Direito Internacional Público e Privado [6 ed.]
 9788576992448

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Direito Internacional Público e Privado

Renata Campettí Amaral

Editora

Verbo Jurídico

Porto Alegre

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A485d

Amaral, Renata Campetti, O direito internacional: público e privado / Renata Campetti Amaral. 6a edição — Porto Alegre : Verbo Jurídico, 2010. 248 p. ISBN: 978-85-7699-244-8 1. Direito Internacional Público. 2. Direito Internacional Privado. 3. Tratados Internacionais. 4. Conflitos Internacionais I Titulo. CDU:

341.124

Bibliotecária Responsável Ginamara Lima Jacques Pinto

CRB 10/1204

Editora Verbo Jurídico Ltda> Matriz: Rua Prof, Cristiano Fischer, 2012 Porto Alegre, RS CEP 91410-000 Fone: (51)3076-8686 Filial: Rua Benjamin Constant, 77/107 São Paulo, SP Fone: (11)3106-5287 verbojuridico@verbojurtdico. com.br

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Direito Internacional

Colaboração de Rodrigo TeUectaea Silva

Direito Internacional

ÍNDICE CAPÍTULO I - DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 1 .Introdução à Disciplina................................................................................... 11 1.1.Origens e Evolução Histórica.... ............................................................... 11 1.2. Conceito................................................ ........... ......................................... 14 2. Objeto..............................................................................................................15 3.Fonte s.......................................................................................................... 16 3.1.Tratado s.................................................................................................... 18 3.2.

Costume............. ......................................................................... 20

3.3.Princfpios Gerais do Direito...................................................................... 22 3.4.Jurisprudência e Doutrina..........................................................................22 CAPÍTULO II - PERSONALIDADE INTERNACIONAL 1 .Conceito.......................................................................................................... 25 2.Capacidade de Ação..................................................................................... 25 3.Pessoas

Internacionais............................................................................ 27

3.1.Estados ..........................................................................................................,........ ..............2 3.2.0rganismos Internacionais....................................................................... 35 3.2.1.

Organização das Nações Unidas - O N U ...................................37

3.2.2. Organização dos Estados Americanos - O EA ............. ...................... 42 3.3.Indivíduos e Empresas ............................................ ................................44 4.

Santa-Sé.......................................................................................... 45

5.Organizações Não-Governamentais - ONGs............................................ 45 CAPÍTULO III - TRATADOS INTERNACIONAIS 1 .Teoria Geral dos Tratados........................................................................... 47 1.1. Princípios e Classificação dos Tratados................................................49 1.2. Interpretação........................................................ .................................... 51 1.3. Validade, Vigência, Execução e Aplicação............................................ 51 1.4. Relações e Conflitos com o Direito interno ..........................................54 1.5. O Sistema Brasileiro de Incorporação de Tratados..............................55 2. Tratados em Espécie...................................................................................58 2.1. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos..................58 2.2. Estatuto de Roma e Tribunal Penal internacional................................ 62

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2.3. Proteção Internacional do Meio Ambiente.......................................;... 65 2.4. Outras Convenções Internacionais.......................................................70 2.4.1. Convenção para repressão ao Genocídio........................................70 2.4.2. Convenção contra o crime organizado transnacionai..................... 71 2.4.3. Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes....................... 75 2.4.4 Convenção contra o tráfico de armas................................................ 77 2.4.5. Convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais..............78 CAPÍTULO IV - REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA 1. Missões Diplomáticas................................................................................81 1.1 Convenções de Viena de 1961 ............................................................. 82 1.2. Privilégios e Imunidades........................................................................83 2. Convenção sobre Relações Consulares de 1963.................................. 86 CAPÍTULO V - RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS 1. Direitos Fundamentais dos Estados........................................................89 2. Deveres dos Estados............................ ................................................... .91 2.1. Dever de Não-lntervenção.....................................................................91 2.2. Responsabilidade por Danos Internacionais....................................

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2.2.1. Proteção Diplomática...................................... ....................................95 CAPÍTULO VI - MEIOS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS 1. Solução Pacífica de Conflitos.................................................................. 99 1.1. Arbitragem Internacional..................................................................... 100 1.2. Corte Internacional de Justiça .............................................................. 101 2. Sanções e Soluções Coercitivas de Controvérsias...............................102 2.1. Rompimento de Relações Diplomáticas..............................................103 2.2. Retorsão..................................................................................................104 2.3. Represálias.............................................................................................104 2.3.1. Embargo.............................................................................................. 104 2.3.2. Bloqueio Pacífico................................................................................ 105 2.3.3. Boicotagem..... .................................................................................... 105 CAPÍTULO VII - DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO 1. Princípios do Comércio Internacional - GATT e O M C .......................... 107

Direito Internacional 2. Processo de Integração Econômica Internacional................. .............. 112 3. Blocos Regionais.......................................................................................113 3.1. MERCOSUL..............................................................................................113 3.2. União Européia................... .......................................................................121 3.3. NAFTA eALCA.......................................................................................... 126 4. Nomenclatura Utilizada no Comércio Internacional

.............................128

CAPÍTULO VIÜ - DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL MARÍTIMO - Conceitos Fundamentais 1. Mar, Águas Interiores, Mar Territoriai, Zona Contígua e Zona Econômica............................................... .................... ..............................131 2. Plataforma Continental............... ..............................................................136 3. Alto-Mar,..... ............................. ................................................................. 137 4. Rios Internacionais..... .............................................................................. 137 CAPÍTULO IX - DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL AÉREO 1. Espaço Aéreo............................................................................................ 139 2. Princípios Elementares..... ....................................................................... 139 3. Normas Convencionais................................................................................ 140 4. Nacionalidade das Aeronaves.................................................................... 143 5. Espaço extra-atmosférico......................................................... .................. 143 6. Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei n° 7.565/86.............. .................. 143 CAPÍTULO X - DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 1. Conceito e Objeto.................... ..................... ..............................................145 2. Relação Típica e Relação Atípica...............................................................146 3. Fontes............................................................................................................146 4. Origens e Evolução Histórica.......................................... ............................146 5. Conflitos de Leis no Espaço e Reenvio.....................................................149 6. Elemento de Estraneidade e Fato Jusprivatista Internacional ............... 150 7. Elementos de Conexão do Direito Brasileiro........................... ................. 151 7.1. Família e Direitos Pessoais.............................. ................... ...................153 7.2. Adoção Internacional...................................................................... .......154 7.3. Bens........................................................................................................... 155 7.4. Obrigações e Contratos Internacionais.................................................. 156

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7.5. Pessoa Jurídica............... ......................................................................... 157 7.6, Sucessão................................................. ........................ ........................ 158 8. Teoria das Qualificações......................................................................... 159 CAPÍTULO XI - NACIONALIDADE 1. População e Comunidade Nacional.................. ......................................... 161 2. Aquisição, Mudança e Perda da Nacionalidade - Opção e Prazos............. 162 3. Naturalização................................................................................................ 167 4. Posição da Justiça Federai - Jurisprudência............................................ 169 CAPÍTULO XII - REGIME JURÍDICO DO ESTRANGEIRO 1. Estatuto dos Estrangeiros e Vistos............................................................ 175 2. Extradição, Expulsão e Deportação................... ....................................... 178 3. Asilo Político.......................... .......................................................................183 4. Refugio........................................................................................ ............... .184 5. Pessoas Jurídicas Estrangeiras................. ................................................185 CAPÍTULO XIII - PROCESSO CIVIL INTERNACIONAL 1. Aplicação da Lei Estrangeira .....................................................................187 2. Competência Internacional no Brasil.............................................. ....... 188 2.1. Competência Concorrente......................................................... ........... 188 2.2. Competência Absoluta.................................................... ...................... . 189 3. Sentença Estrangeira e Cooperação Internacional..................................191 3.1. Cartas Rogatórias.............................................. .......................... ......... 191 3.2. Homologação de Sentenças Estrangeiras e Exequatur...................... 193 3.3. Precedentes Jurisprudenciais envolvendo Homologação de Sentenças Estrangeiras pelo STJ.......................... ........................................ 195 CAPÍTULO XIV - PRESTAÇÃO CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE

DE

ALIMENTOS

E

1. Noções Gerais segundo o Decreto Legislativo n 10/58 e o Decreto n 56.826/65. Hipóteses de Procedimento.......................................201 2. Competência da Justiça Federal.............. ........................ ........................203 Resolução STJ n. 9/2005............................. ............................................... 205 Q uestões......................................................................................................... 209

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Direito Internacional

Capítulo I

DIREITO INTERNACIONAL PUBLICO

1 introdução à disciplina 1.1 Origens e evolução histórica A origem do Direito Internacional Público (DIP) é contem­ porânea ao nascimento do próprio Estado. O Direito das Gentes, como era chamado o DIP, nasceu no século XV com a formação dos Estados Nacionais, de cunho absolutista. Todavia, foi a partir do século XVI, com o lançamento dos ensaios do holandês Hugo Grotius (De Jure Belli ac Pacis e De Jure Praedae) que a disciplina conquistou espaço no universo jurídico5. A doutrina especializada distingue 2 (dois) diferentes períodos na evolução do Direito Internacional Público: o sistema clássico (1648-1918) e o moderno (após o término da Primeira Guerra Mundial)2. “O sistema clássico foi baseado no reconhecimento do Estado soberano como o único sujeito do DIP”3 e distingue-se pelos seguintes aspectos: 1 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo, Editora Atlas, 2002, pg 28. 2 JO, Hee Moon. introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000, pp. 52 e 65. 3 JO, op. cit., p. 52.

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(I) característica européia, em face do período de colo­ nização; (II) aplicação dos princípios da pacta sant servada nas obrigações internacionais, da soberania territorial, da imunidade estatal e das regras de proteção diplomática; (III) aceitação do uso ilimitado de força e de guerra como direito inerente ao Estado, facilitando a aceitação da idéia de anexação de território estrangeiro conquistado e da colonização dos novos continentes4. Já o sistema moderno é marcado pelas seguintes carac­ terísticas: (I) desvinculação das características européias, ou seja, uni­ versalização do DIP, apesar de muitas normas do DIP clássico terem sido mantidas; (II) manutenção da paz e segurança internacionais por meio da organização sistemática da sociedade internacional; (III) surgimento de novas áreas do DIP, como direito inter­ nacional econômico, direitos humanos, direito internacional ambiental, etc. Em verdade, foi com o final da Primeira Guerra Mundial (1918), a partir da instituição da Liga das Nações e da criação da Orga­ nização Internacional do Trabalho, que o Direito Internacional Público ganhou notoriedade no contexto internacional. É a partir desse momento histórico que o DIP começa a ser visto como um sistema normativo com o objetivo de instituir o dever jurídico de cooperação entre entidades autônomas (Estados). Houve uma transformação fundamental no sistema legal vigente àquela época, objetivando reorganizar a comunidade interna­ cional de modo a impedir o uso de força como meio de coação e criação de direitos. Sob o ponto de vista histórico-político, esses períodos podem ser divididos da seguinte forma: (I) da Revolução Russa até a criação da ONU; (II) do estabelecimento da ONU até o período de descolonização 4 É importante lembrar que, atualmente, essa regra foi proibida pela Carta da ONU, que não permite o uso da força para intervenção em assuntos internos dos Estados.

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Direito Internacional

da Ásia e da África (1945-1960); (III) da expansão da comunidade internacional até o fim da Guerra Fria, marcada pela dissolução da União Soviética (1960-89); e (IV) da dissolução até hoje. Um dos principais efeitos práticos da nova concepção de Direito Internacional Público, inclinado para a regulamentação da paz e fundamentado no princípio da não-intervenção e na democratização de direitos, foi a criação de uma diplomacia multilateral institucionalizada, com atuação marcante em diversos fóruns de debate, dentre os quais se destacam: a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a OMS (Organização das Mundial da Saúde). Além disso, é importante sublinhar a sua influência na extemalização de disciplinas jurídicas antes restritas ao direito interno de cada país, como por exemplo, o Direito Penal Internacional e o Direito Processual Internacional,5 Na atualidade, a grande característica do Direito Inter­ nacional Público é a sua enorme expansão, tanto relativamente à extensão de assuntos sob sua égide, quanto ao vigor em direção à maior eficácia de suas normas. Ainda nesse particular, é interessante destacar que a socie­ dade internacional, ao contrário das comunidades internas de cada nação, é organizada de forma descentralizada. Disso resulta que, teoricamente, no plano internacional, não há autoridade superior, nem sujeitos dominantes. Os Estados soberanos organizam-se num plano horizontal de autonomia, prontifícando-se a proceder de acordo com determinadas normas jurídicas, na medida de seu consentimento. A criação das normas de Direito Internacional Público é, assim, obra direta de seus desti­ natários. Dessa forma, entende-se que as normas vigentes entre os Estados pressupõem a existência de uma ordem de coordenação, e não de subordinação, como ocorre no direito interno6. Essa análise, no entanto, não está isenta de críticas, tendo em vista que a teorização da igualdade soberana entre todos os Estados é um postulado jurídico que enfrenta notória dificuldade em sua aplicação prática. Note-se, por exemplo, a árdua tarefa na aplicação de sanções a 5 SOARES, op. clt., pp. 32 e 33. 6 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 01.

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qualquer dos cinco Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU (China, França, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos).

1.2 Conceito O conceito e o conteúdo abrangido pelo Direito Inter­ nacional Público podem variar conforme o critério adotado pelo doutrinador estudado. Para oferecer uma visão sistemática do assunto, adotaremos definições comuns à grande maioria da doutrina especializada. Até fins do século XIX, a doutrina somente atribuía a condição de sujeito do DIP aos Estados. Nesse sentido, Pimenta Bueno (1863) afirmou “o direito internacional público ou das gentes, jus gentium publicum ou jus publicum intergentes ^ é o complexo dos princípios, normas, máximas, atos ou usos reconhecidos como reguladores das relações de nação a nação, ou de Estado a Estado, como tais, reguladores que devem ser atendidos tanto por justiça como para segurança e bem-ser comum dos povos ” Na acepção clássica de Direito Internacional Público, o Estado era visto como um ente soberano, soberbo, o único sujeito capaz de criar direitos e gerar obrigações no âmbito internacional, motivo pelo qual o Estado está sempre presente nas conceituaçoes iniciais da disciplina. A explicação histórica para essa visão centralizadora encontrase na idéia de que, por muito tempo, o Estado foi visto como detentor de um poder supremo, ilimitado. Todavia, essa noção de soberania incondicionada não é mais absoluta, eis que, atualmente, o exercício do poder do Estado se encontra limitado por fatores e normas externas a sua própria vontade, como por exemplo, pelos compromissos assumidos na esfera internacional e pelas normas de DIP7. Nesse contexto e com a evolução da disciplina, passouse a incorporar ao lado do Estado, as organizações internacionais enquanto sujeitos do DIP.

7 SEITENFUS, José Ricardo e VENTURA, Deisy. introdução ao Direito internacional Público. 1a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, p 27.

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Direito Internacional

Também a condição jurídica do homem - até então adstrita ao direito interno - passou a ser objeto de estudo da disciplina internacional, de modo que Nicolas Politis definiu: “DIP é o conjunto de regras que governam as relações dos homens pertencentes aos vários grupos nacionais”. Para resumir a questão, a definição de Hildebrando Accioly8 é bastante oportuna. Segundo ele, DIP “é o conjunto de princípios e regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados ou outros organismos análogos, quanto dos indivíduos”.

2 Objeto Tradicionalmente, o campo de aplicação do DIP restringiase às relações diplomáticas, comercias e ao direito de guerra. No entanto, tal como é conhecido na atualidade, o DIP apresenta uma função bastante ampla. No entender da Corte Internacional de Justiça (CLJ), órgão jurídico e consultivo da Organização das Nações Unidas, o DIP se constitui em fator de organização da sociedade, de modo que deve atender a 2 (duas) finalidades: (I) redução da anarquia das relações internacionais; (II) satisfação de interesses comuns dos Estados. De forma mais detalhada e com alicerce na lição de Charles Roí sseau, podemos definir as funções do DIP a partir do seguinte tripé: a) assegurar a divisão de competências entre os Estados soberanos, estabelecendo base geográfica para o exercício de sua jurisdição, não podendo, em regra, excéder esse limite; b) impor obrigações aos Estados no exercício de suas competências, limitando sua esfera de dlscricionariedade; c) delimitar as competências das organizações inter­ nacionais. Com o incremento das relações internacionais, comerciais e econômicas entre os Estados, o alcance da disciplina ampliou-se 8 SILVA, G. E. do Nascimento e & ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 13a ed. Sâo Paulo: Saraiva, 1998.

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satisfatoriamente, passando também a regular direitos relativos ao meio ambiente, ao comércio internacional, aos direitos humanos, ao direito do consumidor, entre muitos outros.

3 Fontes A doutrina divide a origem das fontes do DIP em duas concepções: a positivista e a objetivista. A primeira, também chamada voluntarista, é defendida pelos italianos, os quais entendem que a única fonte do DIP é a “vontade comum dos Estados”, sendo que tal vontade se encontra expressamente manifestada nos tratados e, de modo tácito, no costume. Essa concepção (positivista ou voluntarista), todavia, é insuficiente para explicar a obrigatoriedade da norma costumeira, a qual se toma cogente para os Estados-membros da sociedade internacional, independentemente da manifestação de vontade destes9. Em contraposição, a escola objetivista baseia-se na distinção entre fontes formais e materiais. As fontes materiais seriam as “verdadeiras fontes do Direito”, enquanto que as formais seriam apenas “meios de comprovação”. Sendo assim, as fontes materiais seriam, por exemplo, a tradição, a cultura, a história. Já as fontes formais do DIP, ou seja, aquelas por meio das quais se expressa e comprova o direito, seriam os tratados, os princípios gerais do direito e, secundariamente, a jurisprudência e a doutrina. Tradicionalmente, tem-se considerado como rol das fontes formais do Direito Internacional Público a enumeração prevista no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça: A Corte, cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe foram submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes. 9 MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito internacional Público. Vol. 1,12a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 192.

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Direito Internacional b) o costume internacional, como prova da prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

Ressalte-se, ainda, que doutrinadores modernos vêm incluindo os atos unilaterais e as decisões tomadas por Organizações Internacionais Intergovemamentais como fontes do DIP, apesar de tais atos não se encontrarem listados no artigo 38 do Estatuto da Cortê. São exemplos práticos de atos unilaterais a notificação, a renúncia e o reconhecimento. Saliente-se, no entanto, que tais atos não apresentam caráter normativo, marcado pela abstração e generalidade. Ao mesmo tempo, porém, é inegável que eles produzem conseqüências jurídicas, criando, eventualmente, obrigações aos Estados. Nesse sentido, é preciso analisar de forma crítica o rol de fontes previsto no artigo 38 do Estatuto da Corte, lavrado em 1920, quando apenas começava a se desenvolver o Direito Internacional Público, não podendo ser estudado como um rol exaustivo. Importante destacar que, a partir dos anos 60, a doutrina intemacionalista tem se debruçado sobre o fenômeno da existência de normas jurídicas com graus de normatividade menores que as tradicionais, mas nem por isso menos significativas. A tais normas denominou-se soft law, por oposição às tradicionais, que então passaram a ser tratadas de hard law.10 O conceito de soft law emergiu a partir da relevância e da atuação crescente da diplomacia multilateral, seja nos foros diplomáticos de negociação, seja a partir de interpretações dadas aos tratados multilaterais elaborados sob a égide das organizações intergovernamentais.11 10 SOARES, op. clt., p. 136. 11 SOARES, op, cft., p. 137.

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No sistema da soft law, o cumprimento das normas jurídicas é meramente recomendado aos Estados, que podem, inclusive, não as cumprir, sem que haja sanções aplicáveis aos inadimplentes. As denominações dessas regras têm variado bastante, como por exemplo, non binding agreements, gentlemen's agreements, códigos de conduta, memorandos, declaração conjunta, declaração de princípios, ata final, etc.12

3.1 Tratados Entende-se por tratado o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas interna­ cionais13. As Convenções de Viena de 1969 e 1986 estabeleceram as normas pelas quais é regido o tratado no Direito Internacional Publico, conceituando-o como “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados regidos pelo Direito Internacional, quer inserido num único instrumento, quer em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica” (art. 2, item 1, da Convenção de 1969). Essa Convenção foi assinada pelo Brasil em 1980, e ratificada em 25 de setembro de 2009 (Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009). De acordo com o texto da Convenção de Viena, com­ preende-se que a palavra tratado designa um acordo regido pelo direito internacional, qualquer que seja a sua denominação. Nesse sentido, tratado seria a designação genérica, onde estão abrangidas as expressões: convenção, convênio, protocolo, compromisso, etc. Apesar disso, algumas diferenciações têm sido utilizadas para a designação dos diferentes tratados, de acordo com sua hierarquia e finalidade, tais como:

12 SOARES, op. cit, p. 138, 13 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 23.

Direito Internacional

Expressão Carta

Convenção

Acordo

1

Designação Designa tratados hierarquicamente supe­ riores, os quais dispõem sobre a criação de entidades internacionais, como por exemplo a Carta da ONU.

| Vem sendo utilizada nos principais tratados multilaterais de característica normativa, como a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969). Utilizado quando o número de partes é baixo e sua forma é simples. Possui característica administrativa e técnica.

Ajuste ou Acordo Complementar

j Ato que possibilita a execução de outro anterior, devidamente concluído. Em I geral, são colocados ao abrigo de um j acordo-quadro ou acordo-básico.

Acordo por Troca de Notas

j Empregado para assuntos de natureza administrativa, bem como para alterar ou 1 interpretar cláusulas de atos já concluídos.

Memorando de Entendimento

Protocolo

Utilizado para registrar princípios gerais que orientarão as relações entre as Partes, seja nos planos político, econômico, cultural ou em outros. | Usualmente, designa o documento que visa a dirimir questões adicionais, ; complementares e interpretativas de tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para designar a ata final de uma conferência internacional.

Protocolo de Entendimento

Ato de menor hierarquia que não encerra um acordo de vontades, mas apenas um início de compromisso.

Concordata

Teimo reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé.

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Essas denominações, contudo, não têm influência sobre o conteúdo do tratado, podendo variar de acordo com a escolha dos Estados-membros. Portanto, a utilização das expressões é, de certa forma, livre. O capítulo III tratará mais detalhadamente acerca dos tratados internacionais.

3.2 Costume O costume adquire papel fundamental enquanto fonte do DIP, uma vez que muitas das relações de direito internacional não se encontram normatizadas. E, por excelência, a fonte formadora das normas de DIP. Segundo a doutrina, para a formação do costume interna­ cional é indispensável a existência de 2 (dois) elementos: um de ordem material e outro de caráter subjetivo. O elemento material do costume está consubstanciado na prática, na repetição ao longo do tempo de um certo modo de proceder ante a determinado quadro fático. Essa prática reiterada pode ser omissiva ou comissiva e aplica-se a quaisquer sujeitos na esfera do Direito Internacional Público. Não há transcurso de tempo pré-determinado para a sua formação, devendo ser analisado caso a caso. Nesse sentido, já se manifestou a Corte Internacional de Justiça no julgamento do Caso da Plataforma Continental do Mar do Norte: “o transcurso de um período de tempo reduzido não é necessariamente, ou não constitui em si mesmo, um impedimento à formação de uma nova norma de direito consuetudinário”14. O elemento subjetivo do costume internacional (Opinio Juris) é o entendimento, a convicção, a crença de que a atitude prática se estima obrigatória por ser necessária, correta, justa, e por assim dizer, digna do bom direito. Do contrário, qualquer conduta internacional reiterada por qualquer Estado durante um certo lapso temporal, por comodismo, hábito ou praxe, se enquadraria nessa definição, formando assim uma nova norma costumeira.

14 REZEK, op. cit.,p. 119.

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Direito Internacional

A formação de um costume internacional não necessita de que determinada conduta seja praticada reiteradamente por todos os membros da comunidade internacional, assim como não precisa que todos a considerem como justa e correta. Impõe-se, todavia, por uma questão de bom senso, a existência de uma pluralidade de Estados que adotem a prática.15 Inúmeras situações encontram-se satisfatoriamente regu­ ladas pelo direito costumeiro, de modo que não se vislumbra a necessidade de sua codificação. Tanto é assim que é de praxe a adoção pelas Convenções do seguinte preâmbulo: “afirmando que as regras de direito internacional consuetudinário continuarão a reger as questões que não forem reguladas nas disposições da presente Convenção”. 6 Não há desnível hierárquico entre normais costumeiras e convencionais. Logo, um tratado é idôneo para derrogar, entre as partes celebrantes, certo norma costumeira. De igual modo, pode um costume derrogar a norma expressa de um tratado.17 No entanto, é preciso esclarecer que, em termos de operacionalidade e segurança, os tratados primam sobre os costumes, uma vez que, muitas vezes, é árdua e nebulosa a tarefa de verificar a data de surgimento do costume, as partes obrigadas, a profundidade das obrigações, etc. Busca-se, materialmente, a prova do costume em atos estatais, via de regra, aqueles que compõem a prática diplomática, e ainda nos textos legais e nas decisões judiciárias que disponham sobre temas de interesse do direito das gentes18. Geralmente é com base em normas costumeiras que se estabelecem as bases estruturais de um tratado ou convenção internacional. Da mesma forma, algumas convenções internacionais de grande relevância não ratificadas pelas partes são consideradas pela doutrina como direito consuetudinário. Um exemplo interessante dessa hipótese é o Caso da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, datada de 1969, que é obrigatória por força contratual àqueles Estados que a ratificaram e costumeira para aqueles que não o fizeram.

15 REZEK, op. cit., p, 120. 18 SOARES, op. cit., p. 85. ,7 REZEK, op. cit., p. 124. 18 REZEK, op. Cit., p. 125.

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3.3 Princípios gerais do direito A doutrina destaca que, dentre as fontes de DIP citadas pelo artigo 38 do Estatuto da CIJ {vide item 3 do presente capítulo), os princípios gerais do direito são os mais vagos, os de mais difícil caracterização19. Tais princípios seriam aqueles aceitos por todas as nações in foro doméstico, dentre os quais poderíamos destacar o princípio da boa fé, da não-agressão, da solução pacífica dos litígios, da continuidade do Estado, da autodeterminação dos povos, do desarma­ mento, pacta sunt servanda e rebus sic stantibus. Na prática, há exemplos da utilização dos princípios gerais do direito como fundamento de decisões. No Caso Chorzów Factory (1927), a Corte Permanente de Justiça Internacional (antecessora da Corte Internacional de Justiça) declarou que “é um princípio de direito internacional, e até mesmo um princípio geral do direito, que qualquer quebra a um acordo acarreta a obrigação de indenização”. 3.4 Jurisprudência e doutrina A alínea d do art. 38 do Estatuto da Corte menciona as decisões judiciárias e a doutrina como fontes do DIP. Essa diretriz está sujeita ao disposto no art. 59 do mesmo Estatuto, que determina que “a decisão da Corte não é obrigatória senão para as partes em litígio e em relação a esse caso específico”. Isso significa que os tribunais não estão obrigados a seguir as decisões anteriores relativas à mesma questão de direito (stare decisis doctrine). Pela expressão decisões judiciárias, entende-se a juris­ prudência dos tribunais arbitrais, além das decisões dos tribunais e organizações internacionais. Sua importância vem do fato de que a jurisprudência contribui para o desenvolvimento da disciplina, uma vez que interpreta e esclarece as disposições de tratados internacionais e das normas costumeiras. Dentre as decisões judiciárias, aquelas emanadas da CIJ são consideradas as de maior relevância para a interpretação das normas na esfera internacional. Quanto à doutrina, sua caracterização como fonte do DIP é bastante contestada, contudo, não se pode negar sua importância na interpretação dos textos convencionais, que muitas vezes não são devidamente claros e precisos. 19 SILVA & ACCIÓLY, op. cit, p. 7.

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Direito Internacional

Na verdade, tem-se concebido que a jurisprudência e a doutrina não são formas de expressão do direito, mas sim instrumentos úteis a sua correta interpretação. Já a eqüidade e a analogia, por seus turnos, são métodos de raciocínio jurídico, critérios norteadores do julgador face à insuficiência do direito ou a completa obscuridade normativa para o julgamento de um caso concreto20. Sublinhe-se, entretanto, que, para a utilização da eqüidade pelas Cortes Internacionais, é imprescindível a autorização das partes envolvidas21.

20 REZEK, op. cfL, p. 145. 21 O Estatuto da CIJ dispõe em seu artigo 38 que o recurso à eqüidade depende da aquiescência das partes litigantes.

Direito Internacional

Capítulo 11

PERSONALIDADE INTERNACIONAL

1 Conceito No direito internacional, o “reconhecimento da perso­ nalidade internacional significa o reconhecimento de sua existência legal na sociedade internacional”22. Como vimos, no DIP Clássico, somente os Estados figuravam como sujeitos de direitos e obrigações. Atualmente, além dos Estados, outros entes figuram como sujeitos de DIP, sendo eles as organizações internacionais e os indivíduos.

2 Capacidade de ação e personalidade A capacidade de ação decorre do reconhecimento da personalidade jurídica de um determinado ente, eis que a capacidade é o “poder de intervir por si mesmo”. Contudo, o exercício de direitos e deveres poderá sofrer limitações, na medida da capacidade conferida a 22 JO, op. cit, p. 186.

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um determinado ente pelo Direito Internacional. A capacidade, portanto, varia de um ente para outro. A capacidade dos Estados é assegurada a partir de sua constituição, desde que haja soberania e independência para tomar decisões. Percebe-se» assim, que a independência e a soberania são elementos indispensáveis para assegurar a capacidade do Estado para figurar como sujeito de direitos e deveres no âmbito internacional. A justificativa lógica para essa afirmação decorre do fato de que um Estado não poderá se encontrar subordinado a outro para manter relações jurídicas na comunidade internacional. No que se refere às organizações internacionais, sua personalidade já foi reconhecida pela Corte Internacional de Justiça. Assim como as empresas no âmbito do direito interno, as organizações internacionais possuem personalidade independentemente de seus membros. No entanto, o exercício de sua capacidade de ação - que, comovimos, é uma conseqüência da personalidade internacional dependerádo que dispõem seus acordos constitutivos. Assim, o reconhecimento da personalidade de uma organização não significa, necessariamente, que ela possui capacidade para concluir tratados, por exemplo. As organizações exercem, portanto, uma “capacidade legal internacional limitada”, de acordo com as delimitações estabelecidas por seu tratado constitutivo. Além disso, o âmbito de exercício da capacidade da organização está adstrito aos países que a reconhecem23 e é resultante da vontade de seus membros (capacidade derivada). Por fim, relativamente à capacidade de ação dos indivíduos na esfera internacional, ainda não há consenso acerca dos direitos e deveres que eles gozam no DIP. O entendimento majoritário da doutrina é de que a capacidade do indivíduo estende-se até o limite permitido pelas normas internacionais aplicáveis diretamente a ele. Ou seja, no momento em que uma norma internacional confere a possibilidade do exercício de determinados direitos diretamente pelo indivíduo, aí está a delimitação de sua capacidade. 23 JO, op. cit. p. 18Ô.

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Direito Internacional

Exemplo prático desse entendimento é a permissão do acesso de indivíduos a alguns tribunais internacionais, para proteção de seus direitos. Apesar de a CIJ não aceitar demandas propostas por indivíduos, outros tribunais o fazem, dentre eles, o ICSID (tribunal arbitrai ad hoc do Banco Mundial), a Corte Permanente de Arbitragem, em Haia, o Sistema de Resolução de Controvérsias estabelecido no NAFTA e a Corte Européia de Direitos Humanos.

3 Pessoas internacionais 3.1Estados O Estado é, sem dúvida, o ente mais participativo nas relações regidas pelo direito internacional. Diversos são os conceitos de Estado, vejamos alguns: “Estado soberano independente é aquele que tem exclu­ sividade, autonomia e plenitude de competência, sendo que todas as noções devem ser interpretadas dentro do quadro geral do Direito Internacional" (Rousseau). “Estado sujeito do Direito Internacional é aquele que reúne três elementos indispensáveis para a sua formação: população {composta de nacionais e estrangeiros), territórios (ele não precisa ser completamente definido, sendo que a ONU tem admitido Estados com questões de fronteira, como por exemplo, Israel) e govemo (deve ser efetivo e estável). Todavia, o Estado pessoa internacional plena é aquele que possui soberania" (Celso D. Albuquerque de Mello, 1997, vol. I, p. 329). H0 Estado, personalidade originária de direito internacional público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior” (J.F. Rezek, 2005, p. 161).

Para melhor compreensão, dividiremos o presente estudo nos seguintes itens: a) Elementos Constitutivos do Estado b) Classificação dos Estados 27

c) Nascimento e Reconhecimento do Estado d) Extinção do Estado e) Sucessão de Estados a) Elementos Constitutivos do Estado estabelece a Convenção Interamericana sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, em 1933, são quatro os elementos constitutivos do Estado: a) população permanente; b) território; c) governo; d) capacidade de entrar em relação com os demais Estados, a.l) População', trata-se do conjunto de indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que habitam o território ém determinado momento. É, pois, um conceito aritmético, quantitativo, de modo que não se confunde com o conceito de povo, que se refere à coletividade determinada pelo aspecto social. A população estatal moderna é de natureza sedentária, estabilizada no interior das fronteiras do território de determinado Estado. A idéia de uma população nômade não condiz com a realidade internacional. A maioria dos governos confrontados com problemas do nomadismo transfronteiriço pratica políticas, por vezes brutais, de sedentarização dos grupos nômades. No entanto, é importante destacar que um Estado não perde sua qualidade porque pratica ou favorece uma política de emigração maciça de sua população ou porque permite uma ímigraçao estrangeira importante. 24 O elemento humano garante a manifestação do princípio da continuidade do Estado. a.2) Território: A noção conceituai de território relacionase a uma área terrestre, somada àqueles espaços hídricos de interesse puramente interno, como os rios e lagos que se circunscrevem no interior dessa área sólida. Sobre o território, o Estado soberano exerce jurisdição geral e exclusiva, no sentido de que possui domínio territorial sobre todas as competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional e que não enfrenta concorrência de qualquer outra soberania.

24 DINH, Nguyen Quoc, DAILUER, Daillier e PELLET, Aían. Direito internacional Púbiico, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 374.

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Conforme

Direito Internacional

O requisito referente à existência de um território determinado não significa que o território do Estado deva estar absolutamente delimitado. Um Estado poderá ser reconhecido internacionalmente mesmo que suas fronteiras não estejam perfeitamente definidas. Além disso, a extensão ou tamanho do território não influi sobre o reconhecimento da personalidade internacional. A delimitação territorial de um Estado geralmente ocorre por meio do estabelecimento de fronteiras com base em linhas limítrofes artificiais ou naturais. A primeira caracteriza-se pela utilização de linhas geodésicas (paralelos e meridianos), ou qualquer arranjo ou combinação que se fundamente à base delas. A segunda relaciona-se ao aproveita­ mento de rios e cordilheiras como formas naturais de determinar as fronteiras de Estados vizinhos. O critério natural prevalece sobre o artificial, quando a natureza assim o permite, como por exemplo, no estabelecimento da fronteira entre Argentina e Chile, com base na Cordilheira dos Andes. a.3) Governo e Capacidade de manter relações: são exigências que se completam, pois é necessária a existência de um govemo não-subordinado, ou seja, soberano, para que o Estado possa exercer sua capacidade de ação no cenário internacional. Não basta a existência de território bem delimitado, população estável, sujeita à autoridade de um govemo para identificar o Estado enquanto sujeito do Direito Internacional, é preciso encontrar a noção de ente soberano, com competências igualitárias a qualquer outro Estado da comunidade internacional. Importante destacar que a idéia de autonomia não se confunde com a de soberania, da mesma forma que o conceito de Confederação não se eqüivale ao de Federação. O primeiro indica a reunião de Estados Soberanos em tomo de interesses comuns, sejam políticos, econômicos ou geopolíticos, sem, no entanto, abdicarem de sua soberania. O segundo, por sua vez, refere-se à união de estados autônomos na qual há a cessão da suas soberanias para um centro de poder único (União Federal), mantendo-se, todavia, um grau variável de autonomia. b) Classificação dos Estados — A maioria intemacionalistas classifica os Estados com base na sua estrutura, designando-os como Estados simples ou Estados compostos. 29

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Os Estados simples caracterizam-se pelos seguintes atributos: são plenamente soberanos e representam um todo homogêneo e indivisível, sendo que não há divisão interna de autonomias. Trata-se da forma mais comum de Estado. Os Estados compostos dividem-se em: (I) Estados compostos por subordinação; e (II) Estados compostos por coordenação. Os compostos por subordinação referem-se a grupos de Estados que não se encontram em situação de igualdade, não possuem plena autonomia e não possuem pleno gozo de alguns direitos (eram os chamados Estados vassalo, protetorado ou Estado cliente). Tais Estados não mais existem na atualidade. Exemplo dessa situação era a da URSS com os países satélites (Polônia, Hungria, Romência, etc.), onde havia controle por parte da URSS relativamente a aspectos econômicos, militares e comerciais. Já os Estados compostos por coordenação ocorrem a partir da associação de Estados soberanos, em situação de igualdade. Exemplo dessa situação é a confederação de Estados, onde se busca determinado fim especial a partir da associação. Esse fim especial pode ser, por exemplo, a defesa dos Estados ou a proteção de interesses comuns. Geralmente há uma autoridade central, chamada Dieta, a qual não se constitui em poder supremo, mas apenas em uma assembléia cujas decisões são tomadas por unanimidade. Atualmente também não há exemplos de confederações de Estados, mas podemos destacar a Confederação Americana, que existiu no período de 1781 a 1789. Dentre os Estados compostos por coordenação, a doutrina destaca ainda o Estado federal ou federação de Estados. Trata-se da união permanente de Estados onde cada um conserva sua autonomia interna enquanto que a soberania externa é exercida pelo governo federal. A autonomia interna dos Estados é, contudo, limitada pela constituição federal. Desde a Constituição de 1891, o Brasil é um Estado federal.

c) Nascimento e Reconhecimento do Estado - o na do Estado decorre da reunião de seus elementos constitutivos, conforme vimos no item a. Contudo, a simples reunião dos elementos não permite, por si só, o nascimento do Estado, sendo necessário um elemento de conexão entre eles. A doutrina cita como “elementos de conexão” a nacionalidade e os fatores econômicos (capacidade de sobrevivência por seus próprios meios).

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Direito Internacional

Pode-se'considerar que o surgimento de um Estado se dá por uma das seguintes formas: (I) separação de parte da população e território de um Estado (exemplo: Brasil e Estados Unidos, que surgiram após sua libertação da condição de colônias); (II) dissolução total de um Estado, não subsistindo sua antiga personalidade (exemplo: desmembramento da URSS); (IH) fusão para criação de um Estado novo (exemplo: Itália que surgiu da fusão, em 1860, de Modena, Parma, Toscana e Reino de Nápoles, os quais foram incorporados ao Piemonte para formar um novo país). O reconhecimento é um ato unilateral, por meio do qual se declara a aquisição da condição de Estado. É, portanto, um ato de liberalidade, orientado pelos objetivos políticos do próprio Estado. Contudo, para que um Estado passe a possuir direitos e obrigações perante a sociedade internacional é necessário o seu reconhecimento pelos demais Estados existentes. É importante compreender que o fato de um determinado Estado não reconhecer um outro não significa que este não possua personalidade, mas tão somente que aquele Estado não o reconhece e não deseja manter relações com este. Nesse sentido, o reconhecimento dos demais Estados não é ato constitutivo, mas sim declaratório da qualidade do Estado como sujeito do Direito Internacional Público. É preciso atentar ao fato de que, segundo o direito costumeiro, é possível que certo Estado negocie em conferência, assine ou ratifique tratados coletivos, ou deles seja parte, sem reconhecer todos os outros pactuantes. O reconhecimento mútuo é requisito apenas para celebração de tratados bilaterais, não de multilaterais. Os meios de reconhecimento de um Estado são: (I) expresso (declaração, notificação, dispositivo em tratado); ou tácito (por exemplo, por meio do estabele­ cimento oficial de relações diplomáticas); (II) individual (realizado individualmente por cada Estado); ou coletivo (por meio de dispositivo em um tratado multilateral ou declaração coletiva); (IIÍ) de facto (provisório e limitado); ou de jure (definitivo e completo).

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Matéria de interessante análise é aquela relativa aos MicroEstados. São aqueles Estados que dispõem de um território mais ou menos exíguo, como por exemplo, Andorra (467 Km2), Liechtenstein (160 Km2), São Marino (61 Km2), Mônaco (menos de 2Km2) e com uma população inferior a quarenta mil pessoas, todavia, com instituições políticas estáveis e regimes organizados. O que diferencia os Micro-Estados dos demais Estados da comunidade internacional é que, em razão da hipossuficiência ocasionada pela pequena dimensão territorial e demográfica, partes de sua competência (defesa nacional, emissão de moeda) são confiadas a outrem, normalmente a um Estado vizinho, como a França no caso de Mônaco; a Itália, no caso de São Marino; e a Suíça no caso de Liechtenstein25. c.l) Reconhecimento de Govemo: o reconhecimento do Estado não deve se confundir com o reconhecimento de govemo. Uma ruptura na ordem política, como uma revolução ou golpe de estado pode determinar a instauração no país de uma nova forma de poder, à margem das prescrições constitucionais pertinentes à renovação do quadro de condutores políticos26. Por exemplo, quando as modificações de um Estado se dão em violação a sua Constituição, os governos resultantes de golpes precisam ser reconhecidos pelos demais Estados. São exemplos típicos: os Golpes de Estado ocorridos no Brasil em 1930 e 1964 e na Argentina em 1966. Importante atentar para o fato de que o reconhecimento de um Estado, em regra, implica no reconhecimento do govemo que se encontra no poder naquele momento. Contudo, “se a forma de govemo muda, isto não altera o reconhecimento do Estado: só o novo govemo terá necessidade de novo reconhecimento”27. Os meios de reconhecimento do govemo também podem se dar de forma tácita ou expressa; de facto ou de jure. c.2) Reconhecimento de beligerância e insurgência: o reconhecimento de beligerância ocorre quando parte da população se revolta para criar um novo Estado ou então modificar a forma de govemo existente, sendo que tal “revolta” evolui ao nível de uma guerra internacional. Nesse caso, os demais Estados podem passar a considerar 26 REZEK, op. cit., p. 239. 28 REZEK, op. clt., p. 224. 27 ACCIOLY, op. clt-, p. 87.

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as “partes” do conflito em condições de igualdade jurídica, reconhe­ cendo-lhes a condição de beligerantes. Seu principal efeito é o do reconhecimento dos direitos e deveres de um Estado ao grupo de beligerantes, os quais deverão, por exemplo, respeitar normas de guerra. Já o reconhecimento de insurgência ocorre quando há uma situação que assume proporções de guerra civil, sem, contudo haver o reconhecimento de seu caráter jurídico, mas de simples situação de fato. O seu reconhecimento não implica em direitos e deveres especiais, mas os insurretos não poderão ser tratados como ilegais pelos governos que os reconheçam. d) Extinção do Estado - não há no DIP um entendimento pacífico sobre como se dá a extinção de um Estado. Logicamente, uma vez que a criação do Estado se dá pela reunião de seus elementos constitutivos, sua extinção decorreria do desaparecimento de um deles (exemplo: êxodo total da população). Sendo assim, as hipóteses de criação de novos Estados enumeradas no item c podem corresponder igualmente à extinção de um Estado, seja pela sua absorção completa de um Estado por outro, pelo desmembramento para formação de novos Estados ou pela fusão de Estados. Saliente-se que, atualmente, a Carta das Nações Unidas proíbe a anexação e transformação de um Estado em colônia. e) Sucessão de Estados ~ Quando se aborda o fenômeno sucessório no âmbito do direito internacional público é necessário destacar a existência do princípio da continuidade do Estado. Segundo essa máxima, o Estado, pelo fato de existir, tende a continuar existindo, ainda que sob outra roupagem política e até mesmo quando ocorram modificações expressivas na titularidade de sua soberania28. Em outras palavras, é com base nesse princípio que se estabelecerão as regras gerais sobre os efeitos jurídicos decorrentes da sucessão de Estados. Segundo as Convenções de Viena de 1978 e 1983, a sucessão de Estados se dá pela substituição de um Estado (predecessor) por outro (sucessor) nas suas responsabilidades internacionais. As modalidades de sucessão são classificadas da seguinte maneira: (I) pela fusão ou agregação de Estados; (II) pela secessão ou desmembramento de Estados; ou (III) pela transferência territorial. 28 REZEK, op. cit., p. 289.

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Quanto aos efeitos jurídicos da sucessão de Estados, vejamos: e.l) Sucessão em matéria de Tratados: regulada pela Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 1978. A regra geral é de que a sucessão de Estados não afeta os tratados que se referem aos direitos sobre o território (tratados dispositivos). Essa regra pode, contudo, variar de acordo com a mudança territorial ocorrida. Assim, quando um novo Estado é formado pela sucessão do território de um outro, o novo Estado sucede automaticamente o Estado predecessor (art. 34). Também quando há fusão de dois ou mais Estados, os tratados firmados pelos Estados predecessores continuam vigentes no território ao qual eram aplicados antes da fusão, salvo algumas exceções previstas no art. 31. Um Estado apenas sucede num tratado bilateral se o outro Estado e o novo concordarem (art. 24). Por fim, a condição de membro de uma organização internacional, em princípio, não se sucede. e.2) Sucessão em Matéria de Bens: regulada pelos artigos 7 a 18 da Convenção. Caso haja sucessão da totalidade do território, sucede-se toda a propriedade pública, ou seja, todos os bens do Estado predecessor. A convenção estabelece que, salvo disposição em contrário, a passagem dos bens ocorrerá sem compensação ou pagamento. Se houver sucessão apenas de parte do território, os imóveis relativos àquela porção do território passarão ao sucessor, assim como os móveis vinculados às atividades desenvolvida nessa porção do território, salvo disposição em contrário. e.3) Sucessão em Matéria de Arquivos: salvo estipulação em contrário, os arquivos (documentos) transferem-se ao sucessor (arts. 20 a 24). e.4) Sucessão em matéria de Dívidas: regulada pelos arts. 32 a 41 da Convenção. A regra geral é de que a sucessão não influencia os direitos dos credores. Sendo assim: *4>Se o Estado sucessor anexa totalidade do território do predecessor - deve-se cumprir com os deveres perante os credores da dívida do predecessor; 't S e o Estado predecessor perde parte de seu território - o Estado sucessor assume parte da dívida do predecessor; 34

Direito Internacional

^ S e o Estado predecessor perde totalidade do território em razão de desmembramento em vários Estados - a dívida deve ser assumida por cada um dos Estados, conforme disposições do tratado. e.5) Nacionalidade: em regra, não se aplica o princípio da continuidade no que se refere à nacionalidade. Os Estados envolvidos regularão essa questão por tratado ou na legislação interna. Em determinados casos, poderá se dar liberdade aos indivíduos para decidir sobre a escolha da nacionalidade.

3.2

Organismos internacionais

As normas internacionais não conceituam o termo “organização internacional”, de modo que sua definição tem sido dada pela doutrina. No entanto, suas diferenças em relação ao Estado, como sujeito do Direito Internacional Público, são gritantes, seja em relação aos seus objetivos, seja em relação ao seu aparato organizacional. Alguns elementos principais dos conceitos trazidos pelos estudiosos são: a) associação voluntária, isto é, nenhum Estado é obrigado a participar de uma organização internacional; b) formada por sujeitos de Direito Internacional (os sujeitos são os Estados, que passam a ser denominados membros). Algumas organizações aceitam membros classificados como observadores, associados e afiliados, dentre os quais poderão se incluir entidades nãogovemamentais e Estados ou territórios não-independentes; c) constituída por ato de Direito Internacional, ou seja, tratados internacionais que adquirem um aspecto de norma constitucional da organização; d) de atuação estável segundo normas de Direito Internacional, o que as confere a condição de ente com personalidade internacional; e) com ordenamento, órgãos e institutos próprios; f) que realiza finalidades comuns de acordo com os poderes conferidos por seus membros, os quais se encontram definidos no tratado que criou a organização; 35

g) em virtude de seu estatuto jurídico, tem capacidade de concluir acordos internacionais no exercício de suas junções e para realização de seu objeto. Pelo menos 2 (dois) órgãos têm sido adotados pelas organizações internacionais, independentemente de seu alcance ou finalidade: uma assembléia geral, onde são deliberadas as questões correspondentes à atuação da organização por parte dos Estadosmembros; e uma secretaria, cuja função é de administração, de natureza permanente. A assembléia geral não é permanente, pois se reúne anualmente para assuntos ordinários e, em caráter excepcional, de acordo com necessidades especiais. Há, ainda, em algumas organizações internacionais de vocação política, um Conselho Permanente. Quanto ao processo decisório, as organizações interna­ cionais geralmente não operam segundo as normas de deliberação por maioria. O Estado soberano somente costuma se sentir vinculado à determinada resolução caso tenhá sido favorável a ela, ao menos no que seja classificado como importante, e não meramente instrumental. Decisão relativa à matéria instrumental seria aquela referente a questões administrativas, como eleições para cargos na organização. Exemplos típicos de insubordinação de Estados membros a deliberações da Assembléia Geral são encontrados na própria Organização das Nações Unidas, como por exemplo, no caso das intervenções no Congo e no Oriente Médio. Essas condutas dissidentes enfatizam ainda mais o valor relativo das recomendações da Assembléia. A jurisdição das organizações internacionais corresponde aos poderes para executar seus objetivos e está delimitada no tratado constitutivo. Sendo assim, as atividades realizadas fora desses objetivos são consideradas ultra vires. Essa regra passou a denominar-se principio da especialidade. Contudo, se tal extrapolação for necessária para a execução dos objetivos da organização, a competência da organização é compreendida como tacitamente ampliada {teoria do poder implícito). A questão relativa à possibilidade de um tratado institu­ cional de uma organização internacional gerar obrigações a Estados não contratantes é de suma importância. Na verdade, a matéria ganha grande contorno em casos em que uma organização de alcance e finalidade universais, como a ONU, por exemplo, está inserida na discussão. Em

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Direito Internacional

regra geral, não há força jurídica na Carta das Nações Unidas ou em outro tratado institucional para vincular Estados não membros. “Na verdade, a imposição de tratado institucional a terceiro é mera via de fato, condicionada à potência da organização, à conjunção favorável das forças políticas no seu contexto, e finalmente à debilidade do Estado que faça objeto da pretendida coação.”29 As Organizações Internacionais necessitam de um Estado soberano, que, mediante celebração de um tratado bilateral (acordo de sede), facultará a instalação física da organização em algum ponto do seu território. Nada impede que a organização tenha mais de uma sede e que se localize em país não membro, sendo, todavia, muito remota essa última hipótese. A falta de cumprimento dos deveres de sua qualidade de membro de uma organização internacional pode trazer ao Estado conseqüências, de acordo com as previsões estabelecidas pelo tratado constitutivo e aplicáveis pela própria organização, mediante o voto de seus órgãos. Geralmente elas assumem 2 (duas) formas principais: a suspensão de determinados direitos e a exclusão do quadro de Estados membros. Outros exemplos de Organizações Internacionais de alcance mundial, além da Organização das Nações Unidas são: OIT (Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919 e sediada em Genebra, na Suíça), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, fundada em 1946, com sede em Paris, na França), a FAO (Organização para a Alimentação e a Agricultura, fundada em 1945, como sede em Roma, na Itália), o FMI (Fundo Monetário Internacional), entre muitas outras. Há também aquelas organizações de alcance regional, como por exemplo, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio das Américas) e o MERCOSUL.

3.2.1 Organização das Nações Unidas - ONU Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a união dos Estados em tomo de objetivos comuns ~ superar divergências, preservar a paz, e perseguir níveis mais altos de bem-estar para a população mundial 29 REZEK, op. cit., p. 254.

37

~ acabou por ocasionar, juridicamente, a celebração de acordos internacionais e a criação de organizações, dentre as quais a Organização das Nações Unidas (ONU) foi o exemplo mais representativo, como forma de implementação dessa convergência de interesses30. Em 26-06-1945, em São Francisco, ocorreu a assinatura da Carta da ONU (tratado constitutivo da organização) e do Estatuto da Corte Internacional de Justiça - CIJ. Atualmente, a presença da ONU no cenário internacional é de inegável importância, ainda que, por vezes, sua credibilidade interna/externa seja abalada por iniciativas conjuntas de alguns de seus Estados membros, em áreas de seu interesse, mas sem o seu aval, como por exemplo, na invasão do Iraque por parte dos EUA e seus aliados. A ONU atua nas mais diversas áreas (direitos humanos, direitos do mar, direitos do meio ambiente, etc.), em atividades que compreendem, de certa maneira, as esferas legislativa, administrativa e judiciária. A Carta da ONU estabelece, em seu art. Io, os objetivos da organização: “(1) Manter a paz e segurança internacionais, e para esse fim tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; (2) Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; (3) Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;

30 NASSER, Rabih Ali. A Liberalização do Comércio Internacional nas Normas do GATT-OMC. São Pauio: LTr, 1999, p. 22.

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Direito Internacional (4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns”, (grifamos alguns pontos essenciais)

O art. 2o da Carta enumera os sete princípios que dever ser observados pelos Estados-membros: (1) igualdade soberana dos membros; (2) boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais; (3) solução dos conflitos por meios pacíficos; (4) abstenção da ameaça e da força contra a integridade territorial; (5) assistência à ONU em qualquer ação; (6) obrigação dos estados não membros da ONU de cumprir os princípios da ONU; (7) não-intervenção em assuntos que sejam, essencialmente, da competência intema dos Estados.

Segundo a Carta da ONU, Estados não-membros podem participar dos debates do Conselho de Segurança e atentar o Conselho para controvérsias. Além disso, conforme prevê o art. 2, § 6o, para preservar a paz e segurança internacionais, poderá a organização fazer com que Estados que não são membros das Nações Unidas procedam em conformidade com seus princípios. Os membros das Nações Unidas são aqueles Estados que assinaram a Carta da ONU e a ratificaram. A admissão de novos membros “fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações, contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” (art. 4o da Carta). A suspensão dos membros se dá por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. Quando um Estado-membro viola de forma persistente os princípios da Carta, poderá vir a ser expulso, também por recomendação do Conselho de Segurança. Relativamente à composição de receita, geralmente, as organizações internacionais estabelecem cotizações estatais não paritárias. Anteriormente, essa relação girava em tomo da capacidade contributiva de cada Estado membro, levando-se em conta sua pujança

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econômica. No entanto, no âmbito da ONU, essa forma de cáiculo foi modificada, na tentativa de evitar o agigantamento de um Estado membro específico. Sendo assim, ficou estabelecido um teto individual de 25% da receita prevista. A título exemplificativo, na virada do século, os EUA contribuíam com 25% da receita, o Japão com 20% e a Alemanha com 10%. Vejamos a seguir um quadro descritivo dos principais órgãos da ONU:

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Órgão

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1 Segurança

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Função

Composição

Processo de Votação

Manutenção da paz e i da segurança Inter­ \ nacionais, inclusive \ mediante o uso de força, se necessário. Age em nome dos demais membros sobre questões relativas a: a) litígios entre Estados-membros; b) regulamentação de armamentos; c) ações em casos de ameaça à paz e agressão; d) cumprimento das sentenças da CIJ. Adota resoluções para a solução pacifica de conflitos e decide sobre medidas coercitivas, em caso de ameaças. Ê um órgão permanente e suas resoluções deverão ser cumpridas pelas Nações Unidas.

São 15 Estadosmembros, cada um com um representante. Membros permanentes: - China; - França; - Rússia; - Reino Unido; -Estados Unidos. Periodicamente, a AG escolhe 10 miembros nãopermanentes, com mandato de 2 anos.

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40

- Cada membro (permanente ou não) tem direito a um voto; - Decisões sobre questões processuais são tomadas por voto afirmativo de nove membros; - Demais assuntos - voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes; - Decisões sobre soluções pacificas de controvérsias = parte envolvida se abstém de votar e não poderá vetar. Obs: os Membros Permanentes tem direito de vetar qualquer decisão sobre assunto não processual, dentre os quais se encontram as “ações coercitivas”.

I

j ] ! ]

reito Internacional

Assembléia Gerai (AG)

Ôrgão

Principal órgão deliberativo da ONU. Competência geral e abrangente de acordo com as finalidades da ONU (cooperação internacional em diversas áreas). Fornece recomendações ao CS e adota resoluções nãoobrigatórias.

Representantes j de todos os Estadosmembros. j 1

j

- Cada membro tem um voto; -Questões importantes (recomendações sobre manutenção da paz e segurança, eleição de membros não permanentes do CS, admissão e expulsão de mem­ bros) = tomadas por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes; - Outras matérias = maioria dos membros presentes e votantes.

Secretariado

0 Secretariado 0 Sôcretário-Geral é possui diversos o principal funcio­ nário administrativo funcionários e um Secretárioda ONU, atuando em Geral (indicado todas as reuniões da pela AG AG, CS, Conselho Econômico e Conse­ | mediante lho de Tutela. Poderá recomendação chamar a atenção do j ao CS), com mandato de 5 CS para assuntos que ameacem a paz 1anos. e segurança. Não pode solicitar ou receber instruções de gover-nos ou autoridades.

Conselho Econômico e Sociai

Decisões tomadas Promover coope­ í Cinqüenta e quatro membros pela maioria dos ração internacional e membros da ONU eleitos econômica. Coorde­ presentes e pela AG nar as atividades das i votantes. organizações espe­ cializadas nos

1

41

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Processo de ~ 1 Votação |

Composição

Função

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campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário, etc. mediante consulta ou fazendo recomendações. Pode elaborar estudos, relatórios, recomendações, pre­ para projetos de convenções e organiza conferências internacionais. Pode con-sultar ONGs que i I se ocupem de assuntos de sua competência. É o responsável por Conselho de Tutela acompanhar o progresso social dos territórios onde não há governo independente. Hoje não há mais territórios em tais condições.

Composto pelos membros permanentes do CS.

3.2.2 Organização dos Estados Americanos ~ OEA A OEA surgiu a partir de um longo período de negociações, sendo que em 1948 as Nações Americanas adotaram, em Bogotá, a Carta da Organização dos Estados Americanos. Nesse documento foram estabelecidos os objetivos da Organização, cuja principal finalidade é garantir a paz e a segurança do continente, promovendo o bem social A Carta de Bogotá entrou em vigor em 13 de novembro de 1951, com o depósito da 14a ratificação. De acordo com o art. 4o da Carta, “são membros da organização todos os Estados Americanos que ratificarem a presente Sendo assim, o ingresso na OEA é facultado a todo Estado americano independente. É, pois, uma Organização Internacional de alcance regional. 42

Direito Internacional

Diferentemente do que ocorre na ONU, não existia nessa organização um processo de candidatura para ingresso, bastando que o Estado ratificasse a Carta. Atualmente, pela reforma de Buenos Aires (1967), há um processo de candidatura, a qual deve ser aprovada pela Assembléia Geral, após recomendação do Conselho Permanente. A Carta não prevê a expulsão dos membros, mas esses poderão denunciá-la. Em caso de exercer o direito de denúncia, o Estado estará desligado dentro de 2 anos, desde que, até então, haja cumprido as obrigações emanadas da Carta. A OEA é composta dos seguintes órgãos:

Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores: j j - tem por finalidade “considerar problemas de natureza urgente e de interesse j j.;^r3piu^^am:os^t^os íAmenetoos, e para servir de órgão de consulta?’; ; 1 ppâfquerEslmlo osf:EstSdpsÍêstàoírepr£fcfin^

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I Conselhos da Organização: | | a) Conselho Permanente: trata de assuntos determinados pela AG e pela I | Reunião de Consulta. Dentre suas funções destacam-se: velar pela j i manutenção das relações de amizade entre os Estados-membros, executar ! decisões da AG, formular recomendações à AG sobre funcionamento da|j [•organização^,;; ^ "'/"V •• ••J

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A OEA possui, ainda, vários organismos especializados, tais como a Organização Pan-Americana de Saúde, a Junta Interamericana de Defesa (cuja finalidade é traçar medidas de defesa do continente) e o Instituto Internacional Americano de Proteção à Infância.

3.3 indivíduos e empresas A personalidade internacional dos indivíduos vem sendo ampliada de acordo com a modernização do DIP. Isso significa dizer que os indivíduos vêm, de certa forma, desvenciliando-se da proteção exclusiva do Estado soberano. Isso porque, toda vez que há a aplicação direta do DIP a um indivíduo, há uma diminuição do exercício da jurisdição do Estado. Essa lógica aplica-se igualmente às empresas. Um exemplo disso é á tentativa de regulamentação internacional das empresas transnacionais, de modo que tais empreendimentos não se encontrariam mais limitados ao âmbito de aplicação dô direito interno, mas sim ao direito internacional.

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Parte da doutrina, contudo, resiste ao reconhecimento da personalidade jurídica dos indivíduos e empresas. Afirma Rezek, “não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, e tampouco as empresas, privadas ou públicas”31. O papel dos indivíduos no direito internacional tem se destacado, principalmente, quando são abordadas questões relativas aos direitos humanos. Tais questões serão analisadas no capítulo III, item 2.1.

4 Sania-Sé A Santa-Sé é a cúpula da Igreja Católica, localizada na cidade de Roma. Sua personalidade internacional foi reconhecida a partir dos Acordos de Latrão (1929). Por meio desse tratado, a Itália declarou reconhecer a "soberania da Santa-Sé, no domínio internacional, com os atributos inerentes à sua natureza...” (art. 2o). Declarou também reconhecer à Santa-Sé “a plena propriedade, o poder exclusivo e absoluto e a jurisdição soberana sobre o Vaticano...”(art. 3o). As relações entre a Igreja Católica e os Estados dão-se por meio de concordatas, os quais são tratados internacionais, normalmente bilaterais.

5 Organizações não-governamentais - ONGS As organizações internacionais privadas, que não são criadas pelos Estados, mas sim pelos indivíduos, são denominadas organizações não-govemamentais - ONGs. Essas organizações vêm proliferando-se e atuam nas mais diversas áreas (legal, política, social, econômica, educacional, de meio ambiente, de direitos humanos, etc.). Atualmente, não há norma internacional que regule a criação o e funcionamento das ONGs, de modo que são regidas pelas leis nacionais do país de constituição. Até o momento, as ONGs não são 31 REZEK, op. cit., p. 152.

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consideradas como entes com personalidade jurídica internacional, apesar de algumas organizações internacionais» como a ONU, outorgarem a condição de “observador” a algumas ONGs. Contudo, essa condição não as confere o status de sujeito de direito internacional. Exceção, contudo, se faz ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, fundado em 1863, ao qual se reconhece personalidade internacional por meio. da Convenção de Genebra do ano seguinte.

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TRATADOS INTERNACIONAIS

1 Teoria geral dos tratados Conforme ensina Marques32, historicamente, foram as regras consuetudinárias que regeram os acordos entre Estados, utilizandose de princípios gerais, notadamente, o do respeito ao acordado (pacta sunt servanâa), o do livre consentimento e o da boa-fé das Partes contratantes. “No século XX, surgem dois fenômenos novos: o aparecimento das organizações internacionais e a codificação do direito dos tratados, transformando regras costumeiras em regras convencionais escritas, expressas elas mesmas no texto de um tratado”. Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, resultaram, em 1969, na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. No Brasil, o texto da Convenção foi enviado ao Congresso para aprovação em abril de 1992. Embora a ratificação por parte do Brasil ainda não tenha ocorrido, “suas normas são tidas como vigentes por expressarem costume internacional”.33 32 MARQUES, Frederico. Direito Internacional Privado . Acesso em: 10 de maio de 2005. 33 MARQUES, idem.

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e

Mercosul.

Disponível

em;

A Convenção de Viena define tratado internacional como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica” (Art. 2, a). Conforme Rezek34, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. A celebração de tratados se constitui em exercício de soberania. Mas, além do reconhecimento de sua soberania, o Estado, ao celebrar tratados, reconhece e se compromete a uma fonte de limitação de suas competências. Por isso, a doutrina costuma afirmar que o compro­ metimento do Estado por meio de tratados internacionais implica em: (I) manifestação do atributo de soberania; (II) instrumento de limitação do exercício do poder soberano.35 De maneira geral, a elaboração de um tratado internacional segue as seguintes etapas: 1. Negociacão. Realizada por autoridades nacionais desig­ nadas pela ordem constitucional do Estado, muitas vezes acompanhados de especialistas no assunto sob discussão; 2. Elaboração do texto. Os tratados são compostos de um preâmbulo, o qual espelha os motivos da realização do tratado, fornecendo elementos para sua interpretação, e do chamado dispositivo, ou seja, o texto ou corpo onde são definidas as obrigações dos EstadosPartes; 3. Adoção. Segundo a Convenção de Viena (art. 9o), a adoção de um texto efetua-se pelo voto da maioria de dois terços dos Estados presentes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidam aplicar outras regras; 4. Manifestação do Consentimento. O artigo 11 da Convenção reza que o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca de instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado pela partes. 34 REZEK, op. cit. p. 14. 38 SEITENFUS & VENTURA, op. cit., p. 40.

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4 Direito Internacional

Importante observar que durante o período compreendido entre a adoção do texto e a manifestação do consentimento, o tratado não obriga os Estados-Partes. Entretanto, a Convenção de Viena determina, em seu art. 18, que o Estado deve se abster da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade do tratado. É por meio da manifestação de consentimento que o tratado atinge sua eficácia jurídica. Em regra, são as normas constitucionais dos países que determinam o procedimento interno que resultará no consentimento do Estado. Como vimos, a Convenção de Viena prevê a ratificação como uma das formas de expressão do consentimento do Estado. Trata-se de ato por meio do qual a mais alta autoridade do Estado confirma o tratado, uma vez aprovado internamente, aceitando que ele seja definitivo e obrigatório e comprometendo-se a executá-lo. O instrumento de ratificação é enviado aos outros Estados-Partes e ao Estado depositário, vinculando a partir desse momento, o Estado signatário36. A figura do Estado depositário corresponde àquele a quem cabe a manutenção do instrumento original, bem como a distribuição de cópias autênticas do texto do ato e demais registros. O Brasil é o depositário de diversos tratados, dentre eles o Tratado da Bacia do Prata e o Tratado de Cooperação Amazônica. Essa função também pode ser exercida por uma organização internacional.

1.1 Princípios e classificação dos tratados O principal princípio aplicável aos tratados encontra-se na norma “pacta sunt servanda”, também reconhecido como princípio constitucional da sociedade internacional37. Trata-se da aplicação da máxima segundo a qual as partes devem observar os ditames estabe­ lecidos no acordo ao qual se submeteram, ou seja, o que foi pactuado deve ser cumprido. Outro importante princípio que rege a celebração e interpretação dos tratados é o da boa-fé. Quanto à classificação dos tratados no âmbito do Direito Internacional Público, esta se apresenta segundo diversos critérios, dentre os quais, os mais correntes na doutrina e na prática são: 38 SEITENFUS & VENTURA, op. cit., p. 42. 37 MELLO, op. cit. p. 208.

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(I) segundo o número de partes: tratados bilaterais (entre dois Estados) e tratados multilaterais (entre mais de dois Estados); (II) segundo a possibilidade de adesão de Estados: tratados abertos (permitem a participação de Estados que não assinaram o texto inicialmente) e tratados fechados (não permitem a adesão tardia); (III) segundo o modo de sua entrada em vigor, tratados em devida forma (necessitam da troca de instrumentos de ratificação ou da prática, pelos Estados Signatários, de outro ato solene posterior a sua assinatura) e tratados em forma simplificada, também denominados Executive Agreements (entram em vigor, no momento de sua assinatura, ou no momento em que o texto dispuser, prescindindo de atos posteriores, como o da ratificação); (IV) quanto à matéria regulada: os tipos podem variar ao infinito, como, por exemplo, tratados de paz, tratados de comércio e navegação, tratados de extradição, etc. Antigamente, tinha-se no direito internacional público a prática dos tratados secretos. Todavia, hoje em dia essa idéia não possui mais assento é já se encontra proibida em diversos ordenamentos internos de Estados democráticos. Por fim, é importante destacar a existência dos chamados acordos Guarda-Chuva (Umbrella Treaty) e dos “tratados-quadro” que vêm ganhando espaço na constante evolução do Direito Internacional Público. São tratados multilaterais, nos quais os Estados-Partes traçam grandes molduras normativas, de direitos e deveres de natureza vaga, e que, por sua natureza, pedem uma regulamentação mais pormenorizada. Geralmente, instituem-se reuniões periódicas e regulares, de um órgão composto de representantes dos Estados-Partes (chamada Conferência das Partes - COP), com poderes delegados de complementar e expedir normas de especificação. O conjunto normativo que se forma, a partir dos dispositivos do tratado-quadro e das decisões das Conferências das Partes, deve formar um sistema harmônico, entre os mesmos EstadosPartes.

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1.2 interpretação A interpretação dos tratados é disciplinada pelos artigos 31, 32 e 33 da Convenção. A regra geral determina que um tratado deverá ser interpretado de acordo com a boa-fé, à luz de seu contexto e finalidade. A interpretação deverá buscar, portanto, a compreensão da vontade dos Estados-Partes, uma vez que não deverá resultar em obrigações não assumidas pelos Estados. Para a compreensão do contexto do tratado, serão levados em consideração o texto, seu preâmbulo e anexos, além de acordos relativos ao tratado firmados entre as mesmas partes por ocasião da conclusão do tratado. Serão também considerados instrumentos estabelecidos por uma ou várias partes quando da conclusão do tratado e aceitos pelas outras partes como relativos ao tratado. Segundo o artigo 33 da Convenção, quando um tratado for autenticado em dois ou mais idiomas, seu texto fará igualmente fé em cada uma delas, salvo se as partes acordarem que, em caso de divergência, um texto determinado prevalecerá.

1.3 Validade, vigência, execução e aplicação dos tratados Para que um tratado internacional seja válido, é necessária a reunião de três elementos fundamentais: (I) Capacidade das Partes que ratificaram o tratado: a idéia de capacidade para celebração de um tratado está relacionada à idéia de sujeito de DIP. A Convenção de Viena determina que “todo o Estado tem capacidade para celebrar tratados” (art. 6o). Quanto aos Estados federados, as unidades da federação somente serão capazes caso a Constituição Federal assim determine. Já as organizações internacionais possuem uma capacidade parcial (decorrente de seu tratado constitutivo) e derivada (resultante da vontade de seus membros)38. (II) Consentimento manifestado regularmente: os vícios de consentimento podem se manifestar em face de uma ratificação imperfeita (contrária as normas internas do Estado), erro essencial 36 SEITENFUS & VENTURA, op. ciL, p 48.

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(referente a fato que o Estado supunha existir quando da celebração do tratado e que se constituía base essencial do seu consentimento), dolo (Estado foi levado a concluir o tratado por conduta fraudulenta de outro Estado), corrupção (representante do Estado encontrava-se corrompido), coação sobre o representante (ameaças ou atos dirigidos ao repre­ sentante) ou coação sobre o Estado (ameaça ou uso de força em violação aos princípios da Carta da ONU). (III) Objeto lícito: a ilicitude será analisada com base normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens) e não em normas internas de determinado Estado. O art. 53 da Convenção de Viena conceitua “norma imperativa de direito internacional geral” como a norma que é aceita e reconhecida pela comunidade internacional na condição de norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional da mesma natureza”. São exemplos dessas normas as que se referem a liberdades individuais (direito à vida, liberdade de circulação). A vigência dos tratados pode ser (I) ilimitada: o tratado exige um ato de denúncia; (II) por prazo fixo: o tratado extingue-se por decurso de prazo, podendo ser, normalmente, renovável por acordo das partes; (IH) por prazo determinado: prorroga-se automaticamente por iguais períodos, possibilitando-se a denúncia às partes que não desejem a sua renovação. O início da vigência de um tratado pode ser definido pelas partes, conforme estabelece o art. 24 da Convenção de Viena. No caso do Mercosul, por exemplo, o Tratado de Assunção entrou em vigor após o depósito de três das quatro ratificações. Caso as partes não tenham determinado a forma de entrada em vigor, a vigência se dará a partir do consentimento manifestado por todos os negociadores. A Convenção determina ainda que, quando o consentimento de um Estado em se obrigar por um tratado for manifestado após sua entrada em vigor, a vigência com relação a esse Estado ocorrerá nessa date (art. 24). Aos tratados, aplica-se o princípio da irretroatividade, a não ser que as partes estabeleçam de forma diversa. Sendo assim, em regra, as disposições de um tratado não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior à vigência do tratado. 52

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Além disso, o tratado é vigente em relação a todo o território de cada uma das partes, salvo disposição em contrário. Como bem salienta Marques39, “a tradição constitucional brasileira não concede o direito de concluir tratados aos Estados-membros da Federação. Nessa linha, a atual Constituição diz competir à União, ‘manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais’ (art. 21, inciso I). Por tal razão, qualquer tratado que um estado federado ou município deseje concluir com Estado estrangeiro, ou unidade dos mesmos que possua poder de concluir tratados, deverá ser feito com a intermediação do Ministério das Relações Exteriores, decorrente de sua própria competência legai. A necessidade dessa intermediação impõe-se, igualmente aos demais Ministérios”. Quanto à execução e aplicação dos tratados, a Convenção de Viena estabelece que uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado (art. 27)40. O próprio tratado deverá determinar a solução para os casos de nãoexecução, prevendo, ainda, instrumentos de solução de controvérsias. A Convenção determina ainda que o Estado, ao se comprometer a um tratado, poderá formular reservas, salvo se (I) a reserva for proibida pelo tratado; (II) o tratado apenas autorize determinadas reservas; (HI) a reserva seja incompatível com o objeto e finalidade do tratado (art. 19). A possibilidade de apresentar reservas em um tratado constitui-se em uma forma de viabilizar uma maior participação dos Estados nos atos multilaterais, pois se permite a uma Parte deixar de consentir relativamente a uma ou algumas de suas disposições. Deve, entretanto, a reserva ser compatível com a finalidade e o objeto do ato41. Importante lembrar que as reservas são atos unilaterais, os quais visam a excluir ou modificar certas disposições dos tratados. Sendo assim, os Estados não poderão se utilizar desse instituto para incluir disposições no tratado.

39 MARQUES, Frederico. Direito iniernacionai Privado e Mercosul. Disponível em: . Acesso em 10 de maio de 2005. 40 Dispõe, ainda, o artigo 46 da Convenção de Viena: “Um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a uma regra de seu direito interno de Importância fundamental”. 41 MARQUES, Frederico. Direito internacional Privado e Mercosul. Disponível em: . Acesso em: 10 de maio de 2005.

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Extingue-se um tratado quando o intento terminativo for comum às partes por ele obrigadas. Vale destacar que não serão estas, necessariamente, aquelas mesmas que um dia negociaram o pacto e o puseram em vigor, em virtude de possíveis adesões e denúncias. Por meio da denúncia, o Estado manifesta sua vontade de deixar de ser parte nó acordo internacional. A exemplo da ratificação e da adesão, a denúncia é um ato unilateral. Segundo o artigo 70 da Convenção, a extinção do tratado libera as partes de continuarem a cumprir o tratado, contudo, não prejudica qualquer direito ou obrigação existente entre as partes em decorrência da execução do tratado anteriormente a sua extinção.

1.4 Relações e conflitos com o direito interno Em caso de conflito de normas entre o tratado e o direito interno de determinado Estado, cada Estado adotará um critério de solução, de acordo com a adoção ou não da supremacia do direito internacional sobre o direito interno. Duas concepções tradicionalmente destacadas na doutrina explicam a relação entre direito interno e direito internacional. São elas: a teoria monista e a teoria dualista. Segundo o dualismo, o direito interno e o internacional são dois sistemas independentes entre si, constituindo ordens jurídicas paralelas. Segundo esse sistema, a recepção da norma de direito internacional pelo direito interno não ocorre de forma direta, mas após um processo de intemalização. Já o monismo, fundado na doutrina de Hans Kelsen42 prega uma unidade lógica entre as regras internas e internacionais, havendo, portanto, subordinação entre elas. Não haveria, assim, a necessidade de intemalização das obrigações decorrentes dos tratados, ante a ausência de separação entre o plano interno e o internacional. O monismo é separado em duas vertentes: a que defende a primazia do direito interno sobre o internacional e a que sustenta o inverso. No que se refere aos tratados internacionais, as normas constitucionais dos Estados-Partes determinarão se estes terão O mesmo 42 KELSEN, Hans. Teoria Gerai do Direito e do Estado, trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990, pp. 352-376.

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valor de direito interno ou se haverá supremacia dos tratados, a qual poderá operar-se sobre a lei ou sobre a Constituição. Nos casos em que é necessária a intemalização do acordo ao ordenamento interno para que se dê a sua vigência, estaremos frente à equiparação do tratado à lei ordinária interna (dualismo).

1.5 O Sistema Brasileiro de Incorporação de Tratados De acordo com o Direito Brasileiro, as fases de elaboração dos tratados são: negociação, celebração, aprovação, ratificação, promulgação e publicação. Participam desse processo os Poderes Executivo e Legislativo. A Constituição determina que a competência para celebrar tratados, acordos e atos internacionais é privativa do Presidente da República (art. 84, inciso VIII). Há, todavia, no direito internacional, a figura do plenipotenciário, que, além dos Chefes de Estado e de Governo, possui plenos poderes para celebrar tratados internacionais. Essa figura corresponde principalmente ao Ministro das Relações Exteriores, o qual guarda o benefício da presunção de qualidade de plenipotenciário independentemente de qualquer prova documental. Os chefes de missões diplomáticas também prescindem da apresentação de carta de plenos poderes. Contudo, nesse caso, a prerrogativa se restringe aos tratados bilaterais entre o Estado de origem e o Estado de exercício funcional. Nos demais casos, é imprescindível a apresentação da carta de plenos poderes expedida pelo Chefe de Estado. Após sua celebração, os tratados são remetidos ao referendo, em regra por maioria simples, do Congresso Nacional, a quem cabe decidir sobre sua aprovação (art. 49, inciso I). A aprovação se dá por meio de Decreto Legislativo e, após, o ato retoma ao Executivo para ratificação. Por meio da ratificação, o Presidente da República transmite aos demais Estados-Partes o intuito de formalizar o início da exigibilidade do tratado. Esse ato se dá pelo depósito do instrumento de ratificação. Para o aperfeiçoamento do ato e início da vigência no território nacional, o Presidente da República firma um decreto de 55

promulgação, cuja dàta de publicação corresponde ao início da vigência no território nacional. Sendo assim, os tratados internacionais somente passam a integrar o ordenamento jurídico nacional após sua promulgação pelo Poder Executivo, posição essa reiteradamente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o STF já afirmou que a mesma sistemática de recepção de acordos se aplica aos tratados celebrados no âmbito do Mercosul: A recepção dos tratados internacionais em gerai e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causai e ordenada de atos revestidos de caráter politico-jurídico, assim definidos: (a) aprovação pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos e tratados, pelo Presidente de República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. (CR-8279, acórdão publicado em 10-08-2000)

Observe-se que os acordos executivos, ou seja, aqueles que prescindem da aprovação do Congresso Nacional, não são permitidos no Brasil, salvo aqueles relativos à interpretação de tratados já celebrados, os que decorrem logicamente de um tratado já vigente e que estabelecem parâmetros para negociações futuras. Como vimos, a Constituição de 1988 contém um sofisticado sistema para a recepção dos tratados internacionais, sendo que a Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe importantes modificações no antigo texto. Vejamos: Art. 5o - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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§ 2° - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3° - Os tratados e convencões internacionais sobre direitos humanos aue forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacionai. em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Da leitura do § 3o acima transcrito, percebe-se a grande inovação trazida pela EC 45/2004, pois, caso o tratado discipline questões de direitos humanos e passe pelo rito de aprovação de uma emenda constitucional quando de sua incorporação, terá status de emenda e, portanto, será considerado hierarquicamente superior à lei ordinária. Cabe aqui uma referência especial à possibilidade de prisão do depositário infiel, prevista no art. 5o, LXVII, da Constituição Federal. O STF firmou entendimento que tal prisão passou a ser proibida por força do Pacto de San José da Costa Rica, o qual, segundo interpretação da Corte, tem status de norma supralegal, nos termos do § 2o do art. 5o da Constituição. Vejamos: O Pacto de San José da Cosia Rica (ratificado pelo Brasil Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para vaíer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2o do artigo 5o da Magna Carta. A se contrapor, então a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2o do art. 5o da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional - à falta do rito exigido pelo § 3o do art. 5o mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. (Habeas Corpus 94.013-7, São Paulo, 10/02/2009)

Ainda sobre o direito brasileiro, importante lembrar: S Caso o tratado seja assinado com reservas, o Congresso Nacional não tem poderes para referendá-lo na sua íntegra.

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^ Em regra, a concordância do Congresso Nacional não é necessária para que o Brasil denuncie a um tratado internacional. Segundo Rezek43, tal regra não se aplica nos casos de tratados cuja aprovação pelo Congresso Nacional seguiu o rito de aprovação das emendas constitucionais, nos termos do § 3o do art. 5o da Constituição Federal. O STF, contudo, vem debatendo a questão da necessidade do referendo do Congresso Nacional para a denúncia de tratados internacionais, especialmente no que se refere à Convenção 158 da OIT fADl 1625^

2 Tratados em espécie 2.1 Sistema internacional de proteção dos direitos humanos Celso D. Albuquerque de Mello define Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) como “o conjunto de normas que estabelece os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento da sua personalidade e estabelece mecanismos de proteção a tais direitos”46. Segundo o autor, uma das peculiaridades do DIDH é o fato de não estar submetido a regras de reciprocidade. Ou seja, um Estado não poderá desrespeitar direitos humanos em face da nãoobservância desses direitos por um outro Estado. Outra característica importante é que as sanções impostas pela ONU jamais poderão violar direitos humanos, mesmo em caso de rompimento da paz. Isso porque os direitos humanos são normas imperativas, ou seja,/u? cogens. Até a fundação da Organização das Nações Unidas em 1945 não se podia afirmar com segurança que existia, no âmbito do direito internacional público, uma preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, é o mais conhecido documento referente ao tema. A declaração foi adotada no 43 REZEK, op. clt- p. 103. 44 MNa avaliação de Joaquim Barbosa, da mesma forma que um acordo internacional para vigorar no Brasil precisa ser assinado pelo presidenta da República e submetido à ratificação do Congresso Nacional, a extinção desse tratado deve passar pelo mesmo processo. Caso contrário, disse o ministro, há violação [formai] do texto constitucional, uma vez que o processo legislativo não foi respeitado. Joaquim Barbosa, afirmou que na Constituição brasileira não há norma sobre ‘denúncia de tratado1, mas observou que um acordo internacional tem força de lei e que no Brasil nenhum ato com força de (ei vigora sem a anuência do Parlamento. O ministro citou como exemplo as medidas provisórias que são editadas pelo poder Executivo, mas dependem de apreciação do Legislativo."

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âmbito das Nações Unidas, em forma de Resolução da Assembléia Geral. Apesar de não criar obrigatoriedade jurídica, a Resolução exerce um importante papel de conteúdo político e moral. Em complementação à Declaração, foram firmados Pactos no âmbito das Nações Unidas (1966), os quais tratam de direitos civis, políticos, econômicos e sociais, possibilitando a execução dos mandamentos da Declaração, porquanto espelham obrigações assumidas pelos Estados-membros. Inspirada na BiU o f rights da Constituição dos Estados Unidos, a Declaração incorpora diversos princípios que passaram a desempenhar um papel de verdadeiros “limitadores da área de atuação dos Estados”. Nesse sentido, os direitos humanos deixam de pertencer a uma determinada jurisdição doméstica, passando a ser protegidos por diversos mecanismos da ordem jurídica internacional, tais como a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos47. De acordo com a Declaração, os direitos humanos foram classificados em três gerações: (I) os direitos de primeira geração (arts. 4o a 21) correspondem aos direitos civis e políticos, assim como os direitos fundamentais à vida, à liberdade, não-escravidão, etc. De acordo com esses direitos, é proibida a tortura, bem como as penas degradantes e indignas; (II) os direitos de segunda geração (arts. 22 a 27) englobam os direitos econômicos, sociais e culturais; e (III) os direitos de terceira geração contemplam os direitos difusos à paz, ao meio ambiente saudável, à preservação do patrimônio comum da humanidade, etc.). A implementação da proteção aos direitos humanos se dá principalmente pela Corte Européia dos Direitos Humanos (Estrasburgo) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (São José). A Convenção Européia de Proteção aos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950) é o mais avançado dos sistemas de proteção regionais. Em 1998, entrou em vigor o Protocolo 11 à Convenção Européia de Direitos Humanos, o qual promoveu a reestruturação dos mecanismos da Convenção e estabeleceu a possibi­ lidade de os Estados-Partes e indivíduos reclamarem diretamente à Corte em caso de descumprimento da Convenção por outro Estado-Parte. 47 MELLO, op. cít, p. 775.

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi firmada em São José da Costa Rica, em novembro de 1969. Sua entrada em vigor ocorreu em 18 de Julho de 1978. Nela estão discriminados diversos direitos de âmbito civil, político, econômico, social e cultural. O Brasil aderiu à Convenção em setembro de 1992. A Convenção designa como órgãos competentes para conhecer acerca dos assuntos relacionados aos compromissos assumidos pelos Estados pactuantes a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em linhas gerais, a Comissão atua como instância preliminar à jurisdição da Corte, possuindo poderes para requisitar informações e formular recomendações aos governos dos Estados pactuantes. São submetidas ao exame da Comissão denúncias ou queixas formuladas por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, entidades não-govemamentais e Estados-Partes. É necessário» contudo, que o Estado denunciado tenha reconhecido a competência da Comissão para equacionar o conflito. Não obstante, é preciso salientar que, para que qualquer denúncia ou queixa chegue à Comissão, a Convenção determina o preenchimento de alguns requisitos de admissibilidade, dentre os quais» destaca-se a necessidade de esgotamento dos recursos proporcionados pela jurisdição interna (regra de esgotamento dos remédios locais). A Comissão e os Estados Membros têm poderes para submeter a matéria à análise da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Partes privadas não poderão iniciar uma demanda na Corte, mas poderão apresentar solicitações, argumentos e provas de forma autônoma durante o processo perante a Corte (art. 23,1 do Regimento da Corte). As sentenças da Corte são definitivas e inapeláveis, podendo, se for o caso, ordenar o pagamento de indenização justa à parte lesada. Tanto a Comissão quanto a Corte Interamericana podem emitir decisões liminares, no caso de perigo atual ou iminente que pode causar danos irreparáveis às vítimas. No caso da Comissão, as medidas emergenciais são chamadas cauteiares e, no caso da Corte, provisórias. Em se tratando de questões ainda não submetidas à análise da Corte, esta poderá editar medidas provisórias a pedido da Comissão. Isso porque as medidas cauteiares estão previstas no Regulamento da Comissão, que foi aprovado por meio de uma Resolução da Assembléia Gerai da OEA, 60

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deste modo, não possuem status convencional, ou seja, não têm obrigatoriedade de tratado. As medidas provisórias, por outro lado, encontram-se previstas no artigo 63 (2) da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 25 do Regulamento da Corte48. Desta feita, sua aceitação ou desrespeito pelo Estado toma-se uma violação internacional As medidas provisórias: (i) baseiam-se na presunção razoável de que os fatos alegados correspondem à verdade; e (ii) têm caráter tutelar, pois salvaguardam o direito, não se limitando a assegurar a eficácia da prestação jurisdicional. Tradicionalmente, as medidas provisórias visavam apenas a proteger a vida e a integridade física das pessoas. Atualmente, contudo, atendendo ao princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, o escopo dos direitos protegidos tem sido ampliado para abranger direitos como a saúde (distribuição de remédios), liberdade pessoal, de locomoção, direito à propriedade, à educação e à nacionalidade. Em 18 de junho de 2002, a Corte ordenou a adoção de medidas provisórias direcionadas ao Brasil, a fim de evitar o homicídio sistemático de detentos na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida como Penitenciária Urso Branco, em Porto Velho, Rondônia. Em 27 de junho de 2002, o Governo Brasileiro, por meio de nota dirigida à 40 Artigo 25. Medidas Provisórias 1. Em qualquer fase do processo, sempre que se tratar de casos de extrema gravidade o urgência e quando for necessário para evitar prejuízos irreparáveis às pessoas, a Corte, ex ofilcio ou a pedido de qualquer das partes, podara ordanar as medidas provisórias que considerar pertinentes, nos termos do artigo 63.2 da Convenção. 2. Tratando-se de assuntos ainda não submetidos à sua consideração, a Corte poderá atuar por solicitação da Comissão. 3. Nos casos contenciosos que já se encontrem em conhecimento da Corte, as vitimas ou as supostas vitimas, seus familiares ou seus representantes devidamente acreditados, poderão apresentar diretamente a esta uma petição de medidas provisórias em relação aos referidos casos[fJ. 4. A solicitação pode ser apresentada ao Presidente, a qualquer um dos juizes ou à Secretaria, por qualquer meio de comunicação. Seja como for, quem houver recebido a solicitação deverá leva-la ao Imediato conhecimento do Presidente. 5. Se a Corte não estiver reunida, o Presidente, em consulta com a Comissão Permanente e, se for possível, com os demais juizes, requererá do governo interessado que tome as providências urgentes necessárias a fim de assegurar a eficácia das medidas provisórias que a Corte venha a adotar depois em seu próximo período de sessões. 6. Os beneficiários de medidas provisórias ou medidas urgentes do Presidente poderão apresentar diretamente à Corte suas observações ao relatório do Estado. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos deverá apresentar observações ao relatório do Estado e às observações dos beneficiários das medidas ou seus representantes. 7. A Corte, ou seu Presidente se esta não estiver munida, poderá convocar as partes a uma audiência pública sobre as medidas provisórias. 8. A Corte incluirá em seu Relatório Anual à Assembléia Geral uma relação das medidas provisórias que tenha ordenado durante o período do relatório e, quando tais medidas não tenham sido devidamente executadas, formulará as recomendações que considere pertinentes.

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imprensa emitida pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), acusou conhecimento da medida provisória e indicou as medidas a serem tomadas a respeito. Observe-se, que, mesmo que o desrespeito a direitos humanos não se origine de atos tomados pelo govemo federal, o Estado poderá ser responsabilizado. Deste modo» não pode o Estado se eximir de sua responsabilidade internacional por motivos de ordem interna. Sendo assim, a forma federativa do Estado e a conseqüente divisão de competências materiais e legislativas não podem ser alegadas pelo Estado para exonerar-se de responsabilidades. Observe-se, contudo, que a União é que será demandada, ainda que uma autoridade estadual ou municipal é que seja responsável pelos danos causados.

2.2 Direito Penai internacional O Direito Penal Internacional é constituído por um conjunto de regras internacionais que prevêem crimes como o genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, etc. Tais crimes podem vir a ser julgados por tribunais internacionais, como o Tribunal de Nurembergue, instituído pelo Acordo de Londres, de 08-08-1945. Apesar de contestado pela doutrina, os crimes internacionais podem ser submetidos a tribunais internacionais aâ hoe, como foram os casos do Tribunal de Nurembergue, do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia e do Tribunal Penal para Ruanda. Além disso, em alguns casos, os indivíduos acusados de crimes de guerra são submetidos a tribunais nacionais. Há também a possibilidade de os indivíduos serem julgados pelos tribunais internos de outros Estados, em decorrência de tratados firmados nesse sentido. Em 17-07-1998, por meio do Tratado de Roma, foi criado o Tribunal Penal Internacional - TPI, cuja competência “limita-se aos crimes mais graves que atingem o conjunto da comunidade internacional”. Esses crimes são o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade (extermínio, redução à escravatura, deportação forçada, tortura, etc., nos termos do art. 7o do Estatuto), os crimes de guerra (art. 8o do Estatuto) e o crime de agressão. Além disso, a jurisdição do TPI não está restrita a uma situação específica, ao passo que os Tribunais ad hoc foram criados para analisarem crimes cometidos durante esses conflitos. Assim, diferentemente dos foros de Nuremberg, da Iugoslávia ou e Ruanda, o 62

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Tribunal Penal Internacional não tem limites geográficos ou circunstanciais49. O Tribunal Penal Internacional tem sua sede em Haia, Holanda, e é uma instituição judiciária permanente, criada pela vontade dos Estados fundadores, dotada de personalidade jurídica própria. Essa característica o diferencia de outras cortes internacionais, geralmente vinculadas a organizações internacionais. É regido pelo Estatuto de Roma, o qual determina que o Tribunal: a. tem caráter permanente; b. é competente para julgar os crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto (jurisdição não-retroativa); c. consagra o princípio de que a responsabilidade penal individual será invocada perante o Direito Internacional indepen­ dentemente da lei nacional e de que a imunidade de Chefes de Estado e Ministros não os beneficiará quando envolvidos em crimes interna­ cionais; d. possui jurisdição complementar, ou seja, a jurisdição nacional do Estado onde ocorreu o crime ou do Estado da nacionalidade do réu tem preferência no julgamento do crime; e e. o exercício da jurisdição do Tribunal pressupõe que o Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa, ou, se o crime tiver sido cometido a bordo de um navio ou de uma aeronave, o Estado de matrícula do navio ou aeronave; ou o Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um crime.sejam Partes no Estatuto de Roma ou aceitem a competência do Tribunal. O entendimento aceito na atualidade é de que a jurisdição internacional é de caráter complementar, em outras palavras, não apenas observa a regra do non bis in idem, mas também determina que as jurisdições nacionais, como a do Estado onde ocorreu o crime, ou a do Estado da nacionalidade do réu, tenham preferência no seu julgamento, de modo que só a sua inércia ou condescendência justificam a ação no foro internacional50.

49 REZEK, op. cit. p. 156. 50 REZEK, op. Cit. p .156.

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Algumas observações adicionais sobre o Tribunal Penal Internacional: > Tanto um Estado Parte quanto o Conselho de Segurança da ONU podem denunciar ao Procurador a ocorrência de indícios de crimes. O procurador poderá, por sua própria iniciativa, abrir um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes da competência do Tribunal. >

Se concluir que existe fundamento suficiente para abrir um inquérito, o procurador apresentará um pedido de autorização nesse sentido ao juízo de instrução, acompanhado da documentação de apoio que tiver reunido. As vítimas poderão apresentar exposições no juízo de instrução, de acordo com o Regulamento Processual. A recusa do juízo de instrução em autorizar a abertura do inquérito não impedirá o procurador de formular ulteriormente outro pedido com base em novos fetos ou provas respeitantes à mesma situação.

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As penas aplicadas são: pena de prisão; multa; perda de produtos, bens e haveres provenientes do crime e indenização às vítimas.

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O TPI não poderá julgar uma pessoa já julgada por outro Tribunal, a menos que o processo nesse outro Tribunal: a) tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal; ou b) não tenha conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça (art. 20 do Estatuto).

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A todo o momento após a abertura do inquérito, o juízo de instrução poderá, a pedido do procurador, emitir um mandado de detenção contra uma 64

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pessoa se, após examinar o pedido e as provas ou outras informações submetidas pelo procurador, considerar que: a) Existem motivos suficientes para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal; e b) A detenção dessa pessoa se mostra necessária para: i) Garantir o seu comparecimento em tribunal; ii) Garantir que não obstruirá, nem porá em perigo, o inquérito ou a ação do Tribunal; ou iii) Se for o caso, impedir que a pessoa continue a cometer esse crime ou um crime conexo que seja da competência do Tribunal e tenha a sua origem nas mesmas circunstâncias.. >

O mandado de detenção manter-se-á válido até decisão em contrário do Tribunal. Em 04 de março de 2009, o TPI determinou prisão do presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al. Bashir, por crimes de guerra (ataque a civis e pilhagem) e crimes contra a humanidade (homi­ cídio, extermínio, deslocamento forçado, tortura e estupro), em Darfur.

2.3 Proteção internacional do meio ambiente Na administração de seu próprio território e em qualquer atividade de uso de recursos naturais, cada vez mais o Estado subordinase a normas internacionais, de elaboração quase sempre multilateral Essas normas prestigiam os chamados direitos de terceira geração, dentre as quais se encontra o direito a um meio ambiente saudável. As Conferências Internacionais de Estocolmo, em 1972, e do Rio de Janeiro, em 1992, foram marcos que propiciaram a criação e disseminação de princípios que aliam a proteção ao meio ambiente com o crescimento econômico, dentre os quais se destaca o princípio do “desenvolvimento sustentável”, adotado na Conferência do Rio de Janeiro, por meio da Declaração do Rio e da Agenda 21. Segundo o Princípio 4 da Declaração do Rio, “para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante 65

do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele”. Além do princípio do desenvolvimento sustentável» são princípios gerais do direito internacional do meio ambiente: - princípio da cooperação; - princípio da precaução e prevenção; - princípio do poluidor-pagador; - princípio do fornecimento de informações e consulta. A responsabilidade civil do Estado no direito internacional, em regra, é subjetiva ou por culpa, ou, ainda sistema de responsabilidade por um ilícito, sendo necessários, para que se configure o dever de reparação: (i) a ocorrência de um ilícito (decorrente de ato ou omissão); (ii) a ocorrência de um dano; e (iii) a imputabilidade do dano ao Estado. Contudo, segundo esclarece Guido Soares51, "a crescente industria­ lização em todas as partes do mundo e a conseqüente banalização dos perigos, (...) trouxe para as relações internacionais o sistema dito da responsabilidade objetiva ou por risco, precisamente no campo da regulamentação internacional do meio ambiente. Segundo tal sistema, a norma que define a obrigação de reparar não se preocupa, de forma alguma, em determinar a licitude ou ilicitude de uma conduta que cause dano, mas, antes, procura definir as conseqüências de uma conduta perigosa.” A responsabilidade objetiva no direito internacional é, portanto, a exceção, prevista em convenções que se referem princi­ palmente à proteção ambiental. O dano ambiental transfronteiriço pode abranger as hipóteses em que os efeitos negativos alcançam as áreas de domínio comum internacional ou os territórios de outros Estados. Nesse sentido, estabelece a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992: Artigo 3 Princípio Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito 51 SOARES, Cuido Fernando Silva Soares, A Proteção Internaciona! do Meio Ambiente. Manoie: 2003, p. 161.

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soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional Sendo assim, apesar de não haver uma definição clara acerca do termo “dano ambiental tranfronteiriço” de modo que sua aplicação será definida caso-a-caso, os textos convencionais tratam a questão de modo abrangente, bastando que o Estado cause danos em áreas além dos limites de sua jurisdição. Vejamos a seguir algumas das principais convenções internacionais relativas à preservação do meio ambiente e temas afins. .|

Convenção

Objeto

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Convenção-Quadro das Nações llnidas sobre Mudanças do Clima e seu Proto­ colo de Kyoto, de 1992. : Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 2.652/1998.

Estabilização das concentrações de gases de efeito estufa, o que deverá ser alcançado a partir de medidas a serem implementadas por países do Anexo I (desenvolvidos), de acordo com métodologias previstas no Protocolo de Kyoto, dentre as quais se destaca o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL.

Convenção sobre Diversidade Biológica, ; de 1992. Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 2/1994.

Conservação da biodiversidade, utiliza-ção sustentável de seus componentes e repar­ tição eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos gene-ticos. |

: Convenção do Direito do Mar, de 1982. Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 1.530/1995.

Prevenção e redução da poluição mari­ nha. Classifica as fontes de poluição como de origem terrestre, proveniente de atividades relativas aos fundos marinhos sob jurisdição nacional, proveniente de atividades na área, por alijamento, prove­ niente de embarcações e proveniente da atmosfera.

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| Convenção sobre o Comércio Inter| nacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), de 1973. ! Promulgada no Brasil pelo Decreto n. | 76.623, de 17 de novembro de 1975.

Controle do comércio internacional de fauna e flora silvestres, estabelecendo controle e fiscalização especialmente quanto ao comércio de espécies ameaça­ das, suas partes e derivados com base num sistema de licença e certificados.

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Convenção sobre Proibição do Uso Militar ou Hostil de Técnicas de Modifi­ cação Ambiental, de 1976.

Os Estados-Partes comprometem-se a não promover o uso militar ou qualquer outro uso hostil de técnicas de modifi­ Promulgada no Brasil pelo Decreto n. | cação ambiental que tenham efeitos disseminados, duradouros ou graves, 225/1991. como meio de infligir destruição, dano ou prejuízo a qualquer outro Estado-Parte. Comprometem-se também a não prestar assistência, encorajar ou induzir qualquer Estado, grupo de Estados ou organiza­ ção, internacional, a empreender essas atividades. Convenção da Basiléia sobre Movi- j Estabelece mecanismos internacionais de mentos Transfronteiriços de Resíduos controle de movimentos transfronteiriços Perigosos e seu Depósito, de 1989. de resíduos, baseando-se no princípio do Promulgada no Brasil pelo Decreto n. consentimento prévio e explícito para a importação e o trânsito de resíduos perigo­ 875/1993. sos e procurando coibir o tráfico ilícito» Prevê a intensificação da cooperação internacional para a gestão adequada de resíduos.

Tratado da Bacia do Prata, de 1969. Promulgado peto Decreto n. 85.050/1978.

Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978. Promulgado pelo Decreto n. 85.050/1990.

Assinado pela Argentina, Bolívia, Brasil, ; Paraguai e Uruguai com o objetivo de “permitir o desenvolvimento harmônico e ! equilibrado, assim como o ótimo apro­ veitamento dos grandes recursos naturais I da região, e assegurar sua preservação para as gerações futuras através da utilização racional dos aludidos recursos”. A bacia contém um dos maiores aqüí­ feros conhecidos - o Guarani - Gom 1,6 milhões de km2. Promoção de cooperação entre os países amazônicos - Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - em favor do desenvol­ vimento sustentável da região. O documento é regido por cinco princípios gerais: a competência exclusiva dos países da região no desenvolvimento e proteção da Amazônia; a soberania na­ cional na utilização e conservação de

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recursos naturais; a cooperação regional f como meio de facilitar a realização dos dois objetivos anteriores; o equilíbrio e a harmonia entre a proteção ecológica e o desenvolvimento econômico; e a abso­ luta igualdade entre as parles. Convenção Internacional sobre Respon­ sabilidade Civil por Danos Causados por Poluição de Óleo, de 1969. Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 79.437/1977.

i Convenção de Viena para Proteção da i Camada de Ozônio, de 1985 e seu Protocolo de Montreal, de 1987. Promulgada pelo Decreto n. 99.820/1990.

Convenção relativa â Proteção do Patri­ mônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972. Promulgada pelo Decreto n. 89.978/1977.

Estabelece critérios de responsabilização civil por danos a terceiros causados por i; derramamentos de óleo no mar, criando um sistema de seguro compulsório, que se aplica aos navios petroleiros dos países signatários a esta Convenção. Estabelece a cooperação internacional para pesquisa, monitoramento e compar­ tilhamento de informações sobre produ­ ção e emissões de CFC, e de aprovação de protocolos de controle se e quando necessários. Não contém compromissos para a tomada de ações para reduzir a produção e o consumo de CFC, mas foi um marco importante, uma vez que os Estados concordaram em enfrentar o problema antes que seus efeitos fossem sentidos, ou que a sua existência fosse cientificamente provada, em observância ao “principio da precaução”.

Cria obrigações especificas para os Estados signatários no que se refere à preservação do meio ambiente, conside­ rando como patrimônio cultural as obras monumentais de arquitetura, escultura ou pintura, os elementos ou estruturas de natureza arqueológica, os conjuntos arquitetônicos ou paisagísticos de valor universal excepcionai, e ós lugares notáveis. Já o patrimônio natural é constituído por monumentos naturais de valor universal do ponto de vista estético ou cientifico, as áreas que constituam o habitat de espécies animais ou vegetais ameaçadas ou que tenham valor

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excepciona! do ponto de vista da ciência ou da conservação, e os lugares notá­ veis, cuja conservação é necessária para a preservação da beieza natural. Os Estados partes comprometem-se a identificar, proteger, conservar e legar a futuras gerações o patrimônio cultural e natural, apresentando ao “Comitê do Patrimônio Mundial”, criado pela Conven­ ção, um rol dos bens situados em seu território que possam ser incluídos na lista de bens protegidos como “Patrimô­ nio Mundial”.

2.4 Outras convenções internacionais 2.4.1 Convenção para repressão ao genocídio Em 1998, foi aprovada a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio no âmbito da Organização das Nações Unidas. As principais disposições dessa convenção constam a seguir: As Partes Contratantes confirmam que o genocídio, seja cometido em tempo de paz ou em tempo de guerra, é um crime contra a humanidade.

Defme o genocídio como os atos comet intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

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- Determina a punição de governantes, funcionários ou particulares pelos seguintes atos: a) O genocídio; b) O acordo com vista a cometer genocídio; c) O incitamento, direito e público, ao genocídio; d) A tentativa de genocídio; e) A cumplicidade no genocídio. - As Partes obrigam-se a adotar, de acordo com as suas Constituições respectivas, as medidas legislativas necessárias para assegurar a aplicação das disposições da Convenção e, especialmente, a prever sanções penais eficazes que recaiam sobre as pessoas culpadas de genocídio. - As pessoas acusadas de genocídio serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o ato foi cometido ou pelo tribunal criminal internacional que tiver competência, ou seja, cuja jurisdição tenha sido reconhecida pelas Partes. - O genocídio e demais atos previstos na Convenção não serão considerados crimes políticos, para efeitos de extradição. Além disso, as Partes obrigam-se a conceder a extradição de acordo com a sua legislação e com os tratados em vigor.

2.4.2 Convenção contra o crime organizado transnaclonal No Brasil, o Decreto n° 5.015/2004 promulga essa convenção, firmada no âmbito das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000. em Nova Iorque. Principais disposições: - Objetiva promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional. - Traz as seguintes definições:

a) “Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de trê ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas 71

na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada; e) "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime; f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir,, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade competente; g) "Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra

i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em perm remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática; - A convenção é aplicável à investigação, instrução e julgamento de infrações de caráter transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado. A infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado. - A Convenção criminaliza a lavagem do produto do crime, quando praticada intencionalmente:

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a) i) A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses bens são produto do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou ajudar qualquer pessoa envolvida na pratica da infração principal a furtar-se às conseqüências jurídicas dos seus atos; ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos bens são produto do crime; b) e, sob reserva dos conceitos fundamentais do seu ordenamento jurídico: i) A aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no momento da recepção, que são produto do crime; ii) A participação na prática de uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como qualquer forma de associação, acordo, tentativa ou cumplicidade, pela prestação de assistência, ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática. A Convenção prevê, ainda, medidas para combater a lavagem de dinheiro, de modo que cada Estado Parte: a) Instituirá um regime interno completo de regulamentação e controle dos bancos e instituições financeiras não bancárias e, quando se justifique, de outros organismos especialmente susceptíveis de ser utilizados para a lavagem de dinheiro, dentro dos limites da sua competência, a fim de prevenir e detectar qualquer forma de lavagem de dinheiro, sendo nesse regime enfatizados os requisitos relativos à identificação do cliente, ao registro das operações e à denúncia de operações suspeitas; b) Garantirá que as autoridades responsáveis pela admi­ nistração, regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço 73

de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro. - Além disso, cada Estado adotará medidas para criminalização da corrupção e para responsabilização de pessoas jurídicas que participem em infrações graves envolvendo um grupo criminoso organizado. A responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser penal, civil oü administrativa e não obstará à responsabilidade penal das pessoas físicas que tenham cometido as infrações. - Os Estados Partes adotarão, na medida em que o seu ordenamento jurídico interno o permita, as medidas necessárias para permitir o confisco: a) Do produto das infrações previstas na presente Convenção ou de bens cujo valor corresponda ao desse produto; b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na prática das infrações previstas na presente Convenção. - Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a sua competência jurisdicional em relação às infrações previstas na Convenção, nos seguintes casos: a) Quando a infração for cometida no seu território; ou b) Quando a infração for cometida a bordo de um navio que arvore a sua bandeira ou a bordo de uma aeronave matriculada em conformidade com o seu direito interno no momento em que a referida infração for cometida. - O Estado poderá igualmente estabelecer a sua competência jurisdicional em relação a qualquer destas infrações, nos seguintes casos: a) Quando a infração for cometida contra um dos seus cidadãos; b) Quando a infração for cometida por um dos seus cidadãos ou por uma pessoa apátrida residente habitualmente no seu território; ou c) Quando a infração for:

I) Uma das previstas no parágrafo 1 do Artigo 5 da pr Convenção e praticada fora do seu território, com a intenção de cometer uma infração grave no seu território; 74

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II) Uma das previstas no inciso II) da alínea b) do parágrafo I o do Artigo 6 da presente Convenção e praticada fora do seu território com a intenção de cometer, no seu território, uma das infrações enunciadas nos incisos I) ou II) da alínea a) ou I) da alínea b) do parágrafo Io do Artigo 6 da presente Convenção.

É possível a extradição da pessoa envolvida, desde que infração pela qual é pedida a extradição seja punível pelo direito interno do Estado Parte requerente e do Estado Parte requerido. Se um Estado Parte que condicione a extradição à existência de um tratado receber um pedido de extradição de um Estado Parte com o qual não celebrou'tal tratado, poderá considerar a presente Convenção como fundamento jurídico da extradição quanto às infrações a que se aplique o presente Artigo. A extradição estará sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou em tratados de extradição aplicáveis, incluindo, nomeadamente, condições relativas à pena mínima requerida para uma extradição e aos motivos pelos quais o Estado Parte requerido pode recusar a extradição.

2.4.3 Convenção contra o trafico IHtito de entorpecentes No Brasil, o Decreto n° 154/1991 promulgou a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, a qual visa a promover a cooperação entre as Partes a fim de que se possa fazer frente, com maior eficiência, aos diversos aspectos do tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas que tenham dimensão internacional. No cumprimento das obrigações que tenham sido contraídas em virtude desta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias, compreendidas as de ordem legislativa e administrativa, de acordo com as disposições fundamentais de seus respectivos ordenamentos jurídicos internos. Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente: a) i) a produção, a fabricação, a extração, a preparação, oferta para venda, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições, a corretagem, o envio, o envio em trânsito, o transporte, a 75

importação ou a exportação de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971; ii) o cultivo de sementes de ópio, do arbusto da coca ou da planta de cannabis, com o objetivo de produzir entorpecentes, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada; iii) a posse ou aquisição de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica com o objetivo de realizar qualquer uma das atividades enumeradas no item i) acima; iv) a fabricação, o transporte ou a distribuição de equipamento, material ou das substâncias enumeradas no Quadro I e no Quadro II, sabendo que serão utilizados para o cultivo, a produção ou a fabricação ilícita de entorpecentes ou substâncias psicotrópicas; v) a organização, a gestão ou o financiamento de um dos delitos enumerados nos itens i), ii), iii) ou iv); b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no inciso a) deste parágrafo , ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das conseqüências jurídicas de seus atos;

ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, or localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencionados no inciso a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos em questão; c) de acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico: i) a aquisição, posse ou utilização de bens, tendo conhecimento, no momento em que os recebe, de que tais bens procedem de algum ou alguns delitos mencionados na letra a) ou de ato de participação no delito ou delitos em questão; ii) a posse de equipamentos ou materiais ou substâncias, enumeradas no Quadro I e no Quadro II, tendo conhecimento prévio de

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Direito Internacional

que são utilizados, ou serão utilizados, no cultivo, produção ou fabricação ilícitos de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas; iii) instigar ou induzir publicamente outrem, por qualquer meio, a cometer alguns dos delitos mencionados neste Artigo ou a utilizar ilicitamente entorpecentes ou substâncias psicotrópicas; iv) a participação em qualquer dos delitos mencionados neste Artigo, a associação e a confabulação para cometê-los, a tentativa de cometê-los e a assistência, a incitação, a facilitação ou o assessoramento para a prática do delito. No que se refere à jurisdição de cada Estado sob os crimes objeto da Convenção, cada Parte será competente: i) quando o delito é cometido em seu território; e ii) quando o delito é cometido a bordo de navio que traz seu pavilhão ou de aeronave matriculada de acordo com sua legislação quando o delito foi cometido, dentre outras hipóteses que poderão ser previstas no ordenamento jurídico interno de cada Estado.

2.4.4 Convenção contra o tráfico de armas O chamado Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, foi promulgado no Brasil por meio do Decreto N° 5.941/2006. A finalidade deste Protocolo é promover, facilitar e fortalecer a cooperação entre os Estados Partes a fim de prevenir, combater e erradicar a fabricação e o tráfico ilícitos de armas de fogo, suas peças e componentes e munições, não sendo aplicável a transações entre Estados ou transferências estatais nos casos em que a aplicação do Protocolo prejudique o direito de um Estado Parte de adotar medidas no interesse da segurança nacional conformes com a Carta das Nações Unidas. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para tipificar como delitos criminais as seguintes condutas, quando se cometam intencionalmente: (a) componentes e munições;

Fabricação ilícita de armas de fogo, suas peças e

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(b) Tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições; (c) Falsificação ou obliteração, supressão ou alteração ilícitas de marca(s) em armas de fogo exigida(s) pelo artigo 8 deste Protocolo. Além disso, os Estados Partes adotarão, até onde permitir seu ordenamento jurídico interno, as medidas que forem necessárias para possibilitar o confisco de armas de fogo, suas peças e componentes e munições que tenham sido ilicitamente fabricados ou traficados. Os Estados Partes adotarão, ainda, no âmbito de seu ordenamento jurídico interno, as medidas necessárias para impedir que armas de fogo, peças e componentes e munições ilicitamente fabricados e traficados caiam nas mãos de pessoas não autorizadas, por meio da apreensão e destruição dessas armas de fogo, suas peças e componentes e munições, a menos que outra disposição tenha sidò oficialmente autorizada, contanto que as armas de fogo tenham sido marcadas e que os métodos de disposição dessas armas de fogo e munições tenham sido registradas.

2.4.5Convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais Internacionais Essa Convenção foi firmada pelo Brasil em Paris, França» em 17 de dezembro de 1997, ratificada por meio do Decreto Legislativo n° 125, de 14 de junho de 2000, e promulgada pelo Decreto presidencial n° 3678, de 30 de novembro de 2000.) Tem como finalidade a adoção de medidas, de forma efetiva e coordenada entre os Estados Parte, para prevenir e reprimir a corrupção de funcionários públicos estrangeiros na esfera das transações comerciais internacionais. Segundo informação oficial do Ministério da Justiça52, “os Estados Parte comprometeram-se a realizar um trabalho conjunto, buscando possibilitar a implementação de medidas de ordem jurídica e administrativa que permitam o alcance dos objetivos previstos na 52 http://www.mi.aov.br/data/Paaes/MJCEAF61211TEMIDD3474CB1E21445 698DQ603BA301D1093PTBRIE.htm. Consulta realizada em 20 de novembro de 2007.

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Convenção, entre as quais está o de estabelecer responsabilidades às pessoas jurídicas que corrompam funcionários públicos estrangeiros; considerar a imposição de sanções cíveis ou administrativas a pessoas sobre as quais recaiam condenações por corrupção aos referidos funcionários; como também a prestação da assistência jurídica recíproca de forma efetiva e rápida, em especial no que se refere à criminalidade dual. Ademais, esta Convenção obriga os Estados Parte a criminalizar o ato de corrupção de funcionários públicos estrangeiros e a aplicar penalidades criminais "eficazes, proporcionais e dissuasivas" aos delitos relacionados aos mesmos. Urge salientar que, na reunião realizada em 12 a 14 de junho de 2002, em Paris, o Brasil anunciou para o Grupo de Trabalho sobre a Corrupção que, em face da aprovação da Lei 10.467, de 11 de junho de 2002, de iniciativa do Poder Executivo e elaborada pelo Ministério da Justiça, havia cumprido com o processo de adequação da legislação nacional aos compromissos assumidos na presente Convenção. Por meio da referida Lei, foi acrescentado o Capítulo II-A ao Código Penal, que dispõe sobre “os crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira", tipificando a corrupção ativa em transação comercial internacional, o tráfico de influência em transação comercial internacional, a ocultação ou dissimulação de produtos de crime praticado por particular contra a administração pública estrangeira e, definindo, para efeitos penais, "funcionário público estrangeiro". Os Estados Parte, com vistas a assegurar a eficácia dos propósitos visados neste Acordo, deverão submeter-se e cooperar na execução de um programa de acompanhamento sistemático, realizado por um Grupo de Trabalho sobre corrupção estabelecido na OCDE (Organisation for Economic Cooperation and Development), que monitorará a integral implementação da Convenção. Neste processo, como já salientado anteriormente, os Estados serão objeto de uma aferição, onde será avaliado se o país está cumprindo o que foi convencionado. Contudo, na esfera de atuação do presente Acordo, ficou ajustado que, caso os Estados Parte não cumpram estabelecido na Convenção, os mesmos responderão à comunidade internacional mediante à imposição de sanções econômicas.” 79

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Capítulo IV

Representação Diplom ática As relações diplomáticas e consulares entre os povos existem há muito tempo. O direito internacional adotou-as e organizou-as, mas não as instituiu. Foi a partir do aparecimento do Estado que a prática demonstrou que a forma mais segura de exercício da soberania é a manutenção efetiva, por intermédio dos seus próprios agentes e em pé de igualdade, de relações diplomáticas e consulares com outros Estados soberanos.

1 Missões diplomáticas Todo Estado soberano tem o direito de estabelecer relações diplomáticas. Chama-se direito de legação ativo o direito de envio de missão diplomática, e passivo quando o Estado recebe a missão de outro Estado53. O artigo 2° da Convenção de Viena de 1961 estabelece que as relações diplomáticas entre Estados e o envio de missões diplomáticas permanentes fazem-se por consentimento mútuo. A regra do consentimento mútuo é conseqüência de um compromisso nacional, inteiramente em conformidade com o princípio segundo qual toda limitação das competências soberanas de um Estado depende de sua aceitação54. 53 DINH, DAILÜER, e PELLET, op. cit. p. 662. 54 DINH, DAllUER, e PELLET, op. cit. p. 662.

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O objetivo da missão diplomática é assegurar a manutenção de boas relações entre os Estados, bem como proteger os direitos e interesses do país e de seus nacionais. A missão diplomática possui funções de representação, ou seja, o agente diplomático age em nome do Estado que representa, devendo promover o intercâmbio econômico, cultural e científico. Possui também a função de negociar com o Estado acreditado. Deve também proteger os interesses de seu Estado, observar as condições e a evolução dos acontecimentos no Estado acreditado e informar seu governo sobre tais circunstâncias55. Assim como seu estabelecimento, a ruptura das relações diplomáticas é um ato discricionário do Estado, e se traduz pela decisão unilateral que este toma ao fechar sua missão diplomática, impondo, assim, a mesma decisão ao seu parceiro, em virtude do princípio da reciprocidade. É, no entanto, um ato bastante grave e não acontece senão em último recurso.

1.1 Convenção de Viena de 1961 A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, é o documento fundamental no que se refere às relações diplo­ máticas entre Estados. A Convenção foi a compilação de uma estrutura normativa descendente do costume e trouxe, entre muitas outras novidades, a consagração do princípio de que a missão diplomática deve ser entendida em seu conjunto e não isoladamente considerada na figura do embaixador. Assim, a missão diplomática abrange o chefe da missão, os funcionários e o pessoal técnico e de serviço. Segundo a Convenção, os chefes de missão dividem-se em três classes: a) embaixadores ou núncios acreditados perante chefes de Estado; b) enviados, ministros ou intemúncios; e c) encarregados de negócios, acreditados perante o Ministério das Relações Exteriores. O grupo de agentes diplomáticos acreditados em um mesmo Estado é chamado corpo diplomático, o qual é presidido pelo decano, que é o mais antigo agente diplomático. A expressão “agente diplomático” engloba o chefe da missão e todos os membros do pessoal diplomático. 56 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 171.

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Os funcionários diplomáticos são classificados como permanentes ou temporários. Permanentes são os que atuam perma­ nentemente junto a um govemo. Os temporários integram uma delegação em uma conferência ou são enviados a uma posse presidencial, por exemplo. A missão diplomática permanente, qualificada geralmente de embaixada e, por vezes, de legação, é um serviço público do Estado acreditante instalado permanentemente no território do Estado acreditador. Os agentes são escolhidos pelos Estados, segundo qualidades e condições de idoneidade por eles designados. Em regra, os agentes diplomáticos são nacionais do país pelo qual são nomeados, contudo, nada impede que sejam de outra nacionalidade. Ao assumir seu posto, o agente diplomático leva consigo dois documentos essenciais: o passaporte diplomático e a credencial. A credencial é normalmente uma carta assinada pelo chefe de Estado e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores.

1.2 Privilégios e Imunldades Conforme já referido, os agentes e as missões diplomáticas encontram-se numa situação muito particular: eles constituem os meios pelos quais o Estado acreditante exerce uma missão de serviço público no território acreditado. Para tanto, são concedidas a eles algumas garantias permitindo, ou ao menos facilitando, o cumprimento de sua missão. Primeiramente, é preciso fazer uma diferenciação entre privilégio e imunidade. A Convenção de Viena manteve essa distinção, apesar de ter reduzido seu alcance. Nos termos da Convenção, as imunidades são todas aquelas fundadas em regras de direito internacional, ao passo que, quanto aos privilégios, alguns têm origem no direito internacional, como é o caso das isenções fiscais, já outros, tais como as isenções aduaneiras, são simples medidas de cortesia sobre as quais o direito internacional se exprime de forma permissiva e não imperativa, e que dependem para sua existência e amplitude de textos de direito interno.57 58 DINH, DA1LUER, e PELLET, op. cit p. 665. 57 DINH, DA1LUER, e PELLET, op. cit. p. 667.

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Os privilégios e imunidades diplomáticas foram codificados pela Convenção de Viena, em seus artigos 20 a 42. Em seu artigo 37, a Convenção trata da extensão dos privilégios e imunidades às famílias dos diplomatas, ao pessoal administrativo e técnico. O referido artigo dispõe que os membros da família de um agente diplomático que façam parte de seu agregado são beneficiados pelos mesmos privilégios e imunidades que os previstos em favor do agente, contanto que não sejam nacionais do Estado acreditado. Os membros do pessoal administrativo e técnico (por exemplo, os tradutores), assim como os membros de suas famílias, gozam, com poucas diferenças, das mesmas imunidades concedidas aos agentes diplomáticos. Os membros do pessoal do serviço (jardineiros, empregados domésticos), por sua vez, não se beneficiam da imunidade senão para os atos produzidos no exercício de sua função. Os membros de suas famílias estão inteiramente excluídos. A missão diplomática tem liberdade nas comunicações oficiais, isto é, o Estado acreditado tem a obrigação de permitir e proteger a livre comunicação da missão para todos os fins oficiais. (Art. 27). Da mesma forma, os locais onde a função é exercida, dentre os quais se inclui a residência do chefe da missão, possuem inviolabilidade diplomática. Também possuem inviolabilidade os próprios diplomatas e seus arquivos. Em seu artigo 29, reza a Convenção “a pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade e dignidade”. A inviolabilidade, contudo, não é absoluta. Caso o agente pratique atos contra a ordem pública ou a segurança do Estado onde se acha acreditado, o Estado poderá exigir sua retirada e, caso a medida seja necessária, cercar sua residência até que o agente se retire. Não será possível a prisão do agente. Sua expulsão é excepcional, em casos em que o agente não é retirado pelo seu governo. Além disso, em razão da inviolabilidade, os agentes do Estado acreditado não poderão adentrar na embaixada sem a autorização do chefe da missão. No que se refere à imunidade de jurisdição, vale enfatizar que ela é de natureza absoluta, quer o agente esteja ou não no exercício de 84

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suas funções. Ela se aplica aos agentes diplomáticos e corresponde à faculdade de não comparecer aos tribunais do Estado acreditado. Admitese, contudo, que o testemunho seja prestado na sede da missão. A imunidade, todavia, não exime o agente do dever de observar os regula­ mentos locais, contanto que sejam de ordem geral e não restrinjam o exercício de suas funções. No caso da imunidade de jurisdição criminal, esta somente será excepcionada em caso de renúncia à imunidade por parte do governo do agente. O direito criminal brasileiro reconhece a competência da justiça brasileira relativamente a crimes cometidos por seus nacionais no exterior (princípio da extraterritorialidade). A imunidade do agente diplomático se aplica nas esferas civil e administrativa. No entanto, nos casos de ilícitos civis, há exceções à imunidade de jurisdição. São elas: 1. quando o agente renuncia expressamente à imunidade, submetendo-se à jurisdição local; 2. quando o próprio agente recorre aos tribunais locais, na condição de autor; 3. em ações relativas a imóveis possuídos pelo agente no território do Estado onde exerce suas funções; 4. em ações resultantes de compromissos assumidos no exercício de outra profissão que porventura tenha desempenhado; 5. quando o agente é nacional do Estado onde está acreditado. Entretanto, mesmo nos casos referidos acima, nenhuma execução poderá se dar caso implique em medidas contra o agente ou os bens necessários para o exercício da missão. Para esse fim, os credores deverão recorrer aos tribunais do país do devedor. No caso dos funcionários técnicos e administrativos, também estes gozarão de imunidade de jurisdição absoluta na esfera penal, enquanto que a imunidade civil, administrativa e comercial é apenas relacionada aos atos funcionais. Aos funcionários de serviço, é conferida apenas a imunidade funcional, em qualquer esfera. Por fim, a Convenção, em seu artigo 34, trata da isenção fiscal das missões e dos agentes diplomáticos. O agente diplomático não pode ser contribuinte no Estado acreditado, uma vez que, no plano dos 85

princípios» o pagamento de impostos é um ato de sujeição. O artigo 34 da Convenção proclama a imunidade fiscal, criando, contudo, algumas exceções, entre as quais figuram, por exemplo, os impostos prediais devidos pelos imóveis privados e aqueles que tocam rendimentos privados, tendo a sua fonte no Estado acreditado. Além disso, o artigo 36 declara que, de acordo com suas disposições legislativas e regulamentares, o Estado acreditador pode conceder a isenção de direitos alfandegários sobre os objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou ao dos membros de sua família,

2 Convenção sobre relações consulares de 1963 Enquanto que em matéria de relações diplomáticas o costume precedeu o direito escrito, em termos de relações consulares observamos exatamente o processo inverso. Desde as origens da instituição consular, a sua regulamentação tem sido obra de convenções bilaterais entre Estados interessados. Os postos consulares são, como as missões diplomáticas, serviços públicos dependentes de seu Estado nacional, mas instalados num Estado estrangeiro. Por essa razão, o estabelecimento de relações consulares e de postos consulares também está submetido à regra do consentimento mútuo (arts. 2o e 4o da Convenção de Viena de 1963). Em virtude do caráter essencialmente administrativo das relações consulares, o seu estabelecimento é independente do das relações diplomáticas e mesmo do reconhecimento mútuo dos Estados interessados. Sendo assim, a ruptura das relações diplomáticas não acarreta necessariamente a das relações consulares. Para que possa exercer sua função, cada chefe de posto consultar deverá estar munido de uma carta de provisão do seu Estado de envio. Além disso, ele só começa a exercer suas funções após ter recebido a autorização de seu Estado de residência, chamada de mandato executório. É permitido que um Estado nomeie para um posto consular um cidadão estrangeiro, o qual será designado “cônsul comercial ou 86

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honorário”, todavia, este não será beneficiado com os mesmos privilégios e imunidades dos cônsules de carreira. Os cônsules e os postos consulares não estão encarregados de funções de representação política. Suas funções revestem-se de um caráter puramente administrativo. Nos termos do artigo 5o da Convenção, os cônsules estão principalmente encarregados de proteger no Estado de residência os interesses do Estado de envio e dos seus nacionais; de favorecer o desenvolvimento das relações comerciais, econômicas, culturais e científicas entre eles; de exercer algumas funções relativas aos nacionais que se encontrem no Estado de residência (estado civil, assistência judiciária e parajudiciária, emissão de passaportes); de conceder vistos às pessoas estrangeiras que desejarem visitar o Estado de envio; de supervisionar os barcos, navios e suas tripulações com origem no Estado de envio e de lhes prestar assistência58. A inviolabilidade dos locais consulares só se aplica às partes que o pessoal utiliza exclusivamente para as necessidades de seu trabalho (art. 31 da Convenção). Dessa forma, ela não protege a residência do chefe do posto consular (art. Io,/, da Convenção). A liberdade e a proteção das comunicações oficiais constituem exigência funcional que se aproxima a mesma concedida para as missões diplomáticas. A inviolabilidade pessoal dos funcionários consulares é bastante limitada, pois eles podem ser submetidos à prisão ou detenção preventiva por crime grave (art. 41 e 42). Da mesma forma, a imunidade jurisdicional não é absoluta, uma vez que os funcionários e empregados consulares não estão protegidos senão em razão dos atos executados no exercício das suas funções consulares (art. 43). Fora deste exercício, eles podem até mesmo ser objeto de procedimento criminal59.

58 DINH, DA1LUER, e PELLET, op. cit. p. 676. 59 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 678.

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Capítulo ¥

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS

1 Direitos fundamentais dos Estados O Estado, enquanto sujeito do DEP, atua no cenário internacional gozando dos direitos e deveres reconhecidos pelo direito internacional. Atualmente, não mais se discute acerca da igualdade jurídica dos Estados, de modo que todos - os mais poderosos e os mais fracos - desfrutam, por exemplo, dos direitos reconhecidos na Carta das Nações Unidas. Interessante observar que o elenco de direitos e deveres dos Estados evolui com o transcurso do tempo, tanto que, na atualidade, além da independência e da igualdade, destaca-se o direito ao desenvolvimento enquanto direito fundamental. Dentre os direitos fundamentais dos Estados, ressaltamos: a) Direito à liberdade: confunde-se com a noção de soberania, a qual pode ser dividida em soberania interna e soberania externa. A primeira refere-se ao poder do Estado com relação às pessoas e coisas que se encontram em seu território, também denominada autonomia. Compreende os direitos de organização política, de legislar e de jurisdicionar. Soberania externa é aquela atribuída pelo direito internacional e se manifesta a partir da liberdade com que o Estado 89

desempenha suas relações internacionais. Confunde-se, assim, com o conceito de independência. A soberania externa compreende os direitos de celebrar tratados, o de fazer guerra ou paz, etc.60 b) Direito de igualdade: o art. 4o da Convenção Panamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados (Montevidéu, 1933) dispõe que “os Estados são juridicamente iguais, gozam dos mesmos direitos e têm a mesma capacidade no seu exercício”. Os direitos de cada um não dependem do poder que tenha para assegurar o seu exercício, mas do simples fato de sua existência como pessoa de direito internacional. De acordo com o direito de igualdade, cada Estado terá direito de voto para decisão de questões internacionais, sendo que os votos dos mais fracos têm o mesmo valor dos votos dos mais fortes. Além disso, nenhum Estado tem o direito de reclamar jurisdição sobre outro Estado, de modo que os tribunais de um Estado não têm jurisdição sobre outro. Esse último princípio, porém, não é absoluto, pois se tem entendido que o Estado pode renunciar - tácita ou expressamente - à imunidade de jurisdição (por meio de tratado, quando propõe ação perante tribunal estrangeiro, quando exerce atos de comércio/gestão perante Estado estrangeiro). Além disso, a jurisprudência tem aplicado a renúncia da imunidade de jurisdição em ações relativas a questões trabalhistas. À imunidade de execução, contudo, é compreendida como absoluta. c) Direito de defesa e conservação: prática de medidas contra inimigos internos e externos, tais como a expulsão de estrangeiros nocivos à ordem nacional e a celebração de alianças defensivas. Esse direito, contudo, não é absoluto, pois é limitado pelo direito de defesa e conservação dos demais Estados. d) Direito ao desenvolvimento: com base nesse princípio, a ONU adotou várias resoluções objetivando a melhoria das condições dos Estados em desenvolvimento, como a Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD.

60 SILVA & AGCiOLY, op. cit., p. 103.

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2 Deveres dos Estados Para Hans Kelsen, “as normas do direito internacional geral impõem deveres sobre os Estados e ao fazê-lo conferem direitos aos demais”. E, ainda, “se os deveres forem formulados corretamente, a formulação do direito correspondente é supérflua”. . Passemos, assim, à análise dos deveres dos Estados soberanos.

2.1 Dever de não-intervenção Intervenção é “a ingerência de um Estado nos negócios peculiares, internos ou externos, de outro Estado soberano com o fim de impor a este a sua vontade”.61 A Carta da OEA determina, em seu artigo 18, “nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro”. Já a Carta da ONU possui um dispositivo bem menos rigoroso, que prevê “todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas” (art. 2, item 4). Alguns Estados, contudo, vêm defendendo o uso do instituto da intervenção em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Em regra, não configura intervenção uma ação coletiva decorrente de compromisso firmado em tratado, como o da ONU, que confere ao Conselho de Segurança poderes para adotar as medidas destinadas a manter ou restabelecer a paz e segurança internacionais. Segundo a chamada Doutrina Drago, “a dívida pública não pode motivar a intervenção armada e, ainda menos, a ocupação material do solo das nações americanas por uma potência européia”. Esse princípio surgiu de pronunciamento do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luís Maria Drago, referindo-se ao bombardeio de portos venezuelanos pelos Estados Unidos como forma de forçar o pagamento 61 SiLVA & ACCIOLY, op. dí., p. 112.

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de dívidas. Como resultado, na 4a Conferência Internacional Americana, em 1910, as partes comprometeram-se a submeter reclamações pecuniárias à arbitragem, desde que não possam ser resolvidas amistosamente por vias diplomáticas. Ainda no que se refere ao princípio de não-intervenção, importante destacar a Doutrina Monroe, surgida de uma mensagem dirigida ao Congresso dos Estados Unidos, em 1823, onde o Presidente James Monroe enumerou princípios norteadores da política externa no país. Três deles constituem a Doutrina Monroe: (I) o continente americano não pode ser sujeito de ocupação por parte de nenhuma potência européia; (II) é inadmissível a intervenção de potência européia nos negócios internos ou externos de qualquer país americano; (III) os Estados Unidos não intervirão nos negócios pertinentes a qualquer país europeu. Destacamos, a seguir, algumas espécies de intervenção: a) Intervenção em nome do direito de defesa e conservação: os Estados têm direito de tomar as medidas necessárias a sua defesa e conservação, desde que se limitando aos contornos estabelecidos pelo DIP. Não podem, entretanto, tomar medidas que atinjam outro Estado o qual não o esteja ameaçando militarmente. Assim, quando não se tratar de hipótese de legítima defesa, a intervenção é condenada pelo direito internacional. b) Intervenção para proteção dos direitos humanos: nesse caso, a intervenção poderá ser praticada por intermédio de uma organização internacional (ONU), eis que seus membros reconheceram o dever de proteção aos direitos humanos por meio da Declaração Universal de Direitos Humanos. c) Intervenção para proteção dos nacionais: o Estado tem o dever de proteger seus nacionais no exterior. A esse dever corresponde também o direito do Estado em protegê-los, por meio de missão diplomática, conforme previsto na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.

2.2

Responsabilidade por danos internacionais

Como vimos, as relações entre os Estados fundam-se em princípios que criam obrigações e direitos mútuos, os quais, uma vez 92

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violados, podem ocasionar a responsabilidade do Estado perante outros membros da comunidade internacional. A base fundamental da responsabilidade internacional está amparada na noção de que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada. Essa máxima também é aplicável aos outros sujeitos do DIP. Nesse sentido, por exemplo, é possível que uma Organização Internacional tenha legitimidade para pleitear reparação por danos causados a seus representantes. A Corte Internacional de Justiça, órgão jurisdicional e consultivo da ONU, já ventilou, na prática, a aplicação dessa hipótese.62 Essa responsabilidade pode originar-se de atos ou omissões do próprio Estado, de seus funcionários ou de seus súditos (indivíduos), enquanto que a vítima pode ser o Estado, quando sua soberania é violada ou um tratado de que é parte não é observado, ou um indivíduo, no caso de o Estado do qua! o mesmo é nacional exercer a proteção diplomática visando à reparação do dano sofrido63. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, são elementos constitutivos da responsabilidade internacional: o ato ilícito, a imputabilidade e o prejuízo ou dano. Ato ilícito: ato ou omissão que represente afronta a uma norma de direito internacional, um princípio gerai, uma regra costumeira, um dispositivo de tratado em vigor64. Não há escusa para um ato internacionalmente ilícito sob o argumento de sua licitude ante a ordem jurídica local.65 Imputabilidade: é o nexo que liga o ilícito a quem é o responsável pela sua prática. Contudo, o autor do ilícito nem sempre é diretamente responsável perante a ordem internacional. Exemplo disso é o fato de que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus 82 A Corte Internacional d© Justiça, em parecer consultivo exarado em 1949, deixou claro que a ONU tem legitimidade para pleitear reparação adequada quando seu servidor, no exercício de suas funções, sofre dano em circunstâncias que ensejem a responsabilidade de um Estado (Recuei! CtJ, 1949). 63 ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim, Curso de Direito Internacional Público. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 144. 84ARAÚJO, op. cit,, p. 144. 65 REZEK, op. cit., p. 271.

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funcionários. Sendo assim, a imputabilidade não se confunde com a autoria do ato ilícito: os atos são imputáveis porque estão vinculados à soberania e ocorrem em nome do Estado. A responsabilidade do Estado é indireta quando este responde pelo ato ilícito que foi praticado, por exemplo, nos territórios sob sua tutela. A responsabilidade direta advém da ação praticada pelos órgãos do Estado. Pode-se, inclusive, imputar ao Estado ilícito resultante do exercício de competências legislativas (por exemplo, a não-revogação de leis contrárias a compromissos firmados), judiciárias (quando age desfavoravelmente a preceitos internacionais) e executivas (ação ou omissão de funcionários). A ação hostil de particulares não acarrete, por si só, a responsabilidade internacional do Estado. No entanto, o Estado incorrerá em ilícito quando faltar com seus deveres de prevenção e repressão de atos ilícitos praticados por particulares.66 Dano: não será necessariamente material ou de expressão econômica, uma vez que o Estado pode transgredir também direitos extrapatrimoniais (apartheid, genocídio). Só o Estado vitimado por alguma forma de dano causado diretamente a si, ao seu território, ao seu patrimônio, aos seus serviços, ou ainda à pessoa ou aos bens de particular que seja seu súdito tem qualidade para invocar a responsabilidade internacional do Estado faltoso (dano direto)67. Há circunstâncias, contudo, que excluem a ilicitude do ato violador do DIP. Segundo Luis Amorim de Araújo, são hipóteses que “isentam a responsabilidade do Estado: legítima defesa (todo Estado tem direito de repelir um ataque armado até que o Conselho de Segurança da ONU tenha tomado as medidas indispensáveis para a manutenção da paz e da segurança internacionais, ex vi do art. 51 da Carta da ONU), a prescrição liberatória (quando o prejudicado, pelo seu silêncio, negligencia a reclamação e seu direito) e a renúncia do indivíduo prejudicado em recorrer à proteção diplomática de seu Estado”68. 66 Exemplo clássico no Direito Internacional Público desse dever de punir ou vigiar que acarreta a responsabilidade internacional do Estado está presente no julgamento da Corte internacional de Justiça no Caso do Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, no qual a ocupação contínua da embaixada e a detenção persistente dos reféns assumiram caráter de atos do Estado. Os militantes tomaram-se, então, agentes do Estado iraniano, dada a omissão desse país em nâo tentar prevenir ou punir seus atos (Recueil CIJ, 1980). 67 REZEK, op. cit, p. 274. 68 ARAÚJO, op. cit., p. 147.

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É princípio geral do direito a obrigação de reparação do dano causado, por meio de restituição, compensação ou outros meios reconhecidos pelo direito. A reparação será equivalente à natureza do dano causado ao Estado, sendo em dinheiro tão somente nos casos em que há repercussões econômicas ao país vitimado. O conceito de reparação é, portanto, diferente de sanção, a qual possui uma característica penal e moral. A jurisprudência internacional firmou a restituição integral como princípio básico de reparação dos danos causados. Ou seja, a reparação deverá ser integral, propiciando o restabelecimento da situação que existiu antes do ato ilícito ser cometido (statu quo ante), Há que se compensar também, quando for o caso, os lucros cessantes diretamente relacionados ao dano causado, não, porém, os chamados danos indiretos. O Estado ofendido, dentro de limitações estabelecidas pelo DIP, poderá tomar contramedidas. Entretanto, antes disso, deverá o Estado esforçar-se para negociar a solução. Apesar de a responsabilidade internacional não se encontrar codificada, o Projeto de Convenção sobre Responsabilidade dos Estados, proposto pela Comissão de Direito Internacional da ONU, prevê, em seu artigo 50, as contramedidas proibidas pelo DIP. São elas: a) a ameaça ou uso de força proibidas pela Escritura das Nações Unidas; b) coerção econômica ou política extrema projetada para se arriscar a integridade territorial ou política do Estado que cometeu o ato Internacionalmente ilícito; c) qualquer conduta que infringe a inviolabilidade de agentes diplomáticos ou consulares, premissas, arquivos e docu­ mentos; d) qualquer conduta que derroga direito humano básico; ou e) qualquer contravenção de norma peremptória de direito internacional geral (Jus Cogens).

2.2.1 Proteção diplomática No caso de responsabilidade internacional por lesão a um indivíduo, o Estado de origem desse indivíduo poderá exercer seu direito de proteção diplomática. Significa que o Estado da nacionalidade do 95

indivíduo lesado poderá apresentar uma reclamação, via diplomática, contra o Estado infrator para obter a devida reparação. Para tanto, o indivíduo lesado deverá primeiro esgotar os recursos domésticos do Estado responsável antes de recorrer ao país nacional para requerer a proteção diplomática. Portanto, somente se poderá utilizar a proteção diplomática quando se verificar a inviabilidade dos remédios locais. Não será necessário, todavia, esgotar os recursos domésticos, quando for evidente que os tribunais locais não farão justiça no caso. Além disso, quando um tratado excluir expressamente o esgotamento dos recursos domésticos, esse princípio não será aplicado. Essa outorga da proteção diplomática de um Estado a um particular chama-se endosso. Nesse momento, o Estado assume a reclamação, fazendo-a sua, e dispondo-se a tratar da matéria junto ao Estado autor do ilícito. É um direito de qualquer indivíduo ou empresa solicitar a proteção diplomática de seu país de origem, mas isso não quer dizer que irá obtê-la. É ato discricionário do Estado concedê-la, o que, por sua vez, pode ser feito, com ou sem o pedido do particular. A concessão do endosso exige 2 (duas) condições: a nacionalidade do súdito, sendo que, no caso das pessoas jurídicas, será analisado o foro de sua constituição69; e o esgotamento dos recursos internos do país reclamado, se eles se mostrarem imparciais, acessíveis e eficazes, conforme já referido. O efeito jurídico do endosso é a transformação de uma reclamação particular numa reclamação nacional. Saliente-se, ainda, que no caso de êxito na demanda e estabelecimento de indenização, o direito internacional não impõe o dever de o Estado transferir o montante obtido, mesmo que já deduzido de todas as despesas, ao particular. Esse dever resultará de deveres éticos ou de normas de direito interno70. O exercício de proteção diplomática é um direito do Estado. Seu exercício deverá ser pacífico, por meio de negociação direta, mediação, conciliação, arbitragem, processo judiciário, etc. O Estado poderá renunciar à sua reclamação, não podendo mais reformulá-la. Entretanto, não poderá o indivíduo renunciar, eis que a reclamação pertence ao Estado, e não ao particular. 69 “Caso Barcelona Traction, no qual a Corte Internacional de Justiça se manifestou indicando que a nacionalidade da pessoa JurEdica é definida pelo iocai de sua constituição.” 70 REZEK, op. cit. p. 276.

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A proteção diplomática não se confunde com a diplomacia. O objeto da proteção diplomática é o particular - indivíduo ou empresa que, no exterior, seja vítima de um procedimento estatal arbitrário e, que, em desigualdade de condições frente ao governo estrangeiro, pede ao seu Estado de origem que lhe tome a vez, fazendo da sua reclamação uma autêntica demanda entre sujeitos de direito internacional71.

71 REZEK, op. cit., p. 276.

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CapítuSo V!

MEIOS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS

1 Solução pacifica de conflitos Conflito internacional é todo desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato, toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou de interesses entre dois estados72. O fato de hoje a guerra ser um ilícito internacional não deve fazer-nos perder de vista que, até o começo do século XX, ela era uma opção perfeitamente legítima para resolução de pendências entre Estados73. Contudo, desde a Convenção para a solução dos conflitos internacionais (Haia, 1907) o direito internacional passou a demonstrar claramente o repúdio à guerra. Seguiu-se, então, o Tratado de Paz firmado em Versalhes pela Liga das Nações, buscando impor o princípio da solução pacífica de conflitos. Contudo, a fragilidade desse sistema demonstrou-se evidente com a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, criase a ONU e, em 1948, a Organização dos Estados Americanos, as quais consagram os esforços em busca da criação de mecanismos capazes de manter a paz mundial.

72 Conceito deduzido pela Corte Permanente de Justiça Internacional no Caso Mavrommatis, em 1924, e no caso Lótus, em 1927. A Corte Internacional de Justiça voltou a invocá-lo no caso do Sudoeste Africano, em 1962. 7i REZEK, op. cit., p. 336.

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A partir dos sistemas criados por essas organizações, a solução pacífica de litígios passa a se dar pela negociação diplomática ou por meio de soluções jurisdicionais, dentre as quais destacam-se a arbitragem e os procedimentos perante os tribunais internacionais. A negociação internacional pode ser bilateral ou multilateral e tem função preliminar e até mesmo preventiva a fim de evitar o surgimento de um conflito de maiores proporções. Pode se dar por meio de bons ofícios (diálogo e negociações)!, da mediação (onde um terceiro intervem no processo de negociação) ou da conciliação (a solução é apresentada por um terceiro que goza de confiança dos litigantes). A negociação poderá ocorrer no âmbito de uma organização internacional, como a ONU. Vejamos a seguir os chamados meios jurisdicionais de solução de conflitos.

1.1 Arbitragem internacional A arbitragem se dá pela intervenção de um terceiro, o qual dita uma solução ao conflito. Para que se instaure, é necessário o prévio consentimento dos Estados envolvidos, ou seja, a arbitragem somente ocorre a partir de um compromisso entre os litigantes. Tal consentimento pode ser anterior ou posterior ao surgimento do conflito. No casó de o compromisso ser anterior ao litígio, instaura-se a arbitragem obrigatória, ou seja, desencadeada por um litigante em face de cláusula compromissória previamente estabelecida em um tratado. Quando o compromisso é posterior ao surgimento do litígio, a arbitragem se materializa pelo compromisso arbitrai, que definirá seu objeto, procedimento, condições de nomeação dos árbitros e seus poderes. A doutrina destaca três características da sentença arbitrai: (I) deve ser motivada, salvo quando o compromisso arbitrai não prevê motivação; (II) é obrigatória, de modo que faz coisa julgada; (III) não é executória. tendo em vista que sua efetivação depende da boa-fé e honradez dos litigantes.74 Importante salientar a natureza irrecomvel da sentença arbitrai. É, pois, definitiva, de maneira que dela não cabe recurso. Não 74 Nesse sentido, vide SE1TENFUS & VENTURA, op. cit., p. 147.

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obstante, poderão as partes dirigir-se novamente ao árbitro solicitando esclarecimento de alguma ambigüidade, omissão ou contradição da sentença. Ademais, poderão as partes apontar a nulidade da sentença arbitrai, alegando falta grave, corrupção, abuso ou desvio de poder do árbitro.

1.2 Corte Internacional de justiça A Corte Internacional de Justiça (CIJ) é qualificada pelo art. 92 da Carta das Nações Unidas como o uprincipal órgão judiciário das Nações Unidas”, possuindo jurisdição contenciosa e consultiva. No que se refere à jurisdição consultiva, a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança da ONU podem solicitar pareceres (avis consultatij) à Corte. Os pareceres não são obrigatórios. Os demais órgãos e organismos especializados também poderão solicitar pareceres, desde que autorizados pela Assembléia Geral. A jurisdição da Corte Internacional de Justiça é, via de regra, facultativa. Conforme salienta Celso D. de Albuquerque Mello, “ela só decide os dissídios em que todos os litigantes estejam de acordo em submeter a questão à sua apreciação”75. Desta feita, o fato de um Estado ser membro da ONU não o obriga a submeter compulsoriamente seu litígio à apreciação da Corte. A jurisdição da CIJ pode ser obrigatória quando estiver expressamente prevista em tratados (art. 36, § Io, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). Contudo, como bem destaca a doutrina, a Corte não detém o poder de impor suas sentenças no cenário internacional, face às peculiaridades do próprio DIP76. A Corte possui um Estatuto que determina suas regras de funcionamento. Destacamos a seguir suas principais características: a) é composta por quinze membros, sem atenção a sua nacionalidade, sendo que não poderá haver dois nacionais do mesmo país. Os membros são eleitos por maioria absoluta da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança da ONU;

75 MELLO, op. cit., p. 650. 76 Idem, p. 147.

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b) suas decisões são tomadas por maioria de juizes, desde que com quórum mínimo de nove juizes; c) os juizes possuem mandato de nove anos, podendo ser reeleitos. Não podem ser demitidos, exceto por unanimidade de voto dos demais juizes. Devem dedicar-se exclusivamente à Corte e possuem imunidade diplomática; d) somente Estados (membros ou não da ONU) podem ter acesso à Corte, excluídos assim os indivíduos e organizações nãogovernamentais, salvo no que se refere aos pareceres meramente consultivos; e) sua competência abrange a interpretação de tratados e de quaisquer normas de direito internacional; f) controvérsias relativas à competência da Corte serão resolvidas por decisão da própria Corte; g) os Estados somente estão sujeitos às decisões da Corte caso tenham consentido prévia ou concomitantemente; h) as sentenças são definitivas e inapeláveis. São admitidos apenas os chamados recursos de interpretação e revisão. Este último caberá se houver descoberta de fato novo e antes de transcorridos dez anos da data da decisão (art. 61 do Estatuto). Com relação à jurisdição da Corte Internacional de Justiça, observe que essa é, via de regra, facultativa. Desta feita, o fato de um Estado ser membro da ONU não o obriga a submeter compulsoriamente seu litígio à apreciação da Corte. A jurisdição da CIJ pode ser obrigatória quando estiver expressamente previste em tratados (art. 36, § Io, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça).

2 Sanções e soluções coercitivas de controvérsias As chamadas soluções coercitivas correspondem a medidas tomadas para a manutenção da ordem, visando à punição de infratores de regras de DIP. Essas medidas são usualmente tomadas a partir da 102

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imposição de sanção legal pelos órgãos comunitários. O art. 41 da Carta das Nações Unidas prevê que o Conselho de Segurança pode aplicar medidas que não impliquem o emprego de forças armadas, tais como a interrupção de relações econômicas e o rompimento de relações diplo­ máticas. O Conselho de Segurança poderá, ainda, caso considere inadequadas as medidas acima, determinar o uso de forças aéreas, navais ou terrestres para a manutenção ou o restabelecimento da paz e segurança nacionais. Contudo, muitas vezes, os Estados fazem uso de medidas coercitivas, utilizando seus próprios meios, ao invés de recorrer às organizações internacionais. Em resposta a essa tendência, a comunidade internacional passou a tentar coibir tais práticas, por meio de disposições como o art. 2.4 da Carta da ONU que proíbe “a ameaça ou uso de força ou qualquer ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas”. Sendo assim, o uso de força pelo Estado se tornou uma exceção nas relações internacionais, uma vez que a Carta obriga os Bstados-membros a solu­ cionar as controvérsias internacionais, em regra, por meios pacíficos. Os meios coercitivos mais empregados estão destacados nos itens a seguir.

2.1 Rompimento de relações diplomáticas Dá-se por meio da interrupção das relações oficiais com outro Estado, com a retirada dos agentes diplomáticos. Trata-se de um ato unilateral e discricionário, podendo configurar-se como obrigatório caso assim decidido por uma organização internacional. As relações não-diplomáticas, como as relações comerciais, poderão ser mantidas, se assim entenderem por bem as partes envolvidas. É um meio de pressão de um Estado sobre outro, a fim de forçar a modificar a sua atitude ou chegar a um acordo em determinada questão. Normalmente o rompimento é um sinal de que medidas mais fortes poderão ser empregadas no futuro.

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O rompimento de relações diplomáticas poderá ser recomendado pelo Conselho de Segurança visando à aceitação de suas decisões, em caso de ameaça contra a paz internacional (art. 41).

2.2 Retorsão Consiste na aplicação de medidas legais, mas inamistosas, em resposta às medidas adotadas pelo Estado ofensor. Trata-se de uma forma de aplicação da pena de talião, por meio da adoção de tratamento análogo ou idêntico àquele adotado pelo violador, com base nos princípios do respeito mútuo e da reciprocidade. Alguns exemplos são o corte de ajuda econômica, diminuição do número de diplomatas, limitação de viagens de estrangeiros, imposição de tributação excep­ cional, etc. Da mesma forma que ocorre no rompimento de relações diplomáticas, no caso da retorsão, não há aplicação de medidas de força. É medida legítima, apesar de a jurisprudência internacional não lhe ser favorável.

2.3 Represálias As represálias, ao contrário das medidas anteriores, constituem-se em medidas ilícitas empregadas por um Estado em relação a outro Estado em razão de ter este praticado atos também ilícitos. Podem consubstanciar-se em medidas armadas ou outros tipos de agressão, como a penhora de bens invioláveis, a expulsão de nacionais e a suspensão de aplicação de tratado vigente. Diferenciam-se da legítima defesa, pois nesta o Estado impede que o ilícito se efetive, enquanto que nas represálias o ilícito já ocorreu. Além disso, a legítima defesa somente se aplica em casos de ataque armado e a represália se aplica a qualquer ilícito internacional.

2.3.1 Embargo Em geral, consiste no seqüestro de navios e cargas de nacionais de outro Estado, os quais se encontram ancorados nos portos do 104

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Estado que lança mão da medida. Atualmente, o embargo adquiriu um significado mais amplo, sendo utilizado como sinônimo de proibição à exportação ao Estado violador. Essa medida tem sido discutida e condenada internacionalmente, pois atinge particulares, ou seja, inocentes que acabam empobrecidos em razão da medida.

2.3.2 Bloqueio pacífico O bloqueio pacífico é uma forma de represália armada que consiste em impedir as comunicações com um porto ou com a costa de um país ao qual não se declarou guerra. Essa medida não é admitida pelo sistema da ONU, em face da proibição do uso de forças armadas nas relações internacionais.

2.3.3 Boicotagem A boicotagem é a interrupção de relações comerciais e financeiras com outro Estado. Quando realizada de forma pacífica, é legal perante o direito internacional, pois pode representar um meio de defesa do Estado. A doutrina destaca que a boicotagem pode ser realizada por Estados ou por particulares. Na segunda hipótese, não acarreta qualquer responsabilidade internacional ao Estado. A boicotagem também é prevista no artigo 41 da Carta das Nações Unidas como medida destinada a tomar efetivas as decisões no Conselho de Segurança.

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Capítulo vil

DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO

1 Princípios do comércio internacional - GATT e OMC O GATT - General Agreement on Traáe and Tariffs, foi assinado em 1947, originalmente, por 23 países, passando a vigorar a partir de 1948, com o intuito de impulsionar, rapidamente, a liberação do comércio internacional. Foi concebido em caráter de emergência e na dependência da criação da OIC - Organização Internacional do Comércio. Sua principal finalidade era o desenvolvimento do comércio internacional, adotando como premissa máxima o princípio de que as relações entre os Estados, no campo econômico e comercial, devem ser conduzidas de forma a aumentar a qualidade de vida de seus cidadãos, promover o emprego, o crescimento das receitas e das demandas, desenvolvendo a utilização dos recursos e expandindo a produção e troca de bens. Não foi bem-sucedida, contudo, a tentativa de constituição da OIC. Apesar de sua aprovação por 53 países participantes da Conferência sobre Comércio e Emprego de Havana (1947-48), dois anos depois, não mais do que duas ratificações haviam ocorrido. Em todo caso, 107

a liberalização do comércio e a diminuição de barreiras ao fluxo comercial jamais deixaram de integrar as agendas de discussões internacionais77. Iniciaram-se, assim, negociações no sentido de pôr em prática a Convenção de Havana no que se refere à expansão e liberalização do Comércio Internacional. Tais negociações acabaram por originar, com o intuito principal de conceber um fórum de discussões acerca do comércio internacional, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tarijfs and Trade - GATT), o qual entrou em vigor em Io de janeiro de 1948. O GATT, contudo, não se constituiu na forma de um organismo internacional, mas como uma instituição dotada de flexibilidade, a cujas decisões os Estados não teriam obrigatoriamente de se sujeitar. Oito séries de negociações multilaterais comerciais ocorreram entre a criação do GATT e a Rodada Uruguai, quando se deu a criação da atual Organização Mundial do Comércio. Foram elas: Genebra (1947-48, 23 países participantes), Annecy (1949, 33 países), Torquay (1950-51, 34 países), Genebra (1956, 22 países), Dillon (1960-62, 45 países), Kennedy (1964-67, 48 países) e Tóquio (1973-79, 99 países participantes). No decorrer dessas Rodadas, importantes resultados foram obtidos no que diz respeito à liberalização do comércio internacional e à solidificação do papel do GATT enquanto fórum internacional de negociações. Sem dúvida, a Rodada Uruguai, iniciada em 20 de setembro de 1986, em Punta dei Leste, tratou-se da mais ambiciosa das rodadas de negociações, pois, além de congregar todos os capítulos tradicionais do GATT, abordou também discussões em tomo de setores sensíveis como os da agricultura e dos têxteis, além da inclusão de setores mais dinâmicos das trocas internacionais: propriedade intelectual, investi­ mentos e serviços.

77 Devemos considerar que a defesa da liberalização do comércio é reflexo de uma fase do capitalismo em que se fazia sentir a necessidade de sua internacionalização, o que vinha ao encontro dos interesses de paises mais desenvolvidos. O incremento das trocas internacionais, portanto correlaciona-se com a expansão do capitalismo.

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Em 15 de abril de 1994, 117 representantes de países assinaram, na última fase do oitavo ciclo de negociações multilaterais, a Ata Final da Rodada Uruguai, documento que compreendia, dentre outros atos diplomáticos, o histórico acordo criador da Organização Mundial do Comércio78. Impõe-se notar que a OMC, apesar de guardar consigo muitas características diversas do GATT, como o fato de se tratar dè uma autêntica organização internacional, vem a substituir e suceder este, tendo a ela sido incorporados todos os Acordos e disposições em vigor no âmbito do GATT. Nas palavras de Celso Lafer, as normas da OMC representam “um significativo desenvolvimento progressivo do direito 7Q internacional público de cooperação econômica” . De fato, a Organização Mundial do Comércio supera em muito as organizações que a antecederam. Trata-se de uma nova instituição multilateral extrema­ mente inovadora em sua cobertura temática, uma vez que não abrange somente o comércio internacional, mas também serviços, investimentos e propriedade intelectual, além do próprio funcionamento do sistema de comércio multilateral80. Quatro anexos resultaram das negociações da Rodada Uruguai. O Anexo 1, formado pelos Acordos Multilaterais de Comércio de Bens - GATT - 1994, pelo Acordo Geral sobre Comércio de Serviços - GATS (General Agreement on Trade in Services) e pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio - TRIPS (Trade Related Áspects o f íntellectual Property Rights); o Anexo 2, onde são tratadas as regras para solução de controvérsias entre os países Membros do GATT; e os Anexos 3 e 4, acerca do Exame de Políticas de Comércio e de Acordos de Comércio Plurilaterais, respectivamente. Em tais acordos, permaneceram presentes três princípios fundamentais da filosofia gattiana - Nação-Mais-Favorecida, nãodiscriminação e tratamento nacional - os quais devem ser aplicados pelos 78 ALMEIDA, op. cit», p. 215. 79 LAFER, Celso. O Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, Voi. 91.1996. Vide também, A OMC e a regulamentação do comércio intemacionai: uma visão brasileira. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 1998. 80 ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o Muitllateralismo Econômico. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 1999, p. 215.

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países participantes e incorporados, progressivamente, aos novos setores de atividade previstos. A chamada cláusula da Nação-Mais-Favorecida determina que as vantagens concedidas para qualquer país, inclusive os nãomembros, devem ser estendidas a todos os outros países-membros do 81 GATS . O princípio da não-discriminação, por sua vez, imprime a condição de que os acordos de integração econômica regional não devem excluir nenhum setor de prestação de serviços. Além disso, os membros do GATS que sejam também parte de outro acordo regional de integração deverão comunicar tal fato ao Conselho para o Comércio de Serviços, órgão responsável da supervisão do Acordo. Por fím, segundo o princípio do tratamento nacional, não há permissão para que fornecedores estrangeiros de serviços sejam tratados diferentemente dos fornecedores nacionais. A fím de assegurar a participação dos países em desen­ volvimento, compromissos específicos foram negociados» referentemente ao fortalecimento da capacidade e à competitividade dos serviços nacionais, bem como às melhorias a serem implantadas visando ao acesso desses países a novas tecnologias. Para tanto, os membros apresentam listas de compromissos específicos abordando o acesso ao mercado interno, definindo limitações e condições referentes ao princípio do tratamento nacional, especificando compromissos adicionais. No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a Ata Final que incorpora os resultados da “Rodada Uruguai’ de negociações multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche, em 12 de abril de 1994, por meio do Decreto Legislativo n - 3, de 15 de dezembro de 1994, posteriormente promulgado pelo Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994. São funções da OMC: (II) servir de fórum para negociações, entre seus Membros, acerca de relações comerciais multilaterais; (III) administrar o entendimento relativo às normas e procedimentos para solução de controvérsias;

81 COSTA, Ligia. OMC - Manual Prático da Rodada Uruguai. São Pauio: Saraiva, 1996, p. 105. A autora exemplifica a cláusula da nação-mais-favorectda da seguinte forma: “permissão dada por um Membro a estabelecimento bancário de um outro Membro para operar no seu território. Essa permissão será estendida automaticamente para todos os outros Membros".

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(IV) administrar o mecanismo de exame das políticas comerciais; (V) cooperar, no que couber, com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco de Reconstrução e Desenvolvimento bem como com as demais instituições internacionais que visam à adoção de políticas econômicas em nível mundial; (VI) tratar e resolver as diferenças comerciais; (VII) monitorar as políticas comerciais nacionais; e (VIII) prestar assistência técnica e treinamento para países em desenvolvimento. O sistema de tomada de decisão, quase sempre por consenso, e o esquema de negociações, através de rodadas específicas e com objetivos claramente delineados, contribuem para o sucesso desta organização na realização de seus objetivos. Os principais órgãos da OMC são os seguintes: » Conferência Ministerial: órgão de decisão mais importante na estrutura organizacional da OMC, responsável pela definição da política geral da organização e pela tomada de decisões sobre os acordos celebrados no âmbito da OMC. A Conferência decide também as matérias que devem ser estudadas e analisadas para elaboração de acordos. É constituída de representantes de todos os Estados-Membros, os quais reúnem-se pelo menos uma vez a cada dois anos.

Conselho Geral, composto pelos representantes de todos os Estados-Membros, é o responsável pelas atividades diárias da Organização, desempenhando também as funções da Conferência Ministerial, nos intervalos entre uma e outra. Desempenha ainda a função de Órgão de Solução de Controvérsias e Órgão de Exame de Políticas Comerciais, reportando-se, sempre, à Conferência Ministerial. As funções do Conselho Geral podem ser, portento, discriminadas: (I) condução das atividades, inclusive aquelas atribuídas à Conferência Ministerial, nos seus intervalos (administrativa); (II) solução de controvérsias (jurisdicional); e (III) exame de políticas comerciais (fiscalizatória). Subordinados ao Conselho Geral, destacam-se ainda os seguintes órgãos: (I) Conselho para Comércio de Bens, com a tarefa de 111

supervisionar o funcionamento dos Acordos Comerciais Multilaterais do Anexo IA do Acordo Constitutivo da OMC; (D) Conselho para o Comércio de Serviços, o qual supervisiona o funcionamento do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - GATS; e (III) Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionadas com o Comércio, também denominado de Conselho TRIPS, com o objetivo de supervisionar o funcionamento do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.

Secretaria: é chefiada por um Diretor-Geral, indicado Conferência Ministerial, sendo que, para garantir a independência e imparcialidade na condução das atividades da organização, o DiretorGeral e os funcionários da Secretaria não podem buscar nem aceitar instruções de qualquer governo ou de outra autoridade externa à OMC. O sistema de solução de controvérsias instituído no âmbito da OMC é aplicado aos litígios referentes ao Acordo Constitutivo da organização, além de acordos multilaterais anexos. O DSB ou OSC (Dispute Settlement Bocly / Órgão de Solução de Controvérsias) é responsável pela condução do procedimento e suas decisões se dão por consenso. Os sujeitos do conflito são Estados-membros, de modo que indivíduos e entidades não podem figurar como partes. Os meios de solução de controvérsias instituídos pela OMC consistem em meios diplomáticos, como consultas, conciliação, mediação, e meios judiciais, como a arbitragem e o panei O processo de panei é utilizado quando a consulta não obtém sucesso. Assim, a solução de um litígio começa por uma negociação e, se tal etapa não obtiver êxito em sessenta dias, cria-se o panei que, por sua vez, enviará um relatório ao Órgão de Solução de Controvérsias. Esse relatório será adotado em sessenta dias se não houver apelação.

2 Processo de integração econômica Internacional Conforme descreve Luis Olavo Baptista82 o processo de integração econômica, em geral, divide-se nos seguintes estágios: 82 BAPTISTA, Luis Otavo. O Mercosul, suas Instituições e Ordenamento Jurídico. São Pauto: LTr, 1a ed., 1998, p. 46.

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- Zona de Livre Comércio (ZLC): área de livre circulação de mercadorias, sem restrições quantitativas e sem imposição alfandegária. Todavia, cada um dos participantes pode manter relações comerciais com terceiros países de acordo com seus interesses; - União Aduaneira (UA): além das características acima, acrescenta-se a existência de uma tarifa aduaneira comum; - Mercado Comum: a livre circulação de mercadorias também abrange os demais fatores de produção, exigindo a adoção de políticas comuns a fim de evitar diferenças no interior do mercado que possam provocar desigualdades. Essa etapa pressupõe a uniformização ou, pelo menos, a harmonização - da legislação dos países membros; - União Econômica: representa a fusão dos mercados nacionais, o que implica a igualdade de condições econômicas, juntamente com as liberdades de mercado; - União Econômico-monetária: implica a criação de uma moeda única, ou pelo menos de câmbios fixos e iconvertibilidade obrigatória das moedas dos países membros, O Mercosul, como veremos a seguir, é caracterizado como uma União Aduaneira.

3 Blocos Regionais 3.1 Mercosul A criação do Mercosul foi o marco do processo de aproximação entre os países do cone sul, cuja integração havia sido iniciada entre Brasil e Argentina em 1986, por meio do Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE). O objetivo do PICE era o estabelecimento de uma seara econômica comum, com a abertura de mercados e estímulo a setores específicos da economia dos dois países. O Uruguai e o Paraguai buscaram adesão ao acordo bilateral, o que resultou na celebração, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção. Trata-se do acordo que define as regras básicas para a criação do Mercado Comum, o qual estabeleceu:

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• Um programa de liberalização comercial por meio de reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não-tarifárias; ■ A coordenação de políticas macroeconômicas, que se realizaria gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não-tarifárias; • Uma tarifa externa comum, que incentivaria a competitividade externa dos Estados e promoveria economias de escala eficientes; • Constituição de um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguardas; • Listas de exceções ao programa de liberação comerciai para os "produtos sensíveis”,

De acordo com o preâmbulo do Acordo de Assunção, esses objetivos devem ser alcançados, dentre outros meios, mediante: (I)

Aproveitamento eficaz de recursos disponíveis;

(II) Preservação do meio ambiente; (III) Melhoramento das interconexões físicas; (IV) Coordenação de políticas macroeconômicas; (V) Complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. Em 1995, o Mercosul transformou-se em uma União Aduaneira. Em 04 de julho de 2006, a Venezuela e os Estados Membros assinaram o Protocolo de Adesão da Venezuela ao MERCOSUL. Tal protocolo, na data da redação desse livro, pende de ratificação pelo Paraguai. Sendo assim, o MERCOSUL conte com 4 (quatro) países membros (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e 5 (cinco) associados (Peru, Equador, Columbia, Chile e Bolívia).

83 MARQUES, Frederico. Direito Internacional Privado . Acesso em: 10 de maio de 2005.

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e

Mercosul.

Disponível

eríi:

Direito Internacional

A criação do Mercosul é fonte de polêmica pela opção por um quadro institucional sem características supranacionais* Além disso, os estudiosos reiteradamente pregam a necessidade de uma efetiva harmonização legislativa entre os países como um fator imprescindível à consecução dos objetivos de integração. Como bem salienta Dallari84, “a necessidade de compatibilização da ordem jurídica interna com as regras de Direito Internacional às quais o Estado se vincula tem se colocado na ordem do dia para os parlamentos nacionais, responsáveis, em última instância, de modo geral, tanto pela elaboração das normas de direito positivo interno como pela autorização para a ratificação de compromisso do Estado no âmbito da ordem jurídica internacional”. a) Protocolos Complementares ao Tratado de Assunção Além do Tratado de Assunção, a estrutura normativa do MERCOSUL abrange os seguintes principais Protocolos: Protocolo

Principais Disposições

Protocolo de Cooperação Jurisdicional ; sm Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e í Administrativa - Protocolo de Lãs Lefias j (promulgado no Brasil pelo Decreto n. 55, ; publicado em 28-05-1993)

Estabelece obrigações de cooperação jurisdicional, de modo que cada Estado indicará uma “autoridade centrai”, encar­ regada dessa atividade. Proíbe a exigên­ cia de caução ou depósito a cidadãos ou residentes em Estados-Partes.

Protocolo sobre Jurisdição internacional em Matéria Contratual - Protocolo de Buenos Aires (promulgado no Brasil pelo Decreto n. 129, publicado em 05-101995)

Aplica-se à jurisdição contenciosa inter­ nacional relativa aos contratos interna­ cionais de natureza .civit e comercial celebrados entre particulares com domi­ cílio ou sede em diferentes EstadosPartes. 0 Protocolo aplica-se, ainda, quando peio menos uma das partes do contrato tenha seu domicílio ou sede em um Estado-Parte e tenha sido celebrado acordo com eleição de foro em favor de um Estado-Parte, desde que haja conexão razoável (art. 1o). Suas dispo­ sições não se aplicam a: 1. relações jurídicas entre os falidos e seus credores

04 DALLARI, Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. O MERCOSUL perante o Sistema Constitucional Brasileiro in MERCOSUL - Seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. Org. Maristela Basso. 1a ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1997, p. 105.

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e demais procedimentos análogos, espe­ cialmente as concordatas; 2. matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e sucessões; 3. contratos de seguridade social; 4. contratos adminis­ trativos; 5. contratos de trabalho; 6. contratos de venda ao consumidor; 7. contratos de transporte; 8. contratos de \ seguro; e 9. direitos reais (art. 2o). Protocolo sobre Medidas Cauteiares (promulgado no Brasil pelo Decreto n. 192, publicado ém 15-12-1995)

Regulamente o cumprimento de medidas cauteiares. Também prevê a designação de uma autoridade central para receber e transmitir as solicitações de cooperação cautelar. t

Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul - Protocolo de Ouro Preto (promulgado no Brasil peto Decreto n. 1901, publicado em 10-05-1996)

Declara a personalidade jurídica de Di- ; reito Internacional do Mercosul e deter­ mina sua estrutura institucional.

Protocolo sobre Responsabilidade Civii Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados Partes do Mercosul (promuigado no Brasil pelo Decreto n. 3856, publicado em 03-07-2001)

Regula o direito aplicável e a jurisdição internacionalmente competente em casos de responsabilidade civil decorrente de acidentes de trânsito. A novidade estabe­ lecida é que, se no acidente participarem ou resultarem atingidos somente pessoas domiciliadas em outro Estado-Parte, o mesmo será regido pelo direito interno deste último. Além disso, será compe­ tente, à eleição do autor, o tribunal do ; Estado-Parte: (I) onde ocorreu o aciden­ te; (II) do domicílio do demandado; e (iil) do domicílio do demandante.

Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais (promulgado no Brasii pelo Decreto n. 3468, publicado em 17-05-2000)

A assistência compreende a notificação j de atos, produção de provas, localização de pessoas, medidas acautelatórias de bens, etc.

Protocolo de Olivos para Solução de Controvérsias no Mercosul