias de veículos estão com frequência localizadas umas perto das outras, ao passo que papelarias raramente se encontram próximas umas das outras. Pessoas bem-informadas sobre o mundo dos negócios comentam que um dos fatores que respondeu pelo espetacular crescimento da rede Starbucks foi provocado pela atenção que seus gestores e executivos deram à escolha dos pontos para o estabelecimento das lojas, e um dos fatores que explica o fechamento de centenas de lojas Starbucks, em 2008, foi justamente abandono de tal prática. [21] Já se tornou clichê, entre os corretores, que os três

fatores mais determinantes sobre o valor dos imóveis são a localização, a localização e a localização. A localização é apenas mais um, dentre muitos outros fatores mundanos que, não obstante, impõem consequências significativas e, em geral, decisivas. O conhecimento mundano de uma enfermeira sobre se determinado paciente é alérgico à penicilina pode representar a diferença entre a vida e a morte. Quando um avião se aproxima do aeroporto em procedimento de aterrissagem, a observação da torre de controle de que o piloto se esqueceu de abaixar o trem de pouso é o tipo de informação cuja transmissão imediata para o piloto se faz crucial, apesar de tal conhecimento não exigir nenhuma capacidade intelectual maior que a visão. Um conhecimento antecipado sobre o local do desembarque das tropas aliadas no Dia D, o qual previsse que aquele desembarque ocorreria nas praias da Normandia e não em Calais, como esperava Hitler, teria levado a uma completa alteração na distribuição das forças nazistas, o que acarretaria baixas muito mais altas, ceifando a vida de um número muito maior de soldados, talvez de uma forma tão aguda que condenasse toda a operação, mudando, assim, o curso da guerra. Dessa maneira, boa parte desse conhecimento especial que se concentra no universo dominado pelos intelectuais pode, contudo, não ter o mesmo peso e as mesmas consequências que tem o conhecimento muito mais mundano e singelo que está espalhado entre a população em geral. Em seu conjunto, o conhecimento mundano pode sobrepujar em muito o conhecimento especial das elites tanto em quantidade quanto em consequências. Se, por um lado, o conhecimento especial dos intelectuais se estrutura quase invariavelmente como conhecimento articulado, por outro lado outros tipos de conhecimento não precisam estar articulados entre si nem mesmo precisam estar conscientemente articulados. Friedrich Hayek incluía como conhecimento "todas as adaptações humanas ao meio

ambiente, nas quais a experiência incorporada". Ele complementa:

pretérita

foi

Nesse sentido, nem todo o conhecimento faz parte de nosso intelecto nem nosso intelecto responde pelo todo do conhecimento. Nossos hábitos e habilidades, nossas atitudes emocionais, nossas ferramentas, e nossas instituições - são todos, nesse sentido, adaptações à experiência passada que se desenvolveu por meio de uma seletiva eliminação de modos menos apropriados. Assim como nosso conhecimento consciente, eles formam parte da mesma fundação indispensável para o sucesso das ações humanas.[22] ◆ ◆ ◆

CONCENTRAÇÃO E DISPERSÃO DE CONHECIMENTO Quando tanto o conhecimento especial quanto o conhecimento mundano são contemplados e tidos como conhecimento genuíno, torna-se duvidoso se mesmo a pessoa mais culta do planeta tem sequer uma pequena fração de todo o conhecimento acumulado do mundo ou mesmo uma pequena fração do conhecimento mais significativo de uma sociedade qualquer. Tal constatação traz sérias implicações, as quais podem, dentre outras coisas, ajudar-nos a explicar o motivo pelo qual tantos intelectuais proeminentes têm defendido, tantas vezes, noções que provam ser absolutamente desastrosas. Não é apenas com o apoio dado às políticas e agendas particularmente desastrosas que os intelectuais revelam os perigos embutidos em suas decisões e seus favorecimentos. Toda a abordagem sobre a condução da

sociedade - a própria ideologia que comungam - tem em geral refletido uma concepção fundamentalmente errada sobre o conhecimento e sua concentração ou dispersão. Muitos intelectuais e seus seguidores ficam excessivamente impressionados pelo fato de as elites altamente educadas - eles próprios - terem muito mais conhecimento per capita - no sentido de conhecimento especial - do que a população em geral. A partir dessa noção é necessário apenas um pequeno passo para que legitimem as elites educadas como guias superiores, declarando que têm o direito de impor o que deve e não deve ser feito na sociedade. Eles geralmente ignoram o fato crucial de a população em geral ter uma quantidade muito superior de conhecimento total - no sentido mundano - do que têm as elites, mesmo quando tal conhecimento se encontra espalhado em fragmentos, individualmente insignificantes, dentre um vasto contingente populacional. Se ninguém tem nem sequer 1% do conhecimento atualmente disponível, sem contar a vastidão de conhecimento ainda por vir, a imposição, de cima para baixo, de noções estimadas pelas elites, por estarem convencidas da superioridade de seu conhecimento e de suas virtudes, é uma fórmula certeira para o desastre. Por vezes o desastre é de ordem econômica, como aconteceu, por exemplo, com a noção de planificação da economia, adotada por tantos países mundo afora, durante o século XX. Porém, até mesmo aqueles países governados pelos comunistas e socialistas começaram, no final do mesmo século, a substituir suas economias planificadas, de cima para baixo, por noções de mercado livre. Sem dúvida, os planejadores governamentais tinham muito mais conhecimento e muito mais dados estatísticos à disposição do que a pessoa comum dispunha negociando no mercado. No entanto, a vastíssima superioridade numérica acumulada de conhecimentos mundanos, acionada por milhões de indivíduos comuns, os quais realizam e acomodam suas

operações em suas atividades diárias, tem produzido, quase que invariavelmente, índices de crescimento econômico e de melhora de padrão de vida muito maiores do que os índices obtidos pelas políticas de planificação da economia, as quais foram, finalmente, descartadas. Isso se deu de forma notável na China e na Índia, onde os índices de pobreza tiveram acentuada queda, ao mesmo tempo em que o crescimento econômico sofreu grande aceleração. Economia planificada é apenas um item que compõe uma classe mais geral de processos de apropriação de tomada de decisão, na qual se encontra implícita a suposição de uma superioridade cognitiva das elites. Essa noção afirma que as pessoas com mais conhecimento per capita - no sentido especial - devem conduzir suas sociedades. Outras formas dessa mesma noção geral incluem ativismo judicial, planejamento urbano e outras atividades institucionais que endossam a crença na incapacidade da grande e inculta população para, a partir de seus valores e suas ações, tomar decisões sociais de peso. Mas se ninguém detém nem sequer 1% de todo conhecimento disponível - ao considerarmos o sentido mais amplo do conhecimento, no qual muitos tipos diferentes de conhecimento são decisivos -, então se torna imperativo que os outros 99% de conhecimento, que se encontram espalhados em pequenas e individualmente insignificantes quantidades entre as pessoas em geral, possam ter liberdade de operação nas acomodações mútuas que se estabelecem entre as pessoas. Essas inúmeras acomodações e mútuas interações são responsáveis pela inserção, na sociedade, dos outros 99% do conhecimento acumulado - o que gera novos conhecimentos no processo incessante de ida e vinda das transações, refletindo mudanças na oferta e na demanda. Esse é o motivo pelo qual os mercados livres, as normas judiciais consagradas e a confiança nas decisões e tradições baseados nas experiências de muitos - no lugar

das pressuposições de alguns poucos da elite - são tão importantes para os que não compartilham da visão social que prevalece entre as elites intelectuais. Portanto, verdadeiros abismos ideológicos dividem aqueles que têm, entre si, distintas concepções sobre o significado do conhecimento, e que, consequentemente, veem o conhecimento como algo concentrado ou disperso. "Em geral, 'o mercado' é mais esperto que o mais esperto de seus participantes individuais",[23] é a forma que o falecido editor do Wall Street Journal, Robert L. Bartley, expressava sua crença na força dos processos sistêmicos, os quais podem, por meio das interações e mútuas acomodações operadas por muitos indivíduos, engendrar muito mais conhecimento para a sociedade e suas tomadas de decisão do que qualquer um dos indivíduos isoladamente. Processos sistêmicos são essencialmente processos de tentativa e erro, os quais se alimentam dos resultados repetidos e contínuos de suas ações, recebendo constante feedback de todos os participantes envolvidos nos processos. Em contrapartida, nos processos políticos e legais as decisões iniciais são raramente alteradas, pelo alto custo que representam às carreiras políticas, sempre que é preciso admitir erros ou, no caso do sistema legal, que os precedentes estão em jogo. Porque retirar o poder de tomada de decisões das mãos dos que têm experiência e interesses concretos sobre determinada questão e transferilo para aqueles sem nenhuma experiência e responsabilidade diretas pode ser tido como capaz de gerar melhores decisões, e essa é uma questão raramente colocada, e muito menos ainda respondida. Devido ao grande custo de corrigir decisões tomadas por terceiros, comparando-se com as decisões individuais, além do custo ainda maior em se insistir no erro toda vez que se toma decisões por conta própria, comparando-se com o baixo custo de tomar decisões erradas quando não nos afetam

diretamente, o sucesso econômico das economias de mercado não chega a ser surpreendente, como também não nos surpreende a falta de produtividade e os resultados geralmente desastrosos das várias formas de engenharia social. Pessoas dos dois lados da divisão ideológica podem, contudo, acreditar que aqueles com mais conhecimento devem receber mais destaque na tomada de decisões que gerem impacto na sociedade, mas essas pessoas têm concepções radicalmente diferentes sobre onde se encontra, de fato, a maior quantidade de conhecimento na sociedade. Caso o conhecimento seja definido de forma expansiva, incluindo grande parcela de conhecimento mundano cuja presença ou ausência é significativa e em geral crucial, então os sujeitos com ph.D. serão considerados tão estupidamente ignorantes sobre as coisas mais significativas quanto os outros indivíduos o são, na medida em que ninguém poderá ser realmente beminformado, no nível exigido para tornada de decisões cujas consequências afetem a sociedade como um todo, exceto dentro de uma margem estreita, a partir do vasto espectro que compreende as preocupações humanas. A parcela de ignorância, preconceito e pensamento grupal que habita o universo de uma elite educada não deixa de ser ignorância, preconceito e pensamento grupal, e para aqueles que detêm 1% do conhecimento em uma sociedade, conduzir ou controlar os outros 99% é tão perigoso quanto absurdo. A diferença entre conhecimento especial e conhecimento mundano não é apenas incidental ou semântica. Suas implicações sociais acarretam grandes consequências. Por exemplo, é muito mais fácil concentrar poder do que concentrar conhecimento. Esse é o motivo pelo qual tantos tiros da engenharia social saem pela culatra e por que tantos déspotas levaram seus países ao desastre.

Quando o conhecimento é concebido, corno o fez Hayek, de forma expansiva, incluindo conhecimentos não articulados, mas expressos em nossos hábitos sociais e costumes, então a transferência desse conhecimento compartilhado por milhões de pessoas para se concentrar nas mãos de alguns poucos tomadores de decisão terceirizados se torna algo muito problemático, para não dizer impossível, na medida em que muitos dos que estão operando com esse conhecimento não o articularam completamente para eles mesmos, e com isso não podem transmiti-lo para outros, ainda que queiram fazê-lo. Muitos ou mesmo a maioria dos intelectuais opera sob a suposição, implícita, de que o conhecimento se encontra concentrado em pessoas como eles. Eles se tornam, portanto, especialmente suscetíveis à ideia de uma correspondente concentração de poder, legitimando e apropriando-se, como elite, das decisões mais significativas, em nome de um alegado espírito público o qual beneficiará toda a sociedade. Tal suposição tem sido a base fundadora dos movimentos reformistas, como o movimento progressista dos Estados Unidos, como também dos movimentos revolucionários em muitos outros países por todo o mundo. Além disso, com o conhecimento considerado significativo já tido como concentrado, aqueles com essa visão frequentemente começam a conceber a necessidade de se criar uma vontade e um poder para se lidar coletivamente com uma ampla gama de problemas sociais. A ênfase na "vontade", no "comprometimento", no "cuidado" ou na "compaixão", colocados como ingredientes cruciais para lidar com questões sociais, descarta, automaticamente, se os que alegam ter essas qualidades também têm conhecimento suficiente. Por vezes a suficiência de conhecimento é explicitamente afirmada e quaisquer questionamentos sobre a real suficiência são sumariamente descartados, como se refletissem ignorância ou obstrução. John Dewey,

por exemplo, declarou: "Em posse do conhecimento necessário podemos, tomados de esperança, começar a trabalhar num projeto de invenção social e engenharia experimental".[24] Mas a pergunta ignorada é a seguinte: Quem - caso exista alguém - possui esse tipo de conhecimento? Dado que os intelectuais têm todo incentivo do mundo para enfatizar a importância do tipo especial de conhecimento que possuem, em relação ao conhecimento mundano que os outros têm, eles geralmente são os promotores de projetos de ação que ignoram o valor, o custo e as consequências do conhecimento mundano. É comum entre os membros da intelligentsia, por exemplo, deplorarem muitos métodos de separação e categorização de coisas e pessoas, dizendo geralmente, no caso das pessoas, que "cada uma deveria ser julgada como um indivíduo". Todavia, o custo necessário para realizar esse tipo de aferição quase nunca é considerado. Modelos de custo mais baixo para a avaliação de indivíduos - abarcando desde boletins de desempenho até testes de Q.I. - são usados precisamente porque julgar "a pessoa como um todo" significa a aquisição e a manipulação de vastíssima quantidade de conhecimento a um custo altíssimo, o que pode ocasionar o atraso de decisões em circunstâncias em que o tempo é crucial. Dependendo de quão expansivo for o conceito de "avaliação da pessoa como um todo", o tempo necessário pode exceder a duração da vida humana, o que tornaria a avaliação impraticável. As forças armadas separam as pessoas em patentes, as faculdades separam seus candidatos de acordo com o resultado de testes de vestibular e quase todo mundo avalia as pessoas por outros inúmeros critérios. Muitos ou mesmo a maioria desses métodos de avaliação são criticados pelos membros da intelligentsia, os quais fracassam em apreciar a escassez e o alto custo do conhecimento e a necessidade

de se tomar decisões de peso, apesar da escassez e do alto custo envolvidos, o que necessariamente inclui o custo adicional de equívocos. Os riscos de se tomar decisões em posse de conhecimento parcial ou incompleto (não havendo alternativa) são parte integrante da tragédia da condição humana. Contudo, isso não fez com que os intelectuais cessassem de criticar os riscos inerentes a quaisquer operações humanas, que acabam se complicando, da indústria farmacêutica às operações militares, muito menos os impediu de criar uma atmosfera geral de expectativas irrealizáveis, na qual "os milhares de choques naturais que a carne humana herda" se tornam milhares de motivos para processos judiciais. Sem certa apreciação sobre a tragédia da condição humana, é muito fácil considerar qualquer coisa que vai mal como sendo culpa de alguém. É comum, entre os intelectuais, agir como se o tipo especial de conhecimento sobre generalidades pudesse e devesse substituir e passar por cima do conhecimento mundano dos outros. Tal ênfase no conhecimento especial dos intelectuais leva geralmente a desconsiderar o mundano, o conhecimento de primeira mão, tido como "preconceituoso" e "estereotipado", favorecendo-se as crenças abstratas que são comuns entre os intelectuais, os quais podem ter pouco ou nenhum conhecimento de primeira mão sobre os indivíduos, as organizações ou as circunstâncias concretas envolvidas. Além do mais, tais atitudes não são somente disseminadas para muito além das fileiras da intelligentsia, mas se tornam base de políticas, leis e decisões judiciais. Um pequeno e relevante exemplo das consequências sociais dessa atitude nos é dado ao observarmos o quanto muitas políticas empresariais que estabeleciam os períodos de aposentadoria para seus empregados se tornaram ilegais por "discriminarem a idade". Foi dito que tais políticas são baseadas em estereótipos sobre os mais velhos, os quais poderiam ainda ser produtivos para além da idade da

"aposentadoria compulsória". Em outras palavras, terceiros, cuja vida não tem qualquer interesse ou ligação com os resultados concretos, nenhuma experiência direta com as empresas e indústrias em particular, como também nenhum conhecimento sobre empregados e indivíduos particularmente envolvidos, são tidos, supostamente, como possuindo uma compreensão superior sobre os efeitos da idade sobre o trabalho, são considerados mais aptos a decidir do que aqueles que têm, de fato, experiência em tal situação, um conhecimento direto tão mundano quanto o conhecimento pode ser. E ainda, os empregadores têm incentivos econômicos para segurar trabalhadores produtivos, especialmente pelo fato de terem que pagar pelo recrutamento de substitutos e investir na preparação deles, ao passo que tomadores de decisão terceirizados não pagam preço nenhum ao se enganarem. O próprio termo "aposentadoria compulsória" exibe certo virtuosismo retórico característico da intelligentsia, e a habilidade perniciosa que dele advém, ao se obscurecer, em vez de esclarecer, uma análise racional. Raramente, houve qualquer coisa como aposentadoria compulsória. Empregadores estabeleciam uma idade, para além da qual eles automaticamente cessavam de contratar as pessoas. Essas pessoas ficavam livres para trabalhar em outros lugares e muitas faziam isso. Mesmo dentro de uma empresa com uma política automática de aposentadoria, esses empregados que permaneciam claramente produtivos e valiosos podiam ter a aposentadoria postergada, seja por um período determinado ou mesmo indefinidamente. Mas tais suspensões se baseavam em conhecimento específico sobre pessoas específicas, não se faziam a partir de abstrações generalizadas sobre quão produtivos os mais velhos podem ser. Da mesma forma, praticamente todas as conclusões adversas sobre qualquer minoria étnica são sumariamente desconsideradas pela intelligentsia, alegando-se

"preconceitos", "estereótipos" e assim por diante. Por exemplo, um biógrafo de Theodore Roosevelt disse: "Durante seus anos como fazendeiro, Roosevelt adquirira boa dose de preconceito contra os índios, o que o colocava numa estranha contradição diante de sua atitude esclarecida em relação aos negros”.[25] Temos aqui um escritor distante aproximadamente cem anos, em particular dos índios com que Theodore Roosevelt teve que lidar pessoalmente no Oeste, mas que declara a priori que as conclusões de Roosevelt estavam equivocadas e eram baseadas em puro preconceito, mesmo ao dizer que o preconceito racial não era uma característica da personalidade de Roosevelt. Provavelmente, jamais ocorreria para esse autor que era ele quem concluía, baseado num explícito prejulgamento, um preconceito, mesmo que fosse um preconceito comum, ao passo que as conclusões de Theodore Roosevelt eram baseadas em sua própria experiência pessoal com indivíduos em particular. Muitos intelectuais parecem indispostos a conceder que o homem em cena, em determinada época, possa chegar a conclusões precisas sobre indivíduos em particular que encontrou ou observou, ao mesmo tempo que negam que, muito distantes no tempo e no lugar, poderiam, eles, intelectuais, estar enganados quanto às conclusões baseadas em seus próprios preconceitos. Outro escritor, ainda mais distante no tempo e no espaço, descartou como puro preconceito o conselho de Cícero aos seus compatriotas romanos, o qual os exortava a não comprarem escravos britânicos, pois estes não aprendiam os afazeres com facilidade.[26] Considerando a enorme diferença entre o primitivo, iletrado e tribal mundo dos bretões da época e o sofisticado mundo dos romanos, é difícil imaginar como um bretão, em cativeiro em Roma, poderia compreender as complexas circunstâncias, os

métodos e as expectativas de uma sociedade tão radicalmente diferente. Mas a própria possibilidade de Cícero saber o que estava falando a partir de sua experiência direta não recebeu nenhuma atenção do autor, o qual o acusou de preconceito, sem direito à apelação. Um exemplo muito mais recente de intelectuais que desprezam a experiência direta e concreta de outros, favorecendo as suposições predominantes entre seus pares, envolveu acusações de estupro, nacionalmente divulgadas pela mídia, movidas contra três alunos da Universidade Duke em 2006. Esses alunos eram membros do time de lacrasse e, na onda de condenação que instantaneamente tomou conta do campus e da mídia, seu único defensor, desde o começo, foi o time feminino do esporte. Essas mulheres em particular já conheciam, havia muito tempo, os rapazes acusados e foram, desde o início, inflexíveis em sua posição, dizendo que os três jovens em questão não eram o tipo de pessoa que cometeria esse tipo de crime. O caso envolvia estupro e questões raciais, mas cabe destacar que uma garota negra do time de lacrasse havia tomado a frente na defesa do caráter dos meninos.[27] Desde o início, na ausência d e qualquer evidência, em ambos os lados da questão, não havia motivo para que declarações não corroboradas a favor ou contra os acusados devessem ser aceitas ou rejeitadas sem uma análise criteriosa. No entanto, as declarações das garotas do time de lacrasse não foram apenas descartadas, mas foram, sobretudo, denunciadas. Essas garotas foram caracterizadas como "estúpidas e mimadas garotinhas", em comentários citados no Atlanta Journal Constitution, como pessoas que "negam o senso comum", segundo um articulista do New York Times, como "imbecis", de acordo com outro articulista do Philadelphia Daily News, e "ignorantes e insensíveis", segundo o articulista do Philadelphia Inquirer.[28]

Em outras palavras, membros da intelligentsia, a centenas de milhas de distância, os quais nunca tinham visto os rapazes em questão, estavam tão convencidos de sua culpabilidade com base num compartilhado a priori grupal da intelligentsia, que se viram no direito de atacar e ofender o grupo de meninas que conhecia direta e pessoalmente os indivíduos envolvidos, incluindo sua atitude e seus comportamentos em relação às mulheres em geral e às negras em particular. Foi um exemplo clássico de presunção de conhecimento superior exibido por intelectuais que tinham, contudo, menos conhecimento do que aqueles cujas conclusões eles prontamente desqualificaram e denunciaram. Infelizmente, esse não foi o único exemplo, nem mesmo um exemplo incomum. ◆ ◆ ◆

ESPECIALISTAS Uma ocupação especial que se sobrepõe à dos intelectuais, mas que não se faz completamente coincidente a ela, é a dos especialistas. Alguém pode, afinal de contas, ser especialista em literatura espanhola ou em filosofia existencialista - cujo produto final, em ambos os casos, consiste de ideias -, ou alguém pode ser especialista em reparar transmissões de automóveis ou em apagar incêndios em campos petrolíferos, cujo produto final é um serviço prestado. Obviamente que apenas o primeiro grupo de especialistas se encaixa em nossa definição de intelectuais. Os especialistas de qualquer área intelectual são exemplos clássicos de pessoas cujo alto conhecimento está concentrado dentro de uma margem estreita, a partir de um vasto espectro de preocupações humanas. Além do mais, a interação inevitável entre inúmeros fatores do mundo real significa que, mesmo dentro dessa margem estreita, fatores

que chegam de fora da margem podem interferir nos resultados de uma forma significativa, transformando um especialista, cuja especialização não abrange esses outros fatores, num amador. Tal realidade é fundamental quando se trata de decisões que terão consequências de peso, mesmo dentro do que é normalmente considerado o campo de especialidade do especialista. Por exemplo, nos Estados Unidos do começo do século XX, especialistas em reflorestamento previram uma "fome de madeira" que nunca se materializou, uma vez que eles não conheciam o suficiente sobre economia para que compreendessem como os preços, com o passar do tempo, alocam recursos, a ssim como alocam recursos entre usuários em determinado período.[29] Uma histeria semelhante sobre uma iminente exaustão de outros recursos naturais, como o petróleo, floresceu no último século. Porém as repetidas previsões catastróficas sobre uma quantidade de petróleo suficiente para durar apenas uma década e meia foram repetidamente desmentidas por experiências que mostraram o aparecimento de novas reservas do recurso, aumentando a quantidade de petróleo disponível em relação ao que prevíamos.[30] Ao seguirmos os especialistas, as organizações não lucrativas e os movimentos sociais, os quais exibem nomes com forte apelo idealista, vemos, quase sempre, uma tentativa de induzir esforços desinteressados, os quais estariam imaculados de qualquer interesse próprio. Essa é mais uma das muitas percepções que não sobrevivem, contudo, ao escrutínio empírico. Descontando-se os interesses velados dos especialistas no uso de suas especialidades, no lugar de outros mecanismos econômicos ou sociais, ainda nos sobra bastante evidência empírica para revelar sua parcialidade. Os urbanistas são um exemplo típico:

Geralmente, os urbanistas organizam sessões imaginárias, nas quais o público é consultado sobre desejos de moradia que serão aplicados em suas regiões. Em uma dessas sessões de imaginação típica, o público é questionado, em tópicos direcionados, sobre sua preferência. Você gostaria de mais ou menos poluição? Você gostaria de gastar mais ou menos tempo no trânsito para o trabalho? Você gostaria de morar numa vizinhança feia ou bonita? Os urbanistas induzem as respostas a fim de reforçar suas noções preconcebidas, geralmente calcadas em alguma forma de crescimento inteligente. Se você quer menos poluição, você deve querer, portanto, menos carros. Se você quer gastar menos tempo para chegar ao trabalho, você deve querer uma cidade mais densa para que, então, possa viver próximo do trabalho. Se você quer uma torta de maçã, você deve lutar contra o alastramento da cidade que pode seccionar o pomar das macieiras.[31] Descontando-se o lado tendencioso das questões, uma tentativa honesta de obter informações significativas a partir de respostas que não custam nada para responder seria relevante, apenas, num mundo sem custos, mas o fator crucial no mundo em que vivemos é justamente o fato de que todas as ações ou inações implicam custos, os quais têm que ser levados em conta para que se possa chegar a uma conclusão racional. "Racional" é usado aqui no seu sentido mais básico - a habilidade de colocar as coisas em proporção, como nos "números racionais" em matemática -, de forma que as decisões racionais sejam decisões que coloquem na balança uma coisa em relação à outra, que se

estabeleça um processo de negociação distinto de uma cruzada para se alcançar "uma coisa boa", sem custos envolvidos. Os urbanistas, como outros especialistas, sabem muito bem que seus próprios rendimentos e carreiras dependem do fornecimento de ideias vendáveis, que sejam atraentes para aqueles que as empregam, incluindo especialmente os políticos cujos objetivos e métodos se tornam os objetivos e métodos dos especialistas. Mesmo no momento em que os especialistas são obrigados a passar pela formalidade de avaliar os custos em relação aos benefícios, isso pode permanecer apenas uma formalidade em um processo no qual um objetivo já foi escolhido politicamente. Por exemplo, depois que uma avaliação promovida por um político e submetida a um especialista propôs um novo sistema ferroviário para "aprimorar positivamente o fluxo de passageiros em viagens ferroviárias com redução de custos", mas que fez os custos se acumularem e os rendimentos despencarem, disparando um escândalo público, o político, mesmo assim, foi capaz de dizer: "Não é minha culpa, pois confiei em previsões feitas pela nossa equipe e parece que ela cometeu um grande erro".[32] Em outras palavras, os especialistas geralmente não são chamados para fornecer informações factuais ou análises imparciais para tomadas de decisão de homens públicos responsáveis, mas para dar cobertura política para decisões já feitas e baseadas em considerações completamente outras. A mudança do critério de tomada de decisões baseado em processos sistêmicos, os quais envolvem milhões de pessoas em suas mútuas acomodações que agem por sua conta e risco, para um critério no qual são os especialistas que impõem um plano mestre sobre todos, já seria bastante problemático mesmo se estes fossem livres para fornecer sua própria e idônea avaliação. Em situações nas quais os especialistas são

simplesmente parte da vitrine que mascara decisões arbitrárias e até mesmo corruptas, a confiança no que "todos os especialistas "dizem sobre determinada questão torna-se, então, extremamente arriscada. Mesmo no ponto em que os especialistas se encontram desimpedidos, aquilo com que "todos os especialistas" estarão sempre propensos a concordar é a necessidade de se usar a especialização para lidar com os problemas públicos. É claro que os especialistas têm o seu lugar e podem ser extremamente valiosos nesses lugares. Isso é, sem dúvida, o sentido da velha expressão "especialistas devem estar na base, não no topo”. Para decisões sociais mais amplas, todavia, os especialistas não devem agir como substitutos dos processos sistêmicos, os quais comportam inúmeros fatores que lhes escapam e sobre o s quais nenhum indivíduo, isoladamente, pode se tornar um especialista, pois esses processos respondem pelos 99% do conhecimento socialmente decisivo que se encontra espalhado fragmentariamente entre a população em geral e que se coordena, sistematicamente, em suas acomodações mútuas de demanda e oferta. Na União Soviética, o simples fato de os planejadores socioeconômicos terem, na época, mais de 24 milhões de preços para estabelecer, revela a absurdidade da tarefa exigida pela organização central do partido. O fato de as políticas de planificação da economia terem fracassado repetidamente em muitos países por todo o mundo, tanto nas democracias quanto nas ditaduras, não se deu porque os planejadores não eram especialistas, ou mesmo especialistas competentes, nas tarefas que estavam sob seu controle, mas porque o planejamento central teve que ser abandonado país atrás de país, no final do século XX, mesmo em países regidos por governos comunistas ou socialistas, sugerindo a profundidade e inevitabilidade do fracasso.

A planificação da economia politicamente centralizada é apenas um dos aspectos que compõem a engenharia social, organizada de cima para baixo. Todavia, os péssimos resultados em outros campos não se fazem tão estrondosamente óbvios, tão prontamente quantificáveis e tão visivelmente inegáveis, como no caso da economia, embora esses outros resultados sociais possam ser tão ou ainda mais ruinosos.[33] Sabendo-se que advogados e juízes são especialistas d a área d o direito e que exercem um valioso papel em suas especialidades, ambos têm se inclinado, contudo, ao longo dos anos e de forma crescente, para além de suas funções originais, usando a lei como "um instrumento de mudança social", o que significa que eles começaram a tomar decisões amadoras sobre questões complexas, as quais ultrapassam em muito as estreitas fronteiras da competência profissional de juízes e advogados. Além do mais, o consenso que existe entre esses especialistas em questões que ultrapassam suas especializações, é que tamanha atribuição acaba reforçando seu senso de auto-importância, como acontece com especialistas de outros campos, fazendo-os imaginar que a diferença entre o grupo da elite ao qual pertencem e o resto das pessoas é quase que, axiomaticamente, a diferença entre as pessoas cultas e bem-informadas e as massas ignorantes. Entre os muitos exemplos desse tipo de atitude pernóstica, temos a conferência judicial de 1960, na qual um comissário de polícia aposentado se esforçava para explicar, para juízes e professores de direito, como a extensão dos direitos dos criminosos, adotada por eles, era prejudicial à eficiência das operações policiais. Entre os presentes, participavam da sessão o membro da Suprema Corte, o juiz William J. Brennan, e o presidente do Supremo, o juiz Earl Warren, que se mostraram "imperturbáveis" durante toda a apresentação do comissário, segundo relato

do New York Times, mas posteriormente "caíram em gargalhadas "depois que um professor de direito se levantou para apontar a imbecilidade jurídica que o comissário acabara de falar.[34] No entanto, tal desconsideração desdenhosa não se baseava em qualquer evidência factual, e a evidência posteriormente acumulada pelos anos tornou dolorosamente claro que o combate ao crime estava perdendo terreno, com vertiginoso aumento nos índices de criminalidade. Antes da revolução nas interpretações judiciais criminais que se deu no começo da década de 1960, a taxa de homicídio nos Estados Unidos estivera em declínio por décadas e, por volta de 1961, era menor que a metade d o que fora e m 1933.[35] Porém, essa longa tendência decrescente nos índices de homicídio foi interrompida repentinamente durante a década de 1960 e, em 1974, já era o dobro do que havia sido em 1961.[36] No entanto, as observações de primeira mão e os anos de experiência direta e diária, nesse caso o relato do comissário de polícia aposentado, não foram somente desprezados, mas também ridicularizados por pessoas que, por sua vez, apoiavam-se exclusivamente em pressuposições adotadas pela elite intelectual chique, embora fossem noções completamente não comprovadas. Nem a questão nem o episódio são casos isolados, apenas mais um exemplo da visão dos que, em vez de responder às questões pertinentes, soberbamente desdenham a experiência dos outros, protegidos em sua superioridade alternativa. ◆ ◆ ◆

O PAPEL DA RAZÃO Existem tantas concepções de razão e de sua função social quanto existem concepções do conhecimento e de

suas funções. Ambos, porém, merecem uma análise. ◆ ◆ ◆

RAZÃO E JUSTIFICAÇÃO A suposição implícita de que existe um conhecimento superior entre as elites intelectuais, o qual fundamenta as exigências dos próprios intelectuais, existe, pelo menos, desde o século XVIII, ou seja, a noção de que as ações, políticas ou instituições "justificam-se diante do crivo da razão". Contudo, os termos sob os quais essa exigência é expressa mudaram desde o século XVIII, embora a premissa básica tenha permanecido inalterada. Hoje, por exemplo, muitos intelectuais apresentam acentuada indignação porque alguns executivos corporativos recebem salários muito polpudos. Como se tivesse que existir uma razão determinando que terceiros, fora do mundo corporativo, devessem entender ou legitimar esses valores ou mesmo que sua compreensão ou seu consentimento devessem ser necessários, influenciando aqueles que estão diretamente envolvidos na contratação e no pagamento dos altos salários desses executivos, os quais procedem com base no conhecimento e na experiência diretos que têm sobre os valores, num assunto que diz respeito a eles e não aos intelectuais.[37] De forma semelhante, muitos membros da intelligentsia expressam não apenas surpresa como também indignação e revolta com o alto número de tiros disparados pela polícia nos confrontos com os criminosos. Todavia, esses intelectuais, em sua maioria, nunca usaram uma arma na vida e muito menos enfrentaram situações de perigo desse tipo, nas quais a diferença entre morrer e viver depende de decisões tomadas num átimo de segundo. Raramente, se muito, a intelligentsia considera necessário buscar informações sobre a precisão dos tiros, quando disparados em situações de estresse e perigo, antes de

proferir sua indignação e exigir mudanças. Na realidade, um estudo feito pelo Departamento de Polícia de Nova York descobriu que, mesmo dentro de uma distância de apenas dois metros, mais da metade dos tiros disparados pela polícia errou o alvo por completo. Em distâncias de 14 a 25 metros, uma distância menor do que aquela da primeira para a segunda base na demarcação do beisebol, apenas 14% dos tiros acertaram o alvo.[38] Embora esses fatos possam ser surpreendentes para os que nunca dispararam uma arma em situação de perigo real, ou mesmo num alvo imóvel, dentro da segurança e tranquilidade de um campo de tiros, o que é crucial para o nosso caso é o fato de os membros da intelligentsia, e aqueles que são influenciados por eles, não terem percebido a necessidade de buscar informações factuais antes de expressar sua indignação, mantendo-se em completa ignorância em relação aos fatos. Além disso, mesmo quando um criminoso é atingido por um disparo, isso não o torna, necessariamente, incapacitado de reagir, o que pode prolongar a troca de tiros sempre que o criminoso continue a representar perigo real. Mas tal conhecimento mundano não parece despertar o menor interesse para aqueles que, dentro da elite, compõem os quadros que se exasperam em indignação sobre coisas que estão muito além de sua experiência e competência.[39] Sob o alegado amparo da razão e a fim de exigir que as coisas se justifiquem sob seu crivo, num universo onde ninguém detém nem sequer 1% de todo o conhecimento significativo, os intelectuais acabam, na realidade, celebrando a ignorância que pode, então, agir livremente. Como um neurocirurgião pode justificar seus procedimentos para alguém que nada sabe sobre anatomia e funcionamento do cérebro ou sobre cirurgias médicas? Como um carpinteiro pode justificar sua escolha sobre os pregos e a madeira usados para pessoas que desconhecem,

em absoluto, a prática da carpintaria, especialmente se o carpinteiro em questão estiver sendo acusado de delito por advogados e políticos cujas habilidades retóricas podem exceder, grandemente, as do carpinteiro, muito embora o conhecimento deles sobre carpintaria seja muito inferior? A confiança gerada por um conhecimento acadêmico superior pode ocultar, dos próprios membros da elite, a extensão de sua ignorância e de seus equívocos. Além disso, os argumentos contra o carpinteiro são articulados por uma elite ignorante que se exibe para um público que é igualmente ignorante sobre a questão, e tanto faz se esse público se encontra nos júris ou nas sessões e cabines de votação, pois os argumentos poderão facilmente mostrar-se convincentes, mesmo quando eles são absurdos para os carpinteiros. Uma coisa é a população, em geral, realizar suas próprias transações e acomodações em questões que lhes são, individualmente, próprias, o que se faz, no entanto, completamente diferente de impor decisões, coletivamente, para a sociedade em geral. Tomadas de decisão cuja aplicação é coletiva, seja por meio de processos democráticos, seja por intermédio de ordens verticais de comando, envolve pessoas que tomam decisões para muitas outras, as quais são privadas de tomar as suas próprias. O mesmo problema de conhecimento inadequado e insuficiente aflige ambos os processos. Voltemos mais uma vez, e por um momento, para a questão da planificação total da economia, como o exemplo máximo de tomada de decisão feita por terceiros, quando burocratas, nos dias da União Soviética, tinham que determinar mais de 24 milhões de preços. A consecução dessa tarefa mostrou ser impossível para qualquer grupo administrável de burocratas, mas seria, no entanto, um problema muito mais fácil de resolver num país composto por centenas de milhões de pessoas, caso cada uma tomasse decisões

sobre, relativamente, o pequeno número de preços relevantes às suas próprias transações econômicas. Nesse caso, os níveis de incentivos, assim como de conhecimento, são diferentes. Os incentivos para se investir tempo e energia são muito maiores toda vez que as consequências são diretas para a pessoa envolvida, em comparação com o incentivo em investir um montante similar de tempo e energia em decisões que afetarão, na maior parte das vezes, a vida de outras pessoas e cujos efeitos sobre o sujeito serão dificilmente alterados, num processo em que se é só mais um dentre milhões de votos. A noção de que as coisas precisam se justificar diante do crivo da razão abre as comportas para condenações arrasadoras, proferidas por pessoas que nada entendem do assunto, embora possuam certa ignorância credenciada. Diferenças de rendimentos e ocupações não são compreendidas pelas elites intelectuais, pois geralmente elas estão desprovidas de boa parte do conhecimento necessário para entender essas realidades, tanto no que diz respeito às especificidades mundanas quanto sobre a economia em geral, que prontamente se transformam em "disparidades" e "desigualdades", sem explicações adicionais. Do mesmo modo fazem os intelectuais que nunca dispararam uma arma na vida, mas que não pensam duas vezes antes de manifestar sua indignação em relação ao número de tiros disparados pela polícia em confronto com criminosos. Dessa e de outras formas, meras noções passam por cima do conhecimento toda vez que lidamos com as noções predominantes entre os intelectuais. Essa falácia central e as péssimas consequências sociais que podem aparecer não se limitam às elites intelectuais. O esmagamento do poder de decisão individual, o qual é sobreposto pela imposição de decisões tomadas em nome do coletivo, que nos chegam pelas mãos de terceiros, sejam esses terceiros membros da elite ou das massas, significa, geralmente, permitir que a ignorância se

sobreponha ao conhecimento. Uma pesquisa de opinião pública ou o voto popular sobre questões envolvendo procedimentos de carpintaria seria tão irrelevante quanto são as noções agraciadas pela elite. O aspecto reconfortante é que, em comparação com as elites, as massas estão, em geral, muito menos propensas a pensar que deveriam sobrepor seu veredicto sobre pessoas cuja relação e cujo conhecimento sobre determinado assunto em questão são muito maiores que os delas. Além do mais, as massas não têm as mesmas habilidades retóricas para ocultar dos outros, ou de si mesmas, a verdadeira motivação de seus empreendimentos. A exaltação que os intelectuais fazem da "razão" dáse, frequentemente, em detrimento da experiência, permitindo que tenham uma impetuosa confiança em assuntos sobre os quais têm pouco ou mesmo nenhum conhecimento ou experiência. A ideia que fazem sobre o que desconhecem, descartando tudo o que lhes escapa como conhecimento não genuíno, pode ser traduzida em chavões como "os tempos mais simples de outrora". Chavões estes disparados por pessoas que, ao se esquivarem de fazer um estudo detalhado de determinada época, ficam pouco propensas a aceitarem a insuficiência de seus próprios conhecimentos sobre as complexidades da época em questão para, então, atribuir-lhe uma ausência de complexidade. Oliver Wendell Holmes observou que a lei romana continha "um conjunto de tecnicalidades mais difícil e menos compreendido que o nosso".[40] Burocratas planejadores não fazem parte da única elite cujo conhecimento especial provou ser, na prática, menos efetivo que o montante muito mais vasto de conhecimento mundano, difundido entre a população em geral, nem a economia de mercado é o único cenário onde o desequilíbrio de conhecimento entre as elites e a massa, em favor da última, é escancaradamente o oposto do que é

percebido pelas próprias elites. Se, corno disse Oliver Wendell Holmes, a vida das leis está alicerçada na experiência e não na lógica,[41]  então, nesse caso, também temos milhões de pessoas, especialmente as sucessivas gerações, as quais, juntas, detêm conhecimentos muito mais vastos, na forma de experiência pessoal, do que os círculos relativamente menores dos especialistas em lei. Isso não quer dizer que os especialistas não têm função a cumprir, seja no caso do direito ou em outros aspectos da vida. Mas a natureza dessa função apresenta-se de forma muito diferente toda vez que o conhecimento especializado das elites e a experiência das massas precisam ser combinados. Dentro de uma área suficientemente circunscrita de poder decisório, os especialistas, respeitando seus limites, têm um papel vital a cumprir. Aqueles que detêm um conhecimento especializado em direito podem e devem tomar decisões nos tribunais, aplicando leis que foram desenvolvidas a partir da experiência de muitos. Isso é, contudo, algo fundamentalmente distinto de criar ou alterar leis para encaixá-las nos modismos ideológicos de juízes e professores das faculdades de direito. Da mesma maneira, alguém que tenha talentos e habilidades especiais para coletar informações e transmiti-las ao público, usando os canais de mídia, pode se tornar uma parte indispensável no funcionamento de uma sociedade democrática, mas tal função é completamente diferente daquela em que jornalistas se apropriam das informações, filtrando e alterando as notícias a fim de sustentar conclusões que refletem as noções favorecidas dentro dos círculos jornalísticos, como será mostrado no capítulo 5. A diferença entre realizar o s papéis tradicionalmente determinados e usar esses mesmos papéis para ampliar o poder e expandir a influência, a fim de interferir em questões sociais mais amplas, também se aplica àqueles

professores que atuam como doutrinadores nas salas de aula ou àqueles líderes religiosos que promovem uma teologia da libertação, assim como vale para os generais que desalojam governos civis com golpes militares. O que as várias e ambiciosas elites civis estão fazendo é criar menores e mais numerosos golpes, apropriando-se das decisões sociais que outros foram autorizados a fazer, a fim de adquirir poder ou influência em muitos assuntos para os quais elas não têm nem o conhecimento especializado nem, em muitos casos, a mais simples competência. A permanência de um sujeito dentro dos limites ditados pela competência de sua especialidade, ou sua aventura para além desse papel em áreas que ultrapassam seu campo de especialização, depende, em parte, de se esse sujeito presume possuir mais conhecimento do que as pessoas cujas decisões estão sendo apropriadas. A forma como o conhecimento é visto afeta a maneira como a sociedade é vista, assim como afeta como o papel de um sujeito, dentro dessa sociedade, é avaliado. ◆ ◆ ◆

O RACIONALISMO IMEDIATISTA A fé dos intelectuais na "razão" assume, por vezes, a forma de uma crença na capacidade de decidir todos os assuntos usando recursos ad hoc, à medida que os problemas surgem. Em princípio, a razão pode ser aplicada a um período de tempo limitado ou expandido, como cada um desejar, um dia, um ano, uma geração ou mesmo um século, ao se analisar as implicações das decisões em relação às quais a duração de tempo pode ser escolhida. Um racionalismo essencialmente imediatista corre o risco de restringir suas análises às implicações imediatas de cada assunto à medida que vão surgindo, perdendo o foco das implicações mais profundas sobre certas decisões. As

abordagens imediatistas podem apresentar méritos em relação ao assunto imediatamente à disposição, considerado de forma isolada, mas que pode se revelar desastroso nos termos de suas repercussões no longo prazo, que são ignoradas. Um exemplo clássico foi dado na resposta de um intelectual francês à crise da Tchecoslováquia, que levou à realização da conferência de Munique de 1938: Um eminente cientista político francês, Joseph Barthélemy, professor de direito constitucional na Universidade de Paris e representante francês na Liga das Nações, levantou, no Le Temps, a questão que os líderes franceses tinham que responder: "Vale a pena botar fogo no mundo a fim de salvar o Estado da Tchecoslováquia, o qual compreende um amontoado de nacionalidades? É necessário que três milhões de franceses, toda nossa juventude universitária, de nossas escolas, de nosso interior e de nossas fábricas, sejam sacrificados para que três milhões de alemães se submetam à soberania tcheca?".[42] Tendo-se em vista que não era a França que ameaçava colocar fogo no mundo, mas Hitler, a questão mais ampla seria aquela que perguntasse se, ao ameaçar botar fogo no mundo, caso as coisas não fossem feitas do seu jeito, Hitler seria o tipo de pessoa que deveria ser apaziguada com essa abordagem imediatista, perguntando até que ponto tal política de apaziguamento poderia, afinal de contas, encorajá-lo ainda mais, deixando suas exigências cada vez mais ousadas. De forma contrária, Winston Churchill destacara, seis anos antes, que "cada concessão que havia sido feita "à Alemanha" fora seguida,

imediatamente, por uma nova exigência".[43] Churchill certamente rejeitava o racionalismo imediatista. Na época em que Barthélemy ainda debatia a crise da Tchecoslováquia, Hitler já tomara o passo crucial em direção aos preparativos para a guerra na Europa ao remilitarizar a região da Renânia, em franco desafio aos tratados assinados, e ao dar início ao recrutamento obrigatório de tropas num momento em que não havia nenhuma ameaça militar contra a Alemanha, além de anexar a Áustria pela força. Como bem disse Winston Churchill na época: "A Europa é confrontada com um esquema de agressão devidamente calculado e cronometrado, o qual se desdobra, diante de nossos olhos, a cada novo estágio". Esse raciocínio levantou a questão de longo prazo, lançada por Churchill: "Quantos amigos ficariam alienados, quantos aliados em potencial se perderiam, um atrás do outro, sugados pelo pavoroso rodamoinho, quantas vezes o blefe sairia, mais uma vez, vitorioso, até que, por trás de cada blefe, as forças em operação tivessem se consolidado?"[44] A realidade estava estampada para que todos pudessem vêla, mas apresentar a imediata crise da Tchecoslováquia de forma isolada revelou ser a maneira mais eficiente de se esquivar às profundas implicações que refletiam uma série de ações calculadas no longo prazo, o que gerou um recrudescimento ainda mais intenso da ameaça, na medida em que mais e mais recursos caíam sob o controle da Alemanha nazista, aumentando o seu poderio militar. Essa ameaça se tornaria ainda maior com a incorporação dos significativos recursos da Tchecoslováquia, os quais caíram sob o controle de Hitler, um desastre que a França acabaria experimentando dois anos mais tarde quando as forças invasoras alemãs submeteram a França rapidamente, usando, dentre outras coisas, tanques fabricados na Tchecoslováquia.

Esse tipo de raciocínio imediatista foi aplicado inúmeras vezes tanto em questões estrangeiras quanto domésticas. No coração dessa abordagem encontra-se a alegação de que os intelectuais podem definir uma questão da forma que lhes convém, e o que acontece no mundo real permanecerá dentro das determinações por eles definidas. Mas o tempo é apenas uma das muitas coisas que podem ultrapassar as fronteiras das definições e concepções feitas pelos homens. Por exemplo, embora pareça muito humano "perdoar" os empréstimos contraídos por países do Terceiro Mundo, ao menos dentro da perspectiva imediatista, o que acontece hoje afeta a maneira como as pessoas vão se comportar amanhã. Nesse caso, países do Terceiro Mundo tomam, repetidamente, dinheiro emprestado, mas que eles, não menos repetidamente, não conseguem saldar em função de um explícito "perdão" ou porque as agências internacionais de crédito permitem que eles financiem montantes cada vez maiores, usando os recentes empréstimos que são direcionados para saldar empréstimos mais antigos,mas sem qualquer solução real que salde as dívidas usando os próprios recursos. Irresponsabilidade fiscal raramente oferece uma saída para a pobreza, seja para indivíduos, seja para nações. Os furacões na Flórida e os incêndios no sul da Califórnia são fenômenos recorrentes, mas cada nova catástrofe natural é tratada como uma distinta e imediata crise, absorvendo não apenas os recursos e esforços de salvamento do governo, mas também vastos montantes de dinheiro do contribuinte para permitir que as pessoas que moram nessas regiões possam reconstruir nas mesmas áreas de risco.[45] Qualquer administração que recusasse impor aos contribuintes os gigantescos custos de subsídios para reconstrução nessas áreas de risco seria, sem dúvida, condenada de todos os lados, não apenas por seus rivais políticos, mas por uma larga parcela da mídia e membros da

intelligentsia, os quais observam cada furacão ou incêndio, em particular, tomados da velha perspectiva imediatista, em vez de enxergar a atuação de um padrão que se move de segundo em segundo com um histórico definido e cujo futuro pode ser previsto.

CAPÍTULO 3

OS INTELECTUAIS E A CIÊNCIA ECONÔMICA

Tanto faz ser conservador em prol do livre comércio, cristão ou pagão, pois é causas e as consequências

ou radical, protecionista ou  cosmopolita ou nacionalista, útil, a todos, conhecer as dos fenômenos econômicos. GEORGE J. STIGLER[46]

Aqueles intelectuais que não atuam no campo dos estudos em economia mostram, em grande parte, uma notável falta de interesse em aprender até mesmo os fundamentos mais básicos da ciência econômica. No entanto, sempre que podem não hesitam em proferir pronunciamentos bombásticos sobre a situação econômica, o mundo dos negócios e questões em torno do que é chamado de "distribuição de renda". O famoso romancista John Steinbeck, por exemplo, ao comentar sobre a grande quantidade de fortunas doadas por filantropos norteamericanos disse: Tem-se apenas que se lembrar desses financistas como predadores, os quais passam dois terços da vida retirando, das entranhas da sociedade, suas fortunas, passando o último terço devolvendo alguma coisa.[47]

Apesar do virtuosismo retórico do cenário criado, uma imagem chocante de lucros arrancados das entranhas da sociedade, Steinbeck, assim como a maioria dos intelectuais, não se preocupa em demonstrar se, realmente, a sociedade se tornou mais pobre em função das atividades comerciais de pessoas como Carnegie, Ford ou Rockefeller, os quais, assim como muitos outros, fizeram fortuna ao reduzir os preços de seus produtos, ganhando terreno diante de seus concorrentes. Esses preços mais baixos tornaram os produtos mais acessíveis a um número maior de pessoas, o que gerou, simultaneamente, aumento no padrão de vida da população e no número de fortunas com a enorme expansão do mercado. Em outras palavras, foi um processo de criação geral de riqueza, não um processo por meio do qual alguns se tornam ricos por intermédio do empobrecimento de outros. No entanto, imagens explicitamente negativas sobre o livre mercado são constantemente criadas com frases do tipo "barões do lucro" e "donos do capital", mas não respondem, contudo, às perguntas mais óbvias, como "Quem os barões do lucro lesavam quando reduziam seus preços?" ou "Como se pode alegar que o sucesso econômico dessas pessoas, as quais geralmente começam suas atividades com poucos recursos (ou mesmo dentro de circunstâncias afetadas pela pobreza, como no caso de  J. C. Penney e F. W. Woolworth), seja entendido como uma estrutura hierarquicamente herdada, na qual os donos do capital seriam vistos como reis?" A questão não é sobre a adequação ou a inadequação das respostas a tais questionamentos, pois na maioria dos casos tais questões não são sequer levantadas e muito menos respondidas. Para todos os efeitos, é a visão dos intelectuais que substitui e se impõe tanto aos fatos quanto às questões. Isso não quer dizer que ninguém, no mundo dos negócios, nunca fez nada de errado. Os homens santos têm sido igualmente incomuns em quase todas as áreas, tanto

nas salas do mundo corporativo quanto nos gabinetes governamentais ou mesmo nos ambientes universitários. Todavia, a questão aqui não é de culpabilidade individual ou de delitos particulares. A questão levantada tanto pelos críticos do mundo corporativo como por seus defensores trata dos méritos ou eventuais deméritos de processos institucionais alternativos que sirvam aos interesses econômicos da sociedade. Implícita, em muitas das críticas feitas aos processos de mercado, encontra-se a suposição de que são processos de soma zero, nos quais o que é ganho para alguns é, necessariamente, perda para outros. Contudo, raramente tal suposição é expressa de forma aberta, mas, sem a sua insinuação, muito do que se diz não teria como se sustentar. Talvez a questão socioeconômica mais importante ou aquela mais frequentemente debatida seja a que recebe o nome de "distribuição de renda", embora o termo seja um tanto quanto ilusório, e as conclusões tiradas pela maior parte dos membros da intelligentsia sejam ainda mais ilusórias. ◆ ◆ ◆

"DISTRIBUIÇÃO DE RENDA" Por um lado, as variações de renda podem ser observadas empiricamente e, por outro, podem receber julgamentos morais. Os membros da intelligentsia contemporânea, em sua grande parte, praticam ambos. Mas a fim de aferir a validade das conclusões que tiram, é aconselhável, em primeiro lugar, avaliar as questões empíricas em separado das questões morais, em vez de tentar destrinchar as duas ao mesmo tempo, sem nenhuma expectativa de encontrar coerência racional. ◆ ◆ ◆

EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS Considerando-se a renda da população dos Estados Unidos, temos uma enorme quantidade de dados estatísticos, os quais se encontram disponíveis no Censo, na Receita Federal e em outros inumeráveis institutos de pesquisa. Portanto, seria possível imaginar que os fatos fundamentais sobre as variações de renda seriam amplamente conhecidos pelas pessoas informadas, mesmo que estas viessem a ter opiniões divergentes em relação aos termos ideais na composição dessas variações. Na realidade, todavia, são justamente os fatos mais fundamentais que estão em litígio, e as variações no que se considera ou não fatos relevantes parecem ser tão grandes quanto às variações na própria renda. Em relação à renda, tanto a magnitude das variações como suas tendências, ao longo do tempo, são percebidas de forma radicalmente diferentes, de acordo com distintas visões sobre a realidade, mesmo sem levar em conta as diferentes expectativas das pessoas. Talvez o terreno mais fértil para geração de equívocos sobre a questão da renda seja dado pela prática, amplamente adotada, de confundir categorias estatísticas com seres humanos de carne e osso. Tanto na mídia quanto no mundo acadêmico, são muitas as afirmações que alegam que os ricos não estão, apenas, aumentando sua renda, mas, sobretudo, apropriando-se de uma fatia maior da renda total, aprofundando a defasagem entre o topo e a base da escala. Quase sempre tais alegações são baseadas numa confusão sobre o que esteve acontecendo, ao longo do tempo, nas categorias estatísticas e o que esteve acontecendo, durante o mesmo período, com as pessoas reais, as pessoas de carne e osso. Por exemplo, um editorial do New York Times denunciou que "A defasagem entre ricos e pobres nos EUA aumentou".[48] Em 2007, conclusões semelhantes

apareceram num artigo publicado na revista Newsweek, o qual anunciava "uma época em que a diferença entre pobres e ricos está crescendo, como também aumenta a diferença entre os meramente ricos e os super-ricos".[49] Este se tornou um tema bastante comum em toda mídia e em inúmeros programas de televisão. "Os ricos acumularam ganhos muito maiores que os pobres", declarou Eugene Robinson, colunista do Washington Post.[50] No Los Angeles Times, um escritor disse: "A diferença entre ricos e pobres está crescendo".[51] Segundo o professor Andrew Hacker, em seu livro Money: “Embora todos os segmentos da população usufruam de um aumento geral da renda, a quinta parte mais rica da população teve um desempenho 24 vezes superior ao da quinta parte mais pobre. Considerando-se as outras três partes intermediárias, todas elas tiveram um crescimento inferior, comparando-se com o topo da escala".[52] Embora essas discussões sejam concebidas em função das pessoas, a real evidência empírica assenta-se sobre o que aconteceu com as categorias estatísticas. Isso, porém, revela o oposto do que aconteceu com seres humanos de carne e osso, a maioria dos quais passou de uma categoria para outra ao longo da vida. Tendo-se em vista as categorias estatísticas como tais, é de fato verdade que tanto o montante de renda quanto a proporção de toda a renda recebida pelos 20% mais ricos, no topo da escala, aumentaram, alargando a defasagem com os 20% mais pobres, na base da escala.[53] No entanto, os dados fornecidos pelo Departamento do Tesouro dos EUA, o qual acompanhou a evolução econômica de indivíduos específicos a partir de suas declarações para a Receita Federal, provam que, em termos pessoais, a renda desses contribuintes, os quais compreendiam os 20% da base mais pobre, em 1996, crescera 91% até 2005, ao passo que a renda dos contribuintes que compunham os 20% do topo,

em 1996, crescera apenas 10% até 2005, e que a renda dos 5% mais ricos teve, de fato, decréscimo.[54] Pode parecer que ambos os modos de avaliação estatística sejam incompatíveis a ponto de não poderem ser verdadeiros ao mesmo tempo, mas o que os torna mutuamente compatíveis é o fato de os seres humanos de carne e osso se moverem de uma categoria estatística para outra ao longo da vida. Quando aqueles contribuintes, os quais inicialmente se encontravam na faixa mais baixa de renda, tiveram suas rendas praticamente dobradas em uma década, isso os moveu para além da quinta parte mais pobre da escala, e quando o grupo dos 1% mais ricos teve sua renda decrescida em torno de um quarto, isso também pode tê-los feito ir para baixo e fora da categoria máxima. Os dados oferecidos pela Receita Federal seguem indivíduos particulares ao longo de sua vida econômica a partir de suas declarações de renda, as quais estão vinculadas aos dados da Previdência Social, ao passo que os dados do Censo e de muitas outras fontes fixam-se, apenas, no que acontece com a composição das categorias estatísticas, mesmo que não sejam mais os mesmos indivíduos a compor as mesmas categorias ao longo dos anos. Muitos dos dados que são usados para se alegar um alargamento na diferença de renda entre "os ricos" e "os pobres" - nomes geralmente atribuídos a pessoas com diferentes níveis de renda e não diferentes níveis de riqueza, como os termos rico e pobre deveriam implicar levaram muitos, na mídia, a alegarem um aumento na diferença entre os "super-ricos" e os "meramente ricos". Sob o título "Os Mais Ricos Estão Deixando até Mesmo os Ricos Muito Atrás", um artigo de primeira página do New York Times rotulou "a milésima parte mais rica" como os "hiperricos" e declarou que eles "deixam para trás até mesmo aqueles que ganham centenas de milhares de dólares por ano".[55] Novamente, a confusão se dá entre o que está

acontecendo com as categorias estatísticas e o que está ocorrendo com indivíduos de carne e osso na medida em que avançam ou recuam de uma categoria para outra. Apesar do aumento de renda de 0,1% dos contribuintes mais ricos como categoria estatística, tanto absoluta quanto relativa mente, em relação à renda verificada em outras categorias, como seres humanos de carne e osso esses indivíduos que compunham inicialmente a categoria tiveram, na realidade, uma queda em suas rendas em vertiginosos 50% entre 1996 e 2005.[56] Não causa surpresa nenhuma se pessoas cuja renda é cortada pela metade caírem fora do grupo dos 0,1% mais ricos. O que acontece com a renda da categoria ao longo do tempo não é o mesmo que acontece com as pessoas que pertenciam a essa categoria num momento qualquer. Mas são muitos os que, na intelligentsia, estão prontos para adotar quaisquer números que pareçam corroborar sua visão. Por trás dos números, acompanhados de retórica alarmista, encontramos uma realidade um tanto quanto mundana: o fato de as pessoas, em sua maioria, começarem a vida profissional na base da escala, com salários de estagiários. No decorrer do tempo, à medida que adquirem mais habilidade e experiência, a sua produtividade crescente acarreta um crescimento da renda, colocando-as, sucessivamente, em patamares mais altos da escala. Essas não são as raras narrativas de Horatio Alger, mas são padrões comuns recorrentes na vida de milhões de pessoas cujas rendas, em 1975, compunham a base dos 20% de menor renda, mas que alcançaram o topo dos 40% por volta de 1991. Apenas 5% das pessoas que estavam inicialmente na base da escala, dividida em cinco patamares, ainda se mantinham na base em 1991, ao passo que 29% dos que inicialmente estavam na base tinham alcançado a quinta parte superior da escala.[57] Ainda

assim, o virtuosismo retórico da intelligentsia transformou uma faixa transitória, dentro de dada categoria estatística, em uma classe permanente chamada de "os pobres". Assim como a maioria dos norte-americanos inseridos na categoria estatística identificada como a dos "pobres" não compreende, de fato, uma classe permanente, estudos realizados na Grã-Bretanha, no Canadá, na Nova Zelândia e na Grécia mostram padrões similares de transitoriedade entre aqueles que participam das camadas de mais baixa renda em determinado momento.[58] Mais da metade dos norte-americanos que ganha salário mínimo ou um salário próximo ao mínimo tem entre 16 e 24 anos de idade.[59] É claro que esses indivíduos não podem permanecer entre 16 e 24 anos de idade indefinidamente, embora a categoria etária permaneça, certamente, indefinidamente, fornecendo a muitos intelectuais os dados que necessitam para corroborar seus preconceitos. Ao focar a atenção somente nas categorias de renda, em vez de perceber o movimento real das pessoas que transitam entre essas categorias, a intelligentsia foi capaz de criar, retoricamente, um "problema", para o qual uma "solução" se faz necessária. Eles criaram uma poderosa visão de "classes", compreendendo "disparidade" e "desigualdades" de renda, as quais são causadas por "barreiras" criadas pela "sociedade". Mas a real e eficiente rotina de milhões de pessoas, as quais escapam da quinta parte de mais baixa renda da escala, dá pouca atenção às supostas "barreiras" sociais tão alardeadas pelos integrantes da intelligentsia. Longe de usar suas habilidades intelectuais a fim de esclarecer a distinção entre categorias estatísticas e seres humanos de carne e osso, a intelligentsia, pelo contrário, usa seu virtuosismo retórico com intuito de igualar a relação numérica variável entre categorias estatísticas com o

crescimento econômico de seres humanos de carne e osso ao longo da vida, embora esses dados digam uma história diametralmente oposta à história sugerida pelas meras categorias estatísticas. A confusão entre categorias estatísticas e seres humanos de carne e osso é mantida sempre quando há confusão entre renda e riqueza. As pessoas chamadas de "ricas" ou "super-ricas" receberam esses nomes pela mídia com base em suas rendas, não em sua riqueza. Segundo o Departamento do Tesouro: "Entre aqueles com as rendas mais altas em 1996, o 1/100 do topo do 1% mais rico, apenas 25% permaneceram nesse grupo até 2005".[60] Se essas fossem pessoas genuinamente super-ricas, fica difícil explicar por que três quartos delas não mais participam da categoria uma década mais tarde. Uma confusão relacionada, embora um tanto diferente, entre categorias estatísticas e seres humanos gerou muitas afirmações disparadas pela mídia e pela academia, as quais diziam que a renda dos norte-americanos estava estagnada ou que crescera muito vagarosamente ao longo dos anos. Por exemplo, durante todo o período entre 1967 até 2005, a renda familiar média - ou seja, o ajuste de renda conforme a inflação - cresceu em 31%.[61] Em períodos selecionados no transcorrer desse longo tempo, a renda real familiar cresceu ainda menos e esses períodos selecionados são frequentemente citados pela intelligentsia para se alegar que tanto a renda quanto o padrão de vida entraram em "estagnação"[62]. Enquanto isso, a renda real per capita individual - cresceu em 122% no transcorrer do mesmo período, de 1967 até 2005.[63] Quando um aumento de mais que o dobro da renda é chamado de "estagnação", podemos observar um dos muitos feitos do virtuosismo retórico. A razão para tamanha discrepância entre a tendência das taxas de crescimento no rendimento familiar e a

tendência das taxas de crescimento na renda individual é muito simples e direta: o número de pessoas por família tem declinado ao longo dos anos. Em 1996, o Censo americano relatou que o número de famílias estava crescendo mais rápido que o número de pessoas e concluiu que: "O maior motivo para uma taxa de crescimento mais rápida na formação de famílias é a tendência crescente, particularmente entre indivíduos não ligados por laços familiares, em manter a própria residência fixa, em vez de ir morar com parentes ou mudarem para famílias já constituídas como hóspedes, inquilinos, e assim por diante". [64] O crescimento de renda individual tornou isso possível. Apesar de fatos óbvios e mundanos como esse, as estatísticas de renda familiar continuam a ser amplamente citadas pela mídia e pela academia, ao mesmo tempo que as estatísticas de renda per capita são amplamente ignoradas, apesar do fato de as famílias serem variáveis em tamanho, ao passo que a renda per capita sempre se refere à renda de uma pessoa. Todavia, as estatísticas que a intelligentsia continua a citar estão a serviço da visão que ela tem dos EUA, em detrimento das estatísticas que ela continuamente ignora. Assim, da mesma forma que as estatísticas de renda familiar minimizam o real crescimento do padrão de vida norte-americano, elas enfatizam o grau de desigualdade de renda na medida em que as rendas familiares mais baixas tendem a comportar menos pessoas do que as rendas familiares mais altas. Uma vez que temos 39 milhões de pessoas vivendo em famílias cujas rendas fazem parte dos 20% da base, existem 64 milhões de pessoas vivendo em famílias cujas rendas compõem os 20% do topo.[65] Não há, aqui, também mistério, considerando o número de mães solteiras com baixa renda e inquilinos de baixa renda vivendo em pensões ou pagando aluguéis baratos.

Mesmo se cada pessoa, em todo o país, recebesse exatamente a mesma renda, ainda haveria significativa "disparidade" entre a renda média familiar do grupo de 64 milhões de pessoas comparada à renda média compreendendo o grupo de 39 milhões de pessoas. Essa disparidade seria ainda maior caso apenas a renda dos trabalhadores adultos fosse computada, mesmo se todos eles tivessem renda idêntica. Há mais adultos trabalhando em tempo integral e durante o ano todo nos 5% do topo da escala do que nos 20% da base.[66] Muitas estatísticas de renda são igualmente enganadoras em outro sentido, pois descartam a renda recebida em gênero, tais como vale-refeição e subsídios de moradia, cujos valores totais frequentemente excedem o valor da renda em dinheiro recebida pelas pessoas nas camadas de renda mais baixa. Em 2001, por exemplo, transferências em gênero ou dinheiro vivo somaram mais de três quartos do total dos recursos econômicos à disposição das pessoas dos 20% da base.[67] ◆ ◆ ◆

CONSIDERAÇÕES MORAIS Essa diferença entre categorias estatísticas e pessoas reais afeta as considerações morais, assim como afeta as questões empíricas. Por mais que se esteja preocupado com a situação econômica de seres humanos de carne e osso, isso difere, em muito, de uma indignação com a mera situação das categorias estatísticas como tais. Por exemplo, o livro de grande sucesso de Michael Harrington, The Other America [A Outra América], dramatiza a situação das estatísticas, lamentando "a angústia "em que vivem os pobres nos Estados Unidos, dezenas de milhões de "desfigurados em corpo e espírito" constituindo "a vergonha da outra América", pessoas "presas num círculo vicioso" que

sofrem uma "deformação da vontade e do espírito, que é consequência de ser pobre".[68] Mas imantar os dados estatísticos de revolta moral nada faz para realmente tornar um participante transitório de uma categoria estatística em prisioneiro de uma classe permanente, consagrada por meio do virtuosismo retórico da intelligentsia. Houve uma época em que tal retórica poderia até fazer algum sentido nos Estados Unidos, e existem outros países onde ainda hoje ela pode fazer certo sentido. Contudo, os norte-americanos que vivem, hoje, abaixo da linha oficial de pobreza desfrutam, em sua maior parte, de bens considerados, em outras épocas, exclusivos ao padrão de vida da classe média, e isso apenas uma geração atrás. Assim, em 2001, três quartos dos norte-americanos com renda abaixo da linha oficial de pobreza tinham arcondicionado - um bem que apenas um terço dos norteamericanos tinham em 1971 -, 97% tinham televisor em cores - um bem que menos da metade dos norteamericanos tinha em 1971 - e 98% dos "pobres" tinham videocassete ou tocador de DVD - bens que ninguém tinha em 1971. Somando-se a isso, 72% dos "pobres" que viviam nos EUA tinham um veículo a motor.[69] Todavia, nada disso foi suficiente para alterar a retórica da intelligentsia, apesar do impacto das mudanças no padrão de vida dos norteamericanos, especialmente entre segmentos mais baixos de renda. A mentalidade típica de muitos intelectuais é encontrada no livro de Andrew Hacker, o qual se referia aos trilhões de dólares que se tornam "renda pessoal de alguns norte-americanos ", dizendo que: "A forma como esse dinheiro é apropriado será o tema deste livro"[70] Mas esse dinheiro não é, de forma alguma, apropriado. Ele se torna renda por meio de um processo completamente diferente. A própria frase "distribuição de renda" é tendenciosa, pois ela começa a contar a história do processo econômico

quando ele já se encontra em pleno funcionamento, contabilizando somente o montante de renda ou riqueza que já existe. Isso é feito a fim de priorizar a questão de como essa renda ou riqueza será distribuída ou "apropriada", como o professor Hacker coloca. No mundo real, todavia, a situação é bem diferente. Numa economia de mercado, a maior parte das pessoas recebe renda a partir do que produz, fornecendo a outras pessoas bens ou serviços de que necessitam ou desejam, mesmo que esse serviço seja só trabalho. Cada beneficiário desses bens e serviços paga segundo um valor determinado em relação ao que é recebido, escolhendo entre fornecedores alternativos, a fim de encontrar a melhor combinação custo-benefício. Esse processo mundano e utilitarista é um tanto quanto diferente da visão de "distribuição de renda" enfatizada pelos membros da intelligentsia, os quais imantam a visão de angústia moral. Caso realmente existisse um campo preexistente de renda e riqueza, no caso uma espécie de maná dos céus, então realmente haveria uma consideração moral em relação ao tamanho da fatia que cada membro da sociedade receberia. Mas o fato é que a riqueza é produzida. Ela não é um simples fator natural já dado. Milhões de sujeitos são pagos segundo o valor atribuído ao que produzem e isso é feito subjetivamente, por milhões de outros indivíduos. Não fica claro, de forma alguma, em que base se poderia dizer que certos bens e serviços são sobre ou subvalorizados. Em que base terceiros poderiam determinar que o trabalho em cozinha deva valer mais, ou que o trabalho em carpintaria deve valer menos, ou mesmo dizer que a vagabundagem não é recompensada o suficiente? Não há mistério algum no fato de milhares de pessoas a mais escolherem pagar para ouvir Pavarotti cantar do que pagariam para ouvir um cantor mediano. Sempre que as pessoas são pagas pelo que produzem, a produção de uma pessoa pode facilmente valer

mil vezes mais que a produção de outra para aqueles que são beneficiários dessa produção. Isso acontece porque milhares de pessoas a mais estão interessadas em receber alguns produtos e serviços do que o estão em receber outros produtos e serviços. Por exemplo, quando, devido a uma lesão, Tiger Woods deixou de participar dos torneios de golfe por muitos meses, os níveis de audiência nas rodadas finais dos grandes torneios despencaram, chegando a uma queda máxima de 61%.[71] Isso pode ser traduzido em perdas de milhões de dólares em receitas com propaganda, baseadas em números de telespectadores. O fato de a produtividade de uma pessoa poder valer mil vezes mais do que a de outra não significa que o mérito da primeira é mil vezes maior que o da segunda. Produtividade e mérito são coisas um tanto quanto distintas. A produtividade de um indivíduo é afetada por inúmeros fatores além de seus esforços. Nascer com excelente timbre de voz é um exemplo óbvio, assim como ser criado num lar em particular, recebendo um conjunto particular de valores e de padrões de comportamento, viver num ambiente social ou geográfico particular, meramente nascer com um cérebro normal em vez de um cérebro danificado durante o trabalho de parto, podem trazer diferenças enormes sobre o que uma pessoa é capaz ou não de produzir. Além do mais, terceiros não têm condição de avaliar, de segunda mão, o valor da produtividade de alguém para outros, e é difícil até mesmo conceber como o mérito de alguém poderia ser julgado, com acuidade, por outro ser humano que "nunca esteve em seu lugar". Um indivíduo criado em condições familiares terríveis ou sob terríveis condições sociais pode ter grande mérito por ter se tornado um cidadão decente e mediano, possuidor de habilidades medianas em seu trabalho de sapateiro, ao passo que outro indivíduo nascido e criado em condições muito mais vantajosas que dinheiro e posicionamento social podem, por

exemplo, conferir, pode não ter o mesmo mérito, mesmo ao se tornar um eminente neurocirurgião. Mas isso é totalmente diferente de dizer que reparar sapatos é tão valioso para os outros quanto ser capaz de reparar problemas cerebrais. Dizer que o mérito pode ser o mesmo não é a mesma coisa que dizer que a produtividade é a mesma. Nem podemos lógica ou moralmente ignorar a discrepância existente na relativa urgência dos que anseiam por seus sapatos consertados diante dos que precisam passar por uma cirurgia cerebral. Em outras palavras, não é simplesmente uma questão de pesar os interesses entre beneficiários diretos em suas relações de compra e venda, mas levar em conta o bem-estar de muitas outras pessoas que dependem do que esses indivíduos produzem. Se alguém preferir uma economia na qual a renda esteja divorciada da produtividade, então o caso para esse tipo de economia tem que ser tornado explícito. Mas isso é completamente diferente de uma mera manipulação retórica, a qual ilustra dois conjuntos estanques, fixando uma realidade de "distribuição de renda" de hoje versus uma realidade alternativa de "distribuição de renda" de amanhã. Em relação à questão moral, para que certos grupos de seres humanos sejam responsabilizados, em relação às disparidades na produtividade entre as pessoas e seus consequentes ganhos distintos, isso dependeria da quantidade de controle que um dado conjunto de seres humanos mantém, ou poderia possivelmente manter, em relação aos inumeráveis fatores que levaram às diferenças existentes na produtividade. Uma vez que nenhum ser humano tem qualquer controle sobre o passado e muitas das diferenças culturais mais determinantes vêm justamente na forma de legados culturais, as limitações sobre o que pode ser feito no presente são limitações reais sobre até que ponto podemos atribuir fracassos morais para

a sociedade atual. Menos ainda podem as diferenças estatísticas, entre grupos, ser automaticamente tidas como "barreiras" criadas pela sociedade. Barreiras existem no mundo real, assim como existe o câncer. Mas reconhecer isso não significa que todas as mortes, ou mesmo a maioria delas, tenham que ser automaticamente atribuídas ao câncer, ou que a maior parte das diferenças econômicas possa ser automaticamente atribuída às "barreiras". Considerando-se as restrições dadas pelas circunstâncias, existem coisas que podem ser feitas para tornar as oportunidades mais amplamente disponíveis, ou ajudar aqueles cujas deficiências são muito severas para que possam utilizar quaisquer oportunidades que já se encontram disponíveis. De fato, muito já foi e continua a ser feito nos Estados Unidos, que é, no mundo, a nação número 1 em atividade filantrópica não apenas em função das doações financeiras, como em função dos trabalhos assistenciais, os quais exigem tempo e energia de pessoas que se dedicam a essas ações. Mas ao se supor que tudo aquilo que não foi feito poderia ter sido feito, desconsiderando-se os custos e os riscos, podem-se culpar os indivíduos e a sociedade, pois o mundo real nunca estará à altura de algumas visões de sociedade ideal e a discrepância entre o real e o ideal sempre será julgada, pelos infalíveis visionários intelectuais, como fracasso moral da sociedade. ◆ ◆ ◆

OS POBRES EM SEU PAPEL DE CONSUMIDORES Embora a grande maioria das pessoas que, em determinado momento, integra a faixa mais baixa de renda não continue lá permanentemente, algumas o fazem. Além do mais, alguns bairros em particular podem permanecer, por gerações, como os locais de moradia de pessoas

pobres, embora muitas delas saiam desses bairros, mudando para uma vida melhor à medida que sobem de padrão de vida. Mudanças completas de perfil racial em determinados bairros são sinais dessa enorme mobilidade econômica, como, por exemplo, o distrito do Harlem que foi um dia tomado por uma comunidade judaica de classe média.[72] Bairros de baixa renda tendem a apresentar suas próprias características econômicas e uma das mais marcantes é que, nesses lugares, os preços tendem a ser mais altos. As discussões dos intelectuais em torno do tema "os pobres pagam mais" tomam frequentemente a forma de acusações e condenações indignadas, dirigidas contra aqueles que cobram preços exorbitantes justamente às pessoas que menos podem pagar por eles. As causas e origens desses preços exorbitantes são imputadas, implicitamente, àqueles que os cobram, particularmente associadas às disposições malignas de pessoas "gananciosas", "racistas", entre outros adjetivos. Raramente é levantada e muito menos investigada a possibilidade de que, seja lá quem for o agente que transmite esses altos preços, ele não é o agente causador dos altos preços em particular. Aliás, a confusão que se faz entre transmissão e causa está no coração de boa parte dos debates intelectuais sobre os "problemas sociais". Em muitos contextos distintos, os preços geralmente transmitem uma realidade subjacente sem, contudo, ser a causa daquela realidade. Dentre essas realidades subjacentes, em muitos bairros de baixa renda encontramos altos índices de criminalidade, vandalismo e violência endêmica, assim como carência de pré-requisitos econômicos para ativar uma economia de escala, os quais permitem que grandes cadeias e redes varej istas cobrem preços mais baixos e lucrem com o volume, como acontece nos casos de bairros mais prósperos. Mas tais considerações mundanas não dão

aos intelectuais a oportunidade de exibirem o seu tipo especial de conhecimento, tampouco a oportunidade para que externem sua presunçosa moralidade, que se revela na condenação dos outros. Se os estabelecimentos comerciais em bairros de baixa renda estivessem de fato fixando taxas mais altas de lucro em seus investimentos, ficaria muito difícil explicar o motivo pelo qual as grandes cadeias de lojas e muitos outros tipos de comércio evitam estabelecer negócios nessas localidades. Esses bairros sofrem com a carência de muitos serviços comerciais, os quais são comumente encontrados em bairros mais prósperos. O mesmo acontece com os custos subjacentes ao se fornecerem serviços financeiros para pessoas que vivem em bairros de baixa renda, realidade que também é ignorada por boa parte da intelligentsia. As altas taxas de juros cobradas nos empréstimos pessoais para os pobres são suficientes para disparar inúmeras denúncias que exigem intervenção governamental para que se coloque um fim aos juros "abusivos" e "imorais". Nesse caso, o virtuosismo retórico é frequentemente usado para falar dos juros em termos de sua porcentagem anual, quando na verdade os empréstimos contraídos em bairros de baixa renda são frequentemente feitos para ser saldados em questão de semanas ou dias, a fim de resolver problemas e imprevistos financeiros momentâneos. Os valores cedidos em empréstimo ficam geralmente na casa de algumas centenas de dólares, em contratos de algumas semanas, com juros variando em torno de US$ 15,00 a US$ 100,00 por empréstimo. Isso geraria, em juros acumulados no ano, valores na casa das centenas, o tipo de estatística que provoca sensação na mídia e na política. Os custos reais por trás de tais cobranças são raramente ou nunca investigados pela intelligentsia, pelos chamados "defensores dos consumidores" ou por outros que se encontram igualmente envolvidos no negócio de criar sensacionalismos e denunciar negócios cuja operação eles

pouco ou nada conhecem. As consequências econômicas de uma intervenção governamental para limitar as taxas anuais de juros podem ser observadas, pois foram adotadas em alguns estados onde tais limites foram impostos. Depois que o estado do Oregon impôs um limite de 36% sobre os juros anuais, três quartos dos negócios envolvendo concessão de "crédito rápido" fecharam as portas.[73] Não é difícil entender as causas de tal resultado, caso se tenha paciência para checar os fatos. Com um limite de 36% fixado sobre os juros anuais, os US$ 15,00 de juros cobrados para cada US$ 100,00 emprestados ficariam reduzidos para menos de US$ 1,50 no caso de um empréstimo a ser pago em duas semanas, o que significa um montante insuficiente até mesmo para cobrir os custos envolvendo o mero processamento do empréstimo, sem contar os riscos implícitos nele.[74] Os mutuários de baixa renda, a suposta razão para a preocupação moral das elites, são, portanto, impedidos de contrair empréstimos baixos, muitas vezes necessários para resolver exigências ou imprevistos, empréstimos que seriam ou não contraídos segundo as avaliações de custo-benefício dos próprios mutuários. Por que tal decisão de custobenefício deveria ser, forçosamente, suprimida pela lei, retirando o poder de decisão da pessoa mais indicada para avaliar a situação, assim como a mais afetada por ela? Mas essa é uma questão raramente levantada e quase nunca respondida. Tratando-se de intelectuais que se consideram bem informados e moralmente superiores, raramente lhes ocorreria que estão interferindo em fatores em relação aos quais são completamente ignorantes, em detrimento de pessoas que são muito menos afortunadas do que eles. Por exemplo, num editorial do New York Times que denunciava as agências de crédito rápido, encontramos o mesmo mantra de indignação, fundado em ignorância econômica: "Juros anuais de três dígitos que exploram o

desespero das pessoas (...) sob o manto protetor do capitalismo". O editorial defendia um teto de juro anual a 36% no intuito de interromper a "exploração flagrante feita pelas agências de crédito rápido".[75] Quão benéfico esse discurso foi ao New York Times, ao dizer tais coisas, não nos diz absolutamente nada se ele de fato fez algum bem para os pobres, os quais tiveram que enfrentar a subtração de uma opção dentro de um repertório já bastante limitado de opções. ◆ ◆ ◆

SISTEMAS ECONÔMICOS O fato mais fundamental em economia, sem o qual não haveria economia alguma, é o de a necessidade de todos sempre superar a disponibilidade das coisas. Se isso não fosse verdadeiro, então estaríamos vivendo numa espécie de Jardim do Éden, onde tudo se encontraria disponível em ilimitada abundância em vez de vivermos numa economia com recursos limitados e desejos ilimitados. Por causa dessa escassez herdada, desconsiderando-se qualquer que seja o sistema econômico em particular, capitalista, socialista, feudal ou outro qualquer, uma economia não apenas organiza a produção e a distribuição da produção resultante, mas, por sua própria natureza, também tem que ter meios de prevenir que as pessoas satisfaçam completamente seus desejos. Ou seja, ela transmite a escassez inerente, sem a qual não haveria objetivo algum na atividade econômica, apesar de ela não ser a causadora da escassez. Numa economia de mercado, os preços transmitem a escassez inerente por meio de ofertas concorrentes que buscam recursos e produtividade que não podem ser desfrutados, ilimitadamente, por todos os licitantes. Isso pode parecer uma pequena e simples observação, mas até

mesmo intelectuais renomados, como o filósofo John Dewey, parecem desconhecer essa realidade básica, culpando um sistema econômico em particular que, ao transmitir escassez, é tido como seu causador. Dewey considerava a existente economia de mercado algo "que mantém uma escassez artificial" em benefício do "lucro pessoal".[76] De forma semelhante, George Bernard Shaw via na "restrição da produtividade" o princípio no qual o capitalismo se fundava.[77] Bertrand Russell desprezava a economia de mercado por ser um sistema econômico no qual "os ricos salteadores estão livres para cobrar do mundo o uso de minerais indispensáveis".[78] Segundo Dewey, para tornar "a abundância potencial em realidade" seria preciso "modificar as instituições".[79] Contudo, ele aparentemente achou desnecessário especificar quais teriam sido os conjuntos alternativos de instituições econômicas, no mundo real, que tivessem de fato produzido uma abundância maior, superando as instituições que ele criticava, culpando-as de "manter uma escassez artificial". Como em muitos outros casos, a falta fundamental de evidência factual, ou mesmo de uma única afirmação que respeite a lógica, passa frequentemente despercebida pela intelligentsia sempre que alguém está dando voz à visão consagrada por seus pares, uma visão consistente com o projeto da intelligentsia para o mundo. Da mesma forma, um historiador do século XXI disse de passagem, como algo muito óbvio para exigir maiores elaborações, que "o capitalismo criou massas de trabalhadores afetados pela pobreza".[80] Havia, certamente, muitos trabalhadores nessa condição nos primeiros anos do capitalismo, mas não ocorreu ao historiador em questão, assim como não ocorre à maioria dos intelectuais, mostrar que foi o              capitalismo que criou tal pobreza. Se, de fato, esses trabalhadores eram mais prósperos antes do capitalismo, então não apenas

esse fato necessitaria ser demonstrado, mas, sobretudo, teria que ser explicado o motivo pelo qual esses trabalhadores renunciaram a esse padrão de vida anterior, supostamente mais próspero, para trabalhar por menos para o capitalismo. Raramente, qualquer uma das duas tarefas são realizadas pelos intelectuais de tamanhas afirmações e também raramente seus parceiros intelectuais os desafiam a fazê-las sempre que dizem coisas que se encaixam na visão dominante da intelligentsia. ◆ ◆ ◆

CAOS VERSUS COMPETIÇÃO Em economia, dentre outras noções sem comprovação proferidas pela intelligentsia, estão aquelas que anunciam o irremediável caos na economia, sem planejamento ou controle governamental. A ordem criada por um processo deliberadamente controlado pode ser muito mais fácil de conceber ou entender, em comparação à ordem que emerge de um conjunto incontrolável de inumeráveis interações. Mas isso não significa que a primeira seja, necessariamente, mais comum, mais significativa ou mais desejável em suas consequências. Nem o caos nem o fator aleatório estão, necessariamente, implícitos em circunstâncias não controladas. Numa floresta virgem, a flora e a fauna não estão distribuídas de forma aleatória ou mesmo caótica. A vegetação que cresce em torno das montanhas muda, sistematicamente, de acordo com a altitude. Algumas espécies de árvores aparecem de forma mais abundante em elevações menores e outros tipos se fazem mais abundantes em lugares mais elevados. Acima de determinada altitude não cresce nenhum tipo de árvore e no cume do Everest, não temos qualquer tipo de vegetação. Obviamente, nada disso é resultado de qualquer decisão

feita pela própria vegetação, mas depende das circunstâncias adjacentes, como temperatura e solo. Temos um resultado sistematicamente determinado revelando um padrão, não o caos. A vida animal também varia em função de diferenças no meio ambiente, e embora os animais, como os seres humanos (e diferentemente do mundo vegetal), possuam pensamento e volição, estes nem sempre são os fatores mais decisivos nos resultados. Que peixes vivam na água e pássaros voem, em vez do contrário, não se apresenta como uma questão relacionada às escolhas das espécies, apesar de haver escolha entre comportamentos em seus respectivos meios. Além do mais, quais tipos de escolhas de comportamento sobreviverão à competição, cuja realidade elimina alguns tipos de resposta ao meio ambiente e permite que outras permaneçam, não é, de forma semelhante, uma questão de volição. Portanto, entre a volição individual e os resultados gerais temos fatores sistemáticos os quais limitam ou determinam o que sobreviverá, criando um padrão, em vez do caos. Nada disso é difícil de entender no mundo natural. Mas a diferença entre fatores individuais, volitivos e sistêmicos é raramente considerada pelos intelectuais quando discutem as economias, a não ser que sejam economistas. Ainda assim, essa distinção tem sido um lugar comum entre economistas por mais de dois séculos e não se trata de, simplesmente, uma questão de opinião ou de ideologia. A análise sistêmica foi tão comum em Karl Marx quanto o foi em Adam Smith, já existindo na escola de economia francesa do século XVIII, chamada de escola fisiocrata, antes que Marx ou Smith escrevessem sobre economia. A analogia entre a ordem sistêmica da natureza e da economia foi sugerida no título de um dos escritos fisiocratas do século XVIII, L'Ordre Naturel, obra escrita por Mercier de la Riviere. Foram os fisiocratas que cunharam a

frase laissez-faire, posteriormente associada a Adam Smith, baseados na convicção de uma ordem econômica não controlada que emergia de interações sistêmicas entre pessoas competindo e se acomodando umas com as outras. Certamente que, em comparação aos fisiocratas e a Adam Smith, Karl Marx tinha uma visão bem menos positiva sobre os resultados da competição de mercado, mas o crucial, aqui, é saber que ele também analisou a economia de mercado a partir da realidade das interações sistêmicas, mesmo quando se tratava da elite econômica, assim como os capitalistas. Marx disse que a "competição" cria resultados econômicos que são "completamente independentes da vontade do capitalista".[81] Portanto, segundo Marx, na medida em que uma nova tecnologia, com baixos custos de produção, permite que o capitalista baixe seus preços, a difusão dessa tecnologia, entre capitalistas competidores, força que ele os abaixe.[82] Em sua análise sobre as retrações, depressões ou "crises" econômicas, dentro da terminologia marxista, Marx fez uma aguda distinção entre causa sistêmica e volitiva: Um homem que produziu algo não escolhe se venderá ou não o seu produto, pois é obrigado a vendê-lo. Durante as crises temos precisamente a situação onde ele não pode vender, a não ser abaixo do preço de produção ou mesmo assumindo grandes perdas. Portanto, que proveito tiramos do fato de que ele produziu a fim de vender? O que nos preocupa é precisamente descobrir o que se sobrepôs à sua boa intenção. [83]

Nem em sua teoria econômica nem em sua teoria da história Marx interpretou os resultados decisivos como simples realizações de atos de volição individual, mesmo no

caso das elites. Seu colaborador, Friedrich Engels, diz: "O que cada indivíduo deseja é obstruído por todos os outros e o que emerge é algo que ninguém desejou".[84] A economia é exatamente esse padrão que emerge. O historiador Charles A. Beard buscou explicar a Constituição dos Estados Unidos por meio dos interesses econômicos dos homens que a escreveram, mas essa abordagem volitiva nunca foi usada por Marx e Engels, apesar de a teoria da história de Beard ser geralmente confundida como exemplo de teoria marxista da história. Em sua época, Marx desconsiderava uma teoria semelhante como "pura anedota idiota que atribui a todos os grandes eventos causas mesquinhas e pequenas".[85] A questão não é se a maioria dos intelectuais concorda ou não com as análises sistêmicas em economia ou em outras disciplinas. Muitos nunca consideraram e muito menos confrontaram esse tipo de análise. Aqueles que raciocinam simplesmente em termos de volição causativa preveem o caos a partir de decisões individuais conflitantes, como desvio do controle central dos processos econômicos. John Dewey dizia que "planos bem estruturados" seriam necessários "caso o problema da organização social venha a ser estudado".[86] Caso contrário, haverá "a continuação de um regime baseado no acidente, no desperdício e na aflição".[87] Para Dewey, a "dependência na inteligência" seria a alternativa para o "acaso e a improvisação"[88] ou seja, para o caos, e aqueles "hostis ao planejamento social intencional" seriam considerados a favor de um "individualismo atomístico".[89] Aqui, como em muitos outros casos, o virtuosismo retórico transforma os argumentos de pessoas que têm visões opostas às do intelectual em meras emoções. Nesse caso, a emoção é revelada na hostilidade ao planejamento social. Essa hostilidade é presumidamente devida a noções residuais de uma época que já passou e que via a sociedade

como "a mera coincidência de resultados decorrentes de uma vasta quantidade de esforços individuais, sem referência a qualquer fim social comum",[90] segundo o próprio Dewey. Na época em que John Dewey disse tudo isso, em 1935, fazia mais de um século e meio que os fisiocratas franceses tinham publicado seus primeiros trabalhos, explicando como os mercados competitivos coordenam, sistematicamente, as atividades econômicas e alocam recursos por meio de ajustes nos preços, em função das variações de oferta e demanda. Concorde-se ou não com as explicações dos fisiocratas ou as semelhantes e mais sofisticadas explicações dos economistas posteriores, são esses os argumentos que teriam que ser discutidos e não simplesmente evitados, esvaziados e transformados em meras emoções, argumentando-se sem argumentos. Por exemplo, o professor Ronald Dworkin, da Universidade de Oxford, simplesmente ignora os processos sistêmicos em geral, tanto no campo da economia quanto em outras áreas, considerando-os "a fé tola a crer que a ética, assim como a economia, se move a partir de uma mão invisível, determinando a melhoria dos direitos individuais e do bem geral, e essa lei moverá a nação à utopia sem atritos, na qual todos estarão em melhores condições do que anteriormente".[91] Mais uma vez, o virtuosismo retórico deturpa, em vez de responder com base em evidências e lógica, os argumentos contrários. Na época em que o professor Dworkin afirmava essas coisas, havia numerosos exemplos de países cujas economias eram fundamentalmente economias de mercado, e outros tantos países cujas economias certamente não eram de mercado. Tal configuração dava ampla oportunidade para comparações empíricas, as quais se encontravam prontamente disponíveis, incluindo comparações entre países

comportando um mesmo povo, como, por exemplo, Alemanha oriental versus Alemanha ocidental ou Coreia do Norte versus Coreia do Sul. Mas o virtuosismo retórico torna desnecessários tanto os argumentos analíticos quanto os empíricos. A competição econômica é o que força inúmeras decisões individuais, em separado, a se reconciliarem, na medida em que os termos de transação vão se alterando em resposta às mudanças na oferta e na demanda, as quais, por sua vez, transformam as atividades econômicas. Isso não é uma questão de "fé", como diria Dworkin, ou de ideologia, como diria Dewey, mas de entendimento básico de economia. John Dewey via os negócios como os agentes controladores do mercado, mas tal compreensão não se encontra em perfeita harmonia com o posicionamento da esquerda. Karl Marx pertencia certamente à esquerda, mas a diferença é que ele havia estudado economia tão profundamente como qualquer outro de sua época. Da mesma forma que Karl Marx não atribuía aos indivíduos capitalistas o que via como efeitos prejudiciais de uma economia de mercado, também Adam Smith não atribuía aos indivíduos capitalistas o que considerava os efeitos benéficos de uma economia de mercado. As ilustrações que Smith fez sobre os homens de negócio eram tão negativas quanto as de Marx,[92] apesar de Smith ser considerado o santo patrono da economia de mercado. Segundo Smith, os efeitos sociais benéficos dos empreendimentos dos homens de negócio "não fazem parte de suas intenções”.[93] Tanto nos dias de Adam Smith quanto hoje em dia, mais de dois séculos depois, os argumentos em favor de uma economia de mercado se baseiam nas vantagens dos efeitos sistêmicos do modelo ao alocar eficientemente os recursos escassos, os quais assumem usos variados, por meio da competição no mercado. Caso alguém concorde com as conclusões ou

discorde delas, esse é o argumento que precisa ser confrontado ou evadido. Contrário ao que pensava Dewey e muitos outros, os argumentos sistêmicos são independentes de quaisquer noções de "individualismo atomístico". Não são argumentos que dizem que o bem-estar de cada indivíduo contribui para o bem-estar da sociedade. Um argumento desse tipo ignoraria os processos sistêmicos, os quais se encontram no coração das análises em economia, seja em Adam Smith, Karl Marx ou outros economistas. Esses argumentos econômicos não precisam ser elaborados aqui, uma vez que são discutidos em detalhes em livros de economia.[94] O relevante, em nosso caso, é mostrar o quanto esses intelectuais, os quais veem o caos como único resultado sempre que o planejamento e o controle governamentais estão ausentes, raramente se incomodam em confrontar empírica e analiticamente seus argumentos, mal interpretando o assunto e distorcendo os argumentos dos que têm uma visão diferente. Apesar da dicotomia frequentemente expressa entre o caos e o planejamento, o que é chamado de "planejamento" é a supressão forçada dos planos de milhões de pessoas por meio de um plano imposto pelo governo. O que é considerado caos são as interações sistêmicas cuja natureza, lógica e as consequências são raramente examinadas por aqueles que simplesmente supõem que os "planejamentos" forçados por terceiros autodesignados são necessariamente melhores. Herbert Croly, o primeiro editor da revista New Republic foi uma figura expressiva da era progressista. Ele caracterizava a concepção de governo limitado de Thomas Jefferson como "a antiga e letal política da tendência natural", em contraste com a política de Alexander Hamilton, tida como "asserção energética e inteligente para o bem nacional". De acordo com Croly, era preciso formar "um governo central energético e de visão

clara".[95] Nessa concepção, o progresso depende de tomadores de decisão terceirizados, decidindo no lugar de milhões de outros. Apesar de ser passada a noção de que a escassez é maquinada para o bem do lucro, numa economia de mercado essa escassez se encontra, todavia, no coração de qualquer economia, seja ela capitalista, socialista, feudal ou outra qualquer. Considerando-se que essa escassez é inerente ao sistema como um todo - qualquer sistema -, ela tem que ser transmitida para cada indivíduo de alguma forma. Em outras palavras, não faz sentido algum, dentro de qualquer sistema econômico, produzir a maior quantidade fisicamente possível de qualquer produto, pois isso teria que ser feito com recursos escassos, os quais poderiam ser usados na produção de outros produtos, cuja oferta também se encontra inerentemente limitada, em menor abundância do que as pessoas querem. Nas economias capitalistas, os mercados reconciliam essas demandas em competição pelos mesmos recursos por meio da variação dos preços, em ambos os mercados, para os bens de consumo e para os recursos que são alocados para a produção desses bens. Esses preços tornam economicamente inviável para um produtor usar um recurso para além do ponto em que esse recurso tenha um valor maior para outro produtor, que também está competindo por ele. Para o fabricante individual, o ponto no qual não seria mais lucrativo fazer uso dos fatores de produção - terra, trabalho e maquinário - é o ponto que determina o limite de produtividade do fabricante, mesmo se fosse fisicamente possível produzir mais. Mas embora a lucratividade e a não lucratividade transmitam esse limite, elas não são sua causadora, o qual se deve à escassez inerente de recursos em qualquer sistema econômico, seja ele um sistema baseado ou não no lucro. Produzir mais, desconsiderando

tais limites, não torna uma economia mais próspera. Pelo contrário, significa produzir em excesso um bem em detrimento do aumento da carência de outro, que poderia ter sido produzido com os mesmos recursos. Essa foi uma situação dolorosamente comum na economia estatizada da União Soviética, onde bens encalhados se empilhavam nos depósitos, ao mesmo tempo que terríveis carências faziam as pessoas esperarem em longas filas por outros bens.[96] Ironicamente, Marx e Engels tinham antevisto as consequências econômicas de preços sancionados e criados pelos governos, em vez de resultados dos processos de oferta e demanda. Isso aconteceu muito antes da fundação da União Soviética, muito embora os soviéticos alegassem estar seguindo os princípios marxistas. Na publicação de uma edição póstuma do livro de 1847 de Marx, The Poverty of Philosophy [A Pobreza da Filosofia], no qual Marx rejeitava a regulamentação de preços, Engels expôs o problema em sua introdução editorial. Ele destacou que as flutuações de preço "trazem, necessariamente, a produção de bens em qualidade e quantidade requeridos pela sociedade". Sem tal mecanismo, Engels pergunta "que garantia temos de que será produzida a quantidade necessária de cada produto, nem mais nem menos, de forma a não ficarmos privados de milho e de carne, enquanto ficamos entupidos de açúcar e afogados em batatas, para que não nos faltem calças para cobrir nossa nudez, enquanto os botões inundam aos milhões".[97] Nesse ponto, a diferença entre Marx e Engels, de um lado, e a maioria de outros intelectuais da esquerda do outro, era simplesmente que Marx e Engels tinham estudado economia, e os outros, geralmente, não. Uma visão volitiva sobre a economia permite que a intelligentsia, além de políticos e outros, dramatize o funcionamento econômico, explicando os preços altos em função da "ambição" e os baixos salários devido à "falta de compaixão". Embora isso seja parte de uma ideologia, a

ideologia esquerdista não é suficiente para explicar tal abordagem. "Eu retrato, cruamente, o capitalista e o senhor de terras", Karl Marx disse na introdução ao primeiro volume de O Capital. "Meu ponto de referência", todavia, ele adicionou, "torna menos responsável que qualquer outro o indivíduo, por relações em cuja realidade ele socialmente permanece como criatura, não importando o quanto ele possa se elevar, subjetivamente, acima delas".[98] Portanto, em Marx os preços e os salários não eram determinados volitivamente, mas sistematicamente, compreendendo que não se tratava de uma questão de pertencer ou não à esquerda, mas de ter ou não um mínimo de noção dos rudimentos de ciência econômica. A noção subjacente da fixação volitiva de preço levou, em nossa própria época, a no mínimo uma dúzia de investigações federais contra as companhias de petróleo norte-americanas em resposta ou a uma escassez de gasolina ou a um aumento nos preços, embora nenhuma dessas investigações, quando foram lançadas, tenha conseguido se amparar em fatos que pudessem apoiar as sinistras explicações que abundam na mídia e na política. Muitas pessoas acham difícil acreditar que eventos econômicos negativos não respondam por alguma espécie de impostura, mesmo que elas aceitem naturalmente eventos econômicos positivos, como o preço decrescente dos computadores, os quais, ainda por cima, são muito melhores que os computadores mais antigos. Nesse caso, a coisa é vista como o resultado do "progresso" que de alguma maneira acontece. Numa economia de mercado, os preços transmitem uma realidade subjacente sobre a relação entre oferta e demanda e sobre os custos de produção por trás da oferta, assim como inúmeras preferências individuais e negociações por trás da demanda. Ao se olhar os preços como construções sociais meramente arbitrárias, alguns

podem imaginar que os preços existentes podem ser substituídos por preços fixados pelo governo, os quais refletiriam uma noção mais sábia e nobre, tais como "moradia a preço acessível", ou custos "razoáveis" de planos de saúde. Contudo, encontramos uma história de controle de preços que recua por séculos, por todo o mundo, com consequências negativas e até mesmo desastrosas, sempre que se resolve tratar os preços como construções meramente arbitrárias, em vez de sintomas e transmissões de uma realidade subjacente, a qual não se dobra tão facilmente ao controle, como os preços.[99] Muitos ou mesmo a maioria dos intelectuais devia saber disso, pois abundam os exemplos históricos, mas isso não se verifica porque, com frequência, eles não veem necessidade alguma em consultar a história ou outro processo qualquer de validação além do que é determinado pelo consenso entre os pares ideologicamente alinhados, sempre que estão discutindo questões econômicas. A distinção crucial entre transações de mercado e tomadas de decisão coletivistas é que no mercado as pessoas são recompensadas segundo o valor de seus bens e serviços por aqueles indivíduos em particular que recebem esses bens e serviços e que têm todo incentivo em buscar fontes alternativas, de modo a minimizar seus custos, da mesma forma que vendedores de bens e serviços têm todo incentivo em buscar as ofertas mais altas para aquilo que têm a oferecer. Contudo, as tomadas de decisão coletivistas, efetuadas por terceiros, permitem que eles se sobreponham às preferências de outros sem quaisquer custos para si mesmos, tornando-se árbitros do destino econômico de outras pessoas sem responderem pelas consequências. ◆ ◆ ◆

INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL

Entre as consequências mais comuns em função da completa ignorância em economia, por parte dos intelectuais, encontramos a visão da soma-zero já mencionada, na qual os ganhos de um indivíduo ou de um grupo representam, necessariamente, uma perda correspondente para outro indivíduo ou grupo. Segundo Harold Laski, "os interesses entre capital e trabalho são irreconciliáveis em seus fundamentos, pois existe uma soma a ser dividida e cada parte quer mais do que o outro dará”. [100] Tal suposição é raramente afirmada tão cruamente, nem mesmo na mente da maioria dos intelectuais cujas conclusões exigem uma implícita suposição de soma-zero como fundamento. Contudo, essa visão que se aglutina em doutrina e que diz que alguém precisa "tomar posição", ao fazer gestão pública ou mesmo ao executar decisões judiciais, ignora a verdade sobre as transações econômicas, pois elas não continuariam a existir, a menos que ambos os lados as vejam como algo preferível à sua não realização. Certamente, cada lado procurará favorecer o seu, mas ambos têm que estar dispostos a aceitar termos mutuamente acordados, caso contrário a transação não ocorrerá de forma alguma, muito menos terá prosseguimento. Longe de se caracterizar como "irreconciliável", como Laski alega, é uma situação cuja reconciliação se dá milhões de vezes todos os dias. De outra forma, a economia não teria como operar. Na verdade, toda uma sociedade não poderia funcionar sem dispor de vastíssimas quantidades de decisões econômicas e não econômicas que cooperam entre si, apesar do fato de sempre haver diferenças entre dois interesses, mesmo entre membros de uma mesma família. Contrário ao que Laski e seus pares intelectuais pensam, não existe tal coisa como uma "soma a ser dividida", como seria o caso se tivéssemos que distribuir o maná vindo dos céus. É precisamente a cooperação entre

capital e trabalho que cria uma riqueza que não existiria de outra forma, e ambos os lados se privariam caso não reconciliassem seus desejos conflitantes desde o início da operação. É literalmente absurdo colocar na frente o que vem atrás, começando a análise com a "soma que precisa ser dividida", ou seja, começando pela riqueza. A riqueza pode ser criada apenas depois que o capital e o trabalho conciliaram suas exigências conflitantes e concordaram em relação aos termos em que podem operar conjuntamente para a produção de mais riqueza. O hábito descabido de muitos intelectuais em ignorar os pré-requisitos, incentivos e restrições envolvidos na produção de riquezas gera ramificações que podem desembocar em muitas conclusões falsas, mesmo quando o virtuosismo retórico esconde essas falsificações de outros e deles mesmos. Intervenções de políticos, juízes e outros, a fim de impor termos mais favoráveis para um dos lados, como, por exemplo, leis de salário mínimo ou regulamentação de preços de aluguéis, reduzem a quantidade de termos mutuamente acordados, o que, quase invariavelmente, reduz o número de transações mutuamente aceitáveis na medida em que a parte desfavorecida pelas intervenções fará, subsequentemente, menos transações. Por exemplo, países com salários mínimos generosos têm, frequentemente, índices mais altos de desemprego e sofrem períodos maiores de desemprego generalizado, uma vez que os empregadores oferecem menos vagas para trabalhadores com pouca experiência e baixa qualificação, os quais são, tipicamente, os menos valorizados e que ganham os menores salários. Esses grupos de baixa qualificação são facilmente descartados, em sua maioria, com a implantação de leis de salário mínimo. Não é incomum, em países europeus com generosas leis de salário mínimo, além de outros benefícios que os empregadores são determinados por lei a pagar, a existência de grupos de jovens sem experiência que

enfrentam índices de desemprego de 20% ou mais.[101] Os empregadores ficam numa situação ainda um pouco pior ao terem que reorganizar seus negócios e talvez elevar o custo com maquinário a fim de substituir trabalhadores com baixa qualificação, os quais se tornam economicamente sem valor. Mas essa mão de obra jovem e geralmente desqualificada pode ficar numa situação ainda muito pior ao não ser capaz de encontrar empregos alternativos, pois, além de perder a oportunidade de receber salários, ela fica impedida de ganhar experiência e de crescer profissionalmente, o que a levaria com o tempo, caso tivesse emprego, melhores trabalhos e remunerações. Portanto, "favorecer um lado" provoca geralmente, a ambos os lados, uma situação futura pior, mesmo que de maneiras distintas e em graus diversos. Mas a ideia mesma de favorecer um lado baseia-se na visão sobre as transações econômicas como se fossem eventos soma-zero. Essa visão soma-zero é um tanto quanto consistente com o desinteresse que muitos intelectuais têm por fatores que promovem ou impedem a criação de riqueza, a base em que se sustenta todo o padrão de vida de toda uma sociedade, e esse desinteresse permanece mesmo que a criação de riquezas tenha levantado "o pobre", nos Estados Unidos atualmente, a patamares econômicos não alcançados pela maioria da população norte-americana em época as passadas ou em muitos outros países mesmo hoje. Da mesma forma que as leis de salário mínimo tendem a reduzir as contratações nos setores mais desqualificados, aumentando o desemprego entre os jovens, assim também as leis de fixação de preço de aluguéis provocam maior escassez na oferta d e moradia, como se verificou no Cairo, Melbourne, Hanói, Paris, Nova York e numerosos outros lugares do mundo. Nesse caso, mais uma vez, tentativas de tornar os termos mais favoráveis apenas para um dos lados levaram a outra parte,

em geral, a disponibilizar menos transações. Os construtores reagem sensivelmente à fixação de preços de aluguel e constroem menos prédios de apartamento e, em alguns lugares, ficam sem construir por anos a fio. Proprietários podem continuar a alugar apartamentos existentes, mas em geral eles recompensam as perdas repassando-as na manutenção de serviços auxiliares, como pintura, reparos, calefação e água quente, coisas que custam dinheiro e são menos necessárias de se manter em níveis prévios a fim de atrair e manter inquilinos, uma vez que exista escassez de moradia. O resultado líquido é que os prédios de apartamento que recebem menos manutenção acabam se deteriorando mais rapidamente, sem número adequado de reposições em construção. No Cairo, por exemplo, esse processo levou muitas famílias a viverem em localidades planejadas para abrigar apenas uma família. A ironia final é que tais leis podem também levar a aumento nos preços dos aluguéis. Nova York e San Francisco são exemplos clássicos, pois as moradias de luxo ficam fora do controle de fixação de preço, ocasionando uma relocação dos recursos para a construção desse tipo de moradia. O resultado é que locatários, proprietários e construtores podem ficar numa situação pior, embora em graus e em formas distintas. Proprietários raramente terminam por morar em quarteirões lotados ou nas ruas, e construtores podem simplesmente reorientar seu tempo e seus recursos na construção de outras estruturas, como galpões, shoppings e prédios de escritório, assim como moradias luxuosas, os quais não se encontram, em geral, sujeitos às leis de regulamentação de preço de locação. Mas, novamente, o ponto crucial é que ambos os lados podem terminar numa situação pior como resultado de leis e políticas baseadas em "favorecimentos unilaterais", as quais concebem as transações econômicas corno processos de soma-zero.

Um dos poucos escritores que afirmou explicitamente a visão do soma-zero na economia foi o professor Lester C. Thurow do MIT, autor de The Zero-Sum Society [Sociedade Soma-zero]. Ele também afirmou que os Estados Unidos são "de forma consistente, a economia industrial com o pior histórico" em índice de desemprego. Ele disse o seguinte: Durante os últimos cinquenta anos da história americana, a falta de empregos tornou-se endêmica mesmo em tempos de paz. Revisemos as evidências: depressão de 1929 a 1940, guerra entre 1941 e 1945, recessão em 1949, guerra entre 1950 e 1953, recessões em 1954, 1957-58 e 1960-61, guerra entre 1965 e 1973, recessão em 1969-70, recessão severa em 1974-75 e outra recessão provavelmente em 1980. Isso está longe de ser um desempenho econômico invejável.[102] Muitas coisas são notáveis nas afirmações do professor Thurow. Ele chega a conclusões um tanto quanto genéricas sobre o histórico dos Estados Unidos vis-à-vis o histórico de outras nações, baseando-se, exclusivamente, em eventos ocorridos nos Estados Unidos, ou seja, ele faz uma comparação internacional usando apenas uma nação quando se trata de fatos em vez de retórica. Estudos que de fato comparam o índice de desemprego nos Estados Unidos em contraste com as nações da Europa ocidental, por exemplo, mostram quase invariavelmente os países europeus ocidentais com índices de desemprego mais altos do que os encontrados nos EUA, além de períodos mais longos de desemprego crônico.[103] As guerras que o professor Thurow destaca dentro de um quadro em que ele alega discutir a questão do desemprego podem deixar a impressão de que elas contribuem para gerar desemprego, quando de fato o desemprego virtualmente desapareceu

nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e esteve em níveis abaixo do padrão médio durante as outras guerras mencionadas.[104] A previsão do professor Thurow de uma recessão, na década de 1980, acabou acontecendo, mas estava longe de ser uma previsão aterrorizante com o suposto despertar da "estagflação" do final da década de 1970. O que acabou se revelando falso foi a ideia de que uma intervenção governamental de larga escala se fazia necessária para evitar mais desemprego. Nas palavras de Thurow, o governo precisava "reestruturar a economia para que, de fato, criasse empregos para todos".[105] O que realmente aconteceu foi o oposto. Quando a administração Reagan tomou posse em 1981, fazendo exatamente contrário do que o professor Thurow defendia, a recessão acabou e tivemos vinte anos de crescimento econômico ininterrupto, baixo índice de desemprego e inflação mínima.[106] O professor Thurow não era, e não é, um "rebelde" engajado. De acordo com o material que aparece na capa da reedição de seu livro de 1980, The Zero-Sum Society, temos a seguinte informação: "Lester Thurow é professor de gestão de negócios e de economia no MIT há mais de trinta anos". Ele é também "autor de muitos livros, incluindo três entre os mais vendidos na lista do New York Times. O professor Thurow serviu como conselheiro editorial deste jornal, assim como editor colaborador da revista Newsweek e como membro do conselho de economia da revista Time". Não daria para ser mais influente e estar mais enganado. Porém, o que ele disse encontrou, aparentemente, ressonância entre a elite e a intelligentsia, tornando-o um nome de peso em expressivos canais de mídia. Prescrições semelhantes que defendem a livre ação do intervencionismo governamental na economia são abundantes entre os intelectuais tanto no passado quanto no presente. John Dewey, por exemplo, fez uso de frases de

efeito como "inteligência socialmente organizada na condução das questões públicas"[107] e "reconstrução social organizada"[108] como eufemismos para a terceirização das tomadas de decisão, feitas por terceiros que buscam impor suas preferências sobre milhões de outras pessoas por intermédio do poder governamental. Embora o governo seja geralmente chamado de "sociedade" por aqueles que defendem essa abordagem, não existe qualquer instituição concreta chamada "sociedade", e aquilo que é designado planejamento "social" é, de fato, uma série de ordens governamentais, que passam por cima dos planos e das mútuas acomodações de milhões de outras pessoas. Apesar da visão que é promovida usando-se os mais variados eufemismos, o governo não se manifesta como uma instituição abstrata da opinião pública ou da "vontade geral" de Rousseau. O governo é uma entidade real que comporta políticos, burocratas e juízes, todos com seus próprios incentivos e limites, e sobre nenhum deles pode se presumir que estejam menos interessados na promoção de seus próprios interesses ou noções do que estão as pessoas que compram e vendem na economia de mercado. Nem santidade nem infalibilidade são realidades comuns em qualquer um dos lugares. A diferença fundamental que existe entre tomadores de decisão no mercado e tomadores de decisão no governo é que os primeiros estão sujeitos a um contínuo e inescapável feedback que os força a um constante ajuste ao que os outros preferem e estão dispostos a pagar, ao passo que aqueles que tomam decisões na arena política não são obrigados a enfrentar um feedback inescapável, cujas consequências os forcem a ajustar seus procedimentos à realidade dos desejos e das preferências de outras pessoas. Um negócio que tenha que prestar contas de seus prejuízos sabe que tal situação não pode continuar indefinidamente, e que não tem outra escolha senão mudar

o curso e sair do prejuízo, com o qual se tem pouca tolerância no curto prazo e que se torna letal para qualquer empreendimento no longo prazo. Dessa forma, perdas financeiras não são apenas feedbacks como simples dados, mas, sobretudo, como consequências inescapáveis cuja realidade não pode ser ignorada, descartada ou protelada por meio de qualquer artifício de retórica. Na arena política, todavia, apenas os desastres mais imediatos e urgentes, tão óbvios e inconfundíveis para os eleitores que não há qualquer dificuldade em se "juntar as peças", são comparativamente inescapáveis para os políticos. Mas leis e políticas cujas consequências tomam tempo para ser sentidas em seus desdobramentos não se apresentam, de modo algum, como inescapáveis para aqueles que criaram essas leis e políticas, especialmente se as consequências emergirem depois da próxima eleição. Além do mais, há poucas coisas, no universo da política, tão incontornáveis em suas implicações como o prejuízo o é para o mundo dos negócios. Na política, pouco importa quão desastrosa uma política possa se tornar, desde que as causas do desastre não sejam compreendidas pelo público eleitor. Dessa forma, aqueles agentes ou funcionários responsáveis pelo desastre podem escapar de qualquer prestação de contas, e certamente eles possuem todos os incentivos para negar seus equívocos, uma vez que sua admissão pode condenar toda uma carreira. Por que esperar que a transferência de decisões econômicas para terceiros produza melhores resultados para a sociedade, os quais não prestam contas de quaisquer erros efetuados, pois agem no lugar de indivíduos e organizações diretamente envolvidos, frequentemente designados coletiva e impessoalmente como "o mercado", é uma pergunta raramente levantada e muito menos respondida. Em parte, isso se dá por causa de um pacote retórico lançado por aqueles que usam e abusam de artifícios retóricos. Dizer, como fez John Dewey, que deve

haver "um controle social das forças econômicas",[109] soa bacana e abstrato até que seja traduzido: o poder político proibindo transações voluntárias entre os cidadãos. ◆ ◆ ◆

NEGÓCIO As organizações, grandes e pequenas, as quais produzem e distribuem a maior parte dos bens e serviços que formam o moderno padrão de vida das pessoas, o mundo dos negócios, são alvos, faz muito tempo, da intelligentsia. Acusações contra os negócios têm sido tão específicas quanto taxar excessivamente e tão nebulosas quanto fracassar em conviver com suas responsabilidades sociais. ◆ ◆ ◆

GERENCIAMENTO Intelectuais que nunca administraram um negócio se mostram notavelmente confiantes em apontar quando os negócios são mal administrados ou quando seus proprietários ou gerentes ganham mais do que deveriam. John Dewey, por exemplo, declarou: "Empreendedores industriais colheram muito mais, e fora de qualquer proporção, do que plantaram".[110] Evidências? Nenhuma. Essa é mais uma de muitas declarações que passam incólumes entre os interlocutores da intelligentsia. Sua familiaridade e sua consonância com a visão prevalecente funcionam como substitutos de evidência e análise. A facilidade em se administrar negócios é uma crença comum entre os intelectuais, ela já aparece no livro Looking Backward [Em Retrospectiva], de Edward Bellamy, escrito no século XIX.[111] Lênin dizia que administrar um negócio envolvia "operações extraordinariamente simples", as quais

"qualquer pessoa minimamente educada pode desempenhar", de forma que aqueles que estão encarregados de tais empreendimentos não precisam receber mais que qualquer trabalhador comum[112] Todavia, três anos depois de tomar o poder, preso à sua economia pós-capitalista à qual posteriormente chamou de "ruína, fome e devastação",[113] ele reverteu seu posicionamento e declarou ao Congresso do Partido Comunista de 1920: "Nossas opiniões sobre gerenciamento de empresas são excessiva e levianamente tomadas com espírito de total ignorância, um espírito de ignorância sobre a atividade em si".[114] Lênin reverteu tanto suas palavras quanto suas ações, implantando sua Nova Economia, que concedia uma margem maior de operação aos mercados, e a economia Soviética começou a se recuperar. Portanto, a primeira vez que a teoria sobre a alegada simplicidade em se administrar um negócio foi colocada sob teste, ela falhou fragorosamente. À medida que o século XX foi passando, essa teoria fracassou, repetidamente, em outros países do mundo, chegando a um ponto em que mesmo os governos mais comunistas e socialistas começaram a liberar os mercados. Isso ocorreu no final do século XX, disparando índices de crescimento nunca vistos nesses lugares, como aconteceu notoriamente na China e na Índia. Ao julgar aqueles que administram negócios, o critério aplicado implícita ou explicitamente por muitos intelectuais é frequentemente destituído de qualquer relevância em relação à operação de um empreendimento econômico. Por exemplo, certa vez Theodore Roosevelt disse: "Cansa-me conversar com homens ricos. Você anseia conversar com um homem de milhões, o líder de uma grande corporação, esperando que seja um homem que valha a pena ser ouvido, mas, como de regra, eles nada sabem do que está fora de seus negócios".[115]

Isso, certamente, não poderia ser dito do próprio Theodore Roosevelt. Somando-se à sua experiência como político nos níveis municipal, estadual, nacional e internacional, Theodore não era apenas um homem culto e de alta educação, mas também um erudito em sua própria maneira, cuja obra sobre a história naval retratando a guerra de 1812 foi, por décadas, leitura obrigatória nas academias navais nos dois lados do Atlântico. Autor de quinze livros,[116] ele foi durante muitos anos um intelectual em nossa visão, alguém que ganhava a vida com seus escritos, especialmente durante os anos em que seu salário como funcionário municipal ou estadual era insuficiente para manter sua família, e durante os anos em que seus empreendimentos na fronteira oeste deram prejuízo. "Poucos seriam os norte-americanos que poderiam se equiparar à grandeza de seu intelecto", segundo um biógrafo de Theodore Roosevelt.[117] Certamente, poucos foram os líderes econômicos comparáveis a Theodore em abrangência e profundidade intelectual. Nem mesmo havia qualquer motivo para que o fossem. Em muitos campos, é com frequência o especialista, por vezes o maníacoobsessivo, pela questão que tende a produzir as realizações mais altas. Ninguém esperava que Babe Ruth ou Bobby Fischer fossem homens ecléticos e quem pensasse assim teria ficado muito desapontado. O julgamento das pessoas em áreas não intelectuais, pelos critérios intelectuais, fará com que pareçam, quase que invariavelmente, não merecedoras das recompensas que recebem, o que seria uma conclusão legítima se as realizações não intelectuais valessem automaticamente menos que as intelectuais. Poucos seriam aqueles que defenderiam explicitamente tal premissa, mas, como destacou John Maynard Keynes, as conclusões geralmente prosseguem seu desenrolar sem as premissas sobre as quais se baseiam.[118]

Outra concepção errônea e comum da intelligentsia é aquela que afirma que os empreendedores individuais deveriam, ou poderiam, ser "socialmente responsáveis", levando em consideração consequências mais amplas das decisões de negócio. Essa ideia nos remete a Woodrow Wilson, outro intelectual em nosso sentido, por causa de sua carreira acadêmica anterior ao seu ingresso na política. Ele disse: Não tememos os que perseguem propósitos legítimos desde que liguem esses propósitos, em todos os seus aspectos, aos interesses da comunidade como um todo. Nenhum homem pode conduzir um negócio legítimo se o faz no interesse de uma única classe.[119] Em outras palavras, não é considerado suficiente se um fabricante de utensílios hidráulicos produz torneiras, canos e banheiras de alta qualidade, vendendo-os a preços acessíveis, caso esse empreendedor também não assuma o papel de rei-filósofo, passando a imaginar como seu negócio afeta "o interesse da comunidade". É uma exigência assustadora, cujas implicações muito poucos, no campo dos negócios, da política e da academia ou outras áreas, poderiam enfrentar. John Dewey, de maneira semelhante, lamentava que os trabalhadores e seus empregadores não "tivessem uma visão social das consequências e dos significados sobre o que estão fazendo".[120] Intelectuais podem imaginar quais são as consequências sociais mais amplas de suas próprias ações dentro e fora dos campos de sua competência profissional, mas, quando estão errados, há pouco ou mesmo nenhum feedback incontornável a enfrentar diante das consequências, pouco importando a profundidade e duração dos equívocos. O fato de tanto os proprietários de negócio quanto os trabalhadores

geralmente evitarem tomar tamanha tarefa cósmica, sugere que eles podem ter uma avaliação mais realista sobre as limitações humanas. ◆ ◆ ◆

O "PODER" E O "CONTROLE" DO MUNDO DOS NEGÓCIOS Um dos muitos sinais de virtuosismo retórico dos intelectuais está no reempacotamento das palavras, o qual visa atribuir significados que não são apenas distintos, mas algumas vezes diretamente opostos aos significados originais. "Liberdade" e "poder" estão entre os termos mais comuns que sofrem esse tipo de reempacotamento. O conceito básico de liberdade, como não sujeita às restrições impostas por outras pessoas, e o conceito de poder, como habilidade de restringir as opções mantidas por outros, ficaram, ambos, de cabeça para baixo em alguns dos reempacotamentos que sofreram nas mãos dos intelectuais que discutem assuntos econômicos. Dessa forma, empreendimentos corporativos que expandem as opções para o público, seja quantitativamente, oferecendo preços mais baixos, ou qualitativamente, oferecendo produtos melhores, são geralmente vistos como "controlando" o mercado sempre que isso resulta numa alta porcentagem de consumidores escolhendo comprar seus produtos em particular, em vez dos produtos dos concorrentes em outras empresas. Em outras palavras, toda vez que os consumidores decidem que marcas específicas de produtos são mais baratas ou melhores que as marcas concorrentes dos mesmos produtos, terceiros tomam a frente para dizer que aqueles que produziram essas marcas, em particular, estão exercendo "poder" ou "controle". Se, em dado momento, três quartos dos consumidores preferem comprar a marca A

de um produto qualquer, então a empresa fabricante de A será acusada de "controlar" três quartos do mercado, mesmo que, na realidade, os consumidores controlem 100% do mercado. Isso ocorre, uma vez que são eles que decidem e podem mudar para outra marca de produtos amanhã caso alguém apareça com um produto melhor, ou mesmo parar de comprar aquele tipo de produto caso surja urna nova tecnologia tornando o antigo modelo obsoleto. Um bom número de empresas que foram acusadas de "controlar" a maior parte de seus mercados não apenas perderam aquela fatia do mercado, mas também entraram em falência poucos anos após sua alegada dominação sobre o mercado. Smith Corona, por exemplo, vendeu mais da metade das máquinas de escrever e dos processadores de texto nos Estados Unidos em 1989, mas apenas seis anos mais tarde ele abriu falência, assim que a difusão de computadores pessoais desbancou tanto as máquinas de escrever quanto os processadores de texto. No entanto, o empacotamento verbal pega o ex post das estatísticas de venda para acusar o ex ante do mercado de "controle". Isso é uma prática bem comum, não apenas nos escritos da intelligentsia, mas também nos tribunais e nos casos antitruste. Mesmo durante seu pico, Smith Corona não controlava coisa alguma. Cada consumidor estava livre para comprar ou não comprar qualquer outra marca de máquina de escrever ou de processador de texto. O empacotamento verbal que deturpa a escolha do consumidor em "controle do mercado" tornou-se tão amplamente difundido, que poucas são as pessoas que sentem a necessidade de fazer algo tão básico como pensar sobre o significado das palavras que usam, que, nesse caso, transformam uma estatística ex post numa condição ex ante. Ao dizer que as empresas têm "poder" porque detêm o "controle" de seus mercados, abre-se caminho para se dizer que o governo precisa exercer seu "poder compensatório" (frase de John Kenneth Galbraith), a fim de

proteger o público consumidor. Apesar dos paralelos verbais, o poder governamental é poder de fato, uma vez que os indivíduos não têm livre escolha para decidir se vão ou não obedecer às leis e regulamentações impostas, ao passo que, como consumidores, estão livres para rejeitar os produtos das maiores e supostamente mais "poderosas" corporações do mundo. Existem pessoas que nunca pisaram num estabelecimento do Walmart e não há nada que o WalMart possa fazer a respeito, apesar de ser o maior varejista do mudo. Um dos primeiros e mais influentes livros de John Kenneth Galbraith, American Capitalism: The Concept of Countervailing Power [Capitalismo Americano: O Conceito do Poder Compensatório], diz que "o poder em um dos lados do mercado cria, do outro lado, tanto a necessidade para quanto a perspectiva de recompensa do exercício do poder compensatório".[121] Portanto, segundo o professor Galbraith, o surgimento de grandes corporações deu a elas um poder opressivo sobre seus empregados, o que acabou levando à criação de sindicatos cujo propósito é a autodefesa.[122] Todavia, ao levantarmos os fatos históricos, ficamos sabendo que não foi a partir das grandes indústrias de produção em larga escala que os sindicatos norteamericanos começaram a atuar, mas em indústrias menores, tais como de construção, transporte e mineração, todas as quais se sindicalizaram muitos anos antes das indústrias metalúrgicas e de automóveis. Mas desconsiderando a origem do poder dos sindicatos, o poder compensatório crucial para Galbraith era, de fato, o governo, tanto no apoio privado do poder compensatório, como na criação das Leis de Relações Nacionais de Trabalho, de 1935, quanto na forma de legislação para ajudar os trabalhadores das minas de carvão e outros supostamente oprimidos pelo "poder" dos grandes negócios.[123] Segundo Galbraith, a ação governamental do

"poder compensatório desempenha uma valiosa e de fato indispensável função reguladora na economia moderna". [124] Contudo, essa formulação depende, de forma crucial, da redefinição do conceito de "poder" para incluir o seu oposto, a expansão das opções dos consumidores pelas empresas, a fim de aumentar as vendas. John Kenneth Galbraith foi, talvez, o mais proeminente e certamente um dos retóricos mais habilidosos na defesa de uma teoria volitiva de fixação de preços. Segundo ele, a produção de determinado segmento industrial tende a se concentrar, com o passar do tempo, nas mãos de poucos produtores, os quais adquirem vantagens decisivas, tornando difícil para uma nova empresa, sem a mesma experiência, entrar no segmento e competir de forma eficiente contra os líderes do mercado. Portanto, segundo Galbraith, "os vendedores ganharam autoridade sobre os preços", os quais são "tacitamente administrados por algumas e poucas grandes empresas".[125] Na realidade, um dos principais motivos para os consumidores comprarem desproporcionalmente de um vendedor em particular é o fato de este último oferecer preços mais baixos. Depois que Galbraith redefiniu poder como concentração de vendas e de lucros resultantes, ele se tornou capaz de apresentar esse "poder" do vendedor como uma razão que explica por que esse vendedor pode agora determinar preços diferentes, implicitamente maiores que os de um mercado competitivo. Nessa formulação temos a consagração do "tamanho da corporação, cujos líderes ilustram, grosso modo, o poder que o indivíduo exerce".[126] Embora tudo isso possa parecer plausível, Galbraith não se aventurou à verificação empírica de seus argumentos. A insinuação de Galbraith, e de muitos outros, sobre o "poder" das grandes corporações alega que a acumulação de negócios cada vez maiores implica o crescimento do "poder" para aumentar preços. Tal

insinuação, distinta tanto de fatos demonstráveis como de uma hipótese testável, tornou-se dogma da intelligentsia muito antes da época de Galbraith, fornecendo o ímpeto para a promulgação da lei antitruste de Sherman, em 1890, dentre outras tentativas que foram feitas para conter "poder" das grandes empresas. Na realidade, a era que levou à lei de Sherman não foi uma época de alta de preços, forçada por monopólios, apesar de ser uma época em que se verificou o crescimento do tamanho das empresas em muitos segmentos industriais) frequentemente por meio da consolidação de negócios menores que se transformaram em corporações gigantescas. Longe de termos preços mais altos, esse foi um período de queda dos preços cobrados por essas corporações maiores, cujo tamanho possibilitou o aparecimento de uma produção em larga escala, o que significava menores custos de produção, tornando-as capazes de lucrar a partir de preços mais baixos, expandindo desse modo suas vendas. Por exemplo, o petróleo cru, que era vendido entre US $12,00 e US $16,00 o barril em 1860, passou a ser vendido por menos de US $1,00 o barril durante todos os anos entre 1879 e 1900. Os custos com transporte ferroviário caíram, em 1887, em 54% em relação aos níveis de 1873. O preço dos lingotes de aço caiu de US $68,00, em 1880, para US $32,00 em 1890. Os preços do açúcar, do cobre e do zinco caíram, todos, durante esse período.[127] Henry Ford foi um pioneiro em métodos de produção em massa e oferecia aos seus empregados um dos salários mais altos da época, décadas antes de esse segmento ser sindicalizado, além de oferecer os preços mais baixos de carros, notavelmente do lendário Modelo T, o que fez com que o automóvel não fosse mais um artigo de luxo confinado apenas aos ricos. Mas nenhum desses simples fatos prevaleceu contra a visão da intelligentsia da era

progressista, que nesse caso incluía o presidente Theodore Roosevelt. Sua administração lançou perseguições e cruzadas antitruste contra alguns dos maiores cortadores de preços, incluindo a Standard Oil e a Great Northern Railroad. Em suas palavras, Theodore Roosevelt buscava poder "controlar e regulamentar todas as grandes combinações". [128] Ele declarou que "de todas as formas de tirania, a menos atraente e a mais vulgar é a tirania da mera riqueza, a tirania da plutocracia".[129] Sem dúvida, era verdade que, como Theodore dissera, a Standard Oil criara "enormes fortunas" para seus proprietários "à custa de seus concorrentes",[130] mas é questionável se os consumidores, os quais começaram a pagar menos pela gasolina, sentiram-se vítimas de uma tirania econômica. Um dos livros sensacionalistas mais populares da era progressista foi o The History of the Standard Oil Company [A História da Standard Oil], escrito por Ida Tarbell, que disse, entre outras coisas, que Rockefeller "deveria ter ficado satisfeito"[131] com que ele alcançara, financeiramente, por volta da década de 1870, insinuando sua ganância em continuados esforços para aumentar o tamanho e a lucratividade da Standard Oil. Um estudo realizado um século depois, todavia, destacou o seguinte: "Alguém que leia The History of Standard Oil nunca ficará sabendo que os preços da gasolina estavam, na verdade, caindo".[132] Esse fato foi filtrado, retirado da narrativa. Se, de fato, a busca de Rockefeller por conquistar uma fortuna ainda maior realmente tornou pior a realidade dos consumidores é uma pergunta raramente levantada. Como os consumidores poderiam ter melhores condições se esse homem, que implantou eficiências extraordinárias na produção e na distribuição de petróleo, tivesse encerrado sua carreira prematuramente, deixando tanto o custo de produção quanto o preço final em patamares muito mais altos? Essa é

uma questão que não é levantada, e muito menos respondida. Uma das queixas mais comuns contra a Standard Oil era de que a empresa conseguira adquirir estradas de ferro para que pagasse menos com o transporte de seu petróleo, tendo um custo menor do que era cobrado no transporte dos concorrentes. Tal desigualdade era, certamente, um anátema para aqueles que pensavam em termos de pessoas abstratas num mundo abstrato, ignorando o que havia de específico sobre a Standard Oil, tornando-a diferente, e que se apresentava como a razão pela qual John D. Rockefeller angariou fortuna num segmento industrial no qual muitos outros acabaram falindo. Os vagões-tanque da Standard Oil eram mais fáceis de transportar do que o petróleo transportado em barris pelas outras empresas.[133] No entanto, Theodore Roosevelt, que pouco ou nada conhecia de economia e tinha perdido uma grande porção de sua herança em seu único empreendimento de negócios, disse que os índices de desconto no transporte eram discriminatórios e deveriam ser proibidos "de todos os modos e formas".[134] O senador John Sherman, autor da lei antitruste, também promulgou uma legislação para banir os índices diferenciais de transporte, aparentemente beneficiando a refinaria que transportava seu petróleo em barris.[135] Empresas com política de baixo preço com frequência geram grandes perdas para seus concorrentes, os quais cobram preços mais altos. Mas tão óbvio quanto parece, isso não interrompeu os protestos movidos pela intelligentsia e alcançou a legislação, os políticos e as decisões tomadas nos tribunais, que visavam não apenas punir a Standard Oil no início do século XX, mas, posteriormente, outros negócios que haviam reduzido drasticamente os preços em outros segmentos, abarcando

desde a cadeia de supermercado A&P, no passado, até a Microsoft de nossos dias. Resumindo, a transformação retórica de preços mais baixos e maiores vendas em exercício de "poder" por empresas que passam a ser tidas como perigosas e que precisam ser contidas por políticas mais vigorosas de poder governamental, faz surgir mais do que meras implicações intelectuais. Isso gera leis, políticas e decisões legais que punem os preços baixos, tudo em nome da proteção ao consumidor. Como resultado da difusão da globalização, mesmo se uma empresa em particular se apresenta como a única produtora de determinado produto em determinado país, esse monopólio pouco significa, caso produtores estrangeiros do mesmo produto concorram pelo seu fornecimento para os consumidores. A Eastman Kodak é, faz muito tempo, o único grande produtor de filme fotográfico norte-americano, mas as lojas de material fotográfico, por todo os Estados Unidos, vendem também filmes produzidos no Japão (Fuji) e por vezes na Inglaterra (Ilford) e em outros países, para não falar da competição entre as câmeras digitais produzidas principalmente no estrangeiro. A habilidade da Kodak em aumentar os preços dos filmes fotográficos sem sofrer perdas nas vendas é freada pela concorrência. O fato de a Eastman Kodak ser uma empresa gigantesca não muda em nada a realidade, exceto na visão e na retórica da intelligentsia. A deformação no uso dos termos com o intuito de exibir as empresas exercendo "poder" em situações em que os consumidores simplesmente compram mais de seus produtos, tem sido usada para justificar a anulação de direitos de pessoas que administram negócios. Como veremos no capítulo 6, tal atitude pode ser estendida a ponto de colocar o ônus da prova sobre os ombros das empresas, que se veem obrigadas a refutar acusações em casos antitruste e de direitos civis. Uma mentalidade um

tanto quanto semelhante foi expressa numa questão publicada na revista The Economist: "Por que é permitido que as empresas se esquivem dos impostos e demitam funcionários ao mudar suas operações para outros países?". [136] Em países livres, o direito de se mudar para benefício próprio não é tratado como algo que precise de justificativas especiais. De fato, trabalhadores que vão trabalhar em outros países, violando as leis de imigração, são frequentemente defendidos pelas mesmas pessoas que consideram errado que as empresas sejam transferidas, mesmo respeitando as leis. ◆ ◆ ◆

RECESSÕES E DEPRESSÕES Nada foi mais decisivo para sedimentar a ideia de que a intervenção governamental na economia é necessária do que a Grande Depressão da década de 1930. Os fatos puros narram os desdobramentos daquela tragédia histórica: a produção nacional caiu a um terço, entre 1929 e 1933, milhares de bancos faliram, e o desemprego atingiu um pico de 25%. As empresas, em geral, perderam dinheiro por dois anos seguidos. Antes desse momento, nenhum presidente tentara uma intervenção do governo federal a fim de colocar fim em qualquer depressão econômica. Muitos viram na Grande Depressão o fracasso do mercado livre e do capitalismo como sistema econômico, viram uma razão para se buscar um tipo radicalmente diferente de economia. Para alguns a resposta estaria no comunismo, para outros no fascismo e para ainda outros nas políticas do New Deal da administração de Franklin O. Roosevelt. Descontando-se a alternativa favorecida em cada caso, o que foi amplamente tido como verdade dali em diante foi que a quebra da Bolsa, em 1929, representava o fracasso do mercado livre e a causa de um desemprego

maciço, o qual persistiu por anos durante a década de 1930. Considerando-se as duas características mais marcantes da época: a quebra da Bolsa de Valores e a disseminação do controle estatal na economia, não é imediatamente óbvio qual delas teve maior parcela de responsabilidade pelas terríveis condições econômicas. Contudo, uma falta de esforço notável foi verificada entre os membros da intelligentsia a fim de identificar a causa ou as causas do colapso. Segundo eles, essa é uma conclusão há muito tempo resolvida: foi o mercado a causa do colapso e a intervenção governamental, a graça salvadora. Embora o desemprego tenha subido no despontar da quebra da Bolsa, ele nunca alcançou patamares maiores do que 10% em nenhum mês durante os doze meses que se seguiram à quebra em outubro de 1929. Contudo, o índice de desemprego, no despontar das subsequentes intervenções governamentais na economia, nunca ficou abaixo dos 20% em nenhum mês por um período de 35 meses consecutivos.[137] Portanto, embora a quebra da Bolsa tenha sido vista como o "problema" e a intervenção governamental como a "solução ", na realidade o índice de desemprego que se seguiu ao problema econômico foi menor que a metade do índice de desemprego que se seguiu à solução política. Uma das poucas coisas com que as pessoas, dentro do espectro ideológico atual, concordam é que o Banco Central foi incompetente durante a Grande Depressão. Avaliando o que foi feito na época, Milton Friedman chamou as pessoas que administravam o Banco Central de "ineptas" e john Kenneth Galbraith disse que os funcionários do Banco Central demonstraram "impressionante incompetência”.[138] Por exemplo, à medida que a oferta de dinheiro no país declinava em um terço no começo das maciças quebras dos bancos, o Banco Central aumentou os juros, criando pressões deflacionárias ainda maiores.

No intuito de salvaguardar os empregos dos americanos, limitando as importações que competiam com os produtos nacionais, o Congresso permitiu, em 1930, as tarifas Smoot-Hawley, as mais altas em mais de um século, apesar de um apelo público assinado por mais de mil economistas com um aviso a respeito das consequências. As outras nações, obviamente, retaliaram, procedendo exatamente como os economistas previram. Isso reduziu drasticamente as exportações norte-americanas, e os empregos que dependiam do setor despencaram, de forma que o índice de desemprego subiu ainda mais em vez de cair. No início da implantação das tarifas, o nível de desemprego subiu mais drasticamente do que ocorrera na sequência da quebra da Bolsa. O nível de desemprego estava em 6,3% em junho de 1930, oito meses após a quebra da Bolsa, quando as tarifas Smoot-Hawley foram adotadas. Porém, um ano mais tarde, o índice de desemprego alcançava 15%, e no ano seguinte saltou para 25,8%.[139] Todo esse nível de desemprego não precisa ser atribuído às tarifas, mas a questão é que as tarifas foram criadas, supostamente, para reduzir o desemprego. O índice de desemprego já entrara em sua curva descendente por meses seguidos quando a lei Smoot-Hawley foi aprovada, uma tendência que, todavia, foi revertida apenas cinco meses depois que as tarifas entraram em vigor. Quando o índice de desemprego atingiu a casa dos dois dígitos, em novembro de 1930, um índice de desemprego tão baixo quanto 6,3% não foi visto novamente por toda década.[140] As tarifas Smoot-Hawley, aprovadas no governo de Herbert Hoover, foram simplesmente as primeiras de muitas e maciças intervenções governamentais na década de 1930, incluindo muitas outras sob o governo de Franklin D. Roosevelt.[141] Há poucas evidências empíricas apontando que essas intervenções ajudaram a economia, e muitas

evidências apontando o contrário, sugerindo que elas deixaram a economia em pior estado. O Congresso também aprovou leis que duplicaram ou mais os impostos nos rendimentos dos mais ricos, no governo de Hoover, e subiram para níveis ainda mais altos com Franklin Roosevelt. O presidente Hoover exortou os grandes empresários para que não reduzissem os índices de salários dos trabalhadores durante a depressão, apesar de uma acentuada queda na oferta de moeda ter transformado os antigos níveis salariais em impagáveis com jornada integral. Tanto Hoover quanto seu sucessor, o presidente Franklin Roosevelt, buscaram segurar a queda dos preços, fosse o preço dos salários ou dos produtos agropecuários, supondo que isso pudesse evitar a queda do poder de compra. Todavia, o poder de compra não depende apenas do nível dos preços, mas do número de transações que serão feitas em determinados níveis de preços. Com uma oferta de moeda reduzida, nem a quantidade anterior de emprego nem os índices prévios de venda dos produtos agropecuários e industriais poderiam continuar com os antigos preços. Nem Hoover nem Roosevelt pareciam entender esse ponto, nem mesmo chegaram a pensar tão longe. Todavia, o colunista Walter Lippmann apontou o óbvio em 1934 quando disse: "Numa depressão os homens não podem vender seus bens ou seus serviços nos patamares antigos de pré-depressão. Se eles insistirem com os preços da prédepressão, não vão vender. Se eles insistirem nos salários da pré-depressão, ficarão sem emprego".[142] Resumindo, muitas das coisas que o Banco Central, o Congresso e os dois presidentes fizeram foram medidas contraproducentes. Considerando-se esses múltiplos fracassos de política governamental, não fica claro, de forma alguma, que foi a economia de mercado que falhou. Não há certamente nenhuma forma de reviver a quebra de

1929 e deixar que o governo federal aj uste a crise, por conta própria, para avaliarmos os resultados de tal experimento. A situação mais próxima de um evento corno esse foi a crise da Bolsa, de 1987, semelhante em dimensão, mas não em duração, ao colapso de 1929. A administração Reagan nada fez, apesar dos protestos na mídia, com a ausência de intervenção do governo. "O que será preciso acontecer para acordar a Casa Branca?", perguntava o New York Times, declarando que "o presidente abdica de sua liderança e corteja o desastre". [143] A colunista do Washington Post Mary McGrory disse que Reagan "tem se mostrado singularmente indiferente" diante da "atual dor e confusão" que se passa pelo país.[144] O Financial Times de Londres disse que o presidente Reagan "aparenta não ter a capacidade de lidar com adversidades" e "parece que não há ninguém no comando".[145] Um exfuncionário do governo Carter criticou o "silêncio e a inação" do presidente Reagan, seguindo a crise da Bolsa de 1987, e o comparou desfavoravelmente em relação ao presidente Franklin Roosevelt, cujas "personalidade e ousadia de comando eram sua marca "durante as crises.[146] A ironia de tudo isso é que o presidente Franklin Roosevelt presidiu uma economia com sete anos consecutivos de desemprego na casa dos dois dígitos, ao passo que a política não intervencionista de Reagan em deixar que o mercado se recuperasse por si próprio, longe de desembocar numa outra Grande Depressão, levou o país, pelo contrário, a um dos seus períodos mais longos de crescimento econômico sustentado, baixo desemprego e baixa inflação, que durou vinte anos.[147] Assim como acontece com muitos outros fatos em discrepância com a visão dominante da intelligentsia, esse recebeu uma atenção mínima na época ou desde então. Sabendo-se que é possível debater a real eficiência de muitas respostas governamentais, ou não respostas, às

crises econômicas, existe, no entanto, entre os intelectuais fora do âmbito da ciência econômica, uma vontade mínima para esse debate. Histórias da Grande Depressão escritas por historiadores notórios, como Arthur M. Schlesinger Jr. e Henry Steele Commager, fizeram de Franklin Roosevelt o herói que veio resgatar o país, apesar de Schlesinger ter admitido que ele - Schlesinger - "não se interessava muito por economia”.[148] Mas isso não freou sua disposição para fazer avaliações históricas sobre como as políticas de Franklin Roosevelt afetaram a economia. Todavia, o professor Schlesinger não é, de forma alguma, uma exceção entre intelectuais que alcançam conclusões bombásticas sobre assuntos econômicos sem, todavia, preocuparemse em estudar a ciência econômica. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 4

OS INTELECTUAIS E AS VISÕES DE SOCIEDADE

No âmago de todo código moral encontra-se uma imagem da natureza humana, um mapa do universo e uma versão da história. Nessa natureza humana (concebida), nesse universo (imaginado) e nessa história (compreendida), aplicam-se as regras do código. WALTER LIPPMANN[149]

Os intelectuais não dispõem apenas de opiniões isoladas sobre uma variedade de assuntos. Por trás de suas opiniões, geralmente se encontra alguma forma de concepção articulada sobre o mundo, uma visão social. Assim como as outras pessoas, quando se trata de visões gerais sobre o funcionamento do mundo, os intelectuais têm um senso intuitivo sobre o que está em relação causal com o quê. A visão à qual a maioria dos intelectuais de nossos dias tende a aderir tem características muito próprias, que a distingue de outras visões predominantes em outros segmentos da sociedade contemporânea e pretérita, tanto em relação às elites quanto em relação às massas. Essas visões distintas, cada uma ao seu modo, fundamentam os esforços explicativos tanto dos fenômenos físicos quanto dos sociais, anunciados por intelectuais ou por outros. Algumas visões são mais arrebatadoras e dramáticas que outras, assim como diferem em suas hipóteses fundadoras. Contudo, todos os tipos de pensamentos dessa natureza, formais ou informais, têm

como ponto de partida alguma espécie de pressentimento, uma suspeita ou algum tipo de intuição estruturante cuja aplicação gera uma visão e estabelece conexões causais. A análise sistemática de uma visão, em suas implicações, pode produzir uma teoria que poderá, por sua vez, ser refinada em hipóteses específicas, as quais serão testadas empiricamente. Todavia, "a ideia preconcebida e supostamente 'não científica' estará quase sempre lá ", como afirma o historiador britânico Paul Johnson.[150] O economista J. A. Schumpeter definiu essa visão primeira como "ato cognitivo pré-analítico".[151] Assim, qual seria então a visão predominante que estrutura pensamento da intelligentsia, compreendendo não só o núcleo mais central dos intelectuais do primeiro escalão, mas também uma periferia formada por uma sombra de seguidores que gravitam em torno dos grandes intelectuais? E qual seria a visão alternativa a se opor a eles? ◆ ◆ ◆

CONFLITO DE VISÕES No coração da visão social dos intelectuais contemporâneos se assenta a crença na existência de "problemas", criados pelas instituições existentes. "Soluções" para esses problemas podem, todavia, ser excogitadas pelos intelectuais. Essa é uma visão que abarca tanto a sociedade quanto o papel dos intelectuais dentro dela. Portanto, os intelectuais não se vêem simplesmente como uma espécie particular de elite, em seu sentido passivo, como grandes proprietários ou donos de diversas sinecuras que se qualificam como membros de uma elite, mas como elite ungida, como portadores da missão de guiar os outros para a realização de uma vida melhor.

John Stuart Mill, que encarnou o intelectual típico, expressava explicitamente essa visão ao dizer que o "estado miserável da educação" e "o estado miserável dos arranjos sociais" representavam "o único impedimento real" para obtenção da felicidade geral entre os seres humanos. [152] Além do mais, Mill via na intelligentsia "os intelectos mais cultivados do país", "as mentes pensantes", "os melhores e mais sábios" como genuínos guias para um mundo melhor, pois constituíam "a vanguarda do pensamento e do sentimento na sociedade".[153] O papel da intellige1ttsia tem sido exatamente esse, tanto antes quanto depois da época de Mill. São considerados líderes intelectuais por excelência, cujos profundos insights podem libertar as pessoas das restrições desnecessárias da sociedade. A famosa declaração de Jean-Jacques Rousseau: "O homem nasceu livre e por toda parte se encontra acorrentado",[154] é a síntese magistral da visão do intelectual ungido. Segunda ela, as restrições sociais são causa fundadora de toda infelicidade humana e explicam por que mundo que nos rodeia difere, grandemente, do mundo em que gostaríamos de viver. Nessa visão, opressão, pobreza, injustiça e guerra são resultados das instituições existentes, problemas cujas soluções exigem a mudança das instituições, o que, por sua vez, implica a mudança das ideias que amparam, na base, essas instituições. Portanto, os males da sociedade são vistos fundamentalmente como um problema de ordem moral e intelectual, para a extinção dos quais os intelectuais estão especialmente equipados devido ao maior conhecimento e insight que possuem. Uma alegada não participação em quaisquer operações envolvendo interesses econômicos particulares, que os colocaria a favor da ordem existente e abafaria a voz de suas consciências, é também tida como qualidade intrínseca aos intelectuais.

Em geral, são as diferenças socioeconômicas entre pessoas nascidas em circunstâncias sociais distintas que, há muito tempo, emergem como tema central para o pensamento social dos intelectuais ungidos. Os contrastes gerados entre a extrema pobreza de uns e o luxo extravagante de outros, somando-se aos contrastes igualmente chocantes de status social entre as pessoas, compreendem as questões que dominam a agenda e os interesses dos que compartilham a visão do intelectual ungido. Dentro do espectro social, fontes mais gerais de infelicidade entre as pessoas, como, por exemplo, problemas psicológicos advindos de estigmas sociais e os horrores e traumas de guerra, também se encontram entre os problemas de cujas soluções os intelectuais são portadores. Tal visão sobre a sociedade, na qual temos muitos "problemas" que devem ser "resolvidos" na adoção das ideias das elites intelectuais moralmente ungidas não é, de forma alguma, a única visão possível, embora seja, hoje, a visão largamente predominante. Outra visão coexiste, há séculos, com a visão dos intelectuais ungidos. É uma visão contrária, na qual são os defeitos inerentes aos seres humanos que são vistos como os problemas fundamentais. Portanto, as restrições sociais são tidas, por sua vez, simplesmente como meios imperfeitos para se lidar com esse problema fundamental: os defeitos e as restrições dos seres humanos. Um acadêmico especializado em estudos clássicos contrastou as visões modernas adotadas pelo intelectual ungido com "o quadro sombrio", apresentado por Tucídides, sobre "uma raça humana que escapou do caos e da barbárie ao preservar, com grande dificuldade, uma fina camada de civilização", baseando-se na "moderação e prudência", as quais nascem da experiência.[155] Essa é a visão trágica sobre a condição humana, muito distinta da visão adotada pelo intelectual ungido.

"Soluções" não são esperadas pelos que consideram muitas das frustrações, doenças e anomalias da vida - o aspecto trágico da condição humana - algo que está diretamente relacionado às inerentes restrições dos seres humanos, tanto individual quanto coletivamente, espiritual ou fisicamente. É uma visão contrastante à visão do intelectual ungido de nossos dias, nos quais a sociedade existente é amplamente discutida a partir de suas insuficiências, as quais precisam ser corrigidas pelas melhorias oferecidas pelos intelectuais. Em contrapartida, a visão trágica considera a própria civilização algo que necessita de grandes e constantes esforços para que possa ser meramente preservado. Esses esforços são tratados como experiências reais e não como novas teorias "entusiasmantes". Na visão trágica, o barbarismo está sempre à espreita. A civilização é vista como "delicada camada a recobrir um vulcão". Essa visão tem poucas soluções a oferecer, mas sobram-lhe muitas e muitas negociações dolorosas. Comentando as referências de Felix Frankfurter sobre o sucesso das reformas, Oliver Wendell Holmes queria saber o quanto elas custaram, qual fora o preço das negociações envolvidas. Ele perguntava, ao se promover a sociedade em certo aspecto, "como saberei se não estou afundando, ainda mais agudamente, a mesma sociedade, em outro aspecto". [156] Essa visão cautelosa é, portanto, tipicamente uma visão trágica, não no sentido de acreditar que a vida deva ser sempre triste e sombria, pois há muita felicidade e realização a serem alcançadas dentro de um mundo com limites. Ela é trágica na forma em que enxerga as restrições humanas, as quais não podem ser superadas meramente pela compaixão, pelo comprometimento ou por outras virtudes que os intelectuais ungidos alegam defender ou atribuem a si próprios.

Na visão trágica, os impedimentos sociais buscam frear comportamentos que geram infelicidade, muito embora os próprios impedimentos tenham seu custo e causem certa quantidade de infelicidade. É uma visão que comporta negociações, em vez de soluções, baseando-se na sabedoria que é destilada da experiência de muitos, em vez de se apoiar no brilhantismo de alguns. O conflito gerado entre essas duas visões contrastantes tem séculos de existência.[157] Os participantes da visão trágica e os da visão do intelectual ungido não se diferenciam apenas em suas práticas e agendas políticas, mas diferem de forma radical, pois adotam concepções de mundo completamente distintas. Além do mais, ao falarem das criaturas que residem neste mundo, tratam de realidades radicalmente diferentes, mesmo que ambos se refiram a elas como seres humanos, pois o entendimento que os participantes das duas visões têm sobre a natureza deles é também fundamentalmente distinto.[158] Na concepção cautelosa da visão trágica, encontramos limites especialmente severos sobre o quanto um indivíduo qualquer pode saber e verdadeiramente compreender as coisas, o que explica por que se coloca tamanha ênfase nos processos sistêmicos, cujas transações se apoiam no conhecimento e na experiência acumulada de milhões, tanto do passado quanto do presente. Todavia, na visão do intelectual ungido, quantidades muito maiores de conhecimento e de inteligência estão disponíveis para uma minoria especial, e a diferença entre esta e as massas é tida como muito maior do que a que encontramos na visão trágica.[159] Essas visões contrastantes não diferem somente no que acreditam existir e no que pensam a respeito do possível, mas também no que pensam sobre o que precisa ser explicado. Para os integrantes da visão do intelectual ungido, são males como pobreza, crime, guerra e injustiça

social que precisam ser explicados, mas para os integrantes da visão trágica são coisas como prosperidade, lei, paz e justiça alcançadas que requerem não apenas explicação, mas esforços constantes, negociações e sacrifícios para serem preservadas. Isso é visto como mais vital do que seus aperfeiçoamentos ao longo do tempo. Por exemplo, enquanto os integrantes da visão do intelectual ungido buscam as causas da guerra,[160] os da visão trágica dizem coisas do tipo "Nenhuma situação de paz se sustenta por si própria",[161] pois sabem que a paz "se realiza mediante equilíbrio instável, o qual pode ser preservado apenas por meio de uma supremacia reconhecida ou pela igualdade de poderes",[162] e que uma nação "desprezível pela sua fraqueza perde até mesmo o privilégio de ser neutra",[163] sabem que "em geral as nações farão guerra sempre que tiverem uma perspectiva real de ganhos".[164] A visão trágica é um tipo de visão sobre o mundo e sobre os seres humanos um tanto quanto crua. Ela não toma nenhum dos benefícios da civilização como garantia e não supõe que podemos dar como líquida e certa a permanência daquilo que já temos, lançando-nos despreocupadamente às melhorias sem antes estudar, a cada passo, quais os riscos envolvidos, pesando o quanto essas inovações podem danificar os próprios processos e princípios sobre os quais nossa existência atual e nosso bem-estar se apoiam. Não supõe que os irritantes impedimentos e limites impostos sobre nós pelas regras sociais, desde os preços até os estigmas, sejam culpa dos próprios limites. Acima de tudo, não considera que teorias nunca antes tentadas detêm a mesma credibilidade que instituições e práticas cuja própria existência demonstra a habilidade que têm para sobreviver no duro mundo da realidade, embora boa parte da realidade fique abaixo daquilo que pode ser imaginado como um mundo melhor. Como afirma o professor Richard A. Epstein da Universidade

de Chicago: "O estudo sobre as instituições humanas é sempre uma pesquisa sobre as imperfeições que se revelam mais toleráveis".[165] Além da forma distinta como veem o mundo, as duas visões diferem, fundamentalmente, na maneira como seus integrantes, em cada uma delas, veem a si mesmos. Se você acreditar em coisas como livre mercado, autoridade da lei, valores tradicionais, dentre outras características que compreendem a visão trágica, então você será simplesmente alguém que acredita nessas coisas. Não existe qualquer senso de exaltação pessoal resultante de crenças como essas. Mas, por outro lado, ao lutar pela "justiça social", "preservação do meio ambiente" e "abolição das guerras ", um sujeito se identifica como participante de algo muito maior, o qual transcende um simples conjunto de crenças sobre fatos empíricos. Essa visão o coloca num patamar moral superior, como alguém preocupado e misericordioso, promotor da paz no mundo, defensor dos oprimidos, alguém que luta por preservar a beleza da natureza e salvar o planeta da poluição perpetrada por outros que não comungam a mesma consciência. Portanto, diferentemente da primeira, essa é uma visão que torna o sujeito alguém marcadamente especial, e essas visões não são simétricas. Embora os conflitos gerados entre a visão trágica e a visão do intelectual ungido desemboquem em inúmeras discussões sobre as mais variadas questões, artifícios retóricos sem qualquer base factual ou analítica são criados ou, em outras palavras, temos a instauração de argumentos sem prova. ◆ ◆ ◆

ARGUMENTOS SEM PROVA

Embora alguns intelectuais estejam especialmente bem equipados para se engajarem em debates logicamente estruturados, recorrendo à evidência empírica na análise das ideias em disputa, muitas de suas visões políticas ou ideológicas são, no entanto, embasadas em mero virtuosismo retórico, o qual procura evitar, justamente, argumentos estruturados em evidências empíricas. Dentre os muitos argumentos desprovidos de prova, encontramos afirmações dizendo que as visões contrárias são "simplistas" e que seus defensores não merecem crédito por serem ingênuos, ignorantes, reacionários, dentre outros. ◆ ◆ ◆

ARGUMENTOS "SIMPLISTAS” Relacionando-se à suposta falta de valor dos oponentes, encontramos a alegação de que certos argumentos não têm valor porque são "simplistas", porém isso não é apresentado como conclusão advinda de contraevidências ou contra-argumentos, mas os desconsidera abertamente. Apesar de questionável do ponto de vista lógico, essa é uma tática de debate muito eficiente. Ao lançar mão de um termo depreciativo sobre seu adversário, o sujeito coloca-se num patamar intelectual superior sem oferecer, contudo, nada de substantivo. Porém, é demonstrando, em vez de insinuando, que uma explicação mais complexa é mais consistente logicamente ou mais empiricamente válida. O fato de determinado argumento ser mais simples que outro não diz nada a respeito da validade empírica ou analítica de ambos. Certamente, a explicação sobre muitos fenômenos físicos, como, por exemplo, o sol se pondo no horizonte, faz-se mais simples ao se usar o argumento de que a Terra é redonda, diferentemente das explicações mais complexas, sobre o mesmo fenômeno, feitas pelos membros

da Sociedade da Terra Plana. Evasões do óbvio podem se tornar muito complexas. Antes de a explicação ser descartada por ser demasiadamente simples, ela tem, em primeiro lugar, que estar errada. Mas, com muita frequência, temos o caso de explicações que, por se parecerem muito simples, tornamse especialmente vulneráveis às investidas para se mostrar que está errada. Por exemplo, quando o professor Orley Ashenfelter, economista da Universidade Princeton, começou a antecipar os preços de marcas particulares de vinho, baseando-se única e exclusivamente nas estatísticas climáticas, durante a época de crescimento das vinhas, sem se preocupar em degustar vinhos ou em consultar especialistas em vinhos, seu método foi sumariamente descartado, por ser muito simplista, pelos conhecedores de vinho, um dos quais se referiu à "bobagem implícita”[166] do método. No entanto, as previsões do professor Ashenfelter têm se mostrado mais certeiras do que as feitas pelos especialistas em vinho.[167] Somente depois que determinado método se mostra equivocado é que podemos chamá-lo de "simplista". Por outro lado, o uso que se faz de quantidades menores de informações, a fim de produzir conclusões válidas, mostra a maior eficiência da análise. Contudo, o uso indiscriminado do termo "simplista" acabou se tornando uma argumentação amplamente usada toda vez que não se dispõe de provas concretas, uma forma de desqualificar visões opostas sem a necessidade de confrontá-las com evidências ou análises. No intuito de caracterizá-la de simplista, praticamente qualquer resposta pode ser manipulada. Isso é feito ao se expandir indefinidamente a questão, englobando dimensões que fogem ao controle explicativo em questão para, então, insinuar-se inadequação, acusando argumento de simplista. Por exemplo, na década de 1840, um médico austríaco

apresentou estatísticas que mostravam uma diferença substancial, verificada nos índices de mortalidade entre mulheres nas clínicas de maternidade em Viena, quando eram examinadas por médicos que haviam lavado suas mãos antes de examiná-las e por médicos que não o tinham feito. Esse médico procurava impor a todos os outros a obrigatoriedade de lavar as mãos antes de examinarem as pacientes. Porém, sua sugestão foi rejeitada essencialmente por ser simplista, fazendo uso de um tipo de argumento que está conosco ainda hoje. Ele foi desafiado a explicar por que lavar a mão de alguém afetaria a mortalidade das mulheres em trabalho de parto e, uma vez que isso aconteceu antes de a teoria bacteriana ser desenvolvida e aceita, ele não tinha como provar.[168] Em poucas palavras, a questão fora expandida a ponto de não poder ser respondida naquele estágio do conhecimento, o que fazia qualquer resposta parecer "simplista ". Todavia, a questão real não era se aquele médico, o qual se baseava em dados estatísticos, podia responder à questão mais ampla, mas se a evidência mais pontual que ele indicava sobre a questão era válida e se poderia, portanto, salvar vidas baseando-se apenas em fatos empíricos. O perigo em se cometer a falácia post hoc poderia ter sido facilmente evitado ao se continuar a colher dados a fim de verificar se o procedimento de lavagem das mãos, feito por outros médicos, reduzia os índices de mortalidade das gestantes. Hoje, aqueles que rej eitam uma ação policial mais contundente, assim como a manutenção de punições mais severas como formas eficientes de combate à criminalidade, preferindo programas e esforços de reabilitação social, frequentemente estigmatizam a abordagem tradicional da "lei e da ordem". Isso é feito, normalmente, ao se expandir a questão para que ela abarque "as raízes do problema", ou seja, uma questão a que a ação policial e o sistema penal não podem responder.

Tampouco, podem as teorias alternativas oferecer uma resposta que seja convincente para os que exigem algo mais que uma resposta e cuja única base está em consonância com a visão da intelligentsia. A substituição de teorias sedutoras pela questão mais pragmática e empírica sobre qual abordagem, no controle da criminalidade, apresenta um histórico mais eficiente é interpretada pela intelligentsia como uma maneira muito simplista de ver as coisas. Ironicamente, boa parte dos que enfatizam as complexidades dos problemas e das questões do mundo real considera, no entanto, e com frequência, as pessoas com visões opostas às suas como sujeitos intelectual ou moralmente desprezíveis. Em outras palavras, apesar de toda ênfase colocada nas complexidades envolvidas, essas questões, quando anunciadas por outros, não são consideradas complexas a ponto de exigirem diferentes posições. São descartadas as muitas e diferentes nuanças de avaliações, probabilidades e valores, as quais poderiam, de forma legítima, gerar uma conclusão diferente. Uma variação do tema sobre argumentos "simplistas", imputados aos adversários, é dizer que é preciso evitar as "panaceias", quando, na realidade, nada é panaceia, caso contrário, por definição, todos os problemas do mundo já teriam sido resolvidos. Quando, durante o colapso do bloco comunista na Europa oriental, a imprensa mostrou a Tchecoslováquia celebrando sua liberdade, o colunista do New York Times, Tom Wicker, alertou seus leitores dizendo que a liberdade "não é uma panaceia e que se o comunismo falhou, não significa que a alternativa ocidental seja perfeita ou mesmo satisfatória para milhões que vivem sob seu peso".[169] O fato histórico concreto de milhões de pessoas que viviam sob as diretrizes do bloco comunista e fugiram para o Ocidente, comparado ao fato de uma fração ínfima de pessoas que fugiram no sentido inverso, pode nos

sugerir onde realmente havia maior nível de satisfação. Mas é claro que nada que compreendeu estritamente o humano jamais alcançou a perfeição e, assim, o fato de os intelectuais sempre poderem imaginar algo melhor do que aquilo que existe de melhor não nos surpreende. Certamente, todavia, a visão de Tom Wicker não é a mesma que a de Richard Epstein, para o qual o máximo que podemos esperar é "a mais tolerável das imperfeições".[170] Outro posicionamento parecido é o que afirma que nunca houve uma "era de ouro". Isso é frequentemente colocado na boca de pessoas que nunca alegaram que já houve tal coisa, mas que tendem a pensar que algumas práticas do passado produziram resultados melhores do que algumas práticas do presente. Em vez de oferecer evidências que mostrem que as práticas atuais sempre produzem resultados mais satisfatórios, "panaceias" e "eras de ouro" são usadas para desqualificar argumentos contrários. Por vezes, a mesma noção é expressa ao se dizer que não podemos ou não deveríamos "voltar relógio da história". Mas, a menos que alguém aceite, como dogma, que todas as medidas subsequentes em relação a uma data qualquer sejam automaticamente melhores do que o eram anteriormente à data determinada, esse tipo de artifício revela ser uma evasão que foge às especificidades das questões, ou seja, mais um exemplo de argumentação sem prova. ◆ ◆ ◆

ADVERSÁRIOS SEM MÉRITO Na medida em que a visão do intelectual ungido é, ao mesmo tempo, autocentrada e uma visão de mundo, quando os intelectuais a defendem eles não estão simplesmente defendendo um conjunto de hipóteses sobre eventos externos, mas estão, em certo sentido, defendendo

suas próprias almas e, em tais circunstâncias, o zelo e até mesmo a violência com a qual defendem sua visão não é algo que deveria nos surpreender. Mas para pessoas com visões opostas, as quais podem, por exemplo, acreditar que a maioria das coisas caminha melhor quando deixada sob a ação do livre mercado, da tradição, das famílias, etc., isso representa apenas um conjunto de hipóteses sobre eventos externos e não há envolvimento gigantesco do ego em jogo, caso essas hipóteses sejam ou não confirmadas por evidências empíricas. Obviamente, todos preferem ver suas hipóteses comprovadas, em vez de desmentidas, mas o ponto aqui é que não há o mesmo nível de envolvimento emocional no caso dos que endossam a visão trágica. Essa diferença pode ajudar a explicar um padrão notável que remete, pelo menos, aos meados do século XVIII. Falo da maior tendência, entre os integrantes da visão do intelectual ungido, em avaliar todos os que discordam de suas posições como inimigos moralmente deficientes. Uma vez que existem variações individuais nesse padrão, como existe variação de grau na maioria das coisas, temos, não obstante, padrões gerais que já foram notados por muitos tanto em nossa época quanto em períodos anteriores. Por exemplo, num relato contemporâneo lemos: Discorde de um integrante da direita e o sujeito estará propenso a considerá-lo obtuso, equivocado, tolo, ou seja, um asno. Discorde de um integrante da esquerda e o sujeito estará ainda mais propenso a considerá-lo egoísta, vendido, insensível, ou seja, possivelmente maligno.[171] Defensores de ambas as visões, por definição, acreditam que aqueles que defendem a visão contrária estão enganados. Mas isso não é suficiente para os

membros da visão do intelectual ungido. É aceito como certo, há muito tempo, pelos que participam dessa visão, que seus opositores são desprovidos de compaixão. No entanto, nunca houve uma vontade real em testar tal impressão empiricamente. Nesse sentido, desde o século XVIII a diferença entre os defensores das duas visões se tornou explícita por ocasião da controvérsia entre Thomas Malthus e William Godwin. Malthus dizia de seus adversários intelectuais o seguinte: "Não posso duvidar dos talentos individuais de homens como Godwin e Condorcet. Não estou inclinado a duvidar da honestidade deles".[172] Contudo, quando Godwin se referiu a Malthus, ele o chamou de "maléfico", questionando a "humanidade do homem". Ele disse: "Confesso que desconheço a substância que preenche um homem como esse".[173] Edmund Burke foi figura emblemática entre os que tinham uma visão trágica, mas, apesar de seus ataques incessantes sobre as ideias e os feitos da Revolução Francesa, referia-se àqueles que adotavam uma visão oposta à sua como pessoas que "podem vir a fazer as piores coisas sem, contudo, serem os piores homens".[174] Seria difícil, para não dizer impossível, encontrar afirmações semelhantes a respeito de adversários ideológicos entre os integrantes da visão do intelectual ungido, seja no século XVIII ou hoje. Ainda assim, um julgamento respeitoso para com adversários intelectuais, tratando-os como equivocados ou mesmo perigosamente enganados, mas não necessariamente malignos, continuou a ser prática comum entre os integrantes da visão trágica. Quando Friedrich Hayek publicou, em 1944, The Road to Serfdom, seu emblemático desafio à preponderante visão social da intelligentsia, disparando uma contrarrevolução intelectual e política, posteriormente integrada por Milton Friedman, William F. Buckley e outros intelectuais, além de políticos como Margaret Thatcher e Ronald Reagan, ele caracterizava

seus adversários como "idealistas meramente tacanhos" e "autores cuja sinceridade e cujo desinteresse eram fortemente suspeitos".[175] Todavia, a sinceridade de Hayek era suficiente para que os adversários fossem considerados não apenas equivocados, mas perigosamente equivocados, como foi ilustrado em sua visão ao dizer que eles conduziam a sociedade ao "caminho da servidão". De forma parecida, em 1945, mesmo em meio à campanha política, quando Winston Churchill alertava sobre o risco de um governo autoritário caso seu adversário, o partido trabalhador, vencesse as eleições, ele completava que isso não ocorreria porque seus adversários queriam reduzir a liberdade das pessoas, mas porque "não enxergam para onde suas teorias os estavam levando".[176] Concessões semelhantes à sinceridade e às boas intenções dos adversários podem ser encontradas em Milton Friedman e em outros expoentes da visão trágica ou cautelosa. Mas tal postura, em meio a seus adversários ideológicos, tem sido muito mais rara de se encontrar onde as supostas falhas morais e intelectuais do adversário são cultuadas, caracterizando o modus operandi do intelectual ungido desde o século XVIII até o presente. [177]

A sinceridade e os sentimentos humanos são frequentemente negados aos adversários ideológicos por aqueles que têm a visão do intelectual ungido, em nome de várias justificativas, como, por exemplo, por ser contrário ao estabelecimento de leis de salário mínimo ou de controle sobre os preços dos aluguéis, posturas que são interpretadas como reveladoras de uma absoluta falta de compaixão para com os pobres. Todavia, as questões sobre a validade empírica ou analítica de tais argumentos é deixada de lado. Mesmo que pudesse ser provado como certo que os adversários dessas e de outras agendas "progressistas" são verdadeiros canalhas, ou mesmo

pessoas venais, isso ainda não constituiria resposta aos argumentos levantados por eles. Ainda assim, alegações que acusam oponentes ideológicos de racistas, machistas, homofóbicos ou "incapazes de entender a questão" são geralmente empurradas pela intelligentsia, substituindo refutações específicas sobre os argumentos discutidos. "O que geralmente distingue os liberais", segundo Andrew Hacker, autor de grande sucesso, é que eles "já estão prontos a compartilhar uma parte do que têm com outros menos afortunados do que eles".[178] Essa não é uma visão particular do professor Hacker. Muito antes de seu nascimento já se refletia sobre uma opinião que se disseminara por entre os membros da intelligentsia. Mas aqui, como em outros lugares, o poder de uma visão é mostrado não pela evidência oferecida a favor, mas precisamente pela falta de qualquer esforço em se procurar evidências, nesse caso a evidência de menor senso humanitário por parte dos conservadores, os quais se opõem às agendas "progressistas". Todavia, um estudo realizado pelo professor Arthur C. Brooks, da Universidade Syracuse, cujo intuito era aferir a extensão em que liberais e conservadores doavam dinheiro, sangue e horas de serviço assistencial nos Estados Unidos para projetos filantrópicos, mostrou que os conservadores doavam, em média, tanto um volume maior de dinheiro quanto uma porcentagem também maior de suas rendas para causas filantrópicas, e que suas rendas eram um pouco menores que a renda dos liberais. Os conservadores também cediam mais horas de seu tempo em trabalhos voluntários e doavam muito mais sangue.[179] Isso certamente não prova que os argumentos dos conservadores em questões sociais ou políticas sejam mais válidos. Contudo, a pesquisa nos mostra os enormes equívocos aos quais as pessoas estão sujeitas toda vez que acreditam apenas no que se apresenta como conveniente

para sua visão, e não veem necessidade alguma em passar suas suposições pelo crivo das evidências empíricas. Antes que se fizesse qualquer aferição empírica, a suposição de que os conservadores seriam menos preocupados com o bem-estar das pessoas se mostrou tão hegemônica e tão inquestionável por tanto tempo, literalmente por séculos, que fica difícil não admitir a força insidiosa da manipulação ideológica. De forma parecida, quando os integrantes da intelligentsia defendem o desarmamento e os acordos internacionais, entre nações potencialmente adversárias, como a única forma de garantir a paz entre elas e são contestados pelos que adotam a visão trágica, os quais, por sua vez, defendem o poder dissuasivo da força militar e as alianças militares, como forma eficiente de garantir a paz, essas posições distintas são raramente vistas como simples diferenças hipotéticas sobre a política internacional. Com frequência muito maior, os adoradores da visão do intelectual ungido veem essas diferenças como claros sinais a revelar os defeitos pessoais de seus adversários teóricos. Portanto, os que acreditam no uso da força militar como eficiente instrumento dissuasório, negando-se a endossar as políticas de desarmamento ou os acordos internacionais, são descritos como pessoas que anseiam e cultuam as guerras. Bertrand Russell, por exemplo, disse o seguinte: Ao se dirigir a uma plateia de homens para falar sobre os meios de se impedir a deflagração armada, pode ter certeza de que aparecerá um homem de meia-idade que dirá, em tom de desprezo: "As guerras nunca cessarão, pois seria contrário à natureza humana". É um tanto óbvio que um homem desse tipo se delicia com a guerra e odiaria viver num mundo no qual a guerra tivesse sido erradicada.[180]

Bertrand Russell não foi o único filósofo internacionalmente conhecido a fazer esse tipo de comentário. O comentário anteriormente transcrito foi feito em 1936, dirigido contra os que queriam que a GrãBretanha se rearmasse em resposta à massiva reconstrução do poderio militar alemão promovida por Hitler. Três anos mais tarde, rearmamento nazista seria mobilizado contra os países europeus, dando início à Segunda Guerra Mundial. Antes disso, na década de 1920, quando muitos intelectuais favoreciam a realização de acordos internacionais de paz, como o pacto Kellogg-Briand, de 1928, os que se opunham a essa abordagem de renúncia à guerra eram retratados por John Dewey como pessoas que exibiam "a estupidez de uma mente amarrada aos velhos hábitos",[181] pessoas que sofriam de "inércia mental",[182] cujas motivações tinham uma "natureza psicológica, em vez de prática ou lógica”[183] ou mesmo como pessoas que "acreditavam no sistema da guerra".[184] O escritor britânico J. B. Priestley tentou explicar o fracasso do pacifismo teórico, pois embora fosse um pensamento hegemônico entre seus colegas intelectuais da década de 1930, tinha dificuldade de convencer o público em geral. Para ele o público era a favor da guerra devido a certo "tédio", o qual gerava um "desejo disseminado de participar de uma grande e emocionante encenação repleta de discursos inflamados, desfraldar de bandeiras, tropas se amotinando e listas de mortos em combate".[185] Embora reconhecesse "a enorme vendagem" do romance pacifista Nada de Novo no Front, Priestley dizia: "São os horrores da história que fascinam os leitores", uma vez que o livro "é um grande espetáculo da tragédia humana ".[186] Na visão de Priestley, não importa o que os fatos empíricos revelam. Eles são sistematicamente empacotados e encaixados no modelo. Os desejos do público, arbitrariamente atribuídos por Priestley, tornaram

desnecessária a tarefa de confrontar seus argumentos com argumentos contrários ou de confrontar a possibilidade de haver lacunas ou defeitos nos argumentos defendidos pelos pacifistas, os quais, todavia, não conseguiam convencer o público sobre a eficiência de seu modelo. Estes diziam que o desarmamento e os tratados seriam as formas mais apropriadas para se reduzir a ocorrência de guerras. Existe, entre os intelectuais, uma longa e semelhante história sobre questões envolvendo assuntos de guerras e de paz, cuja dinâmica recua, no mínimo, até Godwin e Condorcet no século XVITI. Nesse debate, os que discordam do modelo pacifista são retratados como belicosos fanáticos, os quais, por motivos malignos ou irracionais, anseiam a deflagração de guerras.[187] Entre as duas visões, trágica e a do intelectual ungido, o profundo contraste de tratamento entre os adversários teóricos é vasto e duradouro em demasia para que possa ser atribuído a meras diferenças de personalidade em particular, mesmo quando há variações individuais em ambos os lados. A própria natureza das visões, em si mesmas, envolve grandes distinções do comprometimento com o ego. Acreditar na visão do ungido é se considerar como tal, algo que é muito precioso para se perder. Como T. S. Eliot coloca: Neste mundo, metade do mal é fruto dos que insistem em se sentir importantes. Eles não querem fazer o mal, mas tampouco se importam com o perigo do mal. Talvez eles nem o vejam ou, se o justificam, é porque estão absortos na infindável luta que travam para pensar bem de si mesmos.[188] ◆ ◆ ◆

A RETÓRICA DOS "DIREITOS"

Uma grande parte do discurso dos intelectuais se associa à luta por "direitos", mas cujas bases fundadoras não são questionadas e muito menos avaliadas. Parágrafos constitucionais, legislação, obrigações contratuais e tratados internacionais não são citados a fundamentar tais "direitos". Temos "direitos" e exigimos "salário digno", "moradia decente", "assistência médica acessível", dentre inúmeros outros benefícios tanto de ordem material quanto psicológica. Que tais coisas possam ser desejáveis não está em questão. A verdadeira questão é saber o motivo pelo qual são consideradas obrigatórias- o corolário lógico que envolve qualquer questão sobre direitos -, tendo-se em vista as pessoas que não concordam com tais obrigatoriedades. Se alguém goza de um direito é porque outro alguém sofre uma obrigação. Mas o direito proposto de "salário digno ", por exemplo, não se baseia em nenhuma obrigação anuída por um empregador qualquer. Pelo contrário, esse "direito" é citado como forte razão para justificar o envolvimento do governo, o qual deve, então, obrigar o empregador a pagar o que terceiros gostariam que fosse pago. "Direitos", na forma em que o termo é usado ideologicamente, não determinam acordos mútuos entre indivíduos, empresas ou nações. Por exemplo, terroristas capturados são tratados, por alguns, como portadores dos direitos estabelecidos para prisioneiros de guerra pela Convenção de Genebra. Contudo, isso é levantado mesmo diante do fato de os terroristas não concordarem, de forma alguma, com os termos da Convenção de Genebra, além de não integrarem o que os relatores daquela convenção designaram como membros sob sua proteção. Novamente, os "direitos", da maneira como o termo é usado ideologicamente, constituem-se fundamentalmente de afirmativas arbitrárias e autoritárias feitas por terceiros que buscam fixar o que outros nunca concordaram em fazer. O mesmo princípio está em operação sempre que termos como "responsabilidade social" ou "contrato social"

são usados para descrever o que terceiros querem que seja feito, desconsiderando se outros concordaram ou não em fazê-lo. Dessa forma, sobre o mundo dos negócios é fixada uma "responsabilidade social ", no intuito de oferecer benefícios a muitos indivíduos ou para a sociedade em geral sem considerar, no entanto, se as empresas realmente escolheram assumir tamanhas responsabilidades. Nem mesmo essas responsabilidades se encontram necessariamente baseadas em leis que foram promulgadas. Pelo contrário, pois são as alegadas "responsabilidades" que formam a base para a promoção de projetos de lei, mesmo que elas não tenham, em si, fundamento algum, exceto o fato de terceiros advogarem sua imposição. O mesmo princípio é usado na imaginação fantasiosa de "promessas", como em The Promise of American Life, de Herbert Croly, o primeiro editor da progressista New Republic, no qual essas "promessas" não são encontradas em lugar algum, a não ser nos desejos de Herbert Croly e na mentalidade de seus companheiros progressistas. De forma parecida, encontramos a mesma situação nos "contratos" que ninguém assinou ou jamais viu. Assim, a Previdência Social é frequentemente descrita como um "contrato" entre as gerações, quando, por definição, gerações ainda não geradas não podem concordar com nenhum contrato desse tipo. Obrigações legais podem certamente ser impostas às gerações vindouras por meio da Previdência ou de dívidas nacionais, mas o assunto não diz respeito ao que é fisicamente possível, mas questiona a lógica e as fundações empíricas das imposições. Dizer que elas têm fundamento moral, sem, contudo, fornecer nada de específico, é apenas dizer que algumas pessoas sentem que é melhor desse jeito. Mas, em primeiro lugar, não haveria questão alguma, a não ser que outras pessoas pensassem de outro jeito. Muitas vezes, os alegados "direitos", "responsabilidades sociais" ou outros "contratos" dessa natureza não estão necessariamente baseados em reivindicações das maiorias.

Pelo contrário, são apresentados como motivos que dizem por que a maioria, líderes políticos ou tribunais devem impor o que terceiros buscam impor. São argumentos sem prova. Por vezes, o termo "justiça social" é usado para maquiar justificativas que, de fato, são arbitrárias. Mas "justificar" significa alinhar uma coisa com outra. Com o que essas alegações se alinham, além dos sentimentos, das visões e do pensamento grupal que prevalecem atualmente entre os participantes da intelligentsia? O pensamento grupal da intelligentsia não deixa de ser um pensamento grupal e seus preconceitos também não deixam de ser preconceitos. O juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes disse: "A palavra 'direito' é uma das armadilhas mais traiçoeiras" e "uma constante solicitação à falácia".[189] Da mesma forma que ele rejeitava direitos abstratos, ele considerava os direitos verdadeiramente "estabelecidos em qualquer sociedade" como detentores de uma base diferente.[190] Holmes estava particularmente preocupado com a noção de que juízes deveriam fazer cumprir direitos abstratos para os quais não havia base alguma: Há uma tendência em pensar os juízes como se fossem elementos isolados, forças independentes vagando no infinito e não simples diretores de uma força cuja fonte lhes confere autoridade. Eu creio que nossos tribunais cometeram erros e é isso que tenho procurado dizer quando afirmo que a Lei Comum não se apresenta como solene onipresença celeste, e que os Estados Unidos não estão sujeitos a um tipo de lei sobrenatural diante da qual se curvam em obediência.[191]

A declaração original de Holmes, dizendo que a Lei Comum "não se apresenta como solene onipresença celeste", foi expressa no caso Southern Pacific Co. versus Jensen, julgado na Suprema Corte em 1917. Holmes explicava que a lei é "a voz articulada de uma soberania ou quase-soberania que pode ser identificada".[192] Porém, as exigências por "direitos" abstratos dos intelectuais os transformam em soberanos sem identificação ou autorização. ◆ ◆ ◆

A DICOTOMIA ESQUERDA-DIREITA No âmbito da política, uma das fontes mais férteis de confusão, em discussões sobre questões ideológicas, é a dicotomia entre esquerda e direita. Talvez a diferença mais fundamental entre esquerda e direita é que apenas a primeira tem alguma espécie de definição. O que é chamado de "direita" resume-se aos múltiplos e díspares adversários da esquerda. Por sua vez, esses adversários da esquerda podem não ter qualquer vínculo entre si, seja na composição de princípios comuns, seja na composição de uma agenda política comum, e podem variar, em suas preferências, de libertários do livre mercado a defensores da monarquia, da teocracia, da ditadura militar ou de inumeráveis outros princípios, sistemas e agendas. Para pessoas que tomam as palavras literalmente, falar da "esquerda" é assumir que existe implicitamente outro grupo adversário igualmente coerente que se constitui como "direita ". Talvez causasse menos confusão se o que chamamos de "esquerda" fosse designado por algum outro termo, um movimento X. Mas a designação em se pertencer à esquerda tem, ao menos, alguma base histórica nos representantes que se sentavam à esquerda da cadeira do presidente da Assembleia durante a reunião dos Estados

Gerais da França no século XVIII. Hoje, um resumo aproximado sobre a esquerda política seria a visão que promove a tomada de decisões coletivistas, por meio da ação direta do governo e de suas agências, os quais visam ao objetivo de reduzir as desigualdades socioeconômicas. Podemos adotar posições moderadas ou extremas sobre essa visão ou agenda da esquerda, mas entre aqueles designados "de direita", a diferenÇa entre libertários do livre mercado e juntas militares não é apenas de grau, na perseguição de uma visão em comum, mas de fato não existe qualquer visão em comum entre eles. O que significa dizer que não existe um bloco que possa ser definido como "direita", embora existam múltiplos segmentos designados nessa categoria genérica, como os defensores do livre mercado, os quais podem ser definidos. A heterogeneidade que encontramos na "direita" não é o único problema da dicotomia esquerda-direita. Dentro do espectro político concebido pelos participantes da intelligentsia, reina a imagem comum que se estende desde comunistas que se posicionam no extremo à esquerda até esquerdistas menos extremistas, passando por progressistas mais moderados, centristas, conservadores, direitistas mais radicais e finalmente os fascistas. Esse quadro é tido como certo pela intelligentsia, mas é mais um exemplo de conclusão sem prova, a menos que uma interminável repetição possa ser considerada prova. Ao nos desviarmos das imagens consagradas, buscando as especificidades, observamos que, exceto pela retórica, existe notável e mínima diferença entre fascistas e comunistas. Observamos também que há muito mais em comum entre fascistas e até mesmo a esquerda moderada do que entre ambos e os tradicionais conservadores no sentido norte-americano do termo. Uma análise mais atenta esclarecerá o ponto. Comunismo é socialismo com vocação internacional e métodos totalitários. Benito Mussolini, o fundador do

fascismo, definia-o como nacional socialismo num estado totalitário, termo também por ele cunhado. A mesma ideia foi usada na Alemanha. Tivemos o Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores, o partido de Hitler, agora quase sempre abreviado como partido dos nazistas, enterrando-se e ocultando o termo socialista. Visto em retrospecto, embora a característica predominante entre os nazistas fosse o racismo em geral e o racismo antissemita em particular, esse elemento de ódio racial não era inerente à visão fascista, uma vez que não era compartilhado pelo governo fascista de Mussolini, na Itália, ou de Franco, na Espanha. Numa ocasião, os judeus foram de fato amplamente representados entre os líderes fascistas na Itália. Somente depois que Mussolini se tornou o parceiro caçula de Hitler na composição das forças do Eixo, no final da década de 1930, que os judeus foram expulsos do partido fascista italiano. E só depois que a autoridade de Mussolini foi neutralizada, em 1943, e seu governo substituído por um governo fantoche implantado pelos nazistas, no norte da Itália, que os judeus residentes naquela parte da Itália foram cercados e enviados para os campos de concentração.[193] Portanto, um governo explícita e oficialmente dominado por ideologia e prática racistas diferenciava os nazistas de outros movimentos fascistas. O que distinguia os movimentos fascistas, em geral, dos movimentos comunistas era o fato de os comunistas estarem oficialmente comprometidos com a apropriação governamental dos meios de produção, enquanto os fascistas permitiam a manutenção da propriedade privada dos meios de produção desde que o governo direcionasse as decisões dos proprietários e limitasse os índices de lucro que esses proprietários poderiam receber. Eram ambos os sistemas totalitários, embora os comunistas fossem oficialmente internacionalistas, ao passo que os fascistas se

diziam nacionalistas. No entanto, a proclamada política de Stalin de "socialismo em uma nação" não era muito diferente da proclamada política do nacional socialismo dos fascistas. Quando chegamos aos aspectos práticos, encontramos diferenças ainda menores, pois é certo que a Internacional Comunista servia aos interesses nacionais da União Soviética, apesar de toda a retórica internacionalista usada. A maneira como os comunistas do mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, retiraram a oposição que faziam aos esforços conjuntos de ajuda militar entre as nações ocidentais na Segunda Guerra Mundial, num período de 24 horas após a invasão da União Soviética pelas forças de Hitler, é apenas o mais dramático de muitos exemplos que poderiam ser citados. Em relação ao suposto comedimento do interesses fascistas, limitados às políticas de seus próprios países, ele foi desmentido pelas invasões efetuadas tanto por Hitler quanto por Mussolini, assim como pela rede de operações internacionais dos nazistas, que operava por meio de alemães vivendo em outros países, abarcando do Brasil à Austrália.[194] Todas essas agências estavam submetidas aos interesses nacionais alemães, passando por cima de inclinações ideológicas ou de interesses privados de seus integrantes. Dessa forma, as queixas dos alemães que viviam como sudetos, na Tchecoslováquia, foram inflamadas durante a crise de Munique de 1938 como parte do plano de expansão territorial da Alemanha, ao passo que os alemães que viviam na Itália foram obrigados a abafar suas reclamações, já que Mussolini era aliado de Hitler.[195] À medida que a União Soviética proclamava seu internacionalismo e anexava várias nações, que continuavam a ser "oficialmente independentes", as pessoas que detinham o poder real nessas nações, geralmente sob o título de "segundo-secretário" do partido

comunista, eram quase sempre russos,[196] repetindo o padrão dos tempos dos czares, os quais governavam o que era mais honestamente chamado de Império Russo. Portanto, a noção de que comunistas e fascistas se configuram em polos ideológicos não é verdadeira nem em teoria e muito menos na prática. Comparando-se, de um lado, as semelhanças e as diferenças entre esses dois movimentos totalitários e, do outro, o conservadorismo, há muito mais semelhança entre esses dois sistemas totalitários e suas respectivas agendas, incluindo a agenda da própria esquerda, do que com as agendas da grande maioria dos grupos conservadores. Por exemplo, entre os itens que compunham a agenda dos fascistas na Itália, assim como dos nazistas na Alemanha, temos (1) controle governamental sobre os salários e as horas de trabalho, (2) impostos mais altos sobre os ricos, (3) limites governamentais sobre os lucros, (4) controle governamental sobre os cuidados com a população de idosos, (5) esvaziamento do papel da religião e da família nas decisões pessoais e sociais e (6) estabelecimento de métodos de engenharia social para alterar a natureza das pessoas, geralmente desde a primeira infância.[197] Esse último e mais audacioso projeto faz parte da ideologia da esquerda, tanto a esquerda democrática quanto a totalitária, uma vez que existe desde o século XVIII, quando Condorcet e Godwin defenderam tal tipo de intervenção, e que ainda é defendido por inúmeros outros intelectuais.[198] Esse projeto já foi colocado em prática em vários países, recebendo nomes como "reeducação" e "retificação de valores"[199] Certamente, essas diretrizes são, para a maioria dos conservadores nos Estados Unidos, inaceitáveis. Por outro lado, são visões congênitas às abordagens defendidas pelos liberais - os progressistas norte-americanos - dentro do contexto político norte-americano. Deve-se notar que os termos liberal e conservative, como são usados no contexto

norte-americano, não guardam muita semelhança com os significados originais. Milton Friedman, um dos líderes do movimento intelectual "conservador" de sua época, defendia mudanças radicais nos sistema escolar dos Estados Unidos, assim como queria alterar o papel do Banco Central na economia. Um de seus livros foi intitulado The Tyranny of the Status Quo [A Tirania do Status Quo]. Da mesma forma que Friedrich Hayek, Friedman se via como liberal, respeitando o sentido original do termo, mas esse sentido foi completamente alterado nos Estados Unidos, embora visões semelhantes às suas ainda sejam conhecidas como visões liberais em alguns outros países. Apesar disso, os estudos acadêmicos designam Hayek como defensor do status quo, como um daqueles intelectuais cuja "defesa do estado existente de coisas fornece justificativas para os poderes consagrados".[200] Quaisquer que fossem os méritos ou os deméritos das ideias de Hayek, elas se distanciavam muito mais do status quo do que as ideias dos intelectuais que o criticavam. Pessoas como Hayek, que em geral são designadas como "conservadoras", articulam ideias que diferem em grau e em gênero de seus alegados pares ideológicos, distanciando-se das ideias de outros participantes da chamada direita política. Talvez se os liberais fossem chamados simplesmente de X e os conservadores de Y haveria menos confusão. Conservadorismo, em seu sentido original, não tem qualquer conteúdo ideológico específico já que depende do que se está tentando, em cada caso, conservar. Nos últimos dias da União Soviética, os indivíduos que lutavam pela preservação do regime comunista existente eram designados, acertadamente, de "conservadores", embora aquilo que buscavam conservar nada tivesse em comum com o que era defendido por Milton Friedman, Friedrich Hayek ou William F. Buckley, nos Estados Unidos. Muito

menos esse "conservadorismo comunista" poderia ser confundido com as posições do cardeal Joseph Ratzinger, uma liderança conservadora no Vaticano e que, posteriormente, foi sagrado papa. Indivíduos que recebem o rótulo de "conservadores" têm posições ideológicas específicas, mas isso não confere associação direta entre suas especificidades, distintas em cada um dos diferentes contextos e locais. Caso nos esforcemos por definir a esquerda, segundo seus objetivos proclamados, torna-se evidente que objetivos muito semelhantes foram proclamados por pessoas que a esquerda repudiou e anatematizou, chamando-as de fascistas e de nazistas. Portanto, em vez de definir esses grupos por seus objetivos proclamados, podemos defini-los pelos seus mecanismos institucionais específicos e pelas políticas que executam ou defendem a fim de alcançar esses objetivos. Mais especificamente, esses grupos podem ser definidos a partir dos mecanismos institucionais que buscam impor, no intuito de controlar as decisões mais significativas sobre a sociedade em geral. Para fins explicativos de nossa análise é preciso separar, de um lado, os processos que respeitam e defendem as decisões tornadas individualmente dos processos que defendem decisões de cunho coletivista executadas por terceiros. Essa dicotomia esquemática é necessária diante da vastíssima gama de possíveis mecanismos de decisão e controle. Por exemplo, nas economias de mercado, consumidores e produtores tomam individualmente suas decisões. As consequências sociais são determinadas pelos efeitos acumulados das decisões individuais na forma corno os recursos são alocados na economia como um todo e na resposta que dão à variação de preços, de renda e de emprego, os quais, por sua vez, afetam a relação de oferta e de demanda. Embora esse tipo de visão sobre a economia seja geralmente considerado "conservador" (no sentido original

do termo), uma vez colocado sob a longa perspectiva da história das ideias torna-se uma visão revolucionária. Desde os tempos antigos até o presente, abarcando sociedades completamente distintas por todo o mundo, encontramos os mais variados sistemas de pensamento tanto secular quanto religioso, os quais buscam determinar como os melhores, mais sábios e virtuosos podem influenciar ou dirigir as massas a fim de criar ou de manter uma sociedade mais feliz, viável e valorosa. Diante de tal quadro histórico, foi um ponto de partida revolucionário quando, na França do século XVIII, os fisiocratas se levantaram para proclamar que, ao menos para a economia, o melhor que as autoridades reinantes poderiam fazer seria deixar o processo caminhar por si mesmo. Laissez-faire foi o termo que cunharam. Os que adotavam a nova visão diziam que a imposição de políticas econômicas pelas autoridades seria uma preocupação "altamente desnecessária", usando as palavras de Adam Smith.[201] Favorecia-se um sistema espontâneo de interação, o qual funcionaria muito melhor sem intervenções governamentais, embora não fosse perfeito, apenas melhor. Variações nessa visão de ordem espontânea podem também ser encontradas em outras áreas, passando da linguagem às leis. Nenhuma elite jamais se reuniu para determinar as línguas dos povos, de qualquer sociedade que seja. Esses idiomas evoluíram a partir de interações sistêmicas entre milhões de indivíduos ao longo de muitas gerações, nas mais variadas sociedades mundo afora. Os acadêmicos em línguas estudam e codificam as regras da linguagem, mas depois do fato. As crianças aprendem as palavras e o uso, intuindo as regras do uso antes que elas sejam ensinadas formalmente nas escolas. Apesar de ter sido possível às elites criar línguas como o esperanto, tais sistemas artificiais nunca se sobrepuseram às línguas historicamente desenvolvidas.

Na esfera das leis, uma visão semelhante foi expressa pelo juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes, quando afirmou que: "A vida da lei não é dirigida pela lógica, mas pela experiência".[202] Portanto, seja no universo da economia, da linguagem ou das leis, essa visão concebe a viabilidade social e o progresso em função direta com as evoluções e os processos sistêmicos, não se subordinando às prescrições das elites. A confiança em processos sistêmicos, seja na área da economia e do direito, seja em outras áreas, baseia-se na visão cautelosa e dos limites, a visão trágica, a qual percebe as severas limitações de conhecimento e de insight em qualquer indivíduo, mesmo considerando todo o brilhantismo e a erudição que esse ser humano possa porventura possuir. Os processos sistêmicos, em cuja dinâmica integram-se conhecimentos e experiências muito mais vastos, pois há uma quantidade gigantesca de pessoas envolvidas, geralmente tradições inteiras que evoluíram a partir das experiências de sucessivas gerações, são processos muito mais confiáveis do que os intelectos dos intelectuais. Diferentemente, a visão da esquerda é a que favorece os tomadores de decisão terceirizados e isso se realiza por meio dos que supõem deter não apenas conhecimento superior, mas o suficiente em suas ações como líderes políticos, especialistas, juízes, dentre outros. Essa é uma visão comum aos variados matizes da esquerda política, abarcando tanto a ala radical quanto a moderada e que também se faz presente nos setores totalitários, sejam eles comunistas ou fascistas. Uma noção de propósito comum, na sociedade, é central para a constituição de processos coletivistas, expressa tanto em instituições democráticas quanto totalitárias ou nas variações entre ambas. Uma das diferenças existentes entre os sistemas democráticos e os sistemas totalitários, dentro da mesma lógica coletivista, é a de grau, a qual se traduz na amplitude e na penetração

das decisões terceirizadas pelo governo, assim como na amplitude deixada para os indivíduos fora do controle do governo. O livre mercado, por exemplo, é uma gigantesca esfera de ação que se furta ao poder governamental. Em tal tipo de mecanismo não existe uma associação comum de propósitos, exceto entre indivíduos e associações específicos, os quais decidam voluntariamente agregar-se em grupos, que podem variar de ligas de boliche a corporações multinacionais. Mas mesmo essas agremiações buscam, tipicamente, os interesses de seus respectivos membros constituintes, e competem contra os interesses de outras agremiações. Os que defendem esse mecanismo social de controle disperso o fazem porque acreditam que os resultados sistêmicos de tais competições e interações são geralmente mais satisfatórios do que a formação de uma monstruosa agremiação para imposição de propósitos comuns, forçada, goela abaixo, por tomadores de decisão terceirizados, os quais supervisionam todo o processo em nome do "interesse nacional". A versão totalitário-coletivista de um exército de burocratas terceirizados, comandados por um governo totalitário, foi resumida no lema de Mussolini: "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".[203] Além do mais, o Estado significava fundamentalmente o líder político que o conduzia absolutamente, o ditador. Mussolini era conhecido como Il Duce, o líder, antes que Hitler recebesse o mesmo título na Alemanha, o - Führer. As versões democráticas do mesmo mecanismo coletivista de tomada de decisão, observadas em sociedades que escolhem seus líderes em eleições, tendem a deixar parcelas maiores de atividade socioeconômica fora do controle do governo. Todavia, a esquerda raramente adota princípios explícitos por meio dos quais as fronteiras entre a ação do governo e as decisões individuais possam ser

facilmente determinadas. Isso acaba levando à tendência, ao longo do tempo, de ampliar as zonas de interferência do governo à medida que quantidades cada vez maiores de decisões são retiradas das mãos dos indivíduos. Preferências por tomadas de decisão de cunho coletivista, feitas de cima para baixo, não esgotam todo o repertório que a esquerda democrática compartilha com os primeiros fascistas italianos e com os nacionais socialistas, os nazistas, da Alemanha. Somando-se à política altamente intervencionista sobre os mercados econômicos, a esquerda democrática também compartilhou, com os fascistas e os nazistas, a suposição de um abismo de compreensão e de inteligência entre as pessoas comuns e as elites, como eles. Embora tanto a esquerda totalitária - fascistas, comunistas e nazistas - quanto a democrática tenham feito uso de termos como "povo", "trabalhadores" e "massas", colocando-os como beneficiários ostensivos de suas políticas, essas categorias não ostentam, no entanto, qualquer autonomia em suas decisões. Muito da retórica orquestrada tanto pela esquerda democrática quanto pela totalitária já esvaziou, há muito tempo, a importante distinção entre as pessoas enquanto beneficiárias e autônomas para tomarem suas próprias decisões. Nesse universo ideológico, o privilégio das decisões é propriedade exclusiva dos intelectuais ungidos, e isso é tido como certo. Rousseau, apesar de toda ênfase que deu à "vontade geral", deixou às elites o papel exclusivo de interpretar essa "vontade geral". Ele via as massas como algo parecido a um "estúpido e pusilânime inválido".[204] Godwin e Condorcet também expressaram, no século XVIII, um desprezo semelhante às massas[205] Karl Marx disse: "Ou a classe trabalhadora se faz revolucionária ou não é nada".[206] Em outras palavras, para esses intelectuais, milhões de seres humanos só tinham qualquer importância se adotassem a visão deles. O socialista fabiano George Bernard Shaw

incluía a classe trabalhadora entre os tipos "detestáveis", pessoas que não têm "direito de viver". Ele completava: "Ficaria desesperado caso não soubesse que todos fatalmente morrerão e não há necessidade alguma que justifique a permanência deles neste mundo".[207] Como integrante do exército norte-americano durante a Primeira Guerra Mundial, Edmund Wilson escreveu a um amigo: "Não seria sincero se dissesse que as mortes desses homens, esse 'lixo branco miserável do sul' e de outros me causam a metade da dor que sinto com a mera convocação e o alistamento de qualquer um de meus amigos".[208] A esquerda totalitária tem sido igualmente clara em seu entendimento sobre controle absoluto por parte de uma elite política a controlar absolutamente os poderes decisórios: a "vanguarda do proletariado", os líderes de uma "raça superior" ou qualquer outro slogan em particular. Nas palavras do próprio Mussolini: "As massas simplesmente seguirão e se submeterão".[209] Em relação às suposições fundamentais, a semelhança entre os múltiplos movimentos totalitários e a esquerda democrática foi abertamente reconhecida pelos próprios líderes da esquerda dos países democráticos, durante a década de 1920, num momento em que Mussolini era totalmente idolatrado por muitos intelectuais das democracias ocidentais, e numa época em que mesmo Hitler angariava admiradores entre proeminentes intelectuais de esquerda. Foi somente após o desenrolar dos acontecimentos, durante a década de 1930, com a invasão da Etiópia por Mussolini e o violento antissemitismo de Hitler na Alemanha, além de suas agressões militares contra países vizinhos, que eles se tornaram párias internacionais. A partir daí seus sistemas totalitários foram repudiados pela esquerda e retratados como sendo "de direita".[210] Durante a década de 1920, todavia, o escritor radical Lincoln Steffens escrevia positivamente sobre o fascismo de

Mussolini, assim como escrevera, mais notoriamente, sobre as vantagens do comunismo soviético.[211] Ele não era, contudo, o único radical ou progressista norte-americano a fazer tal coisa.[212] Em 1932, o famoso romancista e socialista fabiano H. G. Wells conclamou os alunos de Oxford para que se tornassem "fascistas liberais" e "nazistas esclarecidos".[213] O historiador Charles Beard estava entre os apologistas de Mussolini que viviam nas democracias ocidentais, o mesmo acontecia com a revista New Republic. [214] O poeta Wallace Stevens chegou a justificar a invasão da Etiópia por Mussolini.[215] W. E. B. Du Bois ficou, durante a década de 1920, tão intrigado pelo movimento nazista que decorou com suásticas as capas de uma revista que editou, apesar dos protestos da comunidade judaica.[216] Embora Du Bois tivesse que lidar com o problema do antissemitismo, que o nazismo implicava, ele dizia, na década de 1930, que a criação da ditadura nazista "foi absolutamente necessária para a reorganização do Estado" na Alemanha, e durante um discurso no Harlem, em 1937, declarou: "De certa forma, hoje existe mais democracia na Alemanha do que existia nos anos anteriores".[217] O fato mais revelador é que ele via os nazistas como integrantes da esquerda. Em 1936, ele disse: "A Alemanha é hoje, ao lado da Rússia, o maior exemplo de sociedade marxista".[218] No entanto, a heterogeneidade das posições foi perdida, as quais foram encerradas num só saco, atirado para longe da esquerda. A direita permitiu que a esquerda expulsasse de si e aglutinasse, numa mesma categoria caótica, os vários segmentos ideológicos que, embora participassem da visão da esquerda, tornaram-se constrangedores e, com isso, foram repudiados. Portanto, a grande celebridade do rádio, nos Estados Unidos da década de 1930, o padre Coughlin, que era, dentre outras coisas, antissemita, foi verbalmente banido para a "direita", muito

embora ele defendesse boa parte das propostas políticas que acabaram se transformando no New Deal. Muitos congressistas democratas, em determinado momento, elogiaram o padre publicamente e alguns progressistas instaram o presidente Franklin D. Roosevelt para que o tornasse membro do gabinete da presidência.[219] Durante esse período inicial, era comum na esquerda, como em outros lugares, comparar, considerando experimentos aparentados, fascismo na Itália, o comunismo na União Soviética e o New Deal nos Estados Unidos.[220] Posteriormente, tais comparações foram completamente rejeitadas, assim como fora a figura do padre Coughlin, um genuíno representante da esquerda. Essas mudanças arbitrárias nas classificações não apenas permitiram que a esquerda se distanciasse de grupos e de indivíduos constrangedores, cujas suposições e conclusões subjacentes detinham muitas semelhanças entre si, mas também deu à esquerda a condição de transferir retoricamente o ônus dos constrangimentos para seus adversários políticos. Além do mais, tais mudanças de nomenclatura reduziram grandemente a probabilidade de observadores verem todo potencial negativo das ideias e das agendas promovidas pela esquerda em seu perpétuo jogo para adquirir influência ou poder. A concentração do poder do Estado almejada pela esquerda está retoricamente a serviço de múltiplos e sublimes objetivos, porém tamanhas concentrações de poder oferecem, na realidade, grandes oportunidades para que se cometa toda sorte de abusos, desembocando em genocídios e assassinatos em massa perpetrados por homens como Hitler, Stalin, Mao e Pol Pot. Nenhum desses líderes tinha uma visão trágica do homem, que subentendesse o pensamento "conservador" dos Estados Unidos de hoje. Foram precisamente as presunções de ditadores como esses, iludidos pelas supostas vastidão e

superioridade de seus conhecimentos e de sua sabedoria, considerados muito acima dos parcos conhecimentos das pessoas comuns, que ocasionaram essas assombrosas tragédias que se abateram sobre populações inteiras. ◆ ◆ ◆

"MUDANÇA" VERSUS STATUS QUO A intelligentsia geralmente divide as pessoas entre os que são a favor das "mudanças" e os que favorecem a manutenção do status quo. O livro Liberalism and Social Action [Liberalismo e Ação Social], de John Dewey, por exemplo, começa com as seguintes palavras: O liberalismo já se acostumou com os massacres perpetrados pelos que se opõem à mudança social. Ele tem sido tratado, há muito tempo, como um inimigo por aqueles que desejam manter o status quo.[221] Já foi observado que mesmo figuras "conservadoras" notáveis, como Milton Friedman e Friedrich Hayek, defendiam políticas radicalmente diferentes das que vigoravam nas instituições e nas sociedades. Nenhum livro estava mais completamente calcado na visão trágica do que The Federalist [O Federalista], mas ainda assim seus autores não apenas se rebelavam contra o colonialismo britânico, mas também propunham uma nova forma de governo radicalmente contrária às autocracias que prevaleciam por todo o mundo na época. Chamá-los de defensores do status quo é divorciar completamente as palavras das realidades. A mesma coisa aconteceu com Edmund Burke e Adam Smith, em relação a seus contemporâneos na Inglaterra do século XVIII, onde Burke e Smith se destacaram como

integrantes da visão trágica. Ambos defendiam mudanças drásticas, a ponto de favorecerem a libertação das colônias da América do Norte, em vez de apoiar a guerra pela retenção das colônias, contrariando a posição do governo britânico, e ambos também se opuseram à escravidão numa época em que poucos faziam isso no mundo ocidental e praticamente ninguém o fazia fora dele. Burke elaborou um plano que preparava os escravos para viver em liberdade, fornecendo-lhes propriedade para que começassem a viver a vida como pessoas livres[222] Adam Smith não apenas se opunha à escravidão como descartava, com grande desprezo, a teoria que afirmava que os escravos negros eram inferiores aos brancos que os haviam escravizado.[223] Chamar esses dois homens de defensores do status quo é o mais completo descaramento no uso de pura malícia retórica com intuito de encobrir a verdade dos fatos. Que uma forma tão descabida de evasão aos fatos tenha permanecido intocada desde o século XVIII até nossos dias, justamente entre os que se consideram "pessoas pensantes ", constitui um grave indício sobre o poder de uma visão cuja retórica desmantela o próprio pensamento. É duvidosa a existência de indivíduos, se de fato existe algum, numa sociedade livre qualquer, que se encontrem completamente satisfeitos com todas as políticas e as instituições sob as quais vivem. Praticamente todas as pessoas são, em graus e tipos variados, favoráveis às mudanças. Qualquer discussão racional sobre os tipos e os graus de mudança a serem considerados tomaria, como ponto de partida, quais mudanças em particular são favorecidas por quais pessoas e baseadas em quais razões. Na sequência, teríamos as análises e as evidências contrárias ou a favor dessas razões particulares. Todavia, esse processo é negligenciado. Basta simplesmente proclamar-se favorável à "mudança ", rotulando os que

discordam dos defensores do status quo. Temos mais um exemplo de argumentos sem prova. As pessoas que se reconhecem como "progressistas" não afirmam apenas que são favoráveis às mudanças, mas que essas mudanças são sobretudo benéficas, ou seja, promovem o progresso. Contudo, outras pessoas que também defendam mudanças, mas de naturezas um tanto quanto diferentes, podem, da mesma forma, dizer que suas mudanças são para melhor. Em outras palavras, todo mundo é progressista, segundo sua própria ótica. O fato de algumas pessoas se imaginarem peculiarmente inclinadas ao progresso não constitui apenas mais um exemplo de autoglorificação, mas também representa uma fuga. Tentase escapar da prova ao não mostrar, com base em evidência e análise, onde e por que suas propostas particulares de mudança produziriam, melhores resultados do que as mudanças propostas por outras pessoas. Em vez de percorrer todo esse processo investigativo, desqualificam-se os adversários, sem maiores critérios de análise e de prova, dizendo, como fez John Dewey, que são "apologistas do status quo".[224] Embora façam uso de tais desqualificações no lugar de apresentar argumentos sólidos, qualquer um que tenha cerra familiaridade com a história do pensamento britânico do século XVIII sabe que o livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, não se apresentou em defesa do status quo, mas de fato apontou para uma direção absolutamente contrária aos interesses instituídos pela elite da época tanto na ordem socioeconômica como na ordem política. Seria um tanto quanto difícil compreender o motivo pelo qual Adam Smith, ou qualquer outra pessoa, dedicaria toda uma década de sua vida escrevendo um livro de novecentas páginas para dizer o quão feliz e satisfeito estava com o mundo que o cercava. O mesmo poderia ser dito sobre os escritos volumosos de Milton Friedman, Friedrich Hayek,

William F. Buckley e muitos outros escritores rotulados de "conservadores". O próprio conceito de mudança, como é usado pelos intelectuais de esquerda, o que significa dizer, a quase absoluta maioria da intelligentsia, é um que se faz arbitrariamente restritivo e tendencioso. Esse conceito se limita apenas aos tipos particulares de mudança consagrados pela esquerda, efetuados por meio dos mecanismos sociais particulares que eles pretendem implantar. Outras mudanças, não importando quão amplas e impactantes possam ser para a vida de milhões de pessoas, tendem a ser ignoradas caso operem por meio de outros e distintos mecanismos não contemplados pela intelligentsia. No mínimo, tais desenvolvimentos não incluídos fora do escopo da visão do intelectual ungido são reprovados e não são agraciados com o título honorífico de "mudança ". Por exemplo, a década de 1920 foi uma década de enormes mudanças para a população dos Estados Unidos: a mudança de uma sociedade predominantemente rural para uma sociedade predominantemente urbana e a disseminação do uso da eletricidade, dos automóveis e dos aparelhos de rádio, os quais entraram na vida de muitos milhões de norte-americanos. Foi também o início do transporte aéreo comercial e a revolução do mercado varejista, com a expansão das redes comerciais que resultou numa acentuada queda de preços. No entanto, quando os intelectuais se referem às épocas de "mudança" quase nunca mencionam a década de 1920, porque essas rápidas mudanças, na forma como milhões de americanos viviam a vida, não representam, contudo, os tipos particulares de mudança que a intelligentsia idealiza, pois não participam dos mecanismos sociais sonhados. Aos olhos da maioria da intelligentsia, a década de 1920, nas raras vezes em que se pensa nela, é vista como um período de estagnação, de manutenção do status quo, presidido por

administradores "mudanças".

conservadores

que

se

opunham

às

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RETÓRICA VERSUS PREFERÊNCIAS Para compreender o papel dos intelectuais na sociedade, devemos olhar para além de sua retórica ou mesmo da retórica de seus críticos, observando a realidade de suas preferências ao serem reveladas. Como podemos saber quais são os objetivos e as prioridades de alguém? Uma forma possível pode ser obtida prestando-se atenção no que dizem, mas é claro que meras palavras nem sempre refletem, com precisão, os pensamentos mais recônditos. Além do mais, mesmo os pensamentos articulados não refletem necessariamente os reais padrões de comportamento das pessoas. Objetivos, preferências e prioridades retoricamente articulados tanto interna quanto externamente, não precisam ser consistentes com as escolhas realmente feitas quando confrontados com opções oferecidas no mundo real. Um homem pode alegar que manter o gramado aparado é mais importante do que assistir à televisão, mas se o encontramos em frente da televisão por horas a fio, durante semanas, enquanto o mato e a grama alta tomam conta de seu jardim, então as preferências reveladas, em seu comportamento, apresentam-se como indicador muito mais acurado de suas verdadeiras prioridades do que o fazem tanto sua retórica como as possíveis crenças que o sujeito tem a respeito de si. Quais tipos de preferências são revelados no comportamento real dos intelectuais e como essas preferências reveladas se relacionam com a retórica usada? Os intelectuais declaram que o centro de suas preocupações funda-se na preocupação pelo bem-estar dos

outros, especialmente os pobres, as minorias, a promoção de "justiça social", a proteção das espécies ameaçadas e do meio ambiente. A retórica que usam é muito familiar e está completamente difundida em nossa cultura para que seja necessária uma elaboração mais sofisticada. Todavia, a verdadeira questão é a seguinte: Quais são as preferências realmente reveladas por seus comportamentos? A frase "resultados indesejáveis" tornou-se clichê precisamente pelo fato de tantas políticas e de tantos programas desejados para, por exemplo, melhorar a situação dos menos afortunados, acabarem na verdade deixando a situação deles pior, de forma que não é mais possível acreditar que boas intenções, por si só, possam automaticamente anunciar bons resultados. Qualquer pessoa cuja preocupação fundamental seja a melhoria das condições socioeconômicas dos menos afortunados já deveria ter percebido, depois de décadas de "resultados indesejáveis", a necessidade incontornável de se investir tempo e esforços em tornar boas intenções em políticas e em programas realmente eficientes, além de investir tempo e esforços adicionais para se tentar descobrir como aferir os impactos reais dessas políticas e desses programas. Qualquer um, cuja preocupação fundamental seja a melhoria das condições dos menos afortunados, deve também estar alerta para outros fatores, mas cuja origem ultrapassa a visão dos intelectuais, sempre que esses outros fatores se mostram empiricamente como elementos que ajudam na promoção do bem-estar dos menos afortunados, mesmo que por meios que não sejam contemplados pela inteligência e de forma contrária às visões e às crenças adotadas pela intelligentsia. Resumindo, uma das maneiras de testar se as alegadas preocupações com o bem-estar dos menos afortunados são verdadeiras e se representam, de fato, uma preocupação genuína pelo bem-estar dessas pessoas ou se, pelo contrário, é apenas uma forma de sequestrar a posição de "vítima" dos menos afortunados,

usando-a como forma de condenar a sociedade a fim de alçar autoridade moral e política, seria na observação das preferências reais, reveladas no comportamento dos intelectuais. É preciso avaliar quanto tempo e quanta energia os intelectuais investem na promoção de sua visão, comparando com o tempo e a energia dedicados à aferição (1) das consequências reais sobre as coisas feitas em nome da visão e (2) na própria aferição dos benefícios reais e concretos criados aos menos afortunados, mesmo quando escapam aos ditames da visão consagrada, e que podem ser até mesmo ser contrários a ela. Por exemplo, cruzadas em nome de um "salário digno" ou para por fim às "duras" condições de trabalho no Terceiro Mundo absorvem enormes quantidades de tempo e de energia na promoção de seus objetivos, mas não dedicam tempo nenhum para analisar os vários estudos feitos em países, por todo o mundo, a fim de verificar as consequências reais de tais leis de salário mínimo em geral ou de leis de "salário digno" em particular. As consequências reais incluem índices mais altos e períodos mais longos de desemprego generalizado, afetando especialmente os segmentos menos qualificados e especializados da população. Pode se concordar ou se discordar dos resultados, mas a questão crucial aqui é se alguém se preocupa em lê-los. Caso o real propósito das cruzadas sociais seja a melhoria da condição social dos menos afortunados, as consequências reais de tais políticas, como controle de salários, tornam-se aspectos centrais e precisam ser investigadas a fim de evitar a eterna recorrência de "resultados indesejáveis", os quais já se tornaram universalmente reconhecidos no contexto das reformas sociais. Mas se o real propósito das cruzadas sociais for de fato proclamar um grupo ou alguém, como anjos reformadores, então essas investigações empíricas passam a ter uma prioridade reduzida, caso ainda exista alguma,

uma vez que o objetivo em se colocar do lado dos anjos é realizado quando as políticas são defendidas e instituídas, após as quais as cruzadas sociais podem seguir em frente, para atacar outras questões. A preferência revelada, em muitos casos, senão na maioria deles, é a que procura ficar do lado dos anjos. É difícil escapar à mesma conclusão, sempre que olhamos para os mesmos intelectuais quando colocados diante de potenciais melhorias na condição dos pobres, mas que se baseiam em políticas ou em circunstâncias que não oferecem quaisquer oportunidades de estar ao lado dos anjos contra as forças do mal. Por exemplo, sob a direção de novas políticas econômicas, começando na década de 1990, dezenas de milhões de pessoas na Índia saíram do nível máximo de pobreza naquele país. Na China, adotando, ainda mais cedo, uma política semelhante, um milhão de pessoas ao mês conseguem sair do nível de pobreza.[225] Certamente que qualquer pessoa interessada no destino dos menos afortunados gostaria de saber como tamanho desenvolvimento foi possível, diante de vastíssimos contingentes de população miserável, perguntando como melhorias semelhantes podem ser adotadas em outros lugares do mundo. Contudo, esses e outros aumentos formidáveis de padrão de vida das populações, baseados fundamentalmente numa maior produção de riquezas, despertaram pouco ou nenhum interesse entre os intelectuais. Apesar de toda a importância que tiveram para as populações pobres, esses desenvolvimentos não oferecem oportunidade alguma para a intelligentsia se colocar ao lado dos anjos contra as forças do mal, e é aí que suas preferências reais são reveladas, mostrando sua verdadeira face. Questões sobre quais políticas ou condições mais favorecem ou obstruem as taxas de crescimento e de produtividade raramente despertam o interesse da maioria

dos intelectuais, mesmo ao se saber que tais mudanças fizeram mais para reduzir a pobreza, tanto nos países ricos como nos pobres, do que o fizeram todas as mudanças na distribuição de renda já implantadas. O escritor francês Raymond Aron sugeriu que, ao se alcançar os ostensivos objetivos da esquerda sem, contudo, fazer uso dos métodos favorecidos por ela, acaba-se, na verdade, provocando ressentimentos: De fato, a esquerda europeia tem um rancor contra os Estados Unidos, principalmente porque esses últimos obtiveram sucesso através de meios que não estavam escritos no código revolucionário. Prosperidade, poder e tendência à uniformidade das condições econômicas, todos esses resultados foram alcançados pela iniciativa privada, pela competição, em vez de intervencionismo estatal, ou seja, foram alcançados no pleno exercício do capitalismo, o qual todo intelectual bem-educado aprendeu a desprezar.[226] De forma semelhante, apesar de décadas de lamentos e de queixas, nos Estados Unidos, a respeito da baixa qualidade da educação na maior parte das escolas de negros, estudos realizados em escolas específicas, onde estudantes negros obtinham ou superavam as médias nacionais[227] despertaram pouco ou nenhum interesse entre a maioria dos intelectuais, mesmo entre aqueles que são ativos participantes das questões raciais. Assim como aconteceu no caso de milhões de pessoas que saíram da pobreza em países do Terceiro Mundo, essa falta de interesse com o sucesso de algumas escolas de negros por pessoas que, em outras circunstâncias, mostram-se altamente engajadas com as questões raciais, revela a real

preferência: a condenação, como um todo, das escolas mal sucedidas e da sociedade que mantém essas escolas. Uma investigação sobre os motivos que levaram algumas escolas de negros a terem ótimo desempenho poderia fornecer boas esperanças para a descoberta de possíveis fontes de conhecimento e de insight, as quais indicariam como melhorar a educação para um grupo que geralmente é muito deficiente na área de resultados acadêmicos, o que reflete, ao mesmo tempo, baixa renda e pouca inserção em atividades profissionais que dependem de excelência acadêmica. Contudo, a história de sucesso de algumas escolas não ofereceria uma oportunidade real para os intelectuais ungidos se colocarem ao lado dos anjos contra as forças do mal. O fato de muitas, ou mesmo da maioria, das escolas de negros com alto desempenho escolar não seguirem as diretrizes educacionais em voga, promovidas pela intelligentsia, pode explicar parte do motivo pelo qual há tanta falta de interesse nelas, da mesma forma que um completo desinteresse em verificar como a Índia e a China conseguiram aumentar o padrão de vida de milhões de pessoas pode estar ligado ao fato de tal sucesso ter sido causado justamente pelo afastamento dos modelos econômicos há muito favorecidos pela esquerda. Geralmente se diz que os intelectuais da esquerda são notoriamente "suaves com os criminosos", mas mesmo nesse caso a questão real é se essas pessoas acusadas de cometer crimes ou condenadas são objetos genuínos de benevolência por parte dos intelectuais ou se estão, num quadro mais amplo, sendo usadas por eles, servindo como anteparos acidentais e, por isso mesmo, descartáveis. Por exemplo, uma das experiências mais horrendas, sofridas por muitos homens na prisão, é ser vítima de estupro, coletivo perpetrado por gangues de outros prisioneiros. No entanto, qualquer tentativa de reduzir a incidência de terríveis e duradouras experiências como essas, construindo-se mais presídios para que cada detento possa ser alojado em celas

individuais, é duramente combatida pelas mesmas pessoas que costumam se colocar veementemente em defesa dos "direitos" dos presidiários. Esses direitos importam somente na medida em que se tornam instrumento para condenar a "sociedade", explicando a oposição para construção de mais presídios. Quando o bem-estar real dos detentos entra em conflito direto com a questão simbólica de se evitar que mais presídios sejam construídos, os detentos tornam-se apenas mais um sacrifício no altar da intelligentsia. De muitas maneiras, abarcando toda uma gama de assuntos, a revelada preferência real dos intelectuais é obter autoridade moral e poder político em detrimento do resto da sociedade. Não é permitido que os desejos ou os interesses de nenhum dos alegados beneficiários dessa autoridade ou desse poder, sejam eles os pobres, as minorias ou os presidiários, se sobreponham à questão mais fundamental, que é obter e manter a hegemonia moral do intelectual ungido. ◆ ◆ ◆

JUVENTUDE E VELHICE Considerando-se as concepções altamente divergentes de conhecimento entre os que partilham da visão trágica e os que se consagram na visão do intelectual ungido, é certamente inevitável que os dois posicionamentos tenham diferentes entendimentos sobre o papel e a competência dos jovens. Onde, grosso modo, o conhecimento é concebido como aquilo que é ensinado nas escolas e nas universidades, e a inteligência é concebida como puro poder mental para se manipular conceitos e articular conclusões, não há motivos para crer que os jovens não seriam, no mínimo, tão capazes para essas coisas quanto os mais velhos, uma vez que o desenvolvimento cerebral atinge seu pico no início da idade adulta. Mas, para

os integrantes da visão trágica, para os quais o conhecimento mais decisivo e repleto de consequências é geralmente o conhecimento mundano, acumulado pela experiência, em que a sabedoria é fundamentalmente retirada ao longo desse processo, então, quase por definição, a geração mais nova geralmente não se encontra numa posição tão favorável para tomar decisões sábias, tanto para si como, sobretudo, para a sociedade, comparando-se com os que já acumularam muita experiência. Seguindo essa linha de raciocínio, os que comungam a visão do intelectual ungido há séculos depositam grandes esperanças nos jovens, ao passo que os que partilham da visão trágica confiam muito mais nos mais amadurecidos pela experiência. A noção, veiculada na década de 1960, sugerindo que "deveríamos aprender com nossos jovens" tinha antecedentes que remontavam ao século XVIII. Fenômenos sociais subsidiários, como a redução da idade para votar e o esvaziamento do tratamento respeitoso para com os mais velhos em geral e com os pais em particular, constituem, da mesma forma, partes integrantes de toda a concepção de conhecimento predominante na intelligentsia. Sempre que os problemas sociais são vistos exclusivamente como consequência das instituições e dos preconceitos existentes, os jovens são, em geral, considerados menos aprisionados ao status quo, o que os torna grandes esperanças. De volta para o século XVIII, William Godwin expressou tal entendimento quando disse: "A próxima geração não terá de vencer tantos preconceitos”.[228] As crianças, segundo Godwin, "são como matérias-primas colocadas em nossas mãos"[229] e a mente delas "é como folhas de papel em branco".[230] Ao mesmo tempo, elas são oprimidas pelos pais e precisam passar por "vinte anos de cativeiro" antes que recebam "a minguada porção de

liberdade que o governo de meu país oferece para seus súditos adultos!". [231] Certamente que, nessa visão, os jovens são vistos como candidatos para "liberação" tanto de si mesmos quanto da sociedade, uma visão ainda em plena vigência entre os intelectuais mais de dois séculos depois. Todavia, essas conclusões caem por completo toda vez que o conhecimento e a sabedoria são concebidos dentro dos parâmetros da visão trágica. Por exemplo, Adam Smith disse: "Geralmente, os mais sábios e experientes são os menos crédulos". Portanto, em geral os mais velhos são menos suscetíveis a noções mirabolantes. Ainda Smith: "É apenas a sabedoria e a experiência acumulada que nos ensinam a sermos incrédulos e elas raramente nos ensinam o suficiente".[232] O zelo e o entusiasmo dos jovens, tremendamente aclamados por muitos na intelligentsia, são avaliados de forma muito diferente pelos que partilham da visão trágica. Burke, por exemplo, disse o seguinte: "Não se deve fomentar a ignorância presunçosa, que é acionada pela paixão insolente".[233] Dentro da visão trágica, alguns chegaram ao ponto de apontar uma invasão perene da civilização por bárbaros, ou seja, os recém-nascidos, os quais as famílias e as instituições sociais têm o dever de civilizar, uma vez que, ao ingressarem no mundo, não o fazem de forma distinta do que o faziam os bebês na época das cavernas. Pessoas com visões de mundo opostas não têm apenas conclusões conflitantes em relação aos jovens e aos velhos. Nesses, assim como em outros inumeráveis assuntos, as conclusões a que cada um chega estão envolvidas em corolários subjacentes sobre o conhecimento e a sabedoria. Há algum tempo, questões sobre a condução da educação dos jovens se constituem em campo de batalha entre os aderentes das duas visões. O entendimento de William Godwin, o qual afirmara que os jovens "são uma espécie de matéria-prima colocada em

nossas mãos", permanece, passados dois séculos, uma poderosa tentação para doutrinação em sala de aula tanto nas escolas quanto nas universidades. No século XX, Woodrow Wilson, ao escrever sobre os anos em que trabalhou como administrador acadêmico, comentou: "Sonhava em tornar aqueles jovens da nova geração em pessoas muito diferentes de seus pais".[234] Esse tipo de doutrinação pode começar muito cedo, desde o primário, quando os alunos são encorajados ou solicitados para escreverem sobre assuntos controversos, por vezes em cartas destinadas a homens públicos. De forma mais fundamental, o processo de doutrinação habitua as crianças a tomarem posições sobre assuntos excessivamente complexos e pesados, depois de ouvirem apenas um lado das questões. Além disso, elas se habituam a extravasar suas emoções, em vez de se habituarem a analisar as evidências conflitantes e a dissecar argumentos. Em poucas palavras, elas são condicionadas a tirar conclusões pré-fabricadas, em vez de ser equipadas com as ferramentas intelectuais apropriadas para que possam se tornar capazes de elaborar suas próprias conclusões, incluindo conclusões diferentes das de seus professores. Nas faculdades e universidades, departamentos acadêmicos inteiros funcionam e trabalham para a elaboração de conclusões préfabricadas, seja em relação às questões sobre raça, meio ambiente ou outros assuntos, que recebem o nome de "estudos" sobre a questão dos negros, do meio ambiente e das mulheres. Poucos ou mesmo nenhum desses "estudos" analisam visões conflitantes ou mesmo comparam evidências conflitantes, como seria exigido dentro dos moldes e critérios de um estudo acadêmico, em vez de meramente ideológico. Os que criticam a doutrinação ideológica feita nas escolas e faculdades geralmente fixam seus ataques nos conteúdos ideológicos particulares, mas, do ponto de vista

educacional, isso foge à questão central. Mesmo que, para uma questão de mera argumentação, todas as conclusões alcançadas pelos diversos "estudos" sejam tanto lógica como factualmente válidas, isso não alcança o cerne da questão educacional. Mesmo se os alunos deixassem esses "estudos" com aproveitamento de 100% em conclusões corretas em relação às questões A, B e C, isso não os equiparia, de forma alguma, com as ferramentas necessárias para lidar com outras questões X, Y e Z que tendem a aparecer ao longo dos anos futuros. ◆ ◆ ◆

NOÇÕES VERSUS PRINCÍPIOS Idealmente, o trabalho de intelectuais baseia-se em certos princípios lógicos, empíricos e talvez de valores morais e de preocupação social. Todavia, tendo-se em vista os incentivos e as restrições da profissão, o trabalho dos intelectuais não precisa seguir esse padrão. Em vez de termos o rígido estabelecimento de princípios, há, por outro lado, uma ampla margem para o desenvolvimento de meras atitudes, as quais acabam guiando o trabalho dos intelectuais, especialmente quando são atitudes predominantes entre seus pares e se encontram isoladas do mundo externo, protegidas do mundo real. Embora a lógica e a evidência constituam os critérios ideais para trabalho de qualquer intelectual, existem muitas provas que nos mostram algo diferente, pois muito do que é dito e feito pelos intelectuais tem um compromisso diminuto com princípios formais e, por outro lado, um compromisso muito maior com meras atitudes. Por exemplo, os mesmos intelectuais que são tão receptivos à ideia de redução das penas de mulheres condenadas por homicídio e que, segundo é alegado, sofreram espancamentos domésticos ou outros casos semelhantes de maus-tratos domésticos na

infância, mostram-se, contudo, inflexíveis às alegações para se atenuar as acusações contra policiais que tiveram um átimo de segundo para tomar uma decisão de vida ou morte, correndo o risco de morrer, recusando-se a tratá-los com menos severidade. Alguns intelectuais que notoriamente se opõem aos princípios de conduta racista permaneceram, no entanto, em silêncio ou mesmo defenderam líderes de comunidades negras que perpetraram ataques racistas contra donos de lojas asiáticos que residiam em guetos negros ou atacaram brancos em geral e judeus em particular. Alguns intelectuais chegaram ao ponto de redefinir o racismo de forma a tornar os negros imunes ao rótulo,[235] ou seja, mais um exercício de manipulação retórica. Muitos na intelligentsia denunciam a "ganância" que reina entre os executivos, mas cuja renda é uma fração das rendas de atletas profissionais e de celebridades midiáticas, os quais são raramente ou mesmo nunca acusados de gananciosos. A intelligentsia mobilizou protestos de indignação quando os lucros aferidos pelas companhias petrolíferas subiram, muito embora o peso que o lucro corporativo exerce sobre o preço do galão de gasolina seja muito menor do que o peso dos impostos sobre o preço do mesmo galão. Mas o conceito de "ganância" quase nunca é aplicado ao governo, seja em relação à quantidade de impostos que ele recolhe ou mesmo quando as casas da população trabalhadora são confiscadas a roldão para o replanejamento de imensas áreas, de forma a trazer mais e pesados impostos, permitindo que políticos gastem mais e aumentem suas chances de se reelegerem. Tais respostas e falta de respostas dos intelectuais não representam apenas atitudes que simplesmente se colocam no lugar dos princípios, mas representam atitudes que, por vezes, anulam esses princípios. Esse comportamento tendencioso também não se restringe a

atacar grupos particulares de seres humanos, mas é aplicado aos próprios conceitos, como, por exemplo, o conceito de risco. Intelectuais que se dizem altamente críticos a quaisquer riscos associados a certos medicamentos farmacêuticos, considerando obrigação banir a comercialização de alguns desses remédios por causa do alto risco que representam, não consideram, contudo, que exista qualquer necessidade de o governo banir esportes como paraquedismo ou rafting, mesmo quando se sabe que apresentam índices muito mais altos de risco de morte, os quais, ainda por cima, são praticados por motivos meramente recreativos, ao passo que os riscos de alguns medicamentos são contraídos no combate a dor e a deficiências e podem salvar mais vidas do que as tiram. De forma parecida, quando um atleta do boxe morre devido aos golpes que sofreu no ringue, isso certamente dispara uma enxurrada de exigências, que partem da mídia e da intelligentsia, para que o boxe seja banido, mas tais exigências não são apresentadas quando temos mortes de atletas esquiando, mesmo que essas últimas sejam muito mais frequentes do que as mortes com o boxe. Mais uma vez, não se trata de princípios, mas de atitude. Embora as atitudes variem de indivíduo para indivíduo, as atitudes dos intelectuais são, em sua grande parte, atitudes de grupo. Além do mais, essas atitudes mudam coletivamente ao longo do tempo, tornando-se estilos transitórios de determinada época, em vez de se fixarem como atitudes permanentes, e muito menos princípios permanentes. Assim, na era progressista no começo do século XX, as minorias raciais e étnicas eram vistas sob uma ótica amplamente negativa, e o apoio dos progressistas à causa do movimento de eugenia não estava desligado de um anseio presumível em prevenir que essas minorias propagassem suas populações. Tal atitude foi muito comum na década de 1930, só depois as minorias

étnicas e raciais se tornaram objetos de especial zelo. Depois da década de 1960, esse zelo se transformou numa verdadeira obsessão, apesar de toda a inconsistência em comparação às obsessões diametralmente opostas anteriores, adotadas pelos intelectuais, na época os "progressistas", no início do século XX. Durante essa primeira fase do século XX, quando fazendeiros e trabalhadores eram o foco especial do zelo intelectual, ninguém prestava muita atenção sobre como os benefícios concedidos a esses grupos poderiam afetar adversamente as minorias e os outros grupos. Da mesma forma, numa época posterior, pouca atenção foi dada pelos intelectuais "progressistas" a como a ação afirmativa para as minorias ou para as mulheres afetava negativamente outros grupos. Não existe princípio algum que equilibre essas mudanças de atitude coletiva. Temos simplesmente a bola da vez, da mesma forma que acontece com as manias, entre os adolescentes, os quais, por um tempo, assumem formas de comportamento compulsivo e depois as consideram fora de moda, mas que nunca são tratadas como sujeitas ao escrutínio lógico ou à evidência durante o período em que se vive a obsessão ou o caso Sacco-Vanzetti ganhou notoriedade internacional devido à presumível injustiça do julgamento, o juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes escreveu, numa carta a Harold Laski, sobre o foco arbitrário da época: Eu não posso deixar de me perguntar sobre os motivos de um interesse tão maior pelo vermelho - anarquista - do que pelo negro. Casos mil vezes mais graves, envolvendo inj ustiças contra os negros aparecem de tempos em tempos, mas ninguém lhes presta a mínima atenção. Não acredito que seja um mero amor abstrato pela

justiça que tenha causado tanta comoção nas pessoas.[236] ◆ ◆ ◆

PESSOAS ABSTRATAS VIVENDO NUM MUNDO ABSTRATO As falsas crenças dos intelectuais a respeito da sociedade não se constituem aleatoriamente. Na prática, suas confusões e suas falsas caracterizações promovem a visão universal de uma sociedade profundamente defeituosa, a qual necessita urgentemente de intervenções políticas que, por sua vez, irão estabelecer e consagrar a visão predominante da intelligentsia. Uma das bases para ambiciosos pronunciamentos sobre a totalidade da sociedade é calcada na concepção de pessoas no abstrato, retirando-se as especificidades e as características concretas, encontradas em seres humanos de carne e osso, da forma como eles existem no mundo real. Por exemplo, a preocupação que os intelectuais têm com os níveis de consumo, ligados às desigualdades econômicas, torna -se compreensível para eles somente se esses indivíduos ou grupos, que se diferenciam em suas condições econômicas, não se distinguirem em fatores de produtividade que determinam esses resultados, como seria o caso com pessoas tidas no abstrato. Pessoas abstratas podem ser agregadas em categorias estatísticas, como vida familiar e índices de renda, sem, contudo, precisar haver a menor preocupação se essas categorias estatísticas estão falando de pessoas semelhantes ou se falam do mesmo número de pessoas, ou de pessoas que se diferem expressivamente em relação à idade ou em distinções mais finas. As pessoas abstratas detêm uma imortalidade que as pessoas de carne e osso ainda têm que conquistar. Assim, um historiador escrevendo sobre o recém-criado Estado da

Tchecoslováquia, depois da Primeira Guerra Mundial, disse que a política referente aos grupos étnicos, os quais viviam dentro de suas fronteiras, foi concebida a fim de "corrigir a injustiça social" e "consertar os erros históricos do século XVII",[237] desconsiderando o fato de que as pessoas reais de carne e osso daquele século já tinham morrido havia muito, colocando a reparação de seus erros para além do alcance humano. Boa parte do mesmo tipo de raciocínio continua a ser ideologicamente poderoso entre os membros da intelligentsia nos Estados Unidos do século XXI, em que "brancos" e "negros" são vistos como abstrações intertemporais a carregar questões centenárias que precisam ser reparadas, em vez de tratá-los como pessoas de carne e osso que levam seus pecados e seus sofrimentos consigo para o túmulo. Diferentemente das pessoas reais, pessoas abstratas podem ser enviadas "de volta" para lugares onde nunca estiveram. Dessa forma, famílias alemãs que viveram por séculos em regiões da Europa oriental e nos Bálcãs foram mandadas "de volta" para a Alemanha, depois da Segunda Guerra Mundial, pois a maior parte das populações que viviam nessas regiões reagiu ressentidamente ao fato de terem sido maltratadas durante a ocupação nazista, impondo, então, uma massiva limpeza étnica de alemães em seus países depois da guerra. Muitas dessas pessoas de carne e osso e de ancestralidade alemã nunca tinham pisado na Alemanha, para onde estavam sendo mandadas "de volta". Apenas como abstrações intertemporais elas tinham vindo de lá. Foi a mesma história com os chamados indianos tâmeis no Sri Lanka, os quais, durante a década de 1960, foram mandados "de volta" para a Índia, de onde seus ancestrais haviam emigrado no século XIX. De forma parecida, quando populações de heranças paquistanesa e indiana foram expulsas de Uganda, durante a década de

1970: a maior parte dessas pessoas nascera em Uganda e uma boa parte delas foi se estabelecer na Grã-Bretanha e não na Índia ou no Paquistão. Talvez um dos esforços mais persistentes em se repatriar abstrações atemporais tenha sido feito com as propostas, nos Estados Unidos do século XIX, de se libertar os escravos e mandá-los "de volta para a África", um continente em que a grande maioria deles ou mesmo seus avós nunca tinha pisado. Quando diferenças reais entre pessoas reais são mencionadas ou levadas em consideração por outros, os intelectuais são os primeiros a declarar que são meras "percepções" e meros "estereótipos". Evidência para conclusões tão apressadas são raramente perguntadas ou fornecidas. Igualdade abstrata é o ponto de partida a priori de suas suposições. Não há motivo algum para que pessoas abstratas tenham resultados diferentes quando suas diferenças reais em capacidade foram, abstratamente, descartadas. Pessoas abstratas são, acima de tudo, iguais, embora pessoas de carne e osso estejam distantes de tal condição ou de tal ideal. Desigualdades de renda, poder, prestígio, saúde e outras coisas têm sido motivo de grande preocupação entre os intelectuais tanto como coisas que exigem explicação como coisas que precisam ser corrigidas. O tempo e o esforço dedicados às questões de desigualdade poderiam nos sugerir que a igualdade é algo tão comum e automático que sua ausência requer uma explicação. Muitos intelectuais abordam a questão sobre a igualdade com espírito muito parecido àquele com que Rousseau abordou a questão da liberdade: "O homem nasce livre, mas ele se encontra acorrentado em todos os lugares". Para a grande maioria dos integrantes da intelligentsia moderna, o homem é considerado como nascido igual, mas que misteriosamente tornou-se desigual em todos os lugares. Muitas causas para essa inexplicável desigualdade já foram sugeridas: exploração, desvantagens socialmente

construídas, racismo, machismo, preconceitos de classe, para citar só alguns exemplos. Contudo, raramente é considerado necessário demonstrar a existência de uma igualdade automática, a qual tornaria necessária a explicação de sua ausência. Qualquer um que admita que indivíduos ou, pior ainda, que grupos sejam desiguais, é intelectualmente destituído e denunciado moralmente como preconceituoso e intolerante em relação àqueles que sofrem com a desigualdade. No entanto, o caso empírico pela igualdade universal varia de uma posição débil à completa inexistência. Alguém acredita seriamente que os brancos, em geral, jogam basquete profissional tão bem quanto os negros? Como, então, é possível explicar a predominância de negros nessa lucrativa atividade que oferece fama e fortuna? Durante o período de predominância dos negros no basquete profissional, os donos dos times são todos brancos, assim como a maior parte dos técnicos. Por meio de quais mecanismos os negros poderiam ter maquinado restrições ao acesso ao basquete profissional, sabotando os brancos com igual habilidade para esse esporte? Mesmo aqueles que admitem que os negros, no momento atual e sob as circunstâncias sociais e culturais existentes, tornamse jogadores de basquete mais habilidosos por uma questão empírica insistem, no entanto, que os brancos poderiam jogar igualmente bem se as circunstâncias, incluindo carreiras alternativas disponíveis, fossem as mesmas para ambas as raças. Assumir que isso é verdadeiro apenas revela qual tipo de concepção de igualdade está implícito em muito do que os intelectuais dizem. Eles não estão falando de uma igualdade empírica, mas de uma igualdade potencial, ou seja, igualdade no abstrato. Essa não é uma diferença insignificante, mesmo que seja uma diferença frequentemente ignorada ou desconversada no curso das discussões. Ainda que na média o potencial abstrato seja

igual, entre essas imensas agregações de pessoas que formam as raças e as classes sociais ele existe apenas no momento da concepção. Mas ninguém escolhe uma carreira ou concorre a um curso universitário no momento da concepção. No momento em que pessoas reais vivendo no mundo real alcançam tais pontos de tomada de decisão, muita coisa já aconteceu desde a concepção e raramente aconteceu a mesma coisa para todo mundo. Mesmo entre a concepção e o nascimento muitas coisas diferentes já aconteceram, pois verificamos a produção de diferentes taxas de mortalidade infantil, diferentes doenças e condições médicas, incluindo-se problemas com drogas, afetando os bebês nascidos de mulheres com diferentes padrões de comportamento, como consumo ou não de tabaco, drogas, alimentação insalubre e álcool. A distinção entre potencial abstrato e capacidades desenvolvidas não é trivial, mesmo que seja geralmente perdida ou minimizada por intelectuais que falam em termos absolutamente genéricos sobre a "igualdade". O potencial abstrato carrega um peso muito pequeno, em qualquer lugar do mundo, sempre que as pessoas tomam decisões para si. Desempenho é o que interessa. O que a maior parte das pessoas quer saber é o seguinte: O que você é realmente capaz de realizar? Não o que você poderia ter realizado em outras circunstâncias ou que seja capaz de realizar depois que outras instituições e outras políticas forem criadas, mas o que você pode fazer aqui e agora no mundo real. O que queremos saber é o que pessoas reais podem realmente fazer e não que tipo de potencial abstrato existe em pessoas abstratas. A excepcional facilidade que os intelectuais têm para lidar com abstrações não elimina a diferença entre essas abstrações e o mundo real. Nem mesmo garante que aquilo que é válido e verdadeiro para essas abstrações seja igualmente verdadeiro na realidade, muito menos garante que as sofisticadas visões abstratas dos intelectuais

deveriam passar por cima das experiências diretas das pessoas vivendo no mundo real. Os intelectuais podem, de fato, desconsiderar as "percepções" dos outros, rotulandoas como "estereótipos" ou "mitos ", mas isso não é o mesmo que provar que elas estão empiricamente erradas, mesmo quando um número notável de intelectuais age como se elas estivessem. Por trás da prática disseminada de considerar diferenças de grupo em "representações" demográficas, em várias profissões e instituições ou níveis de renda como evidência de discriminação, existe a noção implícita de que os grupos não podem ser diferentes ou que quaisquer diferenças são culpa da "sociedade", a qual deve corrigir seus erros e seus pecados. Sabendo-se que não existe sujeito algum chamado "sociedade", o que tais intelectuais geralmente se dedicam a reformar é o governo. O que está implícito nisso tudo é a suposição de que existe algo de errado com o fato de indivíduos e grupos serem diferentes em suas habilidades empíricas, uma vez que foi presumido que seus potenciais abstratos são os mesmos. Uma vez que o foco mude de potencial abstrato para realidades empíricas, a noção de igualdade não se torna meramente uma abstração sem provas, mas concretamente improvável, ao ponto de se tornar absurda. Como as pessoas que vivem nas montanhas do Himalaia poderiam desenvolver as mesmas habilidades marítimas de pessoas vivendo nos portos do Mediterrâneo ou do Atlântico? Como os polinésios poderiam saber lidar com camelos tão bem como os beduínos do Saara ou, inversamente, como os beduínos poderiam ser pescadores tão habilidosos quanto os polinésios? Habilidades empiricamente observáveis sempre foram acentuadamente desiguais, o que significa dizer que as pessoas reais nunca chegaram perto da igualdade das pessoas no abstrato. Por séculos, os ingleses tosquiaram suas ovelhas e mandaram a lã para Flandres para que fosse

beneficiada e transformada em tecido. Teriam os ingleses se submetido a tamanha operação caso fossem igualmente bons em beneficiar a lã bruta, transformando-a em tecido? No final das contas, os ingleses, depois de longo processo de desenvolvimento, dominaram a indústria da lã, o que muito contribuiu para o declínio econômico de Flandres, mas isso levou séculos. Da mesma forma, levou séculos até que os ingleses se transformassem nos senhores das instituições financeiras modernas. Antes que isso acontecesse, grande parte do controle de suas finanças estava nas mãos dos lombardos e dos judeus. Há uma razão pela qual existe a Lombard Street no distrito financeiro da Londres de hoje, assim como outra rua, na mesma região, chamada Old Jewry. Por séculos, segmentos industriais inteiros foram dominados por minorias em países de todo o mundo; por exemplo, alemães fazendo cerveja na China, no Brasil, na Austrália e nos Estados Unidos; o comércio de exportação dominado por chineses na Malásia, na Indonésia, nas Filipinas, na Jamaica e no Panamá; os indianos jainistas na lapidação de diamantes para o mercado mundial, na Índia ou em Amsterdã; os italianos tanto na música clássica quanto popular, por todo o mundo, e assim por diante. Mas os fatos empíricos não afetam a visão imposta de igualdade abstrata que domina o pensamento da intelligentsia. Habilidades em função de atividade e de experiência estão entre as coisas que diferenciam radicalmente os grupos, os países e as civilizações. Índices de alcoolismo variam enormemente entre grupos de países por todo o mundo e o mesmo acontece com os índices de criminalidade e de mortalidade infantil, dentre muitas outras coisas. Mas nenhum desses fatores empíricos parece perturbar a visão da igualdade abstrata. O tom de indignação que ecoa da mídia e da intelligentsia quando é divulgado que os negros são preteridos muito mais frequentemente que os brancos, na obtenção de

empréstimos hipotecários, desconsidera absolutamente muitos dos fatores usados para determinar as condições de empréstimo. Eles não se dão sequer ao trabalho de averiguar os fatos que indicam em que proporção tais fatores diferem entre os diversos grupos. Muito barulho foi feito pelo fato de negros e brancos com o mesmo nível de renda ainda apresentarem diferentes patamares de rejeição na candidatura a empréstimos hipotecários, como se a renda fosse o único fator que entrasse na análise ou como se outros fatores não estudados pudessem ser tidos como iguais ou comparáveis. [238] Toda vez que há falta de informações concretas ou quando elas são ignoradas, a igualdade surge como o padrão predeterminado, não importando a quantidade de desigualdades que foram encontradas nos diversos casos estudados. O equívoco fundamental nesse tipo de procedimento pode ser demonstrado numa área pouco controversa como, por exemplo, o beisebol. Havia dois jogadores no time do New York Yankees, em 1927, com idênticas médias de acerto em rebatidas, mas um deles permanece famoso até os dias de hoje, enquanto o outro caiu quase que completamente no esquecimento. A igualdade entre eles numa dimensão não implicava, de forma alguma, igualdade em outras dimensões. No caso, um dos rebatedores alcançou a marca de seis corridas até a base (home runs) naquele ano, seu nome era Earle Combs, ao passo que o outro chegou à marca de sessenta e seu nome era Babe Ruth. De forma parecida, quando os famosos estudos de Lewis Terman sobre crianças portadoras de Q.I. excepcionalmente elevado, que duraram décadas, avaliaram as realizações dessas mesmas crianças em idade adulta, notou-se que muitas tiveram uma vida adulta de grandes realizações, mas, como observou outro escritor, "quase nenhuma das crianças geniais pertencentes às

classes sociais e econômicas mais baixas se notabilizou em algum campo". Quase um terço dessas crianças com alto Q.l. "do outro lado da faixa social" tinha "algum parente que havia abandonado a escola antes de terminar o ginásio". [239] Portanto, elas eram como as outras crianças superdotadas somente porque tinham Q.l. de 140 ou mais, mas não se equiparavam em relação a outros fatores culturais, os quais determinam grandes realizações profissionais. O mesmo princípio se aplica em outros e inumeráveis contextos não apenas na sociedade dos Estados Unidos, mas nos países mundo afora. Na Índia, alunos universitários provenientes de famílias com níveis de renda semelhantes diferem, contudo, em seus níveis de aprendizado quando se comparam os alunos que foram dalits,[240] os antigos "intocáveis", com os alunos da casta hindu. Encontramos, historicamente, níveis educacionais muito mais baixos entre os dalits. Igualdade de renda não implicou igualdade de outras características importantes. Em outros países, pessoas que recebem a "mesma" educação, mensurada em quantidade, revelaram possuir grandes diferenças de qualidade, fosse ela mensurada em relação às próprias especializações escolhidas, nos desempenhos dos alunos ou na qualidade das instituições nas quais foram educadas. Apenas as pessoas abstratas, vivendo num mundo abstrato, são iguais. O ponto aqui não é dizer que a intelligentsia estava enganada ou mal informada sobre determinadas questões. O ponto mais fundamental é dizer que, ao pensar em termos de pessoas abstratas num mundo abstrato, os intelectuais se furtam à responsabilidade e ao trabalho árduo de apreender os fatos reais sobre pessoas reais vivendo num mundo real, fatos que geralmente explicam as discrepâncias entre o que os intelectuais veem e o que eles gostariam de ver. Muitos dos que são tidos como problemas

sociais são, na realidade, as diferenças entre teoria e realidade que muitos intelectuais interpretam como erros do mundo, que necessita ser reformado. Além do mais, essas mudanças serão implantadas de cima para baixo nas instituições e não nas culturas, as quais são tidas como iguais perante a doutrina reinante do multiculturalismo. A existência de uma igualdade empírica nunca precisou ser demonstrada e provada no mundo dos intelectuais contemporâneos, pois ela é, por definição, o ponto de partida matricial. O ônus da prova é imposto somente aos que discordam disso. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 5

REALIDADE PARALELA NA MÍDIA E NO MUNDO ACADÊMICO

Fabricaram uma tela através da qual nossa época contemporânea absorve informações manipuladas. JEAN-FRANÇOIS REVEL[241]

A fim de preservar a visão imaculada do intelectual ungido, os membros da intelligentsia e seus agentes lançam mão de expedientes ousados e até mesmo desesperados, incluindo manipulação e filtragem dos fatos, redefinição dos termos e, no caso de alguns intelectuais, desafio à própria noção de verdade. ◆ ◆ ◆

FILTRANDO A REALIDADE Deliberadamente ou não, muitos na intelligentsia criam sua própria realidade paralela ao filtrarem toda informação contrária à concepção que têm de como o mundo funciona ou deveria funcionar. Alguns foram ainda mais além. J. A. Schumpeter disse que a primeira coisa que um homem fará por seus ideais é mentir.[242] Todavia, não é necessário mais mentir a fim de enganar, uma vez que a manipulação realizará com eficiência o mesmo propósito do engodo. Isso é feito, por exemplo, ao se registrar apenas e seletivamente os fatos e

as amostras atípicos, suprimindo todos os outros fatos inconvenientes ou filtrando significados e termos. ◆ ◆ ◆

AMOSTRAS SELETIVAS Filtrar as informações e repassá-las ao público pode ser feito de várias formas. Por exemplo, Bennett Cerf, fundador da editora Random House, sugeriu, durante a Segunda Guerra Mundial, que os livros críticos à União Soviética fossem retirados de circulação.[243] Quando a economia americana estava se recuperando da recessão, em 1983, e os índices de desemprego caíam em 45 dos 50 estados norte-americanos, o programa de notícias ABC News simplesmente escolheu fazer uma reportagem em um dos cinco estados onde o desemprego ainda não caíra ou, da forma como eles colocaram, "onde o problema do desemprego era mais grave",[244] como se esses estados fossem apenas exemplos mais graves de uma condição geral quando, de fato, eles representavam uma situação muito atípica. Por exemplo, a manipulação também pode tomar a forma de um incessante fluxo de dados que exibe os grupos de negros ou de outras etnias não brancas com padrão de vida bem mais baixo em relação aos brancos, além da rejeição de empréstimos e das demissões durante as crises econômicas, ao mesmo tempo que se censura a exibição de brancos numa situação pior em todos esses mesmos fatores, em comparação a outro grupo étnico: os norteamericanos asiáticos.[245] Mesmo quando os dados são mostrados contemplando todos esses grupos, os asiáticos tendem a ser censurados das "notícias", as quais são, na verdade, editoriais cujo compromisso é mostrar o quanto o racismo branco é a razão principal para os baixos salários

ou a baixa mão de obra, além de outros infortúnios que os grupos de não brancos sofrem. Incluir os norte-americanos asiáticos nessas comparações não introduziria apenas uma nota discordante, mas levantaria sobretudo a possibilidade de se questionar, afinal de contas, o quanto esses grupos respondem pelos seus comportamentos e seus desempenhos, contrariamente às suposições implícitas, e que essas diferenças de comportamento refletem na renda das pessoas. Portanto, o desempenho dos norte-americanos asiáticos tem implicações que ultrapassam seus próprios grupos, na medida em que a condição deles se torna uma ameaça para toda uma visão preconcebida sobre a sociedade norteamericana, visão essa que ampara o interesse de muitos que farão de tudo para defendê-la tanto ideológica como política e até economicamente.[246] A mendicância é outra área através da qual boa parte da mídia filtra a realidade antes de repassá-la a seu público. Durante o período em que trabalhou na CBS News, Bernard Goldberg noticiou a diferença entre o que ele via nas ruas e o que era transmitido na televisão: Na década de 1980, comecei a notar que os mendigos que eram mostrados nos noticiários não se pareciam muito com os mendigos e sem-teto que eu conhecia em minhas andanças pelas ruas e pelos becos. Os que estavam nas ruas eram, em sua grande maioria, bêbados, drogados e esquizofrênicos. Eles balbuciavam como loucos ou o encaravam com olhar medonho ao estenderem a mão ou seus copinhos de plástico para "pedir" dinheiro (...). Mas o tipo de mendigo que gostávamos de mostrar na TV era diferente. Era como se tivessem saído de nossas vizinhanças. Pareciam conosco. A mensagem transmitida nos

noticiários era de que não apenas se pareciam conosco, mas que eram como nós! Na NBC, Tom Brokaw disse que os mendigos são "pessoas que você conhece".[247] Se mendigos tendem a ser desinfetados pelo noticiário da TV, da mesma forma e no sentido contrário homens de negócio tendem a ser endemoniados nos filmes e nas séries de televisão, como outro estudo descobriu: Apenas 37% dos empreendedores no mundo da ficção dos filmes e da TV desempenhavam papéis positivos, e a proporção do "homem de negócios maligno" representava quase o dobro em comparação às outras atividades juntas. O que é ainda mais revelador: eles - os homens de negócios - eram geralmente caras realmente muito maus, respondendo por 40% dos assassinatos e 44% dos crimes hediondos (...). Apenas 8% dos criminosos do horário nobre eram negros (...).[248] Na vida dos noticiários, assim como na ficção, o que é apresentado para os telespectadores representa situações altamente atípicas, contrariando o que existe no mundo real: • Durante o período estudado, 6% das pessoas portadoras do vírus da Aids, mostradas nos noticiários noturnos, eram homens gays. Contudo, na vida real 58% eram homens gays. •    Na TV, 16% eram negros ou hispânicos. Contudo, na vida real, 46% eram negros ou

hispânicos. • Na TV, 2% dos infectados com Aids eram usuários de drogas pesadas. No mundo real, eles respondiam por 23%.[249] A criação de um quadro que reflete a visão do intelectual ungido, em vez de refletir as realidades do mundo, também abarca os textos encontrados nos livros escolares. Editoras como a McGraw-Hill, por exemplo, trabalham com percentuais que orientam quantas pessoas mostradas nas fotografias de seus livros escolares serão negras, brancas, hispânicas e portadoras de deficiência. Além do mais, a forma como esses indivíduos são retratados deve também se alinhar com a visão do intelectual ungido. Segundo o Wall Street Journal, "uma grande editora vetou a foto de uma criança descalça num vilarejo africano, sob a alegação de que a falta de calçados reforçava o estereótipo de pobreza naquele continente".[250] Ou seja, a realidade dolorosamente flagrante sobre a terrível pobreza que assola grande parte do continente africano é tirada de cena, alegando-se o crime de "estereótipo", pois não se encaixa na visão favorecida pela intelligentsia mesmo quando é absolutamente fiel aos fatos. ◆ ◆ ◆

SUPRIMINDO FATOS Um dos exemplos históricos de desinformação da imprensa ocorreu durante as crises agudas de fome impostas pelo governo da União Soviética à Ucrânia e ao norte do Cáucaso, o que matou milhões de pessoas na década de 1930. O correspondente do New York Times em Moscou, Walter Duranty, escreveu: "Não existe fome alguma ou mesmo escassez real de alimentos nem é provável que tal

coisa venha a ocorrer".[251] Ele recebeu o prêmio Pulitzer e foi condecorado por suas reportagens, "marcadas pela erudição, profundidade, imparcialidade, acuidade de julgamento e excepcional clareza".[252] Enquanto isso, o escritor britânico Malcolm Muggeridge, na mesma época, relatava da Ucrânia que a população camponesa de fato morria de fome: "Digo que eles passam fome em sentido absoluto. Não é um mero estado de subnutrição como acontece, por exemplo, com os camponeses asiáticos (...) ou como vemos em casos de populações de desempregados na Europa, mas de fato eles não têm, por semanas a fio, quase nada para comer".[253] Muggeridge escreveu, num artigo posterior, que a fome orquestrada pelo homem era "um dos crimes mais monstruosos da história, tão terrível que as pessoas no futuro terão dificuldade em acreditar que tal coisa tenha de fato acontecido".[254] Décadas mais tarde, um estudo sério realizado por Robert Conquest, The Harvest of Sorrow [A Colheita do Pesar], estimou que cerca de seis milhões de pessoas morreram de fome durante um período de três anos.[255] Mais tarde ainda, quando os arquivos oficiais foram finalmente abertos nos últimos dias da União Soviética sob o governo de Mikhail Gorbachev, novas estimativas sobre o número de mortes provocadas pela fome na Ucrânia e no Cáucaso foram levantadas por vários especialistas, os quais tiveram acesso aos documentos dos arquivos oficiais. Muitas dessas estimativas igualavam ou excediam as primeiras estimativas do dr. Conquest.[256] Todavia, durante o período da fome essa foi uma das operações de censura e desinformação mais bem-sucedidas que se pode imaginar. O que Muggeridge disse foi desconsiderado como "uma tirada histérica" por Beatrice Webb, coautora com seu marido, Sidney Webb, de um estudo internacionalmente conhecido sobre a União Soviética.[257] Depois de suas observações sobre a União Soviética, Muggeridge foi insultado e não conseguiu mais

trabalho como escritor. Ele ficou tão arruinado financeiramente que sua esposa e suas duas crianças pequenas tiveram que ir morar na casa de amigos. Não há nenhum motivo para crer que havia qualquer conspiração entre editores ou jornalistas para silenciar e levar Malcolm Muggeridge ao ostracismo. Mas não é necessária nenhuma conspiração para se filtrar e desinformar, com sucesso, coisas que não se alinham à visão predominante naquela época ou hoje. Se não fosse pelo trabalho de Muggeridge e de pouquíssimos outros, a orquestração de uma campanha para impor deliberadamente a fome a populações inteiras no intuito de dobrar a resistência aos opositores de Stalin, matando um número comparável ou superior de pessoas como aquelas que morreram no Holocausto nazista, seria um evento histórico cuja realidade brutal teria sido completamente censurada, varrida do conhecimento histórico. Graças a Muggeridge, em vez disso, essa campanha é, hoje, meramente ignorada. Os equívocos cometidos por Duranty e outros não foram simples erros de avaliação. O que Duranty disse em particular para outros jornalistas e diplomatas, na época, era completamente diferente do que ele relatava em suas correspondências ao New York Times. Por exemplo, em 1933 um diplomata britânico relatou: "Duranty acredita ser perfeitamente possível que dez milhões de pessoas tenham morrido direta ou indiretamente por falta de alimentos na União Soviética no ano passado".[258] Dados estatísticos também podem ser filtrados e manipulados, seja omitindo dados desfavoráveis às conclusões almejadas, como os dados sobre os norteamericanos asiáticos, ou restringindo a liberação deles, os quais ficam disponíveis somente àqueles pesquisadores cuja posição sobre o assunto em questão se alinha com a posição dos que detêm o controle sobre os dados. Por

exemplo, um estudo baseado em dados estatísticos realizado pelos ex-reitores universitários William Bowen e Derek Bok foi amplamente saudado. Suas conclusões endossavam a implantação das diretrizes do movimento de ação afirmativa em relação à admissão para as faculdades. [259] Mas quando o professor Stephan Thernstrom, de Harvard, cujas visões sobre o movimento de ação afirmativa não coincidia com as deles, buscou obter acesso aos dados primários sobre os quais as conclusões do estudo se baseavam, ele teve o acesso negado.[260] De forma semelhante, quando o professor de direito da UCLA, Richard Sander, procurava testar teorias concorrentes sobre os efeitos da ação afirmativa nas escolas de direito, obtendo dados a partir dos resultados que mostravam os índices de aprovação nos exames por raça no estado da Califórnia, defensores da ação afirmativa ameaçaram processar o foro responsável caso o estado liberasse tais informações e o foro estadual se recusou a liberar os dados.[261] Nesses, como em outros casos, as estatísticas são manipuladas na fonte, mesmo que sejam estatísticas financiadas com o dinheiro dos contribuintes e colhidas com o propósito explícito de fornecer fatos a partir dos quais serão decididas as políticas de ação pública. Na prática, contudo, esses estudos são tratados como se o propósito fosse exclusivamente proteger a visão predominante. A manipulação dos números pode tornar quaisquer dados estatísticos consistentes com determinada visão, e a manipulação de outros números ou até mesmo dos mesmos números, vistos ou selecionados de forma diferente, pode produzir dados consistentes com a visão oposta. Mas somente quando os números estão a serviço de uma visão dominante é que ficam propensos a ser aceitos cegamente, sem passar pelo crivo da crítica e sem considerar outras estatísticas, as quais podem contar uma história um tanto quanto diferente. Por exemplo, muito do que é dito a

respeito do controle sobre o porte de armas e sua relação com os índices de criminalidade em geral, ou os índices de homicídio em particular, baseia-se em certos tipos de estatística que são repetidas interminavelmente, assim como na supressão de dados aos quais o público em geral jamais tem acesso. Por exemplo, é incessantemente repetido na mídia e no mundo acadêmico que a Grã-Bretanha e vários outros países defensores de políticas e leis mais severas para o controle de armas possuem índices de homicídio que são apenas uma fração dos índices que encontramos nos Estados Unidos, indicando claramente que é o controle do porte de armas o grande responsável pela diferença nos índices de homicídio. Tendo alcançado essa conclusão, a maior parte da intelligentsia não vê razão alguma para seguir em frente em suas análises. No entanto, uma séria tentativa em se testar a hipótese de uma relação inversa entre a posse restrita de armas e os índices de homicídio, tornaria outras comparações e outras análises sobre os dados estatísticos necessárias. Por exemplo: 1. Uma vez que sabemos que existem índices de homicídio mais baixos em alguns países que adotam um controle mais rigoroso sobre a posse de armas, em relação ao que temos nos Estados Unidos, há outros países onde existam leis mais rigorosas de controle de porte de armas, mas que tenham, todavia, índices de homicídio mais altos do que nos Estados Unidos? 2. Existem, porventura, países cuja posse de arma é amplamente aceita, mas que tenham índices de homicídio mais baixos do que outros países onde a posse de armas é menor e mais controlada?

3. O diferencial no índice de homicídio entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha teve origem a partir da implantação de leis para o controle do porte de armas? Os que se deram por satisfeitos quando descobriram as estatísticas que procuravam foram naturalmente incapazes de fazer essas três perguntas. As respostas para elas são: sim, sim e não. A Rússia e o Brasil têm controles muito mais rigorosos sobre o porte de armas do que os Estados Unidos, mas, no entanto, têm índices de homicídio muito mais altos.[262] O porte de armas no México representa apenas uma fração do que temos nos Estados Unidos, porém o índice de homicídios do México é mais do que o dobro do índice dos Estados Unidos. O porte pessoal de armas de fogo está banido em Luxemburgo, mas não na Bélgica, França ou Alemanha; no entanto, o índice de homicídios em Luxemburgo é muitas vezes mais alto do que os índices da Bélgica, França ou Alemanha.[263] Um estudo estatístico internacional descobriu que a Suíça, Israel e a Nova Zelândia "têm, relativamente, frouxo controle legal sobre o porte de armas e alta disponibilidade para comercialização de armas de fogo, mas mesmo assim apresentam índices de homicídio diferentes daqueles encontrados na Inglaterra e no Japão "[264] - os quais são uma fração dos índices dos Estados Unidos. A cidade de Nova York tem um índice de homicídio muitas vezes mais alto do que o índice da cidade de Londres, isso há mais de dois séculos, e durante boa parte desse período nenhuma delas adotou qualquer política mais séria para controle e posse de armas.[265] Homicídios cometidos sem o uso de armas de fogo são também diversas vezes mais frequentes em Nova York do que em Londres.[266] No entanto, fato de o índice de homicídio em

Londres ser menor do que o dos Estados Unidos continua a ser citado como prova de que as leis de controle da posse de armas reduzem os índices de homicídio. Considerando o elevado número de intelectuais que não apenas apoiam as leis de controle de armas existentes, mas que ativamente promoveram a promulgação de leis ainda mais rigorosas, não é possível acreditar que todas essas pessoas altamente educadas e intelectualmente capazes não consigam realizar testes muito simples e diretos, como, por exemplo, uma hipótese que indicasse uma correlação inversa entre o controle de armas e os índices de homicídio. Não é o caso de supor que eles sabiam de tudo e estavam mentindo deliberadamente. O que parece muito mais provável é que, no momento em que encontraram as estatísticas favoráveis aos seus conceitos prévios, eles simplesmente não sentiram qualquer incentivo para prosseguir nas investigações. Da mesma forma que é difícil encontrar, no âmbito internacional, qualquer correlação consistente entre o porte de armas e os índices de criminalidade homicida, é também difícil encontrar essas correlações usando dados estatísticos e históricos dentro dos Estados Unidos. Como um estudo notou: Os Estados Unidos experimentaram extraordinário aumento dos crimes violentos durante as décadas de 1960 e 1970, acompanhado de notável queda dos mesmos tipos de crime durante a década de 1990. O número de armas de fogo, especialmente pistolas e revólveres, em posse de particulares, cresceu aos milhões, todos os anos, durante esse período. O irrefreável crescimento do estoque de armas de fogo privadas não explica nem a onda de crimes violentos do primeiro período nem a queda desses crimes no segundo período.[267]

Uma manipulação prévia e meramente individual, falseando o que deve ser passado ao público, pode gerar uma completa distorção da realidade como se, de fato, houvesse uma coordenação consciente, ditada por zelosos agentes de censura ou por intermédio de uma agência de propaganda. Isso pode acontecer sempre que jornalistas e editores responsáveis, os quais manipulam os dados, compartilham da mesma visão geral sobre como as coisas são e como devem ser. O que parece plausível para os que compartilham dessa visão acaba se transformando no critério de credibilidade e validade da notícia. Plausibilidade é, todavia, de todos os critérios, o mais perigoso, pois o que pode parecer plausível em cada caso depende do que já é aceito em geral. Não é necessário que indivíduos particulares ou quadrilhas inteiras concebam planos de falsificação deliberada a fim de produzir um retrato distorcido da realidade que se encaixe na visão do intelectual ungido e descarte a realidade do mundo. É necessário somente que aqueles que têm o poder de filtrar as informações, seja no papel de jornalistas, editores, professores, acadêmicos ou produtores e diretores de filmes, decidam que há certos aspectos da realidade que as massas "não compreenderiam corretamente" e que um senso de responsabilidade social clama, por parte dos que detêm o poder de filtragem, pela supressão de alguns dados. Dados mostrando baixo índice de pobreza entre casais negros nos Estados Unidos, na casa de apenas um dígito desde 1994, estão fadados ao esquecimento e são ignorados por boa parte da mídia. Muito menos provável é que esses dados levem a qualquer tipo de reconsideração da visão que propõe que o alto índice de pobreza, entre as populações negras, reflete um racismo disseminado em toda a sociedade. Isso acontece mesmo quando se sabe que os casais negros são, majoritariamente, da mesma raça que as mães solteiras, as quais vivem das pensões do governo,

mas que, no entanto, são consideradas vítimas do racismo, como se isso fosse a causa principal para sua pobreza. Ainda muito menos provável é que esses dados sejam examinados em suas implicações sobre a noção de que o casamento é apenas mais um "estilo de vida", que pode ser escolhido entre muitos, sem quaisquer implicações mais sérias para os indivíduos e sem consequências sociais. Nenhuma informação factual a gerar um possível reflexo negativo sobre os homossexuais tende a passar pelos filtros da mídia e do mundo acadêmico, mas qualquer evento que mostre os gays como vítimas obtém cobertura massiva e instantânea. Uma pesquisa efetuada pelo jornalista William McGowan descobriu, na mídia, mais de três mil reportagens sobre um homem gay do estado do Wyoming que foi espancado por criminosos até ficar inconsciente e morrer sem assistência, mas, por outro lado, McGowan encontrou menos de cinquenta reportagens sobre um garoto adolescente que foi capturado e estuprado repetitiva mente, por horas, por dois homens homossexuais, os quais, da mesma forma, o abandonaram para morrer. A pesquisa de McGowan indicava que a segunda história não fora mencionada de forma alguma no New York Times ou no Los Angeles Times nem foi noticiada pela CBS, NBC, ABC ou CNN.[268] Apesar da abundância de dados estatísticos publicados mostrando todas as comparações possíveis entre grupos, nenhum dado sobre a duração média de vida dos homossexuais, em comparação cop1 a média nacional, foi divulgado, assim como não foi divulgado o custo da Aids para os contribuintes, comparando-o com o custo de outras doenças, muito menos foi feita uma comparação sobre a incidência de crimes sexuais contra crianças entre homens heterossexuais e homossexuais. Esses dados são, em geral, filtrados pela intelligentsia antes de chegar ao público, embora exista uma organização nacional muito conhecida

que promove abertamente as relações homossexuais entre homens e meninos. Possivelmente, dados sobre tais assuntos podem enterrar algumas preocupações infundadas sobre o homossexualismo, as quais se originam de alguns segmentos,[269] mas são poucos os que, na intelligentsia, estão preparados para arriscar o que os dados podem mostrar caso não sejam filtrados. Nesse, como em muitos outros casos, muita coisa está em jogo para que se arrisque todo o destino de uma visão ao capricho dos números, e é dessa forma que as verificações empíricas são tratadas por aqueles que trabalham na defesa de uma visão. Isso é especialmente verdadeiro para repórteres que são - eles mesmos - homossexuais. Muitos deles são membros de associações nacionais de jornalistas lésbicas e gays. Um repórter homossexual que trabalhou para o jornal Detroit News e para o New York Times sabia qual tinha sido o papel e o peso das saunas públicas frequentadas por homens gays durante a disseminação da Aids, mas decidiu não escrever sobre o assunto porque "fiquei indeciso em escrever uma história que daria munição para nossos inimigos".[270] Essa atitude não se restringe a repórteres homossexuais. Jornalistas tidos como representantes da causa da "diversidade", defensores dos negros, hispânicos e das mulheres sofrem o mesmo conflito entre divulgar as notícias e filtrá-las em benefício do grupo para o qual foram contratados. Por exemplo, uma repórter negra do Washington Post escreveu em suas memórias que via a si mesma como "porta-voz de sua raça". Ela criticou acidamente um colega negro, também do Washington Post, por escrever uma matéria sobre corrupção no governo municipal da capital federal, onde há predominância de funcionários públicos negros.[271] Segundo o Washington Times, "a Associação Nacional dos Jornalistas Hispânicos há muito emite avisos aos jornalistas para que evitem usar a palavra 'ilegal' nas

chamadas e nas manchetes" sempre que se fala de pessoas que cruzam as fronteiras dos Estados Unidos sem autorização. Segundo Joseph Torres, presidente do grupo, "a prática é 'desumana', criando estereótipos sobre as pessoas sem documentação e sem autorização para entrar nos Estados Unidos, apresentando-as como infratoras da lei". [272]

Portanto, a primeira lealdade de muitos jornalistas não é para com seus leitores ou seus telespectadores, os quais buscam as informações por eles transmitidas, mas é proteger os interesses e a imagem dos grupos que eles representam sob a justificativa de "diversidade". Além dos grupos, os jornalistas também sofrem a pressão de seus colegas para que filtrem as notícias, em vez de relatar os fatos diretamente. Por outro lado, informações ou alegações que apresentam negativamente a imagem de indivíduos ou grupos vistos de forma menos amigável pela intelligentsia são transferidas rapidamente para o domínio público, sem muita preocupação com a verificação dos fatos e em tom bombástico. Dois dos maiores embustes desmascarados, de nossa época, envolveram alegações de homens brancos estuprando coletivamente uma mulher negra. O primeiro embuste foi o caso de Tawana Brawley, de 1987, e o segundo foi a posterior alegação falsa de estupro contra três alunos da Universidade Duke, em 2006. Em ambos os casos, um clamor de indignação editorial soou por todo o país, sem ainda haver o menor traço de evidência que substanciasse qualquer uma das acusações. Além do mais, as denúncias não se limitaram aos homens acusados, mas foram sintomaticamente estendidas para a sociedade em geral, em relação à qual esses homens eram tidos como sintomas ou a "ponta do iceberg". Em ambos os casos as acusações se encaixavam perfeitamente na visão preexistente, tornando desnecessária a apresentação de fatos concretos.

Outro embuste amplamente divulgado, ao qual o próprio presidente dos Estados Unidos deu sua contribuição, encenando outra farsa, foi a história ocorrida em 1996 que virou matéria de capa do USA Today: "Incêndios Criminosos em Igrejas Negras Ecoam Intolerâncias do Passado". Havia, segundo o jornal, "uma epidemia incendiária, pela qual igrejas negras eram criminosamente atacadas". Assim como acontecera nas fraudes dos supostos estupros coletivos, essa história se espalhou como fogo pela mídia. O Chicago Tribune referiu-se a ela como "epidemia criminosa e covarde de incêndios",[273] deixando as igrejas dos negros em ruínas. Da mesma forma que os alegados "estupros", os comentários sobre os incêndios nas igrejas ultrapassaram o caso em si e foram usados para culpar e atacar a sociedade em geral. Jesse Jackson foi citado no New York Times e disse que os incendiários eram parte de uma "conspiração cultural" contra os negros, a qual "reflete as elevadas tensões raciais no sul, exacerbadas com os ataques contra a ação afirmativa e inflamadas pela oratória populista de políticos republicanos como Pat Buchanan". O escritor da revista Time Jack White acusou da mesma forma "as frases em código" dos líderes republicanos de "encorajamento aos incendiários". A colunista Barbara Reynolds do USA Today disse que os incêndios eram "uma tentativa de assassinar o espírito da América negra". O colunista do New York Times Bob Herbert disse: "O combustível usado nesses incêndios pode ser encontrado no ambiente de intolerância cuidadosamente esculpido e que foi desenvolvido durante o último quarto de século".[274] Assim como acontecera com a farsa envolvendo os estupros coletivos, as acusações foram repassadas para outro patamar, precipitando-se sobre toda a sociedade, pois não se restringiram aos supostos envolvidos e o fato foi amplamente tido como incêndio criminoso, em vez de um

simples caso de incêndio, o qual ocorre devido a uma série de motivos. A colunista do Washington Post Dorothy Gilliam disse que a sociedade estava de fato "dando a esses incendiários permissão para que cometessem esses crimes horríveis".[275] A onda de comentários teve seu clímax quando o presidente Bill Clinton, em seu pronunciamento semanal no rádio, disse que esses incêndios lembravam-lhe incêndios semelhantes ateados contra igrejas das comunidades negras do estado do Arcansas quando ele era um menino. Houve mais de duas mil histórias vinculadas na mídia sobre o assunto depois do pronunciamento do presidente. Toda essa história começou a se descortinar quando pesquisas factuais mostraram que (1) nenhuma igreja de comunidades negras foi incendiada no Arcansas enquanto Bill Clinton lá crescia em sua infância e adolescência; (2) não houvera aumento algum de incêndios em igrejas de negros, mas um real decréscimo de casos durante os últimos quinze anos; (3) a incidência de incêndios nas igrejas de brancos era semelhante à incidência ocorrida nas igrejas de negros e (4) no caso dos incêndios criminosos, um terço dos suspeitos era de negros. Todavia, retratações sobre a história original, quando houve algum tipo de retratação, receberam tipicamente muito menos publicidade do que as manchetes originais e os inflamados comentários dos editores.[276] Da mesma forma, histórias que denigram a imagem dos Estados Unidos se espalham rapidamente por toda mídia, sem muita necessidade de evidências e com rápida aceitação, tenham as histórias cunho racial ou não. Por exemplo, Dan Rather começou a transmissão do programa de notícia CBS News, de 26 de março de 1991, proclamando que "existe um número impressionante de crianças norteamericanas que corre o risco de passar fome". Ele completava: "Uma em cada oito crianças americanas com

menos de doze anos de idade vai passar fome esta noite, segundo o resultado de um estudo realizado durante dois anos”[277] Embora houvesse a portentosa qualificação de "estudo", tudo isso se baseava em cinco perguntas levantadas por um grupo radical de agitadores, o qual classificava como "passando fome" as crianças cujos pais respondiam "sim" para cinco dentre oito perguntas. Duas das perguntas não tratavam sequer das crianças, mas eram direcionadas aos hábitos alimentares dos adultos. Uma das questões sobre as crianças era a seguinte: "Você costuma limitar a variedade de alimentos comprados para suas crianças porque você está com pouco dinheiro para comprar comida?".[278] Em outras palavras, você costuma enchê-las de cachorro-quente quando teria preferido lhes dar uma dieta mais variada? Além do mais, existe uma grande distância entre "costuma" e "toda noite" e uma distância ainda muito maior entre uma dieta limitada e passar fome, para não falar da fome crônica. Mas a manipulação retórica desfaz tais distinções. O caso de Dan Rather não foi único. "Fome na América" tornou-se tema de noticiário, fomentando comentários por toda a mídia. A revista Newsweek, a Associated Press e o Boston Globe estavam entre aqueles que repetiram as estatísticas realizadas pelo "estudo".[279] Enquanto isso, quando pessoas reais de carne e osso foram examinadas pelo Centro de Controle de Doenças e pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, nenhuma evidência de má nutrição entre os norteamericanos mais pobres foi identificada, nem mesmo se encontraram diferenças significativas de vitaminas e minerais em suas dietas, comparando-se com as populações de maior renda. A única diferença real encontrada entre pessoas de diferentes níveis de renda foi de que os casos de obesidade eram muito mais frequentes entre a população de mais baixa renda, ou seja, os mais

pobres eram em geral mais gordos que as classes com mais renda.[280] Mas como em outros contextos, quando uma história se encaixa numa visão as pessoas na mídia nem sempre acham necessário checar se a história se encaixa também nos fatos. ◆ ◆ ◆

PESSOAS FICTÍCIAS Manipulação e uso tendencioso das informações não produzem apenas fatos fictícios, mas também pessoas fictícias. Isso se torna claro no caso das ditaduras totalitárias, nas quais tiranos genocidas são retratados pela propaganda oficial como gentis, sábios e misericordiosos líderes de seus povos, ao mesmo tempo que todos os que porventura se oponham ao ditador, local ou internacionalmente, são retratados como os tipos mais vis de criminosos. Mas algo bastante semelhante pode ocorrer em nações livres e democráticas, sem a intervenção de qualquer agência oficial de propaganda, sempre que exista uma intelligentsia inclinada a ver o mundo de uma forma particular. Talvez o exemplo mais notável de criação de uma personalidade fictícia, a partir de uma figura pública, nos Estados Unidos do século XX, sem qualquer coordenação consciente entre os membros da intelligentsia, tenha-se dado na pessoa de Herbert Hoover. O azar de Hoover foi ter sido presidente dos Estados Unidos durante a quebra da Bolsa de 1929, o que foi seguido pelo início da Grande Depressão da década de 1930. Se nunca tivesse se tornado presidente, Herbert Hoover poderia ter sido lembrado pela história como um dos homens mais humanitários do século. Não foi somente a incrível quantidade de dinheiro que ele doou para causas filantrópicas antes de se tornar presidente, mas a maneira como ele arriscou sua própria

fortuna pessoal para resgatar pessoas que passavam fome na Europa, durante a Primeira Grande Guerra, que o tornou um homem único. Por causa das barreiras, da destruição e dos distúrbios, a Grande Guerra deixara milhões de famintos espalhados por toda Europa. Hoover decidiu então formar uma organização filantrópica a fim de distribuir, em larga escala, alimentos para os famintos da Europa. Todavia, percebeu que se limitasse a operação às vias comuns, ou seja, primeiro captando dinheiro com doações para então comprar os alimentos, não haveria tempo e as pessoas morreriam, enquanto ele ainda recebia as doações. Hoover decidiu comprar os alimentos antes de recebê-las, colocando sua própria fortuna pessoal em risco caso não conseguisse, posteriormente, arrecadar o dinheiro para saldar sua operação. Finalmente, vieram doações suficientes para cobrir o custo com alimentação, mas não havia, num primeiro momento, garantia alguma de que isso aconteceria quando resolveu arriscar a operação. Hoover também serviu como superintendente da Seção de Alimentos, na administração do presidente Woodrow Wilson, durante a guerra, quando ele aparentemente impressionou os apoiadores de outro membro daquela administração, um jovem que despontava e se chamava Franklin D. Roosevelt. Esses apoiadores de Roosevelt buscaram convencer Hoover para que ele se lançasse como candidato democrata para presidência, em 1920, tendo Franklin Roosevelt como seu vice-presidente. [281] Todavia, apenas a última situação aconteceu, com Roosevelt como vice do candidato democrata à presidência James M. Cox, que perdeu em 1920. Hoover foi servir como secretário de Comércio sob o governo dos presidentes republicanos Warren Harding e Calvin Coolidge. Esse foi o real Herbert Hoover. Porém, o que gerações inteiras ouviram e leram foi embasado no Herbert Hoover

fictício, um homem frio e sem sentimentos que deixou milhões de norte-americanos sofrerem sem necessidade, durante a Grande Depressão de 1930, por causa de sua suposta crença doutrinária de que o governo deveria deixar a economia andar por conta própria. Resumindo, a imagem de Hoover retratada pela intelligentsia foi a de um presidente sem ação.[282] Segundo essa visão, amplamente disseminada tanto na mídia popular quanto no mundo acadêmico, além de ter sido repetida durante as campanhas eleitorais por décadas, foi apenas com a substituição do governo de Hoover pelo de Franklin Roosevelt que tivemos um governo federal envolvido com o esforço em reverter os efeitos da Grande Depressão. A falsidade desse quadro foi exposta na própria época, durante a Grande Depressão, pelo reconhecido colunista Walter Lippmann e confirmada anos mais tarde por ex-membros da administração Roosevelt, os quais reconheceram que muito, e talvez a maior parte, do New Deal era simplesmente uma extensão das iniciativas já tomadas pelo presidente Hoover.[283] Lippmann, escrevendo em 1935, disse: A política iniciada pelo presidente Hoover no outono de 1929 foi algo completamente sem precedentes na história dos Estados Unidos. O governo nacional se empenhou num esforço para tornar próspera toda esfera econômica (...) as medidas de Roosevelt são uma continuação e uma evolução das medidas de Hoover.[284] Herbert Hoover tinha plena consciência, e era orgulhoso, de ter sido o primeiro presidente dos Estados Unidos a assumir a responsabilidade em tirar o país de uma depressão, tornando-a um assunto de responsabilidade federal. "Antes, nenhum presidente jamais acreditara que

houvesse responsabilidade do governo em tais casos", ele disse em suas memórias.[285] Um intervencionismo desse tipo não é novidade para Hoover, que anteriormente, como secretário de Comércio, tinha defendido uma redução nas horas de trabalho e também uma emenda constitucional que proibisse o trabalho infantil, dentre outras iniciativas intervencionistas.[286] Ao deparar com um crescente déficit federal, durante a depressão, o presidente Hoover propôs, e depois promulgou como lei, um grande aumento no índice de impostos, ultrapassando os índices existentes entre 20% e 30% para as pessoas de mais alta renda ao fixar novos patamares de 60%.[287] Certamente, nada disso significa que tanto as intervenções de Hoover quanto as de Franklin Roosevelt foram, numa avaliação geral, proveitosas, nem essa é a questão. O ponto aqui é analisar a criação de um Herbert Hoover completamente fictício não somente no mundo da política, mas nos escritos da intelligentsia. Por exemplo, o Hoover fictício só se importava com os ricos, cujos impostos o Hoover real mais que dobrou, subtraindo mais da metade de suas rendas. O Hoover fictício era insensível aos destinos do trabalhador comum, mas o Hoover real foi elogiado pelo líder da Federação Americana do Trabalho por seus esforços em evitar que o setor industrial reduzisse os salários dos empregados durante a depressão.[288] A intelligentsia da época criou o Hoover fictício e a intelligentsia de períodos posteriores reforçou a imagem criada. Em 1932, Oswald Garrison Villard, editor da revista The Nation, disse que o presidente Hoover "falhara por falta de compaixão".[289] Um editorial da New Republic disse: "Ele é a testemunha viva da tese que diz que é função do governo não governar".[290] O conhecido crítico literário Edmund Wilson disse que Hoover "não fez esforço algum para sanar a crise,[291] chamando-o de "desumano".[292] Os colunistas Robert S. Allen e Drew Pearson chegaram a

denunciar a "completa omissão" de Hoover.[293] Na distante Inglaterra, Harold Laski disse: "Hoover nada tem feito para lidar com o problema".[294] Na esfera política o Hoover fictício herdou a mesma imagem, e ela perdurou. Em 1936, quando Herbert Hoover não era mais candidato, o secretário do Interior de Franklin Roosevelt, Harold Ickes, no entanto, atacou Hoover de ter sido um presidente "omisso",[295] uma tendência que perdurou por muitas eleições posteriores, à medida que os democratas retratavam repetitivamente o voto para os candidatos republicanos à presidência como um voto que remetia aos dias de Herbert Hoover. Somente vinte anos após a saída de Hoover da Casa Branca que outro presidente republicano assumiu o cargo. Mesmo em plena década de 1980, o presidente Ronald Reagan foi caracterizado pelo porta-voz do partido democrata, Tip O'Neill, como um "Hoover que sorri", e quando o secretário do Tesouro de Reagan defendeu as políticas econômicas do governo numa declaração ao Congresso, o senador democrata Ernest Hollings disse: "Cara, isso é conversa do Hoover!",[296] muito embora a política de corte de impostos, proposta por Reagan, fosse o oposto da política de aumento tributário de Hoover. Mesmo já em pleno século XXI, a crise financeira de 2008 fez com que um colunista do New York Times temesse que os cinquenta governadores de estado se transformassem em "50 Herbert Hoovers".[297] Ou seja, a imagem de Hoover como um "zumbi" ainda era politicamente útil décadas depois de sua presidência e mesmo depois de sua morte. Um dos sinais de grande decência de Harry Truman foi que, um mês depois de se tornar presidente em 1945, ele enviou uma carta de próprio punho para Herbert Hoover, convidando-o para comparecer à Casa Branca[298] pela primeira vez desde que havia saído em 1933, a fim de pedir seu conselho para organizar o envio de alimentos para uma

Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial.[299] Hoover ficou muito surpreso com o convite e desabou em lágrimas quando encontrou Truman na Casa Branca.[300] Posteriormente, a designação de Truman para que Hoover chefiasse uma comissão para investigar a eficiência das agências do governo permitiu que esse homem, tão odiado, readquirisse algum respeito público nos seus últimos anos, livrando-se de parte do opróbrio que havia sido criado pela intelligentsia. É claro que imagens fictícias positivas também podem ser criadas não apenas pelas agências de propaganda em países totalitários, mas também pela intelligentsia nos países democráticos. Nenhum político das duas últimas gerações recebeu mais elogios e foi considerado o político mais intelectualizado, pelos próprios intelectuais, do que Adiai Stevenson, o gentil e encantador ex-governador de Illinois, que por duas vezes concorreu pela presidência dos Estados Unidos, contra Dwight Eisenhower, na década de 1950. O New York Times o chamava de "o melhor tipo de intelectual".[301] O estudo de Russell Jacoby, The Last Intellectuals [Os Últimos Intelectuais], ilustrava a "estrondosa derrota de Adiai Stevenson para Eisenhower" como retrato cabal do "anti-intelectualismo endêmico da sociedade americana".[302] Todavia, segundo o historiador Michael Beschloss, Stevenson "podia viver feliz da vida por anos ou meses a fio sem se incomodar em pegar um livro para ler".[303] Outros também relataram o desinteresse de Stevenson pelos livros. Enquanto isso, ninguém tinha Harry Truman como intelectual, embora ele fosse um leitor voraz, cuja carga de leitura incluía pesos-pesados, como os trabalhos de Tucídides e de Shakespeare. Era "um presidente que apreciava ler Cícero em latim",[304] alguém que era capaz de corrigir secretário da Justiça Fred M. Vinson quando ele citava em latim.[305] No entanto, Adiai Stevenson tinha a

retórica e a pose de intelectual e Harry Truman não.[306] Para muitos na intelligentsia, o despretensioso, curto e grosso Truman parecia-se pouco melhor que um caipira.[307] Outra figura pública contemporânea que recebeu da mídia uma imagem fictícia é membro da Suprema Corte, o juiz Clarence Thomas. O Clarence Thomas fictício é descrito como um homem solitário, permanentemente angustiado e envolvido com suas controversas audiências públicas no Senado, "um homem recluso em sua privacidade".[308] Um repórter do Wall Street Journal o chamou de "o recluso mais famoso de Washington".[309] O juiz Thomas foi retratado num artigo do New York Times como alguém que consegue falar somente com sua esposa e que "a vida do casal parece ser uma vida de isolamento taciturno e compartilhado".[310] Tendo-se em vista que o juiz Thomas e o juiz Antonio Scalia votavam juntos, com grande frequência, nos casos da Suprema Corte, ele é por isso comumente descrito como o "clone" de Scalia pelo colunista sindicalizado Carl Rowan[311] e foi retratado como "marionete" de Scalia por um advogado do Sindicato das Liberdades Civis Americanas. [312] Afirmações semelhantes sobre o papel do juiz Thomas na Suprema Corte são comuns pela mídia. Todavia, aqueles que se importam em checar os fatos descobrem um Clarence Thomas de carne e osso, mas que é exatamente o oposto do Clarence Thomas fictício retratado na mídia. Repórteres do Washington Post, críticos costumeiros do juiz Thomas, ao entrevistarem colegas e exfuncionários, assim como ao consultarem anotações feitas pelo falecido juiz da Suprema Corte, Harry Blackmun, a respeito das audiências privadas entre os juízes, descobriram um retrato radicalmente diferente sobre o homem Clarence Thomas. Thomas é talvez o membro mais acessível da Corte, exceto para os jornalistas (...), ele é

conhecido por ser um homem que, ao ver um grupo  de estudantes mirins visitando a Suprema Corte, convida-os ao seu gabinete. Alunos de sua universidade, familiares e ex-funcionários, pessoas que ele encontra em suas viagens pelo país, em seu trailer imenso, são todos bem-vindos (...) Thomas parece ter uma sede insaciável para conversas. Uma pequena reunião planejada para durar quinze minutos se transforma invariavelmente em uma hora, duas, estendendose, por vezes, a três ou quatro horas, segundo entrevistas com pessoas que visitaram seu gabinete (...) O advogado de Washington Tom Goldstein, cujo escritório se dedica fundamentalmente aos litígios da Suprema Corte, já se encontrou com todos os e declarou que Thomas "é a pessoa mais real" entre todos eles. [313]

Longe de ser um recluso permanentemente assustado com as audiências no Senado, o juiz Thomas, retoma frequentemente ao Senado durante suas refeições, segundo o Washington Post: Não se pode dizer que Thomas seja um estranho no Senado. Ele pode ser visto no refeitório do edifício do Senado almoçando com seus funcionários. Ele tem intimidade com as cozinheiras e as garçonetes. Ele toma café da manhã na sala reservada aos senadores, ficando apenas a um passo de alguns congressistas que se opuseram virulentamente à sua nomeação. Quem imaginaria que o Senado dos Estados Unidos, o palco do "linchamento high-tech" de

Thomas, como ele nervosamente o chamou durante as audições a que foi submetido para sua nomeação em 1991, é o lugar onde hoje ele saboreia suas refeições?[314] As pessoas que realmente estudaram o juiz Thomas, entrevistando seus colegas, funcionários ou quem o conheceu socialmente, também ficaram chocadas com a diferença entre a imagem pública e o homem real: Ele fazia questão de se apresentar pessoalmente a todos os funcionários da Corte, dos cozinheiros aos zeladores noturnos. Ele jogava basquete com os delegados e os seguranças e parava para conversar com as pessoas nos corredores. Os funcionários da Corte diziam que Thomas tinha uma habilidade incomum para se lembrar dos detalhes da vida pessoal dos que trabalhavam para ele. Ele sabia o nome dos filhos dos funcionários e onde estudavam e dava atenção para pessoas que em geral passariam despercebidas. Stephen Smith, um ex-funcionário, lembra-se de um caso em que Thomas, enquanto acompanhava uma delegação durante o fato envolvendo jurisdições marítimas de 1993 ou 1994, conversava com um grupo de juízes. "Havia uma mulher idosa ali, aguardando em pé, vestindo um daqueles uniformes azuis de limpeza e segurando um balde. Era uma mulher negra", lembra Smith. "Ela estava olhando para ele, mas não ousaria interrompê-lo, mas o juiz Thomas deixou seus colegas, desculpando-se, e foi ter com aquela mulher. Ele ofereceu sua mão para cumprimentá-la e ela então se lançou em direção a ele e lhe deu um tremendo abraço."

Entre seus oito colegas, Thomas também era acessível e amigável. A juíza Ginsburg disse que, por vezes, Thomas passava em seu gabinete carregando uma sacola repleta de cebolas especiais da Geórgia, pois sabia que seu marido era um chef dedicado. "Um colega absolutamente simpático", disse a juíza a respeito de Thomas (...). Thomas tinha um interesse todo especial pelos funcionários e com frequência estabelecia uma relação quase paternal com eles (...). Certa vez ele notou que os pneus do carro da sra. Walker estavam desgastados e lhe mostrou como medir o nível de desgaste. "Na manhã seguinte", como se lembra a sra. Walker, "ele se aproximou e disse: 'Eu acabei de ver ótimos pneus no Price Club, o preço está excelente. Você deveria aproveitar e trocar seus pneus'. E eu fiquei pasma e pensando comigo mesma que ali estava um juiz da Suprema Corte que se preocupa com a segurança dos meus pneus". Muitos outros funcionários do tribunal têm histórias semelhantes para contar.[315] Outro estudo relatou a vida de Clarence Thomas, mas longe de Washington: Atrás do volante de seu motorhome de quarenta pés, Clarence Thomas não poderia estar mais feliz. O veículo é um modelo Prevost 92, com um quarto na traseira, estofados de couro cinza, uma cozinha, uma televisão via satélite e um sistema de navegação computadorizado. "É um verdadeiro condomínio sobre rodas", ele disse. Um condomínio do qual ele observa a nação e entra em contato com seus queridos cidadãos. Ele é

atraído, na maior parte das vezes, para pequenas cidades, campos para trailers, parques nacionais e centros históricos. Thomas diz para seus amigos que nunca passou por uma experiência ruim viajando em seu motorhome. Longe dos centros urbanos ele geralmente encontra pessoas que não o reconhecem ou não se importam que ele seja juiz da Suprema Corte. Ele adora entrar num estacionamento do Wal-Mart vestindo suas calças jeans, sapatos dockside e um boné na cabeça. Refestelado em sua cadeira de praia, do lado de fora de seu trailer, ele fica sentado por horas conversando com estranhos sobre ceras e polimentos para veículos, enquanto saboreia sua limonada.[316] O juiz Thomas também dá palestras para "milhares de ouvintes nas melhores universidades do país", segundo o Washington Times.[317] Porém, uma vez que ele não é considerado favoravelmente nos encontros sociais da elite política e da mídia chique de Washington, isso é o suficiente para fazer dele um "recluso", segundo o entendimento da intelligentsia. E o que dizer do trabalho de Clarence Thomas como juiz da Suprema Corte? O fato de seus votos e os do juiz Scalia frequentemente coincidirem não diz nada sobre quem influencia quem, mas a mídia supôs automaticamente que era Scalia quem liderava e Thomas quem seguia. Conhecer os fatos requer o conhecimento do que acontece nas conferências privadas entre os nove juízes do Supremo, ao qual nem seus funcionários têm acesso. Apesar de toda sorte de suposições apressadas que reinaram por anos na mídia, um quadro radicalmente diferente veio à tona quando as anotações do falecido juiz Harry Blackmun, sobre as conferências, tornaram-se disponíveis. A autora Jan

Crawford Greenburg teve acesso às notas do juiz Blackmun quando escrevia um livro sobre a Suprema Corte intitulado Supreme Conflict, e encontrou um padrão completamente diferente daquele sedimentado na visão da mídia em geral. Além disso, ela descobriu que esse padrão real se estabeleceu bem cedo, logo durante o primeiro ano de Clarence Thomas como membro da Suprema Corte. No terceiro caso em que participava o juiz Thomas, inicialmente ele concordou com o resto de seus colegas e o caso se encaminhava para uma contagem de nove a zero. Porém, durante a madrugada, Thomas repensou o caso e resolveu discordar da visão de seus oito colegas mais antigos: Aconteceu uma reviravolta e Thomas não ficou por muito tempo sozinho. Logo depois que enviou seu desacordo para os outros colegas, os juízes Rehnquist e Scalia o seguiram e também mandaram notificações para seus pares informando-os de que eles também alteravam seus votos, juntando-se à opinião de Thomas. Kennedy recusou participar da dissensão de Thomas, mas ele também mudou seu voto e escreveu seus próprios termos de desacordo (...). [318]

Isso aconteceu muitas vezes durante aquele primeiro ano. Algumas anotações do juiz Blackmun indicavam sua surpresa com a postura independente daquele novo membro da Corte. Não apenas indivíduos, mas nações inteiras podem receber caracterizações fictícias a fim de reforçar os rótulos que a visão predominante favorece. Da mesma forma que acontece com meros indivíduos, análises elogiosas ou desfavoráveis que nações particulares recebem dependem

muito mais de sua capacidade - das nações - em se encaixar na visão do que dos fatos. A admiração dos intelectuais sobre supostas virtudes de certas nações estrangeiras funciona geralmente como instrumento para criticar seus próprios países. Esse padrão já existia em JeanJacques Rousseau, no século XVIII, cujo retrato do "bom selvagem" servia como reprimenda à civilização europeia. Embora seja legítimo comparar algumas nações com outras, ou talvez com uma visão ideal de como, as nações deveriam ser, muito frequentemente os intelectuais ocidentais em geral ou os intelectuais norte-americanos em particular fazem comparações com imagens fantasiosas de outras nações. Tal procedimento ganha peso em determinadas épocas, como foi o caso, especialmente durante a década de 1930, com a imagem construída da União Soviética, concebida pela intelligentsia daquele período com a devida colaboração de escritores prósoviéticos como Walter Duranty ou Sidney e Beatrice Webb. O famoso crítico literário Edmund Wilson, por exemplo, chamou a União Soviética de "o cume moral do mundo",[319] exatamente numa época em que grassavam, naquele país, a fome e os campos de trabalhos forçados sob o regime de Stalin. Quando uma profusão de fatos reveladores sobre a realidade assustadora da União Soviética finalmente se tornou bem conhecida, impossibilitando que a imagem fictícia continuasse sua imperturbada carreira, teve início a busca por outras nações estrangeiras e foram criados então novos objetos de admiração em oposição ao mundo ocidental. O foco mudou para a China comunista ou outras muitas nações do Terceiro Mundo, como a Índia ou as novas nações independentes da África subsaariana. Talvez a Índia tenha sobrevivido nesse papel durante mais tempo que qualquer outro país, em parte por ser "a maior democracia do mundo" e em parte porque sua democracia socialista, sob o governo de Nehru e seus

sucessores, alinhava-se com a visão dos intelectuais ocidentais. A Índia fictícia foi retratada como algo completamente distinto do materialismo, da intolerância e da violência dos Estados Unidos. É como se a Índia fosse um país feito de Mahatma Gandhis, quando, de fato, Gandhi foi assassinado justamente por causa de suas tentativas de desencorajar os surtos incessantes de intolerância violenta que varriam a população indiana. As centenas de milhares de hindus e muçulmanos chacinados nos distúrbios entre esses dois grupos foram esquecidos, assim como uma escalada de violência que se seguiu à independência da Índia em 1947, num momento em que o subcontinente indiano era dividido em Índia e Paquistão. Tudo isso foi, de alguma forma, lançado no limbo da memória. Mesmo a extrema violência que grassa entre populações hindus e muçulmanas na Índia de hoje, em pleno século XXI, com centenas de mortos durante um protesto em 2002, por exemplo[320] pouco fez para modificar a imagem da Índia fictícia. Tampouco fez o tratamento que recebem os intocáveis. O governo indiano finalmente baniu a casta dos intocáveis em 1949, e o termo "intocável" foi substituído, nas conversas educadas, por "harijan" - crianças de Deus -, como Mahatma Gandhi os chamava, e depois por "dalits"os degenerados - e em relatórios oficiais por "castas programadas". Contudo, foram muitas as antigas práticas discriminatórias que sobreviveram, especialmente no interior. Embora para o público dos Estados Unidos os linchamentos raciais sejam coisa do passado, a publicação indiana The Hindu, de 2001, relatava que ataques "e até mesmo massacres de homens, mulheres e crianças pertencentes às castas inferiores da ordem social" ainda eram "regulares na maior parte do país".[321] Todavia, tais práticas não são mais universais na Índia de hoje. Um relatório oficial de 2001 publicou que são três

os estados da Índia que respondem por quase dois terços das atrocidades cometidas anualmente contra os intocáveis, ao passo que há estados onde nenhuma atrocidade fora cometida.[322] Mas onde ainda impera a violência brutal contra os intocáveis, isso é um fato muito real. Um artigo de junho de 2003, publicado na revista National Geographic, repleto de fotografias de homens intocáveis mutilados com ácido por terem ousado pescar numa lagoa usada por indianos das castas superiores, expõe cruamente um quadro aterrador sobre as contínuas opressões e violências cometidas contra os intocáveis.[323] O objetivo aqui não é fazer uma avaliação geral sobre a Índia, a qual teria que incluir suas características positivas e negativas, mas denunciar, assim como acontece com as pessoas fictícias criadas pela intelligentsia, toda uma construção irreal e incongruente com o país real. Na verdade, muitos desses lugares fictícios foram criados, ao longo de muitas gerações, por intelectuais que desdenham seus próprios países.[324] O livro de Paul Hollander Polítical Pilgrims [Peregrinos Políticos] é um estudo sobre os intelectuais cuja visita a países comunistas, como a União Soviética, a China e Cuba, produziu relatos exuberantes sobre essas sociedades totalitárias. O autor atribui parte dessa desinformação a uma total assimetria de informação. A "não disponibilização de informação visual comprometedora, nos estados policiais mais repressivos" visitados pelos intelectuais, contrasta com "as imagens vívidas dos piores aspectos de suas próprias sociedades".[325] A falsa interpretação dos fatos é, em determinada escala, inevitável, considerando-se as limitações de informação e dos seres humanos. Porém, a criação de pessoas e nações fictícias ultrapassa tais empecilhos, especialmente quando a intelligentsia, cuja função é juntar e disseminar informações, elabora conclusões bombásticas, aproveitando a ausência de

informação, ou opera em franca oposição àquelas que estão disponíveis. Fatos sobre a Índia, incluindo o tratamento que os intocáveis recebem, são livremente divulgados pela mídia do próprio país, e temos inclusive relatórios oficiais do governo indiano que divulgam as atrocidades cometidas contra eles. Nesse mesmo sentido, havia fatos indigestos prontamente disponíveis sobre a vida na Rússia do século XVIII, sob o despotismo dos czares, quando Voltaire e outros escreveram favoravelmente sobre o regime czarista. O fator crucial parece não depender de qual informação está disponível, mas das predisposições - as visões - com as quais os intelectuais abordam as informações disponíveis, sej am elas sobre nações, sejam sobre indivíduos. Geralmente, pessoas e nações fictícias recebem características que não são meramente diferentes das suas próprias, mas que se apresentam como o seu oposto, diametralmente contrárias às verdadeiras características das pessoas de carne e osso. Considerando as várias identidades fictícias que foram criadas para pessoas públicas e países estrangeiros pela intelligentsia, o denominador comum é a visão que ela tem do mundo e de si mesma, levando-a a exaltar ou a denegrir indivíduos, países e assuntos, geralmente em detrimento dos fatos e das análises seriamente realizados. ◆ ◆ ◆

EUGENIA VERBAL Os numerosos filtros em operação tanto na mídia quanto no universo acadêmico não são aleatórios. Eles refletem um procedimento comum, filtrando inumeráveis elementos indesejáveis, os quais poderiam ameaçar essa visão consagrada. A manipulação retórica dos intelectuais filtra tanto as palavras quanto os fatos, fazendo uso daquilo

que poderíamos chamar de eugenia verbal, análoga à limpeza étnica. Palavras que adquiriram conotações particulares ao longo dos anos a partir das experiências acumuladas de milhões de pessoas, atravessando sucessivas gerações, passam a ter seu significado corrompido por um número relativamente pequeno de intelectuais contemporâneos, os quais simplesmente suprimem o antigo termo, substituindo-o por outro para designar coisas iguais, até que as novas palavras substituam as antigas. Portanto, "mendigo" foi substituído por "sem-teto", "pântano" por "paraíso das águas" e "prostitutas" por "profissionais do sexo". Todas as coisas que gerações de pessoas haviam aprendido, pela experiência, a respeito de mendigos, pântanos e prostitutas são apagadas com a substituição de novas palavras, limpando-se as antigas conotações. Os pântanos são, por exemplo, lugares geralmente escuros, lodosos e fedorentos onde os insetos reinam e os mosquitos criam e espalham doenças. Por vezes, são também lugares que criaturas perigosas como cobras e jacarés habitam. Contudo, "paraíso das águas" apresenta um tom reverencial, como se estivéssemos falando de santuários. Novos termos cunhados para substituir palavras antigas aparecem em muitos contextos, geralmente apagando o que a experiência nos ensinou a respeito das coisas. Portanto, o "aerotrem" foi transformado em termo da moda, pelos defensores do transporte de massas, para designar coisas que são muito parecidas com o que um dia chamamos de bondes e que já foram muito comuns em centenas de cidades norte-americanas. Os bondes foram substituídos pelos ônibus, em quase todas essas cidades, por razões concretas. Mas subitamente as conhecidas inconveniências e ineficiências históricas dos bondes desaparecem no ar, na medida em que são apresentados como grande novidade chamada de "aerotrem", cujas futuras maravilhas são descritas em termos exuberantes

pelos planejadores urbanos e por outros defensores, seguros contra qualquer lembrança indigesta que possa reavivar a história sobre o declínio e a queda do bonde. Outro desenvolvimento significativo na arte da eugenia verbal é o de modificar nomes usados para descrever pessoas que abraçam a intervenção governamental na economia e na sociedade, como a maioria dos intelectuais tende a fazer. Nos Estados Unidos, essas pessoas alteraram a designação de suas ideologias por mais de uma vez, ao longo do século XX. No começo desse século, elas se intitulavam "progressistas". Todavia, durante a década de 1920, a experiência levou os eleitores norte-americanos a repudiarem, por toda a década, o movimento progressista, elegendo governos nacionais que tinham uma filosofia muito diferente. Quando a Grande Depressão de 1930 trouxe uma vez mais ao poder pessoas alinhadas com políticas intervencionistas, muitas das quais serviram no governo progressista de Woodrow Wilson, elas mudaram o nome para "liberal", eximindo-se das conotações negativas do antigo termo, da mesma forma que muitas pessoas escapam de suas dívidas financeiras ao declararem falência. O longo reinado do "liberalismo" nos Estados Unidos, o qual durou, com poucas interrupções, do presidente Franklin D. Roosevelt e seu New Deal, na década de 1930, até o presidente Lyndon B. Johnson e sua Great Society, da década de 1960, finalmente terminou com o completo descrédito do liberalismo diante da opinião pública. Daí em diante, futuros presidentes e candidatos com longas trajetórias de liberalismo rejeitaram esse rótulo, ou rejeitaram qualquer rótulo, alegando ser falso ou sem valor. No final do século XX, muitos liberais começaram a se chamar novamente de "progressistas" para escaparem das conotações negativas que o liberalismo tinha adquirido ao longo dos anos, mas que não mais se aplicavam à palavra "progressista", pois esse termo remontava uma época que

havia ficado muito no passado para que se pudessem fazer associações entre o termo e a experiência. Em 26 de outubro de 1988, uma longa lista de influentes intelectuais, incluindo John Kenneth Galbraith, Arthur Schlesinger Jr., Daniel Bell e Robert Merton, entre outros, assinaram um anúncio, no New York Times, protestando contra o que eles chamaram de "vilipêndio" do presidente Ronald Reagan "contra uma de nossas tradições mais nobres e antigas" tornando "liberal e liberalismo termos de opróbrio". 85 Recuando ao significado original de liberalismo como "a liberdade de os indivíduos atingirem seu desenvolvimento mais completo", o anúncio nem sequer reconhecia, e muito menos defendia, aquilo em que na prática o liberalismo tinha se tornado, ou seja, intervencionismo governamental sobre a economia e engenharia social. Sejam lá quais forem os méritos ou os deméritos dessas intervenções, foram essas as reais políticas adotadas, defendidas e levadas à consecução pelos liberais contemporâneos, desconsiderando-se o que a definição original da palavra "liberal" significou em outros tempos. Porém, o anúncio apaixonado nem sequer considerava a possibilidade de haver, no histórico dos liberais enquanto movimento e governo, falhas que tivessem motivado o descrédito total do termo, em vez de ser uma crítica gratuita disparada por pessoas com uma filosofia diferente. Além do mais, o anúncio sugeria, como algo estranho e sem valor, o fato de conservadores como Ronald Reagan criticarem os liberais, da mesma forma que os liberais costumam criticar os conservadores, como o presidente Reagan. Da mesma forma que as pessoas, ao criticarem o liberalismo com base no comportamento real dos liberais, são acusadas de se opor ao liberalismo em sua definição dicionarizada, também os que criticam o comportamento real dos intelectuais são frequentemente acusados de "anti-

intelectualismo", no sentido de uma explícita oposição à atividade intelectual em si mesma. O conhecido livro de Richard Hofstadter Anti-Intellectualism in American Life [Anti-intelectualismo na Vida Americana] equaliza as duas coisas tanto no título quanto no texto, no qual ele faz referência ao "desrespeito nacional pela atividade mental" e às "qualidades em nossa sociedade que tornam a atividade intelectual impopular".[326] O colunista do New York Times Nicholas D. Kristof foi um dos muitos que escreveu sobre o anti-intelectualismo como uma realidade histórica da vida norte-americana.[327] Mesmo o prestigiado acadêmico Jacques Barzun disse que "a atividade intelectual é desprezada",[328] embora ele seja um crítico dos intelectuais sem, contudo, ser alguém que desprezou a atividade intelectual. No entanto, ele não mostrou que cientistas e engenheiros eram desprezados pelos norte-americanos ou mesmo por aqueles que se faziam críticos ferozes do histórico dos intelectuais, no sentido de pessoas cuja atividade começa e termina com as ideias. ◆ ◆ ◆

OBJETIVIDADE VERSUS  IMPARCIALIDADE Os artifícios retóricos permitem a muitos intelectuais escaparem à responsabilidade por manipularem as informações, cujo intuito é criar realidades virtuais a fim de corroborar sua visão. Alguns membros da intelligentsia inflam a níveis absurdos a questão sobre as escolhas, filtragem ou não filtragem dos dados, para então desconsiderarem os críticos, dizendo que estes esperam o impossível, ou seja, uma objetividade perfeita ou uma completa imparcialidade. "Nenhum de nós é realmente objetivo", segundo o editor-chefe do New York Times.[329] É claro que ninguém é objetivo ou imparcial. Métodos científicos podem ser objetivos, mas os cientistas, como

indivíduos, não o são, e não precisam ser. Os matemáticos não são objetivos, mas isso não significa que equações do segundo grau ou o Teorema de Pitágoras sejam apenas questões de opinião. De fato, toda questão que envolve desenvolvimento e a constituição de métodos científicos objetivos baseia-se no esforço em se ter acesso a informações confiáveis sem, contudo, ficar sujeito às crenças subjetivas e às predileções particulares dos cientistas como indivíduos; ou se ter que ansiar por uma objetividade pessoal, praticamente impossível entre a maioria dos cientistas. Se os cientistas fossem naturalmente objetivos não haveria necessidade de se dedicar tanto tempo e esforço na elaboração e na formatação de métodos científicos objetivos. Mesmo o cientista mais rigoroso não é objetivo corno pessoa ou mesmo imparcial em suas atividades científicas. Cientistas estudando o desenvolvimento de células cancerosas em seres humanos não são, certamente, imparciais em relação à vida das células do câncer diante da vida dos seres humanos. O câncer não é estudado apenas por uma mera questão de curiosidade acadêmica, mas precisamente para que se aprenda qual a melhor forma de destruir as células cancerosas e, se possível, evitar o reaparecimento da doença, no intuito de reduzir o sofrimento e prolongar a vida humana. É difícil haver uma atividade mais parcial. O que a torna científica é a utilização de métodos especialmente concebidos para se chegar à verdade, não para defender essa ou aquela crença. Pelo contrário, pois os métodos científicos evoluíram precisamente para colocar crenças concorrentes sob o escrutínio dos fatos e, portanto, reconhecem implicitamente o quão temeroso seria confiar na objetividade ou na imparcialidade pessoal dos cientistas. Embora J. A. Schumpeter tenha dito que "a primeira coisa que um homem fará por seus ideais é mentir", também disse que uma área científica só se configura como

tal com a constituição de "regras de procedimento" as quais podem "eliminar erros ideologicamente condicionados" em uma análise qualquer.[330] Tais regras de procedimento são o reconhecimento implícito da falibilidade que se impõe sobre nossa objetividade e nossa imparcialidade Um cientista que manipulasse os fatos a fim de favorecer uma teoria de sua preferência sobre o câncer seria considerado uma aberração e ficaria completamente desacreditado, assim como um engenheiro que fizesse o mesmo ao construir uma ponte. Este poderia ser até processado por negligência criminosa caso a ponte viesse a desabar, matando pessoas. Contudo, aqueles intelectuais cujo trabalho é tido como "engenharia social" não precisam enfrentar essas responsabilidades, mas, pelo contrário, a maioria dos casos está isenta de quaisquer responsabilidades, mesmo quando a manipulação dos fatos desemboca em verdadeiros desastres sociais. O fato de tantos intelectuais fazerem uso do discurso sobre uma inalcançável objetividade e imparcialidade pessoal como motivo para justificar a manipulação fraudulenta que fazem dos fatos, tornando seus argumentos plausíveis, mostra, uma vez mais, o quanto a capacidade intelectual deles está a serviço da manipulação retórica e o quanto lhes falta de sabedoria. Em última instância, a questão não é sobre ser ou não "justo", contemplando "ambos os lados", mas o que é muito mais importante é ser honesto com o leitor, o qual, afinal de contas, não pagou para aprender sobre o psiquismo ou a ideologia do escritor, mas para adquirir algum conhecimento real sobre o mundo. Como Jean-François Revel coloca: "Eu não gastei sessenta centavos para ser informado sobre as vibrações emanadas pela alma desse correspondente espanhol”[331] Aqueles intelectuais que resolvem manipular os fatos, favorecendo os interesses de sua visão pessoal, negam aos outros o direito que têm de acessar o mundo tal como se

apresenta e assim prejudicam que outros tirem suas próprias conclusões. Ter ou expressar uma opinião é algo que difere completamente da prática de bloqueio sistemático da informação, a qual impede que terceiros possam formar suas próprias opiniões. ◆ ◆ ◆

VERDADE SUBJETIVA A verdade dos fatos empíricos ou uma lógica convincente se revela inimiga dos dogmas, e isso é hoje tido como inimigo por um pequeno, porém crescente, número de intelectuais modernos, demonstrando, uma vez mais, a divergência entre padrões intelectuais e interesses pessoais. Não se trata apenas de termos ou verdades particulares sendo atacadas ou abafadas, mas em muitos casos o próprio conceito de verdade é solapado. O descrédito da verdade, como critério decisivo, vem sendo atacado sistematicamente, por um lado pelo desconstrutivismo e, pelo outro, com o uso de artifícios ad hoc. Dessa forma, temos a consagração de afirmações do tipo "verdade para mim" versus "o que é verdade para você", como se a verdade pudesse ser transformada em propriedade privada, quando seu significado está, na realidade, todo alicerçado na comunicação interpessoal. Por exemplo, quando Robert Reich foi desafiado sobre a acuidade factual de seus relatos, os quais haviam sido filmados por terceiros mostrando situações radicalmente diferentes do que ele havia descrito em seu livro, sua resposta foi: "Eu não posso afirmar uma verdade maior do que minhas próprias impressões".[332] Se a verdade é subjetiva, então todo seu propósito perde sentido. Todavia, isso pode parecer, para alguns, um pequeno preço a pagar a fim de se preservar uma visão da qual muitos intelectuais

dependem para sobreviver, dando sentido à vida e ao papel que desempenham na sociedade. A aparente sofisticação da noção de que toda a realidade "é socialmente construída "tem uma plausibilidade superficial e ignora os muitos processos de validação que testam essas construções. Muito do que é dito ser socialmente "construído" é, de fato, socialmente evoluído ao longo de gerações e socialmente validado pela experiência. Mas boa parte do que muitos na intelligentsia propõem é, de fato, construído, ou seja, deliberadamente criado em determinado tempo e espaço, mas sem nenhuma validação da experiência além do consenso de que é criado entre os participantes da visão favorecida. Se os fatos, a lógica e os procedimentos científicos são apenas categorias arbitrárias, noções "socialmente construídas", então tudo o que resta é o consenso, mais especificamente o consenso grupal, o tipo de consenso que é importante entre adolescentes, assim como entre muitos na intelligentsia. Num sentido muito limitado, a realidade é de fato construída pelos seres humanos. Mesmo o mundo que vemos ao nosso redor é fundamentalmente construído dentro de nosso cérebro a partir de dois pequeninos remendos de luz que caem sobre nossas retinas. Como imagens vistas do lado de trás das câmeras, a imagem do mundo refletida no fundo de nossos olhos está de pontacabeça. Nosso cérebro a recoloca para cima, reconciliando as diferenças entre a imagem em um olho com a imagem no outro olho, ao perceber o mundo em sua tridimensionalidade. Os morcegos não percebem o mundo do mesmo modo que os seres humanos, uma vez que eles dependem de sinais que são lançados e captados como se fosse um sonar em operação. Algumas criaturas do mar percebem por meio de campos elétricos que seus corpos geram e recebem. Embora os mundos percebidos por diferentes criaturas, por meio de mecanismos distintos, obviamente difiram uns dos

outros, essas percepções não são noções soltas, mas estão sujeitas aos processos de validação dos quais questões tão sérias como a vida e a morte dependem. A imagem específica de um leão que você vê numa jaula pode ser uma construção dentro de seu cérebro, mas entrar na jaula demonstrará rápida e catastroficamente que existe uma realidade para além do controle de seu cérebro. Os morcegos não colidem contra paredes em seus voos noturnos porque a realidade muito distinta construída no cérebro desses animais está, da mesma forma, sujeita à validação da experiência dada por um mundo que existe fora dele. De fato, os morcegos não colidem contra janelas de vidro, como por vezes acontece com os pássaros, quando dependem da visão, indicando tanto diferenças nos sistemas de visão quanto a existência de uma realidade que independe desses sistemas de percepção. Até mesmo as visões mais abstratas de mundo podem frequentemente ficar sujeitas à validação empírica. As visões de física de Einstein, as quais eram bem diferentes das de seus predecessores, demonstraram ser válidas em Hiroshima, ficando claro que não se tratava apenas de uma visão particular de Einstein sobre a física - não era o caso de sua verdade contra a verdade de outros, mas de uma realidade inescapável a todos, principalmente aos presentes naquele lugar e naquele momento trágico e catastrófico. Os processos de validação são, de forma crucial, o fator ignorado pela intelligentsia, o que permite que muitos intelectuais vejam toda sorte de fenômenos de ordem social, econômica ou científica como meras noções subjetivas, o que permite, implicitamente, a adoção de modelos favorecidos ideologicamente, transformando-os em "realidade" e utopia. Assim como acontece com a impugnação da ideia de verdade objetiva, temos a impugnação dos padrões tradicionais em vários campos, incluindo música, arte e literatura. "Não há distinções rígidas entre o real e o irreal

nem entre o verdadeiro e o falso", segundo o dramaturgo Harold Pinter.[333] Nem tal ideia está confinada aos dramaturgos. O prestigiado historiador britânico Paul Johnson destacou, por exemplo, que um romancista alcança "domínio estético quando aqueles que não conseguem compreender o que ele está fazendo, e por que está fazendo, tendem a se desculpar por sua falta de compreensão, em vez de culpar o autor por seu fracasso em transmitir o que pretende".[334] O mesmo e invejável resultado personalista foi alcançado por pintores, escultores, poetas e compositores musicais, dentre outros, muitos dos quais com ajuda financeira dos contribuintes, aos quais eles não têm obrigação nenhuma de agradar, nem mesmo para tornar seu trabalho compreensível para eles. Em alguns casos, as produções "artísticas" desses artistas subsidiados são propositadamente concebidas para ridicularizar, chocar e insultar o público e podem ser até mesmo questionáveis como arte. Mas como Will Rogers disse há muito tempo: "Quando você não é mais nada, pode alegar ser artista e ninguém poderá provar que você não o seja".[335] jacques Barzun chama acertadamente os artistas de "os denunciadores mais persistentes da civilização ocidental" [336] o que é perfeitamente compreensível, uma vez que não se paga preço algum pelo comportamento autoindulgente. ◆ ◆ ◆

POSTURA CRÍTICA E ATITUDE DRAMÁTICA Postura crítica e comportamento dramático desempenham um papel especialmente importante na carreira dos intelectuais, e isso é algo quase inevitável. Embora o pensamento seja sua atividade central, pensar é algo que todo mundo faz. O único argumento ou a única justificativa para a existência de uma classe especial de

intelectuais é de que eles pensam melhor, de um ponto de vista intelectual, em termos de originalidade, complexidade e consistência interna de suas ideias, com uma ampla base de conhecimento sobre determinado campo e a consonância de suas ideias com premissas aceitas entre seus pares, mas não necessariamente do ponto de vista das consequências empíricas para os outros. ◆ ◆ ◆

CRÍTICOS CONTUMAZES Numa época de disseminado acesso à educação superior, para os que passam pelas sucessivas etapas de seleção estar entre os 5% ou 10% mais qualificados, em vários critérios, é geralmente crucial para se chegar às instituições de ensino da elite, a partir das quais a maior parte das grandes promessas para carreiras intelectuais de sucesso começa. Uma preocupação com a postura crítica não é, portanto, uma idiossincrasia individual, mas parte de uma experiência de grupo que acompanha a aquisição de territórios institucionais, e são muitas as triagens no caminho para se tornar um intelectual. Mesmo aqueles intelectuais que tiveram um histórico educacional mais modesto incorporam a atmosfera dominante dos intelectuais de ponta, tornando-se aptos a crer que os intelectuais, como tais, formam um grupo realmente especial e precioso. Um senso de superioridade não se apresenta como algo acidental, pois a superioridade foi essencial para levar os intelectuais até onde eles se encontram. Eles são, de fato, geralmente muito superiores dentro da estreita faixa de preocupações humanas com as quais lidam. Mas da mesma forma o são os mestres em jogos de xadrez, prodígios musicais, programadores de softwares sofisticados, atletas profissionais e outras pessoas

exercendo atividades mundanas cuja complexidade pode ser apreciada apenas por aqueles que aprenderam a dominá-la. O equívoco fatal de muitos na intelligentsia é generalizar, a partir de sua especialidade de conhecimento, uma sabedoria para lidar com os problemas do mundo em geral, o que significa intrometer-se nos assuntos de outras pessoas, cujo conhecimento sobre sua devida área é muito superior ao que qualquer intelectual pode esperar oferecer. Diz-se que um tolo veste melhor seu próprio casaco do que um sábio a vesti-lo. Muitos intelectuais, tão preocupados com a noção de que o conhecimento especial que têm excede o conhecimento especial médio de milhões de outras pessoas, esquecem um fato muito mais repleto de consequências que revela que o conhecimento mundano deles não representa sequer um décimo do conhecimento mundano total desses milhões que eles desprezam. Todavia, para muitos na intelligentsia, a apropriação que fazem das decisões individuais de milhões é tida como mera transferência de um campo com menos conhecimento para outro em que há mais conhecimento. Aqui se encontra a falácia fatal por trás de muito do que é dito e feito pelos intelectuais, incluindo-se os repetidos fracassos das planificações centralizadoras e outras formas de engenharia social, as quais concentram poder nas mãos em que há menos conhecimento total, mas muito mais presunção, baseando-se na suposição de que possuem um conhecimento médio superior de um tipo especial. Como já observado, havia 24 milhões de preços a serem estabelecidos pelos planejadores centrais na União Soviética[337] uma missão impossível para se executar, caso esses preços possuíssem qualquer relação racional entre si, como reflexo da escassez relativa ou dos custos de bens e serviços, ou dos desejos relativos dos consumidores desses 24 milhões de bens e serviços, comparados entre si. Mas

embora isso se mostrasse uma tarefa esmagadora para a comissão de planejadores centrais, é, todavia, uma tarefa absolutamente administrável nas economias de mercado, operada por milhões de consumidores e produtores individuais, cada um deles acompanhando a quantidade relativamente pequena de preços que são relevantes para suas tomadas de decisão pessoal, com a respectiva coordenação da locação de recursos e distribuição de produtos e serviços na economia sendo feita por meio da competição de preços no mercado para insumos e produtos. Resumindo, os milhões de indivíduos sabem muito mais do que qualquer comissão de planejadores pode possivelmente conceber, mesmo que esses planejadores centrais tenham todos altos títulos acadêmicos e a maior parte das pessoas não tenha. Ignorância credenciada ainda é ignorância. Ironicamente, o grande problema para os intelectuais supostamente sabedores é que eles não têm sequer o conhecimento suficiente para fazer o que se propõem a fazer. Ninguém tem. Mas os intelectuais recebem todo incentivo para afirmar que podem fazer mais do que qualquer outro, e sua educação e a de seus pares são suficientes para fazer essas alegações parecerem viáveis. No entanto, considerando-se um nível de especialização cada vez mais estreito, torna-se cada vez mais improvável que mesmo os acadêmicos mais impressionantes, dentro de determinada especialidade, possam abarcar todos os fatores que compõem um problema prático no mundo real, na medida em que muitos, ou talvez a maioria, desses fatores quase sempre escapam ao domínio de uma única especialidade. As dimensões morais também parecem exercer uma grande atração sobre a intelligentsia. Oportunidades para se fazer moralmente superior diante dos outros, por vezes incluindo toda a sociedade, são ferozmente cobiçadas, seja na oposição às formas mais duras de punição criminal, seja denunciando a destruição de Hiroshima e Nagasaki ou na

insistência em se adotar as determinações da Convenção de Genebra aos terroristas capturados, os quais nem aceitam os termos da convenção nem são por ela referidos. Padrões morais duplos, denunciando os Estados Unidos por ações que são quase por completo ignoradas quando cometidas da mesma maneira ou de forma pior por outros países, são defendidos sob a alegação de que deveríamos ter padrões morais superiores. Dentro dessa lógica, um comentário acidental pode vir a ser tomado como "racista" e provocar mais indignação na mídia dos Estados Unidos do que a decapitação de pessoas inocentes perpetrada por terroristas, os quais divulgam as imagens para públicos sedentos de sangue no Oriente Médio. Raramente existe qualquer grande preocupação, expressa pela intelligentsia, a respeito do efeito cumulativo de tamanha manipulação de informações e de comentários sobre o público em geral ou sobre a população estudantil que recebe uma dieta regular desse tipo de manipulação desde o primário até a vida universitária. O que é chamado de "multiculturalismo" raramente representa um retrato completo dos prós e contras das sociedades do mundo todo. Muito mais comum é a ênfase dada aos aspectos desagradáveis quando se trata de discutir a história e a condição atual dos Estados Unidos ou da Civilização Ocidental, ao mesmo tempo que se minimizam ou mesmo se ignoram os aspectos desagradáveis toda vez que se discute a Índia e outras sociedades não ocidentais. Uma vez que todas as sociedades são desafiadas interna e externamente, distorções que denigram a sociedade têm consequências, incluindo a instauração de um espírito de relutância para defender a própria sociedade contra exigências impraticáveis ou ameaças mortais. Como ficará claro no capítulo 7, isso pode significar uma relutância em responder até mesmo às ameaças militares mais temíveis, por vezes dando a inimigos potenciais, como um Hitler, todo benefício da dúvida até que seja tarde demais.

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O DRAMÁTICO E o dramático? A visão do intelectual ungido se inclina, por si mesma, para decisões dramáticas e categóricas, uma proliferação de "direitos", por exemplo em vez de favorecer o aumento do campo de negociações. Sejam quais forem os benefícios e as perdas para o público em geral, em cada uma dessas abordagens os benefícios para os intelectuais são mais proveitosos nas tomadas de decisão categóricas - aquelas que anunciam de forma alarmante e dramática sua sublime visão -, ao passo que as meras negociações reduzem as questões a enfadonhos processos minuciosos de discussão, e tudo isso é feito num plano de igualdade moral entre os adversários, ou seja, uma tremenda heresia na visão do intelectual ungido. Tal favorecimento tendencioso às decisões categóricas produz consequências funestas para a sociedade como um todo. Chega-se a um ponto que não importa mais em qual política você acredita, pois, ao acreditar nela categoricamente, qualquer política pode ser pressionada até se tornar contraproducente. As instituições por meio das quais as decisões são tomadas podem ser cruciais sempre que algumas delas tendam a se tomar categóricas, subordinadas a outras. Instituições políticas, especialmente as instituições legais, inclinam-se a tomar decisões categóricas, ao passo que as famílias e os mercados tendem a decisões que favoreçam as negociações compartilhadas, por causa de uma indisponibilidade em se sacrificar completamente tanto o amor quanto a riqueza. Existem outros motivos que explicam a tendência em direção ao dramático. Vale a pena notar novamente que aqueles que se fazem intelectuais no sentido aqui aplicado não estão lidando fundamentalmente com matemática, ciência, medicina ou engenharia, mas com línguas,

literatura, história ou psicologia. Embora a maior parte da rotina de um médico, ao salvar vidas humanas utilizando métodos médicos comuns, tenha uma reconhecida importância social, a mera recordação de eventos prosaicos não torna a história ou o jornalismo algo interessante, muito menos os torna importantes aos olhos da sociedade ou um caminho profissional pelo qual se conquista distinção, reconhecimento ou influência para o intelectual que transmite essas informações. São momentos e indivíduos excepcionais que tornam a história algo que valha a pena ser lido. No jornalismo, o adágio "Homem mordido por cachorro não é notícia", mas o reverso é, transmite o mesmo ponto. Também na literatura e na psicologia é o tema ou a teoria excepcional que confere importância para o profissional ou para a atividade. Diferentemente, um médico que nunca faz nada que esteja fora da prática da ciência médica recebe, no entanto, reconhecimento e respeito por sua contribuição à saúde e por salvar a vida dos seres humanos. Não há qualquer necessidade de se alegar originalidade ou superioridade para outros médicos a fim de receber tanto as recompensas materiais quanto as morais da profissão. Todavia, na maioria dos campos em que a intelligentsia atua, esse reconhecimento automático não existe. Apenas o novo, o excepcional ou o dramático coloca o profissional ou o campo no mapa em relação a um reconhecimento público. Na verdade, mesmo dentro desses campos, um domínio completo do assunto pode significar pouco na carreira do mundo acadêmico, sem necessariamente haver uma contribuição pessoal para o desenvolvimento do campo. Daí o imperativo entre os acadêmicos: "publique ou pereça". No processo de gestação dos intelectuais, tanto os incentivos à hostilidade crítica quanto os incentivos para que continuem a mostrar sua natureza excepcional contribuem para a constituição de um padrão comportamental resumido na observação de Eric Hoffer: "0

intelectual não sabe atuar em temperatura ambiente".[338] O mundano não pode sustentá-los, como sustenta as pessoas em campos nos quais o mundano implica algo amplamente reconhecido como vital em si mesmo, como na saúde e na produção econômica. Considerando-se o processo que seleciona e recompensa os intelectuais e os incentivos que continuam a receber, é compreensível que a atenção deles seja atraída para coisas excepcionais, as quais demonstram sua natureza excepcional, e se afaste de coisas que, embora mundanas, possam ser vitais para os outros, mas são muito prosaicas para atrair o interesse dos intelectuais. Como observado no capítulo 3, boa parte da intelligentsia mostra pouco ou mesmo nenhum interesse sobre os mecanismos que facilitam ou dificultam a produção econômica, muito embora seja basicamente uma produção mais eficiente que responda pelo declínio da pobreza generalizada com a qual os intelectuais têm se preocupado por séculos. Muito do que é chamado de pobreza nas nações industrializadas de hoje teria sido considerado uma prosperidade inacreditável pela maioria das pessoas nos tempos passados ou em algumas nações contemporâneas do Terceiro Mundo. Mas os intelectuais contemporâneos que mostram pouco interesse em tais coisas ficam, por outro lado, enormemente interessados nas distribuições relativas da riqueza, as quais fluem para os vários segmentos da sociedade, e nas formas e nos meios de redistribuição dessa riqueza, mesmo que historicamente o crescimento da torta econômica, como aconteceu, tenha feito muito mais para reduzir a pobreza do que as mudanças nas porções relativas dos pedaços designados para os diferentes segmentos da população. Mesmo entre sociedades inteiras que foram criadas com o propósito explícito de mudar os tamanhos relativos das fatias de distribuição - os países comunistas-, essas

sociedades fizeram muito menos para reduzir a pobreza do que os países cujas políticas facilitaram a criação de uma torta maior. É difícil, ou mesmo impossível, explicar a disseminada falta de interesse dos intelectuais pela criação de riqueza, os quais ficam eternamente discutindo e lastimando a pobreza, quando, na verdade, o crescimento da quantidade geral de riqueza é o único processo que cura, em larga escala, o problema da pobreza. As soluções mundanas, mesmo em assuntos vitais, não são promovidas pelos incentivos, pelas restrições e pelos hábitos dos intelectuais. Para uma demasiada parte da intelligentsia, a solução para os grandes problemas, como a pobreza, acarreta grande investimento intelectual que ela própria encarna. H. G. Wells, por exemplo, disse que "escapar de uma continuada frustração econômica para um estado de abundância universal e justiça social requer um poderoso esforço intelectual”.[339] De maneira semelhante, criar uma paz duradoura "é uma imensa, pesada, complexa e angustiante tarefa de engenharia mental".[340] A coincidência entre o desafio do mundo real e o desafio intelectual, que Wells e outros se propuseram a tratar como algo quase axiomático, depende de suposições iniciais que formam certa visão social. Suposições opostas desembocam em conclusões não menos opostas, como aquelas de George J. Stigler mencionadas no capítulo 1. "Uma guerra pode arrasar todo um continente ou destruir toda uma geração sem, contudo, levantar novas questões teóricas".[341] Resumindo, mesmo as catástrofes mais graves não se apresentam, necessariamente, como desafios intelectuais. Depois que o governo comunista chinês decidiu, no final do século XX, tornar a economia de seu país crescentemente capitalista, o acentuado índice de crescimento econômico que isso gerou tirou do estado mais

baixo de pobreza, segundo estimativas, um milhão de chineses por mês.[342] Certamente que qualquer um que estivesse genuinamente interessado em reduzir a pobreza não ficaria apenas satisfeito, mas curioso em saber como tamanho benefício pode ser alcançado. Entretanto, praticamente nenhum dos intelectuais que se mostram preocupados com a questão da pobreza esboçou qualquer interesse verdadeiro pela real redução de pobreza, por meio dos mecanismos de mercado, ocorrida na China, na Índia ou em qualquer outro lugar. A coisa não aconteceu nem do jeito que eles previram nem do jeito que ansiavam, portanto sua análise foi descartada, como se jamais tivesse acontecido. Novamente, o que está em jogo são as atitudes e não os princípios. Atitudes que se orientam em políticas e instituições que se baseiam nas visões predominantes entre os intelectuais, em oposição a outras políticas e instituições as quais produziram resultados demonstráveis sem, contudo, refletirem ou sequer considerarem as visões dos intelectuais. Jornalistas e outros formadores de opinião que escrevem para o público em geral encontram incentivos adicionais e poucas restrições para explicarem o mundo em termos que tanto seu público quanto principalmente eles mesmos consideram emocionalmente satisfatórios. Muitas questões são mal concebidas, não porque sejam muito complexas para as pessoas entenderem, mas porque uma explicação mundana é muito menos satisfatória emocionalmente do que uma explicação que produz vilões para se odiar e heróis para se exaltar. De fato, a explicação emocionalmente satisfatória pode ser geralmente mais complexa do que uma explicação mundana que está mais em consonância com a verificação dos fatos. Isso é especialmente válido em relação às teorias conspiratórias.

Talvez o exemplo clássico de uma preferência disseminada por explicações emocionalmente contagiantes tenha sido dado durante a reação da mídia norteamericana, dos políticos e de boa parte do público às mudanças de preço e à falta, na década de 1970, de gasolina. Nenhum desses eventos requeria um nível de sofisticação econômica que ultrapassasse o que é encontrado em qualquer texto introdutório padrão de economia. De fato, não é nem mesmo necessário atingir esse nível de sofisticação a fim de compreender como a oferta e a demanda operam num produto básico como o petróleo, negociado em altíssima escala num mercado mundial gigantesco, sobre o qual até mesmo empresas apelidadas de Big Oil, nos Estados Unidos, têm pouco ou mesmo nenhum controle sobre os preços. Também não é necessária nenhuma inovação nas fronteiras do conhecimento para se entender como o controle de preços sobre o petróleo, durante a década de 1970, provocou escassez de gasolina no mercado, uma vez que controles de preço tinham gerado escassez de muitos outros incontáveis produtos em países por todo o mundo, tanto nas sociedades modernas quanto no Império Romano ou na antiga Babilônia.[343] Nenhuma dessas explicações mundanas, todavia, provou ser tão atraente ou dominante na mídia e na política quanto a "ganância" das companhias de petróleo. Ao longo dos anos, numerosos executivos de companhias petrolíferas norte-americanas foram convocados diante de comissões do Congresso para ser denunciados em rede nacional de televisão pelos preços da gasolina, pela escassez ou por qualquer coisa que representasse a questão do momento. Os políticos que proclamavam em alto e bom som sua determinação em "chegar ao fundo da questão" deram origem a numerosas investigações federais sobre as companhias de petróleo, acompanhadas de manchetes

garrafais nos jornais e declarações igualmente dramáticas na televisão. Posteriormente, as frustrantes conclusões posteriores sobre as investigações apareceram tipicamente em pequenos artigos enterrados nos cantos dos jornais, ou de uma forma igualmente velada nos programas de televisão, ou nem sequer apareceram. Com a catarse emocional agora terminada, as conclusões mundanas que confirmavam que nenhuma evidência de conluio ou de controle de mercado fora encontrada não eram consideradas mais, contudo, notícia. Embora os intelectuais existam, em primeiro lugar, porque supostamente pensem melhor ou porque têm posse de mais conhecimento do que as pessoas comuns, na realidade a superioridade mental deles é limitada a uma faixa estreita dentro do vasto espectro das capacidades humanas. Os intelectuais são geralmente extraordinários dentro de suas especialidades, da mesma forma que são os grandes jogadores de xadrez, os prodígios musicais e muitos outros. A diferença é que essas outras pessoas excepcionais raramente imaginam que seus extraordinários talentos em uma atividade em particular lhes dão a autoridade para julgar, pontificar ou direcionar toda a sociedade. Muitas pessoas, ao longo dos anos, têm acusado os intelectuais de não terem senso comum. Mas é esperar demais querer que a maioria dos intelectuais tenha senso comum, uma vez que todo o papel da vida deles se baseia no fato de se verem como incomuns, ou seja, em dizer coisas que são diferentes do que todo o resto está dizendo. No entanto, qualquer pessoa pode pretender ser original. Além de determinado ponto, ser incomum significa se lançar em excentricidades sem sentido ou usar de expedientes astutos para chocar ou ridicularizar. Politicamente, pode significar a busca por "soluções" ideologicamente dramáticas, em vez de buscar negociações prudentes. Não apenas os movimentos comunistas, mas também os

movimentos nazistas e fascistas exerciam um apelo todo especial para os intelectuais, como observou o historiador Paul Johnson: O flerte e o envolvimento dos intelectuais com a violência ocorrem com demasiada frequência para serem desconsiderados como mera abstração. Em geral, tomam a forma de admiração pelos "homens de ação", os quais se valem de meios violentos. Mussolini tinha um número impressionante de seguidores intelectuais, e não eram somente compostos por italianos. Em sua ascensão ao poder, Hitler fazia consistentemente mais sucesso no campus universitário; seu apelo eleitoral para os estudantes regularmente superava seu desempenho diante da população como um todo. Ele sempre se saía muito bem diante de professores escolares e universitários. Muitos intelectuais foram atraídos para os escalões mais altos do partido nazista e participaram dos excessos mais grotescos das SS. Os quatro - Einsatzgruppen - batalhões móveis de exterminação que formaram a ponta de lança para a "solução final" de Hitler na Europa do Leste, tinham, em geral, um alto contingente de universitários graduados entre seus oficiais. Otto Ohlendorf, que comandava o batalhão "D", por exemplo, tinha graduação em três universidades e um doutorado em jurisprudência. Da mesma forma, Stalin também tinha legiões de intelectuais que o admiravam em sua época, assim como aconteceu com outros homens de violência no pós-guerra, como Castro, Nasser e Mao Tse-Tung. [344]

Mais tarde, tivemos muito da mesma história ocorrendo nos infames campos de matança do Camboja: Os crimes hediondos cometidos no Camboja de abril de 1975 em diante, os quais acarretaram a morte de algo em torno de um quinto e um terço da população daquele país, foram organizados por um grupo de intelectuais francófonos de classe média, conhecidos como Angka Leu (a Organização Superior). Dentre seus líderes, cinco eram professores escolares, um era professor universitário, um era funcionário público e o outro era economista.[345] A afirmação de Eric Hoffer de que os intelectuais "não conseguem atuar em temperatura ambiente"[346] tem muitos outros exemplos que a confirmam. Não importa quão dramática ou atraente uma visão particular pareça, o fato é que todos nós somos obrigados, fundamentalmente, a viver no mundo da realidade. Quando a realidade é manipulada para se encaixar numa visão particular, essa informação manipulada se torna um instrumento inapropriado para tomar decisões numa realidade que não perdoa nossas fantasias; por isso, devemos todos nos ajustar à realidade, pois ela não se ajustará a nós. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 6

OS INTELECTUAIS E A JUSTIÇA

Embora a ciência tenha condição de evoluir linearmente, o mesmo não vale para a justiça, na qual os mesmos insigts e erros estão sempre à espreita. RICHARD A. EPSTEIN[347]

A justiça é uma das muitas arenas dentro da qual o conflito ideológico é deflagrado. Assim como a economia de livre mercado estabelece severos limites ao papel desempenhado pela visão dos intelectuais, da mesma forma acontece quando se tem um estrito comprometimento com o império da lei, especialmente ao se tratar de legislação constitucional. Todavia, para aqueles cuja visão confere à elite culta o papel de tomadores de decisão terceirizados e coletivistas, a justiça precisa sofrer severas alterações a fim de se conformar a um novo padrão um tanto quanto diferente do padrão existente adotado pelos que favorecem o peso muito maior do conhecimento distribuído entre milhões de pessoas, de cuja vastidão nenhum indivíduo abarca sequer uma fração. Se a justiça se subordinar ao conhecimento, à sabedoria e às virtudes de tomadores de decisão terceirizados, então é fácil conceber que essas pessoas elaborarão leis que serão "justas", "caridosas" ou tomadas de um forte senso de "justiça social". Mas uma vez que esses termos são todos indefinidos e completamente maleáveis nas mãos dos que detêm domínio retórico, tal conceito sobre o funcionamento da justiça torna-se absolutamente incompatível com o tipo de justiça desejada

por todos que querem que ela forneça uma estrutura de leis confiáveis, dentro da qual decisões independentes possam ser tomadas por milhões de pessoas, as quais ajustam constantemente suas negociações em sociedade. Não pode haver qualquer estrutura judiciária confiável toda vez que juízes forem livres o suficiente para impor, como lei, suas próprias noções individuais sobre o que é justo, caridoso ou está mais de acordo com a justiça social. Sejam quais forem os méritos ou os deméritos das concepções particulares de alguns juízes em relação a esses termos, não é possível que eles sejam conhecidos antes por terceiros, nem que se apresentem de modo uniforme entre os juízes e, portanto, não se configuram como lei no sentido completo do termo, como um conjunto de regras que são previamente conhecidas por todos aqueles que estão sujeitos a elas. A Constituição dos Estados Unidos proíbe explicitamente leis ex post facto, de maneira que os cidadãos não podem ser punidos ou responsabilizados por ações que não eram consideradas ilegais quando ocorreram. Porém, juízes que tomam decisões com base em concepções próprias sobre o que é correto, caridoso ou está alinhado às diretrizes de justiça social estão realmente criando leis depois do fato, as quais são, antes de tudo, desconhecidas aos que se tornam sujeitos a ela. Aqui, como em muitas outras situações, o erro fatal dá-se com o ingresso para além do campo que se domina. Apesar de os juízes terem conhecimento e habilidades especializadas para determinar em que ponto a lei limita a liberdade de ação do indivíduo, isso é completamente diferente de termos juízes dando palpites sobre como indivíduos legalmente responsáveis devem exercer a liberdade de ação que lhes é devida dentro dos limites da lei. Os indivíduos podem, por exemplo, escolher contrair as responsabilidades do matrimônio ou apenas se juntar, sem contraí-las. Mas juízes que premiam o recebimento de uma "pensão" a um dos parceiros depois de um rompimento,

acabam, de fato, forçando retroativamente as responsabilidades do casamento sobre pessoas que resolveram evitá-las quando decidiram viver juntas sem contraírem as responsabilidades dessa conhecidíssima instituição. Em cada um dos casos, as consequências podem se espalhar para muito além dos casos ou das questões particulares. A crescente penumbra de incertezas que se cria em torno de todas as leis sempre que os juízes se entregam às suas próprias noções, encoraja a criação de crescentes litígios por parte daqueles que não teriam um caso real válido sob a lei escrita, mas que podem, contudo, se tornar capazes de extorquir concessões dos que eles processam, os quais, por sua vez, nem sempre estão dispostos a arriscar uma engenhosa interpretação da lei, dada por determinado juiz. ◆ ◆ ◆

MUDANDO A JUSTIÇA Certamente, as leis devem mudar na medida em que as condições na sociedade mudam. No entanto, existe uma diferença fundamental entre leis que mudam em função do eleitorado, o qual decide votar em representantes que promulgarão nova legislação que se tornará lei, não antes de ser anunciada previamente, e leis alteradas individualmente por juízes que informam de imediato àqueles que se colocam diante deles no tribunal como sua nova interpretação sobre as leis será aplicada à vida deles. A famosa declaração do juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes, "A vida da justiça não se assenta na lógica, mas na experiência",[348] foi mais que uma mera avaliação histórica, pois faz parte de uma filosofia judiciária. Em um de seus pareceres como membro da Suprema Corte ele disse:

A tradição e os hábitos da comunidade contam mais do que a lógica (...) o reclamante deve esperar até que ocorra uma mudança de hábitos ou, ao menos, um consenso estabelecido de opinião civilizada antes que possa ser esperado que esse tribunal derrube as regras que os legisladores e a corte de seu próprio estado apoiam.[349] Embora se valesse da experiência acumulada das gerações, expressas nas leis, contra as elucubrações dos intelectuais, Holmes nunca negou o valor que alguns "grandes intelectos" tiveram para o desenvolvimento da justiça, embora ressaltasse que, mesmo "entre os maiores", "são quase que superficiais diante da totalidade das experiências".[350] Mas se a evolução sistêmica da justiça, como concebida por Holmes, trata-se menos de uma questão de intelecto e muito mais de sabedoria, uma sabedoria que é destilada da experiência acumulada de gerações inteiras, em vez de se embasar no brilhantismo ou nas presunções de uma elite intelectual, então aqueles intelectuais que buscam mais do que um papel "superficial" têm poucas opções além de criar um tipo bem diferente de justiça, um que seja mais apropriado aos seus dotes e às suas aspirações particulares. De fato, essa tem sido, por mais de dois séculos, a mola mestra dos que compartilham a visão do intelectual ungido. No século XVIII, o marquês de Condorcet concebeu uma visão sobre a justiça que é oposta àquela entendida por Holmes, porém consonante com a visão da intelligentsia do século XX: As leis são mais bem formuladas e se tornam menos o produto vago da circunstância e do

capricho se criadas por homens de saber, ainda que não por filósofos.[351] Durante a segunda metade do século XX, a visão sobre a justiça como algo a ser deliberadamente moldado segundo o espírito dos tempos, da forma como ele é interpretado pelas elites intelectuais, tornou-se muito comum entre juízes e nas principais escolas de direito. O professor Ronald Dworkin, da Universidade de Oxford, condensou essa abordagem quando descartou a evolução sistêmica do direito como uma "crença tola"[352] baseada no "caótico e no desordenado andamento da história".[353] Ao fazer isso, o professor iguala os processos sistêmicos ao caos, da mesma forma que fazem aqueles que promovem o estabelecimento de um planejamento econômico centralizado, em vez de confiarem nas interações sistêmicas dos mercados. Em ambos os casos, a preferência é pela imposição da visão da elite, passando por cima, se necessário, das visões que abarcam e integram o conjunto da sociedade, mas como o professor Dworkin também disse, "uma sociedade mais igual é uma sociedade melhor, mesmo quando seus cidadãos preferem a desigualdade". [354]

Portanto, exercendo franca desigualdade política, essa visão procura impor igualdade social e econômica, o que permite que uma elite se sobreponha aos interesses gerais da população. Embora a alegação do professor Dworkin pareça pouco provável ao dizer que a maioria das pessoas realmente prefere a desigualdade, o que elas provavelmente preferem, no entanto, é a liberdade que os processos sistêmicos conferem, em vez de diretrizes ditadas por uma elite centralizadora, mesmo quando esses processos sistêmicos acarretam certa quantidade de desigualdade econômica.

As leis, em seu sentido completo de regras conhecidas previamente e aplicadas da forma como estão escritas, constituem-se em grandes restrições para as tomadas de decisão coletivistas favorecidas pela intelligentsia, em especial quando se trata de leis constitucionais, as quais não podem ser alteradas de pronto pela maioria do momento. Os que adotam a visão do intelectual ungido costumam se exasperar diante de tais restrições e usam seus talentos, incluindo artifícios retóricos, a fim de afrouxar as restrições das leis sobre os agentes governamentais. O que vale dizer que eles se esforçam por esvaziar as leis de sua identidade jurídica, subordinando-as às tomadas de decisão arbitrárias fortalecidas pelas elites. De fato, essa já é, há muito tempo, a direção tomada pelos intelectuais, os quais promovem tomadas de decisão coletivistas feitas por membros da elite, ao mesmo tempo que se formam agentes governamentais que buscam áreas de atuação cada vez mais largas para o exercício de seus poderes. ◆ ◆ ◆

A CONSTITUIÇÃO E OS TRIBUNAIS Intelectuais e juízes, tomados individualmente, podem vir a conceber inúmeras e distintas formas de interpretar a Constituição. Todavia, existem certos padrões e certas normas que podem ser trilhados segundo períodos particulares da história. A era progressista, no início do século XX, testemunhou o começo de um padrão que se tornaria dominante, primeiramente entre os intelectuais e depois nos próprios tribunais. Essas ideias da era progressista não foram promovidas somente por acadêmicos ligados ao direito, como Roscoe Pound e Louis Brandeis, mas também pelos dois únicos presidentes dos Estados Unidos que foram, mesmo que por poucos anos,

intelectuais, no sentido que atribuímos ao termo, de pessoas que ganham a vida a partir de seu trabalho intelectual. Falo de Theodore Roosevelt e de Woodrow Wilson. Theodore Roosevelt, ao se referir às suas políticas como presidente em suas memórias, inclui "minha insistência na teoria de que o poder executivo se encontra limitado apenas por restrições e proibições específicas as quais aparecem na Constituição ou são impostas pelo Congresso em posse de seus poderes [355] constitucionais". Essa visão ignora levianamente o que está escrito na 10a Emenda Constitucional, na qual o governo federal pode exercer apenas aqueles poderes conferidos a ele em particular pela Constituição, com todos os outros poderes ficando ou nas mãos dos estados ou das próprias pessoas. Theodore Roosevelt virou a 10a Emenda de pontacabeça, entendendo que todos aqueles poderes que não haviam sido especificamente proibidos ao presidente eram de seu uso. Tampouco suas palavras eram meramente teóricas. Quando Roosevelt autorizou tropas a cercarem uma mina de carvão durante uma greve, ele disse ao general encarregado: "Eu lhe ordeno a não dar ouvidos a nenhuma outra autoridade, nenhuma atenção a qualquer ordem judicial ou a qualquer outra coisa a não ser meus comandos". Nesse caso, ele tampouco estava disposto a escutar um congressista de seu próprio partido, o qual questionara a constitucionalidade das ações do presidente: "Exasperado, Roosevelt agarrou Watson pelo ombro e berrou: 'A Constituição foi feita para o povo e não o povo para a Constituição'".[356] Agindo dessa forma, Theodore Roosevelt, de forma retórica, transformou a si mesmo em "povo", assim como transformou a Constituição num documento opcional ou de mera consulta, desafiando por completo o exato propósito

da Constituição como tal, ou seja, a forma legal por excelência de se impor limites aos poderes governamentais e a seus agentes. Woodrow Wilson foi outro presidente intelectual no sentido aqui definido. Ele se comportava, contudo, de forma menos dramática, mas se mostrava igualmente impaciente em relação às restrições determinadas pela Constituição. Ele introduziu um tema que sobreviveria em muito a sua presidência ao escrever, quando ainda acadêmico em Princeton, sobre os "simples dias de 1787", data em que a Constituição foi adotada, dizendo: "Cada geração de estadistas olha para a Suprema Corte a fim de que ela forneça a interpretação que servirá às necessidades de cada época ".[357] "Os tribunais são o fórum do povo", ele insistia, escolhendo uma instância diferente do governo para substituir o papel e as decisões das pessoas. Da mesma forma que Theodore Roosevelt, ele transformava a Constituição num mero documento de consulta, relegando aos fóruns o papel de determinar "a adequação da Constituição em relação às necessidades e aos interesses da nação", como a "consciência" da nação nos assuntos jurídicos. Assim, Woodrow Wilson esperava que os tribunais se constituíssem em instâncias criadoras de políticas jurídicas, em vez de se apresentarem apenas como instâncias judiciárias que aplicam e vigiam leis criadas por terceiros. Que juízes federais vitalícios não eleitos sejam chamados de "fórum do povo" é apenas mais um exemplo de manipulação retórica, transformando uma instituição especificamente isolada e protegida numa suposta encarnação dos desejos e das opiniões populares. Se os tribunais "interpretarem a Constituição literalmente, como alguns propuseram", Wilson disse, isso tornaria o documento em "camisa de força”[358]. Wilson ainda usava outro argumento que no século seguinte seria repetido por muitos outros, a saber, o papel da "mudança"

em geral e da mudança tecnológica em particular. "Quando a Constituição foi elaborada não havia sistema rodoviário, telégrafos, muito menos telefones",[359] ele dizia, já antecipando muitos outros que usaram o mesmo argumento por gerações citando aviões, computadores e outras maravilhas tecnológicas. Wilson não fez qualquer tentativa para explicar como essas e outras mudanças exigiam, especificamente, que os tribunais buscassem novas e distintas interpretações da Constituição. Pode-se levantar uma longa lista de decisões controversas e marcantes feitas pela Suprema Corte, desde o caso Marbury versus Madison até o caso Roe versus Wade, e encontraremos poucos casos, se algum, nos quais a mudança tecnológica fez alguma diferença. Aborto,[360] práticas religiosas nas escolas,[361] prisão de criminosos,[362] segregação racial,[363] pena capital,[364] exposição a símbolos religiosos em repartições públicas[365] e diferenças representativas nas eleições[366] eram todas questões absolutamente familiares àqueles que escreveram a Constituição. Apóstrofos melodramáticos sublinhando as "mudanças" representam o triunfo da retórica, mas têm, raras vezes, qualquer relevância nos assuntos reais em questão. Em sua forma genérica, "mudança" é um dos fatos mais indiscutíveis da vida para todas as pessoas e seus respectivos alinhamentos ideológicos. Nem mesmo há qualquer questão sobre se as leis, incluindo-se por vezes a Constituição, precisam ser mudadas. Na verdade, a própria Constituição reconheceu uma necessidade por tais mudanças, estabelecendo um mecanismo que permite a criação de novas emendas. Contudo, há uma questão central que é resolutamente ignorada em toda retórica e em todo debate envolvendo "mudanças" nos poderes decisórios, que é: Quem vai decidir?

Afinal de contas, temos corpos legislativos e uma instância executiva de governo, para não falar de toda uma galáxia de instituições privadas disponíveis, as quais também podem lidar com as mudanças. Ficar apenas repetindo o mantra da "mudança" não oferece qualquer razão que explique por que os juízes, especificamente, devem ser os encarregados de fazer as mudanças. É mais um exemplo de argumentos sem prova, a não ser que a repetição possa ser considerada prova. Por vezes, a "dificuldade" em se mudar as leis e especialmente a dificuldade em se criar emendas constitucionais é invocada como razão para justificar por que os juízes devem se tornar os agentes que aceleram as mudanças. Por exemplo, Herbert Croly, o editor-chefe da revista New Republic, disse, em seu clássico da era progressista, The Promise of American Life, o seguinte: "No final, todo governo popular deveria, depois de uma deliberação necessariamente estudada, consolidar o poder para ser capaz de tomar qualquer ação necessária, sempre que o bem-estar público está em jogo, segundo a maioria da população". Ele completou: "Isso não é possível com um governo subordinado ao controle da Constituição Federal". [367] Ele deplorava o que chamava de "a imutabilidade da Constituição"[368] Muitos outros, depois dele, avançaram na tese sobre a dificuldade de se criar emendas constitucionais. Mas dificuldade não é algo que seja determinado pela frequência. Se as pessoas não querem uma coisa em particular, mesmo que a intelligentsia a considere desejável ou até imperativa, isso não é uma dificuldade. Isso é democracia. Se as emendas constitucionais não são muito comuns, isso, em si mesmo, não se apresenta como evidência sobre a dificuldade em se emendar a Constituição. Não há qualquer dificuldade em se levantar de manhã e calçar um sapato vermelho e outro verde, mas isso não acontece com

muita frequência porque as pessoas simplesmente não querem que aconteça. Quando elas quiseram, a Constituição recebeu emendas por quatro vezes em oito anos, de 1913 até 1920. Recuando até 1908, Roscoe Pound, que posteriormente se tornou reitor da Faculdade de Direito de Harvard, referia-se à situação almejável de "uma Constituição viva sob o regime da interpretação judicial". [369] Ele clamava por um "despertar de ativismo jurídico", apelando ao "jurista sociológico" e declarando que a justiça "deve ser julgada pelos resultados que alcança".[370] O que ele chamava de "jurisprudência mecânica" era condenado por "seu fracasso em responder às necessidades vitais da vida presente", pois nesse caso a justiça "se transforma num corpo rígido de regras ", que "é a condição contra a qual os sociólogos protestam, e protestam com justeza",[371] ele dizia. Embora Pound retratasse um "abismo existente entre o pensamento legal e o popular" como motivo para o alinhamento do primeiro com o último, a fim de se criar um sistema legal que "esteja moldado ao senso moral da comunidade", essa noção aparentemente populista se tornou mero cenário retórico na medida em que ele colocava a justiça "nas mãos de uma casta progressista e esclarecida cujas concepções estão na vanguarda e cuja liderança alça o pensamento popular a níveis superiores". [372]

Portanto, Roscoe Pound defendia que a elite ungida alterasse a natureza das leis para conformá-las com as "necessidades vitais da vida presente",[373] embora isso estivesse em desacordo com o público na "vanguarda" em suas palavras, ou seja, as leis e a justiça estariam  servindo a um suposto "senso moral". As leis, segundo Pound, deveriam também refletir o que ele, sem definir, repetidamente chamava de "justiça social".[374] Com Pound e também com Woodrow Wilson, o que o público realmente

queria era desviado, dissipado no cenário, a não ser quando servia para fomentar uma mobilização por "mudança ". Pound lamentava que "ainda ficamos remoendo o assunto sobre a sacralidade da propriedade diante da lei" e de forma aprovadora citava "o progresso da lei que superava o antigo individualismo", o qual "não se confina aos direitos de propriedade".[375] Dessa forma, em 1907 e 1908 Roscoe Pound estabeleceu os princípios do ativismo judicial, ultrapassando a mera interpretação das leis para buscar a implantação de políticas sociais. Tal abordagem se tornaria dominante cem anos mais tarde. Ele chegou a antecipar a prática posterior de se referir às leis estrangeiras como justificativa para decisões judiciais envolvendo a justiça norte-americana,[376] um processo que afasta as decisões judiciais para mais longe ainda da legislação que supostamente elas deveriam interpretar, para longe do controle dos cidadãos, os quais estão sujeitos a essas decisões, assim como para bem longe da Constituição dos Estados Unidos. De uma forma semelhante, Louis Brandeis falava de "mudanças revolucionárias" na sociedade, para as quais os tribunais tinham se tornado "grandemente surdos e cegos", incluindo a necessidade de criar meios para que os governos estaduais pudessem "corrigir os males do desemprego causado pela tecnologia e pelo aumento da capacidade produtiva”[377] O que habilitaria juízes a se aventurarem tão além de suas competências jurídicas a fim de implantarem políticas socioeconômicas não era, contudo, especificado. Num artigo intitulado "The Living Law" [A Lei Viva], Brandeis reforçava que houvera "uma mudança em nosso desejo de justiça, de justiça legal para social".[378] Porém, quem, afinal de contas, desejava tal mudança, Brandeis nunca nos esclareceu, embora seus elogios a Roscoe Pound e a outros teóricos da justiça e juízes indiquem que esse era o desejo das elites intelectuais, as

quais ansiavam pela ampliação da esfera de sua influência de poder decisório usando os tribunais como meio. Brandeis, ass:m como Pound, citava teorias e práticas estrangeiras no campo do direito como razão para justificar o motivo pelo qual os juízes norte-americanos deveriam seguir o mesmo caminho. Também citava a "ciência social" e seus questionamentos "levantando a questão sobre se o roubo não era, talvez, culpa da comunidade tanto quanto seria do indivíduo".[379] Assim como Pound, Brandeis apontava que os tribunais "continuavam a ignorar as necessidades sociais que surgiam nos novos tempos" e, "tomados de complacência", continuavam a aplicar noções obsoletas como "a sacralidade da propriedade privada".[380] Como muitos outros de sua época e de tempos posteriores, Brandeis tratava os direitos de propriedade como privilégios especiais para uns poucos afortunados, em vez de um limite para o poder dos políticos. O ponto culminante da concepção progressista sobre os direitos de propriedade veio em 2005, quando a Suprema Corte, no caso Kelo versus New London, decretou que políticos poderiam se apoderar da propriedade privada, tipicamente as casas e os negócios da classe trabalhadora e da classe média, e redirecioná-la para terceiros, tipicamente incorporadores que construiriam para o mercado de alto padrão, o qual aumenta a arrecadação dos cofres controlados pelos políticos. Novamente, assim como Pound, Brandeis notava algumas tendências em direção à "maior apreciação por parte dos tribunais às necessidades sociais existentes".[381] Por que os juízes eram habilitados a se transformarem em árbitros das "necessidades sociais" não era explicado, ou seja, a questão mais genérica envolvendo as próprias elites, as quais ultrapassam as fronteiras de sua competência profissional, não era levantada. Brandeis também invocava

a "justiça social",[382] sem, contudo, defini-la, assim como Pound fizera antes dele e outros inúmeros ativistas fariam depois. Ele também justificava o tipo de justiça que ansiava ilustrando com um exemplo de Montenegro, uma justiça que "expressasse a vontade popular",[383] embora no sistema de governo norte-americano a vontade popular seja expressa por meio de agentes eleitos, em vez de operar por meio de juízes não eleitos. Isso é tão óbvio que se torna difícil entender por que a vontade popular nem sequer é invocada, a não ser como recurso retórico para mascarar golpes judiciais. A maior parte dos tribunais da era progressista rejeitava os argumentos feitos por Roscoe Pound e Louis Brandeis. A mais notória das rejeições veio no caso Lochner versus New York, de 1905, que decidiu em favor da proibição constitucional para que o governo não mudasse os termos dos contratos privados. Mas com o passar dos tempos os tribunais foram invadidos por um volume crescente de doutrinas legais da era progressista, afetando inclusive a Suprema Corte para a qual Brandeis foi designado. Os tribunais não subverteram somente o caso Lochner, mas também outros precedentes constitucionais. Ao se tomar reitor da mais prestigiada faculdade de direito do país, em Harvard, Roscoe Pound também encabeçou uma virada no pensamento jurídico dos Estados Unidos. Assim como ocorre em muitas outras questões, os intelectuais tendem a desconsiderar, em vez de responder, às objeções feitas por aqueles com pontos de vista opostos aos seus. John Dewey, por exemplo, referia-se a uma "adoração sentimental e verbal pela Constituição",[384] mais uma vez reduzindo o valor das ideias contrárias às suas, tidas como meras emoções, retirando-se, portanto, a necessidade de fornecer uma contra-argumentação substantiva.

Embora existam muitas controvérsias de natureza judicial sobre questões particulares, a controvérsia mais fundamental a rondar esse campo é a que versa sobre quem deve controlar as leis e quem deve alterá-las. Os intelectuais norte-americanos favorecem, desde pelo menos a metade do século XX e de forma esmagadora, a expansão do papel dos juízes, que, segundo eles, devem ultrapassar o âmbito de aplicar as leis criadas por terceiros, refazendo-as para que "estejam apropriadas com os novos tempos", o que vale dizer subordinando a justiça aos interesses da visão predominante da época em questão, a visão do intelectual ungido. Sempre que a Constituição dos Estados Unidos se apresenta como barreira para o pleno exercício da função expandida dos juízes eles são exortados a "interpretar" a Constituição, entendida como mero conjunto de valores a ser aplicado da forma que os juízes julgarem mais conveniente, atualizando-a sempre que acharem necessário. Nesse caso, a Constituição não é vista como um conjunto de instruções específicas a ser seguido, e é exatamente isso que significa "ativismo judicial", embora a manipulação retórica tenha conseguido confundir esse sentido com outros. ◆ ◆ ◆

ATIVISMO JUDICIAL Os que defendem um ampliado raio de ação para as "interpretações" dos juízes a fim de se adequarem às supostas necessidades ou ao "espírito" da época, em vez de se manterem presos ao significado estrito da lei quando promulgada, parecem, implicitamente, supor que os juízes ativistas inclinarão o sentido das leis na direção favorecida por seus defensores, ou seja, orientarão a justiça na direção da visão do intelectual ungido. Mas o ativismo judicial é,

contudo, um cheque em branco no qual se pode explorar qualquer direção, em qualquer questão, dependendo das predileções de cada juiz em particular. Embora o presidente do Supremo, Earl Warren, tenha feito um uso ampliado das interpretações a fim de banir a segregação racial nas escolas públicas em 1954, quase exatamente um século antes desse acontecimento o presidente do Supremo, Roger Taney, também fizera uso ampliado das interpretações para dizer, no caso Dred Scott, que um homem negro "não tinha os mesmos direitos aos quais um homem branco estava ligado".[385] Foram os dissidentes daquele caso que insistiram em que se seguisse a lei conforme fora escrita e conforme os precedentes legais, mostrando que negros livres haviam exercido direitos legalmente reconhecidos, em várias partes do país, antes e depois da adoção da Constituição.[386] Os intelectuais tanto da era progressista quanto de tempos posteriores podem ter lido corretamente as tendências de sua época, para que o ativismo judicial movesse a justiça em direção aos objetivos e aos valores dos intelectuais. Porém, isso não é nem inerente nem inevitável. Se o princípio da livre condução judicial e da livre elaboração das leis se torna estabelecido e aceito, abarcando todo o espectro ideológico, então o balanço do pêndulo ideológico, no transcorrer do tempo, pode detonar uma guerra judicial de cada um contra todos, na qual o conceito fundamental de justiça pela lei é, em si mesmo, solapado juntamente da disposição das pessoas para se prenderem aos ditames arbitrários dos juízes. Enquanto isso, tomados pelo sofisma dos "resultados", os juízes acabam ridicularizando o próprio conceito de justiça sob o regime da lei, incluindo a Constituição dos Estados Unidos. Um caso clássico de sofística judicial a serviço de "resultados" sociais desejados'' foi o de 1942, Wickard versus Filburn, o qual estabeleceu um precedente e uma

lógica que se estenderam para muito além das questões do caso em particular. Sob a validade da Lei de Ajuste Agrícola, de 1938, o governo federal tinha o poder de controlar a produção e a distribuição de muitos produtos agrícolas. A justificação legal vinha da autoridade do Congresso em regular o comércio interestadual, como exposto na Constituição. Ainda assim, a lei foi aplicada a um fazendeiro de Ohio que plantava o que a Suprema Corte caracterizou como "uma pequena produção de trigo"[387] para seu consumo e para o de seus animais de criação. Esse fazendeiro plantou algo em torno de 12 acres a mais do que o Departamento de Agricultura permitia, mas ele desafiou a autoridade federal a fim de que ela dissesse o que ele deveria plantar em sua fazenda, uma vez que aquele produto não participava do comércio interestadual ou mesmo do próprio estado. A Suprema Corte determinou que a autoridade federal se impunha sobre "toda aquela produção que não fora determinada para o comércio, mas completamente destinada para o consumo na fazenda".[388] A fundamentação da Suprema Corte foi a seguinte: Um dos propósitos fundamentais da lei em questão foi o de expandir o preço de mercado do trigo e, para esse fim, limitar o volume excedente que poderia, dessa forma, afetar o mercado. É quase impossível negar que um fator que compreende tamanho volume e variação, como o trigo destinado para consumo doméstico, acabe afetando substancialmente as condições de preço e de mercado. Isso pode acontecer porque, estando pronto para entrar no mercado, esse trigo se projeta sobre ele e, caso seja induzido por uma alta de preços, tende a entrar no mercado e equilibrar o aumento nos preços. Mas caso,

suponhamos, nunca entre no mercado, ele será direcionado para o consumo interno do agricultor que o produz, o qual, de outra forma, recorreria ao mercado para satisfação de seu consumo interno. Portanto, nesse sentido, o trigo produzido para uso doméstico acaba competindo com o trigo comercializado no mercado.[389] Dessa forma, todo o trigo que não era de forma alguma comercializado também ficou sujeito ao controle federal, dentro da cláusula que regulamenta o comércio interestadual na Constituição. Sob tamanha flexibilidade da autoridade da lei, praticamente qualquer coisa poderia ser denominada como "comércio interestadual", o que, de fato, acabou se tornando uma frase mágica para justificar qualquer expansão do poder federal ao longo dos anos, dentro de um espírito contrário ao da 103 Emenda, a qual limita a autoridade federal. Em 1995, houve certa consternação em alguns lugares quando a Suprema Corte votou em 5 a 4 o caso U.S. versus Lopez, determinando que portar uma arma perto de uma escola não caracterizava "comércio interestadual", de forma que o Congresso não tinha autoridade para banir tal prática. O que tornou a votação tão apertada e o resultado surpreendente foi o fato de ele rejeitar a artimanha amplamente praticada dos tribunais em expandir o significado do termo "comércio interestadual", a fim de dar cobertura e regulamentar quase tudo que o Congresso decida controlar. Ativistas judiciais não apenas regulamentam excessivamente, mas podem também ir em direção contrária. Um exemplo clássico disso foi o caso United Steelworkers of America versus Weber. A seção 703(a) da lei dos Direitos Civis de 1964 tornava ilegal que um empregador "discriminasse qualquer indivíduo em relação a suas compensações, seus termos, suas condições ou seus

privilégios empregatícios em função de raça" ou outras várias características. A seção 703(d) proibia mais especificamente tal discriminação em "qualquer programa oferecido no intuito de fornecer aprendizado e treinamento". No entanto, um empregado branco, chamado Brian F. Weber, não recebeu autorização para participar de um programa de treinamento cuj as vagas haviam sido estabelecidas pelo critério de idade, muito embora empregados negros mais jovens tivessem sido admitidos, uma vez que listas de idade por raça e quotas raciais haviam sido estabelecidas em separado. Que a situação realmente feria o sentido básico da lei não foi explicitamente negado no parecer da Suprema Corte, escrito pelo juiz William J. Brennan. Contudo, o juiz Brennan rejeitou "uma interpretação literal" da lei dos Direitos Civis, preferindo buscar o "espírito" da lei na preocupação fundamental do Congresso que foi "amparar a miséria do negro em nossa economia".[390] Uma vez que o suposto propósito fundamental da lei não foi para proteger os brancos contra discriminação racial, a lei foi tida como não se aplicando a Brian F. Weber, que perdeu o caso. O aparecimento de tal decisão diante da clara disposição da lei que representa justamente o contrário foi comparado às grandes escapadas do ilusionista Houdini, na opinião divergente do juiz William H. Rehnquist.[391] Em todos esses três exemplos - Dred Scott, Wickard v. Filburn e Weber - as decisões refletiram os "resultados" almejados, em vez de a lei escrita. São exemplos clássicos e concretos de ativismo judicial. Infelizmente, o significado da frase vem sendo ofuscado nos últimos anos e, por isso, necessita ser analisado de perto. "Ativismo judicial" é uma expressão idiomática cujo significado não pode ser apreendido pelos termos em separado das duas palavras, da mesma forma que o

significado da exclamação "cachorro-quente!" não pode ser determinado por definições separadas de "cachorro" e "quente". Entretanto, em tempos recentes algumas pessoas tentaram redefinir ativismo judicial em função de quão ativo um juiz tem sido em declarar leis ou ações governamentais como inconstitucionais. Todavia, a Constituição em si apresenta-se como uma limitação aos poderes do Congresso, assim como limita os poderes de outros ramos do governo. Os juízes são ainda vistos como guardas fiéis para invalidar legislações que são contrárias à Constituição, desde o notório caso Marbury versus Madison, em 1803, de forma que a frequência com que desempenham essa tarefa não depende somente deles, mas também da frequência com que terceiros excedem os poderes que lhes são conferidos pela Constituição. O verdadeiro problema do ativismo judicial é sobre a questão que envolve a fundamentação das decisões dos juízes. Pergunta-se, então, se essas decisões se sustentam em leis criadas por outros, incluindo as assembleias constituintes, ou se, ao contrário, são os próprios juízes que embasam suas decisões em suas concepções sobre "as necessidades da época" e de "justiça social" ou em outras considerações que estão além do que está escrito na lei ou nos precedentes legais. Há outra expressão idiomática usada por juízes que se limitam a seguir o que está escrito na lei. Falo do termo conhecido como "autocontenção judicial ", ou seguir a "intenção original" das leis. Aqui, novamente, o significado desses termos não pode ser compreendido nas palavras em separado. Autocontenção judicial significa exercer a justiça de acordo com leis criadas por terceiros, em vez de se basear em avaliações próprias, no caso dos juízes, sobre o que seria melhor para cada uma das partes, num caso em particular ou para a sociedade em geral. Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte, exemplificou essa filosofia legal quando disse que seu papel

como juiz "é verificar se o jogo está sendo jogado segundo as regras, gostando eu delas ou não".[392] Ele também disse: "O critério de constitucionalidade não depende de acreditarmos que a lei é feita para o bem público"[393] Mas na medida em que determinado juiz pratica a autocontenção judicial, ele torna a lei existente o critério supremo na decisão dos casos, o que geralmente implica que tal juiz tem papel ativo em impugnar leis que violam as restrições da Constituição, a qual se apresenta como "a lei suprema da pátria". Portanto, não é o volume de atividade judicial que distingue o ativista judicial do praticante da autocontenção judicial, uma vez que essas são expressões idiomáticas que significam, na verdade, diferentes abordagens sobre o exercício da função do juiz. Juízes que baseiam suas decisões em considerações socioeconômicas, dentre outras, seguindo os passos indicados por Roscoe Pound ou Louis Brandeis, são os verdadeiros ativistas judiciais no sentido original do termo, sem contar se eles declaram muitas ou poucas leis como inconstitucionais. Por exemplo, embora o juiz William O. Douglas tenha sido um ativista judicial clássico, no sentido de só dar ouvidos à Constituição ao legislar em função de suas preferências ideológicas, como no famoso caso Griswold v. Connecticut, em que sentenciou fundamentado em "emanações" provenientes das "penumbras" da Constituição, ele, não obstante, cedia aos legisladores, quando estes promulgavam leis de cunho social liberal, usando uma linguagem cara ao coração dos defensores da autocontenção judicial, dizendo que a corte não deveria ser uma "superlegislatura", mas deveria deixar a política social a cargo do Congresso e dos representantes estaduais.[394] Por outro lado, sempre que as leis existentes expressavam uma política social que para ele era reprovável, o juiz Douglas não hesitava em intervir e

declará-las inconstitucionais, como fez no caso Griswold v. Connecticut, mesmo que ele não dispusesse de nada melhor para fundamentar sua sentença do que as "emanações" que, de alguma forma, ele vislumbrou como provenientes das "penumbras" da Constituição,[395] as quais nem mesmo a mente mais brilhante da área de direito constitucional, dentro ou fora dos tribunais e da Corte, jamais constatara. O momento máximo do ativismo judicial deu-se durante o período Warren na Suprema Corte, nas décadas de 1950 e 1960, quando o presidente da Suprema Corte Earl Warren, acompanhado por uma maioria de ideologia favorável a ele, decidiu fazer política social tanto na área civil quanto na área criminal, quase que invariavelmente sob os aplausos da intelligentsia da mídia e do mundo acadêmico. Todavia, na medida em que outros juízes com uma visão mais conservadora do próprio papel chegavam à Suprema Corte, iniciando-se com a presidência de Warren Burger, em 1969, muitos da intelligentsia começaram a usar, com malícia, as antigas reclamações sobre o ativismo judicial contra os novos juízes, dizendo quão ativistas esses juízes eram ao declarar a inconstitucionalidade das leis ou ao reparar precedentes legais absurdos estabelecidos por ativistas judiciais, como os da época de Warren. O jornalista liberal Michael Kinsley acusou o juiz do Supremo Antonin Scalia de fazer ativismo judicial ao dar um parecer no Tribunal de Apelação, o qual, nas palavras de Kinsley, anulava "uma parte importante da legislação passada por grande maioria nas duas casas do Congresso e assinada por um presidente popular",[396] como se existissem fatores externos que conferissem mais ou menos constitucionalidade às leis. Linda Greenhouse, do New York Times, chamou a decisão do juiz Scalia, que invalidava a aplicação das leis do comércio estadual sobre casos de porte de arma próximo às escolas, como exercício de "poder

bruto" da Suprema Corte, pois naquele caso, U.S. versus Lopez, o juiz "invalidou uma lei que as duas casas do Congresso e o presidente dos Estados Unidos haviam aprovado",[397] como se outras leis também anuladas pela Suprema Corte com base em suas inconstitucionalidades, desde o caso Marbury versus Madison de 1803, também não tivessem sido devidamente passadas pelo Congresso. Sob o título "Desprezando o Congresso'', um artigo publicado na Michigan Law Review disse que "a Suprema Corte, no caso Lopez, deu um passo importante para o desenvolvimento de sua própria visão de ativismo judicial, na qual o Congresso recebe menos respeito por seu grande trabalho"[398] De forma semelhante, o senador Herb Kohl denunciou a decisão da Suprema Corte sobre o caso Lopez como "amostra de ativismo judicial que ignora a segurança das crianças a fim de respeitar ninharias legais". Todavia, o Washington Post adotou uma postura mais equilibrada, a qual foi expressa em seu editorial sobre o caso: Baseando-se somente no comentário do senador, ninguém adivinhará que a maioria dos estados já proíbe o porte de armas nas áreas próximas às escolas. De fato, Alfonso Lopez, o adolescente de Santo Antonio cuja acusação foi revertida neste caso, fora inicialmente preso sob acusações estaduais que foram retiradas apenas quando o governo federal assumiu o processo. Claramente, a invalidação dessa lei não deixa as crianças desta nação mais vulneráveis em suas salas de aula. Todo caso pode, contudo, forçar os legisladores federais a uma reflexão importante, pois terão de pensar duas vezes antes de se precipitarem a legislar sobres áreas problemáticas sem antes considerarem "ninharias" legais envolvendo questões constitucionais entre os estados.[399]

O senador Kohl não foi, de forma alguma, o único legislador a discutir o caso em termos de seus "resultados" sociais, em vez de respeitar os termos das limitações constitucionais sobre o poder federal. O senador Arlen Specter disse: "Eu acho que o crime é um problema nacional" e "as armas e as drogas representam os principais instrumentos para o exercício do crime". Todavia, o liberal professor de direito Laurence Tribe viu, nesse caso, além dos critérios condicionados aos "resultados", como foi relatado pelo Chicago Sun-Times: "O Congresso forçou seus limites um tanto quanto imprudentemente", disse Laurence H. Tribe, professor de direito da Universidade de Harvard, o qual notou que os legisladores não conseguiram sustentar uma ligação entre comércio interestadual e os perigos advindos de armas próximas às áreas escolares. Ele disse que a sentença revelava que "a atual Suprema Corte considera os limites estruturais ao poder do Congresso com muito mais seriedade do que as pessoas imaginavam (...) o que para os liberais e para os pragmáticos parece aterrador.[400] A nova definição de ativismo judicial incluía não apenas a oposição aos caprichos do Congresso, mas também a alteração de precedentes judiciais. Nas palavras de Linda Greenhouse, o caso Lopez "foi a primeira vez, em sessenta anos, que a Suprema Corte invalida uma lei federal sob alegação de que o Congresso excedeu sua autoridade constitucional na aplicação indevida das leis de comércio interestadual".[401] Todavia, os juízes prestam juramento para defender a Constituição e não para defender os precedentes. Caso contrário, os casos Dred

Scott e Plessy v. Ferguson teriam se tornado cláusula pétrea. O caso Lopez não foi, de forma alguma, o único a mobilizar ondas de protesto vindas da intelligentsia denunciando a última Suprema Corte de fazer "ativismo judicial", embora ela só tivesse feito seu trabalho ao considerar algumas leis e políticas legislativas como inconstitucionais. Em 2001, o professor Cass Sunstein, da Universidade de Chicago, lamentava que: "Estamos atravessando agora um intenso período de ativismo judicial de direita". Segundo ele, isso tinha produzido, dentre outras coisas, um "judiciário não democrático",[402] já que, de fato, um tribunal de alçada com o poder para invalidar leis aprovadas por agentes eleitos é algo inerentemente não democrático. Mas seguindo esse raciocínio, então a queixa do professor Sunstein se aplicaria também à própria Constituição dos Estados Unidos, em vez de recair sobre aqueles que exercem suas funções sob a validade da Constituição. Ainda assim, Sunstein reclamou novamente em 2003, dizendo que "A Suprema Corte de Rehnquist derrubou pelo menos 26 leis do Congresso desde 1995" e seria, segundo ele, "culpada de ativismo ilegítimo", pois dentre outras coisas, teria derrubado "um bom número de leis da ação afirmativa", assim como derrubou "legislações federais consideradas excessos do Congresso". Segundo o professor Sunstein, a Suprema Corte "proibiu o Congresso de legislar com base em suas próprias visões" com o respaldo da 14a Emenda.[403] Mas se o Congresso pode determinar a extensão de seus próprios poderes valendo-se da 14a Emenda ou de qualquer outra provisão constitucional, então a Constituição perde todo o seu significado como limite para o poder do Congresso e para o poder governamental em geral.

Numa abordagem semelhante! um artigo publicado na New Republic e intitulado "Hiperativos: Como a Direita Aprendeu a Amar o Ativismo Judicial" alegava que os juízes conservadores "se tornaram reflexo exato dos ativistas judiciais que passaram toda”[404] a carreira atacando". Usando essa nova definição de ativismo judicial, um escritor do New York Times acusou o presidente do Supremo, John Roberts, de ter apoiado o "ativismo judicial mesmo que isso significasse passar por cima do Congresso e dos estados". [405] Um editorial posterior do New York Times declarava que "existe uma disposição para se derrubar as leis do Congresso" e que isso seria "o critério objetivo mais comum"[406] do ativismo judicial. Essa redefinição põe de lado toda a questão central, que é verificar se as leis que foram invalidadas eram, de fato, consistentes ou inconsistentes com a Constituição dos Estados Unidos. Mas a questão central é repetidamente descartada quando se diz que a Suprema Corte é "ativista" sempre que ela se opõe a apoiar uma nova legislação ou precedentes particulares. A nova definição de ativismo judicial se constitui numa base puramente numérica, a partir da qual se decide quem é e quem não é ativista judicial. O professor Sunstein é um exemplo, ao basear suas acusações em quantas "leis federais por ano" a Suprema Corte declarou como inconstitucionais.[407] Essa noção se espalhou, vinda da intelligentsia até chegar ao universo da política. Dessa forma, o senador Patrick Leahy usou essa nova definição de ativismo judicial ao insistir que "os dois juízes mais ativistas que temos agora são os juízes Thomas e Scalia, os quais derrubaram leis para depois escreverem outras no lugar das leis do Congresso, recorrendo a tal prática mais do que quaisquer outros juízes da atual Suprema Corte".[408] Embora esses dois juízes sejam muito mais identificados com o exercício da autocontenção judicial, foi necessário apenas um golpe retórico para se virar a mesa e rotulá-los

de ativistas conservadores. Ao se borrar a linha que separa ativismo judicial de autocontenção judicial, não apenas se anula a crítica feita aos juízes ativistas progressistas (liberais), mas também se permite que ganhem pontos extras ao se invocar equivalência moral entre eles e os juízes que praticam autocontenção judicial, os quais passam então a ser chamados de "ativistas" ao simplesmente se redefinir o termo. O ativismo judicial genuíno, assim como muitos outros fenômenos sociais, pode ser mais prontamente compreendido ao se examinar os incentivos e os obstáculos que se colocam diante dos envolvidos. Um dos obstáculos sobre a ação dos juízes, e que claramente foi enfraquecido ao longo dos anos, é a desaprovação de seus pares tanto no judiciário quanto entre os acadêmicos da área nas escolas de direito. Ativismo judicial em prol de litigantes ou de causas favorecidas pela visão da intelligentsia recebe hoje boa aceitação, e em muitos casos a celebração ou a exaltação dos juízes ativistas, ou seja, os incentivos, favorecem o ativismo judicial. Os juízes em geral, assim como acontece com os intelectuais, tornam-se famosos somente quando saem de seu domínio profissional, onde são competentes, para se aventurarem como reis-filósofos, decidindo sobre questões sociais, econômicas ou políticas. Nem mesmo os admiradores do presidente do Supremo Earl Warren tentaram retratálo como um grande erudito em direito.[409] Ele e outro presidente do Supremo, Roger Taney, um século antes, tornaram-se famosos ao darem pronunciamentos sensacionalistas sobre a sociedade, fundamentados em bases sociológicas, em vez de legais, as quais embasavam suas notórias sentenças. Sabendo-se que pronunciamentos que ultrapassam o campo das devidas especialidades e competências se tornaram praticamente um pré-requisito para se conquistar destaque público, não surpreende que

tantos juízes, agindo de forma semelhante a tantos intelectuais, dizem, em nossos dias, tantas coisas sem sentido algum. ◆ ◆ ◆

AUTOCONTENÇÃO E "INTENÇÃO ORIGINAL" A "autocontenção judicial" foi por vezes resumida em outra expressão idiomática: seguir "a intenção original" das leis. Todavia, muitos, na intelligentsia, prenderam-se à palavra "intenção" a fim de alegar que é difícil ou mesmo impossível discernir exatamente o que aqueles que escreveram a Constituição, ou a legislação para aquele propósito, realmente intencionavam, especialmente depois de muitos anos. Assim, o professor Jack Rakove da Universidade Stanford disse: Estabelecer a intenção que se encontra atrás de qualquer ação é uma tarefa ardilosa [e] a tarefa cresce em complexidade geométrica quando tentamos atribuir intenção a grupos de pessoas, especialmente homens, que estavam atuando há dois séculos. Esses homens nos deixaram registros incompletos sobre seus motivos e suas preocupações e também chegaram às suas decisões por meio de um processo em que os debates sobre os princípios se misturavam aos debates envolvendo explícita barganha.[410] A palavra-chave em tudo isso e a falácia central nessa linha comum de raciocínio estão na palavra "atrás". Os profissionais que praticam a autocontenção judicial buscam compreender e aplicar a lei escrita como ela se apresenta, como um conjunto de instruções para juízes e cidadãos, desconsiderando as motivações, as crenças, as esperanças

ou os medos que possam ter se colocado atrás da confecção da lei. Até mesmo a lei mais simples, como a que estabelece o limite de velocidade de 65 milhas por hora, pode ser expandida numa complexa questão que assumirá dimensões irrespondíveis caso seja olhada em termos de atitudes, de valores, etc. Isso acontece sempre que se procura considerar o que está atrás das intenções dos que criaram essa lei, em vez de entender a lei como uma instrução explícita prontamente compreendida. Olhar as leis segundo as intenções subjetivas dos que as escreveram não é apenas uma abordagem mais complicada, mas é uma abordagem que busca ou alega ser capaz de discernir os julgamentos de valor ou o "espírito" por trás das leis, o que dá aos juízes espectros interpretativos muito mais amplos e, dessa forma, muito mais oportunidades de ajustar as leis para que se conformem "às necessidades da época" e "à justiça social, ou a qualquer outro sinônimo que seja o predileto de cada juiz em particular. Mas os críticos da autocontenção judicial projetam dificuldades tamanhas sobre outros que não estão olhando por trás das leis, mas que se limitam a exercer uma tarefa muito mais direta de ler as leis como instruções explícitas, em vez de tê-las como afirmações gerais de valores. Como o juiz Antonin Scalia coloca: "Apesar das repetidas afirmações dizendo o contrário, realmente não é nossa intenção legislar em bases subjetivas". O que ele está de fato buscando é o "significado original do texto", e complementa: "Na verdade, com frequência ou mesmo na maioria das vezes isso é fácil de discernir e simples de aplicar".[411] O juiz Scalia não está sozinho nesse entendimento. Desde William Blackstone, na Inglaterra do século XVIII, até Oliver Wendell Holmes e Robert Bork, nos Estados Unidos do século XX, todos os que procuram se ligar ao sentido original das leis foram muito claros ao dizer

que não estavam falando sobre eventos psicológicos ocorrendo dentro dos recessos internos na mente dos sujeitos que elaboram as leis. Uma coisa é certa, os votos que conferem autoridades política, legal e moral das leis são votos sobre o que é publicamente determinado diante dos que votam. Em outras palavras, ninguém votou considerando o que estava por trás da mente de alguém. Além do mais, ninguém pode obedecer ou desobedecer ao que está por trás da mente de outrem. Segundo Blackstone,[412] é o significado publicamente conhecido das palavras das leis, "a ser compreendido em sua forma mais usual e reconhecida" na época em que foi escrito, que determina como um juiz deveria interpretá-lo. Da mesma forma, para Holmes a interpretação legal sobre o que o legislador disse não significa tentar "entrar em sua mente".[413] Holmes disse: "Nós não investigamos o significado da legislação, mas dos estatutos".[414] Numa carta ao jurista britânico Sir Frederick Pollock, Holmes disse: "Não damos a mínima para o significado do autor".[415] A função do juiz, segundo Holmes, é "ler a própria língua de forma inteligente, e uma consideração sobre as consequências entra em cena, caso isso aconteça, apenas quando o significado das palavras usadas está aberto para questionamentos racionais".[416] De forma semelhante, o juiz Robert H. Bork afirmava que os juízes deveriam dar suas sentenças "segundo a Constituição histórica".[417] Apesar de tais afirmações simples e diretas de defensores e seguidores da autocontenção judicial, os quais seguem uma longa tradição histórica, temos por outro lado muita manipulação retórica usada para expandir a função judiciária para dimensões impossíveis de ser administradas. Isso acontece ao se alterar a questão direta para outra que busca discernir motivos subjetivos, crenças, esperanças e

medos que estariam por trás da confecção das leis. O professor Rakove, por exemplo, disse que na época da Convenção Constitucional em 1787, James Madison "abordou os membros da Convenção tomado por uma grande paixão intelectual",[418] discorrendo sobre seu "medo" de certas políticas ligadas ao direito de propriedade e à religião,[419] que ele "descreveu privadamente" as emendas constitucionais de forma particular.[420] O professor Ronald Dworkin também se posicionou abertamente contra a intenção original das leis com base no entendimento que vê os "eventos legais", na mente dos legisladores ou escritores da Constituição, como categorias difíceis ou impossíveis de ser discernidas[421] tornando ainda "mais evidente o fato de que não temos qualquer conceito fixo sobre a intenção de grupo" nem mesmo qualquer forma de decidir "quais aspectos do estado mental dos indivíduos têm relevância para a intenção grupal”.[422] O juiz da Suprema Corte, William J. Brennan, falou sobre as "evidências esparsas ou ambíguas da intenção original" dos elaboradores da Constituição.[423] Sob o mesmo entendimento, outros destacaram que "frequentemente as afirmações públicas não refletem as intenções reais".[424] Tamanhas tentativas em se alterar a questão do significado concreto das leis, transformando-as em busca esotérica para se descobrir o que estava por trás da criação da lei, são em geral usadas por aqueles que adotam interpretações judiciais que ultrapassam o que a lei diz explicitamente, indo, por vezes, na direção contrária do que está impresso na lei escrita, como fez o juiz William J. Brennan no caso Weber. O professor Ronald Dworkin defendeu a decisão de Weber dizendo que "a questão sobre como o artigo VII deve ser interpretado não pode ser respondida apenas ao se encarar as palavras que o Congresso usou".[425] O jogo retórico usado na expressão "encarar" as palavras, em contraste com as

reinterpretações aventureiras, opõe-se agudamente com a afirmação de Holmes sobre a simples leitura inteligente da língua. Para Dworkin, o significado do caso Weber foi de que esse caso representava "mais um passo nos esforços da Suprema Corte para o desenvolvimento de uma nova concepção sobre as necessidades de igualdade na busca por justiça racial".[426] Por que os juízes teriam o direito de se antecipar a tais decisões e legislar com base em seus próprios e novos conceitos sobre questões sociais, sob o pretexto de estarem interpretando a lei, ao mesmo tempo que caminhavam na direção oposta ao que a lei expressamente diz, é uma questão que nunca é levantada e muito menos respondida. Dizer que é difícil ou mesmo impossível discernir o que realmente significavam as leis é muitas vezes usado como prelúdio para se tomar decisões que ignoram os significados mais evidentes, como aconteceu no caso Weber, e com isso forçar a interpretação a partir de noções hoje na moda entre os círculos da elite, tomando tais desvios como lei. Dworkin e outros intelectuais defendem abertamente tais práticas, o que torna o alegado agnosticismo que representam, em relação à "intenção", uma cortina de fumaça que visa a ganhos práticos. Para todos aqueles que não estão dispostos a seguir o significado original das leis, a facilidade ou a dificuldade em se descobrir o significado é irrelevante, exceto como manobra para distrair os adversários. A Constituição foi um documento escrito de forma bastante simples e direta, e quando usava frases do tipo "a religião estabelecida", por exemplo, fazia referência a algo bastante conhecido pelas pessoas que já tinham vivido sob uma igreja instituída, a Igreja da Inglaterra. Proibir o estabelecimento de uma religião não tinha nada a ver com uma "parede de separação" entre a Igreja e o Estado, o que

não aparece na Constituição, mas é uma frase proferida por Thomas Jefferson, que nem sequer estava no país quando a Constituição foi escrita. Não havia nada de esotérico na frase "uma religião estabelecida". Por mais de cem anos depois que a Constituição foi escrita, isso nunca significou que seria ilegal ostentar símbolos religiosos nas repartições do governo, embora um número crescente de pessoas, em tempos posteriores, tenha desejado que o significado tivesse sido esse, e apesar de um número ainda maior de juízes modernos estarem dispostos a fazer valer esse desejo. A mesma coisa acontece com frases do tipo "devido processo legal" ou "liberdade de expressão", as quais tinham uma longa tradição na justiça britânica antes que esses termos fossem usados na Constituição dos Estados Unidos por pessoas que tinham, havia muito pouco, deixado de ser súditos ingleses. Portanto, elas não estavam cunhando novas frases para novos ou esotéricos conceitos cujos significados os juízes teriam que adivinhar. A autocontenção judicial não envolve apenas a preservação das cláusulas constitucionais e das cláusulas da legislação que estão sob a autoridade do Congresso ou dos estados, mas compreende também a relutância em anular decisões judiciais anteriores. Sem tal relutância, as leis se tornariam tão maleáveis com a mudança dos quadros dos tribunais que os cidadãos encontrariam grandes dificuldades em planejar suas realizações econômicas, dentre outras atividades que tomam tempo, até alcançarem resultados positivos, pois se tornaria impossível predizer como se comportariam os novos membros da magistratura e quais seriam suas preferências na condução das leis. É desnecessário dizer que tal relutância em se anular decisões judiciais anteriores não pode assumir um caráter absoluto, mas quando ocorre, tem que ser balizada em julgamentos cuidadosos e muito bem fundamentados. Se algum acadêmico publicasse um artigo ou um livro

mostrando de forma convincente que o caso Marbury v. Madison foi equivocadamente decidido em 1803, mesmo assim nenhum tribunal de hoje se inclinaria a anular aquela decisão, sobre a qual dois séculos de precedentes foram construídos e sob a qual todo tipo de projetos e comprometimentos foram realizados durante esses séculos, baseando-se no sistema legal que foi desenvolvido no despertar do caso Marbury v. Madison. Ainda assim, ironicamente muitos dos mesmos intelectuais que apoiaram de modo apaixonado a derrubada de uma longa história de precedentes, durante as décadas de 1950 e 1960, da mesma forma condenaram amargamente tribunais mais recentes e mais conservadores que podaram alguns dos precedentes estabelecidos por juízes liberais, em especial nas decisões tomadas durante a era da Corte de Warren. Dessa forma, sob a manchete "A Suprema Corte Perde sua Autocontenção", um editorial do New York Times foi contrário à decisão do caso Lopez dizendo: "Ao decidir que falta ao Congresso o poder de tornar ilegal o porte de armas dentro de um raio de trezentos metros próximos a uma escola, a Suprema Corte deu uma virada histórica e infeliz, questionando sem necessidade leis já estabelecidas".[427] Citando o juiz Stephen Breyer o jornal Times enfatizou "o valor da autocontenção judicial", definido por eles como "submeterse ao Congresso, pois ele mostrou haver uma base racional na relação entre a proibição decretada e as leis de comércio interestadual". Mas submeter-se àqueles cujos poderes a Constituição especificamente limitou seria ridicularizar as limitações. Se for o caso de o Congresso decidir sobre a magnitude de seus próprios poderes, que propósito pode haver nas limitações constitucionais sobre os poderes do Congresso ou do governo federal? Apesar de toda a inconsistência que essas reações da intelligentsia apresentam, quando vistas como comentários

em jurisprudência, elas se tornam perfeitamente consistentes quando vistas como parte dos "resultados sociais" de um tribunal engajado, uma vez que a intelligentsia preferiu claramente a política de resultados sociais das decisões da Corte da época de Warren aos resultados sociais das muitas decisões das cortes posteriores. Porém, decisões judiciais guiadas por resultados sociais baseados nas preferências dos juízes, em vez de guiadas pela lei escrita, acabam produzindo um bom número de efeitos colaterais sobre a justiça das leis, vista como uma estrutura fundamental dentro da qual os membros da sociedade podem planejar suas ações. O efeito mais óbvio é que ninguém é capaz de prever quais resultados sociais os juízes se inclinarão a favorecer no futuro, deixando até mesmo as mais claras leis escritas cercadas por uma neblina de incertezas a anunciar crescentes litígios. O oposto do juiz socialmente engajado é o juiz que sentenciará a favor de litigantes que ele possa porventura desprezar, se o caso assim determinar. Por exemplo, o juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes votou a favor de Benjamin Gitlow no caso Gitlow vs. New York, em 1925, comentando depois, numa carta a Harold Laski, que votara respeitando "o direito de um cretino em idolatrar a ditadura do proletariado".[428] De forma parecida, Holmes divergiu no caso Abrams vs. United States em favor da defesa cujas visões ele caracterizou em seu parecer como "um credo que acredito ser o da ignorância e da imaturidade".[429] Como ele chegou a dizer para Laski: "Tenho aversão à maioria das coisas em favor das quais eu decidi favoravelmente".[430] Por outro lado, ele podia sentenciar contra litigantes os quais ele próprio via de forma favorável. Em outra carta a Laski, Holmes disse que tivera que "decidir contrário a um argumento muito bem exposto por dois homens de cor - um bem negro - que até mesmo em sua maneira de falar era

melhor, posso dizer, que a maioria dos discursos brancos que ouvimos".[431] Holmes não estava tomando partido ou buscando "resultados" sociais, mas estava somente aplicando a lei. ◆ ◆ ◆

RESULTADOS ADVINDOS DAS DOUTRINAS POR "RESULTADOS" Os direitos fundamentais dos indivíduos, garantidos pela Constituição dos Estados Unidos e pelas tradições legais que remontam a uma época anterior à própria Constituição, podem ser perdidos em decorrência de sentenças judiciais que se orientam na busca de resultados sociais particulares de acordo com uma visão predominante. Mesmo ao se admitir que a nebulosa expressão "justiça social" possa ter um significado discernível, ela parece indicar, contudo, que a mera justiça formal não é o suficiente, mas precisa ser suplementada e sobreposta por um tipo de justiça baseado em resultados sociais desejados. De qualquer forma, o regime das leis, "um governo baseado nas leis e não na vontade dos homens", apresenta-se como antítese da política jurídica "socialmente engajada", pois nessa última os resultados sociais serão determinados segundo as preferências de indivíduos particulares, os quais receberão poder para selecionar e apanhar resultados desejáveis, em vez de se guiarem pelas regras conhecidas as quais se aplicam tanto aos cidadãos quanto aos juízes. Talvez o ponto máximo de uma justiça socialmente engajada tenha sido alcançado durante as deliberações dos "representantes em missão" na França revolucionária da década de 1790. Esses representantes eram membros especiais da Convenção que governava o país, escolhidos em missão para fazer justiça, e foram encarregados de

corrigir os equívocos, com autoridade para agir "acima de todas as leis e poderes existentes": Eles podiam dar ordem de prisão, criar tribunais revolucionários, conduzir julgamentos e montar as execuções na guilhotina. Receberam o poder de anular, estender ou cercear a autoridade de qualquer lei. Podiam também impor decretos ou proclamações sobre qualquer questão. Tinham autoridade para fixar preços, exigir bens de terceiros, confiscar propriedades, coletar tributos. Podiam expulsar qualquer governo existente ou, caso achassem necessário, dissolver qualquer corpo governamental, substituindo-os por comitês nomeados por eles mesmos.[432] Isso representou o ponto máximo de uma justiça socialmente engajada. Embora hoje ninguém esteja mais defendendo a criação de corpos de missionários representativos, esse é o caminho tomado por muitos juristas que insistem numa justiça de "resultados" em detrimento das leis estabelecidas. De fato, alguns juízes, em particular, designaram pessoas, logo chamadas de "mestres", para que determinassem e vigiassem a condução das políticas e as operações nas prisões, nas escolas e em outras instituições governamentais, chegando ao ponto de ordenar aos legisladores estaduais que criassem novos impostos. Guiar-se segundo os resultados parece ser algo especialmente questionável num tribunal ao qual faltam, intrinsecamente, os mecanismos institucionais para se monitorar quais são, de fato, os resultados das decisões judiciais, na medida em que as repercussões se espalham por todos os lados e por toda a sociedade e de uma forma contrária àquela que os juízes imaginaram. Alguns

resultados têm sido, de fato, diametralmente opostos àqueles que o ativismo judicial engajado procurava obter. ◆ ◆ ◆

O ÔNUS DA PROVA Talvez nada seja mais fundamental na verdadeira tradição legal norte-americana do que a incumbência ao ônus da prova para a promotoria, nos casos criminais, e para o acusador, nos casos civis. No entanto, a militância e o zelo por "resultados" têm levado ao reposicionamento do ônus da prova, que recai então sobre as costas do acusado, o qual é obrigado a provar sua inocência em determinadas ações legais. Esse princípio, ou falta de um, já aparecia nas leis antitruste antes de ser aplicado aos casos envolvendo os direitos civis. Por exemplo, a lei Robinson-Patman tornou ilegal a discriminação de preços, exceto sob certas circunstâncias. Mas uma vez que um caso prima facie fez com que preços diferentes fossem cobrados para diferentes tipos de clientes, o acusado teve então que provar onde estavam as exceções, como as diferenças de custo no serviço a esses clientes, que se aplicavam ao caso. Uma vez que a aparentemente simples palavra "custo" oculta, no entanto, complexidades que podem manter contadores, economistas e advogados atados em disputas intermináveis, a questão pode então se tornar insolúvel tanto para o acusador quanto para o acusado, ficando impossível provar, de forma conclusiva, o litígio. Isso significa que o acusado ou perderá casos como esse ou os negociará fora dos tribunais, nos termos determinados pela outra parte, devido à impossibilidade de provar sua inocência. O problema mais fundamental, todavia, é que o ônus da prova foi colocado sob a responsabilidade do acusado, na

contramão de tradições legais centenárias aplicadas nos casos em geral. O mesmo princípio de justiça engajada, que coloca a incumbência ao ônus da prova sobre o acusado, reapareceu mais tarde nos casos judiciais envolvendo as leis dos direitos civis e suas políticas. Aqui, mais uma vez, tudo o que se precisa é de um caso prima facie, ou seja, uma acusação que não chega sequer a cumprir o padrão da lei civil que determina a preponderância da evidência, baseando-se simplesmente na "representação" estatística das minorias ou das mulheres nos quadros de emprego de uma empresa, para que então se coloque o ônus da prova sobre os ombros do empregador, o qual se vê obrigado a provar que não agiu com discriminação. Nenhuma obrigação de prova, qualquer que seja, é exigida sobre aqueles que pressupõem uma igualitária ou aleatória distribuição de realizações ou de recompensas entre grupos sociais ou raciais na ausência de discriminação, apesar de haver enorme quantidade de evidências tanto históricas quanto contemporâneas mostrando uma completa desproporção nas realizações entre indivíduos, grupos e nações.[433] Um empregador que contratou, pagou e promoveu pessoas desconsiderando raça ou sexo pode, no entanto, achar impossível ou mesmo proibitivamente caro refutar acusação de discriminação. Por exemplo, a Comissão por uma Oportunidade Igual de Emprego (E.E.O.C.) moveu uma ação de discriminação sexual contra a rede de lojas Sears, em 1973, baseando-se somente em dados estatísticos, sem ser capaz de apresentar uma mulher sequer trabalhando ou já tendo trabalhado em qualquer uma das centenas de lojas da Sears por todo o país, como prova de que fora discriminada. Mesmo assim, essa ação se arrastou pelos tribunais por quinze anos, custando US $20 milhões à Sears

em custos processuais antes que a Sétima Corte de Apelação finalmente sentenciasse em favor da empresa. Sabendo-se que pouquíssimos empregadores têm tal volume de dinheiro para gastar em ações legais ou nem têm como bancar a publicidade negativa gerada por acusações desse tipo, as quais consomem longos anos, a maioria acaba fazendo acordos fora dos tribunais, tentando minimizar os danos, e esses numerosos acordos são então citados na mídia e em outros meios como prova de quanta discriminação ainda existe. Outra vez, tudo isso remonta à prática de se colocar o ônus da prova sobre o acusado. Tivesse o ônus da prova sido colocado sobre a E.E.O.C., é bem provável que o caso, em primeiro lugar, nunca tivesse chegado aos tribunais, na medida em que aquela comissão não conseguiu apresentar uma mulher sequer que afirmasse ter sido discriminada. Tudo o que havia eram estatísticas, as quais não se encaixavam no preconceito, predominante na intelligentsia, de que todos os grupos tenderiam a ser proporcionalmente representados na ausência de discriminação. Outro caso semelhante e que seguiu um longo caminho até chegar à Suprema Corte, demorando quinze anos mais uma vez desde o julgamento original, foi decidido em favor do empregador, mas posteriormente derrubado quando o Congresso passou uma nova lei restabelecendo a incumbência do ônus da prova sobre o acusado. O caso envolveu a empresa Wards Cove Packing, baseada nos estados de Washington e Oregon, mas com uma fábrica de enlatamento de peixes mais ao norte, no Alasca. Uma vez que a empresa recrutava seu corpo de gerentes onde os escritórios centrais da empresa se localizavam e sua mão de obra operacional onde o enlatamento dos peixes era processado, isso levou a um quadro de gerentes composto, em sua maioria, de brancos contratados em Washington e no Oregon e uma mão de obra predominantemente não branca no Alasca. Porém, esse fato estatístico se

transformou em base para acusações de discriminação. O Nono Tribunal de Apelação favoreceu a acusação de discriminação, mas a Suprema Corte invalidou a decisão e reabriu o              caso para reconsiderá -lo. Isso disparou uma tempestade de críticas que vieram da mídia e do mundo acadêmico. A repórter do New York Times que cobre a Suprema Corte, Linda Greenhouse, disse que a sentença do caso Wards Cave v. Atonio "alterou o ônus da prova numa questão central, passando dos empregadores para os empregados, que acusam sofrer discriminação",[434] avaliando quais seriam as repercussões sobre os grupos sociais e os respectivos resultados sociais, em vez de se preocupar com os princípios e as categorias jurídicas reclamantes e réus - nos quais o ônus da prova é, por séculos, deixado para o reclamante, o qual é obrigado a provar suas acusações. Mas, segundo Linda Greenhouse, a decisão do caso Wards Cove "retirou dos empregadores uma parte do ônus sobre práticas que mostram ter impacto discriminatório".[435] O que a sra. Greenhouse resolveu chamar de "impacto discriminatório" era a diferença entre a realidade demográfica dos empregados e da população, o que vale dizer, fatos comuns no mundo real, mas que não se encaixam na visão do intelectual ungido. Assim como em outros contextos, a visão foi tida como axiomaticamente verdadeira, de forma que os desvios estatísticos que saem de uma uniforme ou aleatória distribuição dos membros de grupos raciais que compõem a mão de obra de determinada empresa são tidos como evidência de comportamento tendencioso do empregador, uma suposição que passa então a ser responsabilidade do empregador refutar para que não seja condenado por violar uma lei federal. O colunista do New York Times Tom Wicker acusou igualmente a Suprema Corte por sua "radical decisão no

caso Ward Cove" de "reverter o padrão da lei estabelecida" ao "designar o ônus da prova ao empregado que moveu ação contra seu empregador, acusando-o de práticas de contratação e administração empregatícias discriminatórias". Antes disso, segundo Wicker, a Suprema Corte, "ao se manter fiel ao costume legal, colocava o ônus da prova sobre os ombros da parte mais capaz de mostrar que os procedimentos em litígio eram justos e necessários, é claro, do empregador". Outra vez, os precedentes legais foram tidos como essenciais, mesmo que o precedente legal desse caso, Griggs v. Duke Power, tenha durado muito pouco em comparação ao caso Plessy v. Fergunson, quando foi derrubado pelo caso Brown v. Board of Education. Nada no artigo de Wicker dava aos leitores qualquer pista de que colocar o ônus da prova sob responsabilidade do acusado compreendia rara exceção nas tradições legais que existem há séculos, exceção para certos casos cujos "resultados" sociais assumiam uma importância capital e os acusados, em particular o mundo dos negócios, estavam em baixa com a intelligentsia, fosse nos casos antitruste sob a lei Robinson-Patman, fosse nos casos dos direitos civis. Quando o Congresso elaborou uma legislação a fim de reverter o caso Wards Cave, o então presidente dos EUA, George H. W. Bush, ameaçou impor um veto. Diante do impasse, Tom Wicker disse: "Ele propõe tornar mais fácil para que empregadores discriminem e endureçam o tratamento aos empregados, geralmente membros de minorias, e não tenham que responder legalmente por suas ações".[436] Os editoriais do New York Times posicionaram-se de forma semelhante. O caso Wards Cave, diziam, "colocava novas e pesadas obrigações aos reclamantes pelos direitos civis”.[437] Mais uma vez, não era passada, aos leitores, a mínima indicação sobre a realidade jurídica em questão. O que o New York Times chamava de "pesadas obrigações aos

reclamantes pelos direitos civis" eram as mesmas obrigações às quais a maior parte de outros reclamantes, e na maior parte dos casos que não envolvem os direitos civis, é obrigada a obedecer há séculos, com base no princípio legal de que os acusados não são obrigados a provar sua inocência. Igualmente, uma coluna no Washington Post usou como critério a lógica dos "resultados" sociais, criticando que a decisão do caso Wards Cave "tornou muito mais difícil para os reclamantes ganhar ações como essa".[438] Um editorial no Boston Globe, de forma semelhante, reclamou que a decisão do caso "tornava virtualmente impossível que empregados vencessem ações de discriminação".[439] Outro editorial do mesmo jornal se queixava dizendo que o ônus da prova "agora mudava para o reclamante"[440] como se esse fosse um lugar incomum para o ônus da prova estar. A resposta dos acadêmicos não foi menos enfática nem menos tendenciosa em sua apresentação dos fatos, além de não ter sido menos comprometida com os "resultados" sociais. O professor Ronald Dworkin, de Oxford, escreveu sobre a "brutal disparidade" entre as raças, no caso Wards Cave, ao que ele chamou de "discriminação estrutural" e de "ônus impossível" colocado sobre as costas dos reclamantes.[441] O professor Paul Gewirtz da Universidade Yale disse: "A Suprema Corte deu duros golpes em dois dos mais importantes mecanismos para se integrar a força trabalhadora dos Estados Unidos".[442] Certamente que seu foco se dirigia aos resultados sociais quando mencionava "a integração dos trabalhadores dos Estados Unidos", e não se dirigia, é claro, ao funcionamento apropriado da justiça. O professor Reginald Alleyne, da Faculdade de Direito da UCLA, não se mostrou menos engajado com a justiça de "resultados" e atribuiu a decisão do caso Wards Cave a juízes que "simplesmente detestam a legislação dos direitos civis".[443] O professor Howard Eglit,

da Faculdade de Direito Chicago-Kent, caracterizou a decisão do caso Wards Cove como um "tortuoso tratamento revisionista sobre o ônus da prova".[444] Outro professor de direito, Alan Freeman, da State University de Nova York, em Buffalo, também usou a inadequada noção de seus pares, batizando os juízes da Suprema Corte que decidiram o caso de "apologistas reacionários da ordem existente", os quais merecem nosso "desprezo".[445] O professor de direito Candace S. KovacicFleischer, da American University, pediu ao Congresso para que "restaurasse a alocação normal do ônus da prova, ou seja, se o reclamante prova uma prática empregatícia ou práticas que causam um impacto desproporcional, o ônus então deve ser mudado para o empregador, que passa a ser obrigado a provar uma necessidade operacional para tal prática".[446] Mas essa alocação do ônus da prova foi "normal" somente nos casos dos direitos civis e em alguns casos antitruste, os quais, por sua vez, foram na contramão de séculos de prática habitual da justiça anglo-americana. A incumbência do ônus da prova colocado sobre os empregadores não foi algo determinado pela lei de Direitos Civis de 1964. Pelo contrário, durante os debates no Congresso, os quais precederam a promulgação da lei, o senador Hubert Humphrey e outros líderes que lutavam para passar essa legislação repudiaram explicitamente a ideia de que disparidades estatísticas seriam suficientes para forçar um empregador a provar que não estaria agindo de forma discriminatória.[447] O senador Joseph Clark, outro defensor da lei dos Direitos Civis de 1964, disse que a Comissão para uma Oportunidade Igual de Emprego, estabelecida pela lei, "fica obrigada a provar, em posse de fortes evidências, que a desqualificação empregatícia e outras ações discriminatórias trabalhistas foram provocadas por questões raciais".[448] Portanto, ele falava de fortes evidências, como em outros casos de ações civis, não em

caso prima facie, cujo ônus da prova foi mudando, então, para o empregador, como mais tarde se tornou padrão de resultado das sentenças judiciais. Foi na decisão da Suprema Corte no caso Griggs v. Duke Power, de 1971, que se alterou o ônus da prova para o empregador. Nesse caso, havia critérios de contratação testes de inteligência e diplomas de segundo grau - que ocasionavam um "impacto desigual" sobre as minorias de trabalhadores. A decisão do caso Griggs, que ocorrera menos de vinte anos antes da decisão do caso Wards Cove, tornou-se "lei estabelecida", a partir da qual Tom Wicker via a decisão do caso Wards Cove como um desvio "radical". Estranhamente, parece que esses jornalistas, acadêmicos e seus pares ideológicos sabem que é sempre a discriminação de empregadores racistas que se apresenta como razão para as disparidades estatísticas de trabalho, de forma que é apenas uma questão de tornar isso claro para os tribunais para que eles cheguem às mesmas conclusões. O que isso significa é que esses membros da sociedade, os quais são vistos desfavoravelmente pelos intelectuais ungidos, não terão os mesmos direitos que a população em geral, muito menos os privilégios concedidos aos que os ungidos veem de modo favorável. A ideia de que a lei serve para tornar as coisas mais duras ou mais fáceis para um segmento selecionado da sociedade, para que ele vença ações movidas contra outros segmentos, passa pela cabeça de muitos ou mesmo da maioria dos intelectuais que criticaram a decisão do caso Wards Cove. Eles queriam "resultados" e o Congresso lhes deu o que queriam com a Restauração da Lei dos Direitos Civis de 1991, que colocou o ônus da prova de volta sobre as costas do empregador, ao contrário da Lei dos Direitos Civis de 1964. ◆ ◆ ◆

DIREITOS DE PROPRIEDADE

Em nenhum outro lugar os resultados das sentenças de cunho social foram mais radicalmente opostos ao que fora contemplado no início do que nos casos envolvendo o direito de propriedade, que se constitui um grande campo de batalha envolvendo visões sociais contrárias. À medida que ideias como a de "uma Constituição viva" foram sendo aplicadas às condições atuais, sempre que alguns juízes as consideraram apropriadas, tornando-se dominantes a partir da segunda metade do século XX, os direitos de propriedade foram reduzidos, no melhor dos casos, a uma condição subalterna. Como o estimado economista urbano Edwin S. Mills afirma: "Os tribunais praticamente aboliram a 5a Emenda em sua aplicação às propriedades urbanas".[449] Os direitos de propriedade são vistos em termos radicalmente distintos entre os que adotam a visão trágica e os que integram a visão do intelectual ungido. Os que têm uma visão trágica sobre os defeitos e as fraquezas humanas veem os direitos de propriedade como limitações necessárias para restringir o poder dos agentes de governo que possam, porventura, apropriar-se dos pertences da população em geral, seja em seu próprio benefício, seja em benefício de políticas de doação para outros agentes cujo apoio os políticos anseiam. Tais práticas, tomadas pelos detentores do poder, foram muito comuns durante os despotismos em épocas antigas, não sendo também desconhecidas nas democracias modernas. As pessoas que fundaram os Estados Unidos da América, escrevendo sua Constituição, viam a proteção aos direitos de propriedade como salvaguarda para a proteção de outros direitos. O direito de livre expressão, por exemplo, perderia todo o sentido caso a crítica às autoridades levasse a retaliações do governo na forma de expropriações dos pertences pessoais. Os economistas costumam ver os direitos de propriedade como algo essencial para ( 1 ) manter a

tomada de decisões econômicas nas mãos de indivíduos privados, ou seja, fora do controle dos políticos, e (2) para manter os incentivos dos mesmos indivíduos, os quais investirão seu tempo, seus talentos e seus recursos movidos pela expectativa de poderem colher e reter os frutos de seus esforços. Todavia, os que adotam a visão do intelectual ungido, na qual tomadores de decisão terceirizados e coletivistas são vistos como mais bem-equipados do que as pessoas em geral para tomarem decisões acertadas, veem os direitos de propriedade como obstáculos à realização de muitos objetivos sociais desej áveis por meio da ação governamental. Segundo os que comungam de tal visão, os direitos de propriedade simplesmente protegem os indivíduos afortunados o bastante para que se façam donos de substanciosa propriedade à custa dos interesses mais amplos da sociedade. O professor Laurence Tribe, da Faculdade de Direito de Harvard, por exemplo, disse que os direitos de propriedade representam simplesmente um benefício individual em favor de uma "riqueza entrincheirada”.[450] Em outras palavras, os direitos de propriedade são vistos em função de seus resultados individuais, em vez de serem vistos em função de processos sociais facilitados por um sistema de propriedade privada de tomada de decisão econômica. Por outro lado, os direitos de livre expressão quase nunca são vistos, em termos tão estreitos, como benefícios de interesse especial para uso de uma pequena parcela da população, justamente os que se fazem escritores profissionais, jornalistas e ativistas políticos. Pelo contrário, os direitos de livre expressão são vistos como direitos essenciais ao funcionamento de todo o sistema de governo representativo, embora os direitos de propriedade sejam raras vezes vistos pelos intelectuais como também essenciais ao funcionamento da economia de mercado. Pelo contrário, os direitos de propriedade são atacados de

pronto, vistos como proteções especiais para os economicamente privilegiados, segundo o professor Tribe e muitos antes dele, como Roscoe Pound, Louis Brandeis, e inúmeros outros. Essas pessoas que desconsideram os direitos de propriedade não ficam restritas à promoção de suas próprias visões, mas em geral censuram e filtram a visão oposta sobre os direitos de propriedade ou mesmo a distorcem, fazendo dela a defesa de uma existente "riqueza entrincheirada",[451] de forma que boa parte do público não fica sequer sabendo qual é a questão em jogo, tornando sua resolução irrelevante. Uma vez que os direitos de propriedade ficam reduzidos, pela manipulação retórica, a um mero benefício especial para uns poucos privilegiados, esses direitos são vistos como menos importantes do que outros benefícios para a sociedade em geral. Segue-se, dessa linha de raciocínio, que os direitos de propriedade têm com frequência que ceder diante de outros direitos toda vez que a questão se coloca como "direitos de propriedade versus direitos humanos".[452] Tais argumentos, todavia, fazem sentido somente quando inseridos no quadro ideológico da visão do intelectual ungido. Por outro lado, não existe qualquer embate entre direitos de propriedade e direitos humanos porque (1) a propriedade em si não tem direitos e (2) são apenas os seres humanos que têm direitos. Qualquer embate é dado, na realidade, entre duas partes contrárias compostas por seres humanos. Os direitos de propriedade são barreiras legais contra políticos, juízes e burocratas que arbitrariamente buscam se apropriar do patrimônio de alguns seres humanos, transferindo-os para outros. Aqueles que veem nos tomadores de decisão coletivistas tanto o direito quanto o dever de promover a "distribuição de renda", tornando a sociedade mais igual ou mais justa, consideram os direitos de propriedade uma

barreira que não deve impedir o avanço do objetivo que se sobrepõe a ela. À medida que as ideias dos intelectuais progressistas se tornaram dominantes nas faculdades de direito e nos tribunais, durante a segunda metade do século XX, os direitos de propriedade foram sendo solapados por decisões judiciais e a capacidade dos agentes governamentais em se sobreporem aos direitos dos proprietários ganhou terreno, justificada com base no interesse público, supostamente em ação para contemplar os interesse dos menos afortunados. Todavia, aqui como em toda parte, ao se encaixarem na visão do intelectual, certas noções carecem de extraordinária atenção de verificação para se averiguar se elas também se encaixam nos fatos. Em outras palavras, a noção de que o solapamento dos direitos de propriedade beneficia aquelas pessoas com baixa renda, as quais não possuem bens próprios de peso, é tida como axiomática, em vez de urna hipótese a ser testada empiricamente. A suposição implícita de que o enfraquecimento dos direitos de propriedade beneficiaria as populações carentes em detrimento dos mais ricos, acaba por se verificar, em inúmeros casos, como exatamente o oposto. Tendo mais liberdade para confiscar a propriedade alheia, os agentes do governo, em todos os níveis, acabaram promovendo demolições maciças de áreas habitacionais da classe trabalhadora e de baixa renda em programas de "renovação urbana", os quais substituíram o antigo padrão desses bairros, estabelecendo um nível mais alto de padrão de habitação, construindo-se shoppings e outras atrações para os membros mais afluentes da sociedade. A quantidade acrescida de impostos que tais áreas "remodeladas" são obrigadas a pagar forneceu óbvios incentivos para que líderes políticos se beneficiassem à custa da população desalojada. Essa população desalojada é composta, em sua maior parte, por minorias e pessoas de baixa renda, fundamentalmente negros. A consumação

máxima da tendência legal em se reduzir os direitos de propriedade em função dos interesses de ação do governo ocorreu em 2005 no caso Kelo v. New London, no qual a cláusula constitucional dizendo que a propriedade privada poderia ser usada para "uso público" foi expandida para significar que tal propriedade poderia ser tomada para um "propósito público". Enquanto o uso público incluiria coisas como a construção de um reservatório de água, uma ponte ou outra coisa do tipo, "propósito público" pode, por sua vez, significar quase que qualquer coisa, e no caso Kelo significou confiscar as casas das pessoas para repassar a propriedade a incorporadores que construiriam uma série de edifícios de alto padrão. Um benefício ainda mais direto para os ricos e os poderosos, em detrimento das pessoas de baixa ou de média renda, provém do alargado raio de ação que os agentes do governo têm para se sobrepor aos direitos de propriedade em nome da criação de "espaços abertos", "crescimento inteligente" e outras formas de impor restrições arbitrárias e politicamente empacotadas sob uma gama de rótulos retoricamente atraentes. Banir a construção de casas ou de outras estruturas em comunidades de alto padrão ou em torno delas reduz muito a capacidade de as pessoas comuns viverem em tais comunidades, tanto por causa da redução física de terrenos disponíveis para construção quanto por que os preços disparam a níveis absurdos toda vez que a área de construção é artificialmente reduzida. A subida de preços de moradia a duplicar, triplicar ou mais toda vez que aparecem restrições de construção não afeta, por outro lado, aqueles que já moram em comunidades de alto padrão (exceto os locadores), mas de fato beneficia esses proprietários com a valorização de suas moradias num mercado que foi artificialmente restringido. Os poderes arbitrários das comissões de planejamento habitacional, dos conselhos de zoneamento e das agências

ambientais para restringir ou proibir o uso da propriedade privada, conferem a esses organismos a condição de barganhar concessões dos que buscam construir qualquer coisa sob a jurisdição que controlam. Essas concessões podem ser extraídas tanto de forma ilegal, com subornos pessoais, quanto legal, ao forçar o proprietário para que ceda parte da propriedade para a jurisdição local. Por exemplo, na cidade de San Mateo, na Califórnia, a aprovação para o desenvolvimento de um programa de construção habitacional foi condicionado aos construtores sob os seguintes termos: eles tinham que ceder às autoridades locais "12 acres de terra nos quais seria construído um parque público", além de contribuir com US$ 350 mil para o desenvolvimento da "arte pública" e vender 15% das casas abaixo do preço de mercado.[453] O presidente do Supremo, John Marshall, disse que o poder para taxar é o poder para destruir. O poder de regulamentação arbitrária é o poder de extorquir, da mesma forma que o poder de colocar o ônus da prova sobre os ombros do acusado. No caso da moradia, as "condições" extorquidas dos construtores são finalmente pagas pelas pessoas que compram ou alugam as casas ou os apartamentos construídos. A erosão dos direitos de propriedade permitida pelos tribunais afeta até mesmo as pessoas que não têm propriedade, mas que são obrigadas a pagar aluguéis mais caros ou que ficam impossibilitadas de comprar ou alugar em comunidades onde o preço de moradia foi artificialmente inflacionado, por meio de restrições habitacionais que se mostram restritivas até mesmo para a grande maioria das pessoas, exceto para os ricos e poderosos, estabelecendo, assim, um cordão sanitário em torno das comunidades de alto padrão, isolando-as das pessoas de renda média ou baixa. Sejam lá quais forem os "resultados" buscados, em princípio, por aqueles que

exortam o enfraquecimento dos direitos de propriedade, são esses os resultados realmente alcançados. Mesmo aquelas pessoas de média ou baixa renda que já vivem dentro de áreas que neutralizam os direitos de propriedade com restrições arbitrárias de construção podem ser obrigadas a saírem com a subida astronômica dos preços dos aluguéis. Em San Francisco, por exemplo, a população negra foi cortada pela metade, desde 1970, e em outros municípios das áreas costeiras no estado da Califórnia não é raro encontrar um declínio da população negra em dez mil habitantes ou mais, entre os anos de 1990 e 2000, segundo o censo desse período,[454] mesmo considerando o aumento populacional desses locais durante o mesmo período. Um dos muitos problemas advindos de decisões socialmente engajadas é que os resultados reais nunca ficam restritos aos resultados particulares que os juízes tinham em mente, além de serem em geral imprevisíveis. Considerando-se a instauração dos precedentes legais, os "resultados" dessas decisões são poucas vezes reversíveis, não importando o quão distante os resultados reais fiquem em relação ao que era esperado. Reversão do ônus da prova e enfraquecimento dos direitos de propriedade são apenas dois exemplos, entre muitos. ◆ ◆ ◆

CRIMINALIDADE A visão habitual sobre a criminalidade, entre muitos dos intelectuais, tem uma história de no mínimo duzentos anos, mas ganhou destaque e ascendência somente a partir da segunda metade do século XX. A alegação de Louis Brandeis, afirmando que a "ciência social moderna" começara a questionar se a comunidade como um todo não seria tão responsável pelo roubo quanto o próprio ladrão,

ignorava o fato de que imputar o crime à sociedade era uma noção já bastante comum entre os que partilhavam da visão do intelectual ungido, uma tradição que remontava ao século XVlll, o que vale dizer que isso já existia antes do aparecimento da moderna "ciência social",[455] embora essas especulações mais antigas já ensaiassem a prática de se enrolarem no manto da ciência. A visão do intelectual ungido esvazia o aspecto punitivo e reforça os aspectos preventivos procurando, em primeiro lugar, as causas sociais que estão "na base" da atividade criminosa e também investindo, por outro lado, na "reabilitação" dos criminosos. Os temas secundários que gravitam em torno da visão principal incluem a diminuição de responsabilidade pessoal por parte dos criminosos, alegando infâncias infelizes, histórias de vida angustiantes ou outros fatores que, supõe-se, estejam acima do controle dos indivíduos. Teorias conflitantes sobre criminalidade podem ser interminavelmente debatidas e nenhuma dúvida será respondida, ao mesmo tempo que outras questões serão expandidas a dimensões infinitas. O que é relevante em nosso caso, todavia, é o que a evidência dos resultados reais tem nos revelado desde a ascendência da visão dos intelectuais sobre a criminalidade, a qual se tornou dominante, observando a reação dos intelectuais às evidências. Nos Estados Unidos, onde os índices de homicídio declinaram por décadas e estavam, em 1961, abaixo da metade dos índices de 1933, ocorreu uma inversão por ocasião das reformas legais da década de 1960, que se baseavam nas ideias dos intelectuais e eram entusiasticamente apoiadas pela intelligentsia. As novas abordagens foram seguidas, quase que de imediato, por uma reversão daquela longa tendência de queda, e o índice de homicídios dobrou por volta de 1974.[456] Na GrãBretanha, a adoção da mesma visão sobre a criminalidade

foi seguida por abruptas e semelhantes reversões de antigas tendências de queda nos índices de criminalidade. Um estudo constatou: Estudiosos em criminologia traçaram um longo declínio de violência interpessoal desde o final da Idade Média, até que uma abrupta e desconcertante reversão ocorreu a partir da metade do século XX (...) e uma comparação estatística de criminalidade na Inglaterra e em Gales com os Estados Unidos, baseada em dados de 1995, descobriu que das três categorias de crime violento - assaltos, invasões e roubos - os ingleses correm, hoje, muito mais riscos que os norte-americanos.[457] A forma abrupta de reversão de uma tendência de queda duradoura nos índices de criminalidade, em ambos os lados do Atlântico, reduz grandemente a probabilidade de que os resultados tenham sido decorrentes de complexas mudanças sociais, as quais levam anos para se completar. Mas, dentro de um período relativamente curto de tempo, legislações, decisões judiciais e mudanças nas políticas governamentais tanto na Grã-Bretanha quanto nos Estados Unidos reduziram bastante a possibilidade de criminosos serem condenados e punidos por determinado crime, diminuindo também a severidade na aplicação das penas e, do mesmo modo, reduzindo a capacidade dos cidadãos, seguidores da lei, de se defender quando confrontados com um criminoso ou de estar armados para repelir ataques criminosos.[458] Na Grã-Bretanha, a ideologia antiarmamentista é tão forte que até mesmo o uso de armas de brinquedo para defesa pessoal é contestado:

A mera ameaça de estar se defendendo pode também ser considerada ilegal, como descobriu uma senhora idosa. Ela obteve sucesso em assustar e repelir uma gangue de bandidos ao disparar uma bala de festim de uma arma de brinquedo apenas para ser presa sob a alegação de atemorizar terceiros em posse de uma arma de mentira. O uso de uma arma de brinquedo para autodefesa, durante um assalto de domicílio, é também considerado inaceitável, como um proprietário acabou descobrindo ao conseguir imobilizar dois homens que estavam assaltando sua casa. Ele chamou a polícia, mas quando os policiais chegaram, o prenderam por porte ilegal de arma.[459] Os intelectuais britânicos são defensores notórios e veementes do controle de armas. Um artigo de 1965 da New Statesman declarava que armas de fogo em posse de particulares "não serve a nenhum propósito civilizado" e que "a posse ou o uso de pistolas ou de revólveres por civis" era algo que "não pode ser justificado em nenhuma circunstância, seja qual for".[460] Um artigo de 1970, da mesma revista, exortava a aplicação de leis que banissem "todas as armas de fogo", estivessem ou não guardadas, "de toda a população civil".[461] Assim como tantas outras ideias da intelligentsia, a insistência militante pelo controle de armas desafia, contudo, anos de evidências acumuladas, as quais apontam para a futilidade e a contraprodutividade de tais medidas. Por exemplo, um estudo acadêmico em 2001 descobriu que "o uso de armas de fogo nos crimes aumentara em 40% dois anos depois que o porte dessas armas havia sido banido no Reino Unido".[462] Um estudo anterior descobrira que "nos homicídios envolvendo o crime organizado e o

tráfico de drogas nenhuma arma legalizada fora usada, pois todas as 43 encontradas eram ilegais".[463] Da mesma forma, outros estudos indicavam que na Inglaterra e nos Estados Unidos, leis contra a posse de armas não promoveram alterações sensíveis sobre as pessoas envolvidas em atividades criminosas: Em 1954 houve apenas doze casos de assaltos em Londres nos quais uma arma de fogo fora usada, e, sob uma inspeção mais próxima, oito delas eram apenas "supostamente de fogo". Mas os assaltos armados em Londres subiram de quatro, em 1954, quando não havia controle sobre armas de fogo e o dobro de pessoas com licença para porte de pistolas, para 1.400 assaltos em 1981, chegando a 1.600 em 1991. Em 1998, um ano após a proibição de praticamente todas as armas, o índice de assalto à mão armada subiu em mais 10%.[464] À medida que leis de controle do uso de armas se tornavam cada vez mais rígidas na Grã-Bretanha, no final do século XX, os índices de homicídio subiam em 34%, enquanto os índices de homicídio no Canadá e nos Estados Unidos caíam em 34% e 39%, respectivamente. Os índices de homicídio na França e na Itália também estavam declinando em 25% e 59%, respectivamente.[465] A GrãBretanha, com sua insistente ideologia antiarmamentista fomentada pelos intelectuais e pelas elites políticas, mostrou-se uma exceção diante das tendências internacionais. Enquanto isso, durante esse mesmo período, o mercado de vendas de armas para particulares crescia nos Estados Unidos, chegando a um pico de vendas de "quase oito milhões de armas de pequeno porte, das quais quatro milhões compreendiam pistolas e revólveres".[466]

Longe de acarretar mais homicídios, esse foi um período de acentuada queda nos índices de homicídio dentro dos Estados Unidos. No total, havia um número estimado de quase duzentos milhões de armas nos Estados Unidos, e os mais baixos índices de crimes violentos se verificavam onde a incidência de porte de arma pela população civil era mais alta. A mesma situação vale para a Suíça.[467] No entanto, nenhum desses indicadores promoveu qualquer diferença entre a intelligentsia norte-americana e a britânica na maneira de pensar o controle de armas. Na Grã-Bretanha, tanto a ideologia quanto as políticas governamentais têm uma visão negativa também em relação a outras medidas de defesa pessoal. Uma oposição à prática de defesa pessoal pelos cidadãos comuns estendese para além da posse de armas de fogo, reais ou de imitação. Um homem de meia-idade que foi atacado por dois criminosos dentro de um vagão no metrô de Londres "sacou uma espada de dentro de sua bengala, golpeando um dos bandidos". Esse homem foi preso junto de seus agressores sob a alegação de portar uma arma.[468] Mesmo colocar arame farpado em volta de jardins e galpões, os quais haviam sido invadidos por várias vezes, veio a ser proibido pelas autoridades locais que temiam sofrer processo caso um ladrão se machucasse enquanto tentasse entrar na propriedade.[469] Que uma ação como essa fosse levada a sério é outro sinal a indicar as noções predominantes entre os agentes governamentais britânicos. A teoria sobre as "causas sociais" da criminalidade tem se mostrado igualmente imune às evidências em ambos os lados do Atlântico. Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra os índices de criminalidade subiam vertiginosamente bem na mesma época em que as supostas "causas sociais do crime" - pobreza e falta de oportunidades - estavam diminuindo aos olhos de todos. A fim de ridicularizar por completo a teoria das "causas

sociais", os distúrbios nos guetos, que varreram muitas cidades nos Estados Unidos na década de 1960, foram muito menos comuns nas cidades dos estados do Sul, onde a discriminação racial ainda era visível. Além disso, o distúrbio mais letal daquela época ocorreu em Detroit, onde o índice de pobreza da população negra estava 50% abaixo da média nacional, ao mesmo tempo que essa a cidade apresentava o mais alto índice de conquista de casa própria entre a população negra, considerando todas as cidades dos Estados Unidos, além de o índice de desemprego estar na época, em Detroit, em apenas 3,4%, um número menor do que o índice nacional de desemprego da população branca do período.[470] Os distúrbios urbanos fizeram-se mais frequentes durante a administração do presidente Lyndon Johnson, quando foram marcados pela promulgação marcante de uma legislação de direitos civis e uma expansão maciça de programas sociais chamados "guerra contra a pobreza". Por outro lado, tais distúrbios praticamente desapareceram durante os oito anos de administração Reagan, um período de esvaziamento dos programas sociais. Seria difícil conceber uma teoria social que tivesse sido mais consistente e inequivocamente desmentida pelos fatos. Mas nada disso foi suficiente para abalar a crença dos que adotam a teoria das "causas sociais" a fim de explicar a criminalidade. Os Estados Unidos não foram o único país em que a suposta "causa social" para o crime mostrou não possuir qualquer correlação com os reais índices de criminalidade. Na Grã-Bretanha, encontramos a mesma realidade: Diante de tremendas adversidades, a criminalidade violenta despencou durante o século XIX. Da segunda metade do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, os assaltos caíram em

71%, os ferimentos em 20% e os homicídios em 42% (...). Aquela época foi insultada por apresentar todas as doenças que a sociedade moderna atribui como causas da criminalidade pobreza aviltante em convívio direto com prosperidade crescente, surto de favelas, acentuado crescimento populacional, deslocamento de populações, urbanização, dissolução do trabalho familiar, policiamento deficiente e, é claro, uma quantidade enorme de pessoas portadoras de armas de fogo.[471] Mesmo os fatos mais flagrantes podem ser colocados de lado ao se dizer que as causas da criminalidade são "complexas" demais para que sejam abarcadas por "explicações" simplistas. Essa tática retórica expande a questão simplesmente para dimensões irrespondíveis, como prelúdio para se descartar qualquer explicação que não se alinhe com a visão predominante, desconsiderando outras visões como "simplistas" por não conseguirem responder por completo a questão expandida. Mas ninguém é obrigado a dominar as complexidades da lei da gravidade de Newton para saber que pisar para fora do topo de um arranha-céu trará graves consequências. De maneira parecida, ninguém precisa destrinchar as complexidades das inumeráveis razões conhecidas e desconhecidas que determinam a ocorrência de atos criminosos para saber que colocar os criminosos atrás das grades é mais eficiente para reduzir o índice de criminalidade do que quaisquer teorias complexas ou políticas sofisticadas favorecidas pela intelligentsia.[472] Expandir a questão para dimensões irrespondíveis, para então escarnecer qualquer outra resposta não bemvinda como "simplista", é apenas uma das maneiras que a habilidade retórica dos intelectuais tem para se esquivar dos fatos. Outro exemplo, a exigência do retorno da "lei e da

ordem" foi longamente estigmatizado como sinal de racismo explícito, já que os índices de criminalidade entre os negros eram maiores do que entre os brancos. Como foi observado no capítulo 2, um comissário de polícia de Nova York aposentado que tentava relatar, para uma delegação de juízes, o perigo em potencial que representavam algumas de suas sentenças foi literalmente ridicularizado pelos juízes e pelos advogados presentes.[473] Resumindo, a teoria triunfou sobre a experiência, assim como a visão da intelligentsia tem frequentemente triunfado sobre os fatos, e os "ignorantes" foram tratados como não merecedores de qualquer consideração pelos intelectuais ungidos. Atitudes semelhantes têm acompanhado a mesma visão na Grã Bretanha, onde a maior parte da mídia, da academia e da intelligentsia em geral, assim como agentes públicos treinados nas universidades, trata as queixas da população sobre os crescentes índices de criminalidade e as exigências por sérias medidas contra os criminosos como meros sinais de ignorância do público em relação às profundas questões envolvidas. Em ambos os lados do Atlântico, as elites reforçam o lado dos problemas vividos pelos criminosos, ressaltando como os programas sociais serão a solução perfeita para o problema da criminalidade. Nos Estados Unidos, mesmo coisas como "pronta coleta" de lixo foram descritas pelo colunista do New York Times, Tom Wicker, como parte da "justiça social" necessária para conter o crime.[474] Nenhuma quantidade de duras evidências tem se mostrado suficiente para penetrar na bolha blindada da visão da elite britânica. Pelo contrário, todo e qualquer dado a contradizer essa visão tem sido sistematicamente suprimido, censurado ou retoricamente desqualificado pelos agentes britânicos, de forma que a revista britânica The Economist divulgou "uma desconfiança crescente em

relação aos agentes públicos",[475] ao mesmo tempo que a mídia britânica se esforça para que o público se sinta culpado pela prisão do, em parte, pequeno número de criminosos que estão de fato presos.[476] Um caso típico de desdém diante das reclamações do público em geral é a resposta, ou falta dela, às experiências de pessoas que vivem em bairros nos quais instituições de recuperação de criminosos foram criadas: Essas pessoas falam de um pesadelo em vida causado por uma ininterrupta realidade de crimes, intimidações, vandalismos e assédios infligidos por residentes criminosos. Todos esses moradores relataram o fracasso em alertar os políticos locais, a polícia, os agentes de justiça e a promotoria ou qualquer outro organismo público sobre a desesperada situação em que se encontram.[477] Para muitos dos que comungam a visão do intelectual ungido, uma ampla diferença entre as crenças e as preocupações da população em geral e as crenças e as preocupações deles próprios e de seus pares ideológicos não é motivo suficiente para reconsiderações de suas ideias, mas uma fonte de orgulho ao ver-se detentor de uma visão superior. Enquanto isso, nos Estados Unidos, depois que muitos anos de crescimento dos índices de criminalidade criaram suficiente indignação pública para forçar uma mudança na condução das políticas de segurança pública, os índices de encarceramento começaram a subir e os de criminalidade a cair, simultaneamente, pela primeira vez em anos. Os seguidores da visão do intelectual ungido lamentaram o crescimento da população carcerária do país e, quando eles chegavam a reconhecer a queda dos índices de criminalidade, confessavam seu estado de surpresa; como

se fosse uma estranha coincidência que a criminalidade estivesse declinando à medida que um número crescente de criminosos era retirado das ruas. Em 1997, por exemplo, o colunista do New York Times Fox Butterfield escreveu o artigo "A Criminalidade Continua em Queda, mas as prisões Continuam Crescendo", como se houvesse algo de estranho no fato: É apresentado como uma história confortável: por cinco anos seguidos o crime está em queda, juntamente de uma queda nos homicídios. Então, por que o número de detentos nos presídios e nas prisões em toda a nação continua a subir? (...) Já temos, na Califórnia e na Flórida, uma situação em que se gasta mais para encarcerar as pessoas do que se gasta com a educação universitária.[478] A comparação irrelevante entre os custos dos presídios com os custos em educação universitária tornou-se uma marca da crítica contra a política de encarceramentos. Um editorial do New York Times, em 2008, ainda repetia esse argumento e suas lamentações diante de uma crescente população carcerária: Depois de três décadas de um crescimento explosivo, a população carcerária do país alcançou números sombrios: mais de um entre cem americanos adultos está atrás das grades. Um em cada nove homens negros, entre 20 e 34 anos de idade, está cumprindo pena, assim como um em cada 36 homens adultos de origem hispânica. Por toda a nação, a população carcerária paira em torno de 1,6 milhão, o que supera qualquer outro país que apresente números confiáveis. Os 50

estados da federação gastaram no ano passado algo em torno de US$ 44 bilhões de dinheiro público com presídios, US $11 bilhões a mais do que em 1987. Os estados de Vermont, Connecticut, Delaware, Michigan e Oregon transferem tanto ou mais dinheiro para os presídios do que o fazem para a educação superior.[479] Essa não foi, de forma alguma, a primeira vez que índices crescentes de encarceramento foram denunciados pelo New York Times. Anos antes, em 1991, o colunista Tom Wicker, do New York Times, dissera que "crimes violentos não haviam cessado de forma alguma" diante dos crescentes níveis de encarceramento, uma alegação que foi desmentida por estatísticas posteriores. Wicker exortava a aplicação de sentenças mais curtas, assim como "melhorias nos serviços de educação, orientação vocacional e tratamento aos drogados" nas prisões, e deplorava os "temores públicos tomados de pânico e suas reações punitivas".[480] Aqui, como em muitas outras questões, as visões discordantes de terceiros são retoricamente reduzidas a meras emoções ("tomados de pânico"), em vez de serem tratadas como argumentos que precisariam ser analisados e respondidos com fatos. Dentro dos próprios presídios, a mudança de atitude da opinião pública, em face aos presidiários, nos Estados Unidos, teve reflexo em medidas mais severas contra detentos causadores de problemas: Casos de agressão em Folsom caíram 70% em quatro anos, de 6,9 para cada cem detentos em 1985, para 1,9 em 1989.

Apesar de um acentuado crescimento na população carcerária do país durante a década de 1980 e apesar de irrupções ocasionais de violência, como o ocorrido em Rikers Island naquele verão em Nova York, histórias como a de Folsom estão se tornando comuns em todo o país. Os funcionários dos presídios, encorajados por uma opinião pública que não se mostra condescendente com os criminosos, dizem que tomaram maior controle sobre suas instituições. [481]

Evidências concretas sobre a eficiência em se aplicar a autoridade de polícia e de detenção dentro e fora dos presídios não acarretaram qualquer mudança sensível nos que comungam da visão do intelectual ungido tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha. No entanto, uma correlação inversa entre os índices de encarceramento e os de criminalidade foi também encontrada na Austrália e na Nova Zelândia, onde o restabelecimento de uma política de encarceramento mais severa foi seguido por um declínio dos índices de criminalidade.[482] A intelligentsia da Grã-Bretanha tem sido tão imune aos fatos quanto sua contrapartida norte-americana. São abundantes os que se opõem à política de encarceramento tanto na mídia quanto no mundo acadêmico britânico.[483] A revista The Economist, por exemplo, destacou o "vício norte-americano de encarcerar a qualquer custo",[484] colocando em termos de meras emoções tudo aquilo que escapa ao padrão consagrado pela intelligentsia, uma prática adotada nos dois lados do Atlântico. Um oficial de justiça relatou a diferença entre a visão idealizada e a realidade, a partir do que escutou no rádio enquanto dirigia seu carro até seu local de trabalho, a penitenciária. No rádio, um ministro do governo estava sendo entrevistado:

Um radialista notório apresentou sua questão para o ministro com a seguinte afirmação: "Todos sabemos que, neste país, mandamos gente em excesso para a prisão". Essa observação introdutória foi anunciada com grande convicção e segurança; ela transmitia a crença de que tal afirmação era algo que "todos sabiam" e se tornara indiscutível. No entanto, à medida que escutava a entrevista, eu sabia que me dirigia a uma penitenciária que, apesar de sua imensa área repleta de detentos, pois ela servia a muitos tribunais de diferentes distritos espalhados por todo o país, estava, contudo, com apenas metade de sua capacidade preenchida. O que é ainda mais significativo, essa penitenciária fora designada para abrigar condenados na faixa etária de 17 a 20 anos, reconhecida pelo altíssimo nível de criminalidade. Portanto, se algum presídio tivesse que ficar lotado, seria o nosso. No entanto, por alguns anos estivera com a metade de sua capacitação e na maioria do tempo esse número esteve abaixo da metade. Isso se dava no exato momento em que o programa de rádio Today, tomado de convicção, enganava seu público ouvinte sobre o número de criminosos que recebia sentenças de custódia, o Home Office estava traçando planos para fechar nossa penitenciária, assim como muitas outras.[485] Na Grã-Bretanha, assim como nos Estados Unidos, é geralmente tida como axiomática a ideia de que "as prisões não resolvem o problema", como destaca a revista The Economist. A explicação: "Eles podem manter os criminosos longe das ruas, mas falham em desencorajar o crime. Dois terços dos ex-presidiários voltam a cumprir pena três anos

após terem sido soltos".[486] Tornando-se essa linha de raciocínio, a comida mostra-se ineficiente corno resposta à fome porque é apenas uma questão de tempo, depois da ingestão de alimentos, até que alguém sinta fome novamente. Como acontece com muitas outras coisas, o encarceramento só funciona quando está sob vigência. O fato de criminosos cometerem crimes quando não mais estão encarcerados nada diz sobre a eficiência do encarceramento na redução da criminalidade. A questão empírica sobre o impacto no índice de criminalidade ao se manter mais criminosos longe das ruas não foi sequer considerada nessa bombástica desqualificação das prisões como "ineficientes". A ideologia que defende "formas alternativas", eliminando o sistema carcerário, não é apenas uma senha que identifica os membros da intelligentsia britânica, mas é também amparada pelo interesse de alguns setores públicos em reduzir os gastos com presídios. Embora alegações sobre o custo de um detento, comparando-se com o custo de manter um estudante numa universidade cara, tenham se tornado um lugar-comum nos argumentos contra as políticas de encarceramento, a comparação relevante seria entre o custo de manter alguém na prisão versus os custos de deixar um criminoso profissional solto na sociedade. Na Grã-Bretanha, o custo total do sistema penitenciário por ano foi avaliado em £ 1,9 bilhão, ao passo que só o custo financeiro dos crimes cometidos por ano pelos criminosos foi estimado em £ 60 bilhões.[487] Nos Estados Unidos, o custo com o encarceramento de um criminoso é, no mínimo, US $10 mil menor, por ano, do que o custo de deixá-lo solto na sociedade.[488] Na Grã-Bretanha, a ideologia anticarcerária é tão forte que apenas 7% dos criminosos sentenciados acabam atrás das grades.[489] Em dezembro de 2008, o Daily Telegraph de Londres, em sua publicação on-line telegraph.co.uk, relatou:

"Milhares de criminosos isentos de carceragem retomam suas atividades criminosas". O artigo dizia: "Mais de 21 mil criminosos cumprindo sentenças sem custódia cometeram outros crimes no ano passado, gerando dúvidas sobre a garantia do partido trabalhista em tornar as punições uma alternativa mais dura que o encarceramento".[490] A transformação da Grã-Bretanha, forjada pelo triunfo da visão do intelectual ungido, pode ser resumida ao se notar que o país, que já tivera um dos índices de criminalidade mais baixos do mundo, presenciava, no final do século XX, um aumento impressionante de seus índices em várias categorias, ultrapassando os dos Estados Unidos.[491] Um jovem chamado Lee Kuan Yew, visitando a GrãBretanha pouco depois do término da Segunda Guerra Mundial, ficou tão impressionado com o respeito às leis e à ordem do cidadão londrino que retornou para sua nativa Cingapura determinado a transformá-la, varrendo a pobreza e o crime que lá grassavam na época. Mais tarde, como líder da cidade-estado de Cingapura, já por muitos anos, Lee Kuan Yew instituiu políticas que resultaram em níveis de prosperidade inéditos no país, junto de um declínio igualmente acentuado dos índices de criminalidade. No início do século XXI, o índice de criminalidade para cada cem mil habitantes em Cingapura era de 693 e na GrãBretanha era superior a dez mil.[492] Cingapura tinha, de fato, voltado no tempo, adotando políticas e métodos que são agora desdenhados pela intelligentsia como "obsoletos" e "simplistas". Sob a luz do fato de que uma quantidade absolutamente desproporcional de crimes é cometida por um segmento de certa forma pequeno da população, não se apresenta como nenhuma surpresa verificar que, ao se colocar uma pequena fração da população total atrás das grades, verificam-se expressivas reduções dos índices de criminalidade. Todavia, isso não é suficiente para os que

adotam uma visão cósmica de justiça e lamentam que algumas pessoas, sem terem realmente responsabilidade, nascem sob circunstâncias que favorecem o comportamento criminoso mais do que outras que nascem sob circunstâncias melhores. Enquanto os que comungam de tal visão tendem a considerar as circunstâncias econômicas ou sociais fatores promotores de injustiça, a mesma concepção de injustiça, vista sob a mesma perspectiva cósmica, é adotada quando as pessoas nascem num meio ambiente cultural que tende a levá-las a práticas criminosas. No entanto, longe de assumir a temerosa tarefa de tentar alterar as culturas e subculturas, os membros da intelligentsia tornam-se, no entanto, entusiastas da ideologia do multiculturalismo, segundo a qual as culturas são todas equivalentes e a tentativa em se mudar algumas delas é considerada uma intrusão indevida, uma forma de imperialismo cultural. Da mesma forma que acontece com tantas outras noções aparentemente bacanas, a ideologia do multiculturalismo não faz qualquer distinção entre uma definição arbitrária e uma proposição verificável. Isso significa que não distingue entre as palavras que estão na cabeça de um indivíduo e a validade empírica dessas palavras no mundo real. Ainda assim, existem consequências tanto para os indivíduos quanto para a sociedade que se manifestam a partir de fatos concretos do mundo real, não de definições que se encontram na cabeça das pessoas. Empiricamente, a questão sobre a equivalência ou não das culturas torna-se o seguinte: equivalente de que maneira demonstrável? Essa questão é raramente, ou nunca, perguntada e muito menos respondida pela maior parte da intelligentsia. Somando-se às alegações de que a criminalidade pode ser reduzida ao se tratar das supostas "causas sociais", muitos intelectuais também advogam a "reabilitação" de criminosos, o "controle da raiva" e outras

abordagens terapêuticas para a redução da criminalidade não como um simples complemento aos métodos tradicionais de encarceramento, mas como substituto. Assim como outras "alternativas ao encarceramento", essas concepções não são tratadas como hipóteses a serem testadas, mas como axiomas a serem defendidos. Pouco importa quão alto seja o índice de reincidência encontrado entre criminosos que passaram por extensos programas de "reabilitação" ou a quantidade de violência que continua a ser praticada por aqueles que passaram por programas de "controle da raiva", essas noções não estão sujeitas à refutação de evidências. Entre a supressão das evidências, pelos agentes das políticas,[493] e a evasão por meio da manipulação retórica, pelos intelectuais, temos a formação de teorias blindadas, protegidas contra a ameaça da comprovação factual. Valendo-se da mesma moeda, nenhum dos métodos tradicionais de controle da criminalidade, os quais foram suplantados pelos novos métodos em moda, podem ser recuperados e reconsiderados, mesmo diante de fortes evidências factuais. A própria menção às ideias "vitorianas" sobre a sociedade em geral ou o controle da criminalidade em particular garante uma resposta automática de desprezo por parte da intelligentsia. O fato de a era vitoriana ter representado um período de acentuado e constante declínio no alcoolismo, na criminalidade e em patologias sociais em geral tanto na Grã-Bretanha quanto nos Estados Unidos, [494] em contraste às ideias mais modernas com seus resultados opostos em ambos os países, não provoca qualquer diferença na visão da intelligentsia e tais fatos permanecem amplamente desconhecidos entre o público em geral, o qual depende da mídia e dos meios acadêmicos para obter informação. O fato de as medidas de senso comum na contenção de crimes serem realmente eficientes continua a

escandalizar muitos integrantes da intelligentsia. Depois de décadas de controvérsias sobre as formas de se reduzir a criminalidade, saiu em 2009, na manchete do San Francisco Chronicle: "Os Homicídios Despencam com Policiamento Intensivo em Áreas Perigosas". A reportagem começava assim: "O total de homicídios em San Francisco, na primeira metade de 2009, marcou o nono ano consecutivo de queda, caindo em mais de 50% em relação ao ano passado, uma queda que a polícia atribui ao policiamento intensivo em áreas de alta ocorrência de crimes, com o direcionamento de combate ao crime focado nos grupos de pessoas responsáveis pela maior parte das ocorrências policiais".[495] Uns poucos intelectuais - James Q. Wilson sendo o mais proeminente entre eles - nadam contra a maré ideológica quando se trata da questão sobre a criminalidade, mas a maior parte de seu trabalho consiste em mostrar o que está errado com as obras dos intelectuais, cujas teorias sobre a criminalidade e as prescrições para o seu controle são dominantes, mas que na prática levam a criminalidade a índices crescentes. O custo líquido dos intelectuais para a sociedade em relação à criminalidade não inclui somente a vasta quantidade de recursos que são desperdiçados - o que acaba saindo muito mais caro do que manter os criminosos atrás das grades -, mas também o alto custo de sua ideologia, politicamente aplicada, na vida dos cidadãos comuns, os quais sofrem na pele a brutalidade dos crimes e as constantes desmoralização e ameaça diante de bandidos e de agitadores. Caso fosse possível quantificar o custo de se

tomarem as teorias dos intelectuais lei comum, o custo total seria indubitavelmente enorme. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 7

OS INTELECTUAIS E A GUERRA

Tempos ruins para se viver são bons para se aprender. EUGEN WEBER[496]

Como quase todas as demais pessoas, os intelectuais preferem geralmente a paz à guerra. Todavia, como já observado no capítulo 4, ideias sobre como prevenir a conflagração de guerras podem ser fundamentalmente distintas. Assim como acontece com a questão do combate à criminalidade, cuja história remonta no mínimo ao século XVIII, o mesmo ocorre com a visão que os intelectuais têm sobre a paz e a guerra. Ao contrário da visão trágica que enxerga na força militar o instrumento mais eficiente de contenção contra agressores potenciais, a visão dos intelectuais caminha, contudo, na direção das negociações internacionais e dos acordos de desarmamento, vistos pela intelligentsia como meios eficientes de prevenção contra as guerras. Embora os intelectuais tenham uma visão geral sobre as guerras, não existem guerras no geral. A questão real é a seguinte: como os intelectuais habitualmente reagem diante das guerras, em cada caso em particular, ou diante de ameaças de guerra em momentos e circunstâncias específicos? Na medida em que lidamos com intelectuais cuja influência sobre a opinião pública e sobre as políticas governamentais é enorme, isso condiciona nossa investigação aos intelectuais do mundo ocidental de nossa

época e de tempos recentes. Algumas vezes, dentro desse período, os intelectuais mostraram-se ferrenhos defensores dos conflitos armados e, em outras vezes, grandes opositores em relação a outros conflitos. Encontramos elementos na visão dos intelectuais que são consistentes com ambas as situações. Por vezes, a posição dos intelectuais, contrária ou a favor de determinada guerra, parece envolver uma questão temporal, ou seja, se a época referida foi precedida por um longo período de paz ou se, ao contrário, foi uma época cujos horrores de uma guerra recente marcaram indelevelmente a memória das pessoas. O período que levou à conflagração da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, foi um momento histórico em que os Estados Unidos não passavam por uma guerra expressiva, a qual envolvesse uma grande parte da população, por mais de uma geração. Na Europa, já se passara quase um século desde que as guerras napoleônicas haviam devastado o continente. Na Alemanha, durante a metade da década de 1890 - duas décadas depois da guerra franco-prussiana -, muitos intelectuais, incluindo professores universitários, apoiavam os planos belicosos do cáiser para que se construísse uma poderosa e custosa marinha de guerra[497] como parte de uma política internacional mais ambiciosa, apesar de, na época, a Alemanha ser uma potência militar terrestre com poucos interesses coloniais para proteger. Naquela época, foi fácil para muitos intelectuais e outros grupos pensarem na guerra de forma abstrata, encontrando em seu apelo de coesão social e de propósito nacional valores contagiantes e virtudes positivas, ao mesmo tempo que seu devastador custo humano era deixado de lado, esquecido nos recessos mais profundos do pensamento. Mesmo aqueles que tinham consciência sobre a devastação e a carnificina que uma guerra pode gerar falavam, como fez William James, sobre a necessidade de

um "equivalente moral para a guerra ", uma força que pudesse mobilizar as pessoas em função de um propósito e aspirações comuns. Para muitos intelectuais havia a ideia, já há muito consagrada, de se dirigir as massas, uma ideia que incumbia a terceiros a tarefa de dar sentido para a vida delas. Como já observado, o intelectual ungido busca apropriar-se do poder de tomada de decisão, retirando-o das pessoas comuns e repassando-o para os membros da elite intelectual e moralmente atuante, impondo propósitos sociais comuns, os quais se sobrepõem aos propósitos e às decisões individuais que se encontram dispersos entre a população em geral. A guerra cria um cenário no qual tal visão pode prosperar. Cria também muitas outras coisas, de maneira que o efeito gerado é altamente influenciado pelas condições da época. No início do século XX, a Primeira Guerra Mundial apresentou uma grande oportunidade para que a visão do intelectual ungido florescesse, mas também, depois, apresentou um lembrete devastador sobre os horrores da guerra, os quais haviam sido ignorados ou subestimados. A reação adversa do pós-guerra contra os horrores daquele conflito colocaram em andamento uma visão radicalmente diferente sobre a guerra, gerando uma onda disseminada de pacifismo entre os intelectuais. Mas num curto período de poucos anos, mesmo que muitos intelectuais tenham mudado radicalmente a visão que tinham sobre a guerra, o que eles não mudaram foi sua convicção arraigada de que, na posição de ungidos, continuariam agindo como guias, dirigindo as massas, tomando a iniciativa na promoção de políticas governamentais segundo os novos moldes de uma visão oposta às guerras. Esses vários períodos que compõem a história da visão intelectual, ora favorável ora contrária à guerra, precisam ser examinados um a um.

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A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL De várias maneiras, a Primeira Guerra Mundial foi um choque para muitas pessoas. Depois de quase cem anos sem a ocorrência de grandes deflagrações e de maiores conflitos no continente europeu, muitos da civilização europeia começaram a acreditar, ilusoriamente, que a Europa havia superado, de alguma forma, as guerras, relegando-as ao passado. Muitos dos que pertenciam à extrema esquerda acreditavam que a solidariedade internacional entre a classe dos trabalhadores evitaria que trabalhadores de diferentes países lutassem e se matassem nos campos de batalha, pois, era suposto, não agiriam em benefício de seus exploradores. Nos países de ambos os lados do conflito, gerações que não tinham qualquer experiência com a guerra marcharam envoltas em grande exaltação pública, alegria e fanfarra, tomadas de forte sensação de confiança, acreditando que tudo estaria terminado -com a vitória alcançada - num tempo relativamente curto.[498] Poucos eram os que tinham a mínima noção sobre o quanto a tecnologia moderna tornaria aquela guerra no mais letal e desgastante conflito que o mundo já vira, tanto para os soldados quanto para a população civil. Os sobreviventes, por todo o continente, acabariam famintos, vagando entre as ruínas e a destruição da guerra, e os impérios tradicionais seriam despedaçados, jogados ao esquecimento. Mas ainda muito menor era o número daqueles que puderam avaliar o quanto um novo fenômeno monstruoso - o totalitarismo - seria desovado durante o caótico desfecho da guerra. Os intelectuais estavam entre aqueles cujas ilusões seriam brutalmente esmagadas, por todas essas catástrofes da Primeira Guerra Mundial.

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O PERÍODO PRÉ-GUERRA No início do século XX, a única guerra que a maioria dos norte-americanos tinha experimentado fora a Guerra Hispano-Americana, durante a qual o poder esmagador dos Estados Unidos foi suficiente para expulsar rapidamente os espanhóis de suas colônias em Cuba, Porto Rico e nas Filipinas. Ao olhar em retrospectiva para essa guerra, Woodrow Wilson aprovara a anexação de Porto Rico pelo presidente William McKinley, dizendo que os anexados "são corno crianças e nós somos homens maduros nesses assuntos profundos sobre governo e justiça". Wilson desdenhava o que chamava de "lamentações e choramingo anti-imperialista" dos críticos.[499] Assim como para Theodore Roosevelt, mesmo antes de se tornar presidente, ele não fora somente um apoiador da Guerra HispanoAmericana, mas um participante significativo. De fato, foi ao explorar, politicamente, seus feitos militares naquela guerra, como líder de homens conhecidos pelo nome de "cavaleiros destemidos", que Wilson se lançou pela primeira vez como uma figura nacional. Essa foi uma época em que o imperialismo era visto corno missão internacional cuja atividade levaria a democracia para outros lugares. Portanto, foi apoiado por muitos intelectuais da era progressista.[500]O clássico da era progressista, The Promise of American Life, escrito pelo editor da New Republic, Herbert Croly, argumentava que, sem a devida superintendência das democracias ocidentais, a maioria dos dirigentes asiáticos e africanos tinha pouca chance de tornar seus países nações democráticas modernas. Ele dizia: "A maior parte das comunidades asiáticas e africanas só conseguirá ter bom início político ao se submeter à tutela preliminar; e a admissão de tamanha responsabilidade por uma nação europeia representa uma

fase desejável para a constituição da disciplina nacional e frequente fonte de genuíno avanço nacional".[501] Mais genericamente: "Uma guerra movida em nome de um excelente propósito contribui mais para a melhoria humana do que uma mera paz artificial", segundo o próprio Croly. [502]

Embora, pela tradição, muitos intelectuais façam oposição ao imperialismo, isso acontece quando essa política se relaciona aos interesses econômicos, militares, territoriais ou de prestígio político de alguns líderes, mas a ausência de fatores como esses e a existência de motivos ideológicos fazem com que tais intervenções internacionais não se caracterizem como algo universalmente condenável pela intelligentsia. Na verdade, a completa ausência de qualquer interesse nacional em uma intervenção em particular tem sido geralmente tratada pelos intelectuais como sinal verde para se retirar qualquer tom de condenação moral para tal intervenção, embora continue válida em outros casos de imperialismos. Visto sob esse aspecto, um apoio substancial dos intelectuais da era progressiva em prol de intervenções militares norte-americanas em países pobres, dos quais nenhum benefício material de expressão poderia ser esperado, foi muito compreensível, numa época em que tais intervenções não representavam qualquer transtorno aos Estados Unidos, o qual herdara um longo período de paz, fazendo com que a realidade brutal das guerras fosse quase esquecida. Em tais circunstâncias especiais, o imperialismo era visto simplesmente como uma extensão, para além das fronteiras nacionais, da noção de virtude e - de sabedoria especiais do intelectual ungido, o qual deveria guiar a vida de outros povos. O notório editor William Allen White disse que: "Apenas os anglo-saxões podem governar a si mesmos" e "é o destino manifesto dos povos anglo-saxões seguirem em frente como conquistadores do mundo". O jornalista

progressista Jacob Riis, que conhecia Theodore Roosevelt desde os tempos em que ele fora comissário de polícia na cidade de Nova York, disse, em sua cruzada: "Cuba está livre e deveria agradecer ao presidente Roosevelt por sua liberdade". Ele também disse: "Não sou belicista xenófobo, mas quando certas coisas acontecem tenho que me levantar e aplaudir. A forma que a moderna diplomacia norte-americana está conduzindo as questões é motivo de aplausos".[503] Willard D. Straight, financiador e um dos fundadores da revista New Republic, e Herbert Croly, seu primeiro editor, apoiaram as aventuras imperialistas de Theodore Roosevelt. Croly declarava que "a pacificação forçada de um ou mais centros de desordem" no hemisfério ocidental seria uma tarefa para os Estados Unidos, o qual "já teve uma estreia eficiente nesse grande projeto ao pacificar Cuba e ao tentar introduzir um pouco de ordem nas relações entre as turbulentas repúblicas da América Central".[504] Croly não via nenhuma contradição entre os princípios que embasavam as reformas domésticas dos progressistas e o apoio dos progressistas a uma política internacional intervencionista. Longe de obstruir o processo de desenvolvimento doméstico, a guerra e sua política expansionista beneficiaram essa melhora ao despertar as aspirações nacionais, dando um tremendo impulso para o trabalho de reforma nacional (...) o que indiretamente ajudou a colocar na cadeira presidencial o homem que, como já disse, representava tanto a ideia nacional quanto o espírito de reforma.[505] De forma semelhante, John Dewey via a guerra como uma forma de frear "a tradição individualista", à qual ele se

opunha, para o estabelecimento"da supremacia da necessidade pública sobre as possessões privadas”.[506] Woodrow Wilson não apenas acreditava no acerto da intervenção de McKinley sobre as colônias espanholas, mas, como presidente, ordenou a execução de um bom número de intervenções militares na América Latina[507] antes de executar sua maior e mais fatídica intervenção, a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial, que assolava a Europa. ◆ ◆ ◆

OS ESTADOS UNIDOS EM GUERRA O motivo ostensivamente alegado para a entrada dos Estados Unidos no impasse sangrento, em que se arrastava a Primeira Guerra Mundial na Europa, foi movido pela ação de submarinos alemães, os quais afundaram navios de passageiros transportando civis norte-americanos. Mas esses eram navios que entravam em zona de guerra, dentro da qual tanto os britânicos quanto os alemães impunham bloqueios navais, os primeiros por meio de navios de guerra, os segundos usando submarinos e ambos com a explícita intenção de sabotar o fornecimento de material de guerra e de comida para o inimigo.[508] Além disso, o torpedeamento mais famoso realizado pelos submarinos alemães, o afundamento do Lusitania, ocorreu com um navio de passageiros britânico que, como foi revelado anos mais tarde, carregava secretamente suprimentos militares. Pela própria natureza da guerra submarina, esse tipo de máquina de guerra não daria avisos e pausas para que a tripulação e os passageiros desembarcassem antes do torpedeamento. Isso era ainda mais incontornável quando se sabia que muitos dos navios civis que entravam em zona de guerra estavam armados e que, com o advento do rádio, qualquer um deles poderia de pronto avisar outros vasos de guerra, os quais poderiam se dirigir imediatamente para

região a fim de destruir o submarino. Os repentinos ataques dos submarinos - a única forma de operação abaixo das águas adicionavam uma dose extra de terror às mortes de vítimas inocentes. Porém, foi a insistência de Woodrow Wilson sobre o direito que teriam os norte-americanos de ultrapassar os bloqueios navais durante um período de guerra que acabou criando o cenário para essas tragédias. Ele tinha ao seu lado convenções internacionais criadas antes que os submarinos se tornassem fator vital da guerra marítima. Finalmente, ele transformou o caso da guerra submarina alemã contra navios que se dirigiam a portos inimigos o motivo central de seu apelo ao Congresso, em 1917, para a declaração de guerra contra a Alemanha. Se esse era o motivo real de Wilson para se lançar à guerra ou, em vez disso, apenas uma desculpa para lançar uma cruzada ideológica internacional não está claro, especialmente diante da própria mensagem de guerra e das subsequentes afirmações e ações do presidente Wilson. Ao declarar sua mensagem de guerra no Congresso, Wilson não se conteve em suas críticas à natureza autocrática do governo alemão e em seu comentário sobre "coisas animadoras que aconteceram na Rússia nas últimas semanas",[509] com a deposição do governo autocrático do czar. Isso se alinhava com sua caracterização mais famosa sobre a Primeira Guerra Mundial, como uma guerra pela qual "o mundo precisa se tornar seguro para a democracia", [510] e seus posteriores esforços pós-guerra para refazer nações e impérios sob a imagem de sua visão, de como eles deveriam ser - o que era a continuação, numa escala maior, de suas políticas intervencionistas na América Latina. Antes que a guerra terminasse, Wilson exigiu publicamente "a destruição de todo o poder arbitrário que possa, em qualquer lugar e de forma separada, secreta e isolada, perturbar a paz do mundo". Isso não era uma

retórica vazia. Wilson enviou uma nota para a Alemanha exigindo que o imperador Guilherme abdicasse.[511] Assim como muitos outros intelectuais, Wilson retratava suas ações ideológicas, tomadas sem motivos materiais, como se estivessem de alguma forma num plano moral superior às ações tomadas em vista do desenvolvimento econômico dos indivíduos ou dos interesses territoriais das nações[512] - como se sacrificar inúmeras vidas para permitir que o intelectual ungido desempenhasse seu papel histórico no mundo, avançando sua visão, não significasse, no mínimo, o mesmo nível de egoísmo e endurecimento que a busca por fins materiais determina. Mais tarde, Adolf Hitler diria: "Tenho que adquirir imortalidade, mesmo que para isso toda a Alemanha pereça no processo".[513] Woodrow Wilson era muito moralista para dizer tal coisa, mas tendo-se em vista a capacidade que o ser humano tem para justificar, com verniz racional, suas paixões, a diferença real não é muito grande. Gastar sangue e recursos de uma nação para o engrandecimento de seus ideais foi um modelo adotado por muitos intelectuais da época, assim como em períodos posteriores. Além disso, da mesma forma que muitos outros assuntos tratados pelos intelectuais, as políticas e as ações de Woodrow Wilson não foram, em grande parte, julgadas por suas consequências empíricas, mas avaliadas segundo sua adequação à visão do intelectual ungido. Entre progressistas e outros membros da esquerda que apoiaram o presidente Wilson em seus esforços de guerra estavam Herbert Croly, John Dewey, Clarence Darrow, Upton Sinclair, Walter Lippmann, John Spargo e George Creel, um excaluniador que encabeçava a propaganda dos esforços de guerra para a administração Wilson. Dewey, por exemplo, declarou: "Sou um completo e total simpatizante da parte desempenhada por este país nesta guerra e desejo ver

todos os recursos empregados para o sucesso da operação". [514]

Considerando-se que Wilson fora, durante boa parte de sua vida adulta, o símbolo máximo do intelectual acadêmico, é certamente esperado que suas palavras como presidente encontrassem ressonância, inúmeras vezes, entre muitos outros intelectuais, conquistando abundantes elogios. Por exemplo, um dos discursos de Woodrow Wilson sobre o direito de autodeterminação dos povos, em 1916, provocou as seguintes reações: Por exemplo, o presidente da Faculdade Williams comparou-o ao discurso de Gettysbury. Walter Lippmann, usando a doutrina Monroe como ponto de referência, escreveu: "Em seu significado histórico é facilmente o evento diplomático mais importante que nossa geração conheceu". Hamilton Holt proclamou que o discurso "não deixa a desejar em sua importância política diante da Declaração da Independência". Num editorial intitulado "A Grande Fala do sr. Wilson", a New Republic sugeria que o presidente tinha verbalizado "um ponto de virada decisivo na história do mundo moderno".[515] Não só a história fracassou em ranquear as observações do presidente Wilson com os pronunciamentos com os quais elas foram comparadas, mas naquela época, seu próprio secretário de Estado, Robert Lansing, encontrava-se profundamente confuso com o conceito de autodeterminação dos povos. Ele escreveu em seu diário: Essas frases certamente vão causar problemas e irritação. O presidente é um orador nato. Ele

admira os aforismos e se rejubila em formulá-los. Mas quando chega o momento de aplicá-los na prática, ele se torna tão vago que começamos a duvidar do valor dessas coisas. Ele aparentemente nunca prevê aonde suas palavras vão levar ou como elas serão interpretadas pelos outros. Na verdade, ele parece não se importar, desde que suas palavras soem bonito. O dom de falar bem pode se tornar uma maldição, a menos que as frases sejam colocadas ao teste de aplicações práticas antes de serem pronunciadas.[516] Dez dias mais tarde, o secretário Lansing retornou a esse mesmq assunto em seu diário: A frase está simplesmente carregada de dinamite. Levantará esperanças que nunca poderão ser cumpridas. Temo que isso custe milhares de vidas. No fim está destinada ao descrédito, a ser chamada de o sonho de um idealista que fracassou em perceber o perigo até que fosse tarde demais para conter aqueles que tentaram colocar o princípio sob vigência. Que calamidade que a frase foi pronunciada! Quanta miséria isso causará ! Pense nos sentimentos do autor quando ele contar os mortos que morreram porque ele pronunciou uma frase![517] É importante observar que Lansing não alcançou apenas uma conclusão diferente da dos admiradores de Wilson. Ele aplicou um critério inteiramente diferente resultados concretos, em vez de ressonância com uma visão consagrada. A viabilidade militar, econômica e social das nações criadas por decreto depois da Primeira Guerra Mundial não foi uma questão que os vitoriosos tiveram

tempo suficiente para investigar, muito menos para responder. Assim como em outros inúmeros contextos nos quais "os povos" são invocados, os povos concretos tiveram, na realidade, pouco a dizer a respeito das decisões tomadas. A chamada autodeterminação dos povos era, de fato, a determinação do destino de muitos povos feita por estrangeiros, os quais se apoderaram do papel de tomadores de decisão, como substitutos, ao mesmo tempo que não tinham nem o grau de conhecimento nem a responsabilidade pelas consequências, as quais acabaram sendo desastrosas.[518] Embora o conceito de autodeterminação dos povos esteja associado ao presidente Wilson, a ideia de uma completa redefinição das fronteiras nacionais já pairava na atmosfera intelectual. H. G. Wells, em 1914, escrevera sobre a necessidade de "uma Europa pacificada e remapeada"[519] depois da guerra e disse: "Estamos agora lutando por um novo mapa da Europa".[520] Em outras palavras, a visão do intelectual ungido moldaria a vida de milhões de outras pessoas, incluindo a vida de nações estrangeiras inteiras, a visão posteriormente expressa e realizada pelo presidente Woodrow Wilson. Escrevendo em 1915, Walter Lippmann, que se tornaria, quatro anos mais tarde, membro da delegação do presidente Wilson em Paris, percebera a brutal falta de conhecimento sobre os povos cujos destinos estariam sendo debatidos, mas que eram tratados como se fossem peças de um tabuleiro de xadrez, arranjadas em função de um grande esquema: Estamos imersos em mapas, falando sobre povos e populações como se fossem massas abstratas, sintonizando nossa mente em uma escala jamais ouvida na história (...). Quando você pensa sobre o mistério que representa a simples zona leste de

Nova York, para os que moram no lado oeste da mesma cidade, o negócio de organizar o mundo para a satisfação das pessoas que nele vivem assume suas proposições verdadeiras.[521] A ideia de fazer com que cada "povo" tenha sua própria terra ignora tanto a história quanto a demografia, para não falar de economia e segurança militar. As localizações dos povos e das fronteiras nacionais já haviam mudado repetida e drasticamente por toda a história. Boa parte dos territórios no mundo, assim como a maior parte dos territórios dos desmembrados impérios Habsburgo e Otomano, pertenceram a diferentes soberanias, em diferentes períodos da história. Nesses impérios, o número de cidades com múltiplos nomes provindos de línguas distintas deveria ter funcionado como indicação clara sobre a realidade histórica, assim como as mesquitas convertidas em igrejas e as igrejas convertidas em mesquitas. A ideia de resgatar minorias oprimidas ignorava o prospecto até se tornar realidade - de que as minorias oprimidas, ao se tornarem grupo governante de suas próprias nações, iniciariam imediatamente o processo de opressão de outras minorias agora sob seu controle. A solução encontrada por Wilson e aplaudida pelos outros intelectuais se fazia tão ilusória quanto perigosa. Estados pequenos e vulneráveis criados a partir do desmembramento do Império Habsburgo foram posteriormente arrebanhados, um por um, por Hitler durante a década de 1930; uma operação que teria sido muito mais difícil e temerosa caso ele tivesse que enfrentar um Império Habsburgo unido. O dano causado estendeu-se para além dos pequenos estados, pois mesmo um estado maior como a França ficou muito mais vulnerável depois que Hitler tomou controle dos recursos militares e materiais da Tchecoslováquia e da Áustria. Hoje em dia, a Otan é, de

fato, uma tentativa de proteger Estados individualmente vulneráveis, agora que os impérios dos quais alguns deles faziam parte foram dissolvidos. Assim como aconteceu com outra frase arrebatadora de Wilson, "O mundo precisa se tornar seguro para a democracia",[522] os resultados reais e concretos de suas políticas levaram à direção exatamente oposta - ao surgimento de brutais regimes totalitários, os quais substituíram os governos autocráticos na Rússia, na Itália e na Alemanha. Apesar das "promissoras" notícias sobre a queda do governo czarista na Rússia, à qual Wilson se referiu em seu discurso pedindo ao Congresso que declarasse guerra à Alemanha, o regime de Kerensky que se seguiu foi prejudicado pela administração Wilson, a qual cedeu empréstimos à Rússia, que deles precisava desesperadamente, sob a condição de que o país continuasse a lutar uma guerra desastrosa, impopular e sem sinal de vitória, o que levou, dentro de um ano, à revolução bolchevique, inaugurando um dos regimes totalitários mais sangrentos do século XX. Resumindo, o fim da autocracia na Europa, que Wilson e a intelligentsia, em geral, acolheram de forma tão festiva, não trouxe à cena promissores governos democráticos, esperados para substituir o antigo modelo, mas essas autocracias foram substituídas por regimes muito piores. Os czares, por exemplo, não executaram tantos prisioneiros políticos em 92 anos como os soviéticos executaram em um único ano.[523] Assim como em outros contextos, os intelectuais tendiam a agir com base em incessantes críticas e uma oposição militante às deficiências dos governos existentes para que isso levasse à "mudança" que, implicitamente, era tida para melhor, a despeito das muitas vezes em que as mudanças foram, de fato, para pior. Wilson representava também o máximo dessa posição intelectual. Anos mais

tarde, outros governos autocráticos denunciados por outras gerações de intelectuais na China, no Irã ou em Cuba foram seguidos por regimes totalitários muito mais brutais e internamente repressivos, além de serem mais perigosos em suas políticas internacionais. Os efeitos da administração Woodrow Wilson para a democracia dentro dos Estados Unidos foram, da mesma forma, negativos, apesar de toda a retórica para tornar o mundo mais seguro para a democracia. A imposição de restrições de guerra sobre as liberdades civis foi propagada de forma muito mais intensa durante o envolvimento, de certo modo breve, dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial toda ela combatida fora do país e do outro lado do oceano - do que foi durante o envolvimento muito mais longo dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, quando o conflito esteve muito mais perto de casa, com os ataques japoneses à base naval de Pearl Harbor e a invasão das ilhas Aleutas, além dos ataques de submarinos alemães aos navios norte-americanos ao longo da costa leste dos Estados Unidos. Algumas das decisões marcantes da Suprema Corte, em relação à liberdade de expressão, vieram como resposta às tentativas da administração Wilson em silenciar os críticos sobre a forma como a Primeira Guerra fora conduzida. Durante o período relativamente breve do envolvimento militar norte-americano na Primeira Guerra Mundial - um pouco mais de um ano e meio -, um pacote singularmente expressivo de regulamentações federais sobre a condução da vida interna dos Estados Unidos entrou em vigência, confirmando a visão intelectual dos progressistas que viam a guerra como uma oportunidade valiosa para substituição dos processos tradicionais de tomada de decisões, baseados em mecanismos socioeconômicos individuais para a implantação de formas coletivistas de controle e de doutrinação. Assembleias, comissões e comitês foram rapidamente criados e

colocados sob a direção do Conselho da Indústria de Guerra, o qual passou a governar boa parte da economia, estabelecendo racionamentos e fixando preços. Enquanto isso, o Comitê de Informação Pública, descrito de forma correta como o "primeiro ministério moderno de propaganda do Ocidente", era criado e administrado pelo progressista George Creel, que tomou como missão tornar a opinião pública uma única e compacta "massa quente" de apoio aos esforços de guerra em nome de "100% de americanismo", rotulando todo aquele que "se recusasse a apoiar o presidente durante essa crise" como "pior que um traidor". [524]

À medida que o público sofria o ataque da propaganda em escala maciça - com dezenas de milhões de panfletos e com "estudos de guerra" criados nas faculdades e nas universidades, por exemplo - uma Lei de Sedição foi promulgada, a qual proibia "exortação, impressão, escrita ou publicação de qualquer tipo de linguagem desleal, caluniosa, abusiva ou profana sobre os governos ou os militares dos Estados Unidos". Até mesmo a revista próguerra New Republic foi alertada de que correria o risco de ser banida dos correios se continuasse a publicar anúncios do Centro Nacional das Liberdades Civis.[525] Toda essa operação foi promovida pelos progressistas - não de forma gratuita, mas consistentemente alinhada com sua visão dirigista, a visão do intelectual ungido que toma o controle das massas em nome de objetivos coletivos, os quais se sobrepõem às decisões individuais que os progressistas veem como caóticas. A grande ironia era que todo esse aparato de repressão econômica, política e social foi justificado como parte dos esforços de uma guerra movida para que "o mundo se torne seguro para a democracia"-um objetivo que se encontrava, por sua vez, muito longe da causa ostensiva para a declaração de guerra, a guerra submarina alemã.

Assim como as repercussões do envolvimento norteamericano na Primeira Guerra Mundial não cessaram com o término da guerra, da mesma forma as repercussões das políticas domésticas da administração Wilson também não cessaram com seu final. Por exemplo, para John Dewey, o orquestrado controle governamental sobre a economia demonstrava "as possibilidades concretas de regulamentação governamental sobre os negócios privados" e esse "controle público" era visto como de implantação "ridiculamente fácil".[526] Como acontece em outros lugares, ordens governamentais foram manipuladas de forma retórica, transformando-se em eufemismos politicamente mais aceitáveis como "controle público", e a facilidade em se impor tais regulamentações foi interpretada como sucesso em se alcançar os objetivos proclamados. Além disso, depois que as regulamentações de guerra foram instituídas, a própria administração Wilson logo passou e não pode determinar os efeitos duradouros de suas políticas em épocas de paz. O público, comportando-se de forma diferente dos que faziam uso de eufemismos, repudiou a linha progressista de Wilson nas urnas, elegendo administradores conservadores por toda a década de 1920. Porém, a experiência inebriante de intervenção governamental e controle da economia em tempo de guerra moldou o pensamento de muitos indivíduos, os quais seriam, depois, apoiadores ou participantes da administração do New Deal durante a década de 1930, encabeçados pelo segundo-secretário da Marinha do governo Wilson, Franklin D. Roosevelt. ◆ ◆ ◆

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL OS INTELECTUAIS E O PERÍODO ENTREGUERRAS Se por um lado a Primeira Guerra Mundial reforçou as tendências dirigistas tanto da intelligentsia quanto de muitos na arena política, por outro ela devastou antigas noções adotadas pelos intelectuais, que viam a guerra, domesticamente, como um tônico social benéfico ou um meio para disseminação de políticas progressistas no âmbito internacional. Embora os intelectuais tivessem apoiado as políticas de intervencionismo militar de Woodrow Wilson na América Latina e na Europa, os horrores e as devastações sem precedentes da Primeira Guerra Mundial reorientaram quase toda a comunidade intelectual do mundo ocidental, a qual se alinhou na direção contrária, em direção ao pacifismo militante. Na verdade, o pacifismo tornou-se uma atitude universal entre boa parte da população em geral e, portanto, uma força política poderosa nas nações democráticas. Não importa quão drasticamente os intelectuais foram forçados a mudar sua mente com o despertar da Primeira Guerra Mundial, de qualquer forma eles continuaram convencidos, como sempre, de que suas visões sobre os assuntos de guerra e paz eram muito superiores às visões do público em geral. Parte da razão para a universalização da visão pacifista foi circunstancial- em especial as experiências sombrias e chocantes da Primeira Guerra Mundial - e parte foi devido à reação do público em geral às circunstâncias, em particular a intelligentsia e de forma mais aguda a intelligentsia francesa, uma das mais

diretamente afetadas pelos horrores da guerra dentre as democracias ocidentais. Os próprios fatos da guerra eram desoladores: Por volta de 1,4 milhão de franceses perderam a vida; e mais de um milhão ficaram envenenados, desfigurados, mutilados, amputados e deixados em estado de invalidez permanente. Cadeiras de rodas, muletas ou mangas de camisas balançando soltas ou enfiadas nos bolsos se tornaram cenários comuns. Um número ainda maior sofrera algum tipo de ferimento: metade dos 6,5 milhões que sobreviveram à guerra contraiu ferimentos graves. E de forma mais visível, havia 1,1 milhão de franceses que foram evidentemente diminuídos e eram descritos como mutilés, um termo que a língua inglesa prefere encobrir com o eufemismo "deficiente".[527] Em seu front ocidental, boa parte da guerra foi lutada em território francês, e a França sofreu enormes baixas durante a Primeira Guerra Mundial. Mais de um quarto de todos os franceses entre 18 e 27 anos pereceram no conflito.[528] Além disso, nem os custos humanos nem os financeiros cessaram após o término das hostilidades. Embora antes da guerra a população francesa masculina fosse praticamente igual à feminina, as enormes baixas de guerra entre jovens franceses determinou que, durante a década de 1930, o número de mulheres entre 20 e 40 anos de idade excedesse o número de homens na mesma faixa etária em mais de um milhão - o que significava que mais de um milhão de mulheres que atravessavam o auge da vida adulta não poderiam realizar as expectativas tradicionais de se tornarem esposa e mãe. Durante a década de 1930, não houve número suficiente de bebês,

nascidos na França, para repor as pessoas que morreram durante o mesmo período.[529] O sentimento de confiança no governo francês também desmoronou na medida em que pessoas que haviam, por patriotismo, investido em fundos para ajudar a financiar a Primeira Guerra Mundial viram os valores desses fundos serem drasticamente reduzidos pela inflação, dissipando as poupanças de toda uma vida de muitos cidadãos. Portanto, em nenhum outro país se apresentava campo mais fértil para o florescimento do pacifismo militante e a desmoralização da pátria e nenhum criou mais de ambos do que a intelligentsia francesa. Romances críticos à guerra e memórias de veteranos encontraram um amplo mercado na França. Uma tradução do clássico livro antibelicista Nada de Novo no Front vendeu 72 mil cópias em dez dias e quase 450 mil cópias durante o período natalino. O jornal L'Humanité contou a história do livro em série e a revista Vie Intellectuelle elogiou a obra. Em 1938, o ano do apaziguamento de Munique, o jornal Echo de la Nievre disse: "Qualquer coisa menos a guerra". [530] O romancista francês Jean Giono, um crítico antigo de seu governo, também exortava a aceitação dos termos de Hitler em Munique.[531] Tendências muito parecidas também dominavam o público britânico durante os anos entre as duas Guerras Mundiais: No final da década de 1920 e início da década de 1930, a atmosfera pacifista era abastecida por um fluxo de memórias e romances que exploravam os horrores da Grande Guerra. Livros como Death of a Hera [Morte de um Herói], de Richard Aldington, e Memoirs of a Fox-hunting Man [Memórias de um Caçador de Raposas], de Siegfried Sassoon, foram publicados em 1928. Goodbye to Ali That [Adeus a Tudo Isso], de Robert Graves, Adeus às Armas, de

Ernest Hemingway, e Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque, apareceram em 1929. O filme de Lewis Milestone sobre o livro de Remarque causou grande impacto.[532] Somando-se aos muitos romances antibelicistas sobre a Primeira Guerra Mundial, em torno de oitenta ou mais livros sobre os horrores de futuras guerras foram publicados na Grã-Bretanha entre as duas Guerras Mundiais. [533] Um dos movimentos intelectuais mais notáveis da década de 1920 foi aquele que lançou ao mundo todo a ideia de que as nações deveriam se reunir e publicamente renunciar aos conflitos armados. O proeminente intelectual britânico Harold Laski colocava a questão da seguinte maneira: "A experiência sobre as terríveis dimensões de um conflito mundial parece ter convencido a melhor parte dessa geração que o efetivo banimento da guerra se apresenta como única alternativa razoável contra o suicídio em massa".[534] Nos Estados Unidos, John Dewey criticava os céticos com relação ao movimento para a renúncia internacional da guerra como pessoas "estupidamente presas a uma mentalidade ligada aos velhos hábitos". Ele era firme em seu apoio a esse movimento, que desembocou no pacto Kellogg-Briand de 1928. Dewey via os argumentos contrários à renúncia da guerra como provenientes "dos que acreditam no sistema da guerra".[535] Para Laski, Dewey e outros a questão não se restringia apenas a uma hipótese sobre a condução da guerra e da paz versus outra hipótese, mas emergia como certeza do intelectual ungido versus a posição dos ignorantes, os quais eram desconsiderados com desprezo, em vez de terem seus argumentos respondidos. Ser pacifista durante as décadas de 1920 e 1930 tornou-se motivo de prestígio e frases de cunho pacifista facilitavam a admissão nos círculos de vaidades e de lisonjas das elites. Durante uma reunião do partido

trabalhista britânico, o economista Roy Harrod ouviu uma candidata proclamar que a Grã-Bretanha deveria se desarmar "como exemplo para os outros", um argumento bastante comum na época. A resposta dada por Harrod e a réplica que provocou retrata o espírito da época: "Você acha que nosso exemplo fará com que Hitler e Mussolini se desarmem?", perguntei. "Oh, Roy", ela disse, "será que você perdeu todo seu idealismo?".[536] Sob o mesmo espírito, outros ostentavam seu pacifismo em termos pessoais, em vez de políticos. O escritor J. M. Murry disse: "O que importa é que homens e mulheres deem testemunho".[537] Todavia, a pacifista Margery South opunha-se a esse tipo de pacifismo, o qual poderia se tornar uma "preciosa" doutrina "cujo objetivo será a regeneração do indivíduo, em vez da prevenção da guerra".[538] Aqui, como em outros casos, a visão do intelectual ungido servia aos intelectuais, e não se tratava apenas de resolver a questão concreta. Assim como Margery South, John Maynard Keynes também se opunha à criação de políticas nacionais baseadas "na exortação para se salvar a própria alma".[539] Considerando-se o alto envolvimento psíquico dos pacifistas com sua causa, não surpreende o fato de que aqueles com opiniões contrárias sobre questões de guerra e paz, assim como em outras questões, fossem, em vez de respondidos, demonizados e tratados corno inimigos pessoais ou corno pessoas que os ameaçavam. Corno foi observado no capítulo 4, Bertrand Russell afirmava que o sujeito que se opunha ao pacifismo era alguém que se "deleita com a guerra e odiaria viver num mundo onde a

guerra fora eliminada".[540] Num estado de espírito semelhante, H. G. Wells falava sobre urna substancial porção de "seres humanos que definitivamente gostam das guerras e, conscientes disso, querem e buscam a guerra". [541]

Kingsley Martin, durante muito tempo editor da influente revista New Statesman, também caracterizava Winston Churchill, em 1931, corno alguém cuja mente "está confinada a um molde militarista", corno urna explicação psicológica para entender a campanha de Churchill pela "manutenção da força total do exército francês e da marinha britânica".[542] Mais genericamente, Kingsley Martin tratava os que tinham visões contrárias às suas, em relação à condução da guerra e da paz, corno pessoas com problemas psicológicos, em vez de apresentar argumentos que precisariam ser respondidos com outros argumentos: Ter um inimigo estrangeiro à espreita no horizonte nos permite odiar e preservar nossa boa consciência (...). É somente durante os tempos de guerra que conquistamos um completo passaporte moral, quando todas as coisas que aprendemos aos pés de nossas mães, todas as inibições morais impostas pela educação e pela sociedade podem ser descartadas sem culpa, quando se pode participar livremente do jogo sujo, quando a mentira se torna um dever e matar não é mais considerado assassinato.[543] Dessa forma, a insignificância dos oponentes é tomada como axiomática, esvaziando-se quaisquer argumentos contrários às posições pacifistas. Kingsley Martin não foi o único a usar esse tipo de artimanha. No Parlamento, os colegas de Churchill eram igualmente desdenhosos.[544]

Essas visões não eram peculiares aos intelectuais britânicos e norte-americanos. A intelligentsia francesa desempenhou um papel fundamental na promoção da causa pacifista entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Mesmo antes de o Tratado de Versalhes ser assinado, o internacionalmente renomado escritor francês Romain Rolland, vencedor do Grande Prêmio de Literatura da França, depois eleito à Academia de Ciências da Rússia e ganhador do prêmio Goethe, além de ter recebido o prêmio Nobel de Literatura, divulgara um manifesto conclamando os intelectuais de todos os países para que se opusessem ao militarismo e ao nacionalismo e caminhassem em direção à paz.[545] Em 1926, proeminentes intelectuais de vários países assinaram uma petição, internacionalmente divulgada, exortando pelo "passo definitivo ao completo desarmamento e à desmilitarização da mentalidade entre as nações civilizadas". Dentre os signatários, encontramos H. G. Wells e Bertrand Russell na Inglaterra e Romain Rolland e Georges Duhamel na França. A petição exortava o banimento do serviço militar, em parte "para livrar o mundo do espírito do militarismo".[546] Por trás de tais argumentos se encontrava a suposição crucial de que o desarmamento físico e o moral seriam necessários para se sustentar a paz. Tanto nessa petição quanto em outras declarações afirmando visões semelhantes, não há qualquer preocupação com o fato de que ambos os tipos de desarmamento deixariam as nações desarmadas muito vulneráveis, à mercê de outras nações que resolvessem não adotar os mesmos princípios, o que então tornaria uma nova guerra algo muito mais atraente para as últimas na medida em que as chances de vencê-la aumentariam tremendamente. Hitler, por exemplo, baniu o clássico antibelicista Nada de Novo no Front, uma vez que ele não queria saber de desarmamento físico ou moral para

a Alemanha, mas não deixou de observar com cuidado o fenômeno se desenrolar nas democracias ocidentais enquanto tramava seus movimentos para capturá-las. Os pacifistas dessa época pareciam não levar em consideração que outras nações poderiam ser reais inimigos potenciais, mas avaliavam a guerra como o inimigo a ser debelado, juntamente das armas de guerra e daqueles que as fabricavam, "os mercadores da morte", que se tornou, na época, o termo da moda, além de título de um best-seller lançado em 1934.[547] Os "mercadores da morte caminham gordos e satisfeitos", declarava John Dewey, em 1935.[548] Romain Rolland os chamava de "negociantes do massacre". [549] H. G. Wells disse: "O equipamento bélico seguiu cegamente o avanço industrial até que se transformasse num perigo monstruoso e imediato para a sociedade".[550] Harold Laski falava sobre a "malignidade dos armamentos". [551] Aldous Huxley referia-se aos navios de guerra como insetos "repugnantes", um "imenso besouro acocorado na água exibindo toda sua venenosa couraça, da qual se pronunciam instrumentos de destruição, cada cerda uma arma, cada poro um escape para torpedos", e complementava: "O homem criara esse enorme e odioso modelo de inseto com o explícito propósito de destruir outros homens".[552] Os pacifistas não viam as forças militares como agentes de dissuasão diante das forças militares de outras nações, mas como influências malignas em e por si mesmas. J. B. Priestley, por exemplo, disse que "devemos desencorajar qualquer crescimento armamentista", explicando que "a escalada armamentista fomenta o medo". Além disso: "Uma vez que uma nação esteja pesadamente armada, ela é obrigada a flertar com a possibilidade da guerra, e do mero flertar para a real deflagração da guerra é necessário apenas um pequeno passo".[553] O notório escritor E. M. Forster, autor de Passagem para a Índia, disse

que ficara "chocado" ao perceber que suas ações na Imperial Chemical eram ações de uma empresa que poderia, em potencial, produzir armas de guerra, embora não fosse, na época, uma empresa "armamentista". Dessa forma, ele vendeu imediatamente todas suas ações. Um ano mais tarde ele comentou: "Uma das razões pelas quais votei no partido trabalhista, na semana passada, foi minha esperança de que ele não nos arme adequadamente: isso seria, usando uma linguagem mais decorosa, suficiente para nos afastar da corrida armamentista, cujo desastre parece estar assegurado".[554] A visão de considerar as armas, em vez de outras nações, como o perigo real, não foi apenas uma moda intelectual, mas acabou criando sólidas bases políticas, as quais foram aplicadas nas agendas dos governos e nos acordos internacionais, começando pelos Acordos Navais de Washington de 1921-1922, assinados pelas principais potências navais do mundo para que se limitassem o número e o tamanho dos vasos de guerra, um acordo que foi saudado por john Dewey, dentre outros,[555] e o pacto Kellogg-Briand de 1928, o qual renunciava a guerra. "Fora com os rifles, as metralhadoras e os canhões!", dizia o ministro do Exterior francês, Aristide Briand,[556] coautor do pacto Kellogg-Briand. Em uma carta para a New Republic, em 1932, Romain Rolland exortava: "Unam-se, todos vocês, contra o inimigo comum. Abaixo a guerra!".[557] Mais tarde, Georges Duhamel, ao olhar retrospectivamente para os pacifistas franceses do período entre-guerras, incluindo a si mesmo, resumiu a abordagem então adotada, que evitava considerar outras nações como inimigas potenciais: Nós, franceses, por mais de doze anos não poupamos esforços para esquecer o que, de fato, sabíamos sobre a Alemanha. Sem dúvida que foi um ato imprudente, mas brotou de um desejo

sincero, de nossa parte, de alcançar harmonia e colaboração. Estávamos dispostos a perdoar. E que estávamos dispostos a perdoar? Algumas coisas muito horríveis.[558] A visão da própria guerra como o inimigo, em vez de observar o comportamento de outras nações, começou a se difundir logo depois do término da Primeira Guerra Mundial, assim como a ideia de que o patriotismo deveria ser superado pelo internacionalismo em nome dos interesses pela paz. Dirigindo-se, em 1919, aos professores escolares, Anatole France exortava para que eles usassem a escola como ferramenta para se promover o pacifismo e o internacionalismo. "Ao ensinar as crianças, vocês determinarão o futuro", ele dizia. "O professor deve fazer a criança amar a paz e suas obras; ele deve ensiná-la a detestar a guerra; ele banirá da educação tudo aquilo que excita ódio ao estrangeiro, mesmo o ódio ao inimigo de ontem", ele complementava. Anatole France declarava que "precisamos nos tornar cidadãos do mundo ou veremos todas as civilizações perecerem".[559] Durante as duas décadas seguintes, ideias como essas se tornaram dominantes nas escolas francesas. Um papel central na disseminação do movimento pacifista na França foi desempenhado pelas escolas ou, mais especificamente, pelos sindicatos de professores franceses, que na década de 1920 deram início a uma série de campanhas organizadas que se opunham aos livros escolares do pós-guerra que retratassem favoravelmente os soldados franceses, os quais haviam defendido seu país contra os invasores alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Tais textos foram cunhados de "belicosos", uma tática verbal ainda comum entre os integrantes da visão do intelectual ungido, tratando as visões divergentes como se fossem meras emoções, como se nesse caso apenas o

estado mental de beligerância explicasse a resistência aos invasores ou se associasse àqueles que arriscaram a vida para defender a nação. O líder do sindicato dos professores, o Syndicat National des Instituteurs (SN), lançou uma campanha contra esses livros escolares de "inspiração belicosa", os quais foram caracterizados como "um perigo para a implantação da paz". Já que era dito que o nacionalismo era uma das causas da guerra, o internacionalismo ou a "imparcialidade" entre as nações foi considerado uma característica necessária a ser adotada nos livros escolares.[560] Isso não era tido como contrário ao espírito patriótico, mas no mínimo acabou esvaziando o senso de dever perante os que tinham morrido para proteger a nação, com sua obrigação implícita sobre as gerações seguintes para que fizessem o mesmo se e quando isso se tornasse novamente necessário. Os líderes com inclinação para reescrever os livros escolares de história chamaram seu objetivo de "desarmamento moral", o que abriria o caminho para o desarmamento militar, o qual muitos consideravam outro ponto central para a conquista da paz. As listas dos livros censurados nas escolas foram organizadas por Georges Lapierre, um dos líderes do SN. Por volta de 1929 ele se gabava de ter removido todos os livros "belicosos", os quais a campanha encabeçada pelo SN tinha retirado das escolas. Esses livros haviam sido reescritos ou substituídos. Diante da ameaça de perder uma boa parte do mercado editorial escolar, os editores franceses submeteram-se às exigências dos sindicatos, determinando que os livros sobre a Primeira Guerra Mundial deveriam ser revisados a fim de refletir a "imparcialidade" entre as nações e promover o pacifismo. Dessa forma, o que fora a heróica defesa dos soldados franceses em Verdun, um evento de proporções épicas, apesar das maciças baixas sofridas, acabou se

transformando na história dos sofrimentos horríveis pelos quais passaram todos os soldados em Verdun, castigados pelas balas, pelas granadas, pelos gases venenosos e pelo congelamento. A história foi, então, apresentada dentro do tão almejado espírito de imparcialidade: "Imaginem a vida desses combatentes - franceses, aliados ou inimigos".[561] Resumindo, homens que haviam sido honrados como heróis da pátria por terem sacrificado a própria vida numa luta desesperada para deter os invasores de seu país eram agora verbalmente reduzidos a vítimas, colocados no mesmo patamar de outras vítimas, incluindo os invasores. As cerimônias dedicando monumentos para comemorar os soldados que haviam morrido em batalha eram, por vezes, usadas para a encenação de discursos que promoviam a ideologia pacifista.[562] Dentre aqueles que tentavam alertar contra o "desarmamento moral" estava o marechal Phillipe Pétain, o vencedor da batalha de Verdun e que, em 1934, dissera que os professores franceses eram livres para "criar nossos filhos em ignorância ou em desprezo pela terra pátria".[563] Anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, um dos alertas divulgados aos soldados franceses dizia: "Lembrem-se de Mame e de Verdun!".[564] Porém, isso era dito para uma geração que havia sido ensinada a ver Mame e Verdun não como lugares históricos de heroísmo patriótico dos soldados franceses, mas como lugares onde os soldados, de todos os lados, tinham sido igualmente vítimas. O comportamento da França durante a Segunda Guerra Mundial foi notadamente contrastante com o comportamento que tivera na Primeira Guerra. A França havia repelido os invasores alemães por quatro longos anos durante a Primeira Guerra Mundial, apesar de ter sofrido baixas horrendas, um número maior de baixas do que um país muito maior como os Estados Unidos jamais sofreu em qualquer guerra ou em todas elas juntas. No entanto,

durante a Segunda Guerra Mundial a França se rendeu depois de apenas seis semanas de combate, em 1940. No amargo momento da derrota, o líder do sindicato dos professores ouviu o seguinte: "Você é parcialmente responsável pela derrota".[565] Charles de Gaulle, François Mauriac e muitos outros franaceses atribuíram o desastre à falta de empenho nacional e a uma decadência moral geral, as quais podiam explicar o repentino e humilhante colapso da França em 1940.[566] Embora o súbito colapso da França tenha causado surpresa em todo o mundo, Winston Churchill já dissera muito antes, em 1932, o seguinte: "A França, embora armada até os dentes, é pacifista em suas entranhas".[567] Hitler não se surpreendeu com o repentino colapso da França, e de fato ele o previra.[568] Quando ele pressionou seus generais para que traçassem os planos para a invasão da França, logo após a rápida vitória sobre a Polônia no outono de 1939, as análises dos generais sobre os fatores logísticos e militares envolvidos os deixavam com sérias dúvidas sobre a viabilidade da operação. Os generais de Hitler duvidavam de que pudessem ter sucesso atacando a França antes de 1941 ou mesmo antes de 1942. Porém, o máximo atraso que Hitler concedera foi até a primavera de 1940, quando de fato começou a invasão alemã sobre a França. Os motivos de Hitler eram completamente diferentes dos fatores objetivos que os generais alemães consideravam. Ele baseara suas análises no comportamento dos franceses. Hitler dissera que a França não era mais a mesma França que lutara encarniçadamente nos quatro anos da Primeira Guerra Mundial, afirmando que a França atual perdera sua força combativa necessária para assegurar a vitória e que ela vacilaria e se renderia.[569] Isso foi, de fato, o que acabou, em geral, acontecendo. Os fatores objetivos, tais como o número e a qualidade dos equipamentos

militares à disposição da França e de seus aliados britânicos, em comparação aos que estavam à disposição dos invasores alemães, levavam os líderes militares tanto na França quanto na Alemanha a concluírem, na época do início da invasão, que a França tinha as maiores chances de vitória.[570] Contudo, Hitler já fizera, muito antes, um estudo sobre a opinião pública, assim como sobre a opinião oficial, na França e na Grã-Bretanha. [571] As palavras e os feitos dos políticos e dos pacifistas nesses países entraram nos cálculos de Hitler. A invasão da França ocorreu naquele momento somente porque Hitler insistiu, de forma inflexível, sobre a data, desconsiderando os conselhos de seus generais mais graduados. Décadas mais tarde, estudos acadêmicos na França e na Alemanha chegaram à mesma conclusão a que chegaram os líderes militares franceses e alemães em 1940, de que os fatores militares objetivos favoreciam uma vitória da França[572]- e certamente nada parecido com o rápido e total colapso que, de fato, aconteceu. O quanto desse colapso pode ser atribuído ao importante fator que a sorte e os erros de cálculo desempenham em qualquer guerra, e o quanto pode ser atribuído a uma erosão fundamental do moral, do patriotismo e da resolução entre os próprios franceses é uma questão que dificilmente será respondida de forma definitiva. O que fica claro, todavia, é que o espírito de incerteza que marcou as respostas políticas francesas diante das ameaças alemãs, durante os anos que anunciaram a deflagração da Segunda Guerra Mundial, continuou a existir durante o conflito, começando com os longos meses da chamada "guerra de araque", de setembro de 1939 a maio de 1940, durante os quais a França tinha uma superioridade militar esmagadora no front ocidental da Alemanha, na medida em que as forças alemãs se concentravam no leste, lutando contra a Polônia, mas mesmo assim a França nada

fez. O general alemão responsável pela defesa do vulnerável front ocidental disse: "Cada dia calmo, no lado oeste, é para mim um presente de Deus".[573] Nos primeiros dias da guerra, quando as forças militares alemãs se concentravam mais pesadamente no front oriental, um dos generais sob seu comando o informou que, se os franceses atacassem, ele não teria recursos suficientes para contê-los nem por um dia.[574] Mesmo um civil como o correspondente norte-americano para assuntos estrangeiros William L. Shirer ficara espantado ao observar a inação dos franceses durante a "guerra de araque", relatando a completa indecisão e inaptidão deles quando, em 1940, os alemães atacaram.[575] Apesar de a França ser o exemplo mais dramático de "desarmamento moral", durante o período entre-guerras ela não foi, de forma alguma, o único país em que essas visões prevaleceram no seio da intelligentsia. De forma parecida, os pacifistas geralmente retratavam as guerras como resultado de atitudes ou de emoções nacionais, em vez de vê-las como resultado de maquinações egoístas de governantes agressivos. Num editorial de 1931 da New Statesman and Nation, Kingsley Martin disse que "a guerra moderna é produto da ignorância e do idealismo, não de uma malignidade sagaz". Portanto, o que seria necessário para evitar uma guerra futura era "fazer com que a nova geração reconheça que o patriotismo marcial é uma virtude obsoleta", uma vez que participar de uma guerra futura seria "individualmente vergonhoso, assim como socialmente suicida".[576] Bertrand Russell definia patriotismo como "uma disposição para matar e ser morto por motivos triviais".[577] Em 1932, o escritor britânico Beverley Nichols declarou publicamente que era a favor da paz a qualquer preço, escrevendo mais tarde o livro Cry Havoc! [Brado de Ataque!] uma das obras pacifistas mais proeminentes da

década.[578] Em 1933, alunos da Universidade de Oxford comprometeram-se, em público, a não lutar pela defesa de seu país, um fato que ficou conhecido como o "juramento de Oxford", espalhando-se rapidamente por outras universidades britânicas e tendo o apoio de intelectuais do porte de Cyril Joad e A. A. Milne, o famoso autor de Winnie the Pooh [Ursinho Pooh], e na França, de André Gide, que falou sobre os "corajosos alunos de Oxford".[579] Joad disse que "a melhor maneira de garantir a paz é se recusar, sob quaisquer circunstâncias, a fazer a guerra". Ele exortava "a realização de uma intensa campanha a fim de induzir o maior número possível de jovens a renunciar ao combate em qualquer guerra entre nações".[580] Joad escreveu claramente sobre os horrores e as agonias da guerra, embora Winston Churchill tivesse alertado que a Grã-Bretanha "não pode evitar a guerra ao dilatar os seus horrores".[581] Na Grã-Bretanha, assim como na França, o patriotismo foi considerado suspeito e causador da guerra. H. G. Wells, por exemplo, declarava ser contrário ao "ensinamento de histórias patrióticas que sustentam e carregam a venenosa tradição guerreira do passado" e queria que a cidadania britânica fosse substituída pela "cidadania mundial"[582] Ele considerava o patriotismo uma relíquia inútil a ser substituída pela "ideia de dever cosmopolita".[583] De forma semelhante, J. B. Priestley via o patriotismo como uma "força poderosa usada [584] principalmente para o mal". Uma carta ao The Times de Londres, em 1936, assinada por intelectuais proeminentes como Aldous Huxley, Rebecca West e Leonard Woolf, conclamava para a "disseminação do espírito cosmopolita" exortando "os escritores de todos os países" para que "ajudassem todos os povos a sentirem sua irmandade subjacente".[585] Enquanto isso, Hitler observava esses acontecimentos na Grã Bretanha e na França[586] tecendo seus próprios

planos e avaliando as crescentes perspectivas de vitória militar. Quase tão extraordinário quanto o nível de engajamento pelo qual os pacifistas da década de 1930 se deixaram levar foi a manipulação retórica que usaram para minimizar os perigos de sua postura pacifista, diante do rearmamento massivo que a Alemanha de Hitler promovia, juntamente da exacerbação do patriotismo entre os alemães, ao mesmo tempo que ele era erodido pela intelligentsia nas democracias ocidentais. Bertrand Russell lançou mão de um argumento que já fora usado em 1793, quando William Godwin afirmara que um país que não apresentasse qualquer ameaça militar ou provocação para outras nações não seria atacado.[587] Caso a Grã-Bretanha reduzisse o poderio de suas forças armadas, como Bertrand Russell defendia, "não ameaçaríamos ninguém e ninguém teria qualquer motivo para fazer guerra conosco". Russell prosseguia dizendo: Quando o desarmamento é sugerido, é natural imaginar que a conquista de um agressor estrangeiro se seguirá inevitavelmente e será acompanhada de todos os horrores que caracterizam as invasões. Isso é um equívoco, como o exemplo da Dinamarca nos mostra. Provavelmente, se não tivéssemos nem armamentos nem império, os outros Estados estrangeiros nos deixariam em paz. Caso eles não fizessem isso, teríamos que nos entregar sem luta e não despertaríamos, portanto, a ferocidade deles.[588] Segundo Russell, se você declarar "que está pronto a se tornar indefeso e contar com a sorte, as outras pessoas, não tendo mais razão para temê-lo, cessarão de odiá-lo,

perdendo todo o incentivo em atacá-lo". A razão para tal conclusão era a seguinte alegação: "Nos homens mais civilizados é necessário resistir ao despertar da ferocidade". [589] Disso se segue que o medo de uma guerra iminente deveria levar a um "desarmamento unilateral".[590] Esse tipo de raciocínio não era peculiar a Bertrand Russell nem era exclusivo da Grã Bretanha. Na França, um livro do líder do partido socialista francês, mais tarde primeiro-ministro, Léon Blum dizia: Se uma nação decidiu se desarmar, isso não acarretaria, na realidade, nenhum risco, pois o prestígio moral de sua decisão a tornaria invulnerável a qualquer ataque e a força de seu exemplo induziria todos os outros Estados a fazerem o mesmo.[591] Outro elemento do movimento pacifista da década de 1930 tanto na França quanto na Grã-Bretanha era a ideia de que mesmo uma vitória na guerra não faria qualquer diferença real. Segundo Bertrand Russell, "a vitória não será menos desastrosa para o mundo do que teria sido a derrota". Por causa da necessidade de guerra de controle estrito sobre uma população em pânico, "a anarquia só será evitada por meio de uma ditadura militar, a qual não será temporária", de forma que até mesmo o resultado final de vitória "será a substituição de um Hitler alemão por um britânico".[592] De forma semelhante, Kingsley Martin via uma nova guerra como uma guerra "da qual ninguém pode sair vitorioso",[593] que "a guerra destruiria completamente a civilização".[594] Na França, o romancista Jean Giono perguntava o que aconteceria de pior, caso houvesse uma invasão alemã sobre a França. Os franceses se tornariam alemães, ele dizia. "Prefiro ser uma alemã viva a ser uma francesa morta",[595] dizia a escritora Simone Weil, usando o

mesmo raciocínio ao perguntar "por que a possibilidade de uma hegemonia alemã é pior do que a hegemonia francesa?".[596] Dois anos mais tarde, essa abordagem abstrata sobre os países desabou e a conquista nazista sobre a França tornou dolorosamente presentes as consequências reais da hegemonia de Hitler, agora muito mais específicas. Durante os desdobramentos da derrota francesa, Simone Weil, de ascendência judaica, apesar de ser cristã praticante, fugiu dos perigos do governo genocida dos nazistas na França e veio a morrer na Inglaterra ainda durante a guerra. Georges Lapierre, que havia encabeçado o movimento contra os textos escolares "belicosos" na França, tornou-se membro, no despertar do período da ocupação nazista, da resistência subterrânea ao domínio nazista, mas foi capturado e enviado ao campo de concentração de Dachau, onde morreu. [597] Weil e Lapierre aprenderam com a experiência, mas o aprendizado veio tarde demais para que os poupasse, assim como a seu país, das consequências desastrosas de suas posições. Enquanto isso, Jean Giono colaborava com os invasores nazistas. Mas dentre os intelectuais franceses ele não esteve sozinho nesse tipo de atividade. Na Grã-Bretanha, os disseminados sentimentos pacifistas da intelligentsia, durante o período entre-guerras, também se infiltraram na arena política e alcançaram os líderes do partido trabalhista britânico:

Em junho de 1933, durante a eleição suplementar no East Fulham, o candidato trabalhista recebeu uma mensagem do líder do partido trabalhista, George Lansbury: "Eu fecharia todos os postos de recrutamento, desmobilizaria o exército e desmantelaria a aeronáutica. Aboliria todo o terrível equipamento de guerra e diria ao mundo 'façam o pior'". Clement Attlee, que o sucederia como líder, disse à Câmara dos Comuns, em 21 de dezembro de 1933: "Somos decididamente contrários a qualquer movimento em direção a uma política de rearmamento". O partido trabalhista consistentemente votava, discursava e fazia campanha contra o [598] rearmamento até o desencadear da guerra. Dois anos depois, Attlee disse: "Nossa política não é buscar segurança por meio do rearmamento, mas pelo desarmamento.[599] Mesmo já em 1937, Harold Laski dizia: "Vamos realmente apoiar esse governo reacionário (...) que busca o rearmamento para propósitos que recusa detalhar?".[600] A oposição do partido trabalhista à prontidão militar não foi alterada até que os organismos da classe trabalhadora do partido trabalhista, representados por seus sindicatos, finalmente sobrepujassem os componentes intelectuais, representados por Laski e outros, os quais tinham uma posição dogmática contrária ao uso de meios militares.[601] Um editorial de 1938 da New Statesman and Nation deplorava a atitude dos sindicatos em "apoiar o rearmamento" sem, contudo, exigir favores em contrapartida, na forma de influência sobre as políticas internacionais, ou sem forçar o governo a "limitar efetivamente os lucros da indústria de armamentos".[602] Em vez de tratar o assunto como urna questão de

sobrevivência nacional, os membros intelectuais do partido trabalhista viam a política de rearmamento como uma mera questão ideológica, isso um ano antes do início da Segunda Guerra Mundial. O antimilitarismo e as políticas antiarmamentistas também eram comuns entre os membros da intelligentsia dos Estados Unidos. John Dewey, Upton Sinclair e Jane Addams estavam entre os norte-americanos que assinaram o manifesto de 1930 contra o treinamento militar para os jovens.[603] Em 1934, Oswald Garrison Villard exortava "o decréscimo de um terço no contingente do exército dos Estados Unidos e a dispensa de 50% dos oficiais da reserva como sinal de nossa boafé".[604] Esses sentimentos entre os intelectuais não deixavam de influenciar os líderes políticos. Quando a administração Roosevelt cortou o orçamento do exército, o chefe do Estado Maior do exército, general Douglas MacArthur, entabulou um acalorado bate-boca com o então presidente, colocando seu cargo à disposição. MacArthur ficou tão irritado que, ao deixar a Casa Branca, chegou a vomitar nas escadas.[605] Em decorrência da atmosfera pacifista que dominou o período entre-guerras nas democracias ocidentais, conferências internacionais de desarmamento e acordos em que nações renunciavam à guerra se tornaram muito populares. Mas da mesma forma que ocorre com o controle doméstico de armas, a questão real é se os tratados de não proliferação das armas vão realmente limitá-las, descontando-se aqueles que respeitam as leis seja no nível doméstico, seja no internacional. Embora tenham assinado os tratados, tanto o Japão quanto a Alemanha violaram os acordos de limitação dos seus arsenais, produzindo, dentre outras coisas, navios de guerra maiores do que esses acordos internacionais permitiam, superando o tamanho de quaisquer navios britânicos ou norte-americanos.

As violações dos termos dos tratados de controle dos arsenais não são uma fatalidade. Tais acordos são inerentemente unilaterais. Os líderes das nações democráticas estão sob constante pressão para assinar e respeitar os tratados, ao contrário do que acontece com os líderes das ditaduras, os quais controlam, suprimem ou mesmo ignoram a opinião pública. Nas nações democráticas, nem os acadêmicos nem os intelectuais da mídia estão, em geral, muito preocupados em analisar minuciosamente as especificidades dos acordos de desarmamento, mas se preocupam em celebrar o simbolismo que a realização de tais tratados evoca, festej ando o "arrefecimento das tensões internacionais" como se a mera catarse emocional fosse suficiente para desviar, de seus objetivos, governos militarmente agressivos. Dessa forma, intelectuais como john Dewey felicitaram os Acordos Navais de Washington de 1921-1922,[606] e o The Times de Londres elogiou o acordo naval anglo-germânico de 1935 como "um fato formidável nas relações anglo-germânicas", como uma demonstração "enfática de renúncia de propósitos hostis contra este país" pela Alemanha, e uma "decisão lúcida do SENHOR HITLER em pessoa".[607] Ao mesmo tempo, os defensores da visão pacifista condenavam, sem reservas, os líderes de seus próprios países sempre que se recusassem a fazer concessões que selariam tais acordos. Somando-se aos termos que tendem explicitamente a favorecer aquelas nações cujos governos a intelligentsia não se encontra livre para criticar, temos, nas subsequentes violações desses mesmos acordos por nações agressoras, a tendência de maior tolerância por parte dos líderes das nações democráticas, os quais não têm incentivos para anunciar apressadamente para seus cidadãos, que foram "enganados" ao assinar acordos bastante divulgados e celebrados.

A intelligentsia não precisa converter os líderes políticos para suas causas pacifistas a fim de influenciar a condução das políticas de governo. Os líderes das nações democráticas são sempre obrigados a se deparar com a perspectiva das eleições, e a atmosfera em que essas eleições são realizadas é de suma importância para os políticos que buscam manter a carreira em andamento e o partido no comando. Assim sendo, embora o rearmamento alemão clandestino, em total violação dos termos, tenha começado antes mesmo de Hitler chegar ao poder em 1933, isso continuava a ser um "segredo" apenas no sentido de o governo alemão não reconhecer o fato e de o público em geral, nos países democráticos ocidentais, não receber informações a respeito. Mas isso não era segredo para os líderes das nações democráticas, os quais recebiam os relatórios dos serviços de inteligência.[608] O líder do partido conservador e posterior primeiroministro Stanley Baldwin, por exemplo, sabia muito bem o que estava acontecendo, mas também tinha consciência das repercussões políticas caso anunciasse publicamente que a Alemanha estava se rearmando. Numa resposta a um discurso de Winston Churchill na Câmara dos Comuns, em 1936, na época um parlamentar sem cargo no governo e que acusava o governo britânico de ter se envolvido num "desarmamento unilateral", dizendo que "falta ao exército britânico quase todas as armas necessárias para a atual guerra moderna",[609] o primeiro-ministro Baldwin se defendeu segundo as realidades políticas na época das eleições de 1933: Supondo que eu tivesse me dirigido à nação para dizer que a Alemanha estava se rearmando, e que deveríamos nos rearmar, alguém acha que essa pacífica democracia teria apoiado esse meu apelo naquele momento? Não consigo imaginar uma

abordagem mais desastrosa, a qual teria levado à derrota certa naquela eleição.[610] Mesmo doze anos mais tarde, quando, depois da guerra, escrevia sua monumental obra The Second World War [Memórias da Segunda Guerra Mundial], Churchill ainda sentia repulsa pela resposta de Baldwin: Aquilo fora, de fato, de uma franqueza assombrosa. Mostrava a verdade nua e crua, e, de forma indecente, a realidade de seus motivos. Um primeiro-ministro confessar que não havia cumprido seu dever em relação à defesa nacional porque tinha medo de perder as eleições foi um incidente sem paralelo em nossa história parlamentar. Certamente, o sr. Baldwin não fora movido por nenhum desejo ignóbil de permanecer no cargo. Em 1936, ele estava, de fato, seriamente inclinado a se aposentar. Sua política fora ditada pelo medo de os socialistas chegarem ao poder e ainda muito menos seria feito. Todas as declarações e todos os votos contra as medidas de segurança e de defesa foram registrados.[611] Aqui, como em muitas situações, o impacto da intelligentsia sobre o curso dos eventos independeu de uma intervenção direta sobre os donos do poder. Tudo que eles precisaram fazer foi convencer um montante suficiente da opinião pública, de forma que os donos do poder começassem a temer a perda de seu poder se fossem contrários à visão predominante, que no caso era o pacifismo. Se Baldwin tivesse perdido poder, ele o teria feito para aqueles que tornariam a visão pacifista uma realidade potencialmente desastrosa para o país. A Grã-Bretanha, afinal de contas, escapou por muito pouco de sofrer uma

invasão e ser conquistada em 1940, e foi salva apenas por causa de seus novos caças de interceptação, que abateram os bombardeiros alemães durante suas maciças incursões aéreas, planejadas para preparar o caminho da invasão, na qual exércitos seriam mobilizados para atravessar o Canal da Mancha. Tivessem os pacifistas do partido trabalhista chegado ao poder em 1933, não fica claro, de forma alguma, se essa estreita margem de sobrevivência teria permanecido. Havia uma relutância semelhante entre os líderes franceses em alertar o público sobre o perigo ou talvez, até mesmo, em reconhecê-lo. Embora o ministro francês do Exterior, Aristide Briand, estivesse muito ciente do crescente apoio político que os nazistas receberam da população alemã durante as eleições alemãs de 1930 e o quanto isso anunciava uma real ameaça militar à França, ele, como Baldwin, não estava preparado para alarmar o público francês: Briand permanecera imperturbável: Hitler não irá longe, ele assegurava à imprensa, enquanto fazia o melhor que podia para manter as notícias sobre a retomada do militarismo alemão longe do público francês. As paradas e as demonstrações da direita alemã foram "completamente suprimidas dos noticiários mostrados nos cinemas franceses", relatou o adido militar norteamericano.[612] Mesmo antes de Hitler chegar ao poder, os agentes da inteligência francesa já haviam penetrado na clandestina reconstrução militar do poderio alemão.[613] Mas tanto a imprensa quanto os políticos não queriam relatar ao público francês coisas que ele não queria ouvir, afinal de contas os traumas que haviam passado durante a Primeira Guerra

Mundial ainda estavam latentes. Mesmo depois de outra escalada de votos para os nazistas, durante as eleições de 1932, as quais colocaram Hitler no governo alemão, as evasivas e a negação sobre os perigos para a França continuaram: Após as novas eleições alemãs, os nazistas se tornaram o maior partido do parlamento, mas a imprensa francesa se recusava a reconhecer o perigo da situação. O presidente Hindenburg trouxera o general Von Schleicher para assegurar o poder contra as pretensões do pintor demagogo. Jornais da esquerda e da direita celebravam o "piedoso fim do hitlerismo" (L'CEvre, 01/01/1933 ) e "a decadência do movimento de Hitler" (ParisSair, 01/01/1933). O Cervejeiro Alemão perdera o bonde, exultava o L'Echo de Paris (07/11/1 932), esquecendo-se de quão respeitador da lei o general populista do século XIX tinha sido. O socialista Populaire e o realista Action Française concordavam: Hitler estava, daquele momento em diante, excluído do poder. Contudo, Schleicher pediu demissão no final de janeiro de 1933 e, no final das contas, o demagogo foi alçado ao poder. Um pacifista dedicou seu último livro, Peace on Earth [Paz na Terra], a Adolf Hitler.[614] Como se dá em outros tempos e em outros contextos, vale a pena observar o tom da imprensa, uma pretensa superioridade intelectual que declara o assunto como encerrado, o qual se apresenta como corolário de autoexaltação da intelligentsia. Apesar de o desejo francês de evitar a repetição dos horrores que experimentaram na Primeira Guerra Mundial ser muito compreensível, as insistentes negações de seus

intelectuais sobre os perigos que se avolumavam do outro lado do Reno chegaram aos níveis mais altos da fantasia. Um dos primeiros sinais dessa fantasia aconteceu na celebração do pacto Kellogg-Briand de 1928, banindo a guerra. Denominado com os nomes do secretário de Estado norte-americano e do ministro de Exterior francês, esse pacto recebeu praticamente aprovação unânime na imprensa francesa.[615] Porém, nada é mais fácil do que um povo pacífico renunciar à violência, mesmo que esse povo não ofereça meios concretos de prevenir a violência dos outros. Os franceses não queriam ouvir nada de ruim sobre a Alemanha. O livro Mein Kampf [Minha Luta] de Hitler, no qual ele explicitara suas intenções hostis em relação à França, não chegou ao público ou à intelligentsia francesa porque um tribunal francês interrompeu sua tradução, impedindo que fosse completada, de forma que apenas versões modificadas se encontravam disponíveis para os poucos interessados.[616] No final da década de 1930, à medida que refugiados fugiam da Alemanha para a França, trazendo consigo as histórias sobre os horrores do regime nazista, essas histórias não eram apenas amplamente rejeitadas, mas, porque muitos desses refugiados eram judeus, isso provocou uma crescente onda de antissemitismo segundo a qual os judeus estariam tentando provocar uma guerra entre a França e a Alemanha. O antissemitismo não estava confinado às massas, mas também se fazia comum entre os intelectuais franceses.[617] Na Grã-Bretanha, como na França, havia uma forte resistência, entre os membros da intelligentsia, para se reconhecer a verdadeira face do regime nazista dentro da Alemanha ou como ameaça externa para as democracias ocidentais. O influente jornal Manchester Guardian dizia que, apesar de suas ideias radicais, os nazistas acabariam se comportando como "políticos comuns" quando

assumissem o poder. O jornal britânico de maior circulação na época, o Daily Herald, desprezava Hitler, chamando-o de "palhaço", dizendo que ele teria o mesmo destino de seus predecessores como chanceler da Alemanha cujos mandatos haviam durado apenas algumas semanas. De forma parecida, o Daily Telegraph dizia que Hitler já era coisa do "passado" e que estaria fora do poder antes do final de 1932.[618] Harold Laski também declarava, em 1932, que "o movimento hitlerista tinha deixado seu apogeu", que Hitler era um "conspirador barato, em vez de um revolucionário inspirado, a criatura das circunstâncias, em vez de o fazedor do destino".[619] O jornal britânico mais influente, o The Times de Londres, considerava Hitler "um moderado", ao menos o comparando com os outros membros de seu partido.[620] Depois que Hitler e os nazistas alcançaram o poder supremo na Alemanha, em 1933, o The Times foi especialmente resistente em noticiar, para seu público leitor, as opressões domésticas ou as ameaças internacionais que os nazistas promoviam. As notícias despachadas pelos próprios correspondentes do jornal na Alemanha eram com frequência filtradas, reescritas e por vezes apenas rejeitadas toda vez que relatavam a realidade crua sobre o que acontecia no regime de Hitler. As reclamações dos correspondentes foram inúteis e alguns chegaram a pedir demissão como forma de protesto contra a manipulação que o jornal fazia, maquiando as notícias que criticavam as atrocidades do regime nazista, transferindo os correspondentes para longe dos eventos cruciais da Alemanha, ao mesmo tempo que os editoriais do The Times apoiavam as políticas de apaziguamento do primeiroministro Neville Chamberlain. O editor do Times, Geoffrey Dawson, escreveu de forma franca para seu correspondente em Genebra:

Faço meu melhor, dia após dia, para manter fora do jornal qualquer coisa que possa ferir suas (dos alemães) susceptibilidades (...) Estou convencido de que a paz do mundo depende, mais do que qualquer outra coisa, de nossa capacidade em construir relações razoáveis com a Alemanha.[621] Aqui, como em outros contextos, o dano provocado pela intelligentsia parece assumir grandes proporções, uma vez que eles saíram dos limites de competência de suas especialidades (nesse caso, colher e relatar as notícias) em busca de um papel mais amplo e significativo na determinação dos eventos (nesse caso, manipulando as notícias para que se encaixem em sua visão). ◆ ◆ ◆

RESPOSTAS ÀS CRISES INTERNACIONAIS As ideias que permearam toda a visão da intelligentsia, entre as duas Guerras Mundiais, não teriam sido mais do que uma nota de rodapé na história das épocas caso não tivessem repercutido por toda a sociedade e, de fato, na história do mundo. Mas a influência das ideias disseminadas pela intelligentsia tornou-se mais aparente durante a série de crises internacionais que antecipou e desembocou na Segunda Guerra Mundial. A primeira dessas crises, em 1936, envolveu o problema da remilitarização da Renânia. Depois do choque da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes buscou sufocar o gigantesco potencial militar alemão, impondo uma série de restrições ao poderio bélico do país, incluindo limitações no tamanho das forças militares, banindo o recrutamento militar e proibindo o governo alemão de estacionar tropas na região da Renânia, justamente a região da Alemanha onde o parque industrial

mais significativo se concentrava. Essa última provisão significava que quaisquer ataques alemães futuros poderiam ser punidos com a tomada, pelos franceses, de seu desprotegido setor industrial. Essas limitações, embora ferissem a soberania da Alemanha, eram claramente baseadas numa visão real, a de não enxergar a Alemanha como uma nação abstrata inserida num mundo abstrato, mas como um país que representava uma séria ameaça para as nações ao seu redor tanto por sua capacidade militar, demonstrada na Primeira Guerra Mundial, ao infligir pesadíssimas baixas em seus inimigos, como por sua predominância industrial na Europa, além de sua localização central no continente, a partir da qual poderia atacar em qualquer direção. Todavia, com o passar do tempo, por volta da década de 1930, a intelligentsia britânica começou a discutir essas restrições sobre a Alemanha de uma forma abstrata. O fato de a Alemanha ter sido tratada de forma desigual durante o Tratado de Versalhes era visto, por boa parte da intelligentsia britânica, como razão para se questionar a validade da proibição ao governo alemão de fazer coisas que outros governos podiam. Como Winston Churchill bem observou, em seu livro muito bem intitulado The Gathering of Storm [A Aproximação da Tempestade], quando disse: "Em 1932, a delegação alemã para a Conferência de Desarmamento exigiu categoricamente a remoção de todas as restrições sobre seu direito de se rearmar e teve grande apoio da imprensa britânica ". Ele completou: O Times falava sobre "a devida reparação da desigualdade" e o The New Statesman do "reconhecimento sobre o princípio de igualdade entre as nações". Isso significava que setenta milhões de alemães receberiam o direito de se rearmarem e se prepararem para a guerra e

desconsiderava o direito dos vitoriosos da última e terrível guerra de fazer qualquer objeção. Igualdade de status entre vitoriosos e vencidos; igualdade entre os 39 milhões de franceses e uma Alemanha com quase o dobro dessa população! [622]

Resumindo, as especificidades mundanas, das quais dependiam as questões de vida e de morte, foram subordinadas pela intelligentsia a princípios abstratos referentes às nações também em abstrato. A Alemanha era então tratada como se fosse Portugal ou a Dinamarca, embora as restrições impostas pelo Tratado de Versalhes fossem precisamente o resultado do fato de a Alemanha não ter se comportado como Portugal ou a Dinamarca, tendo uma capacidade e uma disposição militar infinitamente superiores às desses dois países. Com a chegada de Adolf Hitler ao poder, em 19 33, o rearmamento irrestrito da Alemanha deixou de se tornar uma mera exigência para se tornar realidade. Isso ocorreu ao longo de etapas, começando cuidadosamente e então prosseguindo com mais ousadia na medida em que as democracias ocidentais nada faziam para fazer valer as restrições do Tratado de Versalhes. Por causa do inexpressivo poderio militar alemão no início, sob a vigência das restrições, as violações começaram num momento em que a França, sozinha, tinha uma superioridade militar esmagadora sobre a Alemanha e, portanto, poderia ter intervindo unilateralmente a fim de interromper a reconstrução do parque bélico alemão pelos nazistas, fato do qual Hitler estava bem ciente e os líderes militares alemães temiam ainda mais.[623] O passo crucial, sem o qual as hostilidades nazistas seriam impossíveis, foi o estabelecimento de tropas alemãs na região industrial do país, a Renânia. Apenas depois que o

controle militar de seu parque industrial tivesse sido assegurado, a Alemanha poderia atacar outras nações. Hitler compreendia claramente o quão fundamental era o aquartelamento das tropas alemãs na região da Renânia e o quão arriscado seria esse movimento, tendo-se em vista o tamanho relativo dos exércitos alemão e francês da época. Seu intérprete, Paul Schmidt, ouviu Hitler dizer mais tarde, "As 48 horas depois da remilitarização da Renânia foram as mais perturbadoras da minha vida. Caso os franceses tivessem marchado para a Renânia, teríamos batido em retirada com nosso rabo entre as pernas, pois os recursos militares à nossa disposição eram completamente inadequados para sequer oferecermos uma resistência moderada".[624] O risco atingiu seu momento máximo: conquistas militares no exterior ou o colapso do regime nazista dentro da Alemanha. "Uma retirada de nossa parte", Hitler admitiu mais tarde, "teria anunciado o colapso".[625] Hitler apostou todas suas fichas na indecisão dos franceses. Ele ganhou sua aposta e, mais tarde, dezenas de milhões de pessoas perderiam a vida. No entanto, a remilitarização da Renânia, como outras ações anteriores, continuou a ser avaliada pela intelligentsia britânica como uma questão internacional meramente abstrata. Uma frase repetida muitas e muitas vezes na imprensa britânica depois que Hitler enviou tropas para a Renânia foi: "Afinal de contas, eles estão apenas retomando seu próprio quintal".[626] Uma visão muito semelhante foi também adotada pela imprensa francesa. [627] Apesar de uma superioridade militar francesa, a falta de vontade política os paralisou a ponto de abrirem mão dessa superioridade, permitindo que Hitler remilitarizasse a Renânia sem ser incomodado. Em nenhum lugar da França havia a menor indicação de que o público quisesse ou mesmo

tolerasse uma ação militar por causa da remilitarização alemã da Renânia. O periódico satírico Le Canard Enchainé expressava uma visão comum quando dizia: "Os alemães invadiram a Alemanha!". Os líderes comunistas, supostamente na linha de frente de oposição ao nazismo, conclamavam veementemente para se evitar "que o flagelo da guerra se abata novamente sobre nós". Eles exortavam para que toda a nação se unisse "contra aqueles que querem nos levar ao massacre". O porta-voz dos socialistas afirmou ser "inadmissível qualquer resposta que leve ao risco de uma guerra", dizendo que mesmo o reforço da Linha Maginot seria um ato de "provocação". Os diários de direita Le Matin e Le Jour declaravam que o conflito com a Alemanha beneficiaria apenas a Rússia comunista.[628] Essas opiniões não estavam restritas à França. Quando o ministro do Exterior francês Pierre-Étienne Flandin encontrou-se com o primeiro-ministro britânico Stanley Baldwin, a fim de pedir apoio político britânico a uma eventual ação francesa contra a remilitarização alemã da Renânia - com a França já tendo os meios militares para responder de forma unilateral -, segundo Flandin, a resposta de Baldwin foi: "Você pode estar certo, mas se houver mesmo que uma chance em cem de a guerra acontecer por causa de sua política de conflito, não tenho o direito de comprometer a Inglaterra".[629] Esse tipo de raciocínio era o lugar-comum da época e não via que uma postura passiva pudesse representar também seus perigos diante da situação. Em retrospecto, sabemos agora que a inação das democracias ocidentais, diante das repetidas provocações de Hitler, foi crucial para fortalecer a confiança de Hitler sobre uma guerra bem-sucedida, à medida que ele foi

percebendo que os líderes ocidentais eram muito tímidos para responder a tempo ou mesmo para reagir em algum momento. Isso se tornou especialmente claro durante outras crises internacionais que levaram à Segunda Guerra Mundial. A vacilante e ineficiente resposta do Ocidente à invasão da Etiópia por Mussolini em 1935, desafiando as decisões da Liga das Nações, foi uma das inações que levou Hitler a duvidar seriamente da capacidade de resposta do Ocidente. A passividade diante da remilitarização da Renânia, em 1936, assim como diante da intervenção alemã e italiana na Guerra Civil Espanhola, naquele mesmo ano, seguida pela omissão das democracias ocidentais em dar resposta à anexação alemã da Áustria em 1938, tudo isso contribuiu para o crescente desprezo que Hitler nutria pelos líderes do Ocidente, fortalecendo sua confiança de que eles nada fariam além de conversar. Todavia, a crise que mais consolidou a confiança de Hitler foi a que se seguiu às suas reivindicações para anexar os Sudetos da Tchecoslováquia, uma área adjacente ao território alemão povoada por uma maioria de ascendência alemã. Durante a Conferência de Munique, em 1938, a França, a Grã-Bretanha e a Itália concordaram com a anexação dos Sudetos pelos nazistas, abandonando a Tchecoslováquia em sua agonia, apesar de existir um mútuo tratado de defesa entre a França e a Tchecoslováquia. O poder da intelligentsia é demonstrado não somente por sua habilidade em criar um clima geral de opinião pública que intimide todos os que se opõem às sua agenda, mas também por sua habilidade em criar um clima de opinião que muito favorece aqueles líderes políticos cuj as decisões estão em consonância com a visão da intelligentsia. Bem provável que nunca tenha havido um líder de uma nação democrática tão ampla e entusiasticamente aclamado pelo público, pela imprensa e pelos membros dos partidos de oposição, assim como de

seu próprio partido, como o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain quando retornou da Conferência de Munique de 1938, acenando a realização de um acordo com Hitler que ele caracterizou como o instrumento "da paz para nossos tempos".[630] Menos de um ano mais tarde tinha início o maior e mais sangrento conflito de toda a história da humanidade. Vendo cada uma das sucessivas exigências de Hitler como uma questão particular, ou seja, adotando a perspectiva do racionalismo imediatista, a imprensa francesa considerou a exigência alemã de 1938 para anexar os Sudetos da Tchecoslováquia perguntando-se: "Seria o caso de os franceses serem mortos por causa do presidente Berres, o maçom?", como o Je Suis Partout colocou, e em 1939, enquanto Hitler exigia a anexação do único porto polonês de Danzig (Gdansk), a questão era colocada nos seguintes termos: "Devemos morrer por Danzig?", como exibia uma manchete do L'CEuvre.[631] A frase "por que morrer por Danzig?" foi considerada, na época, um marco de sofisticação entre os membros da intelligentsia, mas era, no entanto, um sinal dos perigos da manipulação retórica, a qual é capaz de fazer perguntas de uma forma que torna a resposta desejável quase inevitável, quaisquer que sejam os méritos ou os deméritos concretos da questão. Contrário ao racionalismo imediatista, a questão real não era se valia a pena morrer pela Renânia, pela Tchecoslováquia, pela anexação da Áustria ou pela cidade de Danzig. A questão era se alguém reconhecia, na linha de ação de Hitler, um padrão que indicava uma ameaça letal a todos. Em 1939, o público francês parecia ter chegado a uma compreensão mais realista sobre o que Hitler estava fazendo e começou a contrariar a visão dominante da intelligentsia. Uma pesquisa realizada em 1939 na França mostrou que 76% do público aprovava o uso da força na defesa do porto de Danzig.[632] Uma narrativa sobre esse

período observou que o primeiro-ministro francês Édouard Daladier "reclamava que não conseguia aparecer num lugar público ou num bistrô sem que se deparasse com pessoas que se levantavam e gritavam: 'Lidere! Nós o seguiremos!'". [633]

No entanto, o tempo para agir já se esgotara, pois dentro de alguns meses a Segunda Guerra Mundial estouraria. O pacifismo generalizado da época e suas consequências políticas tinham deixado a França acuada num canto, de onde, agora, teria que enfrentar a realidade de uma guerra iminente depois de perder aliados potenciais, os quais ela lançara aos lobos na tola esperança de ser poupada do ódio de Hitler. Como já foi mencionado no capítulo 2, entre o equipamento militar usado pelos alemães quando invadiram a França, em 1940, encontravam-se tanques fabricados na Tchecoslováquia. ◆ ◆ ◆

A DEFLAGRAÇÃO DA GUERRA Durante a Segunda Guerra Mundial, as nações agressoras do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - não tinham recursos suficientes, e tinham completa consciência disso, para enfrentar os recursos combinados das nações democráticas, incluindo-se a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos, durante uma corrida armamentista. A fim de alcançarem seus objetivos, os poderes do dependiam de (1) evitar que as democracias do ocidente mobilizassem seus recursos a tempo de afastar derrotas devastadoras, o que de fato as forças do Eixo infligiram de forma recorrente durante os três primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, e (2) da falta de ânimo dos aliados para que continuassem a lutar diante de uma cadeia incessante de baixas e de retiradas tanto na Europa quanto na Ásia, até que os seus

recursos mais amplos pudessem ser finalmente mobilizados para começar os contra-ataques. Essa estratégia chegou perigosamente perto do sucesso. Já era novembro de 1942, três anos depois que a Grã-Bretanha entrara na Segunda Guerra, quando finalmente o primeiro-ministro britânico Winston Churchill pôde dizer, depois da batalha de El Alamein no Norte da África: "Temos uma nova experiência. Temos a vitória".[634] Antes disso não houvera nada além de uma constante corrente de derrotas e de retiradas para os britânicos tanto na Europa quanto na Ásia e poucos esperavam que a GrãBretanha sobrevivesse em 1940,[635] depois que a França caiu de joelhos em apenas seis semanas de combate, e quando a Luftwaffe lançava uma operação de bombardeios maciços sobre Londres e outras cidades britânicas.[636] Os norte-americanos também tiveram sua primeira vitória militar em 1942, com um impressionante golpe de sorte que superou a desigual superioridade naval japonesa na batalha de Midway.[637] Os intelectuais tiveram um papel único na criação daquela situação desesperadora em que tanto a GrãBretanha quanto os Estados Unidos se encontravam, batendo incessantemente o tambor do pacifismo e impedindo esforços de defesa nacional durante o período entre-guerras. Em outubro de 1938, um mês depois de Munique e menos de um ano antes do início da Segunda Guerra Mundial, o influente jornal britânico New Statesman and Nation descrevia a política de rearmamento como "uma forma ineficiente e custosa de subsidiar empresas que não conseguem encontrar um emprego melhor para o capital" e declarava que "nós não ganharemos respeito próprio ao multiplicarmos o número de nossos aviões de guerra".[638] Mesmo em fevereiro de 1939, alguns meses antes do início da Segunda Guerra Mundial, o New Statesman and Nation

referia-se à "corrida armamentista internacional de Bedlam" e questionava o dinheiro que era adquirido pelos "fabricantes de aeronaves e de munições", os quais eram descritos como "amigos" do "governo conservador".[639] Hoje, sabemos que aqueles aviões e aquelas munições foram responsáveis pela estreita margem de escape pela qual os britânicos sobreviveram ao massacre aéreo de Hitler, um ano mais tarde, apesar de uma visão geral, em 1940, de que a Grã-Bretanha não sobreviveria. A história também sugere que anos de retórica sobre a "corrida armamentista" e sobre "os mercadores da morte" contribuíram bastante para tornar essa margem de sobrevivência tão estreita e precária. Os intelectuais tiveram um papel fundamental na criação do ambiente de fraqueza militar e de irresolução política que dominou as nações democráticas, o que fez, para os líderes das ditaduras do Eixo, uma guerra contra essas nações parecer vantajosa e de provável sucesso. Além de ajudar a provocar a guerra mais devastadora da história da humanidade, os intelectuais também impediram a formação e a modernização das forças armadas nas nações democráticas nos anos que antecederam a guerra, demonizando os fabricantes de armamentos, tidos como "mercadores da morte", uma expressão que se tornou clássica, mas que fez as forças armadas norte-americanas e britânicas ficarem frequentemente em desvantagem nas batalhas,[640] até que esforços desesperados e atrasados tanto na indústria de guerra quanto nos campos de batalha evitaram por pouco a derrota total e mais tarde viraram o jogo que levou finalmente à vitória. Os custos de guerra, advindos dos movimentos e das atitudes antimilitaristas e pacifistas apregoados pela intelligentsia, foram assustadores tanto em vida humana quanto em recursos materiais. Caso Hitler e seus aliados tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial, os custos

duradouros para toda a raça humana teriam sido incalculáveis. Uma negligência em relação à história tem possibilitado que nós, hoje, esqueçamos a estreita margem pela qual as democracias ocidentais conseguiram escapar da catástrofe total que teria sido uma vitória de Hitler e de seus aliados. Mais importante, a negligência histórica nos faz esquecer, em primeiro lugar, o que levou as democracias do Ocidente a correr tanto perigo - e o potencial de as mesmas noções e as mesmas atitudes, promovidas pela intelligentsia de hoje, como foi feito pela intelligentsia do mundo entre-guerras, levarem-nos aos mesmos perigos abissais sem a mínima segurança de que tanto a sorte quanto a fortaleza interior, que nos salvaram da primeira vez, nos salvarão novamente. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 8

OS INTELECTUAIS E A GUERRA: REPETINDO A HISTÓRIA

Além de sorrisos e de concessões, o temido mundo civilizado não encontrou nada que se opusesse aos massacres sistemáticos durante o repentino ressurgimento de um barbarismo descarado. ALEKSANDR SOLZHENITSYN[641]

Desde a Segunda Guerra Mundial, muitas guerras já foram deflagradas em várias partes do mundo, mas nenhuma até agora foi comparável a essa guerra em magnitude ou na amplitude de suas consequências. Assim como acontecera na Primeira Guerra Mundial, a Segunda Grande Guerra também provocou mudanças significativas na atitude dos intelectuais ocidentais, porém de uma forma bem diferente. Durante a Primeira Guerra Mundial, como já sabemos, muitos dos intelectuais que num primeiro momento haviam cerrado fileiras para defender a causa aliada, especialmente ao ser articulada por Woodrow Wilson, acabaram depois voltando-se para um pacifismo radical quando a carnificina brutal da guerra pôs fim às suas ilusões. Por outro lado, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, as trágicas lições da guerra e dos anos que a tinham preparado estavam ainda muito presentes na consciência das pessoas para que a maioria retornasse ao ingênuo pacifismo radical, o qual havia sido tão comum entre os intelectuais ocidentais durante o período entreguerras.

Durante a Segunda Guerra, as chocantes diferenças entre o comportamento das nações democráticas e o das nações totalitárias tornaram-se por demais evidentes, de forma tão vívida e dolorosa que a "equivalência moral" se tornou um produto escorregadio, perigoso de se usar sem critérios, mesmo entre a intelligentsia. Isso seria revertido mais tarde, à medida que as lembranças das atrocidades da Alemanha nazista e do Japão imperial começaram a se perder no fundo da memória das pessoas junto de atrocidades semelhantes cometidas pela União Soviética, as quais permaneceram, em grande parte, ocultas ou mesmo ignoradas. Mas durante o período seguinte ao desfecho da Segunda Guerra Mundial, o mal e o perigo eram coisas que não podiam ser ignoradas ou vistas com espírito de desprendimento e envoltas em eufemismos. A revista Time, por exemplo, disse em maio de 1945, no final da guerra na Europa. Essa guerra foi uma revolução contra as bases morais da civilização. Ela foi concebida, pelos nazistas, com um desprezo consciente pela vida, pela dignidade e pela liberdade do indivíduo humano e foi deliberadamente movida para a escravização e para a destruição em massa das populações civis e de não combatentes. Foi uma revolução contra a alma humana.[642] A condição de ansiedade covarde e de embotamento da inteligência da década de 1930, em comparação à atmosfera mental do período seguinte ao término da Segunda Guerra Mundial, foi sintetizada na maneira como o presidente Harry Truman decidiu prosseguir com o desenvolvimento da bomba de hidrogênio, uma arma infinitamente mais destrutiva do que as bombas que haviam devastado Hiroshima e Nagasaki. Este foi o tom da

reunião que conselheiros:

o

presidente

Truman

teve

com

seus

Lilienthal disse que temia uma corrida armamentista. Acheson rebateu, destacando as crescentes pressões públicas e políticas sobre Truman. Lilienthal replicou, expressando suas "graves reservas" ao projeto, e Truman o interrompeu. O presidente não acreditava que a bomba H seria usada, mas tendo-se em vista a forma como os russos se comportavam, não havia outra linha de ação a adotar. A reunião durou apenas sete minutos. "Os russos podem construir essa bomba?", perguntou Truman. Todos os outros três acenaram afirmativamente. "Nesse caso," disse Truman, "não temos escolha. Seguiremos com o programa".[643] A década de 1950 ainda estava muito próxima da Segunda Guerra Mundial para que as noções dos intelectuais do período anterior à guerra, com suas atitudes e seus lugares-comuns, pudessem voltar à cena ou para que os benefícios de uma sociedade livre e digna pudessem ser considerados invulneráveis e seus defeitos pudessem se tornar razão para uma rejeição irresponsável de suas normas e de duas instituições. Esse comportamento seria retomado na década de 1960, especialmente entre os mais jovens, os quais não sabiam o que fora a Segunda Guerra Mundial e muito menos o que levara àquela catástrofe. A diferença entre o imediato período pós-Segunda Guerra e o período posterior foi expressa de muitas formas. Ao visitar os cemitérios e os memoriais de guerra na Europa ocidental, décadas mais tarde, o reconhecido historiador militar Victor Davis Hanson notou uma diferença entre as

mensagens nos cemitérios norte-americanos mensagens nos memoriais de guerra europeus:

e

as

As inscrições nos túmulos norte-americanos lembram aos visitantes para que não se esqueçam do sacrifício, da coragem e da liberdade duramente conquistados, advertindo que os malignos provocaram a guerra para ferir os mais fracos e foram detidos quando alguém melhor veio para freá-los. Por outro lado, a "loucura" da guerra, parafraseando Barbara Tuchman, é o que mais se vê ao se visitar a maioria dos museus europeus sobre a Segunda Guerra. As galerias, os vídeos e os guias sugerem que uma loucura súbita se apoderou, repentina e igualmente, de todos, europeus e norte-americanos, em lugares como Nijmegen e Remagen. "Estupidez", repreendeu-me um visitante europeu em Arnhen, é o que melhor explica por que milhares de rapazes se mataram dessa forma para se apoderarem de pontes "sem a menor importância".[644] Uma vez que os campos comemorativos norteamericanos foram, sem dúvida, criados antes dos memoriais de guerra europeus, erguidos depois que as economias europeias puderam se recuperar das devastações de guerra, as diferenças podem refletir os diferentes tempos, em vez de refletirem somente diferenças entre europeus e norte-americanos. Num período posterior, pessoas vivendo uma segurança conquistada com a vida de outras pessoas podem levianamente desconsiderar pontes como não tendo "a menor importância", quando na verdade, numa situação de guerra, o controle sobre as pontes pode representar uma questão de vida ou de morte

para os exércitos e consequentemente para o destino de nações inteiras. Um exemplo notável que retrata a grande mudança de ânimo que alguns intelectuais sofreram foi o argumento pós-Segunda Guerra de Bertrand Russell, afirmando que as nações deveriam impor um ultimato à União Soviética para que se submetesse a um novo governo mundial, que teria suas próprias forças armadas e, caso o ultimato fosse rejeitado, seria necessário lançar uma guerra preventiva contra ela, uma vez que os Estados Unidos tinham a bomba nuclear e a União Soviética não tinha ainda construído a sua.[645] Como foi noticiado no The Observer, de Londres, em 21 de novembro de 1948: "Ou lançamos uma guerra contra a Rússia antes que esse país tenha sua própria bomba atômica ou teremos que nos prostrar e deixar que ele nos governe." (...) Uma guerra atômica seria algo absolutamente horrível, mas seria "a guerra para acabar com as guerras" (...).sTemer os horrores de uma guerra futura não seria uma forma de preveni-la. "Qualquer coisa é melhor do que a submissão."[646] É difícil pensar numa mudança maior, tendo-se em vista o próprio Bertrand Russell que, no período entreguerras, defendia um pacifismo e um desarmamento unilaterais, e mais tarde retornaria a esse posicionamento. Uma década depois, Lord Russell disse: "Sou a favor do desarmamento nuclear controlado". Mas caso fosse provado ser impossível fazer com que a União Soviética concordasse com isso, ele defendia um "desarmamento nuclear unilateral". Ele completava dizendo o seguinte: "É uma escolha angustiante (...)."Desarmamento unilateral pode significar, por enquanto, a dominação comunista de nosso

mundo (...). Mas, se as alternativas são entre uma eventual extinção da humanidade e uma conquista comunista temporária, eu prefiro ficar com a última".[647] Depois de seu retorno à antiga posição pacifista, defensora de um desarmamento unilateral, Bertrand Russell passou a condenar aqueles que no Ocidente apoiavam o método da dissuasão pelo poderio nuclear, descrevendo-os como pessoas que "pertenciam ao clube dos assassinos". Durante esse período, Bertrand Russell descreveu o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan e o presidente norteamericano John F. Kennedy como "as pessoas mais malignas que já viveram na história dos homens" e como "homens cinquenta vezes mais malignos que Hitler", uma vez que Russell retratava a política de dissuasão pelo poderio nuclear desses políticos como" a organização do massacre de toda a humanidade".[648] Fosse como defensor da guerra preventiva ou como pacifista radical antes da Segunda Guerra e no final de sua carreira, Bertrand Russel sempre buscou apresentar "soluções" dramáticas e bombásticas. Embora, em ambos os casos, suas soluções fossem incomuns, o que foi muito mais comum entre os intelectuais foi pensar no mundo em termos de soluções dramáticas de algum tipo e passar, de acordo com as circunstâncias, por uma completa reversão de posicionamento sobre a forma específica dessas soluções, como aconteceu, em geral, com os intelectuais durante e depois da Primeira Guerra Mundial. Essa conduta os deixa confiantes a respeito de suas alegadas sabedorias e virtudes superiores, as quais devem guiar as massas e influenciar as políticas nacionais. Claramente, ao menos uma de suas posições, mutuamente incompatíveis, tinha que estar equivocada, o que nos remete à frase: "Frequentemente errado, mas nunca em dúvida". ◆ ◆ ◆

REENCENANDO A DÉCADA DE 1930 A década de 1960 e a Guerra do Vietnã provocaram um amplo retorno do clima intelectual e ideológico que reinara durante as décadas de 1920 e de 1930. Na verdade, muitos dos termos e das frases do período anterior reapareceram na década de 1960, frequentemente usados como se fossem insights novos e inéditos, em vez de velhas noções já desacreditadas pela história. Por exemplo, os defensores do desarmamento mais uma vez referiam-se a si mesmos como integrantes do "movimento pela paz", chamando a política de dissuasão pelo poderio militar de "corrida armamentista". Mais uma vez, o argumento era feito em cima da ideia de que "a guerra não resolve". Os fabricantes de armas, que foram chamados de "mercadores da guerra" durante a década de 1930, eram agora denominados de "complexo militar-industrial", sendo mais uma vez considerados uma ameaça à paz, em vez de serem vistos como fornecedores dos meios dissuasórios para a contenção de nações agressoras. O Compromisso de Oxford, feito pelos rapazes ingleses da década de 1930 para que se recusassem a lutar pelo seu país na guerra, foi reencenado durante a década de 1960 por jovens norteamericanos que tinham idade para o recrutamento e diziam: "Pros diabos, eu não vou". O realismo ilustrativo dos horrores da guerra foi, mais uma vez, visto como meio para se promover a paz, e o racionalismo imediatista foi novamente considerado a melhor forma de se lidar com questões que tinham potencial para o recrudescimento das hostilidades e da deflagração da guerra. A recomposição da visão pacifista sofreu algumas alterações e a antiga retórica de indignação moral cedeu lugar a um pragmatismo menos carregado de julgamentos, mas que continuava a contemplar o ponto de vista do outro lado, assim como fizeram os intelectuais do período entre-guerras. Foram muito poucos os que, ao

adotarem essas e outras ideias da década de 1930, reconheceram os antecedentes dessas ideias e os desastres que esses antecedentes provocaram. A maior parte das ideias, entre os pacifistas da intelligentsia da década de 1960, já havia aparecido nos discursos do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain na década de 1930, os quais foram publicados como coleção em seu livro In Search of a Peace [Em Busca da Paz], o qual apareceu apenas alguns meses antes do início da Segunda Guerra Mundial.[649] O mais importante, como se dá com frequência, é que as palavras foram outra vez imantadas. O desarmamento passou a ser axiomaticamente igualado à paz. Para os defensores do desarmamento, Churchill dissera: "Quando vocês tiverem a paz, vocês terão o desarmamento",[650] não o contrário, mas não havia, uma vez mais, qualquer esforço para se testar essa hipótese contra aquelas que transformavam automaticamente os defensores do desarmamento em "o movimento pela paz". ◆ ◆ ◆

A GUERRA DO VIETNÃ Dentre as muitas implicações da guerra no Vietnã, temos aquela que, uma vez mais, consagrou o papel da intelligentsia em sua capacidade de influenciar as políticas de uma sociedade e o curso da história. Esse papel não foi o que buscava Maquiavel, de influenciar diretamente o pensamento, as crenças ou os objetivos dos governantes. Nas nações democráticas modernas, a intelligentsia pode exercer sua influência, e algumas vezes de forma decisiva, ao criar um clima geral de opinião pública no qual se torna politicamente impossível para os governantes fazer aquilo que acham que é preciso ser feito. Como já foi observado no capítulo 7, Stanley Baldwin e ele próprio mais tarde admitiu - não ousou relatar ao

público britânico que a Alemanha estava se rearmando em 1933, pois temia perder as eleições daquele ano, uma vez que dizer que a Alemanha se rearmava implicaria a necessidade de se rearmar a Grã-Bretanha, e o clima de opinião pública da época teria rejeitado essa conclusão e também o mensageiro que trouxesse essas notícias indigestas. Portanto, Baldwin não ousou falar o que sabia; [651] não apenas para salvar sua própria posição política, mas porque sabia que qualquer tentativa de sua parte em soar o alarme dos perigos iminentes que vinham da Alemanha poderia levar ao poder o partido da oposição, o partido trabalhista, o qual se opunha completamente aos preparativos militares, tornando a nação ainda mais vulnerável do que ela já estava. Resumindo, o clima de opinião pública da época tornou politicamente muito árduo para que a Grã-Bretanha se rearmasse de modo adequado tanto de forma dissuasória, para desencorajar potenciais inimigos, quanto para se defender no caso de guerra, muito embora os agentes governamentais do alto escalão britânico estivessem plenamente conscientes do rearmamento clandestino da Alemanha, reconhecendo os perigos que permaneciam desconhecidos para o público em geral. Assim sendo, a influência da intelligentsia foi decisiva, muito embora falhasse por completo em convencer os altos oficiais governamentais sobre o acerto de seus argumentos. Ainda que a Guerra do Vietnã tenha envolvido questões e fatos bem diferentes, a deflagração do conflito ecoou a mesma influência da intelligentsia sobre a opinião pública. Quaisquer que fossem os méritos ou os deméritos da decisão dos Estados Unidos em entrarem naquela guerra a fim de evitar que o Vietnã do Sul fosse conquistado pelo governo comunista do Vietnã do Norte, o fato duro é que mais de cinquenta mil norte-americanos morreram numa guerra na qual as forças do EUA conquistaram vitórias

militares decisivas, mas que pouco alteraram o curso da guerra, pois se tornaram derrota política. O clima de opinião pública reinante, criado pela intelligentsia nos Estados Unidos, tornou politicamente impossível continuar lutando, mas isso não afetou apenas a continuidade do envolvimento das tropas norte-americanas na luta, mas impossibilitou até mesmo que se continuasse a fornecer os recursos necessários ao governo do Vietnã do Sul para que se defendesse depois da retirada das tropas dos Estados Unidos. Com um lado recebendo ajuda de fora e o outro não, o resultado foi inevitável- a tomada do Vietnã do Sul pelo Vietnã do Norte. O ponto de virada decisivo da Guerra do Vietnã veio em 1968 com um levante maciço das guerrilhas comunistas no Vietnã do Sul durante um feriado vietnamita chamado Tet - que ficou conhecido como a "ofensiva do Tet", lançado durante o que seria uma trégua para a celebração do feriado. Depois de muitas declarações otimistas feitas por líderes políticos e militares dos Estados Unidos sobre o quão bem a guerra estava sendo conduzida, foi um choque para o público norte-americano saber que os comunistas foram capazes de organizar um ataque tão maciço no coração do Vietnã do Sul.[652] Além do mais, muitos na mídia retrataram o acontecimento como uma derrota dos Estados Unidos, quando de fato boa parte da guerrilha comunista foi dizimada durante a luta e nunca mais foi a mesma.[653] Os próprios líderes comunistas, depois de tomarem o Vietnã do Sul, admitiram abertamente, anos mais tarde, que haviam perdido a guerra militarmente contra os norteamericanos, incluindo a ofensiva do Tet, mas destacavam que haviam vencido politicamente nos Estados Unidos. Durante a guerra, o prisioneiro de guerra norte-americano James Stockdale ouviu de seu algoz norte-vietnamita que "nosso país não tem condição de derrotar o seu no campo

de batalha", mas que eles esperavam "vencer a guerra nas ruas de Nova York"[654] O lendário líder comunista, general Vo Nguyen Giap, que derrotara os franceses na decisiva batalha de Dien Bien Phu, em 1954, e posteriormente comandou as forças do Vietnã do Norte contra os norte-americanos, disse com sinceridade anos mais tarde: "Nós não tínhamos força suficiente para repelir meio milhão do contingente das tropas norteamericanas, mas não era esse o nosso objetivo". Seu objetivo era político: "Nossa intenção era quebrar a vontade do governo norte-americano de persistir no conflito. Westmoreland enganava-se ao esperar que seu poder de fogo superior nos despedaçasse. Caso tivéssemos nos focado na tarefa de equilibrar as forças, teríamos sido derrotados em duas horas". De fato, os norte-vietnamitas perderam "pelo menos um milhão" de homens, mortos principalmente pelos norte-americanos, segundo um dos assessores do general Giap, um número de baixas quase vinte vezes superior ao sofrido pelas tropas norteamericanas.[655] Olhando retrospectivamente, anos mais tarde o assessor do general Giap chamou as perdas comunistas durante a ofensiva do Tet de "devastadoras". [656]

Temos a mesma história, durante uma entrevista ainda posterior, com um homem que servira como coronel do exército do Vietnã do Norte e que recebera a rendição do Vietnã do Sul em 1975. A entrevista, concedida em 1995 pelo coronel Bui Tin, apresenta as seguintes perguntas e respostas: P: O movimento pacifista contra a guerra, nos Estados Unidos, foi importante para a vitória de Hanói?

R: Foi fundamental para nossa estratégia. O apoio que tínhamos à guerra em nossa sociedade estava completamente assegurado, ao passo que o lado norte-americano era vulnerável. Todos os dias nossas lideranças escutavam os noticiários internacionais no rádio, às nove horas da manhã, a fim de acompanharem o crescimento do movimento contra a guerra nos Estados Unidos. Visitas a Hanói por pessoas como Jane Fonda, o ex-procurador geral Ramsey Clark e ministros nos enchiam de confiança para que continuássemos a resistir, mesmo diante dos reveses que sofríamos no campo de batalha. Ficamos exultantes quando Jane Fonda, usando um vestido vietnamita, disse diante da imprensa internacional que estava envergonhada das ações norteamericanas na guerra e que lutaria ao nosso lado. P: O Politburo prestava atenção a essas visitas? R: Devotadamente. P: Por quê? R: Aquelas pessoas representavam a consciência da América. A consciência dos Estados Unidos era uma parte de sua capacidade para lutar a guerra e estávamos redirecionando aquele poder ao nosso favor. A América perdeu a guerra por causa de sua democracia; por meio de dissidências e de protestos ela perdeu o poder de mobilizar a vontade necessária para vencer.![657] Em relação à determinante ofensiva do Tet, em 1968, a questão do entrevistador sobre os propósitos daquela

operação foi respondida de forma direta: "O Tet foi concebido para influenciar a opinião pública norteamericana". Em relação aos resultados da ofensiva do Tet: "Nossas perdas foram assombrosas e uma completa surpresa. Giap me disse, mais tarde, que o Tet fora uma derrota militar, embora tivéssemos ganhado as vantagens políticas planejadas quando Johnson concordou em negociar e não concorreu à reeleição". Todavia, do ponto de vista militar: "Nossas forças, no Vietnã do Sul, foram quase que completamente varridas durante os combates de 1968".[658] Essa combinação paradoxal entre acachapantes vitórias militares dos Estados Unidos no Vietnã e devastadoras derrotas políticas em Washington esteve totalmente dependente do clima da opinião pública nos Estados Unidos, um clima para o qual a intelligentsia exerceu uma contribuição grandiosa. Um dos temas dos críticos contemporâneos sobre a Guerra do Vietnã, tanto antes quanto depois da ofensiva do Tet, era baseado no argumento de que a guerra era invencível, pois era essencialmente uma "guerra civil" conduzida por guerrilhas comunistas dentro do Vietnã do Sul, apesar de serem ajudadas e abastecidas pelo governo comunista do Vietnã do Norte, em vez de ser uma guerra entre duas nações. O notório historiador e comentarista contemporâneo Arthur Schlesinger Jr. dizia que essas guerrilhas poderiam "continuar lutando subterraneamente pelos próximos vinte anos".[659] A ofensiva do Tet parecia se alinhar com essa visão, especialmente quando esses ataques disseminados começaram a ser retratados no New York Times,[660] dentre outros lugares, como um "duro golpe" e um "revés" para as tropas norte-americanas e do Vietnã do Sul, e um "sucesso" para os comunistas. O colunista Drew Pearson disse que os Estados Unidos haviam sofrido "uma surra definitiva".[661]

O âncora da CBS, Walter Cronkite, disse: "Estamos presos num atoleiro"[662] e, embora fosse uma conclusão menos terrível do que algumas outras, o tamanho da audiência de Cronkite e o fato de ele ser considerado, na época e de acordo com pesquisas, a personalidade em que o público norte-americano mais confiava, deram grande peso à conclusão de que a guerra era militarmente inviável. Tempos depois, os assessores do presidente Johnson disseram que a transmissão de Cronkite convencera o presidente de que ele perdera o apoio da opinião pública, um fator necessário para levar a guerra a uma vitória militar. Um mês depois, Lyndon Johnson anunciava que não concorreria à reeleição e que buscava negociar com o Vietnã do Norte. Como sabemos, os líderes comunistas do Vietnã do Norte em Hanói tinham, como os líderes norte-americanos em Washington, praticamente a mesma avaliação militar sobre a ofensiva do Tet, ou seja, que fora uma derrota esmagadora para as guerrilhas comunistas. O sucesso político dos comunistas consistia precisamente no fato de os canais de mídia, como o New York Times, declararem o sucesso de sua ofensiva militar. Da mesma forma, o Wall Street Journal rejeitava a alegação da administração Johnson que dizia que a ofensiva de Tet era um último "respiro" do movimento guerrilheiro vietcongue no Vietnã do Sul.[663] Nesse momento, a credibilidade da administração Johnson havia sido despedaçada por suas palavras e suas ações prévias.[664] Portanto, embora agora saibamos que a avaliação militar transmitida pela mídia fora imprecisa na época, isso exerceu um peso muito maior na formação da opinião pública do que as avaliações precisas feitas pelos líderes nacionais tanto de Hanói como de Washington. A alegação central dos críticos contrários à guerra era de que, usando as palavras do reconhecido colunista Walter

Lippmann, "os norte-americanos não podem exterminar as guerrilhas vietcongues" no Vietnã do Sul, uma visão compartilhada pelo historiador Arthur Schlesinger Jr. e por outros.[665] No entanto, a ofensiva do Tet alcançou, na prática, a tarefa supostamente impossível, custando às guerrilhas vietcongues uma tremenda perda de homens e de territórios, os quais eles previamente controlavam, assim como sua capacidade para conseguir novos recrutas; e o que era chamado de guerra civil se tornou, mais tarde, uma clara guerra entre exércitos nacionais.[666] Para Lippmann, escrevendo em 1965, três anos antes da ofensiva do Tet, o que acontecia no Vietnã do Sul era uma guerra civil na qual "os rebeldes estão vencendo"[667] No entanto, Lippmann se considerou vindicado pela ofensiva do Tet: "A guerra vietnamita é, eu sempre acreditei, invencível".[668] O colunista Joseph Kraft, do Washington Post, foi um dos muitos que repetia o mantra de que a Guerra do Vietnã "não poderia ser vencida".[669] Numa democracia, se um número suficiente de pessoas acredita que uma guerra não pode ser vencida, isso pode realmente torná-la assim. Assim como muitos outros, a solução de Walter Lippmann, desde o começo, fora a do "estabelecimento de negociações". Ele prestava pouca atenção à viabilidade real de tal acerto, assim como muitos outros intelectuais fizeram e fazem, ao longo dos anos, sobre a real viabilidade de muitos tratados internacionais de desarmamento e outros acordos feitos com regimes totalitários controlados por ditadores. Lippmann não estava sozinho. O economista John Kenneth Galbraith estava entre os muitos que exortavam tal abordagem.[670] No final, o sucessor de Lyndon Johnson, o presidente Richard Nixon, acabou, de fato, estabelecendo negociações com o Vietnã do Norte, que foram realmente um plano de rendição em parcelas aos norte-vietnamitas, feito para salvar as aparências. Todavia, os vietcongues tomaram o Vietnã do Sul, tornando claro para o mundo o

que acontecera de verdade, e renomearam Saigon, a capital do Vietnã do Sul, como Ho Chi Minh, em homenagem ao exgovernante do Vietnã do Norte. No período seguinte à vitória política comunista no Vietnã, muitos dos que se opuseram, nas democracias ocidentais, ao envolvimento dos Estados Unidos com a Guerra do Vietnã, em função de preocupações humanitárias devido ao grande número de perdas humanas tanto entre a população civil quanto entre os soldados, foram confrontados com o fato de que o fim da guerra não pusera um ponto final nos massacres. O historiador militar Victor Davis Hanson observou: Em comparação com as décadas de guerra, a vitória comunista trouxe muito mais mortes e um deslocamento humano muito mais acentuado para a população vietnamita. Essas baixas foram, com maior frequência, causadas pela fome, pelo encarceramento e pela fuga, em vez de serem o resultado de assassinatos coletivos (...). Os números exatos ainda são controversos, mas boa parte dos especialistas aceita que bem mais de um milhão de pessoas fugiram de barco e centenas de milhares de outras atravessaram o território vietnamita por terra em direção à vizinha Tailândia e até mesmo à China (...). Os que acabaram morrendo em decorrência de naufrágios ou de outros acidentes variam de cinquenta mil a cem mil pessoas (...).[671] A Guerra do Vietnã fez reviver, nos Estados Unidos, o padrão visto na França entre as duas Guerras Mundiais: o rebaixamento moral dos soldados em batalha, retirados do papel de heróis patriotas, não importando quais atos de bravura e de autossacrifício tenham realizado. Os danos

colaterais sofridos pela população civil vietnamita durante as operações militares dos norte-americanos, ou mesmo as alegações de má conduta individual entre as tropas norteamericanas, provocaram toda sorte de bombásticas condenações morais sobre os militares dos EUA como um todo, geralmente sem qualquer exame ou levantamento da questão sobre a regularidade ou não de tais efeitos colaterais durante as guerras ou se as atrocidades eram autorizadas ou condenadas pelas autoridades[672] A atrocidade contra a população civil que ganhou a mais ampla cobertura da imprensa e da mídia foi o "massacre de My Lai", perpetrado por uma unidade norte-americana contra um vilarejo do Vietnã do Sul que era suspeito de abrigar as guerrilhas comunistas, mas interrompido por outras tropas norte-americanas quando chegaram ao lugar; o oficial encarregado foi sentenciado pelo tribunal militar por ter feito coisas que as guerrilhas comunistas faziam rotineiramente e numa escala muito mais ampla.[673] Por intermédio da manipulação da mídia, a imagem dos que serviram como militares durante a Guerra do Vietnã, como a imagem dos soldados franceses que serviram na Primeira Guerra Mundial, apresentou-os frequentemente no papel de vítimas. No Vietnã, "histórias de heróis não faziam parte do cardápio", como disse o chefe de redação do Washington Post anos depois, ao se lembrar da cobertura da guerra pela mídia dos Estados Unidos.[674] Uma imagem padrão, colada sobre os veteranos da Guerra do Vietnã, era a de que esses homens pertenciam, de forma desproporcional e majoritariamente, às classes mais pobres, menos educadas e às minorias, e que os traumas de guerra os levaram ao uso disseminado de drogas durante o serviço no Vietnã e a atos de violência ao voltarem para casa, contraindo uma "síndrome de estresse pós-traumático". Filmes muito aclamados, retratando essa época, acabaram dramatizando essas imagens.[675] Todavia, os frios dados estatísticos

contradizem esse panorama[676] e alguns dos "veteranos de combate" do Vietnã que participaram dos especiais de televisão de Dan Rather, dentre outros, nunca estiveram em combate ou, até mesmo, nunca foram ao Vietnã.[677] Mas o que eles diziam se encaixava na visão dominante e isso geralmente era o suficiente para que eles fossem convidados para aparecer na televisão e citados em jornais e livros. Por vezes, a mídia e a intelligentsia dos EUA conseguiram superar o período entre-guerras na França ao retratarem os veteranos de combate norte-americanos como vilões. O único prêmio Pulitzer dado à cobertura da ofensiva do Tet foi parar nas mãos de um jornalista que escrevera sobre o massacre de My Lai, mas que nunca tinha pisado no Vietnã.[678] Dessa forma, essa tragédia pontual acabou ofuscando inumeráveis batalhas por todo o Vietnã do Sul, nas quais as tropas norte-americanas obtiveram vitórias esmagadoras. O fato de boa parte dos combates contra guerrilhas urbanas vestidas em trajes civis acontecer em áreas residenciais tornou a tarefa mais difícil para as tropas norte-americanas, mas deu à imprensa numerosas oportunidades para criticar as tropas: As casas em volta da estrada estavam abarrotadas com centenas de atiradores. Levou uma semana, uma luta de casa a casa, para que as tropas do exército norte-americano e seus aliados do Vietnã do Sul localizassem e expulsassem os vietcongues, os quais raramente se rendiam e tinham que ser mortos até o último homem. No entanto, na televisão os soldados dos EUA eram culpados de explodir as residências dos vietnamitas como se ninguém percebesse que atiradores urbanos alvejavam os fuzileiros navais

dos Estados Unidos durante o que deveria ter sido uma trégua de feriado.[679] Essa batalha em Saigon não foi o único caso de uma batalha noticiada de forma tendenciosa. A cidade de Hué, próxima da fronteira com o Vietnã do Norte, foi capturada por um numeroso contingente de guerrilhas vietcongues e do Vietnã do Norte, o que foi seguido pelo massacre de milhares de civis, os quais foram enterrados em covas coletivas. O contra-ataque das tropas norte-americanas, que retomou o controle da cidade, foi sistematicamente criticado pela mídia por ter destruído estruturas históricas antigas. Tais críticas vieram geralmente de jornalistas que, por outro lado, nada tinham a declarar sobre os genocídios perpetrados pelos comunistas sobre a população civil daquela cidade.[680] Muitos anos depois do término da Guerra do Vietnã, a CNN exibiu, em 1998, uma história sobre uma alegada atrocidade oficialmente sancionada pelos EUA em 1970. Como foi noticiado pelo Wall Street Journal: "Um ex-boinaverde processou a Cable News Network (CNN) e a revista Time por difamação pela matéria exibida pela CNN e repetida pela revista Time, agora retratada como falsa. A matéria acusava os militares dos EUA de usarem gás venenoso para matar os desertores norte-americanos durante a Guerra do Vietnã".[681] Um dos coautores dessa história, Peter Arnett, foi também a única fonte de uma observação mais famosa, embora incomprovada, segundo a qual um oficial militar norte-americano no Vietnã dissera que: "Foi necessário destruir a cidade para salvá-la".[682] Porém, o historiador militar Victor Davis Hanson ressaltou: "No entanto, havia pouca evidência, além do próprio Arnett, de que qualquer oficial dos EUA tivesse dito tal coisa"[683] Imagens negativas das tropas norte-americanas, filtradas pela mídia, foram tão amplamente difundidas, que

os veteranos do Vietnã, ao voltarem para casa, eram frequente e abertamente desprezados e insultados. ◆ ◆ ◆

A GUERRA FRIA A Guerra Fria, entre os Estados Unidos e a União Soviética, começou muito antes de os EUA entrarem na Guerra do Vietnã e continuou durante muito tempo depois do término dessa última. Se o reconhecimento sobre o perigo que representava a União Soviética para as democracias ocidentais pudesse ser datado em função de um evento em particular, esse evento seria o discurso de Winston Churchill, de 1946, em Fulton, Missouri, quando destacou que o compromisso assumido durante a guerra pelos soviéticos, de promoverem eleições livres e viabilizarem governos independentes na Europa do Leste, fora rejeitado, indicando uma política claramente expansionista do governo ditatorial dos soviéticos: De Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro se abateu sobre o continente europeu. Atrás dessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa central e oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia, todas essas famosas cidades e as populações que vivem em seu entorno estão agora localizadas no que eu devo chamar de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética, mas a um alto e crescente grau de controle exercido por Moscou.[684] Dentre os muitos esforços para se evitar que a cortina de ferro avançasse para oeste, tivemos o Plano Marshall, o

qual visava à reconstrução da Europa ocidental, assolada pelas devastações da guerra, e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a qual visava constituir uma força militar organizada de nações europeias, incluindo a presença de tropas norte-americanas nesses países, além de criar um guarda-chuva nuclear norte-americano sobre eles, com ameaça de retaliação conjunta de todos os participantes em resposta a um eventual ataque militar a qualquer um dos membros da Otan. Nada disso foi realizado sem passar por contínuas e grandes controvérsias dentro das democracias ocidentais, nas quais a intelligentsia desempenhou um papel de destaque. Por exemplo, o discurso sobre a "cortina de ferro" de Churchill provocou muitas reações contrárias tanto na intelligentsia dentro dos Estados Unidos quanto na própria Grã-Bretanha. O escritor ganhador do prêmio Nobel Pearl Buck, por exemplo, referiu-se ao discurso de Churchill como uma "catástrofe".[685] Um editorial do Chicago Tribune disse que "o sr. Churchill perde boa parte de sua estatura com esse discurso".[686] O colunista Marquis Childs lamentou "o vezo altamente antirrusso que viciou todo o discurso."[687] Os jornais Boston Globe, Washington Star e muitos outros jornais norte-americanos também reagiram de forma negativa ao discurso de Churchill, como fez o famoso colunista Walter Lippmann, embora o New York Times e o Los Angeles Times o tenham elogiado.[688] Na Grã-Bretanha, as reações variaram, desde o Evening News, o qual elogiou o alerta de Churchill, até George Bernard Shaw, que chamou o discurso de "nada menos que uma declaração de guerra contra a Rússia". Houve a mesma divergência de opiniões em relação ao discurso da "cortina de ferro" em Paris.[689] Nas décadas que se seguiram, os esforços para reforçar as defesas militares da Europa ocidental contra a ameaça do bloco soviético também geraram controvérsia entre os setores e os membros da intelligentsia, alguns dos

quais perguntaram se não "seria melhor ser vermelho do que estar morto". Todavia, a Europa ocidental era apenas um dos palcos da Guerra Fria e a defesa militar era apenas uma das áreas de conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos. O conflito estendia-se aos âmbitos econômicos, políticos, sociais e ideológicos. Embora essa fosse uma Guerra Fria, uma guerra sem combates militares, já que as tropas norte-americanas e soviéticas não lutaram diretamente umas contra as outras, havia, no entanto, muitas partes do mundo nas quais ocorreram batalhas militares entre tropas · apoiadas, respectivamente, por soviéticos e por norte-americanos. O Vietnã foi apenas mais uma dessas frentes de batalha. Além do mais, embora a guerra entre os Estados Unidos e a União Soviética fosse "fria", no sentido de não haver conflito militar direto entre esses dois países, pairava, acima de tudo, a ameaça da catástrofe máxima, a guerra nuclear. Durante a Guerra Fria, e especialmente depois da escalada do envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, muitos membros da intelligentsia começaram a repetir o velho mantra de que a guerra "nada resolve", um eco da década de 1930, quando a futilidade das guerras foi proclamada, dentre muitos outros, por Neville Chamberlain, que dissera que a guerra "não vence nada, não cura nada e não põe fim a nada",[690] o qual, por sua vez, apenas repetia o que muitos diziam em sua época. Mas como tanta coisa que é dita pela intelligentsia sobre os mais diversos assuntos, a noção de que a guerra "nada resolve" tinha muito pouca relação com qualquer evidência empírica e muita relação com a visão do intelectual ungido, o qual se alimenta da exaltação de seu próprio papel. Caso a batalha de Lepanto, em 1571, ou a batalha de Waterloo, em 1815, tivessem tido um resultado contrário ao que aconteceu historicamente, isso poderia ter determinado um mundo muito diferente. Caso a desesperada luta em Stalingrado e

nas praias da Normandia tivesse dado a vitória para o outro lado, durante a Segunda Guerra Mundial, a vida talvez não valesse a pena ser vivida para milhões de pessoas hoje em dia. Houve, certamente, guerras fúteis, nas quais todas as nações, em ambos os lados, terminaram muito pior do que antes do conflito, e a Primeira Guerra Mundial é um exemplo clássico. Mas ninguém afirmaria às cegas que a ciência médica "nada resolve" porque muitas pessoas morrem apesar de receberem tratamento médico e algumas outras morrem por receberem o tratamento errado, o mesmo vale para os riscos remotos das vacinas. Resumindo, as especificações mundanas são mais importantes na avaliação de qualquer guerra em particular do que os bombásticos, dramáticos e abstratos pronunciamentos tão comumente adotados pela intelligentsia. A futilidade de uma "corrida armamentista" foi mais uma característica marcante da década de 1930 que voltou a vigorar na década de 1960, mesmo que um desarmamento unilateral - tanto moral quanto militar -, adotado pelas nações democráticas após o término da Primeira Guerra Mundial, tenha tornado muito favorável, para os poderes do Eixo, a perspectiva de vitória em outra guerra, o que desembocou na Segunda Guerra Mundial. A noção de que uma "corrida armamentista" fomentaria a guerra, que fora o tom dominante entre os intelectuais durante o período entre-guerras, o qual acabou influenciando a condução política, principalmente na figura de Neville Chamberlain,[691] foi restaurada a partir da segunda metade do século XX. Seja qual for a plausibilidade dessa noção, o que parece crucial é que poucos intelectuais sentiram qualquer necessidade de ir além da mera plausibilidade em busca de evidências concretas, a fim de aferir suas suposições, colocando-as sob o crivo da

verificação empírica, mas, em vez disso, trataram a questão como um axioma inquestionável. Assim que a Segunda Guerra Mundial demonstrara, de forma trágica, os perigos das insuficientes políticas de desarmamento e de rearmamento, a ideia sobre a alegada futilidade da corrida armamentista foi descartada. Porém, quando o presidente John F. Kennedy invocou essa lição da Segunda Guerra Mundial ao dizer em seu discurso de posse em 1961 que "não ousaremos tentá-los mostrando fraqueza",[692] apesar de sua juventude ele falava em consonância com uma geração que estava passando, defendendo ideias que seriam, em breve, substituídas por ideias opostas, adotadas ironicamente anos mais tarde por seu irmão mais jovem no Senado dos Estados Unidos. A ideia de força militar como fundação para a paz, a partir do poder dissuasivo para conter potenciais inimigos, caiu em desuso rapidamente a partir da década de 1960, ao menos entre os intelectuais. Em vez disso, durante os longos anos de Guerra Fria entre a União Soviética e os Estados Unidos, acordos para limitação de arsenais foram defendidos por muitos, senão pela maioria, da intelligentsia ocidental. Tratados proclamando predisposições pacíficas entre as nações, especialmente aqueles que limitavam os arsenais de guerra, foram mais uma vez aclamados pela intelligentsia por promoverem um "arrefecimento das tensões" entre as nações. Contudo, as tensões internacionais haviam sido esfriadas por tais acordos, muitas outras vezes em outras ocasiões, durante o período entre as duas Guerras Mundiais, como, por exemplo, nos Acordos Navais de Washington em 1921-1922, o Pacto de Locamo em 1925, o Pacto Kellogg-Briand em 1928, o Acordo Naval Anglo-Germânico em 1935 e o maior afrouxamento de todos - o acordo de Munique em 1938, no qual a GrãBretanha e a França dispensaram um aliado do qual, depois,

precisaram desesperadamente durante a guerra que irrompeu um ano mais tarde. Todo esse conhecimento histórico desapareceu da memória, como se nunca tivesse acontecido, na medida em que a intelligentsia ocidental da época da Guerra Fria voltou a repetir a ênfase sempre reiterada de Neville Chamberlain no "contato pessoal"[693] entre os líderes de nações em tensão, celebrando, uma após a outra, as "reuniões de cúpula" entre norte-americanos e soviéticos, batizando o resplendor dessas reuniões como "espírito de Genebra", "espírito de Camp David" e de outros lugares onde se deram reuniões e pactos semelhantes. Era como se as causas das guerras fossem emoções hostis que poderiam ser esvaziadas por meio de uma compreensão melhor entre as pessoas ou de mal-entendidos entre governos que poderiam ser esclarecidos através de reuniões entres os chefes de Estado das nações em tensão. Mas o desejo de A arruinar B não é uma "questão" que pode ser resolvida amigavelmente em torno de uma mesa de conferência. Questões empíricas a respeito das especificidades concretas dos acordos internacionais, como a possibilidade de verificar os termos acordados ou se as restrições impostas sobre o Ocidente se equiparavam às restrições impostas aos soviéticos, raramente receberam muita atenção da intelligentsia, cujos membros estavam muito ocupados promovendo euforia sobre o fato de que acordos internacionais haviam sido assinados acompanhados de uma retórica prepotente. A assimetria geral dos acordos internacionais entre os governos democráticos e autocráticos remonta a um período bem anterior à Guerra Fria. A intelligentsia dos países democráticos não só ajuda na criação de um clima de opinião pública que anseia pela realização desses acordos, sem se preocupar com as especificidades dos termos, mas também força os governos democráticos a

respeitarem estritamente os termos dos acordos, ao passo que não existe qualquer pressão equivalente sobre os governos autocráticos. Portanto, como já observado no capítulo 7, os governos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos restringiram o tamanho de seus navios de guerra em conformidade com as determinações dos Acordos Navais de Washington de 1921-1922, e os britânicos fizeram o mesmo em relação ao Acordo Naval Anglo-Germânico de 1935 com o resultado explícito, durante a Segunda Guerra Mundial, de que tanto o Japão quanto a Alemanha tinham navios de guerra maiores do que quaisquer navios britânicos ou norte-americanos, uma vez que os regimes totalitários do Japão e da Alemanha se viam desimpedidos para violarem os termos dos acordos. De forma semelhante, durante a Guerra do Vietnã um cessar fogo negociado em Paris teve que ser respeitado pelo Vietnã do Sul, já que os sul-vietnamitas dependiam do fornecimento de material militar dos Estados Unidos e esse último se encontrava sob constante pressão da opinião pública, a qual exigia que o cessar-fogo fosse respeitado. Enquanto isso, o regime comunista do Vietnã do Norte estava liberado para simplesmente ignorar o acordo que seus representantes haviam assinado em meio a uma fanfarra internacional, e que culminou no prêmio Nobel da Paz tanto para o representante norte-vietnamita, Le Duc Tho, quanto para o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger. Com o Vietnã do Norte livre para continuar a lutar e o Vietnã do Sul impossibilitado de tomar contramedidas comparáveis, o resultado foi que o Vietnã do Norte conquistou o Vietnã do Sul. A administração Nixon não foi ingênua quando endossou os acordos que levaram a esse resultado. O presidente Nixon queria que a guerra acabasse e os Acordos de Paris criaram o atalho para uma aparente resolução pacífica da Guerra do Vietnã, e a criação de atalhos é o que conta no mundo da política.

Uma vez mais, o impacto dos intelectuais sobre o curso dos eventos independeu de seu poder direto de convencimento sobre os donos ou os detentores do poder. O presidente Nixon não tinha qualquer consideração pelos intelectuais. Foi ao ajudar na formação de um clima de opinião pública que a intelligentsia influenciou a decisão política de Nixon, que custou o abandono do Vietnã do Sul, o qual ficou à mercê de seu próprio destino. Dentre as muitas noções das décadas de 1920 e de 1930, e que retornaram na década de 1960, encontrava-se a alegação irrelevante de que, afinal de contas, os povos dos países desejavam a paz - como se para Hitler fosse importante o que o povo alemão desejava[694] ou como se Stalin se importasse com os desejos do povo soviético. Como corolário dessa noção, vinha à tona a velha ideia de promover mais contatos "entre os povos" para favorecer o processo de paz, como fora exortado por john Dewey na década de 1920,[695] mas isso retornou como se fosse uma nova ideia surgida durante a Guerra Fria. Era como se as guerras fossem o resultado da insuficiência de empatia entre os povos ou uma doença psicológica das massas que poderia ser tratada terapeuticamente. John Dewey dissera em 1922: "Se conseguirmos de fato nos entender reciprocamente, alguma forma de cooperação para fins comuns pode ser encontrada".[696] Na década seguinte, um sentimento semelhante foi externado pelo primeiro-ministro Neville Chamberlain[697] e, décadas depois disso, a mesma ideia foi recuperada, tornando-se fórmula preferida da mídia e do discurso acadêmico durante as décadas da Guerra Fria. A ideia de que uma compreensão mútua seria a chave para a paz - juntamente de seu corolário de que contemplar o ponto de vista do outro lado seria crucial - foi crucial para a diplomacia do primeiroministro Chamberlain durante a década de 1930.[698] Mas assim como tantas outras coisas da visão predominante,

isso foi considerado axiomaticamente e não como uma hipótese que teria que se sujeitar à verificação empírica da história ou de eventos mais contemporâneos. A eleição de Ronald Reagan para presidência dos Estados Unidos na década de 1980 acarretou políticas e práticas diretamente opostas àquelas favorecidas pelos intelectuais. Em vez de enfatizar, como fizera Neville Chamberlain, a importância de se compreender o ponto de vista de uma nação adversária,[699] o presidente Reagan enfatizou a importância de tornar claro que as nações adversárias compreendiam o ponto de vista dos Estados Unidos, como ficou explícito quando ele chamou a União Soviética de "império maligno" - para a consternação da intelligentsia.[700] Em seu primeiro encontro com o soviético Mikhail Gorbachev em Genebra, em 1985, Reagan foi completamente duro: "Nós não aceitaremos e não permitiremos que vocês tenham superioridade bélica sobre nós. Podemos concordar em reduzir as armas ou podemos continuar a corrida armamentista, a qual eu acho que vocês sabem que não podem vencer".[701]  Durante uma visita a Berlim ocidental, em 1987, Reagan fora avisado que os comunistas em Berlim oriental tinham equipamentos de escuta de longo alcance. Essa foi sua resposta, como relatada em sua autobiografia: "Cuidado com o que o senhor diz", disse um funcionário do governo alemão. Bem, quando ouvi aquilo, saí para um lugar que ficava ainda mais próximo do prédio e comecei a pensar em voz alta sobre o que achava de um governo que encurralava seu próprio povo como se fossem animais em cativeiro. Não consigo me lembrar exatamente do que disse, mas talvez tenha sido um pouco grosseiro ao

expressar minha opinião sobre o comunismo, pois esperava que fosse ouvido.[702] Mais tarde, naquele mesmo dia, ele visitou o infame Muro de Berlim, onde expressou publicamente uma frase que assombrou a intelligentsia, tanto quanto fizera sua observação sobre o "império do mal": "Sr. Gorbachev, derrube este muro!".[703] Isso foi um duplo insulto porque, ao menos oficialmente, o governo soberano de Berlim oriental seria o responsável pelo Muro de Berlim. Ao passar publicamente por cima da autoridade do governo de Berlim oriental, dirigindo-se diretamente ao premier russo, ele chamara, de fato, o regime da Alemanha oriental de governo fantoche. Outra área em que Ronald Reagan representou rompimento com as práticas pretéritas dos líderes ocidentais foi em recusar assinar acordos internacionais sempre que não considerasse os termos justos, mesmo que isso significasse que ele voltaria de uma reunião de cúpula com as mãos vazias e com isso seria culpado, pela mídia, de não conseguir um acordo. Na reunião de cúpula em 1986, na Islândia, com o então líder soviético Mikhail Gorbachev, houve muitos acordos tentadores nas tratativas de redução de armas, mas quando chegou o momento de finalizar um deles, Gorbachev disse: "Tudo isso depende, é claro, de vocês desistirem do IDE" - Iniciativa de Defesa Estratégica o programa de defesa de mísseis chamado, por seus oponentes, de "Guerra nas Estrelas". Mais tarde, ao se lembrar desse momento crucial no instante final da reunião, Reagan comentou em sua autobiografia: Eu estava cada vez mais furioso. Percebi, de pronto, que ele me trouxera à Islândia com um único propósito: matar o programa de

Iniciativa de Defesa Estratégica. Ele sabia, desde o começo, que traria essa exigência no último minuto. "A reunião está encerrada", eu disse. "Vamos embora, George."[704] Com isso, o presidente Reagan e o secretário de Estado George Shultz deixaram a reunião, mesmo sabendo que os soviéticos estavam dispostos a negociar por mais um dia.[705] Haveria outras reuniões, mas essa deixou claro para os soviéticos que, diferentemente de outros líderes ocidentais, Reagan não precisava voltar para casa com um acordo a qualquer custo. Muitos na intelligentsia viram a abordagem de Reagan como algo que provavelmente levaria à guerra, mas, pelo contrário, ela acelerou o fim da Guerra Fria, ao passo que a abordagem de Chamberlain, a qual supostamente levaria à paz, acabou fomentando a maior guerra da história; no entanto, toda essa realidade histórica não provocou um só arranhão na visão do intelectual ungido. ◆ ◆ ◆

A INTELLIGENTSIA DURANTE A GUERRA FRIA O virtuosismo retórico continuou muito em evidência entre os membros da intelligentsia durante a década de 1960, como estivera presente no universo políticoideológico das décadas de 1920 e de 1930. Os defensores das políticas de desarmamento se denominavam, em ambas as épocas, membros do movimento pela "paz", impedindo, contudo, que outros tocassem na questão crucial sobre a real validade do desarmamento unilateral, não questionando se ele realmente aumentaria as chances da manutenção da paz ou se seria o contrário; e se o

"arrefecimento das tensões internacionais" implicaria realmente uma redução da iniciativa de guerra em todas as nações ou se seria o caso de apenas deixar as potenciais vítimas menos cientes dos perigos de agressores futuros. Assim como em outros contextos, o excesso de virtuosismo retórico substitui, com frequência, a verificação empírica detalhada ou mesmo uma análise criteriosa. Não foi o caso de a intelligentsia usar mal esses procedimentos, porém suas astutas formulações retóricas geralmente tornam desnecessárias, a esses intelectuais, tais verificações. Durante a década de 1980, quando o presidente Reagan respondeu à retomada do posicionamento de mísseis soviéticos na Europa oriental com um correspondente aumento de mísseis norte-americanos na Europa ocidental, esse evento fez ressurgir os argumentos da "corrida armamentista" das décadas de 1920 e de 1930, polarizando a opinião pública nas nações do Ocidente, incluindo os Estados Unidos. O colunista William Raspberry, do Washington Post, deplorou "uma perigosa, custosa e prolongada corrida de armas nucleares".[706] O colunista Anthony Lewis, do New York Times, disse que "não é uma resposta racional" ao poder soviético "intensificar uma corrida armamentista”[707] O seu colega colunista do New York Times, Tom Wicker, referia-se a "uma corrida armamentista sem razão de ser".[708] "É cenamente melhor concentrar esforços para se colocar a corrida armamentista sob controle, mantendo assim a vida civilizada como nós a conhecemos, fisicamente intacta", disse o escritor e exdiplomata George F. Kennan.[709] Alva Myrdal, ganhadora do prêmio Nobel da Paz, disse: "Nunca deixei de procurar entender os motivos e as razões para algo tão sem sentido como a corrida armamentista".[710] Tais visões tiveram reflexo na arena política. Como já foi observado, o irmão mais novo do presidente John F. Kennedy, o senador Edward M. Kennedy, de Massachusetts,

tornou-se uma figura política de destaque usando os mesmos argumentos contra a "corrida armamentista", repetindo os termos usados pela maior parte da intelligentsia. Em 1982, o senador Kennedy estava entre aqueles que se opuseram à ampliação do poderio militar proposto por Reagan, declarando que seria "uma nova e perigosa espiral na competição por armas nucleares" e clamava por uma "reversão da corrida nuclear".[711] Em 1983, o senador Kennedy disse: "Buscaremos congelar a corrida armamentista, a qual pode acabar tornando todo o planeta numa fria terra devastada”.[712] Mais tarde, no mesmo ano, ele diria: "Precisamos acabar com a corrida armamentista antes que ela acabe conosco".[713]  O senador Kennedy também se juntou a outros senadores num protesto publicado numa carta ao New York Times declarando que: "Especialistas e cidadãos por todo o país estão abraçando o congelamento do poderio nuclear como a melhor forma de acabar com a corrida de armas nucleares antes que seja tarde demais".[714] Em outras palavras, uma vez que o aumento do poderio de mísseis nucleares soviéticos na Europa oriental lhes desse superioridade militar na Europa, deveríamos congelá-la, em vez de restaurar o equilíbrio. Ao atacar as políticas do presidente Reagan no Senado, o senador Kennedy convocou seus colegas senadores "a acabarem com a corrida nuclear antes que ela acabe com a raça humana".[715] Embora o senador Kennedy fosse uma voz de liderança na campanha pelo congelamento do poderio nuclear norte-americano, ele recebeu o apoio de muitas outras figuras políticas proeminentes, além do explícito amparo dos membros da mídia, os quais ecoaram sua mensagem. Os que ressuscitaram o antigo argumento contra a "corrida armamentista" e sua política de dissuasão militar, fazendo uso de uma retórica que havia sido

largamente usada durante o período entre as duas Guerras Mundiais, supunham implicitamente que havia recursos suficientes em ambos os lados para que uma escalada indefinida e interminável de aumento de poderio ocorresse. Tal suposição provou ser completamente falsa quando o aumento do poderio militar promovido pelo presidente Reagan na década de 1980 provou ser demasiado custoso para a frágil economia soviética, como Reagan sabia muito bem.[716] O fato de a real consequência da política de Reagan ter causado o resultado exatamente oposto ao que fora previsto pelo argumento contrário à "corrida armamentista", ou seja, o término da Guerra Fria, em vez de o início de uma guerra nuclear, não causou grande efeito sobre a visão predominante, assim como outros fatos que contradizem diretamente outras premissas da visão do intelectual ungido. O fato de as políticas mais conciliatórias terem falhado, por décadas, na tentativa de pôr fim à ameaça nuclear, sob a qual o mundo vivera durante as décadas de Guerra Fria, foi igualmente ignorado. Grande parte da intelligentsia simplesmente se derramou em elogios ao premier soviético Mikhail Gorbachev por não mais seguir as políticas de seus predecessores.[717] A alternativa seria admitir haver algo para ser dito a respeito da ênfase que Reagan sempre dera ao poderio militar e da forma como ele rejeitara a retórica dos críticos da "corrida armamentista", a qual fora, durante muito tempo, completamente central no pensamento da intelligentsia. Algumas pessoas contestaram se, de fato, o fim da Guerra Fria não deveria ser creditado mais a Reagan do que a Gorbachev, mas para muitos, ou mesmo a para a maioria dos membros da intelligentsia, não havia o que discutir, uma vez que seria impensável que qualquer uma de suas suposições fundamentais estivesse errada. No entanto, depois do término da Guerra Fria e da dissolução da União

Soviética, ex-funcionários soviéticos do alto escalão disseram que as políticas de Reagan foram um fator crucial. Segundo o Washington Post: Falando sobre o fim da Guerra Fria, durante uma conferência ministrada na Universidade Princeton, funcionários do alto escalão disseram que o expresidente Mikhail Gorbachev ficara convencido de que qualquer tentativa de enfrentar e se equiparar ao programa de iniciativa de Defesa Estratégica de Reagan, o qual fora lançado em 1983 com o objetivo de construir um escudo de defesa espacial contra os mísseis soviéticos, traria um dano irreparável à economia soviética.[718] A noção de "corrida armamentista ", como caracterização negativa no da dissuasão militar, foi apenas uma dentre muitas ideias das décadas de 1920 e de 1930 que foram ressuscitadas durante o período da Guerra Fria. Da mesma forma que os sindicatos dos professores franceses tornaram as escolas francesas centros de doutrinação para promoção das agendas pacifistas durante as décadas de 1920 e de 1930, enfatizando os horrores da guerra, também nos Estados Unidos, durante o período da Guerra Fria, as salas de aula norte-americanas se tornaram lugares para doutrinação sobre os horrores da guerra. Dramatizações dos bombardeios nucleares às cidades japonesas foram, por exemplo, encenadas: Expostas aos detalhes mais medonhos, essas crianças, em geral de classe média alta, eram obrigadas a observar mulheres e crianças japonesas sendo incineradas pela tempestade de fogo acionada pelo bombardeio atômico. Os jovens colavam na cadeira. Soluços podiam ser

ouvidos. O ânimo geral provocado na classe pode ser resumido e bem expresso por uma jovem emotiva que perguntou: "Por que nós fizemos isso?". A professora respondeu dizendo: "Fizemos uma vez, podemos fazer novamente. Se essas armas de destruição serão ou não usadas, depende de vocês". E assim se iniciava uma unidade de estudo sobre as armas nucleares.[719] Levar as crianças às lágrimas nas salas de aula, como parte do processo de doutrinação, já havia feito parte também do modus operandi na França entre as duas Guerras Mundiais: Por exemplo, numa escola para rapazes em Amiens, os professores perguntavam aos meninos cujos pais haviam sido mortos em combate para que falassem sobre o assunto para a classe. "Mais do que uma lágrima era derramada", relatou o diretor. De forma parecida, uma professora de outra escola primária em Amiens notou que em sua escola uma aluna, em cada seis, perdera o pai entre 1914 e 1918: "A lembrança dos mortos era encenada com a mais comovente reverência ", a professora relatou, "e tanto professoras quanto alunas eram unidas pela emoção criada". Outra professora, agora de uma escola para garotas em Pont de Metz, relatou o silêncio solene que, gerado durante a lembrança dos mortos, "era quebrado com os soluços de muitas crianças cujos pais morreram na guerra".[720] É importante observar que nesse caso, assim como em outros contextos, o erro fatal dos professores esteve em conduzir situações que estavam além de sua competência,

uma vez que os professores não têm nenhuma qualificação profissional que os habilite compreender os perigos de manipular as emoções das crianças, nem quaisquer qualificações especiais para compreender as complicações políticas no âmbito internacional, ou quais fatores aumentam e quais diminuem a probabilidade das guerras, muito menos que fatores tendem a levar ao colapso e à derrota, como aconteceu com a França em 1940. De forma parecida ao que aconteceu na França, durante o período entre as duas Guerras Mundiais, o principal sindicato dos professores dos Estados Unidos - o National Education Association (NEA) tornou-se um posto avançado de doutrinação pacifista e uma rica fonte para a promoção de ideias esquerdistas em geral. Durante suas reuniões anuais, o NEA passava inúmeras resoluções que versavam sobre assuntos que ultrapassavam, em muito, o âm bito estritamente educacional, abarcando tópicos como trabalhadores imigrantes, leis eleitorais, controle de armas, aborto, questões de soberania do distrito de Columbia, dentre muitos outros assuntos, incluindo questões sobre paz e guerra. Suas resoluções, seus discursos e suas premiações, ao longo dos anos, promoveram a mesma combinação de pacifismo e de internacionalismo que marcou os esforços dos sindicatos dos professores franceses entre as duas Guerras Mundiais. Essas resoluções exortavam continuamente os "acordos de desarmamento para redução da possibilidade de guerra",[721] incitando que "os Estados Unidos façam todos os esforços para fortalecer as Nações Unidas a fim de que esse organismo se torne um instrumento mais eficiente para a promoção da paz mundial",[722] denominado de "congelamento da corrida armamentista",[723] e declarava que "materiais específicos precisam ser desenvolvidos para as salas de aula das escolas para a realização de projetos de estudo que foquem no estabelecimento da paz e na

compreensão sobre os perigos da proliferação nuclear".[724] A ideia tão em voga durante as décadas de 1920 e de 1930, segundo a qual a guerra seria, em si, o inimigo a ser debelado, e não outras nações, reapareceu numa resolução da NEA que declarava que a guerra nuclear seria "o inimigo comum de todos os povos e de todas as nações".[725] Troféus foram dados como prêmio durante as reuniões da NEA para escolas que criassem programas para a promoção de uma política pacifista e internacionalista em nome da "paz". Em 1982, por exemplo, a NEA, em sua reunião anual, premiou com um troféu para a paz sua afiliada da cidade de St. Albans, no estado de Vermont, porque seus professores haviam organizado todo tipo de atividades pacifistas, incluindo o envio de cartas dos alunos aos senadores. Essas cartas versavam sobre temas que incluíam questões sobre a fome e a paz.[726] Em 1985, a West Virginia Education Association (Associação Educacional do Estado da Virginia Ocidental) foi premiada por desenvolver um projeto "educacional" sobre assuntos nucleares que envolvia o contato das crianças com a Casa Branca e o Kremlin.[727] O velho tema do estabelecimento de laços de amizade entre os povos, amplamente promovido no período entre as duas Guerras Mundiais, quando o sindicato dos professores franceses estabeleceu atividades em parceria com os professores alemães,[728] foi revivido nos Estados Unidos, quando se obrigou que as crianças fizessem e enviassem presentes simbólicos ao Japão. Em 1982, a Assembleia Representativa do NEA conclamou por um "congelamento" no desenvolvimento, no teste e no posicionamento de armas nucleares.[729] Nesse mesmo ano, o presidente do NEA, Willard H. McGuire, abriu uma sessão especial sobre desarmamento que ocorreu no prédio das Nações Unidas em Nova York e declarou:

Se as guerras do passado deixaram um rastro de morte e de destruição quase inimaginável, uma futura guerra entre as maiores potências mundiais pode muito bem significar o fim da civilização neste planeta. Torna-se, portanto, imperativo que nós, professores, por meio de nossas organizações, trabalhemos para evitar que o precioso instrumento da educação se torne novamente ferramenta para que líderes irracionais pervertam a juventude do mundo ao fazê-la acreditar que exista qualquer nobreza no militarismo, que possa haver paz apenas por meios dissuasórios ou que possa haver segurança apenas se vivermos assustados sob a proteção de escudos nucleares. Devemos educar as crianças do mundo para que acreditem que a paz real é possível, uma paz livre de ameaças nucleares e de contra-ameaças, uma paz na qual a vida humana seja algo maior que uma lista de números colocados no mapa de algum general boçal. Tal paz pode ser possível apenas através do desarmamento mundial. Os professores do mundo precisam trabalhar em direção a esse objetivo.[730] O que o credenciava para desconsiderar bruscamente agentes e militares que tinham muito mais acesso à informação e muito mais experiência em assuntos internacionais, taxando-os de "irracionais" e chamando os generais de "boçais", é uma questão que nunca foi levantada. Nem foi levantada a questão sobre seu mandato, o qual transformou as salas de aula em centros de doutrinação. Mas Willard H. McGuire não é um caso isolado. Dois anos mais tarde, uma nova presidente da NEA, Mary

Hatwood Futrell, denegriu a administração Reagan por ter "escalado a corrida armamentista e aumentado o risco de uma incineração mundial".[731] Em 1990, o presidente da NEA, Keith Geiger, conclamou para que se colocasse "as necessidades humanas acima da corrida armamentista"[732] e depois que o lraque invadiu o Kuwait, ele exortou o presidente George H. W. Bush para "continuar a buscar meios pacíficos a fim de encerrar a ocupação iraquiana no Kuwait", de forma a "evitar a guerra, ao mesmo tempo que não se abre mão dos princípios invioláveis na questão do Golfo Pérsico".[733] Não havia quaisquer sugestões de como seria possível que esse feito extraordinário pudesse ser alcançado, muito menos qualquer discussão sobre o histórico das tentativas de se desfazer conquistas militares por meio da diplomacia ou de boicotes. Também tem sido muito comum, entre os principais agentes da mídia, adotar uma visão condescendente às nações que se opõem à sua. O colunista Robert Novak, por exemplo, revelou uma discussão que teve com o fundador da CNN, Ted Turner, que, como relatado por Novak, também repetiu o mantra das décadas de 1920 e de 1930, o qual equiparava os que acreditam na eficiência da dissuasão militar como defensores da guerra: Enquanto atravessávamos a Praça Lafayette em direção ao meu escritório, Turner disse: "Não consigo entender, Novak, por que você é a favor de uma guerra nuclear total". Ele então começou a defender as políticas de controle de armas do Kremlin, ao mesmo tempo que enaltece o paraíso em que vivia o povo cubano. Eu tentei contraargumentar, mas era difícil ter a chance de falar num bate-boca com Ted Turner. Quando chegamos ao escritório no 13° andar, eu o apresentei a uma

jovem no saguão do escritório da Evans & Novak, cuja função principal era administrar as ligações telefônicas. Turner olhou decididamente para ela e perguntou: "Como você se sente em trabalhar para um homem que é a favor do holocausto nuclear?". A mulher olhou para Ted como se ele fosse um louco e, de certo modo, ele era.[734] ◆ ◆ ◆

AS GUERRAS DO IRAQUE Duas guerras contra o Iraque, começando respectivamente em 1991 e em 2003 foram deflagradas sob o espectro da Guerra do Vietnã, com previsões de outro "atoleiro", em ambos os casos, embora, de fato, a guerra de 1991 tenha alcançado um total sucesso em expulsar os iraquianos do Kuwait em pouco tempo, com um mínimo de baixas de soldados norte-americanos diante de perdas devastadoras infligidas sobre as tropas iraquianas. Tom Wicker, do New York Times, por exemplo, previu em 1990 "uma sangrenta e mal concebida guerra contra o Iraque", uma que traria "baixas devastadoras para as forças norteamericanas".[735] Anthony Lewis, também do New York Times, especulou um número em torno de "vinte mil baixas norte-americanas".[736] Um escritor do Washington Post noticiou um modelo matemático desenvolvido pelo Instituto Brookings que produzia uma estimativa "otimista" de mais de mil baixas norte-americanas na Guerra do Iraque, em 1991, e uma estimativa "pessimista" de mais de quatro mil baixas.[737] Na realidade, 148 norte-americanos foram mortos em combate durante a primeira Guerra do Iraque. [738]

A segunda Guerra do Iraque, iniciando-se em 2003, foi mais parecida com a maioria das guerras, com reveses e efeitos colaterais imprevistos, os quais estão fora do plano

das questões em debate sobre a validade da invasão e a natureza dos objetivos. Apesar de uma rápida vitória sobre as forças armadas iraquianas, a paz não foi restaurada porque um reino de terror entrou em cena, direcionado em parte contra as tropas norte-americanas, mas principalmente contra a população civil iraquiana, perpetrado tanto por terroristas nativos quanto por estrangeiros, os quais estavam determinados a evitar que um tipo muito diferente de governo fosse estabelecido no Oriente Médio sob os auspícios dos norte-americanos. Como acontecera no caso da Guerra do Vietnã, uma grande parte da mídia e da intelligentsia, em geral, declarou que o que estava acontecendo no Iraque seria uma "guerra civil" "impossível de ser vencida" e muitos exortaram a retirada imediata das tropas norte-americanas. Mas quando houve, pelo contrário, um aumento no número do contingente norte-americano, em 2007, chamado de "escalada", a fim de suprimir a onda crescente de ataques terroristas, essa escalada foi ampla e antecipadamente condenada, como uma operação fútil, pela intelligentsia, pela mídia e pelo Congresso. Em janeiro de 2007, a colunista Maureen Dowd, do New York Times, desconsiderou a ideia como um "surto irracional do presidente Bush".[739] O colunista Paul Krugman, do mesmo jornal, disse: "A única questão real sobre a planejada 'escalada' no Iraque, e que pode ser mais bem descrita como uma escalada no estilo Vietnã, é saber se seus proponentes são cínicos ou alucinados".[740] Em fevereiro de 2007, o Washington Post disse: "É improvável que a escalada do sr. Bush produza uma mudança em direção à paz, mas, de fato, a violência pode seguir para pior".[741] O St. Louis Post-Dispatch disse que "é muito pouco e muito tarde".[742] Uma coluna de segunda página no Philadelphia Tribune chamou a guerra de "impossível de ser vencida".[743] O New York Republic perguntava

retoricamente: "Então, quem em Washington realmente acredita que essa escalada vai funcionar?". Respondendo à própria questão, dizia apenas que "um homem", o vicepresidente Dick Cheney, e completava: "Mais cedo ou mais tarde, mesmo para Dick Cheney a realidade será imposta". [744] Até mesmo o tom de certeza absoluta e de condescendência ecoavam os da intelligentsia das décadas de 1920 e de 1930. Entre os que, no âmbito da política, condenavam antecipadamente a escalada estava o futuro presidente dos Estados Unidos, o senador Barack Obama, que disse em janeiro de 2007 que a iminente escalada de tropas era "um erro contra o qual eu e meus colegas faremos oposição ativa nos próximos dias". Ele chamou o aumento programado de tropas de uma "escalada irresponsável" e introduziu uma legislação para começar a remoção das tropas norte-americanas do lraque até, no máximo, 10 de maio de 2007, "com o objetivo de remover todas as forças de combate dos Estados Unidos do lraque até 31 de março de 2008".[745] O senador Obama disse: "A escalada das tropas já foi tentada e fracassou porque nenhuma quantidade de forças norte-americanas pode resolver as diferenças políticas assentadas no coração de uma guerra civil de outro povo".[746] Mais vinte mil soldados "não poderão, de nenhuma forma, ser capazes de alcançar qualquer objetivo positivo",[747] O senador Obama não estava sozinho. O senador Edward Kennedy propôs uma intervenção do Congresso antes que houvesse uma escalada de tropas.[748] O líder da maioria do Congresso, Harry Reid, e a porta-voz da Casa, Nancy Pelosi, enviaram uma carta ao presidente Bush, alertando-o para o perigo da estratégia de escalada das tropas: "Uma escalada das tropas é uma estratégia que o senhor já tentou e falhou," eles disseram, chamando o aumento de tropas de "equívoco sério".[749] A senadora

Hillary Clinton também fazia parte dos que, no Congresso, se opunham ao aumento de tropas e o ex-senador John Edwards clamou por uma retirada imediata das tropas dos Estados Unidos.[750] Um estudo posterior do Instituto Brookings (2009) sobre as fatalidades em 2007 entre os civis iraquianos - os alvos principais dos ataques terroristas - mostrava que tais fatalidades estavam estimadas em 3.500 pessoas ao mês, quando as previsões sobre o fracasso do aumento de tropas foram feitas em janeiro de 2007. No despertar do aumento de tropas, todavia, essas fatalidades caíram para 750 ao mês até o final do ano. As fatalidades entre as tropas norteamericanas no Iraque eram de 83 ao mês, em janeiro de 2007, subindo a um pico de 126 ao mês durante o aumento das operações militares contra as fortificações dos terroristas, mas caindo a 23 baixas ao mês no final do ano no transcorrer do aumento das tropas.[751] Na época, todavia, houve uma resistência entre os membros da intelligentsia às notícias revelando que a escalada no número de tropas estava funcionando. Em junho de 2007, o Los Angeles Times disse que "não há evidência de que o aumento de tropas esteja tendo sucesso".[752] Em setembro de 2007, sob o título "Ocultação no Deserto", o colunista Paul Krugman, do New York Times, lamentou o esforço da administração Bush para forçar um "extraordinário sucesso, o qual tenta passar a impressão de que a 'escalada' está surtindo efeito, apesar de não haver qualquer traço de evidência que sugira que isso esteja acontecendo".[753] O colunista do New York Times Frank Rich declarou que a fábula da "diminuição da violência no Iraque" era "insidiosa ".[754] Certamente que algumas pessoas estavam determinadas a ver toda situação como mais uma guerra que "não poderia ser vencida", mais um Vietnã. Em 2009, todavia, mesmo o New York Times começou a divulgar,

embora não como manchete de capa, que houvera uma expressiva diminuição nas mortes entre as tropas norteamericanas no lraque, assim como nas forças de segurança iraquianas e entre a população civil, baixando para uma fração dos números dos dois anos anteriores, antes do aumento das tropas. Houvera também um aumento no contingente das forças de segurança iraquianas e da produção de energia elétrica do país.[755] Todavia, enquanto o aumento de tropas ainda era implantado, em 2007 um fato excepcional aconteceu. Dois acadêmicos do Instituto Brookings, identificando-se como pessoas que haviam previamente criticado "o péssimo desempenho da administração Bush no Iraque", disseram, no entanto, que após uma visita ao país, "ficamos surpresos com os ganhos que vimos e o potencial para não produzir necessariamente a 'vitória', mas uma estabilidade sustentável que tanto nós como os iraquianos podemos tornar real".[756] Outros relatos in loco, em 2007, também revelaram um substancial sucesso contra os terroristas no lraque e um correspondente retorno à normalidade na sociedade iraquiana, incluindo o retorno de iraquianos expatriados que haviam fugido do terrorismo e residentes iraquianos que agora frequentavam lugares públicos aos quais antes tinham medo de ir. Aqueles que estavam comprometidos com a visão de que a guerra "não poderia ser vencida", convencidos de que a escalada de tropas seria inútil, continuaram com a mesma posição, apesar das evidências crescentes que indicavam o quanto o aumento de tropas estava funcionando. Em setembro de 2007, o colunista do New York Times Paul Krugman disse: "Para se entender o que realmente está acontecendo no Iraque, siga o dinheiro do petróleo, o qual já sabe que o aumento de tropas fracassou em seu objetivo". [757]

A insistência de que o aumento de tropas fora um fracasso apenas ganhou peso à medida que o sucesso da operação começou a ficar evidente. Conforme se aproximava, em setembro de 2007, a data do relatório que o general David Petraeus deveria divulgar ao Congresso, avaliando toda a operação de escalada de tropas que ele comandara, um número crescente de protestos começou a surgir tanto na mídia quanto no cenário político, denunciando que o general tentaria apenas transformar retoricamente o fracasso do aumento das tropas em sucesso. O senador Dick Durbin, por exemplo, disse que "Manipulando cuidadosamente as estatísticas, o relatório Bush-Petraeus tentará nos persuadir de que a violência no lraque está diminuindo e, por isso, o aumento de tropas funcionou".[758] "Precisamos interromper o aumento de tropas e começar a retirá-las do Iraque", disse o senador Joseph Biden em agosto de 2007.[759] Esses esforços antecipados com o intuito de desacreditar o que o relatório divulgaria alcançou o clímax num anúncio de página inteira no New York Times no exato dia de abertura dos esclarecimentos do general; em letras garrafais a manchete dizia: "General Petraeus ou general Traidor?", patrocinada pela organização de ativismo político MoveOn.org.[760] No subtítulo, lia-se: "Manipulando os dados em nome da Casa Branca". O New York Times cobrou à organização MoveOn.org menos do que a metade do preço usual para um anúncio de página inteira, suspendendo sua política contrária a anúncios que fazem uso de ataques pessoais.[761] Resumindo, o general Petraeus foi acusado de mentir antes de dizer qualquer coisa e diante das evidências crescentes advindas de muitas outras fontes que apontavam para o fato de que o aumento de tropas contribuíra, de forma decisiva, para a redução da violência no Iraque. A atmosfera hostil com que o general Petraeus e

o embaixador norte-americano Ryan Crocker foram recebidos diante do Congresso foi passada num relato divulgado no USA Today: Seguindo uma segunda-feira inteira de maratona diante de dois comitês da Casa, eles enfrentaram alguns dos oradores mais celebrados do Senado, incluindo cinco candidatos à presidência, em audiências ininterruptas. Em dez horas de prestação de esclarecimentos, os dois homens tiveram dois intervalos para ir ao banheiro e menos de trinta minutos para almoçar. [762]

Durante essas audições, a senadora Barbara Boxer disse ao general Petraeus: "Eu peço que o senhor retire as lentes cor-de-rosa".[763] Hillary Clinton disse que o relatório do general requer que estejamos "dispostos a suspender qualquer descrença".[764] O congressista Rahm Emanuel disse que o relatório do general Petraeus poderia vencer "o prêmio Nobel para estatísticas criativas ou o Pulitzer na área de ficção".[765] O congressista Robert Wexler declarou que "entre os especialistas isentos o consenso é inflexível: o aumento de tropas fracassou em seus objetivos". Ele comparou o testemunho do general Petraeus ao desacreditado testemunho do general William Westmoreland durante a Guerra do Vietnã.[766] A mesma comparação foi feita por Frank Rich, do New York Times, o qual afirmou haver "misteriosas simetrias na lábia do general Petraeus" e "a missão semelhante do general William Westmoreland sob o comando de Lyndon Johnson". [767] Aqui, temos apenas um dos sinais indicando que os fantasmas da Guerra do Vietnã ainda assombrariam as futuras guerras. Até mesmo as táticas dos opositores à

Guerra do Vietnã reapareceram em muitos lugares. Segundo o USA Today: "O esclarecimento foi pontuado por interferências de manifestantes contrários à guerra, os quais brandiam slogans, como "generais mentem e crianças morrem".[768] Finalmente, as alegações de que o aumento de tropas fracassara perderam força em meio às evidências crescentemente incontornáveis que atestavam o sucesso da operação. Mas longe de provocar uma reavaliação da visão predominante, que embora declamada de forma tão estridente fora desqualificada pelos eventos, o sucesso da medida para se enviar mais tropas apenas levou a um encolhimento da cobertura jornalística sobre a situação no Iraque em boa parte da mídia. Diferentemente do que ocorrera no Vietnã, não se permitiu, no caso do Iraque, que a derrota militar do inimigo se transformasse em rendição política, embora isso tenha acontecido somente na última hora, quando os gritos para a retirada imediata das tropas se avolumavam. Esses desenvolvimentos políticos refletiam uma visão predominante sobre a guerra, gerada a partir da percepção da Guerra do Vietnã pela intelligentsia. Entre outras coisas, tal visão deixou um legado de termos consagrados, como os repetidos "atoleiro" e "guerra invencível ". Assim como em muitas outras áreas, os fatos mundanos que contradizem a visão predominante receberam pouquíssima atenção. Mesmo quando os políticos disseram que suas condutas se alinhavam aos seus propósitos políticos, esses propósitos poderiam servir apenas porque havia muitos outros que sinceramente acreditavam na visão predominante e apoiariam aqueles que adotassem essas crenças. Novamente, como já acontecera em outras épocas e em outros lugares, a influência da intelligentsia independeu de sua capacidade de convencer diretamente os detentores do poder, mas sua força se manifestou em sua condição de

criar um clima de opinião pública, o qual, por sua vez, determinou os incentivos e as restrições que afetaram o que os detentores do poder podiam ou não dizer e fazer. Outro retrocesso à época da Guerra do Vietnã se deu por conta da enorme divulgação sobre a condição dos "veteranos de combate", alguns dos quais se proclamaram contrários à guerra e mais tarde foram desmascarados como não sendo, afinal de contas, veteranos de combate. Como o próprio New York Times relatou depois que a verdade sobre esses "veteranos de combate" veio à tona: O homem todo musculoso com cabelo batido que dizia ser Rick Duncan pareceu ter saído diretamente de uma escalação de pessoal para campanha de um candidato democrata qualquer, o qual criticaria as políticas da administração Bush. Um ex-capitão do Corpo de Fuzileiros Navais que sofreu traumatismo craniano com a explosão de uma bomba detonada no acostamento de uma estrada no Iraque e que estava no Pentágono durante os ataques de 11 de setembro. Um defensor dos direitos dos veteranos que se opunha à guerra. Um oficial formado em Anápolis que tinha orgulho de ser gay. Em posse de credenciais tão especiais, ele angariou o respeito e a atenção não apenas dos políticos, mas dos delegados de polícia, dos jornalistas e dos veteranos durante quase dois anos. No entanto, a não ser seu primeiro nome, praticamente nada da história que ele contou era verdade.[769] O fato de mentiras tão fáceis de serem verificadas terem sido tranquilamente inculcadas em boa parte da

mídia por dois anos sugere, uma vez mais, o tamanho da receptividade da intelligentsia para tudo que se encaixa em sua visão, pouco importando a falta de substância e o valor real que essas coisas possam ter. Durante a segunda Guerra do Iraque, a intelligentsia dos Estados Unidos repetiu os mesmos padrões da intelligentsia francesa entre as duas Guerras Mundiais, ou seja, a redução retórica de soldados em combate do status de heróis patriotas para o de vítimas dignas de pena. Até mesmo histórias sobre problemas financeiros de reservistas, retirados de seus empregos para servirem no Iraque, ou histórias sobre o simples fato das tristes despedidas entre amigos ou familiares, sendo que um deles é mandado para servir como militar na guerra, foram motivo para matérias de capa no New York Times,[770] ao passo que histórias sobre o heroísmo das tropas norte-americanas em combate no Iraque e no Afeganistão ou eram simplesmente ignoradas ou apareciam nas matérias internas. Histórias de extraordinária bravura de norte-americanos sob fogo cerrado que receberam medalhas de honra do Congresso, incluindo homens que se jogaram em cima das granadas dos inimigos, sacrificando a própria vida para salvar a vida de companheiros que estavam por perto, foram noticiadas nas páginas 13 e 14, respectivamente, e uma na segunda seção do New York Times.[771] O Washington Post e o Los Angeles Times também enterraram essas histórias de extraordinário heroísmo nas páginas internas e boa parte do noticiário da TV seguiu imediatamente o mesmo padrão ao minimizá-las ou simplesmente ignorá-las. Por outro lado, as histórias negativas encontraram instantâneo destaque na mídia, mesmo sem provas. Por exemplo, uma grande indignação foi expressa na mídia durante os primeiros dias da Guerra do lraque, quando surgiu a denúncia de que saqueadores haviam pilhado preciosos objetos de um museu iraquiano, o qual os

soldados norte-americanos falharam em proteger.[772] Que homens lutando em plena guerra, com a própria vida em jogo, deveriam direcionar sua atenção para proteger museus foi uma premissa realmente extraordinária. Porém, a própria acusação revelou ser falsa.[773] Os objetos em questão haviam sido escondidos pelos próprios funcionários do museu a fim de protegê-los de saqueadores e dos perigos da guerra. No entanto, a mídia não se aguentou e logo proferiu suas críticas contra os militares norteamericanos, lançando impetuosas acusações repletas de indignação afetada. Em geral, as realizações positivas dos militares norteamericanos, fossem nos combates ou no restabelecimento da ordem civil ou ainda desempenhando atividades humanitárias, receberam, contudo, pouca atenção da mídia. A medida que a Guerra do Iraque começou a desaparecer das primeiras páginas do New York Times, por conta da diminuição dos ataques terroristas durante o aumento de tropas em ação no Iraque, e a cobertura da guerra começou também a encolher pela mídia, as baixas norte-americanas continuaram a ser destacadas, mesmo quando elas apresentavam apenas um dígito, e as baixas acumuladas eram constantemente apresentadas, mesmo que não fossem, de forma alguma, expressivas, comparando-se com outras guerras. De fato, somando-se todos os norteamericanos mortos nas duas guerras do Iraque, temos um número inferior de baixas do que os soldados americanos que morreram tomando a ilha de Iwo Jima, na Segunda Guerra Mundial, ou mesmo menor do que um dia de combate em Antietam, na Guerra Civil.[774] A menos que alguém acredite que as guerras possam ser lutadas sem baixas, não havia nada de incomum sobre o índice de baixas na primeira ou na segunda guerra do lraque, exceto pelo fato de que era muito mais baixo do que o da maior parte das guerras. Mas as baixas se encaixam

como uma luva no explorado tema de soldados vistos como vítimas, e o virtuosismo retórico permitiu que essa mensagem de vitimização fosse caracterizada como "apoio às tropas" ou mesmo "homenagem às tropas". Depois que o New York Times publicou fotos de soldados norteamericanos mortos e agonizantes no Iraque, seu editor executivo respondeu aos críticos dizendo que "morte e carnificina são parte da história e limpá-las para fora de nosso relato sobre a guerra seria um desserviço".[775] Tamanho virtuosismo retórico cria um espantalho que "escancara" o fato de haver mortes numa guerra, um fato de que ninguém jamais duvidou e que iguala a publicação de fotos de soldados individuais na agonia da morte como o simples relato da história, ao mesmo tempo que se enterram as histórias de heroísmo no fundo do jornal. O mesmo retrato de soldados vistos como vítimas dominaram os noticiários que mostravam os veteranos de combate retornando para casa. Problemas sobre veteranos recém-chegados, como alcoolismo ou falta de moradia, eram apresentados na mídia sem qualquer esforço para se comparar a incidência de tais problemas entre os veteranos com a incidência dos mesmos problemas entre a população civil.[776] Em outras palavras, caso todos os veteranos recém-chegados não fossem completamente imunes aos problemas vividos pela população civil, isso era apresentado como se fosse um problema especial causado pelo serviço militar. Um artigo de primeira página do New York Times de 13 de janeiro de 2008 noticiava assassinatos nos Estados Unidos perpetrados por veteranos regressos das guerras no Iraque e no Afeganistão. "Em muitos desses casos", dizia o artigo, "traumas de combate e o estresse das operações" estavam entre os fatores que "parecem ter disparado o cenário para a tragédia, que foi parte destruição e parte autodestruição".[777]

Essa tentativa particular de retratar os veteranos como vítimas não se deu ao trabalho de comparar o índice de homicídio dos veteranos regressos com o índice de homicídio entre a população civil, da mesma faixa etária. Caso eles tivessem investigado, como foi destacado no New York Post, teriam descoberto que o índice de homicídio entre os veteranos regressos era um quinto do índice da população civil da mesma faixa etária.[778] Sem sofrer qualquer abalo, o New York Times retornou ao mesmo terna em uma história de primeira página, um ano mais tarde, em 2009; uma vez mais explorando detalhes sórdidos de casos individuais sem, contudo, comparar os índices de homicídio entre os veteranos de guerra com o índice entre a população civil da mesma faixa etária.[779] Outra promoção da imagem de vitimização entre os veteranos de guerra foi uma história sobre altos índices de suicídio entre os militares, os quais alcançaram "seu pico desde que o exército começara a registrar os casos", como foi noticiado pelo New York Times,[780] numa história que ganhou repercussão por toda mídia. No entanto, mais uma vez, nenhuma comparação dos índices de suicídio entre militares e civis foi feita, o que demonstraria um índice mais alto de suicídio entre a população civil, como a Associated Press informou,[781] mas que poucos canais de mídia se preocuparam em mencionar. Novamente, uma boa parte da mídia filtrara os fatos que seriam contrários à sua visão, deixando seus leitores à mercê de um quadro totalmente distorcido. Assim como fizera o The Times de Londres durante a década de 1930, fez o New York Times, numa época posterior, tomando a dianteira na prática de filtrar e de distorcer as notícias para que se encaixassem em sua visão. ◆ ◆ ◆

PATRIOTISMO E HONRA NACIONAL Não importa quanto jornalistas, políticos ou outros se dediquem a sabotar um esforço de guerra, pois qualquer um que ouse chamar essas ações de não patrióticas fica automaticamente sujeito a receber a resposta indignada: "Como pretendes questionar meu patriotismo?". O fato de o patriotismo ser visto como um assunto delicado o torna algo para o qual nenhuma explicação é colocada, a menos que uma repetição sem-fim seja considerada como explicação. Isso não quer dizer que qualquer um do qual um sujeito discorde sobre a condução de uma guerra ou sobre qualquer outro assunto possa ser chamado de "não patriota". Não é uma acusação para ser automaticamente aceita ou rejeitada. Mesmo ações contrárias à autodefesa de um país podem não ser de imediato antipatrióticas em sua intenção. Não é necessário supor que a intelligentsia da década de 1930, por exemplo, provocou deliberadamente suas ações para que seus países se tornassem vulneráveis a um ataque militar. Como foi observado no capítulo 7, Georges Lapierre, o líder das campanhas dos professores para a promoção de uma cultura pacifista no material escolar da França durante as décadas de 1920 e de 1930, as quais desvalorizavam o sentimento de orgulho nacional e de defesa da nação, juntou-se, no entanto, depois da queda da França em 1940, ao movimento de resistência francesa contra os conquistadores nazistas e, como resultado de sua escolha, acabou sendo capturado e enviado à morte em Dachau.[782] Ele não era certamente um não patriota. Mas quaisquer que tenham sido suas intenções durante os anos entre-guerras, a questão mais importante é o efeito fundamental de seus esforços sobre toda uma geração. Muitos outros professores pacifistas do período que precedeu à guerra também terminaram lutando no movimento da resistência francesa

depois que a visão que haviam promovido por tanto tempo desencadeou resultados opostos aos objetivos almejados. Tomando as palavras de Burke, que viveu numa época anterior, eles haviam contribuído para a promoção dos piores resultados "sem serem os piores dos homens".[783] Segundo a mentalidade desses homens, os professores "teciam patriotismo e pacifismo", segundo o relato da época,[784] mas desconsiderando-se o que acontecia na mente desses educadores, o resultado concreto, no mundo real, foi como se eles tivessem sabotado, deliberadamente, o patriotismo de toda uma geração de estudantes que estava sob sua tutela, para os quais eles tornaram o internacionalismo e o pacifismo em virtudes capitais muito acima de qualquer menção passageira de amor à pátria, que se tornou um aspecto subordinado ao amor geral pela humanidade. Uma questão muito mais ampla do que o patriotismo ou a falta dele, em indivíduos ou instituições em particular, é a questão do quanto o patriotismo é repleto de consequências, além da questão conjunta sobre o quanto um senso de honra nacional também se faz repleto de consequências. Já faz tempo que o patriotismo é considerado, para muitos intelectuais, um fenômeno psicológico sem base substantiva. Ainda no século XVIII, William Godwin referia-se ao patriotismo como "algo tremendamente sem sentido", [785] o "desvario sem sentido dos românticos".[786] Como observado no capítulo 7, essas visões ainda se faziam comuns no século XX, durante o interregno entre as duas Grandes Guerras Mundiais, entre proeminentes intelectuais europeus como Bertrand Russell, H. G. Wells, Romain Rolland, Kingsley Martin, Aldous Huxley, J. B. Priestley, dentre outros. Nos Estados Unidos, John Dewey desprezava o patriotismo como algo "que se degenerava em uma convicção carregada de ódio baseada numa noção de

intrínseca superioridade" e a honra nacional como "uma emotiva e saborosa Honra" baseada em "pura emoção e fantasia".[787] Mas o peso e as consequências que o patriotismo e o senso de honra nacional acarretam não podem ser determinados, a priori, segundo a conformidade que têm ou não em relação à visão do intelectual ungido. Da mesma forma que acontece com muitas outras coisas, o peso e o tamanho das consequências que determinam serão avaliados. a partir do que acontece na ausência deles. Quando Hitler iniciou a invasão da França em 1940, contrariando o conselho de seus próprios generais, ele o fez porque se convencera de que faltava à França contemporânea exatamente essas qualidades supostamente irrelevantes,[788] e o repentino colapso dos franceses, apesar das vantagens militares que tinham, aponta para a extrema relevância e o peso que essas qualidades têm. O que é denominado "honra nacional" é uma perspectiva de longa duração sobre as decisões nacionais e suas consequências, o oposto de uma atitude racionalista imediatista, em posse da qual a França furtouse a reagir diante da remilitarização da Renânia em 1936 ou mesmo ao deixar de cumprir os tratados de mútua defesa com a Tchecoslováquia em 1938, ou ainda ao não se mobilizar militarmente de forma séria durante os longos meses da "guerra de araque", que se seguiu à declaração formal de guerra em 1939, apesar da ampla superioridade militar francesa no front ocidental no momento em que as tropas de Hitler se concentravam no leste, ocupando a Polônia. A vontade de lutar é um modo de dissuadir um ataque e, de forma oposta, uma indisposição para se aceitar um desafio ou retaliar uma provocação pode fazer da nação um alvo para um assalto generalizado. "Honra nacional" é simplesmente uma expressão idiomática para essa perspectiva de longo prazo sobre os interesses nacionais,

em oposição a uma perspectiva imediatista, a qual se presta aos interesses imediatos dos políticos ao poupá-los de tomarem decisões duras e impopulares, mas que distingue exatamente o simples político do estadista. Contudo, foram muitos os intelectuais que tentaram reduzir o senso de honra nacional, como o patriotismo, qualificando-o como uma espécie de loucura psicológica e como "uma razão muito insuficiente para justificar hostilidades," segundo as palavras de Godwin.[789] Todavia, mesmo o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, o homem mais inegavelmente identificado com uma política pacifista a qualquer custo, em face da ameaça de Hitler, acabou reconhecendo depois, ao que parece, o peso do valor da honra nacional, apenas algumas semanas antes do início da Segunda Guerra Mundial: Ontem, tive a oportunidade de trocar algumas palavras com M. Blum, o líder socialista francês e ex-primeiro-ministro, e ele me disse que em sua visão e na visão de todos os seus pares socialistas, com os quais havia conversado, o perigo de eclosão de uma guerra na Europa estava condicionado a um único e muito real fator: a impressão que se formara, sobre a Grã-Bretanha e a França, de que os dois países não estavam seriamente comprometidos em defender suas promessas e que não seria mais possível confiar neles. Se esse fosse o caso, nenhum erro mais mortal e maior poderia ter sido cometido e seria uma coisa aterrorizante se a Europa fosse arrastada à guerra por conta desse mal-entendido. [790]

Resumindo, a Europa e o mundo estavam à beira de uma guerra catastrófica porque nem aliados nem inimigos

acreditavam que a Grã-Bretanha e a França tinham, ainda, qualquer traço de honra nacional. Ou seja, não havia mais qualquer senso de firme resolução entre britânicos e franceses que demonstrasse às nações amigas que poderiam apostar seus futuros confiando e aliando-se a esses dois países, e todos temiam causar a ira da Alemanha nazista.[791] Da mesma forma, havia pouco temor, entre as nações beligerantes, de que elas pudessem sofrer sérias retaliações além das evasivas palavras da Grã Bretanha e da França. O que faltou na afirmação de Chamberlain, na véspera da guerra, foi o reconhecimento de que foram suas próprias políticas, assim com as políticas similares da França, que substituíram ação por conversas, que criaram esse mal-entendido mortal sobre uma Grã-Bretanha e uma França que só sabiam conversar. Hitler ficou, de fato, um tanto quanto surpreso quando sua invasão da Polônia levou às declarações de guerra da Grã-Bretanha e da França. [792] Se a Segunda Guerra Mundial se formou a partir de um "mal-entendido", o sacrifício da honra nacional dos britânicos e dos franceses, um ano antes em Munique, fortaleceu o mal-entendido e a recusa posterior em sacrificar novamente a honra nacional levou à guerra. A grande e amarga ironia foi Neville Chamberlain ser obrigado a declarar guerra à Alemanha, em 1939, tornando a invasão da Polônia uma guerra regional na Segunda Guerra Mundial, a guerra mais catastrófica da história, uma guerra que ele procurara evitar a todo custo descartando, dois anos antes, "os antigos métodos de preservação da dignidade"[793] que um dia formaram parte do conceito de honra nacional. Em vez disso, Chamberlain decidiu agir com base em um racionalismo imediatista do qual, como ele disse em 1938, "podemos remover, um a um, os pontos perigosos" por meio de "nossa disposição em enfrentar uma realidade que não podemos mudar".[794] Mas apenas um ano mais tarde Chamberlain abandonou esse racionalismo

imediatista ao declarar: "Não estamos dispostos a observar passivamente a destruição das independências dos países, um atrás do outro",[795] mesmo que restasse agora um número menor de aliados em potencial depois de ter abandonado a Áustria e a Tchecoslováquia para a desimpedida conquista nazista, estando agora numa posição mais fraca, a partir da qual teria que tentar mudar a realidade da conquista conjunta da Polônia, dividida entre Hitler e Stalin.[796] A questão central nunca fora a Áustria, a Tchecoslováquia ou a Polônia, isoladamente. A questão era se Hitler receberia um passe livre para quebrar todo o equilíbrio de poder da Europa, sobre o qual se assentava a paz do continente. Essa quebra determinou uma desvantagem fatal para a Grã-Bretanha e para a França ao se solapar o equilíbrio em parcelas, ao mesmo tempo que Grã-Bretanha e França lidavam com as questões isoladamente, baseadas num racionalismo imediatista, ao passo que Hitler colocava a questão explicitamente em termos da "honra nacional de um grande povo".[797] Em outras palavras, um objetivo de longo prazo pelo qual ele estava disposto a lutar para conquistar. Em relação à desconsideração que Chamberlain fizera dos "antigos métodos de preservação da dignidade", John Maynard Keynes percebeu o erro desse posicionamento: Nossa força é grande, mas nossos estadistas perderam a capacidade de parecer formidáveis. É nessa perda que nossos maiores perigos se assentam. Nosso poder para vencer uma guerra talvez dependa de um aumento de nosso arsenal. Mas nosso poder para evitar uma guerra depende, no mesmo grau, da recuperação de nossa capacidade de parecermos formidáveis, que é

uma qualidade determinada pela vontade e pela atitude. Keynes disse de Neville Chamberlain: "Ele não está se furtando aos riscos da guerra. Está apenas se certificando de que, ao eclodir, não tenhamos mais amigos e uma causa comum".[798] Apenas dois anos mais tarde essas palavras se tornaram dolorosamente proféticas quando a Grã-Bretanha se viu sozinha diante do ódio da Alemanha nazista, no momento em que a Luftwaffe de Hitler começou a bombardear Londres e outros lugares no sul da Inglaterra, ao mesmo tempo que uma força de invasão se aj untava do outro lado do Canal da Mancha, na costa da França ocupada. As concepções errôneas, das quais Chamberlain se valera por anos, não partiram dele. Elas integravam a atmosfera da época, uma atmosfera sob a qual os intelectuais desempenharam um papel de destaque. Apesar de haver uma tendência, em alguns círculos intelectuais, de ver a nação como apenas uma parte subordinada em relação ao mundo como um todo, e alguns intelectuais agem ou se descrevem como cidadãos do mundo, o patriotismo é, em certo sentido, pouco mais que o reconhecimento do fato básico de que o bem-estar material de alguém, sua liberdade pessoal e sua sobrevivência física dependem de instituições em particular, assim como de tradições e de políticas adotadas por uma nação em particular, dentro da qual esse alguém vive. Não existe governo mundial comparável a esse mecanismo de proteção e, sem as instituições concretas de um governo nacional, não há como ser cidadão de nada ou mesmo como possuir direitos genuinamente garantidos, apesar de toda a sedução poética que o termo cidadão do mundo possa evocar. Quando o destino de uma pessoa é claramente reconhecido como dependente da estrutura nacional do entorno - as instituições, as tradições e as normas de

determinado país -, então a preservação dessa estrutura não pode se tornar uma questão indiferente, enquanto os indivíduos buscam meramente seus interesses individuais. Patriotismo é o reconhecimento de um destino compartilhado, assim como das responsabilidades compartilhadas que esse destino coletivo acarreta. Honra nacional é o reconhecimento de que o racionalismo imediatista é uma ilusão que possibilita que os políticos se furtem às responsabilidades de homens de Estado. As condições podem se tornar muito repugnantes em determinado país, a tal ponto, que começa fazer sentido mudar para outro. Porém, não existe tal coisa como se mudar para "o mundo". É claro que uma pessoa pode viver em determinado país de forma parasita, aceitando todos os benefícios pelos quais outras pessoas se sacrificaram - tanto no passado quanto no presente -, ao mesmo tempo que se rejeita qualquer noção de obrigação a fazer o mesmo. Mas uma vez que essa atitude se generaliza, o país torna-se indefeso contra forças tanto de desintegração interna quanto de agressão externa. Portanto, patriotismo e honra nacional não podem ser reduzidos a meros hábitos psicológicos diante dos quais os intelectuais podem se considerar superiores sem, contudo, pôr toda uma nação em risco, e que pode ter consequências terríveis, das quais a França foi um clássico exemplo em 1940. Era considerado chique em alguns círculos franceses, durante a década de 1930, dizer: "Melhor Hitler do que Blum".[799] Mas isso aconteceu antes de terem que viver sob o jugo de Hitler ou de serem desumanizados nos campos de concentração de Hitler. Desdém pelo patriotismo e pela honra nacional foram apenas uma das atitudes entre os intelectuais durante as décadas de 1920 e de 1930, as quais reapareceram com força renovada nas democracias ocidentais a partir da década de 1960. Até quando a história continuará a se

repetir, reeditando estas como outras questões, é uma pergunta para o futuro responder. Na verdade, é a questão para o futuro do mundo ocidental. ◆ ◆ ◆

CAPÍTULO 9

OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE

Estudar a história é um poderoso antídoto contra nossa arrogância contemporânea. Traz-nos humildade constatar o quanto nossas suposições são irrefletidas, mas que, aos nossos olhos, nos parecem novas e plausíveis descobertas. Elas já foram testadas inúmeras vezes e sob os mais variados disfarces, mas revelaram ser, a um grande custo humano, inteiramente falsas. PAUL JOHNSON[800]

A fim de se compreender o papel dos intelectuais na sociedade, devemos entender o que eles fazem e não o que dizem fazer ou pensam estar fazendo, mas o que de fato representam suas ações com suas correspondentes consequências e repercussões sociais. Podemos começar tentando entender seus reais incentivos e seus impedimentos, inerentes ao papel dos intelectuais, comparando-os com pessoas que exercem outras ocupações. Individualmente, os intelectuais podem dizer e fazer toda sorte de coisas e em nome de inúmeras razões, mas toda vez que buscamos compreender seus padrões gerais, precisamos examinar as circunstâncias sob as quais operam, avaliando seu histórico e o impacto que exercem sobre a sociedade como um todo. Entre as pessoas cujas atividades profissionais requerem altos níveis de habilidade mental, incluindo matemáticos, mestres enxadristas, cientistas, dentre outros, definimos como intelectuais aqueles cujos produtos finais de seus trabalhos são ideias, o que se distingue de criações

tangíveis, como as que encontramos entre engenheiros, médicos e pilotos. Essa dicotomia não é arbitrária. Ela se conforma, grosso modo, com um uso geral e, mais importante, existem ainda diferenças de comportamento entre os intelectuais, dessa forma definidos, em relação a outros profissionais cuj as atividades são igualmente exigentes do ponto de vista mental e que podem ser, em muitos casos, colegas acadêmicos que trabalham no mesmo campus universitário. Essas diferenças estão intimamente ligadas tanto com a oferta quanto com a demanda por intelectuais, em seus papéis como intelectuais públicos, ou seja, pessoas cujas palavras e ideias influenciam largamente a criação de uma atmosfera geral de opinião, influenciando em muito as decisões de peso que afetam toda a sociedade. Algumas vezes, intelectuais formadores de opinião afetam os resultados das políticas públicas por meio de um engajamento direto com certas agendas em particular, mas outras vezes o efeito se dá de maneira indireta quando expõem apenas sua especialidade em particular, seja na área de economia, de criminologia ou outro assunto qualquer, de uma forma que a pessoa leiga possa entender e que, portanto, influencia a compreensão da opinião pública em geral, pouco importando qual agenda, em específico, esses formadores de opinião defendem abertamente. Talvez mais significativo do que ambos os papéis dos intelectuais seja a criação de um conjunto geral de pressuposições, de crenças e de imperativos - uma visão que serve de arcabouço teórico para a forma como muitas questões e eventos particulares serão tratados e percebidos. Esse papel não depende, necessariamente, de um "formador público de opinião" que se dirija para a população em geral. Figuras tão díspares quanto Charles Darwin e Friedrich Hayek exerceram enorme influência sobre pessoas que nunca leram uma linha do que

escreveram, mas que, não obstante, absorveram suas visões por meio de outros que os leram e receberam seu impacto direto. O que John Maynard Keynes chamava de "a gradual intrusão das ideias"[801] pode mudar a forma como concebemos o mundo, assim como pode mudar a forma como pensamos sobre o que ele deveria ser. Apesar de o termo "intelectual", como um substantivo, referir-se a um conjunto de pessoas de determinada ocupação, como adjetivo o termo conota um conjunto de padrões, de métodos e de realizações que podem ou não caracterizar o comportamento real da maioria das pessoas que exercem essa ocupação. Certamente que muitos intelectuais públicos, ao comentarem sobre questões e eventos que estão fora do escopo de suas respectivas especialidades, nem sempre alcançam a acuidade exigida pelos padrões intelectuais, e isso nos melhores dos casos. No entanto, as muitas violações desses padrões pelos próprios intelectuais têm demonstrado repetidamente a distinção que buscam embaralhar entre o substantivo e o adjetivo. Isso inclui exemplos gritantes de irracionalismo e de "tendências" baseadas em observações distorcidas, como, por exemplo, que o capitalismo tornou os trabalhadores mais pobres, como se eles tivessem sido mais prósperos antes. Tais elucubrações estão carregadas de comparações desprovidas de critério intelectual, como aquela que o professor Lester Thurow pronunciou ao dizer que os Estados Unidos apresentavam o "pior" desempenho, entre as nações industrializadas, quando se tratava de desemprego, citando problemas de desemprego somente nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que ignorava completamente o problema crônico de desemprego muito pior que sofre a Europa ocidental, para não falar de outras regiões. Uma das violações mais comuns dos padrões intelectuais pelos próprios intelectuais é atribuir uma emoção (racismo,

machismo, homofobia, xenofobia, etc.) àqueles que detêm pontos de vista diferentes, em vez de responder a seus argumentos. No entanto, a confusão reinante entre o significado do substantivo "intelectual" e as conotações da mesma palavra quando empregada como adjetivo faz com que os críticos do comportamento dos intelectuais sejam desconsiderados, vistos como pessoas que são naturalmente hostis aos esforços intelectuais ou mesmo pessoas incapazes de apreciar os processos ou as conquistas intelectuais. O livro de Richard Hofstadter, ganhador do prêmio Pulitzer, AntiIntellectualism in American Life, perpetuou essa confusão tanto em seu título quanto em seu conteúdo, no qual as pessoas que criticavam os intelectuais eram retratadas como pessoas que exibem "o desrespeito nacional pela mente" e uma "aversão aos especialistas e aos conhecedores".[802] Mesmo a candidatura derrotada de Adlai Stevenson, um homem que tinha apenas uma imagem de intelectual, foi declarada por Russell Jacoby, em seu The Last Intellectuals [Os Últimos Intelectuais], ser um exemplo de "anti-intelectualismo endêmico da sociedade norteamericana".[803] No entanto, o público norte-americano continua a homenagear as realizações intelectuais na ciência, na engenharia e na área médica, o que vale dizer, campos cujos praticantes exibem uma alta habilidade intelectual, mas que não são intelectuais no sentido ocupacional do termo, como definido aqui. Assim como em muitos outros contextos, desqualificar o outro tem por finalidade se esquivar e não responder aos seus argumentos. ◆ ◆ ◆

INCENTIVOS E RESTRIÇÕES

Quando definimos os intelectuais como pessoas CUJOS produtos finais de seu trabalho são ideias submetidas a um processo de validação assentado na mera aprovação dos pares, descortinamos não apenas uma discrepância ideológica entre eles e outras profissões igualmente mentais, mas cujos produtos finais são palpáveis em termos tecnológicos, médicos, científicos ou outros bens e serviços, mas também descobrimos um diferente conjunto de incentivos e restrições em jogo. ◆ ◆ ◆

A OFERTA DE INTELECTUAIS PÚBLICOS Ideologicamente, e constatado por meio de inúmeras pesquisas, sabemos que sociólogos e acadêmicos da área de humanidades são, por exemplo, muito mais inclinados ao pensamento liberal e esquerdista do que engenheiros e cientistas. Além das diferenças ideológicas, encontramos também diferenças nos incentivos e nas restrições entre os intelectuais, no sentido aqui atribuído, em comparação com outros campos acadêmicos ou outros especialistas que trabalham em áreas mentalmente complexas. É certo que um engenheiro pode se tornar famoso por seu trabalho como engenheiro, porém é improvável que a maior autoridade em literatura francesa ou em história da civilização maia se torne publicamente conhecida além dos limites de sua especialidade. Os incentivos para se tornar um "intelectual público ", ou seja, alguém conhecido por seus comentários e por suas opiniões sobre os assuntos em voga, mesmo quando esses assuntos não estão inseridos no campo de especialização dessa pessoa, são muito mais determinantes para os intelectuais, como aqui definidos, do que para outros que podem ganhar fama e fortuna sem nunca ter que se preocupar ou precisar ultrapassar o âmbito de seu próprio

campo de especialização, ou que nem sequer precisam explicar sua especialidade numa linguagem mundana para o público em geral. Um pioneiro em cirurgia cardíaca pode conquistar notoriedade nacional ou mundial sem nunca precisar explicar, para o público leigo, as complexidades do coração ou da técnica cirúrgica. Por outro lado, um pioneiro na área de linguística, como é o caso de Noam Chomsky, nunca teria se tornado, para além do âmbito de sua especialidade, uma figura amplamente conhecida, como ele acabou se tornando ao fazer toda sorte de comentários sobre assuntos e eventos que ultrapassam em muito os limites de seu campo, a linguística. Os intelectuais que estamos estudando são, em geral, intelectuais formadores de opinião, pessoas cujos comentários ajudam a criar todo um clima de opinião no qual as questões em voga são inseridas, discutidas e, em última instância, adotadas por aqueles que detêm poder político. Pessoas que trabalham em áreas mais práticas dentro ou fora do universo acadêmico também podem vir a ultrapassar, como indivíduos, as fronteiras de suas competências profissionais e comentar sobre uma gama de questões, mas a diferença é que, nesse caso, há menos incentivos internos para se fazer tal coisa. O clássico estudo do professor Richard A. Posner intitulado Public Intelectuais [Intelectuais Públicos] destaca o quanto os indivíduos podem, muitas vezes, se tornar muito mais célebres e prestigiados pelo público em geral do que jamais seriam pelos seus pares dentro de suas respectivas profissões. "Muitos intelectuais publicamente notórios são, por sua vez, acadêmicos de modesta expressão, mas que, não obstante, são fortuitamente lançados ao estrelato", transformando-se em formadores de opinião. O autor ainda afirma que existe uma "tendência, entre os intelectuais públicos, os quais se tornam celebridades na mídia, mas que dentro de sua cadeira acadêmica têm uma posição pouco conceituada,

inversamente proporcional ao prestígio que gozam no domínio midiático".[804] Embora não seja difícil pensar em indivíduos que se encaixem exatamente nessa descrição[805] e que teriam, portanto, incentivos reais para buscar reconhecimento para fora de suas respectivas especialidades, pois são pessoas que não alcançaram reconhecimento dentro de seus próprios campos; também não seria difícil pensar em outros indivíduos que detêm o mais alto nível de realização em suas especialidades e que também escolhem escrever livros introdutórios para alunos ou artigos populares e livros para o público em geral, percorrendo os mais vastos assuntos, que vão de astronomia à economia. Intelectuais que popularizam o campo de suas próprias especialidades incluem ganhadores do prêmio Nobel, como os economistas Paul Samuelson, Milton Friedman, Gary Becker, dentre outros, incluindo no âmbito do pensamento jurídico intelectuais de ponta como Robert Bork e o próprio professor Posner. Todavia, entre os cem intelectuais públicos mais mencionados pela mídia, Posner encontrou apenas dezoito que também estão entre os cem intelectuais mais mencionados na literatura acadêmica.[806] Celebridade midiática e renome acadêmico são, de fato, áreas que atraem pessoas diferentes. Sejam quais forem os atrativos relativos específicos às duas atuações, ser ao mesmo tempo um acadêmico de ponta e um intelectual público de destaque requer uma habilidade rara para escrever em níveis intelectuais um tanto quanto distintos, além da diferença de estilo entre trabalhos destinados ao público acadêmico e ao público em geral. John Maynard Keynes, por exemplo, era um intelectual possuidor dessa rara habilidade. Ele era internacionalmente reconhecido como intelectual público, escrevendo sobre assuntos que estavam relacionados ou não com a ciência econômica anos antes de se tornar tanto o mais famoso

como o mais influente economista profissional do século XX. Milton Friedman, tão diferente de Keynes em outros aspectos, também detinha a mesma habilidade de escrever no mais alto nível e padrão intelectual de sua profissão e, ao mesmo tempo, escrever e falar de uma forma que tornava a ciência econômica compreensível para pessoas sem a menor formação na área. Mas pessoas com a mesma versatilidade intelectual e literária de Keynes e Friedman são extremamente raras. Embora seja possível que alguns dos indivíduos mais intelectualmente dotados escolham se tornar intelectuais públicos, pelos mais variados motivos, são poucos os incentivos que os compelem a sair fronteiras de suas especialidades, exceto para aqueles que definimos como intelectuais cuj os produtos finais são ideias. Para os intelectuais nesse sentido, a escolha, em geral, pode ser a de aceitar os limites restritos de reconhecimento e de influência pública disponíveis ou se aventurar para além das fronteiras de suas especialidades ou de suas competências profissionais, apelando para um público ao mesmo tempo muito mais vasto e muito menos exigente. ◆ ◆ ◆

A DEMANDA POR INTELECTUAIS PÚBLICOS Saindo dos incentivos que geram uma oferta de intelectuais públicos e indo para a demanda por tais profissionais, encontramos novamente uma importante distinção entre essas pessoas com habilidades mentais de alto nível, que se fazem intelectuais no sentido aqui atribuído, e outras que também participam de atividades igualmente exigentes em termos das habilidades mentais envolvidas, mas cujos produtos finais são mais tangíveis e mais empiricamente testáveis. Existe uma demanda espontânea da sociedade em geral, que anseia pelos

produtos finais de engenheiros, de médicos e de outros cientistas, ao passo que seja qual for a demanda para os produtos finais de sociólogos, de linguistas ou de historiadores, ela vem em grande parte das instituições educacionais ou é criada pelos próprios intelectuais, na maioria das vezes ao saírem de suas especialidades acadêmicas a fim de agirem como "intelectuais públicos", oferecendo "soluções" para os "problemas" sociais ou para alarmar a sociedade sobre perigos terríveis que alegam ter identificado. Resumindo, a demanda por intelectuais públicos é amplamente fabricada por eles mesmos. De outra forma, as visões de tais intelectuais sobre o estado atual do mundo ou sobre como poderíamos melhorá-lo não fariam grande diferença para o público ou não teriam qualquer efeito na condução das políticas de governo em uma democracia. O público em geral contribui para o afluxo de intelectuais a partir de uma variedade de modos involuntários, e o fazem como pagadores de impostos que bancam escolas, faculdades e muitas outras instituições e programas que subsidiam as realizações artísticas e intelectuais. Outras ocupações que requerem grande habilidade mental, como, por exemplo, os engenheiros, têm um vasto mercado espontâneo para seus produtos finais, como aviões, computadores ou prédios. Mas esse é, poucas vezes, o caso de pessoas cujos produtos finais são ideias. Não há um grande ou um proeminente papel para elas desempenharem na sociedade, a menos que elas o criem. Não poderia haver um conjunto de incentivos e de restrições mais apropriado para que pessoas de alta capacidade intelectual fossem estimuladas a proferir ideias bombásticas, irresponsáveis e até mesmo tolas. Algumas dessas coisas tolas e perigosas já foram aqui destacadas, mas mesmo assim essas amostras mal conseguem arranhar a superfície da imensa quantidade de pronunciamentos

imprudentes da intelligentsia, os quais, abarcando gerações do passado, precipitam-se no futuro. Especialmente entre os intelectuais acadêmicos, a apreciação pública espontânea e até mesmo a aclamação do trabalho de colegas no âmbito das ciências, da engenharia, da medicina e de outros campos fornecem ainda outro incentivo para que busquem seu próprio "lugar ao sol". Da mesma forma que também são afetados pela proeminência de muitos profissionais que estão fora do universo acadêmico, como pessoas na área comercial, nos negócios, na justiça, na política, nos esportes e no entretenimento, por exemplo. Mas a maioria desses não intelectuais primeiro conquista reconhecimento público ou aclamação por suas realizações dentro de suas respectivas áreas de especialização, ao passo que muitos intelectuais poderiam alcançar um reconhecimento público comparável apenas saindo de sua especialidade ou de sua competência. Quem, além de filósofos e de matemáticos profissionais, teria ouvido falar em Bertrand Russell caso ele não tivesse se tornado um intelectual público, proferindo comentários devastadores sobre coisas para as quais ele não tinha a menor competência? O mesmo vale para o linguista Noam Chomsky, o etimologista Paul Ehrlich e muitos outros que tiveram destaque em suas respectivas especialidades, mas que só conquistaram atenção pública ao se distanciarem de suas especialidades para então proferir toda sorte de declarações bombásticas e chamativas sobre assuntos que ultrapassavam completamente suas competências. Eles não precisam ser completos charlatães, apenas pessoas cujos vastos conhecimentos sobre determinado assunto encobrem, deles mesmos e de outros, sua ignorância fundamental em relação às questões que os atraem para o debate público. Entre acadêmicos e professores escolares, encontramos aqueles aos quais faltam inclinação ou talento para se tornarem intelectuais públicos, mas que podem dar vazão

às suas opiniões nas salas de aula para o público cativo de alunos, um público que se insere numa arena mais reduzida, mas que apresenta poucas chances de provocar um sério desafio. Sociedades inteiras têm que ser colocadas em risco em nome de tais vaidades e falsificações por causa de um pequeno segmento da sociedade? Como já vimos, especialmente nas discussões sobre o papel dos intelectuais ocidentais entre as duas Guerras Mundiais, nações inteiras já foram colocadas em risco e de fato precipitadas ao desastre por meio de um clima de opinião no qual a intelligentsia desempenhou um papel de destaque. Mas isso não está confinado apenas à mera questão histórica como foi demonstrado com o restabelecimento, entre os membros da intelligentsia e da mídia de nossa época, das atitudes, dos argumentos e das próprias frases do período entre as duas Guerras Mundiais. ◆ ◆ ◆

A INFLUÊNCIA DOS INTELECTUAIS Antes de analisar a influência dos intelectuais, devemos definir em que sentido considerar o termo influência. O professor Richard A. Posner, por exemplo, não considera os intelectuais públicos muito influentes e avalia as previsões dos últimos, em particular, como "geralmente desimportantes".[807] Sem dúvida que ele está certo, mas em função dos termos em que discute o assunto. Ou seja, a opinião pública não entrou em pânico com as previsões de Paul Ehrlich sobre os iminentes desastres econômicos e ambientais ou os retratos ficcionais de George Orwell sobre o que encontraríamos no ano de 1984. Todavia, temos que distinguir a influência de intelectuais em particular, com suas agendas e previsões especiais, da influência que exerce a intelligentsia como um todo, controlando assuntos

sobre os quais, como um grupo, eles geralmente consolidam uma visão predominante, filtrando os fatos que contradizem essa visão. Apesar de o público britânico não ter seguido as prescrições específicas de Bertrand Russell para que se desmobilizassem as forças armadas britânicas às vésperas da Segunda Guerra Mundial, é diferente de dizer que o constante trombetear da retórica antimilitarista da intelligentsia não tenha contribuído para o enfraquecimento do poderio bélico britânico, impedindo a formação de um arsenal dissuasivo que contrabalançasse o rearmamento da Alemanha de Hitler. O impacto que exercem aqueles que definimos como intelectuais, ou seja, pessoas cujos trabalhos começam e terminam com as ideias, vem se intensificando ao longo do tempo devido a fatores como o crescente número de intelectuais que as sociedades mais abastadas têm condição de sustentar e as plateias cada vez maiores que absorvem essas ideias, as quais se constituem a partir de uma ampla disseminação da educação e do acesso à cultura por toda a sociedade, além da penetração cada vez mais profunda da grande mídia sobre a sociedade. A influência dos intelectuais foi sentida diretamente nos assuntos sobre defesa nacional e em seus efeitos sobre a coesão social, sem a qual uma sociedade não pode continuar sendo uma sociedade. Todavia, esse tipo de influência tem ficado restrita às nações modernas e democráticas. Um respeitado historiador referiu-se a essa realidade como "a fina camada da crosta superior" da sociedade czarista da Rússia "que constituía a opinião pública significativa".[808] Uma camada ainda mais fina dos que detêm opiniões de peso caracterizou as modernas ditaduras totalitárias na Rússia ou em outros países pelo mundo. Os intelectuais têm todo o incentivo para acreditar na eficiência da especialidade que dominam, as ideias

articuladas, e para desvalorizar correspondentemente fatores concorrentes como a experiência das massas e, em especial, o uso da força pela polícia ou pelos militares. As emanações desarticuladas da experiência das massas, verificadas ao longo das gerações, são frequente e sumariamente descartadas como meros preconceitos. A força ou a ameaça de força é, do mesmo modo, tida como um expediente muito inferior à razão articulada ao se lidar com criminosos, crianças ou nações hostis. "A atuação militar é o remédio do desespero diante do poder da inteligência",[809] como dizia John Dewey. A razão tende a ser considerada categoricamente preferível, com pouca consideração às distintas circunstâncias nas quais uma dessas abordagens - ou seja, razão ou força - pode se revelar mais eficiente do que a outra. A intelligentsia parece rejeitar em especial a ideia de indivíduos particulares fazerem uso da força para defesa própria e de suas propriedades ou de portarem armas na eventualidade de usá-las. Na esfera internacional, envolvendo questões sobre guerra e paz, a intelligentsia com frequência diz que a guerra deveria ser o "último recurso". Mas muito depende crucialmente do contexto e do significado específico dessa frase. A guerra deveria ser, é claro, "um último recurso", mas último em termos de preferência, em vez de último no sentido de se aguardar indefinidamente enquanto os perigos e as provocações se acumulam sem resposta, enquanto o pensamento fantasioso ou os acordos ilusórios substituem sérios preparativos militares ou, se necessário, a ação militar. Como disse Franklin D. Roosevelt em 1941, "se você não atirar e esperar até que veja o branco dos olhos do outro, você nunca saberá o que o atingiu".[810] A insistente irresolução da França durante a década de 1930 e o período da "guerra de araque", que terminou com o colapso do país em 1940, deu ao mundo um exemplo doloroso sobre como o

cuidado excessivo pode ser levado a um ponto em que se torna perigoso. Embora os tipos de ideias que hoje predominam entre os intelectuais tenham um longínquo pedigree, o qual remonta, no mínimo, ao século XVIII, a enorme predominância dessas ideias tanto nos círculos intelectuais quanto na sociedade em geral, por meio da influência que têm sobre o sistema educacional, a mídia, os tribunais e a política, apresenta-se como um fenômeno bem mais recente. Isso não quer dizer que os intelectuais não tinham qualquer influência em tempos mais remotos, mas nos séculos anteriores havia bem menos intelectuais e ainda um número menor de seguidores compondo a intelligentsia para transportar suas ideias em direção às escolas, à mídia, aos tribunais e à esfera política. Em tempos anteriores eles representavam apenas uma influência entre muitas, e não haviam ainda adquirido a habilidade de filtrar quais informações e ideias seriam passadas para o público, pela mídia e pelo sistema educacional, ou quais se tornariam o critério fundamental do pensamento jurídico nos tribunais. É certo que as tradições herdadas, tanto religiosas quanto seculares, eram vistas como uma limitação, segundo o ponto de vista das noções recém-engendradas pelos intelectuais. De forma mais fundamental, a influência dos intelectuais sobre o curso dos eventos na sociedade em geral, por meio de sua influência sobre o grande público, era menor do que hoje porque, na maioria dos países em outros tempos, o público em geral exercia muito pouca influência na condução das políticas nacionais. O governo dos Estados Unidos representou, afinal de contas, uma grande ruptura em relação aos regimes de governo que existiam no mundo quando os Estados Unidos foram fundados em 1776. Antes disso - e em outros países muito depois disso -, mesmo que a intelligentsia tivesse a mesma

influência sobre o público de que goza hoje, isso não teria feito muita diferença nas políticas governamentais controladas por governantes autocratas. Além do mais, nem as massas nem as elites esperavam que os intelectuais exercessem uma influência significativa sobre as decisões de governo. Essa influência cresceu nos últimos séculos com a disseminação da cultura letrada e com a disseminação do poder político, estendendo-se por todas as camadas socioeconômicas. Embora os Estados Unidos apresentassem a maior plateia em potencial para intelectuais que buscavam influência política, o povo norte-americano tendeu a ficar muito menos impressionado pelos intelectuais do que os europeus ou mesmo as pessoas de outros lugares. A sociedade norte-americana começou a existir como uma sociedade "decapitada", não apenas no sentido de que dava à aristocracia europeia poucos incentivos para que valesse a pena enfrentar os perigos de uma viagem atravessando o Atlântico, além das dificuldades em ser pioneiro numa nova terra, mas também pelo fato de que não havia muito incentivo aos intelectuais europeus para que enfrentassem esses mesmos perigos e essas mesmas dificuldades. Além do mais, a sociedade norte-americana permaneceu durante muito tempo em seu período formador, que durou, em algumas partes do país, o mesmo tempo que durou a conquista das fronteiras, um período no qual o conhecimento, a força e as habilidades mundanas tinham mais peso para a sobrevivência e para o progresso do que os tipos especiais de conhecimento que os intelectuais possuem. O período da década de 1960 até a década de 1980 representou talvez o ápice da influência da intelligentsia nos Estados Unidos. Embora suas ideias ainda permaneçam como preponderantes do ponto de vista ideológico, seu domínio esmagador já foi reduzido devido aos contraataques provenientes de vários lugares, como, por exemplo, a visão alternativa apresentada por Milton Friedman e a

escola econômica de Chicago, pelo aparecimento de pequenos, mas significativos, contingentes de intelectuais conservadores e neoconservadores em geral e com o surgimento dos conservadores como minoria na mídia, embora não mais desprezível, especialmente nos programas de rádio e na internet, o que reduziu a habilidade da intelligentsia, portadora da visão do intelectual ungido, de bloquear as informações que possam desestabilizar sua visão. No entanto, qualquer anúncio sobre o desmoronamento da visão do intelectual ungido seria muito prematuro, caso não seja mera fantasia, tendo-se em vista o domínio continuado dessa visão sobre todo o sistema educacional, a televisão e o cinema sempre que temas sociopolíticos são tratados. Portanto, a visão de mundo dos intelectuais - como ele é e como deveria ser - permanece dominante. Não houve, desde os tempos dos direitos divinos dos reis, tamanha presunção de querer dirigir os outros e de reprimir suas decisões, em grande parte por meio de poderes governamentais ampliados. Toda a agenda da intelligentsia, desde planejamento econômico governamental até causa ambiental, resume a crença de que terceiros sabem mais que os outros e deveriam receber o poder de passar por cima da decisão alheia. Isso inclui, por exemplo, impedir que as crianças consolidem os valores recebidos pelos pais caso valores mais "avançados" tenham a preferência daqueles que ensinam nas escolas e nas faculdades. A visão do intelectual ungido não é somente uma visão de sociedade, mas também se comporta como uma visão autoelogiosa dos próprios intelectuais e uma mentalidade de que eles não estão dispostos a abrir mão. Um "respeito decente pelas opiniões da humanidade" - a frase usada na Declaração de Independência dos EUA - não tem hoje mais lugar num mundo pautado pela visão do intelectual ungido. Pelo contrário, pois desafiar o "clamor

público" tornou-se um distintivo de honra e a certificação de ser um membro dos intelectuais ungidos. Os protestos das massas não são tratados como avisos importantes mas como evidências redobradas da superioridade do insight do sujeito, que é compartilhado por outros "bem pensantes". Essa é uma das muitas maneiras pela qual a visão é blindada, afastando-a dos desafios que vêm das experiências mundanas de milhões de pessoas. Além disso, as impetuosas suposições e aspirações do intelectual ungido são amplamente consideradas, por eles e por outros, como o mais nobre idealismo, em vez de egocêntricas indulgências. Que o mundo sej a obrigado a apresentar um cenário que se encaixe em suas preconcepções - caso contrário existe algo de errado com o mundo - não constitui apenas um adorno da intelligentsia, mas se apresenta como base para o estabelecimento de cotas em corporações e em universidades, as quais procuram criar tais cenários, assim como interferir na condução das leis em casos em que se usa a muleta da discriminação sempre que a realidade não se encaixa com o cenário idealizado. Embora os intelectuais acadêmicos não sejam, em nossos tempos, os únicos, eles se constituem, contudo, no suprassumo da vida intelectual, cujas carreiras são as que menos dependem das exigências do mundo real e de qualquer prestação de contas pelas consequências do que dizem e do que fazem. São pessoas amparadas na vitaliciedade de seus cargos e que têm enorme poder para controlar as instituições em que trabalham, além do poder para interferir em assuntos que ultrapassam suas especialidades, como se os alunos podem se matricular nos recrutamentos promovidos pela ROTC (Reserve Officer's Training Corps) ou se poderão exercer seus direitos de liberdade de expressão, os quais podem ser restringidos pelas normas de conduta do campus.

Os intelectuais que atuam fora do universo acadêmico podem ter carreiras em organizações de pesquisa independentes (think tanks) ou ganhar a vida com a própria produção escrita, mas tais intelectuais, comparando-os com o contingente acadêmico, são pouco numerosos e não têm a mesma segurança de emprego que a estabilidade e a vitaliciedade da vida acadêmica proporcionam. No entanto, em geral eles também não levam em conta os valores e as crenças da população ou se constrangem diante das evidências e das comprovações lógicas, desde que sigam o que é consonante com a visão de seus colegas ou, no caso de escritores freelance, consonante com um grupo suficiente de pessoas que possam sustentá-los financeiramente e aclamarem o que escrevem e dizem. Intelectuais não afiliados com uma instituição acadêmica podem ter ou não visibilidade perante o grande público. Jornalistas opinativos - colunistas, editores e comentadores -certamente têm acesso imediato a uma massa de espectadores em virtude de suas profissões. Porém, existe um número muito maior de jornalistas que é composto simplesmente de repórteres, os quais só podem chamar atenção do público para si ao ultrapassarem os limites da mera reportagem, tornando-se pessoas que filtram e assumem posições drásticas, conferindo sensacionalismo ao que escrevem. Da mesma forma que acontece com os acadêmicos, eles atraem pouco ou nenhuma atenção pessoal quando se dedicam a fazer somente o trabalho para o qual estão qualificados, sem embelezamentos, mesmo quando as histórias que relatam noticiam eventos capitais cuja importância atrai a atenção do mundo. Poucas pessoas se lembram de quem noticiou quando o homem pousou na lua ou mesmo quem era o repórter que falava quando ouviram, pela primeira vez, sobre o início ou término de uma grande guerra. Mesmo para colunistas, editores de jornais e jornalistas televisivos não há quaisquer qualificações reais

exigidas além de uma habilidade em atrair um público leitor ou ouvinte, pouco importando se as palavras têm ou não coerência lógica ou validade empírica. Da mesma forma, não há qualificações específicas exigidas em muitas outras ocupações entre a intelligentsia, como ser um "advogado do consumidor" ou chefiar uma organização de "interesse público", e certamente não é exigida nenhuma evidência concreta de que o consumidor ou público é de fato beneficiado por tais atividades ou se existe uma avaliação do quanto o público pode ser prejudicado por essas atividades. Para os membros da intelligentsia que se engajam em tais atividades, as qualificações são irrelevantes, exceto a habilidade em atrair atenção por quaisquer meios disponíveis. Acontece o mesmo com líderes e membros de grupos de protesto, muitos dos quais integram a intelligentsia. A habilidade em organizar manifestações massivas e barulhentas, com ou sem violência, também garante não apenas cobertura televisiva das próprias manifestações, mas também a cobertura das justificativas particulares do movimento. Embora os incentivos dos líderes sejam os de adquirir publicidade gratuita para suas ideias, os incentivos da mídia são os de preencher os programas de noticiário com eventos de impacto repletos de ação e de pronunciamentos polêmicos. Nem a acuidade factual nem a consistência lógica dos pronunciamentos são fatores decisivos tanto para a mídia quanto para os membros dos movimentos. "O que conta é o gestual arrogante, o completo desrespeito pela opinião dos outros, o puro enfrentamento dos valores consagrados",[811] como E ri c Hoffer explica em sua análise sobre os movimentos de massa. Resumindo, tanto com intelectuais acadêmicos como com não acadêmicos, a validação de suas ideias e de seu status independe de qualquer verificação empírica sobre o que dizem. Portanto, eles não precisam

prestar contas de suas ações e de suas palavras - e esse tipo de atitude significa que não têm quaisquer impedimentos para agir de maneira irresponsável. Professores de escola constituem parte do corpo periférico da intelligentsia, rodeando o núcleo central dos intelectuais. Assim como muitos outros, o papel dos professores escolares é bastante modesto e pouco percebido e sua influência no curso da política nacional é praticamente inexistente desde que permaneçam restritos às suas atividades e ao seu papel de transmissores das conquistas culturais do passado para as novas gerações. Somente ao se desviarem de seu papel e se apropriarem de atividades para as quais não têm nem qualificação nem responsabilidade é que conseguem expandir grandemente sua influência, seja por meio de doutrinação ideológica dos alunos ou por sua manipulação psicológica com o intuito de alterar os valores que esses estudantes receberam dos pais. [812]

Em ambos os casos, os professores não prestam contas diante das consequências tanto em relação aos alunos quanto à sociedade. Por exemplo, quando a longa tendência de queda de gravidez adolescente e de doenças venéreas repentinamente se reverteu, depois que os programas de "educação sexual "foram introduzidos nas escolas norte-americanas na década de 1960,[813] coube aos pais o trabalho de colher os cacos e arrumar a bagunça sempre que uma filha adolescente aparecia grávida ou um filho adolescente contraía uma doença venérea. Nenhum professor ou nenhuma professora teve que arcar com as consequências de nada, tanto em relação aos custos financeiros quanto ao custo emocional e às noites de sono perdidas. O virtuosismo retórico ainda possibilitou que a alteração dos valores, promovida pela "educação sexual", não apenas escapasse de qualquer censura, mas continuasse a fomentar a ideia de que o que era chamado "educação sexual" representava a solução, em vez de um

agravamento do problema. Assim como tantas outras coisas, a noção encaixava-se na visão, eximindo-a da exigência de se encaixar nos fatos. Além do mais, na medida em que esses exercícios de doutrinação na promoção de valores estranhos à cultura tradicional foram denominados de "educação", quem poderia opor-se a eles? Não apenas os próprios membros da intelligentsia têm incentivos para se aventurarem muito longe de qualquer especialidade que possam ter a fim de influenciar as políticas públicas, mas o exemplo deles e, no caso dos professores, sua prática encorajam o mesmo tipo de irresponsabilidade zelosa entre os próprios alunos. Também nesses casos são poucas, ou nenhuma, as restrições. Já desde a escola primária os alunos são encorajados ou recrutados para que se posicionem diante de complexas questões públicas, as quais variam muito, podendo, por exemplo, abranger assuntos relacionados às políticas sobre o arsenal nuclear. Classes inteiras são designadas para que escrevam sobre o assunto aos membros do Congresso ou ao presidente dos Estados Unidos. Comitês de admissão das faculdades podem favorecer as várias formas de ambientalismo ou outros tipos de ativismo, considerando quais candidatos serão admitidos. É bastante comum que faculdades exijam "serviço comunitário" corno pré-requisito para que os candidatos sejam avaliados, e a comissão de admissão tem ampla liberdade para definir arbitrariamente o que deve ser considerado "serviço comunitário", como se, por exemplo, ficasse claro, sem a menor sombra de dúvida, que prestar assistência e estimular o ócio ("a mendicância") são um serviço em vez de um desserviço à comunidade. Dessa e de outras maneiras, os pré-requisitos intelectuais para se alcançar sérias conclusões sobre a condução de determinadas agendas são ironicamente sabotados pela própria intelligentsia. Ao encorajar ou mesmo exigir que os alunos assumam uma posição quando não têm nem conhecimento nem treinamento intelectual

para examinar seriamente questões complexas, os professores acabam promovendo a expressão de opiniões inconsistentes, o extravasamento de emoções desarticuladas e o hábito de agir segundo essas opiniões e emoções enquanto se ignoram ou se descartam visões opostas sem ter o equipamento intelectual ou mesmo a experiência pessoal para equiparar as visões de maneira séria. Resumindo, em todos os níveis da intelligentsia, compreendendo uma grande gama de especialidades, os incentivos tendem a recompensar aqueles que ultrapassam os limites de suas competências, e as restrições contra as falsificações são poucas ou simplesmente inexistentes. Não é que a maior parte da intelligentsia minta deliberadamente, numa tentativa cínica de ganhar notoriedade ou de promover sua causa. Todavia, a habilidade geral das pessoas para racionalizarem e justificarem a si mesmas, assim como para justificarem seus pares, certamente não está em falta entre os membros da intelligentsia. Alegações polêmicas, previsões alarmistas e acaloradas cruzadas morais podem gerar, na mente do público, um senso de importância dos intelectuais, assim como para eles mesmos. Mas a fim de preservar esse senso de importância, esforços continuados e frequentemente árduos se fazem necessários. Portanto, os intelectuais públicos "não conseguem operar em temperatura ambiente",[814] como disse Eric Hoffer. É difícil pensar em qualquer década do século passado em que a intelligentsia não tenha embarcado em alguma espécie de cruzada urgente para salvar o mundo de um grande perigo qualquer, que o homem comum era considerado incapaz de perceber. No início do século XX foi a noção de eugenia, cuja implantação impediria que a inteligência nacional declinasse como resultado de taxas de

natalidade mais altas entre pessoas de baixo Q.I., apesar de os resultados de testes de Q.I. terem, de fato, mostrado um aumento do índice durante aquele século.[815] Na década de 1920, a cruzada do dia era a promoção do desarmamento e os tratados internacionais renunciando à prática de guerra; na década de 1930 houve muitas cruzadas para se contar, como houve no mundo pós-guerra. Dentre as arrogantes suposições da intelligentsia, temos aquela cuja ideia central insinua que estranhos devam dar significado para a vida das pessoas comuns, mobilizando-as para uma causa comum e dando-lhes um sentido de importância. Qualquer um que pense que uma mãe não é importante para a criança, ou a criança para uma mãe, não sabe nada sobre seres humanos. Há poucas coisas tão importantes para pessoas que se amam do que um ao outro. A maior parte das pessoas já tem alguém para o qual ele ou ela tem uma importância enorme e sua vida nunca seria a mesma sem a presença dessa pessoa. Que para os intelectuais tais tipos de pessoa pareçam não ter a menor importância diz mais a respeito da natureza deles do que sobre as pessoas. E projetar essa suposta não importância sobre a vida das próprias pessoas é uma das muitas violações dos padrões intelectuais fundamentais perpetradas pelos intelectuais. ◆ ◆ ◆

RESTRIÇÕES Diferentemente de engenheiros, de médicos ou de cientistas, a intelligentsia não encontra nenhuma séria restrição ou sanção baseada em verificação empírica. Ninguém poderia ser processado por inépcia, por exemplo, ao ter contribuído para a histeria causada em torno do inseticida DDT e que levou a seu banimento em muitos países por todo o mundo, mas que custou a vida de

literalmente milhões de pessoas devido ao reaparecimento da malária. Por outro lado, médicos cujas ações tiveram uma ligação muito mais tênue com complicações médicas sofridas por seus pacientes tiveram que pagar milhões de dólares em compensações por prejuízos, ilustrando, uma vez mais, uma diferença fundamental entre as circunstâncias profissionais da intelligentsia e as circunstâncias das pessoas em outras profissões igualmente exigentes do ponto de vista mental. O fato de jornalistas não precisarem mais responder legalmente por calúnia e por difamação, no caso de pessoas consideradas "públicas", gerou, no entanto, consequências sociais mais amplas, pois ao caluniar ou difamar pessoas que detêm ou aspiram por altos cargos no governo, prejudica-se o próprio público em geral, além de prejudicar os indivíduos particulares. Isso acontece quando eleitores são persuadidos a abandonar alguém que estavam, até então, dispostos a eleger, como resultado de acusações falsas divulgadas pela mídia, e isso pode ser tão prejudicial quanto qualquer outra forma de fraude; ou quando nomeados para os cargos de juízes federais, incluindo os juízes da Suprema Corte, tiverem suas nomeações sabotadas por causa de falsas acusações de racismo ou de assédio sexual divulgadas pela mídia, privando a população não apenas dos serviços desses indivíduos em particular, mas também dos serviços posteriores de muitos outros, os quais se recusam a prejudicar a própria reputação, construída ao longo de toda uma vida, ao entrar num processo de confirmação cujas acusações imprudentes e sensacionalistas, espalhadas por toda a nação através da mídia, tornaram-se a norma, e a prova de inocência é praticamente impossível. Não apenas o mundo externo, mas mesmo seus pares profissionais impõem poucas restrições aos intelectuais desde que estes estejam expondo a visão predominante do intelectual ungido, especialmente para o público leigo. Nem

é da restrição fundamental - os padrões pessoais impostos pelo próprio sujeito - que é difícil de escapar. Como observou Jean-François Revel: "Cada um de nós deveria perceber que cada indivíduo possui dentro de si a capacidade formidável de construir um sistema explicativo do mundo e, com ele, uma máquina para rejeitar todos os fatos contrários ao sistema".[816] Certamente, não falta aos intelectuais habilidade para racionalizar e, afinal de contas, esse é um tipo de dom que eles dominam melhor que a maioria das pessoas. Considerando-se os incentivos e as restrições, ou a falta deles, em jogo, muitas das coisas ditas e feitas pelos membros da intelligentsia se tornam compreensíveis, apesar de todo o prejuízo e de todo o desastre que têm provocado nas sociedades ao seu redor. ◆ ◆ ◆

GOVERNO Muitos dos incentivos e das restrições por trás dos padrões dos intelectuais se aplicam a outro grupo - os políticos -, cujas decisões como agentes do governo podem engrandecer em muito a influência dos intelectuais. É praticamente axiomático que, numa época em que o governo legisla, regulamenta e financia uma gama de atividades cada vez mais impressionantes! Não há um indivíduo sequer com a quantidade ou a profundidade de conhecimento significativo que possa decidir, de forma competente, sobre uma gama tão vasta de assuntos. O resultado final é que os políticos, assim como acontece aos intelectuais, alcançam reconhecimento público sempre que ultrapassam os limites de suas competências, e que eles têm que proceder de tal forma, no mínimo, com a mesma frequência dos intelectuais públicos, especialmente quando

muitos políticos não têm nenhuma área própria de especialização, apenas a arte de se elegerem. A quantidade de especialistas disponíveis para a consulta dos agentes governamentais não é, de forma alguma, um substituto adequado, uma vez que geralmente existem especialistas em ambos os lados - ou muitos lados de cada questão. Escolher entre esses especialistas pode também se revelar uma decisão que ultrapassa a competência de muitos políticos. Além disso, a especialidade real dos políticos profissionais - a de criar uma boa impressão diante dos eleitores - pode tornar desnecessário saber sobre o que estão realmente falando, desde que suas palavras continuem a encontrar ressonância nos eleitores. Na medida em que os políticos dizem e fazem coisas em consonância com a visão predominante, eles tendem a alcançar seu objetivo, pouco importando o quão perto ou o quão distante da realidade esteja essa visão. Juízes federais com cargos vitalícios se encontram ainda menos constrangidos pela realidade. Legisladores não possuem apenas mais funcionários à disposição do que os juízes, a fim de colher informações, mas também recebem feedback de peso, ou seja, feedback que não podem ignorar ou descartar do conhecimento público sobre os efeitos reais de suas legislações. Os juízes carecem de ambas as fontes de informação e de correção, de forma que as ideias provenientes dos setores da intelligentsia que absorvem acabam tendo pouco feedback corretivo, e a importância dos precedentes legais tornam as correções difíceis mesmo quando existem receios, entre os próprios juízes, das consequências sobre o que eles ou seus colegas fizeram. Os juízes que se alinham à visão intelectual predominante de sua época não se constrangem em gratificá-la e tendem a ser adulados, em vez de criticados, pelos setores da intelligentsia ligados à mídia ou às escolas de direito, pois agem a fim de "inovar", tomando decisões que tornam as políticas sociais consistentes com a visão do

intelectual ungido. Por outro lado, o máximo que se pode esperar de juízes que restringem suas decisões ao círculo de sua especialidade jurídica é que sejam ignorados. Em muitos casos, tais juízes são atacados ao atrapalharem as mudanças em nome do progresso, pois obstruem a visão do intelectual ungido e não participam de sua implantação, recusando-se a acompanhar seus colegas que a adotam. Burocratas federais não têm a mesma permanência dos juízes federais nem a amplitude de autoridade decisória dos membros do Congresso, mas têm uma combinação das duas coisas que os torna um poderoso "quarto poder do governo". E um poder do governo que não se situa apenas fora da estrutura de poder estabelecida pela Constituição, mas um que com frequência combina poderes legislativos, judiciários e executivos, os quais são tão cuidadosamente separados pela Constituição. Embora as políticas, as regulamentações e os gastos públicos promovidos pelas burocracias não sejam tecnicamente legislação, têm, contudo, quase sempre o mesmo efeito de uma legislação sem sofrerem as restrições constitucionais que afetam o Congresso. Expulsar um membro do Congresso requer muito menos esforço dos cidadãos comuns do que tentar reverter uma decisão da burocracia federal valendo-se dos tribunais federais. Grandes quantidades de dinheiro à disposição dos burocratas também lhes dão grande influência sobre os especialistas em suas áreas particulares de operação. As escolhas arbitrárias da burocracia, as quais financiam certos pesquisadores e acadêmicos, não apenas permitem que eles influenciem a opinião pública em direção às políticas favorecidas pelos burocratas, mas podem ter um efeito assustador sobre especialistas que sabem que expressar visões opostas àquelas dos donos do dinheiro público, seja sobre autismo, seja sobre aquecimento global ou outros numerosos assuntos, prejudica seu próprio acesso às

grandes quantias de dinheiro necessárias para se financiar pesquisas de grande porte. Uma vez que os financiamentos para pesquisa são em geral fatores cruciais na carreira dos próprios especialistas e de seus colegas, um silêncio discreto pode ser muito útil sempre que um especialista se revela incapaz de acreditar ou de defender a posição tomada pela burocracia. Um ceticismo abertamente declarado, para não falar de uma franca oposição, não apenas reduz as chances de obter os fundos para pesquisa sobre aquele assunto em particular, mas pode afetar, ao se posicionar de forma contrária aos objetivos da burocracia, toda a instituição, que pode ser um departamento acadêmico ou uma empresa de consultoria. O especialista poderá então se tornar desagradável (com todas as consequências que isso acarreta) para a instituição e diante de seus colegas. Resumindo, as burocracias são frequentemente capazes de manipular as visões da intelligentsia para seus próprios interesses, ao menos dentro das jurisdições em que atuam, as quais estarão sujeitas a pequenas correções de percurso por parte daqueles que sabem mais ou pela população que sofre as consequências. Na medida em que a mídia pensa e atua dentro da mesma estrutura de visão de mundo, pode haver realmente poucos alertas transmitidos para o público em geral de que existem outras visões e outras possibilidades sobre as questões tratadas, e uma quantidade ainda menor de postura crítica. Em vez disso, o público provavelmente ouvirá que "existe um consenso entre os especialistas" sobre a questão. O governo em geral - ou seja, todos os três poderes constitucionalmente estabelecidos, assim como o "quarto poder", representado pela burocracia -é capaz de agir com base em quaisquer noções ou suposições, mesmo que infundadas, que por acaso predominem entre os setores da intelligentsia. Podemos ter outras visões concorrentes em potencial, mas para serem notadas elas terão que enfrentar

uma luta muito desigual. Evidências empíricas podem abundar, as quais contrariam a visão predominante, mas tais evidências serão tratadas como semente quando cai em terra seca e não de forma adequada para a informação do grande público. O moderno governo tentacular tende, portanto, a engrandecer a influência da intelligentsia na medida em que o governo é uma instituição de tomada de decisão sob o controle de legisladores, de juízes, de executivos e de burocratas, em que ninguém é constrangido a permanecer dentro da área de sua própria competência ao tomar decisões. ◆ ◆ ◆

O HISTÓRICO DOS INTELECTUAIS O que os intelectuais realmente têm feito à sociedade e a que custo? Muitos avanços grandiosos na medicina, na ciência e na tecnologia vieram das universidades, dos institutos de pesquisa e dos departamentos de desenvolvimento industrial das empresas, os quais beneficiaram a sociedade como um todo e, em última instância, as pessoas no mundo todo. Muitos desses benefícios foram produzidos por indivíduos dotados de habilidades mentais extraordinárias - mas raramente esses indivíduos foram intelectuais no sentido aqui discutido, de pessoas cujos produtos finais são ideias e cujo único processo de validação é a aprovação de seus pares. O que é notável sobre os intelectuais nesse último sentido é o quanto é difícil pensar sobre os benefícios reais que eles conferiram a qualquer pessoa que não faça parte de seu próprio círculo de interesses - e o quão se torna dolorosamente evidente o quanto eles, de fato, custam para o resto da sociedade, não apenas do ponto de vista econômico, mas de muitas outras formas.

Embora praticamente qualquer pessoa possa nomear uma lista de desenvolvimentos médicos, científicos ou tecnológicos que de alguma forma melhoraram a vida das pessoas das gerações de hoje, em comparação com a vida das gerações do passado, incluindo as pessoas da última geração, seria um desafio mesmo para uma pessoa altamente informada dizer três formas nas quais nossa vida é hoje melhor como resultado das ideias de sociólogos ou de desconstrucionistas. Alguém poderia, é claro, definir "melhor" ao dizer que tem consciência da sociologia e da desconstrução ao realizar suas agendas políticas, mas esse raciocínio circular apenas se juntaria às argumentações sem prova. Houve escritos importantíssimos, até mesmo obras de gênio, no que é denominado ciências sociais, embora muitos desses trabalhos tenham sido implícita ou explicitamente ataques sobre questões ditas por outros escritores nas ciências sociais, e não fica claro o quanto de prejuízo líquido a sociedade teria sofrido se nenhum deles, em toda a profissão, tivesse dito coisa alguma. Por exemplo, os escritos de James Q. Wilson sobre a criminalidade têm um enorme valor, mas principalmente para refutar as ideias predominantes de outros criminologistas, os quais produziram desastres sociais em ambos os lados do Atlântico. Resumindo, foram outros intelectuais - não o público em geral que sustentaram políticas contraprodutivas de combate ao crime, assim como em outras questões sociais. Antes da ascendência dessas noções no sistema de justiça criminal dos Estados Unidos, os índices de criminalidade estavam em franco declínio por décadas, sob as ideias e as práticas tradicionais tão desdenhadas pela intelligentsia. Algo semelhante poderia ser dito sobre outros extraordinários escritos que refutaram outras modas intelectuais, mas que teriam sido desnecessários caso essas modas não tivessem surgido e se tornado predominantes

entre a intelligentsia, infiltrando-se nas políticas públicas. Todavia, mesmo assumindo que houve benefício real fornecido pelos trabalhos dos intelectuais contemporâneos, é difícil acreditar que suas realizações se aproximem dos benefícios que nos ofertaram os campos da engenharia, da medicina e da agricultura. Existe aquele antigo ditado afirmando que mesmo um relógio parado está certo duas vezes ao dia. Os intelectuais podem alegar crédito por terem apoiado o movimento pelos direitos civis da década de 1960, mas muito desse crédito deve ir para os que se colocaram em perigo no Sul, em vez de serem contabilizados por aqueles que os felicitaram de seus escritórios e de redações no Norte. Aqueles que colocaram a própria carreira política em jogo na luta pelos direitos civis, começando pelo presidente Harry Truman na década de 1940, foram fundamentalmente as pessoas que implantaram as mudanças legais que provocaram o colapso da discriminação racial patrocinada pelo Estado. Porém, quaisquer que tenham sido as contribuições que a intelligentsia tenha feito em relàção às mudanças raciais, elas devem ser contrabalanceadas com o seu papel em justificar ou racionalizar o enfraquecimento da lei e da ordem em contextos raciais ou não raciais, com os negros tornando-se as vítimas principais da violência crescente, incluindo o fato de que, em alguns anos, comparando-se com os brancos, mais negros foram mortos em números absolutos, apesar de haver grandes diferenças no tamanho das duas populações. Numa época anterior, liderados por Émile Zola, intelectuais na França expuseram as fraudes envolvendo as acusações que haviam enviado o capitão Alfred Dreyfus para a prisão na Ilha do Diabo. De fato, diz-se que o próprio termo "intelectual" foi cunhado naquele episódio.[817] Embora outros - nos quadros militares e Georges Clemenceau na política - tivessem ficado do lado do capitão

Dreyfus, mesmo antes da publicação do famoso artigo de Zola, "J’Accuse",[818] episódio Dreyfus foi algo para ser contabilizado pelos intelectuais. Mas já vimos o quanto se deve do outro lado dessa contabilidade, especialmente na França. Embora seja difícil alinhavar um caso em que os intelectuais, como produtores de ideias, tenham criado amplos e duradouros benefícios para a grande maioria das pessoas, comparando-se com o que as pessoas em outras profissões criaram mesmo em ocupações mais comuns, o que se apresentaria como um desafio muito menor seria nomear coisas que os intelectuais tornaram pior tanto em nossa quanto em outras épocas. ◆ ◆ ◆

COESÃO SOCIAL Uma das coisas que os intelectuais fazem há muito tempo é afrouxar os laços que sustentam uma sociedade. Eles buscam remodelar os grupos nos quais as pessoas tradicionalmente se arranjam, transformando-os em agrupamentos criados e impostos pela própria intelligentsia. Laços familiares, religião e patriotismo, por exemplo, têm sido tratados pela intelligentsia como elementos suspeitos ou prejudiciais, e os novos laços que os intelectuais criaram, como classe - e mais recentemente "gênero" -, são projetados como mais reais ou mais importantes. A suposta solidariedade entre a classe trabalhadora fazia parte das noções que ganharam prestígio entre os intelectuais da esquerda. A Primeira Guerra Mundial foi um choque para tais intelectuais, os quais tinham decidido, por conta própria, que as classes operárias não entrariam na guerra entre si, mesmo integrando nacionalidades diferentes, presumivelmente porque os intelectuais acreditavam que a nação era algo de menor valor que a

classe. Como se deu em outros casos, todavia, esses intelectuais não se importaram em investigar se as próprias classes trabalhadoras compartilhavam dessa visão. Resumindo, a primazia da classe sobre a nação, como tantas outras coisas na visão do intelectual ungido, não foi uma hipótese a ser testada, mas um axioma proclamado. Vimos no capítulo 7 algumas formas pelas quais os intelectuais de destaque, nas democracias ocidentais, abalaram a própria segurança nacional de seus países entre as duas Guerras Mundiais. Antes que possa haver uma defesa nacional, no sentido militar do termo, é preciso que haja algum sentimento sobre a necessidade de se defender a nação num sentido social, cultural ou outro qualquer. A maior parte dos intelectuais modernos raramente contribui para a manutenção desse sentido. Alguns chegaram até mesmo a fazer afirmações como a de George Kennan: Primeiro me mostre um norte-americano que tenha tido sucesso para lidar com os problemas do crime, das drogas, da deterioração dos padrões educacionais, da decadência urbana, da pornografia e da decadência de uma forma ou de outra - mostre-me um norte-americano que (...) é como deveria ser, então eu vou lhe dizer como nós nos defenderemos dos russos.[819] Nem todos os intelectuais são tão bruscos como esse, mas não é, de forma alguma, incomum para alguns membros da intelligentsia retratar os Estados Unidos sob julgamento e precisando provar inocência - um padrão raramente aplicado a outros países - em detrimento da aliança pública para sua defesa contra inimigos potenciais ou de suas próprias leis e normas. Mas os Estados Unidos não estão sozinhos diante dessa atitude. A intelligentsia de algumas nações europeias é ainda mais ousada, fazendo

apologia dos muçulmanos dentro e fora de seu próprio país, permitindo o estabelecimento, de faro, de enclaves muçulmanos com suas leis e seus padrões dentro da Europa, ao mesmo tempo que ignoram as violações legais perpetradas por imigrantes muçulmanos vivendo em países europeus.[820] Imagens idealizadas de países estrangeiros formam apenas uma das maneiras pelas quais os intelectuais enfraquecem sua própria nação. Também de outras formas, muitos intelectuais erodem e destroem um sentido de valores e de realizações compartilhadas que torna uma nação possível ou um senso de coesão nacional com o qual se possa resistir aos seus inimigos externos e internos. Condenar os inimigos do país seria, para os intelectuais, equiparar-se às massas, mas ao condenarem sua própria sociedade, os intelectuais ungidos tornam-se, no sentido mental e moral, especiais - ao menos diante de seus pares. Tendo-se os incentivos e as restrições dados, é difícil entrever como poderia ser diferente quando qualquer significância que possam ter na sociedade em geral depende quase que completamente da postura crítica que têm da própria sociedade e da alegação de apresentarem "soluções" especiais para tudo que definem como os "problemas" da sociedade. Isso não quer dizer que os intelectuais atuem cinicamente em função da credulidade da ordem pública a fim de tirar vantagem de sua especialidade profissional para que recebam aclamação pública ou influência política. Eles podem acreditar com sinceridade no que dizem, mas suas crenças geralmente carecem de fundamento e não são colocadas sob nenhum teste de validação. Depois que uma de suas ideias ou de suas agendas é adotada, os membros da intelligentsia quase nunca levantam a pergunta decorrente: O que se saiu melhor em termos de resultado? Com frequência as coisas se tornam demonstravelmente

piores[821] e então o virtuosismo retórico da intelligentsia é colocado em ação a fim de alegar que a evidência nada prova porque não foi de fato o que fizeram que causou o descaminho das coisas. Embora seja bom alertar contra a falácia post hoc, o que os intelectuais raras vezes fazem é aceitar o ônus da prova sobre si mesmos a fim de mostrar qual foi o melhor resultado quando suas ideias foram praticadas. Sob a influência da intelligentsia tornamo-nos uma sociedade que recompensa e admira as pessoas por violarem as próprias normas sociais consagradas, fragmentando a sociedade em segmentos discordantes. Somando-se a isso, os membros da intelligentsia desqualificam explícita e sistematicamente a sociedade em que vivem, denegrindo sua história e atacando sem piedade suas deficiências momentâneas. Em geral, os intelectuais estabelecem padrões para suas sociedades os quais nenhuma sociedade composta por seres humanos jamais alcançou ou provavelmente jamais alcançará. Chamar esses padrões de "justiça social" permite que os intelectuais se dediquem à promoção de reclamações intermináveis, denunciando os modos particulares pelos quais a sociedade fracassa em alcançar os critérios arbitrários estabelecidos por eles, juntamente de um desfile de outros grupos que se colocam como vítimas, exemplificado na fórmula "raça, classe e gênero" que temos hoje; e o mesmo tipo de pensamento por trás dessa fórmula particular é usado quando se retratam as crianças como vítimas de seus pais, e imigrantes ilegais como vítimas de uma sociedade xenofóbica e indiferente. Ou seja, muitos membros da intelligentsia se dedicam à produção e à distribuição de agravos e de ressentimentos, vasculhando a história quando não conseguem um número suficiente de agravos contemporâneos que se encaixem em sua visão.

O tipo de sociedade que isso gera é uma na qual um bebê recém-nascido entra no mundo de posse de um pacote de reclamações contra outros bebês nascidos naquele mesmo dia. É difícil imaginar uma fórmula mais explosiva para a deflagração de conflitos internos juntamente do enfraquecimento dos laços que mantêm a coesão de uma sociedade. "A constituição de nações a partir de tribos, no início dos tempos modernos na Europa, da Ásia e da África contemporâneas, foi o trabalho de intelectuais", segundo o conceituado acadêmico Edward Shils.[822] Mas independentemente de seus papéis históricos em outros tempos e lugares, os intelectuais nas nações ocidentais de nossos tempos estão amplamente comprometidos com a criação de tribos a partir de nações. O que Peter Hitchens denominou na Grã-Bretanha de "atomização da sociedade," a qual "amputou muitos dos laços invisíveis que uma vez mantiveram nossa sociedade unida",[823] é um padrão que não se restringiu à Grã-Bretanha ou às nações ocidentais. As realizações positivas da sociedade na qual os intelectuais vivem raramente recebem uma atenção remotamente comparável ao volume de atenção dedicado a queixas e a ressentimentos. Tal assimetria, juntamente das deficiências lógicas e factuais de boa parte das lamentações feitas em nome da "justiça social", pode criar a imagem de uma sociedade que não vale a pena preservar e muito menos defender. Os benefícios advindos dos arranjos sociais existentes são tidos como garantias eternas, como se fossem coisas que acontecessem mais ou menos automaticamente mesmo quando quase inexistem em outros países. Esses benefícios não são considerados coisas para as quais sacrifícios (ou ao menos abstenção) foram requeridos, muito menos coisas que podem ser danificadas pelo zelo com que os movimentos por "mudança" são

promovidos ao se desconsiderar as repercussões dessas mudanças. ◆ ◆ ◆

A LOCALIZAÇÃO DO MAL Muitos entre a intelligentsia se consideram agentes de "mudança", um termo muito usado de forma leviana, como se as coisas estivessem tão ruins que a mera e genérica "mudança" pudesse ser tomada como uma mudança para melhor. A história das mudanças que revelaram ser para pior mesmo em países em que as coisas já estavam bem ruins - a Rússia czarista ou a Cuba sob o regime de Batista, por exemplo -, recebe uma extraordinária falta de atenção. Mas para que uma agenda de mudança social benéfica e compreensível funcione e pareça plausível, deve haver implicitamente a identificação do mal em alguma classe, instituição ou grupo de representantes, uma vez que pecados e deficiências universalmente presentes nos seres humanos deixariam pouco lugar para se esperar algo dramaticamente melhor numa sociedade reorganizada, de forma que mesmo uma revolução seria vista como o trabalho de reorganizar as cadeiras no deque do Titanic. Reformas paulatinas que evoluem a partir das experiências de tentativa e erro podem, ao longo do tempo, implicar uma profunda mudança da sociedade, mas isso é algo muito distinto do tipo de mudanças drásticas e artificialmente impostas a fim de castigar o malvado e exaltar o ungido, reforçando a visão ressentida e dramática dos intelectuais. Essa visão exige a existência de vilões, sejam indivíduos, grupos ou toda uma sociedade tida como infectada por ideias erradas, mas que podem ser corrigidas por aqueles que se apresentam como portadores das ideias corretas. Esses vilões não podem estar muito longe ou esquecidos para que recebam as devidas condenações dos

membros da intelligentsia. Vilões domésticos são alvos muito mais acessíveis e vulneráveis, tendo maiores chances de sucesso perante o público incitado pela visão da intelligentsia. O que deve ser atacado é a "nossa sociedade", para que se submeta à "mudança" particular favorecida pela elite intelectual. Os pecados da sociedade, no passado e no presente, devem ser o foco dos ataques. Por exemplo, um estudo sobre a pobreza global destacou o contraste entre as perspectivas imensamente desiguais entre uma criança negra nascida na zona rural da África do Sul e uma criança branca nascida no mesmo dia na Cidade do Cabo, chamando essas diferenças de "o legado das oportunidades desiguais do regime apartheid".[824] Não resta dúvida de que o regime apartheid foi nefasto ou que a invasão e a conquista da África do Sul pelos brancos, cuja subjugação das populações africanas nativas permitiu que o regime apartheid fosse imposto, foram uma coisa maligna. Não existe qualquer ambiguidade moral. Contudo, a conexão causal com o estado de pobreza e de desigualdade presente não fica clara. Por acaso havia uma pobreza menor naquelas partes da África subsaariana quando eram governadas pelos negros? Mesmo durante os piores dias do regime apartheid havia um grande fluxo migratório de outras populações africanas enz direção à África do Sul, onde a pobreza era menor do que em outras partes da África subsaariana governadas por negros. Era menor o contraste entre a pobreza dos negros da África do Sul e os brancos que vieram conquistá-los antes da invasão, quando ambas as populações de negros e de brancos viviam cada uma em sua própria terra natal? A história nos mostra que a resposta para ambas as perguntas deve ser "não". Esses drásticos contrastes econômicos estão restritos à África e são incomuns em escala global? Esses contrastes são peculiares

a grupos raciais particulares? A resposta a ambas as perguntas também é "não". O mesmo autor destacou em seu livro - na verdade, na página anterior - a gigantesca diferença entre as rendas ao se comparar as populações dos vários países africanos, um contraste muito maior do que o que existe, por exemplo, nos Estados Unidos,[825] embora as implicações não tenham sido trabalhadas aparentemente de uma página para a seguinte. Outro acadêmico destacou como uma pessoa poderia traçar uma linha sobre o mapa da Europa e descobrir que um bebê nascido no Leste Europeu teria perspectivas muito menores do que um bebê nascido a oeste da linha.[826] Esse contraste tinha séculos de duração e persistiu por toda sorte de mudanças nos regimes de ambos os lados da linha. Os males sociais não eram desconhecidos em ambos os lados da linha, mas sair da condenação moral para a explicação causal é tão válido na Europa quanto deveria ser para a África ou para outros lugares. A escravidão tem sido um mal difundido por todo o mundo por milhares de anos, mas ao se confundir moral com causa - buscando a localização do mal -, tivemos uma completa inversão sobre a compreensão da história da escravidão que se abateu por todo nosso sistema educacional, assim como pela mídia e pela intelligentsia em geral. Dessa forma, a escravidão foi retratada como se fosse uma peculiaridade dos povos brancos cohtra os negros nos Estados Unidos ou nas sociedades ocidentais. Ninguém sonha em exigir reparações dos africanos do Norte por todos os europeus que eles escravizaram, apanhados pelos sarracenos, mesmo sabendo-se que esses escravos europeus ultrapassaram largamente em número os escravos africanos trazidos para os Estados Unidos e para as treze colônias nas quais a nação foi formada.[827] Uma vez que o Ocidente não está imune aos males, aos erros e às deficiências da raça humana por todo o

mundo, a intelligentsia foi capaz de documentar esses defeitos de uma forma que os faz parecer peculiares à "nossa sociedade". No caso da escravidão, o que foi peculiar em relação ao Ocidente foi o fato de que ela foi a primeira civilização a se virar contra essa prática, um movimento que começou no século XVIII e culminou com a abolição da escravidão em todo o mundo durante o século XIX, não apenas dentro das sociedades ocidentais, mas também se estendendo às sociedades sujeitas de alguma forma ao seu controle e à sua ameaça. No entanto, não há praticamente qualquer interesse, dentre os membros da intelligentsia de nossos dias, em saber como um fenômeno universal como a escravidão foi eliminado depois de milhares de anos de prática, pois ele não morreu simplesmente por conta própria, mas foi suprimido à força pelo Ocidente por meio de campanhas que tomaram o mundo e que duraram mais de um século, enfrentando quase sempre a dura oposição de africanos, de asiáticos e de outras culturas que queriam a manutenção da escravidão. Contudo, a verdadeira história não passa pelos filtros ideológicos e é raramente revelada. O que é destacado é que havia escravidão no Ocidente, como se isso fosse uma prática peculiar ao Ocidente. O que também é destacado é que os povos negros foram escravizados pelos brancos no Ocidente. Mas mesmo no Ocidente pessoas brancas eram escravizadas por outras pessoas brancas, por séculos, antes que o primeiro africano fosse trazido acorrentado para o hemisfério Ocidental. O próprio fato de esses africanos serem chamados de "escravos" refletia o fato de haver um grupo de homens brancos que fora escravizado por séculos - os eslavos -, na medida em que a palavra para escravo deriva do termo eslavo não apenas em inglês, mas o mesmo vale para outras línguas europeias e para o árabe.[828] O respeitado historiador Daniel Boorstin destacou: "Agora,

pela primeira vez na história do Ocidente, o status de escravo coincidia com uma diferença de raça".[829] Durante a maior parte de sua história os europeus escravizaram outros europeus, os africanos escravizaram outros africanos e os asiáticos escravizaram outros asiáticos. Na medida em que a escravização em massa de europeus se tornou uma opção menos viável, uma parcela da maciça quantidade de africanos que eram escravizados por outros africanos passou a ser transferida aos europeus. O racismo nasceu dessa situação, mas não explica a escravidão, a qual o precedeu por séculos. No entanto, a impressão transmitida por muitos entre a intelligentsia é de que o racismo explica o motivo pelo qual os brancos escravizaram os negros. É uma impressão que se alinha intimamente com a visão predominante, que a explora ao máximo - deixando o resto da história sobre a escravidão mundo afora de lado, o que faz com que a visão predominante pareça plausível. O imperialismo tem sido abordado da mesma forma pela maior parte dos membros da intelligentsia, como um mal que está restrito à "nossa sociedade". Mas é impossível ler sobre a história do mundo, antiga ou moderna, sem se deparar com o rastro sangrento de conquistadores e os sofrimentos que infligiram sobre as populações conquistadas. Como a escravidão, o imperialismo abarca todos os povos da raça humana como conquistadores e conquistados. Foi um mal que nunca foi, de fato, isolado, apesar de todo o esforço, por parte dos intelectuais, em retratarem alguns povos como nobres vítimas - mesmo às vésperas de essas alegadas vítimas assumirem o papel de algozes quando tiveram a chance, como muitos povos fizeram depois que o direito de "autodeterminação" dos povos de Woodrow Wilson levou as minorias oprimidas dos desmembrados impérios Otomano e Habsburgo a adquirirem suas próprias nações, nas quais uma das

primeiras preocupações foi com a opressão de outras minorias, que passaram a viver sob o jugo de novos senhores. No entanto, a história das conquistas é hoje contada de forma desproporcionalmente desfavorável aos europeus, vistos como brutais conquistadores a submeter inocentes povos nativos, esses últimos retratados com frequência como "vivendo em harmonia com a natureza" ou alguma outra versão do que Jean-François Revel denominou acertadamente de "lírica da mitologia do Terceiro Mundo". [830] Essa localização do mal é tornada plausível pelo fato de os europeus terem, nos últimos séculos, mais riqueza, tecnologia e poder de fogo do que qualquer outro povo havia acumulado durante milhares de anos. Porém, os europeus nem sempre estiveram na vanguarda da tecnologia, nem sempre foram mais ricos do que outros povos - durante os séculos que precederam o despontar da Europa no palco mundial, milhões de europeus foram subjugados por conquistadores e invasores vindos da Ásia, do Oriente Médio e da África do Norte. Foram séculos de luta para que a Espanha finalmente expulsasse o último de seus conquistadores que vieram do norte da África - no mesmíssimo ano em que enviava Cristóvão Colombo na viagem que abriria todo um novo hemisfério para ser conquistado por espanhóis e por outros europeus. Tanto a escravidão quanto a conquista brutal já eram comuns no hemisfério ocidental muito antes de os navios de Colombo surgirem no horizonte. Na verdade, o aparecimento da ideia de que a conquista é, per se, uma prática condenável - assim como a escravidão -, independentemente de quem a tenha feito, foi longamente gestada como corolário de um senso de universalismo que foi lançado de forma pioneira pela civilização ocidental. No entanto, essa história é também, hoje, colocada de pontacabeça ao se descreverem os traços peculiarmente nefastos

do Ocidente, apresentado, de forma ontológica e não incidental, como o culpado que precisa reparar suas ofensas. ◆ ◆ ◆

A PROPAGAÇÃO DA VISÃO Uma pesquisa sobre todas as outras questões nas quais a mesma distorção foi feita pelos intelectuais, seja na história, seja em relação aos eventos contemporâneos, preencheria volumes. O que é mais importante, essas coisas entulham o material de estudo de nossas escolas e de nossas faculdades. A ideologia dominante do principal sindicato de professores dos Estados Unidos - a NEA - é muito parecida com a ideologia dos sindicatos dos professores franceses que passaram muitos anos sabotando os esforços de defesa nacional por toda uma geração de estudantes franceses, igualando coragem com belicosidade e transformando a história dos heróis que salvaram o país dos invasores da Primeira Guerra Mundial numa história em que todos, de ambos os lados, foram meras vítimas, nivelando assim as tropas inimigas que buscaram devastar e subjugar a nação. Imperfeições ou ineficiências raramente destroem uma nação. Mas a desintegração de seus laços sociais e a desmoralização da confiança e da aliança de seu povo podem, no entanto, ocasionar sua destruição. Os intelectuais contribuem em grande parte para ambos os processos. Ao colocarem grupo contra grupo e ao verem arbitrariamente inumeráveis situações sob o prisma de "raça, classe e gênero", estabelecendo padrões inalcançáveis de "justiça social" e impondo objetivos de reparação histórica, os intelectuais garantem a criação de uma situação interminável de conflito interno, prefigurando o desmantelamento de qualquer sociedade, a qual é

sequestrada por uma intelligentsia e sua cruzada, submetendo um público que aceita, passivo, a visão que os intelectuais têm da sociedade e de si mesmos. Enquanto pressuposições apressadas forem aceitas como conhecimento e a pura retórica for considerada idealismo, os intelectuais continuarão a triunfar em se projetarem como vanguardistas de uma "mudança" genérica - de cujas consequências eles continuarão a não prestar contas. A intelligentsia alterou as grandes realizações e as recompensas de alguns membros da sociedade, as quais funcionavam como inspiração para muitas pessoas, transformando tais ganhos em fonte de ressentimento e de ofensas para com terceiros. A intelligentsia desconsidera e ignora as coisas que tornam os norte-americanos uma liderança no mundo incluindo a filantropia, a tecnologia e a criação de remédios que salvam vidas -, tratando os erros, os defeitos e as deficiências que os norte-americanos compartilham com os seres humanos por todo o mundo como defeitos especiais de "nossa sociedade ". Ela encoraja as pessoas que com nada contribuem para o mundo a reclamarem e organizarem protestos porque os outros não estão fazendo o suficiente por elas. Justifica a prática do crime por aqueles que preferem se ver como azarados lutando contra um "sistema" opressivo, mesmo quando eles são universitários provenientes de famílias abastadas. A intelligentsia transformou, tanto nos Estados Unidos quanto na França, verdadeiros heróis militares que colocaram e colocam a própria vida em risco por seu país em vítimas de guerra, pessoas pelas quais alguém pode sentir pena, mas que não inspiram ninguém. Nas escolas e nas faculdades a intelligentsia alterou o papel da educação, que é de equipar os alunos com o conhecimento e as habilidades intelectuais para que possam avaliar as questões e alcançarem independência

mental, transformando a educação em processo de doutrinação, com as conclusões já fornecidas pelo intelectual ungido. Eles colocaram pessoas cujos trabalhos criam bens e serviços que mantêm um crescente padrão de vida para todos no mesmo plano das pessoas que se recusam a trabalhar, mas são retratadas, não obstante, como autorizadas a receber a sua "devida parte" do que outros criaram - e essa autorização é dada sem nem sequer considerar se eles preservam a decência nas ruas ou nos parques. A intelligentsia tem tratado as conclusões de sua visão como axiomas a serem seguidos, em vez de hipóteses a serem testadas. Alguns membros da intelligentsia tratam a própria realidade como subjetiva ou ilusória, colocando, portanto, os modismos e as tendências intelectuais atuais no mesmo plano dos conhecimentos comprovados e da sabedoria cultural destilada pela experiência de gerações. Os intelectuais dão às pessoas que já têm a desvantagem da pobreza outra desvantagem adicional: a de que são vítimas. Eles agem como se fossem sujeitos ungidos, detentores do privilégio exclusivo de decidir quais segmentos da sociedade devem ser favorecidos, quais seriam as pessoas autorizadas a realizar associações e quais não estariam autorizadas, quais pequenos riscos as pessoas estariam proibidas de contrair e a quais riscos bem maiores estão liberadas. Eles romantizaram culturas que deixaram seus povos atolados na pobreza, na violência, na doença e no caos, ao mesmo tempo que vilipendiam culturas que trouxeram prosperidade, avanços médicos, lei e ordem ao mundo. Ao fazer isso, eles frequentemente desconsideram ou filtram o fato de que multidões de pessoas fugiam das sociedades

romantizadas pelos intelectuais, indo viver nas sociedades que eles condenavam. A intelligentsia é muito hábil em encontrar todo tipo de desculpas para o comportamento criminoso, ao mesmo tempo que é igualmente apta para imputar má conduta à polícia, mesmo quando discutindo questões sobre as quais não têm qualquer conhecimento técnico nem experiência, como acontece com o problema das trocas de tiro. Eles encorajam os pobres a acreditarem que sua pobreza é culpa dos ricos, uma mensagem que pode representar um incômodo passageiro para o rico, mas que se torna desvantagem duradoura para o pobre, que pode, com isso, não ver a necessidade de fazer mudanças fundamentais em sua própria vida, as quais poderiam melhorar sua condição socioeconômica, em vez de focar seus esforços para prejudicar os outros. Os membros da intelligentsia têm agido como se sua ignorância sobre o motivo pelo qual algumas pessoas têm rendas muito altas fosse razão para se acreditar que esses rendimentos sejam suspeitos ou tidos como inaceitáveis. A absoluta falta de senso crítico de muitos intelectuais é vastamente verificável, mostrando-nos os contrastes, de maneira grotesca, entre as noções que defendem e as realidades do mundo que os cerca. Por exemplo, em 1932 muitos intelectuais norte-americanos de destaque se pronunciaram publicamente para que as pessoas votassem no partido comunista dos Estados Unidos, e muitos outros notórios intelectuais, nas democracias ocidentais em geral, mantiveram, durante toda a década de 1930, a ideia de que o modelo da União Soviética representava uma opção melhor diante do capitalismo dos Estados Unidos, numa época em que as pessoas estavam de fato morrendo de fome aos milhões na União Soviética e muitas outras eram enviadas aos campos de trabalho forçado. A noção de que uma política de desarmamento e de concessões seria a única forma de evitar a guerra

sobreviveu à realidade de que foram precisamente esses tipos de políticas que levaram à deflagração da guerra mais catastrófica de todos os tempos. As mesmas políticas foram restabelecidas pela intelligentsia durante a primeira geração nascida depois daquela guerra e proclamadas com igual zelo, senso superior de justiça e demonização de todos os que ousassem pensar que uma abordagem diferente representaria melhores chances de preservar a paz. Também não houve muita reconsideração quando políticas exatamente opostas levaram ao fim da Guerra Fria. Os intelectuais buscam - em questões que compreendem um espectro que abrange desde políticas habitacionais até a legislação que regulamenta o transplante de órgãos - apropriar-se das decisões que deveriam ser tomadas pelas pessoas diretamente envolvidas, as quais têm conhecimento e correm riscos pessoais concretos, transferindo-as para terceiros que não têm essas duas características e não pagarão preço algum por seus erros. Eles têm praticado a filtragem de informação na mídia, nas escolas e nas universidades, deixando de lado tudo que ameaça sua visão de mundo. Acima de tudo, eles se exaltam e denigrem a sociedade na qual vivem, jogando seus membros uns contra os outros. ◆ ◆ ◆

RESUMO E IMPLICAÇÕES As características dos intelectuais e os papéis que buscam desempenhar se misturam. Isso se aplica tanto aos próprios intelectuais - as pessoas cuja ocupação é a produção de ideias como produto final - quanto à intelligentsia como um todo, incluindo a grande zona

cinzenta formada por aqueles cuj as visões refletem as visões dos intelectuais. A revelação preferida da intelligentsia - seja o tema específico ligado à criminalidade, seja à economia ou a outras coisas - não é somente se mostrar conspicuamente diferente da sociedade em geral, mas também, e quase axiomaticamente, superior à sociedade tanto intelectual quanto moralmente ou ambas as coisas. Sua visão de mundo não é apenas uma visão de transformação do mundo, mas é sobretudo a visão que eles têm de si mesmos, pois se fazem em vanguarda autoungida, conduzindo os outros para um mundo melhor. Aqueles cujas ideias específicas ou visão geral são diferentes -os ignorantes - são geralmente tratados como elementos desprezíveis, meros obstáculos ao progresso, incômodos que podem ser desconsiderados, contornados ou desacreditados, em vez de ser tratados como pessoas que participam do mesmo plano moral e intelectual, cujos argumentos podem ser avaliados factual e racionalmente. O uso disseminado e casual de frases como "ele simplesmente não entende" revela uma preferência para se evitar um confronto em termos iguais, o que significaria abrir mão de uma parte da visão do intelectual ungido. Códigos de discurso nas faculdades, repletos de critérios subjetivos e geralmente provisões "reeducadoras" para aqueles que expressam opiniões ignorantes, enfatizam a mesma preferência nas instituições acadêmicas onde os intelectuais têm o máximo controle direto. Talvez o mais importante de tudo, a visão do intelectual ungido representa um imenso investimento do ego em um conjunto particular de opiniões e, portanto, um grande obstáculo para uma eventual reconsideração dessas opiniões sob a luz da evidência e da experiência. Ninguém gosta de admitir que esteve errado, mas poucos são aqueles que se comprometeram tão completamente com um conjunto de crenças, como é o caso do intelectual

ungido, e que têm tão poucos incentivos para reconsiderar as questões adotadas. Por exemplo, a brutalidade com que o intelectual ungido ataca seus adversários e a virulência com que eles se prendem às suas crenças, em desafio à crescente evidência contra as "causas de base" da criminalidade e outras teorias sociais, são claras evidências sobre esse grande investimento pessoal em um conjunto de opiniões sociais e políticas. Os intelectuais não têm o monopólio do dogmatismo e do ego ou do poder em racionalizar. Mas as restrições institucionais que se colocam diante das pessoas nos campos dos negócios, da ciência, dos esportes, dentre muitas outras áreas, confrontam-nas com altos e geralmente ruinosos custos em se persistir em ideias que não funcionam na prática.[831] De forma semelhante, a história de crenças predominantes entre cientistas que se viram obrigados a abandoná-las diante de evidências contrárias tem um papel central em toda a história da ciência. No mundo dos esportes, seja profissional ou colegial, nenhuma teoria ou crença pode sobreviver a derrotas incessantes e nem sobreviverá a elas qualquer diretor de clube ou treinador. Tais restrições inescapáveis não fazem parte do repertório das pessoas cujos produtos são ideias que encontram apenas a validação de seus pares ideológicos. Isso vale especialmente para os intelectuais acadêmicos, os quais controlam suas próprias instituições e selecionam seus colegas e seus sucessores. Nenhum professor que goza de estabilidade profissional pode ser demitido porque votou na implantação de políticas para o campus universitário, que se verificaram econômica ou educacionalmente desastrosas para sua faculdade ou para toda a universidade, ou defendeu políticas que se tornaram catastróficas para a sociedade como um todo.

Essa falta de prestação de contas para com o mundo real não é fruto do acaso, mas compreende um princípio profundamente enraizado cujo santuário recebe o nome de "liberdade acadêmica". Da falta de prestação de contas para o comportamento irresponsável é preciso apenas um pequeno passo. Outros membros da intelligentsia, incluindo tanto a mídia de noticiário quanto a mídia do entretenimento, da mesma forma também dispõem de uma ampla latitude em relação à validação do que dizem, tendo como sua principal restrição a capacidade de atrair público e audiência, seja com verdades ou falsificações, seja produzindo efeitos construtivos ou destrutivos sobre a sociedade como um todo. De forma semelhante ao que acontece quando as tartarugas recém-nascidas se dirigem instintivamente para o mar, aquelas pessoas cujos produtos finais são ideias tendem a gravitar em torno de instituições onde suas ideias ficarão menos sujeitas aos perigos do descrédito factual. Somando-se às instituições acadêmicas e à mídia, a intelligentsia tende a gravitar em direção às organizações não lucrativas em geral e a fundações em particular. O dinheiro necessário para sustentar essas fundações depende, em primeiro lugar; de discursos convincentes - um dos talentos fundamentais da intelligentsia - que permitem que as doações continuem a afluir, seja por meio de alarmes sobre iminentes desastres, seja por meio de promessas de "soluções" sociais. Fundações com fundos próprios não precisam sequer da modesta obrigatoriedade de atrair doações para sua sobrevivência, de forma que podem perseguir a visão dos que comandam essas fundações, sem precisar se preocupar com mais nada além de influenciar o público da forma que mais agrade seus agentes e a fim de conquistar a aprovação de seus pares. Esses lugares nos quais os intelectuais gravitam com grande frequência tendem a ser locais onde o puro intelecto

faz toda diferença e onde a sabedoria não se faz necessária, uma vez que são poucas as consequências a serem enfrentadas ou os preços a serem pagos toda vez que ideias promissoras se tornam verdadeiros desastres para a sociedade em geral. Embora sejam poucas as restrições que limitam o trabalho da intelligentsia, o papel que aspiram desempenhar na sociedade em geral só pode ser conquistado por seus membros na medida em que o restante da sociedade aceite passivamente o que a intelligentsia diz, fracassando na avaliação de seu histórico. Apesar das formidáveis armas que a intelligentsia tem à disposição em suas cruzadas para a conquista da hegemonia cultural, moral e ideológica, seus membros nem sempre conseguem neutralizar as forças contrárias dos fatos, da experiência e do senso comum. Isso é especialmente verdadeiro no caso dos Estados Unidos, onde os intelectuais nunca receberam o mesmo tipo de deferência que há tanto tempo recebem na Europa, assim como em outras partes do mundo. No entanto, mesmo entre os norte-americanos, a constante intrusão de políticas, de práticas e de leis baseadas nas noções e nas ideologias predominantes entre a intelligentsia tem estreitado sem cessar o campo de liberdades tradicionalmente gozadas pelas pessoas comuns na condução da própria vida, e criado muito menos espaço para que as pessoas tenham voz nas políticas de governo. O desprezo que os intelectuais têm pela realidade objetiva e por seus critérios estende-se para além dos fenômenos sociais, científicos e econômicos, abarcando os campos das artes, da música e da filosofia. A única consistência que permeia todas essas atividades díspares é a autoexaltação dos próprios intelectuais. Diferentemente das grandes realizações culturais do passado, como magníficas catedrais construídas para inspirar tanto os reis quanto os camponeses, a marca registrada das

autoconscientes arte e música "modernas" é seu caráter inacessível ao grande público, e geralmente até certa hostilidade deliberada ou mesmo uma ridicularização do público. Assim como um corpo orgânico pode continuar a viver, apesar de abrigar certa quantidade de microorganismos cuja predominância o destruiria, da mesma forma uma sociedade pode sobreviver a certa quantidade de forças de desintegração que a compõem. Porém, isso é muito diferente de dizer que não existem limites para a quantidade, a audácia e a ferocidade com que essas forças de desintegração agem sobre uma sociedade para que ela continue a sobreviver sem ao menos ter a vontade de resistir. ◆ ◆ ◆

FICHA CATALOGRÁFICA DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL) Sowell, Thomas Os Intelectuais e a Sociedade / Thomas Sowell ; Tradução: Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011. Título original: Intellectuals and Society. ISBN 978-85-8033-018-2 1. 2. 3. 4.

Influência (Psicologia) Intelectuais Intelectuais - Aspectos Sociais Opinião Pública I. Título.

11-03444 CDD-305.552 ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO: 1. Intelectuais: Sociologia 305.552

[1] J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis. Nova York, Oxford University Press, 1954, p. 475. [2] Mark Lilla, The Reckless Mind: lntellectuals in Politics. Nova York, New York Review Books, 2001, p. 198. [3] Alfred North Whitehead, "December 15, 1939". In: Dialogues of Alfred North Whitehead as Recorded by Lucien Price. Boston, Little, Brown and Company, 1954, p. 135. [4] Michael St. John Packe, The Life of John Stuart Mill. Nova York, The Macmillan Company, 1954, p. 315. [5] Para aquele pequeno número de pessoas cuja riqueza permite que persigam uma carreira que não representa fonte de sustento, "ocupação” não precisa significar uma ocupação remunerada. [6] Por exemplo, de acordo com o Chronicle of Higher Education: "Os conservadores são mais raros na área de humanidades (3,6%) e nas ciências sociais (4,9%) e mais comuns em administração (24,5%) e nas ciências médicas (20,5%)". Entre o corpo docente nas ciências humanas, nas humanidades e nas universidades de elite que oferecem pós-doutorado, "nenhum instrutor foi contado como tendo votado para o presidente Bush em 2004", quando o presidente recebeu maioria dos votos populares pelo país. Ver David Glenn, "Poucos Conservadores, mas Muitos Centristas Ensinam na Academia". Chronicle of Higher Education, 19/10/2007, p. AlO. Nas ciências médicas, um estudo mostrou que a proporção de membros docentes que se autodesignavam conservadores compreendia o mesmo percentual dos que se reconheciam como liberais (20,5%), com o restante de moderados. Nas cadeiras de administração havia um pequeno percentual maior de conservadores confessos do que de liberais (24,5% contra 21,3%). Ver o ensaio de Neil Gross e Solon Simmons, "As Visões Político-Sociais dos Acadêmicos Americanos", 24/09/2007, p. 28. Mas nas ciências sociais e nas humanidades, as pessoas que se identificam como liberais formam absoluta maioria, e no restante os moderados superam os conservadores em larga escala. Ver também Howard Kurtz, "College Faculties a Most Liberal Lot, Study Finds". Washington Post, 29/03/2005, p. Cl; Stanley Rothman, S. Robert Lichter e Neil Nevitte, "Politics and Professional Advancement among College Faculty". The Forum, v. 3,1. ed., 2005, p. 6; Christopher F. Cardiff e Daniel B. Klein, "Faculty Partisan Affiliations in Ali Disciplines: A Voter-Registration Study". Critical Review, v. 17, n. 3-4, p. 237-55. [7] Oliver Wendell Holmes, "The Profession of The Law". In: Collected Legal Papers. Nova York, Peter Smith, 1952, p. 32.

[8] George J. Stigler, Essays in the History of Economics. Chicago, University of Chicago Press, 1965, p. 21. [9] Ver Thomas Sowell, On Classical Economics. New Haven, Yale University Press, 2006, p. 143-46. [10] Eric Hoffer, Before de Sabbath. Nova York, Harper & Row, 1979, p. 3. Richard Posner também disse que os intelectuais formadores de opinião "os quais não esperam se submeter ao minucioso escrutínio de um biógrafo pouco sofrem em suas reputações, mesmo que seja provado pelos  ventos, e de forma repetitiva, que estão equivocados". Richard A. Posner, Public lntellectuals: A Study of Decline. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 2001, p. 63. [11] Paul R. Ehrlich, The Population Bomb. Nova York, Ballantine Books, 1968, p. xi. [12] Os resultados do estudo do governo sobre a segurança do Corvair foram relatados no Congressional Record: Senate (27/03/1973, p. 9.748-74). [13] Daniel J. Flynn, Intellectual Morons: How Ideology Makes Smart People Fall for Stupid Ideas. Nova York, Crown Forum, 2004, p. 4. [14] Bertrand Russel, Which Way to Peace? Londres, Michael Joseph, Ltd., 1937, p. 146. [15] League of Professional Groups for Foster and Ford, Culture and the Crisis: An Open Letter to the Writers, Artists, Teachers, Physicians, Engineers, Scientists and Other Professional Workers of America. Nova York, Workers Library Publishers, 1932, p. 32. [16] "Shaw Bests Army of interviewers". New York Times, 25/03/1933, p. 17. [17] "G. B. Shaw 'Praises' Hitler". New York Times, 22/03/1935, p. 21. [18] Carta ao The Times de Londres, 28/08/1939, p. 11. [19] George J. Stigler, Memoirs of an Unregulated Economist. Nova York, Basic Books, 1988, p. 178. "Uma coleção completa de declarações públicas assinadas por notáveis, cujo próprio trabalho não lhes dava sequer reconhecimento profissional para tratar dos problemas referidos pelas declarações, seria uma coletânea u m tanto quanto extensa e deprimente" (p. 89 ). [20] Roy Harrod, The Life of John Maynard Keynes. Nova York, Augustus M. Kelley, 1969, p. 468. [21] Brad Stone, "The Empire of Excess". New York Times, 04/07/2008, p. C1. A rede Wall-Mart, da mesma forma, colocou muita ênfase na escolha do local para implantação de seus supermercados. Richard Vedder e Wendell Cox, The WallMart Revolution: How Big-Box Stores Benefit Consumers, Workers, and the Economy. Washington, AEI Press, 2006, p. 53-54.

[22] F. A. Hayek, The Constitution of Liberty. Chicago, University of Chicago Press, 1960, p. 26. [23] Robert L. Bartley, The Seven Fat Years: And How to Do lt Again. Nova York, The Free Press, 1992, p. 241. [24] John Dewey, Human Nature and Conduct: An lntroduction to Social Psychology. Nova York, Modern Library, 1957, p. 148. [25] Edmund Morris, The Rise of Theodore Roosevelt. Nova York, The Modern Library, 2001, p. 466. [26] Elígio R. Padilla e Gail E. Wyatt, "The Effects of Intelligence and Achievement Testing on Minority Group Children". In: The Psychosocial Development of Minority Group Children. Ed. Gloria Johnson Powell et al. Nova York, Brunner/Mazel, Publishers, 1983, p. 418. [27] Stuart Taylor, Jr. e K. C. Johnson, Until Proven lnnocent: Political Correctness, and the Shameful lnjustices of the Duke Lacrasse Rape Case. Nova York, St. Martin's Press, 2007, p. 12-13, 186, 212, 233-34. [28] Jeff Schultz, "Wrong Message for Duke Women". Atlanta JournalConstitution, 07/05/2006, p. C1  Harvey Araton, "At Duke, Freedom of Speech Seems Selective", New York Times, 26/05/2006, p. D1 ss; John Smallwood, "School Should Ban 'Innocent' Sweatband". Philadelphia Daily News, 26/05/2006, Sports, p. 197; Stephen A. Smith, "Duke Free-Falling from Grace". Philadelphia Inquirer, 28/05/2006, p. D1. [29] Ver Thomas Sowell, Basic Economics: A Common Sense Guide to the Economy. 3. ed. Nova York, Basic Books, 2007, p. 275-81, para uma discussão sobre a alocação de recursos no tempo, e p. 20-23 e 2 8-29 para uma discussão sobre a alocação de recursos em determinado momento. [30] Ver, por exemplo, ibidem, p. 275. [31] Randal O'Toole, The Best-Laid Plans: How Government Planning Harms Your Quality of Life, Your Pocketbook, and Your Future. Washington, Cato Institute, 2007, p. 190. [32] Ibidem, p. 194. [33] Ver., por exemplo, Thomas Sowell, The Vision o f the Anointed: SelfCongratulation as a Basis for Social Policy. Nova York, Basic Books, 1995, cap. 2. [34] Sidney E. Zion, "Attack on Court Heard by Warren". New York Times 10/09/1965, p. 1ss.

[35] U. S. Bureau of Census, Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970. Washington, Government Printing Office, 1975, parte 1, p. 414. [36] James Q. Wilson e Richard J. Herrnstein, Crime and Human Nature. Nova York, Simon and Schuster, 1985, p. 409. [37] Alguns tentam alegar que, como consumidores que compram produtos de empresas cujos executivos recebem altas remunerações, eles são prejudicados nos preços do que compram. Todavia, se todos os executivos das empresas petrolíferas, por exemplo, concordassem em trabalhar sem remuneração, isso não seria suficiente para reduzir o preço de um galão de gasolina em nem sequer dez centavos de dólar, na medida em que os lucros totais das companhias petrolíferas representam uma pequena fração do preço de um galão de gasolina - geralmente muito menor do que os impostos taxados pelos governos nos níveis estaduais e nacionais. Para uma discussão mais completa sobre a remuneração dos executivos, ver o meu livro Economic Facts and Fallacies (Nova York, Basic Books, 2008, p. 141-45). [38] Michael J. Hurley, Firearms Discharge Report. Nova York, Departamento de Armas de Fogo e Táticas da Academia de Polícia, 2006, p. 10. Ver também AI Baker, "A Hail of Bullets, a Heap of Uncertainty". New York Times, 09/12/2007, Seção Week in Review, p. 4. [39] Como uma nota pessoal, eu, outrora, ensinei prática de tiro na academia dos fuzileiros navais e não fiquei surpreso, de forma alguma, com o número de tiros disparados pela polícia. [40] Oliver Wendell Holmes, Collected Legal Papers. Nova York, Peter Smith, 1952, p. 197. [41] "A vida da lei não tem sido calcada na lógica: tem se baseado na experiência. As necessidades sentidas de cada época, as teorias políticas e morais predominantes, as instituições de políticas públicas, reconhecidas ou inconscientes, até mesmo os preconceitos que os juízes compartilham com seus colegas, têm muito mais a ver com as leis do que o silogismo na determinação de regras por meio das quais os homens deveriam ser governados." Oliver Wendell Holmes Jr., The Common Law. Boston, Little, Brown and Company, 1923, p. 1. [42] Eugene Davidson, The Unmaking of Adolf Hitler. Columbia (Missouri ), University of Missouri Press, 1996, p. 198. [43] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963: Collected Speeches in Peace & War. Ed. Robert Rhodes. Nova York, Chelsea House, 1980, p. 552. [44] Ibidem, p. 642-43.

[45] Um economista estimou que o custo de reconstrução de Nova Orleans seria suficiente para dar, em contrapartida, a cada família de quatro pessoas do lugar US $800 mil, dinheiro que elas poderiam ficar livres para usar e para que pudessem se mudar para localidades mais seguras. Mas a ideia de não reconstruir a cidade foi tida como "a reação aparentemente cruel de muitos economistas urbanos com a devastação de Nova Orleans". Tim Harford, The Logic of Life. Nova York, Random House, 2008, p. 170. [46] George J. Stigler, The Economist as Preacher and Other Essays. Chicago, University of Chicago Press, 1982, p. 61. [47] Citado em Arthur C. Brooks, "Philanthropy and the Non-Profit Sector". Understanding America: The Anatomy of An Exceptional Nation. Ed. Peter H. Schuck and James Q. Wilson, Nova York, Public Affairs, 2008, p. 548-49. [48] "Class and the American Dream". New York Times, 30/05/2005, p. A14. [49] Evan Thomas e Daniel Gross, "Taxing the Super Rich". Newsweek, 23/07/2007, p. 38. [50] Eugene Robinson, "Tattered Dream; Who'll Tackle the Issue of Upward Mobility?". Washington Post, 23/11/2007, p. A3. [51] Janet Hook, "Democrats Pursue Risky Raising-Taxes Strategy". Los Angeles Times, 01/11/2007. [52] Andrew Hacker, Money: Who Has How Much and Why. Nova York, Scribner,1997, p. 10. [53] Ver, por exemplo, David Wessel, "As Rich-Poor Gap Widens in the U.S.; Class Mobility Stalls". Wall Street Journal, 13/05/2005, p. A1ss. [54] "Movin' On Up". Wall  Street Journal, 13/11/2007, p. A24. [55] David Cay Johnston, "Richest Are Leaving Even the Rich Far Behind". New York Times, 05/06/2005, seção 1, p. 1 ff. [56] U.S. Department of the Treasury, "Income Mobility in the U.S. from 1996 to 2005", 13/11/2007, p. 12. [57] W. Michael Cox e Richard Alm, "By Our Own Bootstraps: Economic Opportunity & the Dynamics of Income Distribution". Annual Report, 1995, Federal Reserve Bank of Dallas, p. 8. [58] Peter Saunders, "Poor Statistics: Getting the Facts Right About Poverty in Australia". Issue Analysis n. 23, Centre for Independent Studies (Austrália ), 03/04/2002, p. 5; David Green, Poverty and Benefit Dependency. Wellington, New Zealand Business Roundtable, 2001, p. 32-33; Jason Clemens e Joel Emes, "Times Reveals the Truth about Low Income". Fraser Forum, set. 2001, p. 24-26. [59] U.S. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics, Characteristics of Minimum Wage Workers: 2004. Washington, Department of Labor, Bureau of

Labor Statistics, 2005, p. 1 e tabela 1. [60] U.S. Department of the Treasury, "Income Mobility in the U.S. from 1996 to 2005", 13/11/2007, p. 2. [61] Calculado com base em Carmen DeNavas-Walt et al., "lncome, Poverty, and Health Insurance Coverage in the United States: 2005". In: Current Population Reports, P60-231, Washington, U.S. Bureau of the Census, 2006, p. 4. [62] Ver, por exemplo, "The Rich Get Richer, and So Do the Old". Washington Post, National Weekly Edition, 07/09/1998, p. 34; John Schmitt, "No Economic Boom for the Middle Class". San Diego Union-Tribune, 05/09/1999, p. G3. [63] Calculado com base em Economic Report of the President, Washington, U.S. Government Printing Office, 2009, p. 321. [64] Herman P. Miller, Income Distribution in the United States. Washington, U.S. Government Printing Office, 1966, p.7. [65] Robert Rector e Rea S. Hederman, Income Inequality: How Census Data Misrepresent Income Distribution. Washington, The Heritage Foundation, 1999, p. 11. [66] Os dados referentes ao número de chefes de família em famílias de alta e baixa renda, em 2000, foram retirados da tabela HINC-06 do Current Population Survey, baixado do website do Bureau of the Census. [67] Alan Reynolds, lncome and Wealth. Westport (CT), Greenwood Press, 2006, p. 28. [68] Michael Harrington, The Other America: Poverty in the United States. Nova York, Penguin Books, 1981, p. xiii, 1, 12, 16 e 17. [69] Alan Reynolds, Income and Wealth, p. 67. [70] Andrew Hacker, Money, p. 31. [71] Steve DiMeglio, "With Golf Needing a Boost, Its Leading Man Returns". USA Today, 25/02/2009, p. 1A ss. [72] Jeffrey S. Gurock, Whett Harlem Was Jewish: 1870-1930. Nova York, Columbia University Press, 1979. [73] Conor Dougherty, "States Imposing Interest-Rate Caps to Rein in Payday Lenders". Wall Street Journal, 09/08/2008, p. A3. [74] Um dos problemas é que o que se chama de "juros" inclui custos de processamento - e esses custos tendem a representar uma porcentagem mais elevada do total dos custos para empréstimos menores. Em outras palavras, o

custo de processamento provavelmente não varia muito entre um empréstimo de US $100,00 e um de US $1.000,00. [75] 30 "Pay Pais". New York Times, 10/06/2009, p. A26. [76] John Dewey, Liberalism and Social Action. Amherst (NY), Prometheus Books, 2000, p. 43. [77] Bernard Shaw, The lntelligent Woman 's Guide to Socialism and Capitalism. Nova York, Brentano's Publishers, 1928, p. 208. [78] Bertrand Russell, Sceptical Essays. Nova York, W.W. Norton & Co., Inc., 1928, p. 230. [79] John Dewey, Liberalism and Social Action, p. 65. [80] Aida D. Donald, Lion in the White House: A Life of Theodore Roosevelt. Nova York, Basic Books, 2007, p. 10. [81] Karl Marx, Capital: A Critique of Political Economy. Chicago, Charles H. Kerr & Co., 1909, v. III, p. 310-11. [82] Karl Marx, "Wage Labour and Capital", seção V. In: Karl Marx e Frederick Engels, Selected Works. Moscou, Foreign Languages Publishing House, 1955, v. I, p. 99. Ver também Karl Marx, Capital, v. III, p. 310-11. [83] Karl Marx, Theories of Surplus Value: Selections. Nova York, International Publishers, 1952, p. 380. [84] Karl Marx e Frederick Engels, Selected Correspondence 1846-1895. Trad. Dona Torr. Nova York, International Publishers, 1942, p. 476. [85] Ibidem, p. 159. [86] John Dewey, Liberalism and Social Action, p. 73. "A não ser que a liberdade da ação individual tenha inteligência e uma convicção informada que a ampare, sua manifestação resultará, quase que certamente, em confusão e desordem." John Dewey, Intelligence in the Modern World: John Dewey's Philosophy. Ed. Joseph Ratner. Nova York, Modern Library, 1939, p. 404. [87] John Dewey, Human Natureand Conduct: An Introduction to Social Psychology. Nova York, Modem Library, 1957, p. 277. [88] John Dewey, Liberalism and Social Action, p. 56. [89] Ibidem, p. 50. [90] Ibidem, p. 65. [91] Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1980, p. 147. [92] Ver, por exemplo, Adam Smith, An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Nova York, Modern Library, 1937, p. 98, 128, 249-50, 460, 537. Quando lecionava, prometi dar um dez para o aluno que pudesse encontrar uma única caracterização positiva de homens de negócios no livro de novecentas páginas de Adam Smith. Ninguém conseguiu. [93] Ibidem, p. 423.

[94] Meus rascunhos sobre esses argumentos podem ser encontrados nos capítulos 2 e 4 do meu Basic Economics: A Common Sense Guide to the Economy, 3. ed. Nova York, Basic Books, 2007. Relatos mais técnicos e mais elaborados podem ser encontrados em textos mais avançados. [95] Herbert Croly, The Promise of American Life. Bosron, Northeastern University Press, 1989, p. 44-45. [96] Ver, por exemplo, Nikolai Shmelev e Vladimir Popov, The Turning Point: Revitalizing the Soviet Economy. Nova York, Doubleday, 1989, p. 141 e 170; Midge Decter, An Old Wife's Take: My Seven Decades in Love and War. Nova York, Regan Books, 2001, p. 169. [97] Frederick Engels, "Introduction to the First German Edition". In: Karl Marx, The Poverty of Philosophy. Nova York, International Publishers, 1963, p. 19. [98]  Karl Marx, Capital: A Critique of Political Economy. Chicago, Charles H. Kerr and Co., 1919, v. 1, p. 15. [99] Ver, por exemplo, o capítulo 3 do meu Basic Economics, 3. ed., Nova York, Basic Books, 2007. [100] Harold J. Laski, "Letter to Oliver Wendell Holmes, 13/09/1916". In: HolmesLaski Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes and Harold J. Laski 1916-1935. Ed. Mark DeWolfe Howe. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1953, v. 1, p. 20. [101] Holman W. Jenkins, Jr., "Business World: Shall We Eat Our Young?". Wall Street Journal, 19/01/2005, p. A 13. [102] Lester C. Thurow, The Zero-Sum Society: Distribution and the Possibilities for Economic Change. Nova York, Basic Books, 2001, p. 203. [103] Beniamino Moro, "The Economists 'Manifesto' On Unemployment in the EU Seven Years Later: Which Suggestions Still Hold?". Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, jun.-set. 2005, p. 49-66; The Economic Report of the President, p. 326-27. [104] Theodore Caplow, Louis Hicks and Ben J. Wattenberg, The First Measured Century: An Illustrated Guide to Trends in America, 1900-2000. Washington, AEI Press, 2001, p. 47. [105] Lester C. Thurow, The Zero-Sum Society, p. 203. [106] "The Turning Point". The Economist, 22/09/2007, p. 35. [107] John Dewey, Liberalism and Social Action, p. 53. Ver também p. 88. [108] Ibidem, p. 89. [109] 64 Ibidem, p. 44. [110] Ibidem, p. 78. [111] Edward Bellamy, Looking Backward: 2000-1887. Nova York, Modern Library, 1917, p. 43.

[112] V. I. Lenin, The State and Revolution. Moscou, Progress Publishers, 1969, p. 92. [113] Idem, "The Role and Functions of the Trade Unions Under the New Economic Policy". In: Selected Works. Moscou, Foreign Languages Publishing House, 1952, v. 2, parte 2, p. 618. [114] Idem, "Ninth Congress of the Russian Communist Party (Bolsheviks)". Ibidem, p. 333. [115] Edmund Morris, Theodore Rex. Nova York, Modern Library, 2002, p. 360. [116] Ibidem, p. 10-11. [117] Loc. cit. [118] John Maynard Keynes, The General Theory of Employment Interest and Money. Nova York, Harcourt, Brace and Company, 1936, p. 19. [119] Woodrow Wilson, Woodrow Wilson: Essential Writings and Speeches of the Scholar-President. Ed. Mario R. DiNunzio. Nova York, New York University Press, 2006, p. 342. [120] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher: John Dewey and the Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p. 31. [121] John Kenneth Galbraith, American Capitalism: The Countervailing Power. Boston, Houghton Mifflin Co., 1956, p. 113. [122] Ibidem, p. 114-15.

Concept

of

[123] Ibidem, p. 136. [124] Ibidem, p. 137. [125] Ibidem, p. 44. [126] Ibidem, p. 26. [127] Jim Powell, Bully Boy: The Truth About Theodore Roosevelt's Legacy. Nova York, Crown Forum, 2006, p. 82, 89-90. [128] Theodore Roosevelt, The Rough Riders: An Autobiography. Nova York, The Library of America, 2004, p. 692. [129] Ibidem, p. 685. [130] Ibidem, p. 691. [131] Jim Powell, Bully Boy, p. 112. [132] Ibidem, p. 111. [133] Ibidem, p. 109-10. [134] Edmund Morris, Theodore Rex, p. 427. [135] Jim Powell, Bully Boy, p. 135. [136] "Spare a Dime? A Special Report on the Rich". The Economist, 04/04/2009, p. 4 da reportagem especial.

[137] Richard Vedder e Lowell Gallaway, Out of Work: Unemployment and Government in Twentieth-Century America. Nova York, Holmes & Meier, 1993, p. 77. [138] Milton Friedman e Anna Jacobson Schwartz, A Monetary History of the United States: 1867-1960. Princeton, Princeton University Press, 1963, p. 407; John Kenneth Galbraith, The Great Crash, 1929. Boston, Houghton Mifflin, 1961, p. 32. [139] Richard Vedder e Lowell Gallaway, Out of Work, p. 77. [140] Loc. cit. [141] Para detalhes, ver FDR's Folly, de Jim Powell, que também menciona alguma tolice de Hoover. [142] Jim Powell, FDR's Folly: How Roosevelt and His New Deal Prolonged the Great Depression. Nova York, Crown Forum, 2003, p. 92. [143] "Reagan Fantasies, Budget Realities". New York Times, 05/11/1987, p. A34 [144] Mary McGrory, "Fiddling While Wall St. Burns". Washington Post, 29/10/1987, p. A2. [145] “What the US Can Do". Financial Times (Londres), 28/10/1987, p. 24. [146] Roger C. "If Reagan Were F.D.R". New York Times, 20/11/1987, p. A39. [147] "The Turning Point". The Economist, 22/09/2007, p. 35. [148]Jim Powell, FDR 's Folly, p. xv-xvi. [149] Walter Lippmann, Public Opinion. Nova York, The Free Press, 1965, p. 80. [150] Paul Johnson, Enemies of Society. Nova York, Atheneum, 1977, p. 145. [151] Joseph A. Schumpeter, History• of Economic Analysis. Nova York, Oxford University Press, 1954, p. 41. [152] John Stuart Mill, "Utilitarianism". In: Collected Works of John Stuart Mill. Toronto, University of Toronto Press, 1969, v. X, p. 215. [153] Idem, "De Tocqueville on Democracy in America [I]". In: Ibidem. Toronto, University of Toronto Press, 1977, v. XVIII, p. 86; idem, "Civilization". In: Ibidem, p. 121, 139; idem, "On Liberty". In: Ibidem, p. 222 [154] Jean-Jacques Rousseau, The Social Contract. Trad. Maurice Cranston. Nova York, Penguin Books, 1968, p. 49. [155] Donald Kagan, On the Origins of War and the Preservation of Peace. Nova York, Doubleday, 1995, p. 414. [156] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes and Harold. Laski 1916-1935. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1953, v. l, p. 12. [157]  Ver meu livro A Conflict of Visions. 2. ed. Nova York, Basic Books, 2007. [158] Ibidem, p. 9-17, 166-67, 198-99. [159] Ibidem, p. 147-53.

[160] Ver, por exemplo, William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice and Its Influence on Morais and Happiness. Toronto, University of Toronto Press, 1946, v. 2, cap. XVI; John Dewey, Human Nature and Conduct: An Introduction to Social Psychology. Nova York, Modem Library, 1957, p. 114- 15; Bernard Shaw, The Intelligent Woman's Guide to Socialism and Capitalism. Nova York, Bretano's Publishers, 1928, p. 158-60. [161] Donald Kagan, On the Origins o f War and the Preservation of Peace, p. 212. [162] Will e Ariel Durant, The Lessons of History. Nova York, Simon and Schuster, 1968, p. 81. [163] Alexander Hamilton et al., The Federalist Papers. Nova York, New American Library, 1961, p. 87. [164] Ibidem, p. 46. [165] Richard A. Epstein, Overdose: How Excessive Government Regulation Stifles Pharmaceutical lnnovation. New Haven, Yale University Press, 2006, p. 15. [166] Ian Ayres, Super Crunchers: Why Thinking-by-Numbers is the New Way to Be Smart. Nova York, Bantam Books, 2007, p. 3. [167] Ibidem, p. 1-9. Ver também Mark Strauss, "The Grapes of Math". Discover, jan. 1991, p. 50-51; Jay Palmer, "Grape Expectations". Barron 's, 30/12/1996, p. 17-19. [168] Ian Ayres, Super Crunchers, p. 82-83. [169] Tom Wicker, "Freedom for What?". New York Times, 05/01/1990, p. A3 1. [170]  Richard A. Epstein, Overdose, p. 15. [171] Joseph Epstein, "True Virtue". New York Times Magazine, 24/11/1985, p. 95. [172] Thomas Robert Malthus, Population: The First Essay. Ann Arbor, University of Michigan Press, 1959, p. 3. [173] William Godwin, Of Population. Londres, Longman, Hurst, Rees, Orme and Brown, 1820, p. 520, 550 e 554. [174] Edmund Burke, The Correspondence of Edmund Burke. Ed. R. B. McDowell. Chicago, University of Chicago Press, 1969, v. VIII, p. 138. [175] F. A. Hayek, The Road to Serfdom. Chicago, University of Chicago Press, 1944, p. 55 e 185. [176] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963: Collected Speeches in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House, 1980, p. 866. [177] Ver meu A Conflict of Visions, 2. ed., p. 58-60, 256-60. [178] Andrew Hacker, Two Nations: Black and White, Separate, Hostile, Unequal. Nova York, Charles Scribner's Son, 1992, p. 52.

[179] Arthur C. Brooks, Who Really Cares: The Surprising Truth About Compassionate Conservatism. Nova York, Basic Books, 2006, p. 21-22, 24. [180] Bertrand Russell, Which Way to Peace?. Londres, Michael Joseph, Ltd., 1937, p. 179. [181] John Dewey, "Outlawing Peace by Discussing War". New Republic, 16/05/1928, p. 370. [182] Loc. cit. [183] John Dewey, "If War Were Outlawed". New Republic, 25/04/1923, p. 234 [184] Ibidem, p. 235 [185] J. B. Priestley, "The Public and the Idea of Peace". In: Challenge to Death. Ed. Storm Jameson. Nova York, E. P. Dutton & Co., Inc., 1935, p. 313. [186] Ibidem, p. 309. [187] Ver, por exemplo, William Godwin. Enquiry Concerning Political Justice, v. 1, p. 456-57. [188] T. S. Eliot, "The Cocktail Party". In: The Complete Poems and Plays. Nova York, Harcourt, Brace and Company, 1952, p. 348. [189] Alfred Lief (ed.), Representative Opinions of Mr. Justice Holmes. Westport (CT), Greenwood Press, 1971, p. 160, 282. [190] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters, v. 2, p. 888. [191] Ibidem, p. 822-23. A afirmação original de Holmes de que "a lei comum não se manifesta como solene onipresença a pairar no céu" foi retirada do caso Southern Pacific Co. vs. Jensen, julgado na Suprema Corte. Ele também usou a frase em uma carta ao jurista britânico Sir Frederick Pollock. Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Pollock Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes and Sir Frederick Pollock 1874-1932. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1942, v. 2, p. 215. [192] Alfred Lief (ed.), The Dissenting Opinions of Mr. Justice Holmes. Nova York, The Vanguard Press, 1929, p. 33. [193] Jonah Goldberg, Liberal Fascism: The Secret History of the American Left from Mussolini to the Politics of Meaning. Nova York, Doubleday, 2008, p. 17, 2526. [194] Ver, por exemplo, G. Kinne, "Nazi Stratagems and Their Effects on Germans in Australia up to 1945". Royal Australian Historical Society. V. 66, parte 1 (jun. 1980), p. 1-19; Jean Roche, La Colonisation Allemande et Le Rio Grande do Sul. Paris, Institue des Hautes Études de L' Amérique Latine, 1959, p. 54 1-43. [195] Valdis O. Lumans, Himmler's Auxiliaries. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1993, p. 77-87. [196] Hélene Carrere d'Encausse, Decline of an Empire: The Soviet Socialist Republics in Revolt. Nova York, Newsweek Books, 1980, p. 146, 150-51.

[197] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 45-46, 410-13. [198] Ibidem, p. 324-25, 344-57. [199] Ver, por exemplo, o capítulo III de meu livro Inside America Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. Nova York, The Free Press, 1993. [200] Lewis A. Coser, Men of Ideas: A Sociologist's View. Nova York, The Free Press, 1970, p. 141. [201] "O estadista que tentasse direcionar a vida econômica das pessoas privadas, na maneira como devem empregar seus capitais, não apenas traria para si uma responsabilidade desnecessária, mas assumiria uma autoridade que não poderia ser facilmente confiada, não apenas a um indivíduo qualquer, mas também a um Conselho ou Senado de qualquer tipo, e isso seria mais perigoso do que nunca nas mãos de alguém que tivesse tornado de loucura e de presunção suficientes para pensar que pudesse exercer tal poder." Adam Smith, Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Nova York, Modern Library, 1937, p. 423. [202] Oliver Wendell Holmes Jr., The Common Law. Boston, Little, Brown and Company, 1923, p. 1. [203] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 52. [204] Jean-Jacques Rousseau, The Social Contract. Trad. Maurice Cranston, p. 89. [205] William Godwin, Enquiry Concerning Polítical Justice, v. 1, p. 446; AntoineNicolas de Condorcet, Sketch for a Historical Picture o f the Progress o f the Human Mind. Trad. June Barraclough. Londres, Weindenfeld and Nicolson, 1955, p. 114. [206] Karl Marx e Frederick Engels, Selected Correspondence 1846-1895. Trad. Dona Torr. Nova York, International Publishers, 1942, p. 190. [207] Bernard Shaw, The Intelligent Woman 's Cuide to Socialism and Capitalism, p. 456. [208] Edmund Wilson, Letters on Literature and Politics 1912-1972. Ed. Elena Wilson. Nova York, Farrar, Straus and Giroux, 1977, p. 36. Nem foi devido ao racismo dos brancos do sul, pois Wilson fez referência ao quanto Chattanooga lhe desagradava por causa "dos seus pretos e dos moinhos" (Ibidem, p. 217, 220). Anos mais tarde, ao ver a pobreza da Itália no final da Segunda Guerra Mundial, Wilson disse: "Essa não é a forma como os brancos deveriam viver" (lbidem, p. 423 ). [209] Citado em Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 38. [210] As batalhas de rua entre nazistas e comunistas na Alemanha da década de 1920 foram conflitos sangrentos entre facções que competiam pelo apoio do mesmo eleitorado, da mesma forma que os comunistas mataram os socialistas durante a Guerra Civil Espanhola e Stalin expurgou os trotskistas da União Soviética. [211] Lincoln Steffens, "Stop, Look, Listen!". The Survey, 01/03/1927, p. 735-37, 754-55.

[212] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 28-29. [213] Ibidem, p. 21. Um ano mais tarde, depois da ascensão de Hitler ao poder, Wells o caracterizava como "bronco desajeitado" com "seus símbolos idiotas" e "suas crueldades imbecis". H. G. Wells rotulava os nazistas de "broncos". New York Times, 22/09/1933, p. 13. Em 1939 ele atacava tanto Mussolini quanto Hitler, embora ele isentasse a União Soviética de suas recriminações. Ver "Wells Sees U.S. Hope for Mankind". New York Times, 04/08/1939, p. 3 [214] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 100-01, 103-04. [215] Ibidem, p. 26-27. [216] Ibidem, p. 103. [217] Ibidem, p. 10. [218] Daniel J. Flynn, Intellectual Morons: How ldeology Makes Smart People Fall for Stupid ldeas. Nova York, Crown Forum, 2004, p. 173. [219] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 140 [220] Ibidem, p. 122-23, 146-48. [221] John Dewey, Liberalism and Social Action. Amherst (NY), Prometheus Books, 2000, p. 13. [222] Edmund Burke, "A Letter to the Right Hon. Henry Dundas, One of His Majesty's Principal Secretaries of State with the Skerch of a Negro Code". In: Edrnund Burke, The Works of the Right Honorable Edmund Burke. 3. ed. Boston, Little, Brown and Company, 1869, v. 6, p. 256-89. [223] Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments. Indianapolis, Liberty Classics, 1976, p. 337. [224] John Dewey, Liberalism and Social Action, p. 66. [225] John Larkin, "Newspaper Nirvana?". Wall Street journal, 05/05/2006, p. Bl; Tim Harford, The Undercover Economist. Nova York, Oxford University Press, 2005, p. 3. [226] Raymond Aron, The Opium of the Intellectuals. London, Secker & Warburg, 1957, p. 227. [227] Ver, por exemplo, Abigail e Stephan Thernstrom, No Excuses: Closing the Racial Gap in Learning. Nova York, Simon & Schuster, 2003, p. 43- 50; Thomas Sowell, "Patterns of Black Excellence". The Public Interest, primavera de 1976, p. 26-58. [228] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice, v. 1, p. 107. [229] Ibidem, p. 47. [230] William Godwin, The Enquirer: Reflections on Education, Manners, and Literature. Londres, G. G. and J. Robinson, 1797, p. 70. [231] Ibidem, p. 67. [232] Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments, p. 529.

[233] Edmund Burke, Speeches and Letters on American Affairs. Nova York, E.P. Dutton & Co., Inc., 1961, p. 203. [234] Woodrow Wilson, "What is Progress?". In: American Progressivism: A Reader. Ed. Ronald J. Pestritto e William J. Atto. Lanham (MD), Lexington Books, 2008, p. 48. [235] Sob a alegação de que apenas aqueles que detêm poder podem ser caracterizados como racistas - uma condição que impede qualquer definição a priori e uma que implicaria que os nazistas não eram racistas durante a década de 1920, antes de chegarem ao poder. [236] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters, v. 2, p. 974. [237] Elizabeth Wiskemann, Czechs & Germans: A Study of the Struggle in the Historie Provinces of Bohemia and Moravia. Londres, Oxford University Press, 1938, p. 142, 148. [238] Thomas Sowell, The Housing Boom and Bust. Nova York, Basic Books, 2009, p. 97-102. [239] Malcolm Gladwell, Outliers: The Story of Success. Boston, Little, Brown and Co., 2008, p. 112. [240] Padma Ramkrishna Velaskar, Inequality in Higher Education: A Study of Scheduled Caste Students in Medical Colleges of Bombay. Bombaim, Tata Institute of Social Sciences, 1986. (Dissertação de doutorado) [241] Jean-François Revel, The Flight from Truth: The Reign of Deceit in the Age of Information. Trad. Curtis Cate. Nova York, Random House, 1991, p. 34. [242] J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis. Nova York, Oxford University Press, 1954, p. 43n. [243] Daniel J. Flynn, A Conservative History of the American Left. Nova York, Crown Forum, 2008, p. 214. [244] Jean-François Revel, op. cit., p. 259. [245] Carmen DeNavas-Walt et ai., "Income, Poverty, and Health Insurance Coverage in the United States: 2006". In: Current Population Reports, P60-233. Washington, U.S. Bureau o f the Census, 2007, p. 5; Glenn B. Canner et al., "Home Mortgage Disclosure Act: Expanded Data on Residential Lending". Federal Reserve Bulletin, nov. 1991, p. 870; Glenn B. Canner e Dolores S. Smith, "Expanded HMDA Data on Residential Lending: One Year Later". Federal Reserve Bulletin, nov. 1992, p. 808; Rochelle Sharpe, "Unequal Opportunity: Losing Ground on the Employment Front". Wall Street Journal, set. 14, 1993, p. A1 ss. [246] Um pequeno, embora revelador, sinal do grande envolvimento de muitos na visão predominante é a reação adversa entre muitos na intelligentsia aos norte-americanos asiáticos serem chamados de "minoria modelo". Considerando-se todos os rótulos atribuídos às minorias em vários locais e épocas, a reação violenta provocada por esse rótulo em particular sugere que muito mais coisas estão em jogo do que uma frase positiva.

[247] Bernard Goldberg, Rias: A CBS Insider Exposes How the Media Distort the News. Washington, Regnery Publishing Inc., 2002, p. 63. [248] Brian C. Anderson, South Park Conservatives: The Revolt Against Liberal Media Bias. Washington, Regnery Publishing Inc., 2005, p. 14. Um estudo anterior descobrira que mais da metade dos altos executivos retratados nos dramas de televisão "pratica ilegalidades, as quais variam de fraudes a assassinatos". Paul Hollander, Anti-Americanism: Critiques at Home and Abroad 1965- 1 990. Nova York, Oxford University Press, 1992, p. 231. [249] Bernard Goldberg, Rias, p. 81. [250] Daniel Golden, "Aiming for Diversity, Textbooks Overshoot". Wall Street Journal, 19/08/2006, p. Al ss. [251] Walter Duranty, "All Russia Suffers Shortage of Food; Supplies Dwindling". New York Times, 25/11/1932, p. 1. [252] S. J. Taylor, Stalin's Apologist: Walter Duranty, The New York Times's Man In Moscow. Nova York, Oxford University Press, 1990, p. 182. [253] Ibidem, p. 205. [254] Gregory Wolfe, Malcolm Muggeridge: A Biography. Grand Rapids, Williarn B. Eerdrnans Publishing Co., 1997, p. 119. [255] Robert Conquest, The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine. Nova York, Oxford University Press, 1986, p. 303. [256] Ver, por exemplo, Michael Ellman, "A Note on the Number of 1933 Famine Victims". Soviet Studies, v. 43, n. 2, 1991, p. 379; R. W. Davies e Stephen G. Wheatcroft, The Years of Hunger: Soviet Agriculture, 1931-1933. Nova York, Palgrave Macmillan, 2004, p. 415; Steve Smith, "Comment on Kershaw". Contemporary European History, fev. 2005, p. 130; James E. Mace, "The Politics of Famine: American Government and Press Response to the Ukrainian Famine, 1932-1933". Holocaust and Genocide Studies, v. 3, n. 1, 1988, p. 77; Hiroaki Kuromiya, Stalin. Harlow, England, Pearson Education Limited, 2005, p. 103-04. Até mesmo as publicações soviéticas divulgaram relatórios sobre a situação no país como um todo, constatando que "o número de vítimas que pereceram de fome e por causa do terror durante a década de 1930 e durante a guerra, de acordo com demógrafos soviéticos que não estavam mais sob censura, excedia em muito as avaliações mais severas da historiografia anticomunista". JeanFrançois Revel, op. cit., p. 208. [257] S. J. Taylor, Stalin 's Apologist, p. 206. [258] James E. Mace, "The Politics of Famine: American Government and Press Response to the Ukrainian Famine, 1932-1933". Holocaust and Genocide Studies, v. 3, n. 1, 1988, p. 82. [259] Ronald Dworkin, "Affirming Affirmative Action". New York Review of Books, 22/10/1998, p. 91 ss; Alan Wolfe, "Affirmative Action: The Fact Gap". New York Times, 25/10/1998, seção Book Review, p. 15; Richard Flacks, "Getting to Yes; The Shape of the River". Los Angeles Times, 04/07/1999, seção Book Review, p.

7; Ellis Cose, "Cutting Through Race Rhetoric". Newsweek, 28/09/1998, p. 75; David Karen, "Go to the Head of the Class". The Nation, 16/11/1998, p. 46 ss. [260] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, "Reflections on the Shape of the River". UCLA Law Review, v. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.589. [261] Gail Heriot, "Affirmative Action Backfires". Wall Street Journal, 24/08/2007, p. A15; "Race Data for Bar Admissions Research Stays Under Wraps". California Bar Journal, dez. 2007, p. 1 ss. [262] Peter Hitchens, A Brief History o f Crime: The Decline of Order, Justice and Liberty in England. Londres, Atlantic Books, 2003, p. 168. [263] Gary Mauser, "Some International Evidence on Gun Bans and Murder Rates". Fraser Forum, out. 2007, p. 24. [264] Jeffrey A. Miron, "Violence, Guns and Drugs: A Cross-Country Analysis". Journal of Law and Economics, v. 44, n. 2, parte 2, out. 2001, p. 616. [265] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence: The English Experience. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 2002, p. 225. [266] James Q. Wilson, "Criminal Justice". Understanding America: The Anatomy of an Exceptional Nation. Eds. Peter H. Schuck e james Q. Wilson. Nova York, Public Affairs, 2008, p. 479. [267] James B. Jacobs, Can Gun Control Work?. Nova York, Oxford University Press, 2022, p. 13. [268] William McGowan, Coloring the News: How Crusading for Diversity Has Corrupted American Journalism. San Francisco, Encounter Books, 2001, p. 99100 [269] Por exemplo, num relatório do Family Research lnstitute, em junho de 2005, intitulado "Homosexual Child Molestation: Part 2", e um outro relatório da mesma organização intitulado "Domestic Violence Higher Among Homosexuals?", de agosto de 2008. [270] William McGowan, Coloring the News, p. 105. [271] Ibidem, p. 235-36. [272] jennifer Harper, "To Be 'Illegal' or Not to Be: Newsroom Question". Washington Times, 06/03/2009, p. Al. [273] William McGowan, Coloring the News, p. 89. [274] Ibidem, p. 90. [275] Loc. cit. [276] Ibidem, p. 90-94. [277] David Murray, Joel Schwartz e S. Robert Lichter, It Ain't Necessarily So: How Media Make and Unmake the Scientific Picture of Reality. Lanham, Maryland, Rowman & Littlefield, 200 1, p. 71. [278] "Media Eat Up Hunger Study". Media Watch, abr. 1991, p. 1. [279] Loc. cit.

[280] Robert E. Rector, "Hunger and Malnutrition Arnong American Children". Backgrounder, n. 843, 02/08/1 991, The Heritage Foundation, p. 2. [281] Jonah Goldberg, Liberal Fascism: The Secret History of the American Left from Mussolini to the Politics of Meaning. Nova York, Doubleday, 2008, p. 12728. [282] Ver, por exemplo, John Kenneth Galbraith, The Great Crash, 1929. Boston, Houghton Mifflin, 1961, p. 143-46; Arthur M. Schlesinger, Paths to the Present. Boston, Houghton Mifflin, 1964, p. 237. [283] Amity Shlaes, The Forgotten Man: A New History of the Great Depression. Nova York, HarperCollins, 2007, p. 148-49. [284] Paul Johnson, A History of the American People. Nova York, Harper Collins, 1997, p. 757. [285] Herbert Hoover, The Memoirs of Herbert Hoover: The Great Depression 1929-1941. Nova York, The MacMillan Company, 1952, p. 29. [286] Idem, The Memoirs of Herbert Hoover: The Cabinet and the Presidency 1920-1933. Nova York, The Macmillan Company, 1952, p. 99, 103-04. [287] Amity Shlaes, The Forgotten Man, p. 131. [288] Herbert Hoover, The Memoirs of Herbert Hoover: The Great Depression 1929-1941, p. 43-46 [289] Oswald Garrison Villard, "Pity Herbert Hoover". The Nation, 15/06/1932, p. 669.

[290] "Wanted - A Government", New Republic, 04/03/1931, p. 58. [291] [292] Edmund Wilson, The American Jitters: A Year of the Slump. Nova York, Charles Scribner's Sons, 1932, p. 296. [293] Roben S. Allen e Drew Pearson, Washington Merry-Go-Rottnd. Nova York, Horace Liveright, 1931, p. 55. [294] Harold Laski, "Persons and Personages: President Hoover". Living Age, jun. 1931, p. 367. [295] "lckes Says Hoover Let Needy 'Starve"'. New York Times, 07/04/1936, p. 5. [296] Robert S. McEivaine, The Great Depression: America, 1929-1941. Nova York, Times Books, 1993, p. 52. [297] Paul Krugman, "Fifty Herbert Hoovers". New York Times, 29/12/2008, p. A25. [298] Merle Miller, Pia in Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman. Nova York, Berkley Publishing Corp., 1974, p. 220. [299] David McCullough, Truman. Nova York, Simon & Schuster, 1992, p. 389-90. [300] Merle Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman. Nova York, Berkley Publishing Corp., 1974, p. 220. [301] "Adiai S. Stevenson". New York Times, 15/07/1965, p. 28. [302] Russell Jacoby, The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe. Nova York, Basic Books, 2000, p. 81. [303] Michael Beschloss, "How Weli-Read Should a President Be?", New York Times, 11/06/2000, seção 4, p. 17. [304] David McCullough, "Harry S. Truman: 1945-1953". Character Above Ali: Ten Presidents from FDR to George Bush. Ed. Robert A. Wilson. Nova York, Simon & Schuster, 1995, p. 58. [305] Robert H. Ferrell, Harry S. Truman: A Life. Columbia (Missouri), University of Missouri Press, 1994, p. 19. [306]  Nem era, certamente, um intelectual no sentido como foi aqui definido, mas o ponto é que os intelectuais viam Stevenson como um deles, ao passo que Truman não era, embora estivesse muito mais ligado ao universo intelectual propriamente dito. [307] Outros, da mesma forma, subestimaram a abrangência e a profundidade do conhecimento do presidente Truman. Numa conferência na Casa Branca em 1946, o general Dwight D. Eisenhower levantou uma questão para saber se o presidente compreendia a gravidade das implicações da política norteamericana em relação à questão dos Dardanelos. O subsecretário de Estado Dean Acheson, que estava presente naquele encontro, descreveu mais tarde como o presidente Truman "abriu uma gaveta, retirando um grande e bastante anotado mapa da região" e iniciou um extenso relato sobre a história daquela

região do mundo, de uma forma que Acheson qualificou como "um desempenho primoroso"- depois do qual Truman se virou para Eisenhower perguntando-lhe se o general estava satisfeito em saber que o presidente compreendia as implicações da política externa norte-americana naquela área. Mede Miller, Plain Speaking: An Oral Biography of Harry S. Truman. Nova York, Berkley Publishing Corporation, 1974, p. 243. [308] Glen Jeansonne, A Time of Paradox: America from the Cold War to the Third Millennium, 1945-Present. Lanham, Maryland, Rowman & Littlefield, 2007, p. 225. [309] Ron Suskind, A Hope in the Unseen: An American Odyssey from the Inner City to the Ivy League. Nova York, Broadway Books, 1998, p. 116. [310] Jeffrey Toobin, "The Burden o f Clarence Thomas". The New Yorker, 27/09/1993, p. 43. [311] Carl T. Rowan, "Thomas is Far from 'Home"'. Chicago Sun-Times, 04/07/1993, p. 41 [312] Mary McGrory, "Thomas Walks in Scalia's Shoes". Washington Post, 27/02/1992, p. A2. [313] Kevin Merida et al., "Enigmatic on the Bench, Influential in the Halls". Washington Post, 10/10/2004, p. Al ss. [314] Loc. cit. [315] Ken Foskett, Judging Thomas: The Life and Times of Clarence Thomas. Nova York, William Morrow, 2004, p. 274-76. [316] Kevin Merida e Michael A. Fletcher, Supreme Discomfort: The Divided Soul of Clarence Thomas. Nova York, Doubleday, 2007, p. 340. [317] David C. Lipscomb, "Thomas Inspires Boys School Grads". Washington Times, 30/05/2008, p. A 1. [318] Jan Crawford Greenburg, Supreme Conflict: The Inside Story o f the Struggle for Control of the United States Supreme Court. Nova York, Penguin Press, 2007, p. 117. [319] Edmund Wilson, Travels in Two Democracies. Nova York, Harcourt, Brace and Company, 1936, p. 321. [320] "After the Slaughter, What Hope?", The Economist, 09l03/2002, p. 45. [321] "Caste and the Durban Conference". The Hindu. Índia, 31/08/2001 (online). [322] "Reservation Policy Not lmplemented in Full". The Hindu, Índia, 18/11/2001 (on-line). [323] Tom O'Neill, "Untouchable". National Geographic, jun. 2003, p. 2-31. [324] Winston Churchill foi um dos que não se deixou levar pelas imagens embelezadas de uma Índia retratada pelos intelectuais ocidentais e indianos. "Esses brâmanes que tagarelam sobre os princípios do liberalismo ocidental, posando de filósofos esclarecidos e democratas, são os mesmos brâmanes que

negam os direitos básicos de existência para aproximadamente sessenta milhões de pessoas que são seus compatriotas, os quais eles chamam de "intocáveis", e que por meio de milhares de anos de opressão aprenderam a aceitar essa triste situação." Winston Churchill, Churchill Speaks 1867-1963: Collected Speeches in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House, 1980, p. 536. [325] Paul Hollander, Political Pilgrims: Travels of Western lntellectuals to the Soviet Union, China and Cuba 1928- 1 978. Nova York, Oxford University Press, 1981, p. 13. [326]  Richard Hofstadter, Anti-Intellectualism in American Life. Nova York, Vintage Books, 1963, p. 3 e 24. [327] Nicholas D. Kristof, "Obama and the War on Brains". New York Times, 09/11/2008, seção Week in Review, p. 10. [328] Jacques Barzun, The House of Intellect. Nova York, Perennial Classics, 2002, p. 2. [329] Clark Hoyt, "'Keeping Their Opinions to Themselves". New York Times, 19/10/2008, seção Week in Review, p. 12. [330] J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis, p. 43. [331] Jean-François Revel, The Flight from Truth. Trad. Curtis Cate, p. 241. [332] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 343. [333] Arnold P. Hinchliffe, Harold Pinter. Nova York, Twayne Publishers, Inc., 1967, p. 101. [334] Paul Johnson, Enemies of Society. Nova York, Atheneum, 1977, p. 230. [335] Will Rogers, A Will Rogers Treasury: Reflections and Observations. Ed. Bryan B. Sterling e Frances N. Sterling. Nova York, Crown Publishers, 1982, p. 88. [336] Jacques Barzun, The House of lntellect, p. 15. [337] Nikolai Shmelev e Vladimir Popov, The Turning Point: Revitalizing the Soviet Economy. Nova York, Doubleday, 1989, p. 170. [338] Eric Hoffe�� First Things, l.Ast Things. Nova York, Harper & Row, 1971, p. 117. [339] H. G. Wells, The Anatomy of Frustration: A Modern Synthesis. Nova York, The Macmillan Company, 1 936, p. 115. [340] Ibidem, p. 100. [341] George J. Stigler, Essays in the History of Economics. Chicago, University of Chicago Press, 1965, p. 20-22. [342] Tim Harford, The Undercover Economist. Nova York, Oxford University Press, 2005, p. 3. [343] Ver, por exemplo, Robert L. Schuettinger e Eamonn F. Butler, Forty Centuries of Wage and Price Contrais: How Not to Fight Inflation (Washington,

Heritage Foundation, 1979) ou o meu livro Basic Economics (Nova York, Basic Books, 2007). [344] Paul Johnson, lntellectuals. Nova York, Harper & Row, 1988, p. 319. [345]  Ibidem, p. 246. [346] Eric Hoffer, First Things, Last Things, p. 117. [347] Richard A. Epstein, How Progressives Rewrote the Constitution. Washington, Cato Institute, 2006, p. viii. [348] Oliver Wendell Holmes Jr., The Common Law. Boston, Little, Brown and Company, 1923, p. 1. [349] Lauren Hill Cemetery v. City and County of San Francisco, 216 U.S. 358 (1910), em 366. [350] Oliver Wendell Holmes, Collected Legal Papers. Nova York, Peter Smith, 1952, p. 194. [351] Antoine-Nicolas de Condorcet, Sketch for a Historical Picture of the Progress of the Human Mind. Trad. June Barraclough. Londres, Weidenfeld and Nicolson, 1955, p. 112. [352] Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1980, p. 147. [353] Ibidem, p. 145. [354] Ibidem, p. 239. [355] Theodore Roosevelt, The Rough Riders: An Autobiography. Nova York, The Library of America, 2004, p. 614. Ver também p. 721. [356] Edmund Morris, Theodore Rex. Nova York, The Modern Library, 2002, p. 165. [357] Woodrow Wilson, Constitutional Government in the United States. New Brunswick (NJ), Transaction Publishers, 2006, p. 158. [358] Ibidem, p. 167. [359] Ibidem, p. 169. [360] Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973). [361] Engel v. Vitale, 370 U.S. 421 (1962). [362]  Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436 (1966). [363] Brown z,: Board of Education of Topeka, Kansas, 347 U.S. 483 (1954). [364] Furman v. Georgia, 408 U.S. 238 (1972). [365] Lynch z,: Donnelly, 465 U.S. 668 (1984); Allegheny County v. American Civil Liberties Union, 492 U.S. 573 ( 1989); Rosenberger v. Rector and Visitors of University of Virginia, 515 U.S. 819 (1995); McCreary County, Kentucky v. American Civil Liberties Union, 545 U.S. 844 (2005); Van Order v. Perry, 545 U.S. 667 (2005).

[366] Baker v. Carr, 369 U.S. 186 (1962). [367] Herbert Croly, The Promise of American Life. Boston, Northeastern University Press, 1989, p. 35-36. [368] Ibidem, p. 200. [369] Roscoe Pound, "Mechanical Jurisprudence". Columbia Law Review, v. 8, dez. 1908, p. 615. [370]  Ibidem, p. 605, 609, 612. [371] Ibidem, p. 612, 614. [372] Roscoe Pound, "The Need of a Sociological Jurisprudence". The Green Bag, out. 1907, p. 61 1-12 [373] Roscoe Pound, "Mechanical Jurisprudence". Columbia Law Review, v. 8, dez. 1908 p. 614. [374] Roscoe Pound, "The Need of a Sociological Jurisprudence". The Green Bag, out. 1907, p. 614-15. [375] Ibidem, p. 61 2-13. [376] Roscoe Pound, "Mechanical Jurisprudence". Columbia Law Review, v. 8, dez. 1908, p. 605-06, 610, 612-13, 618, 620, 622 [377] Richard A. Epstein, How Progressives Rewrote the Constitution, p. 4-5, 39. [378] Louis D. Brandeis, "The Living Law". Illinois Law Review, fev. 1916, p. 46 1 [379] Ibidem, p. 462. [380] Ibidem, p. 464. [381] Loc. cit. [382] Loc. cit. [383] Ibidem, p. 471. [384] John Dewey, Liberalism and Social Action. Amherst (NY), Prometheus Books, 2000, p. 68. [385] Dred Scott v. Sandford, 60 U.S. 393 (1857), em 407 [386] Ibidem, em 562, 572-76. [387] Wickard v. Filburn, 317 U.S. 111 (1942), em 114. [388] Ibidem, em 118. [389] Ibidem, em 128. [390] United Steelworkers v. Weber, 443 U.S. 193 (1979), em 201, 202 [391] Ibidem, em 222. [392] Oliver Wendell Holmes, Collected Legal Papers, p. 307. [393] Adkins v. Children's Hospital, 261 U.S. 525 (1923), em 570. [394] Day-Brite Lighting, Inc. v. Missouri, 342 U.S. 421 (1952), em 423.

[395] Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965), em 484. [396] Michael Kinsley, "Viewpoint: Rightist Judicial Activism Rescinds a Popular Mandate". Wall Street Journal, 20/02/1986, p. 25. [397] Linda Greenhouse, "Justices Step in as Federalism's Referee". New York Times, 28/04/1995, p. A1 ss. [398] Ruth Colker e James J. Brudney, "Dissing Congress". Michigan Law Review, out. 2001, p. 100. [399] "Federalism and Guns in School". Washington Post, 28/04/1995, p. A26. [400] Joan Biskupic, "Top Court Ruling on Guns Slams Brakes on Congress". Chicago Sun-Times, 28/04/1995, p. 28. [401] Linda Greenhouse, "Farewell to the Old Order in the Court. New York Times, 02/07/1995, seção 4, p. 1 ss. [402] Cass R. Sunstein, "Tilting the Scales Rightward". New York Times, 26/04/2001, p. A23. [403] Cass R. Sunstein, "A Hand in the Matter". Legal Affairs, mar./abr. 2003, p. 26-30. [404] Jeffrey Rosen, "Hyperactive: How the Right Learned to Love Judicial Activism". New Republic, 31/01/2000, p. 20. [405] Adam Cohen, "What Chief Justice Roberts Forgot in His First Term: Judicial Modesty". New York Times, 09/07/2006, seção 4, p. 11. [406] "The Vote on Judge Sotomayor". New York Times, 03/08/2009, p. A18. [407] Cass R. Sunstein, "Tilting the Scales Rightward". New York Times, 26/04/2001, p. A23. [408] "Inside Politics", CNN Transcripts, 11/07/2005. [409] Ver, por exemplo, Anthony Lewis, "A Man Born to Act, Not to Muse". New York Times Magazine, 30/06/1968, p. 9 ss. [410] Jack N. Rakove, "Mr. Meese, Meet Mr. Madison". Atlantic Monthly, dez. 1986, p. 78. [411] Antonin Scalia, A Matter of Interpretation: Federal Courts and the Law. Princeton, Princeton University Press, 1997, p. 17, 45. [412] William Blackstone, Commentaries on the Laws of England. V. 1. Nova York, Oceana Publications, 1966, p. 59. [413] Oliver Wendell Holmes, Collected Legal Papers, p. 204. [414] Ibidem, p. 207. [415] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Pollock Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes and Sir Frederick Pollock 1874-1932. V. 1. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1942, p. 90. [416] Northern Securities Company v. United States, 193 U.S. 197 (1904), em 401

[417] Robert H. Bork, Tradition and Morality in Constitutional Law. Washington, American Enterprise Institute, 1984, p. 7. [418] Jack N. Rakove, "Mr. Meese, Meet Mr. Madison". Atlantic Monthly, dez. 1986, p. 81. [419] Ibidem, p. 81-82. [420] Ibidem, p. 84. [421] Ronald Dworkin, A Matter of Principle. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1985, p. 40, 43-44. [422] Ibidem, p. 42. [423] Jack N. Rakove, "Mr. Meese, Meet Mr. Madison". Atlantic Monthly, dez. 1986, p. 78. [424] Stephen Macedo, The New Right v. The Constitution. Washington, Cato institute, 1986, p. 10. [425] Ronald Dworkin, A Matter of Principle, p. 318. [426] Ibidem, p. 331. [427] "The High Court Loses Restraint". New York Times, 29/04/1995, seção 1, p. 22. [428] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes and Harold]. Laski 1916-1935. V. 1. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1953, p. 752. [429] Abrams v. United States, 250 U.S. 616 (1919), em 629. [430] Mark DeWolfe Howe (ed.), Holmes-Laski Letters, v. 1, p. 389 [431] Op. cit., v. 2, p. 913. [432] R. R. Palmer, Twelve Who Ruled: The Year of the Terror in the French Revolution. Princeton, Princeton University Press, 1989, p. 132-33. [433] Ver, por exemplo, Charles Murray, Human Accomplishment: The Pursuit of Excellence in the Arts and Sciences, 800 B.C. to 1950. Nova York, HarperCollins, 2003, p. 92, 99-101, 258, 279, 282, 301-04, 356; Malcolm Gladwell, Outliers: The Story of Success. Nova York, Little, Brown and Co., 2008, cap. 1; Thomas Sowell, The Vision o f the Anointed: Self.Congratulation as a Basis for Social Policy. Nova York, Basic Books, 1995, p. 35-37. [434] Linda Greenhouse, "The Year the Court Turned Right". New York Times, 07/07/1989, p. Al ss. [435] Linda Greenhouse, "Shift to Right Seen". New York Times, 13/06/1989, p.Al ss. [436] Tom Wicker, "Bush and the Blacks". New York Times, 16/04/1990, p. A19. [437] "A Red Herring in Black and White". New York Times, 23/07/1990, p. A14. [438] William T. Coleman Jr., "A False 'Quota' Call". Washington Post, 23/02/1990, p. A23.

[439] "A Gentler Civil Rights Approach". Boston Globe, 03/08/1991, p. 18. [440] "A Civil Right Setback". Boston Globe, 09/06/1989, p. 16. [441] Ronald Dworkin, Freedom's Law: The Moral Reading of the American Constitution. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1996, p. 157. [442] Tamar Jacoby, "A Question of Statistics". Newsweek, 19/06/1989, p. 58. [443] Reginak Alleyne, "Smoking Guns Are Hard to Find". Los Angeles Times, 12/06/1989, p. 5. [444] Howard Eglit, "The Age Discrimination in Employment Act, Title VII, and the Civil Rights Act of 1991: Three Acts and a Dog that Didn't Bark". Wayne Law Review, inverno 1993, p. 1.190. [445] Alan Freeman, "Antidiscrimination Law: The View From 1989", The Politics of Law: A Progressive Critique. Edição revisada. Ed. David Kairys. Nova York, Pantheon Books, 1990, p. 147. [446] Candace S. Kovacic-Fieischer, "Proving Discrimination After Price Waterhouse and Wards Cave: Semantics as Substance". American University Law Review, v. 39, 1989-1990, p. 662. [447] U.S. Equal Employment Opportunity Commission, Legislative History of Titles VII and XI of Civil Rights Act of 1964. Washington D.C., U.S. Government Printing Office, sem data, p. 3.005-07, 3.160, passim. [448] Ibidem, p. 3.015. [449] Edwin S. Mills, "The Attrition of Urban Real-Property Rights". The Independent Review, outono 2007, p. 209. [450] Laurence H. Tribe, Constitutional Choices. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1985, p. 187. [451] Loc. cit. [452] Essas frases remontam, no mínimo, à época de Theodore Roosevelt. Ver, por exemplo, Theodore Roosevelt, The Rough Riders: An Autobiography. Nova York, The Library of America, 2004, p. 720-21. [453] Will Oremus, "Bay Meadows Vote to Have Broad Repercussions". Inside Bay Area, 21/04/2008. [454] Leslie Fulbright, "S.F. Moves to Stem African American Exodus". San Francisco Chronicle, 09/04/2007, p. A1 ss; Bureau of the Census, 1990 Census of Population: General Population Characteristics California, 1990 CP- 1-6, seção 1 de 3, p. 27-28, 30-3 1; U.S. Census Bureau, Profiles of General Demographic Characteristics 2000: 2000 Census of Population and Housing, California, Table DP-1, p. 2, 20, 39, 42. [455] Ver, por exemplo, William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice and Its Influence on Morais and Happiness. Toronto, University of Toronto Press, 1946, v. 11, p. 462; John Dewey, Human Nature and Conduct: An lntroduction to Social Psychology. Nova York, Modern Library, 1957, p. 18; Edward Bellamy, Looking Backward: 2000-1887. Boston, Houghton Mifflin, 1926, p. 200-01.

[456] James Q. Wilson e Richard Herrnstein, Crime and Human Nature. Nova York, Simon and Schuster, 1985, p. 409. [457] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence: The English Experience. Carebridge (Mass.), Harvard University Press, 2002, p. 164-65. [458] James Q. Wilson e Richard J. Herrnstein, Crime and Human Nature, p. 423425: Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 166-68, 171-89; David Fraser, A Land Fit for Criminais: An lnsider's View of Crime, Punishment and Justice in England and Wales. Sussex, Book Guild Publishing, 2006, p. 352-56; Theodore Dalrymple, "Protect the Burglars of Bromsgrove!". City Journal, 20/10/2008. [459] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 184. [460] C. H. Rolph, "Guns and Violence". New Statesman, 15/01/1965, p. 71-72. [461] Idem, "Who Needs a Gun?". New Statesman, 16/01/1970, p. 70. [462] Peter Hitchens, A Brief History of Crime: The Decline of Order, Justice and Liberty in England. Londres, Atlantic Books, 2003, p. 151. [463] Ibidem, p. 166. [464] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 168. [465] Franklin E. Zimring, The Great American Crime Decline. Nova York, Oxford University Press, 2008, p. 6, 15. [466] Department o f Treasury, Bureau of Alcohol, Tobacco & Firearms, "Commerce in Firearms in the United States," fev. 2000, p. 6. [467] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 5, 204. [468] Ibidem, p. 184. [469] Chris Henwood, "Council Tells Gardener: Take Down Barbed Wire In Case lt Hurts Thieves Who Keep Burgling You". Birmingham Evening Mail, 11/10/2008, p. 9. [470] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, America in Black and White: One Nation, Indivisible. Nova York, Simon and Schuster., 1997, p. 162. [471] Joyce Lee Malcolm, Guns and Violence, p. 90-91. [472] Ver, por exemplo, Franklin E. Zimring, The Great American Crime Decline, p. 55. [473] Sidney E. Zion, "Attack on Court Heard by Warren". New York Times, 10/09/1965, p. 1 ss. [474] Tom Wicker, "In the Nation: Which Law and Whose Order?". New York Times, 03/08/1967, p. 46. [475] "The Unkindest Cut", The Economist, 03/01/2009, p. 42. [476] Ver, por exemplo, David Fraser, A Land Fit for Criminals, especialmente capítulos 3, 6, 7. [477] Ibidem, p. xviii.

[478] Fox Butterfield, "Crime Keeps on Falling, but Prisons Keep on Filling". New York Times, 28/09/1997, p. WK1. Antes disso, Fox Butterfield disse o seguinte: "Estranhamente, durante a década de 1960, enquanto a criminalidade aumentava, o número de americanos encarcerados, de fato, diminuía". Fox Butterfield, "U.S. Expands Its Lead in the Rate o f Imprisonment". New York Times, 11/02/1992, p. A16. Ou seja, em ambas as épocas, a relação inversa entre crime e detenção era tida como um mistério. [479] '"Prison Nation". New York Times, 10/03/2008, p. A16. [480] Tom Wicker, "The Punitive Society". New York Times, 12/01/1991, p. 25. [481] Dirk Johnson, "More Prisons Using lron Hand to Control Inmates". New York Times, 01/11/1990, p. A 18. [482] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 97; Peter Saunders e Nicole Billante, "Does Prison Work?". Policy, Austrália, v. 18, n. 4, verão 2002-2003, p. 3-8. [483] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 71-73. [484] "A Nation of Jailbirds". The Economist, 04/04/2009, p. 40. [485] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 72. [486] "A Nation of jailbirds". The Economist, 04/04/2009, p. 40. [487] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 109. [488] Daniel Seligman e Joyce E. Davis, "lnvesting in Prison". Fortune, 29/04/1996, p. 211. [489] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 38; "Criminal Statistics 2004". Home Office Statistical Bulletin, nov. 2005, tabela 1.2. [490] David Barrett, "Thousands of Criminais Spared Prison Go on to Offend Again". Daily Telegraph on-line, Londres, 20/12/2008. [491] David Fraser, A Land Fit for Criminals, p. 7-8, 277-78. [492]  Ibidem, p. 13-14. [493]  Ibidem, capítulos 6 e 7. [494] James Q. Wilson e Richard J. Herrnstein, Crime and Human Nature, p. 42834. [495] Jaxon Van Derbeken, "Homicides Plurmmet as Police Flood Tough Areas". San Francisco Chronicle, 06/07/2009, p. C1 ss. [496] 1 Eugen Weber, The Hollow Years: France in the 1930s. Nova York, W.W. Norton, 1994, p. 5. [497] Donald Kagan, On the Origins of War and Preservation of Peace. Nova York, Doubleday, 1995, p. 132-33. [498] Martin Gilbert, The First World War: A Complete History. Nova York, Henry Holt, 1994, p. 29, 34; Barbara W. Tuchman, The Guns of August. Nova York, Bonanza Books, 1982, p. 125, 127.

[499] Jonah Goldberg, Liberal Fascism: The Secret History of the American Left from Mussolini to the Politics of Meaning. Nova York, Doubleday, 2008, p. 83. [500] William E. Leuchtenburg, "Progressivism and lmperialism: The Progressive Movement and American Foreign Policy, 1898-1916". Mississippi Valley Historical Review, v. 39, n. 3, dez. 1952, p. 483-504; Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 106-11. [501] Herbert Croly, The Promise of American Life. Boston, Northeastern University Press, 1989, p. 25 9. [502] Ibidem, p. 256. [503] William E. Leuchtenburg, "Progressivism and lmperialism: The Progressive Movement and American Foreign Policy, 1898-1916". Mississippi Valley Historical Review, v. 39, n. 3, dez. 1952, p. 486-87, 497. [504] Herbert Croly, The Promise of American Life, p. 302-03. [505] Ibidem, p. 169. [506]  Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 107. [507] Jim Powell, Wilson's War: How Woodrow Wilson's Great Blunder Led to Hitler, Lenin, Stalin, and World War lI. Nova York, Crown Forum, 2005, p. 80-81. Ver também Arthur S. Link, Woodrow Wilson and the Progressive Era: 19101917. Nova York, Harper & Brothers, 1954, capítulos 4 e 5. [508] O grande economista Alfred Marshall via a tentativa da Grã-Bretanha em provocar a fome generalizada sobre a população alemã, durante a Primeira Guerra, como uma fonte duradoura de ressentimento e o caminho para uma guerra futura. Escrevendo, em 1915, a seu aluno mais famoso, John Maynard Keynes, Marshall disse: "Não viverei para ver a próxima guerra com a Alemanha, mas acho que você viverá para vê-la". Memorials of Alfred Marshall. Ed. A. C. Pigou. Nova York, Kelley & Millman, Inc., 1956, p. 482. [509] Woodrow Wilson, "Address to a Joint Session of Congress Calling for a Declaration of War". In: Woodrow Wilson: Essential Writings and Speeches of the Scholar-President. Ed. Mario R. DiNunzio. Nova York, New York University Press, 2006, p. 40 1. [510] Ibidem, p. 402. [511] Jim Powell, Wilson 's War, p. 136. [512] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 105. [513] Ibidem, p. 63. [514] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher: John Dewey and the Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p. 20. [515] Thomas J. Knock, To End All Wars: Woodrow Wilson and the Quest for a New World Order. Nova York, Oxford Press, 1992, p. 77-78. Os intelectuais não eram os únicos a idolatrar Woodrow Wilson. "Por toda a Europa havia praças, ruas, estações ferroviárias e parques que ostentavam o nome de Wilson."

Margaret MacMillan, Paris 1919: Six Months that Changed the World. Nova York, Random House, 2002, p. 15. [516] Citado em Daniel Patrick Moynihan, Pandaemonium: Ethnicity in International Politics. Oxford, Oxford University Press, 1993, p. 81-82. [517] Ibidem, p. 83. [518] Um membro da delegação britânica enviado à Conferência de Paris, que moldou o mundo pós-guerra, escreveu para sua mulher descrevendo os aliados vitoriosos -Wilson, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha David Lloyd George e o premier francês Georges Clemenceau - como "três homens ignorantes e irresponsáveis que cortavam a Ásia Menor em pedaços como se estivessem dividindo um bolo". Daniel Patrick Moynihan, Pandaemonium. Oxford, Oxford University Press, 1993, p. 102. [519] David C. Smith, H. G. Wells: Desperately Mortal. New Haven, Yale University Press, 1986, p. 221. [520] H. G. Wells, The War That Will End War. Nova York, Duffield & Company, 1914, p. 54. [521] Daniel Patrick Moynihan, Pandaemonium, p. 100. [522] Woodrow Wilson, "Address to a joint Session of Congress Calling for a Declaration of War". In: Woodrow Wilson. Ed. Mario R. DiNunzio, p. 402. [523] Daniel J. Flynn, A Conservative History of the American Left. Nova York, Crown Forum, 2008, p. 178. [524] Jonah Goldberg, Liberal Fascism, p. 108-11, passim [525]  Ibidem, p. 112-13. [526] John Dewey, Characters and Events: Popular Essays in Social and Political Philosophy. Ed. Joseph Ratner. Nova York, Henry Holt and Company, 1929, v. 2, p. 517. [527] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 11. [528] Alistair Horne, To Lose A Battle: France 1940. Nova York, Penguin Books, 1990, p. 49. [529] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 13-14. [530] Ibidem, p. 18, 24. [531] Derek W. Lawrence, "The Ideological Writings of Jean Giono (1937-1946)". The French Review, v. 45, n. 3, fev. 1972, p. 589. [532] Robert Shepherd, A Class Divided: Appeasement and the Road to Munich, 1938. Londres, Macmillan, 1988, p. 17. [533] Martin Ceadel, Semi-Detached Idealists: The British Peace Movement and International Relations, 1854-1 945. Oxford, Oxford University Press, 2000, p. 242. [534] Harold J. Laski, A Grammar of Politics. Londres, George Allen & Unwin, Ltd., 1925, p. 587.

[535] John Dewey, "Outlawing Peace by Discussing War". New Republic, 16/05/1928, p. 370; John Dewey, "lf War Were Outlawed". New Republic, 25/04/1923, p. 235. [536] Robert Shepherd, A Class Divided, p. 50. [537] Martin Ceadel, Semi-Detached Idealists, p. 359. [538] Martin Ceadel, Pacifism in Britain 1914-1945: The Defining of a Faith. Oxford, Claredon Press, 1980, p. 253. [539] Robert Skidelsky, John Maynard Keynes, vol. 3: Fighting for Britain 19371946. Nova York, Viking Penguin, 2001, p. 34. [540] Bertrand Russell, Which Way to Peace?. Londres, Michael Joseph, Ltd.,1937, p. 179. [541] H. G. Wells, The Anatomy of Frustration: A Modern Synthesis. Nova York, The Macmillan Co., 1936, p. 102. [542] Kingsley Martin, "Russia and Mr. Churchill". In: New Statesmanship: An Anthology. Ed. Edward Hyams. Londres, Longmans, 1963, p. 70. [543]  Kingsley Martin, "The Educational Role of the Press". The Educational Role of the Press. Ed. Henry de Jouvenel et al. Paris, International Institute of Intellectual Cooperation, 1934, p. 29-30. [544] Em 1937, quando Churchill - dois anos antes do início da Segunda Guerra Mundial - defendia a duplicação do tamanho da força aérea britânica, o líder do partido liberal declarou que isso representava um "frenesi assassino". Um ano depois, quando Churchill subiu novamente ao Parlamento para criticar o governo por não se rearmar, ele foi recebido da seguinte maneira: "Um silêncio constrangedor saudou Churchill assim que ele terminou. Então, os parlamentares, querendo se dedicar a assuntos mais agradáveis, recolheram seus papéis, levantaram-se e dirigiram-se ao saguão, apressando-se para o chá. Um membro disse ao seu convidado visitante, Virgínia Cowles: "Foi mais um dos costumeiros ataques de Churchill, ele gosta de balançar a espada e o faz muito bem, mas você tem que ver isso com certo sarcasmo". Isso aconteceu um anos antes de a Segunda Guerra Mundial estourar. James C. Humes, Churchill: Speaker of the Century. Nova York, Stein and Day, 1982, p. 175. [545] David James Fisher, Roma in Rolland and the Politics of Intellectual Engagement. Berkeley, University of California Press, 1988, p. 61-65. [546] "Ask League to Act to End Army Draft". New York Times, 29/08/1926, p. El. [547] O livro foi escrito por H. C. Engelbrecht e F. C. Hanighen. Ver Robert Skidelsky, John Maynard Keynes, v. 3: Fighting For Britain 1937-1943, p. 34. [548] Charles F. Howlett, The Troubled Philosopher, p. 134. [549] "Romain Rolland Calls for a Congress against War". New Republic, 06/07/1932, p. 210.

[550] H. G. Wells, The Work, Wealth and Happiness of Mankind. Garden City (NY), Doubleday, Doran & Co., Inc., 1931, v. 2, p. 669. [551] Harold Laski, "If I Were Dictator". The Nation, 06/01/1932, p. 15. [552] Aldous Huxley, Aldous Huxley's Hearst Essays. Ed. James Sexton. Nova York, Garland Publishing, Inc., 1994, p. 9-10. [553] J. B. Priestley, "The Public and the Idea of Peace". Challenge to Death. Ed. Storm Jameson. Nova York, E. P. Dutton & Co., Inc., 1935, p. 319. [554] E. M. Forster, "Notes on the Way". Time and Tide, 02/06/1934, p. 696; E. M. Forster, "Notes on the Way". Time and Tide, 23/11/1935, p. 1703. [555] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher, p. 55-56. [556] Donald Kagan, On the Origins of War and the Preservation of Peace, p. 314. [557] "Roma in Rolland Calls for a Congress against War". New Republic, 06/07/1932, p. 210. [558] Georges Duhamel, The French Position. Trad. Basil Collier. Londres, Dent, 1940, p. 107. [559] "A Speech by Anatole France". The Nation, 06/09/1919, p. 349 [560] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France: Education, Pacifism, and Patriotism, 1914-1940. Cambridge, Cambridge University Press, 2004, p. 127, 132. [561] Ibidem, p. 146. [562] Daniel J. Sherman, The Construction of Memory in lnterwar France. Chicago, University of Chicago Press, 1999, p. 300. [563] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 160. [564]  Ernest R. May, Strange Victory: Hitler's Conquest of France. Nova York, Hill and Wang, 2000, p. 283. [565] Mona L Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 217. [566] Malcolm Scott, Mauriac: The Po!itics of a Novelist. Edimburgo, Scottish Academic Press, 1980, p. 79 [567] Winston Churchill, Churchill Speaks 1987-1963: Collected Speeches in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House, 1980, p. 554. [568] Alistair Horne, To Lose a Battle, p. 189. [569] Ernest R. May, Strange Victory, p. 18-23. [570] Ver, por exemplo, B. H. Liddell Hart, History of the Second World War. Nova York, Paragon Books, 1979, p. 35-36; Ernest R. May, Strange Victory, p. 5-6, 278. [571] Ernest R. May, Strange Victory, p. 103-06. Ver também Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1, The Gathering Storm. Boston, Houghton

Mifflin Co., 1983, p. 168. [572] Ernest R. May, Strange Victory, p. 215, 220, 245, 252, 276-78, 287, 289, 439, 454-56. [573] Ibidem, p. 17 [574]  Ibidem, p. 17, 280. [575] William L. Shirer, Berlin Diary: The Journal of a Foreign Correspondent 1934-1941. Tess Press, 2004, p. 167, 189, 201, 219, 242, 260, 332-33, 345, 34749, 372. Hitler, astutamente, antecipou e encorajou a tranquilidade dos franceses. Shirer, em Berlim, escreveu em seu diário em 3 de setembro: "O Alto Comando passa a informação de que, no front ocidental, os alemães não vão abrir fogo contra os franceses" (Ibidem, p. 163). [576] Kingsley Martin, "War and the Next Generation". New Statesman and Nation, 11/04/1931, p. 240. [577] Bertrand Russell, Sceptical Essays. Nova York, W.W. Norton & Co., Inc., 1928, p. 184. [578] Martin Ceadel, Pacifism in Britain 1914-1945, p. 105. [579] Ibidem, p. 106, 131; André Gide, The André Gide Reader. Ed. David Littlejohn. Nova York, Alfred Knopf, 1971, p. 804-05. [580] Martin Ceadel, Pacifism in Britain 1914-1945, p. 137. [581]Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963. Ed. Robert Rhodes James, p. 645. Anteriormente, Churchill dissera o seguinte: "Muitas pessoas pensam que a melhor forma de evitar a guerra é falar sobre os seus horrores, imprimindo-os vividamente na mente das gerações mais novas. Aos jovens são mostradas horrendas fotografias e relatos das carnificinas. Fala-se sobre a inépcia dos generais e dos comandantes, denunciando o crime e a loucura insana dos atritos militares" (Ibidem, p. 586). [582] David C. Smith, H. G. Wells, p. 317, 321. [583] H. G. Wells, The Anatomy of Frustration, p. 98. [584]J. B. Priestley, "The Public and the Idea o f Peace". Challenge to Death. Ed. Storm Jameson, p. 316. [585] "Spreading the Spirit of Peace". The Times, Londres, 28/08/1936, p. 8. [586] Ernest R. May, Strange Victory, p. 103-06. [587] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice and Its Influence on Morais and Happiness. Toronto, University of Toronto Press, 1946, v. 2, p. 14445. [588] Bertrand Russell, Which Way to Peace?, p. 139. [589] Ibidem, p. 140, 144. [590] Ibidem, p. 144-45. [591] Raymond Leslie Buell, "Even in France They Differ on Armaments". New York Times, 21/02/1932, seção Book Review, p. 10 ss.

[592] Bertrand Russell, Which Way to Peace?, p. 99, 122. [593] Kingsley Martin, "Dictators and Democrats". New Statesman and Nation, 07/05/1938, p. 756. [594] Kingsley Martin, "The Inescapable Facts". New Statesman and Nation, 19/03/1938, p. 468. [595] Richard J. Golsan, French Writers and the Politics of Complicity: Crises of Democracy in the 1940s and 1990s. Baltimore, John Hopkins University Press, 2006, p. 83. [596] Simone Weil, Formative Writings 1929-1941. Editado e traduzido por Dorothy Tuck McFarland e Wilhelmina Van Ness. Amherst, University of Massachusetts Press, 1987, p. 266. [597] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 218-19. Os sindicatos dos professores encorajavam outros professores a participarem da resistência. Dentre outras coisas, isso indicava que não faltava patriotismo aos professores mesmo quando, por anos a fio, eles tentaram compor internacionalismo e patriotismo em sua fórmula educacional, produzindo o efeito de uma trombeta que emite um som controverso. [598] Paul Johnson, Modern Times: The World From the Twenties to the Nineties. Nova York, Perennial Classics, 2001, p. 348. [599] Robert Sheperd, A Class Divided, p. 41. [600] Harold Laski, "The People Wait for a Lead". Daily Herald, 04/01/1937, p. 10. [601] Talbot C. Imlay, Facing the Second World War: Strategy, Politics, and Economics in Britain and France 1938-1940. Nova York, Oxford University Press, 2003, p. 199, 303-04; Robert Shepherd, A Class Divided, p. 102-03; Robert Paul Shay Jr., British Rearmament in the Thirties: Politics and Profits. Princeton, Princeton University Press, 1977, p. 217-18; Tom Buchanan, Britain and the Spanish Civil War. Nova York, Cambridge University Press, 1997, p. 78-79. [602] "Trade Unionism and Democracy". New Statesman and Nation, 10/09/1938, p. 369. [603] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher, p. 77. [604] Oswald Garrison Villard, "Issues and Men: The President's Disarmament Opportunity". The Nation, 31/01/1934, p. 119. [605] William Manchester, American Caesar: Douglas MacArthur 1880-1 964. Boston, Little, Brown and Company, 1978, p. 154, 156; Matthew F. Holland, Eisenhower Between the Wars: The Making of a General and Statesman. Westport (CT), Praeger, 2001, p. 171-72. [606] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher, p. 55·56. [607] "The Way of Appeasement". The Times, Londres, 25/11/1937, p. 15 [608] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 241.

[609] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1993. Ed. Robert Rhodes James, p. 624, 627. [610] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1: The Gathering Storm, p. 216. [611] Ibidem, p. 216-17. [612]  Eugen Weber, The Hollow Years, p. 126. [613] Ernest R. May, Strange Victory, p. 138. [614] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 127. [615] Ibidem, p. 126. [616] Ibidem, p. 128. [617] lbidem, p. 102, 107-l08. [618] Ian Kershaw, Making Friends with Hitler: Lord Londonderry, the Nazis and the Road to World War lI. Nova York, Penguin Press, 2004, p. 28, 30-31 [619] H. J. Laski, "Hitler - Just a Figurehead". Daily Herald, 19/11/1932, p. 8. [620] Ian Kershaw, Making Friends with Hitler, p. 29-30. [621] John Evelyn Wrench, Geoffrey Dawson and Our Times. Londres, Hutchinson, 1955, p. 361. Em 1935, o correspondente norte-americano para assuntos internacionais William L. Shirer registrou em seu diário que um correspondente do jornal Times de Londres "queixou-se a mim, em particular, que o Times não imprime tudo que ele envia, o jornal não quer saber muita coisa - sobre o lado negro da Alemanha nazista e aparentemente foi capturado pelos simpatizantes nazistas de Londres". No livro de William Shirer, Berlin Diary, temos, na página 33, a manipulação das notícias, por Dawson, estendendo-se à cobertura jornalística da marcha das tropas alemãs aos Sudetos na Tchecoslováquia, em 1938, onde a população predominantemente alemã saudava as tropas, enquanto os tchecos fugiam do governo nazista. "Todos os dias havia fotografias mostrando as triunfantes tropas alemãs marchando pela região dos sudetos (...). Nas fotografias, o entusiasmo com que as tropas alemãs foram recebidas dava testemunho à aparente justiça do acordo de Munique. As fotografias dos refugiados também tinham chegado ao The Times, mas Dawson recusou publicá-las." Martin Gilbert e Richard Gott, The Appeasers. Boston, Houghton Mifflin Co., 1963, p. 191. [622] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1: The Gathering Storm, p. 73 [623] William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich: A History of Nazi Germany. Nova York, Simon and Schuster, 1960, p. 292-94. Ver também William L. Shirer, Berlin Diary, p. 44-45. [624] William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich, p. 293. [625] Loc. cit. A conclusão de que a retirada alemã poderia ter anunciado o fim do regime nazista foi, também, adotada por Winston Churchill. Ver Winston Churchill, The Second World War, v. 1: The Gathering Storm, p. 194. Embora um

historiador posterior tenha questionado essa conclusão (Ernest R. May, Strange Victory, p. 36-38), William L. Shirer destacou que, contrário ao professor May, as tropas alemãs estacionadas na Renânia receberam ordens de bater em rápida retirada para o outro lado do Reno caso as tropas francesas interviessem. A mera concentração de tropas francesas perto da fronteira alemã, a fim de reforçar a linha Maginot, motivou os mais graduados generais alemães a exortar Hitler para que ele retirasse suas tropas da Renânia, o que ele acabou recusando (William L. Shirer, The Rise and Fall of the Third Reich, p. 290-91, 293). [626] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1: The Gathering Storm, p. 196-97. [627] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 23; Ernest R. May, Strange Victory, p. 142-43. [628]  Ernest R. May, Strange Victory, p. 142-43. [629] Winston S. Churchill, The Second World War, v. 1 : The Gathering Storm, p. 197. [630] "Harold Macmillan mais tarde observou, sobre o período imediatamente posterior a Munique, que 'O mundo inteiro parecia unido em gratidão ao homem que havia evitado a guerra. Sem dúvida que o primeiro-ministro vivia num humor quase intoxicado de euforia. Questionar sua autoridade era considerado um ato de traição, negar sua inspiração era quase uma blasfêmia"' (Robert Shepherd, A Class Divided, p. 225. Ver também p. 1-5). [631] Eugen Weber, The Hollow Years, p. 175, 260. [632] Ibidem, p. 261. [633] Ernest R. May, Strange Victory, p. 7. [634] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963. Ed. Robert Rhodes James, p. 809. [635] "Contaram-me que Washington, em agosto, já quase desistira da GrãBretanha, tida como perdida, temendo que a marinha britânica caísse nas mãos de Hitler, colocando, dessa forma, a costa leste dos Estados Unidos em grande perigo" (William L. Shirer, Berlin Diary, p. 444-45). O próprio Winston Churchill avisara o presidente Franklin D. Roosevelt, em maio de 1940, que ele - Churchill - e seu governo seriam substituídos por outros que "negociariam entre as ruínas" com uma vitoriosa Alemanha. A frota naval britânica seria o "único elemento de barganha que sobraria" e que eles poderiam usar para tentar adquirir "os melhores termos possíveis para os habitantes sobreviventes" (Winston S. Churchill, The Second World War, v. 2: Their Finest Hour. Boston, Houghton Mifflin, 1949, p. 56-57). [636] "Durante o clímax do que ficou conhecido como a Batalha da Inglaterra, Churchill, numa tarde de domingo em setembro, dirigiu, com sua esposa, da residência de campo do primeiro-ministro em Chequers para Uxbridge, o centro nervoso subterrâneo da Força Aérea Real Britânica. Na parede havia mapas

eletrônicos revelando a disposição dos 25 esquadrões da força aérea. Assim que os sinais começaram a pontilhar o mapa indicando cada leva sucessiva de aviões alemães que, sobrevoando a França, arremessava-se sobre a GrãBretanha, o comando de caças percebeu que seus esquadrões, um por um, seriam massacrados. Em breve, as luzes vermelhas sinalizavam que todos os 25 esquadrões estavam no ar. Naquele momento, os caças britânicos voavam com o último resto de combustível e de munição que sobrara. 'Que outras reservas nós temos?', perguntou Churchill. 'Não há nenhuma', respondeu o marechal de ar. Um silêncio se abateu sobre a sala." (James C. Humes, Churchill, p. 191.) [637] Victor Da vis Hanson, Carnage and Culture: Landmark Battles in the Rise of Western Power. Nova York, Doubleday, 2001, cap. 9. [638] "Policy for a Nation Opposition". New Statesman and Nation, 22/10/1938, p. 596. [639] "Passing the Buck". New Statesman and Nation, 25/02/1939, p. 272. [640] Como exemplo do que isso significava, obsoletos aviões bombardeiros torpedeiros, durante a batalha de Midway, tinham uma velocidade máxima que mal chegava às 100 milhas por hora e os caças Zero dos japoneses, muito mais rápidos, abateram quase todos os velhos aviões norte-americanos. Dos 82 norte-americanos que voaram nesses aviões na batalha de Midway, apenas treze retornaram com vida. Victor Davis Hanson, Carnage and Culture: Landmark Battles in the Rise of Western Power. Nova York, Doubleday, 2001, p. 342-51 [641] A. Solzhenitsyn, "Nobel Lecture in Literature, 1970". In: Literature 19681980: Nobel Lectures Including Presentation Speeches and Laureates' Biographies. Ed. Tore Frangsmyr e Sture Allen. Cingapura, World Scientific, 1993, p. 42. [642] "Victory in Europe". Time, 14/05/1945, p. 17 [643] David Halberstam, The Fifties. Nova York, Random House, 1993, p. 46. [644] Victor Da vis Hanson, "If the Dead Could Talk". Hoover Digest, 2004, n. 4, p. 17-18. [645] Bertrand Russell, "The lnternational Bearings of Atomic Warfare". United Empire, v. XXXIX, n. 1, jan./fev. 1948, p. 21. Ver também Bertrand Russell, "lnternational Government". The New Commonwealth, jan. 1948, p. 80. [646] “Fight Before Russia Finds A tom Bomb". The Observer, Londres, 21/11/1948, p. 1. Depois que seus comentários foram noticiados em ambos os lados do Atlântico, Bertrand Russell, numa carta para o The Times, de Londres, disse o seguinte: "Eu não exortei, como foi noticiado, a deflagração de uma guerra imediata contra a Rússia. Na verdade, alertei as democracias para que se preparassem, caso necessário, para o uso da força militar e que a sua prontidão para tal deveria ficar clara à Rússia, pois se tornou óbvio que os comunistas,t assim como os nazistas, só podem ser freados em suas tentativas de dominar a

Europa e a Ásia ao se constituir uma resistência determinada e combinada, é capaz de utilizar todos os meios à nossa disposição, não se excluindo os meios militares, caso a Rússia continue a desrespeitar todos os compromissos" ("Lord Russell's Address". The Times, Londres, 30/11/1948, p. 5). [647] Joseph Alsop, "Matter of Fact". Washington Post and Times Herald, 19/02/1958, p. A15. [648] Paul Johnson, Intellectuals. Nova York, Haper & Row, 1988, p. 208-10 [649] Neville Chamberlain, In Search of Peace. Nova York, G.P. Putnam's Sons, 1939. Essas noções da década de 1930, as quais reapareceram a partir da década de 1960, fazem oposição à "insensata competição rearmamentista" (p. 45) e à futilidade da guerra (p. 140, 288), afirmando que os povos de todos os países são "seres humanos como nós" (p. 252) e, por isso, desejosos de paz (p. 192, 210), igualando moralmente ambos os lados nos conflitos internacionais (p. 19, 27), a importância de se considerar o ponto de vista do adversário (p. 53, 174), afirmando que vários tipos de problemas psicológicos como inimizades, medos, suspeitas e confusões criaram o perigo da guerra (p. 5, 14, 50, 52-53, 74, 97, 105-06, 112, 133,210,212, 252), de forma que um arrefecimento das tensões internacionais é crucial (158, 185), e que esses "contatos pessoais" entre os chefes de Estado são vitais (p. 34, 40, 120, 187, 209-10, 216, 230, 242, 251-52, 271). O que Chamberlain chamava de "contatos pessoais" entre os chefes de Estado seria renomeado de "reuniões de cúpula" no período posterior, mas o raciocínio e as conclusões permaneceram idênticos. [650] Steven F. Hayward, Greatness: Reagan, Churchill, and the Making of Extraordinary Leaders. Nova York, Crown Forum, 2005, p. 147. [651] As veladas referências públicas de Baldwin, quando falava de coisas cujas especificidades estavam vedadas, deu-lhe o apelido popular de "o velho de boca atada" e fez com que o famoso cartunista britânico David Low desenhasse caricaturas de Baldwin com uma mordaça sobre sua boca. David Low, Years of Wrath: A Cartoon History 1932-1945. Londres, Victor Gollancz, 1949, p. 37. [652] Peter Braestrup, Big Story: How the American Press and Television Reported and lnterpreted the Crisis of Tet 1968 in Vietnam and Washington. Garden City (NY), Anchor Books, 1978, p. 49-54. [653]  Ibidem, p. ix-xi. [654] Jim e Sybil Stockdale, In Love and War: The Story of a Family's Ordeal and Sacrifice During the Vietnam Years. Nova York, Harper & Row, 1984, p. 181. [655] Stanley Karnow, "Giap Remembers". New York Times Magazine, 24/06/1990, p. 36. [656]  Ibidem, p. 62. [657]  "How North Vietnam Won the War". Wall Street Journal, 03/08/1995, p. A8 [658]  Loc. cit.

[659] Arthur Schlesinger Jr., "A Middle Way Out of Vietnam". New York Times, 18/09/1966, p. 112. [660] "Needed: A Vietnam Strategy". New York Times, 24/03/1968, seção 4, p. 16 [661] Drew Pearson, "Gen. Westmoreland Ouster Is Urged". Washington Post, Times Herald, 10/02/1968, p. B11. [662] Kathleen J. Turner, Lyndon Johnson's Dual War: Vietnam and the Press. Chicago, University of Chicago Press, 1985, p. 231. [663] "The Logic of the Battlefield''. Wall Street Journal, 23/02/1968, p. 14. [664] Peter Braestrup, Big Story, p. 465-68; Victor Davis Hanson, Carnage and Culture: Landmark Battles in the Rise of Western Power. Nova York, Doubleday, 2001, p. 404-05. [665] Walter Lippmann, "Negotiated Settlement in Vietnam - lt Makes Sense". Los Angeles Times, 12/02/1967, p. F7; Anhur Schlesinger Jr., "A Middle Way Out of Vietnam". New York Times, 18/09/1966, p. 111-12. [666] Peter Braestrup, Big Story, p. ix-xi. [667] Walter Lippmann, "The Vietnam Debate". Washington Post, Times Herald, 18/02/1965, p. A21. [668] Walrer Lippmann, "Defeat". Newsweek, 11/03/1968, p. 25. [669] Joseph Kraft, "Khesanh Situation Now Shows Viet Foe Makes Straregy Work". Washington Post, Times Herald, 01/02/1968, p. A21. [670] Richard Parker, John Kenneth Galbraith: His Life, Ris Politics, His Economics. Chicago, University of Chicago Press, 2005, p. 432-33. [671] Victor Davis Hanson, Carnage and Culture, p. 425. [672] Ver, por exemplo, Peter Braestrup, Big Story, capítulo 6; Victor Davis Hanson, Carnage and Culture, p. 393, 395. [673] "The My Lai Massacre". Time, 28/11/1969, p. 17-19; "Cite Pilot for Valor a My Lai". Chicago Tribune, 29/11/1969, p. 8. [674] Peter Braestrup, Big Story, p. 24. [675] B. G. Burkett e Glenna Whitley, Stolen Valor: How the Vietnam Generation Was Robbed of Its Heroes and Its History. Dallas, Verity Press, 1998, p. 44. [676] Victor Davis Hanson, Carnage and Culture, p. 422-23. [677] B. G. Burkett e Glenna Whitley, Stolen Valor, capítulos 4-5 e 19. [678] Victor Da vis Hanson, Camage and Culture, p. 393. [679] Loc. cit. [680] Ibidem, p. 394-98. [681] Leslie Cauley e Mito Geyelin, "Ex-Green Beret Sues CNN, Time Over Retracted Nerve-Gas Report''. Wall Street Journal, 07/08/1998, p. 1.

[682] Albert L. Kraus, "Two Kinds ofWarfare". New York Times, 14/02/1968, p. 61. [683] Victor Davis Hanson, Carnage and Culture, p. 418. [684] Winston Churchill, Churchill Speaks 1897-1963: Collected Speeches in Peace & War. Ed. Robert Rhodes James. Nova York, Chelsea House, 1980, p. 881. [685] "Churchill Visit Scored". New York Times, 07/03/1946, p. 5. [686] "Mr. Churchill's Plea". Chicago Daily Tribune, 07/03/1946, p. 18. [687] Marquis Childs, "Churchill's Speech". Washington Post, 06/03/1946, p. 8. [688] "Press Reaction to Churchill Plan for Closer U.S. Ties With Britain". United States News, 15/03/1946, p. 39; Walter Lippmann, "Mr. Churchill's Speech". Washington Post, 07/03/1946, p. 11; "Let's Hang Together - Churchill". Los Angeles Times, 07/03/1946, p. A4. [689]  "Europe's Capitais Stirred by Speech". New York Times, 07/03/1946, p. 5; "Mr. Churchill's Speech". The Times, Londres, 06/03/1946, p. 5. [690] Neville Chamberlain, In Search of Peace. Nova York, G. P. Putnam's Sons, 1939, p. 288. [691] "Devo confessar que o espetáculo proporcionado por esse enorme gasto em meios de destruição, em vez de direcionados para construção, tem me inspirado um sentimento de revolta contra a loucura da humanidade. O custo é estupendo e a estimativa do tamanho do sacrifício que nos envolve a todos, assim como as próximas gerações, leva o governo a buscar sempre uma saída para encontrar meios de interromper essa insensata corrida armamentista, a qual cancela continuamente os esforços de cada nação em seus empreendimentos para alcançar uma vantagem de segurança sobre as outras" (Neville Chamberlain, In Search of Peace. Nova York, G.P. Putnam's Sons, 1939, p. 45). A falácia desse raciocínio é que nem todas as nações buscavam obter vantagem por meio de uma política de rearmamento. Algumas nações se rearmavam a fim de evitar que outras alcançassem uma vantagem que levaria essas outras nações a atacá-las. A equivalência retórica escondia, uma vez mais, as profundas realidades do mundo real. Além do mais, a "humanidade" não compreende uma unidade de tomada de decisão. Cada nação toma suas próprias decisões e não há "loucura" alguma no fato de uma nação se recusar a desarmar-se diante de outras nações que se àrmam. [692] John F. Kennedy, John F. Kennedy: Containing the Public Messages, Speeches, and Statements of the President, 1961. Washington, United States Government Printing Office, 1962, p. 2. [693] Neville Chamberlain, In Search of Peace, p. 34, 40, 120, 209, 216, 230, 240, 242, 250, 271. A mesma ideia é, em outros termos, repetida várias vezes em trechos distintos do livro. [694] Escrevendo em seu diário em 31 de agosto de 1939 - exatamente um dia antes da invasão da Polônia pela Alemanha, o evento que deu início à Segunda Guerra Mundial -, o correspondente de guerra norte-americano em Berlim, William L Shirer, disse: "Todo mundo é contra a guerra. As pessoas o dizem abertamente. Como um país pode entrar numa grande guerra com uma

população tão contrária a ela?" (William L. Shirer, Berlin Diary: The Journal of a Foreign Correspondent 1934-1941. Tess Press, 2004, p. 153). [695] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher: John Dewey and the Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p. 53. [696] John Dewey, Characters and Events: Popular Essays in Social and Political Philosophy. Ed. Joseph Ratner. Nova York, Henry Holt and Company, 1929, v. 1, p. 199, 201. (Esta foi a reedição de um ensaio de Dewey publicado primeiramente em 1922.) [697] Neville Chamberlain, In Search of Peace, p. 119, 132, 198. [698] Ibidem, p. 53, 174, 208, 251-52. [699] Loc. cit. [700] Ver, por exemplo, Tom Wicker, "2 Dangerous Doctrines". New York Times, 15/03/1983, p. A25; Strobe Talbott, "Behind the Bear's Angry Growl". Time, 21/05/1984, p. 24, 27; Anthony Lewis, "Onward, Christian Soldiers". New York Times, 10/03/1983, p. A27; Colman McCarthy, "The Real Reagan: Can He See the Forest for the Trees?" Washington Post, 27/03/1983, p. G7; TRB, "Constitutional Questions". New Republic, 28/03/1983, p. 4; "The Lord and the Freeze". New York Times, 11/03/1983, p. A30. [701] Dinesh D'Souza, Ronald Reagan: How an Ordinary Man Became an Extraordinary Leader. Nova York, The Free Press, 1997, p. 189. [702] Ronald Reagan, An American Life. Nova York, Simon and Schuster, 1990, p. 680-81. [703] Ibidem, p. 683. [704] Ibidem, p. 677, 679. [705] "Gorbachev ficou chocado. Os soviéticos já haviam reportado que estavam dispostos a passar mais um dia em Reykjavik. Gorbachev tinha mais a dizer. Assim que Reagan começou a vestir seu casaco, Gorbachev disse a ele, 'Será que não podemos fazer algo em relação a isso?', mas Reagan já perdera a paciência. 'É muito tarde', ele disse." Lou Cannon, President Reagan: The Role of Lifetime. Nova York, Public Affairs, 2000, p. 690. [706] William Raspberry, "Why the Freeze ls on the Ballot". Washington Post, 29/10/1982, p. A29. [707] Anthony Lewis, "The Diabolical Russians". New York Times, 18/11/1985, p. A21. [708] Tom Wicker, "30 Years of Futility". New York Times, 22/11/1985, p. A35. [709] George F. Kennan, "First Things First at the Summit". New York Times, 03/11/1985, seção 4, p. 21 [710] Colman McCarthy, "The Disarming, Modest Manner of Alva Myrdal". Washington Post, 24!10/1982, p. H8. [711] "Voters' Real Opportunity to Help Stop the Nuclear Arms Race". New York Times, 01/11/1982, p. A18.

[712] Adam Clymer, "Strong 1984 Role Vowed by Kennedy". New York Times, 06/02/1963, p. 28. [713] Margot Hornblower, "Votes Arms Freeze; 27 For, 9 Against Resolution". Washington Post, 09/03/1983, p. A1 ss. [714] "The Best Way to End the Nuclear Arms Race". New York Times, 16/03/1983, p. A26. [715] Helen Dewar, "Senate Rejects Arms Freeze; Debt Ceiling Rise Voted Down". Washington Post, 01/11/1983, p. Al ss. [716] "No início de 1986, recebíamos mais e mais evidências de - que a economia soviética se encontrava em situação tenebrosa. Isso me fez acreditar que, caso contrário, a queda da economia soviética forçaria Mikhail Gorbachev a propor um acordo de redução de armas que seria bom para ambos os lados. Se nós não nos desviássemos de nossa política, eu me convencera de que isso aconteceria." Ronald Reagan, An American Life. Nova York, Simon and Schuster, 1990, p. 600. [717] Ver, por exemplo, Mona Charen, Useful Idiots: How Liberais Got lt Wrong in the Cold War and Still Blame America First. Nova York, Perennial, 2004, p. 11015. [718] "SDI, Chernobyl Helped End Cold War, Conference Told". Washington Post, 27/02/1993, p. A17. [719] Herbert I. London, Armageddon in the Classroom: An Examination of Nuclear Education. Lanham (MD), University Press of America, 1987, p. vii. [720] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament o f France: Education, Pacifism, and Patriotism, 1914-1940. Cambridge, Cambridge University Press, 2004, p. 80. [721] National Education Association, NEA Handbook 1999-2000. Washington, National Education Association, 1999, p. 343. [722] ldem, NEA Handbook 1980-81. Washington, National Education Association, 1980, p. 244. [723] ldem, NEA Handbook Association, 1982, p. 237. [724] ldem, NEA Handbook

1982-83.

Washington,

National

Education

1985-86.

Washington,

National

Education

Association, 1985, p. 247. [725] Loc. cit. [726] Idem, Proceedings of the Sixty-First Representative Assembly, 1982. Washington, National Education Association, 1983, p. 62. [727] Idem, Proceedings of the Sixty-Fourth Representative Assembly, 1985. Washington, National Education Association, 1986, p. 107-08; Carl Luty, "Thinking the Unthinkable... Thoughtfully". NEA Today, mar. 1983, p. 10-1 1 [728] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 136. [729] National Education Association, NEA Handbook 1982-83, p. 237.

[730] "Statement of Mr. Willard McGuire". Twelfth Special Session, United Nations General Assembly, 25/06/1982, A/S-12/AC.1/PV.7, p. 12. [731] National Education Association, Proceedings of the Sixty-Third Representative Assembly, 1984. Washington, National Education Association, 1985, p. 10. [732] Keith Geiger, "The Peace Dividend: Meeting America's Needs". NEA Today, mar. 1990, p. 2. [733] Keith Geiger, "A Time for Hope". Washington Post, 23/12/1990, p. C4. [734] Robert D. Novak, The Prince of Darkness: 50 Years Reporting in Washington. Nova York, Crown Forum, 2007, p. 432. [735] Tom Wicker, “The War Option”. New York Times, 31/10/1990, p. A25. [736] Anthony Lewis, "The Argument of War". New York Times, 14/12/1990, p. A39. [737] Barton Gellman, "How Many Americans Would Die in War with Iraq?". Washington Post, 06/01/1991, p. A21 [738] Donald Kagan, "Colin Powell's War", Commentary, jun. 1995, p. 45. [739]  Maureen Dowd, "Monkey on a Tiger". New York Times, 06/01/2007, p. A15. [740] Paul Krugman, "Quagmire of Vanitics". New York Times, 08/01/2007, p. A1 9. [741] "A Detached Debate; Have the Senators Arguing over Iraq War Resolutions Read the National Intelligence Estimate?". Washington Post, 06/02/2007, p. A16. [742] "The One that Brung Him". St. Louis Post-Dispatch, 05/07/2007, p. B8. [743] Ron Walters, "Bush Won't Face Truth about the War in Iraq". Philadelphia Tribune, 21/01/2007, 6A. [744] "Funeral Surge". New Republic, 12/02/2007, p. 7. [745] Jon Ward, "Democrats Ready to Fight New War Plan". Washington Times, 11/01/2007, p. A1; Congressional Record: Senate, 30/01/2007, p. 51322; Shailagh Murray, "Obama Bill Sets Date for Troop Withdrawal". Washington Post, 31/01/2007, p. A4. [746] Jon Ward, "Democrats Ready to Fight New War Plan". Washington Times, 11/01/2007, p. A1. [747] Congressional Record: Senate, 18/0112007, p. 5722. [748] Jon Ward, "Kennedy Proposal Uncovers Party Rift; Leave Iraq Now vs. Slow Retreat". Washington Time, 10/01/2007, p. Al. [749] Eric Pfeiffer, "Pelosi Threatens to Reject Funds for Troop Surge". Washington Times, 08/01/2007, p. Al.

[750] Jon Ward, "Democrats Ready to Fight a New War Plan". Washington Times, 11/01/2007, p. A1. [751] Michael E. O'Hanlon e Jason H. Campbell, lraq Index: Tracking Variables of Reconstruction & Security in Post-Saddam lraq, 28/05/2009, p. 5, 14. Disponível em: http://www.brookings.edu/iraqindex. [752] "Peace Talks Now". Los Angeles Times, 12/06/2007, p. A20. [753] Paul Krugman, "Snow Job in the Desert". New York Times, 03/09/2007, p. A13. [754] Frank Rich, "As the Iraqis Stand Down, We'll Stand Up". New York Times, 09/09/2007, seção 4, p. 14. [755] Jason Campbell et al., "The States of Iraq and Afghanistan". New York Times, 20/03/2009, p. A27. [756] Michael E. O'Hanlon e Kenneth M. Pollack, "A War We Just Might Win". New York Times, 30/07/2007, p. A17. [757] Paul Krugman, "A Surge, and Then a Stab". New York Times, 14/09/2007, p. A2 1. [758] Alan Nathan, "Slamming the Messenger". Washington Times, 18/09/2007, p. A17. [759] Farah Stockman, "Intelligence Calls Iraq's Government Precarious". Boston Globe, 24/08/2007, p. Al. [760] Advertisement, "General Petraeus or General Betray Us?". New York Times, 10/09/2007, p. A25. [761] Howard Kurtz, "New York Times Says lt Violated Policies Over MoveOn Ad". Washington Post, 24/09/2007, p. A8. [762] Kathy Kiely, "Senators Have Their Say During Marathon Hearings; 'Take Off Your Rosy Glasses,' General Told in 10 Hours of Inquiries". USA Today, 12/09/2007, p. 6A. [763] Loc. cit. [764] Elisabeth Bumiller, "A General Faces Questions from Five Potencial Bosses". New York Times, 12/09/2007, p. A10. [765] S. A. Miller, "Petraeus' lntegrity under Fire on Hill". Washington Times, 10/09/2007, p. A1. [766] Susan Page, "A Mixed Reception, with No Sign of Consensus on War". USA Today, 11109/2007, p. 1A. [767] Frank Rich, "Will the Democrats Betray Us?". New York Times, 16/09/2007, seção 4, p. 11. [768] Susan Page, "A Mixed Reception, with No Sign of Consensus on War". USA Today, 11/09/2007, p. 1A. [769] Dan Frosch e James Dao, "A Military Deception, Made Easier by a Reluctance to Ask Questions". New York Times, 08/06/2009, p. A10.

[770] Diana B. Henriques, "Creditors Press Troops Despite Relief Act". New York Times, 28/03/2005, p. AI ss; Dan Barry, "A Teenage Soldier's Goodbyes on the Road to Over There". New York Times, 04/03/2007, seção 1, p. 1 ss. [771] Eric Schmitt, "Medal of Honor to Be Awarded to Soldier Killed in Iraq, a First". New York Times, 30/03/2005, p. A13; Sarah Abruzzese, "Bush Gives Medal of Honor to Slain Navy Seals Member". New York Times, 09/04/2008, p. A 14; Raymond Hernandez, "A Protector As a Child, Honored As a Hero". New York Times, 22/10/2007, p. B1. [772] Ver, por exemplo, John F. Burns, "Pillagers Strip Iraq Museum of lts Treasure". New York Times, 13/04/2003, p. A1 ss; "Lawlessness in Iraq Puts U.S. Military Gains at Risk". USA Today, 14/04/2003, p. 12A; Maria Puente, "The Looting of Iraq's Past". USA Today, 15/04/2003, p. 7D; Douglas Jehl e Elizabeth Becker, "Experts' Pleas to Pentagon Didn't Save Museum". New York Times, 16/04/2003, p. B5; Constance Lowenthal e Stephen Urice, "An Army for Art". New York Times, 17/04/2003, p. A25; Frank Rich, "And Now: 'Operation lraq Looting'". New York Times, 27/04/2003, seção 2, p. 1 ss; Andrew Gumbel e David Keys, "The lraq Conflict: U.S. Blamed for Failure to Stop Sacking of Museum". The Independent, Londres, 14/04/2003, p. 6. [773] William Booth e Guy Gugliotta, "All Along, Most Iraqi Relics Were 'Safe and Sound"'. Washington Post, 09/06/2003, p. A12; Charles Krauthammer, "Hoaxes, Hype and Humiliation". Washington Post, 13/06/2003, p. A29; Matthew Bogdanos, "The Casualties of War: The Truth About the lraq Museum". American Journal of Archaeology, v. 109, n. 3, jul. 2005, p. 477-526. [774] WWII: Time-Life Books History of the Second World War. Nova York, Prentice Hall Press, 1989, p. 401; The Columbia Encyclopedia. 5. ed. Nova York, Columbia University Press, 1993, p. 116. [775] Clark Hoyt, "The Painful Images o f War". New York Times, 03/08/2008, seção Week in Review, p. 10. [776] Ver, por exemplo, Christian Davenport, "From Serving in lraq to Living on the Streets; Homeless Vet Numbers Expected to Grow". Washington Post, 05/03/2007, p. B1 ss. Os problemas gerados com o retorno de veteranos da Guerra do lraque que se encaminharam para as faculdades virou manchete do New York Times, em sua seção de educação: "Salas de aula lotadas podem fazêlos entrar em pânico. Eles apresentam dificuldade de concentração. Não conseguem se lembrar dos fatos. E ninguém em torno deles compreende o que viram (...) Esses novos alunos precisarão de ajuda. Os centros universitários estão prontos para esse desafio?" (New York Times, 02/11/2008, seção Education Life, p. 1). Apesar da enorme diferença que isso tem em comparação com as experiências de veteranos que frequentaram a faculdade depois da Segunda Guerra Mundial, na qual as tropas passavam muito mais tempo em combate e sofriam baixas muito mais pesadas, anedotas isoladas foi o máximo que se conseguiu para substanciar as precipitadas alegações sobre esses alunos. Ver Lizette Alvarez, "Combat to College". Ibidem, p. 24 ss. [777] Deborah Sontag e Lizette Alvarez, "Across America, Deadly Echoes of Foreign Battles". New York Times, 13/01/2008, seção 1, p. 1, 14.

[778] Ralph Peters, "Smearing Soldiers". New York Post, 15/01/2008. [779] Lizette Alvarez e Dan Frosch, "A Focus on Violence by G.l.'s Back from War". New York Times, 02/01/2009, p. A1 ss. [780] "Suicide Rate for Soldiers Rose in '07". New York Times, 30/05/2008, p. A18. [781] Pauline Jelinek, "Soldier Suicides Hit Highest Rate - 115 Last Year". Associated Press Online, 30/05/2008. [782] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 218-19. [783] Edmund Burke, The Correspondence of Edmund Burke. Ed. R. B. McDowell. Chicago, University of Chicago Press, 1969, v. VIII, p. 138. [784] Mona L. Siegel, The Moral Disarmament of France, p. 167. [785] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice and Its Influence on Morais and Happiness. Toronto, University of Toronto Press, 1946, v. 11, p. 180. [786] Ibidem, p. 146. [787] John Dewey, Characters and Events. Ed. Joseph Ratner, v. II, p. 800-01. [788] Alistair Horne, To Lose A Battle: France 1940. Nova York, Penguin Books, 1990, p. 189. [789] William Godwin, Enquiry Concerning Political Justice, v. 11, p. 151. [790] Neville Chamberlain, In Search of Peace, p. 307-08. [791] Na época da remilitarização da Renânia feita por Hitler, "a França comandava a lealdade da 'Pequena Entente', que compreendia a Tchecoslováquia, a Iugoslávia e a Romênia", segundo Winston Churchill (Winston Churchill, The Second World War, v. I: The Gathering Storm. Boston, Houghton Mifflin Co., 1983, p. 193). Mas a permanente irresolução da França, em face às crises da Renânia, da Áustria e de Munique, tornou necessário que essas e outras pequenas nações europeias reavaliassem suas políticas em relação à Alemanha nazista. O ministro de Exterior alemão, Konstantin Von Neurath, informou ao diplomata norte-americano William Bulütt que, enquanto a Alemanha fortifica a Renânia, "os países na Europa central perceberão que a França não pode invadir o território alemão, e todos esses países começarão a se sentir muito diferentes na condução de suas políticas externas e uma nova constelação de forças se desenvolverá" (Ibidem, p. 206). [792] William L. Shirer, The Rise and Fall o f the Third Reich: A History o f Nazi Germany. Nova York, Simon and Schuster, 1960, p. 595-96. [793] Neville Chamberlain, In Search of Peace, p. 33. É importante notar que Hitler apresentou sua posição em função da "honra nacional de um grande povo" em carta a Chamberlain (Ibidem, p. 170). [794] Ibidem, p. 107. [795] Ibidem, p. 305.

[796] A independência da Polônia não foi mais restaurada até que, décadas depois do término da Segunda Guerra Mundial, o bloco soviético se dissolveu na Europa oriental, nos últimos anos de existência da própria União Soviética. [797] Ibidem, p. 170. [798] J. M. Keynes, "A Positive Peace Programme". New Statesman and Nation, 26/03/1 938, p. 509-10. [799] Alistair Horne, To Lose a Battle, p. 129. [800] Paul Johnson, The Quotable Paul Johnson: A Topical Compilation of His Wit, Wisdom And Satire. Ed. George J. Marlin et al. Nova York, Farrar, Straus and Giroux, 1994, p. 138. [801] John Maynard Keynes, The General Theory of Employment lnterest and Money. Nova Harcourt, Brace and Company, 1936, p. 383. [802] Richard Hofstadter, Anti-lntellectualism in American Life. Nova York, Vintage Books, 1963, p. 3, 14. A ressalva que faz Hofstadter prejudica, contudo, o próprio centro de sua argumentação: "Parece-me claro que aquelas pessoas que têm certa aversão à vida intelectual são quase sempre ambivalentes a essa mesma questão: elas misturam respeito e temor com suspeita e ressentimento, e isso vale para muitas sociedades e muitos estágios da história humana. De qualquer forma, o anti-intelectualismo não é o resultado de pessoas categoricamente hostis às ideias. Muito pelo contrário: assim como o inimigo mais eficiente do homem educado pode ser o homem insuficientemente educado, da mesma forma os principais agentes anti-intelectuais são pessoas que em geral se dedicam profundamente às ideias, com frequência obsessivamente comprometidas com essa ou aquela ideia já desgastada ou rejeitada" (Ibidem, p. 21). Uma vez que, por um lado, essa ressalva não consegue distinguir os processos e as conquistas puramente intelectuais, não podendo separá-los do comportamento de outras pessoas cujos trabalhos acarretam os mesmos processos e as mesmas conquistas, por outro lado, ela perpetua a confusão ao dizer que a hostilidade a certo tipo de intelectual é equivalente a uma hostilidade à vida intelectual. Ao ter que admitir que muitos dos críticos dos intelectuais são também homens do pensamento, Hofstadter livra-se de suas ideias ao caracterizá-las como "desgastadas e rejeitadas"- o que vale dizer, ideias das quais ele discorda. Resumindo, uma diferença ideológica foi retoricamente transformada, por Hofstadter, numa questão sobre hostilidade aos processos intelectuais, muito embora ele admita a evidência do contrário, incluindo-se o fato de que Edison "foi tudo, exceto canonizado pelo público norte-americano" (Ibidem, p. 25). [803] Russel Jacoby, The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe. Nova York, Basic Books, 2000, p. 81. [804] Richard A. Posner, Public Intellectuals: A Study of Decline. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 2001, p. 5, 7. [805] Por exemplo, entre economistas os dados do estudo de Posner nos mostram que Lester Thurow foi mencionado na mídia com uma frequência bem maior do que o ganhador do prêmio Nobel Gary Becker, ao passo que esse

último é citado com uma frequência oito vezes maior do que Thurow nas publicações especializadas (Ibidem, p. 194, 205 ). [806] Ibidem, p. 174, 194-206, 209-14 [807] Ibidem, p. 135. [808] Donald Kagan, On the Origins of War and the Preservation o f Peace. Nova York, Doubleday, 1995, p. 104. [809] Charles F. Howlett, Troubled Philosopher: John Dewey and the Struggle for World Peace. Port Washington (NY), Kennikat Press, 1977, p. 73. [810] Durante uma transmissão no rádio em 27 de maio de 1941, o presidente Roosevelt disse: "Esta noite ninguém pode prever exatamente quando as atividades dos ditadores amadurecerão a ponto de ficarem prontas para um ataque sobre nós e sobre este hemisfério. Mas agora já sabemos o suficiente para percebermos que seria suicídio esperar até que eles estejam enfileirados em nossos jardins. Quando seu inimigo vem até você dentro de um tanque ou de um avião de bombardeio, se você suspender o seu fogo até que veja o branco de seus olhos você nunca saberá o que o atingiu. Amanhã, nosso bastião de defesa estará talvez localizado a milhares de milhas de Boston". Franklin D. Roosevelt, The Public Papers and Addresses of Franklin D. Roosevelt, 1941. Ed. Samuel l. Rosenman. Nova York, Harper & Brothers, 1950, p. 189. [811] Eric Hoffer, The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements. Nova York, Harper Perennial, 1989, p. 116. [812] Ver, por exemplo, o capítulo 3 de meu livro lnside American Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. Nova York, The Free Press, 1993. [813] Ver Thomas Sowell, The Vision o( the Anointed: Self-Congratttlation as a Basis for Social Policy. Nova York, Basic Books, 1995, p. 15-21. [814] Eric Hoffer, First Things, Last Things. Nova York, Harper & Row, 1971, p. 117. [815] James R. Flynn, "Massive IQ Gains in 14 Nations: What IQ Tests Really Measure". Psychological Bulletin, v. 101, n. 2, 1987, p. 171-91. [816] Jean-François Revel, The Flight from Truth: The Reign of Deceit in the Age of Information. Trad. Curtis Cate. Nova York, Random House, 1991, p. 361. [817] Lewis A. Coser, Men of ldeas: A Sociologist's View. Nova York, The Free Press, 1970, p. 215. [818] Ibidem, p. 216. [819] Paul Hollander, Anti-Americanism: Critiques at Home and Abroad 19651990. Nova York, Oxford University Press, 1992, p. 242. [820] Ver, por exemplo, Theodore Dalrymple, Our Culture, What's Left of lt: The Mandarins and the Masses. Chicago, Ivan R. Dee, 2005, p. 296-310; Bruce Thomton, Decline and Fall: Europe's Slow-Motion Suicide. Nova York, Encounter Books, 2007, capítulo 3; Christopher Caldwell, Reflections on the Revolution in Europe: lmmigration, lslam, and the West. Nova York, Doubleday, 2009.

[821] Ver, por exemplo, o capítulo 2 de meu livro The Vision of the Anointed. [822] Edward Shils, The Constitution of Society. Chicago, University of Chicago Press, 1982, p. 182. [823] Peter Hitchens, The Abolition of Britain: From Winston Churchill to Princess Diana. São Francisco, Encounter Books, 2002, p. 4, 7. [824] Bradley R. Schiller, The Economics of Poverty and Discrimination. 10. ed. Upper Saddle River (NJ), Pearson Education, Inc., 2008, p. 72. [825] Ibidem, p. 71. [826] Angelo M. Codevilla, The Character of Nations: How Politics Makes and Breaks Prosperity, Family, and Civility. Nova York, Basic Books, 1997, p. 50. [827] Ver de Robert C. Davis, Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and ltaly, 1500-1800. Nova York, Palgrave !Macmillan, 2003, p. 23; Philip D. Curtin, The Atlantic Slave Trade: A Census. Madison, University of Wisconsin Press, 1969, p. 72, 75, 87. [828] Orlando Patterson, Slavery and Social Death: A Comparative Study. Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1982, p. 406-07; W. Montgomery Watt, The lnfluence of lslam on Medieval Europe. Edimburgo, Edinburgh University Press, 1972, p. 19; Bernard Lewis, Race and Slavery in the Middle East: An Historical Inquiry. Nova York, Oxford University Press, 1990, p. 11; Daniel Evans, "Slave Coast of Europe". Slavery & A.bolition, v. 6, n. 1, maio 1985, p. 53, nota 3; William D. Phillips Jr., Slavery from Roman Times to the Early Transatlantic Trade. Mineápolis, University of Minnesota Press, 1985, p. 57. [829] Daniel J. Boorstin, The Americans, v. li: The National Experience. Nova York, Random House, 1965, p. 203. [830] Jean-François Revel, The Flight from Truth. Trad. Curtis Cate, p. 16. [831] Por exemplo, os dois maiores varejistas do mundo no início do século XX Sears e Montgomery Ward - operaram exclusivamente e com alta lucratividade durante décadas como lojas que vendiam pelo correio, e só começaram a operar como lojas de departamento depois que o aparecimento da J. C. Penney e de outras cadeias de lojas criou uma competição que tornou as décadas de negócio rentável de venda por correio em milhões de dólares de prejuízos, o que ameaçou a existência dessas empresas. A Sears e a Montgomery Ward, da mesma forma que muitos outros negócios, estiveram sujeitas a uma realidade cujas consequências não podiam nem ignorar nem despistar fazendo uso de frases de efeito, mesmo se essas frases encontrassem ressonância entre seus pares.

Table of Contents SOBRE O AUTOR SUMÁRIO PREFÁCIO AGRADECIMENTOS OS INTELECTUAIS CAPÍTULO 1 O INTELECTO E OS INTELECTUAIS CAPÍTULO 2 CONHECIMENTO E NOÇÕES CAPÍTULO 3 OS INTELECTUAIS E A CIÊNCIA ECONÔMICA CAPÍTULO 4 OS INTELECTUAIS E AS VISÕES DE SOCIEDADE CAPÍTULO 5 REALIDADE PARALELA NA MÍDIA E NO MUNDO ACADÊMICO CAPÍTULO 6 OS INTELECTUAIS E A JUSTIÇA CAPÍTULO 7 OS INTELECTUAIS E A GUERRA A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL CAPÍTULO 8 OS INTELECTUAIS E A GUERRA: REPETINDO A HISTÓRIA CAPÍTULO 9 OS INTELECTUAIS E A SOCIEDADE FICHA CATALOGRÁFICA