Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e Schelling [Imprensa Nacional - Casa da Moeda]

Table of contents :
Diferencas_Página_01_Imagem_0001_2L_Fotor......Page 1
Diferencas_Página_02_Imagem_0001_2R......Page 2
Diferencas_Página_03_Imagem_0001_2R......Page 3
Diferencas_Página_04_Imagem_0001_2R......Page 5
Diferencas_Página_05_Imagem_0001_1L......Page 6
Diferencas_Página_05_Imagem_0001_2R......Page 7
Diferencas_Página_06_Imagem_0001_1L......Page 8
Diferencas_Página_06_Imagem_0001_2R......Page 9
Diferencas_Página_07_Imagem_0001_1L......Page 10
Diferencas_Página_07_Imagem_0001_2R......Page 11
Diferencas_Página_08_Imagem_0001_1L......Page 12
Diferencas_Página_08_Imagem_0001_2R......Page 13
Diferencas_Página_09_Imagem_0001_1L......Page 14
Diferencas_Página_09_Imagem_0001_2R......Page 15
Diferencas_Página_10_Imagem_0001_1L......Page 16
Diferencas_Página_10_Imagem_0001_2R......Page 17
Diferencas_Página_11_Imagem_0001_1L......Page 18
Diferencas_Página_11_Imagem_0001_2R......Page 19
Diferencas_Página_12_Imagem_0001_1L......Page 20
Diferencas_Página_12_Imagem_0001_2R......Page 21
Diferencas_Página_13_Imagem_0001_1L......Page 22
Diferencas_Página_13_Imagem_0001_2R......Page 23
Diferencas_Página_14_Imagem_0001_1L......Page 24
Diferencas_Página_14_Imagem_0001_2R......Page 25
Diferencas_Página_15_Imagem_0001_2R......Page 26
Diferencas_Página_16_Imagem_0001_1L......Page 27
Diferencas_Página_16_Imagem_0001_2R......Page 28
Diferencas_Página_17_Imagem_0001_1L......Page 29
Diferencas_Página_17_Imagem_0001_2R......Page 30
Diferencas_Página_18_Imagem_0001_1L......Page 31
Diferencas_Página_18_Imagem_0001_2R......Page 32
Diferencas_Página_19_Imagem_0001_1L......Page 33
Diferencas_Página_19_Imagem_0001_2R......Page 34
Diferencas_Página_20_Imagem_0001_1L......Page 35
Diferencas_Página_20_Imagem_0001_2R......Page 36
Diferencas_Página_21_Imagem_0001_1L......Page 37
Diferencas_Página_21_Imagem_0001_2R......Page 38
Diferencas_Página_22_Imagem_0001_1L......Page 39
Diferencas_Página_22_Imagem_0001_2R......Page 40
Diferencas_Página_23_Imagem_0001_1L......Page 41
Diferencas_Página_23_Imagem_0001_2R......Page 42
Diferencas_Página_24_Imagem_0001_1L......Page 43
Diferencas_Página_24_Imagem_0001_2R......Page 44
Diferencas_Página_25_Imagem_0001_1L......Page 45
Diferencas_Página_25_Imagem_0001_2R......Page 46
Diferencas_Página_26_Imagem_0001_1L......Page 47
Diferencas_Página_26_Imagem_0001_2R......Page 48
Diferencas_Página_27_Imagem_0001_1L......Page 49
Diferencas_Página_27_Imagem_0001_2R......Page 50
Diferencas_Página_28_Imagem_0001_1L......Page 51
Diferencas_Página_28_Imagem_0001_2R......Page 52
Diferencas_Página_29_Imagem_0001_1L......Page 53
Diferencas_Página_29_Imagem_0001_2R......Page 54
Diferencas_Página_30_Imagem_0001_1L......Page 55
Diferencas_Página_30_Imagem_0001_2R......Page 56
Diferencas_Página_31_Imagem_0001_1L......Page 57
Diferencas_Página_31_Imagem_0001_2R......Page 58
Diferencas_Página_32_Imagem_0001_1L......Page 59
Diferencas_Página_32_Imagem_0001_2R......Page 60
Diferencas_Página_33_Imagem_0001_1L......Page 61
Diferencas_Página_33_Imagem_0001_2R......Page 62
Diferencas_Página_34_Imagem_0001_1L......Page 63
Diferencas_Página_34_Imagem_0001_2R......Page 64
Diferencas_Página_35_Imagem_0001_1L......Page 65
Diferencas_Página_35_Imagem_0001_2R......Page 66
Diferencas_Página_36_Imagem_0001_1L......Page 67
Diferencas_Página_36_Imagem_0001_2R......Page 68
Diferencas_Página_37_Imagem_0001_1L......Page 69
Diferencas_Página_37_Imagem_0001_2R......Page 70
Diferencas_Página_38_Imagem_0001_1L......Page 71
Diferencas_Página_38_Imagem_0001_2R......Page 72
Diferencas_Página_39_Imagem_0001_1L......Page 73
Diferencas_Página_39_Imagem_0001_2R......Page 74
Diferencas_Página_40_Imagem_0001_1L......Page 75
Diferencas_Página_40_Imagem_0001_2R......Page 76
Diferencas_Página_41_Imagem_0001_1L......Page 77
Diferencas_Página_41_Imagem_0001_2R......Page 78
Diferencas_Página_42_Imagem_0001_1L......Page 79
Diferencas_Página_42_Imagem_0001_2R......Page 80
Diferencas_Página_43_Imagem_0001_1L......Page 81
Diferencas_Página_43_Imagem_0001_2R......Page 82
Diferencas_Página_44_Imagem_0001_1L......Page 83
Diferencas_Página_44_Imagem_0001_2R......Page 84
Diferencas_Página_45_Imagem_0001_1L......Page 85
Diferencas_Página_45_Imagem_0001_2R......Page 86
Diferencas_Página_46_Imagem_0001_1L......Page 87
Diferencas_Página_46_Imagem_0001_2R......Page 88
Diferencas_Página_47_Imagem_0001_1L......Page 89
Diferencas_Página_47_Imagem_0001_2R......Page 90
Diferencas_Página_48_Imagem_0001_1L......Page 91
Diferencas_Página_48_Imagem_0001_2R......Page 92
Diferencas_Página_49_Imagem_0001_1L......Page 93
Diferencas_Página_49_Imagem_0001_2R......Page 94
Diferencas_Página_50_Imagem_0001_1L......Page 95
Diferencas_Página_50_Imagem_0001_2R......Page 96
Diferencas_Página_51_Imagem_0001_1L......Page 97
Diferencas_Página_51_Imagem_0001_2R......Page 98
Diferencas_Página_52_Imagem_0001_1L......Page 99
Diferencas_Página_52_Imagem_0001_2R......Page 100
Diferencas_Página_53_Imagem_0001_1L......Page 101
Diferencas_Página_53_Imagem_0001_2R......Page 102
Diferencas_Página_54_Imagem_0001_1L......Page 103
Diferencas_Página_54_Imagem_0001_2R......Page 104
Diferencas_Página_55_Imagem_0001_1L......Page 105
Diferencas_Página_55_Imagem_0001_2R......Page 106
Diferencas_Página_56_Imagem_0001_1L......Page 107
Diferencas_Página_56_Imagem_0001_2R......Page 108
Diferencas_Página_57_Imagem_0001_1L......Page 109
Diferencas_Página_57_Imagem_0001_2R......Page 110
Diferencas_Página_58_Imagem_0001_1L......Page 111
Diferencas_Página_58_Imagem_0001_2R......Page 112
Diferencas_Página_59_Imagem_0001_1L......Page 113
Diferencas_Página_59_Imagem_0001_2R......Page 114
Diferencas_Página_60_Imagem_0001_1L......Page 115
Diferencas_Página_60_Imagem_0001_2R......Page 116
Diferencas_Página_61_Imagem_0001_1L......Page 117
Diferencas_Página_61_Imagem_0001_2R......Page 118
Diferencas_Página_62_Imagem_0001_1L......Page 119
Diferencas_Página_62_Imagem_0001_2R......Page 120
Diferencas_Página_63_Imagem_0001_1L......Page 121
Diferencas_Página_63_Imagem_0001_2R......Page 122
Diferencas_Página_64_Imagem_0001_1L......Page 123
Diferencas_Página_64_Imagem_0001_2R......Page 124
Diferencas_Página_65_Imagem_0001_1L......Page 125
Diferencas_Página_65_Imagem_0001_2R......Page 126
Diferencas_Página_66_Imagem_0001_2R......Page 127
Diferencas_Página_67_Imagem_0001_1L......Page 128
Diferencas_Página_67_Imagem_0001_2R......Page 129
Diferencas_Página_68_Imagem_0001_1L......Page 130
Diferencas_Página_68_Imagem_0001_2R......Page 131
Diferencas_Página_69_Imagem_0001_1L......Page 132
Diferencas_Página_69_Imagem_0001_2R......Page 133
Diferencas_Página_70_Imagem_0001_1L......Page 134
Diferencas_Página_70_Imagem_0001_2R......Page 135
Diferencas_Página_71_Imagem_0001_1L......Page 136
Diferencas_Página_71_Imagem_0001_2R......Page 137
Diferencas_Página_72_Imagem_0001_2R......Page 138
Diferencas_Página_73_Imagem_0001_2R......Page 139
Diferencas_Página_74_Imagem_0001_1L......Page 140
Diferencas_Página_74_Imagem_0001_2R......Page 141
Diferencas_Página_75_Imagem_0001_2R......Page 142

Citation preview

Estudos Gerais Série Universitária • Clássicos de Filosofia

DIFERENÇA ENTRE , OS SISTEMAS FILOSOFICOS DE FICHTE E DE SCHELLING Tradução, introdução e notas de Carlos Morujão

Revisão da tradução de Manuel do Carmo Ferreira

CENTRO DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA LISBOA 2003

INTRODUÇÃO

1. HEGEL EM }ENA

No dizer de Rudolf Haym 1, a entrada em cena de Hegel no meio literário e científico de ]ena, onde, conjuntamente com Schelling, assume a responsabilidade pela direcção do Kritische Joumal der Philosophie, e onde, no semestre de Inverno de 1801-1802, iniciará a sua carreira académica na Universidade local, ficou marcada pelo começo de uma dupla polémica: com a filosofia pré-schellinguiana, por um lado, em particular com a de Kant e de Fichte, e, por outro, com a filosofia contemporânea, em particular, mas não exclusivamente, com a de K. L. Reinhold e C. G. Bardilli. Não é nosso propósito, nesta Introdução, seguir as sucessivas fases do desenrolar desta polémica, nem, tão pouco, mostrar o seu enraizamento no lento processo de maturação do próprio Hegel, desde os seus anos de Stiftler em Tübingen, e a sua prossecução para lá do horizonte temporal em que se inscreve esta Diferença entre os Sistemas Filosóficos de Fichte e de Schelling, até, pelo menos, esse extraordinário Prefácio que, em 1807, abre a Fenomenologia do Espírito. Notemos, apenas, que raramente na história da filosofia se terá visto entrada em cena mais retumbante: Hegel, que contava já 31 anos (sendo cinco anos mais velho do que Schelling), mas era ainda um desconhecido nos meios literários e científicos, tendo apenas publicado, anonimamente, dois pequenos textos de carácter político, revela,

1 Rudolf Haym, Hegel und seine Zeit, Berlin, Verlag Rudolf Gaertner, 1857, reirnp. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1974, p. 183.

7

nesta sua primeira obra filosófica, uma decidida vontade de «separar as águas» em filosofia, com uma audácia e uma segurança pouco comuns num estreante. O título completo desta obra é Diferença entre os Sistemas Filosóficos de Fichte e de Schelling, em relação com os «Contributos para uma Mais Fácil Visão do Estado da Filosofia nos Começos do Século Dezanove», 1.° Fascículo, de Reinhold (de agora em diante, referi-la-emos, simplesmente, pela abreviatura Differenzschrift),

tendo sido publicada em Jena, em 1801, pelo editor Seidler. A «Advertência prévia» está datada de Julho desse mesmo ano, mas a redacção deverá ter sido concluída em meados da Primavera. Numa nota à p. 159 da edição original (ou seja, aproximadamente 4/s do total das 184 páginas da 1.ª edição), Hegel refere-se ao 2.º Fascículo do livro de Reinhold, publicado em meados de Abril de 1801, como tendo saído após aqueles linhas terem sido redigidas. Não sendo impossível que aquela nota tivesse sido acrescentada após a redacção definitiva da totalidade da obra - como aliás a «Advertência prévia» o foi - é verosímil que em inícios de Abril o trabalho se encontrasse já concluído. A reacção dos contemporâneos foi um misto de surpresa e de admiração. A Stuttgarter Allgemeine Zeitung escreveu: «Schelling chamou da sua pátria um robusto campeão e, através dele, declara ao público estupefacto que mesmo Fichte está muito abaixo das suas teorias». Reinhold, em carta dirigida a Fr. Niethammer, a 27 de Janeiro de 1802, reconhece que Schelling encontrou um companheiro talentoso e hábil. Poder-se-ia ainda mencionar o testemunho de Schiller, em carta a W. von Humbolt de 18 de Agosto de 1-803, em que Hegel é considerado uma «profunda cabeça filosófica», embora aqui o juízo de Schiller tenha já em conta a obra de 1802, Fé e Saber, e, provavelmente, o renome que Hegel, entretanto, adquirira como professor de filosofia na Universidade de Jena, apesar dos seus fracos dons de exposição 2. O próprio Schelling, em carta dirigida a Fichte a 3 de Outubro de 1_801, refere-se à Differenzschrift como sendo a obra de um «espírito excelente» 3.

'2 Sobre a reacção dos contemporâneos, bem como sobre a relação de Hegel com Schelling, à data da publicação da Differenzschrift, pode consultar-se a obra de Xavier Tilliette, Schelling. Une Philosophie en Devenir, Paris, Vrin, 1992, 2.ª ed., pp. 295-302. 3 Cf. Horst Fuhrmans, Schelling. Briefe und Dokumente, Band II, Bonn, Bouvier Verlag, 1965, p. 355.

8

Há algo dt• i11t•s11t•rado na t•scoll,a d,• /t•,,a para o inicio d,· "'"" actividade filosófica diante do público, embora a presença de Schelling - a primeira figura filosófica da Universidade local, após o abandono forçado de Fichte em 1799, no seguimento de uma acusação de ateísmoseja um factor de explicação preponderante. Fora em ]ena, a capital do primeiro romantismo, que, entre 1798 e 1800, Friedrich Schlegel dirigira a efémera revista Athenãum, em torno da qual se agruparam, entre muitos outros, Novalis, Schleiermacher e Schelling. Nada, nas preocupações filosóficas, teológicas e políticas do jovem Hegel o parece aproximar desta primeira geração romântica, mantendo-se muito mais próximo do espírito do iluminismo, na senda crítica e reformadora, por exemplo, de um Lessing. O próprio facto de Hegel, na sua qualidade de autor da Differenzschrift, se identificar como «Weltweisheit Doktor» 4, termo utilizado preferencialmente pelos círculos iluministas (em particular pelo filósofo iluminista berlinense Fr. Nicolai) para designar o filósofo, aponta já no sentido de uma certa filiação, que o conteúdo da obra não desmentirá. Dir-se-ia, mesmo, que nada nas preocupações filosóficas de Hegel, até 1800, indicia uma aproximação aos problemas com que se debate, em particular nas obras de Fichte e de Schelling, a filosofia alemã após Kant. Além disso, muito mais do que nas obras, quase contemporâneas, de Fichte ou de Schelling, transparece, neste primeiro escrito de Hegel, uma relação viva com a totalidade da cultura alemã da Aufklãrung e do romantismo, um esforço consciente para colocar a filosofia no contexto das manifestações espirituais do seu tempo, concebendo-a como expressão da vida da humanidade, em profunda conexão com o desenvolvimento e as exigências da história s. É certo que, como a Differenzschrift o reconhecerá de bom grado, Fichte e Schelling souberam descobrir no pensamento de Kant - em particular na Dedução Transcendental das Categorias da Crítica da Razão Pura - o princípio especulativo que não recebera aí o seu pleno desenvolvimento, a saber, a unidade do ser e do pensar. Mas as preocupações hegelianas (e, como veremos, o ano de 1801 não marca

Literalmente: «doutor em sabedoria mundana». Acerca do profundo conhecimento que Hegel possuía, desde os seus tempos de estudante no Stift de Tübingen, da filosofia e da cultura alemãs do século XVIII, bem como acerca das suas preferências no domínio da literatura, são ainda de grande utilidade as investigações de Wilhelm Dilthey; cf. Die ]ugendgeschichte Hegels, in Gesammelte Schriften, N. Band, Stuttgart, Teubner/Gõttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1959. 4

5

9

aqui uma ruptura, mas sim 11111 aproji111dt1m1•nto) situam-se numa 011tra esfera; ou melhor, reconhecmdo embora a importância decisiva daquela descoberta, Hegel pergunta de que modo ela pode influir na vida dos homens, realizando no plano prático (ou seja, no da religião e do direito) aquilo que o filósofo fizera já no domínio do pensamento. Não é menos certo que, ainda aqui, podemos detectar a profunda influência de Kant. Um estudioso como Ernst Cassirer mostrou, quanto a nós de forma convincente, que é no horizonte de uma reinterpretação global da filosofia de Kant que Hegel, nos seus escritos teológicos de juventude, desloca o problema da unidade sintética, do campo do conhecimento puro para o campo da vida espiritual concreta, nomeadamente nas suas manifestações artísticas, religiosas e políticas 6• Simplesmente, a direcção que toma, em Hegel, a interpretação da filosofia kantiana - e ainda tão patente, como veremos, nesta Diffeten.zschri-, afasta-o das preocupações que, nos últimos anos do século xvm, dominavam os principais intérpretes, seguidores e opositores do filósofo de Konigsberg. É significativo que Hegel possa afirmar, quase no início da Differenzschrift, simultaneamente, que o filosofar começa com o filosofar - ou seja, que nada pode ser considerado filosófico se não receber da própria filosofia a sua justificação e legitimação -, e que a filosofia não se apoia numa proposição-de-fundo, ou que o absoluto não se resume a uma proposição absoluta, da qual todas as outras se deduziriam e na qual receberiam a sua fundamentação 7• Mas é igualmente claro, pela leitura da carta que Hegel dirige a Schelling a 2 de Novembro de 1800 (da qual voltaremos ainda a falar mais adiante), que só nele via Hegel alguém com quem pudesse compartilhar um programa de acção destinado a transformar o panorama filosófico e cultural da Alemanha, tal como apenas a amizade de Schelling - mais novo, mas gozando já de um apreciável prestígio - lhe poderia abrir as portas que proporcionassem à referida acção o âmbito alargado sem o qual

6 Ernst Cassirer, Das Erkenntnisproblem in der Philosophie und Wissenschaft der neueren Zeit, Band IIl, Berlin, Verlag Bruno Cassirer, 1923,

pp. 285 e segs. 7 Hegel, Differenzschrift, in Gesammelte Werke, Band 4, «Jenaer Kritische Schriften», Hamburg, Felix Meiner, 1968, p. 24. Sobre este assunto, cf. Otto Põggeler, Hegels Idee einer Phiinomenologie des Geistes, Freiburg/München, Karl Alber Verlag, 19932, pp. 110 e segs.; Richard Kroner, Von Kant bis Hegel, Tübingen, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1977, 2.ª ed., vol. 2.0 , p. 152.

10

t•starit1 co11d1'11ad11 11 pl'r11111111•n•r 11111 dest•jo vão. Exigl'-St', por isso, q111• tentL'mos compren1d1•r mais claramt•nft• as intenções dt• Htigel, nos 11ri11cípios do século XIX, as razões para, a partir de então, se dedicar t•xclusivamente à «ciência», e a forma como tais razões, longe de instaurarem uma ruptura com as suas preocupações anteriores que, em face da ciência, teriam de ser classificadas como subordinadas, exprimem a muito consciente necessidade de proporcionar a estas o seu acabamento sistemático, sem o qual seriam apenas opinião não fundamentada. 2. A NECESSIDADE DA FILOSOFIA

Será legítimo vermos, na mencionada carta a Schelling, uma reserva de Hegel em face do curso seguido até então pelo pensamento do seu antigo condiscípulo? Por outras palavras: a necessidade de filosofar - que, no ano seguinte, esta Differenzschrift apresentará como característica fundamental da época, mas que resultou, em primeiro lugar, da experiência pessoal do seu autor - e a proclamada intenção de o fazer com Schelling, anunciarão uma adesão sem reservas às teses schellinguianas? E por que motivo, nesta sua primeira obra, Hegel insiste, justamente, nas diferenças entre Fichte e Schelling? Sendo elas embora, pelo menos parcialmente, já do domínio público, Schelling procurava ainda um acordo com Fichte, como é patente na Exposição do Meu Sistema de Filosofia, cuja publicação precede apenas de algumas semanas a da Differenzschrift, e ainda, em 1802, em Bruno ou acerca do Princípio Divino e Natural das Coisas. A pertinência deste conjunto de questões parece-nos a nós ser notória, a partir do momento em que reparamos no seguinte: primeiro, que à data em que Hegel envia a referida carta, a obra principal de Schelling era o Sistema do Idealismo Transcendental, publicado nesse mesmo ano, onde uma adesão ao fichteanismo parecia ser ainda evidente, impedindo mesmo que tudo aquilo que, no desenvolvimento filosófico de Schelling desde 1797 -ou seja, na «filosofia da natureza» -, parecia anunciar um caminho divergente, se transformasse em ruptura declarada; segundo, que ainda em Outubro de 1801, na carta a Fichte que mencionámos na nota n. º 3 (ou seja, cinco meses após a publicação da Exposição), a referência à obra de Hegel, enquanto sinal de que a natureza das relações entre Fichte e Schelling começava a ser objecto de debate entre o público filosófico, é precedida de uma observação conciliadora, em que Schelling dá a entender que, pelo menos provisoriamente, deixará a cada um o trabalho de descobrir eventuais diferenças entre ele próprio e Fichte.

11

Embora não nos importe aqui analisar o modo como Fichte e Schelling viam as diferenças que os separavam, importar-nos-á, contudo, saber como é que Hegel as via, e por que motivo para ele só podiam aparecer como diferenças o que, para outros, como era o caso de Reinhold, representava uma fundamental identidade de pontos de vista 8• O idealismo de Fichte, defende Hegel, é um idealismo subjectivo; isto significa que a harmonia entre o sujeito e o objecto, entre a liberdade e a natureza, para Fichte, está apenas idealmente contida no Eu, ou seja, no princípio supremo da sua filosofia, nunca se podendo tornar completamente objectiva sem que, fazendo-o, se negasse a si mesma e ameaçasse a própria liberdade. É o ponto de vista prático, com que se inicia o sistema de Fichte, que lhe dá um carácter necessariamente subjectivo. O Eu prático, o Eu na sua mais alta potência, na terminologia de Schelling, no seu acto originário de autodeterminação - que Fichte designava pelo termo Tathandlung -, só consegue encontrar a natureza como algo em que pode exercer a sua acção, legitimando, então, que, para a consciência teórica, ela apareça de acordo com as leis imanentes da inteligência. Só que daqui resulta, com não menos necessidade, como também Schelling já demonstrara antes de Hegel, a nulidade teórica deste sistema, condenado ao ponto de vista da reflexão, para a qual a natureza aparece sempre como algo já dado e, por isso, privado da sua dimensão espiritual. Por este motivo, em Fichte, ainda segundo Hegel, a intuição transcendental que permite ao Eu aceder à posse de si mesmo nunca se transforma na auto-intuição do absoluto, permanecendo fixada na sua própria subjectividade. Uma tal filosofia não poderá estar à altura das necessidades da época. Se, como Hegel afirma, «o poder de unificação desapareceu da vida dos homens», se o que o tempo cindiu - o sujeito e o objecto, o homem e a natureza, Deus e o mundo - permanece cindido pela inexistência de uma força capaz de proceder à sua unificação, não será

8 Sobre este assunto, cf. Otto Põggelet, op. cit., pp. 131 e segs. Note-se, no entanto, que Hegel, na Differenzschrift, se ocupa quase exclusivamente da 1.ª Parte dos Contributos, publicada a 3 de Janeiro de 1801, mencionando apenas uma vez a 2.ª Parte, publicada por ocasião da Ostermesse, em finais de Abril desse mesmo ano. Ora, é justamente nesta 2. ª Parte que Reinhold defenderá que a filosofia de Schelling não é apenas um desenvolvimento do ponto de vista de Fichte, mas representa uma nova posição filosófica.

12

um idmlismo m(•rm111•t1/(" suhj1•clivo qm• permitirá s11pm1r a jix,1riio ahsoluta das cisiks. Para um tal idealismo, de que o sistema ficl1/1'at10 fornt•ce o exemplo acabado, a superação da cisão, realizada somentl' no princípio do filosofar, é apenas postulada como atingível no mundo real em que os homens vivem. Por este motivo, para Hegel, o pensamento de Fichte revela-se mesmo incapaz de alcançar a unidade sistemática que todo o autêntico filosofar exige, uma vez que o fim só assimptoticamente - ou seja, de facto, nunca - coincide com o seu princípio. Este ponto de vista fichteano, que Hegel denomina ponto de vista da reflexão, equivale ao de uma filosofia. que se mostra incapaz de ultrapassar as cisões com que opera o entendimento, a não ser através de uma identidade que é, ela própria, produto do entendimento (e que Fichte exprimiu no princípio supremo da sua filosofia.: A = A), não constituindo, por isso, aquela filosofia capaz de pensar as tarefas de uma época em que o esforço da vida se dirige no sentido da recuperação da harmonia perdida. Por um lado, conclui Hegel, tal filosofia fixa-se no absoluto como algo de superior e oposto aos contrários cindidos, por outro, considera o pensamento dos contrários como algo de intrinsecamente contraditório, perdendo, assim, não só a absolutidade do primeiro - degradando-o em «absoluto relativo» -, mas também a possibilidade de superar a dilaceração dos segundos. Julgamos que, a partir destas considerações, é possível ver o que o Sistema do Idealismo Transcendental poderá ter significado para Hegel, o que, ao lê-lo, Hegel poderá ter visto como anúncio da inevitável ruptura entre Schelling e Fichte, numa altura em que o primeiro esperava ainda, como dissemos, a possibilidade de um acordo com o segundo 9• Mais precisamente, diríamos agora que, num momento em que Schelling esperava que o sistema de Fichte se desenvolvesse até

9 Rudolf Haym, op. cit., p. 153, dirá a propósito de Hegel na Differenzschrift: «Er ist in dieser Schrift, wenn man will, Schelling'scher als Schelling», quer dizer, capaz já de ver, melhor do que o próprio Schelling, as diferenças entre este e Fichte. Aliás, em princípios de 1801, no Prefácio à referida Exposição do Meu Sistema de Filosofia, Schelling mostrava-se ainda persuadido da quase inevitabilidade de um acordo com Fichte e de uma identidade de pontos de vista que o prosseguimento do trabalho filosófico por ambos não faria senão patentear. (Cf. SW, Stuttgart-Augsburg, Cotta Verlag, 1856-1861, Band 1/4, p. 110; para a compreensão do significado desta e de outras siglas, o leitor reportar-se-á ao ponto 5 desta «Introdução».)

13

àquele ponto em que o acordo co,11 o sei, 11róprio sislt't11,1 St ria t.'l1idt. nte para todos (e, em primeiro lugar, para o próprio Fichte), Hegel procurava demonstrar que o sistema de Schelling se tinlia desenvolvido pre10 cisamente até àquele ponto que tornava já qualquer acordo impossível . 1

3. Ü

PROBLEMA DO

1

TODO

11

Richard Kroner observa acertadamente que, tal como antes dele Fichte e Schelling, também Hegel inicia a sua actividade ·1osó ·ca com um escrito em que as preocupações de natureza metodológica desempenham um papel preponderante. Questões como o que é ·1oso ar, que é que o ·1oso ar pressupõe, e que objectivos com ele se pretendem alcançar, ocupam um papel de relevo nas páginas iniciais da Differenzschrift. Tais questões, no entanto, não constituem, para Hegel, meras questões prévias, uma espécie de exercícios preparatórios de um pensar que, com elas, pretendesse ganhar o balanço su iciente para penetrar no domínio da verdade e do saber. A ·1oso ·a é amor da sabedoria, mas tal amor é já saber e ectivo. Se o não osse, seria um ormalismo vazio de qualquer conteúdo. Este será, de agora em diante, um tema recorrente nos escritos e Hegel, reiterado ainda, em 1807, no Pre ácio à Fenomenologia do Espírito, e dirigido aí contra Kant, acusado de impedir todo o conhecimento e ectivo ao privilegiar, de orma unilateral, uma investigação preliminar sobre as suas condições de possibilidade. Para Hegel, o acto de o sujeito-objecto schellinguiano, em resultado das investigações de ·zoso ·a da natureza, se ter tornado objectivo, o acto de a natureza, segundo uma órmula schellinguiana de 1797, ser , impedirá que a ·1oso ·a caia no ormalismo da Doutrina da Ciência de Fichte. O paralelismo da natureza e da inteligência, a possibilidade de ir de uma à outra percorrendo o mesmo

º A quem se dirigirá a censura velada, expressa no início da à Differenzschrift, de que~r contornar ou ocultar a diferença entre os sistemas de Fichte e de Schelling? Talvez não somente a Reinhold, que é mencionado logo de seguida, mas também ao próprio elling que, na sua polémica com Eschenmeyer (ou seja, em Acerca do Verdadeiro Conceito da Filosofia da Natureza, publicado nos inícios de 1801 no Jornal Crítico de Filoso ), não clarificara ainda a questão. 11 ln Von Kant bis Hegel, ed. cit., p. 143.

14

caminho s,ll> l'lltl'lllii-

~1,1ra ela ll Cl>11l1ecin1l ntl) só tem realidade na n1edida em t]Ue está no absoluto, l> conhecido e o sabido, tal como são expressos pela reflexão e têm, por conseguinte, t1ma forma determinada, são ao mesmo tempo aniquilados. As identidades relativas do são entendimento humano, que reivindicam, tal como aparecem na sua forma limitada, a absolutidade, tomam-se contingências para a reflexão filosófica. O são entendirnento humano não pode captar como o imediatamente sabido por ele é ao mesmo tempo, para a filosofia, um nada; pois, nas suas verdades irnediatas, sente apenas a sua relação com o absoluto, mas não separa este sentimento do apareci rnento delas, através do qual elas são limitações; e, todavia, enquanto tais, devem também ter estabilidade, um ser absoluto, mas desaparecem diante da especulação. Mas não só o são entendir11ento hu,nano não pode compreender a especulação, como também a deve odiar quando faz a experiência dela e, quartdo não se encontra na plena segurar1ça da indiferença, detestá-la e persegui-la. Pois, como para o são entendirnento huma110 a identidade da essência e da contingência das suas sentenças é absoluta e ele não canse e separar do absoluto os limites da ma · estação, tarnbém aquilo que ele separa na sua consciência é absolutamente oposto, e não pode ligar, na consciência, com o ilimitado, aquilo que ele conhece como limitado; embora eles sejam nele idênticos, esta identidade, porém, é e permanece algo de interior, um sentimento, algo de desconhecido e de inexprimido. Assim como o senso comum se recorda do lirnitado e ele é posto na consciência, também para esta o ilimitado é absolutamente oposto ao limitado. Esta relação ou referência do carácter lirnitado ao absoluto, referência na qual apenas a oposição está presente na consciência - e acerca da identidade, ao invés, existe uma completa ausência de consciência-, chama-se crença. A crença não exprime o carácter sintético do sentirnento ou da intuição; ela é uma relação da reflexão ao absoluto, a qual, nesta relação, é na verdade razão e se aniquila • a si mesma como o que separa e é separado, tal como aniquila o~ seus produtos - uma consciência individual-, mas conser13 vou ainda a forma da separação. A certeza irnediata da crença , da qual tarito se falou como o último e supremo da consciência, não é senão a própria identidade, a razão, mas que não se coece a si mesma e é acomp ada da consciência da oposição. llll'tlll> l1t1111,111t>; 111,1s ~1t>1·(1t1e

21

1

46

/\ ,·s~wculação, porém, l IL•v,1 à conscWncia a identidadl' s,•m n111sdi1nda para o são entendimento humano, ou constrói como uni.1 ldPntidade consciente o que é necessariamente oposto na consl·il'ncia do entendimento comum, uma unificação do separado na n,•nça que é, para ele, um horror. Porque o sagrado e o divino ... ubsistem somente como objecto na sua consciência, ele vê ape11,1s na oposição suprimida, na identidade para a consciência, ... omente a destruição do divino. Mas em particular o são entendimento humano não pode ver nada mais do que destruição naqueles sistemas filosóficos que satisfazem a exigência da identidade consciente suprimindo a cisão, pelo que um dos opostos, em particular quando se encontra já fixado pela cultura do tempo, é elevado ao absoluto e o outro é aniquilado. Aqui, a especulação, como filosofia, suprimiu certamente a oposição, mas, como sistema, elevou de limitada a absoluta uma forma sua habitual e conhecida. O único lado que é aqui tomado em consideração, a saber, o especulativo, não existe, de forma alguma, para o são entendimento humano; deste lado especulativo, o limitado é totalmente diferente daquilo que parece ao são entendimento humano; 1 nomeadamente, pelo facto de ter sido elevado ao absoluto, já não é este limitado. A matéria do materialista não é mais a matéria morta a que se opõem a vida e a cultura, ou o eu do idealista não é mais a consciência empírica que, como limitada, tem de pôr um infinito fora de si. Cabe à filosofia a pergunta sobre se o sistema purificou de verdade de toda a finitude a manifestação finita, que alçou a infinito, e se a especulação, onde mais se afasta do entendimento humano comum e das suas oposições fixas, não está submetida ao destino do seu tempo, que consiste em pôr absolutamente uma forma do absoluto, portanto, algo por essência oposto. Se a especulação libertou realmente o finito, que tornou infinito, de todas as formas da manifestação, é antes de mais com o assumir que o entendimento humano comum aqui esbarra, quando, de outro modo, não tem qualquer notícia do trabalho especulativo. Quando a especulação apenas de facto alça o finito a infinito e assim o aniquila - e a matéria e o eu, na medida em que devem abranger a totalidade, já não são eu nem matéria -, falta, na verdade, o último acto da reflexão filosófica, a saber, a consciência da sua aniquilação. E também quando, independentemente desta aniquilação acontecida de facto, o absoluto do sistema conservou ainda uma forma determinada, pelo menos não se deve desconhecer a 1

47

22

autêntica tendência l'Sl,l'L't1l,1tiv,1, li,1 l)lt,11, iit>rl'lll, l'lltendimcnt(> l1t1111,111 cmt11n nada Cn1prct•n(ie. Na medida cm qt1e este t1ltim nà() vê sequer o princípio filosófico de suprimir a opo-

23

sição, mas apenas o princípio sistemático, encontra um dos opostos elevado a absoluto e o outro aniquilado; nesta situação, ainda havia, pelo seu lado, uma vantagem relativamente à cisão; nele, tal como no sistema, está presente uma oposição absoluta, todavia, era ele que t· a a completude da oposição. Agora, sente-se duplamente atingido. Além disso, a um tal sistema filosófico que padece da falha de elevar ao absoluto algo de ainda oposto por um certo lado, cabe, para lá do seu lado filosófico, ainda uma vantagem e um préstimo, das quais o entendimento comum não só nada compreende, como também tem de detestar; a vantagem de ter, através da. elevação de um fi11ito ao princípio infinito, derrubado de uma só vez toda a massa das finitudes, ligadas ao princípio oposto; o mérito, relativamente à cultura, de ter tornado a cisão ainda mais dura e de ter reforçado ainda mais a necessidade de unificação na 14 totalidade . A obstinação do são entendi1nento htltnano em rna11ter sero na força da sua indolência o sem consciência, no seu peso e oposição ori · ários, em face da consciência, e em ma11ter a matéria em face da diferença que a luz apenas traz até ela para 15 a construir numa nova síntese, numa potência superior , exige certamente nos climas nórdicos uin período de tempo mais longo para ser superada; para que a própria matéria, composta por uma multiplicidade de átomos, seja posta em movimento e deslocada do seu próprio terreno, através de um combinar e decompor mais diversificado que engendre, desse modo, urna maior quantidade de átomos fixos; para que o entendimento hurnano, na sua actividade e saber raciocina11tes, se perturbe cada vez mais, até que se tome capaz de suportar a supressão desta co1tf11são e da própria cisão. Se, para o são entendimento hurna110, aparece apenas o lado ar1iquilador da especulação, tamQém este a11iquilar não lhe aparece em toda a sua extensão. Se ele pudesse conceber esta extens~o, não tomaria a especulação por sua adversária; pois a especulação, na sua síntese suprema do consciente e do sem consciência, exige também a aniquilação da própria consciência, e a razão submerge, com isso, o seu reflectir da identidade absoluta e o seu saber e ela própria, no seu próprio abismo, e nesta

48

1111ih• da mera reflexão e do (•nh.-ndimento raciocinantt•, qm• (• o 11wl11-dia da vida, ambos se podem encontrar. 0 PRINCf PIO DE UMA FILOSOFIA NA FORMA DE UMA PROPOSIÇÃO-DE-FUNDO ABSOLUTA

A filosofia como uma totalidade do saber produzida por relll•x,10 torna-se um sistema, uma totalidade orgânica de concei-

tos, cuja lei suprema não é o entendimento, mas sim a razão; ,ll1uele tem de mostrar correctamente a oposição daquilo que põe, os seus limites, fundamento e condição, mas a razão une estes 1 ,postos, põe-nos simultaneamente e suprime-os a ambos. Ao sislt•ma, como uma organização de proposições, pode acontecer que Sl' exija que, para ele, o absoluto, que subjaz à reflexão, esteja presente também segundo o modo da reflexão, como proposição-de-fundo suprema e absoluta. Mas uma tal exigência tem já em si a sua nulidade; pois algo posto pela reflexão, uma proposição, é por si algo de limitado e de condicionado e necessita de outra coisa para a sua fundamentação, e assim até ao infinito. Quando o absoluto é expresso numa proposição-de-fundo válida através do pensar e para o pensar, em que a forma e a matéria são idênticas, então, ou é posta a pura igualdade e é excluída a desigualdade da forma e da matéria, e a proposição-de-fundo é condicionada por esta desigualdade: neste caso, a proposição-de-fundo 1 não é absoluta, mas deficiente, exprime apenas um conceito do entendimento, uma abstracção; ou a forma e a matéria estão, como desigualdade, contidas imediatamente nela, a proposição é ao mesmo tempo analítica e sintética; então, a proposição-de-fundo é uma antinomia e, por conseguinte, não é uma proposição; enquanto proposição está sob a lei do entendimento, que em si não contradiz, não suprime, mas é algo de posto; mas como antinomia suprime-se a si mesma. Esta ilusão de que um termo posto pela reflexão deveria necessariamente encontrar-se, como proposição-de-fundo suprema e absoluta, no topo de um sistema, ou que a essência de um tal sistema se deixaria exprimir numa proposição que fosse absoluta para o pensamento, ocupa-se com ligeireza de um sistema ao qual dirige a sua avaliação; pois de um tal pensado que é expresso pela proposição pode facilmente demonstrar-se que está condicionado por um oposto, portanto, que não é absoluto. Deste

49

24

2s

oposto à proposição, mostrar-se á lJlll' dt'Vl'riil Sl'r posto, e que, portanto, .,qul'll• pl•nsado que a proposição exprime é uma nulitfade. A ilusão considera-se tanto mais justificada quanto mais o prôprio sistema exprime o absoluto, que é o seu princípio, na forma de uma proposição ou de uma definição, mas que no fundo é uma antinomia e que, por isso, se suprime a si mesma como algo posto para a mera reflexão. Assim, por exemplo, o conceito de substância de Espinosa, que é explicado ao mesmo tempo como causa e como resultado, como conceito e como ser, deixa de ser um conceito, pois os opostos estão unidos numa contradição. Nenhum começo de uma filosofia pode ter pior aspecto do que o começo com uma definição, como em Espinosa: um começo que faz o mais estranho contraste com o fundar, erigir, deduzir os princípios do saber, com o penoso remeter de toda a filosofia aos supremos factos da consciência, etc. Mas quando a razão se purificou da subjectividade do reflectir, aquela ingenuidade de Espinosa, que começa a filosofia com a própria filosofia e deixa a razão começar de modo igualmente imediato, com uma antinomia, poderá ser convenientemente apreciada. Se o princípio da filosofia tiver de ser expresso em proposições formais para a reflexão, então, imediatamente, nada existe para realizar esta tarefa senão o saber, em geral a síntese do subjectivo e do objectivo, ou o pensamento absoluto. Mas a reflexão não é capaz de exprimir a síntese absoluta numa proposição, nomeadamente se esta proposição tiver de valer como uma autêntica proposição para a reflexão; ela tem de separar o que é um só para a identidade absoluta, e exprimir a síntese e a antítese separadas em duas proposições, exprimindo numa a identidade e na outra a cisão. Em A = A, como princípio de identidade, reflecte-se sobre o ser relacionado, e este relacionar, este ser um, a igualdade, estão contidos nesta pura identidade; 1 abstrai-se de toda a desigualdade. A = A, a expressão do pensamento absoluto ou da razão, tem para a reflexão formal, que se exprime em proposições próprias do entendimento, apenas o significado de identidade do entendimento, de wtldade pura, quer dizer, uma tal na qual se abstrai da oposição. • Mas a razão não se encontra expressa nesta unilateralidade dà wtldade abstracta; ela postula também o pôr daquilo que foi abstraído na pura igualdade, o pôr dos opostos, da desigualdade; um A é sujeito, o outro é objecto, e a expressão da sua diferença é A não = A, ou A = B. Esta proposição contradiz total-

50

,1 antt>rior; 1wl,1, abstr,1iu-sl' da pura idl•ntidadl' l' (; po!"ll,1 ,, 11,h1--idl•ntidade, a pum forma do não-pensar'", tal como il pri1111•ir,1 pCw a forma do puro pensar, que é distinta do pl•nsar ,,h.,11lulo, da razão. Só porque o não-pensar é também pensado, '"' porque A não= A é posto também pelo pensar, pode em geral ,•li• wr posto; em A não = A, ou A = B, é posta a identidade, o 11•l,1donar, o= da primeira proposição também, mas apenas subt1•1·livamente, quer dizer, apenas na medida em que o não-pensar ,, posto pelo pensar. Mas este ser-posto do não-pensar pelo pen•«11· t'• totalmente contingente para o não-pensar, uma mera forma p,1r,1 a segunda proposição, da qual se deve abstrair para ter a "''1.1 matéria em estado puro. Esta segunda proposição é tão incondicionada quanto a pri11wi ra e, nessa medida, condição da primeira, tal como a primeir,1 é condição da segunda. A primeira proposição é condicionada pl'la segunda, na medida em que subsiste através da abstracção da desigualdade que a segunda contém; a segunda, na medida l'll1 que necessita de uma relação, para ser uma proposição. A segunda proposição foi aliás exprimida sob a forma subalterna do princípio de razão suficiente; ou melhor, ela só foi rebaixada nesta significação altamente subalterna na medida em que foi transformada em princípio de causalidade. A tem um fundamento, significa: a A é atribuído um ser que não é o ser de A, A é um ser-posto que não é o ser-posto de A; portanto, A não = A, A = B. Se se abstrair do facto de A ser algo de posto, tal como deve ser feito, para ter a segunda proposição em estado puro, então, ela exprime, em geral, um não-ser-posto de A. Pôr A como posto e, ao mesmo tempo, como não-posto é já a síntese da primeira e da segunda proposições. Ambas as proposições são proposições sobre a contradição, só que em sentido oposto. A primeira, a da identidade, enuncia que a contradição é = O; a segunda, na medida em que é relacionada com a primeira, que a contradição é tão necessária como a não-contradição. Ambas são, como proposições, postas por si com a mesma potência. Na medida em que I a segunda é expressa de tal modo que a primeira é imediatamente relacionada com ela, ela é a máxima expressão possível da razão através do entendimento; esta relação entre ambas é a expressão da antinomia, e como antinomia, como expressão da identidade absoluta, é indiferente pôr A = B ou A = A, nomeadamente quando A = B e A = A é aceite como relação de ambas as proposições. A = A 1111°1111•

51

26

contém a diferença de ''A''c,llll(l stlil'it,> l' lit' J\ t'(>lllL">jt't~t,> e, é:l{> 11lt's111,> lt'lllf"> A = B cntém a identidatil' dt' A e de B, cm a diferença entre ambos. Se {l entendimento, no princípio de razão suficiente, como uma relação entre ambas as proposições, não reconhece a antinomia, então é porque não cresceu em direcção à razão, e, formalmente, a segunda proposição não é nada de novo para ele. Para o mero entendirnento, a proposição A = B não diz mais do que a prirneira; o entendirnento compreende, a segtiir, o ser posto de A e de B apenas como uma repetição de A, quer dizer, ele retém somente a identidade e abstrai do facto de que, na medida em que A é repetido ao ser posto em B ou como B, é posto um outro, um não-A e, na verdade, como A, portanto, A é posto como não-A. a11do se reflecte apenas sobre o aspecto formal da especulação e a síntese do saber se fixa na forma a11alítica, a a11tinomia, a contradição que se suprime a si mesma, é a expressão formal suprema do saber e da verdade. Na antinomia, se for reconhecida como expressão formal da verdade, a razão subordinou a si a essência formal da reflexão. Mas a essência formal sobrepõe-se, se o pensamento deve ser posto na ú11ica forma da prirneira proposição, oposta à segt1r1da, com o carácter de uma unidade abstracta como a verdade primeira da filosofia, e se da a11álise da aplicação do pensar deve ser atingido um sistema de aplicação do conheci,nento. De seguida, todo o seguimento deste trabalho puramente analítico surge do modo seguinte. O pensamento, como repetibilidade · inita de A como A, é uma abstracção, a primeira proposição é expressa como actividade. Mas, então, falta a segunda proposição, o não-pensar; deve-se tra11sitar obrigatoriamente para ela como condição da primeira, e também ela, a matéria, ser posta. Com isto, os opostos estão completos e a transição é um certo modo da relação de uma com a outra, que se charna uma aplicação do pensar e é 111na síntese .-alta111ente incompleta. Mas tarnbém esta síntese fraca persiste, ela própria, contra a pressuposição do pensar como posição de A = A até ao irtlirlito; pois, na aplicação, ·A toma-se imediatamente posto como não-A, e o pensamento é suprimido na sua subsistência absoluta, como uma repetição · inita de A como A. O que é oposto ao pensarnento é determi11ado, através da sua relação com o pensarnento, como pensado= A. Mas porque tirn tal pe11sar é 11111 pôr = A, condicionado por 111na abstracção, e, por conse inte,

52

I um 1wnsado /\, ll'm também ainda outras determinações = B, que são totalnwnll' independentes do mero ser-determinado através do puro pensar: l' estas determinações são meramente dadas ao pensar. Deve portanto existir para o pensamento, como princípio do filosofar analítico, uma matéria absoluta, de que mais abaixo se falará. A fundamentação desta oposição absoluta não deixa ao trabalho formal, no qual consiste a famosa descoberta da recondução da filosofia à lógica 17, nenhuma outra síntese imanente senão a da identidade do entendimento, a saber, a de repetir A até ao infinito. Mas mesmo para repetir ela necessita de um B, um C, etc., nos quais o A repetido possa ser posto; estes B, C, D, etc., são, em prol da repetibilidade de A, uma multiplicidade, algo que se opõe - cada um tem determinações particulares que não são postas através de A-, quer dizer, uma matéria absolutamente múltipla, cujos B, C, D, etc. devem encaixar em A da maneira que for possível; uma tal impureza do encaixe substitui-se à identidade originária. O erro fundamental pode então ser representado pelo facto de, na consideração formal, não se reflectir na antinomia de A = A e A = B. A uma tal essência analítica não subjaz a consciência de que o fenómeno puramente formal do absoluto é a contradição: uma consciência que só pode surgir quando a especulação parte da razão e de A = A como identidade absoluta do sujeito e do objecto. l'• um oposto, o pl•nsmio, para al~m dl' Sl'r

INTUIÇÃO TRANSCENDENTAL

Na medida em que a especulação é vista do lado da mera reflexão, a identidade absoluta aparece em sínteses de opostos, portanto, em antinomias. As identidades relativas, nas quais a identidade absoluta se diferencia, são na verdade limitadas e, nessa medida, existem para o entendimento, e não são antinómicas; mas ao mesmo tempo, na medida em que são identidades, não são puros conceitos do entendimento; e têm de ser identidades, pois, numa filosofia, nada de posto pode permanecer sem relação com o absoluto. Mas do lado desta relação cada limitado é, ele próprio, uma identidade (relativa) e, nessa medida, algo de antinómico para a reflexão, e este é o lado negativo do saber, o formal, que, regido pela razão, se destrói a si mesmo. Fora deste lado negativo, o saber tem um lado positivo, ou seja,

53

intui«;i'to. () puro salwr (qut• st•ria o saber st•m intuição) t'.> o aniquilamt•nto dos opostos em contradição; a intuição sem esta síntese dos opostos é uma intuição empírica, dada, sem consciência. O saber transcendental unifica ambos, a reflexão e a intuição; é, ao mesmo tempo, conceito e ser. Pelo facto de I a intuição se tornar transcendental, surge na consciência a identidade do subjectivo e do objectivo, que estão separados na intuição empírica; o saber, na medida em que se torna transcendental, não põe meramente o conceito e a sua condição - ou a antinomia entre ambos, o subjectivo -, mas, ao mesmo tempo, o objectivo, o ser. No saber filosófico, o intuído é, ao mesmo tempo, uma actividade da inteligência e da natureza, da consciência e do inconsciente. Pertence, simultaneamente, a ambos os mundos, ao ideal e ao real: ao ideal na medida em que é posto na inteligência e, por isso, em liberdade; ao real, na medida em que tem o seu lugar na totalidade objectiva, em que é deduzido como um elo na cadeia da necessidade. Se nos colocarmos do ponto de vista da reflexão ou da liberdade, o ideal é o primeiro e a essência e o ser apenas a inteligência esquematizada; se nos colocarmos do ponto de vista da necessidade ou do ser, o pensamento é apenas um esquema do ser absoluto. No saber transcendental ambos, o ser e a inteligência, encontram-se unidos; da mesma forma, o saber transcendental e a intuição transcendental são uma e a mesma coisa; a expressão diferenciada aponta apenas para a preponderância do factor ideal ou do real. Tem o mais profundo significado que se tenha afirmado, com tanta seriedade, que a filosofia não poderia existir sem intuição transcendental. Que significaria então filosofar sem intuição? Destruir-se a si mesmo infinitamente em finitudes absolutas; sejam estas finitudes subjectivas ou objectivas, conceitos ou coisas, tenha-se ou não transitado de um género delas para o outro, o filosofar sem intuição prossegue numa série infinita de finitudes, e a passagem do ser ao conceito ou do conceito ao ser é um salto injustificado. Chama-se formal a um tal filosofar, pois tanto a coisa como o conceito, cada um J1ara si, é apenas uma forma do absoluto; ele pressupõe a destruição da intuição transcendental, uina oposição absoluta do ser e do conceito, e, quando fala do incondicionado, transforma-o novamente em algo de formal, precisamente na forma de uma ideia que estivesse em oposição ao ser. Quanto melhor é o método, mais deslumbrantes se tornam os resultados. Para a especulação, as finitudes são raios de um ,l

28

54

1111·11 infinito, que as irradia l' é composto por elas; o foco (• posto 111'1,,s l' elas no foco. Na intuição transcendental é suprimida tod,1 ., oposição, é aniquilada toda a diferença da construção do uniwrso através e por meio da inteligência, e a sua organização que 11pell'l Ce como independente e intuída como objectiva. O produ1ir da consciência desta identidade é a especulação, e porque a idt•alidade e a realidade são um só nela, ela é intuição.! 1

Os

POSTULADOS DA RAZÃO

A síntese dos dois opostos postos pela reflexão exigiu, como trabalho da reflexão, a sua completação como antinomia que se suprime a si mesma, a sua subsistência na intuição. Porque o saber especulativo deve ser concebido como identidade da reflexão e da intuição, neste caso, na medida em que somente é posta a parte que cabe à reflexão (que, enquanto racional, é antinómica) - e que permanece, porém, em relação necessária com a intuição-, pode-se dizer da intuição que é postulada pela reflexão. Não se pode falar em postular ideias, pois estas são produtos da razão, ou melhor, são o racional posto pelo entendimento como um produto. O racional tem de ser deduzido segundo o seu conteúdo determinado, nomeadamente, a partir da contradição de determinados opostos, cuja síntese ele é; apenas a intuição, preenchendo e detendo o antinómico, é postulável. Uma tal ideia assim postulada é o progresso infinito, uma mescla de empírico e de racional; aquele é a intuição do tempo, este é a supressão do tempo, a sua infinitização; mas no progresso infinito o tempo não está puramente infinitizado, pois deve subsistir nele como finito, como momento limitado: é uma infinitude empírica. A verdadeira antinomia que os coloca a ambos, o limitado e o ilimitado, não justapostos, mas sim imediatamente como idênticos, deve, com isso, suprimir imediatamente a oposição; na medida em que a antinomia postula a intuição determinada do tempo, este deve - momento limitado do presente e ilimitação do seu ser-posto-fora-de-si - ser imediatamente ambos, portanto, ser eternidade. Da mesma forma, a intuição não pode ser exigida como um oposto à ideia, ou melhor, à antinomia necessária. A intuição, que é oposta à ideia, é existência limitada precisamente porque exclui a ideia. A intuição é exactamente o que é postulado pela

55

29

30

razão, não como algo limitado , mas sim como compll-taçào da unilatl•ralidatfo do trabalho da reflexão; não para que permaneçam opostas, mas sim para que sejam uma só. Vê-se em geral que todo este modo de postular tem o seu fundamento somente no facto de que se parte da unilateralidade da reflexão; esta unilateralidade necessita de postular, para complemento da sua insuficiência, o oposto que dela foi excluído. Mas, deste ponto de vista, a essência da razão contém uma posição falsa, pois aparece aqui como algo que não se basta a si mesmo, mas sim como algo de necessitado. Mas quando a razão se conhece a si mesma como absoluta, então aí começa a filosofia, com o que termina aquele modo de proceder que parte da reflexão: com a identidade da ideia I e do ser. Ela não postula um deles, mas põe imediatamente ambos com a absolutidade, e a absolutidade da razão não é senão a identidade de ambos. A RELAÇÃO DO FILOSOFAR COM UM SISTEMA FILOSÓFICO

A necessidade da filosofia não se pode satisfazer com ser a descoberta do princípio da aniquilação de todos os opostos fixos, e do princípio da relação do limitado com o absoluto. Esta satisfação no princípio da identidade absoluta encontra-se no filosofar em geral. O sabido seria, quanto ao seu conteúdo, algo de contingente, a cisão, a cuja aniquilação o filosofar se dirige, dada e desaparecida e nunca uma síntese de novo construída; o conteúdo de um tal filosofar nunca teria em geral qualquer conexão sob si e não constituiria uma totalidade objectiva do saber. Somente por causa da incoerência do seu conteúdo é que este filosofar não é necessariamente um raciocinar. Este último dispersa somente o que é posto em maiores multiplicidades e quando, precipitado nesta corrente, nada sem cessar, a própria totalidade da extensão sem fim da multiplicidade do entendimento deve permanecer; pelo contrário, para o verdadeiro filosofar, mesmo incoerente, desaparece o.posto e o seu oposto, na medida em que não conexiona apenas o limitado com outros limitaqos, mas relaciona-o como absoluto e assim suprime-o. Mas porque esta relação do limitado com o absoluto é um múltiplo, pois os limitados são-no, deve portanto o filosofar começar por pôr em relação esta multiplicidade. Deve surgir a necessidade de produzir uma totalidade do saber, um sistema

56

d,1 l'll'ncia. Só na medida

l'lll l)lll'

recebem os seus lug,trl'S

1"1

, n1wx,10 da totalidade objectiva do saber e é realizada a sua 1wrh•ição objectiva é que a multiplicidade daquelas relações Sl'

lilwrta da contingência. O filosofar que não se constrói em sistel' uma fuga constante diante das limitações, é mais uma luta , 1,, razão pela liberdade do que um puro autoconhecimento de si llll'smo, que se tomou seguro e claro sobre si. A livre razão e o .,,,u acto são uma só coisa e a sua actividade é uma pura expoi-;h;,\o de si mesma. Nesta autoprodução da razão, o absoluto configura-se numa totalidade objectiva, uma totalidade em si mesma produzida e ,,rnbada, que não tem nenhum fundamento fora de si, mas que Sl' funda em si mesma no seu início, no seu meio e no seu fim. 1 lJ m tal todo aparece como uma organização de proposições e de intuições. Cada síntese da razão e da intuição que lhe corresponde - ambas estando unidas na especulação - está, como unidade do consciente e do inconsciente, para si no absoluto e infinitamente; mas, ao mesmo tempo, ela é finita e limitada, na medida em que está posta na totalidade objectiva e tem outras sínteses fora de si. A objectividade menos cindida - objectivamente, a matéria, subjectivamente, o sentir (a consciência-de-si) é ao mesmo tempo, um oposto infinito, uma identidade totalmente relativa; a razão, a faculdade da totalidade (nessa medida objectiva) completa-a através do que lhe é oposto e produz, por meio de uma síntese de ambas, uma nova identidade, que é novamente, diante da razão, uma identidade deficiente, que, por isso mesmo, se completa de novo. O método do sistema, que não deve ser chamado nem analítico nem sintético, aparece no estado mais puro quando se apresenta como um desenvolvimento da própria razão, que não reclama sem cessar para si a emanação do seu aparecimento como uma duplicidade - com isto apenas a aniquilaria -, mas se constrói a si mesma na forma de uma identidade condicionada por aquela duplicidade, opõe de novo a si mesma esta identidade relativa, de modo que o sistema prossegue até uma totalidade completa e objectiva, une-a com a visão do mundo oposta, subjectiva até à infinitude, cuja expansão, dessa forma, se contraiu, simultaneamente, na identidade mais rica e mais simples. É possível que uma autêntica especulação não se exprima perfeitamente no seu sistema, ou que a filosofia do sistema e o próprio sistema não coincidam, que um sistema exprima, da for111,1

57

31

32

da form a mais determinada, h·nd.:•nl'i,1 para ,rniquil.1r os opostos, e n,io consii-;a ak,rnçar a identidade mais acabada . A diferença entre estas duas considerações torna-se importante particularmente na avaliação dos sistemas filosóficos. Quando, num sistema, a necessidade que lhe subjaz não se configurou perfeitamente e um condicionado, um subsistente apenas na oposição, se elevou ao absoluto, tal sistema tomou-se, enquanto tal, dogmatismo; mas a verdadeira especulação pode encontrar-se nas mais diversas filosofias, que se caluniam entre si como dogmatismo e desorientação espiritual. A história da filosofia só tem valor e interesse quando se detém neste ponto de vista. De outro modo, não se apresenta como a história da razão una e eterna, que se apresenta em infinitas e múltiplas formas, mas apenas como uma narrativa de acontecimentos ocasionais do espírito humano e de opiniões sem sentido que são imputadas à razão, e que, todavia, são uma carga só para quem não reconheceu o racional nelas e, por isso, as subverteu. ! Uma autêntica especulação, mas que não se realizou até à sua completa autoconstrução sob a forma de sistema, parte necessariamente da identidade absoluta; a cisão da identidade em subjectivo e objectivo é uma produção do absoluto. O princípio de base é, por conseguinte, completamente transcendental e, a partir do seu ponto de vista, não há nenhuma oposição absoluta do subjectivo e do objectivo. Mas, assim, o aparecimento do absoluto é uma oposição; o absoluto não se encontra no seu aparecimento, ambos se opõem. O aparecimento não é identidade. Esta oposição não pode ser suprimida transcendentalmente, quer dizer, não de forma que, em si, não haja nenhuma oposição; com isto, o aparecimento é apenas aniquilado e, todavia, ele deve igualmente ser; afirmar-se-ia que o absoluto, no seu aparecimento, teria saído para fora de si. Portanto, o absoluto deve pôr-se a si mesmo no seu aparecimento, quer dizer, não o deve aniquilar, mas sim construi-lo como identidade. A relação causal entre o absoluto e o seu aparecimento é uma falsa identidade, pois a oposição absoluta subjaz ~ esta relação. No absoluto ambos os opostos permanecem, mas com um grau diferente; a unif~cação é violenta, na medida em que um submete o outro; um domina, o outro toma-se subordinado. A unidade foi forçada a uma identidade meramente relativa; a unidade, que deve ser absoluta, é incompleta. O sistema tornou-se num dogmatismo - num realismo que põe absolutamente a objectividade, ou num

58

1d,•,1lismo que pôc absolutamenll• a subjectividadt• -, contr,1 ,, filosofia, quando ambos (o que é mais ambíguo no priml·iro do que no segundo) saíram da verdadeira especulação. O puro dogmatismo, que é um dogmatismo da filosofia, tamht'•m permanece, segundo a sua tendência, imanente na oposição. Nl'k! domina como princípio fundamental a relação de causalida1 lt•, na sua forma mais completa, como acção recíproca, como in11 uência do intelectual sobre o sensível ou do sensível sobre o intelectual. No realismo e idealismo consequentes desempenha ,,penas um papel subordinado, mesmo quando parece ainda dominar, e, naquele, o sujeito é posto como produto do objecto e 1wste o objecto como produto do sujeito; mas a relação de causalidade foi, segundo a sua essência, suprimida, na medida em que o produzir é um produzir absoluto e o produto é um produto ilbsoluto, quer dizer, na medida em que o produto não tem qualquer estabilidade senão no produzir, não é posto como algo de autónomo, subsistente antes e independentemente do produzir, tal como acontece na pura relação causal, que é o princípio formal do dogmatismo. Neste, ele é um posto através de A e, ao mesmo tempo, um não-posto através de A; A, portanto, absolutamente, é apenas sujeito, e A = A exprime apenas a identidade do entendimento. Mesmo quando a filosofia, no seu trabalho transcendental, se serve da relação causal, 1 B, que parece oposto ao sujeito, de acordo com o seu ser oposto, é uma mera possibilidade e permanece absolutamente uma possibilidade, quer dizer, é apenas um acidente; e a verdadeira relação da especulação, a relação substancial, é, sob a aparência da relação causal, o princípio transcendental. Formalmente, isto pode ser expresso da seguinte forma: o verdadeiro dogmatismo reconhece ambos os princípios, A = A e A = B, mas, na sua antinomia, permanecem um ao lado do outro sem serem sintetizados. O dogmatismo não reconhece que há aqui uma antinomia e, por isso, também não reconhece a necessidade de suprimir a subsistência dos opostos; a passagem de um ao outro por meio da relação de causalidade é, para ele, a única síntese possível incompleta. Não obstante o facto de a filosofia transcendental ser nitidamente distinta do dogmatismo, ela é capaz, na medida em que se constrói como sistema, de transitar para ele, quando ela, nomeadamente - uma vez que nada existe senão a identidade absoluta e nela se suprime toda a diferença e subsistência dos opostos-, não deixa permanecer nenhuma relação causal real, mas - na medida em que o aparecimento deve ao HU,1

59

33

deve ao mesmo tempo 1wrm.11wn•r l', com isso, dl'Vl' l'Xistir uma relação

34

do .tbsoluto com o aparecimento que seja diferente da aniquilação dcstl' último - introduz a relação causal, transforma o aparecimento numa subordinação e põe, por conseguinte, a intuição transcendental apenas subjectivamente, não objectivamente, ou não põe a identidade no aparecimento. A = A e A = B permanecem ambos incondicionadamente; só deve valer A = A; isto quer dizer, porém, que a sua identidade não é exposta na sua verdadeira síntese, que não é nenhum mero dever-ser. Assim, no sistema de Fichte, Eu = Eu é o absoluto. A totalidade da razão introduz o segundo princípio, que põe um não-Eu; nesta antinomia da posição de ambos não está apenas posta a completude, mas também é postulada a síntese entre eles. Mas nesta permanece a oposição; tanto o Eu como o não-Eu não devem ser aniquilados, mas deve permanecer wna proposição que seja de nível superior à outra. A especulação do sistema exige a supressão dos opostos, mas o próprio sistema não os suprime; a síntese absoluta a que este chega não é Eu = Eu, mas sim o Eu deve ser igual a Eu. O absoluto é construído para o ponto de vista transcendental, mas não para o do aparecimento; ambos contradizem-se ainda. Porque a identidade não foi ao mesmo tempo posta no aparecimento, ou porque a identidade também não transitou completamente para a objectividade, a própria transcendentalidade é um oposto, algo de subjectivo, e pode-se também dizer que o aparecimento não foi totalmente aniquilado. Tentar-se-á mostrar, na exposição que se segue do sistema de Fichte, que a consciência pura, a identidade do sujeito e do objecto colocada como absoluta no sistema, é uma identidade subjectiva do sujeito e do objecto. A I exposição tomará o caminho de demonstrar que o Eu, o princípio do sistema, é um sujeito-objecto subjectivo, tanto imediatamente quanto no modo de dedução da natureza e, particularmente, na relação da identidade nas ciências particulares da moral e do direito natural, e na relação da totalidade do sistema com a estética. É já claro por aquilo que se. disse acima que, nesta exposição, trata-se, em primeiro lugar, desta filosofia como sistema e não, na medida em que é a especulação mais fundamentada e profunda, um autêntico filosofar, o que é tanto mais maravilhoso quanto se tem em conta o tempo no qual aparece e no qual também a filosofia kantiana não tinha conseguido incitar a razão a retomar o desaparecido conceito da autêntica especulação.

60

EXPOSIÇÃO DO SISTEMA DE FICHTE

O fundamento do sistema de Fichte é a intuição intelectual, o puro pensar de si mesmo, a pura autoconsciência Eu = Eu, Eu sou; o absoluto é sujeito-objecto, e o Eu é esta identidade do sujeito e do objecto. Na consciência comum, o Eu aparece em oposição; a filosofia tem de esclarecer esta oposição diante de um objecto; esclarecê-la significa mostrar o seu carácter-condicionado por um outro e comprová-la, por conseguinte, como fenómeno. Se, relativamente à consciência empírica, se comprovar que ela está completamente fundada na consciência pura e não é meramente condicionada por ela, com isso está suprimida a sua oposição, sob a condição de, por outro lado, a exposição estar completa, quer dizer, não estar apenas mostrada uma identidade parcial das consciências pura e empírica. A identidade é apenas parcial se à consciência empírica sobrar uma parte pela qual ela não é determinada pela pura, mas permanece incondicionada; e porque a consciência pura e empírica surgem apenas como membros do antagonismo supremo, então, a própria consciência pura seria determinada e condicionada pela empírica, na medida em que esta fosse incondicionada. A relação seria, deste modo, uma reciprocidade, que englobaria em si o determinar e o ser determinado, mas que pressuporia uma oposição absoluta do que permanece na acção recíproca e, por conseguinte, a impossibilidade de elevar a cisão à identidade absoluta. ! Ao filósofo, surge esta pura autoconsciência na medida em que, no seu pensar, abstrai de tudo o que é estranho, do que não

61

34

1~

rl'l,11;.'10 do sujl•ito ,IO objl•do. N,1 intuil'lllpírica, sujl•ito l' objecto são opostos; o filósofo concebe a actividade do intuir, intui a intuição e concebe-a, assim, como uma identidade. Este intuir do intuir é, por um lado, reflexão filosófica, e oposta, em geral, tanto à reflexão comum como à consciência comum, que não se eleva acima de si mesma e das suas oposições; por outro lado, esta intuição transcendental é, ao mesmo tempo, objecto da reflexão filosófica, o absoluto, a identidade originária. O filósofo elevou-se à liberdade e ao ponto de vista do absoluto. A sua tarefa é, de agora em diante, a de suprimir a oposição aparente entre a consciência transcendental e a consciência empírica. Em geral, isto acontece pelo facto de a última ser deduzida da primeira. Esta dedução não pode, necessariamente, ser a transição para algo estranho; a filosofia transcendental procede de modo a construir a consciência empírica, não a partir de um princípio que lhe seja exterior, mas sim a partir de um princípio imanente, como uma emanação activa ou autoprodução do princípio. Na consciência empírica nada pode surgir que não seja construído a partir da pura consciência-de-si, tal como a consciência pura não é, de acordo com a sua essência algo de diferente da empírica. A forma de ambas distingue-se precisamente pelo facto de aquilo que na consciência empírica aparece como objecto oposto ao sujeito, ser posto como idêntico na intuição desta intuição empírica, e, com isso, a consciência empírica se completar através daquilo que constitui a sua essência. Disto, porém, ela não tem qualquer consciência. A tarefa pode também ser expressa do seguinte modo: através da filosofia, a consciência pura deve ser suprimida como conceito. Na oposição à consciência empírica, a intuição intelectual, o puro pensar de si mesmo, aparece como conceito, nomeadamente, como abstracção de toda a multiplicidade, de toda a desigualdade do sujeito e do objecto. Ela é, na verdade, actividade, acção, intuir puros, ela existe apenas na auto-actividade pura que a produz; este acto, que se arr.µtca de tudo o que é empírico, múltiplo, oposto, e se eleva à unidade do pensar, Eu = Eu, identidade do sujeito e do objecto, tem, no entanto, uma oposição a outros actos; nessa medida, ele é passível de ser determinado como conceito, e tem com o que lhe é oposto uma esfera comum superior, a do pensar em geral. Fora do pensar de si mesmo há ainda um outro pensar, fora da consciência-de-si há uma cons-

do que não é eu, eapenas ll1,1111l•111 ,1 1J10

62

d(•nda empmca múltipla, 1 fora do Eu como objl•cto h;i .iind,1 mtíltiplos objectos da consciência. O acto da consciência-dt•-si distingue-se de forma determinada do acto de outra consciência 1wlo facto de o seu objecto ser igual ao sujeito; Eu = Eu é, nessa nwd ida, oposto a um mundo infinito objectivo. Desta forma, não surgiu nenhum saber filosófico por meio d,1 intuição transcendental, mas, pelo contrário, quando a reflex,10 se apodera dela e a opõe a outras intuições, nenhum saber filosófico é possível. Este acto absoluto da livre auto-actividade é ,l condição do saber filosófico, mas ainda não é a própria filosofia; por meio desta, a totalidade objectiva do saber empírico é t•quiparada à pura consciência-de-si, esta última é, com isso, totalmente suprimida como conceito ou como oposto, e, com isso, também a primeira o é. Notar-se-á que, em geral, só existe a consciência pura, Eu = Eu é o absoluto; toda a consciência empírica seria apenas um puro produto do Eu = Eu, e a consciência empírica seria, nessa medida, totalmente negada, enquanto nela ou através dela existisse uma absoluta dualidade, nela aparecesse um ser-posto que não fosse um ser-posto do Eu, para o Eu e através do Eu. Com a autoposição do Eu tudo seria posto, fora dele nada seria posto; a identidade da consciência pura e empírica não é uma abstracção do seu ser-oposto originário, mas, pelo contrário, a sua oposição é uma abstracção da sua identidade originária. Com isto, a intuição intelectual é posta igual a tudo, ela é a totalidade. O ser-idêntico de toda a consciência empírica com a pura é o saber, e a filosofia, que sabe deste ser-idêntico, é a ciência do saber; ela tem de mostrar através do agir a multiplicidade da consciência empírica como idêntica com a pura, ou seja, através do desenvolvimento efectivo do objectivo a partir do Eu, e descrever a totalidade da consciência empírica como totalidade objectiva da consciência-de-si; no Eu = Eu está dado, para a filosofia, toda a multiplicidade do saber. Para a mera reflexão, esta dedução aparece como o começo contraditório: deduzir da unidade a multiplicidade, da pura unidade a dualidade; mas a identidade do Eu = Eu não é nenhuma identidade pura, quer dizer, nenhuma identidade surgida através do abstrair da reflexão. Quando a reflexão concebe o Eu = Eu como unidade, deve ao mesmo tempo concebê-lo também como dualidade; Eu = Eu é, ao mesmo tempo, unidade e duplicidade, é uma oposição no Eu= Eu. O Eu é uma vez sujeito, outra vez objecto; mas, o que é oposto

63

11o

o que é oposto ao eu, é igualmente Eu; os opostos s;'io idl'nticos. A consciência

J7

empírica nt10 pode ser considerada, por isso, como um sair da consciência pura; deste ponto de vista, uma ciência do saber, que saísse da consciência pura, seria, certamente, um contra-senso; o ponto de vista segundo o qual na consciência empírica se teria saído da consciência pura subjaz à abstracção referida acima, 1 no qual a reflexão isola aquilo que lhe é oposto. A reflexão, enquanto entendimento, é, em e por si, incapaz de conceber a intuição transcendental; e quando a razão atinge o conhecimento de si, a reflexão, onde lhe for dado espaço, subverte o racional e transforma-o de novo em algo de oposto. Até ao momento, descrevemos o lado puramente transcendental do sistema, no qual a reflexão não tem qualquer poder, e a tarefa da filosofia foi determinada e descrita pela razão. Por causa deste autêntico lado transcendental é que o outro, no qual domina a reflexão, é , não só tão difícil de agarrar no seu ponto de partida como, em geral, de fixar, pois para o que pertence ao entendimento, ou seja, àquilo em que a reflexão transformou o elemento racional, permanece sempre em aberto o regresso ao lado transcendental. Por conseguinte, deve-se mostrar que os dois pontos de vista, o da especulação e o da reflexão, pertencem essencialmente a este sistema e de modo tal que o último não tem um lugar subordinado, mas que ambos se encontram de forma absolutamente necessária, e separados, no centro do sistema. Ou Eu = Eu é o princípio absoluto da especulação, mas esta identidade não é mostrada pelo sistema; o Eu objectivo não é identificado com o Eu subjectivo, ambos permanecem absolutamente opostos. O Eu não se encontra a si mesmo no seu aparecimento ou no seu pôr; para se encontrar como Eu, deve negar o seu aparecimento. A essência do Eu e o seu pôr não coincidem: o Eu não se torna para si mesmo objectivo. Fichte, na Doutrina da Ciência, escolheu para a exposição do . princípio do seu sistema a forma de proposições-de-fundo, de cuja incomodidade se falou mais acima. A primeira proposição-de-fundo é o absoluto pôr-se fl si mesmo do Eu, o Eu como posição infinita; a segunda, é a oposição absoluta, ou a posição de um infinito não-Eu; a terceira, é a absoluta unificação das duas primeiras por meio da absoluta divisão do Eu e do não-Eu e a repartição da esfera infinita num Eu divisível e num não-Eu divisível. Estas três proposições-de-fundo absolutas apresentam três actos absolutos do Eu. Desta multiplicidade de actos absolutos

64

,.,,.,;uc-se imediatamente que estes actos ou proposiçôcs-dl•-hmdo s,\o apenas factores relativos, ou, na medida em que tomam parll' 11i1 construção da totalidade da consciência, apenas factores idl•ais. O Eu = Eu tem nesta posição, na qual é oposto a outros ,idos absolutos, apenas a significação da pura consciência-de-si, 11.1 medida em que esta é oposta à consciência empírica; enquanto tal, está condicionado pela abstracção relativamente à consl'iência empírica, e, tanto quanto a segunda e terceira proposições-de-fundo são condicionadas, o mesmo acontece também rnm a primeira. Já a multiplicidade de actos absolutos aponta imediatamente para esse facto, mesmo que o seu conteúdo seja também totalmente desconhecido. Não é de forma alguma necessário que o Eu = Eu, o I pôr-se a si mesmo absoluto, seja compreendido como condicionado; pelo contrário, vimo-lo mais acima no seu significado transcendental como identidade absoluta (e não apenas do entendimento). Mas nesta forma, quando o Eu = Eu é apresentado como uma entre várias proposições-de-fundo, não tem outra significação senão a da pura consciência-de-si oposta à consciência empírica, a da reflexão filosófica oposta à consciência comum. Mas estes factores ideais do puro pôr e do puro opor poderam apenas ser postos em benefício da reflexão filosófica, a qual, apesar de partir da identidade originária, começa justamente (para poder descrever a verdadeira essência desta identidade) com a exposição dos absolutamente opostos, ligando-os como antinomia; este é o único meio para a reflexão de expor o absoluto, para retirar imediatamente a identidade absoluta da esfera do conceito e para a constituir, não como uma identidade que abstrai do sujeito e do objecto, mas como uma identidade do sujeito e do objecto. Esta identidade não pode ser concebida de tal modo que o puro pôr-se-a-si-mesmo e o puro opor-se de ambas as actividades sejam um e precisamente o mesmo Eu; uma tal identidade não seria de forma alguma transcendental, mas sim transcendente; a absoluta contradição dos opostos deverá permanecer, a unificação de ambos reduziu-se a uma unificação no conceito universal de actividade. Exigir-se-á uma unificação transcendental, na qual a contradição de ambas as actividades será, ela própria, suprimida e, a partir dos factores ideais, se construirá uma síntese verdadeira, ao mesmo tempo ideal e real. Esta é dada pelo terceiro princípio: o Eu opõe, no Eu, ao Eu divisível um não-Eu divisível 18• A esfera infinita objectiva, o oposto, não

65

38

39

.é, n em Eu absoluto, ,wm n,'lo-Eu absoluto, mas sim aquilo que abarca os opostos e é preenchido pelos factores opostos, e que se encontra a si mesmo na seguinte relação: na medida em que um é posto, o outro não é, na medida em que um se eleva, o outro decai. Mas, nesta síntese, o Eu objectivo não é igual ao Eu subjectivo; o subjectivo é Eu, o objectivo é Eu + não-Eu. Nele não se expõe a identidade originária; a consciência pura Eu = Eu e a consciência empírica Eu = Eu + não-Eu, com todas as formas nas quais esta se constrói, permanecem opostas entre si. A incompletude desta síntese, que exprime a terceira proposição-de-fundo, é necessária, se os actos da primeira e segunda proposições-de-fundo forem actividades absolutamente opostas. Ou, no fundo, nenhuma síntese é possível; a síntese é, então, apenas possível quando a actividade do pôr-se-a-si-mesmo I e do opor são postas como factores ideais. Parece ser realmente contraditório que actividades que não podem, de forma alguma, ser conceitos, devam ser tratadas como factores ideais; mas se o Eu e o não-Eu, o subjectivo e o objectivo, os elementos que devem ser unificados, forem expressos como actividades (pôr e opor) ou como produtos (Eu objectivo e não-Eu), isso não constitui qualquer diferença, nem em si, nem para um sistema cujo princípio é a identidade. A sua característica de serem absolutamente opostas toma-as em algo de absolutamente ideal, e Fichte reconhece esta sua pura idealidade. Para ele, os opostos, antes da síntese, são algo de completamente diferente do que são depois da síntese; antes da síntese são meramente opostos e nada mais; um é aquilo que o outro não é, e vice-versa: um mero pensamento sem qualquer realidade, ainda assim pensamento da mera realidade. Na medida em que um entra, o outro é aniquilado; mas como o primeiro só pode entrar com o predicado de ser o oposto do outro, como, desse modo, com o seu conceito, entra ao mesmo tempo o conceito do outro e aniquila-o, o primeiro não pode entrar. Com isto, nada está presente e tudo era apenas uma benévola ilusão da imaginação, que, sem repararmos, introduziu um substrato naqueles meros opostos e tornou possível pensar neles 19• Resulta da idealidade dos factores opostos que eles nada são senão na actividade sintética, que só através desta eles e o seu ser-oposto são postos, e que a sua oposição apenas é utilizada em proveito da construção filosófica, para tornar compreensível a faculdade sintética. A imaginação produtiva seria a própria

66

1ili•ntid,1de absoluta, representadil como actividadl•, a qu,11, so llll'llll', na medida em que coloca o produto, o limite, colorn ,10 11wsmo tempo os opostos como aquilo que limita. O facto dl• ,1 1111,,ginação produtiva, como faculdade sintética, aparecer como , 1 que é condicionado pelos opostos, valeria apenas para o ponto d,• vista da reflexão, que parte dos opostos e compreende a inluição apenas como uma ligação deles. Mas, ao mesmo tempo, a rt'f lexão filosófica deveria, para indicar este ponto de vista como i,uhjectivo e próprio da reflexão, produzir o ponto de vista trans,·,•ndental, pois reconhece aquelas actividades absolutamente 1,postas como sendo apenas factores ideais, como identidades lotalmente relativas em face da identidade absoluta, na qual tanto a consciência empírica, como o seu contrário (a saber, a consdC-ncia pura, que, como abstraída daquela, tem nela um contrário), são suprimidas. Só neste sentido o Eu é o ponto médio transcendental de ambas as actividades opostas e indiferente relativamente a ambas; a sua oposição absoluta tem somente um significado para a sua idealidade. ! Simplesmente, já a incompletude da síntese, que está expressa na terceira proposição-de-fundo e na qual o Eu objectivo é um Eu + não-Eu, desperta a desconfiança de que as actividades opostas não devem valer apenas como identidades relativas, como factores ideais, aquilo pelo que poderiam ser tomadas se se visse apenas a sua relação com a síntese e se se abstraísse do título de absolutidade que ambas as actividades recebem, tal como a terceira. Mas o pôr-se-a-si-mesmo e o opor não devem surgir nesta relação um com o outro e contra as actividades sintéticas. Eu = Eu é actividade absoluta, que em nenhuma perspectiva deve ser vista como identidade relativa e como factor ideal. Para este Eu = Eu, um não-Eu é um absolutamente oposto; mas a sua unificação é necessária e o único interesse da especulação. Mas que unificação é possível se supusermos a existência de opostos absolutos? É claro que propriamente nenhuma; ou - dado que se deve partir, pelo menos em parte, do oposto da absolutidade, e a terceira proposição-de-fundo deve necessariamente surgir, mas a oposição subjaz - apenas uma identidade parcial. A identidade absoluta é, na verdade, princípio da especulação, mas permanece, tal como a sua expressão Eu = Eu, apenas a regra, cuja realização infinita é apenas postulada, mas não construída no sistema.

67

40

41

o ponto fundamental dl'Vl' Sl'r o dl· comprovar que o pôr-se-a-si-nwsmo t' o opor s,10 actividades absolutamente opostas no sistema. Na realidade, as palavras de Fichte expressam-no de forma imediata; mas esta oposição absoluta deve ser justamente a condição sob a qual, somente, a imaginação produtiva é possível. Mas a imaginação produtiva é o Eu apenas enquanto faculdade teórica, que não se pode elevar acima da oposição; para a faculdade prática, a oposição desaparece, e a faculdade prática é a única que a suprime. Deve por isso demonstrar-se que também para esta a oposição é absoluta, e que mesmo na faculdade prática o Eu não se põe igual a Eu, mas que o Eu objectivo é igualmente um Eu + não-Eu, e a faculdade prática não penetra até ao Eu = Eu. Ao invés, a absolutidade da oposição surge da incompletude da síntese suprema do sistema, na qual está ainda presente. O idealismo dogmático conserva a unidade do princípio na medida em que nega o objecto em geral e põe um dos opostos, a saber, o sujeito na sua determinidade, como o absoluto, tal como o dogmatismo, que é materialismo na sua pureza, nega o sujeito. Se, para o filosofar, a necessidade tem apenas na base uma tal identidade, que deve ser realizada pelo facto de um dos opostos ser negado e dele se abstrair absolutamente, 1 então é indiferente qual dos dois, o subjectivo ou o objectivo, é negado. A sua oposição encontra-se na consciência e a realidade de um, tal como a realidade do outro, está aí fundamentada; a consciência pura não pode ser nem mais nem menos comprovada na consciência empírica, do que a coisa-em-si do dogmático. Nem o subjectivo, nem o objectivo, isolados, preenchem a consciência; o puro subjectivo é uma abstracção, tal como o puro objectivo; o idealismo dogmático põe o subjectivo como fundamento-real do objectivo, o realismo dogmático põe o objectivo como fundamento-real do subjectivo. O realismo consequente nega absolutamente a consciência como uma auto-actividade do pôr-se. Mas quando também o seu objecto, que o realismo põe como fundamento-real da consciência, é e,spresso como não-Eu = não-Eu, quando ele indica a realidade do seu objecto na consciência e, portanto, para ele a identidade da consciência é feita valer como um absoluto, oposto ao seu alinhamento objectivo de finito em finito, deve, certamente, abandonar a forma do seu princípio de uma pura objectividade. Mal ele concede um pensar, o Eu = Eu deve ser exposto a partir de uma análise do pensar. Trata-se do

68

1wnsar expresso como propos1çao; pois o pensar é o ,11110rl'lacionamento activo de opostos, e relacionar é pôr os opostos rnmo idênticos. Simplesmente, como o idealismo faz valer a 1111idade da consciência, o realismo pode fazer valer a sua duplidd,1de. A unidade da consciência pressupõe uma duplicidade, o n•lacionar pressupõe um ser-oposto; ao Eu = Eu opõe-se uma outra proposição igualmente absoluta: o sujeito não é idêntico ao , 1bjecto; ambas as proposições têm o mesmo nível. Tanto como n•rtas formas, nas quais Fichte expôs o seu sistema, poderiam induzir a tomá-lo por um sistema de idealismo dogmático, que nega o princípio que lhe é oposto - tal como Reinhold não repara no significado transcendental do princípio de Fichte, segundo o qual se exige pôr no Eu = Eu, ao mesmo tempo, a diferença do sujeito e do objecto, e vê no sistema de Fichte um sistema da absoluta subjectividade, quer dizer, um idealismo dogmático 2º -, assim o idealismo de Fichte se distingue pelo facto de que a identidade, que ele apresenta, não nega o objectivo, mas põe o subjectivo e o objectivo no mesmo nível de realidade e de certeza, e a consciência pura e empírica são uma só. A favor da identidade do sujeito e do objecto, ponho as coisas fora de mim com tanta certeza quanto me ponho a mim mesmo; tão certo como eu ser, as coisas são. Mas se o Eu puser apenas coisas ou se se puser a si mesmo, apenas uma das duas coisas ou ambas ao mesmo tempo, mas separadas, então o Eu não se tornará ele próprio, no sistema, sujeito = objecto. O subjectivo é certamente sujeito = objecto, mas o objectivo não, e, portanto, o sujeito não é igual ao objecto. 1 Como faculdade teórica, o Eu não se consegue pôr completamente a si mesmo, de modo objectivo, e sair da oposição. «O Eu põe-se a si mesmo como determinado pelo não-Eu» 21 , é aquela parte da terceira proposição-de-fundo através da qual o Eu se constitui como inteligente. Embora o mundo objectivo se mostre como um acidente da inteligência, e o não-Eu, por meio do qual a inteligência se põe a si mesma de modo determinado, seja um indeterminado, e cada determinação sua seja um produto da inteligência, resta ainda um lado da faculdade teórica pelo qual ela é condicionada; nomeadamente, o mundo objectivo, na sua determinação infinita por meio da inteligência, permanece sempre, simultaneamente, algo para ela, que para ela é, simultaneamente, algo de indeterminado. Na verdade, o não-Eu não tem qualquer carácter positivo, mas tem o carácter negativo de ser,

69

42

43

t'm gl•1-.1l, um outro, l)Ul'r dizL·r, um oposto; ou, como Fichte se l'Xprime: a inteligência está condicionada por um choque, mas que é, cm si mesmo, indeterminado. Porque o não-Eu exprime apenas o negativo, um indeterminado, este carácter cabe-lhe apenas por meio de um pôr do Eu: o Eu põe-se a si mesmo como não posto; o opor em geral, o pôr de um absolutamente indeterminado por meio do Eu, é ele próprio um pôr do Eu 22• Nesta viragem, é afirmada a imanência do Eu, mesmo como inteligência, em relação ao ser condicionado por meio de um outro = X. Mas a contradição recebeu apenas uma outra forma, por meio da qual ela própria se tomou imanente; nomeadamente, o opor-se do Eu e o pôr-se-a-si-mesmo do Eu contradizem-se entre si; e desta oposição a faculdade teórica não é capaz de sair; por isso, ela permanece para si mesma absoluta. A imaginação produtiva é um flutuar entre opostos absolutos, que ela pode apenas sintetizar no limite, mas cujos extremos opostos não pode unificar 23 • Por meio da faculdade teórica, o Eu não se toma objectivo para si mesmo; em vez de se impor como Eu = Eu, o objecto surge para ele como Eu + não-Eu; ou a consciência pura não se mostra como idêntica à empírica. Resulta daqui o carácter da dedução transcendental do mundo objectivo. O Eu = Eu, como princípio da especulação ou da reflexão filosófica subjectiva, que se opõe à consciência empírica, deve mostrar-se a si mesmo objectivamente como princípio da filosofia, pelo facto de suprimir a oposição relativamente à consciência empírica. Isto tem de acontecer se a consciência pura produzir a partir de si mesma uma multiplicidade de actividades, que é igual à multiplicidade da consciência empírica; com isto, o Eu = Eu seria comprovado como o fundamento real imanente da totalidade da contiguidade da objectividade. Mas na consciência empírica existe um oposto, um X, que a consciência pura não pode produzir nem suprimir a partir de si mesma, pois ela é um pôr-se-a-si-mesma, 1 mas que tem de pressupor. Pode-se perguntar se a identidade absoluta, na medida em que aparece como faculdade teórica, não- se pode também abstrair totalmente da subjectividade e da oposição relativamente à consciência empírica, e, no interior desta esfera, tomar-se a si mesma objectiva, A = A. Mas esta faculdade teórica, na qualidade de Eu que se põe a si mesmo como um Eu determinado pelo não-Eu, não é, de forma alguma, uma esfera imanente pura; no seu interior, cada produto do Eu é, ao mesmo tempo, um produto não deter-

70

minado pelo Eu; a consciência pura, na medida em qttl' produ, ., partir de si mesma a multiplicidade das consciências empírirns, ,,parece, por isso, com o carácter da insuficiência. Esta insufil"i{incia originária da consciência pura constitui, desde logo, a possibilidade de uma dedução do mundo objectivo em geral, e o subjectivo dela aparece com a maior clareza nesta dedução. O Eu põe um mundo objectivo na medida em que se reconhece a si mesmo como insuficiente na medida em que se põe; e, com isto, desaparece a absolutidade da consciência pura. O mundo objectivo relaciona-se com a consciência como sendo uma condição dela. A consciência empírica e a pura condicionam-se mutuamente, uma é tão necessária quanto a outra; prossegue-se, segundo a expressão de Fichte, em direcção à consciência empírica, porque a consciência pura não é uma consciência completa. Nesta relação recíproca, permanece a absoluta oposição entre elas; a identidade que pode ser realizada é altamente incompleta e superficial; é necessária uma outra, que compreende a consciência pura e a empírica, mas que as suprime a ambas naquilo que são. Da forma que o objectivo (ou a natureza) recebe, por meio deste género de dedução, falar-se-á mais abaixo. Mas a subjectividade da consciência pura, que surge da forma de dedução que foi discutida, dá-nos a explicação para uma outra forma dela, na qual a produção do objectivo é um acto puro da actividade livre. Se a consciência-de-si estiver condicionada pela consciência empírica, a consciência empírica não poderá ser um produto da liberdade absoluta e a livre actividade do Eu tomar-se-á apenas um factor na construção da intuição de um mundo objectivo. O facto de o mundo ser um produto da liberdade da inteligência é o princípio do idealismo expresso com determinação, e se o idealismo fichteano não construiu este princípio como um sistema, o fundamento disso encontra-se no carácter com que a liberdade surge neste sistema. A reflexão filosófica é um acto de liberdade absoluta, eleva-se com arbítrio absoluto acima da esfera do dado e produz com consciência o que, na consciência empírica, a inteligência produz inconscientemente e que, por isso, aparece como dado. No sentido em que, para a reflexão filosófica, a I multiplicidade das representações necessárias surge como um sistema produzido por liberdade, a produção inconsciente de um mundo objectivo não é vista como um acto de liberdade - pois, nesta medida, a consciência empírica e a consciência filosófica opõem-se -, mas sim

71

44

11.1 nwdid,, l'lll lllll' ,1111bas s,'lo a identidade do pôr-SL'-a-si-mcsmo; o pôr-se-a-si-mesmo, identidade do sujeito e do objecto, é actividade livre. Na apresentação precedente da produção do mundo objectivo a partir da consciência pura ou do pôr-se-a-si-mesmo, aparece necessariamente uma oposição absoluta; isto acontece na medida em que o mundo objectivo deve ser deduzido como um acto de liberdade, como uma autolimitação do Eu por si mesmo, e a imaginação produtiva é construída a partir dos factores da actividade indeterminada, dirigindo-se ao infinito, e da actividade limitante, que se finitiza. Se a actividade reflexionante for ao mesmo tempo posta como infinita, tal como deve ser posta - na medida em que é aqui um factor ideal, um oposto absoluto -, pode ser também ela posta como um acto da liberdade, e o Eu limita-se a si mesmo livremente. Deste modo, a liberdade e o limite não se oporiam um ao outro, mas pôr-se-iam de modo infinito e finito; o mesmo que acima surgiu como oposição entre a primeira e a segunda proposições-de-fundo. A limitação é, com isso, sem dúvida, algo de imanente, pois é o Eu que se limita a si mesmo; os objectos são apenas postos para explicar esta limitação, e o limitar-se a si mesmo da inteligência é o único real. Deste modo, a oposição absoluta, que a consciência empírica põe entre o sujeito e o objecto, é suprimida, mas é transportada de uma outra forma para a inteligência; e a inteligência encontra-se a si mesma, uma vez mais, encerrada em limites inconcebíveis, tem para si como lei ininteligível o limitar-se a si mesma; mas é justamente o facto da oposição da consciência comum ser ininteligível para ela que impulsiona a especulação. Mas o carácter ininteligível permanece no sistema através do limite posto na própria inteligência, e quebrar o seu círculo é o único interesse da necessidade da filosofia. Se houver uma oposição entre a liberdade e a actividade limitante, como entre o pôr-se-a-si-mesmo e o opor, a liberdade toma-se condicionada, o que não deve acontecer; se, também, a actividade limitante for posta como uma actividade da liberdade - como, mais acima, o pôr-se-a-si-mesmo e o opor foram ambos postos no Eu-, a liberdade é identidade absoluta, mas contradiz o seu aparecimento, que é sempre um não-idêntico, finito e· não-livre. A liberdade não consegue produzir-se a si mesma no sistema; o produto não corresponde à actividade produtiva; o sistema, que parte do pôr-se-a-si-mesmo, leva a inteligência à sua condição condicionada, num sem-fim de finitudes, sem a produzir de novo neles e a partir deles.

72

Porque no produzir sem consciência a especulação não podt• indicar completamente o seu princípio Eu = Eu, mas o objccto da faculdade teórica I contém em si, necessariamente, algo de não determinado pelo Eu, somos remetidos para a actividade prá1ica. Ao Eu não chega pôr-se a si mesmo, através do produzir inconsciente, como Eu = Eu, ou intuir-se como sujeito = objecto; há ainda a exigência de o Eu se produzir como identidade, como sujeito = objecto, quer dizer, praticamente, de se metamorfosear a si mesmo no objecto. Esta suprema exigência permanece, no sistema fichteano, uma exigência; ela, não somente não é resolvida numa síntese autêntica, como, pelo contrário, é fixada como exigência, para que o ideal se oponha absolutamente ao real, e a suprema auto-intuição do Eu como um sujeito = objecto se tome impossível. O Eu = Eu é postulado do ponto de vista prático, e isto é representado de tal modo que o Eu se toma deste modo, enquanto Eu, um objecto, na medida em que surge numa relação causal com o não-Eu, na qual o não-Eu se desvaneceria e o objecto seria algo de absolutamente determinado pelo Eu, portanto, = Eu. Aqui, a relação causal toma-se dominante e, com isso, a razão, ou sujeito = objecto, é fixada como um dos opostos, e a verdadeira síntese toma-se impossível. Esta impossibilidade do Eu se reconstruir a partir da oposição entre a subjectividade e o X, que surge para ele no produzir inconsciente, e de se tomar um só com o seu aparecimento, exprime-se de tal forma que a síntese suprema, que o sistema mostra, é um dever. O Eu igual a Eu transforma-se em: Eu deve ser igual a Eu; o resultado do sistema não regressa ao seu começo. O Eu deve aniquilar o mundo objectivo, o Eu deve ter causalidade absoluta sobre o não-Eu; isto será considerado contraditório, pois com isso o não-Eu seria suprimido e o pôr ou o opor de um não-Eu é absoluto. A relação de uma actividade pura com um objecto só pode ser posta como um esforço. O Eu objectivo, igual ao subjectivo, porque apresenta o Eu = Eu, encontra-se, ao mesmo tempo, diante de uma oposição, portanto, de um não-Eu; aquele, o ideal, este, o real, devem ser idênticos. Este postulado prático do dever absoluto não exprime senão uma ligação pensada da oposição, que não se une numa intuição, ou seja, apenas a antítese da primeira e da segunda proposições-de-fundo. O Eu = Eu é, com isso, abandonado pela especulação e reverte a favor da reflexão; a consciência pura não surge mais como

73

4c;

llll'nlll1.ldl· ,thsoluta, mas sim, na sua suprl 1m1 dignidade, é oposta à consdt}ncia empírica. A partir daqui, torna-se claro que ca1

46

rácter tem a liberdade neste sistema; ela não é a supressão dos opostos, mas sim a oposição a eles e, nesta oposição, é fixada como liberdade negativa. A razão constitui-se como unidade por meio da reflexão, à qual se opõe absolutamente uma multiplicidade; o dever exprime esta oposição permanente, 1 o não-ser da identidade absoluta. O puro pôr, a actividade livre é posta como uma abstracção na forma absoluta de algo de subjectivo. A intuição transcendental, da qual parte o sistema, era algo de subjectivo sob a forma da reflexão filosófica, que se eleva ao puro pensamento de si própria por meio da abstracção absoluta; para ter a intuição transcendental na sua verdadeira ausência de forma, teve-se de abstrair deste carácter de algo de subjectivo; a especulação teve de afastar a forma do seu princípio subjectivo, para o elevar à verdadeira identidade do sujeito e do objecto. Mas, assim, a intuição transcendental, na medida em que pertence à reflexão filosófica, e a intuição transcendental, na medida em que não é nada de subjectivo nem de objectivo, permaneceram uma e a mesma coisa. O sujeito = objecto não sai mais da diferença e da reflexão, permanece um sujeito = objecto subjectivo, para o qual o aparecimento é algo de absolutamente estranho e que não consegue intuir-se a si mesmo no seu aparecimento. Tal como a faculdade teórica do Eu não consegue atingir a auto-intuição absoluta, também a faculdade prática não o consegue; esta, tal como aquela, está condicionada por um choque, que, como facto, não se deixa deduzir do Eu, e cuja dedução significa que é mostrado como condição da faculdade teórica e prática. A antinomia permanece como antinomia e exprime-se no esforço, que é o dever como actividade. Esta antinomia não é a forma na qual aparece o absoluto da reflexão, tal como para a reflexão não é possível nenhuma outra concepção do absoluto senão através da antinomia; mas este oposto da antinomia é o fixado, o absoluto. Como actividade, nomeadamente, como um esforço, o oposto deve ser a síntese suprema e a ideia de infinitude permanecer uma ideia em sentido kantiano, absolutamente oposta à intuição. Esta oposição absoluta da ideia e da intuição, e a síntese de ambas, que não é senão uma exigência que se destrói a si mesma - a saber, a exigência de uma unificação que não deve acontecer-, exprime-se no progresso infi-

74

111111. A oposição absoluta é, com isto, rdegada para a fom1,1 dt• um ponto de vista inferior, que, durante muito tempo, v.1lt•u mmo uma verdadeira supressão da oposição e suprema dissolu1,·,\o da antinomia por meio da razão. A existência prolongada na l'lt'ínidade inclui a infinitude da ideia e a intuição, mas a ambas dl' tal forma que torna impossível a sua síntese. A infinitude da idl'ia exclui toda a multiplicidade; o tempo, pelo contrário, inclui inwdiatamente em si a oposição, uma exterioridade recíproca, e ,, existência no tempo é algo de em si mesmo oposto, múltiplo, l' a infinitude está fora dela. O espaço é, igualmente, um ser-posto-fora-de-si; mas, no I seu carácter de oposição, pode ser considerado uma síntese infinitamente mais rica do que o tempo. A prioridade, que o tempo contém, de o progresso dever acontecer nele, pode consistir apenas no facto de o esforço ser ,tbsolutamente oposto a um mundo sensível externo e ser posto como um interior, pelo que o Eu é hipostasiado como sujeito absoluto, como unidade do ponto e, mais popularmente, como alma. Se o tempo deve ser uma totalidade, como tempo infinito, então o próprio tempo é suprimido, e não era necessário recorrer ao seu nome e a um progresso da existência alongada. A verdadeira supressão do tempo é o eterno presente, quer dizer, a eternidade; e, nesta, são abolidos o esforço e a permanência dos opostos absolutos. Aquela existência alongada atenua a oposição apenas na síntese do tempo, cuja indigência, através desta ligação atenuante com uma infinitude que se lhe opõe absolutamente, não se toma completa, mas mais acentuada. Todos os desenvolvimentos posteriores do que está contido no esforço e a síntese da oposição resultantes desse desenvolvimento, têm em si o princípio da não-identidade. Todo o prosseguimento posterior do sistema releva de uma reflexão consequente; a especulação não tem qualquer participação nisso, A identidade absoluta está apenas presente na forma de um opor, a saber, como ideia; a ligação causal incompleta subjaz a cada uma das suas ligações com os opostos. O Eu que se põe a si mesmo na oposição, ou que se limita a si mesmo, e o que vai em direcção ao infinito, aparecem na seguinte ligação: o primeiro sob o nome de subjectivo, o segundo sob o nome de objectivo; pois o determinar-se a si mesmo do Eu subjectivo é um determinar de acordo com a ideia do Eu objectivo, da auto-actividade absoluta, da infinitude, e o Eu objectivo, a auto-actividade absoluta, é determinado por meio do subjectivo, de acordo com esta

75

47

48

idl'ia. A sua dckrminaç,10 é uma dckrmim1ç,10 rt•cíproca. O Eu subjectivo, ideal, recebe do objectivo, por assim dizer, a matéria da sua ideia, a saber, a auto-actividade absoluta, a indeterminação. O Eu objectivo, real, que se dirige ao infinito, é limitado pelo subjectivo; mas o subjectivo, porque determina pela ideia de infinitude, suprime de novo a limitação, toma o objectivo, na sua infinitude, finito, mas ao mesmo tempo, na sua finitude, infinito. Nesta determinação recíproca permanece a oposição da finitude e da infinitude, da determinidade real e da indeterminidade ideal; idealidade e realidade não estão unidas; ou o Eu, as actividades ideal e real simultaneamente, que se distinguem apenas como direcções diferentes, unificou em sínteses singulares incompletas as suas direcções diferentes, tal como se mostrará mais à frente, no impulso, no sentimento, 1 mas não atinge nelas uma exposição completa de si mesmo. Ele produz, no progresso infinito da existência prorrogada, partes infinitas de si mesmo, mas não se produz a si mesmo na eternidade do intuir-se a si mesmo como sujeito-objecto. O agarrar-se à subjectividade da intuição transcendental, por meio da qual o eu permanece um sujeito-objecto subjectivo, aparece mais nitidamente na relação do Eu com a natureza, em parte na dedução desta, em parte na ciência que nela se funda. Porque o Eu é sujeito-objecto subjectivo, permanece nele um lado pelo qual um objecto lhe é absolutamente oposto e pelo qual ele é condicionado por ele; o pôr dogmático de um objecto absoluto transforma-se nl'ste idealismo, tal como vimos, num limitar-se-a-si-mesmo, absolutamente oposto à actividade livre. O ser-posto da natureza através do Eu é a sua dedução e nisto consiste o ponto de vista transcendental; mostrar-se-á até onde ele alcança e qual é o seu significado. Como condição da inteligência é postulada uma determinidade originária, o que apareceu acima como a necessidade (porque a pura consciência não é nenhuma consciência completa) de prosseguir em direcção à consciência empírica. O Eu deve limitar-se, opor-se absolutamente• a si mesmo; ele é sujeito e o limite está nele e através dele. Esta autolimitação é tanto uma limitação da actividade subjectiva, de inteligência, como da objectiva; a actividade objectiva limitada é o instinto 24; a subjectiva limitada é o conceito de fim. A síntese desta determinidade dupla é o sentimento; nele, o conhecimento e o instinto estão unidos. Mas, ao mesmo tempo, o sentir é algo de simplesmente subjec-

76

livo 2, e, diantl' do Eu = Eu, diantl• do indeterminado, ,1p,H'l'l'l' sohrl•tudo como um determinado em geral e, na verdadl como 11111 subjectivo, em oposição ao Eu como objectivo; ele aparece rnmo um finito em geral, tanto diante da actividade infinita real, rnmo diante da infinitude ideal, e em relação a esta última como 11111 objectivo. Mas, para si mesmo, o sentimento caracterizou-se rnmo síntese do subjectivo e do objectivo, do conhecimento e do instinto, e, porque é síntese, desaparece a sua oposição diante do indeterminado, seja este indeterminado apenas uma actividade infinita objectiva ou subjectiva. Ele é em geral finito apenas para a reflexão, que produz aquela oposição à infinitude; em si, ele é, tal como a matéria, subjectivo e objectivo, identidade, contanto que esta não se tenha reconstruído em totalidade. O sentimento, tal como o instinto, aparecem como limitados, e a exteriorização do limitante e da limitação em nós é instinto e sentimento; o sistema originariamente determinado de instintos e sentimentos é a natureza. Porque a consciência dela nos importuna e, ao mesmo tempo, a substância, no qual este sistema de limitações I se encontra, deve ser aquela que pensa e quer livremente, e que nós pomos como nós mesmos, é que ela é a nossa natureza 26 • E eu e a minha natureza constituímos o sujeito-objecto subjectivo, a minha natureza está, ela própria, no Eu. Porém, têm de ser distinguidos dois modos de mediação da oposição entre a natureza e a liberdade, entre o limitar originário e o ilimitar originário, e deve-se essencialmente mostrar que a mediação acontece de modos diferentes. Isto mostrar-nos-á numa nova forma a diferenciação do ponto de vista transcendental e do ponto de vista da reflexão, em que o último reprime o primeiro: a diferença entre o ponto de partida e o resultado deste sistema. Umas vezes, o Eu é = Eu, a liberdade e o instinto são uma e a mesma coisa: este é o ponto de vista transcendental. «Apesar de apenas uma parte daquilo que me pertence dever ser apenas possível por liberdade, e uma outra parte disso independente da liberdade, tal como a própria liberdade deve ser independente disso, todavia, a substância que as inclui a ambas é apenas uma e a mesma, e é posta como uma e precisamente a mesma. O Eu que eu sinto, e o Eu que eu penso, o Eu que é movido por um instinto, e o Eu que me leva a decidir com vontade livre, são o mesmo.» 27 «O meu instinto como ser da natureza, a minha tendência como puro espírito, são - , do ponto de vista trans1,

49

u•nm•nt,11, pontos dl• visl,t l)Ul' p,ull'lll lfr um l' prL·ds,mll'nle o llll'Smo instinto origimirio, que constitui a minha essência, visto simplesmente de dois lados diferentes.» 211 A sua diversidade reside apenas no aparecimento. Outras vezes, são ambos diferentes, um é a condição do outro, um domina o outro. Na verdade, a natureza como instinto deve ser pensada como determinando-se a si mesma através de si mesma, porém, ela caracteriza-se por ser o contrário da liberdade. Por isso, dizer-se que a natureza se determina a si mesma significa: ela é determinada a determinar-se, por meio da sua essência, formaliter, ela nunca pode ser indeterminada como um ser livre pode perfeitamente sê-lo; ela está também, materialiter, perfeitamente determinada e não pode, como o ser livre, escolher entre uma certa determinação e o seu oposto 29 • A síntese da natureza e da liberdade dá, então, a seguinte reconstrução da identidade, a partir da cisão e em direcção à totalidade. Eu, como inteligência, o indeterminado, e Eu que sou movido pelo instinto, a natureza, o determinado, torno-me no mesmo, pelo facto de o impulso vir para a consciência; então, nesta medida, ele está em meu poder, ele quase não age nesta região, mas sou eu que ajo, ou não ajo, de acordo com ele 30 • O reflectinte é superior ao reflectido; o instinto do reflectinte, do sujeito da consciência, chama-se instinto supremo 31; o inferior, a natureza, deve ser posto na dependência do superior, da reflexão. A relação de dependência de um aparecimento do Eu relativamente ao outro deve ser a síntese suprema. Mas esta última identidade e a identidade do ponto de vista transcendental são totalmente opostas. Na transcendental, há o so Eu = Eu, o Eu posto na relação substancial I ou, pelo menos, na relação recíproca; pelo contrário, nesta reconstrução da identidade, uma é a dominante, outra é a dominada, o subjectivo não é igual ao objectivo, mas encontram-se numa relação de causalidade: um deles aparece como dependente; das duas esferas da liberdade e da necessidade, esta está subordinada àquela. Assim, o final do sistema é infiel ao seu início, o seu resultado infiel ao seu princípio. O princípio era Eu.= Eu; o resultado é Eu não = Eu. A primeira identidade é ideal-real, forma e matéria estão unidas; a última é meramente ideal, forma e matéria estão separadas; ela é uma síntese meramente formal. Esta síntese do domínio surge do seguinte modo. Ao puro impulso, que, para a sua autodeterminação absoluta, age por mor do agir, opõe-se um impulso objectivo, um sistema de limitações.

78

N,1 medida em que a liberdade e a natureza se unifirnm, ,1qlll'l,1 ,,h,rndona a sua pureza e esta a sua impureza; a actividadt• sinltitica, para ser, todavia, pura e infinita, deve ser pensada como uma actividade objectiva, cujo fim último é liberdade absoluta, ,1bsoluta independência de toda a natureza: um fim último que nunca pode ser alcançado 32, uma série infinita, através de cujo prosseguimento o Eu se tomaria absolutamente = Eu; quer di1.cr, o Eu suprime-se a si mesmo como objecto e, com isso, também como sujeito. Mas ele não se deve suprimir; assim, para o Eu há apenas um tempo prorrogado indefinidamente, preenchido com limitações e quantidades, e o conhecido progresso deve prestar a sua ajuda; onde é esperada a suprema síntese, permanece sempre a mesma antítese do presente limitado e de uma exterioridade existente no seu exterior. O Eu = Eu é o absoluto, a totalidade, fora do Eu não há nada; mas, até então, o Eu não vai até ao sistema e, se o tempo estiver misturado nisso, nunca lá chegará; ele é absolutamente afectado por um não-Eu e só consegue pôr-se constantemente a si mesmo como uma quantidade de Eu. Com isto, a natureza é algo de essencialmente determinado e morto, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático. Daquele ponto de vista, ela é a autolimitação intuída, quer dizer, o lado objectivo do autolimitar-se; na medida em que é deduzida como condição da consciência-de-si e é posta como condição para explicar a consciência-de-si, ela é meramente algo de posto em benefício da explicação pela reflexão, o resultado de uma produção ideal. Mas se a natureza já possui, pelo facto de a consciência-de-si ser mostrada como condicionada por ela, uma igual dignidade da autonomia, então, a sua autonomia, porque só é posta através da reflexão, é, por isso mesmo, também aniquilada e o seu carácter fundamental é o do ser-oposto. Da mesma forma, do ponto de vista prático, na síntese do determinar-se-a-si-mesmo sem consciência e do autodeterminar-se através de um conceito, do impulso natural e do impulso da liberdade por mor da liberdade 33, a natureza toma-se, através da 1 causalidade da liberdade, um produto real. O resultado é o se- s1 guinte: o conceito deve ter causalidade sobre a natureza e a natureza deve ser posta como algo de absolutamente determinado. Quando a reflexão põe completamente a sua análise do absoluto numa antinomia, quando põe um dos membros como Eu, indeterminidade ou determinar-se-a-si-mesmo, e o outro mem-

79

bro como objecto, st•r-determinado, l' reconht•ce ambos como originários, afirma deste modo a relativa incondicionalidade de ambos e, com isso, também a sua relativa condicionalidade. A reflexão não pode ir além desta acção recíproca do condicionar mútuo. Ela mostra-se como razão pelo facto de apresentar a antinomia do incondicionado condicionado, e, na medida em que, através deles, aponta para uma síntese absoluta da liberdade e do impulso natural, não afirmou a oposição e a subsistência de ambos, ou de um deles, nem se afirmou a si mesma como o absoluto e o eterno, mas aniquila-os e derruba-os no abismo do seu termo. Mas quando se afirma a si e a um dos seus opostos como o absoluto e se fixa na relação causal, então, o ponto de vista transcendental e a razão são subordinados ao ponto de vista da mera reflexão e ao entendimento, que conseguiu fixar o racional, sob a forma de um.a ideia, como um absolutamente oposto. Nada resta para a razão senão a impotência de uma exigência que se suprime a si mesma e a aparência de uma mediação - embora formal e própria do entendimento - da natureza e da liberdade na mera ideia da supressão dos opostos, na ideia da independência do Eu e do absoluto ser-determinado da natureza, que, como algo para ser negado, é posto como absolutamente dependente. Mas a oposição não desapareceu, mas sim - porque, na medida em que permanece um membro dela, o outro também permanece - foi tomada infinita. Deste ponto de vista supremo, a natureza tem o carácter da objectividade absoluta ou da morte; só de um ponto de vista inferior ela surge com a aparência de uma vida, como sujeito = = objecto. Tal como, do ponto de vista supremo, o Eu não perde a forma da sua manifestação como sujeito, ao invés, o carácter da natureza de ser sujeito = objecto toma-se mera aparência e a sua essência toma-se objectividade absoluta. A natureza é o produzir sem consciência do Eu e o produzir do Eu é um determinar-se-a-si-mesmo; a natureza é, portanto, Eu, sujeito = objecto; e tal como a minha natureza é posta, há também uma natureza fora da mi:ftha, que não é a totalidade da natureza; a natureza fora de mim é posta para explicar a minha natureza. Porque a minha natureza é determinada como impulso, um determinar-se-a-si-mesmo por meio de si mesmo, também a natureza fora de mim deve ser assim determinada, e esta determinação fora de mim é o fundamento de explicação da minha natureza 34•

80

Oeste dcterminante-dc-si-mt•smo através de si mesmo dt•vt•111 s,•r agora predicados, na sua antinomia, os produtos da rl.'ÍIL•xào, t·,rnsa e efeito, todo e partes, etc., 1 portanto, a natureza deve ser posta como causa e efeito de si mesma, como todo e parte, etc. simultâneos, por meio do que ela conserva a aparência de ser ,1lgo de vivo e orgânico 35. Simplesmente, este ponto de vista, a partir do qual o objectivo é caracterizado, pela faculdade de julgar reflexionante, como ,1lgo de vivo, transforma-se num ponto de vista inferior. O Eu só s1• encontra a si mesmo como natureza na medida em que intui apenas o seu carácter-limitado originário e põe absolutamente o limite absoluto do impulso originário, portanto, põe-se objectivamente a si mesmo. Mas, do ponto de vista transcendental, o sujeito = objecto é reconhecido apenas na consciência pura, no pôr-se-a-si-mesmo ilimitado; mas este pôr-se-a-si-mesmo tem diante de si um oposto absoluto, o qual, deste modo, é determinado como limite absoluto do impulso originário. Na medida em que o Eu, como impulso, não se determina a si mesmo segundo a ideia de infinitude, portanto, põe-se como finito, este finito é a natureza; como Eu, ele é simultaneamente infinito e sujeito-objecto. O ponto de vista transcendental, na medida em que põe apenas o infinito como Eu, faz, assim, uma separação entre o finito e o infinito. Ele extrai a subjectividade-objectividade daquilo que aparece como natureza, e esta não permanece senão como o invólucro morto da objectividade. A ela, ao até então finito-infinito, é retirada a infinitude, e ela permanece pura finitude, oposta ao Eu = Eu; o que o Eu era nela, é atraído pelo sujeito. Se agora o ponto de vista transcendental Eu = Eu, no qual nada há de subjectivo nem de objectivo, progride da identidade para a diferença entre os dois, a qual, como opor, permaneceu contra o pôr-se-a-si-mesmo, contra o Eu = Eu, e determina cada vez mais a oposição, chega também a um ponto de vista no qual a natureza é posta para si mesma como sujeito = objecto; mas não se deve esquecer que esta visão da natureza é apenas um produto da reflexão a partir do ponto de vista mais baixo. Na dedução transcendental, o limite do impulso originário (objectivamente posto: natureza) permanece uma pura objectividade, absolutamente oposta ao impulso originário, à essência verdadeira, que é Eu = Eu, sujeito = objecto. Esta oposição é a condição pela qual o Eu se torna prático, quer dizer, tem de suprimir a oposição; esta supressão é pensada de modo tal que

81

r;2

53

um é posto como dcp,•ndendo do outro. A natur,•za é posta, na perspectiva prática, como algo absolutamente determinado pelo conceito; na medida em que ela não é determinada pelo Eu, o Eu não tem causalidade ou não é prático; e o ponto de vista que põe a natureza viva cai novamente, pois a sua essência, o seu em-si, não deve ser senão um limite, uma negação. Deste ponto de vista prático, a razão permanece apenas a regra morta e mortal da unidade formal posta à disposição da reflexão, que põe o sujeito e o objecto numa I relação de dependência mútua, ou de causalidade, e, deste modo, põe totalmente de lado o princípio da especulação, a identidade. Na exposição e na Dedução da natureza, tal como ela é feita no Sistema do Direito Natural, mostra-se em toda a sua dureza a oposição absoluta da natureza e da razão e o domínio da reflexão. O ser racional deve construir uma esfera para a sua liberdade, esfera essa que prescreve a si mesmo; mas ele é esta esfera apenas em oposição, na medida em que se põe a si mesmo aí em exclusividade, de modo que nenhuma outra pessoa a possa escolher; na medida em que aí a prescreve a si mesmo, opõe-na essencialmente a si. O sujeito - como o absoluto, em si mesmo activo e determinando-se a si mesmo a pensar um objecto - põe fora de si a esfera que lhe pertence da sua liberdade, e põe-se a si mesmo separado dela 36, a sua referência a ela é apenas um ter. A característica fundamental da natureza é ser um mundo do orgânico, um oposto absoluto; a essência da natureza é um atomismo morto, uma matéria mais fluida, ou mais resistente e mais sólida 37, que, de múltiplos modos, é mutuamente causa e efeito. O conceito de acção recíproca diminui pouco a oposição total entre o que é mera causa e o que é mero produto; com isso, a matéria toma-se mutuamente modificável de muitas formas, mas mesmo a força desta ligação indigente reside fora dela. A independência das partes, graças à qual elas podem constituir ein si mesmas todos orgânicos, tal como a dependência das partes em relação ao todo, é a dependência teleológica do conceito, pois a articulação 38 é posta em bênefício de um outro, o ser raciQnal, que é essencialmente distinto dela. O ar, a luz, etc., transformam-se em matéria atómica configurável, e, aqui, trata-se, na verdade, de matéria em geral no sentido vulgar, como o simplesmente oposto ao que se põe-a-si-mesmo. Deste modo, Fichte está mais próximo do que Kant de conseguir vencer a oposição da natureza e da liberdade, e de mos-

82

tr,1r a naturl'za como algo de absolutamente causado l' morto; Kant, a natureza é igualmente posta como algo de absolutanwntc determinado. Porém, ela não pode ser pensada como dell•rminada por aquilo que, em Kant, se chama entendimento, mas os seus múltiplos fenómenos particulares devem ser deixados indeterminados pelo nosso entendimento humano discursivo, devem Sl'r pensados como determinados por um outro entendimento, mas de tal modo que isto vale apenas como uma máxima da nossa faculdade de julgar reflexionante, e nada é decidido acerca da realidade de um outro entendimento. Fichte não necessita deste desvio que consiste em deixar a natureza surgir como algo de determinado apenas pela ideia de um outro entendimento separado, diferente do entendimento humano; ela é imediatamente determinada através da I e para a inteligência. Esta, limita-se a si mesma absolutamente, e este limitar-se-a-si-mesma não pode ser derivado do Eu = Eu, mas apenas deduzido, quer dizer, deve mostrar-se a sua necessidade a partir do estado de carência da consciência pura, e a intuição deste seu absoluto carácter limitado, quer dizer, da negação, é a natureza objectiva. Das consequências que daí resultam, sobressai esta relação de dependência da natureza relativamente ao conceito, de oposição à razão, nos dois sistemas da comunidade dos homens. A comunidade é representada como urna comunidade de seres racionais, obrigada a desviar-se pelo domínio do conceito. Cada ser racional é algo de duplo para o outro: a) um ser livre e racional; b) uma matéria modificável, algo capaz de ser tratado como uma mera coisa 39 • Esta separação é absoluta e, deste modo, uma vez posta na sua não-naturalidade, não é mais possível uma referência pura de uns relativamente aos outros, na qual a identidade originária se exponha e reconheça, mas cada referência é um dominar e ser dominado de acordo com as leis de um entendimento consequente; a totalidade do edifício da comunidade dos seres vivos é erigida pela reflexão. A comunidade de seres racionais aparece como condicionada pela limitação necessária da liberdade, que dá a si mesma a lei para se limitar 40; e o conceito do limitar constitui um reino da liberdade, em que cada acção recíproca da vida, infinita e ilimitada para si mesma, quer dizer, bela, é aniquilada, dado que o vivo é despedaçado em conceito e matéria, e a natureza é posta numa situação de dependência. A liberdade é o carácter da racionalidade, ela é aquilo que em si suprime todas as limitações l'lll

83

54

o ponto supremo do sistt•nM fid1tt•,mo; mas na comunidade com outros ela deve ser abandonada, para que seja possível a liberdade de todos numa comunidade permanente de seres racionais, e a comunidade é, de novo, uma condição da liberdade. A liberdade deve suprimir-se a si mesma para ser liberdade. Com isto, toma-se de novo claro que a liberdade é, aqui, algo de meramente negativo, a saber, indeterminidade absoluta, ou, tal como em cima foi mostrado acerca do pôr-se-a-si-mesmo, é um puro factor ideal: a liberdade considerada do ponto de vista da reflexão. Esta liberdade não se encontra a si mesma como razão, mas sim como ser racional, quer dizer, sintetizada com um oposto, um finito; e já esta síntese da personalidade inclui em si a limitação de um dos factores ideais, como é aqui a liberdade. A razão e a liberdade como ser racional não são mais razão e liberdade, mas sim algo de singular; e a comunidade da pessoa com outros não deve ser vista como uma limitação da verdadeira liberdade do indivíduo, mas sim como um alargamento dela. A suprema comunidade é a suprema liberdade, tanto do ponto de vista do poder como do exercício; suprema I comunidade essa na qual, porém, a liberdade, como factor ideal, e a razão, como oposto da natureza, desaparecem totalmente. Se a comunidade dos seres racionais fosse, por essência, uma limitação da verdadeira liberdade, seria em si e para si mesma a suprema tirania; mas porque, por enquanto, é apenas a liberdade como algo de indeterminado e como factor ideal, que será limitado, não surge ainda imediatamente na comunidade, através daquela representação para si, a tirania. Mas ela surge da forma mais completa através do modo como a liberdade deve ser limitada, para que a liberdade dos outros seres racionais seja possível; nomeadamente, a liberdade, através da comunidade, não deve perder a forma de algo de ideal, de oposto, mas sim, nessa qualidade, tomar-se fixa e dominante. Através da comuni·dade de referências vivas autenticamente livres, o indivíduo renegou a sua indeterminidade, que se chamava liberdade. Somente na referência viva existe lib~rdade, na medida em que ela inclui em si a possibilidade de se suprimir e de entrar em outras referências; quer dizer, a liberdade é posta de lado como indeterminidade, como factor ideal. Numa relação viva, a indeterminidade, na medida em que é livre, é apenas o possível, e não algo de efectivo feito para dominar, um conceito imperativo. Mas, no Sistema do Direito Natural, a indeterminidade suprimida não é l'

55

84

n,mpreendida como limitação livrt• da sua liberdadt•; por{-111, 11a1 11wdida em que a limitação por meio da vontade comum l'.• L'IL v,1da a lei e fixada como conceito, a verdadeira liberdade, a possibilidade de suprimir uma referência determinada, é aniquil,1da. A referência viva não é mais possível de ser indetermina1l,1, portanto, não é mais racional, mas sim absolutamente determinada e fixada por meio do entendimento; a vida tomou-se dL·pendente, e a reflexão transportou para ela o seu domínio e triunfou sobre a razão. Esta situação de indigência toma-se dil'l'i to natural e não é afirmada como se o seu supremo objectivo fosse suprimi-lo, e, no lugar desta comunidade feita à medida do entendimento e não-racional, construir uma livre organização da vida por meio da razão, livre da escravidão sob o conceito; ,10 invés, o estado de indigência e a sua extensão infinita vale, acima de todo o movimento da vida, como necessidade absoluta. Esta comunidade sob o domínio do entendimento não é representada de modo tal que ela própria devesse ter para si mesma, como lei suprema, a supressão, na verdadeira infinitude de uma bela comunidade, desta indigência da vida, na qual ela é posta por meio do entendimento, e por este sem-fim do determinar e do dominar, tomando dispensáveis as leis graças aos costumes, a desordem da vida insatisfeita graças ao gozo santificado, e o crime da força comprimida graças à actividade I possível por grandes objectos; mas, pelo contrário, o domínio do conceito e a escravidão da natureza são absolutamente feitos e alargados ao infinito. O sem-fim do determinar, no qual o entendimento deve cair, mostra do modo mais imediato a insuficiência do seu princípio, do dominar por conceitos. Também este estado de indigência conhece a finalidade de impedir as ofensas dos seus cidadãos, em vez de as vingar quando já aconteceram. Portanto, ele tem não somente de proibir ofensas reais por meio de castigos, mas também de prevenir a possibilidade de uma ofensa, e proibir, com essa finalidade, acções que, em e para si, não parecem prejudicar ninguém e ser totalmente indiferentes, mas que tomam mais fácil a ofensa de outros e dificultam a sua protecção ou a descoberta dos culpados 41 • Se então, por um lado, um homem não se submete ao estado por nenhum outro impulso senão o de utilizar e gozar de forma tão livre quanto possível o seu poder, não há, por outro lado, de forma alguma, qualquer acção da qual o entendimento consequente deste estado não possa calcular uma 1-

85

56

possível ofensa para outros. É com esta possibilidade interminável que tem que lidar o entendimento que previne e o seu poder, o dever de policiamento, e neste ideal de estado não há acção nem movimento que não tenham de ser necessariamente submetidos a uma lei, tomados sob inspecção imediata e observados pela polícia e pelas restantes autoridades, de modo que (2.ª Parte, p. 155 42 ) num estado com uma constituição fundada nestes princípios a polícia sabe bastante bem onde está cada cidadão a cada hora do dia e o que é que ele faz*.

57

• O modo como o sem-fim do determinar se perde e ao seu fim, clarificar-se-á melhor com alguns exemplos. Através do aperfeiçoamento da polícia previne-se toda a quantidade de crimes que são possíveis em estados imperfeitos, por exemplo, a falsificação de letras de câmbio e de dinheiro. Vemos de que modo, na página 148: «Aquele que transporta uma letra de câmbio deve demonstrar, através de um passe, que é essa determinada pessoa, onde pode ser encontrado, etc. O que a recebe põe então, junto ao nome do transportador, no lado de trás da letra de câmbio, simplesmente isto: «com o passe de tal ou tal autoridade». Só é preciso escrever mais duas palavras e são apenas necessários mais um ou dois minutos para observar o passaporte e a pessoa; e, acima de tudo, o assunto é tão fácil como anteriormente.» (Ou melhor, mais simples, pois um homem cuidadoso proterger-se-á presumivelmente de aceitar de um homem que não conhece de modo algum uma letra de câmbio, mesmo que esta pareça estar totalmente em ordem; e verificar um passaporte e uma pessoa é infinitamente mais fácil do que, de um qualquer outro modo, 1 receber dela qualquer informação.) «No caso de a letra de câmbio, todavia, ser falsa, a pessoa é em breve encontrada, quando a investigação chegou até ela. Não é permitido a ninguém viajar para fora do seu lugar; pode ser detido às portas da cidade.» (O facto de as nossas aldeias e muitas cidades não terem portas de entrada, nem muito menos as habitações isoladas, não é nenhuma objecção; pelo contrário, daqui deduz-se a necessidade da porta.) «Ele deve determinar o lugar para onde viaja, o que será registado no registo do lugar e no passaporte.» (Resulta daqui o postulado de o escrivão da porta poder distinguir um viajante de qualquer outra pessoa que passe pela porta.) «Ninguém será aceite senão no lugar determinado pelo passap.orte.» «No passaporte encontra-se a verdadeira descrição da pessoa (p. 146), ou, em vez disso, dado que a descrição permanece sempre ambígua, em pessoas importantes que o possam pagar» (no nosso caso, aquelas que podem falsificar a letra de câmbio) «deverá encontrar-se um retrato muito parecido.» «O passaporte está escrito num papel exclusivamente destinados para o efeito, que está nas mãos e sob a vigilância da suprema autoridade e das autoridades subordinadas, que têm de prestar contas do

86

Nesta infinitudc, em direcção à qual tem de prossl'>;Uir, 11 dl•lcrminar e o ser-determinado suprimiram-se a si mesmos. A limitação da liberdade deve ser, ela própria, infinita; nesta ,mtinomia do carácter-limitado ilimitado desapareceu a restrição da liberdade e o estado; a teoria do determinar negou a limitai,:ão, o seu princípio, pelo facto de o alargar ao infinito. Os estados normais são inconsequentes pelo facto de alargarem o direito superior da polícia apenas a poucas possibilidades de ofensa e de, no restante, confiarem os cidadãos a si mesmos, na esperança de que cada um deles não tenha de I ser limitado ss através de um conceito e graças a uma lei, de modo a não modificar a matéria modificável do outro, o que cada um pode realmente fazer, na medida em que, como ser racional, pode pôr-se a si mesmo, segundo a sua liberdade, como determinando o não-Eu, e pode prescrever a si mesmo a faculdade de modificar a matéria em geral. Os estados imperfeitos são imperfeitos pelo facto de terem de fixar um qualquer oposto; são inconsequentes porque não levam a cabo a sua oposição através de todas as referências; mas para tornar infinita a oposição que cinde absolutamente o homem num ser racional e numa matéria modificável, e para que a determinação não tenha fim, esta consequência suprime-se a si mesma, e aquela inconsequência é o que há de mais perfeito em estados imperfeitos.

papel consumido. Este papel não será falsificado, pois para uma falsa letra de câmbio basta apenas um passaporte, para o qual devem ser tomadas tantas disposições e unir tantos artifícios.» (É, portanto, postulado que num estado bem organizado poderia apenas surgir a necessidade de um passe falso, por conseguinte, que fábricas de passes falsos, tal como são por vezes descobertas nos estados vulgares, não encontrariam nenhum comprador. Para a prevenção da imitação do papel privilegiado agiria também uma outra organização do estado, que, de acordo com a p. 152, seria encontrada «para a impedir a moeda falsa».) «Na medida em que o estado tem o monopólio dos metais, etc., não deve entregá-la aos pequenos comerciantes, sem comprovar com quem e para que utilização o anteriormente recebido seria gasto.» Cada cidadão ocupará, tal como entre os militares prussianos um estrangeiro tem apenas um confidente para fiscalizar, não apenas um, mas pelo menos uma meia dúzia de homens para fiscalizar, prestar contas, etc., cada um destes vigilantes terá, por sua vez, outros tantos, e assim até ao infinito; tal como cada um dos mais simples negócios dá origem a uma quantidade infinita de negócios.

87

59

O diwito natural, através da oposição absoluta do impulso puro e do impulso natural, torna-se a exposição do domínio completo do entendimento e da escravidão completa da vida: uma construção na qual a razão não toma qualquer parte e que, por conseguinte, rejeita, porque ela tem de se encontrar, da forma mais expressa, na organização mais perfeita que pode dar a si mesma, a saber, na autoconfiguração sob a forma de um povo. Porém, aquele estado do entendimento não é uma organização, mas sim uma máquina, o povo não é o corpo orgânico de uma vida comum e rica, mas sim uma multiplicidade atomística e pobre de vida, cujos elementos são substâncias absolutamente opostas, às vezes uma quantidade de pontos, os seres racionais, outras vezes matérias modificáveis de diversos modos pela razão, quer dizer, nesta forma, pelo entendimento; a unidade desses elementos é um conceito, a sua ligação é um dominar interminável. Esta absoluta substancialidade dos pontos funda um sistema da atomística da filosofia prática, no qual, tal como na atomística da natureza, um entendimento estranho aos átomos torna-se lei, que no plano prático se chama direito; um conceito da totalidade, que se opõe a cada acção - pois cada uma é uma acção determinada-, a deve determinar, portanto, deve matar o que há de vivo nela, a saber, a verdadeira identidade. Fiat iustitia, pereat mundus, é a lei, mas nem sequer no sentido em que Kant a interpretou 43 : aconteça o direito, mesmo que desapareçam todos os malandros do mundo, mas sim: o direito tem de acontecer, mesmo que, para tal, tivessem de ser exterminados, a ferro e fogo, como se costuma dizer, a confiança, o prazer e o amor, todas as potências de uma autêntica identidade moral. Passamos agora para o sistema da comunidade ética humana. A Doutrina da Ética tem em comum com o direito natural o facto de a ideia dominar absolutamente o impulso, a liberdade, il natureza; mas distinguem-se no facto de o direito natural ter como finalidade o domínio dos seres livres sob o conceito universal, de modo que o abstracto fixado da vontade geral permanece também fora do indivíduo e tem poder sobre ele. Na doutrina da ética, o conceito e a natureza devem ser postos e unificados numa e precisamente a mesma pessoa; no estado, deve dominar apenas o direito, no domínio da moralidade só o dever I deve ter poder, na medida em que é reconhecido como lei pela razão do indivíduo.

88

Ser-se senhor e escravo de si mesmo parece, na verdadt•, Sl'r preferível à situação na qual o homem é o escravo de um estranho. Simplesmente, a relação da liberdade e da natureza, se se deve tomar, na moralidade, um domínio e uma escravidão subjt•ctivas, uma submissão própria da natureza será muito mais antinatural do que a relação no direito natural, no qual o que ordena e tem poder aparece como um outro, situado fora do indivíduo vivo. Nesta relação do direito natural, o vivo tem continuamente uma autonomia fechada em si mesma; o que não se encontra unido nele, ele exclui de si; o que se opõe é um poder estranho. E quando se perde também a crença na unidade do interior com o exterior, pode todavia subsistir a crença na sua concordância íntima, uma identidade sob a forma de carácter; a natureza íntima é fiel a si mesma. Mas quando, na doutrina dos costumes, o que ordena é transferido para o próprio homem e quando nele um ordenante e um subordinado são absolutamente opostos, a harmonia interna é destruída; a desunião e a cisão absoluta constituem a essência do homem. Ele tem de procurar uma unidade, mas, na não-identidade absoluta subjacente, resta-lhe apenas uma unidade formal. A unidade formal do conceito, que deve dominar, e a multiplicidade da natureza, contradizem-se, e o conflito entre ambas não tarda em mostrar um significativo estado de mal. O conceito formal deve dominar; mas ele é um vazio e deve ser preenchido pela referência ao impulso e, assim, surge uma multiplicidade infinita de possibilidades para agir. Mas se a ciência o mantém na sua unidade, ela não realizou nada através de um tal princípio vazio e formal. O Eu deve determinar-se a si mesmo de acordo com a ideia de uma auto-actividade absoluta no sentido de suprimir o mundo objectivo, deve ter causalidade sobre o Eu objectivo, entra, portanto, em relação com ele. O impulso ético torna-se um impulso misturado 44 e, assim, tão múltiplo quanto o impulso objectivo: daqui resulta, então, uma grande multiplicidade de deveres. Tal multiplicidade pode ser grandemente diminuída quando, como Fichte, se permanece na universalidade dos conceitos; mas, então, tem-se apenas, de novo, princípios formais. A oposição de múltiplos deveres toma o nome de colisão e traz consigo uma contradição significativa. Quando os deveres deduzidos são absolutos, não podem colidir; mas colidem necessariamente, porque são opostos; devido à sua idêntica absolutidade, a escolha é possível e, por causa da colisão, neces-

89

60

sária; nada permite decidir senão o arbítrio. Se não dt'Vl'SSl' existir qualquer arbítrio, não deveriam os deveres permanecer no mesmo plano de absolutidade; um deveria, como se tem de dizer, ser mais absoluto do que os outros, o que contradiz o conceito, 1 pois cada dever é, como dever, absoluto. Mas, porque temos de lidar com esta colisão, portanto, abandonar a absolutidade e um dever ter preferência relativamente aos outros, tudo depende agora, para que se possa atingir a autodeterminação, de, através de uma avaliação, estabelecer a primazia de um conceito de dever sobre o outro e, entre os deveres condicionados, escolher segundo o melhor exame. Se o arbítrio e a contingência das inclinações são excluídos na autodeterminação da liberdade pelo conceito supremo, então, a autodeterminação transita, de agora em diante, para a contingência do exame e, com isso, para a inconsciência do móbil de um exame contingente. Se Kant, na sua doutrina dos costumes, acrescenta a cada dever exposto absolutamente perguntas casuísticas, e se não se quer acreditar que ele, com isso, quis mostrar o seu desprezo pela absolutidade do dever exposto, devemos aceitar que ele apontou, antes, para a necessidade de uma casuística no que respeita à doutrina dos costumes, e, com isso, para a necessidade de não confiar no seu próprio exame, que é, na verdade, algo de totalmente contingente. Só que a contingência é o que deve ser suprimido por uma doutrina dos costumes; transformar a contingência das inclinações na contingência do exame não pode satisfazer o impulso ético, que busca a necessidade. Em tais sistemas da doutrina dos costumes e do direito natural, a polaridade fixa e absoluta da liberdade e da necessidade não permite pensar em nenhuma síntese nem em nenhum ponto de indiferença; a transcendentalidade é totalmente perdida no fenómeno e no seu poder, o entendimento; nela, a identidade absoluta não se encontra nem se produz. A oposição permanece também absolutamente fixada, mesmo se embelezada pelo progresso infinito. Ela não se pode verdadeiramente dissolver, nem para o indivíduo, no ponto de indiferença da beleza do espírito e da obra, nem para a comunidade verdadeiramente viva dos indivíduos, numa colectividade. Na verdade, Fichte fala também do sentido estético - quando menciona, entre os deveres dos diferentes estados, os deveres dos artistas estéticos, como de um último complemento da moral como sendo um elo de ligação entre o entendimento e o coração; e porque o artista nem se volta somente para o entendimento, tal

90

n,mo o s,lbio, nem somente para o coração, como o doutrin,lllor popular, mas sim para a totalidade do espírito na unificação di:lS suas faculdades 45, prescreve ao artista estético e à formação estética uma relação altamente eficaz no incremento dos fins da razão 46. Acima de tudo, o facto de não se compreender corno na ciência que se baseia numa oposição absoluta, tal corno este sistema da doutrina dos costumes, se pode falar de um elo de unificação I entre o entendimento e o coração, da totalidade do espírito - pois a determinação absoluta da natureza por meio de um conceito significa o domínio absoluto do coração pelo entendimento, condicionado pela unificação suprimida -, mostra-o já o lugar perfeitamente subalterno que ocupa a formação estética, quão pouco em geral se conta com ela para o acabamento do sistema. Indicou-se, aí, que a arte deve ter uma relação altamente eficaz com o incremento dos fins da razão, na medida em que prepara o solo para a moralidade, de tal modo que, quando a moralidade surge, encontra já metade do trabalho realizado, nomeadamente, a libertação dos laços da sensibilidade. É espantoso como Fichte se exprime de forma excelente acerca da beleza, mas inconsequentemente em relação ao seu sistema, e, por isso, não faz em geral nenhuma aplicação dela relativamente a este, e, imediatamente, em relação à representação da lei dos costumes, uma falsa aplicação. A arte, exprime-se Fichte, transforma o ponto de vista trans-

cendental em ponto de vista comum, na medida em que, para àquele, o mundo é feito, para este, é dado; mas, do ponto de vista estético, é dado tal como é feito. Através da faculdade estética, há urna verdadeira unificação do produzir da inteligência e do produto que aparece a ela como dado, do Eu que se reconhece como ilimitado e ao mesmo tempo como pondo a limitação, ou melhor, uma unificação da inteligência e da natureza, a qual, justamente em prol desta unificação possível, é ainda algo mais do que um produto da inteligência. O reconhecimento da unificação estética do produzir e do produto é algo de completamente diferente da posição do dever absoluto e do esforço, e do progresso infinito, conceitos que, na medida em que se reconhece aquela suprema unificação, se anunciam como antíteses, ou apenas como sínteses de esferas mais subalternas e, com isso, carenciadas de algo superior. O ponto de vista estético é, além disso, descrito desta forma: o mundo dado, a natureza, tem dois lados; ela é o produto da nossa limitação e o produto do nosso agir livre e ideal; cada figu-

91

61

ra no cspaço deve ser vista como exteriorização da íntima plenitude e da força do corpo que tem tal figura. Quem segue apenas o primeiro ponto de vista, vê apenas formas desfiguradas, comprimidas, angustiadas; vê apenas a fealdade. Quem segue o último, vê a plenitude poderosa da natureza, a vida e a ascensão; vê a beleza 47• O agir da inteligência no direito natural produzira a natureza apenas como matéria modificável; não era, portanto, um agir livre e ideal, um agir da razão, mas sim do entendimento. O ponto de vista estético da natureza é agora aplicado também às leis morais e, certamente, à natureza não seria permitido, antes das leis morais, ter a primazia da capacidade de um ponto de vista belo. A lei moral comanda absolutamente e subjuga todas as inclinações 62

naturais. Quem a vê deste modo, comporta-se diante dela como um escravo. Mas, todavia, a lei moral I é, ao mesmo tempo, o próprio Eu, ela surge da profundidade íntima da nossa própria essência; e, quando lhe obedecemos, obedecemos todavia apenas a nós mesmos. Quem a vê deste modo, vê-a esteticamente 48. Que nós obedecemos a nós mesmos significa que a nossa inclinação natural obedece à nossa lei moral; mas na intuição estética da natureza, vista como exteriorização da íntima plenitude e força dos corpos, não surge uma tal separação do obedecer, tal como na eticidade, de acordo com este sistema, intuímos no obedecer a si mesmo a inclinação natural limitada pela razão vizinha, o impulso submetido ao conceito. Este ponto de vista necessário sobre a eticidade, em vez de ser estético, deve ser justamente aquele que mostra a forma desfigurada, angustiada e comprimida, a saber, a fealdade. Se a lei moral incrementa apenas a autonomia como um determinar de acordo com e através de conceitos; e se a natureza apenas pode justificar-se por meio de uma limitação da liberdade de acordo com o conceito de liberdade de muitos seres racionais; e se estes dois modos comprimidos constituem o meio supremo pelo qual o homem se constitui como homem; então, não se pode encontrar lugar para o sentido estético, tomado no seu âmbito mais largo - a saber, como auto-configuração completa da totalidade na unificação da liberdade e da necessidade, da consciência e do sem consciência-, nem na medida em que se expõe no puro gozo ilimitado de si mesmo, nem no seu aparecimento limitado, na jurisdição civil e na moralidade. Pois, no sentido estético, todo o determinar por conceitos está de tal modo suprimido que, para ele, esta essência ao modo do entendimento, que consiste em dominar e determinar, quando é encontrada, é feia e odiosa.

92

COMPARAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA FILOSOFIA DE SCHELLING E O DE FICHTE

Como carácter fundamental do princípio de Fichte mostrou-se que o sujeito = objecto sai desta identidade e não pode mais regressar a ela, pois o que-estabelece-a-diferença 49 foi transferido para a relação de causalidade. O princípio de identidade não se toma princípio do sistema; mal o sistema se começa a configurar, a identidade é abandonada. O próprio sistema é uma quantidade consequente de finitudes que relevam do entendimento, que não consegue captar a identidade originária I no foco da totalidade, como auto-intuição absoluta. O sujeito = objecto torna-se, por isso, subjectivo, e não é capaz de suprimir esta subjectividade e pôr-se objectivamente a si mesmo. O princípio de identidade é o princípio absoluto da totalidade do sistema schellinguiano; filosofia e sistema coincidem; a identidade não se perde nas partes, muito menos ainda nos resultados. Para que a identidade absoluta seja o princípio de todo um sistema é necessário que o sujeito e o objecto sejam ambos postos como sujeito-objecto. No sistema de Fichte, a identidade constituiu-se apenas como sujeito-objecto subjectivo. Isto necessitou, como complemento, de um sujeito-objecto objectivo, de modo que o absoluto se expõe em cada um dos dois, apenas se sente completo nos dois como síntese suprema na negação de ambos, na medida em que são opostos, engloba os dois em si como o seu ponto absoluto de indiferença, engendra-os a ambos e engendra-se a partir de ambos.

93

62

63

64

Quando a supressão da cisão é posta como tarda formal da filosofia, a razão pode procurar a solução da tarefa do seguinte modo: aniquila um dos opostos e eleva o outro ao infinito. Foi isto o que, de facto, aconteceu no sistema de Fichte; mas, deste modo, a oposição permanece, pois aquele que é posto como absoluto é condicionado pelo outro e, tal como ele permanece, também o outro permanece. Para suprimir a cisão, ambos os opostos, o sujeito e o objecto, teriam de ser suprimidos; eles são suprimidos como sujeito e objecto na medida em que são postos como idênticos. Na identidade absoluta, o sujeito e o objecto estão relacionados um com o outro e, com isso, são aniquilados; nesta medida, nada está presente para a reflexão e para o saber. O filosofar que não pode atingir um sistema vai apenas até aí; ele satisfaz-se com o lado negativo, que submerge todo o finito no infinito; poderia perfeitamente surgir também como saber, e é uma contingência subjectiva se o facto de a necessidade de um sistema está ou não ligado a ele. Mas se este mesmo lado negativo é o princípio, tal filosofar não pode alcançar o saber, pois cada saber parcial pertence, imediatamente, à esfera da finitude. O entusiasmo agarra-se a esta intuição da luz sem cor; encontra-se nele uma multiplicidade apenas na medida em que combate o múltiplo. Ao entusiasmo falta a consciência de si mesmo de que a sua contracção está condicionada por uma expansão; ele é unilateral, pois ele próprio se fixa num oposto e transforma a identidade absoluta num oposto. Na identidade absoluta, o sujeito e o objecto são suprimidos; mas, porque eles se encontram na identidade absoluta, subsistem ao mesmo tempo, e é esta mesma subsistência que toma possível o saber, pois no saber é, em parte, posta a separação entre ambos. A actividade separadora é o reflectir; na medida em que é considerada por si mesma, ela suprime a identidade e o I absoluto, e cada conhecimento seria pura e simplesmente um erro, porque nele existe uma separação. Este aspecto, pelo qual o conhecer é um separar e o seu produto é algo de finito, toma cada sabei: um saber limitado e, com isso, uma falsidade; mas, na medida em que cada saber é, ao mesmo tempo, uma identidade, não existe nenhum erro absoluto. Assim como se faz valer a identidade, assim também se deve fazer valer a separação. Na medida em que a identidade e a separação são opostas uma à outra, são ambas absolutas; e se a identidade deve ser fixada pelo facto de a cisão ser aniquilada, elas permanecem opostas entre si. A filosofia deve conceder o seu direito à sepa-

94

rnção entre sujeito e objecto; mas, na medida cm l]lll' os pút· igualmente de forma absoluta com a identidade oposta à separnç,hl, pô-los apenas de forma condicionada, tal corno uma tal identidade - que é condicionada pela aniquilação dos opostos - é também apenas relativa. Mas o próprio absoluto é, por isso, a identidade da identidade e da não-identidade; o opor e o ser-um coexistem nele. Na medida em que a filosofia separa, não pode pôr os separados sem os pôr no absoluto; pois, de outro modo, eles são puramente opostos, que não têm nenhuma outra característica senão a de um não ser enquanto o outro é. Esta referência ao absoluto não é, de novo, a supressão de ambos, pois assim não seriam separados; pelo contrário, devem permanecer corno separados e não perder este carácter, na medida em que são postos no absoluto e o absoluto é posto neles. E, de facto, ambos têm de ser postos no absoluto: que direito teria um relativamente ao outro? Em ambos encontra-se, não apenas o mesmo direito, mas também a mesma necessidade; pois se apenas um estivesse relacionado com o absoluto e o outro não, a essência de ambos seria posta de forma diferente e a sua unificação - portanto, a tarefa da filosofia que consiste em suprimir a cisão - seria impossível. Fichte pôs apenas um dos opostos no absoluto ou corno o absoluto; o direito e a necessidade reside, para ele, na consciência-de-si, pois apenas esta é um pôr-se-a-si-mesmo, um sujeito = objecto, e esta consciência-de-si não é inicialmente relacionada com o absoluto corno algo de mais elevado, mas é ela própria o absoluto, a identidade absoluta. O seu direito mais elevado em ser posta corno o absoluto consiste precisamente no facto de ela se pôr a si mesma e o objecto não, o qual é simplesmente posto por meio da consciência. Mas, que esta posição do objecto é apenas contingente mostra-se a partir da contingência do sujeito-objecto, na medida em que este é posto corno consciência-de-si; pois este sujeito-objecto é ele próprio um condicionado. O seu ponto de vista não é, por conseguinte, o supremo; ele é a razão posta numa forma limitada, e só a partir do ponto de vista desta forma limitada o objecto aparece corno algo que não se I determina a si mesmo, corno algo de absolutamente determinado. Por isso, ambas as formas têm de ser postas no absoluto ou o absoluto em ambas as formas e, ao mesmo tempo, ambas permanecer separadas; com isto, o sujeito é sujeito-objecto subjectivo, e o objecto é sujeito-objecto objectivo. E de agora em diante, urna vez

95

65

posta uma dualidadl', cada um dos opostos é l'm si ml'smo um oposto e a divisão prossegue até ao infinito; cada parte do sujeito e cada parte do objecto é, ela própria, no absoluto, uma identidade do sujeito e do objecto: cada conhecimento é uma verdade, tal como cada grão de poeira é uma organização. Só na medida em que o próprio objecto é um sujeito-objecto é que o Eu = Eu é o absoluto. Então, para que o Eu = Eu não se transforme em Eu deve ser igual a Eu, o Eu objectivo deve ser, ele próprio, sujeito = objecto. Na medida em que tanto o sujeito como o objecto são um sujeito-objecto, a oposição do sujeito e do objecto é uma oposição real; pois ambos são postos no absoluto e têm através dele realidade. A realidade dos opostos e a oposição real encontra-se apenas por meio da identidade de ambos*. Se o objecto é um objecto absoluto, é um objecto meramente ideal, tal como a oposição é meramente ideal. Pelo facto de o objecto ser algo de meramente ideal e não se encontrar no absoluto, o sujeito toma-se também algo de meramente ideal 50, e tais factores ideais são o Eu como pôr-se-a-si-mesmo e o não-Eu como oposto a si. De nada ajuda o facto de o Eu ser vida e agilidade puras, de ele próprio ser fazer e agir, o mais real de tudo, o mais imediato na consciência de cada um; mal ele é oposto absolutamente ao objecto, deixa de ser algo de real, mas apenas algo de pensado, um puro produto da reflexão, uma mera forma do conhecer. E a partir de meros produtos da reflexão não se pode construir a identidade como totalidade, pois eles surgem por abstracção da identidade absoluta que, em relação a eles, imediatamente, só se pode comportar como aniquiladora, não como construtora. Tais produtos da reflexão são, precisamente, infinitude e finitude, indeterminidade e determinidade, etc. Do infinito não há nenhuma

,. Platão exprime do seguinte modo a oposição real, por meio da identidade absoluta: «O elo verdadeiro é belo é aquele que se transforma a si .e ao ligado num só. Pois, quando de quaisquer três números, medidas ou forças, o primeiro está para o do meio tal como o do meio está para o último, e vice-versa, o último está para o do meio tal como o do meio para o primeiro - e, de seguida, o do meio tornou-se o primeiro e o último, e o primeiro e o último tornaram-se o do meio e vice-versa-, então, eles tornam-se necessariamente no mesmo; mas, os que estão uns diante dos outros, são todos um só.» (Timeu, 31 c-32 a.)

96

passagem para o finito, do indeterminado não há 1wnhunM p,1ssagem para o determinado. A passagem, tal como a sínll'Sl', torna-se uma antinomia; a reflexão, a separação absoluta (e é ela que aqui dá a lei) não pode fazer surgir uma síntese do finito e do infinito, do determinado e do indeterminado; 1 ela tem apenas o direito de fazer valer uma unidade formal, na medida em que a cisão entre infinito e finito, que é obra sua, foi admitida e ,1ceite; mas a razão sintetiza-a na antinomia e, assim, aniquila-a. Se uma oposição ideal é obra da reflexão, que abstrai totalmente da identidade absoluta, uma oposição real é, pelo contrário, obra da razão, que põe os opostos, identidade e não-identidade, como idênticos, não meramente na forma do conhecimento, mas também na forma do ser. E é somente na forma de uma tal oposição real que o sujeito e o objecto são ambos postos como sujeito-objecto, subsistindo ambos no absoluto, estando em ambos o absoluto, portanto, havendo em ambos realidade. Por isso, também somente na oposição real o princípio de identidade é um princípio real; se a oposição for ideal e absoluta, a identidade permanece um princípio meramente formal, ela é apenas posta numa das formas opostas e não se pode fazer valer como sujeito-objecto. A filosofia cujo princípio é formal toma-se, ela própria, numa filosofia formal, tal como Fichte diz também algures que, para a consciência-de-si de Deus - uma consciência na qual pelo ser-posto do Eu tudo seria posto -, o seu sistema teria apenas uma correcção formal 51 • Quando, pelo contrário, a matéria, o objecto, é ela própria um sujeito-objecto, a separação entre a forma e a matéria pode ser posta de lado, e o sistema, tal como o seu princípio, não é mais meramente formal, mas, ao mesmo tempo, material e formal; tudo é posto por meio da razão absoluta 52 • Só na oposição real o absoluto pode pôr-se na forma do sujeito ou do objecto, o sujeito transitar para o objecto ou o objecto para o sujeito, segundo a essência: o sujeito tomar-se a si mesmo objectivo, porque ele é originariamente objectivo, ou porque o objecto é ele próprio sujeito-objecto, ou o objecto tornar-se subjectivo, porque é originariamente sujeito-objecto. Somente no facto de ambos serem sujeito-objeéto consiste a verdadeira identidade e, ao mesmo tempo, a verdadeira oposição, de que ambos são capazes. Se ambos não forem sujeito-objecto, a oposição é ideal e o princípio de identidade é formal. Com uma identidade formal e uma oposição ideal não é possível nenhuma outra síntese senão uma síntese incompleta, quer dizer, a iden-

97

66

tidadl', na nll'dida l'm qm• sintl'tiza os opostos, é ,lpl'nas um é qualitativa, à maneira das categorias,

quantum, e a diferença

67

nas quais a primeira, por exemplo, a de realidade, é posta apenas quantitativamente na terceira, tal como a segunda. Mas, ao invés, quando a oposição é real, ela é apenas quantitativa 53; o princípio é ao mesmo tempo ideal e real, ele é a única qualidade, e o absoluto, que se reconstrói a si mesmo a partir da diferença quantitativa, não é um quantum, mas sim uma totalidade. 1 Para pôr a verdadeira identidade do sujeito e do objecto, ambos serão postos como sujeito-objecto; e cada um por si é, de agora em diante, capaz de ser objecto de uma ciência particular. Cada uma destas ciências exige uma abstracção relativamente ao princípio da outra 54 • No sistema da inteligência, os objectos não existem em si, a natureza tem apenas uma subsistência na consciência; abstrair-se-á do facto de o objecto ser uma natureza e de que a inteligência como consciência está condicionada por isso. No sistema da natureza esquecer-se-á que a natureza é algo de sabido; as determinações ideais que a natureza recebe na ciência são-lhe, ao mesmo tempo, imanentes. Mas a abstracção recíproca não é uma unilateralidade das ciências, não é uma abstracção subjectiva dos princípios reais da outra, que seria feita em prol do saber e que desapareceria num ponto de vista superior, na medida em que, considerados em si mesmos, os objectos da consciência que, para o idealismo, não são senão produtos da consciência, seriam todavia algo de absolutamente diferente e teriam uma subsistência absoluta fora da essência da consciência; e a natureza, pelo contrário, que na sua ciência se toma determinante de si mesma e posta em si mesma de forma ideal, seria, considerada em si mesma, apenas objecto, e toda a identidade que a razão nela reconhece seria apenas uma forma que lhe é emprestada pelo saber. Não se abstrairá do princípio interno, mas apenas da forma peculiar da outra ciência, para conservar cada uma de forma pura, quer dizer, a íntima identidade de ambas; e a abstracção do que é peculiar na outra é uma abstracção da unilateralidade. A natureza e a (onsciência-de-si são, em si, tal c~mo foram postas pela especulação na ciência própria de cada uma; são, por isso, dessa forma em si mesmas porque é a razão que as põe, e a razão põe-nas como sujeito-objecto, portanto, como o absoluto, e o único em-si é o absoluto. Ela põe-nas como sujeito-objecto pois é ela que, como natureza e como inteligência, as produz e se conhece a si mesma nelas.

98

Em prol da verdadeira identidade, na qual o sujl•ito l' o ohjl•cto são postos, nomeadamente, na medida em que ambos si"\o sujcito-objecto, e porque a sua oposição é, por isso, real, e portanto um é capaz de transitar para o outro, o ponto de vista diferente de cada ciência não contradiz o da outra. Se o sujeito l' o objecto fossem absolutamente opostos e apenas um fosse sujeito-objecto, as duas ciências não poderiam permanecer uma ao lado da outra com igual dignidade; só um dos pontos de vista seria o da razão. As duas ciências são apenas possíveis na medida em que uma e a mesma coisa é, em ambas, construída na forma necessária da sua existência. As duas ciências parecem contradizer-se porque em cada uma delas o absoluto é posto numa forma oposta. Mas a sua contradição não se suprime pelo facto de apenas uma delas ser afirmada como a única ciência I e aniquilar a outra a partir do seu ponto de vista; o ponto de vista mais elevado, que em verdade suprime a unilateralidade de ambas as ciências, é aquele que reconhece nas duas precisamente o mesmo absoluto. A ciência do sujeito-objecto subjectivo chamou-se, até ao momento, filosofia transcendental; a do sujeito-objecto objectivo, chamou-se filosofia da natureza. Na medida em que ambas se opõem, o subjectivo é primeiro naquela, e o objectivo é primeiro nesta. Em ambas, o subjectivo e o objectivo são postos numa relação de substancialidade; na filosofia transcendental, o sujeito, como inteligência, é a substância absoluta, e a natureza é o objecto, um acidente; na filosofia da natureza, a natureza é a substância absoluta, e o sujeito, a inteligência, apenas um acidente. O ponto de vista mais elevado não é, então, nem aquele no qual uma ou outra ciência é suprimida e, ou apenas o sujeito, ou apenas o objecto, é afirmado como absoluto, nem também aquele no qual ambas as ciências são confundidas. No que diz respeito à confusão, confundir aquilo que pertence à ciência da natureza com o que pertence ao sistema da inteligência dá as hipóteses transcendentes, que podem ofuscar por meio de uma falsa aparência de unificação do consciente e do sem consciência; ao invés, o elemento inteligente enquanto tal, misturado na doutrina da natureza, dá o hiperfísico, em particular as explicações teleológicas. Ambos os erros da confusão partem da tendência para explicar, a favor da qual a inteligência e a natureza são postas em relação de causalidade, uma como fundamento, a outra como fundada, relação pela qual apenas a oposição é fixada como absoluta; por meio da aparência de uma

99

68

69

tal idl'ntidade formal, como é a idl•ntidadc causal, o caminho para a absoluta unificação é totalmente cortado. O outro ponto de vista, pelo qual o contraditório em ambas as ciências deve ser suprimido, seria aquele que não deixasse uma ou outra ciência valer como ciência do absoluto. O dualismo pode perfeitamente seguir-se da ciência da inteligência, deixando ainda as coisas valerem como essências próprias; a favor disto, pode ainda apropriar-se da ciência da natureza como um tal sistema da essência própria das coisas; cada ciência valeria para ele aquilo que quiser; elas têm pacificamente lugar uma ao lado da outra. Mas, com isso, não se repararia que a essência de ambas as ciências é serem ciências do absoluto, pois o absoluto não é uma coisa ao lado da outra. Há ainda um outro ponto de vista, segundo o qual nem uma nem a outra ciência valeriam como uma ciência do absoluto, nomeadamente, aquele I segundo o qual o princípio de uma delas, posto no absoluto, ou o absoluto posto no aparecimento deste princípio, seria suprimido. Nesta perspectiva, o ponto de vista mais espantoso é o do habitualmente chamado idealismo transcendental; afirmou-se que esta ciência do sujeito-objecto subjectivo é, ela própria, uma das ciências integrantes da filosofia, mas uma delas apenas. Mostrou-se a unilateralidade desta ciência, quando se afirmou a si mesma como cieência 1ea't· tçox;11v, e a figura que tem a natureza a partir dela. Aqui falta ainda considerar a forma que recebe a ciência da natureza, quando é erigida a partir deste ponto de vista. Kant reconhece uma natureza na medida em que põe o objecto como um indeterminado (por meio do entendimento), e apresenta a natureza como um sujeito-objecto na medida em que considera o produto da natureza como um fim da natureza, finalizado sem conceito de fim, necessário sem mecanismo, identicamente conceito e ser. Mas, ao mesmo tempo, esta visão da natureza deve valer apenas teleologicamente, quer dizer, apenas como máxima do nosso entendimento humano limitado e pensando discursivamente, em cujos- conceitos universais não estão qmtidos os fenómenos particulares da natureza; por meio deste modo humano de considerar, nada deve ser expresso acerca da realidade da natureza; o modo de considerar permanece, portanto, inteiramente subjectivo e a natureza como algo de puramente objectivo, um mero pensado. A síntese da natureza determinada pelo entendimento e, ao mesmo tempo, indeterminada,

100

num tal entendimento sensível, deve, na verdade, permam•n•r uma mera ideia; para nós homens deve, na verdade, ser impossível que a explicação por meio do mecanismo concorde com a conformidade a fins. Estes pontos de vista críticos, altamente subordinados e irracionais, elevam-se todavia, mesmo quando opõem simplesmente uma à outra a razão humana e a razão absoluta, à ideia de um entendimento sensível, quer dizer, à razão; não deve portanto em si, quer dizer, na razão, ser impossível que o mecanismo natural e a conformidade natural a um fim concordem. Mas Kant não abandonou a diferença entre um em si possível e um real, nem elevou à realidade a ideia suprema necessária de um entendimento sensível, e por isso, para ele, na sua ciência da natureza, por um lado, é impossível em geral a intelecção da possibilidade das forças fundamentais, por outro, uma tal ciência da natureza, para a qual a natureza é a matéria, quer dizer, algo de absolutamente oposto, mas não determinante de si mesmo, pode construir apenas uma mecânica. Com a pobreza das forças de atracção e de repulsão 55 , tal ciência tomou já a matéria demasiado rica; pois a força é um interior que produz um exterior, é um pôr-se-a-si-mesmo = Eu, e, de um ponto de vista puramente idealista, tal coisa não pode caber à matéria. Kant concebe a matéria meramente como o I objectivo, como o oposto ao Eu; para ele, aquelas forças são, não apenas supérfluas, mas também, ou meramente ideais - e então não são forças-, ou transcendentes. Não há, para ele, nenhuma construção dinâmica dos fenómenos, mas apenas matemática 56 . A efectivação dos fenómenos, que têm de ser dados, por meio das categorias, pode certamente fornecer muitos conceitos correctos, mas nenhuma necessidade para os fenómenos, e a cadeia da necessidade é o elemento formal da científicidade da construção. Os conceitos permanecem algo de ocasional para a natureza, tal como a natureza permanece algo de ocasional para os conceitos. As sínteses correctamente construídas por meio das categorias não teriam, por isso, necessariamente a sua comprovação na própria natureza; a natureza pode apenas oferecer jogos múltiplos, que poderiam valer como esquemas contingentes para as leis do entendimento: ou seja, como exemplos, cujo aspecto peculiar e vivo seria justamente afastado na medida em que apenas as determinações da reflexão fossem neles reconhecidas. Ao invés, as categorias são apenas esquemas indigentes da natureza 57_

101

70

71

Se a natureza for apenas mat(,ria e não suj(•ito-objccto, não é possível nenhuma tal construção científica da mesma, construção essa para a qual o que conhece e o conhecido devem ser um só. Uma razão que se transformou a si mesma em reflexão por uma oposição absoluta ao objecto, apenas por meio da dedução pode, a priori, dizer mais da natureza do que o seu carácter geral de matéria; esta permanece como subjacente, as múltiplas determinações posteriores são postas para e por meio da reflexão. Por isso, uma tal dedução tem a aparência de um apriorismo na medida em que põe os produtos da reflexão, a saber, os conceitos, como algo de objectivo; porque não põe mais nada, permanece certamente imanente. De acordo com a sua essência, uma tal dedução identifica-se com aquele ponto de vista que reconhece na natureza apenas uma conformidade a fins externa. A diferença é apenas que aquela dedução parte mais sistematicamente de um ponto determinado, por exemplo, a vida dos seres racionais; em ambas, a natureza é absolutamente determinada por algo que lhe é estranho, a saber, pelo conceito. O ponto de vista teleológico, que reconhece a natureza apenas como determinada por fins externos, tem, do ponto de vista da completude, um privilégio, na medida em que toma a multiplicidade da natureza tal como ela é dada empiricamente. Ao invés, a dedução da natureza, que parte de um ponto determinado e que, por causa da incompletude deste, postula ainda mais qualquer coisa - é nisto que consiste a dedução-, está imediatamente satisfeita com o que foi postulado, que deve imediatamente realizar tudo o que o conceito exige. Se um objecto real da natureza pode sozinho realizar o exigido, isso pouco lhe importa, e só o pode encontrar por meio da experiência; se o objecto imediatamente postulado não se encontrar na natureza, será deduzido um outro, e assim por diante, até que o fim se encontre preenchido. A ordenação destes objectos deduzidos depende dos fins determinados dos quais se partiu; e só na medida em que eles se re!acionam por consideração a I este fim é que têm uma conexão entre si. Mas, propriamente, ele~ não são capazes de nenhuma conexão interna; pois se o objecto que devia ser imediatamente deduzido se mostrar, na experiência, como insuficiente para o conceito que deve ser preenchido, por meio deste único objecto, porque ele é exteriormente determinável de modo infinito, realizou-se a dispersão na infinitude: uma dispersão que efectivamente só seria evitada pelo facto de a dedução traçar com os

102

múltiplos pontos um círculo, em cujo íntimo ponto mt•llio, porém, ela não é capaz de se colocar, pois, desde o início, é algo de exterior. Para o conceito, o objecto é um exterior, para o objl•cto, o conceito é um exterior. Nenhuma das duas ciências se pode, portanto, constituir como a única, nenhuma pode suprimir a outra. O absoluto seria, desse modo, posto apenas numa forma da sua existência, e ao pôr-se na forma da existência tem de se pôr numa dualidade da forma, pois o aparecer e o cindir-se são um só. Por causa da identidade interna de ambas as ciências - pois ambas expõem o absoluto, tal como ele se engendra a partir das potências inferiores de uma forma da manifestação, até à totalidade dessa forma -, cada uma das ciências, de acordo com a sua conexão e a sua progressão, é igual à outra. Uma é um complemento da outra. Tal como um antigo filósofo disse, aproximadamente: a ordem e a conexão das ideias (do subjectivo) é amesma que a conexão e a ordem das coisas (do objectivo) 58 • Tudo existe apenas numa totalidade; a totalidade objectiva e a totalidade subjectiva, o sistema da natureza e o sistema da inteligência, são um e o mesmo; a uma determinidade subjectiva corresponde precisamente a mesma determinidade objectiva. Como ciências, elas são totalidades objectivas, e progridem de limitado a limitado. Mas cada limitado está, ele próprio, no absoluto, é, portanto, interiormente, um ilimitado; ele perde a sua limitação externa porque é posto em conexão sistemática na totalidade objectiva; nesta, como limitado, tem também uma verdade, e a determinação do seu lugar é o saber acerca dele. À expressão de Jacobi de que os sistemas são um não-saber organizado 59, deve apenas acrescentar-se que o não-saber - o conhecer do singular -, pelo facto de ser organizado, se toma um saber. Para lá da igualdade externa, que caracteriza estas ciências na medida em que permanecem separadas, os seus princípios penetram-se reciprocamente, imediatamente, de forma necessária. Se o princípio de uma é o sujeito-objecto subjectivo e o da outra é o sujeito-objecto objectivo, no sistema da subjectividade existe de facto, ao mesmo tempo, o objectivo, e no sistema da objectividade existe, ao mesmo tempo, o subjectivo: a natureza é tanto uma idealidade imanente, quanto a inteligência uma realidade imanente. Os dois pólos do conhecer e do ser I encontram-se em cada uma delas, portanto, ambas têm também em si o sl'US

103

72

ponto dl• indiferença; só qm• num dos sisll•1füts o púlo do ideal é predominante, noutro é o do real. Na natureza, o primeiro não

chega ao ponto da abstracção absoluta, que se põe a si mesmo como ponto contra a expansão infinita, como acontece quando o ideal se constrói a si mesmo na razão; o segundo, não chega, na inteligência, até ao desenvolvimento do infinito, que, nesta contracção, se põe infinitamente fora de si, como acontece quando o real se constrói a si mesmo na matéria. Cada sistema é ao mesmo tempo um sistema da liberdade e da necessidade. Liberdade e necessidade são factores ideais e, portanto, não estão em oposição real; por isso, o absoluto não se pode pôr em nenhuma destas formas como absoluto, e as ciências da filosofia não podem ser, uma um sistema da liberdade, a outra um sistema da necessidade. Uma tal liberdade separada seria uma liberdade formal, tal como uma necessidade separada seria uma necessidade formal. A liberdade é um carácter do absoluto quando ele é posto como um interior que, na medida em que se põe a si mesmo numa forma limitada, em pontos determinados da totalidade objectiva, permanece aquilo que é, um não limitado; quando, por conseguinte, é considerado em oposição ao seu ser, quer dizer, como um interior, portanto, com a possibilidade de o abandonar e transitar para uma outra manifestação. A necessidade é o carácter do absoluto na medida em que ele é considerado como um exterior, como uma totalidade objectiva, portanto, como uma contiguidade a cujas partes, porém, não cabe nenhum ser senão no todo da objectividade. Porque a inteligência e a natureza, pelo facto de serem postas no absoluto, têm uma oposição real, cabem a cada uma delas os factores ideais da liberdade e da necessidade. Mas a aparência de liberdade, o arbítrio, quer dizer, uma liberdade ri.a qual se abstrairia totalmente da necessidade, ou da liberdade como uma totalidade, que só pode acontecer na medida em que a liberdade é já posta no interior de uma esfera singular; tal como a aparência de arbítrio, correspondente ao acaso no plano da necessidade, com o qual são postas partes §ingulares, como se não existisse_m na totalidade objectiva e apenas através dela, mas sim para si mesmas; este arbítrio e contingência, que só têm lugar de um ponto de vista muito subordinado, são banidos do conceito da ciência do absoluto. Ao invés, a necessidade pertence à inteligência, tal como à natureza. Pois, pelo facto de a inteligência estar posta no absoluto, cabe-lhe também, igualmente, a forma do ser;

104

l'la deve cindir-se de si mesma e manifestar-se; ela é uma org,1nização completa de conhecimento e intuição. Cada uma das suas figuras é condicionada por uma figura oposta e quando a identidade abstracta da figura como liberdade é isolada das próprias figuras, é apenas um pólo ideal do ponto de indiferença da inteligência, a que corresponde uma totalidade objectiva como o 1 outro pólo imanente. A natureza, ao invés, tem liberdade, pois ela não é um ser em repouso, mas, ao mesmo tempo, um devir: é um ser que não é cindido e sintetizado do exterior, mas que se separa e que se une em si mesmo e que em nenhuma das suas figuras se põe a si mesmo corno meramente limitado, mas sim livremente corno o todo. O seu desenvolvimento sem consciência é urna reflexão da força viva que se cinde sem fim, mas que em cada figura limitada se põe a si mesma e permanece idêntica; e, nessa medida, nenhuma figura da natureza é limitada, mas sim livre. Portanto, se a ciência da natureza em geral é a parte teórica da filosofia, e a ciência da inteligência a parte prática, cada urna delas tem ao mesmo tempo para si uma parte teórica e uma parte prática próprias. Tal como no sistema da natureza a identidade existente na potência da luz, não em si, mas como potência, não é nada de estranho à matéria pesada, urna vez que a cinde e a une para lhe dar coesão e produz um sistema da natureza inorgânica, também para a inteligência que se produz a si mesma nas intuições objectivas, a identidade, na potência do pôr-se-a-si-mesmo, não é algo de presente: a identidade não se reconhece a si mesma na intuição; ambos, o pôr-se-a-si-mesmo e a intuição, são um produzir da identidade que não reflecte no seu agir, portanto, objecto de uma parte teórica. Precisamente como, ao invés, a inteligência se conhece a si mesma na vontade e se introduz como tal na objectividade, e aniquila as suas intuições produzidas sem consciência, assim a natureza se toma prática na natureza orgânica, na medida em que a luz irrompe nos seus produtos e se toma interior. Se a luz põe, na natureza inorgânica, o ponto de contracção no exterior, na cristalização, corno urna idealidade exterior, igualmente se configura na natureza orgânica corno interior, como contracção do cérebro; isto acontece já na planta como flor, na qual o princípio interior da luz se dispersa em cores e nelas rapidamente esmorece; mas nelas, tal como mais fixamente nos animais, põe-se a si mesma ao mesmo tempo subjectiva e objectivarnente na polaridade dos sexos; o indivíduo

105

73

74

procura-se e encontra-se a si mesmo num outro. No animal, a luz permanece mais intensamente no interior, no qual coloca a sua individualidade como voz mais ou menos mutável, como individualidade subjectiva em comunicação universal, como reconhecendo-se e querendo ser reconhecida. Na medida em que a ciência da natureza expõe a identidade, tal como reconstrói a partir do interior os momentos da natureza inorgânica, tem em si uma parte prática. O magnetismo prático, reconstruído, é a supressão do peso expandindo-se em pólos para o exterior, contraindo-o de novo no ponto de indiferença do cérebro, e transpondo-o dos dois pólos para o interior como dois pontos de indiferença, tal como a natureza o mostra também na órbita elíptica dos planetas; a electricidade reconstruída a partir do interior põe a diferença sexual nos organismos, cada um dos quais 1 a produz por si mesmo; como resultado da sua carência, põe-se idealmente a si mesmo, encontra-se a si mesmo objectivamente num outro e tem de conferir identidade a si mesmo, fundindo-se nele. A natureza, na medida em que se toma prática por meio do processo químico, põe nele mesmo, como um interior, um terceiro elemento que medeia os diferentes, interior esse que, como tom, é uma sonoridade interior que se produz a si mesma; tal como o terceiro corpo do processo inorgânico, este interior é sem-potência e desvanece-se, dissolve a substancialidade absoluta das essências diferentes e trá-las à indiferença do reconhecimento mútuo, de um pôr ideal, que, ao contrário da relação sexual, não morre de novo numa identidade real 60• Até agora, opusemos uma à outra ambas as ciências pela sua identidade interna; numa, o absoluto é um elemento subjectivo na forma do conhecer, na outra, um elemento objectivo na forma do ser 61 • O ser e o conhecer tomam-se factores ou formas ideais, pelo facto de serem opostos um ao outro; ambos se encontram ·nas duas ciências, mas numa o conhecer é a matéria e o ser a forma, na outra o ser é a matéria e o conhecer a forma. Ora o absoluto é o mesmo em ambas,.e as ciências não expõem meramente os opostos como formas; mas, na medida em que o sujeito.:Objecto se põe a si mesmo nelas, essas mesmas ciências não se encontram numa oposição ideal, mas sim real e, por isso, devem ser consideradas ao mesmo tempo numa continuidade, como uma ciência coerente. Na medida em que são ciências opostas, encontram-se, na verdade, interiormente fechadas em si e formam totalidades, que, ao mesmo tempo, são apenas relativas, e, en-

106

quanto tais, esforçam-se por atingir o ponto de indiferença; como identidade e totalidade relativa, este último encontra-se por toda a parte nelas, mas, como totalidade absoluta, encontra-se fora delas. Porém, na medida em que cada uma das ciências do absoluto, assim como a sua oposição, é real, conexionam-se, como pólos da indiferença, nesta última; elas são as linhas que ligam os pólos ao centro. Mas este centro é, ele próprio, algo de duplo, uma vez identidade, a outra totalidade, e, nesta medida, ambas as ciências aparecem como a progressão do desenvolvimento, ou como autoconstrução da identidade, em direcção à totalidade. O ponto de indiferença pelo qual ambas as ciências - na medida em que, consideradas do lado dos factores ideais, são opostas se esforçam, é o todo, representado como uma autoconstrução do absoluto, o ponto último e supremo delas. O centro, o ponto de transição da identidade que se constrói como natureza, à sua construção como inteligência, é o devir interior da luz da natureza, como diz Schelling, o relâmpago do ideal no real e o seu constituir-se a si mesmo como ponto. Este I ponto, como razão, é o ponto de viragem das duas ciências, é o cume supremo da pirâmide da natureza, o seu último produto, ao qual ela chega completando-se; mas, como ponto, deve igualmente expandir-se numa natureza. Quando a ciência se põe nele como centro e a partir dele se cinde em duas partes, e um dos lados se anuncia como o produzir sem consciência, o outro, como o consciente, ela sabe, imediatamente, que a inteligência, como um factor real, transporta ao mesmo tempo consigo, para o outro lado, toda a autoconstrução da natureza, e tem em si ou ao seu lado tudo o que a precedeu, tal como sabe que na natureza, como um factor real, o que se lhe opõe na ciência é igualmente imanente. E, com isto, é suprimida toda a idealidade dos factores e a sua forma unilateral; este é o único ponto de vista superior no qual ambas as ciências se perdem uma na outra, na medida em que a sua separação é reconhecida como apenas científica, e a idealidade dos factores é reconhecida como sendo apenas posta com esta finalidade. Este ponto de vista é, imediatamente, apenas negativo, subsiste apenas a separação de ambas as ciências e das formas nas quais o absoluto se pôs a si mesmo, não uma síntese real, não o ponto de indiferença absoluto, no qual estas formas são aniquiladas na medida em que ele as une. A identidade originária, que expandiu a sua contracção sem consciência - subjectivamente, do sentir, objectivamente, da matéria - na conti-

107

75

76

guidadc do l'spaço e na sucessão do ll•mpo, organizadas sem fim, como totalidade objectiva, e opôs a esta expansão a contracção, que se constitui a si mesma, aniquilando-a no ponto que se conhece a si mesmo da razão (subjectiva), a saber, a totalidade subjectiva; aquela identidade deve uni-las a ambas na intuição do absoluto que se torna objectivo na totalidade completa: na intuição do eterno devir humano de Deus, da geração do Verbo desde o início. Esta intuição do absoluto que se configura e se encontra objectivamente a si mesmo, pode igualmente ser considerada de novo numa polaridade, na medida em que são postos em preponderância, como factores deste equilíbrio, de um lado, a consciência, do outro, o sem consciência. Aquela intuição aparece, na arte, mais concentrada num ponto, e dominando a consciência: ou, na arte propriamente dita, como obra, que, sendo objectiva, é em parte duradoura, e em parte pode ser tomada, pelo entendimento, como uma exterioridade morta, um produto do indivíduo, do génio, mas pertencendo à humanidade; ou aparece na religião como um movimento vivo que, sendo subjectivo, satisfazendo apenas por momentos, pode ser posto pelo entendimento como um mero interior, o produto de uma multidão, de uma genialidade universal, mas pertencendo também a cada indivíduo. Na especulação, aquela intuição aparece mais como consciência, e, alargada na consciência, como um agir da razão subjectiva, que suprime a objectividade e o sem consciência. Se para a arte, na sua verdadeira amplitude, o absoluto aparece mais na forma I do ser absoluto, para a especulação ele aparece mais como algo que se engendra a si mesmo na sua intuição infinita; mas, na verdade, na medida em que se concebe como um devir, põe ao mesmo tempo a identidade do devir e do ser, e o que lhe aparece como engendrando-se a si mesmo é posto, ao mesmo t~mpo, como o ser originário absoluto, que apenas pode devir na medida em que é. Ela sabe, deste modo, afastar a preponderância que a consciência tem sobre si, uma preponderância que é, mesmo assim, algo de essenciálmente exterior. Ambas, a arte e .a especulação, são, na sua essência, ofício divino, ambas são uma intuição viva da vida absoluta e, por isso, estão em unidade com ela. Deste modo, a especulação e o seu saber encontram-se no ponto de indiferença, mas não, em si e para si, no verdadeiro ponto de indiferença; se se encontram aí, depende do facto de se

108

reconhecerem apenas como um lado desse ponto. A filosofia transcendental é uma ciência do absoluto, pois o sujeito é, ele próprio, sujeito-objecto e, nessa medida, razão; se ela se puser a si mesma, na qualidade desta razão subjectiva, como o absoluto, ela é então uma razão pura, quer dizer, formal, cujos produtos, as ideias, são absolutamente opostos a uma sensibilidade ou natureza, e, em relação aos fenómenos, podem apenas servir como regra de uma unidade que lhes é estranha. Na medida em que o absoluto é posto na forma de um sujeito, esta ciência tem um limite imanente; ela só se eleva a ciência absoluta e ao ponto de indiferença absoluto pelo facto de conhecer o seu limite e de saber suprimir-se a si mesma e a este, e fazendo-o, de facto, de forma científica. Na verdade, muito se falou, no passado, das barreiras da razão humana e também o idealismo transcendental reconhece limites que não se podem conceber da consciência-de-si, nos quais estamos encerrados de uma vez por todas; mas, na medida em que os limites são ali aceites como barreiras da razão e aqui como inconcebíveis, a ciência reconhece a sua impotência para se suprimir por si mesma, quer dizer, a não ser por um salto mortale ou pelo subjectivo, no qual ela pôs a razão para novamente dela abstrair. Porque a filosofia transcendental põe o seu sujeito como um sujeito-objecto e, com isso, é um lado do ponto de indiferença absoluto, a totalidade está com certeza nela; a própria filosofia da natureza no seu conjunto cai, enquanto saber, no interior da sua esfera. E não se pode proibir a ciência do saber, que constituiria apenas uma parte da filosofia transcendental, nem tão pouco a lógica, de reivindicar a forma que ela dá ao saber e a identidade que se encontra no saber, ou melhor, de isolar a forma como consciência e de construir por si o fenómeno. Mas esta identidade, separada de toda a multiplicidade do saber, como pura consciência-de-si, mostra-se como relativa, pelo facto de não sair, em nenhuma das suas formas, do seu ser condicionado, por meio de um oposto. O princípio absoluto, o único fundamento real e ponto de apoio estável da filosofia é, tanto na filosofia de Fichte como na de Schelling, a intuição intelectual; 1 dito para a reflexão: a identidade do sujeito e do objecto. Na ciência, ela torna-se objecto de reflexão; e, por isso, a reflexão filosófica é, ela própria, intuição transcendental, torna-se objecto para si própria e é uma só com ele; desta forma, é especulação. Por isso, a filosofia de Fichte é

109

77

um produto .1uli•ntin1 d.i t•spt•nalação. /\. rdll'x,10 filosófica está condicionada, ou a intuição transcendental vem à consciência através da livre abstracção de toda a multiplicidade da consciência empírica. Nessa medida, ela é subjectiva. Se a reflexão filosófica se transformar, assim, a si mesma, em objecto, ela transforma algo de condicionado em princípio da sua filosofia; para captar puramente a intuição transcendental, ela deve ser ainda abstraída deste elemento subjectivo, de modo a que ela não seja, para a reflexão filosófica, como fundamentação da filosofia, nem subjectiva nem objectiva, nem consciência-de-si oposta à matéria, nem matéria oposta à consciência-de-si, mas sim identidade absoluta, nem subjectiva nem objectiva, pura intuição transcendental 62• Como objecto da reflexão, torna-se sujeito e objecto 63; a reflexão filosófica coloca estes produtos da pura reflexão, na sua permanente oposição, no absoluto. A oposição da reflexão especulativa não é mais um objecto e um sujeito, mas sim uma intuição transcendental subjectiva e uma intuição transcendental objectiva: aquela é um Eu, esta é uma natureza. Ambas são a suprema manifestação da razão absoluta que se intui a si mesma. Pelo facto de estes dois opostos - que se chamam, então, Eu e natureza, consciência-de-si pura e empírica, conhecer e ser, pôr-se e opor-se a si mesmo, finitude e infinitude - serem postos ao mesmo tempo no absoluto, a reflexão comum não vê nesta antinomia senão contradição; só a razão vê a verdade nesta contradição absoluta, por meio da qual ambos são postos e ambos são aniquilados, nenhum é e os dois são ao mesmo tempo.

110

ACERCA DO PONTO DE VISTA DE REINHOLD E A FILOSOFIA

77

Resta ainda dizer, por um lado, alguma coisa acerca do ponto de vista de Reinhold sobre a filosofia de Fichte e de Schelling, por outro, acerca da sua própria filosofia. No que respeita àquele ponto de vista, em primeiro lugar, Reinhold não reparou na diferença entre ambas como sistema, e, em segundo lugar, não as tomou como filosofias. Reinhold não parece ter suspeitado que, há muito, uma outra filosofia, diferente do idealismo transcendental, se encontrava diante do público; de forma espantosa, ele não vê na filosofia, tal como Schelling a expôs, senão um princípio do elemento conceptual da subjectividade, da egoidade 64 • Reinhold consegue, de uma só vez, dizer que Schelling descobriu que o absoluto, na medida em que não é mera subjectividade, nada mais é nem pode ser I do que a mera objectividade, ou mera natureza enquanto tal, e que o caminho para tal consiste em pôr o absoluto na absoluta identidade da inteligência e da natureza 65; portanto, consegue representar o princípio schellinguiano num traço: a) o absoluto, na medida em que não é mera subjectividade, é mera objectividade e, por conseguinte, não é a identidade de ambos; b) o absoluto é a identidade de ambos. Ao invés, o princípio da identidade do sujeito e do objecto teve de se tomar o caminho para ver que o absoluto, corno identidade, não é nem mera subjectividade nem mera objectividade. Correctarnente, Reinhold apresenta a seguir a relação entre as duas ciências de tal modo que ambas são apenas diferentes pontos de vista, não certamentl'

111

78

79

da nwsm,1 coisa, mas da absoluta ml.'smidadl.', do único. E, precisamente por isto, nem o princípio de uma, nem o princípio da outra, são mera subjectividade ou mera objectividade, nem, muito menos, aquilo em que ambas se interpenetram é a mera egoidade, a qual, tal como a natureza, é engolida no ponto de indiferença absoluto. Quem, pensa Reinhold, está tomado pelo amor e crença na verdade, e não pelo sistema, deixar-se-á facilmente persuadir que o erro da solução que foi descrita reside no modo de conceber a tarefa; mas não é tão fácil explicar em que consiste o erro das descrições de Reinhold daquilo que, segundo Schelling, é a filosofia, nem como foi possível este modo de a conceber. De nada serve remeter para a Introdução ao Sistema do Idealismo Transcendental, na qual se expõe a sua relação com a totalidade da filosofia e o conceito desta totalidade; pois, na sua avaliação dele, Reinhold restringe-se a esta Introdução e vê aí o contrário daquilo que lá se encontra. Muito menos se pode chamar a atenção para alguns lugares dela, nos quais o verdadeiro ponto de vista é expresso da forma mais determinada, pois Reinhold menciona estes lugares na sua primeira avaliação deste sistema; em tais lugares determinados afirma-se que só numa das ciências necessárias e fundamentais da filosofia, a saber, no idealismo transcendental, o subjectivo é o primeiro 66, e não, como em Reinhold, que coloca imediatamente a própria coisa às avessas, que ele é o primeiro de toda a filosofia; não se trata também do puro subjectivo, que é apenas o princípio do idealismo transcendental, mas sim do sujeito-objecto subjectivo. Para aqueles que são capazes de não perceber em certos enunciados o seu contrário, não é talvez supérfluo chamar a atenção, para além da Introdução ao Sistema do Idealismo Transcendental, e mesmo para além dos números mais recentes da Revista de Física Especulativa, já para a 2.ª Parte do l.º volume deste última, 1 na qual Schelling se exprime deste modo 67: «A filosofia da natureza é uma explicação física do idealismo; [... ] a natureza dispôs-se, desde longe, a chegar a estas alturas, que atinge na razão. O filósofo só não repara nisto porque toma o seu· objecto, com o primeiro acto, já na mais alta potência, como Eu, como dotado de consciência, e apenas o físico dissipa esta ilusão. [... ] O idealista está certo quando transforma a razão na autocriadora de tudo [... ], ele tem para si a própria intenção da natureza relativamente ao homem; mas justamente porque esta é

112

a intenção da natureza [... ] aquele mesmo idealismo torna-se, ele próprio, [... ] algo de explicável, e nisso coincide com a realidade teórica do idealismo. Só quando os homens aprenderem a pensar de modo puramente teórico, de forma puramente objectiva e sem qualquer mistura do subjectivo, é que aprenderão a compreender isto.» Quando Reinhold coloca o defeito principal da filosofia existente até agora no facto de se ter representado o pensar sob o aspecto de uma actividade meramente subjectiva, e exige que se faça a tentativa de abstrair 68 da sua subjectividade, isto é, como é suposto, não apenas no que foi mencionado, mas também no princípio da totalidade do sistema schellinguiano, o carácter formal de fundo desta filosofia: a saber, a abstracção do elemento subjectivo da intuição transcendental. É o que foi afirmado de forma mais determinada na Revista de Física Especulativa, vol. 2.0 , l.ª Parte, por ocasião das Objecções contra a Filosofia da Natureza, de Eschenmayer, que são tomadas tendo como fundamento o idealismo transcendental, no qual a totalidade é apenas posta como ideia, como algo de pensado, quer dizer, como algo de subjectivo 69 • No que diz respeito à posição de Reinhold sobre o elemento comum a ambos os sistemas, de serem filosofia especulativa, eles aparecem necessariamente, para o ponto de vista peculiar de Reinhold, como peculiaridades e, por conseguinte, como não sendo filosofias. Se, de acordo com Reinhold, a ocupação mais essencial, o tema e o princípio da filosofia é fundamentar a realidade do conhecimento pela análise 70, quer dizer, pela separação, certamente que a especulação, cuja tarefa suprema é suprimir a separação na identidade do sujeito e do objecto, não tem então qualquer significado, e o lado mais essencial de um sistema filosófico, que consiste em ser especulação, não pode, de seguida, ser tido em consideração; nada resta, a não ser uma posição peculiar e uma mais forte ou mais fraca desorientação do espírito. Assim, por exemplo, para Reinhold, o materialismo aparece como uma desorientação do espírito, que não tem, na Alemanha, lugar de residência 71 , e não reconhece nele nada da autêntica I necessidade filosófica de suprimir a cisão sob a for- so ma de espírito e matéria. Se a localização ocidental da cultura, da qual este sistema saiu, o mantém afastado de um país, a questão é saber se este afastamento não provém de uma unilateralidade em sentido oposto da cultura; e mesmo que o seu valor científico seja muito pequeno, não se deve ao mesmo tem-

113

po desconhecer que, por exemplo, no Syst1•1t,1• dt• la N11t11re 72, se exprime um espírito que se perdeu no seu tempo e que se reproduziu na ciência; nem como o desgosto sobre o engano geral do seu tempo, sobre a desorganização insondável da natureza, sobre a mentira infinita que se chama verdade e direito, como tal desgosto, que sopra sobre o todo, conserva força suficiente para construir, numa ciência, o absoluto que escapou do fenómeno da vida, como verdade de uma autêntica necessidade filosófica e de uma verdadeira especulação. A forma daquela ciência aparece no princípio local objectivo, tal como, ao invés, a cultura alemã se refugia frequentemente na forma do subjectivo - a que pertence também o amor e a fé - sem especulação. Uma vez que o lado analítico, porque se reporta à oposição absoluta, não deve reparar no lado filosófico de uma filosofia que se dirige à unificação absoluta, aparece-lhe como o mais espantoso de tudo que Schelling, como Reinhold se exprime, tenha introduzido na filosofia a ligação do finito com o infinito, como se filosofar não fosse senão pôr o finito no infinito. Por outras palavras, aparece-lhe como o mais espantoso que o filosofar deva ser introduzido na filosofia. Do mesmo modo, Reinhold não vê, nos sistemas de Fichte e de Schelling, não só em geral o lado especulativo e filosófico, mas também toma-os por uma descoberta e uma revelação importantes, quando, para ele, os princípios desta filosofia se transformam no mais particular de tudo, e o mais universal, a identidade do sujeito e do objecto, se transforma para ele no mais particular, a saber, na própria individualidade pessoal dos senhores Fichte e Schelling 73• Quando Reinhold, como que das alturas, deixa cair o seu princípio limitado e o seu ponto de vista peculiar no abismo do ponto de vista limitado destes sistemas, tal é compreensível e necessário. Mas a viragem toma-se contingente e odiosa, quando Reinhold, provisoriamente no Teutscher Merkur e, mais pormenorizadamente, no número seguinte dos Contributos*, explicou a particularidade destes sistemas a partir da imoralidade, e de tal modo que a imoralidade teria recebido, nestes sistemas, a forma de um princípio e a forma da filosofia· 74. Pode-se chamar a esta viragem uma coisa deplorável e

,. O que aconteceu depois de isto ter sido escrito. (Cf. Beitriige, 2. Heft, pp. 104 e segs.)

114

vitupcrá-la como um l'Xpl•dicntc da exasperação, l'lc., n,nm !-tt' queira. Sobre isto, a liberdade é total. Além do mais, uma filosofia surge da sua época e, se se I quer compreender o despedaçamento desta última como uma imoralidade, a filosofia surge da imoralidade; mas para restabelecer os homens da desorganização da época, e salvaguardar a totalidade despedaçada pelo tempo. No que diz respeito à filosofia própria de Reinhold, ele dá uma história pública dela: no decurso da sua metempsicose filosófica, começou por vaguear na filosofia kantiana, e depois de a ter abandonado vagueou pela de Fichte, desta passou à de Jacobi e, depois de a ter também abandonado, introduziu-se na lógica de Bardilli. Após ter, de acordo com a página 163 dos Contributos, «limitado a ocupação com ela ao puro aprender, ao puro receber e à meditação no sentido mais autêntico, para combater a imaginação estragada pelos maus hábitos e para desalojar finalmente da cabeça os antigos tipos transcendentais através dos novos racionalistas», começa agora a elaboração daquela lógica nos

Contributos para um mais fácil Panorama do Estado da Filosofia no Começo do Século XIX. Estes Contributos abrangem a época tão importante no avanço da formação do espírito humano que é o surgimento do novo século, «para o felicitar por a causa da ocasião de todas as revoluções filosóficas não ter sido realmente descoberta nem antes nem depois dos derradeiros anos do século XVIII e, com isso, a sua necessidade ter sido suprimida» 75 • Tal como demasiadas vezes foi decretado em França que la révolution est finie, também Reinhold já anunciou muitos fins da revolução filosófica. Agora, reconhece a última finalização das finalizações, e, «apesar de as piores consequências da revolução transcendental ainda durarem um longo espaço de tempo», acrescenta ainda a pergunta sobre «se não se equivocará outra vez, se, mesmo assim, também este verdadeiro e autêntico fim não poderá ser de novo, apenas, o começo de uma nova viragem tortuosa?» 76• Talvez se devesse antes perguntar se este fim, na medida em que não é capaz de ser um fim, será capaz de ser o início de qualquer coisa. A tendência para fundar e sondar, o filosofar antes da filosofia, soube, por fim, exprimir-se perfeitamente a si mesmo. Encontrou justamente aquilo que devia ser feito: a transformação da filosofia num elemento formal do conhecer, em lógica. Se a filosofa como um todo se funda a si mesma e funda em si mesma a realidade dos conhecimentos, segunda a sua forma e

115

111

s2

o seu conteúdo, o fundar e o sondar, ao invt.'•s, no Sl'll impulso de comprovar e analisar, de estabelecer o porquê e o «na medida em que», o então e o «até que ponto», nem saem de si mesmos nem I entram na filosofia. Para a angústia incessante, que aumenta constantemente com a sua própria ocupação, todas as investigações chegam demasiado cedo, e cada começo é uma antecipação, tal como cada filosofia é apenas um exercício prévio. A ciência afirma fundar-se em si mesma na medida em que põe absolutamente cada uma das suas partes e, com isso, constitui no começo e em cada ponto singular uma identidade e um saber; como totalidade objectiva, o saber funda-se tanto mais quanto mais se forma a si mesmo, e as suas partes existem apenas enquanto fundadas ao mesmo tempo com esta totalidade dos conhecimentos. O centro e o círculo estão de tal modo relacionados entre si que o primeiro início do círculo é já uma referência ao centro, e este não é um centro completo senão quando todas as suas referências, a totalidade do círculo, estão completas: um todo que necessita tão pouco de um motivo particular de fundamentação quanto a terra necessita de um motivo particular para sofrer a influência da força que a faz girar à volta do Sol e, ao mesmo tempo, a mantém em toda a multiplicidade viva das suas figuras. Mas o fundar ocupa-se sempre em procurar o motivo e em balancear-se em direcção à filosofia viva; ele transforma este balanço em obra verdadeira e, pelo seu princípio, toma impossível atingir o saber e a filosofia. O conhecimento lógico, quando prossegue realmente em direcção à razão, deve ter como resultado ser aniquilado na razão; deve reconhecer a antinomia como a sua lei suprema. No tema de Reinhold da aplicação do pensar, o pensar toma-se na repetibilidade infinita de A enquanto A em A e através de A 77, e, de facto, de modo antinómico, na medida em que A, ao ser aplicado, é posto de facto como B. Mas esta antjnomia está presente de forma totalmente sem consciência e não reconhecida, pois o pensar, a sua aplicação e a sua matéria coexistem pacificamente. Por isso, o pensar, como faculdade da unidade abstracta, tal como o conhecimento, são meramente formais, e toda a fundamentação deve ser apenas problemática e hipotética, até que, com o tempo, ao progredir no problemático e no hipotético, se choque com o verdadeiro originário da verdade, e com o verdadeiro por meio do verdadeiro originário 78 • Mas, por um lado, isto é impossível, pois de uma absoluta formalidade não se pode atingir nenhuma materialidade (ambas são

116

absolutamente opostas), nem, muito menos, uma síntese absoluta, que deve ser mais do que um mero encaixe; por outro lado, nada se fundamentou, em geral, com algo de hipotético e de problemático. Ou, então, o conhecimento é relacionado com o absoluto, toma-se uma identidade do sujeito e do objecto, do pensar e da matéria, e, assim, não é mais formal, surgiu um saber maçador, e, uma vez mais, a fundamentação antes do I saber não foi conseguida. À angústia de entrar no saber nada resta senão o consolo do seu amor e da sua crença e a sua tendência fixa para analisar, metodologizar e narrar. Se o balanço não transpõe o fosso, o erro não cai sobre este perpetuar do balanço, mas sim sobre o seu método. Porém, o verdadeiro método seria aquele em que o saber fosse atraído para este lado do fosso, para o espaço de jogo do balanço, e a filosofia fosse reduzida à lógica. Não podemos passar imediatamente à consideração deste método, pelo qual a filosofia deve ser colocada no âmbito do balanço, pois temos de falar, em primeiro lugar, daqueles pressupostos que Reinhold considera necessários para a filosofia, portanto, para o balanço para o balanço. Como condição prévia do filosofar, da qual deve sair o esforço para fundar o conhecimento, Reinhold menciona o amor à verdade e à certeza; e como este amor é reconhecido imediatamente e com suficiente facilidade, Reinhold não se detém mais nele 79• E, de facto, o objecto da reflexão filosófica não pode ser senão o verdadeiro e o certo. Se a consciência se encontra preenchida por este objecto, uma reflexão sobre o subjectivo, sob a forma do amor, não tem qualquer lugar; esta reflexão só produz o amor na medida em que fixa o subjectivo, o qual, tendo um objecto tão sublime como a verdade, é transformado - não menos que o indivíduo animado por um tal amor, cuja existência ela postula em algo de supremamente sublime. A segunda condição essencial do filosofar, a fé na verdade como verdade, não será tão facilmente reconhecida como o amor. A palavra fé teria certamente expresso de forma suficiente o que deve ser expresso; em relação à filosofia, poder-se-ia falar, de facto, da fé na razão como sendo a autêntica saúde; o carácter supérfluo da expressão «fé na verdade como verdade», em vez de tomar a fé edificante, transforma-a em algo de equívoco. O principal é que Reinhold explica com seriedade que não se lhe deve perguntar o que é a fé na verdade; aquele para quem isto não é claro

117

83

por si m1•smo mfo tem, ll