Terra de pretos, terra de mulheres

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Neusa Maria Mendes de Gusmão

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Com os Cumprimentos da fundação Cul\ural Palmares

TERRA, MULHER E RAÇA NUM BAIRRO RURAL NEGRO (

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SUMÁRIO

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Gusmão, Neusa Maria Mendes de. Terra de pretos; terra de mulheres: terra, mulher e raça num bairro rural negro / Neusa Maria Mendes de Gusmão - [ Brasllia} : MING/ Fundação Cultural Palmares, [ 1995 ]. 260 p.: il. - (Biblioteca Palmares; v.6) 1. Comunidade rural - Negro - História - Brasil. 2. Negro - História - Brasil 1. Titulo 11. Série.

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PREFÁCIO ............................................................................................

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APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS ........................................... .

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INTRODUÇÃO .......................................................................................

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1. Os muitos caminhos de uma realidade (12); . 2. Descobertas e desafios: algumas considerações (14); · 3. Grupos rurais negros: universo étnico (17); 4. Campinho da Independência desafio em questão (20). 1 - DESVELANDO CONTORNOS: O ESPAÇO FÍSICO E SOCIAL DE CAM PINHO DA INDEPENDÊNCIA.............................

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1.1. O espaço social, a terra comum (31); 1.2. As famílias: espaço e · sentido (38); ·1.3. Os caminhos de agora (40}. 2 - MEMÓRIAS E ACONTECIMENTOS: A ORIGEM MITIFICADA......

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2.1. Mito e história (45}; 2.2. Terra e parentesco (50}; 2.3. Terra e ·················-direitos:-uma-históriademulheres(66): -------3 - AS RELAÇÕES DO PARENTESCO: A MATRILINEA .....................

Aos meus pais Sebastião (in memorian) Clóris Aos meus filhos, Luiz Felipe, Maira, Yara. Ao Mareio, pela disponibilidade, apoio e afeto. Aos moradores de.Campinho da Independência.

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3.1. Dinâmica da niatrilínea (71}; 3.2. O Bairro das Mulheres: casar e residir (78}; 3.3. Socialização e lazer (88). 4 - SOBREVIVÊNCIA E VIDA ECONÔMICA.......................................

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4.1. A prbdução da vida entre parentes''(98); 4.2. Agricultura e assalariamento (103); 4.3. Terra e farinha: dualidade, poder e identidade (108); 4.4. Heterogeneidade, identificação e mudança (110). 5 - A HISTÓRIA DA TERRA E DOS HOMENS: ORDEM TRANSFIGURADA, ORDEM SUBVERTIDA . ....... .... ..... ..... ..... ... .... 5.1. As muitas expropriações: passado e presente (119); 5.2. O presente da luta e seus agentes (126); 5.3. Dos códigos e conflitos: a ordem subvertida (133); 5.4. A ordem subvertida e seus impasses: a· demanda jurídica (142).

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6 - MOVIMENTOS SOCIAIS E O JOGO DOS CONTRÁRIOS.............

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6.1. A luta pela terra: contrários em confronto (147); 6.2. O cotidiano da luta: presenças e confrontos (153); 6.3. Caipira e negro: estigmas de um grupo (169); 6.4. Família e escola: socialização e recalque (177); 6.5. Os Cêilminhos da branquidão (203).

7 - _NEXO~ INCOf..IE.XOS: A LUTA DIVIDIDA...................................... · 209 7.1.·Da luta e seüs agentes (209); 7.2. Da luté!, da memória e do saber (215); 7.3. Nas regras do jogo (221); 7.4. O novo tempo em debate (232). ·

SIGLAS USADAS NESTE TRABALHO APA

.:... Área de Proteção Ambiental

Br.5=Br101

- Rodovia Federal Rio-Santos

CEB

- Comunidade Eclesial de Base

CPT

- Comissão Pastoral da Terra

DNER

- Departamento Nacional de Estradas e Rodagens

CONCLUSÃO ............... : . .'................. :................ , ................................ ;..

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EMBRATUR - Empresa Brasileira de Turismo

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................

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IBDF

- Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestàl

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IBRA

- Instituto Brasileiro de Reforma Agrária .



INCRA

- Instituto Nacional de Reforma Agrária

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IPHAN

- Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional

J.K.

- Juscelino Kubitschek

STRP

- Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paraty

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C· PARTIDOS POLiTICOS - citados ·

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PT

- Partido dos Trabalhadores

MDB

- Movimento Democrático Brasileiro

ARENA

- Aliança Renovadora Nacional

PMDB

- Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PCdoB

- Partido Comunista do Brasil

PDT

- Partido Democrático Trabalhista

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PDS

- Partido Democrático Social

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PFL

:-- Partido da Frente Liberal

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PREFÁCIO

Além dos sítios conhecidos e não conhecidos dos antigos quilombos, existem em várias regiões do território brasiléiro fora do contexto Urbano, comunidades vivas de afro-brasileiros, descendentes de afrtcªnos escravizados. Desde a promulgação da nova constituição, essas comú"nidades--passãíirn-CÍfÍ::cialmente a serem designadas "remanescentes de quilombos", embora saibamos que nem todas são descendentes de antigos quilombos. Apesar da generalização e dos nomes_ utilizados para designá-las, cada uma dessas comunidades tem uma origem e uma história própria que pode ser contada pelos membros vivos das mesmas. Uma história a ser resgatada através do estudo da tradição oral_ç_on~~ry~u:Iª na memó.riELColetiva dQ_grupo. O registro dessa história exige uma narrativa na qual todas as vozes emanarffdbs membros da própria comunidade, sendo o pesquisador considerado como colaborador e auxiliar na transcrição da oralidade e finalmente na sua interpretação. Somadas, essas históriàs comunitárias locais poderão contribuir na construção do grande capítulo da história do negro no Brasil após abolição. O presente livro, Terra de Pretos, Terra de Mulheres, terra, mulher e raça num bairro rural negro, de Neusa Maria Mendes de Gusmão, é o resultado de uma longa pesquisa realizada pela autora no bairro rural negro de Campinho da Independência, no município de Parati, ao sul do Estado do Rio de Janeiro. Esse bairro oferece uma .ilustração dessas numerosas comunida_____________________________________ _J _________ __________des__ ru[ais_hoj_e__denarniaadas__ _r_e_m_ane-5e_e_ote_s_d_e_ g_y_U_g_mbºs__e___çºn~tit!J_~__lAffi_ª~~m:__________ (~------­ pio vivo de sobrevivência e de resistência cultural. Este livro vem se somar aos estudos relativamente pouco numeross . sobre as realidades rurais negras no Brasil, além de preencher uma importante lacuna, auxiliando no registro da memória oral e consequentemente da história · dessa comunidade. A autora tenta captar os mecanismos das relações raciais e interétnicas no contexto específico dessa comunidade rural negra. No trabalho são analisadas e discutidas as peculiaridades de uma comunidade negra rural, destacando suas semelhanças e aproximaçõés, diferenças e distâncias em relação ao universo branco e urbano em que está inserida. sem minimizf!r o elemento étnico ou cultural, a terra constitua o eixo central de análise e de discussão nessa pesquisa. A terra é enfocada, de um lado, como capital natural, meio de sobrevivência, de reprodução da vida e da sociedade, e, de outro lado, como territorialidade e elemento de construção da identidade étnica, como espinha dorsal da estrutura social. A história dessa comunidade, sua l!Jta pela sobrevivência, as marcas de sua identidi,i(fi:c~-ltürãr, -SUas--refãÇoés-~O-rn a~ociedade glÓbà( SellSprobÍernas-cotidlanos, seu futurÓ

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.no Brasil, passam pela questão da terra. Ess[:i terra é da mul~e,r. ~--? ~-cesso a eláé-legifüifaâcrpelas·relaçõesdeparéntesco centradas nâ figura das ances; trais fundadoras femininas. O estudo revela, caso raro, a existência de uma sociedade matrilinear cuja propriedade coletiva da terra e toda a trama social e sexual são .do domínio feminino..

APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

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Trabalho científico engajado, Terra de Pretos, Terra de Mulheres, não apenas analisa e discute, mas também denuncia, se posiciona e convida o leitor para tomar conhecimento e se conscientizar sobre os problemas e as dificuldades das comunidades negras rurais brasileiras. Além da discussão teórica, através da qual a autora retoma, critica e sintetiza as categorias conceituais rurais no• Brasil, seu trabarelacionadas à temática da terra e das comunidades 1 lho oferece, também, um rico quadro etnográfico. Nele, revive-se o campo e sente-se a profunda penetração e a aceitação da autQfa, pelos moradores do bairro negro de Campinho da Independência. Sente-se também, a preocupação da autora com o Homem e com o futuro da comunidade, considerando-se sua análise dos conflitos de relacionamento com a sociedade global e sobretudo, dos aspectos perversos do "desenvolvimento" regional e das ameaças provocadas pela indústria turística e pela propriedade privada de tipo capitalista. Conflitos, mudanças, resistência cultural e construção da identidade ét. nica apontados no trabalho de um lado; o engajamento e o posicionamento ideológico da autora acompanhados da denúncia, do esforço de conscientização da sociedade, de outro lado, levaram-na a operaruma ruptura espistemológica não comum. No ano que se rememora os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, este trabalho ol'erece uma reflexão original e crítica ao debate sobre a situação do negro no Brasil, em particular na questão das comunidades negras rurais cuja sobrevivência depende inteiramente da posse da terra. Terra que, para essas comunidades se apresenta mais como um patrimônio social inalienável do que uma propriedade coletiva. No entanto, essa terra permanentemente objeto de cobiças e de especulação das empresas imobiliárias e turísticas, bem como, de empreendimentos particulares e públicos, corre sempre o risco de ser roubada definitivamente de seus proprietários coletivos e legítimos.

KABENGELE MUNANGA UNIVERSIDADE DE SÃOPAULO Setembro, 1995

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A questão étnica e histórica do negro no campo envolve uma realidade política fundamental na história nacional que diz respeito as formas não-típicas de acesso a terra e que é discutida nesse trabalho. Os muitos caminhos de constituição dos grupos negros contemporâneos e, de seus territórios, revelam o tempo presente de suas vidas e existência, como um tempo de transição e luta. A realidade negra e camponesa de Campinho da Independência, bairro . rural negro, ao sul do Estado do Rio de Janeiro, no município de Paraty, objeto dessa reflexão, foi primeiramente apresentada como tese de doutoramento com o título "A Dimensão Política da Cultura Negra no Campo: uma luta, muitas· lutas", na Universidade de São Paulo (Departamento de Antropologia daFacuk, · dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), e defendida em11990, sob orien- \ '-···--··--·· .· 1 tação do Prof. Dr. Kabengele Munanga. . \\ , .. · · O encontro seguro e fecundo com Kabengele Munanga, méiíofferifador e amigo foi fundamental para que este trabalho chegasse a etapa final do doutorado. Sem ele, certamente a jornada teria sido mais ardua e talvez inconclusa . A presença constante do Prof. Dr. João Bâptista Borges Pereira, não pode ser esquecida, pois, foi ele quem primeiro acreditou no que era apenas um projeto e sensivelmente voltado para as questões das comunidades rurais negras, deu-me seu apoio permanente assim que ingressei junto a Pós-Graduação em Antropologia, da FFLCH da USP. · Muitas outras pessoas cruzaram meu caminho e o cotidiano da pesquisa, a todos sou grata pelo apoio e compreensão, mas não posso deixar de citar o Prof. Edmir de Carvalho da UNESP de Marília e a Prof! Ora. Ana Lúcia E.F. Valente, amiga de todas as horas e de longas trocas acadêmicas. Os Profs. Drs. Renato S. de Queiróz e Carlos M. H. Serrano foram fundamentais na qualificação por sugestões e conselhos que espero ter devidamente incorporado no presente trabalho. Da mesma forma, busq4_ei nessa apresentação final incorporar as sugestões da banca arguidora da tese, Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira, Prof! Ora. Josildeth G. Consorte, Prof! Ora. Maria Margarida Moura e Prof. Clóvis Moura, além de meu próprio orientador. O apoio institucional foi dado pela CAPES através do Programa de Demanda Social e depois, pelo Programa Integrado de Capacitação de Docentes (PICO). Lina Maria de Almeida, não foi só a digitadora dos originais, foi amizade nova e carinhosa que não pode ser esquecida. A lnes e Júlio Franco, este responsável pelos gráficos; mapas e pela sensível capa que acompanha essa publicação, agradeço pelo apoio e afeto.

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A ajuda e compreensão de Mareio e de meus filhos a quem dedico este trabalho, foi fundamental em todas as horas.

INTRODUÇÃO

O povo de Campinho da- Independência, em sua magnanimidade e carinho transcende a qualquer possibilidade de agradecimento. Espero apenas, que esse trabalho possa corresponder as expectativas que foram geradas e, com ele, tomar mais sólida a amizade, o carin.ho e o respeito com que me ·acolheram e me ensinaram suas vidas, lutas e esperanças. (/-'-,,\

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A distância entre a apresentação desse trabalho na USP em qutubro,dé

199Q e, agora a sua publicação, colocou-me o desafio de sua atualizàÇãô:/Optêi;-~o entanto, por considerar apenas algumas passagens, que permitissem demonstrar a atualidade do tema e da luta do p,ovo negro, em particular o povo de Campinho. Assim, nenhum trabalho é perfeito e plenamente concluído, de modo que sou responsável pelas lacunas e falhas qúe ainda persistem.

Neste trabalho, circunscrevo minhas preocupações aos sistemas de usufruto. da terra, entendidos enquanto sistemas de posse. comunal, com uso comum de uma terra e de seus recursos por grupos específicos que têm, na apropriação familiar e no usufruto comum, a base de sua organização e defesa perante a sociedade inclusiva. Almeida afirma que os sistemas de posse comunal, fundamentam-se nos movimentos próprios da ordem capitalista, enquanto produtos de antagonismos e tensões peculiares ao seu desenvolvimento. "Constituem-se, (.. .), paradoxal e concomitantemente, em modalidades de apropriação do recurso básico, a terra, que se desdobraram marginalmente ao sistema econômico dominante. Emergiram enquanto tática de auto-defesa e busca de alternativa de diferentes segmentos do campesinato (.:.)para assegurarem suas condições.materiais de existência".