Introdução Histórica ao Direito [Paperback ed.]
 9789723101935

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JOHN GILISSEN

INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO DIREITO

Prefácio~

J. Gilissen Tradução~

A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros

2. ªedição

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN j LISBOA

Tradução do original francês intitulado: «INTRODUCTION HISTORIQUE AU DROIT» (Esquisse d'une histoire universelle du droit. Les sources du droit. Les sources du droit depuis le XIII.• siecle. Élements d'histoire du droit privé) JOHN GILISSEN

© 1979 Établissements Émille Bruyant, S. A. Bruxelles

Reservados todos os direitos de harmonia com a lei

Depósito Legal N. 0 88 180/95 ISBN: 972-31-0193-9

Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna 1 Lisboa 1995

PREFÁCIO À EDIÇÃO POR1UGUESA

A obra que agora se publica em português não careceria de apresentação, pois se trata de um texto que, pelo seu carácter genérico e sistemático, pela s11a clareza, pelo seu didatismo, se transformou numa síntese única da história interna do direito da Europa ocidental, incluindo referências à evolução histórica dos restantes grandes siJtemas jurídicos da antiguidade ou de hoje. É justo, no entanto, salientar as novidades da edição portuguesa, que fazem dela versão autónoma, em relação às últimas versões francesa eflamenga. Em primeiro lugar, e antes de tudo, o autor actualizou profundamente o texto, introduzindo novos capítulos decorrentes de investigações recentes, remodelando profundamente outros já existentes, actualizando bibliografia, suprimindo algumas referências muito localizadas na tra4ição histórica belga ou nerlandesa e fazendo um grande esforço de inclusão de temáticas ibéricas e sul-americanas. Como complemento deste esforço, os tradutores portugueses procuraram tornar esta versão ainda mais próxima das preocupações mais directas do historiador e jurista de língua portuguesa. Embora respeitando, por regra, a-terminologia original das instituições estrangeiras, procurou-se, por meio de referências entre parênteses, informar sobre termos correspondentes da nossa tradição jurídica. Para além diHo, no final de cada secção, um dos tradutores (A. M. Hespanha) elaborou sínteses da evolução dos temas ou imtitutos aí tratados no direito português (sob a forma de «notas do tradutor»), juntando aos exemplos textuais originais outros tirados da nossa tradição jurídica (assinalados ·com um asterisco junte ao número do texto). No final, o índice temático, foi enrique.cido com as principais cormpondências linguísticas, podendo, portanto, servir como glossário de hiJtória europeia ocidental das instituições. No conjunto - e como complemento do livro de_ F. Wieacker, História do direito privado moderno, já publicado nesta colecção - , fica à disposição do leitor português uma exposição de história do direito - que, ao mesmo .tempo, se apresenta como uma introdução histórica ao direito - , tocando de uma forma genérica, além da problemática das fontes, os principais ramos e institutos jurídicos, sobretudo no domínio daquilo a que hoje chamamos direito privado; fora, ficam apenas algumas (mas não todas) das matérias de direito público (direito administrativo ou criminal, por exemplo), para as quais, de resto, não existe uma exposição do tipo desta, que só o sa~er, a sensihilidade histórica e cultural e a longa experiência do Prof John Gilissen tornaram possíveis. António Manuel Hespanha Lisboa, junho de 1986 Manuel Macaísta Malheiros

PREFÁCIO

Uma introdução histórica ao direito pode ser concebida pelo mmos de duas maneira.r diferenttJ. Segundo uma delas, o autor expõe aí. a evolução do direito num certo pab, a fim de fazer compreender os componentes históricos do seu direito actual,· como os juristas devem, na mator parte dos casos, aplicar apenas o direito do seu pab, a maior parle das sínteses dizem JOmente respeito à história do direito de um país, por exemplo, à história do direito espanhol, francês, italiano, alemão ou inglês. Estes trabalhos têm o grande mérito de ser escritos por especialistas que têm um conhecimento profundo da matéria e que puderam utilizar de forma científica as fontes histórico-jurídicas do seu país, muita; vezes escrilaJ na sua própria língua. Segundo a outra, o autor lenta situar a história do direito do seu país num quadro geográfico e cronológico mais va.rto, como, por exemplo, quadro europeu ou mesmo o quadro universal. Foi o que eu tentei fazer, embora não tenha deixado de utilizar o outro método. Enquanto que as obras de história geral universal são numerosas e meritória.r, as de história mundial do direito e das instituifõeJ sãÓ raras; muitas vezes, elas limitam-se a justapor resumoJ da evolufão jurídica num certo número de grandes países. De1de há cinco décadas que á «Société jean Bodin pour l'histoire comparative des institutions » tentou suscitar trabalhos de síntese no mais vasto quadro geográfico e cronológico. O patrocínio de jean Bodin, juspublicista francês do Jéc. XVI, autor da «República», foi escolhido pelos fundadores porque ele foi um dos primeiros a fazer a história comparada do direito, comparando a.r instituiçõeJ romanas, grega; e hebraica; da antiguidade com as da Franfa do seu tempo. A «Société jean Bodin» estudou sucessivamente umas duas dezenas de instituições no maior número possível de países e de regiões, desde os tempos mais recuados até aos nossos dias, não apenas na Europa como nos outros continentes, e elaborou sínteses comparativas da. sua evolução. Foram assim estuda.das, por exemplo, a cidade, a comunidade rural, a monocracia, os grandes impérios, as relafõeJ entre governados e governantes, a organização da paz, os laços de vassalagem, a servidão, a p~ova, a; garantias pessoais, o estatuto jurídico da mulher, do menor, do estrangeiro e, muito recentemente, o costume. O método comparativo permite uma abordagem hi1tórico-sociológica da instituição, estabelecendo uma tipologia e descrevendo as grandes co"entes da. sua evolução universal. Os trabalhos de história comparada do direito e as sínteses que,

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enquanto secretário geral, tive que elaborar, foram publicadas nos «Recuei/s de la Société jean Bodin », cujos cinquenta vo/umeJ serão referidos .em nota na presente obra; pois esta Introdução histórica ao direito é, pelo menos em parte, resultante desses trabalhos. Na realidade, teria sido difícil condensar num só volume os multados das investigações históricas em todos os domínios do direito. De resto, o presente livro é, antes de mais, resultante do meu ensino na1 duas UniverJidades de Bruxe/a1 durante maú de quarenta ano1. A matéria reservada ao cuno de "Introdução histórica ao direito" é aí delimitada por aquelas que são própria1 de outras disciplinas, por exemplo, o curso de "Direito rOTTlúnO», 10bretudo consagrado ao direito privado da época romana, e o cuno de "lntr(Jdução hútórica às instituições dos grandes Estados moderno1 », no qual é exposta a história do direito público de um certo número de países. É por isso que o direito romano não ocupa neste livro o lugar que mereceria em razão da influência que exerceu 1obré o direito de um grande número de paÍJes actuais. É por isso também que a hiJtória do direito público não é, aqui, exposta de fomza 1istemática, mas apenas na medida em que a1 suas instituições desempenharam um papel importante na formação e evolução de certas fontes de direito: por exemplo, a organização do poder legislativo que explica a elaboração da lei em cada país, a organização dos trib1maiI que explica a elaboração da jurisprudência, a organização do ensino do direito que contribui para a formacão da doutrina.

Assim se explica o plano geral deste livro A primeira parte é constituída por uma história dos grandes si1temas jurídicos no mundo, desde as origens até ao1 nossos dias; forçosamente sumária e esquemática, ela dá, em duas centenas de páginas, algumas noções elementares de cada um dos grandes 1i1temas jurídicos do passado e do presente. A segunda parte é o estudo mais profundo da história do direito da Europa ocidental, a partir do séc. Xll. A exposição está aqui organizada à volta da evolução das principais fontes de direito: o costume, a lei, a doutrina e a jurisprudência. A terceira parle contém alguns elementos de história do direito privado. Trata-se, 10bretudo, de matérias que foram menos influenciadas pelo direito romano, ou seja, aquelas em que a origem das regras jurídicas actuais deve ser procurada nos costumes medievais, no direito canónico, nas teorias doutrinais medievais e modernas, nas construções da antiga jurisprudência. Assim, pouco me ocupei das obrigações ou de certos contratos, como a compra e venda, em que a influência do direito romano sobre os direitos romanistas actuais ainda é dominante, para me dedicar sobretudo a outras matérias, menos romanizadas: o casamento, o divórcio, o poder do pai e da mãe, a tutela, as sucessões, a prova, as sociedades comerciais, etc.

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EJte livro não é, portanto, uma história das instituições, no sentido de uma Verfassungsgeschichte. Do meJmo modo, não se encontrará aqui uma história do direito fiscal e financeiro, nem uma hiJtória do direito social e da evolução das classes sociaú, nem uma história do direito económico, nem uma história do direito penal, nem uma história do processo. Alguns dos problemas destaJ disciplinai são ocaJionalmente abordados: aproveitar-se-ão essas ocasiões para referir os trabalhos principais.

É evidente que, concebida por um professrw belga, para uso de estutk,ntes belgas, esta obra privilegie a história do direito das províncias flamengas e valãs que constituem actualmente a Bélgica. Mas a história do direito de1te pequeno país não podia ser expo1ta e explicada senão em função da evolução jurídica dos grandeI países vizinhos, sobretudo a França e a Alemanha, atingindo-Je, assim, o quadro univmal evocado no início deste prefácio; pqis a influência· doI códif!.OJ /rancem do início do séc. XIX, sobretudo do Códir,o civil de 1804, eJtendeu-se muito para além da Europa, nomeadamente nos países da América Latina .







A presente obra apareceu inicialmente em línr,ua francesa, em 1979, no editor Bruylant, em Bruxelas. EJta edição franma tinha Jido precedida de seis ediçõeI do meu curso, feitas sob a forma de textos policopiados pelas Presses Universitaires de Bruxelas. De um manual elementar dirigido aos estudantes de direito no início dos seus estudos, tornou-se num grande volume, nomeadamerrte pela incorporação dos resultado1 das minhas investigações particulares. Uma versão em língua holandesa apareceu em 1981. Difere da versão francesa, tanto pelos documentos reproduzidos como pelos exemplos citados, embora esteja concebida segundo o mesmo plano geral. Uma segunda edição, em dois volumes, aparecerá dentro de pouco tempo,· compreenderá capita selecta relativos a matérias que não foram abordadas na primeira edição, como o direito penei./, o direito fiscal e o direito social. A presente versão em línfiua portuguesa pôde ser realizada r,raças ao intere.rse manifestado pela Fundação Calouste Gulbenkian. O texto de base foi adaptado, em certa medidà, aos leitores de lfogua portuguesa, quer sejam de Portugal, do Brasil ou de África. O que era especificamente belga foi muitas vezes substituído por dados colhidos na história de outros paím, maiJ especialmente espanhóis ou portugueses. Certos capítulos foram, assim, muito modificados, sobretudo na segunda parte da obra. Quereria tê-lo feito ainda em maifW medida,· mas os trabalhos de história comparada do direito são ainda muito pouco numerosos em certos domínios da história jurídica. Este fim foi, no entanto, atingido em larga medida, graças ao auxílio que o Prof. António Manuel Hespanha se dispôs a prestar-me. Ele não somente traduziu de forma perfeita o texto da edição francesa que eu tinha completado e actualizado, como sobretudo teve o mérito de o

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completar com numerosos dados relativos às diversas regiões da península ibérica e aos países de língua portuguesa e espanhola da América e da África; frequentemente, substituiu ainda extractos de documentos anexos a cada capítulo, muitas vezes colhidos da história do direito francês ou belga, por documentos que interessam mais direaamente os países de língua portuguesa. Agradeço-lhe muito vivamente por tudo 1.sto. Também quero agradecer aos meus antigos assistentes na Université Libre de Bruxelles e na Vrije Universiteit Brussel que colaboraram durante anos no meu ensino e na difusão dos meus cursos policopiados. Vivos agradecimentos são igualmente devidos aos meus colegas que se prestaram a reler e corrigir certos capítulos da primeira parte do livro, para os quais estavam especialmente qualificados: os Profs. A. Théodorides, da Universidade de Bruxelas, para o antigo direito egípcio; R. C. Van Caenegem, da Universidade de Gand, para a história do direito inglês,·}. Vanderlinden, meu sucessor na Universidade de _Bruxelas, para os direitos tradicionais africanos; F. Grirlé,. um dos meus sucessores na Vrije Universiteit Brussel, para o direito dos países socialistas de tendência comunista.

2 5 de Dezembro de 1985.

John Gilissen

INTRODUÇÃO

«Â história do direito é muitas vezes tratada com um condescendente desdém, por aqueles que entendem ocupar-se apenas do direito positivo. Os juristas que se interessam por ela, quase sempre à custa de investigações muito longas e muito laboriosas, Se> frequentemente acusados de pedantismo ... Uma apreciação deste género não beneficia aqueles que a formulam. Quanto mais avançamos no direito civil,· mais constatamos que a História, muito mais do que a Lógica ou a Teoria, é a única capaz de explicar o que as nossas instituições são as que e porque é que são as que existem».

H.

DE PAGE,

Traité de droit civil belge, t. VI, Bruxelles 1942, 806.

A história do direito visa fazer compreender como é que o direito actual se fo~mou e desenvolveu, bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos. O quadro geográfico desta investigação não pode set limitado às fronteiras de um só país; é absolutamente necessário situá-la num quadro mais vasto, que compreenda toda a Europa ocidental, em virtude das influências exercidas pelo direito dos diferentes países no sistema jurídico de cada um deles. A. generalidade dos direitos dos países europeus faz parte da família dos direitos ditos romanistas, ou seja, dos sistemas jurídicos influenciados pelo direito romano da antiguidade. A.o lado dos direitos romanistas, existem no mundo actual numerosos outros sistemas, mais ou menos aparentados com os direitos romanistas, nomeadamente o common law inglês e os direitos socialistas dos países de tendência comunista; outros muito diferentes destes direitos europeus, nomeadamente os direitos hindu, chinês, japonês, muçulmano e africanos. Neste livro, que nasceu de um ensino destinado a estudantes belgas, insistiu-se sobretudo na evolução do direito nas regiões que actualmente formam a Bélgica. Mas esta. evolução foi continuamente colocada num quadro mais vasto, o quadro europeu dos direitos romanistas, que compreende antes de mais a França, cuja influência foi considerável, mas também a Alemanha, os Países Baixos, a Itália e a Península Ibérica.

14 Não esqueçamos, de resto, que as províncias belgas estiveram su1e1tas à mesma soberania que a Espanha e Portugal durante uma grande parte dos séculos XVI e XVII. Para além disto, importa siruar os outr9s sistemas jurídicos no seu quadro geográfico e, sobretudo, histórico, a fim de melhor fazer compreender a situação dos direitos dos países europeus em relação à evolução geral do direito no mundo. Este livro compreende, portanto, três partes: a) Uma história universal do direito, ou seja, uma história dos grandes sistemas jurídicos no mundo, sob a forma de algumas exposições sobre os direitos arcaicos, dos direitos antigos, dos direitos tradicionais não europeus e dos direitos medievais e modernos. Entre estes últimos,. a formação e a evolução dos direitos romanistas constituem o objecto de um estudo mais aprofundado na segunda parte. b) Uma história das fontes do direito nos direitos da Europa ocidental, mais especialmente a partir da Baixa Idade Média (sécs. XII-XX). O estudo da formação e evolução do direito é centrada sobre o estudo das fontes formais de direito desde a época feudal: o costume, a l~i, a doutrina e a jurisprudência. c) Alguns elementos de história do direito privado desde o fim da antiguidade. As exposições visam tornar compreensíveis as origens históricas de um certo número de instituições de direito civil e comercial, tal como são descritas e reguladas nos códigos actualmente em vigor: o estatuto das pessoas, a família, os regimes matrimoniais, os direitos reais, as sucessões, a prova, as obrigaçÕés, certos contratos.

1.

Componentes históricas dos direitos romanistas

O direito de cada país não foi criado de um dia para o outro; não foi instituído; antes é a consequência de uma evolução secular. De uma evolução que não é, de resto, própria de cada país. Pois, se desde a época moderna o direito é, antes de mais, nacional ou, dito de outro modo, se actualmente cada Estado soberano tem o seu próprio sistema jurídico, nem sempre assim foi. Na Baixa Idade Média, o direito era infinitamente mais diferenciado do ponto de vista territorial; mas, ao mesmo tempo, estava sujeito a grandes correntes de influência, nomeadamente às do direito da Igreja e do direito letrado, tal como ele se desenvolveu no ensino universitário, na base do direito romano. Por outro lado, a influência das ideias que a Revolução Francesa de 1789 propagou em numerosos países e das reformas que daí resultaram no plano do direito e das instituições, foi tão considerável que se pode admitir que o período do fim do séc. XVIII e início do séc. XIX constitui uma verdadeira cesura na evolução jurídica. Tal foi certamente o caso em França, na Bélgica, nos Países Baixos; mas também, em menor medida, na Alemanha, na Itália, em Espanha. Por exemplo, as províncias belgas

15 foram incorporadas na França de 1795 a 1814 e, por consequência, sujeitas ao direito da Repúbtica, e depois, Império franceses; as leis francesas e, sobretudo, os cinco grandes códigos napoleónicos (Código civil, Código comercial, Código de· processo civil, Código de instrução criminal, Código penal) permaneceram em vigor na Bélgica após 1814; noutros países, nomeadamente na Itália, Éspanha, Portugal e também nos países da América latina, foram adoptados no séc. XIX códigos similares inspirados nos códigos franceses. Noutros lugares·, nomeadamente na Áustria, na Prússia, na Baviera, foram promulgados na mesma época códigos do mesmo tipo que os códigos franceses. É por isso que, no exame das componentes históricas do direito contemporâneo, é preciso distinguir duas grandes fases, a que segue e a que precede 1789, ano do início da Revolução Francesa.

A.

DEPOIS DE 1789

Não obstante uma relativa estabilidade, o direito continuou a evoluir durante os séculos XIX e XX; esta evolução realizou-se: -

pela promulgação de milhares de leis; pelo desenvolvimento de uma jurisprudência própria de cada país; pelo contributo da doutrina; pela formação de novos costumes.

Num certo número de países europeus, o direito privado accual é constituído pelo direito francês da época de Napoleão, tal como aparece nos códigos de 1804-1807, ou nos que foram influenciados por estes, mas também tal como ele evoluiu até aos nossos dias, em função ·Jas condições políticas, sociais e económicas próprias de cada país. No domínio do direito público, é preciso constatar que as constituições dos diferentes países receberam muito das constituições francesas de 1791, 1814 e 1830 e também do direito constitucional inglês e americano. A partir desta época, o direito público continuou a evoluir; o regime político tornou-se cada vez mais .de~ocrátíco pela extensão do direito de sufrágio e pela participação activa dos governados na acção dos governantes; a intervenção do Estado estendeu-se, sobretudo nos domínios económicos e socta1s. B.

ANTES DE 1789

As constituições e os códigos franceses revogam tudo o que é contrário às regras jurídicas que eles contêm. Desaparece, nomeadamente, desta forma, tanto na Bélgica como na Franç?- e em alguns outros países, uma grande parte das leis da Revolução Francesa, as leis do Antigo Regime, os antigos costumes e os antigos privilégios.

16 No entanto, os códigos não rompem com o passado; antes constituem a síntese das grandes correntes da história do direito da Europa ocidental durante vinte séculos. Estas grandes correntes são elas próprias dominadas por diferentes elementos que formam os componentes históricos do direito dos. inícios do séc. XIX, a saber: a)

O pemamento jurídico epolítico dos últimos séculos do Antigo Regime

A Escola do Direito Natural - cujos principais representantes são então Grócio, Puffendorf, Domat e Pothier - domina o pensamento jurídico nos sécs. XVII e XVIII. É sob a influência e nos quadros do pensamento jurídico desta escola que são efectuadas as grandes codificações dos sécs. XVIII e dos inícios do séc. XIX, sobretudo na Alemanha e em França. No domínio político, começa a dominar o princípio da soberania nacional, que é elaborado sobretudo na Inglaterra e em França, no decurso dos sécs. XVII e XVIII, sob a influência de Locke, Rousseau, Voltaire e Montesquieu. Este princípio leva à preponderância da lei como fonte de direito, sendo a lei a expressão da vontade da nação soberana. Ao mesmo tempo, as liberdades públicas são afirmadas em importantes declarações, tendentes a reconhecer e a garantir os direitos subjectivos dos cidadãos (em Inglaterra: Bill o/ Rights de 1689; nos Estados Unidos, os Bills o/ Rights em certas constituições de EstadQs, nomeadamente na Virgínia (1776), e as primeiras emendas da Constituição federal (1791); em França, a «Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão», em 1789, retomada em numerosas constituições). Os governos da época da Revolução Francesa traduzem em numerosas leis as ideias jurídicas e políticas dos pensadores do séc. XVIII. b)

A legislação dos últimos séculôs do Antigo Regi11U:

A lei já desempenha um papel importante como fonte de direito a partir dos sécs. XV e XVI. O desenvolvimento dos grandes Estados modernos, o fortalecimento do poder monárquico, o enfraquecimento do feudalismo, da Igreja e do espírito particularista, levam a dar valor de lei à vontade do soberano: «Se o rei quer, tal quer a lei» (loisd, lnstitutes coustumieres, 1607). As ordonnances r•) dos reis de França são muito numerosas·, certas ordonnances de Luís XIV e de Luís XV serão retomadas quase textualmente nos códigos napoleónicos. A legislação conduz então a uma relativa unificação do direito em certos países, sobretudo em França, muitos menos noutros lugares (Alemanha, Itália, Espanha).

(• J

Sobre o equivalente ponuguk da exprnsão •ordonnances•, v. adiante Pute II, C., n. 0 1.

17 c)

O costume medieval

O costume é a principal fonte de direito na Europa ocidental, do séc. X ao séc. XIII; e continua a sê-lo, pelo menos no direito privado, até ao fim do Antigo Regime. Este direito costumeiro é parcialmente reduzido a escrito a partir dos sécs. XIII e XIV, embora continue a evoluir. A ratificação dos costumes por via autoritária e as suas redacção e publicação, nos sécs. XV, XVI e XVII, conservá-los-ão em vigor até aos fins do Antigo Regime. O costume constitui urna fonte muito conservadora do direito, sendo muito lenta a sua evolução. Os princípios do direito costumeiro medieval são buscados nos direitos romano e germânico, mas sobretudo nas particularidades dos institutos medievais (feudalismo, regime senhorial, regime dominial, desenvolvimento das cidades comerciais, etc.). d)

O direito canónico

Este direito é o da Igreja católica da comunidade de crentes. A sua influência sobre o direito laico da Europa ocidental é considerável, por diversas razões: - o universalismo cristão da Idade Média; o mundo medieval no Ocidente é um mundo cristão; - o carácter escrito do direito canónico; este é, na Europa ocidental, o único direito escrito entre o fim do séc. IX e o séc. XIII; - a atribuição aos tribunais eclesiásticos da competência exclusiva em numerosos domínios da área do direito privado, tais como o casamento e o divórcio. A influência do direito canónico decresce a partir do· séc. XVI; o direito dos Estados laiciza-se desde esta época. A partir da Revolução Francesa, a religião passa a ter pouca influência sobre o direito, pelo menos em França. O direito canónico continua, no entanto, a ser um dos fundamentos históricos de todo o direito ocidental, apesar dos progressos do racionalismo e do jusnaturalismo nos sécs. XVII e XVIII. e)

O direito germânico

O sistema jurídico dos povos germânicos que viviam a leste do Reno e a norte dos Alpes na época romana era ainda um direito tribal arcaico e pouco desenvolvido. Alguns destes povos invadiram a parte ocidental do Império Romano, sobretudo no séc. V; assim, os Francos instalaram-se nos territórios da Bélgica accual e do Norte.da França, os Visigóticos na Península Ibérica e no sudoeste da França. O seu direito continua a evoluir, sobretudo no contacto com populações romanizadas da Europa ocidental. A partir da época carolíngia, a fusão dos dois sistemas jurídicos - o romano e o germânico - realizou-se aí, mas num quadro político e social novo, que dá origem a um sistema jurídico de tipo feudal (sécs. X a XII).

18 A contribuição do direito germânico arcaico para a formação dos direitos modernos foi relativamente reduzida, tal como aconteceu, de resto, com o sistema jurídico dos povos celtas que viviam no ocidente europeu antes da sua ocupação pelos Romanos.

O O direito romano Os Romanos foram os grandes juristas da antiguidade. Conseguiram realizar um sistema jurídico notável, tanto no domínio do direito privado como no do direito público. •Os seus jurisconsultos, sobretudo os dos sécs. II e III, foram os primeiros na história da humanidade a conseguir elaborar uma técnica jurídica e urna ciência do direito, graças à análise profunda das instituições e à funnuiação precisa das regras jurídicas. O direito romano não desaparece com a derrocada do Império Romano no Ocidente, no séc. V. Subsiste no Oriente, no Império romano do Oriente ou Império bizantino, em que vai conheeer urna evolução própria durante dez séculos (sécs. V-XV). No Ocidente, o direito romano sobrevive durante algum tempo nas monarquias germânicas que se formaram aí, graças à aplicação do princípio da personalidade do direito. Depois de um eclipse de alguns séculos (sécs. IX-XI), o direito romano, tal como tinha sido codificado em Bizâncio no séc. VI, na época de Justiniano, reaparece no Ocidente, graças ao estudo que os juristas dele fazem no seio das universidades nascentes (sécs. XII e XIII). Este renascimento do direito romano constitui um facto capital na formação do direito moderno da Europa ocidental. Pois o direito romano que se encontra na base do nosso sistema jurídico é menos o do império romano que o que se estuda e ensina nas universidades medievais, ou seja, o direito romano tal como é compreendido, interpr,etado e exposto pelos romanistas da Idade Média e da época moderna. A influência do direito romano manifesta-se de uma forma tripla: - Até aos finais do séc. XVIII, o direito romano é (com o direito canónico) o único direito ensinado nas universidades; trata-se de um «direito letrado», muito diferente do direico vivo, ou seja, do direito consuetudinário e legislativo em vigor nos diferentes países europeus. No entanto, os juristas formados nas universidades suplantam progressivamente, dos sécs. XIV a XVIII, os juízes populares, pelo menos nas jurisdições superiores, e adquirem o monopólio, enq_uanto advogados, da defesa dos interesses dos particulares perante estas jurisdições. - Do séc. XIII ao séc. XVIII, assiste-se à penetração progressiva do direito romano no direito ocidental, infiltração inicialmente lenta; depois, nos sécs. XVI e XVII, verdadeira recepção; o direito romano é reconhecido como direito subsidiário, suprindo as lacunas do direito de cada região. - Desde antes do séc. XIII, o direito romano influenciou a formação de numerosos costumes da Europa ocidental, influência devida à romanização mais ou

19 menos intensa das diversas regu>es; a Gália, por exemplo, tinha sido romanizada durante cinco séculos. A influência romana foi no entanto muito mais profunda e ' ' persistente no Midi francês (Provença, Languedoc) do que no Norte, o mesmo acontecendo na Itália e em Espanha. g)

Os direitos da antiguidade

O direito da República - e, depois, do Império romano - é ele próprio proveniente de uma evolução milenária do direito na bacia do Mediterrâneo. Deve muito ao direito grego; as cidades gregas, sobretudo Atenas, atingiram um alto grau de desenvolvimento cµltural, político e jurídico; historiadores e filósofos analisaram aí as instituições do seu tempo e elaboraram sistemas teóricos de governo ideal da cidade, dando assim origem à ciência política. Os próprios Gregos eram herdeiros das civilizações mais antigas, que se desenvolveram no Egipto e na Á.sia Menor. O Império egípcio durou perto de trinta séculos; o direito atingiu aí, já na época do Antigo Império (sécs. XXVIII a XXV a.C.), um alto grau de desenvolvimento, tanto na organização do Estado como no funcionamento das instituições de direito privado. Na Ásia Menor, os direitos a que se chama «Cuneiformes» (Suméria, Acádia, Babilónia, Assíria, etc.) também conheceram, a partir do III milénio, um grande desenvolvimento, sendo os primeiros a formular por escrito regras jurídicas· que, agrupadas em colecções, formam os primeiros «códigos» da história. O direito dos Hititas (sécs. XVIII a XIII a.C.), desconhecido até há algumas décadas, revela-se também um elo importante da transmissão dos sistemas jurídicos da antiguidade. Por fim, o direito dos Hebreus, direito intimamente ligado à religião, exerceu uma influência não negligenciável sobre o direito moderno, mais especialmente ·por intermédio do direito canónico r•J

2.

Os grandes sistemas jurídicos

Costuma-se distinguir, por um lado, os direitos romanistas e os que lhe são aparentados, o common law e os direitos socialistas dos países de tendência comunista; por outro, os numerosos sistemas jurídicos que existem ou existiram noutros lugares do mundo, sobretudo os direitos muçulmano, hindu, chinês e africanos. a)

O.s dirútos romanistas

Os direitos da maior parte dos países da Europa ocidental pertencem a um conjunto, uma família de sistemas jurídicos a que se chama, geralmente, direitos c• 1 Nora do tradutor: para um balanço dao inlluênciao de cada um dos direitos referidos no rnro no sisrema jurídico histórico porruguês (nomeadamente, no direiro m"di.,val), v., por último, MARTIM DE ALBUQUERQUE e RUI DE ALBUQUERQUE, Hiitúria do dirtilo portug11fJ, 1, Lisboa 1984/ l 985. 35 1-3 70 (com indicação de ulterior bibliop;rafia).

20 romanistas, em virtude da influência exercida _pelo direito romano sobre a sua formação. Provieram, na sua maior parte, da ciência romanista do direito que se desenvolveu nas universidades dos países latinos e também dos países germânicos. Em virtude da importância destes últimos países no desenvolvimento da ciência jurídica no fim da Idade Média, na época moderna e no séc. XIX, os autores (nomeadamente René David) chamam frequentemente a esta família de direitos, a família romano-germânica. Os anglo-saxões chamam-lhe o civil law 1y11em, por oposição ao seu rommon law. A quase totalidade dos direitos dos países europeus pertence à família romanista, salvo o direito inglês (o common /aw) e o irlandês e salvo, também, o direito dos países de tendência comunista da Europa oriental, onde se formou, desde há algumas dezenas de anos, um sistema de direito socialista. Pertencem, portanto, à família romanista de direito, os direitos italiano, espanhol, português e grego, no sul da Europa; e os direitos alemão, austríaco, suíço, belga, holandês, dinamarquês, sueco, finlandês, norueguês e escocês, no centro e norte da Europa. O sistema de. direito romanista impôs-se fora da Europa nos países que foram colonizados por países da Europa continental: países da América Latina, Luisiana (nos U.S.A.), Canadá francês (Québec), países africanos colonizados pela França, pela Bélgica ou por Portugal, África do Sul, etc. b)

O common law

O sistema do common law nasceu em Inglaterra, sobretudo por acção dos tribunais reais na Baixa Idade Média (sécs. XIII a XV). É um judge made /aw, ou seja, um direito elaborado pelos juízes; a fonte principal do direito é, aí, a jurisprudência, o precedente judiciário. O common ·law escapou em larga medida à influência do direito romano e da ciência jurídica das universidades medievais e modernas. Os seus conceitos jurídicos e a terminologia são muito diferentes dos dos sistemas jurídicos da família romano-germânica. O common law tornou-se no direito de todos os países que foram dominados ou colonizados pela Inglaterra, nomeadamente o País de Gales, a Irlanda, os Estados Unidos (salvo a Luisiana), o Canadá (salvo o Québec), a Austrália, a Nova Zelândia e numerosos países africanos.

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CRONOLOGIA DOS GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS

Séc XXX a.C.

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GEOGRAFIA DOS GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS

F E P B N

Influência do commonlaw direico francês direico espanhol direico pomiguês direico belga di.reico holandês

23 Os direitos dos países socialistas de tendência comunúta Um sistema jurídico novo nasceu na Russia depois da Revolução de 1917. Baseado numa nova doutrina filosófica e política, o marxismo-leninismo, o direito da União Soviética é um sistema revolucionário de direito que visa alterar os fundamentos da sociedade pela colectivização dos meios de produção; tende a instaurar uma sociedade comunista, na qual não haveria nem Estado nem direito, pelo desaparecimento dos constrangimentos nas relações sociais. Para passar de uma sociedade capitalista a uma sociedade comunista é necessária, todavia, uma fase intermediária, já admitida por Marx e analisada, sobretudo, por Lenine. Durante esta fase, o Estado deve realizar, pela ditadura do proletariado, as necessárias reformas por via legislativa, elaborando um «direito socialista». A ·influência do sistema romanista de direito continua no entanto a constituir uma parte considerável nos direitos socialistas, nomeadamente nos conceitos e na terminologia jurídicos A maior parte das Repúblicas populares que surgiram a partir de 1945 adoptaram um sistema jurídico inspirado no da U. R.S.S.: Checoslováquia, Polónia, Hungria, Roménia, Bulgária, etc. O sistema jurídico da China comunista apresenta particularidades em virtude da influência da concepção tradicional do direito neste país; o mesmo acontece, por outras razões, na Jugoslávia, em Cuba e noutros países. c)

d) · O direito muçulmano O direito muçulmano é, como o direito hindu e o direito chinês, um sistema no qual a distinção entre direito e religião é quase nula; são chamados, geralmenc.e, «direitos religiosos». O direito muçulmano é o «direito dos Muçulmanos», ou seja, _da comunidade de fiéis que professam a religião islâmica. Os Muçulmanos observam um conjunco de regras de vida derivadas do Alcorão, a ki divina; estas regras dizem respeito tanto às relações sociais que nós chamamos jurídicas, como aos comportamentos de carácter moral ou religioso. Nascido nos sécs. VII e VIII, inicialmente na Arábia, e depois nos territórios da África e da Ásia conquistados pelo Islão, o direito muçulmano desenvolveu-se, sobretudo, pelo idjmâ, o acordo unânime da comunidade muçulmana, de facto o dos doutores da lei; variantes na interpretação dos textos levaram, no entanto, a que tivessem aparecido quatro ritos (ou escolas) ortodoxos e vários mais ou menos heréticos. Não obstante estas diversidades, o direito muçulmano conservou teoricamente uma grande unidade, apesar da extensão dos territórios nos quais ele ainda é aplicado: África do Norte, Turquia, Sudeste asiático, Turquestão, Irão, Paquistão, Bangladesh, uma parte da Indonésia; também o Sul e o Centro da Espanha e de Portugal foram islamizados durante uma parte da Idade Média. A partir do séc. X, o direito muçulmano permaneceu estático, congelado; do que resultou uma inadaptação aos problemas da vida económica moderna, levando a um recurso aos direitos europeus, a título dt: direito subsidiário, durante os séculos XIX e XX.

24 e)

O direito hindu

O direito hindu é o direito da comunidade religiosa brâmane, também chamada hinduista. É aplicado sobretudo na Índia e em algumas partes do Sudeste asiático. A religião hindu impõe aos seus fiéis uma cerca concepção do mundo e das relações sociais, baseada essencialmente na existência de cascas. As regras de comportamento aparecem sob a fonna de princípios religiosos que substituem as normas jurídicas. Esses mandamentos são tirados de textos sagrados m_uitos antigos, os srutis, que _contêm especialmente os Veda!. A interpretação desces textos originou o aparecimento de uma abundante literatura, na qual encontramos livros com características mais estritamente jurídicas, os Dharma1â1tra. O direito hindu continuou a ser aplicado, na Índia, durante a colonização britânica. O desenvolvimento político e económico da República da Índia, instituída em 1947, põe problemas complexos de adaptação. f)

O direito chinêJ

Na China tradic~onal, o direito tinha apenas um papel secundário na vida social. O essencial, aí, era o 'li', ou seja, as regras de convivência, e de decência, que impunham um comportamento em harmonia com «a ordem natural das coisas». Esta concepção, nascida sobretudo do pensamento de Confúcio (século VI a. C. ), manteve-se até aos princíoios do século XX. A esta concepção opôs-se, a partir do século III a.C., a dos legistas, defensores da preponderância da lei, a «/a»; que é quase só lei penal, que prevê penas muito pesadas e, muitas vezes cruéis, contra os que perturbam a ordem social, mesmo no domínio do que chamaremos direito civil. Mais tarde, os confucianistas chegaram a impor a sua concepção aos imperadores, a « confucianalizar as leis». Os vinte séculos de história do direito chinês não são mais do que a preponderância alternativa do "li» e do «/a», assim como os esforços para a fusão do «li» com o «/a». A europeização do direito chinês, ou seja, primeiro, a influência dos direitos ocidentais e, em seguida, desde 1949, a dos direitos socialistas, parece ter sido superficial. A partir de 1958 assiste-se ao desenvolvimento de uma nova concepção do «li», o que explica, em parte, a diferença entre o comunismo da U.R.S.S. e o da China. Outras regiões da Ásia conheceram uma evolução do direito semelhante à dos direitos chinês e hindu, sobretudo, o Japão e a Ásia do Sudeste (Birmânia, Sião, Cambodja, Vietname, etc.). As influências chinesas e hindus cruzaram-se aí com elementos próprios dos sistemas jurídicos mais arcaicos e com características específicas do budismo. A europeização do direito foi aí, geralmente, mais considerável do que na China, sobretudo no Japão.

25 g)

Os direitos africanos

Os direitos dos povos da África Negra e de Madagáscar constiruem sistemas jurídicos geralmente mais arcaicos do que os direitos religiosos da África e do Islão. Direit'as arcaicos, mas não direitos primitivos, pois eles conheceram também uma longa evolução interna, com fases descendentes e ascendentes, por vezes muito complexas. É, de resto, difícil esrudar estas ·evoluções, pois os direitos africanos são direitos não escritos. A base essencial destes sistemas jurídicos é a coesão do grupo - a família, o clã, a tribo, a etnia - , cuja solidariedade interna dita a maior parte das relações sociais. O costume é aí a fume quase única de direito, havendo em África um número muito elevado de costumes diferentes, em estádios muito diferentes de evolução. Colonizados tanto pelos Muçulmanos como pelos Europeus, os povos africanos sofreram a influência dos sistemas jurídicos dos seus colonizadores. A partir do acesso à independência, no decurso dos anos 1955 e 1965, os Estados africanos têm procurado soluções novas, umas em ruptura com os seus direitos tradicionais, outras na conciliação de sistemas jurídicos frequentemente muito diferentes uns dos outros, outros, por fim, na busca de uma autenticidade africana.

3.

As fontes de direito

Muitas vezes se funí apelo, neste livro, à noyio de fontes de direito, sobretudo na segunda pane, em que, ao estudar mais especialmente a evolução geral do direito na Europa ocidental a panir da Baixa Idade Média, a exposição será orientada sobre a história das diferentes fontes formais do direito. Importa precisar, desde o início, de que é que se trata ao falar de «fontes». A expressão «funtes de direito» pode ser entendida pelo menos ein três sentidos diferentes: fontes históricas do direito, funtes reais do direito, fontes formais do direito. a)

Fonter históricas do direito

São todos os elementos que contribuíram, ao longo dos séculos, para a furmação do direito positivo actualmente em vigor num país dado. Já recordámos que as fontes históricas dos direitos romanistas são os costumes, a legislação e a jurisprudência do Antigo Regime, o direito canónico, o direito romano, etc.. Todo o livro sobre a «Introdução histórica ao direito» é consagrado à análise destas fontes históricas dos direitos aetuais. b)

Fonter reais do direito

São os factores que contribuem para a furmação do direito; respondem à pergunta: «de onde vem a regra de direito?». As fontes reais variam segundo a concepção religiosa ou filosófica dos ho~ens: furças sobrenaturais, místicas, divinas, noções de justiça, de equidade,

26 de bem-estar social, faccores sociais, económicos, políticos, ou mesmo geográficos, etc.; e também o direito dos pe~íodos anteriores e os direitos estrangeiros. Faremos muitas vezes alusão a elas, sem que, no entanto, aprofundemos este aspecto da formação do direito. e)

FonteJ formais do direito

São os instrumentos de elaboração do direito num grupo sóciopolítico dado numa época dada; são também os modos ou furmas através das quais as normas de direito positivo se exprimem. Nos sécs. XIX e XX e nos países europeus dominados pelo pensamento jurídico e pelas constituições da Revolução Francesa e pelas codificações da época de Bonaparte, afirmou-se muitas vezes que apenas havia uma funre formal do direito, a lei; e que não haveria outro direito senão o que fOsse criado e formulado pelo legislador. Do mesmo modo, nos sistemas jurídicos dos países socialistas de tendência comunista, a lei é frequentemente considerada como a única fonte de direito. Outros juristas admitem que existe um certo número de fontes formais de direito, nomeadamente, ao lado da lei nacional, a lei estrangeira, a convenção internacional, o costume, a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais de direito e a equidade. Entre estas diversas fontes formais de direito, a lei e o costume são as mais importantes na ~volução e na formação dos sistemas jurídicos europeus e também, muitas vezes, nos restantes. Em numerosos textos da Baixa Idade Média, o conjunto do direito é frequentemente designado por /ex et consuetudo, lei e costume. O costume é a fonte formal que domina nos direitos menos desenvolvidos; a lei domina nos sistemas jurídicos mais desenvolvidos; e ser-se-ia, desde logo, tentado a resumir a evolução progressiva do direito pela constatação de que o .costume recua, como fonte de direito, à medida que a lei se impõe. Mas a história do direito é, na realidade, muito mais complexa. Outras fontes de direito desempenham um papel, ora secundário, ora capital. A jurisprudência desempenhou um papel capital na formação e desenvolvimento do common law inglês; um papel menos importante, mas não de desprezar, nos outros direitos europeus. A doutrina, sobretudo a que foi elaborada na base do direito romano renascido na Baixa Idade Média e na época moderna, é um importante instrumento de elaboração e de expressão do direito durante estes períodos. Certos juristas contestam a qualidade de fonte de direito à jurisprudência e à doutrina, não as considerando como tendo força vinculativa em direito. Sem examinar aqui o bem fundado desta concepção, constatemos que, pelo menos na evolução dos direitos do continente europeu, a jurisprudência, a doutrina, e também a equidade, os princípios gerais do direiro e outras fontes formais antes citadas, são ·sobretudo fontes JUpletivas de direito, visando preencher as lacunas deixadas pela lei e pelo costume m. 0) Cf as colecrâneas de esrudos publicadas sob a direcção de). PERELMAN, Le fJrobl~ J,, lacuneJ en Jroit, Bruxelles 1968, nomeadamente, J. Gilissen, Le fJrob/emetks lacuner J11 drnit danJ l'évol11tion d11 droit médiéval et modeme. p. 197-246.

27 Examinaremos na segunda parte o papel desempenhado pelo costume e pela lei nas diversas épocas do passado, a partir do séc. XIII e, por outro lado, o papel supletivo da doutrina e da jurisprudência. Precisemos aqui o sentido dado a estas quatro noções, pois as definições elaboradas em função do direito positivo do séc. XX nem sempre têm suficientemente em conta os sisremas jurídicos que existiram no passado. a)

A lei

No direito actual da maior parte dos países europeus, as leis Itricto Iensu são actos do poder legislativo; por isso, constituem apenas uma das categorias das leis lato sensu, que compreendem todos os actos emanados directa ou indirecramente da vontade soberana da nação e que editam regras gerais e permanentes do comportamento humano; podem também chamar-se, por exemplo, decretos, éditos, arrêtés, regulamentos, erc., e emanar de autoridades nacionais, regionais ou mesmo locais. Esta última definição não é satisfatória para o estudo histórico do direito, pois noções como «nação» e «soberania» não existiram em todas as épocas. Propomos que se retenha a seguinte definição: a lei é uma norma ou um conjunto de normas de direito, relativamente gerais e permanentes, na maior parte dos casos escritas, impostas por aquele ou aqueles que exercem o poder num grupo sociopolítico mais ou menos autónomo. A título de comparação, eis outras duas definições da lei, concebidas no mesmo quadro histórico: segundo H. LEVY-BRUHL (Sociologie du droit, c1Jl. «Que ·sais-je?», Paris 1961, 55), a lei é «uma norma jurídica geralmente formulada por escrito, elaborada por um órgão especializado do poder político, posta em vigor num momento determinado do tempo, por meio de uma declaração ou de promulgação»; segundo H. KRAUSE (v. «Gesetzgebung», Handwifrterhuch zum tkutschen Rechtsgeschichte, t. VII, 1970, p. 1606): «A legislação é a elaboração de normas jurídicas abstractas com a intenção de uma aplicação geral».

O costume Analisaremos mais à frente (2. ªparte, cap. I) a noção de costilme, comando como ponto de partida a definição dada por um jurista flamengo do séc. XVI, P~ilippe Wieland; examinaremos então os caracteres específicos do costume na Idade Média e na época moderna. De uma forma mais geral, propomos definir o costume como um conjunto de usos de natureza jurídica que adquiriram força obrigatória num grupo sociopolítico dado, pela repetição de actos públicos e pacíficos durante um lapso de tempo relativamente longo. b)

c)

A jurisprudência

A jurisprudência é um conjunto de normas jurídicas extraídas das decisões judiciárias. De uma· forma geral, as decisões judiciárias não valem senão entre as pessoas que são partes no processo; não enunciam normas jurídicas gerais e, mesmo que

28 o façam na sua motivação, estas normas não têm força vinailàtiva erga omnes. No entanto, os juízes, sobretudo os juízes profissionais formados i)ela disciplina jurídica (por oposição aos juízes populares) têm tendência a interpretar a lei e o costume como o fizeram os seus predecessores. Por outro lado, a segurança jurídica é ~nção da autoridade reconhecida aos precedentes; em Inglaterra, esta autoridade tornou-se considerável; em virtude do princípio do stare decisis, não é permitido aos juízes modificar a interpretação do direito fixado por certas jurisdições superiores (cf. in/ra, common law ). Este princípio teve pouca aceitação no continente; mas, de facto, a autoridade dos precedentes judiciários foi muitas vezes considerável, ·no passado e no presente. d)

A doutrina

A doutrina é o conjunto de normas jurídicas formuladas por grandes juristas nas suas obras. Na realidade, os juristas, não investidos de um poder político ou judidário, não podem criar normas jurídicas. Mas, em certas concepções do direito, pooem constatar o direito que existe, mesmo que não formulado; descobrem um direito que se supõe preexistir às suas constatações. Neste caso, a doutrina pode desempenhar um papel considerável, como, por exemplo, em certas épocas da história do direito romano. A doutrina pode também contribuir para introduzir um direito estrangeiro como direito supletivo; foi, nomeadamente, o que aconteceu nos finais da Idade Média, quando a doutrina romanista, ou seja, as obras dos juristas formados nas universidades no estudo do direito romano, fez penetrar uma parte desse direito romano na maior parte dos direitos europeus. Por fim, a doutrina está na base da ciência do direito; pelos seus esforços de classificação, de sistematização, de análise e de síntese, os juristas letrados fizeram do direito uma ciência. Muitas vezes, criou-se, deste modo, um «direito letrado~, um «direito dos professores», um «Juristenrechc~ (direito de juristas), faccor importante do progresso jurídico, mas também, por vezes, causa de uma diferenciação cada vez mais marcada do direito teórico, por exemplo, o ensinado nas universidades, em relação ao direito realmente em vigor.

CAPÍTIJLO 1

OS DIREITOS DOS POVOS SEM ESCRITA l.

O problema das origens do direito

Não se pode estudar a história do direiro senão a partir da época em relação à qual remontam os mais antigos documentos escritos conservados. Esta época é diferente para cada povo, para cada civilização. Antes do período histórico, cada povo já tinha, no entanto, percorrido uma longa evolução jurídica. Esta «pré-história do direito» escapa quase inteiramente ao nosso conhecimento; pois se os vestígios deixados pelos povos pré-históricos (tais como esqueletos, armas, cerâmica, jóias, fundos de cabanas, etc.) permitem ao especialista reconstituir, é cerro que de uma maneira muito aproximativa, a evolução militar, social, económica e artística dos grupos sociais _antes da sua entrada na história, estes mesmos vestígios não podem de forma alguma fornecer indicações úteis para o estudo das suas instituições. Ora, no momento em que os povos entram na história, a maior parte das instituições civis existem já, nomeadamente o casamento, o poder paternal e ou maternal sobre os filhos, a propriedade (pelo menos mobiliária), a sucessão, a doação, diversos contratos tais como a troca e o empréstimo. Do mesmo modo, no domínio daquilo a que hoje chamamos direito público, uma organização relativamente desenvolvida dos grupos sociopolíticos existe já em numerosos povos sem escrita. É preciso portanto distinguir a pré-história do direito e a história do direito, distinção que repousa no conhecimento ou não da esê:rita. O aparecimento da escrita e, em consequência, dos primeiros textos jurídicos situa-se em épocas diferentes para as diversas civilizações; assim, para os Egípcios, a transição data de cerca de 28 ou 27 séculos antes da nossa era;·para os Romanos, cerca dos séculos VI ou V antes da nossa era; para os Germanos, do século V da nossa era; para certos povos da Austrália, da Amazónia, da Papuásia, da África Central, data do século XIX ou mesmo do século XX. As origens do direito situam-se na época pré-histórica, o que quer dizer que delas não se sabe quase nada. O problema das origens da maior parte das instituições

32 jurídicas é, portanto, quase insolúvel. No entanto não se deve renunciar a estudar os diferentes aspectos, permanecendo-se todavia muito prudente· nas conclusões que se podem tirar dos estudos feitos. Numerosos trabalhos foram consagrados aos aspecros mais arcaicos do sistema jurídico que podem ser estudados com base em documentos escritos. Foi assim que se tentou reconstituir o antigo direito germânico com auxílio em escritos posteriores às migrações dos Germanos para a Europa no século V, ou o mais antigo direito romano com auxílio dos vestígios por ele deixados nos escritos da época clássica da história jurídica de Roma. Estas reconstituições são muito hipotéticas; é como se tentássemos reconstituir o direito dos séculos XVI e XVII, ou seja da época de Carlos V ou de Luís XIV, com auxílio dos vestígios que dele encontramos hoje no nosso direito. V m outro método consiste em estudar as instituições dos povos que vivem actualmenre num estado arcaico de organização social e política, e que não conhecem ainda a escrita ou que, pelo menos, não a conheciam, na época relativamente recente em que se começou· a estudar a sua estrutura social. Trata-se dos direitos arcaicos de certas etnias da Austrália, da Africa, da América do Sul e do Sudeste Asiático m. O método comparativo apresenta no entanto grandes perigos; pois nada nos permite afirmar que os Romanos ou os Germanos, por exemplo, conheceram uma evolução jurídica similar à que se pode constatar na Austrália ou em África. Além disso, os direitos arcaicos que nós podemos estudar hoje sofreram já numerosas transformações pelo contacto com os direitos europeus. É portanto quase impossível encontrar ainda um direito «primitivo», no «estado puro>~. Apesar destas dificuldades, o estudo dos direitos dos povos sem escrita constitui ainda o melhor meio para nos darmos conta do que pode ser o direito dos povos da Europa na sua época pré-histórica. Este estudo constitui um objecto dos trabalhos de etnologia jurídica que analisam os aspectos jurídicos das sociedades contemporâneas ou antigas que não conheciam ainda a escrita m. Durante muito tempo deu-se o nome de «direitos primitivos» aos sistemas (1) A •Sociedade Jean Bodin pata a história comparadva das instituições• esrudou um certo número de instituições, tanro nas sociedades sem escrita como na história do direito, pelo método comparativo; os temas assim estudados foram, nomeadamente, o esraruro do escrangeiro, da mulher, da criança, a prova, as garantias pessoais, as organizações de paz, a monarquia, ,governantes e governados. as comunidades rurais, o indivíduo &.:e ao poder e o costume (v. em nmas ulteriores a correspondente biblio,llrafia sobre a maior parte dos remas). 12) L. POSPISIL, Antbropology o/l.4w, New York 1974; A. S. DIAMOND, Primitive Úlw, flaJI andf>rdoridk. Aqui se publicaram os ArrhiveJ d'Hútoire du Droit oriental, actualmenre fundidos com a Rév11t in1erna1iona/nle1 dmitJ dt f'An1iq11i1i, criada por iniciariva de P. De Visscher, professor da Universidade de Lovaina. Existt na Universidade de Paris II, sob a direcção de). Gaudemer wn •Centre de documenrarion des droirs antiques• que difunde, duas veus por ano, desde 1959, wna bibliografia corrente dos direitos da anciguidade. Bibliografia: J. GAUDEMET, ln1tit11tionJ de f'Antiquité, Paris 1967; ). IMBERT, Le droit antique e/ m prolongemenfl modemn, 3. • ed. , Paris 1967, colecção •Que sais-je? •.

52 dos direitos arcaicos e feudais, o direito egípcio da época da Ili à V dinastia (cerca de 3000 a 2600) e o da XVIII dinastia (1500-1300) parecem ter sido cão evoluídos e cão individualistas como o direico romano clássico. Descrevê-los-emos brevemente. ~iâmia foi o país que conheceu as primeiras formulações do direico. Os Sumérios, os Acadianos, os Hititas, os Assírios, redigiram textos jurídicos que se podem chamar «códigos», os quais chegaram a formular regras de direito mais ou menos abstracras. Os Hebreus, situados entre o Egipto e a Mesopotâmia, não atingiram um desenvo1;i;;:)efl"(~ do seu direito tão grande como os seus vizinhos; mas registaram na Bíblia, o seu livro religioso, um conjunto de preceitos morais e jurídicos que foram perpetuados, não somente no seu próprio sistema jurídico até aos nossos dias, mas sobretudo no direito canónico, direito dos Cristãos, e mesmo no direito muçulmano. A Grécia, como o Egipto, não deixou grandes recolhas jurídicas, nem vastas codificações. Mas com os seus pensadores, sobretudo Platão e Aristóteles, fundou a ciência política, ou seja a ciência do governo, da polis ou cidade; ela é assim a base do nosso direito público moderno. Enfim Roma, na época da República e sobretudo no tempo do Império, fez a síntese de tudo o que os outros direitos da antiguidade nos tinham trazido. Como os Egípcios, os Romanos realizaram, nos primeiros séculos da nossa era, um sistema jurídico que atingiu um nível inigualável até então. Muito mais qt~e os Mesopotâmios, eles tiv.eram de formular as regras do seu direito e redigiram vastos livros de direito. Sobretudo os Romanos criaram a ciência do direito; o que os jurisconsultos romanos dos II e III séculos da nossa era escreveram, serve ainda hoje de base a uma importante pàrre do nosso sistema jurídico. Antes dos Romanos, os povos da antiguidade não puderam, parece, construir um sistema jurídico coerente; mas esta constatação é provavelmente a consequência da insuficiência das fontes jurídicas actualmence disponíveis. É possível que um dia a descoberta de novos documentos permita fazer recuar de vários séculos, ou mesmo milénios, o aparecimento de uma ciência do direito baseada em princípios jurídicos gerais e abstractos.

A. -OEGIPTO 1.

Evolução geral

A civilização do Nilo tem uma- longa história de cerca de quarenta séculos; a evolução do direito conheceu aí fases ascendentes e fases descendentes, correspondendo mais ou menos às grandes oscilações do poder dos faraós m. ]. PIRENNI! e A. THÉODORIDES, «Droit égyptien~. em). GILISSEN (ed.), lntrod11ction bibliographiq11e., A/l, Bruxei~ 1966;]. PIRENNE, Hi1foire tÍlJ imlif11fio111 el d11 droif privé de l'Anâen Empire, 3 vis., 1932-l93S; ào mesmo, •les trois

53 O nosso conhecimento do direito egípcio é baseado quase exclusivamente nos actos da prática: concracos, testamentos, decisões judiciárias, accos administrativos, etc. .. Os Egípcios quase nada escreveram de livros de direito, nem deixaram compilações de leis oti de costumes. Mas não deixaram de se referir frequentemente a «leis»; estas leis deviam ser escritas, pois, em período de confusão, foram lançadas à rua, «espezinhadas» e «laceradas». Encontram-se, de resto, «Instruções» e «Sabedorias», que contêm os elementos da teoria jurídica tendentes a assegurar o respeico das pessoas e dos bens (v. documento n. 0 1, pág. 56). É constantemente referido o «Maât», que_ aparece como uma noção supra-sensível, o modelo do dir~ito não escrito, que não se' pode consultar, e que também não é o produto de uma revelação divina. «Maât» é o objectivo a prosseguir pelos reis, ao sabor das circunstâncias. Tem por essência ser o «equilíbrio»; o ideal, a esse respeito, é por exemplo «fazer com que as duaJ partes saiam do tribunal satisfeitas». Como é neste preceito que reside "ª t•erdadeira justiça», Maât tanto pode ser traduzido por Verdade e Ordem como por Justiça propriamente dita. A função do rei é a de realizar na terra este ideal complexo; ele levará a cabo este objectivo «vi~endo o Maât nas suas leis», o que significa dizer que se deve inspirar na visão que ele tem deste princípio, pois se entende que disto resultará o benefício dos homens. A história do Egipto faraónico compreende três grandes épocas tradicionalmente chamadas «Antigo Império» (da III à VI dinastia: XXVIII-XXIII séc. antes de Cristo), «Médio Império» (cujo'7:entro é a lXII di'riascia: primeiro quarto do II milénio antes de cri~to) e -;-;r\t~ Império» (XVIII-XX dinastias: séculos XVI-XI antes de Cristo). Estas épocas foram seguidas por «perfodos intermédios»; a última suscita a reacção da XXVI dinastia (séculos VII-VI ames de Cristo) que conduz, através da ocupação persa (525-404), aos Gregos e aos Romanos. Jacques Pirenne, na obra citada em nota, pôs em evidência a alternância de períodos individualistas e de períodos feudais na evolução do direito das instituições egípcias. Já sob o Antigo Império, a monarquia torna-se unitária e poderosa, enquanto que o direito privado conhece um certo individualismo, favorecido por um desenvol-

cycles de l"hist0ire de l'ancienne Egypte•, Buli. Acad. Btlgique, d. /mm, 1959; ainda do rncsrno, Histoire de la civilisation tÚ l'Egypte ancienne, 3 voL, Neuchacel 1961-1963; E. SEIDL, Einf:ihrunr, in dit iir,ypliuht Rechtsgeichicht• bis zum EnJe Jes Neuen Reiches, 2. • ed., 195 1; do mesrno, Atgyplischt Rtcht1geschich1t der S11ilm - und Perrerzeil., 1956; ainda do rnesmo, ·Alliigyp1úches Rechl •, em B. SPULER (ed.), Handbuch der Orimtaliilik; Abtoirr tkJ imtilutiom ;aponai1e1, Bruxelas 19~6 (ver também os estudos de A. Gonthier em Recuti/J ... Bodin, t. 1 a VIII); F. JOUON DES LONGRAIS, L'Est et l'Ouesl: imtilutio_m du japon et de l'O. b2) As decretais (litterae decretales) ou constitutiones são escritos dos papas, respondendo a uma consulta ou a um pedido emanado de um bispo ou de uma alta personagem eclesiástica ou laica. São, como os reescritos dos imperadores romanos, decisões dos papas, complementares dos decretos dos diversos concílios, tendendo nomeadamente a dar a explicação autorizada e a indicar as modalidades de aplicação dessas regras conciliares. De facto, o poder legislativo no seio da Igreja passou progressivamente, em larga medida, dos concílios para os papas. Uma das mais antigas decretais é ado Papa Cirício (384-399)aos bispos da Gália. As decretais foram muito numerosas na época do apogeu do papado, nos séculos XII a XIV e 16 >. Não houve muitas decretais entre 891 e 1049, do mesmo modo que não houve nessa época qualquer concílio ecuménico. A legislação canónica conhece portanto um declínio na mesma época da legislação laica. b3) Actual!11ente, os papas fazem ainda constituições pontificais, que são verdadeiras leis da Igreja. Mas dirigem-se aos bispos sobretudo através de encíclicas, isto é, bulas ou cartas solenes contendo mais conselhos do que instruções. Uma vez que o Papa foi declarado infalível pelo concílio de 1870, as suas directivas gozam de um grande alcance. As encíclicas são geralmente designadas pelas duas primeiras palavras do texto lacino, por exemplo, Mirari Vos el dam la Principauti d. l.ier,e, lovaina 1929: t. 32, 1954, p. 466-506 e 1075-1117: t. H. 195~. p. 20-36. 11 4 > CHAVES E CASTRO, O Beneplácito Rir,i• tm Partuf.al, Coimbra 1885; M. CAETANO, .. Recepção e execução dos decreros do Concílio de Trento em Pottugal•, Revi11a da Faculdatk d. Direito da Univerúdatk tk Li.lho"· t. 19, 1965. p. 5-87. !Ili F. SCHOOLMEETERS, Le1Jfatu11ynndaux d.jean tÚ Fiandre. évêque d. Lier,e ( 16 tÚ Fevereiro de 1288J, Liege 19011; M. LAV_OYE, l.e texte orir,i11al da Statu/11y11adaux dejea11 d. Flandre. Liege 1934; A. VAN HOVE, •les starnts synodaux liégeois de 1585•, AnalecieJ HiJt. eccléJ. BelJ!.., r. 33, 1907, p. 5-51 e 164-214; P. C. BOEREN, •les plus anciens sratuts du diocese de Cambrai (XllI.~lááto réxio em Portugal, Coimbra 1885; MARQUfs DE s. VICENTE, ComiderafÕeJ rtlalivar ao benepláciJo, Rio de Janeiro 1873; arr. 0 • Beneplácirn régio• do Dicionário de Hi11ória de Port11gal (dir. JOEL SERRÃO), Porto 1963. Quanto aos privilégios do foro. Embora em Portu!!al tenham sido recebidos os respectivos princípios do direito canónico, desde cedo o poder temporal reclamou para si a competência jurisdicional sobre t>clesiásricos, em certas circunstâncias. Uma lei dos

o

(28) A Summa de Erienne de Tournai foi parcialmente edirada por J. F. VON SCHULTE, 1891, (repr. Aulen 1965). Cf. J. W ARICHEZ, •Erienne de Tournai et son temps (1128-1203)•, Ann. Soe. Hirt. Arch. Tournai, t. 20, 1936. p. 1-455. (29) G. LECLERC, Zeger Bernard Van Espen e/ /'aJJttrrité talúiaJtique, Zurique 1964; .. .e/ la hii:rarrhie talúiariiq11t, Roma 1961.

151 meados do séc. XIV. transcrica no Livro de leis e posturas (pg. 380), bem como ns artigos das concordatas dos tits. 1 a 7 do Liv. das

Ord. A/.. são significativos da política real de rescrição da iurisdição da lgre;a. As Ordr, Fil. li, l fazem uma liscagem extensa desres casos (cf. doe. tO, pg. 157). Os princípios gerais na matéria são os seguinces. Quanro à suieiçiio (ou não) ao direico temporal: completa isenção nas matérias puramente espirituais e eclesiásticas, submissão nas remporais. Quanto ao foro comperenre: isenção complera nas matérias temporais, mesmo nas patrimoniais e penais. As excepções, nesce úlcimo plano, são as conscantes do citado rexro das Ord. Fil. (li, 1). É só no século XIX que a Igreja perde o principal da sua jurisdição: os privilégios de foro são abolidos pela Comi. 1822, art. 0 9. 0 e pela Carta Comi., are. 0 145. 0 , §§ 15 e 16; os casos mixri fori são abolidos pelo are. 0 177. 0 do dec. 0 24, d .. J 6/3/ 1832 e, depois, pela Reforma Judiciária, parte Il, art. 0 70. º: Bibliografia: BAl'TISTA FRAGOSO. Rer,imm reipuhlirae christianat, Colónia 173 7, pt. 1, l, II, d. IV; GABRIEL PEREIRA DE CASTRO. TraclaluI .... cir.: PASCOAL DE MELO FREIRE, lmtitutiontI iurir civi/ir l11sita11i, Conimbricae 1818, I, rir. V (fTlllxime, §§ 14 e 15); ALVES DESA, O ratholicirmo ea1 naçoo ra1holira1-daJ liherdadt1 da Igrtja port11r,11eJa. Coimbra 1881: BERNARDINO JOAQUIM DA SI!.VA CARNEIRO, ElemmtoJ de direilo trd>); é possível que renham exercjdo alguma influência na evolução do direito consuetudinário da Baixa Idade Média (ver na terceira parte, a teoria de Meijers sobre o «direito liguriano das sucessões», IIl;cap. 3).

F.L. GANSHOF, •Droir mmain dans les Capirulaire.. , in lw Rrm14num Medii Aevi, 1, 2b, cc, Mila.no 1969 (influência ocasional, extremamente reduzida). C48) F. L. GANSHOF e R. C. VAN CAENEGEM, •Monarchie franque-, F. L. GAN!!HOF, •Royaume burgonde•, D. AUGENTI TRETII, G. VENTURA e C. G. MOR, .Jtalia. Alto Medioevo•, in J. GIUSSEN (ed.), lntrod. bibliogr., B/6; B/7 e B/5, Bruxelas 1964-1974; ver os manuais alemães citados na Bibliografia geral; além disso, sobretudo: R: .BUCHNER, Die Rechtsquellen, em WA'ÍTENBACH-LEVISON, Deutuhlands Ge1chithtrq11ellm im Mille/alter. Friihzeit und Karolinger, Weimar 1953; G. KÓBLER, Das Rechr im frühen Miuelalrer, Colónia-Viena, 1971.

172

4.

As leges barbarorum

Conhece-se uma dezena de le~es barbarorum no quadro geográfico do império carolíngio: /ex Salica, /ex Ribuaria, /ex Burgundionum, /ex Alamanorum, /ex Frisionum, etc. A redacção de algumas delas r~monta aos séculos V ou VI, outras datam somente do século IX. Desempenharam um papel capital na conservação das tradições jurídicas dos povos germânicos. Estas lef!,es não são verdadeiros códigos, longe disso; não são sequer leis, no sentido actual do termo; são mais registos escritos de certas regras jurídicas, com origem no costume, próprias deste ou daquele povo. São pois compilações muito incompletas, espécié de manuais oficiais para uso dos agentes da autoridade e dos membros dos tribunais. a)

Modo de redacção· das «leis» bárbaras

Estamos muito mal informados sobre a maneira como as leges foram redigidas. Parece que teria sido necessário, por um lado, o consencimento do povo, e, por outro, a aprovação do soberano. Para compreender o papel, aliás limitado, do povo, é preciso recordar como funcionavam os tribunais ordinários na monarquia franca: em cada pagus (condado) havia um tribur.al (pelo menos um, com frequência vários) chamado mal/um, composto por homens livres e presidido pelo comes ou grafio (conde) ou pelo seu substituto (thunginus, centenarius); este era assistido por assessores que eram chamados a «dizer o direito» (/egem dicere), isto é, a encontrar a solução do litígio baseando-se no costume. A seguir, os homens livres aprovavam ou desaprovavam a solução proposta. O papel dos «dizedores do direito» (em alemão: Urtei/finder, o que encontra a decisão judiciária) era capital. Chamavam-lhes entre os Francos rachimburgii e, mais ou menos depois de 780, scabini (escabinos); entre os Frisões, aJega. Eram os «anciãos» do paxus, reputados pela sua experiência e pelo seu conhecimento aprofundado do costume. Por isso, devem ter desempenhado um papel importante na redacção das leges. Dois asega, de nome Wlemarus e Saxmundus, teriam «ditado» uma parte da Lei dos Frisões. É provável que tenha acontecido o mesmo com outros povos, como aliás ainda sucedeu nos séculos XII e XIII entre os Escandinavos (cf. supra p. 164: o laFÇhman na Suécia, o loxmadr na Noruega). O papel do rei e dos seus representantes, os condes (grafiones), foi muito limitado na redacção das leges. Foram eles que frequentemente provocaram, ou mesmo ordenaram a redacção; aprovaram o respectivo texto; o soberano deu-lhe algumas vezes uma consagração oficial. As leges não são pois 9.ctOS legislativos, leis no sentido moderno__:____ e romano - da palavra. São, na realidade, costumes reduzidos a escrito com a ajuda d~ «dizedores de direito» e por vezes aprovados pela autoridade. As lel{eS encontram-se escritas em latim, salvo as de Inglaterra.

173 b)

1. 0

Geografia e cronologia das "leges"

Direito dos Francos

A Lex Salica (Lei Sálica) c49i contém uma exposição do direito dos Francos Sálios que se tinham fixado no fim do século V na região da Bélgica actual, entre o Mar do Norte, o Somme e a floresta carbonífera (Dyle-Sambre). Os Merovíngios eram Francos Sálios. A Lei Sálica pôde aplicar-se numa região mais vasta, estendendo-se entre o Reno e o Sena (ver mapap. 174). A mais antiga redacção, chamada Pactus legis salicae e compreendendo 65 títulos, remonta à época de Clóvis; não se encontram aí influências cristãs; poderia ~im datar de antes do baptismo de Clóvis, em 496; em todo o caso, é anterior a 511. A Lei Sálica foi várias vezes - pelo menos seis - modificada e completada. O texto mais longo (100 títulos) data do século VIII. Uma outra revisão ainda teve lugar sob Carlos Magno, provavelmente em 802/803; a extensão do texto foi reduzida; chamou-se-lhe Lex Salica emendata. A Lex Rihuaria (Lei Ripuária) c~oi não é o direito dum povo de Francos «ripuários» que nunca teria existido; seria uma redacção de direico franco, ordenada por Dagoberto 1 entre 633 e 639 para a Austrásia, isto é, a parte oriental do reino franco (regiões do Mosa e da Renânia); foi mais tarde o direito dos Carolíngios, originários desta região. A Lex Ribuaria retoma numerosas disposições da Lex Salica, ligeiramente modificadas. A Ewa Ad Amorem (Ewa = lex) erradamente chamada Lex Francorum Chamavorum (lei dos Francos Chamaves), é um texto muito curto (48 artigos), reflecrindo provavelmente alguns costumes particulares dos Francos que habitavam a região situada entre o Mosa e o Waal (Betuwe, Teisterbanr); foi provavelmente redigido em 802/803 cm.

2. 0

Direito de povos g~ânicos que passaram para a autoridade dos reiJ francos

O mapa e o quadro sincrónico anexos permitem situar no tempo e no espaço as «leis» dos outros povos germânicos, redigidas entre os séculos V e IX. As mais antigas são as dos povos do Sul da França, os Burgúndios e os Visigodos. A Lex barbara Burgundionum, atribuída ao rei Gondebaud (474-516) é uma compilação muito romanizada, contendo sobretudo regras de direito civil e de processo cm. F. BEYERLE e R. BUCHNER. Lex Ribuaria, Hanôver 1954; K. A. ECKHARDT, Lex Ribuaria, 1: Auscrasisches Recht im 7. Jahrhunden, Gõrtingen 1960. 1 ~ ll R. SOHM, Nolitia vel comfT/RfT/nrario ~ ilia E1111a q11ae "ad Amorem haheJ. Hanôver 1875· 1879; tradução alemã em K. A. ECKHARDT, Die Gmtzelk1 KArolinr,emiche.1, t. Ili, Weimar 1934;]. F. NIERMEYER, •Hf/ Muldm-Nederland1 rivurenr,ehied in de FrankiJChe Jijd op r,mnd van ~ Ewa q1Jane ad Am,,,.m1 haher•, TijdJChr. Geichiedeni1, e. 66, 1953. p. 145-169. é wn judge-made-law, um.direito jurisprudencial, elaborado pelos juízes reais e mantido graças à autóridade reconhecida aos precedentes judiciários. Salvo na época da sua formação, a lei não desempenha qualquer papel na sua evolução. Mas, em consequência, o éommon law não é todo o direito inglês; o statute law (direito dos estatutos, isto é, das leis promulgados pelo legislador) desenvolveu-se à margem do common law e retomou, ·Sobretudo no século XX, uma importância primordial. Anteriormente aos séculos XV e XVI, tinha-se desenvolvido ao lado do common law, considerado então demasiado arcaico, um outro conjunto de regras jurídicas, as de equity, aplicadas pelas jurisdições do Chanceler; o common law conseguiu· no entanto resistir à influência da equity e mesmo dominá-la no·século XVII; mas o direito inglês conservou uma estrutura dualista até 1875, quando os dois sistemas foram mais ou menos fundidos por uma reforma da organ_ização judiciária. O direito inglês moderno é por consequência muito mais «histórico» que os direitos dos países da Europa Continental; não houve ruptura entre o passado e o presente, como a que a Revolução de 1789 provocou em França e noutros países. Os juristas ingleses do século XX invocam ainda leis e decisões judiciárias dos séculos XIII e XIV. O common law sofreu pouca influência directa do direito romano ou do direito erudito medieval, sobretudo porque é um direito judiciário, no.sentido de que resultou do processo das acções em justiça; o recurso ao direito romano como direito supletivo tornou-se assim difícil, quase impossível. Em resumo, o common law difere de maneira fundamental dos direitos romanistas do continente (a que os Ingleses chamam civil law): - o common law é um judge-made-law, enquanto a jurisprudência apenas desempenhou um papel secundário na formação e evolução dos direiros romanistas;

Londres 1969; R. C. VAN CAENEGEM, The Bfrth of the Enxlilh Common Law, 1973; T. f. T. PLUCKNETT, A conciu hútr>ry of the mmmon law, 5.ª ed., lDndon 1956; A. K. R. KIRALFY, The Eng/iJhkp;al System, 4.• ed., 1967; do mesmo, •En)!lish Úlw•, in]. D. M. DERRETI (ed.), An lntrod11ctin11 tn uxal Syuems, 1968, p. 157-193; Sir C. K. A11EN, Law in the Makinf., 7.ª ed., Oxford 1964; F. POLLOCK e f. W. MAITLAND, The Hiitory of EnrJish Law before lhe limt of Edward 1, 2.ª ed., complecada com uma nova incroduçáo e uma bibliografia selccriva de S. f. C. Mil.SOM, 2 vol., Cambridge 1968; Sir William HOLDSWORTH, A hiitory nf English l.Au', 16 vol., London 1903-1966; várias rttdições de alguns volumes; G. RADCLIFFE e G. CROSS, Tht English ugal Sy1tem, 6.ª ed. por G. H. HANO e D. J. BENTLEY, lDndon 1977 (longa introdução histórica); R. DAVID, H. C. GUTTERIDGE ec B. A. WORTLEY, Introd11ctio11 à l't111de du droit f>rivé tk l'Anxletem, Pacis 1948; H. A. SCHWARZ-LIEBERMANN VON W AHLENDORF, /111roó11ction à l'ospirit et à l'hutoi,..J,, droit anglau, Paris 1977. 171> Deve escrever-se O cnmmon law ou A c0111111011 faw? A questão é controver.;a; sem entrar no debate, preferimos por su~escáo do nosso colega R. C. VAN CAENEGEM, O mmmon law porque A faz pensar na lei, o que o c0111mo11 law, precisamente, não é; conmwn /aw ren· mais o sencido de direito comum. Agradecemos reconhecidamente ao nosro colega Van Caenegem que fei o obséquio de rever esre capítulo e sugerir várias correcções e melhoramentos.

209 - o common law é um direito judiciário, enquanto o processo é só acessório nas concepções fundamentais dos direitos romanistas; - o common law não foi muito romanizado, enquanto os direitos da Europa Continental sofrera,m uma influência mais ou menos forte do direito erudito elaborado no fim da Idade Média com base no direito romano; - os costumes locais. não desempenham qualquer papel na evolução do common law, enquanto na Europa Continental a sua influência permanece considerável até ao século XVIII; o costume do reino é, pelo contrário, uma fonte importante do common law; - a legislação tem apenas uma função secundária ao lado do common law, enquanto se torna progressivamente, do século XIII ao XIX, a principal fonte de direito no continente; - os direitos romanistas são direitos codificados, enquanto a codificação é quase desconhecida em Inglaterra. 2.

A formação do ( a um xerife (agente local do rei) ou a um senhor para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso; o facto de não dar esta satisfação era uma desobediência a uma ordem real; mas o réu podia vir explicar a um dos Tribunais reais por que razão considerava não dever obedecer à injunção recebida (v. documento n. 0 1, 218). O sistema dos writs data do século XII, sobretudo do reinado de Henrique II (1154-1189) m>. Se, na origem, os writs eram adaptados a cada caso, tornam-se rapidamente fórmulas estereotipad~ que o Chanceler passa após pagamento, sem exame aprofundado prévio (de cursu); encontra aí sobretudo, o meio de atrair o maior número de litígios para as jurisdições reais. Os senhores feudais bem tentam lutar contra o desenvolvimento dos writs; pela Magna Carta de 1215, conseguem pôr freio às limitações das jurisdições reais sobre as dos barões ou grandes vassalos; pelas Provisões de Oxford, em 1258, obtêm a proibição de criar novos tipos de writs; mas o Stat11teo/Westminster li (1285), documento capital na história do common Law, concilia os interesse~ do rei com os dos barões impondo o statu quo: o Chanceler não pode criar novos writs, mas pode passar writs em casos similares (in consimili casu) (v. documentos n. º' 3 e 4 pp. 219, 220). Estas disposições permaneceram em vigor até ao século XIX (pelo menos até 1832). A lista dos writs ficou limitada à que existia em meados do século XIII, mas

(72) A mais antiga lista de wrí11 encontra-se no livro atribuído a GLANVllL, ..Pt ley,ib1u et coT1s11etudinibus re11.ni Any,liae, provavelmente escrito em 1187; chamam-se em latim breve; o termo inglês writ, de sentido bastante vago, derivado do writing (escrito), aparece no coíneço do século XIII. O mais antigo Re11.í11er of wri11 conservado, dara de 1227; contém 56 tipos de writs (cf. Documento n. Q 2, p. 218); cf. R. C. VAN CAENEGEM, Royal Wrill ín En11.land from the Conq11est to Glanvill, London 19~9. Selden Sociery~ vol. 77., E. DE HAAS e G.D.G. HMl., E!arly RegiJtw1 o/ Wri11, London 1970.

211 introduziram-se numerosos casos novos no quadro tradicional dos writJ existentes, por aplicação do princípio da semelhança admitido pelo Statute of WeJtmimter ll. O direito desenvolveu-se em Inglaterra desde o séc. XIII, com base nesta lista de writs, isto é, das acções judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de litígio, era (e continua a ser) essencial encontrar o writ aplicável ao caso concreto; o processo é assim aqui mais importante que as regras do direito positivo: remedies precede rights. O commo11 law elaborou-se com base num. número limitado de formas processuais e não sobre regras relativas ao fundo do direito. É por isso que a estrutura do commo11 law é fundamentalmente diferente da dos direitos dos países do continente europeu.

c.

As fontes do common law

Esta estrutura do common law, ligada aos tipos de writs, tornou quase impossível o recurso ao direito romano como direito supletivo: apesar de algumas semelhanças entre a formação do direito romano com base nas acções judiciais e a do common law baseada nos writs, havia diferenças fundamentais, sobretudo quanto ao carácter de direito público dos writs, isto é, ao facto de estes serem ordens do rei. Os conceitos do direito privado romano não podiam ser utilizados na interpretação dos actos do processo inglês. Houve no entanto uma certa influência do direito romano no século XIII, pelo menos através da obra de Bracton (in/ra) que utilizou largamente a Summa do jurista romanista italiano Azo. O common law foi realmente criado pelos juízes dos Tribunais reais de Westminster. Estes tornam-se muito cedo, pelo menos desde o século XIV, juízes profissionais, no sentido em que se consagram quase exclusivamente ao estudo do direito; mas não são, como mais tarde nas grandes jurisdições do continente, legistas formados nas universidades na disciplina do direito romano. Os common lawyers são antes de mais, práticos, formados como litigantes (barristers, advogados); não era necessário ser licenciado em direito por uma universidade para vir a ser solicitor (solicitador), barrister oujudge. Para os práticos, os precedentes judiciários (os cases = casos julgados) foram sempre duma grande utilidade para a defesa dos interesses que lhes eram confiados: o facto de poder lembrar ao tribunal que já decidiu um litígio em tal sentido, dá ao advogado os melhores meios para ganhar o seu processo. Foi assim sobretudo no domínio da interpretação extensiva, por semelhança, dos writs. Desde 1290, as principais decisões judiciárias dos Tribunais de Westminster eram registadas e conservadas nos Year Books, escritos em law French, provavelmente por advogados. A partir do século XVI, as compilações impressas de jurisprudência, os Law Reports, constituem a documentação mais importante dos juízes e advogados; ainda é assim no século XX. Uma boa biblioteca de commo11 lawyer, compreende mais de 2000 volumes de Law Reports! Se o common law é sobretudo um direito jurisprudencial, a obrigação para o juiz de decidir segundo as regras estabelecidas pelos precedentes judiciários - o que se designa ·por princípio de stare decisis - não foi no entanto imposta por via legislativa senão em

212

1875. Mas é inegável que a autoridade do precedente foi sempre mais considerável em Inglaterra que na Europa Continental (v. documento n. 0 6, p. 220). O precedente judiciário não é no encanto uma verdadeira fonte de direiro porque o juiz que proferiu a primeira decisão numa dada matéria teve de encontrar algures os elementos da sua solução, sobretudo no domínio das regras de fundo, chamadas substantive law. Segundo a concepção dominante na história jurídica da Inglaterra, cabe ao juiz «dizer o direito» (1917-1921), os países agrupados na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) começaram portanto a edificar um Estado e um direito socialistas. Este estádio considerou-se atingido em 1936; uma nova Constituição foi então elaborada para prosseguir a «marcha para o comunismo». Depois da segunda guerra mundial, outros países entram na via do comunismo: Polónia, Checoslováquia, Hungria, Alemanha de Leste, Roménia, Bulgária, Albânia, Jugoslávia, na Europa; China, Coreia do Nane, Vietname, Camboja, na Ásia; Cuba, na América, alguns países africanos também (Argélia, Etiópia, Angola, Moçambique, etc.).

222 A evolução do seu sistema jurídico é influenciada pelo precedente soviético; mas encontram-se variantes canto nos fins como nos métodos '82 >. Os sistemas jurídicos destes países designam-se geralmente por «direitos socialistas» porque, pelas razões que serão expostas, a passagem da sociedade capitalista à sociedade comunista fàz-se por um regime ~ransitório de edificação do. socialismo pelos poderes estatais. A evolução do direito nos Estados Socialistas não se realiza em todo o lado, da mesma maneira, por isso, preferimos a expressão «Sistemas jurídicos socialistas de tendência comunista» para agrupar o conjunto dos sistemas que rendem ao desaparecimento do direito e do Estado pela instauração duma sociedade comunista.

2.

O direito na doutrina marxista-leninista

Sem querer expor aqui a fOrmação e o desenvolvimento da doutrina marxista-leninista, importa no entanto indicar a sua posição face ao direito, porque é a doutrina oficial da V. R. S. S. e dos outros Estados de tendência comunista. É considerada aí a única dou crina admitida, sendo qualquer outra subversiva. a)

A doutrina marxiita

A doutrina fundada por Marx e Engels é baseada no materialismo histórico, materialismo no sentido em que a matéria é considerada como o dado primeiro em toda a vida social; histórico, no sentido de evolução para um progresso constante, para uma maior perfeição nas relações sociais; esta evolução obedeceria a leis semelhantes às das ciências naturais.O marxismo distingue dois elementos em toda a sociedade: a base (ou infra-esrrutura) e a superestrutura. A base é tudo o que constitui a existência material da sociedade. Compreende o meio físico, os recursos naturais e também a produção económica, as descobertas técnicas, etc. São aJ forçaJ produtivaJ. A superestrutura compreende as artes, a moral, a religião, o Estado, roda a ideologia duma sociedade. Se a base determina as forças produtivas, a superestrutura reflecce as relações de produção. O direito é considerado uma superestrutura dependendo da infra-estrutura económica;,permite à classe dominante manter a posse dos bens de produção e explorar a

CH2l M. SZEFTI::L .• Russia•, e R. DEKKERS e F. G-ORLÉ, .. Union soviétique•, inJ. GILISSEN (ed.), lntroá. hihliosr., D/9 e D/10, Bruxelas 1966-1974; J. GILISSEN e f_ G-ORLÉ, De U.S.S.R., 2.ª ed., Bruges 1978, col. •Accuele Geschiedenis•, e. 5; R. OEKKERS, /ntroduction a11 ároil tk l'Union Soviéliqut el .•; ÚI imtilutiom .1wiétiqueJ, mesma coL, Paris 1975; Les régimes policiques de l'U.R.S.S. ec de l'Europe de l'Est, cal. Themis, Paris 1971; R. CHARVIN, LeJ f.lals 1oáalhm européem lim1it111iom e/.,;, polítiques), Paris 1975, Précis Dalloz;). G. COLLIGNON, La théorit de l'Erac du peuple touc encier en Union Soviétique, Paris 1967.

223 classe espoliada; o direito seria pois necessariamente injusto; deve desapa~ecer numa sociedade ideal, sem classes sociais. A concepção marxista do direito aparece na maior parte das obras de Marx e Engels; encontra-se já esboçada em A crítica da filosofia do Estado de Hegel e A introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, escritas por Karl Marx e no Manifesto do partido comunista redigido por Marx (quando residia em Bruxelas em 1848) e Engels. Aí afirmam que o direito é «a vontade da classe (burguesa) erigida em lei», vontade cujo conteúdo é dado pelas condições materiais de existência da classe (burguesia). Na realidade, os problemas jurídicos ocupam pouco espaço na obra de Marx, sobrecudo filósofo e economista. É sobretudo num livro de Engels, As Origens da Família, da Propriedade e do Estado ( 1884) que se encontra tima exposição sistemática da concepção marxista da evolução do direito e do Estado. Na origem da humanidade, não teria havido classes sociais, todos os homens eram iguais e dispunham livremente dos bens de produção; não havia então nem direito, nem Estado; mas alguns homens apoderaram-se dos meios de produção, em prejuízo dos outros; aparecem assim duas classes sociais, a dos possidentes e a dos explorados. Ao mesmo tempo aparece o direito, conjunto de regras de conduta impostas pela classe possidente para explorar a outra classe, regras impostas por coacção no quadro dum Estado; o Estado é, pois, organizado pela classe possidente para assegurar o respeito das regras necessárias à opressão dos explorados. A maior parte da exposição de Engels baseia-se numa análise histórica do direito da antiguidade greco-romana e germânica (cf. documento, n. 0 1, P· 230) . O nascimento do direito e do Estado pela formação de classes sociais seria a principal revolução da história da humanidade. Toda a evolução posterior das relações sociais constituiria apenas uma série de etapas nos modos de exploração dos oprimidos: escravatura, feudalismo, capitalismo. Para fazer cessar a exploração duma classe social pela outra, é preciso caminhar para a supressão das classes sociais, abolindo a propriedade privada dos meios de produção. Pondo-os à disposição da colectividade, suprimir-se-iam as desigualdades sociais; numa sociedade comunista na qual cada um trabalhasse para a comunidade segundo as suas possibilidades, e cada um dispusesse dos bens segundo as suas necessidades, já não seria necessária a coacção estatal; o direito e o Estado desapareceriam por si próprios. b)

A doutrina marxista-leninista

Para passar do capitalismo ao comunismo, a classe explorada deve levantar-se contra a classe possidente; a luta de classes implica uma acção política e, em caso de necessidade, revolucionária. Desde o início da Primeira «Internacional dos Trabalhadores» (1864), defrontaram-se duas concepções: uma baseada na acção revolucionária tendente a derrubar

(8~)

Engels urilizou abundantemente, e por vezes copiou, a obra de L. H. MORGAN, Ancient Society, Londres, 1877

224 o capitalismo pela acção violenta, a outra, política e progressiva, procurando apoderar-se do poder no quadro das instituições existentes, designadamente graças à instauração do sufrágio universal. Uns e outros contavam sobretudo com a classe operária dos países economicamente desenvolvidos. Ora, é na Rússia, país agrícola, subdesenvolvido no domínio industrial, que a revolução eclodiu e que, depois de alguns meses de luta entre o partido menchevique (reformista) e o partido bolchevique (revolucionário), este último consegue apoderar-se do poder. O seu chefe, Lenine, foi levado, tanto pelos seus escritos (sobretudo O Estado e a Revolução, 1917) como pelos seus acros, a definir como devia ser realizada a passagem da sociedade capitalista à sociedade comunista, nas condições históricas da Rússia da época. O próprio Marx tinha previsto um período transitório de transformação revolucionária, durante o qual se devia manter o Estado, um tipo de Estado socialista baseado na ditadura do proletariado; mas nem ele nem os seus discípulos tinham aprofundado o problema político e jurídico da fase transitória; embora acreditassem que a revolução se desencadearia num país industrial e que se tornaria rapidamente universal, Lenine, Trotsky, Estaline e outros dirigentes russos encontraram-se perante a necessidade de adaptar a doutrina marxista a um país agrícola cercado por países capitalistas.

3.

Evolução do direito na U.R.S.S. a)

O direito na Rússia antes de 1917

A evolução do direito na Europa Oriental desde o século XI é bastante semelhante à do direito dos países ocidentais, mas com um certo atraso em relação ao Ocidente. Na Baixa Idade Média, o direito russo é quase exclusivamente consuetudinário, como no Ocidente. Alguns costumes foram reduzidos a escrito, designadamente na compilação intitulada Rousskala Pravda ( = o direito russo) nos séculos XI-XII. A influência do direito romano, pelo canal do direito bizantino, foi real. Dominadas pelos Mongóis nos séculos XIII, XIV e XV, as regiões russas já quase não têm então mais contactos com o Ocidente, nem com o Império Bizantino decadente. O seu isolamento persiste nos séculos XVI e XVII, época durante a qual os soberanos do principado de Moscovo conseguem reunir toda a região a Leste da Polónia e da Lituânia sob a sua autoridade. Tomam o título de Czar(= caesar, imper:idor) e estabelecem um regime despótico que persiste até ao início do século XX. Os contactos com o Ocidente são restabelecidos no fim do século XVII por Pedro, o Grande, depois por Catarina II; mas as ideias liberais da Revolução Francesa só penetram lentamente na Rússia, sobretudo no decurso da segunda metade do século XIX; a servidão é abolida apenas em 1861, sem, aliás, ter desaparecido inteiramente de facto. Desde o fim da Idade Média, o direito russo continua uma lenta evolução com. base na Rormkala Pravda, na redacção dos costumes urbanos de Novgorod e de Pskov e da legislação dos soberanos moscovitas: código de 1497 (Ivan Ili), código de 1550 (Ivan IV),

225 código dos Estados gerais sob Aleksei Mikhailovitch (963 artigos, 1649). O Svod Zakonov (corpo das leis russas, de 1832; volumosa compilação de cerca de 60 000 artigos, concebida sobre o modelo de Allgemeines Landrecht da Prússia de 1794), constitui mais uma compilação e uma consolidação do antigo direito russo que uma reforma e uma codificação do tipo dos códigos napoleónicas. Além disso, este direito, sobretudo administrativo, é demasiado erudito para as populações das regiões rurais; no domínio do direito privado, estas continuam a aplicar os seus costumes locais; a propriedade individual, regulamentada nas compilações de direito, quase não é aí conhecida; o solo é pelo contrário ainda comum à família (dvor), ou mesmo à aldeia (mir). Estas características específicas do direito na Rússia explicam em parte os caractere~ do sistema jurídico que se estabelece desde a Revolução de 1917. b)

Edificação do Estado socialista ( 1917'-19 3 6)

Durante quatro anos (1917-1921), a guerra exterior e a guerra civil perturbam a organização do novo regime político . Os dirigentes comunistas tentam instaurar de repente o comunismo por medidas radicais: nacionalização das terras e das indústrias, supressão do direito de sucessão, supressão global do antigo direito e dos antigos tribunais. Os novos tribunais são compostos por um juíz permanente eleito e por dois assessores não permanentes, igualmente eleitos. Um decreto de 20 de Julho de 1918 obriga os tribunais a julgar segundo os decretos do governo soviético, enquanto um outro decreto proíbe qualquer referência ao direito anterior à Revolução. Em 10 de Julho de 1918 é promulgada uma primeira constituição; só se aplica à república russa, porque nessa altura as outras partes do império escapavam ao poder dos Sovietes. A estrutura do Estado é caracterizada por uma pirâmide de sovietes ( = conselhos), cada um composto por representantes eleitos; no topo, o congresso pan-Russo dos Sovietes e o seu Comité Executivo Central. Não há separação de poderes; esta é considerada própria dos Estados capitalistas; numa república soviética que deve lutar para estabelecer o socialismo, considera-se que a unidade e a concentração dos poderes vale mais que a separação (v. documento n. 0 3, p. 232). Desde 1921, impõe-se uma concepção mais realista, tendente a uma edificação progressiva do socialismo como etapa transitória para o comunismo. Durante o período da N.E.P. (Nova Política Económica) (1921-1925), são feitas concessões à prop.riedade privada, ao mesmo tempo que se estabelece um sistema jurídico novo. Renunciando temporariamente à ideia de desaparição do direito, os governantes instauram o «princípio da legalidade socialista» e promulgam novos códigos (código civil 1922, código da família, código agrário, código penal, etc.).

(84) M. Lll!BMAN, La Révolu1io11 rum, Bruxelas 1967.

226 A panir de 1926, abandona-se a N.E.P. para se proceder a reformas profundas no domínio económico, tanto agrárias como industriais, no sentido da colecr:ivi~. Pela execu~ de «planos quinquenais», a autoridade do Estado desenvolve-se em todos os domínios. c)

Do Iocialismo ao comunismo (a partir de 1936)

A Constituição da U. R.S.S. de 1936 tende a fazer o balanço dos resultados obtidos. Foram edificados um Estado e um direito socialistas, pela supressão da luta de classes e pela colocação dos meios de produção à disposição da colectividade. Curiosamente, Estaline (1879-1953) considera que, apesar da realização do socialismo na U.R.S.S., a ditadura do proletariado aí deve ser mantida, tanto por causa do «cerco capitalista» como pela exacerbação dos antagonismos de classe antes do seu desaparecimento definitivo. Novos progressos na via do comunismo são no enranco possíveis. Esta c_ Na primeira fase, o proletariado, apoderando-se do poder político do qual afastará a burguesia capitalista, tratará de destruir, com a abolição da propriedade privada que socializará (expropriação dos expropriadores), o aparelho de Estado antigo no seu conjunco, sem conservar nem instituições nem pessoal, e de o substiruir imediatamente por um aparelho estatal inteiramente novo, baseado em conselhos populares em todas as localidades do país (cidades, vilas, aldeias), conselhos cujos membros serão eleitos nas fileiras do proletariado ou dos seus aliados de classe (o povo), por sufrágio universal, e que serão revogáveis a t-odo o momento por aqueles que os elegeram e, isto, quaisquer que sejam as suas funções. O poder de que esses órgãos serão investidos, será ditatorial. Nesta primeira fase, o Estado proletário (e o seu direico) depois de ter sido uma única vez e um único instante um Estado (e um direiro) verdadeiro, será em seguida e até ao fim um semi-Estado (e um semidireiro), quer dizer, será e não será completamente um Estado (e um direito) cs 7>. Longe de ser abolido por um traço de caneta e duma forma instantânea, como quereriam os anarquistas, longe também de se instalar no tempo de um modo permanence, como aspirava o Estado pré-socialista, o Estado (e o direito) proletário desaparecerá, paralelamente ao próprio proletariado, seu suporte, gradualmente, etapa por etapa, cada etapa realizada servindo de garantia à seguinte, devendo a última na cadeia ser a consequência de todas as que a precederam. Há no entanto um perigo que ameaça, apesar da vitória do proletariado, impedir ou pelo

1861 Considera-se geralmente Saint-Simon o inspirador directo da teoria marxista do desaparecimento do Estado. Ver sobre esre assunto AugusteCORNU, l 1964, P- H-99; A. W. KAMPHUISl!N. G.u1w df. Ha.iJi 19J). A Socied.dr )ftn Bodin -an o MV COllJtml'I clr 1984 • ftllltume•. n1 hil40tia utoiwTsal do di'"'no; os tralalhm 4RI

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253 -

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costume contrário ao direito romano (rontrd il11): 30 ou 40 anos; costume desconh«ido no direiro romano Cpratttr iMs): 10 ou 20 anos; costume conforme ao direito romano: 5 ou 10 anos m1•

o COJIU111t dftJt Jtr raZlkivtl

Quando é que se pode dizer que um costume é razoável, isto é, que é conforme à razio? Esra questão não pode encontrar resposta senão rrcorrendo à razão universal. De facto, o termo •razoável• deve ser compreendido no sentido que lhe dão a autoridade e os jurisras em cada época da História. Diz-se. acrualmente, que o costume não pode ser contrbio à •ordem publica-; assim, no Zaire, quando era colónia belga. os juízes não podiam aplicar os costumes indígenas contrários à •ordem pública internacional•. Na Baixa Idade Média, uma regra consuetudinária será considerada como •mi• ou •sem razão• (a/Jominabili1, «m'upttla) desde o momento em que aparece como contrária ao inrercsse geral. Desde o século XII, e sobretudo a partir do século XIII, o rei de França, os condes e duques dos principados pretendem ter o direito de revogar os •maus costumes•, porque são contrários à razão um. De facto, praticanrn-no bastante raramente, enquanto por outro lado prometeram muitas vezes rnpeitar os ·bons costumes• ci91. Philippe Wielant, na sua Prattijlu Cwilt, considera •como maus os costumes que são ou causa de pecado, ou causa de mau exemplo, ou introduzidos por maus hábitos; esses costumes não se prescrevem .. ~ é necessório •mat& los .. diz Wielant, porque .. corruptclc .. (v. documento n. 0 1, p. 282). g) Em resumo, o costume enquanro fonte do direito na Idade M~ia, apresentava qualidades, ao lado de o~rosos inconvenientes. Enrre as qualidades. podem citar-se as segumres:

-

é espontineo, contrariamente ao qur acontece com a lei que é obra da vontade

da autoridade legislativa; não se faz o costume, ele faz-se por si próprio; - evolui conswuemenre; adapra-se sem cessar ao meio social, a cujas necessidades responde; tal é consequen.cia de não estar fixado num rexro~ é a fonte de direito mais flexível;

1171

J.

BOUTEU.11!.R. S - --'· 1, U, (p. 6): •Coulruaw IMinmiue .., Ir rmnr clt di•

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a.

254 - elabora-se lenramenre: é necessário um certo tempo para que seja aceire; - é conservador, sem no enranro perder a sua capacidade de adapração. Esta qualidade diferencia-o da lei que é má conservadora.

Mas o costume é: insmel, em consequência mesmo ela sua evolução consmnre; está em perpétuo devir; incerto: esre é o seu pri~ipaJ defeito; daí resulta uma real insegurança jurídica; daí, a necessidade de provar o costume em caso de contestação, e finalmente a necessidade de o reduzir a escrito; esre problema é estudado em deralhe a seguir. - variável no rempo; evoluindo constantemente, adaprando-se às necessidades flutuanres do grupo social, muda duma época para a ourra; a sua· duração de aplicabilidade é sempre incerta. -

h) ·Chamava-se mi/o (latim: 1tyl11S, maneira de escrever) aos cosrumes em matéria de processo. Cada instância, cada rribunal tinha o seu estilo que comprttndia o conjunto das regras que era de uso seguir para recorrer à jurisdição, e aí intentar a acção e obrer uma decisão judicial; como diz Boutillier, os estilos são os usos bem conhecidos daqueles que vêm habitualmente à jurisdição: juízes, queixosos, panes. etc. 12oi_

2.

Geografia dos costumes

Na época germânica e, em larga medida, ainda na época franca, os costumes são étnicos: cada povo germânico tem o seu próprio costume, por exemplo o dos Francos, dos Burgúndios, dos Alamanos, dos Bávaros, etc. O cosrume considera-se pessoal. A partir dos séculos X-XII, os cosrumes rornanun-se territoriais, no sentido de que cada cosrume se aplica a todos os habitanres (com poucas excepções) dum dado território. Chama-se •Jitroil• (diJtrictMs) ao ~rritório no qual se aplica um dado costume. Esses distriros foram geralmenre fixados nos stt-J.los XII e XIII e já não mudaram até ao século XVIII, ressalvados os esforços de unificação. O distrito confundia-se muiw vezes com o âmbito duma jurisdição. Num mesmo território, noenranro, podiam coexisrir vários costumes, aplicando-se a grupos sociais difrrenres, sobretudo a classes sociais diferenres; por exemplo, numa mesma cidade: costumn dos nobres ou costumes feudais, cosrumes dos burgueses, costumes dos vilãos. Havia, na Baixa Idade Média e na Época Moderna, um número muiro elevado de regiões consuetudinárias diferentes, isto é, terrirórios possuindo um cosrume próprio. Para a Europa Ocidenral e Central, pode avaliar-se o seu número em vários milhares.

1100 J. BQUTIWER. s-ntr.J, l, 11 Ccd. 160~. p. 7> -Sci_llrnt unuhow ..nCour1di.m-c ~1111ttn 1tillttn dr si loftJt c.. m~ q11r nul dn frrqumtuH d' ~llr Cour iw k - i n t ftl doutt·.

a) Nas XVII Províncias dos Pays át par-tkfà, conseguiu-se contar cerca de 600 cosrnmes rerricoriais dittrmtes nos s«ulos XV e XVI, isto é, na~ em que a sua redacção foi ordenada pelas autoridades. O seu número deve rer sido mais elevado no decurso dos séculos precedentes. O processo de redacção oficial conduziu a uma cena unificação; mas permaneceu pelo menos uma centena até ao fim do século XVIII 1211. Foi por isso ~ não houve""' antigo d~ito belga ou ""'antigo direito neerlandês, isro é. um direito consuetudinário comum ao conjunto das províncias belgas ou neerlandesas, mas centenas de direitos consuetudinários, mais ou menos diferenrcs uns dos outros. Houve, é cerro, em algumas províncias, um esforço de unificação durante os séculos XVI e XVII; por exemplo, o costume do condado de Namur substituiu pelo menos cinco costumes locais a panir de 1~64; o do ducado de Luxemburgo substituiu mais de cem costumes locais a partir de 1623. No principado eclesiástico de Li~ge (situado fora do quadro político dos PllJs át par-átfJI), a unificação tinha sido realizada - com algumas reservas - desde o século XIII mt Nas outras províncias, o parcelamento dos tiltroits consuetudinários subsistiu até ao século XVIII. Examinando o mapa anexo, constatar-se-á que no ducado de Bnbante, por exemplo, havia uns cinquenta costumes mais ou menos distinros. Assim, existiam: um costume de Bruxelas, aplicável na cidade e nalgumas aldeias dos arredores; um costume de Uccle, aplicbel em cerca de 50 aldeias situadas na sua maior parte no :actual Arrowdi11-1 (subprefeitura) de Brux•las 12'\ - um costume de Alsemberg e Rhode, próprio destas duas aldeias; - um costume de l..eeuw-Sainr-Pierre, aplicado em algumas aldeias a sudoeste de Bruxelas; - um costume de Nivelles, aplicado sobrerudo nas cidades e aldeias do domínio da abadia de Nivelles, e também nalgumas casas situadas no cenrro de Bruxelas; - um costume de Lovaina, aplicando-se em mais de 200 aldeias dos actuais arrondissnntnlJ de Lovaina e Niftll~; -

•Ili Lis11 dm c...1umn elas PrvwlnJl... Ínncft9 d1 pRWMr /11..brita IH11#rt•,.. D1n1n. p. 272-276 r nn J. GILISSEN, ·ln~ clr la coddia1ion t'"l clr l'homol1>j1111m-1 eles cuu1umn dlru ln XVII T1p/1. RtrM•tftlh., r. 18, 19,0, p. W. 67 r 2'9·290. EH.brloci o ....,.. dm C01Cumn dos f'lii"" BliProvincts dts mrrid1on11s com • 11ucb dr dacwnrn1m dm s«ub XVI r XVII, r a!Jlumu wzn m1is 111u11m; o ,,..... dr 11nndr l'ann110 rGf'Mdo público 1111 w publica. i' rnconrrs-w ~inda int.liro: cumprft'lldr runWm .. PMta Blli:m1 s.nm1ri0Mu. Til CómO m1nlui 1111..J nM,., , C( \: •Brl,l(iq"" rr Nard dr la Fnntt• J GIUSSEN. ·EIJons d"U11ifianon du dmi1 coucum1n brl"4' ,.,. XVI' rc XVII• •i«ln·. MH...,n G-.. s-1. ' 111 19U. p. 29)-' 17 A unificil(io dD d1tt1to dr Li~~ rnuh-a pronmmmrr da obripc;io..,. muica ,.,.,ildi(6n locais, dr - m 111 drprndincia dos nob1ftM dr L1~~ drsd. o s«ulo XIII. '1'• J. GR.JSSEN. • Lr dt0t1 counimin d"lhdr•, rm S ORA PIER-BA llT1Ell, S. VALSCHAEllTS-GIUS'SEN r ouuos: Utth, - - • t..,.t-/r.iiM B....IMi111, r. I.", BNH.. 1918, p. 199-:MJ. O mapaannodl clisuibui(iodoe re11: iio dr Bruarlaa i irirrrUdo chSI ohn

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261 chamadas npecialmenre para o efeiro•. Mais tarde, foram chamados 111rbim ou co11111mim; recordam os laxbman, os 11111.11, os rathi111"°"'1,1 dos cosrumes escandinavos, frisões, francos (111Jwa). Eram geralmente •anciãos• da cidade, da aldeia, da região na qual o costume era aplicado: quando, mais l'arde, surgiu o hábi.to de nduzir as rurbas a escrito, indicava-~ geralmente a idade dos panicipantes (com frequência muito avançada), a antiga profissão (geraJmenre antigos juízes, escabinos, advogados, etc.), o tempo durance o qual tinham exercido esta função, etc. (v. documento 4 a a e, p. 284). Os tllrbim eram sempre pelo menos em númm> de dez, constituindo assim wna 1""6a uma pequena multidão a.; mu muim ~ eram 12, 13, 17, 21, aJgwnas yezes 50 ou 70. Deviam prestar o jwamenro de dizer o que sabiam do cosrume invocado. Drpois ele se rerem tttirado e~ ttrem deliberado, aprovavam a sua decisão que devia ser romada por WWlimi~: deviam falar •por uma s6 boca•. Dtste modo bastava o desacordo dum único t11rhitr para que a prova da regra consuetudinária não fosse conseguida. No entanto, a prova contrária não era por esse facto estabelecida; era necessário reunir para esse efeito uma nova turba. Qual era o valor obrigatório da decisão da turba? Vinculava ou não o juiz.? Nos s~culos XIII e XIV, a opinião dominante era que a convicção intíma do juiz devia prevalecer. A partir do século XJ, cm algumas regiões, &z.ia-se aplicação do provérbio TtitiJ """'· ltJlis 1111/úa: urna única turba era considerada como não exprimindo senão a opinião duma única testemunha; pelo contrário, se duas turbas decidiam no mesmo sencido, os juízes sentiam-se vinculados '~t As inquirições por turba foram muiro numerosas, designadamente, na~ províncias belgas e holandesas ati ao século XVI '""· A redacção oficial dos costumes p& então fim a esse proc~o de prova, a maior pane das vezes de maneira 6pressa; não obstante esta proibição, encontram-se ainda turbas no s«ulo XVII, e mesmo até ao fim do XVIII. Em Franc;a, a or"41111ana sobre o processo civil de 1667 suprimiu a inquirição por curba; substituiu-a pela •Certificação de costume• dada por alguns jurisconsulros competentes, sem respeitar formas paniculares. Este último processo subsiste ainda hoje, designadamente no direito internacional privado.

' 1111 ria:

11

Na O.~a (XLVII, 8, 4, "· 1.n. dn111n• um• rnulndi.o dt dn • ~111air Pft'°"' cduin. Na Flandres, imponantes forais foram redigidos em 1127, dos quais se conservou o de Saint-Omer; o foral concedido em 1163 a Arras inspirou a redacção de numerosos oucros forais flamengos. Nos ourros principados belgas, citemos entre os mais antigos os forais de Valenciennes (l 114), de Townai (l 118), de Tir~mont (1168), etc. O movimento desenvolve'U-se ainda nos ~culos XIII e XIV; a maior parte das cidades medievais belgas, tal como as dos Países Baixos, da Alemanha e da Fn.OQI, viram os seus privilégios fixados num instrurnePto escrito. No Sul da França, a func;io dos fora.is fOi considerá'Vel na resistmcia contra a difusão do direito romano; a maior parte das cidades e numerosos burgos fizmon reduz.ir os seus cosrumcs a escrito nos fora.is desde os séculos XII e XIII; alguns deles contêm dezenas de disposições de direito privado. CitemOS entre os mais importanteS os de Monrpell~r (1141 e 1204), Arles (1142, 1162, 1202), Toulouse (1152, 1286), Marselha ( 1228). O movimento est~nde-sc mesmo a territórios não urbanos: quer a aldeias (exemplos: Mont-Saint-Guibert, 1116; Barsrode, 1229, Beaumont~n-Argonne, 1182) c-411 l4111 H. PIRENNE, LIJ 1.Jla 11 la r•llll-1,_, •""•••. 2.•"' , Bn.atla6 19,9: f_ L GAN'SHOF. ·Le dmi1 ufbli""' P11ndtt au ~r • la pttmibr pt- dr sua hi..-oirr ( 1127}, Ti~Jtlw_ RtrhtlP"l.- , 1, 19. 1911. U. Llkrli1 • .,.,,.,., ti '"'•"' ,/11 XI' "" "',,.. 1iirk. Anl'Ulotiili ck ntudol pultliada por Pm Ci•ímr, col. Hâiroitt, "·º 19. Bn.adu 1968. Nurrwr..- canas urt>-rm fonm publicadas rm M. MARTl!NS. RlrWll ,J, lalln tfhi- rr6,,,_ M,,.. "'1 .,,,,., "" - ' - J11XIII'1Pkk, cal. Et-6.. /ttu1M• lmrlri« -W, r. 1. l..udrn 1967, p. 297 ..04. A -irdmdr Je.i Badín c~n:11111rft col6quiot u 1M111uÍ(õn ...t.nu: as 1...i..Jhm foram publicldm rm R...tli. u Vilk. r, VI. l11J1rlrll,_, .J.nu11r-1nn ti ~'"', BNatlG l 'n4 lllOI. J. Gll..ISSEN, ·ln nlln rn Brlttiqur•. P- H l ·603 t •ln in11i1uticwil mlrninarn1i""' r judici1irrs. \'UltS 10U1 l'1111:lt ck l'laiMOitt compuatiw•, p. 1-26>. r. VII: l111111.1iow1 ~ti wwla, BNJJdal 19~~ Cnoc. J. Gll..ISSEN, ·ln insciruriOID kanomiqun" roc:ialn dn .-illn. n.n - l l'IJ\flle dr l'hilcoirr-...O'lt•. p. ~-28>. 1. VIU: Lt"'-'"""· BruR1m 19H , ... _J. GD.JSSEN, ·lrdloi1 privtdnYilb. rlftlllr dr l'tuMoil'C' ~ÍW'·. p. ').24 t l'tl'I colab com 1. ROOGEN. •lr problrmr du dniic iwi~ uri.in l'fl'I Bd,:iqur•. p. 221-284l. l411 Drnnu dr cidlldn t ddriu do Sul do lwDnnbu.it0 foram ismos no inicio cio tkulo XIII. CONtJuindo qur os iwí•ill!11ios cooc~idos l ddri1 • 8-r-31, Carlos V, consrarando os abusos que resulravam da diversidade dos costumes e da dificuldade de prova das regras jurídicas, deu ordem para se proceder à redacção de todos os costumes no prazo de seis meses (v. documento n. 0 8, p. 287). Como em França, uma certa resisr~ncia por pane das autoridades locais entravou a execução do trabalho; Carlos V reve de renovar a sua orJ0111111na em 1532, l'.'>40 e 1546. Por sua vez, Filipe II deu ordem para se proceder com urgência à redacção de rodos os costumes (l '.'>69). Finalmente, Alberto e Isabel, no seu célebre Édiro Perpétuo de 1611, renovaram as instruções no mesmo sencido (v. documento n. 0 6, p. 326). O método de mlacçii:>, aprovação e homologação foi fixado desde o princípio; compreende as quatro fases seguintes:

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1111 P. OLIVIEll·NARTIN, .li 1',m1. ,,.11 t/11•- """' k Jrair - • • d ln &,.111.n,... .,,..._, Paris 191~. R. PILHOL. li I',,.;,, Ntilltwl Clrfflr.f/r tlt T1-u1 t. R/f-liM Jn ,_ _,,_ Pui1 19P. 1111 A Comiado llal da Anrips l.ttl ir d1 Mlitic1. inttiruide nn 1841 fui mcvrqied1 cb publKM;io cb anrif!OJ conumn da Ml11ic9. Publicuu .W., prnrm.. 72 vol11mn quir c01111t-m ot CGMUllMI t-nolopdm. m ~ dr coHullM'I t. PI,. cttru ~tiilln (Pbndm. Hei-, Toiamli), d> o rl1ulo •Oriittm C' drwn"WOl,,imrnro•, donunmim, ...bffrudo nwdlt'Vllll. quir poclc-m IC'I' COCllidirndos como pR'n'dmm. O ftlof du publice(iln ~i1• aMn dr 1914 f mui10 drsi11uial; d.pot1 clwn pt'rliGdo ck lttmrjli•. a Comissio- anivame11rc as ... rnibalt- • panir dr 19~. IHl J. GIUSSEN, ·la rftlacrilln da cuunimcs cn Bcl,liiquc eus XVI• t1 XVII' 1i«lft•. 111 fJt " " - ' - Jn _,,,_. "-• /r ,.,,, d "6tu /1 Jlrisnll, 1961. p. 87· 111; o nmmo, •ln pi.as de la codifimiocl ti dr li.omolotl11t0t'I dn cou1•J11W1 '*'6 IC'I XVII Proorinces dcs Pars·Bu•, Tijt/Jdw. ~ .. 1. lb, 1~0. p. '6-67 r2~9-290.

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279 - rc"dacc;ão dum projecro pelos oficiais de justiça e magisrra.dos locais: bailios, prebostes, am111a111, escabinos, etc. - exame e emenda do projecro pelo Conselho Provincial de Justiça (Conselho de Flandres, de Brabante, de Luxemburgo, etc.). - exame do projecro assim e~ndado pelo Conselho Privado, um dos rrês Conselhos colaterais que assistiam o soberano ou o seu representante, o Governador Geral: eventualmente, rec.nvio ao Conselho Provincial ou mesmo às autoridades locais para novo exame: - finalmence, homologação do texto pelo soberano que ordena que o costume redigido seja ~rvado como •lei e costume geral• no âmbito que ele indica, proibindo invocar outras regras consuetudinárias, reservando-se o direito de interpretar, revogar e completar as disposições adoptadas. O processo •belga• foi pois dikrenre do processo adaptado em França para a redacção dos costumes. São sobretudo os órgãos judiciários e políticos que intervêm; os órgãos representativos nio ~mpenham neste caso nenhuma função, excepto, verdade seja dita, nalguns casos de rcdacção de costumes provinciais (Namur, Luxemburgo) em que os Estados Provinciais foram chamados a dar o seu parecer. Por outro lado, o soberano intervém directamente dando a sua aprovação pela homologação do texto. O resultado final foi considerável: cerca de 700 cosrumcs diferentes foram redigidos nas XVII Províncias; alguns foram-no t~ e quatro vezes (por exemplo em J\nvers, quatro redacçõts: 1'47, 1'70, 1'82, 1608). Mas apenas 88 costumes foram hc:>mologados: a maior parte dos costumes locais tinham sido rejeitados e mesmo suprimidos pelos Conselhos Provinciais e pelo Conselho Privado, que operavam assim uma verdadeira unificação, pelo menos parcial, do direito consuetudinário. A situação, neste aspecto, diferia no enranto de província para província (ver mapa, p. 256): em certas províncias (Namur, Luxemburgo, Frísia) tinha sido homologado um único costume, eliminando pois todos os costumes locais; noutras (Hainaut, Arrois) tinha-se homologado um costume provincial, mantendo alguns costumes locais, mais ou menos derrogatórios. Na Flandres, foi homologado um grande número de costumes, geralmente um por cada castelo e um por cada grande cidade. finalmente, no Brabanre, o poder central enfrentou a resistência do Cons.elho soberano da província, que, invocando a}~111t Entm (que estabelece que as questões relativas ao Brabante só poderão ser tratadas por Brabantinos), recusou transmitir os projecros de costume ao Conselho Privado no qual tinham assento alguns não-Brabantinos: daí resultou que a maior pane dos grandes costumes brabantinos (Anvers, Br11xelas, Uccle, etc.) nunca foram homologados. Quanto à Holanda, nenhum costume foi aí homologado, em consequência da guerra travada contra Filipe II; assim se explica o desenvolvimento assumido no século XVII pelo direito romano nesra região. Nem todos os costumes foram redigidos e homologados na mesma época. Foi sobretudo no fim do ~inado de Carlos V, entre 154 5 e 15 5 5, em seguida na época do

280 duque de Alba (1569-15 72) e por fim sob os arquiduques Alberto e Isabel que grande número de cosrumes foram redigidos. A maior parte dos homologados datam da época de Carlos V (uns vinre) e sobretudo da de Alberto e Isabel (cerca de 50). No principado de Liêge (que não fazia parte dos Países Baixos meridionais), envidaram-se igualmente esforços para redigir e decretar oficialmente os costumes, sem o conseguir. Por ordem do príncipe-bispo Fernando da Baviera, Piere de Méan escreveu em 1650 um Rtc11til de.s poi1111 marqllh po11r ro11tumt1 d11 Pll]J tk Liiie. destinado a ser o rexro oficial dos costumes; todavia, nunca foi decretado 4'°' 1• Em numerosos casos, o estilo ou maneira de proceder foi redigido ao mesmo tempo que o costume e mais ou menos integrado neste. A panir do século XV, as altas jurisdições tiveram o seu estilo próprio que, aliás, renranun impor às jurisdições que lhes eram subalternas. Houve por exemplo o estilo do Grande Conselho de Malines ( 1559), do Conselho de Brabante (1531, 1558, 1604), do Conselho de Namur (1620), do Conselho da Flandres (1483, 1522, 1531), do Tribunal de Hainaur (1464, 1611), do Conselho do Luxemburgo (1532, 1694, 1752, 1756), do Conselho Ordinário de Li~e (1551, 1572).

6.

Consequências da redacção oficial dos costumes A rrdacção oficial dos costumes transformou consideravelmente a natureza do

direito consuetudinário.

a) A partir de então, o costume é certo; já não tem de ser provado pelas panes; todos os meios de prova do costume, sobrerudo a inquirição por turba são abolidos. É mesmo proibido contestar o texto do costume. Apenas o soberano pode completá-lo e interpretá-lo. Em França, o costume reduzido a escrito pode ser revogado por desuso ou pela formação de di~ito novo. b) O costume é estivei. Já não pode variar muito, uma vez que esrá ~uzido a escrito; aliás, os costumes escriros raramente foram modificados. Houve, bastantes vezes, duas ou três redacções sucessivas, mu a última, remontando geralmente ao fim do século XVI ou ao início do skulo XVII, permaneceu imut,vel até ao fim do século XVIII. O direito consuetudinário toma-se assim esderosado. Haverá progressivamente ruptura entre o direito consuetudinário escrito e a "oluc;ão da vida s0cial; os costumes redigidos tOml!or-se-ão, em parte, direito morto, ao lado dum direito vivo formado pela legislação e pela jurisprudencia.

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tMI A obn dr Piftft DI! ráAN ~ ftdec(to .,n....i. do dr l..itac. cuja autoridmdc. cmbon snadr. foi, no enlanlO, alsuma 'lftC'l.

281 Os costumes homologados adquiriram as características essenciais da lei: certeza, estabilidade, perma.Mncia. Na Bélgica, aliás, são formalmente leis; não o são, em França. Mas, mesmo quase rransformado em direito legislarivo, o direito consuetudinário permanecr distinto da legislação. Porque o costume é muito menos geral: s6 ~ aplica numa dada região, portamo, numa parre do território submetido à autoridade do soberano. Rege marérias que nio são muito abordadas pela legislação: sobretudo o direito civil e o processo. É a expressão dos semimentos panicularisras das populações que permanecem muito arreigadas aos seus usos e costumes. A oposição das provínciu belgu às reformas de ). Analisemos mais em detalhe o poder legislativo em três países: França, Inglaterra e nas XVII Províncias dos Países Baixos. a)

1. °

Quem legisla? França n04>

É o rei - e apenas ele - quem legisla. Como representante de Deus, ele é a «lei viva»; a fórmula provém das monarquias helenísticas dos sécs. IV e III a.C.: vÓ(J.oc; 'tfL~ux.oc; (nomos empsychos), tendo sido retomada pelos imperadores romanos e, mais tarde, pelos legistas ao serviço do rei de França. «Aquilo que ô rei quer, assim o quer a lei» (Loisel, lnstitutes coutumieres, n. 0 1). Tudo o que o rei entende dever impor como norma de direito é lei; O seu poder é ilimitado; ele usa-o a seu bel-prazer; a maior parte das leis do rei contém, de resto, a fórmula «Pois assim me praz». Colbert dirá, no século XVII: «Todo o poder legislativo deste reino reside na pessoa do soberano. O rei não está sujeito às leis; os romanistas tinham recolhido de Ulpiano o adágio «princeps legibus solutus est» (D. 1, 2, 31). Daqui em diante, as leis do rei aplicam-se em todo o reino; poucas leis existem que sejam limitadas a uma das suas panes. De resto, não existe nenhuma outra autoridade legislativa para além do rei: em virtude de um édito de 1572, os senhores deixam de poder fazer ordonnances que não estejam conformes com as ordonnances do rei; as cidades perderam todo o poder legislativo, salvo em certas matérias administrativas de interesse local. Se a iniciativa das leis pertence apenas ao rei, ele faz, no entanto, redigir as leis pelos seus colaboradotes: chanceler, ministros, Conselho. do rei, ou por comissões de magistrados e juristas que ele cria para este fim. De facto, certos chanceleres e ministros desempenharam um importante papel na actividade legislativa: Michel de l'Hôpital, Marillac, Colbert, Daguesseau. Duas instituições importantes intervieram na actividade legislativa em França: por um lado, os Estados Gerais, no séc. XVI, para tomarem certas iniciativas nesta matéria; por outro lado, e sobretudo, os parlamentos, para controlarem a actividade legislativa do rei.

003) G. IMMEL, «Typologie der Geser:zgebung des Privatrechrs und Prozessrecht•, em H. COING, H11ndb11ch . .. , op. cít. t. II, 2. 0 pane, Müchen 1976, 3-96; encontram-se nas ourras panes desre volume noras (sobrerud~ bibliograficas) sobre a legislação dos diferences países da época moderna.· (1114) F. OUVIER-MARTIN, •l.es lois du mi•, op. á1.; R. PETIET, D11 poJJVOir /igiJ/ati/ en Ffantt depuis /'avmemml dt Philippe /e Be/ j111q11'en 1789, Paris 1891; W. WILHELM, •Geserzgebung und Kodifikation in Frankreich ím 17. und 18. Jahrbundert~, Iw C1J1M1111ne, I (1967) 241-270; B. DÕELEMEYER, •Gesetzgebung in Frankreich•, em H. COING(ed.), Handbuch ... op. cit., 11.2 (1976), 187-227. Textos sobre as ~Mnas reais, JOURDAN, DECRUSY e ISAMBERT, Rheil giniral ... , op. âl.; para o reinado de .Francisco 1: publicação da Académie dts sciencu nuwalu ti poli1iq11u: . Os Conselhos de justiça de cada província (Conselhos do Brabante, de Hainaut, de Namur, etc.; cf. infra, II, 1, E) tinham, como os parlamentos franceses, um direito de advertência ( remontrance) por ocasião da publicação das ordonnances; mas não o podiam exercer senão uma vez; a instituição do «lit de justice» era desconhecida. Os soberanos nas XVII Províncias tinham um poder legislativo mais limitado do que os rei de França, pois prometiam, no seu juramento de entrada em cada província, respeitar os antigos costumes. Sobretudo o Conselho do Brabante, invocando a «Joyeuse Entrée», renovada no início de cada reinado, defendia com energia os privilégios e costumes da província. Nos sécs. XVII e XVIII, outras províncias invocaram também a «Joyeuse Enrrée», progressivamente considerada como comum a rodas as províncias. No Hainaut e em Gueldre, o soberano tinha prometido, aquando da homologação dos costumes, não introduzir neles nenhuma modificação sem a participação dos Estados.

C11 3> ) • GILISSEN, •l.es Etats généraux des Pays de par deçà ( 1464-1632)., em Cinq an/1 am ,J, vi< parlemnitairt. Ancien1 Pay1 e/ Anciem Eta/J, t. 33 (1965), p. 203-321; ID., •l.es Érats généraux en Belgique et aux Pays Bas sous l'ancien Régime•, R«uúb Sociélt}ean Bodín, t. 24, 1966, p. 401-437; R. WEllENS, ÚJ Ela/J géniraNX dn PtJy1 Ba1 dn origín extensiva, que é proibida; mas não a interpretação compreensiva.

35.

333 36. A interpretação que ctstá contida na coisa (a interpretar) e não fora dela não é excluída pela interpretação. Também não é excluída a interpretação doutrinal,_mas a intrinsecamente frívola e intelecrual. 38. A interpretação baseada na disposição de alguma lei ou do direico comum não é proibida pela Ordenação. (. .. )

42. A sentença do tribunal da corre não tem força de lei, em termos de os desembargadores terem que a seguir (noutros casos). Ed. cons., Lugduni 1699, tom. 1, lib. II, c. 10, summarium.

PORTUGAL. DOMINGOS ANTUNES PORTIJGAL, Tractatus de donationibus ... , cit., 1. 1., p. II, c. 24, o.os 11-13 - as cortes e a competência legislativa do rei.

• 18.

11. Dissemos que os comícios também podem ser convocados para fàzer leis; mas é pressuposto que o rei pode, por si só, fazer leis(. .. ), embora as costume fazer com o conselho dos grandes e dos conselheiros( ... ) No entanto, as leis feitas em cortes com o conselho dos três braços são dotadas de maior eficácia do que as feitas apenas pelo príncipe( ... ). 12. Na verdade, embora o príncipe também possa revogar as leis fêitas em cortes e com o conselho dos grandes, não se presume que o faça por rescrito, a não ser que nele se faça menção delas. No entanto, o contrário deve ser dito das leis feitas só pelo príncipe, pois se no rescrito for aposta a cláusula «non obstante» revoga-se a lei naquilo que for contemplado no rescrito, valendo este (... ). 13. Do mesmo modo, pode o Papa dispensar as determinações do Concílio"( ... ). Pelo que não há qualquer dúvida de que o rei pode revogar as leis feitas nas corres. Mas dependendo maior causa e consideração. Na verdade, se os povos, tendo dado dinheiro ao rei, obtiveram desce a feitura de certas leis, essas leis, a que se chama pactadas, adquirem a natureza de contrato, não podendo ser revogadas pelo príncipe, nem pelos seus sucessores, pois contêm em si justiça natural que obriga um e outros(. .. ). Ed ..cit., I, p. 318.

*

PORTUGAL. Lei de 18.8.1769 («lei da Boa Razão»)- reforma do quadro das

19.

fontes de direito; reforço do legalismo. (.

.. )

6 Item: Mando, que não só quando algum dos ] uizes da causa entrar em dúvida sobre a· intelligencia das Leis, ou dos estilos, e deva propor ao Regedor para se procederá decisão della por Assento na fórma das sobreditas Ordenações, e Reformação; mas que tambem se observe igualmente o mesmo, quando entre os Advogados dos Litigantes se agitar a mesma dúvida, pertendendo o do Author, que a Lei se deva entender de hum modo; e percendendo o do Réo, que se deva entender de outro modo. (. .. )

7 Item: Por quanto a experiencia tem mostrado, que as sobreditas interpretações de Advogados consistem ordinariamente em raciocínios frívolos, e ordenados mais a implicar com

334 sofismas as verdadeiras Disposições das Leis, do que a demostrar por ellas a justiça das partes: Mando, que todos os Advogados, que commerrerem os referidos arcentados, e forem nelles convencidos de dollo, sejão nos Autos, a que se juntarem os Assentos, multados; pela primeira vez em sincoenta mil réis para as despezas da Relação, e em seis mezes de suspensão; pela segunda vez em privação dos gráos, que tiverem da Universidade; e pela terceira em cinco annos de degredo para Angola, se fizerem assignar clandestinamente as suas Allegações por differentes Pessoas; incorrendo na mesma pena os assignantes, que seus Nomes emprestarem para a violação das Minhas Leis, e perturbat;ão do socego público dos Meus Vassalos. 8 Item: Attendendo a que a referida Ordenação do Livro Primeiro Titulo Quinto Paragrafo Quinto não foi estabelecida para as Relações do Porto, Bahia, Rio de Janeiro, e India, mas sim, e tão sómente para o Supremo Senado da Casa da Supplicação: E anendendo a ser manifesta a differença que ha entre as sobreditas Relações Subalternas, e a Suprema Relação da Minha Côrte; Mandado, que dos Assentos, que sobre as intelligencias das Leis forem tomados em observancia desta nas sobreditas Relações Subalternas, ou seja por effeito das Glossas dos Chancelleres, ou seja por dúvidas dos Ministros, ou seja por controversias entre os Advogados; haja recurso á Casa da Supplicação, para nella com a presença do Regedor se approvarem, os sobreditos Assentos por effeitos das Contas, que delles devem dar os Chancelleres das respectivas Relações, onde elles se tomarem. (.. .)

9 Item: Sendo-Me presente, que a Ordenação do Livro Terceiro Titulo Sessenta e Quatro no Preambulo, que mandou julgar os casos omissos nas Leis Patrias, estilos da Côrte, e costumes do Reino, pelas Leis, que chamou lmperiaes. não obstante a restricção, e a limitação, finaes do mesmo Preambulo concheudas nas palavras = As quaes Leis Imperiaes mandamos sómence guardar pela boa razão, em que são fundadas = , se tem tomado por pretexto; tanto para que nas das Allegações, e Decisões se vão pondo em esquecimento as Leis Patrias, fazendo-se u:Zo.sómence --....... dos Romanos ( ... ) Mando por huma parte, que debaixo das penas ao diante declaradas se não possa fazer uzo nas ditas Allegações, e Decisões de Textos, ou de Authoridades de alguns Escriptores, em quanto houver Ordenações do Reino, Leis Patrias, e uzos dos Meus Reinos legitimamente approvados cambem na fórma abaixo declarada: E Mando pela outra parce, que aquella boa razão, que o sobredito Preambulo determinou, que fôsse na praxe de julgar subsidiaria, não possa nunca ser a da authoridade extrínseca desces, ou daquelles Textos do Direito Civil, ou absrraccos, ou ainda com a cancordancia de outros; mas sim, e tão sómence: Ou aquella boa razão, que consiste nos primitivos principias, que contém verdades essenciaes, intrínsecas, e inalteraveis, que a Ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divino, e Natural, formalizarão para servirem de Regras Moraes, e Civís entre o Chrisrianismo: Ou aquella boa razão, que se funda nas outras Regras, que de universal consentimento estabeleceo o Direito das Gemes para a direcção, e governo de todas as Nações civilizadas: Ou aquella boa razão. que se estabelece nas Leis Políticas, Economicas, Mercantis, e Marítimas, que as mesmas Nações Christãs cem promulgado com manifestas utilidades, do socego público, do estabelecimento da reputação, e do augmento dos cabedaes dos Póvos, que com as disciplinas destas sabia5, e proveirozas Leis vivem feiices á sombra dos Thronos, e debaixo dos auspícios dos seus respectivos Monarcas, e Príncipes Soberanos: Sendo muito mais racionavel, e muito mais coherente, que nestas interessantes

335 materias se recorra antes em casos de necessidade ao subsidio proximo das sobreditas Leis das Nações Chrisrãs, illuminadas, e polidas, que com ellas estão resplandecendo na boa, depurada, e sãa Jurisprudencia; em muitas outras erudições uceis, e necessarias; e na felicidade; do que ir buscar se~ boas razões, ou sem razão digna de attender-se, depois .de mais de dezesece Seculos o soccorro ás Leis de huns Gentios ( ... ) lO Irem: Por quanto ao mesmo tempo Me foi cambem presence, que da sobredica generalidade supersticiosa das referidas Leis chamadas lmperiatJ se cosrumão extrahir outras Regras para se interpretarem as Minhas Leis nos casos occorrentes: encendendo-se, que estas Leis Patrias se devem restringir quando são correctorias do Direito Romano: E que onde são com elle conformes se devem alargar, para receberem todas as ampliações, e todas as limitações com que se ~chão ampliadas, e limitadas as Regras concheudas nos Textos, dos quaes as mesmas Leis Patrias se suppõem, que forão dedwidas ( ... ) Em consideração do que tudo Mando outro sim, que as referidas rescricções, e ampliações excrahidas dos Textos do Direito Civil, que até agora perturbarão as Disposições das Minhas Leis, e o socego público dos Meus Vassalos, fiquem inceiramente abollidas para mais não serem allegadas pelos Advogados debaixo das mesmas penas assima ordenadas, ou seguidas pelos Julgadores debaixo da pena da suspenção dos seus Officios até Minha mercê, e da.S mais, que reservo ao Meu Real arbítrio. 11 Excepcuo com tudo as restrições, e ampliações, que necessariamente se deduzirem do espírito das Minhas Leis significado pelas palavras del_las tomadas no seu genuino, e natural sentido: As que se reduzirem aos princípios assima declarados: E as que por identidade de razão, e por força de comprehensão, se acharem dentro no espírito das disposições das Minhas ditas Leis. E quando succeda haver alguns casos extraordinarios, que se fação dignos de providencia nova; se Me facão presentes pelo Regedor da Casa da Supplicação, para que, tomando as informações necessarias, e ouvindo os Ministros do Meu Conselho, e Desembargo; determine, o que Me parecer que he mais justo, como já foi determinado pelo Paragrafo Segundo da sobredita Ordenação do Livro Terceiro Titulo Sessenta e Quatro~ (

... )

12 ( ... )E ordenando, como Ordena, que o referido conflicto (entre o direito canónico e o direito temporal) fundado naquella errada supposição cesse inteiramente; deixando-se os referidos Textos de Direito Canonico para os Ministros, e Consisrorios Ecclesiasticos os observarem (nos seus devidos, e competentes termos) nas Decisões da sua inspecção; e seguindo sómente os Meus Tribunaes, e Magistrados Seculares nas materias cemporaes da sua compecencia as Leis Patrias, e subsidiarias, e os louvaveis costumes, e estilos legitimamente estabelecidos, na fórma, que por esta Lei tenho determinado. 13 (. .. ) Mando, que as Glossas, e Opiniões dos sobreditos Acurcio, e Bartholo, não possão mais ser allegadas em juizo, nem seguidas na prática dos Julgadores; e que antes muito pelo contrário em hum, e outro caso sejão sempre as boas razões assima declaradas, e não as authoridades daquelles, ou de outros semelhantes Doutores da mesma escola, as que hajão de decidir no fôro os casos occorrentes; revogando também nesta parte a mesma Ordenação, que o contrario determina. 14 Item: Porque a mesma Ordenação, e o mesmo Prearnbulo della na parte em que mandou observar os estilos da Corte, e os costumes desces Reinos, se tem tomado por oucrl'>

336 nocivo pretexto para se fraudarem as Minhas Leis; cubrindo-se as transgressões dellas; ou com as doutrinas especulativas, e práticas dos differentes Doutores, que escreverão sobre costumes, e estilos; ou com Certidões vagas extrahidas de alguns Auditorios: Declaro, que os estilos da Corte devem ser sómente os que se achatem estabelecidos, e approvados pelos sobreditos Assentos na Casa da Supplicação: E que o costume deve ser sómente o que a mesma Lei qualifica nas palavras = LonKamente usado, e tal, que por Direito Je deva KUardar = Cujas palavras Mando; que sejão sempre entendidas no sentido de correrem copulativamente a favor do costume; de que se tratar, os tres essenciais requisitos: De ser conforme ás mesmas boas razões, que deixo determinado, que constituem o espírito das Minhas leis: De não ser a ellas contrario em cousa alguma: E de ser tão antigo, que exceda o tempo de cem annos. Toclos os outros pertensos costumes, nos quaes não concorrerem copulativamente toclos estes tres requesitos, Reprovo, e Declaro por corruptellas, e abusos: Prohibindo, que se alleguem, ou por elles se julgue, debaixo das mesmas penas assima determinadas, não obstante todas, e quaesquer Disposições, ou Opiniões de Doutores, que sejão em contrario(. .. ) Fonte: A. D. SILVA, Collecção chronoloKÍca de leKislação, II, 409 ss.

• 20.

PORTUGAL. Refonna das Ordenações Filipinas (A. 31. 3.1778)

Tendo pelo primeiro objecto da Minha Real Consideração o vigilante cuidado, de que aos Meus fieis Vassalos se administre prompta, e inteira justiça, de que muito depende a felicidade dos P6vos: E considerando igualmente, que esta se não poclerá conseguir sem huma clara, certa e indubitabel intelligencia das leis, a qual hoje se tem feiro mais difficil, tanto pela. multiplicidade de humas, como pela antiguidade de outras, que a mudança dos tempos tem feito impraticaveis: Sou Servida ordenar, se estabeleça huma Junta de Ministros, que tendo siencia, literatura, e zelo do Meu Serviço, e do bem commum dos Meus Vassalos, tenhão a obrigação de se ajuntarem, ao menos huma vez em cada semana, para conferirem os meios mais proprios, e conducentes, que lhes lembrarem para o importante e proveitoso fim, de que os Encarrego( ... ) A' mesma Junta virão nos dias, que se estabelecer, que a haja, os Ministros a quem Encarrego o exame, não só das muitas Leis dispersas, e Extravagantes, que até agora se tem observado, mas também as do Corpo da Ordenação do Reino, .a qual Ordenação não he da Minha Real Intenção a bolir de todo, constando-Me a boa aceitação, com que até ao presente tem sido recebida de todos os Meus Vassallos, e não sendo conveniente ao Meu Serviço obrigar aquelles Ministros costumados a julgar, e a fazer o seu estudo pelos antigos Codigos deste Reino a hum novo methoclo, ainda que melhor na opinião de alguns, certamente para aquelles mais difficultoso; que distribuindo tudo pela fundamental divisão dos cinco livros das actuaes Ordenações do Reino, averiguem; primo, quaes leis se achem antiquadas, e pela mudança das coisas inuteis para o presente e futuro; secundo, quaes estão revogadas em todo, ou em parte; tertio, quaes são as que na prática forense tem soffrido diversidade de opiniões na sua intelligencia, causando variedade no estilo de julgar; quarto, as que pela experiência pedem reforma, e innovação em beneficio público; para que, sendo-Me. tudo presente, Eu Determine, e Estabeleça, o que deve constituir-se no novo Codigo. A_ este fim Sou outrosim Servidá encarregar, pelo que respeita a pôr em ordem, compilar, e examinar o que deve

337 entrar no Livro Primeiro ao Doutor Luiz Estanisláó da Silva Lobo, Desembargador dos Aggravos da Casa da Supplicação; para o Livro Segundo a D. João Teixeira de Carvalho, Bispo elleito de Faro, e ao Doutor Estanisláo da Cunha Coelho, Desembargador da Casa da Supplicação; para o Livro Terceiro aos Doutores Marcelino Xavier da Fonceca Pinto, Desembargador da Casa da Supplicação, e Bruno Manoel Monteiro, Desembargador_ da Relação e Casa do Porto; para o Livro Quarto até ao Titulo 79 ao Doutor Duarte Alexandre Holbeche, Desembargador Honorario da·mesma Relação e Casa do Porto, e Lente Substituto das duas Cadeiras Analíticas da Faculdade de Leis na Universidade de Coimbra; para o que he necessario estabelecer e deferir sobre os Direitos Mercantís, Navegação, Cambias, Seguros, Avarias, e para o mais que respeita á Nautica, e ao Commercio, que deve entrar em o mesmo Livro, a Diogo Carvalho de Lucena; e para o resto do dito Livro, que trata dos Testamentos, Successões, Morgados, e Tutellas ao Doutor Luiz Rebello Quintella, Juiz dos Feitos da Corôa e Fazenda; para o Livro Quinto ao Doutor Manoel José da Gama, e Oliveira, do Meu Conselho, e Deputado da Meza da Consciencia e Ordens, e ao Doutor José de Vasconcellos e Souza, Desembargador dos Aggravos da Casa da Supplicação. Todos os sobreditos apresentarão tudo, o que successivamente forem escrevendo, e dissertando, nas conferencias, que hão de fazer, trabalhando debaixo da inspecção, e methodo, que o referido Presidente lhes precrever, de sorte que todos tenhão presente a Obra toda, para evitar repetições, ou antinomias; e sobre o que se Me consultar, e Eu For Servida resolver, e ordenar, se irá compondo o Codigo. Fonte:

D. 1.

Ibid., II, 162 ss.

DOUTRINAEENSINODODIREITO Visão geral

O estudo e o ensino do direito eram quase inexistentes na Europa Ocidental durante a Alta Idade Média. A -influência do direito romano tinha lentamente decrescido, para desaparecer quase inteiramente nos séculos X e XI. Cerca de 1100, dá-se na Itália um «renascimento» do direito romano, na sequência do seu ensino nas universidades nascentes. À medida que estas se multiplicam na Europa, o estudo e o ensino do direito romano desenvolvem-se; durante seis séculos, até ao fim do século XVIII,. só o direito romano é ensinado aí, ao lado do direito canónico; embora as primeiras cátedras de direito moderno apareçam no século XVII, não conseguirão eclipsar o direito romano senão no começo do século XIX. Todo o ensino do direito é feito em latim.

338 46

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PAULl1!J ..atat: et imporiam, quod illrildlctlonl cohaaret., llllDdAI& iurisdicliono tnnoire •eriu eaL 2 TlLf'IU111 libra elo omn.W. ln'.bMNdi1>w Mondai& iurúodictione a praeoide conoiliam ooo pol ~1t oierttre il, clli mondatar. Si tutora nl cva!A>rea nliDt pnedia nndere, caua cognit. id pnet.or vel praacl p'!nllitt&t: quod d mandaTeril ss 1llrildictionem, oeqnaqum poterit lllMd&t& iuriadic-

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Página da Magna Glosa na edifáo vnuzia>111 de BalliJta di'Tortú, ( 1484!. Ao centro da mancha, o texto do Corpus Iuris {aqui, Digesto, l, 1, !). A sua voka, o texro da glosa; note as glosas de Acú.rl;io, assinaladas com a sigla final ac. (v.g., aJ g/OJm d.,h. ,z.); aI outraI Jáo da autoria de oulrOJ }1'riJtaI da aro/a ( if. a gl01a 1 . , da autoria de Azo).

340 Os métodos de estudo e de ensino do direito romano variaram durante esses seis séculos: método dos glosadores nos séculos XII e XIII, escola de Orleães no século Xlíl, escola dos pós-glosadores ou comenradores nos séculos XIV e XV, escola humanista nos séculos XVI e XVII cm>. O direito romano não foi unicamente um «direito erudito», objecto de importantes estudos doutrinais. Penetrou progressivamente na prática do direito, sobretudo na Itália, na Espanha e na Alemanha, em menor medida na França, quase nada na Inglaterra. Os leJ?:istas, isto é, os juristas formados nas universidades, ocupam desde o século XIV importantes funções políticas, administrativas e judiciárias junto do soberano e dos príncipes territoriais. Os juízes são cada vez mais magistrados profissionais, tendo_ recebido a formação de jurista romanista numa universidade. Se os juízes locais na regiões rurais continuam a ser não-juristas até ao fim do Antigo Regime, ao contrário, os juízes das grandes cidades e sobretudo os- membros das jurisdições de apelação são quase todos juristas universitários desde o século XVI. A romanização do direito faz-se progressivamente segundo ritmos diferentes em cada país: mais rápida na Itália, mais lentamente noutros lados. Depois de um período de lenta infiltração nos séculos XIII e XIV, o direito romano é mais ou menos oficialmente reconhecido como direito subsidiário na Alemanha e nos Países Baixos, nos séculos XV, XVI e XVII. Em França, não houve verdadeira recepção do direito romano; este não foi aí admitido senão a título de «razão escrita». Apesar desta resistência à recepção do direito romano, o direito francês sofreu a sua forte influência; uma grande parte do Código Civil de 1804 é de inspiração romanista. Ao lado da doutrina romanista, existiu des-::le o século XII wna doutrina canonista, o direito canónico, ensinado na maior pane das universidades nascentes. Mais tarde, sobretudo a partir do .século XVI, aparece uma doutrina consuetudinária. Finalmente, nos séculos XVII e XVIII, a doutrina é cada vez mais dominada pela escola do direito natural.

A obra de base sobre o direito romano na Idade Média continua a ser e de F. C. VON SAVIGNY, Geuhichle dt1 riimi.; na realidade já era conhecido antes, mas pouco utÚizado. É provável que 'OS professores de Bolonha conhecessem inicialmente apenas uma parte do Digesto e descobrissem sucessivamente outras duas partes; assim se explica a divisão clássica (mas não lógica) do Digesto em:

Digestum Vetus (livros 1 a 24, título 2) ln/ortiatum (livro 24, título 3, até ao fim do livro 38) Digestum novum (livros 39 a 50). Quanto às Novelas (isto é, as constituições posteriores à obra de codificação de Justiniano), os juristas de Bolonha utilizaram sobretudo a colecção chamada Authenticum. Completaram mais carde (século XIII) esca compilação com as leis (comtitutioneJ) dos Imperadores do Santo Império que consideraram como os sucessores dos imperadores romanos. Acrescentaram mesmo ao CorpuJ iuris civilú uma compilação lombarda de direito feudal, os Libri feudorum me>.

e1ni Corpus i:lo.uatomm iNrÚ civilis, ruran1e Juris icalici hisioriae lns1ituio Taurinensi Universiraris, 11 vol. publicados desde 1966; os romos 2 e 3 conrêm os principais rrabalhos de Azon, os tomos 7 a 11 os cinco volumes do Corpus iuris civilis com a Glosa de Acursio. P. WEIMAR, • Die le,1?istische Li1erarur der Glossarorrnzeit", in H. COJNG (ed, ), Handhuch dw Quellen Nnd Literatur der neuerrn eNropaiJChrn Prir11tmh11i:mhichte. op. cit .. r. primeiro, 1973, p. 129-260; F. CALASSO, 1 y,/oHatori t la teoria dei/a swranitá, S111dio di dirit10 mn11mepuhhlim. 3.ª ed., Milão 1957. 026) E. SPAGNESI, WerneriNJ BononiemÍJ iudu. La figura Jforica d'lrnerio, Florença 1970. (127l São as Pandectae púanat, que serão chamadas Lillera Florentina (daí a abreviarnra ff, muicas vezes ucilizada nos cexros amigos) porque foram levadas para Florença quando da vitória, em 1406, doo Florencinos sobre os Pisanos. O manuscrito, em dois volumes, parece 1er sido escriro no século VII pelos copistas gregos. ti parrimlierei du Royaume de France ... , 1567.

359 Rennes. No seu comentário sobre o costwne da Bretanha (1568-1584), tornou-se, ao contrário de Dwnoulin, o defensor do sistema feudal e do panicularismo local. Muito bom jurista, deve-se-lhe sobretudo a elaboração da «teoria dos estatutos», em caso de. conflito de costumes, teoria que Bártolo já tinha elaborado dois ...séculos mais cedo: estatuto pessoal, isto é, aplicação do costume do domicílio, em tudo o que diz respeito à condição, estado e capacidade das pessoas: estatuto real, isto é, aplicação do costume da situação dos bens (/ex rei sitae), em tudo o que diz respeito ao regime e transmissão (nomeadamente sucessão) dos bens; finalmente, estatutos mistos que diziam simultaneamente respeito a pessoas e bens, aos quais Bertrand d'Argentré aplicava em princípio o estatuto real. A forma dos actos é regida pelo costume do lugar onde são regididos: locus regit actum. Esta teoria dos estatutos permaneceu em larga medida em vigor até aos nossos dias, em matéria de direito internacional privado. 4) No início do século XVII, apareceram duas obras que exerceram uma grande influência sobre a unificação do direito francês. Guy COQUILLE (1523-1603), advogado em Nevers, depois prbcurador-geral do duque Nivernais, escreveu, além de um importante Commentaire de la Coutume du NivernaiJ, uma lnstitution au droit des Franfais, publicada em 1607, depois da sua morte. É um primeiro ensaio, bastante curto mas muito meritório para a época, de uma exposição metódica do conjunto do direito consuetudinário francês: o subtítulo «Conférence des coutumes de France» indica que o autor tentou comparar os diversos costumes franceses. Por isso, a sua obra constitui um dos primeiros esforços doutrinais para a unificação do direito. Em anexo a este livro, foram publicadas as lnstitutes coutumieres de Antoine Lo1sEL (15 36-1617), advogado parisiense mn. No seu prefácio, Loisel explica que se as diversas províndas, condados e senhorios do reino são «regidos e governados por diversos costumes», é preciso que sejam progressivamente submetidos «à conformidade, razão e equidade de uma só lei e costwne ... sob a autoridade do rei». A fim de contribuir para a unificação do direito francês, Loisel reuniu na sua obra mais de 900 adágios, máximas e brocardos que encontrou em diversos costumes franceses e que considera «O ponto comum do antigo direito consuetudinário». Admite que há inúmeras excepções a estes adágios nos costumes locais mas entende que é preciso «ter por regra o que é mais universal e geral». Vejamos alguns exemplos das máximas de Loisel (v. também documento n. 0 5, p. 373). «Ü que o Rei quer, a lei o quer» (n. 0 1) «Ü Rei nunca morre» (n. 0 3) «Rapariga pedida em casamento não está tomada nem deixada; porque tal promessa não é o mesmo que ser tomada como esposa» (n. 0 87) (1~1) M. REULOS, Lts JmtituteJ ro111111mib'el de ÚJisel, nova edi~ão, Paris 1935; do mesmo, É111de 1ur l'eJprit, leJ 1011rw ti le1 mé1hodt1 de1 lmtit11te1 co111t11miereJ d'Antoine Loilel, Paris 1935.

'60 «ÜS casamentos fazem-se no céu e consumam-se na terra» (n. 0 88) «Não há cerra sem senhor» (n. 0 214) «Ü morto vincula o vivo, o seu herdeiro mais próximo, apto a suceder-lhe» (n. 0 302) «As conveniências vencem a lei» (n. 0 341). Depois de Coquille e loisel, o movimento de unificação do direito francês na doutrina foi sobretudo centrado na difusão do costume de Paris. Os melhores juristas do século XVII foram comentadores do costume de Paris, por exemplo BRODEAU (1658) e RICARo(l661) que continuaram a tradição de Dumoulin. No século XVI, sobretudo na época das guerras de religião, surgem também os publicistas, juristas que escrevem, não obras de direito público, mas livros sobre as ciências políticas e económicas. O grupo dos «monarcómacos», sobretudo dos protestantes, quer contestar, ou pelo menos limitar o poder do Rei; um deles, François HoTMAN (1524-1590), no seu Franco-Gal/ia (1573) serve-se sobretudo de argumentos históricos. Ao contrário, Jean Bodin (1530-1596), nos seus Six Livres de la République (15 7 6), é o defensor da soberania una e indivisível; pelo rigor e pela lógica que usou na construção da sua teoria da soberania, ele é o pai do absolutismo; mas a monarquia deve ser «uma administração temperada, preocupada em colocar cada wn no seu lugar e em realizar o melhor possível a repartição das tarefas» (Prelot) . Charles LovsEAU ( 1564-1627), tornou-se o «teórico do poder público» com a sua trilogia sobre Seigneuries, Offices e Ordres orn.

2. 0

Nas XVII Províncias dos PaíJeS Baixos

1) No quadro geográfico das XVII Províncias dos Países Baixos, a actividade dos juristas nos séculos XVI, XVII e XVIII foi aí tão considerável como noutros lugares. Na sua Bibliotheca belgica jurídica, René Dekkers publicou o título de mais de mil livros de direito publicados nestas províncias antes de 1800 °54>. A par de obras de direito romano e de direito canónico, encontram-se aí numerosos comentários de costumes. No século XVI e no tnte10 do século XVII, a actividade doutrinal é sobretudo grande na Flandres, no Brabante, na região de Liege; em seguida diminui sensivelmente, enquanto que a Holanda

(152) J. BODIN, ú; Six Livrei de la Réfmbliq11e, avw: l'Apologie de R. Herpin, fac-súnile da ed. de Paris 1583, Aalen 1961, 1060 p. +Tábua+ Apologia; R. CHAUVIRE,Jran Bodin, auteurtÚ la Republique, Paris 1914; reimp. Genebra 1968;). H. FRANKllN,jran Bodin ,.nJ the 1ixteenth cmtury Re110/1Jtion in the Methodology o/ Law and Hirtory, Nova Iorque - Londres 1963; do mesmo, jean Bodin and the RiJe o/ Abrol11tirt Theorie, Cambridge 1973. Não é o publicis 1935; é com efeito o primeiro a aplicar o mérodo comparativo à história das instituições, comparações limitadas, é verdade, à história dos Hebreus, dos Gregos, dos Romanos e dos Franceses (M. MOUREAU-REIBEL, Jean Bodin el le droit public .-ompari dam m rapporlJ ar·ei· la philorophie J, /'hi11oirr. R. D.EKKERS, Bihlioth«,. belgic1J juridica. Een bio-bib/1ogr,.phirch overzicht der rechtrgeleerdheid in dt Ntderlanden 1•an de

t•roef{,Jletijden af tot 1800, Bruxelas 1951.

361 e a Frísia conhecem desde o início do século XVII um desenvolvimento rápido e original da ciência do direito cmi. 2) Já assinalámos a influência duradoura da Somme rural de Jean BoUTillIER nos séculos XV e XVI. Um jurista de Brabante, Guillaume VAN DER TENERIJEN (cerca de 1420-1499), escabino de Anvers, depois conselheiro n~ Conselho de Brabante, escreveu em 1474-1476 uma obra muito volumosa sobre o direito aplicado no Conselho de Brabante. A obra que n~o passou de manuscrito 056> e que, por con5equência apenas exerceu uma influência limitada, é amplamente inspirada pela obra de Boutillier. 3)

O jurista mais notável na história do antigo direito belga é Philippe WIELANT (cerca de· 1440-1520). Advogado em Gand, foi conselheiro no Parlamento de Malines no reinado de Carlos, o Temerário, conselheiro no Conselho da Flandres, depois no Grande Conselho de Malines. Expôs, de forma sistemática e quase completa, o direito flamengo do seu tempo; elaborou assim a primeira - e quase única - síntese do antigo direito consuetudfo.ário flamcflgo. Se as suas obras são sobretudo exposições do direito positivo, ele esforçou-se contudo por pôr em evidência os princípios do direito comum flamengo. De entre os seus livros, citemos: - O Tract~t van de leenrechten, nae de hoven van Vlaenderen (1492), tratado de direito feudal tal como era aplicado pelos tribunais feudais na Flandres orn; - um Recuei/ des a11tiquités de Flandre, consagrado às instituições de direito público 058l; - a Practijke criminele (cerca de 1510), exposição sistemática do direito penal e do processo criminal 059>; - enfim, a Practijke civile, escrita provavelmente entre 1506 e 1516, consagrada ao processo civil, mas na qual foram examinados numerosos problemas de direito civil. Estas duas últimas obras eram destinadas a fornecer aos jovens práticos uma espécie de manual que lhes permitisse conhecer o direito consuetudinário flamengo que não era ensinado nas universidades 060>. orn E. DEfACQZ, Anám droil belge, op cit.; BRITZ, mesmo rítulo, ofJ. ât.: A. SÕLLNER, •Die Liceratur zum gemeinen und particularen Rechr in Deutschland, ÓSterreich, den Niederlanden und den Schweiz•, in H. COINü (ed,), Handb11ch der Q11ellen, r. II, 2, p. 501-604; P. VAN HEYNSBERGEN, Gachied.nis der rerh11wetemchap in Nederland, Amesterdão 192'; R. FEENSTRA, e C. W AAL, «Sevenreenth·Cenrury Leyden U.w Professors and rheir _iníluence on rhe developmenr of the Civil Lav,•, Kon. Ned. Acad., afd. Lt11., n.r., t. 90, Amesterdão-Oxford 1975. (1~6> Só foi publicado em 1952 por E. 1. STRUBBE-VAN DER TANERIJEN, Boec va11 der loopmder practijken der Raidtcameren van Brabant, 2 vol., C.R.A.L.0. 057) Seis edições de 15'4 a 1699; tradução latina 1664; tradução francesa com o título: Bea11 traicté d. la Jivmité d. na111re der fiefi m Flandre, editado por J. KETELE, Gand 1839. (1~8) Editado por J. DE SMET, Corp111 chroniconnn Flandriae, t. 4, Bruxelas 1865, p. 1-442. º'9) A obra só foi publicadá em 1872: A. ORTS (ed.), Practijke ch Woordenboek, e. 5, 1972, col. 273-283; E. STRUBBE •. ·Die Stellung Damhouder in der Rechrswissenschaft: Wielant-de Damhouder•, Przeu•odnik Hiiloryrzno-Prawny, t. 1. 0 • Lwow, 1930, p. 219-226; do mesmo, •Joos de Damhouder ais criminalist•, TijdJ. Rech/IgtJch., t. 38, 1970, p. 1-65; W. WEDEKIND, •Wielant et Damhouder et l'appeÍ en matiere criminelle. L'adage confessus non appellat», Tijd1chr. Rerht1gtJCh., t. 44, 1976, p. JB-158.

363 consuetudines Flandria (1621), que é um dos primeiros comentanos importantes dos costumes da Flandres; em virtude do grande número dos seus costumes, o autor dedicou-se sobretudo ao estudo da sua diversidade, procurando na teoria dos estatutos de Bártolo e d' Argentré a solução das dificuldades; o seu livro contribuiu para o desenvolvimento desta teoria e, por conseguinte, dos princípios do direito internacional privado moderno. François VAN DEN ZYPE (ZYPAEUSl (1580-1650), cónego e oficial eclesiástico em Anvers, escreveu, a par de numerosas obras de direito canónico, uma Notitia iuris belgici (163 5), primeira síntese do direito belga; o seu livro consagra-se sobretudo ao estudo das ordonnances dos séculos XVI e XVII, pelas quais a unificação do direito belga foi parcialmence realizada. Antoine ANSELMO (1589-1668), advogado e escabin