A Construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975

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A Construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975

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A Construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975

Ficha Técnica Título: A Construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975* Autor: Manuel Brito-Semedo Editora: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) CP 464 ◆ Tel.: +238 2618482 ◆ Fax.: +238 2618416 Praia ◆ Cabo Verde ◆ www.bn.cv Capa: PC Arte Maquetagem: IBNL Impressão: Gráfica do Mindelo Tiragem: 1000 exemplares Todos os Direitos Reservados *Edição da Tese de Doutoramento defendida pelo Autor em Dezembro de 2003, na Universidade Nova de Lisboa.

Manuel Brito-Semedo

A Construção da Identidade Nacional - Análise da Imprensa entre 1877 e 1975

Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro Praia 2006

Em Homenagem a Eugénio Tavares, autodidata, grande jornalista e polemista. Dramaturgo, ficcionista e poeta. Nativista, paradigma da crioulidade e autor de inúmeras mornas.

Eugénio de Paula Tavares (Brava, 1867-1930) Fonte: Eugénio Tavares. Poesia, Contos, Teatro. - Praia, 1996

Agradecimentos O resultado ora apresentado só foi possível graças ao suporte financeiro, intelectual e afectivo que usufruí nesses cinco anos de trabalho, que agradeço profundamente, e de que destaco apenas os principais intervenientes, sem esquecer os demais: A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Ciência e do Ensino Superior) que me garantiu os meios financeiros necessários, através da atribuição de uma bolsa de investigação, com a regularidade e a atenção do seu pessoal, que me aliviou das questões de sobrevivência para que pudesse concentrar-me no trabalho; A Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que me acolheu e proporcionou a oportunidade de realizar este estudo acreditando no projecto e nas minhas capacidades; o Professor Doutor Augusto Mesquitela Lima, digníssimo patrício, que aceitou ser meu orientador de tese; a Professora Doutora Jill Rosemary Dias e a Doutora Margarida Miranda Fernandes, do Departamento de Antropologia, da mesma Faculdade, que me apoiaram na sua realização; A minha mulher Maria Emília e os meus filhos Eliezer Emmanuel, Gerson Alexandre e Sílvia Inês que me garantiram estabilidade emocional e afectiva, apoio moral e incentivo. Destaco ainda Sua Excelência o Senhor Presidente da República de Cabo Verde, Comandante de Brigada Pedro Verona Rodrigues Pires, que me encorajou e estimulou a resgatar as memórias colectivas do passado recente do nosso povo. Neste percurso, várias foram as instituições e seus responsáveis que me franquearam as suas portas, pondo ao meu dispor o seu acervo documental, facilitando-me as consultas – às vezes de documentos reservados, devido à sua antiguidade e estado de conservação – e a reprodução de todo o material necessário: a Biblioteca Nacional de Lisboa, a Hemeroteca da Biblioteca Municipal de Lisboa e a Sociedade de Geografia de Lisboa, em Portugal; o Arquivo Histórico Nacional da Praia, a Câmara Municipal e a Biblioteca Municipal de S. Vicente e a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, em Cabo Verde. A todos, o meu reconhecimento e a minha profunda gratidão. Bem hajam!

M. Brito-Semedo 11

Abreviaturas

ACIAB AHN BMSV BNP BNL CEA CEAA CEI CIT CMSV FRELIMO IBNL INIP ISCTE ISEG JDDA LA MNA MPLA PAIGC PALOP PNA SOEMI

Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento Arquivo Histórico Nacional Biblioteca Municipal de S. Vicente Biblioteca Nacional da Praia Biblioteca Nacional de Lisboa Centro de Estudos Africanos Centro de Estudos Africanos e Asiáticos Casa dos Estudantes do Império Convergência Inter-tropical Câmara Municipal de S. Vicente Frente de Libertação de Moçambique Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro Instituto Nacional da Investigação e do Património Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa Instituto Superior de Economia e Gestão Junta de Defeza dos Direitos de África Liga Africana Movimento Nacionalista Africano Movimento Popular de Libertação de Angola Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Partido Nacional Africano Sociedade de Emigração de S. Tomé e Príncipe

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Cabo Verde: A Construção da Identidade Nacional Análise da Imprensa entre 1877 e 1975

Resumo Nesta investigação utilizam-se, como fonte principal de pesquisa, os textos produzidos em Cabo Verde e publicados em periódicos em diferentes épocas. A análise é feita sobre a imprensa, encarando-a sob dois ângulos: um, como expressão do processo de construção da identidade nacional cabo-verdiana e, outro, como fonte de influência sobre o próprio processo. Pelo menos desde os meados do Século XIX, a partir da instalação da tipografia e da publicação periódica não oficial, faz parte da experiência do cabo-verdiano, a interacção que a vida quotidiana estabelece com a imprensa. A relevância deste fenómeno reside no facto da imprensa servir de veículo de movimento de ideias. Vendo a imprensa cabo-verdiana em retrospectiva, é possível identificar contornos de períodos distintos de tendências ideológicas e políticas diferentes. De facto, a imprensa periódica pode constituir um testemunho vivo sobre a actualidade de uma época, vista de uma forma sincrónica e dinâmica, e um depoimento do desenvolvimento de uma consciência de identidade nacional. Ao mesmo tempo, como no caso vertente, ela torna-se o veículo, também, de discursos literários. A imprensa periódica serviu para que os cabo-verdianos dessem maior amplitude ao combate na defesa dos seus interesses e contribuiu poderosamente para a formação de uma consciência de pertença a uma “comunidade política imaginária”, na expressão de Benedict Anderson (1983), com uma identidade própria, que os caracterizava e os distinguia dos Outros. Partindo de uma identidade étnica, o homem cabo-verdiano, como resultado e síntese do cruzamento do branco e do negro que aportaram às ilhas, observou uma trajectória feita, simultaneamente, nas dimensões cultural e político-ideológica. Convém referir que este percurso nem sempre foi realizado de forma linear ou por métodos pacíficos, tendo passado por diversas etapas, até culminar numa identidade nacional. No âmbito da dimensão cultural, uma primeira etapa foi a emergência de um sentimento nativista na elite de então, enquanto portadora dos valores culturais da sua 15

origem. Este sentimento progrediu para uma consciência regionalista, até culminar numa afirmação nacionalista, que desembocou, enfim, numa identidade nacional. A acompanhar este percurso na dimensão cultural, o homem crioulo cabo-verdiano fez igualmente, e em simultâneo, um outro, na dimensão político-ideológica. Este, começou por ser, numa primeira etapa, uma reclamação de um estatuto de igualdade em relação ao português reinól da metrópole, evoluindo para uma etapa de reivindicação da diferenciação regional dentro da filosofia de um “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor”. Na sua decorrência, o processo atingiu uma etapa de exigência de uma autonomia política no concerto das nações, que desembocaria, inevitavelmente, na consciência plena da posse de uma identidade nacional.

Cap-Vert: La Construction de l’Identité Nationale Analyse de la Presse entre 1877 et 1975 Resumé Les sources principales de cette recherche sont constituées par les textes produits au Cap-Vert et publiés dans les journaux à différentes époques. L’analyse s’applique à la presse en la considérant sous deux angles: l’un, comme expression du processus de construction de l’identité nationale cap-verdienne; l’autre, comme source d’influence sur le processus lui-même. Depuis le milieu du XIXe siècle, au moins, c’est-à-dire à partir de l’installation de l’imprimerie et des premières publications périodiques non officielles, l’interaction de la vie quotidienne et de la presse fait partie de l’expérience du Cap-verdien. L’importance de ce phénomène se reflète dans le fait que la presse a servi de principal vecteur au mouvement des idées. Considérant l’évolution de la presse cap-verdienne, il est possible d’identifier un contour de périodes distinctes, présentant des tendances idéologiques et politiques différentes. De fait, la presse périodique peut livrer un témoignage vivant sur l’actualité d’une époque, vue d’une façon synchronique et dynamique, et un témoignage du développement d’une conscience d’identité nationale. De plus, elle se constitue en vecteur de discours littéraires. La presse périodique a permis aux Cap-verdiens de donner une plus grande ampleur au combat pour la défense de leurs intérêts et a contribué puissamment à

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la formation d’une conscience d’appartenance a une «communauté politique imaginaire», selon l’expression de Benedict Anderson (1983), avec une identité propre qui les caractérisait et les distinguait des Autres. Partant d’une identité ethnique, l’homme cap-verdien, en tant que résultat et synthèse du croisement du blanc et du nègre qui ont débarqué sur les îles, a observé une trajectoire faite à la fois dans des dimensions culturelles, politiques et idéologiques. Il convient de préciser que ce parcours ne s’est pas toujours réalisé d’une façon linéaire ou par des méthodes pacifiques, qu’il est passé par diverses étapes jusqu’à parvenir à l’expression d’une identité nationale. En ce qui concerne la dimension culturelle, une première étape a été constituée par l’émergence d’un sentiment nativiste dans l´élite d’alors, en tant que porteuse des valeurs culturelles de son origine. Ce sentiment a progressé vers une conscience régionaliste, jusqu’à parvenir à une affirmation nationaliste qui a débouché, enfin, sur une identité nationale. En accompagnant ce parcours dans la dimension culturelle, l’homme créole capverdien a fait également, et simultanément, un autre parcours dans la dimension politique et idéologique. Celui-ci a commencé par être, dans une première étape, la revendication d’un statut d’égalité par rapport au Portugais de la métropole. La deuxième étape a été marquée par la revendication de la différentiation régionale dans le cadre d’un «Portugal uni et indivisible depuis le Minho jusqu’à Timor». Par la suite, le processus, passant d’abord par l’exigence d’une autonomie politique dans le concert des nations, a inévitablement débouché sur la conscience claire d’une identité nationale.

Cape Verde: Building the National Identity - Analysis of e Press between 1877 and 1975 Summary In this investigation, the primary source for research was texts produced in Cape Verde and published in periodicals over a period of years. e analysis of the press is done from two perspectives: first, as the expression of the process of building the capeverdean national identity and second, as the source of influence in this same process. 17

Since approximately the mid 19th century, when typography and the publication of non-official periodicals began, the daily interaction with the press has been part of the capeverdean experience. e relevance of this phenomenon is evidenced in the fact of the press serving as a vehicle in the dissemination of ideas. Looking back and analysing the capeverdean press, it is possible to identify specific periods of time that reveal different political and ideological tendencies. In fact, the periodical press can be seen as a living testimony, in the present, of a certain period of time as one looks in a dynamic and synchronous form; it also is a statement of development of a conscious national identity. At the same time, as in this case, it becomes a vehicle also for literary speeches. e periodical press served to give capeverdeans a greater influence in the fight to defend their interests and also to contribute powerfully to the formation of a conscience that belonged to what Benedict Anderson (1983) called an “imaginary political community”, a community with its own identity that characterized and distinguished it from all other groups. Beginning with the ethnic identity of the Capeverdean , a result and synthesis of the cross between the Caucasian and the Negro that arrived in these islands, it was noted that the cultural and political-ideological dimensions were developed simultaneously. It is important to note that this development was not always linear or accomplished by peaceful methods. Aer passing through diverse stages, this process culminated with a national identity. In the context of the cultural dimension, one of the first steps was the emergence of the native sentiment among the elite at the time, seeing as they were the ones that held to cultural values from their origins. is sentiment grew into a regional conscience, and culminated in a nationalist spirit, which finally resulted in a national identity. In the midst of the cultural dimension journey, the capeverdean creole man, equally and simultaneously, was making another journey in the ideological-political dimension. is started, at first, with a statute of equality in answer to the portuguese “kingdom of the colonies”, developing later to the stage of fighting for the right of regional differentiation based on the philosophy of “One Indivisible Portugal from Minho to Timor”. As it progressed, the process reached the point of demanding a political autonomy among the nations, which resulted, inevitably, in the awareness of the existence of a national identity.

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Capítulo I Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

“O surto da imprensa proporciona [...] o sentimento de pertença a uma ‘comunidade imaginária’ suscitando no mesmo momento os mesmos pensamentos entre os membros de uma cultura nacional cujas fronteiras são delimitadas pela linguagem”. Christophe Jaffrelot In Nações e Nacionalismos, 1998

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abo Verde é um país jovem, com menos de trinta anos de construção, em que a sua identidade como Nação, enquanto algo que se constrói e se transforma ao longo da sua existência, é, talvez, a questão fulcral da sua existência enquanto país independente. Pelo menos desde os meados do século XIX, a partir da instalação da tipografia e da publicação periódica, faz parte da experiência do cabo-verdiano a forte interacção que a vida quotidiana estabelece com a imprensa. A relevância deste fenómeno reside no facto de a imprensa servir de veículo de movimento de ideias.

1. Problemática da Investigação Vendo a imprensa cabo-verdiana em retrospectiva, é possível identificar contornos de períodos distintos de tendências ideológicas e políticas diferentes. De facto, a imprensa periódica – uma publicação realizada com intervalos regulares, como são os casos dos jornais e das revistas, produzida para ser consumida no imediato ou num tempo limitado, e, por isso, com uma duração e uma actualidade efémera – é um testemunho vivo sobre a actualidade de uma época, quando vista de uma forma sincrónica e dinâmica, e constitui um depoimento do desenvolvimento de uma consciência de identidade nacional. A imprensa periódica serviu para que os cabo-verdianos dessem maior amplitude ao combate na defesa dos seus interesses sociais, culturais e políticos e contribuiu poderosamente para a formação de uma consciência de pertença a uma “comunidade 21

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política imaginária”, na expressão de Benedict Anderson (1983:15), pelo facto de os membros de uma nação, por mais pequena que seja, apesar de nunca conhecerem a maior parte dos companheiros, de os ter encontrado ou ouvido falar deles, viverem mentalmente a imagem da sua comunhão. Assim, essa imprensa não pode ser negligenciada em qualquer estudo sobre a sociedade cabo-verdiana. No caso presente, a imprensa constitui mesmo um acervo, pois possibilita desenhar uma radiografia da evolução ideológica dessa sociedade e obter a visão do mundo e de si própria que os seus membros tiveram nas diferentes épocas. Conforme foi expresso pelo Senhor Presidente da República de Cabo Verde, Comandante de Brigada Pedro Verona Rodrigues Pires, o estudo do processo da construção da identidade nacional é uma “forma de resgatar as memórias colectivas de um passado recente do povo cabo-verdiano”1.

1.1 - Hipóteses e Objectivos A investigação que aqui se desenvolve considera que a imprensa periódica produzida em Cabo Verde, enquanto colónia de Portugal, entre 1877 e 1975, constitui uma expressão directa do processo de construção da identidade nacional, com o perfil que ela alcançou à data da independência do território. De facto, a análise realizada sobre aqueles documentos prova, pela rica e relevante informação recolhida, a consistência deste pressuposto. Problematiza-se, então, se esta expressão não terá tido também a sua influência sobre o próprio processo em análise, como uma imagem reflectida num espelho e que contribui para actuar sobre o objecto que lhe deu origem. Assim, propõe-se como hipóteses de trabalho para a presente investigação, as seguintes premissas: •

Existe uma relação de interdependência e de influência mútua entre o conteúdo da imprensa produzida em Cabo Verde entre 1877 e 1975 e o processo de construção da identidade nacional do seu povo; e



O processo de construção da identidade nacional do povo cabo-verdiano realizou-se por etapas de teor ideológico, de características singulares perfeitamente identificáveis.

Entrevista ao Senhor Presidente da República de Cabo Verde, Comandante de Brigada Pedro Verona Rodrigues Pires, Praia, 14/02/2002. 1

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Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

A verificação destas hipóteses será alcançada através de uma abordagem sequencial e cumulativa, que tem por objectivos: •

Identificar, no discurso da imprensa periódica cabo-verdiana, as etapas da construção da identidade nacional e caracterizá-las;



Identificar as elites letradas nas várias etapas do processo, explicar a sua emergência e o papel que desempenhou na construção da identidade nacional, com base nas suas contribuições na imprensa periódica em análise;



Determinar a importância para este processo das variadas vertentes literárias e ideológicas veiculadas pelo discurso presente na imprensa periódica durante o período proposto; e



Interpretar o processo da construção da identidade nacional à luz de paradigmas socio-antropológicos e explicitá-lo num modelo conceptual.

1.2 - Abordagem Metodológica Os fenómenos culturais da realidade em análise são aqui abordados tendo por enquadramento conceptual quatro factores dinâmicos da cultura, definidos por Bernardo Bernardi (1992): o anthropos, neste caso, o homem cabo-verdiano na sua realidade individual e pessoal; o ethnos, o povo cabo-verdiano, entendido como associação estruturada de indivíduos; o oikos, o ambiente natural das ilhas, dentro do qual o homem cabo-verdiano vive e actua; e o tempo, o chronos, ao longo do qual se constrói a identidade nacional cabo-verdiana. A interacção dinâmica destes factores leva, naturalmente, a uma abordagem multidisciplinar e integrada do tema, compreendendo noções e conceitos das áreas da História, da Geografia Humana e da Economia, da Sociologia e da Ciência Política, da Literatura e da Ciência da Comunicação. Tratando-se de uma ciência humana, é imprescindível, por definição da própria disciplina, que a abordagem antropológica tenha zonas de intercepção com outras áreas. Nesta forma de abordagem, os factos sociais são estudados com base na noção de Marcel Mauss (2001 [1950]) de “factos sociais totais”, o que quer dizer que, no domínio do humano e do social, não existem campos de realidade e fenómenos que se isolem uns dos outros, como se fossem compartimentos estanques. Assim, todas as Ciências Sociais têm interesse no campo da realidade sobre a qual se baseia esta investigação. 23

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As Fontes Serviram como fonte documental essencial para esta investigação os sessenta periódicos não oficiais publicados em Cabo Verde entre 1877 e 1975, num horizonte de cerca de cem anos. Em termos de periódicos de carácter institucional, foi consultado o Boletim Oficial do Governo da Província, entre 1842, data do início da sua publicação, e 1975, num limite de pouco mais de cento e trinta anos. A circunstância de os textos jornalísticos, objecto desta análise, serem produzidos, na sua grande maioria, por poetas e ficcionistas – a elite letrada – responsáveis por fomentar as ideias da identidade nacional cabo-verdiana, tornou-se relevante a identificação dos intervenientes e das suas famílias, já que se pode encontrar linhas genealógicas de actividades intelectual e política. Para além disso, o facto de muitos deles terem livros publicados, cujos temas se ligam às posições que assumiram nos periódicos, levou a se optar por fazer uma abordagem integral do tópico. Ou seja, para além de analisar a produção jornalística dessa elite, que de qualquer modo constitui o ponto central desta investigação, recorrer também à sua produção literária, como uma segunda fonte que complementa, esclarece e corrobora a primeira. E isto porque se pressupõe, como ponto de partida, que toda a produção desses homens, enquanto jornalistas e escritores, constitui um todo temático coerente com valor de intervenção cívica. Procura-se, como se disse, privilegiar o texto jornalístico por eles produzido, devido ao maior âmbito e impacto da sua disseminação. Completam as fontes documentais desta pesquisa as actas (manuscritas) das sessões da Câmara Municipal de S. Vicente (CMSV) e da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento (ACIAB) e ainda o recurso ocasional a letras de mornas e coladeiras que foram a expressão de intervenção de alguns dos artistas musicais de Cabo Verde. Em paralelo às fontes escritas – manuscritas e impressas – recorreu-se a entrevistas a intervenientes directos no processo da construção da identidade nacional ou a familiares próximos dos já desaparecidos, principalmente descendentes directos e companheiros, como forma de cruzar informações e confirmar ou clarificar aspectos que, de outra forma, não estariam disponíveis. Os entrevistados representam, portanto, fontes vivas capazes de descrever e encontrar relações causais entre as fontes escritas e os acontecimentos em análise, pelo que os seus depoimentos constituem documentos valiosos para a interpretação do processo em estudo. 24

Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

Entrevistou-se, assim, em Cabo Verde, os escritores Dr. Arnaldo França (com 77 anos de idade), membro da “Academia Cultivar” e co-fundador da revista Certeza (S. Vicente, 1944); Oswaldo Custódio Osório (com 65 anos de idade) e Arménio Vieira (com 61 anos de idade), co-fundadores do Seló – Página dos Novíssimos (1962), inserta no jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962); Dr. José Leitão da Graça (com 71 anos de idade), co-fundador do grupo “Nova Largada”; Comandante de Brigada Pedro Rodrigues Pires (com 68 anos de idade), Presidente da República em funções (2001-), antigo Primeiro-Ministro (1975-1990), combatente e figura marcante da independência nacional, ao lado de Amílcar Cabral; e Doutor Onésimo Silveira (com 67 anos de idade), então Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente e hoje Embaixador de Cabo Verde em funções em Portugal (2002-), cientista político, africanista e um dos mais polémicos da sua geração. Em Portugal, foram entrevistados os escritores Manuel Lopes (com 95 anos de idade), o único fundador vivo da revista Claridade (S. Vicente, 1936-1960); Dr. Henrique Teixeira de Sousa (com 83 anos de idade), claridoso da segunda vaga; e Dr. Aguinaldo Brito Fonseca (com 80 anos de idade), membro do grupo “Nova Largada” e colaborador do “Suplemento Cultural” (1958) do Cabo Verde – Boletim de Informação e Propaganda (Praia, 1949-1964). Foram ainda entrevistados descendentes de elementos já desaparecidos, como Eugénio Tavares Sena, sobrinho-neto de Eugénio Tavares, patrono desta investigação, “em todos os tempos o maior jornalista da Província”2; Dr. Teodoro Monteiro de Macedo, filho de Abílio Monteiro de Macedo, maçon, republicano, fundador e proprietário do jornal A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919); Dr. Aguinaldo Whanon, filho de Jonas Whanon, maçon, claridoso da primeira hora, ainda que da esfera extra-literária; e Veladimir da Cruz, filho de Francisco Xavier da Cruz (“B. Léza”), músico e grande compositor de mornas, cujas letras constituíram também uma forma de intervenção política e são fonte adicional deste trabalho. Metodologia Estabelece-se como baliza temporal de partida para esta investigação o ano de 1877, relativo ao início da publicação da imprensa periódica não oficial, com a edição do primeiro jornal, O Independente (Praia, 1877-1889). Como termo do período em 2

Nota do director (Pedro Cardoso) in O Manduco, N.º 4, Fogo, Outubro de 1923.

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análise, considera-se o ano de 1975, data do encerramento do jornal Novo Jornal de Cabo Verde (Praia, 1974-1975), em Julho, na sequência das mudanças socio-políticas que levaram à Independência de Cabo Verde, altura em que se considera estar estabilizado o processo da construção da identidade nacional. A abordagem metodológica adoptada é a da Antropologia Interpretativa, de Clifford Geertz, que, conforme Yáñes Casal (1996:77), é “ ‘uma atitude’ [...] que concebe a antropologia como ‘acto interpretativo’ [que] incorpora a componente da nova hermenêutica e reivindica finalmente um modo de ‘explicação interpretativa’ da cultura, entendida como texto, contexto e sistema”. Como resultante da especificidade da abordagem que aqui se propõe, introduziu-se a particularidade de fazer corresponder o modo de consulta bibliográfica ao trabalho de campo, já que os documentos que constituem a primeira fornecem os dados que, noutras circunstâncias, seriam recolhidos no terreno. Metodologia semelhante é aquela que é, por sua vez, utilizada pelo escritor ao descrever uma certa realidade, ainda que ficcionada. Tal como assinalou Jean Copans (cf. Copans et al., 1998), o escritor utiliza os documentos e as técnicas clássicas do trabalho de campo quando procede a uma investigação dirigida à recolha de dados de base à sua obra. Considera-se, nesta óptica, que os dados passíveis de análise e interpretação são os artigos e demais textos a que se acedeu, pois representam a manifestação de atitudes e comportamentos, mesmo de ideias e ideologias, dos seus autores na época em que os escreveram. Estes dados fornecem, portanto, o tipo de informação idêntico ao das entrevistas e da observação, se acaso o investigador tivesse a oportunidade de se fazer transportar ao passado. Foi ainda consciente e propositado o recurso a diversas fontes de cada autor, que algumas vezes se desviaram para a música e a literatura (poesia e ficção), já que permite o cruzamento de posturas ideológicas da mesma pessoa, com o alto grau de validade e fiabilidade que isso confere à interpretação dos dados. De facto, na análise dos documentos recorreu-se à metodologia da “crítica histórica”, que possibilita a análise da veracidade e consistência das afirmações, bem como ao cruzamento das informações e dos factos para aceder à descrição da imagem da realidade da respectiva época (cf. Hockettt, 1977). Fazendo ainda parte do mesmo princípio, foi opção metodológica incluir os textos originais na apresentação dos dados – ideias, opiniões, posições políticas – através de frequentes citações, fiéis à ortografia da época, deixando, assim, “falar” directamente os seus autores e garantindo, pelas expressões e conceitos utilizados, uma maior fidelidade às suas ideias.

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Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

Em complemento, e uma vez que o tema desta investigação é indissociável do contexto histórico e cultural das Ilhas, dele depende e dentro dele se processa, tomou-se este contexto como ponto de partida e trabalhou-se sobre ele no sentido de uma descrição cuidada. De facto, para além da evidência de uma sociedade não poder ser interpretada sem o enquadramento em que se move, pressupõe-se, com base em estudos anteriores (cf. Giddens, 2002 [1989]), que são as suas características que favorecem ou desfavorecem a emergência de uma elite letrada em determinado momento da sua história, bem como a instalação do prelo e o surgimento da imprensa periódica não oficial. A análise é, pois, feita sobre a imprensa surgida em Cabo Verde, atribuindo-lhe duas funções: uma, a expressão do processo da construção da identidade nacional cabo-verdiana e, outra, a fonte de influência sobre este processo, tal como foi explicitado nas hipóteses desta investigação. Na função acessória à técnica metodológica principal, recorreu-se ainda a entrevistas, como meio de verificação e aprofundamento das questões ou dos factos identificados na pesquisa documental. Optou-se, por isso, por actuar em entrevista aberta, ainda que com base em grelhas incorporando as questões fundamentais a serem respondidas em cada caso. Esta técnica deu valiosos frutos, pois forneceu esclarecimentos que enriqueceram e validaram a interpretação dos dados em análise. Em particular, sendo os entrevistados os elementos sobreviventes, ou seus descendentes, das gerações que constituem o campo de análise, mostrou-se este recurso particularmente precioso, pelo seu valor intrínseco. A Organização da Tese A presente tese está organizada em duas partes, sendo cada uma delas precedido de uma introdução e procedida por um sumário. Assim: A Primeira Parte, A Formação da Nação Crioula, é integrada por três capítulos. O primeiro dedica-se à apresentação das ilhas de Cabo Verde através dos quadros geohistórico e socio-económico e da caracterização de alguns aspectos da sua identidade cultural crioula, relevantes para a discussão em causa. O segundo trata a emergência de uma elite letrada, devido quer à marcante difusão da instrução pública oficial quer à dialéctica crescente que se estabelece entre o desenvolvimento de meios e actividades intelectuais e a elite instruída, favorecida por um meio pequeno, nos anos oitocentos. Finalmente, o terceiro capítulo aborda o aparecimento de um jornalismo de opinião, na decorrência do surgimento do liberalismo em Portugal e do seu eco nas províncias

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ultramarinas e, na sequência, da instalação do prelo em Cabo Verde, dando origem à publicação de periódicos não oficiais. A Segunda Parte, A Construção da Identidade Nacional Cabo-verdiana, é também composta por outros três capítulos. O primeiro (capítulo 5) concentra-se na emergência de um sentimento nativista, enquadrando-o no movimento nativista das colónias e nos movimentos pan-africanos surgidos em Portugal, com a descrição das condições endógenas e exógenas que determinaram o seu surgimento em Cabo Verde. Segue-se a abordagem da consciência regionalista, sendo Cabo Verde o espaço de identidade, na decorrência da crise mundial que se vivia nos inícios dos anos trinta e do estabelecimento do Estado Novo (capítulo 6). A afirmação do nacionalismo é o foco do último capítulo, com o surgimento de uma elite de ideologia nacionalista reivindicadora da herança africana e possuidora de um discurso de revolta, a qual viria a desenvolver a luta política e de libertação nacional como um acto de cultura, tendo utilizado, numa primeira fase, a escrita como uma forma de combate e de consciencialização para a independência nacional. Conclui-se o estudo fornecendo uma perspectiva integrada dos vários factores analisados e aperfeiçoando os modelos de interpretação propostos.

2. Conceitos Essenciais Esta investigação ancora nos conceitos teóricos de Identidade, Nação e Crioulismo, pelo que serão aqui definidos e analisados e operacionalizados ao longo da investigação. Serão ainda passados em revista, mas nos capítulos respectivos, os conceitos de Elite, Nativismo, Regionalismo e Nacionalismo, cujas ideias se entrelaçam com os anteriormente referidos, porque são melhor e mais precisamente definidos no contexto dos processos descritos.

2.1 - Identidade Para António Perotti (1997), Identidade é a maneira como os indivíduos e os grupos se revêem e se definem nas suas semelhanças e diferenças relativamente a outros indivíduos e grupos. Este autor salienta que, o termo, quando aplicado ao indivíduo, encerra dois sentidos. O primeiro diz respeito ao “conceito de identidade”, que tem sobretudo um significado de ordem psicológica. A identidade liga-se, assim, à percepção que cada 28

Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

indivíduo tem de si próprio, isto é, da sua própria consciência de existir enquanto pessoa na relação com outros indivíduos, com os quais forma um grupo social (a família, as associações, a sua própria nação). Esta percepção de identidade não existe sem o reconhecimento recíproco entre o indivíduo e a sociedade, o segundo sentido. Assim, a identidade comporta um aspecto subjectivo (a percepção da auto-identificação e da continuidade da própria existência do indivíduo no tempo e no espaço) e um aspecto relacional e colectivo (a percepção de que os outros lhe reconhecem essa identificação e continuidade). Aplicando princípios semelhantes ao colectivo, Anthony Smith (1997) indica como aspectos fundamentais da identidade nacional a partilha de aspectos comuns, que se referem a um território histórico ou terra de origem, mitos e memórias históricas; uma cultura de massas pública, direitos e deveres legais, uma economia comum e mobilidade territorial. Esta definição abrange os factores essenciais que possibilitam quer a identificação dos membros de uma mesma nação quer a distinção entre nações e constituirá a base para o desenvolvimento deste estudo. Muito precocemente se fez em Cabo Verde (já no século XVII, um século e meio após o início do seu povoamento) a distinção entre os “filhos da terra” e os “reinóis”; entre “Nós” – os nativos das Ilhas, os crioulos, os portugueses de cá – e “Eles” – os vindos do Reino, os metropolitanos, os portugueses de lá, com manifestação valorativa dos primeiros sobre os segundos, como atesta uma carta do Padre Sebastião Gomes, missionário jesuíta que se manteve no Arquipélago entre 1608 e 1630: “chegou a terra [Cabo Verde] a tais termos, que quantos há hoje [1615] na Câmara são crioulos, e dá-se-lhes tão pouco de nós [grifo nosso]”3. Esta dicotomia – “crioulos” versus “reinóis”, tendo como correspondente cultural a oposição entre cultura local/popular e cultura nacional/erudita – manteve-se e aprofundou-se nos séculos subsequentes, continuando o território de nascimento e a cultura de origem a ser a linha separadora entre um “Eles” e um “Nós”. E é este sentimento da diferença que galvaniza e dá identidade ao grupo dos crioulos e o leva à valorização e à defesa dos seus interesses face ao Outro, o português metropolitano.

“Carta do Padre Sebastião Gomes, de 1615”, in António Carreira, Documentos para a História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios da Guiné” (Séc. XVII e XVIII), Lisboa, 1983, p. 72. 3

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2.2 - Nação Nação é um antigo conceito tradicional, herdado da Antiguidade romana, que indicava originalmente o nascimento ou a raça como sinal de diferenciação entre os grupos humanos (cf. Schulze, 1997). Em 1882, Ernest Renan, numa conferência intitulada “O que é uma Nação?”, pronunciada na Sorbone, passou em revista todas as respostas correntes, refutando-as uma após outra, defendendo que a nação não pode ser definida e fundada em termos materiais: “[A nação] é uma alma, um princípio espiritual. Duas coisas que, na verdade são apenas uma, constituem esta alma, este princípio espiritual. Uma pertence ao passado, a outra ao presente. A primeira é a posse comum de uma herança rica de memórias, a outra é o empenhamento, a vontade de viver em conjunto”4. Embora a definição de Renan mantenha o seu valor, adoptamos a de Roger Scruton (1982) por esta ser mais actual e mais precisa: “a nação consiste num povo que possui uma língua comum (ou dialectos de uma língua comum), com um património de costumes e tradições, os quais podem ter sido interiorizados a ponto de os considerarem obrigatórios, e que reconhece interesses comuns e a comum necessidade de uma soberania própria”5.

2.3 - Crioulismo No Prólogo que escreveu para o estudo de Baltasar Lopes, O Dialecto Crioulo de Cabo Verde (1957), o Professor Rodrigo de Sá Nogueira (S. Vicente, 1892-1979) discute a etimologia da palavra crioulo e conclui que é um termo cujo radical significa criar (cf. Sá Nogueira, 1957, pp. 19-24). O crioulo significava, primitivamente, o negro nascido na América, em oposição ao negro oriundo de África. Significou, e significa ainda em alguns países latino-americanos, o descendente de europeus nascido em qualquer parte do mundo que não a Europa, nomeadamente no mundo americano (cf. Albuquerque, 1975). Contudo, o termo é geralmente aplicado aos descendentes de não autóctones, nas zonas tropicais, e indica origem, independente da cor ou da raça (cf. Mário António, 1968). Porém,

4 5

Ernest Renan citado por Hagen Schulze, Estado e Nação na História da Europa, Lisboa, 1997, p. 105. Definição citada por Ilídio do Amaral, Em Torno dos Nacionalismos Africanos, Lisboa, 2000, p. 53.

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Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

o termo crioulo tem resvalado para uma noção diferente, por associação com o seu conceito linguístico e factores sociais supervenientes. No domínio linguístico, designam-se por línguas crioulas, ou mais simplesmente crioulos, os instrumentos de comunicação de carácter vocal exercida no âmbito de uma dupla articulação linguística que resultaram da mútua interferência entre dois ou mais idiomas, um deles europeu e o outro ou outros não europeus, nomeadamente africanos ou asiáticos (cf. Morais-Barbosa, 1967). Essas línguas, segundo André Martinet6, são faladas por grupos compactos de indivíduos e em todas as circunstâncias da vida, à exclusão de qualquer outro idioma. O interesse pelas línguas crioulas não é muito antigo no mundo científico. Em Portugal, manifestou-se pela primeira vez em 1880, quando o linguista Adolfo Coelho publicou no Boletim da Sociedade de Geografia o seu primeiro artigo sobre “Os Dialectos Românicos ou Neo-Latinos na África, Ásia e América” (cf. MoraisBarbosa, op. cit.). No domínio etnológico, foi só a partir da segunda metade dos anos de 1960, ligado ao estudo das literaturas africanas de língua portuguesa, que o termo crioulo despertou particular interesse e foi motivo de discussão. O escritor Mário António (Angola, 1934-1989) lançou a polémica num texto datado de 1965 – “Luanda, ‘Île’ Créole”7 – ao defender que a designação crioulo se aplicava aos originários do litoral do continente africano criados pelos Portugueses e, nesse caso, a Luanda. Mas foi só a partir de 1975 que o conceito foi analisado em termos epistemológicos. No seu trabalho, No Reino de Caliban (1975), escrito entre 1969 e 1974, Manuel Ferreira (Portugal, 1917-1992), parte do princípio que “com o imparável desenvolvimento tecnológico, as estruturas económicas africanas não poderão mais resistir às mutações implacáveis que o curso da História impõe e só lhes restará a via de uma adaptação hábil e permanente para que a evolução cultural se processe com o menor volume de estragos possível, mantendo-se intacto o que há de medular na sua originalidade” (1975:19). Apesar de sustentar que o sistema social africano assenta numa estrutura cultural, Ferreira especifica que, no percurso histórico e social do homem cabo-verdiano, os traços ou padrões de cultura africana, ao longo dos séculos, se foram diluindo nos 6 7

André Martinet citado por Mário António, in Luanda, “Île” créole, Lisboa, 1968. Mário António, “Luanda, “Île” Créole”, pp. 13-56, in Luanda, “Île” Créole, Lisboa, 1968.

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estratos culturais europeus e, em contrapartida, estes se degradaram por pressões dos apports europeus africanos e uma mestiçagem, larga e profunda, tanto étnica como cultural, “por certo à custa de distúrbios quantas vezes dolorosos, dramáticos, se partiu para uma crioulização e, entretanto, para a sedimentação de uma cultura específica” (op. cit., p. 18). Assim, o único caso sui generis, que Manuel Ferreira (1975) identifica nos países africanos de língua portuguesa, é o de Cabo Verde: “[...] na verdade, toda uma cultura unificada a envolvê-lo, a modelá-lo, a definilo, incorporando naturalmente qualquer que seja o ser nascido nas ilhas. Nem ali mesmo se pode conceber coisa diferente. Está por inteiro fora de jogo conceber-se nas ilhas crioulas que um homem ali nascido e educado, seja qual for a sua cor, possa deixar de ser culturalmente um cabo-verdiano” (idem:43). Em Crioulismo e Mulatismo (Uma Tentativa de Interpretação Fenomenológica) (1975), Orlando de Albuquerque (Moçambique, 1925-) coincide, no essencial, com Manuel Ferreira, aliás, a quem ele dedica o seu trabalho, e faz uma clarificação de conceitos: “Na convivência entre o europeu e o africano, o grupo europeu, conquanto minoritário, era portador de uma cultura dinâmica sem ser agressiva (condição fundamental), o que, aliado ao seu sentido de radiação e de integração (característica dos seus próprios elementos) no viver dos aborígenes e, no que é mais importante, de integração dos aborígenes no seu próprio modo de vida, imprime ao seu descendente uma miscigenação especial, que vai ser o ponto de partida que poderá (se realizadas determinadas condições necessárias) dar origem ao aparecimento do crioulo. Numa primeira fase e como produto do mestiçamento, surge o mulato, que pode manter-se como tal, ou evoluir para o crioulo (o crioulo é um estádio mais avançado e personalizado do mestiço), mercê de circunstâncias favoráveis, que nem sempre surgirão [...]. Na formação do crioulo, processa-se uma verdadeira metamorfose, dela resultando, como vimos atrás, um homem, uma língua e uma cultura verdadeiramente novos. No mulato, que também é o resultado de um mestiçamento, tal como o crioulo, não há uma individualização, uma metamorfose, que leve à criação de um homem, língua ou cultura novas, perfeitamente individualizadas e personalizadas [...]. 32

Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

Culturalmente esta destrinça é, quanto a nós, bastante importante e não a temos visto convenientemente assinalada (salvo em Manuel Ferreira, se não estamos em erro), antes se fazendo, por vezes uma confusão identificadora entre mulato e crioulo, o que não corresponde à realidade. Como exemplos, por demais evidentes, poderíamos apontar os casos do crioulo de Cabo Verde (ninguém pensaria, nem socialmente, designá-lo por mulato) e do mulato de Angola ou Moçambique” (op. cit., pp. 12-14). Ao adoptar a origem portuguesa do vocábulo crioulo, Albuquerque (1975) restringe-o ao resultado do cruzamento entre o europeu e o africano, saído da colonização, excluindo o sentido amplo adoptado pela língua espanhola: “1. Dicese de hijo de padres europeos, nacido en cualquiera otra parte del mundo. 2. Aplicase al negro nacido en America, por oposición al que ha sido traído de África. 3. Dicese de los americanos descendientes de europeos”8. Orlando Albuquerque (1975) indica Mário António (1968) como tendo pretendido criar focos de crioulismo em Angola, referenciando “ilhas crioulas” em Luanda, Benguela e outras localidades do interior, recusando a tese com o argumento de que em Angola e Moçambique nunca tinha havido um verdadeiro crioulo ou um crioulismo autêntico. Salvato Trigo (Portugal, 1948-), outro estudioso das culturas e literaturas africanas de língua portuguesa, na sua Introdução à Literatura Angolana de Expressão Portuguesa (1977), concorda com os dois autores anteriores na rejeição do termo “crioulismo” para designar uma dualidade étnica e cultural: “O crioulismo entendemo-lo como um fenómeno de aculturação espontânea, isto é, resultante de contacto pacífico no sujeito a determinações legais estranhas à comunidade que recebe no seu seio elementos provenientes de zonas culturais, prentensamente superiores e evoluídas. Quer isto dizer que [...] o crioulismo só poderá acontecer, desde que haja uma perfeita inserção social e humana do estrangeiro na comunidade nativa que o recebe (op. cit., p. 119). É opinião de Salvato Trigo (1977) que, com a chegada dos primeiros militares e missionários, que inaugurava oficialmente a política colonial portuguesa, terminava a espontaneidade e o crioulismo: 8

Dicionário da Academia Espanhola, edição de 1932.

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“Em termos de relações humanas e de contactos culturais ficava quebrada, então, a espontaneidade para ceder lugar a uma imposição cada vez mais diferenciada. Do nosso ponto de vista, o verdadeiro crioulismo estava terminado. Iniciar-se-ia seguidamente o mulatismo, que entendemos como uma necessidade da parte do colonizador para poder garantir a sua permanência, apoiando-se em produtos mistos da sua política de opressão” (idem, p. 140). É, pois, com base no que aqui ficou expresso, que é empregue o conceito de crioulo ou crioulismo para explicar o caso de Cabo Verde. Ou seja, uma dualidade étnica e cultural que se manifesta numa individualidade linguística.

3. Relevância e Limitações do Estudo O longo processo de formação da nação cabo-verdiana foi determinante para que, muito cedo, surgisse o sentimento e a consciência de uma identidade nacional, como expressão de uma cultura singular que caracteriza o cabo-verdiano como tal e o distingue enquanto povo. É a tomada dessa consciência em relação a outros grupos humanos que o leva a valorizar a sua identidade e a desenvolver uma contestação cultural face ao domínio colonial. A consciência dessa identidade é ainda hoje muito forte no cabo-verdiano, sobremaneira evidente no seu discurso quotidiano e bem assim na coesão cultural das comunidades emigradas. Conhecer e caracterizar o processo da construção da identidade nacional cabo-verdiana apresenta uma relevância fundamental para os estudiosos da sociedade, da cultura e da nação cabo-verdiana. Neste percurso, recorre-se à identificação dos traços distintivos da cultura caboverdiana, ilustrados com textos na língua crioula9, em versão bilingue, como forma de permitir aos não falantes da língua materna de Cabo Verde a possibilidade de os entender, muito embora a tradução os possa desbotar. O recurso a uma diversidade de tipos de fontes, a um numeroso acervo documental e o seu cruzamento com informações recolhidas directamente de testemunhas dos processos em análise asseguram um alto grau de validade e confiança dos dados recolhidos. A combinação metodológica que concilia diferentes ciências, como atrás se referiu, reforça, por seu lado, a amplitude da interpretação e enriquece-lhe o significado.

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Respeitamos neste estudo as diferentes grafias do crioulo utilizadas pelos seus autores.

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Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

Não existindo praticamente nenhuma colecção completa dos periódicos de Cabo Verde nos arquivos nacionais consultados – Arquivo Histórico Nacional (AHN), Biblioteca Nacional da Praia (BNP) e Biblioteca Municipal de S. Vicente (BMSV), com excepção para aqueles publicados a partir dos anos trinta – devido, na opinião de Arnaldo França (1996), ao “nosso [cabo-verdiano] tradicional desleixo por arquivos e bibliotecas”10, privilegiaram-se as bibliotecas e hemerotecas portuguesas, particularmente as de Lisboa – Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL), a Sociedade de Geografia e a Hemeroteca da Biblioteca Municipal – as únicas a guardarem uma amostra significativa daqueles periódicos. Deparou-se, a pesquisa, com uma grande limitação, que foi a dificuldade de acesso e de consulta, principalmente aos periódicos dos fins dos anos oitocentos, princípios de novecentos. Alguns, por já se terem perdido, outros, pelo seu estado avançado de deterioração, o que leva a que os responsáveis das instituições vedem a sua consulta. Contudo, neste caso, foi o autor autorizado, a título excepcional, ao acesso de algumas destas fontes, para além dos mais relevantes, porque geralmente mais lidos, se terem obtido quase na íntegra. Ainda que não considerado no âmbito desta pesquisa, é de ressalvar que muito trabalho é preciso ainda fazer nos arquivos e bibliotecas dos Estados de Massachusetts e Rhode Island, EUA, principalmente das cidades de New Bedford, Boston e Providence, que, desde os fins do século XVII vêm acolhendo emigrantes cabo-verdianos, dispondo, no momento, da maior comunidade fora do território nacional. Aí se presume poder encontrar, por exemplo, notícias sobre a circulação das ideias republicanas e da liberdade, que terão sido levadas para as Ilhas pelos emigrantes “americanos” retornados, como é referido adiante neste estudo. Tem-se a consciência da novidade desta investigação quer por se debruçar sobre a imprensa quer pela forma de abordagem adoptada. Ainda que com diferentes objectivos, âmbito e metodologia, existem apenas dois estudos sobre a imprensa caboverdiana. Um, é o trabalho isolado e meritoso levado a cabo pelo estudioso Félix Monteiro (S. Vicente, 1909-2002), que, durante vários anos, aproveitando o gozo das suas “férias graciosas” em Portugal – normalmente entre 150 a 180 dias – pesquisou Arnaldo França, in “Prefácio” ao Poesias, de Guilherme Dantas, Praia, 1996, p. 8. É de elementar justiça referir o meritoso trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Arquivo Histórico Nacional, na Praia, a partir de 1985, na inventariação e transferência do espólio arquivístico existente em todo o território nacional. Mais recentemente, em 1996, foi refundada a Biblioteca Municipal de S. Vicente, no Mindelo, encerrada desde 1974, e criada a Biblioteca Nacional, na Praia, em 1999. 10

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os periódicos cabo-verdianos, chamando atenção nas suas “Páginas Esquecidas de Guilherme Dantas” (Brava, 1849-1888)11 e “Páginas Esquecidas de Eugénio Tavares” (Brava, 1867-1930)12, para o legado deixado por estes jornalistas e escritores. Recentemente, aquele investigador organizou e editou, em três volumes, toda a produção dispersa deste último jornalista, poeta e contista, a saber: Eugénio Tavares – Poesia, Contos, Teatro (Praia, 1996); Eugénio Tavares – Pelos Jornais (Praia, 1997); e Eugénio Tavares – Viagens, Tormentas, Cartas e Postais (Praia, 1999). O segundo estudo é um exaustivo levantamento e enquadramento histórico da imprensa realizado por Nobre de Oliveira (Santo Antão, 1955-), editado em Macau em 1998: A Imprensa Cabo-verdiana, 1820-1975. Nesta linha de contribuições para o estudo da história cultural e dos homens dos anos oitocentos, elemento subjacente à análise empreendida nesta tese, o autor desta investigação recolheu, organizou e prefaciou toda a produção ficcional de Guilherme Dantas – o romance Memórias dum Pobre Rapaz (no prelo), publicado inicialmente em forma de folhetim, e Contos e Bosquejos (no prelo), trabalho que inclui a restante produção em ficção desse escritor e dispersa em diferentes periódicos. De referir que, embora Cabo Verde tivesse estado inserido no “império português” juntamente com outras colónias ultramarinas, em que as decisões políticas eram todas emanadas do “centro”, isto é, da Metrópole, esta investigação não tem como propósito uma abordagem comparativa com as outras então colónias, se bem que a elas se refira quando isso se mostra pertinente. Foi ainda opção consciente nesta investigação privilegiar o aprofundamento do tema do Nativismo em todas as suas dimensões, nomeadamente, a sua relação com as ideias e o movimento pan-africanista, bem como as condições exógenas e endógenas que determinaram a sua emergência, por este tema não ter sido, até então, tratado na sua aplicação à realidade de Cabo Verde13 e por o nativismo constituir como que o embrião e o fundamento das etapas posteriores e das manifestações de nacionalismo. O desenvolvimento desta investigação foi em muito dificultada devido à falta de Félix Monteiro, “Páginas Esquecidas de Guilherme Dantas”, Raízes, N.º 21, de Junho de 1984, pp. 123-186. Idem, “Páginas Esquecidas de Eugénio Tavares”, Raízes, N.º 17/20, de Janeiro-Dezembro de 1981, pp. 121-173. 13 Augusto Nascimento (1992, 1998, 2001, 2002) é estudioso deste período para o caso de S. Tomé e Príncipe; Jill Dias (1998) e Aida Faria Freudenthal (2001), para o caso de Angola; e Aurélio Rocha (2002), para o caso de Moçambique. 11 12

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Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos

estudos anteriores e de reflexão teórica no âmbito das ciências sociais e humanas sobre a realidade cabo-verdiana, que pudessem servir de base ao tema ora abordado. Ressalvam-se parcos estudos parcelares e localizados, efectuados nos anos quarenta e cinquenta por estudiosos cabo-verdianos, embora sem formação específica nas áreas respectivas a que se dedicaram. Por exemplo, Baltasar Lopes (1956) explica, assim, a situação vivida pela elite intelectual da sua geração: “Entrevíamos o problema, mas faltava-nos a especialização e também a experiência desta espécie de estudos. Se exceptuarmos um ou outro domínio, como por exemplo, o da linguagem, éramos perfeitamente hóspedes em tantos outros, como o da antropologia cultural, da aculturação, das relações de raça e de cultura, do folclore entendido como ciência” (op. cit., p. 5). Existem ainda alguns estudos académicos recentes, principalmente nas áreas da História, da Sociologia e da Antropologia, mas são focalizados em questões muito específicas e restritas. Por isso, a presente investigação virá a ser a primeira a ser elaborada de forma abrangente e integrada e com uma perspectiva diferenciada, já que se trata do estudo de um “processo”, para o qual o autor contribuiu com o seu conhecimento empírico de cabo-verdiano. Em relação às Universidades e Institutos de Investigação Portugueses, existem, só em Lisboa, vários Centros de Estudos Africanos – CEA da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, CESA (Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento) do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa, CEPCEP (Centro de Estudos dos Povos e das Culturas de Expressão Portuguesa) da Universidade Católica Portuguesa, CEA da Universidade Internacional, CEA do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e CEAA (Centro de Estudos Africanos e Asiáticos) do Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) – que se têm ocupado de África, em particular dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), para além dos Departamentos onde têm sido realizadas teses de Mestrado e de Doutoramento sobre Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Cabe, contudo, aos estudiosos e investigadores das ciências sociais e humanas destes países e, mais especificamente, de Cabo Verde, uma maior responsabilidade na tarefa de realizar estudos e reflexões académicas sobre a sua realidade, como forma de proporcionar um “olhar de dentro” que complemente o “olhar de fora” dos africanistas oriundos de outros continentes. Apesar de Cabo Verde ser um país particularmente novo, com limitações finan37

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ceiras graves e sem uma Universidade14, já vai havendo no País pessoas formadas, principalmente nas universidades portuguesas, brasileiras e cubanas, no âmbito das ciências sociais e humanas, que se interessam pelo estudo da Linguística, da História, da Sociologia e da Antropologia, com aplicação à realidade cabo-verdiana. Neste particular, cabe um papel promotor importante ao Instituto Nacional da Investigação e do Património (INIP) e a responsabilidade da divulgação dos trabalhos realizados ao Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (IBNL) de Cabo Verde.

Existem em Cabo Verde alguns institutos superiores de criação relativamente recente, a partir dos meados da década de noventa – Instituto Superior de Educação, ISE (Praia); Instituto Superior de Ciências do Mar, ISECMAR (S. Vicente); Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais, ISCEE (S. Vicente e Praia); Instituto de Investigação e Desenvolvimento Agrário/Centro de Formação Agrária, INIDA (S. Jorge, Santiago) – e, muito recentemente, em 2002, o Instituto de Estudos Superiores Isidoro da Graça, IESIG (S. Vicente). Em 2001, o Instituto Jean Piaget (Portugal) instalou a primeira universidade em Cabo Verde, a Universidade Jean Piaget (Praia). 14

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Primeira Parte

A Formação da Nação Crioula

Figura 2.1 - Bandeira da República de Cabo Verde de 1975-1992. Fonte: António Martins, in www.terravista.pt/bandeira/cv

“Forma-se uma nação como se forma uma floresta: cada árvore raíza-se na terra em que nasceu. Depois, unidos, é que todos os carvalhos costumam oferecer uma resistência invencível aos próprios ciclones”. Eugénio Tavares In Jornal A Voz de Cabo Verde, 1914

P

rocura-se, nesta primeira parte da investigação, dar conta dos condicionalismos históricos e culturais que contribuíram para a estruturação da nação cabo-verdiana, assim fornecendo o suporte necessário à compreensão do processo da construção da identidade nacional. Este será, por sua vez, objecto de desenvolvimento na segunda parte da tese. Num primeiro momento, procura-se situar Cabo Verde, fixando-o em dois quadros de referência: geo-histórico e socio-económico. Dentro do quadro geo-histórico, aborda-se a situação geográfica do país, a história da descoberta das ilhas, o seu povoamento e a importância determinante da sua posição geo-estratégica para a sua história. No quadro socio-económico, evidencia-se a importância das condições naturais, da insularidade e das condições económicas na evolução demográfica e na miscigenação de que resultou o homem cabo-verdiano de hoje. Situado Cabo Verde, passa-se à caracterização de alguns dos traços que constituem a identidade cultural do homem cabo-verdiano, com ênfase para a língua crioula, as manifestações da cultura popular e as formas cultas de literatura, características de suporte à evolução do processo da construção da identidade nacional. Num segundo momento põe-se em evidência a emergência, circulação e reprodução de uma elite letrada devido, por um lado, à implantação e à difusão da instrução pública oficial e do Seminario-Lyceu de S. Nicolau, e, por outro, à vida intelectual desenvolvida nas ilhas. Nestas, apesar da exiguidade do seu meio, funcionaram dois teatros com sessões regulares de saraus culturais, uma Bibliotheca e Museu Nacionaes,

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diversas associações recreativas e culturais e se divulgava o hábito familiar de sessões de música e declamação de poesia. Por último, faz-se a contextualização socio-histórica e política do Movimento Liberal Português, o qual esteve na origem da instalação da imprensa em Cabo Verde, em 1842, e do surgimento da imprensa periódica. Analisa-se, igualmente, os períodos mais marcantes dessa imprensa – da Revolução Liberal, com a instalação do prelo, ao estabelecimento do Estado Novo (1842-1933) e, deste, à Independência Nacional (1933-1975) – bem assim o desenvolvimento de um jornalismo de opinião, de reivindicação e de combate que irá desempenhar uma função irradiadora na divulgação de ideias políticas. Propõe-se, igualmente, uma hipótese de organização dessa produção jornalística e literária em períodos e fases, indo dos seus primórdios à independência nacional.

Capítulo II As Ilhas de Cabo Verde

Mapa 2.1 – Localização do Arquipélago de Cabo Verde Fonte: Enciclopédia Geográfica Universal – Editora Globo, 1995

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Mapa 2.2 – Carta Hidrográfica do Arquipélago de Cabo Verde Fonte: Lopes de Lima, Ensaios Sobre a Statística das Possessões Portuguezas [...], Lisboa, 1844

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“Lugar do esforço, da fadiga, da mediocridade e da amargura, lugar de Notcha, a algumas milhas a noroeste, sempre a oeste deste tempo, do continente seu e de seus signos de Zimbabwé. Povo de terras de pesca e de sal-gema, de sol e de fictício milho, filhos sem fortuna e sem grandeza de ilhas de lenda-lugar de fortuna, de Antiguidade, de prosperidade e de justiça, vestígios do continente de Platão”. Timóteo Tio Tiofe In O Primeiro Livro de Notcha, 1975

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omo a história, ou porque é a história, a cultura de um povo mergulha as suas raízes no húmus da realidade material do meio em que se desenvolve e reflecte a natureza orgânica da sociedade, podendo ser mais ou menos influenciada por factores externos (Amílcar Cabral, 1978). É assim, pois, importante o conhecimento da realidade material em estudo, no caso, Cabo Verde, porque contribuiu de forma determinante para moldar o homem das ilhas e a sua realidade espiritual e cultural. Iniciamos esta investigação pela caracterização de Cabo Verde e do homem das Ilhas através do conhecimento da sua realidade geográfica, histórica, social e económica, bem como da sua evolução demográfica consequente.

1. Uma Resenha Histórica das Ilhas Uma breve resenha apresenta as ilhas em dois quadros de referência: (i) o geohistórico, envolvendo a situação geográfica, a história da descoberta e o processo de povoamento; e (ii) o socio-económico, compreendendo as condições naturais, económicas e da insularidade, a miscigenação e a estrutura social e os indicadores demográficos. 49

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1.1 - O Quadro Geo-Histórico A Situação Geográfica Situadas no Oceano Atlântico, entre o Trópico de Câncer e o Equador, nos paralelos 14º 12’ e 14º 48’ de latitude N e os meridianos 22º 44’ e 25º 25’ de longitude WG15, ao largo da costa ocidental do continente africano e a 500 km do promontório que lhes deu o nome – o Cabo Verde – dez ilhas e cinco principais ilhotas constituem a República de Cabo Verde, independente desde 5 de Julho de 1975 (ver Mapa 2.1). Postadas entre três continentes – Europa, África e América – as ilhas, que ocupam três graus de Norte a Sul e cinquenta e três léguas marinhas de Leste a Oeste, achamse arrumadas em forma de meia-lua, cujo lado convexo é voltado para o continente africano, para o qual estão, de facto, geológica, histórica, cultural e até etnográfica e etnologicamente, voltadas de costas (Brásio, 1962). Encontrando-se na continuação do Deserto do Saara, no percurso dos ventos alísios, é costume dividir o arquipélago em dois grupos: Barlavento – constituído pelas ilhas de Santo Antão, S. Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boa Vista – e Sotavento – integrado pelas ilhas de Santiago, Maio, Fogo e Brava. A ambos chega, com irregularidades próprias da sua posição marginal, a convergência inter-tropical (CIT). A História da Descoberta Durante muito tempo propagou-se uma versão segundo a qual a Ilha de Santiago teria sido encontrada pelos navegadores portugueses já povoada, ou pelo menos habitada, por “negros Jalofos, que da vizinha costa da Guiné ou fugindo em canoas, de seus inimigos (Felupes seus vizinhos), ou lançados ao mar pelas brisas de leste e correntes de água a oeste, se refugiaram naquela ilha (embora Barros e o seu contemporâneo Cadamosto nada dizerem sobre isso)” (Pusich, 1956:611). O Capitão-de-Fragata da Real Armada Lopes de Lima (1797-1852) defende que essa afirmação não passa de uma fábula, desmontando-a:

José Conrado Carlos de Chelmicki e Francisco Adolfo Varnhagen, Corografia Cabo-verdiana ou Descripção Geographico-Historica da Provincia das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1841. 15

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A Formação da Nação Crioula - As Ilhas de Cabo Verde

“Não passa de lenda pouco engenhosa essa tradição vaga e infundada que alguns Escriptores sem crítica (entre eles Feijó) nos têm transmitido à toa [...]. Nenhum Escriptor do tempo da descoberta falla em tal povoação, antes mui positivamente declaram todos, que a Ilha de S. iago se achou deserta como as outras: e a quem tenha medianos conhecimentos de navegação custará a comprehender — 1º – Como negros Jalofos, que nunca possuiram, nem possuem hoje, outra casta de embarcações, que não sejam grandes canôas abertas e sem tolda, podessem atravessar incolumes 150 leguas de um mar não pouco agitado com ventos de bolina! — 2º – Como estando o paiz dos Jalofos na terra firme ao Sul do paralello da Ilha de S. iago, as Brisas, que sopram sempre dos quadrantes do Norte, e as correntes, que vão sempre ao Sul com grande força, os trouxeram a esta Ilha!! ... É pois a tal povoação prévia uma história do canto do fogo, que eu deixo aos amadores do maravilhoso” (1844:103-104). O cabo-verdiano e também Capitão-de-Fragata da Real Armada Christiano de Senna Barcellos (Brava, 1854-1915) é de opinião que a descrição da viagem do navegador português Fernão Gomes, escrita pelo próprio, tira quaisquer dúvidas a esse respeito: “Dois anos depois (de 1458) o rei Affonso equipou uma grande caravela, em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavallos, e fui á terra dos barbacins, etc. etc., e com a ajuda de Deus em 12 dias cheguei a barbacim e ali achei duas caravelas, uma em que estava gonçalo ferreira, da casa do principe Henrique, natural do porto, que levava para ali cavallos, e na outra caravela estava o capitão antonio da noli, genovez, que era tambem mercador que trazia cavalos, isto foi no porto de Zaza, etc. etc. Eu e antónio da noli deixamos então aquele porto de Zaza e navegamos dois dias e uma noite para portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma d’aquellas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez antonio, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de santiago por ser descoberta no dia do santo, ahi pescamos grande abundancia de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha canária que se chama palma e depois fomos á ilha da madeira e querendo ir para portugal por causa do vento contrario fui parar as ilhas dos açores, antonio da noli esperou na ilha da madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a 51

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portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de santiago que eu tinha descuberto e o rei lh’a deu, e elle a conservou até a sua morte, eu com grande trabalho cheguei a lisboa” (1899:7). O problema da descoberta só é aqui levantado porque se liga a um outro: o de se saber se as ilhas eram habitadas quando os primeiros navegadores portugueses ali aportaram. É posição dos autores da História Geral de Cabo Verde (1991)16, que o achamento das ilhas orientais do arquipélago – Santiago, Fogo, Maio, Boa Vista e Sal – se deu em 1460 e foi obra de uma flotilha de duas caravelas comandadas por António da Noli e por Fernão Gomes, ao serviço do Infante D. Henrique. Esse “Prelúdio” recuado e desconhecido da História das Ilhas é assim recriado poeticamente por Jorge Barbosa (Praia, 1902-1971): Quando o descobridor chegou à primeira ilha nem homens nus nem mulheres nuas espreitando inocentes e medrosos detrás da vegetação. Nem setas venenosas vindas no ar nem gritos de alarme e de guerra ecoando pelos montes. Havia somente as aves de rapina de garras afiadas as aves marítimas de voo largo as aves canoras assobiando inéditas melodias17.

Luís de Albuquerque, “O Descobrimento das Ilhas de Cabo Verde”, pp. 23-39, in História Geral de Cabo Verde, Vol. I, Lisboa, 1991. 17 Jorge Barbosa, “Prelúdio”, in Caderno de um Ilhéu, Lisboa, 1956. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, pp. 123-124. 16

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Com a morte do Infante, ocorrida a 13 de Novembro de 1460, D. Afonso V, “o Africano” (1438-1481), doou, por Carta Régia de 3 de Dezembro desse ano, as ilhas do arquipélago de Cabo Verde a seu irmão, o Infante D. Fernando, herdeiro universal dos bens daquele, doação esta que se tornou perpétua e irrevogável por carta do mesmo D. Afonso V, datada de 19 de Setembro de 1462, para as “cinco ilhas descobertas nos dias do Infante D. Henrique por António de Noli, bem como as restantes sete achadas pelo dito Infante meu irmão [D. Fernando]” – Brava, S. Nicolau, S. Vicente, Santo Antão, Santa Luzia, e ilhéus Branco e Raso18. O Processo do Povoamento Em 1462 começou a tarefa do povoamento das ilhas – a primeira ilha a ser povoada foi Santiago e a segunda, a ilha do Fogo, entre 1480 e 149319 – como forma de fazer delas um ponto de apoio à navegação e de assegurar a continuidade das descobertas mais para o sul e do comércio na costa; mas, “por ser tão alongada de nossos regnos a gente não quer em ela [Santiago] ir viver senão com mui grandes liberdades e franquezas e despesa sua”. Por isso, e a pedido do Infante D. Fernando, concedeu o rei que “os moradores da dita ilha que daqui em diante para sempre hajam e tenham licença para cada vez que lhes prover poderem ir com navios a tratar e resgatar em todos os nossos tratos das partes da Guiné” (Ribeiro, 1955:95)20. O Infante D. Fernando e El-Rei D. Afonso V mandaram para ali algumas famílias do Alentejo e do Algarve que se estabeleceram nas ilhas de Santiago e do Fogo. A estes primeiros colonos seguiram-se portugueses que “abandonavam a sua pátria procurando ali maiores interesses” e os degredados que para ali eram enviados para expiar os seus crimes, para além de uma grande quantidade de escravos negros levados da costa da Guiné (Chelmicki e Varnhagen, 1841).

Doc. 3, “Doação ao Infante D. Fernando das Ilhas de Cabo Verde”de 19 de Setembro de 1462, in História Geral de Cabo Verde, (Corpo Documental), Vol. I, Lisboa, 1988, pp. 17-18. 19 As demais ilhas do arquipélago só tardiamente iriam ser povoadas (do século XVII em diante), Ilídio Baleno, in História Geral de Cabo Verde, Vol. I, Lisboa-Praia, 1991. 20 Doc. 4, “Carta régia concedendo aos moradores da ilha de Santiago de Cabo Verde autorização para comerciarem na costa da Guiné, com excepção da zona de Arguim”, de 12 de Junho de 1466, in História Geral de Cabo Verde (Corpo Documental), Vol. I, Lisboa, 1988, pp. 19-22. 18

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Em navios do resgate, logo vieram escravos cativos para o povoamento das ilhas. A primeira leva é assim imaginada e recriada poética e dramaticamente pelo mesmo Jorge Barbosa (1986): Era antigamente a primeira nau de escravos no rumo do Arquipélago rápida navegando sob o impulso dos alísios. …………………………… Ora pela viagem um dia de repente o céu e o mar escureceram …………………………… Depois que afinal amainou a fúria dos ventos e das vagas abriram ao ar e ao sol a boca de escotilha. Ao odor que havia juntou-se e veio ao cimo outro mais nauseante dos corpos dos negros que morreram de pânico sede e asfixia nos três dias e três noites da tormenta. …………………………… E o capitão ordenou a baldeação sem demora do porão e dos escravos em grupos vigiados ao longo do convés. …………………………… Assim aportou a primeira leva que vinha cativa para o povoamento das ilhas21. Jorge Barbosa, “Relato da Nau”, in Claridade - Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário, Praia, 1986, pp. 25-29. Escrita em Dezembro de 1966, na Ilha do Sal. 21

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Apesar de vários trabalhos já realizados por especialistas na matéria, nomeadamente, A. Chevalier (1935), Teixeira e Barbosa (1958) e Barbosa (1961), entre outros, está ainda por fazer a história do povoamento botânico das ilhas. Todavia, o Padre Brásio (1962) mantém como certo que as plantas úteis do arquipélago não são indígenas, mas importadas. Estão neste caso, a mandioca (América), a mangueira (Ásia), o abacateiro (América), a jaca (Malásia), a amendoeira índica (Índia), a purgueira, a papaia, o amendoim, o algodão, o tabaco, o sisal (América), o tamarindeiro (África tropical e Índia), o café (Abissínia e Angola).

1.2 - O Quadro Socio-Económico A cidade da Ribeira Grande, da ilha de Santiago, como porto marítimo, tinha uma importância capital. Ali iam-se abrigar as naus, fragatas e caravelas de todas as nacionalidades, que se destinavam à Índia e ao Brasil. Segundo Senna Barcellos (1899), comercialmente a cidade estava ligada a todos os portos do mundo. Essa situação geográfica privilegiada faz das ilhas um fundeadouro obrigatório para a navegação e um entreposto comercial privilegiado. As armadas fazem ali aguada e tomam mantimentos para as longas travessias. Em 1497, as naus de Vasco da Gama ali pousam e Pedro Álvares Cabral, em 1500, sob temporais do Atlântico, passa ao largo da ilha de S. Nicolau na rota para a descoberta das terras de Vera Cruz. Por outro lado, acatando a decisão papal o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 entre D. João II, “o Príncipe Perfeito” (1481-1495), e os reis de Castela D. Fernando e D. Isabel, toma Cabo Verde para a linha do meridiano divisória do mundo, resolvendo assim o diferendo entre Portugal e Espanha e fixando a linha de marcação entre futuras colónias (Barcellos, 1899). Devido à sua localização próxima do continente, a Carta Régia de 1466 concedeu aos moradores da ilha de Santiago a possibilidade de comerciar e resgatar escravos na costa ocidental africana, na zona compreendida entre o Senegal e o limite Norte da Serra Leoa e, em 1469, dá-se início à exploração da urzela para a tinta, que se tornou, depois do sal e até à descoberta dos corantes sintéticos, em meados do século XIX, o produto mais rendoso do solo cabo-verdiano. Mal se passou a conhecer o interesse que tinha o comércio e o resgate de escravos no arquipélago e nas costas da Guiné – “e corria ali então dinheiro a rodos”22 José Conrado Carlos de Chelmicki e Francisco Adolfo Varnhagen, Corografia Cabo-verdiana ou Descripção Geographico-Historica da Provincia das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1841, p. 7. 22

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– surgiram os franceses e, depois, os ingleses e os holandeses. São memoráveis os assaltos e pilhagens feitos pelos ingleses à cidade da Ribeira Grande em 1582 e 1598, este sob o comando do célebre corsário Francis Drake; e o dos holandeses à vila da Praia em 1712, que, segundo a tradição, até os sinos das igrejas roubaram, e em tão grande quantidade, que se afundaram muitas das suas embarcações, pelo peso com que foram carregadas (Almeida, 1938). Devido aos constantes ataques dos corsários, o comércio desapareceu, favorecido pelas comunicações com a África e o Brasil, para onde se começaram a exportar grandes quantidades de sal. A agricultura e a pecuária não readquiriram, contudo, o antigo desenvolvimento. As Condições Naturais Com uma superfície aproximada de 4.033 km2 (Anexo 1, Quadro 2), Cabo Verde tem um clima caracterizado pelo contraste de duas estações perfeitamente marcadas: a das “águas”, a mais quente, de Agosto a Novembro, de chuvas intimamente ligadas à deslocação setentrional da convergência inter-tropical; e a das “brisas”, de Dezembro a Junho, mais fresca e seca, em que predomina a acção dos alísios, que tempera muito um clima que no continente é mais penoso. As chuvas, quando abundantes e bem distribuídas, asseguram a agricultura, base da subsistência e de toda a economia; a escassez delas origina crises de miséria e de fome (Amaral, 1964). Cada ilha, contudo, é dotada de um aspecto diferenciado. Se o condicionalismo geológico e histórico são diferentes, as ilhas, ao longo dos séculos de povoamento, ganharam características que por vezes chegam quase a individualizá-las. A sua posição no mar, a sua superfície arável, as possibilidades industriais, a abundância ou escassez das suas águas, o povoamento mais ou menos antigo, o grau diverso dos cruzamentos e a emigração deram a cada uma fisionomia própria (Casimiro, 1935). S. Vicente foi o porto na encruzilhada de duas grandes rotas oceânicas, o estrangeiro instalado na exploração do porto e a formação de uma cidade parasitária deste. Santiago fora a posse pelos donatários e a ocupação pelo escravo. O Fogo foi o povoamento agrícola. Santo Antão foi a ocupação agrícola. São Nicolau foi a ocupação agrícola e eclesiástica. Sal e Maio, a indústria salineira. Boa Vista e Maio a pecuária. A Brava, a ocupação agrícola e a emigração.Com uma economia essencialmente agrária, as ilhas atravessaram, ao longo dos tempos, grandes calamidades devidas a estiagens. Quase sempre aparecem as primeiras chuvas em fins de Julho e duram até Novembro, quando 56

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cessam por completo. Assim, em grande parte do ano não há cultura, pois, além das sementeiras de milho, feijão e batatas, que se fazem na estação pluviosa, existem apenas mais algumas cultivadas nos vales, que são sustentadas pelas fracas nascentes de água. O geógrafo Ilídio Amaral (1964) explica a particularidade das condições naturais das ilhas como tendo um clima onde as temperaturas são elevadas todo o ano, com chuvas concentradas num curto espaço de tempo, mas, pior do que isso, faltando muitas vezes, o que põe sistematicamente em perigo as colheitas, os gados e os homens; e uma atmosfera asfixiante sob um tecto baixo de núvens, que mais sufocante se torna pelas quantidades enormes de calor libertadas de um solo nu de vegetação. As crises e os períodos de escassez de colheitas são conhecidas em Cabo Verde, pelo menos desde o século XVI, mas é a partir dos meados do século XVIII que se começa a ter uma melhor informação delas, devido ao facto de a população ser cada vez mais elevada e, de igual modo, as suas necessidades (Amaral, 1991) (ver Anexo 1: Quadro 1). A primeira fome de maior duração e de que se tem notícia mais precisa é, segundo Senna Barcellos (1904), a de 1748 a 1759, em que houve uma larga mortalidade23. O milho, que regulava de 80 a 100 réis o alqueire, passou a 1$200 e 1$500 réis. Chegou a dar-se escravos, por os seus donos não os poderem sustentar. A história de Cabo Verde parece, por isso, um tecido dos assaltos periódicos das crises agrícolas em que “o cabo-verdiano – seja qual for sua situação – transporta consigo a funda apreensão da estiagem possível” (Aurélio Gonçalves, 1998:127). As Condições Económicas Uma economia de base essencialmente agrária, pouco diversificada e frágil é factor condicionante no desenvolvimento socio-económico das ilhas. Ainda segundo Senna Barcellos (1908)24, o comércio da Ribeira Grande aumentou muito a partir de 30 de Setembro de 1469, com a permissão concedida aos espanhóis João e Pero de Lugo, para explorarem a urzela25. António Carreira, in Cabo Verde (Aspectos sociais. Secas e fomes do século XX), Lisboa, 1984 [1977], refere a duas fome graves anteriores a esta: a que se prolongou de 1580 a 1583, “em que morreu muita gente” e outra parte emigrou para “os rios da Guiné”, a fugir dos efeitos da fome; e a de 1610-1611. 24 A obra de base para o estudo deste período continua a ser, pela riqueza documental, Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1899-1913. 25 Doc. 5, “Carta de privilégio a Joham de Lugo e Pero de Lugo, castelhanos mercadores, que haviam feito trato de urzela nas ilhas de Cabo Verde”, de 30 de Setembro de 1469, in História Geral de Cabo Verde (Corpo Documental), Vol. I, Lisboa, 1988, pp. 22-23. 23

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Posteriormente, o governo do monarca D. João III, o “Piedoso” (1521-1557), tomou a peito o progresso das ilhas, tendo adoptado medidas de grande alcance: (i) o incremento da agricultura pela introdução da cana sacarina e o arroteamento de enormes tractos de terrenos, banhados por poderosas nascentes de águas, os quais a pouco e pouco, foram instituídos em morgadios e capelas; (ii) o desenvolvimento das indústrias da aguardente, do açúcar e de tecidos de algodão, em panos de diferentes qualidades; e (iii) a autorização para os moradores passarem a fazer o comércio na costa da Guiné, não só de escravos, mas também de ouro, cera, marfim e outros produtos, para Portugal (Barcellos, op. cit.). Durante o reinado dos Filipes de Espanha em Portugal (1580-1640), o comércio com a costa da Guiné ficou abalado, tendo passado o contrabando a fazer-se em larga escala, entrando assim a Província em grande decadência. Em 1675 foi aprovado o contrato para a fundação da Companhia de Cacheu e Comércio da Guiné, contrato esse que, não só veio a prejudicar o comércio das ilhas como contribuir para definhar a agricultura por falta de braços. Posteriormente, em 1690, foi criada outra companhia, a Companhia de Comércio de Cacheu e Cabo Verde, por um período de seis anos, cujo maior comércio consistia em escravos, que eram exportados para toda a parte. Seguiu-se, em 1757, a Companhia Pombalina do Grão-Pará e Maranhão, exercendo o direito ao exclusivo por vinte anos dos Governos Político e Militar das Ilhas de Cabo Verde, suas anexas e Costa de Guiné, desde o Cabo Branco ao Cabo das Palmas inclusive, abrangendo ainda as áreas da navegação e do comércio, incluindo a isenção total de direitos alfandegários para os géneros exportados e a faculdade dos géneros e das mercadorias transitarem livremente para os armazéns da Companhia sem fiscalização aduaneira ou outra. Por outro lado, o exercício do comércio escapava a todo e qualquer controle dos Governadores, Capitães-mores e Ministros. Os cargos mais importantes da governação e da administração pública eram preenchidos por indivíduos escolhidos pela Companhia, limitando-se o Rei a publicar os decretos de nomeação. A cobrança de impostos, direitos alfandegários, foros, dízimos e os demais, estava nas mãos da Companhia e esta podia dar a estes éditos o destino que entendesse. A apanha, o comércio e o transporte da urzela nos Açores, Madeira e Cabo Verde, constituía o exclusivo da Companhia26. “Petição”, datada de 14 de Novembro de 1775, e “Alvará” de 28 de Novembro de 1775, in António Carreira, “Cabo Verde e Guiné e a Companhia do Grão-Pará e Maranhão (Um documento inédito para a sua história”, Separata dos N.ºs 87/88 do Ano XXII, do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Bissau, 1967, pp. 317-324. 26

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Duplicando a Companhia o preço dos escravos, ninguém já os adquiria, sofrendo, por consequência, a agricultura com falta de braços. Por sua vez, os géneros duplicaram de preço, começando o povo a viver na maior miséria, os funcionários eram forçados a receber os seus vencimentos em fazendas, por a companhia não ter numerário, e as fazendas tornavam a ser entregues por menos da metade do valor à mesma companhia (Barcellos, 1904). Diferentes práticas seguidas durante vinte e cinco anos, reduziram a economia de Cabo Verde e da Guiné a um estado de debilidade. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, pelas violências e extorsões exercidas ficou sendo conhecida na história pelo nome de “Companhia do Olho Vivo”27. A Companhia do Grão-Pará e Maranhão é substituída, em 1778, pela Companhia do Comércio Exclusivo, tendo esta desaparecido em 1786. Assim, chegando ao século XIX, encontra-se um comércio, a princípio próspero, devido aos navios de baleia que da América vinham pescar para os mares de Cabo Verde. Entretanto, esses cetáceos começam a desaparecer dos mares do arquipélago, rebenta a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, os barcos americanos escasseiam e o Império Britânico descobre a magnífica posição geográfica do porto de S. Vicente28, passando este a ser o “pulmão” através do qual o Arquipélago respirava. As Condições da Insularidade É assente que numa situação insular o espaço físico condiciona a economia e determina as características das populações, diferenciando-as em relação às outras comunidades que lhe estão próximas. Para o poeta Jorge Barbosa (1941) a ilha é uma prisão – [...] Ilha tão desolada rodeada do Mar!... / ... as grades também da minha prisão! – e o mar, um convite para a evasão – Este convite de toda a hora / que o Mar nos faz para a evasão! / Este desespero de querer partir / e ter que ficar29.

Pedro Cardoso, “Episódio da história de Cabo Verde”, O Eco de Cabo Verde, N.º 20, Praia, Maio de 1934. Teixeira de Sousa, “Cabo Verde e a sua Gente”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação,, N.º 109, Praia, Outubro de 1958. 29 Jorge Barbosa, “Prisão”, in Ambiente, Praia, 1941. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, p. 113. 27 28

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O ilhéu, no seu isolamento em relação ao continente, é, segundo Mário Fonseca (Santiago, 1939-), um revoltado: Soterrado no fim do mundo Prisioneiro do destino e do mar, Contemplo das grades da minha prisão o cenário habitual ................................... Na miragem volante Do sonho Do dia a dia Esmagado entre dois paredões: terra e mar... (No fundo a revolta...)30. Um outro ilhéu, o açoreano Monteiro da Silva (1994), defende que o fenómeno da insularidade é muito mais do que o mero conceito físico e propõe para a sua caracterização, pelo menos, a constatação, em conjunto, de sete particularidades fundamentais (op. cit., pp. 40-49): –“a existência de uma comunidade socialmente organizada; – a existência de características e atributos antropológicos, culturais e sociais e económicos que a diferenciam das outras comunidades sociais e que lhe emprestam uma identidade própria mais ou menos acentuada, alicerçada por um determinado percurso histórico comum; – uma grande vulnerabilidade do sistema ecológico, social e económico; – uma economia pouco diversificada; – uma dimensão muito reduzida no contexto internacional; – uma delimitação clara de uma determinada fronteira física, que a separa de outros espaços e de outras comunidades, sendo o mar, normalmente, o elemento de fronteira. E é essa característica que determina e condiciona o quadro de valores dessa sociedade, em termos culturais, sociais e económicos; – a existência de “deseconomias”, ou sobrecustos ao nível económico e social”. Mário Fonseca, “Quando a vida nascer...”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 126, Praia, Março de 1960, pp. 25-27. 30

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O alargamento do conceito de insularidade, com as características aqui enunciadas, leva a que se considere a insularidade como um factor fundamental na estruturação da identidade do homem cabo-verdiano. As ilhas por quererem ser navios ficaram naufragadas entre mar e céu. .............................. Ah meu avô escravo como tu eu também estou encarcerado neste navio fantasma eternamente encalhado entre mar e céu.31 Sendo Cabo Verde um arquipélago, “o mar condiciona irremediavelmente a vida dos ilhéus e até pela ordem do excesso, fazendo de Cabo Verde uma soberania territorial com mais mar do que terra, numa terra excessivamente carente de água, embora rodeada de água em excesso” (Alberto Carvalho, 1991:33). As ilhas, com uma história de escravatura, sendo rota marítima e um lugar de pilhagem de piratas, desenvolveram no homem cabo-verdiano uma dupla identidade, centrípeta e centrífuga, que funciona de uma forma dinâmica. O amor à terra, a identidade centrípeta, é contrabalançado pelo gosto de viajar ou pela necessidade trágica de emigrar, a identidade centrífuga. Estes factores terão contribuído para que se desenvolvesse no homem das ilhas uma psicologia e uma cultura específicas – o sentimento do “querer bipartido”, na expressão do poeta Pedro Corsino de Azevedo (São Nicolau, 1905-1942)32, ou melhor, o desespero de “querer partir e ter de ficar” e o de “querer ficar e ter de partir”. Estes dois anseios, aparentemente antagónicos e contraditórios, são assim sintetizados pelo poeta Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930):

Aguinaldo Brito Fonseca, “Herança” Claridade – revista de arte e letras, N.º 8, S. Vicente, Maio de 1958, p. 30. Pedro Corsino de Azevedo, “Terra-Longe”, Claridade – revista de arte e letras, N.º 4, S. Vicente, Janeiro de 1947, p. 12. 31 32

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Se bem é doce, Bai é maguado; Mas, se ca bado, Ca ta birado!

Se o regresso é doce, A partida é dolorosa; Mas, se não se partir, Não se regressa!33

Neste contexto, os poetas tornaram-se marinheiros e navegaram nos rumos longínquos de todos os mares, tornando-se essa temática uma obsessão e um fascínio. O poema “Navegação”, de Jorge Barbosa (1956), é disso exemplo: Capitão dos mares foi só na imaginação que o fui... .................................. Era tudo mentira dos meus versos impossíveis da minha fantasia. Capitão dos mares! nem sabia navegação34. A condição insular produziu na sociedade cabo-verdiana um conjunto de atributos que objectivamente permitem identificá-la e, sobretudo, diferenciá-la das que lhe estão próximas, com particularidades e especificidades étnicas, sociológicas, linguísticas, de usos e de costumes. O Processo da Miscigenação No processo de formação do homem cabo-verdiano, a miscigenação aparece como factor fundamental. A miscigenação é a consequência da união sexual entre pessoas com tipos rácicos diferentes. As grandes descobertas do Séc. XV e o povoamento de novas terras consequentemente, levaram os europeus e, particularmente os portugueses, ao contacto com grupos étnicos de características antagónicas muito diferentes, que depressa deram origem a numerosos tipos mistos bem individualizados. Eugénio Tavares, “Morna de Despedida”, in Mornas. Cantigas Crioulas, Luanda, 1969 [1930], p. 41 (T. A.). Jorge Barbosa, “Navegação”, in Caderno de um Ilhéu, Lisboa, 1956. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, p. 151. 33 34

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No caso específico das ilhas de Cabo Verde, “achadas” desertas, o povoamento pôs em contacto dois elementos raciais e culturais diferentes: o branco e o negro, que se cruzaram desde a primeira hora. Em presença um do outro, sob pressão de factores vários, nomeadamente, a carência de mulheres brancas35, a facilidade de relacionamento do português, as relações havidas entre homens brancos e mulheres negras, a orografia das ilhas e a mobilidade dos primeiros comerciantes, fundiram-se dando origem ao homem crioulo, com uma língua de comunicação e uma cultura próprias (Mariano, 1959). Os costumes quase patriarcais das famílias povoadoras, o influxo da religião que irmanava senhores e escravos, a solidariedade vivamente despertada ante o desconhecido e perante os frequentes ataques dos corsários, de um lado e de outro, a maviosidade e a dedicação extremas da raça cativa facilitaram extraordinariamente a sua assimilação (Pedro Cardoso, 1934). Por outro lado, a história económica e social de Cabo Verde – o regime latifundiário, aplicado em Santiago, e o regime minifundiário, aplicado nas outras ilhas – terá determinado as características da miscigenação que em parte definem a fisionomia própria do homem cabo-verdiano (João Lopes, 1936). O patriarcalismo de Santiago, com os característicos morgadios servidos por grandes propriedades, criou um tipo de civilização semelhante às zonas brasileiras de economia escravocrata à sombra das casas-grandes com engenhos36, contudo, com menor compensação e reciprocidade entre as duas classes, os senhores, os brancos, e os escravos. Isso, segundo João Lopes (1936), terá determinado no homem de Santiago uma maior fidelidade às suas origens africanas e uma sobrevivência mais viva dos elementos sociais e folclóricos característicos do clima da servidão. No grupo de Barlavento, onde não vingou o tipo feudal-agrícola, existindo pequenas hortas-jardins pertencentes a gente modesta, sem grandes recursos para aquisição de vasta mão-de-obra escrava, transformaram-se todos, senhores e escravos, numa família. Daí ter tido lugar a miscigenação em grande escala, sendo que os filhos resultantes da união de senhores e escravos – os mulatos – viriam a constituir o recurso necessário de mão-de-obra para a lavoura (João Lopes, op. cit.). Em regra aportaram às ilhas homens brancos desacompanhados de suas mulheres. A mulher europeia não emigrava para África e quando foi com o seu homem fê-lo raramente. Para além disso, a presença da mulher branca nunca constituiu embaraço para que o homem europeu fixado nas ilhas se ligasse a uma ou mais mulheres africanas. As uniões de homem branco e mulher preta foram correntes e socialmente aceitas de forma geral. Não se olhava à função ou cargo que ele desempenhava. António Carreira, Cabo Verde (Aspectos sociais. Secas e fomes do século XX), Lisboa, 1984b. 36 João Lopes refere-se a Gilberto Freyre e ao seu livro Casa-Grande & Senzala, publicada em 1933. 35

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Chama-se desde já atenção para o facto de João Lopes (S. Nicolau, 1884-1979) e os homens da Claridade elegerem como objecto de estudo o grupo de Barlavento, mais pobre, devido à sua riqueza do ponto vista da miscigenação, e os nacionalistas da “Nova Largada”, o grupo de Sotavento, mais rica, pela sua maior fidelidade às origens africanas, tema que será retomado mais à frente, pela oposição dialéctica entre estas duas gerações. Os habitantes das ilhas cresceram rapidamente. Em 1582, nas duas ilhas povoadas, a população era de 15.708 sujeitos, sendo 12.408 na ilha de Santiago e 2.300 na ilha do Fogo (Carreira, 1969), população essa que, em 1730, passou para 40.000, sendo 25.000 na ilha de Santiago e 12.000 na ilha do Fogo (Chelmicki e Varnhagen, 1841). Segundo o censo de 1807, apesar da crise de 1773-1775, que provocara 22.000 mortos, a população aumentara para 58.431 habitantes, em que apenas 3% era constituído por brancos, sendo 41,5% mulatos e 55,5% pretos, entre escravos e forros (Quadro 2.1). Quadro 2.1 Recenseamento da População por Ilha e Segundo o Tipo Somático (1807) Ilhas

Brancos

Mulatos

Pretos Escravos

Pretos Forros

Total

Santiago

200

6:000

2:000

6:000

14:200

Santo Antão

500

8:000

150

5:000

13:650

Fogo

150

5:000

2:000

6:000

13:150

S. Nicolau

200

3:800

300

4:000

8:300

S. Vicente

1

50

9

140

200

Maio

1

200

200

50

451

Brava

600

200

180

6:000

6:980

Boa Vista

100

1:000

300

100

1:500











1:752

24:250

5:139

27:290

58:431

Sal

Total

Fonte: Chelmicki e Varnhagen, 1841, Tomo II.

Convém referir que a ilha do Sal não é mencionada por essa altura porque a exploração do sal naquela ilha, a actividade que a notabilizou e desenvolveu, deve ter começado por volta de 1808, com incremento a partir de 1820, mas só em 1838 se estabeleceu aí a primeira colónia importante, originária da Boa Vista e devido aos

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esforços do Conselheiro Manoel Antonio Martins (1772-1845)37, “o Senhor das Ilhas” (a expressão é de Maria Barreno, 1994)38. Embora se procurasse promover a população branca e houvesse o propósito expresso de contrariar o desenvolvimento das castas de mulatos que havia nas ilhas e apesar da Ordenança Real de 20 de Outubro de 1620 que determinava que se degradasse para as ilhas de Cabo Verde as mulheres que se costumava degradar para o Brasil39, deu-se, inevitavelmente, a fusão entre os grupos raciais. Essa amalgamação decorreu sem sobressaltos nem violências, originando, por uma contínua miscigenação, um tipo humano específico e uma cultura crioula. É o que Mesquitela Lima (1997) classifica de “cultura compósita”, e que explica: “Um dos grandes problemas da cultura crioula de Cabo Verde é saber, em termos antropológicos, o que é nitidamente africano e o que é europeu e, muito particularmente, reinol, isto é, português. Aliás, tem havido poucas tentativas deste género. Assim, pode-se dizer que, em Cabo Verde, nunca houve uma Etnografia, Etnologia ou Antropologia Cultural ou Social, cujos estudos nos pudessem fornecer ideias seguras para, numa análise do tipo sócio-antropológico, tentar separar os dois elementos fundamentais dessa cultura compósita”40. A Estrutura Social O Censo de 1878 (Carreira, 1984a) dá conta de que os naturais do “Reino e ilhas adjacentes” e os “estrangeiros” residentes em Cabo Verde totalizavam 1.003 indivíduos. Todos os outros – naturais do arquipélago (“brancos da terra”, mestiços e pretos) – seriam 98.514. Enquanto os naturais do Reino e ilhas adjacentes eram, em todo o arquipélago, 780 elementos, 39% dos quais do sexo feminino, com 84% fixado em Santiago e 16% em

Orlando Ribeiro, “As Ilhas de Cabo Verde no princípio do século XIX – Memórias de Antonio Pusich...”, in Garcia de Orta, Revista da Junta das Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1956, p. 633. 38 Referência ao romance de Maria Isabel Barreno, O Senhor das Ilhas (Lisboa, 1994), sobre a vida do Conselheiro Manoel Antonio Martins, escrito com base numa investigação histórica. 39 Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1899. 40 Mesquitela Lima, in O Ciclo Ritual das Festividades da Tabanca, de José Maria Semedo e Maria R. Turano, Praia, 1997, p. 11. 37

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S. Vicente, os estrangeiros residentes eram em número de 223, 12% constituído por mulheres, em que 76% residia em S. Vicente, 8% em Santiago e 13% na ilha do Maio. Os estrangeiros em S. Vicente eram, na sua maioria, ingleses dirigentes das companhias de carvão para fornecimento à navegação de longo curso, criadas a partir de 1850, e, eventualmente, os agentes da companhia telegráfica. Os assinalados na ilha do Maio faz supor que sejam ligados ao negócio do sal, que ali permaneciam por pouco tempo. Os europeus registados em S. Nicolau (7 do Reino e 2 estrangeiros) deveriam ser representantes da Empresa da Pesca da Baleia, situada no Carriçal, instalada por volta de 1872 (Carreira, 1984a) (Quadro 2.2). Quadro 2.2 Habitantes Naturais do Reino e Ilhas Adjacentes e Estrangeiros (1878) Do Reino e Ilhas

Estrangeiros

Ilhas

Barlavento

H

M

HM

H

M

HM

83

40

123

150

23

173

S. Antão

1

..

1

1

..

1

S. Vicente

75

40

115

147

23

170

S. Nicolau

7

..

7

2

..

2

Sal

..

..

..

..

..

..

Boa Vista

..

..

..

..

..

..

Sotavento

410

247

657

46

4

50

Santiago

388

242

630

14

3

17

Maio

10

1

11

29

..

29

Fogo

..

..

..

..

..

..

Brava

12

4

16

3

1

4

493

287

780

196

27

223

Total

Fonte: Carreira, In Raízes, Praia, 1984.

O Censo de 1878 não faz qualquer referência aos degredados. Porém, sabe-se que eram também em número reduzido. António Carreira (Fogo, 1905-1988) dá conta que até 1883 fora mandada para Cabo Verde 2.434 delinquentes, muitos deles condenados

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a prisão ou ao degredo, para cumprir penas por delitos políticos em consequência das lutas liberais e dos tumultos sediciosos de 27 de Julho de 1827 (Carreira, 1987)41. A insignificância do número de estrangeiros mostra, de certa maneira, qual deveria ser a sua posição social no meio, enquanto os naturais do Reino e ilhas adjacentes ocupariam os cargos directivos na função pública e nas organizações comerciais. Pode-se considerar, assim, terem existido na sociedade das ilhas três grandes grupos sociais distintos. O primeiro, constituído pelos brancos europeus e filhos da terra; o segundo pelos mulatos e africanos livres e forros; e o terceiro, pelos escravos. A estrutura é do tipo piramidal, com os brancos situados no topo, na base os escravos e de permeio os mulatos e os forros (Baleno, 1991). Os Indicadores Demográficos Os indicadores demográficos das ilhas sempre estiveram relacionados com condicionantes marcantes como as crises de alimentos e de fomes, os fluxos de entradas e de saídas e o crescimento natural da população. Três das principais crises afectaram de forma drástica a evolução demográfica das ilhas até ao fim dos anos oitocentos: (i) a crise de 1773-1775, que provocou 22.000 mortos, numa população de pouco mais de 50.000 indivíduos; (ii) a crise de 1831-1833, que causou 12.000 mortos, numa população de 60.000; e (iii) a crise de 1863-1865, que vitimou 30.000 pessoas, duma população que, em 1862, era de 97.000 habitantes (Terry, 1959; e Carreira, 1969). Acresce ainda as epidemias da cólera-morbus, de 1845-1847, e da febre amarela, em 1855, que afectaram grandemente a população. Apesar da natalidade ser grande, o aumento da população foi lento devido às fomes, atingindo em 1900 o número de 147.424 habitantes (ver Anexo 2: Quadro 3). Também característicos desta população são os fluxos de entrada e saída. Na entrada, há a atender o comércio de escravos, cuja proibição no litoral só foi feita em

O ministro da Guerra, Marechal Duque de Saldanha, vendo algumas das suas propostas recusadas pela regente, a Infanta D. Isabel Maria, demite-se a 23 de Julho de 1827. Este acto esteve na base de um amplo movimento em seu apoio que ocorreu entre 24 e 28 de Julho. Mas tal não evitou o afastamento do Marechal de Saldanha, que em Julho de 1827 é o primeiro liberal a exilar-se em França (Joaquim Serrão, História de Portugal, VII, Lisboa, 1993). 41

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1836, com a sua repressão em 184542, e o envio de degredados para Cabo Verde, em cumprimento de penas por delitos políticos ou comuns. Na saída, há a considerar a exportação de escravos, a emigração voluntária, principalmente para as Américas, e a emigração forçada, devido às crises periódicas da fome, para as roças de S. Tomé e Príncipe. Pela Portaria régia de 8 de Junho de 1864, Sua Magestade-Rei D. Luís I, o “Popular” (1861-1889), recomenda ao Governador-Geral de Cabo Verde Carlos Alberto Franco (1860-1864), que “em quanto durar a atual crise alimentícia do archuipélago, continue a facilitar a emigração voluntária dos pontos onde sobrar a população indigente”43. Aproveitando-se da situação e do pretexto de se refrescarem nas diferentes ilhas, alguns navios ingleses e franceses levaram dali muita gente livre, roubando uns, comprando outros, e muitos vendiam-se só pelo sustento, deixando-se escravizar por dez anos (Barcellos, 1904). Como forma de combater essa situação, uma Portaria Régia de 1864 regulamenta essa matéria: “Sendo necessário evitar que no transporte de emigrados de Cabo-Verde, na crise actual, ou na saída e transporte de colonos para qualquer província da monarchia, ou para paizes estrangeiros, quando sejam procurados na dita provincia, se cometam abusos que a humanidade não permitia consentir nem tolerar: manda sua magestade el-rei, pela secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, que o Governador-Geral da sobredita provincia, quanto á saída de colonos para paizes estrangeiros, cumpra e faça cumprir o disposto na carta de lei de 20 de junho de 1855, e quanto á saída para territorios portuguezes se regule pela mesma lei, para a fazer cumprir na parte em que, n’este caso, póde ser vantajosamente aplicado”44. Em síntese, sempre se disse que os dois recursos das ilhas de Cabo Verde são a sua latitude e a sua longitude, ou seja, a sua posição geográfica. Foi essa posição geográfica – situada entre três continentes, a Europa a África e a América – que determinou o seu povoamento como forma de apoiar os descobrimentos e comercializar com a A abolição da escravatura em todos os territórios da monarquia só viria a ser decretada em 1869, passando os escravos à condição de libertos, com obrigação de prestarem serviço a seus senhores até 29 de Abril de 1878 (Portaria N.º 205, de 19 de Dezembro de 1863, publicada no B. O., N.º 3, Praia, 20 Janeiro de 1864, e Officio 710, publicado no B. O., N.º 12, de 2 de Abril de 1864). 43 Portaria N.º 127, de 8 de Junho de 1864, publicada no B. O., N.º 24, Praia, 25 de Junho de 1864. 44 Portaria N.º 132, de 14 de Junho de 1864, publicada no B. O., N.º 25, Praia, 16 de Julho de 1864. 42

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costa. A forma de povoamento criou o tipo crioulo, que é a fusão das duas correntes imigratórias: o branco e o negro. As condições naturais, por seu lado, condicionaram a economia e a demografia e determinaram a sua História.

2. A Identidade Cultural Crioula Com a chegada do branco e do negro às Ilhas de Cabo Verde, confrontando as duas culturas45 em presença no mesmo espaço limitado e de convivência, terá ocorrido em ambas as raças um duplo processo de desintegração e de nova organização das suas identidades culturais. Para além disso, todo esse ambiente terá proporcionado ao mestiço nascido desse cruzamento, ainda sem uma identidade étnica definida, o confronto entre as diferenças culturais dos seus progenitores – a europeia do pai e a africana da mãe – e criar uma identidade cultural própria, a cultura crioula, que se caracterizava essencialmente por um sentimento de diferença. Nesse processo de aculturação, ou de contacto de culturas, operaram simultaneamente forças que terão actuado em direcções opostas, umas tendendo para a manutenção de particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade. Referindo-se a Santiago, o geógrafo português Ilídio Amaral (1964) explica que, de uma ilha que encontrou deserta, o homem criou uma ilha crioula, marcando-a com um traço original: “Para a sua ocupação e povoamento foi preciso introduzir tudo: homens, animais, culturas alimentares de Portugal, da África, do Brasil e da Índia. Nela se experimentaram e cruzaram influências, se caldeou um novo tipo humano, um novo tipo de mentalidade e até de linguagem: o crioulo [...]. Por toda a parte ainda são bem nítidos os traços originais desses cruzamentos: o pilão africano e a mó de pedra metropolitano; o batuque, tipicamente africano, muitas vezes acompanhado com ferrinhos de Portugal; o banco de ouri [jogo africano], que toda a gente joga; as culturas de subsistência, com base no milho introduzido no Brasil, exploradas por métodos africanos, mas em campos cuja arrumação recorda os da Metrópole; etc. Verdadeiro laboratório, plataforma rolante para todo o mundo, dela saíram os homens e os produtos da colonização das outras ilhas do arquipélago; dela partiram os primeiros gados para o Brasil, e o milho para a África” (op. cit., p. 19). Entende-se por “cultura”, conforme C. Lévi-Strauss, um conjunto de sistemas simbólicos: a linguagem, as relações de parentesco, a religião, as relações económicas, Brigitte Cardoso e Cunha, Psicanálise e Estruturalismo, Lisboa, 1981. 45

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A individualização cultural ou a identidade do homem cabo-verdiano, muito cedo definida, adveio desta sua mista realidade – a africana e a europeia – com características diversas e cheia de contrastes. Jorge Barbosa (1935) canta no poema “Povo” essa originalidade crioula: Conflito numa alma só de duas almas contrárias buscando-se, amalgamando-se numa secular fusão; conflito num sangue só do sangue forte africano com o sangue aventureiro dos homens da Expansão; conflito num ser somente de dois pólos em contacto na insistente projecção de muitas gerações...46 Ao lado de costumes e hábitos de importação europeia, encontram-se reminiscências de formas sociais, costumes e processos negro-africanos; amalgamando-se com pratos de cozinha puramente portuguesa, existem formas de alimentação de origem ou influência negro-africana; ao lado da família legitimamente constituída, detectase uma acentuada tendência poligâmica; a par da canção portuguesa ou ocidental, ondulam pelo ar a morna, o batuque, a finaçom (Duarte, 1999)47. O sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987), depois de uma visita meteórica às ilhas de Santiago, S. Vicente e Sal, entre 19 e 29 de Outubro de 1951, concluíra, em Aventura e Rotina (1953)48, tratar-se Cabo Verde de um caso de predominância de cultura africana, caracterizando-o por uma confrangedora pobreza de apports etnoculturais, para além de não esconder o desdém e a repulsa que o crioulo lhe causara, Jorge Barbosa, “Prelúdio”, in Arquipélago, 1936. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, p. 71. Texto inicialmente publicado na revista Vértice, Vol. XIV, N.º 134, Coimbra, Novembro de 1951. 48 Nas páginas 237-254 do livro, Gilberto Freyre descreve a viagem a Cabo Verde. 46 47

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enquanto “dialecto que nenhum português ou brasileiro é capaz de compreender senão depois de iniciado nos seus segredos” (op. cit., p. 240). Baltasar Lopes (1956), para contestar o autor de Casa Grande & Senzala (1933), o “Messias” que os tinha desiludido, e menorizar a componente africana do composto crioulo, inventariou e sistematizou o carácter regional (europeu) das ilhas49. Assim: a culinária, o artesanato, o folclore novelístico, o folclore dos provérbios e das adivinhas, os jogos infantis, a música popular e sua instrumentação, as festas populares (a Santa Cruz, o Santo António, o S. João, o S. Pedro, o Santo André, a Nossa Senhora da Lapa e da Luz, a matança do galo no dia da Pascoela) e, a dominar tudo, o facto importantíssimo de o arquipélago dispor de um instrumento de comunicação, a língua crioula. Procurando explicar as causas que teriam propiciado em Cabo Verde um povo culturalmente individualizado, Gabriel Mariano (1991) apresentou a hipótese de as características do meio físico terem influído nos processos de exploração económica e estes, por sua vez, terem actuado poderosamente tanto na mestiçagem como na sua estabilização social e cultural. Aurélio Gonçalves (1998) sumariou, por sua vez, como factores dominantes na modelação da alma cabo-verdiana, a insularidade, a paisagem, a estiagem e os tipos de actividade: “Todos eles conformando o cabo-verdiano como um lugar comum de feições contraditórias: um homem profundamente enraizado e, todavia, sonhando infindavelmente com as paragens por onde (como ele próprio diz) Deus passeou e fez multiplicar a abundância; esperando e rindo-se das próprias esperanças; alegre por natureza e triste por imposição dos acontecimentos; activo e fatalista” (op. cit., p. 141)50. A expressão do espírito do homem cabo-verdiano, a identidade e a especificidade da sua cultura, em suma, a crioulidade, é visível na língua cabo-verdiana, na manifestação da cultura popular (literatura oral, música, festas tradicionais, etc.) e nas

Esta posição viria a ser contestada nos anos 60 pelos jovens da “Nova Largada”, imbuídos do nacionalismo africano. Onésimo Silveira, Consciencialização na Literatura Caboverdiana, Lisboa, 1963. 50 Na “Apresentação” da obra, Arnaldo França refere que o artigo “Bases de uma Cultura de Cabo Verde” foi texto de uma conferência proferida em 20 de Maio de 1955, aquando da sessão inaugural do Centro Cultural de Cabo Verde, presidida pelo Presidente da República Portuguesa, General Craveiro Lopes. 49

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suas formas cultas de literatura. De referir contudo que, devido à actual urbanização acelerada dos meios rurais, ao fácil acesso aos órgãos de informação e às exigências dos novos tempos, muito do que aqui é referido como tradicional, pode não estar a ser praticado actualmente, correndo mesmo o risco de se perder.

2.1 - A Língua Crioula O crioulo, falado em Cabo Verde como língua materna e de comunicação de todos os cabo-verdianos, é o resultado de um longo processo de gestação, de reestruturação e de autonomização, num contexto esclavagista que remonta a muitos séculos (14621836)51, de colonização de vários decénios (1836-1975) e da independência nacional política desde 1975 (Veiga, 2000). Morfologicamente, a língua crioula é o português do século XV, cuja gramática se simplificou em contacto com as línguas dos afro-negros levados para o povoamento da colónia. O grande filólogo Rodrigo de Sá Nogueira (S. Vicente, 1892-1979) reconhece que “a escalpelização dos vocábulos de uma língua [...] é uma fonte inesgotável de informações do maior alcance científico para o conhecimento da psicologia, da história, da etnografia, de vários fenómenos sociais básicos, do povo que fala essa língua”52. Na linha do Mestre, Baltasar Lopes (S. Nicolau, 1907-1989) considera que o crioulo de Cabo Verde é um “fenómeno cultural” fundamental da sua identidade. E explica porquê: “O crioulo tem os seus domínios em que ele é como a respiração do povo que o criou e dele se serve como instrumento (mais rico e variável do que muitos supõem) de comunicação humana [...]. Não haja a menor dúvida de que todo aquele que tentasse e, por impossível, conseguisse a ‘erradicação’ do crioulo, mutilaria irremediavelmente a alma do homem caboverdiano. Seria uma das formas do genocídio” (1956:30).

1836 foi o ano em que se proibiu o comércio de escravos no litoral. Rodrigo de Sá Nogueira, “Prólogo”, in Baltasar Lopes da Silva, Dialecto Crioulo de Cabo Verde, Lisboa, 1957, p. 12. 51 52

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Por várias vezes, e em diferentes momentos políticos, as autoridades procuraram proibir o seu falar nas escolas, mas nenhuma medida conseguiu banir a língua crioula da comunicação. A nível da instrução primária, a primeira medida data de 1849, tendo constado do “Programma Interino da Escola Principal de Instrucção Primaria” que “na Escola só é permitido falar portuguez, o dialecto creoulo é absolutamente prohibido”53. Posteriormente, em 1920, o Governador Almeida Maia Magalhães (1919-1921), tendo notado, na sua visita às escolas das diferentes ilhas, que nalgumas delas o ensino se fazia ainda em crioulo, ou misto de crioulo e português, e sido informado pelo inspector escolar que “êsse abuso” tinha sido levado ao ponto de alguns interrogatórios dos exames se realizarem nessa língua, houve por bem “proibir expressamente o uso do crioulo nas escolas e determinar que a inobservância desta ordem seja considerada desobediência e, como tal, punidos todos os professores que infringirem”54. A nível do ensino liceal, o “Regulamento Interno do Liceu Central D. Henrique” em S. Vicente”, publicado em 1932, estabelecia no seu Artigo 3º: “É expresamente proibido falar crioulo dentro do edifício do Liceu”55. Apesar disso, Baltasar Lopes, em 1957, então reitor do Liceu de S. Vicente, baseado na sua experiência de professor de português do ensino secundário, testemunhava: “Verificamos que o crioulo já oferece hoje aos alunos imensas possibilidades expressionais. Eu já ouvi à saída de exercícios de Matemática e até de Filosofia os alunos a discutirem sobre o exercício em crioulo”56. Esta questão da língua, como um dos traços mais característicos da cultura caboverdiana, será retomada e analisada mais adiante nesta investigação.

2.2 - As Manifestações da Cultura Popular Luís da Câmara Cascudo (1967) explica que o nome folk-lore foi criado pelo arqueólogo inglês William Hohn oms (1803-1885) a partir de duas palavras: folk, povo, nação, família, parentela; e lore, instrução, conhecimento, sabedoria, na acepção “Programma interino da Escola principal de Instrucção Primaria”, Circular Nº 35, Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, N.º 196, de 22 de Abril de 1849. 54 Portaria N.º 303, de 8 de Maio de 1920, publicada no B. O., N.º 19, Praia, 8 de Maio de 1920. 55 “Regulamento Interno do Liceu Central D. Henrique em S. Vicente”, B. O., N.º 11, Praia, 12 de Março de 1932. 56 Baltasar Lopes, in Seroantropologia das Ilhas de Cabo Verde. Mesa Redonda sobre o Homem Cabo-verdiano, Almerindo Lessa e Jacques Ruffié, Lisboa, 1957, p. 137. 53

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da consciência individual do saber. Assim, folk-lore seria “the lore of the people”, a sabedoria do povo. Normalmente, com este termo se indicam as manifestações ligadas a uma tradição local, que já não está viva no dia-a-dia ou que já não é aceite a nível nacional. Nos tempos que correm, tais manifestações renascem para fins de animação cultural ou por interesses turísticos, ou para fins da afirmação das particularidades de populações, o que não é mais que a afirmação da sua individualidade. No caso de Cabo Verde, o folclore enraíza-se na psique colectiva como resultado do contacto cultural verificado entre o branco europeu e o negro africano e constitui a sincretização dos dois mundos e das duas culturas. É exemplificação disso a figura do lobo – muitas vezes será o lobo da Guiné (hiena), outras será o lobo da Europa – que aparece em muitos contos populares cabo-verdianos, juntamente com o chibo, em ambientes e épocas de estiagem e de fome, tão frequentes nas Ilhas, ou o caso da Festa da Bandeira da ilha do Fogo, reminiscência das festas da cavalaria medieval e festas africanas, ou da Tabanca da ilha de Santiago, memória dos festejos africanos levados do continente pelos escravos, ou ainda o “Colá S. João” [“Colá San Jôm”], identificável com as festas do mesmo santo em Portugal e danças africanas. Para esta investigação e como forma de sua sistematização, propõe-se organizar as manifestações da cultura popular em quatro tipos: (i) a literatura oral, compreendendo a narrativa, integrada pelos contos populares, e a poesia, composta pelo batuque e pela finaçom da ilha de Santiago, a curcutiçan57 ou o curcuti-desafio da ilha do Fogo, as cantigas de trabalho, dos meios rurais e das actividades marítimas, as cantigas de ninar e de roda e as lengalengas; (ii) as festas tradicionais, referindo-se às festas da tabanca na ilha de Santiago, das bandeiras na Ilha do Fogo, e do “colá San Jôm”, em algumas ilhas de Barlavento e na Brava58; (iii) os provérbios, ditados e adivinhas, pertenças de todas as ilhas; e (iv) a música tradicional, integrando a conhecida morna, a coladeira e o funaná.

Curcutiçan é um género de arte popular praticado pelos camponeses da ilha do Fogo, em que os contendores se injuriam jocosamente, à desgarrada. Teixeira de Sousa, “Curcutiçãn” (Recolhas Folclóricas)”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 63, Praia, Dez. de 1954, pp. 18. 58 Hoje em dia esta festa é mais celebrada entre os emigrantes, nos EUA. 57

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A Literatura Oral Os Contos Populares Alguns contos populares das ilhas de Santo Antão e S. Nicolau, recolhidos na língua crioula, no próprio estilo narrativo dos contadores e publicados na Claridade – revista de arte e letras (1936-1960)59, e muitos outros mais recolhidos por Elsie Parsons, entre cabo-verdianos das diferentes ilhas, emigrantes nos Estados Unidos da América, publicados no Folclore do Arquipélago de Cabo Verde (1968), permitem-nos concluir que a narrativa, ou os contos populares, podem ser sistematizados, grosso modo, em dois grupos. O primeiro, de origem religiosa, compreendendo os contos populares de inspiração religiosa, e o segundo, de ciclos temáticos, com o ciclo do Lobo, as várias versões das histórias do Ti Lobo e do Chibinho; o ciclo da Mãe d’Água, provavelmente a sincretização do mito europeu da Sereia e do culto africano do Iemanjá; o ciclo da Velha, má e feiticeira, provavelmente sincretização, na imaginação popular, da bruxa e da madrasta má – com intenção ética e de moralização60. O Batuque e a Finaçom O batuque de Santiago, a única ilha onde ainda é celebrado, é de origem africana e é constituído pelo batuque propriamente dito – canto com uso da cimbô61 e batimentos vigorosos e em ritmo acelerado das mãos sobre um chumaço de panos colocado entre as pernas (a tchabéta) e dança ritmada das ancas (o torno) – e pela finaçom, canto por um solista, improvisado ao sabor da fantasia e bater de palmas por um grupo que faz “baixão” (baxon), isto é, faz um coro de fundo (Baltasar Lopes, 1949)62.

Claridade – revista de arte e letras, N.º 2, Agosto de 1936; Nº 4, Janeiro de 1947; e N.º 7, Dez. de 1949. Claridade– revista de arte e letras, N.º 8, S. Vicente, Maio de 1958, pp. 74-75. 61 O “cimbó” ou a “cimbôa” é um instrumento musical de construção rudimentar. Tem um bojo de cabaça forrado de pele como tambor (o reflector dos sons), um braço de madeira terminado por uma caravelha, um cavalete e um arco, tendido por crinas untadas de breu, como de crinas também é a sua única corda vibrátil. Pedro Cardoso, in Folclore Caboverdeano, Porto, 1933. 62 Depois deste trabalho de tese estar concluído e de ser feita a sua defesa, ficamos a saber que o batuco é, de facto, um conjunto formado por “sambuna” e “finaçom”. T. V. da Silva, cita Nha Gida Mendi e explica que a sambuna é a cantiga do batuque em que se dá com o “torno” e vem antes da finaçom, enquanto esta não se dança; e a “tchabéta” é em ritmo lento e em volume baixo para se poder perceber a fala das cantadeiras. Cf. T. V. da SILVA, Finason di na Gida Mendi. Simenti di onti na com di manan [Finaçom da Sra Guida Mendes. Semente de ontem no chão de amanhã] (1990). 59 60

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A palavra finaçom terá a sua origem na palavra portuguesa, afinação, com significado de canto afinado. Segundo Margarida Brito (1998), a finaçom é uma melopeia que consiste num encadeamento de provérbios ou assuntos do quotidiano, declamados, com inflexões vocais, no ritmo de batuque, quase sempre improvisados no momento e normalmente cantado por uma mulher. Para Baltasar Lopes63, ela caracteriza-se pela expressão de regras morais, de normas de comportamento e de conceitos elaborados pela experiência e tem um certo carácter de romanceiro, embora sem regularidade métrica. Segue em nota de roda pé um texto exemplificativo de uma finaçom popular dos batuques da ilha de Santiago64: Em 1929, foram “absolutamente proibidos, como manifestações contrárias à civilização, já tão adiantada nesta cidade [Praia], os batuques, sejam ou não acompanhados de música e de cânticos, durante a noite ou a qualquer hora da madrugada por incomodar os habitantes desta cidade”65. As Cantigas de “Curcutiçan” ou “Curcuti-Desafio” Teixeira de Sousa (1936) explica que na ilha do Fogo, os camponeses, após um dia inteiro de trabalho, reúnem-se à noite para espairecer. Cantam mornas, dançam, contam histórias, “botam adivinhas”. Quando as lendas ou as adivinhas não agradam, um dos assistentes cai sobre a pele do narrador de histórias ou do “botador” de adivinhas, ridicularizando-o com versos os mais mordazes possíveis (o curcuti). Aponta-lhe as qualidades vis, os deBaltasar Lopes, “Finaçom”, Claridade – revista de arte e letras, N º 6, S. Vicente, Julho de 1948; e “O Folclore Poético da Ilha de S. Tiago”, Claridade – revista de arte e letras, N º 7, S. Vicente, Dezembro de 1949. 64 “Finaçom”, Claridade– revista de arte e letras, N º 6, S. Vicente, Julho de 1948, pp. 36-37: Branco ta morá na sobrado Branco mora no sobrado, Mulato ta morâ na loja, Mulato mora na loja, Nêgo ta morâ na funco, Negro mora no funco (cabana), Sancho ta mora na rotcha. Sancho (o macaco) mora na rocha. Ta bem um dia, Virá um dia, Nhô Trasco Lambasco, Sr. Trasco Lambasco, Rosto frangido, Rosto franzido, Rabo comprido, Rabo comprido, Ta corrê co nego di funco, Correrá com o negro do funco, Nego ta corrê co mulato di loja, O negro correrá com o mulato da loja, Mulato co branco di sobrado, O mulato com o branco do sobrado, Branco ta bá rotcha, el ta tomba… O branco irá para a rocha, irá tombar. 63

65

Edital da Administração do Concelho da Praia, publicado no B. O., N.º 23, Praia, 8 de Junho de 1929.

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feitos físicos, compara-o a um tipo de homem (ou de mulher) abjecto, já conhecido; considera-o um “não sabe nada”, um “zé-ninguém”. O atingido, porém, ouve com calma a injúria e responde, em seguida, com versos improvisados com toda a paixão, com todo o frémito. Esses versos provocam o riso a quem os escuta porque são combinações de expressões grotescas de efeito muito cómico. Esta veia poética que se terá mantido através de séculos, desde os antigos trovadores portugueses, revela-se nas cantigas de curcutiçan que, segundo Baltasar Lopes (1949), “evocam irresistivelmente as cantigas de mal-dizer, e chegam às vezes a extremos soezes de obscenidade”66. Compreende-se melhor a questão com a leitura dos versos de uma cantiga de curcutiçan. Para o efeito, segue um extracto de uma recolha feita por Teixeira de Sousa (1954), em nota de roda pé67:

Baltasar Lopes, “O Folclore Poético da Ilha de S. Tiago”, Claridade – revista de arte e letras, N.º 7, S. Vicente, Dezembro de 1949, p. 49. 67 Teixeira de Sousa, “Curcutiçãn” (Recolhas Folclóricas)”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 63, Praia, Dezembro de 1954, p. 18: Ele: Pescoço retesado como o da Sra. Ana Minguinha Topi teso Nhana Minguinha couve crua, xerém sem sal, cobri cru, xerem sim sal, mãos de pata, barriga de abrolhos, mon di pata, barriga d’ambrodjo, calcanhar duro que até fura o chão, calcanhada furâ chon, olhos como os de lula escondida no buraco, odjo di lula na braco, sovaco fedorento, como lugar de guardar leitão. sobaco ‘ngachâ liton. Ela: 66

Nho ‘Ntoni di Pico, nho Mané d’Orgon, ‘nguli rocha ca ba’l bandoba, cai na mar ca modjâ costa, cus’é nhô na Curral d’Ochon, sin má, sim pá, sim geraçon? Ele:

Sr. António dos Picos, Sr. Manuel dos Órgãos, que engoliu montanha que não lhe chegou à pança, que caiu ao mar e não molhou as costas, quem é o senhor no Curral de Ochôa, sem mãe, sem pai, sem linhagem?

Fundo baxo Rita Suzana, barriga largo, barril dum boca, p’ês mundo serba más sabi pa bó: – limo cobi, cadjau xerem, mar leti, rocha cuscus, lancha prato, remo cudjê

Cu fundo como o da Rita da Suzana, barriga larga, corpo como pipa de uma só boca, para que o mundo fosse mais divertido para ti: – limo teria que ser couve, calhau ser xerém, mar teria que se tornar leite e rocha cuscuz, lancha seria prato e o remo colher. (Cont...)

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As Cantigas de Trabalho Algumas cantigas de trabalho das ilhas agrícolas de Santo Antão, S. Nicolau, Santiago, Fogo e Brava, recolhidas e organizadas por Oswaldo Osório (1980), dão conta de, pelo menos, serem de dois tipos. O primeiro, as cantigas agrícolas, produto do meio rural tradicional agro-pastoril, por determinantes de natureza geo-económica e com utilização em épocas precisas, tais como as cantigas de guardas-de-sementeiras, de

Ela: Nariz pontero di rolóji, pêto forti, costa lacrado, doedjo bedjo, canela antigo, qui dâ fomi na trint’ê um. Trint’ê um conta’l na dedo pâ sumana ca bâ dipressa. Ele:

Nariz de ponteiro de relógio, peito forte, costas apertadas, joelhos gastos, canela antiga, que a fome de trinta e um [1831] causou. Trinta e um, conta-os no dedo para que a semana não passe depressa.

Oredja bela ‘scalé, boca banganha d’oriço, nariz caxa tabaco, stango (*) alto, basidja fundo, comê quarta, sujâ alquer (**), comê rato, rotâ liton, bexo orela bidé. Ela:

Orelhas como a vela de um escaler, boca como a carapaça do ouriço-do-mar, nariz que nem uma tabaqueira, peito saliente, barriga encovada, que come quarta e caga alqueire, que come rato e arrota leitão, lábios grossos como a ourela de bidé.

Bo stâ parce’m Dimingo Nhengo, Framanhengo, mudjê na guerra, el na fogon, trás di cocorota di bindi bedjo. Carragâ spingarda, el cai di costa; fundâ cobon, fusilâ pedi, sai na chada, fazê rapaz.

Pareces Domingo Nengo Framanhengo mulheres na guerra, ele na cozinha atrás de crostas de binde velho. Carregou a espingarda, e caiu de costas, desceu o vale, metralhou peidos, assomou na planície e fez-se de rapaz [gente fina].

A versão da “curcutiçan” para o português é uma gentileza do Dr. Teixeira de Sousa, feita especialmente para esta investigação, Santo Amaro de Oeiras, 20.01.2002. ( ) * “Stango” também significa peito. Teixeira de Sousa dá como exemplo um homem que era tratado por “Djon Stango” só porque possuía o peito saliente. ( ) ** “Comê quarta” (10 litros) de milho ou de feijão e “caga um alqueire” (40 litros) dos mesmos. “Sujar” também significa defecar.

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curral-de-trapiche68, também conhecidas por “colá boi”, e as cantigas de monda69; e o segundo, as cantigas marítimas, surgidas de actividades ligadas ao mar, de pescadores e de marinheiros, todas adstritas aos aspectos práticos decorrentes das actividades económicas do povo das Ilhas. É costume, nas ilhas agrícolas, semear o milho em terra ainda seca, antes das chuvas. A semente é colocada em covas pequenas e, depois, recoberta com terra e com pedras para as aves não esgaravatarem o milho. Aos meninos da casa é dada a tarefa de guardar essa “sementeira em pó” que, com canto, uma funda e muito ruído, espanta para longe os pássaros para não desenterrarem os grãos. As cantigas usadas são as do tipo “Enxota Pardal”: Iá, tchotinha iá! Mi N simia’l mi N ka kume’l Maman simia’l el ka kume’l Ki fari papai ki móre ka d’oche!

Eia, pardalinho eia! Eu semeei-o não o comi, Mamãe semeou-o não o comeu, Quanto mais meu pai que morreu [há muito!

Iá! Iá! Papai me k’sta ta kume’l

Eia! Eia! É mesmo meu pai que o [está a comer!

Iá! Iá! Papai me k’sta ta kume’l

Eia! Eia! É mesmo meu pai que o [está a comer!70.

Teixeira de Sousa, em Ilhéu de Contenda (1978), regista uma cantiga de trabalho – neste caso, uma cantiga litúrgica, “Salve Rainha”71 – entoada por ocasião da monda, na ilha do Fogo: “Junto ao portão do jardim os homens estacaram em semicírculo, os cabos das enxadas encostados aos peitos suados. Escorria-lhes suor pela cara abaixo, as Curral-de-trapiche é o terreiro onde os bois fazem girar o trapiche para moer a cana. As cantigas ali entoadas são também conhecidas por “colá boi”, significando o termo colá cantar, falar em voz alta. 69 A monda é uma operação feita à enxada que se executa no mês de Novembro, destinada a eliminar as ervas espontâneas que assolam as plantas, roubando os elementos necessários à sua subsistência. 70 Oswaldo Osório, Cantigas de Trabalho, 1980, pp. 48-49. NOTA: Dada à impossibilidade técnica em reproduzir a grafia fonético-fonológica utilizada no original, substituiu-se o c, o n e o s, com acento circunflexo, por tch, nh e ch, respectivamente, respeitando as normas do ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo Caboverdiano). “Bases do Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo Caboverdiano”, in Decreto-Lei N.º 67/98, publicado no Boletim Oficial da República de Cabo Verde, I Série, N.º 48, Praia, 31 de Dezembro de 1998. 71 As cantigas litúrgicas – as Divinas, as Ladainhas e a Salve Rainha – são cantadas “à capela” (sem instrumento) por mulheres e homens, às vezes a três vozes, às vezes em uníssono e em solo, ao qual responde o coro, entoadas pelo povo fora das igrejas e em épocas específicas (Margarida Brito, Os Instrumentos Musicais em Cabo Verde, Praia-Mindelo, 1998). 68

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camisas podiam-se torcer de encharcadas. Caía uma chuvinha miúda como urina de mosca. Afrouxaram os chapéus, olharam para o céu donde pingava fartura. Das gargantas entumescidas jorrou um Salve-Rainha sentido. O solista esganiçava notas que o coro abafava com acordes graves. Os borrifos persistiam, refrescando os rostos encalorados” (op. cit., p. 26). As Cantigas de Ninar e de Roda e as Lengalengas As cantigas de ninar são cantilenas que, entoadas no compasso binário, servem para embalar as crianças. Elas revelam crenças ancestrais e têm o propósito de esconjurar o mal e proteger o menino durante o sono. Segue em nota de roda pé uma cantiga de ninar (“Ná, ó menino ná...” [“Não, ó menino não...”]), de autoria de Eugénio Tavares72. Outros géneros de cantigas cultivados em Cabo Verde são as cantigas de roda, como a portuguesa “Linda Falua”:

72

Eugénio Tavares, “Ná, ó menino ná...” [“Não, ó menino não...”], in Mornas. Cantigas Crioulas, Luanda, 1969

[1932], p. 35, T. A.

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Ó rosto doce de ojo maguado, Es bo cudado Botal pa traz! Nhor Des ta dano um bida de paz, Ó nha Pecado De ojo maguado! Ná, ó menino ná, Sombra rum fugi di li! Ná, ó menino ná, Dixa nha fijo dormi...

Ó rosto doce de olhos magoados As tuas preocupações? Deita-os para trás! Senhor Deus dar-nos-á uma vida de paz Ó meu Pecado De olhos magoados! Não, ó menino não, Sombra ruim foge para bem longe! Não, ó menino não, Deixa em paz o meu filho, para que durma...

Sono de bida, sonho de amor, Ou graça, ou dor... És é nós sorte... Se Deus, más logo, mandano morte, Quem que tem medo Ta morrê cedo.

O sono da vida, sonho de amor, Ó graça, ó dor... Esta é a nossa sorte... Se Deus depois nos mandar a morte Quem tem medo É que morre depressa.

Toma nha ombro, encosta cabeça, Já’n dabo peto, Amá ragaz! Ó espírito doce, ca bo tem pressa: Deta co geto, Dormi na paz...

Toma o meu ombro, encosta a tua cabeça, Já te dei o meu peito, Bem como o regaço! Ó espírito doce, não tenhas pressa: Deita-te com jeito, Dorme em paz...

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Que linda falua, Que lá vem, lá vem, É uma falua, Que vem de Belém,

Senhor barqueiro, Deixe-me passar, Tenho filhos pequeninos, Que não posso sustentar73.

e as lengalengas: Quêm tem sê fi’gordim, Dá’l róbe de lagartixa,

Quem tem o seu filho gordinho, Dê-lhe rabo de lagartixa,

Dá’l cafê torróde, Detá’l na páia de cána,

Dê-lhe café torrado, Deite-o nas folhas da cana (açúcar),

Cubri’l que “pega sáia”, Bô t’ôia’l criá gordim.

Cubra-o com pragana, Vê-lo-á crescer gordinho74.

As cantigas de roda e as lengalengas são cantadas pelas crianças ou declamadas em forma de jogos rítmicos, com percussão corporal, a maior parte delas vindas das cantilenas de roda portuguesas (Margarida Brito, 1998). As Festas Tradicionais A Tabanca, na ilha de Santiago, as Bandeiras da ilha do Fogo e o “Colá San Jôm”, em algumas ilhas de Barlavento – Santo Antão, S. Vicente, S. Nicolau – e Brava são as festas tradicionais populares mais concorridas. A Tabanca Tabanca é a evolução semântica do termo que, primitiva e originariamente significava povoação, mantendo ainda hoje o seu significado na Guiné-Bissau. Félix Monteiro (1948) levanta a hipótese desta acepção ter sido importada com os stocks de escravos, que haviam de constituir a base da colonização da ilha. “Cantiga de Roda”, in Celina Pereira – Harpejos e Gorgeios (Compact Disc), Lisboa, Edição e distribuição SONOVOX, s/d [2000]. 74 “Esconjure”, in Celina Pereira – Harpejos e Gorgeios (Compact Disc), Lisboa, Edição e distribuição SONOVOX, s/d [2000]. 73

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Em Cabo Verde, a tabanca é uma associação recreativa e de ajuda mútua, com rituais que são uma reminiscência de ritos animistas trazidos pelos escravos, com uma área delimitada de actuação, identificando-se pelo nome das localidades onde estão sediadas. São os casos da “Tabanca da Várzea da Companhia”, da “Tabanca da Achada de Santo António” e da “Tabanca da Achada Grande”, na Praia, da “Tabanca da Chã de Tanque”, em Santa Catarina, e da “Tabanca do Chão Bom”, no Tarrafal. A Tabanca tem um chefe, o Rei, assistido por um Conselheiro, seu imediato, sendo ambos eleitos de entre os associados mais respeitáveis pela sua conduta, e também uma Rainha, que não é mulher do rei, às ordens de quem estão as “mandoras”, ou seja, as cativas (mulheres filiadas) e as filhas-de-santo (raparigas filiadas). O rei acumula as funções de tesoureiro e o seu imediato funciona como mestre-de-cerimónias religiosas, deles dependendo as hierarquias civil e militar. Os sócios vivem em harmonia, prestam uns aos outros assistência moral e material em casos de doença ou morte e auxiliam-se na construção das casas de moradia, nos trabalhos da lavoura, correndo por conta do proprietário as refeições servidas. A festa da Tabanca tem o seu início no dia 3 de Maio, dia de Santa Cruz, eventualmente por ser o dia em que os senhores, no tempo da escravatura, concediam certas liberdades aos escravos, e prolonga-se até 29 de Junho, dia de São Pedro, atingindo o seu ponto alto no dia de S. João, a 24 de Junho. No primeiro dia da festa é hasteada a bandeira da Tabanca, contendo o desenho do santo padroeiro do grupo75. Os músicos anunciam com tambores, maquetas e búzios o começo das festas e as mulheres cantam e dançam com grande alegria, marchando atrás ou à volta deles. No dia de S. João assiste-se à missa solenizada na Igreja Matriz, mandada celebrar pela Irmandade, seguindo-se “ladainhas” na capela privativa da associação, sob a orientação do mestre-de-cerimónias religiosas, com a assistência, em lugar de destaque, do Rei e da Rainha, rodeados das filhas-de-santo, todas vestidas de branco (Félix Monteiro, 1948)76. Sendo a Tabanca considerada “manifestação de feitio inteiramente gentílico e que não se harmoniza com o estado de civilização do arquipélago em geral”, houve tentativas

As Tabancas dos bairros suburbanos da cidade da Praia – Achada Grande, Várzea de Companhia e Achada de Santo António – têm como santo padroeiro, as duas primeiras, S. João Baptista, e a última, Santo António. 76 Consultar ainda José Maria Semedo e Maria R. Turano, Cabo Verde. O Ciclo Ritual das Festividades da Tabanca, Praia, 1997. 75

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da parte das autoridades administrativas no sentido de promover o seu desaparecimento, chegando a ser proibida por Portaria provincial de 26 de Abril de 1923: “Artigo 1.º. Ficam proibidas as festas populares denominadas “Tabancas” com as suas costumadas manifestações gentílicas, salvo, porêm, o poderem constituir-se em associações de socorros mútuos ou de beneficência, mediante as formalidades legais. Art. 2.º. As autoridades administrativas e policiais, os professores e em geral todas as entidades oficiais que possam exercer influência sôbre o espírito do povo empregarão os seus esfôrços para que êste se abstenha de manifestações colectivas de feitio desarmônico com os preceitos de civilização”77. Contudo, a resistência do povo de Santiago manteve viva essa tradição cultural, tendo tentado, frequentes vezes, junto às autoridades, fazer reviver essas festas, pelo que se prova não ser coisa fácil extinguir tão radicalmente tradições populares. Assim, por determinação do Governador António Guedes Vaz (1926-1931), para que se não perdesse totalmente as tradições populares características do povo caboverdeano, disciplinar e “civilizar” essas festas, “proibindo tão-somente o que nelas houver de cafreal e contrário aos bons costumes, procurando-se torná-las mais estéticas e consentâneas com o estado de civilização da Colónia”, foi nomeada, por Portaria provincial de 25 de Junho de 192778, uma comissão constituída pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal da Praia, o Administrador desse mesmo Concelho e o Ajudante de Campo do Governador, para proceder à elaboração de um regulamento para a exibição das Tabancas. Contudo, é só a partir de 1975, com a independência nacional, que a Tabanca volta a despontar com todo o seu fulgor79. A Festa das Bandeiras A Festa das Bandeiras é celebrada na ilha do Fogo, por ocasião do 1.º de Maio, dia de S. Filipe, e no mês de Junho, nos dias de S. João e S. Pedro, respectivamente, 24 e 29 de Junho, como um programa ecléctico de festas religioso-profanas que, na

Portaria N.º 52, publicada no B. O., N.º 17, Praia, 28 de Abril de 1923. Portaria N.º 78, publicada no B. O., N.º 26, Praia, 25 de Junho de 1927. 79 Muito recentemente, no ano 2000, foi criado o “Centro Cultural de Tabanka de Santa Catarina – Museu da Tabanka”, por iniciativa da Câmara Municipal de Santa Catarina, ilha de Santiago. 77 78

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opinião de Félix Monteiro (1958:9), é “o resultado do contacto cultural verificado em Cabo Verde entre o branco europeu e o negro africano: em compartimentos estanques, a Europa na sala e a África no pátio interior da casa do festeiro”, ou melhor, do dono da festa. As festas são anunciadas por meio de foguetes e começam com o “pilão” – o pilar do milho para o xerém-de-festa (farinha grossa de milho) – com três mulheres ou raparigas a trabalhar em simultâneo em cada pilão, ao som e no ritmo de canções apropriadas, operação essa que é dirigida por uma mulher idosa. Em paralelo ao trabalho do “pilão”, há a matança das reses (carneiro e chibarro) para a Festa das Bandeiras, também acompanhada de danças e cânticos. Horas depois da matança, entram em cena os “canisade”80 que dançam e fazem momices no quintal do festeiro, seguidos dos tambores e das cantadeiras, para quem não faltará uma pratalhada de xerém, com couve e carne, além de uns copos de aguardente. A festa verdadeiramente começa na véspera do dia dedicado ao santo festejado, sendo que os dias anteriores são destinados aos preparativos. Nessa tarde a bandeira é levada solenemente à Igreja Matriz pelos cavaleiros, que se apresentam com vestuário especial e os cavalos enfeitados com fitas e flores. No trajecto para a igreja, em desfile solene e grave pelas ruas da cidade, os cavaleiros dão a bandeira a beijar às pessoas que assistem à sua passagem, da varanda ou das janelas exteriores. A bandeira é depois entregue pelo guião, de joelhos, ao sacerdote, que o coloca no altar, onde permanece durante a cerimónia que tem lugar a seguir. Na missa do grande dia, enquanto os cavaleiros estão dentro da igreja, os escudeiros tomam conta dos cavalos, que ficam no adro da igreja até à hora da procissão. À porta, os tocadores de tambor aguardam o momento de entrar em acção. Na procissão, o porta-bandeira abre o cortejo, a cavalo, ladeado pelos tocadores de tambor. Com a haste inclinada para a frente, faz oscilar a bandeira pendularmente, em movimentos sincronizados com o toque dos tambores. A pouca distância, alinham-se os restantes cavaleiros, todos a cavalo, formando alas, seguindo-se-lhes o cortejo religioso. Finda a procissão, dirigem-se os cavaleiros à beira-mar, a confraternizar com a Bandeira-da-praia. “Canisade”, segundo Félix Monteiro, é a corruptela da palavra “encamisadas”, palhaçadas que se faziam, nalgumas regiões de Portugal, nos séculos XVI e XVII, que consistiam no desfile de personagens cómicas pelas ruas, mascaradas e disfarçadas com grandes camisas. In Claridade – revista de arte e letras, N.º 8, S. Vicente, Maio, de 1958. 80

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O último número da festa é as cavalhadas, ou torneios, precedidas de almoço em honra dos cavaleiros e em que tomam parte muitos convidados. À hora das provas, o Alto de S. Pedro enche-se de espectadores. O júri, constituído por gente grada, coloca-se numa mesa e cadeiras mesmo à frente do local onde a pista é atravessada, à altura conveniente, por um fio do qual serão suspensos argolas, grinaldas de flores, bilhas e vasos com as chamadas surpresas – gatos, pombos, água, caliça e outras. As provas começam com uma argola de pequeno diâmetro que os cavaleiros, um de cada vez, tenta apanhar com a ponta da lança, em plena corrida. Os que conseguem dirigem-se à Mesa a entregar a argola, que é recebida em bandeja ou salva de prata, seguidos triunfalmente pelo rufar dos tambores, no meio das aclamações entusiásticas da assistência. Seguem-se outras provas, entre as quais a corrida das rosas, em que os cavaleiros correm abraçados, dois a dois. Findas as provas, os tambores tocam a reunir para se fazer a entrega da bandeira ao novo festeiro, cuja pretensão previamente apresentada é ponderada pelo júri (Félix Monteiro, 1958). A Festa do Colá San Jôm A festa de S. João Baptista, ou do “colá San Jôm”, celebrada a 24 de Junho e integrada nas Festas Juninas, é uma das principais festas populares nas ilhas de Barlavento – Santo Antão, S. Vicente e S. Nicolau – e na Brava. Nas ilhas de barlavento, a festa tem as mesmas características. Na Brava, a festa já possui características distintas e originais, pelo que também será aqui descrita de forma comparativa81. Em S. Vicente a festa decorre na Ribeira de Julião, localidade que dista poucos quilómetros da cidade do Mindelo. Mesquitela Lima (1992) descreve-a como uma espécie de romaria onde há de tudo: missa, comeres, beberes e dança, acompanhada de tambores e de apitos. A dança é a umbigada (movimento ritmado em que os pares chocam os umbigos), denominada colá San Jôm, sobretudo praticada entre mulheres mas também entre homem e mulher. Os tambores, cuja forma são de origem portuguesa, são tocados com baguetes, produzindo um ritmo sincopado nitidamente africano. Tambores e apitos dirigem as dançarinas, que aceleram as umbigadas consoante o toque. Em 1998 foi defendida uma tese de Doutoramento em Antropologia Visual na Universidade Aberta, de autoria de José da Silva Ribeiro, precisamente sobre esta festa, tendo resultado como produto um filme e um livro, Colá S. Jon, Oh que Sabe! As Imagens, as Palavras Ditas e a Escrita de uma Experiência Ritual e Social, Porto, 2001. 81

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Um navio à vela é outro elemento castiço da festa. Construído numa escala reduzida, com uma grande abertura no centro, permite a um homem entrar nele e segurar o navio com as duas mãos por intermédio de correias estrategicamente colocadas para que fique à altura da cintura. Este homem, chamado capitão e usando um boné, por vezes a farda completa, de oficial da marinha, maneja o navio em consonância com os apitos e tambores, praticando bolina, bordejando, vento em popa, tal como se estivesse no mar. É igualmente sacramental toda a gente usar colares de pipocas (“milho aliado”) que se vende no local, sinal de que esteve presente na festa, ou seja, que era romeiro (Mesquitela Lima, op. cit.). Seguem em notas de rodapé duas descrições em verso da festa. A primeira é do poeta Jorge Barbosa (Praia, 1902-1971), “Tambores de S. João”82, e, a segunda, do poeta Sérgio Bonucci Frusoni (S. Vicente, 1901-1975), “Festa de San Jôm”83.

82

Jorge Barbosa, África, Literatura – Arte e Cultura, N.º 2, Lisboa, Outubro/Dezembro de 1978, pp. 153-156: Vai o povo também vai seguindo e dançando a dança alucinada do choque violento dos abdómens

entre apitos gritos e delírios ao compasso da toada guerreira dos tambores. ....................................

Segui depois tocadores com os vossos tambores a rufar com o povo a dançar entre gritos e apitos segui pela estrada da Ribeira do Julião.

“Festa de San Jôm”, in Mesquitela Lima, A Poética de Sérgio Frusoni. Uma Leitura Antropológica, Lisboa, 1992, pp. 164-167: 83

Festa de San Jôm Festa de trupida, d’intentaçom, de bebedêra!... Ê tambor tâ tocâ, gente tâ colá, apite, grite, confusôm, poêra!... Festa sagrôde, tambem. N’Igrejinha, barrotóde de gente na mei daquêl tchêr quênte, pêsòde suôr, bô tá oiá luz de véla trêmê, pa sôpre de tonte bóca tâ lová Nossiôr!...

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Festa de São João Festa de barafunda de sarilhos, de bebedeiras!... É tambores tocando, gente “colando”, apitos, gritos, confusão, poeira!... Festa sagrada, também. Na Igrejinha, abarrotada de gente, no meio daquele cheiro quente, pesado de suôr, viam-se as luzes das velas tremer, pelo sopro de tantas bocas louvando Nosso Senhor!...

A Formação da Nação Crioula - As Ilhas de Cabo Verde

A anteceder o dia de S. João Baptista, coincidindo com a festa pagã do solstício de Junho, há o tradicional saltar da fogueira (as “lumenaras”), eventualmente recordando o imemorial culto do fogo, e os fogos de artifício, prática também em Portugal associada à celebração do dia do Santo, na noite de véspera. O Nhô San Djôm (“Senhor S. João”) da ilha Brava, não possui a umbigada característica das ilhas de barlavento. As coladeiras fazem os balanceios do “colá San Jôm”, mas apenas colam84, isto é, cantam ao desafio numa espécie, às vezes, de louvor e outras, fazendo lembrar a curcutiçan da ilha do Fogo, tipificada pela cantadeira Ana Procópio85. Os tambores executam toques semelhantes aos das outras ilhas, mas não com a mesma pureza do repicar, ou melhor, das “esporadas”. Diferentemente das outras ilhas, na ilha Brava o cavalo dança ao som do tambor enquanto o dono leva a bandeira com a imagem de S. João (Rodrigues, 1997). Os Provérbios, Ditados e Adivinhas Com poucas excepções, os provérbios, ditados e adivinhas são comuns a todas as ilhas do arquipélago e sistematizam a sabedoria do povo. Nas ilhas de Barlavento, a adivinha é introduzida pela expressão “adivinha, adivinha...” e, nas ilhas de Sotavento, por “o que é, o que é: ...” Seguem amostras de alguns provérbios (Parsons, 1968:748-752): 1 – Milho cozido já passou a sementeira. 2 – Galinha que esgravata acaba por desenterrar os ossos da mãe. 3 – O pinto pica a velha, a velha não se irrita, irrita-se o pinto. 4 – Bezerro manso, tanto mama na mãe como nas outras vacas.

Originalmente, o termo colá significava cantar, falar em voz alta – “O povo dança falando”, Daniel Tavares, “Mesa redonda sobre o homem cabo-verdiano”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 100, Praia, Janeiro de 1958. Posteriormente, e nas ilhas de barlavento, o vocábulo alargou o seu significado passando a incluir a dança da umbigada. É assim que por vezes nessas ilhas se diz colá ou dançá San Jôm. 85 A este propósito, consultar Félix Monteiro, “Cantigas de Ana Procópio”, Claridade – revista de arte e letras, N.º 9, S. Vicente, Maio, de 1960, pp. 15-23. A cantadeira Ana Procópio “confiava tanto na sua capacidade de improvisação que, nos momentos de grande entusiasmo, podia dar-se ao luxo de desafiar os tocadores a variarem de ritmo, de intensidade, de tom, a seu belprazer, na certeza de que saberia seguir-lhes no encalço, sem se atrapalhar”. 84

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5 – Coitado é filho do gafanhoto, que não tem asas para voar. 6 – Quem tem rabo de palha não salta fogueiras. e de algumas adivinhas (António Brito, 1887: 661-662): 1 – Chôru na kasa diriba, lagôa na kasa di baxu? Trapiche.

Choro no andar superior, lagoa no inferior? Trapiche.

2 – Tãki di feru, agu di madera? Kãdia di sêti.

Tanque de ferro, água de madeira? Candeeiro de azeite.

3 – Nu na Kasa, bistidu na kaminhu? Nabi.

Nu em casa, vestido no caminho? Navio.

4 – Dôs mudjer na jhanéla kada u ka ta ojhâ Kõpanheru? Ojhu.

Duas mulheres à janela sem se poderem ver? Olhos.

5 – Nabi kijha pâ riba? Kasa.

Navio de quilha para o ar? Casa.

6 – Dia ki nha baka preta ka subi mõti, mundu ka sabi? Kalderõ.

No dia em que a minha vaca preta não subir ao monte o mundo não me é agradável? Caldeirão.

A Música Tradicional Estiveram em voga na maior parte das ilhas de Cabo Verde várias formas musicais, das mais diversas origens, como o maxixe, o tango, o galope, a contradança, o bolero, a mazurca, a valsa, a polca, o fox-trott e o samba, que eram utilizadas nas chamadas “Danças de Salão”. Contudo, constitui música popular genuinamente cabo-verdiana, tocada e dançada nos “Bailes Nacionais”86, a Morna, a Coladeira e o Funaná. Até antes da República dançava-se o Landum (ou Lundum), tornando-se raro a partir de então, sendo hoje praticamente inexistente, com resquícios na ilha da Boa Vista87. Nas décadas de setenta e oitenta do século XX, surgiu o género da balada, com conteúdo marcadamente revolucionário, reivindicativo e de denúncia social88. Designavam-se por “nacionais” os bailes que tinham por base uma subscrição pública. Célia Reis, “Cabo Verde”, in Nova História da Expansão Portuguesa, Vol. XI, Lisboa, 2001. 88 M. Brito-Semedo, A Morna-Balada. O Legado de Renato Cardoso, Praia, 1999. 86 87

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A Morna É tese de Eugénio Tavares (1932) que a Morna – “música, dança e canto: compasso quaternário, atitudes langues, andamento vagaroso”89 – teria surgido na ilha da Boa Vista, passando depois às outras ilhas, adaptando-se, e tomando a feição psíquica de cada povo: “Na Boa Vista, não se elevou na linha sentimental; antes, planou baixo, rebuscando os ridículos de cada drama de amor; cantando o perfil caricatural de cada episódio grotesco; ironizando fracassos amorosos; sublinhando a comédia gentílica das moias (naufrágios de navios tão frequentes nas costas da ilha), tudo no estilo leve e arrebicado que a afeiçôa a vida despreocupada do povo boavisense, o mais alegre e o mais amorável de entre as gentes do Arquipélago; música elegante, psicatada de sorrisos finos e de harmonias ligeiras [...]. Em São Vicente, a morna, como música, aperfeiçôa-se [...]. Finalmente, na ilha Brava, a terra em que os homens casam com o mar [...] a dulcíssima estância da saudade, mercê da vida aventureira e trágica do seu povo, a morna fixou os olhos no mar e no espaço azul, e adquiriu essa linha sentimental, essa doçura harmoniosa que caracteriza as canções bravenses. Elevou-se de riso a pronto, e afinou, amorosamente, pelo portuguesíssimo diapasão da saudade”90. Segundo este autor, “Brada Maria”91, a mais velha morna da Brava e “porventura a mais linda”, de autor desconhecido, teria sido composta no primeiro quartel de oitocentos: Pedro Cardoso, Folclore Caboverdeano, Porto, 1933, p. 42. Eugénio Tavares, “A Morna e o Povo de Cabo Verde (Prefácio do Autor)”, in Mornas. Cantigas Crioulas, Luanda, 1969, pp. 17-18. 91 “Brada Maria”, in Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, A Morna na Literatura Tradicional, Praia, 1996, p. 105: 89 90

Bradei a Deus na noite escura e fria, Na noite horrível da minha agonia. Bradei na sombra o meu perdido amor, Senti sangrar meu coração de dor. E erguendo a voz em pranto parecia Que era uma estrela morta que gemia. Eu era uma avezinha alegre e pura Vivendo do gorjeio e da ternura; Um dia viu-me um caçador Roubou-me a luz e deu-me em troca dor. Deixou-me a dor de o Ter e de o perder, Deixou-me a dor de não poder morrer Crucificada nesta esperança em flor De ainda roubar o seu amor.

Sorveu num beijo toda a minha vida E deixou-me caída toda esmaecida. Depois abandonou-me só na estrada Morta como uma estrela já apagada. Então bradei a minha mágoa infinda Até ao romper no céu a Aurora linda E a minha honra lágrima perdida Rolou e se reuniu no pó sem vida. Se visse um caçador sem bondade Que o abandono é como a luz da orfandade, Jamais desninharia alegres passarinhos Para os lançar à lama dos caminhos!...

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“Desviada dos seus deveres, e abandonada na mesma noite da queda, a rapariga desfere, na concavidade brumosa da madrugada seu grito de dor e se lança desvairada, pela sombra humidas das bananeiras! Louca, desgrenhada, vai bater á porta do velho sacristão, santo homem cujo nome não esquece na tradição popular. Recolhe, o velho, a transviada. Chora com ela. Depois, quando as toutinegras acordavam pelas ramadas das laranjeiras, condu-la ao lar. Braz da Encarnação é amado. Braz é um santo. A mãe abre os braços e recebe a filha. Cura-lhe a asa quebrada, e deixa-a adormecer no seu regaço (Tavares, op. cit., pp., 18-19)”. Teixeira de Sousa (1958a) reforça a tese proposta por Tavares, merecendo-lhe algumas considerações: “Se de facto a morna é originária da Boa Vista, nem por isso deixa de estar ligada a um acontecimento de idêntica repercussão à do caso da Ilha Brava onde aparecem os navios de baleia que transportaram os primeiros emigrantes. Realmente foram frequentes os naufrágios cujos despojos (as moias)92 constituíram verdadeiras dádivas providenciais. Os barcos encalhavam, se vinham do Sul, traziam cereais, carnes de conserva, e outros géneros alimentícios; se dos portos da Europa, as moias eram de fazendas, e vários artigos das indústrias europeias. Don-don di Jon Grande é das mornas mais antigas da Boa Vista. Ela canta a peripécia de Ti Jon que, tendo ido a bordo de um barco encalhado, trouxe um relógio de pêndulo metido num saco de serapilheira, com receio de qualquer atitude menos benevolente do guarda-fiscal. Ao pôr pé em terra, Ti Jon é denunciado pelo próprio relógio que começa a badalar à meia-noite: dlão, dlão, dlão. Daí a morna Don-don di Jon Grande tão suave e melodiosa na música quão preocupada e simplória na letra”93. Assim, a morna é fixada por Teixeira de Sousa (1958a) como tendo surgido no período primário da emigração transatlântica, nos finais do século XVII, da mesma maneira que a palavra saudade acusa a sua existência no léxico lusíada só na altura das primeiras viagens dos portugueses, estando ligada ao aparecimento dos navios da pesca da baleia, na ilha Brava, e dos naufrágios, ou moias, na ilha da Boa Vista.

O vocábulo “moia” é derivado da palavra portuguesa “molha”. Teixeira de Sousa, “Cabo Verde e a sua Gente”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 109, Praia, Outubro de 1958, p. 10. 92 93

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Na falta de documentação e de uma fundamentação histórica, Pedro Cardoso (1934) inventa-lhe uma génese mítica, atribuindo a origem da morna à criação de um poeta de Aquem Mar, / Numa tarde rôxa e amena / Ouvindo a onda murmurar. / [...] A Morna nasceu de um beijo / [...] / fundindo as almas / De uma Bárbara e de um Camões: Flôr de duas raças tristes Vindas da Selva e do Mar Que a sós se acharam um dia Na mesma praia ao luar!

A Morna é a flôr mais linda Do canteiro Hesperitano! Pelo amor das Jardineiras Fez-se a Rosa de todo o ano.

A Morna, verbo ou cantiga, A quem saiba sentir, Trava ao gosto dôce-amargo De delícias punir...

Pelo ritmo em ameno encanto E o primor das cantigas; Desponta e floresce em beijos Na bôca das raparigas.

A morna quem a inventou Foi um poeta de Aquem Mar, Numa tarde rôxa e amena Ouvindo a onda murmurar.

Voa da Volúpia exalando-se Em requebros aliciantes Como a da Sirena outrora Tentando os nossos mareantes!

Na sua morna cadência Canta a mágoa e a alegria. Dos éstos da Alma Crioula E a rubra sinfonia...

A Morna nasceu de um beijo De cálidas vibrações Numa só fundindo as almas De uma Bárbara e um Camões!94

O Maestro Alves dos Reis (Guiné, 1895-1966) observou cuidadosamente seis mornas de três diferentes ilhas – “Rabilòna”95, “Maria Barba” (ou “Morna d’Sr. Tenente Serra”)96 e “Dadoia”97, da ilha da Boa Vista; “Unino”98, da ilha de Santo Antão; e “Mal Pedro Cardoso, “A Morna”, O Eco de Cabo Verde, N.º 22, Praia, Junho de 1934. “Rabilòna”, morna antiga da Boa Vista, Povoação Velha, talvez da autoria de Maninha Santos. letra in Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, A Morna na Literatura Tradicional, Praia, 1996, p. 118. 96 “Morna d’Sr. Tenente Serra”, morna antiga da Boa Vista, Povoação Velha, de autor não identificado, com colaboração e arranjo de Luís Rendall. letra in Lisboa nos Cantares Cabo-verdianos, Compact Disc, Lisboa, 2001. 97 “Dadoia”, morna da ilha da Boa Vista, Povoação Velha, talvez da autoria de Luísa Benvinda Santos. Obs.: Não foi possível identificar a letra. 98 “Unino”, morna da ilha de Santo Antão, de autor não identificado. letra in Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, A Morna na Literatura Tradicional, Praia, 1996, pp. 106-107. 94 95

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de Amor”99 e “Brada Maria”100, da ilha Brava – empregando para esse fim meios técnicos adequados, tendo concluído que tal folclore musical é de criação regional e que não é fácil encontrar qualquer das características das formas musicais das mornas no folclore português ou outro estrangeiro101. Para o Maestro, a morna “nasceu do povo que a criou, banhando-a com as lágrimas das suas mortificações, resignações e sofrimentos, e [...] essas melodias não são outra coisa senão a exaltação ou o queixume eterno da alma caboverdiana, no que ela tem de mais comovente, de mais extravagante e de mais tumultuoso” (Idem:9). Assim sendo, a sua fina emotividade informa a “encruzilhada conflitual de duas realidades antagónicas: dum lado a terra, a mãe, a cretcheu (a noiva); do outro, a nostalgia dos países distantes” (Teixeira de Sousa, 1958a:9). Considerando as linhas de incidência cultural nas três áreas – Portugal, Brasil e Cabo Verde – não é de estranhar a possibilidade de haver formas de semelhança entre o fado e a morna. Contudo, está-se em crer que esta, ao que tudo indica, mais antiga do que aquele102, é uma expressão da maneira de ser e de estar do homem cabo-verdiano e da sua cabo-verdianidade, a expressão do sentimento popular dos amores infelizes e da saudade da amada e da terra querida (Vasco Martins, 1989). Os grandes compositores da Morna são: Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), António Silva Ramos, “Antône Tchitche”103(S. Vicente, 1880-1936); Luís Rendall (S. Vicente, 1898-1986); Francisco Xavier da Cruz, “B. Léza” (S. Vicente, 1905-1958); Olavo Bilac Vasconcelos Gomes (S. Vicente, 1927?-1969); Sérgio Frusoni (S. Vicente, 1901-1975); Joaquim do Carmo Silva (S. Vicente, 1910-1949); Pedro Alcântara Ramos, “Tchuff ” (S. Vicente, 1913-1982); Armando Faria (S. Vicente, 1916-); Jorge Monteiro, “Jotamont” ou “Jorge Cornetim” (Mar do Golfo, EUA, 1913-1998); Simão

“Mal de Amor”, morna de Eugénio Tavares, ilha Brava. letra in Eugénio Tavares, Mornas. Cantigas Crioulas, 1932, p. 53. 100 “Brada Maria”, morna da Brava de autor não identificado. letra in Moacyr Rodrigues e Isabel Lobo, A Morna na Literatura Tradicional, Praia, 1996, p. 105. 101 José Alves dos Reis, “Subsídios para o estudo da Morna”, Raízes, N.º 21, Praia, Junho de 1984, pp. 9-18. 102 José Ramos Tinhorão, Fado, Lisboa, 1994, dá como certo que, embora em Portugal já se conhecesse a dança do fado desde finais de setecentos – considerada a dinâmica normal das relações culturais entre as baixas camadas da metrópole e colónia do Brasil – ia ser o regresso do rei D. João VI com a família e cerca de quatro mil nobres e funcionários para Lisboa, em 1821, o responsável pelo impulso maior na sua difusão. 103 Aspecto curioso na cultura cabo-verdiana é o de as pessoas serem conhecidas por dois nomes. O “nome-decasa” ou o “nominho”, o familiar, o doméstico, e o “nome-de-igreja”, o oficial, que figura no Registo Civil, como se verá mais adiante. Gabriel Mariano, Cultura Caboverdeana (Ensaios), Lisboa, 1991. 99

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Gomes Ramos, “Mané Rajuezo” ou “Mané Florinda” (Boa Vista, 1919-?); Armando António Lima, “Lela de Maninha” (S. Vicente, 1918-) Epifânia Silva Ramos, “Tututa” (S. Vicente, 1919-); António Joaquim Lima, “Djidjungo” (Boa Vista, 1922-1982), Francisco Vicente Gomes, “Frank Cavaquim” (Santo Antão, 1927-1993); Abílio Monteiro Duarte, (Santiago, 1931-1996); Gregório Xavier Pinto, “Djirga” (Santiago, 1934-); Amândio Cabral (S. Nicolau, 1935-); e Manuel de Jesus Lopes, “Manuel D’Novas” (Santo Antão, 1938-); entre outros. A Coladeira A Coladeira, um género de música mais moderna e com um ritmo mais rápido, com a sua origem na Morna e noutros ritmos existentes em Cabo Verde, segundo Manuel Ferreira (1985), teria surgido em S. Vicente no segundo lustro de cinquenta, tendo-se rapidamente espalhado pelo Arquipélago. Contudo, sabe-se agora que a primeira coladeira poderá ter sido “Abissínia”104, de autoria de António Silva Ramos, “Antône Tchitche” (S. Vicente, 1880-1936), composta em trinta e cinco, na sequência da ocupação da Etiópia pela Itália fascista de Mussolini. De acordo com o Maestro Jorge Monteiro, “Jótamont” (1984), na sua explicação teórica sobre a origem da coladeira, trocando-se o compasso quaternário para binário, obtém-se na morna – pelo menos nas mais antigas – um ritmo rápido semelhante à coladeira: “[...] Na execução de uma Morna (nos bailes) bastava um ligeiro sinal dos dançarinos para que apressassem o andamento, e então, os dançantes rodopiavam aos saltinhos dançando o Contra-Tempo [...]. A Morna é escrita no compasso quaternário, ou seja, no compasso de 4 tempos, representado por uma letra C maiúscula. O executante da Morna, querendo transformá-la num Contra-Tempo, corta a referida letra a meio na perpendicular, as figuras reduzem-se para metade dos seus valores”105. Esta forma de expressão musical, que funciona como sátira social e se entronca no processo de escárnio e maldizer da literatura medieval portuguesa, critica, com sarcasmo e humor refinado, a sociedade mindelense. Segundo Manuel Ferreira (1985),

António Silva Ramos, “Abissínia”. “Nha Confissão” [“Minha Confissão”], citado por Carlos Filipe Gonçalves, in Música Caboverdeana, Mornas para Piano, de Jorge Fernandes Monteiro (Jótamont), Praia-Mindelo, 1984, p. 14. 104 105

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“o jocoso, a crítica mordaz, a paródia doméstica, o veneno do ridículo, o reparo brincalhão, são na verdade o fecundo processo através do qual a coladeira exprime os conteúdos sociais e populares” (op. cit., p. 195). Os principais compositores da Coladeira são: António Silva Ramos, “Antône Tchitche”106 (S. Vicente, 1880-1936), Armando António Lima, “Lela de Maninha” (S. Vicente, 1919-); Gregório Gonçalves, “Ti Goy” (S. Vicente, 1920-1991); Francisco Vicente Gomes, “Frank Cavaquim” (Santo Antão, 1927-1993)107; Luís Ramos de Morais, “Luís de Musa” (S. Vicente, 1935-2002); Amândio Cabral (S. Nicolau, 1935-); e Manuel de Jesus Lopes, “Manuel D’Novas” (Santo Antão, 1938-); em S. Vicente; e Abílio Sereno Barbosa Évora, “Biloca” (Santiago, 1937-1987); Agualberto Burgo Correia Tavares, “Tû Bêchu” (Santiago, 1936-1995); Euclides Burgo Correia Tavares, “Djodja” (Santiago, 1934-1999); Cesáreo Duarte (S. Nicolau, 1931-); Gregório Xavier Pinto, “Djirga” (Santiago, 1934-); Fulgêncio C. Lopes Tavares, “Ano-Nobo” (Santiago, 1933-2004); Francisco Nunes de Pina, “Frank Mimita” (Santiago, 1943-1980); Manuel Silva, “Manel Clarinete” (Santiago, 1933-); e Pedro Delgado (Santiago, 1935-1994), em Santiago. O Funaná Originalmente, o termo Funaná tinha, no interior da ilha de Santiago, de onde é originário, uma conotação depreciativa e tanto podia significar pessoa de classe social baixa como baile de gaita (concertina ou acordeão diatónico) e ferrinho. Aspecto curioso na cultura cabo-verdiana é o de as pessoas serem conhecidas por dois nomes. O “nome-decasa” ou o “nominho”, o familiar, o doméstico, e o “nome-de-igreja”, o oficial, que figura no Registo Civil, como se verá mais adiante. Gabriel Mariano, Cultura Caboverdeana (Ensaios), Lisboa, 1991. 107 Segue uma mostra de uma Coladeira de Frank Cavaquim, “Stanhadinha” [“Desavergonhada”], in Moacyr Rodrigues, Mornas e Coladeiras de Frank Cavaquim, S. Vicente, 1992, p. 35. T. A. 106

O’ mnina bô tem um carinha stanhadinha Bô ta tcheu d´vaidade ma fantasia Ca bô fazê êss colidadedi porcaria Pamô ca ês pôbe nome d’um cabrinha Bô tem mania di ser alguem Ca bô tchá nada enganòbe Bô ca sabê fazê dribling Bô tem mania di dançá swing... M fazêbe êss coladera dêss manera Pá bô t’ma um c’zinha di vergonha Deus tá companhòbe na bô carrera Pamó bô cá ê di brincadera...

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Ó menina, tens uma carinha de desavergonhadinha Estás cheia de vaidade e fantasia Não faças essa qualidade de asneira Para não te porem nome duma cabrinha Tens a mania de ser alguém Não deixes que nada te engane Não sabes fazer dribling Tens a mania de dançar swing... Fiz-te esta coladeira desta maneira Para tomares um pouco de vergonha Deus te acompanhe na tua carreira Porque não és de brincadeira...

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Música em compasso binário, com andamento duplo, lento-médio e rápido, inicialmente presente apenas no interior de Santiago, o Funaná passou para a cidade no período a seguir à independência nacional, em 1975, com algumas mudanças no campo instrumental. Dança-se aos pares com movimentos do quadril cadenciados, sensuais e vivos (Margarida Brito, 1998). Só nos anos oitenta este almejado terceiro género musical consegue impor-se na sua plenitude em todas as ilhas como música nacional, em pé de igualdade com a Morna e a Coladeira, graças ao esforço do conjunto musical “Bulimundo”, sob orientação de Carlos Alberto Martins, “Katchás” (Santiago, 1950-1988), que retoma o princípio do “retorno às fontes”108, seguido de Norberto Santos Tavares (Santiago, 1957-). O Funaná é, assim, na opinião de Carlos (“Kalú”) Gonçalves (S. Vicente, 1950-), “a maior conquista da música cabo-verdiana no seu processo de evolução”109. Amílcar Cabral, A Arma da Teoria. Unidade e Luta (Vol. I), Lisboa, 1974, defende que este é um problema das elites já que as massas não tomam, nem podem tomar conhecimento do problema do “retorno às fontes”, ou do “renascimento cultural”, porque elas são as portadoras da cultura, sendo elas mesmas a fonte e, ao mesmo tempo, a única entidade verdadeiramente capaz de preservar e criar a cultura. 109 Carlos Gonçalves, “Músicas de Cabo Verde”, in Musique du Monde – Cap Vert: Anthologie 1959-1992 (Compact Disc), Paris, s/d., p. 25. Segue uma mostra de um Funaná, “Tabanka (Puera N’Odju)” [“Tabanca (Poeira nos Olhos)”], autoria de Zezé di Nhá Reinalda, in Finaçon, “Farol”, Paris, Editions Musique & Communication, s/d.: 108

Tabanka Ah tabanka Tabanka Ah tabanka Manifesta prutesta Fazi festa, xinta ditesta Bida, bida, bida di meu Tudu nha lida nha cansera Inda é cre botan puera Dexam dretu oh tortu Scodji di meu Di meu ki mi cre tcheu Pan po là na céu Tabanka Ah tabanka Tabanka Ah tabanka Manifesta prutesta Fazi festa, xinta ditesta Konbersu sabi Sorrisu falsu na fundu Falsu na fundo dja toma mundo Xintidu cansadu Sonu transtornadu Dexam ta deta, ta braça, ta ronca Ti manchi Tabanka Ah tabanka Tabanka Ah tabanka Manifesta prutesta Fazi festa, xinta ditesta

Tabanca. Ah tabanca! Tabanca. Ah tabanca! Manifesta, protesta, Faz a festa, senta-te, detesta. Vida, vida, minha vida Toda a minha lida, a minha canseira, Ainda quer deitar-me poeira Deixa-me, direito ou torto, Fazer a minha escolha A minha que eu amo Para eu pôr lá no céu. Tabanca. Ah tabanca! Tabanca. Ah tabanca! Manifesta, protesta, Faz a festa, senta-te, detesta. Conversa agradável, Sorriso falso no fundo. Falso no fundo já tomou o mundo. Preocupações, Sono transtornado, Deixa-me deitar, abraçar, ressonar Até amanhecer. Tabanca. Ah tabanca! Tabanca. Ah tabanca! Manifesta, protesta, Faz a festa, senta-te, detesta.

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Os principais compositores do Funaná são: Caetano Lopes Cardoso, “Caetaninho” (Santiago, 1922-1987); Fulgêncio C. Lopes Tavares, “Ano-Nobo” (Santiago, 1933-2004); Gregório Vaz, “Kodé di Dona” (Santiago, 1940-) e Simão Tavares Lopes, “Sema Lopi” (Santiago, 1940-), antes da independência; e Carlos Alberto Martins, “Katchás” (Santiago, 1950-1988); José Bernardo Dias Fernandes, “Zezé di Nhá Reinalda” (Santiago, 1952-); Emanuel Dias Fernandes, “Zeca di Nhá Reinalda” (Santiago, 1957-); e Norberto Santos Tavares (Santiago, 1957-), depois da independência. De referir ainda outras manifestações musicais de cariz religioso, pese embora a sua pouca expressão, que são as rezas, as ladainhas, as vésperas e as divinas.

2.3 - As Formas Cultas de Literatura Ao falarmos de uma literatura culta cabo-verdiana, a par de uma literatura popular não escrita, referimo-nos a uma literatura feita em português e em crioulo, de expressão e motivos cabo-verdianos, que traduz a sensibilidade e a idiossincrasia do povo das Ilhas. Manuel Lopes (1959) é de opinião que: “[...] uma coisa é literatura em Cabo Verde, e outra literatura cabo-verdiana. Desde há muito existem literatos em Cabo Verde. Falavam de tudo menos do povo, do seu meio ambiente, dos seus hábitos, da sua problemática. Exaltavam a Beleza. Beleza radiosa que lhes ofuscava o Bem e o resto. Quando dedilhavam a lira giravam, de ordinário, à roda de um mestre inacessível, longínquo, sobrepunham-se assim à mesquinhez do meio, viravam as costas ao povo – a pretensão amassada em servilismo [...]. Ora, com a publicação do número da revista Claridade, Cabo Verde, que já tinha uma música própria, um idioma, uma dança e uma culinária próprios, passou a ter também uma literatura própria. Uma literatura com características inconfundíveis” (op. cit., p.15). A comprovar a capacidade criadora e a existência de material válido de originalidade cabo-verdiana, foi editada, por ocasião das comemorações do Meio Milénio do Achamento do Arquipélago, Antologia da Ficção Cabo-verdiana Contemporânea (1960) e Modernos Poetas Cabo-verdianos – Antologia (1961), os quais deram o panorama do que do mais modernamente então se fazia. A produção de uma literatura com características de uma cultura autenticamente cabo-verdiana está estreitamente ligada à actividade jornalística interventiva e de 96

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opinião desenvolvida pelos seus autores, pelo que este tópico será também retomado e amplamente desenvolvido em capítulos e secções subsequentes, já que esse será o suporte por excelência desta investigação.

Síntese Cabo Verde é um caso sui generis em que o homem, sendo fruto de caldeamento de raças e de instituições, soube cedo encontrar o seu caminho e a sua identidade cultural. O folclore, a música popular, a língua crioula e as formas cultas de literatura são os traços que o caracterizam e o individualizam. É a este homem crioulo, anónimo e irmão, produto da terra onde nasceu e das circunstâncias sociais e históricas que o envolveram, cuja cultura aqui se procurou dar a conhecer e entender, que se homenageia, com esta investigação e através do poema “Crioulo”, de Manuel Lopes, um outro homem das Ilhas: Há em ti a chama que arde com inquietação esse lume íntimo dos rescaldos - que é o calor que tem mais duração. A terra onde nasceste deu-te a herança da resignação. Deu-te a fome nas estiagens patéticas. Deu-te a dor para que nela sofrendo fosses mais humano. Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão e a humildade que nasce do desengano... ... E deu-te a esperança enganada em cada manhã dos dias que virão e esta alegria guardada para mais uma manhã esperada em vão...110

Manuel Lopes, “Crioulo”, in Crioulo e Outros Poemas, Lisboa, 1964. Agora in Manuel Santos-Lopes Falucho Ancorado, de, Lisboa, 1997, p. 78. 110

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Capítulo III A Emergência de uma Élite Letrada

“É preciso conhecer as leis segundo as quais as estruturas tendem a se reproduzir produzindo agentes dotados do sistema de disposições capaz de engendrar práticas adaptadas às estruturas e, portanto, em condições de reproduzir as estruturas”. Pierre Bourdieu In A Economia das Trocas Simbólicas, 1999

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moderna teoria das elites, surgida na década de 1920 na Grã-Bretanha e na América, sendo seus criadores os italianos Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, é aquela segundo a qual em toda a sociedade existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder – entendendo-se por poder o económico, o ideológico e o político – em contraposição a uma maioria que dele está privada (Bobbio, 1986). Esta teoria das elites concebe, assim, a História como um movimento cíclico em que se sucedem no poder diversas minorias, o que é oposto à teoria marxista que prevê o fim de toda a dominação política na sociedade sem classes que previa construir. Anthony Giddens (1981) explica que o termo intelligentsia, ou elite letrada, tem sido empregue de várias maneiras, mas o modo mais útil de o aplicar, no contexto das sociedades de estados socialistas, é o de o referir muito amplamente aos indivíduos que receberam alguma forma de educação especializada, superior ou técnica, que lhes permitiu assegurar o acesso a ocupações profissionais ou de gestão. Ainda segundo este autor, de acordo com o marxismo soviético ortodoxo, a posição da inteligência na sociedade do estado socialista difere decisivamente da dos trabalhadores comparáveis da ordem capitalista. Nesta, o lugar da inteligência na estrutura de classes é afectada por influências opostas: como empregados não proprietários, a inteligência, tal como os trabalhadores de colarinho branco de posição social inferior e os trabalhadores manuais, está separada da classe dominante proprietária; mas, na medida em que os membros deste grupo têm um papel importante na coordenação 101

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e direcção desse domínio e se identificam com a classe dominante, em vez do proletariado, eles podem ser considerados como um grupo adjacente a essa classe. A nova inteligência (das sociedades de estados socialistas) é distintamente diferente, tanto porque o seu anterior papel como serviçais da burguesia é necessariamente dissolvido com a abolição da propriedade privada, como porque recebe uma grande parte de indivíduos provenientes de famílias de trabalho manual. Existindo posições diferentes sobre o conceito, em função da ideologia política adoptada, optou-se pela definição da “ordem capitalista”, em que a elite se refere a grupos funcionais que possuem status elevado devido ao seu nível de instrução, identificando-se, por isso, com a classe dominante, e com uma certa influência na sociedade da sua época. Em Cabo Verde, a elite letrada dos filhos da terra levou séculos a emergir e a constituir-se, o que acabou inevitavelmente por acontecer apesar de todos os constrangimentos próprios de uma sociedade escravocrata e de uma política de dominação colonial e de abandono por parte de Portugal. E é esta intelligentsia crioula, enquanto minoria que, por várias formas detentora de poder, que constituiu a consciência nacional em acção e procurou ser a voz da maioria, embora com posições nem sempre homogéneas ou convergentes dos seus membros.

1. A Instrução Pública Oficial Na génese da elite cabo-verdiana está a história da Instrução Pública no Reino, pois, na sua decorrência, estabeleceram-se e desenvolveram-se escolas oficiais em Cabo Verde, que criaram oportunidades para que os filhos de algumas famílias economicamente desfavorecidas, beneficiando de bolsas de estudo como pensionistas do Estado e do Cofre de Bula, fossem preparados de modo a atingirem posições de destaque na sociedade. A partir da perspectiva teórica de Pierre Bourdieu (1999) de reprodução das estruturas, torna-se imprescindível conhecer o sistema de ensino implantado em Cabo Verde, que veiculou o modo de reprodução cultural e social, proporcionando uma dinâmica nas relações de classe. Na verdade, como sustenta este autor, o sistema de ensino reproduz tanto melhor a estrutura de distribuição do capital cultural entre as classes e as fracções de classe quando a cultura que transmite se encontra mais 102

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próxima da cultura dominante e quando o modo de inculcação a que recorre está menos distante do modo de inculcação familiar.

1.1 - A Instrução Pública no Reino O regime da Monarquia em Portugal é marcado, nos séculos XVIII e XIX, por períodos de mudanças estruturais profundas, às quais não escapou o sistema de ensino, que sofreu reformas sucessivas consideráveis. Estas reformas postas em prática no Reino, atingiram também as Províncias Ultramarinas. Foram importantes e marcantes as reformas de Marquês de Pombal (1759), Passos Manuel (1836), Costa Cabral (1844) e Fontes Pereira de Melo (1860) (Rómulo Carvalho, 1996). Contudo, são as reformas levadas a cabo nos anos oitocentos, mais propriamente, no período do Novo Regime Liberal implantado em 1820, que atestam um marcado esforço para difundir os benefícios da instrução, em especial no sector das primeiras letras, e que maiores repercussões tiveram em Cabo Verde. Pode considerar-se que, só em 1835, se deu o primeiro passo que iria marcadamente despoletar o movimento das reformas de ensino desse século. Após a subida ao trono da Rainha D. Maria II, “a Educadora” (1834-1853), as Cortes Gerais, numa lei datada de 25 de Abril de 1835, autorizavam o Governo a “formar e organizar o ensino público de modo mais conveniente, sem aumento da despesa que actualmente custa este ramo” (Rómulo Carvalho, op. cit. p. 550). Apesar desta restrição financeira e de muito pouco se ter podido fazer, estava aberto o caminho para a disseminação da Instrução Pública. A Reforma de Passos Manuel (1836) Naquela fase atribulada da vida nacional portuguesa, com a luta entre os vintistas111 e os cartistas112, destaca-se Manuel da Silva Passos (Passos Manuel) (1801-1862), na qualidade de chefe do Governo e ministro do Reino, a quem se ficou a dever um sem número de providências destinadas a impulsionar o ensino em Portugal em todos os seus graus. Os vintistas são os defensores da Constituição de 1820, que proclamam a soberania do povo. Os cartistas são os adeptos da Carta Constitucional de D. Pedro (1834), minimamente liberal, que concedia largos poderes ao monarca e fora imposta sem recurso à opinião dos cidadãos. 111 112

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A reforma do ensino primário de Passos Manuel é datada de 15 de Novembro de 1836; a do ensino secundário é do dia 17, possibilitando esta a criação dos Liceus, o que só se efectivou quatro anos mais tarde; a do ensino superior é de 5 de Dezembro do mesmo ano, embora as alterações a este nível tenham sido menos profundas do que nos outros graus de ensino. Em oito meses da sua governação, Passos Manuel “lançou as bases de uma obra considerável que, embora durante a sua vigência não passasse do papel, foi pouco a pouco e em grande parte realizada” (Rómulo Carvalho, op. cit., p. 572). A Reforma de Costa Cabral (1844) Entretanto, Portugal ia-se arrastando numa situação política permanentemente conflituosa, com entradas e saídas de governos que não tinham tempo para se inteirarem das necessidades públicas e acudir-lhes com um mínimo de proveito. Em 1839 está António Bernardo de Costa Cabral (1803-1889) no poder e, com ele, é o fim do setembrismo, a ala mais avançada do liberalismo113. Costa Cabral, como chefe do Governo e ministro do Reino, foi promotor de uma nova reforma geral do ensino, promulgada pelo Decreto de 20 de Setembro de 1844. Essa nova reforma manteve as linhas gerais da sua antecedente, que não pudera ser convenientemente testada, anulando desta certas disposições e introduzindo algumas novidades. Na instrução primária, fez-se a sua divisão em dois graus – o primeiro grau e o segundo grau – com ampliação da sua programação. Entendeu-se que a instrução primária tradicional, reduzida ao conhecimento da leitura, da escrita e das quatro operações aritméticas, era insuficiente como informação mínima de todos aqueles que aí terminassem a sua escolaridade, pelo que foram incluídas outras matérias. No ensino secundário, Costa Cabral manteve a existência dos Liceus mas reduziu-lhes substancialmente o conteúdo escolar. Enquanto Passos Manuel dispunha as matérias programadas em dez rubricas, a nova reforma reduzia-as a seis (Rómulo Carvalho, op. cit.). A Reforma de Fontes Pereira de Melo (1860) A partir de 1851, o agrupamento político conhecido pelos regeneradores tomou conta do poder após a insurreição militar chefiada pelo Marechal Saldanha contra a ditadura O setembrismo é o partido da revolução de Setembro de 1836, cuja duração política foi até 1840, por oposição a cartista. 113

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de Costa Cabral e o país entrou numa era de maior serenidade. Entretanto, com a morte da rainha D. Maria II, e depois de um período de regência de dois anos assumida pelo rei D. Fernando II, subiu ao trono D. Pedro V, “o Esperançoso” (1855-1861), que se definiu como um homem muito esclarecido, lúcido, estudioso e bem intencionado. É, pois, durante a vigência de D. Pedro V que, a 10 de Abril de 1860, se dá uma nova reforma, chamada oficialmente de “Regulamento para os Liceus Nacionais”, o primeiro emanado de um Governo regenerador, cujo autor foi Fontes Pereira de Melo (1819-1887). O departamento estatal por onde corriam os assuntos respeitantes ao ensino estava na dependência do ministro do Reino. Porém, em 1870, foi criado o Ministério da Instrução Pública, que deu um novo incremento ao desenvolvimento da instrução em Portugal (Rómulo Carvalho, 1996).

1.2 - A Instrução Pública nas Ilhas As reformas de instrução levadas a cabo no Reino durante o regime liberal, aplicadas nas Províncias, ainda que com algum desfasamento temporal, deram um impulso importante ao seu desenvolvimento cultural. No caso das ilhas de Cabo Verde, são marcantes os anos de 1845, 1860 e 1866, em que foram tomadas medidas significativas, respectivamente, a nível dos ensinos primário e liceal, tanto oficial como eclesiástico. Com base nas disposições para o desenvolvimento do ensino nas Províncias Ultramarinas e sob o efeito das reformas levadas a cabo no Reino, estabelece-se a seguinte periodização para o desenvolvimento da instrução em Cabo Verde: (i) Período de ausência da Instrução Pública (1460-1817); (ii) Período dos esforços efectuados na implantação da Instrução Pública (1817-1845); e (iii) Período de regularização ou regulamentação da Instrução Pública (1845-1910). O Período de Ausência da Instrução Pública (1460-1817) Por longo tempo, desde a descoberta do Arquipélago em 1460, até 1817, não se encontra vestígio na legislação da Província que indique a mais insignificante medida promulgada a favor da sua Instrução Pública (Brandão de Mello, 1891). De facto, a instrução ministrada era privada, quase exclusivamente clerical.

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O primeiro prelado nomeado para a diocese de Cabo Verde, fundada esta em 1532 pela bula do Papa Clemente VII, no reinado de D. João III, não apareceu na diocese. O segundo bispo nomeado e o primeiro a chegar às Ilhas foi D. João Parvi (1545-1546), tendo ali falecido e sido sepultado. O terceiro prelado, D. Frei Francisco da Cruz (1547-1574)114, ensinava, e ordenou que se ministrasse doutrina aos escravos, tendo fundado uma escola de primeiras letras, gramática e moral, onde aproveitou como mestres alguns discípulos que ordenava para a vida eclesiástica (Barcellos, 1899). Segundo o Padre Frederico Cerrone (1983), D. Frei Francisco da Cruz chegou a ter como alunos um filho de um rei da Serra Leoa e os dois primeiros escritores de Cabo Verde, André Alvares d’Almada e André Donelha (Séc. XVI-XVII)115. A acção de ensinar os negros a ler e a escrever, com o propósito da sua catequização, e de proporcionar a aprendizagem da língua crioula e de algumas profissões, passou a designar-se por ladinização dos escravos. Torná-los ladinos era, ao mesmo tempo, valorizá-los enquanto servos. Pois, uma vez ladinizados passavam a ter maior cotação no mercado interno e externo. Um escravo nessas condições chegava a valer o dobro do custo dum escravo analfabeto. Assim, valia a pena ministrar instrução às “crias” dos escravos (Teixeira Sousa, 1992). Por carta régia de 12 de Janeiro de 1570, o Rei D. Sebastião, “o Desejado” (15681578), criou “conforme a determinação do sagrado Concílio de Trento, o Seminario de S. iago da ilha de Cabo Verde, por ser mui conveniente para boa creação dos discipulos e gente que no dito Seminario há de haver” (Francisco Silva, 1899a:125). Apesar de Cerrone (1983) garantir que o Seminário tivesse durado até 1594, é de se inferir que não tenha dado resultados práticos, dadas as queixas do padre António Vieira na sua passagem para o Maranhão (Brasil) em 1652, o qual, tendo aportado a Santiago, “ahi exprobou severamente a negligencia espiritual dos conegos e escreveu apertadissimamente ao principe D. eodosio para que mandasse missionarios para accudir áquelles desamparados christãos” (Francisco Silva, 1899a:125).

Cf Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1899. D. Francisco Ferreira da Silva, in Diocese de Cabo Verde: Apontamento para a Historia da Administração da Diocese e Organização do Seminario-Lyceu, Lisboa, 1899, dá como certo a chegada do Bispo à Ribeira Grande em 1554 e ter ali falecido em 1571. Jaz sepultado na Igreja da Misericórdia junto ao altar de S. Francisco. 115 Cf ainda a conferência proferida pelo Comandante Avelino Teixeira da Mota, “Dois Escritores Quinhentistas de Cabo verde, André Alvares de Almada e André Dornelas (Séc. XVI-XVII)”, Boletim Cultural, Suplemento, Luanda, Novembro, 1970. NOTA: Posteriormente, Teixeira da Mota (1977) corrige o nome deste último para Donelha. 114

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Mais tarde, em carta de 6 de Maio de 1596, El-Rei D. Filipe I (1580-1598) recomendava aos governadores do Reino que tratassem de obter religiosos que quisessem ir fundar um colégio em Santiago com os 200$000 réis que já estavam atribuídos ao seminário, “para acudirem os christãos bem como á conversão do gentio que estava mui disposto para receber os Santos Evangelhos” (Barcellos, 1900:191). Em 1608, uma Portaria régia mandava dar a precedência aos nativos na atribuição dos cargos eclesiásticos, o que leva a supor a existência de significativo número de padres crioulos (Cerrone, 1983). Igualmente, no foro civil, os nativos começaram a ser admitidos em lugares de responsabilidade administrativa. Em 1615, uma carta do padre jesuíta Sebastião Gomes dava conta de que “quantos há hoje na Câmara são crioulos [sublinhado nosso]”116. De facto, dos dezanove homens poderosos da ilha de Santiago em plena actividade nos meados do século XVII, cinco eram naturais dessa ilha117. Realça-se, a título de exemplo, três dessas personagens: André Alvares d’Almada, André Donelha, escritores, e Pedro Semedo Cardoso, abastado proprietário. André Alvares d’Almada (Séc. XVI-XVII) é um caso emblemático. Natural da ilha de Santiago, “filho de mulher parda”, muito ilustrado e conhecedor, foi eleito em 1594 para impetrar de D. Filipe I uma audiência e convencê-lo da utilidade de se povoar a Serra Leoa. Alvares d’Almada tinha escrito um livro intitulado Tratado Breve dos Reinos de Guiné do Cabo Verde, precioso trabalho sobre os rios e costa dessa Província e que viria a ser impresso posteriormente pela Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1733. Passando pelo reino, seguiu para Madrid onde, apesar de ser mulato, foi recebido pelo monarca, a quem apresentou o seu tratado, tendo sido “agraciado com o habito da Ordem de Christo e armado cavalleiro, apezar de os Estatutos d’esta Ordem se opporem a isso, pelo facto de ser de côr, e, ainda mais, contra as determinações dos mesmos estatutos, que exigiam dois padrinhos dessa Ordem para um agraciado se armar cavalleiro, foi elle dispensado d’esta formalidade por não os haver em Cabo Verde” (Barcellos, 1910:11)118. “Carta do Padre Sebastião Gomes, de 1615”, in António Carreira, Documentos para a História das Ilhas de Cabo Verde e “Rios da Guiné” (Séc. XVII e XVIII), Lisboa, 1983c, p. 72. Sobre a missão dos jesuítas em Cabo Verde veja-se Nuno da Silva Gonçalves, Os Jesuítas e a Missão de Cabo Verde (1604-1642), Lisboa, 1996. 117 Cf Iva Maria Cabral, “Política e sociedade: Ascensão e Queda de uma Elite Endógena”, in História Geral de Cabo Verde, Vol. III (Coordenação de Maria Emília Madeira Santos), Lisboa-Praia, 2002. 118 Cf também Pedro Cardoso, “A Manduco...”, A Voz de Cabo Verde, Nº 75, Praia, Janeiro de 1913. 116

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André Donelha (Séc. XVI-XVII), de que pouco se sabe acerca da sua vida, presume-se que tenha nascido na ilha de Santiago, entre 1550 e 1560, tendo aí frequentado a escola. Esteve, pelo menos, três vezes na Guiné, o que deve corresponder a outras tantas viagens que para lá fez. Encontrava-se embarcado na armada de António Velho Tinoco, corregedor e provedor da Fazenda Real das ilhas de Cabo Verde e capitão da cidade da Ribeira Grande (1571-1577), quando da batalha que este travou, vitoriosamente, contra os franceses, nas proximidades da Aguada das Naus da Índia, no rio da Serra da Leoa (Teixeira Mota, 1977). Das suas viagens, Donelha escreveu a obra Descrição da Serra Leoa e dos rios da Guiné do Cabo Verde (1625)119. Pedro Semedo Cardoso (Séc. XVI-XVII) é outro caso digno de nota. Mestiço, natural da ilha de Santiago, onde teria nascido cerca de 1585, “muito nobre e bastante respeitável pelo seu carácter”120 e “opulento proprietário”121, foi eleito GovernadorGeral de Cabo Verde entre 1650-1651. Com o falecimento do governador e capitãogeneral Gonçalo Gamboa Ayala, em Outubro de 1650, encontrando-se o bispado sede-vacante e estando Portugal às voltas com a Restauração, o Governo da Província foi assumido provisoriamente pela Câmara da cidade da Ribeira Grande. Esta entendeu fazer uma eleição, que foi favorável a Semedo Cardoso (Barcellos, 1900)122, tendo este vindo a tomar posse como o décimo nono Governador123 e o primeiro crioulo a desempenhar tais funções (ver Anexo 4: Quadros 7 e 8). Recorda-se, ainda a propósito das situações referidas, que foi fundado, em 1640, na cidade da Ribeira Grande, um convento de religiosos sobre o qual se diz: “leccionava-se ahi particularmente e muitos filhos de pessoas abastadas conseguiram alguma instrucção” (Barcellos, 1904:2). Da cidade da Ribeira Grande onde pregou em 1652, em carta de 25 de Dezembro enviada para o Padre confessor de Sua Alteza, o Padre António Vieira constatava:

Edição bilingue em português e francês, publicada pela Junta de Investigação Científica do Ultramar (Centro de Estudos de Cartografia Antiga, Memórias 8, Secção de Lisboa), Lisboa, 1977. 120 Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1900, p. 16. 121 Idem, ibid., p. 17. 122 ainda “Um governador do tempo da Restauração”, Boletim Geral das Colónias, Ano 26º, Nº 299, Lisboa, Maio de 1952. 123 Conforme o “Catálogo dos Governadores de Cabo Verde” O Panorama – Jornal Literário e Instructivo, Vol. XIV, Lisboa, 1857, pp. 51-52, o primeiro governador foi nomeado em 1592, por Filipe I de Portugal, II de Castela. 119

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“São todos pretos, mas sómente neste accidente se distinguem dos europeus. Tem grande juiso e habilidade, e toda a politica que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina a natureza. Há aqui clerigos e conegos tão negros como azeviche; mas tão compostos, tão auctorizados, tão doutos, tão grandes musicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer invejas aos que lá vemos, nas nossas catedraes”124. Em 1740 foi enviado do Reino para a Província um mestre de Gramática125, dandolhe, pelo Alvará de 12 de Janeiro, cinquenta mil réis de ordenado anual (Chelmicki e Varnhagen, 1841). Entretanto, a Igreja, que era quem se ocupava da instrução nas Ilhas, sofreu um profundo golpe com a extinção da Companhia de Jesus, em 1759. Após a determinação da expulsão dos Jesuítas, o Marquês de Pombal (1699-1782) promoveu uma reforma na tentativa de substituir o ensino ministrado por aquela ordem religiosa. Uma lei de 6 de Novembro de 1772 viria a criar lugar para 479 mestres de ler – o que deverá corresponder a igual número de escolas se para cada uma delas se projectasse um único mestre – em que 24 eram no Ultramar, dos quais 4 em África, a saber: Cabo Verde126, Príncipe, Angola e Moçambique (Rómulo Carvalho, 1996). Posteriormente, uma ordem de 8 de Abril de 1794 mandava, à custa da Fazenda Nacional, transportar rapazes para Lisboa, onde se deviam instruir nas ciências, artes e ofícios. De facto, seguiram muitos rapazes da Província, mas não há registo de que algum desses tivesse adquirido instrução, pois não foram acolhidos pelos anfitriões para o efeito, como inicialmente planeado. Em 1811, as escolas régias autorizadas permaneciam apenas no papel, o que terá provocado um severo reparo da Corte do Rio de Janeiro, que ordenava ao Governador e ao Bispo que levassem por diante, com celeridade, a criação de escolas públicas, tornando a escolaridade obrigatória a partir dos sete anos de idade (Teixeira Sousa, 1985). Só que o Orçamento da Província não suportava tamanha despesa. A habitual falta de fundos e a ausência de interesse pelo fomento do saber impediam todo e qualquer esforço em promover a instrução nas ilhas. Padre António Vieira, “Carta do Padre António Vieira escripta de Cabo Verde ao padre confessor de sua Alteza, indo arribado daquelle Estado”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 23, Praia, Agosto de 1951, p. 11. 125 Na terminologia usada no tempo, empregava-se a designação “mestres” ou “mestres-escola” para os que ensinavam a ler, escrever e contar e a de “professores” para os restantes docentes. 126 Presume-se que venha dessa iniciativa a designação “Escola do Rei”, utilizada para as escolas oficiais, pelo menos até a altura dos estudos primários do autor desta investigação. 124

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O Período de Implantação da Instrução Pública (1817-1845) Finalmente, em 1817, foi criada, na então Vila da Praia Santa Maria, pela Junta da Fazenda da Província, a primeira Escola oficial de Ensino Primário, dando ao mestre casa e oitenta mil réis de ordenado. Essa escola viria a durar pouco tempo aberta, pois morreu o professor, não havendo quem o substituísse. Tornou a abrir em 1821 e, com grandes interrupções, funcionou até 1840 (Lopes Lima, 1844). Nos anos seguintes aumentaram-se as escolas e, em 1843, foi votada a verba de 3.800$000 (três contos e oitocentos mil réis), para a criação de 38 delas, distribuídas por três categorias, sendo duas de primeira classe, nas ilhas de Santiago e Boa Vista, com a verba de 240$000 réis cada uma; doze de segunda classe em todas as ilhas, com 120$000 réis cada uma; e vinte e duas de terceira classe (dezassete nas ilhas e cinco na Guiné, que então fazia parte do Governo-Geral de Cabo Verde) com a verba de 72$000 réis cada uma; e duas Mestras de meninas, em Santiago e na Boa Vista, cada uma com uma verba de 72$000 réis (Lopes Lima, op. cit.). Não se tem, contudo, conhecimento que todas estas escolas previstas tivessem funcionado nem que elas tivessem tido um programa de ensino, limitando-se, pelo que se supõe, ao que os professores sabiam ou entendiam ensinar. Apesar disso, um testemunho da época refere que “apesar de todas estas circunstâncias, e tamanha incúria na Instrução Pública, é d’admirar quanto raro é encontrar allí alguém que não saiba ler e escrever: principalmente em S. Nicolao, S. Antão e Boa-vista” (Chelmicki e Varnhagen, 1841:196). O Período de Regularização da Instrução Pública (1845-1910) A partir de Agosto de 1845 vão ser lançados os fundamentos e implementada a Instrução Pública em Cabo Verde, integrando esta a Instrução Primária e o Ensino Liceal e Eclesiástico. A Instrução Primária Atendendo assim, à “urgente necessidade de organizar e promover a Instrução Primaria nas Provincias Ultramarinas”, o Decreto Regio de 14 de Agosto de 1845127 127

Boletim Official, N.º 112, Praia, 25 de Outubro de 1845.

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regularizou a Instrução Pública, autorizando o governo a criar novas escolas e a transferir as existentes, segundo as informações dos governadores-gerais, tomadas em conselho. Por este mesmo Decreto, foi estabelecido o programa de ensino tanto para as Escolas Elementares como para as Escolas Principais de Instrucção Primaria nas sedes das Províncias Ultramarinas de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Índia, que funcionavam com dois Professores e um Conselho Inspector de Instrução Primária. As Escolas Elementares deveriam ensinar as seguintes cadeiras: ler, escrever e contar, princípios gerais de moral, doutrina cristã, exercícios Gramaticais, princípios de Geografia e, especialmente a notícia das diversas Províncias da Monarquia Portuguesa, História Sagrada do Antigo e Novo Testamento e História Portuguesa. A Escola Principal de Instrucção Primaria, cujo fim era habilitar professores para as regências das escolas primárias que se criassem, ensinaria, não apenas as matérias das outras escolas, como ainda Gramática Portuguesa, Desenho Linear, Noções de Geometria prática, Escrituração, Notícia dos produtos naturais da Província ou que nela se fabricassem. Esta Escola viria a ser instalada primeiramente na Brava, em 1848, devido à presença do Governador na ilha, depois transferida para a Praia, em 1856, com a fixação permanente do Governo nesta vila, e, em 1869, anexada ao Seminario-Lyceu, em S. Nicolau, onde se conservou até 1871, regressando de novo à cidade da Praia, onde funcionou até a sua extinção, em 1893. Se, por um lado, a nova organização pretendia melhorar o ensino pela homogeneidade de instrução nas escolas, por outro, exigia dos professores capacidades que estavam longe de possuir. Para obviar a este inconveniente, pretendeu o Decreto de 30 de Novembro de 1869 regularizar o serviço da inspecção e modificar as doutrinas, dividindo-as em duas classes. Entretanto, devendo instalar-se o Conselho Inspector de Instrução Pública na capital da Província, o Governador-Geral nomeou, por Portaria de 8 de Maio de 1872128, para fazer parte do referido conselho, os dois professores da Escola Principal, Augusto Candido d’Abranches e Luiz Balbino Pacheco, e o presbítero João Henriques Nunes d’Aguiar, pároco da freguesia de Nossa Senhora da Graça. O “Regulamento das Escólas de Instrucção Primária da Provincia de Cabo-Verde”, aprovado pela Portaria de 30 de Julho de 1872129, estabelecia a Instrução Pública em 128 129

Idem, N.º 19, Praia, 11 de Maio de 1872. Idem, N.º 31, Praia, 3 de Agosto de 1872.

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duas classes e definia as matérias a serem ministradas em cada uma delas. A primeira Classe, compreendendo a leitura, a escrita e as quatro operações aritméticas em números inteiros e fraccionários; e a segunda Classe, compreendendo rudimentos de gramática portuguesa, rudimentos de história e de corografia portuguesa, aritmética e elementos de geometria com aplicação à indústria e primeiras noções de agricultura e de economia rural. O ensino primário para o sexo feminino foi igualmente regulamentado com uma única classe, compreendendo a leitura, a escrita, as quatro operações em números inteiros e fraccionários, a explicação do catecismo e doutrina cristã para as alunas da religião católica e todos os trabalhos próprios do sexo feminino e aplicáveis ao uso das classes menos abastadas. Outro passo importante na ordenação das escolas primárias oficiais foi a aprovação do “Regulamento das Escólas Particulares”, pela Portaria de 20 de Agosto de 1872. Este regulamento estabelecia as condições para a abertura de “escolas de ensino primário, ou de alguma das disciplinas que pertencem a este ramo”130, por entidades privadas, ficando sujeitas à inspecção do Conselho Inspector de Instrução Pública. O Ensino Liceal e Eclesiástico O Governo-Geral da Província, invocando o Decreto de 14 de Agosto de 1845 e posteriores determinações do Ministério da Marinha e Ultramar, fixou, pela Circular N.º 313-A, de 15 de Dezembro de 1860, a criação, na Praia – dois anos depois desta ter sido elevada a cidade – do Lyceo Nacional da Provincia de Cabo-verde, a funcionar provisoriamente nos Paços do Concelho, ressalvando-se, contudo e mais uma vez, que não se excedesse a verba votada para a Instrução Pública no orçamento em vigor: “1.º Ficam estabelecidas na cidade da Praia, e reunidas em um mesmo edificio para esse fim adequado, as seguintes Cadeiras já existentes: Ensino Primario – Latim – Philosophia Racional e Moral – eologia – ás quaes se addicionarão as de Francez – Inglez – Desenho – Mathematica Elementar – Rudimentos de Nautica. 2.º Estas Cadeiras formarão um Lyceo, que se denominará Lyceo Nacional da Provincia de Cabo-verde, e será dirigido pelo Professor mais antigo. 130

Boletim Official, N.º 34, Praia, 24 de Agosto de 1872.

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3.º Serão transferidas desde já para esta Cidade, as Cadeiras que se leccionávão na Cidade da Ribeira Grande”131. Assim, a 7 de Janeiro de 1861, com a solenidade devida e salva de canhões, teve lugar no edifício dos Paços do Concelho, a abertura do Lyceo Nacional, pelo então Governador-Geral interino, Januário Correia d’Almeida, em nome de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V. O Lyceo Nacional funcionou, ou pelo menos existiu, por cinco ou seis anos, com irregularidades e muitos problemas. Um deles foi a falta de professores para todas as cadeiras criadas, situação essa agravada por pedidos de demissão de alguns deles132. Segundo o Ministro e Secretário D’Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, João de Andrade Corvo (1875), “a rasão e a dificuldade d’esta situação está nos ordenados [120$000 e 72$000 réis] que certamente não convidam individuos habilitados a irem do reino leccionar” (Corvo, op. cit., p. 102). Outro problema foi um número cada vez mais diminuto de alunos133. Em 1862, os alunos matriculados, incluindo os que vinham do ano lectivo anterior, eram em número de 143, em que 108 frequentavam a Instrução Primária e 35 seis disciplinas liceais. No ano lectivo de 1863, os alunos eram 136, sendo 119 na Instrução Primária e 17 em três disciplinas liceais. De referir ainda que algumas dessas disciplinas eram frequentadas por dois ou mesmo um único aluno. Entretanto, “tendo sido chamados alguns professores do lyceu nacional da provincia para desempenhar as funcções do seu cargo no seminário creado por decreto de 3 de setembro do anno proximo findo [1866] e estabelecido na ilha de S. Nicolau; e, considerando que pela falta d’aquelles professores, e de outros cujas cadeiras haviam sido addicionadas ás já existentes por ocasião da creação do referido lyceu; não póde este funccionar com a devida regularidade”134, o Governador-Geral José Guedes de Carvalho e Menezes (1864-1869) outra alternativa não teve senão o encerramento de direito do liceu, que já se encontrava encerrado de facto, o que fez por Portaria datada de 7 de Janeiro de 1867. Boletim Official, N.º 83, Praia, 22 de Dezembro de 1860 (2ª série, 3º Volume). Por Portaria de Exoneração de 4 de Dezembro, publicada no B. O., N.º 47, Praia, 7 de Dezembro de 1861, foi demitido, a seu pedido, o Professor das cadeiras de Inglês e Francês, seguindo-se-lhe o Professor da cadeira de Latim, Portaria N.º 140, de 24 de Julho de 1862, publicada no B. O., N.º 4, de 7 de Fevereiro de 1863. 133 Portaria N.º 206, publicada no B. O., N.º 34, Praia, 7 de Setembro de 1861. 134 Portaria N.º 8, publicada no B. O., N.º 4, Praia, 26 de Janeiro de 1867. 131 132

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Manuel Brito-Semedo

Não obstante em 1875 se ter pedido, pela Portaria Regia N.º 88, de 7 de Julho, os necessários elementos para se constituir um liceu em bases regulares, tal não se efectivou135. Enquanto isso, foi criado o Seminario Eclesiastico da Diocese de Cabo Verde, sendo bispo D. José Alves Feijó (1865-1869), pelo Decreto de 3 de Setembro de 1866, com base na Lei de 12 de Agosto de 1856, que mandava estabelecer seminários nas dioceses ultramarinas, podendo estes suprir a falta de liceus, “pois que nos seus estudos preparatorios poderão utilmente aprender os mancebos que, não se destinando ao estado ecclesiastico, desejem comtudo seguir estudos superiores, ou receber uma educação litteraria e scientifica136. O mesmo decreto estabelecia o programa de estudo: “Artigo 2.º O curso geral de estudos do mesmo seminário é dividido em dois: 1.º Estudos Preparatórios; 2.º Estudos ecclesiásticos. Art.º 3 Formam o curso de estudos preparatórios as seguintes disciplinas ensinadas nas respectivas cadeiras: 1.ª cadeira – línguas latina e franceza. 2.ª cadeira – phiolosophia racional e moral, e princípios de direito natural. 3.ª cadeira – rhetorica, geographia, chronologia e historia em curso biennal.

“Lyceu na Cidade da Praia”, Cabo Verde, Numero commemorativo da passagem por esta provincia de Sua alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filippe, Praia, 21 de Setembro de 1907, pp. 1 e 2. 136 Decreto publicado no B. O., N.º 44, Praia, 3 de Novembro de 1866. Esse mesmo Decreto estabelecia, no seu artigo 11º, a tabela de vencimentos para o corpo docente do Seminario-Lyceu: 135

Professores de 1.ª, 2.ª e 3.ª cadeiras de preparatórios, e do estudo theologico – uma gratificação, que junta á congrua de conego prefaça a soma de 500$000 ou 520$000 réis, sendo dignidade. Professor da 4.ª cadeira de preparatórios Professor de musica e canto ecclesiastico Vice-reitor Prefeito

600$000 120$000 300$000 200$000

Ao vice-reitor e ao prefeito se dará também mesa no seminario.

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A Formação da Nação Crioula - A Emergência de uma Élite Letrada

4.ª cadeira – mathematica elementar, e principios de sciencias physicas e historico-naturais em curso biennal. Art.º 4 Formam o curso theologico, estudado em quatro aulas, e em dois Anos, a historia sagrada e ecclesiastica, a theologia moral, a theologia sacramental, e a theologia dogmatica”. Assim, em Dezembro de 1866 começou a funcionar o Seminario Eclesiastico, desde logo designado por Seminario-Lyceu, com dois professores vindos do Reino, além do de cantos e ritos, e dois outros (Latim e Filosofia) que tinham feito parte do Lyceo Nacional, no que respeita à parte eclesiástica, e um professor de teologia, que só foi para ali transferido em 1869. Para além disso, foi determinado, por Portaria Régia de 24 de Julho de 1867, que um professor da Escola Principal passasse a leccionar no Seminario a aula de instrução primária (Francisco Silva, 1899b). Uma Portaria Régia de 2 de Novembro de 1869 viria a determinar que a Escola Principal de Instrucção Primaria fosse considerada anexa ao Seminario-Lyceu: “Para que o ensino d’ella sirva para auxiliar o mesmo Seminario [...] de modo que os alunos [...] possam utilizar-se do ensino da Escóla Principal, não só em quanto ao estudo da lingua, como também aprendendo n’ella os methodos do ensino, e o mais que lhes convenha para que ulteriormente, e quando Presbyteros, possam desempenhar, como cumpre, as funcções de professor ou seja levados de zelo do bem dos povos, ou seja como professores publicos”137. Em 1892 foram remodelados os estudos do Seminario-Lyceu e definidos os seus fins – “formar bons ecclesiasticos e proporcionar aos Alunos que se destinam á vida civil, a par de uma solida instrucção nas sciencias e nas letras, uma apurada educação moral e religiosa”138. Essa remodelação criou um Curso de Preparatórios, comum para os alunos que se destinassem à vida civil e eclesiástica, e um Curso Superior, para o estado eclesiástico. O Curso de Preparatórios, regido conforme os programas dos liceus do reino, na parte aplicável, abrangia a instrução primária e a instrução secundária.

Officio N.º 193, “Cópia da portaria a que se refere o officio supra”, B. O., N.º 4, Praia, 23 de Janeiro de 1869. Ver “Instruções e disposições regulamentares do Seminario-Lyceu de Cabo Verde na ilha de S. Nicolau”, B. O., N.º 40, Praia, 1 de Outubro de 1892. 137 139

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Manuel Brito-Semedo

A Instrução Primária (ministrada apenas aos alunos internos) dividia-se entre elementar e complementar. A elementar compreendia cartilha, leitura, princípios de gramática e análise, escrita, tabuada e contas e princípios de desenho linear. A complementar (admissão ao liceu) compreendia doutrina cristã, princípios de moral e civilidade; leitura de impresso e manuscrito, caligrafia e ortografia, aritmética elementar e sistema métrico, gramática portuguesa e exercícios de análise, elementos de geografia geral e corografia de Portugal, elementos de história sagrada e de Portugal e elementos de desenho linear e geométrico. A Instrução Secundária, por sua vez, abrangia 17 cadeiras, distribuídas por seis anos. O programa incluía o estudo de línguas (Português, Inglês, Francês e Latim), retórica, oratória sagrada, literatura clássica, principalmente a portuguesa, filosofia racional e moral, legislação (princípios gerais de direito civil, público, administrativo e economia política), história universal e pátria, geografia, com especialidade a das colónias portuguesas, princípios de física e química com aplicação às artes e introdução à história natural, aritmética e geometria, desenho, entre outras. O Curso Superior, vocacionado para o estado eclesiástico, pouco relevante para esta investigação, tinha a duração de três anos e compreendia nove cadeiras. De referir que, para além do curso de preparatórios e de ciências eclesiásticas, havia ainda uma aula de música vocal e instrumental, que era obrigatória para aqueles que queriam seguir a carreira clerical e facultativa para os que queriam seguir a vida civil. A avaliação que D. Francisco Ferreira da Silva (1852-1920), antigo Vice-Reitor do Seminario-Lyceu de 1888 a 1904, faz desta instituição, em 1911, eventualmente quando ela estava a ser questionada pelos políticos anti-clericais da República, é extremamente elogiosa: “O povo de Cabo Verde é um povo que sabe lêr e escrever e os alumnos do seu Seminario, ou abracem a vida ecclesiastica ou se destinem á vida civil, não têm receio de se defrontarem com os seus patricios que fizeram alguns preparatórios no reino, que os que são padres, bem podem collocar-se ao lado, em habilitações, dos que estudam nos seminarios do reino” (1911:161). O Seminario-Lyceu, até à sua extinção em 1917 – altura da criação do Liceu Nacional de Cabo Verde139 – viria a ser uma referência incontornável na história da eduA Lei N.º 701, de 13 de Junho de 1917, publicada no B. O., N.º 27, Praia, 7 de Julho de 1917, extinguiu o Seminario-Lyceu que funcionava na Ilha de S. Nicolau e criou em seu lugar o Liceu Nacional de Cabo Verde. 140

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A Formação da Nação Crioula - A Emergência de uma Élite Letrada

cação em Cabo Verde e desempenhar um papel importante nas gerações sucessivas e determinar o perfil académico, literário e político da elite cabo-verdiana. Com uma cultura clássica e humanista, dali sairiam poetas e prosadores que, segundo Gabriel Mariano (1959) “haviam de pôr um marco profundo na vida intelectual cabo-verdiana, despertando e cultivando nela o gosto e o respeito pelas coisas literárias141.

2. A Génese de uma Elite Letrada O estabelecimento de uma Instrução Pública funcionando com restrições financeiras e limitações orçamentais do Estado, desde o seu início, exigiu uma comparticipação por parte dos seus utentes, de forma a garantir a continuidade da sua existência, fazendo desse sistema de ensino elitista.

2.1 - O Sistema de Ensino Elitista A nível do ensino primário elementar, não foram encontradas quaisquer informações que indicassem que os pais dos alunos participassem dos custos da Instrução Pública ministrada aos seus filhos, pelo que se pode concluir que esses custos eram suportados na totalidade ou pelos cofres do Reino ou pelos da Província. O ensino primário complementar, administrado na Escola Principal, e o ensino secundário, ministrado pelo Lyceo Nacional e pelo Seminario-Lyceu, eram frequentados mediante o pagamento de propinas. Esta solução, porém, apresentava o inconveniente desses níveis de ensino ficarem acessíveis apenas a um pequeno grupo social com algum poder económico, contribuindo assim para a reprodução da estratificação social vigente, já que interditava aos menos desfavorecidos economicamente o acesso à instrução. Segundo informações da Secretaria do Lyceo Nacional, relativas a 1863, cada aluno pagava anualmente, a título de propina de matrícula, a importância de $200 réis nas escolas de primeira classe, $500 réis nas de segunda, 1$000 réis na Instrução Primária Principal e outro tanto em cada uma das cadeiras liceais142. A título excepcional, foi atribuída pelo Governo-Geral da Província uma gratificação diária de cem réis, para as despesas de manutenção e enquanto frequentassem o liceu na Praia, aos dez Gabriel Mariano, “Do Funco ao Sobrado ou o ‘Mundo’ que o Mulato Criou”, Colóquios Cabo-verdianos. Lisboa, 1959, p. 46. 142 Informações da Secretaria do Lyceo Nacional no B. O., N.º 10, Praia, 21 de Março de 1863. 141

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Manuel Brito-Semedo

alunos transferidos da Cidade da Ribeira Grande, onde habitavam, e que pretendiam dedicar-se à vida eclesiástica143. No Seminario-Lyceu, por outro lado, as propinas eram muito mais elevadas que as do extinto Lyceo Nacional: 3$000 réis para a Instrução Primária e a Admissão aos Liceus e 2$000 réis para as aulas de Preparatórios144. Para os alunos que se destinassem à vida civil, havia duas modalidades: a de pensionistas e a de externos. Os pensionistas, ou eram por conta do Estado e do Cofre de Bula ou por conta própria, pagando a prestação de dez mil réis mensais145. Os alunos externos, para além das despesas das propinas, pagavam ainda o custo do internato particular, cuja mensalidade era de 10$000 réis e a anuidade de 110$000 réis146. Como padrão de comparação e segundo o Boletim Official da Província, de 1897, o ordenado anual do Director do Correio da Praia, portanto um funcionário de nível superior, era de 400$000 réis147. Assim, um pequeno exercício de aritmética leva a concluir que, na hipótese de um funcionário nessa categoria mandar dois filhos es-

Os alunos beneficiados eram Ambrozio Lobo de Miranda, Izidoro Lopes da Veiga, Sotéro Antonio da Silva Ferreira, José Gomes Moreira, Francisco Xavier Tavares, Wenceslau Gomes dos Santos Tavares, Manoel da Paz Ferreira, Francisco Antonio Fernandes, emoteo Gomes Semedo e João Lopes Pereira. Portaria N.º 156-A, de 13 de Maio de 1861, publicada no B. O., N.º 21, Praia, 25 de Maio de 1861. 144 D. Francisco Ferreira da Silva, “Seminario-Lyceu de Cabo Verde”, pp. 259-260, B. O., N.º 33, Praia, 19 de Agosto de 1899. 145 Ver “Instruções e disposições regulamentares do Seminario-Lyceu de Cabo Verde na ilha de S. Nicolau”, B. O., N.º 40, Praia, 1 de Outubro de 1892. Conferir ainda a versão autónoma publicada em Coimbra por D. Francisco Ferreira da Silva, em 1893, 19 pp. 143

146

Nos Boletins Officiais, N.ºs 8 e 9, respectivamente, Praia, 23 de Fevereiro e 2 de Março de 1901, saiu um anúncio de internato para rapazes com o seguinte formato: PENSIONATO ESPERANÇA ILHA DE S. NICOLAU Internato para rapazes, com destino á Escóla Commercial, e à frequência Externo no Seminario-Lyceu (classe civil). Educação christã-civil em família. Mensalidade 10$000 réis; Annuidades, 110$000 réis. Logares, só para 10; Pagamento, sempre adiantado. O Director: Conego A. da Costa Teixeira. Auxiliares: A. do Rosário Figueiredo, J. T. Gomes. 147

B. O., N.º 25, Praia, 19 de Junho de 1897.

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A Formação da Nação Crioula - A Emergência de uma Élite Letrada

tudar ao Seminario-Lyceu por conta própria para seguir a vida civil, um na Instrução Primária e outro no Preparatório, esse pai despenderia anualmente 225$000 réis. Isto só em propinas e pensionato, o que quer dizer que apenas uma pequena elite poderia manter os filhos a estudar em S. Nicolau. Os alunos que se destinavam ao estado eclesiástico eram internos e separavam-se em dois grupos: os gratuitos e os porcionistas, ou seja, os que pagavam a sua educação e sustento. Os alunos gratuitos tinham direito a alimentação, roupa lavada e medicamentos por parte do Seminário, correndo por conta das suas famílias todas as demais despesas, como vestuário, calçado, livros, etc., enquanto os porcionistas, para além disso, pagavam ainda a prestação mensal de nove mil réis (Francisco Silva, 1893).

2.2 - A Estruturação da Elite Letrada Para uma breve análise da elite letrada surgida nas diferentes ilhas na segunda metade do século XIX, tome-se como referência o ano de 1869, o ano da abolição oficial da escravatura em todos os domínios portugueses, altura em que a frequência nas Escolas Primárias na Província era de 1.667 alunos, numa população de 90.204 habitantes (Albuquerque, 1874), o que corresponde a uma taxa de frequência de 1 aluno por cada 54 habitantes, na ordem de 1,8% (Quadro 3.1). Quadro 3.1 Taxa de Escolaridade da População (1869) Ilhas e Conselhos

Número Habitantes

S. Tiago Fogo Brava Maio Boa Vista S. Nicolau Santo Antão S. Vicente Sal

39.197 8.401 9.731 773 2.374 6.375 20.911 1.691 751

709 70 184 47 144 67 143 247 56

1: 55 1:120 1: 53 1: 16 1: 16 1: 95 1:146 1: 7 1: 13

90.204

1.667

1: 54

Total

Número Alunos

Taxa Escolaridade

Fonte: Quadro construído com base no Relatórios do Governador-Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1874; e no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, de 1969.

119

Manuel Brito-Semedo

Segundo o quadro, a ilha com maior taxa de escolaridade é a de S. Vicente (1 aluno para cada 7 habitantes), seguida da do Sal (1 aluno por cada 13 habitantes), vindo depois as ilhas do Maio e da Boa Vista, com o mesmo valor (1 aluno para cada 16 habitantes). Cinco anos mais tarde, em 1874, numa população que tinha baixado para 75.569, por razões aqui não identificadas, a frequência foi de 1 aluno para cada 45 habitantes (Albuquerque, 1874), subindo a taxa de escolaridade para 2,2%, tendo havido um aumento de 4 pontos percentuais em relação ao período anteriormente considerado (Quadro 3.2). Quadro 3.2 Taxa de Escolaridade da População (1874) Número de Habitantes Ilhas e Conselhos

Por Sexo Masculino

Santiago Praia Santa Catarina Fogo Brava Maio Boa Vista Sal S. Nicolau S. Vicente Santo Antão Ribeira Grande Paúl Total

Femino

Taxa Escolaridade Por Sexo

Total

Masculino

Femino

Total

6.910 6.255 4.327 3.735 432 1.146 327 3.032 918

8.483 7.017 4.010 4.043 512 1.475 443 3.922 948

14.393 13.272 9.337 8.778 944 2.621 770 6.954 1.866

1 : 15 1 : 33 1 :202 1 : 46 1 : 28 1 : 47 1 : 13 1 : 32 1 : 18

1 :292 1 :412 – 1 :296 – 1 : 59 1 : 49 1 :112 –

1: 32 1: 64 1:202 1: 46 1: 28 1: 47 1: 13 1: 32 1: 18

4.843 2.860

6.702 3.229

12.545 6.089

1 : 59

1 :220

1: 59

34.785

40.784

75.569

1 : 23

1 :241

1 : 45

Fonte: Relatórios do Governador-Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1874.

Nota-se que as ilhas que continuam com uma frequência escolar mais elevada são as do Sal (1 aluno por cada 13 habitantes), S. Vicente (1 aluno para cada 18 habitantes)

120

A Formação da Nação Crioula - A Emergência de uma Élite Letrada

e Maio (1 aluno para cada 28 habitantes). Isto pode ser explicado pelo facto de os rudimentos da escrita e das contas serem mais necessários nessas ilhas devido às suas actividades do comércio (sal, peles e carne salgada) e ao abastecimento de carvão aos barcos que procuravam os seus portos. De considerar que, apesar da população feminina ser superior à masculina em cerca de seis mil, a taxa de escolaridade dos rapazes é de um por cada 23 habitantes, enquanto as raparigas é de uma por cada 241 habitantes, o que se explica pela mentalidade da época e, na sua decorrência, pelo reduzido número de escolas para este género. Outros cinco anos mais tarde, em 1879, tendo Cabo Verde uma população de 99.317 habitantes, a frequência ficou em 1 aluno por cada 52 habitantes (Sampaio, 1879), ou seja, uma taxa de frequência de 1,9%, tendo, portanto, descido a escolaridade da população em três pontos percentuais em relação ao período anteriormente considerado (Quadro 3.3). Quadro 3.3 Taxa de Escolaridade da População (1879) Ilhas

Número Escolas

Número Alunos

População

Taxa Escolaridade

Santiago Fogo Brava Maio S. Nicolau S. Vicente Sal Boa Vista Santo Antão

16 5 4 1 5 3 2 3 8

494 49 156 33 158 119 47 97 263

41.076 12.221 8.158 1.600 8.733 3.297 1.082 2.643 20.507

1:83 1: 249 1:52 1:48 1:55 1:27 1:23 1:27 1:81

Total

57

1.892

99.317

1: 52

Fonte: Relatórios do Governador-Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1879.

Apesar da descida geral, nota-se que a taxa de escolaridade da população de Boa Vista aumentou significativamente, tendo atingido o mesmo nível da Ilha de S. Vicente, sua rival como porto comercial. 121

Manuel Brito-Semedo

Em resumo, a taxa média de escolaridade nos anos referidos é de 1 aluno por cada 50 habitantes, correspondente a 1.768 alunos por ano, numa população média calculada em 89.350 sujeitos (Quadro 3.4). Quadro 3.4 Taxa Média de Escolaridade da População (1869, 1874 e 1879) Ano

Número Habitantes

Número Alunos

Taxa Escolaridade

1869

90.164

1.667

1: 54

1874

78.569

1.746

1: 45

1879

99.317

1.892

1: 52

Média

89.350

1.768

1: 50

Fonte: Quadro construído com base nos Relatórios do Governador-Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referidos aos anos de 1874 e 1879.

Nas colónias do império português, no seu todo, até 1875 tinham sido criadas as seguintes escolas primárias: Cabo Verde, 45 (das quais 9 para o sexo feminino); Guiné, 6 (todas do sexo masculino); S. Tomé e Príncipe, 2 (uma de raparigas); Angola, 25 (quatro de raparigas); Moçambique, 8 (uma de raparigas); Índia, 37 (além das escolas particulares e das comunidades, em número de 52); Macau, 4 (uma de raparigas) e Timor, 1 (Marques, 1998), o que colocava Cabo Verde como a Província Ultramarina africana com mais escolas, principalmente se se considerar a relação existente entre número de escolas, população e extensão do território. Há ainda a referir a Escola Principal de Instrução Primária que teve como média de frequência de 14 alunos nos anos lectivos de 1884-1885 a 1888-1889 (Mello, 1890). A nível do Ensino Liceal, o Lyceo Nacional da Provincia de Cabo-verde tinha arrancado em Janeiro de 1861 com um número reduzido de alunos. No ano seguinte, os alunos matriculados, incluindo aqueles que vinham do ano lectivo anterior, eram em número de 143, sendo 108 na instrução primária e 35 no ensino liceal, em seis cadeiras (Quadro 3.5).

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A Formação da Nação Crioula - A Emergência de uma Élite Letrada

Quadro 3.5 Frequência de Alunos no Lyceo Nacional no Ano Lectivo de 1862 Número dos Matriculados

Aulas

Matriculados que Satisfizeram as Matrículas

Importe das Matrículas em cada Aula

Teologia

11





Filosofia

8





11

1

1$000

Francês

2





Náutica

1





Desenho

2

2

2$000

108

21

21$000

143

24

24$000

Latim

Instrução Primária

Observações

Fonte: Boletim Official de Cabo-Verde, N.º 10, de 21 de Março de 1863

Em 1863, a frequência era de 136 alunos, sendo 119 na instrução primária e 17 no ensino liceal, em apenas três cadeiras (Quadro 3.6). Quadro 3.6 Frequência de Alunos no Lyceo Nacional no Ano Lectivo de 1863 Número dos Matriculados

Aulas

Teologia Filosofia Latim Instrução Primária

Matriculados que Satisfizeram as Matrículas

Importe das Matrículas em cada Aula

9 7 1 119

– – 1 22

– – 1$000 22$000

136

23

23$000

Observações

Fonte: Boletim Official de Cabo-Verde, N.º 43, Praia 7 de Novembro de 1863

Apesar da falta de dados disponíveis, mas com base em decisões posteriores, é de se depreender que as matrículas tenham baixado nos anos subsequentes ou re123

Manuel Brito-Semedo

duzido ainda mais o número dos matriculados que satisfizeram (pagaram) as suas matrículas, o que poderá estar também, juntamente com a crise de professores, com repercussão na redução do número de cadeiras, na origem do encerramento oficial do liceu em 1867. O Seminario-Lyceu Diocesano de Cabo Verde, dez anos após o seu início, apresentava, no ano lectivo de 1877-1878, uma frequência de 73 alunos, em que 25 eram pensionistas, sendo 21 por conta do Estado e do Cofre de Bula, e 48 alunos externos (Sampaio, 1878). Passados outros dez anos, a frequência tinha aumentado para 87 alunos, sendo 9 na instrução primária e 78 no ensino liceal. No ano imediato passava para 89 alunos e no seguinte regredia para 82 alunos (Mello, 1890). Já no fim do século, no ano lectivo de 1897-1898, este estabelecimento de ensino funcionava com 124 alunos, em que 52 pretendiam seguir a vida eclesiástica e 72 a vida civil (Gráfico 3.1). Gráfico 3.1 Frequência de Alunos no Seminario-Lyceu

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Fonte: Gráfico construído com base nos Relatorios do Governador-Geral da Provincia de Cabo-Verde Sobre o Estado da Mesma Província para os anos de 1878 e 1890.

É expressivo o número de alunos que frequentavam o Seminario-Lyceu mas que não pretendiam abraçar a vida eclesiástica, tencionando, antes, seguir a vida civil. Muitos deles viriam a integrar o aparelho ideológico do Estado – a igreja, a escola e o exército – vindo a tornar-se eficientes funcionários, e outros optariam por ser proprietários agrícolas, professores do ensino oficial e privado e advogados provisionários (Mário Andrade, 1997a).

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Relativamente à formação eclesiástica, desde a sua fundação, a 3 de Setembro de 1866, até ao fim do ano lectivo de 1897-1898, passou pelo Seminario-Lyceu um total de 332 estudantes, das mais diversas proveniências, sendo 245 de Cabo Verde e da Guiné, 73 do Reino e 14 da Madeira e S. Tomé (Francisco Silva, 1899). Enquanto isso, a taxa de analfabetismo em Portugal Continental e nas Ilhas Adjacentes não era muito animadora: 82,4%, em 1878; 79,2%, em 1890; e, 78,6%, em 1900, sendo, nesse último ano, 78,4% em relação às idades compreendidas entre os 6 e os 19 anos, e 73,4% nas idades superiores a 20 anos (Rómulo Carvalho, 1996) (Gráfico 3.2). Gráfico 3.2 Instrução em Portugal Continental e Ilhas Adjacentes ��������� ��������� ��������� ��������� ��������� ��������� �

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Fonte: Gráfico construído com base em Carvalho, História do Ensino em Portugal, 1996.

Ao encerrar-se, pois, o século XIX, o número de escolas oficiais em Portugal Continental e Ilhas Adjacentes era de 4.495, sendo 2.825 masculinas, 1.345 femininas e 325 mistas. A estas se acrescentavam 1.579 escolas primárias particulares, das quais 600 masculinas e 979 femininas, com uma frequência total de 231.239 alunos (Rómulo Carvalho, 1996). Enquanto isso, em toda a província de Cabo Verde havia, no ano lectivo de 18971898, apenas 73 escolas (47 régias, 16 municipais e 10 particulares), todas com o 1.º e o 2.º graus (Lacerda, 1899), o que, segundo o jornalista Loff de Vasconcellos (1897), era insuficiente, de nível rudimentar e não correspondia de todo às aspirações da população, que, na altura, era de 120.000 almas aproximadamente: “E para nós, os caboverdeanos, a quem os continentaes chamam estupidos e raça infima, só nos dão escolas de instrucção primaria, d’onde sahimos sabendo 125

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grosseiramente escrever o nome e as quatro operações arithemeticas, e, por muito favor, dão-nos em S. Nicolau um seminario-lyceu ou um lyceu-seminario para a formação de padres. Creio, porém, que não será intenção dos nossos governantes, fazer de todos os caboverdeanos padres; e por isso, urge que o governo crie em Cabo Verde um lyceu, onde os seus filhos vão beber a instrucção a que teem jus, para se erguerem á altura de um povo civilizado” (op. cit., p. IX). Em Setembro de 1907, aproveitando a passagem por Cabo Verde de Sua Alteza o Príncipe Real D. Luiz Filipe, um grupo de crianças fez a entrega de uma exposição solicitando o patrocínio do Sereníssimo Senhor a favor da fundação de um liceu na Cidade da Praia147. Entretanto, o Príncipe Real foi assassinado em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1908, juntamente com seu pai, o Rei D. Carlos I, “o Diplomata” (18891908). Seguiu-se a implantação da República e, em 1911, voltou-se a fazer o pedido da criação de um liceu148, o que efectivamente veio a ser satisfeito, mas só em 1917, desta vez na ilha de S. Vicente149. A Cidade da Praia só voltaria a albergar um estabelecimento de ensino secundário em 1960, o “Liceu Adriano Moreira”, cem anos depois da criação do Lyceo Nacional da Província de Cabo Verde.

3. A Expansão da Elite Letrada Pelo que ficou dito se conclui que, muito cedo, houve uma elite instruída em Cabo Verde, que via na escola o mais eficaz veículo de ascensão social. Esta elite constituiu o embrião, o qual, pelas sucessivas medidas régias, deu origem à emergência da primeira “verdadeira” elite intelectual, que viria a ser a força impulsionadora inicial do nacionalismo cabo-verdiano.

“Lyceu na Cidade da Praia”, Cabo Verde, Numero commemorativo da passagem por esta provincia de Sua alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filippe, Praia, 21 de Setembro de 1907, pp. 1 e 2. 148 Afro (Pedro Cardoso), “Instrução”, secção “A Manduco...”, in A Voz de Cabo Verde, N.º 16, Praia, Dezembro de 1913. 149 A Lei N.º 701, de Julho, publicada no B. O., N.º 27, Praia, 7 de Julho de 1917, que extinguia o Seminario-Lyceu criava, em seu lugar, o Liceu Nacional de Cabo Verde, a funcionar em S. Nicolau. Este viria a ser sediado em S. Vicente, conforme o Decreto N.º 3:435, de 8 de Outubro de 1917, tendo aberto as suas portas a 19 de Novembro desse mesmo ano, com 31 alunos, sendo 21 do sexo masculino e 10 do sexo feminino, todos da 1.ª classe ou do 1.º ano do curso geral dos liceus (B. O., N.º 47, Praia, 24 de Novembro de 1917). 147

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3.1 - A Produção Cultural No que concerne à vida cultural desenvolvida por essa elite intelectual, existem nos boletins oficiais da segunda metade de oitocentos indícios reveladores de como ela se estruturava. Apesar do meio pequeno, mas não acanhado das ilhas, para uma população que, em 1869, era pouco mais de noventa mil habitantes (ver Anexo 2: Quadro 3), funcionavam dois teatros, com realização regular de saraus culturais, vários gabinetes de leitura, uma biblioteca e museu, diversas associações recreativas e culturais e o hábito de serões e tertúlias familiares de música e declamação de poesia. Teatro Nesse ano de 1869, tomado aqui como referência porque foi o ano da abolição oficial da escravatura, em que a ilha de Santiago tinha uma população de cerca de quarenta mil habitantes, funcionavam na Cidade da Praia, em simultâneo, dois teatros – o eatro de D. Maria Pia de Saboya, cuja primeira pedra fora lançada em 1863, e o eatro Africano, inaugurado em 1868. O eatro de D. Maria Pia de Saboya, cujo nome foi atribuído em homenagem à princesa italiana casada com o Rei D. Luiz I, “o Popular” (1861-1889), surgira por iniciativa de alguns oficiais e oficiais subalternos do Batalhão de Artilharia na Província, portanto, naturais do Reino, como forma de “mitiga[r] as saudades da mãe pátria e nos indemniza[r] em parte dos soffrimentos que não poucas vezes nos acarreta a insalubridade d’este paiz”. O grupo abriu uma subscrição para começar o edifício do teatro e, a 21 de Março de 1863, na Rua do Quartel-General, no local destinado à construção, foi realizado um acto solene do lançamento da primeira pedra, presidido pelo Governador-Geral Conselheiro Carlos Augusto Franco (1860-1864), assinalado com foguetes e música do Batalhão de Artilharia150. Passados quatro anos, o edifício ainda não estava acabado pelo que a 6 de Julho de 1867 se constituiu a “Associação Igualdade”, com o fim de “contribuir para que se conclua o theatro [D. Maria Pia] e o estudo recreativo e proficuo da arte dramatica”151.

150 151

“Auto de Inauguração do eatro D. Maria Pia”, B. O., N.º 28, de 28 de Julho de 1863. “Estatutos da Associação Igualdade”, Portaria N.º 179, publicada no B. O., N.º 27, de 6 de Julho de 1867.

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Com um novo fôlego, a “Associação Igualdade” organizou na Sociedade Recreativa saraus mensais com o propósito de angariar fundos em benefício do teatro. Só em Junho subiram ao palco três peças152, seguindo-se um novo espectáculo em cada um dos meses de Julho153, Agosto154 e Setembro155. Os actores eram todos “curiosos” e, portanto, amadores, pelo que é de se realçar a dinâmica cultural existente, bem assim o interesse do público praiense. Em Abril de 1868, ainda com o objectivo de “continuar, com o produto das récitas, as obras do mesmo theatro, tanto quanto o permitirem os fundos da sociedade, e ministrar ao público o maior número de divertimentos dramaticos compativeis com as posses da sociedade”156, foi constituída a “Sociedade Dramatica do eatro de D. Maria Pia de Saboya”. Entretanto, em 1875, não se tendo concluído a construção do edifício e estando extinta a “Sociedade Dramatica”, o Conselho Municipal da Praia, por edital publicado no Boletim Official, de 24 de Julho, “faz saber que, no domingo, 8 d’agosto, pelas 11 horas da manhã, será adjudicado a quem maior lanço offerecer o fôro de terreno do extincto theatro de D. Maria Pia, medindo uma área de seiscentos e oitenta tres metros quadrados, avaliado no fôro annual de 20$000 réis”157. Ao que tudo indica, o eatro Africano foi organizado por um grupo rival do anterior, constituído por filhos das ilhas. O nome atribuído pode ter que ver com a demarcação que se pretendia em relação à iniciativa do grupo europeu e às instâncias do poder. Este teatro era propriedade da “Sociedade Dramatica do eatro Africano”, fundada a 29 de Junho de 1867158, com o “intuito [de] construir um edifício adequado, proprio e decente para representações dramaticas, bailes, soirèes e todos os outros

Boletim Official, N.º 25, Praia, 22 de Junho de 1867. Idem, N.º 29, Praia, 22 de Julho de 1867. 154 Idem, N.º 35, Praia, 31 de Agosto de 1867. 155 Idem, N.º 39, Praia, 28 de Setembro de 1867. 156 “Estatutos da Sociedade Dramatica do eatro de D. Maria Pia de Saboya”, Portaria N.º 61, publicada no Boletim Official, N.º 14, Praia, 4 de Abril de 1868. 157 Idem, N.º 30, Praia, 24 de Julho de 1875. 158 Os estatutos da “Sociedade Dramatica do eatro Africano” foram publicados no Boletim Official uma semana antes da publicação do estatuto da “Associação Igualdade”. 152 153

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divertimentos analogos, onde os accionistas se reunam [...] para gosarem de taes recreações, desenvolvendo e radicando o gosto pela arte dramatica”159. Meio ano após a constituição da “Sociedade Dramatica” foi realizado, a 1 de Janeiro de 1868, um espectáculo de inauguração do eatro Africano160, de que Artiaga Souto Maior (1853-1923), Conservador da Biblioteca Pública, faz uma pormenorizada e elucidativa descrição: “Este pequeno e elegante theatro foi construído na Cidade da Praia, capital da província de Cabo Verde, por iniciativa de alguns cavalheiros, que se constituiram em sociedade, em 1867, tendo estatutos approvados pelo governo. Foi o theatro edificado em ponto central da cidade, e temos ouvido dizer a muitos visitantes que é o melhor e mais elegante das provincias ultramarinas. A sala do espectaculo é em forma oval, cortada na parte do proscenio. Tem oito frizas do lado esquerdo, a geral do lado direito e uma só ordem de 14 camarotes. A plateia accommoda 110 pessoas. O panno de boca representa a praça de Luiz de Camões em Lisboa, e foi pintado por Rambois e Cinati. O tecto é pintado a oleo e o resto da sala a branco com frizos e figuras douradas. O espectaculo da inauguração do theatro foi o drama Os homens de ouro. Dão ali frequentes espectaculos promovidos por curiosos, que dispondo de algumas horas d’ocio vão distrahir-se, arrancando a cidade da sua proverbial monotonia”161. O eatro Africano teve uma longa vida de actividades mas marcada por muitas vicissitudes. Em 1897, o Banco Nacional Ultramarino executou uma hipoteca contra a “Sociedade Dramatica do eatro Africano”, pondo o edifício à venda em hasta pública, pelo que a Sociedade deve ter desaparecido por essa altura162. O teatro continuou, porém, como entidade privada e foi ali que, na noite de 28 de Agosto de 1931, se realizou o sarau musico-literário em homenagem ao poeta José Lopes163. Dois anos mais tarde, já com o

“Estatutos da Sociedade Dramatica do eatro Africano”, Portaria N.º 178, publicada no B. O., N.º 26, Praia, 29 de Junho de 1867. 160 O anúncio da récita de inauguração do eatro Africano saiu no B. O., N.º 52, de 28 de Dezembro de 1867. 161 Arteaga Souto Maior, “eatro Africano”, in Almanaque de Lembranças 1854-1932. Textos Africanos seleccionados por Gerald M. Moser, Lisboa, 1993, p. 68. 162 B. O., N.º 12, Praia, 20 de Março de 1897. 163 O Eco de Cabo Verde, N.º 9, Praia, Setembro de 1933. 159

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nome de Teatro Virgínia Vitorino164, foi o lugar escolhido pelo jornalista e poeta Pedro Monteiro Cardoso para proferir uma conferência em defesa da língua crioula165. Gabinetes de Leitura Felix Monteiro (1986)166 é de opinião que o primeiro gabinete de leitura foi aberto na Praia em 1853, com estatuto devidamente aprovado, seguindo-se-lhe vários outros. Contudo, foi de todo impossível confirmar tal informação. Entretanto, o escritor português Travassos Valdez (1864), informa que, na sua passagem pela Ilha de Santiago em visita de estudo, teve informações que na “Sociedade Esperança” os habitantes e os viajantes podiam passar algumas horas agradáveis, quer em jogos lícitos, quer na leitura de jornais políticos e literários, nacionais ou estrangeiros. O que está confirmado é que em 1870 foi fundada a sociedade “Gabinete de Leitura da Praia”, com o fim de “proporcionar aos associados, em casa conveniente e adequada, a leitura de livros e publicações periodicas, tanto scientificas como literarias, de mais apreço e merito, e especialmente as que forem consagradas a assumptos de instrução”167, seguindo-se a criação de vários outros gabinetes de leitura em quase todas as ilhas do arquipélago. O Gabinete de Leitura da Praia teve, porém, vida curta. Devido ao desinteresse dos sócios, que não pagavam as quotas mensais – uma prestação de quinhentos réis para os sócios ordinários e mil e duzentos réis para os sócios extraordinários – nem terem comparecido à reunião da assembleia-geral, convocada para 12 de Março de 1871, foi considerado dissolvido, tendo a direcção da sociedade posto à disposição do Governo-Geral os fundos e os livros existentes. Por Portaria de 13 de Maio, o governador ordenou que os livros fossem entregues à Bibliotheca e Museu Nacionaes, inaugurada um mês antes, a fim de aumentar o seu espólio168.

Uma homenagem a Virgínia Vitorino (1895-1968), escritora portuguesa (poesia e teatro) muito em voga na época. 165 Pedro Cardoso, Conferência Lida por Pedro Monteiro Cardoso no “Teatro Virgínia Vitorino” (Praia), em 30 de Dezembro de 1933, Porto, 1934. 166 Félix Monteiro, in “A Imprensa em Cabo Verde”, Comunicação apresentada no Simpósio sobre Cultura e Literatura Cabo-verdiana, por ocasião do 50º Aniversário da Fundação da Claridade, S. Vicente, Novembro de 1986. 167 “Estatutos da Sociedade Gabinete de Leitura da Praia”, Portaria N.º 9, de 8 de Janeiro, publicada no Boletim Official, N.º 4, Praia, 22 de Janeiro de 1870. 168 Portaria N.º 157, publicada no B. O., N.º 19, Praia, 13 de Maio de 1871. 164

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É natural que os leitores procurassem inteirar-se da situação política nacional e internacional através dos periódicos que passaram a ser recebidos e postos à disposição dos sócios dos gabinetes de leitura, já que a publicação de jornais em Cabo Verde só aconteceria mais tarde, a partir de 1877. Dada a importância que se reveste o tema da imprensa periódica para a presente investigação, este assunto será aprofundado autonomamente no capítulo seguinte. Biblioteca e Museu Nacionais Recua aos primórdios do estabelecimento das ordens religiosas na antiga Ribeira Grande, no retiro conventual, embora de privada utilidade, a organização de uma “sumptuosa” biblioteca, que, com os azares dos tempos, a pirataria e os assaltos vieram destroçar169, desfazendo-se os seus restos ainda pelo século dezanove (Figueiredo, 1951). Só mais tarde, em 1857, a Portaria de 28 de Março viria ordenar aos GovernadoresGerais das Províncias Ultramarinas que “promovessem a fundação de uma Livraria das principais obras de História, administração, qualidade e de outros assumptos que teem relação mais ou menos imediata com a governação do Estado”. Os passos efectivos para a materialização dessa Portaria foram dados, primeiro, com a inscrição de uma verba precisa na Tabela de Despesas, para o ano fiscal de 1870-1871, para a dotação de uma Biblioteca e Museu na capital da Província e, na sua sequência, com a publicação de uma Portaria do Governo-Geral, datada de 14 de Janeiro de 1871170, que criava uma Comissão Directora da Biblioteca e Museu Nacionais, com a incumbência de elaborar um projecto de regulamento e ter a seu cargo a direcção destes estabelecimentos. Cerca de dois meses decorridos, a Comissão Directora – constituída pelo TenenteMédico da Armada Dr. João Cezario de Lacerda (1841-1903), Presidente, na qualidade

O “Tombo Velho”, primeiro arquivo da cidade da Ribeira Grande, desapareceu quando, em 1585, Francis Drake, saqueou e incendiou a cidade. Para além disso, o Bispo D. Fr. Pedro Jacinto Valente (1754-1774), tendo-se transferido para Santo Antão, deixou arruinar inteiramente o paço episcopal da Ribeira Grande. Logo que esse prelado aportou a Santo Antão, a 22/02/1755, mandou pelo seu mordomo vender a mobília e “até os livros da livraria do mesmo [itálico nosso]. [...] Ficou assim o paço esvaziado, com as portas escancaradas [...] e assim foi caindo tudo a pedaços, ficando totalmente em ruínas ao cabo de 19 anos” (Barcellos, 1905, p. 20). 170 Portaria N.º 15, publicada no B. O., N.º 2, Praia, 14 de Janeiro de 1871. 169

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de Secretário-Geral do Governo171; Dr. Alfredo Trony (1845-1904), Procurador da Corôa e da Fazenda172; e pelo Tenente-Médico Dr. Francisco Frederico Hopffer (Praia, 1828-1919), Facultativo de 1ª classe do Quadro de Saúde – cumpria o encargo. E, em Conselho de Governo, o Conselheiro Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque dava a sua aprovação e mandava publicar, a 8 de Março de 1871, o “Regulamento da Bibliotheca e Museu Nacionaes de Cabo Verde”173. No sábado de 8 de Abril de 1871, entrou em funcionamento, num compartimento do rés-do-chão do Quartel-General da então residência do Governador-Geral, a Bibliotheca e Museu Nacionaes de Cabo Verde – a única então em toda a África portuguesa – com o fim de “facilitar instrução ao publico, e formar colecções de produttos historiconaturais, que sirvam de exemplares para estudo”, com o horário das 5 às 10 da manhã e das 5 às 10 da noite, tendo sido designado encarregado da guarda e conservação da Biblioteca e Museu, de 1871 a 1876, o ilustre poeta e romancista Guilherme Augusto da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888), com o salário de 400 réis diários174. Na Sala de Leitura, apenas sessenta e sete volumes de obras diversas e, na sala do Museu anexo, várias espécies minerais das ilhas, artefactos da indústria regional, duas espingardas antigas e alguns objectos abandonados pelo “gentio” nas operações levadas a cabo na Guiné. Dois dias após a abertura, subia a 400 o número de obras expostas à leitura. Seguiram-se as ofertas de livros e foram feitas novas aquisições. Cinco anos depois da sua abertura, a Biblioteca apresentava um total de 1.569 livros e 472 folhetos, além de 400 outras obras ali depositadas por particulares (Figueiredo, op. cit.). Em 1887, “tornando-se necessario dar nova fórma á administração da bibliotheca publica d’esta provincia, de modo que se concilie o seu aproveitamento simultaneo para uso do publico e para o ensino official”, foi determinada a sua incorporação na Escola Principal de Instrucção Primaria, continuando a estar depositados na mesma biblioteca os exemplares destinados à organização do museu provincial175. Dr. João Cezario de Lacerda viria a ser Governador-Geral da Província em 1886 e 1898. Dr. Alfredo Trony viria a ser Secretário-Geral de S. Tomé e deputado eleito por Angola. 173 Portaria N.º 80, publicada no B. O., N.º 10, Praia, 11 de Março de 1871. 174 Este salário devia ser insignificante já que Guilherme Dantas mandou publicar um anúncio no Boletim Official, N.º 17, Praia, 27 de Abril de 1872, em que se oferecia para “fazer a escripturação commercial de que fôr encarregado, assim como tirar cópias dos escriptos que lhe forem confiados, ou de traduzil-os do idioma francez para o portuguez, e vice-versa”, indicando o tempo disponível para o efeito, das 10 da manhã às 4 da tarde, e o lugar de contacto, a sua habitação, contígua à Biblioteca Nacional. 175 Portaria N.º 58, publicada no Boletim Official, N.º 10, Praia, 5 de Março de 1887. 171 172

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Em 1892, “estando completamente arruinados alguns dos artigos, a cargo da escola principal, que pertenceram ao antigo museu, os quaes, pelo seu mau estado de conservação ou pouco valor, não foram em occasião opportuna removidos para o museu Colonial de Lisboa”, foi nomeada, pela portaria n.º 256, de 4 de Outubro, uma comissão para proceder ao exame e classificação de todos esses artigos, tendo o Governador-Geral determinado que fossem guardados os que pelo seu valor estimativo e estado de conservação pudessem servir de exemplares no ensino da escola, vendido em hasta pública os que tivessem algum interesse para o público e inutilizados os completamente arruinados ou sem valor176. Por outro lado, em 1893, estando extinta a Escola Principal, esta Biblioteca Pública foi anexada à SecretariaGeral do Governo177. A Biblioteca da Praia viria a servir como modelo e estímulo para as bibliotecas municipais que, a partir de então, surgiriam nas outras ilhas. Dessas, a mais importante foi a do Mindelo, na ilha de S. Vicente, inaugurada em 1882. Saraus Culturais e Sociedades Recreativas Em algumas ilhas do arquipélago havia um ambiente literário, que principiou a formar-se com a leitura dos poetas, romancistas e oradores do ultra-romantismo, dos Soares de Passos, dos Camilos, dos Casimiros de Abreu. E havia uma tradição realista garantida pela relativa larga difusão que romancistas como Eça de Queirós e Júlio Dinis conquistaram nas ilhas. Para além disso, era uso haver reuniões familiares em que se ouvia música e se recitavam poemas de românticos portugueses e brasileiros, chegando-se até a musicar versos do poeta brasileiro Casimiro de Abreu (Mariano, 1959). Eugénio Tavares (1932) dá conta dessa prática de saraus literários na sua ilha natal: “Quem escreve estas linhas passou tardes de literatura, muito íntimas, na Casa do Castelo, da família Arrobas, nesta vila [Nova Sintra], onde residiu Serpa Pinto [Governador-Geral de Cabo Verde entre 1894 e 1898], lendo versos de sua

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Portaria N.º 256, publicada no Boletim Official, N.º 41, Praia, 8 de Outubro de 1892. Portaria N.º 43, publicada no B. O., N.º 6, Praia, 11 de Fevereiro de 1893.

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pobre lavra ao ilustre governador e ao almirante Augusto de Castilho, então de passagem na ilha” (op. cit., pag. 18). De referir ainda as associações recreativas e culturais que funcionavam nas diferentes ilhas. Fundaram-se, só na Praia, no período que vai de 1853 a 1892, cerca de treze dessas associações. No que toca às outras ilhas, havia duas associações recreativas em S. Vicente e uma associação em cada uma das ilhas do Fogo, Sal e S. Nicolau (Mariano, 1959), tudo isso criando um ambiente propício a anseios literários.

3.2 - A Reprodução Sociocultural Entende-se por reprodução da elite o modo como ela contribui para se perpetuar, enquanto minoria instruída, e influenciar tanto dentro da própria família, assegurando a continuidade da experiência social ao longo do tempo através da transmissão de normas e valores, como nas relações informais de proximidade, convivência e influência, principalmente na relação professor-aluno. Esta ideia de reprodução pode ser confirmada em Cabo Verde rasteando as principais famílias, através de quatro ou mais gerações. É assim que, por exemplo, todos os Lopes da Silva, os Vera-Cruz, os Monteiro e os Melo, que serão referidos ao longo desta investigação178, foram avós, pais, tios, irmãos ou primos entre si. Outros exemplos são os de Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973), fundador do PAIGC e da Nacionalidade Cabo-verdiana179, filho de Juvenal Cabral (Santiago, 1889-1951), panafricanista e nativista da primeira hora; e Abílio Monteiro Duarte (Santiago, 19311996), africanista, nacionalista e um dos fundadores do PAIGC, irmão de Manuel (“Manecas”) Monteiro Duarte (Santiago, 1929-1982), africanista e nacionalista.

LOPES DA SILVA: José Lopes da Silva, António Corsino Lopes da Silva, Manuel Lopes da Silva, João Lopes da Silva Santos, Baltasar Lopes da Silva, Gabriel Lopes da Silva Mariano, Yolanda Morazzo Lopes da Silva, Francisco Lopes da Silva; VERA-CRUZ: José Vera-Cruz (pai adoptivo de Eugénio Tavares), Augusto Vera-Cruz, Jorge VeraCruz Barbosa, Rolando Vera-Cruz Martins; MONTEIRO: José Sacramento Monteiro, Pedro Monteiro Cardoso, Abílio Monteiro de Macedo, Joaquim Monteiro de Macedo, Júlio Monteiro, Júnior. 179 Basil Davidson, in Continuar Cabral, Praia, 1984, defende Cabral como o Fundador da Nacionalidade e não da Nação porque a nação é uma colectividade e funda-se, necessariamente, a si própria, mas como o fundador do processo pelo qual esta colectividade se podia identificar e continuar a construir a sua cultura. 178

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3.3 - A Circulação Geográfica Segundo Marie Kolabinska (Bottomore, 1974), a circulação entre a elite e o resto da população pode assumir uma das duas formas seguintes: (i) indivíduos de estratos inferiores podem conseguir penetrar na elite existente, ou (ii) indivíduos dos estratos inferiores podem formar novos grupos de elite que então se empenham em uma luta pelo poder com a elite existente. Em Cabo Verde, foi determinante nesse processo de mobilidade social a fixação de figuras centrais dos poderes eclesiásticos e administrativos reinóis em certas ilhas devido às condições climatéricas destas, de salubridade ou do seu nível de desenvolvimento socio-económico. Assim, a deslocação do centro da gravidade política, económica e religiosa da ilha de Santiago (inicialmente da Cidade da Ribeira Grande para a Vila da Praia Santa Maria) para outras ilhas do Arquipélago – Boa Vista, Brava, S. Nicolau e S. Vicente – rompeu a insularidade física e cultural internas, criadas pelas dificuldades de comunicação. Por outro lado, esse processo levou à migração e à circulação geográfica da elite que se encontrava integrada no aparelho de Estado, a qual veio a fomentar a vida intelectual em ilhas até aí sem estímulos de qualquer natureza, dando origem à emergência de novas elites locais. A Ilha de Santiago: A Sede do Poder Politico-Administrativo A capital efectiva da Província, ou da Capitania, foi, até 1770, a Cidade da Ribeira Grande. A sua insalubridade, devido à sua localização num profundo vale fechado aos ventos dominantes, bem como a estagnação das águas durante os longos estios, o seu mau porto e o facto de ter sido por várias vezes saqueada por corsários obrigaram a mudar a residência do Governador para a Vila da Praia Santa Maria (Lopes Lima, 1844). Por alvarás de 6 de Fevereiro e 14 de Agosto de 1652, El-Rei D. João IV, “o Restaurador” (1640-1656), reconhecendo os inconvenientes da velha povoação, tinha já determinado a transferência da capital para a Vila da Praia Santa Maria, então um povoado sem importância, mas isso só se verificou em 1769, depois de uma ordem expressa do Marquês de Pombal. Foram assim ali instalados o Governador180, o Bispo,

Joaquim Saldanha Lobo (1769-1777) é o primeiro governador a romper com a tradição secular de residir na Ribeira Grande. 180

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o funcionalismo e os comerciantes, e iniciada a construção das necessárias fortificações de protecção à população (Francisco Silva, 1899). Devido às águas estagnadas, principalmente durante as épocas pluviosas, à falta de higiene, aos maus hábitos das pessoas na convivência com os animais, como porcos, cabras e outros, a Vila da Praia, em termos de salubridade, não era muito melhor que a antiga capital. Assim, durante uma terça parte do ano, o Governo e a maior parte dos funcionários viam-se obrigados a retirarem-se para outras ilhas. Esta situação tornava o Governo nómada, sem sede fixa, andando de ilha para ilha, encaixotando e desencaixotando papéis e arquivos das repartições, que já algumas vezes tinham caído ao mar, inutilizando-se e sumindo-se alguns, e aumentando as despesas públicas com mudanças, transportes, rendas de casas e gratificações181. Por Decreto de 11 de Julho de 1838, sendo o Visconde de Sá da Bandeira (17951876) Presidente do Conselho de Ministros, interinamente encarregado da Pasta dos Negócios da Marinha e do Ultramar, pretendeu-se remediar esse grande mal ordenando a fundação de uma povoação com o nome de Mindelo, na Ilha de S. Vicente, “que gosa do melhor clima, e de outras vantagens, entre as quaes merece a maior attenção o possuir um porto dos mais espaçosos e seguros da Monarchia [para que] as principais Authoridades do Governo-Geral de Cabo Verde assentem residencia permanente na sobredita ilha”182. O “Relatório do Ministério da Marinha e do Ultramar” apresentado na Sessão Legislativa de 1840, portanto, dois anos depois, dava assim conta do seu estado de concretização: “Esta empresa tem encontrado graves difficuldades, por ser a Ilha de S. Vicente a que mais carece de todas as outras, – por não ter água potavel em abundancia e perto do porto – e por ser quasi impossivel no estado actual a despeza, que exigiria o fundar na ilha quase deserta uma povoação” (Lopes Lima, 1844:5). A solução então proposta foi a Capital da Província continuar a ser na Vila da Praia Santa Maria no tempo das brisas e, no tempo das águas, em qualquer das outras ilhas que fosse acordada pelo Governo-Geral em Conselho. Assim, em 1845, a ilha da Algumas Considerações sobre a Fixação da Sede do Governo da Provincia e Salubridade da Ilha de S. iago de Cabo Verde. Representação Dirigida ao Governo de Sua Magestade pelas Camaras Municipaes, e Cidadãos da Mesma Ilha, Lisboa, 1850. 182 Diário do Governo, N.º 144, Lisboa, Julho de 1838. ainda “1838”, in Notícias de Cabo Verde, Número Especial, Junho de 1938. 181

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Boa Vista foi designada para sede do Governo e das principais Autoridades durante a estação das moléstias na Vila da Praia183. Não contentes com a situação, as Câmaras Municipais e cidadãos da ilha de Santiago dirigiram, em 1850, uma representação ao Governo de Sua Majestade a Rainha D. Maria II, solicitando a fixação definitiva e permanente da Sede do Governo da Província184. O então Governador-Geral António Maria Barreiros Arrobas (18541858), a 28 de Abril de 1855 põe fim à polémica fixando permanentemente na Vila da Praia Santa Maria a capital da Província, “podendo no tempo das águas funcionarem as Repartições Centrais, e as primeiras auctoridades a quem o serviço o permitir, em um dos pontos salubres do interior da Ilha, que para êsse efeito será escolhido”185. Três anos mais tarde, por Portaria de 29 de Abril de 1858, o Rei D. Pedro V referendou a proposta de Sá da Bandeira para a elevação de estatuto da Vila da Praia à categoria de cidade, tendo em conta “a população e edificios como o desenvolvimento do seu comercio, em grande parte resultado da produção agricola da mesma ilha”186. A Cidade da Praia passou, assim, oficialmente, a albergar os poderes político-administrativo e religioso. Ambos os poderes congregavam à volta do seu representante, o Governador-Geral e o Bispo da Diocese, uma elite altamente qualificada constituída por funcionários administrativos, militares, profissionais liberais e clero, que funcionavam como núcleos difusores de instrução e de cultura. Posteriormente, ainda mais uma vez, em 1864, Sua Majestade El-Rei D. Luiz I, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, mandaria participar ao Governador-Geral que, “por bem do serviço público, deve estabelecer a sede do governo superior da provincia, durante os mezes de agosto e setembro na ilha de S. Vicente, ou na ilha Brava, ou quando repute a sua presença absolutamente indespensavel na ilha de S. iago”187. Boletim Official, N.º 109, Praia, 4 de Outubro de 1845. Algumas Considerações sobre a Fixação da Sede do Governo da Provincia e Salubridade da Ilha de S. iago de Cabo Verde. Representação Dirigida ao Governo de Sua Magestade pelas Camaras Municipaes, e Cidadãos da Mesma Ilha, Lisboa, 1850. 185 Circular N.º 195-A, Praia, 28 de Abril de 1855. 186 Portaria de 29 de Abril de 1858, publicada no Diário do Governo, N.º 102, Lisboa, 2 de Maio de 1858. Esta não foi uma concessão isolada pois, no mesmo dia, a principal localidade de S. Vicente obtinha o título de Vila do Mindelo. Sobre este lento e conturbado processo de transferência da capital para a Vila da Praia, Cf . António Correia e Silva, “Praia: a lenta emergência de uma capital”, pp. 189-201, in Cultura, N.º 2, Praia, Julho de 1998. 187 Portaria N.º 167, publicada no B. O., N.º 32, Praia, 3 de Setembro de 1864. 183 184

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Devido ao peso da elite intelectual na Praia, constituída essencialmente pelo clero, funcionários públicos, comerciantes e proprietários, ou por sua reivindicação, tinha sido ali instalada, em 1817, a primeira Escola de Ensino Primario. Posteriormente, em 1856, com a fixação permanente do Governo, foi para ali transferida da ilha Brava a Escola Principal de Instrucção Primaria de Cabo-Verde, seguindo-se-lhe, já com estatuto de cidade, a criação do Lyceo Nacional da Provincia de Cabo-verde, em 1860. A cidade da Praia seria, por essa ocasião, um pequeno burgo com uma actividade intelectual e cultural significativas, fomentadas por uma elite local letrada. Só assim se explica que ali se tenha fundado a Sociedade Dramatica do eatro Africano e a Sociedade Dramatica do eatro D. Maria Pia de Saboya188, respectivamente, em 1867 e 1868; a “Sociedade Gabinete de Leitura”189, em 1870; a Bibliotheca e Museu Nacionaes de Cabo Verde190, em 1871; a “Associação Literária Grémio Caboverdeano”191, em 1880; e o “Grémio Literário Cabo-verdiano”, em 1900. Há ainda notícias de ter havido, em 1893, uma “Sociedade Recreativa Praiense”192, e, em 1899, uma “Tuna Praiense”, com realização de espectáculos regulares no eatro Africano193. A par disso, publicava-se na Praia o Boletim Official do Governo da Província194, com colaboração literária na “secção não oficial”. Na sua decorrência, viria a surgir nesta cidade, em 1877, o primeiro jornal não oficial, Independente (Praia, 1877-1889)195. É significativo ainda o facto de os periódicos não oficiais publicados em Cabo Verde de 1842 a 1910, num total de dezanove, onze serem nessa cidade (ver Quadro 4.1).

“Auto de Inauguração do eatro D. Maria Pia”, B. O., N.º 28, Praia, 28 de Julho de 1863. “Estatutos da Sociedade Gabinete de Leitura da Praia”, Portaria N.º 9, de 8 de Janeiro, publicada no Boletim Official, N.º 4, Praia, 22 de Janeiro de 1870. 190 Portaria N.º 80, publicada no B. O., N.º 10, Praia, 11 de Março de 1871. 191 B. O., N.º 28, Praia, 10 de Junho de 1880. 192 A Família Portuguesa, N º 8, Lisboa, Abril de 1893. 193 “Cabo Verde”, O Ultramarino, N º 10, Lisboa, Julho de 1899. 194 O Boletim Official foi editado por breves períodos na Boa Vista e na Brava, acompanhando as deambulações do Governo. 195 Segundo informações de Augusto Xavier da Silva Pereira, in Os Jornais Portuguezes. Sua Filiação e Metamorphoses. Noticia supplementar alphabetica de todos os periodicos mencionados na Resenha Chronologica do Jornalismo Portuguez (Lisboa, 1897), este jornal continuava a ser publicado em 1889. 188 189

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A Ilha da Boa Vista: O Centro do Poder Económico A ilha da Boa Vista, “com uma ponte de atracagem por onde escoam toneladas e toneladas de sal, a única existente em Cabo Verde até 1840”196, estava no seu apogeu económico devido ao comércio do sal e da urzela, com consulados e vice-consulados de uma dezena de países ali estabelecidos. Em 1846 o Governo deferiu a pretensão de os barcos idos de Lisboa tocarem sempre nas ilhas do Sal e da Boa Vista, onde permaneciam 24 horas pelo menos, o mesmo acontecendo na de Santiago. No caso de o governador estar ausente, os correios deviam ir ao seu encontro e aportar, no regresso, às ilhas de S. Nicolau e S. Vicente197. Manoel Antonio Martins, grande comerciante de sal e cereais, proprietário e armador, antigo deputado às Cortes Constituintes de 1822198 e Prefeito199 de Cabo Verde de 1834 a 1835, “por ter coadjuvado a causa da Rainha e da Carta Constitucional e ter dado provas de amor da Patria” (Barcellos, 1910:4), continuava a residir na ilha, a ser homem influente na política do Arquipélago e “credor d’uma sympatia tão geral e tão confiante, que desde logo se tornava o idolo das aspirações populares, servindo a autoridade do seu nome de garantia segura á ordem” (João Martins, 1891:52). A ilha da Boa Vista era visitada com alguma regularidade para negócios ou consultas ao ex-Prefeito ou mesmo para longas estadias, incluindo os governadores-gerais, que fugiam ao calor e às febres que assolavam a cidade da Praia durante a época das chuvas. Lopes de Lima chegou a advogar, nas cortes de 1834, que fosse escolhida para capital da província, por ser a mais central do arquipélago, com comunicações mais fáceis para os seus dois extremos e ficar mais próxima da Guiné (Brásio, 1962). A conjugação de todos esses factores levou a que, em Agosto de 1842, se instalasse na Vila de Sal-Rei a primeira tipografia do arquipélago, de onde saiu o número um do Boletim Official do Governo-Geral de Cabo Verde. Este Boletim foi aqui primeiramente publicado, de Agosto de 1842 a Fevereiro de 1843; depois, de Setembro de 1843 a Fevereiro de 1844; e, uma terceira vez, de Setembro a Novembro de 1845.

Francisco Lopes da Silva, “Lembrando o Primeiro Boletim Oficial”, Notícias, N.º 60, S. Vicente, Julho de 1992, p. 14. Diário do Governo, N.º 227, Lisboa, 21 de Setembro de 1846. 198 Diario das Cortes Gerais e Extraordinarias da Nação Portugueza, Sessão de 20 de Março de 1822, pp. 543544. 199 Designação nova para o cargo de Governador-Geral pelo novo regime liberal. 196

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Aventa-se aqui a hipótese de ter sido o Conselheiro Manoel Antonio Martins o mecenas a financiar tal empreendimento, ou, pelo menos, de o patrocinar, ele que “socorrera por mais de uma vez as ilhas com cargas de milho e de arroz” (Joaquim Serrão, 1995:138) e em diferentes ocasiões custeara e assumira realizações importantes em benefício das ilhas, nomeadamente, a canalização e o os depósitos para as águas de Monteagarro, destinadas a abastecer a cidade da Praia e o projecto de canalização das águas da Brava, dado ao facto do Governo da Província não ter recursos para tal (João Martins, 1891). Recorda-se que o Forte “Duque de Bragança”, edificado no ilhéu de Sal-Rei, situado em frente à vila com o mesmo nome, “foi construído e artilhado a expensas do então prefeito da Província, Conselheiro Manoel Antonio Martins, que fez doação delle ao Estado, juntamente com o caes d’alvenaria também mandado construir por elle” (Almanach Luso-Africano, 1899:538). O desenvolvimento socio-económico da ilha da Boa Vista terá facilitado a fixação de uma burguesia comercial e burocrata e impulsionado o surgimento de uma elite local numa sociedade que, em 1841, teria uma população de aproximadamente três mil habitantes. Referia-se, por essa ocasião, que era “d’admirar quanto raro é encontrar allí [em Cabo Verde] alguém que não saiba ler e escrever: principalmente em S. Nicolao, S. Antão e Boa-vista” (Chelmicki e Varnhagen, 1841:196). Nessa decorrência, foi fundada na ilha a “Associação Escolar Esperança”, em 1894, com o propósito de lutar contra o analfabetismo, tendo-se iniciado com seis escolas particulares nas povoações de Sal Rei, Rabil, Povoação Velha e a freguesia de S. João Baptista, e uma frequência de 220 alunos, sendo 160 feminino e 60 masculino200, e, em 1895, a “Academia Boavistense – Serpa Pinto”, de que José Lopes da Silva foi seu primeiro presidente, e onde se leccionava Português, Francês, Latim, Geografia, História, Literatura e Música201. A Ilha Brava: A Estância da Saudade A ilha Brava, pelo seu clima ameno e de altitude (a toponímia da vila, Nova Sintra, dá conta disso) e devido às suas águas ferruginosas – a afamada água da nascente do Cf Família Portuguesa, N º 37, Lisboa, Julho de 1984. O “Estatuto da Associação Escolar Esperança” está publicado no Almanach Luso-Africano para 1899, pp. 353-356. 201 Cf A Família Portuguesa, N.º 103, Lisboa, Março de 1895. 200

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Vinagre, “chloro-carbonatada, de um effeito seguro, e rapido na cura de doenças do baço, fígado e estômago”202 – tinha, incontestavelmente, o melhor clima de todo o arquipélago, sendo recomendada para “mudança de ares”. Segundo Augusto Martins, “seu clima dá vida, sua frescura consola e as suas águas redimem” (Martins, 1891:109). Como sanatório natural, a Brava era procurada pelos funcionários das ilhas e pelos europeus que prestavam serviço na Guiné, principalmente nas épocas quentes e das chuvas203. As epidemias da cólera morbus asiática de 1845-1847 e a febre-amarela de 1845-1855 levaram o Governador-Geral D. José Miguel de Noronha (1845-1848) a mudar a sua residência para esta ilha, de onde dirigia os negócios da Província. Na sequência, foi transferida a tipografia da Boa Vista para a Brava, passando ali a ser publicado, de Dezembro de 1845 a Março de 1847, o Boletim Official. A primeira vez que isso acontecera tinha sido de Agosto de 1844 a Março de 1845. Posteriormente, o Boletim voltou a ser publicado nesta ilha, de Junho de 1849 a Janeiro de 1855. Dada a então residência do Governador na ilha foi instalada na Vila de Nova Sintra, de 1848 a 1855, a Escola Principal de Instrucção Primaria de Cabo Verde, para a formação de professores primários, sob a direcção do professor Vitorino João Carlos Dantas Pereira (1804-1867), Capitão de Artilharia formado pela Universidade de Paris (pai do escritor e primeiro bibliotecário da Bibliotheca e Museus Nacionaes, Guilherme da Cunha Dantas, Brava, 1849-1888), nomeado por decreto de 23 de Novembro de 1847204, tendo como ajudante um seu irmão, o professor António Pedro Dantas Pereira. A Escola Principal viria imprimir à instrução do seu tempo uma acção enorme, um impulso fortíssimo e uma transformação visível e proveitosa e habilitar vários alunos internos do Fogo, da Praia e da Guiné e muitos externos da Brava, em todas as disciplinas que constituíam o seu curso. Coincidindo com a retirada para Portugal do professor Vitorino Dantas Pereira, para instalar a Escola Real de Mafra, por escolha de El-Rei D. Pedro V, em finais de 1855, a Escola Principal foi transferida para a Vila da Praia, sede da Província205. “Pequeno Guia Comercial para Cabo Verde”, de L. Loff Vasconcellos, Revista de Cabo Verde, S. Vicente, N.º 1, Janeiro de 1899, p. 31. 203 A título exemplificativo, a Portaria N.º 242, publicada no B. O., N.º 37, Praia, 13 de Setembro de 1879 concedia ao amanuense da Contadoria da Junta da Fazenda, Guilherme Augusto da Cunha Dantas, “sessenta dias de licença para se tratar convenientemente em um dos pontos mais salubres do arquipélago” (a ilha Brava), tendo sido prorrogada a licença pela Portaria N.º 284, publicada no B. O., N.º 47, Praia, 22 de Novembro, por mais trinta dias. 204 Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Parte V, Lisboa, 1911. 205 Cf José Fernandes Henriques Moniz, Professor aposentado da Escola Principal, “Instrução Pública”, A Acção, N.º 18, Praia, Julho de 1921. 202

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Esta pequena ilha contava, em 1869, com cerca de dez mil habitantes (ver Anexo 2: Quadro 3), e detinha uma concentração de um grande número de pessoas com um nível de estudo elevado, ocupando lugares importantes na vida civil e militar, que não pode ter deixado de se reflectir na sua vida cultural e política e no surgimento de uma elite letrada local. Em 1884 foi ali fundado o “Grémio d’Instrucção e Recreio”206 e, por volta de 1895, terão funcionado uma “Tuna Musical” e um “Grupo de Teatro”, ambos fundados pelo poeta e jornalista Eugénio Tavares207. Algumas das peças de teatro escritas por este foram publicadas no jornal A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919)208. A ilha Brava, para além de ter contribuído com um grande número de funcionários públicos para os quadros da província e para a emigração para os EUA, distinguiu-se, nos fins dos anos oitocentos, princípios de novecentos, como uma ilha de poetas e de escritores, da morna e da saudade – haja em vista os nomes de Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888), Joaquim Maria Augusto Barreto (Brava, 1854-1878), Christiano José de Senna Barcellos (Brava, 1854-1915), Maria Luiza de Senna Barcellos Ferro (Brava, 18??-1893), Luiz Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1923), José Bernardo Alfama (Brava, 18??-1927), Eugénio da Paula Tavares (Brava, 1861-1930) e João José Nunes (Brava, 1885-1966). Ilha de S. Nicolau: A Sede do Poder Eclesiástico e Judicial A diocese de Cabo Verde, fundada em 31 de Janeiro de 1533, pela bula do Papa Clemente VII no reinado de D. João III, demorou-se centralizada em Santiago até 1866 (Senna Barcellos, 1908)209, altura em que passou para S. Nicolau, de clima benigno, muito mais fresco que o de Santiago, as mesmas razões invocadas para o Governador-Geral fixar residência nas ilhas da Boa Vista e da Brava. No processo de transferência, um séquito grande do clero terá seguido o Bispo para a nova sede do poder eclesiástico. Segundo Carreira (1984a), dos agentes da Igreja que para ali foram residir, destacavam-se 22 Padres.

Boletim Official, N.º 32, Praia, 9 de Agosto de 1884. Entrevista ao Sr. Eugénio Tavares Sena (sobrinho-neto de Eugénio Tavares), Lisboa, 14/1/2002. 208 Cf Eugénio Tavares, Poesia. Contos. Teatro, Praia, 1996, pp. 180-189. 209 Foi intenção transferir a cátedra episcopal para Santo Antão, durante as funções do Bispo D. Fr. Pedro Jacinto Valente (1754-1774), chegando a alcançar do Papa Bento XIV a competente Bula. Porém, a transferência oficial nunca se realizou (Senna Barcellos, 1905). 206 207

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Para além disso, o decreto de 1866, que cria o Seminario Eclesiastico da Diocese de Cabo Verde, estabelece que “o reverendo prelado de diocese de Cabo Verde será o reitor do seminario, e havera para o coadjuvar uma parte administrativa e disciplinar, um vice-reitor e um prefeito, e igualmente os creados que forem inteiramente indispensaveis”210. A instalação do Seminario-Lyceu em S. Nicolau (1866-1917) congregou à sua volta um escol importante de intelectuais residentes em serviço na Província ou outros mandados vir directamente da Metrópole. Com a vinda de D. José Alves Feijó, vieram alguns “presbyteros que ordenara em Sernache do Bom Jardim [Coimbra] Alunos d’este Seminario e algum protegido seu para serem o nucleo do Seminário-Lyceu” (Francisco Silva, 1899:205). O Seminario-Lyceu de S. Nicolau terá feito ainda passar pela ilha, entre os anos lectivos de 1866/1867 e 1897/1898, 2.617 estudantes, uma média anual de oitenta alunos (Francisco Silva, op. cit.). Peso maior têm esses dados quando se sabe que a população de S. Nicolau em 1867 era de pouco mais de cinco mil habitantes. Anteriormente, pelo Decreto de 17 de Setembro de 1851, a província tinha sido dividida em duas comarcas judiciais, cada uma delas com um Juiz de Direito e um Delegado do Procurador Régio, e a ilha de S. Nicolau estabelecida como cabeça da comarca de Barlavento, pela sua posição geográfica como a mais central dessas ilhas e porque havia muitas febres em Santo Antão (Barcellos, 1911). Como se não fosse o suficiente, pela portaria de 24 de Julho de 1867, foi transferida da cidade da Praia para a Vila da Ribeira Brava a Escola Principal de Instrução Primária, que nela se conservou até 1871. É na decorrência da importância da ilha de São Nicolau, sede do poder eclesiástico e da instrução e cabeça da comarca, com uma população, em 1869, de pouco menos de seis mil e quinhentos habitantes (ver Anexo 2: Quadro 3), que nela viria a ser fundada, em 1874, a “Sociedade Instructivo-recreativa de S. Nicolau Fraternidade”211; e, por iniciativa dos Cónegos António Manuel da Costa Teixeira (Santo Antão, 1867?-1919) e António José d’Oliveira Bouças (Minho, 1864-1944), editado o anuário Almanach Luso-Africano, para os anos de 1895 e 1899, com um suplemento literário mensal, a revista A Esperança, publicada durante todo o ano de 1901; e transferida da 210 211

Boletim Official, N.º 44, Praia, 3 de Novembro de 1866. Idem, ibid., N.º 51, Praia, 19 de Dezembro de 1874.

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Boa Vista para S. Nicolau a “Associação Escolar Esperança”, transformada em Maio de 1901 em “Internato Esperança”, um instituto de ensino livre, com o “Pensionato Esperança” para rapazes212. Devido à presença do Seminario-Lyceu na ilha, por um período de cinquenta anos, S. Nicolau viria a contribuir de forma muito particular na formação da intelligentsia e permitir a “cabo-verdianização” do funcionalismo público nas Ilhas e na Guiné. A Ilha de S. Vicente: Uma Janela Aberta sobre o Atlântico O povoamento da ilha de S. Vicente surgiu nos finais do século XVIII, com a publicação de um decreto de D. Maria I, a “Piedosa” (1777-1816), datado de 4 de Maio de 1781. O Porto Grande foi desde o começo bastante frequentado, principalmente pelos veleiros que se empregavam na pesca da baleia, tendo atingido em 1787, segundo o coronel João de Almeida (1938) uma frequência de 202 entradas. A partir de 1840 a navegação animou-se extraordinariamente, passando o Porto Grande a ser frequentado pelos vapores ingleses da carreira das Índias, pelos da Royal Mail e por outros que seguiam para a América do Sul. Antes da abertura do Canal de Suez, toda a navegação da África, do Oriente, da Austrália e da América do Sul seguia, nas suas rotas, por Cabo Verde, não havendo outro porto onde os vapores se pudessem reabastecer de carvão. Nessa decorrência, em Novembro de 1850, o Governo de Lisboa autoriza a Royal Mail a estabelecer o primeiro depósito de carvão, para o fornecimento dos seus vapores. Nesse mesmo ano, foi permitido ao Cônsul Inglês, John Rendall, instalar um depósito de carvão para o abastecimento dos vapores de carreira Europa – América do Sul (João Almeida, 1938). O Porto Grande do Mindelo transformou-se, após 1851, no primeiro porto de escala do Atlântico, atingindo o seu máximo em 1900, com

. Boletins Officiais, N.ºs 8 e 9, respectivamente, Praia, 23 de Fevereiro e 2 de Março de 1901. Em 1912, foi criado o “Colégio Esperança” (B. O., N.º 38, Praia, 21 de Setembro de 1912) que, dois anos mais tarde, foi aberto em S. Vicente (O Popular, N.º 2, S. Vicente, Outubro de 1914). 212

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1.879 entradas e uma importação de pouco mais de trezentas e vinte mil toneladas de carvão213 (Gráfico 3.3): Gráfico 3.3 Entradas de Navios de Longo Curso e Importação de Carvão ������� ������ ����� ��������������

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Fonte: Gráfico construído com base em João de Almeida, O Porto Grande de S. Vicente de Cabo Verde, 1938.

O estabelecimento de várias companhias inglesas de importação de carvão, devido ao incremento da navegação a vapor, e o lançamento do cabo de telefone submarino em 1874, estabelecendo a ligação telegráfica entre a Europa e a América do Sul, viriam a exigir uma presença duradoira de ingleses e locais, funcionários públicos, comerciantes e profissionais liberais em S. Vicente, cuja população, em 1900, não chegava a nove mil habitantes (João Almeida, 1938). Graças ao Porto Grande do Mindelo, a ilha de S. Vicente tornou-se a “sala de visitas do arquipélago”214 e uma “imensa janela aberta sobre o Atlântico, através da qual os António Correia e Silva, in Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo, Praia-Mindelo, 2000, explica a conjuntura atlântica que, devido às mudanças tecnológicas, económicas e políticas, ocorridas em 1850, possibilitaram a emergência do Porto Grande do Mindelo, “passando de um espaço marginal, semi-habitado e periférico a um dinâmico polo de crescimento económico, demográfico, social, administrativo e económico”: o surgimento de Estados-Nações na América até então sob a dominação Ibérica, o que faz complexificar e enriquecer a sociedade e a economia internacionais com novas unidades de interacção; o declínio dos antigos fluxos comerciais, com a repressão ao tráfico de escravos e a abertura à emigração europeia, o que provoca o alargamento do mercado nos países sul-americanos e favorece a expansão das trocas internacionais; e a modernização da tecnologia de transporte na constituição de uma rede portuária de suporte à rápida circulação de bens, serviços e informações. 214 Manuel Lopes, “Reflexões sobre a Literatura Cabo-verdiana”, in Estudos de Ciências Políticas e Sociais, 22, Lisboa, 1959, p. 12. 213

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ventos da civilização e do progresso refrescam estas ilhas”215 levados pela navegação estrangeira, que demandava o seu porto para se abastecer de carvão e víveres. No que concerne ao seu desenvolvimento cultural, fundou-se em S. Vicente, em 1882, uma Biblioteca Municipal, por iniciativa do então Presidente da Câmara, Augusto da Silva Pinto Ferro (Brava, 18?-1901), tio do advogado e jornalista Mário Ferro; uma “Sociedade Recreativa Fraternidade”, em 1888; uma “Sociedade Filarmónica de Artistas Mindelenses”, em 1889; e um “Clube Luso-Britânico”, em 1894. Quanto a publicações, editou-se em 1899 a Revista de Cabo Verde, o primeiro periódico a ser publicado fora da Praia216, onde colaboraram muitos dos que viriam a ser os grandes nomes do Nativismo e da imprensa cabo-verdiana nas primeiras décadas do século XX, nomeadamente, Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), José Lopes da Silva (S. Nicolau, 1872-1962), Pedro Monteiro Cardoso (Fogo, 1890-1942) e Luiz Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1923), seu director e proprietário. Publicaram-se ainda A Liberdade (1902-1903); Salve (1902); A Opinião (1902-1903) e O Espectro (1904-1909). Nesse mesmo ano de 1899, pretendendo-se revitalizar a ilha, voltou a polémica da transferência da capital da Província para a cidade do Mindelo. Os defensores da mudança, com Eugénio Tavares à cabeça e a Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899) por trás, pediam a execução do Decreto de 11 de Junho de 1838, que nunca tinha sido revogado, invocando a superioridade de S. Vicente, como clima, como situação geográfica, como posição estratégica, como melhor dotada de grandes elementos de progresso: “Lá está o governador; lá está o extraordinario movimento da navegação inter oceanica, a estonteadora actividade d’uma robusta vida comercial, o espectaculo verdadeiramente original d’uma população fluctuante que os grandes transatlânticos despejam ali, e que, desembarcando de manhã e partindo à noute, fazem d’aquillo uma extranha feira cosmopolita, um acampamento de multidões que passam para a America e que regressam á Europa e Asia; – ruas atulhadas de gente que fala em todas as linguas, specimens de todas as raças, exhibição de todos os vestuarios, de todos os costumes, de todos os typos, desde o salero das filhas da Hespanha até às figuras sentimentais das misses tysicas; desde o rabicho do chinez Júlio Monteiro, Júnior, “Gente do Mindelo”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 18, Março de 1951, Praia, 1951, p. 1. 216 O Almanach Luso-Africano para os anos de 1895 e 1899, editado em S. Nicolau, não é aqui tido em conta por ser um anuário. 215

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até o punhal do corso; e, finalmente, lá está o interesse de representação a chamar todo o nosso luxo de gallões a, perante navios e officiais de todas as nações, attestar que o velho Portugal tambem marcha com o resto do mundo... Na Praia só ficaram o sr. Secretário Geral, o Boletim Official e os srs. typografos, todos á espera dos despachos e portarias que vem de S. Vicente, uma ilha que fica lá muito longe, mais perto de Lisboa que da Praia!”217 Esta discussão, que foi sustentada pela Revista de Cabo Verde, de Abril a Dezembro de 1899 (quando deixou de ser publicada), com respaldo no jornal O Ultramarino (Lisboa, 1889-1902), provocou grande celeuma na cidade da Praia mas, nunca o facto chegou a se concretizar, para mágoa dos sanvicentinos, principalmente da elite intelectual e comercial. As Ilhas Periféricas As ilhas periféricas do Fogo, Maio, Sal e Santo Antão (ver Mapa 2.2) terão beneficiado de alguma forma do desenvolvimento dessas suas irmãs através da influência das mais próximas ou com as quais tinham maior facilidade de comunicação. A circulação de pessoas entre as ilhas era, nos anos oitocentos, feita de forma lenta e com muitas dificuldades, normalmente através de faluchos e veleiros. A telegrafia sem fio era inexistente ou pouco desenvolvida, pelo que o meio de comunicação privilegiado inter-ilhas e com a emigração eram as cartas, daí a importância do homem comum saber ler e escrever e o valor que em Cabo Verde sempre se deu à instrução. O movimento de cartas (franqueadas e não franqueadas) e bilhetes-postais registado pelos Serviços dos Correios, em 1898, é bastante elucidativo disso. Foram recebidas das ilhas 58.536 cartas e 3.781 bilhetes-postais e expedidas 58.723 cartas e 1.883 bilhetes-postais e, do estrangeiro, foram recebidas 109.421 cartas e 5.876 bilhetes-postais e expedidas 141.256 cartas e 12.467 bilhetes-postais. É igualmente expressivo o movimento de jornais, impressos, manuscritos e amostras registado nesse ano de 1898. Foram recebidos 3.224 jornais e impressos das ilhas e 44.617 do estrangeiro e expedidos 7.434 dentro das ilhas e 3.952 para o estrangeiro

217

Eugénio Tavares, “A Mudança da Capital”, Revista de Cabo Verde, N.º 4, S. Vicente, Abril de 1899.

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(Lacerda, 1899). Isso, numa população que, em 1900, não chegava a cento e quarenta e oito mil habitantes em todo o arquipélago (Carreira, 1969).

4. A Formação da Elite – Modelo Conceptual Com os dados adquiridos pela pesquisa realizada até aqui, procurou desenhar-se um modelo teórico que representasse a dinâmica do processo identificado. Denotam-se dois momentos cruciais, o primeiro, a génese de uma pequena elite letrada, o segundo, a expansão significativa desta elite (ver Fig. 3.1). Relativamente ao primeiro momento, três factores fundamentais contribuíram para que, muito cedo, surgisse em Cabo Verde uma elite letrada, com as dimensões de um pequeno foco, que posteriormente se reproduziria por sucessivas gerações. Em primeiro lugar, a existência de escolas da igreja e, posteriormente, uma marcante difusão da instrução pública oficial na província, que abriu a possibilidade à frequência da instrução primária, tendo tido continuidade no estabelecimento do ensino liceal e eclesiástico, permitiu a muitos o acesso a um nível elaborado de instrução. Em segundo lugar, a presença em Cabo Verde de um bom número de europeus instruídos e mesmo de intelectuais, exercendo funções de relevo na comunidade, serviram de modelo e de estímulo aos filhos das ilhas. Em terceiro lugar, a emigração para os EUA, a partir dos finais do século XVII, possibilitou aos emigrantes tomar contacto com outros hábitos, outros costumes e outras aspirações, que procuravam conservar depois de regressar à terra. Esta emigração permitia o envio de recursos, não apenas para o sustento da família residente nas ilhas como ainda para custear as despesas com a instrução dos filhos, para a necessidade da qual se encontravam mais sensibilizados. A fase seguinte à génese da pequena elite letrada foi a sua expansão, que ocorreu, sobretudo, através de três processos: (i) a produção cultural, (ii) a reprodução sócio-cultural e (iii) a circulação geográfica dos seus membros. O desenvolvimento da produção cultural, pela multiplicação dos meios que a proporcionavam, como a imprensa, o teatro, os gabinetes de leitura, a biblioteca-museu, as associações recreativas e culturais, os saraus e as sessões familiares de música e poesia, permitiram a disseminação da cultura a um crescente número de pessoas. Estas, consequentemente, reproduziram socio-culturalmente aquela elite. Esta reprodução fez-se sobretudo à custa da integração de novos elementos que a ela ascenderam, devido aos seus interesses culturais e mesmo políticos. Finalmente, a deslocação do centro de decisão

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política, económica e religiosa da ilha de Santiago para outras ilhas foi determinante para a circulação geográfica dessa elite, o que, naturalmente, acelerou a disseminação das ideias e dos modelos da elite original, tendo adquirido, necessariamente, novos matizes e evoluído com as trocas com o mundo exterior. Desta evolução dar-se-á conta nos capítulos seguintes.

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Fig. 3.1

A Formação da Elite Letrada – Modelo Conceptual

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Instruídos

Europeus

A Construção da Identidade Nacional (1877-1975)

Circulação

LETRADA

Geográfica

ELITE

GRANDE Reprodução

EXPANSÃO

Sócio-cultural

dos EUA

PEQUENA ELITE LETRADA

Cultural

Produção

Emigrantes

Escola

GÉNESE

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Portanto, em 1975, na altura da independência de Cabo Verde, estava constituída uma grande elite letrada, que abarcava um troço significativo da sociedade caboverdiana. Síntese Chegado ao fim dos anos oitocentos, existia nas Ilhas homens autodidactas ou com um elevado nível de instrução e uma profunda e sólida cultura humanística, que constituíam a fina-flor da sociedade, uma elite intelectual e esclarecida, que foi promotora de um legado de bens culturais acumulados às gerações seguintes. A todo esse conjunto de “elite negro-crioulo, mestiço e branco crioulo”, segundo Alberto Carvalho (1991), se deverá ligar a ideia de “consciência da nação”, ela própria em face do “outro”, em nome de uma “realidade-povo” que apenas na segunda metade do século XIX começava a ter contornos definidos e a assumir o princípio activo da homogeneidade (op. cit., p. 17). É esta elite letrada que vai estar na origem da defesa dos interesses dos filhos das ilhas junto do Reino e do papel desempenhado pela “elite de ideologia nativista”, através da imprensa periódica, nas duas primeiras décadas de novecentos, como se verá mais adiante.

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Capítulo IV O Surgimento de um Jornalismo de Opinião

“O povo deve lêr os jornais que o prendam ás questões vitaes do seu paiz, na vida e sorte do qual cada cidadão tem uma parte activa em uso dos direitos e em obediencia aos deveres que a sociedade na sua constituição lhe conferiu e impoz; deve lêr os livros que lhe arraiguem no peito sentimentos de virtude pelo exemplo de rigorosa moral que a historia dos sucessos da vida muitas vezes fornece, ou lhe derramem no espirito conhecimentos uteis á profissão de cada homem”. Hypolito O. da Costa Andrade In Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde, 1872

N

os fins de 1806, quando Napoleão decretou o bloqueio continental em que nenhuma nação podia negociar, ou ter relações de qualquer tipo, com a Inglaterra, foi enviada ao Príncipe D. João (regente em substituição da mãe D. Maria I, “a Piedosa”, de 1791 a 1816) uma nota diplomática exigindo o fechamento dos portos aos ingleses, a prisão de cidadãos ingleses e a apreensão dos navios e bens britânicos.O regente tenta ser apaziguador, mas é forçado a mudar-se para o Brasil, quando, em Novembro de 1807, Portugal é invadido pelo exército francês. Esta trazia a Espanha como aliada que, ainda sonhava com a união ibérica. A família real e o governo fogem para o Brasil deixando em Portugal uma regência e, durante 14 anos, a metrópole transformou-se em “colónia” da colónia. No Brasil, a vida da corte e, em Portugal, os invasores pilhando, roubando e matando. Quatro anos de guerra (1807-1811) deixaram o país em situação lamentável: nação saqueada e politicamente confusa, pois na prática funcionava como um protectorado inglês e, por outro, uma colónia brasileira. O descontentamento do povo em relação ao rei D. João VI, “o Clemente” (18161826), e à regência que funcionava em Portugal prepara o ambiente para a rebelião (Abdala Júnior e Paschoalin, 1982).

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1. O Movimento Liberal Português A 24 de Agosto de 1820 eclodiu na cidade do Porto uma revolução liberal que, aplicando as ideias da Revolução Francesa, pôs fim ao Antigo Regime português. Esta, é pois, uma data marcante na história moderna de Portugal, em que teve início um triénio liberal, o Vintismo, que viria a pôr fim ao Portugal Velho e alterar todo o estilo português com a implementação de um sistema entendido como estado de direito liberal. A Revolução Liberal iria provocar mudanças profundas em todo o Reino e chegar às províncias ultramarinas, nomeadamente Cabo Verde, onde o novo regime foi proclamado na ilha da Boa Vista, a 21 de Março de 1821, pelo então comandante João Cabral da Cunha Goodolphim. O novo regime instituído foi determinante na implementação da instrução pública e no estabelecimento da imprensa, tanto em Cabo Verde como nas demais províncias. A eleição para as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes iria originar, pela primeira vez nas províncias ultramarinas, o debate político e a consequente necessidade de comunicar ideias. Os candidatos a deputados faziam a propaganda dos seus programas; os governadores, atacados pelos políticos locais, muitas vezes através de escritos anónimos, tinham de se defender publicamente, o que só era possível através de meios escritos; revolucionários e contra-revolucionários procuravam difundir as suas razões e arregimentar partidários; tudo isso pressionava a imprensa no sentido do seu desenvolvimento.

1.1 - O Debate Político e a Comunicação de Ideias Segundo Graça e J. S. da Silva Dias (1986), a dinâmica desencadeada pelo Vintismo polarizava-se em três forças essenciais: (i) o descontentamento generalizado com o status quo administrativo, económico e político; (ii) o anseio de mudanças; e (iii) a fé no poder regenerador das Cortes, da Constituição e da Liberdade. O principal núcleo responsável pela formação política liberal portuguesa estava radicado na imprensa que, em português, se publicava no estrangeiro, sobretudo em Inglaterra, por portugueses refugiados, devido às perseguições que lhes tinham sido movidas. Segundo Georges Boisvert (1973), tiveram um papel de destaque os seguintes jornais: 156

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O Correio Braziliense ou Armazem Literario (Londres, 1808-1822) – Redigido pelo brasileiro Hipólito da Costa F. Mendonça, considerado independente e que viria a ser proibido em Portugal em 1811 e 1817, de que se publicaram 175 números; O Investigador Portuguez em Inglaterra (Londres, 1811-1819) – Sob a direcção de Bernardo José Abrantes e Castro (até 1814) e José Liberato Freire de Carvalho (a partir de 1814), qualificado de “ministerial”, pois foi fundado para dar réplica a O Correio Braziliense, mas que, entretanto, viria a mudar de orientação a partir de 1814, de que se fez sair 92 números; O Portuguez ou Mercurio Politico, Commercial e Literario (Londres, 1814-1821 e 1823-1826) – Redigido por João Bernardo da Rocha Loureiro, o mais combativo e o mais proibido de todos os jornais portugueses publicados em Londres, de que saíram 89 números. Entretanto, dá-se a Revolução Liberal no Porto (24 de Agosto) e em Lisboa (15 de Setembro). No dia 1 de Outubro de 1820 os portuenses entraram em Lisboa e foram aclamadíssimos. A fermentação divisionista não parara, contudo, nas fileiras dos vencedores. O divisionismo atingiu o ponto alto na crise da Martinhada, 1 a 18 de Novembro, com o confronto entre liberais e conservadores descontentes. Essa crise foi um acontecimento grave, pois esteve a ponto de enterrar a experiência liberal vintista, mas acabou por expelir do regime os conservadores. A revolução saiu a ganhar, porque ficou definitivamente estabelecido que as instituições do País seriam mesmo liberais, no sentido que o vocábulo adquirira desde a Revolução Francesa (Silva Dias, 1986). A seguir à crise da Martinhada, os jornais desencadearam uma violenta campanha contra os seus autores conservadores, conseguindo, em poucos dias, operar uma viragem da opinião pública. A partir daí, a Junta Provisional dedicou-se, quase exclusivamente, à tarefa da reunião das Cortes Constituintes.

1.2 - As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes O desembargador Manoel Fernandes omaz (1771-1822) deputado constituinte, no seu “Relatorio ácerca do Estado Público de Portugal” (1821), caracterizou a situação no Reino em 1820 como de profunda crise em todos os planos da vida nacional (op. cit., pp. 32-42): 157

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-

a agricultura, área em que Portugal sempre tivera tradição de grandes agricultores, chegando a exportar cereais, passara a importador, a partir de 1808, no valor de 193 milhões de cruzados;

-

a nível do comércio, a falta de caminhos públicos e o péssimo estado dos que havia, devido ao desmazelo, sem canais de comunicação, os direitos e tributos a pagar, e mais que tudo, a contínua fluência de dinheiro para a capital e para as Cortes no Rio de Janeiro, fizeram desfalecer o comércio das províncias; o comércio com o estrangeiro diminuíra sensivelmente a ponto de ameaçar a falência;

-

as fábricas, participando da desgraça geral, estavam atrasadas, sem meios, sem protecção, face à introdução de fazendas estrangeiras, sem consumo ao produto do seu trabalho;

-

a Fazenda Nacional, ao acabar do último Governo, a 15 de Setembro de 1820, os balanços dos Cofres do Tesouro Público davam um “saldo existente ainda menos do que podia ter na sua caixa hum negociante de mediocre fortuna”.

Para além da descrição exaustiva de uma situação caótica, o relatório pretendia ser a enumeração e a hierarquização dos problemas a enfrentar, ao mesmo tempo que era a anunciação daquilo que os vintistas se propunham levar a efeito (Joel Serrão, 1971). Com base no censo de 1801, escolheram-se os deputados, sendo que cada um representava 30.000 habitantes. Assim, uma proporção equitativa dava 100 deputados à Metrópole, nove às Ilhas Adjacentes e 65 ao Brasil, deputados estes que só viriam a tomar assento nas Cortes em Março de 1822 (Joel Serrão, op. cit.). Pelas possessões africanas e asiáticas foram eleitos sete deputados, sendo, pelas ilhas de Cabo Verde e as praças anexas de Bissau e Cacheu, dois e um substituto: Manoel Antonio Martins (1772-1845), natural do Reino, domiciliado na ilha da Boa Vista, 1.º Deputado; José Lourenço da Silva, natural do Reino, domiciliado na ilha do Fogo, 2.º Deputado; e Nicolau dos Reis Borges, natural e domiciliado na ilha de Santiago, Deputado Substituto218.

Diario das Cortes Gerais e Extraordinarias da Nação Portugueza, Sessão de 20 de Março de 1822, pp. 543-544. Para as Cortes Gerais de 1821 tinham sido eleitos João Cabral da Cunha Goodolphim, anteriormente comandante da ilha da Boa Vista, e José Lourenço da Silva, Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1905. 218

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Veríssimo Serrão (1994) fez a caracterização do estrato social dos deputados da Metrópole, dizendo que 39 eram homens de leis, 21 professores e gente de profissão liberal, 16 membros do clero, 10 oficiais do exército, 6 médicos, 5 proprietários e 3 comerciantes e industriais. Esta é uma das razões porque se tem levado a considerar o Movimento Liberal como inspirado e feito pela burguesia. As Cortes Gerais e Constituintes aprovaram, a 9 de Março de 1821, uma Lei das Bases da Constituição, tendo nela ficado consagradas as concepções fundamentais do Estado de Direito Liberal. Sendo a edificação do estado de direito o propósito maior da Revolução Liberal, compreende-se a relevância dos princípios consagrados para “a delineação de um perfil consistente da liberdade civil e política na jovem sociedade liberal portuguesa e para a instituição dos modelos normativos que pudessem garantir esse perfil” (António Pereira, 1997:519). A 23 de Setembro de 1822 ficou pronta a primeira Constituição Portuguesa, dotada de 240 artigos e organizada em seis secções ou títulos – dos direitos e deveres individuais dos Portugueses; da Nação Portuguesa e seu território, religião, governo e dinastia; do Poder Legislativo ou das Cortes; do Poder Executivo ou do rei; do Poder Judicial; e do governo administrativo e económico (Miranda, 1990). Uma avaliação feita à posteriori por Joel Serrão (1971) expressa que “todas as constituições ulteriores foram menos radicais do que aquela e mais não fizeram que parafraseá-la, ao sabor das solicitações epocais mais de superfície que de fundo” (op. cit., p. 736). Os trabalhos da construção de uma nova ordem liberal e constitucional começaram a funcionar a 1 de Dezembro de 1822, mas viriam a ser interrompidos pouco tempo depois, a 27 de Maio de 1823, por uma demonstração militar de forças políticas contrárias ao liberalismo, encabeçada pelo infante D. Miguel, conhecida como a Vilafrancada, que viria a suspender a vigência da Constituição e a pôr fim à primeira experiência constitucional.

1.3 - A Divulgação e a Legitimação das Ideias Liberais A libertação da imprensa pela liquidação da censura prévia e o desejo de intervir politicamente através da propaganda e publicação de ideias fizeram proliferar a imprensa de manifesto e, especialmente, a imprensa periódica, subitamente modificada de maneira radical. De 1820 a 1823, foram lançados cerca de 30 periódicos por

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ano, sem contar com os jornais portugueses publicados no estrangeiro e no Brasil (Augusto Pereira, 1895). A despeito de todas as limitações, 1821 parece ter sido o ano áureo do periodismo, atingindo-se o número recorde de 39 novos jornais no país. Desses, alguns eram editados no Brasil, três em Coimbra, três no Porto, um no Funchal e os restantes em Lisboa. Alguns eram diários e a maior parte tinha carácter político e feição constitucional (Tengarrinha, 1965).

2. A Liberdade de Imprensa A ideia de liberdade de imprensa aparece, portanto, no primeiro liberalismo, na sequência directa das doutrinas que orientavam o movimento regenerador, como um direito que tem origem na natureza livre dos homens e se situa na esfera da propriedade, “um bem sagrado e inviolável”. Em 1820, considerava-se que só uma opinião livre, através de uma imprensa sem entraves, estaria apta a fazer eco às reclamações e às injustiças, levando-as ao conhecimento da nação e dos seus representantes (J. Costa, 1976).

2.1 - A Liberdade de Escrever e Publicar Reunidas em 1821, as Cortes Gerais e Extraordinárias tomaram medidas que tiveram consequências para a Imprensa no Reino e, na decorrência, nas então Províncias Ultramarinas. Foi extinto o Tribunal do Santo Ofício e da Real Mesa Censória, criada pela lei de 5 de Abril de 1768 pelo Marquês do Pombal para examinar os livros e papéis que deviam correr no reino, e aprovado o decreto que aboliu a censura prévia e regulou o exercício da liberdade de imprensa219, tendo ficado consagrado na Primeira Constituição Portuguesa, a Constituição de 23 de Setembro de 1822, como uma medida necessária à defesa e consolidação do sistema representativo. São do seguinte teor os artigos 8.º, 9.º e 10.º do Projecto das Bases da Constituição: “Artigo 8.º: A comunicação dos pensamentos e das opiniões he hum dos 219

Vide Preâmbulo e Projecto de Lei sobre a Liberdade de Imprensa, no Diário das Cortes, Tomo I, p. 40.

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mais preciosos direitos do homem. Todo o cidadão póde conseguintemente manifestar as suas opiniões escrevendo ou falando, com tanto que não tendão a perturbar a ordem publica estabelecida pelas Leys do Estado. Artigo 9.º: A Liberdade da Imprensa ficará por tanto estabelecida pela Constituição sem dependência de censura previa. Todos os escriptos poderão livremente imprimir-se, sendo seus auctores ou Edictores responsáveis pelo abuso que fizerem desta preciosa liberdade, devendo ser em consequencia accusados, processados e punidos na fórma que as Leys estabelecerem. As Cortes nomearão hum Tribunal perante quem hajam de ser processados esses delictos. Artigo 10.º: Quanto porem aquelles abusos, que se póde fazer desta liberdade em materias religiosas fica salva aos Bispos a censura dos escritos publicados sobre dogma e moral, e o Governo os auxiliará para serem castigados os culpados”220.

2.2 - A Liberdade Que Vem, Que Vai... As disposições constitucionais constantes do Projecto das Bases da Constituição não chegaram a ser postas em prática em toda a sua extensão. Cedo começaram as limitações à liberdade de imprensa que, com a aclamação de D. Miguel como rei absoluto (1828-1834), regressou à situação anterior a 1820, exercendo o absolutismo controle sobre tudo o que se imprimia no Reino. Com a vitória constitucional de 1834, voltou a ser instaurada a liberdade de imprensa até que, em 1840, se inicia o período de maiores violências contra a imprensa periódica, o qual se estenderá até à Regeneração, em 1851. Com a Regeneração abre-se um período de grandes facilidades para a imprensa, através de várias disposições legislativas. Contudo, à medida que se aumentavam as contradições no seio da Monarquia e se reconhecia a sua dificuldade em resolver os mais prementes problemas nacionais, engrossava o caudal de descontentamento no País. Tentando abafá-lo e impedir que assumisse mais perigosas proporções, os governantes lançam mão, logo desde o início do último quartel do século, de meios repressivos cada vez mais violentos. Um dos domínios mais atingidos é, evidentemente, a imprensa, que sofre duras perseguições (Tengarrinha, 1965).

“Projecto das Bases da Constituição Portuguesa”, Sessão de 8 de Fevereiro de 1821, no Diário das Cortes, Tomo I, p. 60. 220

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A mudança de regime e a implantação da República, em 1910, voltou a trazer a liberdade de expressão. Porém, em 1916, pelo Decreto N.º 2:308221, regulando a execução da Lei N.º 495, sobre a censura preventiva, voltam as Comissões de Censura Distritais e Concelhias para as publicações periódicas. Nesse Decreto, Art. 7.º, fica estabelecido que “a parte da publicação mandada eliminar pela censura não será substituída, devendo ficar em branco o espaço que ocupava, a menos que, dentro da hora regulamentar, seja aprovada pela comissão respectiva a matéria que a substitua”. Em 1919 foi mandado cessar a censura à imprensa periódica222. A Ditadura Militar, estabelecida em 1926, regula o exercício de liberdade de imprensa nas colónias pelo Decreto N.º 12:271, de 3 de Setembro223, sendo então Ministro das Colónias, João Belo (1926-1927). O decreto define a imprensa e o direito de liberdade da imprensa, do direito de resposta, dos abusos e sua responsabilidade, do procedimento judicial e da competência e forma de processo. Pelo nível de restrições impostas, o decreto passou a ser conhecido como “A Lei da Rolha”. O estabelecimento do Estado Novo limita ainda mais as liberdades individuais. O Decreto-Lei N.º 22:468, de 11 de Abril de 1933, restringe “o livre exercício do direito de reunião para fins não contrários à lei, à moral e ao bem público” e estabelece, no seu Art. 2.º, que “continuam sujeitas a censura prévia as publicações periódicas definidas na lei da imprensa, e bem assim as fôlhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se verse assuntos de carácter político ou social”224. Este decreto iria vigorar por quarenta anos, até ao Golpe de Estado do Movimento das Forças Armadas, a 25 de Abril de 1974.

3. O Estabelecimento do Prelo 3.1 - A Imprensa Nacional A primeira tipografia foi enviada para Cabo Verde em 1842, tendo começado a funcionar nesse mesmo ano a Imprensa Nacional de Cabo-Verde e Guiné. A introdução da imprensa no arquipélago, tal como nas outras províncias ultramarinas, foi O Decreto foi publicado no Boletim Oficial da Província de Cabo Verde, N.º 35, Praia, 26 de Agosto de 1916. Telegrama inserto no B. O., N.º 15, Praia, 12 de Abril de 1919. 223 “Diploma Regulador da Liberdade de Imprensa”, B. O., N.º 43, Praia, 23 de Outubro de 1926. 224 Diário do Governo, I Série, N.º 83, Lisboa, 11 de Abril de 1933. 221 222

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uma consequência do Decreto de 7 de Dezembro de 1836, do ministro da Marinha e do Ultramar, Marquês Sá da Bandeira, que mandava publicar boletins oficiais nas províncias ultramarinas para o que era, portanto, necessário tipógrafos locais ou idos da Metrópole (José Gonçalves, 1966). À excepção do Estado da Índia (1837), a tipografia só foi instalada nos outros territórios ultramarinos depois de Cabo Verde: Luanda, em 1845; Macau e Timor, em 1846; Ilha de Moçambique, em 1854; S. Tomé, em 1857; e Bolama (Guiné), em 1879 (Silva Pereira, 1895). O advento da imprensa periódica em Cabo Verde é assinalado com a publicação, na ilha da Boa Vista225, do número I do Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde, posto a circular na quarta-feira, 24 de Agosto de 1842, sendo então Governador-Geral o Brigadeiro Francisco de Paula Bastos (1842-1845). Na “Parte não Official” (p. 4) do Boletim podiam ler-se as seguintes palavras: “Raiou felizmente para esta Provincia uma nova era de ilustração; o Governo de SUA MAGESTADE sempre sollicito pelo bem dos subditos da mesma Augusta Senhora [Rainha D. Maria II] não podia por mais tempo consentir que continuasse a ignorancia, em que o povo de Cabo-Verde se achava engolfado. Já agora temos entre nós a Imprensa, este grande vehiculo das luzes e da sciencia; [...] parabens, pois, ó Cabo-Verdianos! Livres pela civilização dos nossos irmãos da Europa, vós ides dever a vossa civilização á Liberdade, que a não ser ella, ainda hoje se não teriam rasgado as densas nuvens do obscurantismo que ennegreciam esta Provincia”. Este boletim oficial viria a servir a Província de Cabo Verde e o Distrito da Guiné até 1879, ficando, a partir dessa data, em virtude da desanexação daquela região do governo de Cabo Verde226, exclusivamente ao serviço do Arquipélago, com o nome de Boletim Official do Governo da Província de Cabo-Verde.

O Boletim Official foi publicado até ao número 32, ora na Boa Vista, ora na Praia, chegando mesmo a ser publicado na Brava, conforme o local de residência do Governador, antes de regressar definitivamente à capital da Província, em 1855. Recorda-se que o B. O. só não foi publicado de 31 de Agosto a 21 de Dezembro de 1842 e de 26 de Junho de 1847 a 17 de Junho de 1848, senão uma vez, por motivo de doença do compositor, que era ao mesmo tempo o impressor. 226 A desanexação do Distrito da Guiné da Província de Cabo Verde foi feita pela Carta de Lei de 18 de Março de 1879, na sequência da guerra e do desastre de Bolor ocorrida a 30 de Dezembro de 1878. Nesse “desastre” foram chacinados, nas águas do Rio Bolor (Guiné), cinquenta e um soldados de Cabo Verde e dois oficiais de Goa, praticamente indefesos. Na sequência disso, o governo de Lisboa decidiu assumir o controle directo da Guiné e, por Carta de Lei de 18 de Março de 1879, o antigo distrito foi elevado à categoria de província, desligando-se da sua antiga tutela. Para uma descrição mais pormenorizada da derrota do rio Bolor, ver Senna Barcellos, 1912, pp. 295-300. 225

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Apesar de todos os constrangimentos, estavam criadas as condições para o surgimento da imprensa não oficial em Cabo Verde: (i) havia a tipografia (ii), um público leitor com uma certa instrução e (iii) uma elite letrada e culta, capaz de escrever para jornais e revistas, se os houvesse. Contudo, por razões que não foi possível identificar, o aparecimento de jornais não oficiais só viria a acontecer trinta e cinco anos mais tarde, em 1877. Inicialmente e na falta de um periódico não oficial publicado nas Ilhas, os primeiros poetas e prosadores cabo-verdianos começaram a exprimir-se através do Boletim Official – secção Interior, “Parte não Official”, que incluía notícias diversas, anúncios particulares, crónicas, poesia e ficção, esta, em forma de folhetim – e, mais tarde, passaram a expressar-se através do anuário Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro (Lisboa, 1851-1932). José Lopes, em 1952 explica o porquê disso: “nós não tínhamos onde publicar nossas produções senão naquele festejado anuário”227. Num dos seus apontamentos sobre a frequência da Biblioteca Nacional, fundada na Praia em 1871, Guilherme Dantas escrevia o seguinte: “De todas as possessões portuguesas, duma certa classe, é Cabo Verde a única que ainda não possui uma publicação literária e periódica [...]. O Boletim, pelo exíguo do seu formato, pela sua mesma índole, não comporta nem longos e sucessivos artigos, nem dissertações sobre todas as matérias, nem artigos de recreio para o público, tais como romances, folhetins, etc. Ora, tudo isto se poderia reunir numa publicaçãozinha mensal”228. Efectivamente, em Moçambique tinham sido editados nove jornais: O Baluarte (1860) O Progresso (1868), A Imprensa (1870), A Verdade (1871), Noticiario de Moçambique (1872), Jornal de Moçambique (1873), África Oriental (1876) e O Africano (1877); em Angola três: Commercio de Loanda (1867), O Cruzeiro do Sul (1873) e Correspondencia de Angola (1875); e em São Tomé e Príncipe, um: O Equador (1869) (Silva Pereira, 1897), pelo que Hypolito Olympio da Costa (18??-1920?) lamentava, em artigo publicado em 1871 no Boletim Official: “E esta provincia sem imprensa política ainda que a inunde de sua luz civilizadora!”229 José Lopes, “Os Esquecidos”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 35, Praia, Agosto de 1952. 228 Guilherme Dantas citado por Félix Monteiro in “A Imprensa em Cabo Verde”, Comunicação apresentada no Simpósio sobre Cultura e Literatura Cabo-verdiana, por ocasião do 50.º aniversário da revista Claridade, S. Vicente, Novembro de 1986, p. 4. 229 Hypolito Olympio da Costa Andrade, “Instituição da Imprensa Politica N’esta Provincia”, B. O., N.º 46, Praia, 18 de Novembro de 1871. 227

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Finalmente, a 1 de Outubro de 1877, um ano antes do fim oficial da escravatura, aparece na Cidade da Praia o Independente (1877-1889)230, “jornal politico litterario e commercial, dedicado aos interesses da provincia de Cabo Verde”, que teria sido fundado por Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888) e Joaquim Maria Augusto Barreto (Brava, 1854-1878). Do primeiro, João Martins (1891) diz que escreveu “artigos com que fulminou [...] tantos preconceitos, tantos ridiculos e tantas ostentações”; e ao último, refere-se como “este valente manejador da satyra” (op. cit., p. 228).

3.2 - Uma Imprensa para as Ilhas Mesmo antes de haver a instituição da imprensa em Cabo Verde, a preocupação da elite intelectual, de Hypolito da Costa Andrade a Eugénio Tavares e José Lopes, centrava-se na identificação do tipo ideal de jornalismo que conviria às ilhas. As posições defendidas por esses intelectuais eram coincidentes e, por vezes, complementares: um jornalismo independente dos poderosos e alheio à baixa política, que não fosse um repositório de lisonjas nem uma folha de “curcutição”231 (maledicência) e que concorresse para o levantamento espiritual do seu povo. Hypolito da Costa Andrade (1871) foi um dos primeiros a defender que o jornalismo ideal para as ilhas devia ser independente dos poderosos e alheio à baixa política: “O jornalismo [que] sabe fugir ao domínio do espirito parcial das facções politicas, e não troca a sua magestosa independência pela degradante posição de instrumento de deshonestas ambições, de vinganças miseráveis, de desordem e desgraça dos povos, eleva-se nas abençoadas azas da felicidade de’elles á altura em que todas as classes generosas da sociedade o contemplam, filho da razão, amante da verdade, respeitador do direito, centro de luz, anjo de paz. A imprensa que não queima á porta dos grandes das nações o incenso, cujo perfume suave se perde no thuribulo da adolação, sustentado em mãos de indignos”232. Segundo informações de Silva Pereira, in O Jornalismo Portuguez: Resenha chronologica de todos os periodicos portuguezes impressos e publicados no reino e no estrangeiro, desde o meiado do século XVII até á morte do saudoso Rei Senhor D. Luís I; bem como de jornaes em língua estrangeira publicados em Portugal durante o mesmo tempo, Lisboa, 1895, o jornal Independente ainda em 1889 continuava a ser publicado. Existe na Biblioteca Nacional de Lisboa um único número deste periódico, aliás, o “Suplemento” ao N.º 37, Praia, 17 de Setembro de 1978, disponível apenas em microfilme, dado o seu estado avançado de deterioração. 231 Curcutição ou Curcutiçan é um género de arte popular praticado pelos camponeses da ilha do Fogo, em que os contendores se injuriam jocosamente, à desgarrada. Teixeira de Sousa, “Curcutiçãn” (Recolhas Folclóricas)”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 63, Praia, Dez. de 1954, p. 18. 232 Idem, ibid. 230

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Eugénio Tavares (1913b), a propósito dos jornais que se publicava em Cabo Verde nos primeiros anos da instauração da República, considerava que um jornal não era uma coisa fácil de se fazer e explicava a sua função pela negativa: “nem lamber nada nem morder muito”: “Um bom jornal não deve ser uma homilia, nem deve ser um cacete brandido por um possesso, nem repositório de lisonjas, nem folha de ‘curcutição’. O jornal que se paga ao mister louvaminheiro de lamber tudo e todos, é uma coisa indecente; e um jornal que desanda à bordoada em tudo e em todos sem escolher onde nem em quem dá, também, é um estupor insuportável. Nem lamber nada nem morder muito”233. Posteriormente, José Lopes (1923), dirigindo-se à elite cabo-verdiana, defende no jornal O Manduco (Fogo, 1923-1924) a função do jornalismo como algo que deve concorrer para o levantamento espiritual do seu povo: “Cabo Verde é um país pequeno cujos filhos aspiram a ser grandes pela cultura moral e intelectual, mais que pelos progressos materiais, que muitos desses são porventura irrealizáveis. Nada deve porêm, obstar ao nosso levantamento espiritual. Para a realização desta obra patriótica, legítima, pode concorrer, deve concorrer e é necessário que concorra a imprensa periódica”234. É com essas concepções que a elite intelectual e esclarecida cabo-verdiana e, de alguma forma, politizada, assume como seu dever cívico escrever para os jornais da época e expressar a sua opinião sobre os mais diversos temas da actualidade de então. Alfredo Margarido (1983) explica a preferência dada por esses homens aos jornais: “Pela razão simples de o jornal ser, como diria Hegel ‘o referente do homem na sociedade civil’. O quotidiano aí se traduz em forma escrita, quer dizer em conceitos, mesmo quando estes são ainda demasiado flácidos. Mas o jornal permite já avançar no terreno do diálogo, e de superar as condições mais monologantes das formas poéticas, ou das elaborações orais” (op. cit. p. XXXVIII).

233 234

“Cartas para a América”, A Voz de Cabo Verde, N.º 74, Praia, Janeiro de 1913. José Lopes, “O Jornalismo em Cabo Verde”, O Manduco, N.º 6, Fogo, Novembro de 1923.

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3.3 - A Imprensa das Ilhas O período que vai do Movimento Liberal, com a instalação do prelo em Cabo Verde, à Independência Nacional, ou seja, de 1842 a 1975, é marcado por acontecimentos políticos profundos ocorridos em Portugal, com repercussão na Província de Cabo Verde, que determinaram o desenvolvimento ou a restrição da imprensa periódica segundo a maior ou menor liberdade de expressão que proporcionaram. São eles: a Regeneração (1851), a queda da Monarquia e a implantação da República (1910), a Ditadura Militar (1926), o estabelecimento do Estado Novo (1933) e a Independência Nacional de Cabo Verde (1975) (ver Anexo 8). Durante o período de 1842 a 1975 foram publicados em Cabo Verde, para além do Boletim Oficial do Governo da Província, sessenta periódicos não oficiais. A Periodização da Imprensa Periódica João Nobre de Oliveira (1998) propõe duas hipóteses de periodização para a História da Imprensa em Cabo Verde: a primeira, baseando-se nos ciclos de publicação, dividida em dois grandes períodos – Períodos de Letargia235 e Períodos de Intensa Actividade236 – a segunda, apoiando-se na circulação e permanência dos periódicos, dividida também em dois períodos – Período de 1842 a 1931 (em que o arquipélago chegou a passar anos sem um único órgão informativo em circulação) e Período de 1931 a 1975 (em que se conseguiu manter nas ilhas uma imprensa de forma permanente). Os Períodos de Letargia, segundo Oliveira, A Imprensa Cabo-verdiana, 1820-1975, Macau, 1989, p. 22, englobariam cinco períodos menores: 1º Período – De 1842 a 1846, limitando-se a publicação ao Boletim Official da Província. 2º Período – Dos meados de oitenta até quase aos finais do século (1884-1898), com nascimento de alguns títulos de vida curta. 3º Período – De 1905 a 1910, com apenas um título. 4º Período – De 1925 a 1930, sem uma única folha impressa em circulação no arquipélago. 5º Período – De 1937 a 1975, continuando depois da independência, considerado um período rico em publicações. 236 Os Períodos de Intensa Actividade, segundo Oliveira (1989:22), incluiriam quatro períodos: 1º Período – De 1877 a 1883, são publicados sete jornais, todos da cidade da Praia. 2º Período – De 1899 a 1904, com a circulação de sete títulos, editados em duas ilhas. 3º Período – De 1911 a 1924, com quinze jornais distribuídos por quatro ilhas. 4º Período – De 1931 a 1936, com a coexistência de nove jornais em quatro ilhas. 235

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Contudo, ao se confrontar as hipóteses de periodização propostas por Nobre de Oliveira (1998) com os acontecimentos políticos, constata-se que elas estão directamente relacionadas com as épocas históricas vividas em Portugal. Assim, usando o mesmo critério definido por A. Silva Pereira (1895) das épocas históricas do movimento do jornalismo português – desde “o meiado do século XVII até á morte do saudoso Rei Senhor D. Luís I”237 – propõe-se uma nova hipótese de periodização para os periódicos cabo-verdianos para cobrir a época em estudo (ver Anexo 5: Quadro 11): 1.º Período – Do Movimento Liberal, ou da Instalação do Prelo, ao Fim da Monarquia (1842-1910); 2.º Período – Da Implantação da Primeira República à Ditadura Militar (1910-1926); 3.º Período – Da Instauração da Ditadura Militar ao Estado Novo (19261933); 4.º Período – Do Estabelecimento do Estado Novo à Independência Nacional (1933-1975). Do Movimento Liberal ao Fim da Monarquia (1842-1910) Da instalação do prelo, em 1842, até o fim do Regime da Monarquia, em 1910, compreendendo um período de cerca de setenta anos, foram publicados dezanove Silva Pereira, Os Jornais Portuguezes ..., Lisboa, 1895, p. 11, define 7 épocas históricas do movimento do jornalismo lusitano: 1.ª Epoca – Infancia do jornalismo portuguez – De 1625 a 1760 – 31 de Julho – fallecimento do rei D. João V. 2.ª Epoca – Epoca pombalina – Desde 1 de Agosto de 1750 – inauguração do reinado de D. José I – até 29 de Novembro de 1807, partida da familia real para o Brazil. 3.ª Epoca – Dominação estrangeira – desde 30 de Novembro de 1807 – entrada das tropas francezas em Lisboa – até 23 d’Agosto de 1820, vespera da gloriosa revolução do Porto. 4.ª Epoca – Luta entre absolutistas e constitucionaes – 24 de Agosto de 1820, dia em que se manifestou no Porto a revolução liberal – a 23 de Julho de 1833, véspera da entrada das tropas constitucionaes em Lisboa. 5.ª Epoca – Luta entre cartistas e setembristas – desde 24 de Julho de 1833, restabelecimento do regime liberal – até 23 de Abril de 1851, vespera do pronunciamento militar no Porto. 6.ª Epoca – Epoca da regeneração – desde 24 d’Abril de 1851, pronunciamento militar no Porto a favor do marechal duque de Saldanha – até 11 de Novembro de 1861, morte d’el-rei D. Pedro V. 7.ª Epoca – Reinado de D. Luiz I – De 12 de Novembro de 1861, dia da aclamação d’este soberano – a 19 de Outubro de 1889, fallecimento do mesmo rei. 237

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periódicos não oficiais: (1) Independente (1877-1889), (2) Correio de Cabo Verde (1879), (3) Echo de Cabo Verde (1880), (4) A Imprensa (1880-1881), (5) Cidade da Praia (1880?), (6) A Justiça (1881), (7) O Protesto (1883), (8) O Povo Praiense (1886), (9) O Praiense (1889), (10) Praia (1889), todos na cidade da Praia; (11) Alamach Luso-Africano (1895 e 1899), em S. Nicolau; (12) Revista de Cabo Verde (1899), em S. Vicente; (13) A Alvorada (1900-1914)238, entre os emigrantes em New Bedford, Massachusetts, EUA; (14) A Esperança, Suplemento Literário do Alamach Luso-Africano (1901), em S. Nicolau; (15) A Liberdade (1902-1903), (16) Salve (1902), (17) A Opinião (1902-1903) e (18) O Espectro (1904-1909), na ilha de S. Vicente; e (19) Cabo Verde. Numero commemorativo da passagem por esta provincia de Sua alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filippe (1907), na Praia. Estes dezanove títulos podem ser considerados, no caso de Cabo Verde, um número significativo, se se tiver em conta que esta é a fase da instalação e do nascimento do prelo, com muitas e longas interrupções e dificuldades financeiras e várias restrições à imprensa periódica pela Censura. Da Implantação da República à Ditadura Militar (1910-1926) Até antes da República as dificuldades existentes seriam tantas que, na opinião de Eugénio Tavares (1913b), parecia ser proibida a publicação de outra folha pública que não fosse o Boletim Official. Com a mudança de regime e, na sua decorrência, com a efectiva liberdade de imprensa, passa-se para um período de proliferação de periódicos, o que viria proporcionar a que houvesse um aumento de jornais sem precedentes. Em apenas dezasseis anos, foram publicados dezassete periódicos que ajudaram e deram eco às ideias republicanas e ampliaram as aspirações do povo das ilhas: (1) O Recreio (1911) e (2) A Fénix Renascida (1911-1913), em S. Nicolau; (3) A Voz de Cabo Verde (1911-1919), (4) O Independente (1912-1913) e (5) O Progresso (1912-1913), na Praia; (6) O Mindelense (1913), em S. Vicente; (7) A Tribuna (1913-1914), na Brava; (8) O Futuro de Cabo Verde (1913-1916), na Praia; (9) A Defesa (1913-1915), no Fogo; (10) O Popular (1914-1915), em S. Vicente; (11) O O jornal A Alvorada pode ter sido editada para além de 1914. A Voz de Cabo Verde, em Março desse ano, dá conta daquele periódico ter continuado a sair em New Bedford. O jornal ressurge em Janeiro de 1919, com uma nova numeração, como “e only portuguese Daily in de e United States”. 238

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Caboverdeano (1918-1919), na Praia; (12) Cabo Verde (1920-1921), em S. Vicente; (13) A Seiva (1921), (14) A Acção (1921-1922) e (15) A Verdade (1922), na Praia; (16) O Manduco (1923-1924), no Fogo; e (17) Vasco da Gama (1924), número comemorativo, na Praia. Nesta fase começam a ser editados periódicos fora dos centros tradicionais de S. Vicente e da Praia. Nas ilhas até então periféricas, como S. Nicolau e Fogo, surgem dois jornais em cada uma delas, e na Brava um. Tanto jornal e tanta revista haveriam, sem dúvida, de estimular a produção jornalística e literária que, por seu turno, os alimentaria também. É assim que os primeiros escritores cabo-verdianos tiveram a sua estreia ou começaram a revelar-se mediante a publicação de artigos, poesia, contos, novelas e mesmo romances nos jornais periódicos, em forma de folhetim, permitindo a sua difusão em massa, o que poderia ser de tiragem restrita e confidencial. Por sua vez, a liberdade de palavra e de reunião levou à voga conferências e clubes culturais de todo o género. O surto da imprensa irá, assim, na opinião de Benedict Anderson (1983), proporcionar um sentimento de pertença a uma “comunidade imaginária” suscitando no mesmo momento os mesmos pensamentos entre os membros de uma cultura nacional cujas fronteiras são delimitadas pela linguagem. Da Instauração da Ditadura Militar ao Estado Novo (1926-1933) Este é um período de recessão da imprensa periódica devido às limitações de liberdade de expressão impostas pela Lei de João Belo. Foram editados neste período apenas três periódicos, tendo desaparecido todos os demais do período anterior: (1) Hespérides (1927?), na Praia; (2) Notícias de Cabo Verde (1931-1962) e (3) Alma Arsinária (1932), em S. Vicente. Destes três jornais, o primeiro não foi encontrado e o terceiro foi número único, o que não permitiu uma avaliação mais fundamentada deste período. De qualquer forma, e pelos espécimes acessíveis, parece ser expressiva a falta de liberdade existente, coarctando as iniciativas que vinham do período anterior. Do Estado Novo à Independência Nacional (1933-1975) O regime ditatorial do Estado Novo estabelecido em 1933 vai abolir a pouca liberdade

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de expressão existente e substituir a Lei de João Belo pelo Decreto-Lei N.º 22:469, que “entra imediatamente em vigor”239, tendo sido primeiramente aplicado ao Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962), então o único periódico a ser publicado na Colónia. A partir de Outubro do mesmo ano, essa restrição de liberdade de expressão foi “extensiva à imprensa periódica que se publica na capital da colónia [e] em qualquer outra localidade [...] a ser exercida pelo administrador do respectivo concelho, efectivo ou substituto, e nas suas faltas ou impedimentos pelo comandante do Corpo de Polícia Civil”240. Durante este quarto período, com duração de quarenta anos, foram publicados vinte e um novos periódicos: (1) Alma (1933), em S. Vicente; (2) O Eco de Cabo Verde (1933-1935), na Praia; (3) Defesa (1933-1934), em S. Nicolau; (4) Ressurgimento (19331935), em Santo Antão; (5) Mocidade Caboverdeana (1935), na Praia; (6) Boletim dos Falcões de Cabo Verde (1936), (7) Claridade – revista de arte e letras (1936-1960) e (8) Juventude (1936), em S. Vicente; (9) O Orvalho (1937), em Santo Antão; (10) A Colónia de Cabo Verde. Fôlha comemorativa da passagem do duplo Centenário da Fundação e Restauração da Independência de Portugal (1940), na Praia; (11) Certeza – Fôlha da Academia (1944), em S. Vicente; (12) Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (1949-1964), (13) Mocidade (1955-1957), (14) Diário de Cabo Verde (1956) e (15) “Suplemento Cultural” ao Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (1958), na Praia; (16) Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes (1959) e (17) “Seló – Página dos Novíssimos” do Notícias de Cabo Verde (1962), em S. Vicente; (18) O Arquipélago (1962-1974), na Praia; (19) Alvorada Técnica (1963), em S. Vicente; (20) Alerta (1974) e (21) Novo Jornal de Cabo Verde (1974-1975), na Praia. A maior parte destes periódicos teve um tempo de vida muito curto, por vezes de apenas um ou dois números, pelo que só houve, no máximo de três publicações simultâneas. Dir-se-ia que a sociedade se encontrava ainda numa fase exploratória ou a tentar ludibriar a Censura, vivendo numa “linha estreita da liberdade”, na expressão do poeta angolano Mário António241. Confirma-se a tendência iniciada no período a seguir à proclamação da Primeira República de publicação de periódicos fora dos centros urbanos de S. Vicente e Praia. Dos dez jornais publicados entre 1933 e 1940, quatro são em S. Vicente, três na Praia, Diário do Governo, I Série, N.º 83, Lisboa, 11 de Abril de 1933. Portaria N.º 910, publicada no Boletim Oficial, N.º 41, Praia, 14 de Outubro de 1933. 241 Mário António citado por António Faria, in Linha Estreita da Liberdade. A Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, 1997. 239 240

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dois de Santo Antão e um em S. Nicolau, o que dá um peso muito maior às ilhas de barlavento, com sete jornais, e revela a sua importância cultural nesse período. Dirse-ia que a despolarização da edição dos periódicos é já um reflexo do regionalismo de Cabo Verde descido a nível das diferentes ilhas, ou do localismo, se assim se quiser, devido à especificidade de cada uma delas. Em síntese, dos 60 periódicos inventariados, 32% foi publicado no primeiro período do jornalismo (1842-1910), 29% no segundo (1910-1926), 5% no terceiro (1926-1933) e 34% no quarto (1933-1975) (Gráfico 4.1). Gráfico 4.1 Distribuição dos Periódicos pelos Períodos do Jornalismo (1842-1975) ��������� ���

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Caracterização da Imprensa Periódica A nível da distribuição dessa imprensa periódica por local de publicação, periodicidade, longevidade e coexistência, a situação é a seguinte: Local de Publicação e Periodicidade Do universo dos sessenta periódicos, 82% foi editado na Praia e no Mindelo, sendo pouco mais de metade desse total na Praia – o que facilmente se explica pelo facto desta vila, mais tarde cidade, ter passado, em 1855, a ser a sede do Governo e, logo, de todos os principais órgãos de comunicação escrita – permitindo fazer uma ideia do grau de desenvolvimento intelectual existente nesses dois centros urbanos. Nas demais ilhas – S. Nicolau, Santo Antão, Fogo e Brava – editaram-se 17% do total dos periódicos e um entre os emigrantes de New Bedford, Mass., nos EUA (Quadro 4.1). 172

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Quadro 4.1 Distribuição dos Periódicos por Local de Publicação ( f ) Praia

São Vicente

São Nicolau

Santo Antão

Fogo

Brava

EUA

Total

1842-1910

11

5

2

0

0

0

1

19

1910-1926

9

3

2

0

2

1

0

17

1926-1933

1

2

0

0

0

0

0

3

1933-1975

10

8

1

1

0

0

0

20

Total

31

18

5

2

2

1

1

60

Período

No que respeita à periodicidade, excluindo 10 dos periódicos dos quais não se conseguiu informação, 6 são números comemorativos ou únicos, 12 são semanários, 19 trimensários ou quinzenários, 8 mensários, e 5 com outra periodicidade. É patente nesta distribuição a proliferação dos periódicos, o que coincide com os períodos de maior ou menor liberdade de imprensa, que não só determinaram o seu número como também condicionaram a sua periodicidade. No primeiro período das publicações (1842-1910), com um maior número de títulos, estes tendem a ser, sobretudo, semanários, trimensários e quinzenários. Nas duas fases seguintes (1910-1926 e 1926-1933), a sua periodicidade já se apresenta um pouco mais espaçada, sendo principalmente quinzenário e trimensário, enquanto na última fase (1933-1975) tendem a ser especialmente quinzenários, trimensários ou mensários (Quadro 4.2). Quadro 4.2 Distribuição dos Periódicos por Periodicidade ( f ) Número Comemorativo/Único

Semanário

Quinzenário/ Trimensário

Mensário

Outra

Total

1842-1910

2

5

4

1

1

13

1910-1926

1

4

8

1

0

14

1926-1933

0

0

1

0

0

1

1933-1975

2

3

6

6

4

20

Total

5

12

19

8

5

50

Período

Nota: Neste total não estão incluídos os dez periódicos de que não se conseguiu informação.

173

Manuel Brito-Semedo

Longevidade e Coexistência Todos estes periódicos tiveram pouca duração, tendo sido, mesmo, efémera a vida de alguns, por razões de ordem política ou ideológica e, principalmente, devido aos seus problemas financeiros crónicos, caracterizando-se por inúmeras interrupções e muita irregularidade. Casos excepcionais de longevidade, apesar de alguma descontinuidade, são os dos jornais A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), de Abílio Monteiro de Macedo (Fogo, 1886-1965), e Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 19311962), de Manuel Ribeiro de Almeida (S. Vicente, 1893-1959), cujos proprietários eram comerciantes firmados na praça; da Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960), do Grupo da Claridade; do Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964) e de O Arquipélago (Praia, 1962-1974), do Governo da Colónia. Durante a sua existência, esses periódicos tiveram uma fase de coexistência, algumas vezes conflituosa por divergência política – principalmente no período conturbado a seguir à Primeira República – com outros que viram, muitas vezes, nascer e desaparecer. Haja em vista o conflito permanente entre A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919) e o seu rival O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-1916), tido como jornal governamental, já que tinha, como director, o Secretário da Câmara do Concelho da Praia e, como editor e administrador, o próprio Director da Imprensa Nacional. A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919) – Nos seus oito anos de existência, o jornal viu nascer e desaparecer dez outros periódicos. Contudo, como se disse, a convivência entre eles nem sempre foi a mais pacífica, por razões políticas e pelas posições assumidas por cada um deles. Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962) – O jornal teve uma longa existência de trinta e um anos, apesar de algumas interrupções, caso raro no panorama cabo-verdiano, com a particularidade de ter sobrevivido ao desaparecimento do seu fundador e proprietário, Manuel Ribeiro de Almeida. Isso pode ter ocorrido pelo facto do periódico ter sido “criado sem a preocupação de fazer a propaganda duma candidatura ou defender uma mesquinha política de interesses pessoais ou de grupo”242. O Notícias de Cabo Verde conviveu com dezasseis outros periódicos, sendo cinco no período do cabo-verdianismo (1842-1936) e dez no período da cabo-verdianidade

242

“A Que Vimos”, Notícias de Cabo Verde, Ano I, N.º 1, S. Vicente, 1931.

174

A Formação da Nação Crioula - O Surgimento de um Jornalismo de Opinião

(1936-1975), tendo visto, inclusive, a extinção da própria revista Claridade e convivido com Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, chegando, por várias vezes, a ser o único órgão de imprensa em toda a Colónia; A Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960) – Nos seus vinte e quatro anos de vida de sobressaltos e períodos de interrupções, devido a problemas financeiros e à dispersão dos seus principais colaboradores, a Claridade coexistiu com dez periódicos, dos quais apenas dois, o Notícias de Cabo Verde e o Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, o sobreviveriam, o primeiro, ainda que por pouco tempo mais; Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964) – Nos seus dezasseis anos de existência, foi contemporâneo do Notícias de Cabo Verde, que veria extinguir-se, e de O Arquipélago, que o sobreviveria; O Arquipélago (Praia, 1962-1974) – Fundado por recomendação do Ministro do Ultramar, Prof. Adriano Moreira (1922- ), aquando da sua visita oficial a Cabo Verde, conviveu com Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação por três anos, passando, a partir daí e até à sua extinção, em 1974, a ser o único periódico a ser editado na Província. Pelo que ficou dito, os periódicos cabo-verdianos tiveram uma periodicidade mais ou menos curta ou mesmo espaçada, com uma longevidade, de uma maneira geral, muito diminuta, devido a razões, sobretudo económicas, mas vivida de forma muito intensa, com características de um jornalismo de opinião e de intervenção. Apesar disso, esses periódicos incomodaram as instâncias do poder, a ponto destas estabelecer estratégias para os combater, criando outros com esse propósito ou retirando-lhes forma de subsistência ou de continuidade. É essa imprensa não oficial que, apesar dessa efemeridade, vai contribuir decisivamente para criar a consciência de uma comunidade e de uma identidade cabo-verdiana. Circulação, Jornalistas e Público Leitor As informações sobre a tiragem dos periódicos cabo-verdianos são muito escassas, praticamente nulas. Apenas O Manduco (Fogo, 1923-1924), no seu primeiro número, dá como certa uma tiragem de 1.000 exemplares, número esse que considerámos não poder ser extrapolado para os outros periódicos, principalmente de períodos anteriores. Mesmo a este número, que à primeira vista parece com pouco impacto a nível

175

Manuel Brito-Semedo

do Arquipélago, deve-se acrescentar o sistema de empréstimo, sobretudo nas ilhas onde não havia publicação e eram poucos os assinantes de jornais, multiplicando, assim, exponencialmente o número de leitores. Para se fazer uma ideia, a mais aproximada possível, da circulação e do movimento dos jornais não oficiais no Arquipélago, nos fins dos anos oitocentos, recolheramse informações nos Boletins Oficiais da época que mostram que, nos anos de 1887 e 1888243, 1890 e 1891244 circularam, em média por ano, mais de 44.000 impressos e jornais, mais de 30.000 provenientes do continente, do ultramar e do estrangeiro (Quadro 4.3). Quadro 4.3 Circulação de Jornais e Impressos na Província (1887-1891) Ano

Arquipélago

1887

Continente, Ultrumar e Estrangeiro Recebidos

Expedidos

14.195

29.365

2.623

1888

14.520

33.960

4.946

1889







1890

2.710

40.324

7.186

1891

29.253

24.928

4.981

Observações

Sem elementos

Fonte: Dados recolhidos nos Boletins Oficiais.

Posteriormente, em 1898, os Serviços dos Correios (Lacerda, 1899), davam conta que, das estações de procedência ou destino do Arquipélago, tinham sido recebidos 3.224 jornais e impressos e enviados 7.434. Igualmente, nesse mesmo ano, tinham sido recebidos 44.617 jornais e impressos internacionais e enviados 3.952. Deste número, apenas em jornais das ilhas tinham sido recebidos 481 exemplares e enviados 3.354 e, internacionais, recebidos 31.850 exemplares e enviados 936.

Estatística geral da Província referente aos annos de 1887 e 1888. Apenso ao Boletim Official do Governo da Provincia de Cabo Verde, Praia, 1889. 244 Boletim Official, N.º 20, Praia, 20 de Maio de 1893. 243

176

A Formação da Nação Crioula - O Surgimento de um Jornalismo de Opinião

As principais praças editoras, Praia e S. Vicente, expediram nesse ano, respectivamente, 1.924 e 1.144 jornais, para outras ilhas, e 611 e 214 jornais para o exterior. Foram igualmente recebidos, só nestes dois centros urbanos, 25.974 jornais internacionais (Quadro 4.4). Quadro 4.4 Movimento de Jornais e Impressos em 1898 Jornais Estações de Procedência ou de Destino

Interior

Impressos

Internacional

Rec.

Exp.

S. Vicente

04

Santo Antão

78

Interior

Internacional

Rec.

Exp.

Rec.

Exp.

Rec.

Exp.

1.144

17.823

234

1.014

1.261

5.395

1.378

13

1.755



182

91

1.742

156

S. Nicolau – Preguiça











26





S. Nicolau – R. Brava



13

2.080

26

195

507

273

169

Sal





208



143

52

136



Boa Vista

117

104

741



52

65

247



Maio

130

26

13

52









Tarrafal Praia Fogo Brava – Furna

26



91



65



65

13



1.924

8.151

611

5.629

1.742

5.629

1.170



130

793

13

195

91

195

130

26

















195



65

247

65



2.743

4.082

13.767

3.016

Brava – Povoação Total

481

3.354

31.850

936

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao Ano de 1898.

O número dos jornais e impressos a circular no Arquipélago nesse fim de século é tanto mais significativo quanto se sabe que a população nas Ilhas era de 110.927 habitantes, em 1885, e de 127.390, em 1890. Isso, quando passava quarenta anos sobre a instalação da Escola Principal de Instrução Primária, na Brava (1845), e pouco mais de vinte sobre o estabelecimento do Seminario-Lyceu, em S. Nicolau (1866), o que mostra a eficiência irradiadora desses estabelecimentos de ensino. A elite intelectual emergente, constituída essencialmente por funcionários públicos e trabalhadores de profissões liberais, vai desempenhar a função de jornalista, a par 177

Manuel Brito-Semedo

com a de escritor e as suas actividades profissionais, e colaborar nos periódicos de forma interventiva (ver Anexo 6: Quadros 12 e 13). As obras de criação literária, com feição mais intelectual e um público leitor reduzido, ocupam uma posição modesta na defesa e na divulgação de ideias, enquanto o jornal, com feição mais simples e popular e, por isso, com um público leitor mais vasto, desempenha uma função irradiadora nessa divulgação. Terá sido por isso que, em Cabo Verde, se irá desenvolver a imprensa periódica não oficial como um jornalismo de opinião. Para complementar a função primordialmente informativa da imprensa, era costume na época os escritores publicarem alguma poesia, ficção e ensaio em secção ou página reservada para o efeito. É assim que grandes escritores tiveram a sua estreia ou começaram a revelar-se mediante a publicação de artigos em revistas ou de novelas e romances em forma de folhetim. A componente literária (poesia, ficção e ensaio) desempenha, assim, nesses periódicos, um papel complementar à função informativa da imprensa, reflectindo a realidade socio-cultural vivida em cada uma das épocas, sendo por isso importante no estudo da imprensa. Para além disso, dadas as dificuldades que sempre houve em condições financeiras e técnicas para a publicação de livros em Cabo Verde – os primeiros só viriam ser publicados em 1916, na Cidade da Praia245 – e a falta de recursos financeiros para a sua edição em Portugal, normalmente em edição de autor, vários escritores e periodistas recorreram ao expediente do folhetim para dar a conhecer os seus escritos, tendo sido alguns destes posteriormente recolhidos e editados em livros pelos próprios autores ou postumamente. Só assim se compreende que uma literatura como a cabo-verdiana, com reconhecida qualidade, tenha sempre produzido um número reduzido de obras literárias como tais. Desde os seus primórdios, a literatura cabo-verdiana sempre se apoiou na imprensa periódica de vida efémera (jornais e revistas) que, por isso mesmo, constituem um marco importante para qualquer estudo sobre a história das ideias, da cultura e da literatura.

Foram publicados na Imprensa Nacional, Praia, em 1916, os primeiros livros de poesia, de autoria de Eugénio Tavares, Amor que Salva (Santificação do Beijo) e O Mal do Amor (Coroa de Espinhos). 245

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A Formação da Nação Crioula - O Surgimento de um Jornalismo de Opinião

Num meio pequeno como o das ilhas, crê-se que os leitores dos jornais se restringiriam aos grupos sociais cujas profissões implicassem capacidade de leitura, tais como funcionários públicos, professores, membros das profissões liberais, comerciantes, proprietários agrícolas, empregados das casas comerciais e do Banco Nacional Ultramarino (com uma agência aberta em Cabo Verde desde a sua criação, em 1864) e, eventualmente, oficiais do Batalhão de Artilharia em permanência na província. Estes constituiriam o único grupo com poder de compra e interesses intelectuais para comprar e ler, de forma assídua, um jornal. Para cumprir a sua função, a mensagem dos jornais tinha de ir ao encontro dos interesses e dos gostos desse público, que constituía uma classe com uma educação pró-europeia mas muito ligada à terra a que pertencia. Público esse que, ao sentir-se ameaçado, se organizava à volta de um jornal que defendesse os seus interesses. Para além disso, a presença de páginas ou secções literárias com poesia e ficção, publicada em género de folhetim, pode ser também indicador de um outro tipo de leitor, mais literário e ou mais sensível, nomeadamente as mulheres. Com origem em França, nos finais do século XVIII, o folhetim desenvolveu-se extraordinariamente na imprensa do século XIX, para corresponder aos gostos e anseios de um público burguês, ávido de informação e enriquecimento cultural. Tematicamente, os folhetins cultivados na imprensa abordavam assuntos variados; da criação literária ao ensaio, passando pela crítica literária e pela polémica, o folhetim constituía, na esfera do entretenimento, uma prática cultural, complementar da função primordialmente informativa da imprensa. Essa feição complementar reflecte-se na localização gráfica do folhetim, podendo ser destacado do corpo do periódico e coleccionado (Reis e Lopes, 1996). Em Portugal, obras de escritores como Almeida Garrett (1799-1854), Camilo Castelo Branco (1825-1890) e Eça de Queiroz (1845-1900) foram inicialmente publicadas sob essa forma. Em Cabo Verde, Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888) publicou um romance, cuja acção principal decorre de forma repartida em Portugal e Cabo Verde – Memórias dum Pobre Rapaz – em formato de folhetim no jornal A Imprensa (Praia, 1880-1881), que foi posteriormente reeditado em A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), de 1913 a 1915. Foi também reeditado neste mesmo jornal, de 1916 a 1917, o primeiro romance cabo-verdiano, O Escravo, de autoria de José Evaristo d’Almeida, inicialmente dado a estampa em 1856, em Lisboa. Para além destes, Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930) e vários outros contemporâneos seus cultivaram esse género. 179

Manuel Brito-Semedo

O hábito de leitura de jornais permitiu a entrada de muitos periódicos estrangeiros e fomentou a edição de periódicos locais, embora de tiragem reduzida, mas ampliada pelo sistema de empréstimo e de trocas, por vezes como forma de furar o isolamento das ilhas, tendo facilitado a circulação de informações, de ideias e de opinião entre a elite letrada.

3.4 - A Indústria Gráfica A periodicidade esparsa, as interrupções e as irregularidades dos periódicos tiveram muitas vezes a ver com a inexistência de empresas gráficas nas ilhas, para além da Imprensa Nacional da Colónia. A Imprensa Nacional da Província Com a instalação da tipografia em 1842, foi criada a Imprensa Nacional de CaboVerde e Guiné com o propósito de publicar o Boletim Official, órgão do Governo-Geral de Cabo Verde, e executar os trabalhos oficiais de impressão. Durante muito tempo, e dado ao facto de não haver na Província tipografias particulares, houve uma aglomeração de trabalhos na Imprensa Nacional que afluíam dos serviços oficiais e de pedidos de fornecimento de impressos de particulares que deles necessitavam, a ponto de, em 1930, ter sido determinado pelo Governo que não lhe era permitida a execução de qualquer serviço de carácter particular quando houvesse em execução trabalhos de carácter oficial246. Até que, um ano mais tarde, a Imprensa Nacional deixou de satisfazer quaisquer pedidos de impressão por particulares, sendo somente atendidas as requisições das diversas repartições e entidades oficiais247. Nessa altura, porém, havia já alternativas com empresas gráficas privadas. No panorama das publicações, a Imprensa Nacional ocupou-se sobretudo da publicação do Boletim Oficial da Provincia (1842-1975), dos periódicos editados pelo Governo – Cabo Verde – Boletim de informação e Propaganda (1949-1962) e O Arquipélago (1960-1974) – e das publicações comemorativas, nomeadamente, Cabo

Portaria N.º 461, de 30 de Janeiro de 1930, publicada no Boletim Oficial, N.º 6, Praia, 8 de Fevereiro de 1930. “Aviso da Imprensa Nacional”, de 7 de Maio de 1931, publicado no Boletim Oficial, N.º 19, Praia, 9 de Maio de 1931. 246 247

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Verde (Praia, 1907) e Vasco da Gama (Praia, 1924). Isso, claro, para além de satisfazer os pedidos das repartições e entidades oficiais, tendo havido, num primeiro tempo, alguma disponibilidade para serviços particulares, como a impressão da maior parte dos jornais editados na Praia e no Fogo, várias brochuras e mesmo alguns livros. As Empresas Gráficas Privadas Durante bastante tempo, muitos trabalhos tipográficos, particularmente das ilhas de Barlavento, incluindo a publicação de jornais e de livros, foram adquiridos no “Continente”, não apenas por causa da sobrecarga de trabalhos da Imprensa Nacional, mas principalmente devido ao facto de haver maiores facilidades de comunicação da ilha de S. Vicente com Lisboa de que com a capital da Província. O jornalista Augusto Miranda informava em 1920 que “não raro sucede que entre a Praia capital da província, e S. Vicente a mais importante das ilhas, pelo seu movimento de navegação, decorram vinte e mais dias sem quaisquer ligações por via marítima”248. Se as ligações eram assim nessa época, muito mais esparsadas seriam no último quartel de oitocentos. Portanto, era mais natural a ilha do Porto Grande recorrer a Lisboa para a realização dos seus trabalhos gráficos, principalmente de composição e impressão de jornais, com periodicidade fixa, garantia de bom nível técnico e, provavelmente, com preços competitivos. Assim, os periódicos do 1.º Período do Jornalismo em Cabo Verde, com excepção de alguns poucos que teriam tipografia própria (por vezes a mesma tipografia), eram compostos e impressos em Portugal, tais eram os casos de o Almanach Luso-Africano (S. Nicolau, 1895 e 1899), A Esperança (S. Nicolau, 1901), seu suplemento literário, e a Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899). A referência à criação, em S. Vicente, da “Typographia Commercial de Mattos & Irmão” remonta a 1902, sendo, portanto, a primeira iniciativa privada do género, tendo realizado os trabalhos de composição e impressão dos jornais A Liberdade (S. Vicente, 1902-1903), A Opinião (S. Vicente, 1902-1903) e O Espectro (S. Vicente, 1904-1909), de que Gaspar Ferreira de Mattos, comerciante e armador, era responsável. Com a implantação da Primeira República, data que inaugura o 2.º Período do Jornalismo em Cabo Verde, a Imprensa Nacional continuou a realizar os serviços 248

Augusto Miranda, “Cabo Verde – Ilhas Adjacentes”, Cabo Verde N.º 2, S. Vicente, Junho de 1920.

181

Manuel Brito-Semedo

tipográficos de alguns jornais, porém, segundo as simpatias do Governo da Província, nomeadamente, O Independente (Praia, 1912-1913), O Progresso (Praia, 1912-1913), O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-1916), A Seiva (Praia, 1921), A Verdade (Praia, 1922) e O Manduco (Fogo, 1923-1924). A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), de que começaram por ser impressos nas oficinas da Imprensa Nacional os seus catorze primeiros números, devido às suas posições radicais e por se ter incompatibilizado com o então Governador Júdice Biker (1911-1915), viu-se na necessidade de criar a sua própria oficina gráfica, a “Tipografia de A Voz de Cabo Verde”, para poder continuar a sua edição, tendo prestado igual serviço aos jornais O Mindelense (S. Vicente, 1913), A Tribuna (Brava, 1913-1914) e A Defesa (Fogo, 1913-1915). Os demais jornais deste período249 – O Popular (S. Vicente, 1914-1915), O Caboverdeano (Praia, 1918-1919), Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921), A Acção (Praia, 1921-1922) e A Verdade (Praia, 1922) – surgem com tipografia própria, onde eram compostos e impressos. Só mais tarde, no 3.º Período do Jornalismo em Cabo Verde, com o Estado Novo, viriam a ser criadas empresas gráficas privadas com prestação de serviço público – a “Minerva de Cabo Verde”, na Praia, e a “Sociedade de Tipografia e Publicidade, Limitada”, na cidade do Mindelo – que, embora lutando com dificuldades de vária ordem, conseguiram manter-se por muitas décadas, prestando um serviço meritoso à imprensa e à cultura cabo-verdiana. A “Minerva de Cabo Verde”, surgida na Praia em 1927, mas oficialmente fundada em 1931250, era propriedade de Álvaro Leitão da Graça (Santiago, 1899-1968) – pai do africanista e nacionalista José Leitão da Graça – chefe interino da Oficina de Impressão da Imprensa Nacional. Esta tipografia continuou as suas actividades gráficas até muito depois da independência nacional, tendo então desaparecido. A “Minerva de Cabo Verde” foi responsável pelos trabalhos de composição e impressão de diversos jornais, nomeadamente, O Eco de Cabo Verde (Praia, 1933), Não se conseguiu obter informações sobre O Recreio (S. Nicolau, 1911) nem sobre A Fénix Renascida (S. Nicolau, 1911-1913). 250 Diploma Legislativo N.º 313, de 20/08/1931, publicado no B. O. N.º 34, Praia, 22 de Agosto de 1931, e “Anúncios Diversos”, B. O., N.º 43, Praia, 24 de Outubro de 1931. A tipografia, sita na Av. Andrade Corvo, foi registada em nome de Ema Silva Leitão da Graça, pelo facto do marido ser então funcionário público. Aposentado em 1941/42, Álvaro Leitão da Graça passa a ocupar-se em exclusivo da “Minerva de Cabo Verde”. 249

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A Formação da Nação Crioula - O Surgimento de um Jornalismo de Opinião

Mocidade Caboverdeana (Praia, 1935), A Colónia de Cabo Verde (Praia, 1940) e os números dois e três da folha de academia Certeza (S. Vicente, 1944), para além de impressos e brochuras e mesmo de livros, de que se destaca Devaneios (1938), de António Nunes; Ambiente (1941), de Jorge Barbosa; e Cadernos Luso-caboverdeanos (1941-1942), de Pedro Cardoso. A “Sociedade de Tipografia e Publicidade, Lda.”, cujo objectivo era a exploração da indústria gráfica e o comércio de livros, foi fundada em 1931, sendo propriedade dos principais comerciantes e intelectuais de S. Vicente251 – M. Ribeiro de Almeida, Dr. Adriano Duarte Silva, Manuel Serradas, Joaquim Maria Feijóo, Alfredo António Miranda, Rafael Ferreira Santos, Augusto Manuel Miranda, Dr. Daniel Alves Tavares, César Augusto Serradas, Raul do Rosário Ribeiro, Joaquim Jaime Simões, entre outros – para editar, prioritariamente, o jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962). Aquela Tipografia fez o trabalho gráfico de todos os títulos publicados em S. Vicente, nomeadamente, a revista Claridade (S. Vicente, 1936-1960), o primeiro número da folha de academia Certeza (S. Vicente, 1944), o número único do Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes (S. Vicente, 1949) e os jornais das ilhas vizinhas, Defesa (S. Nicolau, 1933-1934) e Ressurgimento (Santo Antão, 1933-1935). O surgimento de empresas gráficas privadas foi decisivo para que os periódicos não oficiais ganhassem autonomia técnica, o que, na prática, se traduzia em economia de tempo, independência editorial e emancipação do poder político. Estes periódicos tiveram, por isso, uma importância capital na evolução das ideias políticas e culturais de Cabo Verde desde 1877, que culminariam com a independência nacional.

4. A Organização da Produção Jornalística e Literária A pesquisa dos periódicos permite-nos formular uma hipótese de organização, melhor dito, de periodização e de cronologia da produção jornalística e literária que foge à lógica até então seguida pelo facto de ser de maior equilíbrio e de maior valorização de cada um dos períodos252, de per si. A ideia de base defendida desde os anos quarenta por Eduíno Brito (S. Vicente, 1923-), Arnaldo França (Santiago, 1925-), António Aurélio Gonçalves (S. Vicente, “Escritura de Constituição”, Notícias de Cabo Verde, N.º 3, S. Vicente, Abril de 1931. Segundo Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, 1993, p. 419, “cada período se define pelo predomínio, e não pela vigência absoluta e exclusiva, de um determinado alfabeto e de uma determina gramática”. 251 252

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Manuel Brito-Semedo

1901-1984) e por Manuel Ferreira (Leiria, 1917-1992)253 é a de a Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960) ser a divisora das águas, ou melhor, fazendo tudo girar em função dessa revista e do movimento literário por ela originado. Assim, haveria, grosso modo, um “Período Claridoso” e um “Período Pré-Claridoso”. A nossa hipótese consiste em inverter essa lógica dando um lugar próprio ao século XIX, princípios do século XX, embora mantendo os mesmos períodos cronológicos, identificando, contudo, fases, ou sub-períodos, com características próprias, sobretudo temáticas, a saber: o Período do Cabo-verdianismo (1842-1936) e o Período da Cabo-verdianidade (1936-1975)254.

4.1 - O Período do Cabo-verdianismo (1842-1936) Os aspectos estético-formais e temáticos que caracterizam este período são os do Neoclassicismo (1756-1825) e do Romantismo (1825-1865) Português, particularmente da última fase deste, o ultra-romantismo, cultivado tardiamente em Cabo Verde. Este período de produção jornalística e literária é aqui classificado de cabo-verdianismo255, por analogia com africanismo, já que o enunciado dos textos reproduzidos não reflecte, grosso modo, o real social cabo-verdiano, embora a produção fosse feita por “filhos das ilhas”, por oposição às outras províncias onde, na mesma época, havia uma produção realizada essencialmente por portugueses europeus radicados. Não era, todavia, de se esperar que fosse de outra maneira e que nos homens dessa época houvesse uma concepção clara das funções político-sociais e culturais que uma literatura poderia desempenhar. “Esses notáveis Poetas viveram no seu tempo e para

Conferir, respectivamente, Eduíno Brito, “Jorge Barbosa e a Poesia Caboverdeana”, in Certeza, N.º 2, Junho, S. Vicente, 1944; Arnaldo França, Notas Sobre Poesia Cabo-verdiana, Praia, 1962, pp. 11-12; e António Aurélio Gonçalves, “As Origens da Literatura Cabo-verdiana”, agora in Ensaios e Outros Escritos, 1998, Praia-S. Vicente, pp. 109-119; e A Aventura Crioula, de Manuel Ferreira, Lisboa, 1985 pp. 229-320. 254 Esta classificação e nomenclatura foi inicialmente defendida pelo autor deste trabalho, ainda que de forma menos elaborada, no artigo “A Produção Literária Cabo-verdiana no Período Pós-Independência”, in Cultura – Revista de Investigação Cultural e de Pensamento, N.º 2, Praia, Julho de 1998, pp. 150-167. Neste artigo defendeuse ainda a ideia de um terceiro período, correspondente à época da pós-independência, ou do Universalismo, também este com duas fases. 255 Os termos Cabo-verdianismo e Cabo-verdianidade foram tomados por empréstimo de Manuel Ferreira, in A Aventura Crioula, Lisboa, 1985, que os usa com este mesmo sentido. 253

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o seu tempo e escreveram segundo o rumo poético da sua época. Ilustraram como puderam a sua e nossa terra”, defendia José Lopes em 1952256. Paradoxalmente, este é também o início da valorização da língua crioula e a sua elevação a estatuto de língua literária. Distinguimos neste período do Cabo-verdianismo duas fases: a dos Primórdios e a da Crioulidade: A Fase dos Primórdios Estabelece-se que esta fase tenha surgido com a instalação do prelo, em 1842, embora se creia se possa ter iniciado antes257. É a fase do nascimento da imprensa e do lançamento das bases da literatura cabo-verdiana com a publicação dos primeiros textos literários. Evidenciam-se nomes como os de Antónia Gertrudes Pusich (S. Nicolau, 1805-1883) – o primeiro poeta ultramarino a ver os seus versos incluídos no Almanach de Lembranças (Lisboa, 1851-1932) e a primeira mulher a dedicar-se ao jornalismo em Portugal – Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888), Joaquim Augusto Barreto (Brava, 1854-1878), Luiz Medina e Vasconcellos (Praia, 18551891), Maria Luiza de Senna Barcellos, “Africana” (Brava, 18??-1893) e Gertrudes Ferreira Lima, “Humilde Camponesa” (Santo Antão, 18?? -1915). A Fase da Crioulidade Esta fase, que se localiza nos inícios de novecentos, é marcada pela exaltação dos valores crioulos e é integrada, principalmente por antigos estudantes do SeminarioLyceu de S. Nicolau, fundado em 1866. Destacam-se Luiz Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1923), Eugénio da Paula Tavares (Brava, 1861-1930)258, António Januário Leite (Santo Antão, 1865-1930), António Manuel da Costa Teixeira (Santo Antão, 1867?-1919), José Lopes da Silva (S. Nicolau, 1872-1962), António Corsino Lopes da Silva (Santo Antão, 1883-1944), Guilherme Ernesto, i.e. Félix Lopes da Silva

Ao que tudo indica, os primeiros escritores foram os quinhentistas André Alvares d’Almada e André Donelha. conferência proferida pelo Comandante Avelino Teixeira da Mota, “Dois Escritores Quinhentistas de Cabo verde, André Alvares de Almada e André Dornelas (Séc. XVI-XVII)”, Boletim Cultural, Suplemento, Luanda, Novembro, 1970. 258 Para Jorge Barbosa, “ninguém como Eugénio Tavares viveu tão intensamente pela sua terra. Ninguém pode medir-se com Êle no grau atingido do caboverdianismo”, in Notícias de Cabo Verde, N.º 6, S. Vicente, Maio de 1931, p. 2. 257

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(Santo Antão, 1889-1967), Pedro Monteiro Cardoso (Fogo, 1883-1942) e Juvenal da Costa Cabral (Santiago, 1898-1951).

4.2 - O Período da Cabo-verdianidade (1936-1975) Os aspectos estético-formais que predominam neste período são os mesmos dos do Modernismo Português (1927-1940) e Brasileiro, com temáticas próprias do Realismo, por influência do modelo brasileiro (entre 1930 e 1945/50, grosso modo), e do Neo-realismo, seguindo o modelo português (1940-1950). Aplica-se aqui o conceito de cabo-verdianidade por semelhança aos de africanidade, angolanidade e moçambicanidade, no contexto de África, Angola e Moçambique, respectivamente, porque o enunciado dos textos produzidos já reflecte o real cabo-verdiano e aquilo que o identifica, e ao mesmo tempo o distingue, socio-culturalmente como povo. O início deste novo período é marcado pelo surgimento da revista Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960), cujo nome passou a designar uma geração de escritores e uma nova forma de fazer literatura. Ao longo deste período foram surgindo, em torno de uma revista ou de uma folha literária, gerações literárias, no sentido em que é utilizado por Aguiar e Silva (1992) – como um grupo de escritores de idades aproximadas que, participando das mesmas condições históricas, defrontando-se com os mesmos problemas colectivos, compartilhando de análoga concepção da sociedade e do universo, advogando normas e convenções estetico-literárias afins, assume lugar de relevo numa literatura nacional mais ou menos na mesma data – que se congregaram à volta de um projecto politicoliterário que, de uma certa forma, são o resultado do contexto histórico e social e do avanço ideológico vivido por cada uma delas. Surgiram, assim, neste período, quatro gerações literárias: (i) a Geração da Claridade, (ii) a Geração da Academia Cultivar, (iii) a Geração da Nova Largada e (iv) a Geração do Seló, respectivamente, à volta da Claridade (S. Vicente, 1936), da Certeza (S. Vicente, 1944), do Suplemento Cultural ao Cabo Verde (Praia, 1958) e do Seló (S. Vicente, 1962). Em 1963 Gabriel Mariano era de opinião que esse ciclo claridoso ainda não se tinha fechado259. Aliás, posição essa muito depois reforçada e alargada por Baltasar Lopes,

Gabriel Mariano, “O Ciclo Claridoso Ainda não se Fechou”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 13/15, Praia, Outubro a Dezembro de 1963, pp. 8-11. 259

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em 1986: “o movimento claridoso continua, com a mesma impregnação cívica, servido por outros processos”260. De facto, só em 1974/75, nos prenúncios da independência nacional, é que veio a aparecer a indicação do surgimento de uma literatura fora dos moldes da Claridade, com Corsino Fortes (S. Vicente, 1933-) e Timóteo Tio Tiofe, i.e. João Varela (S. Vicente, 1937-), respectivamente, com Pão & Fonema (1974) e O Primeiro Livro de Notcha (1975), de conteúdo mais simbolista e universalista. Considera-se existir igualmente neste período da Cabo-verdianidade, duas fases: a do Regionalismo e a do Nacionalismo. A Fase do Regionalismo Esta fase despontou em 1936 com o propósito de “fincar os pés na terra”261 das ilhas e concretiza-se na publicação da revista Claridade. Destacam-se figuras de proa como Baltasar Lopes da Silva, “Osvaldo Alcântara” (S. Nicolau, 1907-1989), Jorge Vera-Cruz Barbosa (Praia, 1902-1971), Manuel dos Santos Lopes (S. Vicente, 1907), António Aurélio Gonçalves (S. Vicente, 1901-1984), Félix António Monteiro (S. Vicente, 1909-2002), Sérgio Bonucci Frusoni (S. Vicente, 1901-1975), António Nunes (Santiago, 1917-1951), Henrique Teixeira de Sousa (Fogo, 1919-), Arnaldo Vasconcelos França (Santiago, 1925-), ou seja, a “Geração da Claridade” e a “Geração da Academia Cultivar”. A Fase do Nacionalismo Esta é uma fase em que se passa a usar a literatura como arma de combate na construção de uma nova pátria, fase essa que é iniciada com a publicação do “Suplemento Cultural” ao Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, em 1958. Destacam-se, entre outros, Aguinaldo Brito Fonseca (S. Vicente, 1922-), Gabriel Lopes da Silva Mariano (S. Nicolau, 1928-2002), Ovídio de Sousa Martins (S. Vicente, 1928-1999), Yolanda Morazzo Lopes da Silva (S. Vicente, 1928-), Terêncio Casimiro Anahory (Boa Vista, 1932-2000) e os que os seguiram, como Corsino

“Depoimento de Baltasar Lopes e Manuel Lopes”, in Claridade – revista de arte e letras, Edição fac-similada, 1986, p. XV. 261 Manuel Lopes, “O Programa da Claridade Era Fincar os Pés na Terra Cabo-verdiana”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 121, Praia, Outubro de 1959. 260

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António Fortes (S. Vicente, 1933-), Onésimo Silveira (S. Vicente, 1935-), Felisberto Vieira Lopes, “Kaoberdiano Dambará” (Santiago, 1937-), Oswaldo Osório, i.e. Osvaldo Alcântara Medina Custódio (S. Vicente, 1939-), Mário de Almeida Fonseca (Santiago, 1939-) e Arménio Vieira e Silva (Santiago, 1941-), ou seja, a “Geração da Nova Largada” e a “Geração do Seló”. Para além destes dois períodos de produção jornalística e literária, defende-se ainda a existência de um terceiro, correspondente à época da pós-independência, ou do Universalismo, período esse também com duas fases mas que não será aqui abordado por estar fora do âmbito desta investigação262. Síntese A mudança de regime em Portugal, com a vitória do Movimento Liberal, abriu caminho para que houvesse a liberdade de imprensa e, consequentemente, a discussão e o debate de ideias. Nessa sequência, foi possível a instalação do prelo nas províncias ultramarinas, tendo a primeira sido em Cabo Verde em 1842. Posteriormente, em 1877, viria a surgir, na cidade da Praia, o primeiro jornal não oficial, Independente (1877-1889). Do período da instalação do prelo e da publicação do Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde (1842) ao momento da independência nacional (1975), o desenvolvimento da imprensa ou sua restrição ficaram a dever-se às mudanças políticas, com a maior ou menor liberdade de expressão que proporcionaram. Percorrendo uma época subdividida em quatro períodos – (i) do Movimento

T. T. Tiofe, «Arte Poética e artefactos poéticos em Cabo Verde ...», in Actes du Colloque International, Paris, 28-29-30 nov., 1 dec. 1984, in Les Literatures Africaines de Langue Portuguese: A la Recherche de L’Identite Individuelle et Nacionale. Paris, 1985, pp. 309-315, tomando como referência a data da publicação da Claridade, considera haver quatro períodos (do ponto de vista sociológico) e duas fases (do ponto de vista estético) para a poesia cabo-verdiana: o 1.º período que vai de 1936 a 1956, correspondendo à prospecção e identificação da cabo-verdianidade; o 2.º período, entre 1950 e 1962, que se caracteriza pelo desencanto social, o “desejo de matar a morte”, sendo também “a época ‘di briga cu diabu’ das roças”; o 3.º período, de 1963 a pouco depois de 1975, que se caracteriza pelo cantalutismo; e o 4.º e último período, que se inicia em 1981, sendo o período actual, de “procura de inefável identidade”. Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa, 1995, pp. 180 e 185, por sua vez, defende para a literatura cabo-verdiana seis períodos. A saber: 1.º período, das origens até 1925, a que chama de Iniciação; 2.º período, de 1926 a 1935, Hesperitano; 3.º período, que principia no ano de 1936 e vai até 1957, da Cabo-verdianidade; 4.º período, indo 1958 a 1965, de Cabo-verdianitude; 5º período, entre 1966 e 1982, do Universalismo; e 6º Período, de 1983 à actualidade, de Consolidação. 262

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Liberal, ou da instalação do Prelo, ao fim da Monarquia (1842-1910); (ii) da implantação da Primeira República à Ditadura Militar (1910-1926); (iii) da instauração da Ditadura Militar ao Estado Novo (1926-1933); e (iv) do estabelecimento do Estado Novo à Independência Nacional (1933-1975) – a história da imprensa em Cabo Verde é marcada por um jornalismo de intervenção, com reivindicação e denúncia, com publicação de sessenta periódicos. As ideias veiculadas nestes periódicos permitem hoje obter a visão do mundo tida pelos seus homens nas diferentes épocas: do Nativismo ao Regionalismo e, depois, ao Nacionalismo, ou seja, da defesa dos direitos individuais à autonomia das ilhas e à independência nacional. Tendo em conta as dimensões de intervenção das produções jornalística e literária – política e cultural – estas organizam-se, até a altura da independência nacional, em dois grandes períodos: (i) do Cabo-verdianismo (1842-1936), com influência do Neoclassicismo e do Romantismo Português; e (ii) da Cabo-verdianidade (1936-1975), seguindo o modelo do Modernismo Português e Brasileiro, o Realismo Nordestino Brasileiro e o Neo-Realismo Português. Sumário Nesta Primeira Parte da investigação – A Formação da Nação Crioula – demonstrou-se que, Cabo Verde, antes mesmo de se assentar como Estado, “constituiu-se em Nação à revelia do colonialismo”, usando a expressão de Gabriel Mariano (1991:61)263. Isto é, um povo com uma identidade cultural própria, no sentido em que muito cedo forjou uma língua comum – o crioulo – criou um vasto património de costumes e tradições, que vêm sendo mantidos e cultivados mesmo nas comunidades emigradas, e desenvolveu uma necessidade geral de autonomia. Das ilhas, que começaram inicialmente por serem desertas, formou-se uma nação crioula, que resultou da mestiçagem do branco europeu e do negro africano, com uma cultura singular que traduz e patenteia essa simbiose. Assim, havendo em Cabo Verde, desde muito cedo, uma sociedade homogénea do ponto de vista étnico, com a mesma cultura também na sua globalidade, em que existe uma única língua nacional e uma única religião, num território perfeitamen263

Gabriel Mariano considera isso como tendo sido “um tiro que saiu pela culatra do colonialismo”.

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te delimitado, ainda que fragmentado num arquipélago, esses factores viriam a ser determinantes para o desenvolvimento de uma consciência una e a construção de uma identidade nacional. Neste processo, foi fulcral a formação serôdia da elite letrada cabo-verdiana, graças ao estabelecimento da instrução pública, em 1817, e à sua expansão, a partir de 1845, à cultura humanista ministrada no Seminario-Lyceu de S. Nicolau (18661917), aos hábitos de leitura das pessoas letradas e à prática de saraus literários e outras actividades culturais. Essa elite letrada e culta desenvolveu-se, reproduziu-se e circulou no território, possibilitando assim o surgimento de novas elites. O alargamento dessa elite foi possível graças à deslocação intermitente do centro de decisão político-administrativa, económica e religiosa da ilha de Santiago para outras ilhas do Arquipélago, nomeadamente, Boa Vista, Brava, S. Nicolau e S. Vicente. Com a instalação do prelo em 1842, essa elite culta viria a utilizar os meios da imprensa postos ao seu dispor para divulgar as suas ideias e defender os seus interesses enquanto “filhos das ilhas”. Estando constituída a Nação cabo-verdiana, facto mais ou menos consciente entre a elite letrada, dá-se início ao processo de construção da identidade nacional. Esta tem expressão na imprensa, onde serão identificadas as respectivas etapas, o que será objecto da Segunda Parte desta investigação.

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Segunda Parte

A Construção de uma Identidade Nacional

Figura 5.1 - “Bandeira, Escudo e Sede do Governo de Cabo Verde” Fonte: Página Oficial do Governo na Internet www.governo.cv

“Cada povo pugna pela sua região dentro da sua pátria; cada cidadão trabalha para sua família, dentro da região. Isto é a base do patriotismo e da estrutura social [...]”. Eugénio Tavares In Jornal A Voz de Cabo Verde, 1914

A

noção da ideia nacional, coração dos processos históricos que deram forma aos novos estados contemporâneos, e a concepção de uma identidade nacional não são fenómenos de geração espontânea ou de produção brusca e não resultam de simples associação de vontades, nem se esgotam com a própria vivência. Elas germinam lentamente, sem prejuízo de um eventual momento explosivo nas situações de crise. O processo histórico da construção da identidade nacional é desenvolvido de forma progressiva, faseada e cumulativa, o que significa que os estágios anteriores constituem requisitos para os seguintes. No caso concreto de Cabo Verde, foi preciso surgir, primeiro, uma elite letrada, que se instalasse uma tipografia e se produzisse uma imprensa periódica não oficial para que, então, se divulgassem as ideias de uma identidade nacional crioula. Esta Segunda Parte procurará, antes de mais, reconstituir esse processo. Não se pretende, nesta pesquisa, extrapolar o caso cabo-verdiano para outros países nem considerá-lo paradigmático, pois nem todos terão seguido a mesma evolução. Em Cabo Verde, os fenómenos culturais, como se demonstrou na Primeira Parte, tiveram um peso determinante na formação da identidade do seu povo, vindo a constituir a essência dessa mesma identidade. Noutros países, poderão ter sido os acontecimentos políticos os mais decisivos, noutros, ainda, os factores sociais, económicos, ou mesmo, o território (Matoso, 1998). Teve-se também em conta nesta investigação o facto de as manifestações da identidade nacional poderem ser diferentes de país para país e até contraditórias, conforme

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os grupos humanos que envolverem e as épocas em que se situarem. Nem todos os membros de uma comunidade poderão idear, actuar e contribuir da mesma maneira para a construção da sua identidade. Ou seja, “não é lícito atribuir simultaneamente a todos os habitantes as operações de diferenciação, de significação e de valorização quando envolvem apenas um determinado grupo” (Matoso, 1998:6). O grupo activo neste processo em Cabo Verde foi, nesta investigação, identificado como a elite intelectual, a quem se atribui processos de consciencialização dos vínculos nacionais, por si expressos na imprensa periódica, ainda que algumas vezes de forma ambígua ou mesmo discrepante. Durante um período de pouco mais de um século (1856-1975), as diferentes gerações da elite intelectual produziram uma prática e elaboraram um discurso, de carácter ideológico, rastreado na imprensa periódica publicada em Cabo Verde ou fora dele, conducentes à construção de uma identidade nacional crioula e que se revelaram como indicadores de que o processo estava em curso. No processo de construção da identidade nacional cabo-verdiana, identificámos períodos com características sociais e políticas diferentes, que levaram a definir três etapas distintas: o sentimento nativista (1856-1932), a consciência regionalista (19321958) e a afirmação nacionalista (1958-1975). Estas etapas foram determinadas por momentos de crise socio-económica e político-ideológica. O primeiro, ocorreu nos finais de oitocentos, com a ideia propalada da venda das colónias, que representou o culminar da falta de interesse e do abandono secular de Portugal sentidos pela população; o segundo aconteceu em novecentos, nos inícios dos anos trinta, com a decadência do Porto Grande, na decorrência de uma crise económica mundial, e o estabelecimento do Estado Novo; e o terceiro deu-se nos finais da década de cinquenta de mil e novecentos, com a fundação de movimentos nacionalistas nas colónias e do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), aliada a uma profunda crise interna do regime de Salazar. Com o desencadear da luta de libertação nacional, a base de contestação cultural, de reivindicação e de afirmação nacionalista foi alargada aos grupos menos instruídos, continuando, contudo, o processo da construção da identidade nacional a ser liderado pela elite intelectual de ideologia fortemente nacionalista. Chegada à altura da independência, em 1975, a Nação cabo-verdiana estava apta a passar para uma nova etapa da construção da sua identidade, enquanto povo livre e independente.

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Capítulo V O Sentimento Nativista: A Geração de Eugénio Tavares (1856-1932)

Figura 5.2 - Eugénio Tavares (1867 – 1930) Fonte: Revista de Espiritualismo, Lisboa, 1939

“O nativismo em que se inspirava a acção deste jornal é a síntese do amor ao berço, à família, à terra natal, ao aglomerado humano de que somos elementos cooperantes. Êste é o nosso nativismo, dignificante e honroso […]. Êste nativismo que tem por solido alicerce o amor ao torrão onde nascemos, despido de ódios e mal-querenças, temo-lo feito e continuaremos a fazê-lo”. Mário Alfama Ferro In Jornal A Voz de Cabo Verde, 1919

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Nativismo foi o termo concebido pelos letrados africanos do século XIX, o segmento intelectual dos filhos do país ou dos filhos da terra – a burguesia mestiça, que a pouco e pouco foi ganhando poder socio-económico e se foi substituindo à elite branca – para exprimir o sentimento colectivo de serem os portadores dos valores culturais das suas origens, como a sua identificação e o ponto de encontro das suas aspirações a uma futura autonomia (Mário Andrade, 1997b). O Nativismo surge como consequência da hostilidade com que os africanos vinham sendo tratados pelos colonizadores e fundamenta-se nas ideias do pan-africanismo racial, cultural e político de William Edward Burghart Du Bois (Atlanta, EUA, 1868-1963) e Marcus Garvey (Jamaica, Antilhas, 1887-1940). O Nativismo cabo-verdiano, esse, tem as suas raízes mais profundas num conjunto de encadeamentos históricos bem determinados: (i) o estado de abandono a que as ilhas sempre foram votadas pelos sucessivos governos da Metrópole, primeiro, pelo Reino e, depois, pela I República; (ii) as crises periódicas de falta de alimento espalhando a miséria e a fome; e (iii) o tratamento diferenciado dado aos filhos das ilhas, ou crioulos, com base em leis discriminatórias e, portanto, para eles injustas. 199

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1. O Pan-Africanismo Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento económico e as definições políticas subsequentes ao triunfo do Liberalismo e a Revolução Industrial, exigindo espaços periféricos de recurso e alastramento, fizeram transbordar os Poderes europeus sobre a África. Nessa sequência, passará a assistir-se ao aparecimento de uma série de manifestações do chamado Pan-Africanismo, como uma demonstração de solidariedade entre negros das ilhas caraíbas e negros do sul dos Estados Unidos da América, num movimento que apontava para uma união de todos os Africanos do mundo num só Estado. Apesar de ter a sua origem fora do continente africano, o Pan-Africanismo foi sendo, gradualmente, assumido por personalidades africanas que fizeram da África o seu principal objectivo, tendo tido algum impacto nas fileiras intelectuais originárias das colónias portuguesas, dentro e fora de Portugal (Eduardo Santos, 1968). Destacaram-se como figuras principais do Pan-Africanismo: Henry Sylvester Williams (Trinidad, Antilhas, 1869-1911), advogado que chegou a ser conselheiro jurídico dos chefes Banto, na África do Sul, na disputa das terras aos “boers” e a Cecil Rhodes, tido por o percursor dominante; William Edward Burghart Du Bois, professor universitário no Estado norte-americano de Atlanta, fundador em 1909 da Nacional Association for the Advancement of Colored People – NAACP (Associação Nacional para o Progresso da População de Cor), considerado “o pai do pan-africanismo” político; e Marcus Garvey, natural da Jamaica, Antilhas, fundador em 1914 do Universal Negro Improvement Association – UNIA (Associação Universal para a Melhoria dos Negros), cujo lema era “A África para os Africanos da pátria e no estrangeiro” (Africa for the Africans at Home and Abroad), e que viria a ser um dos movimentos de massas mais dinâmicos e influentes da história Negra264.

1.1 - O Movimento Pan-Africanista O Movimento Pan-Africano realizou, até ao fim da Segunda Guerra, cinco Congressos em várias cidades da Europa e dos EUA. O Primeiro, que viria a ter lugar em Paris, em 1919, foi organizado por Du Bois, que lutou com grandes dificuldades para Cf. Departamento de História da UEM, História de Moçambique (Vol. 2), “Agressão Imperialista, 1886/1930”, Maputo, 1983. 264

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conseguir que o governo francês desse o seu consentimento. A Inglaterra e os Estados Unidos recusaram, porém, passaportes à maior parte dos delegados ao Congresso, de forma que não passou de uma pequena reunião, tendo servido, todavia, para estabelecer uma primeira base de operações. Du Bois, aproveitando-se da recente derrota alemã, pediu às Potências aliadas que colocassem sob controlo internacional as antigas colónias alemãs265. Em 1921, foi realizado o II Congresso, repartido por Londres, Bruxelas e Paris, com o propósito primeiro de chamar a atenção da Inglaterra, da Bélgica e da França para o problema negro. Este congresso viria a ser importante tanto pelo número de colónias e nações africanas representadas como pelo número e categoria dos seus delegados. Dele saiu a criação da Associação Internacional Pan-Africana, com sede em Paris, cujos estatutos estabeleceram a obrigatoriedade da realização de um Congresso pan-africano de dois em dois anos266. Portugal fez-se representar, nas sessões de Bruxelas e Paris, pelos delegados Dr. José António de Magalhães (Angola, 1867-1959), Presidente do Conselho Director Central de a Liga Africana de Lisboa, e Nicolau dos Santos Pinto (S. Tomé, 18? -1922), Presidente do Conselho de Educação e Propaganda da mesma liga. Representavam não só a Liga Africana, mas também as associações a ela aderentes (Liga dos Interesses de S. Tomé e Príncipe, Liga Angolana, Grémio Africano de Lourenço Marques e as delegações da Liga Africana das províncias da Guiné e Cabo Verde), mais à frente referidas267. Seguiu-se o III Congresso realizado em Londres, em 1923. Embora tenha havido a intenção inicial de realizar em Lisboa a segunda sessão do Congresso, tal facto não se deu. Em fins de Novembro, vindo da sessão de Londres, a caminho da Libéria, o Dr. Du Bois desembarcou nesta cidade e proferiu na sede da Liga Africana duas conferências, facto que terá levado alguns autores, nomeadamente George Padmore, a falarem do III Congresso com duas sessões268. Neste Congresso os delegados reclamaram um voto nos seus governos, o direito de acesso à terra e aos seus recursos, prerrogativa de serem julgados segundo a justiça

José de Magalhães, “O movimento pan-africano em 1923-1924”, Correio de Africa, N.º 1, Lisboa, Setembro de 1924. 266 “Associação Pan-Africana – Estatutos”, Correio de Africa, N.º 37, Lisboa, Abril de 1922. 267 Correio de Africa, N.º 8, Lisboa, Setembro de 1921. 268 Correio de Africa, N.º 1, Lisboa, Setembro de 1924. Conferir ainda Mário Pinto de Andrade, Origens do Nacionalismo Africano, Lisboa, 1997. 265

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tradicional, o ensino primário gratuito para todos, uma larga formação nas técnicas industriais modernas e uma formação mais adiantada para os mais dotados, o desenvolvimento da África para o bem dos africanos e não unicamente em proveito dos europeus, a proibição do tráfico do álcool e de escravos, entre outros (Eduardo Santos, op. cit.). No IV Congresso, realizado em Nova Iorque, em 1927, onde estiveram representantes da Costa do Ouro, Serra Leoa, Libéria e Nigéria, os delegados voltaram a reclamar um voto nos seus governos, o direito dos nativos às suas terras e recursos naturais, uma educação moderna de todas as crianças, o desenvolvimento da África em proveito dos africanos e não somente dos europeus, o tratamento dos homens civilizados como civilizados, qualquer que fosse a sua origem, raça ou cor. No V Congresso, realizado em Manchester, em 1945, aparecia ao lado de Du Bois uma nova liderança onde se destacava Kwame Nkrumah (Costa do Ouro, hoje Gana, 1909-1966), Jomo Kenyatta (Quénia, 1893-1978), George Padmore (Trinidad, Antilhas, 1902-1959) e Peter Abraham (África do Sul, ?-?), que viriam a ser os pais da emancipação africana. Novamente se insistia na luta contra a exploração económica colonial e reclamava o apoio à independência da Argélia, Marrocos e outras possessões e colónias da África Ocidental. Kwame Nkrumah, que quis chamar a si a liderança do movimento no continente africano, mal chegado ao poder, manifestou a intenção de alojar na Costa do Ouro o VI Congresso Pan-africano. Em Dezembro de 1953, este reunia-se na cidade de Kumasi, na forma de uma conferência de âmbito e alcance muito reduzidos. Este VI Congresso, pela sua organização, objectivos e resultados, não passou, por isso, de um feito episódico na marcha do pan-africanismo político (Eduardo Santos, op. cit.). Ao pan-africanismo político associou-se, depois, o pan-africanismo cultural, que ficou conhecido por Negritude. Esta define-se como “um movimento de ideias que tem expressão na literatura e no domínio das ciências humanas (etnologia e história, em particular) do nacionalismo africano”269, tendo sido lançada nos anos 1933-1935 pelos poetas Léopold Sédar Senghor (Senegal, 1906-2001) e Aimé Césaire (Martinica, Antilhas, 1913-) para defender “a solução exclusivamente africana dos problemas políticos, sociais e económicos da África e dinamização das ideias para tal necessárias” (Idem, p. 58).

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Claude Wauthier, citado por Eduardo Santos, op. cit., p. 51.

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1.2 - As Organizações Pan-Africanas em Portugal Os intelectuais da África Portuguesa a viver no coração do império aderiram às ideias pan-africanistas e procuraram organizar-se como forma de dar corpo às suas reivindicações. Nas Colónias constituíram-se organizações que, sintonizadas com o que acontecia na Metrópole, se associaram entre si como uma frente ampla numa luta comum. Enquanto nas colónias se desenvolvia, portanto, um Nativismo local, dirigido para as questões particulares de cada uma, assistia-se, em Lisboa, à propagação de uma imprensa pan-africanista, com colaboração de estudantes e outros intelectuais, principalmente de S. Tomé, Angola e Cabo Verde, mas também da Guiné e de Moçambique, tendo surgido em simultâneo, associações e partidos – Junta de Defeza dos Direitos d’Africa (JDDA), 1912; Liga Africana (LA), 1920; Partido Nacional Africano (PNA), 1921; e Movimento Nacionalista Africano (MNA), 1931 – em defesa dos direitos dos negros e dos povos de África. Conforme as palavras do cabo-verdiano Nobre de Melo (Santo Antão, 1891-1985), tratava-se de “[uma África] até aqui espoliada e perseguida mas que emfim se revolta para clamar justiça, para fazer ouvir na Europa a sua voz clamorosa e solene, o brado eloquente e nervoso das gerações de além mar”270. A Imprensa Pan-Africanista Entrementes, como manifesto da corrente ideológica que cada vez mais se difundia, surgiram na capital do Império numerosos jornais africanos, criados pelos naturais das colónias que ali estudavam e residiam: O Negro, “Órgão dos Estudantes Negros” (Lisboa, 1911); A Voz d’Africa, “Boletim Oficial da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa” (Lisboa, 1912-1913 e 1927-1930)271; Tribuna d’Africa, “Órgão Oficial da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa” (Lisboa, 1913 e 1931-1932)272; O Eco d’Africa, “Quinzenario defensor dos interesses d’Africa” (Lisboa, 1914-1915); Portugal Novo, “Órgão e Propriedade da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa” (1915); A Nova Pátria (Lisboa, 1916-1918); O Protesto Indígena, “Porta-Voz das organizações indigenas da “Propaganda da Junta. Duas Conferências. O Futuro de Cabo Verde – A Função Social da Junta. Conferência do Dr. Nobre de Melo”, A Voz d’Africa, N.º 2, Lisboa, Setembro de 1912. 271 O jornal voltou a aparecer de 1 de Dezembro de 1927 a 26 de Agosto de 1930, “Pelos Povos Africanos de Portugal”, como propriedade e do Partido Nacional Africano (3ª série), depois como “Propriedade e Órgão do Partido Nacional Africano” (4.ª série) e como “Órgão Nacional e Internacional dos Africanos” (5.ª série). 272 O jornal reapareceu de 14 de Fevereiro de 1931 a Março de 1932 (Série C), sendo propriedade e edição da Empresa “Tribuna d’Africa”, Ltd., como “Órgão Nacional e Internacional dos Africanos”. 270

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Africa Portuguesa e interprete das aspirações do Partido Nacional Africano” (Lisboa, 1921)273; Correio de Africa, “Quinzenario defensor dos interesses de Africa” (Lisboa, 1921-1923 e 1924)274; A Mocidade Africana, “Órgão mensal de propaganda colonial e defesa dos interesses africanos” (Lisboa, 1930-1932); e Africa, “Órgão oficial do Movimento Nacionalista Africano” (Lisboa, 1931 e 1932-1934)275. Todos eles regidos por um discurso marcadamente político, cujas componentes essenciais eram a identidade racial do negro e a condição de africanos portugueses. O texto que encima o número 1 de O Negro (Lisboa, 1911)276, o primeiro jornal pan-africanista publicado em Portugal, é um forte apelo à reflexão: “A nossa escravidão é secular e em virtude d’ella temos soffrido todos os vexames e tirannias e em virtude d’ella sido o alvo aonde a inveja, o crime e o insulto teem crivado impunemente as suas settas venenosas. [...] Cremos ter chegado para todos nós, velhos ou creanças, adultos ou novos, o momento asado para reflectirmos: não queremos continuar a ser enganados, porque estamos fartos de pagar, estamos fartos de tutores, de Salvadores e Senhores e tudo o que aspiramos é aprender a orientar as nossas ideias e a libertar-nos de todas as fórmas de tirannia e exploração com que nos teem escravisado, esmagando em nós todas as energias de intelligencia e todas as manifestações de vida social”277. Assim, a orientação de O Negro era que, para realizar esse ideal, tornava-se necessário que a camada mais instruída e ilustrada da raça negra envidasse todos os esforços no sentido de constituir, com os menos cultos, um forte Partido Africano278. As modalidades da formação desse partido são assim explicitadas pelo mesmo jornal no número seguinte: O número 1 saiu a 21 de Novembro de 1921. Director: Borja Santos; Editor: António Gonçalves de Motta. Na Biblioteca Nacional apenas foi identificado esse primeiro número, pelo que não se sabe se terão saído outros. 274 Em 1924 foi editado um outro jornal com o mesmo nome, propriedade do Grupo Organizador Correio de Africa, sendo Administrador J. Carneiro e Director e Editor Lino de Sousa Bayão. 275 O número 1 saiu a 11 de Novembro de 1931. Na Biblioteca Nacional apenas foi identificado esse número, pelo que não se sabe se terão saído outros. Posteriormente foi editado outro jornal Africa, propriedade da Cultura Nacional Editora, Limitada, de 11 de Maio de 1932 a 25 de Janeiro de 1934. Director: João de Castro; Editor: Tenente António Gomes Rocha. Já quase no seu término, este jornal viria a assumir-se como “Órgão Oficial do Movimento Nacional Pró-Colónias da Junta Nacional Africana e dos Congressos Nacionais dos Colonos Portugueses dos Naturais das Índia, Macau, Timor e da Raça Negra”. 276 O Negro, órgão dos Estudantes Negros. Director: J. G. Cunha Lisboa; Redactor Principal: Arthur Monteiro; Editor: Ayres de Menezes. Propriedade da Liga Académica Internacional dos Negros e empresa O Negro. Apenas três números publicados, respectivamente, em 21 de Março, 21 de Maio e 23 de Outubro de 1911. A Voz de Cabo Verde (1911-1919), saído na Praia três semanas antes, saúda o seu aparecimento. 277 “Reflictamos...”, O Negro, N.º 1, Lisboa, Março de 1911. 278 “A Nossa Orientação”, O Negro, N.º 1, Lisboa, Março de 1911. 273

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“Em cada provincia, em cada cidade, em cada vila, em cada aldeia constituirse-ão Associações, Grémios, Caixas Económicas, cooperativas cujo ideal supremo será a realização da máxima de Monroe279, aplicada á Africa e cuja missão será a de nos ensinar a ser livres, e pela liberdade a ser bons; como fortes pela sabedoria, solidarios uns com os outros, e pela solidariedade iguaes ante um só direito – o direito á vida integral”280. As Associações Pan-Africanas Em resposta ao apelo lançado pelo jornal O Negro, criaram-se, nos dois espaços de manifestação – o interno (nas Colónias) e o externo (na Metrópole) – ligações e articulações, uma corrente permanente de informações, de consultas e de práticas socio-políticas. Nessa linha, apareceram associações, ligas e grémios que viriam a integrar o movimento pan-africanista corporizado na Junta de Defeza dos Direitos d’Africa, surgida na capital portuguesa em 1912: em S. Tomé e Príncipe, a Caixa Económica de S. Tomé (1905), o Grémio de S. Tomé (1906) e a Liga dos Interesses Indígenas de S. Tomé e Príncipe (1910); em Moçambique, o Grémio Africano de Lourenço Marques (1908); na Guiné, o Centro Escolar Republicano e a Liga Guineense (1911); em Angola, a Liga Angolana (1912) e o Grémio Africano (1913); e em Cabo Verde, o Grupo Republicano Democrático de Cabo Verde (Praia, 1912)281 e a Associação Operária 1.º de Dezembro (S. Vicente, 1913)282. Referência a Jaime Monroe (1758-1831), quinto presidente dos Estados Unidos que governou a União de 1817 a 1825, cujo nome ficou ligado à famosa doutrina que repele a intervenção da Europa nos negócios da América. 280 “Fartae, Villanagem!”, O Negro, N.º 2, Lisboa, Maio de 1911. 281 A Voz de Cabo Verde, N.º 39, Praia, Maio de 1912. 282 A Voz de Cabo Verde, N.º 123, Praia, Dezembro de 1913. Pedro Cardoso, estando em S. Vicente, discursou durante a cerimónia de tomada de posse dos corpos sociais da Associação – João Araújo, Presidente, Augusto Manuel Miranda, 1.º Secretário, A. Corsino Lopes, Tesoureiro – tendo dedicado “aos operários mindelenses, fundadores da Associação 1.º de Dezembro” o poema “Unidos, Avante”. Este poema viria a ser publicado no jornal A Voz de Cabo Verde, no seu N.º 133, Março de 1914, e, posteriormente, no livro Caboverdeanas, Lisboa, 1915, pp. 128-129: 279

Operários! diz Marx, o Mestre venerando, que a vossa redenção tem de ser conquistada por vós somente; não brandindo lança ou espada, mas unindo-vos e vos associando!... Ora, escutai-lhe a voz austera de vidente e pondo-lhe em efeito o aviso sapiente.

Lutai! que alcançareis a palma da vitória, mas tendo por reduto a vossa associação! Pois, quando o povo diz que a força fá-la a união, alta verdade afirma à plena luz da História. Contai-vos se podeis... vós sois a Maioria. Então, porque domina a infanda tirania?!

Certo ainda é distante a terra prometida, onde à sombra de Astreis em perfeita igualdade o homem, enfim liberto e justo e sábio, há-de viver, segundo a lei da Natureza, a Vida. No entanto não deveis, porém, cruzar os braços deixando sem castigo os histriões devassos.

Ó vós que, mal aponta a matutina estrela, labutais sem descanso até noite cerrada na oficina, ou no campo aflando sobre a enxada, sem que jamais gozeis a mínima parcela de quanto produzis, nem vós nem vossos filhos, em que a fome crava os infernais comilhos;

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A Junta de Defeza dos Direitos d’Africa foi instituída em 1912 como uma federação, constituída por todas as agremiações fundadas na África portuguesa pelos seus naturais. Realizou a sua primeira Assembleia-Geral a 8 de Setembro de 1912, tendo aprovado o seu estatuto, que almejava, nomeadamente, federar todas as províncias da África portuguesa, defender o regime de autonomia das colónias e promover a revogação de todas as leis de excepção em vigor na África portuguesa e a promulgação de outras leis tutelares dos direitos de propriedade dos indígenas283. Como estratégias para atingir esses fins, a JDDA pretendia constituir e manter, na sua sede, secções e comissões permanentes e autorizar ou nomear correspondentes e agentes em diversas regiões; fazer e promover conferências e palestras em harmonia com os fins sociais; fundar um jornal destinado a recolher e tornar conhecidos os trabalhos da Junta; defender os interesses e os direitos dos indígenas de África; e apresentar-se em congressos e conferências nacionais e internacionais de reconhecido interesse284. Feita a eleição dos corpos gerentes, estes ficaram assim constituídos: Comité Federal, Dr. José António de Magalhães (Angola, 1867-1959), Presidente; João de Castro (S. Tomé, 1871-1955), Secretário-Geral; Marcos Bensabat (S. Tomé, 1851-1936), Tesoureiro Geral; Nicolau dos Santos Pinto (S. Tomé, 18? -1922), Delegado de S. Tomé e Príncipe; Augusto Vera-Cruz, senador (Cabo Verde, 1862-1933), Delegado de Cabo Verde; Leopoldo de Sousa Neto, Delegado de Angola; Luiz da Costa Pessoa, Delegado da Guiné; Dr. Benjamin de Sousa Teixeira, Delegado de Moçambique; e Dr. Carlos de Melo (Angola, 1860-1913), Director da Propaganda; e Assembleia-Geral, Dr. Carlos Tavares (Angola, ?-1913), Presidente; Dr. Martinho Nobre de Melo (Cabo Verde, 1891-1985), Primeiro Secretário; e Dr. José Correia Nunes, Segundo Secretário285. Foi órgão noticioso da JDDA, primeiro, o jornal A Voz d’Africa (Lisboa, 19121913)286, posteriormente, o Tribuna d’Africa (Lisboa, 1913)287, ambos dirigidos pelos “A Junta de Defeza dos Direitos d’Africa”, A Voz d’Africa, N.º 2, Lisboa, Setembro de 1912. Para o desenvolvimento da sua actividade, a Junta dividiu-se nas seguintes Secções e Comités permanentes e autónomos: a) Secção de Propaganda Oral; b) Secção de Propaganda Escrita; c) Comité Central de S. Tomé e Príncipe; d) Idem de Angola; e) Idem da Guiné; f) Idem de Cabo Verde; e g) Idem de Moçambique. A Voz d’Africa, N.º 2, Lisboa, Setembro de 1912. 285 Idem, ibid. 286 A Voz d’Africa apareceu, na 1ª série, de 1 de Setembro de 1912 a 31 de Janeiro de 1913. Na sequência das divergências internas, o jornal foi retomado, na 2ª série pela empresa do mesmo nome, mas com a menção de órgão de “Defeza do Povo Africano”, durante o período de 15 de Fevereiro a 21 de Agosto de 1913. O jornal voltou a aparecer, de 1 de Dezembro de 1927 a 26 de Agosto de 1930, como órgão do Partido Nacional Africano, com a menção de órgão “Pelos Povos Africanos de Portugal”, primeiro, e “Órgão Nacional e Internacional dos Africanos”, depois. 287 O novo periódico porta-voz da Junta foi editado de 20 de Fevereiro a 26 de Novembro de 1913. 283 284

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santomenses João de Castro e Ayres do Sacramento de Menezes (1890-1946), e depois substituído por Portugal Novo (Lisboa, 1915)288, com uma direcção política colectiva: Doutor Martinho Nobre de Melo, pelo Comité Nacional, António Corsino Lopes (Cabo Verde, 1883-1944), pelo Comité Provincial de Cabo Verde, e Marcos Bensabat, pelo Comité Federal. Em 1920, produziu-se uma cisão de elementos da JDDA, chefiados por Nicolau dos Santos Pinto e pelo Dr. José António de Magalhães, vindo a formar-se a Liga Africana289, com tendências para o Nacional Association for the Advancement of Coloured People, do Dr. Du Bois. Filiaram-se nela a Liga dos Interesses Indígenas de S. Tomé e Príncipe, o Grémio Africano de Lourenço Marques, a Liga Guineense e a Liga Africana de Angola. Os seus estatutos foram decalcados sobre os da Junta, especialmente na primeira parte290, cujo Artigo 1.º dizia que a Liga Africana era “uma agremiação de carácter civil, com séde em Lisboa, constituida por indivíduos da raça africana e agremiações aderentes”. Para conseguir os seus objectivos (Art.º 2.º), a Liga empregaria todos os processos de propaganda e de acção legal que julgasse adequados e oportunos, tais como: “publicações, conferencias, congressos, inqueritos, representações aos poderes publicos, fundação de escolas, bibliotecas, cooperativas, etc., etc.” (Art.º. 3.º). A sua acção alcançaria todo o território nacional e os pontos do estrangeiro onde houvesse colónias de africanos portugueses (Art.º 4.º). A Liga compunha-se de “um Conselho Geral, juntas regionaes, juntas locaes, associações aderentes, nucleos e secções no extrangeiro” (Art.º 5.º). Em Junho de 1921 o Conselho Director Geral, o mais alto corpo gerente da Liga, ficou assim constituído: Dr. José António de Magalhães (Angola), Presidente; Dr. A. Corsino Lopes da Silva (Cabo Verde), Vice-Presidente; Eng. Salustino da Graça do Espírito Santo (S. Tomé, 1894-1965), Primeiro Secretário; Manuel Hermínio Paquete, Segundo Secretário; Luís Alberto de Pinho, Tesoureiro Geral; e Augusto de Magalhães e Eng. Joaquim Monteiro de Macedo (Cabo Verde, 1894-1943), Vogais (Eduardo Santos, op. cit.).

Portugal Novo saiu em apenas quatro números: a 15 de Janeiro, a 1 e a 15 de Fevereiro e a 15 de Março. Cf. Amâncio da Silva Ribeiro, “Desmascarados os que atraiçoam a maioria dos membros da Liga Africana de Lisboa”, O Protesto Indígena, N.º 1, Lisboa, Novembro de 1921. 290 “Estatutos da Liga Africana com sede em Lisboa”, O Brado Africano, Ano II, N.º 99, Lourenço Marques, Outubro de 1920, p. 1. 288 289

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A Liga Africana teve como órgão de comunicação oficial o jornal Correio de Africa (1921-1923), dirigido por Nicolau dos Santos Pinto (S. Tomé) e A. Corsino Lopes da Silva (Cabo Verde). Com a morte do primeiro, em Junho de 1922, substituiu-o nessas funções Lino de Sousa Bayão (S. Tomé). Entretanto, em Março desse mesmo ano de 1921, realizou-se, por iniciativa da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa, a “1.ª Convenção Nacional dos Povos Africanos” que instituiu o Partido Nacional Africano, com “o sincero desejo de vêr reunidos todos os elementos da Raça Africana, sem distinção de provincias, num partido que possa oferecer aos Povos Africanos a mais completa garantia de que serão eficazmente defendidos os seus direitos e realisadas as suas aspirações de emancipação”291. Remeteu-se, contudo, para a “2.ª Convenção Nacional dos Povos Africanos” a aprovação do Pacto do Partido. Participaram nos trabalhos, em representação de Cabo Verde, os Drs. Martinho Nobre de Melo, Mário Ferro e António da Borja Santos e o Senador Augusto Vera-Cruz. Elegeu-se por aclamação, nessa Convenção, o Dr. João de Castro como primeiro membro honorário e Presidente Geral do PNA, “conferindo-lhe plenos e extraordinários poderes para, em estreita colaboração com a Junta de Defesa dos Direitos d’Africa e as Ligas e Gremios Africanos, tomar todas as medidas que forem precisas para, sem tardança, levar a cabo em toda a Africa a organisação do Partido”292. O PNA teve como órgão de divulgação impresso, primeiro, O Protesto Indígena (Lisboa, 1921), dirigido por António Borja Santos e Amancio da Silva Ribeiro, depois, A Voz d’Africa (Lisboa, 1927-1930), dirigida por João de Castro e Marcos Bensabat, e, por fim, Tribuna d’Africa (Lisboa, 1931-1932). Pelo reaparecimento intermitente dos seus órgãos de comunicação e por um praticamente eclipsar de actividades, é de se depreender as dificuldades de implementação e de funcionamento do Partido Nacional Africano. Não obstante a divergência de personalidade dos líderes e das agremiações que se combatiam numa luta fratricida, como resultado das ideologias perfilhadas, de Du Bois e Marcus Garvey, a ideia pan-africanista para uns e outros era idêntica. Conforme Eduardo Santos (1968), “mais comedida e sensata a Liga Africana, mais “Actas da 1.ª Convenção Nacional dos Povos Africanos – Pacto do Partido Nacional Africano”, A Voz d’Africa, N.º 879, 5.ª Série, Lisboa, Julho de 1930, p. 1. 292 Idem, ibid. 291

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irreverente e fogoso o Partido Nacionalista Africano, ambos militaram sempre pela causa africana dentro da Nação Portuguesa. Jamais pugnaram pela separação de alguma parcela ultramarina de Portugal” (Idem, p. 126). Em 1931, devido à acção sobretudo do Dr. João de Castro e Marcos Bensabat, depois das rivalidades que dividiram o movimento africano, em consequência dos factos que o perturbaram até essa data, foi fundado o Movimento Nacionalista Africano (MNA) – “a maior manifestação da União Sagrada dos Africanos”293 – com o propósito de unir todos os africanos portugueses294. Foram feitos Presidentes Honorários do Conselho Nacional do MNA, os Drs. José António de Magalhães, Presidente da Liga Africana, e Martinho Nobre de Melo, Presidente do Partido Nacional Africano, eventualmente como uma forma de conciliar essas duas organizações. Eleito o Conselho Nacional, este ficou constituído por Marcos Bensabat, proprietário e antigo membro do Conselho Colonial (S. Tomé), Presidente e Tesoureiro; José Alfredo Jorge, engenheiro, D. Helena Maria de Lima, professora, e Dr. José Correia Nunes, advogado e conservador, Secretários; e Dr. Mário Alfama Ferro, advogado (Cabo Verde), entre outros, Vogal. Como órgão noticioso oficial foi fundado o jornal Africa (Lisboa, 1931), propriedade das “Industrias Graficas”, sendo responsáveis João de Castro e José Alfredo Jorge, respectivamente, pela direcção e pela edição295. As contradições internas do Movimento Nacionalista Africano, patentes nos artigos publicados no jornal Africa (Lisboa, 1932-1934), e o facto de alguns dos seus membros mais activos terem regressado ao território de origem ou terem sido chamados a desempenhar funções diplomáticas ou de Estado, levaram a que as organizações pan-africanistas se tornassem ineficientes, por vezes colaboracionistas, perdessem credibilidade e progressivamente desaparecessem. Isto, claro, aliado aos estrangulamentos e restrições impostos pelo Estado Novo, a partir de 1933. As contradições internas daquele movimento manifestaram-se em vários aspectos: (i) o órgão de informação oficial do MNA, saído em Novembro de 1931, ter ficado pelo primeiro número, tendo surgido, seis meses depois, um outro jornal, propriedade da “Cultura Nacional Editora, Limitada”, de que Marcos Bensabat, Pre-

Africa, N.º 17, Lisboa, Setembro de 1932, p. 4. “Movimento Nacional. Em prol da Frente”, Africa, N.º 1, Lisboa, Novembro de 1931, p. 10. 295 Idem, ibid. 293 294

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sidente e Tesoureiro do MNA, era Presidente do Conselho de Administração, com o mesmo título e director; (ii) o “Congresso Nacional e Internacional da Raça Negra”, anunciado pelo MNA como estando a ser organizado para o ano de 1933, com sessões em Paris e Lisboa296, não se ter efectivado; (iii) o Dr. Martinho Nobre de Melo, Presidente Honorário do Conselho Nacional do MNA e Presidente do PNA, ter sido nomeado, em Abril de 1932, Embaixador de Portugal no Brasil, e o Dr. Mário Alfama Ferro, um dos Vogais, ter regressado a Cabo Verde; e (iv) utilizar sistematicamente o nome “Movimento Nacional Pró-Colónias” para se referir ou substituir o MNA, razão que não se conseguiu apurar.

1.3 - Os Cabo-verdianos e as Organizações Pan-Africanas O Envolvimento na Metrópole Os estudantes e intelectuais cabo-verdianos que viviam em Lisboa não eram alheios ao que se passava, antes, envolveram-se na luta dos movimentos unitários, tendo-se alguns tornado dirigentes proeminentes dessas organizações, como atrás ficou patente. De destacar, a actuação de (i) Augusto Vera-Cruz (Sal, 1862-1933), Delegado de Cabo Verde no Comité Federal da JDDA; (ii) Martinho Nobre de Melo (Santo Antão, 1891-1985), Primeiro Secretário da Assembleia-Geral da JDDA, Presidente do PNA e Presidente honorário do Conselho Nacional do MNA; (iii) António Corsino Lopes da Silva (Santo Antão 1883-1944), militante da JDDA, Vice-Presidente da LA e Director de jornais afectos à causa de África como Portugal Novo (Lisboa, 1915) e Correio de Africa (Lisboa, 1921-1923); e (iv) António Borja Santos, SubSecretário Geral, Presidente do Conselho Jurídico, Representante de Cabo Verde no Conselho do PNA e Director de O Protesto Indígena (Lisboa, 1921). Os referidos dirigentes viriam a constituir-se uma referência para os seus patrícios, grandes defensores do Nativismo e dos interesses de Cabo Verde, principalmente o Senador Augusto Vera-Cruz e o Dr. A. Corsino Lopes da Silva, que se transferiram para as ilhas, findas as suas obrigações em Lisboa. De referir ainda a importância que poderá ter tido para a causa pan-africanista nas ilhas a colocação ali como médico, em 1921, do santomense Dr. Bartholomeu Gonçalves Pinto, então Presidente da Assembleia-Geral da Liga Africana297. 296 297

“Congresso Nacional e Internacional da Raça Negra”, Africa, N.º 1, Lisboa, Maio de 1932. Correio de Africa, N.º 11, Lisboa, Outubro de 1921.

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O Envolvimento nas Ilhas Para além do envolvimento dos intelectuais cabo-verdianos na Metrópole, havia no Arquipélago uma participação activa dos delegados dos movimentos unitários e os correspondentes, os representantes e os colaboradores dos seus jornais pan-africanistas. Logo após à Assembleia-Geral da JDDA, a 8 de Setembro de 1912, Joaquim Saint Maurice (S. Vicente, 1867-1946), gerente comercial, e José Luís de Melo (Santo Antão, 1852-1938), advogado provisionário e pai de Martinho Nobre de Melo, foram incumbidos de organizar, respectivamente, em S. Vicente e em Santo Antão, os comités representativos dessa Junta298. Um ano depois foram indicados como Delegados em S. Vicente, Mário Alfama Ferro (S. Vicente, 1887?-1975), Francisco Serra, Gil Reis e Augusto Manuel Miranda (Santo Antão, 1876-1962)299. Passado um mês, Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1923) foi incumbido de estudar e organizar na cidade da Praia um comité para a defesa dos interesses do comércio e da agricultura africana, tendo sido anunciada a sua colaboração no jornal Tribuna d’Africa (Lisboa, 1913), com o fim de elucidar sobre os fins do dito comité300. Em 1913, o jornal A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), ciente da urgência de os cabo-verdianos se ligarem na defesa dos seus interesses políticos e do interesse da sua terra, liderou a iniciativa da fundação de uma liga que fosse de todos, a “Liga Cabo-verdeana”301, à semelhança da Liga dos Interesses Indígenas de S. Tomé e Príncipe (1910), da Liga Guineense (1911) e da Liga de Angola (1912), não tendo, contudo, chegado a efectivar-se. Todavia, em 1915, Eugénio Tavares, redactor-principal de A Voz de Cabo Verde, viria a aderir à Junta302 e, posteriormente, vários outros patrícios, à Liga Africana: em 1921, João de Deus Ribeiro, empregado do comércio; Vicente Ferrer da Costa, agricultor e proprietário, António Pires dos Santos, escrivão da Capitania dos Portos, Manuel do Rosário Pires dos Santos, proprietário, e Manuel Pires Pereira dos Santos, engenheiro303; e, em 1922, Augusto Macedo de Azevedo, proprietário, José Pereira de “Comités em Cabo Verde”, A Voz d’Africa, N.º 2, Lisboa, Setembro de 1912. Tribuna d’Africa, N.º 10 (21), Lisboa, Outubro de 1913. 300 Idem, N.º 11 (22), Lisboa, Novembro de 1913. 301 “Interesses Cabo-verdeanos. É urgente que os cabo-verdeanos se liguem”, A Voz de Cabo Verde, N.º 88, Praia, Março de 1913. 302 “Adesão de um jornalista à Junta de Defesa”, Portugal Novo, N.º 3, Fevereiro de 1915, p.1. 303 Correio de Africa, N.º 17, Lisboa, Novembro de 1921. 298 299

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Borja, proprietário, Rodrigues de Souza Carvalho, oficial da marinha mercante, Eugenio Ferreira Lima, encarregado da Companhia Saúde, Alfredo Barbosa Fernandes, comerciante, Roque da Silva Gonçalves (pai do escritor António Aurélio Gonçalves), escrivão da Fazenda, reformado, Pedro Neves, empregado comercial, e Marcelino Neves, empregado do Banco Nacional Ultramarino304. No que diz respeito à representação daqueles jornais nas ilhas, O Negro (Lisboa, 1911) tinha como correspondentes, na Praia, José Sacramento Monteiro (Fogo, 18601933), advogado e posteriormente director dos jornais O Progresso (Praia, 1912-1913) e O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-1916), e António Nunes de Aguiar (Praia, ?-?), empregado da Casa Serra & Companhia e comandante dos “Bombeiros Voluntários Praienses”. A Nova Pátria (Lisboa, 1916-1918) era representada, em S. Vicente, por Mário Alfama Ferro, advogado e antigo director do jornal O Popular (S. Vicente, 1914-1915). O jornal Correio de Africa (Lisboa, 1921-1923) mantinha como seu correspondente Pedro Monteiro Cardoso (Fogo, 1883-1942), posteriormente proprietário, director e editor do jornal O Manduco (Fogo, 1923-1924). A Mocidade Africana (Lisboa, 1930-1932) era representada, em S. Vicente, por Félix Monteiro (S. Vicente, 1909-2002), finalista do curso liceal. Colaboraram ainda naqueles jornais pan-africanos, Mário Alfama Ferro, no Tribuna d’Africa (Lisboa, 1913) e no Africa (Lisboa, 1931); Pedro Cardoso, José Lopes (S. Nicolau, 1872-1962) e Mário Leite (S. Vicente, 1898-1960), no Correio de Africa (Lisboa, 1921-1923); e Júlio Monteiro, Júnior (S. Vicente, 1906-1979), como editor, Baltasar Lopes da Silva (S. Nicolau, 1907-1989), António Aurélio Gonçalves (S. Vicente, 1901-1984), José Lopes, Pedro Cardoso, Guilherme Ernesto (i.e. Félix Lopes da Silva) (Santo Antão, 1889-1967), A. Corsino Lopes, Sérgio Frusoni (S. Vicente, 1901-1975), Juvenal Cabral (Santiago, 1889-1951), pai do africanista Amílcar Cabral, João Mariano (S. Vicente, 1891-1976), pai do poeta Gabriel Mariano, Manuel Lopes da Silva (Santo Antão, 1885-1963) e Mário Rogério Leite (S. Vicente, 1898-1960), em A Mocidade Africana (Lisboa, 1930-1932). Constata-se, assim, uma forte adesão da elite intelectual das ilhas às organizações pan-africanas sediadas em Lisboa, o que revela alguma consciência política, de que vai fazer eco a imprensa periódica não oficial a que viria estar ligada.

304

Idem, N.º 25, Lisboa, Janeiro de 1922.

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A colaboração desta elite letrada naqueles jornais permitiu dar maior amplitude à defesa dos interesses de Cabo Verde e estabelecer uma via de duplo sentido com os intelectuais das outras colónias residentes na Metrópole. Em síntese, a militância dessa elite intelectual cabo-verdiana nas organizações pan-africanistas e a sua colaboração nos jornais por estas publicados em Lisboa serviram para despertar nessa elite o espírito africanista, cujos princípios transportaram para os jornais das ilhas. Haja em vista os poemas de Pedro Cardoso: “Pró Africa” (1911)305, “Unidos, Avante”, em homenagem aos operários mindelenses, fundadores da Associação 1.º de Dezembro (1915), “Ode à Africa”, dedicado aos delegados portugueses ao II Congresso Pan-Africano, em 1921, presentes nas sessões de Bruxelas (31 de Agosto a 2 de Setembro) e Paris (14 e 15 de Setembro)306, bem assim os seus artigos sobre a raça negra, nomeadamente, «Raça negra. Luís Gama” (1913)307 e “Raça negra. Toussaint-Louverture” (1913)308, para além do facto de assinar a grande parte dos seus textos como «Afro». Veja-se ainda o artigo “A Raça Ne305

Afro (Pedro Cardoso), “Pró Africa”, A Voz de Cabo Verde N.º 14, Maio de 1911: Moçambique, mais Angola, Cabo Verde e São omé, á uma imploram a esmola do bem que lhes devido é.

Mais justiça e liberdade; e, nos que as veem governar, mais sciencia e probidade: eis quanto andam a implorar!...

Já não querem portarias e infames leis draconianas. Desejam menos razzias E que entre a luz nas cabanas.

Olhae, guardae, portuguezes, o patrimonio sagrado, da fortuna entre os revezes pelos avós conservado!

Idem, “Ode à Africa”, Correio de Africa, N.º 23, Lisboa, Janeiro de 1922, e A Mocidade Africana, N.º 6, Lisboa, Junho de 1930: 306

Africa minha, das Esphinges berço, Já foste grande, poderosa e livre; Já sob os golpes do teu gladio ingente Tremeu o Tibre

Sôbre o teu corpo, ó meu leão dormente, Vieram bárbaras nações pousar; E, quais harpias truculentas, feras, Nele cevar..

Sim, foste grande, dominaste o mundo; Mas hoje jazes sem poder sem nada. E ao ferreo jugo das potências gemes Maniatada.

Idem, “Raça negra. Luís Gama”, secção “A Manduco... “, A Voz de Cabo Verde, N.º 82, Praia, Março de 1913, p. 2. Idem, “Raça negra. Toussaint-Louverture”, secção “A Manduco...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 85, Praia, Março de 1913, p. 2. De recordar que Louverture (1743-1803) foi chefe da insurreição da Ilha de São Domingos (antigo nome da Ilha do Haiti), tendo chegado a proclamar a independência da República Haitiana, a 1 de Julho de 1801. A França de Napoleão, aliada à Espanha e à Holanda, remete com furor contra os negros perante tamanha ousadia. Entretanto, depois de alguns percalços e do general Leclerc ter promulgado um decreto declarando direitos iguais a todos os filhos de Haiti sem distinção de raças ou de cor, chega-se a um acordo de paz. Dias depois, Toussaint Louverture é preso e enviado para França, onde alguns meses mais tarde viria a falecer ralado de amarguras. 307

308

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gra. Luis de Camões e a escrava Bárbara” (1913)309 e o editorial “Autonomia” (1900), de Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), em que este último termina com a seguinte declaração de fé: “Portuguezes irmãos, sim; portuguezes escravos, nunca. Havemos de ter o nosso Monroe: A Africa para os Africanos”310, apenas para se referir aos mais significativos. A passagem das ideias do pan-africanismo para o desenvolvimento do Nativismo local, que, por sua vez, alimentava aquele, é o que Mário Pinto de Andrade (1997b) considera uma informação circular e uma articulação reivindicativa em relação ao regime opressor do conjunto imperial.

2. A Elite de Ideologia Nativista A palavra Nativismo, de acordo com D. Tomás de Noronha (1870-1934), tem alguns ressaibos da língua inglesa, pois, segundo lhe parece, foi buscado ao seu native, vocábulo muito em voga em vez do termo indígena. Nativismo é, assim, a política de valorização dos indígenas; é interessar os naturais de cada possessão, aqueles que pelo seu grau de instrução o podem ser, na vida política e administrativa do seu país natal311. Loff de Vasconcellos pesquisa o verdadeiro significado moral e político do Nativismo, indo procurá-lo no Brasil, onde começou a ter uma significação mais extensa, como sendo um “movimento político filiado no exclusivismo e nos sentimentos patrióticos do pôvo brasileiro, e na sua emancipação económica e política”312. Depois que se proclamou a República em Portugal, acentuaram-se, tanto na Metrópole como nas Colónias, vários movimentos de opinião pública, que nos tempos da monarquia mal se faziam sentir. Na Metrópole, avigora-se o socialismo, fortalece-se o feminismo, surge e expande-se o sindicalismo. Nas Colónias, toma notável incremento o descentralismo financeiro e administrativo e avoluma-se o Nativismo, Eugénio Tavares, A Voz de Cabo Verde, N.º 112, Praia, Outubro de 1913, p. 2, explica que “Foi Luísa Bárbara uma formosa escrava africana, por quem, na Índia, se apaixonara Camões”, arrematando que “A maior glória nacional amou uma preta. E desse amor, como fruto imorredouro, focou êsse poema que é a mais bela flôr do lirismo português”. 310 Eugénio Tavares, “Autonomia”, A Alvorada, N.º 2, New Bedford, Agosto de 1900. 311 D. Tomás de Noronha, in Afro, “Nativismo”, secção “A Manduco...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 152, Praia, Julho de 1914. 312 Luiz Loff de Vasconcellos, “Entendamo-nos...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 332, Praia, Fev. de 1918. 309

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como consequência da hostilidade com que os nativos vinham sendo tratados, pelo que não era contra a Pátria, mas a expressão de uma aspiração nobre à valorização dos filhos da terra313. As elites urbanas, letradas e educadas de acordo com os padrões europeus, pugnavam, de forma generalizada, pela “causa africana”, reivindicando a formação de africanos educados e não de nativos europeizados, a igualdade de condições no emprego e na partilha de bens sociais (educação, saúde, habitação, etc.), a melhoria económica e social das populações africanas e a equidade de representação em órgãos de governo e da administração colonial (Amaral, 2000). Na opinião de Artur Marinha de Campos (1871-1930) – primeiro-tenente da administração naval reformado, figura que se destacou na revolução de 5 de Outubro, Governador-Geral de Cabo Verde (1910-1911) e candidato a deputado por essa província à Assembleia Constituinte, em 1911 – o Nativismo encarnou diferentes sentimentos: “o amor patrio, o amor pela liberdade, o anceio pela verdade e pela justiça, o desejo de emancipação moral e de mais alta civilização, o odio ao preconceito de raça, á opressão deprimente, á extorsão impune, ao desdem e ao abuso da autoridade, á sobranceria e ao desrespeito do colono”314, conforme os indivíduos, as camadas, as classes e os lugares. De facto, são ainda hoje identificados estes sentimentos nos documentos consultados de então e nas vivências neles relatados.

2.1 - As Ideias Nativistas em Cabo Verde O Nativismo foi muito mal compreendido em Cabo Verde e motivo de debate na imprensa periódica nas duas primeiras décadas do século XX. Afinal, o chamado Nativismo foi “uma impropriedade de termo a que se deu um significado moral, baseado no ódio à raça e como manifestação de rebeldia”315 ou significou “o amor à nesga de terra onde se ergue a choupana, o orgulho de se ver um conterrâneo subir às culminâncias de um lugar de destaque, a mágoa de se sentir desprezado como filhos espúrios mas, acima de tudo, com um acrisolado amor pela Pátria”316?

Marinha de Campos, “O Nativismo”, Tribuna d’Africa, N.º 1, Lisboa, Fevereiro de 1913. Idem, ibid. 315 Luiz Loff de Vasconcellos, “Entendamo-nos...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 332, Praia, Fev. de 1918. 316 “Nativismo”, editorial, A Voz de Cabo Verde, N.º 53, Praia, Agosto de 1912. 313 314

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A emergência de um sentimento nativista em Cabo Verde, não era uma questão consensual entre a elite intelectual, porque tinham opinião divergente sobre o conceito. Consideramos, porém, ter provas da sua existência, como aqui apresentamos, tendo sido o resultado do efeito da convergência de determinadas condições, endógenas e exógenas, que se foram instalando e desenvolvendo ao longo de várias décadas. As Condições Endógenas Apresenta-se como a primeira e mais ampla condição endógena que propiciou o surgimento de um espírito nativista, a falta de interesse e o abandono secular de Portugal. A recusa do regime de adjacência reclamada pela elite intelectual e a ideia propalada, por certos políticos, da venda de algumas colónias para pagar as dívidas de Portugal, na sequência do Ultimatum inglês e da crise financeira de 1891, foram certamente os motivos próximos. Estes, extremados pela situação das fomes, que causavam uma vida de sofrimento e miséria e muitas mortes, forçando a emigração para as roças de S. Tomé. O Abandono Secular de Portugal Numa das suas Farpas, datada de Julho de 1871, Eça de Queiroz (1845-1900) explica, de forma irónica, como eram as relações “originais” de Portugal com as suas colónias: “elas não nos dão rendimento algum: nós não lhes damos um único melhoramento: é uma sublime luta – de abstenção!”317 Ainda em tom jocoso e irónico, este escritor realista descreve a forma como as colónias eram apresentadas por “falsas vozes”: “Que o País despreza as colónias; que elas estão abandonadas a uma frouxa iniciativa particular, sem estímulo, sem protecção, sem tranquilidade; que a energia individual só pode ser fecunda num país bem policiado; que nas colónias não há garantias de segurança, nem solicitude pelo comércio, nem polícia, nem higiene, nem instrução; que tudo ali vive na desordem, na desorganização, no desleixo, numa antiquíssima rotina; e que o único movimento é o do estrangeiro que as explora de facto – apesar de nós a possuirmos de direito”318. 317 318

Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre de “As Farpas”, Lisboa, 2001 [1890], p. 100. Idem., p. 102.

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Ridicularizando a situação, Eça de Queiroz lembrou-se de fazer uma proposta, que continha em si um dilema: “devemos vender as colónias, porque não temos Governo que as administre; mas não as podemos vender, porque não teríamos Governo que administrasse o produto!”319 De facto, no que respeita a Cabo Verde, só a pobreza das ilhas explica o pouco interesse de Portugal. Desde muito cedo as populações transplantadas para o Arquipélago tinham ficado entregues a si próprias, resolvendo por si problemas de vária ordem: de comércio, de cultivo da terra, de defesa contra a pirataria, de fixação e de criação de núcleos populacionais no interior das ilhas (Mariano, 1958). De modo que uma descuidada tutela e uma desleixada administração colonial nunca permitiram o desenvolvimento moral e material de Cabo Verde, pelo que terão gerado graves ressentimentos e muitos agravos contra a Metrópole, como os jornais relataram na altura. Em 1900, o advogado e periodista L. Loff de Vasconcellos, director da Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899) e de A Opinião (S. Vicente, 1902-1903) e proprietário de O Independente (Praia, 1912-1913), fez um balanço negro da administração de Cabo Verde320: As leis que se decretavam para a província, ou eram inexequíveis, ou atrofiadoras; não havia escolas, para instrução conveniente dos naturais; não havia indústria por falta de protecção; não havia um regime pautal conducente à sua prosperidade; o comércio estava atrofiado por mil e uma peias; a agricultura estava em estado rudimentar, por falta de introdução de novos processos práticos; o socorro aos familiares devido às crises alimentícias absorvia uma boa parte da receita da província; a arborização estava descurada; os naturais das ilhas viviam sem instrução, sem crenças, sem orientação definida, descalço, esfarrapado e coberto de misérias; havia uma oligarquia que era vazia de senso e de patriotismo, que assaltava os cofres públicos, espalhava a intriga e sacrificava o povo; a administração pública era acanhada e subordinada incondicionalmente à vontade do Ministro da Marinha e Ultramar. Olhando à situação por ilhas, S. Vicente, a ilha que, devido ao seu movimento portuário, rendia anualmente cerca de 160 contos de réis, que eram depois consumidos nas diferentes ilhas para assegurar a sua subsistência, não tinha uma ponte 319 320

Idem., p. 108. Luiz Loff de Vasconcellos, A perdição da Pátria. Lisboa, 1900, pp. 11-15.

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cais que satisfizesse, uma doca, um plano inclinado, um armazém para depósito de mercadorias e de materiais inflamáveis; o comércio definhava-se por falta de protecção, a navegação fugia para as Canárias; os passageiros não desembarcavam, porque as facilidades sanitárias eram muito pobres. Santo Antão, fulcral pela sua contribuição agrícola, estava sem caminhos para exportar os seus produtos, a sua agricultura sem protecção, com vastíssimos campos incultos. S. Nicolau, pedindo inutilmente o auxílio do governo para o desenvolvimento do importante estabelecimento de educação que era o seu Seminario-Lyceu. Sal tinha a sua indústria de sal completamente perdida, por falta de diligência do governo em obter do Brasil a redução do imposto sobre a importação daquele produto. Boa Vista estava aniquilada por falta de providências administrativas que facilitassem e desenvolvessem a criação de gado para que estava vocacionada e a extinção dos gafanhotos, que destruíam as plantações. A ilha do Maio, completamente abandonada. A ilha de Santiago, podendo exportar para cima de quatrocentos contos de réis em semente de purgueira, não exportava nem a metade desse valor por falta de um regime agrícola adequado. As ilhas do Fogo e Brava estavam, por sua vez, abandonadas aos caprichos da Natureza. Apesar das incúrias e das imprevidências, a província de Cabo Verde teve no seu orçamento de 1899-1900 uma receita de trezentos e sessenta e quatro contos, cento e vinte e nove mil réis, contra uma despesa de trezentos e dezanove contos, novecentos e quarenta e um mil e quinhentos e trinta e cinco réis, portanto, um saldo positivo de quarenta e quatro contos, cento e oitenta e sete mil e quatrocentos e noventa e cinco réis. Ou seja, apenas um pouco mais de cuidado e investimento levariam a resultados notórios. O motivo de relutância do governo de Lisboa no desenvolvimento das suas colónias, conforme Loff de Vasconcellos (1900), era “o receio que as colónias se desenvolvam e, a breve trecho se emancipem, sem ficarem nossos mercados [...]. Têm medo da emancipação africana!” (op. cit., p. 28). Atitude típica de um nativista como Vasconcellos. A Recusa de um Regime de Adjacência A ideia da adjacência de Cabo Verde em relação ao território continental português tinha sido lançada inicialmente pelo Marquês de Sá da Bandeira (1873), na qualidade de Ministro da Marinha e Ultramar, que reconhecia a necessidade de modificar, dentro do sistema de administração colonial, as condições da província de Cabo Verde,

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indicando como meio de reforma a extinção do governo-geral e a sua incorporação na divisão administrativa do continente do reino e ilhas adjacentes, transformando-a num distrito, que seria o quinto das ilhas adjacentes e o vigésimo segundo do reino e ilhas. Uma ideia notoriamente inovadora e estrategicamente interessante para a época, com vantagens notórias para o desenvolvimento de Cabo Verde. No entanto, nove anos depois, o Almirante Ferreira do Amaral, então Ministro da Marinha e Ultramar, no Decreto de 24 de Dezembro de 1882, que aprovou a “Organização Administrativa da Província de Cabo Verde”, escrevia: “A muitos se tem afigurado que á provincia de Cabo Verde se deveria dar uma organização semelhante á dos achipelagos dos Açores e Madeira, apoiando esta affirmativa na relativa civilisação dos povos caboverdeanos e sua indole pacifica e benevola. Não nos parece que tal affirmativa, apesar de se apoiar nos dois elementos perfeitamente verdadeiros a que aludimos, possa acceitar-se como uma verdade scientifica, porquanto de uma tão rápida transformação não poderão resultar vantagens, e antes por mais avisado temos que primeiro se colloque a provincia em condições economicas e financeiras, que possam suportar o aumento de despeza que de uma tal organisação necessariamente adviria, tanto mais que a perturbação no regimem aduaneiro e no das contribuições directas mais contribuiria para diminuir as receitas e aumentar as despesas, do que para felicitar os povos caboverdianos [...]. Tal desideratum só poderá, porém, obter-se, quando pela diffusão da instrução, tanto agricola como litteraria, pelo desenvolvimento sucessivo das forças vitais da provincia, se possa esperar que o que hoje se nos afigura menos pratico, venha a constituir uma aspiração e um objectivo, não, como hoje, cheio de encargos e contrariedades, mas como a consequencia de um progresso effectivo que represente um direito e uma realidade”321. Estes argumentos comprovam a pouca ousadia do Governo de Lisboa para avançar com soluções de efeito prático, já que a invocação de limitações financeiras acaba por se enrolar em si própria num círculo vicioso, pois era óbvio, pelo menos para o Governo da Província e os cabo-verdianos, que um maior investimento teria imeAlmirante Ferreira do Amaral citado por José Osório de Oliveira, “As Ilhas Adjacentes de Cabo Verde”, Seara Nova, Ano VII, N.º 124, Lisboa, Julho de 1929, p. 72. 321

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diatamente o seu retorno. Acresce que não existem documentos ou outras fontes que indiquem que o Governo do Terreiro do Paço tenha, alguma vez, mostrado intenção de cumprir a promessa de longo prazo contida nesse documento oficial. Em 1911, já com a instauração da República, por ocasião das eleições para deputado pelo círculo de Cabo Verde à Assembleia Constituinte, o tema voltou a estar na ordem do dia. O candidato e ex-Governador Marinha de Campos (1910-1911) apresentava, como ponto principal do seu Programa, essa velha aspiração: “Elevar num futuro proximo as ilhas de Cabo Verde a cathegoria de ilhas adjacentes com autonomia administrativa mais ampla que a dos Açores e, entretanto, obter para a provincia uma descentralização administrativa que se alargará até se conseguir a sua cathegoria definitiva”322. A adjacência foi um tema muito importante e caro para a elite letrada caboverdiana, pelo que a sua discussão percorreu, desde então, toda a história de Cabo Verde, até praticamente à independência nacional323. A Venda das Colónias O império português em África tornou-se objecto de disputa intereuropeia e, como consequência, surgiu, em 1890, o ultimato inglês324, uma das mais sentidas humilhações da história portuguesa, que Eduardo Lourenço (2000 [1978]) interpreta em forma dramática: “Chorámos na praça pública, não por riquezas perdidas que eram literalmente fictícias, mas por nos darmos conta sem remissão de que não pesávamos nada na balança da Europa civilizada e imperialista” (op. cit., p. 46). Na sequência, deflagrou-se, em 1891, uma crise nacional, que começou por ser financeira, porque o Estado e o sistema bancário entraram em colapso, e rapidamente se tornou numa crise económica, porque provocou uma estagnação do crescimento “Marinha de Campos candidato a deputado pelo círculo de Cabo Verde”, A Voz de Cabo Verde, N.º 14, Praia, Maio de 1911. 323 Cf. Teixeira de Sousa, “Cabo Verde e o seu Destino Político”, Novo Jornal de Cabo Verde, N º 3, Praia, Agosto de 1974, pp. 1, 4 e 5. 324 A teimosia em manter o mapa cor-de-rosa, como marcando a influência de Portugal na África Central, para o que concorreu a falsa ideia de que a política alemã podia valer a Portugal em qualquer dificuldade, levou a essa situação entre Portugal e a Grã-Bretanha. 322

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da riqueza325. Como consequência, surgiu um movimento de ideias, ainda que num sector restrito da sociedade, em que se propunha a venda das possessões ultramarinas como meio de resolver os problemas financeiros da Metrópole. O argumento era baseado no facto de o último orçamento das províncias ultramarinas só apresentar superavit na Índia, Cabo Verde, Macau e Timor, enquanto que as outras possessões, S. Tomé e Príncipe, Guiné, Angola e Moçambique, eram deficitárias. A ideia não era nova e inseria-se numa estratégia generalizada das potências europeias, desconhecida em Cabo Verde, pois muitas potências já tinham vendido colónias. A Dinamarca cedera a ilha Nicobar à Inglaterra e a ilha de S. Tomás à América; a Rússia, o Alasca à América; a Holanda, o território que possuía na costa da Guiné, à Inglaterra; a França, a Luisiana à América; a Espanha, a Moluca a Portugal e a Flórida à Inglaterra; a Suécia, a ilha de S. Bartolomeu à França; o Japão, a ilha de Sakhalian à Rússia, em troca das Kurilas326. Entre os defensores da venda das colónias portuguesas, destacavam-se os deputados José Bento Ferreira d’Almeida (1847-1902), que viria a ser Ministro da Marinha e Ultramar, em 1895, e Mendes Pedroso, do círculo de Santarém. Estes, corroborados por alguma imprensa, consideravam que, reduzido Portugal ao espaço europeu do início do século XV, o País voltaria a encontrar o equilíbrio propiciador do bem geral. O saneamento do Tesouro passava, segundo eles, pela urgente redução do défice colonial, incluindo a cedência das possessões mais ruinosas (Joaquim Serrão, 1995). Tal expediente encontrado para salvar a pátria teve uma repercussão muito negativa em Cabo Verde, tendo sido de imediato classificado como “um acto que revolta a consciencia publica, que abate o nosso prestigio e fere profundamente o brio nacional”327. Loff de Vasconcellos, com a mesma fúria patriótica com que, em 1890, tinha protestado contra o Ultimato inglês, como intérprete dos sentimentos de todos os seus compatriotas328, levanta-se em 1900 para condenar o acto da venda das colónias. Sabendo que as vítimas apontadas para serem “oferecidas em holocausto no altar da pátria” eram Timor, Macau, Índia, Moçambique, Ajudá e Guiné, mas acautelando-se por parte de Cabo Verde, não fossem as ilhas ser inscritas na lista dos territórios a vender, ofendido antecipa o seu protesto: Cf. Luís Aguiar Santos, “A Crise Financeira de 1891: Uma Tentativa de Explicação”, pp. 185-207, in Análise Social, Vol. XXXVI (158-159), Lisboa, 2001. 326 “A Venda das Colónias”, O Ultramarino, N.º 24, Lisboa, Fevereiro de 1900. 327 L. Loff de Vasconcellos, A Perdição da Pátria, Lisboa, 1900, p.15. 328 Boletim Colonial, 1º Vol., N.º 6, Lisboa, Dezembro de 1890, p. 64 325

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“Feridos no nosso duplo patriotismo de portuguez e de africano, não podemos deixar de patentear o nosso desgosto, o nosso pezar, ante essa idéa, que, embora perfilhada por um distincto parlamentar [Ferreira d’Almeida], reputamos fundamentalmente afrontosa para o brio nacional e humilhante para os naturais das colónias” (1900:1). Repare-se em como um sentimento de dupla lealdade era aqui representado – “duplo patriotismo”, revelando a bipartição típica da fase do nativismo. Esta postura é depois traduzida no parágrafo seguinte: “Queremos, pois, ser portuguezes como os portuguezes, queremos as mesmas regalias, os mesmos respeitos, as mesmas atenções governativas. Porém, o que não queremos é ser vendidos. Contestamos este direito a Portugal, como os portugueses do reino contestariam o direito de se vender o Algarve, a Trafaria ou Cascaes” (Idem, pp. 17-18). Portugal não tem o direito de nos mercadejar, com estrangeiros, nem de dispor de um sólo que só lhe pertence, porque nós assim o quizemos e temos consentido [negrito nosso] (Idem, pp. 21). Por parte de Cabo Verde, apresentamos o seguinte alvitre: Abandonem-nos!” (Idem, p. 34). Ou seja, seria preferível a falta de apoio do governo a uma venda ignominiosa para aquele povo, ao mesmo tempo que é reivindicado aquele solo para os seus naturais, pois a sua posse por Portugal é apresentada como dependendo da sua vontade. É particularmente interessante a dualidade de sentimentos típica do nativismo nestes excertos. Loff de Vasconcellos não era o único na defesa desta causa. Eugénio Tavares, já em 1899 se tinha posicionado contra a venda das colónias, na Revista de Cabo Verde, aliás, de que aquele era director, defendendo que a Metrópole não podia tratar as colónias como mercadorias: “Nós os africanos somos filhos da mãe-pátria. Filhos mais ou menos desprezados, é verdade, mas filhos, em todo o caso. Não descendemos tanto dos degredados que para cá vinham acossados pela vara da Justiça, então mais falível ainda que hoje, – dos valentes que ousaram arrostar mares e climas; o sangue dos cobardes é que evidentemente não nos gira nas veias; porque esses tais não havia força que os arrancasse do borralho das lareiras.

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[...] Aguardemos os acontecimentos e vejamos se os portugueses de Angola, Moçambique e Cabo Verde estarão dispostos a aceitar essa classificação de artigos de factura”329. A posição da elite intelectual sobre esta questão era simples: já que a Metrópole não queria nem a colónia nem torná-la território adjacente, ao menos que respeitasse os seus habitantes; que não os vendesse, mas que os deixasse em paz, seguindo o seu próprio caminho; que os abandonasse! Conforme notícias do jornal O Ultramarino (Lisboa, 1889-1902), de que era redactor-chefe Sá Nogueira de Balsemão, ex-Secretário Geral de Cabo Verde por três vezes, a moção de alienação das colónias, apresentada na sessão da Câmara dos Deputados, a 12 de Fevereiro de 1900, depois de combatida pelo Ministro da Marinha, foi rejeitada por unanimidade. O artigo, da responsabilidade da redacção do jornal, termina zurzindo nos políticos: “Por uma única alienação votaríamos nós: era pela de todos os estadistas e homens publicos que por cá temos, polluindo, rebaixando e contaminando tudo com o seu virus, peor que o da peste bubonica”330. Vingava assim o movimento dos que apostavam na defesa intransigente do Ultramar, tendo aquela atitude deixado, contudo, mágoas profundas e marcas irreversíveis na elite cabo-verdiana de então. Estas tornar-se-iam no embrião das atitudes independentistas que se lhe seguiram. O Sofrimento e a Miséria das Fomes A situação da fome em Cabo Verde sempre foi uma dura realidade. Apenas para se referir às mais próximas deste período em estudo, em 1899-1900 tinha havido uma tal escassez de colheita que provocara fome generalizada, agravada por uma epidemia de varíola com grande mortalidade, primeiro no Fogo, depois em S. Nicolau e Santiago. Em 1901-1902, as chuvas voltaram a ser irregulares e a colheita escassa. Na Brava morreu muita gente, bem assim como em S. Nicolau. Na ilha do Maio a população ficou muito reduzida e o gado morreu quase todo por falta de pastagens. No Fogo e em Santo Antão houve grande miséria. Seguiu-se a crise de 1903-1904, com efeitos igualmente graves. A ilha de Santiago, que tinha perdido 1.927 indivíduos em 1901 e 2.152 em 1902, viu a perca subir 329 330

Eugénio Tavares, “A Venda das Colónias”, Revista de Cabo Verde, N.º 4, S. Vicente, Abril de 1899. “A Venda das Colónias”, O Ultramarino, N.º 24, Lisboa, Fevereiro de 1900.

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velozmente para 10.155 (Amaral, 1991) (ver Anexo 1: Quadro 1). Senna Barcellos (1904) alude à má vontade de alguns funcionários em acudirem à população, que consideravam inferior e pouco merecedora de socorros. Simão de Barros (s/d) é de opinião que o Governo tinha tardado propositadamente os socorros para forçar os famintos a emigrarem como serviçais para a ilha de S. Tomé, onde os roceiros tinham grande falta de mão de obra, havendo um entendimento sobre o assunto entre o Governador de Cabo Verde Francisco de Paula Cid (1902-1903) e aqueles mesmos funcionários. Face à gravidade da situação, foram promovidas campanhas nos jornais da Metrópole e a Maçonaria interveio331, mas os socorros e as medidas a favor da população foram, mesmo assim, pouco significativas, dadas as necessidades (Lessa, 1957). O Extermínio de Cabo Verde. Pavorosas Revelações (1903) é o título de um opúsculo publicado por L. Loff de Vasconcellos, onde este dá conta da “temerosa e horrificante catastrophe de que estão sendo vítimas os nossos irmãos d’além mar – os pobres cabo-verdeanos” (op. cit., p. 3). Nesta publicação, este periodista acusa o Governo de deixar morrer à fome milhares de súbditos portugueses por falta de providências a tempo, com o ridículo e cínico argumento de que “o governo não tem culpa de que em Cabo Verde não tenha havido chuvas regulares” (idem, p. 4), o que o classifica de “um perfeito extermínio d’um povo” (idem, ibid.), que sempre foi amigo e leal à mãe-pátria. O tom é de protesto e de revolta: “É uma guerra de extermínio a um povo indefeso, humilde e digno de melhor sorte; é uma vilania revoltante, uma monstruosidade inqualificavel e um crime de lesa humanidade, tudo o que a imprensa periodica d’esta capital [Lisboa] já revelou ao paiz e á imprensa, appellando para os nobres sentimentos do povo portuguez e da imprensa do paiz, para que n’um movimento geral e energico, se levante mais uma vez um grito de alarme, a favor d’uma população que soffre, d’um povo que se extingue á fome e que de mãos levantadas pede misericordia, pede uma esmola ás almas caritativas [negrito no original] (Idem, p. 5). A propósito da “Caridade Maçónica”, ao enviar 50 sacas de milho, com a promessa de mais 50 sacas no vapor seguinte, para ser distribuído aos necessitados da ilha de Santo Antão onde a escassez das chuvas mais se fazia sentir, A Voz de Cabo Verde, N.º 93, Praia, Maio de 1913, informava na sua secção “Factos e Apreciações” que não era a primeira vez que o Grémio Lusitano contribuía para minorar o sofrimento deste povo quando a miséria lhe batia à porta. Já em anos anteriores, principalmente em 1902, tinha sido quanto possível generoso. Nesse mesmo artigo A Voz explicava ainda a forma discreta como essa sociedade secreta trabalhava: “A Maçonaria adopta o sistema de ocultar os beneficios que espalha. Parece-nos isso um erro, do qual muito se teem aproveitado os reaccionarios, que não perdem ocasião para fazer crer, ao povo ignorante, que ela, a Maçonaria, é uma sociedade de malfeitores”. 331

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Reclama-se o apuramento de culpas e exige-se a responsabilidade de todos os factos lamentáveis. Posteriormente, em Março de 1911, Marinha de Campos, Governador de Cabo Verde, sendo alvo de uma manifestação de apoio popular na cidade da Praia, discursou à multidão e, referindo-se à fome de 1903, exaltado, afirmou: “Eu pasmo como nem a fome de 1903-1904 fez apparecer entre vós um Aguinaldo, que, affarrapando o odioso trapo azul e branco conduzindo-vos aos desfiladeiros que acabei de percorrer [...] então repetisse aqui a notavel epopéa das Filippinas332. Eu admiro como mais de vinte mil cabo-verdeanos morreram de fome n’esta ilha, em menos de um anno, sem um movimento de revolta que puzesse termo a tanto soffrimento. Eu ter-me-hia revoltado”333. Apesar da mudança do regime monárquico para a Primeira República parlamentar e, posteriormente, para a Segunda República do “Estado Novo”, continuaram a morrer milhares de pessoas nas fomes de 1920-1922, 1940-1943 e de 1946-1948, por falta de medidas atempadas por parte do governo central. O ex-Governador Geral, Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes (1858-1860), já em 1866 escrevia num relatório que “este estado de cousas, além de ser uma vergonha nacional, é intoleravel e incommodo”334. A primeira grande crise alimentar e fome ocorrida após a proclamação da República foi a de 1920-1922. César Augusto de Sá Nogueira, advogado e antigo director dos jornais O Progresso (Praia, 1912-1913) e O Caboverdeano (Praia, 1918-1919), expediu a 13 de Abril de 1921 um telegrama que, com todos os exageros que possa conter, é elucidativo da situação dramática que se vivia: “População – Ilha – Santiago – extingue-se – pela – fome. – Média – mortalidade – diária – Praia – trinta – interior – acima – cincoenta. – Pelos – caminhos – campos cadáveres – insepultos – servem – pasto – cães – corvos. – Mães – falta – gente – conduzem – braços – filhos – mortos – cemitério. – Precisam-se – providências – prontas – enérgicas – violentas – para – salvar – resto – população – aliás – nada – escapará – nem – honra – até – casos – antropofagia – há”335. O Tratado de Paris de 1898 consagrou a perda das últimas colónias do Reino de Espanha – Cuba, Porto Rico e Filipinas – a favor dos Americanos. Eu, Amélia, Última Rainha de Portugal, de Stéphane Bern, Lisboa, 1999. 333 “Marinha de Campos em Lisboa. D’ O Século, de 26 de Abril”, A Voz de Cabo Verde, N.º 13, Praia, Maio de 1911. 334 Sebastião Lopes de Calheiros de Menezes, Apontamentos Apresentados Á Commissão Encarregada dos Melhoramentos da Provincia de Cabo Verde, Lisboa, 1866, p. 68. 335 Augusto Pereira de Sá Nogueira, “Um Telegrama”, A Acção, N.º 12, Praia, Abril de 1921. 332

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Devido às situações atrás referidas – a recusa do regime de adjacência reclamada pela elite intelectual, a ideia da venda de algumas colónias, as fomes, agravadas essas pela falta de interesse e de intervenção de Portugal – que retiraram toda a credibilidade à política colonial da Monarquia, começou a crescer a pouco e pouco um antagonismo, não só em relação ao regime monárquico como também em relação ao próprio Portugal, como país colonizador. Parecia evidente que uma alteração da situação só seria possível com a mudança de regime em Lisboa, razão porque muitos cabo-verdianos aderiram facilmente às conspirações anti-monárquicas e todas as esperanças de mudança foram depositadas numa futura República. É assim que a elite intelectual cabo-verdiana cedo se torna republicana e difunde o seu ideal à mistura com as ideias do nativismo. As Condições Exógenas Entre as condições exógenas que funcionaram como importante fermento no processo de levedação da consciência da elite intelectual cabo-verdiana, identificouse, como mais significativas, (i) a evocação de outras realidades, proporcionada pela presença de alguns intelectuais europeus nos diferentes quadros do funcionalismo público das ilhas; (ii) a ideologia pró-republicana das sociedades secretas da Maçonaria e da Carbonária; (iii) a chegada de dissidentes políticos exilados, com a semente de novas ideias; (iv) a emigração, como exposição a outros ideais – primeiro, para os Estados Unidos da América, a “terra de trabalho e liberdade”, e, depois, para as roças de S. Tomé e Príncipe, a “terra maldita de desterro”. A evocação de outras realidades, em contraste com a das ilhas, trazida pelos europeus, pelas sociedades secretas da Maçonaria e da Carbonária, pelos emigrantes nos Estados Unidos da América e pelos serviçais nas roças de S. Tomé e Príncipe, reforçou a emergência do sentimento nativista e de visão da realidade dos filhos das ilhas e influenciou decisivamente a sua maneira de encarar a relação com a Pátria portuguesa. Os Intelectuais Europeus António Carreira (1987) assinala que, até 1883, foram mandados para Cabo Verde 2.434 condenados, uns a prisão outros ao degredo, para cumprir penas por delitos políticos. Estas penas resultaram (i) do desmantelamento da “Inconfidência 226

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Mineira”336 de 1792, da colónia brasileira, e, em Portugal, (ii) dos tumultos sediciosos de 27 de Julho de 1827 e (iii) das lutas liberais (1828-1834). Uma vez em Cabo Verde, terão continuado os seus interesses políticos e tentado fazer vingar os seus princípios e ideias revolucionárias. Para além daqueles, estiveram radicados ou viveram algum tempo em Cabo Verde políticos, funcionários públicos, comerciantes, professores, militares e clérigos, que se evidenciaram pela sua postura, alto grau de instrução e colaboração nos periódicos da época e que terão privado com a já emergente elite intelectual da terra, produzindo nela algum estímulo e lançado sementes de novas ideias. Muitos dos portugueses e estrangeiros – franceses, ingleses, italianos, gregos, alemães e sírios, incluindo uma forte comunidade de judeus337 – que se fixaram nas ilhas, principalmente na segunda metade dos anos oitocentos, acabariam por constituir família com os naturais, de nomes ainda hoje facilmente identificados nas diferentes ilhas, e viriam formar a burguesia económica, integrar a administração e constituir a elite intelectual dos filhos das ilhas338. De destacar, os portugueses José Joaquim Lopes de Lima, José Evaristo d’Almeida, Alfredo Vasquez Trony, Hypolito Olympio da Costa Andrade, António Maria de Artiaga Souto Maior, D. Francisco Ferreira da Silva e Monsenhor António José d’Oliveira Bouças. José Joaquim Lopes de Lima (1797-1852), Capitão-de-Fragata da Real Armada, foi Secretário da Prefeitura (1834-1835) e amigo pessoal do Prefeito Manoel Antonio Martins, a cuja influência ficara a dever a sua nomeação (Joaquim Serrão, 1986). Literato, autor dos Ensaios Sobre a Statística das Possessões Portuguezas na Africa Occidental e Oriental; na Asia Occidental; na China, e na Oceania, obra em 3 volumes (Lisboa, 1844-1846).

Gilberto Freyre diz ter encontrado em Cabo Verde, em 1953, descendentes de revolucionários de Minas. Aventura e Rotina, Lisboa, 1953, p. 251. 337 No Séc. XVI, para fugirem às perseguições que lhes moviam em Portugal, muitos judeus dirigiram-se para as Ilhas. Posteriormente, nos começos do Séc. XIX estabeleceu-se em Santo Antão e também em outras ilhas, uma colónia israelita, cujos membros vinham do Norte de África, nomeadamente, Gibraltar, Tânger e Marrocos. Cláudia Correia, Presença de Judeus em Cabo Verde, Praia, 1998. 338 Haja em vista famílias como Alfama, Almada, Almeida, Andrade, Barbosa, Brito, Cardoso, Dantas, Duarte, Feijó, Ferro, Fonseca, Lima, Lopes da Silva, Martins, Medina, Melo, Miranda, Reis Borges, Ribeiro, Sá Nogueira, Souto Maior, Tavares, Vasconcelos, Velosa, Vera-Cruz, Vieira (Portugal); Bettencourt, Bonnaffoux, Mont Rond, Rocheteau, Saint Maurice (França); Bonucci, Frusoni, Morazzo (Itália); Rendall, Spencer, St’Aubyn (Inglaterra); Hopffer (Alemanha); Karantonis (Grécia); Abu-Raya (Síria); Schofield (Rússia); Anahory, Ben’David, Ben’Oliel, Benrós, Brigham, Cohen, Levy, Medina, Whanon (Judeus). 336

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José Evaristo d’Almeida (Séc. XIX-XX), Funcionário Público, com a categoria de Primeiro Escriturário da Contadoria da Fazenda Pública, colocado em Cabo Verde, pelo menos desde 1844 e falecido na Guiné. Deputado por Cabo Verde, eleito em 1849. Literato, colaborador e redactor do Boletim Official e autor de O Escravo (Lisboa, 1856)339, o primeiro romance cabo-verdiano. Alfredo Vasquez Trony (1845-1904), Procurador da Corôa e da Fazenda nos anos sessenta e setenta de oitocentos. Literato, integrou a “Comissão Directora da Bibliotheca e Museu Nacionaes de Cabo Verde”, em 1871. Transferido para Luanda, onde se radicou, ali publica a novela Nga Muturi (Lisboa, 1882)340, de temática angolana. Amigo pessoal da família e do poeta José Lopes da Silva (S. Nicolau, 1872-1962), foi responsável pela ida deste para aquela província, onde ficou de 1892 a 1894341. Hypolito Olympio da Costa Andrade (18??-1920?), Funcionário Público, Escrivão de Direito, advogado e proprietário na ilha de Santiago. Foi administrador do Concelho da Praia (1900-1907) e membro do Conselho da Província. Literato, redactor principal do jornal A Imprensa (Praia, 1880-1881), colaborou no Boletim Official e no Almanach Luso-Africano e Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro. Um dos raros amigos do poeta e romancista Guilherme da Cunha Dantas, a quem este entregou o manuscrito do seu romance Os Embriões para prefaciar. Foi quem escreveu ainda o seu elogio fúnebre em 1888342. António Maria de Artiaga Souto Maior (1853-1923), Funcionário Público, Amanuense da Secretaria-Geral do Governo, nomeado em 1871, e Conservador da Biblioteca Pública da Praia, pelo menos a partir de 1902. Residiu na ilha de Santiago desde a década de 1860 até à altura da sua morte. Literato e colaborador dos periódicos: Boletim Official, Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro, Revista de Cabo Verde – onde publicou o folhetim “Amores de uma crioula” – A Voz de Cabo Verde, O Futuro O Escravo, impresso em Lisboa em 1856, foi posteriormente publicado em folhetim no A Voz de Cabo Verde, do N.º 244, Praia, 22 de Maio de 1916, ao N.º 294, Praia, 21 de Maio de 1917. Em 1989 foi feita a reedição da obra pelas Edições ALAC, Lisboa. 340 Nga Muturi, inicialmente publicado em folhetins no Diário da Manhã, Lisboa, 16 de Junho a 6 de Julho de 1882, com o subtítulo “Cenas de Luanda”, foi editado em livro pelas Edições 70, Lisboa, 1973. O título em quimbundo significa Senhora Viúva. 341 A fazenda agrícola de Cazendo, onde José Lopes foi empregado, e o seu proprietário, Dr. Alfredo Trony, ganharam presença nas Hesperitanas (1933:110-118) em quatro composições datadas de 1893, “Deixando a Pátria”, “Nas Margens do Lucala”, “A Um Regato” e “O Retrato da Filha”. 342 Texto de 28 de Março de 1888, datado da Praia, publicado no Boletim Official N.º 14, de 7 de Abril de 1888, e reeditado no Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1889. 339

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de Cabo Verde, O Caboverdeano e vários jornais portugueses. Publicou ainda o Índice remissivo aos Boletins Officiais de Cabo Verde desde 1842 a 1893 (Praia, 1894). D. Francisco Ferreira da Silva (1852-1920), Deão, Governador do Bispado, Professor e Vice-Reitor do Seminario-Lyceu de 1888 a 1904, altura em que saiu para ser prelado em Moçambique (Ferreira Silva, 1904), tendo sido professor, dentre outros, do poeta e editor do Alma Nova (S. Vicente, 1933), José Calazans Lopes da Silva (1861-1933)343 e do poeta, proprietário, director e editor do jornal O Manduco (Fogo, 1923-1924), Pedro Cardoso (1883-1942). Foi colaborador do Almanach Luso-Africano. Publicou Ultramar – Apreciações seguidas de uma alocução pronunciada no SeminarioLyceu de Cabo Verde no dia da abertura das aulas e distribuição de premios (Lisboa, 1891) e Diocese de Cabo Verde – Apontamento para a historia da administração da Diocese e da organização do Seminario-Lyceu (Lisboa, 1899). Monsenhor António José d’Oliveira Bouças (1863-1944), Governador do Bispado, Professor e Vice-Reitor do Seminario-Lyceu de 1905 à data da sua extinção, em 1917344. Viveu em S. Nicolau desde que chegou a Cabo Verde, em 1891, e ali permaneceu até à sua morte. Foi um dos directores do Almanach Luso-Africano (S. Nicolau, 1895 e 1899) e co-editor da revista literária A Esperança (S. Nicolau, 1901)345, de quem o escritor António Aurélio Gonçalves (S. Vicente, 1901-1984) e muitos outros da sua geração, nomeadamente Baltasar Lopes da Silva (São Nicolau, 1907-1989), foram alunos346. Como se constata pela dimensão erudita destas figuras, veiculada por aquilo que muito influencia uma sociedade, que é os seus meios de comunicação, elas fizeram chegar aos intelectuais cabo-verdianos o seu conhecimento e experiência de outras realidades e as suas ideias políticas, por vezes de discordância com o regime instituído. A sua influência não podia ter deixado de ser absorvida pela elite sedenta de mudança.

José Calazans, “O Mestre”, Notícias de Cabo Verde, N.º 38, S. Vicente, Abril de 1933, pp. 1 e 4. Recorda-se que a mesma Lei N.º 701, de Julho de 1917 (publicada no B. O., N.º 27, de 7 de Julho de 1917), que extinguia o Seminario-Lyceu, criava o Liceu Nacional de Cabo Verde. 345 A Esperança, Revista Literária, suplemento mensário do anuário Almanach Luso-Africano, editada pelos Cónegos Oliveira Bouças e Costa Teixeira, em S. Nicolau, da qual saíram 12 números (Janeiro a Dezembro de 1901). 346 António Aurélio Gonçalves, “Um dos Grandes”, in “Suplemento” ao N.º 227 do Notícias de Cabo Verde, S. Vicente, Julho de 1944. Recorda-se que Gonçalves concluiu os preparatórios do ensino liceal no antigo Seminario-Lyceu, tendo seguido para Portugal em 1917 para continuar a sua formação universitária. 343 344

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As Sociedades Secretas É posição de Oliveira Marques (1975) que sociedades secretas são as associações e os institutos que exercem a sua actividade, no todo ou em parte, por modo clandestino ou secreto, ou a cujos sócios se imponha, por qualquer forma, a obrigação de ocultar à autoridade pública, total ou parcialmente, as manifestações de actividade social. Daí a inexistência de documentos susceptíveis de comprometer pessoas, estruturas e objectivos. Talvez por isso, está por fazer o estudo das sociedades secretas da Maçonaria e da Carbonária em Cabo Verde, de que se ressalva o trabalho pioneiro de Lopes Pereira, publicado no jornal Tribuna (Praia, 1984-1991) em 1990347. Por este facto, não foi ainda apurado o contributo que elas terão prestado na divulgação e aceitação dos ideais republicanos, no estabelecimento dos princípios da liberdade e na defesa dos interesses da província. De qualquer modo, põe-se em evidência, nas curtas notas que abaixo se apresentam, a contribuição da suas actividades para a evolução socio-política da sociedade cabo-verdiana, sobretudo da sua elite intelectual, a mais apta a absorver rapidamente os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que veiculavam. A Maçonaria A Maçonaria apareceu em Portugal em 1721, tendo a primeira organização surgido em Cabo Verde pelos finais dos anos setecentos. As oficinas maçónicas, enquanto células autónomas de base, dividiam-se entre as lojas, albergando um mínimo de sete maçons perfeitos com a ordem de Mestre, e os triângulos, com um mínimo de três e um máximo de seis maçons, agregados à uma Loja pré-existente. Estas oficinas distribuíam-se pelas ilhas de Santiago, Brava, S. Vicente, Santo Antão e Fogo, num total de nove “lojas” e cinco “triângulos”, sendo o período entre 1900 e 1915 o de maior actividade maçónica organizada (Marques, 1900). Conforme o “Regulamento Geral de 1930”, havia no território português doze províncias maçónicas, de que Cabo Verde era uma delas, com sede em S. Vicente348. A primeira loja, de que pouco se sabe, terá sido fundada na ilha de Santiago, por volta de 1791. Os possíveis membros e primeiros “pedreiros-livres” foram portugueses Carlos Lopes Pereira, “Aspectos do Proto-Nacionalismo crioulo (2) – Maçonaria e Carbonária em Cabo Verde”, Tribuna N.º 42, Praia, Junho de 1990, pp. 11-13. 348 A. H. Oliveira Marques, Dicionário de Maçonaria Portuguesa (Vol. I e II), Lisboa, 1986. 347

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para ali desterrados, residentes ou radicados: João Ambrósio de Sousa, natural da Madeira, católico, negociante; João da Silva Feio, natural de Lisboa, Secretário (do Governo?), católico; José António Pinto, natural de Lisboa (?), católico; e Marcolino António Basto, natural de Lisboa (?), católico, todos moradores em Santiago (Marques, 1990). Por volta de 1839-1840 foi criada a Loja União Atlântica, N.º 1400, integrada no Grande Oriente Lusitano (GOL), da Metrópole, tendo-se extinguido em 1843 ou 1844. Depois disso, só nos finais do século, em 1898, voltaria a haver uma nova loja maçónica organizada na Praia, Universo, N.º 204, que se manteria até 1908 (Marques, 1997). Em Agosto de 1899, a Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899) dava conta de ter sido organizada essa loja, estando a sua sede na Rua Sá da Bandeira (hoje Av. Amílcar Cabral), informando haver poucos irmãos, encontrando-se, por isso, a tratar de filiar alguns neófitos349. Passados mais três anos, foi instalado o Triângulo N.º 177, que acompanharia, em 1914, os dissidentes do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), para a ele regressar pouco tempo depois e originar, em 1921, a criação da loja Universo, N.º 403, que viria a “abater coluna” no ano imediato. Uma nova tentativa de organização maçónica resultaria na instalação do Triângulo N.º 278, em 1929, que trabalhou até 1933. Procedeu-lhe o Triângulo N.º 367, instalado em 1935, pouco antes da clandestinidade da Maçonaria. Na Brava, foi instalada na Vila de Nova Sintra, em 1900, a Loja Cosmos, N.º 210, possivelmente sob influência dos emigrantes cabo-verdianos nos EUA e que duraria até 1912, e em S. Vicente, na cidade do Mindelo, fundaram-se, em 1903, duas lojas maçónicas, a S. João, N.º 233, e a Fidelidade, N.º 234. Duraram, respectivamente, até 1913 e 1915. Em 1912 constituiu-se ainda uma terceira loja, a Almirante Reis, N.º 353, que duraria até ao período da clandestinidade da Maçonaria. Em 1926, esta era a única loja em actividade em Cabo Verde e contava com trinta membros350. Em Santo Antão existiu, de 1904 a 1909, a Loja Fraternidade e Progresso, N.º 245, e instalou-se na Ribeira Grande o Triângulo N.º 49, fundado pela Loja Fidelidade, N.º 234, de S. Vicente, e que trabalhou de 1904 a 1911. Funcionou ainda na ilha do Fogo, a partir de 1919 e até data indeterminada, o Triângulo N.º 233 (Marques, 1997).

349 350

“Resenha Noticiosa – Cidade da Praia”, Revista de Cabo Verde, N.º 11, S. Vicente, Agosto de 1899. Jorge Ramos, O que é a Maçonaria, Lisboa, 1975.

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No que respeita à intervenção social e humanitária, a Maçonaria era particularmente activa. A Loja S. João, N.º 233, em S. Vicente, fundou em 1904 uma instituição de beneficência intitulada “Gota de Leite 18 de Maio” (Marques, 1986) e o Grémio Lusitano, a face visível do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), abriu, nesta mesma ilha, em Outubro de 1912, uma escola primária laica e gratuita, para ambos os sexos, frequentada por cerca de 40 alunos, denominada “Escola Laica Almirante Reis”, de que era professor Guilherme Lima351. Um ano depois, em 1913, face à situação de crise de alimentos que se vivia em Cabo Verde, o Grande Oriente Lusitano enviou de Lisboa, para serem distribuídos pelos mais necessitados, 100 sacas de milho e 100 sacas de arroz, contemplando as ilhas de Santo Antão, S. Nicolau e S. Vicente, tendo sido feita a distribuição nesta última ilha na sede da loja maçónica Fidelidade, N.º 234352. Igualmente, o Grémio Lusitano viria a enviar 50 sacas de milho, com a promessa de mais 50 sacas no vapor seguinte, para ser distribuído aos necessitados da ilha de Santo Antão onde a escassez das chuvas mais se fazia sentir, o que não era a primeira vez, já que em anos anteriores, principalmente na crise de 1902, o mesmo Grémio tinha sido “quanto possível generoso”, tendo contribuído para minorar o sofrimento do povo das ilhas353. Ciente da importância e da influência da Maçonaria, o jornal A Voz de Cabo Verde, lançou, em Julho de 1913, um apelo à Maçonaria Portuguesa contra o “aproveitamento” dos professores do então Seminário-Lyceu de S. Nicolau para as cadeiras do ensino no Liceu que se projectava estabelecer em Cabo Verde354, o que acabou por, efectivamente, não acontecer. Os anos de 1931 a 1935 foram, para a Maçonaria, de perseguição constante e de tragédia. Em 19 de Janeiro de 1935, na recém-inaugurada Assembleia Nacional do Estado Novo, o deputado José Cabral apresentou um projecto de lei proibindo aos cidadãos portugueses de fazerem parte de associações secretas, sob penas várias que incluíam sempre prisão, multa e, em casos de reincidência, desterro (Marques, 1975). As disposições desta lei foram extensivas a todo o território do Império Português, por Portaria de 4 de Julho de 1935355. O Mindelense N.º 6, S. Vicente, Julho de 1913. Idem, ibid. 353 A Voz de Cabo Verde, N.º 93, Praia, Maio de 1913. 354 “Apelo à Maçonaria Portuguesa”, A Voz de Cabo Verde, N.º 100, Praia, Julho de 1913, p. 1. 355 Portaria N. º 8:126, publicada no Boletim Oficial da Colónia, N º 26, de 29 de Junho de 1935. 351 352

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Por razões de descrição e sigilo, as organizações maçónicas não divulgam o número e o nome dos seus membros, usando na altura, para o efeito, nomes de guerra, o que torna os registos indecifráveis. Oliveira Marques (1986) refere alguns nomes de maçons de ou em Cabo Verde, mas apenas aqueles que tiveram projecção nas sociedades profana e maçónica da metrópole e sempre que foi possível apurálos – Carlos Cândido dos Reis, José Barbosa, Martinho Nobre de Melo e Francisco Gonçalves Velhinho Correia. Carlos Cândido dos Reis (Lisboa, 1852-1910) foi considerado por Eugénio Tavares e por vários cabo-verdianos como seu conterrâneo, por parte da mãe, D. Matilde Reis, natural da ilha da Brava, daí que o “Centro Republicano da ilha Brava” tivesse sido rebaptizado de “Centro Cândido dos Reis”356]. Este maçon foi iniciado na Maçonaria em 1909 pelo Grão-Mestre Magalhães Lima, com o nome simbólico de Pero de Alenquer, e regularizado na Loja José Estêvão, de Lisboa, tendo atingido, em 1910, o grau de Mestre. Foi também membro activo da Carbonária onde adoptou o nome simbólico de Marceau. Oficial da marinha, atingiu o posto de vice-almirante. Republicano, teve papel relevante na organização da luta anti-monárquica em Portugal, nomeadamente nas revoltas de 28.1.1908 e de 4.10.1910. Suicidou-se durante esta última, convencido do seu fracasso final. José Barbosa, natural do Fogo (1869-1923), foi iniciado na Maçonaria em 1910 na Loja O Futuro, de Lisboa, com o nome simbólico de Karl Marx. Funcionário público, jornalista e político, desempenhou os cargos de Vice-Presidente do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado e de Presidente do Conselho Superior de Finanças. Propagandista republicano, esteve exilado em Espanha, França e Brasil (1894-1908) e tomou parte na revolução de 5.10.1910 em Lisboa. Pertenceu ao directório do Partido Republicano Português e, depois, aos partidos Evolucionista, Unionista e Liberal. Foi Deputado por Cabo Verde entre 1911 e 1917 e Ministro das Colónias em 1920 (Marques, 1986); Martinho Nobre de Melo, natural de Santo Antão (1891-1985), foi iniciado na Maçonaria em 1912 na Loja Fiat Lux, de Lisboa, com o nome simbólico de Ibsen, tendo recebido atestado de quite em 1915. Doutorado em Direito pela Universidade

Eugénio Tavares, “Terceiro Aniversário da República”, A Voz de Cabo Verde N.º 112, Praia, Outubro de 1913, p. 1, escreveu a propósito: “Vivesse Cândido dos Reis, ó Cabo Verde! que o sol purificador dos princípios democráticos estaria, de há muito, iluminando o ninho maternal do herói prostrado no piristilo da liberdade [negrito nosso]”. 356

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de Coimbra, advogado, magistrado, professor e diplomata, exerceu funções docentes na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e desempenhou os cargos de Juiz no Supremo Tribunal de Justiça, Embaixador no Rio de Janeiro, de 1932 a 1946, e director do Diário Popular. Pertenceu também aos corpos gerentes da companhia de seguros “A Mundial”. Republicano neo-sindicalista, aderiu depois ao Integralismo, ao Sidonismo e ao Estado Novo, tendo sido Ministro da Justiça em 1918 e, efemeramente, dos Negócios Estrangeiros durante o governo de Gomes da Costa, em 1926 (Marques, 1986); Francisco Gonçalves Velhinho Correia (Algarve, 1882-1943) foi iniciado na Maçonaria em 1907 com o nome simbólico de Padre Eterno, na Loja Solidariedade, de Lisboa, de que foi Venerável, tendo também pertencido à Loja Lacóbriga, N.º 326, de Lagos. Oficial do Exército (pertencendo à Administração Militar) e professor, atingiu o posto de tenente-coronel. Em 1912 encontrava-se na Praia como tenente, sendo um dos principais dirigentes democráticos cabo-verdianos e colaborador de A Voz de Cabo Verde. Republicano democrático, foi deputado de 1915 a 1926, por Macau, Silves e Lagos, Ministro do Comércio em 1920 e das Finanças em 1923. Aderiu mais tarde ao Estado Novo, que o fez procurador à Câmara Corporativa e Vice-Governador do Banco Nacional Ultramarino (Marques, op. cit.). Para além destas figuras eminentes, Os Anuários do Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa357 dão conta de alguns maçons investidos em S. Vicente. Em 1909: João Medina Barbosa Vicente, Rafael Ferreira dos Santos e Jaime Alberto Ferreira, da Loja Fidelidade, N.º 234, e João Baptista Guimarães, da Loja São João, N.º 233358. Em 1911: Sebastião da Costa Pinto, Idelfonso Jesus da Cruz, Guilherme Morley e Conforme Oliveira Marques, Lisboa, 1986, com o nome genérico de “Anuário” foram publicados em vários anos e são indicadores oficiais do estado da Maçonaria mencionando o nome e o número das oficinas, o nome dos altos dignitários e dos presidentes das lojas e triângulos, a lista das potências estrangeiras com as quais se mantinham relações, por vezes o número de maçons e os relatórios do Concelho da Ordem, etc. Existiram os seguintes: (i) Anuário do Grande Oriente Lusitano Unido, para os anos de 1903, 1904, 1905, 1906, 1911, 1912-1913, 1918 e 1922.; (ii) Sup. Cons. dos GGr. IInspect. GGeral. do Gr. 33. Do Rito Escocês Antigo e Aceite para Portugal e suas Colónias. Anuário dos seus trabalhos, para os anos de 1908 (com o subtítulo de Memória), 1909, 1910-1911, 1912 e 1913-1919 (Grémio Lusitano); (iii) Supr. Cons. dos GGr. IInspect. GGr. do Gr.33. do Rito Escocês Antigo e Aceite para Portugal e suas Colónias. Memórias dos seus Trabalhos, para os anos de 1913-1915, 1916-1917, 19181920 e 1921-1923 (Grémio Luso-Escocês). Referimo-nos, para o caso, ao Sup. Cons. dos GGr. IInspect. GGeral. do Gr.33. Do Rito Escocês Antigo e Aceite para Portugal e suas Colónias. Anuário dos seus trabalhos, para os anos de 1909 e 1912. 358 Os maçons referidos terão sido investidos no grau três, de Mestre-Maçon. Recorda-se que o Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA) seguido por essas lojas têm 33 graus de conhecimento. Jorge Ramos, O que é a Maçonaria, Lisboa, 1975, pp. 163-164. 357

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Augusto Serra Costa, da Loja Fidelidade, entre os graus quatro a nove; Júlio António Lopes, Manuel Ricardo Pinheiro, Serafim António Sena, José Medina Barbosa Vicente, também da Loja Fidelidade, entre os graus dez e catorze. Também na mesma altura foram investidos, no grau quinze, Francisco Bandeira, Francisco António Fialho Júnior e Giuseppe Frusoni (pai do poeta Sérgio Frusoni), igualmente da Loja Fidelidade. Eram os Veneráveis (Presidentes das sessões), respectivamente, da Loja Fidelidade e da Loja S. João, Francisco Fialho Júnior e João Baptista Guimarães. No Relatório do Congresso Maçónico Nacional (GOLU), realizado no Porto em Junho de 1914, consta como congressista ordinário, em representação do Triângulo N.º 177 da Praia, Mário Marques. Figuram ainda no Anuário do Conselho Supremo da Maçonaria Portuguesa, para o ano de 1922359, Torquato Gomes Fonseca e António de Artiaga Souto Maior, com endereços, respectivamente, para a Loja Almirante Reis, N.º 353, em S. Vicente, e para o Triângulo N.º 177, na Praia. Para além da presença da Maçonaria da Metrópole, Lopes Pereira (1990) avança a hipótese de Cabo Verde ter sido também influenciado pelas maçonarias dos EUA, particularmente do Estado de Massachussets, onde havia várias lojas entre os emigrantes dos Açores e do Brasil. De facto, Oliveira Marques (1986) inventaria, entre 1915 e 1920, cinco lojas do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU) instaladas na costa leste do território americano, nomeadamente, em New Bedford, Providence e Fall River. Abílio Monteiro de Macedo (Fogo, 1886-1965)360 e Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930) – eventualmente os mais conhecidos dos maçons por não terem escondido as suas ligações com essa sociedade secreta e pelas posições públicas assumidas no jornal A Voz de Cabo Verde – teriam tomado contacto com essas lojas da Maçonaria, tendo mesmo o primeiro sido ali iniciado. A Maçonaria, com os seus ideais humanistas e da liberdade, terá conquistado a elite dos filhos das ilhas comprometida na defesa dos interesses do seu povo e lançado sementes que, posteriormente, viriam a dar os seus frutos.

Anuário do Grande Oriente Lusitano Unido, Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, 1922, Documento transcrito por Oliveira Marques em A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo, Lisboa, 1975, pp. 57-84. 360 Entrevista ao Dr. Teodoro Monteiro de Macedo (filho de Abílio Monteiro de Macedo), Lisboa, 13 de Janeiro de 2002. Nessa entrevista o Dr. Teodoro Monteiro de Macedo confirma não apenas que o pai pertenceu à Maçonaria, como também à Carbonária. 359

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A Carbonária A Carbonária foi, na sua forma e nos seus propósitos oitocentistas, um produto da Revolução Francesa e da Maçonaria, visando a destruição das monarquias absolutas, o estabelecimento da liberdade e, no caso concreto italiano, onde nasceu, a regeneração da Itália (Marques, 1997). A Carbonária é, assim, uma sociedade secreta essencialmente política, que se organiza de modo a poder admitir elementos de todas as classes sociais. Ela difere da Maçonaria, que é tolerante em política e religião, mas cujo carácter é mais burguês. Encontram-se muitas vezes nas histórias dessas sociedades relações muito íntimas entre as duas cujos membros, por vezes, são filiados simultaneamente numa e noutra (Grainha, 1986). Em Portugal a Carbonária surgiu nos finais de 1896 ou inícios do ano seguinte, tendo como origem a Maçonaria Académica, uma organização secreta sem ligações orgânicas à maçonaria portuguesa ou de outros países. Em 1907 a Carbonária alcançou um crescimento enorme, tanto qualitativo como quantitativo, tendo conhecido notável expansão até 1912, e sido, “a principal arma civil republicana a quem se deve o triunfo da revolução de 5.10.1910 e a defesa da República nos seus dois primeiros anos de existência” (Marques, 1997:266). Rocha Martins (s.d.), citado por António Ventura (1999), descreve do seguinte modo a organização da Carbonária: “Havia os Canteiros, as Choças, as Barracas, as Vendas e a Alta-Venda. Cada Canteiro tinha cinco membros, os Rachadores; o chefe era o Mestre da Choça, que se formava de quatro Canteiros; cinco Choças constituíam uma Barraca e cinco destes núcleos uma Venda. Os Chefes das Choças eram Mestres da Barraca, o desta Mestre da Venda. Havia também a Jovem Portugal, a secção onde se concentrou durante anos a acção revolucionária e que tinha poderes para eleger e demitir o próprio Grão-Mestre. Os graus eram também singulares: Rachador, Aspirante, Mestre e Mestre Sublime. Todos os filiados se chamavam primos e tratavam-se por tu nas sessões, não se conhecendo entre si mais do que cinco homens, o que tornava difícil a descoberta dos chefes, os quais, todavia, conheciam os seus homens” (op. cit., p. 14). As únicas informações conseguidas sobre esta instituição secreta em Cabo Verde são as fornecidas pelo Padre Duarte Graça (Santiago, 1862-1923), publicadas em dois opúsculos – Quatro mezes e meio de Uma Administração Ultramarina a Pontapés ou

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a Administração do Sr. Marinha de Campos (Lisboa, 1911) e Galileu Galilei de Cabo Verde. A Proposito de um Folheto Intitulado Quatro mezes e meio de Uma Administração Ultramarina a Pontapés ou a Administração do Sr. Marinha de Campos (Lisboa, 1912), este último editado sob o pseudónimo de Azarias Gomes Cabral. O Padre Duarte Graça travou graves disputas com o Governador, o republicano Marinha de Campos, pelo anticlericalismo deste revelado nos seus quatro meses e meio de administração e a quem acusou de ter criado a Carbonária. A princípio, esta situação telúrica levou a algumas reservas sobre a completa acuidade das informações que este clérigo presta, mais a mais porque os nomes que avança como fazendo parte daquela sociedade paramaçónica serem de pessoas afectas ao governador. Porém, os detalhes são por demais cuidados e foi dada uma prova da sua existência. “Pelo rumor público, e pelo diz-se que circulam de bocca em bocca” (Duarte Graça, 1911:45), o autor declara ter sabido existir na cidade da Praia uma sociedade secreta, a Carbonária, que teria sido criada com a chegada do Governador Marinha de Campos, em 1910, “para ser o sustentáculo da República n’esta terra” (idem, ibid.). Fariam parte desta sociedade secreta, de acordo com Duarte Graça (1911), Jayme Augusto Vieira da Rocha, Capitão de Artilharia e Presidente da Comissão Municipal da Praia; Raul José Barbosa, comerciante, Vice-Presidente da Comissão Municipal da Praia em 1910 e Administrador substituto do mesmo Concelho em 1911, co-fundador do jornal A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919) ; Simão José Barbosa, Secretário da Câmara Municipal do Mindelo (irmão do anterior e pai do poeta modernista Jorge Barbosa); João Maria Parreira, advogado e editor do jornal A Voz de Cabo Verde; e mais “uns Macedos, dois manos” – Abílio Monteiro de Macedo, comerciante, proprietário agrícola, armador, fundador e proprietário do A Voz de Cabo Verde; e António Monteiro de Macedo, comandante da marinha mercante. Em 1912, Duarte Graça, sob pseudónimo, com a mesma linguagem virulenta e irascível que o caracterizou no primeiro opúsculo, volta à questão da Carbonária, fornecendo novas informações de que “todos sabiam que os patetas se reuniam ora na Fazenda ora em casa d’um dos sócios na Rua da Republica” (op. cit. p. 64), não havendo, contudo, facto nenhum concreto que desse plena certeza disso, até que terá sido encontrado no palácio do Governador a prova real e convincente que faltava: um documento dirigido ao Governador Marinha de Campos de “A Choça Carbonária 237

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‘Republica’ “, firmado pelos “primos dirigentes” com nomes de guerra escritos pelo próprio punho de cada um dos membros361. Ainda segundo Duarte Graça (1911:47), era intenção da Carbonária “dar um assalto ao quartel, para se apoderar do armamento que seria distribuído aos populares para impedirem o embarque do referido governador [Marinha de Campos]”, convocado à Metrópole na sequência das afirmações proferidas no seu discurso de 30 de Março de 1911, anteriormente referido, em que incitou e aconselhou o povo à revolta e a pedir a Portugal a autonomia da Província ou sua independência, o que seria a primeira tentativa da Carbonária para que a Província se proclamasse autónoma. O Governador Marinha de Campos, nos seus quatro meses e meio de permanência nas ilhas, tomou medidas políticas que foram de clara perseguição a vários funcionários acusados de monárquicos e de manifestação de anticlericalismo: impediu o Bispo de Cabo Verde de desembarcar na cidade da Praia; encarcerou no palácio quatro freiras; organizou um exército de bombeiros na capital, simulando um incêndio na igreja da cidade; proibiu os toques dos sinos e os párocos de rezarem missas pagas, a pedido dos cidadãos; e acusou o padre Duarte Graça de ser o instigador da revolta de camponeses de Ribeirão Manuel, interior da ilha de Santiago, quando, a 10 de Novembro de 1910, estes invadiram os armazéns de um grande proprietário e se apoderaram dos frutos da purgueira com o objectivo de obterem dinheiro para o pagamento das rendas. Chamados os militares a intervir, houve confrontação com os rendeiros, resultando vários feridos e prisão de muitos dos revoltosos362. Observando estas medidas e as manifestações de autoridade do Governador, não se descarta a possibilidade de Marinha de Campos ter sido da Maçonaria e da Carbonária e de Duarte Graça ter fornecido, de facto, informações verídicas. Para além disso, constata-se a formação, com a chegada de Marinha de Campos a Cabo Verde, de três organizações que tinham como propósito defender o regime republicano e auxiliar o Governador – o “Corpo de Voluntários Republicanos da Praia”, o “Club Republicano Marinha de Campos”, da Brava, e o “Centro Democrático Marinha de Campos (Corpo de Voluntários Republicanos do Mindello)”. Entre os requerentes e fundadores dessas associações encontravam-se figuras gradas da sociedade, cujos Os nomes de guerra firmados no documento “A Choça Carbonária ‘Republica’ “ seriam os seguintes: Galileo; Rodrigues de Freitas; Saint-Just; Candido dos Reis; Vasco da Gama; Lidador; Affonso d’Albuquerque; Garibaldi; Bombarda; eophilo Braga; Gambeta, Guerra Junqueiro; Luiz de Camões; João de Deus; Sá da Bandeira; Elias Garcia; et., etc. 362 Duarte Graça, Galileu Galilei de Cabo Verde. A Proposito de um Folheto Intitulado Quatro mezes e meio de Uma Administração Ultramarina a Pontapés ou a Administração do Sr. Marinha de Campos, Lisboa, 1912. 361

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nomes ficariam ligados à imprensa cabo-verdiana e, particularmente, ao A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), jornal claramente de inspiração maçónica. Na origem da primeira organização esteve a rebelião ocorrida em Ribeirão Manuel, Santa Catarina, em que se teve que apelar aos cidadãos a se incumbirem do policiamento da capital, invocando o facto de o Orçamento da Província não comportar pesados encargos com os serviços militares. Face a isto, oitenta cidadãos da Praia solicitaram a formação de um batalhão de voluntários, tendo sido criado, por Portaria provincial, de 7 de Janeiro de 1911, o “Corpo de Voluntários Republicanos da Praia”363. Subscreveram o requerimento, António Monteiro de Macedo, Raul José Barbosa, Simão José Barbosa, Abílio Monteiro de Macedo – os mesmos nomes que viriam a ser indiciados por Duarte Graça como fazendo parte da Carbonária – para além de Juvenal da Costa Cabral (pai de Amílcar Cabral) e muitos outros. Uma nova Portaria, de 20 de Janeiro, aprovou o Estatuto do “Club Republicano Marinha de Campos”364, com sede na Brava. O Club tinha como fins: promover o desenvolvimento da instrução, com a criação de um gabinete de leitura e saraus literários; promover obras de beneficência e socorros aos desvalidos; e proporcionar recreios aos associados e suas famílias por meio de bailes, jogos lícitos, etc.. O Club teve como sócios-fundadores João Leite Artiaga Souto Maior, João Maria Feijóo, Albertino José de Senna, Joaquim Maria Feijóo, João José Nunes, Manuel Joaquim Mouta, entre outros. A 25 de Fevereiro foi ainda aprovado em Portaria, a criação, em S. Vicente, de um batalhão de voluntários, com o nome de “Centro Democrático Marinha de Campos (Corpo de Voluntários Republicanos do Mindello)”365. Assinaram o requerimento de petição cento e vinte cidadãos, dos quais faziam parte Pedro Rogerio Leite, Carlos Augusto Figueira, Francisco António Nobre Leite, Manuel Adolpho de Brito, José Pedro dos Santos, João Ferreira de Mattos e César Serradas. Aventa-se a hipótese destas organizações poderem ter servido para dar cobertura às actividades humanitárias das oficinas maçónicas, a partir de 1911, ou serem mesmo “choças” carbonárias. Em síntese, a Carbonária, enquanto força de choque apoiada na Maçonaria e formada para fins transitórios, defender o regime Republicano, só em parte realizou os seus fins em Cabo Verde já que também preconizava a autonomia das Ilhas. Portaria N.º 14, de 7 de Janeiro de 1911, publicada no B. O., N.º 1, Praia, 7 de Janeiro de 1911. Portaria N.º 31, de 20 de Janeiro de 1911, publicada no B. O., N.º 3, Praia, 21 de Janeiro de 1911. 365 Portaria N.º 66, de 25 de Fevereiro de 1911, publicada no B. O., N.º 9, Praia, 4 de Março de 1911. 363 364

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A Emigração A emigração é um tema serôdio na vida cabo-verdiana, tendo tido o seu início ainda nos finais do século XVII e sido mantido até hoje. Este fenómeno parece ser a solução a que a população recorre para a escassez sistemática dos recursos das ilhas. A América – A Terra de Trabalho, Liberdade e Progresso Nos finais do século XVII, baleeiros americanos e de outras nacionalidades começaram a pesca de cetáceos nos mares dos Açores e das Ilhas de Cabo Verde. As relações com os insulares, entre os quais procuravam auxiliares para as tarefas da pesca, terão aberto aos cabo-verdianos as perspectivas de emigrar para os Estados Unidos (Carreira, 1983a). A expressão desta emigração foi deveras significativa, tendo dado origem a focos de populações cabo-verdianas nos Estados da Nova Inglaterra, que hoje têm uma grande dimensão e importância para a emigração cabo-verdiana e, consequentemente, para a sobrevivência e vivência de Cabo Verde. A fama de corajosos marinheiros e bons trancadores de baleia ter-se-á espalhado e os barcos cresceram em número na procura dos naturais da ilha da Brava. De 1880 a 1889, uma vaga de naturais dessa ilha seguiu nos navios de baleia e, a partir da última data, a emigração para os Estados Unidos atingiu as restantes ilhas, com grande entusiasmo e êxito366, como se pode ver do gráfico abaixo, ressalvando-se, contudo, que, dos 293 emigrantes em 1900, não existem informações das suas ilhas de origem, pelo que este grupo não foi nele incluído (Gráfico 5.1).

Teixeira de Sousa, “Cabo Verde e a sua Gente”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 109, Praia, Outubro de 1958. 366

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A Construção de uma Identidade Nacional - O Sentimento Nativista: A Geração de Eugénio Tavares Gráfico 5.1 Emigrantes para os Estados Unidos, Segundo as Ilhas de Origem ���

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Fonte: Gráfico construído com base em Carreira, Migrações nas Ilhas de Cabo Verde, 1983

Quando a pesca da baleia, por meio de navios à vela, foi sendo substituída por navios a vapor e se aperfeiçoou o meio de explorar aquela indústria, deixaram os baleeiros, a partir de 1891, de ir à ilha Brava em busca de tripulações, cedendo os americanos a posição aos portugueses367. Porém, conhecida já então a América e os seus enormes recursos, a emigração continuou a encaminhar-se para aquele país, onde o trabalho não escasseava e era compensador (Tavares, 1911). Da América, os emigrantes mandavam mensalmente dinheiro à família e em épocas de crises acudiam aos seus, aliviando com isso os cofres do Estado nos socorros que se via obrigado a prestar com a abertura de trabalhos públicos. Passados anos voltavam, com outros hábitos e outros costumes, trazendo um pecúlio com que adquiriam terrenos e construíam casas. Com este movimento, entravam também ideias e ideologias. Entrementes, desenvolvia-se nos EUA uma forte corrente de opinião contrária à entrada no país de africanos e analfabetos. Em Abril de 1915, o Governo da Província tornou público as decisões aprovadas pelo Senado norte-americano sobre a emigração: “O Senado dos Estados Unidos votou, com algumas emendas, o novo projecto de lei sôbre emigração, que proíbe a entrada de analfabetos no território da Carreira, “A navegação de longo curso e o comércio nas ilhas de Cabo Verde no século XIX”, p. 8-27, Raízes, N.ºs 7/16, Praia, Julho-78/Dezembro-1980, informa que, por alturas de 1872, fora criada a Empresa da Baleia do Carriçal, que mais tarde instalou sucursais no Tarrafal, Garça e Barreiras (S. Nicolau). 367

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República Norte Americana, projecto que fôra aprovado na anterior sessão legislativa da câmara dos deputados. Entre as emendas há uma que recusa a todos os indivíduos da raça preta o direito de entrarem como emigrantes naquele país. [...] É duvidoso que o presente Congresso, apesar de grandes maiorias que aprovaram o projecto com tal exclusão, consiga transforma-lo em lei, contra a expressa vontade do Presidente. Todavia, admitindo-se a hipótese da possível aprovação do projecto proibindo a entrada de analfabetos [...], publica-se esta notícia, como prevenção [...] que podem num futuro não distante vêr tolhida uma emigração que até ao presente se lhe tem facilitado e de que tiravam vantagem”368. Em circulares dirigidas às administrações dos concelhos, o Governador Fontoura da Costa (1915-1918) recomendou que exortassem os interessados a frequentar as escolas primárias, a fim de aprenderem a ler e escrever369, ao mesmo tempo que eram tomadas medidas para disseminar, o mais possível, a instrução primária na província: “[...] tem o Govêrno da Provincia, procurado providenciar, submetendo ao Govêrno da Metrópole, em 1915, um projecto de reorganização do ensino primário, que recentemente renovou, e que tem por fim, não só melhorar as condições de tal serviço, – preparação e admissão de professores e suas garantias – mas tambêm aumentar o número de escolas e postos de ensino, estimulando, outrosim, o leccionamento particular na província, onde quer que êste seja susceptível de aproveitamento” 370. A decisão dos EUA de proibir a entrada de emigrantes analfabetos causou séria inquietação nas ilhas. As opiniões dividiram-se e a questão foi debatida na imprensa. Eugénio Tavares (1918) veio à liça e, em carta da Brava dirigida ao também cabo-verdiano D. Alexandre d’Almeida, como resposta a um artigo escrito por este, explica as vantagens materiais e espirituais que havia na emigração para os Estados Unidos:

“Emigração de naturais de Africa e analfabetos para os Estados Unidos da América do Norte”, Boletim Oficial, N.º 15, Praia, 10 de Abril de 1915. 369 Circulares às administrações dos concelhos”, B. O., N.º 18, Praia, 15 de Maio de 1915. 370 Idem, B. O., N.º 18, Praia, 26 de Maio de 1915. 368

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“1º – O caboverdeano não vai à América apenas à cata de alimento; 2º – O caboverdeano, quando regressa, (pois que sempre regressa quem como ele ama a família e a terra em que nasceu) traz, não só dóllars, senão luzes; e apresenta, não só um exterior de civilizado, mas uma noção social por vezes mais justa que aquela que de outra parte lhe seria impossível trazer; 3º – Que o caboverdeano, na América, modifica o seu modo de ser moral, erguendo-se de um absoluto anonimato social a consciente elemento de progresso; 4º – Que, açacalado no contacto do grande povo americano, o caboverdeano aprende a encarar a vida por um prisma elevado; cria necessidades que lhe educam a vontade em lutas mais nobres; integra-se na civilização, já se não adaptando dentro da estreita exigência da cubata e da cachupa; já dificilmente suportando as exigências tirânicas de um trabalho humilhante e mal remunerado, facto que por mais de uma vez o contra-indicou para as encomendas de forças físicas periodicamente facturadas para S. Tomé e Príncipe; 5º – Que, finalmente, o caboverdeano pertence, como todos nós sabemos, a esse número de homens cujas aspirações se não limitam à actividade mandibular [negritos nosso]” (1918:6-7). Era, portanto, já nesta altura evidente para a sociedade cabo-verdiana a influência progressista da emigração sobre a comunidade das ilhas, apodando-a de “consciente elemento de progresso”. Em 1920, vivendo Cabo Verde uma nova crise alimentar e de fome, e tendo em consideração a necessidade de se facilitar a emigração para os Estados Unidos da América, o Governo determinou que a concessão de passaportes fosse feita na Praia e nos concelhos de fora da capital da província pelas administrações dos concelhos, dispensando o pagamento do imposto de selo no acto da saída, mediante uma declaração de dívida, a ser paga posteriormente por intermédio das famílias ou nos consulados dos países onde os emigrantes fossem residir, “como um dos recursos mais válidos e práticos de melhorar as condições de vida de um grande número de famílias, tanto pela assimilação de ensinamentos práticos de hábitos de trabalho que adquirem os emigrados, como pela importante corrente de numerário que esta emigração mantém a favor da província e que influi já consideravelmente na sua economia, contrabalançando de modo 243

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notório os desequilíbrios da produção agrícola irregular da colónia [negritos nosso]”371. Pela sua importância para a economia da colónia, compreende-se a aplicação desta medida, certamente de difícil gestão administrativa. A evolução deste contingente de emigração foi notória já que, entre os que emigraram ou seguiram a bordo dos veleiros para a América, muitos aderiram aos ideais modernos ali enaltecidos, desde as ideias republicanas e maçónicas, às do protestantismo. Retornados a Cabo Verde com este capital simbólico, esses emigrantes procuraram difundir a nova fé e os valores adquiridos, cuja novidade veio a despoletar, como sempre acontece nestes casos, uma forte resistência. Foram, por exemplo, acusados de “propagandistas contra a religião catholica aqui [na ilha Brava], apesar das providencias da parte do administrador do concelho e parocho da freguezia, continua[re]m a semear o mal”372 e, por isso, perseguidos por “crimes de abuso de manifestação de pensamento”373. É, neste fenómeno, evidente que a evolução do pensamento, individual ou comunitário, acontece relativamente a um conjunto de valores, que o indivíduo toma como uno, levando-o a alterar diversas facetas das suas convicções. Neste caso, a sua integração numa sociedade mais “moderna” trouxe-lhe mudanças simultaneamente do foro religioso e político, quiçá as características mais intrínsecas da personalidade. Exemplo paradigmático deste fenómeno é o caso de João José Dias (Brava, 1873-1964). Tendo emigrado para os EUA com o pai, em 1889, nos navios da pesca da baleia, fixou-se em New Bedford, Massachussetts, tendo-se depois mudado para Providence, Rhode Island, onde passou a frequentar a “Igreja do Povo da Associação das Igrejas Pentecostais da América”. Regressado a Cabo Verde em fins de oitocentos, João José Dias (“Nhô Djôm Dias”) iniciou um trabalho pioneiro na sua ilha natal, como missionário e Pastor da Pentecostal Nazarene Church374. Em Outubro de 1907, a fusão, nos EUA, de duas associações de igrejas de que esta fazia parte, dá origem à Igreja do Nazareno.

Portaria N.º 196, de 19 de Março de 1920, publicada no B. O., N.º 13, Praia, 27 de Março de 1920. “Cabo Verde”, O Ultramarino, N º 21, Lisboa, Janeiro de 1900. 373 Benjamim R. Duarte, “O Evangelho na Ilha Brava”, A Voz de Cabo Verde, N.ºs 169 e 173, Praia, Novembro e Dezembro de 1914. Cf. ainda Francisco Xavier Ferreira, Primórdios do Evangelho em Cabo Verde, Brava, 1972. 374 Idem, ibid. 371 372

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Esta, em 1908, perfilha a obra cabo-verdiana375, à testa da qual continuou o Rev. João Dias até 24 de Março de 1936, quando, jubilado, regressou aos EUA, tendo sido substituído pelos missionários americanos Everette e Garnet Howard, que permaneceram em Cabo Verde até Agosto de 1951, tendo-lhes seguido vários outros missionários, todos eles americanos376. A par do ministério da pregação do Evangelho nas ilhas da Brava, Fogo, Santo Antão e S. Vicente, o Rev. João José Dias, também republicano convicto – a provar a tese atrás anunciada – desenvolveu uma actividade importante, mas ignorada, que merece aqui o devido destaque, pois é aí que, além da influência política que teve, a sua vida cruza com a de Eugénio Tavares, também republicano militante. Sendo um dos principais apoiantes do grupo de republicanos que fundou o “Centro Democrático Bravense” e que viria a eleger, a 17 de Junho de 1908, a “Comissão Municipal Republicana da ilha Brava”377, João José Dias lutou, durante vários anos, para que fossem implementadas em Cabo Verde as leis da República, nomeadamente, a do reconhecimento dos casamentos não celebrados pela igreja oficial, situação que o afectava directamente, pelo facto da sua cerimónia de casamento com a bravense Joana da Lomba ter sido realizada pelo Cônsul Americano, então residente na Brava e ser, portanto, um casamento apenas civil, sem a bênção da Igreja Católica, então a única reconhecida pelo Estado e sua aliada378. A influência do Rev. João José Dias e da Igreja do Nazareno foi de tal ordem na pacata ilha da Brava que basta dizer que, a despeito das perseguições de que os crentes eram alvo, com base no Artigo 130º do Código Penal do Reino379, em 1914 havia já na Nos Arquivos Oficiais da Igreja do Nazareno na Sede Internacional em Kansas City, EUA, segundo Manuela Chantre de Barros, “João José Dias e o Evangelho em Cabo Verde, Arauto de Santidade, N.º 8, Kansas City, 1993, p. 10, existe um documento em inglês com os seguintes dizeres (tradução de Manuela Barros): 375

Associação das Igrejas Pentecostais da América Líder – Hiram F. Reynolds Primeira Missão Pentecostal Portuguesa Brava, Ilhas de Cabo Verde Rev. João J. Dias – Superintendente 376

Igreja do Nazareno, Cabo Verde, 1908-1958 – Bodas de Ouro, S. Vicente, 1958.

377

A Voz de Cabo Verde, N.º 219, Praia, Novembro de 1915.

378

Idem, Ibid.

Segundo esse artigo, qualquer que faltasse respeito, propagasse doutrinas contrárias, tentasse fazer prosélitos ou celebrasse culto não católico, seria punido com pena de prisão. 379

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Ponta Achada uma igreja com 60 membros380. Muitas das figuras eminentes da ilha Brava, destacando-se entre elas os poetas Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), que viveu algum tempo em New Bedford, onde pode ter tido contactos com as Igrejas Protestantes, e João José Nunes (Brava, 1885-1965), amigo e discípulo de Eugénio Tavares, membro fundador do “Club Republicano Marinha de Campos”381, tornaram-se simpatizantes das doutrinas protestantes, tendo-se mesmo algumas unido à Igreja do Nazareno382. Amigo pessoal e compadre do Rev. João José Dias, o poeta Eugénio Tavares chegou a ser contratado como professor da Escola Diária, aberta na Brava em 1920 – a primeira Escola Primária da Igreja do Nazareno – com o apoio da Junta Geral de Missão Estrangeira, tendo alcançado uma matrícula de mais de 100 alunos383. É devido a essa ligação que Eugénio Tavares escreveu autos para serem representados na Igreja do Nazareno por ocasiões festivas e compôs alguns dos seus hinos, entre os quais a marcha “Para o Céu” e “Ergo os Olhos” (Ver Anexo 7: Quadro 18). Vem a propósito dizer que João José Nunes escreveu também vários hinos, especialmente cânticos de Natal, como “Entrai Irmãos” e “O Céu em Luz Fulgindo” (Ver Anexo 7: Quadro 19), hinos esses que continuam, ainda hoje, a ser tocados e cantados nas Igrejas do Nazareno em Cabo Verde – principalmente na Igreja-Mãe da Brava – e nos cultos entre os emigrantes bravenses nos EUA, perpetuando a memória desses poetas. Informações de Manuela de Barros (1993) dão conta que a segunda Igreja do Nazareno, organizada em S. Vicente, em 1932, que começou por ser pastoreada

380

Igreja do Nazareno, Cabo Verde, 1908-1958 – Bodas de Ouro, S. Vicente, 1958.

Informações prestadas pelo Rev. David Araújo, Superintendente da Igreja do Nazareno de Cabo Verde, Praia, Junho de 2002, dão conta que em Agosto de 2001, por ocasião do centenário da Igreja do Nazareno de Cabo Verde, comemorado na ilha Brava, a Igreja estava implantada em todas as ilhas, com 4.274 membros, organizados em 34 igrejas e dirigidas por 47 pastores, com a seguinte média de frequência nas actividades religiosas: Escola Dominical, 6.930 alunos; Juniores, 989; Sociedade Nazarena das Missões Mundiais, 3.150; e Juventude Nazarena Internacional, 2.114. Isso, quando o Censo de 2000, registara como população residente de Cabo Verde 434.812 habitantes. dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), Praia, disponíveis na internet no endereço www.ine.cv. De destacar que o Seminário Nazareno de Cabo Verde, fundado em 1953, formou até Agosto de 2001, 81 pastores (homens e mulheres), que se encontram a trabalhar em Cabo Verde, nos EUA, Brasil, Portugal e Zimbabwé – Informações prestadas pela Dra. Odette Pinheiro, Directora do Seminário Nazareno, S. Vicente, Junho de 2002. O Clube foi criado pela Portaria N.º 31, de 20 de Janeiro de 1911, publicada no B. O., N.º 3, de 21 de Janeiro de 1911. 381

382

Manuela Chantre de Barros, op. cit.

383

Idem, ibid.

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pelo Rev. João Dias, foi entregue aos cuidados de leigos, sendo um deles o professor Augusto Manuel Miranda (Santo Antão, 1876-1962)384, figura já referida como um dos delegados em S. Vicente da Junta de Defeza dos Direitos de África (Lisboa, 19121921) e de que se falará sobejamente no capítulo seguinte, pela sua importância como jornalista. Estes factos mostram que a entrada da Igreja do Nazareno através da emigração dos EUA e a sua expressão na sociedade cabo-verdiana de então terá representado mais um veículo importante na formação intelectual, reserva moral, transmissão de valores, consciencialização e defesa dos interesses dos filhos das ilhas. Contudo, estão ainda por analisar devidamente todas as relações existentes entre as atitudes de tipo protestante, de facto uma filosofia de vida, e o nacionalismo. Assim, impõe-se um estudo sobre o papel desempenhado pelas Igrejas Protestantes em Cabo Verde, já que, tal como João José Dias, outros “americanos” retornados terão repetido esta influência, como por exemplo, António João Gomes e a Igreja Adventista do Sétimo Dia385 e, certamente, muitos outros. S. Tomé e Príncipe – A Terra Maldita de Desterro Em meados dos anos oitocentos, acossados pela fome, extrema miséria, falta de trabalho e de recursos de toda a espécie, tendo sido aberta a larga porta de saída para S. Tomé e Príncipe, que então lutava com falta de braços para a agricultura, os cabo-verdianos emigraram aos milhares para aquelas ilhas. Tendo alguns proprietários de S. Tomé resolvido, a instâncias do Governo, engajar braços na Ilha de Santiago para os trabalhos agrícolas nessa província, uma portaria régia de 19 de Dezembro de 1863 determinou que o Governo-Geral de Cabo Verde facilitasse “por todos os meios ao seu alcance” a emigração de braços livres, e em

384

Cf. ainda Manuel Ramos, A Origem dos Baptistas em Cabo Verde, S. Vicente, 1996.

António João Gomes, natural da ilha Brava, emigrante para os EUA aos 17 anos. Depois de ali ter cursado Engenharia Mecânica, regressa à sua ilha natal, entre Outubro e Novembro de 1933, para estabelecer os alicerces da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Retornado aos EUA, ao seio da sua família, em 1935, António Gomes foi substituído pelos missionários portugueses Alberto e Nazaré Raposo, que deram continuidade ao trabalho na ilha e dirigiram a construção do primeiro templo no local de Nossa Senhora do Monte. Da Brava o Evangelho passa para as outras ilhas, contando a Associação Adventista de Cabo Verde, com sede na Praia, no ano de 2000, com cerca de 50 igrejas e congregações denominacionais, quase todas lideradas por pastores nacionais. Artur Vieira, A Mensagem Adventista em Cabo Verde, Brasil, 2000. 385

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condições favoráveis que os referidos proprietários pretendessem utilizar, “como meio eficaz de socorrer os habitantes de S. iago [...] mais avexados da fome, com grande utilidade de uma importante possessão egualmente portugueza”386. Na sequência, uma outra portaria real, de 5 de Março de 1864, comunicava ao governador Carlos Alberto Franco (1860-1864) que “a direcção da real companhia União Mercantil, manda dar passagem gratuita, nos seus barcos, a todos os individuos da dita provincia que quizerem emigrar para a ilha de S. omé, ou para Loanda; tomando-os em S. Vicente, ou na cidade da Praia, e ficando por conta do governo o sustento dos mesmos individuos durante a viagem”387. Assim, a 29 de Março, a bordo de D. Pedro, o primeiro vapor da carreira de África que escalou Cabo Verde, seguiram os primeiros 86 trabalhadores emigrantes, “engajados na conformidade das disposições que regem tal assumpto”388. Ao mesmo tempo que o Governo do Reino incentivava a emigração para S. Tomé, ordenando ao governador da província que, “em qualquer transporte de que possa dispôr, ou nos paquetes, faça transportar para as ilhas de S. ome e Principe até mil individuos de ambos os sexos, empregando para esse fim os meios possiveis de persuasão”389, ordenava veementemente que se continuasse a “desaccumular a população da cidade [da Praia], obrigando a regressar para as povoações de onde vieram [...] empregando para esse fim medidas de polícia e que toda a população enferma que não fôr possível pelos meios indicados fazer sahir de prompto da cidade, deve ser logo transportada para o ilhéu [de Santa Maria]” defronte390. Menos de um mês depois, o Governo do Reino voltava a recomendar que, “em quanto durar a actual crise alimenticia do archipelago, continue a facilitar a emigração voluntaria dos pontos onde sobrar a população indigente”391. Com esta alternativa apresentada aos esfomeados da grande fome de 1864-1866, começava uma nova forma de triste subsistência. Posteriormente, em 1903-1904, quando uma nova e tremenda crise dizimava cerca de um terço da população da ilha de Santiago, os contratados, Portaria N.º 250, de 19 de Dezembro de 1863, publicada no Boletim Official N.º 3, Praia, 30 de Janeiro de 1864. 386

387

Portaria N.º 40, de 5 de Março de 1864, publicada no B. O., N.º 12, Praia, 12 de Abril de 1864.

388

Officio N.º 710, de 29 de Março de 1864, publicado no B. O., N.º 12, de 12 de Abril de 1864.

389

Portaria N.º 105, de 18 de Maio de 1864, publicada no B. O., N.º 23, de 18 de Junho de 1864.

390

Idem, ibid.

391

Portaria N.º 127, de 8 de Junho de 1864, publicada no B. O., N.º 24, Praia, 23 de Junho de 1864.

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sem recursos para se dirigirem a outros pontos, aceitaram-na como único refúgio contra a morte. A esses, impunha o destino o dilema: morrer à fome ou emigrar para S. Tomé e Príncipe. Esta é uma emigração diferente da dos EUA pelo facto de se processar em consequência da ruptura do equilíbrio produção/população, provocada por secas, que geravam fomes e mortandades. Face a esta situação, os governos aproveitaram para incentivar e encaminhar, por meio de medidas legislativas ou de processos administrativos, a saída da população com objectivo de proporcionar mão-de-obra abundante e a baixo salário, às organizações agrícolas e industriais da região tropical ou equatorial, o que fez desta, uma emigração forçada (Carreira, 1983a). Segundo notícias do jornal O Independente (Praia, 1912-1913), esses emigrantes não se deram bem. Pouco habituados à férrea disciplina das roças, com maior compreensão dos seus direitos do que os serviçais de Angola, reagiram violentamente contra os castigos corporais e também contra “as arremetidas cupidenças dos feitores a quem o olhar dôce e voluptuoso das caboverdeanas déra voltas ao miolo”392. Das enormes levas de serviçais para aquela colónia em 1903 e 1904, respectivamente, 2.500 e 2.239 (Carreira, 1983a), mais da terça parte não regressou a Cabo Verde. A doença, a miséria e a fome, que lhes tinham minado o organismo, matara-os ou em viagem ou depois em terra. A doença do sono também lá os vitimava ou iam morrer em Cabo Verde, para onde regressavam com a doença. Este tipo de emigração foi, por isso, profundamente antipática aos cabo-verdianos. Os periodistas dos inícios de novecentos, nomeadamente, Luiz Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1923), Eugénio da Paula Tavares (Brava, 1867-1930), José Lopes da Silva (S. Nicolau, 1872-1962) e Pedro Monteiro Cardoso (Fogo, 1833-1942), entendiam que se devia fazer a mais rasgada e pública propaganda contra a emigração para S. Tomé e “animar a saída, protegê-la e até subsidiá-la” para a América, a Argentina e o Uruguai. No soneto “Emigração”, escrito “a propósito da emigração para S. Tomé e Príncipe”, Eugénio Tavares (1912) faz um retrato realista da partida para as roças e do regresso desolador dos contratados e é apologista da emigração para a América – ide mais distante, ide à América / A terra de trabalho e liberdade!393. 392 393

“S. omé e Príncipe e a emigração caboverdeana”, O Independente, 1º Ano, N.º 15, Praia, Agosto de 1912. Eugénio Tavares, “ Emigração”, A Voz de Cabo Verde, N.º 35, Praia, 15 de Abril de 1912.

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Facto aberrante e intolerável para os naturais de Cabo Verde era a faculdade que o regulamento em vigor concedia aos patrões de aplicarem aos trabalhadores, “como se fossem menores, correcções moderadas”394, eufemismo com que veladamente se autorizavam castigos corporais aos serviçais. O cabo-verdiano não apenas não admitia esse tipo de castigo corporal como punia severamente quem o ultrajava: “Em Cabo Verde, é facto, tem-se morrido à fome. Sob o governo do sr. Cid [1902-1903] – hoje, também, republicano! – vinte mil miseráveis foram atirados à vala. A cada passo se encontra [...] homens que morrem sem uma queixa; mas é difícil encontrar um preto ou um mestiço que suportem a chicotada de um comitre sem responder com essa criminosa energia, à qual, raros sobrevivem os que vibram o chicote e o ultraja. Já se tem experimentado. O caboverdeano tem esse grande defeito de não prestar a um certo número de trabalhos”395. Toda esta situação fez o cabo-verdiano confrontar-se com as suas características intrínsecas e questionar os seus princípios face a todas as submissões e injustiças. Certamente que a relação do cabo-verdiano nas roças de S. Tomé e Príncipe com outros serviçais de Angola e Moçambique, por um lado, o confronto com os roceiros, através dos administradores e dos feitores brancos, por outro, bem assim as condições de trabalho degradantes impostas nas roças de forma indiscriminada396, terão contribuído para a consciencialização da sua identidade cultural. E foi assim que, internamente, a despeito das suas divergências políticas, os principais periódicos publicados nos inícios da República – A Voz de Cabo Verde (Praia, 19111919)397, O Independente (Praia, 1912-1913)398, O Progresso (Praia 1912-1913)399, O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-1916)400, O Popular (S. Vicente, 1914-1915)401 e O “S. omé e Príncipe e a emigração caboverdeana”, O Independente, 1º Ano, N.º 15, Praia, Agosto de 1912. “Pela Imprensa do Paiz”, A Voz de Cabo Verde, N.º 25, Praia, Fevereiro de 1912. 396 A esse propósito, ver William A. Cadbury, Os serviçaes de S. omé: relatório d’uma visita às ilhas de S. omé e Principe e a Angola, feita em 1908, para observar as condições da mão d’obra empregada nas roças de cacau da África portugueza, Lisboa, 1910. 397 A Voz de Cabo Verde, Praia, Março de 1911 a Maio de 1919. Administrador: Abílio Monteiro de Macedo; Editor: João Maria Parreira; Director: Gustavo Carlos da Fonseca. Embora o seu nome não figurasse no cabeçalho do jornal, Eugénio Tavares foi seu redactor nos primeiros anos. 398 O Independente, Praia, Janeiro de 1912 a Outubro de 1913. Proprietário: Luiz Loff de Vasconcellos; Redactor e Editor: Gustavo Carlos da Fonseca. 399 O Progresso, Praia, Julho de 1912 a Outubro de 1913. Directores: César de Sá Nogueira e José do Sacramento Monteiro; Editor: Francisco Xavier Resende Mascarenhas. 400 O Futuro de Cabo Verde, Praia, Maio de 1913 a Outubro de 1916. Director: José do Sacramento Monteiro; Editor e Administrador: Sebastião M. Moreira. 401 O Popular, S. Vicente, Outubro de 1914 a Outubro de 1915. Director: Dr. Mário Ferro; Editor e Proprietário: C. Matos. 394 395

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Caboverdeano (Praia, 1918-1919)402 – se uniram no combate contra à reabertura da contratação de serviçais para trabalhar nas roças de S. Tomé e Príncipe, na sequência das terríveis fomes de 1900-1903, e o encerramento da emigração para a América, em 1915403.

2.2 - As Aspirações da Elite Letrada Recua a 1856, cerca de uma década e meia depois do estabelecimento da imprensa em Cabo Verde e ainda durante o período da escravatura, que só viria a ser oficialmente abolida em todos os domínios portugueses treze anos mais tarde, a primeira manifestação literária claramente expressiva de um sentimento revelador da especificidade do homem nativo das ilhas. José Evaristo d’Almeida, referido atrás como um dos intelectuais europeus que terá produzido estímulo e lançado sementes de novas ideias na elite letrada local, editou em Lisboa o romance O Escravo (1856). Este tem por pano de fundo os acontecimentos históricos ocorridos em 1835404, sendo Prefeito o Conselheiro Antonio Manoel Martins, e a sua personagem-herói é um escravo “nascido-na-casa”, ou seja, filho de um europeu e de uma escrava, logo, crioulo. A este escravo mestiço são atribuídos sentimentos e virtudes, caso ímpar para a época em que, nas então colónias ultramarinas, os escravos eram tidos e tratados como mercadoria, logo, desumanizados. O romance revela, portanto, para a época, uma visão que hoje diríamos progressista e que, eventualmente, seria compartilhada por outros intelectuais em Cabo Verde.

O Caboverdeano, Praia, Abril de 1918 a Março de 1919. Director: César Augusto Pereira de Sá Nogueira; Administrador: José Maria Mendes Fragoso. 403 Em Abril de 1915, o Senado dos Estados Unidos votou, com algumas emendas, o novo projecto de lei sobre a emigração, que proibiu a entrada de analfabetos no território norte-americano. Boletim Official de Cabo Verde, N.º 15, de 10 de Outubro de 1915. 404 Os acontecimentos referidos e registados por Senna Barcellos (1910) são: (i) a revolta do “Batalhão de Infantaria N.º 21”, constituído na sua maioria por açorianos da ilha de S. Miguel, que, em Março desse ano, tendo aclamado D. Miguel, prendeu o Prefeito, assassinou os oficiais, saqueou a Vila da Praia e fugiu por barco; e (ii) a revolta dos escravos na ilha de Santiago, ocorrida em Dezembro e que terminou com o fuzilamento dos cabecilhas. Segundo a descrição corrente, os escravos reuniam-se num clube no Monteagarro, na Achada de S. Filipe, a 4 quilómetros da Vila da Praia, numa casa de Manoel Antonio Martins. Resolvera-se nesse clube que todos os escravos assassinariam num determinado dia de Dezembro desse ano de 1835 todos os brancos e seus senhores; e os pobres livres auxiliariam também a matança dos proprietários e assim ficariam de posse da Ilha de Santiago. O movimento alastrar-se-ia às outras ilhas do Arquipélago. Santa Rita Vieira (1986) considera os preparativos para a revolta dos escravos como sendo um dos movimentos precursores mais expressivos para a independência de Cabo Verde. 402

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Recorde-se que em 1834, de acordo com Lopes de Lima, (1844) a população das ilhas era de 55.833 habitantes, em que 93% era constituído por homens livres e apenas 7% (ou seja, 3.908 indivíduos), por escravos, sendo o valor médio de um escravo ou escrava, em 1844, de 150$000 réis, com ofício, e 117$000 réis. O que quer dizer que os escravos eram em minoria e um luxo que poucos poderiam possuir, o que fazia da sociedade pouco hierarquizada em termos de estrutura social. Tome-se como referência do valor de um escravo, o vencimento anual fixado em 1845 para cada um dos professores a leccionar na Escola Principal, 400$000 réis405. O arrolamento oficial feito por intermédio das câmaras municipais em 1856 – o ano da publicação do romance – dava como certo o número de 5.168 escravos a habitar o arquipélago, dos quais 1.519 viviam na Praia, sendo 771 do sexo feminino e 748 do sexo masculino406. A partir de 1877 – data de publicação do primeiro jornal não oficial – e durante todo o primeiro e segundo períodos de edição dos periódicos, respectivamente, 18421910 e 1910-1926 (ver Anexo 5: Quadro 15), os temas tratados foram essencialmente a reclamação igualitária, na base das leis, para o acesso às funções públicas e à instrução popular, e o apelo à solução dos problemas do comércio, da agricultura, das secas e das crises. Esta concentração de interesses sobre as questões reais internas parece ter proporcionado um progressivo crescimento da consciência nativista, como precursora da consciência nacional, que muito mais tarde veio a emergir. De facto, o jornal A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919) traz à liça a discussão do tema do nativismo, O Progresso (Praia, 1912-1913) reage atacando, O Futuro de Cabo Verde (Praia, 19131916) entra na discussão e instala-se o debate com posições, no mínimo, ambivalentes: ora oscilando entre a frontalidade da assunção do Nativismo ora rejeitando qualquer ideia de ruptura dos laços com a Pátria portuguesa. A Assunção do Termo Nativismo Embora sem catalogação expressa ou implícita evidente, há em José Lopes

Boletim Official, N.º 112, Praia, 25 de Outubro de 1845. Padre António Brásio, “Descobrimento/Povoamento/Evangelização do Arquipélago de Cabo Verde”, in Separata de Studia, N.º 10, Lisboa, Julho de 1962. 405 406

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(1899)407 a assunção do sentimento nativista, no sentido em que defende os direitos dos filhos da terra e uma autonomia para as ilhas, chegando mesmo a falar na sua independência. Brandindo a sua prosa contra uma “lei infame” e discriminatória de 1899, que autorizava qualquer filho do Reino, empregado público, achando-se doente, a ter licença de saúde para ir a Portugal tratar-se e um filho do Ultramar não o poder fazer408, escreveu: “os portuguezes de lá são os ditosos. Para elles são as mellhores collocações, os logares d’alta representação a elles são reservados, e conheço muitos d’esses abutres famulentos, que não se recomendam [...]. Os portuguezes de cá são os ilotas abandonados, os filhos esquecidos [...] as bestas de carga”409. Na sua decorrência, José Lopes exprime um desejo: “Tenho anceios de que algum dia, embora no derradeiro momento da vida, pudesse ter prazer de vêr estas pobres ilhas independentes, felizes, como a microscópica Andorra, ou São Marino. Anceios de vêr transformada em Templo de felicidade esta pobre terra, mercado de gananciosas ambições, casa de jogo onde se roubam a sorte dos que jogam e ganham...”410 Um outro nativista, Eugénio Tavares, no período em que esteve exilado nos EUA, escreveu no semanário A Alvorada (New Bedford, Mass. 1900-1914), de que era redactor, um editorial intitulado “Autonomia”411, onde ironiza o facto de, nas colónias portuguesas na altura, quase não se pensar nas “bagatelas” da independência. No caso da Madeira e dos Açores, “tiveram pelos beiços esse mel de ilhas adjacentes, um osso para enganar a fome da independência”. Contudo, em quase todo o ultramarino português, muito raramente se pensava então em criar um partido autonómico, defendendo Tavares que era preciso fazê-lo. O editorial termina com a seguinte declaração de fé: “Portuguezes irmãos, sim; portuguezes escravos, nunca. Havemos de ter o nosso Monroe: A Africa para os Africanos”412.

José Lopes, “Licenças de Saúde”, Revista de Cabo Verde, N.º 13, S. Vicente, Setembro de 1899. A referida lei só viria a ser abolida pelo Decreto N.º 1:141, publicado no Diário do Governo, N.º 226, de 3 de Dezembro de 1914, por iniciativa do Senador Augusto Vera-Cruz. 409 José Lopes, “Licenças de Saúde”, Revista de Cabo Verde, N.º 13, S. Vicente, Setembro de 1899, pp. 3-4. 410 Idem, ibid. 411 Eugénio Tavares, “Autonomia”, A Alvorada, N.º 2, New Bedford, Agosto de 1900. 412 Referência a Jaime Monroe (1758-1831), quinto presidente dos Estados Unidos que governou a União de 1817 a 1825, cujo nome ficou ligado à famosa doutrina que repele a intervenção da Europa nos negócios da América. 407 408

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Poderá ser sintomático o facto de, nesse mesmo número, A Alvorada anunciar a publicação, em S. Vicente, de um jornal – Autonomista – de responsabilidade do Dr. Oliveira e Luiz Loff de Vasconcellos, mas que nunca chegou a sair. A autonomia era o regime que um certo sector da sociedade, eventualmente mais moderado, vinha defendendo para Cabo Verde, havendo, contudo, quem fosse mais longe e advogasse a independência das ilhas, como José Lopes, a que fizemos referência a propósito da lei das “licenças de saúde”, em 1899, e outros. De recordar que, na noite de 30 de Março de 1911, dirigindo-se ao povo que no largo em frente ao palácio oficial se congregava, em manifestações de simpatia a respeito da sua chamada a Lisboa, o Governador Marinha de Campos proferiu um discurso em que incitou e aconselhou o povo à revolta e a pedir a Portugal a autonomia da província ou sua independência: “A minha pena é não ser filho de Cabo Verde, entre vós falta um homem, sim, não vejo entre vós um homem que fosse qual outro Aguinaldo que vos levasse á revolta para tornar as ilhas independentes ou autonomas, como aquelle que tornou as Philipinas. Eu se fosse filho da terra saber-me-hia defender; refugiar-me-hia nos montes [...] e que fossem ahi buscar-me quantos governadores quizessem, que não seria attingido pelas balas da mãe patria. E vós povo de Cabo Verde! Se quereis ser autónomo ou independente, mostrae e procedei como procedi nas minhas jornadas de 3, 4 e 5 d’ outubro nas ruas de Lisboa” (Duarte Graça, 1911:53). Este discurso viria a custar o lugar ao Governador. Na Metrópole receara-se que ele quisesse ser aquele Aguinaldo filipino na província de Cabo Verde e, demitindoo, mandaram-no recolher sob prisão a Lisboa, onde devia entrar na fortaleza de S. Julião da Barra, a prisão política da República (Duarte Graça, 1911). No ano seguinte, Afro, isto é, Pedro Cardoso (1912), num artigo, em protesto contra as ambições da poderosa Alemanha, tem um desafogo final: “Antes a [albarda] portuguesa que é leve e macia, e com dois respingos se pode atirar fora”413. Estava dado o mote. O jornal O Progresso contesta414, A Voz manifesta o seu apoio incondicional a Afro415, este volta à carga assumindo o Nativismo e instala-se a discussão sobre um tema que viria a prolongar-se por vários anos e fazer correr muita tinta: Afro, “Nativismo”, secção “A Manduco...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 51, Praia, Agosto de 1912. “Nativismo”, O Progresso, N.º 7, Praia, Agosto de 1912. 415 “Nativismo”, A Voz de Cabo Verde, N.º 53, Praia, Agosto de 1912. 413 414

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“Limito-me, pois, a afirmar que sobre os lombos dos indígenas de qualquer possessão, pesa sempre a albarda imposta pelo possuidor, que o sentimento nativista existiu, existe e existirá sempre em Cabo Verde como na Madeira e nos Açores, enquanto houver cabo-verdeano digno desse nome, enquanto as desigualdades, as injustiças e os preconceitos legalizados não forem abolidos, arrastando o seu completo desaparecimento das relações sociais [...]. O próprio O Progresso, propondo-se defender dos interesses da província, revela-se nativista”416. Posteriormente, em 1914, Afro transcreve, na sua secção “A Manduco...”, do jornal A Voz de Cabo Verde417, uma matéria do nativista D. Tomás de Noronha, onde o articulista defende a organização, em cada colónia, de um espírito de resistência indígena que, em vez de se perder em insurreições estéreis, se disponha para a luta no campo da legalidade, através de um único partido nativista, constituído por aqueles que pretendessem o bem do seu país. Em nota de fim, Afro diz perfilhar as ideias e as responsabilidades respectivas. O termo e, sobretudo, o conceito do Nativismo estava, a esta altura, definitivamente instalado e os seus principais defensores identificados, a ponto de se poder considerar um partido político, pelo qual valia a pena, melhor, se devia lutar. A Negação do Nativismo Apesar da evidência do avanço do ideário nativista, esta era ainda combatida. Reagindo ao artigo de Afro, O Progresso, tendo como directores César de Sá Nogueira e José do Sacramento Monteiro, publica um editorial considerando ter sido má fé, erro crasso e uma especulação torpe dar o nome de Nativismo a um conjunto de aspirações económicas e não políticas latentes e mal definidas do povo cabo-verdiano. Analisando as aspirações do povo, o jornal argumenta que as condições do meio da província, mormente da ilha de Santiago, fechando ao indígena, pela falta de instrução, o campo das reivindicações morais, abriam-lhe como mais compreensível e mais patente, o das aspirações económicas. E termina com uma declaração: “Quanto ao nativismo, como designação d’um regionalismo antipatriotico, não acreditamos que possa hoje existir”418, ou seja, as ideias do nativismo são reduzidas a interesses meramente económicos. Afro, “Nativismo”, secção “A Manduco...” in A Voz de Cabo Verde, N.º 58, Praia, Setembro de 1912. Afro, “Nativismo”, secção “A Manduco...” in A Voz de Cabo Verde, N.º 152, Praia, Julho de 1914. 418 “Nativismo”, O Progresso, N.º 8, Praia, Agosto de 1912. 416 417

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Em 1914, A. Corsino Lopes, numa sua “Carta de Lisboa”, a propósito da aprovação do decreto sobre as licenças aos funcionários coloniais, por iniciativa do Senador Augusto Vera-Cruz, expressa em O Futuro de Cabo Verde a sua condenação absoluta às teorias nativistas: “Sem pretensões a sectario de teorias nativistas que condenamos em absoluto pois que, a nosso ver, traduzem para aqueles que as proclamam e defendem simplesmente um sintoma de inferioridade, combatemos algumas vezes na imprensa cabo-verdeana, onde temos colaborado com assiduidade, essas leis de excepção, pelo que elas encerram de vexatòrio e iniquo”419. Os assumidos nativistas, é claro, não aceitaram esta tentativa de abafar o movimento. Eugénio Tavares reage, pois, socorrendo-se de Frédéric Mistral (1830-1914) para, a exemplo deste poeta – que “adorava a França entre todas as Pátrias, a Provença entre todas as províncias da França, a sua aldeia natal entre todas as lindas povoações provençais” – assumir e explicar o nativismo cabo-verdiano: “De nossa parte, devemos confessar esta nossa fraqueza irremediável que nos arrasta a pensar como pensou o imortal poeta das estranhas harmonias da Provença, a nos julgarmos também na suposição de um direito de amar, entre todas as Pátrias, Portugal, nossa pátria, de bem-querer entre todas as terras portuguesas, Cabo Verde, nossa terra; de adorar, entre todas as ilhas cabo-verdeanas, a ilha em que nascemos, em que amamos, em que fomos felizes [...]. Sim, nós somos nativistas”420. A. Corsino Lopes, “Respondendo Á Voz” (1915), justifica-se explicando a diferença que via entre o nativismo – que sentia dentro de si, em toda a sua alma de patriota – e as teorias nativistas – que não seguia porque “pensar na independência de Cabo Verde por agora, para já, seria uma fraqueza do meu raciocínio”421. O argumento que o levou a considerar esta fraqueza baseava-se na ligação que, pela sua pobreza, achava que Cabo Verde devia ter a Portugal. Aliás, hipótese que Eugénio Tavares, na “Nota

A. Corsino Lopes, “Senador Vera-Cruz. Licenças aos funcionários coloniais”, O Futuro de Cabo Verde, N.º 86, Praia, Dezembro de 1914. 420 Eugénio Tavares, “O Nativismo Através da Alma de Mistral”, A Voz de Cabo Verde, N.º 176, Praia, Dezembro de 1914. 421 A. Corsino Lopes, “Respondendo ‘Á Voz’ – Nativismo e Teorias Nativistas”, A Voz de Cabo Verde, N.º 183, Praia, Fevereiro de 1915. 419

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de Redacção”, refuta liminarmente: “Cabo Verde independente é parvoíce [...], nem ‘para já’, nem ‘para nunca’! [negrito nosso]”, o que confirma que esta questão não se punha para os nativistas. Loff de Vasconcellos adoptou, na sua primeira abordagem do tema, uma posição de desvio ao termo nativismo, por este estar conotado “com ódio da raça”. Assumindo-se, então, como cabo-verdiano por nascimento, Loff de Vasconcellos (1897) exprimiu o desejo de ver distinguir alguns jovens de talento das ilhas, para que lá fora se pudesse apreciar melhor o mérito dos cabo-verdianos e não continuasse a pairar sobre os nativos a desconfiança, que leva os poderes públicos ao extremo de os excluir dos cargos superiores da província, quando era certo que os que enviavam da Metrópole, nem os sobrepujava em competência nem em princípios de moralidade e justiça. E porque não queria levantar a questão de nativismo, esclarece: “Não compreendo que o africano, tendo mérito, se lh’o negue ou regateie, como não pretendo também o isolamento do elemento europeu. Nem nós somos melhores do que elles, nem elles melhores do que nós” (op. cit., p. XIV). Esta argumentação, na verdade um elemento do conceito “nativismo” continuou posteriormente, num longo artigo publicado em 1918, em que Loff de Vasconcellos refuta a ideia de “ódio de raça”: “Cabo Verde, a terra de África, mais amorosamente portuguesa, mais avançada em civilização, e que se orgulha em mandar educar os seus filhos a metrópole, onde depois ficam, pela distinção da sua inteligência, a ocupar cargos elevados na magistratura, na cátedra das suas Faculdades, na imprensa diária, no exército, na armada, na medicina, no fôro, na politica, a iluminar com o seu talento, com as suas virtudes a raça portuguesa, e a impulsiona-la para a sua perfeição, trabalhando com tenacidade, com ardente patriotismo, para o seu levantamento moral, social, politico e juridico: Cabo Verde, a terra que produz tais filhos, nunca poderá, com justiça, ser acoimada de nutrir ódio pelos metropolitanos”422. Estas incursões contra um nativismo de teor negativo mereceram esclarecimentos da outra parte. O Padre Duarte Graça (1911), na sua brochura publicada contra o Governador Marinha de Campos, escrevia: “Ser nativista não é crime, nem é tampouco desejar alguem, simplesmente, a independência da sua patria. Poderia ser, quanto muito, um sonho de visionário, 422

Luiz Loff de Vasconcellos “Entendamo-nos...”, A Voz de Cabo Verde, N.º 332, Praia, Fevereiro de 1918.

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quando essa patria não tivesse recursos próprios ou elementos sólidos para constituir sua independência e governar-se por si mesma” (1911:13). Coube ao Dr. Mário Alfama Ferro, já no fim da existência do jornal A Voz de Cabo Verde, em Março de 1919, clarificar a ambiguidade do termo, explicar o nativismo dos seus confrades e esclarecer eventuais dúvidas: “O nativismo em que se inspirava a acção deste jornal é a síntese do amor ao berço, à família, à terra natal, ao aglomerado humano de que somos elementos cooperantes. Êste é o nosso nativismo, dignificante e honroso, aquele o nativismo tomado no seu sentido péssimo, sintomático de uma baixa cultura moral e intelectual, sem existência positiva e real nesta colônia e só admissível por espíritos inferiores ou mal intencionados. Êste nativismo que tem por solido alicerce o amor ao torrão onde nascemos, despido de ódios e malquerenças, temo-lo feito e continuaremos a fazê-lo”423. Constata-se, então, que o que começou por ser um movimento de defesa natural contra a opressão e de apologia da dignidade individual se transformou num posicionamento ideológico e num conceito político que desembocava na autonomia e, no limite, então ainda utópico, na independência do território. O que é facto é que, assumindo ou evitando o termo nativismo, a elite intelectual cabo-verdiana, nem sempre uniforme ou homogénea nas suas posições, estava sintonizada num mesmo sentimento que consistia (i) na defesa dos interesses dos filhos das Ilhas, (ii) da exclusão das leis de discriminação entre os filhos da Metrópole e os filhos da terra, (iii) da afirmação da autonomia de Cabo Verde e (iv) da confirmação de um grande amor à Pátria Portuguesa. O sentimento nativista cabo-verdiano parecia traduzir, assim, a conveniência de uma ambivalência com sentidos opostos – amor a Cabo Verde e, ao mesmo tempo, amor a Portugal – mas que, para os homens dessa época, eram tidos como complementares e indissociáveis. De facto, a história mostrou entretanto que esse sentimento duplo é possível, pois é como defender ao mesmo tempo a sua região e o seu país. No seu conceito, não seria o facto dessa região ser ilhas que as oporia necessariamente ao conceito de país.

423

Mário Ferro, “Após a Suspensão”, A Voz de Cabo Verde, N.º 359, Praia, Março de 1919.

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3. O Nativismo, o Mito Hesperitano e a Crioulidade O nativismo cabo-verdiano materializa-se na criação literária a dois níveis, a saber: (i) da criação do mito das ilhas hesperitanas ou das ilhas arsinárias424, com os poetas Pedro Cardoso e José Lopes; e (ii) da defesa da crioulidade, quer como sentimento bi-pátrido quer como defesa e dignificação da língua materna, com os poetas Eugénio Tavares e Pedro Cardoso, que assim reforçam a sua intervenção política nos periódicos de Cabo Verde (ver secção anterior).

3.1 - O Mito da Atlântida ou das Ilhas Hesperitanas O recurso à lenda da Atlântida, o continente submerso, ou das Hespéridas, é uma fantasia do imaginário de alguns intelectuais cabo-verdianos, que mergulha no passado e penetra no domínio do mitológico, como “necessidade da fuga à vinculação da pátria imperial, da pátria externa, e a imperiosa apetência pela adesão à pátria interna” (Manuel Ferreira, 1985b:243). Esta terminologia de contraponto, com base na noção e na consciência de “pátria”, é notável pela clareza com que é capaz de abarcar a dualidade do sentimento cabo-verdiano do início de novecentos. A Atlântida de Platão Conforme Lewis Spence (1974), Platão (428-347 AC) cita uma obra que referencia como O Timeu, em que um certo Críton diz a Timeu e Sócrates que Drópida, o seu bisavô, lhe tinha entregue escritos e revelado tradições respeitantes aos Atenienses do passado. Críton tinha recebido estes testemunhos de Sólon, “um dos gregos mais sábios”, que os tinha recebido, por sua vez, de um sacerdote egípcio servidor da deusa Neith ou Net, em Sais, no Egipto. O sacerdote identificou a deusa em questão com a divindade grega Palas Atena e assegurou a Sólon que esta tinha fundado Atenas nove mil anos antes. Depois de fazer a Sólon um resumo da história dos princípios de Atenas, o egípcio contou-lhe que, numa determinada data, a cidade grega fora atacada por um grande

Cabo Arsinário é o nome antigo porque Cabo Verde era conhecido antes da chegada dos portugueses – “Onde o Cabo Arsinário o nome perde, / Chamando-se dos nossos Cabo Verde”, Luís de Camões, in Os Lusíadas, Canto 5º, Estância VII. 424

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poder que tinha tentado impor a marca do seu império sobre toda a Europa e Ásia. Este poder viera do Oceano Atlântico, de uma ilha situada em frente das Colunas de Hércules, ou seja, do Estreito de Gibraltar. Aquela ilha era maior que a Líbia, ou o Norte de África, e a Ásia Menor em conjunto, e “era o caminho para outras ilhas, podendo-se, através delas, passar para todo o continente oposto que rodeava o verdadeiro oceano”425. O maior pedaço de terra nesse arquipélago era chamado Atlântida e sustentava um grande e maravilhoso império, que governava sobre toda a ilha e várias outras, bem assim sobre partes do continente. Porém, os seus habitantes, não contentes com o território que já lhes pertencia, subjugaram partes da Líbia, no interior das Colunas de Hércules, até ao Egipto e da Europa até Tirrena (Itália). Avançando para o leste, atacaram a própria Grécia. Mas, através da coragem e engenho dos atenienses, os atlantes foram vencidos e, finalmente, expulsos de todas as suas concessões na área mediterrânica. Num período posterior, ocorreram terramotos violentos e inundações. Num único dia e noite de chuvas intensas, todos os guerreiros de Atenas se afundaram na terra e as ilhas de Atlântida desapareceram sob o mar, “e é esta a razão do mar nessas paragens ser impassível e impenetrável, porque há uma tal quantidade de lama baixa pelo caminho, causada pelo afundamento da ilha” (idem, ibid). Os deuses, observou Críton ao parafrasear este relato, ao dividir as regiões da terra entre si, atribuíram a ilha de Atlântida a Posídon ou Neptuno. Na parte lateral mais próxima do mar, o Oceano Atlântico, e no centro da ilha, existia uma planície fértil, a uma distância de cinquenta estádios426, da qual se erguia uma baixa montanha dominada por um dos aborígenes do país, Evenor, que tinha uma mulher, Leucipe e uma filha, Cleito. Posídon apaixonou-se por Cleito e cercou a ilha onde ela vivia com zonas alternadas de mar e terra que se rodeavam uma às outras, de tal maneira que nenhum homem pudesse chegar a este Éden. Neste labirinto insular, Posídon colocou e criou cinco pares de rapazes gémeos e dividiu a ilha entre eles; o mais velho, Atlas, recebeu como sua parte as terras da sua mãe, o maior lote, e o cargo de rei. Os outros tornaram-se chefes das ilhas contíguas, mas o ramo fundado por Atlas reteve sempre o poder imperial. De países estrangeiros

425 426

Platão citado por Spence, op. cit. p. 4. O estádio grego era igual a 602 2/3 pés ingleses (Spence, 1974).

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era trazida mercadoria muito rica e os atlantes, ou as tribos que deviam a sua origem a Atlas, exploravam metais preciosos da terra, incluindo oricalco, ou cobre. Tinham abundância de madeira para carpintaria e os animais de que se serviam incluíam o elefante. Os frutos da ilha-continente, tanto selvagens como cultivados, eram muito numerosos. Vegetais, castanhas e um fruto com uma casca dura, que fornecia bebidas, e alimento e óleos, floresciam em abundância. Por muitas gerações, a política de Atlântida não foi perturbada; o povo era gentil e obediente às leis e aos deuses e sábia na relação entre si. Também não eram atraídos pela riqueza. Mas, gradualmente, o sangue dos deuses que fluía nas suas veias foi diluído com a mistura com os mortais e degeneraram, tendo sido por isso castigados por Zeus. Outras informações de autores clássicos que se referem a Atlântida são, na sua maior parte, baseadas na narração de Platão. Proclus relata que Marcelo, num trabalho chamado A História Etiópica, fala de dez ilhas situadas no Oceano Atlântico, perto da Europa, cujos habitantes preservaram a memória de uma ilha atlântica muito maior, a Atlântida, que por muito tempo exerceu o seu domínio sobre as outras ilhas daquele oceano. Esta lenda perpetuou-se ao longo dos tempos e terá chegado ao conhecimento dos estudantes do Seminario-Lyceu de S. Nicolau (1866-1917), através da formação clássica ali ministrada e, eventualmente, com o apoio da rica biblioteca daquela comunidade educativa. As Ilhas Hespéridas ou Arsinárias A lenda das Hespérides reporta à mitologia grega, segundo a qual as três filhas de Héspero – deus, filho de Aurora e Atlas – possuíam um jardim cujas árvores produziam pomos de oiro, que eram guardados por um dragão de cem cabeças. Conta-se que Hércules entrou no jardim maravilhoso, matou o dragão e se apoderou dos preciosos frutos. Foi este o undécimo dos seus doze trabalhos. Essas ilhas fabulosas do Atlântico, por isso chamadas ilhas hesperitanas, foram nos nossos dias identificadas com as Canárias actuais (Chevalier e Cherbrant, 1994). Porém, Luís de Camões (1524-1580), no Canto 5º, Estâncias VIII e IX de Os Lusíadas427, identifica as Hespéridas com as Ilhas de Cabo Verde: 427

A primeira edição de Os Lusíadas é de 1572.

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...................................................... Entrámos, navegando polas filhas Do velho Hespério, Hespéridas chamadas; ...................................................... Ali tomámos porto com bom vento, Por tomarmos da terra mantimento. Àquela ilha aportámos que tomou O nome do guerreiro Sant’Iago, Santo que os Espanhóis tanto ajudou A fazerem nos Mouros bravo estrago. Este mito lendário das Hespéridas viria a ressurgir nas décadas de vinte e trinta do século passado, com as criações poéticas de Pedro Cardoso (Fogo, 1883-1942) e José Lopes (S. Nicolau, 1872-1962), dois antigos alunos do Seminario-Lyceu. Avivando a lenda, Pedro Cardoso editou Jardim das Hespérides (1926) e Hespérides (Fragmento de um poema perdido em triste e miserando naufrágio) (1930); e José Lopes – “o vate hesperitano”, como se intitulava – Jardim das Hespérides (Sonetos do livro Hesperitanas) (1929), Hesperitanas (Poesias) (1933) e Alma Arsinária (Poemas em aditamento do livro Hesperitanas) (1952). Chegaram, igualmente, a ser editados na Praia e em S. Vicente, periódicos cujos títulos remetem para o mesmo mito: Hespérides (Praia, 1927?), jornal de senhoras da Praia que contou com uma colaboração poética de José Lopes428, e Alma Arsinária (S. Vicente, 1932)429, folha literária cujos responsáveis foram Terêncio Lopes da Silva (Santo Antão, 1914-1985), filho do poeta José Lopes, editor, e Luciano Gomes de Barros (Santiago, 1909-1999). Foi ainda anunciada, em 1931, a publicação, na Praia, de uma folha de arte e cultura, intitulada Atlanta, a ser dirigida por Jaime de Figueiredo (Santiago, 1905-1974), a que estava associado Jorge Barbosa (Santiago, 1902-1971), folha essa que trataria, especialmente, de poesias, estudos sociais, novelas, inquéritos e desenhos430. Apesar de todos os esforços postos nesse sentido, não nos foi possível localizar qualquer número desse jornal pelo que as informações aqui referidas são de Nobre de Oliveira, A Imprensa Cabo-verdiana, 1820-1975, Macau, 1998. 429 Alma Arsinária. Número único. S. Vicente, Janeiro de 1932. Fundada e dirigida por: Terêncio Lopes e Luciano de Barros. Colaboradores: José Lopes da Silva, Augusto Miranda, Guilherme Ernesto, Baltasar Lopes da Silva, Sérgio Frusoni, Afonso Martinho, Guilherme Delgado e Costa Guimarães, para além dos fundadores. Recordase que este título foi utilizado mais tarde, em 1952, por José Lopes, para os seus poemas em aditamento aos do livro Hesperitanas, editado em 1933. 430 Notícias de Cabo Verde, N.º 19, S. Vicente, Novembro de 1931. 428

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É significativo para o surgimento do nativismo o facto de o mito da Atlântida e das Hespérides ter ressurgido e atingido o seu ponto mais alto em Cabo Verde entre 1926 e 1933, num período de profundo nacionalismo português, em que vigorava em Portugal a Ditadura Militar, com restrição das liberdades individuais. Outro aspecto digno de realce é o de a última publicação indexando para este mito ser datada de 1952, nos rescaldos do pós-guerra e um ano depois da abolição do Acto Colonial, que originou a mudança de nomenclatura de “colónias” e “império” para “províncias” e “ultramar”. O recurso ao mito terá sido uma forma encontrada por José Lopes e Pedro Cardoso para a criação, explicação e fundamentação da tese de que as ilhas teriam tido “existência” e sido conhecidas muito antes da chegada das “lusas velas legendárias”. A relevância deste facto é que, com base nesse pressuposto, se poderia reivindicar a especificidade das Ilhas, o que daria força à tese do nativismo e da autonomia. Eis como o mito é apresentado por José Lopes (1933:25-27): Das vastas extensões assim submersas Então ficaram essas nossas ilhas E as outras suas célebres irmãs, Como elas, pelo Atlântico dispersas. As Hespérides, de Héspero as três filhas, Por essa mesma tradição, Deram o nome às nossas, com razão Chamadas, pois, Ilhas Hesperitanas. Também se denominam Arsinárias Pelo cabo Arsinário dos Antigos, Nome mudado em Caboverdeanas Desde que as lusas velas legendárias, Zombando das procelas, dos perigos, Davam o nome Verde ao mesmo cabo Que assim perdia o que lhe déra Strabo. ............................................................... Cada ilha do Atlântico é o rochedo De que a lenda nos fala e o Velho Egipto, No qual Níobe, – a Atlântica – há milhares, Muitos milhares e milhares de anos, Convertida ficou... Há um segredo (O segredo dos grandes avatares!...) 263

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............................................................... É esta, pois, Irmãos Caboverdeanos! A história original da nossa terra, Que esse segredo do Passado encerra... ............................................................... Por seu lado, Pedro Cardoso (1914)431 diz: ............................................... As antigas Hespérides sagradas São hoje as cabo-verdeanas ilhas Mansões deliciosas e encantadas De sereias gentis – de Héspero filhas Guardam no seio, oculto, o pomo de oiro Em luzente metal rico tesouro. Defendendo a especificidade e a singularidade das Ilhas com uma “história original” – somos filhos, [...] de outros gigantes/ Que, ‘por mares não de-antes navegados’/ Nossas Ilhas tiraram do mistério/ Repovoando êstes restos espalhados432 – criava-se o fundamento para a alegação da sua autonomia económica e política, à semelhança das ilhas adjacentes da Madeira e dos Açores, outras suas célebres irmãs. As Ilhas Atlântidas ou a Macaronésia Modernamente, deu-se o nome de Ilhas Atlântidas, ou Macaronésia, ao conjunto de arquipélagos que, frente à costa do Velho Mundo, se estendem de 15º a 14º de latitude norte – Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Ilhas de Cabo Verde, no total de 15.000 Km2 de terras emersas, vinte e oito ilhas e dezassete ilhotas (Orlando Ribeiro 1997 [1960]): “Macaronésia, do nome grego das Canárias, ou ilhas Afortunadas, ilhas Atlântidas, por a posição delas evocar vagamente a Atlântida de Platão [...]. Designações como tantas outras, tomadas hoje muito longe do seu sentido originário [...] ilhas [...] que nada autoriza a supor prolongarem os contornos, simples e vigorosamente desenhados, do litoral ibérico e africano” (op. cit., p. 24).

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José Lopes, “Minha Terra”, in Hesperitanas, Lisboa, 1932, p. 29.

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A Construção de uma Identidade Nacional - O Sentimento Nativista: A Geração de Eugénio Tavares

Qualquer que seja a origem histórica da lenda das Hespérides ou da Atlântida, ela permaneceu no espírito dos homens, à luz dos textos egípcios em que Platão se inspirou, como símbolo de uma espécie de paraíso perdido ou cidade ideal e da Idade do Ouro. Ou seja, justificava a posição de defender uma identidade para Cabo Verde, o que resultava, a nível individual ou colectivo do seu povo, na defesa de uma identidade distinta, específica e singular em relação ao país que o regulava, Portugal. Esta distinção – a consciência da diferença – compunha-se de um conjunto de factores específicos da terra e tomou o nome de crioulidade ou sentimento crioulo.

3.2 - A Crioulidade A valorização do espaço geográfico e humano das ilhas e da sua cultura é, portanto, outro aspecto deste nativismo e manifesta-se de forma ambivalente, como atrás foi evidenciado, pela maneira de estar e de sentir “as duas pátrias”. Incompreendidos pelas gerações posteriores, esses nativistas viriam a ser posteriormente acusados de um desprendimento quase total do ambiente e de esquecerem a terra e o povo (Amílcar Cabral, 1952). O Sentimento Pátrio A elite intelectual cabo-verdiana dos finais de oitocentos e princípios de novecentos não deixou de manter e exaltar como Pátria sua Portugal, ao mesmo tempo que assumia como Mátria, a África, o Ultramar, Cabo Verde ou, mesmo, a sua ilha ou local de nascimento. Está-se, assim, perante uma noção de pátria (ou pátrias) restrita, a Mátria – local, vila ou terra onde a pessoa nasce – e de uma noção de pátria ampla, a Pátria, dentro da qual aquelas “pátrias” têm a sua existência. Se o sentimento de Pátria é o que se esperaria de um qualquer povo que se entendia, pelos outros ou por si próprio, português, já o sentimento de Mátria, quer dizer, de uma complementaridade de existência paralela e com igual intensidade, fazia do cabo-verdiano pressupostamente um ser dividido, mas que na realidade era um ser abrangente, com lugar para amar com igual intensidade o “pai” e a “mãe”. Numa das suas “Cartas para a América”, Eugénio Tavares (1913b) sintetizou o sentir dos homens da sua época ao expressar um amor igual e sem equívoco, que tudo perdoa e é capaz dos maiores sacrifícios, tanto a Portugal como a Cabo Verde: “Amo tanto o velho e glorioso Portugal que nunca me deixei arrastar pela paixão e pelo erro de lhe imputar o crime de não tratar como filhas, senão como 265

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servas, as colónias. Amo tanto a República que, ainda hoje lhe não exprobro o descuido de nos conservar fora do raio de acção das claridades democráticas projectadas pela Revolução. Amo tanto Cabo Verde que através de uma existência de lutas, de sofrimentos, com a minha carne lacerada e o espírito batido de decepções, ainda me esqueço de mim para pensar nele; ainda exponho o meu coração às setas ervadas dos meus inimigos, para o cobrir aos golpes dos que o desamam”433. A crioulidade estava, assim, definida como a coexistência de características patrióticas a dois territórios, a duas sociedades, a duas culturas. – A Mátria Cabo-Verdiana O conceito de Mátria foi primeiramente utilizado pelo Padre António Vieira, em 1639, no “Sermão de Nossa Senhora da Conceição”, pregado na igreja de Nossa Senhora do Desterro, na Baía, no contexto de a Terra ser desterro e o Céu a verdadeira e bem-aventurada pátria. Retirando-o do seu contexto religioso, esse conceito adequa-se perfeitamente à situação de Cabo Verde no sentimento da sua elite intelectual de ideologia nativista: “Porque o nome de pátria é derivado do pai, e não da mãe: a terra em que nascemos, é a mãe que nos cria; [...] e se a pátria se derivara da Terra, que é a mãe que nos cria; havia-se de chamar mátria, mas chama-se pátria, porque se deriva do Pai que nos deu o ser, e está no Céu [negrito nosso]” (Vieira, 1959:256). Se se fizer a comparação desta posição com a construção da família tradicional cabo-verdiana, constata-se que esta se estrutura com base na não-coabitação do pai e da mãe. A Mãe é a figura central da família, sempre presente, por oposição ao Pai, regra geral ausente – emigrante, muitas das vezes, ou possuindo uma outra família – razão porque essa figura é quase sempre distante na educação dos filhos. A Mãe, não raras vezes, assume o papel de verdadeira chefe de família, mesmo quando o homem (o marido ou o “pai-de-filho”)434 está fisicamente presente. Foi, portanto, fácil e natural ao cabo-verdiano de então entender esta lealdade dupla e o conceito Eugénio Tavares, “Cartas para a América”, A Voz de Cabo Verde, Nº 74, Praia, Janeiro de 1913. “Pai-de-filho” ou “mãe-de-filho” é a expressão utilizada pelo povo para explicar a relação existente entre um homem (casado ou não) e uma mulher, da qual há filhos, vivendo ou não debaixo do mesmo tecto, mas sem serem casados legalmente. 433 434

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de Mátria do Padre António Vieira teve eco na posição dos nativistas cabo-verdianos – É nossa mãe a Terra em que nascemos / e repousam as cinzas dos Maiores. / Como mãe, entre mil outros amores, / amada deve ser com mais extremos435. Guilherme da Cunha Dantas (Brava, 1849-1888), um dos mais antigos prosadores cabo-verdianos, quando estudante em Mafra, escrevendo sobre o cantinho do planeta onde teve a dita de vir ao mundo (a sua ilha Brava), chamou-a Pátria, despindo-a de qualquer conotação política e vestindo-a com a saudade da “terra”: “E é tão doce ouvirmos fallar da nossa patria quando nos achamos exilados em terra extranha!... É pois levado das saudosas reminiscencias da terra natal, d’uma lembrança dos meus primeiros annos, que [...] pego na penna, para verter para o papel idéas que tanta impressão produzem em minha alma” (1867:7-8). Posteriormente, A. Corsino Lopes (1911) apresenta também, e no mesmo sentido, como pátria sua a ilha de Santo Antão, o seu torrão natal, a terra amada dos meus Paes: Patria do meu coração, Onde a luz primeira vi, Seja o meu canto por ti Na hora triste da Saudade! ........................................... Terra amada dos meus Paes, A terra dos meus encantos E terra de todos quantos Te amam do coração436. Pedro Cardoso (1930), por seu lado, saúda e louva ainda como Pátria a sua ilha do Fogo: A minha Pátria é uma montanha Olímpica, tamanha! ...........................

435 436

Pedro Cardoso, “Pela Patria!”, A Defesa, N.º 18, Fogo, Dezembro de 1914. “Cabo Verde”, A Voz de Cabo Verde, N.º 17, Praia, Dezembro de 1911.

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Como é formosa E majestosa A minha amada Terra natal! ........................... Na verdade, escutai! – chama-se Fogo! ........................... Quando vier, Pátria amada, A morte p’ra me levar, Deixa-me a fronte cansada Em teu seio repousar! (1930:57-58) Seguindo a mesma linha, José Lopes (1933) invoca do mesmo modo ora a localidade do nascimento, a Fajã, ora a sua ilha de S. Nicolau: Pátria minha! Na curva celeste Quando o sol tristemente agoniza, Eu te envio, do amôr que me deste, Mil saudades nas asas da brisa!... ........................... Pátria minha! exilado, na ausência, Eu te tenho no meu pensamento; Farás parte da minha existência Até o meu derradeiro momento (1933:191-192) Foi, sobretudo, o sabor do “exílio” que exacerbou o sentido de pátria a estes intelectuais, mas uma pátria dirigida à mãe-terra, de facto inclusiva, não só da geografia dos lugares, mas também, quiçá, com maior peso ainda, da cultura que lhe está associada. – A Pátria Portuguesa Os mesmos escritores expressam, com igual intensidade, o seu profundo amor à sua [outra] Pátria, Portugal. Pedro Cardoso fez questão de reivindicar a sua qualidade de neto de Portugal. E para que ninguém o ousasse negar, apresentou-se:

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“Não me arrogo direitos que me não pertencem. Legitimamente adquiridos não os cêdo, não os demito de mim, a não ser levando-me com êles aos pedaços, morto. Confere-mos o nascimento, sanciona-mos a consciência e garante-mos o Estatuto Basilar da Nação Portuguesa, que é a minha Pátria” (1934:8). José Lopes, por seu lado, expressa a sua “filial afeição” a Portugal: Portugal! Pátria caríssima! A ti, pois, as minhas trovas, Sentidas e ardentes provas De filial afeição! Salvé, pois, Pátria Lendária, A que voto amor profundo! Tu és, das nações do mundo, A mais ilustre nação!... (1933:31-35) A assunção plena e sem pejos do pater (a Pátria) e da mater (a Mátria) pela elite intelectual vai determinar toda a sua actuação e caracterizar a sua intervenção cívica enquanto nativistas. É Loff de Vasconcellos quem melhor sintetiza o sentir patriótico dos homens da sua geração: “queremos, pois, ser portuguezes como os portuguezes, queremos as mesmas regalias, os mesmos respeitos, as mesmas atenções governativas” (1900:17). Ou seja, uma cidadania plena, no quadro da organização política portuguesa. Devido a essa duplicidade, esses homens podem ser encarados como “Portugueses de Lei e Cabo-verdianos de Alma [negrito nosso]”, como chegou a ser classificado Eugénio Tavares pelo jornal O Mindelense (S. Vicente, 1913)437, ou escrever como o Senador Augusto Vera-Cruz: “Sou português de sangue e coração, mas acima de tudo sou caboverdeano”438. É facto comum que esta dualidade de sentimentos tem permanecido até aos nossos dias, independentemente da ideologia que lhe está associada, entre os portugueses naturais das velhas colónias. O Mindelense (S. Vicente, 1913), citado por Tavares nas suas “Cartas para a América”, A Voz de Cabo Verde, Nº 74, Praia, 13 de Janeiro de 1913. 438 Augusto Vera-Cruz, “Um apelo do ilustre Senador Sr. Vera-Cruz em prol do infeliz arquipélago”, Correio de Africa, N.º 3, Lisboa, Outubro de 1924, p. 2. 437

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O Bilinguismo Outro aspecto considerado de uma certa duplicidade pelos homens dessa época, na decorrência do seu sentimento pátrio, é a sua assunção de uma bivalência linguística, com a valorização do português clássico, por um lado, e a defesa do crioulo, a língua materna, por outro. – O Português Clássico Os textos literários e jornalísticos produzidos nos finais do século XIX e princípios do século XX não apresentam novidades linguísticas, pois são influenciados pelo romantismo e pelo simbolismo português, então vigente, sendo a norma linguística seguida a de Portugal, quase nunca contaminada por qualquer interferência do crioulo ou mesmo por aspectos novos que o português oral ia adquirindo em Cabo Verde. Fazendo uma avaliação valorativa do domínio da língua portuguesa por esses poetas, Gabriel Mariano (1992) é de opinião que aqueles faziam sonetos que, do ponto de vista formal da língua portuguesa, não ficavam atrás dos sonetos de Camões, de Bocage ou de Antero de Quental. – O Crioulo de Cabo Verde Para além disso, e aparentemente contraditória com a postura assumida de exaltação do português, surge a defesa e a valorização da língua materna, sendo seus principais paladinos Eugénio Tavares e Pedro Cardoso. Pela mentalidade da época, o crioulo era visto como um “idioma o mais perverso, corrupto e imperfeito, sem construção, sem gramática, e que se não pode escrever; mistura de palavras portuguesas, gentias da Guiné, e algumas francesas e inglesas, sendo totalmente estranho e incompreensível ao ouvido português” (Chelmichi e Varnhagen, 1841:331). Foi, por isso, proibido por lei, em 1849, nos programas da Escola Principal da Instrução Primária439. Os argumentos de Chelmichi e Varnhagen (1841) seriam posteriormente rebatidos

“Programa interino da Escola principal de Instrucção Primaria”, Circular N.º 35, publicado no Boletim Official, N.º 196, Praia, 22 de Abril de 1849. 439

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com demonstrações práticas. Em 1880, António da Paula Brito (Santiago, 1855-1894) publica em Lisboa Dialectos Creoulos-Portugueses. Apontamentos para a Gramática do Creoulo que se Fala na Ilha de S. iago de Cabo Verde, o primeiro estudo com tentativa de explicação das regras de gramática da língua cabo-verdiana. A primeira parte do estudo ocupa-se da Fonologia; a segunda, da Morfologia; e a terceira, de variedades, alguns nomes próprios, provérbios, adivinhações, frases soltas e um pequeno vocabulário. Na sequência e como forma de alcançar a valorização e a defesa da dignidade literária do crioulo, fizeram-se várias traduções e demonstrações da sua escrita como sendo capaz de exprimir o sentimento e as manifestações culturais populares dos seus falantes. Eugénio Tavares, considerado por Osório de Oliveira (1944:s/p), “o maior poeta cabo-verdiano de língua crioula” – haja em vista as Mornas. Cantigas Crioulas (1932) de sua autoria – traduziu o mais alto lirismo português para o crioulo, desde Camões a João de Deus. Em 1893 foi publicada a sua tradução das Endechas de Camões à Bárbara Escrava, “Bárbara, Bonita Scrába”: Quêl bonita scrába, Qui teném câtibo, Pamô n’ dál nha bida, Cá crê pan stâ bibo. Tê hoje n’c ôlhâ rósa Num môta berdinho, Qui mé na nhá olho Parcém más sabinho.

Aquella captiva, Que me tem captivo, Porque nella vivo, Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves mólhos Que para meus olhos Fôsse mais fermosa.

Nim ramo na campo, Nim strella na ceu, N’ ta áchâ tam frumóz’ Cumâ nha crê cheu. Rôsto só di sel; Olho madornádo, Preto, stancadinho, Má sem ser misiádo.

Nem no campo flores, Nem no céo estrellas, Me parecem bellas Como os meus amores. Rosto singular! Olhos socegados, Pretos, e cansados, Mas não de matar!

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Arinho tam sábe, Pintura de amôr, Qui nebe jurál M’ el ta trocá côr. Mansura contente, Má seria lá mé.... Ta parcê bem stranho, Má brabo el cá é.

Preta de amor.... Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocára a côr! Leda mansidão, Que o sizo acompanha, Bem parece extranha, Mas.... barbara não!

..............................................................................................................440

Posteriormente, Tavares fez a tradução de a “Engeitadinha” (“Engetadinha”), de João de Deus441, aliás, a quem dedicou o seu livro Mornas. Cantigas Crioulas (1932). Ainda nessa linha de defesa e valorização da língua materna, o Cónego A. da Costa Teixeira (Santo Antão, 1867?-1919), editor do Almanach Luso-Africano e da revista literária A Esperança, publicou, em 1898, “Chegada Ás Ilhas de Cabo-Verde”, uma tradução em crioulo, na variante da ilha de Santo Antão, do Canto 5º, Estân-

Eugénio Tavares, “Bárbara, Bonita Scraba”, in Xavier da Cunha, Pretidão de amor. Endechas de Camões a Barbara Escrava Seguidas da Respectiva Tradução em Varias Linguas e Antecedidas de um Preambulo, Lisboa, 1893, pp. 289-294. Cf. ainda a nota n.º 309 deste mesmo capítulo. 441 João de Deus, “Engeitadinha”, in Campo de Flores, Tomo I, Parte I – Poesias Lyricas, Lisboa, s/data, p. 328. Em confronto as duas versões de “Engetadinha”: 440

– Cusa é bô tem, nha figinho? – ‘N tem fome, a má’n tem friu. – Mas, bô sô na es caminho Mâ passo sem sarrâ pena, Que jâ escapâ de sê ninho!... Nha fijo, bo ca tem Mai? – Na nha bida’n ca conchel... Desde que’n necê’n perdel... Parcê’n ma’n ca temba Mai... – Bô é mas feliz que mi, Que temba de meu, e el morré...

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De que choras tu, anjinho? “Tenho fome e tenho frio! – E só, por este caminho Como a ave que caíu Ainda implume do ninho!... A tua mãe já não vive? Nunca a vi em minha vida; Andei sempre assim perdida, E mãe por certo não tive! – És mais feliz do que eu, Que tive mãe e... morreu!

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cias VIII e IX, de Os Lusíadas (s/d), preparada expressamente para a Exposição do Centenário da Índia442. A discussão sobre a questão do crioulo nunca mais será abandonada. Antes pelo contrário, fica instaurada a necessidade de a estudar sistematicamente. É assim que, em 1924, Eugénio Tavares volta a insurgir-se contra a designação “língua de pretos” e explica a génese da língua cabo-verdiana: “Mestiçada pelo contacto de duas raças diferentes, num consórcio de séculos; ressentindo-se da influência exercida, em longas gerações de colonos, por multidões de escravos; em breve a língua dos senhores tomou os vícios prosôdicos dos escravos, conservando, ao lado de arcaismos lusitanos, pitorescamente, fonalidades bárbaras de muitos vocábulos sonoros, e de poucas expressões interjectivas”443. Pedro Cardoso que, através do seu jornal, O Manduco (Fogo, 1923-1924), e em conferências várias444 se envolveu em acesos debates em defesa do crioulo,

Cónego A. da Costa Teixeira, “Chegada Ás Ilhas de Cabo-Verde”, Revista Portuguesa Colonial e Marítima, Lisboa, 1º Ano, 2º Semestre, 1897-1898, p. 566. O texto está datado de 5 de Maio de 1898 e assinado com a indicação do autor ser “caboverdiano”: 442

VIII Depôs que nô passá quês îa Canária, Q’otr’óra ês dá nôme de Furt’náde, Nó’ntrá tá navegá lá pa quês ága D’aquês ia de Cábe-Vérd ‘tam sábe, Quês térra onde mute maravia nôve Nosse navi de guêrra j’andá t’oiá: Lá nô ribá c’um vintim favoréve, Pa nô t’mésse na quês térra mantmente IX Nòs antrá na pôrte d’un d’aquês îa, Q’tmá nôme d’aquêll guerrente’Sam iágue, Sánte q’ajdá mute naçom spanhòl Fazê n’aquês gente môr mute strágue. D’êi, q’ande soprá um vintim de Nôrte, Nô torná t’má noss’camim socégáde Na mêi d’aquêll mar, e assim nô bá d’xande Quell’terra, onde nô ochá refrésque sabe.

VIII Depois que nós passámos aquéllas ilhas Canárias, Que outr’óra elles dávão nòme de Fortunádas, Nós entrámos a navegar lá por aquellas águas Daquéllas ilhas de Cábo-Vêrde tão agradáveis, Aquéllas terras onde muita maravilha nóva Nóssos navios de guerra já andárão a vêr: Lá nós arribámos com um ventinho favorável, Para nòs tomássemos naquéllas terras mantimento. IX Nós entrámos no pôrto d’uma d’aquellas ilhas, Que tomou nôme d’aquelle guerreiro S. iago Santo que ajudou muito a nação hispanhóla Fazêr naquéllas gentes mouras muito estrago. D´hí, quando assoprou um ventinho do Norte, Nós tornámos tomar nosso caminho socegados No meio daquelle mar, e assim nós fômos deixando Aquélla terra, onde nós achámos refrêsco agradável.

Eugénio Tavares, “Língua de Pretos”, editorial do jornal O Manduco, Ano I, Nº 11, Fogo, de 30 de Janeiro de 1924. 444 Pedro Cardoso, Conferência Lida por Pedro Monteiro Cardoso no “Teatro Virgínia Vitorino” (Praia), em 30 de Dezembro de 1933, Porto, 1934. 443

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explica, no seu estudo sobre o folclore cabo-verdiano445, publicado em 1933, a sua constituição: “O dialecto caboverdeano é o português da época dos descobrimentos, alterado fonetica e morfologicamente ao contacto com os falares do gentio resgatado na costa da Guiné para o desbravamento e amanho das terras. Essa alteração operou-se em virtude da conhecida lei de economia, ao adaptarem-se os vocábulos da língua do senhor aos órgãos fonadores do cativo” (1983:23). O uso indistinto dos dois sistemas linguísticos, o Português europeu e o Crioulo cabo-verdiano, leva a que os poetas Eugénio Tavares e Pedro Cardoso constituam um caso à parte em relação aos demais escritores da sua geração. Constata-se mesmo que, sendo escritores bilingues, escreviam, contudo, com melhor qualidade em crioulo do que em português. De acordo com o filólogo e poeta Baltasar Lopes (1956:43), “Eugénio só tinha muitas cordas na sua lira – em crioulo”. Gabriel Mariano (1992), em entrevista a Michel Laban, corrobora essa opinião ao afirmar que “escrevendo em português são fotocópias dos poetas portugueses – nada de criatividade, nada de originalidade [...] enquanto em crioulo foram grandes poetas [negrito nosso]” (Laban, 1992:326-327). Síntese Muito cedo surgiu na elite intelectual crioula o sentimento de uma identidade própria e da necessidade da sua valorização. Na sua relação com o português reinól, o português da província gozava de um tratamento diferenciado e de excepção, o que levou a que esses filhos das ilhas lutassem pela defesa dos seus interesses e pela igualdade de direitos, ao mesmo tempo que procuraram valorizar os aspectos que os diferenciavam. Os Movimentos Nativista e Pan-Africanista, que emergiram com o advento da República, levaram ao surgimento de uma corrente de opinião que reforçou a luta pela igualdade, que vinha sendo desencadeada pela elite crioula.

445

Pedro Cardoso, Folclore Cabo-verdiano, Porto, 1933.

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A Construção de uma Identidade Nacional - O Sentimento Nativista: A Geração de Eugénio Tavares

O Nativismo, pela avaliação que se fez do percurso das ideias da sociedade de Cabo Verde de então, expressas nos periódicos e demais documentos da época, surgiu devido, por um lado, às condições endógenas originadas pela falta de interesse e o abandono secular de Portugal, a recusa do regime de adjacência reclamada pela elite intelectual e a ideia da venda de algumas colónias para pagar as dívidas de Portugal, e, por outro, às condições exógenas de invocação de outras realidades, quer através de europeus radicados ou da Maçonaria quer através da emigração. A tomada de consciência deste conjunto de factores levou à reclamação de um estatuto de igualdade pelos “filhos das ilhas” em relação aos “filhos da metrópole”. A fase do nativismo cabo-verdiano, 1856-1932, corresponde, assim, à união com a Pátria, em que os “filhos das ilhas” lutam para conquistar um estatuto de igualdade legal em relação aos da metrópole, de modo a serem considerados portugueses plenos, sem, contudo, abrirem mão da Mátria que os viu nascer. Esses homens são, portanto, “portugueses de sangue e coração, mas acima de tudo caboverdeanos [negrito nosso]”446, o que, em termos de identidade, se pode caracterizar como uma “identidade compósita”, na expressão de Amin Maalouf (1999), porque complexa e única, feita de pertenças múltiplas. O Nativismo é, pois, a primeira etapa do processo da construção da tão almejada identidade nacional, que viria a ser reivindicada, retomada e alargada pela elite de ideologia regionalista da “Geração da Claridade” (1936-1958). Este processo é analisado/estudado no capítulo seguinte.

Augusto Vera-Cruz, “Um apelo do ilustre Senador Sr. Vera-Cruz em prol do infeliz arquipélago”, Correio de Africa, N.º 3, Lisboa, Outubro de 1924, p. 2. 446

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Capítulo VI A Consciência Regionalista – A Geração de Baltasar Lopes (1932-1958)

Figura 6.1 - Baltasar Lopes (1907 – 1989) Fonte: Cântico da Manhã Futura, Praia, 1986

“Tínhamos de intervir. Mas, na óbvia impossibilidade de emprego de meios de acção directa, que opção nos restava? Também obviamente seria a imprensa a nossa arma. Todavia, para nós não existia em Cabo Verde imprensa no sentido jornalístico da palavra. Nestes termos, o caminho possível seria criarmos a imprensa, mediante a fundação de um jornal, que seria o nosso órgão de combate” Baltasar Lopes In “Depoimento”, Claridade – revista de arte e letras, 1986

T

er consciência é compreender; compreender é interpretar; interpretar é transformar. E a consciência histórica, na opinião de António Faria (1997), não se cristaliza no saber inerte, antes constitui uma acção, uma forma de intervir sobre a realidade e, assim, a transformar. Não é, contudo, fácil datar um acontecimento tão vago como uma tomada de consciência, no caso, a consciência da individualidade da região cabo-verdiana. Nos anos novecentos, uma conjugação de factores levou a que a elite intelectual cabo-verdiana dos inícios da década de trinta tomasse consciência da situação histórica e da crise social que se vivia, bem como da orientação que estava a ser dada à Colónia, e procurasse intervir na transformação dessa realidade. A memória colectiva guardava feridas que tinham as suas origens em atitudes seculares de abandono, de incompreensão e de dominação, como se pôs em evidência no capítulo anterior. Essa situação, agravada pela conjuntura internacional de recessão económica de 1929-1934, com repercussões graves nas ilhas, e pelas crises associadas às secas sucessivas de 1920-1922 e 1947-1949, que trouxeram miséria e morte, mobilizou a elite intelectual a defender a sua terra e a afirmar a sua identidade regional, como um caso à parte dentro do império português, que se queria a si “uno e indivisível do Minho a Timor”, conforme preceituado no Acto Colonial, aprovado em 1930447. Decreto N º 18:570, de 8 de Julho de 1930, publicado no “Suplemento” N.º 16 ao N.º 42 do Boletim Oficial do Govêrno da Colónia, Praia, 23 de Outubro de 1930. 447

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Novas tendências têm surgido, a par da Geografia Crítica, a tentar explicar a organização do espaço e, consequentemente, do conceito de região. O conceito que emergiu após 1970, segundo Bezzi (2002), é o que considera a região como foco de identificação, em que a cultura passa a ser a chave da significação entre a materialidade do espaço e as características da existência e da consciência social. Valoriza-se, nesse caso, o quadro físico e os aspectos culturais que resultam da personalidade do lugar, conferindo-lhe, pois, uma “identidade”. E é essa identidade que a vai distinguir das demais. Para essa abordagem, duas fontes principais são consideradas. A primeira é a Geografia Humanista, que se apoia nas filosofias do significado e que, em última instância, concebe a região como um espaço vivo. A segunda fonte é a Geografia Cultural renovada, que tem suas origens nos estudos sobre a paisagem realizados por geógrafos alemães, franceses e anglo-saxónicos. Entendendo a região como uma totalidade, C. Ricq (1983)448 admite-a em duas dimensões: uma relativa à sua identidade (a sua personalidade, a sua unidade) e a outra relativa à sua organização, contrapondo-as entre regionalismo e regionalização. Este autor considera que o regionalismo vem de baixo, emergindo das consciências das desigualdades regionais, e revela-se na contestação, na luta pela autonomia. Já a regionalização vem de cima; concretiza-se na negação do centralismo e na perda do poder decisório central a favor das regiões. É nesse entendimento da região como totalidade, e tomando como paradigma a dinâmica das vertentes culturais e da luta pela autonomia, que se perspectiva a presente abordagem de análise.

1. Cabo Verde, o Espaço de Identidade 1.1 - O Impacto da Recessão Mundial de 1929-1934 A década de trinta entrara com uma grave crise mundial (1929-1934), encontrando-se Cabo Verde na “periferia duma economia-mundo”, no sentido em que o conceito é definido por Immanuel Wallerstein (1990 [1974]), na estrutura histórica da economia mundial capitalista, ou seja, “aquele seu sector geográfico onde a produção Referido por Meri Lourdes Bezzi, no seu artigo “Região Como Foco de Identidade Cultural”, pp. 5-19, in Geografia, Vol. 27 (1), Abril, Rio Claro (Brasil), s/ed., 2002. 448

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é essencialmente de bens de baixa categoria (isto é, de bens cuja mão-de-obra é pior remunerada), mas que é parte integrante do sistema global da divisão do trabalho, dado que as mercadorias implicadas são essenciais para o uso diário” (op. cit., p. 294). Apesar de minúscula partícula desse imenso todo, Cabo Verde não pôde deixar de sentir a repercussão daquela crise. Até então, o equilíbrio económico e financeiro de Cabo Verde era conseguido, quase exclusivamente, à custa de dois factores: (i) a emigração para a América, Argentina e Brasil, com a sua remessa de poupanças; e (ii) as actividades do Porto Grande de S. Vicente, com os seus depósitos de carvão e óleos, que eram usados no abastecimento dos navios que cruzavam o atlântico, e os seus cabos telegráficos, que estabeleciam a ligação entre a Europa e a América do Sul (Ribeiro de Almeida, 1931). A Emigração Devido à crise de desemprego que por toda a parte grassava e às medidas adoptadas pelos países de imigração, restritivas nuns, proibitivas noutros, Cabo Verde e, particularmente a ilha de S. Vicente, entraram em pleno declínio. Depois da restrição da emigração pelos EUA em 1915, referida no capítulo anterior, seguiram-se as limitações de 1924 e 1928, a recessão económica mundial de 19291934 e a Segunda Grande Guerra. Conforme as estatísticas, de 1927 a 1929, seguiram para os Estados Unidos pouco mais de quinhentos cabo-verdianos e, de 1930 a 1940, oitocentos e noventa (Carreira, 1983). Fechadas as portas daquele país, a corrente emigratória desviou-se para o Brasil e para a Argentina mas, sem resultados satisfatórios. As remessas de numerários dos emigrantes decresceram a olhos vistos449. As Actividades do Porto Grande Falar da situação económica e financeira de S. Vicente, uma das ilhas mais importantes do Arquipélago, devido ao seu Porto Grande e à sua cidade do Mindelo – a mais comercial e a mais industrial de todas – é o mesmo que falar da situação de todo Cabo Verde, visto que esta ilha contribuía, nessa altura, com dois terços do rendimento total da Colónia450. Idem, ibid. Augusto Vera-Cruz, “S. Vicente e o Seu Porto. Alguns Problemas Vitais Para Cabo Verde”, Notícias de Cabo Verde, N.º 3, S. Vicente, Abril de 1931. 449 450

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Na decorrência da situação grave que se vivia na ilha do Porto Grande, nos dias 18, 24 e 25 de Janeiro de 1929, o jovem advogado António José da Rosa (S. Vicente, 1905-?), que viria a ser director do jornal O Eco de Cabo Verde (Praia, 1933-1935), liderou uma “acção agitadora”, tendo feito correr entre os operários, estudantes do Liceu Infante D. Henrique e outros indivíduos, cópias de um protesto “ofensivo ao Governo da Colónia e de alguns professores do mesmo Liceu”, do que resultou uma manifestação pública no dia 24 em frente da residência do juiz de direito, reclamando a merecida providência por parte das autoridades locais. No dia seguinte, gerou-se um tumulto, com agressão à pedrada, contra a Administração do Concelho, em que foi ferido o comandante da polícia451. Apuradas as responsabilidades, ao bacharel António José da Rosa foi fixada residência na comarca de Santiago, pelo tempo de dois anos, pelo Governador Coronel Guedes Vaz (1926-1931), e a “Associação Operária Caboverdeana de Socorros Mútuos”, fundada em 1921452, acusada de se ter “desviado do fim para que foi instituída, tendo tomado parte activa nos referidos acontecimentos, tornando-se portanto um elemento de desordem e de ameaça ao socego público da ilha, que urge se ponha cobro”453, tendo sido, por isso, encerrada e dissolvida. Posteriormente, a 4 de Dezembro desse mesmo ano, seria autorizada a reabertura dessa associação454, que, ao lado da “Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento” (ACIAB), constituída em 1920455, viria a desempenhar um papel importante na defesa dos interesses dos trabalhadores mindelenses.

Portaria de 2 de Fevereiro, publicada no Boletim Oficial, N.º 5, Praia, 2 de Fevereiro de 1929. Estatutos aprovados pela Portaria N.º 234, de 23 de Agosto, publicada no Boletim Oficial, N.º 39, de 24 de Setembro de 1921. 453 Portaria N.º 352 de 10 de Maio de 1929, publicada no Boletim Oficial, N.º 19, Praia, 11 de Maio de 1929. 454 Portaria N.º 437, de 3 de Dezembro, publicada no “Suplemento” N.º 10 ao N.º 48 do B. O., Praia, 4 de Dezembro de 1929. 455 O estatuto da Associação Industrial e Agrícola de Barlavento de Cabo Verde, aprovado pelo Alvará de 31 de Julho de 1920, foi publicado no Boletim Oficial, N.º 52, Praia, 25 de Dezembro de 1920. Na sequência, foram eleitos como seu primeiro corpo gerente os seguintes sócios: Assembleia-Geral: Presidente, António Miguel de Carvalho; Vice-Presidente, Francisco Garcia da Silva; Secretários, João Leça e Rafael Ferreira Santos. Direcção: Presidente, Roberto Duarte Silva; Secretário, Torquato Gomes Fonseca; Vogais, António Martins e Alberto Fernandes. Acta da Associação Industrial e Agrícola de Barlavento, de 9 de Abril de 1921. 451 452

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– Decadência do Porto Grande A decadência de S. Vicente começara muito antes, quando o movimento marítimo do Porto Grande, que tinha subido até 1881, se mantém estacionário até 1890, a partir do qual a intensidade do tráfico começara a diminuir, com a baixa de procura devido às condições comercialmente mais atractivas dos portos das Ilhas Canárias (Almeida, 1938) – ver Capítulo III, Gráfico 3.1. O recuo da procura externa provocara uma crise no porto, cuja lógica do desmoronamento é explicada por Correia e Silva (2000): num primeiro momento, a crise provocou a quebra de rendimentos fiscais e a redução do nível de emprego no porto e, em seguida, atingiu os rendimentos dos comerciantes fornecedores de bens de consumo popular, já que o desemprego operário reduziu drasticamente o volume da procura dos produtos, por não se ter com que pagar. A conjugação destes factores passou, necessariamente do nível do económico para o nível do social e criou uma situação tensa e insustentável na ilha. O espectro da fome abateu-se, então sobre a cidade e, a 20 de Abril de 1891, uma multidão de mais de duas mil pessoas reuniu-se nos Passos do Concelho pedindo providências urgentes. Depois disso, nada foi como antes. “Até 1907-1908, raro era o dia em que não tínhamos no porto 2 a 3 paquetes, cada um com 800 a 1:200 passageiros”456, conforme o depoimento do Senador Augusto Vera-Cruz. Porém, a partir de 1910, a decadência do Porto Grande é fulminante e a Guerra de 1914 a 1918 vibra-lhe o golpe de morte. Devido à falta de protecção e de meios militares de defesa, tornou-se alvo dos ataques alemães, lançando-o no quase abandono em que se encontrava na década de trinta457. O movimento de vapores mercantes, que em 1910 era de 1.593, baixara em 1929 para 1.361 embarcações. Dos 940 barcos entrados em 1930, passou-se, em 1933, para 583, com a ameaça de uma queda maior (Joaquim Serrão, 2000). O Porto Grande sofria o golpe da retirada da grande navegação. Para uma ideia mais segura da situação do Porto Grande de S. Vicente nos anos trinta, compare-se o número de entradas de navios de longo curso e a tonelada de carvão e óleo por eles abastecidos, de 1927 a 1932458 (Gráfico 6.1): Augusto Vera-Cruz, “S. Vicente e o Seu Porto. Alguns Problemas Vitais Para Cabo Verde”, Notícias de Cabo Verde, N.º 3, S. Vicente, Abril de 1931, p. 3. 457 Ribeiro de Almeida, “Ressurgimento Económico”, Notícias de Cabo Verde, N.º 6, S. Vicente, Maio de 1931. 458 “A Agonia do Porto de S. Vicente”, Notícias de Cabo Verde, N.º 53, S. Vicente, Julho de 1933. 456

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Manuel Brito-Semedo Gráfico 6.1 Entradas de Navios e Toneladas de Carvão e Óleo Abastecidos ����

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Fonte: Gráfico construído com base nos dados fornecidos por Notícias de Cabo Verde, N.º 53, Julho de 1933

O gráfico mostra que, entre 1927 e 1932, houve uma redução quase de 50% dos navios entrados, com um aumento pontual no ano de 1929 do total do número de navios e o correspondente abastecimento de carvão e óleo, a que se seguiu uma queda acentuada nos anos seguintes. Os fornecimentos de carvão foram, em 1932, 24% dos de 1927 tendo aumentado o consumo de óleo, o que compensou, mas só parcialmente, a redução do carvão. Aliás, o consumo dos óleos sobe à medida que diminui o de carvão, ainda que não proporcionalmente. Também os salários pagos aos trabalhadores revelam, entre 1927 e 1932, uma diminuição de 50%, que é precisamente o equivalente à diminuição verificada no movimento de navios. Facto ainda relevante é a quantidade de mão-de-obra necessária para o abastecimento do carvão, que é muito menor para o provimento do óleo. Enquanto o fornecimento de 1.000 toneladas de carvão empregava 150 pessoas, igual quantidade de óleo empregava 30 a 40 trabalhadores489. A decadência do Porto Grande, conforme Augusto Manuel Miranda (Santo Antão, 1876-1962), resultou na perda de 2.400 contos em salários para a classe trabalhadora460. 459 460

Idem, ibid. Augusto Miranda, “Olhemos para Barlavento”, Notícias de Cabo Verde, N.º 30, S. Vicente, Janeiro de 1933.

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Reduzido em proporções descomunais o tráfico, viram-se as Companhias Carvoeiras constrangidas a despedir, ou a não angariar, centenas de trabalhadores. As casas fornecedoras de víveres e de água à navegação ressentiram-se fortemente na sua actividade, em razão do decrescimento extraordinário do movimento marítimo. Os negócios que se efectuaram em 1927 diminuíram em 1.376 contos, em 1932. O comércio de bordo, em cujo exercício se empregava grande número de pessoas, sofreu o reflexo desastroso desta crise de navegação e o comércio por grosso e a retalho verificou importantes reduções nas suas transacções. Na classe do pequeno comércio, fecharam-se, no último trimestre de 1932, cerca de sessenta estabelecimentos, pela incapacidade de fazer face aos encargos de funcionamento e contribuições461. Dos motivos, os mais variados, que contribuíram para a ruína do Porto Grande, o Coronel João de Almeida462 destaca (1938:109-111): -

“as despesas do porto e de imposto de tonelagem dos navios, que efectuavam operações de comércio, serem bastante elevadas e bem assim as dificuldades suscitadas pelas leis alfandegárias, que levavam a aborrecimentos e perdas de tempo;

-

a existência de portos francos nas Canárias, onde as mercadorias podiam ser carregadas e descarregadas sem pagamento de direitos, contribuindo assim para mais facilmente os vapores obterem fretes, e daí, portanto, o aumento do tráfego;

-

os grandes trabalhos marítimos e as instalações realizadas nos portos concorrentes, permitindo-lhes oferecer condições de segurança à navegação iguais às do Porto Grande, a par de um carregamento mais rápido e económico de combustível;

-

garantirem os portos das Canárias e de Dacar frete de retorno aos carvoeiros, permitindo assim uma redução no frete do carvão e que se fazia sentir no preço do fornecimento;

Idem, ibid. Segundo Joaquim Veríssimo Serrão, in História de Portugal, Volume XIII, “Do 28 de Maio ao Estado Novo (1926-1935)”, Lisboa, 1996, João de Almeida, Coronel do Corpo do Estado-Maior, exercia em 1926 o cargo de Director da Obras Públicas do Ultramar. O mesmo chegou a ser nomeado Governador de Cabo Verde não tendo, contudo, chegado a tomar posse (Decreto de 12 de Setembro de 1926). 461 462

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-

aos progressos de construção naval e o emprego crescente de óleos minerais como combustível, dando aos navios um maior raio de acção, que os libertava da frequência de certos portos de reabastecimento”.

Impunha-se, assim, realizar obras de modernização no porto e criar outros dispositivos para o aumento da venda de combustível aos barcos que atracavam ao Porto Grande de S. Vicente. Uma das mais importantes fontes de receitas da Colónia, com cerca de 4.000.000$00 anuais463, era o Cabo Submarino – a Western Telegraph Company Limited. Esta tinha ao seu serviço 118 empregados ingleses e 46 locais, a quem pagava, por ano, 5.180 contos. Na decorrência da crise e agravando-a ainda mais, este pessoal foi reduzido drasticamente, passando a Companhia a despender com a sua remuneração a cifra de 925 contos, menos, portanto, 4.255 contos que anteriormente464. Face ao agravamento progressivo das dificuldades, a Companhia acabaria por encerrar as suas portas em finais de 1932465, o que foi um duro golpe para a sobrevivência da Colónia. Em Março de 1932, Augusto Manuel Miranda, professor e advogado, então Secretário da Câmara Municipal de S. Vicente (CMSV) e antigo Primeiro Secretário da “Associação Operária 1.º de Dezembro” (1913), administrador do jornal O Popular (S. Vicente, 1914-1915) e director de Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921), caracterizava assim “A Crise em Cabo Verde”: “A crise agrícola, que atingiu fortemente Cabo Verde, no presente ano, acha-se agravada pela escassez da navegação em S. Vicente e pela paralização comercial em todas as ilhas. Nas ilhas de Santo Antão, S. Nicolau, S. Tiago, Fogo e Brava, que são as pròpriamente agrícolas, a crise é intensa, em resultado da falta de chuvas no mês de Novembro transacto. Nas ilhas da Boa Vista, do Sal e Maio, as privações são grandes, não só pela mesma causa, mas também pela reduzida transacção dos seus produtos, o sal, a

Augusto Miranda, “Perigo Iminente. O Cabo Submarino Ameaça Deslocar-se”, Notícias de Cabo Verde, N.º 26, S. Vicente, Agosto de 1931. Convém referir que o Governo da Metrópole absorvia 25% desse valor. 464 Idem, ibid. 465 O aviso de encerramento da Companhia foi anunciado para 15 de Novembro de 1932, conforme o B. O., N.º 46, Praia, 12 de Novembro desse mesmo ano. 463

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cal e o gado, e ainda pela doença que grassa em certa região da primeira, e pelo facto da queda do preço das peles no mercado da América do Norte”466. O Capitão Augusto Casimiro (1889-1967), deportado político em Cabo Verde entre 1932-1935, na sequência da revolta da Madeira (1931), via a situação que as ilhas atravessavam como filha de desleixos seculares, que apenas a actual crise mundial viera agravar (1935:16-17):

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-

“é a crise da agricultura que não consegue já remunerar a sua mão-de-obra e, por si, realizar o cultivo da terra, a busca e cultivo das águas, o renovo das espécies, o apetrechamento agrícola;

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é a crise do comércio com os armazéns estagnados, porque o poder de compra da absoluta maioria da população foi reduzido ao mínimo, ou pior, a nada;

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é a crise do próprio Estado que verá cada vez mais diminuir, em espantosa progressão, os seus rendimentos escoarem-se através de uma economia moribunda;

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é o optimismo estéril, tantas vezes interessado, de certas entidades, sem decisão nem poder para precisar um programa e dar-lhes princípio efectivo, garantido, quanto possível, numa continuada e fecunda efectivação posterior;

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é o desnível económico e a falta de contacto solidário entre uma minoria possidente ou beneficiária, actuando em seu próprio benefício ou ao serviço do Estado, e a maioria da população cujos interesses aquela mal defende mas de cuja penúria está sofrendo já as consequências mortais;

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é a falta de espírito associativo para a definição e defesa dos objectivos essenciais ao futuro. A ausência de coordenação de esforços, a política de acaso feita à mercê de interesses divergentes e pessoais, incapaz, embora não ignorante dos termos e finalidade da política a realizar;

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é o abandono, a menor fé cansada de certas actividades que têm de organizar o seu esforço, na agricultura, na indústria, no comércio – sobre a única plataforma capaz de lhes garantir proventos e desenvolvê-los – a da elevação da craveira económica da massa, pagando melhor, procurando vender mais barato”.

Augusto Miranda, “A Crise em Cabo Verde”, Notícias de Cabo Verde, N.º 26, S. Vicente, Março de 1932, p. 1.

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Cabo Verde, atravessava, portanto, uma profunda e grave crise económica devido à situação de decadência do Porto Grande, por falta de medidas atempadas do Governo de Lisboa, agravada pela seca e falta de produção agrícola, o que afectava todos os sectores da sociedade, desde os comerciantes, aos trabalhadores da boca do porto, passando pelos homens do campo. – A Miséria do Povo Em 1932, a ilha de S. Vicente atravessava momentos torturantes. A companhia carvoeira Wilson Sons reduzira a semana a 4 dias e meio e falava-se em que, continuando a actual situação, ver-se-iam as outras companhias obrigadas a diminuir o pessoal. Os trabalhadores passavam dias e dias sem trabalho. Um funcionário que residia nas proximidades de pessoas humildes desabafou com alguém: “Não imagina a miséria que vai pela cidade no meio dos pobres trabalhadores: é um horror. Há famílias que passam dias sem quási acender o lume no seu lar. Fujo para não presencear tamanhas privações!”467. O poema “Sanvcênte já Cabá na Nada” (“São Vicente já Acabou em Nada”), de Sérgio Frusoni (S. Vicente, 1901-1975), escrito em 1947/48, altura em que este regressa da Itália, é um retrato fiel da miséria e da fome, como resultado da recessão económica mundial de 1929-1934 e da decadência do Porto Grande: I – Sanvcênte?... Sanvcênte já cabá na nada!... Mim que já dezêbe!... Spiá! Spiá p’êxe bôte rastóde… P’êxe corrênte chêu de ferruja... P’êsse baía que ti ta parcêbe zatiqual um tina d’ága suja!... Progrêsse já matál! Já dá cô êl na pédra!... Ma l’ca éra assim, JEADA,

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– São Vicente?... São Vicente já acabou em nada!... Eu é que já te disse!... Repara! Repara nestes botes arrastados... Nestas correntes cheias de ferrugem... Nesta baía que se parece agora tal qual uma tina de água suja!... O progresso já a matou! Já deu com ela na pedra!... Mas ela não era assim, JEADA468,

Augusto Miranda, “A Crise em Cabo Verde”, Notícias de Cabo Verde, N.º 26, S. Vicente, Março de 1932, p. 1. “Jeada” é, eventualmente, o “nominho” ou nome de casa de alguma figura mindelense.

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l’ ca éra assim! Quande vapôr tá andá a carvôm, Sanvcênte era ôte côsa!... Terra de recurse! Terra de future!... Mim que já dêzêbe!...

Ela não era assim! Quando os barcos eram movidos a carvão, São Vicente era outra coisa!... Terra de recursos! Terra de futuro!... Eu é que já te digo!...

Bô cá era capaz de topá que gênte ta quexá fôme cma agóra! ta andá ta rocegá na’mture… ta fejì, tâ bá ‘mbóra sêm um papêl, sêm um nôme, móda um lingada de carvôm...

Não eras capaz de topar com gente a queixar fome como agora, A rocegar no monturo… a embarcar, a ir-se embora… sem um documento, sem um nome, como uma lingada de carvão...469

Face à crise, as medidas de abertura de trabalho público e de apoio da assistência social tomadas pelo Governo da Colónia não se mostraram suficientes, pelo que a miséria se alastrou de forma preocupante e grande parte da população passava fome. A Câmara Municipal, presidida por Manuel Ribeiro de Almeida (S. Vicente, 18931959)470, comerciante e proprietário do jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962), vinha insistindo, junto das entidades competentes, sobre a necessidade da abertura e alargamento de trabalhos públicos. O Governo da Colónia dizia não dispor de verbas que lhe permitissem aumentar a dotação. Para além disso, não aumentava o número dos trabalhadores, como forma de forçar os desempregados a repatriarem-se para as ilhas da sua naturalidade471. A ACIAB, em 1932, então dirigida por Manuel Velosa (Santo Antão, 1901-1956)472, alarmada com o espectáculo de desgraça que torturava o povo da ilha, reuniu na sua sede um grande número de comerciantes da praça, com o fim de angariar fundos des-

Poema matriz que originou a célebre morna do mesmo autor, “Um Vez Sancente Era Sabe”, in Mesquitela Lima, A Poética de Sérgio Frusoni. Uma Leitura Antropológica, Lisboa, 1991, pp. 214-215 (T. A.). 470 Ribeiro de Almeida assumiu a presidência da Comissão Municipal de S. Vicente a 19 de Novembro de 1931. Portaria de 10 de Novembro publicada no Boletim Oficial da Colónia de Cabo Verde, N.º 46, Praia, 14 de Novembro de 1931. Essa Comissão Municipal tinha substituído uma anterior presidida pelo Comandante Duarte Silva de que era vice-presidente Manuel Velosa. 471 Acta N.º 33 da Associação, Industrial e Agrícola de Barlavento de 27 de Setembro de 1933. 472 A eleição dos corpos gerentes da nova Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento teve lugar a 6 de Janeiro de 1932. Notícias de Cabo Verde, N.º 23, Janeiro de 1932. 469

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tinados a combater a crise do desemprego. Foi nomeada uma comissão angariadora, que começou logo a trabalhar e conseguiu reunir uma soma relativamente avultada, a pagar mensalmente pelos subscritores, todos eles comerciantes473. A Associação decidiu ainda enviar o seguinte telegrama ao Governo Central, à Imprensa de Lisboa e a diversas entidades que, em Portugal, se interessavam pelo bem desta Colónia: “S. VICENTE (CABO VERDE) – A crise agrícola de barlavento e nesta ilha atingiu proporções calamitosas, cuja acuidade se verifica em S. Vicente, em virtude da paralização do movimento marítimo. Prevemos, para breves dias, que vão dar-se mortes por inanição. Estamos em presença de circunstancias dum horror nunca visto. Apesar de situação tão extremamente precária, o comércio local, por quotização mensal, organiza trabalhos para neles se ocupar uma parte do avultado número de desempregados. Invocando os supremos principios de humanidade, apelamos para os brios e para a honra da Nação, pedindo ao Governo da Metrópole que prontamente acuda a tal estado de coisas, com a adopção dum conjunto de medidas susceptivel de debelar tão angustiosa situação. Continuamos em sessão permanente, aguardando a resposta ao nosso apêlo. – A Associação Comercial”474. Por seu lado, as “forças vivas”, melhor dizendo, a classe dos proprietários e comerciantes, vinha fazendo propostas locais para a melhoria da situação, mas que também não eram atendidas pelo Governo da Colónia. Em Janeiro de 1933, uma representação dos quarenta maiores contribuintes do Concelho, solicitou, por si e como representantes dos pequenos proprietários da ilha, que a Comissão Municipal pedisse ao Governador da Colónia que se dignasse determinar que a cobrança da contribuição predial relativa ao ano de 1931 fosse suspensa até melhorar a situação de miséria que assolava a ilha ou, pelo menos, que fosse paga em quatro prestações, sem os encargos de relaxe475. Tendo a Câmara Municipal apoiado a representação, solicitou a sua concessão, mas o documento foi indeferido pelo Conselho do Governo476. “A Crise. Medidas do Governo Para a Atenuar”, Notícias de Cabo Verde, N.º 27, S. Vicente, Dezembro de 1932. 474 Augusto Miranda, “Pró Cabo Verde”, Notícias de Cabo Verde, N.º 28, S. Vicente, Dezembro de 1932, p. 2. 475 Idem, 26 de Janeiro de 1933. 476 Idem, 2 de Março de 1933. 473

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Posteriormente, em Março do mesmo ano, os cinco maiores tributários da contribuição predial deliberaram sobre a conveniência de se apurar o lançamento de 3% ad valorem477 sobre as mercadorias importadas e despachadas na Alfândega de S. Vicente, com o fim de melhorar as receitas da Câmara, que tinha decaído em muito nesse ano. Porém, entendeu-se não ser conveniente o lançamento do imposto proposto478. Frustrada por não ter condições para levar a cabo as obras de ressurgimento da ilha de S. Vicente e a resolução dos seus problemas, a Câmara Municipal deliberou, em Abril de 1934, solicitar a sua demissão ao Governador da Colónia por “nos sentirmos cansados e por ser justo que outros também cumpram os seus deveres cívicos”479, tendo, na sequência, sido nomeado um novo Conselho Municipal presidido pelo então Administrador do Concelho, o Tenente de Infantaria Raul Duarte Silva (S. Vicente, ?-?). Manuel Lopes (S. Vicente, 1907-2005), no poema “Nocturnos (Porto Grande)”, datado de 1935, retrata em três quadros realistas a vida de miséria que se vivia na boca do porto – fantasmas negros de lanchas que sacodem mastros aflitos silenciosamente; rapariguinha solitária que espera olhando a noite; e carvoeiro dos tempos idos onde não há vestígios de carvão: …………………………................ III Em que pensas, carvoeiro debruçado no cais deserto, sobre o mar, cuja sombra como a um morto o mar iluminado embala? Sonhas a voz do porto que já perdeu a fala?

Enquanto o imposto alfandegário específico é definido como uma soma em dinheiro que uma empresa deve ao Estado por cada unidade de medida por ela exportada, o imposto “ad valorem” é calculado como uma percentagem do valor sobre as mercadorias exportadas e importadas (Correia e Silva, Nos Tempos do Porto Grande do Mindelo, Praia-Mindelo, 2000). 478 Acta da Câmara Municipal de 7 de Dezembro de 1933. 479 Ibid., 12 de Abril de 1934. 477

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Carvoeiro dos tempos idos – peça duma engrenagem inútil tombada no chão: eu sinto o drama do teu rosto limpo onde não há vestígios de carvão...480 – A Revolta de Nhô Ambrose Baltasar Lopes (S. Nicolau, 1907-1989) recorda, numa entrevista dada a Michel Laban (1992), que o seu grupo de amigos, de que fazia parte Manuel Velosa (Santo Antão, 1901-1956) e Jonas Whanon (S. Vicente, 1903-1994), andava extremamente preocupado com a miséria que grassava em S. Vicente, pelo que decidiu que tinha de actuar de qualquer modo. Porém, para isso, precisava de um pretexto para chamar a atenção do Governo. O grupo entendeu que teria maior impacto o povo sair à rua numa manifestação. Para que esta seguisse em ordem, pediu a Nhô Ambrose – um carpinteiro muito loquaz e desembaraçado, de um dos bairros suburbanos da cidade do Mindelo, com algum prestígio entre os vizinhos e junto das gentes a que pertencia – que saísse com o povo mas que o recolhesse pouco depois para evitar distúrbios. Assim, a 7 de Junho de 1934, de acordo com Félix Monteiro (S. Vicente, 19092002)481, um grupo cada vez mais numeroso de homens, mulheres e crianças percorreu algumas ruas da cidade do Mindelo, arvorando um pano preto a servir de bandeira, aos gritos de MISÉRIA e FOME482, na intenção de forçar as autoridades locais a solicitarem ao Governo da Colónia as providências que se impunham para socorrer a população desempregada. A marcha dos manifestantes tinha começado na Ribeira Bote, à beira da porta (e oficina) de Nhô Ambrose, que os terá convencido que já era tempo de saírem à rua para fazer saber às autoridades que estavam passando toda a casta de privações por falta de trabalho.

Poema inicialmente publicado em Poemas de Quem Ficou, Açores, 1949. Agora in Manuel Santos-Lopes, Falucho Ancorado Lisboa, 1997, pp. 35-36. 481 Félix Monteiro, “A Bandeira Negra da Fome”, Claridade – Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário, Praia, 1986, pp. 161-172. 482 Desde 1927 que tinha sido determinado que não era permitido usar tal designação, “considerando que tal abuso de linguagem não corresponde à verdade” e porque “o efeito moral do emprêgo dessa expressão é deprimente para todos quantos trabalham em Cabo Verde, vexando-os perante a Metrópole e as outras Colónias por dar a impressão de que subsistem numa terra, onde pode supôr-se endémica a miséria dos seus habitantes” (Circular de 28 de Janeiro, publicada no B. O., N.º 5, de 29 de Janeiro de 1927). 480

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Dirigindo-se à Praça da República (actual Pracinha da Igreja), em frente à Câmara Municipal, solicitaram que esta e a Administração do Concelho telegrafassem ao Governador, mais uma vez, a informar que o povo já não podia sofrer mais do que vinha sofrendo, estando decididos a aguardar, juntos e solidários, sem se dispersar, as medidas requeridas pela situação de miséria que estavam atravessando, como resposta aos seus apelos (Félix Monteiro, 1986). Conforme o suplemento de 8 de Junho, do jornal Notícias de Cabo Verde483, órgão regionalista e independente de S. Vicente, cerca das 14 horas do dia 7, não se sabendo como, um numeroso grupo daqueles manifestantes invadiu a Alfândega, saqueando alguns armazéns onde havia uma boa quantidade de géneros alimentícios, não obstante os protestos e a resistência de todo o pessoal. O Director, Antero José Barbosa, vendo a impossibilidade de resistir à multidão, pediu auxílio à força militar, que ocupou o edifício depois de algumas descargas, no meio das pedradas com que os manifestantes os repeliam. Antes da chegada da força militar, já alguns polícias haviam tentado defender a Alfândega. Entretanto, pelas ruas da cidade, deslocava-se uma fila interminável de mulheres, homens e garotos que transportavam sacos, latas e demais objectos tirados da Alfândega. De notar que Nhô Ambrose – figura mitificada por Gabriel Mariano, em 1956, como “Capitão Ambrózio”484 – não participou nos assaltos aos armazéns, nem beneficiou do respectivo saque. Ele só queria sensibilizar as autoridades, levando-as a tomar, com urgência, as medidas impostas pela situação dos trabalhadores desempregados485. 483 484

485

“Os Acontecimentos”, Notícias de Cabo Verde, “Suplemento” ao N.º 92, S. Vicente, Junho de 1934. “Capitão Ambrózio”, in Ladeira Grande. Antologia Poética, Lisboa, 1993, pp. 51-55:

1

2

Bandeira Negra bandeira Bandeira negra da fome. Em mãos famintas erguidas Guiando os passos guiando Nos olhos livres voando Voando livre e luzindo Inquieta e livre luzindo Luzindo a negra bandeira Clara bandeira da fome.

Mãos erguidas Em força, duras, erguidas Pés marcando a revolta O povo marcha na rua. Vai na frente o Ambrózio Mulato Ambrózio guiando Leva nas mãos a bandeira. Pesada e fria é a noite Injusta e amarga é a fome Mas vai na frente o Ambrózio

Félix Monteiro, op. cit.

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Os manifestantes expulsos da Alfândega, começaram a assaltar os diferentes armazéns das principais firmas, nomeadamente, Joaquim Silva Branco, Serras e Sousas, Limitada, Aguinaldo Vera-Cruz, Heinrich Kahm e Alfredo António Miranda. Em vários pontos, os militares abriram fogo, tendo havido dois feridos, um homem e uma rapariga, e um morto, um rapaz de 18 anos, que foi ferido com uma baioneta na ocasião em que se fazia o assalto aos armazéns da firma Alfredo Miranda486. Devido à intervenção do Comandante Militar da cidade, Coronel-Médico Dr. Francisco Regala (1870-1937), e da ACIAB, a multidão abrandou a sua fúria e voltou a juntar-se à porta da Câmara Municipal para se inteirar do conteúdo do telegrama ansiosamente esperado da Praia, de Sua Exa. o Governador Amadeu Gomes de Figueiredo (1931-1941), que apenas dizia: “Acabo telegrafar ministério insistindo pedido providências. Procure acalmar povo até resposta ministério que deverá ser urgente”487. Enquanto isso, a ACIAB, que tinha sido mobilizada e se encontrava em sessão permanente na sua sede, sita à Rua Infante D. Henrique (actual Avenida 5 de Julho), deliberou: “– Telegrafar a S. Exas. o Presidente do Conselho, Ministro das Colónias, tenente-coronel Joaquim Duarte Silva, general Viriato Gomes da Fonseca e o Gabinete de Repórteres em Lisboa, nos termos do texto que se transcreve desta acta; Telegrafar a Sexa o Governador nos termos do telegrama que vai transcrito nesta acta; – Ir uma comissão constituída por alguns dos presentes falar às massas e tentar apaziguá-las e serená-las, levando-as a esperarem pacificamente em suas casas que as autoridades e as pessoas gradas desta ilha consigam das autoridades superiores o estabelecimento de medidas conducentes ao fim que têm em vista, isto é, como medida de inadiável oportunidade, a abertura de trabalhos públicos em larga escala de forma a dar colocação à maior parte, senão mesmo à totalidade dos desempregados”488. A acta referida não foi localizada nas nossas pesquisas, por não constar do livro respectivo. Trata-se da acta n.º 33, datada de 27 de Setembro de 1933, seguindo-se-

Idem, ibid. Idem, p. 166. 488 “Acta da Sessão da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento” citada por Félix Monteiro, “A Bandeira Negra da Fome”, in Claridade – Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário, Praia, 1986, p. 166. 486 487

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lhe a n.º 34, com data de 22 de Janeiro de 1938. Não se encontra explicação para tal falta, pelo facto de as sessões serem de regularidade semanal. Nos telegramas enviados pela ACIAB ao Governador dizia-se, em resumo, que o comércio tinha fechado em sinal de defesa e protesto e que o povo arrombara e saqueara os armazéns da Alfândega e do comércio, distribuindo entre si os artigos pilhados. Consideravam os lamentáveis acontecimentos como consequência do estado de desespero da população ante tanta miséria, resultante da longa falta de trabalho e paralisação do porto. Acentuavam o seu protesto pelos prejuízos sofridos e afirmavam que apresentariam reclamação fundamentada por vias legais, reconhecendo a necessidade de se abrirem serviços públicos ao povo necessitado, enquanto o problema de Cabo Verde não fosse devidamente enfrentado489. A Comissão enviada pela ACIAB, constituída por António Augusto Martins, “Nhô Fidjito” (S. Vicente, 1889-1955), Baltasar Lopes e Augusto Miranda, organizou um comício na Praça da República e recomendou a todos os manifestantes a maior serenidade e que recolhessem a suas casas, pois comprometiam-se a defender, pelos meios legítimos, a causa dos trabalhadores, certos de que o Governador, bem como o Governo, não deixariam de considerar a gravidade da situação e a necessidade de auxiliar o povo de S. Vicente. Foi declarado o estado de sítio, sendo a cidade entregue ao Comando Militar, “não podendo formarem-se grupos nem circular pessoa alguma na cidade sem a necessária autorização das 18 às 5 da manhã”490. O Tenente de Infantaria Raul Duarte Silva, Administrador do Concelho e Presidente da Câmara, ausente na Praia, a tomar parte na conferência de Administradores, enviou o seguinte telegrama, datado de 7 de Junho, que foi tornado público no dia imediato: “Câmara – Sanvicente – Compreendo – situação – aflitiva – povo – lamentando – desorientação – que produziu – alteração – ordem. – Govêrno – Colónia – conhecedor – situação – renovou – pedido – insistentemente – Govêrno – Central – fim – obter – recursos – abertura – trabalho. – Recomendável – virtude – gravidade – momento – povo – recupere – calma – imediata – aguardando – providências – que – certamente – não demoram. – Sigo – amanhã. – Administrador Concelho”491.

“Os Acontecimentos”, Notícias de Cabo Verde,” Suplemento” ao N.º 92, S. Vicente, Junho de 1934. Idem, ibid. 491 Acta da Câmara Municipal de S. Vicente da Sessão Ordinária do dia 14 de Junho de 1934. 489 490

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Os resultados da manifestação e da militância cívica saldaram-se em um morto, dois feridos, como se disse atrás, prisões e penas para os mais comprometidos na manifestação a serem cumpridas nas ilhas da Boa Vista e Sal, e a deportação de Nhô Ambrose para Angola. Para os comerciantes foi aplicado, um imposto ad valorem de 3% sobre todas as mercadorias que o comércio de S. Vicente importasse, por se ter solidarizado com o povo nos distúrbios492.

1.2 - O Efeito da Extinção do Liceu de S. Vicente Na noite de 28 de Outubro de 1937, deu-se outro acontecimento marcante para a ilha e para todo o arquipélago: a Rádio Colonial Português (RCP) difundiu a notícia de que tinha sido publicado nesse dia um decreto extinguindo o Liceu Central Infante D. Henrique de S. Vicente493 criando, em contrapartida, uma escola comercial e industrial. Criava ainda uma escola agrícola na Praia. Em poucos minutos, S. Vicente conhecia essa notícia, que depressa se espalhou, e Cabo Verde ficou de luto. O liceu encerrou no dia seguinte. Cabo Verde de Luto Às treze horas e trinta minutos do dia seguinte, a pedido da população da cidade, reuniu-se a Câmara Municipal (CMSV) em sessão extraordinária, sob a presidência do Tenente de Infantaria Raul Duarte Silva, para tratar do assunto da extinção do Liceu. A sala da Câmara e o corredor estavam cheios de pessoas de todas as categorias da cidade e de muito povo, estando representadas largamente as associações de classe, associação dos pais dos alunos do Liceu, Organizadores da União Nacional, Imprensa, Associação dos Falcões de Cabo Verde494 e Associação Escolar do Liceu, Organização de massa juvenil fundada em S. Vicente, em 1932, por Júlio Bento de Oliveira (S. Vicente, 1905-1981), inspirado no movimento checo surgido em 1862, como “Sokols de Cabo Verde”, tendo depois mudado o nome (com tradução da palavra sokol) para “Falcões de Cabo Verde”. Para além da cultura física, a organização procurava inculcar nos seus membros os valores cívicos e democráticos que também regiam a sua congénere da Checoslováquia. No Boletim Oficial, N.º 52, de 29 de Dezembro de 1934, vêm publicados os Estatutos da Associação “Falcões Portugueses de Cabo Verde”. Razões internas e externas terão servido de pretexto para ditar o fim da organização: (i) em 1934, durante a “Revolta de Nhô Ambrose”, a associação ajudou a acalmar o povo, tendo demonstrado simpatia pela sua causa; (ii) em 1937, manifestou o seu repúdio pela decisão governamental de extinguir o liceu; e (iii) a culminar, em 1938, a Checoslováquia foi invadida pelo exército nazi e deixou de existir como país independente. Por Decreto N.º 29.453, de 17 de Fevereiro de 1939, a associação foi extinta e imposta no seu lugar a “Mocidade Portuguesa”, convertendo-se os “Falcões de Cabo Verde” na Ala N.º 2 “Afonso de Albuquerque” da Mocidade Portuguesa. João Nobre de Oliveira, A Imprensa Cabo-verdiana (1820-1975), Macau, 1998. 494

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Clubes desportivos, Associação Operária, etc.. Conforme ficou registado na Acta da Sessão Extraordinária: “Em palavras comoventes, austeras e nobres, expôs o Senhor António Augusto Martins [então Presidente da ACIAB] a surpresa, o assombro, a indignação que produziu, em toda a cidade a desoladora notícia [...]. Acentuou a injustiça do golpe cruel, inesperado, que encerrou o Liceu, e o enorme prejuízo que este facto iria causar á mentalidade, ás aspirações e ao progresso de Cabo Verde. Rememorou a dedicação e a solicitude com que se havia rodeado e apoiado o estabelecimento secundário de Cabo Verde, foco e índice da cultura do Arquipélago, que se honra de figurar á frente das colónias, combatendo com energia e briosamente o analfabetismo. Responder-se a esse esforço e a esse brio com a extinção do Liceu é vibrar um golpe de morte a esta parcela do império Português, que maior direito tem á vida espiritual”495. A sessão camarária aprovou expedir um telegrama ao Governador da Colónia, que teve o seguinte teor: “As Associações-classes – Associação-pais-alunos – organizadores-uniãonacional – população – todas categorias vieram pedir Câmara reunida sessão extraordinária signifique vexa e poderes centrais seu profundo desgosto ante desoladora inesperada notícia extinção Liceu. 372 alunos matriculados liceu funcionando seis professores efectivos propinas pagas faltando apenas nomeação professores interinos ponto comparticipando estado depressão moral Câmara em nome todos solicita vexa empregue todo seu valimento telegraficamente Lisbôa sentido manutenção liceu aspiração máxima cêrca 160.000 habitantes ponto colónia pobre quasi totalidade não pode mandar filhos cursar Lisbôa contudo está disposta quaisquer sacrifícios conservação liceu com vinte anos existência ponto solicitamos autorização telegrafar poderes superiores Metropole ponto População conta decidida valiosa solidariedade seu Governador momentos problema. Câmara Municipal”496.

495 496

Cf Acta da Sessão Extraordinária da Câmara Municipal de S. Vicente do dia 29 de Outubro de 1937. Idem, ibid.

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O jornal Notícias de Cabo Verde, de 1 de Novembro, ironicamente, véspera do dia de finados, sai com uma tarjeta negra e em grandes parangonas a frase: “CABO VERDE DE LUTO! A Extinção do Liceu”. O editorial é de amargura e dolorosa desolação: “Inaugurado, em 19 de Novembro de 1917, sob a presidência do então governador de Cabo Verde, o ilustre professor e comandante Fontoura da Costa [1915-1918], o novo estabelecimento de ensino abriu, modestamente com 31 alunos de ambos os sexos. Decorridos apenas vinte anos, depois dessa data histórica e dignificadora para a Nação, eis que somos surpreendidos, doridamente, pela informação desalentadora de que somos privados de uma grande conquista espiritual. Hoje, frequentado por 372 estudantes, matriculados, com as propinas pagas e o vivo anseio das maiores aspirações da população do Arquipélago e de todos os caboverdianos espalhados pelo mundo, o Liceu representa, para Portugal, o mais honroso e elevado pergaminho de nobreza. [...] E não possuímos museus, nem grandes bibliotecas, nem academias, nem qualquer outro instituto literário ou científico. E, entretanto, é de 160.000 o número de habitantes de Cabo Verde, que nada mais têm do que um liceu”497. Durante uma semana a cidade do Mindelo viveu “em profundo desgosto moral e insuportável dôr física [...], enervamento e ansiedade”498. Dia Memorável Na manhã de 9 de Novembro, quer dizer, doze dias após o seu encerramento, chegou a toda a parte a notícia de que o Liceu ressuscitara. O Administrador do Concelho e o Reitor do Liceu, Joaquim Jaime Simões, tinham recebido o seguinte telegrama da capital: “Acabo receber telegrama S. Excia. Ministro dizendo que vai ser publicado decreto499 determinando Liceu continúe presente ano escolar. Deve reabrir aulas imediatamente. Governador”500. “Cabo Verde de Luto! A Extinção do Liceu”, Notícias de Cabo Verde, N.º 156, S. Vicente, Novembro de 1937. “A reabertura do Liceu”, Notícias de Cabo Verde, N.º 157, S. Vicente, Novembro de 1937, p. 1. 499 Decreto N.º 28:229, de 24 de Novembro de 1937, publicado no Diário do Governo, I Série, N.º 274, Lisboa, 24 de Novembro de 1937, e no B. O., N.º 51, Praia, 18 de Dezembro de 1937. 500 “A reabertura do Liceu”, Notícias de Cabo Verde, N.º 157, S. Vicente, Novembro de 1937. 497 498

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Nas palavras do Notícias de Cabo Verde, “raras vezes, ou nunca, a nossa cidade vibrou, num regosijo tão geral e expontâneo” (idem, ibid.): “Numerosos grupos de estudantes começaram percorrendo, a pé, de automovel e em camions, as ruas e praças do burgo, agitando as bandeiras da Nação, do Liceu e dos Falcões e atroando os ares com toques de corneta e entusiásticos vivas à Pátria, Cabo Verde, Govêrno Português, Governador da Colónia, Ministro das Colónias, Reitor do Liceu, Professores, Consulados, Camara Municipal, Associações locais, Notícias de Cabo Verde e a todas as outras entidades que haviam contribuido de qualquer forma para o belo movimento pró Liceu. Os foguetes estralejavam no espaço. O som festivo dos sinos confundia-se com o das sereias dos vapores surtos no porto, e em todos os mastros – dos edifícios do Estado, da Camara, do Banco Ultramarino, etc. – foi içada a bandeira nacional, manifestação a que gentilmente se associaram os consulados, as companhias estrangeiras, a Western Telegraph e a Italcable”501. Assim como fizera no dia do encerramento, a Câmara Municipal quis traduzir o sentir da população, reunindo-se para festejar a reabertura do Liceu502. A cruzada para o salvar, que unira todos, oficiais e particulares, não tinha sido em vão.

1.3 - A Conjuntura dos Anos Quarenta A década de quarenta entrara sob o impacto da segunda Guerra Mundial, tendo também contribuído para a crise do Porto Grande, levando ainda mais à diminuição da entrada de barcos. A agravar ainda mais a situação difícil que se vivia nas ilhas, voltaram as crises de falta de produção agrícola e, portanto, de alimento. Primeiro, em 1941-1943 e, depois, em 1947-1949, provocando miséria e milhares de mortes. Estiagens e Fomes À semelhança do que acontecera nos anos setecentos e oitocentos, várias crises agrícolas eclodiram nos anos novecentos. A primeira foi em 1902-1904, causando 15.000 mortos, numa população que, em 1901, era de 145.706 habitantes; seguiu-se a crise de 1920-1922, com 17.000 mortos, numa população que, em 1920, era de 501 502

Idem, ibid. Acta da Sessão Extraordinária da Câmara Municipal de S. Vicente do dia 9 de Novembro de 1937.

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159.675 indivíduos; e, finalmente, as que eclodiram entre 1940 e 1950, sendo estas as mais graves, pelo número de vítimas que fizeram e por se terem processado em plena guerra, quando a escassez de alimentos era grande em toda a parte. A população que em 1940 era de 181.286 habitantes baixou para 148.331 em 1950, ou seja, um défice de mais de 30.000 indivíduos (Terry, 1959; e Carreira, 1969). O médico e escritor Teixeira de Sousa (1958b) apresenta dados estatísticos referentes ao obituário relativo a esse último período, que são elucidativos da mortalidade geral havida (Gráfico 6.2). Gráfico 6.2 Obituário entre 1940 e 1950 ����� ����� ����� ����� ����� ���� ���� ���� ���� � ����

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Fonte: Gráfico construído com base nos dados de Teixeira de Sousa, in Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação, N.º 109, Setembro de 1958

Os dois picos de mortalidade correspondem a dois períodos de fome, respectivamente, nos anos de 1941-1942, com 13.176 e 17.041 mortes, e nos anos de 1947-1948, com 13.162 e 15.162 mortes (op. cit., p. 6). – A Crise de 1941-1943 A crise agrícola de 1941-1943, depois da seca dos inícios dos anos trinta, ainda que de efeitos atenuados, provocou fome geral em todo o arquipélago (ver Anexo 1: Quadro 1). A ilha do Fogo perdeu cerca de 7.500 vidas, 31% da população, vindo em segundo lugar, S. Nicolau, com 28% (Amaral, 1991).

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Durante a crise, o Governador Ferreira Martins (1941-1949), numa sua passagem ocasional por S. Nicolau, ao deparar-se com o espectáculo horrendo de cadáveres espalhados pelas ruas e homens e mulheres no estertor da morte por inanição, perante os incrédulos funcionários e o Administrador do Concelho, deu ordens para que, de imediato, se procedesse ao alargamento do cemitério que já não comportava as vítimas tombadas pela fome. E com este gesto, parecia-lhe estar resolvido o problema da crise em S. Nicolau (Macedo, 1943)503. O romance Chiquinho504, de Baltasar Lopes (1947), cujos primeiros excertos foram publicados na revista Claridade505, apresenta passagens realistas da situação dramática vivenciada pelo autor em S. Nicolau, na fome de 1942-1943: “Desaparecidas, todas as esperanças, enganadas as promessas de chuva. De todas as ribeiras a notícia que vinha era a mesma. Não se colheria um grão de milho, e dos feijoeiros nem falar, que a lestada de Novembro crestara tudo (1947: 263-264). Constantemente passava pela minha porta gente que fugia dos povoados de Norte-a-Baixo, em direcção à Vila. Era um cortejo lamentável de homens, mulheres, crianças. Os animais domésticos faziam também parte do êxodo para outras regiões mais habitadas [...]. Os meninos, com as barrigas inchadas sôbre as pernas magras. E vinha tudo, o pote de barro, a cama de finca pé, as esteiras. A vaquinha magra e as cabras do pé-de-porta não abandonavam os donos em tal provação. Os cachorros de língua de fora, farejando restos de osso para enganarem a fome. Muitas vezes, os animais miúdos eram transportados no ceirão dos burros ou em balaios, à cabeça das mulheres. Homens e bichos não conheciam distâncias naquela irmanação perante o destino comum. [...] Ao longo dos caminhos, as canhotas ficavam pairando, à espera de momento oportuno para se abaterem sobre a carcaça dos animais que caíam, desistindo da viagem (Idem:265). Eu nunca tinha visto aquilo. Era novo para mim êsse espectáculo da vida que

Memórias de Abílio Macedo, 1941-1942, documento inédito gentilmente cedido pelo filho do autor, Dr. Teodoro Monteiro de Macedo. 504 A primeira edição apresenta o subtítulo “romance caboverdeano”, retirado na segunda, em 1961, significando que o autor prescindiu de afirmar o que em outro momento fora uma necessidade. 505 “Bibia”, pp. 2-3 e 7, Claridade, N.º 1, S. Vicente, Março de 1936, correspondente ao capítulo 24 de “Infância”; e “Infância”, pp. 2-3 e 7, Claridade, N.º 3, S. Vicente, Março de 1937, correspondente aos capítulos 16, 29, 23, 18 e 22 de “Infância”. 503

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foge imperceptivelmente dos homens e das coisas. Os lunaristas explicavam a fatalidade cíclica da seca. De vinte em vinte anos era aquela falsia completa da chuva, desamparando as ilhas para outras paragens no meio do mar (Idem:267). Os meses iam passando e com eles todas as esperanças da pobreza. Agora era a doença que minava as alimárias (Idem: 268). Para cúmulo, apareceram os gafanhotos. Os restos de palha verde iam sendo devorados pelas suas mandíbulas implacáveis. E uma côr única dominava tudo, o cinzento. O sol peneirava uma claridade baça através da cortina encinzeirada da mormaça” (Idem:269). Nessa mesma linha, o poeta Jorge Barbosa (1941) pinta em cores fortes de desespero a desolação da “Paisagem”: Malditos estes anos de seca! ............................................ Há quanto tempo não rodam as pedras dos moinhos! Há quanto tempo não se ouve o som monótono e madrugador dos pilões cochindo… – Que é desse ruído anunciador das refeições do povo? De dentro das casas nem fio tenuíssimo de fumo subindo… ............................................ Em tudo o cenário dolorosíssimo da estiagem – da fome!506

506

Jorge Barbosa, “Paisagem”, in Ambiente, Praia, 1941. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, pp. 83-84.

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Manuel Lopes, em Flagelados do Vento Leste (1959), regista a mesma tragédia vivida em Santo Antão. De notar que o seu primeiro romance, Chuva Braba (1956), cujo espaço de ficcionação é também esta ilha, é considerado complementar daquele, na medida em que ambos tratam dos efeitos de duas indomáveis e volúveis forças da Natureza tão conhecidas dos patrícios, a chuva e a lestada (ou o harmatão). Facto curioso é Chuva Braba terminar num cântico à fecundidade da terra sagrada e Flagelados do Vento Leste em cânticos macabros e fúnebres a uma terra amaldiçoada (Hamilton, 1984). – A Crise de 1947-1949 A crise agrícola que avassalou o arquipélago em 1947-1949 foi a mais grave que o atingiu. A pluviosidade nas regiões mais regularmente produtoras de Santiago não chegou a ser metade da que se tinha verificado no ano mais seco da crise de 1941-1943. Para além disso, a população de Santo Antão estava sem produção agrícola desde 1945, e a das restantes ilhas não tinha quaisquer reservas, pois circunstâncias várias não lhes permitiram que se refizessem dos efeitos da situação anterior507. É na sequência desta situação que, na cidade da Praia, ao meio-dia de 20 de Fevereiro de 1949, o alpendre e o muro sob que se abrigava a maior parte dos indigentes que recebiam refeições diárias pela Assistência, desabaram sobre eles, provocando 232 mortos e 47 feridos508. Dessa última grande fome fica a lembrança aflitiva do “Casebre” (1956) abandonado: Nestes tempos não tem descanso a padiola mortuária da regedoria. ………………………… Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas! Nem gritos nem alarme – somente o jeito passivo de morrer! …………………………

507 508

Portaria N.º 3:321, de 4 de Janeiro de 1947, publicada no B. O., N.º 1, Praia, 4 de Janeiro de 1947. Bento Levy, “Já é tempo”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 6, Praia, Março de 1950, pp. 1 e 2.

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No quintal do casebre três pedras juntas três pedras queimadas que há muito não serviram. E o arco de ferro do menino com a vareta ainda presa509. Após as crises, a recuperação tornava-se particularmente difícil, pois tratava-se de uma população de economia agro-pecuária em que “os campos ficam abandonados e devastados; o gado morre quase todo; e a economia, mesmo a dos mais medianamente dotados, perfeitamente arruinada” (Terry, 1959:103). Para além de que as populações que subsistem ficam largamente afectadas pela subalimentação.

O Contrato para as Roças de S. Tomé O homem cabo-verdiano não tinha muitas opções quando a seca se prolongava e a fome se declarava: embarcar para o Sul e sujeitar-se às indescritíveis privações que lhes eram impostas ou aguardar a morte. Esta fatalidade conhecida facilitava o engajamento. Desde o findar do século XIX que tinham surgido intermediários bem gratificados que faziam o serviço de angariação de mão-de-obra. Em 1903, foi aberta em Santiago uma Agência de recrutamento de serviçais para S. Tomé e Príncipe, a “Sociedade de Emigração de S. Tomé e Príncipe” (SOEMI)510 e procedeu-se à nomeação de engajadores (ou contratadores), uns metropolitanos ali residentes, outros cabo-verdianos. Os dois primeiros engajadores, entre 1906 e 1910, foram Raul Barbosa e José Antunes de Oliveira, os quais actuaram até 1914 (Carreira, 1983). Em 1918, era agente de emigração na cidade da Praia o comerciante José Costa511. Não existem informações sobre o sistema de remunerações estabelecido, mas admite-se que a SOEMI pagasse uma quantia fixa por cada serviçal recrutado, como se veio a verificar nas décadas de quarenta em diante (entre 100$00 e 150$00 por contratado) (Carreira, 1983). Jorge Barbosa, “Casebre”, in Ambiente, Praia, 1941. Agora in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, pp. 135-136. Organismo privado de proprietários rurais cabo-verdianos que se encarregava do recrutamento de trabalhadores contratados por intermédio de agentes recrutadores. 511 Cf Jornal Caboverdeano (página de publicidade e anúncios), Praia, 1918-1919. 509 510

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O recrutador, em regra, para poder obter o maior número possível de serviçais, tinha de os convencer das vantagens conferidas pelo contrato, incluindo a segurança no emprego, eventuais gratificações suplementares pelos bons serviços prestados, a qualidade da alimentação e até as belezas das ilhas. Segundo as estatísticas, que Carreira (1983a) considera pecarem por defeito, só no período de 1941-1949512, a emigração forçada para o Sul atingiu a cifra de 24.084 indivíduos, sendo que 20.884 foram para S. Tomé e Príncipe, 2.128 para Angola e 1.072 para Moçambique e Timor. Jorge Barbosa, num ciclo de treze poemas escritos em 1963, intitulado “Memorial de São Tomé, Sueltos Poéticos”, posiciona-se contra a contratação de serviçais caboverdianos para aquela colónia: São Tomé fertilíssimo e o Príncipe também, guardam no solo fecundo o químico e o térmico segredo da abundância. Mas não é da terra que vem a sua maior riqueza, nem do café, nem da copra, do coconote ou do óleo rubro das palmeiras, nem do cacau reputado que lhes dá o ouro e a fama que há longa data desfrutam. A sua maior riqueza ainda é o suor barato do serviçal cabo-verdiano!513 Osvaldo Alcântara (i.e. Baltasar Lopes), por sua vez, dedica um ciclo de oito poemas a Nicolau, sob a designação genérica de “Romanceiro de S. Tomé” (1958)514 Faltam cifras de cerca de vinte anos (1923-1940), António Carreira, Migrações nas Ilhas de Cabo Verde, Praia, 1983. 513 Jorge Barbosa, poema do conjunto intitulado “Memorial de São Tomé, Sueltos Poéticos” (1963), in Jorge Barbosa, Poesia Inédita e Dispersa, Lisboa, 1993, pp. 117. 514 Claridade – revista de arte e letras, N.º 8, S. Vicente, Maio de 1958, pp. 34-39. 512

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onde o sujeito poético que não partiu, se identifica com Nicolau no seu regresso. Umas vezes essa identificação é feita como mãe, outras como irmão e outras ainda como amigo. Veja-se o exemplo do poema “Filho”: Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá longe. Dorme sem medo. Porão, roça, fantasmas imediatos, tudo ficou lá longe. Dorme, Nicolau, dorme sem medo, que o fantasma ficou lá longe. Quando acordares a jornada será mais longa. Nicolau, menino, onde foi que deixaste o corpo que te conheci? Deus há-de querer que o sonho te venha depressa no meu catre515. Por se viver, na época da publicação dos poemas do “Romanceiro...”, 1958, uma fase de censura feroz tanto em Portugal como em Cabo Verde, a denúncia é feita de forma velada, por vezes irónica, através da selecção de determinados lexemas-chave dos poemas: “Caim” (1958:36-37), “Porão” (1958:37), “Regresso do Paraíso” (1958: 38) e “Recordai do desterrado no dia de S. Silvestre de 1957” (1958:39). Lexemas esses que funcionam como símbolos, respectivamente, do mercador/contratador, das promessas aliciantes feitas aos contratados e do lugar de degredo que é S. Tomé e Príncipe. “Caim”, a figura bíblica do irmão maldito, é invocado: Houve um tempo em que te quis perdoar. / [...] / Tens de ser marcado, tatuado / para que a tua mancha seja tão indelével / como o Pecado Original. “Porão” representa a primeira constatação de que as promessas são vãs: Amigos, inimigos, onde pára / Aquele que me prometeu a Estrela da Manhã? “Paraíso” é a ironia de uma outra promessa: Que cansaço neste meu regresso do Paraíso! / E como é doloroso o caminhar de esperanças desiludido.

515

Idem, p. 34.

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“Desterrado” é uma recordação que deve acordar as consciências dormentes: Acordai, acordai. É Nicolau / que vos vem dar as boas-festas. /[...]/ Ele é S. Silvestre, que vos vem oferecer/ o presente que não pusestes na sua saca de S. Jorge. Desta geração fica um desejo e uma esperança: Nicolau nunca mais voltará a ser a moeda/ das riquezas de Caim.

Os Ventos da Grande Guerra Em pleno conflito, os Estados Unidos da América declararam guerra ao chamado Eixo Roma-Berlim-Tóquio. Num dos seus discursos, o Presidente Roosevelt demonstrou o interesse que teriam para as potências aliadas o aproveitamento das ilhas de Cabo Verde e dos Açores, como bases estratégicas para o domínio do Atlântico. Porém, Portugal havia definido a 1 de Setembro de 1940, imediatamente após o ataque alemão à Polónia, a sua intenção de se manter neutral. O seu receio de que um ataque para a ocupação daqueles arquipélagos fosse desencadeado, quer pelos seus aliados quer pelas forças do Eixo, levou o governo da Metrópole a guarnecê-los, de imediato, com tropas expedicionárias, como garantia da neutralidade portuguesa. É assim que desembarcam em Cabo Verde os primeiros batalhões de expedicionários (Macedo, 1943). Enquanto a Europa era assolada por um conflito onde o nazismo e o fascismo levavam tudo de vencida, o Estado Novo parecia triunfar duradouramente em Portugal, essa ilha de paz num mundo em guerra. É neste contexto que, em 1940, se realizam as comemorações do “duplo centenário da nacionalidade” – 1140, fundação da Nacionalidade, e 1640, a Restauração da independência – cujo ponto alto do programa iria ser a Grande Exposição do Mundo Português, inaugurada em Lisboa, a 2 de Junho, frente ao Mosteiro dos Jerónimos (Rosas, op. cit.). A organização da Exposição trouxe à Metrópole representantes das artes tradicionais de cada colónia, tendo integrado a participação de um grupo musical de Cabo Verde, de que fazia parte o grande músico e compositor de mornas, Francisco Xavier da Cruz, “B. Léza” (S. Vicente, 1905-1958), para além de Pedro Alcântara Ramos, “Tchuff ” (S. Vicente,1913-1982), entre outros. Já antes, em 1934, por ocasião da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, realizada no Porto, tinha-se deslocado àquela cidade um outro grupo de artistas cabo-verdianos composto por artífices, dançarinas e cantadeiras e músicos, dos quais faziam parte Maria de Purificação Pinheiro, “Maria Bárbara” (Boa Vista, 1905-1975), Luís Rendall (S. Vicente, 1898-1986), Pedro Olivei309

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ra Lima, António Pereira Fernandes, João Baptista da Silva Brito, João Lopes e João Évora (pai do Bispo D. Paulino Évora), com o mesmo propósito de dar a conhecer a música e o folclore de Cabo Verde516. Em Lisboa, Xavier da Cruz constatou, para além das injustiças sociais patentes entre a população portuguesa, gente a viver miseravelmente e que a auto-propagandeada neutralidade do Estado Novo não conseguia esconder as simpatias para com o nacional-fascismo vindo da Alemanha, Itália e Espanha. Como muitos outros cabo-verdianos esclarecidos, Xavier da Cruz achava que Portugal devia apoiar incontestavelmente os aliados e entrar na guerra a seu lado517. Francisco da Cruz (1950:67) era de opinião que “noventa e cinco por cento e mesmo mais dos filhos de Cabo Verde, desejam, sinceramente, a vitória da Inglaterra e dos seus aliados, a bem e em prol da civilização, da liberdade e da felicidade humana”. É assim que, em Dezembro desse ano de 1940, quase no momento em que a França esmagada capitulava e se podia aguardar a rendição imediata da Inglaterra, Xavier da Cruz cria a morna “Hitler”, dedicada ao Primeiro-Ministro do Reino Unido, Sir Winston Churchill. Em 1943 traduz a morna para o inglês e envia-a à estação da B.B.C, a pedido de patrícios cabo-verdianos residentes ou de passagem por Cardiff: Hitler câ tâ ganhá guerra, ni nada! Guerra ê di nos Aliado; Águia Négra é vencida Ná camp di batalha. Nô confiá na Britiche, Nô pô fé ná sê valor Dér Fiúra ‘stá vencido Cô tudo sê horror Churchil ê um barra di aço Qui cá tá derretê! Na mar, na terra,e ná ár Ele tem qui vencê.

Hitler shall never win the war! Never! e victory is for our Allied! e Black Eagle shall be ruined, On the Battlefield. Let us trust on the British, Let us have faith on their value Der-Fuhrer is vanquished With all his horror Churchill is a steel bar Which will never be reduced On the sea, on earth, in the air He will obtain triumph518.

“A representação da Colónia de Cabo Verde”, Ultramar, N º 11, Porto, Fevereiro de 1934, p. 4. Outras dançarinas e cantadeiras registadas eram Maria Rodrigues Pereira, Vitória Santos, Luísa Benvinda Santos e Maria Basília Ramos, todas da Boa Vista. 517 Entrevista a Veladimir da Cruz (filho de Francisco Xavier da Cruz), Lisboa, 9/11/2002. 518 Francisco Xavier da Cruz, “Hitler”, in Razão da Amizade Caboverdiana pela Inglaterra. Resumo Histórico da Posição Psicológica do Caboverdiano Perante a Influência Britânica, Rio de Janeiro, 1950, pp. 26-28. 516

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Ainda de acordo com Xavier da Cruz (1950), durante mais de dois anos, toda a gente em Cabo Verde, “miúda e grande”, cantou e dançou “Hitler”, com fé profética519. Na segunda metade de 1941, quando o palco da guerra se tinha aproximado perigosamente das ilhas, permitindo ouvir, o ribombar dos canhões dos barcos dos aliados, em longos comboios, que se defendiam dos submarinos alemães, tentando evitar serem atingidos pelos torpedos que os perseguiam520, ocorreu um caso curioso com o comerciante metropolitano José dos Santos, Cônsul da Alemanha em S. Vicente, que é elucidativo da simpatia que os cabo-verdianos nutriam pelos ingleses. Manifestando-se entusiasticamente germanófilo, os comerciantes, seus pares, e o povo em geral, fizeramlhe boicote, recusando negociar com ele devido às suas simpatias políticas521. Já quando da invasão da Etiópia pelas tropas de Mussollini, em 1935, o jornal Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962), tanto quanto lhe permitia a censura, tinha-se posicionado a favor daquele país, então o único território africano não colonizado, fazendo eco ao coro de reprovações que se levantou na Europa. O compositor António Silva Ramos, “Antône Tchitche” (S. Vicente, 1880-1936) – pai dos músicos “Tchuff ” e “Tututa” – reafirmando a africanidade da Abissínia e exprimindo o sentir do seu povo, compôs a coladeira “Abissínia”522, como denúncia e condenação da ambição dos italianos: Abissinia é nosso Nô pidi Deus pa ês Rêzá um pâde nôsse Pa alma de taliòne

A Abissínia é nossa Peçamos a Deus para eles Rezarem um Padre-Nosso Pela alma dos italianos

Os jovens de S. Vicente, ensaiados por B. Léza, cantavam provocatóriamente versos da versão inglesa da canção quando marinheiros alemães passeavam pela cidade do Porto Grande, até que um dia um oficial alemão quis conhecer o seu autor. Chegado a casa de B. Léza, perguntou-lhe como é que ele tinha tanta certeza que os germânicos iam perder a guerra. Perante a firmeza do B. Léza, o oficial ameaçou-o que voltaria para lhe cortar a cabeça quando ganhassem a guerra – Entrevista a Veladimir da Cruz (filho de Francisco Xavier da Cruz), Lisboa, 9/11/2002. 520 Abílio Macedo, Memórias de Abílio M. de Macedo – 1941-1942, Praia, 1943. 521 Informações prestadas pelo Prof. Doutor Mesquitela Lima, Lisboa, 28/02/2002. 522 António Silva Ramos, “Abissínia”. 519

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O que ta candilhome Ê oiá abissínios na guerra Talione qu’ sês fome Q´rê bá t’mas sês terra Ô África c’ma bô ê triste Tudo mundo t’chóbe pôco Ma inda m’tem q’oiá Negus (*) tá dá Duce um sôque Mundo intêro na guerra Por causa d’ambição Negus câ bô dá bô terra Bô terra de promissão

O que me cudilhe (importuna) É ver os abissínios na guerra Os italianos com a sua fome Querem tirar-lhes a sua terra Oh África, como és triste Todo o mundo te acha pouco Mas ainda hei-de ver Negus a dar uma sova ao Duce O mundo inteiro em guerra Por causa da ambição Negus não dês a tua terra Tua terra de promissão

A nova geração de intelectuais também estava sintonizada com o acontecimento mundial que era a Segunda Guerra. O poema “Panorama” (1944), de Guilherme Rocheteau, dá conta disso: Ao longe Na distância da manhã por vir, Na indecisão das camuflagens E do rumor da guerra, Há agonias esbatidas no negro-fumo Da pólvora, Dos homens que se batem. Áquem, é a luta na retaguarda! ................................................... Há a guerra dos nervos destrambelhados: A guerra que ficou em nós Das notícias de guerra! E há noites incalmas de almas que escrevem poemas aos poemas dos nossos nervos em guerra523. * “Negus” é o nome titular etíope usado para se referir a Hailé Selassié I, Imperador da Etiópia desde 1930, que deixou o seu país conquistado em 1935, e voltou a ele em 1941. José Lopes, “Abissínia”, Notícias de Cabo Verde N.º 126, S. Vicente, Dezembro de 1935. 523 Guilherme Rocheteau, “Panorama”, Certeza – Fôlha da Academia, N.º 1, S. Vicente, Março de 1944. ( )

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Em síntese, era evidente em Cabo Verde um grupo politicamente esclarecido e progressista, já sensível às questões do colonialismo, regionalismo e autodeterminação.

2. A Elite de Ideologia Regionalista Se “é no nível de desenvolvimento desigual, combinado e contraditório, que se expressam diversidades, localismos, singularidades e particularismos” (Bezzi, 2002: 18), as condições internas das Ilhas – os problemas sociais causados pelas estiagens e pelas fomes, pela decadência do Porto Grande e pelo contrato para as roças de S. Tomé – reforçadas pela herança nativista de combate e a necessidade de sintonizar Cabo Verde com o mundo, levaram a elite intelectual a fincar os pés na terra, isto é, a consciencializar-se, ou melhor ainda, a pensar a terra que os pés pisavam, e, com o auxílio de outras latitudes, a posicionar-se, literária e politicamente, face ao regime político estabelecido.

2.1 - A Herança Nativista na Emergência do Regionalismo A consciência política dos homens da geração de trinta e quarenta tem a sua raiz no sentimento e nas atitudes nativistas dos homens eminentes que os precederam – Loff de Vasconcellos (Brava, 1857?-1910), Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), José Lopes (S. Nicolau, 1872-1962) e Pedro Cardoso (Fogo, 1890-1942) – ao mesmo tempo que revela um evolução ideológica em relação àqueles, devido à conjuntura social, política, literária e cultural que os envolvia e que era marcada por uma forte ligação à terra cabo-verdiana. Em Janeiro de 1931, Baltasar Lopes da Silva, de regresso a Cabo Verde depois dos seus estudos universitários em Lisboa, numa conferência organizada a favor do jornal A Mocidade Africana (Lisboa, 1930-1932)524, defendia que o nativismo não era senão a reacção das qualidades dos cabo-verdianos e da sua dignidade de portugueses às inconveniências de muitos que, muitas vezes, pretendiam menosprezá-los. Ao mesmo tempo, levantou a questão dos posicionamentos ideológicos nativismo e regionalismo e estabeleceu a conexão entre eles. Baltasar Lopes, “Regionalismo e nativismo (Excerpto de uma conferência)”, Notícias de Cabo Verde, N.º 1, S. Vicente, Março de 1931, p. 6. 524

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Assim, enquanto nativismo era a defesa do brio de populações portuguesas que não prescindem do direito de o ser, regionalismo era uma condição de unidade e de ordem e uma exigência dos superiores interesses da Nação. Segundo este posicionamento, todas as grandes figuras da História portuguesa, quer sejam Nuno Álvares, Albuquerque, Camões ou Pombal seriam nativistas. A mesma atitude por parte dos cabo-verdianos, já seria considerado não nativismo mas regionalismo, no sentido de a defesa do seu brio de pertença ter a ver com um espaço geográfico restrito e específico dentro da Nação portuguesa. O jornal A Mocidade Africana, no seu número de Fevereiro, deu conta desta conferência organizada a seu favor: “Uma Conferência Dr. Baltazar Lopes da Silva e o nosso jornal Na cidade de Mindelo (S. Vicente de Cabo Verde) para onde partiu nos fins do último ano, o Dr. Baltazar Lopes da Silva realizou ali, em Janeiro findo, uma interessante conferência de propaganda a favor do nosso jornal. A conferência teve lugar no teatro Eden Parque tendo a ela assistido um extraordinário público composto na sua totalidade, de admiradores do talento e grandes qualidades de inteligência do conferencista, que é, sem dúvida, uma das glórias da terra cabo-verdeana [...]”525. Cinquenta e cinco anos mais tarde, em 1986, pelo cinquentenário da Claridade, Baltasar Lopes voltaria a reconhecer as atitudes nativistas emergentes em passos da obra de escritores que os precederam, nomeadamente, Pedro Cardoso (Fogo, 1890-1942) e Eugénio Tavares (Brava, 1867-1930), mas está consciente de que “as formas literárias predominantes no [seu] grupo, a saber, a prosa e a ficção e o ensaio etnológico prestavam-se muito mais do que o verso daqueles poetas para uma larga difusão das ideias e sentimentos correlativos”526.

A Mocidade Africana, N.º 14, Lisboa, Fevereiro de 1931. A Conferência fora organizada por Júlio Monteiro, Marcelo Leitão e Raul Ribeiro, com o apoio de João de Deus Ribeiro, Sérgio Frusoni, Luiz Medina, Pelópidas de Almeida e Pedro Ferreira Santos. 526 “Depoimento de Baltasar Lopes e Manuel Lopes”, in Claridade – revista de arte e letras, Edição fac-similada (1936-1960), Praia, 1986, p. XV. 525

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2.2 - O Fincar dos Pés na Terra Já no início deste capítulo tinha-se procurado explicar o conceito de regionalismo como uma atitude que emerge da consciência das desigualdades regionais e se revela na contestação, na luta pela autonomia (Bezzi, 2002). Manuel Lopes (1959) sintetiza de forma metafórica esta atitude como fincar os pés na terra cabo-verdiana527, quer dizer, como uma sintonização e um debruçar ansioso e atento sobre os problemas vitais de Cabo Verde e sobre as condições de vida do seu povo. A União Regionalista Caboverdeana Pode considerar-se que uma das primeiras tentativas da elite intelectual para defender os interesses da sua região tenha sido a de constituir em S. Vicente, em 1932, uma associação de carácter político, social e cívico – a “União Regionalista Caboverdeana”. O jornal Notícias de Cabo Verde publicava, em Dezembro de 1932, o projecto de “Estatutos da União Regionalista Caboverdeana”528 que tinha sido submetido ao Governo para aprovação, o que pressupunha a existência de um grupo consciente dos seus direitos e disposto a criar uma ampla frente para a defesa dos interesses da Colónia. A “União Regionalista” definia-se como um “agrupamento de carácter político, social e cívico, formado por cidadãos cabo-verdianos, tendo por base a adopção e prática de todas as medidas e actos legítimos tendentes à realização do seu objecto” (Artigo 1º), com o objectivo de “concorrer para o engrandecimento nacional e, em especial, ocupar-se do estudo dos problemas respeitante ao progresso material, moral e mental do Arquipélago, a indicação das suas soluções, colaborar e intervir na sua vida política, social e pública, contribuir para o justo equilíbrio dos seus legítimos interêsses” (Artigo 3º). O seu programa ia desde a reforma da organização administrativa da Colónia, passando pela reorganização e concentração dos serviços públicos, até pugnar para que à Colónia fosse atribuída interferência na designação do seu governador, ou Manuel Lopes, “O Programa da Claridade Era Fincar os Pés na Terra Cabo-verdiana”, p. 7, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 121, Praia, Outubro de 1959. 528 “Estatutos da União Regionalista Caboverdeana” (Projecto), Notícias de Cabo Verde, N.º 28, S. Vicente, Dezembro de 1932. 527

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mesmo à consulta obrigatória dos agrupamentos interessados antes da promulgação das leis de carácter social e económico (Artigo 4º). Consultou-se todos os Boletins Oficiais da Colónia, de 1932 a 1936, porém não foi encontrado qualquer indicação da aprovação do respectivo estatuto pelo Governo e nenhuma referência que seja à “União Regionalista Caboverdeana”. Porém, o propósito da sua constituição e o teor dos seus estatutos são suficientes para evidenciar a crescente consciência das elites das ilhas sobre a autonomia do arquipélago. O estabelecimento do Estado Novo – com características totalitárias e com uma política imperial nacionalista e centralizadora – levou à restrição dos direitos individuais e à publicação do Decreto-Lei N.º 22:468, de 11 de Abril de 1933, que determinava que “as reuniões destinadas a fins de propaganda política ou social só podem ter lugar depois de obtida autorização do governador civil do respectivo distrito”529. Assim sendo, é natural que esta associação ou as suas actividades jamais tenham sido autorizadas e, por maior razão, qualquer atitude de manifesta preferência regionalista vir a ser considerada como sinónimo de “anti-unitarismo”, no sentido em que constituiria um perigo para a unidade da Nação Portuguesa. O Grupo da Claridade e a Militância Cívica Face à situação desastrosa que se vivia no arquipélago, decorrente da crise económica mundial e da política do Estado Novo, e como resultado de uma observação atenta de quem se mantinha ligado ao povo e se preocupava com o bem-estar e o progresso do arquipélago, o imperativo militante da elite intelectual era de intervenção cívica, como foi dito por Baltasar Lopes (1986:XIII): “Tínhamos de intervir!” (sublinhado nosso), que assim recorda a situação vivida: “Daqui, do nosso posto menor de observação, que era a cidade do Mindelo, nós do Grupo tomámos perfeitamente nota da situação geral. Por outro lado, estávamos em nítida posição contestatária perante a orientação política que subjazia à administração da, então, colónia de Cabo Verde, com o seu fascismo de importação e imitação e ignorava ou violava os mais elementares princípios que regem a vida do homem e do cidadão e salvaguardam a liberdade individual. Tal situação despertou toda a capacidade de militância, na medida do possível, do nosso pequeno grupo”530. Diário do Governo, I Série, N.º 83, Lisboa, 11 de Abril de 1933. “Depoimento de Baltasar Lopes e Manuel Lopes”, in Claridade – revista de arte e letras, Edição fac-similada (1936-1960), Praia, 1986, p. XIII. 529 530

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O “Grupo” a que Baltasar Lopes se refere é aquele que viria a desenvolver um trabalho activo a favor dos interesses de Cabo Verde e do seu povo na prática de uma militância cívica e social e no exercício da coisa literária com a publicação da revista de arte e letras, Claridade (S. Vicente, 1936-1960). Este grupo, daqui para a frente referido como o “Grupo da Claridade”, era constituído por amigos, tanto da esfera extra-literária, como Manuel Velosa531 e Jonas Whanon, já supramencionados, como da esfera literária, incluindo o próprio Baltasar Lopes, Manuel Lopes, Jorge Barbosa e João Lopes532, já anteriormente referidos. Jaime de Figueiredo (Praia, 1905-1974) chegou a integrar o grupo, do qual se afastaria nas vésperas da saída do primeiro número da revista533. Na sequência, mandou inserir uma informação no Notícias de Cabo Verde dizendo que não pertencia à Claridade. Como atrás foi referido, o grupo constituído por Manuel Velosa, então Presidente da ACIAB, Jonas Whanon, Vogal substituto534, e Baltasar Lopes, membro da Associação, em representação do pai535, teve um papel interventivo nos acontecimentos da “Revolta de Nhô Ambrose”, quer ainda na assinatura dos telegramas enviados pela ACIAB ao Governo da Colónia, como integrando a comissão constituída para falar às massas536. A lição que o Grupo da Claridade tinha que tirar dessa experiência era que qualquer actuação futura na defesa dos interesses do povo, para ser efectiva, não podia Era no escritório de Manuel Velosa que o grupo se reunia nas tertúlias mindelenses, que viriam a dar a revista Claridade. Em 1947, já em Lisboa, Velosa foi o editor de Chiquinho, o romance de Baltasar Lopes – Entrevista a Manuel dos Santos Lopes (escritor e co-fundador da revista Claridade), Lisboa, 27/11/2000. 532 Baltasar Lopes, “Depoimento ao Simpósio comemorativo do 50º aniversário da revista Claridade”, Fundação Amílcar Cabral, S. Vicente, Novembro de 1986, citado por Félix Monteiro, “A Bandeira Negra da Fome”, in Claridade – Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário, Praia, 1986. 533 Arnaldo França, “Jaime de Figueiredo e a Claridade”, Comunicação apresentada no Simpósio sobre a Cultura e a Literatura Cabo-verdiana, por ocasião do 50º Aniversário da Fundação da Claridade, S. Vicente, Novembro de 1986. 534 É significativo o facto de tanto Manuel Velosa como Jonas Whanon, bem assim Augusto Manuel Miranda, serem maçons, pertencentes à loja Almirante Reis, N.º 353, fundada em S. Vicente, em 1912, e que duraria até ao período da clandestinidade – Entrevista ao Dr. Aguinaldo Whanon (filho de Jonas Whanon), Lisboa, 9/01/2002. 535 Baltasar Lopes explica que a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento era uma força viva e, para nela poder entrar, a sua militância levou-o a pedir ao pai, Pedro Lopes da Silva, proprietário e comerciante em S. Nicolau, que nela se inscrevesse, tendo delegado no filho plenos poderes para o representar. Michel Laban, Cabo Verde. Encontro com Escritores (Vol. I), Porto, 1992. 536 Acta da Sessão da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento citada por Félix Monteiro, “A Bandeira Negra da Fome”, Claridade – Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário, Praia, 1986. 531

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ser política nem de confrontação. Face às tentativas falhadas – a criação da “União Regionalista Caboverdeana” e a “Revolta de Nhô Ambrose” – qualquer outra opção tinha de ser política e legalmente mais permissível. O grupo decidiu pela fundação de um jornal, para servir de “órgão de combate”, tendo sido informado de que, para o efeito, teria de fazer um depósito prévio de cinquenta mil escudos, como caução, o que, de acordo com Baltasar Lopes (1986), estava muito além das possibilidades das suas bolsas, pelo que decidiram por uma revista não periódica, “embora de uma eficácia menos directa do que um jornal periódico”537. Para uma noção do valor real dessa caução, o Orçamento da Colónia para o ano civil de 1935-1936 é elucidativo: inscreve como vencimentos mensais para um Director aduaneiro, pouco mais de metade daquele valor, ou seja, 27.750$00538. Em Março de 1936539, saiu o primeiro número da Claridade540, que viria dar origem ao “Movimento Modernista Cabo-verdiano” ou o “Movimento da Claridade”, que se processaria a dois níveis distintos: o de libertação formal, impulsionada pela revista portuguesa Presença – fôlha de arte e crítica (Coimbra, 1927-1940) e o de sintonização com as realidades locais, comandada pelo exemplo da geração de 1930 do Realismo Nordestino Brasileiro. Menos de meio século depois das primeiras manifestações de tipo nativista, exprimindo o sentimento dos cabo-verdianos serem os portadores dos valores culturais da sua origem, em Março de 1936, foi dado o grito da “independência literária e cultural” de Cabo Verde, nas palavras do antigo Presidente Aristides Pereira (1986), embora esta afirmação esteja hoje sendo questionada541. De qualquer forma, foi um caso especial de regionalismo e de reivindicação de uma identidade cultural própria. “Depoimento de Baltasar Lopes e Manuel Lopes”, in Claridade – revista de arte e letras, Edição fac-similada (1936-1960), Praia, 1986, p. XIII. 538 “Suplemento” N.º 6 ao Boletim Oficial, N.º 24, Praia, 19 de Junho de 1935. 539 Três meses antes, em Dezembro de 1935, Jorge Barbosa publicara o seu primeiro livro de poesia, Arquipélago, com a chancela da Claridade. 540 Claridade – revista de arte e letras, S. Vicente, 1936-1960. Nove números. A sigla emblemática é a bandeira do Fortim D’El-Rei anunciadora de que o navio demanda porto. Um número extra-série foi publicado em 1986 para comemorar o cinquentenário da Revista. 541 Aristides Pereira, Presidente da República de Cabo Verde (1975-1990), na abertura do Simpósio sobre a Cultura e a Literatura Cabo-verdiana, em comemoração ao 50º Aniversário da Fundação da revista Claridade, S. Vicente, Novembro de 1986. De qualquer forma, é preciso haver cautela metodológica na leitura da Claridade a partir do pensamento de Amílcar Cabral e de não confundir 1936 com 1975 porque a própria natureza e constituição do ideário da Claridade inviabiliza tal heurística. Cf. Osvaldo Silvestre, “A Aventura Crioula Revisitada”, pp. 63-103, in Literatura e Viagens Pós-Coloniais, Org. de Helena Carvalhão Buesco e Manuela Ribeiro Sanches, Lisboa, 2002. 537

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A revista Claridade irrompia com o propósito de fincar os pés na terra cabo-verdiana542. Tal impulso inicial implicaria esta metamorfose: “em contacto com a terra os pés se transformaram em raízes e as raízes se embeberiam no húmus autêntico das nossas ilhas” (Manuel Lopes, 1959:20). É evidente a alegoria do corpo inteiro: com a cabeça para pensar a literatura que deveria convir à terra que os pés pisavam. Ou por outra, ir-se-ia tratar literariamente os problemas do homem cabo-verdiano – as estiagens, a decadência do Porto Grande do Mindelo, o encerramento da emigração para os Estados Unidos da América, a reabertura da emigração forçada para as roças de S. Tomé e Príncipe. A bandeira do regionalismo veiculada pela Claridade foi desfraldada quando, no frontispício do seu primeiro número (Março de 1936) apresentou três textos poéticos da tradição oral em língua crioula – “lantuna & 2 motivos de ‘finaçom’ (batuques da ilha de Sant’iago)” – e nos números seguintes uma morna (“Vénus”) de S. Vicente, o folclore poético da ilha de Santiago (“finaçom” e “batuque”) e as cantigas de Ana Procópio, da ilha do Fogo; o folclore novelístico de S. Nicolau e Santo Antão; estudos etnográficos sobre a “Tabanca”, da ilha de Santiago, e as “Bandeiras”, da Ilha do Fogo; e estudos sociológicos sobre a estrutura social da ilha do Fogo e a originalidade humana das ilhas. Os homens da Claridade propunham-se, ainda que de forma não expressa, alcançar os seguintes objectivos: (i) exprimir, literariamente, a situação e a movimentação do homem cabo-verdiano; (ii) inventariar e estudar os elementos que integram a cultura cabo-verdiana (cultura no sentido etnológico do termo) e (iii) estudar o “processos” de formação social das ilhas crioulas (Mariano, 1963). Uma outra área de intervenção social e cívica, ao alcance individual de Baltasar Lopes, foi patrocinar gratuitamente a causa dos que não tinham recursos para pagar honorários a advogados. Dr. Baltasar Lopes, “o advogado dos pobres”, como era conhecido, a todos atendia mesmo em plena rua (como no caso que deu lugar ao conto “Caderneta”)543, mas principalmente no primeiro andar do Manuel Lopes, “O Programa da Claridade Era Fincar os Pés na Terra Cabo-verdiana”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 121, Praia, Outubro de 1959. 543 Baltasar Lopes, “A Caderneta”, conto inicialmente publicado na revista Vértice, Vol. VII, N.º 65, Coimbra, Janeiro de 1949, por ter sido censurada a sua saída em Cabo Verde pelo então Administrador Civil, Capitão Mota Carmo. Agora, in Os Trabalhos e os Dias, pp. 15-19, Lisboa, 1987. O conto é a história de uma mulher do povo que, devido à miséria por que se passava em S. Vicente, recebeu um estrangeiro na sua casa. Denunciada à Administração Civil como prostituta, puseram-lhe uma “caderneta” na mão com ordem de passar a ir todos os sábados ao Hospital para ser inspeccionada. Este era o procedimento estabelecido para o exercício “legal” da profissão. Depois de uma manhã à procura do Sr. Doutor, tanto no Liceu como no Tribunal, a mulher acaba por o encontrar e interpela-o na rua para, junto do Sr. Administrador, defender a sua causa e abonar que era “mulher de minha [sua] casa”. 542

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Mercado Municipal, situado na Rua de Lisboa, numa dependência do escritório de João Lopes (Félix Monteiro, 1986). Onésimo Silveira (S. Vicente, 1935-), invocando hoje, em entrevista544, um conhecimento profundo do Dr. Baltasar Lopes, de cuja casa era frequentador assíduo, explica que este viveu frustrado e com problemas existenciais graves, que o afectaram profundamente em determinada altura da sua vida, por não ter podido desenvolver uma actividade política activa a favor da sua terra.

2.3 - O Sintonizar-se com Outras Latitudes No processo de busca identitária, essa elite intelectual cabo-verdiana teve a preocupação de se sintonizar com outras latitudes. Baltasar Lopes diria mais tarde, em 1956: “Precisávamos de certezas sistemáticas que só podiam vir com o auxílio metodológico e como investigação de outras latitudes”545. Estas seriam Portugal e Brasil, os dois vértices da triangulação da velha rota do tráfico de escravos546, o que não deixa de ser uma alegoria da sua própria condição cultural e política, e o auxílio metodológico, o Modernismo e o Realismo Nordestino Brasileiro. O Modernismo Português Depois da experiência modernista da revista Orpheu (Lisboa, 1915), que teve como figuras de proa Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1915) e José de Almada-Negreiros (1893-1970), e de que saíram apenas dois números, mas que viriam a mudar a História da Literatura, Portugal vivia um período de acalmia literária. A 10 de Março de 1927, saiu em Coimbra a revista Presença, fundada por José Régio (1899-1969), Gaspar Simões (1903-1987), Branquinho da Fonseca (1905-1974), Edmundo de Bettencourt (1899-1973), Fausto José (?-?) e António Navarro, pseudónimo de Eugénio de Andrade (1902-1980), e de cuja direcção participaram Casais Entrevista ao Doutor Onésimo Silveira, escritor, cientista político, africanista e um dos mais polémicos da sua geração, S. Vicente, 08/02/2002. 545 Baltasar Lopes, Cabo Verde Visto por Gilberto Freyre, Praia, 1956, p. 5. 546 O terceiro verso desta triangulação só viria a ser recuperado nos fins da década de cinquenta, com o grupo nacionalista “Nova Largada”, o que vai ser objecto de estudo no próximo capítulo. 544

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Monteiro (1908-1972) e Miguel Torga (1904-1995). A Presença duraria até Fevereiro de 1940, tendo sido editados cinquenta e quatro números. Os valores nela defendidos são assim sintetizados por David Mourão-Ferreira (1993:5-6): -

“Primado absoluto, como tal reiteradamente declarado, de uma liberdade de criação tanto mais ameaçada (e daí o que teve de “heróico”) quando pretendia exercer-se em período político de crescentes limitações à mesma;

-

Preeminência, pelo menos aparente, ou mais visível na doutrina do que em obras concretas, do individual sobre o colectivo, e do “psicológico” sobre o chamado “social”;

-

Afirmada valorização do intuitivo sobre o racional, se bem que essa mesma valorização insistentemente se exprimisse, nos melhores, através das vias de uma teimosa racionalidade;

-

Assumido princípio, a cada passo posto em prática, da total independência da arte e da crítica em relação a qualquer poder;

-

Exercício de uma tónica intransigência perante todas as expressões inautênticas, todas as glórias fáceis ou fabricadas artificialmente, todos os produtos e todas as manobras da mediocridade mais ou menos organizada”.

A Presença corresponde, de facto, a um certo ambiente de cepticismo quanto aos ideais oitocentistas e republicanos de progresso, que se relaciona com o colapso do liberalismo em 1926. “Os presencistas aspiram, em geral, a uma literatura e a uma arte desarticuladas, se não mesmo alheadas de qualquer corrente política, social ou religiosa” (Saraiva e Lopes, 1982:1054). Esta atitude é classificada como “psicologismo da Presença”. Até Fevereiro de 1940, quando deixou de se publicar, coube à revista Presença assistir à constituição do Estado Novo corporativo, à consolidação do fascismo em Itália, à ascensão do nazismo na Alemanha, ao endurecimento do estalinismo na União Soviética, à pusilânime indecisão ou criminosa passividade das democracias ocidentais perante todos estes acontecimentos; e coube-lhe ainda o destino de ser contemporânea da Guerra Civil Espanhola. Poucos são, todavia, os reflexos directos de tais acontecimentos nos cinquenta e seis números que da Presença se publicaram (Mourão-Ferreira, 1993). A influência da Presença em Cabo Verde, revista assinada e lida nas ilhas desde 1928, terá sido mais significativa no meio praiense, por mor da acção de 321

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Jaime de Figueiredo, e a ela não se terá furtado Jorge Barbosa que, em 1932, nela colaborou547 (França, 1986). Manuel Lopes, um dos fundadores da Claridade, apesar de reconhecer que “a revista coimbrã Presença era uma baforada de ar europeu” (1959:14), defendeu sempre que os claridosos não eram presencistas, visto que a mensagem da revista Presença era para eles epidérmica, já que não penetrava a sua humanidade, não representava uma solução ou um caminho, nem era uma resposta às suas interrogações. Baltasar Lopes (1986)548, também fundador da Claridade, garantia que não eram presencistas, antes, anti-presencistas, pelo facto de serem politicamente militantes, o que a Presença assumidamente não era. Contudo, para Jaime de Figueiredo, “a influência estética do grupo ‘atlanta’549 sintonizado com a doutrinação do ‘presença’, e mais tarde dinamizada por próximos contactos em S. Vicente [...] veio resultar na criação do grupo e fundação da revista Claridade” (1961:XVII). Teixeira de Sousa (1958) considera, de qualquer forma, curioso que a leitura da revista Presença tenha preparado artisticamente o grupo que havia de fundar a revista Claridade e o facto de a reacção dos claridosos perante a vida os tivesse divergido desde logo da mentalidade decadentista dos presencistas550. E por mais estranho que possa parecer num território africano de características próprias, “foi a libertação modernista, possibilitada no arquipélago pela revista coimbrã, que permitiu abrir caminho para uma consciência de caboverdianidade dos escritores ilhéus” (França, 1962:14). As relações entre a revista mindelense e a coimbrã eram amistosas. A Claridade anunciou no seu segundo número, em Agosto de 1936, ter recebido os números de Julho daquela revista e à Presença não passou despercebida a qualidade e a importância da primeira, ao receber, em 1937, o seu terceiro número, que apresenta em termos elogiosos aos seus leitores: “– a publicação do número 3 da Claridade, revista de artes e letras, que se publica em S. Vicente, Cabo Verde. Claridade é a primeira manifestação de autêntico Jorge Barbosa, “A Que Ficou Sem Par”, Presença, N.º 35, Coimbra, Março-Maio, de 1932, p. 3. “Baltasar Lopes: A Vida é um Complexo de Perguntas e Respostas”, entrevista conduzida por Júlio Vera-Cruz Martins, Tribuna, N.º 19, Praia, Janeiro de 1986. 549 Referência a uma folha de arte e cultura, Atlanta, que se pretendia fosse editado na Praia, em 1931, a ser dirigida por Jaime de Figueiredo e a que estava associado Jorge Barbosa. Capítulo V desta investigação. 550 Cf do mesmo autor, “Da ‘Claridade’ á ‘Certeza’”, Certeza – Fôlha da Academia, N.º 2, S. Vicente, 1944. 547 548

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espírito moderno português fora da metrópole, e calcula-se o admirável esfôrço que representa, quando, no continente, os esforços idênticos se vêem ainda a braços com dificuldades de tôda a ordem. Dêste número destacamos muito especialmente: o fragmento de romance de Baltazar Lopes, que se nos afigura mais do que uma esperança de futuro romancista. Destacamos igualmente: Apontamentos, por João Lopes, e Tomada de vista, de Manuel Lopes, assim como os poemas de Jorge Barbosa, Manuel Lopes e Osvaldo Alcântara. Notase ainda o carácter nitidamente caboverdeano desta publicação, em que um particularismo indiscutível, uma personalidade própria, sabe integrar-se no universo sem perder as suas características”551. Na opinião de Manuel Ferreira (1917-1992), “aos homens da Presença não escapou o fenómeno e não lhe regatearam aplausos, talvez por terem visto na modernidade crioula um parentesco com a sua própria modernidade” (1985:263). Facto de alguma importância terá sido também a chegada à Praia, em 1929, do artista plástico surrealista e homem de teatro, António Pedro [da Costa] (Praia, 19091966), portador da novidade estética europeia. Ali, terá estabelecido um convívio permanente e estimulante com outros homens de cultura, nomeadamente Jaime de Figueiredo e João Lopes552, numa ilha que, em 1930, tinha uma população de cerca de 60.000 habitantes e a cidade da Praia, à volta de 5.000 habitantes (Carreira, 1969). Crê-se que o poeta Pedro Corsino de Azevedo (São Nicolau, 1905-1942) ter-seia inspirado estilisticamente em António Pedro quando escreveu o poema “Galinha Branca”553 (Manuel Ferreira, 1985). Para além disso, Jorge Barbosa reporta-se a António Pedro e ao Diário (Praia, 1929) deste, numa carta dirigida a Manuel Lopes, datada do Fogo, de 21 de Outubro de 1933, a propósito do livro que tinha em preparação: “Tem o livro [Ambiente]554 uma intenção que suponho avizinhar-se da do António

“Presença regista”, Presença – fôlha de arte e crítica, N.º 49, Coimbra, Junho de 1937, Ano XI, Tomo III, p. 13. O livro de poesias de António Pedro, Diário, publicado na Praia, em 1929, foi editado por João Lopes e o desenho da capa, uma crioula gravada a ouro expressivamente corporizada numa cor esverdeada, é arte de Jaime de Figueiredo. Posteriormente, pelas mãos de António Pedro, Figueiredo viria a estar representado com alguns desenhos numa exposição de artes plásticas, em Lisboa. 553 Pedro Corsino Azevedo, “Galinha Branca”, Mensagem (CEI), Ano XVI, N.º 6, Lisboa, Junho de 1964, pp. 1214. Poema escrito nos inícios dos anos 30. 554 O título “Ambiente” foi escolhido por Jaime de Figueiredo, mas o que prevaleceu foi Arquipélago (1935). O segundo livro de Jorge Barbosa viria a ter como título Ambiente (1941). 551

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Pedro quando publicou o Diário; e à de Ribeiro Couto nos seus poemas sobre motivos brasileiros [Província, Coimbra, 1933]”555. O Modernismo e o Neo-Realismo Brasileiros O que a crítica chama de Modernismo Brasileiro, está condicionado por um acontecimento, isto é, por algo datado, público e clamoroso, que se impôs como um divisor de águas: a “Semana de Arte Moderna”, realizada em Fevereiro de 1922, na cidade de S. Paulo. As opções ideológicas e estéticas dos intelectuais brasileiros dos anos vinte de mil e novecentos só podem ser entendidas através da análise das situações socioculturais que marcaram a vida brasileira desde os inícios do século, para não recuar ao século anterior, e pelo conhecimento das correntes de vanguarda europeias que, já antes da I Guerra, tinham radicalizado e transfigurado a herança do Realismo e do Decadentismo. Os homens de 1922 – Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade 18901954), Manuel Bandeira (1886-1968), Paulo Prado (1869-1943) – e os que de perto os seguiram, no tempo ou no espírito – Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Gilberto Freyre (1900-1982) – cultivaram um código novo, rompendo com os códigos literários parnasiano e simbolista, e usaram factores novos na mensagem: motivos, temas, mitos modernos (Bosi, 1992). A “Semana de Arte Moderna” foi, assim, o ponto de encontro das várias tendências modernas que, desde a I Guerra, se vinham firmando em S. Paulo e no Rio de Janeiro e a plataforma que permitiu a consolidação de grupos, a publicação de livros, revistas e manifestos, numa palavra, o desdobrar-se da “Semana” em viva realidade cultural. O Modernismo e, num plano histórico mais geral, os abalos que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 – a crise cafeeira, o declínio do Nordeste, as fendas nas estruturas sociais – condicionaram novos estilos ficcionais marcados pela rudeza, pela captação directa dos factos, enfim por um retomar do naturalismo, bastante funcional no plano da narração-documento que então prevalecia (Bosi, op. cit.).

In Elsa Rodrigues dos Santos, As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa e a Mundividência Cabo-verdiana, Lisboa, 1984, p. 194. 555

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Os decénios de trinta e quarenta são considerados como “a era do romance brasileiro”. É essa ficção essencialmente regionalista que revelou os nomes já clássicos como Graciliano Ramos (1892-1953), José Lins do Rego (1901-1957), Jorge Amado (1912-2001) e Érico Veríssimo (1905-1975). O facto que terá levado os intelectuais cabo-verdianos a seguir o modelo brasileiro não foi apenas a simultaneidade da explosão dessa literatura regionalista, como ainda a coincidência histórica, geográfica, social e cultural dessas duas realidades, o Nordeste Brasileiro e as Ilhas de Cabo Verde. Baltasar Lopes (1956), a vinte anos de distância, recorda: “[...] Eu e um grupo reduzido de amigos começámos a pensar no nosso problema, isto é, no problema de Cabo Verde. Preocupava-nos sobretudo o processo da formação social destas ilhas, o estudo das raízes de Cabo Verde [...]. Precisávamos de certezas sistemáticas que só podiam vir como auxílio metodológico e como investigação de outras latitudes. Ora aconteceu por aquelas alturas [Baltasar Lopes refere-se aos primeiros anos da década de 30] nos caíram nas mãos fraternalmente juntas, em sistema de empréstimo, alguns livros que consideramos essenciais pro domo nostra. Na ficção, o José Lins do Rego do Menino de engenho e do Bangué, o Jorge Amado do Jubiabá e do Mar morto [...] em poesia foi um “alumbramento” a “Evocação do Recife” de Manuel Bandeira [...]; outro deslumbramento foi Jorge de Lima [...]. Esta ficção e esta poesia revelavam-nos um ambiente, tipos, estilos, formas de comportamento, defeitos, virtudes, atitudes perante a vida, que se assemelhavam aos destas ilhas, principalmente naquilo que as ilhas têm de mais castiço e de menos contaminado” (1956:5-6). Jorge Barbosa (1953) corrobora o seu camarada acerca da influência da literatura brasileira: “Tal influência resultou sobretudo do exemplo dos escritores brasileiros ao se debruçarem sobre a terra natal e sobre a gente irmã, onde foram encontrar os temas das suas obras. Deles aproveitamos pois, a descoberta e a experiência que nos contagiaram com o seu entusiasmo de coisa nova. Para mais havia já parecenças entre o povo de Cabo Verde e grandes sectores do povo brasileiro. Formação étnica idêntica, de raízes africanas; civilização lusíada comum; dramas aqui e ali correspondendo-se (as secas com os seus flagelos); encontros folclóricos, digamos assim (a cantiga, o violão e até certos aspectos de vivência); todos esses 325

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passos acertados, toda essa conjugação de expressões humanas, predispondo a uma compreensão e uma solidariedade sentimentais da nossa parte – teriam influído essa influência...”556 O poema “Você, Brasil”, de Jorge Barbosa (1956), dedicado a Ribeiro Couto (18981963), regista as parecenças entre esse “mundão”, que é o Brasil, e a sua terra, que são “dez ilhas perdidas no Atlântico” – o povo, o modo de falar português, a alma da gente humilde, a música, a aguardente de cana, os tocadores de violão, o café, as secas: ............................................... Você, Brasil, é parecido com a minha terra. As secas do Ceará são as nossas estiagens, com a mesma intensidade de dramas e renúncias. Mas há uma diferença no entanto: é que os seus retirantes têm léguas sem conta para fugir dos flagelos, ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem porque seria para se afogarem no mar... ...............................................557 Esta afinidade dos cabo-verdianos em relação ao Brasil é sintetizada por José Osório de Oliveira (1900-1964) na própria revista Claridade, no seu segundo número: “Os caboverdeanos precisavam dum exemplo que a literatura de Portugal não lhes podia dar, mas que o Brasil lhes forneceu. As afinidades existentes entre Cabo Verde e o estado do Nordeste do Brasil, predispunham os caboverdeanos para compreender, sentir e amar a nova literatura brasileira. Encontrando exemplos a seguir na poesia e nos romances modernos do Brasil, sentindo-se apoiados, na análise do seu caso, pelos novos ensaístas brasileiros, os caboverdeanos descobriram o seu caminho”558.

Jorge Barbosa, “Crónicas de S. Vicente”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 42. Praia, Março de 1953, p. 23. 557 Jorge Barbosa, “Você Brasil”, in Caderno de um Ilhéu, Lisboa, 1956. Agora, in Jorge Barbosa. Poesias I, Praia, 1989, pp. 159-161. 558 José Osório de Oliveira, “Palavras sôbre Cabo Verde para serem lidas no Brasil”, Claridade – revista de arte e letras, N.º 2, S. Vicente, Agosto de 1936, p. 4. 556

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A opinião de Osório de Oliveira é corroborada pelo poeta brasileiro Ribeiro Couto em carta dirigida a Manuel Lopes em 1936, em agradecimento aos dois primeiros números da revista: “Salta aos olhos que a literatura do grupo de Claridade está mais perto do Brasil do que de Portugal”559. É assim que o grupo claridoso se antecipa ao neo-realismo metropolitano. Para além disso, a preocupação dos escritores brasileiros, a partir da revolta dos Modernistas, em nacionalizar a língua portuguesa como expressão literária, impeliu os intelectuais cabo-verdianos a tentarem fazer a mesma coisa nas suas próprias manifestações literárias, regionalizando-a (Brookshaw, 1985), isso, claro, para além da circunstância da “dialectação” do português no Brasil ter sido similar em Cabo Verde (Baltasar Lopes, 1957). Extractos do romance Chiquinho (1947), deste mesmo autor atestam o facto: “Como quem ouve uma melodia muito triste, recordo a casinha em que nasci, no Caleijão. O destino fez-me conhecer casas bem maiores, casas onde parece que habita constantemente o tumulto, mas nenhuma eu trocaria pela nossa morada coberta de telha francesa e emboçada de cal por fora, que o meu avô construiu com dinheiro ganho de-riba da água do mar. Mamãe-Velha lembrava sempre com orgulho a origem honrada da nossa casa. Pena que o meu avô tivesse morrido tão novo, sem gozar direitamente o produto do seu trabalho” (1947:11). Logo cedinho, chegou-nos à soleira da porta um rapazotinho de olhos tímidos [...]. – Tua mãe não foi para lenha? – Mamãe não pode, está de pele e osso, tem um ror de dias não comemos comida de caldeira. Ontem só teve chá margoso de folha de laranjeira, Mamãe cozeu miolo de troço de bananeira e a gente comeu. Totonhinho está muito fraco, a gente tem fome, Mamãe está só a chorar... Mamãe deu-lhe café e uma racha de cuscus. Mas o garoto só bebeu o café, não comeu o cuscus” (Idem:274-275). Ensaia-se uma nova linguagem em que o português de Portugal é enriquecido Carta de Ribeiro Couto a Manuel Lopes datada de 23/09/1936, in Elsa Rodrigues dos Santos, As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa e a Mundividência Cabo-verdiana, Lisboa, 1984, pp. 207-208. 559

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com a língua crioula. Ou melhor, procura-se adoptar o português oral na escrita literária ficcional ou poética, de mistura com crioulismos, num “atentado” ao purismo da língua portuguesa e como uma reivindicação regionalista. Factor facilitador ou mesmo determinante deste processo terá sido haver no grupo da Claridade um filólogo, Baltasar Lopes. Haja em vista o estudo deste autor sobre O Dialecto Crioulo de Cabo Verde (1959).

2.4 - A Autonomia - Um Sonho a Perseguir É no contexto perturbado da Segunda Guerra que, de acordo com Arnaldo França (2002)560, um grupo de alunos dos últimos anos do ensino secundário que frequentavam o Liceu Gil Eanes (1937-1945), em S. Vicente, decide criar, em 1942, a “Academia Cultivar”. Nas suas reuniões semanais, os membros apresentavam trabalhos de sua autoria, nem sempre de âmbito literário, que eram discutidos em grupo. Os novos membros só eram admitidos depois de terem apresentado oralmente um trabalho pessoal para apreciação do grupo. Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973) chegou a solicitar a sua entrada para a Academia Cultivar, tendo feito a apresentação de um conto, mas foi preterido por ter sido considerado “literariamente atrasado” em relação aos demais do grupo. Eram membros da Academia: Eduíno Brito Silva (S. Vicente, 1923-), José Mateus Spencer (S. Nicolau, 1923-), Guilherme dos Reis Rocheteau (Santo Antão, 1924-1999), Nuno Álvares de Miranda (S. Vicente, 1924-), Orlanda Amarílis Rodrigues, (Santiago, 1924-), sobrinha do escritor António Aurélio Gonçalves, Arnaldo de Vasconcelos França (Santiago, 1925-) e Tomás Dantas Martins (Santo Antão, 1926-1983), elementos que viriam a constituir o corpo redactorial da folha literária da Academia, para além de António José Firmino (S. Nicolau, 1924-) e José Martins da Fonseca (Santiago, 1924-)561. Posteriormente, em 1944, os membros da Academia com mais vocação literária decidiram criar uma folha, tendo surgido a Certeza – Fôlha da Academia562, com o

Entrevista ao Dr. Arnaldo Franca, membro da Academia Cultivar e co-fundador da Certeza, Praia, 11/02/ 2002. 561 Idem, ibid. 562 Certeza – Fôlha da Academia, S. Vicente, Março e Junho de 1944. Dois números. O terceiro, do ano de 1945, contando com colaboração dos escritores da Claridade, foi proibido pela Censura, não tendo chegada a sair da tipografia “Minerva de Cabo Verde”, existindo uma cópia na posse do Dr. Arnaldo Franca. 560

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propósito de ser um marco – “uma lápide que contará tudo aquilo que nos animou na aleluia deslumbrante dos nossos dezoito anos...”563. Sendo estudantes, logo, sem disponibilidade financeira para custear as despesas da publicação de uma revista, os jovens da Certeza lançaram mão do expediente de realizar recitais, seguidos de baile, com venda de bilhetes, para recolha dos fundos necessários. Encontrando-se em S. Vicente o corpo de militares expedicionários, ávidos de diversão, estes tornaram-se nos principais frequentadores de tais saraus. A vinte anos de distância, Arnaldo França (1962) recorda o aparecimento da Fôlha da Academia: “Pela mão do escritor Manuel Ferreira, no tempo expedicionário em S. Vicente, os escritores neo-realistas portugueses chegaram até nós com a força da sua mensagem – mensagem é uma palavra característica desses tempos heróicos. Como me lembra ainda as leituras, em sistema de empréstimo, dos romances de Redol, da Aldeia Nova, de Manuel da Fonseca, dos números de já ao tempo extintos “Diabo” e “Sol Nascente”! A Planície, de Manuel Fonseca, e os Poemas de Mário Dionísio corriam de mão em mão em cópia manuscrita. E a célebre polémica sobre o neo-realismo que, na altura, opôs Mário Dionísio a João Pedro de Andrade? Mas tudo isto, e com certa mágoa o digo, só na epiderme arranhou a geração do meu tempo. Faltava-nos é certo a experiência que a idade dá e a cultura que só o tempo possibilita. Éramos ainda terreno virgem acabado de formar. Faltavam-nos camadas sedimentares” (op. cit., p. 20). De facto, o Movimento Neo-realista Português esteve associado à resistência antifascista dos finais da década de 1930. Colocou-se a nova tendência literária contra o “descompromisso” do movimento anterior, o Presencismo, e defendia uma literatura “engajada”, voltada para os problemas concretos do país. A literatura deveria contribuir para a consciencialização do público-leitor e para caracterizar os problemas da estrutura política, económica e social da sociedade portuguesa (Abdala Júnior e Paschoalin, 1982). Arnaldo França está ciente que “a influência neo-realista foi de molde, pelo seu cunho universal, a desenraizar um pouco os poetas ilhéus do chão que pisavam” (1962: 22).

563

“Instantâneos”, Certeza, N.º 1, S. Vicente, Março de 1944, p. 6.

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Baltasar Lopes é igualmente de opinião que a “Certeza tinha uma conotação mais militantemente política”564 que a Claridade, daí se afirmar que era mais neo-realista. Já para Manuel Lopes, os novos que se agruparam à volta da Certeza eram claristas: “tentaram experimentar um processo marginal perfeitamente viável inspirado na tendência social do neo-realismo português, acabando por regressar à família claridosa, cumprida a experiência” (1959:8). A verdade é que os jovens da Certeza viriam posteriormente a integrar o grupo da Claridade, colaborando na revista a partir do seu número 4, e Nuno de Miranda a ser seu editor. De Lisboa, António Nunes (Santiago, 1917-1951) integra o Grupo da Certeza com o “Poema de Amanhã”, publicado na página do rosto do seu número 2, poema esse considerado por Manuel Ferreira como “o ideário colectivo do grupo”565. Nessa contribuição, o poeta chega a antecipar visionariamente a autonomia política sonhada para Cabo Verde e, com ela, uma vida melhor para o povo, o progresso e o desenvolvimento: Mamãi! sonho que, um dia, em vez dos campos sem nada, do êxodo das gentes nos anos de estiagem deixando terras, deixando enxadas, deixando tudo, das casas de pedra solta fumegando do alto, dos meninos espantalhos atirando fundas, das lágrimas vertidas por aqueles que partem e dos sonhos, aflorando, quando um barco passa, dos gritos e maldições, dos ódios e vinganças, dos braços musculados que se quedam inertes, dos que estendem as mãos, dos que olham sem esperanças o dia que há-de vir, – Mamãi! sonho que, um dia, estas leiras de terra que se estendem, quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana, filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor, serão nossas. ”Baltasar Lopes: A Vida é um complexo de Perguntas e Respostas”, entrevista conduzida por Júlio Vera-Cruz Martins, Tribuna n.º 19, Praia, Janeiro de 1986, p.7. 565 Manuel Ferreira, No Reino de Caliban I, Lisboa, 1975, p.128. 564

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E, então, o barulho das máquinas cortando, águas correndo por levadas enormes, plantas a apontar, trapiches pilando, cheiro de melaço estonteando, quente, novas seivas brotando da terra dura e seca, vivificando os sonhos, vivificando as ânsias, vivificando a Vida!...556 O poema estrutura-se em duas partes, segundo os momentos temporais introduzidos pelo vocativo em crioulo vernáculo – Mamãi! Do passado, que se prolonga até a um tempo presente, e do futuro, por antecipação, com recurso a uma prolepse567. No primeiro momento, o sujeito poético retrata a passividade, o desespero e a indiferença dos braços musculados que se quedam inertes, / dos que estendem as

“Poema de Amanhã”, Certeza – Fôlha da Academia, N.º 2, S. Vicente, Junho de 1944. Conforme Reis e Lopes, 1996, p. 340, “a prolepse corresponde a todo o movimento de antecipação, pelo discurso, de eventos cuja ocorrência, na história, é posterior ao presente da acção”. Passam-se os anos e o sonho torna-se realidade. O Poeta militante Corsino Fortes, in Árvore & Tambor, PraiaLisboa, 1986, pp. 113-114, na manhã de 5 de Julho de 1975, anuncia ao seu confrade, num tempo sem espaço, que o dia chegara – “Bom dia! António Nunes”: 566 567

António! sob o olho do carvão dos séculos Há sons & aves de solidão Que ano a ano Burilam o coração da ilha Como o dia E o diamante E do carvão do corpo E do carvão dos séculos nasce a Estrela da Manhã Aqui! entre as rochas do teu pai E os vales da tua mãe... Grávido o ventre da ilha Já empurra A roda do mundo Entre dois pólos Então António vem & dança como ovo na praça pública António vem Pela casca & gema do primeiro comício Vem & abraça O rosto do sol que nasce do poema da vertigem ........................................................

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mãos, / dos que olham sem esperanças o dia que há-de vir. No segundo momento, o sujeito poético recorre ao desafio da posse da terra – estas leiras de terra [...] / filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor / serão nossas – como um apelo estimulante à luta por novas realidades na própria terra (nas ilhas), sonho de um amanhã que desvela confiantemente: E, então, / [...] / novas seivas brotando da terra dura e seca, / vivificando as ânsias, vivificando a Vida! Síntese Cientes da herança dos nativistas que os antecederam, fruto do contexto sociopolítico e cultural e impulsionados pelo modelo brasileiro chegado até eles através da literatura, os homens das décadas de trinta e quarenta ficam os pés na terra caboverdiana e revelam o estado de abandono a que as ilhas estavam votadas. Esse fincar dos pés na terra é feito com base na cultura que especifica e diferencia o homem das ilhas como um caso à parte dentro do Império Português. Esta etapa de regionalismo literário, cultural e político cabo-verdiano corresponde à omissão, apagamento ou afastamento da Pátria (Portugal), por amor à Mátria (Cabo Verde), a “Mamãi-Terra”, abrindo assim caminho para um processo que viria a culminar com a independência política das Ilhas. Processo esse que é levado às últimas consequências pelas gerações nacionalistas dos anos cinquenta e sessenta.

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Capítulo VII A Afirmação Nacionalista – A Geração de Amílcar Cabral (1958-1975)

Figura 7.1 - Amílcar Cabral (1924 – 1973) Fonte: Página Oficial do PAICV na Internet (www.paicv.org)

“[...] Fazer da criação literária um meio e uma forma de denúncia global do sistema colonial, de consciencialização do homem africano […], de reivindicação de identidade autêntica na liberdade e de plena autodeterminação”. Manuel Monteiro Duarte In Caboverdianidade, Africanidade… e outros textos, 1999

P

ara Anthony D. Smith (1997), o Nacionalismo significa o despertar da nação e dos seus membros para a sua verdadeira “pessoa” colectiva, de forma que ela, e eles, obedeçam apenas à “voz interior” da comunidade. O nacionalismo africano, esse, pertence ao tipo que Ernest Gellner (1993) classifica de “contra-entrópico”, no sentido em que, no seu coração, não se encontra os migrantes laborais maltratados, à porta da fábrica, por capatazes que falam uma língua diferente, mas entre intelectuais capazes de comunicação fluente, impedidos, enquanto grupo, de ascender a posições com poder efectivo, devido a uma característica distinta comum: a cor. Característica esta que, em Cabo Verde, é menos relevante já que toda a sociedade cabo-verdiana é mestiça, mas pelo facto de os colonizados serem tidos como de “menoridade histórica”, pelo que precisariam de “tutores”, devendo ser governados de cima. Tendo em conta a onda de atrocidades que hoje se perpetuam pelo Mundo em nome do nacionalismo568, ressalva-se que para esta investigação apenas interessa considerar e pôr em destaque os seus efeitos positivos, como sejam: a defesa de culturas minoritárias; o resgate de histórias e de obras literárias “perdidas”, a inspiração para renascimentos culturais; a resolução da “crise de identidade”; a legitimação da noção de comunidade e de solidariedade social; a inspiração para resistir à tirania; o ideal de soberania popular e de mobilização colectiva; e, mesmo, a motivação do crescimento económico independente (Smith, op. cit.). 568

Consultar, a propósito, Amin Maalouf, Identidades Assassinas, Lisboa, 1999.

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1. A Elite Ultramarina de Ideologia Nacionalista A inexistência de Universidade nas Colónias forçou os jovens que terminavam o liceu a se deslocarem para a Metrópole, caso quisessem frequentar o ensino superior. Contudo, só vinham para Portugal quem tinha meios, ou seja, os filhos dos principais quadros profissionais da estrutura ultramarina, cuja carência nas Províncias deixava adivinhar, pelo menos, uma qualidade de vida prometedora, ou quem tivesse uma bolsa de estudo, logo, uma certa elite, se não económica, pelo menos cultural (Faria, 1995). Convém referir que todo o estudante ultramarino que vinha fazer os estudos à Metrópole tinha a ambição de vir a ocupar um lugar na sua sociedade de origem. Sabendo que as oportunidades na metrópole eram escassas, ou o recém-formado voltava para a terra ou ia para as outras colónias, integrado no quadro único das províncias ultramarinas. Este processo fazia parte do investimento dos pais como forma de melhorar um destino: o destino individual e uma parte do destino colectivo da família (Mário Andrade, 1997a). Entre 1945 e 1952, encontravam-se em Lisboa: Francisco José Tenreiro (vivendo em Portugal desde a mais tenra idade), Alda Espírito Santo, Miguel Trovoada (S. Tomé); Amílcar Cabral, Aguinaldo Brito Fonseca, Telmo Crato Monteiro, Henrique Teixeira de Sousa, José Leitão da Graça, Onésimo Silveira (Cabo Verde); Agostinho Neto (vindo de Coimbra em 1950), Mário Pinto de Andrade (Angola); Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos (Moçambique); Orlando da Costa (Goa); Vasco Cabral (Guiné). E, em Coimbra, Antero Abreu, Costa Campos, Ivo Lóio, Lúcio Lara, Orlando de Albuquerque, Veiga Pereira, Vítor Evaristo (Angola); João Dias, Roxo Leão, Virgílio Moreira, Fernando Moreira (Moçambique); e Manuel Monteiro Duarte (Cabo Verde)569. Muitos destes nomes viriam a ser figuras destacadas das respectivas lutas de libertação nacional e, posteriormente, de governo, ou de produção artísticocultural. Em Lisboa e em Coimbra, os estudantes do império sofreram influências do marxismo, do neo-realismo, da negritude, acompanhadas pelo eco que, entretanto, ia chegando da independência no continente africano – Tunísia e Marrocos em 1954, Gana em 1957, Guiné-Conacry em 1958 – influências essas que contribuíram para a sua orientação e interesse cultural e político. Manuel Ferreira, “Prefácio”, in Francisco Tenreiro e Mário Pinto de Andrade, Poesia Negra de Expressão Portuguesa, Lisboa, 1982. 569

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1.1 - A Primeira Geração de Nacionalistas (1945-1952) Constituído em Portugal Continental, em finais de quarenta, um grupo de pensamento a que Mário Pinto de Andrade (1997a) chama “a Geração de Cabral”570 – integrado essencialmente por Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973), Mário Pinto de Andrade (Angola, 1928-1990), Agostinho Neto (Angola, 1922-1979), Humberto Machado (Angola, ?-?), Noémia de Sousa (Moçambique, 1926-2002), Alda Espírito Santo (S. Tomé e Príncipe, 1926-) e Francisco José Tenreiro (S. Tomé e Príncipe, 1921-1963) – que passou a desenvolver uma acção irradiadora, através de dois pólos principais de actuação: a “Casa dos Estudantes do Império” (CEI) e o “Centro de Estudos Africanos” (CEA), com a realização de conferências e debates e a publicação de artigos no Mensagem – Boletim da Casa dos Estudantes do Império (Lisboa, 1948-1964)571. A Casa dos Estudantes do Império “A Casa dos Estudantes do Império foi fundada em Julho de 1944 e começou a sua actividade em Outubro do mesmo ano. A minha gerência começou, pois, no dia 1 de Outubro de 1944”572, segundo as palavras peremptórias de Alberto Marques Mano Mesquita, estudante angolano e seu primeiro presidente. A CEI foi constituída a partir da congregação de membros de associações regionais e das várias “casas” de estudantes ultramarinos (Casa de Angola, Casa de Macau, Casa de Moçambique, Casa da Índia) e contou, desde o início, com o apoio do então Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado573, e do Comissário da Mocidade Portuguesa, Marcello Caetano574, tendo sido instalada na Avenida Duque d’Ávila, n.º 23, ao Arco do Cego.

Esta ideia de “geração”, como grupo de pensamento e de acção formado em torno dos mesmos problemas, das mesmas preocupações, constituído à volta de uma figura marcante que lhe dá o nome, é utilizada nesta investigação para se referir também a Eugénio Tavares e a Baltasar Lopes. 571 O boletim existiu primeiro como Mensagem – Circular dos Serviços de Cultura da CEI, editado de Julho de 1948 a Janeiro de 1952 (13 números) e, depois, como Mensagem – Boletim da CEI, de Novembro de 1957 a Julho de 1964 (21 números). O período em que não foi editado (1952-1957) corresponde à fase em que uma comissão administrativa ligada ao poder se apossou da direcção da CEI. 572 Alberto Marques Mano Mesquita, Relatório e Contas (Outubro a Maio de 1944/45), Lisboa, Casa dos Estudantes do Império, s/d [1945], p. 3. 573 O Ministro da Colónia visitou a Casa dos Estudantes do Império no dia 3 de Julho, tendo sido recebido pelo presidente da mesma, a quem expressou o seu apoio, conforme notícias do Diário Popular, Ano II, N.º 638, da tarde de 4 de Julho de 1944. 574 Sócrates Dáskalos, Memórias. A Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, 1993, pp. 6-7. 570

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Na sequência, abriu-se, em Dezembro do mesmo ano, a secção de Coimbra da CEI, que seria inaugurada em Fevereiro de 1945 e onde participaria activamente Agostinho Neto. A CEI tinha como fins a protecção e a defesa dos interesses dos estudantes ultramarinos, o estreitamento dos laços de solidariedade e camaradagem entre os estudantes ultramarinos e metropolitanos e a propaganda das Províncias Ultramarinas portuguesas (Art. 2º). Para isso, estava-lhe absolutamente vedado interferir em assuntos de carácter político ou religioso e fazer qualquer distinção de raças, cores, ou de qualquer outra natureza (Art. 3º)575. Ao longo dos anos da sua existência, a CEI desenvolveu, a par de uma profícua actividade social, desportiva e recreativa, um trabalho intensivo de divulgação da cultura dos territórios coloniais. De facto, apenas na sua segunda fase (1957-1965), publicaram-se quinze volumes de poesia e de prosa ficcional de catorze “autores ultramarinos” – Mário António (Amor, 1960), Luandino Vieira (A Cidade e a Infância, 1960), Arnaldo Santos (Fuga, 1960), Viriato da Cruz (Poemas, 1961), António Cardoso (Poemas de Circunstância, 1961), Costa Andrade (Terra de Acácias Rubras, 1961), Manuel Lima (Kissange, 1961), Agostinho Neto (Poemas, 1961), António Jacinto (Poemas, 1961), Alexandre Dáskalos (Poesias, 1961), Tomás Vieira da Cruz (Poesia Angolana, 1961), Ovídio Martins (Caminhada, 1962), Henrique Abranches (Diálogo, 1963), José Craveirinha (Chigubo, 1964) e Arnaldo Santos (Quinaxixe, 1965)576. Para além da poesia e prosa ficcional, foram publicados estudos e obras de reflexão nas colecções “Ensaios” – Carlos Ervedosa (Literatura Angolana. Resenha Histórica, 1962), Onésimo Silveira (Consciencialização na Literatura Caboverdiana, 1963) e Alfredo Margarido (Negritude e Humanismo, 1964) – e “Etnografia” – Gonzaga Lambo (Cancioneiro Angolano. Subsídios, 1962) e Canções Populares de Nova Lisboa (1962), uma recolha de poesia tradicional de Huambo. Fizeram-se ainda concursos literários, colóquios e recitais e publicou-se o boletim Mensagem, de 1948 a 1964. No desempenho de todas essas tarefas, criaram-se laços de profunda amizade entre estes portugueses ultramarinos e uma consciência nacional em relação às respectivas colónias de origem (Faria, op. cit.). Casa dos Estudantes do Império, Estatutos aprovados em Assembleia Geral de 25-1-1957 e pela Organização Nacional da Mocidade Portuguesa em 7-2-1957, Lisboa, 1957. 576 Estes autores eram todos de Angola, com excepção de José Craveirinha (Moçambique) e Ovídio Martins (Cabo Verde). 575

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A Guerra de 1939 a 1945, que ceifara milhões de vidas e criara heróis que haviam lutado por um mundo livre, mais fraterno e com mais justiça social, tinha chegado ao fim e tinham-se calado as armas nos campos de batalha. Chegavam agora as mensagens dos artistas através da pintura, do cinema e da literatura, conforme explica Carlos Ervedosa (1990:119-120): -

Na literatura, nos tempos áureos do neo-realismo em Portugal, os estudantes da CEI liam Pereira Gomes, Manuel da Fonseca, Fernando Namora e Aquilino Ribeiro; da França, chegavam Aragon e Éluard; da Espanha, Garcia Lorca; dos Estados Unidos, chegavam os livros de Steinbeck, de Caldwell; do Brasil, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa; do Chile, Pablo Neruda. O Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, publicado por Francisco José Tenreiro e Mário de Andrade, alertava para a problemática social das colónias e falava dos expoentes da Negritude no mundo, de Senghor, de Césaire, de Guillén, de Langton Hughes, e do “orgulho escandaloso de ser negro”. Era ainda indispensável a leitura de Pierre van Passen, de Juan Clement Zamora, de Pollitzer, de Marx, de Engels, de Lenine.

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No cinema, chegava da Itália “um cinema que nos fazia pensar, que nos metia pelos olhos dentro imagens dum mundo que tinha de mudar”, com as películas de Sica e Zavattini, “Ladrões de Bicicletas”, “O Capote”, “Humberto D”, “O Milagre de Milão”, “O Pão Nosso de Cada Dia”....

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Na pintura, era também o tempo do neo-realismo, com Rivera, Orozco, Siqueiros e Portinari.

Ou seja, esses universitários africanos conquistavam espaço, nas várias formas do pensamento e da expressão, e a necessidade de alterar a ordem social e política do mundo. Na Casa dos Estudantes do Império a vida associativa decorria com toda a normalidade. Funcionava o lar, a cantina e o posto médico. As Secções realizavam bailes e matinés dançantes para convívio e angariação de fundos. Decorriam os campeonatos internos de damas, xadrez e pingue-pongue. O grupo representativo de futebol participava em torneios de Associações Académicas. A Secção Cultural fazia palestras, exposições e recitais de poesia e saíra já o primeiro número da Mensagem, em Julho de 1948, com a colaboração dos sócios577.

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A colaboração da secção de Cabo Verde só surge a partir do n.º 7, em Janeiro de 1949.

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Nos princípios de 1952, os estudantes coloniais de esquerda, que já eram bastantes, ganharam as eleições nas secções de Angola, Cabo Verde e Índia. O candidato proposto pela Secção de Angola, Acácio Cruz, conquistava a presidência da Direcção Geral. Amílcar Cabral, o futuro fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), era o Vice-Presidente, por indicação da Secção de Cabo Verde, a que pertencia. O Governo foi protelando a homologação dessas eleições e, quando chegou o mês de Maio, decidiu nomear uma comissão administrativa para dirigir a CEI. Nessa mesma noite, foi elaborado e distribuído aos sócios, pelos elementos da CEI, um abaixo-assinado de protesto e um comunicado pedindo a solidariedade de todos para com os seus dirigentes democraticamente eleitos, bem como a sua recusa a qualquer colaboração com os membros da Comissão imposta. Durante os cinco anos em que aquela Comissão dirigiu a CEI, os estudantes ultramarinos continuaram a frequentar o lar e a cantina, a sede e o posto clínico, mas recusaram-se a colaborar em quaisquer outras actividades. Entretanto, integraram as associações de estudantes das faculdades que frequentavam (Ervedosa, op. cit.). Carlos Ervedosa (1990), no esboço histórico que fez da CEI, considerou ter havido duas grandes fases na vida dessa organização. A primeira, de 1944 a 1952, com a primeira geração de nacionalistas, em que a Casa funcionou na normalidade; e a segunda, de 1957 a 1965, com a segunda geração de nacionalistas, tendo a CEI funcionado com muitos sobressaltos, culminando com o seu encerramento compulsivo pela polícia política. A Delegação de Coimbra já tinha sido encerrada em 1961. O hiato entre 1952 e 1957 é o período em que a comissão administrativa, da confiança política do Governo, foi nomeada para dirigir os destinos da CEI, período esse de estagnação em todos os níveis, como acima se pôs em relevo. O Centro de Estudos Africanos Mário de Andrade (1997a) evoca as origens do “Centro de Estudos Africanos” organizado em Lisboa por Francisco José Tenreiro e ele próprio, em Agosto de 1951, com o objectivo de estudar África578, como forma de combater a alienação a que estavam sujeitos os naturais das colónias: Oleg Ignatiev em Amílcar Cabral Filho de África, Lisboa, 1975, dá uma versão diferente da formação do CEA atribuindo toda a iniciativa a Amílcar Cabral, incluindo a elaboração dos planos para a futura organização e a estrutura dos programas dos diversos temas a tratar. Versão essa que é considerada por Mário de Andrade (1997a) como “coisa romântica” e “romance de cordel”. 578

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“Era preciso dar a conhecer, conhecermo-nos a nós próprios. Para os Portugueses nós éramos assimilados... De África nós tínhamos a vivência, a vivência material, a vivência social, mas não tínhamos reflectido sobre a nossa própria cultura, não tínhamos tido, nos países respectivos, a possibilidade de pensar a nossa própria cultura: ela não era veiculada nas nossas línguas – é uma evidência – muitos de nós não falavam mesmo a língua ou uma das línguas do país... Era necessário tomar consciência disso: era uma auto-consciencialização da cultura africana na sua globalidade, da civilização africana e das diversas culturas no quadro continental, e do mundo negro e para lá do mundo negro. Para isso, era preciso começar pelo estudo, e pelo estudo científico, não simplesmente o estudo emocional” (idem:71). O plano estabelecido para o CEA era ambicioso e constituía seis grandes capítulos: (i) A Terra e o Homem, onde estaria a geografia, a antropologia e a etnologia e a história; (ii) A Socieconomia Africana, onde entrariam os problemas da exploração económica e social, os problemas da alimentação, da mão-de-obra, da utilização da terra; (iii) o Pensamento do Negro, com incidência no problema da discriminação do negro; (iv) Os Problemas do Ultramar Português e da Restante África Negra; (v) O Negro no Mundo, como vivia o negro nos Estados Unidos, nas Antilhas e nas Guianas, no Brasil, nos outros países da América negra; e (vi) Os Problemas Essenciais Para o Progresso do Mundo Negro, versando o futuro social do negro e os problemas de educação. Para a materialização deste plano, foi elaborada uma lista de pessoas susceptíveis de tratar os vários temas. Como metodologia, cada um devia estudar um assunto, trabalhálo em sua casa e expô-lo diante de uma pequena assembleia, fomentando o debate. A primeira reunião do CEA teve lugar a 21 de Outubro de 1951 tendo Francisco Tenreiro apresentado o tema Estruturas Geográficas do Continente Africano e posteriormente Estruturas Antropológicas do Continente Africano. Seguiram-se outros oradores: Mário de Andrade, com os temas da linguística e da história da colonização, Contactos de Raça em África: Suas Consequências; Amílcar Cabral, com um trabalho sobre a agricultura em África; Agostinho Neto e Humberto Machado, com o tema Migrações dos Negros Africanos, Compulsivas e Não Compulsivas, Aculturação dos Negros Africanos; Viriato da Cruz, com um texto sobre Os Conceitos de África Branca e África Negra; Jorge Nunes, com o trabalho Civilizações Africanas do Passado; e Alda Espírito Santo e Noémia de Sousa com os temas da música, do pensamento negro e da arte (Mário Andrade, op. cit.).

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Essas reuniões, realizadas aos domingos numa casa da família Espírito Santo, em Lisboa, sita na Rua Actor Vale, n.º 37, constituídas por uma pequena assembleia – “o número de pessoas à volta de uma mesa, uma dezena, uma quinzena, e depois os jovens que estavam de pé, e os da casa que não se sentavam” (Mário Andrade, 1997a: 73) – com muita repercussão na vida cultural e política dos africanos das antigas colónias residentes em Lisboa. Para além das conferências, o CEA tinha ainda o projecto de publicar uma revista com todas as intervenções escritas, mas só conseguiu realizar a edição da antologia o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), com uma introdução de Mário Pinto de Andrade e uma “nota final” de Francisco Tenreiro. Outro projecto que resultou foi a contribuição do grupo, de forma colectiva, para um número especial, o n.º 14, da Présence Africaine – Les Étudiants Noirs Parlent (1953), uma revista publicada em Paris sob o impulso do senegalês Aliune Diop, a que Mário de Andrade passou a integrar a partir desse ano. Nesse número especial da revista, os estudantes negros proclamavam abertamente as suas posições sobre os problemas que África enfrentava. À margem do CEA, mas no seu seio, foi constituído um pequeno grupo clandestino de que fazia parte Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Agostinho Neto, Noémia de Sousa e Alda Espírito Santo, cujas discussões lhes deram ideias de organização para os respectivos países. Entretanto, a partir de 1952, o grupo do CEA começou a dispersar-se e os seus elementos seguiram percursos diferentes: Alda Espírito Santo voltou a S. Tomé para trabalhar e Amílcar Cabral, à Guiné. Francisco Tenreiro e Mário de Andrade ficaram em Lisboa, mas “o Centro não tinha mais razão de ser, porque entretanto as pessoas dispersaram-se [...]. Para já houve uma interrupção em 53, em consequência dos acontecimentos de São Tomé – o massacre de Batepá [...]579. O Centro fez ainda uma sessão, creio que a última, em 11 de Abril de 1954” (Mário Andrade, op. cit., p. 80). Para Mário de Andrade (1977a), seu fundador, o CEA foi muito importante, na medida em que obrigava o grupo a estudar as suas origens, a conhecer África, a coO massacre de Batepá, que teria provocado cerca de uma centena de mortos, ocorreu na sequência de um protesto contra o trabalho forçado, melhor, da integração do nativo no trabalho forçado que não estava nos seus hábitos. As autoridades coloniais consideraram o protesto como uma revolta e a família Espírito Santo altamente implicada e acusada de conluio. O engenheiro Salustino Espírito Santo (1894-1965), pan-africanista e antigo 1.º Secretário da Liga Africana, um dos tios de Alda do Espírito Santo, foi acusado de ser o cérebro da rebelião. Mário Pinto de Andrade. Uma Entrevista dada a Michel Laban, Lisboa, 1997. 579

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nhecer a sua cultura: “Acrescentávamos a nossa própria vivência e confrontávamo-la com as leituras que nos chegavam de Paris, da Présence Africaine” (idem, p. 74).

1.2 - A Segunda Geração de Nacionalistas (1957-1965) Em 1957, após a saída da comissão administrativa, a responsabilidade da gestão da CEI regressou aos estudantes, tendo sido designado como presidente interino o angolano Paulo Jorge, permanecendo no cargo até à eleição de Carlos Ervedosa, também ele de Angola (Faria, 1997). Entretanto, os velhos e marcantes estudantes da primeira geração tinham concluído as suas formaturas e deixado a Casa, a maioria regressando aos seus lugares de origem e mais tarde abraçando a luta de libertação nacional. Os que não regressaram alojaram-se noutros países devido às suas actividades políticas. A CEI continuava a ser uma associação de estudantes politicamente neutra por força estatutária, mas de esquerda por força da opção política dos seus dirigentes e associados. Havia uma nova geração, mas os ideais democráticos e nacionalistas continuavam a estar presentes, vindo ela a integrar também os primeiros núcleos dos movimentos de libertação nacional. Enquanto isso, o contexto político internacional degradara-se e fora da Europa, agravavam-se os conflitos. Todo o mundo árabe está em efervescência e a França enfrenta, em 1954, na Argélia, uma insurreição que não consegue dominar. A Argélia, ajudada pela Tunísia e por Marrocos, pelo bloco-soviético e por alguns círculos políticos americanos, chega à independência, em 1962. Por toda a África Negra francesa alastram as ideologias que fermentam a instabilidade. Paris lança, então, a lei-quadro para os territórios do ultramar, que define um estatuto de autonomia interna numa estrutura comunitária. Processo diverso adopta a Inglaterra na África britânica, levando a Costa do Ouro a ascender à independência, em 1957, com o nome de Gana, sob orientação de Kwame Nkrumah. Este considera seu mandato providencial libertar a África ao sul do Saara, desde Dakar ao Cabo e a Madagáscar (Ki-Zerbo, 1991). Estava-se, decisivamente, no despoletar de uma nova época. Nos fins desse ano de 1957, começou em Portugal a campanha eleitoral para uma nova Assembleia Nacional. A oposição, constituída por democratas, liberais, republicanos históricos, sociais-democratas e monárquicos, não conseguiu estabelecer uma

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frente unida pelo que os candidatos da União Nacional foram eleitos, praticamente sem oposição. Às agências noticiosas estrangeiras, alguns adversários do governo declaram que este tinha ganho as eleições fraudulentamente. Para 1958, estavam marcadas as eleições para o Presidente da República. Anunciada a candidatura de Américo omaz (1894-1987) pelo regime, foram apresentadas duas candidaturas de oposição: a de Humberto Delgado (1906-1965) e a de Arlindo Vicente. Conforme Franco Nogueira (1980), Delgado, apesar de se classificar como candidato nacional independente, tinha o apoio de todos os oposicionistas “dos democratas de velho estilo, dos republicanos liberais, dos monárquicos dissidentes, dos ressentidos do regime, de todos os oposicionistas, [...] que não sejam de extremaesquerda” (op. cit. p. 496), enquanto Arlindo Vicente era arrastado pelos socialistas e comunistas, tendo acabado por desistir e recomendar aos seus partidários que transferissem para Delgado o seu apoio. Instalada a comissão de candidatura, Delgado inicia em Maio a sua campanha com uma conferência de imprensa, onde declara que é seu objectivo implantar a democracia em Portugal, acusando de forma directa e sem subterfúgios o regime e o seu pessoal político. A uma pergunta de um jornalista, no caso de vir a ser eleito, como procederia em relação ao chefe do governo, respondeu: “Obviamente demitoo!”580. Humberto Delgado, o “general sem medo”, prossegue a campanha em estilo americano – uma campanha de ar livre, de rua, nada de salões à maneira tradicional – que tem imensa repercussão em todo o país. Nogueira (1980) descreve assim o seu efeito no regime: “Salazar [1889-1970], embora habituado às campanhas anteriores, pensa que se está agora perante uma tentativa revolucionária. [...] Rodeiam o chefe do governo muitos elementos desorientados, perplexos, paralizados pela irrupção de violência. Governadores civis sentem-se impotentes em face das forças desencadeadas; os chefes da União Nacional estão desnorteados. [...] Salazar convoca uma reunião com Marcello Caetano [Ministro da Presidência], Santos Costa [Ministro da Defesa] e Trigo de Negreiros [Ministro do Interior]. Verifica que está criada no país uma crise de revolta, de subversão. Custe o que custar, há que manter a ordem pública e garantir o acto eleitoral. Salazar entrega a Santos Costa a responsabilidade de assegurar aqueles objectivos, cabendo-lhe desde aquele momento a

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Humberto Delgado citado por Franco Nogueira, in Salazar, Vol. IV, “O Ataque (1945-1958)”, Coimbra, 1980.

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coordenação e emprego das forças militares e para-militares. O ministro reúne-se com os altos comandos, e o general Valente de Carvalho, falando pelas Forças Armadas, afirma que estas continuam alertas e não estão dispostas a que impere a desordem, a que proliferem os aventureiros” (op. cit, p. 503-504). No domingo, 8 de Junho de 1958, foi o acto eleitoral. Vinte dias depois foram proclamados os resultados do sufrágio: Humberto Delgado alcança 23% dos votos; há alguns boletins nulos ou inválidos; e Américo omaz recolhe os demais votos, cerca de 75%. Humberto Delgado acusa publicamente o governo de manipulação de votos, de fraude, e afirma que só por tais motivos não saíra vencedor da disputa. Fora-lhe roubada a Presidência da República (Nogueira, 1980). A derrota eleitoral da oposição, tanto para a Assembleia Nacional como para as presidenciais, por comprovadas irregularidades do acto, mostrou a necessidade de recursos a formas de luta mais eficientes. O regime saíra ferido de morte desta vitória. Abria-se uma nova era no “Estado Novo”, em que nada mais seria como dantes. Entretanto, nas colónias portuguesas em África foram constituídos movimentos de libertação nacional – o PAIGC (na Guiné e Cabo Verde) e o MPLA (em Angola), em 1956, e a FRELIMO (em Moçambique), em 1962 – tendo por base e como “pais fundadores” os antigos estudantes da CEI, respectivamente, Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973); Mário de Andrade (Angola, 1928-1990) e Agostinho Neto (Angola, 1922-1979); Eduardo Mondlane (Moçambique, 1920-1969) e Marcelino dos Santos (Moçambique, 1929-). A Guiné-Conacry, que ascendera à independência em 1958, sob orientação de Sekou Touré, viria a ser decisiva para o avanço da luta nas colónias, particularmente em Angola e na Guiné. Luís Cabral (Bissau, 1931-), antigo Secretário-Geral Adjunto do PAIGC (1973-1980) e primeiro Presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau (1974-1980), evoca o facto nas suas memórias: “A nova República [Guiné-Conacry] surgia para nós, e também para os nacionalistas das outras colónias portuguesas, como um farol de esperanças reforçadas, no combate que os nossos povos oprimidos deviam travar para a sua libertação. O Amílcar [Cabral] estava certo de que a brecha aberta pelo heróico povo da República da Guiné no panorama político concebido na sua máxima perfeição para as colónias africanas da África – essa brecha resplandecente teria repercussões seguras no conjunto dos outros países, cujos dirigentes, talvez por caminhos diferentes, acabariam também por conduzir os seus povos à independência” (Luís Cabral, 1984:60). 347

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Nos inícios de sessenta, desencadeia-se a acção armada nas colónias: Angola, a 4 de Fevereiro de 1961, estando o MPLA instalado em Brazzaville (Congo); Guiné, a 1 de Janeiro de 1963, tendo o PAIGC o seu quartel-general em Conacry (República da Guiné); e Moçambique, a 25 de Setembro de 1964, estando a FRELIMO sediada em Dar-es-Salaam (Tanzânia). Em Lisboa, dá-se, em 1965, o encerramento compulsivo da CEI, na sequência do fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores, por esta ter atribuído o Grande Prémio da Novelística a Luuanda581, de José Luandino Vieira (Portugal, 1935-), já então preso no campo de concentração do Tarrafal582. A avaliação de António Faria (1997), antigo membro da Casa, feita quarenta anos depois, é a de que a CEI “proporcionou o grau de consciência cultural, política e cívica, para o estabelecimento de bases de trabalho julgadas necessárias à futura organização de cultura e da memória. Esta perspectiva era nacionalista, nacional e solidária, de cada um com os restantes países” (op. cit., p. 49). Considera-se ainda que tenha sido crucial para os estudantes cabo-verdianos a sua convivência com os colegas das outras colónias no espaço da CEI.

2. A Elite Cabo-verdiana de Ideologia Nacionalista A partir dos anos cinquenta, começara a surgir no seio da CEI uma elite intelectual cabo-verdiana na posse da consciência de estar investida de uma missão irrenunciável: “fazer da criação literária um meio e uma forma de denúncia global do sistema colonial, de consciencialização do homem africano […], de reivindicação de identidade autêntica na liberdade e de plena autodeterminação” (Duarte, 1999:51)583. A geração de intelectuais e de escritores cabo-verdianos, auto-baptizada de “Nova Largada”584, era dotada de um avanço ideológico sobre as gerações anteriores. Ela surgiu do ambiente ideologicamente motivado da CEI, resultando desta circuns-

José Luandino Vieira, Luuanda, Luanda, 1964. Colónia penal para presos “políticos e sociais” criada pelo regime do “Estado Novo” a 23 de Abril de 1935, pelo Decreto-Lei N.º 26.539. 583 Texto publicado originalmente na revista Raízes, N.º 21, Praia, Julho de 1984, pp. 3-8, com o título “Breves Notas Sobre a Literatura Cabo-verdiana”. 584 “À instância do Dr. Baltasar Lopes da Silva, de passagem para um Congresso de Filologia em Londres, em 1953, baptizámos o nosso grupo clandestino com o nome de ‘Nova Largada’ “ – Entrevista ao Dr. José Leitão da Graça (feita por telefone a partir de Lisboa), Praia, 16/10/2002. Ainda Leitão da Graça, “à Guisa de Introdução”, pp. 7-19, in Manuel Duarte, Cabo-verdianidade e Africanidade... e outros textos, Praia, 1999. 581 582

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tância um arejamento de ideias e uma aquisição de cultura liberta de preconceitos provincianos (França, 1962). Desta agremiação faziam parte Aguinaldo Brito Fonseca (S. Vicente, 1922-), Gabriel Mariano Lopes da Silva (S. Nicolau, 1928-2002), Ovídio de Sousa Martins (S. Vicente, 1928-1999), Manuel de Jesus Monteiro Duarte (Santiago, 1929-1982), José Leitão da Graça (Santiago, 1931-), Francisco Lopes da Silva (S. Vicente, 19322001) e José Araújo (Santiago, 1933-1992)585. Pode-se considerar ainda incluído no espírito deste grupo Onésimo da Silveira (S. Vicente, 1935-) que, embora ausente, mas influenciado por Manuel Duarte através do convívio de ambos em Angola, em 1962, assume, por ventura, a defesa mais africanista de todos, com o ensaio Consciencialização na Literatura Caboverdiana (Lisboa, 1963)586, publicado pela Casa dos Estudantes do Império, no qual defende que “Cabo Verde é um caso de regionalismo africano” (op. cit., p. 22).

2.1 - A Herança Africana O nacionalismo normalmente faz conquistas em nome de uma suposta cultura popular, o que, como sustenta Ernest Gellner (1993), tem o seu fundo de verdade quando os funcionários que governam, ou o poder, pertencem a outra cultura erudita estrangeira, a cuja opressão deve ser oposta resistência, inicialmente pelo renascimento e reafirmação culturais e, finalmente, por uma guerra de libertação nacional. Em Cabo Verde, e apesar da forte incorporação de aspectos marcantes da cultura africana, foi também esta negada, tendo portanto, o renascimento cultural passado pela reivindicação da herança africana como matriz da cultura popular. A revista Claridade, tomada aqui como um marco importante da cabo-verdianidade, voltara a ter um longo interregno. O número 7 tinha saído em Dezembro de

Idem, ibid.. É durante o período de sua estadia em Angola (1960-1962) que Onésimo Silveira prepara Consciencialização na Literatura Caboverdiana. Silveira explica que depois de ter pronto o ensaio mostrou-o ao amigo Manuel Duarte, na sua opinião, “o maior intelectual cabo-verdiano”, na altura (1962), exercendo as funções de Delegado do Procurador da República em Luanda. Este disse-lhe que se o texto fosse publicado como estava seria certamente preso. Pediu então que lho deixasse para fazer umas alterações, ao que Silveira concordou. Manuel Duarte passou a noite toda a trabalhar e no dia seguinte apresentou ao Silveira o texto pedindo que mantivesse as alterações propostas. “O trabalho bem que podia ser publicado com o nome dos dois mas Manecas assim não quis”. Em 1963 Silveira vem a Portugal em gozo de férias graciosas e fica em Coimbra, agora no curso de economia, retomando os cantactos com a CEI, onde acaba por publicar o seu ensaio – Entrevista ao Doutor Onésimo Silveira, Lisboa, 24/10/2002. 585 586

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1949 e só nove anos mais tarde, em Maio de 1958, voltaria a aparecer. Entretanto, iniciara-se na Praia, nesse ano de 1949, uma publicação oficial, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964)587, que passou, neste interregno, com todas as limitações próprias de um órgão de informação do Governo, a ser o veículo da ideologia nascente. O Grupo “Nova Largada” Para comemorar a entrada do Cabo Verde no décimo ano da sua publicação, um grupo de estudantes universitários em Lisboa e Coimbra, integrantes da “Nova Largada,” reuniu uma série de trabalhos para um “Suplemento Cultural” ao Boletim de Propaganda e Informação. Faziam parte deste grupo Aguinaldo Brito Fonseca, Francisco Lopes da Silva, Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Carlos Alberto Monteiro Leite (S. Vicente, 1922-1961), José Augusto Monteiro Pinto (Fogo, 1932-1993), Sylvia Crato Monteiro (S. Vicente, 1917-1983?), Terêncio Anahory (Boa Vista, 1932-2000) e Yolanda Morazzo (S. Vicente, 1928-). De fora, ficaram Manuel Duarte, José Leitão da Graça, entretanto regressados à terra, e José Araújo. Uma nota-manifesto de abertura, assinada por Carlos Alberto Monteiro Leite, dá conta da determinação destes jovens: “Com a publicação deste Suplemento [...] queremos acender, com o maior alvoroço, um farol nos mares das nossas Ilhas, dando sinal à navegação de que estamos vivos e atentos”588. Porém, saído o primeiro número, o director do Cabo Verde, Dr. Bento Benoliel Levy (Santiago, 1911-1992), de uma forma lacónica, informou aos participantes que não seria possível sair qualquer outro número do “Suplemento”589. Alguns desses jovens do “Suplemento Cultural” estavam longe de ser iniciantes, tendo já colaborado na revista Claridade (S. Vicente, 1936-1962). Aguinaldo Brito Fonseca, nos números 5, 6 e 7 (1947, 1948 e 1949); Gabriel Mariano, nos números 6 e 7

Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação [a partir do Ano XIV (Nova Fase), N.º 1/157, de Outubro de 1962, Boletim Documental e de Cultura] de periodicidade mensal, propriedade do Centro de Informação Técnica (CIT), de que saíram 177 números. Foi seu Director Bento Levy e, consequentemente, director do CIT. Esse Boletim insere colaboração literária de quase todos, se não todos, os principais nomes da literatura caboverdiana. 588 Carlos Alberto Monteiro Leite, “Nota de Abertura”, “Suplemento Cultural” N.º 1, ao Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, Praia, Outubro de 1958, p. 6. 589 Entrevista a Aguinaldo Brito Fonseca, Lisboa, 18/10/2002. 587

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(1948 e 1949); e Ovídio Martins e Terêncio Anahory fizeram a sua estreia colaborando no número 8, saído em Maio de 1958, poucos meses antes do suplemento ao Boletim. O “Grupo Cultural do 3.º Ciclo” Entretanto, e quase que em simultâneo, chega a S. Vicente, em finais de 1958, ido da Guiné, o nacionalista Abílio Monteiro Duarte (Santiago, 1931-1996), enviado pela Direcção do PAIGC, sob o pretexto de ali concluir o 3.º Ciclo do Ensino Liceal, mas com o propósito de mobilizar os estudantes cabo-verdianos para a causa nacionalista. Em S. Vicente, Abílio Duarte instala-se em casa do irmão, Manuel (“Manecas”) Duarte, que, entretanto, regressara a Cabo Verde colocado como Delegado do Procurador da República por Barlavento (1958-1962), e matricula-se num conjunto de disciplinas do 3.º Ciclo, no Liceu Gil Eanes, de que era então reitor o Dr. Baltasar Lopes da Silva. Na decorrência das suas actividades, Abílio Duarte funda o “Grupo Cultural do 3.º Ciclo”, integrado por Felisberto Vieira Lopes (Santiago, 1937-), Joaquim Pedro Silva, “Baró” (Maio, 1937-), Francisco St’Aubyn (S. Vicente, 1938-), Silvino da Luz (S. Vicente, 1939-), Humberto Bettencourt Santos, “Humbertona”, (S. Vicente, 1940-), Rolando Vera-Cruz Martins (S. Vicente, 1940-), Amiro Faria (S. Vicente, 1941-), Jorge Miranda Alfama (Guiné, 1941-), Olívio Melício Pires (Santo Antão, 1942-), Júlio de Carvalho (S. Vicente, 1943-), Luís Monteiro da Fonseca (S. Vicente, 1944-), entre outros. O grupo promove actividades culturais, da pintura à música, passando pela poesia e, principalmente, discute política590. Os seus elementos viriam mais tarde a integrar a luta política clandestina e a acção armada de libertação nacional e ser altos funcionários do aparelho do Estado. Dos componentes do “Grupo Cultural do 3.º Ciclo”, Rolando Vera-Cruz Martins, Felisberto Vieira Lopes e Francisco St’Aubyn, para além de Abílio Monteiro Duarte, participaram activamente da feitura do primeiro e único número do Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes, do Centro N.º 1 da Ala N.º 2 da Mocidade Portuguesa (S. Vicente, 1959), surgido “em continuação de uma tradição interrompida com a publicação do último número de Certeza [1944]591”.

590 591

Informações prestadas pelo Eng. Humberto Bettencourt Santos, Lisboa, 1/12/2002. Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes, Centro N.º 1 da Ala N.º 2 da M. P., N.º 1, S. Vicente, Março de 1959.

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Este número do Boletim integra um estudo de Felisberto Vieira Lopes sobre “O Auto de Mofina Mendes”; dois poemas de Corsino Fortes; uma nota introdutória a dois poemas de Onésimo Silveira, de Rolando Vera-Cruz; desenhos e linóleos de motivos locais, sendo um de autoria de Abílio Duarte; e uma página de desporto assinada por Francisco St. Aubyn. Ruptura com a Geração Precedente Pretendendo romper com a geração que a precedeu, o grupo “Nova Largada” recua uma geração, procurando retomar o exemplo do nativista Pedro Cardoso (Fogo, 1883-1942), enquanto “filhos da terra” mais novos. Aliás, é significativo o facto de Onésimo Silveira dedicar o seu ensaio Consciencialização na Literatura Caboverdiana (1963), “à memória de Pedro Cardoso – cujo exemplo de caboverdianidade se nos impõe, a nós, os mais novos ‘Filhos da Terra’, seguir quotidianamente”592, e o poeta Kaoberdiano Dambará, i.e., Felisberto Vieira Lopes, fazer o mesmo em relação ao seu livro de poemas Noti (1964), escrito totalmente em crioulo – “pa intenson di [à intensão de] Pedro Cardoso”593. O grupo aborda os temas da cabo-verdianidade, integrando os problemas de Cabo Verde não no regionalismo europeu, como até então vinha sendo feito, mas na problemática geral africana – “os jovens da nossa geração pensam que Cabo Verde é um caso de regionalismo africano” (Silveira, 1963:22). Esta mudança de epicentro, em relação ao qual a geração da Claridade se referenciava, corresponde a uma deslocação de continente, com busca da realidade étnica e cultural africanas. O grupo explica, assim, pela pena de Onésimo Silveira (1963), a sua visão da consciencialização da identidade nacional: “Para a moderna geração, a consciencialização é, em todas as suas manifestações, incluída a literatura, a tomada por parte do caboverdiano da consciência activa do processo histórico geral que nesta conjuntura o envolve em largo amplexo. Tal consciência apresenta dois momentos essenciais e correlacionados: a) o impulso inicial para se buscar a si mesmo como realidade étnica e cultural perdida no abismo da alienação; b) a reivindicação do condicionamento absolutamente necessário para que comece a realizar-se o encontro autónomo consigo mesmo” (op. cit., p. 26).

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Onésimo Silveira, Consciencialização na Literatura Caboverdiana, página da dedicatória, Lisboa, 1963. Kaoberdiano Dambará, Noti, Conacry, 1964, p. 9.

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É essa busca da componente africana ou o “movimento de reafricanização dos espíritos”594 que levou Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973) a engendrar e a teorizar o projecto da unidade Guiné-Cabo Verde, consubstanciado, primeiro, na formação, em 1956, de um movimento de libertação supra-nacional, o PAIGC, integrando guineenses e cabo-verdianos. As premissas em que se basearam o projecto da unidade eram válidas, mas acabaram por não se implementar, devido à realidade da situação nos dois territórios e à intervenção de factores que não teria sido fácil discernir antecipadamente, nomeadamente, a morte de Amílcar Cabral, em 1973, o “verdadeiro pilar e arquitecto de toda a obra que se preparava para estabelecer as metas que conduziriam à construção desse edifício”595.

2.2 - O Discurso de Revolta A geração da “Nova Largada” adoptou, desde o início, um discurso declaradamente de revolta e de reivindicação nacionalista. Esta determinação está patente na produção literária e artística divulgada quer na Mensagem (Lisboa, 1948-1964) quer nas publicações autónomas editadas pela CEI quer ainda no Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964). Procurando impor-se como diferente, o grupo assume-se como a geração que não vai para Pasárgada596, criticando de forma violenta, a inadequação às realidades sociais das ilhas da “Geração da Claridade” – a geração que vai para Pasárgada – e dá o passo definitivo ao reivindicar a independência, enquanto povo e nação (Silveira, 1963). Em 1974, Francisco Fragoso, analisando dialecticamente a literatura caboverdiana, reforça a posição dessa sua geração: Expressão usada pela primeira vez por Amílcar Cabral na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em 1965, em Dar-es-Salam. Mário Pinto de Andrade. Uma Entrevista dada a Michel Laban, Lisboa, 1997. 595 Aristides Pereira, Uma Luta, um Partido, dois Países – Guiné-Bissau e Cabo Verde, Lisboa, 2002, p. 105. 596 Pasárgada, palavra-tema criada pelo poeta modernista brasileiro Manuel Bandeira (1984) simboliza uma terra mística para onde desejava escapar para realizar as suas fantasias hedonistas, é introduzida em Cabo Verde nos anos 30, circula no espaço cabo-verdiano e projecta-se, continuando o seu itinerário através do tempo, no espírito dos intelectuais caboverdianos. Emerge, num processo de intertextualidade e de forma utilitária, em três gerações de poetas cabo-verdianos, com função dialéctica, em contextos e com objectivos diferentes. No fundo, não deixa de ser um debate ideológico e geracional que, dicotomicamente opõe os chamados pasargadistas (evasionistas), idealistas, aos autodenominados antipasargadistas (anti-evasionistas), materialistas. Pasárgada passou a ser interpretada, pelas gerações que procederam os homens da Claridade, como um símbolo conveniente da suposta objectivação elitista dos problemas endémicos. M. Brito-Semedo, “Itinerário de Pasárgada”, pp. 69-86, in Caboverdianamente Ensaiando, Vol. I, S. Vicente, 1995. 594

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“De facto, os escritores da Claridade e da Certeza limitados na tomada de consciência da sua posição de colonizado-assimilado, dificilmente poderiam atingir o ideal do povo das ilhas. [...] ficaram a meio caminho do processo dialéctico conducente à verdadeira perspectiva da arte, que é a da fusão total entre o drama e a acção, entre as palavras e os actos e, neste caso particular, entre a literatura e a vida prática. [...] E foi neste caminho que o grupo da ‘nova geração’ conseguiu se desalienar, a ponto de deitar as primeiras pedras para uma verdadeira literatura nacional em Cabo Verde. Literatura de combate, revolucionária, comprometida até às suas últimas consequências e adentro duma tradição e cultura autenticamente das ilhas e da sua realidade socio-histórica e socio-política” (Fragoso, 1974:17-19)597. A Vivência nas Ilhas A situação vivida nas Ilhas – falta de perspectiva e de solidariedade – era, na sua essência, devido ao contínuo abandono da administração central, o que levou a que essa geração nacionalista radicalizasse o discurso e a sua forma de combate. Onésimo Silveira (1958)598, no poema “Saga”, dá conta do abandono e da falta de perspectiva do povo das ilhas:

597 598

Um extracto deste ensaio saiu no Novo Jornal de Cabo Verde, N º 27, Praia, Fev. de 1975, pp. 7 e 8. Onésimo Silveira, “Saga”, Claridade, N.º 8, S. Vicente, Maio de 1958, p. 70.

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Cabá vapor – cabá carvom... Nos campos dantescos de S. Vicente Já não se fazem mais piqueniques Porque cabá vapor e chuva cabá [dias-há...

Acabou o vapor – acabou o carvão... Nos campos dantescos de S Vicente Já não se fazem mais piqueniques Porque acabou o vapor e a chuva [acabou há muito tempo...

Movimento cabá na Mindelo S. Vicente é um estendal de misérias Porque cabá vapor, cabá carvom e [cabá chuva! Cabá vapor – cabá carvom... Gente de S. Vicente pâ câ morrê de fome

O movimento acabou no Mindelo S Vicente é um estendal de misérias Porque acabou o vapor, acabou o [carvão e acabou a chuva! Acabou o vapor – acabou o carvão... Gente de S. Vicente para não morrer [à fome

Tem que bá’mbora pâ S. Tomé!... Cabá vapor – cabá carvom!

Tem que se ir embora para S. Tomé! Acabou o vapor – acabou o carvão!

Por sua vez, Ovídio Martins (1962) denuncia a falta de solidariedade ou qualquer gesto de fraternidade para com o povo das ilhas, os “flagelados do vento leste”, que recebeu do mar a perseverança, aprendeu com o vento a bailar na desgraça e com as cabras a comer pedras para não perecer: Nós somos os flagelados do Vento-Leste! A nosso favor não houve campanhas de solidariedade não se abriram os lares para nos abrigar e não houve braços estendidos fraternalmente para nós Somos os flagelados do Vento-Leste! O mar transmitiu-nos a sua perseverança Aprendemos com o vento a bailar na desgraça As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos Somos os flagelados do Vento-Leste! Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos

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E as vozes solidárias que temos sempre escutado São apenas as vozes do mar que nos salgou o sangue as vozes do vento que nos entranhou o ritmo do equilíbrio e as vozes das nossas montanhas estranha e silenciosamente musicais Somos os flagelados do Vento-Leste! (1962:13-14) A falta de perspectiva e de qualquer manifestação de solidariedade face à natureza madrasta e perante a incapacidade em resolver os seus problemas de sua subsistência, o homem cabo-verdiano procura emigrar para a “terra longe”. O Longínquo S. Tomé A ida de trabalhadores para as roças de S. Tomé e Príncipe continuava a ser uma saída, eventualmente a única, para a crise que se vivia nas Ilhas: Gente de S. Vicente pâ câ morrê [de fome Tem que bá’mbora pâ S. Tomé!...

Gente de S. Vicente para não morrer [à fome Tem que se ir embora para S. Tomé!599

A propósito dessa emigração forçada, Teixeira de Sousa escrevia em 1955 o seguinte, numa das suas “Cartas de Lisboa”: “[...] històricamente é um êrro. Sob o ponto de vista económico, um equívoco. Socialmente, uma catástrofe. E polìticamente [...], uma má política”600. A morna “Sodade” (“Saudade”), composta nos anos cinquenta601, e que na voz de Cesária Évora (S. Vicente, 1941-), se tornou um sucesso internacional desde o lan-

Nota n.º 31. Teixeira de Sousa, “Cartas de Lisboa”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 65, Fevereiro de 1955, pp. 3-4. 599 600

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çamento do CD “Miss Perfumado”, em 1992, é o sentir do povo sobre uma situação e uma época que o afectou e o marcou profundamente: Quem mostra’bo Êss caminho longe? Quem mostra’bo Êss caminho longe?

Quem é que te mostrou Esse caminho longínquo? Quem é que te mostrou Esse caminho longínquo?

Ess caminho Pa São Tomé

Esse caminho Para São Tomé

Sodade sodade Sodade Dess nha terra São Nicolau

Saudade, saudade Saudade Dessa minha terra, São Nicolau

Si bô’screvê’me ‘M ta ‘screvê’be Si bô ‘squecê’me ‘M ta’squecê’be

Se me escreveres Eu escrevo-te Se me esqueceres Eu esqueço-te

Até dia Qui bô voltá

Até ao dia Que regressares

Sodade sodade Sodade Dess nha terra São Nicolau

Saudade, saudade Saudade Dessa minha terra, São Nicolau

A elite intelectual e de ideologia nacionalista da “Nova Largada” encontrava-se sintonizada com o povo a cuja vivência próxima, nas ilhas ou nas antigas colónias de S. Tomé, Angola e Moçambique, foi buscar a força e a ousadia necessárias para as suas denúncias e combate contra o sistema português colonial. Os Diplomas Legislativos n.ºs 956 e 981, respectivamente, de 4 de Setembro de

A autoria desta celebrada morna é hoje reivindicada tanto por Amândio Cabral (S. Nicolau, 1935-) como por Armando Zeferino Soares (S. Nicolau, 1930-). Cabral fez o seu registo na Sociedade de Autores Portugueses, indicando Luís Morais (S. Vicente, 1935-2002) como co-autor, e gravou-a em disco em 1958, conforme informação prestada ao autor deste trabalho pelo próprio, em Lisboa, a 29/03/2003. Soares, que explica que nunca se preocupara com o registo, por não ter noção do aproveitamento comercial da produção, defendeu em entrevista ao jornal A Semana, Praia, 10/05/2002, p. 25: “Sou o verdadeiro autor da morna Sodade”. Ainda segundo Soares, a composição teria sido feita a 11 de Maio de 1954, no dia em que se realizava um baile de despedida na Praia Branca para aqueles que iam para as roças de S. Tomé e Príncipe. 601

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1947602 e 5 de Junho de 1948603, estabeleciam a obrigatoriedade de os serviçais contratados (na ida) e dos retornados (no regresso) serem acompanhados de um comissário do Governo, nomeado ad hoc, ao qual competia velar pelo bom tratamento a bordo e servir de elo de ligação entre os serviçais e o comando do navio transportador. Posteriormente, uma nova Portaria de 8 de Julho de 1955604 viria a regulamentar a nomeação dos comissários do Governo, determinando que as companhias de navegação com licença para transporte de trabalhadores fornecessem passagens gratuitas, em 1ª classe, de ida e regresso, aos comissários que acompanhassem os trabalhadores ou regressassem de os acompanhar. Gabriel Mariano (S. Nicolau, 1928-2002), que trabalhou em S. Tomé e Príncipe, de 1960 a 1963, como Conservador dos Registos, publicou alguns poemas sobre o tema, destacando “Comissário Ad Hoc”, que retracta as condições de ida dos contratados para as roças: Capataz de escravos é o que tu és meu irmão comissário. Não os vês seguindo nos porões seguindo? Quem dizes tu que eles são nos porões dormindo? Quem dizes tu que eles são nos porões comendo? Quem dizes tu que eles são nos porões cantando? Quem dizes tu que eles são comissário ad hoc? porcos? Porco, não, comissário ad hoc porco não canta. Eles os que seguem nos porões cantando são homens de carne como tu irmão de carne e nervos como tu irmão. Cf “Suplemento” N.º 13 ao Boletim Oficial, N.º 35, Praia, 4 de Setembro de 1947. Cf B. O., N.º 28, Praia, 5 de Junho de 1948. 604 Cf Portaria N.º 4 809, de 8 de Julho de 1955, publicada no Boletim Oficial, N.º 28, Praia, 9 de Julho de 1955. 602 603

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Tu segues em camarote fino, reservado, preparado irmão tu segues em camarote fino e eles nos porões cantando. Tu o que és irmão comissário irmão de sangue, irmão de sofrimento tu o que és (choremos lágrimas na traição comum) tu o que és... Capataz de escravos é o que tu és Comissário Ad Hoc605. O estado de revolta que percorre este poema, associado a repetições constantes e sincopadas, expressa-se em duas situações extremas de um mesmo tipo de exploração – choremos lágrimas na traição comum. Numa, está o comissário ad hoc / capataz de escravo, a quem é emprestado estatuto de dignidade – Tu segues em camarote fino, reservado, preparado irmão – noutra situação extrema, o serviçal / escravo, a quem não se reconhece qualquer estatuto ou dignidade humana – Não os vês seguindo / nos porões seguindo? / [...] / nos porões dormindo? / [...] / nos porões comendo? / [...] / nos porões cantando? Estabelecendo uma identificação de fraternidade com o comissário, através do sangue e do sofrimento, o sujeito poético desmistifica a ausência de estatuto dos contratados – Quem dizes tu que eles são comissário ad hoc? / porcos? / Porco, não, comissário ad hoc / porco não canta” – igualando-os ao comissário naquilo que mais os caracteriza: Eles os que seguem nos porões cantando / são homens de carne como tu irmão / de carne e nervos como tu irmão. A repreensão final tem o efeito de uma chicotada na consciência do funcionário público que se deixou alienar: Capataz de escravos é o que tu és / Comissário Ad Hoc. Ovídio Martins (S. Vicente, 1928-1999), em Caminhada (1962), sob a denominação “Caminho da Perdição”, insere cerca de dez poemas sobre a temática da emigração forçada para S. Tomé. Destaca-se o poema “Aviso”, um dos mais violentos, que é ainda posterior àqueles (1973):

Gabriel Mariano, “Comissário Ad Hoc”, in Mário de Andrade, Na Noite Grávida de Punhais – Antologia Temática de Poesia Africana 1, 1980 (3ª Edição), p. 238 (em português no original). 605

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Não nos venham dizer depois que não vos avisámos! Podem brandir o chicote e arreganhar os dentes e espumar pela boca (são serviçais...) Podem metê-los em prisões cadeias nos pulsos correntes nos pés (são serviçais...) Podem humilhá-los mil vezes massacrá-los matá-los de mil mortes (são serviçais...) Mas depois Não nos venham dizer que não vos avisámos!...606 Se no “Comissário Ad Hoc” de Gabriel Mariano, a revolta é pelas condições degradantes em que o serviçal faz a viagem, em “Aviso” a revolta chega à ameaça pela forma desumana como o contratado-serviçal-escravo é tratado nas roças: Podem metê-los em prisões / cadeias nos pulsos / correntes nos pés [...] / Podem humilhá-los / [...] / matá-los de mil mortes. O aviso/ameaça é a responsabilização do sujeito poético ao destinatário/ interlocutor, por qualquer atitude mais violenta que venha a ser tomada em acto de desespero: Mas depois / Não nos venham dizer / que não vos avisámos!... Onésimo Silveira (S. Vicente, 1935-), que também trabalhou em S. Tomé e Príncipe, de 1954 a 1958, como meteorologista e na rádio local como produtor de programas de temas cabo-verdianos, segue de perto a vida dos patrícios contratados.

606

Ovídio Martins, “Aviso”, Gritarei, Berrarei, Matarei. Não Vou Para Pasárgada, Praia, 1998 (1ª Edição, 1973), p. 57.

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Para além de Hora Grande. Poesia Cabo-verdiana (1962a), com vários poemas sobre a problemática, Silveira publicou ainda trabalhos de ficção sobre os contratados, sendo o primeiro escritor cabo-verdiano a fazer tal abordagem em prosa607: “Destino de Bia de Rosa” (1958)608, conto, e Toda a gente fala: sim, senhor! (1960)609, novela e três poemas. Mais recentemente, editou A Saga das As-Secas e das Graças de Nossenhor (1991), romance, cujo capítulo XIII é uma invocação às condições de ida dos contratados e da sua vivência nas roças. Em “Regresso” (1980)610, Onésimo Silveira narra, em versos longos e dolorosos, o momento patético da “devolução” do contratado (ou o que dele resta), fechando assim o ciclo dos serviçais cabo-verdianos para as roças de cacau: o recrutamento, feito pela Sociedade de Emigração (SOEMI), seguido da viagem nos porões, para a realização de trabalho escravo nas roças e posterior regresso, no fim do contrato, com doenças e sem recursos: No momento patético e jubiloso do desembarque o cais da Alfândega sorri invisível e imaterial para os seus filhos e as almas do cativeiro de S. Vicente abrem os braços fraternos para receber as vítimas inocentes da liberdade... O verdadeiro sentimento de pesar bóia na máscara do povo e são significativas e puras as lágrimas vertidas... O amor é tão apaixonante e febril e comovente como o da mãe que resgata o filho às garras da maldição O espectáculo porém é banal e só aos pobres e à atenção devassadora dos contratadores afecta... Esses órfãos que voltam ao regaço hostil da terra madrasta a arrastar os farrapos do seu corpo consumido nas roças de S. Tomé Para além de Onésimo Silveira, Teixeira de Sousa, em Ilhéu de Contenda (1978), faz breves referências à Sociedade de Emigração (SOEMI) e ao processo de recrutamento e envio dos contratados. 608 O conto é a história dos cabo-verdianos nas senzalas de S. Tomé, onde, muitas vezes, as mulheres se “amigam” com os guardas “moçambique” ou “angola” para não terem de ir para o mato capinar, por causa dos mosquitos e medo da malária. 609 A novela é a história de Tigusto, um lavrador de meia-idade, da ilha de Santo Antão, que a seca forçou a vender trincha por trincha a sua propriedade e embarca para S. Tomé como contratado. 610 Onésimo Silveira, “Regresso”, in Mário de Andrade, Na Noite Grávida de Punhais – Antologia Temática de Poesia Africana 1, 1980 (3ª Edição), pp. 236-237. 607

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Esses pigmeus que foram em busca do remédio para a desgraça e trazem a certeza mordaz da desgraça irremediável Esses escorraçados do destino que foram matar a fome e regressam com a insaciável sede e fome de justiça... – Esses são indubitavelmente os nossos filhos... São os ciganos da sujeição trágica das nossas ilhas Essas crianças que curvam as costas às nossas mulheres não são as que foram, porque essas não sobreviveram... São o fruto da felicidade negra das senzalas a mercadoria que um “moçambique”, um “angola” ou um “tonga”611 qualquer comprou ao sexo barato e vegetante das nossas mães... Caminho longe, caminho longe e sem fim a transbordar de miragens e ilusões... Estrada de sangue, fantasmas e irrealidades levou os nossos filhos na plenitude da sua tragédia e devolveu-os à nossa eterna provação...612 Convém referir que esta situação de “contratados” não era exclusiva dos naturais de Cabo Verde, mas também dos de Angola e de Moçambique, num sistema montado de exploração de mão de obra barata.

3. A Luta de Libertação Nacional O nacionalismo, segundo o preconizado por Ernest Gellner (1993), começa por opor resistência à opressão, primeiro, pelo renascimento e reafirmação culturais e, depois, pela guerra de libertação nacional. Foram, de facto, estes os passos seguidos por Amílcar Cabral e a sua geração que, ao passar para a fase da libertação nacional,

“Moçambique”, “angola” e “tonga” são, respectivamente, naturais de Moçambique, Angola e S. Tomé. Onésimo Silveira, “Saga”, Claridade – revista de arte e letras, N.º 8, S. Vicente, Maio de 1958, p. 70. Obs. Em português no original. 611 612

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reivindicou a emancipação da tutela colonial e desencadeou a luta armada, na perspectiva desta ser um acto de cultura. Na luta de libertação nacional, desenvolveram-se duas formas de combate, as mais das vezes, pelos mesmos intervenientes: (i) dos militantes combatentes, com a arma de fogo, e (ii) dos militantes poetas e escritores, com a arma da escrita.

3.1 - A Emancipação da Tutela Colonial Manuel Monteiro Duarte (Santiago, 1929-1982), um dos elementos que, conjuntamente com Gabriel Mariano (S. Nicolau, 1928-2002) e José Leitão da Graça (Santiago, 1931-), escrevera o ideário da “Nova Largada”613, fez, em 1962, a reposição sucinta das razões que determinaram a reivindicação da emancipação da tutela colonial e a consequente independência das Ilhas: “1. Nós, Povo das Ilhas, estamos cansados, a um ponto insuportável, de sermos animais de trabalho, constantemente ameaçados pela fome […]. 2. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a ser exportados em porões de modernos vapores negreiros, em condições (asfixia, promiscuidade, fome) só comparáveis às do tráfico dos séculos XVII e XVIII, para as roças de S. Tomé e Angola […]. 3. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a morrer às dezenas de milhar nas calamidades de seca (crises) […]. 4. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a trabalhar, nas fábricas de conservas de peixe, vinte horas por dia ganhando salário equivalente a seis litros de milho. 5. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a ser dizimados pelas doenças, por não haver hospitais, nem médicos, nem medicamentos; por sermos escorraçados das enfermarias e ingerirmos drogas impróprias ou deterioradas. 6. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a sofrer o vexame das discriminações raciais. Não podemos […] continuar a ver nosso trabalho, em quantidade

O ideário da “Nova Largada” foi escrito à instâncias de Baltasar Lopes, tendo-se-lhe sido entregue uma cópia manuscrita, encontrando-se Manuel Duarte em Lisboa, ido de Coimbra – Entrevista ao Dr. José Leitão da Graça (feita por telefone a partir de Lisboa), Praia, 16/10/2002. Nota n.º 17. 613

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e qualidade igual ao dos europeus, pago com uma remuneração umas tantas vezes inferior à deles […]. 7. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar à mercê do arbítrio de um governador todo-poderoso, subordinados a um conselho legislativo de brancos e mestiços descòrados, que não são por nós eleitos […]. 8. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar a suportar que os usos e costumes que nos foram legados pelos nossos antepassados de origem negra, sejam perseguidos a pretexto de imoralidades pelos sacerdotes católicos, a pretexto de barbarismos espèzinhados pelas autoridades coloniais, escarnecidos pela classe europeia dominante, renegados por mestiços trespassados drasticamente pelo punhal da inautenticidade colonial. 9. Nós, Povo das Ilhas, não queremos que os nossos filhos e netos continuem a frequentar escolas onde apenas e obrigatoriamente estudam coisas europeias, onde só ouvem falar da geografia de Portugal, da sua fauna e da sua flora, da sua história e dos seus heróis […]. 10. Nós, Povo das Ilhas, não podemos continuar em todos os momentos da nossa vida de relação […] sujeitos obrigatòriamente a uma língua oficial que não é a língua materna do nosso povo […]. 11. Nós, Povo das Ilhas, não queremos continuar a pensar com pensamentos que não nos pertencem e nos foram impostos pela dominação colonial portuguesa; não queremos continuar a sentir com sentimentos que nos são alheios e constrangem a renegar o nosso corpo […] e a grande raça negra materna” (Duarte, 1999:33-37). Uma frase contundente fecha a argumentação: “Eis por que […] estamos decididos a quebrar as cadeias do jugo colonial e escolhemos livremente nosso destino africano” (Idem, pág. 36)614. Onésimo Silveira (1962) justifica esta decisão como sendo a aspiração do povo das Ilhas a “um poema diferente”:

Esta expressão e a própria forma discursiva viriam a ser recuperadas por Abílio Duarte, então Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), na “Proclamação da Independência de Cabo Verde”, texto esse, aliás, escrito com o apoio do irmão Manuel (“Manecas”) Duarte. Boletim Oficial, N.º 1, Praia, 5 de Julho de 1975. 614

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O povo das ilhas quer um poema diferente Para o povo das ilhas: ................................................ Um poema sem braços à espera de trabalho Nem bocas à espera de pão Um poema sem barcos lastrados de gente A caminho do Sul Um poema sem palavras estranguladas Nas grades do silêncio... O povo das ilhas quer um poema diferente para o povo das Ilhas: Um poema com seiva nascendo no coração da ORIGEM Um poema com batuque e tchabéta e badias de Santa Catarina Um poema com saracoteio d’ancas e gargalhadas de marfim! O povo das ilhas quer um poema diferente Para o povo das ilhas: Um poema sem homens que percam a graça do mar E a fantasia dos pontos cardeais!615 A herança cultural cabo-verdiana de Amílcar Cabral (Guiné, 1924-1973) – filho de pai cabo-verdiano (Juvenal Cabral, professor do ensino primário na Guiné e antigo aluno do Seminario-Lyceu de S. Nicolau), com os estudos liceais realizados em S. Vicente e uma vivência em Cabo Verde reforçada na CEI – terá sido determinante para a consciencialização do auto-denominado grupo “Nova Largada”, pelo que muitos destes, e outros mais que os seguiram, viriam a integrar a luta armada de libertação nacional desencadeada pelo PAIGC, a 1 de Janeiro de 1963.

3.2 - A Independência – Uma Utopia para o Estado Novo Face a esta tomada de consciência, só restava à elite ideologicamente nacionalista uma saída: a independência nacional. Entretanto, num discurso proferido na Assem-

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Onésimo Silveira, “Um poema diferente”, Mensagem (CEI), Ano XIV, N.º 4, Lisboa, Novembro de 1962, pág. 60.

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bleia Nacional, em Julho de 1961, o Doutor António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho (1933-1968), esgrime argumentos e justificações históricas e políticas para defender que “os cabo-verdianos [...] nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência”616: “A incerteza e limitações da vida impelem à emigração para as costas fronteiras de África, sobretudo para a Guiné. Deste facto da vizinhança e interpenetração de populações advém terem surgido, na pujante floração actual de movimentos de libertação, um movimento para a Guiné e outro para a Guiné e Cabo Verde em conjunto. Como aquelas terras foram achadas desertas e povoadas por nós e sob nossa direcção, o fundo cultural é diferente e superior ao africano, e a instrução desenvolvida afirma essa superioridade pelo que se explica a ambição de alguns e a desconfiança dos restantes na terra firme. Deste modo a independência de Cabo Verde teria de restringir-se ao arquipélago, e não é viável. Mesmo não considerados os anos de seca e de crise, Cabo Verde está sendo alimentado pela Metrópole quanto a investimentos e subsidiado pelo Tesouro para cobertura das despesas ordinárias. Daqui vem que os caboverdianos que vemos nos mais altos cargos da diplomacia, do governo ou da administração pública por onde é Portugal, nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência, mas no da integração, ao advogarem a passagem para o regime administrativo dos Açores e da Madeira”617. Este discurso demonstra um desconhecimento crasso ou ignora deliberadamente a história da evolução social das ilhas e da resistência cultural desenvolvida ao longo dos séculos pela emergente “nação cabo-verdiana” como forma de reivindicar a sua identidade singular dentro deste Portugal “uno e indivisível” defendido pelo Estado Novo. Era esta, portanto, a posição do Presidente do Conselho cristalizada na defesa da posse e controle totais dos territórios coloniais. Não se vislumbrava, pois, qualquer brecha que pudesse suscitar alguma esperança de um compromisso entre a “nação cabo-verdiana” e o Estado Novo.

António de Oliveira Salazar, “Os caboverdianos nunca pensaram numa utópica independência”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, N.º 142, Praia, Julho de 1961, pág. 2. 617 Idem, pp. 1 e 2. 616

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3.3 - A Luta de Libertação – Um Acto de Cultura do Povo Dado ao facto de a situação colonial ser uma atitude de imposição cultural que pretendia uma forte aculturação dos povos colonizados, Frantz Fanon (Martinica, Antilhas, 1925-1961), defendia, em Les damnés de la terre (1979)618, que bater-se pela cultura nacional era, antes de mais, bater-se pela libertação nacional, matriz material a partir da qual a cultura devia ser possível: “La responsabilité de l’homme de culture colonisé n’est pas une responsabilité en face de la culture nationale mais une responsabilité globale à l’égard de la nation globale, dont la culture n’est, somme toute, qu’un aspect. L’homme de culture colonisé ne doit pas se préoccuper de choisir le niveau de son combat, le secteur où il décide de livrer le combat national. Se battre pour la culture nationale, c’est d’abord se battre pour la libération de la nation, matrice matérielle à partir de laquelle la culture devient possible. Il n’y a pas un combat culturel qui se développerait latéralement au combat populaire» (op. cit., pp. 162-163). Ou seja, no fundo, a cultura acaba por ser a causa e, ao mesmo tempo, o efeito da luta de libertação nacional, o que faz com que ela seja a luta de libertação da cultura nacional face à cultura do país de dominação. À semelhança de Fanon, Cabral (1970)619 discernia a luta de libertação nacional como a única saída possível para a defesa da dignidade do Homem de Cabo Verde e da Guiné, sendo essa luta, por isso, um acto de cultura, o qual requeria, na sua prática, uma aliança entre esta e a política: “Sendo o domínio imperialista a negação do processo histórico da sociedade dominada, é necessariamente a negação do seu processo cultural. Também – e porque uma sociedade que se liberta verdadeiramente do jugo estrangeiro retoma os caminhos ascendentes da sua própria cultura – a luta de libertação é, antes de mais, um acto de cultura” (Cabral, 1978:244).

A primeira edição, saída em 1961, traz um prefácio de Jean-Paul Sartre. Amílcar Cabral, “A Cultura Nacional”, conferência pronunciada no primeiro Memorial dedicado ao Dr. Eduardo Mondlane. Universidade de Syracusa, Nova Iorque (Programa de Estudos da África Oriental), em 20 de Fevereiro de 1970. Agora in Amílcar Cabral, A Arma da Teoria. Unidade e Luta (Vol. I), Lisboa, 1978 [1974]. 618 619

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A negação do processo cultural do povo cabo-verdiano levou, desde muito cedo, à resistência – através da realização da tabanca620 e do batuque621, do funaná622 ou de outras práticas e crenças, proibidas pelas autoridades políticas e condenadas pela Igreja Católica – como forma de luta contra a alienação cultural imposta pelo poder dominante, conforme se referiu atrás. A Poesia, tanto na forma musical como literária, tendo como veículo privilegiado a língua cabo-verdiana, passou a ser um grande meio de expressão da cultura do povo das ilhas, empregue como arma na forma de denúncia e de mobilização para a luta da independência nacional. O político e compositor Renato de Silos Cardoso (S. Vicente, 1951-1989), em 1987, em entrevista à Televisão Nacional de Cabo Verde (TNCV), evocou o importante papel desempenhado pela música nos primeiros tempos da mobilização política, ou seja, nos fins dos anos sessenta, princípios de setenta623: “Lembro-me que durante muito tempo ela serviu como factor de facilitação de comícios com a população, como factor de mobilização no meio emigrante e como razão imediata para encontros entre estudantes. Nesses encontros, através de músicas muito politizadas, fazíamos o debate político em torno da luta para a independência”624. Este fenómeno é explicado por Amílcar Cabral (1962)625 como a descoberta da identidade pela elite intelectual, por ele definida como “minoria burguesa”: “Uma parte da minoria burguesa empenhada no movimento de pré-independência utiliza os dados culturais estrangeiros para exprimir, fazendo apelo principalmente à literatura e às artes, mais a descoberta da sua identidade

Manifestação da ilha de Santiago de influência africana e de festas europeias de santos populares. Dança ritmada das ancas (o torno) ao som vigoroso do canto e das palmas das cantadeiras que formam a roda (a tchabéta), produzido pelo bater vigoroso das mãos sobre um chumaço de panos cuidadosamente dobrados, envoltas em plástico para aumentar a percussão, e colocadas entre as pernas. 622 Música e dança tradicional da ilha de Santiago. 623 Sobre o papel da música na resistência cultural cabo-verdiana, ainda Eutrópio Lima da Cruz, “A Música e a Resistência Cultural”, Cultura, Número Especial, pp. 187-199, Praia, Setembro de 2001. 624 Renato Cardoso citado por M. Brito-Semedo, in A Morna-Balada. O Legado de Renato Cardoso, Praia, 1999, pág. 26. 625 Amílcar Cabral, “Breve Análise da Estrutura Social da Guiné Portuguesa”, texto condensado das diversas intervenções orais feitas por Amílcar Cabral no seminário organizado em Maio de 1964. Agora, in Amílcar Cabral, Guiné-Bissau. Nação Africana Forjada na Luta, Lisboa, 1974. 620 621

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do que o sofrimento das massas populares que lhe servem de tema. E como ela emprega precisamente a linguagem e a língua do poder colonial [...] ela consegue influenciar quer uma parte dos indecisos ou dos retardatários da sua própria categoria social, quer uma secção importante da opinião pública da metrópole colonial, principalmente o grupo dos intelectuais” (Amílcar Cabral, 1974:30).

3.4 - A Arma da Escrita: Uma Forma de Combate da Elite Intelectual Nesta forma de luta, o meio linguístico a ser adoptado para veicular a problemática social e a afirmação do nacionalismo viria a ser, por um lado, a língua da elite, o português como a língua oficial, e, por outro, a língua do povo, o crioulo como a língua materna e nacional. O uso literário do crioulo assumiu, mesmo, um significado reivindicativo da identidade singular daquele povo, como um dos mais importantes e evidentes aspectos da potencialidade do seu perfil identitário. Ovídio Martins (1983), assumindo-se como Poeta militante, explica essa forma particular de combate com a arma da escrita: “Poesia de combate, poesia protesto, poesia denúncia, afinal poesia arma, visando a consciencialização do povo, numa identificação total com o mesmo na luta de libertação nacional. Trata-se no fundo de um problema de responsabilidade do poeta, perante o povo a que pertence em primeiro lugar, e em segundo lugar perante todos os povos oprimidos. Nós, os poetas militantes, comprometidos até à raiz dos cabelos com o nosso povo, não temos tempo nem paciência para discutir formalismos e estilismos, no momento em que ele está a morrer de metralhadora na mão [...]. O tempo é de guerra. E a nossa poesia prova-o, como consciência viva que é do nosso povo em armas” (op. cit., pág. 8). Um Novo Código Linguístico ... Esta geração de nacionalistas caracteriza-se por extremar o discurso linguístico ensaiado pelos claridosos da primeira vaga. Numa fase inicial, fins de cinquenta, princípios de sessenta de mil e novecentos, os poetas Ovídio Martins (S. Vicente, 1928-1999), Gabriel Mariano (S. Nicolau,

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1928-2002), Corsino Fortes (S. Vicente, 1933-), Onésimo Silveira (S. Vicente, 1935), Oswaldo Osório (S. Vicente, 1937-) e Mário Fonseca (Santiago, 1939-) socorreram-se de dois códigos linguísticos – o português e o crioulo – mas com misturas, alternâncias e interferências mútuas. Nos meados dos anos sessenta, princípios de setenta, “Kaoberdiano Dambará” (i.e. Felisberto Vieira Lopes, Santiago, 1937-) e “Kwame Kondé” (i.e. Francisco Gomes Fragoso, Santiago, 1939-) reivindicam a separação das duas línguas, utilizando nas suas produções poéticas unicamente a língua materna, o crioulo da variante de Santiago, com estrutura e uma maior percentagem de vocábulo das línguas do continente que a de S. Vicente, para assim melhor expressar as suas raízes africanas, sobrevalorizando, desta maneira, esta componente626. Outros poetas nacionalistas, como “Timóteo Tio Tiofe” (i.e. João Manuel Varela, S. Vicente, 1937-) e Arménio Adroaldo Vieira (Santiago, 1941-), assumem, contudo, o português como uma língua literária própria, interiorizando-o sem complexos e trabalhando-o no máximo da sua potencialidade, não deixando de veicular os seus ideais nacionalistas. ... A Mesma Problemática Social Na sequência do “Grupo do 3º Ciclo” do Liceu Gil Eanes, atrás referido, surge nos inícios dos anos sessenta um grupo de “novíssimos”, integrado por Oswaldo Osório (S. Vicente, 1937-), Maria Margarida Mascarenhas (S. Vicente, 1938-), Mário Fonseca (Santiago, 1939-), Rolando Vera-Cruz Martins (S. Vicente, 1940-), Arménio Adroaldo Vieira (Santiago, 1941-) e Jorge Miranda Alfama (Guiné, 1941-), que se reúne na página literária “Seló”627, do Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962), com um propósito claramente definido: “É facto que, em nenhum dos dois movimentos literários posteriores à Claridade – Certeza, Suplemento Cultural – há divórcio ideológico nem franca Kaoberdiano Dambará, Nóti, Conacry, edição do Departamento da Informação e Propaganda do Comité Central do PAIGC, 1964; e Kwame Kondé, Korda Kaoberdi, Paris, edição do autor, 1974. 627 “Seló – Página dos Novíssimos”, incerta no Notícias de Cabo Verde, Nos 321 e 323, S. Vicente, 25 de Maio e 28 de Agosto de 1962. Agora in Seló – Página dos Novíssimos (Edição Fac-similada), Praia, 1990. Conforme Oswaldo Osório, o nome da página foi imaginado por Jorge Miranda Alfama que, em férias na Brava, pela primeira vez ouvira o grito que anuncia a chegada de navio, ‘Seló! Seló!’ A palavra vem do inglês “Sail off ”, significando “navio à vista, velas à vista” – Entrevista a Oswaldo Osório, Praia, 12/02/2002. 626

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oposição à geração anterior: as estruturas sociais das ilhas continuam sendo pràticamente as mesmas; e a “Seló”, página dos novíssimos, hoje inserta no Notícias de Cabo Verde continuará a aflorar problemas e vivências do espírito “aqui” e no tempo a que este se concerne, quase condicionada, na sua expressão, pelos problemas cíclicos do homem caboverdeano. De modo que não vemos claramente uma transição global de ideias até aqui”628. De facto, dos Nativistas aos Nacionalistas, passando pelos Regionalistas claridosos, as preocupações e os temas abordados e denunciados são recorrentes – o estigma da fome, a falta de perspectiva de desenvolvimento individual e a ausência de solidariedade e a emigração, esta como resultado daquelas e de uma administração desastrosa e de abandono. Apesar dos contextos históricos terem mudado ao longo desses tempos, as estruturas sociais e políticas mantiveram-se praticamente as mesmas, o que quer dizer que não houve vontade nem determinação para resolver os problemas sociais do Povo das Ilhas. – O Estigma da Fome A problemática da fome, sem dúvida a mais grave de todas, é apresentada por Mário Fonseca no poema justamente intitulado “Fome” (1962): Gargalhadas de escárneo Rasgando Até às comissuras dos lábios Máscaras irónicas Mascarando dôres Sorrisos e hipocrisia Desfazendo em biocos629 Caras mulatas Escondendo a fome Torvos olhares de Piedade Oswaldo Osório, “Reflexões”, “Seló – Página dos Novíssimos”, N.º 1, pág. 1, Notícias de Cabo Verde, N.º 321, S. Vicente, Maio de 1962. 629 Fazer “bioco” é o mesmo que fazer careta. 628

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Encobrindo a troça Encobrindo também A indiferença De almas esmagadas Na procissão faminta Pelas ilhas Em solidão... .............................. Crianças magras Sobrecarregadas Com o peso inútil De enormes barrigas Inchadas Explorando Anormalidades da natureza Num esforço vão De apaziguar O animal horrendo Crescendo-lhes Por dentro ................................ Crianças doentes Abandonando Imundas palhotas Abandonando lágrimas Gritos Pedidos roucos Para roubar Pelas sombras da noite Restos desprezados De toscas refeições...630 Ovídio Martins (1973) desmonta o processo e o drama do povo cabo-verdiano apontando o dedo à incúria da administração colonial, que nunca soube nem quis criar Mário Fonseca, “Fome”, “Seló – Página dos Novíssimos”, N.º 1, in Notícias de Cabo Verde, N.º 321, S. Vicente, Maio de 1962, pág. 1. 630

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no arquipélago as condições económicas e sociais mínimas que pudessem assegurar a subsistência e uma vida decente às populações, nos anos de seca prolongada – A fome que vimos / gramando / século de riba de século / não foi a estiagem / que pariu. ...........................

Quem é Que mirrou teus seios ó mãe! Quem é que te estrangulou aos dois anos ó infância! A estiagem nada tem com isso Quem é que tempo sem conta te vem explorando terra nossa Quem é que nos anos de crise te condenou à morte povo meu (Na década de 1940 a 1950 tivemos para cima de 80 mil baixas) Quem pomos nós no banco dos réus ó senhores! (Milhares de crianças sem escola desemprego em massa 80% de analfabetos Ladroeira recompensada) ........................... O processo continua...631

Evocando um passado distante e próximo de desleixo, exploração e abandono permanentes, o Poeta chega ao momento presente da escrita (anos setenta) em que Ovídio Martins, “Processo”, in Gritarei, Berrarei, Matarei. Não Vou Para Pasárgada, Praia, 1998 (1ª Edição, 1973), pág. 113-114. 631

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“o processo continua...”, deixando suspensa uma mensagem do domínio do não-dito mas de fácil descodificação para os seus leitores. – A Emigração Tratar da problemática da emigração foi sempre, em Cabo Verde, uma das formas de tratar a questão socio-económica que empurra os seus filhos para fora das ilhas em busca de subsistência e melhores condições de vida. No poema “Carta” (1962), dedicado a Oswaldo Osório, Jorge Miranda Alfama estabelece esta relação de causa e efeito: Emigrante se te perguntarem por que partiste não negues o destino da tua terra. Enquanto abraçares a loira estonteante confessa-lhe baixinho: as nossas irmãs são mais belas porque cada traço dos seus corpos foi arrancado da praia das ondas que levaram os seus amores. ..................................................... Toma o teu violão e canta a doce melodia de amor ou desespero apreendida em noites de luar e nas roças distantes... ..................................................... Grita bem alto (para que todo o mundo te oiça) que soterrados entre promessas e ilusões os teus irmãos continuam a sofrer o drama das esperanças o drama da ânsia de viver consumindo as suas entranhas. Emigrante Meu amigo distante! 374

A Construção de uma Identidade Nacional - A Afirmação Nacionalista: A Geração de Amílcar Cabral

Meu irmão ausente! pelo menos tu que conseguiste quebrar as grades invisíveis da nossa prisão não te deixes amedrontar pela realidade do esboço de vida nas ilhas. Emigrante se te perguntarem por que partiste não negues o destino da tua terra632. O emigrante que partiu em “Carta” vê a sua viagem terminada em “Holanda” (1962), de Oswaldo Osório – um novo destino, uma nova terra de promessa e um novo tipo de emigrante, instruído e politizado – depois das experiências gratificantes da América e das horríveis de S. Tomé: Holanda! Chegamos companheiros!! Chegamos com barcos guildas nos olhos e desejos de vencer Chegamos intermináveis e actuais às docas betão aço cargueiros e braços precisados Chegamos numa dimensão nova (ah as roças de s. tomé serviçal meu irmão)633 e poremos todo o nosso esforço! Fogueiros marinheiros lubrificaremos máquinas alimentaremos caldeiras betumaremos conveses poremos sóis nos amarelos. No bas-fond dos portos do mundo,

Jorge Miranda Alfama, “Carta”, “Seló – Página dos Novíssimos”, N.º 1, in Notícias de Cabo Verde, N.º 321, S. Vicente, Maio de 1962, pág. 2. 633 Verso introduzido no poema refundido, Praia, Fevereiro de 1973, in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban, I – Cabo Verde e Guiné-Bissau, Lisboa, 1975, pp. 236-237. 632

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Manuel Brito-Semedo

Loiras desconexas no espasmo novo. Rítmica descompostura...! Sensual olhar tropical verde olhar felino o espasmo quente esbate!634 ............................................ Em 1974, já nas vésperas da independência nacional, o poeta Corsino Fortes retoma o tema, valorizando a componente económica retribuída pelo emigrante para o progresso das ilhas, libertando Portugal dos seus compromissos em relação ao arquipélago, e reconhecendo toda a dimensão política da situação: Todas as tardes o poente dobra o teu polegar sobre a ilha E do poente ao polegar cresce um progresso de pedra morta Que a Península Ainda bebe Pela taça da colónia Todo o sangue do teu corpo peregrino Mas quando a tua voz for onda no violão da praia E a terra do rosto E o rosto da terra Estender-te a palma da mão Da orla marítima da ilha De pão & pão feita Ajuntarás a última fome à tua fome primeira

Oswaldo Osório, “Holanda”, “Seló – Página dos Novíssimos”, N.º 1, in Notícias de Cabo Verde, N.º 321, S. Vicente, Maio de 1962, pág. 2. Poema dedicado “aos valentes marinheiros cabo-verdianos”. 634

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A Construção de uma Identidade Nacional - A Afirmação Nacionalista: A Geração de Amílcar Cabral

Do alto virão Rostos-e-proas-da-não-viagem Assim erva assim mercuro Arrancar-te as cruzes do corpo .................................................. Mas

quando o teu corpo sangue & lenhite de puro cio

Erguer Sobre a seara A tua dor E o teu orgasmo Quem não soube Quem não sabe Emigrante Que toda a partida é potência na morte E todo o regresso é infância que soletra635 ..............................................................

Se a partida para o homem cabo-verdiano é um acto quase obrigatório, pelas razões já aqui expressas, não obstante, o emigrante (de ordem económica ou política) deve regressar para ajudar a sua terra a matar as fomes, a primeira (da liberdade) e a última (do pão), e a erguer-se como nação, como país livre e independente, e para ensinar aos outros aquilo que aprendeu na sua aventura pelo Mundo, porque “toda a partida é alfabeto que nasce / todo o regresso é nação que soletra”. Síntese O Nacionalismo é, assim, no processo da construção da identidade nacional, a última etapa da trajectória ascendente da maioridade do povo cabo-verdiano. A elite nacionalista cabo-verdiana, à qual a passagem pela Casa dos Estudantes do Império nas décadas de quarenta e cinquenta deu uma forte consciência política,

635

Corsino Fortes, “Emigrante”, Pão & Fonema, Lisboa, 1980 [1974], pp. 39-41.

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Manuel Brito-Semedo

vai romper com os métodos de intervenção até então seguidos pelos regionalistas da Claridade. Esta elite política nacionalista reivindica, consciente e abertamente, a herança africana, o terceiro vértice da triangulação da velha rota do tráfico de escravos ignorado pela “Geração da Claridade”, e emprega um discurso consentâneo com essa posição. Denunciando o estado de abandono das ilhas e a experiência triste da emigração para S. Tomé, assume uma nova forma de combate com a arma da escrita, num discurso de revolta e de reivindicação da emancipação da tutela colonial. Passando das palavras para a intervenção directa, é essa mesma elite nacionalista que desencadeia a luta armada de libertação nacional, como um acto de cultura, sob a orientação de Amílcar Cabral. No processo da construção da identidade nacional, proposto como percurso de desenvolvimento desta investigação, a etapa da afirmação nacionalista tem correspondência com a morte da Pátria (Portugal). Assim, o acto de “matar” o pai foi o motor de partida que pôs a acção em andamento, fazendo com que fosse possível transferir para a Mátria (Cabo Verde) a exclusividade do amor do seu povo, transformando-a, de forma plena, na Mãe-Pátria. Sumário Nesta Segunda Parte da investigação, que versa cobre A Construção da Identidade Nacional, procurou-se demonstrar que a identidade nacional cabo-verdiana se construiu de forma dinâmica, segundo etapas bem identificadas e seguindo uma trajectória em espiral. A sociedade cabo-verdiana tem uma história, no decurso da qual emergiu uma identidade específica, que pode ser observada em momentos determinados de crise, cujos picos foram: (i) a ideia propalada da venda das colónias, nos finais de oitocentos; (ii) a decadência do Porto Grande e o estabelecimento do Estado Novo, nos inícios de trinta de mil e novecentos; e (iii) a fundação do PAIGC, dentro da conjuntura política interna crítica do regime de Salazar e da onda nacionalista do processo de independência das colónias inglesas e francesas, nos finais da década de cinquenta de mil e novecentos. Esta história é feita por homens que são o resultado dos processos sociais sofridos e que engendraram um tipo de identidade, que é reconhecível através de casos 378

A Construção de uma Identidade Nacional - A Afirmação Nacionalista: A Geração de Amílcar Cabral

de destacadas figuras, aqui enunciadas, as quais simbolizam uma geração (Berger e Luckmann, 1999), no sentido em que este termo é utilizado por Mário de Andrade (1973 e 1997), ou seja, como um grupo de pensamento e de acção, formado em torno dos mesmos problemas, das mesmas preocupações, constituído à volta de uma figura emblemática que o designa, como sejam, Eugénio Tavares (1867-1930), Baltasar Lopes (1907-1989) e Amílcar Cabral (1924-1973)636. A Geração de Eugénio Tavares, na qual a primeira crise socio-política vivida em Cabo Verde despertou a emergência de um sentimento nativista (1856-1932), exprimiu a percepção de os naturais das ilhas terem valores culturais que os identificavam singularmente e reclamou um estatuto jurídico e socio-político de igualdade, face aos portugueses da Metrópole. A Geração de Baltasar Lopes viveu a segunda crise atrás referida, que provocou uma consciência regionalista (1932-1958) e expressou o interesse e o amor pela própria região, reivindicando a especificidade de Cabo Verde como uma situação à parte dentro de um “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor”, conforme preconizava o Estado Novo. A Geração de Amílcar Cabral, face à terceira crise socio-política que desencadeou a consciência da Nação e uma afirmação nacionalista (1958-1975), foi a única a compreender que a elite intelectual cabo-verdiana vinha, até então, a laborar num profundo mal-entendido. Ela não tinha percebido que a relação de Portugal com Cabo Verde se inseria num sistema de dominação, cujos limites eram definidos segundo os interesses da potência colonial, pelo que jamais poderia existir uma situação de igualdade, entre os dois, por se tratar, de facto, de uma relação dominador-dominado (Bobbio, et al, 1986). Assim, impunha-se, naquele momento, impulsionar o renascimento cultural cabo-verdiano e exigir de Portugal uma autonomia, enquanto “pessoa colectiva”, processo que veio a atingir a sua plenitude na Independência Nacional, a 5 de Julho de 1975. Ressalva-se, contudo, que a passagem de uma etapa para outra do processo da construção da identidade nacional não terá sido tão marcante, abrupta e datada,

Estas são figuras de consenso a nível da intelectualidade e do poder político estabelecido em Cabo Verde. Foi assim que, durante a vigência da I República (1975-1990), as primeiras notas emitidas pelo País, respectivamente, em 1977 e 1989, tiveram todas a efígie de Amílcar Cabral, o Fundador da Nacionalidade. A II República (1991-), embora mantendo a figura de Amílcar Cabral, introduziu outras efígies nas notas. Primeiro, de Baltasar Lopes, na emissão de 1992, depois, de Eugénio Tavares, na emissão de 1999. 636

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Manuel Brito-Semedo

como aqui a apresentamos, nem tão nítida que uma nova etapa excluísse a anterior, mas havendo momentos de sobreposição. De acordo com esta concepção, a identidade (individual ou nacional) é uma formação cumulativa por níveis, cada um deles construído sobre os anteriores e estabelecendo os alicerces para o desenvolvimento dos que lhe sobrevêm. Numa visão do domínio do simbólico, este processo da construção da identidade nacional crioula lembra o mito da tragédia grega de Édipo, em que é necessário ao filho “eliminar” o pai para atingir a maturidade. É este processo que lhe permite, mais tarde, regressar ao pai e relacionar-se com ele de igual para igual, na sua idade adulta.

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Terceira Parte - Conclusão

A Imprensa: Um Instrumento de Identidade Nacional

Figura 7.2 - Boletim Official do Governo Geral de Cabo-Verde, N.º 1, Boa-Vista, Agosto de 1842

O

caldeamento de raças ocorrido nas ilhas “achadas” desertas pelos portugueses, deu origem à evolução de uma colonização mestiça e o aparecimento de um povo crioulo com uma identidade cultural singular, sobre a qual se viria a estruturar a sua identidade nacional, num processo que levou alguns séculos e cujas etapas se procurou identificar e analisar nesta investigação – a do Nativismo, a do Regionalismo e a do Nacionalismo. A identidade cabo-verdiana não poderia ter sido decretada por nenhum poder: foi, como aconteceu com todos os povos, o resultado final de muitas interacções, já reconhecidas por Montesquieu, que finalmente fizeram aparecer o espírito do povo, o qual, um dia, como proclamou Jefferson, levou a seu tempo a reclamar um lugar igual próprio na comunidade das nações (Moreira, 1992). Esta investigação requereu uma reconstituição histórica de determinadas ocorrências e exigiu uma narrativa e uma análise que permitissem a compreensão da complexidade desses acontecimentos. É assim que se debruçou sobre a explicação histórica da descoberta e povoamento das ilhas, para dar a perceber a formação do homem e da nação cabo-verdianos e se fez um breve historial da instrução em Cabo Verde, como base para o estudo da formação e da reprodução da elite letrada e do aparecimento da imprensa. Atravessa o estudo, e emerge dele, a evolução do pensamento da elite intelectual cabo-verdiana através das épocas tratadas. Primeiro, verifica-se um aumento progressivo dos níveis de instrução das diferentes gerações dessa elite, facto que é elucidativo das maiores possibilidades de acesso à instrução no arquipélago. Na realidade, este crescimento acompanha o evoluir das etapas da construção da identidade nacional e as tomadas de posição da elite face ao regime político vigente, do que se pode considerar como um terceiro momento no processo de formação da elite letrada a evolução que se seguiu à sua expansão (ver Fig. 7.3).

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Manuel Brito-Semedo

Enquanto os Nativistas (fins de oitocentos, primeiras décadas de novecentos), eram, sobretudo, autodidactas, ficando alguns pelos primeiros anos dos estudos do Seminario-Lyceu de S. Nicolau, os Regionalistas (décadas de trinta e quarenta de mil e novecentos), concluíram o ensino secundário e, alguns, o ensino superior, e, por fim, os Nacionalistas (década de cinquenta de mil e novecentos), quase na sua totalidade, frequentaram as universidades da Metrópole e nelas adquiriram diplomas. Assim, o que começou por ser uma “pequena elite letrada”, com a sua génese na criação de escolas e no desenvolvimento da instrução pública, na presença estimulante de europeus instruídos e no regresso de emigrantes retornados dos EUA, expandiuse para uma “grande elite letrada”, devido à sua produção cultural, à sua reprodução sócio-cultural e à sua circulação geográfica pelas diferentes ilhas, por motivos profissionais. É, então, esta “grande elite letrada” que serve de roda de transmissão ao processo de construção da identidade nacional. Numa primeira etapa, aquela surge como uma elite de ideologia nativista. Depois, evolui, numa etapa posterior, para uma elite de ideologia regionalista. Finalmente, aquele grupo desemboca numa elite de ideologia nacionalista. É o carácter nacionalista do movimento que esta elite promove que é o ingrediente essencial da afirmação da identidade nacional, que por sua vez levaria à independência de Cabo Verde. Desta evolução se constata que a construção da identidade nacional cabo-verdiana foi como que fruto de uma passagem de testemunho entre gerações, numa rede emaranhada de relações sociais e de parentesco, própria de um meio pequeno. Acresce ainda a circunstância de professores como Baltasar Lopes da Silva (S. Nicolau, 1907-1989) e António Aurélio Gonçalves (S. Vicente, 1901-1984) terem tido como alunos do ensino secundário as gerações da “Academia Cultivar” e da “Nova Largada”, nas décadas de quarenta e cinquenta, e estes, por sua vez, terem transmitido a mensagem nacionalista e iniciado a “novíssima” geração da década seguinte. Tem consequências ainda o facto de que aqueles que se deslocavam à Metrópole para frequentar a universidade eram normalmente recebidos pela geração mais antiga, que os encaminhava à Casa dos Estudantes do Império, estabelecendo-lhes ou facilitando-lhes contactos e orientando-os nas leituras, ocupando-se, assim, da sua formação política e cultural. Neste processo de busca e de construção de uma identidade nacional, coube a cada geração de intelectuais descobrir a sua missão e cumpri-la. 384

Conclusão - A Imprensa: Um Instrumento de Identidade Nacional

A Geração de Eugénio Tavares (1856-1932), incluindo nomes como Luiz Loff de Vasconcellos, Augusto Vera-Cruz, José Lopes da Silva, A. Corsino Lopes da Silva, Pedro Monteiro Cardoso, Abílio Monteiro de Macedo, Juvenal da Costa Cabral e Cónego António Manuel da Costa Teixeira, lutou contra leis discriminatórias a favor da valorização do nativo das Ilhas, de modo a lhe ser reconhecido um estatuto de igualdade jurídica, social e política face ao português da metrópole, advogando para Cabo Verde um estatuto de ilhas adjacentes, à semelhança dos Açores e da Madeira. A Geração de Baltasar Lopes (1932-1958), na qual se incluem os nomes de Jorge Vera-Cruz Barbosa, Manuel Santos Lopes, António Aurélio Gonçalves, João Cleófas Martins, Félix António Monteiro, António Nunes, Henrique Teixeira de Sousa e Arnaldo Vasconcelos França, apoiando-se na componente cultural europeia da formação do homem cabo-verdiano, definiu Cabo Verde como um caso de “regionalismo europeu”, pretendendo, com isso, que este fosse tratado como uma situação à parte dentro do império português, com base numa identidade singular. A Geração de Amílcar Cabral (1958-1975), incluindo nomes como Gabriel Mariano, Ovídio Martins, os irmãos “Manecas” e Abílio Monteiro Duarte, José Leitão da Graça, José Araújo, Corsino Fortes e Onésimo Silveira, opondo-se à geração predecessora, enalteceu a componente cultural africana, considerando Cabo Verde como um caso de “regionalismo africano”, e exigiu, por este facto, o retomar do “rumo ascendente da História”, o que só seria possível através da autonomia do seu povo. Impunha-se, para esta geração, a necessidade de negar a Europa (Portugal) para que Cabo Verde ascendesse à independência, pelo que a única alternativa era enaltecer a África. Perante os discursos totalizantes europeísta e africanista, provámos que uma posição rígida e extremada nesta matéria não é senão uma visão enviesada de um todo, que surgiu como resultado de um processo historico-político-social que fez a elaboração dessas duas componentes, a africana e a europeia, e que levou à integração destas duas posições, que hoje constituem a vivência cabo-verdiana. Porém, até à altura da independência nacional, em 1975, estava ainda por fazer a síntese destas teses aparentemente antagónicas, com a revalorização e a conciliação dos dois pólos – o europeu e o africano. Desde muito cedo, a partir de 1877, a imprensa periódica não oficial surgiu como um instrumento e um veículo de divulgação, formação e ampliação de ideias privilegiado que as elites letradas das diferentes gerações – a Geração de Eugénio Tavares, a Geração de Baltasar Lopes e a Geração de Amílcar Cabral – utilizaram para a formação de uma consciência de pertença a uma “comunidade política ima385

Manuel Brito-Semedo

ginada” (usando a ideia de Benedict Anderson, 1983) como forma de combate e de reivindicação da sua identidade. Ao longo desta investigação, foi-se projectando e dando corpo a um modelo conceptual do processo de construção da identidade nacional cabo-verdiana pela elite letrada, pondo em evidência algumas linhas de força que ele comporta, com base no discurso da imprensa e no pressuposto de haver duas dimensões de intervenção que se sobrepõem e se complementam – a dimensão cultural e a dimensão políticoideológica (ver Fig. 7.4). Partindo de uma identidade étnica, o homem crioulo, como resultado e síntese do cruzamento do branco e do negro que aportaram às ilhas, observou uma trajectória feita, simultaneamente, nas dimensões cultural e político-ideológica. Convém referir que este percurso nem sempre foi realizado de forma linear ou por métodos pacíficos, tendo passado por diversas etapas, até culminar numa identidade nacional. No âmbito da dimensão cultural, uma primeira etapa foi a emergência de um sentimento nativista na elite de então, enquanto portadora dos valores culturais da sua origem. Este sentimento progrediu para uma consciência regionalista, até culminar numa afirmação nacionalista, que desembocou, enfim na identidade nacional. A acompanhar este percurso na dimensão cultural, o homem cabo-verdiano fez igualmente, e em simultâneo, um outro, na dimensão político-ideológica. Este começou por ser, numa primeira etapa, uma reclamação de um estatuto de igualdade em relação ao português reinól da metrópole, evoluindo para uma etapa de reivindicação da diferenciação regional dentro da filosofia de um “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor”. Na decorrência, o processo atingiu uma etapa de exigência de uma autonomia política no concerto das nações, que desembocaria, inevitavelmente, na consciência plena da posse de uma identidade nacional. Portanto, a construção da identidade nacional e a percepção da sua especificidade resultaram de um processo progressivo e de consciencialização apoiado em dois percursos paralelos e interpenetrantes – um correspondente ao âmbito cultural, o outro, ao âmbito político-ideológico. De referir que existe uma relação de correspondência directa entre as etapas de cada uma das dimensões. Assim, o sentimento nativista equivale à reclamação de um estatuto de igualdade, a consciência regionalista, à reivindicação da diferenciação regional, e a afirmação nacionalista, à exigência de uma autonomia política. Difícil é definir, contudo, os limites entre a dimensão cultural e a dimensão político-ideológica, de tal forma estão ligadas entre si, confirmando os fortes vínculos 386

Conclusão - A Imprensa: Um Instrumento de Identidade Nacional

existentes entre a abordagem antropológica e a abordagem político-ideológica da história de uma sociedade. Ao chegar ao fim deste percurso, crê-se ter alcançado os objectivos inicialmente definidos – (i) identificar, no discurso da imprensa periódica cabo-verdiana, as etapas da construção da identidade nacional e caracterizá-las; (ii) identificar as elites letradas nas várias etapas do processo, explicar a sua emergência e o papel que desempenhou na construção da identidade nacional, com base nas suas contribuições na imprensa periódica em análise; (iii) determinar a importância para este processo das variadas vertentes literárias e ideológicas veiculadas pelo discurso presente na imprensa periódica durante o período proposto; e (iv) interpretar o processo da construção da identidade nacional à luz de paradigmas socio-antropológicos e explicitá-lo num modelo conceptual. Foram ainda demonstradas as hipóteses levantadas – (i) existe uma relação de interdependência e de influência mútua entre o conteúdo da imprensa produzida em Cabo Verde entre 1877 e 1975 e o processo de construção da identidade nacional do seu povo; e (ii) o processo de construção da identidade nacional do povo caboverdiano realizou-se por etapas de teor ideológico, de características singulares perfeitamente identificáveis – ao identificar e rastrear a imprensa periódica não oficial, em que o discurso jornalístico funcionou, simultaneamente, como expressão e como fonte de influência no processo de construção da identidade nacional crioula. Longe de se ter esgotado respostas ou alcançado consensos, verifica-se ter despertado mais interrogações, passíveis de outras discussões, e de ter gerado algum discenso em assuntos eventualmente até aqui considerados pacíficos. Algumas das questões e teses agora levantadas poderão constituir pistas para futuras investigações. Tais são os casos do papel desempenhado pelos deportados políticos e pelas sociedades secretas da Maçonaria e da Carbonária na divulgação e na defesa das ideias republicanas e da liberdade, do contributo prestado pelos “americanos” retornados ou das igrejas ditas protestantes, estabelecidas em Cabo Verde a partir dos finais de oitocentos. Os cabo-verdianos de hoje devem aos seus antepassados a existência de Cabo Verde como nação independente, com uma identidade própria. A presente geração tem, portanto, o dever de conservar e de transmitir aos seus descendentes, por todos os meios ao seu dispor, direitos iguais àqueles que ela herdou e que se congregam no direito a uma identidade nacional.

387

Fig. 7.3 A Evolução da Elite Letrada - Modelo Conceptual

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EXPANSÃO Elite

Elite

Elite

NACIONAL

IDENTIDADE

Regionalista

Nativista

EVOLUÇ EVOLUÇÃO

Nacionalista

LETRADA

ELITE

GRANDE

A Construção da Identidade Nacional (1877-1975)

Geográfica

dos EUA

Sócio-cultural

Reprodução

Circulação

PEQUENA ELITE LETRADA

Cultural

Produção

Emigrantes

Instruídos

Europeus

Escola

GÉNESE

Fig. 7.4 O Processo de Construção da Identidade Nacional pela Elite Letrada - Modelo Conceptual

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IDENTIDADE ÉTNICA

Reclamaç Reclamação Estatuto Igualdade

Sentimento Nativista

A Construção da Identidade Nacional (1877-1975)

Reivindicaç Reivindicação Diferenciaç Diferenciação Regional

DIMENSÃO POLITICOPOLITICOIDEOLÓ IDEOLÓGICA

Consciência Regionalista

DIMENSÃO CULTURAL

Exigência Autonomia Polí Política

Afirmaç Afirmação Nacionalista

IDENTIDADE NACIONAL

Anexos e Bibliografia

Figura 7.5 “Suplemento” ao N.º 37 do Independente, Praia, Setembro de 1878

Anexos

Anexo 1: As Crises e os Períodos de Escassez de Colheitas Quadro 1 - Principais Crises e Períodos de Escassez de Colheitas Desde o Século XVI Anos

Crises e Escassez de Colheitas

1580-1582: “Fome grande”, referida em carta do bispo D. Frei Pedro Brandão (11.7.1592), sem grandes comentários, mas é significativo o facto de os moradores terem adquirido o hábito de comer carne nos dias de jejum durante “uma fome grande”, por não haver outras coisas. 1680: Tremor de terra e saída de lavas no Fogo, seguidos de esterilidade, que levou muita gente a transferir-se para a Brava. 1719: Fome em Santiago. Nada se sabe sobre as outras ilhas. 1746: Crise mal conhecida: apenas consta de uma representação ao rei, descrevendo o estado crítico do comércio e do povo. 1748-1750: Grave, mas mal conhecida. 1754: ------1764: Em especial na Boa Vista e Sal. 1773-1775: Grande fome no Fogo: lestada traz gafanhotos. A população do Fogo baixa de 5.700 para 4.200 habitantes. “chegou a comer-se carne humana e a morrer-se de fome”. Entre Setembro de 1774 e Fevereiro de 1775 o arquipélago perdeu 22.666 indivíduos. Vende-se gente em troca de alimentos. No Maio e na Brava morreu todo o gado. S. Nicolau também sofre muito. Consequência geral – grande decadência. 1789: Crise atinge de maneira particular a Boa Vista. 1790: Ilhas de barlavento e Brava. Morre muita gente em 1791. Só na de Santo Antão, mais de 800 pessoas. 1810: A esterilidade de 1809 provoca uma crise de fome em que morre muita gente. Governo central, no Brasil, acusa governadores e funcionários públicos de desleixo. 1813: Crise em Santiago e Maio, ceifando muitas vidas. A província estava aniquilada pelas anteriores. 1814: Fome na Boa Vista. Uma parte da população foge para o Fogo e para S. Nicolau. 1816: Lavas a norte da Chã alcançam o mar em dois dias (Fogo). 1825: Desta vez Santo Antão é a ilha de mais atingida pela estiagem do ano anterior. Para socorrer as vítimas da crise o governador Chapuzet utiliza as verbas do comércio da urzela, que constituía exclusivo da Coroa. O governador é demitido. 1831-1833: Fome em todas as ilhas, provocando mortalidade elevada. O arquipélago perdeu cerca de 30.000 habitantes. Só em Santo Antão morreram 13.000 pessoas. O Governo da Metrópole, ocupado com a guerra civil que ensanguentava o País, não pode mandar socorros. Eles vêm dos Estados Unidos da América, em treze navios carregados de mantimentos, dois dos quais ficaram em Santiago. Fome do Fogo causava horror. Entre 1831 (cerca de 17.000 habitantes) e 1834 (pouco menos de 6.000) perdeu mais de metade da população. 1845-1846: Chuvas parciais e escassez de colheitas. Apenas Santiago e S. Nicolau conseguiram colher o suficiente. 1847: Fogo: crateras nas faldas norte do cone principal e na Chã: explosivo no início e depois efusivo, precedido de abalos de terra. 1850-1851: Chuvas fracas e escassez de colheitas, sendo mais atingidas as ilhas do Sal e Boa Vista. 1857: Quase não choveu e em todas as ilhas há escassez de colheitas. No Fogo uma epidemia de cólera mata cerca de 800 pessoas. Os cadáveres, insepultos dentro de casa e quintais, serviam de alimento aos porcos. De 100 pessoas que ficaram na Vila, 54 estavam doentes. 1858-1860: Escassez parcial em Maio, em Santiago e na Brava. 1860: 90.000 habitantes no arquipélago.

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Anos

Crises e Escassez de Colheitas

1863-1866: Crise geral. Estiagens completas em todas as ilhas. Fome horrorosa, em que o grupo de sotavento sofreu mais. As estimativas de população entre 1862 e 1867 dão uma diminuição de 18.000 indivíduos para Santiago e 29.845 para todo o arquipélago. Apenas S. Vicente apresentou um aumento de 353 indivíduos. Embora tivesse chovido de Julho a Novembro de 1864, as colheitas foram escassas, porque faltaram sementes e braços para trabalhar. Da Metrópole e das ilhas (Madeira e S. Tomé) foram remetidos auxílios. Emigração em larga escala. Em cinco anos o Fogo perdeu 7.000 almas, isto é, metade, da sua população. Seguir-se-ia paludismo e gripe. O erário da província era pobre, o comércio pouco e a navegação da metrópole, quase toda à vela, era reduzida. Não havia telégrafo. corros chegaram tarde. 1870: 80.000 habitantes no arquipélago. 1875-1876: Chuvas fracas e escassez de colheitas, em particular em Santiago (concelho da Praia) e em Santo Antão. 1878: Fim da escravatura. 1883-1886: Irregularidades das chuvas. Crise geral. Medidas de socorro tomadas a tempo (trabalhos e distribuição de alimentos) evitaram a repetição da mortalidade elevada da crise de 1864. Rendimentos da província eram maiores, o comércio com a metrópole e estrangeiro avultado. Navegação muito mais aumentada. Já havia telégrafo. Apesar de tudo morreu muita gente (caso do Fogo). 1889-1890: Escassas colheitas. Grande miséria em Maio e Brava. 1896-1898: Escassez de colheitas, em especial nas ilhas de sotavento, na Boa Vista e no Sal. Crise alimentícia combatida a tempo. Não houve vítimas. 1890: 130.000 habitantes no arquipélago. 1900: 150.000 habitantes no arquipélago. 1899-1900: Escassez de colheitas. Fome e varíola no Fogo, onde houve grande mortandade, seguindo-se S. Nicolau e Santiago. 1901-1902: Chuvas irregulares. Escassez de colheitas. Miséria na Brava, onde morre muita gente (febre) como em S. Nicolau (doença grave não diagnosticada). Maio com população muito reduzida e o gado morreu quase todo por falta de pastagens. Fogo e Santo Antão, grande miséria. 1903-1904: Crise com efeitos graves. Santiago perde 1.927 indivíduos em 1901 e 2.152 em 1902. Em 1903 o total subiu velozmente a 10.155. Sena Barcelos alude à má vontade de alguns funcionários em acudirem à população, que consideravam inferior e pouco merecedora de socorros. 1905: 135.000 habitantes no arquipélago. 1910: 140.000 habitantes no arquipélago. Paludismo e gripe. 1911-1913: Seca de efeitos atenuados. 1920: 160.000 habitantes. 1921-1923: Crise com fome geral. 1934-1936: Seca de efeitos atenuados. 1941-1943: Crise com fome geral. O Fogo perdeu cerca de 7.500 vidas (31% da população). Em segundo lugar foi S. Nicolau (28%). 1946-1948: Crise com fome geral. Santiago perde cerca de 65% da população. A população do arquipélago desce a 140.000 habitantes. 1951: Fogo: base do cone, lado sul e lado norte, na Chã: explosivo e efusivo. Violentos abalos de terra. 1959-1960: Seca, de mortalidade nula. Medidas adequadas para garantir alimentação.

Fonte: Amaral, In História Geral de Cabo Verde, Volume I, Lisboa, 1991.

396

Anexo 2 - Dimensões e Demografia das Ilhas Quadro 2 - Dimensões Máxima das Ilhas e dos Ilhéus que Constituem o Território Emerso do Estado Superficies Aproximadas (Km2)

Dimensões Máximas (m)

Ilhas e Ilhéus

Comprimento

Largura

Altitude

Santo Antão

42.750

23.970

1.979

779

S. Vicente

24.250

16.250

725

227

Santa Luzia

12.370

5.320

395

35

Ilhéu Branco

3.975

1.270

327

3

Barlavento

Ilhéu Raso

3.600

2.770

164

7

S. Nicolau

44.500

22.000

1.304

343

Sal

29.700

11.800

406

216

Boavista

28.900

30.800

387

620

Maio

24.100

16.300

436

269

Santiago

54.900

28.800

1.392

991

Fogo

26.300

23.900

2.829

476

Brava

10.500

9.310

976

64

Grande

2.350

1.850

95

2

Luís Carneiro

1.950

500

32

0,22

Cima

2.400

750

77

1,15







4.033,37

Sotavento

Arquipélagp

Fonte: Amaral, In História Geral de Cabo Verde, Volume I, Lisboa, 1991.

Quadro 3 - Evolução Demográfica das Ilhas de Cabo Verde (1582-1900) Ilhas

População Segundo Estimativas, Contagens ou Recenseamentos 1528

1770

1774

1775

1832

1860

1862

1867

1869

Sotavento

15.708

40.000

32.984

18.524

28.500

62.613

67.517

40.668

58.102

Santiago

12.408

26.000

22.358

11.580

20.000

40.852

42.200

26.428

39.197

Maio

-

-

708

604

2.500

1.863

2.067

955

773

Fogo

2.300

12.000

5.728

2.225

2.000

12.341

12.426

7.431

8.401

Brava

-

-

2.190

2.115

2.000

6.557

6.824

5.874

9.731

Barlavento

-

12.000

16.655

9.844

31.500

25.697

29.492

26.829

32.062

Santo Antão

-

-

10.215

5.668

18.000

12.643

17.965

17.403

20.911

S. Vicente

-

-

-

-

300

1.141

1.337

1.690

1.691

S. Nicolau

-

12.000

5.000

2.920

10.000

6.372

6.731

5.522

6.375

Boavista

-

-

1.400

1.256

2.200

2.647

2.621

1.400

2.374

Sal

-

-

-

-

-

894

838

814

751

Total

15.708

52.000

50.639

28.328

60.000

89.310

97.099

67.517

90.164

397

Ilhas

População Segundo Estimativas, Contagens ou Recenseamentos 1871

1873

1874

1879

1881

1885

1890

1895

1900

Sotavento

46.054

52.383

59.240

62.055

68.565

72.342

82.952

92.431

92.702

Santiago

27.585

35.534

39.603

41.076

42.959

45.488

56.920

60.767

62.943

Maio

881

1.066

1.265

1.600

1.399

1.837

1.695

1.813

1.916

Fogo

8.935

10.300

11.788

12.221

12.802

16.004

16.843

20.009

17.620

Brava

8.653

6.483

6.584

8.158

8.405

9.013

9.494

9.842

9.223

29.949

30.575

31.464

36.262

35.197

38.585

42.438

46.365

52.722

18.133

18.005

18.785

20.507

19.531

20.262

22.165

22.735

29.888

S. Vicente

1.817

1.864

2.436

2.297

2.267

5.432

6.881

6.211

8.780

S. Nicolau

6.683

7.370

7.079

8.733

7.534

8.815

9.874

12.093

11.958

Boa Vista

2.576

2.534

2.337

2.643

2.727

2.086

2.957

2.776

2.613

740

802

827

1.082

1.138

990

561

550

483

76.003

82.958

90.740

99.317

103762

110927

127390

138796

147424

Barlavento Santo Antão

Sal Total

Fonte: Dados recolhidos em Carreira, In Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Bissau, 1969.

398

Anexo 3: Os Governadores de Cabo Verde Quadro 4 - Relação dos Governadores-Gerais de Cabo Verde (1592-1808) • Duarte Lobo da Gama, 1592.

• Manoel Antonio Pinheiro da Camara, 1692.

• Braz Soares de Mello, 1595.

• Antonio Gomes Menna, 1696.

• Francisco Lobo da Gama, 1597.

• D. Antonio Salgado, 1698.

• Fernando de Mesquita e Brito, 1603.

• Gonçalo de Lemos Mascarenhas, 1702.

• Francisco Corrêa da Silva, 1606.

• Rodrigo d’Oliveira da Fonseca, 1707.

• Francisco Martins de Sequeira, 1611.

• Jose Pinheiro da Camara, 1711.

• Nicolau de Castilho, 1614.

• Manoel Pereira Calheiros, 1715.

• D. Francisco de Moura, 1618.

• Serafim Teixeira Sarmento, idem.

• D. Francisco Rollim, 1622.

• Antonio Vieira, 1720.

• Francisco de Vasconcellos e Cunha, 1624.

• Francisco Miguel da Nóbrega, 1726.

• João Pereira Corte-Real, 1628.

• Francisco d’Oliveira, 1728.

• Francisco Cristovão Cabral, 1632.

• Bento Gomes Coelho, 1733.

• Jorge de Castilho, 1636.

• José da Fonseca Barbosa, 1737.

• Jeronymo Cavalcanti d’Albuquerque, 1639.

• João Zuzarte, 1748.

• João Serrão da Cunha, 1640.

• D. Antonio d’Eça, 1751.

• Jorge de Araujo, 1642.

• Luiz Antonio da Cunha d’Eça, 1752.

• Roque de Barros do Rego, 1648.

• Manoel Antonio de Souza Menezes, 1757

• Gonçalo de Gamboa [Ayala], 1650.

• Marcelino Pereira d’AVila, 1761.

• Pedro Semedo Cardoso, 1650.

• Bartholomeu de Sousa Brito Tigre, 1764.

• Jorge de Mesquita Castel-Branco, 1651.

• D. João Jacomo de Brito Baena, 1766.

• Pedro Ferreira Barreto, 1653.

• Joaquim de Salema Saldanha Lobo, 1769 (1º Governador a residir na Vila da Praia).

• Francisco de Figeirôa, 1658. • Antonio Galvão, 1663. • Manoel da Costa Pessoa, 1667. • Manoel Pacheco de Mello, 1671. • João Cardoso Pissaro, 1676. • Manoel da Costa Pessoa, (segunda vez) 1682. • Ignacio de França Barbosa, 1685. • Verissimo de Carvalho da Costa, 1687. • Diogo Ramires, 1690.

• Antonio do Valle de Souza Menezes, 1777. • Duarte de Mello da Silva e Castro, 1781. • D. Fr. Francisco de S. Simão, (bispo) 1782. • Antonio Machado de Faria e Maia, 1784. • Francisco José Teixeira Carneiro, 1789. • José da Silva Maldonado d’Eça, 1793. • Marcelino Antonio Bastos, 1796. • D. Antonio Coutinho de Lancastre, 1803.

Fonte: O Panorama – Jornal Literário e Instructivo, Lisboa, 1857.

399

Quadro 5 - Relação dos Governadores [Gerais] de Cabo Verde (1808-1910) • D. Antonio Coutinho de Lancastre, 1808. • Antonio Pusich, 1818. • João da Matta Chapuzet, 1822. • Caetano Procópio Godinho de Vasconcellos, 1826. • D. Duarte de Mesquitela da Costa Sousa de Macedo, 1830. • Manoel Antonio Martins (com o título de Prefeito), 1834. • Joaquim Pereira Marinho, 1835. • Domingos Corrêa Arouca, 1836. • Joaquim Pereira Marinho (segunda vez), 1837. • João de Fontes Pereira de Mello, 1839. • Francisco de Paula Bastos (Barão de Bastos), 1842. • D. José Miguel de Noronha, 1845. • João de Fontes Pereira de Mello (segunda vez), 1848. • Fortunato José Barreiros, 1851. • Antonio Maria Barreiros Arrobas, 1854. • Sebastião Lopes Calheiros de Menezes, 1858. • Januário Correia d’Almeida, 1860. • Carlos Augusto Franco, 1860. • José Guedes de Calheiros e Menezes da Costa (1º Conde da Costa), 1864. • Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, 1869. • José Maria da Ponte e Horta, 1870. • Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque (segunda vez), 1870. • Guilherme Quintino Lopes de Macedo, 1876.

• Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, 1878. • Antonio do Nascimento Pereira de Sampaio, 1879. • João Paes de Vasconcellos, 1881. • João Cesario de Lacerda (Médico naval chefe), primeira vez, 1886. • Augusto Frutuoso Figueiredo de Barros, 1889. • Augusto Cezar Cardoso de Carvalho (Conselheiro), 1889. • José Guedes Brandão de Mello (Major de Artilharia), 1890. • Fernando de Magalhães e Menezes (Coronel do Corpo do Estado-Maior), 1893. • Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto (Tenente-coronel de Infantaria), 1894. • João Cesario de Lacerda (Médico naval chefe), segunda vez, 1898. • Arnaldo de Novaes Guedes Rebello (Coronel de Artilharia), 1900. • Francisco de Paula Cid (Capitão-tenente da Armada), 1902. • Alfredo Augusto Barjona de Freitas (Tenente-coronel do Serviço do Estado Maior), 1903. • Amâncio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral (Major de Artilharia), 1904. • D. Bernardo Antonio da Costa de Sousa de Macedo [Mesquitela] - (Capitão-tenente da Armada), 1907. • Martinho Pinto de Queiroz Montenegro (Capitão-tenente da Armada), 1909. • Antonio de Macedo Ramalho Ortigão (Segundo-tenente da Armada), 1910.

Fonte: Dados recolhidos em Christiano de Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1899-1913, e Boletins Officiais da Província de Cabo Verde.

400

Quadro 6 - Relação dos Governadores [Gerais] de Cabo Verde (1910 - 1975) Governador: • Artur Marinha de Campos (Primeiro Tenente da Adm. • Silvino Silvério Marques (Major-Engenheiro), 1958. Naval, reformado), 1910. • Leão Maria Tavares Rosado do Sacramento Monteiro (Capitão-tenente), 1963. • Joaquim Pedro Vieira Júdice Biker (Capitão-tenente da Armada), 1911. • António Lopes dos Santos (Brigadeiro) 1970. • Abel Fontoura da Costa (Capitão-de-Fragata), 1915. • Basílio Pina de Oliveira Seguro (Coronel de Infantaria), 1974. •Teófilo Duarte (Tenente de Cavalaria), 1918. • Manuel Firmino de Almeida Maia Magalhães (Major do Encarregado do Governo: Corpo do Estado-Maior • Pedro Fragoso de Matos (Contra-Almirante), 1974. do Exército), 1919. • Carlos Dias de Carvalho (Capitão-de-Fragata), 1921. • Dr. Júlio Henriques de Abreu (Juiz), 1923. • António Álvares Guedes Vaz (Coronel de Infantaria), 1926. • Amadeu Gomes de Figueiredo (Capitão de Artilharia), 1931. • José Diogo Ferreira Martins (Capitão de Artilharia), 1941. • Dr. Carlos Alberto Garcia Alves Roçadas (Major-Médico), 1949.

Encarregado do Governo e Delegado da Junta de Salvação Nacional: • José Alberto Loureiro dos Santos (Major do C.E.M.), 1974. Governador: • Henrique Afonso da Silva Horta (Capitão-de-Mar-eGuerra), 1974. • Eng. Sérgio Fonseca, 1974.

• Dr. Manuel Marques de Abrantes Amaral (Juiz), 1953.

Alto-Comissário:

• António Augusto Peixoto Correia (Capitão-tenente), 1957.

• Vicente Almeida D’Eça (Contra-Almirante), 1974.

Fonte: Dados recolhidos nos Boletins Oficiais da Província [Colónia] de Cabo Verde.

Anexo 4: O Movimento Literário no Seminario-Lyceu Quadro 7 - Movimento Literário no Seminario-Lyceu no Ano Lectivo de 1877-1878 Alunos Aprovados

Numero dos Alunos

Simples

Distinção

21

10

4

4

1

-

Alunos Externos

48

18

2

Total

73

29

6

Designação Pensionistas do Estado e do Cofre de Bula Pensionistas

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1878.

401

Quadro 8 - Movimento Literário no Seminario-Lyceu no Ano Lectivo de 1887-1888 Alunos Matriculados

Disciplinas Instrução Primária

9

Português, 1º Ano

26

Português, 2º Ano

12

Francês, 1º Ano

21

Francês, 2º Ano

3

Latim, 1º Ano

1

Latim, 2º Ano

2

Latinidade

1

Filosofia

1

Introdução

2

Geografia

3

Teologia

Movimento dos Alunos Aban. Rep. Não Hab. Estu.

Apr.

Esperados

49

3

3

11

21

49

3

3

11

21

6

Total

87

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1890.

Quadro 9 - Movimento Literário no Seminario-Lyceu no Ano Lectivo de 1888-1889

1

Latinidade

2

Geographia

1

Philosophia

2

eologia

3

Total

55

Menores

Latim, 1º Ano

Subdiacono

9

Presbytero

6

Francez, 2º Ano

Adiados

Francez, 1º Ano

Aprovados

16

Distinctos

Portuguez, 2º Ano

Fizeram Exame

10

Não Encer. Matriculados

2

Portuguez, 1º Ano

Reprovados

Instrução Primária

Receberam Ordens

Matriculados

Disciplinas

Alunos Aprovados

Movimento Geral dos Alunos

89

5

22

62

11

45

6

4

1

1

89

5

22

62

11

45

6

4

1

1

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1890.

402

Quadro 10 - Movimento Literário no Seminario-Lyceu no Ano Lectivo de 1889-1890

Latim, 2º Ano

1

História Literatura

7

Filosofia

1

Introdução

1

eologia

2

Total

56

Menores

7

Subdiacono

Latim, 1º Ano

Presbytero

9

Não Adm. Exa

8

Francez, 2º Ano

Aprovados

Francez, 1º Ano

Distinctos

6

Fizeram Exame

8

Portuguez, 2º Ano

Não Encer. Matriculados

Portuguez, 1º Ano

Reprovados

6

Receberam Ordens

Matriculados

Instrução Primária

Premiados

Disciplinas

Aprovados

Movimento Geral dos Alunos

3

82

10

10

58

7

49

4

1

1

4

3

82

10

10

58

7

49

4

1

1

4

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província Referido ao ano de 1890.

Quadro 11 - Movimento Literário do Seminario-Lyceu no Ano Lectivo de 1897-1898

Porcionistas

Total

Porcionistas

Externos

Total

Total Geral

Vida Civil Internos

Gratuito

Vida Eclesiástica Internos

Matrículas

34

18

52

29

43

72

124

Perderam o Ano

3

3

6

13

9

22

28

Não se habilitaram ao exame

10

-

10

4

12

16

26

Fizeram exame

21

15

36

11

23

34

70

Designação

Distintos

1

2

3

-

-

-

3

Aprovados

20

12

32

8

16

24

56

Adiados

1

1

2

2

7

9

11

Receberam ordens de subdiácono

3

-

3

-

-

-

3

Receberam ordens de diácono

2

-

2

-

-

-

2

Receberam ordens de presbítero

2

-

2

-

-

-

2

Concluíram os estudos

3

-

3

-

-

-

3

Pertencem à diocese de C. Verde

14

8

22

19

37

56

78

Pertencem à arquidiocese de Braga

2

-

2

-

-

-

2

Pertencem à diocese de Coimbra

1



1







1

Fonte: Relatórios do Governador Geral da Província de Cabo Verde Sobre o Estado da Mesma Província. Referido ao ano de 1899.

403

Anexo 5 - Imprensa Periódica Quadro 11 - Periódicos Cabo-verdianos (1842-1975) 1º Período – Do Movimento Liberal ao Fim da Monarquia (1842-1910) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Boletim Official do Governo [Geral] da Provincia de Cabo Verde (Praia, 1842-1975), Semanário Independente (Praia, 1877-1889), Semanário Correio de Cabo Verde (Praia, 1879), Semanário Echo de Cabo Verde (Praia, 1880) A Imprensa (Praia, 1880-1881), Semanário Cidade da Praia (Praia, 1880?) A Justiça (Praia, 1881), Trimestral O Protesto (Praia, 1883) O Povo Praiense (Praia, 1886) O Praiense (Praia, 1889), Número Único Praia (Praia, 1889) Almanach Luso-Africano (S. Nicolau, 1895 e 1899), Anuário Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899), Quinzenário A Alvorada (New Bedford, Mass., EUA, 1900-1914), Semanário A Esperança, Revista Literária, Suplemento do Alamach Luso-Africano (S. Nicolau, 1901), Mensário A Liberdade (S. Vicente, 1902-1903), Quinzenário Salve (S. Vicente, 1902) A Opinião (S. Vicente, 1902-1903), Quinzenário O Espectro (S. Vicente, 1904-1909), Quinzenário Cabo Verde. Número commemorativo da passagem por esta provincia de Sua Alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filipe (Praia, 1907)

2º Período – Da Implantação da República à Ditadura Militar (1910-1926) • • • • • • • • • • • • • • • • •

O Recreio (S. Nicolau, 1911) A Fénix Renascida (S. Nicolau, 1911-1913) A Voz de Cabo Verde (Praia, 1911-1919), Semanário O Independente (Praia, 1912-1913), Quinzenário O Progresso (Praia, 1912-1913), Semanário O Mindelense (S. Vicente, 1913), Quinzenário A Tribuna (Brava, 1913-1914), Mensário O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-1916), Semanário A Defesa (Fogo, 1913-1915), Mensário O Popular (S. Vicente, 1914-1915), Semanário O Caboverdeano (Praia, 1918-1919), Trimensário Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921), Trimensário A Seiva (Praia, 1921), Quinzenário A Acção (Praia, 1921-1922), Trimensário A Verdade (Praia, 1922), Quinzenário O Manduco (Fogo, 1923-1924), Quinzenário Vasco da Gama (Praia, 1924), Número Comemorativo

3º Período – Da Instauração da Ditadura Militar ao Estado Novo (1926-1933) • • •

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Hespérides (Praia, 1927?) Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962), Quinzenário Alma Arsinária (S. Vicente, 1932), Número Único

4º Período – Do Estado Novo à Independência Nacional (1933-1975) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Alma Nova (S. Vicente, 1933), Quinzenário O Eco de Cabo Verde (Praia, 1933-1935), Quinzenário Defesa (S. Nicolau, 1933-1934), Quinzenário Ressurgimento (Santo Antão, 1933-1935), Quinzenário Mocidade Caboverdeana (Praia, 1935), Mensário Boletim dos Falcões de Cabo Verde (S. Vicente, 1936), Mensário Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960), Sem Periodicidade Juventude (S. Vicente, 1936), Quinzenário O Orvalho (Santo Antão, 1937), Mensário A Colónia de Cabo Verde (Praia, 1940), Número Comemorativo Certeza – Folha da Academia (S. Vicente, 1944), Sem Periodicidade Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964), Mensário Mocidade (Praia, 1955-1957), Quinzenário Diário de Cabo Verde (Praia, 1956), Número Espécime Suplemento Cultural ao Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1958), Número Único Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes (S. Vicente, 1959), Número Único Seló – Página dos Novíssimos ao Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1962), Sem Periodicidade Alvorada Técnica (S. Vicente, 1963), Mensário O Arquipélago (Praia, 1962-1974), Semanário Alerta (Praia, 1974), Semanário Novo Jornal de Cabo Verde (Praia, 1974-1975), Semanário

Anexo 6: Colaboradores da Imprensa Períodica Quadro 12 – Colaboradores da Imprensa Periódica (1842-1936) DANTAS, Guilherme da Cunha, poeta e ficcionista — Noli me Tangere (Carta a D. Alexandre d’Almeida sobre a emigração cabo-verdeana para os Estados Unidos da Amé(Brava, 1849-1888) — Contos Singelos (Mafra, 1867) — Poesias (Praia, 1996) — Memórias dum Pobre Rapaz (No Prelo)

VASCONCELLOS, Luiz Loff de, ficcionista e polemista (Brava, 1857?-1923) — Echos d’Aldeia, contos (Lisboa, 1897) — A perdição da Pátria (Lisboa, 1900) — Memorial dos habitantes da ilha de S. Vicente de Cabo Verde ao... Ministro da Marinha e Ultramar (Lisboa, 1900) — O Extermínio de Cabo Verde: Pavorosas revelações (Lisboa, 1903)

LEITE, António Januário, poeta (Santo Antão, 18651930) — Poesias (Mindelo, 1952) — Versos da Juventude (Lisboa, s/d)

TAVARES, Eugénio de Paula, poeta, ficcionista e polemista (Brava, 1867-1930) — Amor que Salva (Santificação do Beijo) (Praia, 1916) — O Mal do Amor (Corôa de Espinhos) (Praia, 1916)

rica) (Praia, 1918). — Mornas: Cantigas Crioulas (Lisboa, 1932) — Eugénio Tavares – Poesia, Contos, Teatro (Praia, 1996) — Eugénio Tavares – Pelos Jornais (Praia, 1997) — Eugénio Tavares – Viagens, Tormentas, Cartas e Postais (Praia, 1999)

LOPES da Silva, José, poeta (S. Nicolau, 1872-1962) — Jardim das Hespérides (Sonetos do livro Hesperitanas) (Lisboa, 1929) — Hesperitanas (Lisboa, 1933) — Alma Arsinária (Poemas em aditamento aos do livro Hesperitanas), Vol. I e II (Lisboa, 1952) — Poesias Escolhidas (Praia, 1972)

LOPES da Silva, Félix (i.e. Guilherme Ernesto), poeta (Santo Antão, 1889-1967) — Poesias Escolhidas do Livro Inédito “Jardins Nevados” (Mindelo, 1991)

ALFAMA, José Bernardo, poeta (Brava, ?-1927) — Canções Crioulas e Músicas Populares (Lisboa, 1910)

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CARDOSO, Pedro Monteiro, poeta e ensaísta (Fogo, 1883-1942) — Primícias (Lisboa, 1908) — Caboverdeanas (Lisboa, 1915) — Jardim das Hespérides (Vila Nova de Famalicão, 1926) — Duas Canções (Lisboa, 1927) — Algas e Corais (Vila Nova de Famalicão, 1928) — Hespérides. Fragmentos de um poema perdido em triste e miserando naufrágio (Vila Nova de Famalicão, 1930) — Folclore Caboverdeano (Porto, 1933) — Camões perante o mundo culto (Conferência) (Praia, 193?) — Conferência no “Teatro Virgínia Vitorino” (Praia), em 30 de Dez. 1933 (Porto, 1934)

— Cadernos Luso-Caboverdianos. 3 volumes: (1) E mi que ê lha’r Fogo (Fogo, 1941) (2) Ritmos de Morna (Praia, 1942) (3) Sem Tom Nem Som (Praia, 1942) — Lírios e Cravos (Ermesinde, 1951)

CABRAL, Juvenal da Costa, poeta e ficcionista (Santiago, 1898-1951) — O Crime do Largo do Hospital da Cidade da Praia (Porto, 1930) — Memórias e Reflexões (Praia, 1947) — Bejo Caro! (Confissão de Zé Badiu) O crioulo em acção (Praia, 1949)

Quadro 13 – Colaboradores da Imprensa Periódica (1936-1975) GONÇALVES, António Aurélio, ficcionista e ensaísta — Chuva Braba (Lisboa, 1956) (S. Vicente, 1901-1984) — Flagelados do Vento Leste (Lisboa, 1959) — Pródiga (Praia, 1956) — Enterro de Nhá Candinha Sena (Praia, 1957) — Noite de Vento (Praia, 1970) — Virgens Loucas (Praia, 1971) — Noite de Vento (Praia, 1985) — Recaída (Praia, 1993) — Ensaios e Outros Escritos (Praia/Mindelo, 1998) — Terra da Promissão (Praia, 1998)

— Galo Cantou na Baía (Lisboa, 1959) — Crioulo e Outros Poemas (Lisboa, 1964) — Considerações Sobre as Personagens de Ficção e Seus Modelos (Lisboa, 1973) — Falucho Ancorado (Lisboa, 1997)

NUNES, António, poeta (Santiago, 1917-1951) — Devaneios (Praia, 1938) — Poemas de Longe (Lisboa, 1945)

BARBOSA, Jorge Vera-Cruz, poeta (Praia, 1902SOUSA, Henrique Teixeira de, ficcionista e ensaísta 1971) (Fogo, 1919-) — Arquipélago (Praia, 1935) — Ambiente (Praia, 1941) — Caderno de um Ilhéu (Lisboa, 1956) — Jorge Barbosa, Poesias I (Praia, 1989) — Jorge Barbosa, Poesia Inédita e Dispersa (Lisboa, 1993) — Obra Poética (Lisboa, 2002)

LOPES da Silva, Baltasar (i.e. Osvaldo Alcântara), poeta, ficcionista e ensaísta (S. Nicolau, 1907-1989) — Chiquinho (Mindelo, 1947) — Cabo Verde Visto por Gilberto Freyre (Praia, 1956) — O Dialecto Crioulo de Cabo Verde (Lisboa, 1957) — Cântico da Manhã Futura (Praia/Lisboa, 1986) — Os Trabalhos e os Dias (Praia/Lisboa, 1987)

LOPES, Manuel dos Santos, ficcionista, poeta e ensaísta (São Vicente, 1907-2005) — Paúl (Mindelo, 1932) — Poemas de Quem Ficou (Açores, 1949) — Os Meios Pequenos e a Cultura (Açores, 1951)

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— Contra Mar e Vento (Lisboa, 1972) — Ilhéu de Contenda (Lisboa, 1978) — Xaguate (Lisboa, 1987) — Capitão de Mar e Terra (Lisboa, 1989) — Djunga (Lisboa, 1990) — Na Ribeira de Deus (Lisboa, 1992) — Entre Duas Bandeiras (Lisboa, 1994)

FONSECA, Aguinaldo Brito, Poeta (S. Vicente, 1922-) — Linha do Horizonte (Lisboa, 1951) MIRANDA, Nuno Alvares, ficcionista, poeta e ensaísta (S. Vicente, 1924-) — Cais de Ver Partir (Lisboa, 1960) — Gente da Ilha (Lisboa, 1961) — Cancioneiro da Ilha (Braga, 1964) — Cais de Pedra (Lisboa, 1989)

AMARÍLIS Fernandes Ferreira, Orlanda ficcionista (Santiago, 1924-) — Cais-do-Sodré Té Salamansa (Coimbra, 1974) — Ilhéus dos Pássaros (Lisboa, 1983) — A Casa dos Mastros (Lisboa, 1989)

FRANÇA, Arnaldo Carlos, poeta e ensaísta (Santiago, 1925-) — Notas Sobre Poesia e Ficção Cabo-verdianas (Praia, 1962)

MARIANO Gabriel Lopes da Silva, ficcionista, poeta e ensaísta (S. Nicolau, 1928-2002) — Doze Poemas de Circunstância (Praia, 1965) — Vida e Morte de João Cabafume (Lisboa, 1976) — Cultura Caboverdeana (Lisboa, 1991) — Ladeira Grande. Antologia Poética (Lisboa, 1993)

MARTINS, Ovídio de Sousa, poeta e ficcionista (S. Vicente, 1928-1999) — Caminhada (Lisboa, 1962) — Tchutchinha (Sá da Bandeira, Angola, 1962) — Gritarei Berrarei Matarei. Não Vou para Pasárgada (Holanda, 1973) — Independência (Praia, 1983) SILVA, Yolanda Morazzo Lopes da, poeta (S. Vicente, 1928-) — Cântico de Ferro (Lisboa, 1976) ANAHORY Silva, Terêncio Casimiro, poeta (Boa Vista, 1932-2000) — Caminho Longe (Lisboa, 1962) FORTES, Corsino António, poeta (S. Vicente, 1933-) — Pão & Fonema (Luanda, 1974) — Árvore & Tambor (Praia/Lisboa, 1986) — Cabeça Calva de Deus (Praia/Lisboa, 2001)

SILVEIRA, Onésimo, poeta, ficcionista e ensaísta (S. Vicente, 1935-) — Toda a gente fala: sim, senhor (Sá da Bandeira, Angola, 1960) — Hora Grande (Nova Lisboa, Angola, 1962) — Consciencialização na Literatura de Cabo Verde. (Lisboa, 1963) — A Saga das as-Secas e das Graças de Nossenhor (Lisboa, 1991) LOPES, Felisberto Vieira (Kaoberdiano Dambará), poeta (Santiago, 1937-) — Noti (Conacry, 1964) MASCARENHAS, Maria Margarida, ficcionista (S. Vicente, 1938-) — ... Levedando a Ilha (Praia/Lisboa, 1988) FONSECA, Mário de Almeida, poeta (Santiago, 1939-) — Mon Pays est une Musique — Poèmes 1964-1984 (Nouakchott, 1986) — La Mer a Tous les Coups (Praia, 1990) — L’Odoriférante Evidence de Soleil Qu’est une Orange (Praia, 1997) — Se a Luz é para Todos (Praia, 1998) [OSÓRIO] Medina Custódio, Oswaldo Alcântara, poeta e ficcionista (S. Vicente, 1939) — Caboverdeamadamente Construção Meu Amor (Poemas de Luta) (Lisboa, 1975) — O Cântico do Habitante – Precedido de Duas Gestas (Lisboa, 1977) — Clar(a)idade Assombrada (Praia, 1986) — Os Loucos Poemas de Amor e Outras Estações Inacabadas (Mindelo, 1997) VIEIRA e Silva, Arménio Adroaldo, poeta e ficcionista (Santiago, 1941-) — Poemas. 1971-1979 (Lisboa, 1981) — O Eleito do Sol (Praia, 1989) — No Inferno (Praia, 1999) ALFAMA, Jorge Miranda, poeta e cronista (Guiné, 1941-) — Isto & Aquilo (Mindelo, 2000)

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Anexo 7: Hinos de Eugénio Tavares e João Nunes Quadro 14 – Hinos de Autoria de Eugénio Tavares Ergo os Olhos

Para o Céu

Ergo os olhos meus, Ergo-os sem temor, Ergo-os para Deus, Que me amparou na minha dor!

Para o Céu, ai, para o Céu, Sob o espírito que em Cristo renasceu: E o cristão, no eterno lar, Nem depois da morte deixa de cantar.

Coro Oh Deus, consolo dos aflitos, Leva minha alma em Tua mão, Inunda em paz os recônditos Do meu rendido coração.

Coro Para a frente, ai, para a frente, Marcha sempre o bom soldado de [Jesus: Leva na alma a fé ardente E na mão como uma espada hasteia a [cruz.

Fonte da vida universal, Causa santíssima do Amor, Redime e salva o pecador, Salva-o da dor, livra-o do mal. Em um só momento Venço o negro horror O arrependimento Dá-me outra luz, dá-me outro amor. Hei-de ser a luz Que jamais se apaga. Firme como a Cruz Que doma o vento e amansa a vaga.

Para Deus, ai, para Deus Corram todos a abraçar-se à salvação: Rompa o Sol os negros véus Que mergulham na tristeza o coração. Alegria, oh, alegria, Dá-nos crença, dás-nos fé e dá-nos [luz. Seja hoje o grande dia De confiarmos nossas almas a Jesus. Do Teu trono, ai, do Teu trono, Sorri e brilha como um príncipe [moreno: Glorifica o Nazareno, Sol risonho, Sol, desperta do teu sono.

Nota: Cópias gentilmente cedidas pelas Dras. Manuela Chantre de Barros, Kansas City (EUA), e M. Odette Pinheiro, S. Vicente, Abril de 2002

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Quadro 15 – Hinos de Autoria de João José Nunes Entrai, Irmãos

O Céu em Luz Fulgindo

Entrai, irmãos entrai,

O céu em luz fulgindo,

Noite de Paz e Amor.

A terra em flor fremindo,

Que a paz seja convosco

Cantam, saúdam, com estranho ardor

Na casa do Senhor (Bis)

O nascimento do Redentor.

Coro

Coro

Noite formosa e santa

Ó astros do azul bendito,

Qual sonho virginal.

Ó vastos campos em flor,

Bendita seja sempre

Festejai o alvorecer

Ó noite de Natal.

Do perdão, da paz, do amor.

Sob este tecto santo

É catedral doirada,

Vossas almas remindo

A natura adornada

Vos esperam cantando,

De luz, de cores resplandecentes,

Vos esperam sorrindo (Bis).

Qual róseo sonho, imenso, ardente.

Entrai, irmãos entrai,

É Cristo! Canta a espessura.

Na mansão de Jesus.

Jesus! O mar murmura.

Ao partir levarei

Numa aleluia sem igual,

Da fé, a flor de luz.

Céu, mar e terra cantam Natal!

Vinde Ricos e pobres Vinde ao seio do Pai, É vosso este lar grato Entrai, irmãos entrai. Nota: Cópias gentilmente cedidas, respectivamente, pelo Rev. António Marcelino Barbosa e pela Dra. M. Odette Pinheiro, S. Vicente, Junho de 2002

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Anexo 8: Cronologia de Acontecimentos Relevantes (1820-1975) Os acontecimentos políticos e socioculturais ocorridos em Portugal no período que vai da segunda década de oitocentos à independência nacional das Ilhas de Cabo Verde (1820-1975) provocaram, de forma muito particular, acontecimentos que deram origem a grandes modificações no Arquipélago: Acontecimentos em Portugal 1820 Revolução Liberal e instauração da Monarquia Constitucional (24 de Agosto); 1822 Independência do Brasil (7 de Setembro); 1828-1834 Lutas entre liberais e absolutistas, terminando com o triunfo do Liberalismo 1869 Abolição da escravatura em todos os territórios da monarquia, excepto Macau, passando os escravos à condição de libertos, com obrigação de prestarem serviço a seus senhores até ao dia 29 de Abril de 1878 (23 de Fevereiro); 1890-1891 Ultimato Inglês (11 de Janeiro de 1890) e Crise Financeira e Económica; 1910 Fim da Monarquia e proclamação da República (5 de Outubro); 1926 Instalação da Ditadura Militar (28 de Maio); 1930 Publicação do Acto Colonial (8 de Julho); 1933 Estabelecimento do Estado Novo; 1944 Fundação da Casa dos Estudantes do Império – CEI (Julho); 1945 Amílcar Cabral chega a Portugal para frequentar o Instituto de Agronomia de Lisboa; 1951 Organização do Centro de Estudos Africanos – CEA (Agosto); 1952 Amílcar Cabral conclui o curso de Agronomia e regressa à Guiné; 1961-1964 Início da Guerra Colonial: Angola (4 de Fevereiro de 1961), GuinéBissau (24.Set.1963) e Moçambique (25.Set.1964); 1965 Encerramento compulsivo da CEI (Setembro); 1974 Golpe de Estado do Movimento das Forças Armadas, “A Revolução dos Cravos” (25 de Abril); 1974-1975 Processo de descolonização das antigas colónia e declaração das independências nacionais.

Acontecimentos em Cabo Verde 1835 Revolta de escravos na Praia Santa Maria (Dezembro); 1838 Regime Liberal projecta para S. Vicente a construção de um espaço comercial e cria a povoação do Mindelo (11 de Junho); 1842 Estabelecimento da tipografia na Província tendo começado a funcionar nesse mesmo ano como Imprensa Nacional de Cabo Verde e Guiné. Início de publicação do Boletim Official do Governo Geral da Província (24 de Agosto);

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1845 Lançamento dos fundamentos e implementação da instrução pública oficial (14 de Agosto); Abolição do tráfico de escravos no litoral africano e sua repressão; 1846 Revolta dos moradores da Ribeira do Engenho, Santiago, os quais negaram pagar as rendas sob o pretexto de que a Constituição tinha abolido o morgadio e que as terras vinculadas tinham ficado sendo propriedade de quem as trabalhasse; 1847 Instalação da Escola Principal de Instrucção Primaria, na Vila da Nova Sintra, Brava, posteriormente transferida para a Praia. Em 1817 tinha sido criada a primeira Escola de Ensino Primário, na Vila da Praia; 1851 Estabelecimento de depósitos de carvão em S. Vicente, o que veio a provocar o aumento das receitas públicas e permitir construir edifícios, abrir-se caminhos e desenvolver-se a instrução pública; 1852 S. Vicente é desligado administrativamente da ilha de Santo Antão formando um concelho independente; 1855 Fixação permanente do Governo na Vila da Praia (28 de Abril), com transferência da Escola Principal de Instrucção Primaria de Cabo-Verde da ilha Brava; 1858 Elevação da Vila da Praia à categoria de cidade (29 de Abril); 1860 Criação do Lyceo Nacional da Província de Cabo Verde, na Vila da Praia Santa Maria (22 de Dezembro); 1863 Abolição dos morgadios e capelas (19 de Maio); Lançamento, na Praia, da primeira pedra do Theatro de D. Maria Pia de Saboya (21 de Março); 1864 Criação do Banco Nacional Ultramarino (BNU), com sede em Lisboa, com agência em Cabo Verde e nas outras províncias ultramarinas; Engajamento dos primeiros contratados para as roças de S. Tomé e Príncipe, na sequência da fome de 1864-1866 (29 de Março); 1866 Fundação do Seminario Eclesiastico da Diocese de Cabo Verde, em S. Nicolau (3 de Setembro); 1867 Nascimento, na Brava, de Eugénio da Paula Tavares, o maior periodista cabo-verdiano (18 de Outubro); 1868 Inauguração, na Cidade da Praia, do eatro Africano (1 de Janeiro); 1871 Criação, na Praia, da Bibliotheca e Museu Nacionaes de Cabo Verde (8 de Abril); 1874 Ligação de S. Vicente à ilha da Madeira e ao Brasil, por cabo submarino, e, dez anos mais tarde, à Praia; 1877 Publicação do primeiro jornal não oficial, Independente, Vila da Praia Santa Maria (1 de Outubro); 1879 Desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, formando o território daquela possessão uma província autónoma (18 de Março); 1891 Crise no Porto Grande do Mindelo. Uma multidão de mais de duas mil pessoas manifestam-se nos Passos do Concelho e pede providências urgentes (20 de Abril); 1900 Situação interna catastrófica – fomes e epidemias (1900-1903, 1920-1922 1940-1943 e 19461948); 1907 Nascimento, em São Nicolau, de Baltasar Lopes da Silva, o principal fundador da revista Claridade (23 de Abril); 1910 Anúncio oficial da proclamação da República no Suplemento do Boletim Oficial (6 de Outubro); Revolta de camponeses de Ribeirão Manuel, em Santa Catarina, Santiago, em que os rendeiros invadiram os armazéns de um grande proprietário e apoderaram-se dos frutos da purgueira com o objectivo de obterem dinheiro para o pagamento das rendas (10 e 17 de Novembro);

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1917 Abertura do Liceu Nacional em S. Vicente, com a extinção do Seminario-Lyceu de São Nicolau (19 de Novembro); 1919 Proibição da emigração para os EUA (seguiram-se ainda as proibições e restrições de 1924 e 1928); 1924 Nascimento, na Guiné, de Amílcar Lopes Cabral, o fundador do PAIGC (12 de Setembro); 1930 Decadência do Porto Grande do Mindelo, como efeito da crise mundial de 1929-1934; Morte de Eugénio Tavares (1 de Junho); 1934 Manifestação popular dos trabalhadores desempregados em S. Vicente sob o comando de Nhô Ambrose (7 de Junho); 1935 Abertura da Colónia Penal do Tarrafal para presos políticos e sociais (Fevereiro); 1936 Início, em S. Vicente, da publicação da revista Claridade (Março); 1947-1949 Crise com fome geral, sendo a mais grave que atingiu o Arquipélago. Santiago perde cerca de 65% da população; 1949 Desabamento, na Praia, do alpendre e do muro sob que se abrigava a maior parte dos indigentes que recebiam refeições diárias fornecidas pela Assistência, tendo ocasionando 232 mortos e 47 feridos (20 de Fevereiro); 1956 Fundação do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o Partido de Cabral (19 de Setembro); 1960 Repressão da polícia política, a PIDE–DGS, e desencadear de uma onda de prisão de nacionalistas; 1963 Início da luta armada de libertação nacional nas matas da Guiné-Bissau (1 de Janeiro); 1973 Assassinato de Amílcar Cabral, em Conacry (20 de Janeiro); 1975 Declaração da Independência Nacional (5 de Julho).

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Bibliografia

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II – Artigos de Jornais e Opúsculos Não Assinados ▶ (1930) “Actas da 1.ª Convenção Nacional dos Povos Africanos – Pacto do Partido Nacional Africano”, pp. 1 e 6, A Voz d’Africa, N.º 879, 5ª Série. Lisboa: Empreza “A Voz d’Africa” Lda., Julho de 1930. ▶ (1850), Algumas Considerações sobre a Fixação da Sede do Governo da Provincia e Salubridade da Ilha de S. iago de Cabo Verde. Representação Dirigida ao Governo de Sua Magestade pelas Camaras Municipaes, e Cidadãos da Mesma Ilha. Lisboa: Typographia da Revista Universal, 41 pp. ▶ (1936), “Apontamento”, in Claridade – revista de arte e letras, N.º 1, Março de 1936. S. Vicente: Sociedade de Tipografia e Publicidade. ▶ (1931), “A Que Vimos”, p. 1, in Notícias de Cabo Verde, N.º 1, Março de 1931. S. Vicente: Sociedade de Tipografia e Publicidade. ▶ (s/d [2000]), “Cantiga de Roda”, in Celina Pereira – Harpejos e Gorgeios (Compact Disc). Lisboa: Edição e distribuição SONOVOX. ▶ (1912), “Comités em Cabo Verde”, in A Voz d’Africa, N.º 1, Setembro de 1912. Lisboa: JDDA. ▶ (1944), “A Casa dos Estudantes do Império”, in Diário Popular, Ano II, N.º 638, Julho de 1944. Lisboa: Sociedade Industrial de Imprensa. ▶ (s/d [2000]), “Esconjure”, in Celina Pereira – Harpejos e Gorgeios (Compact Disc). Lisboa: Edição e distribuição SONOVOX. ▶ (1932), “Estatutos da União Regionalista Caboverdeana (Projecto)”, in Notícias de Cabo Verde, N.º 28, Dezembro de 1932. S. Vicente: Sociedade de Tipografia e Publicidade. ▶ (1911), “Fartae, Villanagem!”, in O Negro, N.º 1, Março de 1911. Lisboa: Liga Académica Internacional dos Negros e empresa O Negro. ▶ (1948) “Finaçom”, pp. 36-37, in Claridade – revista de arte e letras, N.º 6, Julho de 1948. S. Vicente: Sociedade de Tipografia e Publicidade. ▶ (1912) “A Junta de Defeza dos Direitos d’Africa”, in A Voz d’Africa, N.º 2, Setembro de 1912. Lisboa: JDDA. ▶ (1907) “Lyceu na Cidade da Praia”, in Cabo Verde, Numero commemorativo da passagem por esta provincia de Sua alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filippe, Praia, 21 de Setembro de 1907. ▶ (1911) “Marinha de Campos candidato a deputado pelo círculo de Cabo Verde”, in A Voz de Cabo Verde, N.º 14, Maio de 1911. Praia: Imprensa Nacional de Cabo Verde. ▶ (1911) “Marinha de Campos em Lisboa. D’ O Século, de 26 de Abril”, in A Voz de Cabo Verde, N.º 13, Maio de 1911. Praia: Imprensa Nacional de Cabo Verde. ▶ (1912) “Nativismo”, editorial, in O Progresso, N.º 7, Agosto de 1912. Praia: Propriedade da Empresa “O Progresso”. ▶ (1912) “Nativismo”, in A Voz de Cabo Verde, N.º 53, Agosto de 1912. Praia: Tipografia de A Voz de Cabo Verde. ▶ (1912) “Pela Imprensa do Paiz”, in A Voz de Cabo Verde, N.º 25, Fevereiro de 1912. Praia: Tipografia de A Voz de Cabo Verde. ▶ (1993) “Presença regista”, p. 13, in Presença – fôlha de arte e crítica (Coimbra, 1927-1940), in Edição fac-similada compacta (3 Tomos), Ano XI, Tomo III, N.º 49, Junho de 1937. Lisboa: Contexto, Editora. ▶ (1912) “A Primeira Assembleia Geral”, in A Voz d’Africa, N.º 1, Setembro de 1912. Lisboa: JDDA. ▶ (1912) “Propaganda da Junta. Duas Conferências. O Futuro de Cabo Verde – A Função Social da Junta. Conferência do Dr. Nobre de Melo”, in A Voz d’Africa, N.º 2, Setembro de 1912. Lisboa: JDDA. ▶ (1911) “Reflictamos...”, in O Negro, N.º 1, Março de 1911. Lisboa: Liga Académica Internacional dos Negros e empresa O Negro. ▶ (1914) Relatório do Congresso Maçónico Nacional Realisado no Porto nos dias 19, 20, 21, 22 e 23 de Junho de 1914. S/l., s/ed., 384 pp. ▶ (1934) “A representação da Colónia de Cabo Verde”, in Ultramar, Órgão Oficial da I Exposição Colonial, N º 11, Fevereiro de 1934. Porto: ▶ (1899) Representação Dirigida a Sua Magestade pelos Negociantes e Proprietários de S. Vicente de Cabo Verde. Lisboa: Imprensa de Libanio da Silva, 8 pp. ▶ (1912) “S. omé e Principe e a emigração caboverdeana”, pp. 1-2, in O Independente, N.º 15, Agosto de 1912.

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Praia: Imprensa Nacional de Cabo Verde. ▶ (1896) “Seminario-Lyceu (Breves palavras dirigidas aos alumnos de seminario-lyceu de Cabo Verde, pelo prelado da diocese, no dia da abertura solemne das aulas do presente anno lectivo de 1896 a 1897)”, pp. 311312, in Boletim Official do Governo da Província de Cabo Verde, N.º 52, Dezembro de 1896. Praia: Imprensa Nacional de Cabo Verde. ▶ (1931), “A Situação Económica da Colónia de Cabo Verde. Apreciada pelo Sr. Engenheiro Bacelar Bibiano”, pp. 2 e 5, in Notícias de Cabo Verde, N.º 12, Agosto de 1931. S. Vicente: Sociedade de Tipografia e Publicidade. ▶ (1900), “A Venda das Colónias”, in O Ultramarino, N.º 24, Fevereiro de 1900. Lisboa: José Antonio de Carvalho Bastos.

DOCUMENTOS AVULSOS E PERIÓDICOS I – Documentos Avulsos Manuscritos ▶ Actas das Sessões da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento (S. Vicente, 1918, 1921, 1933 e 1942). ▶ Actas das Sessões da Câmara Municipal (S. Vicente, 1930-1938).

Relatórios de Governadores: ▶ Caetano Alexandre D’ALMEIDA e ALBUQUERQUE (1872 a 1874). Lisboa: Imprensa Nacional, 1875, 377 pp. ▶ Caetano Alexandre D’ALMEIDA e ALBUQUERQUE (1875-1876). Lisboa: Imprensa Nacional,1877, 230 pp. ▶ Caetano Alexandre D’ALMEIDA e ALBUQUERQUE (1878). Lisboa: Imprensa Nacional, 1879, 197 pp. ▶ António do Nascimento PEREIRA SAMPAIO (1878 [197 pp.], 1879 [179 pp.] e 1880 [296 pp.]). Lisboa: Imprensa Nacional, 1881. ▶ João Paes VASCONCELLOS (1881 e 1882). Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, 431 pp. ▶ José Guedes BRANDÃO DE MELLO (1890). Lisboa: Imprensa Nacional, 1891, 235 pp. ▶ João Cezario de LACERDA (1898). Lisboa: Imprensa Nacional, 1901, 90 pp.

II – Periódicos Diários e Boletins Oficiais: ▶ Boletim Oficial do Governo [Geral] da Província [Colónia] de Cabo Verde. Praia, Imprensa Nacional de Cabo Verde, 1842-1975637. ▶ Collecção de Legislação Portuguesa das Cortes de 1821 a 1823 (reedição). Lisboa: Imprensa Nacional, 1944. ▶ Diário das Cortes Gerais e Extraordinarias da Nação Portugueza – Lisboa, 27 de Janeiro de 1821 a 4 de Novembro de 1822, 7 Volumes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821-1822. ▶ Diário do Governo. Lisboa: Imprensa Nacional, vários anos.

637

O Boletim Oficial de Cabo Verde sobreviveu até aos nossos dias, tendo-se adaptado aos diferentes momentos políticos – Monarquia, Primeira República, Estado Novo e a própria Independência Nacional de Cabo Verde. A nossa consulta abrangeu um longo período de pouco mais de cento e trinta anos, ou seja, de 1842 a 1975.

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Periódicos Cabo-verdianos638 : ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶

638

Acção (A) (Praia, 1921-1922). Alma Arsinária (S. Vicente, 1932). Almanach Luso-Africano (S. Nicolau, 1895 e 1899). Alvorada (A) (New Bedford, Massachusetts, U.S.A., 1900-1914). Boletim dos Alunos do Liceu Gil Eanes (S. Vicente, 1959). Cabo Verde. Numero commemorativo da passagem de Sua Alteza o Principe Real Senhor Dom Luiz Filippe (Praia, Setembro de 1907). Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921). Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1949-1964). Caboverdeano (O) (Praia, 1918-1919) Certeza – Fôlha de Academia (S. Vicente, 1944). Claridade – revista de arte e letras (S. Vicente, 1936-1960). Claridade – Revista de Arte e Letras. Publicação Comemorativa do seu Cinquentenário. Praia: Instituto Caboverdiano do Livro, 1986. Cultura – Revista de Investigação Cultural e de Pensamento (Praia, 1998-2001). Defesa (A) (Fogo, 1913-1915). Defesa (S. Nicolau, 1933-1934). Eco de Cabo Verde (O) (Praia, 1933-1935). Futuro de Cabo Verde (O) (Praia, 1913-1916). Imprensa (A) (Praia, 1880-1881). Independente (O) (Praia, 1912-1913). Juventude (S. Vicente, 1936). Liberdade (A) (S. Vicente, 1902-1903). Manduco (O) (Fogo, 1923-1924). Mindelense (O) (S. Vicente, 1913) Notícias (S. Vicente, 1987-1994). Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1931-1962). Novo Jornal de Cabo Verde (Praia, 1974-1975). Opinião (A) (S. Vicente, 1902-1903). Popular (O) (S. Vicente, 1914-1915). Progresso (O) (Praia, 1912-1913). Raízes (Praia, 1977-1984). Revista de Cabo Verde (S. Vicente, 1899). Seló – Página dos Novíssimos, in Notícias de Cabo Verde (S. Vicente, 1962). Semana (A) (Praia, 1991-). Suplemento Cultural ao Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação (Praia, 1958). Tribuna (Praia, 1985-1991). Voz de Cabo Verde (A) (Praia, 1911-1919).

As datas indicadas são as do início e término dos jornais e revistas citadas.

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Periódicos de Outras Colónias639: ▶ Brado Africano (O) (Lourenço Marques, 1918-1932).

Periódicos Africanos na Metrópole640: ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶

Africa. Órgão oficial do Movimento Nacionalista Africano (Lisboa, 1931). Africa. Cultura Nacional Editora, Limitada (Lisboa, 1932-1934). Correio de África. Quinzenario defensor dos interesses de Africa (Lisboa, 1921-1923). Correio de África. Quinzenario defensor dos interesses de Africa (Lisboa, 1924). Eco d’África (O). Quinzenario defensor dos interesses d’Africa (Lisboa, 1914-1915). Mensagem – Boletim da Casa dos Estudantes do Império (Lisboa, 1944-1964). Mocidade Africana (A) (Lisboa, 1930-1932). Negro (O). Órgão dos Estudantes Negros (Lisboa, 1911). Portugal Novo. Órgão e Propriedade da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa (Lisboa, 1915). Protesto Indígena (O). Porta-Voz das organizações indigenas da Africa Portuguesa e interprete das aspirações do Partido Nacional Africano (Lisboa, 1921). ▶ Tribuna d’África. Boletim Oficial da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa (Lisboa, 1913). ▶ Voz d’Africa (A). Boletim Oficial da Junta de Defeza dos Direitos d’Africa (Lisboa, 1912-1930).

Periódicos Portugueses641: ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶ ▶

África, Literatura - Arte e Cultura (Lisboa, 1978-1986). Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro (Lisboa, 1851-1932. Análise Social. Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Lisboa, 2001). Boletim Colonial (Lisboa, 1888-1894). Boletim Geral das Colónias (Lisboa, 1950). Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (Lisboa, 1887). Diário Popular (Lisboa, 1944). Família Portuguesa (A) (Lisboa, 1893-1897). Garcia de Orta. Revista da Junta das Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar (Lisboa, 1956). História. Universidade Nova de Lisboa (Lisboa, 1998). Orpheu (Lisboa, 1915). Panorama (O) – Jornal Literário e Instructivo (Lisboa, 1857). Presença – fôlha de arte e crítica (Coimbra, 1927-1940). Revista de Espiritualismo (Lisboa, 1939-1941) Revista da Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa (Lisboa, 1955). Revista de História das Ideias. Instituto de História e Teoria das Ideias, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Coimbra, 1997). ▶ Revista Internacional de Estudos Africanos. Instituto de Investigação Científica Tropical, Centro de Estudos Africanos e Asiáticos (Lisboa, 1980).

Idem As datas indicadas são as do início e término dos jornais e revistas citadas. 641 As datas indicadas são as do início e término dos jornais e revistas ou da edição onde está inserido o artigo citado. 639 640

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Revista Portuguesa Colonial e Marítima (Lisboa, 1897 e 1903). Seara Nova (Lisboa, 1921-1982). Século (O) (Lisboa, 1944). Studia. Centro de Estudos Históricos Ultramarinos (Lisboa, 1962). Ultramar. Órgão Oficial da I Exposição Colonial (Porto, 1934). Ultramarino (O) (Lisboa, 1899-1902). Vértice (Coimbra, 1949).

ENTREVISTAS I – Realizadas em Cabo Verde ▶ Doutor Onésimo SILVEIRA, Membro do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente, escritor, cientista político, africanista e um dos mais polémicos da sua geração; em S. Vicente, 8/02/2002. ▶ Arménio VIEIRA, escritor e co-fundador do Seló – Página dos Novíssimos, S. Vicente, 1962; na Praia, 09/ 02/2002. ▶ Dr. Arnaldo FRANÇA, escritor, membro da “Academia Cultivar” e co-fundador da revista Certeza, S. Vicente, 1944; na Praia, 11/02/2002. ▶ Osvaldo CUSTÓDIO [OSÓRIO], escritor e co-fundador do Seló –Página dos Novíssimos (S. Vicente, 1962); na Praia, 12/02/2002. ▶ Comandante de Brigada Pedro Verona RODRIGUES PIRES, Presidente da República de Cabo Verde, em exercício (2001-), antigo Primeiro-Ministro (1975-1990), combatente e figura marcante da independência nacional; na Praia, 14/02/2002. ▶ Dr. José LEITÃO DA GRAÇA, co-fundador do grupo “Nova Largada”; na Praia, 16/10/2002.

II – Realizadas em Portugal ▶ Manuel dos SANTOS LOPES, escritor e co-fundador da revista Claridade, S. Vicente, 1936-1960; em Lisboa, 27/11/2000. ▶ Dr. Henrique TEIXEIRA DE SOUSA, escritor claridoso; em Santo Amaro de Oeiras, 17/03/2001. ▶ Dr. Aguinaldo WHANON, filho de Jonas Whanon, apoiante dos promotores da Claridade; em Lisboa, 9/01/ 2002 ▶ Dr. Teodoro MONTEIRO DE MACEDO, filho de Abílio Monteiro de Macedo, proprietário do jornal A Voz de Cabo Verde, Praia, 1911-1919); em Lisboa, 13/01/2002. ▶ Eugénio TAVARES SENA, sobrinho-neto de Eugénio Tavares, patrono desta investigação e o maior periodista cabo-verdiano; em Sintra, 14/01/2002. ▶ Dr. Aguinaldo BRITO FONSECA, escritor, membro do grupo “Nova Largada” e colaborador do Suplemento Cultural, Praia, 1958; em Lisboa, 18/10/2002. ▶ Doutor Onésimo SILVEIRA, Embaixador de Cabo Verde em Portugal, em exercício (2002-), escritor, cientista político, africanista e um dos mais polémicos da sua geração; em Lisboa, 24/10/2002. ▶ Veladimir Romano da CRUZ, filho de Francisco Xavier da Cruz, “B. Léza”, grande músico e compositor de mornas; em Lisboa, 9/11/2002.

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Índice

Índice Agradecimentos........................................................................................................................... 11 Abreviaturas ................................................................................................................................. 13 Resumo ......................................................................................................................................... 15 Capítulo I - Problemática, Metodologia e Pressupostos Teóricos 1. Problemática da Investigação ................................................................................................ 21 1.1 - Hipóteses e Objectivos..................................................................................................... 22 1.2 - Abordagem Metodológica............................................................................................... 23 2. Conceitos Essenciais ............................................................................................................... 28 2.1 - Identidade......................................................................................................................... 28 2.2 - Nação ................................................................................................................................. 30 2.3 - Crioulismo ........................................................................................................................ 30 3. Relevância e Limitações do Estudo....................................................................................... 34 Primeira Parte - A Formação da Nação Crioula Capítulo II - As Ilhas de Cabo Verde 1. Uma Resenha Histórica das Ilhas ......................................................................................... 49 1.1 - O Quadro Geo-Histórico ................................................................................................ 50 1.2 - O Quadro Socio-Económico .......................................................................................... 55 2. A Identidade Cultural Crioula............................................................................................... 69 2.1 - A Língua Crioula.............................................................................................................. 72 2.2 - As Manifestações da Cultura Popular............................................................................ 73 2.3 - As Formas Cultas de Literatura ...................................................................................... 96 Capítulo III - A Emergência de uma Elite Letrada 1. A Instrução Pública Oficial..................................................................................................102 1.1 - A Instrução Pública no Reino.......................................................................................103 1.2 - A Instrução Pública nas Ilhas .......................................................................................105 2. A Génese de uma Elite Letrada ...........................................................................................117 2.1 - O Sistema de Ensino Elitista .........................................................................................117 2.2 - A Estruturação da Elite Letrada ...................................................................................119 3. A Expansão da Elite Letrada................................................................................................126 3.1 - A Produção Cultural ......................................................................................................127 3.2 - A Reprodução Sociocultural.........................................................................................134 3.3 - A Circulação Geográfica ...............................................................................................135 4. A Formação da Elite – Modelo Conceptual.......................................................................148

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Capítulo IV - O Surgimento de um Jornalismo de Opinião 1. O Movimento Liberal Português.........................................................................................156 1.1 - O Debate Político e a Comunicação de Ideias............................................................156 1.2 - As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes .....................................................157 1.3 - A Divulgação e a Legitimação das Ideias Liberais .....................................................159 2. A Liberdade de Imprensa .....................................................................................................160 2.1 - A Liberdade de Escrever e Publicar .............................................................................160 2.2 - A Liberdade Que Vem, Que Vai... ................................................................................161 3. O Estabelecimento do Prelo.................................................................................................162 3.1 - A Imprensa Nacional .....................................................................................................162 3.2 - Uma Imprensa para as Ilhas..........................................................................................165 3.3 - A Imprensa das Ilhas......................................................................................................167 3.4 - A Indústria Gráfica...........................................................................................................180 4. A Organização da Produção Jornalística e Literária.........................................................183 4.1 - O Período do Cabo-verdianismo (1842-1936)...........................................................184 4.2 - O Período da Cabo-verdianidade (1936-1975)..........................................................186 Segunda Parte - A Construção de uma Identidade Nacional Capítulo V - O Sentimento Nativista - A Geração de Eugénio Tavares (1856-1932) 1. O Pan-Africanismo ...............................................................................................................200 1.1 - O Movimento Pan-Africanista .....................................................................................200 1.2 - As Organizações Pan-Africanas em Portugal.............................................................203 1.3 - Os Cabo-verdianos e as Organizações Pan-Africanas ..............................................210 2. A Elite de Ideologia Nativista ..............................................................................................214 2.1 - As Ideias Nativistas em Cabo Verde ............................................................................215 2.2 - As Aspirações da Elite Letrada .....................................................................................251 3. O Nativismo, o Mito Hesperitano e a Crioulidade ...........................................................259 3.1 - O Mito da Atlântida ou das Ilhas Hesperitanas .........................................................259 3.2 - A Crioulidade .................................................................................................................265 Capítulo VI - A Consciência Regionalista - A Geração de Baltasar Lopes (1932-1958) 1. Cabo Verde, o Espaço de Identidade ..................................................................................282 1.1 - O Impacto da Recessão Mundial de 1929-1934 .........................................................282 1.2 - O Efeito da Extinção do Liceu de S. Vicente ..............................................................298 1.3 - A Conjuntura dos Anos Quarenta ...............................................................................301 2. A Elite de Ideologia Regionalista ........................................................................................313 2.1 - A Herança Nativista na Emergência do Regionalismo .............................................313 2.2 - O Fincar dos Pés na Terra .............................................................................................315 2.3 - O Sintonizar-se com Outras Latitudes ........................................................................320 2.4 - A Autonomia - Um Sonho a Perseguir........................................................................328

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Capítulo VII - A Afirmação Nacionalista – A Geração de Amílcar Cabral (1958-1975) 1. A Elite Ultramarina de Ideologia Nacionalista .................................................................338 1.1 - A Primeira Geração de Nacionalistas (1945-1952) ...................................................339 1.2 - A Segunda Geração de Nacionalistas (1957-1965)....................................................345 2. A Elite Cabo-verdiana de Ideologia Nacionalista .............................................................348 2.1 - A Herança Africana .......................................................................................................349 2.2 - O Discurso de Revolta ...................................................................................................353 3. A Luta de Libertação Nacional ............................................................................................362 3.1 - A Emancipação da Tutela Colonial..............................................................................363 3.2 - A Independência – Uma Utopia para o Estado Novo ...............................................365 3.3 - A Luta de Libertação – Um Acto de Cultura do Povo...............................................367 3.4 - A Arma da Escrita: Uma Forma de Combate da Elite Intelectual ...........................369 Terceira Parte - Conclusão A Imprensa: Um Instrumento de Identidade Nacional ............................................. 383 Anexos ......................................................................................................................... 395 Bibliografia .................................................................................................................. 415

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