Existencialismo cristão: A plenitude do ser

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Existencialismo Cristão A Plenitude do Ser

por Marcelo Hipólito

Para meus pais amados: Rubens e Marlene.

SUMÁRIO

Oração para antes dos estudos Capítulo I – A busca pela verdade Capítulo II – Existencialismo Capítulo III – Desespero humano Capítulo IV – A morte e o ser reduzido Capítulo V – Ressureição O Autor

ORAÇÃO PARA ANTES DOS ESTUDOS Santo Tomás de Aquino

Infalível Criador, que, dos tesouros da Vossa sabedoria, tirastes as hierarquias dos anjos, colocando-as com ordem admirável no céu; Vós, que distribuístes o universo com encantadora harmonia; Vós, que sois a verdadeira fonte da luz e o princípio supremo da sabedoria, difundi sobre as trevas da minha mente o raio do esplendor, removendo as duplas trevas nas quais nasci: o pecado e a ignorância.

Vós, que tornastes fecunda a língua das crianças, tornai erudita a minha língua e espalhai sobre os meus lábios a vossa bênção.

Concedei-me a agudeza de entender, a capacidade de reter, a sutileza de relevar, a facilidade de aprender, a graça abundante de falar e de escrever.

Ensinai-me a começar, regei-me no continuar e no perseverar até o término.

Vós, que sois verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que viveis e reinais pelos séculos dos séculos.

Amém.

CAPÍTULO I A busca pela verdade

Filosofia é uma técnica humana e, portanto, imprecisa, uma vez que o ser humano é imperfeito, subjetivo, limitado em suas capacidades cognitivas, racionais, temporais e sensoriais. Já a verdade absoluta, por ser perfeita, circunscrita em si mesma, revela-se divina, ausente de subjetividade. Deus é singular na sua objetividade absoluta, uma vez que é o criador do mundo das coisas (tanto da sua totalidade como de cada um dos seus componentes, até dos mais ínfimos), bem como dotado de atemporalidade e simultaneidade, conforme Santo Tomás de Aquino. Mesmo a arrogância do moderno método fenomenológico – que supõe amenizar a reflexão abstrata da ortodoxia filosófica através da observação crua dos fenômenos – é incapaz de evitar a chamada interpretação da realidade, em si sujeita às limitações típicas da percepção e racionalização humanas. Destarte, a filosofia resta abstrata e subjetiva por excelência, ao se tratar de exercício intelectual humano, consequentemente restrito e impossibilitado de atingir a verdade plena. Assim, a verdade absoluta será sempre sobre-humana, reservada ao campo do divino. Já a verdade humana permanece fadada a ser uma construção inacabada, condenada à subjetividade e às abstrações típicas do intelecto mundano, restrita a tatear pelas fronteiras do conteúdo integral, simultâneo e verdadeiro, acessível somente pelas capacidades infinitas de Deus. Portanto, a verdade humana se manifesta mais como estética, enquanto a verdade plena se revela como conteúdo; ou seja, verdade na acepção máxima do termo, inatingível às limitações do homem. Nessa perspectiva, a filosofia se alterou substancialmente durante o tempo, em particular a partir do século XVIII. Da escolástica medieval às linhas de análise pósiluministas, muitas influenciadas pelo método fenomenológico, aferradas à observação de um fenômeno particular ou reincidente, num determinado momento ou intervalo temporal. Assim, a filosofia moderna se assentou mais no exame estético da superfície do real, em vez de lutar vigorosamente contra as restrições humanas, na perseguição

pelo conteúdo inatingível em sua integralidade, porém, passível de vislumbres parciais, sob penosa reflexão e laboriosos estudos. Novamente, a verdade divina é conteúdo por corresponder à integralidade do real. Destarte, o estudo da realidade cabe mais ao campo da teologia do que ao da filosofia. Contudo, mesmo a teologia, como atividade intelectual humana, é limitada pela nossa corporalidade. Ainda assim, a teologia possui uma vantagem diferenciada, singular, por se tratar também de exercício espiritual, portanto, de diálogo com o divino, dotado de uma amplitude superior à da filosofia para a compreensão da verdade plena, do conteúdo integral do físico e do transcendente, do ser e da alma. Uma linha filosófica que se alia à teologia para investigar a condição humana se sobressai, portanto, como alternativa responsável a uma busca meramente estética da verdade. Sob essa perspectiva, uma filosofia desprovida de Deus se automutila como ferramenta de persecução da verdade, restando-lhe o encontro inevitável com o vazio existencial e a fraude intelectual; destinada mais a confundir do que a revelar. Não é à toa o existencialismo moderno restar como niilismo, celebração macabra do nada pelo nada. Quando a humanidade se afasta de Deus, não se torna maior, nem melhor, em vez disso decai a uma existência enfraquecida de propósito e carente de transcendência: “É impossível não se perguntar quanto a desmistificação do cosmo não representa a duradoura aspiração dos homens a se tornarem deuses. Eva tomou o fruto proibido porque ele representava o poder do conhecimento, que livraria os homens da dependência de Deus. Jó, por sua vez, sofreu para compreender um Deus que violava as mais básicas noções humanas de equidade e justiça. De maneiras distintas, ambos os personagens participaram do mais elementar embate do homem para descobrir e aceitar seu lugar no drama da existência”.1

1

McAllister, Ted V. (2017). Revolta Contra a Modernidade: Leo Strauss, Eric Voegelin e a Busca de Uma Ordem Pós-Liberal. São Paulo: É Realizações, p.23.

CAPÍTULO II Existencialismo

O existencialismo cristão é a busca possível e resignada da verdade diante das limitações da corporalidade, do pensamento e da mortalidade humanas. É impossível considerar os resultados da investigação da condição humana sublimando esses elementos inerentes à nossa existência. Nossa temporalidade nos define e nos confere propósito, bem como restringe nossas capacidades de compreensão do mundo das coisas, da eternidade e de nós mesmos. Somos criaturas carnais, finitas e irrequietas. Mas também somos, como nos ensina a teologia, espírito. Para refletir sobre o homem, deve-se considerar a trindade de estados que modelam e determinam nossa consciência, memórias, identidade e existência. Afinal, somos constituídos como: espírito, carne-espírito e espírito desencarnado. São esses três estados distintos e sequenciais, comuns a todo ser humano, que explicam a nossa jornada física temporal e a perenidade espiritual: a mortalidade da carne e a imortalidade da alma. A investigação desses elementos é essencial à compreensão da consciência, identidade e existência, bem como dos diferentes seres (ou estados do ser) que fomos, somos ou seremos. O existencialista cristão se diferencia dos seus correspondentes modernos por meio de critérios essenciais que distinguem ambas as linhas de pensamento e abordagem, opondo-se ao desespero e ao niilismo dos pós-iluministas, iludidos com a equívoco de que seu trabalho se revestiria de cientificidade e razão. Nada mais ilusório.

EXISTENCIALISTA CRISTÃO

MODERNO

Realista

Idealista / Utópico

Racional

Irracional

Religioso / Transcendente

Ateu / Materialista

Ama o mundo, o próximo e si mesmo

Niilista

O existencialista moderno sente repulsa ou incômodo pelo mundo das coisas, tendendo ao niilismo como mecanismo de enfrentamento dessa dor existencial. Já o existencialista cristão ama a criação e resigna-se com inevitabilidade do Pecado Original (fonte de angústias variadas em relação aos traumas da existência), buscando a cura na salvação da sua alma imortal. O existencialista moderno vale-se da dialética hegeliana e, por vezes, da fenomenologia alemã como balizas do seu trabalho, sob um leque de referências variadas, compreendendo um espectro de exotismos que se desdobra de Epicuro a Sade. O existencialista cristão, por sua vez, volta-se com reverência intelectual a grandes figuras racionais do passado, como: Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.

Considerado, por muitos, como o primeiro existencialista moderno, Sören Kierkegaard trabalhava com a tese da reduplicação do pensamento: a passagem do pensamento à ação, da dialética das ideias à vida. Karl Marx elevou esse conceito ao extremo quando propôs, como ninguém ousara antes, a aplicação das suas teorias à ação política. Não é à toa que Kierkegaard e Marx encontram-se entre os maiores críticos de Hegel. Se o redobrar do pensamento era uma forma de transformar o mundo pela materialização do pensamento à realidade, ou se servia para testar a validade de determinadas abstrações pela experimentação empírica, o fracasso marxista, em todos os níveis da sua aplicação prática e suas centenas de milhões de vítimas, resta como testemunho eloquente do perigo concreto desse tipo de pretensão irresponsável. A expectativa terrível de empregar como verdade suficiente uma abstração não comprovada surpreende pela desconsideração intelectual quanto aos potenciais danos causados à realidade alheia ou coletiva, com consequências por vezes irreversíveis à vida ou ao cognitivo de pessoas de carne e osso. Outra tese de Kierkegaard merecedora de atenção é a da subjetividade individual como causa do isolamento do ser, já que seria impossível ao indivíduo expressar sua subjetividade interior em palavras, uma barreia insuperável à comunicação social, a qual ampliaria, num círculo vicioso, a angústia do encerramento em si mesmo. Essa tese é profundamente falha, pois a experiência do isolamento, ao ser tomada pelo filósofo como uma característica comum a todos os seres humanos, estabeleceria padrões mínimos de referência e empatia capazes de serem compartilhados por cada um de nós, logo passíveis de erguer “canais” de comunicação, ainda que

parciais, entre indivíduos pretensamente isolados. Esse suposto isolamento, portanto, jamais seria causa tão implacável capaz de despertar uma irreversível e profunda angústia humana. O Pecado Original resta, assim, como a verdadeira mazela humana, a despeito de não impedir nossa afeição pelo mundo das coisas, da mesma forma como a capacidade de amarmos a nós mesmos e ao nosso próximo. Para o existencialista cristão, o mundo é bom, apesar das suas imperfeições. Já ao existencialista moderno, o mundo permanece repulsivo e incômodo; fonte perpétua de isolamento, viscosidade e desnorteamento. Esse mal-estar permeia o existencialismo moderno como uma praga gnóstica de aversão e revolta contra as deficiências mundanas, alimentada por uma agonia permanente por revertê-las, corrigi-las, superá-las. Em vez da resignação cristã diante do imperfeito, o pensador moderno mergulha no vazio existencial e nos meios para provocar sua derrocada utópica ou na busca por uma desculpa ideal para se render à submissão niilista. É um vazio existencial forjado exatamente pelo afastamento original – induzido ou involuntário – do homem moderno em relação a Deus. Ao negar Deus como premissa essencial antecessora à existência, à consciência, à formação da identidade, ao espírito imortal e à carne temporal, o pósiluminista vasculha, em desespero, por um substituto ou uma cura suficiente perante o nada deixado pela remoção forçada, ideológica, do núcleo transcendente indispensável à sanidade da mente e alma humanas. A busca infrutífera por essa superação é fascinante de se observar, transcorrendo de forma quase tragicômica, especialmente ao se concentrar no próprio homem ou em suas obras (como o Estado) para o preenchimento do referido vácuo. Essas tentativas – e todas as suas reflexões correspondentes – revelam-se ineficazes perante a tarefa irrealizável de se substituir o divino, o único parâmetro externo e interno possível à compreensão humilde e limitada da existência humana, que acompanha e ampara nossos anseios e incertezas, desde os tempos ancestrais. Ainda assim, verifica-se a relevância de se abordar, ainda que brevemente, alguns pensadores centrais do existencialismo moderno, uma vez nem todas as suas reflexões são descartáveis. Ao contrário, algumas são bem sofisticadas e merecem menção, notadamente pelo seu caráter sombrio e destrutivo. Jean Paul Sartre, em especial, vem à mente, afinal sua obra é aquela que mais atenta contra a natureza e a esperança humanas.

Enquanto Santo Tomás de Aquino, em seus estudos sobre o divino e o humano, arranha as portas do Paraíso; o niilismo de Sartre beira o demoníaco, como se desejasse condenar nossa espécie aos próprios porões do Inferno. Sartre serpenteia no nada, embriagado por seu narcisismo alienante e avassalador, tomado por um egocentrismo radical, irrequieto pela ruína da realidade nauseante, desprezada de forma visceral, doentia, juvenil. Seu ódio pelo mundo concreto pulula dos seus escritos com uma força quase palpável, tamanha sua repulsa pelo próximo, seu abandono da moralidade ocidental, sua negação absoluta de Deus. Mergulhado em seu ateísmo e revolta, ausente da transcendência indispensável ao ser humano, Sartre vende sua alma a um ódio igualmente profundo contra a humanidade, sua cultura e sociedade: o marxismo. No marxismo, Sartre, finalmente, encontra o sentido de propósito que sua repulsa pela humanidade lhe negara até então. Sartre pode, enfim, ajoelhar-se a um deus do seu agrado. Assim, numa suprema ironia, o sumo sacerdote do existencialismo moderno – arauto do imperativo da falta de compromisso ou submissão em relação ao mundo como forma ideal de assegurar a liberdade total – rende-se, bovinamente, à fraude intelectual materialista e escravizante do comunismo soviético da sua época. Porém, se Sartre se impõe como a culminação do carácter nefasto e inumano do existencialismo moderno, para a melhor compreensão dessa linha de pensamento, é necessário abordar algumas das suas ideias sobre a problemática da angústia, do desespero e do sofrimento humanos diante do vazio existencial, da crescente separação entre o Ocidente e o transcendente.

CAPÍTULO III Desespero humano

Karl Jaspers tratava o idealismo como a filosofia da felicidade em seu caráter utópico e irracional, portanto, dotada de um forte componente emocional. Para ele, a existência não é objeto, mas aquilo que se relaciona consigo mesma e, assim, desperta a transcendência. Uma dinâmica que inviabiliza, por si mesma, a real compreensão da transcendência, permitindo somente a análise da relação desta com o indivíduo. Jaspers abraça o preceito délfico da ação em si como definidora do sujeito ativo do seu próprio destino. Nesse ponto, Jaspers esbarra no conceito cristão do livre arbítrio, apesar de sua vagueza sobre a importância da consciência, culpa, arrependimento e perdão. Em vez de uma clara autorreflexão sobre o remorso, Jaspers desenvolve o princípio da virtualidade do indivíduo, o instante da reflexão que, ao se realizar, separa quem se era daquilo que se tornará. A transcendência deriva, potencialmente, dos momentos marcados pela reflexão mais intensa, em particular nas situações-limite da existência, como: morte, guerra, doença. Já no cristianismo a transcendência brota não somente dos momentos extremos, mas também, do cotidiano e da autodisciplina das virtudes (perdão, caridade, compaixão, resignação, parcimônia), como nos ensina Cristo no Sermão da Montanha. Com sua experiência na psiquiatria, Jaspers vislumbra no fracasso humano a própria experiência do ser. Em outras palavras, no histórico do desespero, encontrar-seiam as chaves para a paz. Nesse ponto essencial, o existencialista moderno se afasta das doenças da alma para se concentrar nos traumas mundanos. Uma abordagem pós-iluminista que culmina na proliferação das drogas comportamentais do século XXI: a era da depressão e da terapia do comportamento, em forte contraste aos benefícios milenares da contrição restauradora e saudável dos confessionários religiosos. Martin Heidegger personificaria esse afastamento contínuo da reflexão filosófica do componente religioso indispensável à existência humana. Um existencialismo materialista que se surpreende com a obviedade de que uma maior negação a Deus conduz a um tédio crescente em relação a um mundo das coisas subitamente ausente de beleza e transcendência. Amar a Deus é amar a sua criação.

O amor a Deus nos leva a enxergar de forma transcendente o mundo físico. Sem a presença divina, o mundo se torna frio e cinzento. Algum indivíduo se espanta diante dessa simples constatação? Surpreende o tédio existencialista se mostrar um fenômeno agravado pela modernidade? Alguém nega o aumento da depressão perante uma secularização crescente da sociedade ocidental? Em Heidegger, uma busca por uma maior liberdade individual se assenta no anseio pelo afastamento em relação às restrições impostas pelo mundo, o divino e o transcendente da fé religiosa, tomando-as como limitações debilitantes à ampliação das capacidades do ser. Assim, Heidegger opta por uma investigação da existência baseada na reflexão sobre a angústia e o desespero e seus efeitos sobre a consciência. Novamente, quanto mais o existencialista moderno se afasta de Deus como o centro gravitacional de qualquer estudo adequado, mais se inclina à análise míope do desespero humano. Já para o existencialista cristão, separar-se de Deus é o próprio cerne causador do desespero, cuja cura se acha no reencontro com divino, e não em alguma proposição eminentemente humana. O pós-iluminista, porém, limita Deus a mero sinônimo de eternidade. Um Deus que não pensa, mas somente cria. Reduz-se, assim, Deus a um fenômeno da mente humana, jamais a causa da transcendência, de quem o homem extrai seu propósito e determina seu lugar no mundo das coisas, assentando sua fé na esperança da atemporalidade da alma. Nessa encruzilhada autoimposta pelo pensamento pós-iluminista, o existencialismo moderno encontra seu ápice no niilismo satânico de Sartre. Sartre é um solitário materialista e ateu, perdido num mundo que só consegue lhe despertar uma profunda repulsa. É a visão de Heidegger intensificada por uma mente perturbada, em que qualquer concessão individual significa corrupção auto infligida e perda voluntária de liberdade. De fato, Sartre não se contém no tédio de Heidegger, indo muito além, com fúria e determinação. Para o arauto da destruição, o mundo é viscoso e desprezível, nada nele se presta diante do ser iluminado, esclarecido, evoluído, condenado a conviver com a inevitável mediocridade exterior. O homem sartreano é decaído por sua própria condição carnal, já que se ressente da capacidade de transcendência espiritual, restando-lhe apenas o nada.

Um nada existencial, temporal, desprovido de propósito, exceto pelo regozijo da própria liberdade hedonista, egocêntrica e narcísica. O nada da prisão na própria carne. Uma existência material de repulsa e tédio para com tudo e em relação a todos, menos a si mesmo, sobressaindo apenas a liberdade niilista do ser mortal absoluto, retraído em si próprio. O universo moral remanescente é aquele que sobrevive no indivíduo específico, singular, esclarecido contra a pequenez conformista e burguesa. Sartre resta, portanto, como a encarnação do pecado original da liberdade irrestrita, do Eu superior, que não se concebe menor nem mesmo perante Deus, ao qual se nega a existência para não ter de enfrentar uma visão alternativa: contida, realista e modesta de si mesmo e das limitações humanas, em relação à sua própria mortalidade, fragilidade e incertezas. Em sua conferência “O Existencialismo é um Humanismo”, de 1945, Sartre aprofunda seu entendimento do existencialismo como uma obra eminentemente pósiluminista e, portanto, revolucionária: o encontro da liberdade irrestrita com a igualdade materialista; do liberalismo irresponsável com a tirania do socialista. A celebração da morte de Deus e de uma consciência humana fadada a uma existência fugaz, temporal, vazia, egoística e superficial. Para Sartre, o homem existe como aquilo que ele se propõe. Numa ousada evolução do princípio délfico, presunção passa a equivaler à existência. O Eu é tudo para si mesmo, ainda que o mundo exista a despeito do Eu. Destarte, só restaria o nada como o espaço possível de relacionamento entre o Eu e o mundo das coisas (repulsivo, justamente, por não ser o Eu). Ao isolamento perante o real, soma-se uma devastadora solidão espiritual provocada pelo ateísmo orgulhoso, militante. Uma combinação desumanizante cujo desfecho inevitável é uma existência miserável para a qual jamais se encontra solução possível. Diante desse beco sem saída de desolação existencial, resta a um pobre diabo como Sartre se voltar com furor quase religioso à teoria que melhor nega o mundo presente em troca da promessa de um futuro utópico e idealizado, irrealista e delirante, conjurado sob falsas esperanças de liberdade total: o marxismo. Ao fazê-lo, contudo, Sartre adere a um componente do mundo das coisas, a uma corrente ideológica criada não pelo existencialista, mas por forças externas ao ser interior.

Assim, Sartre se rende, gostosamente, ao próprio mundo das coisas, ao qual a menor concessão possível significava, até então, traição a si mesmo e à sua liberdade individual: o elemento mais caro ao existencialista moderno. Roger Scruton denuncia a incongruência lógica e moral de Sartre ao lembrar que o comunismo de Marx nada mais é do que o Reino Kantiano dos Fins, uma alegada liberdade transcendental enganosamente divisada como empiricamente real. Sartre tenta e fracassa na justificativa de compatibilizar sua teoria da liberdade irrestrita existencial com a tirania marxista através do conceito de emancipação totalizante da aliança revolucionária derradeira, entre intelectuais e proletários. Luuk van Middelaar é ainda mais incisivo na sua crítica a essa vã e lamentável tentativa de conjugar marxismo e existencialismo: “Quem permanece existencialista, nunca pode se tornar marxista. Embora as duas filosofias compartilhassem o mesmo vocabulário hegeliano – luta, historicidade de valores, consciência insatisfeita e dedicação à liberdade –, o significado atribuído a esses termos difere radicalmente. A principal diferença é que o marxista espera que a luta entre as pessoas cesse após a revolução, e um existencialista, que a luta entre as “consciências” individuais continue para sempre”.2 Sem sentido, as totalizações de Sartre se revelam apenas o refúgio último do seu niilismo, causa final da destruição da sua própria filosofia. Por fim, nada digno de nota permanece de pé em sua obra. As convicções de Sartre jazem reduzidas a pó, como muito da estrutura “racional” do existencialismo moderno. Dramaticamente, a morte do marxismo terminaria por decretar a morte intelectual de Sartre e, por conseguinte, do maior expoente do existencialismo pósiluminista. Quando a práxis marxista aplicou as abstrações propostas por seu formulador original como verdade científica, deu-se conforme o receituário deixado pelo próprio Marx. Portanto, seria desonesto apartar a teoria marxista dos infindáveis e pavorosos crimes praticados em seu nome. Abstrações filosóficas, saídas diretamente da pena de um intelectual, a despeito de nenhuma evidência empírica capaz de sustentar suas conclusões irresponsáveis, foram tratadas como ciência apenas porque ele próprio as definiu assim. Essa é a mentira suprema do “materialismo científico”. Filosofia é técnica, não ciência. 2

Middelaar, Luuk van (2015). Politicídio. São Paulo: É Realizações, p.89.

Esse logro primordial de Marx constitui-se na fraude intelectual que faz todo marxista um imbecil assumido ou involuntário; trata-se de uma escola de pensamento inteira desprovida de evidências ou comprovação, erigida sobre os pés de barro da assunção de abstrações mentais tomadas como realidade empírica. Ainda assim, a teoria marxista permanece uma cilada resiliente, uma abstração destinada a fracassar no mundo real. Na verdade, sua aplicação concreta contribui somente à sua própria desconstrução, atestando, recorrentemente, seus equívocos morais e lógicos. Quando a grande revolução inaugural do marxismo eclodiu numa Rússia apenas parcialmente industrializada, e não nas economias avançadas do Ocidente, onde Marx previra o levante do proletário como vanguarda revolucionária, começaram os revisionismos para se espremer a realidade nos limites falhos de uma teoria que se provava ineficiente para descrever fenômenos palpáveis e autênticos. Afinal, na Rússia, não havia sido o proletariado o núcleo propulsor da Revolução, mas sim, um aglomerado de intelectuais inescrupulosos, radicais de classe média e sociopatas como o violento ladrão de bancos Josef Stalin. O proletariado fora inicialmente marginal ao processo, provando sua inépcia como classe revolucionária autônoma e o embuste conceitual da chamada consciência de classe. O segundo fracasso marcante das abstrações teóricas da Marx, quando trazidas ao mundo das coisas, seria na revolução comunista chinesa, na qual os maoístas se viram forçados a eleger os camponeses, em vez dos proletários, como a classe revolucionária. De fato, em meio aos terríveis níveis de subdesenvolvimento, à economia de base rural e à pobreza extrema da China, seria impossível lançar na conta de uma industrialização praticamente inexistente a condição prévia à radicalização socialista. Ainda assim, a mentira vermelha restava evidente, os camponeses famélicos que se uniam aos comunistas faziam-no pelas miseráveis rações que estes lhes provinham para subsistirem. Novamente, a revolução era um feito de intelectuais e homens talhados à violência. Uma vez mais, não havia povo na liderança da Revolução. O maoísmo desgraçou de vez qualquer presunção de verdade científica do marxismo ao virar de ponta-cabeça a estrutura lógica da luta de classes e da superação do capitalismo. Contudo, prestou-se como uma luva aos movimentos de esquerda do mundo subdesenvolvido.

Subitamente, os extremistas de sociedades atrasadas podiam reivindicar para suas realidades, complemente incondizentes com a teoria marxista, a condição de vanguarda revolucionária, prontas a superar o capitalismo. Marx teria se revirado nas chamas do Inferno diante das inconsistências cada vez mais evidentes das suas abstrações filosóficas. Do Brasil ao Camboja, da Síria ao Zimbábue, da Coréia do Norte ao Chifre da África, a revolução eclodia como ameaça real ou vitoriosa em qualquer sociedade do mundo, exceto naquelas identificadas pela lógica marxista como as realmente apropriadas: as grandes nações ocidentais. Nada de revolução socialista nos EUA, Inglaterra, França. Quando muito, seus irmãos fascistas tomavam o poder e fuzilavam os comunistas na Itália e Alemanha. Diante do fracasso lógico e cognitivo do marxismo como teoria científica ou mesmo como destroço filosófico aproveitável, por que então ele resiste como receituário a tantos radicais para a transformação sangrenta da sociedade? Essa sobrevida desponta das suas diversas correntes revisionistas. Desde o citado maoísmo ao gramscismo, passando pelos movimentos identitários, a Nova Esquerda cada vez mais abandona a representação das classes trabalhadores e se volta para a política de empoderamento das “minorias”. Em pleno século XXI, o conservadorismo se espraia pelo Ocidente sobre as ruínas do colapso da velha e superada estrutura de alianças do trabalhismo agonizante. O marxismo – nos termos formulados por Karl Marx – está morto, o que resta do seu cadáver putrefato caminha como um zumbi identitário se alimentando da carne dos vivos (os impostos extraídos dos verdadeiros trabalhadores, aqueles que geram riqueza, independente de serem proprietários ou não dos chamados “meios de produção”).

CAPÍTULO IV A morte e o ser reduzido

O existencialismo religioso tem na capacidade de transcendência do ser humano a chave para a compreensão da existência. Para o cristão, o ser não se limita ao saber. Ele também é composto por instintos, emoções, temores, incertezas, ações, consciência, inconsciência, fé, percepções, reflexões etc. De fato, a existência humana é um estado sinérgico constituído por todos os componentes do Eu: as manifestações da consciência e da inconsciência, do saber e do não saber, das ações e inações, da razão e da paixão, dos pensamentos e dos instintos, da ordem e do caos, presentes em cada um de nós. Contudo, não se trata de uma dialética entre o Eu (interior) e o mundo físico (exterior), pois é impossível apartar o Eu do mundo das coisas, já que aquele integra este. Ainda assim, aquele não se resume a este. O Eu pleno se constitui da composição do Eu carnal e do Eu espiritual de cada ser humano, formando uma existência única e maior, durante sua conjunção temporal no mundo das coisas (mundo concreto ou físico). A morte física do Eu carnal encerra o Eu pleno, reduzido novamente ao Eu espiritual, condição anterior ao nascimento físico e à vida mundana, terrena, mortal. Novamente, não se trata de dialética, nem de oposição entre o Eu carnal e o Eu espiritual, pois ambos coexistem durante nossa existência mortal como seres humanos (Eu pleno), uma vez que o Eu carnal somente existe em conjunção com seu Eu espiritual ao formar o Eu pleno palpável, mortal e temporal, presente no mundo físico. Em outras palavras, o ser humano é carne e espírito. A carne não sobrevive sem o espírito, na condição humana. O espírito sobrevive antes, durante e depois da carne, uma vez que é atemporal, eterno e dotado de consciência própria. O medo da morte, mesmo diante da fé na eternidade da alma, deriva dessa verdade fundamental. O ser humano teme a morte, pois efetivamente parte de si deixa de existir com a morte física; mais do que isso, a consciência do Eu pleno desaparece no momento da morte física, restando somente a consciência reduzida do Eu espiritual. Dessa forma, o ser humano, o qual até então existia conjuntamente na condição de espírito e carne, cessa de existir, restando uma consciência atemporal, apartada, reduzida, singularizada, não mais formada por carne e espírito, mas somente, espírito. Ou seja, a morte física significa a morte da consciência humana.

Por isso, ao nascermos não temos memória da nossa existência espiritual anterior e, depois da morte, permanecem somente as memórias legadas do Eu pleno ao Eu espiritual posterior, desencarnado.

Não existe morte espiritual, pois a alma é eterna. Mas efetivamente seres humanos ao morrerem deixam de existir enquanto tal, pois do seu estado pleno resta somente o Eu espiritual desencarnado, bem como do Eu pleno só restam a alma e as memórias, herdadas pela consciência espiritual que continua sua jornada na eternidade, desprovida de sua plenitude anterior em conjunção com a carne. Assim, nosso medo da morte é verdadeiro, pois, se a consciência espiritual perdura, nossa consciência plena, mortal e humana está fadada a desaparecer com a morte do corpo. Somos feitos à imagem e semelhança de Deus porque somos compostos por um Eu espiritual. Nesse sentido, somos dotados de imortalidade, identidade e consciência similares, ainda que inferiores, às do nosso criador. Já nossa existência, identidade e consciência humana se mostram plenas por serem também carnais, logo finitas e mortais. Consequentemente, todo humano é finito e mortal, destinado à não existência da morte. Contudo, essa não é uma realidade niilista, pois o Eu espiritual permanece com memórias do Eu pleno. Cabe ressaltar que o Eu espiritual é menos do que nós somos hoje enquanto seres vivos dotados de alma. Na verdade, o Eu espiritual é parte de nós, mas não é o mesmo que nós. Ele é como a costela de Adão, que se separa do corpo com uma consciência própria, particular, distinta da nossa. Um ser humano é um ser pleno. Nossa alma é um ente espiritual singular, com consciência espiritual, identidade espiritual e existência espiritual. Faz parte de nós quando somos plenos, mas ao se separar de nós não carrega nossa consciência, identidade ou existência, mas somente nossas experiências, o que fomos e deixamos de ser. Nossa consciência, identidade ou existência morre com o nosso corpo. Em outras palavras, realmente deixamos de existir. Novamente, o Eu pleno morre a morte física, porém, não o Eu espiritual, uma vez que este é eterno, feito à imagem e semelhança de Deus.

O Eu pleno é reduzido na morte física, ao perder seu componente carnal (Eu carnal). O Eu espiritual, por sua vez, é acrescido, pois, antes de encarnar como Eu pleno, existia somente como alma desprovida de experiências plenas. O Eu espiritual será mais do que era antes de encarnar ao experimentar a morte física, pois levará consigo o aprendizado, conhecimento e experiências vividas enquanto ser humano, durante sua existência mortal e finita no mundo das coisas. Por isso, a despeito da fé na vida depois da morte, o ser humano é apegado à existência física. Seu instinto de autopreservação, sobrevivência e reprodução são reflexos da sua consciência temporal, da sua ciência da morte, do fim da sua existência (carnal e, por conseguinte, plena). Essa verdade da condição humana é, portanto, atestada pelas nossas reações racionais enquanto um Eu pleno, dotado de um Eu carnal e um Eu espiritual. Ademais, a própria encarnação de Deus em forma humana (Jesus Cristo) confirma as citadas evidências comportamentais, perceptivas e instintivas passíveis de serem acessadas e experimentadas por cada um de nós. Trata-se aqui do desejo de Deus de provar a miséria da condição humana, com amor e resignação: a primeira vinda de Cristo ao mundo dos homens (mundo das coisas).

ESPÍRITO DE DEUS + CARNE HUMANA = JESUS CRISTO

ALMA + CARNE HUMANA = SER HUMANO

SER ESPIRITUAL + SER CARNAL = SER PLENO

Obviamente, Deus não é alma, mas sim simultaneidade universal, consciência infinita e identidade atemporal. Santo Tomás de Aquino afirmava a imobilidade de Deus, a quem nada se reduz ou acrescenta. Já a alma é criada por Deus. Todavia, Deus não é criado, pois sempre existiu. Para Deus, não existe tempo. Deus é simultâneo e total. Por ser simultâneo, total, atemporal e infinito, Deus sempre existiu em si mesmo. Assim, como Deus esteve, está e estará em Cristo simultaneamente, uma vez que desprovido da lógica do tempo linear (tempo da criação), típico do mundo das coisas.

Santo Tomás de Aquino compreendia a simultaneidade de Deus devido ao caráter único da existência divina, que não é antecedida ou precedida; nem por outro, nem por si mesma. Assim, as experiências humanas vivenciadas pelo espírito de Deus em Cristo sempre existiram, pois o tempo como compreendido pelos humanos nada significa para o criador. “Deus, porém, de modo algum está sujeito a movimento, como se mostrou. Logo não há nele nenhuma sucessão, senão que seu ser é todo simultâneo”.3 O tempo linear da carne importa a Cristo e aos seres humanos, pois aos mortais e ao mundo das coisas, como explicado, existe a redução do Eu pleno causada pela morte física. Ao desencarnar, porém, a alma segue com as experiências vivenciadas quando mesclada à carne mortal. Cristo experimentou fenômeno semelhante, a despeito de não ser formado por alma ordinária, mas sim, pela simultaneidade de Deus, ainda que dotado também de existência própria. Cristo morto se revela uma identidade em si mesmo, bem como existe também em simultaneidade com Deus. Cristo é dotado de consciência e identidade próprias, assim como se acha subordinado a Deus por ser seu filho com uma mortal. Destarte, a humanidade de Maria, o Eu pleno de Maria, mãe de Cristo, preenche o espaço relacional necessário entre Deus e Cristo. Cristo permite a Deus provar a experiência como matéria, as alegrias e as fragilidades da mortalidade e da condição humana. Contudo, devido ao preceito da simultaneidade, Deus sempre foi, é e será Cristo, simultâneo, particularizado, e um só com Deus. De fato, Cristo nasce de Maria. Logo, sua existência é posterior a Deus, bem como a de Maria. Assim, Cristo não é imóvel e, portanto, simultâneo como Deus. Dessa forma, Cristo também possui consciência, identidade e existência próprias. Essas particularidades o definem e compõe como um ser pleno, inalteradas depois de sua morte, como atesta o Novo Testamento, na ressureição e na presença espiritual de Cristo, ao demonstrar uma consciência inalterada dos seus dias de vivente, quando se apresenta perante os apóstolos. Essa é uma evidência da ressureição, uma esperança também para a humanidade, a ser abordada de forma adequada no capítulo seguinte.

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Aquino, S. T. (2015). Compêndio de Teologia. Porto Alegre: Editora Concreta, p.81.

Todavia, de onde surge a convicção de que os seres humanos não conservam a consciência do Eu pleno quando reduzidos de volta ao estado espiritual? Se os seres humanos não são deuses, como Deus se acha em Cristo? Cada ser humano tem um instante determinado que marca o início da sua existência espiritual, da sua existência plena e da sua existência reduzida. Esses marcos temporais distintos no tempo (linearidade temporal) e no espaço (mundo das coisas) atestam a ausência da simultaneidade de Deus na alma ordinária dos homens, a qual, por ser criação, não se demonstra imóvel como o criador. Ademais, esses três diferentes momentos delimitam os três estados distintos do Eu: o Eu original (espírito aguardando a encarnação), o Eu carnal-espiritual (estado próprio do ser humano; mortal e temporal) e o Eu reduzido (estado espiritual posterior à encarnação). Trata-se claramente de uma tríade de formas distintas do Eu, cada uma dotada de consciência, experiência e identidade próprias. A atemporalidade da alma se confunde com o tempo linear do mundo das coisas somente em três ocasiões: no instante em que Deus a cria, no momento da encarnação e na ocasião da desencarnação. Logo, a alma humana não é simultânea já que criada, dessa forma posterior a Deus, o único e verdadeiro ser simultâneo. Ademais, o Eu reduzido se mostra atemporal e eterno a partir de um ponto de recomeço (a morte física), o qual precede o infinito da consciência reduzida. A criação (tudo que não é Deus) tem início e fim no mundo das coisas, bem como começo e infinitude na existência espiritual. Sua eternidade é devida à similaridade do espírito com Deus. À semelhança de Deus, porém, jamais igual a Deus. A atemporalidade de Deus é simultaneidade. A atemporalidade da alma tem início, mas não fim. O não fim advém da similaridade. A ausência de simultaneidade da alma afasta-a de ser idêntica a Deus, pois é característica da criatura, e não, do criador. “Ademais, se o ser de algo não é todo simultaneamente, é-lhe necessário que algo lhe possa desaparecer ou que algo lhe possa advir. Desaparece-lhe, com efeito, o que passa e advém-lhe o que se espera no futuro. Mas em Deus nada desaparece nem se acresce, porque ele é imóvel. Logo, seu ser é todo simultaneamente”.4

Por não existir simultaneamente, todo ser humano é definido pela sua condição mortal. Nascemos e morremos no mundo das coisas. Somos feitos de carne e espírito. 4

Ibidem, pp. 81-82.

Contudo, se a carne decai, a alma perdura. O ser humano vive como criatura plena até cessar de existir com a morte física. Sua consciência e identidade desaparecem nesse momento de ruptura traumática, quando a redução o obscurece e somente suas experiências enquanto ser vivente prosseguem no seio da consciência espiritual reduzida da alma. A consciência humana, portanto, não é a mesma da espiritual, nem antes, nem depois da existência temporal e mortal no mundo das coisas. A existência carnal é temporal. A existência espiritual é atemporal. O Eu carne-espírito (ser humano) se caracteriza, portanto, por seu componente empírico (carnal), como um ente temporal, tornado atemporal quando reduzido pela morte física. Da mesma forma, a consciência atemporal da alma nãoencarnada é subitamente arremessada à condição temporal pelo nascimento físico no mundo mortal (mundo das coisas). O reconhecimento da alma é um fenômeno comum às civilizações humanas. Seu adversário niilista se encontra no ateísmo, a negação de Deus. Essa negação, a despeito de minoritária em relação à população geral, impõe-se como racional a pessoas que, conscientemente ou não, percebem a finitude da morte como destino também da consciência humana. Ainda que o fato de recusar Deus não altere essa verdade, resta como compreensiva a tendência à rebelião diante do nada que aguarda a consciência humana. Um nada relativo, já que nossas experiências sobrevivem na alma, ainda que numa consciência que não é a nossa, uma vez que reduzida somente a uma consciência própria, espiritual, particularizada no momento da desencarnação. Ainda que o ateísmo seja parte da experiência humana, a despeito de representar um ceticismo restrito, por si só jamais erigiu nenhuma civilização ou legado cultural relevante. De fato, mesmo os grupos humanos mais afastados sempre tiveram em comum a fé em alguma forma de eternidade espiritual. A fé é um ato livre inverificável, como bem compreendia o existencialista moderno Gabriel Marcel. A fé verdadeira é livre para ser exercida ou não na intimidade de cada ser humano. Manifestações externas da fé podem se mostrar insinceras por vontade própria do indivíduo ou imposição de terceiros, porém, a verdade interior que se abriga no coração de cada um de nós permanece inteligível à percepção de Deus. Marcel, corretamente, compreende na filosofia uma tentativa de interpretar a fé através da reflexão intelectual, valendo-se até do método dialético, quando possível.

De forma acertada, Marcel reconhece as limitações da filosofia no estudo da fé, como em tantos assuntos. Afinal, a fé é um tópico especialmente inatingível por exceder o alcance material do mundo das coisas. Sua compreensão, inclusive teológica, resta parcial, como tudo mais relacionado à condição humana. Todavia, é possível um vislumbre sobre a veracidade da fé ao se considerar o amor cristão, uma vez que este une o indivíduo ao mundo das coisas através do seu amor por Deus, por si mesmo, pelo próximo e por toda a criação. A experiência desse amor deriva da consciência, entendida como a noção de si mesmo e da própria existência. Se a existência física é a presença no mundo físico (mundo das coisas), a consciência humana deriva desse autoconhecimento. Enquanto, a existência espiritual se impõe como mistério não relevado, apenas parcialmente tocado pela limitação inerente às capacidades humanas. O desespero do isolamento humano, da angústia e da solidão existencial, preocupação relevante dos existencialistas modernos, permanece a negação dessa verdade essencial, da presença indispensável de Deus em nossas vidas. Ao rejeitarem Deus, por vezes confundido com o sentimento de repulsa em relação à própria criação, os pós-iluministas se autossabotam, tornando impossível o diagnóstico adequado do problema, sequer compreendendo que a cura para as doenças da alma se encontra justamente naquilo que rejeitam de antemão: o reconhecimento da existência da Deus e da sua essencialidade à condição humana. Deus e o homem são inseparáveis. A criatura depende da aceitação do criador como razão única da sua própria existência, definidora da sua consciência, propósito e identidade. O reconhecimento da nossa identidade como criatura permite-nos melhor compreender nosso propósito como seres dotados de consciência. Existência com propósito afasta o vazio maligno do niilista, supera o desespero, silencia a angústia e debela a solidão. Existência com propósito é existência com plenitude. O Eu pleno necessita de propósito para vivenciar uma existência moral, enquanto o amor cristão dignifica a existência conferindo proximidade com Deus. Uma existência satisfatória, coerente e racional se prova viável somente com uma existência baseada na proximidade com Deus. A sanidade humana é, portanto, consequência desse reconhecimento e submissão moral e espiritual a Deus. Um reconhecimento que reside na aceitação lógica da nossa existência como consequência singular de um ato divino. Ou seja, a criatura existe somente pela vontade do criador.

Nessa verdade basilar, assentam-se as fundações últimas do existencialismo cristão. Destarte, o desespero existencial representa uma falha do indivíduo em enxergar a verdade definidora da sua própria existência: somos criaturas físicas integradas a uma realidade física; a despeito de possuirmos alma, jamais deixamos de pertencer ao mundo das coisas. A tendência de incômodo ou repulsa contra a realidade é uma doença da alma causada pelo Pecado Original, presente em todos os seres humanos, para qual a única cura possível se encontra na proximidade e submissão plena a Deus. Isolamento, angústia e solidão são erros da percepção humana sobre a realidade, manifestadas pela falta de propósito individual em relação ao mundo das coisas. Tudo na criação possui um propósito intrínseco. Propósito é aquilo que define nossa existência, conferindo clareza, foco e sentido às nossas vidas e sobre nosso lugar na criação, nossa relação com Deus e nossa função no mundo das coisas. A incerteza da falta de propósito é uma debilidade que enfraquece o espírito e lança-o nas trevas do niilismo, causando abatimento, depressão, raiva, angústia e, no limite, o suicídio, o fim voluntário e terrível da própria existência física, devastando o Eu espiritual pós-encarnado (reduzido). Esse estado deplorável da alma representa um afastamento dramático em relação a Deus, como um “apagão” da consciência individual, pois nenhuma criatura é verdadeiramente desprovida de propósito, quando muito falha em percebê-lo, provocando uma profunda sensação de rompimento e alienação para com as realidades física e espiritual. Mesmo um paciente em coma incurável num hospital oferece alguns propósitos secundários, como: esperança aos seus familiares e amados de que um dia possa se recuperar; justificativa à presença da equipe médica que o conserva vivo. Sua ausência de consciência não lhe remove os potenciais propósitos inerentes à própria existência humana; por mais precária que esta possa aparentar, uma certeza permanece: o paciente, mesmo preso num estado de inconsciência perene, enquanto carne viva e mortal, continua a fazer parte do mundo das coisas. Só a morte física encerra essa condição fundamental da existência, pois, como bem conceitualizado por Friedrich Schelling, o sujeito empírico se revela inteiramente temporal; de fato, sua existência no tempo é mais do que o tempo.

O Eu pleno, por ser carne e espírito, faz com que sua existência hoje seja diferente do que era ontem e distinta do que será amanhã. Contudo, o ser humano é também, linearmente, o mesmo de ontem, hoje e amanhã, uma vez que apresenta uma só identidade, um senso de continuidade e de unidade física e espiritual no decorrer do tempo e espaço. Essa identidade singular advém da consciência individual de cada um de nós, associada ao conjunto das nossas memórias e experiências particulares e intransferíveis. O ponto de vista de cada Eu pleno resulta da consciência individual e da narrativa linear única formada pelo conjunto das experiências de vida de cada ser humano, formando um senso de identidade interior que particulariza o indivíduo em relação ao restante da criação, que permanece externa ao íntimo de cada um de nós. A identidade deriva significativamente das nossas memórias e experiências. Se perco minhas memórias, a consciência permanece, o Eu pleno se conserva, contudo, a identidade perde suas âncoras na realidade. Um homem bom pode se esquecer da própria benevolência e cometer atos vis que o atormentariam se recuperadas as memórias da sua “vida prévia”. Esse dilema filosófico deriva de uma constatação empírica real possível, um fato biológico capaz de ilustrar de forma consistente a diferença entre identidade e consciência, ambas fundamentais à definição da experiência humana e, por conseguinte, da própria existência, com reflexos no que o Eu reduzido carregará da existência plena à existência atemporal desencarnada. Logo, reafirma-se a condição do Eu pleno (carnal e espiritual) de somente pensar e existir como ser encarnado, dotado de carne decadente e alma eterna. O Eu original (a alma antes da encarnação temporal) somente consegue pensar e existir como ser espiritual e imortal exclusivo, contudo, fadado a experimentar a temporalidade (uma vez que destinado a encarnar em forma mortal e humana). Já o Eu reduzido (a alma depois de encerrada a encarnação temporal) tem seu Big Bang no momento da morte física do Eu pleno, restando a sua experiência (memórias) como ser pleno (ser humano), agora reduzida para a eternidade cristã, sem possibilidade de reencarnação como ditam as religiões orientais. Logo, o Eu reduzido é atemporal e eterno, surgido a partir de um ponto específico do tempo linear, quando o Eu humano (pleno) experimenta a morte física, precedendo o infinito que aguarda a existência reduzida, a consciência reduzida, a

identidade reduzida, enfim o futuro como ser reduzido, destino comum a todos nós, seres humanos. O propósito do ser reduzido é, portanto, único: sua aproximação com Deus, na eternidade. Ou, como bem deduziu Santo Tomás de Aquino, “(...) o fim último da criatura intelectual é ver Deus por essência”.5 Mas, diante dessa perspectiva, seria o propósito último do Eu pleno apenas fornecer experiências (memórias) à alma, antes de esta desencarnar? Não é bem assim, como veremos a seguir.

5

Ibidem, pp. 223.

CAPÍTULO V Ressureição

O modelo filosófico existencialista cristão, conforme apresentado até aqui, conclui pela premissa da infinitude e atemporalidade do Eu reduzido, consequência derradeira da morte física e estado permanente de alma desencarnada. Contudo, uma teoria existencialista cristã deve se firmar na sua respectiva cosmovisão para estabelecer e sustentar suas premissas. Essa reflexão, portanto, não poderia rescindir da crença na ressurreição dos mortos.

Se Cristo ressuscitou ao final de três dias depois do seu martírio, o retorno dos mortos à vida é um destino também vislumbrado pela humanidade, ainda que em condições e propósito distintos. A eternidade da alma, o nascimento e a morte humanas no mundo físico se encontram presentes na realidade passada e presente, estudadas por gigantes intelectuais e espirituais da teologia e da filosofia. Às reflexões legadas por esses ancestrais, somase, modesta e envergonhadamente, o trabalho aqui desenvolvido, limitado e falho como obra humana. Contudo, é desse conjunto teórico que se discernem o conteúdo e a forma do Eu original, do Eu pleno e do Eu reduzido, nos termos dos capítulos anteriores. A ressureição dos mortos permanece como uma esperança, uma promessa do porvir. Contudo, como se constitui numa promessa divina, é também uma verdade indisputável para o cristão. Logo, como verdade, o trabalho do filósofo deve incorporá-la ao modelo existencialista cristão proposto até agora, acolhendo-a como o autêntico destino da existência humana. Seu propósito maior, perene, definitivo. Para tanto, devemos nos debruçar sobre os pilares da esperança e da fé na ressureição dos mortos e suas consequências lógicas para o conceito de Eu reduzido e, em última análise, da própria condição humana. Em seus mais de dois mil anos, a doutrina cristã antecipa o retorno de Cristo nos últimos dias do mundo das coisas (Juízo Final), quando os mortos retornarão à vida plena (carne e espírito, uma vez mais unidos numa só entidade: o ser humano). Sua consequência óbvia é a vitória final sobre a morte física, nos termos proclamados em 1 Coríntios 15:26: “Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte”.

O anúncio do fim da morte, quando da Segunda Vinda, é tema recorrente nos ensinamentos cristãos. Como em Mateus 22:30-32, desponta de forma clara desde o Antigo Testamento: “Porque na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no céu. E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos”. (grifos nossos) A esperança da ressureição torna o Eu reduzido um ser temporal, com data certa para cessar sua existência como entidade separada. O Eu reduzido está destinado, portanto, a voltar a se reunir à carne numa segunda vinda – a qual não restaria mais exclusiva a Cristo, mas comum a todos os mortais -, ou seja, se a mortalidade é finita, a plenitude humana, por sua vez, desvela-se eterna. Dessa forma, Deus é o Deus dos vivos (seres humanos), e não dos mortos (criaturas reduzidas). Sob essa perspectiva, despontam duas diferenças essenciais entre a primeira encarnação das almas e a ressureição dos mortos: a) Na primeira encarnação, os seres humanos vivenciam a fé e a esperança na vida eterna. Na ressureição, os seres humanos testemunharão a existência factual da vida eterna. b) Na primeira encarnação, a carne humana se mostra decadente, temporal e mortal. Com a ressureição, os seres humanos são revestidos em carne permanente, estável, atemporal e eterna como a alma. Em outras palavras, a carne se iguala à alma na infinitude da existência atemporal. O impacto dessas verdades altera o próprio sentido da existência humana, pois se revela agora uma existência plena diferenciada, em que a eternidade da alma e da carne determinam o fim do tempo e da morte. Evidentemente, essa existência permite uma aproximação diferenciada em relação a Deus, superando o Pecado Original e se constituindo na aliança derradeira entre criador e criatura. Em face de uma existência na eternidade, a partir da ressureição, com consciência e identidade plenas, preservadas e perenes, todo sofrimento, desespero, angústia e crueldade experimentados durante a primeira encarnação se provam ínfimos diante da infinitude, tendendo a uma presença e efeito desprezíveis no tempo. Essa é a resposta definitiva aos questionamentos e dúvidas a respeito de uma suposta “indiferença” ou “injustiça” divina experimentada durante a primeira vida.

Perante a existência plena atemporal, todo mal contido nesse período fugaz perde o sentido, restando somente as memórias que integram a identidade e a consciência do Eu reduzido a ser ressuscitado para a vida eterna, na companhia de Deus. Porém, somente a consciência do Eu reduzido e as memórias que este carrega do Eu pleno original bastam para se comprovar a restauração plena da primeira consciência no momento da ressureição? Ou, o Eu pleno anterior se perde e o Eu ressuscitado se prova um Eu pleno inteiramente novo, distinto do anterior, exceto por suas memórias originais? Em outras palavras, a consciência do Eu pleno original é a mesma ou não do segundo Eu pleno? O Eu pleno original morre de forma definitiva no momento da morte física, ou ele é, verdadeira ou parcialmente, restaurado na ressureição dos mortos? Nossa consciência atual, mortal e vivente desaparece para sempre com a morte física ou ressurge, em alguma forma ou medida, com a ressureição?

Cristo ressuscitou depois de três dias do martírio na Cruz. Conforme os relatos dos seus encontros com os apóstolos, estes observaram um Jesus que se comportava e interagia com seus contemporâneos e o ambiente externo como quando vivo, aparentemente demonstrando uma plena retenção de sua consciência plena. Contudo, Cristo é Deus encarnado e, portanto, simultâneo como o criador. Destarte, Cristo não se constitui um parâmetro ideal à avaliação da ressureição dos seres humanos num sentido estrito. Ainda assim, existe um segundo exemplo de ressureição, este de um homem comum: Lázaro, revivido pelo próprio Cristo; a despeito de, ao final da sua segunda vida, Lázaro perecer novamente, provavelmente de causas naturais. Porém, durante essa existência plena revivida, Lázaro demonstrou, aos seus contemporâneos, haver retido sua consciência mortal original. Assim, a ressureição de Lázaro oferece um par de evidências interessantes: a) Lázaro retornou à vida em carne decadente, e não imortal, e ainda assim conservou sua identidade e consciência. Logo, não há por que duvidar de que uma ressureição em carne permanente e estável não exibiria essas mesmas características. b) A ressureição de Lázaro demonstra a concreta capacidade de Deus de restaurar um ser humano a uma existência plena depois da morte.

Se o Eu pleno ressuscitado contém uma consciência e identidade idênticas às do Eu pleno anterior, conclui-se que sua presente existência se conserva íntegra em relação à anterior. Dessa forma, conclui-se que ambas constituem a mesma existência. Se a existência ressuscitada é a mesma que a anterior (mortal) e ainda se prova atemporal, então essa atemporalidade se impõe, comprovando que a existência plena inicial tem apenas a aparência de mortalidade, já que, mesmo depois de reduzida pela morte física, permanece atemporal da ressuscitação em diante, pela plenitude da eternidade. Reitera-se que as memórias atemporais do Eu pleno original permanecem na alma do morto (Eu reduzido) até o momento da ressureição, quando o reduzido se torna pleno novamente. As memórias carregam a identidade, “transportando” a consciência de uma existência atemporal de uma plenitude do ser (original) a outra (ressuscitada) através da atemporalidade da alma, incorruptível e perene nas constatações sábias de Santo Tomás de Aquino. Destarte, conclui-se que a atemporalidade da alma e da carne permanente do Eu pleno ressuscitado fazem do Eu reduzido um estado momentâneo do ser, tanto quanto se demonstra temporária a carne decadente da primeira encarnação. Logo, o ser humano desfruta de uma existência imortal, apenas aparentemente temporal ao vivenciar o período da encarnação original, porém, na verdade, eterna e livre de tormentos ao se tornar um Eu pleno formado de carne permanente e alma imortal, herdando as memórias formadoras da integralidade da consciência e identidade, advindas da vida anterior: mortal e breve. Assim, Deus é o Deus dos vivos. E a existência humana se revela bela em sua plenitude, uma vez que provida de esperança e agraciada com a imortalidade. Os seres humanos são seres vivos, não somente durante sua encarnação original, mas sim, por toda eternidade. A presença humana no mundo das coisas não deve, portanto, condenar-nos à loucura do niilismo, mas sim, atestar a plenitude sagrada da existência. Agora e sempre. Amém.

O AUTOR

Marcelo Hipólito é um escritor brasileiro, nascido em São Paulo. Residente em Brasília, pai de dois filhos, é autor dos livros de filosofia política Conservadorismo é amor e Monarquia e conservadorismo: excepcionalismo brasileiro, bem como participa da Coleção Espírito Conservador. Hipólito escreveu quatro romances, diversos contos publicados em língua inglesa, nos EUA, Reino Unido e Espanha, um deles indicado a melhor conto nos EUA, em 2003. É articulista no jornal O Brasileiro. Realiza palestras em eventos nacionais e locais. Integra o Movimento Brasil Futuro, o Instituto Conservador de Brasília, o Movimento Viva Brasil e o Movimento Brasília Capital do Império.