O mundo das imagens 8508041330

535 71 23MB

Portugueze Pages 165 [161] Year 2001

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD FILE

Polecaj historie

O mundo das imagens
 8508041330

Citation preview

NISE

DA

SILVEIRA

UNDO DAS MAGENS

I

empre me fascinaram as explorar;i5es do mundo intrapsiquico. Foi com a intenr;ao de fazer sondagens nesse mundo que estudei atentamente

0

desconexo palaureado dos esquizofrenicos; que

obseruei sua mimica, seus gestos, seus atos, quer estiuessem inatiuos quer na pratica de atiuidades; que me debrucei sobre as imagens por eles liuremente pintadas. (. . .) Um dos caminhos menos dificeis que encontrei para 0 acesso ao mundo interno do esquizofrenico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda a liberdade. Nas imagens assim configuradas teremos auto-retratos da situar;ao psiquica, imagens muitas uezes fragmentadas, extrauagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, tela ou barro. Poderemos sempre uoltar a estuda-las. (.. .) Foi obseruando-os e as imagens que configurauam, que aprendi a respeita-los como pessoas, e desaprendi muito do que hauia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliers. NISE DA SILVEIRA

ISBN 85-08-041 33-0

UNDO DAS MAGENS NIS

E

DA

SILVEIRA

l ' edi y1io

2' impressao

m

... Ii'..n . .. , I .."

Copyright © Nisc da Silveira, 1992 PrcparaC~lo

dos origin.nis Mineu Takaiama Eliuno Rocha

Capa e Projeto GrMico Isabel Carballo Editorac~io E lcLronica

G & C A ssocicu/os Nallci Vieira Pesquisa e Coordcnacao Gc r'al

Luiz Carlos Mello Reproducao FOLografica das I magens

Luiz Carlos Soldan/Ill Jose A. Mauro

ISBN 85 08 04133 0 JI11[1rl'SS;io l' OIC;lbOlIlll:!lto G,III10l

2001 TcxIos OS direilos re5elVados pcla Edilom Aliea RlIa Baniode Ib~klpe. I IO - CE POI507-900 Caixa 1'05,al 2937 - CEI' 0 1065-970 $.;0 Paulo - SP Tel : OXX 113346-3000 - Fax:OXX 11 3277-4 146 Internet: http://www.lram

Fonte: IBeE c DJ:\'SMI

quase a mesma distancia entre doente

Escreve 0 dr. Luiz Cerqueira: "Se as drogas) os choques e as leucotomias curassem mes-

mo, a loucuraja te ..ia sido e ....adicada da face da Terra. Entre n6s,

0

que acontece

e que,

apesa .. dos psicofa .. macos, cada vez mais doentes internamos e reinternamos nos hospitais psiquiatricos" 6.

Nao conseguimos obte .. da DINSAM OS dados estatisticos ..efe ..entes aos anos subseqiientes a 1977. Ent..etanto, a mera obse .. va~ao do movi mento de nossos hospiiais naD nos entusiasma a esperar numeros mais anima-

do ..es.

Face a esses dados, como entende .. a persistencia dos mesmos tipos de tratamento? Po .. que repetir os mesmos elTOS tao graves?

Algo espurio havera por tras da inercia diante de tais evidencias. Nao sera diffcil detecta-Ias: a industria da loucura e uma lucrativA "plica~ao de capital. As poderosas multinacionais produtoras de psicof:i.rmacos bern 0 demonstram. It suficiente ressaltar que no Brasil 78 por cento dos estabelecimentos psiquiatricos sao de propri edade particular, enquanto a numero de seus ambulatorios, que poderiam contribuir para manter pelo menos por algum tempo 0 paciente fora da institui~ao, e apenas de 27,6 por cento. 0 que interessa, portanto, e a lucro

peuta observada nos hospitais tradicion,i, Aquila que se impoe e uma velcdadei'l, muta~ao, tendo por p,;ncipio a aboli,iicltot't dos metodos agressivos, do regime !"io, e a mudan~a de atitude face ao individu~ que deixara de ser a paciente para adquirira condi~ao de pessoa, com direito a ser resp'> tada. Come~aram en tao a surgir verdadeiro; ensaios de muta,ao propriamente dita. Ch,· mam desde logo a aten~ao os obswculos que encontraram e a cUlia existkncia que lograram manter.

Assim, por exemplo, David Cooper insUi· lou em 1962, num grande hospital psiquiatri· co de Londres, a Pavilhao 21, destinado a jovens esquizofrenicos, num regime liberto da coa~ao caracteristica da psiquiatria tradi· ciona! e orientado terapeuticamente no sen· tido das rela~oes familiares dessesjovens.O hospital tradicional nao suportou a expe:i(m· cia, que roi interrompida apenas quatro anos

depois, em 1966. Outra experiencia de muta~ao come,aem 1965 sob a forma de uma associa,ao benefi· cente. A sua frente estavam Laing, Coopere Esterson. As bases teoricas do novo movi· menta foram estabelecidas par Laing, que prop6e realmente uma mutay30 com emba-

samento psico!ogico e social. Uma proposta completa, na qua! a pessoa humana e vista em sua totalidade.

CRISE I TINTATIVAS

15

lUU'Ula, nlasua atitude face ao doensumariarnente os que nao se As nonnas sociais vigentes, sem 1I'l18lTIotivosque os levaram aquela "pnlblelmasafetivos, familiares, ecoApressam-se os psiquiatras em deesquizofrenicos e a hospitalizalfpl8&e irnp"'" nova mente em contata com psicologo Vicente Saldanha, I semana . s o museu. Emygdio tinha na

a

",I

"

oc'''''''.;"';'01

rcconheccu , com cionados.

sa ti s ra~iio,

os

Em PI;:,~,e~;~",~a~';'i;~';:;ta;;~;::~

expdmiu seu rascinio pelo artista de Engenho de Oentro. "Sc Raphael e desenhista aelma de tudo", di z cle, "Emygdio e pintor sobrc tudo 0 mais. o pdmeiro tece seu un iverso com linha, 0 seb"l.lndo constr6i 0 sell mundo pela cor. A criacao neste e pOl' sucessividade: sao ca madas de imagi nacao que vern e vao como ondas (fi gs. 30 e 3 1). Pode-se di zer que ele pinta de pel-to e imagina de longe. Suas pai sage ns, mesmo quando ao natural , nao copia m a realidade, resulta ndo de rorTnas tiradas do local e e ntrelacadas a outros elementos imagi na l-ios . Esses motivos naturais, ele os a panh a dia a dia , cos vai acumulando ns la nterna magica de s ua im aginaria. Daf em quase todos os seus quadros nota r-sc sempre a j unC'i.o de ele mentos de urn passado longfn -

"

20 f 09 f 68 of"" f l.·,.. 47.0",68.0("",.

"

sua de uma visita mudado de loca l. mesmo mes (29 de outubro de uma tela e a ass in a. Sua I a mesill a do se ll longo

1811 1/ 70

,J....

,P~:~:~:::::;~~~ Emygdio the disse:

h

porque hoje quero pintar". rreqiientando 0 museu ate 29 de 1986. So dia 5 de maio do mesmo a no, em

acidente vascular cc:~::::;;d::e outro morre, aos 92 a nos.

2 3 ;c.s,n;,,~'' at.en~ao

dos ilustres doutores.

o a nimal e, por del'in;,,a,,,,b;";,;,,t lado de "irracional". Que posipio

eo-terape~~~la:;:S~i

ocupar comono Brasil Exislem de pro~ao aos animais, cadissimas. Exislem mesmo leis do,jamais cumpridas. Entretanto, nosso projeto de Centro Psiquia t.rico Pedro n pecifica intenr;ao de proteger 0 sava relaciona-Io com 0 nomem. aqueles " ,ees ,ohLino, ,ao" q,,,lism";'" cos homens ou mulheres sequer uma palavra ou urn gesto amigo. A hist6riadoanima1 nosso servi~o com~u assim: no t..erreno do hospital donada, faminta. meus olhos nos olhos de urn aproximava e pergunt.ci-lhc:

n'otrnl.,.

com muito cuidado?" E le respondeu que 8im . "Como vamos chama-Ia?" de Caralampia, do nas Mem6rias do Cdrcere. de Ramos, e no conto do mcsmo 'utoe,lt" dos Meninos Pelados. No viviam felizes sob 0 amavel cesa Caraliunpia.

113

I til'rall". bras ileira conduzida poT rclacaoafee ointemado sr. Alfre· a partir dar pensando e m conti·

"~::;~'~'~.:;de estreila r

II

0 relaciona· e anima is. Mas era dill· ideia tivesse campo para desen-

.;~::;::'~:,;e;, profundeza do proces·

III

das imagens livremenlc doenles tomava-rne horas

que encontrei, no Scrvif,:o Ocupacional, uma monitora edelicadeza na fun~ao de 1"", sem fo~ar , a aproximaf,:ao entre 0 recolhido em si mesmo e 0 a nimal " t.tii,,,,do a ser grosseiramente tra· homem. Essa mulher rarissima e Rocha.

,

aqueles que U$am ani; H. L. Tdgg;A. QuaytRothenberg; Nise da Silveira; H. !aif"bu'g; Molli, Schildkout.; Jon C:eis."'

primcira co-tcm pcuta,

Rocha. N iSfJ

e Nise da Silveira.

ro·tempeulas.

C

Quanto aos oo-terapeUk'lS gatos, coidados carinhosamente pela manitora Dal va Anllijo, responsavei pelo atelier de pintura e desenho, tern uma maneira especial de rclacionamento. Conselvam a indcpcnd€mcia , mas ne m por isso deixam de seT mcigos e apegados aqueles que cscolheram para a mar. Fai muito penosa essa tentativn que fl zemas de iniroduzir an imais no Centro Psiquiatrico Pedro II. Camenttirios ridiculari -

zantes c mcsmo grosseiros miQ faltaram. mesmo da parte de colcgas. Mas muito piaTes

foram os atentados contra as anima is: rcrnoCiio para a sepia veterimiTia de e ictrocuciio, transporte para abandono em loca is inospiLos, envenenamento; u t.e reccntcmcnte, erum enxotados para a rua. Os alcnlados praticados contra os an ima is feri ram doenLes. monitol"CS e a mim mesma. Ocsde 0 inicio, compensadoramcnte. apareceram a migos dista nles: 0 professor Bods Levinson , psicana lista amelicano, comentou por carla esses acontccimentos ocolTidos no Brasil :"Sem dlivida, pa ra muitos dcsses doonles os a nimais eram sua unica Iinha de vida para a saude mental". On Universidade do Estadode Ohio, 0 professor S. Corson envi ou-

o

"'UNI)O I)"S ''''''GIN S

114

nos pesquisas com esquizorrenicos e dies, desenvolvidas por ele e s ua equi pe "com ex.· t.remo rigor para estabeleccr principios eli· mites no uso de a nimais em psi coterapi a" ~ . Denire os i rinta casos ci tados nesse trabalho, referentes a psic6ticos hos pita lizados que mio haviam respondido as fomms tradicionais de tratamento, apenas dois nao melhoraram. Eis urn exemplo citado por S . Corson : Sonny, psic6tico de dezenove anos, per· maneciaem seu lei to a maior parte do tempo. Havia side s ubmetido ao tratamento pelo haloperidol e outras drogas. Entrctanto, quan· do 0 psiquiatra trouxe 0 cao Arwyn para 0 leito de Sonny, que permanecia imovel, 0 cao saltou sobre 0 rapaz, la mbcndo s ua face e orclhas. Sonny reagiu alegre, c espontanea· mente fez s ua primeira pergunta: "Posso fi ca l" com ele?" E, para espanto de toda a equipe, saltou do leito, segui ndo 0 cao. A partir desse epis6d io, Sonny aprcsentou progressivas melhorasatC obter alta. Conclusiio de seu psiquiatra : a introducao de Arwyn foi 0 fator decisivo no curso da recuperaciio de Sonny. Quando tal acont.ecime nto, com intencao lcrapilUtica, praticado pel as miios de urn psiquiatra, poden! ocorrcr em nossos hospitais? Entre n6s, os animais continuam perse· guidos nos hospitais. E tambem nas ruas, sob o argumen to de que sao transrnissores de doeneas as mais diversas, sejam eles caes, gatos, pombos, pa pagaios, etc. Sao limitadas as medidas sa niUirias pa ra protege-los. Em vez de medidas t.erapeuticas cont ra as zoonoses,sera mais facH extenninarosanimais. As autoridades parecem considerar-se "estcrelizadas". Esquecern que 0 homem trans ll1i· t.e docneas, ja nao digo a animai s, pois isso pouco lhes importaria, mas a outros homcns. Basta lembrara verdadeira dizimaeaoqueos homens tern ca usado entre nossas tribos indfgenas. Entretanto, muito lentarnent.e, 0 trabalho dos pioneiros est.cndeu-se, diante da eviden· cia dos res ultados obtidos por meio dos cotcrapeutas a nim ais, as mai s diversas areas medicas: pediatria, cardiologia, psiquiatria, gcriatria, etc. Caes, gatos, peixese passaros sao agora os novos terapeutas contratados por hospitais

R aphael, csquizo{renico que permal1l.'Cia sempre a{astalio. abm{u a{etuosamellte 0 Clio Cacarcco, que se {az seu amigo (.Y)IIsianie.

franceses, canadenses, amencanos depois da constataPlo de scrcm eles · pensaveis u melhora ou curn dos de va rias docneas 4 • Ha animais que permaneccm no e m sua fum;:ao de co-terapcutas e participam devisitas a Urn esludo comparativo hospital americano enlre identicas, exceto pelo fa to de que usava animais de estimaeao, estatislicame nte que 0 nivel de m,di,.... o dobra na enfennaria onde nao rn ais, 0 mes mo acont.ccendo com 0 violencia e tcntativas de s uicfdio. Pesquisa conduzida PO!" J. Linch Friedmann, e m esludos sobre I dfacas, constatou q ue a cientes poss uidores de animais 6 urn te r~o menor que a possuern animais . Eis dados nificativos, que justificam a nova ciimcia e demonstram nossa relaeao com anima is, como urn todo. "P ara ser sadio e ter cont..."1to com outras esp&ics vos. Se os humanos buscam pleto potencial de saude, nao podcm .

SIMaO Ll $ MO PO O"TO

ll5

a sua pr6pria especie. Se desejam harmonia com s ua pro-

";~:~,::~~ animal , devem sentir todo

0

em lorno delas." o

ICIl

jXlSicao que nos cabe aqui e csLudar mni s

o problema da relacao homemo que diz Freud: "0 abismo homens estabeleceram ma is tarde

e os animais nao existia para os primitivos. nem exisle para nassas cujns robins animai s, segundo deresultam de medo do pai". E :"Se admitinnos a sohrevivencia de .) eslaremos diminuindo 0 e pocas, a arrogan~:;~: alargou demas iado entre a hu-

Io

os animais" 6, ocidental vc 0 mundo cindido, cada da natureza separado do Dutro, e 0 do alto, dominando lodos os seres,

I=::~:~:::~;;:~i::~,~~~~

deu veza cientifico a essa

con ce~ao

do mundo.

cartesiano

Entretanto, tornam-se cada vez mais evitendencias a transformacOes, a reno-

::~:::l.:n~~tamente vern abrindo caminho

I

mais altos niveis de conscienencontra na vanguarda de muta~ao da civiliescreve: "Toda a hist6ria do

A sabedoria procura

0

sua caminho

Yasniio se trata apenas do animal que se perto de nos no mundo exterde dar muita aten~o ao intemo do homem, animal s ua evo l u~otanto

e do qual a fun~o inconscientese vai mais alem, dando expressao ••"ulper-hu,m,"o quanto ao infra-hu-

l"'''~' esl'udo ape"os

sera foca1izado do gate, tao rico em suas repre-

se nta~Oes religiosas, nas artes, nos contos de fadas, nos sonhos, nas vlvencias e nas expressOes ph'isticas de mulheres e de homens. Entre os representantes animais da Kore (Jovem Divina) e da Mae Divina, Jung cita em primeiro lugar 0 gatos. E , com efeito , 0 gato convem a dmiravelmente a essa represe nta~ao , pois uma proje~ao nunea se reali za se nao encontrn recept.aculo adequado. A unidade mae-filha a presenta-se nos mitos sob 0 triplice aspecto de Jovem Divina, de MaeDivina e de Dcusa Lunar ~. Feminilidade csquiva juvcnil , modelo de ciumenta dedica~ao materna e carator notumo sao, scm duvida, qualidadesessenciaisaogato. It talvez na religiao egipcia que existem as mais propfdas oportunidades para penetra rmos na si gnifica~ao simbOlica dos anima is em suas conexOes com as divindades feminin as. En· quanto 0 aspecto sentime ntal, generoso, dispensador de alimento da Mae Divina en· contra na vaca (deusa Hator) adequada represe nta~ao, sua irascibilida de, seu caniter terrivel, encarna m-se no leao. 0 fascinio misterioso da deusa do arnor, da alegria e da dan~a e representado pela gata. Os egfpcios veneravam tres principais deusas leoas - Sekhmet, Pekhet e Tefnet -, toeias manifesta~Oes da rnesma divindade, em locais e situncoes diferentes. Sekhmet. a poderosa, e a deusa das batalhas, que lan~a fogo pela enonne goela. Pekhet desencadeia tolTentesdevastadoras nos desertos do leste, onde habita. Tefnet, sujeita a grandes c6leras, ernite fogo pelos olhos e pela boca. Mas nem sempre essas deusas se apresentnm sob aspecto tao tenificante. Elas podem meta· morfosear-se em gata, tornando-se assim d6ceis e amaveis. Neste caso, seu nome e Bastct, a benevola. Entretanto Bastct, representada em corpo de mulher com cabe~a de gata, se sustenta numa das maos 0 instrumento musical das bailarinas, tern na outra uma ca~ de leoa, sinal de que podera, de urn momento para outro, reassumir seu aspecto fero? , exprimindo desse modo as mulabilidades emocionais do principio feminino. A. Erman na rra urna encantndora lenda referente a tais transfonnac;CieslO. Tefn et, nurn estado de fUrl a devastadora, aquartela-se nos desertos da Nubia. Ra, 0 grande deus

o

MUNDO DAS IM AOINS

116

solar, envia Tot, 0 deus da sabedoria , para acalmar sua violenLa filha e tentar traze-Ia de volta it casa paterna. Tot toma a forma de macaco e vai ao encontro da leoa. Fala-llie tranquilamente, conta-lhe que 0 tempo esta esplendido no Egito, mas que lodos fi caram t.ristes depois que ela partiu . Os insLrumentos musicaisjazem mudos. E a leoa "dejuba flamejant.e, dorso cor de sangue , olhos chi spantes, batia no solo com a cauda, levanLando nuvens de poeira que obscureciam 0 deserto". TOL, porem , prosseguia em sua fala mansa, contando-Ihe fabuln s. A leoa acabou comovendo-se, e suns Jagrimas caem "como chuva torrencial". Met.amorfoseia-se em gata e condescende em volLar it pat.ria, onde e recebida com efusivas manifest.a-;6es de alegria. A cena da con versa de Tot.com Tefnet foi gravada sabre rocha calcaria no t.emplo de Dakkcd. Est.amos diante da primeira sessao de psicoLcrapia, comentou a dra. M .- L. von Franz, ao examinar uma fotografia dcssa gravacao. Que SckhmeL, PekheL, Tefn eL sejam a meSilla pessoa e, ainda mais, que essas lcmiveis divindades leont.ocefalas se ident.ifiquem a amavel Bastet., causa estranhezu. Entretanto, nessas metamorfoses dc deusas, osegipciosexprimiam em imagens a verdade psicolOgica do eLemo jogo de antagoni smos, da luta de opostos, do predomfnio momcntaneo de um dos doi s p6los conLrarios inerenlcs il psique humana e lalvez ainda mais peculiares it Illulher. Morentz, comentando 0 conceilo elementar de que os egipcios adoravam animais c considerando as fi f:,'UracOcs de divi ndades leriomorficas nos templos egipcios, interpret.a !loutro nivel esse fen omeno. As fi f:,'UracOes significam que 0 p()(/cr pode se encarnar sob varias Corm as. "As rcprcsenlaCDes semi-huma nas dc deuses exprimem urn pensamento que aceila 0 homem scm rcjeitar 0 animal. Vemos nessas figurm.Des 0 primeiro grande exemplo deconcil iacao intelect.ual do inconcili avel. Ao aspecto estatico da figurajun ta-se um aspecto dinamico."ll Nao se t.rata de especulacOes te6rieas uItrapassadas. A linguagem mftiea eocomport.amento que a exprimc manwm-se vivos sob varias fonnas. Assim aconteceu que certo dia, na Casa

das Pa lmeiras, uma eliente a lmoxarifado e dcpois, saltando mente por uma janela, do telhado que recobria 0 alpendre 1,

se tranqililamente numa pol trona da vazia. 0 incendio foi dominado. Eo",","". do-a enroladi nha na poltrona daquela eu Ihe disse: "Voce parece a leoa que , de sub'i w,.se 'L,.,,,fc,nnou ,.. gl,ta 11",,\ tao tranqilila nessa pol trona". "Que. i.c', perguntou cia. Contei-lhe entao 0 mito egfpcio da morfose da leoa Sekhmet. na mansa E la se interessou logo pelo relatoe que 0 repetisse. Entao rcuni urn grupo de Uicnicos tes paraal de A. Ennan . apresenlacao teatraJ , "A sentando os dois papeis, de lena e de cliente que havia 1.entado inccndiaro xarifado. Repet.ida a leitura Erma n, um do miLo. A intCrprete do papel de Baslet. foi tao at.Lii ~n,"'~~·dl~a~pe"."~I~a,~;~,a~~:~~ ca, que a t.ocara p varias vezes ao jardim zoologico posturas de lcoa. Evident.emente essa scntaCiio teaLral tinha intencao "",pO,,",' que fo i plenamente alcancada!l.

~;~I,~~a;::::::,~:;~~:!;::!

Cuiu a gato. Agora te. Com efeito, oequiiibrioentre a o espirito achava-se em profunda niano tuando-se ruras e grandes que se mantinham fora da

Ii

soafimde tum. Nesse sentido, a nova reliigiii"p..~ tavu urn programa defi nido, que era resolula repressao dos inslintos, 0 que ciencia.

cristianismo~:~:i':::~~~;'~~:~

animal No representa lembradosa pomba,

SIMIOLISMO DO OAYO

117

unimaissimb6licosdosevangelistas- leao. turoeaguia, que figuram ao lado do a njo de ~ Mateus -. 0 boi e 0 asno da manjedoura, m, porem, quase int.eiramente desinvestiXs devitalidade. Eis urn dos motivos (oulIt6existem) por que urna religiao de amor 9OOocristianismo mostra-se indiferente as ",'da,lespraticadas contra 0 anima1. Sao francisco de Assis e poucos outros permalitem isolados. Erurioso, entretanto, que em evangelhos

:~:~i:a~n:i,m~:ru:-~S~g~O~',:e~m~~m~e~l;,h;;or

diz quc"saoconceito. as aves estasobre abaixo da terra que indicam 0 caminho o reino dos ceus"13. Oculto da Virgem Maria, estabelecido na Media, mae sem macula, toda luz, Que a imagem ideal da mulher fosse de seus sedimentos terrestres. 0 ~:~7. da Mater paga, negro do limo ;wi Jigado Ii terra, aos vegetais e aos reprimido inexoravelmcnte. A tomou-se quade peca do. Na Idade Media uma feiti a imagemda tomava para si a projecao da somndoa '~"'eti,lO da Magna Mater. Sobre 0 gato, tao estreitamente pr6ximo natureza feminina, representante adede aspectos da densa e complexa som"a" ii' as quais sempre esteve ",,",o,recaiu tambem temvel persegui,.. " ,.-me atribuido urn importante pa pel rituais magicos, e acreditava-se ate que se di s fa~avam em gatos para ou mesmo que demonios chega em sua De Occulla Philosophia, que sao da mesma natureza do sangue

n,las.M",,,·,

que com ambos "muitas coisas -I e milag,",a, podem scr tra:::~~~,:c::

l1Ih.d,,, ,~"" feiticeiras"14 . Poemas mcdi~·

relebram vit6rias do rei Artur sobre Nas festivas fogueiras da

pIo;~cmon i'lS_

::~~d;:a~~I;da~d~c;o:M~'~cli~-~:a~se:~,gatoseram estenderam

:

queimados vivos como substitubrwcas e demonios. Ainda no ana de Paris, Luis XIV, coroado de rosas,

acendeu com a s proprias maos a festiva fogueira onde lancou urn saco repleto de gatos viVOSI 5• Carregado de tao pesadas e sombrias projecOes que s6 muito lentamente vao se at.enuando, 0 gate a parece na maioria dos contos populares e fabul as como animal perfido , egoista, astute. E assim que 0 encontramos nas fabula s de La Fontaine (seculo XVII). A astucia e particula rmente posta em relevo. Por exemplo, em 0 Gato e a Raposa, seu Unico processo de escapar ao cao resulta mais eficiente que as mil ma nhas da raposa. Em 0 Gato de Botas , toda uma trama de habeis ardis e desenvolvida pelo animal com o objetivo de fazer a fortun a de seu dono. Mesmo 0 cientista Buffon (seculo XVIll) perde a objetividade quando se ocupa do gato. Ele descreve com admiravel agudeza 0 cava10, altivo, intrepido; valoriza 0 asno humilde e pacientissimo; 0 boi, resistente e lento; fa la de modosimpaticoda vivacidade, da a fetuosidade da cabra; estende-se longamente na consideracao das nobres qual idades de sentimento do cao, assim como de scus talentos. Mas qua ndo escreve sobre 0 gato e como se nao se tratasse de urn ser da natureza. As paginas de sua Hist6ria Natural assumem 0 carater de verdadeiro requisit6rio contra esse a nimal: infiel, malicioso, falso, ladrao. perverso nato, e outras qualifi cac6es do mesmo genero sucedem-se cerradamente. Nem sequerodevotamenta materno, tao evidente no gato, fo i assinalado pelo eminente naturalista frances. Entretanto, deve-se fri sar que, embora a atitude negativa em relacao ao gato haja predominado ate bern pouco tempo, nunca foi uniinime. Se muitos Ihe atribuem 0 dom de trazer rna sorte (sobretudo, gato preto), outms 0 consideravam talismii precioso. Se muitos 0 execravam, nunca deixou de t.er fervoro50S a migos ate mesmo entre padres da igreja. como Siio Felipe de Neri eo pa pa Leao XII. Sao freqiientes as atitudes a mbivalentes face ao gato, pois sua misteriosa natureza, tao rica em contrastes, parece atrair como ima as projec6es dos opostos humanos. As a finidades do gato com 0 principio feminino sao ni tidamente focalizadas na fabula de La Fontaine A Gala Metamorfoseada em Mulher. Mesmo revestida de forma huma na, ela persiste gata no iimago de sua

°

o

MUNDO DAS IMAOINS

118

alma. A afinidade aparccc Lambem nn hist6ria de Grimm 0 Pobre Rapaz do Moil/llo e a Gara, alribuida ao rim do seculo XVIII ou come~o doseculoXIX. Mas neste ullimo conlo o plindpio feminino nao tern de ser necessuriamente astucioso, trai~oeiro ou cruel. Durante longos anos urn pobre rapaz se rve a uma gala encanlada, em seu castelo ta mbem encantado, ate que ela , por ter side servida deVOLadamente, recupera a forma de linda princesa, que secasa com 0 herai da hist6ria. Ja se admiLe, portanto, que 0 prindpio feminino, representado pela gata, preci sa de atendimenlO e cuidado para evoluir a nlvel mais alto (a nimal que se transforma em mulher) e final mente ser integrado (casame nto). A hi st6ria de encantamenlo deixa tra nsparcccr uma modifica~iio de atitude que envolve ao mesmo tempo 0 prindpio femi nino e seu representante simb6l ico. Nos tempos modemos a Ji teratura c as artes pl f.isticas irao refletir, ou melhor,antecipar, essa mudanca. 0 animal que atC entao so se insinuara no interior das casas graCas a sua capacidade para com bater os raLas, mas que devia permanecer na cozinha e sentir-se feliz se conseguisse urn lugar nas cinzas dos borralhos Oembremos 0 conto A Gala BorrnLheira ), sem que nenhum fato exterior 0 explique, passa em meados do seculo X1X a ter novo padrao de vida e, sobretudo, conquista posiCiio especial junto aos arli stas. B. Le vinsohn, depois de refletir sobre as seculares vicissitudes sofridas pelogato nn Europa , diz: "Dc repente tudo isso muda. 0 gaLa, como seiscenLas anos antes 0 cao, e rccebido na sociedade. As belas-artes e a poesia apoderara m-sc dele, descobrindo a graca de seus movimentos"16. Efetivamente, impressiona 0 papel que 0 gato veio ocupar na Iiteratura desde ChaLeaubriand e Balzac ate Edgar Poe, de Baudelaire a T. S. Eliot, Colette, Pablo Nerudae Robert de Laroche. 0 medico pem a mbucano AunHio Domingues publicou em 1921 longo poema dedicado a seu gato Dom Marcello de Torretillas. Mai s sutilmente que lodos, Baudelaire soube desliza r do gato objetivamente real , com a sua pal pavel "fourrllN! blonde et brulie", para a enigmatica imagem do gaLa subjetivamente real.

Quafld mes ycux vers ce chat Tires comme par Ill! aimant Se retoumellr docillemcn t El quejc regarde CII. moi meme Je vois a vec elOllnemcnt I.e feu de ses prlll/clies pales Claires fallaux, vivo Illes opa/es Qui me colltemp/ent fixementY As artes pilisticas rcnctem 0 identico fenom eno. V. H. Dcbidour, que estudou emmIT'_ o bestiario nn cscultura da Idade 1 Franca, assinala a 8usencia do gato,

vern aparecer, C ainda il 7,;::~:::'~. ci: ultima fa se do GoticO l8 . No landajo, em sua Ultima Ceia, que vista no Museu Sao Marcos de loca urn gato a natureza lrai~oe i ra daquele Hogarth via unicamente 0 desse animal , sua cupidez na ca, fixada , por excmplo, na tela Children. Foi Sim U1LanCamen"lc:~,:o:m;:~;.~:;;:;: cislas que os pintores d los do gato. E cafram cativos desse recem-descobcrto, pol.,,,,I,,,,n lah'",milll res os desenhos e pinluras de gatos zidos desde as primeiras decadas do XIX ate hojc. Vemo-Io em, :o~;!::~:~~;,,:: femininas nos desenhos d rece em companhin de Pierre Loti no que Rousseau fez joelhos de Ambroise Vollard em Bonnard. Pinlaram gatos Rouviere, Renoir, K1ec, Mira, Di e muitos outros. Quebra mos a ordem cronologica breve cnumera~5.o citando em desenho de Leonardo da Vinci , onde a Virgem, 0 Menino Jesus e 0 ga.. 'I~h'" Britiinico). Decerto, foi uma inova~ao um gato nos bracos do M,mlno-D,ms;,q,,, "1 enta~ sO brincava com cordeirinhos. senho, mesmo se feito hoje, seria conteudo psicol6gico ainda u,,,a'"""';~o'::s~;s::.::;; ~~;'~~,'j series de pinturas p ginaciio ativa enos estados psiquicos

ambos,::o~s:~~ca~s:;o~:s:,,:s~i~m~bo~:'o:S::~~~

cos, Em rios aparecem eslabilizat;:ii.o atraves da tabilidade causada pelo caos e tendo significacao compensat6ria"6. Assim, pre unil ateralidade; podem dos paradoxais. b6lica da cruz, nela estarao contidos impulsos para desconexiio, ceramento, mas tambem f..",.o,u" "',de" 1

133

1Jr""""iocie contrarios, h armoniza~ao de

to, cercado de circulos coloridos e m vermelho, verde e amarelo (fi g. 1). De cada Indo, doiss6is,

"''''' em desordem.

AllSicologiajunguiana, complexa e dimileva a ver esse jogo de opostos no mesmo simbolo, atrnves do estudo

to."gerl,,>sp,onta,ne,asdo inconsciente.

lendonocentrouma cruz negra. Dir-se-ia uma imagem destinada a orientacao no cspaCo. IJd"

24 106180

81J.('chc I popel 35,0" 50,0 em.

I

::::i~::;im:a~g~e:;m antigas arquetipica, preculturas, . vivaemdesenhose de intemados de hospiwis psiquia-

~::~!:Iadapo, viivencia, profundas de

,

OcM~jo

/Hntkio

28103 / 69 Iem-se. Ao centro, ergue-se uma auzbranca de tipo latino, com 0 bra~o transrerso muito alto. Chama a atencao Que a uniiio entre os bra~os vertical e transverso esteja feita ainda pelo sfmbolo de cruz decussala. 0 autor ressalta 0 problema dos opostos peladiversidade das cores (negra e hranca) e pela representa~ao de dois tipos de cruzes: decw;sata e latina. Cruz negra sobre a Qua1 sesuperp6egrande cruz branca, constituida por fonnas cirrulares (fig. 8). Ao centro das duas cruzes ruperpostas. ve-se uma estrela de seis pontas (estrela-de-davi), "resultante do encontro de dois triiingulos in vertidos, que representariam espirito e materia, os princfpios ativo e passivo, 0 ritmo de seu dinamismo, a lei da e\·olu~o e da involu ~ao" 9.

,

, Car/m< Pcrt";3 08 / 0.1 / 76 Idp;s r / pafJI:J

4 7.0,rJ/.Ocm.

ciSflo, fi cou calma e lucida. Foi a urn quarto, onde a panhou urn cobertor a fim de faw uma ca ma para um cacholTo sob a mesa da cozinha. S urpreendeu-se tirando a roupa e lransformando-se num cachoITO. Grunhiae a ndava ao redor da casa, ate que escurectu, quando foi montar guarda na adega. Depois, sai u da adega pa ra montar guarda no s6tAo. Brilhava a lua cheia. Colocou as patas dian· l.ciras no peitoril daja nela e uivou para a lua. A seguir, desceu pa ra montar guarda novamente na adega. Repetiu 0 ritual lres vezes. Saiu entao da adega e roi deilar-se sobreo cobertor, embaixo da mesa da cozinha. Aror· dou de madrugada. depois de urn sono agra· dave!. Entao viu-se como uma senhora nua, enrolada num cobertor, debaixo da mesa da coz inha. Levantou-se, tomou banho, vestiuse. Era segunda-fei ra de Pascoa. Sentia·ge bern. Nunca mai s se sentiu morta. Acredita na Ressureivao. Passou a viver uma vida aliva e normaP8. Atraves dessa metamorfose, a mulher, que se scntia dcsvitalizada, morta, retomou contata com as forcas vivas que se achavam adonnecidas no inconsciente, num verda· deiro ritual de renovacao tracado pelas fOf1:a s autocura ti vas.

MUAMOR'OSI5 I UANUORMAC6u

As metamorfoses felizes sao aquelas que ao ser urn aumento de vitalidade, eoI"'~'"'''('' nesse easo deserito por Laing. rontrario, as metamorfoses vividas na

1

:~~~':~~;iB~a~C::h~e~l:a:r~d' representariam paQue delas e vitima uma lenti-

da vitalidade, semeaos sofrimentos de Gregor Sam sa, Iil"",,,,,n,,n" descritos par Kafka 19. rran sforma~Oes

IOleit",· .',n,""lo! livros de Jung observara a

repeticao freqtiente da palavra transforma¢Oem seus escritos referentes a psieoterapia. J' em Problemas do Psicologia Modema 11929~, Jung clistingue, no processo psiroterapioo, quatro etapas: I-ealarse: revivescencia de acontecimenlos traumatizantes, acompanhados da Jiberarao de em~Oes a eles vinculados. 2- Sera precise esclarecer os conteudos inronscientes que emergiram na ealarse e enfrentar 0 problema da lransferoncia, a fim deserem dissolvidos os laf,:os criados entre 0 doen1eeo medico no cursoda catarse. Vern it tona oonteudos psiquicos que, nao fora a adlise, permaneceriam ocultos, porem atuantes no inconsciente. Nao apenas elementos incestuosos no sentido estrito da pa!ana, mas tambem inimaginaveis torpezas quenao raro se ama lgamaram na sornbra de cada ser humano. 3-Trata-se da ed uca~o para a vida social. Oindividuo, agora consciente de seus compo!lentes psiquicos claros e sombrios, tera posSbilidades de melhor adapta~o social. 4- Nesta quarta etapa, tipicamente junguiana, perguntar-se-a: Que podera pretender 0 indlviduo depois de haver atingido satisfat6ria adaptaf,:ao social? Se ele se enrontrava abaixo do nivel med-jode adaptaf,:lio, oobjetivo foi alcan~do. Mas, para aqueles que nao haviam tide dificuldades em movimentar-se nesse clito nivel nonnal, haveni 0 impulso em busca de transforma~s do proprio ser, no sentido de alcan~ maior cliferenciaf80 de suas possibilidades ainda nao de 1000 desenvolvidas, e de atingir mais alto n\vel deconsciencia, embora nem sempre tais transforma~Oes correspondam exatamente ______ '- _ ___ __ . _-, __ __ -'L._

Todoser tende a realizar 0 que existe neleem potencial, a crescer, completar-se. E 0 que acontece a semente do vegetal e ao embriao do animal. 0 mesmo ocorre ao homem, quanto ao corpo e quanto a psique. Mas no homem , embora 0 desenvolvimento de suas potencialidades seja impulsionado por fo~s instintivas inconscientes, adquire provavelmente carater peculiar. 0 homem sera capaz de tomar conseiencia nftida desse crescimento e mesmo de influencia-Io. Esse cresci mento, muitas vezes dificiJ e ate doloroso, caminha na busca de eompletaf,:ao da personalidade especffica decada urn, isto e, daquiloqueC. G. Jungdenomina processo de individuaf,:ao. "A significa~o e prop6sito desse processo e a rea liza~o, em todos os seus aspectos, da personalidade, original mente oculta de forma embrionaria; a produf,:iio e desdobramento da totalidade existente em potencial."21 Foram as pr6pnas experiencias intemas de Jung que 0 levaram a descoberta do processo de individua~o, como ele nalTa em suas MemOrws. Viveu-o em todas as suas fases e, paralelamente, observou que 0 curso de desenvolvimentoda personalidadede seus analisandos seguia roteiro semelhante, progredindo sempre em clirecao a urn centro, a urn nueleo energetico que existia no intimo mais profundo da psique. Eurn processo lento. Niioadjanta pretender aeelera-lo artificialmente. Talvez apenas ajuda-Io na rem~o de obstaculos e cria~o de conclit;:6es favorecedoras. Jung relata que, vanas vezes, encontrou antigos analisandos que nlio via desde rnuitos anos e, entretanto, continuavam a ampJiar seu desenvolvimenOO.

Jungtrabalhavacomournempiristadeolhar excepcionalrnente penetrante. Foi assim que aprcendeu, atraves dos sonhos de seus cHentes, nao s6 0 processo de inclividuacao que cada urn buscava realizar por caminhos nao linea res, mas urn surpreendente paralelo entre esse processo e 0 opus alquimico. Opus alquimico e processo de indl viduaf8.o eram, pois, "fenomenos gemeos". Os tramites de ambos ajustavam-se passo a passo. Na busca da pedra filosofal, meta do trabalho

o

MUNOO OA S I"'A O EN S

148

do a matCria sc acha a inda no eslado de massa confusa, decaos. 0 nigredo corresponde ao encon tro com a sombra , em sen tido psicol6gico, sombra onde se entrechocam, confusamente, cont.eudos os mais diversos. "Tudo 0 que e criticado com indignar;ao nos outros e revelado nos sonhos como parte do proprio individuo. lnveja, ci umes, rnenti ras, impulsos sexuai s, desejo de poder, a mbi~ao, cobica por dinheiro, irrilabilidade. in fanti lida des de Lada sortc manifeslam-se nos proprios sonhos.":n No t.rabalho alquimico, para que possa ser ultrapassado 0 nigredo (som bra ), tom am-se necessarios procedi meotos de lavagem, separa~ao, et.c, a parte mais a rdua do trabalho, segundo a firma m os alquimistas. Algo semeIhant.e ocorre na primeira fa se do lraba Lho analitico. Na literatura alquimica, diz M .-L. von Franz, 0 grande esforco e a s preocupac;:6es constant.es estao na passagcm do nigredo para 0 albedo"l."l. Essa seb'Unda etapa corresponde, em termos psico16gicos, ao encontro com 0 component.e sexual oposto interno. A anima . no horneOl ; 0 animus, na mulher. 0 embranquecimento !'iim, pois, "ea fih'llra de Maria, moldada no arquetipo m;:ie, cntra noeCU com seu corpo, is!'iO indica, diz Jung. uniiio entre materia e espirito, os opostos que pareciam inaproximaveis~-.

Nilo sera decerto por nca!'iO que 0 jesuita Teilhard de Chardin formula urn conceito de materia inteiramentc novo para 0 cristianismo. A materia incrtc, brota, nao existe, diz Chardin; uma conscicncia elemental' anima-a em cada grao de areia. E ele canta urn hino a matCria. cssa vii substancia que 0 cristianismo havia sempre correlacionado

o

MUNDO DA5 I ".. ... 0IN5

162

ao ma l e ao pecado: "'Louvada sejas aspera Materia ( ... ) pcrigosa Materia, poderosa Materia, universal Materia (. .. t2J No plano cientffico, urn processo paralelo desenvolve-sc. Esereve S. Grof: "0 espaco tridimensional e 0 tempo unidimensional de Newton fora m s ubs tituidos pelo espaco-tcmpo continuo quadridimensional de Einstein . universo da fisica moderna nao e a quele gigantcsco rel6gio mecanico de Newton, mas uma rede unificada de eventos e rel accs". E continua mnis adia nle: "'Outra area que desafia 0 paradigma cartesiano-newtoniano e que vern recebendo crescente reconhecimen to eientifico e 0 trabalho de Jung. Jung descobriu 0 inconscien te eoletivo, as fun cOes fonnadoras de mitos, os potenciais autocurativos da psique, e a existkncia dos arqmStipos - padrOes dimi micos transpessoais na psique que nao sO transcendem as fronteira s individuais, mas representam uma interrelac;:ao entre consciencia e matkria"24. A psicologia profunda vern reunindo falos que indieam a latente conexao entre materia e psique, enqua nto a ffsica moderna ja demonstrou a equivaIencia entre materia e energia.

o

mv '

E= - 2-

A leona da relatividade afinna-nos que a massa nada ma is e que uma fanna de energia. A totalidade do universe a parcce-nos como uma teia dimimica de padr6es insepa raveis de energia. Em 0 Tao da Fisico , Capra procura explorar as relacOes entre as eonceitos da fisica modema e as ideias hasicas existentes nas tradicOes filos6fi cas e religiosasdo ExtremoOriente. E res ume: "Quanto mais pcnetramos no mundo submierosc6pico, rnais compreendemO$ a fonna pela qual 0 fi'sico modemo, aseme1hanca do mls tico oriental, passa a perceber 0 mundo como urn sistema de componentes insepa niveis, e m perrnanente intera~ao e movimento, sendo 0 homem parte integrante desse sistem a" ~·

V ern de longe, dos subt.erra neos da psique, a luta do tres com 0 quatro. J ung detectou-a em sfmbol os religiosos, como acabamos de

vcr; em sonhos e visOes, que sao para ele fontes de infonnatrao merecedoras da rrnixi· rna confiabilidade. Tomemos para cxempl o uma impressao visu al estudada nos Hvros Psicologia e Reli· giao e Psicologia e Alquimia . E m serie de sonhos anlerioresja haviam a pa recido 0 drcu lo e 0 quadrado, est,