Entre imagens: foto, cinema, video
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Raymond Bellour

tradução Luciana A. Penna

revisão técnica· Alain P. François

Buca.neirossemdestinosingrnvama imensid1l.odosmaresderopyrights. Sem um ideal p a ra segu ir, sem algudoronhecimentoeda cultura.

E entào, a canção foi cantada ...

"yo-ho. todos juntos. ladrões e mendigos. nunca de"erào morrer..... • No Brasl� INros e jomalS têm Imunidade tributária. Mas,se o Amazon Kindle serve para ler livros e jornais,por que pagamos impoJto por e� ?http:/{www.ga:modo.com.br/comprar­ klndle·[email protected]:no-brasH-1Sso-ega-c;ada-; vez-maiS;:prgxi m9/

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( ...) em protesto contra pirataria e Impostos sobre /Nros, uma escritora tirou a roupa em uma livraria( ...) Mos há lsençJo de Impostos sobre livros no Brasl� certo?"Slm • nllo"( ...), considera --------------0 advoe&do trlbutarfsta(.•.)as editoras de livros paeam Impostos seiundo o reelme tributário a P A P I H U S E D I T O R A que atendem( ..•) http://www.noticiasf,scaiS.oom.br/2012/08/20/estuldo-de-tnbutariSta-desvenda--ímpostos­ sobre-livros-no-brasiV

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Tit• . ulo originei em fran::: ês· L'Entr�imsges -,Pfloto. Cinémfl. Ví'di!;!!o. . E L AJL� Diff�tênc:e, 19$O @TraduçS . . °'· luciana A. Penna

, . p fnmço 1s . Capã. Fern ru::o :ia�:,.-.acchi2 � ar BergmJn, Foro de Quando ,s capa��'!':m. 18ci6 !d talhe) mulh •�õr, ca Saddy Ma� �n Co_pidesque. , s·. . RL.rfeisen Scanav1m Revisão: Crist1ane Rel/isáo técnica:

Publicação (CIP) . als de C11talogaçiiia Dado, lntemac,on ":� BrMirJ (Cãm•ra Bra,ileira do Livro, S --Sellour, Raymond E tre--í�gens: �oto. cinem.., vídeo / R,vmond Bellour,. tra duçác., Lu ciana ... Papifus, 1997. -(Coleç!o Campo lma9éúco), A Pnenna-Campinas, téma 342 (julho de 1982); "Le spcctateur pensif', Photogénlos 5 (abril de 1984); ''La rcdevance du fantôme•, Le temps d'un nwur,,,ment, Centre Nationa.í de la Pbotographie, 1986; "La durée-cristal", Le lilmjls d'r,i, nw,wement, •t,foi,j.Podv, Centre Nlational de la Photographie, 1983.

A 11wrt1J ,wenr,a/,;o. (N.T.)

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cinema que a duplica não pararam e não param de banalizar (apesar de alimentar) as inquietas pesquisas pelas quais os verdadeiros cineastas procuraram circunscrever uma identidade. Se o congelamento da imagem, ou na imagem, o que poderíamos chamar também de tomada fotográfica do filme, pose ou pausa da imagem que exprime o poder de captação pelo imóvel, se essa experiência é tão forte, certamente é porque joga com a sentença de morte - seu ponto· d. outubro de 1980. 1�. Ernscguicl,a. r'l\1rmoslflol'l1ou�cuma in:i;lalaçã,o. Ln.d"1 Jmrt.eblanrJ111é ttmrbf'mLtm" in�talação para mon�tnr isolado, nt1m c,p.�o branco il\lminado por tubos fluorescentes, supc1-c.,1"'5'0 (el� foi m,:,scrnda dess,. maneira vá..-ias \'ez�. paiticul.,rmentc em /�s t?mnaMria.tt:r.:-- Centre Geor-ge:; Pompidot1, 1984. Lc. t!r.umtl' -nnir,1 blet1�, rougr. e ui d,,-™""' ,,.,. ,/iifikconrinu;_m inacabado.,.

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teoria não lhes confere privilégio algum. /Vlas uma dareza própria. Muito viva, e da qual não conheço igual. Evitaremos ver neles um desejo de explicação: a teoria refletida na prática. Pura e simplesmente a continu:ição, por outras vias, de uma mesma experiência: tornando-se insuportável ao aproftmdar-se sem esse novo suporte que a impulsiona, ela coloca o sujeito de maneira mais direta, e po1tanto mais arriscada, em contato consigo mesmo. Sobre o primeiro desses vídeos, Kuntzel escreve, em transição, marcando o salto que deu do filme interrogado, perseguido, ao vídeo realizado. "Em 1925, Freud via no bloco mágico uma representação quase exata do aparelho psíquico, pois permitia resolver uma questão de escrita até então insolúvel: a disponibilidade constante ela superfície receptora, a permanência ·c10s traços na cera do bloco. Mas faltavam duas funções: a velocidade - uma mão inscrevendo enquanto a outra apaga - e a possibilidade de fazer ressurgir os traços desaparecidos. Não constituiria o vídeo seu modelo perfeito, do qual o bloco seria apenas urna aproximação' O título provisório de Nc>Stos I foi durante muito cempo Wunderblock." 13 n - Representar?

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"Existem, em Nostos 1, poucas representações: o pouco que permite trabalhar, aquém e além da analogia, sob a imagem e entre as imagens." Não se trata de destruir a representação. Simples demais, e já muito antiga (" Tra-ns não coloca a representação em crise: 1926, isso já não é mais um cachimbo''). Já não se rrata de começar olhando além, postulando entre a mídia e o co1po psíquico (pe,ceptivo, afetivo, neurónico) un11d1 ½tl.,-,Art�-An Vidiofa,,u;nis (C,tálogo),Amel'ican Ccn1er de Paiis, 1980.

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ma": a porta está fechada, mas o rastro preto (preto sobre o branco ou sobre o azul 110 vídeo) que se arrasta no chão sugere uma porta aberta. Uma porta pode estar abena e fechada. Entreaberta também, por excelênda. Mas no quarto fotograma não há mais port.a: apenas um buraco negro. Essa é a virtualidade da ficção para aquele que, como o herói de Tbejollycomer, "passava o dia inteiro pensando(...) e penetrava numa 01.1tr:1 vida, a vida real, a vida à espera",1 5 até ser tomado, na casa de sua infância cm quC' se demora, pela "convicção ímima" de que a porta que "lhe teria dado. acesso à últim:i porta da fil�. o cômodo sem nenhuma outra entrada ou saída" "tinha sldo fechada após sua primeiJ visita, que talvez tenha sido há 15 minutos". Para o espcc 1t,1dor de Kunczel, assim comd para o herói de James devolvido à sua essência, aquém dt:: todos os desdobramentos da fantasia, trata-se de "cultivar sua própria faculdade de percepção (. ..), o que aliás não pa.�sa de uma outra expressão para designar sua maneira de passar o tempo". Kunt�el diz: "O tempo que coma o tempo para se escoar." . 15.

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Henry.James, ffülon,s d,fantôme,, Aubicr-flammarion, 1970, p. 135. As citações que se seguem e5[ão à., páginas !Sl e 143.

O tempo como ficção: é exatamente o tema desses vídeos ao mesmo tempo tão perfeitamente estáticos e tão móveis. Time smoking a picture: o tempo constrói a imagem devorando-a, como um cigarro se consumindo, aquele que o herói fuma sentado à beira da janela depois de ter atraw:ssado o campo todo. Mais uma vez, um quadro imóvel (que só uma inversão de varredura fará girar sobre si mesmo) e, nesse quadro, um enquadramento que o recorta, multiplicando o trabalho da luz e da cor (trabalho intenso: a cor muda, muitas vezes de maneira imperceptível, mas contínua, do malva ao bistre, ao am'.l.relo, ao ocre, ao branco, ao azul violeta, ao sabor da luz que serve para modulá-la, combinando o artifício da tomada - aberturas e fechamen, tos ele diafragmas - com a projeção da luz natural que segue no final do vídeo, em tempo real, a curva descendente de um pôr-do-sol). A relação entre esses dois quadros figura assim, da melhor maneira possível, o infigmável: o entre-espaço, ou o entretempo, f ormado pela disjunção-conjunção entre representação mental e percepção, superfície e profundidade, avesso e direito, presen­ te e passado, consciente e inconsciente. Quando o herói- autor e primeiso espectador -· inscreve-se atravessando o cômodo nos dois quadros ao mesmo tempo, o disposi­ tivo apreende o motivo qL1e a representação oferece à ficção: o ol.har do herói contra 8 janela, onde éle vé passar, dentro, fora, sua vida, como nos úitimos versos de, poema La uue, de Roussel, que aparecem no final: i'vfos yeux plongent dans un coin d'a2:u1;- ma pen.sée Rê,:e, absente, pe-râue, ;ndécise etJorcée D'a!/c>r t.'ers /e passé; car c'est /'e.xhalaison J)es sentiments uéc,1s de /011/e une saisori Qr.tipaur moi sor/ cwec pu.isscmce de la v«e, c,·âce à /'intensité subitement accrue .D,:. souuenir ,.Avace et lcttent d'un été

Déià mor/, déjà loin de moi, flite emporté. 16

16.

.Raymoncl R0LL"i...,el, I.n. vHe, Pauve1t, p. 72,. [«Meus te. Não re,olvcmos o problcn1a .sim plesmeou: eliminando o termo (ou prclerindo.s6 ",ideo"). Por� o oti.Ji2o. 59



cias. A relação que o vídeo (como arte, consciência da arte) mantém com a televisão não é o duplo histórico do que a literatura viveu em seu diálogo com a industrialização da imprensa? Sei que há perigo nas analogias. Que cem anos se passaram. E que, depois de muita exaltação, o modernismo e a vanguarda foram vítimas de todos os desencantos, de todas as desagregaçôes e contaminações que nos fazem acreditar no pós-modernismo. Sei que a própria idéia de um ponto qualquer de apoio, em relaç-Jo ao qual se possa conceber a utopia de um modelo, parece tornada de derrisão. Em suma, que o próprio negativo, com as fiicções, as ficções que permite (esse negativo que não é verdadeiramente reduúvel ao sentido que herdou da tradição füo.sófica) jã não é verdadeiramente um valor. O vídco-a1te, nascido de uma mídia na qual se consuma hoje a destruição de todas as referências, estâ evidentemente inserido nessa configuração. Não seja por isso. O próprio modo pelo qual o vídeo-arte depende da celevis�o e a toma como referência poderia ser o que paradoxal­ mente lhe dá uma consistência peculiar. E, ao mesmo tempo, um lugar privilegiado no que ninguém mais se atreve a chamar de vanguarda. Na França, lugar em que o diálogo entre litera tura e imprensa foi o mais nítido no século XIX, ele pode ser resumido em dois tempos, dois nomes, duas experiências. Alexandre Dumas e o romantismo; Mallarmé e o simbolismo. F., no$ dois casos, o Jornal e a Obra ou o Livro. A relaçflo de Dumas com o jornal é simples, apesar de desmedida. Ela se c.a-..:plica, cm primeiro lugar, pelo repentino des envolvimento da imprensa a vucir ele 1836, simbolizado pelo nome ele Emile de Girardin. Baseado em suas crenças tão sociais quanto comerciais, Girardin opta por fazer um jornal muico mais barato, financiado por anúncios, a fim de angariar mais leitores. Ele inventa a fórmula cio "roniance-folhelim", que seduz os melhores autores românticos (Balzac, Hugo, Sand, Dfrnas) e se roma rnpidamente uma poderosa forma de indústria cultural (prefiguraçâ 1 do seriado e da novela). Para Dumas, o jornal tem duas funções. Em forma ele folhetim, p1.1blica seus romances históricos legitimados pelo ponto de vista (ao mesmo tempo ingênuo e inquieto) de um Deus-História no qual se projeta o Eu exorbil,lnte do escritor. Um::i outra versão do Ego-Hugo-Eu-OceanrJ ou elo projeto michdetist:i de "rcssurreiç:io integral do passado". Mas Dumas funda também, retomando-os várias vezes, sel1s pr6pi1os jornais. Não sàcb gr.ancles jornais; são jornais-revistas, mais episódicos ou mais limitados, embora surpreendentes, nos quais agrupa em torno ele seu nome rod,,s as matérias (mesmo quando acolhe outros autores). Nascem assim: 1848-1850, Le i,Jo'is,

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"resumo mensal histórico e político de todos os acontecimentos, dia a dia, hora a hora, inteiramente redigido por Alexandre Dumas" (1.e Mois tem como emblema: "Deus dita, eu escrevo"); 1853-1857: LeMottsquetaire, vespertino, "jornal do sr. Alexandre Dumas"; 1857-1.860: Le Monte-Cristo, "jornal semanal de viagens e poesia, publicado e redigido apenas por Alexandre Dumas". Dumas certamence publica aí o que antes submetia a outros jornais. Ele faz a experiência de uma competição (perdida de antemão, mas mantida a todo custo) entre seu trabalho de escritor e a forma social de uma mídia que se tornou uma das maiores verdades de seu século. Sabemos o que acontece com a tríade Deus-Eu-Obra ao longo do século: desagrega-se sob a pressão de uma história cada vez menos conciliável consigo mesma. A arte e a História se dividem: elas terão a partir daí relações oblfquas e/ou utópicas. Isso é confirmado pela famosa dupla distinção de Mallarmé- que e,-ida um tentará, depois dele, e de várias maneiras, sotem1r, negar, deslocar ou refo1111ular. Ela opõe dois estados da fala, "aqui bnito e imediato, lá essencial", e dois tempos da ação, a ação geral, a história, e a ação restrit.'l, o evento interior à histór:a - a liter1tur:1. Apesar de poscular para a arte uma autonomia relativa, essa oposição não se fecha cm si mesm::t; ela �e alimenta, ao concrário, da perpén.ia desaniculação entre os dois modos e os dois t empos da ação, "evidenciando o conflito, para dele extrair uma clareza". 4 Ê nesse contexto que Mailarmé celebra a "crise do verso" (a ruptura da prosódia tradicional), que consagra a libernçfto ela voz subjetiva e permite unificar o jogo lilerário ao redor de "vinte e quatro letras". O interessante, para nós, é que as conseqüências e..xtrn.ídas disso por Mallarmé, "quanto ao livro", estão diretamente ligadas à cxtraordin:iria aceleração da imprensa no Segundo Império e na Terceira República. Mallarrné ficou obcecado pelo jornal. Nele, por um lado, certamente viu o exemplo da "reportagem universal", prisioneir.t da ação geral, da qual a literatura, para se preservar, deve se furtar. Mas, além disso, Mallam1é também pr�senri•.t no jornal um.a virtualidade, digamos, lógica. De fato, o jornal simboliza o caráter ilimitado elo mundo do quai produ1, por sua própria natureza, uma espécie de reverberação, ao fazer cintilar o Todo irredutível do suposto acontecimento em cada um dos seus instantes. Eie o faz com meios próximos ela palavra imediata; mas logo ele a fixa, filtra e sintetiza, remodela e redistritmi. Ao openr esse trabalho, de um jeito 0\1 de outro, sobre ii língua e a pãgina, o jorn::tl, imagem do mundo, é também tuna imagem do Livro destinado à "explicação órfica da Temi". O jornal se torna assim o negativo do Livro (ou, melhor, o Livro, o negarivo do 4.

Mal•rice lllancho