Direito internacional privado
 9788502169135

Table of contents :
introdutórias
1.3.2 Estrutura e classificação da norma de
direito internacional privado
1.3.3 Método de direito internacional privado
1.4 Aplicação do direito estrangeiro
1.4.1 Limites à aplicação do direito estrangeiro
1.4.1.1 Princípio da reciprocidade
1.4.1.2 Fraude à lei
1.4.1.3 Instituição desconhecida
1.4.1.4 Princípio do nacional lesado
1.4.1.5 Princípio da ordem pública
1.4.2 Reenvio
1.4.3 Prova de teor, vigência e sentido do
direito estrangeiro
1.5 Da importância de bem aplicar o método
2. Parte especial
2.1 Noções introdutórias
2.2 Pessoa física
2.2.1 Personalidade
2.2.2 Nome
2.2.3 Capacidade
2.3 Pessoa jurídica
2.4 Direito de família
2.4.1 Relações conjugais e convivenciais
2.4.1.1 Habilitação para o
casamento
13/182
2.4.1.2 Formalidades de celebração
2.4.1.3 Direitos e deveres recíprocos
de ordem pessoal
2.4.1.4 Direitos e deveres recíprocos
de ordem patrimonial
2.4.2 Relações parentais
2.4.2.1 Guarda de filhos
2.4.2.2 Direito de visita
2.4.2.3 Sequestro internacional de
crianças
2.4.2.4 Adoção internacional
2.4.3 Alimentos
2.5 Bens
2.6 Obrigações
2.7 Sucessões
Referências
Anexo I Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942
Anexo II Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004

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Monaco, Gustavo Ferraz de Campos Direito internacional privado / Gustavo Ferraz de Campos Monaco, Liliana Lyra Jubilut. – São Paulo : Saraiva, 2012. – (Coleção saberes do direito ; 56) 1. Direito internacional privado 2. Direito internacional privado – Brasil I. Jubilut, Liliana Lyra. II. Título. III. Série. 12-01350 CDU-341.5(81)

Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Direito internacional privado 341.5(81)

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Data de fechamento da edição: 17-2-2012

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O futuro chegou. A Editora Saraiva e a LivroeNet, em parceria pioneira, somaram forças para lançar um projeto inovador: a Coleção Saberes do Direito, uma nova maneira de aprender ou revisar as principais disciplinas do curso. São mais de 60 volumes, elaborados pelos principais especialistas de cada área com base em metodologia diferenciada. Conteúdo consistente, produzido a partir da vivência da sala de aula e baseado na melhor doutrina. Texto 100% em dia com a realidade legislativa e jurisprudencial. Diálogo entre o livro e o

1

A união da tradição Saraiva com o novo conceito de livro vivo, traço característico da LivroeNet, representa um marco divisório na história editorial do nosso país. O conteúdo impresso que está em suas mãos foi muito bem elaborado e é completo em si. Porém, como organismo vivo, o Direito está em constante mudança. Novos julgados, súmulas, leis, tratados internacionais, revogações, interpretações, lacunas modificam seguidamente nossos conceitos e entendimentos (a título de informação, somente entre outubro de 1988 e novembro de 2011 foram editadas 4.353.665 normas jurídicas no Brasil – fonte: IBPT). Você, leitor, tem à sua disposição duas diferentes plataformas de informação: uma impressa, de responsabilidade da Editora Saraiva (livro), e outra disponibilizada na internet, que ficará por conta da LivroeNet (o que chamamos de

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Alice Bianchini | Luiz Flávio Gomes Coordenadores da Coleção Saberes do Direito Diretores da LivroeNet

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GUSTAVO FERRAZ DE CAMPOS MONACOS Doutor em Direito Internacional pela USP. Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra. Professor-Doutor do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP. Professor e Pesquisador da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM.

LILIANA LYRA JUBILUT Doutora e Mestre em Direito Internacional pela USP. LL.M. em International Legal Studies pela New York University School of Law. Professora e Pesquisadora da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM.

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COORDENADORES

ALICE BIANCHINI Doutora em Direito Penal pela PUCSP. Mestre em Direito pela UFSC. Presidente do Instituto Panamericano de Política Criminal – IPAN. Diretora do Instituto LivroeNet.

LUIZ FLÁVIO GOMES Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretorpresidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Diretor do Instituto LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

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Aos meus Professores e à minha família. Gustavo Ferraz de Campos Monaco Aos meus alunos, pelo estímulo. Liliana Lyra Jubilut

Meus agradecimentos são para meus alunos, que ao longo de muitos anos têm contribuído para que minhas ideias fiquem mais claras e minhas explicações menos nebulosas (ainda que longe do ideal...). Em especial, agradeço à Raquel, que me ajudou na ordenação de minhas notas (escritas e verbais) sobre o tema. Gustavo Ferraz de Campos Monaco Aos meus professores e à minha família, pela inspiração. Liliana Lyra Jubilut

Sumário

Capítulo

1 Fundamentos do Direito Internacional Privado 1. Noções introdutórias 2. Nomenclatura e conceito 3. Fundamento geral do direito internacional privado 4. Gênese e desenvolvimento histórico do direito internacional privado 5. Objeto

Capítulo

2 Nacionalidade 1. Noções introdutórias 2. Critérios de atribuição da nacionalidade 3. Critérios de perda da nacionalidade

Capítulo

3 Condição jurídica do estrangeiro 1. Noções introdutórias 2. Entrada do estrangeiro 3. Estada do estrangeiro 4. Saída do estrangeiro

Capítulo

4 Concurso de Jurisdição 1. Noções introdutórias 2. Competência internacional 3. Cooperação internacional 3.1 Auxílio direto 3.2 Acordos internacionais 3.3 Autoridades centrais 3.4 Cartas rogatórias 3.5 Homologação de sentença estrangeira

Capítulo

5 Concurso de Leis

13/182 1. Parte geral 1.1 Noções introdutórias 1.2 Fontes 1.3 Método 1.3.1 Noções introdutórias 1.3.2 Estrutura e classificação da norma de direito internacional privado 1.3.3 Método de direito internacional privado 1.4 Aplicação do direito estrangeiro 1.4.1 Limites à aplicação do direito estrangeiro 1.4.1.1 Princípio da reciprocidade 1.4.1.2 Fraude à lei 1.4.1.3 Instituição desconhecida 1.4.1.4 Princípio do nacional lesado 1.4.1.5 Princípio da ordem pública 1.4.2 Reenvio 1.4.3 Prova de teor, vigência e sentido do direito estrangeiro 1.5 Da importância de bem aplicar o método 2. Parte especial 2.1 Noções introdutórias 2.2 Pessoa física 2.2.1 Personalidade 2.2.2 Nome 2.2.3 Capacidade 2.3 Pessoa jurídica 2.4 Direito de família 2.4.1 Relações conjugais e convivenciais 2.4.1.1 Habilitação casamento

para

o

14/182 2.4.1.2 Formalidades de celebração 2.4.1.3 Direitos e deveres recíprocos de ordem pessoal 2.4.1.4 Direitos e deveres recíprocos de ordem patrimonial 2.4.2 Relações parentais 2.4.2.1 Guarda de filhos 2.4.2.2 Direito de visita 2.4.2.3 Sequestro internacional de crianças 2.4.2.4 Adoção internacional 2.4.3 Alimentos 2.5 Bens 2.6 Obrigações 2.7 Sucessões Referências Anexo Anexo

I Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 II Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004

Capítulo 1

Fundamentos do Direito Internacional Privado

1. Noções introdutórias

O Direito Internacional Privado se ocupa de relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico; ou seja, que transcendem fronteiras nacionais.

O Direito Internacional Privado é um dos ramos do Direito que mais cresce e ganha destaque atualmente. Isso ocorre pois, com o fenômeno da globalização e com os avanços tecnológicos – sobretudo nas comunicações e nos transportes –, o intercâmbio entre entes privados situados em diferentes localidades aumenta a cada dia, e é preciso regular as relações jurídicas advindas de tal realidade. O Direito Internacional Privado pode ser sinteticamente conceituado como o ramo do Direito que se ocupa de regular as relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico. Quando as relações jurídicas se iniciam, produzem efeitos, se encerram em um único ordenamento jurídico e são reguladas por ramos específicos do Direito – como o Direito Civil ou o Direito Empresarial. Mas tais ramos não conseguem cuidar sozinhos das relações que extrapolam as fronteiras tradicionais. Em face disto, surge o Direito Internacional Privado, a fim de auxiliar na regulamentação das relações que não ficam adstritas a uma única ordem jurídica, fato

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este que com o mencionado aparecimento e fortalecimento da globalização vem ocorrendo cada vez com mais frequência. Trata-se de uma disciplina muito próxima do Direito Intertemporal e também do Direito Civil, já tendo sido chamada de Direito Civil Internacional. Hoje em dia são comuns situações em que, por exemplo, pessoas de nacionalidades diferentes se casam e constituem famílias ou contratos são assinados entre empresas localizadas em Estados diferentes ou ainda pessoas que falecem e possuem bens em mais do que um Estado. Todas estas situações necessitam do Direito Internacional Privado para sua regulamentação, pois contam com pelo menos um elemento estrangeiro ou elemento de estraneidade. A existência de um elemento estrangeiro na relação jurídica faz com que se esteja diante de um fato misto. Nas situações em que um fato está submetido totalmente ao ordenamento jurídico nacional, diz-se que se trata de um fato comum. Por oposição, quando um fato se encontra totalmente regulado por um ordenamento estrangeiro, se está diante de um fato estrangeiro. Quando, contudo, a um fato comum se acresce ao menos um elemento estrangeiro, verifica-se a formação de um fato misto, também denominado de fato anômalo, fato multinacional ou fato misto multinacional.

Tipos de fatos Fato comum = fato submetido totalmente ao ordenamento jurídico interno Fato estrangeiro = fato submetido totalmente a ordenamento jurídico estrangeiro ou a ordenamentos jurídicos que não o nacional (fato misto para outros ordenamentos que não o do foro) Fato misto = fato comum + ao menos um elemento estrangeiro

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Nos casos envolvendo elemento estrangeiro e fatos mistos, é preciso saber qual é a normativa aplicável, e isso quem dirá é o Direito Internacional Privado.

Elemento estrangeiro É o aspecto fático que faz com que a relação jurídica envolva um fato misto, deixando de ser um tema a ser resolvido pelo direito interno e passando a ser objeto do Direito Internacional Privado.

O elemento de estraneidade pode vir na nacionalidade da pessoa (razão pela qual os temas da nacionalidade e da condição jurídica do estrangeiro também compõem o objeto do Direito Internacional Privado) ou em algum elemento da relação jurídica: seu sujeito, seu objeto, ou a própria ação.

O elemento estrangeiro pode abranger qualquer parte da relação jurídica, podendo se relacionar às pessoas envolvidas, ao fato ou ao objeto da relação.

Nestes casos, as relações jurídicas poderiam ser, em tese, submetidas a qualquer uma das ordens jurídicas envolvidas, pois todas elas teriam legítimo interesse em regular a situação juridicamente relevante. No entanto, como é logicamente impossível aplicar todas as ordens jurídicas interessadas ao mesmo tempo, surge um concurso de leis ou um concurso de jurisdição que também são objetos do Direito Internacional Privado, ramo do Direito que dirá qual é a jurisdição ou a norma jurídica aplicável àquele caso concreto.

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A palavra concurso é preferível à palavra “conflito”, uma vez que o que existe é a possibilidade de várias soluções em termos de lei aplicável e jurisdição, e não uma disputa entre os países para ver quem pode decidir o caso.

O concurso de leis é considerado o cerne do Direito Internacional Privado, e por isso em alguns Estados a disciplina ganha aquele nome. É preciso, assim, compreender o Direito Internacional Privado a fim de operacionalizar a solução dos conflitos contemporâneos de maneira satisfatória e de regulamentar as situações jurídicas que uma ordem globalizada impõe.

2. Nomenclatura e conceito Assim como ocorre em muitos ramos do Direito, uma das formas de se iniciarem os estudos acerca de uma nova área pode partir da análise de sua denominação. Ocorre que no caso do Direito Internacional Privado existem inúmeros questionamentos acerca de sua nomenclatura. Contudo, a partir das respostas a cada uma destas críticas se percebe com mais nitidez quais são os objetivos e os fundamentos do Direito Internacional Privado. A análise da denominação “Direito Internacional Privado” deve abranger cada uma das palavras que formam a expressão. Neste sentido, inicia-se com a palavra “Direito”. A grande crítica que o Direito Internacional Privado sofre de muitos estudiosos das Ciências Jurídicas é no sentido de se dizer que este não seria Direito. Isto porque estaria mais próximo de uma técnica de solução de concursos (de leis ou de jurisdição), a partir de um método próprio. Tal crítica, todavia, não merece prosperar. Isto porque, ainda que o Direito Internacional Privado traga efetivamente tal técnica a partir de uma estrutura metodológica, ele não se resume exclusivamente a isto.

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Por um lado, tem-se que o Direito Internacional Privado se ocupa de outros temas (como a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro) que não são resolvidos tecnicamente, mas sim por meio de normas jurídicas tradicionais, e a partir de princípios e fundamentos jurídicos. Por outro lado, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, o Direito Internacional Privado tem se tornado mais aberto a valores e princípios de justiça, matizando, assim, seu caráter técnico e a aplicação do método que propõe. Além disso, o Direito Internacional Privado conta com princípios próprios e estabelece diretrizes que são obrigatórias, o que o aproxima muito mais do sistema normativo do Direito do que de uma simples técnica. Neste sentido, pode-se afirmar que o Direito Internacional Privado é, sim, Direito. Quanto à segunda palavra da expressão “Direito Internacional Privado”, verifica-se que a procedência das críticas depende da abordagem utilizada. Isto porque, caso se entenda o “Internacional” da expressão como relativo às fontes do Direito Internacional Privado, a crítica de que ele não seria internacional está adequada. O Direito Internacional Privado tem como suas principais fontes normas internas, produzidas individualmente pelos Estados, no exercício de suas soberanias ou normas nascidas no plano internacional que foram transpassadas para o plano interno por meio da adesão ou da ratificação de tratados internacionais que cuidem de temas típicos do Direito Internacional Privado. Em função de tal fato, ao explanar sobre a matéria, sempre se faz a ressalva de que as normas específicas são de um contexto determinado: normas construídas pelo legislador do país eleito para análise ou por ele aceitas quando autoriza a ratificação ou a adesão mencionadas. É assim que, no Brasil, se ensina Direito Internacional Privado brasileiro, a partir das normas de Direito Internacional Privado estabelecidas ou aceitas pelo legislador pátrio e que devem ser aplicadas pelo juiz. Tais normas encontram-se, sobretudo, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n. 12.376/2010), que alterou o título da antiga Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657/42), no Código de Processo Civil, no Código Penal, na Constituição Federal, no Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80) e

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em esparsos tratados internacionais, especialmente aqueles elaborados em dois foros especializados: a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e as Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado, patrocinadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA). São normas, assim, de cunho e caráter interno; e produzidas, no mais das vezes, sem um condão internacional. Contudo, tal visão do “internacional” no Direito Internacional Privado parece limitada. Caso se tomasse como parâmetro o Direito Internacional Público, verificarse-ia que este pode ser considerado internacional a partir de duas abordagens. A primeira relaciona-se com as suas fontes, que são internacionais por natureza, uma vez que exigem a manifestação de vontades de sujeitos internacionais e que surgem, na maioria das vezes, da aproximação destas vontades. Neste sentido, o Direito Internacional Privado não poderia efetivamente ser entendido como “internacional”. Contudo, o Direito Internacional Público também é “internacional”, pois trata de temas internacionais, de valores compartilhados (JUBILUT; MONACO, 2010). Ou seja, se percebe que o caráter internacional pode advir não apenas das fontes, mas também dos temas tratados pelo ramo do Direito em questão, e neste caso o Direito Internacional Privado é, sim, internacional. Como visto no item 1 deste Capítulo, o Direito Internacional Privado surge a partir da existência de relações com fatos mistos e da necessidade de se regulamentarem tais situações (o que será detalhado no item 4 deste Capítulo). Sendo o fato misto comum acrescido de um elemento estrangeiro, verifica-se que as relações tratadas pelo Direito Internacional Privado são aquelas que extrapolam fronteiras nacionais. Assim, a internacionalidade do Direito Internacional Privado encontra-se no tipo de relação que ele pretende regular, ainda que as fontes para tal sejam internas. Tem-se, deste modo, um direito eminentemente nacional no que diz respeito à sua produção, mas um direito efetivamente internacional no que diz respeito aos objetos de sua regulamentação. Tal fato permite afirmar que as críticas ao “internacional” na expressão “Direito Internacional Privado” são, portanto, inadequadas.

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A última palavra que compõe a tríade da denominação do ramo jurídico que se pretende aqui estudar também precisa ser analisada; e ressalvas precisam ser mencionadas quanto a uma concepção de que se trata de um ramo do Direito totalmente inserido no que se denomina de Direito Privado. Iniciando a análise a partir das relações que são reguladas pelo Direito Internacional Privado, verifica-se que a maioria delas – sobretudo nos casos de concurso de leis – é de cunho privado. Trata-se de questões abrangidas pelo Direito Civil, como direito de família, obrigações e bens; pelo direito empresarial, como sociedades empresárias “multinacionais”; e pelo direito do trabalho, como os contratos individuais de trabalho, por exemplo. Apesar disso, nota-se também que há temas de direito público que são de interesse do Direito Internacional Privado, como a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro, ou, ainda, temas relativos à competência e à jurisdição. Além disso, ramos tradicionalmente identificados com o direito público, como o Direito Tributário e o Direito Penal, acabam por se valer, algumas vezes, das regras do Direito Internacional Privado. Ademais, tem-se que as normas de Direito Internacional Privado são de caráter público: o legislador determina as regras que devem ser aplicadas pelo juiz de ofício; não cabendo, na maioria das vezes, a autonomia típica do Direito Privado. Em face disso, a utilização da palavra “privado” na denominação Direito Internacional Privado deve ser feita entendendo-se que tal adjetivo se relaciona à maioria dos temas tratados por este ramo do Direito, mas que suas normas são de caráter público e que há temas públicos também abrangidos por ele. Assim, verifica-se que a denominação “Direito Internacional Privado” não parece ser a mais adequada. Contudo, ainda não se encontraram alternativas que mais bem descrevam este ramo do Direito, uma vez que as mais defendidas – “Conflito de Leis” e “Direito Civil Internacional”, por exemplo – acabam por deixar de lado parte dos temas trabalhados e regulados por este ramo do Direito. Outras expressões, como direito intersistemático, propostas pela doutrina estrangeira também não se mostram absolutas por revelarem aplicabilidade, também, ao direito intertemporal, que lida com dois sistemas (intersistemático) a partir do eixo temporal.

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Neste contexto, segue-se utilizando a expressão “Direito Internacional Privado”, mas é imperativo que se destaquem os seus aspectos problemáticos, como foi feito neste item.

3. Fundamento geral do direito internacional privado Tendo-se em vista o mencionado nos itens anteriores e a grande abrangência do Direito Internacional Privado, torna-se relevante compreender qual é ou quais são os fundamentos deste ramo do Direito, a fim de entender de maneira mais completa quais são as razões para sua existência, bem como quais são os requisitos para a sua efetivação. No item 1 deste Capítulo, já se mencionou a relação entre o Direito Internacional Privado e o aumento do intercâmbio entre pessoas. Tal aproximação é a base sobre a qual se erige o Direito Internacional Privado, uma vez que se as relações jurídicas não começassem a ultrapassar fronteiras – o que só ocorre a partir deste intercâmbio – elas seriam regidas pelos direitos internos, não sendo necessário um ramo próprio para sua regulação. Assim, pode-se dizer que o fundamento geral do Direito Internacional Privado é a existência de uma maior aproximação entre as pessoas que altera as tradicionais relações jurídicas, as quais passam a produzir efeitos para além das fronteiras nacionais. Se tal aproximação não existir, se as pessoas ficarem sempre adstritas à mesma ordem jurídica, não será necessária a existência do Direito Internacional Privado. Em face disto é que se apontou anteriormente a relevância do fenômeno da globalização para o Direito Internacional Privado, tornando-o cada vez mais essencial para uma completa formação dos juristas. Além dos destaques à aproximação das pessoas e à globalização, é relevante, em um item sobre o Fundamento do Direito Internacional Privado, destacar um tema relacionado à vontade política e jurídica dos Estados: a disposição em relação ao direito estrangeiro. Isto porque, como visto no item 2 deste Capítulo, a maior parte das normas de Direito Internacional Privado tem origem interna; o que faz com que possam existir

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situações em que a norma interna determine a aplicação – direta ou indiretamente – de uma norma estrangeira (como será visto na descrição do método próprio de solução do concurso de leis). Nestes casos, para que as normas de Direito Internacional Privado sejam efetivamente aplicadas, o(s) Estado(s) precisa(m) estar disposto(s) a aplicar normas produzidas por outro(s) Estado(s), ou seja, estar aberto(s) ao direito estrangeiro. É relevante destacar que tal abertura é uma precondição para a efetividade do Direito Internacional Privado, e só irá ocorrer se os Estados se entenderem como parte de um todo, em que as pessoas podem ter relações jurídicas com fatos mistos, e, portanto, não adotarem posturas isolacionistas. Também é importante realçar que o direito estrangeiro somente será aplicado por decisão interna, já que foi o legislador pátrio que estabeleceu as regras a serem aplicadas, não violando tal aplicação, desta maneira, a soberania estatal. Mas tudo isso só faz sentido caso se considere que os sistemas jurídicos materiais dos Estados têm origem na vontade política de seus agentes. Assim, cada Estado, dotado de uma vontade política diferente da de seus vizinhos, estabelece um direito material com conotações locais, adaptado à realidade social daquele Estado para o qual a norma se destina. É verdade que tais vontades políticas podem ser muito próximas. Assim, por exemplo, o direito das obrigações é muito semelhante quando se comparam as disposições normativas de dois Estados soberanos distintos, ainda que suas relações sejam esparsas. Assim, em que pese haver baixo intercâmbio entre o Burundi e o Brasil, por exemplo, muito provavelmente as normas obrigacionais de ambos os Estados serão assemelhadas. Trata-se de requisito latente à necessidade de intercâmbio comercial entre os Estados. De outra parte, questões mais próximas aos valores sociais, como é o caso das relações familiares, quando comparadas, merecerão provavelmente tratamento bastante diverso nos mesmos Estados citados. Nesse sentido, eventual direito uniforme que viesse a se estabelecer entre certos Estados lançaria por terra a necessidade do Direito Internacional Privado entre eles. É que, na prática, tanto faria aplicar o direito material de “A” (Lei n. xx/2011)

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ou o direito material de “B” (Lei n. yy/2011), se suas disposições fossem uniformes, ou seja, as mesmas quanto à previsão de sua hipótese e de sua consequência. Pelo exposto, verifica-se que o Direito Internacional Privado é um direito da proximidade entre os sistemas jurídicos (e, nesse sentido, de suas realidades sociais, políticas, culturais e econômicas) e da tolerância (GOLDSCHMIDT, 1977) que entre eles se estabelece quanto à eventual diversidade de tratamento de determinadas matérias.

Fundamentos do Direito Internacional Privado Fundamento sociológico = mais aproximação/intercâmbio entre as pessoas Fundamento jurídico = fatos próximos a mais do que um ordenamento jurídico Requisito = abertura dos Estados a outros ordenamentos jurídicos

4. Gênese e desenvolvimento histórico do direito internacional privado Se, como mencionado acima, o Direito Internacional Privado pode ser entendido como um direito da proximidade e da tolerância para com o diferente; sempre que dois ou mais ordenamentos jurídicos se tocarem, pode-se dizer que há espaço para o Direito Internacional Privado. Em face disso, tem-se que desde o Império Romano há um germe do Direito Internacional Privado, uma vez que lá existiam inicialmente dois sistemas jurídicos: um que se aplicava nas relações entre cidadãos, e outro entre os estrangeiros. Quando se passou a entender os estrangeiros como pessoas e não como coisas, surgiu a possibilidade de relações mistas (entre cidadão e estrangeiro), que precisavam ser reguladas.

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Aparece então a dúvida sobre qual sistema jurídico aplicar a estas relações, e para solucionar tal situação criou-se um terceiro sistema. Alguns dizem que está aqui o embrião do Direito Internacional Privado. Contudo, a solução romana focava o direito material e privilegiava o cidadão; fundado em normas diretas, o que, como visto no item 2 deste Capítulo, não ocorre com o Direito Internacional Privado. No entanto, é inegável que os romanos tenham detectado o problema. Apenas lhe emprestaram, àquela época, solução diversa da que hoje se aplica. Estabeleceram um conjunto normativo material específico para as relações mistas, ao passo que, hoje, como se verá, prefere-se estabelecer normas que localizem a relação mista geograficamente, submetendo-a a um sistema considerado, naquele caso, o mais próximo. O Direito Internacional Privado só vai surgir, com essa configuração, no século XIII, em função da aproximação de sistemas jurídicos acarretada pelo desenvolvimento do comércio nas feiras comerciais. Com o fim do Império Romano e o advento da Idade Média, o Direito se tornou especializado, local e regido pelo princípio da territorialidade.

O Direito Internacional Privado surge no século XIII a partir da maior circulação de pessoas e ligado à ideia de territorialidade que gerava concurso de leis.

O direito romano recebido era interpretado e aplicado em cada localidade com nuances específicas, algo que não ocorria quando havia certa centralização política institucional, perdida com a fragmentação medieval. E, quando das feiras comerciais havidas na transição para a Idade Moderna, passou a haver a aproximação de vários sistemas jurídicos entre os comerciantes e à sua volta em decorrência da aproximação das pessoas.

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Passaram a surgir conflitos que precisavam ser solucionados, mas que poderiam ser regidos por sistemas jurídicos diferentes. Exemplo: um comerciante de vinhos vindo do que hoje é uma cidade da França entra em um contrato com um comerciante de trigo vindo do que hoje é uma cidade da Alemanha, em uma feira realizada no que hoje é uma cidade da Itália, do que decorre um conflito. Em face disso surge a pergunta sobre qual sistema jurídico (francês, alemão ou italiano) solucionará a questão. Inicialmente não havia resposta para este problema, mas, a partir da atuação da doutrina, uma série de regras destinadas a solucionar estes concursos de leis será criada; dando origem ao que hoje se denomina Direito Internacional Privado. Com efeito, nas então nascentes Universidades do continente europeu, os docentes da época foram confrontados com a situação prática vivenciada a partir das feiras e provocados a dar-lhe solução. Como essa solução não existe nas fontes romanas então recuperadas, foi necessário criar, a partir de fragmentos das fontes, uma nova realidade. O trabalho dos glosadores e pós-glosadores foi, assim, essencial para o surgimento do Direito Internacional Privado em conformação próxima àquela que conhecemos hoje. Conhecidos como estatutários, salientem-se nomes como Bártolo de Saxoferrato, Baldo de Ubaldis e Cino Di Pistoia (Escola Estatutária Italiana – séculos XIV a XVI), Dumoulin e D’Argentré (Escola Estatutária Francesa – séculos XVI a XVIII), e Hüber e os irmãos Vöet (Escola Estatutária Holandesa – séculos XVII). A partir do século XIX, o Direito Internacional Privado ganha novo impulso e assume forma mais próxima ao modelo atual graças a Savigny, Mancini e Story.

5. Objeto Em função do mencionado no item anterior, verifica-se que o Direito Internacional Privado surge a partir da necessidade de se solucionarem concursos de leis. E, em face de tal relacionamento intestinal, a doutrina considera o concurso de leis como o principal objeto do Direito Internacional Privado. Contudo, para a maioria doutrinária, não é ele o único. O tema do(s) objeto(s) do Direito Internacional Privado não é consensual na doutrina; tanto que existem três correntes consagradas sobre a questão.

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A primeira corrente é a alemã, que apresenta o concurso de leis como sendo o único objeto do Direito Internacional Privado. Tal fato se justifica pois, como mencionado, o concurso de leis está na base do surgimento do Direito Internacional Privado e segue sendo seu principal objeto. Contudo, tal corrente parece limitar sobremaneira a aplicação do Direito Internacional Privado em um mundo globalizado. A segunda corrente expande a primeira ao acrescer o concurso de jurisdição como objeto do Direito Internacional Privado. Trata-se da corrente anglo-saxã, e tal expansão se justifica principalmente em face da estruturação jurídica americana. Isto porque os Estados Unidos se organizam em uma federação em que os Estados da União possuem grande força e têm competências jurídicas delimitadas, não somente em relação à União, mas também em relação aos demais Estados, a partir da ideia de territorialidade. Em face disto, em caso de relações jurídicas que extrapolem as fronteiras estaduais, antes de solucionar o concurso de leis é preciso definir qual Estado tem competência para decidir a questão. Ou seja, antes de se definir a lei aplicável é preciso solucionar o concurso de jurisdição. Assim, a corrente anglo-saxã não consegue conceber o concurso de leis como o único objeto do Direito Internacional Privado sem também incluir o concurso de jurisdição. A terceira corrente é a que apresenta maior abrangência, apontando quatro objetos como sendo englobados pelo Direito Internacional Privado. Trata-se da corrente francesa, que, ao lado do concurso de leis e do concurso de jurisdição, elenca a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro como objetos deste ramo do Direito. A corrente francesa parece objetivar incluir todas as relações jurídicas que extrapolam fronteiras e produzem efeitos em mais do que um ordenamento jurídico como objetos do Direito Internacional Privado. Neste sentido, inclui os temas correlatos da nacionalidade e da condição jurídica do estrangeiro, que, para além de seus vieses públicos, podem ter influência nas relações privadas das pessoas. Tal corrente parece ser a mais adequada ao momento atual do Direito Internacional Privado, em que o fluxo de pessoas ao redor do mundo é intenso e os temas do tratamento do estrangeiro e da nacionalidade produzem cada vez mais reflexos.

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A corrente francesa sobre os objetos do Direito Internacional Privado é a que encontra mais guarida pelos juristas no Brasil, não somente em função de sua abrangência, mas também em razão da forte influência que a Ciência Jurídica francesa possui na formação da Ciência Jurídica nacional. Em face destes dois motivos, mas também em função de o objetivo da presente obra ser o de fornecer substratos para a compreensão o mais completa possível da atual situação do Direito Internacional Privado, é que se adota a teoria francesa em relação ao objeto do Direito Internacional Privado. Neste sentido, os Capítulos seguintes se ocuparão de analisar cada um dos quatro objetos do Direito Internacional Privado. Em sendo o concurso de leis o objeto mais consensual e, ainda hoje, o mais relevante do Direito Internacional Privado, terá o mesmo tratamento amplo e aparecerá após a análise dos outros três objetos.

Objetos do Direito Internacional Privado Escola alemã = Concurso de leis Escola anglo-saxã = Concurso de leis + Concurso de jurisdição Escola francesa (adotada no Brasil) = Concurso de leis + Concurso de jurisdição + Nacionalidade + Condição jurídica do estrangeiro

Capítulo 2

Nacionalidade

1. Noções introdutórias Tendo-se optado por adotar a corrente francesa em relação aos objetos do Direito Internacional Privado, faz-se necessário abordar a temática da nacionalidade. O tema da nacionalidade é tratado por vários ramos do Direito. Por exemplo, é relevante para o Direito Constitucional, que em geral traz as regras de cada Estado sobre aquisição e perda da nacionalidade; e é significativo para o ramo do Direito Internacional Público, uma vez que, por um lado, auxilia a definir critérios de alteridade, entre os nacionais e os estrangeiros, e, por outro, foi durante séculos a base para a proteção dos seres humanos por este ramo do Direito (JUBILUT; MONACO, 2010). Também é importante para o Direito Internacional Privado, pois, se por um lado é um dos objetos deste tema, por outro é um dos mais tradicionais elementos de conexão, que são indispensáveis para a solução dos concursos de leis, como se verá no Capítulo 5, tendo sido, inclusive, o elemento de conexão do sistema brasileiro até 1942. Em face disto, é relevante entender os temas fundamentais da nacionalidade, começando por seu conceito. Em geral define-se a nacionalidade como o vínculo político-jurídico que une o indivíduo ao Estado (JUBILUT; MONACO, 2010). Ou seja, trata-se de conceito para além do jurídico, que irá permitir o surgimento de direitos e deveres para o indivíduo, mas também que permitirá que este faça parte de uma comunidade mais ampla e juridicamente relevante: o Estado. Neste sentido, é relevante apontar os critérios para a aquisição e perda da nacionalidade, uma vez que ambos os fenômenos geram reflexos jurídicos e políticos (ou, em um sentido mais amplo, sociológicos) para o indivíduo.

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A aquisição da nacionalidade diz respeito ao fenômeno pelo qual um Estado atribui sua nacionalidade a um indivíduo. Trata-se assim de ato estatal, ligado a sua soberania, pois compete a cada Estado definir qual (ou quais) critério(s) será(ão) utilizado(s) para a concessão de sua nacionalidade. A concessão da nacionalidade é, desta feita, um ato discricionário em termos dos critérios a serem escolhidos pelos Estados. Contudo tal discricionariedade não é plena, uma vez que há limites (i) em relação aos casos em que os critérios sejam preenchidos e (ii) em relação ao reconhecimento da nacionalidade por terceiros. No que diz respeito ao preenchimento de critérios, verifica-se que os Estados têm discricionariedade para adotar os critérios que acharem oportunos e convenientes para a concessão de sua nacionalidade, mas, uma vez adotados, se forem preenchidos pelo indivíduo, a nacionalidade deverá ser concedida. Tal postura visa eliminar condutas discriminatórias por parte dos Estados e assegurar que os critérios adotados tenham aplicação geral. Já no que se refere ao reconhecimento da nacionalidade por terceiros, nota-se que a partir do caso Nottebohm, julgado pela Corte Internacional de Justiça em 1955, tal reconhecimento só é devido caso exista um vínculo social efetivo entre o indivíduo e o Estado. O caso Nottebohm envolveu uma disputa entre Liechtenstein e a Guatemala. O Sr. Nottebohm era nacional da Alemanha e estava morando na Guatemala, quando este país decidiu impor penalidades pecuniárias aos nacionais alemães. O Sr. Nottebohm recorreu então a Liechtenstein, que lhe concedeu sua nacionalidade mesmo não havendo vínculos com o país. A Guatemala alegou que estava havendo tentativa de fraude à lei (ver Capítulo 5) e não reconheceu a atribuição da nacionalidade feita por Liechtenstein. A Corte Internacional de Justiça entendeu que Liechtenstein poderia conceder sua nacionalidade a quem quisesse, mas que para que tal concessão produzisse efeitos para terceiros era necessário que existisse um vínculo social efetivo entre o Estado e o indivíduo, a partir do que tal requisito passou a ser obrigatório no Direito Internacional. A atribuição da nacionalidade pode derivar do nascimento do indivíduo, quando se está diante da nacionalidade originária do Estado (sendo a pessoa considerada “nata”), ou decorrer de um ato de vontade coadunado com o procedimento

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específico, quando se tem a nacionalidade derivada (e sendo a pessoa considerada “naturalizada”). Este ato de vontade pode ser espontâneo do indivíduo que deseja a naturalização ou pode derivar da vontade estatal, em geral a partir de imposição legal. Já a perda da nacionalidade ocorre quando, após ser titular desta, o indivíduo tem-na retirada pelo Estado. Tal prática atualmente somente pode ocorrer a partir de critérios legais previamente definidos, objetivando-se com isso eliminar critérios políticos e discricionários para a retirada da nacionalidade, o que já foi muito comum na história, por exemplo, durante a existência do nazismo na Alemanha. Esta limitação da perda da nacionalidade se relaciona com a intenção da comunidade internacional de evitar os casos de apatridia, ou seja, de pessoas que não possuem nenhuma nacionalidade. Os apátridas podem existir da combinação de critérios de atribuição da nacionalidade adotados pelos Estados (como se verá no item 2 deste Capítulo), mas podem ocorrer também em função de políticas estatais de retirada de nacionalidade, como mencionado. O apátrida não se encontra vinculado juridicamente a nenhum Estado, o que dificulta sobremaneira a sua proteção por meio da ação estatal (a chamada proteção diplomática). Neste caso a sua proteção compete à comunidade internacional como um todo, e, no que se refere a direitos vinculados à nacionalidade – sobretudo os direitos humanos –, passam estes a ser regidos pelo local de sua residência habitual. A fim de evitar tal situação, a comunidade internacional estabeleceu, em 1954, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e, em 1961, a Convenção sobre Redução da Apatridia, que impõem a responsabilidade de proteção aos apátridas a toda a comunidade internacional e também limitam a possibilidade de retirada da nacionalidade pelos Estados, uma vez que propugnam pelo fim da apatridia. Verifica-se, assim, que, ainda que seja um tema afeto à soberania estatal, a nacionalidade conta cada vez mais com regras que delimitam a sua aplicação. Neste sentido, faz-se mister analisar os critérios para a aquisição e a perda da nacionalidade, sobretudo no que diz respeito ao Brasil.

2. Critérios de atribuição da nacionalidade

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Como visto no item 1 deste Capítulo, existem dois tipos de nacionalidade: a originária e a derivada. Para cada tipo de nacionalidade existem critérios para atribuição; bem como de cada nacionalidade decorrem direitos e deveres específicos. No que diz respeito à nacionalidade derivada, verifica-se que os critérios de atribuição mais frequentes são os relacionados à permanência regular no território do Estado (por meio do determinado ius domicilii), os relativos ao exercício de alguma função para o Estado (por meio do chamado ius laboris), ou ainda a imposição legal (seja em função do casamento, seja em função da origem étnica ou ainda para exercer alguns direitos), sendo permitido a cada Estado estabelecer os critérios que achar mais oportunos. No caso do Brasil, as bases para a naturalização se encontram no artigo 12, inciso II, da Constituição Federal, que impõe em suas alíneas a e b os requisitos para tal, caso se trate de pessoa que venha de país de língua portuguesa ou não. Para os estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa que queiram adquirir a nacionalidade brasileira é exigida a “residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral” (CF, art. 12, II, a). Já para os demais estrangeiros que queiram adquirir a nacionalidade brasileira é exigida residência “há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação penal” (CF, art. 12, II, b). Em ambos os casos é necessária a conjugação de requisitos objetivos (residência ininterrupta) e subjetivos (idoneidade moral ou ausência de condenação criminal) (JUBILUT; MONACO, 2010). É importante destacar que, ao mencionar residência, a CF não exige estada ininterrupta, destacando-se que aquela enseja um vínculo mais formal do que a simples presença no território. Isto permite que o estrangeiro tenha se ausentado do Brasil, desde que não tenha alterado sua residência. Além dos requisitos básicos estabelecidos pela CF, a Lei n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) traz outros requisitos. O artigo 112 deste diploma legal impõe como condições para a naturalização: I – capacidade civil, segundo a lei brasileira; II – ser registrado como permanente no Brasil; III – residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização; IV – ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; V – exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção

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própria e da família; VI – bom procedimento; VII – inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e VIII – boa saúde. Para que ocorra a naturalização, o estrangeiro deve solicitá-la à Justiça Federal, que decidirá pela concessão ou não de uma habilitação para a naturalização. A decisão final, contudo, será tomada pelo Ministro da Justiça que herdou a competência do Presidente da República por delegação (arts. 111, 115 e 117 do Estatuto do Estrangeiro, alterado pela Lei n. 6.964/81). Ao se incluir o Poder Executivo no procedimento, verifica-se que há margem para juízos de conveniência e oportunidade políticos, o que fica claro pelo estabelecido no artigo 121 do Estatuto do Estrangeiro: “A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à naturalização”. Uma discricionariedade tão ampla assim, contudo, precisa ser revista e criticada, uma vez que, como mencionado, existem padrões internacionais que regulam o tema da nacionalidade que precisam ser respeitados. Mas, além disso, se existe uma legislação interna sobre o tema, com critérios estabelecidos, não se pode simplesmente ignorá-la. Os naturalizados têm em geral os mesmos direitos dos natos, e o ideal é que qualquer distinção seja feita tão-somente a partir das previsões constitucionais, como é o caso do Brasil (CF, art. 12, §§ 2º e 3º). Já no que diz respeito à nacionalidade originária, têm-se dois critérios tradicionais de atribuição: o ius solis (jus solis) e o ius sanguinis (jus sanguinis). O ius solis é o critério de atribuição de nacionalidade originária pelo qual o indivíduo recebe a nacionalidade do Estado em cujo território nasceu. É assim baseado no fato do nascimento. Se a pessoa nasce no território do Estado, será nacional deste, independentemente da nacionalidade de seus pais. Se, contudo, nasce fora do Estado, será considerado estrangeiro. O ius sanguinis é o critério de atribuição de nacionalidade originária pelo qual a nacionalidade do ascendente se transmite para o descendente independentemente do local do nascimento. É, deste modo, baseado na consanguinidade.

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O critério ius sanguinis era o critério tradicionalmente adotado pelos Estados de emigração, que visavam manter um vínculo com os descendentes de seus nacionais que deixavam o seu território e iam se estabelecer em outros Estados. O critério ius solis, por seu turno, era o critério tradicionalmente adotado pelos Estados de imigração, que objetivavam estabelecer um vínculo mais forte com os indivíduos que ali nasciam e também uma base ampla de nacionais.

Atribuição da nacionalidade originária Ius solis = critério territorial/local do nascimento Ius sanguinis = critério familiar/nacionalidade dos ascendentes (em geral diretos)

Historicamente, os Estados tendiam a optar por um dos dois critérios, no que se poderia denominar “sistemas puros”; contudo, atualmente vem-se verificando a tendência de se adotar um sistema misto, em que possam conviver os dois critérios. Uma das razões apontadas para tal é a tentativa de se evitar a situação de apatridia, que como visto significa a ausência de nacionalidade. Tal situação poderia ocorrer com frequência em casos de sistemas puros, caso a pessoa fosse descendente de nacionais de Estado(s) ius solis mas nascesse no território de um Estado ius sanguinis. Nesta situação, não obteria nem a nacionalidade do(s) Estado(s) de seus pais, por não ter nascido no território daqueles, nem a nacionalidade do território em que de fato nasceu, uma vez que este somente atribui nacionalidade para os descendentes de seus nacionais. Por exemplo, imagine-se que o Estado A adota a regra ius solis e o Estado B a regra ius sanguinis, e que tenhamos um menino filho de pais nacionais do Estado A que nasce no Estado B. Ele terá a nacionalidade de A? Não, por não ter nascido em seu território. E a nacionalidade de B? Também não, pois não é filho de nacionais do Estado B. Será, assim, apátrida.

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A fim de evitar tal situação, além da adoção de critérios mistos englobando regras afeitas aos dois critérios, verifica-se a existência de documentos internacionais propugnando pela adoção geral do critério ius solis, o que não precisa ser feito de maneira exclusiva. Exemplo de tal situação é o artigo 20 (2) da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que propugna pela adoção da nacionalidade do local do nascimento quando a pessoa não tiver direito a outra nacionalidade. A lógica por trás de tais dispositivos é a de que ao se adotar que toda pessoa terá direito à nacionalidade do local onde nasceu, e estando vedada a retirada arbitrária da nacionalidade, não mais se terá o surgimento de apátridas. A combinação dos critérios ius solis e ius sanguinis pode produzir o efeito contrário da apatridia enquanto ausência de nacionalidade, qual seja a polipatridia que ocorre quando há dupla ou plúrima concessão de nacionalidades a uma mesma pessoa. A visualização de tal fenômeno fica mais clara se, utilizando o exemplo acima mencionado, invertermo-no tanto teórica quanto praticamente. A polipatridia pode ocorrer caso a pessoa fosse descendente de nacionais de Estado(s) ius sanguinis, mas nascesse no território de um Estado ius solis. Nesta situação, obteria a nacionalidade do(s) Estado(s) de seus pais, já que esta é transmitida em função da nacionalidade dos ascendentes, e também a nacionalidade do território em que de fato nasceu, uma vez que este atribui nacionalidade para aqueles que nascerem em seu território. Por exemplo, imagine-se que o Estado A adota a regra ius sanguinis e o Estado B a regra ius solis, e que tenhamos um menino filho de pais nacionais do Estado A que nasce no Estado B. Ele terá a nacionalidade de A? Sim, por ser filho de nacionais do Estado. E a nacionalidade de B? Também sim, por ter nascido em seu território. Será, assim, polipátrida. Pensando-se em termos de proteção, tem-se que o polipátrida goza da proteção diplomática de tantos Estados quantas forem as suas nacionalidades. No que diz respeito aos Estados que têm a nacionalidade como elemento de conexão, as situações de polipatridia têm sido resolvidas, no mais das vezes, a partir da adoção de um elemento de conexão subsidiário: a residência habitual. Assim,

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alguém que seja brasileiro e português, por exemplo, e resida habitualmente na França, será regido pela lei francesa (da residência habitual), e não pela lei brasileira ou portuguesa, o que ocorreria, todavia, se o indivíduo fosse nacional de apenas um desses Estados. Atualmente, a maioria dos Estados aceita a polipatridia relacionada à nacionalidade originária, o que é o caso do Brasil, como se passa a analisar. O sistema de atribuição da nacionalidade no Brasil está disciplinado na Constituição Federal em seu artigo 12 e filia-se à corrente dos sistemas mistos para a nacionalidade originária. A base para a nacionalidade brasileira é o ius solis, tanto em função do movimento internacional em prol da adoção de tal critério quanto em razão da tradição do sistema brasileiro. Em face disso são considerados brasileiros natos “os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país” (CF, art. 12, I, a). Trata-se de regra tradicional de ius solis, mas com o respeito à soberania estrangeira, uma vez que aqueles que estão a serviço de seu país, caso tenham filhos, quase que unanimemente passarão sua nacionalidade para eles. Tal regra é a adotada pelo Brasil, que também entende como natos “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil” (CF, art. 12, I, b). Considera-se que uma pessoa está a serviço do Brasil de maneira ampla, englobando os servidores públicos, os comissionados, os nomeados para atividade ad hoc de representação, mas excluindo-se funcionários de empresas privadas, ainda que prestem serviços relevantes à população brasileira (JUBILUT; MONACO, 2010). Além destas duas hipóteses, o Brasil outorga a nacionalidade originária aos filhos de pai e/ou mãe brasileiros nascidos no exterior “desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira” (CF, art. 12, I, c). Trata-se, assim, de hipótese dupla, pela qual ou se procede ao registro no exterior ou é necessária a residência no Brasil e a solicitação da nacionalidade originária. Tal duplicidade tem uma explicação histórica.

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O texto original da CF previa a possibilidade de registro no exterior, mas tal hipótese foi revogada com a revisão constitucional em 1994, sob a argumentação de que se estaria permitindo a atribuição de nacionalidade brasileira a pessoas que poderiam não possuir quaisquer vínculos com o Brasil, além de terem ascendentes brasileiros. Tal situação, contudo, gerou a possibilidade de filhos de brasileiros ficarem em um limbo jurídico, uma vez que muitas vezes nasciam em Estados que adotavam apenas o ius sanguinis e, portanto, não adquiriam a nacionalidade destes, mas enquanto não viessem residir no Brasil e optar pela nacionalidade brasileira ficavam apátridas. Surgiu, então, o movimento em prol dos “Brasileirinhos Apátridas”, que originou a Emenda Constitucional n. 54, de 2007, que resgatou a possibilidade de atribuição da nacionalidade pelo simples registro de nascimento no exterior junto à repartição brasileira competente. Estima-se que tal emenda tenha beneficiado mais de 200 mil crianças, uma vez que teve efeito retroativo até a alteração constitucional de 1994.

Nacionalidade no Brasil Para sintetizar, pode-se dizer que atualmente o Brasil combina critérios ius solis e ius sanguinis, no artigo 12 da CF, e que podem ser considerados brasileiros natos: os nascidos no Brasil, desde que seus pais não estejam a serviço de seu país; os nascidos no exterior de pai/mãe brasileiro desde que a serviço do Brasil; e os nascidos no exterior de pai/mãe brasileiro desde que registrado na repartição brasileira competente; ou que venha a residir no Brasil e opte pela nacionalidade brasileira após atingida a maioridade.

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3. Critérios de perda da nacionalidade Assim como os Estados têm discricionariedade para atribuir sua nacionalidade, também o têm para determinar os casos de perda da nacionalidade, seja ela derivada ou originária. Tais critérios, contudo, assim como os da aquisição da nacionalidade, devem estar estabelecidos a priori e ser aplicados de maneira não discriminatória. Ademais, os Estados devem atentar para suas obrigações internacionais, sobretudo, para evitar a apatridia. Até recentemente, qualquer aquisição de outra nacionalidade era considerada uma causa para perda da nacionalidade pela maior parte dos Estados. Era assim que muitas vezes a mulher perdia sua nacionalidade originária ao se casar com um estrangeiro, já que por imposição legal acaba adquirindo a nacionalidade do marido. Contudo, como mencionado ao se falar da polipatridia, os Estados estão mais abertos a aceitar outras nacionalidades, sem que se perca a nacionalidade originária. Tal abertura, todavia, não é indiscriminada, mas segue critérios legais claros. No caso do Brasil, a aquisição de outra nacionalidade é motivo de perda da nacionalidade brasileira, conforme o disposto no artigo 12, § 4º, da CF. Isto, contudo, não ocorre quando forem casos “a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; ou b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”. Ainda no caso do Brasil, de acordo com informações do Ministério da Justiça, tem-se evitado retirar a nacionalidade brasileira, e só decretar a sua perda em casos extremos ou de solicitação direta da pessoa, dada a relevância do tema da nacionalidade para o Direito como um todo. Tal cuidado também é verificado no caso da perda da nacionalidade derivada, que é regulamentada por cada Estado de acordo com sua legislação interna, respeitando-se a existência de critérios não discriminatórios e definidos a priori.

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No caso brasileiro, a base para perda da nacionalidade derivada encontra-se no artigo 12, § 4º, I, da CF, e abrange os casos de brasileiro que “tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional”. Esta norma é criticada pelo caráter subjetivo de “interesse nacional” e “atividade nociva”, muito frequente no Estatuto do Estrangeiro, que foi elaborado ainda durante a Ditadura Militar. Verifica-se, pelo exposto, que a perda da nacionalidade somente deve ocorrer em casos graves e preestabelecidos, propugnando-se, sempre que possível, pela manutenção da nacionalidade.

Capítulo 3

Condição Jurídica do Estrangeiro

1. Noções introdutórias Como corolário, ou até mesmo um contraponto, do tema da nacionalidade, tem-se a questão do tratamento do estrangeiro, uma vez que este pode ser entendido pela ótica do Estado como todo aquele que não é seu nacional. Este tratamento tem o nome técnico de “condição jurídica do estrangeiro”. A condição jurídica do estrangeiro abrange todos os temas relativos ao estrangeiro enquanto tal, abarcando seus direitos e deveres durante os momentos de relacionamento com um Estado que não o de sua nacionalidade. Para efeitos didáticos, pode-se dividir este relacionamento em três etapas: 1) o momento da entrada do estrangeiro no Estado; 2) o período da estada do estrangeiro no Estado; e 3) o momento da saída do estrangeiro do Estado. Em cada um destes momentos é importante destacar os temas de maior relevo.

2. Entrada do estrangeiro No que diz respeito à entrada do estrangeiro no Estado, o tema de maior relevo vem a ser a necessidade de uma autorização para tal, que se desdobra na situação prática de se verificar se, sendo tal autorização necessária, o estrangeiro a possui. Trata-se do tema dos vistos de entrada. A exigência de vistos de entrada é uma prerrogativa dos Estados, que podem exercê-la ou não em relação a outros Estados. Tal exercício depende de uma série de fatores, como questões políticas, econômicas, culturais, de migração e de segurança. Como tais questões variam de Estado para Estado, verifica-se que um Estado pode exigir vistos dos nacionais de um conjunto de Estados e não o fazer para outro conjunto.

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Em geral os Estados adotam o critério da reciprocidade, e, se um Estado exige visto de seus nacionais – por quaisquer razões –, ele exigirá visto de entrada dos nacionais desse Estado. Os programas de isenção de visto (visa waivers) vêm ganhando espaço em prol da aproximação entre os povos e em função do aumento das características de segurança dos documentos de viagem – sobretudo os passaportes –, mas os vistos de entrada continuam sendo uma realidade para várias pessoas em relacionamento com Estados estrangeiros. Por ser a exigência de visto considerada um ato relativo à soberania (um ato de império), esta abordagem diferenciada não é considerada discriminatória. Contudo, existem limites relacionados aos vistos de entrada. Devem existir critérios objetivos e aplicados de maneira generalizada para a concessão dos vistos de entrada. Assim, se ficar determinado que os nacionais do Estado X precisam de um visto para entrar no Estado Y, todos os nacionais daquele devem ser submetidos aos mesmos critérios. Tais critérios geralmente envolvem a comprovação de que (i) o estrangeiro não pretende imigrar de maneira irregular para o outro Estado – e para tanto se exigem comprovantes de vínculos com o Estado de origem, como trabalho, bens, familiares etc. –, (ii) de que o estrangeiro não se tornará um ônus financeiro ao Estado que visita – e neste caso tal comprovação se dá por meio de elementos econômicos e financeiros, e (iii) de que o estrangeiro não será uma ameaça à segurança do Estado. Desde que aplicados de maneira não discriminatória e geral, os Estados podem exigir tais comprovações. Uma vez obtido o visto de entrada, o acesso ao Estado estrangeiro não está assegurado. Isto porque o visto é uma expectativa de direito, e não um direito de acesso em si. Na prática isso significa que o estrangeiro passará pelo menos por duas etapas antes da entrada no território do Estado: 1) a triagem para a concessão do visto e 2) a triagem quando chegar a um porto de entrada e for tentar o efetivo acesso ao Estado estrangeiro. Nesta segunda etapa, verificar-se-á se, sendo necessário, o estrangeiro tem o visto de entrada concedido, e se farão análises complementares. Caso o visto seja necessário e o estrangeiro não o possua, a entrada no território do Estado será vetada;

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mas caso o tenha, tal fato por si só não garante a entrada (JUBILUT; MONACO, 2010). Cada Estado pode estabelecer quais os tipos de visto que concederá. O Brasil traz o elenco de seus vistos no artigo 4º do Estatuto do Estrangeiro, logo após mencionar no artigo 3º que “A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão sempre condicionadas aos interesses nacionais”. De acordo com o artigo 4º, o estrangeiro que quiser entrar no Brasil pode obter os vistos: I – de trânsito; II – de turista; III – temporário; IV – permanente; V – de cortesia; VI – oficial; e VII – diplomático. Os artigos seguintes do Estatuto do Estrangeiro trazem as principais características dos vistos concedidos pelo governo brasileiro. O visto de turista é descrito no artigo 9º e é concedido “ao estrangeiro que venha ao Brasil em caráter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de atividade remunerada”. O prazo máximo deste tipo de visto é de cinco anos (art. 12), mas na prática é em geral concedido por até 90 dias, renováveis pelo período igual ao anteriormente concedido. O visto de trânsito é regulado pelo artigo 8º e é aplicado ao “estrangeiro que, para atingir o país de destino, tenha de entrar em território nacional”. O prazo máximo deste tipo de visto é de 10 dias (art. 8º, § 1º). O visto temporário aparece no artigo 13 e tem como hipóteses os casos de estrangeiros que venham ao Brasil: “I – em viagem cultural ou em missão de estudos; II – em viagem de negócios; III – na condição de artista ou desportista; IV – na condição de estudante; V – na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro; VI – na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira, e VII – na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa”. O visto temporário tem prazos variados, estendendo-se de 90 dias (no caso dos incisos I e III) a um ano (inciso V), ou ainda pelo prazo que durarem as atividades nos demais incisos (art. 14). O visto de permanente pode ser concedido ao estrangeiro “que pretenda se fixar definitivamente no Brasil”. Tal visto é regulado nos artigos 16 a 18, mas também se submete a quesitos estipulados pelo Conselho Nacional de Imigração.

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Os vistos de cortesia, diplomático e oficial são de competência do Ministério das Relações Exteriores, de acordo com o artigo 19 do Estatuto do Estrangeiro. O visto de cortesia é concedido a pessoas relevantes para o cenário e a política internacional mas que não estejam diretamente ligadas a um Estado estrangeiro. Neste sentido se difere dos vistos diplomático e oficial, uma vez que aquele é concedido aos membros do corpo diplomático de Estado estrangeiro, e este é concedido para representantes do Estado estrangeiro, mas fora do corpo diplomático de carreira (JUBILUT; MONACO, 2010). Assim como há o elenco dos tipos de vistos concedidos pelo Brasil, também são listados pela Lei n. 6.815/80 os casos nos quais os vistos não podem ser concedidos. Estas situações são as das hipóteses previstas no artigo 7º e incluem: I – menor de 18 (dezoito) anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a sua autorização expressa; II – considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais; III – anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada; IV – condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira; ou V – que não satisfaça às condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Cumpre destacar mais uma vez que o Estatuto do Estrangeiro data do período da ditadura, o que explica a linguagem utilizada e a limitação dos ideais humanitários e de proteção da pessoa humana, verificados, por exemplo, nos casos de impedimento da concessão de visto. Há anos tem-se um projeto de lei propondo uma nova Lei de Migrações tramitando no Congresso Nacional, e se espera que esta apresente um maior diálogo com o Direito Internacional Público, permitindo um equilíbrio entre os interesses nacionais e a necessidade de proteção de alguns estrangeiros migrantes. Este equilíbrio parece ter sido encontrado a partir da ampliação da interpretação dos direitos e deveres que os estrangeiros possuem quando estão no Brasil. Este tema é a base para a análise do período da estada do estrangeiro em um território estrangeiro.

3. Estada do estrangeiro Em geral os estrangeiros possuem direitos e deveres quando estão em um Estado estrangeiro, que não coincidem com os direitos dos nacionais. Tal fato

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justifica a necessidade de se saber quem são os nacionais e quem são os estrangeiros de um Estado, até porque os integrantes de ambos os grupos compõem a população de um Estado (JUBILUT; MONACO, 2010). No que diz respeito aos deveres, cada grupo pode ter regulamentações específicas. É assim que em geral os estrangeiros não têm o dever de se alistar no exército, mas podem ter o dever de pagar impostos e sempre têm os deveres relacionados à sua condição de estrangeiro – como o dever de respeitar as regulamentações específicas de seu tipo de visto (JUBILUT; MONACO, 2010). Tal situação também ocorre em termos de direitos, quando, em geral, os nacionais têm direitos mais amplos do que os estrangeiros, como, por exemplo, os direitos políticos, que são comumente limitados em caso de estrangeiros. Tal diferenciação, contudo, como visto no Capítulo 2, deve ter bases legais claras e estabelecidas aprioristicamente. No que diz respeito aos direitos, o Direito Internacional Público demonstrou preocupação com os estrangeiros, sobretudo quando são migrantes, por meio da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, de 1990, e que entrou em vigor em 2003. Tal documento, todavia, tem adesão muito limitada e ainda está longe de ter abrangência universal, e, com isso, garantir os direitos destes estrangeiros. Em face disto, é que a proteção interna concedida por cada Estado é ainda muito relevante. No caso do Brasil, tal proteção se encontra, sobretudo, na CF, que irá garantir em especial a não discriminação, deixando claro que só as distinções feitas por este documento são aceitáveis (art. 12, § 2º), e os direitos humanos dos estrangeiros. Estes direitos são elencados expressamente pelo artigo 5º da CF, que em seu caput afirma: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. A menção expressa aos estrangeiros não deixa dúvidas de que a intenção do constituinte era assegurar os direitos humanos a todos; contudo, ao qualificar estes estrangeiros como sendo os “residentes no País”, tal amplitude poderia ter sido perdida. Isto porque a minoria doutrinária passou a interpretar tal qualificação como sendo uma exigência e, portanto, a dizer que somente os estrangeiros residentes no

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Brasil estariam protegidos pelo artigo 5º, ou seja, somente os residentes no Brasil teriam direitos humanos. Como visto, a residência vai além da simples presença física, exigindo um vínculo jurídico mais profundo, o que faz com que tal interpretação seja restritiva e exclua de proteção todos os estrangeiros que apenas estejam no Brasil, como é o caso dos turistas. Esta interpretação não merece prosperar, pois do ponto de vista do Direito Internacional Público todos os seres humanos são titulares de direitos humanos, onde quer que estejam. Além disso, se for aplicada, levaria a absurdos que a ordem jurídica brasileira não pode tolerar. Exemplos: um estrangeiro que tivesse seus bens roubados não poderia buscar remédios legais no Brasil, já que seu direito à propriedade não estaria resguardado, ou um estrangeiro que sofresse um atentado contra sua vida também não poderia se socorrer do ordenamento jurídico brasileiro se não fosse residente no país, ou também não teriam direito ao devido processo legal, podendo ser condenados por juízes sem rosto e sem o contraditório e a ampla defesa. Todas estas situações são absurdas e, como dito em trabalho anterior, contrariam não apenas “o espírito da Constituição Federal, como as normas do bloco de constitucionalidade e os compromissos internacionais do Brasil em termos de Direito Internacional dos Direitos Humanos” (JUBILUT; MONACO, 2010). Em face disto, a maioria doutrinária – e também jurisprudencial – tem entendido que os direitos humanos consagrados no artigo 5º se aplicam a todos os estrangeiros no Brasil, e não apenas aos residentes. Neste sentido, se resguarda a proteção dos direitos decorrentes da dignidade humana a todos, em conformidade com o artigo 1º, III, da CF. Além dos direitos humanos consagrados no artigo 5º – que são os de 1ª dimensão por tratarem de direitos civis e políticos –, os estrangeiros também têm os direitos de 2ª dimensão – econômicos, sociais e culturais – assegurados. Neste aspecto merecem destaque os direitos de acesso universal como a saúde (art. 196) e a educação (arts. 205, 206 e 208, § 1º, além da meta da universalização). Em face disto, verifica-se que o Brasil procura respeitar de maneira ampla os direitos humanos dos estrangeiros, com algumas limitações, mas com base na Constituição Federal.

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Os estrangeiros têm direitos e deveres no Brasil. Entre aqueles se destacam os direitos humanos, com limitação aos direitos políticos. Qualquer distinção entre brasileiros e estrangeiros deve ter base constitucional.

4. Saída do estrangeiro O terceiro período de relacionamento entre o estrangeiro e um Estado diz respeito à sua saída do território deste, que pode se dar de modo voluntário ou de forma compulsória. A saída voluntária ocorre quando o estrangeiro, após ter entrado e estado regularmente no território do Estado, se retira deste, por sua própria vontade e por seus próprios recursos. Seria a forma regular de o estrangeiro deixar o Estado após cumprir seus objetivos neste. Já a saída compulsória ocorre quando o Estado força a saída do estrangeiro de seu território a partir de bases legais claras. Essas bases legais em geral se relacionam ou à segurança interna ou internacional ou a uma violação do regramento dos estrangeiros. Em relação a este último é interessante destacar como o discurso de direitos humanos tem influenciado a condição jurídica do estrangeiro, uma vez que atualmente não se usa mais a expressão “estrangeiro/imigrante ilegal”, mas sim as expressões “estrangeiro/imigrante em situação irregular” ou “estrangeiro/imigrante indocumentado”. Cada Estado tem discricionariedade para estabelecer as formas de saída compulsória de estrangeiros de seu Estado, sempre limitada pela ideia de critérios preexistentes, mas sobretudo de não discriminação. As três formas tradicionais são: 1) a deportação, 2) a expulsão e 3) a extradição.

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A deportação é a forma de saída compulsória do estrangeiro por entrada ou estada irregular no território de um Estado. Consiste, assim, em uma violação da regulamentação de vistos procedida pelo estrangeiro e que é punida pela sua retirada do território. A entrada irregular ocorre, sobretudo, quando um visto é exigido, e o estrangeiro não o possui. Já a estada irregular ocorre quando o estrangeiro viola as regras básicas de seu visto (como, por exemplo, realizar atividade remunerada sem ter autorização para tal) ou quando se extrapola o período autorizado para a estada. Pode ter caráter administrativo ou administrativo-penal, dependendo do ordenamento jurídico interno do Estado, e pode ou não limitar o retorno do deportado ao Estado. A expulsão ocorre, em geral, quando o estrangeiro viola criminalmente o ordenamento jurídico do Estado. Ela complementa a pena criminal e na maioria das vezes impede o retorno do expulso ao país. É interessante notar que alguns Estados combinam os institutos da deportação e da expulsão, criando a impossibilidade de retorno por um prazo longo – caso a pessoa deixe o país voluntariamente após o início dos procedimentos de retirada compulsória – ou indefinidamente – caso o procedimento seja finalizado. Diferentemente da deportação e da expulsão, que são atos unilaterais do Estado que acolhe o estrangeiro, a extradição decorre de um pedido por outro Estado para o envio do estrangeiro a fim de ser julgado ou de cumprir pena criminal. Tratase, assim, de um instituto de cooperação internacional em matéria penal a fim de evitar a impunidade. Existem vários modelos de análise de extradição pelos Estados, mas o mais comum é o que envolve a conjugação de vontades entre o Executivo e o Judiciário, combinando-se, desta feita, critérios políticos e legais. Cada Estado regulamentará os requisitos específicos para a concessão da extradição, mas faz-se necessário que o Estado que solicita a extradição tenha competência para julgar ou punir o estrangeiro (extraditando). Não é necessário, contudo, que este Estado seja o da nacionalidade do extraditando. Além do requisito de competência, existem quatro princípios internacionais que regem a extradição e que devem ser respeitados por todos os Estados em todos os casos.

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O primeiro destes princípios é a regra da especialidade, pela qual se exige que o pedido de extradição seja detalhado na descrição das circunstâncias do crime pelo qual se a pede e a tipificação penal específica, o que é relevante a fim de permitir que o Estado analise a partir de suas regras internas a possibilidade da extradição. Por exemplo, se um Estado não extradita por crimes políticos, é preciso saber se no caso específico ocorreu um crime político, e isso só será possível a partir da descrição detalhada do pedido. O segundo princípio internacional que rege a extradição é a regra da dupla incriminação, que exige que a conduta pela qual se solicita a extradição seja tipificada criminalmente tanto no Estado que pretende a extradição quanto no Estado que analisa a extradição. Não é necessário que a tipificação seja idêntica, mas a conduta deve ser considerada criminosa em ambos, uma vez que se está diante de um instituto de cooperação penal internacional. A terceira regra que compõe os princípios internacionais da extradição é a do non bis in idem, ou seja, a vedação da repetição. Isto significa que, se o extraditando já foi julgado por aquela conduta ou se já cumpriu a pena, a extradição não pode ocorrer para evitar o bis in idem. Da mesma maneira, é comum se solicitar que o tempo de prisão cumprido pelo extraditando no Estado que analisa a extradição relativa àquela conduta criminosa – seja aguardando a decisão final da extradição, seja cumprindo pena por condenação penal na mesma conduta – seja subtraído do total da pena a ser cumprida ou da que vier a ser condenado o extraditando, para evitar a repetição da punição. O último princípio internacional relativo à extradição é, provavelmente, o menos cumprido pelos Estados. Trata-se da regra do aut dedere aut judicare, que exige que os Estados ou extraditem ou julguem o extraditando, caso haja indícios (ou provas) de autoria e do cometimento de ilícito, mas a extradição seja vedada por critérios internos. Isso poderia acontecer, por exemplo, no caso brasileiro se o pedido de extradição envolvesse um brasileiro; ou, ainda, de modo mais geral, em casos em que haja aspectos humanitários – como idade avançada ou uma enfermidade – que impeçam a extradição.

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Nestes casos, e em face do princípio do “ou extradita ou julga”, os Estados que recusarem a extradição na hipótese acima mencionada devem levar o estrangeiro à Justiça. Tal fato se justifica, uma vez que o objetivo da extradição é evitar a impunidade. Merece destaque o instituto da entrega, pelo qual um Tribunal Internacional solicita o envio de uma pessoa – nacional ou estrangeira – para ser julgada ou cumprir pena. Apesar de similar à extradição, a entrega é instituto jurídico próprio regulado pelo Direito Internacional Público e possui abrangência maior em relação a quem pode ser submetido a ela, além de estar ligada a crimes vinculados a graves violações dos direitos humanos – como crimes de guerra e contra a humanidade –, enquanto a extradição pode abranger qualquer tipo penal. No momento, a entrega pode ser solicitada pelos Tribunais Penal Internacional, Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e Penal Internacional para Ruanda. No que diz respeito ao Brasil, verifica-se que este optou, a partir do Estatuto do Estrangeiro, por acolher as três formas tradicionais de saída compulsória do estrangeiro. A deportação no Brasil é regulamentada pelos artigos 57 a 64 do Estatuto do Estrangeiro, é executada pela Polícia Federal e não impede o retorno ao País, desde que sejam sanadas as irregularidades encontradas. Quando a deportação ocorre por permanência além do tempo autorizado, em geral é exigido pagamento de multa antes da retirada do estrangeiro do Brasil. Em relação a este tema é interessante notar que faz parte da tradição brasileira em seu relacionamento com estrangeiros conceder anistias (na prática ocorrem a cada 10 anos, apesar de não ser uma regra) aos que estejam irregularmente no País, permitindo a regularização de sua situação e a sua documentação. Para efetivar a deportação, em geral, a Polícia Federal notifica o estrangeiro para que deixe o território nacional em um prazo estabelecido. Caso isso não ocorra, a Polícia Federal detém o estrangeiro e procede à deportação. Tal detenção pode ocorrer pelo prazo de 60 dias (art. 59 do Estatuto do Estrangeiro). De acordo com o artigo 58 da Lei n. 6.815/80, “[a] deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo”.

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Os custos da deportação são arcados pelo governo brasileiro, a não ser que, no caso de entrada irregular, se consiga identificar qual a companhia de transporte que trouxe o estrangeiro, quando então serão de responsabilidade desta (arts. 11, 23, 27 e 59). Se exige o ressarcimento dos custos da deportação ao Brasil antes de se permitir o retorno ao País (art. 64). A expulsão no Brasil, por seu turno, é regulada pelos artigos 65 a 75 do Estatuto do Estrangeiro, é de competência do(a) Ministro(a) da Justiça por delegação do(a) Presidente da República, e impede o retorno do expulso ao Brasil enquanto o decreto que a efetiva (Decreto de Expulsão) estiver em vigor. A expulsão ocorre quando o estrangeiro, “de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais” (art. 65). Em geral decorre da prática de crime, sem contudo substituir a pena criminal que será cumprida antes da saída compulsória do estrangeiro, mas diante da linguagem ampla do artigo 65 pode derivar de situações políticas. A expulsão, assim como a deportação, não ocorrerá se implicar extradição não autorizada pela legislação brasileira (arts. 63 e 75, I). Também não será efetuada quando o estrangeiro tiver “a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente” (art. 75, II, a e b), a não ser que o reconhecimento do filho seja superveniente ou em caso de adoção (art. 75, § 1º). Além deste vínculo financeiro, a jurisprudência tem exigido um vínculo afetivo entre o expulsando e a sua prole brasileira. A extradição no Brasil encontra regras na Constituição Federal (art. 5º, LI e LII, e art. 102, I, g) e nos artigos 76 a 94 do Estatuto do Estrangeiro. O Brasil adota o sistema de conjugação de vontades do Executivo (na pessoa do(a) Presidente da República) e do Judiciário (no caso o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu plenário). Combinam-se assim critérios políticos e técnico-jurídicos na análise da extradição, com estes sendo analisados primeiramente.

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O Supremo Tribunal Federal analisa então o pedido de extradição e decide se esta pode ou não ocorrer do ponto de vista jurídico. Caso seja autorizada legalmente, a decisão final cabe ao Executivo. Recentemente, no caso Cesare Battisti, se tentou alterar esta tradição, visando-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal fosse definitiva, mas, ao que tudo indica, tal fato não será consolidado em nosso ordenamento. Como dito em obra anterior, o Supremo Tribunal Federal “analisa sobretudo as questões relativas (i) ao tipo de crime praticado, (ii) à nacionalidade do extraditando, (iii) ao tipo de pena que lhe será imposta no Estado requerente e (iv) às questões formais do pedido de extradição”. O Brasil optou por estabelecer uma lista de crimes pelos quais não se procede à extradição. Tal lista inclui os crimes (i) religiosos, (ii) políticos, (iii) militares, (iv) de opinião, (v) de imprensa, (vi) de responsabilidade e (vii) fiscais. O Supremo Tribunal Federal irá, portanto, verificar se o pedido de extradição se baseia em algum destes crimes e, se assim o fizer, a extradição não poderá ser efetivada. Como acima mencionado, o Brasil não procede à extradição de brasileiros. Tal regra encontra-se no artigo 5º, LI, da CF, que determina que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Em sua análise, o Supremo Tribunal Federal também observará o tipo de pena a ser imposto, uma vez que não será concedida a extradição em casos em que não se “comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação” (art. 91, III, do Estatuto do Estrangeiro). Também se verificará se é caso “de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena” (art. 91, V, do Estatuto do Estrangeiro), pois se o for não se procederá à extradição. O Supremo Tribunal Federal também considera as questões formais da extradição, que englobam a existência de uma base jurídica e a impossibilidade de extradição indireta. Quanto àquela tem-se que a extradição pode se fundar em um tratado de extradição entre o Brasil e o Estado que a solicita ou em uma promessa de reciprocidade

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realizada pelo Estado requerente. Tal promessa significa que o Estado requerente se compromete a analisar futuros pedidos de extradição feitos pelo Brasil, ainda que não exista tratado entre eles. Quanto à extradição indireta, ou seja, o envio para um Estado que irá encaminhar o extraditando a um terceiro Estado, verifica-se que é vedada por nossa legislação (art. 91, IV, do Estatuto do Estrangeiro). É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao fazer sua análise, não discute o mérito do caso, mas procede somente a um “juízo de delibação” do pedido de extradição; em um processo de “contenciosidade limitada” ou de “cognição restrita”. Também merece destaque o fato de que ao lado de todos estes requisitos o Supremo Tribunal Federal também deve levar em consideração os princípios internacionais da extradição (especialidade, dupla incriminação, non bis in idem e aut dedere aut judicare), a fim de que o Brasil respeite o Direito Internacional. Caso o Supremo Tribunal Federal entenda após a sua análise que a extradição preenche os requisitos legais, o pedido segue para o(a) Presidente da República, que fará a análise política do caso, momento no qual se abre espaço para os juízos de conveniência e oportunidade, mas que não devem ser superiores às normas de Direito Internacional.

Saídas compulsórias de estrangeiros do Brasil Deportação – entrada ou estada irregular/Polícia Federal Expulsão – nocividade aos interesses nacionais/Presidente => Ministro da Justiça Extradição – cooperação internacional/Supremo Tribunal Federal + Presidente

Capítulo 4

Concurso de Jurisdição

1. Noções introdutórias Como visto no item 5 do Capítulo 1, o tema do concurso de jurisdição adentra o Direito Internacional Privado a partir da realidade anglo-saxã e se ocupa das situações em que as relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico podem estar submetidas também a mais de um ordenamento jurídico. A problemática surgiu no ambiente jurídico da Common Law tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos, em que os reinos e as unidades federadas possuem grau de autonomia elevado para a construção de suas próprias normas materiais, o que gera a necessidade de solucionar concursos internos de leis que são, no mais das vezes, resolvidos por regras fixas de atribuição de competência jurisdicional, limitando os conflitos de competência. Quanto a eventual concurso de leis, esses se resolvem, no mais das vezes, com a identificação entre foro e direito aplicável (identidade forum-ius), minimizando o espaço para eventual forum shopping, ou seja, a “compra” de um foro por ser ele mais benéfico. A jurisdição é fixada pela legislação central (Reino Unido ou Federação), e o direito local (dos reinos locais ou estados) a ser aplicado é o do foro. De forma geral o problema se põe, nos demais ordenamentos jurídicos, nos seguintes termos: além de se ter que determinar qual é a lei aplicável a esta relação jurídica, deve-se também determinar quem tem competência para analisar a questão. Ou seja, deve-se solucionar o concurso de jurisdição. Esta problemática da determinação da jurisdição competente forma o cerne do tema do concurso de jurisdição, mas não tem esgotado as questões que a doutrina elenca como abrangidas por este tema. É assim que se somam a ela todos os itens de cooperação internacional que objetivem a facilitação ou o avanço de procedimentos judiciais e/ou jurisdicionais.

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Para manter-se fiel à sua proposta inicial, a presente obra tratará então destes dois grandes temas – o concurso de jurisdição propriamente dito, relativo à determinação da competência, e a cooperação internacional com fins judiciais – na sequência.

2. Competência internacional A questão da determinação da competência em casos de relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico compõe, como mencionado, o aspecto mais tradicional do concurso de jurisdição. Isto porque, é a necessidade de se definir qual é a jurisdição competente que norteia a ideia de se solucionar um concurso de jurisdição. A pergunta basilar deste tema é, portanto, “a quem compete analisar e decidir a causa em debate?”. A resposta a esta questão não é imediata, como poderia ser no direito interno, uma vez que a definição da competência de um Estado é feita por ele mesmo, no exercício de sua soberania. Cada Estado avoca a si as competências jurisdicionais que julga poder desempenhar, e, com isso, pode ocorrer que uma mesma situação da vida seja avocada por dois ou mais Estados, surgindo a possibilidade de que venham a se produzir duas ou mais decisões judiciais distintas e, por vezes, conflitantes. Ademais, a determinação da jurisdição e da competência está vinculada ao princípio da territorialidade, razão pela qual um Estado não pode se atribuir competências para além de suas fronteiras, e tampouco pode interferir na determinação das competências em outro Estado, ou seja, as regras de competência são nacionais. Em face de tal realidade, pode-se ficar diante de situações em que mais de um Estado se entende competente para analisar e decidir sobre o mesmo caso. Surge, deste modo, um concurso de jurisdição. A solução de tal concurso será baseada em dois pilares. Por um lado, é preciso verificar quais são as competências legalmente atribuídas, a fim de se evitarem decisões ultra vires, e, por outro, deve-se atentar para a autonomia das partes nos casos de Direito Civil, que poderão escolher no caso concreto qual a jurisdição que mais pareça favorável a seu pleito e processo.

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Faz-se aqui necessário destacar que não se está falando de processo internacional, uma vez que não há processo internacional entre particulares. Somente é possível falar em processo internacional no âmbito do Direito Internacional Público, no qual os indivíduos ainda têm acesso limitado ao contencioso internacional e em que sempre uma das partes será ou um Estado ou uma Organização Internacional. Trata-se, portanto, de situações entre indivíduos em que, em função das regras nacionais de competência, mais de um Estado pode analisar e decidir as questões em seus tribunais internos e não em Tribunais Internacionais, como ocorre no caso dos processos verdadeiramente internacionais.

A expressão “Direito Processual Internacional” é utilizada no âmbito do Direito Internacional Privado. Já a expressão “Direito Internacional Processual” é reservada para processos internacionais envolvendo Estados ou Organizações Internacionais e, portanto, utilizada no âmbito do Direito Internacional Público.

As regras de competência são, como mencionado, nacionais, e, portanto, é necessário atentar para a legislação de cada um dos Estados em que a relação jurídica possa irradiar efeitos para determinar se eles são ou não competentes. No caso do Brasil, as principais regras de competência estão presentes no Código de Processo Civil, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e no Código Penal. O Código Penal estipula, como regra geral, a aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos no território nacional (art. 5º). Consequentemente, uma vez que se trata de ramo do Direito Público, a competência para julgar e punir tais fatos delitivos é da jurisdição brasileira. Há, aqui, a aplicação da regra de identidade foro-ius. A mesma regra (aplicação da lei penal brasileira pela jurisdição nacional) é aplicada aos crimes, ainda que cometidos no exterior, contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia

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mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; contra a administração pública, por quem está a seu serviço; e de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil (art. 7º, I). Quando tais crimes são cometidos em território nacional, a competência já seria da jurisdição brasileira, em consequência da interpretação do artigo 5º do Código Penal. Por outro lado, quando os crimes são praticados no exterior, nas condições acima expostas, dada a clara afronta aos interesses nacionais, cuida-se de verdadeira hipótese de avocação de competência que pode gerar concurso de jurisdição (quando a conduta também estiver tipificada na lei penal do Estado estrangeiro). Com efeito, como o crime foi praticado no exterior, haverá, muito possivelmente, interesse da jurisdição estrangeira em dar uma resposta à sociedade que assistiu à prática do delito. Mas há, também, o legítimo interesse brasileiro de perseguir, julgar e eventualmente condenar o suspeito de tê-lo praticado, pois sua conduta atingiu um bem jurídico de relevância para o Estado nacional. Na hipótese de genocídio praticado no exterior por agente brasileiro, dada a repercussão que o caso pode ter nas relações internacionais do País, é justificável o interesse de ver atuar a jurisdição brasileira para reprimir tal prática. As hipóteses, como ressaltado, geram concurso de jurisdição, pois o Estado brasileiro não pode obrigar o Estado estrangeiro, em cujo território se cometeu o delito, a deixar de julgar. Vale dizer, pode ocorrer de ambas as jurisdições serem retiradas de sua inércia e desenvolverem processos judiciais tendentes à apuração dos fatos e julgamento de seu suposto autor. Além destes, o Brasil também é competente para julgar os crimes que, por tratado ou convenção, tenha se obrigado a reprimir, desde que o agente adentre o território nacional. Quanto aos crimes praticados por brasileiro ou aqueles praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando localizadas em território estrangeiro, a competência brasileira é residual e nossa jurisdição só será acionada nas hipóteses em que os crimes, previstos como tal também na lei estrangeira, não sejam efetivamente julgados no exterior (art. 7º, II).

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Por fim, no que concerne aos crimes praticados contra brasileiros por estrangeiros, a competência brasileira só se dará se preenchidas as condições estabelecidas nas alíneas dos §§ 2º e 3º, do artigo 7º, do Código Penal. Os casos, contudo, que mais de perto interessam ao Direito Internacional Privado, uma vez que, como visto no Capítulo 1, ele se ocupa, sobretudo, de relações privadas, são os elencados pelo Código de Processo Civil e pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Os artigos relativos a este tema no Código de Processo Civil são os de números 88 e 89, que estabelecem, respectivamente, os casos de competência concorrente da justiça brasileira e os casos de competência exclusiva desta. A justiça brasileira é exclusivamente competente para ações referentes a imóveis situados no Brasil (art. 89 do Código de Processo Civil e art. 12, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Assim, ações de partilha de imóveis situados no Brasil, seja em decorrência do falecimento de seu proprietário, seja em decorrência do desfazimento da sociedade conjugal por separação, divórcio, anulação do casamento ou, ainda, em decorrência da dissolução de união estável, só podem ser pleiteadas perante a justiça brasileira. É bem verdade que pode ocorrer de uma jurisdição estrangeira qualquer (por exemplo, aquela em que o falecido tinha seu último domicílio, ou aquela em que domiciliado o casal) considerar-se competente para partilhar bens imóveis situados fora de seu próprio território. Assim, pode ser que essa jurisdição estrangeira determine a partilha dos bens imóveis situados no Brasil. O que fazer? Nesse caso, tal decisão só seria válida se homologada no Brasil pelo Superior Tribunal de Justiça. Apenas cumprida essa formalidade é que seria possível transcrever o título no Registro Imobiliário competente. No entanto, como se trata de competência exclusiva do Judiciário brasileiro, assim determinada pelo legislador nacional, tal homologação, eventualmente requerida no Brasil, seria negada pelo STJ. O mesmo ocorre com relação a ações judiciais cujo objeto seja a determinação de um direito real sobre imóvel situado no Brasil. Assim, uma ação reivindicatória, uma ação possessória qualquer, ações de divisão de condomínio, bem assim qualquer demanda atinente a direitos reais de garantia ou direitos reais sobre coisa alheia, só poderão ser discutidas no Judiciário brasileiro, e eventual sentença estrangeira com esse conteúdo terá seu pedido de homologação negado pelo STJ.

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Diferentemente, nas hipóteses de competência relativa, ambas as jurisdições podem ser provocadas a tomar uma decisão. Nos termos da legislação brasileira, o Judiciário nacional é relativamente competente para ações envolvendo: 1) réu domiciliado no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil e art. 12, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Havendo mais de um demandado, sendo um deles, pelo menos, domiciliado no Brasil, justificada estará a opção pela jurisdição brasileira; 2) obrigação a ser cumprida no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil e art. 12, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Tratando-se de obrigações complexas, sendo ao menos uma das parcelas exequível no Brasil, a propositura da demanda em território nacional é cabível; 3) ato/fato praticado/ocorrido no Brasil (art. 88 do Código de Processo Civil). Assim, se a causa de pedir se originar de ato/fato praticado/ocorrido no Brasil, a inércia da jurisdição brasileira poderá ser rompida pela propositura de ação judicial em nosso país.

Perceba-se que as hipóteses em que o legislador dotou o julgador brasileiro de competência são bastante amplas. No entanto, uma ação em que o autor seja domiciliado no Brasil, relativamente a réu domiciliado no exterior, para determinar seja fielmente executada uma obrigação a ser executada no exterior, baseada em ato/fato praticado/ocorrido também no exterior, obrigará o autor da demanda a provocar outra jurisdição que não a brasileira, uma vez que, nesse caso, não haverá enquadramento em nenhum dos permissivos legais. É interessante notar que, por força do artigo 90 do Código de Processo Civil, o Brasil não admite a litispendência internacional. Ou seja, é possível que ações com as mesmas partes, mesmos fatos e mesmas causas de pedir tramitem simultaneamente no Brasil e no exterior. Parece ser a única medida razoável, uma vez que não existem meios para que uma jurisdição imponha a outra critérios de prevenção de seu juízo. Tratando-se de órgãos jurisdicionais que compõem Poderes Judiciários de distintos Estados soberanos, nada justifica a submissão de um a outro que não o prévio acordo nesse sentido, o que se costuma fazer por meio de mecanismos de cooperação judiciária internacional.

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Não havendo tal instrumento (tratado), a litispendência internacional resta inviabilizada. A não admissão da litispendência internacional decorre, assim, da ausência de mecanismos práticos para a resolução do problema. Com efeito, as decisões judiciais são expressões do poder soberano do Estado. Assim sendo, são atos de soberania. Neste sentido, poder-se-ia indagar qual seria a base para que um juiz brasileiro imponha sua jurisdição a um juiz estrangeiro qualquer. Ou, ainda, questionar por qual razão a jurisdição deste juiz se sobreporia à de outro. Os critérios de solução de litispendência do direito interno (momento da distribuição do processo ou do primeiro despacho) só fazem sentido no âmbito de uma única jurisdição, mas não podem ser transpostos para jurisdições soberanas diversas. Isto torna ainda mais relevante o instituto da homologação de sentença estrangeira, que será objeto de análise no item 3.5 deste Capítulo; e a possibilidade de autonomia na decisão da jurisdição que irá analisar o caso. Tal escolha, todavia, não é fácil e exige o conhecimento das diferentes variáveis que podem influenciar a efetivação da decisão. Ao decidir por uma jurisdição em detrimento da outra, a parte envolvida no caso deve buscar encontrar aquela que mais irá trazer-lhe benefícios, a partir da análise das variáveis da situação. Tomando como exemplo apenas três variáveis, pode-se compreender de maneira mais ampla tal situação. Imagine-se que existe a possibilidade de o caso ser analisado e decidido por três jurisdições distintas – Estado A, Estado B e Estado C –, que cada Estado tem um padrão de tempo de análise das questões judiciais – rápido, lento e moderado – e que em cada um deles uma maior ou menor quantidade de direitos será assegurada à parte – muitos direitos, poucos direitos e direitos medianos. Por fim, os custos judiciais podem ser elevados, medianos ou baixos. Tem-se que a combinação de tais variáveis pode levar a vários cenários, como por exemplo: o Estado mais rápido garantindo menos direitos a custos medianos, ou o Estado com o tempo moderado garantindo mais direitos a um custo baixo, ou ainda o Estado mais lento garantindo mais direitos, porém a custo elevado; sendo esta apenas uma das diversas combinações possíveis.

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Somando-se a isto outras variáveis, como a própria possibilidade de execução da sentença, nota-se a complexidade deste tipo de decisão, que se insere na esfera da estratégia de defesa dos interesses das pessoas envolvidas, a ser montada por seus advogados. Assim, ainda que exista autonomia das partes, é importante levar em conta a situação real e legal de cada caso concreto, o que exigirá, para além de conhecimentos de Direito Internacional Privado, também conhecimentos na área de direito comparado.

Competência internacional do Brasil – civil Art. 88 do CPC – competência relativa Art. 89 do CPC – competência absoluta Art. 90 do CPC – impede litispendência internacional

3. Cooperação internacional O segundo grande tema relacionado ao concurso de jurisdição trata das questões relativas à cooperação internacional. A cooperação implica colaboração e tem a intenção de solucionar problemas de maneira coordenada, facilitando tal processo. No cenário internacional é indispensável, seja no ramo do Direito Internacional Público, em que ganhou destaque após a Segunda Guerra Mundial, seja no ramo do Direito Internacional Privado, que é o que mais de perto interessa a esta obra. Neste cenário, e pensando-se na pluralidade de jurisdições que podem estar conectadas às relações que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico, podem existir situações que somente poderão ser solucionadas se houver cooperação internacional, uma vez que como visto a jurisdição e a competência têm base territorial.

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Seriam os casos de, por exemplo, haver necessidade de se fazer a oitiva de testemunhas em um Estado que não o Estado no qual o processo está tramitando; ou coletar provas em um Estado estrangeiro, ou, ainda, haver necessidade de localizar crianças sequestradas para efetuar seu retorno a quem tem a guarda legal. Em todas estas situações a solução somente será possível por meio da cooperação internacional. Neste sentido, verifica-se o desenvolvimento constante de institutos que permitem a efetivação deste ideal e, com isso, contribuem, desta feita, para o alcance da justiça internacional. A cooperação internacional pode ocorrer nas esferas judicial e/ou administrativa, dependendo do tipo de ação que está sendo solicitada e da estrutura organizacional do poder de cada Estado. Independentemente do tipo, a cooperação internacional vem ganhando espaço, uma vez que os fenômenos transnacionais envolvendo particulares avançam constantemente e os mecanismos clássicos de efetivação daquelas necessidades, inspirados pela tradição diplomática, têm-se mostrado custosos, burocráticos e demorados, ensejando, por vezes, o perecimento dos direitos que se busca resguardar em outras jurisdições. Os itens a seguir tratarão dos principais institutos de cooperação internacional, sobretudo a partir da ótica brasileira. Assim serão abordados: (i) o auxílio direto, (ii) os acordos internacionais, (iii) as autoridades centrais, (iv) as cartas rogatórias e (v) a homologação de sentença estrangeira.

3.1 Auxílio direto O auxílio direto parece ser o mais recente instituto de cooperação, e, até em função disso, há ainda muito debate na doutrina sobre sua aplicação e suas características. As bases do auxílio direto surgem a partir de 2004 e 2005. Naquele ano houve a formação de uma Comissão de Especialistas por parte do Ministério da Justiça destinada a elaborar um projeto de lei sobre Cooperação Jurídica Internacional, e em tal situação houve menção ao auxílio direto, que também pode ser denominado de assistência direta.

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Já em 2005, o auxílio direto aparece listado no artigo 7º, parágrafo único, da Resolução n. 9 do Superior Tribunal de Justiça, demonstrando que os três poderes brasileiros enxergam em tal instituto uma forma atual de cooperação internacional. Contudo, não está claro ainda qual seria a hipótese de incidência do auxílio direto, para que seja considerado um instituto único, uma vez que na prática tem havido confusão com outro instituto de cooperação internacional: a carta rogatória (que será analisado no item 3.4 deste Capítulo). Parece haver consenso doutrinário no sentido de que trata o auxílio direto de um procedimento de ajuda entre órgãos judiciais ou administrativos em casos de atos sem conteúdo jurisdicional. Contudo, a partir daí as diferentes posições surgem. Por um lado, tem-se a ideia de que qualquer ato que possa ser submetido a um juízo de mérito por parte do Judiciário brasileiro então seria objeto de auxílio direto. Por outro, propugna-se pela ideia de que se trata apenas de atos que demandam execução simples, que não passam por qualquer análise de mérito dos órgãos brasileiros, que irão apenas executá-los. É importante destacar que o auxílio direto pode abranger também atos administrativos, e, neste sentido, a posição mais abrangente parece ser a mais adequada. O auxílio direto poderia, assim, ocorrer em casos de consultas sobre textos legais ou sobre procedimentos, ou ainda em casos em que já exista um procedimento específico predeterminado – como no caso de ações de alimentos que envolvam fatos mistos e que precisem ser executadas no Brasil. Tratar-se-ia então de um auxílio ou uma assistência efetivamente, e não de novos procedimentos que precisem ter seu mérito avaliado no Brasil. O auxílio direto pode ter como base legal para o caso específico ou um tratado internacional entre Estados – já que apesar de atingir relações privadas é instituto de cooperação entre órgãos estatais – ou ainda a promessa de reciprocidade, que funciona em termos similares aos mencionados quando da análise do instituto da extradição (item 4 do Capítulo 3). No caso brasileiro, se existir tratado como base para o auxílio direto e este tiver o Brasil como Estado ativo (requerente), caberá ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, enviar o pedido diretamente ao Estado requerido.

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Caso se trate de auxílio direto passivo (Brasil como requerido) com base em acordo, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional encaminhará o pedido ao Centro de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria Geral da República, que se encarregará de encaminhar a demanda ao órgão mais adequado para sua análise. Tal situação não se aplica nos casos do Canadá e de Portugal, quando a competência para o auxílio direto recai diretamente sobre o Ministério Público Federal, em razão de tratados específicos havidos com aqueles Estados. Caso não haja tratado internacional sobre o auxílio direto, o interessado encaminhará o pedido para a Divisão Jurídica do Ministério das Relações Exteriores, que, usando os meios diplomáticos, encaminhará o pedido para o Estado estrangeiro. Em sendo auxílio direto passivo sem acordo, este trâmite é invertido.

3.2 Acordos internacionais Enquanto o auxílio direto é um instrumento recente de cooperação internacional, os acordos internacionais são a base de qualquer ação nesta área e os mais tradicionais veículos para tal. Trata-se de tratados celebrados entre Estados que preveem ações de cooperação nas mais diversas áreas e que são denominados acordos. É importante destacar, nesta seara, que a denominação específica dos tratados – acordo, carta, pacto, tratado etc. – não altera seu status jurídico (JUBILUT; MONACO, 2010). Os tratados são celebrados por escrito e regidos pelo Direito Internacional. Até o presente, somente Estados e/ou Organizações Internacionais podem celebrar tratados (JUBILUT; MONACO, 2010). Os tratados são regidos pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969 – relativa aos tratados celebrados entre Estados – e pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1986 – relativa aos tratados celebrados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais entre si. Na área da cooperação internacional os acordos internacionais vêm ganhando cada vez mais destaque. Isto se explica, por um lado, pela percepção por parte dos Estados de que temas transnacionais – como lavagem de dinheiro, combate à pirataria, combate à corrupção – somente podem ser enfrentados de maneira conjunta.

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Por outro lado, nota-se a vontade estatal de formalizar a cooperação internacional garantindo maior segurança e certeza jurídica às ações neste âmbito e, com isso, buscando efetivar de maneira mais forte tal cooperação. Os acordos internacionais de cooperação internacional têm tido destaque, sobretudo, nos temas de Direito Penal. Neste sentido destacam-se as atividades da INTERPOL, bem como a Convenção Internacional para a supressão do Financiamento do Terrorismo, de 1999, a Convenção de Palermo contra lavagem de dinheiro, de 2000 (que foi assinada em Nova York e tem como nome técnico “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”), e a Convenção de Mérida, de 2003 (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção); todas recepcionadas pelo Brasil.

3.3 Autoridades centrais Um instrumento que tem sido estabelecido por meio dos acordos internacionais para facilitar a execução de seus objetos são as autoridades centrais, que são órgãos nos âmbitos administrativo ou judicial dotados de funções específicas para a fiscalização e a efetivação dos objetos de tratados internacionais (BORRÁS RODRÍGUEZ, 1993). A necessidade para a criação de tais órgãos decorre, por um lado, da busca de celeridade no tratamento de questões transnacionais e, por outro, da tentativa de se facilitarem os procedimentos para o diálogo entre os ordenamentos de dois ou mais Estados. As autoridades centrais têm sido utilizadas em tratados relacionados, principalmente, a temas afetos às crianças e a algumas questões procedimentais, sobretudo no marco do MERCOSUL, como no procedimento regional de homologação de sentença estrangeira que será visto na sequência (item 3.5 deste Capítulo). Nos temas relacionados às crianças, têm-se autoridades centrais específicas para o tema de sequestro de menores e adoção internacional – que no Brasil é a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – e para a questão de alimentos – sendo no Brasil o Ministério Público Federal a autoridade central nesta hipótese. Essas autoridades centrais serão, normalmente, em número de uma por Estado, podendo, entretanto, os países de regime federativo, como o Brasil, bem

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como aqueles em que vigorar mais de um sistema jurídico, optar por sua multiplicidade. Assim é que, por exemplo, no que diz respeito à Convenção da Haia, de 1993, sobre cooperação judiciária e determinação da lei aplicável em matéria de adoção internacional, além da Autoridade Central Nacional, o Brasil indicou ainda Autoridades Centrais estaduais, que, no caso, são as CEJAs (Comissões Estaduais Judiciárias de Adoções) ou CEJAIs (Comissões Estaduais Judiciárias de Adoções Internacionais), que devem ser criadas por resolução dos Tribunais de Justiça. Em todos os casos, havendo situações envolvendo os temas dos tratados, as autoridades centrais dos Estados envolvidos dialogarão para efetivar a normativa internacional. Por exemplo, em caso de sequestro de uma criança levada a um Estado que seja parte da normativa internacional sobre o tema e, portanto, tenha predefinido uma autoridade central; se acionada dentro do período de um ano, a autoridade central do país do qual a criança for levada entrará em contato com a autoridade central do país para o qual a criança foi levada visando à restituição imediata dela, sem necessidade de procedimento jurisdicional, ou até mesmo suspendendo os efeitos de procedimento jurisdicional superveniente. Tem-se, assim, um instrumento facilitador da efetivação das normas e da justiça no plano internacional, minimizando o período de espera e os custos envolvidos e, com isso, facilitando o direito de acesso à justiça de modo pleno.

3.4 Cartas rogatórias As cartas rogatórias são tradicionais instrumentos de cooperação jurídica internacional. São elas os equivalentes das cartas precatórias em situações transnacionais. As cartas rogatórias são utilizadas quando há necessidade de se solicitar a realização de um específico ato judicial em um Estado estrangeiro com a finalidade de ser aproveitado pela jurisdição requisitante, como uma citação, a oitiva de uma testemunha ou a produção de outra prova qualquer, residindo aí sua similitude com o auxílio direto. Contudo, em geral, as cartas rogatórias são submetidas a juízos de delibação por tribunais, que irão analisar a coadunação dos pedidos com regras jurídicas amplas de cada Estado. No caso brasileiro, por exemplo, elas não podem ferir a soberania, a

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ordem pública e os bons costumes, pois se assim o fizerem não receberão o exequatur, ou seja, a autorização para serem executadas (art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). No Brasil, o procedimento envolvendo as cartas rogatórias abrange atores distintos, dependendo de ser um caso de carta rogatória ativa (Brasil como requerente) ou carta rogatória passiva (Brasil como requerido). No primeiro caso, quando a carta rogatória sairá do Brasil para o exterior, o juiz que necessita do ato a ser executado no estrangeiro envia o pedido ao Ministério da Justiça por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, caso exista acordo prévio entre os Estados, ou ao Ministério das Relações Internacionais nas demais situações. Estes órgãos então tomarão as medidas cabíveis para fazer chegar o pedido ao Estado estrangeiro, que, por sua vez, se baseará em sua estrutura interna para efetivar a solicitação. No caso de cartas rogatórias a serem cumpridas no Brasil, estas serão recebidas por um dos órgãos supramencionados, que as encaminharão ao Superior Tribunal de Justiça, que desde a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, tem competência para conceder exequatur a elas (art. 105, i, da CF). Uma vez realizado o juízo de delibação, o Superior Tribunal de Justiça encaminhará o pedido ao juízo competente para que a solicitação seja efetivada. Desde que assumiu a competência para analisar e conceder o exequatur às cartas rogatórias, o Superior Tribunal de Justiça adotou a posição de que todos os atos – inclusive os declaratórios – estrangeiros podem/devem ser submetidos ao juízo de delibação. Em um processo envolvendo tantos atores, não é de surpreender que o tempo para execução das cartas rogatórias seja longo, o que tem feito que se busquem alternativas para tal. Cabe acrescentar, contudo, que ainda não é pacífico que o auxílio direto seja uma alternativa à carta rogatória, sendo mais adequado entender que aquele não poderá substituir a esta já que se ocupa de atos sem conteúdo jurisdicional e que podem acabar não passando pelo crivo de ao menos um juízo de delibação.

3.5 Homologação de sentença estrangeira

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O último instituto de cooperação internacional que cumpre destacar é a homologação de sentença estrangeira, que vem a ser o procedimento pelo qual se permite que uma sentença prolatada por outro Estado produza efeitos em território nacional. Existem diversos sistemas relativos ao relacionamento do Estado com as sentenças estrangeiras. Entre eles há os sistemas de (i) reciprocidade de fato – quando deve haver o mesmo instituto jurídico nos dois Estados envolvidos; (ii) reciprocidade dupla – quando deve haver tratado entre os Estados prevendo a homologação; (iii) revisão parcial de mérito – quando se analisam os efeitos da aplicação da lei estrangeira; (iv) revisão total do mérito – quando se julga novamente a ação; e (v) procedimento de delibação. O Brasil adota este último, um juízo de delibação, mas sem rever o mérito da decisão estrangeira, e sem a necessidade de instituto jurídico similar ou tratado como base para a solicitação da homologação. Trata-se na verdade de um processo de reconhecimento da sentença estrangeira seguido da autorização para sua execução no Brasil. Muito embora seja praxe se referir à homologação de sentença estrangeira, doutrina e jurisprudência são unânimes ao afirmar que não se trata de procedimento exclusivo de internalização de decisões jurisdicionais. Ao contrário, o mesmo procedimento pode e deve ser aplicado a decisões administrativas ou políticas, por exemplo, se no exterior tais decisões competirem a administradores ou políticos. Exemplos: o divórcio, em alguns Estados, compete ao prefeito municipal, ou, em alguns Estados, um ato administrativo pode ter conteúdo decisório (contencioso administrativo). Tais decisões são homologáveis, assim como as sentenças. Tal reconhecimento e autorização para execução, contudo, somente serão feitos após a análise de dois grupos de questão. Por um lado se analisa o conteúdo da sentença verificando se não fere a ordem pública, a soberania e os bons costumes, e desta feita se está em conformidade com o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Por outro lado, se analisa a forma a fim de se verificar se os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estão preenchidos. Tais requisitos exigem que, para ser homologada a sentença estrangeira, (i) tenha sido proferida por juiz competente; (ii) que as partes tenham sido citadas ou haver-se

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legalmente verificado à revelia; (iii) ter a sentença transitado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; e (iv) estar a sentença traduzida por intérprete autorizado. A análise destes dois grupos de questões é feita também pelo Superior Tribunal de Justiça, desde a Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (art. 105, i, da CF). Uma vez homologada a sentença estrangeira, ela produz efeitos ex tunc, retrocedendo até a data do trânsito em julgado no exterior. Até 2009, por força do parágrafo único do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, as sentenças estrangeiras meramente declaratórias de estado não precisavam ser homologadas. Tal situação foi, todavia, alterada por força da Lei n. 12.036/2009; e atualmente todas as sentenças estrangeiras devem ser homologadas. Há, contudo, sistemas diferentes para homologação dependendo da origem da sentença estrangeira. Isto porque ao lado do sistema geral de homologação de sentenças estrangeiras, acima descrito, há um sistema regional de homologação das sentenças estrangeiras oriundas dos países do MERCOSUL. Tal sistema foi estabelecido pelo Protocolo de Las Leñas, de 1992, que trata de cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. As principais diferenças envolvendo o sistema regional de homologação de sentenças estrangeiras são três. Em primeiro lugar há o estabelecimento de autoridades centrais (vide item 3.3 deste Capítulo) para a homologação de sentenças oriundas de países do MERCOSUL. Em segundo lugar não há necessidade de tradução da sentença nem de sua consularização, se flexibilizando, deste modo, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. E, em terceiro lugar, os prazos para a homologação das sentenças oriundas de países do MERCOSUL são iguais aos prazos relativos às cartas rogatórias (vide item 3.4 deste Capítulo), sendo, portanto, mais ágil do que os procedimentos gerais de homologação de sentenças estrangeiras. Tem-se, assim, que o procedimento para a homologação das sentenças oriundas de países do MERCOSUL é dotado de mais celeridade e menos formalidade, o

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que pode ser justificado pela premissa de que, em estando os países que compõem este bloco mais integrados, mais relações jurídicas transnacionais envolvendo os seus nacionais poderiam ocorrer. A homologação de sentenças estrangeiras é, assim, um relevante instrumento de cooperação internacional, uma vez que se está aplicando direito estrangeiro e dando-lhe eficácia plena em território nacional. Mais do que isso, é extremamente relevante, caso se recorde a possibilidade de concurso de jurisdição, a pluralidade de competências que pode existir em um caso concreto (item 4 do Capítulo 2), e a possibilidade de não admissão de litispendência em processos envolvendo fatos mistos (como é o caso do Brasil – Capítulo 2). Isto porque, ao ser homologada, a sentença estrangeira passa a produzir efeitos em território nacional e susta outras ações similares – uma vez que há litispendência interna. Não por oposição de exceção de litispendência, mas por oposição de exceção de coisa julgada, que passa a existir, no Brasil, a partir da homologação, com efeitos ex tunc, como se viu acima. Desta feita, a análise dos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras nos locais em que se espera que produza efeitos, inclusive com o tempo médio para a concessão do exequatur, também é uma variável a ser levada em consideração no momento da escolha do foro a ser buscado. Neste sentido, mostra-se como a cooperação internacional, de modo geral, e a homologação de sentenças estrangeiras, de modo particular, são temas relevantes para o concurso de jurisdição, o que justifica sua inserção no presente item desta obra.

Capítulo 5

Concurso de Leis

1. Parte geral 1.1 Noções introdutórias O Direito Internacional Privado se ocupa de solucionar o concurso de leis que incidem sobre casos jusprivatistas em que as relações jurídicas irradiam efeitos em mais de uma ordem jurídica. Ou seja, atua em casos ou situações plurilocalizadas que envolvem fatos mistos. Um fato é considerado misto quando envolve elemento de estraneidade, ou seja, um elemento estrangeiro, que pode se relacionar a qualquer aspecto da relação jurídica: o sujeito, o objeto ou a ação. Os fatos mistos já foram chamados de anômalos e, atualmente, também são denominados fatos multinacionais. É ele o ramo do Direito que irá apontar a partir de um método próprio qual é a lei que deve ser aplicada ao caso concreto, solucionando o aparente conflito entre diferentes ordenamentos que poderiam solucionar a questão. Este é o principal objeto do Direito Internacional Privado: o concurso de leis. Como o Direito é territorial e cada Estado define suas competências, casos envolvendo fatos mistos podem ser regulamentados por mais de um ordenamento, gerando um concurso de leis no espaço. Nestas situações, e a fim de garantir, por um lado, a solução da controvérsia, e, por outro, a segurança jurídica, é preciso saber qual será a lei aplicável. O Direito Internacional Privado, no âmbito do concurso de leis, indicará tal lei e, consequentemente, em qual ordenamento deve-se buscar a solução para o caso concreto.

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Ele fará assim a determinação da localização daquela relação jurídica, uma vez que há mais do que um ordenamento jurídico que pode estar vinculado a ela, e decidirá a qual ordenamento deve-se submetê-la. Desta maneira, tem-se que não será o Direito Internacional Privado que irá solucionar materialmente o caso, mas sim o ordenamento jurídico que ele apontar para tal. Esta escolha é feita pelos Poderes Legislativos internos de cada Estado, sendo o Direito Internacional Privado, no que diz respeito às suas fontes, eminentemente nacional. O Direito Internacional Privado pode, assim, ser considerado um solucionador “indireto” do caso concreto, e o solucionador “direto” do concurso de leis. A partir do item abaixo, passa-se a analisar os aspectos principais desta última ação. Como cada Estado cria o seu Direito Internacional Privado, o foco das explanações será o Direito Internacional Privado brasileiro.

1.2 Fontes Como noção de direito interno, era de supor que a fonte principal, se não exclusiva, do Direito Internacional Privado fosse a lei, sobretudo porque o direito brasileiro é direito gerado por fontes romano-germânicas e, nesse sentido, tem predominância das fontes normativas de tipo legislativo. Se isso é verdade enquanto teoria, basta uma simples leitura das regras de Direito Internacional Privado existentes na antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), e daquelas que estão esparsas pela legislação nacional, para se verificar a existência de lacunas na rede de normas legislativas do Brasil. Da leitura das regras de Direito Internacional Privado registradas pelo legislador haverá espaços enormes na seara dos fatos jurídicos que não terão solução, pelo menos não em um primeiro momento. E será preciso preenchê-los com outras fontes normativas. Isto porque norma não é apenas lei, mas sim qualquer regra juridicamente viável. A própria LINDB diz que há mecanismos para colmatagem de lacunas e se

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deve recorrer a fontes secundárias, auxiliares, como, por exemplo, a doutrina e a jurisprudência. No caso do Direito Internacional Privado, em se verificando a escassez de fontes normativas, de tipo legislativo, ou a concisão dos dispositivos quando estes existem, verifica-se a existência de enorme espaço para o desenvolvimento jurisprudencial ou doutrinário. Em face disso, verifica-se que, além das leis, a doutrina e a jurisprudência terão papel importante como fontes do Direito Internacional Privado; bem como os tratados internacionais, que, ainda que sejam objeto do Direito Internacional Público, vêm ganhando força no âmbito do Direito Internacional Privado, ao regular matérias de sua alçada. Diante desta multiplicidade de fontes, é relevante analisar os aspectos principais de cada uma delas. O Código Civil de 1916 vinha introduzido por uma série de artigos com numeração autônoma, inspirados na Lei de Introdução ao Código Civil Alemão (EgBgB), que veio a ser substituída, em 1942, por um decreto-lei ainda em vigor. O mais curioso é que a Lei n. 3.071/16 iniciava-se pela introdução, com artigos numerados a partir do primeiro, e, posteriormente, o Código Civil começava também no artigo 1º. Hoje, é muito difícil encontrar a redação da Introdução do Código Civil, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, sendo necessário que se recorra a edições muito antigas do Código Civil de 1916. Outros ordenamentos não contam com uma lei específica de Direito Internacional Privado, deixando esparsas tais normas no âmbito da própria legislação material. Assim, por exemplo, após regular a capacidade da pessoa física, inserem uma regra de concurso de normas para indicar o direito aplicável quando o sujeito é estrangeiro ou domiciliado em outro Estado soberano. Essa era, também, a solução desenhada pelo esboço de Teixeira de Freitas que não chegou a se transformar em Código Civil, entre nós. Quando da elaboração do anteprojeto de Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua tratou de tentar conciliar os dois grandes modelos que a comunidade jurídica de então oferecia em termos de regulação da vida civil. No que concerne à regulação da aplicação das normas jurídicas, Beviláqua optou por seguir o modelo do BGB alemão, dotando o Código Civil de 1916 de uma Introdução, com numeração

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autônoma de seu articulado e que tratasse de regular os aspectos atinentes à sucessão e aos conflitos das normas jurídicas. A LINDB é composta por 19 artigos, tratando em seus seis primeiros de questões pertinentes à Teoria Geral do Direito, à sucessão das leis no tempo e ao concurso de leis no tempo, e nos artigos seguintes mais especificamente do Direito Internacional Privado brasileiro. A revogação da Introdução ao Código Civil de 1916 deu-se em decorrência de determinação do Presidente Getúlio Vargas no sentido de alterar os critérios de irretroatividade das leis, na esteira do que fizera a Constituição de 1937. Nesse período ditatorial não houve qualquer previsão, nem explícita, nem implícita, de proteção dos direitos adquiridos no bojo constitucional. Isso fazia muito sentido num Estado autoritário, em que a vontade do governante deveria ser aplicada em razão do “bem comum”. No entanto, em que pese a ausência da proteção constitucional, permanecia a proteção legal, inserta na Introdução ao Código Civil, o que impedia, em regra, a promulgação de normas retroativas. No entanto, aproveitou-se a oportunidade para alterar, também, alguns dispositivos referentes ao Direito Internacional Privado. A Introdução de 1916 apresentava algumas opções de caráter político que, naquele período histórico, mostraram-se verdadeiras idiossincrasias. Assim, por exemplo, a escolha da nacionalidade como elemento de conexão para regular a aplicação da lei no caso de conflito de leis no espaço passou a gerar, a partir da segunda metade da década de 1930, uma série de problemas. Assim, no mais das vezes, sempre que um estrangeiro pleiteasse a realização judicial ou mesmo extrajudicial de um direito subjetivo, a ele seria aplicada a sua lei nacional para a verificação de sua capacidade ou de sua legitimidade para a aquisição daquele direito. Não se pode esquecer que nessa época a segunda guerra assolava a Europa e o Japão, e que a Turquia invadia o Líbano e a Síria, gerando grandes levas de imigrantes que para aqui acorreram. Até então, e em virtude de decretos de naturalização compulsória necessários para a consolidação do conceito de povo brasileiro, não havia no Brasil grande contingente de estrangeiros a quem se aplicassem as leis estrangeiras.

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Até 2011, a LINDB era denominada Lei de Introdução ao Código Civil, mas por conter dispositivos que se aplicam a todo o direito brasileiro e não apenas aos aspectos do Direito Civil, teve sua denominação alterada para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro pela Lei n. 12.376, publicada no DOU de 31 de dezembro de 2010. Alterou-se a ementa da antiga Lei de Introdução ao Código Civil, que passou a se chamar Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Seu artigo 1º afirma textualmente que tal mudança visa ampliar “o seu campo de atuação”. Cedo se percebeu que a temática tratada pela Introdução ao Código Civil não se referia apenas a este ramo didático do saber jurídico, porquanto não se deva nunca esquecer que o Direito consiste num fenômeno cultural de caráter unitário, valendo as divisões que experimenta como recurso de ordem didática e organizacional. Vale dizer, as disposições da Introdução não eram aplicáveis apenas à sucessão das leis civis ou ao conflito das leis civis, mas, sim, à sucessão e aos conflitos das normas jurídicas como um todo. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre afirmaram que um ato jurídico qualquer, como o são um decreto-lei e uma lei, é aquilo que expressa ser (seu conteúdo), e não aquilo que diz ser (sua nomenclatura). Não se pode deixar de criticar o Legislativo por ter aprovado uma lei iníqua como esta e perdido a oportunidade de modificar disposições que mereciam efetiva revisão. Algumas disposições da LINDB foram alteradas por leis posteriores, mas no geral o texto se mantém fiel ao original da década de 1940 (ou até da década de 1910, dependendo da perspectiva), o que faz com que parte das normas de Direito Internacional Privado brasileiro esteja desatualizada em face da doutrina mais contemporânea da matéria. A LICC/1942 foi modificada posteriormente para que nela fosse reincluída a proteção aos direitos adquiridos, uma vez que a Constituição democrática de 1946 voltara a prever tal proteção, como era de nossa tradição constitucional. Todavia, persistia um problema relativamente às obrigações com elemento estrangeiro, porquanto não se tenha dotado tais relações jurídicas de uma regulação conforme ao direito comparado, fazendo-se aplicar a lei do local da celebração do contrato para a sua regulação, tolhendo-se a autonomia da vontade e escolhendo o legislador um elemento de conexão rígido que não se mostrava o mais adequado, como

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seria o caso da aplicação da lei do local onde o contrato viesse a ser cumprido, que consistia em regra meramente supletiva, para os casos em que a obrigação tivesse de ser cumprida no Brasil, como se verá adiante. Para resolver tais problemas e para adequar a Lei de Introdução aos ditames de uma ordem social mais dinâmica, em que o tráfico comercial internacional começava a se destacar, foi nomeado pelo Governo Federal, na década de 1960, o Professor Haroldo Valladão, jurista de nomeada e conhecedor profundo do Direito em sua unicidade, para que elaborasse uma nova Lei de Introdução. O jurista Haroldo Valladão optou por uma nova nomenclatura, mais condizente com a realidade, com o conteúdo e com a função que tal diploma legislativo sempre desempenhara em nosso ordenamento. Assim, seu Anteprojeto de uma Lei Geral sobre Aplicação das Normas Jurídicas foi entregue ao Governo Federal com mais de uma centena de artigos, apresentando uma regulação pormenorizada dos vários aspectos de que se ocupava. Encaminhado ao Congresso Nacional, não teve o seguimento necessário, tendo sido arquivado. Em 1984, o Senador Nelson Carneiro reapresenta o Projeto Valladão, que, todavia, não é sequer discutido, tendo sido deixado de lado em razão das últimas eleições presidenciais indiretas e da convocação de uma nova Assembleia Constituinte. No governo Itamar Franco, é nomeada nova comissão, composta pelos Professores João Grandino Rodas (presidente), Jacob Dolinger, Rubens Limongi França e Inocêncio Mártires Coelho. Apresentado em 1994, o Anteprojeto procurou realizar uma síntese das experiências do passado, adotando a nomenclatura proposta por Valladão, mas mantendo a estrutura interna e a quantidade de artigos da Lei de Introdução vigente. Apresentado como Projeto prioritário do governo Fernando Henrique Cardoso, foi logo retirado da Comissão de Constituição e Justiça a pedido do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, para novos estudos. Não foi mais reapresentado pelo Executivo. Com a aprovação do novo Código Civil, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado n. 243/2002, com vistas a servir de Introdução ao novo Código Civil. O projeto, de qualidade e técnica para lá de duvidosas, não merece aprovação.

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Ciente disso, o Senador Pedro Simon reapresentou, em 2004, e após consulta aos remanescentes da Comissão de 1994 – o Professor Limongi França falecera em 1999 –, o projeto de lei por eles elaborado, devidamente adequado às disposições do novo Código Civil. Seja como for, forçoso é reconhecer que as normas positivadas hoje em vigor não cumprem integralmente seu papel de regulamentar a escolha da lei aplicável, mormente a situações decorrentes dos avanços sociais recentemente experimentados. Daí a necessidade de se recorrer às chamadas fontes auxiliares que, no âmbito do Direito Internacional Privado, acabam por assumir papel importante, se não principal. No que tange à jurisprudência, pode-se dizer que é, ainda, incipiente. Os juízes se mostram, muitas vezes, arredios à aplicação do direito estrangeiro quando este é apontado pelo Direito Internacional Privado brasileiro como a lei aplicável. Tal fato pode decorrer tanto de um apego nacionalista quanto do desconhecimento do Direito Internacional Privado brasileiro, mas em nenhum dos dois casos se justifica. Isso porque, em relação ao primeiro caso, verifica-se que foi opção do Poder Legislativo adotar as regras de Direito Internacional Privado brasileiro e permitir a aplicação do direito estrangeiro, não havendo, portanto, qualquer violação da soberania nacional. Além disso, é preciso ter sempre em mente que a função primordial do Direito Internacional Privado é a de indicar o direito mais próximo à relação jurídica e, se esse for o direito estrangeiro, este deve ser aplicado. Ademais, outra importante característica do Direito Internacional Privado é a de se mostrar tolerante com as diferenças eventualmente existentes entre o direito nacional (do foro) e o estrangeiro (aplicável). Já no segundo caso, com o advento da globalização e o aumento constante do intercâmbio entre pessoas de diferentes Estados, um jurista que queira atuar adequadamente no mundo contemporâneo não pode ignorar a relevância do Direito Internacional Privado, ainda que tenha tido uma lacuna em sua formação acadêmica quando da graduação. Isso porque, durante algumas décadas, a disciplina não constava do rol das disciplinas obrigatórias nos cursos jurídicos, segundo definição do Ministério da Educação.

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É importante, assim, divulgar o Direito Internacional Privado brasileiro, para que ele seja cada vez mais aplicado na prática e para que a jurisprudência se torne fonte efetiva na solução das lacunas legislativas neste ramo do Direito. No que diz respeito à doutrina, verifica-se que, ainda que a produção em Direito Internacional Privado no Brasil seja incipiente, as obras produzidas auxiliam sobremaneira no preenchimento das lacunas legislativas e têm sido as principais fontes a propugnar pelo avanço e desenvolvimento da matéria no Brasil. Assim, têmse trabalhos importantes como os de Haroldo Valladão, Jacob Dolinger, Irineu Strenger, João Grandino Rodas e, mais recentemente, de Nádia Araújo, Maristela Basso e Cláudia Lima Marques. Especialmente no que concerne à parte especial da disciplina, os estudos sistematizados são importante arsenal para o enfrentamento das lacunas produzidas pela genérica legislação. Em face das lacunas internas em termos de fonte, verifica-se o avanço das fontes internacionais sobre o tema no âmbito do Direito Internacional Privado brasileiro. Tal situação vem ganhando uma nova roupagem, mas já existe desde as últimas décadas do século XIX, com as Conferências da Haia de Direito Internacional Privado, e das primeiras décadas do século XX, com a Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado. A Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado, também chamada de Código Bustamante ou de Convenção de Havana, foi celebrada em 1928, a partir das propostas do professor cubano de Direito Internacional Privado: Antonio Sánchez de Bustamante. Ela objetivava unificar o Direito Internacional Privado das Américas a partir de uma convenção internacional geral. A ideia era estabelecer regras gerais de Direito Internacional Privado e também regras para a parte especial, ou seja, a indicação de elementos de conexão que seriam seguidos por todos os Estados ratificantes. Esta convenção continua em vigor no Brasil, mas sofreu inúmeras modificações com a adoção da LINDB, em 1942, e com a adoção posterior de outros tratados pelo Brasil que alteraram parte de suas disposições. O Código de Bustamante somente se aplica para os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) que o ratificaram e para relações jurídicas que tenham ligação com os Estados ratificantes.

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Cabe aqui o princípio da reciprocidade dos tratados internacionais, pelo que ele somente será aplicado se as partes reciprocamente se submetem ao Código de Bustamante. A grande iniciativa que se esperava com o Código de Bustamante era que se conseguisse uniformizar o elemento de conexão entre a antiga América portuguesa e a antiga América espanhola. Só que o Brasil não abriu mão da regra da nacionalidade como seu principal elemento para solucionar os casos envolvendo fatos mistos, e a antiga América espanhola fez o mesmo, mas em relação ao domicílio. O Código de Bustamante trouxe, então, uma regra alternativa, estabelecendo que cada Estado-parte poderia indicar ou o domicílio ou a nacionalidade como seu elemento de conexão. Essa experiência decorrente da assinatura da Convenção de Havana vigorou, durante muito tempo, como a principal fonte internacional do Direito Internacional Privado nas Américas. No final da década de 1970, mas com maior intensidade na década de 1980, os Estados americanos, ainda no âmbito da OEA, passaram a convocar as chamadas Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs). As CIDIPs são conferências esporádicas, convocadas pelo Secretário Geral da OEA, que procuram atualizar as regras do Código de Bustamante, mas tentando não fazer expressa menção a este. Os mais renomados professores de Direito Internacional Privado têm participado ativamente, produzindo textos convencionais que, na grande maioria das vezes, são de extrema qualidade. No entanto, essa experiência tem sido paralisada pela falta de vontade política dos Estados em ratificar os tratados. Da mesma forma, no âmbito global, busca-se harmonizar o Direito Internacional Privado, sendo o grande centro de tal iniciativa a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. Esta iniciativa surge inicialmente para ser um foro europeu de discussões, mas logo passa a contar com a contribuição japonesa, e, em pouco espaço de tempo, os Estados latino-americanos também acorrem a essas discussões, tornando o espaço verdadeiramente global. A Conferência da Haia se torna, assim, o principal eixo de discussão para o avanço do Direito Internacional Privado.

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Essa conferência, que é uma organização internacional permanente, produz textos convencionais que têm sido bem-recepcionados pelos Estados. Praticamente todas as convenções produzidas pela Conferência da Haia, com exceção das muito antigas e das mais recentes, já entraram em vigor. E, em muitas delas, há um número bastante expressivo de Estados-parte, com caso de mais de 80 ratificações de um único texto convencional. No caso do Brasil, a jurisprudência e a doutrina, muitas vezes, recorrem aos tratados negociados, quer nas CIDIPs, quer na Conferência da Haia, mesmo que estes não tenham sido ratificados pelo Estado brasileiro, como forma de argumentação e fundamentação de propostas doutrinárias, principalmente. Isso ocorre, mormente, porque a elaboração dos textos convencionais é bastante cuidadosa, contando com a participação de renomados doutrinadores de todos os Estados-parte, além de técnicos especialmente convocados para discussões específicas, o que lhes garante qualidade e efetividade. No âmbito do Direito Internacional Privado, tem-se reconhecido nesse sentido, tanto doutrinária quanto jurisprudencialmente, força normativa aos tratados não ratificados. Na medida em que no Direito Internacional Privado brasileiro a fonte que consegue o melhor desempenho para preencher as lacunas da matéria é a doutrina e na medida em que esses tratados são negociados por doutrinadores renomados, esses tratados são vistos como a doutrina coletiva do Direito Internacional Privado. Eles conseguem produzir força normativa na medida em que o julgador, que dele se valha, se apoia não no texto convencional em si, mas na doutrina daqueles que o elaboraram. Do final da década de 1990 até 2005-2006, praticamente em todas as delegações de todos os países à Conferência da Haia havia ao menos um docente de Direito Internacional Privado presente nas reuniões. De 2006 em diante, contudo, os Estados têm preferido se fazer representar por burocratas, o que pode, a longo prazo, levar ao empobrecimento do Direito Internacional Privado pela não utilização de tratados não ratificados como fontes da matéria.

1.3 Método

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1.3.1 Noções introdutórias Para solucionar os concursos de leis, o Direito Internacional Privado apresenta um método próprio que é, em geral, definido como indireto, analítico e sintético judicial. O método do Direito Internacional Privado irá apontar a lei aplicável ao caso concreto sem trazer a solução material a este, razão pela qual este ramo do Direito é apontado como sendo um sobredireito. Por trazer esta técnica de solução de concursos de leis, como visto, o Direito Internacional Privado às vezes tem seu caráter jurídico questionado. Tal fato é um equívoco, pois se trata de um método a partir de conceitos e normas jurídicas, o que faz com que o Direito Internacional Privado seja, sim, Direito. Para se entender o método do Direito Internacional Privado, e assim ser capaz de solucionar os concursos de leis, deve-se entender a norma de Direito Internacional Privado para, na sequência, verificar-se como se chega a sua aplicação, que é o que se passa a fazer.

1.3.2 Estrutura e classificação da norma de direito internacional privado As normas jurídicas em geral apresentam uma estrutura dupla baseada na colocação de uma hipótese e do estabelecimento de uma consequência daquela hipótese. É assim, por exemplo, que para a hipótese de se “matar alguém” há a consequência jurídica de uma pena criminal; ou na hipótese de se configurar uma relação trabalhista existem consequências reguladas pelo Direito do Trabalho. As normas do Direito Internacional Privado também possuem duas partes, mas, diferentemente das normas jurídicas em geral, estas partes não se configuram como hipótese e consequência. Na primeira parte da norma de Direito Internacional Privado, há a identificação de um instituto jurídico ou de um grande tema/uma grande disciplina do Direito, como, por exemplo, os bens ou o direito de família. Esta parte que é o instituto jurídico sobre o qual versa a norma é denominada objeto de conexão.

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Já a segunda parte da norma de Direito Internacional Privado traz um elemento de conexão, que irá apontar qual é a lei aplicável ao caso concreto, permitindo a solução do conflito a partir do direito material a que ele remete o caso. É assim, por exemplo, que no Direito Internacional Privado brasileiro o tema dos bens será regulado pela lei de sua localização, e o direito de família, pela lei do domicílio da pessoa, uma vez que a LINDB estabelece que Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicarse-á a lei do país em que estiverem situados.

E Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Analisando-se o artigo 8º, verifica-se que o objeto de conexão são os bens (o instituto jurídico regulado), e o elemento de conexão é a localização, uma vez que se aplicará a “lei do país em que estiverem situados”. Já no caso do artigo 7º o objeto de conexão é múltiplo (o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade), incluindo-se o direito de família, e o elemento de conexão é o domicílio, uma vez que se aplicará a “lei do país em que domiciliada a pessoa”.

Norma de Direito Internacional Privado Objeto de conexão (instituto jurídico regulado) + Elemento de conexão (aponta lei aplicável ao caso)

É relevante destacar que os elementos de conexão só serão utilizados caso se trate de uma situação plurilocalizada, ou seja, uma situação que irradie efeitos em mais do que um ordenamento jurídico pela existência de elemento estrangeiro na relação jurídica.

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Tem-se, assim, que o elemento estrangeiro é fático; ele está na relação jurídica plurilocalizada, que deve possuir pelo menos um elemento nacional para interessar ao ordenamento nacional. Ou seja, deve existir mesmo um fato misto para que o Direito Internacional Privado passe a atuar. Já o elemento de conexão é normativo; ele está na norma. Em geral é estabelecido pelo legislador com exceção de poucas hipóteses em que há um espaço teórico para o exercício da autonomia da vontade no Direito Internacional Privado. Trata-se dos temas dos contratos e do regime de bens em caso de matrimônio.

Elemento estrangeiro – presente na relação jurídica Elemento de conexão – presente na norma

O elemento de conexão é vazio de conteúdo. Não consegue ter sentido a menos que se recorra à situação fática analisada. Trata-se da premissa maior. A premissa menor é obtida a partir dos fatos. Assim se chega à conclusão. Dizer-se que a lei aplicável é a do domicílio de pouco adianta se não se souber onde o indivíduo é domiciliado. Sabendo-se tal circunstância, obtém-se a conclusão. De qualquer sorte, convém lembrar que o elemento de conexão não traz em si a resposta material ao caso concreto, mas indica a resposta de qual a lei aplicável. É o continente de que o elemento nacional ou o elemento estrangeiro podem ser o conteúdo. Cada Estado, no exercício de sua soberania legislativa, adota os elementos de conexão que desejar; sendo que existem alguns elementos de conexão que são adotados de maneira mais frequente, como a nacionalidade e a localização (seja da pessoa com base em seu domicílio ou residência habitual, seja do bem).

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Principais elementos de conexão

Pessoais (Personalidade, capacidade, direito de família e sucessões) (doutrina mais moderna

– Religião – Nacionalidade (lex patriae) – Domicílio (lex domicilii) aponta a residência habitual

como melhor critério)

Reais sitae)

– Situação da coisa (lex rei – Domicílio do proprietário/

possuidor

Formais celebração

– Local do ato (lex loci)

atos jurídicos) execução

da da da

constituição

Obrigacionais vontade)

– Volitivo (autonomia da – Local da constituição – Local da execução

Delituais

– Local do delito (lex loci delito)

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O Direito Internacional Privado mais moderno propugna pela adoção do elemento de conexão que mais próximo esteja da relação jurídica. Adotando-se ideia do direito americano, busca-se o centro de gravidade da relação jurídica que deveria então propiciar a definição do elemento de conexão relativo a ela. Assim, por exemplo, nos casos de direito de família entende-se que o local em que a pessoa tem maiores vínculos e realiza os atos de sua vida civil e familiar é o centro de gravidade – e não, por exemplo, o Estado de sua nacionalidade –, o que deveria estar refletido no elemento de conexão, que deveria preferir, então, ou o domicílio, ou, como propugna a teoria mais atual, a residência habitual como elemento de conexão. Se as normas de Direito Internacional Privado e as normas jurídicas em geral têm a mesma estrutura – ambas possuindo duas partes –, mas há diferenças no conteúdo dessas duas partes, deve haver uma classificação das normas em diferentes tipos. Uma primeira forma de classificação separa justamente as normas jurídicas em geral das normas jurídicas de Direito Internacional Privado, dividindo as normas jurídicas em normas diretas e normas indiretas. As normas diretas são aquelas que trazem a resposta ao problema, a consequência da hipótese, nelas mesmas. A norma jurídica, em geral, é direta. Quando ela é construída, não só se detecta a hipótese, não só se percebe o problema como se torna possível encontrar, nesta mesma norma, a resposta jurídica, a consequência imaginada pelo legislador para aquele problema. Então, hipótese e consequência (na mesma norma) indicam a existência de uma norma jurídica direta. As normas de Direito Internacional Privado são normas indiretas. Elas apenas e tão somente remetem a outra norma que resolverá o problema. Esta outra norma pode ser nacional ou estrangeira, dependendo das circunstâncias fáticas da relação jurídica, fazendo com que, algumas vezes, o direito estrangeiro tenha que ser aplicado pelo juiz nacional. Em alguns Estados europeus há normas diretas de Direito Internacional no que tange ao concurso de leis, que são chamadas também de normas materiais,

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sobretudo pelos doutrinadores portugueses. No entanto, no sistema normativo brasileiro não se encontra este tipo de normativa. Delimitada essa diferença entre as normas de tipo direta e indireta, é possível abstrair uma consequência das normas indiretas, que seria aquilo que Moura Ramos denominou de assepsia ou de normas assépticas. A assepsia das normas indiretas está presente tanto no fato de estas não terem o condão de resolver o problema à primeira vista, mas de modo mais significativo no fato de apenas apontarem em qual ordenamento jurídico deve-se buscar a solução material do caso, sem se preocupar com as reais consequências desta aplicação. As normas de Direito Internacional Privado em geral se ocupam tão-somente de apontar a lei aplicável, sem analisar a justiça de tal aplicação ao caso concreto. Em princípio, a norma de Direito Internacional Privado sozinha é tão neutra quanto um ambiente esterilizado, asséptico. A norma do Direito Internacional Privado vai ter o seu conteúdo pleno, perfeito e acabado quando se conseguir relacioná-la com uma situação fática. Em face desta relação de dependência, sobretudo após o final da Segunda Guerra Mundial passou-se a defender a ideia de que o Direito Internacional Privado deve estar aberto também a valores, analisando e trabalhando não apenas com questões formais, mas também questões de conteúdo. Este movimento se funda no surgimento de um sistema de proteção ao ser humano com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, e passa a estabelecer uma escala axiológica com a valorização positiva do indivíduo no cenário internacional. Tal transformação é uma das mais significativas do Direito Internacional Privado desde seu surgimento, pois passa a introduzir elementos de conteúdo em um ramo do Direito que até então era exclusivamente formal. Outra forma de classificar as normas de Direito Internacional Privado é a divisão em normas unilaterais e normas bilaterais. As normas unilaterais são aquelas que se preocupam com o fenômeno do Direito Internacional Privado a partir de um único ordenamento jurídico. Um exemplo de tais normas no ordenamento jurídico brasileiro é o § 1º do artigo 7º da LINDB, que dispõe:

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Art. 7º, § 1º – Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

A ideia é que, para os casamentos que se celebram no Brasil, a lei aplicada para dizer quais são as formalidades sejam as feitas no Brasil. Tem-se, assim, uma visão parcial, unilateral do problema – que só é visto a partir do prisma dos casamentos celebrados no Brasil. Para compreender plenamente as implicações das normas unilaterais é preciso torná-las bilaterais, entendendo que ao restringir a ótica de análise do Direito Internacional Privado elas aceitam as mesmas restrições por outros Estados. Neste sentido, e usando-se o exemplo acima, se o casamento no Brasil é regido pela lei brasileira, devo aceitar que se o casamento for celebrado na Argentina seguirá a lei argentina, se for celebrado no Uruguai, a lei do Uruguai, e assim por diante. Deste modo, bilateraliza-se a norma unilateral, abstraindo-se uma norma global, que no caso em tela seria a de que o casamento se rege pela lei do local de sua celebração. Com tal expediente, consegue-se obter uma norma tipicamente bilateral. As normas bilaterais, por seu turno, são aquelas que já estão abertas à eventual aplicação do direito estrangeiro, caso seja este o apontado pelo elemento de conexão; sendo estas a maior parte das normas de Direito Internacional Privado no Brasil. Pelo exposto, verifica-se que as normas de Direito Internacional Privado, no que tange ao concurso de leis, são sempre indiretas e podem ser unilaterais ou bilaterais, sendo aquelas sempre bilateralizáveis.

1.3.3 Método de direito internacional privado Uma vez apontados os principais aspectos das normas de Direito Internacional Privado, cumpre agora entender qual é o método que este ramo do Direito adota para solucionar os concursos de leis. O método de Direito Internacional Privado é bastante variado em termos de etapas e modelos; contudo, em geral, como no caso do Brasil, é composto por três fases.

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A primeira fase do método do Direito Internacional Privado é a qualificação. Qualificar significa dar enquadramento jurídico aos fatos pertinentes ao caso em questão. Significa entender qual é a questão que está sendo colocada e na sequência proceder à subsunção dos fatos à regulamentação jurídica. Jacob Dolinger ensina que qualificar é o resultado de duas atitudes juridicamente específicas: conceituar e classificar. Por exemplo, em face de um caso em que a parte explique que trabalhou durante X anos na empresa Y por 10 horas diárias sem receber o excedente do máximo de horas semanais previsto em lei, a qualificação significaria compreender que se trata de um tema no Brasil de Direito do Trabalho. Já se a situação fática for a da falta de pagamento de deveres em função da percepção de renda, a qualificação apontaria para um problema no Brasil de Direito Tributário. Verifique-se que nos exemplos acima se procedeu à qualificação a partir do ordenamento jurídico brasileiro. Isto é relevante, pois cada ordenamento jurídico pode ensejar uma qualificação diferente, uma vez que esta significa proceder ao enquadramento jurídico dos fatos e que cada ordenamento pode proceder a um enquadramento diferente. Nesse sentido é que se fala em conflito de qualificações. O problema dos critérios a serem seguidos para se proceder à correta qualificação não foi notado na doutrina senão após o estabelecimento de discussões a respeito na jurisprudência. Os casos da sucessão do maltês na Argélia, do testamento hológrafo do holandês formalizado na França e do casamento civil, em jurisdição francesa, de cidadão grego e cidadã francesa levantaram a questão, já que, segundo a qualificação admissível em cada um dos ordenamentos jurídicos envolvidos, chegar-se-ia a soluções diversas. No que diz respeito a essa dificuldade de se buscar a forma mais adequada de qualificar a relação fática para a qual se busca uma solução jurídica, a todas as teorias que se desenvolveram foram endereçadas críticas mais ou menos veementes. Da tentativa de se deixar assentada a necessidade de qualificação segundo a lex fori (preferida por Bartin, na França, e Kahn, na Alemanha), afirma-se ser ela melhor por estar o juiz do foro acostumado ao sistema classificatório vigente em seu país.

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Ademais, como a regra de conflitos a ser utilizada é aquela que se esculpiu no bojo desse mesmo sistema, é natural pressupor que os conceitos são em si assemelhados e buscam atingir, se não o mesmo escopo, ao menos o escopo social extremamente aproximado. No entanto, segundo alguns autores, essa forma de iniciar a resolução do conflito de leis acarreta a impossibilidade e a incapacidade de se aplicar, muitas vezes, a lei mais próxima à relação jurídica. Ademais, utilizar um critério classificatório para, em seguida, aplicar a lei de outro ordenamento pode ocasionar a aplicação de uma lei que não se mostra a mais adequada na medida em que, no ordenamento a ser aplicado, a mesma relação receberia outra conformação jurídica. Partem esses autores da convicção de que “uma lei nunca é convocada na totalidade das suas regras materiais, mas a norma de conflitos da lex fori recorta no sistema a que se refere um sector determinado e localiza nele a competência atribuída a esse mesmo sistema” (FERRER CORREIA, 2000). Assim, percebe-se que a visão proposta faz coincidir a qualificação pela lex fori e a qualificação das regras do direito estrangeiro que podem ser aplicadas para a resolução do litígio. Desse modo, sendo diversa a natureza do instituto envolvido em ambos os sistemas, o juiz do foro restaria sem norma a aplicar, já que, nas normas de mesma qualificação do direito estrangeiro que foram convocadas pelo Direito Internacional Privado do foro, não haveria nenhuma disposição pertinente ao caso em questão, sendo preferível, então, qualificar segundo os desígnios da lex causae. Já ao sistema de qualificação pela lex causae (preferida por Despagnet, na França, Pacchioni, na Itália, e Wolff, na Alemanha) costuma-se indicar como empecilho principal a impossibilidade de se saber, de antemão, qual será efetivamente a lei material aplicável. É que ela dependerá justamente da qualificação que se estabelecer segundo a lei estrangeira e seu enquadramento na respectiva norma de Direito Internacional Privado do foro, o que pode causar dificuldades de monta, pois, não raras vezes, a qualificação feita pela lei alienígena poderá forçar ao enquadramento da hipótese fática em uma norma de Direito Internacional Privado do foro que indicará, por sua vez, a aplicação da própria lei material indígena ou de terceira lei, também estrangeira,

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modificando a ideia preliminar de que a lei usada para a qualificação da questão seria a lei aplicável. E isso porque, corriqueiramente, o juiz será levado à suposta lex causae por meio de sua própria lei conflitual, escolhendo-a com base na sua própria qualificação da questão – com base, portanto, na lex fori. Cria-se, assim, a possibilidade de que se estabeleça um círculo vicioso, na medida em que a requalificação da questão, segundo agora os desígnios do direito alienígena ou indígena que a busca anterior tiver demonstrado como aplicáveis, poderá indicar outro ordenamento como o competente para fazer valer as suas normas materiais. Para evitar o estabelecimento desse suposto e provável círculo vicioso, sugere Ernst Rabel o recurso a mecanismos próprios do direito comparado para se buscarem conceitos que possam apresentar notas de autonomia e universalidade capazes de, em médio prazo, fazer desaparecer os conflitos de qualificação. Todavia, justamente por se assentar em conflitos que dificultam a qualificação, é de se esperar que seja extremamente dificultada a busca de caracteres autônomos e universais capazes de dirimir tais conflitos, já que, nesses casos, seriam os mesmos conflitos meramente aparentes. Ademais, como ressalta Magalhães Collaço (1964), o método comparativo está longe de ser uma solução para o problema, sendo preferível encará-lo, como o faz agora o sistema de qualificação português, como um instrumento. No que concerne ao Direito Internacional Privado brasileiro, é de se notar que o legislador de 1942 fez duas esparsas referências à lei a que se deve recorrer para fins de qualificação, mencionando a necessidade de se valer da lex causae sempre que se tratar de qualificar os bens (lei do local da situação dos bens) e as obrigações (lei do local da constituição). Silenciou, todavia, quanto ao estabelecimento de uma regra geral. Nesse sentido, a maioria da doutrina invoca o artigo 6º do Código Bustamante, que é explícito ao estatuir a qualificação pela lex fori. No mesmo sentido o Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004 (PLS), de autoria do Senador Pedro Simon, que dispõe:

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Art. 17. Qualificação. A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita de acordo com a lei brasileira.

Percebe-se claramente que o sistema brasileiro de Direito Internacional Privado prefere a qualificação de acordo com a lex fori. Tal tema remete ao concurso de jurisdição abordado no Capítulo 4 desta obra: uma vez que não há litispendência internacional, é preciso saber inicialmente qual (ou quais) ordenamento(s) jurídico(s) tem (têm) competência para analisar o caso, para na sequência aplicar o método do Direito Internacional Privado. A partir da qualificação é possível determinar qual é o instituto jurídico ou o grande tema de Direito que se relaciona ao caso, ou seja, qual é o objeto de conexão do concurso de leis, sem o que não é possível solucioná-lo. Uma vez identificado o objeto de conexão, recorre-se ao Direito Internacional Privado para verificar qual é o elemento de conexão para o caso em tela e, com isso, define-se qual é a lei aplicável. Neste sentido, a segunda etapa do método do Direito Internacional Privado é o encontro da lei aplicável ao caso concreto por meio do elemento de conexão. A terceira fase do método do Direito Internacional Privado é a aplicação da lei apontada como a regente daquele instituto jurídico. O elemento de conexão pode ser preenchido por um elemento nacional ou por um estrangeiro; naquele caso a lei aplicável será a lei nacional, e neste será o direito estrangeiro. A lei aplicável ao caso concreto é a denominada lex causae, que vem a ser a lei materialmente aplicada. Aplicando-se a lex causae se soluciona o concurso de leis, e tem-se que o Direito Internacional Privado realiza seu objeto principal.

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Método do Direito Internacional Privado Após a determinação de um juízo competente 1. Qualificação – determinação do instituto jurídico sob análise 2. Encontro da Lei Aplicável – por meio do elemento de conexão 3. Aplicação da lex causae ao caso concreto e solução material do conflito

1.4 Aplicação do direito estrangeiro Como visto no item anterior, a aplicação do método do Direito Internacional Privado pode levar à aplicação do direito nacional ou do direito estrangeiro. Tem-se assim que a abertura ao direito estrangeiro é um dos requisitos do Direito Internacional Privado. Pensando-se no Direito Internacional Privado como um todo, a aplicação do direito estrangeiro pode ocorrer de forma direta ou indireta. A aplicação direta do direito estrangeiro ocorre quando o elemento de conexão nos remete a um ordenamento estrangeiro, cujas normas serão aplicadas pelo juiz nacional. Já a aplicação indireta do direito estrangeiro ocorre quando o caso foi analisado em outro ordenamento jurídico e o que se pretende é homologar uma decisão para que produza efeitos no ordenamento nacional. Da mesma forma, pode ocorrer a aplicação indireta, por via de homologação de sentença estrangeira, do próprio direito nacional. É o que ocorre quando a sentença homologada foi lavrada no exterior com base na aplicação do direito brasileiro, indicado como aplicável, no caso concreto, em razão das regras de Direito Internacional Privado do foro estrangeiro. Tais situações se aproximam mais do tema do concurso de jurisdição, enquanto a aplicação direta do direito estrangeiro é verificada no tema do concurso de leis.

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1.4.1 Limites à aplicação do direito estrangeiro Ainda que a aplicação do direito estrangeiro seja requisito do Direito Internacional Privado, e que o ordenamento jurídico brasileiro aceite tal situação; verificase que há limites a tal aplicação visando, sobretudo, a manter a aproximação entre os valores sociais e o Direito. No Direito Internacional Privado brasileiro os principais limites são: 1) ordem pública, 2) fraude à lei, 3) instituição desconhecida, 4) reciprocidade e 5) princípio do nacional lesado. Não existe, do ponto de vista metodológico, nenhuma razão para que a verificação da configuração de um ou outro limite se faça antes da verificação dos demais. No entanto, o grau de relevância de cada uma das exceções à aplicação do direito estrangeiro e a exigência maior ou menor de inter-relacionamento entre o sistema jurídico local (do foro, nacional) e o sistema jurídico estrangeiro indicam a conveniência de se observar certa ordem lógica. É nessa ordem que os limites serão apresentados, abaixo, em itens separados. No entanto, reitere-se, nada impede que o aplicador do Direito realize a verificação em ordem outra que lhe pareça metodologicamente mais adequada ou conveniente. Seja qual for a ordem empregada para a verificação dos limites, fato é que a configuração de um deles implicará a necessidade de se corrigir a indicação do direito aplicável determinada pela norma de Direito Internacional Privado do foro. Durante muito tempo, a análise dos limites à aplicação do direito estrangeiro foi tida como verdadeira exceção à aplicação do direito estrangeiro, com recurso ao direito nacional para a tomada de decisão de mérito, em lugar daquele. É que ao se deparar com um direito estrangeiro inaplicável por afronta a um dos limites, e sendo o julgador obrigado a tomar uma decisão, não lhe restava alternativa que não a de decidir de acordo com as regras de seu direito, o direito nacional, do foro. Isso porque é necessário lembrar que o juiz está proibido de proferir o non liquet, ou seja, está obrigado a tomar uma decisão, entregando ao jurisdicionado a prestação jurisdicional que foi buscar perante o Judiciário.

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O avanço do estudo sistemático do tema, no entanto, tem demonstrado que há casos em que a não aplicação de um específico direito estrangeiro pode dar lugar à aplicação de outro direito estrangeiro. Além disso, modernamente, percebeu-se que há ao menos uma hipótese (veja o item sobre fraude à lei, a seguir) em que o juiz poderá ser obrigado a não aplicar o seu próprio direito nacional, recorrendo a um sistema jurídico estrangeiro. Nesse sentido, os limites à aplicação do direito estrangeiro, hoje, precisam ser analisados com tais importantes ressalvas. É o que se fará.

1.4.1.1 Princípio da reciprocidade O princípio da reciprocidade é muito utilizado no Direito Internacional Público, mas no que diz respeito ao seu emprego como limite à aplicação do direito estrangeiro no Direito Internacional Privado verifica-se que se encontra em desuso. Pelo princípio da reciprocidade um Estado somente aplicaria o direito de um Estado estrangeiro se este estivesse também aberto a aplicar direito de outros Estados; ou seja, se houvesse reciprocidade na abertura ao direito estrangeiro. Como a importância do Direito Internacional Privado é cada vez mais inconteste, e em sendo a abertura ao direito estrangeiro um de seus requisitos, a maior parte dos Estados encontra-se aberta a aplicar o direito estrangeiro, o que torna o limite da reciprocidade desnecessário. Historicamente, entretanto, houve casos de Estados que optavam por um único elemento de conexão em suas normas de Direito Internacional Privado. Tal elemento decorria da vinculação desses Estados soberanos com o princípio da territorialidade, que implicava a submissão de todas as decisões proferidas naquele território à aplicação do sistema jurídico do foro. Assim, quando outros Estados soberanos, aplicando as regras de seu próprio Direito Internacional Privado, devessem aplicar o direito de Estados vinculados a essa política, valiam-se do princípio da reciprocidade para afastar a aplicação, em sua jurisdição, do direito daqueles Estados vinculados ao territorialismo.

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Como, no entanto, não existem exemplos cotidianos de vinculação exclusiva ao princípio da territorialidade, explica-se o desuso da reciprocidade como freio ao que era considerado um exagero nacionalista da parte daqueles Estados. O tema, portanto, tem mais interesse acadêmico que prático.

1.4.1.2 Fraude à lei A discussão em torno da fraude à lei surge na jurisprudência francesa, em 1874, na análise do caso da princesa de Bauffremont, condessa belga, que adquire nacionalidade francesa pelo casamento com o príncipe de Bauffremont. Decretada a separação de corpos do casal segundo a lei francesa, a princesa se refugia numa propriedade da família de seu marido localizada no condado de Saxe-Altenbourg. Após algum tempo, a princesa adquire a nacionalidade local e passa a ser regida por aquela lei, já que a lei aplicável às relações familiares, ali, é a lei da nacionalidade da pessoa. Em razão da submissão à nova lei, a separação de corpos é recepcionada pela legislação local como um ato equivalente ao divórcio. Assim, livre para novo matrimônio, a princesa se casa, em Berlim, com o Príncipe Bibesco, de nacionalidade romena. Na França, o príncipe de Bauffremont obtém a declaração da ineficácia desse casamento, considerando as cortes francesas que ambos permaneciam casados, já que sua naturalização fora inválida, sem o consentimento do marido. Em sede recursal, no entanto, alega-se que seria impossível verificar os requisitos exigidos pela lei soberana estrangeira e entende-se que o que ocorreu foi a obtenção da nacionalidade alemã exclusivamente para evitar, maliciosamente, a aplicação da lei francesa à verificação da capacidade matrimonial da noiva. A vida em sociedade exige, por vezes, que as pessoas alterem seu centro de gravitação jurídica. Ninguém impedirá, de forma arbitrária, que qualquer pessoa que atenda às exigências legais possa alterar seu domicílio, mudar sua nacionalidade, por naturalização, transportar, alterando o local de sua situação, bens valiosos para o cofre de um banco ou para uma galeria ou museu localizados no exterior.

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Da mesma forma, ninguém criará óbices se os contratantes, dada a importância econômica das negociações travadas por sucursais de duas grandes empresas multinacionais, decidirem alterar o local de celebração da avença, deslocando-a para a sede comum dos conglomerados econômicos. Em tais exemplos, a alteração geográfica dos elementos da relação fática pode implicar o deslocamento da regência jurídica da relação jurídica. E isso não é proibido. No entanto, quando se perceber que tal mudança se fez de modo a fugir de um sistema jurídico, originariamente aplicável, para submeter-se a outro, aparentemente mais favorável, configurada estará a fraude à lei, como ocorreu no caso da princesa de Bauffremont que ilustra este item. A fraude à lei é definida, assim, como a manipulação ardilosa dos elementos da relação jurídica a fim de evitar a aplicação de uma norma – em geral de ordem pública. É, assim, uma tentativa de, como o próprio nome denota, fraudar a aplicação correta do Direito por meio da manipulação dos elementos da relação jurídica a fim de alterar os elementos de conexão pertinentes. Perceba-se que, metodologicamente, a análise da configuração ou não da fraude à lei prescinde do conhecimento do sistema jurídico estrangeiro. Sua análise é mais fática que jurídica. Daí a sugestão de que seja o primeiro limite a ser analisado. São seus elementos: subjetivo: intenção de iludir a competência da lei de aplicação normal, a fim de afastar um preceito imperativo de direito material (alguns autores falam em jus cogens), fazendo aplicar outra lei onde aquele preceito cogente não existe; objetivo: alteração voluntária, mediante adequada manipulação da regra de conflitos, normalmente por modificação do elemento que preenche a conexão (caso Bauffremont) e, por vezes, do próprio objeto da conexão (caso Caron); objeto da fraude: a lei fraudada será sempre a norma de conflitos que mandava aplicar o direito material de que a parte pretendia evadir-se. Da mesma forma, as normas que estabelecem competência jurisdicional podem ser objeto de fraude, por exemplo, com a fixação do

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domicílio do réu em determinado estado a fim de forçar a competência daquele país. Segundo Valladão, a exceção de fraude à lei encontrará sempre fundamento no grande princípio de defesa da ordem jurídica ou da legalidade, que condena atos com objeto ilícito ou imoral, daí porque tenha sugerido, em seu Anteprojeto, artigo sobre o assunto, abaixo transcrito: Art. 11. Condenação do abuso do direito. Não será protegido o direito que for ou deixar de ser exercido em prejuízo do próximo ou de modo egoísta, excessivo ou antissocial.

A LINDB não contém regra expressa sobre o assunto, mas o PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 17. Não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculo fraudulentamente estabelecido.

1.4.1.3 Instituição desconhecida Tradicionalmente a doutrina cuida do tema, também, com referência à necessidade de se aplicar o direito estrangeiro, no foro brasileiro, para dirimir um conflito relativo a um instituto desconhecido pelo direito material do foro. A abordagem se deve a Savigny, mas a doutrina reconhece que esse aspecto guarda, hoje, maior pertinência à diversidade de qualificação e ao princípio da ordem pública. No estágio atual do Direito, no entanto, parece ser mais adequada outra abordagem da questão, a seguir exposta. A instituição desconhecida se referiria, assim, às situações em que o Direito Internacional Privado brasileiro determina que se aplique o direito estrangeiro, e este em sua parte material não apresenta regulamentação normativa para aquele instituto jurídico. O juiz nacional fica assim diante da ordem de aplicar um ordenamento que, no que tange àquela situação específica, desconhece aquele instituto jurídico. A complexidade das relações humanas e sua absorção, pelas mais diversas sociedades, é a responsável por tal fenômeno. Com efeito, sabe-se que o Direito só

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deve atuar quando sua intervenção se faz estritamente necessária, quando o bem jurídico objeto da tutela do Estado se apresenta escasso para aquela sociedade. Assim, as necessidades de uma dada sociedade podem não corresponder às necessidades de outra sociedade considerada. Tal fenômeno pode dar origem a diversas hipóteses quando se comparam o sistema jurídico nacional (do foro) e o sistema jurídico estrangeiro (mandado aplicar pelo Direito Internacional Privado do foro): ambos regulamentam a questão, com leves diferenças; ambos regulamentam a questão, com profundas diferenças; um regulamenta a questão, e o outro conta com instituto diverso, porém semelhante e adaptável; um regulamenta a questão, e o outro não a regulamenta. Apenas nesse último caso ocorre o fenômeno da instituição desconhecida. Na primeira hipótese, o campo é o da aplicação do princípio da tolerância com as diferenças. A segunda hipótese dá lugar à aplicação do princípio da ordem pública. A terceira assistirá ao fenômeno da adaptação, que se assemelha, em termos de direito interno, à figura da conversão do negócio jurídico, que só ocorre mediante o preenchimento de uma série de requisitos. Em face disso, adapta-se da instituição estrangeira a partir de instituições nacionais similares. Por exemplo, caso se tivesse que aplicar sistema jurídico estrangeiro que desconheça o contrato de leasing, poder-se-iam aplicar normas atinentes aos contratos de consórcio, compra e venda e locação no que tivessem semelhança com o contrato original; fazendo-se assim uma “colagem normativa” para aplicar a instituição estrangeira. Em sentido contrário, não é possível adaptar a separação judicial (que só rompe a sociedade conjugal) ao divórcio (que extingue o vínculo matrimonial), uma vez que se prestam a finalidades bastante diversas. Assim, caso se tivesse de aplicar, no Brasil, uma lei estrangeira qualquer, que só tivesse regras sobre separação judicial, o juiz brasileiro deveria reconhecer que o divórcio é, para aquela legislação, uma instituição desconhecida. Para solucionar as hipóteses de instituição desconhecida propriamente dita, deve-se proceder ao afastamento total da normativa estrangeira em cujo sistema a

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instituição é desconhecida. No exemplo, então, o juiz brasileiro deveria julgar o divórcio com base na lei brasileira, afastada a lei estrangeira aplicável. Não se deve confundir essa hipótese com a situação de carência da ação por falta de possibilidade jurídica do pedido (condição da ação). É que, para os aspectos processuais, a lei aplicável é, sempre, a lex fori, ou seja, o tipo de demanda, os pressupostos processuais, as condições da ação e o procedimento em si são regulados pela lei brasileira, do foro, para os processos que aqui se iniciem. Assim, a possibilidade jurídica do pedido é averiguada segundo a lei do foro. No caso citado como exemplo, é claro que o pedido de divórcio, desde 1977, é possível de ser manejado perante tribunais brasileiros. Assim, se o casal possuía seu domicílio conjugal no exterior, em um país que desconhece o divórcio, ao se aproximar daquela legislação, o juiz brasileiro perceberá a impossibilidade de resolver o litígio a ele submetido segundo a lei estrangeira, por ser este, o divórcio, uma instituição desconhecida ali. Como é obrigado a julgar, não resta ao juiz brasileiro alternativa que não afastar a normativa estrangeira (pois inexistente naquele sistema norma específica ou adaptável à situação fática) e julgar de acordo com a lei nacional. O problema se transfere, assim, para eventual e futuro reconhecimento da sentença brasileira naquele ordenamento onde o casal mantinha seu domicílio conjugal, pois sendo o divórcio desconhecido ali, dificilmente haverá a concessão do exequatur. Aliás, isso ocorria com certa frequência no Brasil, antes de 1977, com casais aqui domiciliados que buscavam obter seus divórcios no Uruguai ou no México, que já admitiam a dissolução do casamento. Os juízes uruguaios e mexicanos, que deviam, segundo o Direito Internacional Privado local, aplicar o direito brasileiro, afastavam-no em razão do desconhecimento daquela instituição entre nós – note-se que o direito brasileiro não cuidava do divórcio para proibi-lo; apenas se dizia que o casamento era indissolúvel – e julgavam de acordo com o direito local, concedendo o divórcio. Buscando a homologação perante o STF (à época competente), a Corte negava a homologação requerida por ofensa à ordem pública (veja-se, infra). A instituição desconhecida exige de quem a invoca certa aproximação e certo conhecimento do direito estrangeiro. Não uma aproximação ou um conhecimento

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profundo, mas, pelo menos, uma análise do sistema em si para se perquirir se há ou não regulamentação para o instituto em tela. Daí a sugestão de que sua análise se faça nesse momento do raciocínio metodológico.

1.4.1.4 Princípio do nacional lesado Já o princípio do nacional lesado significa uma análise de conteúdo da aplicação do direito estrangeiro pela qual se verifica qual a norma mais benéfica ao nacional – se a norma estrangeira ou se a norma interna – excluindo-se a aplicação da menos benéfica. Tal limite é criticado, pois tem traços nacionalistas que não se coadunam com a internacionalização necessária em face do maior intercâmbio entre as pessoas. Caso se olhasse qual é a norma mais benéfica tanto para nacionais quanto para estrangeiros em situação similar, não haveria problema de analisar-se o conteúdo da norma, mas a limitação aos nacionais gera as críticas. Nesse sentido, diferencia-se de um elemento de conexão que tem sido muito utilizado nas mais modernas legislações de Direito Internacional Privado, que é o elemento da lei mais favorável, cotidianamente invocado na defesa dos interesses de pessoas com certo grau de hipossuficiência, como consumidores, alimentandos, crianças etc. Justamente pelas críticas que lhe são endereçadas, o princípio do nacional lesado só pode ser aplicado quando há expressa previsão normativa nesse sentido. No âmbito do direito positivo brasileiro, há uma expressa hipótese de aplicação do princípio. Trata-se da sucessão em favor de cônjuge ou filhos brasileiros de pessoa domiciliada no exterior por ocasião de seu falecimento. Nesse caso, devem-se comparar o direito sucessório do último domicílio do de cujus e o direito sucessório brasileiro, aplicando-se aquele que for mais benéfico ao cônjuge ou aos filhos sucessores de nacionalidade brasileira. A previsão encontra assento legal, na LINDB, mas também constitucional (art. 5º, XXXI, da CF), constando do rol dos direitos e garantias fundamentais. Assim, só poderia ser alterada tal previsão, de cunho nacionalista e aparentemente desarrazoado, pela edição de nova Constituição, já que vedada a propositura de Emenda Constitucional tendente a aboli-la.

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1.4.1.5 Princípio da ordem pública A exceção da ordem pública é a mais abrangente e envolve tanto a aplicação direta quanto indireta do direito estrangeiro. A partir dela não pode ser aplicado o direito estrangeiro que viola a ordem pública, englobando-se nesta limitação também a soberania e os bons costumes, conforme o disposto no artigo 17 da LINDB: Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

A ordem pública pode ser entendida como o conjunto dos valores sociais; variando assim tanto temporal quanto geograficamente, mormente em Estados de dimensão continental como o Brasil. Apesar de parecer subjetiva, uma vez que se está falando de valores, a ordem pública não deve ser pessoal, ou seja, quem a invoca deve zelar pela não confusão entre seus valores pessoais e os valores aceitos pela sociedade em que está inserido, por mais difícil que possa ser essa separação. É um conceito que deve ser empregado de modo objetivo, depreendido da ordem social e inspirado pela ordem jurídica vigente, por meio das leis, doutrina e jurisprudência. Deve-se, no entanto, tomar cuidado para que não haja uma estrita e absoluta identificação com a ordem jurídica local, sob pena de se deixar de lado, absolutamente, o princípio da tolerância com as diferenças existentes em outros ordenamentos aqui aplicáveis por disposição da LINDB. O princípio da ordem pública recebeu excelente tratamento doutrinário na tese do Professor Jacob Dolinger (1979), cuja leitura se recomenda e cujas ideias são aqui sumariadas. Segundo o autor, a ordem pública tem tríplice nivelação no ordenamento. Assim, no primeiro nível a ordem pública (ou a vontade comum da nação) se levanta para impedir que a vontade individual das partes em um negócio jurídico possa prevalecer contra os interesses postos pela maioria. Ideal ou filosoficamente, uma ofensa à ordem pública desse tipo só poderia ser perpetrada pelo grupo minoritário, que foi derrotado no momento da positivação

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do Direito, uma vez que a maioria, em tese, haveria de respeitar e acatar a sua própria vontade, submetendo-se à regulação do negócio imposta pela lei. Percebe-se, portanto, que a aplicação do princípio da ordem pública nesse primeiro nível é de caráter absolutamente interno, sem qualquer reflexo jurídico para além das fronteiras nacionais. Todavia, justamente porque essa maioria referida pode ser alterada diante da evolução social, é possível que normas que não admitiam afastamento pela vontade das partes passem a ser afastadas, alterando-se seu caráter cogente. Nesse caso, não foi a lei que mudou, mas a ordem pública que a permeia que sofreu alteração ditada pelas necessidades sociais. Exemplo: o juiz, invocando o princípio da ordem pública, afasta eventual acordo de visitas lavrado entre os genitores a respeito da criança que preveja que as eventuais visitas serão realizadas exclusivamente na residência do guardião, impedindo, em razão disso, o convívio da criança com os hábitos e costumes do não guardião, seus amigos e a família alargada. E isso sempre que o juiz entender que o direito à convivência familiar, em sua acepção mais ampla, deve ser garantido e respeitado. No segundo nível essa ordem pública ganha contornos internacionais e procura afastar uma legítima expectativa de Direito: a expectativa de ver sua pretensão ser julgada, no Brasil, de acordo com a lei estrangeira determinada pelas normas de Direito Internacional Privado brasileiras. Sua aplicabilidade relaciona-se com a constatação de que a lei estrangeira indicada pela norma de Direito Internacional Privado interna como sendo a lei aplicável para o deslinde da questão jurídica apreciada exprime valores muito diversos dos valores da sociedade nacional, motivo pelo qual sua aplicação incondicional poderia chocar os bons costumes ou a soberania nacional. Trata-se de um grau mais elevado de aplicação do princípio (“de maior gravidade”, como refere Jacob Dolinger), justamente por implicar a não aplicação de uma disposição legal nacional de Direito Internacional Privado, em virtude da não aceitação do conteúdo da regulação legal estrangeira. Isso porque, como salienta o mesmo autor, em obra recentemente publicada no Brasil, “a lei que choca, que é incompatível, que escandaliza, esta lei é distante,

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foge completamente da ideia básica de proximidade, e por isto, não pode ser aplicada” (DOLINGER, 2007). Também nesse segundo nível, o princípio da ordem pública pode tornar-se maleável e mutável com o transcorrer do tempo. Exemplo: um muçulmano domiciliado no exterior vem ao Brasil com a intenção de se casar com uma jovem brasileira. Sendo ele casado com outra mulher, nega-se a aplicação da lei material de seu domicílio (que autoriza o segundo matrimônio), por afrontar a ordem pública brasileira, que não convive com a bigamia. No terceiro nível, por fim, “em grau de natureza gravíssima, a ordem pública irá ao ponto de impedir a aceitação no foro de situações já consumadas e consagradas no exterior” (DOLINGER, 1979, p. 42). Trata-se da recusa de reconhecer situações que configurem até mesmo eventual direito adquirido de uma das partes, justamente porque tal direito ofenda grandemente a filosofia político-jurídica do Estado, que este se recusa a reconhecê-lo. Em que pese a gravidade dessa ofensa, pode ser que modificações dos costumes ou da convivência sociais ocorridas no desenrolar dos acontecimentos forcem o Estado a mudar seu entendimento acerca da ordem pública, autorizando, por isso mesmo, o reconhecimento desses direitos até então afastados da esfera jurídica dos cidadãos. Assim ocorre relativamente ao muçulmano que, mudando o domicílio para o Brasil, entre em território nacional acompanhado de duas esposas. O primeiro casamento é reconhecido, mas o segundo é nulo, por ofensa à ordem pública, muito embora a ele se reconheçam os efeitos da putatividade recíproca, dada a boa-fé de ambos. Assim também ocorria quando se rejeitava a homologação de sentenças estrangeiras concessivas de divórcio, antes de 1977, por afronta à ordem pública, em seu terceiro nível. Da mesma forma ocorre quando se rejeita homologação a uma sentença condenatória teoricamente exequível no Brasil (pois aqui o devedor é titular de patrimônio que possa satisfazer o débito, por exemplo), caso essa dívida tenha se consubstanciado a partir de jogo ou aposta.

1.4.2 Reenvio

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A remissão feita pelo Direito Internacional Privado brasileiro a um sistema estrangeiro qualquer exige do aplicador do Direito a verificação de estar configurada, eventualmente, uma das exceções à aplicação do direito estrangeiro. Quando nenhuma delas se configurou, no caso concreto, permanece hígida a determinação legal de se aplicar o direito estrangeiro. Tal circunstância obriga o operador jurídico a se aproximar do sistema jurídico estrangeiro, para o qual foi remetido, fazendo-o por meio da recepção do ordenamento estrangeiro. Não se trata, assim, de encaminhar o caso para ser resolvido por um juiz estrangeiro, mas, sim, de aplicação do sistema jurídico estrangeiro pelo juiz nacional. É o juiz brasileiro que deverá, por determinação do legislador brasileiro, aplicar direito material estrangeiro. A pergunta que se poderia fazer, então, seria a seguinte: ao nos aproximarmos do sistema jurídico estrangeiro, com um fato misto, um fato que conta, em sua estrutura, com elementos nacionais (do foro) e elementos estrangeiros (um dos quais vinculado ao sistema jurídico que se vai aplicar), não obrigaria à verificação do Direito Internacional Privado desse sistema alienígena? Com efeito, para o sistema estrangeiro, o caso que precisa ser solucionado é, também, um fato misto! E os fatos mistos demandam, como se viu, verificação da lei aplicável, o que é determinado pelo Direito Internacional Privado. O reenvio se configura, basicamente, quando há divergência entre os sistemas jurídicos presentes na relação concreta, por esta apresentar elementos geograficamente vinculados àqueles ordenamentos. Não uma divergência material, mas, sim, uma divergência relativa ao elemento de conexão eleito pelos Estados envolvidos. Exemplo: Um brasileiro domiciliado na Itália procura resolver um litígio, no Brasil, que depende da definição de sua capacidade jurídica. O Brasil adota o domicílio, e a Itália, a nacionalidade, para a determinação do direito aplicável para tal resolução. Se ambos adotassem o mesmo elemento de conexão, o problema, como se verá, não existiria. Assim, se o Direito Internacional Privado brasileiro determinou a aplicação do direito italiano, por exemplo, por ser o agente cuja capacidade se quer atestar domiciliado naquele Estado soberano, o fato de nos aproximarmos do sistema jurídico italiano com um fato que contém elementos italianos e brasileiros não

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exigiria que se analisasse a questão sob o prisma do Direito Internacional Privado italiano? No Brasil, de acordo com o artigo 16 da LINDB, parece haver proibição do chamado reenvio: Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.

Com efeito, ao determinar que sejam desconsideradas as remissões indicadas pelo Direito Internacional Privado estrangeiro (“B”) a outras leis, o legislador brasileiro (“A”) claramente proibiu a remissão ao ordenamento “C”. Mas terá proibido a análise do Direito Internacional Privado estrangeiro (“B”) integralmente? Três são as hipóteses possíveis: 1) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação do seu próprio direito material “B”, aceitando a mesma remissão do Direito Internacional Privado brasileiro “A”. 2) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação do direito material brasileiro “A”, retornando a questão para a consideração desse sistema jurídico. 3) O Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação de outro direito material estrangeiro “C”, devolvendo a questão para a consideração desse último sistema jurídico. Das três hipóteses acima, a única que implica em “remissão por ela [lei estrangeira “B”] feita à outra lei” é a hipótese em que o Direito Internacional Privado de “B” determina a aplicação do direito material estrangeiro “C”. E isso não ocorre nas demais hipóteses, em que a remissão é feita aos ordenamentos “A” ou “B”. Daí porque parte da doutrina brasileira e da jurisprudência nacional aceita o reenvio de primeiro grau, chamado de reenvio na modalidade retorno. Essa vertente interpretativa enxerga no direito positivo brasileiro apenas a proibição do reenvio a partir do segundo grau, chamado reenvio na modalidade devolução. Os graus do reenvio são contados da mesma forma que se contam os graus de parentesco em linha reta. Enquanto no direito de família verifica-se o número de

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gerações, contando-se o número de personagens em linha reta, subtraindo-se um, no Direito Internacional Privado contam-se os enlaces entre os Estados envolvidos, subtraindo-se um. Ex.: enlaces entre quatro Estados, reenvio de terceiro grau. De outro lado, parte considerável da doutrina e da jurisprudência interpreta o artigo 16 da LINDB como verdadeira proibição do reenvio, em quaisquer circunstâncias. Assim, a remissão feita pelo Direito Internacional Privado brasileiro implicaria em obrigatória e direta consideração do direito material estrangeiro, desconsiderandose o Direito Internacional Privado daquele ordenamento. Assim, quando pela aplicação do método do Direito Internacional Privado for necessária a aplicação do direito estrangeiro, esta diz respeito à aplicação do direito material, e não do Direito Internacional Privado estrangeiro, sendo assim uma forma de limite à aplicação do direito estrangeiro. Seja como for, o PLS de autoria do Senador Pedro Simon, elaborado a partir do Anteprojeto da Comissão presidida por João Grandino Rodas, assim dispõe: Art. 16. Reenvio. Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão desta lei, determinar a aplicação da lei brasileira, esta será aplicada. § 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última somente prevalecerá se também estabelecer que é competente. § 2º Caso a lei do terceiro país não se considerar competente, aplicar-se-á a lei estrangeira inicialmente indicada pelas regras de conexão desta lei.

Nos termos do caput do direito projetado, ficará clara a possibilidade do retorno ou reenvio de primeiro grau. A lei “B”, por seu Direito Internacional Privado, ao determinar a aplicação do direito material brasileiro “A”, devolve a esse a possibilidade para regular materialmente a questão. Por sua vez, o § 1º admitirá a devolução ou reenvio de segundo grau, deixando claro que o Direito Internacional Privado do Estado “B” poderá até indicar a aplicação do sistema jurídico “C”. Porém, esta só prevalecerá se o Direito Internacional Privado de “C” indicar a aplicabilidade do direito material desse mesmo Estado “C”. Caso contrário, qualquer que seja a remissão da lei: “A”, “B” ou “D”, a lei aplicável será a de “B”, determinada pelas regras de conexão do Direito Internacional Privado brasileiro “A”.

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Limites à aplicação do direito estrangeiro no Direito Internacional Privado brasileiro Reenvio Ordem pública (soberania e bons costumes) Fraude à lei Instituição desconhecida Princípio da reciprocidade Princípio do nacional lesado

1.4.3 Prova de teor, vigência e sentido do direito estrangeiro Em relação a este tema três questões ganham destaque: 1) a prova do direito estrangeiro, 2) a tradução do direito estrangeiro, e 3) a interpretação do direito estrangeiro. Cada Estado regulamenta a sua relação com o direito estrangeiro. Quanto à prova do direito estrangeiro, no Direito Internacional Privado brasileiro tem-se que até recentemente, e por força de dispositivo do antigo Código de Processo Civil, de 1939, e do artigo 14 da LINDB, o direito estrangeiro era considerado um fato, e, em face disso, vigia a regra de que “quem alega deve provar”. Tal posicionamento decorria, por um lado, da falta de conhecimento acerca do Direito Internacional Privado no Brasil, e, por outro, de se questionar a caracterização deste enquanto Direito. Uma vez que já se demonstrou a juridicidade do Direito Internacional Privado e a importância de seu conhecimento para o jurista contemporâneo, tal posicionamento precisou ser revisto. Atualmente, e em razão da alteração da lei processual, em 1973, que precisou no artigo 337 do CPC o caráter de prova de direito, entende-se que o direito estrangeiro deve ser aplicado como Direito e, portanto, inclusive de ofício. Tendo sido o legislador nacional que abriu a possibilidade de se aplicar o direito estrangeiro, não

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pode o juiz ignorar tal diretriz. Trata-se de matéria de Direito e que deve ser aplicada como tal. O mencionado artigo 337 cuida da alegação, pela parte, da aplicação de direito municipal, estadual, consuetudinário ou estrangeiro, estabelecendo para todas essas hipóteses uma mesma e única regra: caberá ao juiz, valendo-se de seu arbítrio, determinar a prova do direito alegado ou dispensar a parte de tal prova. Com efeito, a ficção jurídica segundo a qual ninguém se deve escusar de um comportamento conforme a norma jurídica, alegando que não a conhece, vale, apenas, para o direito de origem federal. Relativamente ao direito estadual vale apenas para a população e para os agentes daquela unidade da Federação, valendo o mesmo quanto aos agentes municipais e habitantes daquele dado Município. Já quanto ao direito consuetudinário e ao direito estrangeiro, não há obrigação geral nem sequer obrigação decorrente da área geográfica de atuação ou domicílio do magistrado, podendo este exigir tal prova, ou dispensá-la, quando considerar que conhece ou tem condições de conhecer o direito invocado pela parte. Assim, um mesmo juiz pode exigir a prova do direito russo e dispensar a prova do direito angolano. Da mesma forma, nada impede que um magistrado dispense a prova do direito civil espanhol e exija que se faça prova do direito penal do mesmo Estado. Como ocorre com qualquer decisão, é conveniente que seja devidamente fundamentada. Quando exigida, a prova do direito estrangeiro envolve tanto o seu teor quanto a sua vigência e deve se revestir de características que garantam a segurança jurídica. É assim que meios diplomáticos e de cooperação internacional são os preferidos a fim de que se aplique efetivamente o direito estrangeiro em vigor. Outra forma de prova do direito estrangeiro se dá por meio do affidavit, que vem a ser a declaração formal de advogado(s) sobre o teor do direito estrangeiro. A matéria vem disposta no artigo 409 da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana, o chamado Código Bustamante, internalizado pelo Decreto n. 18.871, de 13 de agosto de 1929, que dispõe: Art. 409. A parte que invoque a aplicação do direito de qualquer Estado contratante em um dos outros, ou dela divirja, poderá justificar o texto legal, sua

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vigência e sentido mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados em exercício no país de cuja legislação se trate.

Em que pese se tratar de norma convencional, com aplicabilidade e eficácia limitada geograficamente, fato é que a ausência de norma de caráter geral mais explícita leva doutrina e jurisprudência a defender esse meio de prova inclusive quando se tratar de direito estrangeiro de Estado não parte na citada Convenção. A interpretação se justifica, considerando-se que se trata de meio de prova. E os meios de prova, como todas as demais questões de natureza processual, são regidos pela lex fori, ou seja, a lei do foro. Tal regra sofrerá alteração, caso seja aprovado o PLS de autoria do Senador Pedro Simon, elaborado a partir do Anteprojeto da Comissão presidida por João Grandino Rodas, que determina que tal prova se fará em conformidade com o direito estrangeiro ao dispor que: Art. 14. Lei estrangeira. A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado Brasileiro será aplicada ex officio; essa aplicação, a prova e a interpretação far-se-ão em conformidade com o direito estrangeiro. Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovação do texto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável.

A segunda questão relativa à aplicação do direito estrangeiro diz respeito à sua tradução, a qual é sempre exigida, a fim de resguardar-se o teor correto da normativa estrangeira e assegurar o direito de ampla defesa das partes. A terceira questão relativa à aplicação do direito estrangeiro se refere à interpretação dos dispositivos deste. Tal situação exige esforços, uma vez que se deve aplicar o direito estrangeiro tal qual ele seria aplicado em seu país de origem e que se deve trazer não só aquele dispositivo de lei como todo o sistema jurídico daquele país. Fala-se em recepção formal do sistema, em detrimento da recepção material, da matéria de que cuida o caso concreto. É necessária, assim, uma interpretação holística e sistêmica, que somente será possível a partir da análise da integralidade do sistema, inclusive com recurso à

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pesquisa de doutrina e jurisprudência para se saber qual é o “estado da arte” do direito estrangeiro. É recomendável, inclusive, que o direito estrangeiro venha integralmente analisado – texto legal, doutrina pertinente, jurisprudência atualizada e majoritária – na própria manifestação exarada pelos advogados que atuem no Estado estrangeiro. Cabe, aqui, uma ressalva: pode ocorrer, por vezes, de o parecer dos advogados estrangeiros representar visão parcial da temática ou, mesmo, visão tendenciosa do sistema estrangeiro, o que poderá induzir o juiz nacional em erro interpretativo. Assim, é de todo recomendável que o juiz – antes de interpretar e aplicar o direito estrangeiro comprovado nos autos – faculte à parte que ainda não se manifestou o exercício do direito de acrescentar outra visão sobre o mesmo sistema, por meio da juntada aos autos de novo parecer que obedeça às formalidades descritas no artigo 408 do Código Bustamante. É sabido que a doutrina jurídica diverge, podendo haver, ou não, doutrina majoritária a respeito da melhor interpretação para determinada norma. É sabido, também, que a jurisprudência – mesmo quando o sistema prevê mecanismos de vinculação dos julgadores às decisões dos Tribunais Superiores – pode divergir. Tal fenômeno torna complexo o processo de conhecimento do próprio direito nacional e complica-se ou pode complicar-se, sobremaneira, quando se trata de formas de convencimento acerca do direito estrangeiro. Assim, é justo que o magistrado brasileiro faculte a ambas as partes exercerem o direito de trazer aos autos argumentos que possam contribuir para que ele construa seu convencimento da forma mais completa possível, ainda que, aparentemente, essa prática possa retardar a tomada da decisão.

1.5 Da importância de bem aplicar o método Poder-se-ia indagar acerca da conveniência desse rebuscado método de determinação da lei aplicável e questionar se não seria mais conveniente que os Estados impusessem a aplicação de seu próprio ordenamento em seu próprio território. Ou se não seria interessante a existência de um direito uniforme, que vigorasse em todo o mundo.

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Tais indagações, influenciadas por uma visão mais nacionalista ou extremamente cosmopolita, ensejam, desde logo – e ambas –, a própria morte do Direito Internacional Privado. Savigny o percebeu há alguns séculos. A propositura de uma comunidade jurídica de nações, que se construiria a partir da harmonização não dos direitos materiais – respeitando-se os valores das diversas sociedades nacionais – mas, sim, dos diversos Direitos Internacionais Privados, por meio da fixação de elementos de conexão uniformemente aceitos pelos Estados soberanos, que manteriam direitos materiais diversos, representou um grande avanço no estudo da disciplina. E é justamente nessa proposta que parecem residir a beleza e a importância do Direito Internacional Privado: um direito que respeita as diferenças sociais, econômicas, culturais e políticas dos diversos povos e que os integra na busca de um mecanismo uniforme de resolução dos eventuais litígios transfronteiriços de caráter pessoal (e não estatal). Nesse cenário, a correta aplicação do método, bem como a correta observância de suas etapas e passos, parece garantir uma adesão do jurisdicionado – seja ele nacional do Estado que for, esteja ele domiciliado no Estado que estiver – à decisão que com base nele se vier a tomar. Continuarão as partes concordando ou não com a decisão, pois, afinal, tratase de um jogo de ganhar ou perder e de ganhar ou perder tudo ou parte do que se julga ter direito. Mas uma decisão – seja ela qual for – tomada com base no método adequado, corretamente empregado, tem muito mais chances de ser aceita como uma decisão adequadamente obtida, concordando-se ou não com seu conteúdo. Aqui a verdadeira importância de se bem observar o método: entregar ao jurisdicionado uma decisão à qual ele possa aderir por respeitá-la enquanto decisão, concordando ou não com ela.

2. Parte especial 2.1 Noções introdutórias

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Uma vez tendo visto o método do Direito Internacional Privado, é relevante aplicá-lo no ordenamento jurídico brasileiro, para, assim, apresentar o panorama deste ramo do Direito no País. Por outro lado, é necessário destacar a regulamentação dos principais aspectos dos temas de Direito Civil pelo Direito Internacional Privado, uma vez que são estes os objetos centrais do concurso de leis. Neste sentido, a presente obra passa a destacar os principais aspectos da denominada Parte Especial do Concurso de Leis, em que se apresentarão os debates mais relevantes e a normativa brasileira sobre casos plurilocalizados. Passa-se, desta maneira, à análise especial do Direito Internacional Privado brasileiro. A principal normativa sobre o tema encontra-se na LINDB, a antiga LICC, sobretudo nos artigos 7º a 12, sendo os artigos 13 a 19 relacionados a outros aspectos do Direito Internacional Privado. Para tanto serão abordados na sequência os temas da (i) pessoa física, (ii) pessoa jurídica, (iii) direito de família, (iv) bens, (v) obrigações e (vi) sucessões, considerados os mais importantes nesta área do Direito.

2.2 Pessoa física A regulamentação de todos os aspectos relacionados ao indivíduo é tratada pelo Direito Internacional Privado a partir da lei pessoal. Trata-se da consequência de regulamentação da pessoa física e de seu estatuto pessoal. O estatuto pessoal pode ser definido como o conjunto de matérias disciplinado pela lei pessoal. No Brasil, tal regulamentação encontra-se no artigo 7º, caput, da LINDB, que estabelece: Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

No que diz respeito ao estatuto pessoal e, portanto, ao tratamento da pessoa física pelo Direito Internacional Privado brasileiro, destacam-se, deste modo, os temas da personalidade, nome e capacidade dos indivíduos, que serão regulados pela lex domicilii.

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É interessante relembrar que, como visto anteriormente, o critério do domicílio tem perdido espaço na doutrina moderna do Direito Internacional Privado para o critério da residência habitual, a fim de se considerarem os vínculos reais mais fortes entre o indivíduo e o ordenamento jurídico que o regula. O elemento de conexão residência habitual parece ter conseguido apaziguar antiga divergência existente entre os Estados europeus continentais, adeptos da nacionalidade como elemento de conexão para determinar a lei pessoal, de um lado, e os Estados de Common Law e os da América Latina, principalmente, adeptos do elemento de conexão domiciliar, de outro. A divergência, antiga, guarda relação com os fluxos migratórios experimentados principalmente no século XIX. Os Estados europeus continentais, de onde afluíam as levas migratórias, no intuito de manter seus nacionais vinculados ao Estado de origem, estabeleceram a nacionalidade como regra geral. Já os Estados americanos vincularam-se, preferencialmente, ao critério domiciliar, como que a lembrar aos imigrantes que para ali acorreram que a fixação de seu domicílio no novo mundo obrigava-lhes a se adequarem aos valores sociais locais, que conformam o Direito. Assim, a dicotomia nacionalidade versus domicílio foi contaminada por aspectos de política migratória e ideologizada a tal ponto que a discussão científica sobre eventual uniformização do critério, com o intuito de evitar o fórum shopping e o reenvio (já que este decorre basicamente da divergência de elementos de conexão), restou praticamente inviabilizada durante séculos. O caráter segregacionista da nacionalidade (na medida em que o imigrante permanece vinculado à sua lei nacional, não precisa se integrar à sociedade local, aprender seus valores e suas regras, pois continua a se comportar conforme sua lei) e o caráter subjetivo do domicílio (a exigência do animus definitivo na fixação da residência) foram fatores sempre lembrados nos foros internacionais. A opção pela residência habitual, desvinculada do aspecto subjetivo do domicílio (vontade), acabou sendo aceita nos foros internacionais, especialmente na Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, a partir da década de 1980 do século XX, e parece encerrar longa polêmica. Assim, muito embora a legislação interna brasileira mantenha-se vinculada ao domicílio como elemento de conexão definidor da lei pessoal, fato é que a residência

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habitual mostra-se critério subsidiário bastante legítimo nas hipóteses de dificuldade ou impossibilidade de se definir onde é domiciliada a pessoa, como ocorre com os adômides. Tal evolução aparece expressa no PLS de autoria do Senador Pedro Simon, elaborado a partir do Anteprojeto da Comissão presidida por João Grandino Rodas: Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família são regidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual.

Pessoa física No Brasil, regida pela lei do domicílio (art. 7º, caput, da LINDB) Inclui personalidade, nome e capacidade

2.2.1 Personalidade A personalidade pode ser entendida como uma projeção da dignidade humana, e conforme a proteção a esta foi avançando verificou-se uma ampliação dos titulares daquela. Isto é, conforme todos os indivíduos passaram a ser titulares de direitos humanos, todos também passaram a ser entendidos como detentores de personalidade. No passado, contudo, havia limitações significativas como a exclusão de escravos, negros e mulheres da titularidade de direitos, e, portanto, como tendo personalidade jurídica. Tendo-se ampliado tal compreensão e atribuído personalidade a todos os seres humanos, as questões principais passam a se relacionar com o começo e o fim da personalidade, bem como com os direitos que decorrem desta, entre os quais se destacam os direitos de imagem, de privacidade e as questões reguladoras do nome.

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A personalidade no Brasil, em Direito Internacional Privado, é regida pela lei do domicílio da pessoa (art. 7º, caput, da LINDB).

Quanto ao começo da personalidade, para o Direito em geral existem três teorias principais. A primeira entende que a personalidade tem início com a fecundação do óvulo, a segunda com a adesão deste à parede do útero, e a terceira com o nascimento com vida, quando, em geral, se resguardam os direitos do nascituro. No Brasil, o Direito Civil brasileiro regula o tema no artigo 2º do Código Civil: Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Contudo, verifica-se que há espaço para a adoção das outras teorias em casos concretos, uma vez que por um lado se veda o aborto e por outro se permite o descarte de embriões congelados. Verifica-se, assim, que se trata de tema polêmico e ainda aberto ao debate e que dependendo da teoria escolhida pode-se ter uma concepção de personalidade que aumente o grupo de entes que podem se beneficiar de sua proteção, ou que impeça a efetivação de direitos que podem ser considerados fundamentais. A discussão é importante e se insere na etapa de qualificação do instituto. Da mesma forma, é preciso lembrar que outros ordenamentos civis, de Estados estrangeiros, podem agregar outros elementos para a configuração da personalidade, como a viabilidade do recém-nascido, ou a forma humana, o que retiraria a personalidade jurídica das vítimas da mortalidade infantil e de fetos malformados que, vindos à luz, poderiam não ser reconhecidos como sujeitos de direito, dadas as mais variadas formas de deficiência portadas pelo recém-nascido. A questão, bastante tormentosa, precisa ser encarada à luz da ordem pública nacional, havendo variado espaço para possível afastamento do direito estrangeiro

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quando a pessoa cuja capacidade se está a investigar for domiciliada em Estado com normas jurídicas definidoras do instituto que desprezem ou limitem o exercício de direitos civis, com afronta à dignidade da pessoa humana. Parece que, nesses casos, há muita probabilidade de se invocar a ordem pública nacional, em seu segundo nível, submetendo o caso à legislação brasileira e reconhecendo personalidade jurídica segundo os ditames do Código Civil ao recémnascido vítima da mortalidade infantil e àquele que portar deficiências graves. Quanto ao fim da personalidade também existem duas correntes principais. A primeira entende que ela se extingue com a morte do indivíduo, enquanto a segunda entende que alguns direitos se mantêm para além da morte. Como no direito brasileiro existe a proteção de direitos mesmo após a morte da pessoa física, como, por exemplo, a proteção à honra, parece existir, mais uma vez, a adoção da segunda corrente. Assim, se alguém ofende a honra de pessoa já falecida e que era domiciliada em Estado estrangeiro, cuja legislação material entende que a morte implica em término absoluto da personalidade, o juiz brasileiro deverá aplicar a lei do domicílio da pessoa para definir-lhe o fim da personalidade. E, se esta dispuser dessa forma, terá de reconhecer que a personalidade terminou com a morte da suposta vítima e julgar improcedente a ação de reparação proposta por seus herdeiros, a menos que encontre na situação alguma exceção à aplicação do direito estrangeiro. Em relação a este tema, deve-se mencionar, ainda, o instituto da comoriência, previsto no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 8º do Código Civil: Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

Verifica-se por este dispositivo que o Direito Civil brasileiro e o Direito Internacional Privado brasileiro entenderão que em caso de comoriência a morte foi simultânea, do que decorrem consequências, sobretudo no que diz respeito à sucessão.

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Tal regra não é, contudo, uma unanimidade no Direito Internacional Privado, existindo Estados, como, por exemplo, a França, que adotam critérios diversos, tais como a análise da expectativa de vida dos falecidos em termos de idade e sexo. Assim, tudo dependerá, para a definição da ordem de falecimento, do direito aplicável à hipótese, ou seja, da lei do último domicílio dos envolvidos. Outro tema relacionado com o fim da personalidade é o da ausência, que se divide em ausência do domicílio e a certeza da morte. No que diz respeito à lei aplicável aos casos plurilocalizados de ausência, verifica-se que o Direito Internacional Privado brasileiro determina que a lei aplicável é a lei pessoal do ausente, sendo o procedimento para a declaração da ausência regulamentado pela lex fori, ou seja, pela lei do foro em que esta tramitar. No caso de ausência do domicílio, no direito brasileiro, pode ser provisória após dois anos da ausência ou quatro anos em caso de existir procuração válida, ou definitiva após 10 anos do trânsito em julgado da sentença de abertura da sucessão provisória. Quanto aos direitos de personalidade, é importante destacar que são (i) desprovidos de conteúdo patrimonial, (ii) irrenunciáveis e (iii) abrangem aspectos privados e reflexos públicos. Em sendo a personalidade regida pela lei do domicílio da pessoa no Direito Internacional Privado brasileiro, conforme o caput do artigo 7º acima mencionado, o mesmo ocorre com os direitos de personalidade.

2.2.2 Nome O único direito de personalidade explicitamente listado pelo Direito Internacional Privado brasileiro é o relativo ao nome (art. 7º, caput, da LINDB). No ordenamento jurídico brasileiro são vedados os nomes vexatórios ou humilhantes, pelo previsto no artigo 55, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). É possível a alteração dos nomes, conforme o artigo 56 da referida lei, bem como inclusão ou a substituição do nome por apelido público notório, conforme o artigo 1º da Lei n. 9.708/98, ou em caso de “razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de

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juiz competente, ouvido o Ministério Público (art. 58, parágrafo único, Lei n. 6.015/ 73)”. A lei aplicável para a composição do nome é a lei do domicílio da pessoa. Como se trata de um direito comumente adquirido por ocasião do nascimento, a criança terá o mesmo domicílio de seus pais ou de sua mãe, dada sua incapacidade. Assim, uma criança nascida no Brasil, filha de pais domiciliados na Espanha ou em um Estado de colonização espanhola, verá a construção de seu nome regida pela lei de seu domicílio. Dessa forma, seu nome será composto com a coligação do nome próprio escolhido por seus pais, seguido do nome de família de seu pai e, por fim, do nome de família de sua mãe, em ordem diversa da que determina a Lei de Registros Públicos brasileira. O filho de sexo masculino de um muçulmano domiciliado em Estado árabe terá seu nome construído pela junção de seu nome próprio, seguido do nome próprio de seu pai, após o de seu avô pela linha paterna e, por fim, do pai de seu avô paterno. Por outro lado, se tais crianças nascerem no Brasil em período em que seus pais estrangeiros estivessem aqui domiciliados, a lei brasileira deveria ser aplicada, e, no rigor absoluto, seus nomes deveriam seguir as regras de composição brasileiras. Na prática, entretanto, assiste-se a certa flexibilidade na aplicação da Lei de Registros Públicos nesse particular, o que demonstra grande aceitação da sociedade brasileira no que tange aos valores culturais dos povos estrangeiros aqui fixados. Também a lei do domicílio da pessoa será aplicada na hipótese de alteração do nome. Assim, por exemplo, um transexual brasileiro domiciliado em país estrangeiro terá o direito de alterar seu nome, ou não, determinado pela lei do Estado em que domiciliado. Suponha-se que essa pessoa seja domiciliada em Estado cuja legislação vede absolutamente tal alteração pretendida. A rigor, o juiz brasileiro deverá aplicar aquela lei material e negar provimento ao pedido de alteração do nome. No entanto, tratando-se de direito da personalidade, nada parece obstar a invocação da ordem pública nacional para afastar a lei estrangeira, por discriminatória, aplicando-se a lei brasileira, do foro, em seu lugar. Mas, tratando-se de ordem pública, é preciso remeter o leitor para o que acima ficou dito a respeito.

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2.2.3 Capacidade A capacidade da pessoa física é regulada no Direito Internacional Privado brasileiro também por meio da lei do domicílio do indivíduo. Tal critério não é universalmente adotado, existindo Estados que optam pela lei do território, da religião ou da nacionalidade como reguladores da capacidade em casos que irradiam efeitos em mais do que um ordenamento jurídico. É importante esclarecer que, assim como o Direito Civil, o Direito Internacional Privado brasileiro reconhece diferentes graus de capacidade, entendendo que as pessoas podem ser (i) plenamente capazes, (ii) relativamente incapazes, ou (iii) absolutamente incapazes. Contudo, uma vez mais o Direito Internacional Privado brasileiro busca adotar um critério mais amplo do que o Direito Civil. Nos casos de incapazes – relativamente ou absolutamente – as relações com fatos mistos serão também regidas pela lei do domicílio da pessoa. Além disso, é preciso lembrar, para fins de qualificação, que alguns atos da vida civil são objeto de atenção especial dos legisladores nacionais, que lhe atribuem capacidades especiais, também chamadas, em alguns casos, de legitimidades. É o que ocorre com a capacidade matrimonial e a capacidade sucessória, por exemplo, que exigem, além da verificação de critérios neutros e objetivos, também de critérios relativos ao outro (noivo ou ao autor da herança). O fato de essas capacidades serem tratadas em capítulos especiais da legislação não é capaz de lhes alterar a qualificação, devendo-se redobrar a atenção quanto a esse aspecto.

2.3 Pessoa jurídica Assim como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas são dotadas de direitos e deveres que devem ser protegidos, tutelados e regulados pelo Estado. Com o avanço da globalização, cada vez mais tais direitos e deveres ocorrem para além das fronteiras nacionais, gerando fatos mistos e podendo ser objeto de concursos de leis. Deste modo, é relevante que o Direito Internacional Privado regulamente as relações plurilocalizadas envolvendo pessoas jurídicas, a fim de evitar lacunas normativas que afastem o Direito da prática.

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Os direitos e deveres das pessoas jurídicas serão diferentes, caso se trate de uma pessoa jurídica nacional ou estrangeira. Assim, torna-se relevante determinar qual é a nacionalidade da pessoa jurídica. Para tanto existem várias teorias, cada uma apontando um critério para a determinação da nacionalidade, pelo estabelecimento de diferentes elementos de conexão. Entre os principais critérios destacam-se: (i) a sede social – lex societatis; (ii) a nacionalidade dos sócios; (iii) a nacionalidade dos diretores e gerentes; (iv) o local da subscrição do capital; (v) local da exploração da atividade principal; (vi) local da constituição; (vii) domicílio social e (viii) local da direção efetiva. O Direito Internacional Privado brasileiro adota no artigo 11, caput, da LINDB o critério do local da constituição como o da nacionalidade e como elemento de conexão relativo às pessoas jurídicas: Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

A regra não se aplica, entretanto, para atividades esporádicas e não contínuas de empresas estrangeiras no território nacional. Tal critério tem respaldo internacional, uma vez que a Corte Internacional de Justiça, ao tratar do caso Barcelona-Traction, entendeu que os Estados que podem conceder proteção diplomática às pessoas jurídicas, e que, portanto, podem ser entendidos como os de sua nacionalidade, são aqueles nos quais a pessoa jurídica se constituiu ou onde está a sua sede social. O critério do artigo 11 da LINDB se aplica tanto à personalidade quanto à capacidade das pessoas jurídicas, bem como à regulação da autorização para o funcionamento destas. Contudo, o Direito Internacional Privado Brasileiro estabelece que caso as pessoas jurídicas queiram se estabelecer de modo duradouro no Brasil precisam ter autorização do governo brasileiro: Art. 11, § 1º – Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

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Pela parte final deste dispositivo, percebe-se que o Direito Internacional Privado brasileiro também estabelece a lei brasileira como a reguladora dos requisitos para o funcionamento da pessoa jurídica em território nacional. Trata-se, em verdade, de constituição de nova pessoa jurídica, nacional, regida pela lei brasileira, muito embora controlada pela matriz estrangeira. Normalmente se caracterizam pela colocação da expressão “do Brasil” após a razão social da empresa. Tal expediente, bastante comum, dá origem às chamadas empresas multinacionais. Necessário, entretanto, ponderar que, diferentemente do que ocorre com as pessoas físicas, as pessoas jurídicas não possuem, no direito brasileiro, dupla ou múltipla nacionalidade. Isso decorre do próprio elemento de conexão eleito pelo legislador brasileiro. É bem verdade que em outros Estados a adoção de elementos de conexão outros que não o local da constituição da pessoa jurídica pode dar ensejo ao surgimento de pessoas jurídicas multinacionais. Não é, todavia, e por imperativo lógico, o resultado no sistema jurídico brasileiro. Aqui, o que há é uma empresa nacional “do Brasil”, controlada por empresa ou conglomerado econômico estrangeiro. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 21. Pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do país em que se tiverem constituído. Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoas jurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aos tribunais brasileiros.

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Pessoa jurídica No Brasil, regida pela lei da nacionalidade => local da constituição (art. 11, caput, da LINDB) Para funcionar de modo constante no Brasil, as empresas estrangeiras precisam ser autorizadas seguindo os requisitos da lei brasileira (art. 11, § 1º, da LINDB)

2.4 Direito de família Como salientado anteriormente, o legislador nacional tem sido extremamente conciso no que se refere ao Direito Internacional Privado brasileiro. Tal opção pelo sistema sintético de elaboração normativa no que tange ao Direito Internacional Privado cria certa dificuldade para a determinação da lei pessoal familiar, seja a lei da nacionalidade (Lei de Introdução ao Código Civil de 1916), seja a lei domiciliar (LINDB). Com efeito, a opção do legislador nacional foi sempre no sentido de estabelecer uma regra geral acerca das relações familiares e, a partir de 1942, outra série de regras específicas, constantes dos parágrafos, acerca das relações entre os cônjuges, negligenciando as relações filiais, que precisaram ser resolvidas pela doutrina e pela jurisprudência. O principal problema decorrente dessa opção legislativa dizia respeito, à luz da Introdução ao Código Civil de 1916, à possibilidade de que os membros da família portassem nacionalidades distintas, o que dificultava a análise do caso, a fim de buscar a norma que seria aplicada, sem se saber, ao certo, se deveria ser privilegiada a lei da nacionalidade do marido, da mulher, ou dos filhos. Diante desse verdadeiro conflito de nacionalidades, muitas vezes optava-se pela lei da nacionalidade do marido, já que ocupava a chefia da entidade familiar. No entanto, nos casos de desquite então admitidos, desfeita a sociedade conjugal, destituído da chefia da família estaria ele, sendo necessário, por isso, buscar um critério subsidiário.

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Saliente-se que o artigo 9º da Introdução referida estabelecia critério de resolução de conflitos positivos e negativos de nacionalidade. Todavia, a regra ali assentada tratava do conflito meramente pessoal, em que o sujeito abrangido pela hipótese fática fosse apátrida (inciso I) ou ostentasse mais de uma nacionalidade, não havendo solução para tal conflito segundo as leis do país do nascimento e as do país de origem (inciso II), determinando-se a aplicação da lei do domicílio do indivíduo. Nesse sentido, havendo conflito de nacionalidade entre marido, mulher e criança, a doutrina dividiu-se entre vários critérios de solução para as várias hipóteses fáticas que demandassem aplicação eventual do direito estrangeiro. A alteração do critério de conexão, em 1942, fazendo prevalecer a lei do domicílio, pareceu pôr fim à questão conflituosa, na medida em que estabelecia como regra que a fixação do domicílio da família incumbiria àquele que, à época, era tido como seu chefe, conforme o artigo 7º, § 7º, da LINDB: Art. 7º, § 7º – Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.

Além disso, o dever de coabitação entre os cônjuges era interpretado de forma estrita, exigindo que ambos vivessem sob o mesmo teto. Ocorre, todavia, que a evolução social acabou retirando do homem a primazia para a determinação do primeiro domicílio familiar, devendo este, atualmente, ser fixado de comum acordo com a mulher, uma vez que a igualdade entre os cônjuges foi formalmente atingida com a Constituição Federal de 1988. A possibilidade de que os cônjuges ou pais e filhos mantenham domicílios ou residências diversos, mesmo durante o casamento ou a união estável de seus pais, faz necessária a escolha de um elemento de conexão subsidiário, complementar e neutro. Em seu Anteprojeto, Haroldo Valladão denominou tal elemento de lei própria à família, que pudesse regular a totalidade das relações entre os membros do grupo, o que se justifica pela unidade da família, que demanda um elemento de conexão que extrapole os elementos de conexão pessoais próprios a seus membros individualmente considerados (VALLADÃO, 1971, p. 509). A proposta do autor recai sobre (i) a lei do domicílio conjugal para as famílias plurinacionais, (ii) a lei da residência habitual comum para as famílias

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pluridomiciliadas e, (iii) em casos esporádicos, a lei nacional, a lei do domicílio, a lei da residência do interessado que coincidisse com a lei do foro, seja do nacional, do domiciliado ou do residente no mesmo Estado do foro. Tanto assim, que o artigo 41 de seu Projeto de Código de Aplicação das Normas Jurídicas propunha como lei cabível a que fosse mais favorável à criança, havendo conflito entre as leis da nacionalidade, do domicílio e da residência do pai, da mãe ou da própria criança. Por fim, o PLS dispõe: Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família são regidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual. Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes são regidos pela lei do domicílio de seus pais ou responsáveis; tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei que resulte do melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz.

Percebe-se, claramente, o avanço legislativo a ser promovido com eventual aprovação do projeto, pois ele faz submeter ao melhor interesse da criança a lei a ser aplicada. Trata-se de princípio reitor do Direito Internacional dos Direitos Humanos, no que se refere aos direitos das crianças. Deve-se atentar, assim, para o fato de o § 7º, do artigo 7º, da LINDB, não ter sido completamente recepcionado pela Constituição Federal, criando-se uma lacuna quanto à determinação da lei aplicável às relações entre marido e mulher que possuam domicílios distintos e entre pais e filhos que vivam sob o império de leis diferentes. O dispositivo permanece em vigor, entretanto, para as relações entre tutor e tutelado e curador e pupilo. Para além das questões gerais relativas ao tratamento do direito de família pelo Direito Internacional Privado brasileiro, e em face da crescente preocupação com os direitos humanos e com a proteção de grupos vulneráveis, faz-se necessário destacar os aspectos mais relevantes da proteção às crianças e a questão dos alimentos em casos plurilocalizados, que é o que se passa a fazer.

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Também as relações entre os membros do casal, sejam eles unidos pelo casamento, ou por união estável, merecem a atenção do estudioso do Direito Internacional Privado. Os alimentos, por se tratar de instituto jurídico assistencial aplicável a todas as relações familiares, são abordados em item autônomo, ao final.

2.4.1 Relações conjugais e convivenciais As regras de Direito Internacional Privado positivas, no sistema brasileiro, dada a época em que foram estabelecidas, contemplam exclusivamente as relações matrimoniais. Por esse motivo, a exposição dos itens abaixo fará referência aos casais conjugais. No entanto, com exceção do item sobre formalidades de celebração, inexistentes na união estável, todo o restante pode e deve ser aplicado às relações baseadas em união estável, inclusive aquelas atinentes aos impedimentos matrimoniais, uma vez que eventual união estabelecida entre pessoas que não poderiam se casar entre si gera o não reconhecimento da estabilidade da união. É preciso atentar para o que dispõe o direito material aplicável, no caso concreto. Mas as conclusões típicas de Direito Internacional Privado (aplicabilidade da lei nacional ou estrangeira, por preenchimento do elemento de conexão), serão as mesmas, como ressaltado acima. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos termos do art. 9º do PLS (Anexo II).

2.4.1.1 Habilitação para o casamento A habilitação para o casamento guarda estrita ligação com a capacidade para contrair matrimônio. Cuida-se, assim, de uma capacidade específica, por vezes referenciada na doutrina como legitimidade. Assim qualificada a questão, percebe-se que a lei aplicável, conforme o disposto no caput do artigo 7º da LINDB, é a lei do Estado em que domiciliados os nubentes.

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Como estes podem ter domicílios diversos – é preciso lembrar que ainda não se constituíram como casal – nada obsta a que se apliquem duas diferentes leis para aferir a capacidade núbil do noivo e da noiva. O § 1º do artigo 7º da LINDB esclarece que para os casamentos celebrados no Brasil será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes. O conceito de impedimentos dirimentes fazia sentido a partir da classificação doutrinária construída à luz do Código Civil de 1916 que cuidava dos impedimentos matrimoniais e das causas suspensivas para o matrimônio em um único dispositivo e de forma indistinta. À luz da legislação brasileira vigente atualmente, a questão deve ser entendida a partir do conceito de ordem pública, explicado acima. Assim, supondo-se que no Brasil se busque realizar um matrimônio entre dois brasileiros domiciliados no exterior, a capacidade matrimonial de ambos será regida por uma ou duas leis estrangeiras (caso tenham o mesmo domicílio no exterior ou domicílios diversos). No entanto, caso a lei estrangeira autorize o casamento, por dar capacidade a um dos noivos, quando a legislação brasileira proibiria o mesmo matrimônio, terá incidência a regra do § 1º, citada acima. Exemplos: casamento de um homem já casado com outra mulher, porque o Estado em que é domiciliado permite a poligamia; casamento de pessoas do mesmo sexo, não previsto na lei brasileira, muito embora goze de reconhecimento doutrinário e jurisprudencial. Note-se, no entanto, que solução idêntica quanto aos impedimentos matrimoniais seria obtida pela invocação do princípio de ordem pública.

2.4.1.2 Formalidades de celebração Os casamentos são atos jurídicos de reconhecimento universal. Não se faz necessário homologar um casamento celebrado em país estrangeiro. Nesse sentido, é importante esclarecer que a natureza do ato de registro do casamento celebrado no exterior, perante cartório competente no Brasil, nos termos do artigo 1.544 do Código Civil é probatória, garantindo a quem se casou no exterior uma certidão brasileira que facilitará, dali em diante, a prova do ato realizado no exterior sem que se torne necessário recorrer à tradução e à legalização consular do documento.

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Ou seja, tal registro não tem natureza homologatória, até porque, dado o reconhecimento universal do ato, a homologação é desnecessária. Nos termos do § 1º, do artigo 7º, da LINDB, o casamento é regido, quanto às formalidades de celebração, pela lei do local onde este se realizar. Assim, casamentos celebrados no Brasil são regidos pela lei brasileira, e casamentos celebrados no exterior são regidos pela lei estrangeira. Trata-se do princípio lex loci celebrationes. Nesse sentido, se o direito material de algum Estado soberano regulamenta a temática (formalidade da celebração) de modo bastante informal (com poucas ou mesmo nenhuma formalidade), o ato será válido – e reconhecido no restante do globo – pelo fato único de ter respeitado a lei vigente no local em que celebrado. São conhecidas as informais regras do Direito vigente no estado americano de Nevada que admitem casamentos inopinados, decididos, por vezes, de maneira improvisada e irrefletida. Os matrimônios realizados em Las Vegas, no entanto, são universalmente válidos porquanto observadas as normas de regência. A regra da lex loci celebrationes é aplicável, também, aos matrimônios celebrados em repartições consulares. No entanto, ao menos para essa finalidade, os consulados são considerados extensões do território de sua representação. Por isso, o casamento de brasileiros celebrado no consulado brasileiro na cidade portuguesa do Porto, por exemplo, será oficiado nos termos do Código Civil brasileiro de 2002. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 9º Casamento. As formalidades de celebração do casamento obedecerão à lei do local de sua realização. § 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior, atenderão, antes ou depois do casamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando o casamento na forma prevista no seu art. 1.544. § 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terão sua capacidade matrimonial regida por sua lei pessoal. § 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante autoridade consular brasileira, cumprindo-se as formalidades de habilitação como previsto no parágrafo anterior. O casamento entre estrangeiros da mesma

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nacionalidade poderá ser celebrado no Brasil perante respectiva autoridade diplomática ou consular. § 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos de registro civil referentes a brasileiros na jurisdição do consulado, podendo igualmente lavrar atos notariais, atendidos em todos os casos os requisitos da lei brasileira.

2.4.1.3 Direitos e deveres recíprocos de ordem pessoal Os direitos e deveres recíprocos entre os cônjuges, de natureza pessoal, como a coabitação, o respeito mútuo etc., são determinados pela lei do domicílio atual do casal. Configuram-se, nesse sentido, como verdadeiro conflito móvel, regido por tantas leis quantos sejam os domicílios conjugais havidos pelo casal. No entanto, sua definição em caso de divórcio deverá ser realizada pela lei do último domicílio conjugal, que cristalizará, por exemplo, o direito ou não de um cônjuge manter o nome adquirido do outro pelo casamento. A regra guarda especial relevância nas comuns hipóteses de o divórcio, que põe fim ao vínculo matrimonial, ser formalizado algum tempo depois da separação, muitas vezes apenas de fato, havida entre os membros do casal. Nesses casos, se um ou ambos os cônjuges passam a viver em Estados soberanos diferentes daquele em que viviam juntos, a lei que será aplicada no momento do divórcio será a lei do último domicílio conjugal. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 9º Casamento. [...]. § 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, será aplicada aos efeitos pessoais do casamento a lei que com os mesmos tiver vínculos mais estreitos.

2.4.1.4 Direitos e deveres recíprocos de ordem patrimonial

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Por fim, os aspectos patrimoniais da relação conjugal configuram o chamado regime de bens. Do ponto de vista do direito comparado, normalmente os Estados mantêm em suas legislações alguns modelos de regime de bens à disposição dos nubentes, para que estes escolham, antes do matrimônio, por pacto antenupcial, qual será o seu específico regime de bens. Também se costuma prever, em lei, um regime supletivo, dito regime legal, que vigorará no silêncio das partes. Nada impede, todavia, que os nubentes construam, no exercício de sua autonomia de vontade, regimes de bens diversos dos modelos legislativos. Em situações plurilocalizadas, pode ser comum os noivos estabelecerem cláusulas, no Brasil, por exemplo, retiradas de uma legislação estrangeira qualquer. Se tais cláusulas não ofenderem a ordem pública, em seu primeiro nível de atuação, o pacto antenupcial será plenamente válido. Assim, havendo pacto antenupcial formalmente válido segundo a lei vigente no local de sua celebração, os aspectos patrimoniais da vida do casal, em qualquer parte do mundo, serão regidos por tais regras voluntárias. No entanto, na hipótese de não haver pacto antenupcial, surge a necessidade, como visto, de se aplicar o regime legal, tácito, definido pelo legislador como supletivo da vontade não manifestada expressamente pelas partes. Em tal caso, havendo elemento de estraneidade na relação, será preciso recorrer ao § 4º do artigo 7º da LINDB, que dispõe: § 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

Em conclusão, se os noivos são domiciliados no mesmo Estado soberano por ocasião da habilitação para o casamento – e nesse oportuno momento não celebram o pacto antenupcial –, pouco importará o local da celebração. O regime de bens legalmente determinado será o regime legal estabelecido pelo legislador do Estado em que os nubentes possuíam seu domicílio comum. Nesse caso, a vontade tácita é a de serem regidos patrimonialmente, enquanto casais, pela lei do local onde eram domiciliados.

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Por outro lado, quando o noivo e a noiva guardam domicílios diversos, a lei de regência, determinadora do regime legal de bens, será a do primeiro domicílio conjugal, por ser essa a primeira lei tácita e voluntariamente adotada pelos noivos, já como casal. Diferentemente do que ocorre com os aspectos pessoais, os aspectos patrimoniais são estavelmente regidos pela lei acima indicada. Não se trata de conflito móvel. Só há possibilidade de alteração do regime de bens, quando a lei permitir e quando as partes atenderem as exigências e os requisitos legais. A razão para essa diferenciação é óbvia. Ao passo que os aspectos pessoais dizem estrito respeito aos membros do casal, os aspectos patrimoniais geram efeitos perante terceiros que com eles negociam. Daí a necessidade de maior estabilidade nesse caso, enquanto naquele é admissível que a vontade do casal de mudar de domicílio implique em alteração da lei de regência dos aspectos pessoais. No que tange à partilha dos bens do casal, por dissolução do matrimônio, valem as mesmas considerações acima. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 10. Regime matrimonial de bens. O regime de bens obedece à lei do país do primeiro domicílio conjugal, ressalvada a aplicação da lei brasileira para os bens situados no País que tenham sido adquiridos após a transferência do domicílio conjugal para o Brasil. Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado por convenção, que tenha atendido à legislação competente, podendo os cônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar, na forma e nas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquer dos regimes de bens admitidos no Brasil.

2.4.2 Relações parentais 2.4.2.1 Guarda de filhos A guarda dos filhos pode tanto ser estabelecida no momento da separação dos casais que ostentem um elemento estrangeiro, como a questão pode ser novamente levada ao Poder Judiciário, normalmente pelo não guardião originário, que pleiteia

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sua alteração, alegando, normalmente, modificação das condições de um ou de ambos os genitores para seu exercício. Para a atribuição da guarda, o juiz levará em consideração a lei vigente no domicílio da família, sempre que estiverem todos domiciliados no mesmo Estado soberano. É importante verificar, nesse caso, não só se os pais e a criança mantêm seu domicílio em um mesmo território soberano, como se eles têm a intenção manifesta de permanecer, pelo menos em médio espaço de tempo, domiciliados no mesmo país. Mantendo-se todos domiciliados em um mesmo território, terão o mesmo domicílio. Resta, portanto, saber se a lei brasileira será aplicável por consistir na lei do domicílio dos pais ou se será aplicada por estar afeta ao domicílio da criança. Há, ainda, a possibilidade de que sua aplicação se esteie no fato de ser a lei da família, como queria Valladão. A questão, despida de interesse prático nesse caso, apresenta, no entanto, forte interesse teórico. Com efeito, a razão subjacente à aplicação da lei brasileira nesse caso será a que indicará a possível solução da mesma hipótese no caso de os genitores e a criança apresentarem domicílios diversos, porquanto a aptidão para que se mostre como a lei mais favorável à criança poderá depender dessa razão subjacente. Assim, se a aplicação da lei nacional se dever ao fato de ser a lei do domicílio dos pais da criança, persistirá a dificuldade de se escolher a lei aplicável em casos outros em que pai e mãe vivam em territórios nacionais distintos, separados de fato, por exemplo. Por outro lado, justificar no caso a aplicação da lei brasileira com a ideia de que se trata da lei unitária da família, se oferece a vantagem de utilizar um critério tendencialmente neutro, apresenta a desvantagem relativa à família unitária que não mais prevalecerá após a separação, o divórcio ou a dissolução da união estável. Da mesma forma, nas hipóteses em que os pais nunca tenham manifestado a intenção de constituir uma família, mas tendo tido um filho cuja guarda é necessário regular, mostrar-se-á como um critério vazio e despido de razão, dada a nova conformação da sociedade brasileira, em que não cabe qualquer forma de discriminação relativamente à criança.

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Assim, se a lei for aplicada por ser a lei da família, onde não houver família em sentido estritamente formal não haverá critério para a sua escolha. De todo o exposto, parece que a melhor razão para a aplicação da lei brasileira, nessa hipótese em que o domicílio dos envolvidos coincide e continuará a coincidir, é mesmo a que tem em consideração o fato de a lei ser aquela que se encontra mais próxima à criança e, por isso, mais próxima para garantir a tutela de seus direitos. Assim é que, por exemplo, as Convenções internacionais sobre o tema determinam que a competência jurisdicional seja do foro do domicílio da criança, que, por sua vez, aplicará a lei do domicílio desta para a resolução do conflito, especialmente por ser o local em que as provas sobre sua condição de desenvolvimento serão mais facilmente obtidas. Outro argumento, no entanto, pode ser apontado. Trata-se da dificuldade de se estabelecer, havendo divergência entre a lei pessoal do pai e a lei pessoal da mãe, aquela que seria aplicada nas hipóteses em que os pais vivessem em territórios distintos. Isso pode ocorrer na hipótese de os pais da criança (i) estarem separados de fato, (ii) vivendo em países diferentes, ou (iii) na situação em que, durante o processo de separação, divórcio ou dissolução da união estável, um deles demonstre inequívoco intento de deixar o território do foro competente, modificando seu domicílio para outro Estado, tornando clara a distinção entre os domicílios dos membros da família. Também é possível configurar o problema nos casos em que, tendo sido regulada a atribuição da guarda, esteja-se a pleitear sua inversão, modificando-se as posições jurídicas entre genitor-guardião e não guardião, o que, em razão da diversidade de domicílios existente entre os pais, acarretará necessária modificação do domicílio da criança. Deve-se zelar para que as decisões judiciais nesses casos não transpirem “nacionalismo equivocado”, contrário “ao espírito universalista que deve imperar nas decisões jusprivatista-internacionalistas”, como frisa Jacob Dolinger (DOLINGER, 2003:222). O argumento cultural, em que pese ser fator importante para a tomada da decisão mais condizente aos interesses da criança, deve ser sopesado, mormente quando

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há identidade cultural entre os países envolvidos e quando a alteração do domicílio possa representar vetor de crescimento intelectual imediato e profissional mediato. Mesmo que se dê aplicação ao posicionamento doutrinário defendido por Érik Jayme (JAYME, 1995), no sentido de que o “pós-moderno” Direito Internacional Privado deve dar maior atenção aos sentimentos interiores do indivíduo, seus interesses e valores pessoais, deve-se atentar para a situação particular da criança enquanto ser em formação, sopesando-se as possíveis vantagens e desvantagens advindas da alteração domiciliar que se fará, frise-se, em companhia do virtual guardião, possivelmente seu pai ou sua mãe, ou seja, daquela pessoa que, pela análise dos fatos, o juiz cogitou ser a que deteria as melhores condições para o exercício da guarda. Note-se, ademais, que os mencionados aspectos pessoais guardam maior pertinência com o mérito da decisão, com a decisão material em si, e não com a decisão típica do Direito Internacional Privado que é a determinação da lei aplicável para a regulação transformadora dos fatos. Assim, deixe-se assente que a possível modificação do domicílio após a decisão, porém manifestada no curso do processo, é fator incidente importante, mas não exclusivo, para a decisão de mérito.

2.4.2.2 Direito de visita Também no que concerne à temática do direito de visitação, permanecendo todos os membros do grupo familiar da criança domiciliados em território brasileiro, aplicável para regular tal exercício será a lei brasileira. Nesse caso, então, o genitor não guardião terá acesso à criança segundo a cadência temporal estabelecida em acordo entre os pais ou determinada judicialmente pelo magistrado. A questão, aparentemente, não suscita maiores dificuldades. Alguns aspectos, no entanto, devem ser postos em relevo. Primeiro, o direito de visitação deverá ser exercido no território nacional. Isso não impede, entretanto, que se o não guardião quiser viajar ao exterior acompanhado de sua prole, possa obter a necessária autorização para que as crianças deixem temporariamente o País. Cabe ao guardião, em um primeiro momento, oferecer essa autorização, por escrito e com firma reconhecida, segundo o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 84:

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Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ou adolescente: I – estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável; II – viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida.

Não obstante, havendo recusa injustificada por parte do guardião, poderá o visitante requerer suprimento judicial, que será concedido sempre que não houver fundado receio de que o requerente intente evadir-se do território nacional em companhia da prole que não tem em sua companhia diuturna. A causa do pedido, no entanto, pode ser lícita. Vai do simples desejo de mostrar outras culturas à prole, assegurando-lhe o direito à educação e ao saber cultural, até o que parece ser muito mais justificável: o desejo de levar o(s) filho(s) a seu país de origem, onde reside a família ampliada do não guardião, fazendo-o(s) conviver, ainda que por período diminuto, com avós, tios, primos etc. De todo conveniente, nesses casos, que o não guardião procure deixar assentado no acordo ou na decisão judicial o seu direito de ter consigo a prole nas viagens que fará a sua terra natal, a fim de garantir o convívio das crianças com a família alargada. Há que se ter em mente, por fim, a possibilidade de que o guardião se evada do território nacional, carregando consigo a prole, para se estabelecer em outro país, impossibilitando que o não guardião, que restará em território nacional, mantenha contato com seus filhos. A atuação dos guardiões, nesse caso, é ilícita, posto que também a eles é dirigida a norma do artigo 84 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Fazem-no, entretanto, no mais das vezes baseados na ideia de que a eles incumbe, com exclusividade, o direito de fixar o domicílio da criança. São situações que, a par de dificultarem o correto exercício do direito de visitas por meio da subtração ilícita das crianças do local em que habitualmente se encontram – o que acarreta a ineficiência do sistema jurídico brasileiro, demandando mecanismos de cooperação internacional –, podem determinar uma modificação da situação fática vivenciada pela família da criança, o que será objeto de maiores considerações a seguir.

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No que concerne à lei aplicável para regular o exercício do direito de visitas, necessário que se dê relevo ao fato de que o escopo principal do instituto é o de garantir a convivência dos membros da família. Nesse sentido, além de direito de quem é visitado e dever para aquele que visita, constitui-se também em direito dos que visitam, apresentando características de dever de quem é visitado. Indisfarçável, assim, o caráter dúplice do instituto, que busca privilegiar uns e outros. Em verdade, que busca privilegiar a unidade do núcleo familiar – que se assemelha a uma família monoparental – que se quer preservar. Nesse sentido, já que o instituto não apresenta apenas característica protetiva dirigida às crianças, mas a todos os membros da família, inclusive da família alargada, restaria despido de sentido defender a aplicação da lei do domicílio da criança tão somente com o argumento de se tratar da defesa de seu melhor interesse. Certamente que se reconhece à criança a situação de ser humano em formação, vivenciando estágio de seu desenvolvimento em que os referenciais paterno e materno são de extrema importância. Mas, nesse caso, parece que sobrelevar essa característica é desmerecer o direito que o genitor não guardião e os restantes membros da família alargada têm de conviver com os mais jovens. Trata-se, no entanto, de consequência direta da atribuição da guarda. Assim, como esta foi deferida com base na lei do domicílio da criança, parece ser conveniente que se estabeleça a competência da mesma lei nas hipóteses de famílias que se separam e passam a viver em Estados soberanos diversos. Justifica-se tal posicionamento na necessidade de se evitarem confrontos entre os genitores em decorrência de conflito de preceitos materiais existentes nos sistemas jurídicos dos Estados em que domiciliados, os quais poderiam regular diversamente o direito de acesso à criança. Além disso, garantir-se que a mesma lei que regula a guarda seja aplicada para regular o direito de visita parece proporcionar mecanismos mais seguros de acompanhamento efetivo do exercício desse direito-dever, distribuindo-se da melhor maneira possível o tempo que a criança passará com cada tronco familiar. Mas a situação se complicará sempre que genitor e prole estiverem excessivamente distantes, porquanto nesses casos as visitas tornar-se-ão esporádicas, muito embora concentradas, podendo mesmo ocorrer uma abstenção no gozo desse direito e no exercício do dever correlato durante anos.

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Acresçam-se as dificuldades econômicas normalmente vividas pelos indivíduos para se ter uma dimensão da gravidade do problema. Além disso, como a ausência se torna prolongada, tanto pode ocorrer a não adaptação entre não guardião e prole como pode dar-se a consequência inversa: o largo lapso temporal experimentado desde a última visita pode ser pretexto para que nasça entre genitor e filho o desejo de não mais se separarem. Essa realidade, extremamente grave, determinará o não cumprimento correto do direito de visitas, cujo ilícito, de natureza civil, aperfeiçoar-se-á com a não devolução da criança no prazo assinalado, acarretando violação das disposições da lei aplicável para regular a questão. Entretanto, sua não devolução ao guardião e o consequente afastamento da criança de seu habitat representam situação de difícil desfecho, com tendência para se agravar sempre que se fizer atuar os mecanismos burocráticos para determinar o retorno da criança. É sabido que a tendência natural de quem se encontra em situação como essa é continuar a se evadir, o que retarda o deslinde da questão, pois, muitas vezes, perde-se a pista relativa ao paradeiro da criança. Bem por isso, cedo se percebeu que os métodos tradicionais de resolução do problema (verificação do ilícito, pedido de seu reconhecimento à jurisdição que regulava o direito de visita, comprovação de violação da determinação normativa, prolação de sentença, pedido de reconhecimento da sentença estrangeira ao foro do domicílio do não guardião ou outro qualquer em que este se encontrasse com a criança e execução da decisão) eram lentos, custosos e despidos de necessária efetividade. Então, para procurar remediar a questão, arquitetando mecanismos mais eficazes para a resolução do problema do exercício abusivo do direito de visitas transfronteiriço, a sociedade internacional houve por bem buscar uma regulamentação conjunta da questão que deu origem à Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro (subtração) Internacional de Crianças, de 1980, objeto do tópico seguinte.

2.4.2.3 Sequestro internacional de crianças Entende-se por subtração internacional de crianças, à luz da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro (subtração) Internacional de Crianças, tanto a retirada de uma criança do poder de quem exercia sua guarda, ipso facto determinada por lei, por decisão judicial, ou administrativa, ou por acordo legalmente

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reconhecido, como a não devolução da criança ao poder de quem de direito, após um período no qual a criança exercia o direito de visitar e ser visitada por um parente não guardião. Assim, tanto pode se configurar quando da retirada efetiva da criança do Estado de sua residência habitual, que é, na maior parte das vezes, o Estado da residência habitual de quem exerce legalmente a guarda, como no caso de retenção arbitrária dessa criança em território diverso daquele em que residia. A referida Convenção preocupa-se apenas com os aspectos civis dessa subtração, estabelecendo mecanismos de reclamo e cooperação jurisdicional entre os Estados-parte com o intuito de facilitar o retorno da criança ao Estado de sua residência habitual, de forma rápida e menos traumática possível. O conteúdo da Convenção é diverso da maioria dos tratados sobre Direito Internacional Privado, porquanto não estabeleça regras sobre lei aplicável, não regulamente o procedimento de obtenção de exequatur de decisão estrangeira, não mencione decisões relativas à atribuição da guarda, podendo por isso ser chamado de um tratado sui generis. Na base dos fatos jurídicos estão fatores sociológicos como a liberalização e flexibilização da família e do casamento, o avanço das comunicações, os conflitos de cultura e civilização, os movimentos migratórios e os desequilíbrios econômicos e, também, fatores jurídicos que estabelecem mecanismos de deslocação das crianças, sem a consideração de seus próprios interesses. Para tanto, seria necessário proporcionar certa estabilidade à criança, procurando manter seu convívio com ambos os genitores. A adoção dessa Convenção, por outro lado, facilita a troca de informações entre os Estados-parte, que são muitos, permite uniformização do tratamento dos dados estatísticos compilados e garante pronta atitude interestatal no sentido de fazer volver a criança ao Estado de sua residência habitual. Além disso, deve-se ressaltar a natureza autoexecutória da Convenção, o que torna desnecessária a elaboração de normas internas para que seja praticamente observada nos Estados que aderem a suas disposições. Quanto ao âmbito de proteção da referida Convenção, saliente-se que, apesar de prever sua aplicabilidade apenas até os 16 anos de idade da criança subtraída, fato é que já se reconheceu a possibilidade de aplicação dos mecanismos dessa

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Convenção, por decisão unilateral do Estado requerido, ainda que a criança conte 16 anos ou mais. Isso porque não resta claro no texto da Convenção qual o dies ad quem para a aplicabilidade de suas disposições: se se trata da data da subtração ou da data do pedido de busca e apreensão. Também não fica claro se essa situação é relevante, hipótese em que seria forçoso concluir que o cumprimento da idade em qualquer fase do procedimento impediria a contínua aplicabilidade da Convenção. Por tal razão, defende-se que a Convenção se aplique ainda que, no transcurso da subtração, a criança complete 16 anos de idade. Várias são as hipóteses práticas de configuração da subtração internacional. Tanto pode ocorrer pela retirada da criança da companhia de seu guardião (legal ou convencional) e subsequente traslado para fora do território do Estado onde a criança residia habitualmente, como pode se dar na hipótese em que a criança se encontra fora de sua residência habitual, em companhia de parentes e com o consentimento de seu guardião, e, no momento aprazado para seu retorno ao lar, os parentes visitados recusam-se a devolvê-la ao guardião. O traço comum, portanto, é a retenção ilícita da criança em local que não seja o de sua residência habitual, na companhia de outro parente que não seu guardião. Bem por isso, o objeto da Convenção é, segundo parte da doutrina, apenas a proteção do direito de guarda e, não, o direito de visita. Parece, entretanto, que não se deve afirmar, peremptoriamente, que o direito de visita não esteja resguardado pela Convenção. É verdade que explicitamente não há qualquer menção, mas acredita-se e defende-se a possibilidade de interpretação analógica da Convenção que passaria a abarcar outra hipótese: a do não guardião que vive no exterior e, chegado o período de visitas, encontra recusa imotivada do guardião em permitir o exercício de seu direito-dever. Nesse caso parece configurada a hipótese de retenção ilícita, devendo-se aplicar analogicamente a Convenção, se esta for vigente entre os Estados envolvidos na situação fática. Verificada a configuração da subtração, cabe ao guardião lesado (ou a qualquer outra pessoa, instituição ou organismo interessado) requerer providências

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junto à autoridade central do Estado de residência habitual da criança ou de qualquer outro Estado contratante, que deverão, cientes do fato, diligenciar junto a sua homóloga na sede do Estado onde a criança se encontrar retida de forma ilícita, requerendo a devolução do infante ao Estado de sua residência habitual. Segundo determinação da Convenção, o pedido deve conter as informações necessárias sobre a identidade do requerente, da criança e da pessoa a quem se atribui a transferência ou a retenção ilícitas: a data de nascimento da criança subtraída; quando possível, os motivos em que o requerente se baseia para exigir o retorno da criança ao Estado de sua residência habitual, ou seja, um sumário dos fatos que possa configurar a causa de pedir; bem como todas as informações disponíveis relativas à localização da criança e à identidade da pessoa com a qual se presume que a criança esteja. A Convenção prevê, ainda, como forma de auxiliar na colheita das informações, que o requerente complemente o seu pedido com a cópia autenticada de qualquer decisão ou acordo considerado relevante, como: a sentença judicial que tenha fixado a guarda segundo as disposições da lei aplicável ao caso; o acordo extrajudicial havido entre os genitores da criança, quando permitido pela legislação aplicável. É conveniente, ainda, que se junte ao pedido atestado ou declaração emitida pela autoridade central, por qualquer outra entidade competente no âmbito do Estado da residência habitual da criança, ou por pessoa qualificada, que ateste a vigência e o teor da legislação de tal Estado relativa à matéria, além de outros documentos considerados relevantes. Isso porque a lei aplicável será a lei do Estado de origem da criança, aqui entendido como o Estado em que reside habitualmente. Cumpre ressaltar que o direito de guarda pressupõe, segundo disposição da Convenção, o direito de fixar a residência habitual da criança. Assim, se o genitor guardião decidir deixar o Estado onde tem a sua residência habitual em direção a outro Estado, haverá alteração, consequentemente, da residência habitual da criança.

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O genitor não guardião não poderá reclamar o retorno da criança ao Estado de sua residência habitual, a menos que também ele seja, de fato ou de direito, detentor da guarda, como no caso das separações de fato. Mas havendo uma decisão judicial, administrativa ou convencional, que atribua a guarda unilateral, será lícito alterar a residência da criança, mesmo se esta alteração dificultar o exercício do direito de visitar e ser visitado. Em isso ocorrendo, poderá o genitor que se sentir prejudicado demandar judicialmente a alteração da guarda, fazendo-o segundo as regras de direito interno mandadas aplicar pela norma de Direito Internacional Privado. Configurada a subtração internacional da criança, incumbirá à autoridade judicial decidir a respeito de sua devolução ao Estado da residência habitual ou não. Há disposição expressa na Convenção a respeito da impossibilidade de se indagar sobre eventual ambientação da criança no Estado onde se encontra, se a subtração tiver ocorrido há menos de um ano. Todavia, tendo perdurado por mais tempo em decorrência da inércia do guardião ou das dificuldades por ele vivenciadas para descobrir o paradeiro de sua prole, poderá a autoridade responsável pela decisão perquirir a respeito da boa ambientação da criança em seu novo local de residência, estudo, lazer, às novas amizades etc. Poder-se-á afastar a aplicação da Convenção em algumas específicas hipóteses previstas nos artigos 12, alínea 2, 13 e 20 da Convenção. Tais situações permitem que a autoridade competente recuse-se a determinar o pronto regresso da criança ao Estado de sua residência habitual, levando em consideração aspectos que podem determinar ou pelo menos aconselhar a manutenção da criança subtraída no local e na condição em que ela se encontra atualmente. É interessante notar que um desses fatores (art. 20) diz respeito à concepção de direitos humanos do Estado em que a criança se encontra, o que pode levar o intérprete a acreditar que se trate de uma exceção de ordem pública vigente no Estado requerido, que, dessa forma, se recusaria a cumprir a ordem de imediato regresso da criança a seu Estado de origem. Todavia, uma interpretação histórica permite concluir que não é disso que se trata, uma vez que a exceção de ordem pública fora proposta quando das negociações

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e retirada, logo em seguida, diante da diversidade de culturas e filosofias envolvidas na questão, o que dificilmente garantiria a aprovação de tal exceção. A fórmula utilizada pela Convenção, no entanto, põe em choque, muitas vezes, culturas díspares a respeito, por exemplo, da importância dos cuidados maternos para o desenvolvimento da criança (cultura ocidental, v.g.) e da necessidade da presença paterna e de sua autoridade para a formação do caráter do infante (cultura islâmica, v.g.). Existe um reclamo geral na sociedade internacional a respeito do uso indiscriminado das exceções do artigo 13 por parte dos juízes dos Estados-parte requeridos. Na tentativa de evitar que esta solução se torne indiscriminada, a Convenção estabelece que o juiz poderá se recusar a devolver a criança ao Estado de sua residência habitual em poucas hipóteses: A primeira possibilidade que lhe é aberta consiste no convencimento de que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a criança subtraída a seu cuidado não exercia, de forma efetiva, o direito de guarda na época em que a criança fora transferida ou retida ilicitamente. O juiz também estará dispensado de determinar a devolução se houver provas de que o guardião havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção. O mesmo poderá ocorrer se houver concretas evidências de que existe um risco grave de que a criança, no seu retorno, ficará sujeita a situação de perigo físico ou psíquico, ou que, de qualquer outro modo, será exposta a situação intolerável. Aliás, este aspecto já fora posto em relevo por Elisa Pérez Vera, quando da elaboração do relatório final e explicativo a respeito da Convenção, chamando a atenção para a necessidade de uma interpretação restritiva das exceções dos artigos 13 e 20, pois, caso contrário, poder-se-ia barrar o progresso que esta Convenção representa para a cooperação judiciária internacional. Para amenizar essa utilização indiscriminada, o Secretariado da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado tem promovido conferências para magistrados, incentivando-os ao real conhecimento da Convenção, com vistas a sua boa e oportuna aplicação.

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Por outro lado, o Bureau permanente da Conferência criou uma base de dados na qual pretende incluir todas as decisões atinentes à Convenção, havidas em âmbito mundial.

2.4.2.4 Adoção internacional Atendendo às letras d e e do artigo 21 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado elaborou uma convenção internacional sobre adoção internacional, determinando que esta deve se revestir de todas as garantias de uma adoção interna, impedindo-se que os envolvidos nesse processo obtenham qualquer benefício material. Vale dizer, os Estados-parte devem garantir que a colocação em família estrangeira se faça com garantias de que não se está a camuflar um tráfico internacional de crianças e devem cuidar para que eventuais intermediários desse processo não obtenham vantagens materiais. Trata-se da Convenção relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, assinada na Haia, em 1993, e em vigor internacional entre uma série de Estados. Importa deixar consignado que, para o desenvolvimento das ideias expressas na Convenção de 1989, a Convenção de 1993 institui: a figura das autoridades centrais que desempenham um papel de controle extremamente importante no que concerne à lisura do procedimento, garantindo que eventuais intermediários não obtenham benefícios materiais na adoção; determina o encaminhamento de relatórios psicossociais que indiquem a situação dos pretensos adotantes e sua disponibilidade para o acolhimento de quantas crianças, com quais características etc.; além de não se permitir que os Estados reservem aspectos de seu texto. Essa Convenção, que teve grande sucesso do ponto de vista de sua aceitação pelos Estados, não conseguiu, todavia, pôr fim a um grave problema atinente ao direito de a criança adotada conhecer sua origem biológica. A Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, ainda antes da assinatura da Convenção de 1993, deixou registrada a necessidade de que a futura

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convenção sobre adoção tratasse da questão atinente ao direito à informação da criança, dos pais biológicos e dos pais adotivos em matéria de adoção internacional. Obviamente tal direito à informação refere-se basicamente à origem e ao destino da criança adotada. Tal Convenção não alterou, no que respeita ao tema, o estado de dúvidas e incongruências anteriormente existente. Com efeito, como se ressaltou à época, a evolução do tema transcorreu de forma a que não se chegasse a um acordo quando da assinatura da Convenção sobre os Direitos da Criança, devido, primordialmente, ao fato de as legislações dos países de colonização britânica terem pendido para uma maior liberalidade quanto à revelação do status de adotada para a criança adotiva, ao passo que os países da América Latina se filiam claramente ao princípio da confidencialidade, em detrimento da abertura dos dados. A Convenção, em seu artigo 30, n. 1, determina que o Estado de origem dos adotantes deverá, por meio de suas autoridades competentes, tomar providências para conservar as informações existentes acerca da origem da criança, particularmente no que se refere à identidade de seus pais, além do histórico médico da criança e dos genitores biológicos pelas razões concernentes à existência de possíveis doenças genéticas. Assim, como regra geral, parece que a Convenção adotou o princípio da confidencialidade, não fazendo, todavia, tal escolha de forma clara, vez que no mesmo artigo 30, n. 2, determina que essas mesmas autoridades deverão assegurar à criança ou seu responsável, mediante devida orientação, o acesso a essas informações, desde que o permita a sua lei nacional. A mencionada orientação deve ser entendida como o acompanhamento psicológico pertinente à manutenção de sua integridade emocional. Uma disposição do já citado artigo 30, inobstante não tenha tomado uma posição clara e conclusiva acerca da adoção do sistema da confidencialidade ou da abertura, parece privilegiar o direito de a criança conhecer seus pais biológicos, pois a maioria das crianças submetidas a um processo de adoção transnacional é oriunda de países em desenvolvimento, de tradição legislativa vinculada ao sistema da confidencialidade. Assim, ainda que se interprete o mesmo artigo 30 sob o prisma de os pais biológicos quererem conhecer o destino de seu filho (o que é possível e pertinente), não

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poderão eles ter acesso às informações por estarem as autoridades competentes de seu Estado proibidas de fornecer a informação. Por outro lado, a criança adotada o é, geralmente, por casais advindos de um país desenvolvido, que é, em tese, atrelado ao sistema da abertura dos dados. E, como consequência, estará a criança, em querendo, apta a receber as informações que julga necessárias ao seu completo desenvolvimento enquanto pessoa humana. Quando se quer saber qual a lei competente para se reger a capacidade do pretenso adotante para proceder à adoção de uma criança brasileira, hipótese em que o juiz brasileiro será o competente para julgar a questão, é ao artigo 7º da LINDB que se recorrerá, em princípio. Todavia, como a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (Convenção da Haia, de 1993) altera tal elemento de conexão do domicílio para a residência habitual do pretenso adotante, o juiz brasileiro competente deverá perquirir acerca da capacidade do futuro e eventual pai, segundo a lei do Estado em que este residir com habitualidade. As atuais regras do sistema interno brasileiro incorporaram diversas das disposições da Convenção ao ordenamento nacional, esquecendo-se o legislador pátrio que as Convenções Internacionais são comumente vinculativas de Estados que reciprocamente tenham aderido a elas, o que significa dizer que se a adoção em questão for travada entre o Brasil e um Estado que não tenha ratificado a Convenção da Haia, de 1993, por certo representará um processo de adoção inoperante, ausente a cooperação internacional que garante o bom andamento e dá regularidade ao procedimento. O procedimento da adoção internacional regulada pela Convenção da Haia, de 1993, baseia-se na cooperação jurisdicional, razão pela qual o pedido deve ser formulado pelo pretenso adotante singular ou pelo pretenso casal de adotantes, perante a autoridade competente para conhecer e processar tal pedido no território de sua residência habitual. Nesse local será determinada a realização de estudo psicossocial a fim de se delimitarem as condições de vida do casal ou do adotante singular e sua predisposição para a adoção, no que concerne ao número de crianças que podem receber, à idade dos futuros filhos, seu sexo, sua etnia, à eventualidade de serem portadores de doenças crônicas, deficiências físicas, deficiências mentais etc.

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Realizada a perícia, é lavrado o competente relatório que será analisado pela autoridade competente. Esta decidirá então pela habilitação ou não dos adotantes. Dando vazão aos mecanismos de cooperação instituídos pela Convenção, o relatório lavrado e homologado pela autoridade local é encaminhado, pela via diplomática, à Autoridade Central indicada pelos países contratantes ao abrigo da Convenção. No caso brasileiro, valendo-se de sua condição de Estado Federal, há 27 autoridades centrais estaduais – as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção ou de Adoção Internacional –, coordenadas por uma autoridade central nacional, que possui, inclusive, um cadastro nacional das crianças em condição de serem adotadas. Havendo crianças em tais condições e que se enquadrem no relatório encaminhado, será a Autoridade Central do país de acolhida informada, para que se proceda à designação de período para o estágio de convivência entre os pretensos pais adotivos e as crianças adotandas. Terminado o estágio de convivência, a autoridade judicial brasileira deverá sentenciar o feito, constituindo ou não a nova relação paterno-filial. Por ser hipótese em que é prevista a necessidade de reexame necessário, o processo deverá ser reexaminado pelo tribunal competente e só após o trânsito em julgado da sentença é que a criança ou as crianças, agora já filhos adotivos do casal ou do adotante singular, poderão deixar o país. Relativamente aos efeitos da adoção internacional, a Convenção da Haia, de 1993, é extremamente feliz ao determinar a necessidade de atribuição de plenos direitos aos filhos, dispensando-se, inclusive, a necessidade de se buscar o reconhecimento da sentença brasileira perante o Judiciário do Estado de acolhida, o que tende a solucionar um grave problema vivenciado em processos de adoção internacional anteriores, em que os pais adotivos não diligenciavam para obter o exequatur para tal sentença. Bem por isso, a relação paterno-filial acabava não sendo reconhecida no estado de acolhida, dando lastro à eventual desconstituição de tal relação, com graves consequências. Ademais, como estas crianças adotadas permaneciam ostentando a nacionalidade brasileira, por vezes eram devolvidas ao Brasil após anos de convívio com uma família que, posteriormente, as rejeitou.

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Nesses termos, agiu bem a Convenção da Haia ao prever inúmeras hipóteses causadoras de complicações, demonstrando um trabalho esteado em profundo estudo que melhorou o sistema anterior. No que concerne à prática brasileira de aplicação da Convenção, pode-se verificar significativa queda no número de adoções internacionais (de cerca de 900, em 1996, para apenas 400, em 2004), enquanto se experimentou um aumento no número de adoções nacionais. Isso se deve, certamente, ao rígido controle exercido pela Convenção, no melhor interesse das crianças brasileiras. Em consequência, hoje, as adoções internacionais representam cerca de 10% das adoções realizadas no Brasil.

2.4.3 Alimentos No que concerne à lei aplicável aos alimentos, estando credor e devedor domiciliados no mesmo território, será competente a lei brasileira para regular o quantum da prestação alimentícia, bem como os mecanismos para o seu estrito cumprimento. Os elementos de conexão geralmente indicados para reger a escolha da lei aplicável à matéria são a lei pessoal do devedor ou a do credor, com certa preferência doutrinária e jurisprudencial por essa última, dada a situação de necessidade que atinge o alimentando, razão pela qual haja quem defenda, com mais razão, a aplicação da lei mais favorável ao alimentando, seja ela a lei pessoal do devedor ou do credor. Acredita-se que o critério da lei mais favorável seja efetivamente o melhor. Com efeito, o escopo social a que o instituto se dirige é prover o sustento necessário – bem assim as condições de manutenção e desenvolvimento cultural – do alimentando. Presumir-se-ia, então, que a lei pessoal do credor pudesse ser a que melhor regulasse a matéria, mas não se pode olvidar que o caráter materialista da discussão recomenda que se opte pela aplicação da lei que seja, efetiva e não presumidamente, a que mais benefícios traga para o credor. O argumento lançado aqui poderá causar interpretação apressada e imprudente no sentido de ser sempre preferível garantir o maior valor ao alimentando. Não é essa, todavia, a posição que se está a defender. A defesa recai sobre a lei que garanta as melhores condições de sobrevivência e inclusão do credor em seu mundo social. Trata-se, portanto, de comparar as leis

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potencialmente aplicáveis naquilo que respeita ao conteúdo da dívida alimentícia, a fim de saber que necessidades, efetivamente, estão abarcadas no quantum a ser fixado. O valor devido, agora sim, levará em consideração o binômio que opõe a necessidade do credor e as possibilidades efetivas do devedor. A despeito de, à primeira vista, a questão parecer argumentativa e retórica, não é esse o caso. Há legislações que entendem devidos apenas os alimentos estritamente necessários à sobrevivência do credor, dando preferência absoluta ao fator necessidade (estrita). Outros ordenamentos, contudo, entendem possível e recomendável que a verba alimentícia abarque não só o valor mencionado, mas que cubra, também, os gastos que a criança terá para se inserir no meio social em que nasceu e com o qual está acostumada – entendendo-se amplamente o fator necessidade –, mas desde que o devedor mantenha, obviamente, condições financeiras para sua própria sobrevivência condigna e para o suprimento daquelas necessidades de sua prole, já que, muitas vezes, os processos de separação das famílias acabam por implicar uma perda significativa do padrão socioeconômico. Em um ponto específico, entretanto, a razão parece estar entre aqueles que advogam a aplicação da lei do devedor. Trata-se da alegação segundo a qual tal solução facilitaria o reconhecimento da condenação estrangeira (proferida no foro do domicílio do credor ou, ainda, se cabível, em outros foros competentes) no Estado do devedor, com posterior execução, já que respeitada a lei do domicílio do ora executado. A mesma solução pode-se mostrar dificultada, caso se assente na adoção da lei mais benéfica, mormente se o juízo de delibação versar o tema da ordem pública do Estado requerido. A depender da concepção socioeconômica do Estado, poder-se-á negar executoriedade à decisão que se tenha lavrado com base na lei do credor, então considerada a mais benéfica a ele, principalmente se a condenação se mostrar muito mais ampla do que aquela que se teria atingido na hipótese de aplicação da lei do domicílio do devedor.

2.5 Bens

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Os bens são, geralmente, na terminologia jurídica tomados como “coisas” (a res dos romanos). E são regulamentados na ordem internacional de duas formas principais: indiretamente ou diretamente. Aparecem regulados indiretamente quando não constituem a questão central da relação jurídica mas estão envolvidos nela, como nos casos da divisão de bens por ocasião de divórcio ou de sucessões. Nestas situações, fala-se do jus ad rem e dependendo do tema central da relação jurídica (divórcio, sucessão etc.) ter-se-á um elemento de conexão específico. Quando os bens são a parte central da relação jurídica que irradia efeitos em mais do que uma ordem jurídica, são eles regulados diretamente pelo Direito Internacional Privado. Nestes casos a discussão ocorre em relação à coisa (ao bem) em si mesma. Trata-se dos direitos reais (ou direito das coisas) em que os bens são considerados individualmente falando-se do iure in re. Neste item sobre o tratamento dado pelo Direito Internacional Privado aos bens, o foco está na regulamentação direta sofrida por eles. Na regulamentação internacional do direito das coisas verifica-se a prevalência do princípio lex rei sitae (lei da situação da coisa), que adota a territorialidade como critério para a regulamentação dos bens. O princípio lex rei sitae é apontado como sendo um dos princípios universais do Direito Internacional Privado. Isso faz com que os Estados não apenas apliquem suas leis caso os bens estejam em seus territórios e se considerem competentes para analisar os casos que os envolvam, mas também que não se ocupem das relações jurídicas envolvendo bens que estejam nos territórios de outros países. Ou seja, os bens acabam “contaminando” as relações jurídicas de que façam parte e atraindo a solução destas para os locais em que estejam situados. O Brasil adota essa regra no artigo 8º, caput, da LINDB, estabelecendo, portanto, a lei do local da situação do bem como o elemento de conexão a eles atinente: Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicarse-á a lei do país em que estiverem situados.

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É relevante destacar que em função do disposto no artigo 8º essa regra é utilizada tanto para a qualificação quanto para a regência dos bens, fato relevante uma vez que há sistemas que determinam elementos de conexão distintos caso se trate de bens móveis e imóveis. Assim, deve-se verificar, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, onde está a coisa para determinar o tipo de sistema adotado e então buscar o elemento de conexão apresentado. Os sistemas que estabelecem elementos de conexão distintos em geral usam a lex rei sitae para imóveis, seguindo a máxima de que immobilia concernent territoria (ou seja, que os imóveis se relacionam ao território) e o domicílio do proprietário para os móveis. O Brasil, contudo, adota um sistema unitário (norma uti singuli), usando a lex rei sitae para todos os bens, conforme mencionado acima. Existem, todavia, duas exceções à regra geral. A primeira exceção é relativa aos bens móveis em estado de mobilidade (ou em trânsito), para os quais se aplica a lei do país em que for domiciliado o proprietário, conforme o § 1º do artigo 8º da LINDB: Art. 8º, § 1º – Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

Essa regra segue a máxima de que mobilia sequuntur personam (ou seja, de que os móveis seguem as pessoas). Quando o móvel se destina ao transporte, no entanto, a chegada ao destino implicará em mudança da sua lei de regência. E a segunda exceção se dá em relação ao penhor, quando o ordenamento jurídico brasileiro adota como elemento de conexão o domicílio do possuidor do bem apenhado, de acordo com o § 2º do artigo 8º da LINDB: Art. 8º, § 2º – O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.

Atualmente ganham relevo os bens submetidos a registro, como, por exemplo, os aviões, navios e mais recentemente as patentes, em função de seu alto valor econômico. Esses bens apresentam características mistas de móveis e imóveis, mas em função de seu registro são tratados como vinculados a ele.

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É assim que os navios e aeronaves obedecem à lei do pavilhão (país no qual têm registro e bandeira), e as patentes seguem o princípio da territorialidade, se baseando no registro, o que faz com que sejam encravados no local em que este ocorre, sendo portanto de competência local e assemelhando-se aos imóveis. Os bens artísticos e de interesse universal – como as obras de arte – também são objeto de proteção específica. Neste caso cumpre destacar o papel do UNIDROIT e dos tratados internacionais por ele patrocinados a fim de assegurar proteção a esses bens de maneira uniforme. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 11. Bens e Direitos Reais. Os bens imóveis e os direitos reais a eles relativos são qualificados e regidos pela lei do local de sua situação. Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com o qual tenham vínculos mais estreitos.

Bens Brasil – Regra geral – Local do bem – Lex rei sitae (art. 8º, caput, da LINDB) Bens móveis em estado de mobilidade – domicílio do proprietário (art. 8º, § 1º, da LINDB) Penhor – domicílio do possuidor (art. 8º, § 1º, da LINDB)

2.6 Obrigações

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A solução de concurso de leis envolvendo o tema das obrigações depende do tipo de obrigação em questão. Tendo-se em mente que se podem ter quatro tipos de obrigações: 1) oriundas da lei; 2) oriundas de manifestação unilateral de vontade; 3) oriundas de contratos; e 4) oriundas de fatos ilícitos. Em face disso, há quatro possibilidades de elementos de conexão para resolver os casos mistos. Se a obrigação decorre de imposição legal, como, por exemplo, o serviço militar obrigatório, caso haja concurso de leis este será solucionado pela lex fori, ou seja, pelo ordenamento jurídico da lei que criou a obrigação. A lei que cria a obrigação pode, em tese, apontar outro elemento de conexão, mas isso não é comum. Em geral, quando a lei cria uma obrigação em um dado ordenamento jurídico será esse que ela elegerá para solucionar os casos mistos relativos àquela obrigação. Quando a obrigação decorre de uma manifestação unilateral de vontade, como no caso de uma procuração ou de uma promessa de recompensa, o elemento de conexão mais comumente adotado é o do local do ato (lex loci celebrationes), submetendo assim a manifestação de vontade ao sistema jurídico dentro do qual ela foi emanada. Os contratos são outro tipo de obrigações relevante; e há atualmente três correntes consideradas “modernas” no que diz respeito à solução de concursos de leis para eles. A primeira corrente adota a ideia de autonomia da vontade e entende que, sendo o contrato o fruto da conjugação de vontades, as partes podem apontar a lei aplicável a ele. Adota, assim, a lex voluntatis para a determinação da lei material aplicável ao contrato, respeitando-se, contudo, as restrições de ordem pública que funcionam como um limite à autonomia da vontade. Cumpre destacar que, em geral, a lei processual aplicável aos casos de Direito Civil envolvendo casos mistos é a lex fori, ou seja, a lei do local em que se ajuízam as ações. Isso não ocorre quando se trata de arbitragem, uma vez que em se optando por

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esse meio de solução de controvérsias as partes podem escolher a lei material aplicável ao contrato e também as regras procedimentais para dirimir quaisquer desacordos. No Brasil só se admite a autonomia da vontade em caso de arbitragem, não havendo previsão (ou proibição) na legislação de modo geral. A segunda corrente sobre os elementos de conexão pertinentes aos contratos é a que propugna pela preservação da validade do contrato, denominada favor negotii (ou lex validatis). Por tal teoria, sempre que duas leis materiais forem indicadas por elementos de conexão diferentes, sendo que uma delas implica na nulidade ou na anulação do contrato enquanto a outra o considera plenamente válido, esta última lei (por ser favorável ao negócio) prevalecerá. A terceira corrente aponta o local da execução do contrato como o elemento de conexão cabível. É a teoria da specific performance e aparece de modo residual na LINDB, no artigo 9º, § 1º: Art. 9º, § 1º – Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

De modo geral o Brasil adota a regra do local da celebração (lex loci celebrationes) como o elemento de conexão pertinente aos contratos, conforme o disposto no artigo 9º, caput, da LINDB: Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

Neste sentido, é relevante destacar que no caso de contratos entre ausentes tem-se o domicílio do proponente como sendo o local da celebração. Se a obrigação for para ser realizada no Brasil adota-se o sistema jurídico brasileiro no que tange à forma essencial desta. A teoria do local da celebração como elemento de conexão para os contratos é bastante criticada, uma vez que pode ensejar a aplicação de um sistema jurídico sem grande vínculo com a obrigação.

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Com efeito, teria sido mais adequada a opção pela lex loci executionis, ou seja, pela lei do local em que o contrato foi ou deve ser cumprido. Também sobre os contratos é interessante mencionar os INCOTERMS, que apresentam grande relevância, facilitando a compreensão das obrigações entre as partes. Os INCOTERMS são os international comercial terms (termos internacionais de comércio) criados pela Câmara Internacional do Comércio (ICC) de Paris. Existem 11 regras INCOTERMS, sendo exemplos as cláusulas FOB (free on board), EXW (ex works), CFR (cost and freight) e DAF (delivered at frontier1). Eles auxiliam na padronização dos contratos internacionais e são parte da nova lex mercatoria. O último tipo de obrigações que deve ser mencionado é o que decorre da prática de fatos ilícitos. Nestes casos a grande preocupação vem a ser com a reparação do dano causado. Em geral adota-se como elemento de conexão o local em que se constituiu a obrigação, repetindo-se, portanto, a regra geral sobre obrigações. Contudo também se pode adotar o local onde os efeitos do dano são sentidos, sobretudo quando não se pode determinar o local da constituição da obrigação; como, por exemplo, em uma difamação praticada pela Internet. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 12. Obrigações contratuais. As obrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados os direitos de terceiros. § 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atos jurídicos em geral, serão regidos pela lei do país com o qual mantenha os vínculos mais estreitos. § 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável do restante, e mantiver conexão mais estreita com a lei de outro país, poderá esta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráter excepcional. § 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebração, permitida a adoção de outra forma aceita em direito.

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§ 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos, poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislação brasileira. Art. 13. Obrigações por atos ilícitos. As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidas pela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato ou a do local onde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima às partes ou ao ato ilícito.

Obrigações Brasil – Regra geral – Local da Constituição/Celebração do ato – Lex loci celebrationes (art. 9º, caput, da LINDB) Obrigação a ser executada no Brasil – se houver forma essencial pela lei brasileira, deve ser esta respeitada (art. 9º, § 1º, da LINDB)

2.7 Sucessões Assim como no direito civil interno, o grande tema relativo à sucessão é determinar a destinação dos bens da herança, apontando-se em face de casos envolvendo fatos mistos qual foro é competente para analisar a sucessão, quem pode herdar e qual é a lei aplicável à sucessão em questão. No que diz respeito ao foro para a sucessão, tem-se como regra geral que este será local onde se deve abrir o inventário. O ideal seria que houvesse apenas um inventário, mas se existirem bens em mais de um país, cada um deles terá um inventário. Ou seja, existem tantos inventários quantos forem os locais dos bens, uma vez que, como mencionado no item sobre bens, os bens “contaminam” as relações

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jurídicas em que participam e influenciam diretamente na competência para solucionar o concurso de jurisdições. Quanto à lei aplicável à sucessão existem dois sistemas tradicionais: 1) a sucessão mista/parcial, pela qual em cada fase da sucessão se utiliza um elemento de conexão e pode-se ter uma lei aplicável diferente; e 2) a universalidade sucessória, pela qual um único elemento de conexão e, consequentemente, uma única lei é aplicada para todos os temas de sucessões. O Brasil adota essa última teoria e determina que o elemento de conexão para as sucessões é a lei do último domicílio do de cujus ou do desaparecido, conforme o artigo 10, caput, da LINDB, que dispõe: Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

Adotam-se, contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, regras diferentes para três situações particulares: 1) sucessões envolvendo cônjuge ou filhos brasileiros, 2) a capacidade para suceder, e 3) sucessões envolvendo bens imóveis. Em relação a sucessões envolvendo cônjuge ou filhos brasileiros, em conformidade com o § 1º do artigo 10 da LINDB e com o artigo 5º, XXXI, da Constituição Federal, serão regidas pela lei brasileira desde que a lei pessoal do de cujus não lhes seja mais favorável: Art. 10, § 1º – A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

E Art. 5º, XXXI – A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

Tem-se assim que se deve analisar o resultado da aplicação da lei brasileira e da lei estrangeira para se determinar qual é a mais benéfica; adotando-se um método diferente do método tradicional do Direito Internacional Privado, pois por um lado

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tem-se um princípio valorativo no Direito Internacional Privado e por outro se adota uma regra unilateral. Essa situação consagra a proteção do nacional, já analisada no item sobre limites à aplicação do direito estrangeiro quando se abordou o princípio do nacional lesado, que é bastante contestado, pois pode levar à xenofobia. No caso do Brasil é relevante apontar que a doutrina equipara a união estável ao casamento para efeitos da aplicação desta regra especial no que tange à sucessão. No que tange à capacidade para suceder, de acordo com o § 2º do artigo 10 da LINDB, esta é regulada pela lei do domicílio do herdeiro: Art. 10, § 2º – A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Nesse sentido se repete a regra geral sobre capacidade eleita pelo ordenamento brasileiro que a liga ao domicílio. Já no que diz respeito a sucessões envolvendo bens imóveis, tem-se a aplicação da regra geral sobre estes pela qual serão elas regidas pela lex rei sitae, conforme visto anteriormente. Tal situação pode gerar pluralidade de foros (dupla regência) e determinar a competência exclusiva do local em que o bem estiver localizado, como é o já mencionado caso do Brasil. Outro tópico relevante para o tema das sucessões é a regência dos testamentos em casos envolvendo relações jurídicas que irradiam efeitos em mais do que uma ordem jurídica. O testamento deve ser apresentado a todos os juízes que irão analisar a sucessão caso exista pluralidade sucessória em função de determinação legal ou da existência de bens em vários países. A regência dos testamentos é dividida em dois grandes blocos. De um lado, tem-se a análise da validade formal e, de outro, a análise material destes. Ou seja, separam-se as questões de forma e fundo do testamento. Quanto à validade formal tem-se que a forma do testamento é regida pela lei do local da celebração do ato. Em geral, as questões de forma não são temas de

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ordem pública, e, por isso, o Brasil aceita a aplicação da lei estrangeira enquanto regente da forma do testamento. Relativamente ao tema da validade formal também há a questão da capacidade para testar, sendo esta regida também pela lei do local da celebração do ato. Já sobre a validade material do testamento, ou seja, seu fundo, tem-se que a mesma regra que rege as sucessões em geral se aplica, ou seja, a matéria do testamento é regida pela lei do último domicílio do de cujus ou do desaparecido. Caso haja divergência entre a lei do local da celebração do ato e a lei do último domicílio do de cujus ou do desaparecido, sendo aquela mais restrita, devem-se reduzir os termos do testamento a fim de adequá-lo e permitir sua aplicação. As disposições não compatíveis são tidas como não escritas para não se invalidar o testamento. O mesmo raciocínio se aplica caso passem a existir herdeiros legítimos após a celebração do ato (do testamento) e que não tenham, portanto, sido beneficiados (ou protegidos) quando desta. O PLS de autoria do Senador Pedro Simon, formado a partir do Anteprojeto elaborado pela Comissão presidida pelo Professor João Grandino Rodas, cuida da temática nos seguintes termos: Art. 14. Herança. A sucessão por morte ou ausência é regida pela lei do país do domicílio do falecido à data do óbito, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, assim como dos herdeiros domiciliados no País, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido.

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Sucessão Brasil – Regra geral – Lei do domicílio do de cujus (art. 10, caput, da LINDB) Filhos ou cônjuge brasileiros – Lei mais benéfica (art. 10, § 1º, da LINDB) Capacidade para suceder – Lei do herdeiro/legatário (art. 10, § 2º, da LINDB)

1 Para a listagem completa de INCOTERMS cf. .

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Anexo I

Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. (Redação dada pela Lei n. 12.376, de 2010) O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta: Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. § 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei n. 2.145, de 1953) § 2º (Revogado.) § 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957) § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957) § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957) Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. § 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957) § 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. § 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílios, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. § 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei n. 6.515, de 1977) § 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de

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que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei n. 12.036, de 2009). § 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. § 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicarse-á a lei do país em que estiverem situados. § 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. § 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada. Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei n. 9.047, de 1995) § 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1º Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

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§ 2º Os governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação. § 3º Os governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares. Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. § 2º A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art. 105, I, i, da Constituição Federal) Parágrafo único. (Revogado.) Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

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Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei n. 3.238, de 1957) Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957) Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no art. 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentre em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei. (Incluído pela Lei n. 3.238, de 1957)

Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942; 121º da Independência e 54º da República.

GETÚLIO VARGAS Alexandre Marcondes Filho Oswaldo Aranha.

Anexo II

Projeto de Lei do Senado n. 269, de 2004

(DO SENADOR PEDRO SIMON) Dispõe sobre a aplicação das normas jurídicas O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I DA NORMA JURÍDICA EM GERAL Art. 1º Vigência da lei. A lei entra em vigor na data da publicação, salvo se dispuser em contrário: e perdura até que outra a revogue, total ou parcialmente. § 1º Revogação. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare ou quando com ela seja incompatível. § 2º Repristinação. A vigência da lei revogada só se restaura por disposição expressa. § 3º Republicação. O texto de lei republicada, inclusive de lei interpretativa, considera-se lei nova. § 4º Regulamentação. A lei só dependerá de regulamentação quando assim o declare expressamente e estabeleça prazo para sua edição; escoado o prazo sem essa providência, a lei será diretamente aplicável. Art. 2º Ignorância da lei. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Art. 3º Dever de decidir. O juiz não se eximirá de julgar alegando inexistência, lacuna ou obscuridade da lei. Nessa hipótese, em não cabendo a analogia, aplicará os costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais de direito.

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Art. 4º Aplicação do Direito. Na aplicação do direito, respeitados os seus fundamentos, serão atendidos os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum e a equidade.

CAPÍTULO II DO DIREITO INTERTEMPORAL Art. 5º Irretroatividade. A lei não terá efeito retroativo. Ela não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. § 1º Direito adquirido. Direito adquirido é o que resulta da lei, diretamente ou por intermédio de fato idôneo, e passa a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, mesmo que seus efeitos não se tenham produzido antes da lei nova.1 § 2º Direito a termo ou condição. Constituem igualmente direito adquirido as consequências da lei ou de fato idôneo, ainda quando dependentes de termo de (sic) condição.2 § 3º Ato jurídico perfeito. Ato jurídico perfeito é o consumado de acordo com a lei do tempo em que se efetuou. § 4º Coisa julgada. Coisa julgada é a que resulta de decisão judicial da qual não caiba recurso. Art. 6º Efeito imediato. O efeito imediato da lei não prejudicará os segmentos anteriores, autônomos e já consumados, de fatos pendentes. Art. 7º Alteração de prazo. Quando a aquisição de um direito depender de decurso de prazo e este for alterado pela lei nova, considerar-se-á válido o tempo já decorrido e se computará o restante por meio de proporção entre o prazo anterior e o novo.3

CAPÍTULO III DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Seção I Regras de Conexão Art. 8º Estatuto pessoal. A personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família são regidos pela lei do domicílio. Ante a inexistência de domicílio ou na impossibilidade de sua localização, aplicar-se-ão, sucessivamente, a lei da residência habitual e a lei da residência atual.

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Parágrafo único. As crianças, os adolescentes e os incapazes são regidos pela lei do domicílio de seus pais ou responsáveis; tendo os pais ou responsáveis domicílios diversos, regerá a lei que resulte do melhor interesse da criança, do adolescente ou do incapaz. Art. 9º Casamento. As formalidades de celebração do casamento obedecerão à lei do local de sua realização. § 1º As pessoas domiciliadas no Brasil, que se casarem no exterior, atenderão, antes ou depois do casamento, as formalidades para habilitação reguladas no Código Civil Brasileiro, registrando o casamento na forma prevista no seu art. 1.544. § 2º As pessoas domiciliadas no exterior que se casarem no Brasil terão sua capacidade matrimonial regida por sua lei pessoal. § 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante autoridade consular brasileira, cumprindo-se as formalidades de habilitação como previsto no parágrafo anterior. O casamento entre estrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no Brasil perante respectiva autoridade diplomática ou consular. § 4º A autoridade consular brasileira é competente para lavrar atos de registro civil referentes a brasileiros na jurisdição do consulado, podendo igualmente lavrar atos notariais, atendidos em todos os casos os requisitos da lei brasileira. § 5º Se os cônjuges tiverem domicílios ou residências diversos, será aplicada aos efeitos pessoais do casamento a lei que com os mesmos tiver vínculos mais estreitos. Art. 10. Regime matrimonial de bens. O regime de bens obedece à lei do país do primeiro domicílio conjugal, ressalvada a aplicação da lei brasileira para os bens situados no País que tenham sido adquiridos após a transferência do domicílio conjugal para o Brasil. Parágrafo único. Será respeitado o regime de bens fixado por convenção, que tenha atendido à legislação competente, podendo os cônjuges que transferirem seu domicílio para o Brasil adotar, na forma e nas condições do § 2º do art. 1.639 do Código Civil Brasileiro, qualquer dos regimes de bens admitidos no Brasil. Art. 11. Bens e Direitos Reais. Os bens imóveis e os direitos reais a eles relativos são qualificados e regidos pela lei do local de sua situação. Parágrafo único. Os bens móveis são regidos pela lei do país com o qual tenham vínculos mais estreitos. Art. 12. Obrigações contratuais. As obrigações contratuais são regidas pela lei escolhida pelas partes. Essa escolha será expressa ou tácita, sendo alterável a qualquer tempo, respeitados os direitos de terceiros.

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§ 1º Caso não tenha havido escolha ou se a escolha for ineficaz, o contrato, assim como os atos jurídicos em geral, serão regidos pela lei do país com o qual mantenha os vínculos mais estreitos. § 2º Na hipótese do § 1º, se uma parte do contrato for separável do restante, e mantiver conexão mais estreita com a lei de outro país, poderá esta aplicar-se, a critério do Juiz, em caráter excepcional. § 3º A forma dos atos e contratos rege-se pela lei do lugar de sua celebração, permitida a adoção de outra forma aceita em direito. § 4º Os contratos realizados no exterior sobre bens situados no País, ou direitos a eles relativos, poderão ser efetuados na forma escolhida pelas partes, devendo ser registrados no Brasil de acordo com a legislação brasileira. Art. 13. Obrigações por atos ilícitos. As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidas pela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato ou a do local onde se verificar o prejuízo, ou outra lei que for considerada mais próxima às partes ou ao ato ilícito. Art. 14. Herança. A sucessão por morte ou ausência é regida pela lei do país do domicílio do falecido à data do óbito, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Parágrafo único. A sucessão de bens situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge4 ou dos filhos brasileiros, assim como dos herdeiros domiciliados no País, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido.

Seção II Aplicação do Direito Estrangeiro Art. 15. Lei estrangeira. A lei estrangeira indicada pelo Direito Internacional Privado brasileiro será aplicada de ofício; sua aplicação, prova e interpretação far-se-ão em conformidade com o direito estrangeiro. Parágrafo único. O juiz poderá determinar à parte interessada que colabore na comprovação do texto, da vigência e do sentido da lei estrangeira aplicável. Art. 16. Reenvio. Se a lei estrangeira, indicada pelas regras de conexão da presente Lei, determinar a aplicação da lei brasileira, esta será aplicada. § 1º Se, porém, determinar a aplicação da lei de outro país, esta última prevalecerá caso também estabeleça sua competência. § 2º Se a lei do terceiro país não estabelecer sua competência, aplicar-se-á a lei estrangeira inicialmente indicada pelas regras de conexão da presente Lei.

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Art. 17. Qualificação. A qualificação destinada à determinação da lei aplicável será feita de acordo com a lei brasileira. Art. 18. Fraude à lei. Não será aplicada a lei de um país cuja conexão resultar de vínculo fraudulentamente estabelecido. Art. 19. Direitos adquiridos. Os direitos adquiridos na conformidade de sistema jurídico estrangeiro serão reconhecidos no Brasil, com a ressalva decorrente dos artigos 17, 18 e 20. Art. 20. Ordem pública. As leis, atos públicos e privados, bem como as sentenças de outro país, não terão eficácia no Brasil se forem contrários à ordem pública brasileira.

Seção III Pessoas Jurídicas Art. 21. Pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas serão regidas pela lei do país em que se tiverem constituído. Parágrafo único. Para funcionar no Brasil, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoas jurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, ficando sujeitas à lei e aos tribunais brasileiros. Art. 21. Aquisição de imóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras ou internacionais. As pessoas jurídicas de direito público, estrangeiras ou internacionais, bem como as entidades de qualquer natureza por elas constituídas ou dirigidas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou direitos reais a eles relativos. § 1º Com base no princípio da reciprocidade e mediante prévia e expressa concordância do Governo brasileiro, podem os governos estrangeiros adquirir os prédios urbanos destinados às chancelarias de suas missões diplomáticas e repartições consulares de carreira, bem como os destinados a residências oficiais de seus representantes diplomáticos e agentes consulares nas cidades das respectivas sedes. § 2º As organizações internacionais intergovernamentais sediadas no Brasil ou nele representadas, poderão adquirir, mediante prévia e expressa concordância do Governo brasileiro, os prédios destinados aos seus escritórios e às residências de seus representantes e funcionários nas cidades das respectivas sedes, nos termos dos acordos pertinentes.

Seção IV Direito Processual e Cooperação Jurídica Internacional

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Art. 23. Escolha de jurisdição. A escolha contratual de determinada jurisdição, nacional ou estrangeira, resultará em sua competência exclusiva. Art. 24. Produção de provas. A prova dos fatos ocorridos no exterior é produzida em conformidade com a lei que regeu a sua forma. § 1º Não serão admitidas nos tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. § 2º As provas colhidas no Brasil obedecerão à lei brasileira, admitindo-se a observância de formalidades e procedimentos especiais adicionais a pedido da autoridade judiciária estrangeira, desde que compatíveis com a ordem pública brasileira. Art. 25. Homologação de sentença estrangeira. As sentenças judiciais e atos com força de sentença judicial, oriundos de país estrangeiro, poderão ser executados no Brasil, mediante homologação pelo Supremo Tribunal Federal, atendidos os seguintes requisitos: I – haverem sido proferidos por autoridade com competência internacional; II – citado o réu, lhe foi possibilitado o direito de defesa; III – tratando-se de sentença judicial ou equivalente, ter transitado em julgado nos termos da lei local; IV – estarem revestidos das formalidades necessárias para serem executadas no país de origem; V – estarem traduzidos por intérprete público ou autorizado; VI – estarem autenticados pela autoridade consular brasileira. Art. 26. Medidas cautelares. Poderão ser concedidas, no foro brasileiro competente, medidas cautelares visando a garantir a eficácia, no Brasil, de ações que venham a ser prolatadas em ações judiciais em curso em país estrangeiro. Art. 27. Cooperação jurídica internacional. Serão atendidas as solicitações de autoridades estrangeiras apresentadas por intermédio da autoridade central brasileira designada nos acordos internacionais celebrados pelo País, que serão cumpridas nos termos da lei brasileira. Art. 28. Cartas rogatórias. Na ausência de acordos de cooperação, serão atendidos os pedidos oriundos de Justiça estrangeira para citar, intimar ou colher provas no País, mediante carta rogatória, observadas as leis do Estado rogante quanto ao objeto das diligencias (sic), desde que não atentatórias a princípios fundamentais da lei brasileira. A carta rogatória, oficialmente traduzida, poderá ser apresentada diretamente ao STF para concessão do exequatur.

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Parágrafo único. Qualquer requisição de documento ou informação, feita por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, dirigida a pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou estabelecida no País, deverá ser encaminhada via carta rogatória, sendo defeso à parte fornecê-la diretamente, ressalvado o disposto no artigo anterior. Art. 29. É revogado o Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Art. 30. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Elementos de conexão na LINDB

180/182 Disposição da LINDB

Objeto de conexão (instituto jurídico)

Elemento de conexão

Artigo 7º

Caput

Personalidade, nome, capacidade e direitos de família

Domicílio (lex domicilii)

§ 1º

– Impedimentos matrimoniais que impliquem na nulidade do casamento – Aspectos formais da celebração do casamento

Local da celebração (lex loci celebrationes)

§ 3º

Invalidade do casamento

Primeiro domicílio conjugal

§ 4º

Regime de bens

Domicílio comum dos nubentes ou, se diversos, primeiro domicílio conjugal

Artigo 8º Caput

Bens

Localização do bem (lex rei sitae)

§ 1º

Bens móveis em estado de mobilidade

Domicílio do proprietário

§ 2º

Penhor

Domicílio do possuidor Artigo 9º

Caput

Obrigações

Local da constituição (lex loci celebrationes)

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1 Verificar o art. 2.035 do Código Civil. 2 Verificar o art. 125 do Código Civil. 3 Verificar os arts. 2.028, 2.029 e 2.030 do Código Civil. 4 A proteção não atinge o convivente, como deveria, nos casos em que a lei pessoal do de cujus admita a união estável.

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