Curso de direito internacional privado [6 ed.]
 9788597023053

  • Commentary
  • a autora ficou famosa por dizer que bolivianos seriam "insignificantes" para o Brasil - https://revistaforum.com.br/blogs/blog-da-maria-fr/2014/4/21/maristela-basso-a-bolivia-insignificante-para-nos-nomeada-pela-direito-usp-para-coordenar-comisso-de-convnios-internacionais-da-faculdade-48022.html

Table of contents :
Frontispício
GEN
Página de rosto
Página de créditos
Ao Meu Leitor
Sumário
Considerações iniciais: o domínio das normas sobre as relações jurídicas
Parte I – Teoria geral do direito internacional privado
1 Noções, conceito, fundamentos e objeto do direito internacional privado
1.1 Noções introdutórias: o ponto de partida
1.2 Sobre o conceito de direito internacional privado
1.2.1 Elemento estrangeiro: significado e função
1.2.2 Fatos jurídicos tradicionais × fatos mistos/multinacionais
1.3 Premissas fundamentais do direito internacional privado
1.4 Adensamento das noções e da terminologia do direito internacional privado
1.5 O objeto do direito internacional privado
1.6 Epílogo: as novas tendências e o “Novo DIPr”
1.6.1 Função renovada e ampliada do objeto do “Novo DIPr”
1.6.2 Função harmonizadora ou de aproximação
1.6.3 Funções histórica e internacional
1.6.4 A interpretação constitucional do “Novo DIPr”
1.6.5 Interpretação constitucional do “Novo DIPr” e a ordem pública
1.6.6 A prevalência dos princípios constitucionais e dos direitos humanos na análise e julgamento dos casos de “DIPr”
1.6.6.1 Perspectiva prática
2 Fundamentos históricos e a origem dos conflitos de leis no espaço
2.1 Fundamentos históricos dos conflitos de leis no espaço: a construção do DIPr
2.1.1 Fase pré-doutrinária
2.1.1.1 A ordem jurídica romana
2.1.2 Fase doutrinária
2.1.2.1 Conflitos entre o direito territorial/nacional e o direito estrangeiro
2.1.2.2 Conflitos entre o direito pessoal e o direito territorial – as escolas estatutárias
2.1.2.2.1 Os estatutários – o começo: o Mestre Aldricus
2.1.2.2.2 Os pós-glosadores – Bartolo e a escola estatutária italiana
2.1.2.2.3 D’Argentré e a escola estatutária francesa
2.1.2.2.4 Ulric Huber e a escola estatutária holandesa
2.1.2.2.5 A escola estatutária alemã
2.1.2.2.6 O legado das escolas estatutárias
2.1.3 Fase das codificações
2.1.3.1 As primeiras tentativas de codificação
2.1.3.2 Os códigos da França e da Áustria
2.1.4 Fases moderna e contemporânea
2.1.4.1 Teoria de Joseph Story
2.1.4.2 Teoria de F. Carl von Savigny
2.1.4.3 Teoria de Pasquale S. Mancini
2.1.4.4 Teoria de Antoine Pillet
2.1.4.5 Os ensinamentos de Machado Villela
2.1.4.6 Os ensinamentos de Werner Goldschmidt
2.1.4.7 Resumo dos princípios dominantes
2.1.4.8 Doutrinadores contemporâneos
3 Fontes do direito internacional privado
3.1 As fontes estudadas sob a perspectiva da interpretação consistente, interativa e evolutiva
3.2 Modelos e classificações das fontes do direito internacional privado
3.3 Fontes internas: os códigos e leis de DIPr
3.3.1 Contextualização da lei interna como fonte do direito internacional privado: breve perspectiva de direito comparado
3.3.2 Aspectos gerais da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
3.3.3 A unidade das fontes no sistema brasileiro de direito internacional privado
3.3.4 Descodificação do direito internacional privado e a internacionalização de valores constitucionais estatais
3.4 Fontes internacionais: tratados e convenções
3.4.1 A importância das fontes convencionais na atualidade do direito internacional privado
3.4.2 A substantivação das normas de direito internacional privado pelas fontes convencionais
3.4.3 O papel da Conferência de Haia no adensamento das fontes convencionais de DIPr
3.4.4 Tratados e convenções de direito internacional privado relevantes para a prática brasileira
3.4.5 Convenções e tratados ratificados e não ratificados pelo Brasil
3.4.5.1 Aplicação dos princípios constitucionais pós-Consti-tuição Federal de 1988 e pós-Emenda Constitucional nº 45/2004 na prevalência dos tratados sobre a lei interna
3.4.5.1.1 Razões e fundamentos interpretativos dos §§ 1º e 2º do art. 5º da CF: as decisões recentes do STF
3.4.5.2 Aplicação dos tratados e convenções não ratificados como forma de manifestação doutrinária, dos usos e costumes
3.4.5.3 Aspectos de direito internacional público
3.4.5.4 Aspectos de direito internacional privado
3.4.6 Fontes comunitárias e regionais: os exemplos da União Europeia e do Mercosul
3.4.6.1 Direito da União Europeia e fontes do DIPr
3.4.6.2 O Mercosul e o direito internacional privado
3.4.6.2.1 Emenda Regimental do STF que regulamentou a solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul
3.5 O costume internacional – convenção tácita confirmada pela tradição e que se deduz da autoridade dos Estados
3.6 A jurisprudência
3.7 A doutrina jusprivatista internacional
3.8 As fontes institucionais e as normas narrativas no DIPr
3.8.1 O Instituto de Direito Internacional
3.8.2 O Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado
3.9 Direito internacional privado, direito transnacional e nova lex mercatoria
3.10 Observações de final de capítulo
4 As normas de direito internacional privado: estrutura, classificação e função
4.1 A estrutura formal da norma
4.2 A estrutura material da norma
4.3 A função da norma
4.4 Classificação da norma
4.4.1 O sentido atual da divisão do direito em público e privado
4.5 A natureza das normas de direito internacional privado
4.5.1 A natureza da relação jusprivatista internacional
4.5.2 A localização das normas de direito internacional privado na legislação
4.5.3 A “concepção civilista” do direito internacional privado
Parte II – Direito internacional privado no Brasil
5 Os principais elementos de conexão do sistema de direito internacional privado brasileiro
5.1 O domicílio: para as relações de estado e capacidade das pessoas e os direitos de família
5.1.1 Âmbito de aplicação do art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
5.1.2 Fundamentos históricos e valorativos do domicílio como regra de conexão no direito internacional privado e o contexto brasileiro
5.1.3 Regras de conexão do domicílio e da nacionalidade na determinação do direito aplicável às relações jurídicas relativas ao estado da pessoa, capacidade e direitos de família
5.1.4 Indeterminação do domicílio e sucessividade de elementos de conexão para a escolha da lei aplicável
5.2 O lugar da situação do bem – “Lex rei sitae”: para os direitos reais
5.3 O lugar da constituição da obrigação – “Locus regit actum” ou “ius loci celebrationis”: para o direito das obrigações
5.4 O lugar do último domicílio do falecido ou desaparecido: para o direito das sucessões
5.5 O lugar da constituição das sociedades e fundações: para as pessoas jurídicas
5.6 Pessoa jurídica de direito estrangeiro no direito internacional privado – a determinação da lex societatis
6 Aplicação do direito estrangeiro
6.1 A natureza do direito estrangeiro aplicado
6.2 Aspectos gerais da aplicação do direito estrangeiro, conflito de qualificações e a técnica do reenvio
6.3 A questão do reenvio no direito internacional privado e sua abordagem teórica
6.3.1 Proibição do reenvio no direito internacional privado brasileiro
6.4 A prova do direito estrangeiro
6.4.1 Método e aplicação do direito estrangeiro
6.4.2 Prova do direito estrangeiro e aspectos relacionados à averiguação de seu “texto”, “vigência” e “sentido”
6.4.3 O adensamento da análise
6.4.4 Meios de averiguação e constatação do direito estrangeiro indicado pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
6.4.5 Regime de provas dos fatos ocorridos no estrangeiro
6.4.5.1 A prova dos fatos ocorridos no estrangeiro e o âmbito de aplicação do art. 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
6.4.5.2 A não admissibilidade de provas estrangeiras segundo o direito brasileiro: o filtro da “ordem pública”
6.5 A jurisprudência dos nossos tribunais
6.6 A ordem pública como limite à aplicação do direito estrangeiro
6.6.1 Noções de ordem pública sob a perspectiva do direito internacional privado: importância e função
6.6.1.1 Análise do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
6.6.1.2 Âmbito de aplicação do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
6.6.1.3 Relação entre “ordem pública” e aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional
6.6.1.4 Ordem pública interna × ordem pública internacional
6.6.1.5 A ordem pública como anteparo, filtro ou obstáculo à aplicação do direito estrangeiro e ao reconhecimento dos fatos, atos e declarações de vontades ocorridas no exterior
6.6.1.6 Efeitos práticos da aplicação do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no direito brasileiro e na prática jurisprudencial
6.6.1.7 Doutrina da aproximação ou adaptação
6.6.2 Ordem pública e execução de sentenças estrangeiras
7 Aquisição da nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro no Brasil: novo cenário jurídico-político pós-promulgação da nova Lei de Migração
7.1 A nova Lei de Migração Brasileira e o direito constitucional internacional
7.1.1 A constitucionalização de princípios fundamentais
7.1.2 A constitucionalização do direito humanitário
7.1.3 A internacionalização do direito interno brasileiro
7.1.4 A prevalência dos tratados sobre as leis internas
7.1.5 Incorporação ao direito brasileiro de regras e princípios do Tribunal Penal Internacional
7.2 Da nacionalidade e da naturalização
7.2.1 Da nacionalidade brasileira
7.2.2 Das condições de naturalização
7.2.3 Da perda e reaquisição da nacionalidade
7.3 Do migrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante e apátrida
7.4 Dos efeitos extraterritoriais da Nova Lei de Migração: políticas públicas para os emigrantes
7.5 O cenário legal nacional e extraterritorial: a nova política migratória brasileira
7.5.1 Da nova política migratória
7.5.2 Dos vistos e suas modalidades
7.5.3 Dos registros
7.5.3.1 Do residente fronteiriço
7.5.3.2 Outras autorizações de residência
7.6 Do impedimento de ingresso no Brasil
7.7 Das medidas de retirada compulsória
7.7.1 Da repatriação
7.7.2 Da deportação
7.7.3 Da expulsão
7.8 Da extradição como medida de cooperação judiciária
7.9 Outras medidas de cooperação judiciária
7.9.1 Transferência de execução de pena
7.9.2 Transferência de pessoa condenada
8 Do asilo político e do refúgio
8.1 Do asilo diplomático
8.2 Dos documentos necessários
8.3 Do refúgio
8.3.1 Da solicitação do refúgio
9 Atos praticados no exterior perante autoridades consulares brasileiras: validade no Brasil
9.1 Análise do art. 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
9.1.1 Competência das autoridades consulares brasileiras para a realização de atos da vida civil no estrangeiro
9.1.2 Âmbito de aplicação do art. 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a celebração de atos da vida civil pelas autoridades consulares
9.2 A validade dos atos da vida civil realizados no exterior perante autoridade consular brasileira
9.2.1 Condições de validade dos atos
Parte III – Processo civil internacional
10 Competência do juiz brasileiro
10.1 Aspectos da competência internacional do juiz brasileiro
10.1.1 A competência internacional e o âmbito de aplicação do art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
10.1.2 A competência internacional no Código de Processo Civil de 1973 e no Novo Código de Processo Civil
10.1.3 Competência internacional concorrente em causas relativas a réu domiciliado no Brasil e obrigações exequíveis em território nacional
10.1.4 Competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira e forum rei sitae
10.1.5 Cooperação judiciária internacional e cumprimento de diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente: facilidades e a nova prática trazida pelo novo CPC
10.1.5.1 Aspectos gerais da cooperação judiciária internacional e o direito brasileiro
10.1.5.2 A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942 e as cartas rogatórias: aspectos do procedimento ordinário para o exequatur
10.1.5.3 A concessão do exequatur às cartas rogatórias: comparação entre as regras do novo CPC e do Regimento Interno do STJ com as alterações da Emenda Regimental nº 18, de 17 de dezembro de 2014
10.1.5.4 Procedimento especial para exequatur de cartas rogatórias no Mercosul: o Protocolo de Las Leñas de 1992
10.1.6 Litispendência internacional: o princípio da não simultaneidade em direito internacional privado
10.1.6.1 O art. 24 do novo CPC e o princípio da não simultaneidade
10.1.6.2 Não simultaneidade x não sucessividade
10.2 Como o juiz nacional deve interpretar e aplicar o direito estrangeiro
10.3 Os recursos cabíveis contra a não aplicação, aplicação errônea e má interpretação do direito estrangeiro
10.4 Estudo de caso: a competência da justiça brasileira e a Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional de Menores
10.4.1 Análise conjunta da Convenção de Haia e da Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças
10.4.2 Controvérsias
10.4.3 A aplicação com restrições da Convenção de Haia
10.4.4 A Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no STF contra a Convenção de Haia
10.4.5 O poder-dever do juiz no caso concreto e a Convenção de Haia
10.4.6 A confusão entre a “antecipação de tutela” do CPC e a figura do “retorno imediato” da Convenção de Haia
11 Sentenças estrangeiras no Brasil
11.1 Princípios fundamentais sobre o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras
11.2 Âmbito de aplicação do art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a execução de sentenças proferidas no estrangeiro
11.3 Disciplina geral da homologação de sentenças estrangeiras no direito brasileiro
11.3.1 Aspectos preliminares: a competência do Superior Tribunal de Justiça
11.4 Juízo de delibação e requisitos para execução de sentenças
11.5 Disciplina especial de homologação de sentenças estrangeiras no âmbito do Mercosul – a aplicação do Protocolo de Las Leñas
11.6 Desnecessidade de homologação de sentenças estrangeiras meramente declaratórias de estado da pessoa
11.7 Estudo de casos: a noção de ordem pública na atualidade do STJ e dos Tribunais dos Estados
11.7.1 O Caso Viagra
11.7.2 Casos relativos à cobrança de dívida contraída no exterior por meio de jogos de azar – efeitos no Brasil
11.7.3 Caso relativo à flexibilização das exigências de citação
11.7.4 Caso de cláusula de eleição de foro e direito estrangeiro aplicável x o direito do consumidor
12 Arbitragem
12.1 Reflexões
12.2 Revisão imprescindível da finalidade da arbitragem e seu papel institucional
12.3 Comportamento das partes, dos advogados e dos árbitros: necessidade de observância dos princípios elementares do processo arbitral
12.4 Postura das partes na arbitragem
12.5 Efetividade e neutralização do conflito
12.6 Manifestação das partes e oportunidades conferidas pela arbitragem
12.7 Confidencialidade e proteção dos segredos envolvidos na disputa comercial
12.8 Observância do princípio da cordialidade e da preservação das boas relações
12.9 Observância do princípio da não surpresa
12.10 Atuação dos advogados
12.11 Comportamento dos árbitros e das partes no processo arbitral e celeridade do procedimento
12.12 Práticas frequentes de obstrução procedimental, desvios processuais e procrastinação da arbitragem
12.13 Decisões do STJ em procedimentos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras: violação da ordem pública e suspeição do árbitro
12.13.1 Caso Merrill Lynch Capital Services Inc x Usinas Itamaraty S/A: alegação de ofensa à ordem pública
12.13.2 Caso ASA Bioenergy Holding AG x Adriano GDO: alegação de parcialidade do árbitro
12.14 Lei aplicável e jurisprudência
Parte IV – Parte especial
13 Bens
13.1 O tratamento dos bens no direito internacional privado
13.2 Conflito entre a lei aplicável ao contrato e aquela aplicável ao imóvel situado no Brasil
13.2.1 O direito material aplicável à retomada de imóvel situado no Brasil e o direito aplicável escolhido pelas partes para reger o contrato
13.2.2 A competência exclusiva do juiz togado brasileiro para as ações sobre imóveis situados no Brasil: a ordem pública e o art. 23 do novo CPC
13.2.3 As medidas processuais adequadas à retomada de imóvel situado no Brasil e a imperiosa aplicação do direito processual civil brasileiro: a inafastabilidade da “Lex Fori”
13.3 “Bens sem localização permanente” e lei do domicílio do proprietário
13.4 Os direitos reais sobre garantia, penhor e lei do domicílio do possuidor
13.5 Navios, aeronaves e embarcações
14 Obrigações
14.1 Lei aplicável às obrigações no direito internacional privado
14.2 Autonomia da vontade e lei aplicável às obrigações contratuais
14.2.1 O princípio da “autonomia da vontade” no contexto das arbitragens internacionais do comércio e a regra do art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
14.2.2 Observância dos princípios da interpretação consistente e evolutiva
14.3 Obrigações a serem executadas no Brasil e lei aplicável: o problema das obrigações de fundo
14.4 Necessidade de adaptação da regra de conexão para a determinação da lei aplicável em matéria contratual: uma dose de criticismo
14.5 A “nova lex mercatoria” como opção para a lei aplicável aos contratos?
15 Direito de família
15.1 Lei aplicável às relações jurídicas de direitos de família e para o casamento realizado no Brasil
15.2 Celebração de casamento de estrangeiros perante autoridades diplomáticas e consulares
15.3 Regime de bens no casamento e lei aplicável – técnica de determinação do domicílio conjugal
15.4 O divórcio ocorrido no estrangeiro e seu reconhecimento no Brasil
16 Direito das sucessões
16.1 As concepções unitarista e pluralista no DIPr sobre direitos sucessórios
16.2 Sucessão testamentária e aspectos de direito internacional privado
16.2.1 Validade extrínseca e intrínseca do testamento celebrado no exterior
16.3 Efeitos econômicos da concepção unitarista e a “lei do último domicílio do falecido”
16.4 Proteção da condição da mulher e dos filhos brasileiros no DIPr: o alcance normativo do art. 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e da Constituição de 1988
16.5 Domicílio do herdeiro ou legatário e capacidade para a sucessão
17 Pessoas jurídicas
17.1 Implicações do reconhecimento da pessoa jurídica de direito estrangeiro
17.2 Regime jurídico do funcionamento de filiais, agências e estabelecimentos da pessoa jurídica de direito estrangeiro no Brasil
17.3 Aquisição de bens imóveis no território nacional por sujeitos de direito internacional público: Estados e organizações internacionais
17.3.1 Regra geral e a proibição de aquisição de bens imóveis em território nacional
17.3.2 Aquisição de bens imóveis pelo Estado estrangeiro para fins diplomáticos e consulares
Bibliografia temática

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

B323c Basso, Maristela Curso de direito internacional privado / Maristela Basso. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2020. Inclui bibliografia ISBN 978-85-97-02305-3 1. Direito internacional privado. I. Título. 19-56937

Leandra Felix da Cruz – Bibliotecária – CRB-7/6135

CDU: 341.9

AO MEU LEITOR (PRÓLOGO DA 6ª EDIÇÃO)

O que haveria de mais extraordinário na disciplina do direito internacional privado ou no estudo dos “conflitos de leis no espaço”? Na década de 40 do século passado, em meio aos sentimentos de discórdia e injustiça plantados pela Segunda Guerra Mundial, o Prof. Arthur Nussbaum, jurista germânico radicado nos Estados Unidos da América, buscava convencer seu atencioso leitor sobre algumas importantes qualidades da disciplina por ele lecionada na Universidade Columbia: o “cosmopolitismo” das relações humanas, a autêntica “visão de mundo” que deve estar impregnada nas ações do jurista e a vocação internacional e comparada da pesquisa e do pensamento jurídico contemporâneos.1 Na mensagem ricamente transmitida pelo professor, todo estudante sentir-se-ia verdadeira parte da “comunidade internacional do aprendizado” do direito, pois com frequência seria levado ao exame do direito estrangeiro, a partir das diferentes leis nacionais, da doutrina especializada e da jurisprudência dos tribunais. Somente assim teria esse estudante a exata dimensão da variedade e da inter-relação entre as concepções e os conceitos jurídicos ao redor do mundo, em diferentes tradições e abordagens.2 Essa é a atmosfera dentro da qual este livro foi maturado e escrito. No exercício da aprendizagem, o saber e o conhecer movem o sujeito, enquanto desejo e pensamento. Foi Freud, em 1905, que, ao tratar da “pulsão de saber”,3 vinculou curiosidade, saber e conhecimento. É a “pulsão de saber” que traz o leitor até este livro, e explica o caráter pessoal e intransmissível da “pulsão de saber” ao longo de nossa vida. Por entender e apreciar a “pulsão de saber e conhecer” que nos move a todos, é que faço, desde o início da leitura desta obra, uma aliança com o leitor, qual seja: o compromisso de abrir um caminho para que cada um chegue ao conhecimento da matéria aqui tratada identificando-se com o saber da escritora, na medida em que é na triangulação entre conhecimento, professor e leitor que repousa a

paixão que se expressa no saber. Parto da crença de Clóvis Beviláqua,4 resgatada por Irineu Strenger, de que o direito internacional privado tende a relacionar e confraternizar os participantes da comunidade internacional em um espírito acentuadamente humanista e orientado por uma concepção de justiça e multiculturalismo singulares nas vertentes internacionais do direito.5 Assim, também considero o direito internacional privado como o direito das relações entre ordenamentos jurídicos em suas múltiplas dimensões valorativas, no melhor entendimento de Antonio Boggiano, 6 tentando reagir e responder às insensibilidades dogmáticas que por vezes contaminam a disciplina, não apenas nos Estados Unidos da América e na Europa, como também no Brasil. O direito internacional privado, estudado aqui, é visto como técnica, em seu método, objeto e função, fortalecido por seu desenvolvimento histórico, comprometido com a necessária valoração do direito estrangeiro aplicado pelos tribunais domésticos e com a ideia de preservação e respeito ao elemento estrangeiro contido nas relações jurídicas.7 Sua pedra de toque é a garantia da continuidade da personalidade jurídica das pessoas quando ultrapassam suas fronteiras de nacionalidade ou domicílio. O exercício constante nas entrelinhas deste livro é a valorização da pesquisa das fontes normativas do direito internacional privado, tendo presente a constatação prática da diversidade hoje existente. Utilizo constantemente os tratados e as convenções, as legislações domésticas, a doutrina, a jurisprudência (comparada), como também as manifestações de fontes institucionais e de persuasão, com a finalidade de mostrar para o jurista a relação sistemática e conceitual entre as fontes, sem a atribuição de hierarquia e prevalência normalmente invocadas pela doutrina tradicional. Esta nova edição, a de número 6, chega em momento importante no Brasil, na medida em que temos uma nova Lei de Migração, que ensejou a inclusão de outras matérias e temas que são fundamentais ao direito internacional privado. Eis um livro simples, pensado nos últimos 30 anos, especialmente a partir das aulas que ministro na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (na

Universidade de São Paulo) e da minha militância na advocacia nessa área do direito. Sua única pretensão, portanto, é ser entendido pelos estudiosos do Direito, em especial pelos estudantes, a quem sempre me dirijo com respeito e atenção, sejam os meus, na sala de aula de graduação e pós-graduação no Largo de São Francisco, sejam aqueles que se encontram em todas as escolas de direito brasileiras. A eles desejo boa leitura e, desde já, peço perdão pelos excessos, repetições e demasiada demonstração de apreço pela disciplina. Nesta 6ª edição, tal qual fiz na anterior, reitero meus agradecimentos ao leitor pela confiança e pelo entusiasmo na leitura, assim como pelos comentários que chegam de todos os lugares do Brasil: são sempre bem-vindos. Agradeço vivamente também, especialmente, ao Professor Fabricio Polido, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, pelas inúmeras e preciosas contribuições que deu a este livro, como também a todos os membros da minha equipe de trabalho no escritório “Nelson Wilians & Advogados Associados”: Drs. Luana Milani, Arthur Delgado e Issac Conti, assim como ao Dr. Fábio Baraldo pela ajuda nesta edição apontando importantes decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça gaúcho. São Paulo, agosto de 2019. Maristela Basso

1

Principles of private international law. New York/London/Toronto: Oxford Univ. Press, 1943, p. vii.

2

Idem, p. vii.

3

Kupfer, M. C. M. Freud e a Educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 2005; Santiago, A. L. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

4

Princípios elementares de direito internacional privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, p. 2.

5

Cf. magistério de STRENGER, I. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 20.

6

Curso de derecho internacional privado: derecho de las relaciones privadas internacionales. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1993.

7

GUTZWILLER, Max. Le développement historique du droit international privé. Recueil des Cours. v. 29. p. 291, 1929.

SUMÁRIO

Considerações iniciais: o domínio das normas sobre as relações jurídicas Parte I – Teoria geral do direito internacional privado 1

Noções, conceito, fundamentos e objeto do direito internacional privado 1.1 Noções introdutórias: o ponto de partida 1.2 Sobre o conceito de direito internacional privado 1.2.1 Elemento estrangeiro: significado e função 1.2.2 Fatos jurídicos tradicionais × fatos mistos/multinacionais 1.3 Premissas fundamentais do direito internacional privado (sua lógica e razão) 1.4 Adensamento das noções e da terminologia do direito internacional privado 1.5 O objeto do direito internacional privado 1.6 Epílogo: as novas tendências e o “Novo DIPr” 1.6.1 Função renovada e ampliada do objeto do “Novo DIPr” 1.6.2 Função harmonizadora ou de aproximação 1.6.3 Funções histórica e internacional 1.6.4 A interpretação constitucional do “Novo DIPr” 1.6.5 Interpretação constitucional do “Novo DIPr” e a ordem pública 1.6.6 A prevalência dos princípios constitucionais e dos direitos humanos na análise e julgamento dos casos de “DIPr” 1.6.6.1 Perspectiva prática (estudo de caso): infração aos direitos humanos reconhecidos aos autores, inventores e desenvolvedores

2

Fundamentos históricos e a origem dos conflitos de leis no espaço 2.1 Fundamentos históricos dos conflitos de leis no espaço: a construção do DIPr 2.1.1 Fase pré-doutrinária

2.1.2

2.1.3

2.1.4

3

2.1.1.1 A ordem jurídica romana Fase doutrinária (os séculos XIII-XIX) 2.1.2.1 Conflitos entre o direito territorial/nacional e o direito estrangeiro 2.1.2.2 Conflitos entre o direito pessoal e o direito territorial – as escolas estatutárias 2.1.2.2.1 Os estatutários – o começo: o Mestre Aldricus 2.1.2.2.2 Os pós-glosadores – Bartolo e a escola estatutária italiana (século XIV) 2.1.2.2.3 D’Argentré e a escola estatutária francesa (século XVI) 2.1.2.2.4 Ulric Huber e a escola estatutária holandesa (século XVII) 2.1.2.2.5 A escola estatutária alemã (século XVIII) 2.1.2.2.6 O legado das escolas estatutárias Fase das codificações 2.1.3.1 As primeiras tentativas de codificação (1756-1811) – os códigos bávaro e prussiano 2.1.3.2 Os códigos da França e da Áustria Fases moderna e contemporânea (séculos XIX e seguintes) 2.1.4.1 Teoria de Joseph Story 2.1.4.2 Teoria de F. Carl von Savigny 2.1.4.3 Teoria de Pasquale S. Mancini 2.1.4.4 Teoria de Antoine Pillet 2.1.4.5 Os ensinamentos de Machado Villela 2.1.4.6 Os ensinamentos de Werner Goldschmidt 2.1.4.7 Resumo dos princípios dominantes 2.1.4.8 Doutrinadores contemporâneos

Fontes do direito internacional privado

3.1 3.2 3.3

3.4

As fontes estudadas sob a perspectiva da interpretação consistente, interativa e evolutiva Modelos e classificações das fontes do direito internacional privado Fontes internas: os códigos e leis de DIPr 3.3.1 Contextualização da lei interna como fonte do direito internacional privado: breve perspectiva de direito comparado 3.3.2 Aspectos gerais da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antes denominada LICC) 3.3.3 A unidade das fontes no sistema brasileiro de direito internacional privado 3.3.4 Descodificação do direito internacional privado e a internacionalização de valores constitucionais estatais Fontes internacionais: tratados e convenções 3.4.1 A importância das fontes convencionais na atualidade do direito internacional privado 3.4.2 A substantivação das normas de direito internacional privado pelas fontes convencionais 3.4.3 O papel da Conferência de Haia no adensamento das fontes convencionais de DIPr 3.4.4 Tratados e convenções de direito internacional privado relevantes para a prática brasileira 3.4.5 Convenções e tratados ratificados e não ratificados pelo Brasil 3.4.5.1 Aplicação dos princípios constitucionais pós-Constituição Federal de 1988 e pós-Emenda Constitucional nº 45/2004 na prevalência dos tratados sobre a lei interna 3.4.5.1.1 Razões e fundamentos interpretativos dos §§ 1º e 2º do art. 5º da CF: as decisões recentes do STF 3.4.5.2 Aplicação dos tratados e convenções não ratificados como forma de manifestação doutrinária, dos usos e

3.5 3.6 3.7 3.8

3.9 3.10 4

costumes 3.4.5.3 Aspectos de direito internacional público 3.4.5.4 Aspectos de direito internacional privado 3.4.6 Fontes comunitárias e regionais: os exemplos da União Europeia e do Mercosul 3.4.6.1 Direito da União Europeia e fontes do DIPr 3.4.6.2 O Mercosul e o direito internacional privado 3.4.6.2.1 Emenda Regimental do STF que regulamentou a solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul O costume internacional – convenção tácita confirmada pela tradição e que se deduz da autoridade dos Estados A jurisprudência A doutrina jusprivatista internacional As fontes institucionais e as normas narrativas no DIPr (soft law?) 3.8.1 O Instituto de Direito Internacional (Institut de Droit International 3.8.2 O Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) Direito internacional privado, direito transnacional e nova lex mercatoria Observações de final de capítulo

As normas de direito internacional privado: estrutura, classificação e função 4.1 A estrutura formal da norma 4.2 A estrutura material da norma 4.3 A função da norma 4.4 Classificação da norma (taxinomia) 4.4.1 O sentido atual da divisão do direito em público e privado 4.5 A natureza das normas de direito internacional privado 4.5.1 A natureza da relação jusprivatista internacional 4.5.2 A localização das normas de direito internacional privado na

4.5.3

legislação A “concepção civilista” do direito internacional privado

Parte II – Direito internacional privado no Brasil 5

Os principais elementos de conexão do sistema de direito internacional privado brasileiro 5.1 O domicílio: para as relações de estado e capacidade das pessoas e os direitos de família 5.1.1 Âmbito de aplicação do art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 5.1.2 Fundamentos históricos e valorativos do domicílio como regra de conexão no direito internacional privado e o contexto brasileiro 5.1.3 Regras de conexão do domicílio e da nacionalidade na determinação do direito aplicável às relações jurídicas relativas ao estado da pessoa, capacidade e direitos de família 5.1.4 Indeterminação do domicílio e sucessividade de elementos de conexão para a escolha da lei aplicável 5.2 O lugar da situação do bem – “Lex rei sitae”: para os direitos reais 5.3 O lugar da constituição da obrigação – “Locus regit actum” ou “ius loci celebrationis”: para o direito das obrigações 5.4 O lugar do último domicílio do falecido ou desaparecido: para o direito das sucessões 5.5 O lugar da constituição das sociedades e fundações: para as pessoas jurídicas 5.6 Pessoa jurídica de direito estrangeiro no direito internacional privado – a determinação da lex societatis

6

Aplicação do direito estrangeiro 6.1 A natureza do direito estrangeiro aplicado 6.2 Aspectos gerais da aplicação do direito estrangeiro, conflito de qualificações

6.3

6.4

6.5 6.6

e a técnica do reenvio A questão do reenvio no direito internacional privado e sua abordagem teórica 6.3.1 Proibição do reenvio no direito internacional privado brasileiro A prova do direito estrangeiro 6.4.1 Método e aplicação do direito estrangeiro 6.4.2 Prova do direito estrangeiro e aspectos relacionados à averiguação de seu “texto”, “vigência” e “sentido” 6.4.3 O adensamento da análise 6.4.4 Meios de averiguação e constatação do direito estrangeiro indicado pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 6.4.5 Regime de provas dos fatos ocorridos no estrangeiro 6.4.5.1 A prova dos fatos ocorridos no estrangeiro e o âmbito de aplicação do art. 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 6.4.5.2 A não admissibilidade de provas estrangeiras segundo o direito brasileiro: o filtro da “ordem pública” A jurisprudência dos nossos tribunais A ordem pública como limite à aplicação do direito estrangeiro 6.6.1 Noções de ordem pública sob a perspectiva do direito internacional privado: importância e função 6.6.1.1 Análise do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 6.6.1.2 Âmbito de aplicação do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 6.6.1.3 Relação entre “ordem pública” e aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional 6.6.1.4 Ordem pública interna × ordem pública internacional 6.6.1.5 A ordem pública como anteparo, filtro ou obstáculo à aplicação do direito estrangeiro e ao reconhecimento dos fatos, atos e declarações de vontades ocorridas

6.6.2 7

no exterior 6.6.1.6 Efeitos práticos da aplicação do art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no direito brasileiro e na prática jurisprudencial 6.6.1.7 Doutrina da aproximação ou adaptação Ordem pública e execução de sentenças estrangeiras

Aquisição da nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro no Brasil: novo cenário jurídico-político pós-promulgação da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) 7.1 A nova Lei de Migração Brasileira e o direito constitucional internacional 7.1.1 A constitucionalização de princípios fundamentais 7.1.2 A constitucionalização do direito humanitário 7.1.3 A internacionalização do direito interno brasileiro 7.1.4 A prevalência dos tratados sobre as leis internas 7.1.5 Incorporação ao direito brasileiro de regras e princípios do Tribunal Penal Internacional 7.2 Da nacionalidade e da naturalização 7.2.1 Da nacionalidade brasileira 7.2.2 Das condições de naturalização 7.2.3 Da perda e reaquisição da nacionalidade 7.3 Do migrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante e apátrida 7.4 Dos efeitos extraterritoriais da Nova Lei de Migração: políticas públicas para os emigrantes 7.5 O cenário legal nacional e extraterritorial: a nova política migratória brasileira 7.5.1 Da nova política migratória 7.5.2 Dos vistos e suas modalidades 7.5.3 Dos registros 7.5.3.1 Do residente fronteiriço 7.5.3.2 Outras autorizações de residência

7.6 7.7

7.8 7.9

Do impedimento de ingresso no Brasil Das medidas de retirada compulsória 7.7.1 Da repatriação 7.7.2 Da deportação 7.7.3 Da expulsão Da extradição como medida de cooperação judiciária Outras medidas de cooperação judiciária 7.9.1 Transferência de execução de pena 7.9.2 Transferência de pessoa condenada

8

Do asilo político e do refúgio 8.1 Do asilo diplomático 8.2 Dos documentos necessários 8.3 Do refúgio 8.3.1 Da solicitação do refúgio

9

Atos praticados no exterior perante autoridades consulares brasileiras: validade no Brasil 9.1 Análise do art. 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 9.1.1 Competência das autoridades consulares brasileiras para a realização de atos da vida civil no estrangeiro 9.1.2 Âmbito de aplicação do art. 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a celebração de atos da vida civil pelas autoridades consulares 9.2 A validade dos atos da vida civil realizados no exterior perante autoridade consular brasileira 9.2.1 Condições de validade dos atos

Parte III – Processo civil internacional 10 Competência do juiz brasileiro

10.1

Aspectos da competência internacional do juiz brasileiro 10.1.1 A competência internacional e o âmbito de aplicação do art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 10.1.2 A competência internacional no Código de Processo Civil de 1973 e no Novo Código de Processo Civil 10.1.3 Competência internacional concorrente em causas relativas a réu domiciliado no Brasil e obrigações exequíveis em território nacional 10.1.4 Competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira e forum rei sitae (ações sobre bens imóveis) 10.1.5 Cooperação judiciária internacional e cumprimento de diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente: facilidades e a nova prática trazida pelo novo CPC 10.1.5.1 Aspectos gerais da cooperação judiciária internacional e o direito brasileiro 10.1.5.2 A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942 e as cartas rogatórias: aspectos do procedimento ordinário para o exequatur 10.1.5.3 A concessão do exequatur às cartas rogatórias: comparação entre as regras do novo CPC e do Regimento Interno do STJ com as alterações da Emenda Regimental nº 18, de 17 de dezembro de 2014 10.1.5.4 Procedimento especial para exequatur de cartas rogatórias no Mercosul: o Protocolo de Las Leñas de 1992 10.1.6 Litispendência internacional: o princípio da não simultaneidade em direito internacional privado 10.1.6.1 O art. 24 do novo CPC e o princípio da não simultaneidade 10.1.6.2 Não simultaneidade x não sucessividade

10.2 10.3 10.4

Como o juiz nacional deve interpretar e aplicar o direito estrangeiro Os recursos cabíveis contra a não aplicação, aplicação errônea e má interpretação do direito estrangeiro Estudo de caso: a competência da justiça brasileira e a Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional de Menores 10.4.1 Análise conjunta da Convenção de Haia e da Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças 10.4.2 Controvérsias (nacionais e internacionais) sobre a aplicação da Convenção de Haia 10.4.3 A aplicação com restrições da Convenção de Haia 10.4.4 A Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no STF contra a Convenção de Haia 10.4.5 O poder-dever do juiz no caso concreto e a Convenção de Haia 10.4.6 A confusão entre a “antecipação de tutela” do CPC e a figura do “retorno imediato” da Convenção de Haia

11 Sentenças estrangeiras no Brasil 11.1 Princípios fundamentais sobre o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras 11.2 Âmbito de aplicação do art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a execução de sentenças proferidas no estrangeiro 11.3 Disciplina geral da homologação de sentenças estrangeiras no direito brasileiro 11.3.1 Aspectos preliminares: a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 11.4 Juízo de delibação e requisitos para execução de sentenças (e decisões) estrangeiras: quadro comparativo entre o novo CPC e o Regimento Interno do STJ 11.5 Disciplina especial de homologação de sentenças estrangeiras no âmbito do Mercosul – a aplicação do Protocolo de Las Leñas 11.6 Desnecessidade de homologação de sentenças estrangeiras meramente

11.7

declaratórias de estado da pessoa Estudo de casos: a noção de ordem pública na atualidade do STJ e dos Tribunais dos Estados 11.7.1 O Caso Viagra 11.7.2 Casos relativos à cobrança de dívida contraída no exterior por meio de jogos de azar – efeitos no Brasil 11.7.3 Caso relativo à flexibilização das exigências de citação 11.7.4 Caso de cláusula de eleição de foro e direito estrangeiro aplicável x o direito do consumidor

12 Arbitragem 12.1 Reflexões (atuais) sobre a escolha do procedimento arbitral como método de solução de controvérsias de natureza patrimonial (mitos e realidade) 12.2 Revisão imprescindível da finalidade da arbitragem e seu papel institucional 12.3 Comportamento das partes, dos advogados e dos árbitros: necessidade de observância dos princípios elementares do processo arbitral 12.4 Postura das partes na arbitragem 12.5 Efetividade e neutralização do conflito 12.6 Manifestação das partes e oportunidades conferidas pela arbitragem 12.7 Confidencialidade e proteção dos segredos envolvidos na disputa comercial 12.8 Observância do princípio da cordialidade e da preservação das boas relações 12.9 Observância do princípio da não surpresa 12.10 Atuação dos advogados 12.11 Comportamento dos árbitros e das partes no processo arbitral e celeridade do procedimento 12.12 Práticas frequentes de obstrução procedimental, desvios processuais e procrastinação da arbitragem 12.13 Decisões do STJ em procedimentos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras: violação da ordem pública e suspeição do árbitro 12.13.1 Caso Merrill Lynch Capital Services Inc x Usinas Itamaraty S/A:

alegação de ofensa à ordem pública 12.13.2 Caso ASA Bioenergy Holding AG x Adriano GDO: alegação de parcialidade do árbitro 12.14 Lei aplicável e jurisprudência Parte IV – Parte especial 13 Bens 13.1 O tratamento dos bens no direito internacional privado 13.2 Conflito entre a lei aplicável ao contrato e aquela aplicável ao imóvel situado no Brasil 13.2.1 O direito material aplicável à retomada de imóvel situado no Brasil e o direito aplicável escolhido pelas partes para reger o contrato 13.2.2 A competência exclusiva do juiz togado brasileiro para as ações sobre imóveis situados no Brasil: a ordem pública e o art. 23 do novo CPC 13.2.3 As medidas processuais adequadas à retomada de imóvel situado no Brasil e a imperiosa aplicação do direito processual civil brasileiro: a inafastabilidade da “Lex Fori” 13.3 “Bens sem localização permanente” e lei do domicílio do proprietário 13.4 Os direitos reais sobre garantia, penhor e lei do domicílio do possuidor 13.5 Navios, aeronaves e embarcações 14 Obrigações 14.1 Lei aplicável às obrigações no direito internacional privado 14.2 Autonomia da vontade e lei aplicável às obrigações contratuais 14.2.1 O princípio da “autonomia da vontade” no contexto das arbitragens internacionais do comércio e a regra do art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 14.2.2 Observância dos princípios da interpretação consistente e

14.3 14.4 14.5

evolutiva Obrigações a serem executadas no Brasil e lei aplicável: o problema das obrigações de fundo Necessidade de adaptação da regra de conexão para a determinação da lei aplicável em matéria contratual: uma dose de criticismo A “nova lex mercatoria” como opção para a lei aplicável aos contratos?

15 Direito de família 15.1 Lei aplicável às relações jurídicas de direitos de família e para o casamento realizado no Brasil 15.2 Celebração de casamento de estrangeiros perante autoridades diplomáticas e consulares 15.3 Regime de bens no casamento e lei aplicável – técnica de determinação do domicílio conjugal 15.4 O divórcio ocorrido no estrangeiro e seu reconhecimento no Brasil 16 Direito das sucessões 16.1 As concepções unitarista e pluralista no DIPr sobre direitos sucessórios 16.2 Sucessão testamentária e aspectos de direito internacional privado 16.2.1 Validade extrínseca e intrínseca do testamento celebrado no exterior 16.3 Efeitos econômicos da concepção unitarista e a “lei do último domicílio do falecido” 16.4 Proteção da condição da mulher e dos filhos brasileiros no DIPr: o alcance normativo do art. 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e da Constituição de 1988 16.5 Domicílio do herdeiro ou legatário e capacidade para a sucessão 17 Pessoas jurídicas 17.1 Implicações do reconhecimento da pessoa jurídica de direito estrangeiro 17.2 Regime jurídico do funcionamento de filiais, agências e estabelecimentos da

17.3

pessoa jurídica de direito estrangeiro no Brasil Aquisição de bens imóveis no território nacional por sujeitos de direito internacional público: Estados e organizações internacionais 17.3.1 Regra geral e a proibição de aquisição de bens imóveis em território nacional 17.3.2 Aquisição de bens imóveis pelo Estado estrangeiro para fins diplomáticos e consulares

Bibliografia temática

CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O DOMÍNIO DAS NORMAS SOBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS

É tradição nas nossas academias o estudo das fontes do direito, isto é, as causas (as motivações) originais das normas jurídicas, assim como aquele da natureza das relações jurídicas que se abrigam nessas normas. Para tanto, a literatura nacional é farta e profícua. Com a intenção de ser complementar, este livro se ocupa do estudo de uma parte fundamental do direito (que muitas vezes não é contemplada nos currículos acadêmicos), que diz respeito ao vínculo existente entre as normas jurídicas e as relações jurídicas. Esse vínculo, de um lado, representa o domínio das normas sobre as relações e, de outro, a sujeição das relações a determinadas normas (nacionais e estrangeiras). Ora, o estudo do domínio das normas sobre as relações e a submissão destas às normas é tema tão importante quanto difícil.8 As normas jurídicas incidem sobre as relações jurídicas – isto é sabido, mas quais são os limites de seu domínio e que relações jurídicas estão sujeitas/submetidas a essas normas? Essas indagações seriam mais facilmente resolvidas não fosse a diversidade de direitos positivos (que variam de país para país), que torna fundamental a delimitação do âmbito de aplicação e do respectivo domínio de suas normas quando se aprecia uma relação jurídica que gera efeitos em mais de um país ao mesmo tempo. Isto é, uma relação jurídica que faz contato (colide – em sentido figurado), ao mesmo tempo, com mais de uma ordem jurídica autônoma e soberana. Imaginemos que um brasileiro contraia matrimônio com uma mulher de nacionalidade argentina, na cidade de Buenos Aires, e ali o casal fixe o seu primeiro domicílio conjugal. Passado algum tempo, o casal se transfere para o Brasil e, mais tarde, aqui requer a dissolução da sociedade conjugal e a partilha do patrimônio comum. Não há dúvida de que se trata de uma relação jurídica cujos efeitos (jurídicos

e econômicos) se fazem sentir tanto no Brasil quanto na Argentina (em tese, a questão poderia ser levada à apreciação tanto do juiz brasileiro quanto do juiz argentino). O juiz brasileiro procurará uma norma jurídica sob o domínio da qual se encontra essa relação jurídica e segundo a qual irá julgá-la. Certamente, o juiz se dará conta de que deverá escolher entre várias normas jurídicas pertencentes a diferentes direitos positivos (o brasileiro e o argentino), tendo em vista que a relação jurídica gera efeitos nessas duas ordens jurídicas. Esse caso hipotético põe frente a frente os limites do domínio de cada direito positivo e lança por terra o provincianismo9 de que o juiz brasileiro julga sempre com base no direito positivo nacional (lex fori). O julgador, nessas hipóteses, não pode deixar de enfrentar as seguintes indagações: i)

ii)

No que diz respeito às normas jurídicas: quais são as relações jurídicas sujeitas às regras de seu direito positivo nacional (lex fori)? E quais as que se submetem ao direito positivo de outro país? No que diz respeito às relações jurídicas: a que normas estão sujeitas? Ao direito positivo nacional ou ao direito positivo de outro país?

Temos aqui, portanto, questões relacionadas aos limites do domínio das normas jurídicas – sempre presentes no nosso dia a dia forense e cada vez em número mais expressivo, haja vista o afluxo de pessoas de todas as nacionalidades que aqui aportam e estabelecem relações individuais de ordem privada. Bem como, por outro lado, o elevado número de brasileiros que deixam o país rumo ao exterior, para apenas excursionar, ou com a intenção de, em país estrangeiro, adquirir patrimônio, realizar negócios, celebrar contratos, estabelecer filiais, agências ou sucursais de suas empresas etc. Se levarmos em conta que as normas jurídicas não são estáticas e se modificam diante de certas forças especiais inerentes a cada povo, à questão dos limites locais (territoriais) dos direitos positivos se vincula uma segunda questão bem distinta, ainda que guarde certa analogia com a primeira, que se refere aos limites temporários do domínio das normas. Os direitos positivos por essência não são estáticos e estão

sempre em contínuo desenvolvimento. Uma relação jurídica objeto de uma controvérsia atual tem necessariamente sua origem em fatos jurídicos que deverão ser procurados em um passado recente ou remoto. E muitas vezes temos que saber a que época (momento, tempo) devemos recorrer para extrair a norma jurídica que regerá a relação jurídica em questão. Vê-se, então, que, do ponto de vista do domínio das normas sobre as relações jurídicas, o estudo do direito pode nos levar a dois tipos de limites: i) ii)

limites locais/espaciais (territoriais) do domínio das regras do direito; e limites temporários (transitórios) do domínio das regras do direito.

Esses limites não se confundem e pertencem ao âmbito de disciplinas diversas (ainda que complementares). Na primeira hipótese, as normas jurídicas de diferentes direitos positivos (de diferentes países) colidem e irradiam efeitos (de forma fixa e simultânea) no caso concreto em análise (como no exemplo referido do casamento celebrado na Argentina). Na segunda, há colisão temporária entre duas normas jurídicas dentro da órbita jurídica de um mesmo direito positivo (dentro de um mesmo país), que, por não ser estático e estar em contínua evolução, pode alterar-se no tempo (a hipótese mais simples é aquela em que o legislador, por uma nova lei, modifica a norma que até então regia a relação jurídica e cria um novo direito). Este livro se dedica aos primeiros tipos de limites, isto é, aos limites locais/espaciais (territoriais) do domínio das regras do direito, também conhecidos como “conflitos de leis no espaço”, objeto principal de estudo do direito internacional privado brasileiro. Os segundos limites, os temporários, intitulados “conflitos de leis no tempo”, são objeto de estudo do direito intertemporal e, ainda que guardem certa analogia com os primeiros, não são estudados pelo direito internacional privado e pertencem à disciplina específica.10 Do que se conclui que o direito de “conflitos” pode ser de duas espécies, que não se confundem: a)

direito internacional privado: estuda os “conflitos de leis no espaço”, por

b)

isso é também denominado de direito translatício ou direito interespacial, teoria da extra-atividade das leis, direito interjurídico ou ainda direito intergrupal; direito intertemporal: estuda os “conflitos de leis no tempo”, também denominado de direito transitório ou teoria da retroatividade das leis.

Haroldo Valladão chama atenção para o fato de que “ dessa multiplicidade espacial e temporal de leis autônomas e divergentes, nascem, desenvolvem-se e extinguem-se, apresentam-se, com suas formas, substância e consequências, os fatos sociais, objeto das normas jurídicas”.11 Por conseguinte, a jurisdição de cada Estado independente está organizada para apreciar tanto os (i) fatos jurídicos tradicionais que geram efeitos apenas dentro dos limites de seu território, quanto (ii) aqueles cuja lei reguladora se altera no tempo, como (iii) os que fazem contato com mais de uma ordem jurídica, isto é, geram efeitos em dois ou mais países ao mesmo tempo, por meio de critérios e métodos que se afigurem, em cada jurisdição, mais adequados. Este livro, portanto, se ocupa do estudo dos vínculos entre as normas e as relações jurídicas e das razões da sujeição das relações a determinadas normas jurídicas – sejam nacionais ou estrangeiras.

8

Como demonstrou Friedrich Carl von Savigny, in Sistema do direito romano atual Ijuí: Ed. Unijuí, 2004, v. 8, p. 29 ss.

9

Esta expressão, em sua versão inglesa – provincialism –, também é usada por Mathias Reimann, no artigo Parochialism in American conflicts law, in The American Journal of Comparative Law, v. XLIX, nº 3, p. 369-389, Summer 2001.

10

Daí por que a metodologia usada por Clóvis Beviláqua na elaboração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ainda vigente no novo Código Civil brasileiro de 2002, segue essa perspectiva dos limites das normas do direito sobre as relações: Os “conflitos de leis no tempo” (direito intertemporal) estão

disciplinados na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dos arts. 1º ao 6º, e os “conflitos de leis no espaço”, na mesma Lei, do art. 7º em diante. 11

Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, v. 1, p. 3.

1 NOÇÕES, CONCEITO, FUNDAMENTOS E OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1.1

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS: O PONTO DE PARTIDA

O direito internacional privado representa, na atualidade, um dos ramos do ordenamento jurídico que mais crescem em importância e significado. Essa afirmação se baseia no fato de que os povos do mundo a cada dia interagem de modo mais evidente, e as relações individuais de caráter privado se acentuam no plano das relações jurídicas, cada vez mais mescladas de “elementos estrangeiros”. É comentário corrente entre os doutrinadores, e de muita propriedade, que, de todos os ramos da ciência jurídica, o direito internacional privado é, sem dúvida, o que realizou o maior progresso no decurso das últimas décadas e o que mais se humanizou. Certo é que, em dado momento da história, os povos viviam em completo isolamento, ou seja, separados por uma série de fatores, que vão desde os determinados pela convivência (por exemplo: a raça, a língua, a religião, a tradição e os ideais – que ainda servem para manter e distinguir os povos), até outros de razões políticas, econômicas e geográficas. Nessa época, já tão longínqua, os indivíduos de determinado território, para dele saírem, contavam com infindáveis dificuldades, de tal sorte que o empreendimento se revelava verdadeira aventura, que os levava a abandoná-la tão logo a iniciassem. Mas, como se sabe, uma transformação generalizada, envolvendo fundamentalmente a difusão dos princípios de garantia à liberdade das pessoas, as prementes necessidades socioeconômicas, o progresso nas comunicações e os consideráveis avanços nos meios de transporte, alterou as relações humanas quando alcançou povos de todos os continentes, uns com mais força e rapidez que outros, operando o que se chama “fenômeno de aproximação e integração

dos povos”. Essa transformação alterou a face do planeta no palco do mundo. De apenas zelosos de sua coexistência pacífica, os Estados/países passaram a almejar uma “confraternidade internacional”. Grande responsabilidade nesta mudança têm os meios de comunicação e de transporte, cujos avanços fazem com que os indivíduos, pelos mais variados motivos, emigrem ou apenas excursionem de um país a outro. Se levarmos em conta somente o Brasil, veremos o afluxo de pessoas de todas as nacionalidades que aqui aportam e aqui estabelecem relações individuais de ordem privada. Bem como, por outro lado, o elevado número de brasileiros que deixam o país rumo à União Europeia ou aos Estados Unidos da América, para apenas excursionar ou com a intenção de estudar, submeter-se a tratamento médico-cirúrgico ou, até mesmo, com o espírito de lá permanecer. Também há de se registrar a grande quantidade de contratos que se realizam hoje em dia entre empresas e indivíduos domiciliados em países diferentes, ou que se concluem em um país para serem executados em outro, ou, ainda, relativos à compra e venda de imóveis situados fora do país-sede do negócio. Isto tudo tem feito com que a atenção dos juristas, principalmente nos últimos tempos, se volte aos problemas de direito internacional privado, com mais insistência, haja vista a necessidade, nesses casos, de se determinar o “direito” aplicável à solução da relação jurídica em questão, quando esta gera efeitos em dois ou mais países ao mesmo tempo. Este é, portanto, o tema mais importante a ser tratado e o ponto de partida para se estudar direito internacional privado: qual o direito (a lei) aplicável à relação jurídica que gera efeitos em dois ou mais países ao mesmo tempo? Fundamentalmente, o direito internacional privado é o ramo da ciência jurídica que desafia o princípio da territorialidade das leis na medida em que fixa os fundamentos da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional: quando aplicar? Em que casos? E quais os limites dessa aplicação? 1.2

SOBRE O CONCEITO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Quando se começa a estudar o direito internacional privado e, por conseguinte, buscar seu conceito, frequentemente encontramos uma série de variedades conceituais, e o êxito da pesquisa está em encontrarmos a mais adequada. Isso porque vemos conceitos já ultrapassados que, ainda hoje, insistem em tratar o direito internacional privado como o ramo da ciência jurídica que estuda os “fatos atípicos”, “incomuns”, “extraordinários”, “alienígenas”, ou seja, as “relações jurídicas anormais”, eivadas de “elementos estranhos”. Essa terminologia, talvez apropriada 50 anos atrás, não encontra respaldo na atualidade, porque leva o estudioso a pensar que esses fatos (incomuns e extraordinários) dificilmente ocorrerão, razão pela qual é fundamental uma boa orientação a quem inicia este estudo. Um dos principais internacionalistas da atualidade, o professor argentino Antonio Boggiano, vê o direito internacional privado “como un sistema normativo destinado a realizar las soluciones justas de los casos jusprivatistas multinacionales, desde el punto de vista de una jurisdicción estatal, de una pluralidad de jurisdicciones estatales a coordinar o, raras veces, de la jurisdicción de un tribunal internacional”.1 A definição de Boggiano, ao lado da que veremos a seguir, do Prof. Werner Goldschmidt, é das mais adequadas e oportunas. Isto porque o autor não usa expressões como incomuns ou extraordinários, optando por tratar os casos estudados pelo direito internacional privado como “casos jusprivatistas multinacionais”, estabelecendo maior familiaridade com o objeto de estudo. Outra definição, que influencia profundamente este livro, é a de Werner Goldschmidt, quando assim se expressa: “El Derecho Internacional Privado (DIPr) es el conjunto de casos jusprivatistas con elementos extranjeros y de sus soluciones, descritos casos y soluciones por normas inspiradas en los métodos indirecto, analítico y sintético-judicial; basadas las soluciones y sus

descripciones en el respeto al elemento extranjero.”2 A definição de Goldschmidt apresenta três aspectos fundamentais que merecem ser analisados cuidadosamente: i) ii) iii)

“O direito internacional privado (DIPr) é o conjunto dos casos jusprivatistas com elementos estrangeiros e de suas soluções; descritos os casos e soluções por normas inspiradas nos métodos indireto, analítico e sintético-judicial; baseadas as soluções e suas descrições no respeito ao elemento estrangeiro.”

Temos, assim, três linhas de análise a seguir. A primeira, (i) apresenta o direito internacional privado como sendo o conjunto de casos jusprivatistas com elementos estrangeiros. Está definido, portanto, o âmbito de atuação da disciplina: o estudo dos casos de direito privado que contenham elementos estrangeiros, como, por exemplo, o domicílio, a nacionalidade, o país-sede das empresas, o local onde a obrigação se constituiu, o local onde o imóvel se encontra etc. Não entram no âmbito de estudo do DIPr, portanto, questões relativas ao direito público (e nenhum de seus ramos). Daí por que nossa disciplina também poderia ser chamada de “direito privado especial”, isto é, aquela que estuda e busca soluções para os “conflitos e leis no espaço” em matéria privada. Vê-se, de imediato, que o DIPr completa o estudo do direito privado comum, na medida em que dedica a sua atenção aos “conflitos de lei de direito privado” – quando uma relação jurídica de direito privado gera efeitos em duas ou mais ordens jurídicas ao mesmo tempo. Lembremos que este fenômeno não é estudado nas aulas de direito privado comum, justamente porque é estudado pela disciplina específica: o DIPr. Modernamente, o direito internacional privado estuda os casos jusprivatistas de natureza civil, na medida em que, considerando a tradicional e clássica divisão do direito privado em “direito civil”, “direito comercial” e “direito do trabalho”, estes

dois últimos ramos, na perspectiva do direito internacional geral, ganharam autonomia. Sabe-se que ainda na primeira parte do século XX, em especial depois da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, as fontes do direito do trabalho ganharam tamanha envergadura e importância que os “conflitos de leis em matéria trabalhista” deixaram de ser estudados dentro da estrutura dogmática do direito internacional privado e passaram a compor uma disciplina autônoma: o direito internacional do trabalho. O mesmo aconteceu, mais recentemente, porém, com o direito comercial. Tantas são as novas fontes de solução dos “conflitos de leis em matéria comercial”, especialmente após a criação da Organização Mundial do Comércio, em 1994, que passamos a ter uma disciplina autônoma: o direito do comércio internacional. Dessa forma, ficou aos cuidados do direito internacional privado a função de encontrar soluções para os casos jusprivatistas de “natureza civil”, mantendo com seus irmãos, o direito internacional do trabalho e o direito do comércio internacional, relação de colaboração e complementaridade – razão pela qual costumo dizer que o direito internacional privado poderia ser chamado também de “direito civil especial”, o que justifica também o corte metodológico dado neste livro que destaca o estudo dos “conflitos de leis no espaço” em matéria de direito pessoal e os relativos aos direitos de família, das coisas, das sucessões e das obrigações. Voltando à definição de Goldschmidt, no aspecto (ii) destacado acima, vemos que o autor enfatiza que a descrição e solução dos casos em direito internacional privado são feitas por meio de normas inspiradas nos métodos indireto, analítico e sintético judicial. Este é, sem dúvida, um ponto de real significado para quem se propõe a estudar esta disciplina, porque as normas que vamos encontrar, e sobre as quais vamos nos debruçar, ao contrário das demais normas jurídicas (diretas/materiais ou diretas/instrumentais), são “indiretas” e “gerais” – inspiradas em outros métodos e com outras funções. Vejamos o que se afirma, por meio de exemplos práticos. E comecemos pelo Código Civil brasileiro: “Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se

podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.” Vamos agora à Lei Geral de Aplicação das Normas ou Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC):3 “Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.” Como se sabe, e evidenciam os dois exemplos acima, na ordem jurídica interna, podemos trabalhar com dois tipos de normas jurídicas: as diretas, com as quais nos ocupamos usualmente em nosso dia a dia, e as indiretas, às quais recorremos nas hipóteses de “conflito de leis no espaço”. Não há dúvida de que o art. 8º do Código Civil, tomado como exemplo ao acaso, porque qualquer outro do mesmo diploma legal serviria ao nosso propósito, é norma que prevê fato e aponta solução (diretas). Ao passo que o art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro se revela diferente, pois não apresenta uma hipótese fática, um juízo lógico hipotético, mas, sim, matérias jurídicas (direito pessoal e direito de família), determinando que, em hipótese de incidência, serão resolvidas à luz da lei (do Direito) do país em que for domiciliada a pessoa, ou pessoas, de cujo interesse se trata (indiretas). Resumindo, deve o estudioso ter em seu espírito que poderá trabalhar, além das normas instrumentais/processuais, com outros dois tipos de normas: as diretas, que preveem fatos e apontam soluções/consequências jurídicas, dirigidas à solução dos casos jusprivatistas sem elementos estrangeiros, e as indiretas, que não preveem fatos e nem consequências jurídicas, mas indicam a lei a ser aplicada, consoante a matéria jurídica envolvida, ao caso concreto, direcionadas à solução dos casos jusprivatistas com elementos estrangeiros (continue este estudo no Capítulo 4 deste livro, dedicado às “Normas de Direito Internacional Privado: Estrutura, Classificação e Função”). O último aspecto a ser analisado, no que diz respeito à definição de

Goldschmidt, é o ponto (iii) referido acima, que traduz o alicerce do direito internacional privado: o respeito ao elemento estrangeiro, que é, a nosso ver, o objetivo perseguido pela disciplina, sobre o qual repousa toda a sua teoria. Costuma-se afirmar que podemos ver o grau de desenvolvimento e maturidade jurídica de um país pelo respeito que este dá, em suas normas e em sua tradição jurisprudencial, ao “elemento estrangeiro”. Quanto mais se respeita o “elemento estrangeiro”, mais certeza podemos ter quanto à justiça e equidade das decisões judiciais dos casos jusprivatistas mistos/multinacionais. 1.2.1

Elemento estrangeiro: significado e função

Muitos doutrinadores o chamam de elemento de estraneidade, outros de elemento estrangeiro, porém ambos têm o mesmo significado. Para melhor compreensão, podemos classificá-los em três categorias: 1ª)

Relativos à pessoa: • o lugar do nascimento; • o lugar do falecimento; • o lugar da sede da pessoa jurídica; • o domicílio; • a residência habitual; • ou, simplesmente, o lugar onde se encontra.

2ª)

Relativos aos bens: • o lugar da situação do bem; • o lugar do registro do bem (para os bens que se submetem a registro).

3ª)

Concernentes a outros fatos jurídicos: • o lugar da constituição ou execução da obrigação; • o lugar da prática do ato ilícito; • o lugar onde os efeitos (jurídicos e econômicos) do ato ilícito são mais

evidentes para a vítima do ato (nos casos de violações com efeitos multiterritoriais). Para Goldschmidt, o elemento estrangeiro pode ser dividido em: personal, real ou conductista, e explica: “Elemento estrangeiro ‘personal’ (pessoal): um dos protagonistas é estrangeiro, seja porque ostente uma nacionalidade estrangeira, seja porque não tem nenhuma; um deles possui um domicílio ou uma residência estrangeira. Elemento estrangeiro ‘real’: o negócio jurídico recai sobre um bem situado no estrangeiro ou registrado em um órgão registrante estrangeiro. Elemento estrangeiro ‘conductista 4 (relativo à conduta)’: o ilícito, ou negócio jurídico, acontece no estrangeiro.”5 Dessa forma, o elemento estrangeiro pode ser qualquer um desde que, somado ao caso jusprivatista (do direito civil comum), o transforma em um caso misto. Assim: se Pedro morre no Brasil, tendo aqui o seu último domicílio, e deixa um testamento que contempla herdeiros e legatários brasileiros e bens aqui situados, certo é que estamos diante de um caso jusprivatista tradicional (do direito civil comum), sem qualquer elemento estrangeiro. Se, entretanto, Pedro, no mesmo testamento, tivesse contemplado, ainda, herdeiros e legatários argentinos e disposto a respeito de bens situados na Argentina e no Uruguai, teríamos, então, não mais um caso tradicional do direito civil, mas, sim, um caso jusprivatista misto/multinacional (de direito civil especial), haja vista a nacionalidade e o domicílio de alguns herdeiros e legatários (Argentina) e a situação dos bens (Argentina e Uruguai). Vemos, no primeiro exemplo, o fato em contato apenas com um ordenamento jurídico (o do Brasil), porque não há elemento estrangeiro. No segundo, o mesmo fato, sucessão de Pedro, passa a fazer contato com mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo (Brasil, Argentina e Uruguai). Brasil, por ser o último domicílio do

falecido e seu lugar de falecimento, e porque aqui se encontram situados alguns bens e domiciliados alguns herdeiros e legatários; Argentina, por lá estarem domiciliados outros herdeiros e legatários, bem como localizados alguns bens; e, finalmente, o Uruguai porque ali também estão situados outros bens. Outro exemplo que pode ser interessante é um dos mais corriqueiros: Carmen e Juan, argentinos, domiciliados na Argentina, casam-se neste mesmo país. Mais tarde, transferem-se para o Brasil e fixam aqui domicílio. Passados alguns anos, pretendem separar-se judicialmente, para, decorrido o prazo legal, obterem o divórcio. Poderão ingressar com esse pedido em solo brasileiro, levando-se em consideração que o ato jurídico “casamento” não foi aqui celebrado? Poderá o juiz brasileiro dissolver essa sociedade conjugal celebrada em território argentino? Estas são algumas das muitas questões que se formulam quando deparamos com casos jusprivatistas mistos (com elementos estrangeiros). Por meio de rápidos exemplos, vimos como diferenciar os casos jusprivatistas tradicionais (sem elementos estrangeiros) daqueles mistos/multinacionais (com elementos estrangeiros). Não é difícil, pois, perceber que estes últimos são, na sua origem, fatos jusprivatistas tradicionais acrescidos de elementos estrangeiros, o que os transforma em mistos/multinacionais – tirando-os da alçada do direito civil comum para conduzi--los ao direito civil especial (ou direito internacional privado). Não seria demasiado dizer que estes casos não são “extraordinários” nem mesmo “incomuns”, porque são frequentes na prática jurídica. 1.2.2

Fatos jurídicos tradicionais × fatos mistos/multinacionais

Conforme ficou demonstrado, não há dúvida de que os casos jusprivatistas podem ser de duas ordens: a) b)

tradicionais – sem elemento estrangeiro; mistos/multinacionais – com elemento estrangeiro.

Diante dessa constatação, pergunta-se: ambos são apreciados pelo mesmo ramo do direito?

Indagação aparentemente fácil de ser respondida, à primeira vista, mas que, bem pensada, revela-se difícil, porque uma boa resposta deve envolver o direito positivo e a realidade fática, e aqui reside o nosso problema. À luz da ciência jurídica, podemos respondê-la corretamente com um firme não. Não, porque o direito nacional, a par de todas as divisões e subdivisões que sofre, desde aquela apontada por Ulpianus (no direito romano), também pode ser dividido em: a) b)

comum = ius communis, para os fatos tradicionais; especial = ius specialis, para os fatos mistos/multinacionais.

O que significa dizer que temos um direito que prevê e soluciona fatos que não apresentam elemento estrangeiro, e outro, completamente autônomo, alicerçado sobre outros princípios e métodos de solução que se ocupa dos casos mistos/multinacionais. Portanto, fatos jurídicos distintos estão sujeitos a direitos diferentes. Os casos jusprivatistas tradicionais devem ser apreciados pelo direito privado comum (direito civil), enquanto os jusprivatistas mistos, para que tenham uma solução justa e adequada, devem ser apreciados pelo direito especial, ou seja, o direito internacional privado. Afirmávamos que seria fácil responder à questão apresentada, porque o que ora se demonstra está no plano do dever ser, pois no plano do é o tema assim não se apresenta. Na realidade, o que vemos, na prática, é a maioria dos casos jusprivatistas mistos sendo julgada com base no direito privado comum, ficando o direito internacional privado completamente esquecido. O que representa um equívoco enorme. 1.3

PREMISSAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO (SUA LÓGICA E RAZÃO)

Um jurista não pode deixar de se questionar sobre os direitos e obrigações recíprocos das pessoas e dos Estados, sobre a variabilidade ou permanência da justiça, sobre a coexistência ou conflito de culturas, sobre os diferentes sistemas econômicos e a ordem econômica internacional.6

Obviamente, as relações entre as pessoas (naturais ou jurídicas) trazem uma universalidade de problemas jurídicos relacionados à convivência humana, apontando para o contato entre diversas ordens jurídicas, fundadas em diferentes valores e baseadas em diferentes sistemas de direito.7 Daí por que o direito internacional privado se apresenta como o direito dos ordenamentos jurídicos em contato ou o direito das relações intersistemáticas entre ordens jurídicas.8 As relações de caráter privado internacional, em especial aquelas de aspecto civil, e a diversidade dos ordenamentos jurídicos são os fundamentos lógico e social do direito internacional privado, como conjunto de normas reguladoras da ordem privada na vida internacional.9 O cosmopolitismo é outro fator fundamental na expansão da vida humana, além de suas fronteiras de nascimento ou de domicílio, e das relações jurídicas. A expressão direito internacional privado pode parecer inadequada em sua forma e significado, mas ela atende à finalidade de explicar o conjunto das relações humanas, de caráter privado, que ultrapassam as fronteiras dos Estados, por isso a uso neste livro.10 A diversidade das leis (dos direitos) nacionais em contraposição à uniformização das áreas do direito faz com que o direito internacional privado atenda a uma de suas funções: auxiliar o jurista na escolha da lei aplicável aos casos com conexão internacional, quando uma série de potenciais soluções são oferecidas pelos ordenamentos jurídicos. Como esclarece a histórica observação de Asser: 11 “é precisamente a diversidade das leis nacionais que traz à tona a necessidade de uma solução uniforme dos conflitos de leis no espaço”.12 Os problemas de direito internacional privado são originados da “diversidade territorial dos sistemas jurídicos”. Onde quer que exista essa diversidade, os casos contendo elemento estrangeiro podem ser verificados, independentemente das possíveis organizações federativas dos Estados. Assim, haverá questões envolvendo “conflito de leis no espaço” ou de direito internacional privado entre ordenamentos estatais, estaduais, cantonais, provinciais e locais. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, as questões apreciadas pelos tribunais locais podem apresentar caráter

autenticamente jusprivatista internacional, quando se referem especificamente a um caso que gere efeitos no direito norte-americano e no direito estrangeiro, isto é, nesse país e em país estrangeiro, ou caráter interestadual, quando o “conflito de leis no espaço” acontece entre os ordenamentos jurídicos dos Estados federados dos Estados Unidos da América, já que muitos deles dispõem sobre certas matérias (por exemplo, aborto, pena de morte, separação e divórcio etc.) de maneira diversa, haja vista a autonomia legislativa que possuem. Também é importante lembrar, neste contexto, que existem hoje sistemas normativos estatais que se mantêm distintos, resguardando suas respectivas soberanias, mas transferem parcelas delas para organizações supranacionais, como é o caso da União Europeia. Outros se associam em organizações internacionais de cooperação econômica, não supranacionais visando, dentre outros objetivos, a harmonização legislativa, como é o caso do Mercosul e de outras organizações regionais. E tudo isto porque o direito, se não incompleto, deve atender aos indivíduos que buscam expandir suas atividades da vida privada para além das fronteiras nacionais. Os Estados passam a reconhecer a necessidade de regulação das relações jurídicas que se desenvolvem em contato com diferentes ordenamentos jurídicos, relativas a negócios sobre bens, capitais e tecnologias em uma lógica de intensa mobilidade internacional/ transfronteiriça.13 O intercâmbio de bens, capitais, serviços e tecnologias representa a expressão da mútua penetração voluntária entre os povos e que tem como resultado levar os Estados a fazer concessões, seja mediante tratados e convenções, seja inclusive pela decisão unilateral dos governos, e de seus legisladores, de disciplinar as relações jurídicas transfronteiriças com razoável grau de estabilidade (certeza e segurança jurídicas) e também de equilíbrio de interesses, garantindo a justiça material entre as partes. A ideia de intercâmbio internacional (e mais amplamente “global” ou “universal”) diz respeito ao conjunto de relações humanas baseado nas interações comerciais, familiares, culturais, científicas e artísticas – todas elas voltadas para a

criação de direitos e obrigações de que são destinatárias as pessoas e que transcendem ordenamentos jurídicos.14 Com efeito, como bem observa Strenger, 15 o intercâmbio internacional é pressuposto sociológico para o direito internacional privado. Quem acompanha a evolução da disciplina, desde suas primeiras lições teóricas, observaria que ela se desenvolveu paralelamente à intensa mobilidade de fatores (humanos, tecnológicos e financeiros) no cenário mundial, constatada particularmente a partir do final do século XIX. Esse contexto se justificou não apenas pelo surgimento de invenções na indústria ou nos meios modernos de comunicação de massa que possibilitaram a transmissão das ideias, mas igualmente pelo aprofundamento gradativo das relações econômicas internacionais, sobretudo no que concerne ao comércio internacional. Esses são, portanto, alguns dos aspectos que explicam a importância do direito internacional privado: i) ii) iii) iv)

diversidade de ordenamentos jurídicos; extraterritorialidade das leis (o efeito extraterritorial das normas jurídicas); intercâmbio internacional; cosmopolitismo humano.

Strenger também destaca a “coexistência das ordens jurídicas”, segundo o pensamento de Amílcar de Castro, afirmando: “Conclui-se daí que o direito internacional somente se torna possível quando os sistemas jurídicos particulares não se negam totalmente a coexistir dentro de um regime de vida e de interpretação continuada” (fonte citada acima, p. 35). O direito internacional privado tem como finalidade, portanto, estabelecer um corpo de normas e princípios destinados a auxiliar o juiz na escolha da lei aplicável aos casos com elementos de estraneidade ou estrangeiros, vinculados a uma pluralidade de ordenamentos jurídicos autônomos e soberanos. E o faz reconhecendo a soberania do Estado em decidir sobre a aplicação do direito estrangeiro ao conservar um sistema racional que combine os necessários particularismos.16 Assim, o direito internacional privado cumpre a sua missão quando apresenta soluções às

relações jurídicas que geram efeitos em dois ou mais ordenamentos jurídicos,17 ocupando-se em estabelecer os limites materiais e espaciais das competências dos Estados. Suas regras são adotadas para a regulamentação da vida internacional das pessoas, vale dizer, às relações jurídicas (de caráter jusprivatista) com elementos conectados a várias ordens jurídicas, e que permitem tecnicamente a determinação do direito aplicável aos casos submetidos ao juiz nacional. Parece que modernamente o direito internacional privado tenha alcançado o status de técnica. Não obstante contar com os elementos formais e instrumentais na construção de seu sistema próprio ou ramo autônomo da ciência jurídica, o direito internacional privado surge como uma das vertentes internacionais do direito (como ciência) responsável pela análise metodológica das questões estabelecidas pela vida internacional da pessoa, em suas diferentes manifestações. As normas de direito internacional privado possuem estrutura e função diferenciadas dentre as normas jurídicas, especialmente por definir os limites de competências internacionais e os limites espaciais de aplicação do direito material àqueles casos que se apresentam conectados a uma pluralidade de ordenamentos jurídicos. As normas jusprivatistas internacionais conduzem o jurista à técnica de determinação da aplicação da lei nacional ou estrangeira aos casos com elementos estrangeiros, a partir de um método (ou técnica) especial destinado a satisfazer um conceito de justiça própria e concreta.18 1.4

ADENSAMENTO DAS NOÇÕES E DA TERMINOLOGIA DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

A doutrina observa que a denominação direito internacional privado foi primeiramente empregada por Joseph Story em sua obra pioneira Commentaries on the conflict of laws, publicada em 1834. A expressão conflito de leis (conflict of laws), como sinônimo do direito internacional privado, originou-se, segundo a doutrina dominante, da obra do jurista holandês Ulrich Huber, De conflictu legum diversarum in diversis imperiis, de 1684. Por uma estranha mutação, como observa Nussbaum,19 o termo conflito de leis

passou a ser disseminado entre as principais universidades dos países do common law, enquanto a expressão de Story (direito internacional privado) vinha sendo amplamente divulgada entre os juristas de tradição europeia continental. O adjetivo internacional, que poderia caracterizar as relações de direito privado envolvendo pessoas, bens e negócios jurídicos, é aqui concebido como o principal fator decorrente do contato entre diferentes ordens jurídicas. É importante observar, no entanto, que a expressão direito internacional privado não desapareceu por completo nos Estados Unidos da América e no Reino Unido; o mesmo se observa para a expressão conflito de leis (conflits des lois, conflicto de leyes) nos demais países. Os problemas conceituais de ambas as expressões (conflitos de leis e direito internacional privado) têm sido com frequência apontados pela doutrina. Deixando de lado o inconveniente linguístico, sabe-se, na prática atual do direito, que tanto direito internacional privado como conflito de leis no espaço tornaram-se termos técnicos na ciência jurídica para designar o ramo do direito que estuda os problemas relacionados à determinação do direito aplicável aos casos mistos ou multinacionais (direito nacional ou direito estrangeiro). Obviamente, por questões didáticas e pela familiaridade alcançada no campo comparado (especialmente no que tange à escola europeia), optamos por utilizar a expressão direito internacional privado.20 1.5

O OBJETO DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Sempre existiu muita dificuldade em se delimitar o objeto do direito internacional privado, ficando evidentes as dúvidas sobre sua unidade e cientificidade. Normalmente ele está ligado à concepção normativa de que o DIPr tem como ponto de partida, portanto objetivo principal, as normas de solução de conflito de leis no espaço. Em outras palavras, solucionar o conflito de leis ao indicar a lei material (nacional ou estrangeira) aplicável ao fato jurídico em análise. Sob a ótica privatística, o DIPr diz respeito ao conjunto de possíveis soluções para os casos de conflitos de leis oferecidas pelos ordenamentos nacionais às relações jurídicas de caráter privado que geram efeitos em mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo. Numa dimensão publicista, o DIPr reflete um conflito de

soberanias legislativas que são geradas no âmbito de relações privadas, isto é, enfatiza especialmente dada concorrência de competências legislativas. Quando o Estado decide aplicar uma norma de outro país para solucionar conflitos que versem relações jurídicas com elementos estrangeiros, ele estará, em última análise, reconhecendo a competência legislativa de outro Estado, formal e materialmente.21 Dependendo da abordagem metodológica e da tradição jurídica envolvida, o objeto do direito internacional privado pode compreender a dimensão internacional das relações jurídicas entre sujeitos de direito, resultando na tutela de direitos no plano internacional e no plano extraterritorial. Isso levaria também ao estudo de questões relativas à nacionalidade, à condição jurídica do estrangeiro, aos conflitos de jurisdição e ao reconhecimento e execução pela autoridade judiciária doméstica de sentenças proferidas em outros Estados.22 Strenger afirma o quanto a delimitação do objeto do DIPr é controvertida, não sendo possível verificar coincidência nas abordagens e opiniões. Assim, para os diversos autores, pelo menos cinco problemas são apresentados como objetos do DIPr: (i) uniformização das leis; (ii) nacionalidade; (iii) condição jurídica do estrangeiro; (iv) conflitos de leis no espaço e (v) o reconhecimento internacional dos direitos adquiridos. Para o autor citado: “a tarefa do direito internacional privado é procurar qual a solução adequada para resolver um conflito de leis no espaço. O internacionalista deve levar em conta, evidentemente, o problema da uniformidade legislativa, da condição jurídica do estrangeiro, da nacionalidade, dos direitos adquiridos, que constituem elementos essenciais de apreciação e compreensão das questões que se oferecem ao julgador ou intérprete, mas sem deixar de considerar um fundamento básico que é o conflito de leis. [...] Como, porém, o problema do direito internacional privado é um problema de choice of law,23 dificilmente se contornará o seu conteúdo conflitivo, razão pela qual optaremos pela posição daqueles que veem como objeto básico do direito internacional privado a solução dos conflitos de leis no espaço, em toda a extensão da fenomenologia

jurídica, vale dizer com abrangência sobre todas as estruturas do direito” (p. 48-49). Toda a tradição doutrinária e jurisprudencial, especialmente no Brasil, como bem demonstra Strenger, em torno do direito internacional privado, consolidou o entendimento de que, não obstante as questões satélites (nacionalidade, condição jurídica do estrangeiro etc.), o objeto principal da disciplina é aquele da determinação do direito aplicável aos casos mistos ou multinacionais de caráter privado, isto é, envolvendo elementos de estraneidade ou estrangeiros. O objetivo precípuo da disciplina é, por conseguinte, o de estabelecer regras que determinam, no caso de conflito de leis entre dois ou mais sistemas legislativos, qual deles é competente para regular a espécie, podendo ser tanto o sistema nacional como o estrangeiro, conforme o elemento estrangeiro predominante da relação jurídica – ou o elemento de conexão que se deva considerar. As regras de direito internacional privado são “regras de aplicação, que se destinam a indicar os casos em que normalmente se deve aplicar a lei nacional, e os que se deve julgar normalmente competente a lei estrangeira”.24 Essa perspectiva centrada no método clássico ou conflitual está impregnada da noção de “conflito de leis no espaço”, já que o juiz, ao apreciar o fato ou relação jurídica multiconectados, deverá recorrer à aplicação de um direito material entre os ordenamentos jurídicos em contato, escolhido de acordo com normas advindas de tratados internacionais e leis internas (leis especiais, leis esparsas ou codificações de direito internacional privado)25 e também coordenadas pela doutrina e jurisprudência. Por isso mesmo, a perspectiva atinente ao “conflito de leis” oferece uma armadilha inconteste ao jurista por criar uma aparência de colisão ou de choque entre ordenamentos jurídicos, o que parece ser uma contradição em termos. E nesse passo pensamos ser adequado retomar a célebre advertência de Amílcar de Castro,26 na qual o professor observa o emprego inútil de expressões compostas a partir do termo conflito de leis e a desordem conflitual por elas criada: “O emprego da palavra generalizou-se, converteu-se em obsessão, em

verdadeira ‘conflitomania’, gerando enganos de toda espécie; e o direito internacional privado passou a ser a teoria dos conflitos, continente de normas de colisão. Mas, se não há possibilidade de conflito propriamente dito entre ordens jurídicas autocráticas, para que usar essa palavra? Foi então evitada; e a aplicação desta ou de outra metáfora consagrada pelo uso, quando indispensável, é sempre acompanhada da afirmativa de ser a expressão figurada, e de qual seja sua exata significação.” Dessa forma, temos apenas uma “aparência de conflito” no tratamento dos casos envolvendo elemento estrangeiro ou mesmo na escolha da jurisdição a que as partes recorrem para a solução de litígios transfronteiriços. Os Estados apresentam soluções distintas para um mesmo fato ou relação jurídica no trânsito internacional a partir de suas leis internas, idealizadas de acordo com necessidades momentâneas e orientadas por valores e fundamentos próprios de determinada sociedade. Raramente a vida internacional das pessoas é tomada como regra na visão dos legisladores nacionais que dedicam boa parte de suas atividades na formulação de normas para endereçar questões apreciadas nos territórios de seus respectivos Estados. Boa parte dos autores brasileiros dedicados ao estudo do direito internacional privado reduz o objeto da disciplina, concebido como técnica, à “apreciação de fatos anormais em cada jurisdição”,27 ou à “solução dos problemas de conflitos de leis no espaço”.28 Essas orientações merecem alguns poucos comentários. Primeiramente, a noção de fato anormal pode levar à confusão sobre o objeto do DIPr, que parece ser muito mais amplo do que a identificação mecânica das situações e fatos concernentes à vida internacional das pessoas. O jusprivatista internacional deve ser levado mais além, desde a compreensão das questões relacionadas à coordenação entre ordenamentos jurídicos e à técnica de escolha da lei aplicável aos casos com elementos estrangeiros, até o funcionamento dos mecanismos contemporâneos de soluções de litígios transfronteiriços, o que inclui o recurso à arbitragem e a tribunais especializados.29

A noção de “fato anormal” é, em si mesma, problemática. A ideia por trás desta expressão traria consigo a percepção de que esses fatos acontecem raramente e, quando acontecem, implicam fenômeno eivado de anormalidade e aspectos desestabilizadores, o que não é verdade. Outra questão é meramente existencial. Um dos pressupostos de existência para o direito internacional privado é a “possibilidade de aplicação da lei estrangeira em território nacional”, já que, dentro dos limites territoriais de um Estado que não admita, de modo algum, a aplicação da lei estrangeira, nenhuma questão de direito internacional privado surgirá, porque todos os casos seriam unilateralmente tratados pelo legislador nacional, sem previsão da aplicação do direito estrangeiro.30 Nessa hipótese, o caráter da internacionalidade dos casos apreciados pelo juiz nacional é afastado. Por outro lado, se a própria soberania do Estado reconhece a aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, então se verifica a aplicação das normas de direito internacional privado. Por isso mesmo, a visão apresentada pela escola francesa parece resumir muito bem o objeto do direito internacional privado quando enfatiza que ele deve, primeiramente, dar efetividade ao direito estrangeiro a partir dos tribunais domésticos, resguardada a proteção à ordem pública e às regras imperativas do foro. A ideia de escolha da lei aplicável aos casos contendo elemento estrangeiro concretiza-se a partir de soluções encontradas na diversidade entre os ordenamentos jurídicos. Daí por que os tribunais devem lidar com uma “concorrência” ou “concurso” de normas de diferentes ordenamentos jurídicos que potencialmente seriam aplicáveis a um mesmo caso com elementos estrangeiros.31 Tenho defendido em minhas aulas no Largo de São Francisco uma dimensão mais ampla do objeto do direito internacional privado, haja vista o atual estágio de desenvolvimento científico e a prática da disciplina. Nessa dimensão mais ampla incluo o estudo de dois outros aspectos que me parecem importantes à disciplina – ainda que não integrem seu objeto: i)

os conflitos de jurisdição internacional (jurisdição e competência internacional

ii)

do juiz nacional); o reconhecimento e a execução de sentenças estrangeiras (judiciais e arbitrais).

Dolinger ainda destaca que o objeto preponderante da disciplina, o conflito de leis, pode ser estudado sob duas perspectivas: a unilateralista e a multilateralista. A primeira compara a lei dos diversos sistemas, divergentes entre si, indagando qual a extensão de aplicação da lei nacional. A segunda procura encontrar qual a lei aplicável para as diversas relações jurídicas e foi proposta por Savigny a partir da detecção da “sede do fato”. Para Dolinger: “A riqueza da diversidade do mundo, o espírito da tolerância e o princípio da proximidade são estes os valores que aprendemos quando nos aprofundamos no estudo do Direito Internacional Privado” (p. 24). 1.6

EPÍLOGO: AS NOVAS TENDÊNCIAS E O “NOVO DIPR”

Perspectiva mais abrangente e multidisciplinar, com olhar no presente e no futuro, sobre o objeto de estudo do DIPr, revela que a nossa disciplina não está restrita tão somente às áreas do direito privado, estritamente consideradas, mas também a outros domínios do direito, como o direito econômico (nele incluídas as questões de direito concorrencial e bancário), o direito tributário, o direito penal e penal econômico, o direito administrativo, dentre outros. Sob essa perspectiva, a técnica e o método do direito internacional privado se interpenetram, e se intercomplementam, com o direito internacional público e o direito do comércio internacional.32 O DIPr e seu estudo se reorientaram em torno de temas surgidos com o desenvolvimento do comércio internacional nas últimas décadas, além das preocupações com os efeitos da globalização sobre as relações econômicas e sociais. O reconhecimento da identidade de um ordenamento jurídico internacional em expansão, modificado profundamente em suas estruturas e conteúdo, especialmente com o advento da nova lex mercatoria, do direito de investimentos em nível global e com a circulação transnacional de pessoas, bens, serviços e capitais, conduz o jurista

à reflexão sobre as novas tendências pelas quais o DIPr deve se reorientar nos Estados. Este passa a conjugar novas tarefas para a superação da tradicional apresentação de sua disciplina em um âmbito exclusivamente nacional, resumida em preocupações e métodos insuficientes para a resolução de conflitos jurídicos complexos, endereçados à nossa disciplina, de forma cada vez mais frequente.33 O valor do DIPr, dentro de um sistema unitário de interpretação e aplicação do direito, só se justifica com o respaldo na evolução histórica dos seus institutos e nas recentes transformações que o marcam e o (re)definem. Sobre isso, ele deve atentar para uma preocupação crescente com a regulação da ordem econômica internacional, com os papéis transitórios e muitas vezes oscilantes do Estado em vários períodos da história (ora liberal, ora social ou neoliberal), assim como com a presença cada vez mais intensa de participantes/agentes privados na criação de ordens normativas paralelas e autônomas em relação ao ordenamento estatal (como os grandes conglomerados transnacionais financeiros) e os fenômenos de integração regional e comunitária.34 Nesse caminho, o DIPr vem desvendar uma pluralidade de institutos jurídicos e diversidades de fontes normativas, que se associam às situações cotidianas que escapam da regra, por muitos difundida, da suficiência regulatória do direito positivo visto na perspectiva do Estado-nação, que passou a ter jurisdição e atuação bastante reduzidas. Esse é o panorama do “Novo DIPr”, no qual se vê seu esforço para aproximar todos aqueles envolvidos nas relações civis mais básicas – os indivíduos e grupos – das grandes dificuldades trazidas pela globalização econômica em nível mundial.35 Daí por que talvez seja prudente a reconstituição de critérios de delimitação do objeto e da finalidade do DIPr, para que este não perca sua tarefa nuclear de tutela das relações intersubjetivas constituídas e geradoras de efeitos em nível transnacional, com pontos de contato em tantos ordenamentos jurídicos quantos forem os elementos em comum a reger os casos concretos analisados. Textos fundamentais a respeito das novas tendências são os publicados por Ralf Michaels, em maio de 2008: “The new European choice-of-law revolution”,36 assim como o de Erik Jayme: “Identité culturelle et intégration: le droit international privé

postmoderne”. In Cours général de droit international privé. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International (RCAPI), 1995, v. 251, p. 9-267, ambos inspirados e fundamentados na melhor e mais atualizada doutrina a respeito. 1.6.1

Função renovada e ampliada do objeto do “Novo DIPr”

A função prática do “Novo DIPr”, ademais de buscar soluções para os casos mistos ou multinacionais, se renova para resolver conflitos mais complexos decorrentes da descontinuidade espacial dos ordenamentos jurídicos, isto é, conflitos determinados por relações jurídicas transnacionais e supranacionais. O “Novo DIPr” oferece soluções que buscam racionalizar esses conflitos, especialmente por meio de critérios de continuidade (evitar a fragmentação do direito, já que este se interpreta e aplica em sua unidade) e a normalização das relações jurídicas (no sentido de fazer aplicar as normas jurídicas pertinentes – “normas” sob uma perspectiva mais ampla). Nesse sentido está inegavelmente a ideia de que, por meio do DIPr, a interpretação e a aplicação do direito, nos casos submetidos às situações de conflito, busquem saídas utilizando as leis, regulamentos, sentenças judiciais e arbitrais de outros países. Essa função prática do “Novo DIPr” justifica as necessidades de se fomentar o trânsito econômico entre pessoas de diferentes Estados, e disciplina as relações pessoais, familiares, sucessórias, obrigacionais e reais surgidas com a presença de estrangeiros em territórios nacionais. Em última análise, o “Novo DIPr” assegura, por sua função prática, uma disciplina adequada para as relações jurídicas com elementos estrangeiros renovados e consentâneos com os novos tempos e novos fenômenos.37 1.6.2

Função harmonizadora ou de aproximação

O “Novo DIPr”, especialmente considerada sua vocação para criar instrumentos de interpretação normativa conjugados com métodos de análise de direito comparado, oferece mecanismos para a unificação dos sistemas normativos e, o que mais importa nesse aspecto, para soluções uniformes por normas jurídicas. O chamado direito uniforme, composto de regras uniformes para aproximação dos ordenamentos jurídicos às soluções comuns, unitárias e unívocas, é o resultado do pluralismo de

ordenamentos jurídicos nos quais relações jurídicas de diferentes fontes são ou devam ser disciplinadas. Na atualidade, o fortalecimento de entidades internacionais voltadas para a uniformização das mais variadas áreas do direito se mostra evidente. A UNCITRAL, o UNIDROIT, a Câmara de Comércio Internacional de Paris e as CIDIPs (Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado) são instituições que se dedicam ao estudo e pesquisa sobre harmonização do direito em nível internacional, sempre com olhos voltados para os problemas originários de direito internacional privado.38 1.6.3

Funções histórica e internacional

O direito internacional privado, embora encontre suas origens nos ordenamentos nacionais, é centrado na noção de que as ações humanas se desenvolvem para além dos limites fixados territorialmente em determinado ordenamento jurídico. As relações jurídicas transpassam fronteiras de um Estado e essa situação muitas vezes conflita com a visão hermética do direito nacional. O “Novo DIPr” renova essa dimensão internacional por conta do contato com o estrangeiro e não pelo direito internacional público em si, e reflete uma dimensão histórica muito mais importante para determinados contextos como aqueles concernentes aos blocos regionais e comunitários e aos fenômenos decorrentes do incremento da tecnologia. Nos ordenamentos jurídicos comunitários, como bem exemplificado pela atual União Europeia, os ordenamentos jurídicos nacionais tiveram que se alinhar para a formação de regras supranacionais. Observada a história da União Europeia, basta atentar para o fato de que um DIPr comunitário sempre guiou a tônica das atividades normativas dos órgãos da Comunidade. Assim, por exemplo, resoluções e diretivas de direito comunitário secundário e muitas convenções europeias para uniformização do direito privado foram instrumentos históricos imprescindíveis para a reconstrução do DIPr em nível comunitário.39 Tanto é assim, que na quase totalidade dos países europeus houve preocupação do legislador nacional em ajustar o direito interno às demandas comunitárias existentes. 1.6.4

A interpretação constitucional do “Novo DIPr”

A sistemática do DIPr pode ser adequadamente inserida na esfera constitucional, ou, ao menos, objeto de uma leitura que leve em consideração o tratamento constitucional para as questões envolvendo o DIPr. A ideia de uma multiplicidade de ordenamentos busca uma interpretação constitucional: qualquer análise que se faça de DIPr deve levar em conta a sistemática constitucional (normas e princípios) e toda a disciplina do direito constitucional internacional, isto é, a integração de normas de direito internacional público e privado no ordenamento jurídico nacional. Assim, o exame de problemas de DIPr leva em consideração a constituição e os tratados que podem versar sobre matérias específicas concebidas em DIPr que estejam associadas às relações jurídicas de trânsito internacional (isto é, conexão internacional). A experiência do DIPr espanhol é bastante significativa nesse sentido, pois a Constituição de 1978 traz inúmeros pontos de apoio para a interpretação constitucional do DIPr, o qual, por ser de competência do legislador nacional, vem se ajustar aos princípios constitucionais da legalidade, hierarquia das fontes e segurança jurídica estabelecidos no art. 8º, § 3º, da Constituição daquele país. Trata-se de uma releitura jurídico-constitucional sobre o DIPr, a qual predomina na Espanha desde o início da década de 80 e explora conceitos normativos da Constituição, especialmente diante da atividade jurisprudencial. Segundo a doutrina espanhola, existe a necessidade de se ajustar o DIPr ao constitucionalismo recente do país, pelo que o legislador tem margem de discricionariedade para adotar técnicas das “cláusulas abertas” para concretização de interesses de política legislativa e adequação das normas de conflito ou de conexão, de caráter sucessivo, ou mediante determinadas regras de competência concorrente.40 1.6.5

Interpretação constitucional do “Novo DIPr” e a ordem pública

As normas de “Novo DIPr” devem ser entendidas em função de preceitos constitucionais, seja no momento de produção/elaboração da norma, seja no momento de sua intepretação/aplicação. Isso é visível no caso do princípio da igualdade e sua aplicação sobre as regras de conflito, ou ainda na supressão de determinados institutos incompatíveis com uma leitura constitucional que se faça do DIPr. 41 É

possível estabelecer ainda a correlação entre os valores constitucionais e a formação da ordem pública para efeitos constitucionais da interpretação de DIPr. A Constituição se torna referência básica e estratégica para que o direito estrangeiro não seja invocado pela norma de conflito sem a devida fundamentação constitucional. Existem casos frequentes como aqueles que envolvem reconhecimento de dissolução matrimonial nos países e como são estabelecidas as diferentes disciplinas a respeito do divórcio em âmbito nacional, por exemplo. A interpretação constitucional do DIPr também serve à identificação e constatação do pluralismo dos direitos civis nos ordenamentos nacionais. Com isso se pode garantir em DIPr o respeito pelas mais variadas fontes de direito e a coexistência de normas de diferentes ordenamentos que disciplinam fatos revestidos de conexão transacional e geradores de efeitos territoriais e extraterritoriais imediatos.42 1.6.6

A prevalência dos princípios constitucionais e dos direitos humanos na análise e julgamento dos casos de “DIPr”

Com a separação do DIPr das questões relativas aos conflitos de leis em matéria trabalhista e comercial, que deram autonomia, como dito acima, ao direito internacional do trabalho e ao direito do comércio internacional, o DIPr pode dedicar suas atenções às questões relativas à pessoa natural e suas relações com a família, os bens, as obrigações e as sucessões. Ademais, ficou a cargo do DIPr atual a análise das questões que envolvem a pessoa natural privilegiando e valorizando os princípios e fundamentos advindos da Constituição Federal, assim como dos tratados e convenções relativos aos direitos do homem. Sob essa ótica, vejamos um exemplo concreto no qual o recurso aos princípios constitucionais e às convenções de direitos humanos é imprescindível sob pena de análises e julgamentos equivocados e distorcidos. 1.6.6.1

Perspectiva prática (estudo de caso): infração aos direitos humanos reconhecidos aos autores, inventores e desenvolvedores

O art. 5º, inciso XXIX43 da CF tem sua gênese no art. 27.2 da “Declaração

Universal dos Direitos do Homem”44 e no art. 15.c45 do “Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”.46 Mas qual a relação desse marco normativo com os direitos privados dos titulares de bens intangíveis, imateriais, intelectuais? A Organização das Nações Unidas (ONU) conta na sua estrutura orgânica com cinco órgãos,47 dentre eles um “Conselho Econômico e Social”, ao qual compete, dentre outras funções, fazer “recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos”.48 É importante lembrar que há muito a Carta constitutiva da ONU está em vigor no Brasil. No exercício de suas competências, a “Comissão sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social da ONU” adotou, em 21 de novembro de 2005, em sua 35ª Sessão, as “Recomendações” constantes do “Comentário Geral nº 17”49 com o objetivo de “ajudar os Estados-partes a aplicar e implementar (em todos os seus níveis: legislativo, executivo e judiciário) o disposto no “Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, cujos aspectos mais representativos do “Comentário Geral” – os quais sumarizam o conteúdo, a abrangência e o escopo do art. 15.c do Pacto – reproduzo abaixo: “1. O direito de toda pessoa de beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais que os correspondam por razão das produções científicas, literárias ou artísticas de que seja autora é um direito humano, que deriva da dignidade e dos valores inerentes a toda pessoa. 2. Em contraste com outros direitos humanos, os direitos de propriedade intelectual são geralmente de índole temporal e é possível autorizar seu exercício ou cedê-los a terceiros. [...] 4. O direito de toda pessoa de beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais que os correspondam por razões de produções científicas, literárias ou artísticas de que seja autora tem por finalidade fomentar a contribuição ativa dos criadores às artes, ciências e ao

progresso da sociedade em seu conjunto.” Ademais, em conformidade com os outros instrumentos de direitos humanos, assim como com os acordos internacionais sobre a proteção dos interesses morais e materiais que correspondem às pessoas em razão de suas produções científicas, literárias ou artísticas, a Comissão considera que a alínea c do parágrafo 1º do art. 15 do Pacto estabelece como mínimo as seguintes obrigações básicas, que são de aplicação imediata pelos Estados-membros: “a) b)

c)

adotar as medidas legislativas ou de outra índole necessárias para assegurar a proteção efetiva dos interesses morais e materiais dos autores; proteger o direito dos autores a serem reconhecidos como criadores de suas produções científicas, literárias e artísticas e a oporem-se a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação das mesmas ou qualquer outra ação que atente contra elas, que cause prejuízo a sua honra ou reputação; respeitar e proteger os interesses materiais básicos dos autores derivados de suas produções científicas, literárias ou artísticas, que necessitam para manter, no mínimo, um nível de vida adequado; [...].”50

Como se vê, não há nenhuma dúvida sobre a afirmação de que os direitos de propriedade intelectual referidos no inciso XXIX do art. 5º da CF são direitos humanos – assim reconhecidos por uma autoridade internacional no tema, e de que o Estado brasileiro, nos termos da Constituição Federal,51 deve aplicar direta e imediatamente o disposto no art. 15.c do Pacto segundo as Recomendações da Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU adotadas em 2005. TEXTOS BÁSICOS Castro, Direito internacional privado (2005), nº 45, p. 85 ss. Garcia Velasco, Derecho internacional privado (1994), p. 21 ss. Dolinger, Direito internacional privado: parte geral, 7. ed., (2003), p. 1 ss. Strenger, Direito internacional privado, 5. ed. (2003), p. 29 ss.

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1

Derecho internacional privado. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1983, t. 1, p. X.

2

Derecho internacional privado. 5. ed. Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 3.

3

A Lei nº 12.376, de 30.12.2010, alterou o Decreto-lei nº 4.657, de 1942, transformando a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) em Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

4

Sem tradução para o português.

5

Derecho internacional privado, p. 5.

6

P. LALIVE, Pierre. Tendances et méthodes en droit international privé: cours général. In Recueil des Cours, v. 155, p. 76-77, (1977-II).

7

Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 29 ss.

8

BOGGIANO, A. Derecho internacional privado. Ver ainda STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, p. 29: “No plano do direito internacional privado o fenômeno jurídico se revela constituído pela pluralidade de ordenamentos jurídicos e da relação que entre eles se estabelece. Sobre esse dado concreto é que opera o direito internacional privado.”

9

Cf. BEVILÁQUA, Clóvis. Princípios elementares de direito internacional privado 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938, § 1º, p. 15 ss.

10

Trata-se da noção de Savigny, também revisitada por Clóvis Beviláqua, de “comunhão do direito”, na qual o Direito Internacional Privado encontra sua razão de ser. A disciplina, na medida em que expressa normas e princípios que regulam a “vida internacional das pessoas”, reconhece a liberdade dos indivíduos de estabelecer atividades e negócios em nível transnacional (e. g., os contratos internacionais, as famílias transfronteiriças, a sucessão internacional, o gerenciamento do patrimônio em nível transfronteiriço etc.) e os limites dessa liberdade aos valores dos ordenamentos jurídicos dos Estados (a ordem pública, as regras imperativas). Sobre isso, ver ainda STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, p. 33-34.

11

ASSER, T. Éléments de droit international privé (1884).

12

A esse respeito, cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed., cit. (nota 7 supra), p. 37 (assim mencionando: “A existência possível de situações incertas de direito individual, diante do direito coletivo, do indivíduo diante da coletividade, fruto ingrato, porém inevitável da variada e múltipla legislação universal, dos inúmeros e diversos critérios doutrinários, explica a razão de ser do direito internacional privado, da mesma forma que seu fim se exprime na necessidade de estudar, resolver e evitar essas situações incertas, corrigindo-as ou amoldando-as na conformidade com regras emanadas do direito”).

13

Ver BEVILÁQUA, Clóvis. Princípios elementares de direito internacional privado, p. 18 (“Surgiu dahi o direito internacional privado, que é um direito reflectindo esse fenômeno social da mais elevada importância, quer sob o ponto de vista econômico, quer do ponto de vista ethnico: a expansão da vida humana além das fronteiras nacionaes”).

14

Sobre tal noção, cf. BEVILÁQUA, Clóvis. Princípios elementares de direito internacional privado, cit. (nota 9 supra), p. 18; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed., cit. (nota 7 supra), p. 32-33.

15

Direito internacional privado. 5. ed., cit. (nota supra), p. 53.

16

Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit. (nota supra), p. 37.

17

BOGGIANO, Antonio. Derecho internacional privado.

18

Criticamente, cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, cit. (nota 7 supra), p. 38.

19

Principles of private international law. New York; London; Toronto: Oxford Univ.

Press, 1943, p. 7. 20

NUSSBAUM, Arthur. Principles of private international law, cit. (nota supra), p. 9.

21

FERNANDEZ ROSAS, José C.; SÁNCHEZ LORENZO, Sixto. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 39 ss; ver ainda GARCIA VELASCO, Ignácio. Derecho internacional privado: reflexiones introductórias. Salamanca: Libraria Cervantes, 1994, p. 21.

22

Cf., por exemplo, a abordagem de DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 3 (assim observando: “Entendemos que o estudo das relações jurídicas do homem na sua dimensão internacional, na defesa de seus direitos no plano internacional, na defesa de seus direitos no plano extraterritorial, abrange o exame de sua nacionalidade, o estudo de seus direitos como estrangeiro, as jurisdições a que poderá recorrer e às quais poderá ser chamado, o reconhecimento das sentenças proferidas no exterior, assim como as leis que lhe serão aplicadas”).

23

“Escolha do direito” (tradução livre da autora).

24

ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, 1925, p. 337.

25

Por exemplo, no caso brasileiro o predomínio da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942 que contém em seu art. 6º autênticas normas de direito internacional privado. Em recente tendência, a Lei Italiana de Reforma do Direito Internacional Privado de 1995 consolida uma codificação especial de direito internacional privado. Veja, neste livro, o Capítulo 3, dedicado às fontes do DIPr.

26

Cf. especialmente o prefácio de sua obra Direito internacional privado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. IX-X.

27

Direito internacional privado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 59.

28

Vide, dentre outros, STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 53 (“O direito internacional privado tem como objeto básico a solução dos problemas de conflitos de leis no espaço, ou seja, a finalidade do direito internacional privado enquanto ciência é sistematizar as regras destinadas a resolver os problemas onde mais de uma lei, em virtude de alguns de seus elementos é potencialmente capaz de ser aplicada à relação

concreta. Compete ao direito internacional privado, no caso de uma colisão de leis no espaço, determinar a lei aplicável ao caso”). 29

“Repondo as coisas em seus lugares, o que se deve dizer é que o objeto do direito internacional privado é única e exclusivamente organizar direito adequado à apreciação dos fatos anormais, ou fatos em relação com duas ou mais jurisdições, sejam pertinentes ao fórum, ou ocorridos no estrangeiro. Compreende-se que, no programa do curso acadêmico, incluam alguns professores a nacionalidade e o domicílio, por certo ponto de vista, e a condição jurídica dos estrangeiros, como posições preliminares a ilustrar o estudo da disciplina; e a execução de sentenças estrangeiras e a competência geral, como exposições complementares desse mesmo estudo; mas é preciso ficar bem claro que nenhuma dessas matérias faz parte do objeto do direito internacional privado; seja este tido como direito verdadeiro, ou como simples técnica de aplicação do direito. Vale dizer: como recordação de assuntos conexos, é admissível a inclusão de tais matérias no programa do curso, mas é inadmissível incluí-las na esfera do direito internacional privado, como objeto deste” (p. 41).

30

Cf. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 53, assim observando: “É pressuposto necessário para que possa haver problema de direito internacional privado, que a ordem jurídica do Estado considerado admita, ao menos em tese, a aplicabilidade da lei estrangeira por seus tribunais em seu território. Nos países que adotam a estrita territorialidade não há problemas de direito internacional privado, não há conflitos. Se surge um conflito, esse problema se resolve com um recurso de direito desse país. Não há problema de direito internacional privado.”

31

Sobre isso, ver opinião de DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral, cit. (nota 22 supra), p. 5: “Ocorrem, todavia, hipóteses em que o aplicador da lei deverá decidir se se trata de caso regido pela lei de um ou de outro sistema. Estará o Juiz diante da ‘concorrência’ ou do ‘concurso’ de duas leis diferentes sobre a mesma questão jurídica. E à ciência do ‘conflito das leis’ cabe orientar sobre a escolha a ser feita entre as duas normas concorrentes.”

32

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral, cit. (nota 22 supra p. 3, referindo--se à atuação do direito internacional privado em outros campos do direito público, tais como em questões fiscais, financeiras, monetáriocambiais, penais e administrativas que assumem aspectos internacionais.

33

A esse respeito, ver os importantes relatos de GARCIA VELASCO, Ignácio. Derecho internacional privado: reflexiones introductórias, cit. (nota 21 supra), p. 17-18, acerca das reuniões europeias que discutiam temas de direito internacional privado nas últimas décadas, e as releituras de P. Vischer sobre a insuficiência do direito internacional público e privado na Europa, especialmente no Pós-Segunda Guerra, quando muitas das discussões pretendiam reduzir essas disciplinas à roupagem hipócrita de autorregulação e sem perspectiva de cientificidade para o presente.

34

Cf. GARCIA VELASCO, Ignácio. Derecho internacional privado: reflexiones introductórias, cit. (nota supra), p. 21.

35

A reflexão sobre os papéis do DIPr pode também ser identificada com os problemas advindos da reordenação dos espaços econômicos no globo e com o surgimento de novas formas de organização nas sociedades. A esse respeito, ver importante estudo de J. E. Faria. Direito na economia globalizada, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 35 ss, idem As transformações do direito, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 22, v. 6, 1998, p. 231 ss, a respeito dos fatores de expansão de tecnologia de informação, redes internacionais de comercialização de bens e serviços, intercruzamento de novos centros de poder e as dificuldades evidentes encontradas pelo direito para disciplinar relações surgidas no espaço dos Estados sem correspondentes nas instituições jurídicas formais. Isso aconteceria, por exemplo, especialmente em relação à ordem dos contratos internacionais, conglomerados financeiros, movimentos de pessoas em espaços comuns, dentre vários aspectos que dizem respeito às situações de trânsito na ordem internacional dos mercados e do relacionamento dos países.

36

In Tulane Law Review, v. 82, May 2008, nº 5, p. 1607-1644.

37

Cf. Fernandez Rosas, José C. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 39 ss.

38

Ver Fernandez Rosas, José C. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 39.

39

Fernandez Rosas, José C. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 40.

40

Gonzáles Campos, J. D.; Fernandez Rosas, José C. Derecho internacional privado español, 2. ed. Madrid: Servicio de Publicaciónes, UCM, 1992. v. 1, p. 44 ss.

41

Exemplo disso seria o trato dos cônjuges em muitos casos submetidos às regras de conexão, especialmente naqueles em que uma determinada legislação nacional privilegia o marido/pai em relação à esposa/mãe.

42

Cf. Gonzáles Campos. J. D.; Fernandez Rosas, José C. Derecho internacional privado español, op. cit. (nota supra), p. 45.

43

Art. 5º, inciso XXIX: “A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.”

44

Art. 27.2: “Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.”

45

Art. 15.c: “Reconhece a cada indivíduo o direito de beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que seja autor.”

46

Adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966; aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto nº 591, de 6.7.1992.

47

Art. 7º da carta da ONU: “Uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado.”

48

Art. 62 (2) da Carta da ONU.

49

O Comentário Geral nº 17 foi publicado em 12 de janeiro de 2006, como documento oficial da ONU, sob o nº E/C.12/GC/17 (12 January 2006). O documento está disponível no site: .

50

Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, ONU, doc. E/C.12/CG/17, p. 15.

51

Art. 5º, § 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E A ORIGEM DOS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO

2.1

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DOS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO: A CONSTRUÇÃO DO DIPR

No direito internacional privado, talvez mais do que em qualquer outra disciplina, o estudo da história é fundamental para que se entenda a técnica de solução dos conflitos de leis no espaço hoje. Essa disciplina não é fruto da criação dos legisladores, tra le mura dos parlamentos nacionais, e sim de um longo percurso de fatos e eventos e de muitas discussões e reflexões sobre os acontecimentos da vida prática das pessoas e das empresas. Para ajudar o nosso leitor a percorrer, do hoje ao passado, o caminho da construção do direito internacional privado, isto é, da origem dos conflitos de leis e de suas soluções, talvez valesse a pena rememorar sua importância, revisitando a lição de William Shakespeare (1564-1616) em O mercador de Veneza . Em determinado momento da peça, insurge a questão da aplicação dos Estatutos de Veneza sobre o contrato de empréstimo celebrado entre Antonio (mercador) e Shylock (judeu) para levantar fundos para Bassânio (nobre) se casar com Pórcia (herdeira do ducado de Belmonte): uma libra de carne fresca/pagamento da letra (legalidade da cláusula penal no contrato). O que deveria prevalecer: os Estatutos de Veneza ou as regras previstas pelas partes no contrato celebrado? Se não bastasse, recordemos a passagem em que o jurisconsulto (Pórcia – disfarçada de advogado Baltasar) encontra os fundamentos para a sentença final: “Está previsto nas leis de Veneza que se for provado, em relação a um estrangeiro que direta ou indiretamente tentar tirar a vida de um

cidadão, a parte contra a qual aquele tentar poderá reter metade de seus bens e a outra metade irá para os cofres da cidade; a vida do ofensor repousará na misericórdia do Duque, por sua decisão, contra qualquer outra voz” (ato IV, cena 1).1 Como se vê, os conflitos de leis sempre estiveram muito próximos do nosso leitor, ainda que ele não tenha se dado conta, porque os eventos talvez não fizessem sentido estudados isoladamente. Assim, nossa missão nas páginas seguintes é levar o leitor a percorrer a história dos conflitos de leis no espaço de forma consistente, racional e serena. 2.1.1

Fase pré-doutrinária

Na Antiguidade e na Idade Média, a reflexão jurídica sobre a resolução dos conflitos de leis foi embrionária – quase inexistente. Predominaram os sistemas da personalidade e territorialidade das leis. Na Roma Antiga não havia regras de direito internacional privado como conhecemos hoje, mas o direito romano, por meio do ius gentium e da instituição do praetor peregrinus, teve um papel importante na gestação de soluções concretas para os conflitos de leis no espaço e na sua teoria contemporânea.2 A compreensão das origens do direito internacional privado é um pré-requisito para o entendimento das teorias mais modernas (Savigny já dizia que a compreensão e crítica corretas das práticas e princípios modernos só são possíveis após o estudo das doutrinas do direito romano).3 E, seguindo seu conselho, vejamos o que aconteceu no passado, até chegarmos aos dias de hoje. 2.1.1.1

A ordem jurídica romana

A origem do direito internacional privado não é encontrada nem nos escritos dos grandes juristas romanos, de Macius Scaevola a Modestin, tampouco no direito bizantino do século VI. O Corpus Iuris Civilis dizia quase nada sobre a aplicação da lei estrangeira. Os juristas romanos admiravam tanto sua própria lei que nunca pensaram em criar leis para a aplicação dos outros direitos por eles considerados

“inferiores”.4 Justiniano, ao se defrontar com diferentes tipos de direitos repetia que todos os povos governados por leis e costumes utilizam parte de seu próprio direito, que ele chamava de ius civile, e parte do direito comum aos homens, o ius gentium. Mas nem Justiniano, tampouco Gaius indicavam em quais circunstâncias uma corte romana ou um praeses provinciae aplicariam aquele direito estrangeiro, nem explicavam se o ius gentium era usado apenas para preencher as lacunas do ius civile estrangeiro ou se, inversamente, o primeiro direito é o ius gentium e o ius civile é apenas suplementar.5 O Corpus Iuris nada refere sobre a determinação da lei aplicável. No Digesto não há referência ao “direito consuetudinário”, mas apenas a costumes fáticos, usos locais que o juiz considerava para preencher as lacunas nos contratos e na definição e objetivação das vontades. Ainda no Digesto, é dito que se um pedaço de terra foi vendido, a questão sobre qual e como o vendedor deve cavere pro eviccione deve ser respondida conforme o costume do local onde o contrato fora celebrado, mas nada a ver com lex loci citus ou situs. Nas fontes, que não os livros de direito romano, parece que, em certas questões, como casamento, guarda, patria potesta, herança, a lex originis da pessoa em questão era aplicada nas cortes romanas. Mas esta prática não é mencionada pelos renomados juristas romanos. Talvez este silêncio se deva ao fato de que o direito internacional privado – que estabelece quando se deve aplicar o direito estrangeiro – exige uma atmosfera de igualdade assim como o pensamento jurídico das Cidades-Estados italianas que vão aparecer a partir do século XII em diante.6 Não surpreende que as regras de direito internacional privado não se desenvolveram nesse sistema. Para os romanos não havia “conflito entre leis” – o universalismo romano exigia a integração de outro território como parte do império, e não o respeito mútuo por pessoas diferentes e seus respectivos sistemas jurídicos. O direito romano era unitário, absoluto, universal, sendo impossível que a justiça se realizasse por meio da aplicação de um ordenamento jurídico estrangeiro. A teoria romana de ordem internacional era simplesmente a universalização do sistema romano

– a homogeneização do direito romano tornaria o direito internacional privado redundante.7 a) O desenvolvimento do ius gentium (o direito dos não cidadãos romanos) Até o final do império romano, havia uma importante forma contrária à universalidade da ordem jurídica romana: a diferença entre cidadãos e não cidadãos. O cidadão tinha maiores direitos cívicos definidos no ius civile. O ius gentium, por outro lado, foi criado para os casos envolvendo os não cidadãos. Não dependia nem envolvia instituições romanas ou a vida cívica, sendo aplicado aos estrangeiros e residentes não cidadãos. Assim, seu desenvolvimento resultou numa vasta gama de fontes internacionais. Isso indicou os problemas de resolução de origens múltiplas de direito não pela escolha entre eles, mas os “misturando”. Com o passar do tempo, direcionado por imperativos de economia prática, o ius gentium se expandiu para se tornar um sistema de direito mais flexível e sofisticado do que o ius civile.8 Não se sabe ao certo quando o ius civile foi concebido como um sistema de direito natural, refletindo princípios de uma ordem jurídica natural universal. Indícios revelam que ele deve ter sido adotado como uma estratégia para legitimar sua aplicação aos não cidadãos, ou deve ter sido uma consequência de sua origem de associação de uma gama de sistemas jurídicos. O ius civile passou a ter conotação de universalidade e descrição não de invenção romana, mas de direito que, “por razões naturais, se estabelece entre os homens”, refletindo o triunfo da filosofia estoica do direito romano. Um sistema de direito romano privado aplicado aos não cidadãos, e não um sistema de direito internacional, referindo ao conceito de sistema universal de direito natural, com enorme influência no desenvolvimento do direito internacional.9 b) Do século VI ao XI – o domínio da lei pessoal de origem: a personalidade das leis O colapso gradual do império romano correspondeu ao crescimento da importância das comunidades étnicas e tribais. Fronteiras físicas entre pessoas diferentes eram fluidas e não importantes – não havia nenhum mapa territorial da Europa correspondendo a divisões sociais (com exceção ao império franco). Esse

sistema de organização social refletia-se num sistema de ordem jurídica, no qual a lei aplicável a uma disputa era determinada pelo “direito pessoal” das partes, e não de acordo com regras de competência.10 Era o sistema chamado de “personalidade das leis”. Nenhuma regra de direito internacional privado foi desenvolvida pelos bárbaros. O direito aplicado era o da origem, ainda que para um estrangeiro. E isso se tornou um princípio universal. Em países de população mista, como a Itália, a lei aplicada a instrumentos contratuais era definida pelo costume.11 O próprio juiz perguntava às partes: “Qual é a lei aplicada onde tu vives”. Às vezes, as partes tinham a possibilidade de escolher não só a lei de onde elas viviam, mas também a que gostariam que fosse aplicada. Este é o primeiro desvio do princípio da lex originis, e o primeiro exemplo de escolha da lei pelas partes. No império franco, as ordenanças promulgadas pelo rei (Capitularia) tinham característica territorial, e não pessoal.12 A partir do século X, pelo menos na França e Alemanha, as antigas leis “pessoais” dos vários povos caíram no esquecimento, e foram substituídas pela lei do Estado.13 Antes do desenvolvimento do direito internacional privado, as antigas Cidades-Estados mantinham suas leis limitadas aos assuntos locais do principado ou cidade; mas não se sabe se esta limitação refletia uma posição teórica (sobre a divisão apropriada de competência legal), ou limitações práticas de imposição/aplicação. A ideia de direito como atributo pessoal dominou o período entre a queda do império romano e o Renascimento.14 c) A territorialidade das leis No Renascimento, grandes cidades transformaram-se em Cidades-Estados, delimitando seus territórios com muros, tornando-se, paulatinamente, centros de poder e influência, com poder exercido por príncipes locais. Alguns ramos do direito, como o comercial e o romano, eram adotados uniformemente em várias Cidades-Estados, ora devido a diferentes interpretações do direito romano, ora por ações legislativas

de soberanos locais, mas certamente a aplicação do direito territorial correspondeu à adoção dos territórios das Cidades-Estados como uma organização social na Europa. Dessa forma, gradativamente, o direito se diferenciava de cidade em cidade, refletindo as características únicas de cada cidade e de seus líderes. Muito embora a origem comum destas cidades fosse a teoria de direito natural baseada na reinterpretação do direito romano, havia, sem dúvida, um crescimento compensatório das diferenças locais e territoriais. 2.1.2

Fase doutrinária (os séculos XIII-XIX)

O desenvolvimento de trocas comerciais fez aumentar os conflitos de leis no espaço e coincide com o nascimento do direito internacional privado como nós o conhecemos hoje. Aprofundemos a análise. 2.1.2.1

Conflitos entre o direito territorial/nacional e o direito estrangeiro

As variações de sistemas jurídicos entre as Cidades-Estados levaram a outro tipo de conflito mais importante. Inicialmente, cada Cidade-Estado aplicava sua própria lei. Mas a expansão do comércio entre a Europa e Oriente Médio levou à geração de conflitos, tendo em vista a existência de elementos estrangeiros nas relações jurídicas que se estabeleciam. A diversidade de sistemas jurídicos convivia com o respeito mútuo entre os diferentes Estados e cidades. Se uma disputa envolvesse uma Cidade-Estado estrangeira, cujo sistema jurídico era diferente, qual sistema deveria ser aplicado para resolver o conflito? O direito internacional privado vai surgir para resolver esse problema.15 2.1.2.2

Conflitos entre o direito pessoal e o direito territorial – as escolas estatutárias

Duas eram as formas de organização social refletidas em duas ideias influentes sobre o direito: (1) o direito pessoal (estatuto pessoal), isto é, a lei deve ser associada com um indivíduo em virtude de ser membro de uma tribo ou grupo nacional; (2) o direito territorial (estatuto real) – a lei deve ser associada a determinada região ou território, refletindo a crescente influência dos centros de

poder localizados e regionalizados. O sistema de organização social dominante refletia equilíbrio e tensão entre essas duas ideias. Com o crescimento da diversidade de ordenamentos jurídicos, cresceu a necessidade de conciliar a concorrência entre esses ordenamentos. O movimento estatutário, que deu origem às escolas estatutárias, emergiu como uma resposta a esse problema.16 Essa tradição era complexa, mas a ideia era a de que cada regra de direito pertencia “naturalmente” ou à lei pessoal, ou à territorial. Se a lei é pessoal, acompanha a pessoa e é aplicada mesmo fora do território da autoridade estatutária. Se a lei é territorial, dependerá da “terra”, e é aplicada apenas dentro do território da autoridade estatutária. A corte, ao deparar com elementos estrangeiros em uma relação jurídica, deve então determinar e aplicar a lei tendo em vista a personalidade das partes (direito pessoal das partes), ou o território em que se encontram.17 O movimento estatutário apontava o conflito entre sistemas jurídicos, entre direito territorial e estrangeiro, pela tentativa de desenvolver um direito analítico, de princípios, “natural”, de determinar qual lei tinha efeito extraterritorial (e em que circunstâncias), e quais leis eram territoriais na sua aplicação. Começa a ser esboçada uma concepção de direito internacional privado como parte de um sistema jurídico internacional e universal. Na verdade, adotando a divisão entre direito pessoal e territorial, o movimento estatuário permitiu seguir e refletir o desenvolvimento da ordem política, econômica e social da época – a divisão do mundo em povos e territórios definidos.18 Mas a “naturalidade” para essa escola medieval era apenas aparente. A divisão dos estatutos em duas categorias tornou-se rapidamente problemática, e uma terceira categoria foi inventada, a de “estatutos mistos”: como uma terceira categoria, ou uma que simplesmente contivesse aqueles estatutos que não pudessem ser classificados como reais ou pessoais. A dificuldade de classificar estatutos refletia continuados problemas pragmáticos e políticos de equilibrar os interesses e reclamações de sistemas jurídicos locais e estrangeiros. A dependência deste movimento na interpretação de estatutos igualmente o deixou vulnerável a críticas de que teria feito a distinção baseada na forma e não na substância das leis, refletindo assim uma

decisão política.19 2.1.2.2.1 Os estatutários – o começo: o Mestre Aldricus O direito das Cidades-Estados do norte da Itália (Gênova, Pisa, Milão, Bolonha, Veneza, Florença, Parma, Siena e outras) estava contido em “estatutos”. 20 A statutum era uma redeclaração das antigas leis consuetudinárias das cidades e suas comunidades comerciais, embora muitas tivessem regras novas. As trocas comerciais entre as cidades italianas, e entre Itália e Síria, Arábia, Espanha, sul da França, exigiram leis que determinassem a escolha do sistema jurídico aplicável. A princípio, os juízes aplicavam o direito de seus próprios países. Os tratados concluídos entre as cidades não referiam temas sobre a escolha da lei, e o problema da época era saber qual juiz tinha jurisdição. Os problemas de direito internacional privado foram surgindo aos poucos. O magistrado Aldricus teria sido o primeiro a trazer esse problema, no final do século XII, quando sustentou que o juiz deveria aplicar o direito que parecesse melhor e mais justo ao caso concreto, portior et utilior; debet enim iudicare secundum quod melius ei visum fuerit. Essa afirmação, contudo, deixou dúvidas se o direito melhor e mais útil seria o que mais tivesse conexão com o objeto do litígio, ou se referia à qualidade da lei em si, o que parece ser mais provável.21 Um princípio de direito internacional privado pelo menos parece ter sido desenvolvido no início do século XIII: a regra segundo a qual as leis impostas pelo príncipe ou cidade são vinculantes apenas quando o objeto de discussão se circunscreve aos limites daquela cidade ou está relacionado aos súditos submetidos àquele príncipe: Imperator non imposuit legem nisi suis subditis. Subditos tantum ligat consuetudo cuisque civitatis. Na mesma época, uma das mais essenciais distinções de direito internacional privado começou a ser desenhada entre o direito substantivo e o direito de procedimento. As questões de procedimento eram decididas conforme a lei do foro (lex fori), e as de substância, de acordo com a lei onde, por exemplo, o contrato foi celebrado (ubi contractum est – a regra do lex loci actus foi em parte derivada do Digesto 21.2.6). Essa distinção (inaugurada por Jacobus Balduini) não era aceita pelos escritores italianos da época, mas por juristas

franceses como Jaime de Révigny (1296) e Pedro de Belleperche (1308), o que contribuiu para a final aceitação na Itália. O surgimento do lex regit actum foi então adotado pelo resto do mundo. A regra não era mais restrita a questões de foro, como é agora em muitos países; governava também as condições substantivas para a validade de qualquer ato e seus efeitos. A regra mais estreita locus regit formam actus parece ter origem francesa. Outra regra tem a ver com a propriedade. Isto é, a lex situs, primeiramente aplicada para móveis e imóveis que, por sua origem, pertencem ao território – res in territorio natae.22 2.1.2.2.2 Os pós-glosadores – Bartolo e a escola estatutária italiana (século XIV) O mais importante e festejado dos pós-glosadores foi Bartolo de Sassoferrato (1314-1357), fundador da escola estatutária italiana (século XIV). Sua célebre doutrina foi apresentada em forma de comentários à glosa Glod si bono niensis... traduzidos do latim para o inglês pelo Prof. Joseph Henry Beale, na obra Bartolus in the conflict of law, e para o português pelo Prof. Valladão e alguns de seus alunos (Conflito de leis de Bartolo). Para a grande maioria dos internacionalistas jusprivatistas, Bartolo é o pai do direito internacional privado, expressão usada pela primeira vez por Catellani (il padre del diritto internazionale privato). Segundo Amílcar de Castro, “antes de Bartolo, pertenceram à Escola Estatutária italiana Jacques de Révigny, Pierre de Belleperche e Cino di Pistoia, seu professor, e, depois de Bartolo, foram os mais célebres representantes da Escola Baldo de Ubaldis, Bartolomeu Saliceto e Charles Dumoulin”.23 Estudar e visitar as ideias e as soluções apontadas por Bartolo, bem como as questões por ele estudadas e apresentadas, é tarefa das mais gratificantes, tal a beleza de seu pensamento e a riqueza de seu espírito elevado. Certamente, conhecê-las todas seria uma tarefa extremamente penosa, daí por que, aqui, veremos apenas casos capazes de revelar a importância do seu trabalho e sua importância para o direito internacional privado moderno. Bartolo de Sassoferrato teve grande participação no destino do direito romano

na Europa. Foi ele quem revelou as potencialidades inerentes ao direito internacional privado e trouxe novas questões concernentes aos problemas individuais e ao método de solução dos casos concretos. Juristas seguiram seu método por quase cinco séculos. Ele não se perguntava qual ordenamento jurídico deveria ser aplicado, mas qual grupo de relações se enquadra em determinada regra de direito. Assim, seu ponto inicial foi agrupar as regras do direito existente em qualquer país, assim como daqueles estatutos das Cidades-Estado italianas, e não a relação jurídica existente entre as pessoas. De forma semelhante na França, Holanda e Alemanha, Bartolo tentou classificar os inúmeros costumes provincianos e locais. Foi proposta uma distinção entre os estatutos – regras estatutárias e consuetudinárias – concernentes a pessoas (statuta personalia) e as concernentes às coisas (statuta realia).24 Os estatutos pessoais cuidavam do status jurídico das pessoas com domicílio ou origem no país onde o estatuto vigorava. Os estatutos reais se referiam aos direitos relacionados a imóveis situados naquele país. Com relação aos móveis, era comum aceitar-se uma prática consubstanciada na Bretanha no início do século XIV. Assim, os estatutos relacionados a móveis em qualquer país eram aplicados a todos os móveis ou posse relacionada àquele país. Bartolo melhorou a teoria instituindo um terceiro grupo de regras, referente à forma de contratos e de seus efeitos imediatos e naturais. Essas regras, logo chamadas de statuta mixta, aplicadas a todos os contratos concluídos no país em que o estatuto vigorava, enquanto regras sobre os efeitos da quebra dos contratos, eram aplicadas para todos os contratos a serem feitos no país do estatuto. À ideia de statuta mixta, entretanto, faltava precisão, e posteriormente passou a ser usada para pessoas e coisas.25 Um dos primeiros questionamentos deste inolvidável mestre sobre os estatutos era: (a) O estatuto de um município, dentro do seu território, pode ser aplicado, e valer, a pessoas provenientes de outros municípios? (b) Pode o estatuto de um município estender-se e produzir efeitos além do território onde deve valer? Para responder a estas indagações, o jurista em estudo pondera que todo estatuto é feito para os súditos de determinada jurisdição e toda aplicação de estatuto territorial a pessoa de outra jurisdição é extensão do estatuto. Determinado isso,

apresenta a possibilidade – aprofundando-a e propondo solução – de um contrato celebrado em um território, mas cuja controvérsia se apresenta em outro lugar. Para solucionar a questão, começa formulando o seguinte raciocínio: primeiro, há que se distinguir a forma do fundo, tanto do contrato como do litígio, pois só assim se chegará à conclusão de que a forma do contrato deve ser regulada pelo estatuto do lugar onde foi celebrado, e a forma do processo deverá sê-lo pelo ius fori; quanto ao fundo, apresenta uma nova subdistinção entre o que considera consequências previsíveis (naturais) ao tempo da celebração do contrato e consequências imprevisíveis (supervenientes) quando da sua celebração, e conclui: as primeiras (previsíveis) ficam sujeitas às regras do lugar onde o contrato foi celebrado, e as últimas (imprevisíveis), pelo direito do local onde deva o contrato ser executado. Bartolo também se preocupou com a questão do testamento, e imaginou a possibilidade de um estrangeiro fazê-lo em Veneza, dispondo sobre bens que se encontram em outro lugar, e, distinguindo a forma do fundo, aporta à conclusão de que a forma do testamento deveria ser a do estatuto de Veneza, ou seja, proclama o princípio do locus regit actum; já o fundo deveria ser apreciado pelo estatuto da cidade a que pertencesse o estrangeiro. Quanto aos bens imóveis, afirma que deveriam regular-se pelo direito do lugar onde estão situados (lex rei sitae). Bartolo e seus seguidores, da mesma forma que os glosadores, discutiam os problemas de direito internacional privado fazendo referência a passagens do Corpus Iuris Civilis e ao Codex. Esse conservadorismo está de acordo com o modo jurídico típico no qual a teoria dos estatutos estava envolvida: embora tudo o que os italianos expuseram fosse novo e nada derivado do direito romano, ainda assim, eles fizeram de conta que apenas derivavam as regras que existiam no Corpus Iuris. Todas as suas ideias tinham que ser apoiadas por passagens do Codex, Digesto ou Corpus Iuris Canonici, que em nada serviram para melhorar a sua teoria. Poder-se-iam enumerar muitas outras questões formuladas por este mestre, inclusive aquela que ficou famosa – a chamada questão inglesa, objeto de muitas críticas – que versava sobre se o estatuto inglês, que dava toda a herança ao primogênito, podia ser aplicado aos bens localizados em solo italiano, onde, sabe-se,

a partilha se fazia em igualdade de quinhões entre os herdeiros. Respondendo, Bartolo ponderou que se faz imprescindível examinar com cuidado os termos do estatuto. Se estes dizem que os bens do falecido transmitem-se ao primogênito (bona veniant ad primogenitum), julgaria, para todos os bens, de acordo com o estatuto do lugar onde se encontrem localizados, posto que o estatuto leva em consideração as próprias coisas (quia ius afficit res ipsas), sejam estas de propriedade de cidadão, ou mesmo de estrangeiro. Se, por outro lado, o estatuto dispõe levando em consideração as pessoas, dizendo, por exemplo, que o primogênito sucede sozinho (primogenitus succedat), então se deve fazer a distinção, conforme seja o falecido inglês ou não. Se não o for, mas na Inglaterra tiver propriedades, o estatuto deste país não o atingirá, pois as disposições referentes às pessoas não se estendem aos estrangeiros. Se, entretanto, ele for inglês, seu filho primogênito recolherá os bens situados na Inglaterra, e quanto aos outros, localizados em solo que não o inglês, terão direitos atribuídos apenas pelo direito comum. Do que se conclui, de acordo com o pensamento de Bartolo, que o que importa é se a disposição é feita com relação à coisa ou em relação à pessoa.26 O modo como Bartolo pretendeu solucionar a “questão inglesa” foi objeto de severa crítica por parte de Clóvis Beviláqua.27 2.1.2.2.3 D’Argentré e a escola estatutária francesa (século XVI) No século XVI, foram os franceses que desenvolveram a teoria estatutária italiana, com Charles Dumoulin (Maulinaeus), o primeiro responsável pela doutrina à qual as partes contratantes poderiam escolher a lei a ser aplicada em seu acordo.28 A escola estatutária francesa teve duas fases, a do século XVI e a do século XVIII. Seu fundador e expoente máximo foi Bertrand D’Argentré (1519-1590), que, ao comentar o estatuto bretão, apresentou sua nova teoria a respeito da suposta collisio statutorum. A bem da verdade, as ideias deste jurista estavam arraigadas no sistema feudal, daí por que não foram aceitas de imediato pelos franceses; D’Argentré dirigiu-se, então, para a Alemanha e Países Baixos, e sua teoria só foi retomada no século XVIII pelos juristas franceses (por isso afirmávamos que dita escola teve duas

fases). D’Argentré, ao mesmo tempo em que preservava o legado dos estatutários, ignorava deliberadamente os italianos. Para ele, sempre que houvesse dúvida se uma regra estatutária teria caráter “real” ou “pessoal”, dever-se-ia preferir a sua qualificação como “real”. Entendia que o estatuto pessoal estava relacionado apenas ao status ou à capacidade das pessoas (ele não discutia contratos nem delitos). Ele deixou também importante contribuição para a revisão da doutrina da “sucessão universal” desenvolvida pelo Direito Romano, segundo a qual a sucessão é governanda, em todos os seus aspectos, por uma única lei, isto é, pela lei de um único país. D’Argentré, ao questionar a doutrina da “sucessão universal”, defendia que se o falecido deixasse bens imóveis em vários países, o direito de cada um destes países deveria ser aplicado respectivamente a cada imóvel lá situado. Da mesma forma, a lei aplicável à capacidade dos herdeiros deveria ser aquela que governasse o seu respectivo estatuto pessoal e não a regra da “sucessão universal”. Esta revisão feita por D’Argentré, na doutrina da “sucessão universal”, foi depois seguida na França, por outros juristas, assim como na Bélgica e Áustria.29 Assim, D’Argentré, rompendo com a escola italiana, por discordar de seus jurisconsultos, apresenta suas ideias estatutárias mantendo a distinção entre estatuto real (referente às coisas) e estatuto pessoal (concernente às pessoas), propondo algo de novo e significante – a relação íntima entre real e territorial, pessoal e extraterritorial. 2.1.2.2.4 Ulric Huber e a escola estatutária holandesa (século XVII) A unificação da Holanda em 1579 influenciou o desenvolvimento da teoria de Grócio sobre a soberania dos Estados e do direito internacional. Na Holanda do século XVII, reinavam o princípio unificador (o impulso em direção à unidade nacional) e o senso de ordem interestatal e ambos impulsionaram o desenvolvimento do direito internacional privado para além da Holanda, atingindo, até mesmo, a Itália e a França. Portanto, não surpreende que este fosse o estágio em que a teoria de direito internacional privado surgiria para ficar.30

A escola estatutária holandesa foi fundada por Christian Rodenburg (16181668). Conforme registrávamos acima, as ideias de D’Argentré, contaminadas pelos princípios reinantes no feudalismo, não impressionaram desde logo os franceses, indo encontrar guarida nos Países Baixos, por meio de defensores fervorosos, como Nicolaus Burgundus, seu discípulo. Os autores holandeses modificaram a doutrina de D’Argentré reforçando o conceito de soberania. Apesar de muitos outros autores, como Nicolaus Burgundus (1649), Christian Rodenburg (1668) e Paul Voet (1677), dois em particular ajudaram a desenvolver a nova doutrina: o “Frisian” Ulric Huber (1636-1694) e Paul e John Voet (1647-1714).31 Ao nos referirmos à escola holandesa, ainda que em largos traços, devemos fazer alusão a um de seus juristas mais memoráveis, Ulric Huber (1636-1694), cuja doutrina se encontra exposta no capítulo intitulado De conflictu legum diversarum in diversis imperiis, parte integrante de sua obra Praelectionum juris civilis... (registramos que este capítulo se encontra traduzido para o português, num trabalho magnífico do Prof. Valladão). Huber,32 em seu pequeno artigo De conflictu legum diversarum in diversis imperiis, consagrou três princípios: (i) o sistema de direito de um Estado opera nos limites territoriais deste Estado e está vinculado a todas as matérias, mas não além desses limites; (ii) os assuntos de Estado são todos aqueles encontrados dentro dos limites territoriais do Estado, sejam permanentes ou temporários; (iii) a soberania dos Estados atua a partir da “cortesia” e da “reciprocidade”, isto é, o direito de um povo, após ter sido aplicado dentro dos limites de outro território (país), retém sua força, desde que não prejudique os direitos daquela soberania (país) onde foi aplicado.33 Existe uma ambiguidade fundamental nos escritos de Huber, que novamente reflete a dificuldade fundamental em caracterizar o direito internacional privado tanto como parte do direito internacional quanto do direito nacional. Huber argumentou que essas regras não eram apenas implicações lógicas de soberania, mas derivavam também das necessidades do comércio internacional, refletiam a prática geral internacional e eram aceitas e baseadas no “consentimento tácito” das nações. Sabe-

se que Grócio também se referiu a essas regras como parte do ius gentium, com suas implicações de Direito Romano e de direito natural universal. Entretanto, ao mesmo tempo em que Huber emprega o termo conflito de leis, em clara iniciativa em prol do direito internacional privado, também defende as bases do movimento pela soberania territorial do Estado. Sua terceira regra, vista acima, caracteriza a aplicação do direito estrangeiro em um Estado como um ato de vontade do Estado, baseada no consentimento, adotado como uma questão de conveniência ou cortesia. Esse é mais um ponto importante em direção ao direito internacional privado. Muitos dos escritos de Huber apoiam a visão de que suas regras deviam ser partes do direito internacional universal, e assim não discricionário. Todavia, o conteúdo dessa terceira regra, que se sedimenta na cortesia, traz o exercício discricionário da vontade central do Estado para o direito internacional privado.34 Em outras palavras, os primeiros dois princípios incorporam a teoria da territorialidade pura, de acordo com o direito estrito – todas as regras jurídicas são aplicáveis apenas no país em que vigoram. Pelo terceiro princípio, vê-se que um efeito extraterritorial pode ser obtido a partir da aplicação da comitas gentium. Ainda, defende esta escola a absoluta territorialidade dos estatutos (ideia inicial dos holandeses, que anotaram as contradições da teoria de D’Argentré), e só por absoluta “necessidade de ordem prática” alguns devem ser observados fora do território que lhes é próprio (ideia de Rodenburg ao abordar o princípio do territorialismo absoluto dos estatutos). Vimos que o valor inestimável de Ulric Huber repousa no fato de que ele foi o primeiro dentre os estatutários que, deixando os fatos interprovinciais, passou a estudar com muita devoção os fatos internacionais, resumindo a base da escola holandesa em três célebres axiomas, que vale a pena novamente mencionar: “Primeiro: o direito de cada Estado reina nos limites de seu território e rege todos os seus súditos, mas além não tem nenhuma força. Segundo: devem ser considerados como súditos de um Estado todos aqueles que se encontram nos limites de seu território, quer estejam aí

fixados de maneira definitiva, quer não tenham aí senão estadia temporária. Terceiro: os governantes, por cortesia (‘id comiter agunt’), procedem de modo que o direito objetivo de cada povo, depois de ter sido aplicado nos limites de seu território, conserve seu efeito em toda a parte, contanto que nem os Estados estrangeiros, nem seus súditos, não sejam de modo algum prejudicados, em seu poder, ou em seu direito subjetivo.”35 As críticas mais severas que se insurgem contra a escola holandesa versam sobre o sentido da palavra cortesia (comitas). Afirma Pierre Arminjon que “os estatutários e seus sucessores da primeira metade do século XIX não supunham, a não ser excepcionalmente, que ao elaborarem regras destinadas a resolver os casos mistos regulavam relações entre os Estados. O sentimento introduzido pelos Estatutários Holandeses do século XVII, por meio do nome de cortesia internacional, princípio da territorialidade dos costumes, que é a base teórica de suas doutrinas, não objetivava delimitar soberanias, nem impor obrigações recíprocas aos Estados, que, para a maior parte dos autores contemporâneos, é o objeto do Direito Internacional Privado”.36 Outros dois juristas são também importantes na marcha em direção à construção do direito internacional privado holandês: Paul e John Voet. Ambos aceitavam o movimento estatutário, mas sob a influência do conceito de soberania territorial, porque, como o Estado possui controle territorial de suas cortes, poderia desistir voluntariamente de exercitar sua jurisdição ou aplicar seu direito em um caso com conexões estrangeiras. Contudo, consideravam essa restrição (ou possibilidade) do Estado como uma questão de comity, que foi adotado como um princípio da interpretação da escola estatutária holandesa. O conceito ambíguo de “cortesia”, que foi mais tarde classicamente qualificado como “nem uma questão de obrigação absoluta, tampouco de mera boa vontade e boa-fé”, incorpora a dificuldade e mesmo

a artificialidade de caracterizar o direito internacional privado na divisão positivista37 entre o direito nacional e o internacional. É uma mistura de elementos internacionais (obrigatórios) e nacionais (discricionários). Enfatizando a perspectiva nacional, os Voet argumentavam que o juiz deveria aplicar apenas a lei de seu próprio Estado, ao menos que o Estado tivesse dado autoridade para o contrário. Embora os princípios dos Voet pretendessem ser universais, suas ideias deram início ao declínio do universalismo do direito internacional privado.38 John Voet destacou que o princípio da territorialidade das leis é aplicado ainda que, na terminologia tradicional, o estatuto não seja “real”, mas “pessoal” ou “misto”.39 À primeira vista, isso parecia ser um retrocesso à ideia de Aldricus. Entretanto, o que a escola holandesa pretendia era estabelecer a lei aplicável em caso de conflito de leis. Segundo essa escola, todo Estado é livre para resolver seus conflitos de leis, podendo instruir os juízes de seus territórios a não aplicar direito estrangeiro, ou quando aplicar. A liberdade de escolha do Estado não é prejudicada pelo princípio da soberania. Nenhum Estado, pela doutrina holandesa, fará uso da soberania para escolher o direito a ser aplicado arbitrariamente. O pensamento jurídico do século XVIII – de todos os países – seguia essa doutrina: “todo direito internacional privado é direito nacional; e é a soberania de cada Estado que determina sob quais condições seus juízes devem aplicar leis estrangeiras, e não existem regras de direito internacional público que o obrigam a esse respeito”. O conceito de cortesia – comitas ou comitas gentium –, que atualmente significa também conduta benevolente baseada na reciprocidade, era usado pelos holandeses para designar os atos de uma legislatura não vinculada a ordens superiores de soberania. A comitas era idêntica à ratio legis, com equidade e utilidade, e oposto a algo incongruum et iniquum.40 Temos, por conseguinte, que a expressão cortesia, empregada pelos estatutários holandeses, não significa respeito a Estado ou governo estrangeiro. Por outras palavras, não tem sentido de política internacional ou aquele do direito internacional público clássico, como querem afirmar muitos, mas, sim, respeito ao interesse em questão e às pessoas envolvidas no fato-objeto de apreciação, e, em nome deste

respeito, sem que isto implique o rompimento da autonomia da autoridade judicial, aplica-se direito estrangeiro quando e na medida em que este for o mais adequado e correto. 2.1.2.2.5 A escola estatutária alemã (século XVIII) A doutrina holandesa influenciou os juristas alemães dos séculos XVII e XVIII, que, sem envolver ideias fundamentalmente novas, usaram seu conhecimento de prática jurídica para avançar o tratamento dos conflitos de leis em vários aspectos.41 Max Gutzwiller nos fala em “escola alemã”, enquanto outros juristas a ela se referem apenas como “doutrina alemã”. Sem dúvida foi uma escola eclética – porque não trouxe ao cenário jurídico internacional qualquer novidade de relevo, limitando-se a repetir velhas teorias, já bastante conhecidas, apegadas à divisão dos estatutos em pessoais, reais e mistos. Conta-nos Max Gutzwiller que Heinrich Cocceji, importante jurista do século XVIII, também preocupado com os fatos interprovinciais, “foi o primeiro a apresentar, de modo quase perfeito, uma sólida base teórica às duas categorias mais importantes de Estatutos”.42 Isso, porque foi Heinrich Cocceji quem, dentro desta escola, disse que as pessoas, em razão do seu domicílio, e as coisas, pela sua localização, ficam sujeitas ao poder territorial. Também nos informa Gutzwiller que Johanes Hert, outro destacado jurista da escola alemã, foi quem apresentou de modo expressivo a teoria estatutária alemã, fazendo-o através de três regras fundamentais: “a) b) c)

o domicílio é o Estatuto Pessoal; o lugar onde a coisa se encontra é o Estatuto Real (observa-se, aqui, que não interessa o lugar onde o ato foi celebrado); o lugar da celebração do ato é o Estatuto Regulador da sua forma.”43

2.1.2.2.6 O legado das escolas estatutárias O feudalismo tornou o direito exclusivamente local. Baseava-se no princípio da

territorialidade das leis. As escolas estatutárias fizeram ressurgir o direito sobre outras bases. A partir do século XIV, até o século XVIII, estudaram os fatos mistos, buscando critérios para a sua apreciação. As quatro escolas foram estudadas acima: italiana (séc. XIV-XV); francesa (séc. XVI); holandesa (séc. XVII); e alemã (séc. XVIII). As três primeiras foram inconfundíveis, apresentando, cada uma delas, regras e soluções para os conflitos de estatutos de forma original. A última delas, entretanto, tida como eclética, limitou-se a repetir as anteriores. Mas por que foram chamadas escolas estatutárias? Fundamentalmente, porque se chamavam statuta os direitos particulares, municipais ou provinciais, das cidades ou das províncias da Europa ocidental, berço das escolas. Registra-se que os estatutos podiam ser escritos ou não. Para Étienne Bartin, os “Estatutos Municipais apresentavam caráter muito original. Não se podiam considerá-los Códigos, no sentido moderno do vocábulo, pois não tinham destes a extensão nem o objeto. Poderiam, sim, ser comparados às nossas ordenações de polícia. Continham um pouco de tudo: prescrições administrativas, disposições de direito penal e, também, um pouco de direito civil e comercial.”44 Os estatutos não se confundiam, portanto, com a lei, pois esta “compreendia disposições de interesse geral, aplicáveis em toda a extensão da jurisdição, isto é, como o Direito Romano e o Direito Lombardo”.45 A teoria dos estatutos baseava-se, a princípio, numa divisão do direito em dois grupos fundamentais: a) b)

o referente às pessoas – estatutos pessoais; o referente às coisas – estatutos reais.

Acerca disso, afirma Rodrigo Octávio que: “As leis eram classificadas em dois grupos: as rigorosamente obrigatórias, a cuja ação estavam sujeitas as relações

jurídicas manifestadas no seu respectivo território, e formavam o Estatuto Real; e o Estatuto Pessoal era constituído por aquelas que podiam em qualquer parte ser substituídas pelas correspondentes do Estado a que pertencia o autor do direito em causa [...] O Estatuto Pessoal compreendia, pois, aquelas leis a que se atribuía EFEITOS EXTRATERRITORIAIS.”46 Mencionamos, ainda, que essas escolas, ao definirem o direito adequado à apreciação do fato misto, não levavam em consideração o fato propriamente dito, e, sim, partiam do conflito entre os estatutos. Com isso, admitiam que estes se aplicavam ao mesmo fato, ao mesmo tempo, o que equivale a dizer que somente pelo exame do próprio estatuto é que se poderia afirmar se este ou aquele devia, ou não, ser mantido fora da jurisdição onde vigorava (por isso o direito internacional privado ainda não tinha autonomia, sendo apenas um direito internacional privado científico – ou doutrinário). Segundo o Prof. Valladão, “o que determinou a eclosão frequente de conflito de leis, dos conflitos dos Estatutos entre si e com o Direito Romano, a ponto de exigir solução dos práticos, dos magistrados e juristas, a partir dos fins do século XI, intensificando--se nos séculos XII e XIII, foi o grande florescimento industrial, comercial e político das populosas cidades e comunas do norte da Itália, com os respectivos habitantes em constante intercâmbio, mas cada uma delas regendo-se por leis próprias, ‘Statuta’, ao lado dum direito positivo comum, o Direito Romano”.47 Esses acontecimentos, aqui trazidos por Valladão, serviram para que as pequenas cidades da Lombardia, que tinham leis locais (os chamados “estatutos”), determinassem, dentre estas leis (“estatutos”), quais deveriam prevalecer sobre os princípios do direito comum vigente na região (direito romano-lombardo), e quais as que deveriam submeter-se às leis nacionais dos indivíduos que ali se encontrassem. Informa-nos Le Vicomte Poullet que, dessa forma, “os Estatutos perderam o seu caráter puramente territorial, pois cada república admitia o Estatuto das repúblicas vizinhas, rompendo com a territorialidade que vigorava até então, dando origem a distinção entre leis com efeitos territoriais e extraterritoriais”.48 Assim nasce a distinção entre estatutos pessoais e reais, divisão aceita por muito

tempo, e que encontrou guarida, inclusive, no Código de Napoleão e leis posteriores de outros países, chegando aos nossos dias. Entretanto, o critério determinador da lei a ser aplicada estava, nesta época, longe de ser considerado satisfatório. Não havia uma norma discriminatória capaz de indicar com precisão e adequação a lei a ser aplicada, pois as questões se resolviam na medida em que fossem aparecendo os casos, preponderando sempre as interpretações. Para Oscar Tenório, “a elaboração do mundo moderno foi o prelúdio de exegeses legislativas que abriram caminho a uma nova disciplina, nascida no seio das universidades, como consequência da revolução político-econômica realizada no Mediterrâneo”.49 Registra-se, pois, a importância das “interpretações”, que repousavam sobre a doutrina – obra dos glosadores. Para Augusto Olympio Gomes de Castro, coube aos glosadores, cuja escola data do século XII, a glória de terem feito ressurgir o Direito Romano, que, sob o domínio dos bárbaros, atravessou um período de verdadeira hibernação.50 Francesco Paolo Contuzzi nos apresenta os glosadores como jurisconsultos, para quem o Direito Romano era o direito comum dos povos civilizados. Para solucionar os casos mistos, tomavam um texto romano e, a partir dele, apresentavam suas considerações e extraordinárias conclusões. Dessa maneira, por meio da analogia, da compilação do direito de Roma, buscavam um texto que melhor se adaptasse ao caso em análise, e, em cima deste velho texto, bordavam princípios novos, capazes de bem resolverem o caso em questão.51 Voltando a Gomes de Castro, veremos que “para os glosadores o Direito Romano constituía o direito comum, que podia ser revogado pelos costumes somente em casos muito excepcionais. Esse direito comum era o único que podia ultrapassar os limites das cidades, acompanhando a pessoa por toda a parte, sem que se levasse em consideração o lugar em que os bens estavam situados”.52 Assim, a obra dos glosadores, denominada teoria dos estatutos, não se tornou uma doutrina geral, mas certo é que dela se originou o direito internacional privado. Não resta dúvida de que, no século XIX, a teoria dos estatutos foi sendo deixada de lado, haja vista as formas incertas apresentadas como solução para os casos mistos. Registram-se, não muito tempo atrás, algumas importantes tentativas, sem

êxito, de reaquecê-las. Entretanto, apesar de as escolas estatutárias terem cedido passo às novas teorias apresentadas pelas escolas modernas, não podemos esquecer o quanto foram valiosos e inestimáveis os ensinamentos deixados e os princípios apontados, que serviram de alicerce ao direito internacional privado. Acerca disto, bem se expressa o professor português Machado Villela: “Em primeiro lugar, a teoria dos Estatutos não só deu foros de ciência ao direito internacional privado, mas fixou a solução de muitas questões das mais importantes em matéria de conflitos de leis. E, assim, deixou regras definitivas: a)

b) c) d)

e)

sobre a lei reguladora do Estado e capacidade das pessoas, atribuindo competência à lei pessoal, discutindo-se ainda se a lei pessoal deve ser a da nacionalidade ou a do domicílio, mas já se não discutindo que aqueles fatos dependem da lei pessoal; sobre a lei reguladora do ‘Regimen’ dos bens imóveis definindo a competência da Lex Rei Sitae; sobre a lei reguladora da forma externa dos atos, formulando o adágio locus regit actum, isto é, aceitando a competência da lei do lugar da celebração; sobre a lei reguladora dos efeitos voluntários dos atos jurídicos, afirmando, por obra de Demoulin, o princípio da autonomia da vontade e reconhecendo competência à lei escolhida pelos agentes dos mesmos fatos; e sobre a forma do processo, decidindo-se pela competência da lex fori.”53

Certo é que, para estudar o direito internacional privado, devemos, com os pés no presente e o olhar no futuro, voltar nosso espírito ao passado. 2.1.3

Fase das codificações

2.1.3.1

As primeiras tentativas de codificação (1756-1811) – os códigos bávaro e prussiano

A especial ênfase da escola holandesa e seus seguidores no princípio da soberania do Estado, como fonte também de todas as regras sobre conflito de leis, estimulou os legisladores continentais da metade do século XVIII a estabelecerem regras de solução de conflito de leis e as incorporarem em seus códigos de direito civil. O primeiro desses códigos foi o bávaro, o Codex Maximilianeus Bavaricus de 1756, que reproduziu alguns princípios gerais da teoria estatutária alemã. Esse código é notável porque não segue a regra de que móveis seguem as pessoas que detêm a sua posse, e a substitui pela provisão de que a lex situs deve prevalecer, “sem distinção entre imóveis e móveis, e entre bens corpóreos e incorpóreos”.54 O Código Geral Prussiano de 1794 adotou muitas regras estatutárias, mas não solucionava muitos problemas, como os relacionados à validade substancial e efeitos dos contratos. Por outro lado, aplicava o princípio res magis valeat quam pereat da seguinte forma: se uma pessoa possui dois domicílios, um deles é decisivo para a determinação da lei em que o contrato ou outro ato é válido; se uma pessoa domiciliada no estrangeiro celebra um contrato dentro do território prussiano relacionado a posses lá situadas, e se é capaz para contratar sob a lei de seu domicílio e não sob a lex loci actus, ou vice-versa, então a lei sob a qual o contrato é válido deve ser aplicada – noção que contribuiu para o favor negotii e a proteção do intercurso comercial.55 2.1.3.2

Os códigos da França e da Áustria

O Código Civil francês de 1804 foi extremamente importante para o desenvolvimento do direito internacional privado, e destaca-se também porque substituiu a lei do domicílio da pessoa pela lei da nacionalidade nas questões relativas ao estatuto pessoal. O último grande código foi o austríaco, de 1811, que adotou o princípio francês da nacionalidade como determinante do status e capacidade. Todos os demais, que se seguiram no movimento de codificação, passaram a incorporar as regras de solução de conflito de leis, de influência estatutária, nos

preâmbulos dos códigos civis, deixando a impressão de que o direito internacional privado teria natureza privatista – o que não é verdade. O fato de as regras de conflito de leis estarem, tradicional e historicamente, nos preâmbulos dos códigos civis não confere a elas natureza de direito privado, pois essas regras têm natureza pública ao destinarem-se ao aplicador da justiça, isto é, ao Estado, conforme fica mais claramente demonstrado no Capítulo 3 deste livro, dedicado às fontes do direito internacional privado. 2.1.4

Fases moderna e contemporânea (séculos XIX e seguintes)

O direito internacional privado deve o seu desenvolvimento principalmente a três grandes juristas: Joseph Story (jurisconsulto americano), Friedrich Carl von Savigny (professor alemão) e Pasquale Stanislau Mancini (pensador/político italiano). Dentre as tendências modernas, destacamos as doutrinas de Story, Savigny, Mancini e Pillet. As teorias modernas surgem no século XIX “paralelamente à eclosão dos textos de Direito Internacional Privado nas grandes codificações [...] Afastam-se das teorias estatutárias sobretudo no método de tratamento das questões e na fundamentação das regras que estabelecem, pois estas, em sua maioria, não divergem das formuladas nos séculos anteriores, XIII a XVIII”.56 Conforme afirmávamos acima, as principais doutrinas modernas que se tornaram clássicas são, a nosso ver: a) b) c) d)

teoria de Joseph Story – Estados Unidos (Boston), ano 1834; teoria de F. Carl von Savigny – Alemanha (Berlim), ano 1849; teoria de Pasquale S. Mancini – Itália (Turim), ano 1851; teoria de Antoine Pillet – França (Paris), ano 1903.

Vê-se, pois, que tais doutrinas nasceram em países diferentes e eclodiram em todos os continentes, mudando a feição do direito internacional privado. Tiveram tão boa receptividade que ainda hoje, no século XXI, se fazem presentes, implícita ou explicitamente, nas leis, jurisprudências, tratados e convenções de direito internacional privado. Vejamos o que estabelecem. 2.1.4.1

Teoria de Joseph Story

Jurisconsulto norte-americano e um dos mais eminentes juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, Joseph Story foi professor na Universidade Harvard. Nasceu em 1779 e morreu em 1845;57 foi o mais insigne representante da escola doutrinária anglo-americana,58 que rompeu com a tradição europeia ao afastar-se das grandes construções teóricas. Sua festejada obra Commentaries on the conflict of laws... (1834) tem influenciado tribunais e doutrinas, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, bem como tem sido objeto de apreciação por todos os países civilizados. A obra de Story trouxe inovações muito valiosas, haja vista o fato de ter abandonado a antiga divisão da matéria, consoante os estatutos pessoal, real e misto, apresentando-a por temas, sempre com base na doutrina e jurisprudência inglesas e norte-americanas. Estudando os precedentes com devoção e recusando ser prejudicado por axiomas pseudocientíficos, Story mostrou superioridade de seu método de interpretação e exposição do direito. Na Europa, os livros sobre conflito de leis traziam doutrinas que o autor criticava, e as referências a decisões judiciais eram raras. Em parte, isso ocorria devido à influência do direito natural, e por certo descrédito nas decisões das Cortes. Story não baseou seu livro tão somente em decisões americanas e inglesas; também utilizou o trabalho de Ulric Huber, dos Voet, pai e filho, e de outros autores holandeses e franceses do século XIX. Deles, Story tirou os principais princípios de que as regras em conflito de leis fazem parte do direito nacional, e que a aplicação do direito estrangeiro é apenas uma questão de comity, princípios que ele passou para os advogados ingleses.

Story não estava totalmente convencido sobre o que escreviam seus precursores. Evitou estabelecer princípios que fossem muito gerais; seu método era mais indutivo do que dedutivo. Seu trabalho passou a ser admirado pelos advogados dos EUA – muitos dos seus pontos de vista foram inclusive adotados pelo direito americano, e estão agora cristalizados na prática jurídica das Cortes americanas. É importante também mencionar que, em 1843, J. J. C. Foelix publicou um tratado sobre conflito de leis baseado na doutrina de Story e Savigny.59 Em outros aspectos, a doutrina de Story revela a influência da metodologia positivista, particularmente quanto à ideia de um direito internacional privado como parte da descrição de soberania nacional. Seu seminário “Comentários aos Conflitos de Leis”, de 1834, não incluiu muitos princípios gerais, nem representou um grande encontro de discussão histórica ou teórica, mas ensejou uma enorme (“cientificamente” estruturada e internacional) pesquisa e motivou análises de casos de direito internacional privado, examinando como aconteciam e como eram resolvidos. Os ensinamentos de Story também deixam transparecer as dificuldades em enquadrar o direito internacional privado na divisão artificial entre o direito nacional voluntário e o internacional obrigatório, na medida em que contém elementos de ambos. A dificuldade diz respeito à dependência de Story do conceito ambíguo de “cortesia” e do que foi definido como seu “sincretismo bizarro” de teorias de direito natural universal, baseadas em direitos liberais. Essa incerteza é refletida na afirmação de Story de que “os atos do Estado soberano criam direitos, que deveriam ser reconhecidos e executáveis por outros Estados como uma questão de ‘cortesia’, considerados como uma obrigação natural de respeito mútuo entre nações, uma espécie de necessidade moral de fazer justiça, porque a justiça deve ser feita para nós em retorno”.60 Dessas lições extraem-se dois princípios fundamentais. O primeiro diz respeito à autonomia dos Estados na aplicação do direito estrangeiro, o que equivale a dizer que, ao aplicar direito estrangeiro, os Estados o fazem com independência, e na medida em que julgarem adequado. O segundo proclama o princípio da cortesia

internacional (comitas gentium), que significa o “dever moral” dos Estados de fazerem justiça às pessoas estrangeiras que se encontram em seu solo, pois, assim agindo, terão a certeza da reciprocidade por parte dos demais. Comenta Irineu Strenger que “muitos autores achavam que a cortesia não tinha significado jurídico: o direito apenas é possível quando visa alcançar justiça e não se faz justiça por cortesia”.61 Cheshire, discordando de Story, apresenta a expressão cortesia,nãocomosinônimo de reverência, “porque nossos tribunais ao admitir prova do direito estrangeiro não estão influenciados por um sentimento de cortesia, mas sim por uma necessidade de fazer justiça”.62 Certamente que a obra de Story, por ter sido a primeira obra moderna de direito internacional privado, foi objeto de muitas críticas. Entretanto, nenhuma delas é capaz de tirar-lhe o mérito, até mesmo porque foi este célebre jurista que criou o nome direito internacional privado, que considerava ramo do direito nacional. 2.1.4.2

Teoria de F. Carl von Savigny

Dentre os países da Europa, a Alemanha foi cenário propício, até fins do século XIX, aos conflitos de leis, haja vista a grande variedade legislativa ali reinante. Neste ambiente aparece Friedrich Carl von Savigny, o mais notável jurisconsulto alemão, professor jubilado de Berlim, que nasceu em 1779 e morreu em 1861. Em 1849, publicou o oitavo volume de sua monumental obra System des heutigen romischen rechts (Sistema de direito romano atual ). Neste volume, vamos encontrar um dos seus melhores trabalhos, ao apresentar a nova teoria sobre o direito internacional privado, com o título “Império das regras de direito sobre as relações jurídicas”, enfocando, num primeiro momento, seus limites no espaço e, num segundo, no tempo, expondo a sua teoria da comunidade do direito entre os diferentes povos. Esse trabalho colaborou mais do que qualquer outro para o desenvolvimento do direito internacional privado como nós o conhecemos hoje. Wächter havia arruinado com a teoria estatutária. Em seguida, Story recusou construir um sistema jurídico baseado em teorias de direito natural, e a rica coleção de suas ideias e lições gerou

grande impressão no fundador da escola historicista continental, e influenciou seu trabalho de certa forma. Mas o ponto de partida de Savigny foi oposto ao de ambos. Wächter advertiu os pensadores jurídicos a não confundir os aspectos legislativo e judicial. Ele pensava que as regras para solução do conflito de leis não eram completas e que poderiam ser resolvidas simplesmente pela máxima de que a Corte deveria preencher as lacunas aplicando seu direito interno. Savigny rejeitou firmemente esse ponto de vista. Além disso, desaprovou a referência que Story fazia à cortesia63 entre os Estados.64 Savigny partiu do pressuposto de que, em casos contendo elemento estrangeiro, “as mesmas relações jurídicas devem esperar a mesma decisão, sendo o julgamento pronunciado neste Estado ou naquele”. Portanto, para ele, é essencial ter em mente a existência de uma “comunidade internacional de nações e o intercurso umas com as outras”. E são suas as famosas palavras: “essa visão tem, no curso do tempo, sempre obtido amplo reconhecimento sob a influência da moralidade cristã e da verdadeira vantagem que resulta disso para todos interessados”. Assim, o respeito esperado de um Estado soberano por outro, em que a aplicação do direito estrangeiro é baseada, não é primordial. Sua verdadeira base é mais o benefício que traz para todos os envolvidos, Estados e indivíduos. Essa é uma das principais diferenças entre as opiniões de Savigny e as dos escritores holandeses e de Story.65 Diante do conflito de leis no espaço, o papel do direito internacional privado passa a ser o de encontrar a lei/direito à qual cada relação pertence, de determinar a sede de cada relação jurídica. O cerne dos escritos de Savigny é o exame de praticamente cada tipo de sistema jurídico. Ele afirmava que deveria haver um único e apropriado direito para cada relação, na medida em que, de outra forma, a igualdade de soberanias seria violada. Savigny aceitava a soberania territorial – rejeitava as características pessoais das partes, favorecendo a localidade de um evento ou relacionamento, mesmo os abstratos. Assim, por exemplo, ele favorecia a localidade física, o domicílio das partes, sobre a nacionalidade, “para localizar” a relação jurídica entre eles. Defendia que as leis de direito internacional privado fossem comuns a todas as nações. Para ele, deveria haver uma comunidade internacional de direito, derivada da comunidade de nações. Essa ideia contrasta com

a ideia positivista, segundo a qual o direito internacional privado é excluído do domínio do direito internacional, e concebido como parte do direito interno de cada país. Savigny rejeitou a formulação do Terceiro Direito de Huber e sua dependência da cortesia, porque isso não implicava um grau suficiente de obrigação.66 Savigny reconhecia algumas exceções à universalidade deste sistema. Aceitava que o direito do procedimento (o direito processual) deveria ser governado pela lei do foro – onde a questão estava sendo apreciada. Igualmente, reconhecia a existência de leis imperativas, que devem ser aplicadas pelo juiz independentemente da escolha das leis. Savigny caracterizava isto como um tipo de exceção de política mais geral à universalidade das regras de direito internacional privado. Mas Savigny defendia que essas exceções seriam extintas com o desenvolvimento jurídico natural das nações.67 Também para Clóvis Beviláqua, o fato de que “na determinação da sede de uma relação de direito pode o juiz achar-se em frente a princípios ofensivos da soberania ou da organização social, de que faz parte, e é claro que não os deve aplicar”.68 Ademais, sustenta Beviláqua que Savigny, “examinando a eficácia da lei no espaço, desenvolve uma teoria completa de Direito Internacional Privado”: “entende o excelso jurisconsulto que o juiz, achando-se em face de um conflito de leis de Estados diferentes, deve examinar com cuidado a natureza da relação jurídica, que lhe cumpre julgar, inquirir depois qual é a lei que mais convém a essa relação, e, por fim, aplicála, muito embora seja estrangeira essa lei”. O mais importante em sua teoria nos é trazido ainda por Beviláqua: “consiste esta operação em determinar a sede da relação de direito, para aplicar--lhe a lei, que melhor lhe convenha, sendo circunstância fortuita que não deve ter influência fundamental, o ser deste ou daquele território o juiz que tome conhecimento do caso. Para que seja possível determinar, com isenção de espírito, qual a sede de uma relação de direito é necessário partir dessa ideia elevada de uma comunhão de direitos entre os diversos povos, que se acham em contato frequente. Essa comunhão de direito realiza-se pelo acordo dos Estados em admitir que possam ser

aplicadas, por seus juízes, leis originariamente estrangeiras, o que não é absolutamente resultado de simples benevolência, ato revogável de uma vontade arbitrária, mas consequência natural do desenvolvimento próprio do direito”.69 Ainda hoje há oposição contra sua fórmula da “sede do fato” que deveria ser encontrada para todas as relações. Foi dito que isso seria pura metáfora, e que levava a um “impressionismo jurídico” (Niboyet). Todavia, não é sempre possível para o jurista argumentar sem fazer o uso de metáforas, e uma boa metáfora geralmente permite ao leitor ater-se à atitude mental necessária para observar e pesar o fenômeno que está estudando. Certo é que a palavra sede é possivelmente muito vaga. E foi um passo além quando Gierke, adotando a doutrina de Savigny, substituiu o termo por centro de gravidade, e ainda mais além quando Westlake, ignorando quaisquer implicações territoriais, sempre falou sobre o direito com o qual um relacionamento está mais “conectado”. Nenhuma dessas frases está inteiramente correta. Mas juristas não são matemáticos; às vezes são obrigados a usar conceitos não muito claros. Naturalmente há dúvidas onde está a “sede” ou o “centro de gravidade” de certa relação – deve ser encontrado, particularmente no caso de obrigações contratuais e de res in transitu. Mesmo assim, Savigny mostrou a fórmula geral. A nosso ver, a contribuição de Savigny no desenvolvimento do direito internacional privado é inestimável. Essa afirmação repousa no fato de ter partido de seus ensinamentos a teoria da sede da relação jurídica, à qual o jurista Otto Gierke apropriadamente chama de centro de gravidade. Isto porque toda relação jurídica eivada de um ou mais elementos estrangeiros apresenta uma sede, ou um centro de gravidade – e é a lei deste lugar que deve resolver o conflito. Da doutrina de Savigny podemos extrair duas premissas básicas: a)

deve regular a relação jurídica, objeto de apreciação, a lei que seja mais adequada a sua natureza jurídica, podendo esta lei ser nacional ou estrangeira;

b)

a determinação da lei mais adequada à natureza da relação jurídica vai depender de uma cuidadosa análise da sede desta relação, pois toda relação ocupa um lugar no espaço, e há um lugar onde ela atua mais diretamente, isto é, onde gera maiores efeitos jurídicos e econômicos.

No caminho de que o importante é a determinação da sede da relação jurídica, Savigny começa a examinar os vários grupos possíveis de relações jurídicas, determinando, para cada um, a sua sede, pois desta dependerá a aplicação da lei: nacional ou estrangeira. Apresenta como sedes principais das relações jurídicas:70 a) b) c)

d)

e)

lex domicilii (lei do domicílio) – como lei pessoal; lex rei sitae (lei do lugar da situação da coisa) – para os direitos reais; lex loci executionis (lei do lugar da execução) – rege a validade intrínseca e os efeitos das obrigações, salvo expressa manifestação em contrário dos contraentes; locus regit actum (o lugar rege o ato) – princípio aplicado à forma externa dos atos jurídicos, que serão regulados pela lei do lugar onde se realizarem; lex fori (lei do fórum) – para o processo; atividade jurisdicional do Estado.

Não resta dúvida, pois, de que Savigny71 foi o expoente máximo desta disciplina nos tempos modernos e grande inspirador da autora deste livro, mas ele mesmo reconhece: “tendo a glória de haver posto à vista a autonomia do Direito Internacional Privado, mas isto não quer dizer que haja exposto doutrina perfeita”.72 2.1.4.3

Teoria de Pasquale S. Mancini

Também fundamental para o direito internacional privado foi Pasquale Stanislao Mancini (1817-1888). Ele foi político, orador dos mais brilhantes e professor na

Universidade de Turim, onde deixou registrado importante discurso sobre a “Nacionalidade como base do direito das Nações”. Desde o início do século XIX, o princípio das nacionalidades começou a penetrar o direito internacional, tendo como alavanca inúmeros movimentos de independência de diversos povos reprimidos que encontraram na Itália, pela sua própria condição, Mancini – idealizador da nacionalidade como base fundamental do direito das gentes.73 No discurso referido, Mancini defendeu o princípio da nacionalidade como pilar do direito das gentes. Para ele, a nacionalidade constituía a base do direito das gentes; a nação, para o direito internacional, é mais importante que o próprio Estado. Mancini adotou o princípio da extraterritorialidade – a que chamava personalidade do direito. Sua ideia central é que o direito gira em torno das pessoas, e não das coisas, daí por que o direito positivo deve seguir a pessoa, assim como o sangue que circula nas veias ou como uma marca: ut cicatrix in corpore. Para Mancini, a personalidade do indivíduo é também determinada apenas pela nacionalidade. Essa doutrina foi mais do que uma teoria jurídica, e certamente o motivo não foi somente estabelecer uma base para o direito internacional privado. Contudo, suas lições inspiraram juristas italianos e franceses e deram origem a uma nova teoria de direito internacional privado, desenvolvida na Itália por Esperson e Fiore, na França por André Weiss, na Bélgica por Laurent.74 De acordo com essa teoria, em cada sistema jurídico existem dois tipos de regras, as criadas no interesse de indivíduos privados e as criadas para a proteção da ordem pública, ordine pubblico. As primeiras são consideradas como aplicáveis a todas as pessoas pertencentes ao país por sua nacionalidade (não pelo seu domicílio), estejam onde estiverem; e todos os países estão comprometidos não por mera cortesia, mas por força do direito internacional a aplicar aos estrangeiros o direito de seu próprio país. As regras relacionadas à ordem pública possuem efeito territorial; vinculam os nacionais de um Estado e os estrangeiros, contanto que estejam presentes no país; não possuem nenhum efeito além dos limites territoriais do país, mesmo com relação a seus nacionais.75 Da mesma forma que Savigny, Mancini rejeitava o movimento positivista que

priorizou a soberania estatal. Dessa forma, Mancini também rejeitou a ideia de que a aplicação das regras de direito internacional privado é inerentemente discricionária, expressada na doutrina da cortesia. Ele presenciou o reconhecimento por um Estado da lei nacional de outra pessoa em uma disputa jurídica como requisito de direito internacional – negar o efeito ao direito nacional de uma pessoa era negar a nação e a pessoa em si. Assim como Savigny, Mancini via as leis de direito internacional privado essencialmente como parte de uma comunidade de direito mais ampla do que a ideia de Savigny de comunidade territorial de nações. Essa foi a posição adotada e defendida pelo Institut de Droit International sob a influência de Mancini. Mais uma vez, isto deve ser contrastado com a concepção positivista de direito internacional que levou ao modelo de direito internacional privado como parte discricionária do direito de cada Estado.76 Como é sabido, a influência da escola italiana no direito continental deve ser considerada. No primeiro momento, estendeu o conceito de ordem pública (ordre public) a outros Estados, particularmente a França e Bélgica, e parece, em segundo lugar, ter contribuído para a elaboração de alguns códigos modernos de direito nacional. Na verdade, os códigos civis da França e Áustria introduziram a lei da nacionalidade, ao invés da lex domicilii, muito antes de Mancini. Mas o Código Civil italiano de 1865, que foi possivelmente influenciado pelas ideias que Mancini desenvolveu, foi além do Código Civil francês, em declarar a lei da nacionalidade decisiva, primeiramente para qualquer questão sobre matéria sucessória, inclusive sobre imóveis situados em outro país; em segundo plano, para contratos em que ambas as partes contratantes são nacionais do mesmo Estado estrangeiro. Contudo, no direito americano e inglês a escola italiana não teve grande influência.77 Mancini, ao defender o princípio da extraterritorialidade, como regra geral, apresentava dois elementos relevantes. São eles: a) b)

a diversidade de legislações existentes; a natureza essencialmente cosmopolita do ser humano.

Diante deles, a autoridade judiciária não deveria se eximir de aplicar o direito

estrangeiro, e isto não caracterizaria “cortesia” entre governantes, mas, sim, “dever internacional, respeito e solidariedade humana”. De acordo o Prof. Strenger: “a partir de 1867 sucedem-se acontecimentos tendo em vista as ideias de Mancini: Código da Saxônia, a criação de institutos de Direito Internacional, criação do ‘Journal de Clunet’ (1874) que teve em Mancini um dos principais colaboradores. Kahn chegou a chamar este jornal de verdadeiro ‘corpus juris civilis internacionalis’”.78 As concepções de Mancini representam, sem dúvida, a escola italiana. Para este jurista, o direito internacional privado é um ramo do direito das gentes (com o que não concordamos, haja vista que o direito internacional privado tem total autonomia científica relativamente ao direito internacional público). Pillet, outro importante jurista moderno, estudou Savigny e Mancini e comparou-os, chegando à conclusão de que o primeiro tece sua teoria com “profundidade jurídica”, enquanto o último, como homem de Estado, com “profundidade política”. Conclusão esta que encontrou críticas por parte do mestre brasileiro Amílcar de Castro.79 Sabe-se, também, que os ensinamentos de Mancini penetraram o espírito de Frankenstein, que elaborou sua teoria influenciada por aquele. Resumir a teoria de Mancini não é tarefa fácil, daí por que recorremos à obra de Strenger, que, em lição memorável, a expõe em um quadro, de que nos utilizamos para apresentar as seguintes conclusões: Pilares da doutrina de Mancini: Regras fundamentais de direito privado divididas em categorias: “a) Regras Jurídicas Necessárias ou Imperativas (inafastáveis pela vontade das partes) Objetos: Estado, Capacidade da Pessoa, Direito da Pessoa, Direito de Família e Sucessões; Lei Aplicável: Direito Nacional; Razão: Personalidade do Direito. b) Regras Jurídicas Voluntárias (decorrem da vontade das partes)

c)

Objetos: Negócios e Contratos; Lei Aplicável: Direito escolhido pelas Partes; Razão: Princípio da Liberdade. Regras Jurídicas de Ordem Pública (impõem limites à observância de direito estrangeiro na jurisdição nacional) Objetos: Direito Público e partes do Direito Privado; Lei Aplicável: Direito Territorial; Razão: Soberania.”80

Assim, com o auxílio do Prof. Strenger, resumimos a doutrina de Mancini, que teve grande influência para o desenvolvimento da ciência do direito internacional privado. Lembramos também, ainda no século XIX, os nomes de Von Bar 81 e Zitelmann,82 e, no século XX, os de Anzilotti 83 e Frankenstein,84 precursores de movimentos de reformulação metódica.85 Mais importante talvez do que sua influência no direito internacional privado foi a luta de Mancini (após 1866) em torno de um acordo internacional sobre as regras fundamentais de direito internacional privado. Ele desenvolveu suas propostas em um Memorando apresentado ao Instituto de Direito Internacional (Institut de Droit International) em 1874, e nele destacou a importância das convenções internacionais para a fixação de regras gerais de direito internacional privado para o fim de assegurar a solução uniforme de conflitos entre as várias leis civis e penais. Suas ideias foram recepcionadas com entusiasmo e postas em prática especialmente na América Latina. 2.1.4.4

Teoria de Antoine Pillet

Pillet nasceu em 1857 e faleceu em 1926. Foi célebre professor da Faculdade de Direito da Universidade de Paris e importante internacionalista. De 1893 a 1896, em trabalhos constantes para o Journal de Clunet, publicou seus estudos. Mais tarde, em 1903, editou sua festejada obra Principes de droit international privé, onde apresenta um sistema destinado a resolver conflitos de leis, que muita influência teve

nos estudos de direito internacional privado que se seguiram. O sistema que nos apresenta, para solução dos conflitos de leis, foi baseado no princípio da comunhão do direito (por influência de Savigny), mas com pontos novos, referentes ao critério discriminador da lei a ser aplicada e sua fundamentação, dentre outros. Pillet é o autor do Tratado prático de direito internacional privado, cujo primeiro volume foi publicado em 1923, e o segundo, e último, em 1924, ano em que volta a explicar sua teoria, em conferência intitulada “Teoria continental dos conflitos de leis”, que teve grande repercussão. As duas ideias mais importantes de Pillet são: primeiro, ele considera vital fazer uma afinada distinção entre questões de conflito de leis, que, na sua visão, são aquelas concernentes à aquisição de direitos e problemas relacionados com a proteção dos vested rights. Pode-se discutir se essa distinção é útil, tendo em vista que o conceito de vested rights não é claro e foi estendido por Pillet para todas as situações jurídicas como as relacionadas a poderes, interesses, e até mesmo inabilidades. A segunda noção de Pillet diz respeito à distinção entre dois grupos de regras jurídicas: as “gerais” e, portanto, irrestritamente aplicáveis a todos os presentes dentro do território, e aquelas que são “permanentes”, por exemplo, efetivas em todos os lugares com relação a todos os nacionais do país, mas que não afetam estrangeiros – ou seja, têm efeito limitado territorial e extraterritorialmente.86 Pillet, em suas reflexões, deu muita importância à noção de soberania e apresentou, com base nela, sua teoria, que tem sido denominada “do fim social ou do menor sacrifício”.87 Influenciado por Mancini, criticava-o abertamente. Comparou a doutrina de Savigny com a de Mancini, afirmando que a primeira é “profundamente jurídica”, sendo a segunda “profundamente política”. O curioso é que Pillet, ao desenvolver sua doutrina, deixou de lado o método savignista e levou sua obra a planos idênticos aos que foram legados por Mancini”.88 O direito internacional privado, para Pillet, estava vinculado ao direito das gentes, razão pela qual Eduardo Spínola sustenta que Pillet, “para afirmar os princípios essenciais de seu sistema, procede a uma crítica das diversas teorias, salientando-lhes as deficiências e apontando os requisitos que deve reunir um sistema

de resolução dos conflitos de leis. Em primeiro lugar deve haver certeza quanto às leis reguladoras das relações, estabelecendo-se, para isso, as necessárias regras de aplicação; depois, é mister que tenham essas regras caráter obrigatório, combinando-se, na falta de um legislador universal, o direito soberano de cada Estado com o princípio da aplicação da lei mais justa; finalmente cumpre haver o maior respeito das leis nacionais na ordem internacional”.89 Veem-se, pois, traçados nos princípios gerais de sua teoria para o direito internacional privado, em primeiro plano os conflitos de soberania; assim sendo, somente um poder mais elevado poderia resolvê-los, tendo o Estado o “dever internacional” de observar o direito estrangeiro em seu solo. Pillet deixava bem claro que uma relação jurídica somente pode ser apreciada por uma ordem jurídica, por um só Estado, porque, de acordo com o direito internacional privado, somente a este Estado compete apreciá--la. Representam outro ponto fundamental de sua teoria os conflitos de competências legislativas, impondo aos Estados que, nas decisões dos casos mistos, se observe o máximo possível a autoridade das soberanias em conflitos, cuja base está no direito das gentes; daí por que, para Pillet, o direito internacional privado está vinculado a este ramo da ciência jurídica. Disso se pode aferir que, quando a autoridade judiciária aplica ao caso direito estrangeiro, o faz em respeito ao Poder Legislativo estrangeiro, competente para apreciar a questão. Afirmava Pillet, ainda, que a escolha do direito a ser aplicado na solução do caso deve recair na soberania do Estado mais interessado na solução da relação em mira. Para determinar-se esta preferência, deve-se analisar o caráter da lei e atingir o seu fim social. Assim sendo, para resolver os conflitos de leis, ele aponta o critério baseando-se no caráter da lei, na sua natureza e fim social. Pillet apresentava como caracteres da lei a continuidade e a generalidade, o que equivale a dizer que as leis são aplicadas com a publicação, tendo vigência até serem revogadas (continuidade). E se destinam a todos os membros da comunidade para a qual são criadas (generalidade). Analisando os fatos, afirmava que, no que diz respeito aos feitos/ relações jurídicas comuns (que apresenta como ordem interna), as leis conservam essas características, mas, em se tratando de fato internacional/relação jurídica com efeitos em duas ou mais ordens jurídicas (que apresenta como ordem

internacional), não podem conservá-las, pois encontram outras leis, com variadas disposições, e com os mesmos caracteres. Então, nestes casos, a continuidade adquire a feição de extraterritorial, acompanhando os nacionais que se achem em solo estrangeiro, e a generalidade torna-se territorial, aplicável a todos aqueles que se encontrem no território nacional, incluindo os estrangeiros. Assim sendo, de acordo com este raciocínio, uma lei perde a generalidade, para que outra mantenha a extraterritorialidade, ou uma lei perde a continuidade para que outra mantenha a territorialidade. Sobre esta linha de raciocínio, o Prof. Amílcar de Castro estabelece linha de análise muito apropriada, apresentando, inclusive, exemplo: “Em matéria de capacidade, se for observada no fórum lei estrangeira, esta conserva sua permanência ou continuidade, e para que isto aconteça a ‘lex fori’ deve perder a generalidade, deixando, no caso, de ser observada. Ao contrário, sendo caso de se aplicar a ‘lex fori’, esta conserva seu caráter de generalidade, e por isso a lei estrangeira deve perder sua continuidade ou permanência.”90 Certamente, Pillet indagava-se sobre como preponderaria este ou aquele caráter da lei, que, segundo ele, dependeria do fim social, ou, usando suas palavras, “da alma da lei”. Temos, pois, de acordo com sua doutrina, leis territoriais e extraterritoriais, dependendo do fim social (de “sua alma”). Entretanto, o próprio Pillet nos chama a atenção para o fato de que “territorialidade e extraterritorialidade não caracterizam, respectivamente, regra e exceção, pois possuem, ao mesmo tempo, estas duas características da territorialidade e extraterritorialidade”.91 A teoria de Pillet foi por ele mesmo resumida em estudos publicados no Journal de Clunet (1896). Este resumo foi reproduzido na obra de Beviláqua, em trabalho de grande valor jurídico: “1º) Todas as leis são, por sua natureza, ao mesmo tempo territoriais e extraterritoriais. 2º) É impossível conservar-lhes, no comércio internacional, esse duplo

caráter, sob pena de se tornarem insolúveis os conflitos entre legislações diferentes. 3º) É preciso, portanto, fazer com que, em cada caso, prevaleça o caráter que mais interesse ao efeito social da lei e sacrificar o que menos importe a esse efeito. 4º) As leis consideradas no ponto de vista social não têm autoridade e valor senão pelo fim social a que se dirigem. 5º) As leis encaradas em relação ao seu fim social podem distinguir-se em leis de proteção individual, e leis de proteção social, conforme o seu objeto direto e imediato é constituído pelos interesses do indivíduo, que sofre a sua aplicação, ou pelos da sociedade, em cujo seio foram elaboradas. Há leis que apresentam estes dois caracteres no mesmo grau. 6º) As leis de proteção individual são extraterritoriais. 7º) As leis de proteção social são territoriais. 8º) Em matéria de leis extraterritoriais, a lei competente (estatuto pessoal) é a lei nacional da pessoa de que se trata. 9º) Em matéria de leis territoriais, a lei competente é a do Estado, cujos interesses se acham em jogo. 10º) O princípio da territorialidade das leis de ordem pública não quer dizer que essas leis se devam, indistintamente, aplicar a todas as pessoas e bens, que se acharem presentes, ou a todos os atos, que se executarem no seu território. Esse princípio somente se aplica a essas leis, quando o interesse social, que elas defendem se achar ameaçado. 11º) Os conflitos entre leis extraterritoriais serão resolvidos pela aplicação, a cada pessoa, de seu estatuto particular. No caso em que não for possível essa aplicação distributiva, se as leis forem da mesma natureza, a mais severa deverá ser preferida; no caso contrário, nenhuma

solução racional é possível. 12º) Entre leis territoriais, os conflitos (se existirem) serão resolvidos pela aplicação de cada lei em seu território. 13º) Em caso de conflito entre uma lei extraterritorial e outra lei territorial, esta última deve prevalecer. 14º) Não há solução possível para os conflitos entre leis igualmente extraterritoriais e territoriais. 15º) A regra ‘locus regit actum’ é de puro direito costumeiro e não se opõe à aplicação dos princípios onde é possível praticá-la. 16º) O princípio da autonomia da vontade deve restringir-se a leis facultativas.”92 Em 1923, ao publicar sua obra Traité pratique de droit international privé , conserva os mesmos princípios apontados. Em 1924 publica, com Niboyet, o Manual de direito internacional privado, onde apresenta princípios para as soluções dos conflitos de leis, que o Prof. Espínola assim sintetiza: “1º) A aplicação das leis estrangeiras competentes é obrigatória, porque é uma das formas do princípio do respeito internacional das soberanias. 2º) Não há classificação bipartida das leis, segundo seu objeto. 3º) As leis são umas territoriais e outras extraterritoriais, segundo o seu fim social, tal como resulta de sua natureza jurídica.”93 Temos, assim, traçada a teoria deste importante internacionalista, que tanto contribuiu para a formação e desenvolvimento do direito internacional privado moderno. Sua doutrina, conforme vimos, deixa interrogações, mas seu valor, com certeza, é inestimável. Parece-nos que o ponto mais discutível de sua teoria é a confusão que faz entre o direito internacional público e o privado, dando-lhes o mesmo fundamento. 2.1.4.5

Os ensinamentos de Machado Villela

Dentre as tendências modernas, certamente não poderíamos deixar de abordar os ensinamentos do ilustre professor português Villela, que, em magistral obra, Tratado elementar teórico e prático de direito internacional privado, expõe magnificamente os resultados de suas pesquisas, reconhecendo o valor, a eficácia, bem como a aplicabilidade das leis estrangeiras. Sua exposição, de extraordinária importância, na busca do critério discriminador da lei a ser aplicada na atualidade, encontra-se resumida com muita propriedade na obra de Espínola, da qual nos servimos aqui: “1º) todas as doutrinas admitiram a existência de leis de competência ou de aplicação extraterritorial, para regularem relações jurídicas que se encontram em contato com leis diferentes; 2º) as teorias estatutárias reconheceram a existência de leis de competência personalizada, leis que acompanham a pessoa onde quer que ela se encontre constituindo o seu estatuto pessoal, o qual abrangia o Estado e a capacidade das pessoas, tendendo a estender-se às relações de família e às sucessões; 3º) o sistema de Savigny firmou o caráter normal das leis pessoais, aplicáveis ao estado e capacidade, às relações de família e sucessões; 4º) a concepção do Estatuto misto da Escola holandesa deu lugar a que se desenvolvesse o conceito das leis de competência localizada, a que Savigny deu destaque com os seus princípios sobre a lei reguladora dos direitos reais, das obrigações e da forma dos atos; 5º) a partir de Dumoulin, são reconhecidas as leis de competência voluntária; 6º) o sistema de Savigny, ao mesmo tempo em que proclamou o princípio da aplicabilidade das leis independentemente de sua nacionalidade, para a realização da comunhão do direito, formulou o princípio do limite à aplicação das leis estrangeiras quando contrárias às leis locais de ordem pública; 7º) todos os sistemas, reconhecendo a aplicabilidade das leis estrangeiras, conduzem à admissão de uma certa comunhão de direito, a

qual, com Savigny, passou a ser verdadeiro princípio de orientação; 8º) a partir de Savigny, é o princípio de justiça que serve de fundamento à aplicação das leis estrangeiras, rejeitando-se, com reserva do que se disse quanto à escola anglo-americana, o princípio da ‘comitas gentium’; 9º) os sistemas de direito internacional privado realizaram a sua evolução fixando, por um lado – a lei reguladora das relações jurídicas em geral – e, por outro, o regime jurídico internacional especial das instituições do direito privado – considerando as obrigações, os direitos reais, os direitos de família, as sucessões”.94 Vê-se que o Prof. Villela nos apresenta os princípios gerais do direito internacional privado, dando-nos a oportunidade de focalizar o problema da solução dos conflitos pelo ângulo de sua evolução, destacando os pontos mais relevantes. Foi este mesmo jurista que, analisando os caracteres das regras de direito material interno, e a territorialidade ou extraterritorialidade de sua aplicação, de acordo com as regras de aplicação ou de conexão, dividiu-as, para melhor estudá-las, em quatro grupos: a) b) c) d) 2.1.4.6

leis de competência personalizada ou leis pessoais; leis de competência localizada ou territoriais; leis de competência voluntária; leis de ordem pública internacional. Os ensinamentos de Werner Goldschmidt

As lições do Prof. Goldschmidt são muito importantes neste livro, haja vista a influência que recebemos dele diretamente ou por meio dos ensinamentos do Prof. Antonio Boggiano, em cuja obra se percebem as lições de Goldschmidt. Werner Goldschmidt foi um jurista argentino-alemão. Nasceu em Berlim (em 1910), mas radicou-se na Argentina quando assumiu a cátedra de Direito Internacional Privado da Universidade Nacional Tucuman, onde permaneceu até sua morte em 1987. No que diz respeito ao direito internacional privado, especificamente, sua

contribuição é inestimável, além de contribuir para a ciência do direito de forma marcante com a sua “teoria trialista do mundo jurídico”, segundo a qual integram o direito três elementos essenciais: condutas, normas e valores. É ele que se refere ao direito internacional privado como “derecho de la tolerancia”, porque, tendo como base o respeito ao elemento estrangeiro, revela-se um dos ramos da ciência jurídica que, pela indulgência, admite a aplicação de direito estrangeiro em solo nacional. São suas as reflexões que fazem o direito internacional privado avançar, na América Latina, como disciplina autônoma e como ciência.95 Também é com Goldschmidt que aprendemos a estudar o direito internacional privado por meio dos casos práticos. Isto é, o direito internacional privado por meio da jurisprudência. E é ele, sem dúvida, que conduz o direito internacional privado ao âmbito exclusivo do estudo dos conflitos de leis no espaço em matéria privada.96 2.1.4.7

Resumo dos princípios dominantes

É chegado o momento de apresentarmos um resumo do que procuramos abordar nesta parte histórica. Assim, buscando mais uma vez o espírito crítico do Prof. Espínola, que, de modo acadêmico, formulou os princípios dominantes no direito internacional privado à luz da doutrina, vamos sintetizar o que foi estudado.97 a) Doutrina de Savigny Existe uma verdadeira comunhão de direitos entre os povos da Terra, e, por isso, quando se verifique um conflito de leis de dois ou mais Estados, cumpre atender à lei mais justa para regular a relação em exame. b) Doutrina de Pillet Os conflitos de leis se manifestam porque, sendo diferentes os diversos direitos positivos, todos eles se propõem a regular as relações de todas as pessoas que se encontrem no seu território, nacionais ou estrangeiras, e todos os seus nacionais que estejam fora de seu território.

c) Doutrina de Arminjon Os conflitos de leis só se verificam em relação àquelas leis que, em cada país, destinem a regular as relações privadas dos indivíduos, compreendendo assim disposições do direito civil, comercial e marítimo e, além delas, certas disposições processo e direito penal suscetíveis, em alguns casos, de ser substituídas pelas uma legislação estrangeira.

se as de de

d) Kahn, Anzilotti e todos os modernos internacionalistas As regras de direito internacional privado são apenas regras de aplicação, limitandose a indicar, segundo o elemento de conexão considerado, qual o direito material interno (nacional ou estrangeiro) que deverá ser aplicado. e) Savigny, Pillet e Jitta Para decidir qual a lei aplicável normalmente, se a do próprio país ou a estrangeira, isto é, para determinar qual o elemento de conexão é decisivo da competência normal da lei que regulará a relação jurídica, a regra de aplicação deve ter em vista o fim social da lei, o qual estará intimamente ligado à função social da mesma relação jurídica. f) Doutrina de Machado Villela Cumpre não desconhecer a importância da autonomia da vontade em matéria de obrigações convencionais (Dumoulin, Savigny), reconhecendo assim a existência de leis para as quais as regras de aplicação admitem, por assim dizer, uma competência voluntária. g) Doutrina de Werner Goldschmidt

O direito internacional privado como direito da tolerância e baseado na teoria trialista do mundo jurídico: condutas, normas e valores. Delimita o direito internacional privado como ciência autônoma que estuda os conflitos de leis no espaço em matéria privada. h) Limites à aplicação das leis estrangeiras A aplicação das leis estrangeiras, quando normalmente competentes, encontra um limite na ordem pública internacional (Savigny, Brocher, Despagnet etc.), ou, no dizer de Arminjon, nas regras positivas internas de competência absoluta.

2.1.4.8

Doutrinadores contemporâneos

Muitos são os estudiosos do direito internacional privado contemporâneo que merecem destaque. Dentre muitos que poderiam aqui ser citados, destacamos tão somente aqueles que influenciaram demasiadamente nossa formação e são referidos constantemente em nossas aulas no Largo de São Francisco, frente a livros publicados especificamente sobre o tema: Henri Batiffol, Paul Lagarde,98 Martin Wolff,99 Antonio Boggiano,100 Haroldo Valladão, 101 Irineu Strenger, 102 Amilcar de Castro 103 e Jacob Dolinger.104

1

Para rever o Mercador de Veneza, boa edição em português é a intitulada “William Shakespeare”, publicada pela Editora Victor Civita, em 1981, em dois volumes. No v. 2, p. 344 ss, encontra-se o texto em referência traduzido por Cunha Medeiros e Oscar Mendes.

2

Vide, a respeito, de M. Basso, O “jus gentium” e o problema do conflito de leis no direito romano, segundo Clóvis Beviláqua, in Revista Brasileira de Direito Comparado, RJ, nº 12, 1992, p. 33-52.

3

MILLS, Alex. The private history of international law. Gonville & Caius College.

University of Cambridge – Faculty of Law. International and Comparative Law Quarterly, v. 55, nº 1, p. 1-50, nov. 2006 e jan. 2007, p. 4. 4

A ideologia dominante era a existência de um império universal. Essa ideia reflete na adoção dos romanos da filosofia grega de direito natural, mais próxima da Escola Estoica e a de Aristóteles, que em parte explica e reflete a hegemonia romana. O único reconhecimento do papel que diferentes sistemas jurídicos podem desempenhar ao resolverem disputas era uma divisão “vertical” de competências – a deferência ao direito territorial para solucionar disputas. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 5.

5

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 19.

6

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 19.

7

MILLS, Alex. Op. cit. p. 5.

8

MILLS, Alex. Op. cit. p. 6.

9

MILLS, Alex. Op. cit. p. 6.

10

MILLS, Alex. Op. cit. p. 7.

11

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 21.

12

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 22.

13

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 22.

14

Mesmo após a Renascença, as Cidades-Estados italianas resolviam alguns problemas práticos por tratados que aplicavam o “direito pessoal”. Por exemplo, acordos eram assinados entre os Estados italianos e islâmicos, permitindo que comerciantes italianos se relacionassem com outros italianos nos Estados islâmicos, usando a lei italiana. Essa ideia refletiu no sistema capitulações – acordos (geralmente não recíprocos) que possibilitavam aos poderes europeus estabelecerem seu próprio sistema comunitário em um Estado estrangeiro. No século IX o sistema de capitulações de certa forma era aplicado pelos cônsules, a aplicação de leis no império turco era (ainda) vastamente baseada no direito pessoal das partes, e, em muitos países, em disputas envolvendo judeus (exemplo: validação de casamento), o direito aplicado era o judeu, naquela época, um direito pessoal, tribal sem território. A continuação desta prática no subcontinente colonial é notada em contexto colonial em que a aplicação do direito colonial é sinal da aceitação da teoria de uma ordem mundial (não

meramente um exercício de poder) e debatida, dada a falta de reciprocidade. Até hoje o direito pessoal é aplicado, como as leis religiosas reconhecidas na Índia e em alguns países islâmicos. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 7. 15

O direito internacional privado foi primeiramente concebido não como parte do direito territorial, que se diferenciava em cada Cidade-Estado, mas como parte de um sistema jurídico de direito natural universal, para resolver problemas práticos de diversidade jurídica. Direito natural seria o superior, provendo princípios gerais, um guia para os diversos direitos humanos. As regras de direito internacional privado foram concebidas como um distinto tipo de nível mais alto de direito natural, uma gama de regras para solucionar problemas apontando qual direito positivo deveria ser aplicado em disputas entre CidadesEstado com sistemas jurídicos diferentes. Foram concebidas como parte do direito natural universal, que facilitava e assistia a existência de diversos sistemas jurídicos locais. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 10.

16

O movimento estatutário é mais parecido com a teoria do direito natural. Até mesmo regras de direito internacional privado derivavam do direito romano.

17

MILLS, Alex. Op. cit. p.11.

18

MILLS, Alex. Op. cit. p. 12.

19

MILLS, Alex. Op. cit. p. 12.

20

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 21. Observamos com os estatutários uma tendência de concepção territorial no direito e o desenvolvimento do conceito de soberania devido ao aumento de fronteiras fixas e definidas entre Estados permanentes e ao crescente poder dos legisladores locais sobre seu território. Este último foi uma consequência do declínio do poder do papado e do sagrado império romano, que previamente agiu como limitação do poder soberano, manifestado na desintegração política da Europa durante e depois da Guerra dos Trinta Anos. O fato da centralização do poder nos Estados soberanos foi reforçado por teorias apoiando ideias de soberania poderosa, como a de Hobbes e Maquiavel. O conceito de soberania foi inicialmente expressado pela personalidade do chefe do Estado, mas desenvolvido pela ideia de que atos jurídicos de soberania, expressados em tratados, não eram pessoais (expressando a intenção do Estado), e sobreviveu para assegurar e vincular futuros chefes de Estado. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 10. Vide também, de Pauperio, A. Machado. Conceito polêmico de soberania, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967.

21

O direito internacional privado teria nascido nas universidades italianas no século XIII. WOLFF, Martin. Op. cit. p. 22.

22

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 23.

23

Direito internacional privado, cit., p. 157.

24

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 21.

25

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 25.

26

Para Martin Wolff, a grande dificuldade para aplicar a teoria estatutária está em decidir se determinada regra era pessoal ou real. Essa dificuldade se tornou aparente em respeito ao costume da Inglaterra, o consuetudo Angliae, quanto ao direito da primogenitude. Bartolo não via outra forma de resolver esse problema particular se não por uma interpretação literal muito grosseira. Argumentava que a solução depende da ordem das palavras no estatuto. Se no estatuto lê-se “primogenitus succedat in immobilia” , primogenitus era a palavra central e o estatuto, portanto, era pessoal, ao passo que se o texto mencionava “bona decedentium veniant in primogenitum”, a ênfase era em “bona” e o estatuto era “real”. Durante cinco séculos essa solução foi ridicularizada. Bertrand d’Argentré, da grande escola da Bretanha, escreveu: “pudeat pueros talia aut sentire aut docere ”, portanto condenando uma escola maior que ela mesma apenas por não ter se libertado do estreito método de sua época. In: WOLFF, Martin. Op. cit. p. 25.

27

Segundo o autor: “Ponha-se de parte o conselho empírico, tão ridicularizado, de Bartolo, que julgava poder discernir o Estatuto pessoal do real pela construção gramatical da frase, sempre que não fosse manifesta a intenção do mesmo [...]. Se bem que, muitas vezes o conselho desse, casualmente, bons resultados, não é lícito crer que seu ilustre autor o pretendesse arvorar em regra racional” (Princípios elementares de direito internacional privado, 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934, p. 30).

28

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 26.

29

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 27.

30

Para os positivistas, era necessária uma nova série de leis para descrever o comportamento dos Estados, porque os Estados não faziam parte da “ordem natural”, mas uma criação artificial da sociedade humana, sendo secundária. Grócio fez essa distinção ao escrever sobre o resultado da união da Holanda, em

1579 e em meados da Guerra dos Trinta Anos, que dominou a início do século XVII. Grócio tratou de ambas as metodologias, natural e positiva, argumentando que o direito natural pode derivar da nossa natureza e da observação da nossa situação. Entretanto, Grócio argumentava que, devido à soberania dos Estados, a lei das nações fazia parte do que ele chamava de “lei voluntária”, e não do direito natural, e que o direito internacional deve ter suas origens nas vontades livres dos homens. Identificou as vontades e práticas dos Estados como uma “espécie” de direito, diferente do direito natural – expondo uma possibilidade de metodologia positivista. Ele ainda usou o termo ius gentium e seu direito natural universal para descrever a lei das nações, legitimando implicações do direito romano. Mas seu conceito de direito das nações era bem diferente do conceito de direito natural universal do Renascimento e do direito romano, eis que como uma questão de vontades e práticas dos Estados. Para Grócio, o ius gentium não era a ideia romana de “direito das pessoas” e ideal, mas um novo “direito de pessoas”. Ainda existem elementos de direito natural nas discussões de direito internacional, e não se sabe se isto é para rotulá-lo como positivista. Pelo menos, Grócio fez uma distinção conceitual que facilitou o movimento positivista. Particularmente, em sua análise de direito internacional, ele possibilitou o crescimento do positivismo, enfatizando a conceituação de sua formação como produto de ações humanas voluntárias. MILLS, Alex. Op. cit. p. 24. 31

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 27.

32

Seguindo Grócio e aceitando o direito das nações como um sistema distinto e voluntarista, Huber argumentava que isso era capaz de análise lógica imparcial, separada de questões políticas concernentes às questões políticas internas de cada Estado. Aceitando a ideia de soberania territorial, tentou cristalizar suas implicações em um sistema de direito internacional privado. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 25.

33

Conforme Huber, três consequências lógicas vieram da aceitação da soberania territorial. Primeiro, as leis de um soberano são efetivas dentro do território do soberano, mas não além. Segundo, as leis de um soberano são efetivas contra estrangeiros que estão (mesmo temporariamente) dentro do território do soberano. Terceiro, cada Estado “atuará conforme sua cortesia” para reconhecer “direitos adquiridos nos limites de um governo”. Até quando o Estado possua poder, o direito ou cidadãos não serão prejudicados por esse reconhecimento.

Esta terceira regra pode ser considerada como uma expressão da divisão entre questões internas e externas como parte do cômputo positivista de direito internacional – questões internas, cujo poder de outro Estado, direito ou cidadãos não são prejudicados, devendo ser reconhecido como puramente dentro do domínio do Estado. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 26. 34

MILLS, Alex. Op. cit. p. 26.

35

Foram extraídos da obra do Prof. Amílcar de Castro (Direito internacional privado, p. 163-164).

36

Cf. L’objet et la méthode du droit international privé. Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de la Haye, Paris, 21 (1):459, 1928.

37

O direito internacional positivista influenciou o desenvolvimento do direito internacional privado em duas maneiras. A primeira diz respeito ao cômputo de direito internacional que enfatizou a (formal) igualdade, soberania e independência de cada Estado, com um foco particular no conceito territorial de soberania e com uma forte (mas problemática) fronteira entre os aspectos interno e externo de um Estado. A ênfase nesta fronteira elevou o difícil problema de se caracterizar o direito internacional privado como direito nacional ou internacional – considerando que ambos parecem conter elementos nacionais e internacionais –, dificuldade tal que veremos que é refletida no desenvolvimento problemático da teoria do direito internacional privado. A conceituação realizada por Benthan sobre o direito das nações como “direito internacional” levou à exclusão gradual do direito internacional das disputas privadas envolvendo mais de um Estado, caracterizando-o por descuido como parte do “direito nacional”. A caracterização do direito internacional privado como lei nacional também facilitou sua caracterização como “direito nacional privado”, assim, contribuindo para o desenvolvimento da economia de mercado global. No século XIX, o direito internacional tornou-se uma ferramenta de sustentação de políticas nacionais, principalmente para o crescimento da força do liberalismo econômico e político. Assim, as principais questões de direito internacional do século XIX não eram de direito internacional diplomáticas, mas econômicas – os empurrões em direção à liberdade do comércio mundial por meio de reduções das tarifas, a “racionalização” do movimento de pessoas e a globalização da economia internacional – tudo em apoio à penetração do capital europeu no mundo em desenvolvimento. In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 24.

38

MILLS, Alex. Op. cit. p. 25.

39

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 28.

40

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 28.

41

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 28.

42

Cf. Le développement historique du droit international privé. Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de la Haye, Paris, 29(4):331, 1929.

43

Le développement historique du droit international privé. Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de la Haye, cit.

44

Principes de droit international privé selon la loi et la jurisprudence française, Paris, Domat--Montchrétien, 1935, v. 1, § 61.

45

Amílcar de Castro, Direito internacional privado, cit., p. 150, citando André Weiss (Traité de droit international privé, v. 3, p. 12).

46

Direito internacional privado, cit., p. 98.

47

Direito internacional privado, cit., v. 1, p. 107.

48

Manuel du droit international privé belge, Bruxelles, Universitas, 1947, comentário ao nº 229.

49

Direito internacional privado. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 115116.

50

Curso de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo, 1920, p. 65.

51

Diritto internazionale privato. Milano: Hoepli, 1890, p. 42-43.

52

Curso, cit., p. 65.

53

Apud Rodrigo Octávio. Direito internacional privado, cit., p. 110-111.

54

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 31.

55

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 32.

56

Haroldo Valladão. Direito internacional privado, cit., p. 119.

57

O ano correto do nascimento de Story é 1779, e não 1770, como consta em algumas obras. V. Enciclopédia Barsa, v. 15, p. 454.

58

Segundo o Prof. Amílcar de Castro, grande estudioso do direito internacional

privado, como “escola anglo-norte-americana, denomina-se a corrente de ideias que, a partir do segundo quartel do século XIX, se veio formando na Inglaterra e nos Estados Unidos, sob a inicial influência dos Estatutários Holandeses. O método dessa escola é puramente prático: norteia-se por alguns princípios gerais, mas sem a preocupação de fundamentar ou concatenar teorias. O que interessa aos juristas ingleses e americanos não são as investigações teóricas, e sim, exclusivamente, o domínio dos casos concretos ‘por algumas regras de imediata utilidade, as mais racionais possíveis’. Todo o trabalho desses juristas pode ser resumido na observância do ‘ius indigenum’, como regra, e do ‘ius extraneum’, como exceção, baseada na ‘Comity’, como propósito de reciprocidade”. Ainda nos fala o mesmo professor que “a Inglaterra, doutrinariamente, permaneceu por muito tempo fora da esfera de ação das escolas estatutárias; e antes do século XIX nenhuma sistematização dos princípios de direito internacional privado foi ali tentada: os juristas cuidavam apenas de resolver casos práticos, com espírito essencialmente utilitarista” (Direito internacional privado, cit., v. 1, p. 175). 59

Pode ter sido uma razão por que nenhum tratado sobre conflito de leis existiu ou teve relevância antes de Story. O Direito das nações foi compreendido de forma a abranger alguns ou todos os problemas que Story apontou sob a égide de “conflito de leis”. A referência ao “conflito de leis” mais uma vez mostra a influência de Huber – ainda que Story tenha empregado o termo direito internacional privado na obra Comentários. WOLFF, Martin. Op. cit. p. 34.

60

MILLS, Alex. Op. cit. p. 28.

61

Curso, cit., p. 255.

62

Cf. Private international law. 2. ed. Oxford: Clarendon, 1938, p. 5-6.

63

Savigny, assim como Huber, negava o papel da “cortesia”, usando outro axioma – a ideia de que existe uma comunidade internacional de nações. Em parte, esta concepção tem a ver com o crescimento do comércio internacional pósRevolução Industrial. Savigny defendia um Direito Internacional Privado cuja unidade básica de análise fosse uma “relação jurídica”. Assim, ele rejeitou o foco estatutário na natureza das leis, afirmando que as categorias estatutárias eram “ambíguas e incompletas, inúteis para serem um fundamento”. Ele rejeitou ainda o foco no direito das partes de Story e Huber (depois chamados por Dicey de “vested rights”). In: MILLS, Alex. Op. cit. p. 34.

64

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 34.

65

Os princípios e muito das regras estabelecidas por Savigny foram adotados pelas práticas jurídicas da Alemanha, tornando-se assim, parte do direito alemão. Ocorreu ainda que algumas das antigas regras estatutárias (com provisões incompatíveis com Savigny) foram distorcidas para permitir sua interpretação conforme as opiniões de Savigny. Além da Alemanha, a doutrina de Savigny influenciou o direito e a literatura jurídica da Áustria, França, Itália e Grécia. Na Inglaterra e nos EUA, Savigny só não era mais influente do que Story. Ainda, ele apoiava o princípio prevalecente no direito inglês, de que o status de uma pessoa deveria ser testado por seu domicílio e não pela nacionalidade. In: WOLFF, Martin. Op. cit. p. 35.

66

MILLS, Alex. Op. cit. p. 35.

67

No início do século XIX, Bar utilizou a teoria de Savigny, em resposta a um ressurgimento do movimento positivista, afirmando que as regras de direito internacional privado podem derivar da “natureza do objeto em si”, partindo da ideia de haver uma comunidade internacional de direito que restringe todos os direitos territoriais, e define sua competência. Assim como Savigny, Bar afirmou que as regras de direito internacional privado não fazem parte do direito interno de cada Estado, não dependem meramente da determinação arbitrária de um determinado Estado, mas de limitações pertencentes ao direito das nações. Quando Bar escreveu, o direito internacional privado em vários países havia divergido do modelo de um único sistema internacional que ele e Savigny defendiam. Todavia, Bar afirmava que essa diversidade de práticas dos Estados deveria ser caracterizada como uma série de erros. O mero fato de que o direito internacional não é aplicado “corretamente” em cada Estado não deveria comprometer sua existência como direito internacional. In MILLS, Alex. Op. cit. p. 36.

68

Princípios elementares, cit., p. 44.

69

Princípios elementares, cit., p. 42-43.

70

A sede da relação jurídica, de que nos fala Savigny, é o ponto fundamental para o entendimento da disciplina que ora se estuda. Pois hoje, ao apreciarmos um caso misto, precisamos determinar--lhe a sede, ou os puntos de conexión de que nos fala Goldschmidt.

71

No final do século XIX, Kahn alegou que o ideal de Savigny, de um sistema universal ideal de direito internacional privado, como parte de um sistema universal de direito internacional, não era errado ou desaconselhável, mas era apenas impossível. Kahn afirmou que Savigny assumiu erroneamente que as categorias de relações jurídicas eram em si universais. Sem isso, é impossível para diferentes ordenamentos jurídicos aplicarem as mesmas regras para atingirem as mesmas decisões de direito internacional privado. Na verdade, para Kahn, as diversidades de sistemas jurídicos no final do século XIX significavam que os sistemas jurídicos nacionais eram muito diferentes para acomodarem qualquer sistema universal de categorias. Este argumento foi reforçado pelo Estado do direito internacional privado no final do século XIX, quando uma grande variedade de leis foi adotada. Kahn defendia que as leis de direito internacional privado eram aspectos do direito do Fórum. Ele não rejeitou a metodologia geral de Savigny, e considerou sua ideia de alocar cada relação jurídica no espaço. Todavia, Kahn rejeitou a ideia de que um único Fórum natural deveria ser identificado em cada caso, dizendo que, ao invés, cada Estado poderia ter sua própria ideia sobre qual era a lei apropriada. Assim, a metodologia de Savigny permaneceu influente, mas sua ideia de sistema universal de direito internacional privado como parte da comunidade internacional foi transformada no projeto NACIONAL de direito internacional privado, que continua hoje. MILLS, Alex. Op. cit. p. 42.

72

Conforme afirmação de Amílcar de Castro (Direito internacional privado, cit., p. 192).

73

No cenário italiano da época se fazia sentir todo o legado filosófico de Vicco – que penetrou a tradição do povo: umanità delle nazionii, encontrando em Mancini o mais fervoroso defensor da nacionalidade, pois os principados italianos de então ainda não constituíam um Estado.

74

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 38.

75

Savigny também reconheceu que todos os sistemas jurídicos contêm algumas regras que pelo interesse público devem ser aplicadas no território, estando as pessoas domiciliadas no território ou não; mas Savigny tratava essas regras como anômalas, como exceções aos princípios do direito internacional privado. Mancini e sua escola consideravam a territorialidade de todas as regras sobre política pública como um dos dois princípios fundamentais daquela parte do

direito. A escola italiana finalmente adicionou aos dois “princípios” de “nacionalidade e soberania” um terceiro, o “princípio da liberdade”, significando a liberdade das partes contratantes de escolherem a lei para reger o seu contrato. In: WOLFF, Martin. Op. cit. p. 38. 76

Claro que Mancini não excluiu a incidência do direito territorial em algumas circunstâncias. Ele desenhou uma distinção, remanescente estatutárias, entre leis pessoais e públicas. Leis pessoais faziam parte da expressão da vontade do indivíduo no Estado, um reflexo de sua personalidade e autonomia, com efeito internacional. Leis públicas, todavia, faziam parte da definição de caráter nacional por uma nação. Ambas eram importantes o suficiente para rejeitar a aplicação da lei estrangeira, e ainda específicas o bastante para serem limitadas ao território dos Estados. MILLS, Alex. Op. cit. p. 40.

77

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 39.

78

Curso, cit., p. 269.

79

Para o Prof. Amílcar, é “interessante que Pillet haja feito tão procedente crítica à doutrina italiana e por esta se deixasse influenciar; além disso, haja considerado ‘profundamente jurídica’ a teoria de Savigny, mas abandonado o método deste, que é o que nessa teoria tem valor”. Essa observação, muito acertada a nosso ver, é apresentada pelo professor após citar as palavras textuais de Pillet: “Mancini foi, antes de tudo, grande artista da palavra; e a forma sob a qual apresentou sua doutrina foi oratória e inflamada. Seduziu; e graças a essa sedução, esqueceu-se de que ele nada demonstrou” (Direito internacional privado, cit., v. 1, p. 155).

80

Curso, cit., nota 8, p. 271.

81

Von Bar, discípulo de Savigny, foi bastante criticado por juristas e filósofos, ao apresentar sua teoria, baseada na ideia do “direito natural”, como explicação ao dever do Estado de reconhecer a legislação dos demais, quando a aplicação do direito estrangeiro decorrer da natureza das coisas. Von Bar ficou conhecido ao publicar a obra Lehrbuch des internationalem Privat-und Strafrechts, cuja segunda edição apresentou-se com o título Theorie und Praxis des Internationalem Privatrechts.

82

Professor na Universidade de Bonn, Zitelmann apresentou o direito internacional privado como um direito sobre direitos (Recht Uberrechts). Concebia-o como um superdireito, vinculando-o ao direito das gentes. Quem bem representa a sua

doutrina, no Brasil, é o mestre Pontes de Miranda, que, em 1935, publicou, em dois volumes, a obra intitulada Tratado de direito internacional privado, onde expõe, magnificamente, as ideias de Zitelmann, as quais compartilhava. A propósito, em 1938, Pontes de Miranda escreveu, em francês, um trabalho, conhecido internacionalmente, intitulado La conception de droit international privé d’après la doctrine et la pratique au Brésil. A teoria de Zitelmann não teve, porém, a repercussão esperada, por não se adequar à realidade e às necessidades da época. Emílio Betti tentou, sem êxito, reabilitá-la ao publicar, em 1956, a obra intitulada Problematica del diritto internazionale. 83

Anzilotti, assim como Kahn e outros modernos internacionalistas, não aceitava a ideia de um sistema de direito internacional privado realmente internacional. Para ele, as regras de direito internacional privado são apenas regras de aplicação, pois indicam, dependendo do elemento de conexão, qual o direito (material e interno) a ser aplicado ao caso. Dentre os trabalhos de Anzilotti destaca-se a obra Studi critici di diritto internazionale privato.

84

Ernst Frankenstein procurou sistematizar, cientificamente, o direito internacional privado, que, segundo afirmava, se reduzia aos conflitos de leis. Em 1931 expôs sua doutrina na Academia de Direito Internacional de Haia. Para Frankenstein “a lei nacional é a competente para dar ordens ao homem, é a sua lei, em qualquer parte em que ele esteja; mas a lei territorial limita a pessoa, no que se refere às coisas que se encontram no território do Estado, e às instituições que o organizam” (Clóvis Beviláqua, Princípios elementares, cit., p. 51).

85

Também se destacam, ao lado destes, Jitta (na Holanda), Arminjon (na França), Niemeyer e Kahn (na Alemanha), Dicey (na Inglaterra), Beale, Lorenzem e Cook (nos Estados Unidos), pioneiros, na Europa Continental e Estados Unidos, dos movimentos de revisão do direito internacional privado, a partir da última década do século XIX.

86

WOLFF, Martin. Op. cit. p. 40.

87

Amílcar de Castro, Direito internacional privado, cit., v. 1, p. 200.

88

Irineu Strenger, Curso, cit., p. 273.

89

Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, 1925, p. 313-314.

90

Direito internacional privado, cit., v. 1, p. 202.

91

Cf. Théorie continentale des conflits des lois. Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de la Haye, Paris, 2(1):467, 1924.

92

Beviláqua, Clóvis. Princípios elementares, cit., p. 63-65. Por esta razão (sacrificar de cada soberania o mínimo possível de poder) é que a doutrina de Pillet ficou conhecida como a “doutrina dos sacrifícios” ou “do menor sacrifício”.

93

Elementos, cit., p. 317-318.

94

Elementos, cit., p. 324-325.

95

Como se vê na obra: Derecho internacional privado: derecho de la tolerancia (basado en la teoría trialista del mundo jurídico). Buenos Aires: Depalma. 3. ed. actualizada. Buenos Aires: Depalma, 1977.

96

Fundamentais são as obras: Sistema y filosofía del derecho internacional privado EJEA, 1952; Suma de derecho internacional privado. Buenos Aires: AbeledoPerrot; Divorcio extranjero de matrimonio argentino . Buenos Aires: Depalma, 1981.

97

Elementos, cit., p. 327-328.

98

Dentre muitas obras que poderiam ser referidas desses juristas exemplares, destacamos aqui de Henri Batiffol e Paul Lagarde. Traité de droit international privé. Paris: LGDJ (buscar sempre a última edição).

99

Private international law. Oxford: Clarendon Press, 1950 (ou qualquer outra edição).

100

Dentre suas muitas obras, Curso de derecho internacional privado: derecho de las relaciones privadas internacionales, Buenos Aires: Abeledo-Perrot (buscar última edição disponível); Derecho internacional privado, v. 3, Buenos Aires: Abeledo-Perrot (buscar última edição).

101

Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 3 (recorrer à última edição disponível).

102

Curso de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense (buscar última edição disponível).

103

Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense (buscar última edição disponível).

104

Dentre muitos livros e artigos, Direito internacional privado: parte geral e

contratos e obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

3 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Quando estudamos as fontes do direito internacional privado na atualidade, não podemos deixar de ter em mente os ensinamentos de Miguel Reale quando afirma: “Não se pode, em suma, configurar os modelos jurídicos como lentes pelas quais se observa o mundo da conduta humana, mas sim como estruturas que surgem e se elaboram no contexto mesmo da experiência, como objetos histórico-culturais que são.”1 É sob esta atmosfera que sugiro trabalharmos com as fontes daqui para diante. 3.1

AS FONTES ESTUDADAS SOB A PERSPECTIVA DA INTERPRETAÇÃO CONSISTENTE, INTERATIVA E EVOLUTIVA

O direito internacional privado chega à atualidade caracterizado pela “pluralidade dos métodos” e “complexidade das fontes normativas”. Suas lições doutrinárias apontam, indiscutivelmente, para horizontes de tecnicidade e formulação teórica jamais alcançados pela disciplina no curso de seu desenvolvimento históricosistemático.2 É justamente nesse domínio jurídico que a retórica da internacionalização da vida das pessoas vai sendo gradualmente assentada e exige, da experiência dos tribunais domésticos e do trabalho dos juristas internacionais, maior sensibilidade com os problemas da globalidade, multiculturalismo e proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana em nível transnacional. E justamente nesse contexto, a disciplina do conflito de leis no espaço não poderia deixar de oferecer uma técnica bastante sofisticada para a valoração e aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional, sem perder de vista a importância histórica de suas regras tradicionais e dos modelos clássicos. O jurista dedicado à prática do direito internacional privado é chamado, então, a

aventurar-se no amplo universo de suas fontes normativas e, igualmente, formar uma consciência geral da necessidade de valoração da função que a disciplina desempenha na regulação das relações privadas plurilocalizadas (ou multilocalizadas), com suas várias opções de regulação dos casos com elementos estrangeiros (casos mistos, multinacionais).3 Os tribunais domésticos são cada vez mais demandados ao reconhecimento de fontes normativas que não aquelas estritamente formais (leis internas e tratados ratificados), pela necessidade sempre constante de concretização da justiça e melhor e mais justa solução para o caso concreto. Do mesmo modo, seria hoje absolutamente irrelevante buscar justificar uma prevalência de fontes formais do direito ou hierarquização entre elas, sobretudo quando a sociedade internacional se caracteriza pelo pluralismo de centros decisórios e consciência sobre a regulação material das condutas humanas e solução de litígios em nível transnacional; cada vez mais, os Estados passam a concorrer com outras entidades na formulação do direito, em uma espécie de teia de responsabilidades pela criação e substantivação das normas jurídicas.4 No campo do direito internacional privado, em particular, nem precisaríamos especificar as várias possibilidades de manifestação da experiência de regulação dos casos jusprivatistas internacionais, como classicamente observadas na técnica do magistério de Goldschmidt5 igualmente revisitado por Antonio Boggiano 6 na escola latino-americana, rumo à tentativa de assentar uma versão mais culturalista e internacionalista da disciplina do conflito de leis. O presente capítulo lida fundamentalmente com o problema das fontes do direito internacional privado, oferecendo ao leitor uma atenta perspectiva de como diversas formas de elaboração e produção normativas na “sociedade internacional” determinam (e igualmente influenciam) as técnicas de solução do conflito de leis no espaço e como elas inovam em vários aspectos. Aqui, portanto, devemos verificar os principais modos de revelação das normas de direito internacional privado, dentro da necessária valoração que a teoria do direito, como um todo, oferece para a disciplina. Em essência, modelos de fontes normativas são importantes em um contexto de globalidade das relações humanas e mostram para o jurista como o domínio do direito

internacional privado está intimamente ligado a essa realidade tão difusa. O estudo das fontes não pode prescindir, portanto, da percepção redobrada da unidade do próprio direito. 3.2

MODELOS E CLASSIFICAÇÕES DAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

A formulação “plural” das fontes no direito internacional privado se justifica em uma série de fatores que concorrem entre si: de um lado, existe necessidade de assegurar uma regulamentação adequada das relações jurídicas que geram efeitos em mais de um país ao mesmo tempo, buscando satisfazer exigências da proteção de interesses de indivíduos e grupos, da economia global, das tradições e tantos outros imperativos da vida prática e conveniências próprias da comunidade internacional. As fontes do direito internacional privado são, assim, reflexos da própria dinâmica da “cultura jurídica internacional” – elementos sociológicos que determinam o esquema e fornecem o conteúdo de certas normas jurídicas que terão como escopo a regulação de casos contendo elementos estrangeiros, isto é, fatos, situações e relações jurídicas concernentes à vida internacional da pessoa.7 Enquanto domínio normativo, o direito internacional privado deixou de ser visto unicamente como ramo do direito público interno dos Estados ou como uma disciplina confusa e difusa pelo universalismo que prega.8 Ele passou a contar com intensa atividade de elaboração e codificação normativas no plano internacional, em significativa concorrência com as políticas legislativas nacionais adotadas ainda no final do século XIX e início do século XX em tantos países da Europa e América Latina.9 A existência de leis domésticas e de tratados e convenções relativos às diversas matérias do direito internacional privado implicou uma progressiva codificação, que deve ser encarada como fator de incentivo para a ampliação do rol das fontes do direito internacional com um todo, o que se estende inclusive ao rol do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.10 Aqui, a contribuição do direito internacional privado é inegável, dentro de uma dimensão global das estruturas normativas da disciplina: leis, tratados, atos de organizações internacionais, decisões

dos tribunais etc.11 De maneira racionalizada, as fontes do direito internacional privado podem ser concebidas em sentido amplo, de acordo com determinados critérios que podem ser estabelecidos pela natureza, hierarquia, status ou competências envolvidas na produção das normas. A gênese das normas de conflito pode estar na própria origem ou causa geradora dos fatos jurídicos; na orientação política dos órgãos ou instituições dos quais elas diretamente emanam e no próprio conteúdo dos documentos que as revelam e também de seus princípios fundamentais.12 As fontes são estruturas normativas que decorrem de competências específicas; assim, toda discussão sobre o tema não pode estar centrada na possível hierarquia entre aquelas estabelecidas, como tradicionalmente a doutrina do direito internacional privado tem abordado, mas antes no poder, do juiz e do intérprete do direito, de “optar entre várias vias normativas possíveis”13 – sem necessariamente recorrer a uma ordem hierarquizada. Isso nos leva a sustentar que o universo das fontes do direito internacional privado é caracterizado por pluralismo e complexidade e, por essa razão, não faltarão aos tribunais subsídios suficientes para o julgamento dos casos com elementos estrangeiros. Aliás, o trabalho do jurista internacional é especular todas as possibilidades e alternativas presentes nas amplas vertentes internacionais do direito. Ainda assim, valeria a pena retomar algumas considerações da teoria geral das fontes, em particular pelas classificações normalmente desenhadas pela doutrina. Frequentemente, encontramos as expressões fontes (de produção ou revelação) do direito ou fontes normativas, ainda que entre elas existam variações. Os esquemas conceituais nesse campo apontam para duas categorias muito amplas e ao mesmo tempo úteis para a compreensão dos meios pelos quais o direito, enquanto produto político e cultural, pode ser expressado na sociedade: i)

a primeira noção diz respeito às “fontes materiais”, que compreendem certos atos e fatos como fontes (produtoras e reveladoras) do direito, em virtude do conteúdo (se atos) ou resultado (se fatos) normativos manifestados; trata-se de uma concepção necessariamente dependente da noção de

ii)

direito, vale dizer, da ideia de conjunto de normas e valores atributivos de enunciados ou “prescrições gerais e abstratas” sobre comportamentos sociais; a segunda noção diz respeito às “fontes formais”, que compreendem certos atos e fatos tomados oficialmente como fontes normativas, independentemente de conteúdos ou resultados normativos possivelmente implicados; essa noção remete às normas que coordenam a produção jurídica de diversos ordenamentos (normas de competência e normas de comportamento).

Por ser ampla a noção de “fontes materiais” do direito, seria possível encontrar nela um conceito teórico-geral de fonte, não tanto pelo fato de que seja válida para quaisquer ordenamentos jurídicos, mas porque ela pretende determinar quais são as fontes de quaisquer ordenamentos jurídicos, no todo independentes do conteúdo positivo de um ordenamento de que se trate. Essa categoria – a das fontes materiais – prescinde, portanto, dos vários modos pelos quais os ordenamentos jurídicos regulam a criação do direito.14 A noção de “fontes formais”, por sua vez, corresponde, em larga medida, ao conceito dogmático de fonte do direito, sobretudo porque ela determina qual procedimento está associado à produção normativa. É justamente o caso das leis internas e dos tratados e convenções internacionais. Qualquer uma dessas noções não escaparia dos vícios e problemas intrínsecos às classificações doutrinárias, de modo a reduzir a realidade do direito a inúmeras subcategorias de fontes, de acordo com natureza, hierarquia, competências e âmbito de aplicação de normas jurídicas (e. g., legislativas, consuetudinárias, doutrinárias, jurisprudenciais; internas, comunitárias, regionais e internacionais etc.).15 De qualquer modo, a contraposição entre tais categorias nunca deixa de ser relevante, na medida em que a valoração das fontes do direito permite englobar determinadas manifestações da elaboração e institucionalização das normas, não necessariamente dependentes do poder estatal para sua expressão e aplicação. Por isso mesmo, na experiência que se constrói a partir do direito internacional privado, instituições das mais variadas ordens seriam igualmente responsáveis pela

criação normativa: os Estados, organizações internacionais, intergovernamentais, não governamentais, empresas, agrupamentos religiosos, a família e as comunidades. A atualidade das técnicas do conflito de leis não permite ignorar essa realidade. Tomando-se a noção de fontes materiais, por exemplo, a ideia de “reconhecimento” das manifestações do direito é ampliada, já que esse processo não se faz a partir de elementos puramente formais, como, por exemplo, o nomen iuris do veículo normativo, o procedimento de formação ou pela presença de autoridade estatal por trás da produção das normas. Há necessidade de investigação do conteúdo regulado, porque todos os atos ou fatos da vida que sejam revestidos de conteúdo normativo – considerando aqui a capacidade de generalidade e abstração – constituem fontes do direito, quaisquer que sejam suas conotações formais.16 Assim, as fontes do direito internacional privado podem ser – genericamente consideradas – em dimensões internas, internacionais, institucionais e narrativas. A doutrina tem buscado classificá-las de acordo com os “domínios de produção normativa”,17 a partir dos quais seria possível falar em direito internacional privado autônomo (com base nas fontes internas), direito internacional privado convencional (decorrente de normas gerais de tratados e convenções) e direito internacional privado institucional (decorrente de atos de organizações internacionais no marco de processos de integração econômica, como é o caso da União Europeia e Mercosul) nos processos formais de produção normativa. Outras instâncias, no entanto, são integradas ao rol das fontes do DIPr, como é o caso da doutrina, jurisprudência, princípios gerais, além das técnicas de inspiração ou persuasão (como manifestações evidentes de um modelo de flexibilização das fontes do DIPr em suas dimensões narrativas ou pelo senso comum identificadas como fontes de soft law).18 Uma outra classificação pode ser estabelecida segundo as manifestações das normas de conflito de leis. Assim, as fontes do direito internacional privado podem ser identificadas de acordo com as possíveis “dimensões” de sua produção ou elaboração:19 a)

dimensão propriamente internacional, que seria integrada por princípios e

b)

c)

d)

e)

normas de alcance universal, de cuja formação afirmou-se a presença história dos Estados e que tendem a objetivar-se (jus cogens), sem possibilidade de derrogação, seja formal ou materialmente; dimensão interestatal, pela qual os Estados estabelecem normas convencionais – formulação do direito internacional privado a partir das normas de tratados e convenções (direito internacional convencional), de modo a confirmar uma institucionalização da produção normativa internacional do direito internacional privado, isto é, a formalização das estruturas normativas por instrumentos internacionais; dimensão comunitária-regional, na qual a participação dos Estados direciona os objetivos de uma harmonização normativa nas várias áreas do direito – coexistência dos direitos domésticos e de um sistema normativo fundado em normas comunitárias ou regionais em organizações internacionais ou de caráter supranacional, como seria na atualidade o caso do direito da União Europeia (assim como o direito da Comunidade Andina e, com certas restrições, o direito do Mercosul). O domínio do direito internacional privado também é ajustado a essa realidade; dimensão interna ou doméstica, na qual as fontes normativas do direito internacional privado são reveladas a partir de leis, códigos e regulamentos especiais em torno da positivação de normas destinadas à solução dos conflitos de leis no espaço; dimensão institucional ou persuasiva que prescinde da presença de Estados, mas está justificada na produção de normas que descrevem comportamentos de sujeitos específicos (e. g., indivíduos e empresas, organizações, associações etc.), buscando imprimir, paralelamente à aplicação de normas formais, uma técnica de inspiração ou persuasão. Essa dimensão institucional compreende leis-modelo, guias, diretrizes, códigos de conduta, regras e regulamentos uniformes etc. Isso é evidente no campo de formulação do direito internacional privado a partir da atividade institucional de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais dedicadas ao estudo e à prática relativos à

disciplina, tais como o UNIDROIT e a UNCITRAL. É evidente que uma classificação como a acima proposta padece de problemas de forma e de fundo, mas pode ser oferecida em seu caráter pedagógico, e porque serve para orientar, tecnicamente, o jurista na tarefa de selecionar as diversas opções normativas entre as fontes do direito internacional privado. Ela somente fará sentido quando o conjunto normativo resultante (somatória das várias fontes) puder ser interpretado e aplicado aos casos concretos, e, a partir daí, compreendido em suas diversas modalidades de interação, suas possíveis contradições e concorrência de soluções.20 Isso porque o direito, em qualquer domínio que se considere, é uma ordem valorativa: requer do jurista um importante trabalho de interpretação e aplicação das normas jurídicas para a concretização da justiça nos casos. 3.3 3.3.1

FONTES INTERNAS: OS CÓDIGOS E LEIS DE DIPR Contextualização da lei interna como fonte do direito internacional privado: breve perspectiva de direito comparado

A evolução histórico-sistemática do direito internacional privado mostrou que a lei interna foi sempre considerada pela doutrina como principal fonte normativa, ainda para aqueles filiados às vertentes universalistas e internacionalistas da disciplina. E, de fato, mesmo a natureza das normas de direito internacional privado de origem legislativa é específica, não se confundindo com outras decorrentes das leis internas dos Estados; elas adquirem status diferenciado, podendo ser inclusive qualificadas como normas de ordem pública internacional.21 No tocante ao direito legislado, é possível identificar que o direito internacional privado, nos contextos domésticos, sofreu forte influência da codificação do direito francês desencadeada no século XIX, com a edição do Código Civil de 1804 de Napoleão, modelo que projetou para as demais experiências legislativas na Europa continental. Assim ocorreu, primeiramente, com o antigo Código Civil italiano de 1865 (e posteriormente o de 1942), a respeito da sistematização de regras de direito internacional privado (“Disposições sobre as Leis em Geral”), e na Alemanha, com a

entrada em vigor, em 1900, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1896 (EGBGB).22 Por muito tempo, a construção sistemática das normas de direito internacional privado nos ordenamentos domésticos dos países europeus esteve assentada no modelo das codificações e leis especiais. Só recentemente houve reformas legislativas de grande importância, como aquelas empreendidas na Suíça (e. g., a Lei de Direito Internacional Privado de 1987), na Alemanha em 1986 e subsequentemente em 1999, na Itália em 1995 (Lei sobre a Reforma do Sistema Italiano de Direito Internacional Privado) e na Inglaterra em 1995, com a consolidação do Private International Law Act de 1995. A Itália aponta para um dos modelos jurídicos mais condizentes com as novas tendências do direito internacional privado e sua pluralidade de fontes normativas. A Lei sobre a Reforma do Sistema Italiano de Direito Internacional Privado (Lei nº 218, de 31 de maio de 1995)23 estabeleceu importantes inovações na disciplina ao ajustar o ordenamento interno às transformações ocorridas no domínio do direito comunitário europeu, refletidas tanto na prática do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias como na influência da doutrina jusprivatista internacional desenvolvida nas últimas décadas.24 Com efeito, a lei italiana apresenta o caráter de codificação do direito internacional privado em sentido amplo, compreendendo, igualmente, áreas do direito processual civil internacional, tais como jurisdição e competência internacional dos tribunais nacionais e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras. O legislador estabelece que o escopo da Lei de 1995 é o de determinar o âmbito da jurisdição italiana, estabelecer os critérios para indicação do direito aplicável e disciplinar a eficácia das sentenças e dos outros atos estrangeiros no ordenamento italiano.25 Na Alemanha, a Lei de Introdução ao Código Civil de 1896 (EGBGB) veio sofrendo importantes reformas nas últimas décadas, como aquelas especificamente promovidas em 1986 e 1999,26 e que se justificaram, em grande medida, pela necessidade de adaptação do direito internacional privado de origem legislativa à

evolução das fontes internacionais (e.g., convenções e tratados adotados na Europa nas décadas de 1960, 1970 e 1980). No caso do ordenamento alemão, isso ficava evidente pela necessidade de modernização das normas em matéria contratual internacional, sobretudo quanto à antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial em torno da Convenção de Roma de 1980 sobre lei aplicável às obrigações contratuais, hoje em larga medida pacificada. As reformas do EGBGB pela primeira vez estabeleceram normas de direito internacional privado relativas ao enriquecimento sem causa, representação e mandato em negócios jurídicos e regras de conexão alternativas para escolha da lei aplicável aos bens e relações de direito de família. Igualmente, foram responsáveis por alterações pontuais das normas de conflito relativas à escolha de lei aplicável aos delitos com conexão internacional, domicílio conjugal, dissolução do casamento, contratos de coabitação, adoção internacional e aplicação das diretivas da União Europeia sobre proteção do consumidor no campo dos contratos internacionais.27-28 A Lei Suíça de Direito Internacional Privado de 1986 29 também tem suas origens na necessidade de ajustamento do ordenamento suíço às mudanças operadas com a adoção de atos internacionais específicos, como as convenções concluídas sob os auspícios da Conferência de Haia.30 A LDIP de 1986 estabelece uma seção de normas gerais em matéria de jurisdição e competência internacional, direito aplicável (escolha de lei), domicílio e nacionalidade, reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, e uma parte especial contendo normas de conflito em matéria de estatuto pessoal, casamento, filiação, tutela e medidas de proteção de menores, regime das sucessões, direitos reais, propriedade intelectual, direito das obrigações, direito das sociedades, falências e concordatas.31 Em outros países da Europa, como Portugal e Espanha, normas de direito internacional privado são extraídas dos códigos civis. O ordenamento português, por exemplo, não conta com uma legislação sistemática em matéria de DIPr, a não ser alguns dispositivos contidos no Capítulo III do Código Civil de 1966,32 intitulado “Direito dos estrangeiros e conflitos de leis”, que estabelece normas gerais e normas de conflito especiais, indicativas do direito aplicável ao estatuto pessoal, lei

reguladora das obrigações, lei reguladora dos bens, lei reguladora das relações de família e lei reguladora das sucessões.33 O Código Civil espanhol de 1889, em seu Título Preliminar, estabelece normas gerais de direito internacional privado, como nos arts. 8º a 16.34 O diploma especificamente estabelece regras de conexão sobre lei aplicável ao estatuto pessoal (art. 9º), sobre os bens e relações jurídicas de direitos reais (art. 10), obrigações e sucessões (art. 11), bem como regras sobre qualificação, reenvio, fraude à lei e aplicação do direito estrangeiro (art. 12). Ainda em relação às fontes normativas, o art. 1º do Código Civil português de 1966 estabelece uma distinção entre fontes imediatas e formais do direito, considerando-as entre as leis e as normas corporativas ou aquelas provenientes de entidades distintas da autoridade estatal. A seguinte definição é apresentada pelo legislador: “Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, econômicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos.”35 A evolução do direito internacional privado (ou, de acordo com a terminologia empregada na tradição jurídica anglo-americana, “conflito de leis”) nos Estados Unidos desconheceu uma fase legislativa propriamente dita.36 Basicamente, os Estados federados perseguem diferentes orientações e os tribunais locais tendem a decidir com base nos diferentes casos, sem estarem diretamente vinculados aos precedentes dos tribunais superiores. Além da jurisprudência federal e estadual que influencia a prática do “conflito de leis”, duas manifestações normativas podem ser identificadas no contexto norte-americano: o Restatement of the Law of the Conflict of Laws e a Full Faith Clause da Constituição norte-americana. O Restatement não é um texto legislativo, mas antes uma compilação de normas selecionadas a partir da prática dos tribunais e doutrina e reunidas em um documento produzido pelo American Law Institute (ALI). Essa entidade é responsável por consolidar as normas do common law, como concebidas pelos tribunais norteamericanos. A primeira versão do Restatement of the Law of the Conflict of Laws foi

lançada em 1934, como resultado dos importantes trabalhos de Joseph Henry Beale (da Universidade Harvard) e Ernst Lorenzen (da Universidade Yale), que tanto contribuíram para o desenvolvimento do direito internacional privado na escola norte-americana. O Restatement (First) of Conflitct of Laws era composto de 625 parágrafos e enfatizava, já em seu prefácio, a “especial dificuldade” apresentada pela disciplina.37 A obra destacava-se pela rigidez conceitual e, muitas vezes, pelo distanciamento da prática dos casos com elementos estrangeiros apreciados pelos tribunais norte-americanos, seja nos casos autenticamente jusprivatistas internacionais, seja naqueles de conflitos interestaduais (entre jurisdições dos Estados federados norte-americanos), em matéria contratual e de competência dos tribunais. A consideração das fontes internas de direito internacional privado a partir da perspectiva brasileira merece tratamento em separado. Os próximos itens descrevem um pouco do desenvolvimento da codificação e alguns dos principais aspectos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Os comentários são apenas um ponto de partida. Um olhar global sobre a disciplina mostra que as normas de direito internacional privado, de origem legislativa, aparecem também implicadas no direito constitucional e infraconstitucional do ordenamento brasileiro e, por isso, seria impossível esgotar o tema na tratadística jurídica. 3.3.2

Aspectos gerais da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antes denominada LICC)38

O caso brasileiro aponta para a gradativa sistematização das leis internas em matéria de direito internacional privado, fundando-se, inicialmente, em um conjunto de normas extravagantes – nos campos civil, comercial e processual – vigentes no final do século XIX em coexistência com as Ordenações do Reino de Portugal.39 A precisa observação de Clóvis Beviláqua, ainda em 1906, mostrava o lamento do jurista em relação ao desenvolvimento incipiente da elaboração normativa e científica do direito internacional privado no Brasil, ainda que o país vivesse, naquele período, intensa experiência com fluxos imigratórios e a abertura gradual para as relações de comércio com outros Estados.

Uma das tentativas sistemáticas realizadas havia sido justamente aquela de Carlos de Carvalho, na edição da Nova consolidação das leis (1899), em que o jurista aprofundava algumas poucas referências da disciplina incluídas por Teixeira de Freitas em seu Esboço do projecto do Código Civil. A Consolidação de Carlos de Carvalho continha dispositivos específicos em matéria de direito internacional privado (arts. 33 a 45), os quais eram apresentados de maneira sistemática e coligados com as normas extravagantes então vigentes no direito brasileiro.40 Dentre as leis e decretos que continham normas de conflito de leis, alguns bons exemplos podem ser mencionados, tais como o Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850 (“ordem do juízo processual comercial”); a Lei nº 2.615, de 4 de agosto de 1875 (“julgamento de crimes praticados no estrangeiro”);41 o Decreto nº 6.982, de 27 de julho de 1878 (“execução das sentenças, cíveis ou comerciais, dos tribunais estrangeiros”);42 o Decreto nº 7.777, de 27 de julho de 1880 (“execução das sentenças estrangeiras na falta de reciprocidade”); e o Decreto nº 9.370, de 14 de fevereiro de 1885 (“Novo regulamento à Caixa de Amortização”).43 A promulgação da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1º de janeiro de 1916, que entrou em vigor em 1917, deu lugar ao primeiro sistema legislativo de direito internacional privado brasileiro, como resultado do projeto apresentado por Clóvis Beviláqua.44 Originalmente, os arts. 15 a 42 da Introdução destinavam-se à solução de conflitos de leis no espaço, em um modelo nitidamente inspirado na tradição europeia continental, sobretudo aquele assentado pela sistemática da Lei de Introdução ao Código Civil alemão de 1896 (EGBGB), sob inspiração savigniana. À época da promulgação do Código Civil de 1916, no entanto, o substitutivo apresentado pelo Conselheiro Andrade Figueira aos trabalhos da comissão revisora da Câmara dos Deputados formulava uma redução considerável do número de dispositivos relativos ao direito internacional privado, resultando – como observa Espínola –, em uma “fusão inconveniente de alguns artigos do projeto e supressão de outros”.45 No Congresso, Andrade Figueira havia ardorosamente defendido a regra da nacionalidade como critério para determinação do direito aplicável às relações jurídicas de família, mas com exceções em favor da lei do domicílio e da lei

brasileira quanto à capacidade das pessoas, regime de bens e sucessões.46 Mesmo assimilando todos os problemas decorrentes do processo legislativo, a Introdução oferecia, naquela ocasião histórica, em seus arts. 8º a 21, sofisticadas normas conflituais para a determinação do direito aplicável às relações jurídicas plurilocalizadas envolvendo estatuto pessoal, direitos de família, direitos reais, obrigacionais e sucessórios e reconhecimento das pessoas jurídicas de direito estrangeiro. Com sua promulgação, o Brasil passaria a endossar, do ponto de vista de uma orientação legislativa própria, o direito internacional privado justificado por um corpo orgânico de normas especiais de conflito de leis. Na opinião do Prof. Valladão, a Introdução de 1916 reunia “disposições legislativas que, interpretadas por uma doutrina esclarecida e uma jurisprudência equilibrada, norteadas por Teixeira de Freitas e Clóvis Beviláqua e respeitando as tradições pátrias, satisfaziam os anseios gerais do país”.47 Assim, por exemplo, quanto à forma dos atos jurídicos e provas, a Introdução, em seus arts. 11 e 12, adotava a lei do local de sua ocorrência como critério definidor do direito aplicável; em relação aos bens, adotava-se o sistema unitário da lei do local de situação, com ressalva da aplicação da lei pessoal do proprietário aos bens móveis sem localização permanente (art. 10). Quanto às relações jurídicas obrigacionais, a Introdução de 1916 adotava duplamente o princípio da autonomia da vontade e a lei do local de constituição.48 Anos mais tarde, em 1939, uma comissão foi constituída em sede governamental para empreender uma reforma no Código Civil de 1916 e em sua Introdução, culminando na elaboração de um anteprojeto, de autoria de Filadelfo de Azevedo, Hahnemann Guimarães e Orozimbo Nonato. Posteriormente, ele foi convertido na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942,49 diante de tantas críticas da doutrina que se posicionava contrariamente ao destino da Introdução ao Código Civil de 1916, sobretudo pela finalidade pretendida pelo Estado autoritário de Getúlio Vargas de afastar a aplicação das leis nacionais de alemães, italianos e japoneses então residentes no Brasil e aprovar um anteprojeto bastante discutível.50 O sistema de 1916 foi, assim, suplantado em sua totalidade pela promulgação da

nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942 ainda hoje vigente; sua orientação sistemática divide-se, fundamentalmente, em normas de direito intertemporal (arts. 1º a 6º) e direito internacional privado (arts. 7º a 1851). Nesse domínio, em particular, destacam-se regras de conexão em matéria de estado, capacidade, nome e direitos de família (art. 7º), direitos reais (art. 8º); direitos obrigacionais (art. 9º), direitos sucessórios (art. 10); reconhecimento da pessoa jurídica de direito estrangeiro (art. 11); competência internacional do juiz brasileiro (art. 12); provas obtidas no estrangeiro (art. 13); aplicação e prova do direito estrangeiro perante os tribunais nacionais (art. 14); reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras (art. 15); reenvio (art. 16); e reserva da ordem pública e limites à aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional (art. 17).52 Ainda no início da década de 60, após edição do Decreto nº 51.005/1961,53 o governo federal nomeou o Prof. Haroldo Valladão para a coordenação dos trabalhos de alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e elaboração de um anteprojeto de lei, apresentado, posteriormente, em 1964. Naquela oportunidade, o professor preferiu concebê-lo como lei autônoma – a “Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas” –, que compreendia 91 dispositivos sobre várias matérias jurídicas. Em 1970, especificamente, uma comissão revisora, composta por Luiz Gallotti, Oscar Tenório e o próprio Haroldo Valladão, aprovava o texto do anteprojeto, com apenas determinadas emendas pontuais, sem prejudicar a sistematicidade do texto formulado. Lançado ao esquecimento, como bem observa Grandino Rodas,54 o projeto de 1970 acabou não sendo convertido em lei. Anos mais tarde, na década de 80, por iniciativa do Senador Nelson Carneiro, foi reapresentado o projeto de lei originalmente elaborado por Valladão, então consolidado no Projeto de Lei nº 264/1984.55 Depois de quatro anos de tramitação, foi este arquivado em 19 de abril de 1988, provavelmente pela obsolescência e anacronismo de seus dispositivos normativos e maior atenção dispensada pelo Congresso Nacional, naquele momento, aos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1988.56 Em 1994, nova comissão de especialistas, integrada pelos Profs. João Grandino

Rodas, Jacob Dolinger, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho, foi constituída pelo Ministério da Justiça com vistas à elaboração de propostas de reforma da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942.57 Como resultado, a comissão apresentou anteprojeto de Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, dividido em três capítulos fundamentais: normas jurídicas em geral, direito intertemporal e direito internacional privado. Encaminhado à Câmara dos Deputados, ele foi convertido no Projeto de Lei nº 4.905, de 1996, mas retirado de pauta às vésperas de ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.58 Uma das importantes alterações propostas pela comissão havia sido justamente aquela do art. 11 do PL nº 4.905, que consolidava a adoção do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais, compatibilizando a norma legislativa à orientação adotada pela importante Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, de 17 de março de 1994, assinada pelo Estado brasileiro, porém sem sua ratificação até o presente.59 Mais recentemente, por iniciativa do Senador Pedro Simon, foi apresentado o Projeto de Lei nº 269/2004,60 que vem resgatar os trabalhos da comissão de especialistas de 1994, incorporados ao já arquivado PL nº 4.905/1994. Paralelamente, o Ministério da Justiça também designou nova comissão para elaboração de um anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional,61 buscando, com essa medida, harmonizar seu conteúdo com aquele do Projeto de Lei nº 269/2004 sobre aplicação das normas jurídicas. Em 30 de dezembro de 2010 foi promulgada a Lei nº 12.376, que alterou a ementa do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, e ampliou seu campo de aplicação, transformando a LICC – “Lei de Introdução ao Código Civil” em “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, sem, contudo, inovar ou alterar o conteúdo da LINDB de 1942. Da mesma forma, cumpre mencionar que a Lei nº 13.655/2018 também altera a Lei de Introdução sem, contudo, alterar seu conteúdo, ao acrescentar os arts. 20 a 30, dirigidos às esferas administrativa, controladora e judicial, para que não decidam com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão e sua repercussão geral.

3.3.3

A unidade das fontes no sistema brasileiro de direito internacional privado

A ausência de uma coerente política legislativa em torno da sistematização do direito internacional privado a partir de um código ou lei especial no Brasil leva à necessidade de ampliação das alternativas oferecidas pelas fontes normativas, sobretudo quanto aos tratados e convenções, os trabalhos da doutrina jusprivatista internacional e a prática da jurisprudência recente nos tribunais domésticos (togados e arbitrais). O anacronismo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942 em relação às demandas de regulação dos novos problemas do direito internacional privado exige a reconsideração da importância e dinâmica das outras fontes normativas. Se a lei não muda – porquanto a temática do direito internacional privado pareça ser de pouca relevância técnica aos poderes Legislativo e Executivo no Brasil –, a consciência da dinamicidade da disciplina deve estar sempre presente no trabalho incansável do jurista. Em tempos de renovação dos métodos e da globalização do ensino jurídico, deve o jurista internacional buscar inspiração na totalidade do direito, sem perder de vista a variedade de suas áreas especializadas. A LINDB 1942, para além de seu inquestionável valor dogmático, deixou de oferecer soluções consentâneas para os problemas identificados nas relações entre ordenamentos jurídicos, a partir da perspectiva do direito brasileiro atual. E isso tem sido apontado pela doutrina como um dos déficits mais significativos de abordagem legislativa em relação àquelas perseguidas por tantos outros Estados62 e ao movimento de renovação da disciplina impulsionado pelas fontes convencionais e institucionais, sobretudo nos trabalhos da Conferência de Haia, UNCITRAL, UNIDROIT, da Comissão Jurídica Interamericana e da Organização dos Estados Americanos. Ainda relativamente às fontes internas, uma infinidade de exemplos retirados da legislação nacional aponta para uma consolidação de normas esparsas de direito internacional privado e temas correlatos no Brasil, tais como: o Decreto nº 2.627/194063 e, atualmente, a Lei nº 6.404/1976, que dispõe sobre as sociedades por ações no direito brasileiro; a Lei nº 6.385/1976, sobre mercado de valores mobiliários; a Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos); a Lei nº 13.105/2015

(Código de Processo Civil);64 a Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro); a Constituição Federal de 1988;65 a Lei nº 9.474/1997 (Lei dos Refugiados); a Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem);66 e o Código Civil de 2002, em especial nos dispositivos concernentes ao domicílio das pessoas naturais e jurídicas e sociedades empresárias.67-68 3.3.4

Descodificação do direito internacional privado e a internacionalização de valores constitucionais estatais

O desenvolvimento das fontes internas do direito internacional privado nos últimos 20 anos, em diferentes países, sofreu um processo de intensa descodificação e de setorialização. O surgimento de leis especiais, como aquelas relativas à proteção da concorrência, propriedade intelectual, obrigações cambiárias, proteção do meio ambiente nos países, permitiu a incorporação de elementos de várias áreas do direito material no direito internacional privado e nos ordenamentos domésticos. Como também será visto no tocante às fontes internacionais, trata-se de um retorno, na verdade, à codificação rationae materiae de tantas áreas do direito internacional privado, que responde às exigências de especialização da prática da disciplina.69 Outro aspecto de grande importância no contexto das fontes internas do direito internacional privado é justamente aquele da internacionalização de valores constitucionais estabelecidos nas diferentes constituições dos países e que condicionam a aplicação do direito estrangeiro pelos juízes nacionais; tais valores internacionalizam--se como princípios gerais internacionais, sobretudo quanto à generalidade de sua observância, tais como: princípio da dignidade da pessoa humana; princípio do livre desenvolvimento da personalidade; princípio da igualdade e não discriminação em virtude de sexo, raça, religião ou qualquer outra manifestação; liberdade religiosa, de culto e de crença; proteção da família e dos filhos; princípio da ampla defesa e do contraditório e acesso à justiça; direito à propriedade privada e herança, condicionadas à função social; princípio da livre iniciativa; proteção das relações de consumo e de concorrência nos mercados; proteção do meio ambiente; proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural etc.

3.4 3.4.1

FONTES INTERNACIONAIS: TRATADOS E CONVENÇÕES A importância das fontes convencionais na atualidade do direito internacional privado

Tratados e convenções referem-se à importante área do direito internacional convencional, em cujas fontes o direito internacional privado busca sua formulação normativa.70 Isso é evidente nos acordos bilaterais, regionais e multilaterais de que são signatários os Estados e que têm como escopo de aplicação várias relações jurídicas compreendidas pelo direito internacional privado, direito processual civil internacional e matérias correlatas.71 Em outros casos, tratados e convenções são ainda importante fonte de inspiração para a interpretação e aplicação das normas de direito internacional privado, mesmo quando não ratificados pelos Estados. Para o jurista brasileiro dedicado ao estudo e prática da disciplina, essas considerações são extremamente úteis. A explicação para essa realidade reside justamente no desenvolvimento histórico-sis-temático do direito internacional privado após a Segunda Guerra Mundial. O surgimento de organizações internacionais, a queda das barreiras militares entre Estados e a abertura das fronteiras territoriais levaram à afirmação de uma ordem normativa conducente à regulamentação da vida internacional das pessoas, à tentativa de harmonização normativa no campo das regras determinadoras do direito aplicável aos casos multinacionais e daquelas concernentes à jurisdição e competência internacional dos tribunais nacionais. Estatisticamente, conforme observa Garcia Velasco, 72 seria inútil buscar comprovar que o fenômeno da codificação da disciplina em suas fontes convencionais já adquiriu uma intensidade qualitativa e quantitativa superior, se comparada às épocas anteriores, sobretudo devido ao amplo trabalho das organizações internacionais. Da mesma forma, seria desnecessário o trabalho aqui de tentar demonstrar a enorme importância das etapas de harmonização, uniformização e unificação do direito internacional privado e os enormes benefícios já alcançados.73 Não obstante o movimento regular de codificação do direito internacional

privado a partir das fontes convencionais, é possível observar, igualmente, que em determinados círculos, como na Conferência de Haia de Direito Internacional Privado e nas Conferências Especializadas Interamericanas sobre Direito Internacional Privado (CIDIPs) da Organização dos Estados Americanos, 74 tratados e convenções não foram objeto de adoção unânime pelos Estados. Isso ocorre, em larga medida, tanto pela falta de vontade política das autoridades governamentais, como pela dificuldade de capacitação do corpo diplomático e sua alocação em conferências diplomáticas especializadas, o que prejudicaria, efetivamente, a formação de consciência sobre a importância do convencionalismo no direito internacional privado. A esses fatores, soma-se o problema de que, muitas vezes, tratados e convenções são mal compreendidos ou quiçá desconhecidos pelos tribunais domésticos. O juiz nacional terá muito pouco a oferecer para a concretização das normas convencionais em matéria de direito internacional privado se não se deixar seduzir pelo rico universo das fontes e pela aplicabilidade de tais instrumentos em seus ordenamentos nacionais.75 Do mesmo modo, o processo de codificação do direito internacional privado a partir das fontes convencionais correria um risco de eventual abandono dos esforços da comunidade internacional em torno da harmonização, uniformização e unificação das áreas da disciplina; isso poderia lançar as novas tendências do direito internacional privado ao unilateralismo dos Estados em suas políticas legislativas domésticas, gerando soluções centradas numa visão estrita do princípio da territorialidade e pouco conducentes à organização da vida internacional das pessoas, como atestada na criticável experiência de rejeição da aplicação do direito estrangeiro pelos tribunais dos Estados federados dos Estados Unidos, com apego excessivo à lex fori (sobretudo em virtude das leis imperativas do foro ou de public policy). No limite, também não poderíamos concordar integralmente com a concepção de Erik Jayme em torno da “crise da codificação internacional” no direito internacional privado.76 O fato de que a adoção de um tratado controvertido ou de difícil aplicação possa levar a uma “falsa harmonização” não significa, necessariamente, que a codificação nacional seja o instrumento predileto para o desenvolvimento e

descoberta de novas soluções no campo do direito internacional privado, especialmente pelos riscos do unilateralismo possivelmente gerados. O surgimento das fontes do direito do comércio internacional, por exemplo, a partir da perspectiva da nova lex mercatoria,77 provou que o anacronismo e a falta de convergência das legislações domésticas envolvendo normas de conflito de leis teria sido uma das próprias causas da inaptidão do direito internacional privado em oferecer soluções favoráveis à prática negocial do comércio internacional.78 Assim, retomamos a ideia de que a pluralidade das fontes continua a ser o grande diferencial e nomos do direito internacional privado. Tratados e convenções refletem a dinâmica da ação dos Estados na consolidação e convergência de soluções substantivas e procedimentais para várias áreas do direito, alcançadas em difíceis processos de negociação, mas em torno de um consenso sobre a necessidade de regulamentação dos casos multinacionais e dos problemas de distribuição de justiça global (e. g., questões de harmonização de regras de jurisdição e competência internacional e reconhecimento de sentenças estrangeiras pelos Estados). Essa racionalidade justifica, em larga medida, a própria essência da disciplina do conflito de leis no espaço, que é a de buscar a aproximação de tais soluções, reconhecendo a pluralidade e diversidade dos ordenamentos jurídicos, assim como a de auxiliar o jurista na tarefa de determinação do direito aplicável aos casos com elementos estrangeiros. Um movimento intimista e “nacionalizador” da regulação do direito internacional privado não seria desejável no atual estágio de desenvolvimento da disciplina. O mesmo pode ser dito para as teses que justificam a prevalência das leis internas sobre tratados internacionais – hoje totalmente inadequadas à dinâmica da regulação normativa das relações jurídicas plurilocalizadas.79 3.4.2

A substantivação das normas de direito internacional privado pelas fontes convencionais

A adoção de tratados e convenções em temas relativos ao direito internacional privado pelos Estados levou, em grande medida, a uma indiscutível “substantivação” das normas de conflitos. Vários subsistemas foram criados a partir da própria

experiência do direito internacional privado. A doutrina, por sua vez, nunca deixou de negar a existência de áreas específicas na disciplina, deduzidas a partir do conjunto de “casos mistos”, “casos jusprivatistas internacionais” ou “casos com elementos estrangeiros” levados aos tribunais. Daí por que tantos autores dedicam-se ao estudo de temas do “direito de família internacional”, “direito sucessório internacional”, e “direito dos contratos internacionais”.80 Esse aspecto também se reflete na relação sistêmica que o direito internacional público mantém com o direito internacional privado. Ambos contribuem, cada um à sua maneira, para um mútuo aprofundamento normativo, também justificado pela afinidade entre as disciplinas.81 Evidência disso é o consenso entre as matérias sobre a necessidade de organização de vários aspectos da vida internacional das pessoas, o que ultrapassa as noções meramente formais de “sujeito” e “objeto”, e alcança a preocupação com a realidade dos litígios privados transfronteiriços ou transnacionais. Assim, a dinâmica das fontes convencionais está intimamente associada à revitalização das disciplinas, somando-se, em nossa perspectiva, às outras fontes legislativas internas, doutrinárias, jurisprudenciais e institucionais. E o direito internacional privado não poderia deixar de se beneficiar da fórmula do consenso entre Estados no plano internacional e da atividade imediata das organizações internacionais em suas várias preocupações com a harmonização das normas de conflito de leis. Ainda nas primeiras décadas do século XX, Estados europeus e latinoamericanos concluíram importantes tratados sobre conflito de leis em matéria de nacionalidade e domicílio das pessoas e normas gerais da disciplina. Entre importantes fontes convencionais destacam-se a Convenção de Haia sobre Nacionalidade, de 12 de abril de 1930,82 o Tratado de Direito Internacional Privado, de 20 de fevereiro de 1928 (“Código Bustamante”).83 Áreas como direito de família e proteção internacional das crianças foram profundamente incrementadas pela negociação e conclusão de tratados, de acordo com um ímpeto unificador sem precedentes. Esse dado é exemplificado pela adoção das convenções concluídas sob os importantes trabalhos da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado.84 Dentre elas destacam-se a Convenção sobre a Lei Aplicável à Prestação de Alimentos

a Menores, de 24 de outubro de 1956; Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores, de 15 de abril de 1958; Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Proteção de Menores, de 5 de outubro de 1961; Convenção sobre o Reconhecimento de Divórcios e Separações de Pessoas, de 1º de junho de 1970; Convenção Relativa ao Reconhecimento e à Execução de Sentenças em Matéria de Obrigações Alimentares, de 2 de outubro de 1973, Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, de 2 de outubro de 1973; Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980; Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993.85 Do mesmo modo, e muito recentemente, o aumento gradual do número de tratados bilaterais em matéria de investimentos estrangeiros e bitributação levaram à diversificação das fontes de origem internacional relacionadas aos temas do direito internacional privado, sobretudo no campo das qualificações, escolha de lei aplicável e competência internacional dos tribunais nacionais sobre litígios envolvendo tais matérias. No que concerne à prática brasileira, especificamente, podem ser destacadas a Convenção entre Brasil e Chile destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em relação ao Imposto sobre a Renda, de 3 de abril de 2001,86 e o Acordo entre Brasil e China destinado a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda, de 5 de agosto de 1991.87 A substantivação de áreas relacionadas aos vários domínios do direito internacional privado tornou-se, assim, um fenômeno de gradual consolidação no plano multilateral e regional, revelando a preocupação dos Estados e de determinadas organizações internacionais com a necessidade de aprofundamento e cientificidade da disciplina. Isso permitiu inclusive que a doutrina passasse a reiterar distinções entre tratados de “direito internacional privado uniformizado” e “direito internacional privado uniforme” para indicar as origens de normas de diferentes naturezas e funções.88 Assim, por exemplo, na primeira categoria estão os tratados e convenções

que estabelecem regras de conexão indicadoras da lei material aplicável aos casos mistos, tais como aquelas já existentes nas legislações nacionais relativamente às fontes do direito internacional privado. Alguns importantes exemplos podem ser resgatados nesse passo, como as convenções adotadas pelos Estados sob os auspícios da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado e das Conferências Especializadas Interamericanas de Direito Internacional Privado, da Organização dos Estados Americanos (as CIDIPs). A segunda categoria diz respeito às convenções e tratados que estabelecem normas orgânicas chamadas “leis uniformes” para regular determinados setores da vida privada, entre eles fatos e relações jurídicas plurilocalizados. Entre os exemplos clássicos, é possível mencionar as Convenções de Genebra em matéria de direito cambiário: a Convenção para a Adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, de 7 de junho de 1930, e a Convenção para Adoção de uma Lei Uniforme sobre Cheques, de 19 de março de 1931.89 3.4.3

O papel da Conferência de Haia no adensamento das fontes convencionais de DIPr

Entre as organizações dedicadas ao estudo e produção normativa de regras de solução para os conflitos de leis no espaço, a Conferência de Haia pode ser considerada uma das mais importantes, por seu papel histórico, abrangência multilateral e vocação para harmonização legislativa. Trata-se de uma organização intergovernamental composta por mais de 60 Estados-membros que se reúnem periodicamente para a negociação de tratados com o objetivo geral de “unificação progressiva do direito internacional privado”.90 A criação da Conferência de Haia resultou dos esforços de reunião de juristas internacionalistas sob a batuta de Tobias Asser, e graças ao governo dos Países Baixos que, ainda em 1892, tomou a iniciativa de convidar especialistas europeus para avaliar a pertinência de codificação do direito internacional privado então em seus primeiros postulados científicos.91 Uma primeira conferência de Estados europeus foi estabelecida em 1893 e contou com a participação de 13 delegações, que decidiram que a sede dos trabalhos conjuntos seria em Haia. Era o início dos

trabalhos da Conferência de Direito Internacional Privado, que seriam posteriormente desenvolvidos em diversas sessões, da 2ª Conferência em 1894 à 7ª Conferência em 1951, oportunidade em que seu Estatuto constitutivo foi adotado pelos membros.92 Nessa primeira fase, foram negociadas e concluídas seis convenções de grande importância para a disciplina do conflito de leis, que foram posteriormente substituídas por versões mais modernas. Dentre elas, destacam-se a Convenção Relativa a Conflitos de Leis em Matéria de Casamento, de 12 de junho de 1902; Convenção Relativa aos Conflitos de Leis e de Jurisdições em Matéria de Divórcio e de Separação de Pessoas, de 12 de junho de 1902; Convenção Relativa à Proteção de Menores, de 12 de junho de 1902; Convenção Relativa aos Conflitos de Leis Concernentes aos Efeitos do Casamento Sobre os Direitos e Deveres dos Cônjuges nas suas Relações Pessoais e Sobre os Bens dos Cônjuges, de 17 de julho de 1905; Convenção Relativa à Interdição e às Providências de Proteção Análogas, de 17 de julho de 1905; e a Convenção Relativa ao Processo Civil, de 17 de julho de 1905.93 Entre os anos de 1951 (quando da adoção do Estatuto) e 2005, a Conferência atingiu o número de 37 convenções, dentre as quais se destacam instrumentos relacionados à cooperação judiciária e administrativa internacional, à proteção jurídica dos menores e adoção internacional, obrigações alimentares, lei aplicável ao matrimônio e divórcio no estrangeiro, lei aplicável a atos ilícitos transfronteiriços em casos de acidentes de trânsito, obtenção de prova no estrangeiro, lei aplicável e jurisdição em matéria de venda e compra internacional de bens e outros contratos, como agência e representação, reconhecimento da personalidade jurídica de sociedades mercantis estrangeiras, qualificação de trustes internacionais, forma de atos testamentários e gerenciamento internacional de sucessões etc. De modo geral, as normas das convenções adotadas têm como escopo a determinação do direito aplicável às relações jurídicas com elementos estrangeiros, assistência e cooperação judiciária entre as autoridades domésticas ou ainda o reconhecimento e a execução de sentenças estrangeiras pelos Estados. Em princípio, qualquer Estado que não seja membro da Conferência de Haia, de acordo com o Estatuto de 1951, pode aderir às convenções adotadas, sem previsão

sobre a necessidade de consentimento dos membros. Anualmente, Estados participantes da organização têm se tornado partes nas convenções, confirmando um movimento gradual de adoção de normas de direito internacional privado em nível multilateral. O status brasileiro em relação à Conferência de Haia sempre foi uma questão muito interessante no histórico das relações exteriores no campo das negociações de tratados em matéria de direito internacional privado. O Brasil ratificou o Estatuto da Conferência de Haia em 1971, tendo dela se retirado posteriormente com a promulgação do Decreto nº 80.102, de 8 de agosto de 1977. Segundo a justa observação de Dolinger, 94 o ato resultou em verdadeiro isolacionismo do país, especialmente em relação aos círculos acadêmicos europeus e à experiência prática do direito internacional privado. Em 1998, após lúcido trabalho de intermediação feito pelo Ministério das Relações Exteriores, o Brasil aderiu novamente ao Estatuto da Conferência de Haia.95 Isso insere o Brasil em uma curiosa posição no quadro multilateral criado pela Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, o que merece evidentemente preparo cuidadoso de novas gerações de negociadores no campo da disciplina do conflito de leis. As recentes sessões da Conferência de Haia têm revelado os intensos debates travados em torno da necessidade de modernização do direito internacional privado, sobretudo no que concerne ao conflito de tradições e abordagens entre os juristas europeus continentais e anglo-americanos. Desde a 19ª Conferência, os membros buscam, sem sucesso, a adoção de uma convenção sobre competência internacional, lei aplicável, e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e comercial, que reuniria normas gerais relativas aos principais fundamentos do direito internacional privado.96 Em 2005, a Conferência adotou a Convenção relativa a Acordos sobre Escolha de Foros Exclusivos em Matéria Civil e Comercial, que ainda não entrou em vigor no plano internacional.97 No escopo de suas normas está justamente aquele de atribuir validade aos acordos estabelecidos entre as partes para escolha de tribunais exclusivos; trata-se de um negócio jurídico escrito (ou por outro meio de

comunicação que assegure a declaração de vontade), pelo qual duas ou mais partes designam um foro específico e exclusivo para solução de litígios que surjam ou possam surgir relativamente a uma relação jurídica principal, com a exclusão da competência de determinados tribunais domésticos. A atual agenda de trabalhos da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado é extremamente ampla e compreende temas de grande relevância para o aprofundamento científico da disciplina, tais como: cooperação judiciária e lei aplicável à responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, sequestro internacional de crianças, lei aplicável e competência internacional relativa ao comércio eletrônico, lei aplicável às obrigações alimentícias, concorrência desleal, cessões de crédito e garantias bancárias, lei aplicável aos contratos internacionais, tratamento do direito estrangeiro pelos tribunais nacionais, mediação transfronteiriça em matéria de direito de família, migração internacional, além de temas concernentes às relações exteriores com outras organizações, como cooperação institucional com a UNCITRAL.98 Importante ainda observar que os trabalhos preparatórios das Conferências de Haia, os documentos das sessões plenárias e das reuniões das comissões especiais integram um importante material de valor doutrinário – implicando, portanto, importantes fontes do direito internacional privado. Por seus próprios objetivos institucionais, a organização se tornou referência para a atualização das normas de direito internacional privado em sede multilateral, comprometida permanentemente com a renovação das fontes convencionais.99 A Conferência de Haia tem sido fundamental para estabelecer uma abordagem doutrinária coerente com a formulação geral do princípio da autonomia da vontade em matéria de contratos internacionais, direitos de família e sucessões, contra a qual certos países, como é o caso do Brasil, ainda insistem em objetar.100 3.4.4

Tratados e convenções de direito internacional privado relevantes para a prática brasileira

O Brasil sempre esteve engajado em importantes negociações internacionais dedicadas à uniformização do direito internacional privado, em momentos ora

caracterizados pela postura de intensa participação, ora de relutância e completo abandono, tal como ocorrera relativamente à Conferência de Haia de Direito Internacional Privado. Com frequência, tratados e convenções concluídos pelo Executivo não encontravam, no plano doméstico, um ambiente favorável à apreciação pelo Congresso Nacional e consequente incorporação ao ordenamento interno, o que era evidenciado pela prática assentada historicamente no contexto brasileiro.101 O ato internacional mais antigo ratificado pelo Brasil no campo do direito internacional privado uniforme foi a Convenção de Havana de Direito Internacional Privado de 1928, ou mais conhecida como “Código Bustamante”.102 O desenvolvimento histórico-sistemático do direito internacional privado na América Latina mostrou uma orientação muito particular dos juristas locais para a criação da escola latino--americana, encabeçada pelo professor cubano Antonio Sánchez de Bustamante y Sirven. Seu projeto de convenção, encomendado ainda no ano de 1924, foi aprovado pela Conferência Pan-Americana em Havana, em 13 de fevereiro de 1928, recebendo adesão de vários Estados latino-americanos.103 O próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro, nos casos Gunnar Petterson/Facit e Ramirez/Chavarry teve a oportunidade de recorrer à aplicação de certos dispositivos do Código Bustamante, sustentando o argumento de que ele constitui “verdadeiro código de direito internacional privado” ou “obra fundamental de codificação do direito internacional privado”.104 O Código Bustamante possui 437 artigos, distribuídos em vários setores do direito internacional privado, direito civil internacional, direito comercial internacional, direito processual civil internacional e direito penal internacional; seu âmbito de aplicação sempre foi, contudo, alvo de inúmeras controvérsias pela doutrina e de dificuldades práticas, explicadas tanto pela existência de reservas formuladas pelos Estados contratantes aos dispositivos convencionais como pela abrangência muito ampla de suas normas, que chegam a disciplinar questões de extradição e direito penal internacional.105 Outro importante aspecto questionado no tocante à efetividade das normas do Código Bustamante diz respeito à indefinição de uma regra de conexão comum para

determinação da lei aplicável ao estatuto pessoal (nome, estado, capacidade e direitos de família) nos Estados contratantes, como bem evidenciado na solução oferecida pelo art. 7º do Código.106 O dispositivo resulta sem sentido prático, pois os ordenamentos domésticos poderiam adotar qualquer um dos critérios, seja a lei do domicílio ou da nacionalidade, como regra de conexão para a regência material dos casos mistos envolvendo as relações pessoais.107 Além de tal dificuldade, a doutrina ainda observa as consequências práticas da aplicação simultânea das normas do Código Bustamante e da Lei Brasileira de Introdução ao Código Civil de 1942, oscilando entre a concepção de que o Código seria de observância generalizada ou universal e aquela da limitação do âmbito de aplicação, em que suas normas somente se referem a casos envolvendo nacionais ou domiciliados dos Estados contratantes.108 Em novas tendências de negociações na América Latina, os anos 50 presenciaram novas inspirações ao movimento de harmonização e uniformização do direito internacional privado na região, sobretudo pelos estudos da Comissão Jurídica Interamericana da Organização dos Estados Americanos. Em 1971, a Primeira Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP) havia sido convocada para a negociação de tratados especializados relativos às matérias do direito internacional privado, os quais foram adotados em 1975, na cidade do Panamá. Desde então, foram realizadas seis conferências, nas quais os Estados interamericanos adotaram uma série de convenções relevantes e que impulsionaram, especialmente, o desenvolvimento do direito internacional privado na América Latina.109 Enquanto membro da OEA, o Brasil participara ativamente das Conferências Especializadas, mas não havia ratificado nenhuma das convenções adotadas sob os auspícios da Organização desde a primeira metade da década de 70. Isso somente ocorreu em 1994 relativamente às primeiras convenções da CIDIP I realizada na cidade do Panamá, a saber, a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional e Convenção Interamericana sobre Regime Legal das Procurações a Serem Utilizadas no Exterior,

todas de 30 de janeiro de 1975.110 As CIDIPs têm como principal objetivo a uniformização do direito internacional privado no domínio interamericano, portanto, o âmbito de aplicação dos tratados adotados é restrito ao ambiente regional. Isso significa que os efeitos das normas das convenções interamericanas dizem respeito somente aos Estados que as tenham ratificado, compreendendo questões envolvendo direito internacional privado, direito processual civil internacional e direito privado uniforme.111 Uma das principais finalidades das atividades das Conferências Especializadas tem sido a tentativa de aproximação dos sistemas jurídicos dos Estados do continente americano, em suas diferentes tradições e influências. A técnica mista empregada nas convenções interamericanas vale-se não apenas de normas conflituais, mas também de normas substantivas, compreendendo importantes áreas do direito privado interamericano.112 Observados o contexto de progressivo desenvolvimento do direito internacional privado e suas fontes convencionais relevantes, seria possível afirmar que a década de 90 é que efetivamente teria deixado raízes entre nós quanto à renovação da prática da disciplina. Em grande medida, intensificou-se um movimento conducente à internacionalização das fontes no Brasil, alcançado pela ratificação das convenções interamericanas adotadas pela CIDIP, aprovadas em bloco pelo Congresso Nacional. Isso também foi observado em relação a algumas convenções concluídas sob os auspícios da Conferência de Haia e do Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado. No âmbito regional, destaca-se, ainda, a adoção de importantes normas do Mercosul em matéria de direito internacional privado e direito processual civil internacionais e que se tornaram referências importantes como tentativa de modernização das disciplinas nos Estados-partes (aqui também designadas como “fontes convencionais de caráter regional”).113 Ainda em relação às fontes convencionais de caráter multilateral relevantes para a prática brasileira, destacam-se os tratados e convenções concluídos sob os auspícios da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado e do UNIDROIT e ratificados pelo Brasil nos últimos anos: a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980,114 a Convenção

Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993,115 e a Convenção do UNIDROIT Sobre a Restituição de Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados, de 23 de março de 1999.116 O quadro a seguir reúne os principais tratados em vigor em matéria de direito internacional privado ratificados pelo Brasil: Quadro Sistemático de (alguns) tratados e convenções de direito internacional privado incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro diretamente ligados à prática jurídica diária117 Tratados e convenções

Data

Decretos de incorporação

Protocolo Relativo a Cláusulas de Arbitragem

24-9-1923

Decreto nº 21.187, de 22 de março de 1932

Convenção de Direito Internacional Privado (Código Bustamante)

20-2-1928

Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929

Protocolo sobre Uniformidade do Regime Legal das Procurações Utilizadas no Exterior

17-2-1940(*)

*O Governo brasileiro assinou o Protocolo em 6-9-1940, mas não ad referendum, e, portanto, entrou em vigor, para o Brasil, naquela data

Estatuto Orgânico do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT)

15-3-1940

Decreto nº 884, de 2 de agosto de 1993

Estatuto da Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado

9-10-1951

Decreto nº 3.832, de 1º de junho de 2001

Convenção sobre a Prestação de

Decreto nº 56.826, de 2 de

Alimentos no Estrangeiro

20-6-1956

setembro de 1995

Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

10-6-1958

Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002

Convenção sobre Consentimento para Casamento, Idade Mínima para Casamento e Registro de Casamento

10-12-1962

Decreto nº 6.660, de 20 de maio de 1970

Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias

30-1-1975

Decreto nº 1.899, de 9 de maio de 1996

Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional

30-1-1975

Decreto nº 1.902, de 9 de maio de 1996

Convenção Interamericana sobre o Regime Legal das Procurações para serem Utilizadas no Exterior

30-1-1975

Decreto nº 1.213, de 3 de agosto de 1994

Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros

8-5-1979

Decreto nº 2.411, de 2 de dezembro de 1997

Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado

8-5-1979

Decreto nº 1.979, de 9 de agosto de 1996

Convenção Interamericana sobre Prova e Informação Acerca do Direito Estrangeiro

8-5-1979

Decreto nº 1.925, de 10 de junho de 1996

Convenção

Interamericana

Decreto nº 2.400, de 21 de

sobre Conflitos de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias

8-5-1979

novembro de 1997

8-5-1979

Decreto nº 2.022, de 7 de outubro de 1996

Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças

25-10-1980

Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000

Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores

24-5-1984

Decreto nº 2.429, de 17 de dezembro de 1997

Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado

24-5-1984

Decreto nº 2.427, de 18 de dezembro de 1997

Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar

15-7-1989

Decreto nº 2.428, de 17 de dezembro de 1997

Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores

15-7-1989

Decreto nº 1.212, de 3 de agosto de 1994

UNIDROIT. Resolução (42) 3, que introduz emenda ao § 1º do Art. VI do Estatuto Orgânico

12-12-1989

Decreto nº 3.110, de 6 de julho de 1999

Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Protocolo de Las Leñas – Mercosul)

27-6-1992

Decreto nº 2.067, de 12 de novembro de 1996

Convenção Relativa à Proteção

Decreto nº 3.087, de 21 de

das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual (Mercosul)

29-5-1993

junho de 1999

5-8-1994

Decreto nº 2.095, de 17 de dezembro de 1997

Protocolo de São Luís sobre Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-Partes do Mercosul

25-6-1996

Decreto nº 3.856, de 3 de julho de 2001

Convenção do UNIDROIT sobre a Restituição de Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados

23-3-1999

Decreto nº 3.166, de 14 de setembro de 1999

Outros tratados e convenções também em vigor no Brasil e importantes na prática: Instrumentos internacionais Convenção de nacionalidade

Data Haia

sobre

Denúncia, pelo Brasil, do Estatuto da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, de 1951 Convenção de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República

Decretos de incorporação

12-4-1930

Decreto nº 21.798, de 6 de setembro de 1932

9 a 31-101951

Decreto nº 80.102, de 8 de agosto de 1977

30-1-1981

Decreto nº 91.207, de 29 de abril de 1985

Francesa Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

20-1-1989

Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990

Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha

13-4-1989

Decreto nº 166, de 3 de julho de 1991

Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Cheques, adotada em Montevidéu.

8-5-1979

Decreto nº 1.240, de 15 de setembro de 1994

Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana

17-10-1989

Decreto nº 1.476, de 2 de maio de 1995

Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina

20-8-1991

Decreto nº 1.560, de 18 de julho de 1995

Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai

28-12-1992

Decreto nº 1.850, de 10 de abril de 1996

Protocolo de Medidas Cautelares entre Estados-partes do Mercosul

16-12-1994

Decreto nº 2.626, de 15 de junho de 1998

Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris

28-5-1996

Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000

Protocolo de São Luiz sobre Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-Partes do Mercosul, concluído em São Luiz, República Argentina e a respectiva Errata, feita em Assunção

25-6-1996 *Errata: 19-6-1997

Decreto nº 3.856, de 3 de julho de 2001

Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul

23-7-1998

Decreto nº 4.719, de 4 de junho de 2003

Acordo sobre o Benefício da Justiça Gratuita e Assistência Jurídica Gratuita entre os Estados-Partes do Mercosul, assinado em Florianópolis

15-12-2000

Decreto nº 6.086, de 19 de abril de 2007

Acordo de Buenos Aires sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os EstadosPartes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile

5-7-2002

Decreto nº 6.891, de 2 de julho de 2009

Estatuto Emendado da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, assinado em 30 de junho de 2005

30-6-2005

Decreto nº 7.156, de 9 de abril de 2010

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (Divisão de Atos Internacionais) e Senado Federal. Atualização em janeiro de 2011. Os tratados e convenções internacionais são fontes importantes do direito internacional geral118 e também do direito internacional privado. Daí por que precisamos nos apropriar dessas fontes e usá-las da forma mais generosa e abrangente possível, como faremos a seguir. 3.4.5

Convenções e tratados ratificados e não ratificados pelo Brasil

A melhor maneira de examinar a aplicação de convenções e tratados ainda não ratificados no Brasil passa por duas linhas de análises diferentes, mas complementares. A primeira delas serve, inclusive, para o adensamento e a atualização da análise das relações entre tratados/convenções (ratificados ou não) e o direito interno brasileiro. Vejamos quais são as duas diferentes linhas de análises. 3.4.5.1

Aplicação dos princípios constitucionais pós-Constituição Federal de 1988 e pós-Emenda Constitucional nº 45/2004 na prevalência dos tratados sobre a lei interna

3.4.5.1.1 Razões e fundamentos interpretativos dos §§ 1º e 2º do art. 5º da CF: as decisões recentes do STF De início, sem maior aprofundamento, é importante observar que a prevalência e a aplicação imediata das normas de direitos fundamentais (humanos), no regime constitucional brasileiro pós-88, foram opções expressas do constituinte, consubstanciadas, em concreto, pelas regras do §§ 1º e 2º do art. 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Contudo, a interpretação do art. 5º, § 2º, em particular, nunca deixou de levantar truncadas questões hermenêuticas do ponto de vista do direito internacional público e do direito constitucional. A crítica já antiga, e sempre muito oportuna, da doutrina jusinternacionalista,119 referia-se justamente ao anacronismo da tese generalista, entabulada pelo Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, ainda na década de 1970,120 e que continuava a ser retomada e repetida mesmo após a entrada em vigor da Constituição de 1988. No RE nº 80.004 tratou-se de uma questão de conflito entre uma lei material interna e as normas da Convenção de Genebra sobre a Lei Uniforme relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias de 1966, com o que o STF entendeu ser possível a modificação de tratados internacionais, ratificados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento interno, por leis internas a eles posteriores. No limite, consagrava-se a absurda máxima de que, em caso de antinomia cronológica, prevaleceria a aplicação da regra lex posteriori derogat priori (a lei posterior revoga a anterior), não importando a origem e a natureza da norma jurídica em questão (se convencional, constitucional ou infraconstitucional). Segundo os debates travados no STF, na época, esse seria o resultado mais adequado pelo fato de inexistir critério expresso na Constituição para dirimir um conflito entre lei interna e tratados internacionais.121

Contra a orientação preconizada pelo STF sempre se manifestou frontalmente o Professor Celso de Albuquerque Mello: “A tendência mais recente no Brasil é a de um verdadeiro retrocesso nesta matéria. No Recurso Extraordinário nº 80.004, decidido em 1978, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que uma lei revoga o tratado anterior. A grande maioria dos votos está fundamentada em autores antigos e dualistas, como é o caso de Triepel. Sustentar que a nossa Constituição é omissa nesta matéria significa apenas que a jurisprudência passa a ter um papel mais relevante, mas não que a jurisprudência possa ignorar a tendência atual do direito nesta matéria, adotando uma concepção de soberania que desapareceu em 1919, pelo menos entre os juristas.”122 A polêmica aumentou com a importante insistência da doutrina moderna preconizada por Cançado Trindade,123 a favor de uma interpretação consistente do art. 5º, § 2º, da Constituição, que permitiria a ampliação material do rol dos direitos fundamentais, inseridos na Carta, para todos aqueles internacionalmente positivados e recepcionados mediante tratados e convenções de que o Brasil seja parte e cujas normas seriam de observância e aplicação imediatas, com hierarquia constitucional, portanto.124 Até a modificação introduzida pela Emenda 45/2004, com o acréscimo do § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, os sucessivos casos apreciados pelo STF relativos à constitucionalidade da prisão civil por dívida em alienação fiduciária em garantia e à hipótese de aplicação das normas da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José) foram alcançando resultados dúbios e frustrantes quanto à afirmação da prevalência das normas de tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro. O STF, mesmo após a Emenda, ainda insistia na aplicação de um princípio geral de paridade entre tratados e leis ordinárias.125 Contudo, era evidente que o STF não estava convencido da tese: paridade entre tratados e leis ordinárias. No Recurso em Habeas Corpus n. 79.785-RJ, julgado em

29 de março de 2000, o então Ministro Sepúlveda Pertence se manifestou em defesa d o caráter supralegal dos tratados de direitos humanos no ordenamento interno brasileiro, o que fez com que o STF abrisse nova rediscussão sobre o tema: “Certo, com o alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo – como creio ter deixado expresso no voto proferido na ADIN 1.480 – com o entendimento, então majoritário – que, também em relação às convenções internacionais de proteção aos direitos fundamentais – preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente as leis. Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande frequência, precisamente porque – alçados ao texto constitucional – se erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como a recepção das anteriores a Constituição. Se assim é, a primeira vista, parificar as leis ordinárias aos tratados a que alude o artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil à inovação, que, malgrado, os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos”! A mutação constitucional promovida pela Emenda nº 45/2004, ao incluir o § 3º do art. 5º da Constituição, não resolveu (definitivamente), do ponto de vista formal, a questão de determinar qual seria o status e hierarquia das normas de tratados internacionais no ordenamento interno, muito menos em relação às próprias normas constitucionais. A única ressalva que se fez é aquela quanto à regra de potencial alteração de normas constitucionais por normas de tratados relativos a direitos humanos, ratificados pelo Brasil e que tenham sido submetidos à apreciação do Congresso, com aprovação em cada Casa, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros:

“Art. 5º [...] § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes as emendas constitucionais.” O novo dispositivo, para além de despertar mais críticas e resultados incongruentes, buscou apenas consolidar uma regra formal de paridade entre normas de tratados de direitos humanos, submetidos ao procedimento especial ali previsto, e as normas decorrentes de emendas constitucionais, portanto, com efeitos reformadores em relação à Constituição. Por sua natureza e finalidade, essa norma constitucional também estaria sujeita aos limites inerentes do poder constituinte derivado (e. g., impossibilidade de alteração de certas matérias, como aquelas veiculadas pelas chamadas cláusulas intangíveis, do art. 60, § 4º, da CF/1988). E seria tão mais absurdo, em pleno século XXI, levar adiante qualquer argumento hipotético, doutrinário e jurisprudencial, de que tratados e convenções – atos internacionais que são submetidos à imperatividade do jus cogens – teriam (ou poderiam ter) como escopo aquele de suprimir (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; (iv) os direitos e garantias individuais. Muito menos para tratados e convenções destinados a regulamentar, justamente, a proteção internacional da pessoa humana. Também é verdade que a processualística de aprovação de tratados e convenções pelo Congresso Nacional, no direito brasileiro, em virtude da regra de competência estabelecida pelo art. 49, I, da Constituição de 1988, serve como garantia de proteção de valores constitucionais formais e materiais. A prática do STF, na interpretação legalista que faz de sua própria competência (art. 102, III, alínea “b” da CF/1988) vem firmando a orientação de que é possível o controle de constitucionalidade de tratados firmados pelo Brasil, em qualquer área normativa, inclusive naquela dos direitos fundamentais.

É importante ter presente que em um caso no qual se discutiu a aplicação das normas constitucionais brasileiras relativas à garantia do duplo grau de jurisdição na Constituição de 1988 e daquelas decorrentes do Pacto de San Jose da Costa Rica,126 o STF confirmou a orientação de que “assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição [...] e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados.”127 No caso Banco Bradesco/Cardoso,128 o Ministro Gilmar Mendes analisou a questão da aplicação das correntes que consideram a primazia das normas dos tratados internacionais sobre o direito interno, sustentando estar o Estado brasileiro entre os Estados “fundados em sistemas regidos pelo princípio a supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Entendimento diverso anularia a própria possibilidade do controle da constitucionalidade desses diplomas internacionais”.129 E vai além: “Uma vez que o Decreto Legislativo que aprova o instrumento internacional é passível de impugnação pela via da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou ainda, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), esse controle de caráter preventivo é possível no Brasil.” Sob essa perspectiva – com olhos exatamente voltados para os aspectos formais do controle de constitucionalidade das normas no direito brasileiro –, o Ministro Gilmar Mendes dúvida que o argumento da presunção de convergência de valores supremos protegidos nos âmbitos internos e internacional em matéria de direitos humanos resolveria a polêmica da hierarquia das normas convencionais no direito interno. Em suma, observa: “A sempre possível ampliação inadequada dos sentidos possíveis da expressão ‘direitos humanos’ poderia abrir uma via perigosa para uma produção normativa alheia ao controle de sua compatibilidade com a ordem constitucional interna. O risco de normatizações camufladas

seria permanente. A equiparação entre tratado e Constituição, portanto, esbarraria já na própria competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal para exercer o controle da regularidade formal e do conteúdo material desses diplomas internacionais em face da ordem constitucional nacional.”130 Chamo a atenção para o fato de que pode parecer, no entanto, que o reconhecimento da hierarquia supralegal ou mesmo constitucional dos tratados de direitos fundamentais no ordenamento brasileiro dependa apenas da atribuição de regras de competência interna, como a de controle de constitucionalidade (pelo STF) e de aprovação dos atos internacionais pelo Congresso Nacional. O mesmo pode ser dito para quem quer que sustente ser do Congresso, em última análise, a decisão unilateral de enquadrar ou não determinada convenção como sendo relativa a direitos fundamentais para fins de verificar as hipóteses contidas nas regras dos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição de 1988. É claro que essa poderia ser a solução mais simplista segundo uma interpretação literal desses dispositivos. Entretanto, a determinação de qualquer valor material de convenções de direitos humanos é decisão que surge do consenso dos Estados, das conferências multilaterais, do trabalho dos órgãos internacionais envolvidos nas competências internacionais de proteção dos direitos fundamentais da pessoa, e passa para o reconhecimento nas esferas internas de poder dos Estados (qualquer uma delas: legislativo, executivo e judiciário). Daí por que, em tese, poderiam existir normas constitucionais inconstitucionais, ou que se tornam inconstitucionais pela simples mutação de valores constitucionais materiais, como mesmo comprova a realidade do constitucionalismo brasileiro pós88.131 Ainda que se fale em “supremacia da Constituição”, como argumento principal para justificar que as normas constitucionais estatais tenham primazia sobre as demais normas do ordenamento, na melhor das releituras kelsenianas possíveis,132 qualquer interpretação legalista dos tribunais internos ou mesmo das cortes supremas poderia

simplesmente distorcer os resultados aplicativos das normas decorrentes de tratados ou convenções (i. e., das normas internacionais) para negar-lhes efeito ou limitar a eficácia. E não poupariam, sequer, convenções específicas que versem sobre matéria de direitos fundamentais da pessoa humana. Por essas razões, tenho defendido que seria necessário retornar ao escopo original e ao primário das regras constitucionais que conferem autoaplicabilidade às normas de direitos fundamentais e àquelas que objetivam incluir outras fontes (e. g., normas advindas de tratados internacionais) ao rol de direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição (cf. art. 5º, §§ 1º e 2º).133 Nessa perspectiva questões importantes emergem, quais sejam: Qual seria a projeção ou perspectiva constitucional para a substantivação dessas regras, como insertas justamente no rol dos direitos e garantias fundamentais do art. 5º? A atual conformação ou configuração do Direito Internacional dos Direitos Humanos autoriza uma interpretação unilateral, por cortes constitucionais internas, que minimizem, reduzam ou rejeitem o alcance e a função de certos direitos fundamentais da pessoa humana, como tais estabelecidos por tratados e convenções nessa matéria? Certamente as respostas são negativas. As cortes internas não podem reduzir nem mesmo rejeitar direitos fundamentais reconhecidos em tratados e convenções internacionais. No caso do Brasil, segundo o art. 5º, § 3º, há proibição de ordem constitucional no que diz respeito a tratados e convenções aprovados pelo Congresso Nacional. Contudo, a pergunta que permanece é: Com base em qual fundamentação as cortes internas brasileiras deixariam de observar uma fonte internacional que consagra direitos humanos ainda que “não aprovada” pelo Congresso Nacional? Os direitos humanos reconhecidos internacionalmente poderiam não servir aos brasileiros? Por essas razões, entendo que a vontade implícita do legislador com a Emenda Constitucional nº 45/2004 é mais ampla do que aquela que restou explícita no texto. Isto é, examinados conjuntamente os §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição, não é difícil concluir que todos os tratados e convenções que consagram direitos humanos fazem parte da ordem jurídica brasileira: (i) os não aprovados pelo Congresso Nacional por

força do § 2º (que não existia nas constituições anteriores e por isso tem razão de ali estar hoje); (ii) e aqueles aprovados pelo Congresso por força do § 3º. Mas se assim é, o que justificaria a existência do § 3º? Essa é a indagação central que se faz hoje em direito internacional quando enfrentamos, no Brasil, a discussão a respeito do conflito entre as fontes (internas e internacionais). A finalidade do § 2º do art. 5º é não deixar de fora do ordenamento jurídico brasileiro infraconstitucional, ademais dos princípios por ela adotados, os tratados internacionais de que o Brasil seja parte (signatário). Contudo, o juízo de admissibilidade e de aplicação na ordem jurídica interna estaria nas mãos dos julgadores (e intérpretes). A aplicação do direito reconhecido na fonte internacional depende, por conseguinte, da análise do julgador. E isso se aplica a todo e qualquer tratado internacional, independentemente de pertencer ao rol dos direitos humanos (ou não). Se, por outro lado, forem tratados e convenções de direitos humanos, e estiverem aprovados pelo Congresso Nacional, ipso facto, já integram o arcabouço jurídico constitucional interno e o julgador não pode negar-lhes reconhecimento e aplicação. Portanto, o que tenho defendido é a análise conjunta dos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição. Mas não uma análise superficial e apressada, descartada do histórico evolutivo do Direito. Devemos buscar as fontes materiais e de inspiração do legislador constituinte e preencher eventuais lacunas com sua intenção implícita real (e não apenas a declarada no texto) – que somente pode ser aquela de aumentar o patrimônio jurídico das pessoas e nunca restringir ou limitar. Evidentemente, nesse contexto se insere a discussão sobre a hierarquia das normas relativas às convenções internacionais dos direitos humanos (e direitos fundamentais) e o direito nacional. Em recente manifestação no âmbito do direito do trabalho, o Ministro Joaquim Barbosa, do STF, expressou sua opinião de que a Convenção nº 158 da OIT veicula matéria de direitos fundamentais nas relações de trabalho, e que ela se encaixa na categoria dos atos internacionais do art. 5º, § 2º a fim de “inserir direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro”. Segundo ele, a Convenção em questão também

teria caráter supralegal, “porém infraconstitucional”, com o que seria possível concluir que denúncia feita pelo Presidente da República, sem a prévia aprovação do Congresso Nacional, e “promulgada” por decreto presidencial seria impossível (no caso, o Decreto nº 2.100/1996, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e pela Central Única dos Trabalhadores – CUT).134 Isso porque a denúncia da Convenção, tecnicamente, representa a diminuição qualitativa dos níveis de proteção de certos direitos fundamentais no ordenamento interno, o que parece contraditório do ponto de vista de um sistema constitucional aberto, que assegura status especial para normas materialmente constitucionais, como seriam aquelas de direitos e garantias individuais em matéria do trabalho.135 Igualmente, conduz à inevitável conclusão de que o Brasil não poderia permanecer imune à imputação de responsabilidade internacional pela violação de obrigações multilaterais assumidas no âmbito da Organização Mundial do Trabalho.136 As argumentações dos Ministros Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa representam nova orientação do STF sobre as relações entre direito interno e direito internacional – especialmente o direito internacional dos direitos humanos, assim como no que diz respeito à interpretação dos §§ 2º e 3º do art. 5º da CF. 3.4.5.2

Aplicação dos tratados e convenções não ratificados como forma de manifestação doutrinária, dos usos e costumes

Esta é uma segunda linha de análise. Uma interessante questão concernente ao campo da elaboração normativa do direito internacional privado reside na relevância e valor normativo que devem ser atribuídos às convenções e tratados não ratificados pelos Estados. Existe, com frequência, uma possível falta de correspondência temporal entre os trabalhos de negociação e elaboração dos tratados e o momento efetivo de sua adoção e ratificação pelas Estados-partes signatários. Esse problema explica-se, com frequência, pelas dificuldades internas enfrentadas pelas autoridades estatais, em especial pelo Poder Legislativo, na aprovação e ratificação desses atos – sem necessariamente significar

que os especialistas em direito internacional privado tenham discordado do texto adotado,137 nem mesmo que o parlamento (no nosso caso, o Congresso Nacional) discorde de seu texto e de sua aprovação. A importância dos tratados e convenções está justamente no objetivo de uma determinação comum para o campo de aplicação do direito internacional privado entre Estados e na atualização da disciplina orientada pelo consenso da comunidade internacional sobre a importância da regulamentação da vida internacional das pessoas, nos vários setores em que as relações jurídicas se manifestam. Por isso, as ratificações internas são fundamentais. Enquanto o tratado ou convenção permanecer sem aprovação e ratificação internas, podemos usá-los como fonte material ou fonte de inspiração no caso concreto. De acordo com Batiffol, trabalhos de qualidade jurídica acabam não entrando em vigor por falta de ratificação dos países signatários. Contudo, há possibilidade de antecipação dos efeitos jurídicos das convenções não ratificadas, pelo juiz nacional, quando ele aplica o texto como forma de “manifestação doutrinária”, prova dos usos e costumes internacionais ou direito estrangeiro. “Um trabalho bem feito pelas partes envolvidas no litígio, neste sentido, pode exercer uma influência positiva no convencimento do juiz quando ele decide o caso concreto.”138 3.4.5.3

Aspectos de direito internacional público

É regra de direito internacional público que desde o momento da entrada em vigor nos ordenamentos jurídicos internos, de um tratado internacional devidamente ratificado pelo Estado-parte, este passa a integrar cada um desses ordenamentos jurídicos. Uma vez internalizado transforma-se em direito interno – como qualquer outro – e terá a estrutura hierárquica de uma lei nacional, ou mais que isto, conforme cada Estado dispuser.139 Neste sentido, Francisco Rezek140 ressalta que é importante que se retenha desde logo a noção de que o tratado, embora produzido em foro diverso das fontes legislativas domésticas, não se distingue, enquanto norma jurídica, dos diplomas legais de produção interna. Charles Russeau, cujo pensamento se vê claramente nas lições de Rezek, observa que o Poder Executivo, responsável pelas comunicações

exteriores do Estado, e, destacadamente, pelo ato internacional da ratificação (ou por quanto ele corresponda no sentido de comprometer o país), tem como primeiro dever, ante a vigência do tratado, cuidar de sua introdução na ordem jurídica local, seja por meio da promulgação de lei correspondente, ou mediante a simples publicidade.141 Quando o tratado ou convenção entra em vigor no direito interno de um país, passa a integrar a ordem jurídica interna, via-à-vis sua natureza jurídica: de tratado – lei (normativo) ou tratado – contrato (negócio jurídico). E também segundo a sua função: regra de direito material/substancial (regra de direito propriamente dita) ou norma procedimental ou de cooperação judiciária. O marco regulatório interno de um país é composto, portanto, de regras de direito interno (nascidas do parlamento nacional) e de direito internacional (oriundas das fontes do direito internacional – dentre elas os tratados e convenções internacionais).142 E não se faz distinção entre elas porque ambas compõem a ordem jurídica nacional. Dessa forma, não subsiste nenhuma tese que tente separar uma convenção ou tratado ratificado, e em vigor, do direito interno do país ratificante (seja material, processual ou de cooperação e assistência judiciária). Isso seria demasiadamente constrangedor no que diz respeito à atualidade das relações internacionais. 3.4.5.4

Aspectos de direito internacional privado

Sabe-se, em direito internacional geral e, em especial, em direito internacional privado, que quando as partes elegem o direito de um determinado país como competente para dirimir suas controvérsias estão se referindo tanto às regras originariamente internas, como também às derivadas de tratados e convenções ratificados. Sabe-se, inclusive, que tratados e convenções não ratificados podem também ser aplicados como provas dos usos e costumes internacionais. É entendimento da Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI) que em contratos que não contêm cláusula arbitral, a escolha da “lei aplicável”, sem dúvida, refere-se ao “direito substancial”, nele incluído o direito internacional em vigor naquele país, assim como o procedimento (as regras do processo) em qualquer caso

deve ser governado pela lex fori. A palavra “substantivo/substancial” muito raramente aparece em conexão com a expressão “lei aplicável”, embora sempre esteja implícita. Esse entendimento estende-se aos contratos que contêm cláusula arbitral.143 Inúmeros julgados da Câmara de Comércio Internacional de Paris determinam que quando o direito aplicável, escolhido pelas partes num contrato internacional, é o direito material/substancial da Suíça, por exemplo, e as partes não excluem “explicitamente” a aplicação da Convenção de Viena sobre Compra e Venda de Mercadorias (CISG), então esta poderá ser aplicada pelo árbitro. Vejamos alguns exemplos, antes disso, porém, é importante mencionar que a CISG encontra-se aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 73/2012, e espera ratificação da Presidente da República para incorporação no direito brasileiro: (i) CCI – Caso de arbitragem nº 9.448 de julho 1999144 – Suíça: Tribunal Arbitral da Câmara de Comércio Internacional de Zurique Lei aplicável “No parágrafo 13 do ‘Contrato de Exclusividade’, as Partes concordaram que ‘o Direito da Suíça’ deve ser aplicado para todos os termos com respeito a celebração, interpretação, e execução deste contrato. A Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias, (‘CISG’) forma parte do Direito substancial e é aplicado aos contratos sob certas pré-condições. De acordo com o art. 1.1 (a) da CISG, essa é aplicável a contratos de compra e venda entre partes cujas sedes do negócio estejam em diferentes Estados, e quando as regras de direito internacional levarem à aplicação da Lei do Estado contratante. […] Como as Partes escolheram aplicar o Direito suíço, e a Suíça é um Estado contratante da CISG, todas as pré-condições para a aplicação da CISG estão preenchidas. A CISG é aplicável no presente caso.”

(ii) CCI – Caso de Arbitragem nº 9.187, de junho de 1999145 Lei aplicável “As Partes concordaram, pelo art. 14 do contrato, que a lei aplicável ao contrato é a Lei da Suíça. As partes não convencionaram se essa cláusula inclui a Convenção de Viena sobre compra e venda internacional de mercadorias (CISG); enquanto o Requerente responde essa pergunta de forma positiva, o Reclamado argumenta que o art. 14 do contrato deveria ser interpretado a incluir tão somente o Direito suíço doméstico, particularmente o Código de Direito Comercial.145 Como regra, o Direito suíço engloba todas as Convenções Internacionais dos quais o país é Parte. Considerando que a Suíça é Parte da CISG, consequentemente, a Convenção integra o Direito suíço. Então, se as partes contratantes de um contrato internacional desejam excluir a incidência da CISG, devem manifestar isso explicitamente, ou, alternativamente, que apenas o direito suíço doméstico é aplicável ao contrato. A doutrina dominante confirma o princípio pelo qual referências gerais ao Direito suíço não podem ser interpretadas como exclusão implícita da CISG, a não ser que a intenção das Partes permita diferente conclusão. (Herber in Bucher (ed.), Wiener Kaufrecht, Bern 1991, p. 221; Herber in v. Caemmerer/Schlechtriem, Kommentar zum Einheitlichen UNKaufrecht, München 1995, N 16 to Art. 6 CISG; Siehr in Honsell (ed.), Kommentar zum UN-Kaufrecht, Berlin and Heidelberg 1997, N 7 to Art. 6 CISG; dissenting, but still suggesting an explicit exclusion: Honsell, Schweizerisches Obligationenrecht, Besonderer Teil, Bern 1992, p. 106). Essa intenção das Partes não pode ser interpretada de forma geral do Contrato, nem devem as transações subsequentes entre as Partes implicar na exclusão implícita, silente, da CISG. Assim, a referência geral ao Direito substancial suíço do artigo 14 do contrato deve ser interpretado a significar direito suíço e qualquer Convenção aplicável

na Suíça, inclusive a CISG.” (iii) CCI – Caso de arbitragem nº 7.565, de 1994 (Coke case)146 As regras da CISG regulam sobre: Aplicabilidade; uma referência expressa ao direito interno. Um contrato entre um vendedor da Holanda e um comprador dos EUA declarou expressamente que foi sujeita “às leis da Suíça”. Na época em que o contrato foi celebrado a CISG, que não estava então em vigor nos Países Baixos, foi, com efeito, aprovada na Suíça, assim como os Estados Unidos.146 O Vendedor defendeu a aplicação do direito interno suíço, alegando que a “expressa designação de uma lei nacional pelas Partes deve ser interpretada como uma referência expressa às disposições da referida lei que seria aplicável em nível doméstico. Essa interpretação deve especialmente ser aplicável quando as Partes têm claramente feita a escolha de uma lei neutra, ou seja, a lei de um país do qual nenhuma das partes seja nacional ou residente”. O Tribunal discorda, dispondo que: “A legislação suíça, quando aplicável, é constituída pela própria Convenção, a contar da data de sua incorporação na legislação suíça.” “A tese neutralidade [...] está satisfeita [porque] o conteúdo e os objetivos da Convenção são mais do que coerente com ele [...]”. “Finalmente, as próprias partes referiram as ‘leis da Suíça’, e não à legislação suíça. Isso derrota a alegação [do vendedor] de que a cláusula deve resultar apenas em uma eleição das disposições do Código de Obrigações suíço, com a exclusão de quaisquer outras disposições legais suíças.” “O tribunal aplicou a lei da Suíça, a CISG, nos termos do art. 1.1.(b) da CISG”.

Saindo do âmbito arbitral, encontramos, em decisões judiciárias, o mesmo entendimento. O Tribunal do Condado de Jura (na Suíça), 147 por exemplo, não deixa dúvidas quando sustenta: “Os arts. 1º e 2º do Código de Direito Internacional Privado da Suíça concentra a preeminência das convenções internacionais em direito internacional privado. Reserva particularmente as convenções que agregam direito uniforme no domínio do direito substancial, por exemplo, a Convenção de Viena sobre compra e venda internacional de mercadorias, de 1980, conhecida como CISG (DUTOIT, Commentaire de la loi fédérale du 18 decembre 1987, 3. ed., 2001, nos 6 and 9 ad art. 1) A CISG, integra o Direito Suíço e é aplicável na mesma base de Direito interno, e não como direito estrangeiro. E apenas com relação a questões que não são cobertas pela CISG que o Código de Direito Internacional Privado é aplicado (Dutoit, op. cit., nº 9 ad art. 119; Bucher/Bonomi, Droit international privé, 2. ed., 2004, p. 270-271; TERCIER, Les contrats speciaux, 3. ed., 2003, nº 1.337).” A Corte Comercial de Zurique (Handelsgericht),148 de 7-7-2002, também entendeu: “Em geral, um acordo entre as Partes, de que seu contrato será governado por um determinado direito nacional, deve ser entendido como total referência ao direito substancial (Vischer; Huber; Oser, Internationales Vertragesrecht, 2. ed., Bern 2000, n º 140). Considerando que a CISG (também referida como o Direito de Viena de Compra e Venda) contém provisões de direito substancial, é principalmente incluída numa cláusula de escolha de lei aplicável como formada pelas Partes no presente caso. Se isso não corresponde à intenção das Partes devem excluir a aplicação da CISG, e referirem claramente pela escolha da lei pelo direito doméstico, qual seja, o

Direito Suíço das Obrigações (Keller; Siehr, Kaufrecht, 3. ed., Zurich 1995, p. 158 nº 1.2). E considerando que as Partes não fizeram expressamente esta exclusão, a CISG deve ser aplicada no caso concreto.” No Brasil, o entendimento é o mesmo. José Maria Rossani Garcez149 defende que “seria de se acrescentar, como permite o parágrafo segundo do artigo 2 º de nossa lei, que as partes podem aceitar como base para a sentença arbitral o conjunto difuso dos elementos componentes da ‘lex mercatoria’ e também a escolha em base convencional, por exemplo, das regras de uma convenção internacional como a Convenção Internacional de Viena, de 1980, sobre a compra e venda internacional de mercadorias, em casos em que as regras dessa convenção sirvam essencialmente para a solução da controvérsia, pouco importando para isto que o país em que as partes na arbitragem sejam domiciliadas tenham ou não ratificado esta convenção, como é o caso do Brasil, que a ela ainda não aderiu”. Nádia de Araújo ressalta que a lei de arbitragem brasileira tem como principal objetivo mudar a atitude dos brasileiros na maneira de resolver seus litígios de ordem patrimonial de forma mais célere: “Entre os princípios consagrados pelo art. 2º da nova lei, está a possibilidade de as partes escolherem livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, além da utilização de princípios gerais de direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio.”150 3.4.6

Fontes comunitárias e regionais: os exemplos da União Europeia e do Mercosul

Além das fontes normativas convencionais (geralmente, produto do esforço de sistematização normativa no plano multilateral pelos Estados), é importante observar que o fenômeno da integração, regionalização e da comunitarização também interfere na dinâmica da produção de normas de direito internacional privado. Nesse domínio, que está estruturado sob o aperfeiçoamento das fontes convencionais, entendemos ser relevante mencionar dois contextos distintos, que podem ser analisados em conjunto: o Direito da União Europeia e do Mercosul. Vale sempre recordar que o Direito da

União Europeia poderá ser usado por nós nos casos concretos como direito comparado, ou seja, como fonte de inspiração. O direito regional da União Europeia e do Mercosul são bons exemplos de como instituições e normas do direito da integração se inter-relacionam com o direito internacional privado e justificam as vertentes especializadas do direito internacional.151 Os itens a seguir cuidam da relação entre o direito internacional privado, direito da União Europeia (em estudo comparativo) e o direito do Mercosul. 3.4.6.1

Direito da União Europeia e fontes do DIPr

O desenvolvimento do direito internacional privado concretizado na atualidade pelas instituições do direito da União Europeia culminou com a adoção, pelos órgãos comunitários, de uma série de regulamentos, diretivas e demais atos normativos concernentes à escolha de lei aplicável, competência internacional e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, refletindo, portanto, a unidade e o consenso sobre a matéria. Em questão esteve justamente a adoção do objetivo comum de criação de um “espaço europeu de justiça” baseado justamente nos pilares da disciplina do direito internacional privado.152 As fontes comunitárias primárias, tais como o Tratados de Roma de 1957 e o Tratado de Maastricht de 1991, haviam criado uma importante tradição de “cultura constitucional europeia” do direito internacional privado na atividade legislativa das Comunidades Europeias, resultando na gradativa adoção, pelos Estados-membros, de atos internacionais de grande relevância no domínio comunitário. A Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial153 e a Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais154 são ótimos exemplos do que ora se afirma. Mas foi somente no final da década de 90, no entanto, que o direito internacional privado passou efetivamente a compor um dos objetivos de harmonização normativa da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Amsterdã de 1996, em 1º de maio de 1999, como parte do setor da cooperação judiciária em matéria civil.155 Na prática, o Tratado promoveu a alteração do status do tema da cooperação

judiciária em matéria civil, inserindo-o no domínio das competências comunitárias que integram justamente o chamado “primeiro pilar” ou “primeira coluna” das Comunidades Europeias. Isso permitiu que os órgãos comunitários passassem a dispor sobre a regulamentação do direito internacional privado; os atos comunitários adotados (regulamentos, diretivas e decisões) deveriam iniciar um processo de gradativa harmonização das normas de conflito de leis no espaço. Essa mudança de status da disciplina pode ser considerada como “derivação do direito internacional privado” na União Europeia, em alusão à tendência crescente do exercício das competências dos órgãos comunitários (Parlamento, Conselho e Comissão) em torno da gradual harmonização empreendida no campo daquela disciplina e da desconstrução da diversidade das normas de conflito de origem legislativa estatal. Alguns Estados-membros, todavia, mantiveram-se fora da sistemática criada pelo Tratado de Amsterdã de 1996, como a Dinamarca, que em tantas ocasiões deixou de participar dessa variante da ação comunitária (cooperação judiciária em matéria civil). Outros membros, como Reino Unido e Irlanda, fizeram reservas específicas quanto à possibilidade de participação na adoção de cada ato comunitário separadamente.156 Nos grandes temas do direito internacional privado e direito processual civil internacional são relevantes as seguintes fontes de direito comunitário derivado, dentre outras: a) b)

Regulamento (CE) nº 2.100/1994, do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais. Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (também denominado “Bruxelas I”), que trata da determinação da competência internacional dos tribunais na adjudicação de litígios entre pessoas residentes em Estados-membros diferentes e, também, dos mecanismos de reconhecimento e execução das sentenças em um Estado-membro quando proferidas em outro Estadomembro.157

c) d) e) f)

g)

h)

i) j)

k)

Regulamento (CE) nº 2157/2001, do Conselho, de 8 de outubro, relativo ao estatuto da Sociedade Europeia (SE). Regulamento (CE) nº 6/2002, do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários. Regulamento (CE) nº 1435/2003, do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativo ao Estatuto da Sociedade Cooperativa Europeia Regulamento (CE) nº 2.201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, o qual substitui o antigo Regulamento (CE) nº 1.347/2000 sobre o mesmo tema (conhecido como “Bruxelas II”) e entrou em vigor em 1º de março de 2005. Regulamento (CE) nº 1.346/2000, do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência de empresas, e que estabelece normas comunitárias para o reconhecimento, a execução de sentenças e a determinação da lei aplicável aos processos de insolvência transfronteiriços. Regulamento (CE) nº 1.206/2001, do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-membros no campo da obtenção de provas em matéria civil e comercial, e que racionaliza a cooperação entre os tribunais domésticos para a informação e obtenção de provas. Decisão nº 2.001/470/CE do Conselho, de 28 de maio de 2001, que cria uma rede judiciária europeia em matéria civil e comercial. Regulamento (CE) nº 743/2002, do Conselho, de 25 de abril de 2002, que cria um quadro geral comunitário de atividades para facilitar a cooperação judiciária em matéria civil. Diretiva nº 2.003/8/CE, do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, a partir da criação de normas mínimas comuns relativas à assistência judiciária no âmbito desses litígios.

l)

m)

n)

o)

p)

q)

r)

s)

Regulamento (CE) nº 805/2004, relativo ao título executivo europeu para créditos não contestados, que objetiva tornar executáveis em toda a Comunidade as decisões relativas aos créditos não contestados proferidas nos tribunais de um Estado-membro, sem qualquer medida intermédia no Estado-membro em que está prevista a execução. Regulamento (CE) nº 1.869/2005 da Comissão, de 16 de novembro de 2005, que substitui o Regulamento (CE) nº 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados. Diretiva nº 2.004/80/CE, de 29 de abril de 2004, relativa à indenização das vítimas de delitos criminais, que objetiva assegurar que todos os cidadãos residentes legais da União Europeia tenham para si assegurado o direito de justa indenização pelos prejuízos sofridos em caso de ilícitos cometidos nos domínios territoriais da União. Regulamento (CE) nº 1.896/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento. Regulamento (CE) nº 861/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante. Regulamento (CE) nº 1.393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estadosmembros (“citação e notificação de atos”) e que revoga o Regulamento (CE) nº 1.348/2000 do Conselho. Regulamento (CE) nº 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Roma I”). Regulamento (CE) nº 864/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”).

t)

u) v)

Regulamento (CE) nº 4/2009, do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares. Regulamento (CE) nº 207/2009, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada). Regulamento (UE) nº 1259/2010, do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.158

Em grande medida, essas novas matérias interagem claramente com áreas tradicionais do direito internacional privado no contexto europeu, que deixou de ser predominantemente formulado a partir das fontes domésticas e passou a um dos elementos de produção das normas da própria União Europeia. Simbolicamente, tratase de um importante exemplo de como as fontes normativas comunitárias compõem níveis de superposição de competências antes atribuídas aos legisladores nacionais e de desnacionalização das fontes do direito internacional privado. 3.4.6.2

O Mercosul e o direito internacional privado

Na mesma medida, o trabalho de harmonização normativa no domínio do Mercosul,159 justificado pelo art. 1º do Tratado de Assunção de 1991 160 enquanto objetivo de fortalecimento do processo de integração, também buscou alcançar um “patamar mínimo” de aprofundamento legislativo do direito internacional privado no bloco. Nesse caso, seria possível falar-se em fontes convencionais de caráter regional, as quais, no caso do Mercosul, hoje compreendem as áreas do direito processual civil internacional (cooperação judiciária e reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras), contratos internacionais, responsabilidade civil em acidentes de trânsito e arbitragem comercial internacional. Nos últimos anos foram adotados os seguintes protocolos no Mercosul relevantes para o direito internacional privado, dentre outros: Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (“Protocolo de Las Leñas”), de 27 de junho de 1992,161 Protocolo de

Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, de 5 de agosto de 1994,162 Protocolo de Medidas Cautelares, de 16 de dezembro de 1994,163 Protocolo de São Luís sobre Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito, de 25 de junho de 1996, 164 e Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, de 23 de julho de 1998.165 O Direito do Mercosul é aplicado pelos nossos tribunais quando apreciam litígios com efeitos nos países-membros do bloco. E o fazem conjuntamente com a aplicação das normas de direito internacional privado. Exemplo são as decisões comentadas a seguir. Recente acórdão da 12ª Câmara Cível do TJRS166 tratou de ação indenizatória por danos materiais, morais e por lucros cessantes em decorrência de acidente de trânsito ocorrido no Uruguai entre motociclista uruguaio, domiciliado no Uruguai – autor da ação –, e cidadã brasileira, domiciliada no Brasil – ré. Resta evidenciada uma relação jurídica plurilocalizada e conectada por diversos elementos estrangeiros. Inicialmente, discute-se a competência da justiça brasileira para julgar o litígio. Ressalta-se que, apesar de o local dos fatos ser o Uruguai, de o autor ser uruguaio e lá ter seu domicílio, não há qualquer óbice ao exame do conflito pela jurisdição brasileira. A competência desta foi definida com base na escolha do autor que priorizou o domicílio da ré como elemento de conexão mais relevante para a definição da justiça competente. A possibilidade de se escolher a jurisdição brasileira baseia-se na análise de três leis distintas: (i) a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; (ii) o Código de Processo Civil brasileiro; e (iii) o Protocolo de São Luiz em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-Partes do Mercosul – doravante Protocolo de São Luiz –, que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 3.856/2001. No que se refere à LINDB, atenta-se ao art. 12, caput, pois a ré é domiciliada no Brasil, atraindo a jurisdição nacional, independentemente da nacionalidade ou domicílio do autor e do local do delito. Em seguida, deve-se observar o disposto no art. 21, I, do novo CPC, que define

a competência do juiz brasileiro para o julgamento de causas cujo réu esteja domiciliado em território nacional. Após, a análise do Protocolo de São Luiz revela igualmente a competência da justiça brasileira para o julgamento do caso. Em seu art. 1º, o Protocolo estabelece qual será o direito aplicável ao litígio de responsabilidade civil emergente de acidentes de trânsito que tenham ocorrido em algum dos Estados-Partes quando participam ou são atingidas pessoas domiciliadas em outro Estado-Parte. Dispõe também, em seu art. 7º, sobre a definição da jurisdição competente para julgar o litígio, permitindo que o autor escolha o foro do local onde ocorreu o acidente, o foro do domicílio do demandado ou o foro de seu próprio domicílio. Assim, nota-se que há convergência entre os parâmetros impostos pelas três legislações citadas, de modo que a jurisdição brasileira seria concorrentemente competente para decidir o conflito, deixando aberta para o autor a escolha de qual seria o foro mais conveniente para o ajuizamento da ação. Ressalta ainda o relator que, apesar de o julgamento da demanda ser realizado pela jurisdição brasileira, a legislação não afasta a competência de outras cortes, como, no presente caso, da República Oriental do Uruguai. Assim, verifica-se que, no caso relatado, para fins de determinação da competência, são irrelevantes: (i) o local do ilícito extracontratual e (ii) a nacionalidade do autor e seu domicílio. A escolha do autor configura-se como um exemplo de forum shopping, elegendo como competente a jurisdição brasileira, uma vez que julgou que esta lhe seria mais adequada por questão de estratégia processual. Descabida ainda, segundo o relator, a aplicação da doutrina do forum non conveniens, proveniente de países da Common Law, segundo a qual cabe ao juiz analisar, em caso de jurisdição internacional concorrente, qual delas seria a “mais adequada ao interesse das partes e à administração da justiça”. No que dizia respeito à definição da competência interna para julgar o pleito, o autor entendeu que o conflito ensejaria a competência da justiça federal, tendo em vista o disposto no art. 109, III, da Constituição Federal, que define como sendo de

competência da justiça federal o julgamento de conflitos que estejam fundados em tratados internacionais – no caso, o Protocolo de São Luiz. Entretanto, diante da interpretação restritiva dada a esse dispositivo, entende-se que este só será aplicável a discussão que diga respeito especificamente a cumprimento de preceito previsto no tratado, o que não acontece no referido processo. Já no que concerne ao direito aplicável à decisão do mérito da causa, o relator refere-se, em primeiro lugar, à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que define, em seu art. 9º, que as obrigações se regerão pela lei do local em que se constituírem. Não havendo qualquer referência à contratualidade ou extracontratualidade da obrigação, a lei aplicável à solução do litígio será a lei uruguaia. A aplicação do direito estrangeiro tem emprego independentemente da arguição do autor, pois esse dever de aplicação do direito estrangeiro é ex officio. Assim, contempla-se um exemplo segundo o qual o direito material a ser aplicado é o d a lex loci delicti, pois é o local em que surgiu a obrigação extracontratual o elemento de conexão relevante escolhido pela LINDB. Acrescentou-se ainda, à incidência da LINDB, a aplicação do Protocolo de São Luiz, que também define o direito aplicável ao mérito em situação de danos emergentes de acidentes de trânsito. Como regra geral, em seu art. 3º, o tratado define que o direito aplicável será aquele do Estado-Parte onde ocorreu o acidente. Em seu art. 4º, por sua vez, define que será aquele do Estado-Parte do local do sinistro. Por outro lado, segundo seu art. 5º, independentemente do direito aplicável, serão levadas em conta as regras de segurança e circulação em vigor no local do acidente. Como observa o relator, como os domicílios das partes envolvidas no sinistro não coincidem, impõe-se a aplicação da regra geral do art. 3º. Assim sendo, a solução do litígio envolve a aplicação do Código Civil de la República Oriental del Uruguay. No caso descrito, não há qualquer óbice que a consideração da ordem pública brasileira imponha à aplicação do direito uruguaio. O relator, valendo-se principalmente dos meios eletrônicos, não só dispensou que as partes fizessem prova

do direito estrangeiro nos termos do art. 409 do Código de Bustamante, por questão de economia processual, como averiguou que a legislação uruguaia no tópico da responsabilidade extracontratual é bastante similar à brasileira, de modo que não haveria que se falar em violação à ordem pública. Verifica-se também a incidência do art. 13 da LINDB. Assim sendo, “tem-se que a legislação uruguaia disciplina a produção da prova dos fatos ocorridos em território uruguaio e constitui-se como parâmetro para a aferição da sua regularidade extrínseca”. Entendeu-se que não havia motivo de incompatibilidade com as normas do Código General de Proceso uruguaio. No que diz respeito à aplicação do direito processual brasileiro, restou reconhecido que as provas produzidas – testemunhal e documental – encontram abrigo na legislação pátria, de modo que tampouco existe qualquer óbice à sua apresentação. Em contrapartida, ressaltou a corte que as testemunhas arroladas pelo autor uruguaio, apesar de não terem sido ouvidas segundo o procedimento de carta rogatória previsto no art. 210 do Código de Processo Civil de 1973 ou mesmo na Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, pelo princípio da instrumentalidade das formas, abrigado pelo CPC, entendem pela validade das provas testemunhais produzidas. Em outro julgado recente, também do Tribunal de Justiça gaúcho, referente a um agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu liminarmente, em ação cautelar inominada, constrição judicial do veículo do réu-agravado, proprietário do automóvel envolvido no acidente de trânsito ocorrido entre as partes. É agravante nacional com domicílio no Brasil e agravado estrangeiro com domicílio na Argentina.167 O relator destaca que não há nos autos elementos suficientes para se deferir liminarmente a constrição do veículo do reú-agravado, uma vez que alegações genéricas fundadas no fato de que este reside no estrangeiro e que, possivelmente, não será solvente para pagar o crédito de eventual sentença em seu desfavor não são suficientes para caracterizar o periculum in mora. O fato de o requerido residir no estrangeiro não implica que seu veículo deva

permanecer em território brasileiro, pois somente dessa maneira o eventual crédito seria satisfeito. Não se constatou, no presente caso, o periculum in mora, pois o Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul – incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 2.626/1998 – garante ao autor-agravante que, em caso de futura constrição do veículo determinada por autoridade brasileira, a decisão poderá ser cumprida pela autoridade argentina competente, conforme previsão do art. 3º. Não é o fato de o requerido residir no estrangeiro, portanto, que significa que constrição posterior será necessariamente ineficaz. 3.4.6.2.1 Emenda Regimental do STF que regulamentou a solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul Dentro do sistema do Mercosul prevê-se ainda a possibilidade de requerer uma opinião consultiva ao Tribunal Permanente de Revisão (TPR) no que concerne à vigência ou interpretação jurídica do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), das Resoluções do Grupo Mercado Comum (GMC) e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM). Foi no Protocolo de Olivos,168 art. 3º, assinado em 2002, que se previu esse mecanismo, determinando que o Conselho do Mercado Comum definisse seu alcance e procedimentos. Em 2003, foi publicada a Decisão CMC nº 37/2003, que regulou em seu capítulo II a solicitação de opiniões consultivas ao TPR. Ali restaram delimitadas as partes legítimas, o objeto, os requisitos formais, os efeitos e demais elementos procedimentais necessários à sua implementação. Para que fosse possível a utilização de tal instrumento, era necessária sua regulamentação no âmbito interno. Assim, em 2012, o STF regulamentou, por meio da Emenda Regimental nº 48, a solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Dispôs, em primeiro lugar, que caberá ao Presidente do STF o juízo de admissibilidade e exame da pertinência processual da solicitação. Delineou ainda que são partes legítimas para demandar a opinião consultiva o juiz da causa e qualquer das partes. A solicitação deverá dizer respeito

unicamente à vigência ou interpretação jurídica dos tratados, protocolos, decisões, resoluções e diretrizes acima referidos. Devem ser expostos os fatos, o objeto e as razões para a solicitação. Deverá, ainda, ser indicada expressamente a norma do Mercosul a respeito da qual se faz a consulta, além de se indicar o juízo de origem da ação. A solicitação deve ser feita por escrito, anexando-se os documentos necessários à sua instrução. Feito o juízo de admissibilidade e recolhidos os votos dos demais Ministros, o Supremo Tribunal Federal encaminhará a solicitação ao TPR. A regulamentação levada a cabo, afinal, foi interna, uma vez que a Decisão CMC nº 37/2003 já havia estabelecido que, dentre os legitimados, estão os tribunais superiores da jurisdição nacional dos Estados-Partes. É importante destacar, como lembra o professor Jorge Fontoura, que as opiniões consultivas do TPR não se assemelham ao reenvio prejudicial da União Europeia, já que estas não são nem vinculantes nem obrigatórias.169 3.5

O COSTUME INTERNACIONAL – CONVENÇÃO TÁCITA CONFIRMADA PELA TRADIÇÃO E QUE SE DEDUZ DA AUTORIDADE DOS ESTADOS

O costume exprime-se pela prática reiterada de determinados comportamentos que, com a experiência e o transcurso do tempo, admitem-se como juridicamente observáveis, vinculando imediatamente os indivíduos – no plano interno dos Estados. No campo do direito internacional privado, ele é questionado em sua maior ou menor aptidão de determinação das fontes normativas. Vertentes teóricas em torno do tema, como demonstra Strenger, 170 não lograram êxito em cientificamente demonstrar a importância das fontes consuetudinárias para soluções normativas relativas ao conflito de leis. A constatação do costume internacional, no entanto, aparece na própria história do direito internacional privado, de suas origens nas escolas medievais até o reconhecimento pelas doutrinas modernas. Independentemente dessa controvérsia, a distinção entre costume internacional e costume interno como possíveis fontes do direito internacional privado é relevante. O

primeiro refere-se ao reconhecimento, por determinada comunidade estatal, de que dada regra é positiva para seus membros, a partir de uma convicção de que estes estejam vinculados pela norma jurídica. O costume internacional, por sua vez, manifesta-se por condutas ou atos reconhecidos pelos Estados entre si, aliados à convicção da necessidade de praticá-los e reconhecê-los, como se imprimissem regras expressas de direito. A visão doutrinária oferece uma orientação de como os requisitos de constatação do costume internacional se manifestam: i) ii)

o elemento material, externo, que consiste na prática suficientemente constante de determinados atos pelos Estados; o elemento subjetivo, interno, que consiste na convicção jurídica dos Estados de observância de uma norma jurídica (opinio necessitatis), – que é o elemento autêntico do direito consuetudinário.171-172

Evidentemente, o elemento material do costume internacional não se determina, nem se reconhece, pelos mesmos processos admitidos para a constatação do costume interno, portanto, nos ordenamentos nacionais. Naquele, não há necessidade da prática reiterada de atos uniformes indefinidamente, mas antes a percepção geral dos Estados de que a norma jurídica deve ser observada. Na orientação de Machado Villela, 173 o costume internacional constitui-se a partir das relações entre dois Estados, na medida em que estes pratiquem atos recíprocos indicadores de um acordo tácito de observância da norma jurídica.174 Em muitos casos, no direito internacional privado, o reconhecimento do direito estrangeiro pelo juiz nacional e a cooperação judiciária internacional foram áreas em grande medida determinadas pela prática comum de atos entre Estados antes que se tornassem objeto de codificação por tratados e convenções especiais ou pela lei interna. A ocorrência de atos recíprocos entre Estados pode formar o consenso de que haja uma regra disciplinadora da conduta observada, daí a constatação do costume internacional. A repetição da prática de tais atos levará à sua confirmação, de modo que parece ser indispensável a existência de um ato bilateral, praticado entre os Estados, a partir do qual o costume se justifique, com a mesma convicção ou

percepção geral, e não apenas por um dos Estados envolvidos.175 Na própria teoria do direito, a abordagem doutrinária relativamente às fontes consuetudinárias parece ser consentânea com a experiência do direito internacional privado. O costume é observado, por exemplo, em sua nova dignidade de fonte formal – condição que havia ficado comprometida com o senso racionalista do movimento codificador do direito nos ordenamentos estatais, em especial naqueles de tradição romano-germânica entre o fim do século XIX e início do século XX.176 O denominador comum em torno do costume internacional reside justamente em um pressuposto legítimo – como destacado por Machado Villela, 177 de que os Estados podem agir em conformidade e uniformidade na solução de certos conflitos, convencidos de que estão obrigados, vinculados, a adotar tal comportamento como consenso. Assim, na hipótese de aplicação do direito internacional privado, os tribunais, ao serem confrontados com a ausência de normas de origem legislativa ou convencional, deverão determinar a regra em concreto, correspondente à hipótese fática analisada a partir do recurso ao costume. Corrobora o que ora afirma-se o disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 3.6

A JURISPRUDÊNCIA

A valoração da jurisprudência como fonte do direito internacional privado reside justamente na relação imediata por ela mantida com os diversos mecanismos de solução de litígios transnacionais (casos mistos) pelos tribunais.178 Em uma de suas abordagens conceituais, como visto a partir de uma perspectiva metodológica assentada por Goldschmidt,179 o direito internacional privado é definido como o conjunto de casos jusprivatistas internacionais, isto é, o conjunto de casos contendo elementos estrangeiros e suas respectivas soluções, descritos por normas inspiradas no método indireto, analítico e sintético judicial, e baseadas as soluções e suas descrições no respeito ao elemento estrangeiro. Em grande medida, tribunais e juízes nacionais são responsáveis pela

sedimentação da experiência com a formulação de princípios gerais de interpretação de normas do direito internacional privado, especialmente quando são chamados a solucionar as questões relativas à determinação da lei aplicável aos casos contendo elementos de estraneidade e à solução de litígios privados transfronteiriços que reclamam aplicação do direito estrangeiro no foro. A opinião de Espínola, em vanguarda para a época em que fora formulada, reflete muito bem a lógica da valoração da jurisprudência no domínio do direito internacional privado: “Os tribunais de cada país têm necessariamente de se pronunciar sobre todas as questões de direito internacional privado submetidas à sua apreciação. Recorrerão, na falta de leis internas de costumes, às fontes subsidiárias. As suas decisões, por isso mesmo, que são deficientes as normas de direito, nessa matéria, assumem as maiores proporções, constituindo elementos importantes para a elaboração de tratados, formação do costume e promulgação de leis internas sobre o problema de competência dos sistemas legislativos.”180 Casos envolvendo questões de matrimônio entre cônjuges de diferentes nacionalidades e domicílios, divórcios realizados no estrangeiro, negócios contratuais, responsabilidade por danos decorrentes de ilícitos transfronteiriços, localização e determinação da titularidade dos bens móveis e imóveis, ou mesmo a proteção de obras autorais ou patentes de invenção contra atos de violação multiterritoriais, encontram-se, em larga medida, apreciados pelos tribunais domésticos. Os tribunais são confrontados, muitas vezes, com a necessidade de adaptação da rigidez de certas normas de direito internacional privado, de origem legislativa e convencional, que se impõe ao jurista como tarefa hermenêutica.181 Ainda no campo do conflito de leis, a tendência de aplicação do direito estrangeiro pelos tribunais nacionais sempre sofreu inúmeras oscilações, em uma realidade que tende à mudança gradativa nos diversos sistemas jurídicos, sobretudo pela melhor formação internacionalista dos juristas que formam uma nova geração de práticos das áreas do direito internacional. Assim, cada vez mais uma jurisprudência especializada em direito internacional privado tem sido observada em países de diferentes tradições jurídicas, sobretudo em setores relativos aos contratos internacionais, proteção de bens intangíveis e transferência de tecnologia, e direito de

família internacional, além de questões imediatamente relacionadas ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras nos ordenamentos domésticos.182 Os casos jusprivatistas internacionais exigem dada especialização dos juízes, que devem compreender, de modo suficiente, um conjunto de categorias normativas e técnicas pouco fáceis de serem articuladas em uma sentença inteligível. Por isso mesmo, o valor da jurisprudência como fonte do direito internacional privado também passa pela consideração qualitativa, determinada imediatamente pelo estado da cultura e conhecimentos jurídicos implicados na atividade judicante.183 O desenvolvimento das fontes de direito internacional privado a partir da jurisprudência europeia continental mostrou-se, num primeiro momento, ligado à pujante atividade dos tribunais domésticos, em Estados como Alemanha, França, Itália e Holanda, passando por uma espécie de amadurecimento nas várias matérias que compõem o objeto da disciplina. De fato, essa experiência aprofundou e sofisticou os vários temas relacionados ao direito internacional privado: as questões de escolha de lei aplicável e conflito de leis no espaço propriamente dito, competência internacional do juiz nacional, nacionalidade e condição do estrangeiro (sobretudo no contexto francês), além de questões de cooperação judiciária internacional (sobretudo quanto ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, como na aplicação da Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial). A atuação concentrada dos tribunais nacionais de alguns Estados europeus conduziu a uma gradual “substantivação” das áreas do direito internacional privado, especialmente nos campos do direito de família internacional e dos contratos internacionais.184 Nesse contexto, a experiência francesa sugere inúmeros exemplos em torno da influência dos tribunais domésticos na construção das fontes do direito internacional privado, em especial pelo destaque atribuído à “atuação jusprivatista internacional” da Corte de Cassação em sentenças proferidas nos litígios com conexão internacional adjudicados pelos tribunais locais.185 Na Alemanha, a experiência dos tribunais nacionais, especialmente o Tribunal Superior Federal

(Bundesgerichtshof),186 aponta para a consolidação de uma jurisprudência conducente ao desenvolvimento de regras e princípios no campo da lei aplicável aos bens, ilícitos transfronteiriços e obrigações contratuais, levando, inclusive, à reformulação dos fundamentos valorativos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1896 (EGBGB) e da Convenção de Roma de 1980 sobre lei aplicável às obrigações contratuais. No tocante aos tribunais internacionais, a produção jurisprudencial observada no campo do conflito de leis não acompanhou o mesmo movimento que aquele levado a cabo pela atuação concreta dos tribunais domésticos.187 Poucas foram as ocasiões em que a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI),188 criada como órgão da Liga das Nações, e sua sucessora, a Corte Internacional de Justiça da ONU (CIJ), manifestaram-se sobre questões envolvendo lei aplicável ou competência internacional dos tribunais domésticos, emergentes em controvérsias entre Estados. Alguns dos casos julgados, entretanto, são relevantes para a compreensão do desenvolvimento de regras jurisprudenciais no domínio do direito internacional privado. No caso Boll, entre Suécia e Holanda, a CIJ analisou justamente a aplicação da Convenção de Haia de 1902 sobre posse e guarda de menores, observando as implicações daí decorrentes sobre a adoção de medidas administrativas suecas e o princípio da ordem pública.189 Em questão estava a pertinência de escolha da lei aplicável (se a sueca ou a holandesa) sobre a guarda de uma criança de nacionalidade holandesa (Marie Elizabeth Boll), de acordo com os dispositivos estabelecidos pela Convenção. A Corte entendeu que seria a lei sueca aplicável, justamente porque o escopo da medida administrativa adotada pelas autoridades suecas estaria justificado numa preocupação de ordem pública (a proteção da criança, residente na Suécia) e estaria em conformidade com a Lei Sueca de 1924 sobre a Proteção de Crianças e Menores.190 Em Nottebohm, controvérsia entre Guatemala e Liechtenstein, a Corte da ONU decidiu pelo não reconhecimento da nacionalidade concedida por Liechtenstein a um cidadão alemão residente na Guatemala.191 Uma das principais questões envolvendo

direito internacional privado estaria na disciplina jurídica da nacionalidade, de acordo com as leis de Liechtenstein, e em saber se efetivamente o cidadão alemão Friedrich Nottebohm havia requerido, de modo fraudulento, a nacionalidade daquele Estado. Em sua decisão, a CIJ enfatizou que a nacionalidade decorre das normas do direito interno do Estado, que estabelecem regras sobre sua aquisição, manutenção, exercício e extinção. Nottebohm sempre manteve sua família e negócios na Alemanha, não havendo nada que indicasse que o pedido por ele formulado ao principado de Liechtenstein tivesse sido motivado pela intenção de se dissociar da Alemanha. Igualmente, o fato de estar na Guatemala por mais de 34 anos sugeriria a intenção de ali estabelecer seu domicílio efetivo; as duas situações jurídicas – nacionalidade e domicílio – não poderiam ser tratadas de modo idêntico.192 No caso Barcelona Traction,193 de 1963, a Corte rejeitava a pretensão da Bélgica quanto à legitimidade para representação de acionistas belgas de uma sociedade comercial constituída de acordo com o direito canadense, subsidiária de uma empresa espanhola. Segundo a Corte da ONU, somente o Canadá, e não a Bélgica, poderia questionar a legalidade da falência da sociedade decretada pela justiça espanhola. Em questão estava justamente a determinação do direito aplicável à pessoa jurídica e a constatação de um princípio geral do direito internacional relativo ao reconhecimento da pessoa jurídica de direito estrangeiro.194 Outro interessante exemplo da influência exercida pela jurisprudência no domínio do direito internacional privado está na atuação histórica do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), que possui competência para adjudicar litígios com base na aplicação e interpretação das normas dos tratados constitutivos do direito comunitário europeu.195 Como muitos desses litígios frequentemente se estabelecem entre partes sediadas nos diferentes Estados--membros da União, os tribunais nacionais, também diretamente submetidos às normas do Direito da União Europeia, devem se reportar ao TJCE em caso de interpretação do direito comunitário. Em muitas dessas ocasiões, questões sobre direito material aplicável são analisadas pelo órgão judiciário da União.196 Boa parte dos julgados do TJCE que abordam questões de direito internacional

privado está relacionada à determinação da lei aplicável às sociedades comerciais, regime jurídico de procurações, procedimentos falimentares, proteção do consumidor na Comunidade, além da atuação concentrada dos tribunais dos Estados-membros em torno da aplicação das normas da Convenção de Bruxelas de 1968 sobre competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões estrangeiras em matéria civil e comercial, e do recente Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000 (“Bruxelas I”).197 No outro lado do oceano, em especial nos países da América Latina, o desenvolvimento de uma jurisprudência favorável à prática do direito internacional privado sempre foi prejudicado pelas realidades domésticas e pela ausência de uma cultura verdadeiramente jusprivatista internacional entre os tribunais nacionais. Ainda que tais países tivessem contado com um número expressivo de ondas migratórias e aumento gradual dos negócios oriundos do comércio internacional, poucos foram os desdobramentos técnicos da atividade jurisdicional que permitissem a criação de uma jurisprudência de direito internacional privado. O caso brasileiro, por exemplo, demonstra um aprofundamento pouco uniforme dos tribunais nacionais no campo do direito internacional privado, não somente pela pouca frequência de casos mistos apreciados, como também pela formação deficitária dos juristas dedicados ao estudo das vertentes internacionais do direito desdobradas nas disciplinas do direito internacional.198 A práxis brasileira está associada basicamente ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur de cartas rogatórias (anteriormente da esfera de competência do STF e hoje transferida para o STJ, por força da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004)199 no campo da cooperação judiciária internacional, bem como aos casos de extradição e expulsão relativamente ao âmbito de aplicação do Estatuto do Estrangeiro e normas do direito penal internacional.200 Os percalços da evolução jurisprudencial brasileira no campo do direito internacional privado levam os autores a afirmar que, em nosso continente, ao contrário do que ocorreu na Europa e, em grande medida, nos Estados federados dos Estados Unidos, a produção doutrinária assentou-se como elemento mais significativo

no contexto das fontes normativas da disciplina.201 Isso não sugere, no entanto, que os tribunais brasileiros deixaram de desempenhar papel de relevância no tratamento do direito internacional privado. Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha se dedicado eminentemente a julgar e apreciar um extensivo número de ações homologatórias de sentenças estrangeiras, durante o tempo em que detinha competência para tanto, a jurisprudência brasileira foi sendo orientada ao questionamento de alguns princípios do direito internacional privado, sobretudo no que concerne à ordem pública e limitações à aplicação do direito estrangeiro pelos tribunais nacionais.202 3.7

A DOUTRINA JUSPRIVATISTA INTERNACIONAL

A especialidade e a prática do direito internacional privado levam à constatação de que a doutrina desempenha um papel fundamental para a adaptação da disciplina às demandas de regulação das relações jurídicas que geram efeitos em mais de um país ao mesmo tempo. Seu valor, enquanto “direito científico” e despido da oficialidade e autoridade política dos órgãos do Estado, apresenta um poder (re)criativo do direito, cujo alcance não pode ser desconsiderado no momento da formulação de normas e princípios, ainda que a partir das fontes formais (tratados e leis internas) em última lógica admitidas.203 Os trabalhos científicos especializados dos juristas dedicados ao estudo e práxis do direito internacional privado tornam-se autoridade para a discussão dos temas, deduzindo e formulando os princípios gerais que servem de base à disciplina.204 Com efeito, a função desempenhada pela doutrina aponta para a criação de autênticos modelos hermenêuticos, ainda que não tenham o “poder de obrigar” os indivíduos. Esse aspecto não prejudica, no entanto, sua relevância e primazia em esclarecer o significado das leis e tratados no curso do tempo, ou mesmo ao exigir dos juristas a formulação de novos modelos de produção normativa que sejam ajustados à realidade fática e valorativa da comunidade em determinado momento histórico.205 Essa constatação está plenamente de acordo com o papel indispensável da doutrina no domínio do direito internacional privado – campo em que ela se destaca com maior

força do que em outros campos do direito.206 Há que se destacar, igualmente, que a doutrina assume papel determinante sobre a própria evolução da jurisprudência no direito internacional privado, já que a codificação difusa da disciplina (entre tratados e leis internas especiais), quando comparada com outras áreas, impõe ao juiz a tarefa de referir-se, constantemente, aos trabalhos dos juristas especializados a fim de ajustar as decisões relativas à escolha de lei aplicável aos casos mistos ou multinacionais.207 Do mesmo modo, as políticas legislativas dos Estados no plano interno e os trabalhos preparatórios de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais na formulação geral de tratados e convenções, leis-modelo, decisões e recomendações relativas às áreas do direito internacional privado são diretamente influenciados pelo alcance da doutrina jusprivatista internacional. Esse movimento – bem distinto de um cientificismo isolado dos doutrinadores do direito internacional privado – é evidente no atual estágio de maturação da disciplina e sua importância para a prática das vertentes internacionais do direito. São bons exemplos os trabalhos coordenados pela Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, Instituto de Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), Comissão das Nações Unidas para Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL), Câmara de Comércio Internacional de Paris, Instituto de Direito Internacional, International Law Association (ILA), além daqueles conduzidos por organizações internacionais de caráter regional, tais como a União Europeia (e os trabalhos da Comissão e do Conselho), Conselho da Europa, a Organização dos Estados Americanos (o Comitê Jurídico Interamericano da Organização dos Estados Americanos) e o Mercosul. Levando em consideração a relevância e a prática de algumas dessas instituições para o direito internacional privado, o próximo item busca analisar brevemente algumas das fontes de origem institucional, além das chamadas “normas narrativas”, como exemplo da difusão das normas e instituições da disciplina e que conduzem o jurista internacional no trabalho de relacionar soluções para a escolha da lei aplicável aos casos mistos, a distribuição e alocação da jurisdição e competência

internacional dos tribunais nacionais e para as questões de reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras nos ordenamentos estatais. 3.8

AS FONTES INSTITUCIONAIS E AS NORMAS NARRATIVAS NO DIPR (SOFT LAW?)

A denominação “fontes institucionais” compreende uma ampla categoria de fontes materiais do direito internacional privado e se contrapõe à perspectiva estrita da própria Teoria do Direito em torno de “sistema” ou “rol” de fontes normativas – normalmente concebidas em suas relações de hierarquia, prevalência ou eficácia, segundo sua origem e status nos ordenamentos jurídicos. De uma perspectiva ampla e pouco convencional, no entanto, as fontes do DIPr incluem, igualmente, outros elementos normativos e outros dotados de aparente normatividade que servem para fundamentar as soluções reclamadas pelos casos concretos.208 Isso significa, em suma, que o jurista dedicado ao estudo e prática do direito internacional privado deve se valer da pluralidade das fontes normativas para a criação de um amplo leque de soluções para os casos mistos. Isso diz respeito, genericamente, ao trabalho de averiguação do direito aplicável aos casos, desde uma adequada orientação prática para a advocacia internacional até a concretização da justiça material nos litígios que geram efeitos em mais de um país ao mesmo tempo. Nesse setor, existe efetivamente uma flexibilização dos modelos formais de produção do direito como alternativa e tendência no direito internacional privado, como também exemplificam a doutrina e jurisprudência. Esses modelos flexíveis permitem um desenvolvimento mais aberto da disciplina do conflito de leis no espaço, apontando para o aprofundamento normativo das soluções e técnicas, que serão absorvidas pelos legisladores domésticos ou tomadas pelos Estados nos movimentos de codificação legislativa. O mesmo ocorre com as fontes institucionais que se destinam a consolidar normas narrativas, sem autoridade, obrigatoriedade ou poder vinculante, mas centradas na lógica da persuasão e níveis de influência na aplicação do direito. Fala-se aqui na categoria especial de fontes materiais ou de inspiração no

conjunto das fontes normativas do direito internacional privado. Nela podem ser incluídas as recomendações, diretrizes, códigos de conduta, leis-modelos e princípios que não são, à primeira vista, dotados de efeitos vinculativos imediatos, isto é, efeitos que obriguem determinados comportamentos dos indivíduos; são normas que influem e inspiram o processo legislativo interno nos Estados e negociação de tratados e convenções, e também servem de referencial para a atuação do juiz nacional e das partes no caso concreto. Impropriamente essas fontes são conhecidas como fontes de soft law, e compreendem temas relacionados a vários setores do direito internacional público, direito internacional privado e direito do comércio internacional.209 Reúnem, antes, normas narrativas, pois descrevem comportamentos e soluções para determinadas situações fáticas, sem criar mecanismos de sanção jurídica. Seus elementos persuasivos levam à sua observância pelos sujeitos endereçados. A ideia das normas narrativas é produto de elaboração doutrinal, justificada na observação efetiva dos instrumentos empregados pela ordem social para regulação dos comportamentos humanos. Essa realidade apresenta com frequência complexidade e heterogeneidade ligadas a instrumentos que não encontram correspondência nas normas de tratados e convenções ou das leis internas, e se identificam mais com “normas de reconhecimento” ou “normas narrativas”.210 Bom exemplo disso é o desdobramento prático do art. 249 do tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE), que abre espaço para a proliferação de normas não vinculantes, ou “atos atípicos” ou “não previstos”, aos quais são atribuídos efeitos de diferentes ordens e diretamente ligados aos objetivos normativos dos tratados e convenções (direito comunitário originário ou primário) e dos regulamentos e diretivas (direito comunitário derivado). O problema, inadequadamente abordado como atinente à categoria da soft law, portanto, diz respeito à minimização ou flexibilização das competências relativas às fontes formais das fontes do direito. O jurista teria menos preocupação imediata de enquadrar (categorizar) os atos normativos (uma vez despidos do caráter ou da origem estatal) e mais com os resultados alcançados por essas normas narrativas no amplo quadro da regulamentação dos fatos da vida social. O direito internacional

privado também sofre influência das criações e recriações das fontes institucionais e normas narrativas. Essas expressões comumente são utilizadas para justificar uma categoria contraposta à tipologia tradicional das fontes, cuja característica comum reside no caráter não vinculante da regra e na sua (incerta) efetividade.211 Algumas orientações doutrinárias a respeito do tema sugerem que tais normas narrativas ou normas de reconhecimento individualizam uma tipologia de instrumentos ou veículos normativos que expressam técnicas flexíveis e informais de regulação, ou duplamente uma categoria de atos normativos e técnica de regulação orientada para determinados fatos da vida social.212 Elas permitem definir os vários instrumentos favoráveis ao regramento da conduta humana e das relações intersubjetivas com força geral, o que normalmente leva à distinção pelo caráter obrigatório (ou não) da norma sobre comportamentos, entre atos vinculantes e não vinculantes. Na verdade, falar e m soft law213 como “categoria conceitual” para aquele conjunto de normas e princípios que não são concebidos a partir do exercício das competências legislativas nos ordenamentos estatais, e sim da atividade institucional e decisória de organizações e entidades não estatais, é construir uma relação entre escopo (das partes que adotam as normas não vinculantes) e resultado (produção de efeitos jurídicos, diretos ou indiretos, vinculando comportamentos e justificando a racionalidade ou lógica de determinadas soluções). Trata-se, portanto, da percepção da existência de nexo entre a intenção e o resultado no processo de regulação de comportamentos – que independe da concretização de competências formais atribuídas pelos ordenamentos estatais. Nas últimas décadas, a prática do direito internacional privado experimentou uma crescente proliferação de fontes institucionais, tais como recomendações, resoluções e leis-modelos elaboradas por organizações internacionais e intergovernamentais. Embora a doutrina as considere como fontes em sentido impróprio (quando contrapostas às fontes formais), elas se caracterizam pela força de persuasão, levando o legislador ou, indiretamente, o intérprete/aplicador do direito a uma ampla oferta de soluções aos casos concretos que normalmente não seriam encontradas nas leis ou nos tratados em matéria de direito internacional privado.214

Por essa razão, inspiram as soluções para os casos mistos. Ao interagir com as fontes legislativas e convencionais no direito internacional privado, as fontes institucionais levam à criação de “diretrizes habilitantes” na aplicação das normas ou também perseguem um “efeito de dinamização”, por abrirem novas áreas de expansão nos vários campos do direito, vale dizer, áreas de fronteira ou ainda inexploradas pelas competências formais ligadas aos governos, em seus poderes legislativos, ou mesmo em torno da regulação internacional estabelecida por tratados e convenções. Nesses casos, as fontes institucionais podem buscar a unificação do direito, sem suportar os custos impostos às negociações de tratados e convenções pelos Estados em conferências diplomáticas no plano multilateral. Da perspectiva dos tribunais domésticos, vale observar que essas fontes também apresentam interesse imediato para a experiência do direito internacional privado: requerem do intérprete um olhar mais atento para a flexibilidade das normas de conflito, ajustadas aos valores de determinada sociedade, sem apegos excessivos à forma e literalidade de leis e tratados quando estes resultarem anacrônicos com o momento de prática e concretização jurídicas.215 Anotações do acórdão da Apelação Cível nº 0195167-23.2015.8.21.7000 Em recente acórdão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deparou-se com demanda na qual uma empresa brasileira – vendedora – firmou contrato de transporte com uma empresa italiana para que fossem transportadas flores até a Itália. O contrato, por sua vez, continha a cláusula free carrier (FCA), conhecida cláusula de INCOTERM segundo a qual cabe ao importador o custeio do frete a partir do local acordado entre as partes, no caso, Porto Alegre. Realizado o transporte, subsistiu o inadimplemento do frete por parte da importadora italiana, o que estava sendo cobrado pela autora. Entendendo que a referida cláusula em nada fere o ordenamento jurídico nacional, o julgador decidiu-se por aplicá-la, afirmando até mesmo que “seria justamente a não aplicação da cláusula FCA que resultaria em violação ao ordenamento jurídico pátrio, cuja disciplina em matéria contratual funda-se nos princípios da liberdade de contratação e da força obrigatória dos contratos, entre as

partes” (fl. 8 do Acórdão). Assim, observa-se, no presente caso, uma recente aplicação da nova lex mercatoria pelo Poder Judiciário brasileiro em vista da plena eficácia da cláusula de INCOTERM pactuada entre as partes. No que diz respeito ao deslinde da ação, não tendo sido comprovado o adimplemento do custeio do transporte pela parte ré enquanto fato impeditivo do direito da autora, o Tribunal decidiu pelo provimento do recurso. Trata-se, portanto, de decisão exemplar do Tribunal de Justiça gaúcho, cujo relator foi o Des. Umberto Guaspari Sudbrack: “BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. ACÓRDÃO. APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE. TRANSPORTE DE COISAS. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO CON-DENATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS. TRANSPORTE DE FLORES ENTRE BRASIL E ITÁLIA. CUSTEIO DO FRETE PELO IMPORTADOR. CLÁUSULA ‘FREE CARRIER’. INTERNATIONAL COMMERCIAL TERMS (‘INCOTERMS’). CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL. ‘LEX MERCATORIA’. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CRITÉRIOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. Apelante: Comissária Eichenberg S/A. Apelada: Agroindustrial Lazzeri S/A. Relator Des. Umberto Guaspari Sudbrack. Porto Alegre, 10 de dezembro de 2015. Data de publicação: 15 de dezembro de 2015”. Assim, é importante que o jurista utilize não apenas as normas formais em sentido estrito (tratados, leis e regulamentos internos etc.), como também as normas narrativas, expressas nas fontes institucionais. Elas dizem respeito às exposições de motivos, convenções não ratificadas e fontes institucionais em sentido amplo (recomendações, diretrizes, leis-modelos, princípios, códigos de conduta etc.), e podem desempenhar uma função decisiva no momento de fundamentação das decisões relativas à aplicação do direito internacional privado. Isso porque sua função é dupla:

de um lado, atende ao objetivo de (re)criação do direito, por construir princípios hermenêuticos e, de outro, ao objetivo integrativo, por servir de anteparo às inúmeras lacunas, levando, muitas vezes, à efetiva solução dos casos contendo elemento estrangeiro.216 O modelo apresentado por Erik Jayme relativamente às normas narrativas217 evoca o recurso a normas e princípios desvinculados da atividade legiferante dos Estados e implicados no contexto de aplicação do direito internacional privado. O exemplo é observado no interessante acórdão do Tribunal Federal alemão em 1972 (BGH), relativo às obras de arte da Nigéria.218 No caso, discutia-se um contrato de seguro em transporte marítimo submetido ao direito alemão, em cujo objeto estavam incluídas obrigações relativas à exportação de obras de arte oriundas daquele Estado africano. A proibição da exportação, de acordo com o direito nigeriano, parecia contrapor-se às normas do ordenamento alemão que também disciplinavam os aspectos materiais do contrato de seguro. O BGH alemão então considerou ilícita a exportação das obras de arte em relação à expressa proibição no país de origem, fundamentando sua decisão não em normas internas de direito internacional privado, mas antes em um princípio concernente à proteção dos bens culturais no trânsito internacional. Esse princípio não se justificava, portanto, no direito interno alemão, e sim em dispositivos da Convenção da UNESCO sobre as medidas a serem adotadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas dos bens culturais, de 14 de novembro de 1970, em vigor no plano internacional, da qual não era signatária a Alemanha. 219 Independentemente da categoria atribuída ao tratado não ratificado (da perspectiva do direito alemão), o princípio extraído da Convenção da Unesco de 1970 não apresentaria eficácia vinculativa sobre a solução. Mesmo assim, o BGH alemão invocou sua aplicação para solucionar o litígio apreciado. A utilização de normas narrativas enquanto ratio scripta pode ser discutível e ganhar resistência nos tribunais, dependendo da mentalidade de determinada época e determinado Estado. O que não se pode negar é o fato de que esses atos textuais (leis-modelos, recomendações, diretrizes, princípios e códigos de conduta) servem de argumento adicional para a fundamentação das decisões nos casos mistos ou

multinacionais, especialmente porque a dimensão valorativa dessas fontes para o direito internacional privado deve ser orientada pelo caráter da transnacionalidade das relações jurídicas. Assim, as fontes materiais ou de inspiração (incluindo aí as categorias da doutrina, jurisprudência e as institucionais) podem resultar muitas vezes aplicáveis aos casos concretos, ainda que restritas à fundamentação das soluções pelos tribunais. Elas ganham destaque quando confrontadas com a obsolescência de normas legislativas ou convencionais, desenhando novos horizontes valorativos (axiológicos) e influenciando o legislador nacional na tarefa de adequação das normas do ordenamento a objetivos necessários de política legislativa. Inegável, portanto, sua utilidade prática no direito internacional privado, porquanto tal domínio apresenta-se intimamente ligado à casuística para sua própria sobrevivência.220 A crescente tendência da utilização de fontes materiais ou de inspiração nos tribunais221 e na prática do direito internacional privado diz respeito a um universalismo de valores, o gerenciamento de uma justiça politizada que condena a xenofobia implícita em determinadas normas e que busca neutralizar as deficiências de proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos e grupos. Essa intenção parece ser acertada, especialmente quando o jurista internacional é confrontado com princípios que, por seu alcance, sejam suscetíveis de valoração universal e, portanto, aplicáveis concretamente na solução dos casos contendo elemento estrangeiro. De fato, esses princípios compreendem uma categoria muito mais ampla de valores que passam pela consideração do acesso à justiça e tutela judicial efetiva, garantia do contraditório e ampla defesa no processo, respeito aos direitos fundamentais, proteção do consumidor, proteção do patrimônio histórico-cultural etc.222 Entre tantas manifestações, as fontes institucionais se justificam na atuação especializada de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais dedicadas ao estudo e harmonização do direito internacional privado. Dois importantes exemplos dessa realidade são: o Instituto de Direito Internacional e o Instituto para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT). Dediquemos um pouco mais de atenção a cada um deles.

3.8.1

O Instituto de Direito Internacional (Institut de Droit International)

No ano de 1873, 11 juristas dedicados ao estudo do direito internacional (ramo do direito ainda em caminho de consolidação científica na Europa continental) decidiram criar uma instituição privada desvinculada da influência dos Estados e que pudesse contribuir para o desenvolvimento da disciplina em várias de suas vertentes. Eram eles: Pascal Mancini (Itália), Emile de Laveleye (Bélgica), Tobie Michel Charles Asser (Holanda), James Lorimer (Escócia), Wladimir Besobrassof (Rússia), Gustave Moynier (Suíça), Jean Gaspar Bluntschli (Alemanha), Augusto Pierantoni (Itália), Carlos Calvo (Argentina), Gustave Rolin-Jaequemyns (Bélgica) e David Dudley Field (Estados Unidos).223-224 Entre os objetivos do instituto está a preocupação central de promoção do “desenvolvimento do direito internacional”, a ser alcançado a partir de metas comuns, dentre elas: (i) a formulação de princípios gerais sobre a disciplina, correspondentes com a consciência global; (ii) a cooperação com todo esforço sério orientado para a progressiva e gradativa codificação do direito internacional; (iii) o apoio oficial dos princípios reconhecidos em harmonia com as necessidades das sociedades modernas; (iv) a contribuição, dentro de suas competências, para a manutenção da paz e a observância do direito de guerra; (v) o estudo das dificuldades que podem surgir na interpretação ou aplicação do direito, e, quando necessário, elaboração de pareceres sobre casos duvidosos ou controvertidos; e (vi) a cooperação, mediante publicações, aulas públicas e outros meios, para assegurar a prevalência dos princípios de justiça e humanidade, que devem coordenar as relações recíprocas entre as pessoas.225 A atividade do instituto está basicamente concentrada nas sessões realizadas anualmente e nas comissões científicas, que se dedicam aos temas escolhidos pela Assembleia, a quem compete adotar resoluções de caráter normativo. Estas são documentos fundamentais para os juristas internacionalistas, especialmente porque chamam a atenção da comunidade científica internacional, autoridades governamentais e organizações governamentais, intergovernamentais e não governamentais, para a atualidade de determinados temas do direito internacional (sobretudo os que merecem aprofundamento) e aqueles que devem ser objeto de

recomendações, considerando-se o atual estágio de desenvolvimento da disciplina. Justamente por essa razão, as resoluções do IDI devem ser incluídas na prática do direito internacional privado, sobretudo pela preocupação temática destacada pelos juristas engajados em seus trabalhos preparatórios e pela necessidade de acompanhamento e atualização das normas internacionais.226 A edição do Anuário do Instituto de Direito Internacional também permite consolidar as principais produções científicas e resoluções adotadas pela instituição, orientando os juristas na prática internacional da disciplina.227 A atividade normativa do IDI no campo do direito internacional privado tem sido orientada pela tentativa de estabelecer a consciência em torno do universalismo das soluções, desde as primeiras sessões realizadas ainda no final do século XIX. A Resolução I adotada na Primeira Sessão de Genebra, de 5 de setembro de 1874, refere--se, por exemplo, à utilidade de tratados em matéria de normas uniformes de direito internacional privado relativas à solução de casos mistos envolvendo lei aplicável às pessoas, bens, contratos, sucessões, além do procedimento relativo ao reconhecimento de sentenças estrangeiras.228 Durante todos esses anos de desenvolvimento das atividades institucionais, o instituto adotou inúmeras resoluções de grande importância para o direito internacional privado e questões do direito processual civil internacional, buscando compor as diferentes tradições jurídicas dos Estados participantes.229 Vejamos a seguir algumas das resoluções do IDI adotadas entre o final do século XIX e início do século XX que mantêm pertinência temática com o presente estudo: • • • •

Resolução I – Normas uniformes de direito internacional privado, adotada na Sessão de Genebra de 5 de setembro de 1874. Resolução V – Capacidade do estrangeiro de estar em juízo e formas do processo, adotada na Sessão de Zurique em 11 de setembro de 1877. Resolução I – Execução de sentenças estrangeiras, adotada na Sessão de Paris de 5 de setembro de 1878. Resolução I – Princípios gerais em matéria de nacionalidade, capacidade, sucessão e ordem pública, adotada na Sessão de Oxford de 7 de setembro de

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1880. Resolução II – Conflitos de leis em matéria comercial, adotada na Sessão de Turim de 12 de setembro de 1882. Resolução III – Projeto de lei uniforme sobre letras de câmbio e cheques, adotada na Sessão de Bruxelas de 10 de setembro de 1885. Resolução IV – Projeto de regulamento internacional de conflito de leis em matéria de cheques e letras de câmbio, adotada na Sessão de Bruxelas de 10 de setembro de 1885. Resolução VI – Conflito de leis em matéria de direito marítimo, adotada na Sessão de Bruxelas em 10 de setembro de 1885. Resolução IV – Conhecimento e publicidade das leis estrangeiras, adotada na Sessão de Heidelberg de 8 de setembro de 1887. Resolução V – Normas essenciais sobre conflito de leis em matéria de casamento e divórcio, adotada na Sessão de Heidelberg de 8 de setembro de 1887. Resolução IV – Regulamento internacional sobre conflito de leis em matéria de casamento e divórcio, adotada em Lausanne em 5 de setembro de 1888. Resolução V – Projeto de lei uniforme para questões de direito marítimo, adotada em Lausanne em 5 de setembro de 1888. Resolução VI – Projeto de normas internacionais sobre conflito de leis em matéria de direito marítimo, adotada em Lausanne em 5 de setembro de 1888. Resolução I – Projeto de um tratado internacional sobre competência dos tribunais nos processos contra Estados ou chefes de Estado estrangeiros, adotada na Sessão de Hamburgo em 11 de setembro de 1891. Resolução IV sobre meios oferecidos aos governos para assegurar a prova do direito estrangeiro perante os tribunais, adotada na Sessão de Hamburgo em 12 de setembro de 1891. Resolução V – Tratado internacional para a tutela dos menores estrangeiros, adotada na Sessão de Hamburgo em 12 de setembro de 1891. Resolução VI – Conflito de leis em matéria de sociedade por ações, adotada na

• •







3.8.2

Sessão de Hamburgo em 12 de setembro de 1891. Resolução I – Normas internacionais sobre admissão e expulsão de estrangeiros nos Estados, adotada na Sessão de Genebra em 9 de setembro de 1892. Resolução II – Princípios relativos aos conflitos de leis em matéria de nacionalidade (naturalização e expatriação), adotada na Sessão de Cambridge em 11 de setembro de 1895. Resolução II – Resoluções relativas aos conflitos de leis em matéria de nacionalidade (naturalização e expatriação), adotada na Sessão de Veneza em 29 de setembro de 1896. Resolução IV – Conflitos entre dispositivos das normas nacionais de direito internacional privado – Questão do Reenvio –, adotada na Sessão de Neuchâtel em 10 de setembro de 1900.230 Resolução II – Novas regras sobre os conflitos de leis em matéria falimentar, adotada na Sessão de Bruxelas em 23 de setembro de 1902. O Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT)

Com sede em Roma, o Instituto para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) foi criado originalmente em 1926 como órgão auxiliar da Liga das Nações e restabelecido em 1940 pelos Estados. Criado por um tratado multilateral (o “Estatuto de Roma de 1940”), o instituto é uma organização intergovernamental que tem como principais objetivos o estudo dos métodos e formas de modernização, harmonização e coordenação de normas de direito privado nos ordenamentos nacionais e a adoção gradual de um direito privado uniforme entre os Estados.231 O UNIDROIT conta atualmente com 61 membros, de diversas tradições jurídicas, que se reúnem periodicamente para fixar os trabalhos da organização em torno da promoção de seus objetivos institucionais e da internacionalização de modelos normativos para regulação de um direito privado uniforme.232 As atividades científicas do UNIDROIT,233 concentradas nos trabalhos de grupos de estudo especiais, buscam a promoção da harmonização e coordenação das normas de direito privado. Suas atividades são desenvolvidas a partir de uma política de

formulação normativa que leva em consideração a natureza dos instrumentos/documentos elaborados pelo instituto, a partir dos quais são consolidadas importantes normas substantivas de direito privado (“regras uniformes”) e também algumas normas de direito internacional privado. A política normativa adotada pela organização também busca assentar uma abordagem técnica para a harmonização e a unificação das normas de direito privado, a partir de seus grupos de trabalho concentrados nas áreas científicas das disciplinas normativas relacionadas ao direito privado e ao direito internacional privado.234 Durante seus anos de atividade, a organização esteve dedicada ao estudo e formulação de recomendações de modelos de regulação normativa uniforme para o tratamento dos contratos internacionais do comércio, observando as mudanças radicais ocorridas nos contextos e realidades dos Estados, tais como as novas tecnologias de comunicação e informação, comércio eletrônico e negócios do comércio internacional com referência a uma pluralidade de institutos de direito privado.235 Evidentemente, a concretização dos resultados alcançados depende da postura dos Estados e legisladores domésticos em favor do ajustamento das normas internas àquelas propostas pelo UNIDROIT. É interessante observar que as regras uniformes elaboradas pelo UNIDROIT assumem o formato de normas de tratados e convenções, uma vez que a forma de adoção dos documentos leva em consideração a estrutura intergovernamental do instituto e a pretensão de aplicação imediata nos ordenamentos estatais. Os problemas nos Estados, para além do exercício de suas competências internas, com a aprovação e ratificação de tratados e convenções por eles concluídos no plano internacional, fazem com que as fontes institucionais propostas pelo UNIDROIT assumam a forma de harmonização e uniformização, por meio de princípios gerais e leis uniformes ou modelos. A orientação da doutrina tem sido historicamente favorável a esse tipo de formulação normativa (em substituição aos tratados e convenções), especialmente pela necessidade de equalização dos custos envolvidos nas negociações internacionais tradicionais e a efetiva concretização de objetivos entre si complementares, de harmonização, uniformização e unificação das áreas do direito.236

Além de compilar e administrar tratados e convenções concluídos pelos Estados--membros, o instituto adota, por exemplo, as leis-modelos como recomendações ou inspirações aos legisladores nacionais sobre as matérias compreendidas, ou princípios gerais, cuja observância é destinada aos juízes, árbitros e às partes em contratos, que têm liberdade para decidir sobre a aplicação ou não deles. O instituto também leva em consideração a elaboração de guias jurídicos, sobretudo para aqueles casos relativos às novas técnicas e tipos de negócios contratuais ou estruturação da organização de mercados em níveis doméstico e internacional.237 A documentação dos trabalhos científicos e, consequentemente, a produção normativa do UNIDROIT estão assentadas em suas Atas (UNIDROIT Proceedings and Papers), em periódicos especializados (Uniform Law Review/Revue de Droit Uniforme) e em outras publicações (UNIDROIT Publications). Em grande medida, a produção alcançada pelos trabalhos do UNIDROIT na concretização de seus objetivos institucionais de coordenação e harmonização do direito privado reside na consciência geral em torno da adoção de um direito privado uniforme pelos Estados. Isso parece apontar, como observa Boggiano, 238 para o resgate da lógica de funcionamento de um direito comum, tal como aquele que vigorava na Europa dos séculos XVI, XVII e XVIII (ius commune), todavia adaptado à modernidade do direito privado, em vários de seus setores. Isso incluiria, evidentemente, a criação de uma disciplina transnacional para os contratos internacionais do comércio (bem exemplificada na racionalidade da lex mercatoria),239 da qual diretamente se beneficia a modernização do direito internacional privado, muito embora afastando a referência direta às clássicas regras de conexão e consagrando o princípio da autonomia da vontade para determinação da lei aplicável às obrigações contratuais.240 Atualmente, o instituto tem orientado seus grupos de trabalho em torno da atualização dos Princípios do UNIDROIT aplicáveis aos contratos internacionais do comércio, lei-modelo sobre leasing, garantias internacionais em bens móveis e maquinários, negócios relativos aos mercados de capitais e código transnacional de

processo civil.241 3.9

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, DIREITO TRANSNACIONAL E NOVA LEX MERCATORIA

O direito nunca é fruto da criação exclusiva dos Estados e essa assertiva vale desde o momento em que reconhecemos que os tratados e convenções, uma vez ratificados, passam a fazer parte do direito interno. Em vários domínios da vida internacional das pessoas, no entanto, outras formas de produção normativa se desenvolvem de maneira independente e desvinculada da oficialidade das autoridades estatais, como no caso específico do direito do comércio internacional – na nova lex mercatoria. Inicialmente, é importante destacar a existência de uma concepção doutrinária em torno do “direito transnacional”, que se situa em uma realidade econômica e social nascida no movimento de pessoas, bens, capitais e tecnologias anterior ao término da Segunda Guerra Mundial e que resultou no fortalecimento das relações econômicas internacionais, no surgimento das organizações intergovernamentais e de novas formas de regulamentação dos negócios privados. Como mote central, está a ideia de adoção de um direito comum, invocado diretamente pelos indivíduos em diferentes Estados e que se destina à regulação das ordens públicas e privadas internacionais – contrapontos das relações humanas transnacionais.242 Na Idade Média, por sua vez, o ius mercatorum já aparecia como um sistema de autorregulamentação (ou autorregramento coletivo) da vida mercantil, estabelecido pelos comerciantes e corporações de ofícios – válido, portanto, dentro de uma dimensão social e econômica cujo significado histórico apontava para o renascimento das cidades e do comércio na Europa entre os séculos XII e XIV. A lex mercatoria – fenômeno identificado no período subsequente à Segunda Guerra Mundial com então pujante atividade negocial dos comerciantes/empresas internacionais – destaca-se como um importante parâmetro de regulação normativa transnacional do comércio,243 em larga medida desvinculado da atuação estatal e dependente da observância dos sujeitos envolvidos, a partir de modelos de normas, padrões e mecanismos efetivos de solução de conflitos.244

A nova lex mercatoria sugere uma ordem normativa de regulação dos problemas dos comerciantes internacionais (numa perspectiva atual das empresas), contando com normas substantivas e também mecanismos de adjudicação de litígios que se desenvolvem paralelamente àqueles consolidados pelos órgãos judiciários estatais. Na importante lição da doutrina, a nova lex mercatoria manifesta-se por um conjunto de fontes específicas, como os usos e práticas do comércio internacional, contratostipo, regulamentos autônomos de associações de comerciantes e de câmaras de comércio, decisões em arbitragens comerciais internacionais e outros expedientes técnico-nor-mativos capazes de disciplinar as relações jurídicas identificadas na empresarialidade internacional.245 Resumidamente, esse direito especial dos comerciantes internacionais (New Law Merchant) se funda em dois pilares: um substrato material assentado pelos usos e costumes, contratos-tipo, cláusulas gerais de contratação internacional, e um substrato contencioso, que se caracteriza por mecanismos ou instâncias de solução e autointegração de litígios transnacionais e de sanção, que vinculam as partes envolvidas.246 Assim, na consideração das fontes da nova lex mercatoria, é possível chegar a algumas constatações relevantes: (i) o aumento dos sujeitos das relações privadas internacionais (indivíduos, empresas, organizações, governos e grupos); (ii) a existência de um direito especial cujo âmbito de aplicação se refere a um universo social ou comunidade específica, que é aquela dos comerciantes internacionais (ou, valorativamente, as empresas transnacionais); (iii) a emergência de mecanismos especiais de solução de litígios, notadamente aqui a arbitragem comercial internacional, em uma feição nitidamente instrumental.247 Ainda existe muita controvérsia sobre a natureza da nova lex mercatoria, se ela efetivamente afirmaria um autêntico direito transnacional, o que equivale a indagar sobre a juridicidade de seus elementos (um direito espontâneo? um direito supranacional?). Estaríamos diante de um sistema normativo criado pelos comerciantes internacionais e cujas normas são por eles aplicadas, não somente com vistas à regulamentação substantiva de seus negócios jurídicos, mas, igualmente, de sanção de comportamentos, integradas em uma ordem basicamente desvinculada dos

ordenamentos estatais. Haveria, contudo, a constatação de que os Estados e suas autoridades judiciárias não deixam de manter certo controle (mínimo) sobre a pretensão de validade da nova lex mercatoria, já que os efeitos de determinados contratos internacionais estarão imediatamente adstritos à incidência de normas de ordem pública e regras imperativas dos ordenamentos nacionais, sempre que eles apresentarem algum vínculo com a atividade e com interesses protegidos em nível doméstico.248 A existência de um espaço transnacional em que se desenvolvem o comércio internacional e os negócios privados dele decorrentes não elidiria, por completo, o controle estatal e internacional. A comunicação entre ordenamentos jurídicos se manifesta invariavelmente nas diferentes formas de controle sobre a nova lex mercatoria, estabelecendo limites específicos aos contratos internacionais e à arbitragem comercial internacional (e. g., a ordem pública, regras imperativas). Muitos autores franceses mantiveram-se firmes em sustentar que, por trás dos contratos internacionais do comércio e das arbitragens comerciais internacionais, sempre existirá um ponto mínimo de contato com os ordenamentos nacionais e as respectivas jurisdições domésticas.249 Ademais, também se faz evidente a conjuntura (ou mais, a realidade) de execução de sentenças arbitrais pelas autoridades judiciárias domésticas, sobretudo naqueles casos de descumprimento voluntário pelas partes. Por um lado, isso é ainda reforçado pelo “intrigante” movimento de crescente adesão dos Estados à Convenção de New York de 1958 sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras e outros tratados de alcance regional.250 Talvez o “caráter incompleto” (ou em constante formação) da nova lex mercatoria acabe obrigando os tribunais arbitrais a empreenderem um difícil exercício hermenêutico e igualmente construtivo do direito internacional privado, recorrendo não somente aos usos e costumes, equidade e jurisprudência arbitral, mas também – e invariavelmente – às leis nacionais, tratados e convenções e princípios gerais do direito internacional, com vistas à solução dos litígios privados transfronteiriços.251 Ainda assim, esse exercício não macula a legitimidade da nova lex mercatoria

enquanto ordem de regulamentação de interesses no domínio do comércio internacional, e encontra, em grande medida, uma dupla justificativa para sua pretensão de validade. Em primeiro lugar está a observância (“respeito”) imediato de muitas de suas normas (e. g., os contratos-tipos, regulamentos, decisões arbitrais) pelos sujeitos envolvidos (comerciantes internacionais/empresas), de modo a evitar que os custos de transação em potenciais negócios jurídicos ou futuros litígios se acumulem,252 permitindo a manutenção ou, até mesmo, o resgate (quando perdida) da harmonia nas relações do comércio internacional;253 em segundo lugar está a maior ou menor permissibilidade dos ordenamentos nacionais relativamente à nova lex mercatoria, sobretudo quando esta venha a tangenciar normas e princípios fundamentais da lex fori (como, por exemplo, a ordem pública, as regras imperativas, os direitos humanos etc.). Por tudo o que foi dito – e não poderia ser diferente –, a complexidade da nova lex mercatoria determina a renovação da parte mais dinâmica e economicista do direito internacional privado, sobretudo em sua interface com o direito do comércio internacional. As soluções oferecidas pela nova lex mercatoria normalmente são reconhecidas e endossadas pelos ordenamentos estatais, o que ocorre justamente com a recepção de textos e documentos produzidos em organizações internacionais e tantas instituições de vocação internacional, consolidando a prática e as tendências de regulamentação de determinado setor do comércio internacional. Esse dado se constata tanto nas negociações de tratados e convenções entre Estados como na elaboração e adoção de leis--modelos, recomendações, diretrizes e guias de aplicação de princípios por organizações internacionais em matéria de contratos internacionais, pagamentos e transferências, operações de crédito, garantias bancárias, franchising e comércio eletrônico etc. No primeiro caso, um importante exemplo textual deve ser mencionado, que é a Convenção de Viena de 1980 sobre venda internacional de mercadorias (CISG), que buscou assentar normas uniformes sobre contratos internacionais do comércio, sem ter passado, contudo, por um movimento de modernização. Em outros casos, os usos e práticas do comércio internacional foram sendo implícita e explicitamente considerados em convenções e tratados, de modo a comprovar a influência da nova

lex mercatoria sobre o próprio direito internacional público (em especial no tocante à inadequação ou anacronismo de muitas das fontes de direito internacional convencional representadas pelos tratados e convenções).254 Em diversos fóruns de negociações internacionais, como no tocante aos trabalhos do UNIDROIT e da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional), novos instrumentos de regulação normativa internacional foram criados e buscam endereçar novas e velhas questões, tais como comércio eletrônico e uso de comunicações eletrônicas nos contratos internacionais, transportes marítimos de mercadorias, garantias reais, contratos com Estados e compras governamentais, financiamento privado de projetos em áreas de infraestrutura, franchising, aquisição de bens móveis e equipamentos aeronáuticos etc. Pelas próprias limitações contextuais, esses temas não poderiam ser abordados com a devida profundidade no presente livro. Acreditamos que eles devam integrar um trabalho mais amplo sobre os grandes problemas do direito do comércio internacional. Nesse interregno, valem as constatações acima analisadas, que justificam a riqueza e a própria especialidade das várias vertentes internacionais do direito. 3.10

OBSERVAÇÕES DE FINAL DE CAPÍTULO

Como vimos, uma concepção puramente “positivada” das regras poderia simplificar demasiadamente a realidade complexa do universo do direito internacional privado, considerando que somente o Estado detenha o monopólio de produção das normas de conflito, como se elas fossem reduzidas às manifestações das legislações e codificações nacionais. Em verdade, essa lógica afeta negativamente a prática da jurisprudência e da advocacia privada, que muitas vezes se faz refém dos estritos contornos da lei estatal, sem buscar a diversidade das fontes do direito como instrumento para a regulação da vida internacional das pessoas. A concepção da estatalidade no direito internacional privado aparece hoje consideravelmente mitigada, especialmente pela crescente universalidade dos intercâmbios transfronteiriços de pessoas, bens, capitais e tecnologias (e sua

“mundialização”), pela complexidade dos métodos de escolha da lei aplicável, com a criação de regras de conexão alternativas ou subsidiárias para os casos mistos/multinacionais, e pela ampliação das instituições que participam do efetivo desenvolvimento da disciplina neste início de século. Com efeito, constata-se a criação de um direito científico especializado e tecnicista, voltado muito mais à finalidade a que se propõe e orientado pela adoção de normas especiais, flexíveis e ajustadas à realidade cambiante do intercâmbio privado internacional e de sua inegável economicidade. Sem isso, “cidadãos do mundo”, “empresas transnacionais”, “tribunais comunitários” – como expressões marcantes da “ordem privada internacional” – não encontram substrato adequado para a regulação de seus interesses. Ainda que se reconheça primariamente, como bem enfatiza Rigaux,255 que os Estados são os principais legisladores de atos que materializam ou se traduzem em normas positivas (levando à codificação do direito em caráter doméstico ou interno), uma visão puramente formal da regulação normativa do direito internacional privado teria a desvantagem evidente de criar soluções inadequadas às várias “galáxias” não estatais (ou paraestatais) operantes. Por isso mesmo, a doutrina deve caminhar impregnada por uma visão mais pluralista que permita apreciar, no domínio do direito internacional privado, a diversidade dos ordenamentos jurídicos e a multiplicidade das fontes normativas (estatais ou não), que mutuamente interagem em suas diversas linguagens e soluções. Faz-se mister, portanto, como observado por Santos Belandro,256 uma resposta imediata para o efetivo reconhecimento da sociedade internacional, ou melhor, de uma sociedade global, cujas instituições e normas se caracterizem pela dinâmica e velocidade das transformações, em diferentes graus de totalidade ou unidade, distintos modos de interação e variados graus de sistematicidade. Em poucas palavras – e retomando em alguma medida o eixo axiológico da temática entre nós proposta por Miguel Reale –, é impossível concluir o estudo do tema das fontes do direito (uma “aliciante e gigantesca matéria”) com a sensação de que apenas a adoção de numerus clausus de categorias normativas, entre as aparentes dicotomias entre o que seja “estatal” ou “não estatal”, “formal” ou “material”, pode

assegurar a certeza e segurança na aplicação do direito. Ainda que, pela “renitente tentação de sua livre e incessante instauração”, o valor da liberdade de criação e regramento do direito pelos sujeitos, quando em oposição dialética à ideia de ordem, estabeleça a exigência de uma “ordenação jurídica aberta e flexível”,257 o que estaria justificado na somatória dos modelos do direito, entre diferentes instituições e normas, como também explicado pela racionalidade das normas narrativas, como preconizado por Erik Jayme no campo do direito internacional privado.258 A medida de razoabilidade estaria, contudo, em “situar racionalmente os limites dessa abertura e flexibilidade, a fim de que a liberdade não se converta em licença, nem a ordem se degenere em tirania”.259 Literatura sugerida para este capítulo: Ago, Règles générales des conflits de lois, in RCADI 58 (1936-IV), p. 247 ss; Ancel/Lequette, Grands arrêts de la jurisprudence française de droit international privé (1998), p. 5 ss; Araujo, Direito internacional privado, 2. ed. (2004), p. 124 ss; Arminjon, Précis de droit international privé, 2. ed., t. 1 (1927), p. 15 ss; Asam, Rechtsfragen des illegalen Handels mit Kulturgütern, in Festschrift für Erik Jayme (2004), p. 1651 ss; Asser, Éléments de droit international privé (1884), § 4º, p. 27 ss; Baptista Machado, Lições de direito internacional privado, 3. ed. (1985), p. 339 ss; Barba, Norme narrative, soft law e teoria delle fonti, Festschrift für Erik Jayme, Bd. 2 (2004), p. 1027 ss; Bariatti, Casi e materiali di diritto internazionale privato comunitário (2003), p. 3 ss; Basso (Org.), Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos, 2. ed. (1997), p. 489 ss; Basso (Org.), Mercosul-Mercosur: estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso, p. 169 ss; Batiffol, Le pluralisme des méthodes en droit international privé, in RCADI 139 (1973-II), p. 85 ss; Berger, The Lex Mercatoria Doctrine and the UNIDROIT. Principles of international commercial contracts, 28 (1997), p. 943 ss; Berger, The practice of transnational law (2001), p. 1 ss; Berman, Conflict of laws, globalization, and cosmopolitan pluralism, in Wayne L. Rev 51 (2005), p. 1105 ss; Beviláqua, Direito internacional privado, 3. ed. (1938), § 18 ss; Bogdan/Maunsbach, EU private

international law (2006), p. 3 ss; Boggiano, Curso de derecho internacional privado, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1993, p. 59 ss; Castro, Direito internacional privado (2005), nº 45, p. 85 ss; Despagnet, Précis de droit international privé, 5. ed (1909), p. 42 ss; Dolinger, Direito internacional privado: parte geral, 7. ed. (2003), p. 66 ss; Dutoit, Droit international privé suisse (2001), p. 1 ss; Espínola, Elementos de direito internacional privado (1925), § 6º, p. 28 ss; Fernández Rozas/Sánchez Lorenzo, Curso de derecho internacional privado (1996), p. 113 ss; Ferrer Correia, Les problèmes de codification en droit international privé, in RCADI 145 (1975), p. 57 ss; Ferrer Correia, Temas de direito comercial e direito internacional privado (1989), p. 451 ss; Fulgencio, Synthesis de Direito internacional privado (1937), p. 5 ss; Galgano, The new lex mercatoria, in Ann. Surv. Int’l & Comp. L. 2 (1995), p. 99 ss; Garcia Velasco, Derecho internacional privado (1994), p. 153 ss; Garro, Unification and harmonization of private law in Latin America, in Am. J. Comp. L 40 (1992), p. 587 ss; Goldschmidt, Derecho internacional privado, 5. ed. (1985), p. 79 ss; Guastini, Concepciones de las fuentes del derecho, in Isonomía v. 11 (1999), p. 167 ss. Guastini, Le fonti del diritto e l’interpretazione (1993), p. 6 ss; Guastini, Teoria e dogmatica delle fonti (1998), p. 57 ss; Hartley, The modern approach to private international law, in RCADI 319 (2006), p. 15 ss; Jayme, Narrative Normen im Internationalen Privat-und Verfahrensrecht (1993), p. 1 ss; Jayme, Narrative Normen im Kunstrecht, in Festschrift für Manfred Rehbinder (2002), p. 539 ss; Jayme/Hausmann, Internationales Privat-und Verfahrensrecht, 11. ed. (2006), p. IV ss; Jemielniak, Legitimization arguments in the lex mercatoria cases, in Int. J. Sem. Law 18 (2005), p. 175 ss; Juenger, Contract choice of law in the Américas, in Am. J. Comp. L 45 (1997), p. 195 ss; Juenger, General course on private international law, RCADI 193 (1985-IV), p. 170 ss; Juenger, The lex mercatoria and private international law, in La. L. Rev 60 (2000), p. 1133 ss.; Juenger, The problem with private international law, in Liber Amicorum Kurt Siehr (2000), p. 289 ss; Knoepfler/Schweizer, La nouvelle loi fédérale suisse sur le droit international privé, in Rev. Crit. DIP 77 (1988), p. 207 ss; Koskenniemi, Gustave Rolin-Jaequemyns, in Revue Belge de

Droit International 37 (2004), p. 5 ss; Koskenniemi, The gentle civilizer of nations (2004), p. 39 ss. Kronke, Ziele-Methoden, Kosten-Nutzen, in JZ 2001, p. 1149 ss; Kropholler, Internationales Privatrecht, 3. ed. (1997), p. 3 ss; Lalive, Codification et arbitrage international, in Études offertes à Berthold Goldman (1982), p. 151 ss; Lipstein, The general principles of private international law, RCADI 135 (1972-I), p. 195 ss; Maekelt, General rules of private international law in the Americas, in RCADI 177 (1982-IV), p. 300 ss; Mestre, L’harmonisation du droit privé au prisme des dix dernières années d’activité de l’Institut International pour l’Unification du Droit Privé, in RDIDC 78 (2001), p. 371 ss; Morelli, Elementi di diritto internationale privato italiano (1968), p. 14 ss; Moura Ramos, Overbeck, La contribution de la Conférence de La Haye au développement du droit international privé, in RCADI 233 (1992-II), p. 22 ss; Overbeck, Le droit des personnes, de la famille, des régimes matrimoniaux et des successions dans la nouvelle loi fédérale suisse sur le droit international privé, in Rev. Crit. DIP 77 (1988), p. 237 ss; Pocar, Commentario del nuovo diritto internazionale privato (1996), p. 4 ss; Reale, Fontes e modelos do direito, 2. ed. (1999), p. 11 ss; Reale, O direito como experiência, 2. ed. (1992), p. 25 ss; Rechsteiner, Direito internacional privado, 7. ed. (2005), p. 107 ss; Rigaux, Cours générale de droit international privé, in RCADI 213 (1989-I), p. 9 ss; Rodas, Direito internacional privado brasileiro (1993), p. 9 ss; Rodas, Sociedade comercial e Estado (1995), p. 10 ss; Rodas, A publicidade dos tratados internacionais (1980), p. 150 ss; Rodas/Mônaco, A Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (2007), p. 97 ss; Rosen, Codification, choice of law and the new law merchant, in Chi. J Int’l Law 15/1 (2004), p. 87 ss; Roth, From Centros to Überseering, in Int. Comp. L. Qua. 52 (2003), p. 177 ss; Rudolf, Organizations active in the unification of private law, in Introduction to transnational legal transactions (1995), p. 191 ss; Samtleben, Derecho internacional privado en America Latina (1983), p. 10 ss; Santos Belandro, in Estudos em homenagem ao Prof. Irineu Strenger (1994), p. 65 ss; Schreuer, Shareholder protection in international investment law, in Festschrift für Christian Tomuschat (2006), p. 601 ss; Seidl-Hohenveldern, International

economic law (1989), p. 3 ss; Senden, Soft law in European community law (2004), p. 112 ss; Siehr, General problems of private international law in modern codifications, in YPIL 7 (2005), p. 17 ss; Staker, Diplomatic protection of private business companies, in BYIL 61 (1990), p. 155 ss; Strenger, Direito internacional privado, 6. ed (2005), p. 82 ss; Symeonides, choice of law in the American courts in 2006, in Am. J. Comp. L. 54 (2006), p. 697 ss; Valladão, Direito internacional privado: parte geral, 4. ed. (1983), p. 198 ss; Valladão, Ensino e o estudo do direito especialmente do direito internacional privado (1940), p. 60 ss; Valladão, Estudos de direito internacional privado (1947), p. 1 ss; Van Hecke, Esquisses de l’Institut de Droit International, in Liber Amicorum Jean-Pierre de Bandt (2004), p. 943 ss; Virally, Un tiers droit?, in Études offertes à Berthold Goldman (1982), p. 373 ss; Vischer, 10 Jahre IPRG, in Liber Amicorum Kurt Siehr (2000), p. 707 ss; Wortley, The interaction of public and private international law today, in RCADI 85 (1954-I), p. 239 ss. ; Alan Redfern e Martin Hunter, Redfern and Hunter on International Arbitration (2015); Lawrence W. Newnman e Michael J. Radine (Editors) , Soft law in International Arbitration (2014); e Sven Schilf, Os princípios do UNIDROIT, o conceito do direito e a arbitragem internacional (2015).

1

REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito, 2. ed. (1999), p. 11.

2

Sobre diversas variantes e perspectivas, cf. LIPSTEIN, Kurt. The general principles of private international law, in Recueil des Cours, v. 135 (1972-I), especialmente p. 195 ss; BATIFFOL, Henry. Le pluralisme des méthodes en droit international privé, in Recueil des Cours, v. 139 (1973-II), p. 85 ss; JUENGER, Friedrik K. General course on private international law, in Recueil des Cours, v. 193 (1985-IV), p. 119 ss, especialmente p. 170 ss; HARTLEY, Trevor C. The modern approach to private international law: international litigation and transactions from a common-law perspective, in Recueil des Cours, v. 319, 2006, p. 15 ss. Sobre o tema, ver ainda GARCIA VELASCO, Ignácio. Derecho internacional privado. Salamanca: Cervantes, 1994, p. 153 ss.

FERNÁNDEZ ROZAS, José C.; SÁNCHEZ LORENZO, S. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 113 ss. Entre nós, ver observações de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 82 ss; e também DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado. 6. ed., p. 65, relativamente ao tema das fontes do direito internacional privado (“A complexidade dos problemas versados pelo Direito Internacional Privado conduz a uma variedade de fontes produtoras de regras que visam indicar soluções, umas mais, outras menos eficazes”). 3

Derecho internacional privado: derecho de la tolerancia basado en le teoría trialista del mundo jurídico. 5. ed. Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 7.

4

A versão do problema é abordada por BERMAN, P. S. Conflict of laws, globalization, and cosmopolitan pluralism, in Wayne Law Review, v. 51, 2005, p. 1105 ss.

5

Derecho internacional privado.

6

Derecho internacional privado.

7

Essa visão já era debatida por ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1925, § 6º, p. 28.

8

Propomos revisitar, em certa medida, a opinião da doutrina majoritária, para quem a preponderância das fontes do direito internacional privado concentra-se no ordenamento interno.

9

Sobre isso, ver os importantes trabalhos de FERRER CORREIA, A. Les problèmes de codification en droit international privé, in Recueil des Cours, v. 145 (1975II), p. 57 ss; MAEKELT, Tatiana B. General rules of private international law in the Americas, in Recueil des Cours, v. 177 (1982-IV), p. 205 ss; JAYME, Erik. Considérations historiques et actuelles sur la codification du droit international privé, in Recueil des Cours, v. 177 (1982-IV), especialmente p. 51 ss; BOGGIANO, Antonio. The contribution of the Hague Conference to the development of private international law in Latin America, in Recueil des Cours, v. 233 (1992-II), p. 192 ss. Recentemente, ver SIEHR, Kurt. General problems of private international law in modern codifications, in Yearbook of Private International Law, v. 7, 2005, p. 31 ss.

10

De acordo com tal dispositivo, a CIJ, ao julgar os litígios que lhe são submetidos

pelos Estados, deve decidir de acordo com o direito internacional, aplicando normas de tratados e convenções, costume internacional, os princípios gerais de direito internacional, a jurisprudência, a doutrina e, ainda, o recurso à equidade ex aequo et bono, desde que em concordância das Partes. 11

Cf., por exemplo, KROPHOLLER, Jan. Internationales Privatrecht. 3. ed. Tübingen: Mohr, 1997, p. 3.

12

Essa é a interessante fórmula simplificada apresentada por FULGÊNCIO, Tito. Synthesis de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1937, p. 7 (observando a relevância dos “mananciaes donde apparece exteriorisado o principio internacional privado”). A mesma ideia se reproduz em CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado, 6. ed., p. 68.

13

Cf. REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito, cit., p. 11 ss.

14

Adotamos aqui a perspectiva do Prof. GUASTINI, Ricardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993, p. 6 ss. Em aprofundamento do tema, ver, do mesmo autor, Teoria e dogmatica delle fonti. Milano: Giuffrè, 1998, p. 57 ss.

15

Cf., por exemplo, a classificação útil apresentada por REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva. 1994, p. 12: “A meu ver, quatro são as fontes do direito: a legal, resultante do poder estatal de legislar editando leis e seus corolários normativos; a consuetudinária, expressão do poder social inerente à vida coletiva e revelada através de sucessivas e constantes formas de comportamento; a jurisdicional que se vincula ao Poder Judiciário, expressando-se através de sentenças de vários graus e extensão; e, finalmente a fonte negocial, ligada ao poder que tem a vontade humana de instaurar vínculos reguladores do pactuado com outrem” (p. 12).

16

Cf. GUASTINI, Ricardo. Teoria e dogmatica delle fonti, cit. p. 63-64.

17

Cf., por exemplo, FERNÁNDEZ ROZAS, José. C.; SÁNCHEZ LORENZO, S. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 113 ss.

18

Idem, p. 115.

19

Emprestamos, aqui, a metodologia adotada pela doutrina, sobretudo em sua novidade.

20

Derecho internacional privado, cit., p. 154-55 (“Solo entonces puede comprenderse la interacción entre los derechos generados en cada uno de aquellos niveles o dimensiones, sus posibles contradicciones, sus conflictos en el espacio y en el tiempo; solo entonces podrá el intérprete medir jurídicamente el alcance de los hechos sociales y el legislador, tanto interno, como internacional, operar sobre criterios de racionalidad”).

21

Anotamos aqui a influência da lição de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, 6. ed., cit., p. 100-101: “Os Estados prescrevem suas regras de solução de conflitos de leis da maneira que lhes parecer melhor, independentemente das regras adotadas por outros povos. Tal fato é reconhecido por todos, até mesmo pelos internacionalistas mais ardorosos. Daí podemos concluir que a lei interna é a grande fonte de direito internacional privado; é a primeira maneira pela qual suas regras se manifestam no corpo da ciência jurídica.” E complementa o Prof. Strenger, opinando sobre a natureza das normas de direito internacional privado: “Tratase de normas com características autônomas, de direito público e não privado. Visa a sistematizar, a dogmatizar tudo aquilo que se prende ao sistema de relações entre o direito nacional e o direito estrangeiro . [...] O direito internacional privado se rege por leis especiais, e estas constituem sua fonte principal.” No sentido de que as normas da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro possam compor a qualificação de normas de “ordem pública internacional”, ver DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, 7. ed., cit., p. 68, nota 5, em que o autor sustenta, igualmente, a hipótese de retroatividade em alguns casos, como no tocante à caracterização do regime de bens do casal consorciados na vigência da Introdução ao Código Civil de 1916 para a determinação do regime de bens por estes adquiridos após a entrada em vigor da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942.

22

Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch, publicado no Bundesgesetzblatt I, p. 2494, com versão consolidada em 21 de setembro de 1994 e última alteração promovida pelo art. 5º da Lei reformadora de 16 maio de 2007. Disponível em: (acesso em 15 de setembro de 2007).

23

Legge 31 Maggio 1995, nº 218 – Riforma del sistema italiano di diritto

internazionale privato. Disponível em: (acesso em 15 de janeiro de 2008). 24

Sobre isso, cf. considerações do Prof. F. Pocar sobre o objeto da lei de reforma do DIPr italiano na obra Commentario del nuovo diritto internazionale privato. Padova: CEDAM, 1996, p. 3-7, observando que a regulamentação anterior aparecia muito inadequada à “atual condição da vida jurídica internacional” da Itália, então justificada pela necessidade de desenvolvimento legislativo e constitucional no plano interno, e evidenciada, em várias oportunidades, pela Corte Constitucional. Observa ainda o autor que a reforma foi fruto de longo processo e debate públicos, iniciados com importantes trabalhos doutrinários da Escola de Turim, encabeçada pelo Prof. Edoardo VITTA no final da década de 60, bem como da atuação direta do governo italiano nas comissões ministeriais para a modernização do direito internacional privado.

25

Cf. Art. 1º da Lei nº 218, de 31 de maio de 1995: “Oggetto della legge 1. La presente legge determina l’ambito della giurisdizione italiana, pone i criteri per l’individuazione del diritto applicabile e disciplina l’efficacia delle sentenze e degli atti stranieri.”

26

Gesetz zum Internationalen Privatrecht für außervertragliche Schuldverhältnisse und für Sachen vom 21-5-1999 (publicação em BGBl, I, 1999 Nr. 26, de 31 de maio de 1999). Disponível em:

e .

27

Cf., por exemplo, os arts. 17, 27 do EGBGB.

28

Para uma explicação geral, ver JAYME, Erik; HAUSMANN, R. Internationales Privat- und Verfahrensrecht , 13. ed. München: BECK, C. H., 2006, p. XXII. Sobre os atos comunitários específicos, ver Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos a distância, in Jornal Oficial nº L 144, de 4 de junho de 1997, p. 19-27.

29

Loi fédérale du 18 décembre 1987 sur le droit international privé (LDIP); entrou em vigor em 1º de janeiro de 1989, com a última grande alteração em 20 de dezembro de 2006. Disponível em: Acesso em: 10 fev. 2008.

30

Sobre isso, cf. item 4 infra.

31

Sobre a LDIP, ver DUTOIT, Bernard. Droit international privé suisse: commentaire de la loi fédérale du 18 décembre 1987. 3. ed. Bâle: Helbing & Lichtenhahn. 2001, p. 1 ss; OVERBECK, Alfred E. Le droit des personnes, de la famille, des régimes matrimoniaux et des successions dans la nouvelle loi fédérale suisse sur le droit international privé, in Revue Critique de Droit International Privé, v. 77, 1988, p. 237 ss; KNOEPFLER, François; SCHWEIZER, P. La nouvelle loi fédérale suisse sur le droit international privé (partie générale), in Revue Critique de Droit International Privé, v. 77, 1988, p. 207 ss; e o excelente trabalho de VISCHER, Frank, 10 Jahre IPRG unter besonderer Berücksichtigung des internationalen Schuldrechts, in BASEDOW, Jürgen et al. (ed.), Private law in the international arena: from national conflict rules towards harmonization and unification: Liber Amicorum Kurt Siehr. The Hague: ASSER, T. M. C., 2000, p. 707 ss, em que são examinados particularmente os avanços da Lei Suíça de 1987 em torno das regras de conexão para escolha de lei aplicável às obrigações contratuais.

32

Decreto-lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, com última atualização promovida pela Lei nº 6, de 27 de fevereiro de 2006. Disponível em: (último acesso em 15 de setembro de 2007).

33

Sobre os dispositivos do Código Civil português relativos ao direito internacional privado, ver BAPTISTA Machado, João. Lições de direito internacional privado. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1985, p. 339 ss; FERRER CORREIA, A. Temas de direito comercial e direito internacional privado . Coimbra: Livraria Almedina, 1989, p. 451 ss.

34

Real Decreto de 24 de julho de 1889.

35

Cf. art.1º, inciso 2.

36

Dentre os autores, cf. NUSSBAUM, Arthur. Principles of private international law New York/ London/Toronto: Oxford Univ. Press, 1943, p. 57 ss (mencionando a peculiaridade do desenvolvimento do direito internacional privado nos Estados Unidos).

37

Cf. NUSSBAUM, Arthur. Principles of private international law. New York/London/Toronto: Oxford Univ. Press, 1943, p. 65.

38

A denominação “Lei de Introdução ao Código Civil” (LICC) foi alterada para “Lei

de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, por meio da Lei nº 12.376/2010, que alterou a denominação do diploma legal, mas não o seu conteúdo. 39

Exemplos desses corpos de normas são mencionados por ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1925, § 6º, p. 28.

40

A esse respeito, ver comentários de ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1925, § 10, p. 69, e a bela exposição histórica de VALLADÃO, Haroldo. Estudos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1947, p. 74 ss.

41

Cf., por exemplo, art. 7º, que estabelece: “As disposições desta Lei não impedem o uso da acção civel, que póde ser intentada para satisfação do damno resultante de qualquer delicto commettido em paiz estrangeiro por qualquer individuo nacional ou estrangeiro residente no Império.”

42

Cf., por exemplo, o art. 14, relativamente à homologação de sentenças estrangeiras: “As sentenças arbitrais estrangeiras uma vez que tenham sido homologadas por tribunais estrangeiros são suscetíveis de homologação pelo Supremo Tribunal Federal.”

43

Cf., por exemplo, art. 63 sobre registro de inventários e partilhas processados no estrangeiro.

44

Cf. ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1925, § 10, p. 72; RODAS, João G. Direito internacional privado brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 10.

45

Elementos de direito internacional privado, cit., § 10, p. 72.

46

Cf. VALLADÃO, Haroldo. Estudos de direito internacional privado, cit., p. 76.

47

Estudos de direito internacional privado, cit., p. 77.

48

Para o texto integral da Introdução ao Código Civil de 1916, consultar DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, C. Direito internacional privado: vade-mecum. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 16 ss; Ver ainda a interpretação das normas oferecida por VALLADÃO, Haroldo. Estudos de direito internacional privado, cit., p. 76-78.

49

Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, publicado no DOU de 9-91942. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro entrou em vigor em 24 de outubro de 1942.

50

Interessantes são as palavras de VALLADÃO, Haroldo. Estudos de direito internacional privado, cit., p. 77, in fine: “Reforma tendo como razão imediata a guerra, para não aplicar aos súditos do eixo suas leis nacionais (Carta de um dos autores do Decreto-lei nº 4.657, em ‘Jornal do Commercio’, Agosto de 1942), modificação do direito pátrio realizada em segredo, sem publicação do projeto, sem audiência de juristas, como estranhou Clóvis Beviláqua (‘Boletim do Instituto da Ordem dos Adv. Brasil’, Set. Dez., 1944, p. 10) sem qualquer exposição dos motivos, foi uma surpresa para os meios jurídicos do país, tanto mais quanto alterou, também, outros princípios do direito pátrio, qual o da não retroatividade das leis.”

51

Deve-se mencionar aqui que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro recebeu aporte recente da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que dispõe sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Essa Lei incluiu os arts. 20 a 30 à Lei de Introdução, os quais não implicam regras de solução de conflitos de leis no espaço, e sim normas voltadas às esferas administrativa, controladora e judicial, para que suas decisões não sejam tomadas com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, dentre outros aspectos relevantes, tendo em vista a busca de solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais.

52

Cf., na presente obra, a parte dedicada ao estudo dos elementos de conexão.

53

Cf. Decreto nº 51.005, de 20 de julho de 1961, que estabelece a Comissão de Estudos Legislativos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, publicado no DOU de 20-7-1961, p. 6548.

54

Projeto de Lei nº 264, de 4 de dezembro de 1984, que institui o Código de Aplicações das Normas Jurídicas.

55

RODAS, João G. Direito internacional privado brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 11.

56

Idem, ibidem.

57

Cf. Portaria MJ nº 510, de 22 de julho de 1994.

58

Ver sumário do histórico de tramitação descrito por RODAS, João G. Falta a lei de introdução do Código Civil. In Gazeta Mercantil, p. A-3, 4 jul. 2001, manifestando-se ainda sobre o anacronismo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em muitos de seus dispositivos: “O princípio do reconhecimento internacional das pessoas jurídicas teve de ser deduzido pela jurisprudência, a partir da forma arrevezada e circunloquial do vigente artigo 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A quase milenar máxima ‘locus regit actum’ (a lei do local rege a forma do ato), que regula os aspectos extrínsecos das obrigações, explícita na Introdução de 1916, não encontrou guarida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Teve de ser decantada pela jurisprudência. O caput taxativo do art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro faz com que, a rigor, não possam as partes exercer a autonomia da vontade na escolha da lei aplicável à substância do contrato, como é corrente alhures. O mais grave defeito da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, entretanto, repousa na lei fixada para reger a substância contratual. Estabelecendo o artigo citado como elemento de conexão para o contrato entre presentes, esqueceu--se de fazer a clássica distinção: a lei da constituição da obrigação regendo a validade e efeitos do contrato e a lei do lugar da execução, a de sua execução. Mais uma vez, a distinção inexistente na lei teve de ser levada a cabo pretorianamente. A regra referente à contratação entre ausentes está longe de ser unívoca.”

59

Ver status de adesões e ratificações ao tratado no sítio de Internet do Comitê Jurídico Interamericano em (último acesso em 17 de setembro de 2007).

60

Até a conclusão da presente edição, a análise do Projeto de Lei nº 269/2004 aguardava encaminhamento pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no processo de tramitação legislativa no Congresso Nacional brasileiro (março de 2008).

61

Cf. Portaria MJ nº 2.199, de 10 de agosto de 2004.

62

Sobre isso, ver crítica de STRENGER, Irineu. Direito internacional privado, 6. ed., cit., p. 931: “O Brasil ainda se vale de um corpo de regras totalmente obsoleto, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942, o que nos coloca em situação de extrema inferioridade em face do grande número de países que se atualizaram nessa matéria, para acompanhar o desenvolvimento

da área de conflitos espaciais, significando a correta utilização dos mecanismos legais que permitam um adequado intercâmbio internacional.” 63

Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, revogado parcialmente pela Lei nº 6.404/1976 e mantido em seus arts. 59 a 73, que tratam das sociedades estrangeiras.

64

Dentre os vários exemplos em nosso Código de Processo Civil de 2015, ver o art. 75, X, relativamente à representação em juízo da pessoa jurídica de direito estrangeiro; art. 42, sobre o âmbito espacial da competência; arts. 21, 23 e 24, relativos à competência internacional do juiz brasileiro; art. 162, sobre a nomeação de intérprete em caso de necessidade de análise de documento redigido em língua estrangeira ou tradução das declarações das partes que não conhecerem o idioma nacional; art. 192, parágrafo único, sobre a juntada de documentos quando acompanhado de versão para a língua portuguesa tramitada por via diplomática ou pela autoridade central; arts. 260 a 268, relativamente às cartas rogatórias; e arts. 961, 960, § 2º, e 965, relativamente à homologação de sentenças estrangeiras.

65

Cf., por exemplo, as normas constitucionais sobre os princípios de relações internacionais (art. 4º e incisos), condição jurídica do estrangeiro (art. 12, sobre regras de nacionalidade e naturalização; art. 222, sobre restrições à aquisição de participação societária por estrangeiros em empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens), direito sucessório internacional (art. 5º, XXXI), hierarquias normativas de tratados e competências relativas (art. 5º, § 3º; art. 49, I; art. 84, VIII); bem como normas de competência das autoridades judiciárias para homologação de sentenças estrangeiras e concessão de exequatur de cartas rogatórias (arts. 105, I, i, e 109, X, relativamente ao STJ e juízes federais, respectivamente).

66

Cf. especialmente arts. 3º, 4º e 5º, relativos à convenção de arbitragem e disciplina da arbitragem, nacional ou estrangeira; arts. 34 a 40, relativamente ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras.

67

Cf., por exemplo, arts. 70 ss; arts. 1.134 ss do Código de 2002.

68

Para uma visão geral desse importante aparato legislativo, remetemos o leitor às compilações organizadas por BAPTISTA MACHADO, João; RODAS, João G.; SOARES, Guido Fernando Silva. Normas de direito internacional. São Paulo: LTr, 2001, tomo II; e DOLINGER, Jacob; TI-BURCIO, Carmen. Direito

internacional privado: vade-mecum. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 69

FERNÁNDEZ ROZAS, José C.; SÁNCHEZ LORENZO, Sixto. Curso de derecho internacional privado. 3. ed., cit., p. 133.

70

A justificação está na totalidade das fontes do direito internacional, em consonância com o art. 38 do Estatuto da CIJ.

71

Para uma visão geral sobre os instrumentos da prática brasileira, cf. base de dados da Divisão de Atos Internacionais (DAI) do Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: .

72

Derecho internacional privado: reflexiones introductorias, cit., p. 165.

73

Derecho internacional privado: reflexiones introductorias, cit., p. 165.

74

Ver especialmente a descrição das negociações das CIDIPs na Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos e no Departamento de Assuntos Jurídicos Internacionais (DAJI) da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: . (último acesso em 10 de janeiro de 2008).

75

Cf., criticamente, GARCIA VELASCO, Ignácio. Derecho internacional privado: reflexiones introductorias, cit., p. 166.

76

Considérations historiques et actuelles sur la codification du droit international privé, Recueil des Cours, v. 177 (1982-IV), especialmente Capítulo V.

77

Sobre o tema, cf. item 9 infra.

78

Cf., por exemplo, STRENGER, Irineu. La notion de lex mercatoria en droit du commerce international, Recueil des Cours, v. 227 (1991-II), p. 210 ss.

79

Ainda não estabelecemos o tempo suficiente para revisitar o tema do conflito entre tratados e a lei interna, sobretudo no que concerne à aplicação das normas de direito internacional privado de origem convencional pelos tribunais domésticos. No contexto brasileiro, o debate ainda gira em torno do anacronismo consubstanciado na orientação do Supremo Tribunal Federal, entabulada na década de 70, sobre a equiparação das normas de tratados e convenções às leis ordinárias. Problemas do status e hierarquia das normas internacionais no ordenamento interno continuam a ser polêmicas nos domínios do direito constitucional e direito internacional público. Sobre isso, ver importantes estudos de MAROTTA RANGEL, V. Os conflitos entre o direito interno e os

tratados internacionais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 62, nº 2, 1967, p. 81-134; RODAS, João Grandino. A publicidade dos tratados internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 150 ss. A recente reforma constitucional pela Emenda 45/2004 apenas atinge a incorporação de tratados internacionais em matéria de direitos humanos, atribuindo-lhes status constitucional no ordenamento brasileiro (ver, por exemplo, o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988). Contrariamente a alguns autores, não nos parece que a solução dada pela jurisprudência recente do STF seja pacífica em assentar uma classificação para as correntes, se dualistas ou monistas, e suas respectivas matizes, se moderadas ou radicais. Ver, por exemplo, DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 91 ss (resenhando as variações da jurisprudência brasileira em torno das correntes monistas e dualistas, sem assentar opinião definitiva sobre o tema); e ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado. Renovar: Rio de Janeiro, 2002, p. 157-158 (justificando que a incorporação de tratados ao ordenamento brasileiro resulta em transformação das normas internacionais em “lei nacional”, extinguindo-se o “conflito próprio da teoria monista”). 80

Ver, por exemplo, a abordagem oferecida por jusprivatistas internacionais de várias formações e culturas jurídicas, como BOGGIANO, Antonio.

81

Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, 7. ed., cit., p. 13.

82

Incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 21.798, de 6 de setembro de 1932 (incluindo os protocolos especiais sobre apátridas). Cf. art. 1º da Convenção: “Cabe a cada Estado determinar por sua legislação, quais são os seus nacionais. Essa legislação será aceita por todos os outros Estados, desde que esteja de acordo com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade.”

83

Incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1932; arts. 9 a 21. Antes da adoção do Código Bustamante, entretanto, os trabalhos das históricas conferências latino-americanas resultaram na negociação dos Tratados de Lima de 1878 e Tratados de Montevidéu de 1889. Os primeiros não chegaram a ser ratificados pelos Estados signatários, nem entraram em vigor no plano internacional, mas já admitiam o tratamento igualitário entre estrangeiros e nacionais, a proibição de discriminação e a adoção da lei da

nacionalidade (lex patriae) como critério de determinação da lei aplicável ao estado e capacidade das pessoas naturais. Os Tratados de Montevidéu de 1889, por sua vez, desdobravam-se em partes relativas a direito civil internacional, direito penal internacional, direito comercial internacional, direito processual internacional, propriedade literária e artística e marcas de comércio e fábricas, patentes e invenções e foram ratificados pela Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com posterior modificação em 1939 e 1940. Entre as principais regras adotadas pelos Tratados de Montevidéu de 1889 estavam aquela da lei do domicílio (lex domicilii) como determinadora da lei aplicável ao estatuto pessoal e capacidade das pessoas naturais. Para uma releitura histórica da importância da escola latino-americana no DIPr, ver SAMTLEBEN, Jürgen. Derecho internacional privado en America Latina. Teoria y practica del Codigo Bustamante. Buenos Aires: Depalma, 1983, p. 10 ss e GARRO, Alejandro M. Unification and harmonization of private law in Latin America, in American Journal of Comparative Law, v. 40, nº 3, 1992, p. 587 ss. 84

Os aspectos da criação e contribuição normativa promovida pela Conferência de Haia de Direito Internacional Privado sobre as fontes convencionais ou de origem internacional são referidos no item 4.3 supra.

85

O Brasil é signatário apenas da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças de 1980 (incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000) e Convenção relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional de 1993 (incorporada pelo Decreto nº 3.087, de 21-6-1999).

86

Incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 4.852, de 2 de fevereiro de 2003.

87

Decreto nº 762, de 19 de fevereiro de 1993. Ver, em especial, art. 3.1.h, que define a expressão nacionais como “todas as pessoas físicas que possuam a nacionalidade de um Estado Contratante e todas as pessoas jurídicas criadas ou organizadas, segundo as leis daquele Estado Contratante, e bem assim quaisquer organizações sem personalidade jurídica, mas consideradas como tal para fins tributários”.

88

Ver, por exemplo, DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral. 7. ed. cit., p. 72. O autor ainda anota a importância da ampla gama de convenções e tratados que estabelecem a uniformização de normas sobre venda e

compra internacional, transportes, correspondências postais, telegráficas e radiotelegráficas, propriedade intelectual, direito marítimo e aéreo, direito cambiário e direito do trabalho. 89

Incorporadas ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966, e Decreto nº 57.595, de 7 de janeiro de 1966, respectivamente.

90

As Sessões Plenárias são realizadas a cada quatro anos para negociar e concluir tratados em matéria de direito internacional privado e estabelecer a agenda de negociações e os temas futuros, os quais têm sido, igualmente, objeto de trabalhos de comissões especiais e grupos de trabalhos permanentes, que se reúnem no Palácio da Paz, em Haia. Comissões especiais são criadas também para a revisão do funcionamento das convenções adotadas e em vigor no plano internacional, buscando formular recomendações em torno da efetividade das normas e de uma prática e interpretação consistentes com o espírito universal do direito internacional privado.

91

Sobre a evolução dos trabalhos da Conferência de Haia e seu histórico de criação, ver M. H. VAN HOOGSTRATEN, La codification par traités en droit international privé dans le cadre de la Conférence de la Haye, Recueil des Cours, v. 122 (1967-III), p. 343 ss; OVERBECK, Alfred E. La contribution de la Conférence de La Haye au développement du droit international privé, Recueil des Cours, v. 233 (1992-II), p. 22 ss; MACCLEAN, David. The contribution of the Hague Conference to the development of private international law in Common Law countries, Recueil des Cours, v. 233 (1992-II), p. 267 ss; STEENHOFF, G. Asser et la fondation de la Conference de la Haye de droit international privé, Revue Critique de Droit International Privé, v. 83, nº 2, 1994, p. 297 ss.

92

Estatuto da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, de 9 de dezembro de 1951. Incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 3.832, de 1º de junho de 2001.

93

Para os textos originais das convenções adotadas antes de 1951, consultar arquivos eletrônicos da Conferência de Haia em: (último acesso em 25 de setembro de 2007).

94

Direito internacional privado: parte geral, 7. ed., cit. p. 86.

95

O Congresso Nacional aprovou o Estatuto mediante edição do Decreto Legislativo nº 41, de 14 de maio de 1998. Ver ainda Decreto nº 3.832, de 1º de julho de 2001. Para um aprofundamento no tema, ver obra de RODAS, João Grandino;

MÔNACO, G. F. C. A Conferência de Haia de Direito Internacional Privado: a participação do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007, p. 97 ss. 96

Cf. diferentes visões em VON MEHREN, Arthur Taylor. Drafting a convention on international jurisdiction and the effects of foreign judgments acceptable worldwide: can the Hague Conference project succeed?, in American Journal of Comparative Law, v. 49, nº 2, 2001, p. 191 ss.

97

Convention on Choice of Court Agreements, 30 June of 2005. Texto integral disponível em: . Somente o México é signatário.

98

Sobre isso, cf. informações atualizadas disponíveis em: .

99

Cf. ainda item 8 infra sobre a prática institucional das organizações no campo do DIPr. Sobre o valor doutrinário, cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral, 7. ed., cit., p. 85 (mencionando que “os anais das reuniões das Comissões que antecedem às Conferências bem como dos próprios conclaves definitivos contêm rico material doutrinário relativo aos temas debatidos, assegurando à instituição um caráter de centro científico deste ramo do direito, sendo ela reconhecida atualmente como a mais importante das fontes que trabalham com o direito internacional privado”).

100

Cf. observações críticas e precisas do Prof. VON OVERBECK, A. E. La contribution de la Conférence de La Haye au Développement du Droit International Privé, cit., especialmente p. 76 ss; e também BOGGIANO, Antonio. The contribution of the Hague Conference to the Development of Private International Law in Latin America: universality and genius loci, in Recueil des Cours, v. 233 (1992-II), p. 99 ss.

101

Empiricamente, essa observação pode ser constatada pela diferença cronológica entre as datas de assinatura ou adesão aos tratados e convenções pelo Estado brasileiro e as correspondentes datas de promulgação dos decretos que os incorporam. A esse respeito, cf. tabela de tratados incorporados ao ordenamento brasileiro e relevantes para o Direito Internacional Privado na seção “Quadros temáticos de acordos, tratados e convenções multilaterais em vigor para o Brasil”, elaborada pela Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Disponível em: (último acesso em 17 de setembro de

2007). 102

Concluído em Havana em 20 de fevereiro de 1928 e incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929.

103

Para uma visão geral sobre o histórico de conclusão da Convenção de Havana de 1928, ver importantes constatações de VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 4. ed., v. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974, p. 195 ss; SAMTLEBEN, Jürgen. Derecho internacional privado en América Latina. Buenos Aires: Depalma, 1983, p. 15 ss; e comentários de DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, cit., p. 75-76 (observando a importância do desenvolvimento de negociações precedentes na América Latina dos Tratados de Lima nos anos de 1877 e 1878, firmados pela Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Peru e Venezuela, sem ter entrado em vigor no plano internacional, e os Tratados de Montevidéu de 1889).

104

Sobre isso, ver casos Gunnar Petterson v Facit S.A., Ag. Reg. no Agravo de Instrumento nº 123.314, Voto do Ministro Sydney Sanches, acórdão de 4 de março de 1988, DJ 8-4-1988, e Ramirez e Chavarry, Processo de Extradição nº 662 (Governo Peru), Min. Rel. Celso Mello, acórdão de 28 de novembro de 1996, in DJ de 30-5-1997, p. 23176.

105

Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, cit. p. 76-77.

106

“Art. 7º Cada Estado contractante applicará como leis pessoaes as do domicilio, as da nacionalidade ou as que tenha adoptado ou adopte no futuro a sua legislação interna.”

107

Criticamente, cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, cit. p. 77 (“Encontram-se no Código repetidas referências à lei pessoal que significará lei da nacionalidade, lei do domicílio, ou lei da residência, conforme estabelecido pelas regras internas do DIP de cada país signatário do Código (art. 27 – ‘A capacidade das pessoas individuais rege-se pela sua lei pessoal [...]’). Uma das grandes dificuldades para aplicar o Código é sua insistente referência à ‘lei local’ e à ‘lei territorial’, às quais não deu um sentido uniforme”).

108

A polêmica em torno da aplicação dos dispositivos do Código Bustamante, confrontados com as normas da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942, é descrita por DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, cit., p. 79-80, observando a discussão na doutrina e jurisprudência, sobretudo quanto à generalidade da Convenção de Havana de 1928. Interessante

observar que a jurisprudência recente do STF e do STJ tem estabelecido inúmeras referências à aplicação do Código Bustamante, inclusive quanto à fixação de competência internacional dos tribunais brasileiros para julgamento de litígios envolvendo contratos internacionais. Sobre isso, cf. Iwai Panama International, AG. Reg. no Agravo de Instrumento nº 454.147, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, acórdão de 19 de abril de 2005, publicado no DJ de 13 de maio de 2005. 109

A abreviatura empregada para designar a realização das Conferências Especializadas em ordem cronológica é a seguinte: CIDIP I (Panamá, 1975); CIDIP II (Montevidéu, 1979); CIDIP III (La Paz, 1984); CIDIP IV (Montevidéu, 1989); CIDIP V (Cidade do México, 1994); CIDIP VI (Washington, 2002). Sobre elas, ver informações gerais em: (última consulta em 20 de outubro de 2007). Na Sexta Conferência Especializada, os Estados da OEA adotaram a Lei-Modelo Interamericana sobre Garantias Mobiliárias, optando não pela técnica das fontes convencionais (tratados e convenções), mas por uma lei-modelo de caráter não vinculante, obrigatório, para os membros. Sobre a questão das fontes institucionais de efeitos não vinculantes, ver item 3.8 infra.

110

Cf. Quadro Indicativo dos Tratados e Convenções Ratificados pelo Estado Brasileiro (status 2007), apresentado a seguir.

111

Sobre o tema, ver extensivamente estudos em CASELLA, Paulo B.; ARAUJO, Nadia de. (Org.) Integração jurídica interamericana. São Paulo: LTr, 1998.

112

A esse respeito, cf. JUENGER, Friederich K. Contract choice of law in the Americas, in American Journal of Comparative Law, v. 45, 1997, p. 195 ss; entre nós, ver ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado. 2. ed., cit., p. 71-72.

113

Sobre isso, ver especificamente item 4.6 infra, sobre a especialidade das fontes normativas de direito internacional privado derivadas do Direito do Mercosul.

114

Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000.

115

Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999.

116

Decreto nº 3.166, de 14 de setembro de 1999.

117

Os textos importantes para a prática estão no livro de BASSO, Maristela. Direito internacional privado: manual de legislação. São Paulo: Atlas, 2010.

118

Estabelece o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça da ONU: “Art. 38. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: Convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; Sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.” De acordo com a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, art. 2º (1): “Para os fins da presente convenção: (a) tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.”

119

Celso de Albuquerque Mello, Curso de direito internacional público. 12. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2000, v. I, p. 118 ss.

120

Cf. Voto do Min. Xavier de Albuquerque, acórdão de 27.11.1977, cuja ementa se transcreve: “Validade do Decreto-lei n º 427, de 22.1.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela as leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec.-lei nº 427/1969, que institui o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária.”

121

Apesar de ter sido prevalente essa tese, houve divergência e votos dissidentes, que levaram a considerar também a adoção do princípio da primazia do direito internacional sobre o direito interno e a possibilidade concreta de colisões entre normas internacionais e normas internas.

122

Curso de direito internacional público, v. I, p. 118.

123

A proteção internacional dos direitos humanos : fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991.

124

Idem, p. 631 (“A novidade do artigo 5º, inciso 2º da Constituição de 1988 consiste no acréscimo ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, dos direitos e garantias expressos em tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar necessariamente das garantias. É alentador que as conquistas do direito internacional em favor da proteção do ser humano venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista”).

125

Exemplo disso é o acórdão no HC 72.131 RJ, Rel. Ministro M. Aurélio de Melo, de 23 de novembro de 1995, predominando a opinião do Min. Moreira Alves, em que manifesta a tese da paridade dos tratados internacionais com a lei ordinária (“Habeas corpus. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. – Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. – Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. Habeas corpus indeferido, cassada a liminar concedida”); Criticamente, cf. GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian B. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira, in Revista Jurídica, v. 10, nº 90, 2008, p. 1-34.

126

STF, Ministério Público Federal/Jorgina Maria de Freitas, RHC nº 79.785/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.2002. Cf. Art. 8.2(h) da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.

127

Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no RHC nº 79.785/RJ in DJ, 22-12-2002, p. 281.

128

STF, RE 466.343/SP, Tribunal Pleno, Min. Relator Cezar Peluso. Acórdão de 4-62009.

129

Voto vogal do Min. Gilmar Ferreira Mendes no RE 466.343/SP. Disponível em: .

130

Idem, p. 6.

131

Sem buscar levantar a polêmica questão que permanece entre constitucionalistas, a tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais remete à obra do jurista alemão BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994. p. 23 ss, e propugna pela existência de limitações ao Poder Constituinte Originário.

132

Cf., por exemplo, J. J. CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 241 (assim se manifestando: “Estado de direito é um Estado constitucional. Pressupõe a existência de uma Constituição que sirva – valendo e vigorando – de ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A Constituição confere à ordem estadual e aos actos dos poderes públicos medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do Estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da Constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o ‘primado do direito’ do Estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão.”

133

Conforme defendido e exposto no artigo publicado recentemente na Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 78, nº 3, jul./set. 2012, p. 124-219, intitulado: “A Convenção 87 da OIT sobre Liberdade Sindical de 1948: Recomendações para a adequação do direito interno brasileiro aos princípios e regras internacionais do trabalho.”

134

Voto de Vista do Ministro Joaquim Barbosa na ADIN nº 1625/DF, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, acórdão de 3.6.2009. (ADI-1625).

135

Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, “a Convenção 158 não seria um tratado comum, mas um tratado que versa sobre direitos humanos, apto a inserir direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, caberia cogitar da aplicação do novo § 3º do art. 5º da CF, introduzido pela EC 45/2004, a essa Convenção. No ponto, afirmou que, apesar de o Decreto que incorporou a Convenção ao direito brasileiro ser de 1996, ainda que não se admitisse a tese de que os tratados de direitos humanos anteriores à EC 45/2004 possuíssem estatura constitucional, seria plausível defender que possuíssem estatura supralegal, porém infraconstitucional. Reconhecido o

caráter supralegal aos tratados de direitos humanos e considerando-se a Convenção 158 da OIT como um tratado de direitos humanos, concluir-se-ia não ser possível sua denúncia pelo Poder Executivo sem a intervenção do Congresso Nacional. Do contrário, permitir-se-ia que uma norma de grau hierárquico bastante privilegiado pudesse ser retirada do mundo jurídico sem a intervenção de um órgão legislativo, e, ainda, que o Poder Executivo, por vontade exclusiva, reduzisse de maneira arbitrária o nível de proteção de direitos humanos garantido aos indivíduos no ordenamento jurídico nacional (Informativo STF – nº 549, Brasília, 1º a 5 de junho de 2009. Disponível em: . 136

Sobre o tema, cf. A. BOUCAULT Carlos Eduardo de. A responsabilidade do Brasil perante a OIT em face da não aplicação da Convenção 158, in Revista de Direito do Trabalho nº 96, 1996, p. 105 ss; BASSO, Maristela. A Convenção nº 158 da OIT e o direito constitucional brasileiro, in Trabalho & Doutrina, nº 11, 1996, p. 30-39. Na visão de Hildebrando Accioly, Tratado de direito internacional público. Rio de Janeiro, 1956, v. I, p. 299, o Estado sempre será responsável pelos atos de qualquer de seus poderes que impliquem a violação de um tratado que tenha firmado ou ao qual tenha aderido. Ainda que uma norma internacional venha a ser retirada do ordenamento interno, por colidir com norma constitucional superveniente, essa circunstância não excluirá a responsabilidade do Estado pela violação do tratado.

137

Cf. DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: parte geral, cit., p. 73 (“A falta de ratificação pelos órgãos competentes de cada Estado, via de regra, o seu Poder Legislativo, decorre muitas vezes de problemas internos que não refletem discordância dos especialistas com o texto do acordo. Daí a importância que deve ser atribuída às convenções assinadas, mesmo não promulgadas pelos governos e mais ainda àquelas que já promulgadas, ainda não entraram em vigor por falta de quorum de países ratificadores”).

138

In Revue Persée, p. 244-245, 1981.

139

Neste sentido, a doutrina é unânime, cito apenas como exemplo: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados: competências dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do direito internacional, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Fábris Editor, 1995; RANGEL, Vicente Marotta. Os conflitos entre direito interno e os tratados internacionais. In Boletim da Sociedade

Brasileira de Direito Internacional, nº 45/46, p. 29 ss, jan./dez. 1967; MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 140

REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79.

141

Conforme Rezek, na obra citada, p. 80, “[...] sem essa medida vestibular – que, sob a ótica internacional, já é parte da fiel execução do pacto –, não chegaria ele ao conhecimento de seus destinatários, trate-se de particulares ou, o que é mais comum, de integrantes do complexo da administração pública. Nem teriam como garantir-lhe vigência os juízes e tribunais. Como no caso dos textos normativos de produção local, também no caso dos tratados o governo é o executor por excelência, ou o controlador da execução pelos particulares.”

142

As fontes do direito internacional estão referidas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça da ONU, ratificado e em vigor no direito brasileiro.

143

Caso nº 5.505, 1987.

144

“SWITZERLAND (Suíça): Court of Arbitration of the International Chamber of Commerce, Zurich. ICC Arbitration Case Nº 9448 (July 1999). Applicable law – In para 13 of the ‘Exclusivity Contract’, the parties agreed that ‘the laws of Switzerland shall apply to all matters respecting the making, interpretation and performance of this contract’. The United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (hereinafter ‘CISG’) forms part of Swiss substantive law and applies to certain contracts under certain preconditions. According to art. 1(1)a of the CISG, the CISG is applicable to ‘contracts of sale of goods between parties whose places of business are in different states, when the rules of private international law lead to the application of the law of a contracting state’.The ‘Exclusivity Contract’ is a contract in which the parties agreed on successive sales and deliveries of bearings to be manufactured by Claimants and delivered to Respondent, while granting Respondent exclusive representation in the USA. According to art. 3 CISG, contracts for the supply of goods to be manufactured or produced are to be considered sales contracts as well. As the parties have chosen Swiss law to be applicable, and Switzerland is a contracting state of the CISG, all preconditions for the application of the CISG to the ‘Exclusivity Contract’ are fulfilled. The CISG is applicable to the case at bar. Disponível

em: . 145

“Applicable law – The parties agreed in Art. 14 of the Contract that ‘the proper law of the Contract is the Iaw of Switzerland’. The parties do not agree on whether this clause includes the United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (‘CISG’); while Claimant answers this question to the positive, Defendant argues that Art. 14 of the Contract should be interpreted to mean that only Swiss domestic law, particularly the CO, applies. As a rule, Swiss law encompasses every international convention to which Switzerland is a party. Since Switzerland is a party to the CISG, the latter, consequently, is a part of Swiss law. Therefore, should contracting parties wish to exclude the application of CISG to a contract, the parties must explicitly state that CISG does not apply to the contract, or alternatively, that only Swiss domestic law is applicable to the Contract. Leading doctrine confirms the principle that a general reference to Swiss law should not be interpreted as silent exclusion of the CISG, unless the intentions of the parties permit a different conclusion (Herber in Bucher (ed.), Wiener Kaufrecht, Bern 1991, p. 221; Herber in v. Caemmerer/ Schlechtriem, Kommentar zum Einheitlichen UN-Kaufrecht, München 1995, N 16 to Art. 6 CISG; Siehr in Honsell (ed.), Kommentar zum UN-Kaufrecht, Berlin and Heidelberg 1997, N 7 to Art. 6 CISG; dissenting, but still suggesting an explicit exclusion: Honsell, Schweizerisches Obligationenrecht, Besonderer Teil, Bern 1992, p. 106). Such an intention of the parties cannot be interpreted into the general format of the Contract, nor do subsequent transactions between the parties imply a silent exclusion. Therefore, the general reference to Swiss law in Art. 14 of the Contract must be interpreted to mean Swiss law and any of the conventions applicable in Switzerland, including the CISG.” Disponível em: .

146

“Applicability; express reference to a national law. A contract between a seller from the Netherlands and a buyer from the U.S. expressly stated that it was subject to ‘the laws of Switzerland’. At the time the contract was concluded the CISG, which was not then in effect in the Netherlands, was in effect in Switzerland as well as the United States. Seller advocated the application of Swiss domestic law, contending that ‘an express designation of a national law [...] by the parties shall be construed as an express reference to the provisions of that law which would apply at the

domestic level [...] Such interpretations should particularly apply where [...] parties have clearly made choice of a neutral law, i.e., the law of a country of which neither party is a national or resident’.The tribunal disagreed, stating:‘Swiss law, when applicable, consists of the Convention itself as of the date of its incorporation into Swiss law.’‘[T]he neutrality argument... is satisfied [because] the Convention’s objectives and contents are more than consistent with it...’‘Finally, the parties have themselves referred to ‘the laws of Switzerland’ and not to ‘Swiss law’. That defeats [seller’s] contention that the clause should result only in an election of the provisions of the Swiss Code of Obligations, with the exclusion of any other Swiss legal provisions.”The tribunal applied the law of Switzerland, the CISG, pursuant to Article 1(1)(b).’ Disponível em: . 147

Caso AP 91/04. Disponível .

em:

148

“In general, an agreement by the parties that their contract is to be governed by a certain national law is to be understood as a sole reference to substantive law (Vischer/Huber/Oser, Internationales Vertragesrecht, 2nd ed., Bern 2000, nº 140). Since the CISG (also referred to as ‘Vienna Sales Law’) contains provisions of substantive law, it is principally included in a choice of law clause such as the one formed by the parties in the present case. If this does not correspond to the parties’ intention, it is upon them to unambiguously exclude the application of the CISG and to clearly refer in their choice of law to the autonomous domestic sales law, that is, the Swiss Law of Obligations (Keller/Siehr, Kaufrecht, 3rd ed., Zurich 1995, p. 158 n º 1.2). Since the parties did not act in this manner, their choice of law clause includes the CISG.” Disponível em: .

149

Disponível em: .

150

In: CASELLA, Paulo Borba (Org.). Arbitragem: a nova lei brasileira, 9.307/1996 e a praxe internacional. São Paulo: LTr, 1997, p. 87.

151

Sobre essa relação, ver artigo da Profa. BARIATTI, Stefania. Prime considerazioni sugli effetti dei principi generali e delle norme materiali del tratatto CE sul diritto internazionale privato comunitario, in Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processuale, v. 39, nº 3-4, p. 671-706, 2003.

152

Sobre isso, ver comentários de BEAUMONT, Paul; RAULUS, Helena. Update on private international law in the European Union – 2001, in Proceedings of the American Society of International Law. v. 1, nº 4, p. 109 ss, 2002; KOTUBY JUNIOR, Charles T. External competence of the European Community in the Hague Conference on Private International Law: community harmonization and worldwide unification, in Netherlands International Law Review, v. 48, nº 1, p. 1-30, 2001.

153

Versão consolidada no Jornal Oficial nº C027, de 26 de janeiro de 1998, p. 1-27.

154

Versão consolidada no Jornal Oficial nº C027, de 26 de janeiro de 1998, p. 34-46.

155

Sobre a evolução, ver: JAYME, Erik; HAUSMANN. Internationales Privat- und Verfahrensrecht, 13. ed., München: C. H. Beck, 2006, p. XXI; BARIATTI, Stefania. Casi e materiali di diritto internazionale privato comunitario. Milano: Giuffrè, 2003 (L’Italia e la vita giuridica internazionale), p. 3 ss.

156

Sobre isso, ver arts. 65 e 293 do Tratado que institui a Comunidade Europeia. As áreas do direito internacional privado e direito processual civil internacional, ao integrarem os temas da cooperação judiciária, passaram do terceiro para o primeiro pilar das comunidades; desse novo status deriva a competência dos órgãos comunitários para conduzir a harmonização normativa de tais disciplinas. Na prática, acreditamos que isso seja um exemplo do movimento de transformação das instituições domésticas dos Estados-membros da UE em torno do chamado “direito internacional privado uniforme” dentro do próprio contexto comunitário. Negativamente, a comunitarização do direito internacional privado minimiza as soluções diversificadas que a disciplina do conflito de leis historicamente assentou. Seria muito precoce, no entanto, uma análise detalhada do problema.

157

O Regulamento, que entrou em vigor em 1º de março de 2002, substituiu a Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, o que na prática significa, para a atualidade, uma expansão do âmbito de aplicação de tais normas aos Estados-membros da União Europeia que aderiram ao regime de Bruxelas I.

158

Sobre as propostas de diretivas e regulamentos em discussão nos órgãos comunitários, ver informações disponíveis em: (último acesso

em 11 de janeiro de 2011). O movimento de harmonização é ainda discutido por BARIATTI, Stefania. Prime considerazioni sugli effetti dei principi generali e delle norme materiali del tratatto CE sul diritto internazionale privato comunitario, in Rivista di Diritto Internazionale Privato e Processuale, v. 39, nº 3/4, 2003, p. 671 ss. 159

Sobre o Mercosul como bloco econômico, vide de BASSO, M. MercosulMercosur: estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Atlas, 2007.

160

Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991, que promulga o Tratado para a Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai.

161

Incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 2.067, de 12 de novembro de 1996. Sobre o tema da cooperação judiciária no Mercosul, cf. comentários de ARAUJO, Nadia de et al., Cooperação interjurisdicional no Mercosul, in BASSO, Maristela: Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-membros. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 489 ss. E mais recentemente da mesma autora at al., Medidas de cooperação interjurisdicional no Mercosul, in BASSO, Maristela: Mercosul-Mercosur – estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Atlas, 2007.

162

Incorporado ao ordenamento interno pelo Decreto nº 2.095, de 17 de dezembro de 1996.

163

Incorporado ao ordenamento interno pelo Decreto nº 2.626, de 15 de junho de 1997. Sobre o tema da cooperação judiciária no Mercosul, cf. comentários de MARTINS, A. K. Medidas cautelares no Mercosul, in BASSO, Maristela (Org.). Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 520 ss.

164

Incorporado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 3.856, de 3 de julho de 2001.

165

Aprovado pela Decisão nº 3/98, do Conselho do Mercado Comum, de 23 de julho de 1998; incorporado ao ordenamento interno pelo Decreto nº 4.719, de 4 de junho de 2003.

166

TJRS, Daniel Azambuya Casaravilla v. Ruth Pereira Castro, Apelação Cível nº

0296120-29.2014.8.21.7000, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, data de julgamento 23-4-2015, data de publicação 29-4-2015. 167

TJRS, Voges Metalurgia Ltda. v. Inversiones Metalmecánicas I.C.A., Agravo de Instrumento nº 0219920-44.2015.8.21.7000, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, data de julgamento 10-9-2015, data de publicação 15-9-2015.

168

O Protocolo de Olivos adentrou o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 4.982, de 9 de fevereiro de 2004.

169

FONTOURA, Jorge. STF fortalece Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Gazeta do Povo, Curitiba, 1º de junho de 2012. Justiça e direito.

170

Direito internacional privado, 6. ed., cit., p. 116.

171

O uso em questão é juridicamente vinculante, obrigatório, e deve, portanto, aplicarse, pois existe uma opinio iuris, ou opinio necessitatis, que oferece àqueles que respeitam determinada regra costumeira a convicção de estarem obedecendo a uma norma jurídica. Sobre isso, ver BROWNLIE I. Principles of public international law, 6. ed. Oxford/New York: Oxford Univ. Press, 2003, p. 6-8 (sobre os requisitos da duração, uniformidade e consistência e generalidade da prática que se consagra como costume internacional); NASCIMENTO E SILVA, G. E.; ACCIOLY, H. Manual de direito internacional público. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 44 ss; STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 6. ed., cit., p. 110 (sobre o debate das fontes consuetudinárias no DIPr).

172

Cf. ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., § 6º, p. 29.

173

Tratado elementar theorico e pratico do direito internacional privado, v. 1, Coimbra: Coimbra Editora, 1921, p. 114.

174

Tratado elementar theorico e pratico do direito internacional privado, v. 1, 1921, p. 114.

175

Cf. ESPÍNOLA, Eduardo. Elementos de direito internacional privado, cit., § 6º, p. 30. Segundo essa abordagem, dados para averiguação da existência dos costumes internacionais poderiam ser verificados, por exemplo, em coleções de atos diplomáticos entre Estados, órgãos judiciários em diferentes jurisdições e nos livros que contêm registros das relações internacionais e diplomáticas, ordinariamente designados pelas cores de suas capas.

176

Cf. Fontes e modelos do direito. 2. ed., cit., p. 68 e 119 (em especial a propósito de interpretação do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de 1942: “A invocação da regra costumeira é mais uma forma de autointegração do sistema geral, o que demonstra que este, na visão do legislador, já contém meios de sanar omissões, dada a complementaridade das fontes do direito. Quando porém, estas não contenham normas ou modelos adequados, não outro remédio senão recorrer a princípios gerais”).

177

Tratado elementar (teórico e prático) de direito internacional privado. Coimbra: Coimbra Ed., 1921-22, v. 1, p. 113 ss.

178

Conforme demonstrei no livro: BASSO, Maristela: Da aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional: o direito internacional privado à luz da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988.

179

Derecho internacional privado, cit., p. 6 ss.

180

Elementos de direito internacional privado, cit., § 6º, p. 36.

181

Sobre isso, ver JUENGER, Friedrich K. The problem with private international law, in BASEDOW, Jürgen et al. (Ed.). Private law in the international arena: from national conflict rules towards harmonization and unification: Liber Amicorum Kurt Siehr. The Hague: ASSER, I. M. C., 2000, p. 289 ss (abordando as diferentes tendências entre a jurisprudência do unilateralismo e multilateralismo no direito internacional privado).

182

Bons exemplos são mencionados na extensiva pesquisa de SYMEONIDES, Symeon C. Choice of law in the American courts in 2006, in American Journal of Comparative Law, v. 54, 2006, p. 697 ss; ver ainda SOLTYSINSKI, Stanelaw. Choice of law and choice of forum in transnational transfer of technology transactions, in Recueil des Cours 196 (1986-I), p. 245 ss.

183

Sobre isso, cf. constatações de JUENGER, Frederich K. The problem with Private International Law, in BASEDOW, Jürgen et al. (Ed.), Liber Amicorum Kurt Siehr, cit., p. 297-99 sobre a revolução norte-americana no campo do conflito de leis e a necessidade de soluções internacionais (ou no limite, globais) para casos de “fundo internacional”. Em alguns países, como é o caso específico da Suíça, a jurisprudência teve o condão de determinar e integrar o próprio processo de codificação legislativa, como estabeleceu a Lei Suíça de Direito Internacional Privado de 1987, assumindo, em parte, um conteúdo vinculante das decisões do

Supremo Tribunal Federal daquele país. Em grande medida, essa experiência constata a valoração da jurisprudência, como demonstra KNOEPFLER, François; SCHWEIZER, Philippe. La nouvelle loi fédérale suisse sur le droit international privé, in Revue Critique de Droit International Privé, v. 77, 1988, p. 207 ss. 184

GARCIA VELASCO, I. Derecho internacional privado, cit., p. 153 ss.

185

Ver, por exemplo, opiniões de BATIFFOL, Henry; LAGARDE, Paul; DROZ, Georges A. L. “À propos de l’arrêt de la Cour de Cassation, 1re. chambre civile, du 16 mars 1999”, in Revue Critique de Droit International Privé, v. 89, nº 2, 2000, p. 181 ss; ANCEL, Bertrand; LEQUETTE, Y. Grands arrêts de la jurisprudence française de droit international privé. Paris: Dalloz, 1998, p. 5 ss.

186

Uma extensa compilação das decisões dos tribunais alemães em matéria de direito internacional privado é oferecida na coleção publicada desde 1974 por KROPHOLLER, Jan. Die deutsche Rechtsprechung auf dem Gebiete des Internationalen Privatrechts. Tübingen: Mohr Siebeck, 2004.

187

A única exceção seria o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que é órgão judiciário investido de competência para apreciar os litígios relativos à aplicação do direito comunitário europeu.

188

Sobre a atuação da CPIJ no período de atividades compreendido entre 1922 e 1946, ver informações em: .

189

Case concerning the application of the Convention of 1902 governing the Guardianship of Infants (Netherlands v. Sweden) , Judgment of November 28th, 1958, in I. C. J. Reports 1958, p. 55 ss.

190

Para uma descrição explicativa do caso Boll, cf. HUDSON, M. O. The thirtyseventh year of the world court, in American Journal of International Law, v. 53, nº 21, 1959, p. 319 ss. A CIJ questionou justamente a lei aplicável à condição jurídica da tutela, determinada pela corte holandesa sobre a menor Elizabeth Boll, e as medidas administrativas adotadas pelas autoridades suecas para proteção da criança. Mesmo tendo nascido na Suécia e ali residido de modo permanente desde seu nascimento, a menor era de nacionalidade holandesa. Os tribunais suecos, por sua vez, em uma série de decisões, decidiram pela aplicação da Lei Sueca de 1924 sobre a Proteção de Crianças e Menores, disciplinando as relações de guarda sobre a criança, o que explicava, ainda, o

exercício da competência pela autoridade sueca para proteção dos menores da cidade de Norrkoping, onde Marie Elizabeth Boll era residente. A guarda legal da criança havia sido concedida para seu avô materno, de modo que este exercia os poderes tutelares de acordo com a autoridade sueca, decisão que foi confirmada pela Suprema Corte administrativa da Suécia. O que se questionava perante a CIJ, no fundo, era a validade dessa medida de proteção pela autoridade sueca (skyddsuppfostran) relativamente à determinação da guarda da criança Boll. A Holanda, em suas alegações, sustentava que a medida seria incompatível com os dispositivos da Convenção de Haia de 1902, já que esta previa a aplicação da lei da nacionalidade para a guarda de menores. A Corte rejeitou o pedido da Holanda e entendeu que a aplicação da lei sueca seria conducente com a ordem pública, pois a medida adotada teria como preocupação a proteção da criança Boll. 191

Nottebohm Case (Preliminary Objection), Judgement of November 18th, 1953, in C. J. Reports 1953, p. III ss; Nottebohm Case (second phase), Judgement of April 6th, 1955, in I. C. J. Reports 1955, p. 4 ss.

192

Cf. CIJ, Nottebohm Case (second phase), Judgement as of April 6th, 1955, in I. C. J. Reports 1955, p. 4 ss, referindo-se às distinções entre residência habitual, domicílio e outros critérios sobre a lei reguladora do estatuto pessoal (“Different factors are taken into consideration, and their importance will vary from one case to the next: the habitual residence of the individual concerned is an important factor, but there are other factors such as the centre of his interests, his family ties, his participation in public life, attachment shown by him for a given country and inculcated in his children etc.”).

193

CIJ, Barcelona Traction, Light and Power Company, Ltd. (Belgium v. Spain) , Judgment of 24 July 1964; e a segunda fase da controvérsia em Barcelona Traction, Light and Power Company, Ltd. (Belgium v. Spain) , Judgment of 5 February 1970.

194

De modo geral, a importância da decisão da CIJ em Barcelona Traction reside justamente na noção de proteção diplomática no direito internacional público e sua aplicabilidade prática na proteção de interesses de empresas transnacionais e indivíduos, o que imediatamente relaciona--se com a aplicação de normas de direito internacional privado. Cf. fundamentalmente LEE, Lawrence Jahoon. Barcelona Traction in the 21st Century: revisiting its customary and policy

underpinnings 35 years later, in Stanford Journal of International Law, v. 42, nº 2, 2006, p. 237 ss. Sobre a influência e os desdobramentos de Barcelona Traction, ver STAKER, C. Diplomatic protection of private business companies, in British Year Book of International Law, v. 61, 1990, p. 155 ss; RODAS, João Grandino. Sociedade comercial e Estado. São Paulo: Ed. Unesp/Saraiva, 1995; e SCHREUER, C. Christoph. Shareholder protection in international investment law, in DUPUY, P. M. (Ed.) Völkerrecht als Wertordnung : Festschrift für Christian Tomuschat. Kiehl: Engel, 2006, p. 601 ss. 195

O TJCE foi criado em 1952 pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e sua competência é delimitada pelos arts. 221 e seguintes do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE). Entre as atribuições do Tribunal, está a de verificar a compatibilidade dos atos dos órgãos da Comunidade e autoridades dos governos dos Estados-membros com as normas do direito comunitário europeu (e. g., ações por descumprimento, ação por omissão e recurso de anulação), bem como a de decidir, a pedido de um tribunal nacional, sobre a validade ou interpretação das disposições do direito comunitário (reenvio prejudicial).

196

Sobre o desenvolvimento do tema, ver BARIATTI, S. Casi e materiali di diritto internazionale privato comunitario. Milano: Giuffrè, 2003, p. 3 ss; BOGDAN, Michael; MAUNSBACH, Ulf. EU private international law: an EC court casebook. Groningen/NL: Europa Law Publishing 2006, p. 3 ss; ROTH, WulfHenning. From Centros to Überseering: free movement of companies, private international law, and community law, in International and Comparative Law Quarterly, v. 52, nº 1, 2003, p. 177 ss.

197

Cf., por exemplo, os casos LTU v. Eurocontrol , C-29/76, [1976] ECR 1541 (relativamente à aplicação da Convenção de Bruxelas de 1968); Centros v. Erhvervs – og Selskabsstyrelsen, C-212/97, [1999] ECR I-1459; Überseering v. NCC, C-208/00, [2002] ECR I-9919 (ambas referindo-se à lei aplicável às sociedades comerciais no direito comunitário europeu); Ingmar v. Eaton, C381/98, [2000] ECR I-9305 (sobre as questões da agência e representação comercial em relações empresariais); Commission v. Spain, C-70/03, [2004] ECR I-7999 (sobre a proteção do consumidor no domínio comunitário); Eurofood, C-341/04, [2006] ECR I-0000 (sobre procedimentos de insolvência e falências); e Reisch v. Kiesel, C-103/05, [2006] ECR I-0000 (relativamente à aplicação do Regulamento nº 44/2001).

198

Se não houver insistência em torno dos temas e uma autêntica formação cultural favorável ao desenvolvimento do direito internacional em determinado circulo jurídico, dificilmente os tribunais brasileiros desenvolverão, a contento, uma jurisprudência orientada pela prática da disciplina do conflito de leis. Nos últimos anos, parece que essa situação lamentável vem sendo revertida em nosso país, sobretudo pelo contínuo trabalho educacional desenvolvido por especialistas alocados em importantes universidades brasileiras.

199

Sobre isso, ver estudo da Profa. TIBURCIO, C. A EC nº 45 e Temas de Direito Internacional, in Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004 (Teresa Arruda Wambier et al. (Org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121-140.

200

Cf. ainda DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado, 6. ed., cit. p. 70, mencionando que “raras são as questões em que nossas cortes têm oportunidades de aplicar direito estrangeiro”.

201

Idem, p. 70, observando que a doutrina europeia tem se posicionado mais incisivamente sobre os aspectos práticos da aplicação das normas de direito internacional privado nos tribunais.

202

Criticamente, cf. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado, 2. ed. cit., especialmente p. 247 ss.

203

Cf. CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado, 6. ed., cit., p. 97 “a doutrina é uma das partes vitais da ordem jurídica. Contribui para a confecção e para a mais perfeita interpretação das leis e da jurisprudência; mostra as analogias e informa os princípios gerais do Direito. Comparada a ordem jurídica a uma árvore, a doutrina pode ser vista como elemento vital, e seiva que sobe das raízes para os ramos, restaurando-os permanentemente, e vai repontar em seus frutos”).

204

FULGÊNCIO, Tito. Synthesis de Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1937, p. 7.

205

Sobre isso, ver REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito, 2. ed., cit., p. 12.

206

Cf. também BEVILÁQUA, Clóvis. Direito internacional privado, 3. ed., cit., § 18, p. 122-23 (mencionando: “A doutrina desempenha uma função preparatória das construções, que o legislador ou o costume tem de erguer, mas esta função é essencial e somente ela a pode exercer. A tradição, que remonta aos estatutários,

embora a doutrina destes já tenha sido alterada pelo progresso da sciencia, é uma fonte geral de muito valor”). 207

Ainda ver as conclusões de CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado 6. ed., cit., p. 97-98 (especialmente em relação ao valor desse tipo de fonte de inspiração: “Pode-se dizer que a doutrina vai pelo tempo à frente, preparando a discussão do assunto, formulando princípios teóricos, saneando direito natural, enquanto a jurisprudência e a legislação a acompanham, aceitando suas melhores sugestões, colhendo os frutos dessa sementeira ideal. E como poucas são as regras legisladas de direito internacional privado, o valor da doutrina nesse setor é incalculável”).

208

Cf., por exemplo, FERNÁNDEZ ROZAS, José C.; SÁNCHEZ LORENZO, Sixto. Curso de derecho internacional privado. 3. ed. Madrid: Civitas, 1996, p. 113 ss.

209

Preferimos aqui empregar a expressão em sentido amplo de fontes institucionais, das quais decorrem “normas narrativas”, como mencionado por JAYME, Erik. Narrative Normen im Internationalen Privat- und Verfahrensrecht . Tübingen: Eberhard-Karls-Universität, 1993, p. 5 ss.

210

POGGI, A. Soft law nell’ordinamento comunitario. Associazione Italiana Costituzionalisti – Convegno annuale – 2005: L’ Integrazione dei Sistemi Costituzionali Europeo e Nazionali. Catania, 14-15 ottobre 2005, p. 5. Disponível em: .

4

Disponível