Futebol, Paixão e Catimba

Publicado em 1973.Futebol - Autobiografia de Osório Vilas Boas, ex-jogador e presidente do Esporte Clube Bahia, quando d

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Futebol, Paixão e Catimba

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O AUTOR
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
CRONOLOGIA
CAPITULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPITULO I
CAPITULO I
CAPITULO I
CAPITULO II
CAPÍTULO III
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CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
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OSÓRIO VILAS BÔAS Futebol: Paixão e Catimba

Segundo narrativa aos jornalistas Newton Calmon e Carlos Casaes SALVADOR 1973

Dos Autores:

BAHIA DE TODOS OS TÍTULOS

Capa FERNANDO GALLAS

DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES

O AUTOR



Osório Cardoso Villas Boas, comissário de polícia, mais conhecido como Osório Villas Boas nasceu em 7 de outubro de 1914, faleceu aos 85 anos em 7 de janeiro de 1999. Atuou como deputado estadual brasileiro pelo estado da Bahia de 1967 a 1969. Presidente do Esporte Clube Bahia nos períodos de 1958 a 1960 e de 1961 a 1969. Inspetor de polícia, Trabalhou na Polícia Civil de 1935 até 1963, como secretário de Segurança, Vereador pelo Partido Social Democrático, Movimento Democrático Brasileiro, Partido Democrático Social e pelo Partido Liberal por várias vezes. Osório foi Jogador, Conselheiro, Vice-presidente e Presidente do Clube. Era o presidente do Bahia na conquista do Campeonato Brasileiro de 1959.

Fonte: Wikipedia

Fonte: http://www.reocities.com/colosseum/3582/bahia59x.jpg

ÍNDICE O AUTOR ÍNDICE APRESENTAÇÃO CRONOLOGIA CAPITULO I CAPÍTULO II CAPÍTULO III CAPITULO I CAPITULO I CAPITULO I CAPITULO II CAPÍTULO III CAPITULO I CAPÍTULO II CAPÍTULO III CAPITULO I CAPÍTULO II CAPITULO III CAPÍTULO I CAPITULO I CAPITULO II ULTIMA PAGINA



APRESENTAÇÃO Falar sobre OSÓRIO VILAS BOAS no futebol da Bahia é repetição de coisas que o público já conhece. Importante, nesta apresentação, é chamar a atenção para fatos e conceitos que podem estar destorcidos pela ignorância da maioria quanto as verdades, às ilusões e às aparências. Maior conhecedor das artimanhas do futebol, um dos maiores líderes esportivos deste país, tem a seu favor, também, a condição de ser, dentre os desportistas, um autêntico ídolo. O seu passado, bem analisado, fala mais alto e lhe confere, sem favor, um saldo positivo talvez inigualável, até agora, pelo que deu de si ao futebol. Combatido pelos que não o conseguiram superar ou por todos os que não conheceram a sua atuação e se deixaram navegar ao sabor dos argumentos pueris, soube superar, no esporte, toda a adversidade, o que é importante, sempre com o melhor espirito esportivo, sem espezinhar, sem ferir, sem ofender Dai, por certo, o seu extraordinário êxito. O nosso interesse em ouvir essa figura legendária, verdadeiro termômetro nivelador da temperatura esportiva, e transmitir à massa um pouco de tanta coisa interessante acumulada ao longo dessas décadas de atuação, tem como objetivo expor o avesso de um esporte que, sem a menor dúvida, apaixona, cega e, até mesmo, transporta as raias da comoção. Todos os fatos aqui descritos nos foram narrados por Osório, naquela sua simplicidade e sempre no aconchego do seu lar Ouvimos muita coisa além do que aqui registramos, mas, para não avolumar irracionalmente, preferimos uma seleção, deixando o restante para, se solicitados, uma outra oportunidade.

Este volume, entretanto, será suficiente para a perfeita avaliação de um aficionado do futebol e acima de tudo, um apaixonado do Esporte Clube Bahia, ao qual conserva incólume, soldado vigilante que se considera, a fidelidade intransigente.

CRONOLOGIA 1914 Filho de Cícero Lopes Vilas Bôas e Maria Júlia Rodrigues Cardoso Vilas Boas, nasceu no Rio Vermelho, na rua conhecida como "Pedra da Marca", número 115, atual Avenida Cardeal da Silva, em 7 de outubro. 1920 Com seis anos de idade, frequentou a sua primeira escola primária. 1925 Ingressou no curso ginasial, matriculando-se no Colégio dos Irmãos Maristas. 1927 Transferiu-se para o Colégio Antônio Vieira, onde cursou até a terceira série. 1931 Concluiu o seu curso ginasial, no Colégio Ypiranga. 1935 Jogando no segundo quadro, na posição de goleiro, ingressou no ESPQRTE CLUBE BAHIA, como amador daí subindo u seu apelido de “Lobishomem”. 1936 Encerrou a sua curta carreira como jogador de futebol, 1937 Ingressou na Polícia Civil. 1946 Contraiu núpcias com d. Lúcia Mendonça Vilas Bôas, em 18 de janeiro. 1946

Ingressou na política, filiando-se ao Partido Social Democrático. 1948 Elegeu-se conselheiro do ESPORTE CLUBE BAHIA. 1950 Assumiu uma cadeira na Câmara Municipal, pela primeira vez, como candidato mais votado na Capital. 1950 Foi escolhido pelo doutor Osvaldo Gordilho, Prefeito na época, seu líder na Câmara de Vereadores. 1953 Foi eleito vice-presidente do ESPORTE CLUBE BAHIA, compondo a chapa encabeçada pelo doutor Amado Bahia Monteiro. 1954 Pela segunda vez consecutiva, assumiu uma cadeira na Câmara de Vereadores. 1954 Elegeu-se presidente do ESPORTE CLUBE BAHIA, ganhando o seu primeiro título de campeão da cidade. 1955 Na chapa encabeçada pelo Dr. Waldemar Costa, elegeu-se vicepresidente do ESPORTE CLUBE BAHIA. 1957 Como presidente da delegação do ESPORTE CLUBE BAHIA, viajou para a Europa, Ásia e África. 1958 Pela terceira vez consecutiva, voltou à Câmara de Vereadores,

como um dos candidatos mais votados da Capital. 1958 Assumiu pela segunda vez, a presidência do ESPORTE CLUBE BAHIA. 1959 Como presidente do tricolor, o Bahia levantou a primeira "Taça Brasil". 1960 Voltou à Europa, chefiando a delegação do Bahia. 1960 Viajou para Buenos Ayres, como presidente da delegação tricolor, que disputou, pela primeira vez, a "Taça Libertadores da América", representando o futebol brasileiro. 1961 Elegeu-se presidente da Câmara de Vereadores. 1962 Concorreu às eleições para a Prefeitura da Capital. Foi derrotado pelo Dr. Virgildásio de Senna, por uma pequena diferença de votos. Atrás de si, ficaram os demais candidatos em número de três. 1963 Pediu demissão dos quadros da Polícia Civil. 1963 I Oi nomeado para a Câmara de Vereadores, como Assessor Legislativo. 1964 Assumiu a gerência do Loide Brasileiro, em Salvador.

1966 Como candidato mais votado da Capital pela legenda do Movimento Democrático Brasileiro, assumiu uma cadeira na Assembleia Legislativa, sendo eleito vice-presidente daquela Casa, por dois anos consecutivos. 1970 Foi nomeado diretor de futebol do ESPORTE CLUBE BAHIA. 1970 Ingressou no "Grupo Univest”, como subgerente. 1970 Transferiu-se para a "Aplitec", ocupando a função de gerente geral para os l mulos da Bahia e Sergipe. 1972 Por unanimidade, elegeu-se presidente do Conselho Deliberativo do ESPORTE CLUBE BAHIA.



PRIMEIRA PARTE

Futebol é Paixão

CAPITULO I FUTEBOL é, para muitos, mais importante que mulher. E, ultimamente, para certa parte do público feminino que frequenta os estádios, futebol é mais importante que o homem. Em determinadas horas e em determinadas circunstâncias, é claro... Quero dizer e digo sem medo de errar: futebol é paixão, uma paixão terrível. Recordo o caso de um garoto torcedor do 3ahia que morreu de emoção. Não porque o Bahia houvesse perdido o jogo. Ao contrário. O jovem, que morava na Vila América, morreu quando o Bahia fez o gol decisivo da partida e morreu de alegria. Juro: morreu sorrindo! ... Avaliem vocês o seguinte: um austero desembargador ou mesmo um frio ministro do Supremo Tribunal Federal, desses que vão aos jogos não de camisa esperte, mas engravatados, é capaz - e isto tem acontecido - de xingar o juiz de ladrão (e mesmo pior do que ladrão) quando é marcada uma falta perigosa contra o time pelo qual ele torce. Levanta-se, grita, esperneia É a emoção que está a dominá-lo. Não resiste, não pode resistir, exaspera-se. Ora, esse mesmo magistrado, fora do estádio, acompanhado, digamos, de sua esposa, se a notasse importunada por um pilantra qualquer, reagiria de modo diferente mantendo imperturbável sua a austeridade, chamaria um policial, do modo mais discreto possível, para prender o cafajeste. Narro um episódio que ilustra - a partir de minha própria experiência a tese que defendo, ou seja, que futebol é, antes d3 tudo, paixão, emoção. Todos sabem que pertencia à Polícia Civil. Pois cem... quando, na qualidade de comissário chefiava o policiamento do Campo da Graça, toda vez que ocorria qualquer barulho, confusão, o que fosse, eu prendia o jogador adversário do Bahia. Certa vez, lembro-me perfeitamente, prendi Bonfim, goleiro do Ipiranga, por ter feito gestos indecorosos na área do Estádio

em que s j encontrava a torcida do Bahia. Um outro exemplo e este recente: meu retorno às atividades. O que tenho feito o que pretendo fazer, tudo isto contrariando certos conselhos de médicos amigos que me recomendam distância das grandes emoções, etc. No prélio Bahia e Vitória, o penúltimo, jogado em 1972, eu saí da Barra, de manhã, até a Pituba, e contei 10 automóveis com bandeiras do Vitória e apenas 4 com a do Bahia. O espetáculo que então assisti me doeu, doeu muito, uma tristeza enorme, tristeza que depois me impeliu à luta e eu voltei com toda a garra possível. Vi o quadro de modo realista: o Bahia estava por baixo, quase acabado, o Vitória dominando a Federação e já se infiltrando na CBD. Nosso plantei era deplorável, um time ruim, medíocre. A própria imprensa dava uma virada em favor do Vitória. Naquela altura, que é que havia? Aquela exibição das 10 bandeiras rubro-negras contra as 4 mirradas bandeiras tricolores não me saia da lembrança. Concluí que eu tinha o dever de dar minha colaboração. Pensei muito, esta é que é a verdade, e verifiquei, pesando os fatos, que o Bah a precisava era de um empurrão pra frente. O Paula Filho, nosso presidente, insistia, apenas, em que a diretoria do Bahia era muito honesta, o que é verdade, era composta de homens de bem, e isto também é verdade; bem, mas a que isto levava? Que consequências práticas disso adviriam? Tenho dito e repito: não há melhor pessoa na Bahia - e talvez no Brasil - que a Irmã Dulce, mas com toda a bondade que tenha não pode dirigir um time de futebol, porque a enganam, a enrolam. Mas, no outro estremo, não pode haver um Alfredo Saad. Necessário um meio-termo. É como o povo diz: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. E então, aqui e ali, onde me era possível, fui conversando estas coisas, falando com toda a sinceridade. O fato de o Vitória estar praticamente com o primeiro turno ganho me machucava. Foi quando

Zelito Ramos, também um desportista dominado pela paixão, me chamou para colaborar, em nome da diretoria do Bahia. Sem pensar muito aceitei, e aceitei - digo isto com a vaidade natural que alguns escondem, mascaram - porque: 1 - a torcida do Bahia acredita em minha atuação; 2-o comando de um time precisa de ser firme, audacioso, um tanto quanto conhecedor de catimbas. Uni-me, estreitamente, à diretoria do Bahia, na qualidade de Presidente do seu Conselho Deliberativo. E sugeri: precisamos de inflacionar, contratar craques verdadeiros, custem quanto custem, uma vez que, com este time, não vamos vencer ninguém e o Vitória está com o primeiro turno na mão, o que não é admissível. Vamos contratar quatro ou cinco bons jogadores lá no Sul, é necessário acabar com este clima de conformismo. Concluindo: fizemos cinco contratações excelentes e de uma hora para outra o Vitória sumiu, ou quase isto, e levantamos o turno. Hoje, porque agimos do modo descrito, a Federação dialoga com o Bahia, consulta se aceitamos tal ou qual juiz, qual ou tal bandeirinha, etc. Quando, na Fonte Nova, em consequência das providências tomadas, o Bahia venceu o Vitória, levantando o primeiro turno, pelo menos80% do público presente no Estádio levantou-se numa ovação impressionante e então - sem esquecer aquilo que eu chamo de derrota das bandeiras, 10 a 4, naquela manhã de domingo - eu me disse: aí está de novo o velho e glorioso Bahia, e numa das emissoras locais citei que os torcedores do tricolor não tem motivo para esconder suas bandeiras, mas devem desfraldá-las - e com o máximo de ardor, do emoção, apaixonadamente. Referi-me à minha experiência quanto ao que tenho dito e sustento

e repito: futebol é paixão. Aqui é bom lembrar um exemplo que não é pessoal, mas do povo brasileiro. Quem esqueceu aquela loucura que tomou conta deste país quando conquistamos a "Copa do Mundo"? Quantos não fizeram milhões de promessas? Quantos de emoção não morreram quando vencemos a Itália? Quantos ii.in passaram a acreditar mais na capacidade de realização do nosso povo mi momento em que Carlos Alberto levantou a taça tão cobiçada, a "Jules Rimet"? Neste capítulo eu não poderia deixar, por um dever à justiça, de fazer referência a homens como Rubem Moreira, vice-presidente da CBD, um dos comandantes do futebol do , norte/nordeste, cidadão decente que é capaz de - até mesmo sacrificando meus, interesses, como comerciante que é - pegar um avião à meia-noite e ir-se a Fortaleza, Maceió, Aracaju, onde quer que seja, com a missão de ‘quebrar este ou aquele galho", resolver esta ou aquela divergência, um pouco, ou pelo menos razoavelmente, aquilo que falei da vaidade natural de todo ser humano, desde que, assim trabalhando, ao amigo Rubem ao mesmo tempo que satisfaz sua paixão, projeta seu time nacionalmente e, em nível maior, no âmbito regional. Como vencer, valha este outro exemplo, o que Waldemar Costa (e outros, os quais mais adiante falarei) fez pelo Bahia, clube que fundou e *(Muito amou, profundamente, até o dia de morrer? Abro, aqui, um parêntesis para anotar o seguinte: até hoje o Bahia não prestou a justa homenagem que deve a Waldemar de Azevedo Costa. Há, apenas, na sala do "Edifício Saga", e por minha iniciativa, o seu retrato, e, sob ele, uma placa de bronze. Imploro, encarecidamente, aos verdadeiros tricolores não permitir que, em futuro próximo, algum idiota retire aquele retrato, jogue no lixo aquela singela placa de bronze. Porque, para os que sabem a verdadeira história do Bahia, são, ambos, retrato e placa, uma bandeira com nossas cores, uma bandeira a ser preservada, com todo carinho. Isto porque Waldemar Costa foi mais do que um dirigente, um fundador. Foi um baluarte. E se assim me

pronuncio, faço-o com total isenção, desde que Waldemar Costa, um apaixonado, foi quem tentou impedir que eu entrasse para a diretoria do Bahia, episódio que contarei ao longo desta narrativa e se a tal episódio aqui aludo, de uma maneira talvez intempestiva, é porque ele corresponde a um ato de paixão, de emoção. Waldemar, mal informado e um tanto desorientado, queria, a todo custo, mas, no seu entendimento, defender o Bahia. Mais uma vez, repito, paixão. De certa maneira - e São Judas Thadeu não me permita incorrer em pecado ao fazer tal afirmativa - futebol é mesmo que religião. O que um jogador como Biriba deu ao Bahia sempre ultrapassou as exigências que o clube pode fazer, e faz, aos seus profissionais. Muitas vezes, antes de entrar em campo, submetia-se a dolorosos tratamentos (injeções, etc., mas não bolinhas) e no gramado corria o tempo todo, em busca da vitória, para depois, à noite, sofrer novamente dores que - em várias oportunidades, sei disso - não o deixavam dormir. No entanto, num dos seus últimos jogos, o Bahia perdeu. Os torcedores vaiaram Biriba. Alguns, mais exaltados, pela paixão dominados, chegaram até a xingamentos, esquecidos das glórias conquistadas graças aos sacrifícios que fizera. Não quero, com esta observação, acusar os torcedores, mas sublinhar u tese que tenho defendido: futebol é paixão e se os dirigentes se apaixonam - como se diz, na gíria, perdem as estribeiras... - por que não hão de perdê-las torcedores que não estão "por dentro" do que acontece nos bastidores? NOTA DOS AUTORES O título deste livro esclarece que Osório Vilas Bôas ditou para estes repórteres, no decurso de vários meses, o que vocês estão lendo e irão ler. Nossas intervenções tem sido - e continuarão sendo - de

ordem puramente jornalística. Aparamos aqui, reduzimos ali, damos ênfase a este ou aquele episódio, mas respeitamos tudo quanto nos foi narrado. Os outros capítulos consagrados a “catimbas”, empresários, juízes, dirigentes nacionais do nosso futebol, aventureiros, etc., provarão aos leitores que ser dirigente de clube grande, como é o Bahia, realmente implica numa série de jogadas - digamos assim - que não estão ao alcance de pessoas ingênuas. Nós, por exemplo, que há anos militamos na crônica esportiva, não sabíamos de 15 ou 20% do que neste livro é narrado. Como se diz, hoje, há coisas de “fundir a cuca”. E como!

CAPÍTULO II COMO diria o prof. Orlando Gomes, grande desportista, um tricolor da melhor estirpe, a história do Bahia pode ser, grosso modo, dividida em duas etapas: Até 1954 e de lá até os dias atuais. Concordo. Até 1954, era o Bahia dirigido por uma aristocracia, sobrevivia às custas de uma meia dúzia de "coronéis", gente de dinheiro, e gente, no entanto, à qual o clube deve muito. Em 1954, quando passei a dirigir o valoroso "esquadrão de aço", uma de minhas primeiras preocupações foi a de popularizá-lo, usando, é claro, o potencial já existente. Percebi que quando um homem do povo se dizia torcedor do Bahia, o apaixonado por outro time qualquer (Ipiranga, Botafogo, etc.) indagava: - Como é que um "cara" como você gosta de um clube de grã-finos? A verdade é que um carregador, um "boy", um ascensorista, um funcionário da Limpeza Pública, etc., torcia era para o Botafogo, o Ipiranga. Os mais aquinhoados dividiam-se entre o Bahia e o Vitória. De sorte que, alçado à presidência do clube, resolvi popularizá-lo, utilizando todos os recursos possíveis. Volta-e-meia estava nas páginas dos jornais, dando entrevistas nas emissoras de rádio (naquele tempo não havia televisão, em Salvador), levando o quadro, semanalmente, para treinos coletivos e partidas amistosas em subúrbios e municípios. Há muito "João" por aí que* atribui a esta minha preocupação - cujos resultados positivos ninguém põe em dúvida - uma jogada de minhas ambições políticas. Isto é uma bobagem e, mesmo, uma injustiça. Estou calejado em matéria de ser injustiçado, mas creio que, no particular, alguns esclarecimentos se fazem necessários, em homenagem aos desinformados, porque os caluniadores só me merecem desprezo. Quanto a estes, é oportuno repetir um ditado de origem árabe que o

Ibrahim Sued sempre cita: "os cães ladram, mas a caravana passa". Vou entrar em detalhes e ficará claro que esses detratores maledicentes estão mais por fora do que umbigo de vedete. Em primeiro lugar, fui eleito vereador à Câmara Municipal de Salvador, com mais de 1.700 votos, em 1950, e não exercia nenhum cargo na diretoria do Bahia. Era um torcedor como outro qualquer. Acontece que Amado Bahia Monteiro, presidente do clube em 1952, me procurou na Câmara para pedir que destinasse parte de minha quota de auxílios em favor do time. Não me lembro se minha quota orçamentária era de 50 cruzeiros (50 contos, naquela época, ou, mais exatamente, 50.000 cruzeiros), mas é certo que a destinei toda em benefício do Bahia. E nos anos seguintes. Também conseguia que outros vereadores destinassem parte de suas quotas (Barbosa Romeu e Jayme Loureiro, entre outros, podem testemunhar isto) para o tricolor. Se é verdade que em 1935 e 1936, eu havia jogado pelo Bahia, defendendo suas cores, é igualmente fato que sempre fui um goleiro medíocre, por deficiência de aptidão. De modo que isso de dizer que usei o Bahia para iniciar minha carreira política é uma calúnia, ou, no mínimo, falta de informação. O que se pode afirmar é que a partir de 1954, quando assumi a direção do Bahia e o popularizei, consequentemente, meu nome ficou sendo mais conhecido e isto ajudou, claro que sim, para que me reelegesse vereador em 1954. Ajudou, e só. Em 1958, quatro anos depois, quando a popularidade era ainda maior (o time sempre ganhando, etc.) creio que consegui me reeleger graças a 40 ou 50% do Bahia. Inexistissem as vitórias referidas, inclusive nas excursões ao exterior, e a torcida me vaiaria. Como dizem os literatos, inverter-se-iam os termos da equação. Aliás, esse negócio de afirmar que determinadas pessoas usam os clubes para obter votos, parece-me uma idiotice e não apenas em termos baianos. Dizem que o Mendonça Falcão, em São Paulo, foi eleito deputado (e reeleito algumas

vezes) porque dirigia a Federação de Esportes de lá, o que é só em parte verdadeiro. Aconteceu o seguinte: o Mendonça, que foi um dos principais "cartolas" que o futebol brasileiro já teve, obtinha o apoio era dos presidentes dos clubes do interior paulista. Estes, que queriam estar nas boas graças dele, arranjavam-lhe votos, ou - dizem... - os compravam. Tudo para agradar o homem todo-poderoso. Quanto ao Athiê Jorge Cury, presidente do Santos durante algum tempo, elegeu-se por ter sido um dos ídolos do futebol brasileiro, sem dúvida um dos maiores arqueiros da sua terra, havendo, inclusive, e brilhantemente, defendido a seleção nacional. Eu poderia, se quisesse, alinhar vários outros exemplos, mas estes bastam. E vou voltar à história do meu ingresso na diretoria do Bahia, para que esta questão fique de uma vez por todas esclarecida. Ponto por ponto: 1 - como disse antes, era apaixonado pelo Bahia e sou; 2 - ajudava o Bahia, com dinheiro grosso, graças ao uso de minhas quotas na Câmara de Vereadores; 3 - Waldemar Costa, com uma frase infeliz, feriu minha vaidade... Invoco o testemunho de Amado Bahia Monteiro, outro desportista de escol, sobre o que vou contar agora. Resumindo: ele era candidato à presidência do clube e então me procurou na Câmara e pediu permissão para incluir meu nome na chapa dele, como vice-presidente. Eu recusei, por não ter experiência, desconhecer os bastidores do futebol baiano e nacional, e várias outras razões, inclusive tempo. Mas o Amado me disse: -Você não »ai se meter em nada, é só para compor a chapa. Recusei de novo, insistindo nos meus argumentos, mas ele Incluiu meu nome e vim a saber da eleição - à qual não compareci - através dos jornais. Que jeito? Sucede que um dia o Amado desentendeu-se com o Nelson Pinheiro Chaves e ele diante do gesto de um dos "coronéis" do

time, - aliás, os "coronéis", quero repetir isto; vou ter um capítulo especial - resolveu renunciar à presidência e me procurou na Câmara para contar o que tinha acontecido. E disse: -De acordo com os Estatutos passarei a presidência e você. -Não aceito - respondi. E tem mais: junte minha renúncia à sua. -E não me esqueço que o Amado me disse: -Amanhã voltarei aqui, teremos outra conversa. - Volte - eu disse - mas esteja certo de que não assumirei a presidência de forma nenhuma. Cumprindo sua palavra o Amado Bahia me procurou no dia seguinte. O diálogo que, então, travamos foi mais ou menos o seguinte: - Olhe Osório, estive com o presidente do Conselho Deliberativo, Dr. Waldemar Costa, e compreendi que foi muito bom você não ter aceito, ontem, a presidência. -Por que? -Doutor Waldemar Costa disse que você é um desconhecido, não tem gabarito para ser presidente do Bahia. Presidente do Bahia precisa de ter "pedigree", precisa de, antes, ser passado numa peneira. Eu me feri com tais comentários e disse: -Pois vou assumir a presidência, agora mesmo! E eu me pergunto: por que, naquele transe, tal atitude? Responde dizendo que, em primeiro lugar, minha vaidade fora alcançada e sobretudo posta à prova minha paixão pelo Bahia. E ainda a autoconfiança que todo homem deve ter, se não quiser viver sempre encangado. Agi com rapidez, o Amado vendo tudo. Chamei um funcionário da Câmara de Vereadores e ditei, para que ele batesse à máquina, a convocação do Conselho Deliberativo e a assinei como

presidente em exercício. - Pois bem, Amado, assumo a presidência e quero ver o que vai acontecer na reunião do Conselho Deliberativo. Para encurtar a conversa, houve a reunião, travei debates com os conselheiros Waldemar Costa, Nelson Pinheiro Chaves, o próprio Amado Bahia Monteiro, Hamilton Simões, Zelito Ramos, Fernando Ballalai Alves, Beltrão e mais alguns cujos nomes omito por mero esquecimento. Solicitei, porém, e consegui, que o Nelson Pinheiro Chaves assumisse a tesouraria. Tudo que se referisse a dinheiro ficaria sob a responsabilidade dele, a diretoria de finanças tornou-se um órgão quase autônomo. Eu não queria ver ou cheirar o dinheiro que entrasse ou saísse. Mas o comando geral era meu, porém não o exercia como se fora um ditador. Aqui eu plagio o que diz o governador Antônio Carlos Magalhães, ou seja, o trabalho é da equipe, mas quem manda sou eu, combinando, na medida do possível, razão e paixão, manha (ou catimba, dá no mesmo) e audácia, a tudo adicionando imaginação, presença de espírito, virtudes que, se não estou naquilo que um amigo meu chama de "estado de superávit", também nunca me encontrei em "estado de déficit". Aqui, e a propósito, narro o que aconteceu em 1951, quando eu nem sonhava dirigir o Bahia. Creio que fim 1951, já eleito vereador, o Amado Bahia me procurou para demonstrar os prejuízos que o clube acumulava jogando no Campo da Graça, incapaz de acolher grande público. Pediu que eu interviesse junto ao (inverno do Estado para que fosse logo liberado o Estádio da Fonte Nova n eu, incontinenti, procurei o governador Regis Pacheco, expondo-lhe a situação. Regis, cujo governo eu defendia na Câmara, inclusive na qualidade de líder da bancada, encaminhou-me ao Secretário de Viação, O engenheiro Eunápio Peltier de Queiroz, e não perdi tempo. Fui lá, ouvi, então, a justificativa seguinte:

- Mas o Estádio ainda não está concluído, vereador. Respondi: - Secretário, trata-se de uma determinação de sua excelência, o Governador! Resultado: o Secretário foi na minha conversa (não digo que mentirosa, mas, manhosa...) e liberou o Estádio para os jogos do tricampeonato, realizando-se, paulatinamente, as obras de conclusão, quase finais. Com isto o faturamento do Bahia aumentou. Era um serviço que eu prestava ao clube e apenas como torcedor, mas, insisto em dizêlo, um torcedor apaixonado. Paixão! Esta palavra não me sai da cabeça. Quando agora, • I" novo, eu a repito me vem à memória - e incluo o exemplo entre nu11os que já dei o do Aurélio Viana, ex-presidente do Galícia. Pelos meus cálculos deve ter gasto mais de um bilhão de cruzeiros antigos e hoje está esquecido. Trata-se de uma terrível ingratidão. Mas, quero acrescentar, ao lado da paixão caminha - de outro lado o ódio. E há por aí gente que tem um ódio danado do Bahia. Exemplifico para que não se diga que faço afirmações gratuitas. Em começos de 1958 era presidente da Federação Baiana de Futebol o Dr. Walney Machado, ipiranguense apaixonado, cujo propósito - assim acredito - era o de acabar com o Bahia: Atuava, contra nós, a chamada "coligação". Houve necessidade de reagir e em 1958/59, sempre que havia intervalos nos jogos obrigatórios do campeonato, o Bahia viajava para partidas amistosas, pondo de lado o Estádio da Fonte Nova. Com esse procedimento a Federação foi reunindo prejuízos, sempre maiores, e o Walney, assim imprensado, não teve condições de se reeleger. Vivo que é - ele não dorme de touca - o Walney lançou a candidatura do cel.

Bendocchi Alves, contando com a adesão de alguns clubes. Embora ainda imaturo em jogadas altas mas perseguindo dois objetivos (ganhar na Federação e adiar o jogo decisivo com o Vitória, o que me interessava, desde que o-clube não andava bem) uni-me ao Ney Ferreira, genro do então governador Antônio Balbino, e com ele, Ney, lançamos a candidatura do Augusto Carneiro. Reunida a Assembleia em que haveria a eleição, ocorreu um - com perdão do uso da gíria... - um bafafá dos pecados. Eu e Ney, ele presidente do Vitória, criamos um tumulto que rapidamente se generalizou. Gente empurrada por cima das cadeiras, xingamentos, gritos, ameaças, um inferno. Em dado momento quando vimos que nós da oposição não ganharíamos, resolvemos, Ney e eu, agarrar gentilmente o Augusto Carneiro e levá-lo até a porta da Secretaria da Segurança Pública e empossá-lo na presidência da Federação. Eu não morria de amores, nem morro, pelo Augusto Carneiro, mas criar um caso para adiar o jogo decisivo com o Vitória era para mim algo fundamental. De maneira que agi da forma assim narrada e então o campeonato foi suspenso, desde que havia dois presidentes da Federação: Carneiro, nosso, e Bendocchi, deles. O governador Antônio Balbino colocou o Estádio, sogro que era e é de Ney, amigo que era e é meu, à disposição dos dissidentes, nós. Um escândalo e o caso subiu à superior decisão da CBD, cujos dirigentes não podiam esquecer que Bahia e Vitória eram as forças reais do futebol baiano, os que ensejavam rendas, os que motivavam o público. João Havellange, no entanto, que já era (e continua sendo, por méritos) presidente da CBD, inclinou-se para prestigiar o presidente "de direito" ou seja, o cel. Bendocchi Alves, mas a parada não estava perdida. Viajei para o Rio, com o Ney Ferreira, tendo o Dr. Raul Chaves como advogado. O que aconteceu na reunião do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, justifica, explica, corrobora, sublinha, a admiração que dedico ao Dr. Raul Chaves. O Sr. Max Gomes de Paiva, presidente do Tribunal de

Justiça Desportiva, de quem hoje sou amigo - e disso me orgulho adotou, de logo, o ponto de vista de Havellange, lendo a ata de posse do cel. Bendocchi Alves e achando-a correta. O Dr. Raul Chaves pediu, então, permissão para ler a ata de posse do Augusto Carneiro, o que não lhe permitiu o Dr. Max. Foi então que o Raul Chaves, agora engolfado pela paixão, irritou-se e não se conteve: - Dr. Max, o senhor não entende nada de direito, nada, absolutamente nada! Se o senhor fosse meu aluno no segundo ano da Faculdade de Direito, eu o reprovaria! Paixão, repito, paixão! Tapas, socos, quase chegamos a tanto naquela reunião. F. eu, exaltado quanto todos, alternava xingamentos com o propósito principal de minhas atitudes: adiar o jogo decisivo com o Vitória. Preparar o Bahia, mais cedo ou mais tarde, para esse prélio decisivo.' Catimba? Vá lá que seja. Pois entendia, e continuo entendendo, que não é sem manhas, sem astúcia, que se ganha campeonato. Este é decidido uma parte no campo, outra parte fora dele. E voltamos para a Bahia a fim de prosseguirmos nos amistosos. Precisávamos de renda, de dinheiro. Augusto Carneiro, presidente "de fato" da Federação, era quem programava os jogos, 50% para os coirmãos, 50% para o Bahia. Um maná, e fui organizando o time. "Vencer o Vitória, ganhar o campeonato!", era o que eu me dizia, acordado ou sonhando. Minha mulher, mais de uma vez, me disse: - Você está ficando tantã... Afinal, realizou-se o jogo.

Resultado? Triunfo do Bahia, 1 x O - e então espalharam que eu havia enrolado o Ney, armara toda a confusão para garantir o título. Há algo de verdade nisso, confesso, mas Ney testemunhará que em toda a briga que houve não lhe deixei de ser solidário um minuto sequer. De resto, repito, defendo a tese de que devem existir dois times num time só: um no campo, outro fora, dentro dos princípios da honestidade, mas com argúcia. Cada qual paga o tributo pela vivacidade do outro. Restava, para nós, validar a conquista do campeonato e a Imprensa nos apoiou, tendo sido assinado um protocolo na redação de "A Tarde", curvando-se a CBD a um fato concreto. Indispensável, porém, que ganhássemos o apoio do cel. Bendocchi Alves, presidente, "de direito", da Federação, e armei um esquema para tentar uma aproximação com ele. Morava na Graça. Investiguei e descobri seus horários. Assim armado, tive oportunidade de oferecer-lhe uma "carona", em meu carro. Aceitou. Conversa vai, conversa vem - é conversando que a gente se entende... - combinamos um esquema: ele modificaria o Departamento de Árbitros (Ruy Carneiro é que o chefiava) e em troca o Bahia voltaria à Federação, reconhecido o seu título. Aceitou e, então, o Bahia, campeão, pode disputar a "Taça Brasil". Eu avisara a Ney de minha decisão e disse-lhe: quem quiser que me siga! E terminou a novela. O Bahia estava na "Taça Brasil", oficialmente, em lua de mel com a Federação e com a CBD. Catimba, outra vez? Admito, mas eu não dirigia um convento! ...

CAPÍTULO III 150.000 pessoas lotavam o Estádio Lenin, em Moscou. Tanques, não sei se do Exército, não sei se da Polícia, impediam que outras milhares de pessoas invadissem o campo. Eu estava emocionado, vez que uma possível vitória garantiria, além do sucesso da excursão, nosso êxito financeiro. Olhando os jogadores, pensei: numa terra dessas, num clima desses, não adianta falar apenas do “bicho" para este pessoal; devo despertar neles algo novo, qualquer coisa que os excite, e fiz uma preleção de quase uma hora. Disse, entre outras coisas: - Esses russos não acreditam em Deus e nós temos a proteção do Senhor do Bonfim. Eu pretendia, com tal apelo à religiosidade natural dos nossos craques, motivá-los. Eles queriam ganhar e teriam de fazer tudo pura que esta meta fosse alcançada. E começou o jogo. Com 2 ou 3 minutos, os russos consignaram o gol deles. Logo após, duas ou três bolas nu trave. Era de meter medo. Perspectiva de uma goleada, e daquelas! ü Bahia estava cansado dos jogos anteriores em outros países (sobre excursões internacionais do Bahia falarei depois), o Joe quase não corria. Mandei entrar o Jota Alves em seu lugar, mas, antes, chamei o negão e ordenei: - Olha, você vai lá e baixa o pau naquele meia esquerda russo. De qualquer jeito! o homem está nos desorientando. Tire ele do jogo... Como soldado mandado não tem crime, o Jota Alves partiu célere em cima do russo (que, por sinal, viria a ser titular da seleção soviética em 1958 - o nome dele eu esqueço), mas o safadinho era esperto e deu aquele drible em J. Alves! Contudo, na segunda vez, o Jota Alves acertou na “mosca", quero dizer, apanhou o russo sabido no tornozelo,

levando-o ao chão. E, o coração batendo de alegria, eu pensei: agora a coisa vai melhorar. E melhorou, mais ou menos. Faltando uns oito minutos para que se encerrasse o primeiro tempo, o Bahia logrou condições para seu primeiro ataque bem coordenado. Frader recebeu a bola, enfiou pela área, topou com três russos de cara (um dos gringos subiu mesmo que foguete e caiu de cabeça no chão) e Frader, mesmo caído, deu um toque para frente, Hamilton, então, que vinha na carreira, chutou forte e faturamos: 1x1. No intervalo, fiz nova preleção: aqueles russos ateus, nós com a proteção do Senhor do Bonfim! pau neles! pau neles! Outra vez em campo, Bacamarte pegou uma bola pela direita, investiu, recebeu uma falta escandalosa no meio de campo (que o juiz não assinalou), mas prosseguiu e recebeu uma marretada de tal natureza que o juiz teve de marcar. Foi o próprio Bacamarte que centrou para dentro da área. Yachin saiu, para antecipar a defesa, mas Hamilton, de nuca, cobriu o grande goleiro e a bola entrou: 2 a 1 a nosso favor. Tive medo de um enfarte, tanto meu coração batia. Garantir a vitória era o mais importante, e o Bahia, jogando com uma garra enorme, todos dando tudo o que tinham, transformou-se numa muralha defensiva, isto numa época em que o futebol brasileiro nem pensava na tática da retranca. E minutos a se passarem e angústias que se sucediam o tempo se foi escoando, até que o juiz deu o jogo por terminado. Não podendo conter minha alegria, dei pulos perto do banco e meu chapéu “gelôt" voou, impelido pelo vento forte, caindo no arco adversário. Corri para apanhá-lo e houve quem pensasse que eu estava doido de alegria. Estava, de fato, mas não perdera a razão: queria meu chapéu!



SEGUNDA PARTE

Catimbas

CAPITULO I ESTOU contando tudo o que sei do Bahia, do esporte em tini ui (inclusive as malandragens que aconteceram lá em cima), e assumo minha responsabilidade sobre o que estou ditando. Não invento nada, digo, desde logo, asseguro que nunca pratiquei, nem o Bahia, sob a minha gestão, praticou, qualquer ato desonesto. O Bahia sempre procurou legalmente, defender seus direitos, às vezes utilizando contragolpes, o que, nu Código Penal Brasileiro se designa como legítima defesa. Se o adversário apela para catimbas, nós catimbamos também. Numa das primeiras reuniões de que participei na Federação, em 1954, já como presidente, com a assessoria inestimável do Hamilton Simões, o assunto era a organização da tabela do campeonato: quem jogava com que, o quando... Fiquei, a princípio, desorientado e só aos poucos fui tendo o conhecimento do panorama. Chega-me à memória, neste minuto, uma cena que eu não esquecerei jamais. O Vivaldo Tavares, do Ipiranga, cochilava o tempo todo e íamos madrugada a dentro. Quando lhe pediam voto sobre esta ou aquela proposta, indagava: - Como é que o Bahia votou? Alguém respondia: - Assim... Ele voltava ao cochilo e quase dormindo dizia: - Voto contra! Todos os representantes de clubes agiam mais ou menos assim. o problema é que os clubes, no trabalho de elaborar a tabela do campeonato, queriam jogar com o Bahia, para assegurar renda. Percebi o enguiço - eram quase 2 horas da madrugada! - e combinei com o

Hamilton Simões: - Não voltaremos à reunião de amanhã. Eles ficam com vergonha de afirmar que querem jogar conosco aos domingos. Vamos deixar que se entreverem... Dito e certo: na reunião seguinte, o Bahia ausente, a tabela saiu organizadinha, tranquilamente. Arranjara-se uma fórmula para que o Bahia jogasse aos domingos com diferentes times. Chama-se a isto catimba, minha e do Hamilton? É injusto! Nós nos conduzimos com vivacidade, o que é outra coisa. A verdade é que, em futebol, como em tudo o mais, ser um pouco malandro, no bom sentido, se torna indispensável. Em 1954, nos meus verdes anos como dirigente, o Bahia disputaria o título com o Botafogo, que dispunha de um plantei da melhor qualidade, em termos regionais. Jogadores como Zague, Roliço e Lamarona, por exemplo, e com uma vontade de ganhar que dava medo. Hamilton, eu, toda a equipe, pesamos a situação e verificamos que as condições físicas do nosso time eram deploráveis: os jogadores que havíamos contratado no sul (não quero citar nomes...) eram uns farristas de marca maior. Decidi, então, concentrar a turma na ilha de Itaparica, 20 mil réis por dia, pensão de dona Anita. Os jornais vaticinavam que perderíamos o segundo turno. Uma guerra de nervos que atingia o plantei em condições indescritíveis. No meio da semana vim à cidade e quando voltei tive conhecimento que Osvaldo Balisa havia brigado com Naninho, uma briga em que quase houve morte, por causa de uns peixes que o Osvaldo tinha comprado. Incidente bobo mas de consequências quase trágicas. Como se tanto não bastasse, quando, depois de contornar a "tragédia dos peixes", voltei à cidade, o Nelson Pinheiro Chaves me

procurou, aflito, e disse: - Tomei conhecimento, Osório, de que um diretor do Botafogo comprou o Osvaldo Balisa. Ele está vendido! E o fim! O Nelson estava em pânico e pedi a calma. Na manhã do domingo, quando o jogo se ia realizar, reuni todo plantei e falei: - Escutem vocês, chegou ao nosso conhecimento que um de vocês se vendeu. Eu não acredito, mas estou com a pulga na orelha. Se desconfiar jogo o cretino para que a nossa torcida o estraçalhe e numa situação dessas não haverá crime... De vez em quando eu passava o rabo do olho sobre o Osvaldo, para sentir a reação dele. E o Osvaldo tranquilo, sem demonstrar qualquer nervosismo. Quando terminei a preleção me chegou o Nelson Pinheiro Chaves, com outra novidade: - Quando o time entrar em campo, para confirmar que se vendeu mesmo, Osvaldo vai bater duas vezes no poste superior da trave. Estranho é que quando o time entrou em campo, o Osvaldo foi para a sua meta e deu duas pancadinhas na trave, tal como o Nelson Pinheiro, havia predito. Confesso que tremi de ódio. Um jogador que se vende ao adversário é o que há de pior, mas a verdade é que Osvaldo fechou seu arco, jogando como nunca, pegando bolas impossíveis. Ganhamos: 2 a 0. E não apenas ganhamos a partida, mas aprendi a lição e a usei contra o próprio Botafogo, várias vezes. E a tal história, contra uma malandragem, malandragem e meia... Uma vez, por exemplo, mandei espalhar que Flávio estava "vendido” ao Bahia e a coisa foi tão bem armada que muita gente "viu" o Flávio em meu carro, coisa que, de fato, nunca aconteceu, o que confirma um ditado popular: quem conta um conto acrescenta um ponto - e era o que eu queria. Acreditando na "onda" que se fez, os dirigentes do Botafogo perderam a

tranquilidade e o Flávio, jogador de inegáveis qualidades, perdeu, de sua parte, qualquer condição psicológica para um bom desempenho. Desandou a dar "bicudas" em campo, o que não era do seu estilo. Era, na realidade, um rapaz de honestidade indiscutível, tanto que, posteriormente, jogou no próprio Bahia, ganhando, até, o título de campeão brasileiro de futebol. Agora, eu pergunto: houve desonestidade de nossa parte? Não. Usamos contra o adversário um contragolpe. Mostramos ter aprendido a lição. Tenho, pelo Vitória, não só admiração, mas respeito. Considero, por exemplo, Luiz Catharino um dos mais completos desportistas do Brasil, por ser honesto, hábil, ardoroso, dedicado, mas deixar o Vitória ganhar, contra nós, um campeonato era ideia que não passava por minha cabeça. Afinal, rivalidade - se não chega a ser inimizade - é sempre rivalidade, o que estimula. A vida, li isto não sei onde, é um sucessivo composto de desafios. Nosso dever é o de aceitá-los e lutar para ganhar. Isto posto, saliento que, quem conhece a história do futebol baiano, há de saber que o Leônico (graças aos esforços, inclusive financeiros, da família Veiga e do João Guimarães) ingressou na divisão de clubes profissionais com o apoio do Bahia. Emprestamos o goleiro Salvador, o beque Reis, o médio Santana. As relações entre os dois times eram e serão sempre, creio, as melhores. Se pretendíamos boa amizade com o Leônico, queríamos, também, que seu quadro impedisse que o Vitória ganhasse os tricampeonatos. E assim aconteceu. Ajudamos? Sim, ajudamos, sem dúvida, inclusive facilitando ao Leônico campo para treinamentos, mas nada disso teria sido possível se o Leônico não contasse com um bom time e com a direção inteligente de João Guimarães.

Isto - ou seja, o Leônico ganhar um campeonato naquelas circunstâncias - constituiu-se, para nós, do Bahia, algo parecido como um triunfo que, em parte, também nos pertencia. Do ponto de vista do Leônico, o fato de impor-se ante o Vitória e abiscoitar um campeonato significava boas rendas em seus próximos jogos, principal mente quando o adversário fosse o Bahia. Há, neste episódio de o Leônico ganhar um campeonato, time novo que era, uns detalhes, mas não tem a relevância que muito lhes creditam. Eu ia, de fato, quase todas as noites ao Hotel Xangô, onde o pessoal do Leônico, sob a direção do Guimarães estava concentrado. E o fiz quando a concentração passou a se realizar no Retiro de São Francisco. Nada disso, porém, tira o mérito do Leônico bater-se contra o Vitória com uma tenacidade notável. Com um esquema de jogo que explorava todas as possibilidades possíveis. Com uma garra de fazer inveja. E, vocês notem, diante de um adversário - o Vitória - que não era de brincadeira! Se eu fosse me prender a episódios que são popularmente conhecidos como "catimbas" poderia falar horas e horas. De maneira que é útil uma seleção de acontecimentos dessa natureza. Vejamos outro caso significativo: em 58 ou 59, Galícia e Bahia jogariam uma partida decisiva. Nosso adversário havia contratado um extrema esquerda, Eliezer, na época incluído entre os cinco ou seis jogadores que chutavam mais forte em todo país. Craque? Não. Faltava-lhe malícia, sobretudo era pobre em imaginação. De qualquer modo, tinha chute poderoso. Na sexta-feira, antes do jogo (que se realizou no domingo), chegou um telegrama, supostamente da CBD, autorizando a transferência do referido atleta, tornando-o legalmente apto a atuar contra nós. Realizou-se o prélio e o Bahia perdeu: 2 a 0, ambos os

tentos consignados pelo Eliezer. Ocorreu, no entanto, algo que chamou nossa atenção: muitos dias depois chegou à Federação, enviado pela CBD, um ofício autorizando a transferência do Eliezer, sem nenhuma referência ao telegrama anterior. Um funcionário da Federação me telefonou e comentou o fato. Posso dizer, e digo, que meu faro de servidor da Polícia deu o sinal de alarme: debaixo desse angu tem carne. Começamos a investigar. De saída concluímos nós, do Bahia, que o telegrama não tinha a redação habitual de d. Marina, funcionária da CBD. Consultamos nossos advogados sobre as possibilidades que tínhamos para anular o jogo, mas eles, arguiram, que as chances a nosso favor eram mínimas, até porque já se havia expirado o prazo permissível para protestos. Eu estava, contudo, com a espinha atravessada na garganta. Quem não reage quando enganado pela primeira vez, será enganado na segunda, na terceira, etc., e o Bahia não podia bancar o patinho bobo. Meu irmão, hoje advogado, na época ainda acadêmico, o Octávio, pediu para cuidar do caso. Certo - eu disse - dê uma de Sherlock Holmes e ele foi à CBD e lá pediu as certidões necessárias. A fraude foi, então, plenamente caracterizada: alguém havia forjado o telegrama, havendo, inclusive, uma certidão da "Western" confirmando nossa suposição. A celeuma foi imensa. O próprio Aurélio Viana, presidente do Galícia, honesto que é, confirmou a fraude. Foi então que o Vitória, presidido pelo Ney Ferreira, deu a louca, o que é compreensível, desde que seu clube estava na boca para levantar o título e a anulação do jogo era uma ameaça às suas pretensões. Concluído o inquérito, cabia, então, ao Tribunal de Justiça Desportiva decidir, em primeira instância. O Ney Ferreira ameaçou o Tribunal e chegou a afirmar: - Vai correr sangue na Federação! O Vitória não pode ser esbulhado. Foi, realmente, dramática a situação no Tribunal. Renato Reis

defendeu nosso recurso mas a coação do Ney, que é esperto, pesou na balança. Perdemos, aqui, de 4 a 3. Recorremos para o Superior Tribunal de Justiça Desportiva e lá, no Rio, quem defendeu o Bahia foi meu irmão Octávio e ganhamos por unanimidade: 7 a 0! Creio que foi o primeiro caso julgado, no âmbito esportivo, depois de esgotados os prazos de lei, esgotados porque - repito - a súmula já havia sido aprovada. Parece que - não entendo bem do assunto - o mérito, quando inequívoco, prevalece sobre questões formais. Se não aconteceu exatamente assim, ocorreu algo parecido. O bom de tudo é que o Bahia, ganhando os pontos, ganhou o campeonato. Para nós, o penta. E, a propósito, não tenho ciência de que haja ocorrido sangue na Federação... No conhecido caso do jogo do Bahia em Itabuna a iniciativa não foi minha e sim do Carlos Alberto Andrade, na época presidente da Federação. Como dizem os jovens de hoje, eu estava "na minha", lá em casa, mas sem tranquilidade. Ano de 1969. O Bahia teria de jogar em Itabuna, contra o time de lá, e a situação estava tensa, total hostilidade contra o Bahia, clara perspectiva - outra vez usando gíria... - de um "fuzuê" dos pecados. O Bahia, jogando lá, perderia no campo e fora do campo. Pancadaria. Senão mesmo um semi-massacre. Eu imaginava as alternativas, mas, sem que eu esperasse, aproximadamente às 7,30 da manhã, apareceu-me o Carlos Alberto Andrade que era, como já disse, presidente da Federação. Fiquei surpreso com a visita, desde que o Carlinhos só me procurava em casa às 10 ou 11 horas da noite. Eu disse "vá entrando” e ele não se perdeu em parolagens, em conversa comprida. Falou: - Osório, eu preciso de 20 mil cruzeiros para pagar uma letra da Federação, já vencida, e irá para o Cartório de Protestos amanhã. - Engraçado - eu disse. Você está com este problema e eu com outro: isto de o Bahia jogar em Itabuna nas circunstâncias atuais.

- Eu resolvo - ele disse. Então emprestei o dinheiro, tendo o Carlinhos me entregue, em garantia, uma promissória correspondente à quantia emprestada, dinheiro que, faço questão de frisar, pertencia ao Bahia. E fiquei feliz quando ele saiu. Mas, ao meio dia, todas as resenhas esportivas das rádios anunciavam que uma caravana de esportistas e políticos de Itabuna tinha obtido uma audiência com o Prefeito - para que interviesse no sentido de o jogo realizar-se em Itabuna. Até aí, nada demais. Acontecia, porém, que o Carlinhos estava à disposição do gabinete do Prefeito e tive medo que ele cedesse a uma insinuação qualquer, essas coisas... Fui procurá-lo e falei com toda franqueza: - Olhe aqui, Carlinhos, se vire! De modo algum o Bahia jogará em Itabuna. - Deixe comigo - ele respondeu. A partida será adiada "sine-die". Fique tranquilo. Segundo eu soube, o Prefeito convocou o Carlos Alberto ao gabinete e, diante dos desportistas e políticos de Itabuna, disse: - Você vai marcar o jogo em Itabuna, no domingo. Entendido? Ainda segundo eu soube, o Carlinhos teria respondido assim: - Não vou marcar coisa nenhuma! Se a Prefeitura é aqui, a Federação é lá em São Pedro, e seu presidente sou eu. Aqui sou apenas funcionário. Os casos concernentes à Federação eu decido é lá... - Eu estou dando uma ordem! - Sabe de uma coisa, senhor Prefeito? O Bahia não vai jogar em Itabuna agora e não sei mesmo quando irá!

O Prefeito explodiu: - Suma de minha vista, agora! E o Carlos Alberto Andrade desapareceu da sala. No dia seguinte dizem, - o Carlinhos perdia a disponibilidade no gabinete do Prefeito, retornando à sua repartição de origem. Agora digo eu: bendito empréstimo! Bendito porque Bahia saiu ganhando na história, jogando com o Itabuna no final do campeonato, acrescentando ao seu acervo de vitórias mais um outro título. Eu era menino e ouvi sempre este ditado: "vaidade, teu nome é mulher". O Carlos Alberto de Andrade que me releve a comparação, mas dele posso dizer - mas digo sem maldade - o que considero uma paródia: "Ambição, ambição, teu nome é Carlos Alberto!" E era. Acho já que aprendeu a lição da humildade, não desses humildes que de modo abjeto se curvam aos poderosos do momento, mas a humildade dos que analisam os fatos da vida com realismo, sem medo, sem covardia, mas, igualmente, sem temeridade. Vaidoso, o Carlos Alberto, tinha outro defeito: receio do prestígio do Ney Ferreira que presidia o Vitória. De sorte que conversava com o Ney e o pessoal dele até 11 horas da noite e depois ia lá para minha casa, permanecendo, não raras vezes, até 2 horas da manhã, e sempre encontrava, conversando comigo o João Guimarães, presidente do Leônico. Já falei sobre o João, homem íntegro, mas o Carlos Alberto daria assunto para todo um capítulo deste livrinho. Lembro que o João, certa feita, brigou com ele - o Carlos Alberto - e iniciou uma "onda" para derrubá-lo da Federação. - No mínimo - João me disse - vou botar uma úlcera no estômago do Cadinhos. E, segundo eu sei, botou mesmo...

Mas eu consegui, usando argumentos convenientes aos dois, que fizessem as pazes. O Carlos Alberto, porém, movido não sei porque tipo de interesse, manobrou no Tribunal de tal modo, que tanto o Bahia quanto o Leônico perderam dois pontos, colocando o Galícia em ótima posição na disputa do turno. O Carlinhos estava de amores com o Galícia, cujos grandes dirigentes eram Aurélio Viana e Raul Boulhosa. O último jogo do Galícia seria com o Bahia de Feira e o Bahia, por meu intermédio, ofereceu 200 de "bicho" aos feirenses. Falou-se na época, e há evidência de verdade... - que os galicianos, mais "vivos" que nós, compraram o técnico, e este, dando uma de malandro, na última hora colocou em campo um jogador em situação irregular, dando ao Galícia, que perdia o jogo, condições para um protesto. Cuiúba era o nome do técnico. Constatada a irregularidade, o Galícia ganharia os pontos e, então, para nós, do Bahia, adeus viola... Para tumultuar e ganhar tempo ingressei na Federação com dois protestos sobre irregularidades de jogadores do Galícia e ao fazê-lo disse ao Carlos Alberto: - Eu vou até o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, mas não vou perder o campeonato. Não assim, roubado desse jeito! E começou a confusão, rádios e jornais no meio, e tudo sempre na base do "tá legal", "não tá legal", etc. O Galícia não se encontrava em boa situação financeira, uma vez que, mediante várias protelações, nada fora definido. O Carlinhos, que sempre acendeu uma vela a Deus e outra ao Diabo, me procurou, desde que havia protestos e protestos, a Federação de mãos amarradas. Estávamos, eu e o Carlinhos, na Assembleia Legislativa e ele telefonou para o Boulhosa dizendo que falava da Federação. E propôs o que eu queria: - Boulhosa, amigo, não pode haver campeão uma vez que há protestos dos dois lados. É bom você armar uma fórmula com o próprio Osório, que o considera muito.

O Boulhosa - que é um homem de bem - ficou hesitante, mas, minutos depois, me telefonou e propôs o que eu mesmo defendia. Marcamos um encontro, de noite, na sede da Federação, onde, com a presença de Carlinhos e poucos mais, assinamos um protocolo: 19- O Galícia disputaria todos os jogos do segundo turno, o que era do seu interesse desde que precisava de renda e já levava a vantagem de ter ganho o primeiro turno; 29 -Daí, para a decisão efetiva do campeonato, partiríamos, o Galícia e o- Bahia, para uma "melhor de três", isto se ganhássemos o segundo turno, graças às manobras a que me referi. O Boulhosa concordou. Todos concordaram. E o Bahia, nessa base, ganhou o segundo turno. Ótimo. Partimos para a "melhor de três", em busca do título máximo. Vencemos a primeira. 4 a 2 para o Galícia, este o resultado da segunda disputa. Restava a finalíssima e recordo que nossa ofensiva (China, Adauri e outros) era muito fraca, para não dizer covarde. Paulo Amaral, que era o nosso técnico, experimentadíssimo, admitiu que eu tinha razão, até porque, na defesa do Galícia, o Hélio Nylon não perdia oportunidade para "sarrafos" violentíssimos. E Paulo Amaral acrescentou: - Osório, com um juiz baiano, nós vamos perder. Alertado por esta observação, fui procurar o Aurélio Viana com um plano arquitetado: - Aurélio, com este resultado de 4 a 2 com que vocês nos lavaram na quarta feira não haverá boa renda na decisiva. Precisamos de uma atração. - E qual a atração? - Vamos contratar Armando Marques como juiz. - Mas ele quer três milhões!

- E daí? Armandinho traz público. Nós dividimos a despesa. O Aurélio - boa alma! - não percebia nossa jogada. Com Armando Marques, árbitro rigoroso, a defesa do Galícia não ia bater como das vezes anteriores. Ocorreu, também, outro fato, este de natureza psicológica, muito importante. O estádio estava superlotado e eu prendi o time do Bahia no vestiário e o Galícia imaginou que estivéssemos a fazer mandinga, feitiçaria, essas coisas. De sorte que o Galícia não quis entrar no campo antes de nós. Uma bobagem deles e quando vi o Armando Marques no campo, mandei o time subir, ganhando uma tremenda ovação, espetáculo raro, que há de ter impressionado vivamente o Armando. Afirmam até - e eu não sei se é verdade - que o Armandinho teria comentado assim: - Quem tem uma torcida desta não pode perder jogo. E faturamos 1 a 0, assegurando a conquista do campeonato. Os cálculos deram certo: ganhamos porque o Armando Marques reprimiu, sempre dentro das regras, a violência da retaguarda galiciana e o Bahia pôde jogar seu futebol de classe. O máximo que o Galícia conseguiu foi reclamar que um pênalti a seu favor não fora marcado. Choradeira. NOTA DOS AUTORES Este capítulo, sobre “catimbas” poderia ter, sem exagero de nossa parte, umas 300 páginas, ou mais. Selecionamos algumas. Interessante é que em alguns dicionários que consultamos não há, explicitamente, o vocábulo “catimba”. Há “catimbó", “catimbau”, “catimbauzeiro”, etc., e todos o definem como prática de feitiçaria ou algo semelhante. Certo é que, hoje, por um fenômeno semântico, “catimba”, pelo menos em futebol, significa tanto um pouco de feitiçaria quanto um muito de vivacidade, de “jogada". Os episódios por Osório narrados são, disso, um exemplo.





TERCEIRA PARTE

Os Dirigentes

CAPITULO I INTERFEREM e atuam no futebol - que já defini como sendo um esporte-paixão - três tipos de dirigentes, os apaixonados, os que combinam paixão e razão e os aventureiros, esses que tentam se aproveitar da emoção que domina os torcedores, os adeptos, para obter vantagens de muitas naturezas, algumas as mais torpes, outras as mais tolas, e, ainda, o exercício de determinada forma de poder. Vejamos um João Havellange. Há muitos anos que exerce a presidência da CBD, à qual se dedica de corpo e alma. Um dirigente nato. É quem manda na CBD, ele, mais ninguém. Lembro-me de certa reunião por ele presidida. Um jornal anunciou: "Reunião da CBD: assunto sério vai ser tratado a portas fechadas". Participei, às escondidas, de algumas dessas reuniões, em que estavam presentes "próceres" como Sílvio Pacheco, então vice-presidente, Abílio de Almeida, diretor não sei de que, Abrahim Thebet, Ornar Hagrife, departamento de amadores, Mozart Di Giorgio, superintendente, Alfredo Curvelo e outros. Todos reunidos, o Havellange dizia mais ou menos assim: - Vamos fazer isto e isto, aquilo e aquilo. Sr. Curvelo, o senhor vai dar uma entrevista e dizer tudo isto; Sr. Abílio, o senhor também vai dar uma entrevista dizendo isto e isto..." E assim terminava a conversa, o Havellange decidindo tudo. No entanto, a imprensa noticiava que "depois de uma acalorada discussão, a diretoria da CBD resolveu adotar as seguintes medidas...", informação, creio eu, orientada pelo próprio Havellange que não queria, de público, desmerecer ninguém. Em 1966, porém, com a derrota do Brasil na Inglaterra, a coisa mudou. Aqueles que, nas reuniões, mudos e obedientes se mantinham, - no particular Abrahim Thebet,

Ornar Hagrife e outros podem ser citados e os cito - passaram a criticar duramente a seleção, imaginando iminente a queda de Havellange. Quando ele voltou de Londres - os nossos "canarinhos” lamentavelmente depenados... - só haviam seis pessoas no aeroporto a esperá-lo e eu estava lá. Feola, o técnico, desembarcou no Paraná. O professor Ernesto Santos em outro aeroporto, quer dizer, cada um para seu lado. Havellange, ao contrário, com muita coragem, desembarcou no Galeão para encontrar poucos amigos e uma torrente de jornalistas. Convidaram para um programa de televisão e ele não recusou. Aceitou na hora. O programa realizou-se no dia seguinte, salvo engano na TV Excelsior, e eu o acompanhei no carro. Na abertura do programa, sob imensa expectativa nacional, a pergunta foi mais ou menos esta: - O Brasil todo, neste instante, espera que o senhor aponte os responsáveis pelo fracasso da seleção. Respondeu com altivez: - Só existe um responsável, eu, João Havellange. E desse modo prosseguiu, lembrando que ele escolhera os auxiliares, ele determinara as diretrizes, etc. Completou dizendo: - Esta é a satisfação que tenho de dar ao povo brasileiro; mas prestar contas, com todos os detalhes indispensáveis, só posso fazê-lo à Assembleia da CBD, que é composta dos presidentes das federações estaduais. Vou reuni-la e colocar o cargo que exerço à sua disposição". Realizou-se de fato, a Assembleia e Havellange, depois de um relatório extraordinariamente franco, honesto, corajoso, foi reeleito por unanimidade, após o que dispensou os serviços de Ornar Hagrife, Abrahim Thebet e outros... Um líder autêntico, a quem o poder fascina, e se não é de tratantadas, de igual modo não é desses que dormem de touca. Reúne perspicácia, prudência, imaginação e energia. Tem o que

se chama "faro". A maneira como agiu durante a crise que precedeu o envio da nossa seleção ao México (a saída do Saldanha, a escolha do Zagalo, etc., além de mil outras providências que o público desconhece) comprova a sua qualidade de líder inconteste. É correta a afirmativa de que não trouxemos, em definitivo, a "Jules Rimet" apenas em virtude da atuação dos jogadores, do pessoal técnico, etc., e sim também devido à ação dinâmica de Havellange. Como disse, "não dorme de touca" e vou revelar um fato que talvez poucos conheçam. Em São Paulo, o Mendonça Falcão era quem aparecia como grande líder do futebol, mas, na realidade, a "eminência parda" era Paulo Machado de Carvalho, um velho inteligente, corajoso, experimentado, malicioso, muito rico, também fascinado pelo poder e seu sonho - se não incido em erro de julgamento - era o de derrubar Havellange usando o Mendonça. Que fez, então, o presidente da CBD? Simples: confiando na capacidade de liderança do Paulo Machado, o Havellange entregou-lhe o comando da seleção brasileira em 58 e 62, prestigiando-o e, ao mesmo tempo, neutralizando-o. Assim, portanto, esclareça-se que quem queria, naquela oportunidade, derrubar o Havellange era o arguto Paulo Machado de Carvalho, que, em linguagem eleitoral, pode ser definido como um habilíssimo "cacique", tanto que o Mendonça Falcão só se firmou como líder quando se deu o recesso do Paulo. Contudo, o Mendonça - ocorrido o que denomino como recesso do Paulo Machado - começou a sentir a influência da "mosca azul" e - esta mosca não é mole! - passou a manobrar. Preterido pela CBD numa das suas reinvindicações, o Rubem Moreira deu-se a namorar com o Mendonça. Havellange "bispou" a coisa - ele tem "faro" eu já disse - e me chamou à CBD, dizendo: - Osório, o Rubem está com o Mendonça. Você é o único capaz de

derrotar o Rubem no nordeste, trabalhando as Federações de lá. Vá a Sergipe, Alagoas, Paraíba e Ceará e consiga derrubar o Rubem da vicepresidência da CBD. Em seguida, sugeriu, com muita cortesia, que eu daria um ótimo vice-presidente. Ponderei que sendo o Walter Passos o presidente da Federação baiana, a ele deveria caber o posto e o Havellange concordou: - Um bom rapaz. Uma boa lembrança sua. Mas, aja! Sabíamos que o Mendonça estava crescendo, inclusive transformando o futebol paulista numa potência, talvez a maior do país. Entrosara-se com o Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais. O mais depressa possível, voltei a Salvador e Walter Passos concordou com o que eu propus. O Walter não viajava de avião, naquela época, e fomos de carro até Aracaju. Conseguimos o apoio da Federação Sergipana, argumentando que não se tratava de derrubar o Rubem, de quem todos éramos amigos, mas de estabelecer um sistema de rodízio, de modo que cada Estado do nordeste e do norte tivesse sua vez na CBD. Nada de pessoal, portanto. O Robério, presidente da Federação Sergipana, concordou, mas impôs uma condição: deveríamos obter, também, o apoio do Bastinhos, presidente da Federação Alagoana. E fomos ao Bastinhos e ele disse um "okay", mas condicionou seu apoio à decisão do Ceará, cujo presidente da Federação era Sr. Bié. Uma maratona e resolvemos, cansados, eu e o Walter, retornar a Salvador. Um descanso. De avião fui a Fortaleza e mandei o "papo" no Bié, explicando tudo. Vocês pensam que a novela acaba com o apoio do Bié? Engano! Quando, de volta, passei por Maceió, estava o Bastinhos a me

esperar no aeroporto e mandou a pergunta: - Como é que foi? - Tudo certo - eu disse. - Leia este telegrama aqui! - e me deu o papel. Li o texto. Era o seguinte: "Dispensadas todas as dívidas dessa Federação a pedido do nosso amigo Rubem Moreira. Abraços. Abílio de Almeida". Estremeci: o Abílio era homem de Havellange! Bastinhos falou: - Osório, honestamente, já não estou entendendo nada! Os homens querem derrubar o Rubem e dão, agora, tal prestígio a ele? Como é que é? Eu disse: - Este telegrama só pode ser falso. Aguarde uma comunicação minha. E viajei. Em Aracaju, porém, o Robério, presidente da Federação, também me aguardava no aeroporto e quando me viu, indagou: - Como é que foi? Tudo bem. - Então leia. E li e a redação era a mesma que fora enviada ao Bastinhos. Era de estarrecer! Cheguei a Salvador às 2 horas da tarde e às 4 viajei para o Rio num "Douglas" do tipo pinga-pinga que só à noite aterrissou no Santos Dumont. Enraivecido com toda aquela falseta, quando entrei na CBD, no dia seguinte, fui logo xingando o Abílio de Almeida ("você é um safado" e coisas mais), mas o Abílio, sem se molestar, disse: - Vá falar com o Presidente.

O Havellange, de fato, logo me recebeu e, ainda irado, perguntei: - Como é que você fez uma coisa destas? Respondeu: - O Rubem esteve comigo. Deixou o Mendonça e acertou os ponteiros. Então soube do acontecido: um cronista cearense, o Aliatá, havia informado ao Rubem sobre nossas manobras e o Rubem, vendo-se entre a cruz e a caldeira, resolvera romper o namoro com o Mendonça, voltando ao morno regaço da CBD presidida por Havellange. Mais adiante voltarei a falar do Rubem. Aqui e agora Havellange é que é meu assunto. A verdade é que eu me queimei, mas quem pode negar que um dirigente nacional de futebol deve usar de malícia, ser realista? Se tais exigências são feitas a um dirigente regional (ou mesmo municipal) por que exigir que um comandante nacional seja um santinho? Há uns bobocas por aí, neste Brasil imenso, que fazem campanha sistemática contra o Havellange. Considero isto uma tolice e uma injustiça. Ele é um extraordinário desportista, muitas vezes campeão brasileiro e sul americano de natação, de polo aquático e de remo. É internacionalmente conhecido e respeitado. É rico, presidente de, talvez, uma das maiores empresas de ônibus da América do Sul, dirige um Banco e também uma indústria. Não precisa, assim, do esporte para ascender socialmente. Empolga-o o fascínio do poder de que dispõe? Respondo que sim. Mas só um medíocre não se empolga pelo poder. Ou não se apaixona por uma bela mulher! Ou não aspira ajudar, sob condições de relativa liderança, o seu país, o seu Estado. Não há crime, Há, sim, uma condição humana que se realiza. Um ideal que se faz. Ele poderia viver uma espécie de "dolce vida" (há um

filme italiano com este título), mas prefere agir, atuar, viver. E fazê-lo onde melhor se consegue colocado. É um homem de luta, de realizações. Alguns setores da imprensa o atacam, mas por que assim se conduzem? Porque Havellange não os corteja, a eles não se curva. Meu julgamento pode ser, em parte, influenciado pela admiração em que o tenho e pela mútua amizade que existe. Não lhe devo favores pessoais, mas - e disso tenho provas - atrás do seu modo de ser muito seco, existe um cidadão accessível a quem não queira bancar o sabidório com ele, uma pessoa capaz de fazer amigos e cultivá-los, desde que o respeito seja recíproco. Vou contar um fato: o Vadih Helu, na época todo poderoso presidente do não menos poderoso Corinthians, enviou-lhe um cartão, com o timbre do clube, pedindo audiência. Havellange negou-se a recebê-lo, defendendo um princípio que se impôs: não receber presidentes de clubes, guardando-se de influências e, não menos, de maledicências. O Vadih - que é um desportista de alto bordo - regressou furioso a São Paulo. Considerou-se destratado. Pois bem: de noite o Havellange telefonou para o Vadih explicando a sua atitude. Como amigo, estava disposto a recebê-lo, como presidente de clube, não. Aliás, isto o Havellange sempre me disse: - Osório, recebo-o como amigo, não como presidente do Bahia. Eu, de minha parte, dava um jeitinho, deixando claro que não queria enganá-lo, mas de aproveitar minha condição de amigo, mas, de qualquer forma... espaço muito famoso "jeitinho" brasileiro. Não me esqueço que o Remo (clube do Pará), promoveu temporada com um time estrangeiro. Até aí nada de mais, mas aconteceu uma enorme complicação: o Imposto de Renda não fora pago pelo Remo e, em consequência, o quadro visitante não podia sair do país. Havellange não hesitou: baixou um ato suspendendo o Remo. O presidente do time

paraense, Nejosa, de uma das mais importantes famílias do referido Estado, foi ao Rio tentando um "deixa prá lá, amigo velho" e pediu audiência. Havellange foi taxativo: - Presidente de Clube? Não recebo, não atendo. Eu estava lá, ouvi a ordem dada, e disfarcei, saí da sala, encontrei o Nejosa e ele me explicou a situação: não sabia de nada do dever de pagar o Imposto de Renda, não agira de má fé. Senti que falava a verdade e voltei à sala da presidência da CBD. Fui franco com Havellange, explicando tudo. Ele disse: - Vou abrir uma exceção, por sua causa. O caso foi solucionado, comprometendo-se o Remo a pagar o devido Imposto de Renda. Foi, então, anulada a suspensão. Quero, ao narrar o fato, demonstrar que o Havellange é um dirigente duro, enérgico, mas em nada desprovido de sensibilidade. O que faz falta, em relação a ele, é que a Bahia não tenha um dirigente com trânsito nacional. Se o tivéssemos - faço referência, no caso, à Federação baiana - nosso Estado participaria do Campeonato Nacional não com um ou dois, mas com três clubes. O Hasselmann foi eleito presidente da Federação. Bom, conselho e água benta só se dá a quem pede, mas eu me acredito habilitado a fazer ou formular, como queiram, uma advertência: se é bom falar com o padre, com o bispo, com o cardeal, melhor ainda é falar diretamente com o Papa. E, em matéria de futebol, o Papa, no Brasil, é, sem sombra de dúvida, o Havellange, na minha opinião. No início deste capítulo, não sei se forçando a mão, disse que, quanto a futebol, há três tipos de dirigentes: Os apaixonados; Os que combinam paixão com razão;

Os aventureiros. O Havellange é um dos que, apaixonado pelo esporte (e não só apenas o futebol), reúne paixão e razão. Mas, como classificar, numa dessas categorias, um homem como o Rubem Moreira, meu amigo, que é tido e havido como o vice-rei do futebol no nordeste? Certo, não é um aventureiro. Igualmente não é um apaixonado, desses que a emoção cega, e se combina a emoção com a razão, não consegue fazê-lo com a determinação de um Havellange. Eu diria que é um homem de garra e - faço justiça - dotado de uma certa dose de "faro". Testemunho, por exemplo, que é um grande amigo do futebol baiano. Qualquer clube baiano que chegue a Recife recebe, do Rubem, o melhor tratamento. Sei que o Vitória, certa vez, viu-se em dificuldades no Recife (inclusive sem passagens para o pessoal retornara Salvador) e o Rubem, solicitamente, "quebrou o galho". O Bahia também deve muito a ele, no particular. Contudo, ao Rubem falta o que sobra no Havellange: ele põe os interesses de Pernambuco acima de tudo, carecendo de uma visão nacional da atividade futebolística e, mesmo, desportiva. Rubem tem prestígio porque trabalha. Não leva duas semanas sem uma visita ou melhor, uma "comparência"... - à CBD. No Recife , de manhã ele vai à Pepsi-Cola, que é um dos seus negócios, de lá segue para vistoriar as obras do prédio da Federação Pernambucana, permanecendo, em seguida, na sede da Federação para o expediente normal. De lá só sai 8 ou 9 horas da noite. E, em certos casos, nem volta para casa. Pega o avião e se manda para o Rio. Não por acaso foi em virtude de suas transas que Pernambuco - não me recordo quando - representou o Brasil na disputa da "Taça O'Higgins". Chegou até a indicar a seleção baiana para representar o Brasil na mesma disputa... Apoiando-se num tripé constituído pelo Náutico, Esporte e Santa Cruz, o Rubem é imbatível em Pernambuco. Atua em todo o

norte/nordeste, resolvendo problemas, muitas vezes de finanças para os clubes que se encontram em maré vazante. De sorte que, como consequência desse trabalho, ele representa quase todos os clubes do norte e nordeste na CBD. Mas, a Bahia, não! Como diz um adágio popular - aliás, todos os adágios são populares... - amigos, amigos, negócios à parte". Certa feita, representando a Federação Baiana numa das eleições da CBD votei contra o Rubem e expliquei, em declaração, que reconhecia os seus méritos, mas a Bahia, nas relações com a CBD, não admitia intermediários. A Bahia entender-se-ia diretamente com a CBD. O que, de fato, tem acontecido. Acredito que se o Vitória tivesse feito frente única com o Bahia, ao invés de trabalhar sozinho, teria, tranquilamente, participado do primeiro campeonato nacional. Desde 1967 ou 68 eu sabia, ou previa, que o Havellange iria realizar esse tipo de competição, iniciativa muito útil porque dá um "chega pra lá" nesses pequenos clubes que não se organizam devidamente, vivem, quando vivem, na base do "Deus dará". Ora, segundo me parece, Deus, Nosso Senhor, está preocupado com assuntos mais sérios... Quanto ao Saad eu tenho culpa no Cartório. No fundo no fundo, ele queria ser deputado federal e o instrumento que acreditou utilizar foi o Bahia, a quem não amava, por quem não torcia. Dizia-se um desportista nato, ex-remador do Flamengo, mas nunca ouvi que tivesse feito parte do quadro de atletas do Flamengo. Em todo caso... O que queria era popularidade. Usar essa popularidade em seu benefício, mas acredito que errou no pulo, no particular. Inclusive, não gostava de futebol. Quando, em 1971, o Bahia levantou o campeonato, ele fez um blábláblá dos pecados, mas, decerto, não pensava no Bahia e sim nele mesmo, nos seus interesses. O Saad, que não é nenhum imbecil, chegou à conclusão de que não poderia mais dirigir o Bahia e me convidou para uma conversa em seu

escritório. Não fui. Apelou, mais tarde, para que eu fosse à sede do Bahia e eu fui. Sabia que havia uma ala que lutava ostensivamente pela demissão do Saad, integrada pelo Hélio Mascarenhas, Paula Filho, Getsemanni Galdino, entre outros conselheiros. Compareci à sede e lá estavam, além do Saad, Hamilton Simões, Antônio Miranda e Wilson Trindade. Saad confessou que não poderia ficar à frente do clube. Desejava uma combinação sobre seu substituto. Afirmei que votaria em qualquer tricolor gabaritado que ele indicasse. Antônio Soares foi logo indicado, mas rejeitou. Antônio Miranda disse que ele também não podia aceitar. Wilson Trindade, contudo, admitiu sua candidatura e a seu convite fomos à casa do Saad, de onde saímos aproximadamente às 2 horas da manhã. Aparentemente tudo estava resolvido, mas embora eu não possa jurar o que agora ponho em destaque, creio que o Saad, manobrando nos bastidores, sabotou a candidatura de Wilson, e Wilson desconsiderado, retirou sua candidatura. Eu, de minha parte, senti-me liberado. Entretanto, não cessava de receber informações sobre o que ia acontecendo. Três nomes estavam sob cogitações para substituir o Saad, entre eles os de Balailais e de Paula Filho, que sempre me fez oposição, atitude cuja legitimidade nunca contestei. Certa noite, por volta da meia-noite, eu descansava, foram à minha casa Zelito Ramos e Hélio Marques. Disse Zelito: - Levanta, presidente, vamos decidir a sorte do Bahia agora. Tudo depende de você. Paula Filho, Getsemanni, Pedro Amorim e outros estão lá em minha casa e acham que só se elege alguém com seu apoio. Não era um convite. Era uma imposição, mas dessas imposições em que há muito de afetividade. Não pude recusar e fomos juntos. Quero repetir o que disse acima: o Paula Filho sempre fez oposição ao meu modo de agir, mas nunca nos tornamos inimigos. De modo que ao

encontrá-lo, na casa do Zelito, abraça-mo-nos e eu o chamei de presidente. Respondeu: - Presidente, ainda não, sou apenas candidato, mas se contar com seu apoio assumirei a presidência. - De acordo - eu disse - e só peço que você respeite meu passado no Bahia. - Evidente! Cerca das três horas da manhã, saímos da casa do Zelito com um memorial redigido em busca de assinaturas de outros conselheiros. Na tarde que antecedeu a eleição, o Saad me telefonou, com seu jeito habitual, argumentando que o Paula Filho era meu inimigo, que sob sua presidência, ele, o Paula, jamais me daria chance de ser nada mais no Bahia. Retruquei: - É nele que vou votar e sugiro que você se comporte muito bem na reunião do Conselho, de modo que saiamos todos unidos. Ou o Bahia irá à breca! Este foi o último contato pessoal, mas através de telefone, que tive com o Saad - e ele se comportou pessimamente na reunião do Conselho. Levou uma claque, queria coagir o Conselho e - confesso irritado subi numa das cadeiras, fazendo quase que um comício. Ganhamos. A eleição do Paula saiu [por unanimidade. Houve, apenas, um voto nulo. NOTA DOS AUTORES Este capítulo não encerra - ou, mais exatamente, apenas inicia - as opiniões francas de Osório Vilas Boas sobre dirigentes do futebol baiano e nacional. Voltaremos ao tema. Agora, porém, em benefício dos leitores, passaremos para outro assunto: a “Taça Brasil”, que o Bahia venceu em condições as mais originais.



QUARTA PARTE

Taça Brasil

CAPITULO I QUE outro clube - salvo um ou dois mais, e olhe lá! - pode representar nosso Estado numa competição futebolística nacional senão o BAHIA? De modo que tendo a CBD organizado a disputa da "Taça Brasil", o Bahia já estava cogitado e, atuando bem, chegou até o Ceará. Em Fortaleza empatamos e aqui também. Realizado o terceiro jogo, novo empate, de sorte que, segundo o regulamento, haveria uma prorrogação de 30 minutos. No intervalo, levei todo o time para o lado do Dique do Tororó. Falei: - Olhem, prometi um "picho" de 5 contos para cada um. Agora, eu aumento para 10 contos. Léo, que vinha sendo um dos melhores da equipe, respondeu: - Não estamos pensando em "bicho", presidente. Vamos é ganhar de qualquer modo. E venceram! Venceram com um gol feito pelo próprio Léo, faltando um ou dois minutos para terminar a partida. Em seguida veio a jornada de Pernambuco que "não foi mole". Concentramos o time em Itaparica, Geninho - um grande técnico orientando o pessoal, e aqui, em Salvador, realizado o primeiro jogo ganhamos do Esporte por 3 a 2. Um belo triunfo. Já disse: nosso plantei era bom de bola, mas tinha um defeito que eu considero grave, ou seja, era muito de farra. De sorte que combinei com Geninho para concentrar todo mundo, uma vez que a viagem para Recife ocorreria 48 horas depois e o jogo logo de "cara". Mas, com a euforia da vitória, os jogadores tapearam tanto a mim quanto ao Geninho e houve uma folga e a rapaziada caiu na farra. De qualquer modo realizou-se a viagem para o

Recife, sem minha presença. Eu seguiria no dia seguinte, mas - em consequência de atraso do avião - permaneci no aeroporto de manhã até de noite, enquanto o jogo já se realizava, eu sabia, assistido pelo Havellange, pelo Mozart de Giorgio, a cúpula da CBD. No avião eu ouvia a irradiação: - Esporte 1 a 0. Este Bahia não é de nada! - Esporte 2 a 0! Do aeroporto segui direto para o Estádio e lembram-se qual era o escore? 4 a 0! Entrei direto no campo e Geninho, irado, me disse: - Presidente, o time está um molambo! Era aquele o resultado da farra, o não se terem mantido na concentração, e quando subi para a Tribuna de Honra recebi as "gozações" de Havellange e de outros dirigentes da CBD. Mantive a cabeça fria. Ao invés de fazer "sala" ao pessoal da CBD, resolvi pensar no terceiro jogo, o decisivo, que se realizaria lá mesmo, no Recife. Raciocinei rápido: o prélio estava marcado para o dia 2 de novembro, Dia de Finados, um absurdo, mas ao mesmo tempo era uma oportunidade para conseguir com o pessoal adversário um adiamento, o que daria, no mínimo, ocasião para um prolongado descanso do nosso time. E fui direto à procura do presidente do Esporte. Parabenizei-o pela expressiva vitória, muito justa, etc., (imaginem: 6 a 0 no placar), mas ponderei que jogar no dia 2 seria um duplo erro: - Dia de finados, e, assim, um atentado às almas penadas! - Renda fraquíssima, uma vez que ninguém iria deixar de homenagear seus mortos para assistir futebol. E perguntei: - Vamos adiar?

Respondeu: - Para o dia 3. Admiti: - Certo, dia 3. Voltei ao campo e comuniquei o fato ao técnico do Esporte, que estava todo eufórico com um triunfo daqueles. Os jogadores também entusiasmados tanto fizeram que conseguiram uma folga naquela noite. Enquanto orientava Geninho para que controlasse a nossa turma em regime de campo de concentração, informei-me onde os jogadores do Esporte iriam comemorar. E soube: no bar da BRAHMA. E fui para lá, confraternizar com eles. Modéstia à parte, passei-lhes "aquele papo". E tome cerveja! Gastei - confesso - uma "nota" pagando cerveja sobre cerveja, um derrame. Quando percebi que eles estavam "tomados", deixei-os e, segundo sei, a farra continuou, na "braba". Então, voltei ao Hotel onde me hospedara, o "São Domingos", convicto que o Geninho, hospedado com o nosso pessoal no Hotel Regina, estava de sentinela, controlando a situação. Ah! um detalhe: eu gratificara o rapaz que controlava o placar para que não mudasse o escore do jogo anterior, 6 a 0. De modo que no dia 3, quando entramos em campo para a partida decisiva eu mostrei aos nossos rapazes o placar vergonhoso. Imagino que aquilo atingiu o brio de cada um deles. Para não ir muito longe: realizou-se a "melhor das três" e ganhamos bonito: 2 a 0! Se a cervejada funcionou, sobretudo devemos a vitória à garra dos rapazes, à tática do Geninho, à certeza de que estávamos defendendo não só o Bahia mas a Bahia. Não posso esquecer, por exemplo, o Bi ri ba tirar a bola das mãos do Manga, goleiro do Esporte, usando a cabeça e fazer um gol. Um detalhe: Manga tem quase duas vezes a altura do Biriba. Foi um gol de "fechar o comércio" e Geninho

disse: - Nunca vi coisa igual! Ganhamos. O Mozart Dí Giorgio e o Rubem Moreira haviam preparado um troféu que pesava mais de 20 quilos. Representava um leão a pegar um veado. E eu fiz uma gozação com os dois, que, aliás, reagiram com desportividade, concordando que o leão não era bem um leão, mas uma leoa... De qualquer modo mais uma etapa vencida. E veio a campanha com os times do sul. O Vasco da Gama! Teríamos de enfrentar o Vasco, na época um time fabuloso, possuidor de uma das melhores defesas do Brasil: Paulinho, Beline, Orlando e Coronel. Uma muralha. E, ademais, o jogo no Maracanã. Juiz? O Clinamulte França, baiano, nosso conhecido. NOTA DOS AUTORES Interrompemos para informar que estamos apresentando nesta fase as declarações - gravadas - de Osório, contendo várias digressões sobre juízes, mesmo contrariando o esquema de partes e capítulos que previamente organizamos. Haverá uma parte especial dedicada a juízes, mas é impossível impedir algumas antecipações. Beline, campeão do mundo, grande comandante, tentava controlar o Clinamulte, intimidando-o, jogando a torcida do Vasco contra ele. E o Clinamulte se deixava envolver, inexperientemente que era. Eu tentei uma jogada. Chamei o Waldemar Santana, que estava no túnel, conosco, e perguntei: - Você topa levar uma vaia? - Topo.

- Bom, logo que termine o primeiro tempo dê uma carreira daqui, encontre o Clinamulte e diga a ele que o estamos observando. Que ele não se deixe dominar pelo Beline, tope a parada, senão vamos perder o jogo. Waldemar, logo terminado o primeiro tempo, atravessou o campo (sempre vaiado), mas alcançou o vestiário dos juízes e deu o recado ao Clinamulte. Um único pedido: não fosse na onda do Beline, marcasse de acordo com a sua consciência e seus conhecimentos. Quando começou o segundo tempo, Alencar marcou 1 a 0 para o Bahia. Os vascaínos ficaram fulos de raiva, lustrich, o chamado "homão", deve ter dado ordem para o pessoal dele "baixar o pau". O que eles não adivinhavam é que estávamos com uma gana terrível. Recordo que, quando Paulinho, do Vasco, começou a marretar Biriba, nosso neguinho não teve medo e deu ao craque vascaíno a resposta necessária. Quando o Beline gritou: - Paulinho, dê um cascudo nesse moleque! Ouviu-se a resposta do Biriba: - Venha dar você, seu filho da puta. Um querendo pegar o outro, chocaram-se e ambos partiram a cabeça, continuando a jogar mas de cabeças enfaixadas, sangrando. Por duas vezes o lustrich (que, aliás, não é esse "homão" todo, lembrem-se do seu caso com Brito) quis invadir o campo, Geninho e eu estávamos lá, firmes. O comissário de polícia do Maracanã nos advertiu e nos ameaçou de prisão, respondi: - Vá prender antes o lustrich, que já invadiu o campo duas vezes. E saiba mais: toda vez que ele cometer uma infração dessas, nós cometeremos também. O Vasco quis ganhar no grito, mas nós mantivemos o

Placar: 1 a 0.

CAPITULO II SEGUNDO jogo contra o Vasco, aqui, em Salvador. Perdemos de 1 a 0, o juiz a nos prejudicar. Um safado! Uma vitória nossa, uma deles, deveria realizar-se o 3° jogo aqui, em Salvador. Fui ao Rio, espiar o ambiente e me encontrei, por acaso, com o Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista. Ele pilheriou comigo: - Escuta, Osório, se cair um juiz paulista pode confiar que vocês não serão furtados. Era uma insinuação... Voltando, o Bahia ofereceu uma recepção ao Vasco. João Silva, meu amigo, presidente vascaíno, bebericou uns uísques e fomos para a Federação - presidida pelo cel. Bendochi Alves - para a escolha do árbitro. Por cortesia e um pinguinho de malandragem, sugeri que o Vasco escolhesse de onde o juiz deveria vir. O João Silva retrucou que sendo visitante caberia ao Bahia a escolha e "de obrinha” (sem esquecer a insinuação do Mendonça Falcão) lembrei que um árbitro de Pernambuco, talvez que... o João recusou. Propus um juiz de Alagoas. Nova recusa. Novo veto e o último, uma vez que segundo o regulamento admitiam-se duas recusas, não mais. Então, com uma certa singeleza, lembrei São Paulo. O João Silva, ingênuo, caíra na armadilha e concordou. Na mesma hora o cel. Bendochi Alves telegrafou para a Federação Paulista. Não se passaram muitas horas e recebi do Mendonça Falcão L/m telegrama com a seguinte redação: "Seguiu a encomenda". Era o jui2- Não creio que o Mendonça tenha dado um centavo ao referido juiz, o Francisco Moreno. Acredito, sim, que o Falcão

tenha gentilmente surgido de vista do futebol paulista, seria conveniente a derrotar o time carioca. Ao que sei, o Benedito Borges, que foi receber O Homer, no aeroporto, mais tarde, à boca pequena, dissera - ou teria dito, não? Sei dizer porque o juiz não quis vir no carro dele. Pode ser conversa fiada, pode não ser. Certo é que houve o jogo decisivo e ganhamos de 1 a 0. O lustrich se considerou roubado pelo juiz. Bobagem dele. O gol de Léo foi indiscutível. Quando, mais tarde, fui abraçar o João Silva, ele me disse: - Você me tirou o jogo, Osório. - Eu, como? - Esse juiz veio encomendado. - Aqui não usamos esses métodos. Você está zangado porque o Vasco perdeu. Eu compreendo...

CAPÍTULO III VENCENDO o Vasco, éramos, praticamente, vice-campeões da "Taça Brasil". Restava o Santos. Tive um sonho: Havellange me entregava o troféu. Era e sou devoto de São Judas Thadeu. Acredito em milagres, mas vencer o Santos seria mais do que um milagre! Geninho, ao contrário, achava que nós poderíamos vencer o Santos. Disse-me: - Presidente, esse clube do sul tem é muito cartaz umas revistas, jornais, etc. Poderemos ganhar. Respondi: - O otimismo, quando bem dosado, faz bem. Mas... - Vamos ver - disse o Geninho. Eu não esquecia a fabulosa linha ofensiva do Santos, com Dorval, Pelé, Coutinho, Jair (ou Mengálvio) e Pepe. Isto sem falar om craques como Zito. E, do nosso lado, as coisas não iam bem, apesar do otimismo que o Geninho injetara nos jogadores. O Ary, por exemplo, a sentir fortes dores no fígado nós o trouxemos da concentração - em Itaparica - e o Dr. Fernando Filgueiras, depois de acurados exames, teve de operá-lo, com urgência. O Ary, é bom que se diga, era uma das armas chave do time. Como o Geninho o chamava, "o termômetro". Parti, antes da delegação, para São Paulo. Queria sentir o ambiente. Mendonça Falcão me esperava no aeroporto e quando o abracei fui logo informando que, por decisão do nosso Conselho Deliberativo, ele fora escolhido presidente da nossa delegação. Eu queria, com esta atitude, pelo menos, amansá-lo e o Mendonça deu ampla divulgação ao fato e eu, quando podia, ia fazendo o papel de caipira. Acontecera, em Santos,

um fato estranho: o Palmeiras, que lá jogara, perdera de 7 a 0, havendo suspeita de que o cozinheiro, santista fanático, havia colocado "pozinho” na comida do pessoal palmeirense. Aí eu peguei o Mendonça e descemos à cozinha do Hotel Martini, onde nosso pessoal se hospedaria. E sempre com jeito caipira, mas falando entre a pilheriar e a ameaçar o cozinheiro, disse que no porto de Santos trabalhavam muitos baianos. Se houvesse mandinga contra o Bahia, o Hotel seria praticamente destruído. Aconteceu-me o inesperado: antes de retornar à capital paulista peguei uma gripe violenta que chegava às fronteiras da pneumonia. Ao receber o pessoal em São Paulo, Dr. Moisés Schiper "bolou” logo que eu estava doente. Quase 40 graus de febre. Um parêntesis: o Dr. Schiper é um tricolor 100%; julgo-o um dos mais ardentes torcedores do Bahia. Ele é que o que se chama um Bahia "doente". Ao me perceber com todos os sintomas de uma pré-pneumonia, ele me pôs de quarentena. Nem o Geninho, técnico do clube, poderia me visitar. Eu e o Geninho nos falávamos por telefone, ocorrendo a mesma coisa quando eu queria falar com os jogadores. E remédios, e remédios e remédios, eu a desejar que fizessem efeito de uma hora para outra. Penso que o nervosismo prejudicava a ação dos medicamentos... Seria mais do que uma tortura perder o espetáculo, não assistir ao jogo, e driblei o Dr. Schiper. Cerca de 6 e 30 da noite - fazia um frio medonho! - ingeri uns quatro comprimidos de qualquer um desses analgésicos, experimentando intenso suor, mas sentindo que a febre ia cedendo. Pedi a Lúcia, minha esposa, que me conseguisse café com leite, bem quente, e ela não se fez de rogada. Assim preparado, vesti uma roupa de casemira, usei o capote grosso que trouxera da Europa e, de quebra, uma toalha do Hotel. Lúcia ao me ver preparado para sair - com perdão da palavra e dela - "deu a louca" e ligou para o Dr. Schiper. A ordem dele foi taxativa:

eu não podia sair do quarto. Eu disse "tá bem”, mas saí de qualquer modo e fui o último a entrar no ônibus dos jogadores e eles me aplaudiram. Eu me emocionei - quem não se emocionaria? - e disse, a garganta ardendo: - Vamos ganhar esse jogo nem que seja na "marra". E repeti o que achava e acho certo: - Pela Bahia e pelo Bahia. No vestiário que nos fora destinado, em Vila Belmiro havia um estranho buraco na parede, bem no alto. O Henricão foi encarregado de investigar, constatando que o Lula, técnico do Santos estava ali, para ouvir o que combinávamos. Que jeito? Resolvi que deveríamos ir para a quadra de basquete, longe de Lula, e traçarmos: nossos planos. O Geninho então pode dar as instruções, mas, no fim pedi permissão a ele - sempre respeitei Geninho, seja como jogador seja como técnico, seja como pessoa - para dar um conselho e dei - Não recuem a bola para o Nadinho que o campo está molhado. Pois aconteceu que o Santos fez o primeiro go precisamente porque Leone recuou uma bola. A "bicha" parou num; poça d'água e o Pelé não perdeu a chance: marcou. O "negão" estava numa forma excepcional, mas no fim do primeiro tempo conseguimos: empatar. Geninho, no intervalo, levou a turma para a quadra de basquete. Para encurtar a conversa: ganhamos de 3 a 2, mas o gol da vitória merece um registro. No empate eu já me dava por satisfeito contando os minutos para que acabasse a partida. Uns 30 a 40 segundos antes do apito final, Alencar, raçudo, levou a melhor numa espécie de "chega prá lá" com o Getúlio, do Santos, desequilibrou-se mas repondo-se com extraordinária rapidez, na mesma medida em que o goleiro do Santos saía para interceptá-lo. Perto da trave eu gritava como um louco

- Chuta, Alencar, chuta! Mas ele, muito malandro, atraiu o goleiro, driblou-o e entrou no gol com bola e tudo. Eu gritei: - Caia! Caia! - e ele caiu e sobre ele caíram vários jogadores do Bahia, um verdadeiro pandemônio. O juiz Gama Malcher (adiante falarei dele e de outros) percebendo a manobra do Alencar - que se fingia morto... - gritou-lhe: - Levanta, baiano safado, que já vou acabar o jogo. Eu gritava: - Não levante, Alencar, continue morto por aí! Mas o Malcher apitou o fim do jogo. Era a vitória! E se já vi alguém na vida a sorrir todo o sorriso possível, revi essa alegria no rosto de Alencar e alguém há de ter visto no meu. No de Geninho, Afinal, de todos nós. NOTA DOS AUTORES Um fato que sabíamos e que Osório confirmou: antes do jogo este que foi narrado - ele foi ao vestiário do Santos, muito matreiro, acompanhado pelo Mendonça e pelo Athiê Jorge Curi, e pediu a Lula que o Santos não desse uma goleada no Bahia, de modo a não prejudicar a renda que se realizaria aqui, na Fonte Nova. Osório confirma o Jato: É verdade! Não sei quem lhes contou isto, mas é fato verídico. Tanto que Pelé, no segundo jogo, aqui, na Bahia, não quis apertar minha mão afirmando que eu havia espalhado pozinho lá em Santos. Graçola dele, que o "negão" é bem humorado. E houve o jogo aqui e perdemos no aperto: 2 a 1. Bem: nada como a alegria de uma vitória para prejudicar ou ajudar um time. Nessa hipótese é sempre melhor esfriar os ânimos do clube, e,

mesmo de cada jogador, individualmente falando. Convencido desse princípio, procurei o Athiê Jorge Curi e disse: - Athiê, eu soube que o Santos contratou uma temporada e o Bahia não quer de modo algum prejudicar vocês (no fundo eu pensava: fazendo uma excursão agora esses caras vão se cansar, o Pelé pode ser contundido...), de modo que podemos acertar com a CBD outra data para o jogo decisivo. Assinamos um protocolo, essa coisa... - De acordo. Agradeço sua cooperação, Osório. - De nada. Importante é competir e não ganhar. 0 Athiê ficou gratíssimo. E o Bahia gratíssimo a ele. De nossa parte, conseguimos tempo para melhor preparo da equipe. O Santos, da parte dele, se esfalfou na excursão (Pelé contundiu-se. Calculem isto!) e tivemos tempo para que meu irmão Octávio Vilas Boas, no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, obtendo uma reunião extraordinária, absolvesse o Vicente, peça da maior valia em nosso time. Vicente, com efeito, foi absolvido e na partida contra o Santos - a decisiva - o Bahia entrou completo. E vejam como são as coisas: foi Vicente quem fez o primeiro gol para nós, chutando uma bola do meio de campo! Ganhamos o jogo e o título: BAHIA, primeiro campeão brasileiro, título inédito. Imagino que Pelé até hoje acredita no pozinho que eu teria deixado em Santos... Devo, no final deste capítulo, esclarecer, que o Bahia, disputando outras competições no âmbito da "Taça Brasil" chegou duas vezes à final, ficando com o título de vice-campeão em ambas as oportunidades.



QUINTA PARTE

Excursões, Empresários, Vigaristas, etc.

CAPITULO I CLUBE de expressão nacional - e não apenas em consequência das vitórias obtidas na "Taça Brasil” - o Bahia passou a ser assediado para excursões internacionais. As nacionais são tantas que nem vale a pena mencioná-las, senão incidentalmente, sempre que me ocorrem à memória episódios interessantes. Mesmo antes da "Taça Brasil" o Bahia foi à Europa, em 1957. A imprensa, ao invés de nos incentivar, excedia-se em gozações sobre o nosso projeto. O Zé Athayde, hoje meu amigo e compadre, disse que nosso roteiro "europeu" se estenderia de Periperi (passando por Plataforma e Paripe...) até Juazeiro. O Cléo Meireles não era menos cáustico em suas observações, mas entendo o que desejava: queria sim, na qualidade de presidente da Associação Baiana de Cronistas Desportivos* indicar o jornalista que nos acompanharia, o que de pronto recusei. Alguns dirigentes do clube encaravam a excursão com o maior ceticismo. Eu, ao contrário, acreditava e quando hesitava um pouco tinha o apoio do Lourival Lorenzi, o verdadeiro organizador da excursão. Tanto que morreu pobre, nada deixando para a família. Internamente, havia todo o tipo de problemas. O Jayme Abreu, na verdade uma "eminência parda" do Bahia (com ele sempre me aconselhei, com ele muito aprendi) era contra a inclusão do Izaltino, no time. Quando, um dia, argumentei que precisávamos, na equipe, de atletas de bom humor, como Isaltino, Waldemar Costa quase gritou: - Então você quer levar um circo, não um time! Mal sabia Waldemar que, na Europa, Izaltino realizou não uma, mas várias e belíssimas apresentações. O Carlito, que fora como roupeiro, terminou como titular e artilheiro da equipe. Bom, eu não quero me perder. Dos jogadores falarei em um capítulo especial. Para que os

leitores também não se percam num enredo complicado, falarei da excursão em si. Lembro-me que, tudo pronto, faltava as principais: as passagens. Uma manhã, muito cedo, o empresário Roberto Fauisier, me telefonou com uma notícia assustadora: - "Seu" Osório, está tudo pronto para a excursão, mas o sócio que iria financiar as passagens falhou, caiu fora. Porém, se o Bahia financiar as passagens eu pagarei mais 55 contos por jogo, ressarcindo as despesas. Vinte e sete passagens, naquele tempo uns 700 contos. Eu me perguntei: será o fim da nossa embaixada (que eu havia denominado "Governador Balbino”) Apelar para o Waldemar Costa? Impossível! Para o Jayme Abreu? Impossível também! Nesse meio tempo, "A Tarde" - que combatia Balbino, então governador do Estado - dizia que ele era tão "pé frio" que o simples fato de termos posto seu nome na nossa embaixada prejudicava tudo. E o que eu propus a Waldemar, a Tanajura, a Benedito Borges e a Hamilton Simões foi uma jogada de desespero: vamos falar com o governador! E fomos ao Palácio e expus a situação. Disse que se o Banco de Fomento (hoje Banco do Estado) emprestasse o dinheiro para as passagens, com o aval de Waldemar Costa, nós pagaríamos em 90 dias. O governador Balbino, com um telefonema, resolveu o "impasse" e 24 horas depois, senão menos, peguei o pacotão de dinheiro e o levei para o Plínio Risério, que era o superintendente da "Panair do Brasil". Tudo certo e a "bomba" estourou na imprensa: - O Bahia vai mesmo à Europa! E fomos, e como fomos! Recife/Dacar/Madrid/Londres. Lá conheci o Roberto Faulisier, sujeito bem apessoado, com uma máquina de filmar a tira colo (talvez que na referida máquina não houvesse nem filmes) e ele nos levou para um

hotel de alta categoria, em Londres. A estreia seria 3 dias depois, contra o Chelsea. Eu me assustei quando me encontrei naquele hotel. A verdade é que, além das manobras para pagar as passagens, eu havia, pessoal mente, tomado 500 contos emprestados ao Nelson Pinheiro Chaves, dando-lhe uma procuração para que recebesse meus subsídios na Câmara de Vereadores, durante três meses. Falando linguagem do povo, eu estava encalacrado! E o pior: logo nos primeiros contatos com o Faulisier - não obstante suas gentilezas, etc. - percebi que não era tipo de boa cepa. Dispunha de dois passaportes: um brasileiro, outro alemão. Quando lhe informei que as despesas extraordinárias, de minha mulher seriam extra excursão, eu as pagaria, ele respondeu que não, informando que o usual, nas excursões, era dividir as rendas dos treinos com os chefes das delegações. Insistiu: - Isto é tradicional. - Você está enganado. Quanto a nós, quero todo o dinheiro para o Bahia. Seja jogo, seja treino, seja o que for. E, depois, confidenciei à Lúcia: - Acho que este sujeito é um picareta. Não tem dinheiro nenhum. Realizou-se o jogo. Perdemos para o Chelsea: 3 a 1. Fizemos, porém, Boa figura. Jair, no gol, ganhou até manchete: "um negro, vestido de preto, foi um espetáculo à parte". Quando, depois do prélio, fui cobrar a cota do Bahia, Faulisier não pagou, dando, apenas, "vales" aos jogadores, sob a justificativa de que o restante seria empregado para financiar nossa viagem, de navio, para o porto de Havre, na França. Ali jogamos e bem: no segundo encontro marcamos 5 gols. Francês é bom de mulher, de cinema, de literatura, de artes plásticas, etc., mas quanto a futebol precisa aprender muito. Não tem e nossa malícia. Falta-lhes o entrosamento dos ingleses e alemães, Estão

longe da garra dos tchecos ou dos argentinos. Nem sequer se aproximam da extraordinária combatividade dos russos ou dos italianos. Isto sem falar dos uruguaios! Ganhamos e seguimos para Paris, onde aconteceram coisas incríveis: Florisvaldo se perdeu na estação, roubaram 16 contos do Bacamarte, Izaltino excedeu-se no vinho, mas sem perder e compostura. E eu de olho em todos, especialmente no Faulisier... De Paris, em seguida a uma série de peripécias, embarcamos para Hamburgo e dinheiro, que é bom, nada! Tive, então, uma conversa séria com o Faulisier. A dívida havia subido a 300 contos. Expliquei: - O Conselho Deliberativo do Bahia só autorizou a viagem porque o contrato determina pagamento após cada jogo, caso contrário retorno imediato da delegação. Ele me disse um "tenha calma", outro "estou me virando" e desse modo foi levando a coisa. A vontade era a de lhe dar uns sopapos, mas me contive. Em Hamburgo, num desacerto total, perdemos de 4 a 1. E quando procurei o Faulisier, a indagá-lo sobre a renda, ele, com um cinismo revoltante, me respondeu: - Você não me disse que o Conselho determinou que o time retornasse, na hipótese de eu não pagar? Pedem voltar! ... Eu não tenho dinheiro. Você traz um time vagabundo, perdendo para todo o mundo, e ainda quer fazer exigências? Pode voltar! A vontade, naquela hora, foi a de esganá-lo, mas me contive de novo. Tinha 26 pessoas sob minha responsabilidade, não sabia (e não sei...) falar alemão... e engoli o sapo. Naquela noite, confesso, não consegui dormir e fumei quantos cigarros tinha. Para retornar eu teria de ir ao consulado e pedir repatriamento. E a dívida com o Banco de Fomento! E a desmoralização do clube!

Repito: engoli o sapo. Mas, ao mesmo tempo, imaginei uns procedimentos (vamos dizer assim...) para segurar o safado pela gola, e quando ele menos esperasse. De manhã ele me telefonou a perguntar se iria prosseguir a excursão. Respondi que sim. Ir para onde? - Bronswick. Iremos. E fomos. Ficamos hospedados num hotel, situado em determinada montanha, não sei quantos graus abaixo de zero, um frio de matar. Lógico: perdemos para o time de lá, 6 a 3. Nossos rapazes estavam enregelados. E depois da Alemanha, Checoslováquia, contra a seleção que iria disputar a "Copa do Mundo"! Um abacaxi e dos piores. Se, na Alemanha, sob aquele frio, havíamos perdido por 6, contra os tchecos (que são, também, bons de bola) iríamos tomar 20 gols. E, para não mentir, o time não ia nada bem. Inclusive do ponto de vista da direção técnica. Algo estalou em minha cabeça e mandei o Lorenzi - que vinha trabalhando, como técnico, usando carta branca - colocar o Carlito na ponta esquerda. Deu certo. Correu, driblou, jogou como um louco, gritando como um possesso. Foi o herói da partida, o artilheiro, e vencemos a seleção que representaria o futebol tcheco em 1958. Na Bratislava vencemos de novo, dessa vez o "Estrela Vermelha", mas perdemos para um time húngaro, e assim mesmo "no apito". Depois, 9m Pilsner, ganhamos. E vencemos em Coshita. E eu sempre a apertar o Faulisier. Começaram a ser pagas algumas cotas e em moedas de diferentes países. Eu, sem experiência, ao invés de converter tudo em dólares, envelopei todo o dinheiro e mandei para o Bahia. Contaram-me, depois, que, quando o embrulho chegou aqui, ninguém sabia o que era. Levou dois ou três dias sobre uma mesa e foi o Contram Lessa quem levou para o Waldemar Costa...

Voltemos àquela excursão. Como disse, eu ficava sempre de olho no Faulisier, procurando oportunidade de pegar o bicho pelo pé. Ele era muito arisco. Por vezes sumia, deixando as coisas sob a responsabilidade de um empresário local que fazia o papel de seu agente. De repente, surgia dirigindo um "Belair" ou um "Mercury". Na Tchecoslováquia, por exemplo, comprou muita coisa para contrabandear. Travava-se, nos bastidores, uma verdadeira luta de astúcia entre um expolicial baiano contra um vigarista internacional, e disso as melhores testemunhas foram Jair, Marito, Ivon, Izaltino e Bacamarte. O picareta, que já me havia iludido várias vezes, iludiu-me outra vez. Conseguiu do Harold Pessoa, que era também secretário da delegação, um ofício, em papel timbrado, autorizando-o a negociar jogos na Rússia. Quando ouvi o Harold, inocente como um anjo, a dizer-me isto (estávamos num trem, entre Albourn e Copenhagen), quase desmaiei. Sabia que o malandro do Faulisier iria nos tapear e aos russos. Entretanto, se ele contratasse jogos nós não poderíamos recusá-los. O regulamento da FIFA é explícito. O Faulisier estava feliz com o golpe dado, sem imaginar, contudo, que começava a entrar pelo cano... Usando o nome do cônsul do Brasil em Hamburgo, ele conseguiu contato com os soviéticos e fechou alguns jogos. De Copenhagen viajamos para a União Soviética, em dois aviões que voaram com diferença de minutos. Em Riga, capital de uma das chamadas repúblicas soviéticas, desembarcamos e fomos vistoriados. O pessoal de lá mostrava-se apreensivo conosco. No entanto, fomos bem tratados. No restaurante, serviram-nos vodca e caviar. Comunicaram-se com Moscou e de lá veio a ordem: podíamos viajar. Quando chegamos a Moscou encontrei, no aeroporto, dois intérpretes: Alexandre, um rapaz alto e forte, e uma moça. Receberam-nos afavelmente, oferecendo flores. De repente surgiu minha oportunidade: vendo Faulisier, a moça disse-me

que reconhecia o vigarista e que os russos não gostavam de tratar com empresários daquele tipo. De ladinho, pedi à moça que me arranjasse um encontro com o Comitê Esportivo Soviético. Consegui. No Hotel em que ficamos hospedados, sem que o Faulisier soubesse de nada, reunime com o presidente do Comitê (uma espécie do nosso CND), seu tesoureiro, o secretário e a moça-intérprete. A moça encarregou-se de malhar o Faulisier, era desonesto, usara indevidamente o nome do cônsul brasileiro em Hamburgo, estava nos roubando, etc. Eu aproveitei a oportunidade e disse: - Eu acho até que ele é espião americano. Acompanhei uns movimentos dele em Hamburgo e penso que deseja criar mais casos. Impressionei os soviéticos e pedi que os 10 mil dólares que ganharíamos por cinco jogos fossem enviados diretamente para Salvador. Eu não esquecia nossa dívida com o Banco de Fomento. Pedi, ainda, outros jogos lá, na Rússia, e eles foram francos comigo: para pagamento em dólares, nada feito. Se, porém, ganhássemos ou empatássemos com o Torpedo (campeão moscovita) haveria condições para mais três jogos, e, nos dariam 27 passagens aéreas MoscouSalvador e mais 10 quilos de excesso de bagagem por pessoa. Concordei. Se vocês tiverem condescendência e lerem o capítulo III da primeira parte (ou relerem) verificarão o que foi a nossa estreia em Moscou: 150 mil pessoas no Estádio Lenin e o Bahia ganhando o clube defendido pelo grande Yachin! Realizaram-se, depois, jogos em Leningrado e em Minsk, e somávamos vitórias, na mesma medida em que isolávamos o Faulisier, que, aliás, tentou nos complicar com os noruegueses. Quando explicamos ao pessoal da Noruega quem era o tipo, eles desistiram de uma temporada nossa lá e até pediram desculpas. Voltamos a Moscou, eu e o Hamilton. Lá soubemos, através de uma intérprete, que o Faulisier havia chegado em nossa frente, mas

os russos foram duros com ele: só entregaram o dinheiro ao chefe da delegação. O vigarista havia perdido o pulo, mas insistia e me telefonou alegando o contrato, as cláusulas nele existentes, etc. A resposta foi seca: - "Quando você deixou de pagar as cotas na Inglaterra o contrato já estava rôto. Aliás, procure o tesoureiro do Bahia para ver quanto é que você ainda nos deve..." Eu poderia contar mil-e-uma safadezas do Faulisier, mas vou resumir as que me lembro em uns poucos tópicos: diante da dureza dos russos que não lhe pagaram os 10.000 dólares, ele conseguiu os passaportes de Marito e Joe e foi à embaixada da Noruega, para conseguir novos jogos, mas o Izaltino descobriu a tramoia e me contou, fui à embaixada e desmenti tudo, desautorizando qualquer negócio; =» contrariado, ele foi à companhia de aviação e solicitou duas passagens, alegando que seriam para seus pais (que, por sinal, já estavam mortos); mas o tesoureiro do Comitê Esportivo Soviético comunicou o fato à Gali, nossa intérprete e ela me passou a informação; nessa altura, levei-o para um reservado do restaurante do hotel e dei-lhe uns sopapos, tomando-lhe o passaporte, temendo que ele viajasse para Hamburgo e tentasse roubara bagagem de uma parte do nosso pessoal; com efeito, havíamos alugado um quarto num hotel para guardar parte da bagagem do pessoal. Entretanto, de posse do seu passaporte, eu o tinha preso. Porém, os russos, doidos para se verem livres daquele sacripanta, apelaram-me para que eu devolvesse o passaporte do pulha. Devolvi, mas tive a cautela de telefonar para o nosso cônsul em Hamburgo, o diplomata Souza Freitas, e ele garantiu que intercederia junto à Polícia para guardar e, mesmo, lacrar, a porta do apartamento, num hotel (esqueço o nome), em que se encontravam bugigangas, máquinas fotográficas, gravadores, etc., e até mesmo bonecas italianas,

algumas com quase dois metros de altura! Os russos cumpriram os compromissos: 10.000 dólares o mais as 27 passagens. Contudo, em Frankfurt (Alemanha), uma das escalas do voo de regresso, houve terríveis problemas relacionados com excesso de bagagem, mas não quero perder mais tempo com detalhes dessa natureza. Lembro que falei com o próprio presidente da companhia de aviação, acertamento de fórmulas, etc., o nosso bendito jeitinho brasileiro e voamos. Afinal - e até que afinal! - o retorno, mas não tio fácil quanto pensei. Quando chegamos no Recife havia uma denúncia - julgo, partida do Faulisier - segundo a qual a nossa delegação trazia um grosso contrabando. Abertas as malas, os funcionários alfandegários verificaram que a denúncia era falsa. Nesse vai-não-vai, perdemos algumas horas, a imprensa pernambucana enaltecia nossos êxitos, o Cléo Meireles, presente, descomedia-se em elogios e o Rubem Moreira nos ofereceu um almoço, ou, como antes se dizia, "um lauto almoço". E de novo viajamos, agora para Salvador e recebi, das mãos de Jayme Guimarães, o troféu mais precioso que possuo: uma medalha de ouro com a seguinte inscrição: "Liga Baiana de Desportos Terrestres. 19 de janeiro de 1931". Não fosse a medalha em si, valia muito, igualmente, o fato de ter sido entregue por um homem como Jayme Guimarães. E como se tanto não bastasse, havia povo - mas povo mesmo, multidão no aeroporto. As manifestações de aplausos ao Bahia constituíram-se num acontecimento inédito. Duraram das cinco horas da tarde, quando o avião chegou, até 1 hora da manhã seguinte, na Praça da Sé. Não esqueço que, durante o percurso festivo, passamos pela casa do Waldemar Costa, na Barra, e pelo Palácio da Aclamação, onde nos saudou o governador Antônio Balbino. Na Praça da Sé o que houve foi um verdadeiro carnaval. Diante daquele espetáculo quem mais poderia dizer que o Bahia era um clube só de elite? Quem bancaria idiota

bastante para não imaginar que seu crescimento seria - como foi espantoso?

CAPÍTULO II A PARTIR daquela excursão houve uma chuva de propostas para o Bahia excursionar. Estivemos nos Estados Unidos - Dr. Pascásio chefiando a delegação -, jogando em Nova Iorque e Los Angeles, se não me engano em maio e junho de 1964. Ainda em 64, jogamos na Venezuela. Em abril de 60 fomos a Buenos Ayres. Considero, porém, que a segunda grande excursão do Bahia aconteceu em 1960, para exibições em países europeus. É riquíssima de acontecimentos, uns dramáticos, outros pitorescos - e seu personagem central é um empresário conhecido como Zé da Gama, que não considero desonesto, mas o tenho como um irresponsável, um aventureiro. Há, no começo dessa excursão, um episódio que me lembra o título do filme que passou aqui, na Bahia, não faz muito tempo: “investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita"... e não me estou referindo ao Zé da Gama. Ora, muito bem. De todas as propostas recebidas em 1960, a melhor era a do Zé da Gama: 1.000 dólares, livres, por jogo. Era pegar ou largar e aceitei. Entretanto, o Bahia necessitava de autorização do Conselho Nacional de Desportos. Em consequência, viajei para o Rio e entrei em entendimentos com o secretário do presidente do CND (Dr. Paula Ramos), um cidadão de nome Dr. Sabá. Este Dr. Sabá foi logo me dizendo: - Meu filho, seu clube não vai viajar não. E explicou patati-patatá, substancialmente que a FIFA estava agastada com os clubes brasileiros que excursionavam e não cumpriam os contratos. Ainda mais que o Zé da Gama não gozava de boa fama na FIFA. Ele ficara de organizar uma excursão do Madureira, pegara um "adiantamento" em Portugal e sumira mesmo que o lobinho da história. Eu me disse: este Dr. Sabá é bispo ou cardeal? Papa é o Dr. Paula

Ramos, ele é que decide. E fiquei de peru, espiando. Entrementes, o Zé da Gama, lá da Europa, telefonou para o CND e ouviu a negativa. Então me descobriu no Hotel em que me hospedaria e me autorizou a oferecer ao presidente do CND uma passagem (ida e volta) para quem fosse indicado. Arguiu, em seguida, que já havia fechado contratos para vários jogos, os mais baratos à razão de 6.000 dólares cada. De posse de tais informações, procurei de novo o Dr. Sabá. Na voz de que o CND poderia mandar um representante, ele se entusiasmou, aconselhando que eu procurasse diretamente o Dr. Paula Ramos. Fui ao escritório do homem e transmiti o convite, repisando: passagem de ida e volta, essas coisas... Ele também se entusiasmou e logo tratou de ligar para a esposa, avisando que iriam à Europa. Quer dizer, sinal verde. Eu liguei para o Zé da Gama, mas avisei: - O homem topa, mas quer passagens para Milão. Isso de a temporada começar na Rússia chega até a lhe fazer pavor. - Certo. - Vai com a esposa. De posse da autorização do CND - aquele CND presidido pelo Dr. Paula Ramos - nós viajamos. Em Lisboa, almoçamos no restaurante do aeroporto e o garçom, de smoking e tudo, que nos atendia era de uma gentileza extrema. Como de hábito entre os lusos, aproximou-se de Biriba e perguntou: - E Vossa Excelência, que deseja? Biriba - que nunca fora chamado de "Vossa Excelência" - assustouse e, virando-se para meu irmão Octávio, comentou: - Ele está pensando que eu sou seu Osório... A delegação viajava em dois aviões. Quando encontrei o Zé da Gama fui logo perguntando pela passagem Ou Dr. Paula Ramos. Já a

enviara? - Não vou mandar passagem nenhuma! Eu disse aquilo para você conseguir autorização. Estávamos em Kiev, a terceira ou quarta mais importante cidade da Rússia, e recebi um telegrama do Dr. Paula Ramos. Pedia as passagens, urgentemente. Mostrei o telegrama e o Zé da Gama dele se apossou, informando que quando chegasse ao Rio iria exibi-lo na televisão. Depois, chegou outro telegrama do Dr. Paula Ramos, este com ameaça: ou receberia as passagens ou determinaria o retorno da nossa delegação. Zé da Gama ficou com este segundo telegrama. Para encerrar o assunto: no Rio o Zé da Gama exibiu os telegramas, comprovando a má fé do Dr. Paula Ramos, e este foi forçado a abandonar o CND e nunca mais pôde ocupar cargo algum. Pelo menos na área esportiva. Voltemos, porém, a Kiev, onde iniciamos a temporada. 0 nosso material que viria no segundo avião extraviara-se. Tivemos de jogar com chuteiras, meias, calções e camisas emprestadas pelos russos. Em 17 dias, cinco jogos e de saída perdemos de 4 a 1. Em Moscou, porém, vencemos o "Central do Exército" (2 a 1), empatamos com o "Spartack" (1 a 1). Em Lenigrado, contra um time cujo nome agora esqueço, ganhamos de 1 a 0. Em Tbilisi desacertamos totalmente: 4 a 0 diante do "Dínamo". De qualquer modo, um saldo razoável. Mas, de novo, o problema dos pagamentos. Zé da Gama dava uns "vales" aos jogadores, mas em rublos. Nada dos dólares contratualmente acertados. Pensei: "ih! lá me vem outro Faulisier!" e comecei a apertar os torniquetes em cima dele. Na Itália - Milão, que é a São Paulo de lá - o Zé da Gama nos hospedou em hotel de boa qualidade, mas no jogo contra o Milan, por

erro do técnico Volante (insisto: falarei sobre os técnicos mais adiante), empatamos: 1 a 1. Antes do jogo fiz uma cena, para pressionar o Zé da Gama: declarei à Imprensa que possivelmente o Bahia não atuaria. Isso possivelmente assustou o presidente do Milan que me procurou para saber que dificuldades havia. Expliquei: o empresário, Zé da Gama, não estava pagando as cotas. O dirigente do Milan autorizou o pagamento de nossa cota diretamente ao tesoureiro da delegação: 9.000 dólares. O Zé da Gama, presente, não rugiu nem mugiu. Aceitou. E realizou-se o prélio. Seguimos o roteiro: Bologna, uma bela cidade italiana. Perdemos por 2 a 1. Tivemos muito peso. O Zé da Gama, não obstante ter sido chamado às falas em Milão, continuava nos acompanhando. Um faroleiro, gastador, totalmente irresponsável. Tirava dinheiro do bolso dele para dar altos "bichos" aos jogadores. Mas minha preocupação se voltava para as passagens de volta. Eu sabia que o Sr. Lasser, agente da "Panair" em Frankfurt era sócio do Zé da Gama e telefonei para ele. Não estava. Quem me atendeu foi sua secretária, por sinal uma brasileira, de São Paulo. Deixei recado para que me telefonasse. Durante o jantar eu disse ao Zé: - Telefonei para o Sr. Lasser, mas ele não estava. Na mesa, além do Zé, estavam o Octávio, Genésio Ramos, Chico Aguiar e Lúcia. O Zé perguntou: - E depois? - Nada. Estou esperando. Aí o Octávio interrompeu, informando: - Osório, o Sr. Lasser ligou para você, eu atendi, você não estava e então ele se entendeu com o Zé.

Perguntei: - Você falou com ele, Zé? - Falei. - Ele disse o que sobre as passagens? - O senhor não tinha dada que falar com ele. Quem tem que entregar as passagens sou eu e não vou entregar agora. Não quero que aconteça com o Bahia o mesmo que aconteceu com o Flamengo, cujo time foi embora, me deixando sozinho aqui, quando tinha de realizar ainda cinco jogos. Assim, não dou as passagens agora. - Seu filho da puta! Então você pensa que pode me trazer como prisioneiro? E prossegui nos xingamentos. Ele pediu: - Respeite ao menos sua senhora. - Quando minha mulher se casou comigo já sabia que eu era da Polícia e que sempre tratei ladrão assim. E banquei o policial mesmo. Sob a vista de todos os presentes (inclusive jogadores que se achavam em outra mesa) segurei-o e acompanhado pelo Genésio, Chico e Octávio, levei-o para o quarto, mantendo-o sob custódia. Orientei Octávio e Chico Aguiar para que redigissem um distrato. Zé então chorou: - Eu estou na desgraça - ele disse. Tudo meu, em casa, está penhorado. Minha mulher me escreveu... L » - Não é problema do Bahia Você vai assinar o distrato, e agora! O documento era o mais rígido possível, que o Octávio não é de brincar em serviço. Segundo suas cláusulas, o Zé da Gama, por não ter cumprido suas obrigações, renunciava todas as vantagens que lhe havíamos outorgado.

- Assine! - ordenei. E ele assinou, ainda tremendo de medo. Deixei que fosse para seu quarto, mas combinei com Octávio, Chico Aguiar e Genésio Ramos que vigiassem o homem, uma vez que as passagens para a Escócia se encontravam, ainda, em poder dele. Estávamos, então, (depois de uma passagem por Paris) na Bélgica, em hotel de luxo localizado em região montanhosa. Deveríamos descer para Bruxelas na manhã seguinte para, de avião, alcançarmos Londres e, de lá, a Escócia. O jogo, em Glasgow, se realizaria no dia imediato. Se o Zé, fugindo, desse o golpe, o Bahia ficaria internacionalmente numa posição insustentável. Daí a minha preocupação. Madrugada a dentro, Chico, Genésio e Octávio foram dormir, esfalfados. Dei o meu plantão e, quase amanhecendo, morto de cansaço, acordei Lúcia e a orientei: - Fique de olho no quarto do Zé. Se ele sair, me chame. Vou dar um cochilo. Lúcia, solícita, bancou a detetive e cumpriu bem a sua tarefa. Umas 5 e meia, 6 horas da manhã, ela me acordou: - Ele acaba de sair do quarto, roupa azul-marinho, chapéu preto, uma mala em cada mão. Desceu o elevador. Eu desci, pulando como um canguru, pela escada. Alcancei o aventureiro no "hall" do hotel. Ele telefonava. Maldei: "está pedindo um taxi". Peguei-o pela gola do paletó mas, antes que lhe desse uns tabefes, ele informou: - Estava acordando os jogadores. Era verdade. Pediu: - Deixe-me ir para a Escócia. - Como é que é?

- Deixe-me ir para a Escócia com a delegação, porque se eu não for ficarei desmoralizado. Eu vivo disso. Se o senhor disser que me botou pra fora, ficarei desmoralizado. - Você me dá pena. Aceito; você irá, mas não receberá dinheiro nenhum. Andará atrás de mim, fará o que eu disser. Ele aceitou.

CAPÍTULO III ESCÓCIA! Gostaria de ter dons literários para descrever o que vi, a terra, a gente, os hábitos. Lá, por exemplo, muitos encontros amorosos ocorrem nos cemitérios. O amor não tem medo da morte. Ou, pelo menos, dos mortos. Alguém me contou que na Finlândia também é assim: os cemitérios são verdadeiros jardins aprazíveis para os namorados. Lamentavelmente, no entanto, naquela terra tão bonita, foi que eu encontrei os juízes mais ladrões do mundo! Sobre tais juízes eu já havia sido informado com antecedência. Sabia que o Flamengo, quando jogou em Glasgow teve, de saída, em 15 minutos de peleja, quatro jogadores expulsos e "sofreu" um 9 a 2. Vicente, um jogador durão, por vezes até desleal, disse-me: - Presidente, se o Flamengo tomou 9 gols, vamos tomar 30! Repliquei: - Jogue manso. E a todos os jogadores dei o mesmo conselho: - Joguem manso, mas não acovardados. Fizemos dois jogos na Escócia, ambos contra o Abderdeen, um em Glasgow e outro na própria cidade de Aberdeen. Perdemos de 3a2ede2a0 Num desses jogos, o árbitro 3 a 2 e de 2 a 0. Num desses jogos, o árbitro roubava de tai maneira que corri atrás dele, acompanhado pelo Octávio, que era o meu intérprete e disse: - Octávio, meu irmão, diga a este ladrão que estou xingando ele todo, a mãe, o pai, a avó; diga que se ele continuar a roubar eu tiro o time de campo.

E o Octávio nada de falar e o juiz descarado sempre a rir. Insisti com Octávio: - Diga! Aí veio a revelação. O Octávio me disse: - Osório, eu aprendi inglês na gramática e lá não tem xingamentos. Então eu gritei um palavrão para o juiz - o safado sorria! - e, irritado, disse ao Octávio: - Se você não sabe xingar em inglês, pra que banana você veio para cá? E o Octávio, que é dotado de bom humor, de muitas leituras, essas coisas, sorriu para mim... Não pude aguentar e saí xingando meio mundo, sem resultado prático nenhum. A derrota estava consumada. A do Bahia e a minha. E não culpo o time. A culpa era minha. Por que artimanhas do diabo não aprendi a xingar em i Da Escócia - que bem se amem, nos cemitérios, os namorados, e com mais ardor amem-se sobre as covas dos juízes de lá, juízes de futebol, bem entendido... - fomos para a Holanda, antes passando pela Bélgica, onde derrotamos (em Bruxelas) o Anderlech, por 2 a 0 e o Standard (em Liège) também por 2 a 0. Mas - ainda na Bélgica - jogando contra o Monterwell (o time deles tinha o nome da cidade) perdemos por 3 a 0. Fiquemos na Holanda, por enquanto. Em Rotterdam ganhamos de 2 a 0 para a seleção holandesa. Todo mundo sabe que os holandeses são craques em matéria de irrigar terras (construindo grandes diques e represas), em criar gado, em produzir queijos, etc., mas em matéria de futebol estão a anos-luz diante do Palestra baiano, por exemplo. No que diz respeito à hospitalidade, são, os holandeses, do primeiro time. Nada de blábláblá e muito de eficiência. Foi lá, na Holanda - já não me lembro

se em Rotterdam-eu se em Haia - que recebi telefonema do Sr. Lasser indagando se o Zé da Gama ia ficar conosco. E, ainda, umas perguntas mais. Respondi que decidira comprar as passagens de volta e me mandar para o Brasil com todo o meu pessoal. O Zé da Gama que fosse rezar em outra paróquia. O Sr. Lasser, não sem mostrar certo nervosismo a falar do outro lado do fio, informou que mandaria sua secretária trazer as passagens, eu me acalmasse. Realmente, à tardinha, a mulher chegou, afável, atenciosa, com as passagens, mas informou que só entregaria de noite. Antes, jantar com a delegação, distribuição de brindes da "Panair", etc., gentilezas demais e cego quando recebe muita esmola desconfia... E desconfiei: tramava-se alguma coisa. Fingi que ia no jogo dela e a noite se passou. No outro dia, reapareceu com as 25 passagens. A primeira estava em nome de Leonardo Cardoso (Nadinho), nosso goleiro. Olhei detidamente e notei que sob o nome do Nadinho havia uma frase em inglês. Perguntei: - Que significa isto aqui, dona? Respondeu: - Nada, é uma norma comum nas passagens tiradas aqui, na Europa. Mandei chamar o Octávio pedindo: - Traduza isto aqui. Octávio leu e revelou: - Diz que esta passagem só tem validade depois de passar pelo Departamento de Finanças da Panair. E todos as demais passagens tinham a mesma frase. Xinguei a mulher e, por fim, lhe disse: - Brasileira degenerada! Se fôssemos para o aeroporto, ficaríamos lá, detidos. Leve de volta estas porcarias. Vagabunda!

Seguimos para Bruxelas e então apareceu o Lasser para "uma conversa cordial". O Zé da Gama apareceu também. Lasser disse com franqueza: não tinha pago as passagens por causa do Gama. - E o que eu tenho com ele? Nada! - Mas eu quero receber meu dinheiro, são 16 mil dólares! - E o Bahia com isto? Primeiro vou cobrar todas as contas do Bahia, pagar todas as despesas, o que sobrar lhe entrego, e você que se entenda com o Zé. Cadê as passagens verdadeiras? O Lasser não tinha consigo passagem nenhuma, a comprovar sua má fé. Uma explicação, aqui, se torna imprescindível: na Europa cada região tem seu empresário. Nada se faz ou consegue sem que eles interfiram, desde que estão ligados aos secretários dos clubes, encarregados de elaborar calendários de jogos, etc. Por exemplo: na França o chefão é o Agide. Na Bélgica, Alemanha e Holanda é o Kranjick, e assim por diante. Eles ganham bem, mas tem sua importância desde que programam tudo, de tal modo que não se perca tempo. Sob a responsabilidade do Kranjick, jogamos em Munique (ganhamos de 6 a 1 para o Bayer) e em Berlim Ocidental, onde vencemos o combinado Victória-Berline por 2 a 0. O Zé da Gama sempre no nosso encalço, mas não estive na Alemanha. Quem dirigiu a delegação foi o Genésio Ramos, que se houve muito bem. De Bruxelas fui para Paris e em Paris soube, conversando telefonicamente com o Genésio (ele havia assegurado nossa cota) que o Zé da Gama dera um golpe no Kranjick, arrancando-lhe 2 mil dólares... Isto em Munique, onde Kranjick transava com todo o mundo! Em Paris entrei em entendimentos com o Agide, com quem jantei na

casa dele. De lá ligou para Lisboa e me passou o telefone. Acertei com o Sporting dois jogos, em datas diferentes, é claro. O Agide conseguiu, ainda, jogos em Oran e Argel, na África. Aos portugueses avisei: nem um tostão para o Zé da Gama. Mas não é que o safadarnas me descobriu com o Agide e para casa dele telefonou? E confessou a Agide que apanhara o que Genésio já me havia dito: 2 mil dólares em Munique. Como o Genésio me informara que já recebera a cota do Bahia, dei pouca importância ao episódio, mas não é que o cara-de-pau estava no aeroporto de Paris à espera de nossa delegação? Não teve, contudo, coragem de tentar maior aproximação. Segundo o acerto feito com o Sporting, seguimos para Lisboa no dia seguinte. E quem estava lá, em Lisboa? O Zé da Gama! Fora pedir um adiantamento ao presidente do Sporting. Segundo eu soube o presidente do Sporting respondeu-lhe assim: - Já falei com o senhor Vilas Bôas. O senhor não é mais empresário do Bahia e ele me contou todas as suas tratantadas. Lamento que o senhor tenha nascido em Portugal... NOTA DOS AUTORES O Zé da Gama é, de fato, português e, se vocês notaram, o Osório vem tentando atenuar as vigarices dele. Na verdade, não é um gatuno, mas um aventureiro, um irresponsável. Contamos, aqui, um fato, e o Osório não pode desmentir. Na Bélgica ele levou a delegação do Bahia para uma estação de águas luxuosíssima e pagou tudo, durante uma semana! Era a Chô de Fontaine. A anotação aí em cima é verdadeira, mas também é verdade que o Zé da Gama telefonou para Argel e Oran pedindo adiantamentos em nome do Bahia. Contudo as portas já estavam lochadas e ele me procurou:

- Estou sem dinheiro, "seu" Osório. Tive de ser duro (sabia da história dos 2.000 dólares em Munique) e respondi: - O problema é seu. Enquanto não tirar todo o dinheiro do Bahia, não me procure, nada feito. Em Lisboa, após realizado o jogo com o Sporting teríamos de permanecer uns oito dias, até seguirmos para Oran. Logo que desembarcamos entreguei ao presidente do clube português a chefia da nossa delegação. Cortesia e, também, política de boa vizinhança. Ofereceram-nos um banquete. Chovia torrencialmente e se houvesse o jogo na data marcada, o prejuízo seria enorme. No discurso, o distintíssimo presidente do Sporting, em meio a uma série de circunlóquios, terminou pedindo o adiamento do jogo para oito dias depois, despesas de hospedagem, etc., pagas por eles. Fiz as contas e verifiquei que o adiamento não prejudicaria nossa viagem para Oran e quando me foi dada a palavra fechei a cara: - Isto não é proposta que o senhor me faça. Eu a recebo como uma afronta! O português ficou lívido. Pensou que eu ia partir para a ignorância. Mas, adoçando a voz, conclui assim: - O senhor não tem nada de me perguntar ou propor, porque quem manda no Bahia é o senhor, presidente de nossa delegação. Aja como quiser. Mande! Dê as ordens! A alegria do português - e de todos - era contagiante. E a minha também... Muito turismo, etc., e chegou o dia do jogo. O juiz parecia até que importado da Escócia, um gatuno. Expulsou Vicente e Alencar quando o resultado era um empate. Perdemos de 5 a 2. Público, dirigentes de clubes, a imprensa, todos lamentaram a conduta do juiz. Procurei o

honrado presidente do Sporting e sugeri: - Proponho uma revanche, com bolsa ao vencedor! Respondeu: - Impossível, senhor Vilas Bôas. Aqui não se procede assim. A imprensa irá dizer que estamos arranjando uma carnificina em campo. Revanche, admito, mas nada de bolsa ao vencedor. - Aí é que vai encher o estádio! Eu assumo a responsabilidade. Diga que a exigência foi minha! E ele concordou. "A BOLA", um jornal esportivo, escreveu mais ou menos assim: "Vai haver sangue no Alvalades... Vai morrer jogador!" Gostei. Partimos para Oran, na Argélia - e os argelinos estavam guerrilhando com os franceses. O prefeito e outras autoridades nos receberam no aeroporto. Antes do jogo o presidente da Federação de futebol de lá propôs que entrássemos em campo portando a bandeira francesa. Rejeitei com um argumento irrespondível: - Infelizmente as leis do nosso país não permitem outra bandeira que não a nossa. Não sei se, na época, isto era verdadeiro, mas não me interessava afrontar a torcida nativa, argelina... Foi, aquele, um dos melhores jogos do Bahia. Ganhamos de 4 a 2 sobre o Racing, de Paris. Engraçado: depois do prélio apareceu um sujeito de cidade próxima a propor que nós jogássemos contra um time presidido por ele. Havia tempo, aceitamos. E demos um banho: 8 a 0. Até Henricão, nosso zagueiro central, fez gol. A goleada era tal que mandei parar.

De Oran, seguimos para Argel. Era a semana de comemoração da Revolução Francesa. Os guerrilheiros desenvolviam intensa atividade. O cônsul brasileiro estava preocupado e aconselhou que nosso pessoal não saísse do hotel. Recordo que Chico Aguiar estava apavorado com as bombas que explodiam e com os livres-atiradores. Da janela só víamos homens e mulheres, todos de mortalhas brancas, apenas os olhos de fora. O jogo seria de tarde. O cônsul brasileiro, atencioso, almoçou com a delegação. Queria prestigiá-la, publicamente. No estádio, todos fomos revistados, até a Lúcia. Os argelinos nos aplaudiram. Os franceses colonialistas, não. 1 a 1 no primeiro tempo. Ignorando Volante, que era o técnico, disse aos nossos craques: - Volante não manda mais nada. Joguem como vocês sabem. Se baixarem o cacete, devolvam cada bolachada. Ganhamos: 3 a 1. Escapamos da Argélia com um bom saldo, em todos os sentidos, mas antes passamos por complicações que não aconselho a ninguém. Vou resumir a aventura: encarreguei o Chico Aguiar para contratar o avião para Lisboa, onde teríamos de jogar a revanche com o Sporting. Ele, de fato, alugou um velho "Douglas". Avião? Não... um troço pintado de preto e branco. O piloto era um careca que usava boina. Aeromoça havia, mas, coitada, tão mal vestida! Segundo o que ele me disse usando mímica - em três horas estaríamos em Lisboa. Como estávamos começando a viajar às 8 horas da manhã, disse ao pessoal: - Almoçaremos em Lisboa. E voamos, voamos, meio-dia e nada de Lisboa. Uma hora da tarde, e cadê Lisboa? Eu só via, em baixo, as águas do Mediterrâneo. Quase 3 horas da tarde o avião começou a descer. Olhei, do alto, a cidade que se descortinava e gritei:

- Chico, isto aqui não é Lisboa. Não era, era Sevilha, na Espanha! Quando o avião aterrissou surgiram uns soldados espanhóis portando metralhadoras, avisando que o avião não poderia permanecer ali porque não havia relações diplomáticas entre a Argélia (de onde o aparelho procedia) e a Espanha. O piloto argumentou que precisava de gasolina, nada mais. O administrador ou sub-administrador do aeroporto disse que não podia ser. Deixamos os dois a discutir o pode-não-pode e fomos comer alguma coisa, ainda no aeroporto. Nesse interim procurei saber quem era o mais graduado ali e estive com o homem. Afinal - argumentei - éramos brasileiros, desportistas, baianos, íamos jogar em Lisboa, à noite. O cidadão telefonou para as autoridades maiores, repetiu meus argumentos (inclusive que, no Brasil, tratávamos os espanhóis com luvas de pelica), e veio a ordem desejada: abastecessem o avião, o troço. E viajamos, chegando em Lisboa quase às 7 horas da noite. Jantamos no aeroporto e seguimos diretos para o estádio: o jogo teria início às 20 horas, o estádio já lotado. O presidente do Sporting confessou que diante do nosso atraso havia envelhecido 20 anos. Um clima de tensão. Não se esqueçam: bolsa ao vencedor, perspectiva de pancadaria. Fui ao vestiário dos juízes e perguntei a quantos lá vi: - Quem é o juiz? Um tipo me apareceu e disse: - Sou eu. Avisei: - Olhe aqui, nossa amizade, se roubar tiro o time de campo. Vou ficar lá dentro, sou o médico. Vou estar perto do senhor o tempo todo.

Quem avisa, amigo é. Juro que nunca assisti jogo com tanta pancadaria. Havia no Sporting um tal de Seminário que era de uma perversidade sem limite. Ordenei que Vicente e Agnaldo baixassem o pau! Quando um dos nossos caia eu estava em campo, com o massagista, e se o juiz reclamava eu gritava: - Isto foi uma agressão. Se continuar assim tiro o time de campo! E continuei manobrando. Faltando uns três minutos para o término (uma beleza de escore, 2 a 2, a renda seria dividida), eles investiram contra o arco de Nadinho, houve uma confusão danada, e o juiz, no meio do campo, vendo os jogadores embolados, apitou e correu para a marca do pênalti. Na corrida foi esbarrado por Henricão que, ao mesmo tempo, me gritou: - Presidente, ele marcou pênalti. O gesto do Henricão segurando o juiz me deu tempo para entrar em campo e gritar: - Não marcou pênalti coisa nenhuma. Ele acabou o jogo! - Acabou? - perguntou, pasmado, o Henricão. - Acabou, sim. Não acabou "seu" juiz? E olhei duro pra ele. Então veio a resposta: - É acabei. Esgotou-se o tempo. Enquanto ele, o juiz, recebia as vaias, vários assistentes jogavam seus assentos plásticos contra mim. Soube, depois, que, lá de cima, o narrador da emissora radiofônica perguntou de sua cabine para o locutor de pista: - O fulano, acabou o jogo? - Acabou, sim.

- E quem acabou? - Foi aquele homem de capa preta! Era eu o homem da capa preta, o homem que, se parte da torcida tivesse oportunidade de entrar em campo, me malharia... De noite, renda dividida, passagens asseguradas no "Constelation", ouvimos fados. É uma música triste, o fado. Para mim, porém, parecia alegre. Eu tinha motivos... No espaço de poucas horas estaria de regresso ao BRASIL, à BAHIA.



SEXTA PARTE

Recordando Fatos, Alguns Sérios, Outros Pitorescos.

CAPITULO I PELO menos, de um modo premeditado, nunca precisei iludir-me para ser isto ou aquilo. Se o Bahia, indiretamente, me ajudou, pois exercia atividade política, por me favorecer com popularidade, mas é outra história. Trabalho para o clube, pertença ou não a diretoria, minore ou não o Conselho Deliberativo. Como jogador - e isto já tive, fui um goleiro medíocre - atuei no Bahia em 1935, no segundo lugar Em 1936 cheguei a jogar no primeiro quadro e certa vez, numa imitida dura, racharam-me um osso da perna. Anos depois, fui alçado à presidência por uma circunstância que já narrei anteriormente. O que não nego é que minha paixão pelo clube aumenta incessantemente. Pois não é que uma vez tive a audácia de disputar a presidência do Bahia com o professor Oriundo Gomes, enfrentando esse grande mestre do Direito e grande prócer tricolor? E venci! Em 1957 ou 1958? Não sei mais. Recordo que o Tilito Ramos e o Hamilton Simões, instados a indicarem um nome à altura para presidir o Bahia, não hesitaram: o professor Orlando Gomes, isto é, Vale repetido, um tricolor de primeira água. Mas o Benedito lloiges, conversando com o Genésio Ramos, arguto repórter de "A Tarde", ele mentiu a unanimidade anunciada: - O professor? Que nada! O presidente vai ser o Osório e eu serei o vice. A notícia, nos meios esportivos, estourou como uma bomba, na imprensa. O "Diário de Notícias", reproduzindo opinião que o Zelito Ramos dera ao Antônio Sampaio (então chefiando a equipe esportiva da

Rádio Sociedade), publicou em manchete, oito colunas: "É pilhéria isto do Osório ter coragem para concorrer com Orlando Gomes". Eu me abespinhei. Aquilo atingiu meu amor próprio. Eu respeitava e respeito o professor Orlando Gomes mas, de igual modo, não podia ser desmoralizado. Procurei Waldemar Costa e mostrei-lhe a notícia. Ele disse: - Isto é fofoca de jornal, Osório. Nessa horinha apareceu Hamilton Simões, meu amigo, companheiro de muitas e duras lutas. Também a ele mostrei a notícia, com todo estardalhaço que ela motivava. E Hamilton Simões comentou: - Na verdade, só pode ser pilhéria isto de você querer disputar com o professor... Minha vaidade, paixão, o que seja, fora de novo alcançada e eu disse: - Vou topar a parada. Respeito o professor, mas vou topar a parada. É pra valer! ' O Waldemar Costa disse: - Não faça isto ou pela primeira vez você perderá o meu apoio. - Como a coisa está sendo conduzida, não aceito. Vou para a luta. E fui. O "estado maior" do clube contra meu nome, não esmoreci. Walter Cerqueira e João Palma Neto a me apoiarem, fizemos mais de 1.000 novos sócios. Passei a contar com o apoio de1 Nelson Pinheiro Chaves, Raul Chaves e, mesmo, de Waldemar Costa, na mesma medida em que Benedito Borges, não se querendo incompatibilizar com o professor Orlando Gomes e seus adeptos, dava o fora. Trabalhamos noite-e-dia, com uma gana enorme. Realizadas as eleições, o resultado

me favoreceu. Obtive 734 votos contra 34. Foi aquela, talvez, a eleição mais longa já realizada na Bahia: de 8 horas de uma manhã até às 5 horas da manhã seguinte. Quase 24 horas, portanto. Tomei posse em janeiro de 1958 e logo contratei Geninho (quem não se lembra dele no futebol carioca? Foi, sem favor, um dos melhores craques do Brasil) para dirigir a parte técnica. Abiscoitamos o campeonato. Em 1959 - e isto já foi contado - vencemos a 1? Taça Brasil. Procurei dar um sentido de empresa, se assim se pode dizer, ao clube. Amado Monteiro assumiu a superintendência, sob contrato, 20 contos. Gastando essa mesma quantia contratei um contador, Noemário Cardoso, que organizou a tesouraria. Li, certa vez, que a presunção é a outra face de uma moeda e na primeira se lê: imodéstia. Posso ter meus erros, mas, acredito, não sou nem imodesto nem presunçoso. Julgo que sou, hoje, um dos desportistas mais conhecido no Brasil, sabendo de coisas que - e lá vem outro ditado popular - "até Deus duvida”. Vocês sabem porque o Antônio do Passo tem todo esse prestígio na CBD? Explico: disputando a presidência da Federação Carioca, contra Octávio Pinto Guimarães, ele perdeu. Como o Havellange não gostava (pelos motivos que tenha ou tinha...) do Octávio Pinto, resolveu prestigiar o Antônio do Passo. Este, que não é tolo, e sim muito esperto, firmou-se e é hoje - claro que com o respaldo do Havellange - um dos líderes do futebol nacional. É o que nos falta na Bahia: um líder com livre trânsito na CBD. Veja-se o exemplo do coronel Zé Guilherme, de Minas Gerais. Ele lavrou um tento quando, com muito tato e eficiência, fez certa oposição ao Havellange. Este, por sua vez, ao invés de pegar o pião na unha, resolveu amansar o cel. Guilherme. Fizeram as pazes, deram-se as boas e hoje o cel. Guilherme obtém o que quer da CBD, uma vez, é claro, que não banque de galo com o Havellange. Eu estava por dentro de tudo. E

usei de quanto conhecia. Por exemplo: o Octávio Pinto Guimarães queria que a seleção jogasse no Rio contra o Botafogo, que é o time dele. Sabendo da diferença que o Antônio do Passo tinha com ele, manobrei para que a nossa seleção viesse jogar aqui, em Salvador, e contra o Bahia. Foi ótimo! Se não sou presunçoso nem imodesto, igualmente não sou modesto por idiotia. Sei e avalio os serviços que prestei e presto ao clube. Sou, visceralmente, contra a frescura (perdoem a expressão) dos que dizem: - Oh! Não mereço tanto! Na verdade... Tal conduta é uma farsa e não sou farsante. Conto outro episódio para comprovar que mereço - e mereço mesmo! - o respeito do Bahia, os aplausos que sua torcida me concede. Como já contei antes, o Saad foi vaiado quando o Bahia perdeu vergonhosamente para o América, do Rio, no campeonato nacional do ano passado. Os baluartes do clube Hamilton Simões, Nelson Pinheiro Chaves, Zelito Ramos, Miranda e outros - chegaram à conclusão de que o time estava perdendo o ardor da torcida, e, mesmo, ganhando seu desprezo. A torcida necessitava de uma motivação forte e para mim apelaram. Zelito foi quem primeiro me telefonou, pedindo que comparecesse a uma reunião. Em seguida, o próprio Saad. Atendi o apelo, fui. Todos receberam-me de pé, sob palmas. Saad, com franqueza, disse-me: - Olhe Osório, eles escolheram você para retornar à diretoria como único motivo de garantir a renda do jogo de domingo contra o Botafogo e eu respondi que era a pior fórmula para mim, mas aceitei: Repliquei: - Fala-se em dinheiro e você quer salvar o seu... Silenciou e, com o silêncio, admitiu.

Autorizei que usassem meu nome e - contrariando prescrições médicas - enveredei pelo trabalho em favor do Bahia. Apelos à torcida, concentração em Dias D'Ávila, etc., e quando o time em campo surgiu recebemos aplausos. Quanto a mim, reencontrava-me com a torcida que nunca me negara apoio. Falei em prescrições médicas e "não apelei". No meu último ano como presidente do Bahia (67/68) cheguei a me responsabilizar, em termos de avalista, por 200 mil cruzeiros (200 milhões na época). Financeiramente o clube estava "nas cascas". Teria de lutar e lutei, ainda que a saúde estivesse abalada. Com a implantação dos "carnês" conseguimos 1 bilhão e 200 milhões, pagando todas as dívidas e alcançando o bicampeonato. Organizáramos um timaço, com Roberto, Zé Oto, Sanfelipo, Paes, Carlinhos e Eliseu. NOTA DOS AUTORES Ainda por uma questão de método, interrompemos a narrativa do Osório para dar, sobre ele, um depoimento: se a popularidade que o Bahia lhe deu ensejou-lhe alguns votos em eleições que disputou (e nas quais se elegeu), em termos de “tutu” ele saiu pobre do Bahia, sem nunca frequentar o “society”, etc. Tem, hoje, uma boa casa, sem ornamentação custosa mas de bom gosto, graças a d. Lúcia, sua esposa. O episódio dessa casa é interessante e responsabilizamo-nos pelo que vamos contar. O professor Renato Sampaio, o desembargador Claudionor Ramos e o Dr. Pedro Pascásio organizaram um “livro de ouro" para angariar, entre os amigos, o dinheiro que o Osório devia. Levaram o livro ao Alfredo Saad e ele não quis assinar. Afirmou que teria o prazer de, sozinho, pagar a casa. A comissão concordou e, realmente, o Saad pagou algumas prestações, mas, por qualquer circunstância, deixou de efetuar os restantes.

Osório, contudo, não mais deputado e sim trabalhando em empresas consideramos um relações públicas excepcional! - saiu aos poucos, do aperto, e pagou as dívidas. Hoje a casa numa travessa da Avenida Cardeal da Silva, é de sua propriedade, ainda que hipotecada à Caixa Econômica Federal, onde continua pagando mensalmente as amortizações. Ainda deve cerca de 20 mil cruzeiros, o que poderá ser facilmente comprovado. Bem localizada, situa-se a cavaleiro de um dos vales de Salvador. A varanda c aprazível. Lá, nessa varanda, é que temos tomado este depoimento. E uma casa baiana, com certeza. A lua não se faz de rogada e o mar, que de lá se vê, seja o de Ondina, seja o do Rio Vermelho, c azul. Catimbeiro, assim alguns o chamam, e Osório não se incomoda. Malandro-e-meio, também dele dizem. Atribuem-lhe a frase seguida: “Inteligente? Não, não sou, mas vivo da burrice dos outros'". E possível que uma ou duas Vezes ele assim se tenha expressado. Não contestamos, não discutimos, até porque, como diz uma canção popular, “há bobo pra tudo”. Sabemos, porém, que é homem de acordar cedo e de sua varanda olhar o mar, pensando. Quem sabe? Talvez pensando no João Valentão de Dorival Caymi, que "não precisa dormir pra sonhar/porque não há sonho mais lindo do esta sua terra, não há.”

CAPÍTULO II NAO me recordo mais em que parte desta narrativa falei sobre jogadores, Biriba, Henricão, etc. Outros, igualmente, merecem referências. Já em 1954, quando assumi a presidência do clube, formáramos um grande plantei. Contratamos Juvenal, Naninho, Osvaldo Balisa, entre outros, contando para tanto com as inestimáveis ajudas destes dois grandes baluartes tricolores que são Amado Bahia Monteiro e Nelson Pinheiro Chaves. Aliás, nesse ano referido, a folha de pagamento foi elevada de 35 para 85 contos, uma fortuna na época. Waldemar Costa foi assistir o Congresso Eucarístico, no Rio. Nelson Pinheiro Chaves viajou para os Estados Unidos. Hamilton Simões, não sei porque motivo, viajou para Belém do Pará. Fiquei sozinho, com a responsabilidade de não deixar os nossos rapazes ao "Deus dará..." Resolvi promover excursões em cidades do interior, ainda que na base de 10 ou 15 contos por partida. De grão em grão, a galinha enche o papo e viajamos. Em Muritiba, os jogadores dormiam sobre colchões colocados no chão. Juvenal, por exemplo, dormia sem travesseiro e sem lençol. Lembro que Naninho, sempre alegre, ao ver Juvenal naquela penúria, disse: - Quem te viu e quem te vê, Juva! Ontem, você estava em cima de um "Constelation" da "Panair do Brasil", integrando a seleção brasileira. Hoje você está sobre este colchão, aqui, em Muritiba. Penso que o Juvenal, sob a máscara do sorriso que deu, há de ter revolvido a memória e reencontrado os momentos em que, astro de futebol nacional, brilhou atuando em times como o Flamengo e, mesmo defendido, creio que em 1950, a seleção brasileira. Memórias alegres, momentos dramáticos, não são estes alguns dos ingredientes da vida? Houve, em Muritiba, à noite, uma recepção oferecida pela Prefeitura.

Muitos discursos e eu também falei, exaltando, inclusive, a vida de Castro Alves, nascido naquele município. Os jogadores, que não gostam dessas solenidades, foram para o bar, mas Naninho escutava tudo de uma janela. Quando eu falava, ele correu para o bar e - segundo me contaram - disse assim ao pessoal: - Vamos lá gente! O presidente está mentindo pra burro. Chegou a afirmar que Castro Alves nasceu nesta cidade! O Vitória, de sua parte, também importava craques, rivalizando conosco. Se já contava com jogadores da classe de Henriquinho, Celino, Umbelino, Siri, Bengalinha, entre outros, contratou, no centro-sul, Gago, Pinguela, Eloy, Vermelho, Hélio e porque sua diretoria assim se comportou obteve um campeonato Muitas vezes tive de agir com rigor, partindo do princípio de que jogador de futebol é ser humano como outro qualquer. Darei uns exemplos: Mário foi um dos melhores craques que o Bahia já teve. Em determinado jogo com o Galícia ele começou a brincar, driblando demais, querendo passar a bola entre as pernas do adversário, coisas assim. Terminado o primeiro tempo, eu não tive dúvidas: desci ao vestiário, abotoei o crioulo, ameaçando-o de uns sopapos se ele não jogasse como gente e não como palhaço; no segundo tempo, Mário mostrou o futebol que tinha e o Bahia, muito por causa dele, ganhou o jogo na tranquilidade. No hoje falecido Nilsinho (pirracento como outro nunca vi igual) tive de dar uns empurrões. E comportou-se. Lembram-se de Nelson Curitiba, que contratamos no Rio? Pois bem: num compromisso decisivo, contra o Botafogo, o primeiro tempo terminou em 0 a 0 e não havia substituições. No vestiário, o Nelson, com

medo (parece que ele fora ameaçado...) disse que não voltaria ao campo; segundo ele, o espírito de sua mãe o aconselhara a não jogar mais. Muita gente no vestiário, ouvi a conversa e não disse nada. Em certo momento, mandei que todos se retirassem (Alemão - recordo - foi o último a sair) e segurei o Nelson pelo garganete. - Olhe aqui, Nelson, você está com medo. Se você não apanhar lá no campo, vai apanhar aqui, e agora! Decida! Ele hesitou e eu o segurei como se segura um ladrão, o braço nas costas, e o empurrei túnel acima. - Seja homem, seja homem - exigi! Nelson saiu correndo, jogou, e uma boa parte da vitória deve ser creditada a ele. Com o Hélio Clemente agi de forma mais drástica, em face das circunstâncias. Jogávamos contra o Tuna Luso, nosso último compromisso em Belém do Pará, e o Hélio Clemente tratava o ponta esquerda deles (Santiago, um escurinho perigoso) com velas de libra. Ganhávamos de 2 a 0, mas o Santiago, embora magrinho, era arisco, perigoso, poderia virar o marcador ou ajudar muito para que assim acontecesse. No intervalo do primeiro tempo, no vestiário, disse ao Clemente: dê um pau naquele camarada, o Santiago, aperte ele. Sabem o que me respondeu? Com ar de um Domingos da Guia ele me disse: "eu sou um craque, não faço esse tipo de jogo". Repliquei nas buchas: "tire esta camisa!" e como ele titubeasse eu lhe arranquei a camisa, mandando o Tiago substituí-lo. Dito e certo: o Tiago foi lá, deu umas cotoveladas e umas joelhadas no Santiago (mas tudo com muita gentileza) e o Santiago se apagou. Ganhamos, tranquilamente. Futebol é esporte para homem. Não se esqueçam do Domingos da Guia, craque excepcional. Adivinhava o que o adversário ia fazer e o

anulava com cortesia, com classe. Mas se o outro "apelasse", ele apelava também - e com dureza. Não defendo deslealdade. Não sei de uma malvadeza do Nilton Santos, mas quem ignora que ele sempre foi um bom "durão"? Posso multiplicar exemplos e - será que estou falando certo? - exemplos, exemplares. Poderia citar vários outros casos, ocorridos na Bahia e no plano nacional. Preferi, no entanto, encerrar este capítulo com fato ocorrido na Escócia. Léo e Vicente tomaram uma uiscada sem tamanho. Suspendi os dois e os multei. Permiti, contudo, que Vicente voltasse ao time. Mas na Holanda, sob um frio danado, era noite, chovia, dei uma de carrasco em Léo. Mandei que ele entrasse em campo. Queria que se molhasse, sofresse o frio intenso, aprendesse a ser disciplinado, bom profissional. Muito bem. O Léo entrou e com cinco minutos fez um dos gols mais bonitos de sua carreira: de bicicleta e de fora da área. A torcida levou um tempão aplaudindo. O Léo, ele mesmo, fez o segundo gol e ganhamos de 2 a 0. Há mais para contar, mas penso que o já dito caracteriza o modo de agir de alguns jogadores e como devem atuar os dirigentes. Repito: exigir dureza não implica em exigir deslealdade. O Pelé está aí como exemplo. Nunca foi bobo, para se expor. Nunca foi covarde para recusar, em condições favoráveis, uma "dividida". Cuida-se e não esquece o time.

CAPITULO III OS JUIZES, ah! os juízes! Como não ter sempre presente, na memória, aquele safado escocês que apitou o jogo contra o Cheisea, em 1960? Durante 16 anos em que praticamente presidi o Bahia só soube de dois casos de suborno. Um efetivado. Outro denunciado. Zago. Pernambucano, ele pertencia ao quadro de árbitros da Federação Baiana de Futebol. Num jogo decisivo entre o Bahia e o Vitória, espalhou-se que um dirigente do rubro-negro o havia comprado. Outros afirmavam que nós, do Bahia, é que tínhamos passado uma "bolada" para ele. Uma confusão. O Tribunal de Justiça Desportiva interveio, analisou o caso e eliminou o Zago. O segundo caso que eu soube, envolveu o Anivaldo Magalhães, e recentemente. Sei que o Anivaldo Magalhães compareceu à Federação e, na véspera de um jogo, certo (e até hoje desconhecido) fanático galiciano compareceu à sua residência, propondo-lhe 4 ou 5 milhões para que ele desse o triunfo ao Galícia. Recusou, ameaçou agarrar o sujeito que correu, sumindo. Mas ele foi à Federação, fez a denúncia. Claro que existe corrupção no futebol, mas, por incrível que possa parecer, aqui, na Bahia, ela não proliferou. A menos que se confunda determinados tipos de coação com suborno, o que não me parece muito certo. Coação é uma coisa, suborno é outra. Dou um exemplo disso que eu chamo de coação: o Bahia disputava a "Taça Brasil" e o fez várias vezes. Havia vários juízes baianos incluídos pela CBD para apitarem jogos da "Taça". Ora, eu deixava claro que se, nos jogos do campeonato, eles, de má fé, prejudicassem o Bahia, ou os vetaria sempre que fossem apontados para as disputas da "Taça" om que o Bahia atuasse. Pretendia, assim, coagi-los a ser honestos

conosco. Não nego o que já disse antes sobre o jogo do Bahia, com o Vasco, na disputa da "Taça Brasil". Mas, como exemplifique! o Francisco Moreno, segundo penso, não foi subornado por ninguém. Instruído pelo Mendonça Falcão (a quem - repito - não interessava uma "final" do Vasco com o Santos) o Moreno nos deu, digamos assim, "uma colher de chá", mas isto não pode e não deve ser caracterizado como um suborno e sim uma espécie de coação com marca regionalista. F. leve-se ainda em conta que o Bahia disputou a primeira "Taça Brasil" com um time de alta categoria. Tanto que, contra o Santos, levantamos o título, e sem "juiz encomendado". Longe de mim bancar o santinho diante dos juízes. Contarei uns casos: Em Minsk, na Rússia, através de uma intérprete (já muito chegada ao Brasil....), antes do jogo, eu disse ao árbitro que analisaria com muita calma e interesse a sua atuação, pois havia sido autorizado para contratar juízes estrangeiros para apitar prélios na América do Sul.... Escusado dizer que, durante a partida, o juiz foi muito simpático conosco, mas muito simpático mesmo! Em 1946 ou 47, não tenho certeza, a seleção baiana, ia jogar em Recife. Eu fui assistir o prélio, e não pertencia à diretoria do Bahia e muito menos tinha contato com os dirigentes da seleção. I á, na capital pernambucana, consegui, junto à Polícia, ficar no gramado. Siri, que era o nosso centroavante, quis agredir o João Etzel, o juiz, que roubava escandalosamente contra nós. A polícia pernambucana Invadiu o campo e fui no bolo. Aproveitei a oportunidade e xinguei-o de cabo-a-rabo, mas ele, sem se molestar, disse-me: - O segundo jogo não será lá, em Salvador? Então, a aguente,

baiano! E, realmente, João Etzel roubou escandalosamente a nosso favor e fomos campeões do norte/nordeste. Pequeno, jogador do Ipiranga, foi quem fez o gol da vitória. Certa vez, em São Paulo, jogamos contra o Corinthians que tem, todos sabem, uma "senhora" torcida. Walter Gonçalves, então pertencente aos quadros da Federação Baiana, marcou um pênalti contra o Bahia, negócio escandaloso. Até Mendonça Falcão, Vadi Helu e Paulo Machado de Carvalho ficaram horrorizados. Por que o Walter agiu assim? Dinheiro? Não, não acredito. Ele fora pressionado pela torcida, não soube enfrentar aquela gritaria infernal. Cedeu. Pressão psicológica é um negócio terrível. Num jogo do Bahia em Porto Alegre o Ney Andrade, servindo como juiz, viu - mas viu mesmo! - que um gol dos gaúchos contra nós fora marcado de mão, mas não teve coragem de invalidar. Tanto assim que quando o jogo terminou ele saiu correndo, com medo de ser apanhado pelos nossos jogadores. E mais: à noite, escapuliu do hotel com os cabides de roupa na mão, protegido pelo Carlos Alberto de Andrade que lhe deu fuga. Num dos jogos da "Taça Brasil", no Ceará, um locutor de rádio e, também, diretor do Fortaleza, pressionou às escancaras o juiz Alderico Conceição. Perguntou: - Quantos filhos o senhor tem? - E depois de ouvir a resposta, ameaçou: - Marque direitinho, senão o senhor não vai mais vê-los... E o Alderico Conceição prejudicou Psicologicamente era um homem arrasado.

bastante

o

Bahia.

Em geral - esta é que é a verdade - o Bahia sofre muito com as

arbitragens e a explicação é simples: os juízes, em geral, são adeptos do tricolor, e querendo, em campo, mostrar isenção, nos prejudicam para mostrar que são honestos. Quer dizer, nós pagamos o pato. Noutros casos, há as rivalidades regionais que não devem ser desprezadas. Um juiz carioca, num jogo Bahia x São Paulo, dificilmente deixará de ser simpático com o Bahia. E o inverso. Concluindo este capítulo, quero afirmar o seguinte: time ganha jogo, campeonato quem ganha é a diretoria, se souber aplicar contragolpes e não apenas em relação aos juízes.



SÉTIMA PARTE

A Propósito Dos Técnicos

CAPÍTULO I E COM certo constrangimento, um tanto de mágoa, umas pitadas de ira e, - por que não dizê-lo? - com alguma alegria que falarei dos técnicos com os quais trabalhei. EUROPA, 1957. O Bahia excursionando. Técnico? Lorenze, sobre quem, aliás, já falei, e falei sem fingimento, que lhe tinha grande admiração como homem, entusiasta que era do Bahia. Por defeito de temperamento, mentia-se em tudo. Certa vez, num aeroporto europeu, o Lorenze - diante de um mal entendido qualquer - disse que falava um alemão baita e se meteu na história. Não ajudou em nada, que alemão mesmo não sabia. Formou-se uma confusão dos pecados, até que um dos jogadores - não sei se o Otoney - me disse: - Presidente, o Lorenze está é complicando ainda mais as coisas. Acho que é bom o senhor apelar para o Dr. Moisés Schiper. Apelei para o doutor Moisés e ele deslindou os mistérios e viajamos. Pelo Lorenze ficaríamos lá, no aeroporto, até hoje... O time, naquela altura, ia de mal a pior. Comprei um gravador e, para mostrar ao Lorenze que eu não tinha nada de pessoal com ele, resolvi gravar as opiniões dos jogadores. Coloquei o gravador sob minha cama e ouvi o Bacamarte. Travamos o seguinte diálogo: - Que é que você pensa sobre o time? - Olha "seu" Osório, com esse homem aí na parte «*■•« nica nós não vamos ganhar de ninguém. O senhor é que deve escalar o time. Os outros depoimentos foram mais ou menos nestes termos. Chamei o Lorenze e fiz com que ouvisse todas as opiniões, explicando como as recolhera. Ouviu, admitiu e a carta branca que eu lhe dera já não tinha significado.

Não cometerei a injustiça de esquecer que Lourival Lorenze foi um dos homens mais interessados em projetar o Bahia. Na prática foi quem conseguiu a excursão do Bahia à Europa, em 57. No Rio, naquela época, em matéria de futebol nordestino, só se falava no Náutico, do Recife, por causa do trabalho do Rubem Moreira. O Lorenze tanto insistiu que fomos ao Rio e organizamos um almoço para a crônica esportiva, em "A Mintoca". Gastamos uns 30 contos (uísque, vinhos portugueses, etc.), mas foi dinheiro bem empregado. No dia seguinte o Bahia estava nas manchetes dos jornais, era referido pelas rádios, foi assunto de revistas, etc. e a verdade é que o Lorenze, antes, durante e depois do almoço é que deu a nota. Mas, como técnico, se assim se pode dizer, Lorenze pecava pela bondade. Muito brincalhão (punha apelido em todo mundo) ele não se impunha. Se gostava de um jogador, ainda que ele fosse o maior pernade-pau, mantinha-o no time. Negar, porém, que o Bahia muito deve a Lorenze (inclusive um campeonato) seria mais do que um erro qualquer. Seria uma estupidez. Quem conhece um mínimo da história do Bahia sabe que Dante Bianchi foi um dos nossos melhores médios. Um craque. Era desses que, usando agora linguagem do passado, não davam "bicudas", mas distribuía o jogo, com firmeza e elegância. Não sei se estou exagerando, mas seu modo de jogar lembrava o grande Danilo, do Vasco da Gama. Pois bem: quando assumi o comando do Bahia o primeiro técnico com quem trabalhei foi o Bianchi. Armava bons esquemas, mas tinha um defeito: jogava cartas e bebia com os jogadores e, assim, perdia autoridade. Ao que sei, preparava, com sabedoria de um bom cozinheiro, suculentos churrascos. Era um mão aberta. Não fossem essas deficiências, seria um técnico de expressão nacional, porque sabia do que se pode chamar como "mistérios do futebol".

Lamento se não sigo uma ordem cronológica nestas opiniões. O que me guia é a memória - e só. Não tenho apontamentos. Assim, dou um salto no tempo e volto a uma das nossas excursões na Europa. O técnico era Volante. Saímos da Rússia e fomos para Milão, na Itália. Os jogadores estavam cheios com a adocicada comida russa. Queriam algo diferente. De modo que, no restaurante do hotel, cada um fez seu pedido: lasanha, ravióli, etc. O Volante, inábil, chamou o "maitre" e ordenou: - Anule estes pedidos. Bife com arroz para cada um. Os jogadores olharam para mim, até porque eu havia autorizado um copo de vinho para cada. Eu me levantei e, baixinho, disse ao Volante: - Não faça isto. Explique que você estava brincando... Ele respondeu: - Não. Gritei para o "maitre": - Sirva o que eles pediram, nada de bife com arroz. Dê a cada um uma taça de vinho. Assim desprestigiado, penso que o que Volante tinha de ido era retirar-se. Permaneceu. No outro dia, realizou-se um treino e o Biriba desentendeu-se com o Vicente. Este, com os dois pés, pulou em cima do "crioulo", uma maldade. Irritei-me e acabei com o treino. No ônibus, disse ao Volante: - Você não fez nada. Houve uma agressão brutal e você não se mexeu. Você tem medo do Vicente? Assim você não pode ser treinador do Bahia. Todos devem ser tratados como iguais. Não replicou. No dia do jogo com o Milan, o Bahia cunhando de 1 a 0, o Volante fez uma substituição infeliz e o Mazola, no lim. do jogo,

igualou o escore. Repito: muito inábil o Volante. Um homem sério, concordo, mas não sabe lidar com os jogadores. Em Argel, no intervalo do jogo, o Cônsul brasileiro tirou do bolso sua cigarreira, ofereceu-me um cigarro e acendeu outro para ele, assistindo a "bronca" que o Volante estava dando no Flávio, a ponto de chamá-lo de sem-vergonha. O Volante voltou-se para nós e exclamou: - Os senhores fumando aqui dentro? - Volante, este é o nosso Cônsul. Aí, descontrolado, perdi o que um rapaz que eu conheço chama de "as três montanhas" chamei o Volante para fora do vestiário e disse: - Você não é mais técnico de coisa nenhuma, saia daqui! Voltando ao vestiário falei aos jogadores: - Joguem o que vocês sabem. Volante não manda mais. E, como já contei anteriormente, ganhamos de 3 a 1. Negreiros, meu cumpadre, uma figura formidável, também foi técnico do Bahia, alicerçado por sua experiência como massagista... O time em péssimas condições financeiras, promovi o Negreiros a técnico. Eu é que escalava o time. Se ganhávamos, o Negreiros dava entrevistas, essas coisas. Se perdíamos, ele procurava os cronistas e explicava: - O homem não deixa eu escalar o time, interferiu. Se voltávamos a ganhar, dizia: - O homem me entregou o time de novo. Uma graça... Que ninguém ponha em dúvida, porém, sua honestidade, sua devoção ao Bahia, os grandes serviços que prestou ao clube. Como

adepto e eficiente massagista. Lembro o Negreiros, e, por associação de ideias recordo o Pinguela, que em 1961 foi técnico do Bahia. Tirei-o do time para colocá-lo na cúpula. Um rapaz excepcional, entendia de futebol, mas sem dureza. O Bahia estava concentrado em Itapuã, num pardieiro da rua General Mo Figueredo. Véspera de um jogo decisivo (disputa do título com o Vitória) fomos, eu e o Benedito Borges - então diretor de futebol - visitar os jogadores. Após algum "papo", jantamos na concentração. Pinguela técnico, Negreiros massagista, os rapazes reunidos, avisamos que o "bicho" seria alto. Cerca das 9 horas da noite os jogadores subiram para o segundo andar, para dormir. E voltamos, julgando tudo em ordem. Houve o jogo, o estádio lotado. Vadu era nosso ponta direita. Caiu quando pegou a primeira bola. Na segunda que recebeu deu de presente ao adversário. Na terceira e na quarta, caiu, novamente. A torcida começou a gritar que o Vadu estava vendido e não havia substituições, naquela época. No intervalo, eu o interroguei. Disse que estava nervoso, coisa e tal, e ia melhorar. Veio o segundo tempo e o Vadu continuava na mesma base. De qualquer modo, o Bahia venceu. Pago o "bicho", o Negreiros me chamou e deu a explicação: - Sabe o que aconteceu com o Vadu? - Não. Conte. O irresponsável saiu da concentração pegou a namorada e foi para a Lagoa do Abaeté, só regressando de madrugada. Pinguela, por sua vez, permitia o jogo de cartas, isto quando havia ordens restritas para que não acontecesse. Foi dispensado. Perdeu-se por querer ser Ijonzinho. Mas, hoje, considero o Pinguela, um dos melhores técnicos do futebol baiano. Honesto, correto, estrategista e malicioso. Diez, Tratai, Eli, Ferlopes, não vale a pena perder tempo com eles.

O Tratai o que queria era dar entrevistas às emissoras. O Diez abandonava a concentração para ir espiar a mulher dele. Ciumentíssimo. Os jogadores ficavam abandonados. Eli, creio, que era meio tantã. Dizia aos jogadores: - Futebol é bola de pé pra pé. Então, quando a gente está jogando bem, o adversário fica nervoso e cai no nosso tchá-tchá-tchá... Existem técnicos que se dão bem em times pequenos, mas diante de um plantei de craques, de jogadores experimentados, não podem fazer nada. Como é que um Sotero Monteiro pode dirigir um time com craques como Amorim ou Roberto Rebouças? Acho que não. Entretanto, demonstrou ter conhecimentos técnicos. Tanto assim, que em 1946, levantou o título de campeão da cidade pelo Guarani. E muito curioso. Mas como não respeitar um técnico como Geninho? Foi craque e dos melhores. Tem autoridade. Veio para o Bahia em 1958 e levantou o campeonato e comandou a equipe na "Taça Brasil", com exceção do último jogo. Sabia das manhas. Aplicou o jogo de retranca. O 4-2-4, foi ele quem introduziu na Bahia, os bem informados bem sabem disso. É humilde, sem ser serviçal. Soldado - ou ex-soldado - da Polícia de Minas Gerais pouca oportunidade teve de estudar, de ser culto, mas durante 14 anos foi o "capitão" do time do Botafogo, isto quando na referida equipe atuavam advogados, engenheiros, etc. tais como Tovar, Heleno de Freitas e outros. Homem desses, com "H" maiúsculo, fazia-se respeitado (por sinal, andava sempre armado, mas ao que saiba nunca usou o revolver para ameaçar ninguém) pelo exemplo, e, ao mesmo tempo, não se negava a ser amigo dos jogadores. Era duro e, ao mesmo tempo compreensivo. Nunca escalou um time sem antes conversar comigo, mas, em última instância, era ele

quem decidia. Confesso que muito aprendi com ele e uma frase que certa vez me disse nunca esqueci: - Futebol é mais ou menos como uma guerra. A primeira coisa que se deve resguardar é o sistema defensivo. Técnicos assim, como Geninho, conheci poucos, no Bahia, e, mesmo, no futebol brasileiro. O Paulo Amaral é um outro exemplo. Hoje um nome respeitado no futebol brasileiro. Tinha, no entanto - e tem, até hoje - uma autoridade incontestável. Nunca eu consegui escalar um time. Ele não deixava. Sua autoridade, no que lhe competia, era intocável. Se há, neste país, um técnico que mereça integral respeito, ele se chama Paulo Amaral. Ademais do que, é uma figura humana admirável. Certa feita, o presidente João Havellange me disse textualmente: "Considero o Paulo, o maior caráter que conheci no esporte brasileiro". Tem sido vítima de alguns dirigentes de grandes clubes brasileiros, porque não entra em conchavos e é incapaz de cometer uma injustiça com qualquer jogador que esteja sob as suas ordens. E cito como o último exemplo: o Artime, argentino, comprado por uma fábula, não tinha mais condições técnicas de jogar no Fluminense. Os dirigentes tricolores, compraram o Artime à sua revelia. E o Paulo Amaral o tirou do time. Foi o bastante, para a direção do Fluminense, poder justificar a vultosa importância do preço do passe de Artime, colocando Artime para jogar. Paulo não concordou. Foi despedido. Outro bom exemplo? - Freitas Solich, a quem apelidaram de o "velho feiticeiro", o que - e me relevem a irreverência certos cronistas - eu considero uma tolice. O que há, de verdadeiro, é que o "velho" conhece futebol da frente pra trás

e de trás pra frente. Admitia sugestão. Ou mais exatamente: ponderava as sugestões. Ou ainda com mais convicção digo que ele "pensava" o que lhe sugeriam. Mas, a decisão final, inapelável era dele. Não me lembro exatamente quando, considerei que diante do falecimento da mãe de Jurandir, nosso arqueiro, deveria procurar d. Freitas e sugeri que o Renato entrasse como titular, defendendo o nosso gol. Ele respondeu: - O Renato é bom, mas brinca demais. Em todo o (reino ele leva um "frango". Argumentei: D. Freitas, há jogador de treino e há jogador de partida. Aconselho que o senhor ponha o Renato no time, pois o Jurandir está muito nervoso, o que é natural. E quanto ao Renato, confio muito nesse garoto. Sem se manter em seu pedestal - aliás, o Solich nunca foi de pedestais, é um trabalhador sério - ele aceitou a minha sugestão. E ganhamos duas partidas sem que o Renato sofresse um gol sequer. Desde então foi promovido a titular. Há, portanto, em futebol técnicos e “técnicos". Em minha opinião, o time ganhando os dirigentes devem procurar o técnico e parabeniza-lo. Se começa perder, chega o tempo das advertências, a busca dos defeitos, o diálogo franco. Se - terceira hipótese - faz malandragem (querendo, por exemplo, dividir a responsabilidade da escalação com a presidência do time), só há um jeito: chutá-lo. Quero dizer, demiti-lo.



OITAVA PARTE

Os Dirigentes e os "Coronéis”



CAPITULO I HOJE, é fácil diferenciar dirigentes de clubes do. "coronéis". Há 15, 20 anos, não era. Porque os chamados "coronéis' realmente manobravam o Bahia e, em certa medida, o Vitória. Possivelmente - não sei bem - o Flamengo no Rio ou o Corinthians cm São Paulo. Desde logo uma informação deve ser dada aos leitores: A época dos chamados "coronéis" desapareceu. Investir desabridamente contra eles é, porém, uma injustiça gritante e há por aí uns tolos que falam (e acusam) os chamados "coronéis", com uma leviandade que chega a causar asco. Vamos por pontos: O Fadei Fadei, homem que construiu o grande patrimônio de que hoje o Flamengo dispõe, que comandou a sensacional campanha pelo tricampeonato e tantas coisas mais, morreu traumatizado: u Conselho do Flamengo nem sequer permitiu que ele fosse candidato a uma reeleição à presidência do clube, proibição humilhante; O Athiê Jorge Cury, aos 18 anos, era titular (como poleiro) do Santos. Atuou, aproximadamente, durante 10 anos, como amador. Presidiu o Santos durante 26 anos, deu ao clube santista um campeonato do mundo. Campeonatos brasileiros e sul-americanos nem vale a pena contar. São inúmeros. Descobriu o Pelé. Mas, quando o futebol do "crioulo” começou a acabar, botaram o Athiê para fora e houve quem o acusasse de ladrão! Vejamos exemplos locais: o João Palma Neto idealizou a campanha "10.000 sócios, nem um a menos". Ultrapassou 8.000, ensejando ao clube mais popularidade e mais renda. Pois bem: os torcedores mal o conhecem.

Contram Lessa, um abnegado. Sempre foi uma espécie de sentinela em todas as gestões do Bahia. Um fato pitoresco e curioso: Contram até hoje não se casou por causa do Bahia! Contram nunca fez questão de aparecer. Trabalhava em silêncio. De tanto carregar terra e grama para fazer o campo da "Fazendinha", perdeu uma caminhonete novinha em folha de tanta ferrugem que atacou a chaparia. A coisa que mais irritava o Contram eram os jogadores vigaristas que tentavam levar o dinheiro do clube sem fazer força. Perdia noites e noites, quando das concentrações do Bahia, para vigiar os jogadores fujões. Pois bem: a torcida já esqueceu Contram. Tanajura ou melhor o "Tatá" como é conhecido é um outro exemplo de dirigente abnegado, mas esquecido pela torcida tricolor. No tempo do "coronelato", nas horas mais difíceis jamais se negou a emprestar a sua colaboração ao clube. Só Deus sabe o que ele sofreu, o que ele gastou do seu bolso para socorrer o clube nas suas horas mais difíceis Tudo que possuía "enterrou" no Bahia, jamais exigindo o seu reembolso. Hoje, vive afastado da Bahia, mas colabora quando se faz necessária a sua ajuda. É um benemérito! ^ Com Tanajura, Benedito Borges - levado por mim para o clube formou a conhecida dupla "Cosme e Damião" tricolor, í outro grande apaixonado pelo Bahia. Chega mesmo a ser exagerado. É capaz de tudo e de qualquer sacrifício pelo Bahia. Querem um exemplo: certa feita, no vestiário, no intervalo de um jogo, o atacante Mário, perguntou-lhe: - "Se eu ganhar o jogo seu' Benedito, neste segundo tempo, o senhor me oferece este seu relógio de ouro maciço que está aí em seu pulso e este bacana sapato esporte que o senhor está a calçar? Benedito Borges não pensou duas vezes: - Prometo "crioulo". Ganhe o jogo...

Finda a partida com a vitória do Bahia, Benedito cumpriu a promessa. Além do relógio, ofereceu o sapato. E saiu descalço da Fonte Nova! ... Antônio de Almeida Soares, excelente companheiro, abnegado e um dos mais apaixonados dirigentes tricolores. Sempre pronto a colaborar, sem, contudo, querer aparecer. Foi um dos artífices da conquista da primeira "Taça Brasil". Querem ver, até onde vai a sua paixão pelo clube? Era um dia de sábado. Precisávamos mandar buscar o jogador Nenzinho, em Recife. Pois bem: telefonei para o Soares. Estava doente e sem um tostão no bolso. Mas, fiz vê-lo, que precisávamos do Nenzinho. Levantou-se da cama, indo direto para a casa de sua sogra, onde tomou um dinheiro emprestado. Pegou um avião e se mandou para Recife. No dia seguinte, domingo, chegava ele de Recife, trazendo Nenzinho a tiracolo! Estas são - e para não citar outras, como a que o Corinthians fez com Vadi Helu... - algumas provas de como alguns dirigentes são injustiçados. Quanto a mim, creio que nunca serei esquecido. Os poucos adversários que tenho no Bahia, por sinal que muito deles ou invejosos ou psicopatas, me acusam de "ditador", de "desorganizado", mas eu pergunto: como foi que paguei todo o patrimônio que o Bahia tem hoje? E aduzo: na curta gestão do Dr. Pedro Pascásio nunca houve tanta reunião, tanta organização, tantas "ordens do dia" e etc. Mas que resultou disso? A diretoria, sob a presidência do Dr. Pedro Pascásio cujas qualidades morais e intelectuais eu não nego, mas exalto -, deixou dívidas aproximadamente de 1 bilhão de cruzeiros velhos, o que não é pilhéria. Faço justiça ao Dr. Pedro Pascásio. Durante 8 anos foi diretor do

patrimônio do Bahia e testemunho que é um apaixonado pelo nosso tricolor. Quando, em fins de 69, lembrei-me de seu nome para substituirme na presidência, durante meses ouvi inúmeras opiniões (do Soares, do Miranda e outros mais) e fixei-me no seu nome. Eu, o "ditador", o "desorganizado", tivera o cuidado de ouvir opiniões várias Mas o Dr. Pedro Pascásio não concordou de início, com a indicação do seu nome. Não poucos amigos interferiram, pressionando-o a aceitar o que antigamente se chamava de prebenda, e, hoje, de "abacaxi". (Embora eu ache que presidir um clube como o Bahia seja uma honraria - e das maiores). No dia da eleição, o Bahia tinha dinheiro em banco, um patrimônio avaliado (na época, 69/70) em mais de 300 milhões de cruzeiros antigos. Dispunha na Federação, a receber, crédito superior a mais de 90 milhões de cruzeiros antigos (oSaad recebeu essa bolada) e não devia um centavo a ninguém. Voltando à vaca fria: no dia da eleição fiz um apelo para que o Dr. Pascásio fosse eleito por unanimidade. E foi. Alguns por meninice, outros por maldade, terceiros e quartos por inveja, os assessores do Dr. Pascásio exageraram-se no propósito de esconder meu nome. Uma idiotice e insisto com a convicção de que não vou ferir a modéstia: ninguém consegue, ou conseguirá, apagar o meu nome da história do Bahia, mas, confesso, na gestão do Dr. Pascásio, eu me senti ferido porque fora condenado a um injusto ostracismo. Quiseram dar-me um "foi-se/acabou-se". Magoado, encolhime, mas minha paixão pelo Bahia é tão forte que esse distanciamento durou pouco. Narro um episódio típico: o Manu, gerente do Bahia, ia ao Rio 3 ou 4 vezes por mês para resolver vários casos, inclusive o do Gijo. Os assessores do Dr. Pascásio - e talvez o próprio Dr. Pascásio sabendo que eu tinha acesso à CBD e poderia, assim, dar uma boa ajuda, nem mandaram me procurar. Eu, contudo, recebia informações de

outras fontes - como se diz nos noticiários jornalísticos - “dignas de todo o crédito". Pessoalmente, considerava um erro aquela contratação, inclusive porque a diretoria presidida pelo Dr. Pascásio permitira a ida de Eliseu para a Bélgica (recebendo a bagatela de 30 milhões de cruzeiros antigos), pagando mais de 30 pelo Gijo! Manu, quando se viu enredado, me procurou, por conta própria. Pondo de lado meus ressentimentos, fui à CBD e tranquei-me com o Valed Perry, folheando o processo relacionado com o Gijo. Descobri que ele estava livre. E, no entanto, o Bahia havia pago 15 milhões ao Bangu! O Galícia havia esquecido de pedir a preferência e, do mesmo modo, o Bangu, de modo que, tendo já assinado com o Bahia só ao nosso tricolor ele estava preso. Sem a necessidade, portanto, fora dada ao Bangu uma quantia vultosa: 15 milhões! Uma mancada, é o mínimo que pode dizer. Indiscutível é que voltei a ser consultado e a atuar. Em 69 apelaramme para que agisse em busca do campeonato. Agi. Ganhamos o Itabuna por 6 a 0 e 3 a 0. No Robertão, o Paula Filho (ex-presidente) era diretor de futebol. A diretoria do Bahia (Pascásio na presidência) não lhe dava nenhuma cobertura. O Paula ficou abandonado, sem cobertura, sem dinheiro para pagar aos jogadores, também sem dinheiro para pagar ao hotel - e um hotel de Aracaju! Consegui 10 milhões de cruzeiros antigos e os entreguei ao Paula Filho. Antes, com a ajuda inestimável do Soare9 e do Miranda, havia levantado determinada quantia (não me lembro quanto) para pagamento de uma folha dos jogadores. Eu me sinto machucado quando me chamam de "ditador" ou coisa semelhante. Sempre ouvi muita gente antes de tomar uma decisão importante. Eu, o Hamilton Simões e o Waldemar Costa, durante muito tempo, dirigíamos o Bahia na base de um colegiado. Não me lembro, honestamente, de ter perdido uma só votação. Quando o Hamilton

estava com uma opinião contra a minha, eu corria para o Waldemar e com meu blábláblá sempre o convencia. Se o Waldemar opunha restrições, eu metia meu blábláblá no Hamilton. E quando digo blábláblá não quero significar artifícios, a jogar um contra o outro. Usava argumentos, os argumentos que a experiência me ensinou. E tais argumentos nasciam de, igualmente, minha vontade de ver o time ganhar, nada de amofinamentos, um sempre seguir para frente. NOTA DOS AUTORES Em 1971 - façamos este destaque só para dar uma ideia do que é paixão no futebol - Osório combinou com o Waldemar Costa que ele, Waldemar, seria o presidente. A vice-presidência do Osório, que, na prática, dirigiria o clube. O Waldemar Costa lá se encontrava doente, quase que não mais assistia aos jogos. Ficava no seu carro, rondando a Fonte Nova. Se, porém, o Bahia fizesse um gol, ele entrava no Estádio, feliz da vida, como um escolar que em prova de matemática tira 9 ou 10. Relembramos este faro a Osóno e ele disse: “é o que eu faço agora”. Não quero encerrar este capítulo sem lembrar que, depois de uma bela e rendosa campanha na Europa, recebi abraços e congratulações até dos meus opositores, os leais, os que amam o clube. E mais: considero que todos os dirigentes do Bahia, mesmo os do segundo escalão, tem direito de lutar pela presidência, assumi-la, honrando-a. Mas, se não corresponde à confiança nele depositada, há que chutar o homem, tenha o dinheiro que tiver. Foi o que aconteceu com o Saad. Ele quis um Bahia para - e lá vem outro termo antigo - “seu gáudio", seu prestígio pessoal. Acontece, que o Bahia é mais do que um patrimônio do esporte do nosso Estado. É, como são outros grandes clubes, um patrimônio nacional, especialmente daqueles torcedores que

vão à praia domingo, deliciar-se ao sol até as 13 horas - com suas namoradas ou com suas famílias, não importa - e correm para casa a tempo de almoçar (ou não almoçar), preocupados em não perder a partida em que intervirá o seu querido "esquadrão de aço". Muitos desses torcedores moram em Periperi, Plataforma ou Paripe . Apinhavam-se nos trens ou nos ônibus e para que? Para aplaudir o seu clube, desfraldando bandeiras ou gritando ou, simplesmente, sorrindo face a cada boa jogada, diante de cada gol. E, em certos casos, - o que não é comum no que diz respeito ao Bahia - sofrer com a derrota inevitável, imaginando mil-e-uma razões para explicá-la. Compreendo porque agem assim. Eu também sou louco pelo futebol e, em especial, pelo Bahia.

CAPITULO II QUANDO, em 1954, eu declarei que, sob minha presidência, iria terminar a era dos chamados "coronéis", não queria desrespeitá-los ou desmerecer quanto fizeram em favor do clube. O que não admitia - e ninguém, nos tempos que correm, deve admitir: hoje os clubes devem funcionar como empresas - é que ficassem em seus escritórios ou em cafés (como o famoso "Café Portugal") mandando ordens para fulano ou sicrano. Considero mesmo que na sede do Bahia deve haver, a homenageá-los, o retrato de cada um dos chamados "coronéis". Não fossem eles e, talvez, o Bahia não teria alcançado quanto já alcançou. Não se conta pelos dedos (os dos pés, inclusive) quantas vezes o Nelson Pinheiro Chaves contribuía generosamente para pagar aos jogadores, mês após mês. E houve quem, não há muito, o chamou de "intruso”! ... Não vou dar uma de historiador, mas, segundo sei, a época dos "coronéis" no Bahia há de ter começado por volta de 1936, devendo-se destacar os nomes de Waldemar Costa, Nelson Pinheiro Chaves, Carlos Balallai, Zequinha Macedo, Hamilton Simões, Jayme Abreu, este último mais do que um assessor e sim um "papa" no aconselhamento aos dirigentes tricolores. De sua experiência, do seu tato, do seu equilíbrio, muitas vezes me vali. Na época a que me refiro, o clube não tinha patrimônio. Eram apenas 11 camisas, 11 calções (aqueles calções!) e 11 chuteiras. O presidente e os diretores - ao que eu sei - eram figuras de presépios. Compunham o quadro. Nada mais. Os "coronéis" reuniam-se, combinavam entre si, contratavam técnicos e jogadores, traziam-nos para cá e só quando a imprensa noticiava os fatos é que deles a diretoria do clube tomava conhecimento. O fato, em si, já fora consumado. Se o

presidente ou um diretor qualquer reagisse, seus dias estavam contados. Reuniam-se, via de regra, no "Café Portugal" e os repórteres esportivos na caça de notícias, ficavam por ali, farejando, até porque os "coronéis" é que escalavam o time. Muitos não queriam que seus nomes aparecessem. Escondiam-se da imprensa. Entendo: eram homens da maior responsabilidade - comerciantes, industriais, etc. - e se se soubesse quanto gastavam com o clube poderiam ter até seus créditos bancários abalados. O escritório de Waldemar Costa foi um dos primeiros a servir, de fato, como sede do Bahia. Depois, o do Nelson Pinheiro Chaves. Outras vezes, as decisões eram adotadas no escritório do Hamilton Simões, na firma Wildberguer, onde o Hamilton Simões trabalhava. Houve a fase do Zelito Bahia Ramos (que agora retornou, felizmente, à cúpula dirigente do tricolor). E ainda Zequinha Macedo e Paula Filho, por sinal que escolhido como primeiro mandatário tricolor, o que aconteceu numa fase dificílima. Lutei contra esse estado de coisas. O Conselho Deliberativo passou a ter a autoridade que devia. Modificamos os Estatutos e introduzimos um dispositivo segundo o qual a contratação de técnicos dependia do seu apoio. A princípio a reação dos "coronéis" foi grande, mas, aos poucos, aclimataram-se ao novo regime de trabalho e comando, até porque - mas sem subserviência - eu os ouvia e, quando considerava que tinham razão, os acatava. Se não estou em erro, a fase dos "coronéis" mandando e desmandando no clube acabou em 1958. Eles compreenderam que a nova orientação era a mais acertada, no que se mostraram realistas, compreendendo que havia algo de novo no futebol brasileiro e, por extensão, no da Bahia.

Em essência, o que sempre desejaram estava a acontecer e celeremente: o Bahia crescendo. O Bahia se popularizando. O Bahia ganhando campeonatos, excursionando para o exterior, reunindo êxitos. Se poucos se agastaram, os demais - a grande maioria - continuava a nutrir a paixão pelo clube, jamais deixando de apoiá-lo. Ainda há "coronéis" por aí? Há, certamente. Mas no Bahia, não. Entre nós, tricolores, o que existe, quanto ao "coronelismo", é a gratidão pelo que fizeram, forjando um clube, criando condições para que crescesse e, também, compreendendo que a novos tempos devam corresponder novos comportamentos. Lamento aqueles que não entenderam assim e se afastaram. E sugiro - se me é permitido sugerir - que mesmo estes sejam adequadamente homenageados pelo Bahia. Merecem. A resposta a um desentendimento não é a represália, mas a busca do diálogo.



NONA PARTE

Umas Observações, Para Terminar.

CAPITULO I NESTE fim de livro gostaria de fazer umas observações esparsas: Sobre a crônica esportiva tenho algumas queixas e me sentiria desonesto comigo mesmo se não as registrasse e desonesto, também, por ausência de franqueza, para com os próprios cronistas, quase todos meus amigos; a primeira observação é a de que a crônica esportiva deve orientar melhor a torcida, no sentido de fazê-la compreender que sem seu entusiasmo, sem sua participação - seja vaiando, seja aplaudindo - o nosso futebol não evoluirá; seria também aconselhável que antes de malhar este ou aquele dirigente, este ou aquele técnico, este ou aquele jogador, investigasse a coisa nos bastidores, a fundo, de sorte que certas injustiças não fossem cometidas e certos méritos não deixassem de ser ressaltados; por exemplo: se um clube perde dois jogos seguidos, a tendência é a de "meter o pau" nos técnicos, dirigentes, jogadores, etc.; eu me pergunto: será esta a melhor forma de orientar, de criticar, de ajudar? Penso que não. E notem que considero a crônica esportiva baiana uma das melhores do Brasil, em todos os sentidos, e nela tenho - sempre tive - excelentes amigos, mutuamente a nos respeitarmos. Se alguns (pouquíssimos) guardam, de mim, ressentimentos, se me antipatizam, que hei de fazer? A rigor não sei sequer a causa de tais ressentimentos. -*■ Sobre os torcedores, sejam do Bahia, sejam de qualquer clube, se reconheço, como já disse, que a paixão é que os comanda, seria oportuno apelar para que ajudem mais os seus times, e não apenas assistindo aos jogos. Imagino que o Bahia tem uns 100 mil torcedores. Já pensaram se cada um deles oferecesse ao clube, por mês, o valor de um maço de cigarros? Seriam, no

mínimo, 300 mil cruzeiros mensais (300 milhões antigos!) e então a diretoria do time poderia até dispensar as arrecadações... Isto não faria bem ao Vitória? Ao Galícia? A todos, afinal. Alguns de nós desejamos que isto que hoje é um sonho, seja, amanhã - ou no futuro próximo - uma realidade. Que se faça, aos poucos, essa realidade desejada, mas que se faça, que se lute por ele, que ninguém esmoreça na luta. Desejei, com este livro, contar o que vivi e vivo no esporte baiano, nacional e, mesmo, internacional. Não o escrevi e sim, durante meses, fui contando o que à memória me vinha, a Newton Calmon e Carlos Casaes, gravando. Terei cometido injustiças. Certamente várias omissões. De qualquer modo, agora que releio o que o Calmon e Casaes me entregaram para o meu "aprovo" final, não hesito em assinar o que disse, o que ditei. É um livro meu e deles. É um livro que entrego ao público com a convicção de ter contribuído para que melhor se saiba o que é nosso futebol, no campo e nos bastidores. Quem sabe se, a depender do acolhimento do público, não ditarei outro? NOTA DOS AUTORES Chegamos ao fim e informamos aos leitores que se escrevêssemos tudo quanto Osório ditou para nós, atingiríamos umas 300 laudas datilografadas! Não acreditamos, nós e ele, em livro de muitas páginas. Há, porém, que acrescentar que a revisão final - e, também, a reorganização de capítulos - foi realizada por uma empresa especializada nesse tipo de trabalho, a AGATE - Agência de Assessoramento Técnico Ltda., cuja eficiência e cuja presteza queremos registrar. Dirigida pelos jornalistas Ariovaldo Matos e José Gorender a AGATE responde por boa parte do sucesso que este livro

de Osório Vilas Boas alcançará na “França, Oropa e Bahia”.

ULTIMA PAGINA ESTE livro já se encontrava em fase de impressão quando sobreveio um lato novo que me tirou de circulação por alguns dias. Teria que me submeter a uma intervenção cirúrgica. Aconselhado pelo doutor Luiz Leal, meu amigo, constatei junto ao doutor Herval Macedo a necessidade de deslocar-me até São Paulo, onde o diagnóstico foi confirmado. Recomendado pelo próprio Dr. Herval ao Dr. Macrus, tomei conhecimento de que se tratava, realmente, de algo por demais sério e inadiável. Mas as despesas seriam astronômicas e eu não dispunha dos recursos necessários. Foi aí que o Dr. Macrus, através de uma de suas secretárias, me encaminhou ao INPS, onde tudo foi muito fácil, até o meu internamento incontinenti no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Somente um dos exames custaria a importância de Cr$5.000,00, o que não paguei porque foi feito através daquele Instituto. Fui encaminhado ao Dr. Zerbini. A este eu apelei para que somente ele me operasse e consegui. Ocorreu no dia 26 de janeiro deste ano, sob a proteção de São Judas Thadeu, ficando eu 36 horas na sala de recuperação. Antes de tudo isto, porém, encontrava-me hospedado no Hotel Normandie quando fui procurado por um velho amigo, o radialista Barbosa Filho. Surpreendentemente, numa demonstração do seu apreço, obrigou-me a transferir-me do hotel com a minha mulher para a sua própria residência. E fez mais. Através dos seus programas, deu a conhecer a todos os meus velhos amigos de São Paulo a situação em que eu me encontrava ali. Em consequência, ainda no Hospital, comecei a ser procurado por uma legião de amigos que, se já os tinha no rol definitivo do meu grande

apreço, hoje jamais poderei esquecê-los um só instante. Dentre muitos, foram Vadih Helu, Ciro Costa (ex-dirigente do Santos), Mendonça Falcão, o presidente do Palmeiras e sua diretoria, Américo Egídio Pereira (vice-presidente da Federação Paulista), dirigentes do Corinthians, do Santos através do presidente Vasco Fahé e do vice Clayton Bittencourt, enfim, uma verdadeira legião dos melhores desportistas de São Paulo. Vencida a batalha do Hospital, eis que outro grande amigo paulista Nuno Álvares Pinto, vitorioso homem de empresa, fez questão de levarme para a sua residência, onde durante 16 dias vivi a inesquecível experiência da hospitalidade e do carinho de sua família. Um gesto que não posso jamais esquecer. Eu me encontrava, então, numa situação incômoda. Por falta de recursos, estava internado numa enfermaria junto a mais duas pessoas, pois às expensas do INPS. Minha mulher não podia me acompanhar, era proibido, e algumas vezes teve que burlar a vigilância até mesmo dormindo embaixo da cama. Imaginem! Mas quem tem padrinho não morre pagão. Os meus diletos amigos, desportistas como eu, reuniram-se às escondidas e decidiram que todas as minhas despesas de Hospital seriam por conta da Federação Paulista de Futebol, autorizando a minha imediata remoção para um apartamento de luxo, com todo o conforto imaginado. No ofício encaminhado ao Hospital justificavam que assim procediam em vista de ser eu um desportista que havia prestado relevantes serviços ao futebol nacional. Não apenas isto, mas não me deixaram faltar o mínimo de conforto espiritual, pois se revezavam diuturnamente na assistência direta. E isto é uma das coisas que me sensibilizam ainda hoje. Também, não só de São Paulo recebi tais demonstrações de carinho, de solidariedade. Wilson Trindade e Paulo Maracajá do mesmo modo devem ser arrolados

dentre todos os que me acompanharam naquela maratona. Uma homenagem do Bahia no Hotel Lorde, quando já recuperado, e na presença de todos os jogadores me proporcionou significativos momentos. O presidente do Bahia, por exemplo, se deslocou algumas vezes para São Paulo a fim de, pessoalmente, como grande amigo que o é, confortar a mim e a minha mulher. Não foi surpresa para mim, ainda a atitude de grandes desportistas baianos entre os quais os amigos Luiz Catharino, Alfredo Miguel, Zelito Magalhães, estes telefonando e Jorge Corrêa Ribeiro, pessoalmente, todos representantes do mais autêntico espírito de lealdade e cavalheirismo do maior adversário do Esporte Clube Bahia, nosso coirmão Esporte Clube Vitória, prestando-me uma das mais comoventes homenagens em nome da gloriosa família rubronegra baiana. Reconhecendo que, neste livro, não poderia deixar de, mesmo aligeiradamente, me referir a estes fatos e por não poder de outro modo perpetuar o meu reconhecimento, é que estou inserindo como sua última página o agradecimento mais sincero a todos aqueles muitos amigos que me acompanharam naquela hora difícil. Por último agradeço ao doutor Herval Macedo, a quem devo o passo mais importante, o seu seguro e definitivo diagnóstico para a recuperação de minha saúde e a Deus, com a minha fé inabalável, pela graça que me concedeu através do meu protetor São Judas Thadeu de atravessar toda essa crise e dela sair totalmente recuperado.