Desenvolvimento em Crise [1 ed.]
 8571394040, 9788571394049

Table of contents :
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Sumário
Prefácio
Introdução
1 Crise internacional e ajuste nacional: o II PND
2 O padrão de financiamento durante o II PND
3 Ruptura do financiamento externo
4 Restrição cambial e crescimento econômico
5 O desequilíbrio do setor público
6 Crise monetária e hiperinflação
7 Globalização financeira e inserção periférica
8 Abertura financeira, balanço de pagamentos e financiamento
9 Abertura comercial, desnacionalização e dinâmica do crescimento
10 A estabilidade inflacionária: o Plano Real
Referências bibliográficas
Índice de tabelas
Índice de gráficos
Índice de quadros

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Ricardo Carneiro

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Capa: Isabel Carballo

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Ricardo Carneiro é mestre e doutor em Ciência Econômica pela Unicamp, onde, atualmente, é professor titular. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Brasileira, e atua, principalmente, nos segmentos de desenvolvimento econômico, política econômica, política macroeconômica e sistemas financeiros.

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Este livro analisa variáveis como o acesso a tecnologias produtivas dominantes, a organização das finanças e a disponibilidade de financiamentos internacionais, que, somadas a fatores internos, como o papel do Estado e a sua intervenção direta na economia e na articulação com o setor privado, estabeleceram os perfis da economia brasileira nas últimas décadas. O cenário resultante é essencial não só para a definição do perfil da economia brasileira contemporânea, mas também como baliza e alerta para estratégias de desenvolvimento do país.

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Professor do Instituto de Economia da Unicamp, o autor busca os motivos para o desempenho tão díspar entre essas três décadas. A identificação do esgotamento da dinâmica econômica vigente no país de 1930 a 1980 e do baixo dinamismo pós 1990 é ao mesmo tempo um diagnóstico e um alerta para a necessidade de uma política econômica capaz de restabelecer o crescimento sustentado no Brasil.

Produto de pesquisa na área de Economia Brasileira Contemporânea, desenvolvida no Centro de Estudo de Conjuntura no Instituto de Economia da Unicamp, este livro examina a trajetória econômica brasileira no último quarto do século XX.

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Ao tratar do desenvolvimento, da crise e da desaceleração da economia brasileira, entre meados da década de 1970 e os anos 1990, o professor Ricardo Carneiro (IE-Unicamp) ressalta a combinação dos diversos fatores internacionais e domésticos que funcionaram como elementos de obstáculo ou de estímulo ao crescimento econômico nacional.

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atingida a partir da implantação de políticas de liberalização que visaram ao estabelecimento de um padrão de crescimento centrado em uma nova inserção internacional e na redefinição do papel do Estado, combinadas com a estabilização posta em prática pelo Plano Real.

Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX Ricardo Carneiro

O período estudado é dividido em três fases. A primeira engloba a segunda metade dos anos 1970, etapa marcada pela crise da ordem de Bretton Woods e a subsequente resposta brasileira, por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o último grande plano do modelo nacional-desenvolvimentista. A segunda fase refere-se à década de 1980, caracterizada pela crise da dívida dos países periféricos e pela transferência de recursos ao exterior, fatores que levam a uma crescente desorganização da economia brasileira, cujas maiores expressões foram a estagnação e o início da hiperinflação. A década de 1990, por sua vez, caracteriza-se por estabilidade inflacionária e baixo dinamismo da economia. Essa situação foi 05/01/12 11:03

Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX

FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Herman Jacobus Cornelis Voorwald Diretor-Presidente José Castilho Marques Neto Editor-Executivo Jézio Hernani Bomfim Gutierre Conselho Editorial Acadêmico Alberto Tsuyoshi Ikeda Célia Aparecida Ferreira Tolentino Eda Maria Góes Elisabeth Criscuolo Urbinati Ildeberto Muniz de Almeida Luiz Gonzaga Marchezan Nilson Ghirardello Paulo César Corrêa Borges Sérgio Vicente Motta Vicente Pleitez Editores-Assistentes Anderson Nobara Henrique Zanardi Jorge Pereira Filho UNICAMP Reitor Carlos Henrique de Brito Cruz Vice-Reitor José Tadeu Jorge INSTITUTO DE ECONOMIA Diretor Paulo Eduardo de Andrade Baltar Diretor Associado Márcio Percival Alves Pinto Comissão de Publicações Márcio Percival Alves Pinto (Coordenador) José Ricardo Barbosa Gonçalves Waldir José de Quadros Fernando Nogueira da Costa Ricardo de Medeiros Carneiro

Ricardo Carneiro

Desenvolvimento em crise A economia brasileira no último quarto do século XX

2ª Reimpressão

© 2002 Ricardo Carneiro Direitos de publicação reservados à: Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br [email protected] Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carneiro, Ricardo Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX / Ricardo Carneiro. – São Paulo: Editora UNESP, IE – Unicamp, 2002. Bibliografia. ISBN 85-7139-404-0 1. Brasil – Condições econômicas – Século 20 2. Brasil – Política econômica 3. Crise econômica – Brasil 4. Desenvolvimento econômico I. Título. II. Título: A economia brasileira no último quarto do século XX. 02-3737 CDD-330.98106 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Economia: Século 20 330.98106 2. Século 20: Economia: Brasil 330.98106

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Agradecimentos

Este livro é produto de longos anos de trabalho de ensino e pesquisa na área de Economia Brasileira Contemporânea no Instituto de Economia da Unicamp. Durante esse tempo, lecionei inúmeras vezes as disciplinas dessa área nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e desenvolvi trabalho de pesquisa junto ao Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica desse instituto. Portanto, meus primeiros agradecimentos vão para aqueles que, na qualidade de alunos e estagiários, partilharam do esforço e ajudaram a construir os textos, relatórios, ensaios, cuja síntese final é este livro. Embora obra individual, há neste trabalho uma influência decisiva dos mestres, professores e orientadores e dos seus respectivos livros. Destaco, dentre eles, Acumulação de capital e industrialização no Brasil, de Maria da Conceição Tavares; O capitalismo tardio, de João Manuel Cardoso de Mello; O senhor e o unicórnio e inumeráveis ensaios sobre a economia brasileira, de Luiz Gonzaga Belluzzo; A estratégia de desenvolvimento, 1974/76: sonho e fracasso, de Carlos Lessa; Raízes da concentração industrial em São Paulo, de Wilson Cano. Tenho plena certeza de que sem 5

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o alicerce provido por esses livros e sem a discussão das minhas ideias com seus respectivos autores meu trabalho não teria tido êxito. Colhi grandes benefícios também do debate com outros colegas e amigos do Instituto de Economia, ocorridos sobretudo, mas não exclusivamente, no âmbito do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, bem como da leitura de seus trabalhos. Correndo o risco de pecar pela omissão, nomeio Carlos Alonso Barbosa de Oliveira; Paulo Davidoff Cruz; Luciano Coutinho; José Carlos Braga; Jorge Mattoso; Antonio Marcio Buainain; Wilson Suzigan; Fabrício de Oliveira; José Carlos Miranda; Antonio Carlos Macedo e Silva. No plano institucional, dois apoios foram imprescindíveis para a realização do trabalho que culminou neste livro. Desde logo, a estrutura administrativa ágil e eficiente do Instituto de Economia da Unicamp, presente na qualificação dos seus funcionários e na infraestrutura material. Destaco como exemplo dessa qualidade o trabalho realizado por Helena Lopes e Célia Quitério. No desenvolvimento das pesquisas que redundaram neste livro, sobretudo na sua terceira parte, beneficiei-me duplamente do apoio da Fapesp. Inicialmente, por meio de uma bolsa de pesquisa no exterior, e, posteriormente, pela continuidade dos trabalhos no âmbito de projeto temático financiado por essa instituição. No plano pessoal, a realização de um livro não é tarefa simples. Além de esforço e dedicação, exige bastante equilíbrio emocional. No meu caso, só foi possível lidar com esse conjunto de desafios pelo apoio incondicional de Fátima Chaves. A todos, muito obrigado. Campinas, março de 2002 Ricardo Carneiro

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Para Fátima

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Sumário

Prefácio  13 Luiz Gonzaga de Mello Belluzo Introdução  27

Parte I Desenvolvimento   1 Crise internacional e ajuste nacional: o II PND  47

A crise do regime de Bretton Woods   48 As peculiaridades da resposta brasileira: o II PND  55



Mudanças na estrutura produtiva e no comércio exterior   64





Concepção e significado histórico do II PND  59

A dinâmica do investimento  65 Evolução da produção  72 Transformações no comércio exterior  76

  2 O padrão de financiamento durante o II PND  83

O papel do financiamento externo   84 Determinantes do endividamento  87

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As dimensões do financiamento interno   96 A gênese da moeda indexada   106

Parte II Crise   3 Ruptura do financiamento externo   115

A crise da dívida   116 Ruptura do financiamento externo e transferência de recursos para o exterior   121



Absorção real, transferência financeira e o racionamento pelo mercado (1979–1982)  122 Transferência de recursos para o exterior (1983/1989)  126

  4 Restrição cambial e crescimento econômico   139

As interpretações sobre a década perdida   141 Crescimento, ciclo e geração de superávits   145



Dinâmica produtiva, comércio exterior e saldo comercial   153





Instabilidade e declínio do investimento  147 Os ciclos do consumo  150

Dinâmica produtiva e inserção externa  153 A trajetória do saldo comercial  165

  5 O desequilíbrio do setor público   179

Esgotamento do financiamento externo e desequilíbrio das finanças públicas (1980–1984)  181 A crise das finanças públicas (1985–1989)  193

  6 Crise monetária e hiperinflação   205

Ajuste externo e incerteza dos preços macroeconômicos (1980–1985)  207 Financeirização dos preços e hiperinflação (1986–1990)  216

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Parte III Desaceleração   7 Globalização financeira e inserção periférica   227

A globalização como ordem internacional   229 Instituições e atores relevantes   236 Os anos 90 e a integração da periferia   243

Inserção diferenciada da periferia (Ásia versus América Latina)  249 Os percalços da inserção periférica  253 México: a crise cambial  256 Ásia: a crise financeira e cambial  259

  8 Abertura financeira, balanço de pagamentos e financiamento   265

A conversibilidade da conta de capital: caracterização   267 Evolução e composição dos fluxos de capitais   274



A desnacionalização do setor bancário   294



Implicações da abertura financeira   299



O investimento direto estrangeiro  276 O investimento de porta-fólio  280 O crédito de longo prazo  288 O financiamento bancário de curto prazo  292



A vulnerabilidade externa  299 A substituição monetária  303

  9 Abertura comercial, desnacionalização e dinâmica do crescimento   309

Abertura comercial, reestruturação produtiva e inserção externa   313

Abertura comercial e reestruturação produtiva  315 Abertura comercial e inserção externa  326 Dimensões do saldo comercial  326 Dinâmica das exportações e importações  331



Abertura e estrutura da propriedade: desnacionalização e privatização   335

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Dinâmica do crescimento   340



O investimento na indústria  343 O investimento em infraestrutura  349

10 A estabilidade inflacionária: o Plano Real   357

Antecedentes e pré-requisitos do Plano Real   361 Impactos do Plano Real: inflação, preços relativos, câmbio e juros   367 Impactos do Plano Real: consumo, saldo comercial, saldo primário, investimento   379 Impactos do Plano Real: a dívida pública   393

Referências bibliográficas   399 Índice de tabelas   417 Índice de gráficos   421 Índice de quadros   423

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Prefácio

Ricardo Carneiro, colega de velhas e novas batalhas na Unicamp e em outros arraiais, foi por certo generoso e imprudente ao me pedir que escrevesse o prefácio de seu livro Desenvolvimento em crise. A economia brasileira no último quarto do século XX. Generoso porque ele sabe: no Brasil de hoje, aos velhos professores pouco resta – e já é bastante – senão o reconhecimento de seus melhores companheiros e ex-alunos. Imprudente porque, esfalfado de incumbências, eu poderia falhar miseravelmente na tarefa. Fiz o que minhas limitações permitem. O leitor há de julgar se falhei ou não. Ricardo escreveu um livro belo e rigoroso, se é possível emprestar beleza a um texto de economia. Ainda assim, como Borges, tratando-se de livros, prefiro o belo ao útil ou mesmo ao que se pretende rigoroso. A beleza está na concepção, na arquitetura. O rigor foi adotado no tratamento cuidadoso das informações e em sua apresentação. Os dados não são torturados para servir posições apriorísticas. Na boa tradição da Unicamp, Ricardo privilegia o tratamento histórico e mostra como se combinaram, na dinâmica da 13

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economia brasileira, os fatores internacionais e os domésticos. Mais do que isso, o livro acompanha as transformações estruturais da economia, mostrando como os “pontos de mudança” foram afetados pela interação entre as conjunturas internacionais e as respostas das políticas domésticas. Não se trata de uma rememoração, mas de compreender a trajetória que nos trouxe até aqui. Gramsci explicou que não se pode jogar fora o passado: “o presente é, em si mesmo, uma crítica ‘intrínseca’ ao que aconteceu”.1 A filosofia da práxis, dizia ele, nos ensina a tomar consciência desta crítica real e a dar-lhe uma expressão não apenas teórica, mas política. Não há aqui história como narrativa, mas como crítica. O livro toma como ponto de partida o período em que o Brasil empreendeu o último esforço de modernização da economia, sob o amparo do Estado desenvolvimentista. O II PND, deflagrado logo após o primeiro choque do petróleo – em meio à primeira recessão sincronizada do capitalismo do pós-guerra –, foi uma tentativa de reduzir a vulnerabilidade da economia aos choques externos. Na verdade, tal fuga para a frente levou à exasperação o descompasso entre um nível requerido de formação bruta de capital e as condições domésticas de financiamento. O hiato entre a capacidade de financiamento, a partir de fontes internas e a demanda de crédito de longo prazo, foi coberto pela tomada de recursos externos. A maioria dos projetos, assim financiados, revelou uma limitada capacidade de gerar as divisas necessárias quando em operação, para pagar o endividamento em moeda estrangeira. Apesar das intenções do governo, fracassaram as tentativas de reformar o sistema de financiamento doméstico e não foram adiante as pretendidas reformas na organização capitalista da grande empresa, o que

1 Gramsci, A. Passato e presente. Torino: Einaudi, 1974.

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incluía, além das questões relativas à propriedade e à gestão, a constituição de um sistema de absorção e de produção do avanço científico e tecnológico. O segundo choque do petróleo e o choque de juros promovido por Paul Volker no final de 1979 mudaram radicalmente as condições externas e decretaram a obsolescência da agenda de reformas proposta no debate dos anos 70. A severa crise cambial que se abateu sobre o Brasil no início dos anos 80 foi o fator essencial para a sobrevivência do malfalado processo de substituição de importações. Em condições de extrema penúria de divisas, ele avançou até mesmo em segmentos produtivos em que a escala do mercado interno não recomendaria a produção doméstica. Boa parte da capacidade produtiva criada durante a vigência do II PND, sobretudo no setor privado, foi empurrada para a exportação à custa de estímulos fiscais e cambiais. Rapidamente o país passou a exibir superávits comerciais superiores a 3% do PIB destinados a financiar a duras penas o serviço da dívida. Os brasileiros lembram-se, ou pelo menos deveriam lembrar-se, de que os anos 80 foram marcados pelo predomínio das políticas patrocinadas pelo FMI, convocado para socorrer os graves distúrbios que acometiam os balanços de pagamentos dos países que se lançaram na aventura do endividamento externo das décadas anteriores. Já naquela ocasião, a missão principal do Fundo era a de impedir o colapso dos sistemas bancários – entre eles o norte-americano – que tinham, em suas carteiras, uma proporção elevada de empréstimos destinados à periferia. Os programas orientados pelo Fundo Monetário Internacional conseguiram, diga-se, resultados expressivos na redução rápida dos déficits em transações correntes dos países devedores, pavimentando o caminho para a recuperação das carteiras dos bancos comerciais. As políticas do Fundo contaram, então, com a importante colaboração do desempenho da economia 15

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americana. Com a recuperação iniciada no terceiro trimestre de 1982, estimulada pela queda dos juros e por um déficit público elevado, a economia dos Estados Unidos, com o dólar sobrevalorizado, gerou demanda abundante para o resto do mundo. Os bancos internacionais, por sua vez, puderam se beneficiar, tanto do trabalho de coordenação executado pelo Fundo quanto da formidável expansão da dívida pública norte-americana. Os papéis do governo americano deram mais qualidade aos ativos dos bancos credores, num momento em que a dívida latino-americana sofria forte desvalorização. Foram beneficiados ainda pela melhora das contas externas dos países devedores, o que acenava com a perspectiva de pagamento, ao menos, dos juros. Os programas do Fundo Monetário cumpriram, portanto, a finalidade implícita em sua concepção: reduzir ao mínimo os riscos de uma crise financeira à escala global, evitando, assim, a contaminação das praças que formam o centro nervoso do sistema internacional de pagamentos e de administração de grandes volumes de capital-dinheiro. Outra coisa foram as consequências para os devedores. Concebidas para maximizar os excedentes comerciais e minimizar o aporte de recursos novos pelos bancos credores, tais políticas de ajustamento engendraram uma forte transferência de recursos para o exterior e do setor público para o privado, precipitando a fragilização financeira dos governos. As reiteradas tentativas de desvalorização do câmbio e as medidas de sustentação do ganho real pelas minidesvalorizações diárias – ao mesmo tempo em que incitavam o ânimo da inflação – provocaram o crescimento, em termos reais, do estoque da dívida externa, quase toda ela de responsabilidade pública. A geração de excedentes comerciais pelo setor privado envolvia, além disso, a compra dessas divisas pelo setor público, o grande devedor em moeda estrangeira. Na ausência de um ajuste fiscal de porte suficiente para esterilizar os efeitos monetários expansionistas dessa operação, o governo era obrigado a 16

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emitir dívida pública “dolarizada”, ou papéis denominados em cruzeiros com taxas de juros nominais elevadas, mas – diante da aceleração inflacionária – insuficientes em termos reais. Daí a marcha para a hiperinflação, a completa desorganização das finanças públicas, o mergulho das taxas de investimento, a espantosa “deformação” da riqueza privada, acumulada sob a forma de dinheiro indexado. No estágio final, avançou célere o processo de “substituição” da moeda local pela divisa estrangeira, o que permitiu, mais tarde, a adoção dos programas de estabilização com âncora cambial, matrizes da desastrosa abertura financeira, da regressão industrial e da perda de competitividade dos anos 90. As políticas perpetradas na “década perdida” dos anos 80 culminaram no enfraquecimento do Estado e de suas políticas, estrangulados pelo garrote do Fundo e dos credores. Exangues, acabaram por sucumbir completamente à velha aliança entre os grupos enriquecidos e cosmopolitas das sociedades nativas e a finança internacionalizada. O Plano Real foi deflagrado numa conjuntura em que a fadiga da sociedade brasileira com os fracassos anteriores no combate à praga inflacionária já se transformava em exasperação. Por razões estranhas à nossa vontade, o longo período de escassez de financiamento externo privado chegou ao fim no início dos anos 90. Os novos mercados financeiros “securitizados” buscavam avidamente oportunidades de ganho em praças consideradas de maior risco. Essa é história velha e conhecida. Também é sabido que, com a volta dos capitais, foi possível revigorar antigos ideais do liberalismo econômico, apresentados como o “último grito” da moda econômica, já lançados, diga-se, por Reagan e Tatcher no circuito Nova York-Londres. O que era um sonho de muitos brasileiros, os capitais irrequietos e brincalhões estavam prestes a se transformar numa tentadora realidade. Maravilha das maravilhas. A mão invisível, finalmente em ação nos trópicos. 17

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As palavras de ordem eram: abertura comercial; liberalização das contas de capital; desregulamentação e “descompressão” dos sistemas financeiros domésticos; reforma do Estado, incluindo a privatização da seguridade social e o abandono das políticas de fomento à industria e à agricultura. O apetite voraz dos brasileiros ricos e bonitos por produtos e ideias de origem estrangeira sempre foi notório. Nessa onda recente de globalização e exaltação do liberalismo econômico, tal voracidade encontrou farto repasto. Nos anos de sucesso do Plano Real, as críticas à industrialização brasileira concentravam-se na denúncia de uma suposta tendência à autarquia, à ineficiência, à falta de competitividade externa e à estatização. Estes, diziam os detratores, eram males congênitos do processo de substituição de importações. É bom notar que muita gente já havia apontado a exaustão do chamado “modelo de substituição de importações”, sublinhando, aliás, alguns desafios importantes que estavam presentes em meados da década de 1970: 1. a criação dos instrumentos e instituições de mobilização da “poupança” doméstica, particularmente para suportar o financiamento de longo prazo; 2. a reestruturação competitiva e a modernização organizacional da grande empresa de capital nacional e de suas relações com o Estado; 3. a constituição do que Fernando Fanjzylber chamava de “núcleo endógeno de inovação tecnológica”. A estratégia de “desenvolvimento” do Real apoiou-se em quatro supostos: 1. a estabilidade de preços cria condições para o cálculo econômico de longo prazo, estimulando o investimento privado; 2. a abertura comercial (e a valorização cambial) impõe disciplina competitiva aos produtores domésticos, forçando-os a realizar ganhos substanciais de produtividade; 3. as privatizações e o investimento estrangeiro removeriam gargalos de oferta na indústria e na infraestrutura, reduzindo custos e melhorando a eficiência; 4. a liberalização cambial, associada à previsibilidade quanto à evolução da taxa real de câmbio, atrairia 18

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“poupança externa” em escala suficiente para complementar o esforço de investimento doméstico e para financiar o déficit em conta corrente.2 Na verdade, o uso abusivo da âncora cambial e dos juros elevados desestimulou os projetos voltados para as exportações, promoveu um “encolhimento” das cadeias produtivas – afetadas por importações “predatórias” – e aumentou a participação da propriedade estrangeira no estoque de capital doméstico. Esses são fatores que levaram ao agravamento do desequilíbrio externo. A abertura financeira não conseguiu até agora entregar as benfeitorias prometidas. Muito pelo contrário, a gestão cambial e monetária, desde os primórdios do Plano Real, além de provocar efeitos negativos sobre o desempenho da indústria e da agricultura, permitiu o crescimento muito rápido dos passivos interno e externo. A acumulação desses compromissos tornou a economia mais vulnerável às mudanças de humor dos mercados “globalizados” e vem impondo severas restrições ao crescimento econômico e, portanto, à capacidade de criar empregos. As projeções realistas mostram que o balanço de pagamentos não vai suportar taxas de crescimento mais elevadas. A remessa de lucros e dividendos, a despesa com juros e a maior elasticidade das importações (em boa medida decorrente da preferência das multinacionais pelas compras em seus mercados de origem) devem impor limites mais estritos à expansão da economia. A dependência dos humores dos mercados financeiros é constitutiva da forma de inserção internacional adotada pelo Brasil. Mesmo nos momentos de relativa calmaria e otimismo, o risco de assustar os possuidores de riqueza líquida – nacio-

2 Tavares e Belluzzo, Desenvolvimento no Brasil, relembrando um velho tema, s. d.

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nais e estrangeiros – vem bloqueando a adoção de uma política monetária capaz de prover crédito em volume e em condições decentes para a indústria e a agricultura, de induzir o investimento privado ou estimular as exportações. Numa economia aberta, com elevado passivo externo e notórias dificuldades de gerar saldos na balança de comércio – capazes de reduzir significativamente o déficit em transações correntes –, as relações entre os movimentos taxa de juros e taxa de câmbio são mais complicadas do que pode supor a nossa vã filosofia. O elemento crucial, em tais circunstâncias, é a expectativa dos “agentes” acerca dos efeitos provocados pelas mudanças nas relações entre juros e câmbio quanto à conveniência de se manter a riqueza financeira em moeda local ou em divisa estrangeira. Nas decisões sobre a posse da riqueza numa economia monetária, duas questões devem ser tomadas em consideração: 1. o sistema internacional é constituído de uma hierarquia de moedas, umas mais estáveis e “líquidas” do que as outras (é improvável que o exportador alemão e o importador japonês escolham o real como moeda de transação nos seus negócios); 2. sendo assim, quanto maior a mobilidade de capitais – diante de um agravamento da “incerteza”, seja causado por fatores internos ou externos – maior o risco de uma desvalorização abrupta e indesejada das moedas de menor reputação e liquidez. Ainda que a adoção de um regime de taxa de câmbio flutuan­te seja capaz de amenizar o baque, as autoridades monetárias do país de “moeda fraca” – com “ponto de compra” imprevisível – poderão ser obrigados a vender reservas ou subir as taxas de juros para estabilizar o curso do câmbio dentro de limites considerados seguros. Uma queda rápida dos juros pode desencadear movimentos mais intensos de desvalorização do real. Duas seriam as consequências: 1. pressões sobre o nível geral de preços (sobretudo mediante os reajustes dos preços indexados ao dólar dos servi20

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ços públicos); 2. elevação do valor da dívida interna denominada em dólares. É óbvio que uma inflação mais alta significaria uma redução ainda maior das taxas de juros reais. Isso reforçaria os estímulos à demanda de divisas por motivo de proteção e por razões especulativas, forçando uma ampliação da oferta de títulos públicos denominados em dólares. A perda do controle nacional sobre as empresas e bancos desarticulou os mecanismos de governança e de coordenação estratégica da economia brasileira. O setor produtivo estatal – num país periférico e de industrialização tardia – funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado. O neoliberalismo à brasileira deixou escapar a oportunidade oferecida pelas privatizações para criar grupos nacionais – privados e públicos – dotados de poder financeiro, de capacidade competitiva nos mercados mundiais e comprometidos formalmente com as metas de desenvolvimento do país e com a geração de moeda forte. Ao contrário do que reza a vulgata liberal, dentre os grandes países da periferia capitalista, o Brasil esteve longe de pretender a autarquia econômica. Figurou sempre no pelotão de frente dos países destinatários do investimento estrangeiro. No período áureo da industrialização, as empresas estrangeiras eram atraídas pelas perspectivas de crescimento do país, sobretudo por seu potencial mercado interno. Com a ação desenvolvimentista do Estado e o empresariado nativo, os forasteiros ajudaram a transformar o Brasil numa das mais importantes economias industriais do Terceiro Mundo. Havia complementação entre o movimento do capital produtivo em processo de internacionalização e as políticas desenvolvimentistas dos países hospedeiros. Isso significa, em termos práticos, o seguinte: a maioria dos investimentos vinha para a produção – agrobusiness, indústria de transformação e serviços funcionais – e representava o aumento da capacidade produtiva e a criação de novos postos de trabalho. 21

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Nos tempos da globalização, o padrão do investimento direto estrangeiro sofreu profundas mutações. Trata-se agora de ocupar os mercados da periferia, adquirindo empresas já existentes para ajustar as metas e as linhas de produção a uma estratégia global formulada fora do país. É por isso que a nova onda de investimentos estrangeiros destruiu – direta e indiretamente – empregos e cavou um enorme buraco no balanço de pagamentos. Muitos serviços – até os de mão de obra temporária qualificada ou de assistência técnica – deixam de ser contratados pelas empresas nacionais e passam a ser terceirizados no exterior. Com essas práticas e mais a remessa de lucros e dividendos, os estrangeiros elevam o valor do faturamento e dos resultados em moeda forte. Quem prescinde de grupos nacionais fortes – portanto de uma estratégia de integração realmente competitiva – será simplesmente tragado pelo movimento internacional de fusões e aquisições. A perda de dinamismo da economia brasileira – a pasmaceira que se arrasta desde o início dos anos 80 – provocou uma reação pavloviana nos bem-pensantes: vamos abrir a economia e expor o empresariado nativo ou residente aos ventos benfazejos da globalização. Quase todos concordam que se esgotaram as formas de financiamento, de incentivos e de proteção, responsáveis pela sustentação do desenvolvimento industrial brasileiro ao longo de mais de cinco décadas. Esse esgotamento foi acompanhado, entre outras desgraças, de uma profunda crise financeira e fiscal do Estado, o que imobilizou a sua capacidade de coordenação e de indução. Não é fácil imaginar como seriam construídas as novas instituições financeiras, pensar como seria executada a reforma fiscal ou dar tratos à bola para estabelecer uma nova relação entre o Estado e o setor privado. Isso para não falar da sintonia delicada entre a política de comércio exterior e a estratégia de crescimento e modernização da indústria brasileira. 22

Desenvolvimento em crise

Os governantes de turno e seus porta-vozes oficiais e oficiosos parecem estar convencidos de que a exposição pura e simples do setor industrial à concorrência externa será capaz de promover a modernização tecnológica e os ganhos de competitividade. Para começo de conversa, é bom registrar que a concorrência nos mercados industriais está marcada por características que não guardam nenhuma semelhança com as superstições dos fanáticos da globalização. Até mesmo os estudiosos mais conservadores reconhecem a existência de economias de escala e de escopo, economias externas, estratégias de ocupação e diversificação dos mercados, conglomeração e acordos de cooperação. Nesse jogo só entra quem tem cacife tecnológico, poder financeiro e amparo político dos Estados Nacionais. Essas características essenciais da concorrência e do comportamento das empresas, sobretudo na área industrial, estão completamente ausentes das elucubrações dos que pretendem nos ensinar os caminhos da “modernidade”. Ao lado dessas considerações gerais, há, no Brasil, a tradição de ignorar a experiência alheia ou, na melhor das hipóteses, de interpretá-la levianamente. Não há exemplo nos países periféricos – aí incluídos os “Tigres Asiáticos” – de renúncia a políticas deliberadas de reestruturação produtiva ou de estímulo à modernização e à conquista de mercados. Seja qual for a estratégia adotada – liderança das exportações ou preeminência do mercado interno –, os casos bem-sucedidos de avanço industrial e produtivo têm um traço comum: intencionalidade e coordenação pública. A rejeição ao nacional entre as elites cosmopolitas é a mais profunda desde o início do processo de industrialização. Atingiu, de forma devastadora, os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de destino, suscitando processos subjetivos de diferenciação e desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e miseráveis que “infesta” o país. E 23

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essa desidentificação vem assumindo cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e antirrepublicano. Uma espécie de caricatura do americanismo. A rejeição também foi mais ampla porque essas formas de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias: desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores e hábitos estrangeiros. Isso para não falar do papel avassalador da mídia, nacional e estrangeira. É ocioso dizer que tais expectativas e anseios não são um desvio psicológico, mas deitam raízes profundas na desigualdade que há séculos assola o país. Produtos da desigualdade secular e daquela acrescentada no período do desenvolvimentismo, as classes cosmopolitas têm sido, ao mesmo tempo, decisivas para a reprodução do apartheid social e impiedosas na crítica do desenvolvimento nacional, a partir de um primeiro-mundismo abstrato e, não raro, vulgar. Examinado à luz de um projeto nacional capaz de integrar os mais pobres, o cosmopolitismo das classes endinheiradas e remediadas revela o seu caráter parasitário e antirrepublicano. Parasitário, sim, porque – amparado na internacionalização e na financeirização da riqueza e da renda dos estratos superiores, na diferenciação do consumo dos segmentos médios – suscita a modernização restrita da economia, com seu séquito de destruição de empregos e exclusão social. A dimensão individualista e antirrepublicana dessas formas de consciência, no entanto, vem produzindo a destruição do Estado, até mesmo de sua função essencial de garantir a segurança dos cidadãos. Isso para não falar no bloqueio sistemático – imposto pela fuga descarada das obrigações fiscais – da universalização das políticas de saúde, educação e previdência que, aliás, definem a “modernidade” nos países realmente civilizados. 24

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Há uma busca desesperada de refúgio no privatismo: escolas privadas, medicina privada e previdência privada. Não é à toa que os mais afoitos não mais conseguem distinguir o que é público do que é privado. Isso acentua a repulsa pelas contribuições para o fundo público por parte dos endinheirados ou daqueles que, por ora, apenas se candidatam a essa condição de superioridade econômica e social. Não se sabe quantos conseguirão dobrar o Cabo da Boa Esperança, mas pelo andar da carruagem é possível estimar que seu número não será significativo. São quase vinte anos de baixo crescimento econômico, de evolução lenta ou mesmo estagnação dos rendimentos das camadas mais pobres e de bloqueio dos canais que permitiam ou prometiam a ascensão social. Tais tendências, já observadas na década de 1980, foram acentuadas pelas políticas propostas por Collor e depois empreendidas pelo professor Cardoso, a conselho das classes proprietárias locais e de seus aliados estrangeiros. Há quem se irrite com a menção do Consenso de Washington como origem e destino das políticas liberais na América Latina. A irritação é sintoma da miopia interessada. Basta olhar em volta e observar que as novas estratégias de “integração” à economia mundial e de “modernização” das relações entre Estado e mercado foram iguais em todos os países e produziram os mesmos resultados sociais desastrosos. Cardoso manifestou preocupação com a situação de insegurança que atormenta os moradores das grandes e médias cidades brasileiras. O presidente bem poderia ver o documentário de João Moreira Salles, História de uma guerra particular. Ali são reveladas, de uma maneira brilhante e dramática, as raízes da criminalidade urbana. Não se trata exatamente da pobreza, mas da marginalização dos pobres e do bloqueio às oportunidades numa sociedade que propõe como valor maior o consumo ilimitado e a afluência. 25

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O presidente sociólogo costuma brandir os dados do IBGE sobre a redução do número de miseráveis. É a ilusão do empirismo. Os dados não mostram as mudanças radicais nas relações econômicas e sociais ocorridas na periferia e nas favelas das grandes cidades. A atividade ilícita e o crime tornaram-se formas de sobrevivência e de busca de dignidade por parte de milhares de jovens abandonados pela sociedade e pela política oficiais. Luiz Gonzaga de Mello Belluzo

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Introdução

Este livro examina a trajetória da economia brasileira no último quarto do século XX. Nesse período, há três fases distintas: a segunda metade dos anos 70, marcada pela crise da ordem de Bretton Woods e a peculiar resposta brasileira por meio do II PND, durante o qual assiste-se à derrocada do nacional-desenvolvimentismo; os anos 80, caracterizados pela crise da dívida dos países periféricos e a transferência de recursos ao exterior, cujo resultado foi a crescente desorganização da economia brasileira, incluindo a hiperinflação; e, por fim, a década de 1990, na qual o traço distintivo é a implantação de políticas de liberalização visando ao estabelecimento de um padrão de crescimento centrado numa nova inserção internacional e na redefinição do papel do Estado, cujos resultados principais foram a estabilidade inflacionária e o baixo dinamismo da economia. O tema central a investigar é a razão para uma performance tão díspar entre os vários períodos ou, melhor precisando, os motivos para o esgotamento do dinamismo do capitalismo brasileiro cuja característica essencial, ao longo dos 50 anos que vão de 1930 a 1980, foi a vocação para o rápido crescimento. 27

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O trabalho possui uma hipótese geral cuja explicitação possibilitará um melhor entendimento e julgamento das suas partes. Essa hipótese realça a importância da combinação dos fatores internacionais e domésticos na determinação do dinamismo do capitalismo brasileiro, isto é, só é possível explicar as distintas performances desse capitalismo em diferentes períodos históricos pelo exame das articulações concretas entre as dimensões interna e externa do desenvolvimento. Mais exatamente, são as conjunturas históricas específicas que determinam a hierarquia dos fatores externos e internos como elementos de obstáculo ou estímulo ao crescimento. Vista da perspectiva do sistema capitalista global, a economia brasileira não pode ser caracterizada como integralmente reflexa ou dependente e tampouco como inteiramente autônoma. A dependência e a autonomia, e mais ainda os seus graus, se alternam ao longo dos vários momentos históricos, atuando como fator limitante ou estimulante do crescimento. Em resumo, nossa economia é suficientemente grande e complexa para retirar parte de seu dinamismo de fatores puramente endógenos, sobretudo da dimensão do seu mercado interno e da correspondente complexidade das relações econômicas. Ao mesmo tempo, não se constitui como uma unidade capaz de engendrar ciclos próprios de inovação tecnológica, tampouco constrói uma base financeira doméstica capaz de financiar adequadamente o investimento. A especificação da hipótese geral posta anteriormente supõe a consideração dos principais condicionantes externos e internos ao crescimento. Dentre os primeiros, pode-se destacar a dinâmica tecnológica, ou seja, o grau de disseminação ou de acesso às tecnologias produtivas dominantes, a forma pela qual se organizam as finanças internacionais e, portanto, a disponibilidade de financiamento, e, abarcando e dando forma a isso tudo, a ordem econômica internacional entendida

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como a existência de regras relativas ao comércio e finanças, bem como de instituições capazes de suportá-las. Por fim, mas não menos importante, destaca-se o grau de autonomia que esse conjunto de condicionantes permite à política econômica doméstica. Dentre os fatores internos, o destaque cabe ao padrão de crescimento – a combinação de setores produtivos líderes do processo – e ao padrão de financiamento, ou seja, a sua capacidade em financiar o investimento nos prazos e volumes requeridos pelo primeiro. O outro elemento central do processo refere-se ao papel do Estado, à sua intervenção direta na economia e sua articulação com o setor privado. O exame da trajetória da economia brasileira permite identificar um elevado dinamismo ao longo do período da moderna industrialização, entre 1930 e 1980, com taxas médias de crescimento em torno de 6% ao ano. Poucos são os países que durante esses cinquenta anos conseguem lograr a mesma performance. O declínio da taxa de crescimento no período 1980-2000 para um valor próximo a um terço da média anterior marca também uma perda de posição relativa perante outros países. Embora essa etapa seja caracterizada por uma redução global das taxas de crescimento, a performance do Brasil o afasta do grupo de países em desenvolvimento dinâmicos (Quadro 1). Durante a fase desenvolvimentista, a liderança, no que tange à taxa de crescimento, mantém-se nos dois subperíodos considerados, isto é, tanto naquele no qual as condições internacionais são menos favoráveis (1929-1950) quanto durante as etapas mais propícias ao crescimento global (1950-1980). Há um elemento comum, permanente, ao longo desses anos e que diz respeito à relativa estabilidade do padrão tecnológico. Assiste-se nessa época à difusão e à consolidação da matriz produtivo-tecnológica oriunda da Segunda Revolução Industrial. As diferenças entre as duas épocas referem-se, sobretudo, à ordem internacional. 29

Fonte: Maddison (1989) e International Monetary Fund (1980).

Quadro  1  –  Crescimento econômico comparado (% a.a.)

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Durante os anos 1929-1946, também conhecidos como o período do entreguerras, assiste-se a derrocada do padrão-ouro e da hegemonia inglesa. Essa etapa é marcada por grandes rivalidades internacionais, pela ausência de um sistema global de comércio e pela retração dos fluxos de capitais de longo prazo. Há um claro contraste com a fase posterior marcada pela hegemonia americana e a organização das relações econômicas internacionais pelas instituições gestadas em Bretton Woods, que resultaram em grande estímulo aos fluxos de comércio e de investimento internacionais. O fato de o Brasil ter mantido a performance nessas duas conjunturas históricas tão distintas, a primeira das quais claramente restritiva do ponto de vista internacional, sugere que o mercado interno e a estabilidade da tecnologia foram os elementos comuns desse processo de crescimento. Esse argumento é reforçado pela constatação de que no primeiro período são os países socialistas, como a URSS, ou capitalistas avançados com grande mercado interno – Estados Unidos, Canadá e Austrália –, ou ainda capitalistas subdesenvolvidos, mas com amplo mercado interno, como Brasil e México, que apresentam desempenho superior aos demais. Na etapa seguinte, as condições propiciadas pela nova ordem internacional ao amparo do acordo de Bretton Woods, tais como o rápido crescimento dos fluxos de comércio e investimento direto e a autonomia das políticas domésticas, permitem uma ampliação das taxas de crescimento para o conjunto da economia mundial e, sobretudo, para os países mais dependentes do desempenho do comércio internacional, como os NICs asiáticos. No caso destes últimos, e também do Japão, não podem ser desconsideradas as razões geopolíticas que motivaram o grande apoio dos Estados Unidos ao seu desenvolvimento no pós-Segunda Guerra. Já assinalamos anteriormente o declínio da taxa de crescimento do Brasil após 1980. É significativo, porém, que esse 31

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declínio tenha ocorrido em dois subperíodos distintos: os anos 80, marcados pela crise da dívida, e os 90, caracterizados pela reinserção externa da economia brasileira. Durante os anos 80, a ruptura do financiamento externo e, mais que isso, o pagamento da dívida explicam a brusca desaceleração do crescimento brasileiro. Ressalta-se aqui a melhor qualidade da inserção internacional dos países subdesenvolvidos asiáticos, que logram manter taxas de crescimento elevadas apesar do ambiente externo desfavorável. A continuidade do baixo dinamismo econômico do país durante os anos 90, num contexto de ampliação dos fluxos de comércio e abundância de financiamentos internacionais e, mais ainda, de aceleração global das taxas de crescimento, se presta a diversas interpretações. Dado que as condições internacionais melhoraram ante a década anterior, a explicação recairia com maior ênfase em fatores domésticos ou numa combinação particular do novo contexto internacional com características peculiares da economia brasileira. A consideração conjunta dos fatores de estímulo ao crescimento oriundos do contexto internacional permite identificar como conjunturas mais favoráveis aos países periféricos aquelas que incluem a estabilidade do paradigma tecnológico e uma ordem internacional similar à de Bretton Woods, caracterizada pelo estímulo ao comércio e financiamento de longo prazo, bem como pela possibilidade de maior autonomia das políticas domésticas. Combinações nas quais não está presente o conjunto desses elementos, como as observadas nos demais períodos, produzem, além de crescimento global menor, um dinamismo bastante diferenciado entre países. Postos os aspectos mais gerais da questão, vejamos agora suas particularidades. Tomemos inicialmente a questão do paradigma tecnológico. Como não há, nos países periféricos do sistema capitalista, um núcleo autônomo de inovação tecnológica, a diferenciação da estrutura produtiva ocorre pela cópia 32

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ou reprodução dos setores já existentes nos países centrais. Isso quer dizer que, ceteris paribus, quanto mais disseminada a tecnologia, maiores as possibilidades de diversificação setorial das economias periféricas. A postulação anterior realça como questão central o acesso dos países periféricos aos novos setores ou a sua capacidade de reproduzi-los internamente, seja pela aquisição da tecnologia via importação de máquinas e equipamentos, seja pelo investimento direto das empresas multinacionais. Como foi dito, o período 1930-1980 possui como característica a relativa estabilidade do paradigma tecnológico oriundo da Segunda Revolução Industrial. A baixa velocidade, segundo a qual se processava a inovação, permitiu uma maior difusão do paradigma produtivo nos países periféricos. Essa foi uma razão relevante para que esses países pudessem realizar a substituição de importações, ou seja, a internalização dos setores produtivos do paradigma tecnológico dominante. De acordo com Fajnzylber (1983), esse processo esbarrou em limites importantes, sobretudo na descentralização da indústria de meios de produção, pois, mesmo no auge da desconcentração, esta permaneceu concentrada nos países centrais. No período recente, depois de meados dos anos 80, a aceleração da mudança tecnológica é inequívoca. Embora haja controvérsia sobre o alcance dessas transformações e o fato de constituírem uma nova Revolução Industrial, tese amplamente contestada por Paul Krugmann e diversos outros economistas americanos, não há dúvida quanto às mudanças relativas à microeletrônica e seu espraiamento por vários setores produtivos. Assim, nos segmentos sob processo de mudança, tornou-se muito mais difícil a internalização dos setores produtivos correspondentes em razão da indisponibilidade de tecnologia e das escalas de produção. Há, também, no bojo do processo de mudanças ocorridas após os anos 80, modificações substantivas no padrão de con33

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corrência entre os capitais que se refletem no comportamento do investimento direto estrangeiro. De um lado, amplia-se o caráter patrimonial e, de outro, o global sourcing. Ambos acentuam o desequilíbrio de balanço de pagamentos dos países periféricos. O primeiro, por ensejar uma ampliação da remuneração desses investimentos sem a contrapartida da criação de capacidade de gerar divisas. O último, por elevar de maneira global o coeficiente importado dessas economias. Outro aspecto decisivo das condições externas diz respeito ao arranjo da ordem internacional vigente no que tange à regulação dos fluxos de capitais. Uma postura liberal, ou ausência de regulação no que se refere à mobilidade de capitais, implicou uma elevada volatilidade no financiamento à periferia e restrições à autonomia das políticas econômicas domésticas. Uma ordem com restrições à livre mobilidade de capitais, sobretudo os de curto prazo, como foi a de Bretton Woods, mostrou-se mais favorável aos países periféricos pela ampliação das fontes de financiamento estáveis aos déficits externos desses países e redução da instabilidade macroeconômica decorrente das limitações impostas ao trânsito de capitais de curto prazo. Um dos aspectos centrais dos condicionantes externos sobre o crescimento da periferia diz respeito, portanto, às condições externas ou às configurações das ordens internacionais do ponto de vista dos graus de liberdade ou autonomia que permitem às políticas econômicas domésticas. Conforme Eichengreen (1996), vista a questão dessa perspectiva, a história contemporânea registra três possibilidades de estruturação das ordens internacionais. Definida a existência ou não de mobilidade de capitais, há as seguintes combinações possíveis: no caso de plena mobilidade, a autonomia é integralmente sacrificada quando se adota um sistema de câmbio fixo tal qual no padrão-ouro. Ainda no plano da mobilidade, a opção pela manutenção da autonomia 34

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requer a adoção de um sistema de câmbio flexível. Pode-se ganhar mais autonomia na política doméstica, sobretudo na fixação dos juros, à custa da flutuação cambial e, portanto, de algum grau de prejuízo para os fluxos de comércio e de capital. Por fim, eliminando-se a prerrogativa da mobilidade para os capitais, pode-se conciliar a autonomia da política econômica com um sistema de taxas de câmbio fixas. Esse regime, oriundo do acordo de Bretton Woods, foi historicamente o mais favorável ao crescimento global e da periferia. A formulação anterior, embora verdadeira, esconde algumas determinações essenciais para os países periféricos, sobretudo para o grau de autonomia das suas políticas econômicas num regime globalizado. Vejamos por quê. Na globalização, uma das características centrais dos fluxos de capitais é a sua volatilidade. A combinação dessa volatilidade com a condição periférica, definida por taxas de juros mais altas e maior variabilidade da taxa de câmbio, termina por criar um clima econômico adverso nesses países por meio de crises cambiais e financeiras recorrentes. Assim, conforme assinalado por Belluzzo (1997), o sistema globalizado é também hierarquizado do ponto de vista da magnitude das taxas de juros e da intensidade da variação da taxa de câmbio. Essa condição reflete uma posição subordinada no sistema global e traduz a menor densidade econômica desses países, ou a menor importância como destino dos capitais. Isso, na prática, reduz o grau de autonomia da política econômica desses países, cujo objetivo central passa a ser assegurar o financiamento adequado via manipulação de câmbio e juros. Ou seja, as determinações internas dessas políticas são sacrificadas. Uma vez definido o contexto externo, cabe explicitar os condicionantes internos do crescimento. No período 19301980, a questão do desenvolvimento confunde-se, em larga medida, com a da industrialização, esta última entendida como 35

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a crescente diferenciação da estrutura produtiva na direção de permitir, no âmbito nacional, a reprodução integral da força de trabalho e do capital. Segundo Cardoso de Mello (1975), a nossa industrialização é específica por dois motivos: em razão do momento na qual ocorre, após a Segunda Revolução Industrial, cujo efeito principal do ponto de vista da organização do capital foi a monopolização, e pelo seu ponto de partida, a economia exportadora capitalista. Ou seja, a implantação da indústria no Brasil se dá após a consolidação da divisão internacional do trabalho, resultante da Primeira e Segunda Revolução Industrial. Ocorre também após a crescente concentração econômica e monopolização decorrentes da Segunda Revolução, responsável pelo significativo aumento das barreiras tecnológicas e de capital para implantação dos vários segmentos produtivos. Dados esses condicionantes, a industrialização é vista como um processo de autonomização dos determinantes do crescimento diante dos condicionantes externos. Na economia exportadora capitalista, o desempenho da economia dependia do mercado internacional. A indústria doméstica, cujos mercados originavam-se dos salários pagos na atividade exportadora, tinha um comportamento reflexo. Assim, a industrialização é pensada simultaneamente como um processo de diferenciação da estrutura produtiva e superação da dependência dos mercados criados pela atividade exportadora. Entre a dependência da atividade exportadora e a completa autonomização, há um período de transição no qual a industrialização encontra-se restringida. De um lado, porque, apesar do declínio da atividade exportadora, e, portanto, dos mercados por ela criados e que têm como contrapartida a ampliação dos mercados criados pela própria indústria, a ampliação de capacidade produtiva no setor industrial depende da importação de bens de capital, isto é, da capacidade para importar criada pelo setor exportador. De outro, 36

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porque não há ainda uma dinâmica típica de um capitalismo comandado pelas decisões autônomas de investimento. São os mercados industriais, de bens de consumo e bens de produção, preexistentes e anteriormente atendidos por importações que determinam as decisões de investimento. O limite do crescimento, todavia, é a capacidade para importar criada pelo setor exportador. No seu estágio mais avançado, o da industrialização pesada, a autonomia do crescimento doméstico perante os mercados externos é completa. Isso porque o grau de diferenciação da estrutura produtiva, com a implantação de um expressivo parque produtor de meios de produção, converte o investimento e seus encadeamentos, como a variável crítica da dinâmica da economia. Ou seja, a autonomia ocorre tanto pelo lado dos mercados quanto pelo da independência do processo de reprodução do capital da importação de meios de produção. Dessa perspectiva, as transformações da estrutura produtiva induzidas pela abertura comercial durante os anos 90 podem ser caracterizadas como uma autêntica regressão. De um lado, porque produziram uma especialização regressiva no tecido industrial, praticamente eliminando os setores vinculados à reprodução do capital, como o de insumos elaborados e máquinas e equipamentos. De outro, porque concentraram a atividade industrial nos setores intensivos em trabalho e recursos naturais em detrimento daqueles com uso mais intenso de tecnologia e capital. Outro aspecto interno de grande relevância refere-se ao financiamento do desenvolvimento. A abordagem de Tavares (1975) enfatiza a dimensão relativa aos requerimentos de capital necessários aos empreendimentos, sobretudo àqueles do setor pesado da economia. O grau de centralização do capital, embora aspecto relevante, não esgota a questão do financiamento do investimento. À medida que o processo de industrialização avança em direção aos setores mais complexos, a ques37

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tão do financiamento torna-se crucial. Os volumes de capital necessários ao investimento e os prazos de maturação cada vez mais dilatados exigem um sistema financeiro complexo. O desenvolvimento de um sistema de financiamento capaz de acompanhar e viabilizar a diferenciação da estrutura produtiva é questão de grande importância enfatizada na abordagem anterior. A rigor, a independência do crescimento perante os condicionantes externos, adquirida por meio de uma ampla diferenciação da estrutura produtiva, aparece magnificada na questão do financiamento. A incapacidade do sistema financeiro doméstico em prover crédito em volumes e prazos demandados pelas atividades em crescimento faz que esses financiamentos dependam do sistema internacional, recriando a dependência. Durante as etapas iniciais da industrialização, o financiamento do investimento na indústria pode ser equacionado por meio do crédito de capital de giro, renovado sucessivamente. Nessa fase, o investimento em infraestrutura, de maior indivisibilidade, maiores requerimentos de capital e tempo de amortização, esteve a cargo do capital estrangeiro. À medida que a indústria se move em direção aos setores pesados, o crédito corrente torna-se insuficiente e surge a necessidade de novos esquemas de financiamento. A ausência do sistema bancário privado e, mais ainda, do capital financeiro capaz de, simultaneamente, centralizar capitais e construir as instituições e o funding para o financiamento do investimento, conduziu a uma decisiva, mas insuficiente, participação do Estado no setor via criação e gestão dos fundos de poupança compulsória e das instituições especiais de crédito. São, portanto, os recursos parafiscais e fiscais e os bancos públicos os principais responsáveis pelo sistema doméstico de financiamento de longo prazo. De acordo com Davidoff Cruz (1984), durante o pós-guerra, na etapa de industrialização pesada, apesar de as empresas multinacionais contarem com crédito de suas matrizes, sendo os recursos domésticos reservados 38

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às empresas privadas nacionais e estatais, estes foram insuficientes para evitar uma intensa demanda por financiamento externo. Em resumo, o fato de o financiamento de longo prazo na economia brasileira depender da poupança compulsória doméstica e da poupança externa acarretou, diante da inadequação da primeira, uma dependência recorrente dos financiamentos externos. A rigor, não se constituiu no país um sistema de financiamento de longo prazo com base na poupança interna, sujeitando o crescimento aos ciclos de crédito internacionais. As várias interrupções desses financiamentos e, sobretudo, aquela de maior intensidade nos anos 80, conduziram à estagnação e à hiperinflação. As mudanças promovidas pela abertura financeira nos anos 90 estiveram longe de equacionar o problema do financiamento. Isso por conta do aumento geral da volatilidade dos fluxos de capitais associada a seu caráter financeiro, desvinculado do fluxo de mercadorias, característica observada inclusive no investimento direto estrangeiro – IDE. Ademais, permaneceu a atrofia da base financeira doméstica apesar da significativa mudança na propriedade dos bancos com o aumento da participação dos estrangeiros. Estes assimilaram o padrão de atuação dos bancos privados nacionais, cujas fontes de lucro derivam da intermediação da dívida pública e dos elevados spreads obtidos em operações de crédito racionadas. Outro elemento central na explicação do desenvolvimento brasileiro durante o período refere-se ao papel do Estado. Como mostra Draibe (1985), a intervenção do Estado na economia vai ganhando complexidade ao longo do tempo. Inicialmente de caráter mais geral, cujo fulcro era a manipulação de preços macroeconômicos – câmbio, juros, fisco – em favor da indústria, a intervenção diversifica-se na direção da criação de um setor produtivo estatal, bem como de instituições especiais de crédito para financiar setores específicos. Ao final do proces39

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so de industrialização, a economia brasileira possui um amplo setor estatal que atua como elemento de coordenação e de indução do desenvolvimento. A combinação de um amplo aparato regulador com a propriedade de empresas produtivas e financeiras conferiu ao Estado brasileiro uma significativa capacidade de intervenção e coordenação na economia. Esse foi, sem dúvida, um elemento essencial, pois permitiu ao capitalismo brasileiro ir além do que teria sido possível a partir das forças de mercado, em termos de dinamismo do crescimento e diferenciação da estrutura produtiva. A enorme redução do peso do Estado na economia, promovida pelas privatizações durante os anos 90, suprimiu da economia brasileira um de seus principais elementos de coordenação. O investimento do setor produtivo estatal em conjunto com o gasto público tradicional operava como indutor do gasto privado, vale dizer, com investimento autônomo diante das condições correntes da demanda agregada. A privatização de vários desses segmentos mudou a natureza das suas decisões de investimento, que passaram a se pautar por critérios privados, induzidos pelo comportamento da demanda. A perda de dinamismo do crescimento daí resultante foi inevitável. Para desenvolver as ideias expostas preliminarmente nesta Introdução, dividiu-se este livro em três partes distintas. Na Parte I, discute-se o Desenvolvimento por meio do exame do último período caracterizado como tal na história recente do país e no qual estão presentes uma elevada taxa de crescimento e a diferenciação da estrutura produtiva. Nos dois capítulos que compõem a Parte I, examinam-se separadamente as transformações produtivas e o financiamento da economia durante a implantação do II PND na segunda metade dos anos 70. Uma questão essencial surge da discussão da industrialização nesse período no Capítulo 1 e refere-se aos limites da diversificação por meio do desenvolvimento do setor 40

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de máquinas e equipamentos. Conclui-se pela insuficiência de seu desenvolvimento, mormente se considerada a sua capacidade para inovar ou para seguir as mudanças tecnológicas em curso no resto do mundo. Há diversas razões para a insuficiência no desenvolvimento desse setor no Brasil e para a sua incapacidade de constituir um núcleo de geração e difusão de inovações tecnológicas. A principal delas se refere à significativa presença de filiais estrangeiras dentre as empresas do setor e sua falta de autonomia para definir políticas de desenvolvimento tecnológico independentemente das matrizes. A presença dessas filiais estrangeiras é, aliás, o traço distintivo da estrutura industrial brasileira quando comparada a outras de países igualmente subdesenvolvidos, mas com melhor desempenho, como Coreia, China e Índia. O exame do financiamento durante esse período, realizado no Capítulo 2, destaca a elevada dependência de recursos externos e a sua contrapartida, o insuficiente desenvolvimento da base financeira doméstica. Foi esse sobreendividamento externo, realizado em grande medida por razões financeiras, que vulnerabilizou as contas do balanço de pagamentos e preparou o terreno para a crise externa quando sobrevieram os choques do preço do petróleo e dos juros no final dos anos 70. Ademais, a recorrência excessiva aos recursos externos, sobretudo para os projetos da indústria pesada, cobrou seu preço no vazamento da demanda de máquinas e equipamentos para o exterior, prejudicando as empresas aqui instaladas. A Parte II do livro compreende quatro capítulos e trata da Crise dos anos 80, período da assim chamada crise da dívida. Inicialmente, procura-se caracterizar as várias etapas do financiamento externo após o choque dos juros em 1979. No Capítulo 3, mostra-se que, de uma situação de absorção de recursos do exterior vigente desde o pós-guerra, o país inaugura, nos anos 80, outra, de crescente transferência de recursos para o 41

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exterior. Inicialmente, elas se referem ao pagamento de juros aos bancos privados, mas são acrescidas, com o passar da década, de amortizações dos empréstimos às instituições multilaterais e do crescente repatriamento do IDE. A magnitude das transferências realizadas encontra poucos paralelos na história econômica mundial contemporânea. Uma das questões derivadas da transferência de recursos para o exterior era a da sua compatibilidade com a preservação do crescimento econômico em face da escassez de divisas. Assim, demonstra-se, no Capítulo 4, que o pagamento da dívida externa impôs um constrangimento ao crescimento da economia. Ou seja, apesar da diversificação alcançada pela economia brasileira, a obtenção de superávits comerciais grandes o suficiente para fazer face ao serviço da dívida só era viável em fases recessivas ou de recuperação, quando ainda existia capacidade ociosa, e nunca na fase de aceleração ou com a economia crescendo a taxas históricas. Outra dimensão nem sempre ressaltada da transferência refere-se ao seu impacto sobre as finanças públicas e é examinada no Capítulo 5. O setor público, principal devedor em moeda estrangeira, foi pressionado de várias maneiras pelas transferências ao exterior. A desvalorização cambial, necessária para a obtenção dos superávits, ampliou a contrapartida em moeda local do estoque da dívida externa de responsabilidade do setor público. A reorientação da economia para a produção de superávit aumentou a renúncia fiscal e os subsídios, diminuindo as receitas desse setor e ampliando seus desequilíbrios e tornando-os cada vez mais autoalimentados. A crise das finanças públicas associada à restrição externa e por ela determinada provoca uma intermitente e cada vez mais frequente aceleração da inflação. Examina-se, no Capítulo 6, como esta última, a partir de certo momento, transfigura-se em crise monetária com caráter peculiar. A substituição monetária, no nosso caso, é feita pela moeda indexada, que representa 42

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uma forma indireta de dolarização dos preços de bens e serviços e dos ativos, constituindo também uma forma particular de manifestação da hiperinflação. A terceira e última parte do livro discute a Desaceleração do desenvolvimento econômico nacional durante os anos 90, década dominada pelo baixo dinamismo. No Capítulo 7, procura-se caracterizar a globalização e esclarecer o seu significado para os países periféricos. Conclui-se, para o caso da América Latina e, sobretudo, para o brasileiro, que a integração no sistema global fundou-se em fluxos de capitais voláteis e correntes de comércio do tipo centro-periferia. Ademais, essa integração resultou também, como já assinalado, em flutuações exacerbadas nas taxas de câmbio e taxas de juros excessivamente altas, prejudicando o crescimento doméstico. A avaliação da abertura financeira, no Capítulo 8, permite constatar seu papel restrito no financiamento do crescimento econômico e um impacto significativo na fragilização das contas externas. Quanto ao financiamento, observou-se a preservação de características históricas do sistema financeiro como a atrofia das fontes internas em benefício das externas, acentuada pela desnacionalização de parte substancial do sistema bancário e a liberalização das entradas e saídas de capitais. Esses capitais, por sua vez, em razão dos prazos de permanência e do direcionamento, ampliam a vulnerabilidade, a curto e a longo prazos, do balanço de pagamentos. O exame dos impactos da abertura comercial, no Capítulo 9, permite constatar a regressão da estrutura produtiva em duas direções: maior especialização com diminuição do peso dos setores de meios de produção e concentração nos segmentos intensivos em trabalho e recursos naturais. Essa mudança conduziu a uma precarização da inserção externa com a substituição do superávit por um déficit comercial de grande sensibilidade às taxas de crescimento do produto. 43

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No plano da abertura produtiva, foi constatada também uma radical modificação na estrutura da propriedade com a diminuição de expressão do segmento estatal e também do capital privado nacional em favor das empresas estrangeiras. Isto significou uma perda de coordenação importante, sobretudo do investimento, e uma vinculação menos mediatizada do ciclo interno com o externo. Em síntese, a eliminação da coordenação decorrente da desnacionalização e a redução dos encadeamentos pela especialização são fatores significativos do baixo dinamismo. No Capítulo 10, analisa-se o processo pelo qual se logrou a estabilidade inflacionária, o Plano Real. Demonstra-se que esse tipo de estabilização, dado o contexto interno e externo no qual se implementa, implica necessariamente taxas de juros elevadas e câmbio apreciado. Essa configuração dos preços macroeconômicos produz uma restrição permanente à expansão da demanda agregada e um desequilíbrio expressivo nas contas patrimoniais do setor público. A magnitude dos desequilíbrios oriundos do Plano Real cria uma disjuntiva entre o crescimento econômico e a manutenção da estabilidade inflacionária, induzindo a política econômica a assumir um caráter restritivo.

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Parte I Desenvolvimento

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Crise internacional e ajuste nacional: o II PND

Este capítulo inicial discute, nas suas linhas gerais, a crise da ordem de Bretton Woods e a peculiar resposta brasileira por meio do II PND. Tomando como referência a segunda metade dos anos 70, procura-se estabelecer quais as principais consequências para os países da periferia capitalista dos diversos distúrbios associados ao esgotamento do ciclo longo de crescimento e ao questionamento da hegemonia americana. Partindo desse cenário, examina-se a alternativa seguida pelo Brasil, marcada por uma clara opção de preservar o crescimento e ampliar a diversificação da estrutura produtiva. Verifica-se também em que medida essa tentativa logrou êxito, no que se refere tanto a esta última quanto à modificação da inserção externa do país pela ótica do comércio exterior. 47

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A crise do regime de Bretton Woods A década de 1970, particularmente a sua segunda metade, marca o esgotamento de um longo ciclo de prosperidade do capitalismo sob a égide da ordem de Bretton Woods. Os principais indicadores econômicos revelam a exaustão do dinamismo desse padrão pela desaceleração do crescimento do produto nos principais países industrializados, pela consequente perda de dinamismo do comércio mundial e pelo aumento da inflação, simultaneamente à elevação das taxas de juros. Tabela  1  –  Indicadores da Economia Mundial (% a.a.) Indicadores

1950-60

1960-70

1970-80

PIB Total Comércio Mundial(1) Taxas de Juros (Longo Prazo)(2)

4,2 6,5

5,3 8,3

3,6 5,2

 Nominais  Reais Índice de Preços (IPC)(2)

3,7 1,2 2,5

5,1 2,4 2,7

8,2 0,3 7,9

Fontes: Maddison (1989), World Bank (1991) e Unctad (1993), apud KozulWright (1997) para PIB e Comércio; Homer & Sylla (1991), apud Ciocca & Nardozzi (1996) para Juros e Preços. (1) Exportações; (2) Médias ponderadas para Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França.

A história da ordem internacional de Bretton Woods, das suas origens, desdobramentos e implicações, é assunto por demais vasto para ser analisado nos limites deste trabalho. Interessa-nos, portanto, recuperar apenas os traços principais da sua crise, tal qual manifestos na segunda metade dos anos 70. O intuito principal é estabelecer as implicações sobre algumas variáveis críticas para a periferia capitalista, tais como crescimento do comércio internacional e natureza e intensidade dos fluxos de capitais. 48

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A crescente desestruturação da ordem econômica internacional ao longo dos anos 70 responde a fatores variados, sejam eles monetário-financeiros ou produtivos, nos planos doméstico e internacional. Autores como Fajnzylber (1983) e Teixeira (1993) sugerem que o período está fortemente marcado pelo esgotamento da onda de inovações, em cujo dinamismo assentou-se o crescimento das economias capitalistas no pós-guerra. Um dos eixos desse ciclo de inovações residiu na progressiva diferenciação e sofisticação dos bens de consumo duráveis. Outro, na substituição de materiais naturais por sintéticos e, adicionalmente, nas mudanças da matriz energética com a progressiva substituição do carvão pelo petróleo. Uma característica importante desse padrão foi a interação entre crescimento do produto e produtividade, sobretudo nos ramos líderes do crescimento, o que permitiu um aumento simultâneo dos lucros e salários, ampliando as fontes de dinamismo. Desse ponto de vista, o arrefecimento do ciclo de inovações e a consequente diminuição do ritmo de incorporação de progresso técnico terminam por constituir um obstáculo à continuidade da expansão. Conforme argumentam Marglin & Schor (1990), a diminuição no ritmo de incorporação de progresso técnico rompe a regra de crescimento proporcional entre salários e produtividade que mantinha inalterada a distribuição funcional da renda. Isso e mais o choque de preços de matérias-primas, em especial do petróleo, conduziram à redução da parcela dos lucros no produto e a um desestímulo ao investimento. Considerados esses aspectos, pode-se afirmar que o próprio crescimento econômico criou os obstáculos à sua continuidade. A crescente perda de dinamismo poderia ter sido contra-arrestada caso outros componentes da demanda agregada, tais como o comércio internacional e os gastos públicos, tivessem ampliado as expectativas de lucros. Estas, aliás, foram duas importantes fontes do crescimento no pós-guerra por meio da 49

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criação de novos mercados. No que tange ao comércio internacional, a grande alavanca da expansão havia sido a internacionalização da grande empresa, especialmente a americana. Conforme sugerem Coutinho & Belluzzo (1982), esse processo de concorrência entre as grandes empresas, inicialmente nos países centrais e posteriormente nos periféricos, criou mercados adicionais, potencializando o crescimento. Para atuar como elemento dinamizador para além das limitações impostas pelo esgotamento do ciclo de inovações, esse processo teria que difundir o conjunto dos setores industriais pesados, incorporando progressivamente áreas da periferia do sistema aos padrões de produção e consumo do centro. Em alguma medida, isso foi feito pelo padrão de desenvolvimento então vigente. Todavia, havia claras limitações tecnológicas, de mercado e de organização econômica a impedir a completa difusão do padrão do centro na periferia. As limitações operantes pelo lado da expansão do comércio internacional eram significativas e não se atinham tão somente à incorporação periférica. A própria organização do sistema internacional fundada no regime de câmbio fixo foi progressivamente questionada pelos desequilíbrios de balanço de pagamentos entre os principais países. A suspensão da conversibilidade do dólar em ouro em 1971 e a progressiva flutuação das taxas de câmbio após 1973 foram acompanhadas de uma redução do dinamismo do comércio internacional. Do ponto de vista interno às economias centrais, as tentativas de assegurar o dinamismo da demanda agregada por meio do gasto público viram-se crescentemente limitadas. Isso, apesar dos crescentes déficits fiscais, de acordo com o International Monetary Fund (1980). Estes últimos resultaram da perda de arrecadação oriunda da aceleração inflacionária e da ampliação da carga de juros resultante da elevação das taxas de juros nominais. Dessa forma, rompe-se o padrão virtuoso de articulação entre gasto público e privado, pelo qual a ampliação 50

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do primeiro desencadeava o crescimento do segundo, dando origem a mais arrecadação, evitando déficits elevados. Em síntese, o período pós-1973 é marcado por déficits públicos recorrentemente elevados nos países centrais, mas também por uma sensibilidade menor do setor privado aos gastos públicos. Vários autores, dentre os quais Marglin & Schor (1990), Belluzzo (1997), Parboni (1980) e Eichengreen (1996), veem a perda do dinamismo do sistema associada também aos conflitos e rivalidades que apareceram no plano internacional durante os anos 70. O questionamento do sistema de taxas de câmbio fixas e das restrições à mobilidade de capitais por meio da constituição de um sistema financeiro transnacional foi a expressão maior da crescente incompatibilidade de interesses entre as nações centrais do sistema. Na base do conflito estava a posição do dólar como moeda reserva do sistema mundial. Durante o imediato pós-guerra e nos anos 50, os déficits globais do balanço de pagamentos americano haviam criado a liquidez necessária para pôr o sistema internacional em movimento. Já nos anos 60, a contestação aos privilégios do dólar veio à tona. No seu âmago, o denominado dilema de Triffin, expressão da contradição de um sistema internacional que utilizava uma moeda nacional como moeda reserva. De acordo com Eichengreen (1996), a questão pode ser assim resumida: os Estados Unidos criaram por meio de seus déficits de balanço de pagamentos, que passaram a englobar também a conta corrente no início dos anos 70, um montante de dólares em circulação no sistema internacional que era considerado excessivo pelos seus parceiros, isto é, por emitir a moeda reserva, os Estados Unidos tinham o privilégio do financiamento automático dos seus déficits externos. Todavia, os demais parceiros, que acumulam esses dólares nas suas reservas internacionais, passaram a questionar crescentemente o valor ou a paridade dessa moeda. 51

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Conforme Parboni (1980), a alternativa mais apropriada seria substituir o dólar por uma moeda de conta internacional, o que, de fato, contrariaria o privilégio americano, razão pela qual não vingou. Outra solução seria admitir uma flutuação do dólar perante outras moedas, o que terminou acontecendo, mas antes foi suspensa a convertibilidade do dólar em ouro, o que de alguma maneira obrigava os países rivais a manterem saldos elevados dessa moeda em suas reservas internacionais. A alternativa que terminou por se impor, com grande relevância para o futuro do sistema financeiro internacional, foi o estímulo e a ampliação de um circuito financeiro denominado em dólar, fora dos Estados Unidos. Com isso se permitia que os detentores de reservas em dólar fizessem aplicações a juros livres, fora do sistema financeiro americano, à época excessivamente regulado. De acordo com Helleiner (1994), na prática, apaziguava-se o questionamento sobre o valor do dólar ao custo de ampliar a mobilidade dos capitais, cujo controle havia sido um dos pilares do regime de Bretton Woods. De acordo com Sunkel & Griffith-Jones (1990), a expansão do euromercado deu origem a um importante ciclo de crédito internacional fundado em fontes privadas e nos bancos transnacionais. Na segunda metade dos anos 70, parte expressiva desses recursos destinou-se ao financiamento das contas correntes deficitárias dos países periféricos. Houve, durante o período, uma mudança significativa na composição dos fluxos de capitais em direção aos países subdesenvolvidos, com a perda de importância dos recursos públicos e, no âmbito privado, com a redução do peso do IDE em favor dos empréstimos bancários (Gráfico 1). O crescimento desses empréstimos foi viabilizado por importantes inovações que permitiram reduzir os riscos individuais dos bancos. Essas foram as taxas de juros flutuantes, os empréstimos sindicalizados e o desenvolvimento do mercado interbancário. Sunkel & Griffith-Jones (1990) advertem para a 52

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brevidade da expansão desse ciclo de empréstimos na segunda metade dos anos 70, em razão de seus custos elevados e dos prazos reduzidos. Rapidamente produziram uma situação na qual os empréstimos adicionais foram utilizados para rolar a dívida antiga.

GRÁFICO  1  –  Fluxos de capitais para países subdesenvolvidos. Fonte: Maddison (1989).

Da perspectiva dos países subdesenvolvidos, há dois fatos particularmente graves: a elevação brusca dos preços do petróleo, o assim chamado primeiro choque do petróleo, e o aumento substantivo das taxas de juros, caracterizando o também primeiro choque dos juros após um longo período de juros nominais e reais muito baixos. Os preços do petróleo moveram-se do patamar histórico do pós-guerra, de US$ 3 o barril, para algo próximo de US$ 12 em 1974. Deste último ano a 1978 permaneceram entre US$ 12 e US$ 15 para voltar a crescer novamente em 1979, atingindo o pico de US$ 37 em 1981 (Gráfico 2). 53

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GRÁFICO  2  –  Choques de juros e do petróleo. Fonte: Banco Central do Brasil (1974/1990) e OPEP.

A quadruplicação do preço da principal fonte de energia constituiu apenas uma parcela da perda de relações de troca sofridas pelos países periféricos não produtores de petróleo. Estes foram vítimas de um aumento generalizado de preços dos bens produzidos nos países centrais sem contrapartida na elevação dos preços das suas exportações, dependentes em larga medida do dinamismo, em declínio, do comércio internacional. A trajetória dos juros representada pela evolução da Libor não foi menos significativa: os juros nominais evoluem do patamar pré-choque de 5% para uma faixa entre 8% e 10% de 1974 a 1978, acelerando-se a partir daí até atingir o pico de 19% em 1981. Os juros reais, por sua vez, permanecem praticamente constantes e só crescem de fato após o segundo choque, ou seja, na década de 1980. A elevação da taxa de juros nominais, decorrente da ampliação das taxas de inflação nos países centrais, também teve, para os subdesenvolvidos, um significado particular. Na prática, como os preços das exportações desses países declinaram, o aumento dos juros teve para eles um componente real. Ou seja, uma carga de juros constan54

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te passou a requerer, para seu pagamento, um maior volume de exportações. Desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto – PIB dos países industrializados e do comércio internacional, perda das relações de troca, diminuição das formas de financiamento de maior estabilidade em benefício de outras mais caras e instáveis: tais foram os percalços para a periferia do mundo capitalista, oriundos da desagregação da ordem internacional de Bretton Woods.

As peculiaridades da resposta brasileira: o II PND A resposta brasileira à crise da ordem internacional por meio do II PND despertou, à época, e mesmo durante a década seguinte, intensas controvérsias. O Plano consistia de um amplo programa de investimentos cujos objetivos eram transformar a estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos, conduzindo o Brasil a uma posição de potência intermediária no cenário internacional. Há, pelo menos, três correntes de interpretação sobre o período, cada qual com suas variantes, que merecem ser assinaladas: uma visão ortodoxa, na qual a estratégia de política econômica é vista como uma evasão ao ajustamento; uma interpretação estruturalista, segundo a qual o período pode ser caracterizado como de ajustamento estrutural; e, por fim, uma vertente crítica que enfatiza a inadequação e o fracasso do ajustamento estrutural. Uma contribuição à caracterização do período, na ótica da evasão do ajustamento, é dada por Malan & Bonelli (1983), que o assinalam como um retardamento do ajuste às novas condições internacionais, tornando a economia nacional mais vulnerável ante os choques externos. Segundo esses autores, a comparação do período de crescimento do milagre com a desa55

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celeração após 1974 revela três distinções importantes: a perda de dinamismo do setor industrial; os efeitos deletérios do primeiro choque do petróleo sobre o balanço de pagamentos; e a recessão e aceleração inflacionária na economia mundial. Há, porém, um ponto comum aos dois períodos, de extrema relevância: a grande expansão da liquidez internacional. A manutenção do crescimento às taxas históricas durante o período só foi possível com o recurso ao endividamento externo, que retardou o ajuste da economia à nova situação internacional. A elevação do preço do petróleo e a deterioração dos termos de troca criaram um déficit substantivo na balança comercial, ao mesmo tempo em que o crescimento dos juros elevava os encargos da dívida, ampliando o déficit em transações correntes. De acordo com esses autores, diante do desequilíbrio do balanço de pagamentos, três alternativas se colocavam: reduzir a demanda doméstica mediante o ajuste recessivo clássico, expandi-la à custa de um endividamento externo maior ou comprimir o consumo em favor do investimento. A opção pela segunda alternativa, apesar de atrasar o ajustamento, atendia à estratégia de legitimação do regime militar, pois, de fato, constituía a possibilidade de preservar ao máximo os interesses domésticos que lhes davam sustentação. Ainda na primeira vertente, Fishlow (1986) analisa o período a partir de uma pergunta fundamental: por que o Brasil não se ajustou melhor à deterioração da situação externa? Isto é, quais as fragilidades de uma estratégia de política econômica, cuja orientação geral eram a substituição de importações nos setores de bens intermediários e bens de capital e a manutenção do esforço exportador? O autor destaca três contradições importantes do Plano: a subestimação da crise do petróleo quanto a sua magnitude e desdobramentos; o agravamento no curto prazo da situação do balanço de pagamentos; e a ênfase excessiva ao papel do Estado como protagonista dos projetos. 56

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Para Fishlow, o governo Geisel, ao optar pela manutenção do crescimento acelerado, lidou com um conjunto de problemas herdados do período anterior: uma indústria com pouca capacidade ociosa a exigir elevados investimentos na hipótese da preservação do crescimento, a deterioração das relações de troca com taxa de câmbio apreciada, a inflação em alta e uma matriz energética profundamente dependente do petróleo. No contexto anterior, segundo o autor, a alternativa de crescimento só foi possível em razão da existência de financiamento externo, pois permitiu manter a taxa de câmbio apreciada, constituindo, de modo implícito, um subsídio à energia e às demais matérias-primas importadas, evitando a aceleração da inflação. Em contrapartida, os setores considerados prioritários na economia puderam também ser beneficiados com taxas elevadas de investimento fixo. À custa, portanto, do endividamento externo, o Brasil conseguiu isolar-se da inflação importada e assegurar uma taxa significativa de crescimento do investimento. Cabe assinalar, por fim, a crítica de Fishlow ao desperdício associado ao II PND, referente à falta de integração entre os projetos, bem como ao superdimensionamento de vários deles. Apesar das condições crescentemente restritivas do ponto de vista do financiamento, o crescimento econômico foi preservado, mesmo diante da mudança de ênfase da política econômica a partir de 1976. Isso porque a estratégia governamental, segundo o autor, obedecia a uma determinação política clara: tratava-se de manter a legitimidade do regime, a fim de promover a transição lenta, gradual e segura do autoritarismo para a democracia. Castro & Souza (1985) têm ponto de vista oposto. Para eles, a resposta brasileira à crise de 1974 foi de grande profundidade, porque não se restringiu ao manejo do nível e composição do gasto doméstico, mas atuou diretamente sobre a formação de capital. A alternativa escolhida foi eliminar a atrofia dos 57

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setores de bens de capital e insumos básicos, buscando, simultaneamente, superar a crise e o subdesenvolvimento. O ajustamento estrutural do período 1974-1979 constituiu, segundo os autores, um ponto de ruptura, ao direcionar a industrialização para as indústrias capital-intensivas e tecnológico-intensivas, integrando o parque industrial e dando-lhe capacidade de competitividade internacional. Numa perspectiva crítica, Lessa (1978) procura demonstrar que os vários obstáculos com os quais se defrontou o II PND conduziram ao seu insucesso. No início do programa, a economia brasileira enfrentava um processo cíclico de desaceleração, resultante do excesso de investimento do período do “milagre”. A mudança de eixo do processo de acumulação para os setores pesados criava um importante conflito de interesses com o setor dominante do ciclo anterior – o de bens de consumo duráveis. O quadro internacional era também bastante desfavorável, pelo desaquecimento do comércio e pela mudança nas condições de financiamento, com prazos mais curtos e taxas de juros mais elevadas. Apesar de o esforço exportador ter sido considerável, o II PND implicava, no curto prazo, um agravamento do déficit em conta corrente, pois ampliava o hiato de recursos. Lessa sugere, ademais, que o Estado brasileiro tentou, à época, conciliar a totalidade de interesses, como forma de manter sua legitimidade e evitar perdas aos setores médios da sociedade e, consequentemente, à indústria de bens de consumo duráveis. O fracasso apresentou-se já em 1977 com a desaceleração dos programas de investimento. Numa abordagem complementar à anterior, três críticas centrais são formuladas ao padrão de crescimento do período 1974-1980 por Tavares & Lessa (1983). Da ótica do financiamento, destaca-se o recurso extremo ao endividamento externo. Do lado real, além da elevada relação capital/produto dos novos investimentos, a exigir um crescimento substantivo da 58

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taxa de poupança, aponta-se também para o sobredimensionamento dos projetos – principalmente dos bens de capital sob encomenda –, que acarretou a elevação da capacidade ociosa no setor. Como contribuição à análise crítica, Serra (1982) indica com propriedade dois problemas centrais do II PND. O primeiro se refere ao momento no qual foi realizado, quando a economia doméstica se desacelerava após o auge do ciclo e a conjuntura internacional era recessiva. O segundo é o fato de o Plano ter recorrido fundamentalmente ao financiamento externo em moeda, porque não podia contar com o aporte de capital de risco proveniente das empresas multinacionais, diante da falência da união de interesses que havia caracterizado os ciclos de investimento precedentes. Em síntese, do conjunto dos autores que analisam o período, à exceção de Castro & Souza (1985), podem-se extrair os seguintes pontos críticos relevantes: o momento de realização do programa foi inadequado em razão da conjuntura internacional recessiva e da desaceleração cíclica interna; o programa carecia de maior articulação entre os investimentos, havendo um visível sobredimensionamento em particular no que se referia aos bens de capital sob encomenda; recorreu-se excessivamente ao financiamento externo, ao mesmo tempo em que se descuidava da questão energética, vulnerabilizando a economia a novos choques externos; a manutenção do crescimento acelerado a qualquer preço teve como justificativa última o atendimento ao conjunto de interesses que sustentavam o regime autoritário, convertendo o Estado no principal instrumento desse desiderato.

Concepção e significado histórico do II PND Como já foi apontado, o II PND compreendia um amplo programa de investimentos, cujo objetivo último era permitir 59

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a correção dos desequilíbrios na estrutura industrial e no setor externo, típicos de uma situação de subdesenvolvimento, ainda presentes na economia brasileira apesar de quase meio século de crescimento industrial contínuo. Pode-se sintetizar a estratégia do Plano em quatro eixos centrais: modificações na matriz industrial, ampliando a participação da indústria pesada; mudanças na organização industrial, acentuando a importância da empresa privada nacional; desconcentração regional da atividade produtiva, visando a reduzir a concentração espacial da produção; e, finalmente, melhoria na distribuição da renda. Do ponto de vista de concepção, o II PND se inscreve na tradição dos planos de desenvolvimento pregressos sob a égide dos quais realizaram-se importantes modificações da estrutura produtiva. Propunha-se, desta feita, a realização de um bloco de inversões concentrado temporal e setorialmente, abarcando os segmentos de bens de capital e bens intermediários. Mais ainda, perseguia-se também a transformação das matrizes energética e de transporte, de forma que estas últimas, aliadas à implantação da indústria de bens intermediários, criassem a demanda capaz de viabilizar os novos segmentos da indústria de bens de capital. Aqui cabe um esclarecimento de ordem mais geral sobre a natureza do II PND e da sua continuidade com relação ao modelo histórico de desenvolvimento. Comecemos por distinguir três alternativas básicas de crescimento. No caso da substituição de importações, a dinâmica da economia seria ditada pela internalização de segmentos relevantes da indústria e redundaria numa baixa, a longo prazo, do coeficiente importado. Na hipótese do drive exportador, a competitividade das exportações permitiria que os mercados externos adicionais respondessem pelas decisões de investimento. Em contraposição a essas duas alternativas, teríamos a hipótese do ciclo endógeno, na qual o investimento estaria determi60

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nado preponderantemente pelo crescimento dos mercados domésticos, criados por ele próprio, de maneira autônoma ou induzida pelas relações intraindustriais. Nos três casos, os determinantes do investimento têm natureza distinta. Na substituição de importações, o estrangulamento da capacidade para importar induz a internalização da oferta, em vários segmentos produtivos. Dessa forma, são os mercados preexistentes os responsáveis últimos pelas decisões de investimento. No caso do drive exportador, a formação de nova capacidade produtiva faz-se em razão de mercados externos adicionais, supondo, portanto, não só a maior internacionalização da produção como um superávit comercial permanente. Por fim, no ciclo endógeno, são as decisões de gasto dos capitalistas e do Estado que, ao criarem seus próprios mercados, motivam a ampliação da capacidade produtiva. Ao discutirem a vigência dos paradigmas alternativos de crescimento durante o período do II PND, Tavares & Lessa (1983) sugerem que não há uma redução tendencial do coeficiente importado, tampouco uma ampliação do coeficiente exportado da economia. Dessa forma, não teria havido modificações relevantes na participação dos mercados nem nos determinantes do investimento, na economia brasileira, durante esse período. As flutuações desses coeficientes seriam exclusivamente de natureza cíclica. O coeficiente importado teria um comportamento pró-cíclico em razão da complementaridade das importações de meios de produção com a produção doméstica. Já o coeficiente exportado seria anticíclico, variando conforme a absorção doméstica. Para esses autores, a elevação do coeficiente exportado e a redução do coeficiente importado no período 1974-1980 seriam resultado do processo intenso de desaceleração do crescimento. Os dados do Gráfico 3 sustentam essas afirmações. O coeficiente exportado apresenta oscilações de pequena magnitude durante o período 1974-1980, alcançando, no último triênio 61

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da década, valor idêntico ao do auge do milagre econômico em 1970-1973. Além de seu valor praticamente constante, ao redor de 8% do PIB, a ocorrência de déficits comerciais sistemáticos desqualifica a tese do drive exportador, ou dos mercados externos como fonte de dinamismo do crescimento.

GRÁFICO 3 – Coeficientes de abertura e de variação do PIB. Fonte: FIBGE. Contas Nacionais.

Quanto ao coeficiente importado, a sua aderência ao ciclo é inquestionável, mas insuficiente para desqualificar a hipótese da substituição de importações. Esse coeficiente reflete os movimentos da produção corrente e, portanto, em princípio, não invalida a hipótese de que os novos investimentos tenham sido motivados pelos mercados internos preexistentes. O reflexo sobre o coeficiente importado demandaria a maturação desses investimentos para manifestar-se. Depõe contra essa ponderação a queda de apenas um ponto percentual no coeficiente importado, num período relativamente longo, de mais de dez anos entre 1970 e 1980. A prévia internalização de importantes segmentos da indústria pesada não colocava a substituição de importações, no seu sentido histórico de superação da restrição absoluta da

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capacidade para importar, como alternativa à continuidade do processo de industrialização, tal qual ocorreu em períodos pregressos. Dada a complexidade da estrutura industrial já existente, a decisão de internalizar a oferta em segmentos produtivos novos funcionou como a criação de mercados adicionais a partir do investimento autônomo. Nesse contexto, a ideia de substituição de importações subsiste apenas como um conceito formal, ou seja, como uma referência ou comparação a estruturas mais complexas existentes nos países industrializados.1 Como foi dito, não houve, durante a segunda metade dos anos 70, modificações substanciais do modelo histórico de desenvolvimento quando comparado a períodos anteriores. Buscava-se, mais uma vez, diferenciar a estrutura produtiva, completando-a e aproximando-a do paradigma então prevalecente nos países centrais. A ênfase nos setores pesados, cujo atraso era assinalado, assemelhava o II PND a programas que, no passado, haviam abraçado os mesmos objetivos, como o Plano de Metas. Da mesma maneira, as referências ao controle da tecnologia eram quase inexistentes. Era como se a montagem pura e simples dos novos setores, cada vez mais complexos em termos da tecnologia utilizada, permitisse ganhar de maneira automática a capacidade de reproduzi-los internamente. Os limites enfatizados para a implantação da indústria de bens de capital, por exemplo, eram, sobretudo, aqueles decorrentes das escalas de produção necessárias, e da magnitude dos capitais e financiamentos exigidos. Embora haja alguma razão para tal atitude, dado que o paradigma tecnológico mudava lentamente e assistia-se a sua difusão à escala internacional, pela concorrência entre as grandes empresas existiam, todavia, setores nos quais esse processo era 1 Ver, a propósito, Tavares (1975) para uma discussão do conceito e significado histórico da substituição de importações.

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bastante limitado. Conforme assinala Fajnzylber (1983), havia sérios obstáculos à difusão da indústria de bens de capital, sobretudo por razões relativas ao domínio da tecnologia. Outro aspecto decisivo do II PND relacionava-se à intenção de modificações no que denominava organização industrial. Essa questão refere-se particularmente ao caráter menor e subordinado que o empresariado nacional havia desempenhado no processo de desenvolvimento brasileiro. Dessa forma, o objetivo central do PND era fortalecer esse segmento, reservando-lhe uma área nobre, a dos bens de capitais sob encomenda. Ainda no que diz respeito aos aspectos produtivos, o II PND propunha-se a corrigir os desequilíbrios regionais herdados dos períodos anteriores, o que seria realizado pela desconcentração da nova indústria de bens intermediários, cuja localização era bastante influenciada pela base de matérias-primas. Já se fez menção à ausência de referência do II PND à questão da capacitação e autonomia tecnológicas. Outro aspecto decisivo que possui muito pouco destaque diz respeito ao padrão de financiamento. Os obstáculos ao crescimento, em nenhum momento, eram percebidos como resultado da inadequação da base financeira doméstica, assentada na poupança compulsória e largamente dependente de financiamentos externos. Em consonância com a tese da continuidade ante o período anterior e, sobretudo, no que diz respeito ao arcabouço de financiamento, o II PND não previa mudanças significativas nesse campo.

Mudanças na estrutura produtiva e no comércio exterior O período de crescimento da economia brasileira que se estende de meados da década de 1970 até início dos 80 só pode ser entendido a partir do investimento autônomo liderado pelo Estado por meio do II PND. Embora haja uma evidente desace64

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leração nas taxas de crescimento do produto e do investimento, a continuidade desse crescimento num contexto internacional crescentemente adverso já confere ao período uma característica singular.

A dinâmica do investimento Um primeiro aspecto quanto ao desempenho do investimento durante o período é o declínio da sua taxa de crescimento, a partir de 1974 (Gráfico 4). Há, contudo, dois subperíodos nitidamente distintos: de 1974 a 1976, o investimento cresce acima da produção corrente; entre 1977 e 1980, ocorre o inverso. Essa constatação é importante, pois indica a descontinuidade do padrão de crescimento montado a partir do II PND.

GRÁFICO 4 – Evolução do Investimento.

Fonte: FIBGE. Contas Nacionais.

A desaceleração progressiva do investimento também fica evidente pela evolução da taxa de investimento, pois, atingido o pico de 25% do PIB em 1975/1976, há uma contínua e progressiva queda dessa taxa confirmando o recuo do programa de inversões. Outras evidências a respeito da desarticulação 65

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do Plano são ainda mais significativas. De acordo com Serra (1982), houve uma progressiva substituição do investimento privado pelo investimento público, rompendo um padrão histórico de associação e complementaridade. No que tange à associação entre investimento público e privado, o trabalho de Coutinho & Reichstul (1983) mostra a sua progressiva desarticulação. A participação deste último no investimento total cai de 60%, em 1974, para 55% em 1979. Em contrapartida, o investimento das empresas estatais aumenta sua participação em igual magnitude, passando de 23,5% do total, em 1974, para 28,5% em 1979. O crescente peso do investimento produtivo estatal num quadro de desaceleração constitui o indicador adicional da inconsistência do padrão de crescimento oriundo da estratégia de 1974. As indicações da falta de consistência do padrão de investimento estão presentes também na evolução da composição do investimento relativa a máquinas e equipamentos, e construção. Dados das Contas Nacionais mostram que o primeiro grupo, após manter a participação de aproximadamente 40% no total do investimento, no triênio 1974-1976, declina progressivamente até alcançar 35% em 1980. Esse aspecto foi assinalado por Malan & Bonelli (1983), para os quais isso daria ao investimento um caráter mais compensatório do que inovador. As informações analisadas dão sustentação à interpretação de Lessa (1978), para quem o II PND sofre uma importante revisão a partir de 1977, descaracterizando-o como um programa de amplas transformações da economia apesar de se terem mantido significativos investimentos setoriais. Essa observação é importante quando examinada de perspectiva mais ampla, pois mostra a ruptura de um padrão de crescimento que durante décadas esteve assentado na dinâmica articulada do investimento público e privado. Conforme apontado por Serra (1982), essa desarticulação refle66

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tiu, sobretudo, a menor participação das empresas privadas multinacionais. Estas, às voltas com uma desaceleração do crescimento significativa nos países centrais, certamente se tornaram cautelosas para desencadear grandes projetos de inversão na periferia do sistema. A análise desagregada dos investimentos realizados durante o período do II PND permite esclarecer melhor o alcance das mudanças. Desde logo percebe-se na evolução do investimento uma distância substancial das metas pretendidas no programa. Isso valeu, sobretudo, para o setor de energia e para as indústrias básicas. Deixadas de lado as metas e comparada a trajetória do investimento com a do período 1970-1974, constata-se um esforço adicional significativo na área de energia e de menor intensidade nas indústrias básicas (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição setorial do investimento (%) Setores

1970-74

1975-79

Energia  Petróleo   Carvão e Gás  Eletricidade Indústria   Indústrias Básicas  Metalurgia   Mat. Transporte   Mecânica e Elétrica  Química   Não Metálicos + Papel Celul. Outras Transporte Comunicações Memo: Investimento/PIB (%)

 8,4  1,1   0,0  7,3 18,6 10,5  2,4  1,8   2,0  2,4   2,0  8,1 11,6  3,1 22,5

10,1  1,7    0,0   8,4 17,8 10,7  2,7  1,5  2,5  2,2  1,8  7,2  9,4  3,5 24,1

Fonte: Batista (1987).

67

Projeções II PND 19,4   2,0    2,4    15,0,4 22,8 19,3  6,8  2,3  2,7  4,5  2,0   3,5 10,2  3,8 –

Ricardo Carneiro

Os números desagregados relativos à indústria são também elucidativos. Nesse caso, as metas de ampliação e diversificação também estiveram longe de ser cumpridas. Mais ainda, nota-se uma continuidade no padrão de distribuição setorial do investimento quando são comparados os períodos 1970-1974 e 19751979. Ou seja, apesar da ampliação absoluta, não ocorreu uma concentração significativa de investimentos nas indústrias de base, fossem elas de bens de capital ou de insumos básicos. Isso significa dizer que o período do II PND, apesar da ampliação absoluta do investimento, não implicou modificação substantiva no seu padrão, tendo o perfil deste último mostrado uma significativa continuidade com o período anterior. Embora o II PND não tenha se materializado como o instrumento da realização da pretendida diversificação adicional da matriz industrial na escala proposta inicialmente e tampouco tenha logrado a implantação definitiva dos setores mais avançados da indústria, ele preservou o processo de diferenciação da estrutura produtiva em direção à indústria pesada observado desde meados dos anos 50. Assim, cabem aqui algumas considerações acerca das limitações à maior diversificação da estrutura produtiva observada no período. Esses obstáculos manifestaram-se com intensidade na indústria de bens de capital, pois, nos segmentos produtores de bens intermediários e energia, o processo avançou substancialmente. Em relação ao setor de energia, os investimentos ampliaram-se tanto no segmento produtor de petróleo quanto no de hidroeletricidade (Tabela 2), embora numa velocidade insuficiente para reduzir a dependência de importações, no caso do petróleo.2 Os empecilhos tampouco se localizaram na indústria de bens 2 Dados do Ipea/Inpes (1985) obtidos dos anuários estatísticos da Petrobras demonstram que os investimentos dessa empresa em prospecção de petróleo dobraram no período 1974-1978 quando comparados a 1970-1973. Esse esforço, todavia, foi claramente insuficiente para atender à demanda interna e teve que ser ampliado após o segundo choque de preços em 1979.

68

Desenvolvimento em crise

intermediários. Tanto quanto no setor de energia, os obstáculos tecnológicos e de escala de produção são pouco significativos nesse setor, no qual a base de matérias-primas e a própria disponibilidade de energia são os fatores locacionais decisivos. Nessas indústrias, houve uma expressiva desconcentração da produção dos países centrais em benefício dos países periféricos de maior grau de desenvolvimento durante o ciclo de crescimento do pós-guerra. Os impedimentos para realizar uma maior diversificação da estrutura produtiva residiram, sobretudo, na indústria de bens de capital. No que tange a esta última, Fajnzylber (1983) já havia apontado sua elevada concentração nos países desenvolvidos, apesar da maturação do paradigma tecnológico. Nos setores mais dinâmicos, as fortes barreiras à entrada resultantes do controle da tecnologia e das escalas de produção constituíam uma limitação à desconcentração dessa indústria em direção à periferia. Nos países periféricos possuidores de economias de maior porte, tais como Índia, China, Coreia e Brasil, houve um importante esforço para incorporar a indústria de bens de capital. Ao analisar os resultados diferenciados obtidos por esses países, o trabalho da Unctad (1985, p.xxi) destaca sobretudo o caráter dinâmico da implantação dessas indústrias: “Trata-se de um processo no qual se deve construir toda uma estrutura de indústrias interconectadas para poder lograr as economias de especialização e de escala próprias das atividades de construção de maquinaria”. Dessa maneira, a superação na divisão internacional do trabalho prévia nesse setor dependeria da transposição de obstáculos nos campos do financiamento, da tecnologia e dos mercados. Do ponto de vista dos dois últimos, essas restrições estariam sintetizadas na questão da escala e especialização da produção. Maiores escalas de produção, ao permitirem uma maior especialização, seriam de importância crucial para 69

Ricardo Carneiro

acumular conhecimento técnico. Este último teria também um importante suporte na política de gastos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) das empresas. O êxito na implantação dessa indústria, visto de uma perspectiva temporal mais ampla, residiu, sobretudo, na aquisição de autonomia tecnológica. Na prática, isso supôs mercados suficientemente amplos, internos ou conseguidos via exportações, capazes de viabilizar escalas de produção mínimas. A capacitação tecnológica, por sua vez, resultou das políticas das empresas, sendo importante, para tanto, o grau de compromisso com sua base local de produção. Desse ponto de vista, como sugere a Unctad (1985), a presença de empresas nacionais seria um fator decisivo. A comparação entre os setores de bens de capital dos maiores países subdesenvolvidos em 1980, realizada pela Unctad (1985), é bastante elucidativa. O confronto do Brasil com a Coreia mostra uma indústria muito mais complexa e estruturada na economia brasileira. O único item no qual a indústria coreana é superior refere-se à magnitude do pessoal técnico-científico empregado pelas empresas, o que certamente refletia a menor presença das empresas estrangeiras nessa economia. Os dados do Quadro 2 mostram uma participação muito grande das filiais estrangeiras no caso brasileiro e, mais que isso, concentrada nos ramos de maior sofisticação tecnológica: máquinas-ferramenta e material elétrico. Na Coreia são amplamente predominantes as empresas nacionais com alguma forma de colaboração estrangeira, inexistindo um sistema de filiais de empresas estrangeiras. O trabalho de Tadini (1986) reforça a análise anterior. Assinala para o setor de bens de capital no Brasil uma histórica divisão do trabalho entre as filiais estrangeiras e as empresas brasileiras, com as primeiras dominando o setor mais sofisticado do ponto de vista tecnológico, qual seja, o setor elétrico, enquanto as últimas concentraram-se no setor mecânico. A 70

Desenvolvimento em crise

indústria como um todo sempre foi excessivamente diversificada, conduzindo às escalas de produção reduzidas, e pequena especialização. Quadro  2  –  Brasil e Coreia: propriedade das empresas de bens de capital, 1980 Máquina Material Ferramenta Elaborado  Brasil    Nacionais I    Nacionais II(1)   Filiais  Coreia    Nacionais I    Nacionais II(1)   Conjuntas

8 1 3 4 7 2 5 0

6 0 5 1 8 0 5 3

Material Elétrico

Total

8 1 3 4 6 0 2 4

22  2 11  9 21  2 12  7

Fonte: Unctad (1985). (1) Empresas nacionais com colaboração técnica estrangeira.

Para Tadini (1986), o II PND não solucionou esses problemas. A ampliação do setor de bens de capital por encomenda, por exemplo, deu-se com a inclusão de um número excessivo de produtores em cada um dos segmentos produtivos, em quantidade bem mais elevada do que o observado nos países desenvolvidos. O resultado foi alta ociosidade e pouca especialização. Essas características viram-se agravadas pelo desvio da demanda doméstica para o exterior em razão da dependência dos financiamentos externos. As exportações, por sua vez, concentraram-se exclusivamente nos bens mecânicos e direcionaram-se para os países da periferia. O conjunto de fatores já apontados dá uma ideia mais precisa do caráter e das limitações para a diferenciação da indústria de bens de capital durante o II PND. Embora o esforço de investimento tenha sido substantivo, ele foi em grande parte 71

Ricardo Carneiro

desperdiçado, na medida em que reproduziu velhas estruturas e problemas. O aspecto essencial nesse caso foi, sem dúvida, o pouco ganho obtido na capacidade de inovação tecnológica, que irá se mostrar decisiva quando da mudança do paradigma, ao longo dos anos 80.

Evolução da produção As características do investimento analisadas anteriormente têm impactos importantes sobre o desempenho da produção corrente. Considerado o período como um todo, verificamos a desaceleração tão somente da produção industrial, pois a agropecuária e os serviços preservam o crescimento do período anterior. Essa tendência se acentua com o passar do tempo, com a redução ainda maior do crescimento da produção industrial em contraste com a sustentação da produção agropecuária (Tabela 3). Esse descolamento constitui uma primeira indicação da crescente importância dos mercados externos à indústria – exportações e gasto público – na manutenção das taxas de crescimento globais. Tabela  3  –  PIB setorial (Taxas de crescimento em % a.a.), 1970-1980 PIB

Agropecuária

Indústria

Total Total Vegetal Animal Total Extrat. Transf. Constr. SIUP(1) 1970-80 1970-73 1974-76 1977-80

 8,7 12,5  8,0  6,4

4,7 4,6 3,5 5,8

4,5 5,7 2,2 5,5

4,7 2,1 5,2 6,3

 9,3 14,3  8,4  6,4

7,1 5,1 9,3 7,0

 9,0 14,1  7,9  6,1

10,2 17,0  9,1  6,0

12,3 13,0 12,3 11,8

Fonte: FIBGE – Contas Nacionais Consolidadas. (1)  Seviços Industriais de Utilidade Pública.

No conjunto das atividades industriais, ocorrem mudanças significativas. Enquanto o crescimento se sustenta com a ex72

Desenvolvimento em crise

trativa mineral e os serviços industriais de utilidade pública, há brusca desaceleração na indústria de transformação e na da construção. Essa tendência, nitidamente reforçada de 1977 a 1980, reflete sem dúvida a redução do investimento privado e a revisão dos investimentos do setor produtivo estatal inspirados no II PND. Ao mesmo tempo, indica o dinamismo diferenciado da extrativa mineral, ligada ao mercado externo, e a finalização de grandes obras de infraestrutura a cargo do setor público, em particular na área da energia elétrica. Observando detalhadamente a indústria de transformação, na Tabela 4, constata-se declínio do crescimento mais pronunciado nos bens de consumo duráveis e nos bens de capital. No primeiro caso, a saturação da demanda, a reposição concentrada e o encarecimento do crédito são os fatores apontados como determinantes desse desempenho. Quanto aos bens de capital, a reversão dos investimentos do II PND explica a performance. Os setores com menor desaceleração foram os de bens intermediários e bens de consumo não duráveis. O desempenho deste último deveu-se à sua essencialidade; já no caso dos bens intermediários, a internalização da oferta – e, portanto, a demanda preexistente – foi o fator primordial, embora não se possa descartar o aumento das exportações, como veremos a seguir. Observando a estrutura produtiva da ótica da produção corrente, o estudo do Ipea/Inpes (1985) conclui pela existência de uma diversificação da produção industrial em direção aos gêneros produtores de bens intermediários, em especial papel e papelão, e química. Provavelmente, a diversificação, em termos de capacidade instalada, foi ainda maior por conta dos investimentos em bens de capital, embora imperceptível em face da elevada ociosidade. As afirmações que caracterizam o período 1974-1980 como de uma significativa diversificação da produção industrial em direção à indústria pesada requerem algumas qualificações. Se considerarmos apenas o crescimento da produção, vemos o período liderado pelos bens intermediários e, apesar da grande 73

Ricardo Carneiro

desaceleração, pelos bens de consumo duráveis (Tabela 4). Tomando-se os subperíodos principais, no primeiro (1974-1976) a liderança é exercida pelos bens de consumo duráveis e bens de capital e, no segundo (1977-1980), pelos bens de consumo duráveis e bens intermediários. Tabela  4  –  Taxas de crescimento (em % a.a.) da indústria de transformação, 1970-1980

Períodos

Bens de Capital

Bens Intermediários

Bens Duráveis

Bens Não Duráveis

1970-73 1974-80 1974-76 1977-80

22,7  7,4 13,0  3,4

13,2  8,3  8,7  8,0

25,5  9,3 10,3  8,6

9,1 4,4 4,8 4,1

Fonte: Serra (1982, p.58), apud FIBGE.

Duas conclusões importantes advêm desses dados: a rápida desaceleração da produção de bens de capital indica a sua desarticulação inter e intrassetorial e, por consequência, uma perda de importância dos mercados internos à indústria, como elemento dinamizador do crescimento. O desempenho diferenciado dos setores com possibilidade de exportar, a exemplo dos bens intermediários, demonstra a fratura do padrão de crescimento cuja característica central desde o Plano de Metas havia sido a liderança conjunta dos setores de bens de capital e bens de consumo duráveis, isto é, o dinamismo industrial fundado na diferenciação da estrutura produtiva e do consumo parece ter encontrado seus limites no II PND. Do ponto de vista da energia, apesar de uma política de investimento agressiva na área elétrica, no que diz respeito à produção de petróleo os resultados foram claramente insuficientes. Entre 1973 e 1979, o quantum importado de petróleo cresceu 50%, elevando a sua participação na pauta de 11% para 74

Desenvolvimento em crise

37% durante o período. A produção de petróleo bruto permanece estagnada durante toda a década, apresentando em 1980 o mesmo patamar de 1973 – cerca de 10.000.000 m³ (Mendonça de Barros & Manoel, 1989). Quanto à agricultura, os anos 70, em particular a segunda metade, testemunham importantes transformações. Segundo Fonseca & Salles Filho (1990), a década é marcada pelo trinômio tecnificação/agroindustrialização/exportação. A composição da produção sofre significativas modificações, em especial pelo crescimento das atividades ligadas às exportações – soja, laranja, carnes de aves, pinus, eucaliptus –, ao mesmo tempo em que aumenta o grau de processamento industrial da produção. Nessa década, as atividades que não estavam vinculadas a um dos eixos dinâmicos – agroindustrial e/ou exportador – tiveram um desempenho medíocre, como o da produção de alimentos não comercializáveis. Tal desempenho contrasta com o dinamismo das atividades ligadas às exportações, identificadas em grande parte com aquelas com algum grau de processamento. Dados apresentados por Rezende (1989) indicam que, entre os produtos não comercializáveis, apenas o milho (que é uma cultura intimamente associada à produção de rações) e o trigo (que contou com uma ampla política de subsídio para internalizar a oferta) revelaram crescimento significativo. No caso dos exportáveis, além do desempenho da cana-de-açúcar, o destaque fica para os produtos não tradicionais, como soja e laranja. Consolida-se assim, nessa década, e em particular na sua segunda metade, uma forma peculiar de inserção da agricultura brasileira no comércio internacional. Além da elevação do coeficiente exportado,3 a participação dos novos produtos passa de

3 O coeficiente exportado da agricultura evolui da seguinte forma: 19701971 (13,5%); 1972-1974 (16,9%); 1975-1977 (21,3%); 1978-1980 (18,3%), segundo Mendonça de Barros & Manoel (1989) apud FIBGE (p.322).

75

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15% para 30% na pauta, entre 1971 e 1980, enquanto o grau de processamento vai de 22%, em 1975, para 34% em 1980. Essa inserção externa explica a sustentação do crescimento da agricultura ante a perda de dinamismo da indústria no período considerado.

Transformações no comércio exterior Os recorrentes desequilíbrios da balança comercial constituem uma característica inequívoca do período 1974-1980. Por essa razão, interessa analisar como esse desequilíbrio se manifestou ao longo do tempo, e quais as principais modificações daí decorrentes, especialmente no que tange à articulação dos setores produtivos com o exterior. Os dados referentes à taxa de comércio são bastante esclarecedores quanto à inserção externa do ponto de vista setorial (Tabela 5). Os setores significativamente superavitários são aqueles produtores de commodities agrominerais e de bens de consumo tradicionais, embora tenha havido modificações significativas no segmento de bens intermediários. O grupo produtor das commodities agrominerais, apesar do saldo comercial permanente, deteriora sua posição após 1977. Tudo indica que essa deterioração resultou, sobretudo, da perda nos termos de troca em razão da redução dos preços dessas matérias-primas no âmbito mundial observado após essa data. O grupo dos manufaturados tradicionais (Manufaturados 1, compreendendo calçados e têxtil) possui um padrão distinto de inserção externa. Desde logo, as taxas de comércio – e, portanto, o saldo – são bem mais elevadas e menos sujeitas à deterioração dos preços internacionais. Essas altas taxas são ampliadas ainda mais após 1979, certamente como reflexo da desvalorização cambial. 76

Desenvolvimento em crise

Tabela  5  –  Taxa de comércio (exportação/importação) por setores, 1974-1980 Saldo (1980) 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 US$ mi AGROMINERAIS   Abate de Animais  Agropecuária   Benef. Produtos Vegetais   Óleos Vegetais   Outros Alimentos   Extrativa Mineral Manufaturados 1

 1,7  6,1  0,5 19,7  0,8  4,5

 4,5  6,5  0,8 36,7  0,9  7,9

 8,1  5,3  0,7 61,3  1,3  6,9

 8,9  5,6  1,9 74,9  2,4  5,7

 2,0  1,9  1,7 64,0  1,3  5,5

 1,5  1,5  1,2 20,7  1,5  4,6

 4,2  1,7  0,9 37,0  2,0  6,5

  423,1   446,6     -91,8 2.155,6   172,1 1.523,4

 Calçados  Têxtil Manufaturados 2

16,6 4,5

23,0 5,0

25,9 4,9

23,5 6,6

21,9 7,5

21,6 10,8

37,0 11,6

519,1 702,8

  Celulose, Papel e Gráfica   Minerais Não Metálicos   Outros Produtos Metálicos  Siderurgia   Refino de Petróleo e Petroquímica   Metais Não Ferrosos Manufaturados 3

0,3 0,4 0,2

0,4 0,5 0,2

0,4 0,6 0,4

0,4 0,6 0,6

0,8 0,7 0,9

1,3 0,8 1,2

2,2 1,2 1,6

298,1 30,0 107,6

0,1 0,1

0,1 0,2

0,4 0,1

0,5 0,1

0,9 0,3

1,6 0,4

1,4 0,5

232,7 -613,9

0,1

0,1

0,1

0,1

0,1

0,2

0,1

-775,5

           

3,2 0,2 0,1 0,4 0,1 0,3

7,0 0,3 0,1 0,3 0,1 0,2

6,9 0,4 0,1 0,3 0,1 0,2

18,6 0,7 0,1 0,6 0,2 0,3

27,7 0,8 0,1 0,5 0,2 0,3

66,7 110,8 779,7 1,3 0,8 -208,4 0,1 0,2 -979,4 0,5 0,7 -179,5 0,3 0,5 -1.067,8 0,4 0,5 -416,1

Veículos Automotores Peças e Outros Veículos Elementos Químicos Equipamentos Eletrônicos Máquinas e Tratores Material Elétrico

Fonte: Funcex.

Outro grupo peculiar é o dos Manufaturados 2, composto dos bens intermediários, que faziam parte dos setores incentivados durante o II PND. Por efeito das ampliações da capacidade produtiva, da diminuição da taxa de crescimento doméstica e da desvalorização cambial, vários desses segmentos

77

Ricardo Carneiro

passaram a apresentar superávit a partir de 1979/1980. Isso só não é verdadeiro para o setor petroquímico e de metais não ferrosos. Esta é, sem dúvida, uma modificação relevante produzida pelo II PND, pois o setor sai de uma posição global deficitária no início da década para o equilíbrio em 1980, com alguns superávits importantes, como foi o caso da siderurgia e papel e celulose. Um dado até certo ponto surpreendente é o da evolução da taxa de comércio de veículos automotores. A exportação de veículos pesados – ônibus, caminhões – tem a sua performance determinada pela competitividade da indústria doméstica e seu direcionamento para os mercados latino-americanos. Já a exportação de veículos leves teve na desaceleração do crescimento interno combinado com a política de incentivos os determinantes de uma melhor performance exportadora. O segmento automotivo é o único setor de maior conteúdo tecnológico no qual se observa um comportamento favorável das taxas de comércio. Nos demais produtores de bens de capital (Manufaturados 3), permanece uma situação de déficits elevados. Do ponto de vista do déficit comercial, é preciso distinguir dois períodos. Apesar da ocorrência de déficits, o período 1974-1977 não caracteriza ainda uma deterioração global da balança comercial, identificável a partir de 1978. Como veremos a seguir, os sucessivos choques externos introduzem desequilíbrios cada vez mais permanentes no comércio exterior, sem que internamente as medidas adotadas sejam suficientes para eliminá-los. O principal fator determinante dos déficits comerciais no período foi a deterioração dos termos de troca. Notamos, a esse propósito, o elevado grau de aderência entre o montante dos déficits comerciais e o índice de relações de troca (Tabela 6). Esse movimento geral, contudo, não deve obscurecer a existência de dois períodos distintos: o déficit surge abruptamente, em 1974, como resultado da quadruplicação dos preços do petróleo, da 78

Desenvolvimento em crise

perda global de relações de troca e da antecipação de importações (que conduz imediatamente à duplicação de seu valor). Uma vez absorvido o choque, as importações mantêm-se no mesmo patamar durante quatro anos. A redução progressiva do déficit ocorre predominantemente em razão da melhoria das relações de troca, com crescimento marginal do quantum exportado e crescimento significativo do quantum importado.

Tabela  6  –  Brasil: índices do comércio exterior e saldo comercial, 1972-1980 (1977 = 100)

Exportações

1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

Importações

Preços

Quantum

Preços

Quantum

 41  56  71  71  82 100  92 101 107

 76  88  89  98  99 100 113 124 152

 47  59  91  94  96 100 107 128 164

 70  85 115 109 108 100 105 115 115

Índice de Relações de Troca

 87  95  78  76  85 100  86  79  65

Saldo (US$ mi)

–  7,0) (4.690,0) (3.540,0) (2.225,0) 97,0) (1.024,0) (2.840,0) (2.829,0)

Fonte: Banco Central do Brasil Relatório Anual (Vários anos).

Já no período seguinte – entre 1977 e 1980 – de crescente ampliação do déficit, a deterioração das relações de troca é contínua e os déficits só não se mostram mais elevados porque é evidente o esforço doméstico para compensar, pelo quantum exportado, o medíocre crescimento dos preços das exportações. É muito diferente o comportamento das importações, no qual o 79

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aumento acentuado de preços se faz acompanhar da manutenção do quantum importado. Em síntese, a melhor evolução do quantum não foi suficiente para compensar a trajetória altamente desfavorável dos preços. Como advertem Lessa (1978) e Fishlow (1986), a manutenção de uma taxa de câmbio apreciada durante todo o período certamente agravou o desequilíbrio comercial. Ao recusar medidas mais drásticas, como o aumento da desvalorização cambial, a política econômica manteve-se coerente com o espírito do ajustamento estrutural, pois não onerou o passivo em moeda estrangeira das empresas e, posteriormente, incrementou o endividamento externo. Em contrapartida, criava um subsídio implícito nos preços das matérias-primas e energia importadas, estimulando seu consumo e ampliando o déficit comercial. Para Davidoff Cruz (1984), a política econômica, embora tímida quanto aos desequilíbrios comerciais, não foi inteiramente passiva, nem inócua. Para rejeitar ajustamentos mais drásticos na taxa cambial, a política comercial apoiou-se em dois pontos principais: o controle seletivo de importações e a criação de uma ampla gama de incentivos e subsídios creditícios às exportações. Essa política surtiu parcialmente efeito ao reduzir o componente supérfluo da pauta de importações, estabilizando seu quantum, e ao promover, principalmente a partir de 1977, um expressivo crescimento do quantum exportado. A análise detalhada das pautas esclarece melhor o que aqui já foi dito. Quanto às importações, o maior destaque foi o petróleo, cuja participação passa de 10% do valor importado em 1973 para 44% em 1980 (Tabela 7). As importações de matérias-primas, embora mantendo patamares elevados, sofrem queda relativa certamente por efeito da entrada em operação de projetos que “substituíam importações”. O declínio dos bens de capital está intimamente associado à desaceleração do investimento, enquanto o dos bens de consumo vincula-se à política de controle seletivo. 80

Desenvolvimento em crise

Tabela  7  –  Brasil: importações por principais grupos, 1973-1980 Taxas de Crescimento (%)

Grupos

1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

1973-80

Total (US$ bi)

 6,2

12,6

12,2

12,4

12,0

13,7

18,0

22,9

20,5

Comb. Minerais(%)

12,4

23,4

25,4

31,0

33,9

32,8

37,5

44,4

44,6

Matérias-Primas (%)

42,5

45,0

35,7

32,8

32,5

33,1

32,9

30,8

15,2

Bens de Consumo (%)

10,5

 6,9

 6,7

 7,0

 7,7

 8,1

 8,7

 5,7

10,5

Bens de Capital (%)

34,6

24,7

32,2

29,2

25,8

26,0

20,9

19,1

19,1

Fonte: Cacex.

Embora os vários componentes da pauta de importações, à exceção do petróleo, tenham reduzido sua participação em termos relativos, houve aumento no valor importado de todas as categorias de bens. Ou seja, a política de substituição de importações e a política comercial não foram capazes de suprimir a dependência da energia importada, tampouco o elevado crescimento das compras externas – mesmo de bens de capital e até de matérias-primas. Quanto às exportações, o exame da pauta (Tabela 8) mostra expressiva diversificação em direção aos manufaturados, cuja participação aumenta de 28%, em 1974, para 45% em 1980. O maior movimento de diferenciação ocorre, porém, a partir de 1977, estando assim associado à ampliação do quantum exportado observado no período e à diversificação da pauta. Se se considerar a redução do crescimento do comércio internacional no período, conclui-se que esse desempenho das exportações explica-se também pelo conjunto de incentivos fiscais e subsídios creditícios às exportações de manufaturados,4 além da já referida diversificação em direção aos bens intermediários. 4 Segundo Baumann & Moreira (1987), esses incentivos e subsídios alcançam o ápice durante o período, assumindo os seguintes percentuais do valor exportado: 1974 (55%); 1975 (56%); 1976 (66%); 1977 (72%); 1978 (68%); 1979 (67%); 1980 (45%).

81

Ricardo Carneiro

Tabela  8  –  Brasil: exportações por principais grupos, 1973-1980 Taxas de Crescimento (%)

Grupos

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1973-80

Total (US$ bi)

 6,2

 7,9

 8,7

10,1

12,1

12,6

15,2

20,1

18,3

Básicos (%)

66,0

57,6

58,0

60,5

57,4

47,2

43,0

42,1

11,2

Semimanuf. (%)

 9,3

11,5

 9,8

 8,3

 8,6

11,3

12,4

11,7

22,2

Manufaturados (%)

23,1

28,5

29,8

27,4

31,7

40,2

43,6

44,8

30,0

Fonte: Cacex.

Os desequilíbrios da estrutura produtiva da economia brasileira não equacionados com a opção de 1974 merecem ser destacados, pois constituem uma importante herança para a década seguinte. Ficou evidente a crescente desarticulação do padrão de crescimento, em especial quanto à associação dos investimentos públicos e privados. Desarticulam-se também os investimentos industriais, principalmente pelo sobredimensionamento da indústria de bens de capital. Por fim, o ajuste insuficiente do comércio exterior, por meio de elevados subsídios às exportações, pela crescente dependência da energia importada, e das importações de bens de capital, caracterizou a permanência da vulnerabilidade externa. Em síntese, o ajuste estrutural por meio do II PND não foi capaz de constituir um novo padrão de crescimento para a economia brasileira, deslocando seu eixo dinâmico para a indústria de bens de capital. Ao mesmo tempo, não foi capaz de remover a vulnerabilidade externa expressa nos déficits comerciais elevados e ampliados após o segundo choque externo.

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2

O padrão de financiamento durante o II PND

Este capítulo discute o financiamento do II PND e as suas implicações. De início, procura-se mostrar a importância dos recursos externos para a economia brasileira durante o período, bem como as razões que conduziram ao excessivo aumento da dívida externa. Em seguida, analisam-se várias dimensões do financiamento doméstico, sobretudo aquele controlado pelo setor público e com origem em recursos fiscais e parafiscais. Por fim, examina-se como o padrão monetário acomoda-se às elevações intermitentes da inflação por meio dos primeiros desenvolvimentos da moeda indexada. O ajustamento da economia brasileira após o primeiro choque do petróleo foi realizado a partir do aprofundamento do padrão de financiamento herdado das reformas de 1964-1966, conforme apontado por Belluzzo (1988). A rigor, ele foi acentuado em alguns aspectos, tais como a indução ainda maior ao 83

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endividamento externo e a dependência no plano doméstico da poupança compulsória e das instituições públicas de crédito. Além disso, mais do que no passado, o Estado realizou uma ativa política de gastos diretos e de sustentação de variados setores econômicos atingidos duramente pela progressiva deterioração da situação econômica. No plano doméstico, o Estado desempenhou um papel extremamente relevante no fornecimento de crédito de longo prazo. A partir das reformas de 1964-1966, os recursos da poupança compulsória por ele administrados por meio de instituições especiais de crédito, como o Banco Nacional da Habitação – BNH, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e Banco do Brasil – BB, proporcionaram crédito a taxas favorecidas para a acumulação de capital e constituíram a base do financiamento interno de longo prazo. Na frente externa, coube um papel decisivo à ampliação das facilidades de obtenção de financiamentos externos, diretamente pelas grandes empresas ou por repasses bancários. O setor bancário doméstico participou desse processo como ator secundário, sendo um mero repassador dos fundos oriundos do Estado ou de empréstimos externos. Embora solidários quanto ao risco do crédito, os bancos desobrigaram-se da constituição de funding para lastrear os empréstimos de longo prazo, reduzindo substancialmente seus riscos e o comprometimento com o financiamento do crescimento. A utilização exaustiva desses mecanismos e instrumentos conduziu a dois resultados distintos e simultâneos: um aumento da vulnerabilidade externa e a deterioração da situação financeira do Estado brasileiro. A rigor, nesse período, aparecem com clareza as fragilidades do desenvolvimento financeiro do país e sua incapacidade de alavancar o desenvolvimento econômico.

O papel do financiamento externo A importância do financiamento externo para a economia brasileira durante o período de crescimento acelerado após 84

Desenvolvimento em crise

1968 foi decisiva. A crise dos anos 80, que ocorreu em um contexto de exaustão desse padrão de financiamento, resultou, em larga medida, dessa ruptura. Ao examinarmos de forma mais detalhada a questão neste item, procuraremos inicialmente reconstituir as razões e os mecanismos desse endividamento, e seu posterior estancamento, para analisar, em seguida, as várias dimensões do financiamento doméstico. A justificativa para a formação e expansão da dívida externa brasileira só pode ser encontrada na esfera das relações financeiras do país com o resto do mundo, pois não foi determinada integralmente pelo hiato de recursos reais. Isso pode ser comprovado pelo significativo aumento das reservas internacionais, ou seja, poder de compra não utilizado, ao longo dos anos 70. Há dois aspectos relevantes nessas relações financeiras: o primeiro, como já vimos, é externo e diz respeito à grande ampliação de liquidez internacional no período, especialmente pelo euromercado. O outro é doméstico e se refere à combinação do crescimento econômico com a atrofia do sistema financeiro local, incapaz de atender à demanda crescente de crédito de longo prazo, por essa razão desviada em grande parte para os financiamentos externos. A rigor, a utilização excessiva de financiamentos externos só pode ser entendida pela conjunção de interesses entre o capital bancário internacional e o doméstico, como sugere Zini Júnior (1982). As operações de endividamento proporcionavam a esses segmentos lucros elevados, ao mesmo tempo em que dispensavam o setor financeiro doméstico de constituir uma base de captação de recursos de longo prazo. O desvio de parcela expressiva da demanda de crédito para o exterior constituiu, assim, a linha de menor resistência buscada pelo sistema financeiro que, para isso, contou com o aval da política econômica. A propósito desse último aspecto, Davidoff Cruz (1984) enfatiza a institucionalização de canais de ingresso de capi85

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tais de empréstimo, pela Lei n. 4.131/62 (regulamentada pela Lei n. 4.390/64) e pela Resolução n. 63, de 1967. O primeiro instrumento foi de grande relevância para a captação direta de financiamentos externos pelas grandes empresas, estatais e multinacionais. Suas vantagens em relação ao crédito doméstico estavam não só nos juros mais baixos, como também nos prazos mais longos. Nesse sentido, esse tipo de crédito substitui aquele cujo provimento, segundo o espírito das reformas de 1964-1966, estaria a cargo dos bancos de investimento. Já a Resolução n. 63 originava operações bancárias de repasse que representavam uma forma de captação do sistema financeiro privado superior aos instrumentos disponíveis no mercado doméstico, além de reduzirem substantivamente os riscos do sistema bancário brasileiro. Uma visão distinta das razões do endividamento externo da economia brasileira, restrita ao período do II PND, pode ser encontrada no trabalho de Castro & Souza (1985). A sua tese central procura negar a teoria convencional que associa os déficits externos à necessidade de poupança adicional. Distingue, portanto, o hiato de poupança, que caracterizaria insuficiência da poupança interna, do hiato de divisas. Este último poderia existir apesar da suficiência da poupança doméstica, em razão da necessidade de recursos externos para fazer face às importações determinadas por falhas na estrutura industrial. Em outras palavras, apesar de não existir excesso de investimento sobre a poupança doméstica, as falhas na estrutura industrial determinariam um déficit em transações reais ou um hiato de divisas. Essa crítica à concepção dos dois hiatos é relevante, pois, na sua formulação original, ao excesso de investimento sobre a poupança corresponderia um hiato de divisas de igual magnitude. Todavia, é preciso ir mais além e demonstrar que o endividamento também esteve dissociado do hiato de divisas. 86

Desenvolvimento em crise

Determinantes do endividamento As evidências empíricas dão sustentação à tese de que o endividamento externo do país esteve fortemente condicionado pela atrofia do sistema de financiamento doméstico. Ou seja, o insuficiente desenvolvimento do sistema financeiro como determinante do endividamento externo suplantou tanto as razões relacionadas às falhas na matriz industrial, indutora da absorção de recursos reais, quanto a excessiva liquidez do sistema financeiro internacional, condicionante da absorção de recursos financeiros. Durante boa parte dos anos 70 – até 1978, inclusive –, a absorção de recursos financeiros foi superior à absorção de recursos reais. A exceção fica por conta do biênio 1974-1975, imediatamente após o primeiro choque do petróleo, no qual ocorreu uma severa deterioração das relações de troca acompanhada por restrição da liquidez internacional (Gráfico 5). Entre 1970 e 1978, para uma absorção de recursos reais da ordem de US$ 20,2 bilhões, observa-se uma absorção de recursos financeiros no valor de US$ 31,3 bilhões. A formação de reservas,

GRÁFICO  5  –  Absorção de recursos do exterior. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

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vale dizer, de poder de compra não utilizado em moeda estrangeira, constituiu o resultado evidente desse processo, no qual os anos de 1974 e 1975 foram uma exceção de pequena duração. Entre 1979 e 1980, o novo choque do petróleo, associado à contração de liquidez e à subida dos juros, determina uma absorção de recursos financeiros inferior à de recursos reais. Ou seja, o déficit em transações reais ampliado e o racionamento dos empréstimos implicam a queima de reservas para o fechamento das contas externas. A partir de então, os juros mantêm-se em patamares elevados em termos nominais e reais, e o financiamento é cada vez mais escasso, até a sua ruptura em 1982. O período da formação da dívida externa brasileira, que compreende os anos caracterizados pela absorção de recursos reais e financeiros, pode ser dividido em quatro subperíodos distintos. No auge do “milagre brasileiro” (1971-1973), a acumulação de reservas explica o aumento da dívida bruta. Nos três períodos seguintes (1974-1975, 1976-1978 e 1979-1980), é o endividamento líquido que responde em proporções variáveis pelo aumento da dívida bruta (Tabela 9). Tabela  9  –  Evolução da dívida externa(1), 1973-1980 Dívida Variação Variação Dívida Variação Variação Memo: Bruta Nominal Real Líquida Nominal Real Reservas US$ bi (%) US$bi (%) (%) US$ bi (%) 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

12,6 17,2 21,2 26,0 32,0 43,5 49,9 53,8

32,0 36,5 23,3 22,7 23,3 35,8 14,7  7,8

24,3 23,0 13,0 16,0 15,8 26,1 3,0 (5,0)

6,2 11,9 17,1 19,3 24,8 31,6 40,2 46,9

15,3 93,2 44,0 12,8 28,3 27,6 27,2 16,6

8,6 74,1 32,0 6,6 0,4 18,5 14,3 2,7

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório Anual (Vários anos). (1) Dívidas Brutas e Líquidas Registradas.

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6,4 5,3 4,0 6,7 7,3 11,9 9,7 6,9

Desenvolvimento em crise

No período 1970-1973, o acúmulo de reservas foi responsável por 72% do incremento da dívida bruta, evidenciando a importância menor do déficit em transações reais e do déficit em transações correntes nesse desempenho. Segundo Davidoff Cruz (1984), a justificativa oficial para o endividamento residia no diagnóstico da insuficiência da estrutura produtiva em bens intermediários e de capital, bem como na necessidade de complementar a poupança doméstica. No bojo da expansão cíclica do período, conforme ressalta o autor, o endividamento externo foi essencialmente privado e o público, inexpressivo. Em outros termos, a demanda do setor privado por financiamento, no auge do ciclo econômico, responde pelo incremento do endividamento. A acumulação de reservas, por sua vez, revela a grande autonomia deste último em relação ao déficit em transações reais. Nos anos 1974-1978, aproximadamente 75% do aumento da dívida bruta correspondeu ao incremento da dívida líquida e apenas 25% ao crescimento das reservas. Embora esse seja de fato o período de maior absorção de recursos reais da economia brasileira após 1964, há uma distinção importante entre os primeiros anos (1974-1975) e os seguintes (1976-1978). De início, em face do choque do petróleo, da consequente deterioração das relações de troca e da contração do crédito, é o crescimento da dívida líquida, acompanhado da perda de reservas, que responde pelo incremento da dívida bruta. No triênio seguinte, a variação das reservas volta a explicar parcialmente o crescimento da dívida (cerca de um terço). Por fim, após 1979, a dívida líquida expande-se acima da bruta em razão da drástica perda de reservas em face da insuficiência do financiamento externo. De acordo com Batista Júnior (1988), a contribuição da variação de reservas ao endividamento externo do país deve ser atribuída às pressões de oferta e à grande liquidez do mercado financeiro internacional durante o período. Da mesma maneira, as perdas de reservas observadas refletem as contrações dessa liquidez. A alternância de períodos de ganho e perda de reser89

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vas ao longo dos anos 70 reflete, portanto, a instabilidade do mercado financeiro privado internacional. Do conjunto dos fatores responsáveis pelo endividamento, pode-se concluir que a propensão ao endividamento externo decorreu da insuficiência do desenvolvimento financeiro doméstico. Por sua vez, a evolução das relações de troca e das condições de liquidez do sistema financeiro internacional foi responsável pela composição desse endividamento ou, mais precisamente, pelo peso da dívida líquida e das reservas na formação da dívida bruta. No que concerne à dívida líquida, o seu crescimento esteve associado aos déficits em transações correntes, embora estes não possam ser tomados como sinônimo de absorção de recursos reais do exterior, porque podem estar representando a amortização disfarçada da dívida externa em razão de elevadas taxas de inflação e de juros nominais internacionais. Ou seja, a elevação dos juros nominais ocorrida em 1973-1974 implicou, em razão da parcela da dívida contratada a taxas de juros flutuantes, uma ampliação do valor nominal do serviço da dívida. Os dados da Tabela 10, sobre a composição do déficit em transações correntes, esclarecem algumas dúvidas sobre a natureza do endividamento ao longo do período. Passado o impacto inicial do choque do petróleo em 1974-1975, diminui a importância do déficit em transações reais na explicação do déficit em transações correntes, reduzindo sua participação de 84,5%, em 1974, para 32,1% em 1978. Como vimos, a continuidade no crescimento da dívida, em face da queda do déficit em transações reais, sugere que o endividamento se explica por outras razões que não o seu financiamento. Para Davidoff Cruz (1984), no período 1974-1976 houve forte desequilíbrio comercial e significativa ampliação do hiato de recursos. Esta última foi determinada por vários fatores: além da deterioração dos termos de troca – resultado do enca90

Desenvolvimento em crise

recimento do petróleo e da recessão internacional –, ocorreu também redução do volume exportado e ampliação do importado. O aumento das importações, em situação tão desfavorável, deveu-se à opção de prosseguir o crescimento a taxas elevadas no contexto do II PND, que era bastante intensivo em importações de bens intermediários e de capital. Tabela  10  –  Déficit em transações correntes, 1970-1980 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 Transações Correntes  -0,6  -1,3  -1,5 -1,7  -7,1  -6,7 -6,0  -4,0  -7,0 -10,7 -12,8 (US$ bi) em (%) a) Transações Reais

-17,1 -57,1 -51,9 49,4 -84,5 -72,2 -59,0 -26,4 -32,1 -41,4 -38,4

Balança Comercial -41,3 -26,1 -16,4 -0,4 -65,9 -52,8 -37,5  -2,4 -14,7 -26,4 -22,0 Serviços Produtivos -58,4 -31,0 -35,5 49,9 -18,7 -19,3 -21,5 -28,8 -17,4 -15,0 -16,3 b) Rendas de Capitais -62,8 -32,1 -34,9 42,2 -12,6 -25,9 -36,4 -63,4 -60,5 -51,6 -54,9 c) Outros Serviços

-23,8 -11,9 -13,5 10,0 -  2,9  2,0   -4,6 -10,3 -  8,4 -  7,1 -  8,0

d) Transf. Unilaterais  -3,7  -1,1 --0,3 -1,6  -0,0  0,0   -0,0   -0,0  -1,0  -0,2  -1,3

Fonte: Banco Central do Brasil.

Paradoxalmente, no período seguinte, entre 1977 e 1978, quando melhoraram de forma significativa as relações comerciais e se reduziu o hiato de recursos, o endividamento externo sofreu um impulso decisivo, descolando-se, portanto, do financiamento do déficit em transações reais. Além das condições favoráveis de liquidez no plano internacional, esse endividamento se explica por um conjunto de medidas de política econômica – no contexto da política de “ajuste monetário” do balanço de pagamentos –, como a liberação da taxa de juros interna, a proteção ao risco cambial com a criação dos depósitos registrados em moeda estrangeira junto ao Banco Central e, ainda, a política deliberada de endividamento externo das empresas estatais. 91

Ricardo Carneiro

Castro & Souza (1985) defendem ponto de vista distinto. De acordo com os autores, se até 1974 o hiato de recursos reais foi desprezível, entre 1974 e 1978 a brusca elevação do déficit em transações correntes decorreu do déficit da balança comercial, que representava dois terços do primeiro, e que esteve em grande medida associado ao ajustamento estrutural do país à crise. Algumas objeções podem ser feitas a esse raciocínio: em primeiro lugar, após o impacto inicial em razão da perda de relações de troca e da recessão internacional, há melhoria substantiva da balança comercial a partir de 1976; em segundo lugar, o pagamento de serviços não produtivos, representando de início parcela menor do déficit em transações correntes, adquire um peso crescente, ultrapassando mais de metade deste após 1977 (Tabela 10). Além de reafirmar a relevância dos determinantes reais no endividamento externo, os autores contestam a ideia de que o déficit em transações correntes nesse período já tenha adquirido um caráter financeiro, pelo qual a dívida adicional serviria apenas para fazer face aos encargos do estoque existente. Entendem que são as taxas de juros nominais e não as reais que se elevam. Isso implicaria a amortização disfarçada da dívida ou o inchamento da conta de juros. Como existiu oferta de créditos adicionais, pode-se evitar a amortização disfarçada por meio de novos financiamentos e da manutenção do valor real da dívida. A afirmação anterior é parcialmente verdadeira. Tudo indica que uma parcela do acréscimo da dívida durante o período serviu de fato para contrabalançar sua amortização disfarçada. A velocidade de crescimento dessa dívida, quando considerada em termos reais (Tabela 9), leva a pensar em outros fatores importantes na determinação de seu crescimento. Ou seja, além dos déficits em transações reais, a própria rolagem da dívida já constitui um fator de pressão para seu aumento. Outro ponto insuficientemente enfatizado por Castro & Souza (1985) é a deterioração das condições de contratação da 92

Desenvolvimento em crise

dívida. Apesar de ter sido possível financiar o aumento da carga nominal de juros e os déficits em transações reais, por meio de nova dívida, o perfil desta se deteriorou consideravelmente. De acordo com Batista Júnior (1988), a dívida pública contratada a taxas flutuantes, por exemplo, passa de 25,2% do total, no período 1971-1973, para 51,8% em 1974-1978 e 64,4% em 1979-1982. O mesmo autor assinala como traço predominante de parcela dos financiamentos obtidos durante o período o caráter de curto prazo. Ganham importância os créditos interbancários – créditos de curtíssimo prazo tomados por bancos brasileiros no exterior e repassados a prazos mais longos internamente –, deteriorando de forma radical o perfil da dívida externa. Segundo seus cálculos, a participação da dívida de curto prazo na dívida total salta de 9,6% em 1978 para 15% em 1980 e 20% em 1982. Um aspecto fundamental do processo de endividamento externo do Brasil durante o período do ajustamento estrutural diz respeito à crescente estatização da dívida externa. Já em 1974, a participação do setor público na dívida externa revelava-se elevada, correspondendo a aproximadamente 50% do total. A partir desse momento, esse desempenho é continuamente crescente, atingindo 69% em 1980 (Tabela 11).1 Segundo Davidoff Cruz (1984), a estatização da dívida externa reflete um padrão de financiamento perverso dos projetos públicos, notadamente no caso das empresas estatais, nas quais o rebaixamento de preços para controlar a inflação deprimia a capacidade de autofinanciamento. Além disso, a contenção orçamentária reduzia os recursos para os projetos em andamento, reforçando a busca de financiamento externo.

1 A participação da dívida pública na dívida total, a partir de 1979, com as crescentes dificuldades de financiamento, deve ter aumentado mais rapidamente, isso porque, como foi apontado, o país recorreu largamente a créditos de curto prazo, cujo montante não aparece na dívida registrada.

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Completa esse quadro a limitação ao endividamento interno do setor público, a partir da estratégia de reservar os recursos domésticos ao setor privado (Tabela 11). Tabela  11  –  Dívida externa registrada – pública e privada, 1973-1980 Total (U$ bi) 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

Dívida Pública (U$ bi) (%)

12,5 17,1 21,1 25,9 32,0 43,5 49,9 53,8

 6,5  8,5 11,4 14,8 19,3 27,5 34,0 37,3

52,0 49,7 54,0 57,1 60,3 63,2 68,1 69,3

Dívida Privada (U$ bi) (%)  6,0  8,6  9,7 11,1 12,7 16,0 15,9 16,5

48,0 50,3 46,0 42,9 39,7 36,8 31,9 30,7

Fonte: Banco Central do Brasil.

Ainda de acordo com Davidoff Cruz (1984), a criação de canais para a entrada de capitais de empréstimo, seja por captação direta (Lei n. 4.131) ou por repasses (Resolução n. 63), teve por efeito colar a demanda de crédito interna à demanda por financiamento externo, em um movimento quase automático. Do ponto de vista da Lei n. 4.131, as captações públicas são crescentes ao longo do tempo e estão concentradas em dois setores principais – energia e siderurgia –, fato que reflete a opção pelo ajustamento estrutural após 1974, bem como a utilização intensiva de financiamentos externos para viabilizar o programa (Tabela 12). Em contrapartida ao crescimento da participação do setor público nos empréstimos (via Lei n. 4.131), temos a participação decrescente do setor privado, que ocorre em dois movimentos. As captações da grande empresa privada nacional desaceleram imediatamente após o ciclo expansivo do milagre. Já as empresas

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Desenvolvimento em crise

multinacionais mantêm elevado volume de captação até 1978, reduzindo-o de forma intensa a partir de então (Tabela 12). Tabela  12  –  Empréstimos em moeda (Lei n. 4.131) segundo setor (US$ bi), 1972-1980 1972-76 (A) 1977-78 (B) 1979-80 (C) Crescimento (%) Setor

US$ bi

%

US$ bi

%

US$ bi

%

B/A

C/B

Privado

1,87

 58,3

2,93

42,8

1,57

 23,3

 56,7

-46,4

 57,0,8

Público

1,34

 41,7

3,93

5,16

 76,7

191,0

-32,3

Total

3,21

100,0

6,84 100,0,8 6,73

100,0

113,1

 -1,6

Fonte: Banco Central do Brasil – Firce apud Davidoff Cruz (1984).

O período, após 1974, que é comandado pelo investimento autônomo do Estado, tem como resultado a estatização da dívida externa, pois o endividamento privado é mais sensível às flutuações do ciclo doméstico, bem como às dificuldades de balanço de pagamentos. Assim, em conjunturas externas adversas, de maior necessidade de divisas, as captações públicas aumentam mais que proporcionalmente. É ilustrativo, nesse sentido, o ocorrido a partir de 1976, quando da elevação do diferencial entre juros internos e externos, e mesmo após 1977, com a Resolução n. 432, que transferia o risco cambial para o Banco Central: apesar da conjuntura de elevada liquidez no mercado internacional, há um retraimento relativo das captações do setor privado. O período central de estatização da dívida externa é, portanto, o referente ao II PND, que tem como protagonistas a empresa estatal e as inversões em infraestrutura. Como os recursos do BNDES – reforçados pelo PIS/Pasep – foram reservados às empresas privadas nacionais, havia no contexto de então três alternativas para o financiamento do programa público de inversões: o autofinanciamento, o aporte de recursos fiscais ou o endividamento externo. A partir de 1976, combina-se uma

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Ricardo Carneiro

série de fatores que conduzem à opção pela terceira alternativa. Os objetivos de controlar a inflação determinam uma contenção tarifária, e a ausência de uma reforma tributária inviabiliza o aporte de recursos fiscais. A opção pelo endividamento externo, que era a linha de menor resistência, coincide com a ampliação da liquidez internacional resultante da reciclagem do superávit dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep. Outra importante modalidade de financiamento externo foi a Resolução n. 63, que constituiu o elo entre o sistema bancário doméstico e o internacional. Os repasses de financiamento por parte dos bancos viabilizaram, pelas suas características, o acesso das empresas privadas nacionais. Isso porque se permitiu nessas operações o desdobramento de prazos e valores a partir da operação externa contratada originalmente. Nos intervalos das operações sucessivas, os recursos ficavam depositados no Banco Central, que assumia temporariamente o risco cambial e os encargos. Dados apresentados por Zini Júnior (1982) dão conta de que, em 1967, apenas 1,7% do passivo dos bancos comerciais e 1,1% dos bancos de investimento correspondiam a passivos cambiais. Esses números crescem progressivamente, alcançando, em 1980, 30,4% para os bancos comerciais e 17,2% para os bancos de investimento. A análise do endividamento externo da economia brasileira leva a concluir pela crescente fragilidade da situação externa do país após 1974, mormente na sua dimensão financeira. Além do crescimento acelerado da dívida, a deterioração é visível também na piora do seu perfil com o crescimento das parcelas contratadas a juros flutuantes ou a curtíssimo prazo. Após o segundo choque de juros, em 1979, a vulnerabilidade externa se estabelece de maneira definitiva.

As dimensões do financiamento interno O padrão de financiamento implantado com as reformas de 1964-1966 e levado aos seus limites durante o II PND tinha, 96

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no Estado, seu protagonista central. No item anterior ficaram evidentes a dependência do país do financiamento externo e a desproporcional participação do Estado como devedor. Do ponto de vista doméstico, a trajetória não foi distinta. A presença central do Estado na gestão dos fundos de poupança compulsória, bem como pelas instituições especiais de crédito, dá-lhe um destaque acentuado no financiamento do II PND. Adicionalmente, realizou durante o período uma política anticíclica de grande envergadura. A combinação de tão variadas formas de intervenção num contexto externo desfavorável termina por comprometer a saúde financeira desse Estado. A execução de uma política de gastos que contemplava a montagem de novos setores produtivos e a sustentação de outros envolvendo imensa variedade de subsídios fiscais e creditícios, além de incentivos e isenções fiscais, no contexto de uma política monetária restritiva, termina por dar origem a uma dívida pública expressiva. As condições de financiamento do Estado foram piorando ao longo da década, de modo que, no início dos anos 80, as dívidas interna e externa já apresentavam magnitude elevada e perfil deteriorado. Tem sido comum enfatizar o papel desempenhado pelo Estado, direta e indiretamente, nos projetos de indústria de base no âmbito do II PND. No caso dos setores de bens intermediários, o papel central desempenhado pelos gastos públicos por meio das empresas estatais, combinado com a defasagem de preços e tarifas, conduziu o setor público ao lugar de principal tomador de recursos externos. O Estado participou também ativamente da ampliação da indústria pesada por meio do financiamento realizado pelo BNDES ao setor privado, contemplando prioritariamente o setor de bens de capital. Os empréstimos com correção monetária prefixada (correspondendo a 40% da correção monetária do período de vigência do financiamento) num período de aceleração inflacionária constituíram verdadeira doação de capital. Em linhas gerais, 97

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os custos desse programa para o Tesouro correspondiam à diferença entre a remuneração dos recursos do PIS/Pasep (correção monetária mais 3%), que formavam o principal funding do BNDES, e as linhas subsidiadas. Ou seja, o desequilíbrio patrimonial gerado pela concessão dos créditos subsidiados teria de ser, em algum momento, coberto pelo Tesouro, sob pena de quebrar o BNDES. O aumento dos juros internos, consequência, em princípio, da aceleração inflacionária após 1974 e da política de ajuste monetário do balanço de pagamentos posta em prática em 1976, combinado com a defasagem cambial, apesar de estimular o endividamento externo, criava sérios constrangimentos a parcela do empresariado privado nacional e ao equilíbrio da balança comercial. Para minimizar o desequilíbrio comercial e sustentar setores competitivos ou prioritários, como agricultura, energia e exportações, foi criado um variado elenco de subsídios fiscais e creditícios. O orçamento monetário, pela conta fundos e programas, passou a registrar o conjunto de subsídios creditícios concedidos por meio das linhas de crédito seletivas. Dado o arranjo institucional então prevalecente nas autoridades monetárias, com o entrelaçamento de funções entre o Tesouro, o Banco do Brasil – BB e o Banco Central – Bacen, a importância do orçamento monetário era absolutamente crucial. O custo desse subsídio creditício bancado pelo setor público constituiu um impulso ao crescimento da dívida pública. É imperioso esclarecer como o processo de sustentação do nível de atividades, por meio das linhas de crédito seletivas, implicou a expansão da dívida pública. Das alternativas disponíveis para financiar o déficit que as linhas de crédito subsidiadas traziam implícitas – reforma tributária, emissão monetária ou de dívida pública –, utilizou-se intensivamente a última. A captação de recursos para a dívida pública fazia-se junto ao mercado ou aos fundos de poupança compulsória geridos pelo 98

Desenvolvimento em crise

próprio Estado – FGTS e PIS/Pasep. O diferencial entre as taxas pagas pelos títulos públicos e as linhas de crédito seletivas compunha o déficit do setor público a ser coberto com expansão de dívida. A quantificação do volume de subsídios decorrentes das linhas de crédito geridas pelo Banco Central, via fundos e programas, é uma tarefa difícil, haja vista a variedade de taxas de juros pagas, no funding, ao eventual aporte de recursos fiscais, bem como a enorme variedade de linhas seletivas. A estimativa mais completa para a magnitude desses subsídios creditícios foi apresentada por Langoni (1981). Os subsídios estritamente creditícios para agropecuária, exportação e energia constituem parcela crescente dos favores concedidos ao setor privado, dobrando sua participação no PIB de 2%, em 1976, para 4% em 1980 (Tabela 13).

Tabela  13  –  Principais subsídios e incentivos fiscais da área federal (% do PIB), 1973-1980 Discriminação

1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

INCENTIVOS/PIB

2,7

3,5

3,5

3,0

3,4

3,5

3,0

1,7

SUBSÍDIOS(1)/PIB

0,4

1,3

1,7

2,4

2,5

1,9

3,2

6,0

SUBS. + INC./PIB

3,0

4,7

5,2

5,4

5,9

5,5

6,2

7,6

Fonte: Langoni (1981). (1) Implícitos ao crédito (agropecuária, exportação); diretos (trigo, petróleo, soja, açúcar). Explícitos ao crédito (Proagro, Proterra, Fundag); compra e venda de produtos agrícolas (preços mínimos e estoques reguladores).

Há um aspecto importante a ser assinalado na evolução do montante de subsídios creditícios. Como mostra Zini Júnior (1982), a maior expansão das linhas seletivas ocorre entre 1974 e 1976, tendo crescimento nulo em 1977 e declinando em termos reais entre 1978 e 1980. Contudo, como o volume absoluto 99

Ricardo Carneiro

dessas linhas ainda é bastante elevado e uma de suas características principais é a correção monetária prefixada, a aceleração da inflação após 1978 ampliou a magnitude dos subsídios. Além dos subsídios creditícios, os subsídios aos preços e isenções fiscais destacam-se durante o período como fonte considerável de pressão sobre as finanças públicas. No caso dos subsídios – trigo, petróleo, soja e açúcar –, o valor é praticamente constante até 1980, quando alcança quase 2% do PIB, em razão da conta petróleo. No caso das isenções fiscais, cuja grande concentração ocorre nas exportações, o valor oscila em torno dos 3% do PIB, reduzindo-se drasticamente em 1980, quando, após a primeira maxidesvalorização, parte das isenções foi retirada (Tabela 13). De forma global, os dados apresentados mostram valores elevados e crescentes do conjunto de subsídios ao setor privado, no denominado período de ajustamento estrutural, reafirmando o caráter de grande envergadura da ação anticíclica do Estado durante o período. A importância da dimensão estritamente fiscal na gênese da deterioração das finanças públicas pode ser visualizada a partir de outro conjunto de informações, extraído das Contas Nacionais (Tabela 14). Durante o período 1974-1980, a perda de carga tributária bruta é inexpressiva, e a redução dos impostos indiretos, em razão da renúncia fiscal e da aceleração da inflação, é parcialmente compensada pela elevação da carga tributária direta. Contudo, ocorreu uma redução da carga tributária líquida, com perda de 4,5 pontos percentuais do PIB, passando de 16,5%, em 1973, para 12% em 1980. Como se pode observar na Tabela 14, mais da metade dessa perda se deveu aos subsídios (2,5 pontos percentuais).2 A crise financeira do

2 Os dados sobre o montante de incentivos e subsídios são bastante discrepantes segundo as Tabelas 13 e 14. A razão para isso é que as Contas Nacionais não computam os subsídios creditícios e nem calculam as isenções fiscais.

100

Desenvolvimento em crise

setor público ainda possui caráter latente, pois a carga de juros, embora dobrando durante o período, representa em 1980 apenas 1,2% do PIB. Tabela  14  –  Carga tributária bruta e líquida (% do PIB), 1974-1980 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA   Impostos Diretos   Impostos Indiretos TRANSFERÊNCIAS   Juros Dívida Interna   Juros Dívida Externa   Assistência e Previdência  Subsídios CARGA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA

25,1 10,4 14,7 38,8 30,4 30,1 36,1 32,2 16,3

25,2 11,3 13,9 10,1 30,4 30,2 36,7 32,7 15,2

25,1 11,6 13,5 39,4 30,5 30,2 37,2 31,6 15,7

25,5 12,2 13,4 39,4 30,5 30,2 37,2 31,5 16,2

25,7 12,3 13,4 10,7 30,5 30,2 38,1 31,9 15,0

24,7 12,4 12,2 10,6 30,6 30,3 37,8 31,9 14,1

24,7 11,2 13,5 12,6 30,8 30,4 37,8 33,7 12,1

Fonte: IBGE. Contas Nacionais.

Pode-se, portanto, concluir que a política anticíclica levada a cabo pelo Estado brasileiro não se ateve exclusivamente aos gastos em infraestrutura e a setores produtores de insumos básicos. Após 1976, com a desaceleração dos investimentos, ela se atrela de forma mais incisiva a uma política de sustentação de setores prioritários, como energia, agricultura e exportação, por meio de linhas de crédito subsidiadas, isenções fiscais e subsídios diretos. Tendo em vista essa política de gastos, como entender as teses que defendem uma origem de natureza financeira para a deterioração das finanças públicas? Segundo Coutinho & Belluzzo (1982), no contexto da política de ajuste monetário do balanço de pagamentos, praticada após 1976, a elevação da taxa interna de juros visava a reduzir a absorção doméstica e, pela ampliação do diferencial de juros, a incrementar a tomada de recursos externos. O acúmulo de reservas decorrente dessa política criava um excesso de liqui101

Ricardo Carneiro

dez não desejado que, no contexto da política de então, teria de ser suprimido pela emissão de dívida pública. Dessa forma, a política de esterilização, e não a de gastos ativos, teria sido responsável pela deterioração das finanças públicas. Em desapoio a essa tese, cabe considerar que a elevação da taxa de inflação e do patamar da taxa de juros criava sérios problemas de operação e financiamento para vários setores considerados prioritários, como energia, agricultura e exportação, neste último caso agravados pela valorização do câmbio. Como vimos, para sustentar o nível de renda desses setores e viabilizar a sua expansão, foram criadas inúmeras linhas de crédito seletivas com juros subsidiados, geridas pelos fundos e programas do Banco Central. Essas linhas de crédito possuíam um custo expressivo, pois em geral não cobriam sequer a correção monetária. A questão, portanto, reside em verificar como foram financiadas, pois já se evidenciaram seus impactos significativos nas receitas públicas. O financiamento das políticas anticíclicas e de reorientação da economia poderia ter sido feito por meio de uma política monetária menos rígida, combinada com aportes de recursos fiscais. Como, na verdade, combinou-se uma política expansiva de gastos com uma política restritiva do ponto de vista monetário, o resultado teria de ser uma expansão da dívida pública. Dito de outra maneira, o crescimento da dívida pública resultou de uma conformação particular de política econômica, na qual a expansão dos gastos era financiada por dívida pública, rolada a uma taxa de juros elevada em razão de uma estratégia específica de ajuste de balanço de pagamentos. A rigor, tanto a política de gastos quanto o acúmulo de reservas internacionais constituíram fatores de expansão da dívida pública. A questão anterior é vista de forma distinta por Tavares & Belluzzo (1982). Segundo esses autores, a ampliação das dívidas após 1974, em particular da dívida pública, não implicou gastos adicionais de investimento e consumo. Assim, a ampliação 102

Desenvolvimento em crise

da relação haveres financeiros/PIB, e particularmente da dívida pública/PIB, apenas espelharia a reciclagem das dívidas públicas e privadas a uma taxa de juros mais elevada. Ou seja, a elevação da taxa nominal de juros teria criado a necessidade de reciclagem do débito de vários setores produtivos, além de aumentar as necessidades de recursos para a rolagem da dívida pública preexistente. O objeto da ciranda financeira seria, dessa forma, a reciclagem das dívidas dos setores deficitários e da dívida pública. Esta, além do crescimento decorrente da rolagem do estoque anterior, era ampliada em razão da política de acumulação de reservas. Os autores fazem ainda referência ao processo de desmonetização da economia por meio da generalização da carta de recompra que transformou os saldos monetários líquidos dos agentes em aplicações em títulos públicos. O raciocínio, embora colocando questões pertinentes, deixa de considerar que boa parte da reciclagem das dívidas do setor privado foi realizada por linhas de crédito seletivas ao abrigo do orçamento monetário. Dessa forma, o setor público bancou o refinanciamento do passivo do setor privado, em parte com recursos fiscais, mas preponderantemente pela expansão da dívida pública. A acumulação de reservas internacionais constituiu um fator de pressão adicional sobre a expansão da dívida, em razão da política de contenção da liquidez que visava a manter taxas de juros domésticas elevadas. No entanto, embora o crescimento das dívidas por razões puramente financeiras seja inquestionável, elas também financiaram a manutenção de um elevado patamar de gastos correntes em consumo e investimento durante o período 1974-1980. A questão ganha maior nitidez quando analisada da ótica de financiamento do Banco Central. Tanto as linhas subsidiadas – fundos e programas – quanto o acúmulo de reservas constituem operações ativas. Do ponto de vista de seu financiamento, poder-se-ia ter utilizado a emissão monetária (passivo 103

Ricardo Carneiro

monetário) ou de dívida pública (passivo não monetário). A opção pela segunda alternativa gerou um custo a ser coberto, resultante da diferença entre a remuneração das operações ativas e passivas que, em ambos os casos, pressionou a expansão da dívida pública. Da perspectiva das finanças públicas, o problema pode ser colocado como de um desequilíbrio potencial se visto pelos indicadores tradicionais. Observamos que a carga de juros até 1980, embora crescendo a taxas elevadas, não possuía ainda peso significativo (Tabela 14). No entanto, a trajetória da dívida pública já se colocava como problema em razão da política anticíclica combinada com a política monetária restritiva, criando um expressivo diferencial entre o crescimento da dívida e das receitas públicas. Entre 1970 e 1979, a dívida pública mobiliária interna passa de 8,7% para 11,8% do PIB e de um terço para metade da carga tributária bruta no mesmo período. Outro fato relevante do ponto de vista da dívida pública é, sem dúvida, a mudança de seu perfil durante o período analisado, que explica também por que o seu crescimento não foi mais acentuado. O estudo de Carneiro (1987) mostra que os déficits primários observados no período, combinados com a elevação dos juros, deram origem a déficits operacionais, cuja magnitude deveria ter originado um crescimento ainda mais rápido da dívida pública. Todavia, o lastro dessa última muda de títulos com correção monetária plena (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs) para títulos com juros nominais prefixados. Em razão da intermitente aceleração da inflação, esses títulos terminam por pagar taxas de juros negativas. Outra forma não convencional de financiamento foram os Depósitos Registrados em Moeda Estrangeira – DRMEs, cujo custo também foi negativo em termos reais, em razão da apreciação cambial (Tabela 15). Esse processo de mudança na composição da dívida pública mobiliária só pode ser entendido no contexto da desmonetiza104

Desenvolvimento em crise

ção da economia, após 1976, promovida pela combinação entre elevação das taxas de juros de curto prazo e generalização da carta de recompra, o que permitiu que as empresas transformassem seus saldos em aplicações financeiras de alta liquidez. Estas, por sua vez, rendiam juros inferiores à inflação, barateando o custo de rolagem da dívida pública. A criação do seguro cambial por meio da Circular n. 230 e Resolução n. 432 constituiu a base para os DRMEs, outra forma barata de financiamento do setor público durante o período. Embora positiva do ponto de vista do seu custo, essa mudança na estrutura da dívida tem um lado perverso e diz respeito ao crescente caráter de curto prazo que adquire. Tabela  15  –  Déficit e passivo do setor público, (% do PIB), 1974-1980 Déficit Operac. Juros 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

2,0 2,4 3,1 5,1 4,6 4,7 4,1

1,2 0,8 1,1 1,0 1,6 1,9 2,3

Dívida Primário

Total

ORTN

LTN

DRME

Base

 0,8 1,6 2,0 4,0 3,0 2,9 1,8

10,4 39,7 39,1 11,0 11,4 11,8 39,7

2,6 2,9 2,2 2,0 1,2 1,4 1,1

1,2 1,1 1,8 2,7 3,2 2,3 1,4

0,0 0,1 0,1 1,0 1,9 3,2 3,2

6,5 5,7 5,1 5,3 5,1 4,9 4,0

Fonte: Carneiro (1987).

No contexto descrito, Coutinho & Belluzzo (1982) entendem a heterodoxia desastrada levada a cabo pelo então ministro Delfim Netto, em 1979/1980, como uma estratégia de restauração das finanças públicas. A tentativa de reforma fiscal e recuperação de preços e tarifas públicas, a maxidesvalorização com o intuito de reduzir os incentivos e subsídios às exportações e a prefixação das correções monetária e cambial para desvalorizar a dívida pública são as principais medidas de política econômica desse período. 105

Ricardo Carneiro

Vejamos alguns números: por um lado, apesar do sucesso em desvalorizar a dívida pública interna, que cai de 11,8% do PIB, em 1979, para 9,7% em 1980, as medidas da heterodoxia desastrada não conseguem recuperar a carga tributária líquida que, de 15%, em 1978, cai para 12% em 1980, em razão da elevação dos subsídios, com destaque para os subsídios diretos aos combustíveis (Tabelas 13 e 14). Por outro lado, o rompimento das regras de fixação do câmbio e da correção monetária danificou a credibilidade da correção dos contratos em termos reais, tornando o setor privado avesso ao risco de tomar crédito de longo prazo. Ao final, podemos afirmar que a heterodoxia desastrada constituiu o canto do cisne do ciclo de crescimento pós-1964. Apesar da visão correta quanto à dimensão doméstica do desequilíbrio, que se expressava na deterioração do financiamento público, subestimou a restrição de financiamento externo. Se fosse possível, uma vez desvalorizada a dívida pública, praticar simultaneamente políticas fiscal e monetária expansionistas, a estratégia teria logrado sucesso. Essa possibilidade, contudo, dependia de financiamento externo abundante. A rápida deterioração do cenário externo, a partir do segundo choque do petróleo, e a contínua perda de reservas internacionais colocaram por terra as chances de continuidade do padrão de financiamento que havia sustentado o ciclo de crescimento precedente.

A gênese da moeda indexada No período de crescimento acelerado nos anos 60 e 70, prevaleceu um arranjo monetário bastante singular. Conforme assinala Moura da Silva (1979), o sistema monetário-financeiro brasileiro trabalhava simultaneamente com três moedas distintas: a moeda nominal (o cruzeiro) e as correções monetária e cambial. A primeira desempenhava as funções clássicas de 106

Desenvolvimento em crise

padrão de preços, meio de pagamento e instrumento de denominação dos contratos de curto prazo, enquanto as duas últimas exerciam a função de reserva de valor e instrumento de denominação dos contratos de longo prazo. A relevância da moeda nominal na economia após as reformas de 1964-1966 dependeu, sobretudo, do declínio da inflação. Os choques de preços em 1974 e as posteriores e recorrentes mudanças de patamar da inflação inviabilizaram o cruzeiro como moeda. Como veremos, durante esse período e na década seguinte, a história monetária brasileira está em grande medida associada aos mecanismos de substituição monetária, ou seja, da substituição do cruzeiro pelas correções monetária e cambial. De 1974 a 1979, os fatores de aceleração da inflação provêm dos choques exógenos de preços – externos e internos – combinados, após 1976, com a elevação das taxas de juros de curto prazo, resultante da estratégia de ajuste monetário do balanço de pagamentos. Os anos de súbita elevação da inflação – 1974, 1976 e 1979 – correspondem aos dois choques do preço do petróleo e à elevação dos juros, combinados com a quebra da safra agrícola em 1976 (Tabela 16). Tabela  16  –  Preços, câmbio e juros, 1974-1980 Preços (IPA–OG) Var. Anual (%) 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980

334,1 330,6 348,1 335,3 342,3 379,5 118,7

Taxa de Câmbio Nominal

Taxas de Juros Anuais (%)

Real

Nominal

Var. Anual (%) 319,5 322,0 336,1 330,0 330,3 103,3 354,0

Real

Overnight C. de Overnight Giro

(10,9) (6,6) (8,1) (4,0) (8,4) 13,3) (29,6)

Fonte: Banco Central do Brasil.

107

17,3 22,0 41,3 42,3 46,7 43,0 47,3

38,5 39,7 52,9 59,7 70,4 83,5 88,0

(11,9) (5,7) (2,9) 3,3) 4,7) (18,2) (29,6)

C. de Giro 37,0) 34,1) 34,4) 316,8) 318,4) 30,1) 3(13,4)

Ricardo Carneiro

Uma importante discussão a propósito da inflação durante o período diz respeito ao caráter determinante das variações dos custos primários nas mudanças de seus patamares. Ou seja, é possível admitir a estabilidade das margens de lucros das empresas ou estas se tornaram flexíveis em razão da instabilidade de preços-chave como petróleo e juros? Como demonstrou Frenkel (1979), a possibilidade de alteração dos custos primários – em especial das matérias-primas – durante o período de produção induz as empresas a elevarem as margens de lucro para evitar perdas de capital. No caso dos juros, o efeito da variação seria o aumento do grau de endividamento de curto prazo no período de produção seguinte, ou seja, a redução da margem de lucro líquida corrente. Os choques exógenos de preços, especialmente o do petróleo, e a política de aumento da taxa real de juros conduziram a economia a um grau de instabilidade elevado. Ao ocasionar insegurança quanto à evolução dos custos primários e da taxa de juros, essa instabilidade poderia ter acarretado aumentos preventivos nas margens de lucro das empresas, o que teria conduzido a uma variação ainda maior da inflação. Há, contudo, no período, vários mecanismos importantes de atenuação do impacto dos choques exógenos de preços e da instabilidade sobre as margens de lucro e a trajetória da inflação. O principal deles foi a substancial valorização da taxa cambial num contexto de crédito externo abundante (Tabela 16), que não só atenuou os choques de preços como permitiu a obtenção de financiamentos – inclusive para capital de giro – a taxas inferiores às praticadas internamente. Outro fator atenuador foi a criação das linhas de crédito a taxas favorecidas pelos fundos e programas geridos pelo Banco Central e, por fim, a subcorreção de preços e tarifas públicas com impacto expressivo nos custos primários. Para melhor precisar o quadro de instabilidade criado pela aceleração inflacionária e pelas respostas de política econômica, 108

Desenvolvimento em crise

convém destacar seu efeito no padrão monetário. Como vimos, a aceleração da inflação e o quadro de instabilidade que se instala após 1974 questionam a função de reserva de valor do padrão monetário então vigente – o cruzeiro –, e, portanto, sua prerrogativa de moeda de referência dos contratos. Como consequência, as correções monetária e cambial passam a ser as principais moedas da economia. No caso da correção cambial, a valorização do câmbio e a oferta de liquidez internacional, bem como o seguro cambial instituído pelo Banco Central com a Resolução n. 432 e a Circular n. 230, tornaram-na moeda privilegiada para assunção de passivos. Por sua vez, a partir do primeiro choque de preços e das expectativas de elevação dos patamares inflacionários, as aplicações com correção monetária tornam-se o principal instrumento de manutenção da riqueza financeira. As aplicações prefixadas perdem substancialmente importância e têm seus prazos consideravelmente reduzidos. A generalização das relações de débito e crédito em termos reais, pelo abandono rápido e progressivo da moeda nominal e sua substituição pelas correções monetária e cambial, produziu substantivo aumento nas taxas de juros domésticas e, mais do que isso, aumentou a incerteza quanto ao seu comportamento futuro. Contudo, essas tendências foram parcialmente anuladas pela política econômica, por meio do estímulo ao endividamento externo e da criação de linhas de crédito domésticas subsidiadas, ainda que à custa da crescente deterioração das finanças públicas, como mencionado no item anterior. Em resumo, a consolidação das duas correções como as verdadeiras moedas durante o período tem uma peculiaridade. A proposital defasagem da correção cambial em relação à inflação e à correção monetária transforma-a em instrumento privilegiado de contratação de passivos. A correção monetária, ao contrário, por se tornar crescentemente padrão de preços e padrão de referência dos ativos financeiros domésticos, constitui principal reserva de valor da economia. 109

Ricardo Carneiro

O ano de 1979 é marcado por um novo choque do petróleo, mas principalmente pela mudança nas condições de liquidez internacional, com expressiva elevação das taxas de juros e redução da oferta de novos créditos. No que tange ao balanço de pagamentos, essas mudanças se refletiram na insuficiência dos créditos externos adicionais para financiar o déficit em transações correntes, conduzindo à perda de reservas internacionais e à explicitação da crise cambial. A resposta da política econômica à manifestação da crise cambial é de grande relevância para explicar o agravamento do quadro de instabilidade que já se havia delineado com a própria crise. Uma medida central, tomada em dezembro de 1979, foi a maxidesvalorização da moeda doméstica, rompendo a regra das minidesvalorizações periódicas e da defasagem da correção cambial em relação à inflação e à correção monetária. A maxidesvalorização tinha por objetivo permitir a redução do déficit comercial com a concomitante diminuição de incentivos e subsídios às exportações, eliminando um fator de deterioração das finanças públicas. Essa medida surtiu efeito profundamente desestabilizador no que diz respeito à utilização da correção cambial como moeda de contratação de passivos. A partir desse momento, a correção cambial tornou-se moeda de alto risco para a assunção de dívidas, motivando uma fuga dos passivos dolarizados por parte do setor privado. Imediatamente após a maxidesvalorização cambial, a aceleração inflacionária dela decorrente, associada ao choque do petróleo, motivou a experiência de prefixação das correções monetária e cambial em 1980, como tentativa de deter o ritmo de crescimento dos preços. O insucesso previsível dessa estratégia, que conduziu a uma defasagem nas duas correções ante a inflação, foi fundamental para ampliar o quadro de instabilidade. A explicitação da fragilidade cambial e a maxidesvalorização já haviam destruído o reinado da correção cambial como prin110

Desenvolvimento em crise

cipal moeda de contratação dos passivos. A prefixação, além de não restaurar o papel da correção cambial, introduziu um alto grau de desconfiança em relação à correção monetária como moeda de aplicação dos saldos líquidos de empresas e famílias. Em consequência, observa-se em 1980 uma importante conversão de ativos financeiros em ativos reais – consumo e estoques –, forçando o posterior abandono da prefixação. O período 1974-1980, cuja marca principal é o questionamento dos pressupostos do nacional-desenvolvimentismo como modelo de crescimento, também é caracterizado como o do surgimento de um padrão monetário peculiar, o da moeda indexada. Ao contrário de outras experiências históricas nas quais a aceleração da inflação determinou uma progressiva substituição da moeda local por uma moeda estrangeira, no caso brasileiro a substituição ocorreu com base num artifício local que, apesar de precário, subsistiu por uma década.

111

Parte II Crise

3

Ruptura do financiamento externo

A década de 1980 foi, para os países da periferia capitalista, um período adverso, caracterizado pelo que se convencionou chamar de crise da dívida. Nesses anos, ocorreu uma deterioração global da situação econômica de tais países, compreendendo uma piora nos termos de troca e um extremo racionamento do financiamento externo, significando para alguns países, sobretudo da América Latina, a transferência de recursos para o exterior em razão do pagamento da dívida externa. O Brasil não constituiu uma exceção a esse quadro. Ao contrário, dada a situação de fragilidade de suas contas externas, pagou um preço elevado em termos de sacrifício do seu crescimento econômico. Para verificar como isso ocorreu, iniciamos por traçar a trajetória do financiamento externo, amplamente condicionado pelas transformações na ordem econômica internacional ocorridas durante a década. 115

Ricardo Carneiro

Neste capítulo, o exame da ruptura do financiamento externo inicia-se pela discussão da crise da dívida, ou seja, pela caracterização da exclusão dos países periféricos do circuito financeiro internacional. Em seguida, examinam-se, para o caso brasileiro, as várias etapas da restrição do financiamento externo, desde os anos 1979-1982, nos quais ainda há absorção de recursos reais, e o racionamento é feito pelo mercado, chegando à etapa seguinte (1983-1989) de crescentes transferências de recursos para o exterior para pagamento da dívida externa.

A crise da dívida Autores como Eichengreen (1996) e Helleiner (1994), ao analisarem a ordem econômica internacional após 1979, concordam em apontar o elevado grau de mobilidade dos capitais como o elemento central na sua configuração. Assim, a chamada globalização pode ser caracterizada como uma ordem econômica na qual são progressivamente eliminadas as restrições a essa mobilidade. Concretamente, isso se traduziu no aumento contínuo das transações cambiais e dos fluxos brutos de capitais internacionais. Esses fluxos de capitais apartaram-se dos desequilíbrios em transações correntes dos vários países, assumindo valores muitas vezes superiores a estes. Ou seja, ocorreu uma crescente autonomia do movimento de capitais diante das necessidades de financiamento corrente dos países. As ordens internacionais caracterizadas por maiores ou menores limitações à mobilidade dos capitais se sucedem historicamente. A passagem de um regime a outro depende de circunstâncias históricas específicas. Os controles ou as restrições à mobilidade de capitais sempre tiveram custos políticos internos ou externos. Apenas em determinadas circunstâncias ou correlações de forças esses controles tornaram-se viáveis. 116

Desenvolvimento em crise

Do ponto de vista da hipótese colocada anteriormente, a mais importante razão para o impulso à globalização e a substituição da ordem regulada de Bretton Woods foi a mudança de posição de países-chave no sistema internacional, especialmente os anglo-saxões, no final dos anos 70. Os Estados Unidos perdem, pelo menos temporariamente, a sua liderança tecnológica e comercial e passam a apostar na reafirmação de sua hegemonia por meio de seu poderio financeiro, fundado no uso do dólar como moeda reserva pelo sistema internacional. A Inglaterra só pôde aspirar a continuar como país importante por meio da constituição e ampliação de uma praça financeira off-shore. Por fim, o Japão, às voltas com superávits recorrentes nas transações correntes, também se torna interessado na liberalização dos fluxos de capitais. Esse ponto de vista é reforçado por Tavares & Melin (1997), para quem a reafirmação da hegemonia americana teria ocorrido após uma década de fragilização da posição desse país durante os anos 70. A transnacionalização dos capitais americanos no pós-guerra – bancário e produtivo – criou fortes competidores fora do espaço americano, deteriorando progressivamente sua hegemonia produtiva e comercial. O instrumento essencial da retomada dessa hegemonia foi a subida da taxa de juros ao final de 1979, que obrigou os demais países avançados a dois movimentos: a obtenção de superávits comerciais para financiar os déficits da conta de capital e a realização de políticas monetárias e fiscais restritivas para reduzir a absorção doméstica. Para o conjunto desses países, o resultado foi um menor dinamismo do crescimento econômico quando comparado à chamada idade de ouro, período que vai do imediato pós-guerra a meados dos anos 70. A alternativa que se colocava cada vez com maior intensidade para os Estados Unidos ao longo dos anos 70, diante da moeda apreciada e de déficits recorrentes no balanço de transações correntes e no setor público, era a de uma desvalorização 117

Ricardo Carneiro

da moeda combinada com uma política fiscal contracionista. A aposta na elevação das taxas de juros e na crescente liberalização financeira viabilizou o financiamento para os déficits sem a necessidade de recorrer a ajustes intensos e muito rápidos. Em síntese, permitiu aos Estados Unidos a manutenção da autonomia da sua política econômica doméstica. A reafirmação da hegemonia do dólar pode ser definida em termos das características da sua moeda. Pelo fato de os Estados Unidos serem a potência dominante em termos políticos e militares e possuírem os mercados financeiros mais amplos e profundos, a moeda americana constitui a principal reserva de valor da riqueza financeira global. Por essa razão, a desregulação e a liberalização dos mercados financeiros nos países centrais, além de atraírem fluxos de capitais crescentes para os Estados Unidos, fazem-se acompanhar de uma crescente denominação, em dólar, das operações em outros países, consolidando essa moeda como a principal dos mercados financeiros globalizados.1 Uma avaliação quantitativa dos dados sobre os fluxos de capitais nos anos 80 (Tabela 17) põe em destaque as modificações mais relevantes após 1985. Destaca-se a maior importância dos fluxos de investimento direto e de porta-fólio – quando comparados com os empréstimos bancários – de curto e longo prazos, bem como a perda de importância relativa dos fluxos oriundos do setor público. Ou seja, fica patente a dominância dos fluxos privados e, dentre esses, do investimento direto e das finanças diretas em detrimento das finanças bancárias. 1 Autores como Helleiner (1994) chamam a atenção para fatores ideológicos subjacentes à globalização, em especial a perda de hegemonia do embedded liberalism em favor do neoliberalismo. A nova ideologia descarta os controles de capitais como instrumentos relevantes, pois foram abandonados os fundamentos econômicos que o justificavam – sistema de taxas de câmbio fixas e autonomia da política econômica doméstica – em favor do sistema de taxas flexíveis e da interdependência das políticas domésticas.

118

Desenvolvimento em crise

Essa primeira etapa da globalização caracterizou-se pela exclusão da periferia, em especial a latino-americana (Tabela 18). Durante a década de 1980, os países periféricos estiveram submetidos à assim chamada crise da dívida e que consistiu num drástico racionamento do financiamento externo. Nesse período, o financiamento adicional esteve condicionado à participação e ao aval de instituições multilaterais, especialmente o FMI. Assim, de uma participação de mais de 50% dos fluxos em 1975-1979, os subdesenvolvidos caem para 23% no período 1985-1989 e ainda assim com larga predominância dos fluxos públicos (dois terços do total dirigido a esses países). Tabela  17  –  Composição dos fluxos de capitais nos países desenvolvidos(1) (% do PIB), 1975-1989 Fluxos Porta-fólio  Bônus  Ações Investimento Direto Bancário (Longo Prazo) Bancário (Curto Prazo)(2) Setor Público

1975-84 1985 1986 1987 1988 1989 0,6 0,5 0,1 0,6 0,8 0,3 0,5

1,5 1,3 0,2 0,7 0,5 0,5 0,4

1,8 1,5 0,3 0,9 0,7 0,8 0,7

1,1 0,9 0,2 1,2 0,8 1,0 1,2

1,5 1,3 0,2 1,1 0,8 0,6 0,6

1,9 1,3 0,6 1,3 1,0 0,4 0,6

Fonte: Turner (1991). (1) Fluxo líquido (aquisição – venda de ativos) por parte de residentes. (2) Empréstimos de curto prazo líquidos.

Do ponto de vista desses países, há uma distinção importante entre as duas regiões que haviam sido as principais receptoras dos financiamentos externos durante o ciclo de expansão do pós-guerra, a Ásia e a América Latina. De acordo com a Unctad (1998), esta última região, que havia recebido 43% dos fluxos de capitais entre 1975 e 1982, reduz sua participação para 17% nos anos 1983-1989. O sudeste e o sul da Ásia, por sua vez, aumentam a participação de 24% para 40% nos mesmos períodos. 119

Ricardo Carneiro

Tabela  18  –  Fluxos de capitais globais(1) (Médias anuais em US$ bi), 1975-1989

Desenvolvidos  Público  Privado Subdesenvolvidos  Público  Privado

1975-79

1980-84

1985-89

99,1 21,0 78,1 52,1 32,1 19,9

175,7  40,1 135,6 105,5  66,7  38,8

463,3  63,8 399,5 110,0  74,3  35,8

Fonte: Turner (1991). (1) Exclui movimento de reservas e fluxos bancários de curto prazo.

De acordo com Medeiros (1997), no caso asiático, ao contrário da América Latina, não houve uma interrupção drástica dos fluxos de financiamento internacionais na chamada década perdida. Na conta de capital, mantiveram-se tanto os fluxos de financiamento quanto um montante significativo de IDE. A rigor, esses países não tiveram problemas de financiamento externo ou restrição de balanço de pagamentos num sentido amplo. Na conta comercial não houve redução abrupta da demanda nem perda de relação de trocas. No caso dos serviços, tampouco houve aumento excessivo da carga de juros. A análise anterior encontra respaldo também nas pesquisas de Singh (1994), quando trata dos impactos diferenciados dos choques externos nessas economias durante os anos 80. De acordo com esse autor, os países da América Latina estiveram nessa década sujeitos a quatro choques distintos: de demanda, de relações de troca, de taxa de juros e de oferta de capital. No que tange ao último aspecto que é, de longe, o mais importante, evidencia-se que os bancos continuaram emprestando aos países da Ásia e suspenderam os empréstimos à América Latina, apesar dos elevados déficits em transações correntes nos primeiros, e isso é atribuído a razões puramente subjetivas, como o medo do contágio ou o instinto de ma120

Desenvolvimento em crise

nada. Destaca-se, todavia, o fato de que o impacto do choque dos juros foi bem menor sobre os países asiáticos em razão do menor peso do serviço da dívida – em média, metade daquele dos países latino-americanos. Especificamente no que diz respeito ao choque sobre a balança comercial, o autor mostra que a recessão global dos anos 80 afetou menos a demanda por produtos asiáticos. Na mesma direção, os termos de troca se deterioraram consideravelmente nos países latino-americanos – cerca de 15% –, mantendo-se constantes, ou até melhorando nos asiáticos.

Ruptura do financiamento externo e transferência de recursos para o exterior Do ponto de vista das relações econômicas do Brasil com o exterior, a década de 1980 é marcada por uma mudança radical. A absorção de recursos reais ou financeiros, que havia sido a marca da inserção externa desde o pós-guerra, se vê abruptamente revertida, transformando-se em transferência de recursos para o exterior pelo pagamento de serviço e amortização parcial da dívida externa. O processo se agrava com o passar do tempo, podendo ser distinguidas duas etapas: na primeira, entre 1979 e 1982, ainda ocorre uma absorção de recursos reais do exterior, financiada por queima de reservas, pois houve apenas um racionamento de novos financiamentos pelo mercado. Depois da ruptura do mercado internacional de crédito em 1982, abre-se, após 1983, um período de crescente transferência de recursos ao exterior. Inicialmente, em 1983 e 1984, essas transferências realizam-se no âmbito de um racionamento ainda maior de novos créditos, desta feita supervisionado pelo FMI. Depois de 1985, o racionamento converte-se em supressão absoluta de novos financiamentos, implicando pagamentos crescentes ao exterior. 121

Ricardo Carneiro

Absorção real, transferência financeira e o racionamento pelo mercado (1979-1982) De 1979 a 1982, a contração de liquidez internacional inicia uma fase de racionamento de crédito por parte das instituições bancárias, o que determina uma absorção de recursos financeiros pelo país inferior à de recursos reais.2 Assim, parcela do déficit em transações reais é financiada com a queima de reservas. Esse padrão se agrava em 1982, quando o persistente (embora diminuto) déficit em transações reais é integralmente financiado pelas reservas, em um contexto de esgotamento do mercado voluntário de crédito. Ou seja, a absorção de recursos reais durante o período só é viabilizada parcialmente por uma transferência de recursos financeiros, pela perda de reservas acumuladas no período pregresso (Gráfico 6).

GRÁFICO  6  –  Transferência de recursos para o exterior. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos). 2 A transferência de recursos para o exterior tem duas dimensões: a real e a financeira. A primeira é definida como o saldo positivo de transações em bens e serviços. A segunda compreende o saldo financeiro positivo, ou seja, a diferença entre a renda líquida de capitais enviada ao exterior e a entrada líquida de capitais. A situação de desequilíbrio entre ambas implica ajustes no nível de reservas.

122

Desenvolvimento em crise

Na formação do déficit em transações correntes, os juros assumem papel primordial, elevando a sua participação de 51,5%, em 1979, para 87,5% em 1982. Simultaneamente, o déficit em transações reais reduz sua participação de 41,4%, em 1979, para 9,5% em 1982, sendo acompanhado nos dois últimos anos por superávits comerciais (Tabela 19). Entre 1979 e 1982, a natureza financeira do déficit em transações correntes é, portanto, inquestionável, com a carga de juros tornando-se o seu principal componente. Por sua vez, o ajuste na balança comercial não foi suficiente para compensar o déficit dos serviços de não fatores, resultando na manutenção de saldos de transações reais negativos que se somaram, assim, ao déficit financeiro (Tabela 19).

Tabela  19  –  Déficit em transações correntes (valor e composição), 1979-1982 Itens/Anos Transações Correntes (US$ bi) a) Trans. Reais

1979

1980

1981

1982

(10,7)

(12,8) (11,7) em (%)

(16,3)

41,4

38,4

 5,2

 9,4

  Balança Com.

26,4

22,0

(10,2)

 (4,8)

  Serviços Prod.

15,0

16,3

15,4

14,2

b) Rendas de Cap.

51,6

54,9

87,5

82,7

c) Outros Serv.

 7,1

 8,0

 9,0

 7,8

 (0,2)

 (1,3)

 (1,7)

 0,0

d) Transf. Unilaterais

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório Anual (Vários anos).

A partir de 1979, além do desequilíbrio da balança comercial, em razão do segundo choque do petróleo, há simultaneamente acentuada elevação das taxas de juros, que aumentam continuamente tanto em termos nominais quanto reais até 123

Ricardo Carneiro

19823 e permanecem em patamar elevado ao longo da década. Essa dupla pressão sobre o déficit em transações correntes leva a uma situação na qual os novos empréstimos são insuficientes para cobrir o serviço da dívida, havendo rápida queima de reservas. A situação é mais grave do que a que se apresenta imediatamente após o primeiro choque do petróleo, não só porque o aumento da taxa de juros foi maior, como também em razão do já elevado estoque da dívida e da maior participação dos financiamentos a taxas flutuantes. Quanto ao estoque da dívida, o maior crescimento da dívida líquida perante a dívida bruta demonstra a insuficiência do endividamento adicional para cobrir o déficit em transações correntes, tendo sido esta a razão para a perda de reservas (Tabela 20). Até 1982, foi possível financiar parcialmente, por meio do mercado voluntário de crédito, o desequilíbrio do balanço de pagamentos, embora condicionado à imposição de ajustar crescentemente a balança comercial. Isso se fez por meio de créditos em condições mais restritivas, recorrendo-se, inclusive, a empréstimos de curto prazo. Como aponta Batista Júnior (1988), o traço predominante de parcela dos financiamentos obtidos durante o período era seu caráter de curto prazo, boa parte constituída de créditos interbancários – crédito de curtíssimo prazo tomado por bancos brasileiros no exterior e repassado a prazos mais longos internamente –, deteriorando de forma radical o perfil da dívida externa. De acordo com os dados da Tabela 20, a participação da dívida de curto prazo na dívida total aumenta de 10,5% em 1979, para 21,5% em 1982. Nesse período, observa-se um esgotamento temporário do processo convencional de estatização da dívida, por impossibilidade de se ampliar a dívida das estatais pelo seu elevado 3 Ver Gráfico 2, no Capítulo 1, para a trajetória das taxas de juros durante a década de 1980.

124

Desenvolvimento em crise

grau de endividamento e pela desaceleração dos investimentos públicos. Em compensação, observa-se a grande expansão das operações de repasse em razão da limitação quantitativa do crédito imposta pela política econômica doméstica. De acordo com Davidoff Cruz (1984), isso levou ao uso mais intenso das operações de repasse, inclusive pelas grandes empresas, e à intensa dolarização dos passivos das instituições bancárias. Rompe-se, assim, a divisão tradicional entre captação direta pelo setor público, empresas estatais e grandes empresas, notadamente multinacionais, e utilização de recursos de repasses pelas empresas privadas nacionais. Tabela  20  –  Dívida externa bruta e dívida externa líquida (US$ bi), 1979-1982 Dívida Externa Bruta

Reservas

Total Registrada Curto Prazo 1979 1980 1981 1982

Dívida Externa Líquida Total

Registrada

(I)

(II)

(III)

(IV)

V= (I-IV)

VI= (II-IV)

55,8 64,2 73,9 85,3

49,9 53,8 61,4 70,2

 5,9 10,4 12,5 15,1

9,7 6,9 7,5 4,0

46,1 57,3 66,4 81,3

40,2 46,9 53,9 66,2

Fonte: Banco Central do Brasil.

Após 1981, na vigência de um processo recessivo, parcela desses recursos tomados pelos bancos não encontra tomadores finais e fica depositada no Banco Central ao abrigo da Circular n.230. Representa, desse modo, endividamento adicional do setor público – certamente imprescindível para fechar as contas externas –, só que agora por meio do endividamento direto das autoridades monetárias. De acordo com os dados da Tabela 21, a dívida externa de responsabilidade do setor público amplia-se de 55% para 61% do total, enquanto a dívida direta do governo central e da autoridade monetária dobra a sua participação entre 1979 e 1982, passando de 17% para 34% da dívida total. 125

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Tabela  21  –  Dívida externa pública, 1979-1982 1979 1980 1981 1982

1979/1982

US$ bi

Variação (US$ bi)

Itens (A) Dívida Externa Líquida (1) (B+H) (B) Dívida Externa do Setor Privado e Fin. Pub. (A-H) (C) Dívida Externa Pública Registrada Direta (D) Dívida Externa Pública Não Registrada (E) DRME do Setor Privado no Bacen (F) Setor Público Financeiro (Res. n.63 e Lei n.4.131) (G) Reservas das A.M. (H) Dív. Ext. Púb. Total Líq. Ajust. (C + D + E – F - G)

44,3

55,9

64,4

79,2

34,9

20,1

24,1

27,1

31,1

11,0

32,4

35,6

40,6

45,5

13,1

 2,2

 4,5

 6,0

 8,7

 6,5

 3,0  3,8

 3,4  4,9

 4,6  6,8

 4,6  7,3

 1,7  3,5

 9,6 24,2

 6,9 31,7

 7,0 37,3

 3,5 48,1

 (6,1) 23,9

55,0

57,0

58,0

61,0

68,0

(I) Dív. Ext. Bruta do Gov. Fed. e 13,8 Bacen (J + K) (J) DRME  8,3 (K) Dív. Reg. e Não Reg. do Gov. Fed.  5,5 e Bacen (2) (L) Dív. Ext. Líquida do Gov. Fed. e  4,2 Bacen (I-G) 17,0 L/H (%)

15,0

18,1

19,9

 6,1

 9,3  5,7

12,2  5,9

 9,6 10,3

 1,3  4,8

 8,1

11,1

16,4

12,2

25,0

30,0

34,0

51,0

(H/A) (%)

Fonte: Bontempo (1988a). (1) Deduzidos os haveres de bancos brasileiros no exterior. (2) Inclui depósitos de projetos, Clube de Paris, FMI, Bônus, Syndicated Loan, CDR e outros.

Transferência de recursos para o exterior (1983-1989) Após a crise do mercado internacional de crédito, em 1982, desencadeada pela moratória do México, a estratégia básica dos bancos foi reduzir suas exposures nos países em desenvolvimento, particularmente na América Latina, o que significou a extinção dos financiamentos voluntários dos déficits em transações 126

Desenvolvimento em crise

correntes, passando-se para a etapa dos financiamentos involuntários sob a supervisão do FMI.4 No caso brasileiro, esse financiamento foi progressivamente menor, principalmente a partir de 1984, quando o país passa a obter superávits comerciais elevados e sistemáticos. No limite, a posição dos banqueiros era eliminar qualquer financiamento adicional ao país. Em outras palavras, o déficit em transações correntes deveria tender a zero. Ou seja, o superávit comercial deveria ser suficiente para cobrir o déficit de serviços – de fatores e não fatores –, originando um processo de transferência de recursos reais ao exterior. Essa posição, embora aparentemente compatível com a manutenção do valor do principal da dívida, compreendendo a sua renegociação e o pagamento dos juros, tem importantes consequências sobre o estoque da dívida existente. Em 1983, inicia-se, portanto, um período caracterizado por contínua transferência de recursos ao exterior. Embora as oscilações ano a ano das transferências sejam significativas, o que de certa maneira indica as dificuldades de sua realização, percebe-se que seu valor absoluto cresce substancialmente ao longo do tempo (Gráfico 6). Nos anos de 1983 a 1989, podem ser distinguidos três subperíodos: • De 1983 a 1984, no qual a transferência de recursos reais supera a de recursos financeiros, resultando em acumulação 4 Os quatro projetos centrais de renegociação da dívida externa brasileira sob supervisão do FMI foram: I – empréstimo ponte de bancos comerciais, proporcional ao envolvimento financeiro anterior; II – reescalonamento do principal de médio e longo prazos, com vencimento em 1983; III – renovação do crédito comercial de curto prazo; IV – manutenção do crédito interbancário nos níveis de 1982.

127

Ricardo Carneiro

de reservas. Isso ocorreu porque, no âmbito dos acordos firmados com os bancos, sob supervisão do FMI, os financiamentos permitiram financiar uma parcela dos juros devidos. Assim, a rápida obtenção de superávits em transações reais, em particular o megassuperávit comercial de 1984, permitiu acumular reservas. • De 1985 a 1986, quando a transferência de recursos reais é inferior à de recursos financeiros e acarreta perda de reservas, particularmente em 1986, quando atinge US$ 4,25 bilhões. Há duas razões para tanto: de um lado, a recuperação da absorção doméstica que deprime o superávit comercial, e, de outro, a redução acentuada dos financiamentos externos. • E a partir de 1987, quando a transferência de recursos reais volta a superar a de recursos financeiros. Aqui, dois aspectos chamam a atenção: apesar do volume crescente, a diferença entre ambas é muito pequena, indicando que durante o período foram realizadas substanciais transferências aos credores externos, o que resultou em pequena acumulação de reservas internacionais. Uma das razões pode ser encontrada no pagamento quase integral dos juros atrasados referentes ao período em que o país esteve em moratória com os bancos comerciais, em 1987. Nesse ano, apesar da moratória, o acúmulo de reservas foi pouco expressivo – US$ 700 milhões no conceito de liquidez internacional –, em razão da ainda elevada absorção doméstica, que permitiu a recuperação apenas parcial do saldo comercial. Em 1988 e 1989, realiza-se uma transferência de recursos reais para o exterior sem precedentes, por conta do pagamento dos atrasados aos bancos comerciais e, como veremos adiante, em razão da amortização de parcela da dívida. Para um superávit de transações reais de US$ 32,3 bilhões no biênio, o acréscimo de reservas foi de apenas US$ 2,3 bilhões.

128

Desenvolvimento em crise

Os números referidos se refletem em grande medida no desempenho do balanço de transações correntes durante o período. O ano de 1983, no qual a conta de renda de capitais superou largamente o saldo de transações reais, constituiu uma exceção tendo o saldo negativo sido financiado no âmbito dos acordos com o FMI. Nos anos que vão de 1984 a 1989, embora tenha havido grande oscilação do saldo em transações correntes, essa conta esteve praticamente equilibrada, com o saldo em transações reais cobrindo a conta de renda de capitais (Tabela 22). Há, durante o período, dois anos que merecem destaque especial. Em 1986, ano caracterizado pelo auge da absorção doméstica, o déficit em transações correntes, de US$ 5,3 bilhões, foi quase integralmente financiado pela perda de reservas (US$ 4,25 bilhões). Quando ocorreu o oposto, como em 1988, ou seja, obteve-se elevado superávit em transações correntes (US$ 4,2 bilhões) por causa da recessão doméstica, esse saldo foi utilizado para pagamento de juros atrasados, não se materializando em ampliação correspondente de reservas, cujo aumento foi de apenas US$ 1,7 bilhão. Tabela  22  –  Déficit em transações correntes (US$ bi), 1983-1989 1983

1984

Transações Correntes   (6,8)    0,0

1985

1986

1987

1989

 4,2

   1,5

  5,1

12,1

11,7

 6,9

10,0

17,7

  15,0

Balança Com.

  6,5

13,1

12,5

 8,3

11,2

19,2

  16,1

Serviços Prod.

 (1,3)    (1,0)  (0,8)  (1,5)  (1,2)    (1,5)  (1,1)

a) Trans. Reais

 (0,2)  (5,3)  (1,4)

1988

b) Rendas de Cap.

(11,0) (11,5) (11,3) (11,1) (10,3) (12,1) (12,2)

c) Outros Serv.

  (1,1)  (0,7)  (0,9)  (1,1)  (1,2)    (1,5)  (1,3)

d) Transf. Unilaterais   0,1

   0,2

 0,1

 0,1

 0,1

 0,1

   0,2

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório Anual (Vários anos).

O pagamento da quase integralidade dos juros durante esse período refletiu-se de forma significativa no montante e composição

129

Ricardo Carneiro

da dívida externa. Esse, aliás, era um resultado esperado, pois o não refinanciamento dos juros conduziria necessariamente à estabilização do valor nominal da dívida e seu decréscimo em termos reais. A primeira observação diz respeito à dívida de longo prazo (registrada bruta). A velocidade de seu crescimento diminui consideravelmente a partir de 1984, para converterse em redução nominal após 1987. Como no período há ganhos de reservas internacionais, esse movimento é ainda mais pronunciado quando se toma a dívida líquida (Tabela 23). Esses números atestam a inexistência de financiamentos externos voluntários após 1987. Tabela  23  –  Dívida externa bruta e dívida externa líquida (US$ bi), 1983-1989 Dívida Externa Bruta Total

1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Reservas Dívida Externa Líquida

Registrada Curto Prazo

Total

(I)

(II)

(III)

(IV)

 93,5 102,0 105,1 111,0 121,2 113,5 114,7

 81,3  91,0  95,8 101,7 107,5 102,5  99,3

12,2 11,0  9,3  9,3 13,7 11,0 15,4

 4,6 12,0 10,5  6,7  7,5  9,1  9,7

Registrada

V= (I-IV) VI= (II-IV)  88,9  90,0  94,6 104,3 113,7 104,4 105,0

 76,7  79,0  85,3  95,0 100,0  93,4  89,6

Fonte: Banco Central do Brasil.

O mesmo padrão é observado de maneira atenuada quando se considera a dívida total, que inclui a dívida de curto prazo. Apenas nos anos de suspensão de pagamentos de juros – 1987 e 1989 –, essa dívida se amplia, impedindo a queda do valor nominal da dívida total. A conclusão desses dados parece inequívoca: o país não só pagou a maior parte dos juros da dívida, como também a parcela do principal, acarretando uma redução no valor real do endividamento, o que nos leva a examinar os mecanismos pelos quais esse resultado foi logrado. 130

Desenvolvimento em crise

Sem desprezar as reduções reais da dívida ocorridas por conta do pagamento de juros ou dos mecanismos de conversão, tomemos os fluxos financeiros segundo os tipos de credores externos (Tabela 24). A partir de 1982, inicia-se a transferência líquida de recursos financeiros, porém desse ano até 1984 ainda ocorre significativa entrada de empréstimos, que financiam parcela dos juros e a totalidade das amortizações. Quanto às últimas, seu montante cai significativamente a partir de 1983, em razão dos acordos de reescalonamento do principal celebrados com os bancos comerciais. É importante destacar nesse primeiro período a redução da exposure dos bancos comerciais por meio da diminuição dos novos financiamentos, cujos valores são inferiores ao montante de juros. Os novos ingressos, portanto, advêm principalmente das agências governamentais e dos organismos multilaterais, com destaque para o FMI, sob cuja supervisão o processo de reestruturação da dívida foi realizado. Essa reestruturação implicou, assim, o aumento da participação dessas agências e organismos multilaterais, como forma de viabilizar a retirada parcial dos bancos comerciais. O período seguinte, de 1985 a 1989, é marcado por um patamar de transferência financeira líquida bem mais elevada – em média, US$ 10 bilhões por ano, acumulando US$ 50 bilhões em cinco anos – e, ainda, por algumas particularidades de grande importância. O patamar de novos financiamentos cai de maneira acentuada, a partir de 1987, tornando seus valores insuficientes até para cobrir as amortizações pagas. Esse aspecto é básico para entender a redução da dívida externa de longo prazo após esse ano. Vejamos, então, os seus detalhes. Os bancos comerciais não aportam novos financiamentos em 1985 e 1986. A partir de 1987 há, contudo, financiamento adicional compulsório de parcela dos juros, em razão da moratória decretada em janeiro desse ano. Em 1988, quando parte dos atrasados é paga, há simultaneamente o refinanciamento 131

Ricardo Carneiro

Tabela  24  –  Fluxos financeiros por credor externo (US$ bi), Tabela 24 – 1982-1989 Credor Externo BIRD  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido BID  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido FMI  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Bônus  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Intercompanhias  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Bancos  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Agenc. Govern.  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Outros  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido Total  Ingressos  Amortizações  Juros  Líquido

1982-1984

1985-1987

3.127,0) 803,0) 532,0) 1.792,0)

3.312,0) 1.643,0) 1.548,0) 121,0)

1.998,0) 2.117,0) 1.331,0) (1.450,0)

934,0) 402,0) 282,0) 250,0)

1.118,0) 524,0) 513,0) 81,0)

623,0) 498,0) 360,0) (235,0)

4.492,0) 0,0) 272,0) 4.220,0)

0,0) 1.822,0) 1.039,0) (2.861,0)

470,0) 1.778,0) 519,0) (1.827,0)

112,0) 667,0) 831,0) (1.386,0)

0,0) 1.166,0) 468,0) (1.634,0)

0,0) 1.021,0) 180,0) (1.201,0)

900,0) 791,0) 647,0) (538,0)

662,0) 683,0) 677,0) (698,0)

188,0) 517,0) 484,0) (813,0)

24.529,0) 7.228,0) 26.525,0) (9.224,0)

715,0) 629,0) 18.500,0) (18.414,0)

4.840,0) 2.538,0) 15.428,0) (13.126,0)

2.863,0) 1.104,0) 977,0) 782,0)

1.333,0) 2.284,0) 1.984,0) (2.935,0)

111,0) 1.388,0) 1.956,0) (3.233,0)

5.516,0) 4.118,0) 4.197,0) (2.799,0)

2.167,0) 1.443,0) 1.394,0) (670,0)

2.028,0) 1.535,0) 868,0) (375,0)

42.473,0) 15.113,0) 34.263,0) (6.903,0)

9.307,0) 10.194,0) 26.123,0) (27.010,0)

10.258,0) 11.392,0) 21.126,0) (22.260,0)

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório anual (1988 e 1989).

132

1988-1989

Desenvolvimento em crise

da outra parte devida. Por fim, em 1989, em razão das dificuldades cambiais, são novamente suspensos os pagamentos. Como se vê, apesar de mantida a lógica do pagamento da maior parcela possível dos juros devidos aos bancos comerciais, as dificuldades cambiais conduzem ao financiamento compulsório de uma parcela dos juros. A consequência desse processo é que a dívida externa total nominal junto aos bancos comerciais se estabiliza a partir de 1986. A queda do valor nominal da dívida registrada, observada a partir de 1988, é parcialmente compensada pela elevação da dívida de curto prazo, que contabiliza os atrasados.5 Após 1988, o declínio do valor nominal expressa uma depreciação acelerada da dívida em termos reais. Retomando-se a questão das transferências líquidas, conclui-se que após 1985 a elevação de seu patamar está vinculada ao aumento de pagamento de juros aos bancos privados e depois de 1987 às amortizações pagas às agências governamentais e instituições multilaterais. Em 1985, apenas 6,5% do fluxo líquido negativo era de responsabilidade desses organismos, passando esse valor para 22%, em 1986, e para uma média anual de 38%, entre 1987 e 1989. Interessa assinalar que a maior parcela desses fluxos negativos se deve às amortizações, o que elucida de maneira mais decisiva a redução da dívida nominal a partir de 1987. Essa é, de fato, uma pressão adicional sobre o balanço de pagamentos do país a partir de meados dos anos 80. Cabe assinalar, por fim, que aos sucessivos desequilíbrios no balanço de pagamentos, decorrentes inicialmente da dívida junto ao setor privado e seguidos do débito diante de institui5 Dados do Banco Central dão conta que entre 1986 e 1988 a dívida total junto aos bancos comerciais estabiliza-se em torno de US$ 70 bilhões. Ao decréscimo da dívida registrada corresponde um aumento da dívida de curto prazo, que inclui os atrasados.

133

Ricardo Carneiro

ções multilaterais, agrega-se um outro que tem origem no comportamento do capital produtivo. A remessa de lucros e dividendos cresce continuadamente após 1982, passando de 4,3% do total da renda de capitais para 20% em 1989. Os investimentos diretos, cujo patamar anual era de US$ 1,5 bilhão no triênio 1979-1982, declinam progressivamente até atingir US$ 130 milhões em 1989. O que se pode concluir com relação a esse aspecto é que outra pressão adicional sobre o balanço de pagamentos se origina da repatriação do capital produtivo. Além da estagnação da economia doméstica, esse movimento está determinado pelo acirramento da concorrência nos países centrais e pelo surgimento de uma legislação que estimula a repatriação de capitais, notadamente nos Estados Unidos, principal investidor estrangeiro no Brasil. Uma das principais consequências da ruptura do padrão de financiamento externo e do excessivo endividamento foi, sem dúvida, o elevado grau de estatização da dívida externa. Vimos anteriormente o primeiro impulso a esse endividamento extra do setor público, nos anos de 1979 a 1982. Há, contudo, um segundo movimento de ampliação da dívida externa estatal, a partir de 1983, paradoxalmente quando se rompe o financiamento externo. Apesar da radical diminuição dos financiamentos líquidos, o processo de endividamento externo do setor público prosseguiu por meio de dois mecanismos: do endividamento adicional perante os organismos multilaterais e agências governamentais e pela absorção de dívida externa do setor privado. Isso conduziu a um salto da participação da dívida pública no total da dívida externa, de 61%, em 1982, para 71%, em 1984, e 81% em 1987. A absorção prosseguiu em ritmo mais lento a partir de então, atingindo 85% do total da dívida em 1989 (Tabela 25).

134

Desenvolvimento em crise

Tabela  25  –  Dívida externa pública (US$ bi), 1983-1989 1983 1984 1982-84 1985 1986 1987 1984-87 1988 1989 1987-89 (variação) (variação) (variação) (A) Dív. Ext. Líq. (B + H)

8,6

91,6 104,3 113,7

25,9

112,0 105,1

(8,7)

(B) Dív. Ext. do 25,1 25,1 Setor Priv. e Fin. Pub.(A-H)

(6,0)

21,7 23,3 21,8

(3,4)

27,8 17,3

(4,4)

(C) Dív. Ext. Púb. 59,0 70,6 Reg. Direta

 25,1

77,4 86,1 92,2

21,7

90,4 88,8

(3,4)

(D) Dív. Ext. Púb.  6,7  4,1 Não Reg.

(4,6)

3,3  3,0  7,2

 3,2

 3,6  7,7

0,5

(E) DRME do Setor Priv. no Bacen

 6,9  5,8

 1,2

 4,9  3,2  3,9

(1,9)

 2,2  2,9

(1,0)

(F) Setor Púb. Financ. (Res. n.63 e Lei n.4.131)

 6,7  6,5

(0,8)

 5,2  4,6  4,0

(2,5)

 2,8  2,1

(1,9)

(G) Reservas das A.M.

 4,0 11,3

 7,9

10,5 6,8  7,5

(3,9)

 9,1  9,7

 2,2

(H) Dív. Ext. 62,0 62,6 Púb. Total Líq. Ajust. (C + D + E – F - G)

14,5

69,9 81,0 92,0

29,3

84,3 87,7

(4,2)

170,0

76,0 7,0 81,0

113,0

75,0 83,0

49,0

17,2

36,3 43,5 51,7

14,5

53,7 60,0

8,4

(H/A) (%)

87,1 87,8

71,0 71,0

(I) Dív. Ext. Bruta 31,2 37,2 do Gov. Fed. e Bacen (J + K) (J) DRME

11,7 10,8

1,2

9,1

5,7

(5,1)

4,2

4,6

(1,1)

(K) Dív. Reg. e Não Reg. do Gov. Fed. e Bacen (1)

19,6 26,3

16,0

27,3 37,8 45,9

19,6

49,5 55,4

 9,5

(L) Dív. Ext. Líq. 27,2 25,8 do Gov. Fed. e Bacen (I-G)

 9,4

25,8 36,7 44,2

18,4

44,6 50,3

 6,1

64,0

37,0 45,0 48,0

63,0

53,0 57,0

-145,0

L/H (%)

44,0 41,0

5,7

Fonte: Bontempo (1988a), Banco Central do Brasil.

135

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A descrição dos mecanismos de endividamento durante os subperíodos esclarece a questão. Como foi dito, no biênio 1982-1983 a dívida pública externa aumenta significativamente. O aspecto mais relevante, contudo, é que dois terços desse aumento se dão na dívida do governo federal e Bacen, que cresce de 34% para 41% do total. Ao mesmo tempo, há um declínio relativo, mas também absoluto, da dívida externa privada (Tabela 25). Nesse período, além do endividamento adicional, foi de grande importância a transferência de dívida externa privada para o setor público, como apontam Batista Júnior (1989) e Cavalcanti (1988). A renegociação da dívida externa sob a supervisão do FMI implicou a sua centralização no Banco Central. Foi essa instituição quem recebeu os depósitos de projeto, tanto os referentes ao dinheiro novo quanto ao refinanciamento das amortizações, incluindo a consolidação dos débitos de curto prazo. Aqui há de se distinguir um duplo movimento de estatização, um relativo ao principal da dívida e outro referente aos juros. No que tange ao principal, o acordo de renegociação estabelecia que a dívida vincenda, tanto do setor público quanto do setor privado, seria automaticamente refinanciada. O setor privado em sua larga maioria optou por pré-pagar as suas dívidas externas, realizando o depósito de seu contravalor em moeda doméstica no Banco Central. Assim, essa autoridade monetária ficou com disponibilidade para emprestar ao setor público uma parcela da dívida externa maior do que aquela que originalmente lhe pertencia. As necessidades de recursos do setor público referentes não só às amortizações, que estavam automaticamente refinanciadas, mas também ao pagamento dos juros, fizeram que absorvesse a parcela da dívida paga pelo setor privado. Ou seja, na prática, o Bacen remanejou recursos e financiou parte dos juros que teriam de ser pagos pelo setor público. Do ponto de vista das contas do Banco Central, os depósitos de projeto significaram uma ampliação do passivo 136

Desenvolvimento em crise

dolarizado, que tinha contrapartida nas contas ativas com o reempréstimo (relending) aos setores público e privado. O pré-pagamento realizado pelo setor privado abria a possibilidade de manejar a composição das contas ativas sem alterar o passivo dolarizado.6 Os dados da Tabela 25 mostram que, no biênio 1983-1984, a redução absoluta da dívida externa privada (US$ 6 bilhões) equivale a 40% do aumento da dívida pública externa líquida. Esta última, por sua vez, torna-se crescentemente responsabilidade do governo federal e Banco Central. No triênio 1985-1987, a ampliação da estatização da dívida obedece a causas variadas, embora a transferência de dívida privada para o setor público ainda tenha respondido por 12% do incremento da dívida externa deste último. Igualmente importantes foram a perda de reservas e a moratória, que responderam respectivamente por 11% e 13% do acréscimo da dívida externa líquida do setor público. Nesse período, cerca de dois terços do aumento da dívida deveram-se ao refinanciamento dos juros junto a credores oficiais, como aqueles representados pelo Clube de Paris. Isso implicou também aumento da dívida de longo prazo de responsabilidade do governo federal e Banco Central, cuja participação na dívida total ultrapassa 50% (Tabela 25). No último biênio (1988-1989), a estatização ocorre apenas em termos relativos, em razão da maior velocidade de redução da dívida privada quando comparada à pública. Isso se deveu a diversas razões, entre as quais as operações de conversão de dívida em investimento, restritas à dívida privada. No âmbito da dívida pública, a nova suspensão dos pagamentos dos juros, dessa feita de maneira parcial e acordada, impe6 Veremos, no Capítulo 5, que o não pagamento dos juros da dívida externa em valores superiores ao disponível para reempréstimo constituiu uma importante fonte de pressão sobre a dívida pública doméstica.

137

Ricardo Carneiro

diu a redução da dívida de curto prazo. Cabe ainda referir que os mecanismos de transferência de dívida externa intrassetor público continuam ativos, mesmo diante da redução do estoque de dívida (Tabela 25).7 Vimos, neste capítulo, que a economia brasileira, em face da ruptura do financiamento externo, foi obrigada a realizar crescentes transferências de recursos reais para o exterior. Ademais, dada a maior parcela de dívida externa sob a responsabilidade do setor público, foi este último quem arcou com o ônus principal dessa transferência. A maneira pela qual esses dois processos afetaram a capacidade de crescimento da economia e as finanças públicas será objeto de análise dos próximos capítulos.

7 A transferência intrassetor público da responsabilidade sobre a dívida externa terá importantes repercussões sobre as contas do BC e a dívida pública interna, como veremos no Capítulo 5.

138

4

Restrição cambial e crescimento econômico

Durante os anos 80, a economia brasileira apresentou contrastes significativos com as décadas pregressas, especialmente com os anos 70. A queda acentuada do ritmo de crescimento observada nessa década indica o esgotamento de um padrão cuja marca foi o excepcional dinamismo durante os anos da moderna industrialização após 1930 e, particularmente, desde meados dos anos 50. O confronto entre as décadas de 1970 e 1980 indica também nítida diferença na configuração dos ciclos econômicos. Enquanto nos anos 70 observou-se, após o intenso crescimento do “milagre econômico” (1970-1973), um longo período de desaceleração (entre 1974 e 1980), marcado ainda por taxas de crescimento elevadas, os anos 80 caracterizaram-se pela alternância de ciclos breves de recessão e expansão e por uma taxa de crescimento próxima ao aumento da população (Gráfico 7).

139

Ricardo Carneiro

Ainda mais importante do que a retração do crescimento do produto foi a trajetória do investimento. A sua desaceleração a partir de meados dos anos 70 foi substituída pela redução absoluta e variações intensas ao longo dos anos 80, indicando um clima de profunda incerteza e ausência de um padrão de crescimento sustentado. Outro aspecto marcante da década de 1980 diz respeito às relações com o exterior. Enquanto nos anos 70 houve sistemática absorção de recursos reais do exterior, por meio de déficits comerciais permanentes, os anos 80, ao contrário, caracterizaram-se pela contínua transferência de recursos reais para o exterior via obtenção de superávits comerciais recorrentes.

GRÁFICO  7  –  Desempenho comparado (anos 70 versus 80). Fonte: FIBGE. Contas Nacionais.

A drástica redução do crescimento, a estagnação do produto per capita, a regressão do investimento e a transferência de recursos reais ao exterior são, assim, os pontos de destaque numa caracterização da década de 1980. Essas características, por sua vez, não podem ser tomadas como independentes entre si. Há entre elas uma hierarquia ou, mais precisamente, uma maior relevância da transferência de recursos reais como fator determinante da trajetória das demais variáveis econômicas. Do nosso ponto de vista, a obrigatoriedade de transferir recursos 140

Desenvolvimento em crise

reais para o exterior para servir a dívida externa criou um constrangimento ao desenvolvimento da economia nacional.

As interpretações sobre a década perdida Uma década marcada por desempenho econômico tão desfavorável suscitou interpretações divergentes sobre as razões dessa performance. Do conjunto dessas visões, podemos extrair três interpretações distintas. A primeira diagnosticava que, na raiz do pequeno dinamismo, estava a incompatibilidade entre crescimento doméstico e transferência de recursos reais para o exterior. Numa posição intermediária, temos a tese da possibilidade de retomada do crescimento condicionada à sua reorientação, para compatibilizá-lo com a restrição externa. Por fim, no outro extremo, estava a postura na qual se ressaltava a ausência de obstáculo externo ao crescimento. Na primeira vertente de interpretações, situam-se os trabalhos de economistas críticos do ajuste externo da economia brasileira. Uma síntese das suas posições encontra-se em Brasil (1987a), no qual se conclui que as tentativas de retomar o crescimento econômico e melhorar a distribuição da renda, realizadas em meados da década de 1980, esbarraram na restrição externa, ou seja, na imperiosidade de gerar elevados superávits comerciais para fazer face ao serviço da dívida. Segundo o documento, a compatibilidade entre crescimento e transferência de recursos para o exterior só seria viável na etapa de recuperação do ciclo na qual o crescimento ocorreria com base em ocupação da capacidade produtiva ociosa. Uma vez utilizada plenamente a capacidade existente, o crescimento passaria a depender do aumento da taxa de investimento, requerendo a rápida ampliação das importações e redução do saldo comercial. Observando a questão de uma perspectiva de longo prazo, Cardoso de Mello (1984) assinala a inconsistência temporal en141

Ricardo Carneiro

tre o crescimento das exportações, o principal fator para a geração e sustentação dos superávits, e a transferência de recursos ao exterior. Isso porque o bom desempenho das primeiras dependeria da renovação tecnológica do parque produtivo nacional, num contexto internacional de aceleração do progresso técnico. Tal performance só poderia ser conseguida pela preservação da taxa de investimento em patamares elevados, com o necessário e correspondente aumento das importações. Ainda na vertente crítica, Moura da Silva (1984) adverte que a política de ajuste imposta pelos credores externos e o FMI ao Brasil teria criado obstáculos ao crescimento sustentado do país. O período do ajustamento recessivo gerou condições para um crescimento de curto prazo, mas comprometeu o crescimento de longo prazo, porque a taxa de acumulação de capital teria que ficar abaixo da taxa de poupança interna para viabilizar a transferência de recursos reais ao exterior. O sentido geral do ajustamento era reduzir o excesso de dispêndio – ou o déficit em transações correntes –, adaptando-o às novas disponibilidades de financiamento, bem mais reduzidas. Dois eram os requisitos básicos para viabilizar tal ajuste: diminuir o déficit público – aumentando a poupança doméstica, em particular a do setor público, o principal devedor – e, ao mesmo tempo, mudar a estrutura de preços relativos para ampliar o coeficiente exportado e diminuir o coeficiente importado, viabilizando a geração de divisas. Entre 1979 e 1984, a mudança de preços relativos teve como ponto central a política cambial. Realizou-se, também, uma política agressiva de recuperação de preços administrados e insumos estratégicos – basicamente produzidos por estatais – e uma redução gradual de subsídios e incentivos fiscais às exportações. O principal objetivo dessa política era utilizar a política cambial ativa como instrumento de competitividade das exportações, em substituição à política de incentivos implícitos e explícitos que havia caracterizado a segunda metade dos anos 70. 142

Desenvolvimento em crise

Opinião distinta quanto à possibilidade de êxito do ajuste externo da economia foi defendida pelo, à época, ministro Delfim Netto (1984). Para o ex-ministro, desde meados de 1979, promoveram-se importantes modificações estruturais na economia brasileira. O principal eixo da mudança, de acordo com a sua análise, foi a transformação da matriz energética, a principal responsável pelo desequilíbrio externo. As demais modificações estiveram subordinadas a esse eixo estratégico, destacando-se a contenção do déficit público e o redirecionamento do setor produtivo para o mercado internacional, objetivando tornar as exportações a nova fonte de dinamismo do crescimento. O desequilíbrio externo foi enfrentado principalmente por meio de uma política cambial ativa, compreendendo as maxidesvalorizações de 1979 e 1983 e as minidesvalorizações sem desconto da inflação externa, ou seja, a indexação plena do câmbio. A política visava a ampliar o coeficiente exportado e a reduzir o coeficiente importado, produzindo um superávit comercial. Isso seria conseguido fundamentalmente pela alteração de preços relativos, ou seja, pela elevação dos preços, em moeda doméstica, dos bens comercializáveis, reduzindo sua absorção interna, e pela conversão de não comercializáveis em comercializáveis, via barateamento de seus preços em moeda estrangeira e, finalmente, pelo encarecimento dos bens importados. Note-se que essa não seria apenas uma política de curto prazo, mas visava a conectar o maior número possível de setores produtivos ao mercado internacional, tornando as exportações uma variável-chave do novo modelo de crescimento econômico. Em nenhum momento essa interpretação faz referência à transferência de recursos reais como fator de limitação absoluta do crescimento do país. Segundo Delfim Netto (1984), havia se realizado um ajustamento estrutural da economia que não colidiria com a restrição externa. O ajuste recessivo teria sido 143

Ricardo Carneiro

necessário para reorientar a economia, cujo crescimento numa segunda etapa dependeria do desempenho das exportações. Os efeitos multiplicadores dessas últimas, por sua vez, dinamizariam o mercado interno. Segundo o então ministro, não haveria incompatibilidade entre a preservação do saldo comercial e o crescimento da demanda doméstica, em especial do investimento. O pressuposto dessa visão era o de que o país conseguiria financiar déficits em transações correntes, desde que reduzidos, e crescer com base no drive exportador, mesmo realizando transferência de recursos reais ao exterior. Em termos mais precisos, era necessário observar o cumprimento de duas condições: o maior crescimento das exportações ante as importações para garantir o saldo comercial e uma taxa de incremento das exportações superior à taxa de juros incidente sobre a dívida externa. Garantia-se, dessa maneira, um déficit em transações correntes declinante e o pagamento de parcela crescente deste. Nessas condições, seria viável retornar ao mercado de crédito internacional e obter financiamento para a parcela não coberta desse déficit. Em contraposição radical às teses anteriores, destaca-se o trabalho desenvolvido por Castro & Souza (1985), no qual se nega a relevância do ajustamento recessivo na transformação e reorientação da economia brasileira, bem como a limitação ao crescimento oriunda da transferência de recursos reais ao exterior. O argumento principal é o de que a rápida superação da crise cambial no início dos anos 80 não se deveu à política de ajustamento – controle dos gastos e mudanças de preços relativos –, mas às mudanças estruturais resultantes da implantação do II PND, boa parte delas produzindo resultados a partir do início dos anos 80. Segundo esses autores, as transformações levadas a cabo durante o II PND haviam permitido ao país não só a geração de um superávit comercial de natureza estrutural, mas a superação do subdesenvolvimento. Assim, a ideia central dessa 144

Desenvolvimento em crise

tese era a de que o processo de substituição de importações, levado a cabo durante o II PND, havia possibilitado à economia operar em níveis de atividade crescentes, sem alterações significativas na capacidade para importar. Mais ainda, admitia-se a possibilidade de geração de superávits após a eliminação da capacidade ociosa, ou seja, na fase de aceleração do ciclo, quando o investimento estivesse crescendo acima do produto. Essa concepção sobre as implicações do ajustamento realizado no período 1974-1979 tem como uma das principais implicações negar a relevância do constrangimento cambial ao crescimento.

Crescimento, ciclo e geração de superávits As evidências empíricas (Tabela 26) permitem caracterizar os anos 80 como um período de estagnação. Após o esgotamento de um longo ciclo de expansão, a economia ficou à deriva sem encontrar um novo padrão de crescimento sustentado. O crescimento do PIB, com significativa redução quando confrontado com a tendência histórica, traduz de forma mais imediata os contornos dessa estagnação. Contudo, no crescimento negativo do investimento, ela adquire o seu significado mais profundo. Há outros aspectos importantes, tais como a redução da propensão média a consumir e os superávits comerciais, estes últimos obtidos de forma sistemática, apesar da deterioração persistente dos termos de intercâmbio com o exterior. O aspecto comum a todas as variáveis econômicas durante a década é sua grande variabilidade ou, mais precisamente, seu elevado grau de instabilidade, cuja expressão maior é a curta duração dos ciclos econômicos caracterizados por breves períodos de expansão e retração. Desse ponto de vista, o exemplo mais ilustrativo é o do investimento, pois apresenta intensa retração em 1981-1983, expansão equivalente em 1984-1986 e nova retração em 1987-1989. Em escala menor, essa volatilidade 145

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é também observada para o consumo e para as variáveis definidoras do saldo comercial. Tabela  26  –  Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas (% a.a.), 1981-1989

Consumo FBCF Exportação Importação

Memo: Saldo

Períodos

PIB

1981-89 1981-83 1984-86 1987-89

-2,2 -2,1 -7,0 -2,1

-1,8 -2,2 -6,4 -1,3

 -1,4 -11,7 11,2  -2,2

 8,5  8,0  5,3 12,3

 -1,3 -12,0  -7,7  -1,5

4,8 2,6 4,9 6,7

Intervalo de Variação (% a.a.)

(-4,0) a 8,3

(-5,7) a 9,7

(-16,3) a 22,2

(-10,6) a 21,3

(-17,4) a 28,6



% do PIB

Fonte: FIBGE. Contas Nacionais.

Evidências empíricas nos permitem associar a instabilidade à incompatibilidade entre a geração de superávits comerciais e o crescimento. Observem-se, a esse propósito, as relações entre o desempenho do investimento e das variáveis definidoras do saldo comercial. No período recessivo, quando o investimento se retrai, ocorre uma redução proporcional das importações e uma aceleração do crescimento das exportações. Na retomada do crescimento interno, quando o investimento volta a crescer, ampliam-se as importações e cai a taxa de crescimento das exportações. O mesmo comportamento é observado, em escala atenuada, nas relações entre consumo e as variáveis definidoras do saldo. Os dados macroeconômicos sugerem, portanto, uma incompatibilidade entre a preservação do superávit comercial e o aumento do investimento, cuja origem advém tanto da ampliação das importações como da insustentabilidade do ritmo ascendente das exportações ante o crescimento sustentado da absorção doméstica. Em menor escala, essa contradição é 146

Desenvolvimento em crise

observada também com relação ao aumento do consumo e leva a concluir pela existência de forte oposição entre geração de superávits comerciais e crescimento da absorção doméstica, pelo menos quando o aumento desta última se faz a taxas históricas.

Instabilidade e declínio do investimento A impossibilidade da conciliação entre transferência de recursos reais ao exterior e o crescimento sustentado tem sua expressão maior no mau desempenho do investimento. Uma das razões essenciais para esse comportamento encontra-se na dissociação entre investimentos privados e públicos, cuja ruptura constitui uma indicação clara do esfacelamento do padrão de crescimento pregresso. São aspectos centrais dessa ruptura: o decréscimo sistemático dos investimentos do setor produtivo estatal, a insustentabilidade do gasto público e o baixo patamar dos investimentos privados (Tabela 27). Tabela  27  –  Evolução do investimento por agente(1), 1981-1989 Total

Setor Produtivo Administração Estatal Pública

Setor Privado

Outros(2)

(% a.a.) (% a.a.) (% do to- (% a.a.) (% do (% a.a.) (% do (% a.a.) (% do tal) total) total) total) 1981-89

 -1,4

 -7,4

17,8

- 0,1

12,5

--0,0

66,9

 -5,6

2,8

1981-83

-11,7

-10,8

22,2

-12,6

10,8

-11,5

64,0

-17,8

3,0

1984-86

-10,5

 -1,0

17,5

-29,4

14,0

-10,2

66,1

-13,0

2,4

1987-89

 -1,6

-10,1

13,5

-16,5

13,4

--2,6

70,6

 -9,6

2,6

Fonte: FIBGE e Sest (1)  Dados deflacionados pelo deflator implícito da Conta de Capital. (2)  Inclui matas plantadas, novas culturas permanentes e animais reprodutores importados.

O investimento público, stricto sensu, concentrado em obras de infra-estrutura, mostra crescimento desprezível nos anos 80. 147

Ricardo Carneiro

É marcado por fortes oscilações cíclicas e pela incapacidade de sustentar patamares elevados em períodos mais longos comparativamente ao investimento privado. O padrão de ajustamento adotado ao longo da década, que sempre privilegiou o corte de investimentos como mecanismo de ajuste fiscal, e, posteriormente, a crise financeira do setor público, ambos decorrentes da transferência de recursos para o exterior, constituem a origem desse comportamento. As oscilações dos investimentos do setor produtivo estatal são menos intensas, pois o movimento de queda do patamar é contínuo, não se recuperando o pico das inversões ocorrido em 1981. Vimos, no capítulo anterior, a dependência das empresas estatais do financiamento externo para a realização dos seus programas de investimento. O esgotamento dessa fonte de recursos e a obrigatoriedade de pagar pelo menos os juros da dívida contraída constituíram as razões principais para a queda permanente dos investimentos nesse setor. Diante desse comportamento do conjunto dos investimentos estatais, possuidores de caráter estratégico por se localizarem nas áreas de infraestrutura e insumos básicos, não se poderia esperar desempenho distinto do investimento privado, marcado pelo declínio e por fortes oscilações cíclicas, refletindo, em última instância, ausência de um horizonte de crescimento sustentado.1 As informações sobre distribuição do investimento também dão suporte à tese da estagnação. Em sua composição, vê-se o peso decrescente das máquinas e equipamentos. Já a par-

1 A ausência de declínio do investimento privado no triênio 1987-1989, em desacordo com a trajetória do investimento estatal, está fortemente condicionada pelo ano de 1989, no qual a crescente explicitação do processo hiperinflacionário motiva o deslocamento da riqueza financeira para ativos reais, aumentando a atividade da construção civil, e até mesmo a importação de bens de capital sem similar nacional.

148

Desenvolvimento em crise

ticipação da construção civil na formação de capital amplia-se, traduzindo apenas desempenho menos medíocre, com taxa de crescimento nula. Assim, o decréscimo absoluto mais elevado e as variações cíclicas mais intensas dos gastos em máquinas e equipamentos testemunham a insustentabilidade do padrão de crescimento (Tabela 28). Tabela  28  –  Variação e composição da FBCF segundo segmento(1), 1981-1989 Total

Construção

(% a.a.) (% a.a.) (% do total)

Máquinas e Equipamentos (% a.a.)

(% do total)

Outros(2) (% a.a.) (% do total)

1981-89

 -1,4

-0,2

67,8

 -4,0

29,6

 -5,6

2,7

1981-83

-11,7

-7,3

67,7

-19,7

29,3

-17,8

3,0

1984-86

-10,5

-8,0

67,5

-16,4

30,2

-13,0

2,3

1987-89

 -1,6

-0,4

68,1

 -5,4

29,3

 -9,6

2,6

Fonte : FIBGE. Contas Nacionais Consolidadas. (1)  Dados deflacionados pelos deflatores implícitos da Conta de Capital. (2)  Inclui matas plantadas, novas culturas permanentes e animais reprodutores importados.

Uma qualificação adicional sobre o caráter do investimento durante a década reforça o ponto anterior. Segundo Suzigan (1988), o crescimento da indústria de bens de capital ocorre fundamentalmente no setor de bens seriados, enquanto o de bens sob encomenda revela baixo dinamismo. Caracteriza-se, dessa forma, o denominado investimento de modernização, cuja marca principal é a introdução de novas máquinas destinadas a elevar a produtividade, sem alterações substantivas na capacidade produtiva. As informações analisadas até aqui atestam a desarticulação do padrão de desenvolvimento vigente por décadas na eco-

149

Ricardo Carneiro

nomia brasileira, no qual o investimento público e o do setor produtivo estatal desempenhavam o papel de indutor do investimento privado. Certamente, o pouco de dinamismo ainda subsistente no investimento deve-se ao investimento privado nos setores vinculados à exportação e à produção de bens de consumo, como veremos adiante. A questão de maior importância relativa ao desempenho do investimento refere-se à incapacidade da orientação exportadora em constituir o elemento da sua dinamização. Ou seja, os mercados adicionais originados da nova inserção exportadora foram insuficientes para assegurar a elevação e sustentação da taxa de investimento. Certamente, o aspecto quantitativo, vale dizer, o pequeno grau de abertura da economia brasileira, desempenha aqui o seu papel. Todavia, mais relevante ainda é o aspecto qualitativo, ou seja, a noção de que o crescimento do mercado interno continuou a ser o elemento dinâmico por excelência na determinação do investimento. Os mercados externos foram e continuaram a ser complementares. Olhada a mesma questão de um ponto de vista microeconômico, ou seja, dos determinantes do investimento, pode-se afirmar que em alguns poucos setores, nos quais o Brasil possuiu vantagens comparativas absolutas, os mercados externos puderam se constituir no incentivo principal ao investimento. Na grande maioria dos segmentos produtivos, foi a perspectiva de expansão do mercado interno que determinou a decisão de investir com a possibilidade de acessar os mercados externos desempenhando papel secundário.

Os ciclos do consumo Quando se examina a trajetória do consumo ao longo dos anos 80, constata-se sua contribuição ao processo de ajustamento externo, viabilizando a transferência de recursos reais 150

Desenvolvimento em crise

para o exterior. Os dados agregados mostram seu crescimento inferior ao do PIB, quando se toma o conjunto dos anos 80, indicando uma redução da propensão média a consumir. No entanto, é também perceptível a sua grande variabilidade, ou seja, a sua intensa aceleração e desaceleração durante o ciclo econômico, superior à variabilidade do produto total (Tabela 26). Os dados sobre o consumo na região metropolitana de São Paulo (Tabela 29), pelo seu nível de desagregação, podem ilustrar melhor o ocorrido nessa década. O crescimento para o total do consumo é nulo e ligeiramente negativo para a maioria das categorias de bens, à exceção de bens não duráveis e autopeças. Ademais, fica também confirmada a intensa variabilidade do consumo associada ao ciclo econômico. Como regra geral, observa-se que quanto maior a durabilidade do bem, maior é a variação do seu consumo ante o ciclo econômico. Isso decorre do grau de essencialidade do bem, das características da demanda – reposição concentrada no tempo para os bens duráveis – e da substituibilidade ante os ativos financeiros. Tabela  29  –  Região metropolitana de São Paulo – Faturamento real do comércio varejista – Variação (%), 1981-1989 Concess. Auto- Material Bens Bens Bens Não Comércio peças e Veículos Constr. Duráveis Semidur. Duráveis Geral Acessór. 1981

(36,1)

(29,8)

(18,5)

(21,5)

(3,9)

0,7)

1982

(3,2)

4,7)

(4,0)

  7,0)

9,9)

15,5)

(15,6) 6,9)

1983

0,1)

4,7)

(6,0)

(13,1)

2,5)

(8,9)

(5,2)

1984

(11,3)

23,9)

(16,2)

(6,9)

(10,3)

9,7)

(4,0)

1985

36,3)

28,5)

4,3)

4,7)

16,1)

21,8)

17,7)

1986

11,2)

31,0)

25,7)

26,7)

9,0)

15,7)

16,8)

1987

(33,4)

(14,2)

(32,5)

(28,1)

(23,1)

(18,7)

(24,5) (3,4)

1988

29,9)

1,8)

(13,6)

(11,8)

8,4)

(17,0)

1989

   5,7)

2,7)

12,1)

(5,1)

(7,4)

16,8)

4,5)

(0,1)

5,9)

(5,4)

(5,3)

0,1)

4,0)

(0,8)

1980-89

Fonte: FCESP.

151

Ricardo Carneiro

Para o período 1981-1986, os dados mostram uma correlação elevada do consumo de bens duráveis com o ciclo econômico e a importância menor deste último no consumo de bens correntes e semiduráveis. A comparação do período recessivo (1981-1983) com a recuperação (1984-1986) permite confirmar que o consumo de não duráveis, ao contrário dos duráveis, não sofre tanta influência da redução do nível de atividades. Já na recuperação, o consumo de todas as categorias é pró-cíclico, embora com diferentes intensidades. Em resumo, a aceleração do crescimento do consumo após o período recessivo deveu-se, na sua maior parte, ao crescimento dos bens duráveis. Interessa assinalar o peso do elevado grau de liquidez da riqueza financeira das famílias de alta renda e dos episódios de sua conversão em consumo para a definição desse comportamento. Certamente esse padrão foi condicionado pela antecipação do consumo durante as fases de congelamento de preços. Exemplo da tendência anterior é a baixa correlação do consumo de bens de maior durabilidade com o ciclo econômico, a partir de meados de 1987. A continuidade do seu crescimento (apesar do declínio da renda) está inicialmente associada ao congelamento de preços do Plano Bresser e, posteriormente, ao início de um processo hiperinflacionário, no qual uma das principais características é a conversão de ativos financeiros em ativos reais. Para as famílias de mais alta renda, isso significa a conversão de poupança financeira em bens de consumo de alto valor unitário. O expressivo crescimento das vendas de automóveis, em 1988, e de materiais de construção, em 1989, é bastante ilustrativo desse fenômeno (Tabela 29). As intensas variações do consumo podem ser atribuídas ao processo de ajustamento para a geração dos superávits comerciais. Este, ao ter como um dos elementos centrais uma política monetária restritiva, acumulou nas mãos das camadas de alta renda uma considerável massa de riqueza financeira, com ele152

Desenvolvimento em crise

vado grau de liquidez. Na recuperação, o crescimento da renda, associado à elevada disponibilidade de riqueza financeira por parte das famílias, induziu a uma propensão maior a consumir, cuja tradução é a conversão de poupança financeira em consumo de bens duráveis. Os períodos de congelamento de preços e a aceleração da inflação ao final da década apenas magnificaram esse movimento.

Dinâmica produtiva, comércio exterior e saldo comercial Outra questão de importância refere-se aos efeitos da nova orientação da economia e da transferência de recursos reais sobre a trajetória da produção, do comércio exterior e do saldo comercial. Há aqui dois assuntos distintos a investigar: de um lado, até que ponto a orientação exportadora decorrente da nova configuração de preços relativos foi suficiente para assegurar o dinamismo da economia, de outro, a origem e sustentabilidade dos saldos comerciais.

Dinâmica produtiva e inserção externa O desempenho medíocre do investimento refletiu-se de forma negativa no comportamento das atividades produtivas, pois estas apresentaram declínio substancial nas taxas de crescimento dos principais segmentos durante a década (Tabela 30). Esses dados constituem também uma indicação adicional da insuficiência dos estímulos oriundos do setor exportador para a sustentação do crescimento da economia brasileira. Além disso, algumas características centrais da década são surpreendentes: a estagnação da produção na indústria de transformação contrasta com a preservação do crescimento na agropecuária. Mais ainda, 153

Ricardo Carneiro

ocorre uma nítida dissociação entre o comportamento cíclico desses dois setores, bastante visível quando se comparam as suas taxas de crescimento. Tabela  30  –  PIB setorial: taxas de crescimento (% a.a.), 1981-1989 Agropecuária Total 1981-89 1981-83 1984-86 1987-89

-2,5 -1,6 -7,4 -2,0

Indústria

Total Vegetal Animal Total 3,1 2,4 1,5 5,5

3,4 1,4 3,3 5,4

2,4 3,9 -1,7 5,3

-1,1 -5,4 -9,0 -0,2

Extrat. Serv. Ind. Transf. Constr. Mineral Util. Pub. 7,2 6,4 14,5 1,2

-0,8 -5,7 -8,5 -0,1

 -0,1  -7,8 -10,3  -1,2

6,7 5,8 10,2 4,1

Fonte : FIBGE. Contas Nacionais Consolidadas.

No setor agropecuário, as lavouras registram crescimento superior ao da pecuária e mantêm uma vinculação tênue com o ciclo industrial. A pecuária, pelo contrário, mostra caráter anticí­ clico, resultante, segundo Rezende (1989), da natureza dessa atividade. No período recessivo (1981-1983), combinam-se a queda da demanda, para deprimir os preços, e a elevação da taxa de juros para encarecer o custo de carregamento do rebanho, promovendo ambas um aumento dos abates. No período de recuperação (1984-1986) ocorre o oposto, ou seja: apesar do crescimento da demanda e dos preços, a redução dos juros aumenta a retenção de estoque e faz cair a produção. Já no período 1987-1989, a estagnação da produção, a despeito do aumento na taxa de juros, explica-se pela preferência por ativos reais desencadeada pela ameaça de hiperinflação. Como já observado, o setor de lavouras mostra significativa autonomização em relação ao ciclo industrial. A sua performance da segunda metade dos anos 70 é preservada ao longo dos anos 80, período no qual sua taxa de crescimento é cerca de quatro

154

Desenvolvimento em crise

vezes superior à da indústria de transformação. Como mostra Rezende (1989), esse desempenho não encontra explicação principal na dinâmica dos produtos exportáveis, pois estes, ao contrário dos anos 70, crescem a uma taxa inferior à dos não exportáveis. De fato, conforme Fonseca (1990), o desempenho exportador da agricultura nos anos 80 é inferior ao dos anos 70, apesar de o crescimento do valor exportado dever-se primordial­ mente aos aumentos de quantidades.2 De qualquer modo, o mercado externo representou uma fonte de crescimento estável para a produção agrícola, especialmente para certos segmentos. Os dados da Tabela 31 dão suporte às afirmações anteriores. Embora todos os segmentos do setor primário continuem gerando saldos expressivos, o dinamismo das exportações só está presente em dois deles, na agropecuária e no beneficiamento de produtos vegetais. Em ambos, o superávit comercial amplia-se significativamente. Nos outros dois setores, incluindo o de maior relevância na geração do saldo – óleos vegetais –, nem as exportações nem os saldos se alteraram significativamente.3 Afora a importância dos mercados externos como fator de autonomização da agricultura do ciclo doméstico, Rezende (1989) aponta dois outros aspectos relevantes: o caráter prócíclico dos preços de fatores de produção importantes (terra e mão de obra), e a exogeneidade de custos de produção relevantes, determinados pelo preço do petróleo. Isso permitiu

2 A estabilidade tanto em preços quanto em volume do comércio internacional, embora com preços deprimidos e crescimento moderado, confrontada com a ampliação das quantidades exportadas pelo país, é um importante indicador da competitividade dessas exportações. 3 Outro aspecto a destacar é a presença de fatores cíclicos na determinação do saldo, tais como a recuperação da absorção doméstica, observável na maioria dos setores à exceção de beneficiamento de produtos vegetais.

155

156

3,9

3,7

3,1

3,9

1985 1.178,5 384,5

1986 1.217,9 420,2

1987 1.149,8 435,6

1988 1.398,4 363,7

1.772,5 320,2

1.622,3 372,0

1.460,4 530,1

1.684,2 674,7

1.649,0 780,7

1.530,9 830,7

1.234,1 881,5

6,0

5,3

3,0

2,5

2,1

1,9

1,4

1,2

(M) (X/M)

1.131,5 936,3

(X)

Benef. Produtos Vegetais

Fonte: Ipeadata, apud MDIC (1998).

3,3

4,9

1983     983,5 361,9

2,4

1982     965,6 486,4

1984 1.229,9 252,6

1,6

(M) (X/M)

1981     986,1 623,9

(X)

Agropecuária

2.402,8

2.022,3

1.863,8

2.019,7

2.328,2

2.388,8

2.611,3

2.520,1

(X)

53,7

57,4

67,6

88,0

71,5

55,3

30,7

38,0

47,3

41,5

32,8

23,0

38,9

54,7

90,4

80,8

381,5

366,7

346,4

328,5

316,5

301,7

360,7

379,1

235,6

193,4

169,6

133,8

 98,2

112,3

136,5

157,7

(M)

1,8

1,9

2,3

2,8

3,2

2,8

2,6

2,4

(X/M)

Outros Alimentos

(M) (X/M) (X)

Óleos Vegetais

2.241,4 460,3

1.976,4 384,2

1.861,0 325,0

1.872,3 273,1

1.847,0 224,1

1.907,3 187,2

1.967,8 185,4

 4,9

 5,2

 5,8

 7,1

 8,4

10,3

10,7

 9,7

(M) (X/M)

1981,4 216,7

(X)

Extrativa Mineral

Tabela  31  –  Comércio exterior do setor primário (médias móveis trienais, em US$ mi), 1981-1988

Desenvolvimento em crise

que a agricultura, ao contrário do setor industrial, se ajustasse à crise via preços e não via quantidades. Mesmo com queda de preços, o barateamento da mão de obra e da terra, por causa da estagnação da economia, e dos insumos, em razão da queda do preço do petróleo, permitiu ampliar a produção sem comprimir a rentabilidade. O outro fator relevante foi a estabilidade dos mercados para os produtos não exportáveis, decorrente da substituição da política de crédito subsidiado pela política de preços mínimos. Esta última constituiu importante instrumento de sustentação e estabilização da renda agrícola. Conforme Buainain (1988), sob a influência dos fatores mencionados, a agricultura não só manteve a tendência de crescimento da década anterior, como apresentou ganhos expressivos de produtividade nas lavouras mais importantes. Em contraposição à agropecuária, a indústria revelou um crescimento medíocre durante a década. Apenas a indústria extrativa mineral – em razão da produção de petróleo e exportação de minérios – manteve a mesma tendência de crescimento da década anterior. Destacam-se ainda os serviços industriais de utilidade pública, cujo crescimento esteve determinado pela ocupação de capacidade de produção oriunda das grandes inversões públicas realizadas até o início da década, sobretudo em energia elétrica. Os segmentos mais importantes, contudo, permaneceram praticamente estagnados (Tabela 30). Na construção civil, esse desempenho esteve associado à redução dos gastos do governo em infraestrutura e à crise do SFH. A indústria de transformação certamente não encontrou no drive exportador um elemento de dinamismo capaz de substituir o investimento autônomo, chegando a 1989 com produção apenas 8,5% superior à de 1980. De acordo com o Ipea/Iplan (1989), a maior inserção da indústria brasileira no mercado internacional ao longo dos anos 157

Ricardo Carneiro

80 foi resultado de uma dupla determinação: da competitividade real de alguns segmentos produtivos, mas também da estratégia, adotada por determinados segmentos, para escapar do elevado grau de ociosidade resultante do sobredimensionamento de projetos do II PND e da recessão do início da década. Portanto, essa inserção nem sempre foi realizada em bases competitivas, tendo como suporte incentivos e subsídios, deterioração da relação câmbio/salários, defasagem de preços e de tarifas públicos e possibilidade de subfaturamento das exportações. A ampliação da inserção externa foi realizada, ademais, de maneira muito desigual. Os dados do coeficiente exportado anual, medido pelo quociente exportação/vendas (Tabela 32), mostram uma abertura bastante diferenciada segundo os gêneros industriais. Pode-se constatar também que quanto maior o coeficiente exportado total anual, maior a dispersão nos coeficientes exportados dos ramos produtivos, o que significa que o grau de integração aos mercados externos é extremamente desigual e que seu impacto sobre os vários setores industriais é significativamente diferenciado. Dos setores com coeficiente exportado significativo durante o período – acima de 10% –, apenas uma parcela muito restrita obteve esta marca ao longo da própria década. No primeiro caso estão a metalúrgica e, em menor escala, celulose, papel e papelão, ambos produtores de bens intermediários e representantes significativos dos setores nos quais ocorreram elevados investimentos durante o II PND. A maioria dos demais gêneros com alto grau de abertura já era de tradicionais exportadores, como têxtil, calçados, produtos alimentares, madeira e couros e peles. Nesses segmentos, a variação do coeficiente exportado foi menos significativa e resultou do menor crescimento doméstico e da melhor relação de preços.

158

Desenvolvimento em crise

Tabela  32  –  Coeficiente exportado da indústria (médias móveis trienais), 1981-1988 1984 1981 1982 1983 Indústria Geral Prod. Min. Não Metálicos Metalúrgica Mecânica Mat. Elétrico e de Comunicações Material de Transporte Madeira Mobiliário Celulose, Papel e Papelão Borracha Couros e Peles Química Prod. Farmac. e Veterinários Perf., Sabão, Det., Glic., Velas Prod. de Matérias Plásticas Indústria Têxtil Vest. Calçados e Art. Tecido Prod. Alimentares Bebidas Fumo Editorial e Gráfica Diversas

1987 1985 1986

1988

9,2 10,5 12,3 14,1 13,8 12,6 12,5 13,6 2,7 2,4 2,7 3,3 4,0 4,1 4,9 5,5 8,5 12,7 17,4 21,4 21,3 20,1 20,9 23,4 10,6 10,8 10,6 11,4 10,7 10,2 11,4 13,8 5,6 5,6 6,2 6,7 6,3 5,4 5,1 5,4 19,1 21,0 21,5 23,2 22,1 22,2 22,2 22,8 18,9 21,5 25,1 27,3 23,7 19,6 20,4 23,1 2,0 1,9 2,7 3,5 4,5 4,1 4,0 3,6 17,6 19,6 23,5 25,5 24,9 23,1 23,7 24,6 5,1 5,5 8,3 11,6 12,5 10,9 11,2 13,5 23,7 23,0 21,6 20,8 16,4 16,7 20,2 26,2 5,4 7,1 9,2 11,0 10,9 8,3 6,7 6,9 2,8 2,4 1,9 2,4 2,9 3,1 4,4 6,0 1,8 1,4 0,6 0,4 0,5 0,4 0,4 0,4 1,7 1,7 1,7 1,7 1,8 1,7 2,2 2,8 9,9 10,6 12,4 13,4 12,2 10,6 10,7 12,0 14,1 15,2 17,8 21,1 21,4 20,5 18,9 19,2 14,1 13,1 13,9 16,0 15,9 15,8 15,6 17,1 0,8 0,8 1,1 1,3 1,1 0,8 0,7 0,8 10,6 14,3 17,5 16,6 16,7 11,8 9,8 4,8 1,3 1,1 0,8 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 9,3 7,9 6,2 5,3 5,1 5,9 9,0 10,4

Fonte: Fundação Getúlio Vargas. Sondagem Conjuntural.

É ainda digna de nota a consolidação da inserção externa no gênero de material de transporte associada à consolidação de um mercado regional no Cone Sul e, por fim, na mecânica, cujo aumento da exportação certamente se deveu à necessidade de fugir do elevado grau de ociosidade. Atente-se, por fim, para a presença majoritária de gêneros industriais, nos quais a inserção externa, além de pouco significativa, não se alterou de modo expressivo durante a década. As informações analisadas sugerem fortemente que a orientação exportadora – entendida como a busca de mercados adi-

159

Ricardo Carneiro

cionais –, embora com alguma importância, foi claramente insuficiente para atuar como o elemento dinâmico da economia brasileira durante a década, em razão tanto do seu caráter restrito em termos setoriais quanto por sua intensidade. Isso posto, cabe examinar se não existiram também outros fatores de estímulo, decorrentes da modificação de preços relativos, referentes à indução para a substituição de importações. O efeito conjunto da orientação exportadora e da substituição de importações pode ser visualizado pela análise das taxas de comércio (Tabela 33). Desde logo, fica evidente que, para um conjunto de setores produtivos, a inserção exportadora foi um fator relevante na explicação do crescimento. Esses segmentos são representados essencialmente por aquelas indústrias produtoras de bens intermediários (Grupo 2) e, em menor escala, pelo segmento automotivo e de bens de consumo (Grupos 3 e 1). Note-se que, para a indústria produtora de insumos elaborados ou de bens de capital (Grupo 4), a inserção externa pouco se alterou durante a década. Há importantes distinções entre os setores beneficiados pela inserção exportadora. Nos segmentos produtores de bens de consumo corrente (Grupo 1), o aumento das exportações se fez acompanhar por uma também significativa ampliação das importações, atenuando o impacto das primeiras na dinamização desses setores. Já nos setores de bens intermediários (Grupo 2), ocorreu um crescimento das exportações em simultâneo com redução ou substituição de importações, ampliando os efeitos da inserção exportadora sobre a dinâmica do setor. Idêntico padrão ao do Grupo 1 é observado no segmento automotivo, no qual o grande destaque é a exportação de ônibus e caminhões. Do já exposto, fica evidente que a mudança de preços relativos foi insuficiente para promover uma ampla integração da indústria brasileira aos mercados externos. A rigor, o aumento dessa articulação ocorreu, sobretudo, pela ampliação das exportações do segmento de bens intermediários cuja implantação 160

Desenvolvimento em crise

havia sido decidida muito antes, ainda no âmbito do II PND, ao longo da segunda metade dos anos 70. Isso indica claramente a preeminência dos mercados internos e dos mecanismos de crescimento baseados na sua dinâmica em uma economia como a brasileira, caracterizada pela continentalidade e pelo elevado grau de diversificação da estrutura produtiva. Tabela  33  –  Inserção externa do setor industrial (médias trienais em US$ mi), 1981 e 1988 1981

1988

Export. Import. (X-M) (X/M) Export. Import. (X-M) (X/M) Grupo 1 Calçados Têxtil

634,2 749,0

33,4 55,7

600,8 693,4

24,0 1.533,0 13,6 1.054,0

239,8 1.293,2 223,9 830,1

6,9 5,6

Celulose, 544,57 Papel e Gráfica Metais Não 138,6 Ferrosos Minerais Não 140,8 Metálicos Outros Produ274,2 tos Metálicos Refino de 1.247,6 Petróleo e Petroquímica Siderurgia 869,3

218,10

326,5

2,5 1.143,2

303,9

839,3

3,8

641,4

-502,8

0,2 1.374,4

417,7

956,8

3,4

130,5

10,3

1,1

247,5

109,8

137,6

2,3

232,4

41,8

1,2

394,5

148,5

246,0

2,6

1.002,0

245,6

1,3 1.935,0

918,2 1.016,8

2,1

458,4

410,9

2,2 3.335,4

311,4 3.024,0

10,9

940,7

4,2

936,6

289,4

6,3 1.592,8

278,0

994,1

920,1

74,0

1,1

1.981,5 1.188,9

792,7

1,7

224,8

932,2

-707,4

0,2

467,9 1.156,3

-688,4

0,4

469,8

590,3

-120,5

0,8

776,9

997,7

-220,8

0,8

939,0

1.706,4

-767,4

0,6

1.215,8 1.635,7

-419,9

0,7

345,5

769,2

-423,7

0,4

-61,9

0,9

8.512,3

7.694,3

818,0

1,1 17.706,6 8.368,4 9.338,2

2,1

Grupo 2

Grupo 3 Veículos Automotores Peças e Outros Veículos

1.599,1

Grupo 4 Elementos Químicos Equip. Eletrônicos Máquinas e Tratores Material Elétrico TOTAL

Fonte: Ipeadata, apud MDIC (1998).

161

648,4

710,3

Ricardo Carneiro

As observações relativas aos anos 80 confirmam o padrão de inserção exportadora observado em épocas anteriores. A rigor, desde meados dos anos 50, a ampliação do coeficiente exportado na indústria ocorreu como subproduto da diversificação da estrutura produtiva. Ou seja, a diversificação da pauta de exportações decorre do próprio desenvolvimento doméstico guardando relação secundária com os aspectos cíclicos, vale dizer, taxa de câmbio e ritmo de crescimento. Outro aspecto de grande relevância diz respeito à evolução da magnitude do saldo comercial do setor industrial, cujo crescimento ao longo da década foi significativo. Cabe ressaltar aqui dois aspectos: a ampliação do superávit comercial no setor manufatureiro, embora extraordinária, ocorreu durante uma década caracterizada por taxas de crescimento do PIB muito reduzidas quando comparadas à média histórica. O aumento do saldo, por sua vez, resultou da redução ou estabilidade das taxas de comércio (Grupos 1 e 3) e da sua ampliação (Grupo 2). Ou seja, a substituição de importações no setor de bens intermediários permitiu simultâneo aumento das exportações e do superávit comercial, tornando o setor responsável por cerca de 75% da ampliação total deste último. As dificuldades do crescimento fundado na ampliação da inserção exportadora podem ser também detectadas pela análise do ciclo industrial. No período recessivo 1981-1983, o único segmento da indústria a apresentar crescimento positivo foi a extrativa mineral, tanto pela substituição de importação (petróleo) quanto por um maior esforço exportador. A indústria da construção civil apresentou taxas negativas associadas aos cortes dos gastos públicos, o mesmo ocorrendo com a indústria de transformação por conta da contração da absorção doméstica (Tabela 30). Na indústria de transformação, apesar da forte contração da demanda doméstica, a expansão das exportações atuou como fator compensatório para importantes gêneros indus-

162

Desenvolvimento em crise

triais, em especial para os bens intermediários e alguns gêneros de bens de consumo não duráveis, que possuíam inserção tradicional no mercado externo – têxtil, vestuário e calçados, fumo. Como resultado, a produção caiu muito menos nos bens de consumo não duráveis e bens intermediários, e mais nos bens de capital e bens de consumo duráveis, como nos indica a Tabela 34. A partir de 1984, os efeitos derivados do drive exportador tiveram impacto significativo nas indústrias de bens de capital e bens intermediários. Segundo Suzigan (1986, 1987 e 1988), na recuperação da produção, o efeito multiplicador do superávit comercial ocorreu inicialmente pela elevação da massa de salários, dinamizando o setor de bens de consumo não duráveis. A persistência do crescimento e a elevação do salário médio logo recuperaram o setor de bens de consumo duráveis, que passou a liderar o crescimento. Essa aceleração do setor de bens de consumo duráveis, como já referido, foi bastante influenciada por episódios de conversão de ativos financeiros em consumo, que marcaram todo o período de recuperação, acelerando ainda mais o crescimento do setor. Seguiu-se a recuperação do investimento, com a ampliação da produção de bens de capital, transformando esses setores em líderes do crescimento. Após 1987, a indústria retornou ao processo recessivo em face da acentuada redução da absorção doméstica, decorrente da crise cambial e da aceleração inflacionária. O drive exportador voltou a ser o fator de sustentação do crescimento, mas não conseguiu contrabalançar a retração da absorção doméstica. Simetricamente ao período da retomada, os setores que sofreram maior redução da produção foram os de bens de capital e bens de consumo duráveis (Tabela 34).

163

164

17,0)

15,7)

8,2

18,1)

Bens Intermed.

Bens de Consumo

 Duráveis

  Não Duráveis

Fonte: FIBGE.

(6,9)

Bens de Capital

1981-89

  1,1

(24,9)

(3,9)

(11,1)

2,1

8,0

3,1

2,7

 (4,6)

 (0,8)

 (3,9)

 (3,0)

(19,2) (15,2) (19,3)

1981 1982 1983

(1,4)

(17,8)

(4,7)

(11,4)

(53,6)

 9,0 10,8

1,9)

 7,9

8,5

(7,5) 15,1 20,5

0,2)

10,3)  7,2  9,4

14,7) 12,3 22,1

18,3

28,2

20,0

26,8

49,1

1981-83 1984 1985 1986 1984-86

1,5

(5,1)

0,2)

1,1

(1,7)

(4,4)

0,5

(3,5)

(2,3)

(2,0)

4,0

2,5

3,7

2,7

1,4

1,1

(2,1)

0,4

1,5

(2,3)

1987 1988 1989 1987-89

Tabela  34  –  Produção industrial por categoria de uso, 1981-1989 (Variação Total %)

Desenvolvimento em crise

Um aspecto importante para entender a retração rápida da produção de bens de consumo duráveis está não só no decréscimo da massa salarial e do salário médio, mas na rápida aceleração inflacionária e indexação dos títulos financeiros, associadas à elevação das taxas de juros nominais cujo efeito foi a retração do consumo de bens duráveis, em especial os de maior valor unitário. A profunda oscilação na produção desses bens ao longo do período 1987-1989 foi o reflexo dos bruscos deslocamentos de ativos financeiros para consumo de duráveis de alto valor unitário. Em síntese, os dados sobre o desempenho cíclico da produção industrial ao longo dos anos 80 definem a seguinte trajetória: a partir da recuperação da produção corrente desencadeada pelo drive exportador, os setores de bens de consumo duráveis e bens de capital retomaram a liderança do crescimento, num movimento de restauração do ciclo endógeno, ou dos mercados internos como elementos dinâmicos do crescimento. Todavia, como veremos a seguir, esse padrão de crescimento foi incompatível com a manutenção de elevados superávits comerciais, pelo menos ao serem restabelecidas as taxas de crescimento históricas.

A trajetória do saldo comercial Segundo Markwald (1987), existem duas concepções sobre o caráter do superávit comercial nos anos 80. Durante o período recessivo, prevalecia a tese segundo a qual o saldo tinha resultado da redução da absorção doméstica associada à mudança de preços relativos. Isso teria acarretado a redução absoluta das importações, combinada com expressivo crescimento das exportações. A partir da recuperação de 1984, a persistência do saldo comercial ensejou o surgimento da tese do superávit estrutural. Vale dizer, como a recuperação não implicou 165

Ricardo Carneiro

a expansão significativa das importações, concluiu-se que sua redução se deveu a modificações mais permanentes na estrutura produtiva. A ideia central dessa tese era a de que o processo de substituição de importações realizado durante o II PND permitia à economia operar em níveis de atividades crescentes, sem alterações significativas na capacidade para importar. Na formulação de Castro & Souza (1985), admitia-se a possibilidade de geração de superávits após a eliminação da capacidade ociosa, ou seja, na fase de aceleração do ciclo, vale dizer, de ampliação do investimento e até mesmo com a restauração das taxas históricas de crescimento. Essa concepção, fundada no caráter do ajustamento estrutural realizado no período 1974-1979, tem como uma das principais implicações negar a relevância do constrangimento cambial ao crescimento ao longo dos anos 80. Contestando a interpretação tradicional sobre a origem do superávit comercial, que teria sido fruto do controle dos gastos e das mudanças de preços relativos, os autores argumentam que as exportações cresceram mais do que o esperado e as importações se reduziram menos do que o previsto. Quanto às importações, afirmam que, no início do processo de ajustamento externo, não só o coeficiente importado era muito baixo, como a quase totalidade da pauta era constituída por importações essenciais. A redução adicional das importações no período 1981-1983 abrangeu os produtos que foram objeto dos programas do II PND e cujos projetos entraram em funcionamento exatamente nesse período – metais não ferrosos, produtos químicos, papel e celulose, fertilizantes e produtos siderúrgicos. Ou seja, a redução das importações decorreu da redução do coeficiente importado por unidade de produto, concentrada na indústria de bens intermediários. O argumento é parcialmente correto. Contudo, insiste em não considerar que tanto o aumento total das exportações 166

Desenvolvimento em crise

quanto a redução global das importações tiveram um importante componente cíclico, ou seja, foram em parte determinados pela recessão da economia doméstica. Seria mais correto dizer, como aliás sugerem os autores em algumas oportunidades, que, com uma mesma capacidade para importar, a economia pode operar em um nível de atividade mais elevado. Os dados da Tabela 35 não deixam dúvidas sobre a importância do ciclo no saldo comercial no setor industrial. A maior absorção doméstica provocou variações de cerca de 50% na magnitude deste último. Dos três grupos com maior expressão na geração do superávit, aquele de maior sensibilidade foi exatamente o responsável pela maior parcela do saldo, o segmento produtor de bens intermediários. É também relevante a variação cíclica do saldo nos setores deficitários confirmando a sensibilidade deste último ao comportamento da absorção doméstica. Tabela 35 – Evolução do saldo comercial do setor industrial (em US$ mi), 1980-1989 Setor Industrial Total 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

-2.376,1 1.663,0 1.627,8 5.192,4 8.794,2 7.858,1 4.555,1 6.752,2 12.427,4 11.292,5

Grupo 1

Grupo 2

Grupo 3

Grupo 4

1.221,9 1.440,1 1.220,5 1.715,1 2.102,0 1.819,9 1.559,2 2.051,3 2.324,5 1.994,0

-1.526,5 637,6 946,4 3.406,5 5.708,8 5.038,5 3.498,4 4.246,7 8.833,1 8.039,0

571,3 1.297,5 1.162,9 941,2 1.088,4 1.382,7 821,9 1.852,0 2.578,2 2.726,3

-2.642,8 -1.712,2 -1.702,0 -870,4 -105,0 -383,0 -1.324,4 -1.397,8 -1.308,4 -1.466,8

Fonte: Ipeadata, apud MDIC (1998). Grupo 1: Bens de consumo correntes; Grupo 2: Bens intermediários; Grupo 3: Bens de consumo duráveis; Grupo 4: Bens de capital e insumos elaborados.

A análise da balança comercial (Gráfico 8) mostra três principais períodos durante a década: o quadriênio 1981-1984, no qual o aumento do superávit foi resultado tanto do crescimento 167

Ricardo Carneiro

das exportações quanto da diminuição das importações, com maior peso para as últimas; o biênio 1985-1986, no qual, a partir do início de 1985, o saldo estabilizou-se para decrescer rapidamente em 1986. Como as importações se mantiveram praticamente no mesmo patamar, acusando pequeno incremento, as variações do superávit foram predominantemente determinadas pelas oscilações das exportações. Por fim, no triênio 1987-1989, a recuperação do saldo ocorreu primordialmente em razão do crescimento das exportações, apesar do novo incremento no patamar das importações.4

GRÁFICO  8  –  Saldo da balança comercial (US$ bilhões em 12 meses). Fonte: Boletim do Banco Central apud FUNCEX.

4 Uma exceção relevante diz respeito ao ano de 1989, pois, estando as exportações estabilizadas, o superávit diminuiu em razão do aumento das importações. Esse ano foi, contudo, bastante peculiar: encontrando-se a economia no limiar da hiperinflação, houve expressiva conversão de ativos financeiros em ativos reais – inclusive estoques de matérias-primas e bens instrumentais sem similar nacional –, elevando o nível das importações.

168

Desenvolvimento em crise

Um exame mais acurado do superávit indica a existência de subperíodos que merecem avaliação precisa na sua associação com o ciclo econômico. Do início de 1981 até o começo de 1983, inverteu-se o sinal da balança comercial num contexto de recessão doméstica. A redução das importações foi primordial nessa mudança de sinal, pois houve importante oscilação nas exportações, em boa medida resultante da recessão mundial do início da década. No subperíodo seguinte – entre início de 1983 e final de 1984 –, o superávit foi crescente, coincidindo com a continuidade da recessão em 1983 e o início da recuperação em 1984. Tanto a redução das importações quanto a ampliação das exportações contribuíram para o aumento do saldo. Note-se, contudo, que a redução persistente das importações foi o aspecto comum entre os dois subperíodos. Já o aumento das exportações está associado à recuperação do crescimento internacional, sobretudo dos Estados Unidos, após 1984. No período seguinte, identificam-se várias fases distintas: do início de 1985 até meados de 1986, o valor do superávit era estável e, apesar da recuperação doméstica, tanto as exportações quanto as importações mantiveram o patamar, o que só foi possível em razão do elevado grau de ociosidade pós-recessão. O decréscimo do saldo observado entre meados de 1986 e 1987, num contexto de aceleração cíclica, resultou na sua maior parte da redução das exportações. Quando ocorreu a involução da absorção doméstica, a partir de meados de 1987, foi o crescimento das exportações que explicou a recuperação do superávit. Conclui-se, portanto, que, a partir de meados da década, as oscilações do superávit comercial, em razão das flutuações da absorção doméstica, foram predominantemente determinadas pelas variações das exportações. A proposição de que a influência cíclica sobre o superávit ocorreu primordialmente por meio das exportações pode ser mais bem verificada por meio de uma análise desagregada. As quan169

Ricardo Carneiro

tidades exportadas são o principal determinante do aumento do valor das exportações, compensando a evolução desfavorável dos preços entre 1980 e 1985. Estes últimos se recuperaram parcialmente em 1986 e tiveram um crescimento lento até 1989 (Tabela 36). A variação do quantum exportado guarda uma relação inversa com a absorção doméstica – o que pode ser visto com nitidez nos anos de recessão intensa, como 1981 e 1983, ou de grande crescimento, como 1986. Assim, o efeito cíclico é de importância central na determinação do valor das exportações, como em 1986, quando a queda do valor exportado só não é maior por causa da substantiva melhoria de preços. Este, permanecendo após esse ano, contribui com a queda da absorção doméstica para a rápida recuperação do valor das exportações e do superávit. Tabela  36  –  Comércio exterior: índices de preço (P), quantidade (Q) e valor (V), 1980-1989 (1980 = 100)

Exportações 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Importações

P

Q

V

P

Q

V

100,0  94,4  88,8  83,2  85,0  80,4  86,0  86,0  94,4  96,3

100,0 120,4 109,9 125,7 153,9 163,2 134,2 155,9 183,6 178,9

100,0 113,6  97,5 104,5 130,9 131,1 115,4 134,1 173,3 172,3

100,0 111,0 107,3 101,8  96,3  90,9  72,0  78,7  86,0  92,1

100,0  86,1  79,1  66,1  63,5  62,6  82,6  80,9  71,3  83,5

100,0  95,5  84,9  67,3  61,2  56,9  59,4  63,6  61,3  76,9

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório anual (1989).

Nas importações, apesar da importância da absorção doméstica, outros elementos afetaram o valor importado. A

170

Desenvolvimento em crise

redução mais significativa deste último ocorreu no período recessivo (1981-1983), em razão da diminuição acentuada das quantidades, pois os preços permaneceram em patamares elevados. A continuidade do declínio do valor importado durante os primeiros anos da recuperação deveu-se à queda nos preços, já que as quantidades se estabilizaram. No biênio correspondente ao auge da absorção doméstica (1986-1987), a queda dos preços compensou a elevação das quantidades importadas. Em resumo, embora o quantum importado guarde estreita relação com o ciclo doméstico, seu impacto no valor importado foi significativamente alterado pelo movimento dos preços, indicando importante diferença em relação ao comportamento das exportações. As questões anteriores adquirem ainda maior nitidez quando se analisam as importações e exportações segundo os principais grupos. O efeito cíclico menos pronunciado no caso das importações, notadamente na fase de recuperação, deveu-se a um item primordial: os combustíveis minerais (petróleo). Estes, além de uma redução da elasticidade renda da demanda, que atenuou o crescimento do quantum importado, tiveram importante redução de preço, cuja intensidade contribuiu para reduzir o valor importado até 1986. Como esse é o principal item da pauta de importações, entende-se por que essas tiveram sensibilidade menos pronunciada ao ciclo doméstico. A rigor, o declínio do preço do petróleo explica por que o crescimento da demanda doméstica não se traduziu em crescimento expressivo das importações totais. Note-se, por exemplo, que nos outros grupos, em especial nos bens de capital, o efeito cíclico foi bastante intenso e não foi amenizado por uma evolução favorável dos preços (Tabela 37). A avaliação das exportações por grupos principais (Tabela 38) demonstra uma evolução determinada pelas exportações de manufaturados. A primeira razão para tal está no peso crescente

171

Ricardo Carneiro

desses bens na pauta.5 Por sua vez, é expressiva a correlação entre o ciclo doméstico e o valor das exportações de manufaturados, em especial com o quantum exportado. Este último, após crescer sistematicamente entre 1981 e 1984, declinou em 1985/1986, recuperando-se a partir de 1987. Após esse ano, a franca recuperação dos preços auxiliou na rápida ampliação do valor exportado.6 Tabela  37  –  Índices de preço (P), quantidade (Q) e valor (V) das importações, por grupos, 1980-1989 (1980 = 100)

Combustíveis Minerais 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Matérias-Primas

Bens de Consumo

Bens de Capital

(Q) (P) (V) (Q) (P) (V) (Q) (P) (V) (Q) (P)

(V)

100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 95 117 111 75 108 81 68 111 75 93 92 111 103 66 100 66 67 114 76 63 87 97 84 50 100 50 61 98 60 55 81 89 72 62 86 53 66 80 53 68 72 84 61 58 90 52 66 91 60 74 80 43 35 91 81 74 214 65 138 91 88 53 46 81 89 72 130 77 101 74 92 38 35 52 137 72 73 125 91 62 87 50 43 60 159 95 163 119 194 63

100 92 75 57 49 57 79 90 96 104

100 99 118 105 72 76 87 122 154 164

Fonte: Cacex.

5 Dados da Cacex mostram que a participação dos manufaturados já era elevada em 1980 (45%), alcançando novo patamar no período recessivo, chegando em 1984 a 56% e oscilando em torno desse valor na segunda metade da década. 6 A recuperação de preços está associada à superação da especulação cambial – subfaturamento das exportações – ocorrida em 1986, decorrente do congelamento da taxa de câmbio oficial e da elevação das cotações do dólar no mercado paralelo.

172

Desenvolvimento em crise

Nos demais grupos, essas relações, embora presentes, foram menos intensas. Note-se, por exemplo, que o quantum exportado continuou crescendo ainda em 1985, no segundo ano da recuperação. Mesmo em 1986, a queda nos semimanufaturados foi mais suave e só se apresentou intensa no caso dos básicos, por conta da quebra da safra agrícola.

Tabela  38  –  Índices de preço (P), valor (V) e quantidade (Q) das exportações, 1980-1989 (1980 = 100)

Básicos

Semimanufaturados

Manufaturados

(Q)

(P)

(V)

(Q)

(P)

(V)

(Q)

(P)

(V)

1980

100

100

100

100

100

100

100

100

100

1981

112

94

105

95

95

90

153

86

132

1982

107

91

97

81

76

61

166

68

114

1983

98

101

101

113

67

76

227

55

125

1984

117

88

103

166

73

120

299

56

168

1985

121

83

101

188

63

117

277

56

156

1986

112

77

86

179

59

106

233

59

137

1987

119

79

95

203

67

135

236

70

164

1988

140

79

111

250

83

208

296

72

213

1989

138

82

113

302

82

247

231

89

206

Fonte: Cacex.

O que se pode concluir da análise anterior é que, no período de recuperação, a restrição cambial, em razão da maior absorção doméstica, não se manifestou com mais intensidade na evolução das importações porque o comportamento dos preços foi favorável. Foi nas exportações, em particular na de manufaturados, que se pôde avaliar com precisão a existência de um

173

Ricardo Carneiro

trade-off entre a continuidade do crescimento e a preservação do superávit comercial.7 Tais conclusões não são compartilhadas por Castro & Souza (1988). Os autores reafirmam a sua posição na crença de um superávit estrutural, sustentando que, mesmo quando do desaparecimento da capacidade ociosa, o superávit poderia ser preservado. Para explicar a drástica diminuição do saldo comercial, após dois anos de recuperação, os autores usam como argumento central a velocidade de crescimento da demanda. Consideram que o crescimento da demanda pode exceder dentro de certos limites o crescimento do produto potencial, por causa da utilização da capacidade ociosa. Contudo, quando esse crescimento é muito rápido e intenso, só com a utilização dos estoques ou a redução do saldo pode-se atender ao excesso de demanda. Há dois aspectos básicos na argumentação dos autores, que são verdadeiros: em primeiro lugar, parece inegável que o crescimento da demanda foi de fato muito rápido, notadamente pelo efeito riqueza desencadeado pelo Plano Cruzado. Ademais, como alertam os autores, em uma economia de pequeno grau de abertura ao exterior, esse fenômeno pode de fato implicar a redução substantiva do saldo. O que os autores não analisam em detalhe, contudo, é o nível de utilização da capacidade instalada nos principais setores exportadores. Somente a persistência de capacidade ociosa nesses setores atestaria a veracidade de suas teses, caso contrário, a velocidade de crescimento da demanda apenas teria antecipado um resultado inexorável. 7 Markwald (1987), analisando o período de recuperação (1984-1986), chega às mesmas conclusões, propugnando a existência de severo trade-off entre crescimento da demanda doméstica e saldo comercial. O crescimento das importações, mas principalmente a redução das exportações, seria responsável por essa incompatibilidade.

174

Desenvolvimento em crise

Em outras palavras, a crítica fundamental que se pode fazer a esse exercício é que ele trabalha com o grau médio de utilização da capacidade produtiva, desconsiderando, portanto, a dispersão. Ou seja, desconsidera a possibilidade de inserção exportadora diferenciada e de os setores responsáveis por parcela expressiva das exportações atingirem o teto da capacidade produtiva antes dos demais setores produtivos. Se isso ocorrer, a continuidade do crescimento da absorção doméstica implicará redução do superávit, pela redução das exportações ou pelo aumento das importações. Confrontemos, pois, essas possibilidades com as evidências empíricas. Os dados da Tabela 39, sobre a utilização da capacidade instalada na indústria, reafirmam as conclusões anteriores. A evolução do grau de utilização leva a que, em 1986, sejam atingidos os níveis pré-recessão.8 Da mesma forma que o coeficiente exportado, a dispersão no grau de utilização aumentou nas fases recessivas e diminuiu na recuperação, indicando que o drive exportador afetou desigualmente a produção dos diversos setores. Assim, Suzigan & Kandir (1985), ao analisarem a recuperação da produção industrial a partir do crescimento das exportações em 1984, apontam que no início dessa recuperação e como reflexo do período anterior, a indústria apresenta elevado grau de dispersão nos níveis de utilização da capacidade produtiva, com graus maiores de utilização nos setores produtores de tradeables e menores nos produtores de non-tradeables. Ainda de acordo com os dados da Tabela 39, o setor que apresentou menor redução na utilização da capacidade na fase recessiva foi o de bens intermediários, traduzindo a importância do mercado externo como destino da produção. Por  isso,

8 Dados desagregados da Tabela 39 indicam que o grau médio de utilização da capacidade em outubro de 1986 superou o de julho de 1980.

175

Ricardo Carneiro

Tabela 39 – Utilização da capacidade instalada na indústria Tabela 39 – (em % do total), 1980-1989 Itens/Anos

80

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83

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85

86

87

88

89

Máx. Mín.

Ind. Geral

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73

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77

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56

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76

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56

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86

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75

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70

78

81

80

76

90

68

90 80 80

81 73 72

76 66 72

77 60 68

84 63 68

87 72 76

87 79 81

85 76 81

85 75 75

88 76 74

90 80 81

76 60 68

87

71

64

63

64

68

78

72

76

77

87

63

86 80 91

77 73 87

80 76 88

72 70 85

76 69 88

79 77 88

84 86 90

81 75 90

78 72 88

83 74 89

86 86 91

72 69 85

95 78

82 71

77 77

70 77

77 73

84 74

88 75

89 72

88 76

84 74

95 78

70 71

89 83

81 80

81 78

82 78

81 79

82 78

84 84

88 84

86 82

87 81

89 84

81 78

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88

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73

73

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74

71

73

76

71

85 83 73

83 82 75

81 78 77

79 70 75

78 68 72

77 76 75

84 87 82

79 92 79

81 93 74

86 77 81

86 93 82

77 68 72

84

79

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73

72

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90

81

86

90

72

Setores Bens de Consumo Bens de Capital Mat. de Constr. Outr. Prod. Interm.

Gêneros Prod. Min. N. Metal. Metalúrgica Mecânica Mat. Elét. e Comun. Mat. de Transporte Madeira Mobiliário Cel., Pap. e Papelão Borracha Couros e Peles Química Prod. Farm. e Veter. Perf., Sabão, Deterg. Prod. de Mat. Plast. Indústria Têxtil Vest. Calç. e A. Tec. Prod. Alimentares Bebidas Fumo Editorial e Gráfica Diversos

Fonte: Fundação Getúlio Vargas. Sondagem Conjuntural.

176

Desenvolvimento em crise

durante a fase de recuperação, esse setor alcançou rapidamente o teto da capacidade instalada, chegando a trabalhar seis meses com a capacidade produtiva praticamente esgotada, no último trimestre de 1986 e no primeiro de 1987.9 Nos demais setores, o problema existiu, mas foi mais localizado. Nos gêneros predominantemente produtores de bens intermediários, a utilização da capacidade ficou sistematicamente acima da média nas várias fases do ciclo e, além da sua variação menor, há segmentos em que a plena utilização foi evidente, como no químico, metalúrgico e de papel e papelão. Nos bens de consumo, a pressão menor do ciclo doméstico não excluiu a existência de importantes gêneros exportadores com capacidade virtualmente esgotada no pico da absorção doméstica, como é o caso do setor têxtil. Nos gêneros predominantemente produtores de bens de capital, o problema não mostrou relevância, com graus elevados de ociosidade mesmo no auge do ciclo. A conclusão geral sobre os dados parece óbvia: o esgotamento da capacidade produtiva doméstica em face do crescimento da absorção interna ocorreu na indústria de bens intermediários e em alguns segmentos de bens de consumo, exatamente os que possuíam elevado coeficiente de exportação. O trade-off, portanto, revela-se mais intenso e localizado do que os dados médios levam a crer. A assertiva anterior invalida a argumentação de Castro & Souza (1988) de que o declínio das exportações na recuperação de 1984-1986 se deveu, sobretudo, à velocidade de crescimento da absorção doméstica, o que teria impedido a recuperação progressiva da utilização da capacidade produtiva, desviando

9 Os dados da Tabela 39, por serem dados médios, seja do ponto de vista temporal (ano) ou setorial (gênero), escondem o esgotamento da capacidade em vários subperíodos e subsetores.

177

Ricardo Carneiro

exportações para o mercado interno. Como demonstrado, isso ocorreu porque importantes setores exportadores – em particular o de bens intermediários – esgotaram a capacidade ociosa, tornando impraticável manter o volume exportado sem ampliação da capacidade produtiva.

178

5

O desequilíbrio do setor público

Nos anos 80, explicita-se na sua inteireza o desequilíbrio do setor público por meio da crise do seu padrão de financiamento. O principal marco dessa crise é a restrição do financiamento externo que, após o segundo choque do petróleo, deteriora-se crescentemente, até culminar, em 1982, com a extinção do mercado voluntário de crédito para países em desenvolvimento. Como vimos no Capítulo 3, essa ruptura exige, a partir de 1983, a inversão dos fluxos de recursos ou, mais precisamente, a transferência de recursos reais ao exterior. Esse constrangimento atinge duplamente as finanças públicas, já deterioradas pela política praticada no quinquênio anterior. De um lado, o setor público intensifica sua ação para viabilizar a rápida geração de um superávit comercial para fazer face à transferência de recursos reais, o que implica a ampliação da renúncia fiscal e do volume de subsídios. De outro, por ser 179

Ricardo Carneiro

o principal devedor em moeda estrangeira, arca com o ônus do pagamento de uma carga de juros em elevação. Nesse contexto, segundo Belluzzo (1988), o ano de 1983 é absolutamente crucial, em razão da maxidesvalorização cambial, pois esta desequilibra a capacidade de pagamento do Estado vis-à-vis suas receitas, em razão do crescimento excessivo dos encargos da dívida externa. Tendo como marco central a transferência de recursos reais ao exterior, a deterioração das finanças públicas pode, portanto, ser vista de dupla perspectiva. Em princípio está posta a questão de como o setor público contribui para a geração do superávit comercial, aspecto que, como veremos, não pode ser subestimado, dado seu impacto sobre a deterioração das receitas públicas. A outra dimensão da questão é a de como o setor público, principal devedor em moeda estrangeira, adquire as divisas do setor privado ou, mais particularmente, como financia a aquisição dessas divisas se não produz bens comercializáveis e, portanto, não as produz diretamente. É indiscutível que a questão da transferência de recursos reais para o exterior está no cerne da deterioração das finanças públicas. Como alertam com propriedade Fraga Neto & Lara Resende (1985), é necessário diferenciar entre dois problemas distintos: um global, de balanço de pagamentos, que diz respeito à geração das divisas necessárias para servir a dívida externa; e o outro, orçamentário. Se o orçamento de divisas do setor privado é superavitário e o do setor público, deficitário, torna-se relevante como o setor público adquire, internamente, ao setor privado as divisas geradas. A questão da deterioração do financiamento público, todavia, não pode ser reduzida à questão orçamentária, vale dizer, às formas pelas quais o Estado financia, no plano doméstico, a aquisição de divisas do setor privado exportador. Essa pode ser a dimensão principal de manifestação do problema, mas não exclui a maneira pela qual o setor público auxilia a geração do 180

Desenvolvimento em crise

superávit e, por isso mesmo, deteriora suas condições de financiamento. Dessa perspectiva, examinamos a seguir o comportamento global das finanças públicas, considerando a interação entre as duas dimensões assinaladas.

Esgotamento do financiamento externo e desequilíbrio das finanças públicas (1980-1984) Retomando o cerne da questão, podemos afirmar que nos anos 80, com o esgotamento do financiamento externo, o Estado, que já possuía um importante desequilíbrio em suas contas, fruto da política anticíclica pregressa, defronta-se com constrangimentos ampliados em razão da transferência de recursos ao exterior ou, mais precisamente, do pagamento dos encargos da dívida externa de sua responsabilidade. Para analisar como esse desequilíbrio foi enfrentado, vejamos a seguir os vários aspectos das finanças públicas nos anos 1980-1984. Uma análise global a partir das Contas Nacionais (Tabela 40) mostra que, no período 1980-1984, a carga tributária bruta se sustenta nos anos de recessão no patamar de 24% do PIB, para declinar expressivamente no primeiro ano de recuperação. A aceleração da inflação após a maxidesvalorização do câmbio em 1983 e a retomada do nível de atividades, a partir do crescimento das exportações, reduzem a carga tributária em razão da desvalorização das receitas pelo efeito Tanzi e da renúncia fiscal. É importante assinalar esse ponto, pois mesmo as medidas tributárias destinadas a elevar a carga de impostos diretos, evitando a deterioração à qual estão mais sujeitos os impostos indiretos num regime de alta inflação, não são suficientes tanto para compensar a queda da arrecadação desses últimos quanto daquela advinda das isenções fiscais. 181

Ricardo Carneiro

Tabela 40 – Carga tributária (% do PIB), 1980-1984

Carga Tributária Bruta   Impostos Diretos   Impostos Indiretos Transferências    Juros Dívida Interna    Juros Dívida Externa    Assistência e Previdência   Subsídios Carga Tributária Líquida

1980

1981

1982

1983

1984

24,7 11,2 13,5 12,6 0,8 0,4 7,8 3,7 12,1

24,5 11,7 12,9 12,2 1,1 0,3 8,2 2,7 12,3

25,0 12,6 12,5 13,2 1,2 1,1 8,5 2,5 11,8

24,7 12,1 12,6 13,9 1,5 1,6 8,3 2,6 10,8

21,4 11,2 10,2 12,9 2,0 1,7 7,6 1,6 8,5

Fonte: Bacen/Depec – Indicadores Macroeconômicos do Setor Público. (1989)

A conclusão anterior é secundada pela análise de Teixeira & Biasoto Júnior (1988), segundo a qual, no período 19821984, apesar dos pacotes tributários que visavam a mudar a composição da receita em favor dos impostos diretos – aumento do IRPF e do IRPJ, notadamente sobre a riqueza financeira –, além da criação do Finsocial em 1982, a carga tributária continua a se reduzir. Isso por causa da recessão e da aceleração inflacionária, mas principalmente em razão do drive exportador, que acarretam uma redução drástica nos impostos indiretos. A importância da reorientação do crescimento na deterioração da carga tributária bruta aparece precisamente em 1984, ano no qual ocorre a recuperação. Apesar de a maxidesvalorização em 1983 ter permitido a redução dos incentivos e subsídios às exportações, o maior coeficiente exportado em relação ao PIB aumenta o valor dessas transferências ao setor privado exportador. Os dados da Tabela 41 mostram que os incentivos fiscais, as isenções e os subsídios ao comércio exterior – exclusive creditícios – quase dobram a sua participação entre 1981 e 1984, elevando-se de 1,5% do PIB para 2,7%, com o maior

182

Desenvolvimento em crise

crescimento ocorrendo em 1983 e em 1984, anos nos quais aparecem os megassuperávits comerciais.1 Tabela  41  –  Incentivos e isenções fiscais, subsídios e dispêndio público com crédito subsidiado (% do PIB), 1981-1987 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 I. Subsídios (Contas Nacionais)

2,7

2,6

2,6

1,6

1,5

1,5

1,7

4,3 2,7 1,6 1,5 5,7

4,1 2,8 1,3 1,6 4,7

4,5 3,0 1,5 2,1 7,0

4,8 3,8 1,1 2,7 6,5

4,3 3,6 0,6 2,2 9,6

4,6 3,6 0,7 1,6 3,7

4,9 3,9 0,8 1,6 5,3

1,3 10,4

1,0 9,1

1,1 11,8

0,6 11,5

0,1 14,1

0,2 8,4

0,3 9,0

(1)

II. Incentivos e Isenções Fiscais(2)   A.  Incentivos   B.  Isenções         Comércio Exterior(3) III.  Crédito Subsidiado: Desemb.     Líquido      Comércio Exterior(4) TOTAL (I + II + III)(5)

Fonte: Bontempo (1988b). (1)  Itens principais: trigo; açúcar e álcool; petróleo; preços mínimos. (2)  IRPJ; IRPF; IPI; II; DRAW-BACK; ICM. (3)  Imposto de Importação; IPI; isenção s/ lucros de exportação; créditos prêmio de IPI e ICM; isenção de ICM. (4)  Relativos apenas a produtos manufaturados. (5)  Exclui dupla contagem de subsídios da União relativos a preços mínimos, computados em I e III.

A constatação anterior tem importância na medida em que a reorientação do crescimento ou o drive exportador difere dos outros fatores responsáveis pela queda da carga tributária bruta, como a aceleração da inflação ou a recessão. Isso porque os primeiros podem ser revertidos pela estabilização, indexação de impostos e retomada do crescimento. Já o impacto da reo1 Note-se que os subsídios creditícios, embora sem impacto direto na carga tributária, também crescem continuamente ao longo do período, reforçando o impacto negativo sobre as finanças públicas.

183

Ricardo Carneiro

rientação do crescimento na queda da carga tributária requer uma reforma tributária profunda para ser anulado. Como se pode ver na Tabela 41, o conjunto dos incentivos e das isenções oscila em torno de 4,5% do PIB, com uma parte crescente atribuída ao comércio exterior. No período 19801984, o total da renúncia fiscal representa uma parcela cada vez maior da receita fiscal, alcançando 36% desta em 1984. Ou seja, ao mesmo tempo em que se preservam os incentivos regionais e setoriais, ampliam-se aqueles destinados a viabilizar a geração de um superávit comercial. Nesse sentido, podemos concluir que o ajuste fiscal no período 1981-1984 não conseguiu evitar a queda da carga tributária bruta. Durante o período em questão, a deterioração da carga tributária líquida é superior à queda da carga tributária bruta em apenas 0,5 ponto percentual do PIB. Em termos proporcionais, sua queda é bem expressiva – cerca de 50% –, mas se deve fundamentalmente à redução da carga bruta. Observados os componentes da carga líquida, constata-se que o crescimento da carga de juros com as dívidas externa e interna é compensado pela redução dos subsídios apesar do crescimento dos primeiros em magnitude elevada de cerca de 3% do PIB. A questão da redução dos subsídios merece melhor esclarecimento. Segundo Bontempo (1988b, p.13), as Contas Nacionais deveriam computar como subsídios as “transferências recebidas do governo pelas empresas na forma de receitas adicionais à produção, com base na quantidade e/ou valor das mercadorias produzidas, exportadas e consumidas ou, ainda, na forma de utilização dos fatores de produção”. O que ocorre na prática, no registro dos subsídios nas contas brasileiras, é que são computados basicamente aqueles subsídios concedidos diretamente ao setor privado, com destaque para açúcar, álcool e trigo. Nos bens produzidos ou fornecidos pelo setor público, o único subsídio computado é o referente aos combustíveis. Ao longo do período considerado, os subsídios con184

Desenvolvimento em crise

cedidos a esses produtos de fato se reduziram acentuadamente, como transparece nas Contas Nacionais. Existia, contudo, um amplo conjunto de subsídios, representado pela deterioração de preços e tarifas públicas, não computado como tal, uma vez que as transferências para sustentar esses subsídios são realizadas por outros mecanismos, como transferências de capital e assunção de dívidas por parte do Tesouro. Esse conjunto de “subsídios invisíveis” representou papel crucial no ajustamento do setor privado à crise e na viabilização da geração do superávit comercial. Esse ponto é bem observado por Werneck (1987), para quem a maior parcela do ônus do ajustamento externo recaiu sobre o setor público, em particular sobre as empresas estatais. Dessa maneira, a deterioração dos preços de produtos e insumos de uso generalizado configurou um subsídio de elevada magnitude ao setor privado que não encontra registro nas Contas Nacionais. Os dados da Tabela 42 mostram expressiva defasagem de preços no setor público, com destaque para telecomunicações, aço e energia elétrica. A combinação de defasagem de preços com elevados custos financeiros oriundos do endividamento externo prévio tornou vários desses setores praticamente insolventes, exigindo transferências crescentes do Tesouro, contribuindo dessa forma para deteriorar as finanças públicas. Tabela  42  –  Grupos estatais: defasagem acumulada de preços(1) (em %), 1980-1984 Grupos

1980

Petrobrás Siderbrás Eletrobrás Telebrás CVRD Portobrás

(4,5) (7,0) (19,0) (5,9) (2,6) (23,1)

1981)    

0,5) (15,0) (17,7) (13,9) (8,8) (17,2)

1982

1983

1984

(5,5) (10,1) (19,8) (16,3) (3,3) (2,5)

5,0) (12,0) (26,0) (34,3) (19,0) (9,0)

10,4) (26,8) (28,0) (42,5) (28,3) (17,7)

Fonte: Seplan/Sest (1988). (1) Defasagem medida em relação ao IGP – coluna 2.

185

Ricardo Carneiro

Quando se analisam as despesas do setor público, fica transparente a estratégia do ajuste fiscal tentado durante o período, vale dizer, o papel crucial desempenhado pela sua redução. O corte de gastos, apesar de generalizado, atinge mais que proporcionalmente os investimentos, cuja diminuição no período é de 50%. Os gastos de custeio também sofrem expressiva redução, de 33,4%, destacando-se no final do período o corte dos recursos destinados a pessoal. As despesas correntes só mantêm valor aproximadamente constante em razão da maior rigidez das transferências. De qualquer maneira, é importante ressaltar o caráter não linear dos cortes, que sacrificaram prioritariamente os gastos com investimento (Tabela 43). Tabela 43 – Despesas da União segundo item orçamentário, 1980-1984 Participação (%)

Variação (%)

1980 1981 1982 1983 1984 Despesas Correntes 65,8   Despesas de Custeio 19,1   Transferências Correntes 46,7 Despesas de Capital 34,2  Investimento  7,7   Inversão Financeira  1,1   Transferência de Capital 25,3

62,0 18,5 43,6 38,0 16,0  1,7 20,2

76,2 19,1 57,2 23,8 10,2  4,2  9,4

76,9 16,5 60,3 23,1  7,4  3,2 12,5

79,9 15,0 64,9 20,1 5,6 3,5 11,0

1980-84   8,0) (30,2) 23,6) (47,5) (36,0) 187,3) (61,2)

Fonte: Brasil. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Balanço Geral da União (Vários anos).

A precariedade de tal ajuste estava no fato de a carga tributária continuar se reduzindo, o que o tornaria dificilmente sustentável. Em outras palavras, a inflação e a nova orientação do crescimento somadas ao aumento da carga de juros continua­ vam erodindo a carga tributária bruta e líquida. Dessa forma, a continuidade de redução do déficit público passa a exigir a redução dos gastos públicos para patamar baixíssimo, incluindo a realização de novos cortes, incompatíveis com as necessidades mínimas do crescimento econômico. 186

Desenvolvimento em crise

A inviabilidade desse tipo de ajustamento, prioritariamente centrado no corte de despesas, aparece também no profundo corte dos investimentos das empresas estatais durante o período. Dados da Seplan/Sest (1989) mostram que o investimento das empresas estatais, entre 1981 e 1984, se reduz 40% em termos reais. O caráter estratégico desses investimentos, por causa da concentração dessas empresas nas áreas de bens intermediários e insumos básicos, demonstra a incompatibilidade desse tipo de ajustamento com uma trajetória sustentada de crescimento. A política de ajustamento das contas públicas logra um sucesso relativo, porém episódico, já que reduz substancialmente o déficit público durante o período, mas não o faz de maneira sustentável (Tabela 44). A persistência do déficit público operacional, apesar da obtenção de superávits primários recorrentes centrados na política fiscal contracionista e, sobretudo, nos cortes de investimentos, exige o exame mais acurado de sua trajetória e de seu financiamento. Tabela  44  –  Déficit público por componente (% do PIB), 1981-1984 Discriminação Déficit Operacional Carga de Juros   Dívida Interna   Dívida Externa Déficit Primário

1981

1982

1983

1984

6,2) n.d. n.d. n.d. n.d.

7,3) n.d. n.d. n.d. n.d.

4,2) 6,6) 2,9) 3,7) (2,4)

2,5) 7,1) 3,3) 3,8) (4,6)

Fonte: Bacen/Depec. Indicadores Macroeconômicos do Setor Público (1989).

Os dados da Tabela 44 mostram que a redução do déficit operacional ocorre apesar da expressiva elevação da carga de juros, que chega a alcançar 7,1% do PIB em 1984. Esse aumento na carga de juros tem vários determinantes, além do decréscimo do PIB durante o período. Em relação aos juros da dívida interna, a 187

Ricardo Carneiro

alta foi determinada pela política monetária restritiva e o consequente aumento dos juros domésticos. Quanto aos encargos da dívida externa, combinam-se a elevação da taxa de juros internacional e a maxidesvalorização cambial de 1983, como fatores relevantes do aumento de seu custo. Há outra razão para o aumento dos encargos da dívida externa, que diz respeito à sua estatização crescente, cujos mecanismos serão discutidos adiante. Interessa assinalar que, apesar da elevação da carga de juros, o déficit público é declinante, o que supôs durante o período a realização de superávits primários crescentes. Em 1983 e 1984, os superávits corresponderam a 36,3% e 64,7% do total da carga de juros, representando um ajuste fiscal de grande magnitude. Contudo, como o ajuste se baseou no corte de gastos sem o correspondente aumento das receitas, via reforma tributária de profundidade – ao contrário, as cargas bruta e líquida caíram – ou ampla revisão de incentivos e subsídios, ele possuiu caráter episódico. A forma pela qual o déficit – embora declinante – foi financiado pode ser entendida por meio dos dados sobre a dívida líquida do setor público (Tabela 45). O período 1982-1984 constitui o de maior crescimento do endividamento público durante a década, expandindo-se simultaneamente as dívidas externa e interna como proporção do PIB em cerca de 15 pontos percentuais. Como durante o mesmo período o déficit acumulado foi de 6,7% do PIB, o crescimento da dívida explica-se também por outras razões. Assim, é necessário examinar de forma isolada a evolução de cada dívida diante do PIB, e as razões específicas para o aumento de seus estoques. Tabela  45  –  Dívida líquida do setor público, 1982-1984 Dívida Total 1982 1983 1984

Dívida Interna

Dívida Externa

% do PIB

% do PIB

% do Total

% do PIB

% do Total

35,5

12,8

36,0

22,7

64,0

46,6

17,1

36,7

29,5

63,3

50,3

19,5

38,8

30,8

61,2

Fonte: Banco Central do Brasil (1990). Relatório Anual 1989.

188

Desenvolvimento em crise

Quanto à dívida externa, a maxidesvalorização cambial de 30% amplia de maneira autônoma, ou seja, independentemente do déficit corrente, o seu valor diante do PIB. Outro fator relevante de seu crescimento real no período, apesar da ausência de fluxos de financiamentos líquidos do exterior, foi a assunção pelo setor público de dívida externa de responsabilidade do setor privado por meio dos depósitos de projeto referentes à renegociação da dívida sob a supervisão do FMI. Antes de avaliarmos os mecanismos de endividamento adicional do setor público em moeda estrangeira, vejamos os aspectos macroeconômicos da questão. Há significativa distinção entre o financiamento externo da economia e o financiamento externo do governo. Mesmo na ausência de novos financiamentos externos à economia, o financiamento externo ao governo pode aumentar, pelo crescimento da sua participação no estoque da dívida já existente ou pela redução das reservas internacionais. O primeiro caso ocorre quando o governo recebe moeda doméstica do setor privado para pré-pagar dívida vincenda, responsabilizando-se por parcela maior da dívida já existente, ampliando o endividamento externo bruto do setor público. O segundo, quando vende divisas ao setor privado sem a contrapartida da compra ou utiliza as reservas existentes para pagamento de seus compromissos, aumentando diretamente o endividamento externo líquido. Para Batista Júnior (1989), o processo de transferência de dívida externa do setor privado para o setor público tem maior importância no período 1983-1984. O autor põe em destaque a distinção entre o financiamento bruto em moeda estrangeira para o setor público, dado pela soma da dívida registrada mais a dívida não registrada (linhas comerciais de curto prazo e pagamentos externos atrasados), mais a dívida vincenda depositada no Bacen (DRME e depósitos de projeto), e o financiamento líquido do qual se deduz a acumulação de reservas. 189

Ricardo Carneiro

Como vimos no Capítulo 3, a principal forma de financiamento do setor público, no que diz respeito à assunção de dívida externa do setor privado, foram os denominados depósitos de projeto oriundos da forma específica pela qual se processou a renegociação da dívida externa sob supervisão do FMI. Esses depósitos são extremamente relevantes do ponto de vista do financiamento público no período 1983-1984, inclusive porque dão margem à troca de posições entre o setor público e o privado. Vejamos a questão em detalhe. É fundamental compreender como a dívida externa é reestruturada, tendo como principal característica a intermediação do Banco Central. De um lado, tem-se os denominados depósitos de projeto no Bacen – referentes ao dinheiro novo, à reestruturação das amortizações e às linhas de curto prazo (comercial e interbancária) –, que constituem a oferta de recursos em moeda externa; de outro, os agentes domésticos públicos e privados, potencialmente os demandantes dos recursos, que podem candidatar-se ao refinanciamento ou, alternativamente, pagar a dívida em moeda doméstica. Dessa forma, o Bacen torna-se o único devedor em moeda estrangeira e os demais agentes domésticos passam a ser devedores do contravalor dessa dívida em moeda doméstica ao Bacen. Os mecanismos de reestruturação da dívida do setor público são particulares e têm implicações importantes. O acesso ao refinanciamento das amortizações devidas dava-se por crédito-ponte do Bacen. Contudo, a insuficiência de recursos do setor público para cobrir também os juros da dívida gerou um volume de créditos-ponte superiores aos depósitos de projeto. Parcela do financiamento desses encargos adveio de recursos externos não demandados pelo setor privado. No entanto, esse endividamento externo adicional foi insuficiente para a rolagem da dívida do setor público e, para a cobertura dos créditos--ponte em descoberto, o Bacen foi obrigado a endividar-se com 190

Desenvolvimento em crise

o setor privado, principalmente com a emissão de dívida mobiliária (ver Diagrama a seguir).

Como mostra Cavalcanti (1988), mesmo com transferência de dívida externa do setor privado para o setor público, o lastro de recursos não era capaz de suprir o conjunto da demanda deste último. A demanda, em particular, excedia a oferta de recursos remanescentes, pois as empresas públicas não geravam os recursos necessários para cobrir os juros e precisavam refinanciá-los com o principal. Como o volume de MF-30 (conta ativa) excedia o montante de recursos disponíveis para reempréstimo (passivo externo ou dolarizado), a diferença teria de ser coberta por emissão (passivo monetário) ou por dívida pública mobiliária (passivo não monetário). Temos assim outra dimensão importante do financiamento público nesse período, que consiste na expansão da dívida pública interna em razão do pagamento dos encargos da dívida externa, tema que retomaremos em seguida. Por meio dos mecanismos descritos e de outros menos relevantes, que decorreram da centralização da renegociação da dívida externa no Bacen, tem-se como resultado que a participação da dívida externa do governo federal e do Bacen na dívida externa pública líquida total cresce progressivamente. Entre 1982 e 1984, todo o crescimento de participação da dívida externa pública na dívida externa total, de 61% para 71%, 191

Ricardo Carneiro

ocorre por força da ampliação da participação do Bacen e da União, que passa de 34% para 44%, o que significa que essa estatização adicional da dívida externa constituiu forma de financiamento relevante para o setor público até 1984. A insuficiência do financiamento externo durante o período considerado certamente constituiu um fator de crescimento da dívida pública interna. Como visto, a própria rolagem da dívida externa do setor público origina um crescimento da dívida interna. O aumento desta última, que passa de 12,8% do PIB, em 1982, para 19,5% em 1984 (Tabela 45), não pode, todavia, ser entendido fora do contexto de uma política monetária restritiva, que visava a reduzir a absorção doméstica e a garantir a geração do superávit comercial. A expansão da dívida interna, para além do financiamento do déficit, explica-se pela elevação deliberada das taxas de juros e possui uma face contraditória com o pretendido ajuste das finanças públicas. Já constatamos o elevado volume de subsídios e da renúncia fiscal durante o período. A elevação das taxas de juros, por sua vez, pressiona fortemente para a manutenção dos subsídios creditícios, principalmente ao setor exportador e à agricultura. Os dados de desembolsos líquidos das autoridades monetárias, com créditos direcionados e gastos do Tesouro Nacional com operações favorecidas (Tabela 41), mostram valores elevados no período 1981-1984 – acima de 4,5% do PIB –, crescendo ainda mais no biênio 1983-1984, para uma média de 6,5% do PIB. Diante dos dados analisados, parece evidente que a redução do déficit público obtida no período estava longe de refletir o equacionamento mais duradouro das finanças públicas. Na verdade, a combinação simultânea de corte de gastos ativos (em especial de investimentos) com a manutenção de incentivos e subsídios (associados à política monetária restritiva) e aumento da carga de juros criou uma situação de profundo desequilíbrio no financiamento público. Até 1984, como ainda 192

Desenvolvimento em crise

era possível contar com financiamento externo, a crise das finanças públicas não se explicitou de modo global. É no período seguinte que ela irá se manifestar com toda a intensidade.

A crise das finanças públicas (1985-1989) A crise das finanças públicas, gestada durante o ajustamento promovido com o intuito de permitir a transferência de recursos reais para o exterior, agrava-se de maneira radical durante a Nova República. No que diz respeito à carga tributária bruta (Tabela 46), a queda durante o período é ainda mais drástica, reduzindo-se em 1989 para cerca de 22% do PIB. Convém assinalar a ocorrência de dois períodos distintos, que ajudam a entender os determinantes de deterioração tão expressiva. Tabela  46  –  Carga tributária (% do PIB), 1985-1989

Itens

1985

1986

1987

1988

1989

Carga Tributária Bruta   Impostos Diretos   Impostos Indiretos Transferências   Juros Dív. Int.   Juros Dív. Ext.   Assist. e Prev.  Subsídios Carga Tributária Líquida

22,0 11,7 10,3 12,4 2,3 1,5 7,1 1,5 9,7

25,0 12,4 12,6 11,8 1,2 1,3 7,9 1,5 13,2

23,2 11,5 11,8 11,4 1,0 1,4 7,3 1,7 11,9

21,9 11,0 10,9 11,3 1,6 1,7 7,0 1,1 10,6

21,9 11,2 10,8 12,5 1,4 1,7 7,5 1,9 9,4

Fonte: Bacen/Depec (1989). Indicadores Macroeconômicos do Setor Público.

Em 1985/1986, há a elevação episódica da carga tributária bruta, por conta da retomada do crescimento em um quadro de crescente importância da absorção doméstica. Ou seja, além do efeito cíclico, a carga tributária bruta eleva-se por conta da redução da renúncia fiscal. Note-se que, apesar de os incentivos 193

Ricardo Carneiro

fiscais regionais e setoriais permanecerem intocados durante o período, o total da renúncia fiscal cai como porcentagem do PIB, acompanhando a diminuição da renúncia fiscal relativa ao comércio exterior (Tabela 41). Aos fatores mencionados agregase, em 1986, a súbita queda da taxa de inflação produzida pelo Plano Cruzado, que diminuiu o efeito Tanzi. Entre 1987 e 1989, a carga tributária bruta sofre queda continuada, tanto pela estagnação do crescimento combinada com o drive exportador como pela inusitada aceleração inflacionária. Essa queda poderia ter sido ainda maior caso os impostos indiretos não tivessem sido indexados. Do ponto de vista da preservação da carga tributária, aliás, essa foi a única medida de maior impacto, afora alguns aumentos marginais de alíquotas em bens supérfluos. De qualquer forma, considerando as quedas na arrecadação apesar da indexação dos principais impostos indiretos, que ocorre em 1988, após sucessivas reduções de prazo de recolhimento, fica fortemente sugerido um importante aumento da sonegação fiscal. Contrasta com o comportamento da carga tributária bruta a evolução da carga tributária líquida. Embora com comportamento cíclico idêntico ao da carga tributária bruta, após o crescimento nos anos 1985/1986, a queda menos acentuada que ocorre no período 1987-1989 coloca a carga tributária líquida em patamar superior ao dos anos 1981-1984. O aumento que ocorre nos anos 1985/1986, descontada a ampliação da carga tributária bruta, deve-se à redução da carga de juros, já que os subsídios permaneceram constantes. Quanto aos subsídios registrados pelas Contas Nacionais, a sua manutenção certamente está vinculada à tentativa de preservação do congelamento de preços durante o Plano Cruzado. A queda observada no período 1987-1989, além de refletir a redução da carga tributária bruta, mostra uma inversão comparativamente ao período imediatamente anterior, pois ocorrem a elevação da carga de juros e a redução dos subsídios. Esses 194

Desenvolvimento em crise

dados indicam que, durante o período, algum esforço fiscal foi realizado do ponto de vista da redução dos subsídios diretos. Contudo, como já vimos, grande parcela destes não aparece nas Contas Nacionais, pois se refere à defasagem de preços e de tarifas públicas. Vejamos, portanto, seu comportamento. A defasagem de preços e tarifas públicas, que constitui importante subsídio ao setor privado e um fator crucial de desequilíbrio das finanças públicas, ampliou-se no período 19841989. Inicialmente, nos anos 1985/1986, os dois congelamentos de preços fizeram que a maioria dos preços e tarifas fosse reajustada abaixo da inflação. A defasagem foi particularmente elevada em 1985, em razão do congelamento isolado dos preços públicos, que constituía uma das principais medidas de redução da taxa de inflação da gestão Dornelles. A breve tentativa de recuperação do atraso desses preços, após setembro de 1985, já na gestão Funaro, foi sustada pelo congelamento geral de preços em fevereiro de 1986, ocorrendo nesse ano nova e importante defasagem (Tabela 47). Tabela  47  –  Variação real de preços e serviços públicos(1) (%), 1985-1989 1985 Energia Elétrica

1986 1987

18,85) (10,65) 31,74)

1988

1989

(3,41) (23,34)

Acumulado  (7,83)

Derivados de Petróleo  Gasolina

(27,85)

3,14) (10,56)  2,11) (45,15)

(25,40)

  Óleo Diesel

(32,73) (35,54) 18,57)  4,19) (28,39)

(15,18)

(27,84) (37,45) 23,50) (13,02) (32,98)

(21,08)

(34,57) (36,92) 36,12) (19,50) (14,06)

 GLP Produtos Siderúrgicos  (0,81) (37,93) 10,48)  (6,38) (13,05) Correios e Telégrafos  (4,87)  2,55) 23,33) (14,61)  3,81)

(12,40)

Transporte Ferroviário

 8,30) (22,05)

  Óleo Combustível

Serviços Portuários

16,21) (43,03) 50,71) 13,61) (1,13) 46,11) (43,03) 26,34) (3,67) (52,17)

Fonte: Banco Central do Brasil: Brasil. Programa Econômico. (1) Deflacionados pelo IPCA. 195

 (8,66)  0,47)

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A partir de 1987, principalmente após a gestão Bresser, tenta-se novamente uma recuperação de preços e tarifas públicas, registrando-se no ano a menor defasagem. Contudo, com a aceleração inflacionária, essas tentativas se mostram cada vez mais infrutíferas e os preços e tarifas voltam a apresentar maior deterioração em 1988/1989. Os dados sugerem que, tendo em vista o caráter fundamental dos preços públicos na formação dos demais preços, as tentativas de recuperar as defasagens terminam por ocasionar a aceleração da inflação, inviabilizando a recuperação pretendida. Esse parece ser, sem dúvida, um problema crucial e de difícil solução no equacionamento do financiamento do setor público. A defasagem acumulada de preços e tarifas, que obriga a crescentes transferências do Tesouro Nacional para as empresas, cristalizou uma estrutura de preços relativos, cujas tentativas de mudança acarretam aceleração da inflação. Voltemos a outro importante fator de determinação da carga tributária líquida. Vimos que a carga de juros influenciou de forma significativa a variação da carga tributária líquida no período 1984-1989. A partir do pico atingido em 1984, ela decresceu durante três anos consecutivos, voltou a crescer a partir de 1988 e já em 1989 atingiu proporção do PIB idêntica à de 1984. Nessa trajetória, destaca-se a crescente participação da carga de juros interna vis-à-vis a externa, refletindo parcialmente a substituição de fonte de financiamento do setor público. No período de queda da carga de juros, em 1985-1987, o declínio ocorre para ambas, interna e externa, refletindo o movimento mais geral de retomada do crescimento do PIB. Esse resultado pode ser explicado, no que tange ao movimento estrito das taxas de juros, por um declínio da taxa externa ao longo do período. Pode-se também atribuir a queda da carga de juros interna à redução do patamar dos juros pagos como remuneração dos títulos públicos (Tabela 51). Nos anos de 1988 e 1989, observa-se movimento oposto, com elevação tanto da taxa de juros interna quanto externa, o que parcial196

Desenvolvimento em crise

mente explica a elevação da carga de juros, influenciada também pela estagnação do PIB. Esses dois últimos anos são bastante peculiares, pois a elevação deliberada das taxas de juros tinha como justificativa o alongamento dos prazos da dívida interna. Apesar dessa elevação, os prazos mantiveram-se muito curtos, indicando pouca efetividade da taxa de juros para conseguir tal objetivo. Dito de outra forma, o elevado patamar inflacionário e, portanto, os riscos de perda patrimonial por meio de defasagens no indexador que corrige o estoque da dívida, bem como a desconfiança na capacidade de pagamento do Estado, tornam a política de juros elevados inócua como instrumento de alongamento de prazos, revelando outra face da deterioração do financiamento público.2 Os anos 1985-1989 mostram um déficit medido pelo conceito operacional em média superior ao do período 19811984. Mais ainda, a magnitude crescente desse déficit sugere um descontrole explícito das finanças públicas, o que nos leva a examinar em detalhe a política de gastos públicos realizada no período. O declínio do superávit primário ao longo do período sugere uma política fiscal menos contracionista do que a realizada no período anterior (Tabela 48). De fato, durante todos os anos examinados, o superávit primário cobre parcela cada vez menor da carga de juros. Nos dois últimos anos, quando esta volta a crescer, o superávit primário obtido não evita que esse crescimento se traduza em expressivo aumento do déficit público.

2 Como veremos posteriormente, os movimentos da carga de juros estão fortemente influenciados pela relação entre a inflação e as correções monetária e cambial que atualizam o valor do estoque da dívida. Num período marcado por vários congelamentos de preços e oscilações na taxa de câmbio, dado o elevado estoque da dívida, a relação entre os indexadores das dívidas e a inflação passa a ser central na determinação da carga de juros.

197

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Tabela  48  –  Déficit público por componente (% do PIB), 1985-1989

Déficit Operacional Carga de Juros     Dívida Interna    Dívida Externa Déficit Primário

1985

1986

1987

4,3) 6,9) 3,4) 3,5) (2,6)

3,6) 5,1) 2,2) 2,9) (1,5)

5,5 4,6 2,0 2,6 0,9

1988 4,3) 5,6) 2,8) 2,8 ) (1,3)

1989 6,9 5,9 2,7 3,2 1,0

Fonte: Bacen/Depec (1989) – Indicadores Macroeconômicos do Setor Público.

Como vimos, considerado o crescimento da carga de juros, o ajustamento obtido em 1981-1984, com o superávit primário cobrindo parcela expressiva desta, deveu-se primordialmente ao corte nos gastos, tendo, portanto, poucas chances de sustentação. Trata-se, assim, de esclarecer em que medida a gestão da política fiscal no período 1985-1989 agravou a situação das finanças públicas ou apenas executou uma política inevitável. O exame de dados mais detalhados (Tabela 49) mostra um crescimento diferenciado das categorias de despesa. O aumento de 105% em valores reais das despesas correntes, entre 1984 e 1988, confirma um padrão particular de recuperação de gastos públicos, pela magnitude do crescimento e sua composição. Nesse sentido, merece destaque o crescimento ainda maior das despesas de custeio. Ao final da década, a volta das despesas correntes a uma participação idêntica à observada no início dos anos 80 não significa, contudo, um ajustamento efetivo, mas apenas sua perda de importância diante das despesas de capital. No que se refere às despesas de capital, os dados indicam aparentemente a retomada dos investimentos públicos. De fato, pode-se observar expressiva recuperação dos investimentos, com crescimento de 233% no período. Contudo, em 1988, a participação dos investimentos no total das despesas é idêntica à que se registrou em 1980. O dado mais relevante é o

198

Desenvolvimento em crise

excepcional crescimento das transferências de capital (473%). Sua participação nas despesas é continuamente crescente após 1985 e expressa a importância das transferências de recursos fiscais para a capitalização das empresas estatais, vítimas de crescentes dificuldades, em razão do elevado grau de endividamento associado à crescente defasagem de preços. Tabela  49  –  Despesas da União segundo item orçamentário, 1985-1988 Participação Total Despesas Correntes   Despesas de Custeio   Transferências Correntes Despesas de Capital  Investimento   Inversão Financeira   Transferência de Capital

Variação (%)

1985

1986

1987

1988

1984/1988

100,0 80,5 15,8 64,7 19,5 6,8 4,7 8,0

100,0 66,3 10,8 55,5 33,7 8,1 13,7 11,8

100,0 66,7 15,2 51,5 33,3 10,6 5,3 17,4

100,0 65,1 12,7 52,3 34,9 7,4 2,5 25,0

152,3 105,6 114,7 103,5 337,8 233,8 79,1 473,4

Fonte: Brasil. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Balanço Geral da União (Vários anos).

Dada a restrição financeira sobre o setor público, oriunda do estoque de dívidas, tudo indica que nos anos 80 foram tentados dois padrões de ajustamento inconsistentes. Na primeira metade da década, a obtenção de um superávit primário insustentável, acompanhado da perda de receita e fundado no corte dos investimentos, e, na segunda, a recuperação de gastos ativos, em especial dos gastos correntes, excessivamente liberal não contribuíram para amenizar as dificuldades de financiamento do setor público. Além disso, o Tesouro foi obrigado a arcar com o ônus crescente dos desequilíbrios das empresas estatais, que se torna fator adicional de constrangimento aos gastos públicos. Em contrapartida, o equacionamento da questão dificilmente poderia restringir-se ao âmbito da política fiscal e à

199

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obtenção de um superávit primário equivalente à carga de juros. Esta, em torno de 5% do PIB, e o elevado espectro de isenções fiscais e de subsídios, necessários inclusive à geração de superávits comerciais, não admitem soluções convencionais para o equacionamento do problema. A persistência de elevado déficit público no período 19851989 leva-nos a indagar das condições de seu financiamento. O primeiro aspecto que chama a atenção é que, apesar dos déficits elevados observados no período, a participação da dívida líquida do setor público no PIB estabilizou-se em torno de 50%. Ao confrontarmos essa informação com o fato de que o déficit operacional se eleva no período, chegamos à conclusão de que o estoque da dívida foi, de alguma maneira, desvalorizado. Observando a questão de outro ponto de vista, podemos constatar que as necessidades de financiamento do setor público, como porcentagem do PIB, não se traduziram em aumento correspondente da dívida líquida do setor público medida de igual forma. Como os estoques de dívida estão indexados pelas correções monetária e cambial, uma explicação importante para tal fato está na defasagem das correções que atualizam o estoque das dívidas ante a inflação que corrige o PIB. Os indexadores das dívidas deveriam ser – com exceções, como veremos a seguir – idênticos à taxa de inflação. A correção se faz, contudo, de forma defasada no tempo, o que em períodos de aceleração inflacionária impõe um diferencial entre a inflação e os indexadores.3 Nos vários momentos de congelamento de preços ocorridos na segunda metade da década, essa defasagem materializou-se.

3 Segundo cálculos de Batista Júnior (1989, p.31-2), as defasagens das correções monetária e cambial médias em relação ao deflator implícito do PIB no período 1985-1988 foram, respectivamente, de 27% e 28%.

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Desenvolvimento em crise

Essa defasagem, que na prática representa a desvalorização do estoque da dívida, não pode ser, todavia, atribuída tão somente às imperfeições da indexação em um contexto de aceleração inflacionária. Vejamos, portanto, as dívidas externa e interna separadamente (Tabela 50). No caso da dívida externa, parte da redução de sua importância após 1985 pode ser atribuí­ da à apreciação cambial resultante da intermitente aceleração inflacionária. Mas é preciso, nesse sentido, distinguir dois movimentos: entre 1985-1987, apesar do crescimento do PIB, a participação da dívida externa é ligeiramente crescente não só pelo menor atraso cambial como pela suspensão dos pagamentos em 1987, que implica endividamento adicional; já em 1988/1989, num contexto de estagnação do PIB, além da apreciação cambial mais intensa, ocorre uma significativa amortização da dívida, como já indicado no Capítulo 3. A dívida interna, após atingir um pico em 1985, sofre significativa redução em 1986, em razão da monetização da economia durante o Plano Cruzado. A partir de então, o seu crescimento é inexpressivo quando comparado ao déficit público. Certamente, a razão fundamental para isso foram os dois congelamentos de preços ocorridos no Plano Bresser e no Plano Verão. A construção de novos vetores de preços para servirem de base ao cálculo do índice de inflação resultou num expurgo da variação real dos preços nos indexadores, desvalorizando a dívida. Em 1989, a dívida interna volta a crescer, apesar da aceleração inflacionária e do Plano Verão. Esse crescimento esteve longe de traduzir a magnitude do déficit financiado nesse ano. Todavia, resultou de uma política monetária ativa, que levou as taxas de juros a patamares inusitados, eliminando parcialmente o deságio devido ao expurgo dos indexadores obtidos no Plano Verão.

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Tabela  50  –  Dívida líquida do setor público, 1985-1989 Dívida Total

1985 1986 1987 1988 1989

Dívida Interna

Dívida Externa

% do PIB

% do PIB

% do Total

% do PIB

% do Total

50,3 49,0 51,7 51,6 50,5

21,1 18,6 19,3 19,8 22,2

41,9 38,0 37,4 38,5 43,9

29,2 30,4 32,4 31,7 28,4

58,1 62,0 62,6 61,5 56,1

Fonte: Banco Central do Brasil (1990). Relatório Anual 1989.

A relativa estabilidade da dívida líquida do setor público, como porcentagem do PIB, indica que a questão central a ser analisada é a composição da dívida interna ou, mais precisamente, o mix de financiamento utilizado para financiar déficits crescentes num contexto de aceleração inflacionária. A pouca expressão da base monetária como proporção do PIB descarta de imediato os ganhos de seignorage como instrumento de financiamento dos déficits. O principal deles foi, sem dúvida, a dívida mobiliária da União, cuja participação passa de 5,4% do PIB, em 1981, para 13,9% em 1989 (Tabela 51). Tabela  51  –  Taxa real de juros e dívida mobiliária (em %), 1981-1989

1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Taxa Real de Juros(1)

Dívida/PIB

(3,2) 9,8) (6,3) 5,8) 15,1) 3,8) (2,8) 12,0) 34,5)

5,4 7,2 6,1 6,7 10,4 9,3 10,1 12,2 13,9

Fonte: Banco Central do Brasil (1990). Relatório Anual 1989. (1) Deflacionado pelo INPC.

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O crescimento da dívida mobiliária, ligeiramente superior ao crescimento da dívida líquida durante o período, principalmente após 1987, mostra o seu caráter primordial, inclusive na substituição de outros tipos de dívida. Afora a dívida mobiliária, outros instrumentos tiveram papel pouco relevante e episódico no financiamento do déficit, destacando-se os depósitos voluntários do SBPE junto ao Bacen e as debêntures emitidas por empresas estatais. O aspecto a ressaltar no financiamento do déficit e na composição da dívida líquida do setor público é o caráter de curtíssimo prazo que assume o financiamento, principalmente pela dívida mobiliária que, do ponto de vista dos aplicadores, possui liquidez imediata. A crescente liquidez dos títulos públicos tem dois determinantes principais: a progressiva precariedade das finanças públicas e a aceleração da inflação associada à manipulação dos indexadores, que exacerbam os riscos de perda patrimonial. Num contexto em que parcela crescente da riqueza dos agentes superavitários consiste em riqueza financeira de grande liquidez, a contrapartida da deterioração do financiamento público é a possibilidade de conversão dessa liquidez em poder de compra, desencadeando a hiperinflação. O ponto anterior é absolutamente central. No período 1984-1989, o estreitamento das fontes de financiamento do setor público fez que se utilizasse de forma progressiva a dívida mobiliária de curtíssimo prazo. Diante dos riscos de perda patrimonial dos aplicadores, a taxa de juros nominal oferecida pelos títulos públicos foi crescente. Em 1988 e 1989, apesar da aceleração inflacionária provocada por essa estratégia de financiamento, estabelecem-se patamares elevados para a taxa de juros real (Tabela 51). O crescimento da dívida mobiliária de curtíssimo prazo, após 1986, só não se mostra mais intenso por conta das desvalorizações episódicas mediante os expurgos dos indexadores. 203

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Em contrapartida, o crescente grau de desconfiança leva à exigência de juros mais elevados e ao encurtamento dos prazos até o limite diário. Esse processo, que traduz a completa ruptura do financiamento público, tem como fim inevitável a crise de confiança e a fuga da riqueza financeira para ativos reais e de risco, como a que se inicia no ano de 1989.

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Crise monetária e hiperinflação

A ocorrência de hiperinflação na economia brasileira durante os anos finais da década de 1980 tornou-se objeto de um crescente consenso para as várias correntes interpretativas do processo inflacionário. No conjunto de trabalhos sobre a inflação no período coletado por Rego (1989, 1990), uma minoria de autores postulava que, apesar do aumento contínuo e acelerado de preços, não teria havido hiperinflação tanto porque o aumento de preços não teria ultrapassado determinado patamar, algo como 50% ao mês, como porque, ao contrário das experiências clássicas, não houve aqui uma substituição monetária radical da moeda nacional. Em discordância com essa visão, a maioria dos autores admitia a existência, nesse período, de um processo hiperinflacionário inequívoco, embora marcado por especificidades his-

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tóricas. De acordo com uma das interpretações consagradas do período, de Belluzzo & Almeida (1990), mais do que o patamar quantitativo da variação de preços, interessa assinalar a perda de relação das suas trajetórias com o comportamento dos custos num movimento denominado “financeirização dos preços”. No âmbito monetário, houve, na prática, um intenso processo de substituição monetária por meio do desenvolvimento da moeda indexada, que representou, de maneira indireta, a dolarização da nossa economia. Durante a segunda metade da década de 1980, vários programas de estabilização de inspiração heterodoxa foram postos em prática com vistas a eliminar a inflação e a restaurar a credibilidade da moeda. A constatação do fracasso de todos esses programas, sem exceção, nos permite formular hipótese sobre os determinantes do processo hiperinflacionário durante o período, qual seja, a centralidade da restrição externa e, mais precisamente, da transferência de recursos reais para o exterior. Quaisquer que tenham sido os méritos e deméritos desses programas de estabilização, o principal requisito para obter êxito era conseguir estabilizar o valor externo da moeda, objetivo que se encontrava fora do alcance das autoridades econômicas locais. Ou seja, a ruptura do financiamento externo e a transferência de recursos reais para o exterior estão na raiz da incerteza quanto à evolução da taxa de câmbio, cujo efeito sobre as outras esferas da economia dá ensejo ao desenvolvimento de um processo hiperinflacionário. Para examinar como isso ocorreu, a década de 1980 será dividida em dois grandes períodos. Nos anos 1980-1985, configura-se a instabilidade dos preços macroeconômicos por conta do ajuste externo da economia. Esses anos são marcados pela intermitente aceleração inflacionária resultante da flexibilização das margens de lucro dos oligopólios e pela crescente subs-

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tituição da moeda corrente pela moeda indexada. Na segunda metade da década, após o fracasso do Plano Cruzado, observase um acelerar contínuo da inflação que resulta na financeirização dos preços e no início de um processo de rejeição da própria moeda indexada dando ensejo à intensificação da hiperinflação, cuja tentativa de controle se dá pelo Plano Collor.

Ajuste externo e incerteza dos preços macroeconômicos (1980-1985) O ajustamento da economia para obter um superávit comercial e transferir recursos para o exterior, realizado após 1979, mas, sobretudo, depois de 1981, exigia, entre outras mudanças, uma alteração permanente na taxa de câmbio. Vimos no Capítulo 2 que à maxidesvalorização de 1979 segue-se, em 1980, a prefixação da correção cambial, o que termina por eliminar a desvalorização real obtida. A mudança efetiva da política cambial em direção às desvalorizações reais inicia-se em 1981, por meio da redução da periodicidade das minidesvalorizações e do abandono do desconto da inflação externa. A insuficiência da política gradual conduz à mudança da política cambial consubstanciada na maxidesvalorização de 30%, em fevereiro de 1983. Em seguida, preserva-se a política de manutenção da paridade, encurtando os períodos entre as minidesvalorizações, até a introdução das desvalorizações diárias em 1985, por conta da aceleração da inflação doméstica. O resultado prático dessa política foi uma pequena desvalori­ zação real em 1981/1982, seguida de expressiva desvalorização real em 1983 e pequena valorização real em 1984/1985 (Tabela 52).

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Tabela  52  –  Taxas de câmbio nominal e real (Variações Anuais %), 1978-1989

1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Câmbio Nominal(1)

Câmbio Real(2)

30,3 103,3 54,0 95,1 97,7 289,4 223,6 229,5 42,4 380,0 955,0 1.401,3

-8,4 13,3 -29,6 2,4 0,4 15,1 -2,9 -1,5 -11,0 -4,1 -8,7 -18,1

Fonte: FGV/Banco Central do Brasil. (1) Final de período. (2) Deflator: IPA–OG.

Além da política cambial, há alteração também na política monetária, cujo caráter restritivo se acentua com o objetivo de promover a redução da absorção doméstica e assim viabilizar a transferência de recursos reais para o exterior. Após 1981, as taxas de juros negativas do biênio 1979-1980 são substituídas por taxas positivas ou levemente negativas. Estas últimas ocorrem não por intenção deliberada da política econômica, mas como resultado da aceleração inflacionária que transforma taxas de juros reais positivas ex ante em taxas negativas ex post (Tabela 53). Como alertam Tavares & Belluzzo (1986), para além dos impactos sobre os custos correntes (e, portanto, sobre a inflação) advindos dessa estratégia, a questão principal estaria na instabilidade criada em torno da evolução dos dois preços centrais da economia (o câmbio e os juros) e seus efeitos nas expectativas dos agentes econômicos. Ou seja, a necessidade da manutenção da desvalorização real da moeda, bem como a preservação

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da absorção doméstica dentro de limites que não ameaçassem a geração de superávits comerciais, criava profunda incerteza a respeito do comportamento futuro do câmbio e dos juros. Tabela  53  –  Taxas de juros de curto prazo(1) (Médias Anuais em %), 1978-1989 Nominal Overnight(2) 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

46,7 43,0 47,3 89,7 120,7 196,6 219,6 229,7 83,2 424,4 1.053,8 5.020,2

Real(4)

Capital de Giro(3)

Overnight(2)

Capital de Giro(3)

70,4 83,5 88,0 141,7 160,3 266,8 348,6 314,2 62,0 560,4 1.198,0 5.317,0

4,7) (18,2) (29,6) (1,5) 11,8) (2,5) (1,5) 4,1) (5,5) 6,5) 1,7) 81,8)

18,4) 0,1) (13,4) 25,7) 24,6) 13,4) 36,4) 32,1) 6,4) 30,7) 9,7) 116,1)

Fonte: Andima, apud Cenários: Taxas de juros no Brasil. (1)  Taxas anuais calculadas a partir das médias aritméticas mensais. (2)  Overnight: taxa calculada a partir de papel mais negociado em cada período. (3)  Capital de Giro: custo efetivo inclui reciprocidades, conforme as práticas do mercado. (4)  Taxas reais obtidas utilizando-se a média anual do IGP.

Como vimos no Capítulo 2, na segunda metade da década de 1970, a existência de abundante financiamento externo e a solidez das finanças públicas permitiram à política econômica amenizar a instabilidade oriunda dos choques externos sobre os preços macroeconômicos. Nos anos 80, a necessidade de transferir recursos reais para o exterior e a crescente deterioração das finanças públicas inviabilizaram essa possibilidade. Como demonstrou Frenkel (1979), a possibilidade de alteração dos custos primários – em especial das matérias-primas – durante o período de produção, em razão de variações na taxa

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de câmbio, induz as empresas a elevarem as margens de lucro para evitar perdas de capital. No caso da taxa de juros, o efeito da sua variação seria o aumento do grau de endividamento de curto prazo no período de produção seguinte, implicando a redução da margem de lucro líquida.

GRÁFICO  9  –  Taxas de inflação mensal (médias trimestrais). Fonte: FGV e FIBGE.

A nova característica do processo inflacionário após o ajuste externo decorre da flexibilização das margens de lucro das empresas em razão da instabilidade dos preços macroeconômicos. De acordo com Almeida & Novais (1989), foi o aumento das margens de lucro das grandes empresas que constituiu o fator predominante de aceleração da inflação durante o período. Um aspecto importante a ressaltar é o contexto no qual essas empresas promovem o ajuste de margens, ou seja, num ambiente recessivo. Cabe, portanto, indagar por que a recessão não atuou como um mecanismo eficaz contra a elevação de preços, impedindo a ampliação das margens de lucro das grandes empresas.

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Esse reajuste de margem foi facilitado pelo reforço ao poder de mercado das grandes empresas, que decorreu da redução do coeficiente importado, vale dizer, da diminuição da concorrência externa. Ao atuar na prática como uma ampliação das barreiras à entrada, a redução do coeficiente importado permitiu maior liberdade na fixação dos preços por parte das empresas. Em razão dessa mudança, a inflação durante o período é marcada pela duplicação de seu patamar. A aceleração da inflação que ocorre na primeira metade da década tem impacto significativo na moeda e conduz à substituição da moeda corrente pela moeda indexada, refletindo-se na ampliação da participação dos títulos públicos e dos depósitos de poupança no M4 e na queda da base monetária (Tabela 54). De um lado, aumenta a incerteza sobre valores e contratos denominados na moeda nominal, o que leva ao encurtamento de prazos desses últimos, de outro, conduz ao aperfeiçoamento da moeda indexada e à sua utilização definitiva na denominação de contratos. Tabela  54  –  Haveres monetários e financeiros(1) (% do PIB), 1979-1989 Base Monetária 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

4,0 3,4 2,8 2,6 2,1 1,6 1,6 3,2 2,2 1,4 1,3

M1 10,3  8,8  7,3  6,5  5,2  3,8  3,7  8,2  4,6  2,8  2,1

Títulos Públicos  6,4  4,2  5,4  6,8  6,0  6,6 10,4  9,3 10,1 12,2 13,9

M2 16,7 13,0 12,7 13,4 11,2 10,4 14,1 17,5 14,7 15,0 16,0

Depósitos Poupança  6,7  6,3  7,0  8,1  9,2  9,4  9,2  8,1  9,7 10,8  8,1

M3 23,4 19,3 19,8 21,4 20,4 19,8 23,3 25,6 24,4 25,7 24,1

Depósitos a Prazo 5,0 4,0 3,7 4,5 5,0 5,7 6,2 6,1 4,9 4,1 2,8

M4 28,4 23,3 23,5 26,0 25,3 25,5 29,5 31,7 29,2 29,8 26,9

Fonte: Banco Central do Brasil (1990). (1) Média dos últimos 12 meses, utilizando-se as posições de final de período.

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A moeda indexada apoia-se, sobretudo, em mecanismos formais de indexação, em especial a correção monetária, embora, como veremos, esta última esteja intimamente relacionada com a correção cambial. Diante da aceleração inflacionária, os bancos passam a aceitar depósitos remunerados com liquidez imediata. Ou seja, as famílias e empresas passam a deter depósitos bancários similares a depósitos à vista, mas que rendem o equivalente à correção monetária e assim defendem a moeda contra a corrosão inflacionária. Para lidar com depósitos remunerados de liquidez integral, os bancos modificaram seus ativos reduzindo os itens de menor liquidez, como os empréstimos. Estes foram crescentemente substituídos por títulos públicos de curto prazo. Para fazer face a essas modificações, o Banco Central também teve de adaptar-se e emitir títulos de prazo mais curto indexados à correção monetária.1 Há várias consequências para o sistema monetário-financeiro relativas ao desenvolvimento da moeda indexada. De acordo com Mendonça de Barros (1993), do ponto de vista do público, a implicação principal é a eliminação prática da distinção entre moeda e poupança, decorrente do encurtamento generalizado dos prazos das aplicações. Quanto aos bancos, a eliminação dos depósitos à vista e sua substituição por depósitos remunerados e a utilização de títulos públicos como lastro para esses depósitos levam à supressão do multiplicador bancário, ou seja, à eliminação da possibilidade de criação de moeda bancária.2 1 Ao longo do período, nos momentos de maior instabilidade cambial, houve também uma demanda acentuada por títulos indexados à variação cambial, demanda esta satisfeita pelo Bacen pela emissão das denominadas ORTNs cambiais. 2 A razão substantiva para isso é a própria eliminação da moeda nominal e do sistema de reservas fracionárias nessa moeda. Assim, na prática, cada unidade monetária recebida em depósito é automaticamente esterilizada pela compra de títulos públicos.

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Desenvolvimento em crise

Uma última implicação do desenvolvimento da moeda indexada refere-se à perda de capacidade do Banco Central em realizar política monetária, entendida esta última como a capacidade de alterar a taxa de juros básica do sistema ou o nível de reservas do sistema bancário, a sua disposição de conceder crédito e, a partir daí, via mecanismos de transmissão, a trajetória de variáveis reais. Dado que os títulos públicos constituem o lastro ou a contrapartida da moeda indexada, e representam um múltiplo elevado do patrimônio líquido das instituições bancárias, não é possível tentar influir no volume demandado desses títulos sob pena de quebrar essas instituições. Ou seja, o Banco Central não pode pretender alterar a liquidez do sistema vendendo um volume de títulos em excesso aos bancos e obrigando-os a captarem moeda no mercado. A rigor, o Banco Central foi obrigado a realizar o que se convencionou chamar de “zeragem automática” e que consistia na recompra dos estoques de títulos públicos não colocados no mercado pelos bancos. Não é sem percalços que a moeda indexada referida à correção monetária se consolida como reserva de valor da economia durante o ajustamento externo. Segundo Mendonça de Barros (1993), em 1981/1982, as correções monetária e cambial são equiparadas e corrigidas pela inflação do mês imediatamente anterior. Em 1983, a tentativa de expurgar a correção monetária provoca a fuga maciça de ativos financeiros com taxas de juros fixas para ativos com taxas variáveis. A instabilidade dos fluxos financeiros conduz ao compromisso público e formal com o FMI de igualar as correções monetária e cambial à inflação. Em 1985, ocorre nova modificação nas correções monetária e cambial, substituindo-se a inflação do mês anterior pela média móvel da inflação dos três meses imediatamente anteriores na definição de sua magnitude. Quando a inflação volta a acelerar, após julho desse ano, a defasagem das correções monetária e 213

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cambial perante a inflação conduz à desintermediação financeira e especulação com ativos reais, bem como ao retardamento do fechamento do câmbio pelos exportadores. A economia tem, a rigor, duas moedas que cumprem a função de reserva de valor: a correção cambial e a correção monetária. Ambas têm que refletir a inflação passada sob pena de acarretarem especulação cambial ou com ativos reais. Ou seja, a correção cambial define a taxa de câmbio real, preço macroeconômico-chave para assegurar o superávit comercial. Já a correção monetária corrige a massa de moeda indexada e, portanto, o conjunto de ativos monetários e financeiros do país. No caso de não retratar a inflação passada, pode desencadear a conversão desse poder de compra em bens e ativos reais. É nesse quadro de instabilidade crescente que deve ser avaliada a experiência do Plano Cruzado, que, ao fracassar, abriu caminho à crescente explicitação da hiperinflação. O programa de estabilização consistiu fundamentalmente em uma reforma monetária acompanhada de desindexação e do congelamento de preços. Durante um período relativamente longo para a década, cerca de seis meses, o programa logrou manter taxas de inflação reduzidas, criando a falsa impressão da volta à estabilidade. Em sentido mais amplo, podemos dizer que o insucesso do programa se explica por sua incapacidade de levar adiante reformas de profundidade, restabelecendo novos eixos de expansão para a economia. Em sua essência, o programa reverteu a tendência à modificação dos preços entre tradables e non-tradables, introduzida pelo ajustamento externo, mas foi incapaz de assegurar a estabilidade dessa nova configuração de preços. De certa maneira, o programa de estabilização apenas acentuou algumas tendências subjacentes ao processo de recuperação da absorção doméstica iniciada em meados de 1984. Isso é verdadeiro no que diz respeito aos salários e a diversos preços 214

Desenvolvimento em crise

de produtos non-tradables, em especial os competitivos. O congelamento do câmbio, contudo, foi um passo adiante para sinalizar a inversão da configuração de preços relativos estabelecida pelo ajustamento externo. Outro aspecto importante foi a monetização de parcela da dívida interna do setor público em poder do setor privado que, além de reduzir o estoque da dívida, permitiu ampliar o crédito interno, reduzindo substancialmente as taxas de juros de curto prazo. A substituição da moeda indexada pela nova moeda acarretou uma expansão muito rápida do crédito, possibilitada pela ampliação de depósitos à vista e pelo baixo requerimento de recolhimentos compulsórios por parte dos bancos herdado do período anterior. Em princípio, as expectativas de curto prazo quanto à instabilidade dos juros e câmbio, que constituíam o principal foco de instabilização das expectativas e da aceleração inflacionária, foram eliminadas. Como entender, contudo, o rápido retorno da incerteza e da inflação após seis meses de vigência do Plano? O questionamento mais importante ao programa vem da crise cambial que se expressa na deterioração do superávit comercial e na perda substantiva de reservas internacionais – cerca de US$ 3,5 bilhões –, que representavam aproximadamente 36% das reservas disponíveis. A manutenção do congelamento de preços e do câmbio significava a apreciação da taxa real de câmbio, já que a inflação real não captada pelos índices de preços era crescente. A rigor, a revalorização do câmbio só seria sustentável por uma redução substantiva da transferência de recursos reais ao exterior, por meio de novos financiamentos líquidos ou da renegociação da dívida externa em novas bases. A estabilidade das taxas de juros em baixo patamar também mostrava pouca possibilidade de sustentação. Não tanto pela pressão exercida pelo financiamento do déficit operacional do setor público, cujo componente financeiro se havia reduzido substancialmente com a monetização de parcela da dívida. O 215

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aspecto central era como recuperar o nível de gastos, em especial os de investimento, sem ampliar o endividamento público junto ao setor privado. Como essa questão não foi equacionada, a instabilidade quanto ao comportamento futuro dos juros foi progressivamente reintroduzida na economia.3 A drástica redução do superávit comercial e a expressiva perda de reservas internacionais constituíram significativa sinalização da insustentabilidade da relação de preços entre tradables e non-tradables. Já no último trimestre de 1986, os preços das principais matérias-primas comercializáveis aumentam substantivamente com a cobrança generalizada de ágio sobre os preços congelados. A partir de então, a disseminação do ágio para o conjunto dos preços, o rápido aumento da cotação do dólar no mercado paralelo e o travamento do fechamento do câmbio pelos exportadores forçam o abandono do Plano.

Financeirização dos preços e hiperinflação (1986-1990) O fracasso do Plano Cruzado inicia uma nova etapa no processo inflacionário, pois à instabilidade de preços macroeconômicos, oriunda do ajuste externo e agravada pelo Plano, somam-se as expectativas de novos congelamentos de preços. A partir de então, a aceleração da inflação é quase contínua, sendo episodicamente detida pelos sucessivos planos heterodoxos – Bresser e Verão – do qual faziam parte os congelamentos de preços. A antecipação aos congelamentos passou a ser uma estratégia essencial das empresas para evitar que fossem apanhadas

3 A proposta da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, com recursos de empréstimos compulsórios oriundos de impostos adicionais sobre o consumo, tentou equacionar a questão, mas foi derrotada politicamente e abandonada após a saída do ministro Dílson Funaro.

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com preços defasados. Ou seja, como os reajustes de preços, vistos da perspectiva de um produtor qualquer, não eram contínuos, mas realizados a determinados intervalos de tempo, o mecanismo básico de defesa das margens de lucros passou a ser a diminuição desse intervalo. Por meio desse expediente, diminui a possibilidade de os preços se defasarem ante os custos de produção, evitando o comprometimento das margens de lucro. Um aspecto relevante a ser entendido no processo refere-se ao fato de a inflação passada e, portanto, as correções cambial e monetária não serem mais um guia seguro para o reajuste de preços, isto é, a rápida aceleração da inflação implica necessariamente o atraso das correções ante a inflação corrente em razão do período de tempo necessário para a apuração dos índices de preços. Portanto, elas deixam de ser critérios para os reajustes de preços. Esse processo de aceleração quase contínua da inflação deu origem, segundo Belluzzo & Almeida (1990), à “financeirização dos preços”, ou seja, à utilização das taxas de juros de curtíssimo prazo – overnight –, como critério para reajuste de preços. Como a inflação acelerava a intervalos de tempo cada vez mais curtos, para evitar as defasagens de preços – ainda mais sob ameaça permanente de congelamento –, era preciso utilizar como parâmetro de reajuste algum instrumento que incorporasse a expectativa de variação corrente da inflação. Esse instrumento era a taxa de juros de curto prazo expressa pela LBC. A LBC era um título público cuja remuneração compunhase pela taxa de juros do overnight. Dessa forma, era possível manter essa taxa em linha com a inflação corrente, incorporando suas eventuais acelerações. Cabe aqui lembrar que a LBC constituía também o critério de remuneração da moeda indexada, ou seja, de toda a massa de ativos financeiros convertidos em quase moedas. Por essa razão, era imperioso mantê-la em linha com a inflação, evitando que sua eventual defasagem induzisse à fuga da moeda indexada em direção a ativos reais. 217

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A partir da financeirização dos preços, a formação desses últimos perde qualquer referência com os processos produtivos concretos ou, mais precisamente, com os custos. Assim, a trajetória da inflação passa a depender exclusivamente do movimento das taxas de juros de curto prazo. Essa está referida ao comportamento esperado da própria inflação num mecanismo de inércia, mas também às expectativas dos detentores de moeda indexada. Pode-se assim afirmar que, dado o clima de incerteza prevalecente, as expectativas dos detentores da moeda indexada serão sempre na direção de exigir taxas de juros mais ele­ vadas, determinando um processo contínuo de aceleração da inflação. A mudança nos critérios da correção monetária pela introdução da LBC deveria ter implicado modificação semelhante nos critérios da correção cambial para evitar a defasagem do câmbio. Ou seja, as desvalorizações da taxa de câmbio teriam que acompanhar a variação da LBC. Como isso não ocorreu e a taxa de câmbio terminou por valorizar-se em razão da contínua aceleração da inflação, observou-se no período uma importante fuga de capitais (Tabela 52). Os elementos para caracterizar a hiperinflação estão claramente dispostos no quadro descrito, vale dizer, na “financeirização dos preços” e na polarização da riqueza financeira nas quase moedas ou na moeda indexada, isto é, o estágio ao qual se chegou na moeda indexada, além de supor uma contínua aceleração dos preços, obscurece a noção de preços relativos e as suas relações com custos de produção. Do ponto de vista monetário, a precária preservação da moeda como unidade de conta deu-se à custa da supressão da moeda bancária e da distinção entre moeda e poupança. A tentativa de reverter esse quadro ocorreu por meio do Plano Collor e da sua pretendida reforma monetária. Esta última visava, sobretudo, a evitar a explicitação da hiperinflação que poderia ocorrer caso os detentores de quase moedas as transfor218

Desenvolvimento em crise

massem em poder de compra, adquirindo bens ou ativos reais. A sua principal medida foi o bloqueio e recolhimento ao Banco Central da massa de ativos financeiros em circulação na economia e, mais precisamente, dos passivos bancários. As empresas e famílias teriam acesso apenas a uma parcela dos ativos possuídos, pois apenas cerca de 20% destes seriam convertidos na nova moeda e liberados. Os restantes 80% ficariam bloqueados no Banco Central rendendo correção monetária + 6% a.a. e seriam devolvidos após 18 meses, em 12 parcelas sucessivas. Para garantir a continuidade do processo produtivo, era permitida a utilização da liquidez bloqueada para pagamento de impostos e de dívidas interprivadas contraídas antes da reforma. Ou seja, supunha-se que com 20% da liquidez prévia seria possível retomar o nível corrente de produção, realizando todos os pagamentos à vista e utilizando parcelas adicionais para liquidar os contratos de dívida. Do ponto de vista das famílias, a possibilidade de pagamento de dívidas eliminou a maior parte dos inconvenientes da reforma, porque o poder de compra corrente, além de provisoriamente recomposto pelo saque inicial, seria integralmente restituído quando do pagamento dos salários. O uso da liquidez retida para saldar dívidas tributárias ou bancárias permitiu evitar eventuais desequilíbrios patrimoniais. Os haveres não utilizados nesse processo viraram poupança de longo prazo – Valores a Ordem do Banco Central (VOBCs) – com rentabilidade e liquidez anteriormente especificadas. Para as empresas, a reforma criou problemas adicionais, porque o saque de 20% da liquidez teria de cobrir pelo menos a folha de salários. Para as empresas de ciclo de produção mais longo, o montante era insuficiente, embora mais que suficiente para aquelas de ciclo curto. Assim, era necessário obter mais moeda ou crédito para retomar os níveis de produção. Como o sistema bancário praticamente bloqueou a concessão de novos empréstimos, a reconstituição do circuito do crédito dependeu, 219

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sobretudo, da sua concessão interempresas. Para pagamento de dívidas bancárias e fiscais, as empresas puderam usar o poder de compra confiscado, o que evitou a ampliação dos desequilíbrios. Tal qual as famílias, as empresas tiveram a sua poupança retida, inviabilizando a continuidade de planos de investimento ou a sua deflagração. Um subproduto importante da reforma foi a criação de um mercado secundário de VOBCs. As empresas e famílias possuidoras de dívidas a pagar – bancárias ou tributárias – em vez de utilizarem a liquidez na nova moeda para realizar esses pagamentos, adquiriam de outras empresas e agentes a titularidade sobre os VOBCs retidos e com eles realizavam os pagamentos. Na transação, estabelecia-se um deságio sobre os VOBCs adquiridos e pagos em moeda nova. Para os adquirentes, a vantagem estava em utilizar menos moeda nova para pagar suas obrigações bancárias e tributárias e, para os vendedores, obtinha-se a nova moeda vendendo-se títulos cujo resgate só aconteceria após18 meses. A possibilidade de realizar as transações que deram suporte ao mercado secundário de VOBCs estava ancorada na permissão de pagamento de dívidas com origem anterior ao Plano. Parte dessas dívidas inexistia e foi forjada, dando origem à troca de titularidade. Ou seja, um agente qualquer, uma empresa, por exemplo, aceitava forjar uma dívida contra um terceiro, transferia para esse agente a sua titularidade sobre VOBCs e recebia o pagamento na moeda nova por essa transferência. Enquanto a transação se realizava entre agentes privados, a liquidez global da economia não se acrescia, havendo apenas sua redistribuição. Quando a transação envolvia o pagamento posterior de impostos, a liquidez global aumentava, isto é, nesse caso, além da redistribuição entre os agentes privados, a conversão dos VOBCs em moeda pelo setor público ampliava diretamente a liquidez, colocando mais moeda nova em circulação. 220

Desenvolvimento em crise

O impacto da reforma sobre o sistema bancário foi significativo e também diferenciado. No lado do passivo, a conversão de cerca de 20% do total em depósitos à vista e de 80% em VOBCs não trouxe maiores problemas. Mas houve em maior ou menor grau, dependendo da instituição, um descasamento significativo entre a liquidez dos ativos e passivos. Do ponto de vista dos primeiros, a reforma converteu em moeda nova a parcela equivalente a 20% dos títulos públicos que lastreavam a moeda indexada. Para a parte do ativo constituída de empréstimos bancários não houve conversão. Ou seja, essa segunda parcela ou seria liquidada a prazo mais longo ou por meio do recebimento de VOBCs. Assim, quanto maior o peso dos empréstimos nos ativos bancários, maior a iliquidez na nova moeda. O setor público foi, de fato, o grande beneficiário da reforma. Do ponto de vista patrimonial, a dívida de curto prazo foi convertida em dívida de médio prazo com taxas de juros significativamente reduzidas, ou seja, os VOBCs. Além do mais, essa dívida também sofreu um processo significativo de deságio por conta da introdução de uma nova moeda e da construção de um novo vetor de preços para servir de base ao cálculo da inflação. No plano corrente, foi concedida aos Tesouros a capacidade de monetizar todos os VOBCs recebidos a título de pagamento de impostos. Em princípio, isso não alteraria a situação corrente, mas a possibilidade de utilizar os VOBCs para pagar débitos fiscais anteriores por parte do setor privado levou a um acréscimo significativo da arrecadação, pois este último, ante a recuperação incerta da moeda retida, utilizou-a para saldar débitos atrasados. A avaliação da reforma monetária deve considerar como critério fundamental a capacidade desta última em restaurar, se não todas, pelo menos algumas das funções da moeda nacional. Se é verdade que a reforma não conseguiu erradicar o regime de alta inflação, ela, todavia, conseguiu de fato deter a hiperin221

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flação. Ou seja, se de um lado a reintrodução da liquidez – na forma e magnitude em que ocorreu – terminou por possibilitar a retomada da inflação, de outro, o diferimento do poder de compra acumulado sob a forma de moeda indexada parece ter sido suficiente para evitar a continuidade da especulação com ativos reais e de risco.

GRÁFICO  10  –  Preços ao consumidor e atacado. Fonte: FGV e FIBGE.

A volta da inflação para um patamar de dois dígitos (Gráfico 10) após quatro meses da reforma e a sua consolidação nesse patamar levaram a interpretações sobre as causas dessa retomada, cuja ênfase está no retorno rápido e significativo da liquidez por meio dos mecanismos descritos anteriormente. Ou seja, a reintrodução de cerca de 40% do valor dos VOBCs sequestrados, após quatro meses de Plano (Tabela 55) teria sido o meio pelo qual as empresas recuperaram a sua liquidez e passaram a praticar as mesmas políticas de preços de antes da reforma. É duvidoso pensar que essa tenha sido de fato a razão que levou ao retorno da inflação. De um lado, porque os níveis prévios de liquidez das empresas estiveram longe de ser recupe-

222

Desenvolvimento em crise

rados, de outro, porque, como vimos anteriormente, o retorno dessa liquidez ocorreu de maneira muito desigual. Vale dizer, nem todas as empresas recuperaram as condições de liquidez prévia. Ao mesmo tempo, durante o período em questão, a economia brasileira foi vítima de uma das maiores recessões da sua história contemporânea. Tudo isso leva a concluir que, apesar de tudo, a reforma não foi capaz de desmontar os mecanismos de dolarização indireta dos preços. Tabela  55  –  Haveres monetários e financeiros (US$ bi de dez./90), 1989-1991 Base M1 Títulos M2 Depósitos M3 Títulos M4 VOBC M5 Monetária Públicos Poupança Privados Dez./89 Mar./90 Jun./90 Set./90 Dez./90 Mar./91 Jun./91 Set./91 Dez./91

 5,2  6,2 11,3  8,7  9,6  8,1  7,6  6,2  6,3

  8,0 11,9 16,4 14,3 14,8 13,8 13,5 12,2 10,7

57,2 18,1 19,3 18,1 16,3  9,2  9,4  9,4  8,1

65,2 30,0 35,7 32,4 31,2 32,8 32,5 31,9 38,1

25,1 22,0 12,7 14,3 14,0 15,1 15,5 13,9 16,2

90,3 52,1 48,4 46,7 45,2 48,0 48,0 45,8 54,3

12,4  4,9 13,0 16,2 15,7 14,2 17,9 18,8 17,7

102,7  57,0  61,4  62,9  60,9  62,2  65,9  64,6  72,0

  0,0 35,5 31,9 29,9 28,3 26,9 25,9 18,0 12,6

102,7   92,4   93,3   91,9   89,2   89,1   91,8   82,6   84,6

Fonte: Banco Central do Brasil, apud Appy et al.

Apesar disso, a reforma foi um instrumento poderoso para abortar a hiperinflação em curso. A raiz disso esteve, sem dúvida, no sequestro da liquidez e também nos critérios de correção monetária dessa liquidez. Houve, por conta dessa última, um significativo deságio sobre os vários tipos de títulos privados e públicos. Assim, por exemplo, o M4 e seus principais componentes – excluindo os VOBCs retidos no Banco Central – reduziram-se em cerca de 50% nos primeiros 12 meses posteriores à reforma. Como consequência, todos os ativos reais e de risco sofreram uma significativa desvalorização, sobretudo nos meses iniciais. O dólar no mercado paralelo, por exemplo, teve a 223

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sua cotação reduzida em cerca de 50%, em termos reais, após seis meses. Ao mesmo tempo, o ágio sobre as cotações do dólar comercial caiu de 130% para 10%. Em síntese, a reforma, além de diminuir o ímpeto do reajuste de preços de bens e serviços, evitou a explosão de preços dos ativos reais.

224

Parte III Desaceleração

7

Globalização financeira e inserção periférica

Este capítulo propõe-se a examinar as características do processo de globalização que nos parecem essenciais como definidoras de uma ordem econômica internacional. O objetivo é apreender os principais traços do processo com o intuito de estabelecer as formas e os limites da inserção dos países periféricos. Admite-se como hipótese central que a globalização é a resultante da interação de dois movimentos básicos: no plano doméstico, da progressiva liberalização financeira, e, no plano internacional, da crescente mobilidade dos capitais. Está implícita na hipótese anterior a ideia de que a globalização produtiva, embora relevante, é um fenômeno subordinado. Ou seja, a onda de inovações que tem transformado os processos produtivos e a organização dos mercados e promovido um crescimento sem 227

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paralelo do investimento direto estrangeiro tem seus limites ditados pela dominância da acumulação financeira. Embora não seja o objetivo deste trabalho analisar as implicações da liberalização financeira, cabe referir alguns de seus efeitos sobre a dinâmica capitalista. Uma das suas principais consequências é a financeirização, entendida como uma norma de ação dos vários agentes econômicos, sejam eles empresas, famílias ou instituições financeiras. A questão essencial é que o aprofundamento das finanças de mercado modifica o comportamento dos vários tipos de agentes, cuja lógica de investimento se transforma e adquire um caráter especulativo. Quanto mais aprofundada a liberalização, mais a lógica especulativa toma conta dos agentes. Ou seja, com mercados amplos e líquidos, o objetivo de qualquer investimento não é o de adquirir ativos que possam produzir um fluxo de rendimentos que, capitalizados à taxa de juros corrente, superem o valor inicial desembolsado. Essa diferença entre preço de compra e valor de mercado é determinada pela variação de curto prazo no valor de mercado desses ativos que, no mais das vezes, ocorre de maneira independente da evolução dos fundamentos. A questão essencial é que a riqueza dos vários agentes adquire uma liquidez crescente, aproximando-a da forma mais líquida e abstrata, o dinheiro. Decorre daí que a lógica da sua valorização também passa a ser a da forma mais líquida, ou seja, D-D’. No exame da globalização como ordem internacional, será considerado, de início, o conjunto de aspectos que definem o núcleo do sistema monetário internacional – SMI. Além da questão primordial referente ao grau de mobilidade dos capitais, serão considerados o regime cambial predominante, a hierarquia entre as moedas e as principais formas que assumem os fluxos de capitais e, o que é mais relevante do ponto de vista dos países periféricos, o grau de autonomia da política econômica. 228

Desenvolvimento em crise

Em seguida, procura-se caracterizar os principais agentes do processo, destacando os investidores institucionais, as empresas, os bancos aos quais correspondem, grosso modo, os fluxos de capitais de porta-fólio, investimento direto e crédito de curto e longo prazos. Procura-se explicitar as linhas gerais de atuação de cada um desses agentes, tais como sua importância, objetivos e estratégia, assim como a diferenciação existente entre eles. Na sequência, discutem-se as diferentes formas de inserção de países ou regiões no sistema global. A distinção fundamental nesse caso foi entre países centrais, com moeda conversível, e países periféricos, sem moeda conversível. Além de explicitar os determinantes gerais dos fluxos intra e intergrupos de países, procurou-se explorar as diferenciações existentes entre as distintas periferias, em especial a Ásia e a América Latina. Ao final do capítulo, analisam-se as crises recentes dos países periféricos, mostrando como elas adquirem crescentemente implicações sistêmicas. Ademais, procura-se também especular sobre os desdobramentos da crise recente nos países da periferia, no que tange às suas condições de acesso aos mercados financeiros globais.

A globalização como ordem internacional Vimos no Capítulo 3 que o grau de liberdade do movimento dos capitais é o elemento central na definição de um sistema monetário-financeiro internacional. Outros dois aspectos relevantes são o regime cambial (estabilidade ou flexibilidade das taxas de câmbio) e o grau de autonomia da política econômica doméstica. A combinação desses três elementos na definição do SMI é tratada na literatura econômica como a trindade impossível. Ou seja, só é possível combinar dois elementos de cada 229

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vez, ficando o terceiro automaticamente excluído. A cada combinação, por sua vez, corresponde uma ordem internacional vigente em período histórico determinado. A representação das diversas possibilidades pode ser observada na Figura 1. Dada a existência de mobilidade de capitais, só é possível escolher entre regimes de taxas de câmbio alternativos utilizando a autonomia da política doméstica como variável de ajuste. No contexto da globalização, o regime predominante é o de taxas de câmbio flutuantes no qual, em princípio, se preserva alguma autonomia da política doméstica. Os sistemas com taxas fixas – currency board – só são possíveis à custa do total sacrifício da autonomia da política econômica interna.

FIGURA 1 – Possibilidades de combinação dos elementos do SMI.

De acordo com Eichengreen (1996), o regime de livre mobilidade de capitais, combinado com um sistema de taxas fixas de câmbio como no padrão-ouro, supõe que a política doméstica se volte exclusivamente para a defesa das paridades. Vale dizer, se os objetivos da política econômica doméstica são os de defender as paridades fixas quaisquer que sejam os custos internos, é possível conciliar a livre mobilidade de capitais com um sistema de taxas fixas. Como alerta Eichengreen, esse sistema pressupõe uma total subordinação da política econômica aos mecanismos de defesa das taxas de câmbio com o sacrifício de outros objetivos, tais como o emprego, o que, a rigor, seria impraticável nas modernas democracias. 230

Desenvolvimento em crise

A outra combinação, a de um sistema de taxas fixas de câmbio com a autonomia das políticas domésticas, requer altas restrições à mobilidade de capitais, como foi o caso do regime de Bretton Woods, sob pena de esta última inviabilizar a manutenção das paridades fixas. O sistema monetário-financeiro internacional vigente nesse período pode ser considerado uma exceção, pois supõe uma ordem econômica regulada tanto no plano interno quanto no externo. Do que foi exposto anteriormente, podem-se deduzir as principais características da economia internacional que vão constituir a essência da globalização: a livre mobilidade de capitais, o regime de taxas de câmbio flutuantes e, em princípio, a autonomia das políticas econômicas domésticas. Essa definição não considera, todavia, a hierarquia de moedas. Ou seja, na globalização, o sistema monetário-financeiro internacional constitui-se como um sistema hierarquizado, no qual o dólar é o núcleo. A partir desse núcleo, e dada a existência de livre mobilidade de capitais, formam-se as demais taxas de juros e câmbio do sistema. A Figura 2, a seguir, representa de maneira simplificada o funcionamento do sistema monetário internacional globalizado. Pode-se perceber a existência de três categorias de moeda: a moeda reserva (dólar), as moedas conversíveis (países centrais) e as moedas não conversíveis (países periféricos). No âmbito da moeda central, define-se a taxa de juros básica do sistema. Obviamente, ela é a menor de todas, pois remunera um investimento que é feito na moeda mais forte do sistema e que é vista como a mais segura pelos detentores dos capitais. À medida que se caminha para fora do núcleo do sistema, as taxas de juros vão se elevando, dado que as moedas vão se tornando menos seguras (seta 1 da Figura 2). Pode-se interpretar o fenômeno de outra maneira e afirmar que os proprietários dos capitais exigem um prêmio maior para investir nas moedas menos seguras. Visto o problema de outro ângulo (seta 2 da 231

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Figura 2), pode-se afirmar que os proprietários de capitais na periferia aceitam taxas de remuneração menores para investir nas moedas mais fortes. Essa conformação do sistema monetário internacional define uma regra de formação das taxas de juros que é desfavorável aos países da periferia e até mesmo aos outros países centrais. A taxa de juros fora do núcleo é sempre a taxa paga pela moeda central, acrescida de um risco-país. Este último é determinado principalmente pela avaliação e classificação de agências especializadas e transmite-se aos títulos do país que são nego-ciados nos principais mercados, principalmente o americano.

FIGURA 2 – Operação do sistema monetário internacional (SMI).

O importante a salientar é que, dada a livre mobilidade dos capitais, não há possibilidade de os países periféricos participantes do sistema não aceitarem essa regra de formação das taxas de juros, porque na hipótese de fixarem taxas de juros internas abaixo da taxa estabelecida pelo mercado, não só deixariam de receber capitais como provocariam uma fuga dos capitais locais. Ou seja, a autonomia da política econômica doméstica, entendida como a capacidade de determinar as taxas de juros, é restrita quando comparada à dos países do centro do sistema. 232

Desenvolvimento em crise

A possibilidade de escapar dessa regra existe apenas para os países de moeda conversível, ou seja, para onde há um fluxo permanente de capitais produtivos e financeiros. Nesse caso, a fixação das taxas de juros internas abaixo do valor do mercado implica a saída de capitais e a consequente desvalorização da taxa de câmbio. Essa, por sua vez, tem um piso a partir do qual passa a ser interessante a volta dos capitais, para adquirir ativos produtivos ou financeiros a baixo preço, em razão da moeda desvalorizada. No caso das moedas não conversíveis, essa alternativa não existe, porque não há piso para a desvalorização da taxa de câmbio. Ou seja, caso haja fuga de capitais, a desvalorização pode prosseguir para limites bem mais amplos sem desencadear o retorno dos capitais, pois pode não haver interesse dos capitais na compra de ativos adicionais no país em questão. Nesse caso, portanto, a fixação de taxas de juros abaixo daquela estabelecida no mercado internacional pode levar a uma desvalorização descontrolada da moeda do país e, no limite, a uma crise de confiança que questiona a sua própria existência. Um aspecto crítico do sistema globalizado é o do patamar elevado das taxas de juros. De acordo com Ciocca & Nardozzi (1996), a elevação dos juros no final dos anos 70 e sua persistência em patamares elevados nos anos 80 e 90 caracterizam essas últimas décadas como as de taxas reais de juros mais elevadas desde o final do século XIX, excetuando-se pequenos períodos nas últimas décadas desse século nos quais houve deflação. Para explicar o fenômeno da permanência das taxas de juros em níveis elevados, a abordagem keynesiana adotada pelos autores supracitados parece a mais convincente. Segundo essa hipótese, não existe nenhuma razão externa aos mercados financeiros, ou pertencente ao mundo real, responsável pela determinação das taxas de juros. Esta última é o produto de 233

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convenções e do grau de certeza ou incerteza que agentes atribuem a essas convenções. No caso dos mercados financeiros, a maior ou menor confiança dos agentes se traduz na intensidade da preferência pela liquidez. Uma maior preferência pela liquidez, vale dizer, a cobrança de um prêmio mais elevado para se desfazer da liquidez, traduz uma menor confiança sobre a trajetória futura da economia e, particularmente, sobre a inflação. No caso específico dos anos 80 e 90, pode-se, portanto, afirmar que as taxas de juros elevadas traduziram uma maior incerteza sobre a sustentação de trajetórias estáveis para a economia e a consistência da política econômica. Sinteticamente, podemos identificar dois grupos de fatores aos quais se pode atribuir a capacidade de influir sobre a preferência pela liquidez dos agentes durante o período em questão. São eles: o crescente predomínio das finanças de mercado nos países centrais, especialmente nos Estados Unidos, e os fundamentos do sistema monetário internacional. A forma pela qual se organizam os mercados financeiros reveste-se de grande importância na determinação da preferência pela liquidez. Os sistemas nos quais predominam as relações de clientes (intermediação bancária) e os investimentos sólidos (ativos instrumentais) apresentam em geral uma preferência pela liquidez e, portanto, uma taxa de juros menor do que aqueles nos quais predominam as relações de mercado (finança direta) e o investimento fluido (ativos financeiros). Ademais, no segundo caso, a disseminação dos mercados de ativos e seus ciclos de preços torna mais intensas as possibilidades de ganho ou perda de capital. Ou seja, variações das taxas de juros determinam perda ou ganho de capital para todos os detentores de títulos. Por sua vez, os riscos de perda de capital serão tão maiores quanto menores forem as taxas de juros, o que implica que a taxa de juros, além de mais elevada, é também mais rígida à baixa. 234

Desenvolvimento em crise

Outro fator que exacerba a preferência pela liquidez é a atual organização do SMI, fundada na livre mobilidade dos capitais e nas taxas de câmbio flutuantes. Segundo a teoria neoclássica, seria de esperar que a flexibilidade dos fluxos financeiros e do câmbio produzisse, por meio de arbitragens, uma igualação das taxas de juros nos distintos países. A não convergência das taxas de juros em moedas distintas atesta a persistência dos riscos de país, o que, somado à variabilidade das taxas de câmbio, torna bastante incertas as trajetórias das taxas de juros. No que tange à incerteza quanto à evolução das taxas de juros, Belluzzo (1997) sugere que o principal problema do sistema que tem o dólar como moeda central estaria no caráter de devedor líquido do país emissor. Ou seja, a fonte de instabilidade estaria mais no estoque de dívida e na sua rolagem do que no financiamento corrente do déficit externo americano, o que criaria problemas para o sistema monetário-financeiro internacional, tornando-o instável. A sustentação do valor do dólar depende, sobretudo, das taxas de juros americanas e a variação dessa taxa influi decisivamente na direção e intensidade dos fluxos de capitais. Em determinados momentos, essa sustentação pode ser contraditória com a estabilidade dos mercados globalizados, em especial dos periféricos. Tratando do mesmo problema, Teixeira (2000) destaca a situação assimétrica da economia americana ante o resto do mundo. Ou seja, apesar de serem inegáveis os impactos de uma elevação da taxa de juros americana sobre os fluxos globais de capitais e, portanto, sobre as demais economias, as variações dessa taxa estariam determinadas por razões internas à economia americana. Os Estados Unidos, por emitirem a moeda reserva do mundo, não têm restrição externa, isto é, limites externos para o financiamento do seu déficit, seja ele de transações correntes ou relativo à conta de capital. Por essa razão, os determinantes do patamar e da volatilidade da taxa de juros 235

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básica do sistema guardam relação estrita com o desempenho de variáveis domésticas da economia americana. Uma visão crítica das consequências da globalização leva a destacar problemas tais como: a perda de relação entre as taxas de câmbio e a situação em conta corrente dos balanços de pagamentos; a permanência dos riscos de país elevados e diferenciados, presentes nas taxas de juros desiguais, e afetando desigualmente a capacidade doméstica de fazer política econômica. Por fim, a permanência da assimetria na política econômica com as mudanças a partir dos Estados Unidos afetando mais o resto do mundo do que o contrário, o que valeria mais intensamente para os países da periferia do sistema.

Instituições e atores relevantes A análise dos atores da globalização, seja dos seus agentes ou países, requer o uso de dois períodos distintos que, grosso modo, se confundem com as duas décadas, 1980 e 1990. Do ponto de vista dos agentes, há poucas modificações quando se consideram os dois períodos; já quanto aos países, há uma modificação essencial representada pela incorporação maciça da periferia durante a última década. Da ótica dos fluxos de capitais, a globalização tem características bem peculiares quando confrontada com outras épocas. Sua natureza particular apresenta-se na predominância dos fluxos brutos de capitais quando vis-à-vis os fluxos líquidos. O Quadro 3 distingue mais precisamente os conceitos. Ele deve ser pensado da ótica de um país receptor dos fluxos de capitais. As colunas representam a diferença entre entradas e saídas – portanto o fluxo líquido – segundo a origem do agente. Tanto residentes quanto não residentes podem internalizar ou exteriorizar recursos, e o resultado dessas operações pode ser negativo ou positivo. As linhas, por sua vez, representam o resultado 236

Desenvolvimento em crise

bruto ou a soma das entradas e das saídas, sendo o resultado total o que liquidamente entrou ou saiu do país. Quadro  3  –  Classificação dos fluxos de capitais Residente

Não Residente

Resultado

 Entradas

(+)

(+)

 Entradas Brutas

 Saídas

(–)

(–)

 Saídas Brutas

 Resultado  Fluxo Líquido de Residentes  Fluxo Líquido de Não Residentes  Líquido Total

Foi dito anteriormente que as transações brutas adquirem um peso desproporcional na globalização, o que significa que para cada unidade monetária internalizada ou exteriorizada liquidamente houve um crescimento substantivo das transações brutas. Além do fato de a globalização significar fluxos de capitais descolados de fluxos reais, de comércio ou de investimento direto estrangeiro – IDE, há duas razões adicionais para que isso tenha ocorrido: a primeira delas decorre do fato de que a globalização é uma via de mão dupla, ou seja, a liberalização ampla dos fluxos de capitais implica que os países recebem e exportam capitais simultaneamente. A segunda está relacionada a outra característica da globalização já mencionada anteriormente: o sistema de taxas de câmbio flexíveis e juros flutuantes. Ao permitir ganhos de curto prazo na especulação com moedas e taxas de juros, esse sistema exacerbou o peso dos fluxos de capitais igualmente especulativos e de curto prazo. A avaliação quantitativa dos dados sobre os fluxos de capitais nos anos 80 com base em Turner (1991), conforme apresentado no Capítulo 3, põe em destaque as modificações mais relevantes após 1985. Destaca-se a maior importância dos fluxos de investimento – direto e de porta-fólio –, quando comparados com os empréstimos bancários – de curto e longo prazos –, bem como a perda de importância relativa dos fluxos oriundos do setor público. Ou seja, fica patente a dominância dos fluxos privados e, dentre esses, do investimento direto e das finanças diretas em detrimento das finanças bancárias. 237

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Os dados de Turner também caracterizam a hierarquia dos fluxos de capitais durante os anos 80. Por ordem de importância temos: porta-fólio, IDE, empréstimos bancários e setor público. Essa ordenação permanecerá praticamente a mesma durante os anos 90 com pequenas mudanças de composição, mostrando tratar-se de uma característica permanente da globalização. O grande crescimento do investimento de porta-fólio está associado ao aumento do investimento externo dos investidores institucionais, resultado da desregulamentação da composição de seus porta-fólios. A aquisição de ativos externos visou, sobretudo, a uma diversificação de risco. Neste último aspecto, a pouca diversificação dos fundos de pensão americanos – em termos de moeda de denominação – representa uma exceção, o que revela o caráter menos propenso ao risco dos fundos americanos e a hegemonia do dólar, ou a ausência de outra moeda tão confiável que, caso existisse, teria produzido uma nova relação entre taxas de câmbio. O estudo de Turner (1991) sugere a possibilidade de uma maior volatilidade dos fluxos oriundos dos investidores institucionais após os anos 80 por conta do encerramento do ciclo básico de diversificação no âmbito dos países centrais. Assim, a composição dos porta-fólios ficaria mais suscetível aos movimentos de câmbio e juros. Essa constatação é de grande importância para entender crises localizadas, como a do SME, que ocorrem no início dos anos 90, mas principalmente para compreender o transbordamento desses fluxos em direção à periferia, que ocorre na última década. A volatilidade dos fluxos de porta-fólio pode também ser apreendida pela forma de organização desses agentes e por sua inserção nas finanças de mercado. Por exemplo, é notório o crescimento mais rápido dos fundos mútuos, em especial dos hedge funds, que possuem uma maior propensão ao risco. Os fundos de pensão, por sua vez, são induzidos crescentemente a um comportamento especulativo na medida em que a remu238

Desenvolvimento em crise

neração de seus gestores passa a ser determinada por critérios de performance. De certa forma, é o próprio crescimento dos investidores institucionais que, ao permitir o aprofundamento do mercado, impõe uma lógica crescentemente especulativa ao investimento de porta-fólio. Segundo os dados de Turner, houve, em meados da década de 1980, uma retomada do IDE com características novas, entre as quais a pouca relevância dos países subdesenvolvidos como receptores – menos verdadeiro para a Ásia – e bastante direcionado às bolsas de valores nos países desenvolvidos. Os determinantes dessa nova onda de IDE possuem uma dupla natureza. Ou seja, de um lado, estão ligados ao processo de financeirização, traduzido na possibilidade de realização de ganhos patrimoniais, e, de outro, é inegável também o peso da dimensão produtiva, em particular aquela relativa às mudanças tecnológicas e de estrutura de mercado. Isso posto, e rejeitando a ideia de que a globalização, nas suas motivações maiores, seja um processo de integração produtiva, podem-se recuperar nas órbitas produtiva, tecnológica e dos mercados importantes razões para a ampliação do IDE como sugeridas por Dunning (1997). Segundo esse autor, o paradigma da globalização produtiva seria a cadeia de valor agregado distribuída por diversos países e empresas e a diversidade geográfica dos mercados de destino da produção. Isso ocorreria porque os crescentes custos de pesquisa e desenvolvimento – P&D em simultâneo com o ciclo de produto cada vez mais curto induziriam as empresas a reduzirem o escopo de suas atividades na cadeia de valor agregado. Nas diversas caracterizações do IDE, percebe-se que, a partir dos anos 80, ele assumiu basicamente a forma de fusões e aquisições e alianças estratégicas em detrimento do greenfield investment. As razões sugeridas para que isso tenha ocorrido foram as possibilidades de: 239

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• aumento mais rápido de market share; • alcançar economias de escala e sinergia no núcleo – core – de atividades; • ganhar acesso a novas tecnologias e dividir os riscos associados com o processo de inovação; • ganhar acesso a mercados e cadeias de distribuição. Analisando o IDE do ponto de vista do balanço de pagamentos e dada a pouca importância dos empréstimos de longo prazo, as interpretações convencionais sugerem que este teria se tornado o fluxo de natureza mais estável, o que estaria relacionado com as expectativas de longo prazo que o animam, desvinculadas da situação de balanço de pagamentos. O IDE teria, por definição, uma menor liquidez, ao mesmo tempo em que exigiria uma taxa de retorno inferior por conta do menor risco de taxa de câmbio. No limite, a taxa de retorno dependeria do desempenho da economia do país. Sugere-se também que o IDE tem um papel equilibrador no que diz respeito aos desequilíbrios cambiais. Uma taxa de câmbio desvalorizada atrai IDE, aumentando a oferta de moeda externa, porque a taxa de câmbio depreciada significa baixos preços de ativos domésticos e elevada rentabilidade dos setores produtores de tradables. A tese da maior estabilidade do IDE vem sendo contestada por estudos de diferentes orientações. O trabalho de Kregel (1996) e o de Claessens et al. (1995) negam a ideia de que o IDE é o fluxo de maior estabilidade, ou mais barato, por não possuir nem a carga de juros fixa dos empréstimos bancários, nem a volatilidade do investimento de porta-fólio. O primeiro aspecto dessa contestação refere-se à menor liquidez do IDE pelo fato de estar vinculado a ativos instrumentais. A esse respeito salientam tanto a maior negociabilidade das empresas nos mercados locais – em geral cotadas em bolsa de valores – quanto o fato de que um investidor direto pode realizar ope-

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Desenvolvimento em crise

rações de hedging do IDE, criando, portanto, pressão sobre o mercado cambial similar à dos outros fluxos. O estudo de Kregel (1996) levanta ainda outros aspectos relevantes e que dizem respeito à inconsistência estrutural ou de longo prazo do IDE que se dirige aos países de moeda não conversível. Desde logo assinala que os prêmios de risco a serem incorporados aos retornos do investimento são maiores do que nos demais fluxos de capital, exatamente pela sua menor liquidez. Adicionalmente, há que considerar que o conceito de IDE admite que se registrem como tal os lucros reinvestidos, acarretando o aumento do estoque de IDE no país sem que tenha havido simultaneamente um aporte novo de capital ou um fluxo adicional de moeda estrangeira. O crescimento do estoque de investimento estrangeiro e a taxa de retorno sobre este criam direitos sobre divisas que podem ser exercidos em qualquer momento, e em geral o são em momentos de dificuldades do balanço de pagamentos. No contexto da globalização, os fluxos bancários de curto prazo adquirem caráter compensatório, movendo-se em sentido contrário aos fluxos não bancários, possuindo, em grande parcela, caráter especulativo intrínseco. A importância desse tipo de empréstimo é bastante diferente segundo países e condicionada pela existência de limites à exposição ao risco em moeda estrangeira, ou por facilidades para emprestar domesticamente com denominação na moeda externa. Além das operações de empréstimos de curto prazo, os bancos desenvolveram, em larga escala, as operações fora de balanço. Dada a volatilidade das taxas de juros e câmbio, são os bancos que realizam as operações de cobertura de risco por meio de instrumentos de hedge, options ou swaps. Como essas operações não estão registradas em balanço, subestima-se o envolvimento dos bancos nas finanças internacionais. A relevância e caráter essencial que possuem os fluxos de capitais bancários, inclusive na formação de posições de risco, 241

Ricardo Carneiro

é destacada por Kregel (1996). A peculiaridade das instituições bancárias, em especial as transnacionais, está em poderem atuar simultaneamente em vários sistemas monetários nacionais. Qualquer que seja a operação realizada por um banco em um país, há a possibilidade de cobertura dessa operação em outro país. Por exemplo, um banco pode financiar o comércio exterior entre dois países trabalhando com duas moedas distintas, financiando e captando em ambas. Mesmo que haja desequilíbrio ou déficit de um dos países, as operações do banco podem estar equilibradas, o que não significa obviamente que não haja risco cambial nas operações por conta de default (risco de crédito), ou problemas macroeconômicos. O que foi dito anteriormente vale para todo tipo de operação, inclusive para aquelas com derivativos. A opção de ficar descasado é uma decisão do banco e reflete uma atitude especulativa diante da trajetória de taxas de câmbio e juros. No exemplo mais simples citado anteriormente, o banco pode decidir mudar o mix de sua captação, ficando descasado – em termos de moeda – diante do mix de financiamento. A generalização desse comportamento especulativo nas várias operações pode colocar a instituição bancária e as moedas numa posição de risco. Um dos mais importantes aspectos da globalização, e que se faz presente já nos anos 80, diz respeito à volatilidade dos fluxos de capitais. A teoria convencional sugere que os fluxos que guardam independência da situação de balanço de pagamentos do país receptor e que buscam rentabilidade de longo prazo são menos voláteis do que aqueles que se movem pelo diferencial de juros de curto prazo e que, em geral, estão associados ao sinal do balanço de pagamentos. Testes estatísticos realizados por Turner (1991) sugerem o seguinte ranking quanto à volatilidade: empréstimo de longo prazo, investimento direto, investimento de porta-fólio, empréstimo de curto prazo. 242

Desenvolvimento em crise

Embora a hierarquia proposta anteriormente seja aceitável, ela omite um aspecto central da questão, que é o aumento da volatilidade para todos os tipos de fluxos de capitais em razão da dominância da acumulação financeira sobre a produtiva. Ou seja, na medida em que a lógica especulativa contamina em maior ou menor grau os agentes responsáveis pelo movimento de capitais, estes tornam-se intrinsecamente voláteis. A instabilidade dos fluxos de capitais parece ser, portanto, um elemento bastante característico do processo de globalização.

Os anos 90 e a integração da periferia O movimento da globalização durante os anos 90 não traz nenhuma alteração substantiva quando analisado do ponto de vista dos fluxos de capitais entre os países avançados. Segundo a avaliação do International Monetary Fund – IMF (1998), um dos aspectos mais significativos é o aprofundamento das finanças de mercado que ocorre pela crescente indiferenciação das atividades exercidas por instituições bancárias e não bancárias. Outros traços relevantes do processo de globalização também persistem nos anos 90, como o contínuo crescimento dos investidores institucionais e a diversificação de seu porta-fólio, embora em velocidade menor do que na década precedente. Do ponto de vista da importância dos fluxos, a hierarquia se mantém com a mesma ordem da década precedente, vale dizer: porta-fólio, IDE e empréstimos bancários de curto prazo. A continuidade dos fluxos de capitais nos anos 90 apresenta, todavia, dois aspectos a serem destacados, o mais relevante sendo, sem dúvida, a incorporação ou reintegração dos países ditos emergentes aos mercados de capitais. O segundo aspecto é a ocorrência de crises – México, Ásia, Rússia, América Latina – e a possibilidade de sua generalização em uma crise global, contaminando inclusive os países centrais. A seguir, examinaremos as duas questões.

243

Ricardo Carneiro

Segundo o IMF (1997a), a retomada dos fluxos de capitais em direção aos países emergentes durante os anos 90 só tem paralelo com o ocorrido durante o padrão-ouro. A comparação com o período do auge do padrão-ouro, que vai de 1870 a 1913, só é válida em termos quantitativos, pois, segundo a Unctad (1998), naquele período, os fluxos de comércio estavam intimamente ligados aos fluxos de capitais. Estes últimos eram compostos basicamente de investimentos diretos e dirigiram-se à produção de commodities ou à infraestrutura necessária para produzi-las. As commodities, por sua vez, constituíam uma porcentagem importante do comércio internacional, cerca de 60%. Na retomada dos fluxos de capitais em direção à periferia, na década de 1990, após uma década de exclusão, há uma predominância ou quase exclusividade dos fluxos privados. Esses, por sua vez, atingem um valor máximo em 1996, ano imediatamente anterior à eclosão da crise asiática, e apresentam tendência fortemente declinante desde então (Tabela 56). Do ponto de vista da composição, há dois períodos distintos: até 1993, antes da crise mexicana, o porta-fólio é predominante. Daí em diante, o IDE assume a liderança em razão da continuidade de seu crescimento, enquanto o primeiro adquire comportamento instável. Outro aspecto que chama atenção é a enorme volatilidade desses fluxos – à exceção do IDE – e sua exacerbada sensibilidade às crises. Mais que isso, a trajetória após a crise asiática sugere uma redução permanente nos patamares dos fluxos líquidos. Os dados anteriores levam a indagar acerca das razões determinantes da trajetória desses fluxos. O trabalho do IMF (1997) sugere a existência de uma combinação de fatores, destacando as transformações nos mercados centrais. Essas seriam de duas ordens: estruturais, relativas ao crescimento da poupança financeira e à diversificação de porta-fólio dos investidores institucionais: e cíclicas, concernentes à queda de nível de atividades e rendimentos nos países centrais a partir do início dos anos 90. Enfatizam-se também os fatores de atração 244

1997 1998 1999

2000

45,8 139,8 -116,9 -124,3 141,3 189,0 -224,2 -126,2 -  45,2 -  71,5 -  32,2

1993 1994 1995 1996

Fonte: IMF (2000).

18,7  22,4   -14,1 -  24,6   9,7  39,1   -9,7   -29,0 n.d.

Memo: Créditos Oficiais (Líq.)

n.d.

67,9  28,5  -14,0  -49,5  49,5  18,7  -62,1 -127,2 -135,6 -172,1 -172,1

  Outros Investimentos (Líq.)

n.d.

39,7  53,0 - 81,6 -109,9  42,6  85,0 -  43,3 - 23,8 -  53,7 -  58,3 -  58,3

  Investimento de Porta-Fólio (Líq.)

  Investimento Direto Estrangeiro (Líq.) 32,2  35,5 - 56,7 - 80,9  96,9 120,4 -144,9 -148,7 -153,4 -146,0 -146,0

Fluxos Privados Totais (Líq.)

1990 1991 1992

Tabela  56  –  Fluxos de capitais privados para países emergentes (US$ bi), 1990-2000

Desenvolvimento em crise

245

Ricardo Carneiro

nos países receptores, como a reorientação da política econômica de longo prazo na direção de sua liberalização e de curto prazo, pela manutenção de elevados rendimentos, principalmente pelos altos patamares dos juros. A maior parte da literatura – Agénor (1996), Calvo et al. (1996), Fernandez-Arias (1996), Obstefeld & Taylor (1997), World Bank (1997) –, que trata dos determinantes dos fluxos de capitais para a periferia, aponta os fatores estruturais e cíclicos nos países centrais como mais relevantes. Como foi apontado no início deste trabalho, a liberalização dos mercados centrais – e posteriormente dos emergentes – pela remoção dos controles sobre o movimento dos capitais é considerada a mudança essencial. Outro fator coadjuvante foi o crescimento da poupança financeira em razão do aumento das taxas de juros, em paralelo com a maior importância dos investidores institucionais que diversificaram suas aplicações, buscando aumentar rentabilidade e reduzir riscos. A queda da taxa nominal e real de juros nos países centrais é considerada também como um fator cíclico relevante, embora cada vez menos importante na medida em que os fluxos de IDE tornam-se predominantes. Desse ponto de vista, da ótica dos países emergentes, embora as condições macroeconômicas e de juros tenham sido inicialmente relevantes como fatores de atração, o processo de fusões e aquisições, incluindo a privatização, adquire subsequentemente maior peso. Um dos aspectos essenciais desses fluxos é que têm implicado maior absorção financeira do que real. Assim, até 1996, quando os fluxos líquidos estavam crescendo, cerca de metade dos novos fluxos transformou-se em reservas (Tabela 57), levando a que proporção semelhante das reservas mundiais pertencesse aos emergentes.1 As razões apontadas para isso são 1 Na fase de declínio dos fluxos e sobretudo após 1998, a formação de reservas dos emergentes resulta dos superávits em transações correntes obtidos pelos países asiáticos. 246

1997

Fonte: IMF (2000).

54

23

67

66

65

49

55

68,8

145

1996

(II)/(I) em %

1995

 75,2  27,2   83,1  92,6 123,7 109,1

1994

66,2

1993

Variação de Reservas (II)

1992

139,8 116,9 124,3 141,3 189,0 224,2 126,2

1991

Fluxos Privados Totais (Líq.) (I) 45,8

1990

Tabela  57  –  Países emergentes: fluxos de capitais e reservas (US$ bi), 1990-2000

134

60,6

45,2

1998

126

90,1

71,5

1999

260

83,8

32,2

2000

Desenvolvimento em crise

247

Ricardo Carneiro

são a política de esterilização, que visa a evitar excessiva apreciação do câmbio, e a constituição de um colchão de segurança contra a fuga de capitais. A rigor, o crescimento das reservas está intimamente relacionado com a mudança na natureza dos fluxos – acentuação do caráter de curto prazo ou volátil – e constitui um pedágio pago pelos países subdesenvolvidos para se inserirem na globalização. A acumulação de reservas dá origem a um mecanismo triangular. A atração de capitais pelos emergentes deve-se em grande medida ao diferencial de taxa de juros. Uma absorção financeira superior à real implica acumulação de reservas e sua aplicação a uma taxa de juros inferior à da captação. A diferença de remuneração constitui uma transferência adicional de renda equivalente a um imposto ou pedágio cobrado dos emergentes. Do ponto de vista doméstico, a política de esterilização dá origem ao chamado déficit quasi-fiscal, que decorre do diferencial entre taxa de juros obtida na aplicação das reservas e aquela paga aos detentores de títulos públicos.2 Outra dimensão relevante do custo da absorção de capitais diz respeito ao financiamento da saída dos investimentos de residentes. A globalização é uma via de mão dupla e implica a saída de capitais para o exterior correspondente às aplicações financeiras dos residentes. Se o país que remete os fluxos não está produzindo um superávit comercial e se obriga a manter as reservas em patamar elevado, a saída de capitais é financiada pela própria entrada. Na prática, isso reduz ainda mais a capacidade de absorção de recursos reais decorrentes dos fluxos e aumenta de maneira implícita o seu custo (Tabela 58). 2 O trabalho do IMF (1997a) sugere que há outra implicação importante desse mecanismo. As reservas dos emergentes, que constituem cerca de 50% do total, são aplicadas nos mercados financeiros centrais, contribuindo, nos momentos de expansão da liquidez, para a redução das taxas de juros. Quando a liquidez se retrai, o efeito é simétrico: o uso das reservas pelos emergentes contribui para o aumento das taxas de juros e das dificuldades de captação.

248

Desenvolvimento em crise

Tabela  58  –  Países emergentes: utilização dos fluxos de capitais Discriminação

Destino do Fluxo Bruto (%) 1980-1989

Saída Líquida de Capitais Erros e Omissões (BP) Variação de Reservas Déficit em Conta Corrente Total

14,0 11,1 3,0 71,9 100,0

1990-1997 23,6 4,9 21,4 50,1 100,0

Fonte: Unctad (1999).

Considerando os países emergentes em seu conjunto, os fluxos de capitais também resultaram em valorização real do câmbio. Esse foi um resultado praticamente inevitável em razão da combinação de políticas requerida para evitá-lo. A possibilidade de realizar uma operação maciça de esterilização, capaz de manter a taxa real de câmbio, está limitada pelo constrangimento às finanças públicas. A manutenção da taxa real poderia ser conseguida pelo ajuste deflacionário, num mecanismo similar ao do padrão-ouro, o que não parece viável nas sociedades contemporâneas. A apreciação poderia ser evitada se a absorção real aumentasse significativamente, o que reduziria as reservas internacionais e o colchão de segurança para fazer face a uma eventual reversão dos fluxos, inviabilizando a própria captação. A rapidez dos fluxos implicou, em vários países, a deterioração da qualidade dos ativos bancários, ao mesmo tempo em que distorceu a formação de preços dos ativos financeiros nos mercados domésticos. A ampliação da relação ativos bancários/PIB foi, em geral, acompanhada pela atrofia da base de captação interna. Observou-se uma ampliação substantiva do crédito com, pelo menos, dois problemas: o financiamento de atividades non-tradables e a compra de ativos já existentes, especialmente ações. Nos países em que o Banco Central realizou 249

Ricardo Carneiro

uma política ativa de esterilização e nos quais havia restrições a operações domésticas denominadas em moeda estrangeira, pelo menos evitou-se que o sistema bancário expandisse excessivamente o descasamento de moedas nas suas operações. Quanto ao mercado de títulos, a globalização aparentemente traria vantagens tanto para o investidor, que, além de maior rentabilidade, estaria diversificando o risco, quanto para o receptor, que contaria com novas fontes de recursos e aprofundaria os mercados locais. Todavia, uma primeira implicação é que mudam os parâmetros para formação de preços, levando a uma redução da eficiência dos mercados. A maior intensidade de recursos aumenta a possibilidade de formação de bolhas, acentuadas pelo fato de que a informação imperfeita dos investidores externos favorece a compra de determinados tipos de títulos. Por fim, as decisões de investimento refletem muito mais a situação nos mercados de origem do que os fundamentos do país receptor. A avaliação global, proposta no trabalho do IMF (1997a) até o início da crise asiática, sugere que os fluxos aumentaram a volatilidade relativa – quando medida vis-à-vis o mercado americano – dos mercados de títulos, em especial das bolsas de valores, nos países periféricos, mas diminuíram a volatilidade absoluta, medida em cada um desses mercados. Em resumo, considerados os países emergentes em sua totalidade, podem-se identificar várias consequências problemáticas dos fluxos de capitais: a acumulação excessiva de reservas, a apreciação da taxa de câmbio, a deterioração dos balanços bancários e o aumento da volatilidade dos mercados locais. Essas características já tornavam esses mercados mais instáveis e, portanto, mais sujeitos à crise do que os mercados centrais.

Inserção diferenciada da periferia (Ásia versus América Latina) Comparando-se as duas grandes regiões receptoras, nota-se que há uma alternância quanto à magnitude dos fluxos captados 250

Desenvolvimento em crise

(Tabela 59). Na fase de expansão, até 1996, a Ásia lidera as captações, sendo sucedida, após o início da crise em 1997, pela América Latina. Após essa data, a redução dos fluxos para a Ásia é muito mais intensa do que para esta última região. Quanto à composição, a diferença principal residiu no papel mais relevante do IDE na Ásia, vis-à-vis a América Latina, na qual o porta-fólio é mais importante, pelo menos até 1997. Durante o declínio dos fluxos, após este último ano, a composição é semelhante para ambas as regiões, embora a retração seja mais intensa na Ásia, compreendendo forte contração dos empréstimos bancários, pequena recuperação do porta-fólio e manutenção do IDE. As diferenças entre as duas regiões são, portanto, marcantes e, a rigor, já o tinham sido nos anos 80, como vimos no Capítulo 3. Nessa década, enquanto na América Latina os fluxos praticamente desapareceram, na Ásia eles mantiveram um valor razoável. De qualquer modo, as diferenças observadas nos anos 90, expressas no maior peso do IDE em direção ao continente asiático, dizem respeito ao papel desempenhado por cada uma das economias centrais na região, respectivamente, os Estados Unidos e o Japão, como veremos a seguir. Segundo Medeiros (1997), as duas regiões distinguem-se pela inserção diferenciada. No caso da Ásia, há uma articulação com o Japão por meio da indústria de bens de capital (importação) e uma articulação com os mercados compradores da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE (exportação) nas manufaturas em geral. Quanto à América Latina, a articulação com a principal potência hegemônica, os Estados Unidos, se dá pelo mercado de manufaturas em geral. Fica sugerido que, enquanto no caso da Ásia existe uma articulação complementar com as economias desenvolvidas, no caso da América Latina, essa articulação não seria complementar. Sem dúvida, isso se deve ao caráter distinto das duas economias hegemônicas em cada região, o Japão e os Estados Unidos. 251

252

12,9

Outros Investimentos

-13,8

Outros Investimentos

Fonte: IMF (2000).

17,5

6,6

Investimento de Porta-fólio

Investimento Direto Estrangeiro

Fluxos Privados Totais

10,3

-0,9

Investimento de Porta-fólio

América Latina

9,5

21,5

Investimento Direto Estrangeiro

Fluxos Privados Totais

Ásia

1990

-0,5

14,5

10,9

24,9

19,7

2,8

15,2

37,7

14,6

24,7

13,4

52,7

-12,7

12,9

14,7

15,0

-22,1

47,2

12,2

37,3

-9,5

18,0

33,0

41,5

-42,6

62,4

23,1

42,8

3,4

18,9

44,7

67,1

14,2

2,5

24,9

41,6

6,3

19,7

48,5

-14,4

38,0

39,3

62,8

31,2

27,1

55,5

74,4 113,9

-4,7

19,0

53,8

68,1

-48,4

7,1

60,2

18,9

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997

-14,5

19,9

56,3

61,8

-119,1

6,5

57,2

-55,4

1998

Tabela  59  –  Fluxos líquidos de capitais para Ásia e América Latina (US$ bi), 1990-2000

-34,2

10,4

64,2

40,4

-88,4

36,6

53,8

2,0

-22,3

4,7

56,9

39,2

-97,8

45,9

49,3

-2,6

1999 2000

Desenvolvimento em crise

No âmbito regional, constituiu-se uma economia na Ásia tendo como centro irradiador o Japão. Os investimentos deslocaram-se sucessivamente do Japão para os Tigres e destes para o Asean-4, compreendendo atividades de tecnologia cada vez mais complexa no que ficou conhecido como o paradigma dos flying geese. Formou-se um comércio triangular no qual o déficit dos países receptores dos investimentos com o país exportador de capital – principalmente o Japão – foi contrabalançado pelo superávit desses mesmos países com a OCDE. Quanto à reinserção da América Latina nos anos 90, há especificidades importantes apesar de alguns elementos comuns com a Ásia. Quanto ao balanço de pagamentos, temos na conta de capitais a já assinalada volta dos fluxos externos, com predominância dos investimentos de porta-fólio e recursos de curto prazo até meados da década. Do ponto de vista das transações correntes, um peso ainda elevado da conta de serviços da dívida e um crescente déficit comercial. No que diz respeito à inserção produtiva, houve, nos casos mais bem-sucedidos, uma regressão da estrutura industrial com a diminuição da indústria metal-mecânica e ampliação dos setores produtores de commodities industriais. Nos casos mais regressivos, ocorreu uma nova especialização na exportação de bens primários de baixo dinamismo. Na análise de Medeiros (1997), fica sugerida uma tendência permanente ao desequilíbrio externo em razão do fato de que as aberturas promoveram um viés em favor das atividades produtoras de serviços e de non-tradables (“expansão e internacionalização dos serviços e retrocesso na substituição de importações”) que não produzem divisas. Uma caracterização adicional dos fluxos em direção à Ásia e à América Latina durante a primeira metade dos anos 90, realizada por Turner (1995), mostra que esses fluxos, quando comparados com as exportações, assumiram valores mais elevados na América Latina (cerca de 40%) do que na Ásia – em 253

Ricardo Carneiro

torno de 20%. Também na América Latina houve, em média, uma maior apreciação da taxa de câmbio vis-à-vis a Ásia. Essa diferença refletiu, sobretudo, a orientação do crescimento, pois nessa última região o aumento do investimento implicou maior absorção real de recursos e menor pressão sobre a taxa de câmbio. Na América Latina, ao contrário, o maior crescimento do consumo conduziu a resultados distintos, acarretando maior acúmulo de reservas e apreciação do câmbio. É perceptível o impacto que a valorização cambial teve sobre as exportações da América Latina, especialmente na de manufaturados, reduzindo seu crescimento e, mais uma vez, diferenciando a região da Ásia. Nesta última, os fluxos apresentaram uma maior correlação com o crescimento das exportações, notadamente a de manufaturados. As diferenças aparecem também na composição dos fluxos como no já referido ao maior peso do IDE na Ásia e porta-fólio na América Latina. As distinções, todavia, foram relevantes mesmo no âmbito do IDE, pois, na primeira região, esses investimentos estiveram associados prioritariamente à criação de nova capacidade produtiva, enquanto, na segunda, à aquisição do controle acionário.

Os percalços da inserção periférica Tendo em conta os padrões distintos de inserção da periferia da Ásia e da América Latina, examinamos a seguir as crises mexicana e asiática, procurando indagar das suas razões específicas e seus impactos em termos de extensão, intensidade e duração. A partir dos dados já examinados (Tabelas 56 e 59), podese constatar que a crise asiática teve intensidade maior. Nesta última, os fluxos de capitais se reduziram em maior magnitude e essa redução atingiu as suas várias modalidades, inclusive o IDE. Pode-se também perceber que, enquanto a crise mexicana 254

Desenvolvimento em crise

teve caráter regional, a asiática assumiu uma feição global. Na primeira, houve uma reversão dos fluxos de capitais mais voláteis – porta-fólio e empréstimos bancários – dirigidos à América Latina. Na segunda, houve reversão ou diminuição de todos os tipos de fluxos para o conjunto das regiões periféricas. Após a crise do México, passada a retração de 1995, há uma recuperação dos vários mercados. Segundo o IMF (1997a), observa-se a expansão do mercado de bônus para os emergentes, resultante da manutenção dos baixos rendimentos nos mercados centrais e da continuidade do processo de diversificação dos fundos de investimento. Para o agregado dos emergentes, melhorou sensivelmente o perfil de financiamento, tanto pela queda do spread como pelo aumento de prazo. Nos mercados primários, essa nova onda de expansão foi liderada pela América Latina. As condições mais favoráveis permitiram inclusive a troca de papéis por outros sem colaterais, bem como a ampliação do volume de títulos com taxas fixas de juros. Nos mercados secundários, os spreads voltaram rapidamente ao patamar anterior à crise, refletindo a ampliação da liquidez decorrente do aumento do turnover.3 As condições também melhoraram no mercado de ações pela volta da tendência altista após 1995, acompanhada de uma redução da volatilidade das cotações, de uma ampliação do turnover/liquidez e de uma ampliação das emissões primárias. Por fim, os empréstimos bancários se recuperaram de forma ainda mais intensa. A análise mais detalhada do impacto da situação asiática revela uma crise mais profunda e de recuperação mais demorada. De acordo com o IMF (1999 e 2000), não só a intensidade desta última foi maior, como também o foi a demora na recuperação dos vários 3 Nas transações desse mercado, predominam os títulos da América Latina e os bradies. Considera-se que a relação entre emissão primária e negócios no mercado secundário ainda é baixa (17 vezes). Esse mercado é considerado pequeno dando margem a ineficiências, tais como a segmentação de mercado entre bradies e eurobônus e a ocorrência de episódios especulativos. 255

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mercados que se mantinham deprimidos até 1999, recuperando-se parcialmente em 2000. Alguns números ilustram a afirmativa: em 2000, os fluxos de capitais brutos estavam no mesmo patamar de 1996, enquanto os fluxos líquidos situaram-se no mesmo nível de 1990. Tomando-se os fluxos líquidos exclusive IDE, os valores tornam-se negativos em 1997 e assim permanecem até 2000. O retorno do financiamento bruto para os níveis mais elevados desde a crise asiática se faz com várias particularidades. A principal delas é o caráter intermitente ou volátil dos fluxos de capitais, o que leva o IMF (2000) a denominar esse mercado on-off. A razão para essa volatilidade reside na mudança da base ou tipo de investidor com a perda de importância do investidor dedicado. Assim, o investidor predominante nos mercados emergentes é o não dedicado, que investe simultaneamente nesses últimos e nos mercados centrais e para o qual o peso dos emergentes nos seus porta-fólios é marginal. Os critérios de performance desses investidores são globais e, portanto, não vinculados ao desempenho dos mercados emergentes. Por essa razão, as mudanças nas condições de risco e rentabilidade em termos comparativos, oriundas tanto dos mercados centrais quanto dos emergentes, podem determinar bruscas e intensas flutuações nos recursos destinados a esses últimos. No que tange ao comportamento dos vários fluxos, observa-se uma recuperação do investimento de porta-fólio após 1999, mas cujos valores líquidos em 2000 ainda estavam cerca de 40% abaixo do pico verificado em 1996. Nos mercados de bônus, além da redução maciça de novas emissões, foi evidente o encolhimento dos mercados secundários. Quanto ao custo das emissões, de acordo com o IMF (2000), no mercado primário de bônus para o conjunto dos periféricos, os spreads não retornaram aos valores observados no período de captação mais favorável, entre meados de 1995 e meados de 1997. Esse padrão tem diferenciações significativas, pois, nos países da Ásia – exceto Indonésia –, os spreads voltaram a patamares 256

Desenvolvimento em crise

pré-crise. Para os países mais importantes da América Latina – especialmente o Brasil –, eles ainda se encontram em níveis superiores ao do início da crise. Um aspecto bastante reafirmado pelas diversas análises foi o aumento da seletividade nas novas emissões, inclusive com a ampliação dos bônus soberanos. Os efeitos mais devastadores foram, todavia, nos investimentos dirigidos às bolsas de valores. Os preços das ações do conjunto dos países emergentes chegaram a cair em média 30% no pior momento da crise, recuperando-se parcialmente em 1999 e voltando a cair em 2000. Ao final desse último ano, ainda continuavam abaixo do pico alcançado antes da crise. Quanto aos empréstimos bancários, a redução da exposure dos bancos para o conjunto da região após o segundo semestre de 1998 levou-os a cerca de 50% do valor de 1997. A continuidade do declínio dos fluxos líquidos após essa data reduziu ainda mais essa exposição. Os dados do IMF (2000) mostram que no ano 2000 já se observa um equilíbrio entre novos empréstimos e repagamentos. A continuidade dos valores negativos em termos líquidos nos fluxos bancários deveu-se, sobretudo, à ampliação dos depósitos no exterior dos países produtores de petróleo, altamente superavitários em 2000. O aspecto mais marcante da performance dos fluxos de capitais pós-crise asiática é o do IDE. Apesar da crise, o IDE manteve-se em ligeira expansão em 1998 e 1999, compensando a retração dos demais fluxos, sobretudo dos bancários. Todavia, em 2000, o IDE apresentou estagnação, atribuída a fatores operantes nos mercados emergentes – como o esgotamento da onda de fusão e aquisição – F&A na Ásia e das privatizações na América Latina – mas, sobretudo, aos motivos relativos aos países centrais, como o declínio do ritmo de crescimento e dos lucros. México: a crise cambial Os dados assinalados anteriormente indicam uma maior profundidade e extensão da crise asiática vis-à-vis a mexicana. 257

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Em razão disso, seria conveniente examinar em detalhe essas crises para identificar suas diferenças e semelhanças. De acordo com Griffith-Jones (1996), no caso do México, um primeiro aspecto a assinalar é o ambiente mais geral no qual ocorre a crise, caracterizado por um rápido e intenso processo de abertura financeira. Esta última compreendeu não somente a completa convertibilidade da conta de capitais, mas também uma liberalização do sistema financeiro doméstico. Dadas as características já apontadas, os elementos que permitiram o desencadeamento da crise foram a elevada magnitude do déficit em transações correntes e a apreciação cambial. Esta última esteve intimamente associada aos influxos de capitais e a uma absorção de recursos reais inferior à absorção de recursos financeiros, redundando em acumulação de reservas. Esses fluxos de capitais tiveram como peculiaridade a maior importância dos fluxos de porta-fólio. Entre as várias alternativas postas para a compra de títulos no mercado doméstico, destacava-se a possibilidade de compra de títulos de curto prazo do governo, ou seja, instrumentos típicos do money-market. Nos investimentos ditos de porta-fólio e no que diz respeito aos títulos, o grande tomador de recursos foi o setor privado. De qualquer maneira, embora o setor público não tenha se endividado externamente, a política de esterilização levou ao crescimento da dívida pública interna. Esse processo deu origem a um encargo adicional para o setor público, denominado déficit quasi-fiscal – oriundo dos diferenciais entre as taxas de juros da dívida interna e aquelas das aplicações das reservas. Embora teoricamente lastreada por reservas, a dívida pública vai assumindo importância crescente, fragilizando a posição do governo. Outro aspecto importante dessa primeira fase diz respeito ao crescimento elevado dos empréstimos bancários que estiveram, em boa medida, associados ao processo de reprivatização dos bancos, mas também ao funding obtido pelos bancos domés258

Desenvolvimento em crise

ticos no exterior. As análises sugerem claramente uma deterioração dos balanços bancários em decorrência do crescimento excessivo dos empréstimos. O estopim da crise foi a redução do diferencial de taxas de juros decorrente do aumento da taxa americana em 1994, sem o correspondente aumento da taxa no México. Simultaneamente, houve o assassinato do candidato presidencial pelo Partido Revolucionário Institucional – PRI, o que ajudou a aumentar o clima de incerteza e conduziu a uma perda substancial de reservas nas semanas seguintes. A resposta da política econômica a esses fatos foi considerada inadequada, pois, de um lado, manteve a taxa de juros inalterada e, de outro, permitiu apenas uma pequena desvalorização cambial. Quanto à taxa de juros doméstica, a sua não elevação foi deliberada, pois temia-se que desencadeasse uma crise bancária de grandes proporções em face da precariedade dos balanços. Já no caso do câmbio, admitia-se que, sendo a perda de reservas temporária, sua desvalorização seria contraproducente e poderia comprometer a retomada posterior dos fluxos. A solução encontrada pelos gestores da política econômica para amenizar a incerteza cambial foi criar um hedge para os investidores pela ampliação de emissão de um título da dívida pública dolarizado (tesobonos). Essa ação acabou por ampliar a fragilidade potencial na medida em que o estoque desses títulos passou a crescer a uma velocidade maior do que as reservas e, a partir de certo ponto, a suplantá-las. O caráter de curto prazo desses títulos criava a possibilidade de troca por reservas a qualquer momento. O quadro foi ainda agravado pelo aumento da dívida bancária de curto prazo, que substituiu a entrada de outros fluxos externos menos voláteis. Nesse quadro, o anúncio da desvalorização cambial precipitou a corrida final contra o peso. A intenção inicial era obter uma desvalorização em torno de 15% com o deslocamento da banda. A fuga do peso foi, to259

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davia, tão forte, que o governo se viu obrigado a deixar a moeda flutuar, desvalorizando-a em escala muito maior. A crise mexicana possui, assim, os ingredientes de uma crise clássica de balanço de pagamentos, tais como déficit em transações correntes crescente, apreciação cambial e o recurso a capitais de curto prazo. Se essa é a sua manifestação, as raízes mais profundas estão na adoção de políticas consentâneas com a integração na economia global, vale dizer, a convertibilidade plena da conta de capital e a liberalização do sistema financeiro doméstico.

Ásia: a crise financeira e cambial As crises das economias do Sudeste Asiático também acabaram desembocando em crises monetário-cambiais, mas tiveram outra morfologia. De qualquer modo, para a maioria dos autores que as analisaram, a intensidade dessas crises foi excepcional, considerando os fundamentos mais sólidos quando comparados ao México e à América Latina. Para Krugman (1998), a crise monetária foi parte de problemas financeiros mais amplos determinados pelo papel da intermediação financeira nessas economias e pelo ciclo de preços de ativos. Esse autor sugere que há um importante elemento de moral hazard no processo, na medida em que considera essencial a garantia dos governos aos intermediários financeiros que deu origem a um processo de excesso de investimento fundado na maior propensão ao risco desses últimos. Isto posto, a crise se traduziu na forma clássica do ciclo de ativos e sua peculiaridade residiu na utilização de empréstimos com funding externo. Na mesma linha de raciocínio, Kregel (1998) prega que a crise asiática não representa apenas uma crise clássica de balanço de pagamentos, mas constitui-se, primordialmente, de 260

Desenvolvimento em crise

uma crise financeira secundada por uma crise do primeiro tipo e por um movimento de flight to quality dos capitais. De forma diferente de Krugman, atribui a crise ao processo de liberalização dos sistemas financeiros desses países. Após 1994, começam a aparecer os sinais de desequilíbrio externo decorrentes da desaceleração do crescimento global e, portanto, do comércio internacional, o que implicou déficits em transações correntes para os países asiáticos e uma ampliação do endividamento externo de curto prazo. Houve em simultâneo uma apreciação das moedas regionais que mantiveram a paridade fixa com o dólar mesmo em face da apreciação desse último diante das demais moedas da tríade. Os grandes agentes do endividamento de curto prazo foram os bancos que captaram em dívida direta e emprestaram aos diversos tomadores domésticos. Este último aspecto foi bastante importante na constituição e desdobramento da crise, porque os bancos tomaram recursos muito além das necessidades de cobertura do déficit corrente. Isso porque, como resultado da liberalização financeira doméstica, foram induzidos a se internacionalizar, a rigor desnecessariamente, dada a elevada taxa de poupança interna. Dessa forma, houve um crescimento elevado das captações e dos passivos dos bancos em moeda estrangeira. Esses recursos foram, por sua vez, direcionados para atividades e setores non-tradables, em particular, investimentos imobiliários. Qualquer que seja a razão que levou o sistema a essa expansão – liberalização ou moral hazard –, o desdobramento da crise é único. Segundo Kregel (1998), quando ocorre a deterioração das contas externas por razões comerciais, a crise bancária interna se explicita, em razão do descasamento de moedas, transformando-se em crise cambial. A possibilidade de desvalorização ameaçava os agentes que haviam investido internamente tomando dívida em moeda estrangeira. 261

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A reversão dos empréstimos bancários externos criava simultaneamente um problema de solvência doméstica – relativo à reversão do ciclo de ativos – e um problema de liquidez externa em razão da saída de divisas. O contágio entre os países ocorreu a partir da especulação contra uma moeda específica e do seu desdobramento à medida que lograva sucesso. Mesmo países mais sólidos do ponto de vista cambial são contaminados, pois a necessidade de realizar desvalorização competitiva torna-se o mecanismo da propagação. Em síntese, a crise asiática tem uma dimensão financeira evidente, que foi produto imediato de um ciclo de ativos fundado em empréstimos externos, mas que esteve amparada em última instância no processo de liberalização financeira doméstica. Em razão disso, o remédio clássico da política de ajustamento monetário do balanço de pagamentos proposta pelo FMI, em vez de solucionar, agrava o problema. Seu pressuposto é o de que existe um desequilíbrio de balanço de pagamentos que decorre do excesso de demanda agregada. Assim, as recomendações são: desvalorização da moeda, elevação da taxa de juros, e orçamento superavitário. Essa política, no caso dos países asiáticos, deteriora ainda mais a situação das empresas, pois, pelo lado patrimonial, aumenta o montante da dívida e a carga de juros, e, pelo lado corrente, diminui a demanda e a receita corrente. Assim, a estratégia das firmas é reduzir seu nível de endividamento o mais rápido possível, liquidando ativos e pagando débitos. Obviamente isso aumenta a demanda por moeda estrangeira e a liquidação de ativos em moeda doméstica (deflação). Um dos pontos essenciais da questão é que a elevação das taxas de juros, que seria um importante instrumento de ampliação da demanda por moeda doméstica, termina por exacerbar um resultado contrário ao agravar a situação das empresas. Ou seja, combinar desvalorização cambial e elevação dos juros com os agentes muito endividados em moeda estrangeira con262

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duz à deterioração da situação patrimonial desses últimos, à venda de ativos denominados em moeda doméstica e ao aumento da demanda por moeda estrangeira. Uma questão de grande importância é a de como a crise asiática vai progressivamente contaminando o conjunto da periferia, transmitindo-se, por fim, ao núcleo do sistema. De acordo com a interpretação de Kregel (1998) citada anteriormente, a especificidade da crise asiática residiu exatamente em que deu origem a um processo de fuga para a qualidade. Para o IMF (1999), isso decorreu de uma reavaliação mais profunda dos riscos representados pelos mercados emergentes. Ou seja, a crise explicitou o excesso de comprometimento – em termos de volume de recursos e baixos spreads – dos investidores com os países emergentes. Apesar de a disseminação da crise já ter-se iniciado com os problemas do Sudeste Asiático, para o Bank for International Settlements – BIS (1999), a moratória russa constituiu o marco decisivo no processo de contágio global ao transmiti-la para o núcleo do sistema, porque ficou claro, pela primeira vez, que a ação de emprestador de última instância seria insuficiente para cobrir a perda dos investidores. Esse fato mudou a percepção de risco do conjunto de agentes, levando a uma reversão ainda maior dos fluxos de capitais e a uma exacerbação da fuga para a qualidade. A extensão da queda de preços dos títulos de mercados emergentes terminou por se transmitir aos outros mercados. Segundo o BIS (1998), isso deveu-se basicamente ao fato de os agentes operarem com elevado grau de alavancagem. Ou seja, a percepção por parte dos emprestadores de um aumento no risco de crédito ou default levou à redução geral dos empréstimos, inclusive para compra nos mercados secundários, contraindo severamente a liquidez desses últimos. As necessidades de liquidez dos agentes passaram a depender dos ou263

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tros mercados que, dessa forma, terminaram contagiados pela queda de preços.4 O exame dos dados agregados no início desta seção mostrou que os fluxos de capitais para a periferia contraíram-se significativamente após a crise asiática. Embora não seja lícito deduzir daí uma exclusão permanente desses países, pode-se admitir estar diante de um novo patamar de fluxos de capitais em níveis bem mais modestos do que os de antes da crise como, aliás, parece sugerir o IMF (2000).

4 O processo apontado, que traduz, na verdade, a fusão dos riscos de crédito e de mercado, resultante da alavancagem, é de grande importância, pois demonstra a existência de correlação na variação dos preços de ativos de diversas categorias e denominação monetária.

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8

Abertura financeira, balanço de pagamentos e financiamento

Ao longo dos anos 90, a economia brasileira passou por um processo intenso de liberalização, que teve na abertura financeira uma das suas dimensões mais expressivas. Do nosso ponto de vista, essa abertura engloba duas dimensões principais: a ampliação da conversibilidade da conta de capital do balanço de pagamentos e a desnacionalização de parcela expressiva das empresas do setor financeiro, em especial do ramo bancário. Como decorrência desses dois processos, observa-se o desenvolvimento de um outro, cuja extensão é ainda limitada, qual seja, a substituição monetária. O grau de conversibilidade da conta de capital traduz a facilidade com que são permitidas as entradas e saídas de capitais de não residentes e residentes. Ou seja, refere-se às normas de conversão da moeda estrangeira em moeda doméstica para fins de investimento e empréstimo. Portanto, exprime a mobilida265

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de dos capitais entre o país e o exterior. A desnacionalização diz respeito a mudanças no controle da propriedade do sistema financeiro permitidas por mudanças permanentes ou ad hoc na legislação. Por fim, a substituição monetária refere-se ao uso de moedas estrangeiras em funções que, em princípio, deveriam ser realizadas pela moeda doméstica. As relações entre essas dimensões da abertura financeira são bastante complexas e dependem de características histórico-institucionais dos sistemas financeiros domésticos, bem como da condução do processo de abertura. Em termos abstratos, pode-se postular a independência entre esses aspectos. Na prática, todavia, elas são bem mais interdependentes em razão do ambiente da globalização, sobretudo em países de moeda não conversível. Num regime de mobilidade de capitais restrita como o que prevaleceu na ordem de Bretton Woods, a combinação entre participação elevada do capital estrangeiro nos sistemas financeiros domésticos e baixa conversibilidade da conta de capital não era incomum. Por sua vez, no âmbito da mobilidade restrita dos capitais, o sistema de taxas de câmbio fixas tornava menos expressivos os processos de substituição monetária. Outra é a interdependência desses fenômenos num regime caracterizado pela livre mobilidade dos capitais. Dificilmente uma forte presença de estrangeiros no sistema doméstico deixará de ser um estímulo à ampliação da conversibilidade. Ou, em sentido contrário, o aumento da conversibilidade muito provavelmente trará uma maior presença das instituições financeiras estrangeiras. Pode-se afirmar ainda que a ampliação da conversibilidade traz, de forma inexorável, algum grau de substituição monetária, em especial no caso das moedas não conversíveis. Em razão das considerações já tecidas, admite-se como hipótese, para o caso brasileiro – país no qual circula uma moeda nacional não conversível –, que a abertura financeira, nas suas várias dimensões, conduz necessariamente ao enfraquecimento 266

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da moeda nacional, expresso em um grau significativo de substituição monetária. Isto posto, este capítulo examina a seguir os vários aspectos da abertura financeira, para o caso brasileiro nos anos 90, iniciando pela conversibilidade da conta de capital, seguindo com a propriedade do sistema bancário e encerrando com a discussão da vulnerabilidade externa e da substituição monetária.

A conversibilidade da conta de capital: caracterização Definida como o grau de liberdade segundo o qual os fluxos de capitais circulam num determinado país, a conversibilidade da conta de capital pode ser representada segundo a origem do agente – residente ou não residente no país – e pela natureza da operação realizada – aquisição de ativo/assunção de passivo, internos e externos –, conforme o Quadro 4. O Quadro 4 faz o registro duplo, da perspectiva dos residentes e dos não residentes, de qualquer operação de conversão entre a moeda doméstica e moedas estrangeiras. Assim, por exemplo, a assunção de passivo externo por residente pode também ser classificada como a aquisição de ativos domésticos por não residentes. A definição de qual a posição mais relevante para a classificação da operação foi feita tomando em consideração a motivação ou a iniciativa dos agentes envolvidos. Quadro  4  –  Graus de abertura da conta de capital

  Passivos   Ativos

Residentes Externos (A) Externos (B)

Não Residentes Internos (C) Internos (D)

Durante os anos 90, foram expressivas as alterações ocorridas nos vários níveis da conversibilidade. Desde 1991, houve 267

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substancial modificação no chamado marco regulatório,1 cujo intuito básico foi o de adaptar a legislação brasileira à nova realidade dos mercados centrais marcados pelo predomínio de operações securitizadas e flexibilizar as entradas e saídas de capitais. A assunção de passivos externos por residentes (posição A) sofreu duas modificações importantes. A primeira delas foi a mudança na forma de captação de bancos e grandes empresas, pois os tradicionais repasses bancários (Operação 63) e a captação direta de empréstimos pelas empresas (Lei n.4.131) deixaram de basear-se em créditos bancários sindicalizados e passaram a originar-se da emissão de títulos nos mercados internacionais de capitais. No caso dos repasses bancários, conforme assinalado por Prates & Freitas (1999), o espectro de operações domésticas foi ampliado vis-à-vis as Operações 63, restritas à indústria. Foram progressivamente introduzidas as possibilidades de repasses ao comércio e serviços e, posteriormente, aos setores agropecuário e imobiliário. Permitiu-se também a realização de operações de leasing para financiamento de automóveis pelas empresas de arrendamento mercantil, com recursos captados externamente. A segunda mutação relevante está relacionada às formas de captação de recursos diretamente pelas empresas. O endividamento por títulos de renda fixa diversificou-se substantivamente em termos de instrumentos, moedas e prazos, acompanhando as mutações dos mercados internacionais. A grande novidade, todavia, esteve vinculada às novas possibilidades de captação por meio de títulos de renda variável, os recibos de

1 A descrição do marco regulatório do movimento de capitais apresentada neste item está baseada no trabalho pioneiro sobre o assunto de Prates (1997), atualizado em Freitas & Prates (2001) e Prates & Freitas (1999).

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depósito (depositary receipts – DRs) cujo registro se dá no denominado Anexo V das nossas contas externas. Esses títulos constituem recibos que representam ações ou eventualmente outros valores mobiliários adquiridos no mercado doméstico, onde são mantidos em custódia, e sendo negociados nos mercados americano (american depositary receipts – ADRs) ou outros (global depositary receitps – GDRs).2 Da nossa ótica, interessa destacar dois aspectos dessa forma de captação de recursos: o cambial e o do financiamento. A emissão dos DRs para negociação nos mercados de capitais internacionais aumenta o aporte de capitais externos da mesma forma que o seu resgate implica saída de divisas. Esse resgate, por sua vez, pode ocorrer a qualquer momento por desistência definitiva dos investidores ou por arbitragem, quando há divergência entre preços internos e externos das ações. Deduz-se da descrição anterior que, quanto mais importante o volume de DRs, maior a correlação das variações dos preços das ações entre a bolsa de valores interna e as bolsas externas. Da perspectiva do financiamento, a emissão de DRs nos níveis I e II não implica captação de recursos novos para as empresas, pois é feita a partir de ações já em circulação no mercado secundário. Somente no nível III e Regra 144A, nos quais se exigem informações bastante detalhadas sobre as empresas, pode o DR representar a emissão primária de ações e, portanto, financiamento adicional. Esse instrumento tem sido utilizado principalmente pelas grandes empresas – cerca de 50 – com destaque para as antigas estatais da área elétrica e de telecomunicações. Mais ainda, se concentraram nos níveis I e II e, portanto, ainda não constituem uma fonte importante de financiamento para as empresas.

2 Para uma descrição minuciosa dos mecanismos de emissão e resgate dos ADRs, dos seus vários níveis e das suas implicações sobre as bolsas locais, ver o já citado trabalho de Prates & Freitas (1999).

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Da ótica do residente no país, há que considerar também as possibilidades de aquisição de ativos no exterior (posição B do Quadro 4). Aqui as modificações foram drásticas – embora às vezes tortuosas –, constituindo uma verdadeira revolução quando comparadas à década anterior. Dois instrumentos principais sintetizam as mutações: os fundos de investimento estrangeiros e a Carta Circular n.5 – CC-5. Os fundos de investimento estrangeiros – FIEs permitem ao residente investir no exterior em títulos da dívida soberana brasileira – Bradies e Global Bonds – por meio da compra de cotas de fundos de investimentos constituídos no país. A CC-5 constitui o lado obscuro do processo, pois foi se convertendo, ao longo do tempo, por linhas tortas, na principal forma de expatriação legal e ilegal de capitais. De acordo com Simoens da Silva (1999), a CC-5 data de 1969 e originariamente funcionava como conta de não residentes, de pessoas físicas, pelas quais se internalizava moeda estrangeira que poderia ser futuramente repatriada. Como conta de não residentes, a CC-5 poderia receber depósitos que não se originassem de recursos internalizados previamente. Todavia, na expatriação, os valores da internalização tinham de ser respeitados, havendo, portanto, equilíbrio cambial. Uma modificação importante aconteceu em 1992 por meio da Carta Circular n.2.259, na qual o Banco Central permitiu que instituições financeiras comprassem moeda estrangeira livremente no mercado flutuante de câmbio. Em princípio, essas contas deveriam servir para que as instituições não residentes pudessem operar no mercado de câmbio por meio de seu banco correspondente no país. Nada indicava que o saldo cambial dessa conta pudesse ficar negativo. Havia na resolução várias exigências de documentação das operações a serem mantidas disponíveis para exame do Banco Central. Na prática, foi a permissividade da autoridade monetária, ao relaxar a fiscalização sobre essas operações, que estimulou os 270

Desenvolvimento em crise

bancos a aceitarem depósitos em moeda nacional, convertendoos em depósito em moeda estrangeira no exterior, nas instituições das quais, em tese, eram correspondentes. Como ressalta Simoens da Silva (1999), a precariedade e a interinidade que marcavam essas operações levavam o mercado a denominá-las “barriga de aluguel”, como se o banco e seu correspondente estivessem vendendo apenas provisoriamente o direito de remessa para o exterior. A alteração definitiva veio em 1996 pela Circular n.2.677, que dispensou a exigência de documentação para operações de repatriação de recursos e também para a constituição de disponibilidades no exterior, por parte de pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no país. Essas transferências tornam-se bastante ágeis, pois são operadas pela mesma instituição financeira, ou seja, o banco local e a instituição da qual é representante, na maioria das vezes, uma subsidiária de sua propriedade com sede em paraísos fiscais. A partir das mudanças advindas com os FIEs e a flexibilização da CC-5, as restrições ao investimento de residentes no exterior foram praticamente eliminadas. Existem apenas restrições de ordem operacional, como os elevados custos de transação da CC-5 que a tornam um instrumento de grandes investidores, ou o direcionamento dos recursos dos FIEs que investem exclusivamente em títulos da dívida soberana brasileira. No que se refere ao acesso dos investidores estrangeiros ao mercado brasileiro de ativos reais e financeiros (posição D), as condições também se modificaram substantivamente ao longo da década. Consideradas as duas formas do investimento estrangeiro – direto e porta-fólio –, houve uma expressiva modificação no que tange à regulação da primeira e o surgimento de um aparato regulatório para a segunda, inexistente até então. Foram criados dois canais específicos para o investimento de porta-fólio: os anexos e os fundos que vieram se juntar à 271

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conta de não residentes (CC-5) já discutida anteriormente e que serviu também de canal de internalização de recursos. A principal distinção entre esses instrumentos diz respeito ao direcionamento dos recursos: nos anexos, eram prioritariamente dirigidos para a compra de ações no mercado secundário; os fundos possuíam diversas finalidades específicas – renda fixa, privatização, empresas emergentes, investimento imobiliário –, já a conta de não residentes caracterizava-se exatamente por ausência de direcionamento. A distinção entre os instrumentos quanto à natureza dos investidores – pessoa física ou jurídica – tipo de administração – corretora, distribuidora ou banco de investimento –, composição de carteira – renda fixa ou variável –, e tributação dos resultados – alíquota de Imposto de Renda (IR) – também era bastante significativa visando a cobrir uma ampla gama de interesses de investidores. Na prática, apenas dois tipos de investimento prosperaram: o Anexo IV3 e a conta de não residentes. O primeiro constituiu-se como a forma preferida de participação dos investidores institucionais no mercado acionário local. O segundo foi o instrumento por excelência de repatriação provisória de capitais de residentes, travestidos de não residentes, oriundos principalmente de paraísos fiscais. Uma característica central dos investimentos de porta-fólio é o caráter de curto prazo, dada a ausência de exigência quanto a período de permanência. Para lidar com isso e eventualmente discriminar em favor de alguns tipos de investimento, o governo utilizou basicamente a tributação, por meio da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras – IOF na entrada dos recursos. Essas alíquotas variaram sensivelmente ao longo do tempo em razão da 3 O Anexo V, que constitui o instrumento de captação de recursos externos por meio dos DRs, não deixa de ser um instrumento de investimento de porta-fólio. Todavia, como a captação de recursos por essa via depende mais da iniciativa das empresas locais, preferimos considerá-lo como um mecanismo de assunção de passivos no exterior.

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Desenvolvimento em crise

situação cambial. A partir da crise asiática em 1997, elas foram progressivamente reduzidas e equiparadas.4 Essa indistinção significa uma ampliação concreta da conversibilidade na medida em que se abre mão de influir no direcionamento e, mesmo que indiretamente, no prazo de permanência dos capitais. De acordo com Bielschowsky (1999), as mudanças relativas ao investimento direto estrangeiro – IDE foram muito significativas durante a década. É possível separar essas modificações em dois grupos distintos: as genéricas e as específicas. Fazem parte da primeira a abertura de novos setores ao investimento direto estrangeiro, tais como os resultantes da privatização, da queda da reserva de mercado na informática, e a permissão para registro de patentes no setor bioquímico (fármacos). A ausência de restrições à participação dos estrangeiros nas privatizações talvez tenha sido o fator isolado mais importante por causa da magnitude do programa. Entre 1992 e 1994, foram privatizados os setores industriais – siderurgia e petroquímica – e, após 1995, os serviços de utilidade pública – principalmente, telecomunicações e energia elétrica, bem como o segmento de bancos públicos estaduais. Dos fatores específicos mais importantes, tivemos em 1994, por meio de emenda constitucional, a equiparação da empresa estrangeira à empresa nacional que permitiu à primeira o acesso ao sistema de crédito público e a incentivos fiscais. Outras alterações substanciais ocorreram na legislação de remessa de lucros. Suprimiu-se a proibição da remessa de royalties por marcas e patentes. A tributação da remessa de lucros foi reformulada, substituindo-se o sistema de alíquotas crescentes e variáveis, em razão do valor enviado e cuja incidência mínima era de 25%, pela alíquota única de 15% sobre o total remetido.

4 A equiparação definitiva dos diversos tipos de investimento é feita em 2000 pela Resolução nº 2.689. A partir de então, os não residentes passam a ter acesso às mesmas opções de investimento financeiro dos residentes.

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O último aspecto da conversibilidade da conta de capital diz respeito à possibilidade de endividamento interno por não residentes (posição C). Nesse plano, a legislação brasileira ainda é bastante restritiva. Para ter acesso ao sistema de crédito doméstico, é necessário ser empresa constituída no território nacional, mesmo que a propriedade seja estrangeira. Isso, na prática, tem impedido que instituições financeiras não residentes operem alavancadas nos mercados de títulos e imóveis, alimentando bolhas especulativas semelhantes às que ocorreram na Ásia.

Evolução e composição dos fluxos de capitais Uma avaliação inicial do movimento de integração da economia brasileira aos fluxos de capitais revela um padrão bastante semelhante ao conjunto dos países periféricos tal qual caracterizado no capítulo anterior. Há uma etapa inicial de crescimento muito intenso entre 1991 e 1994 que é atenuada pela crise mexicana. Segue-se um novo incremento entre 1995 e 1997 antes do agravamento da crise asiática e uma inflexão em 1998 seguida de declínio em 1999 e pequena recuperação em 2000 que não chega a atingir os picos anteriores (Tabela 60). Uma avaliação da composição pela ótica dos fluxos líquidos mostra quatro momentos distintos: a liderança dos empréstimos de curto prazo em 1992, substituída pela do porta-fólio em 1993/1994, sucedida pela do financiamento de longo prazo em 1995/1996, e, finalmente, pelo IDE desde então. Da perspectiva dos fluxos líquidos, melhorou a qualidade da captação cujo sentido foi o da substituição dos fluxos de maior pelos de menor volatilidade. Essa característica, todavia, não elimina a ampliação da vulnerabilidade do balanço de pagamentos, porque esta última está associada não só à volatilidade e reversibilidade dos fluxos, mas também, e em alguns momentos principalmente, ao comportamento dos estoques de capitais internalizados previamente. 274

Desenvolvimento em crise

Tabela  60  –  Movimento de capitais (itens selecionados) (US$ mi), 1992-2000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Movimento Bruto Porta-fólio

3.863 15.352 25.142 24.838 26.078 39.552 31.380 18.293 19.635

IDE

1.325

Empréstimos de LP

7.004 9.726 9.785 13.292 21.014 23.564 63.502 43.447 41.896

954 2.356 4.778 9.644 17.879 28.480 31.362 33.597

Empréstimos de CP(1) 18.346 24.358 28.161 29.656 35.773 32.196 23.047 23.291 24.842 Total

30.538 50.390 65.444 72.564 92.509 113.191 146.409 116.393 119.970

Movimento Líquido Porta-fólio

1.704 6.650 7.280 2.294 6.040

IDE

1.156

Empréstimos de LP

5.280 5.288 3.534 8.382 13.473

5.300- (1.851) 1.3504.499) 33.375- (4.856)

Empréstimos de CP(1) 6.623 6.012 3.803 1.495 6.117 (3.577) 7.931Total

2.537

374 1.738 3.615 9.124 16.219- 28.840- 29.987- 30.613 245-

7.803 1.551

14.763 18.324 16.355 15.786 34.754 22.441- 68.295- 26.726- 42.505

Fonte: Banco Central do Brasil. (1) Linhas de crédito de curto prazo + obrigações de bancos comerciais.

A análise dos diversos tipos de fluxos indica, como característica importante do movimento de capitais, a acentuação da volatilidade e da reversibilidade. Pelo Gráfico 11, que mede a rotatividade – e, portanto, a volatilidade – dos fluxos de capitais, por meio da relação Fluxo Líquido/Fluxo Bruto, percebese que a rotatividade se amplia ao longo do tempo, sobretudo após a crise asiática, para os vários fluxos, exceto para o IDE. A pequena rotatividade deste último e a sua estabilidade é que conferem à rotatividade global um padrão mais estável, pois nos demais fluxos elas se ampliam progressivamente. O aguçamento das crises marca também o surgimento da reversibilidade em todas as formas de captação: empréstimos de curto prazo em 1997, porta-fólio em 1998 e empréstimos de longo prazo em 1999. Essa característica não é observável no IDE apesar de sua estagnação em 2000 e redução em 2001.5 Po5 Dados preliminares da nota para imprensa – setor externo do Banco Central – mostram uma queda do IDE em 2001 para US$ 21 bilhões. 275

Ricardo Carneiro

de-se inferir dessa análise que a redução da absorção líquida de capitais associada ao aumento da rotatividade indica uma crescente precarização da inserção financeira do país. Esta passou a depender cada vez mais do desempenho do IDE. O arrefecimento deste último certamente aumentará a vulnerabilidade do balanço de pagamentos, como veremos nas seções seguintes.

GRÁFICO  11  –  Rotatividade dos fluxos de capitais (Líquido/Bruto). Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

O investimento direto estrangeiro A característica proeminente do investimento direto estrangeiro – IDE, quando comparado às outras formas de investimento, é a sua estabilidade, visível até mesmo nos períodos mais intensos da crise como em 1999. A ausência de volatilidade sugere que os fluxos de IDE sejam guiados por outros determinantes que não aqueles dos ganhos a curto prazo. Assim, do ponto de vista do balanço de pagamentos, enquanto durar o ciclo de investimentos externos, a consistência do IDE terá que ser avaliada não a partir da sua volatilidade ou reversibilidade,

276

Desenvolvimento em crise

mas da relação entre o aporte de recursos e a geração de um fluxo de divisas compatível com a sua remuneração. Isso nos leva a uma primeira caracterização do ciclo de investimentos diretos recente. Conforme se pode observar (Tabela 61), há uma retomada após 1994, ano a partir do qual os aportes líquidos, as conversões e os reinvestimentos vão se elevando continuamente. Essa recuperação, embora seja reflexo do contexto externo favorável, também expressa modificações internas substantivas como a intensificação das privatizações e as mudanças no marco regulatório do IDE já aludidas. A relativa independência da trajetória do IDE do ciclo de crescimento doméstico indica que este tem se movido por outras razões, inclusive de natureza patrimonial, que ganham corpo nas fusões e aquisições. Tabela  61  –  Investimento direto estrangeiro (IDE) (US$ bi), 1992-2000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 IDE (Bruto)

1,3)

0,9)

2,4)

5,5) 10,5) 18,7) 28,5) 31,4- 33,6)

  (–) Retornos

0,2)

0,6)

0,6)

1,2)

IDE (Líquido)

1,1)

0,3)

1,8)

4,3) 10,0) 17,0) 25,9- 30,0) 30,6)

0,5)

1,7)

1,4)

0,8)

2,9-

9,2) 16,3) 24,0) 25,7) 29,4)

Memória: Remessa de Lucros e Dividendos

0,4)

4,3)

2,9)

1,9-

1,2)

1,9)

1,4)

  (–) Conversão e Reinvestimento (0,1) (0,1) (0,1) IDE c/ Aporte Cambial

0,7)

2,6)

1,2)

(0,6) (1,8) (2,5) (2,6) (2,4) (5,6) (7,2) (4,0) (3,2)

Fonte: Banco Central do Brasil.

A análise do ciclo de investimentos após 1994 por meio dos dados da Tabela 61 sugere a existência de dois subperíodos. Entre 1995 e 1998, o crescente patamar do IDE é acompanhado por uma ampliação absoluta e relativa da remessa de lucros e dividendos. Em 1999 e 2000, as remessas caem significativamente, indicando uma intensificação do ciclo de investimentos externos, o que certamente está associado ao aumento das inversões em empresas adquiridas previamente, sobretudo naquelas

277

Ricardo Carneiro

privatizadas. O baixo crescimento da economia brasileira entre 1998 e 2000, ao contrário do que ocorre nos países centrais, sobretudo nos Estados Unidos, indica que o ciclo expansivo do IDE guarda maior correlação com os ciclos econômicos nos países centrais. Um outro aspecto relevante do IDE diz respeito à sua natureza, produtiva ou patrimonial, isto é, a sua concentração na criação de capacidade produtiva adicional ou na aquisição de empresas já existentes. A esse respeito há evidências de que o IDE ganhou uma forte feição patrimonial. As informações do World Investment Report da Unctad indicam uma participação crescente do investimento em fusões e aquisições ante o greenfield investment no total do IDE (Tabela 62). Em 1999 e 2000, o peso do investimento patrimonial continua elevado, apesar do esgotamento temporário das privatizações. Isso se deveu à ampliação das F&As no âmbito privado, estimulada pela desvalorização cambial pós-1999 e consequente barateamento dos ativos. Tabela  62  –  Investimento direto estrangeiro: composição, (US$ bi), 1994-2000 1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000 30,5

IDE – Líquido Total

1,8

4,3

10,0

17,0

25,9

30,0

IDE – Greenfield

0,5

1,7

5,3

4,4

1,3

20,6

7,5

IDE – Fusões e Aquisições

1,3

2,6

4,7

12,6

24,6

9,4

23,0

72,2

60,4

47,0

74,1

95,0

31,3

75,2

Fusões e Aquisições/Total (%)

Fonte: Banco Central do Brasil, Unctad (2000b).

Uma indicação a mais sobre a natureza do IDE aparece nas informações sobre o destino das inversões. Pela Tabela 63, percebe-se que os novos investimentos se concentraram, sobretudo, no setor de serviços e especialmente naqueles cuja atividade não produz divisas. É o caso de energia, gás e água, correios 278

Desenvolvimento em crise

e telecomunicações, e também a intermediação financeira, que passaram a concentrar cerca de um terço do estoque de investimento estrangeiro no país. Esses valores são um reflexo da privatização dos bancos estaduais, da Telebrás e da maior velocidade na venda das concessionárias de energia. Pode-se, portanto, falar num deslocamento de grande intensidade do fluxo de IDE, da indústria e de ramos tradables e, dentro dela – alimentos e bebidas, produtos químicos, metalurgia básica, automobilística –, para o setor de serviços que é, na sua quase totalidade, um produtor de non-tradables. A combinação da elevada participação do investimento patrimonial no total do IDE e o direcionamento para os setores non-tradables poderão criar sérios constrangimentos no balanço de pagamentos, se e quando houver uma retração de novos investimentos. Tabela  63  –  Estoque de IDE total e por setores selecionados, 1995 e 1999 Estoque 1995 Valor Agricultura Indústria   Alimentos e Bebidas   Produtos Químicos   Metalurgia Básica  Automobilística Serviços   Eletricidade, Gás e Água   Correio e Telecomunicações   Intermediação Financeira   Serviços Prestados a Empresas Total

688,6 23.402,4 2.332,4 4.747,7 2.566,2 2.851,3 18.439,0 0,2 195,1 1.254,8 11.454,9 42.530,0

Estoque 1999 %

%

1,6 55,0 5,5 11,2 6,0 6,7 43,4 0,0 0,5 2,9 26,9 100,0

1,0 30,0 3,0 6,0 n.d. 5,0 68,0 9,0 11,0 9,0 25,0 100,0

Fonte: Banco Central do Brasil. Censo de Capitais Estrangeiros.

Uma última observação diz respeito ao papel desempenhado pelo IDE no financiamento do investimento produtivo. Houve 279

Ricardo Carneiro

uma importância crescente do investimento externo quando considerado o fluxo líquido total. Se abatermos os recursos destinados à privatização, a importância cai substantivamente. A exclusão do montante destinado a fusões e aquisições demonstra uma participação restrita do IDE no esforço de investimento doméstico, o que, obviamente, não significa desprezar o papel setorial por ele desempenhado.

O investimento de porta-fólio Conforme apontado no início deste capítulo, os fluxos de porta-fólio que constituíram uma forma importante de captação de recursos durante a década caracterizaram-se por elevada volatilidade e reversibilidade. O volume de recursos que entraram sob essa forma alcança um máximo, em termos brutos, em 1997, declinando em 1999 e 2000 para patamares do início da abertura. Do ponto de vista líquido, a reversão é semelhante, porém mais intensa, como em 1998. Para esclarecer melhor as razões desse comportamento, examinamos a seguir, em detalhe, a volatilidade ao longo do tempo com destaque para os anexos e a conta de não residentes (CC-5). Para entender o comportamento instável desses fluxos, é necessário tecer algumas considerações relacionadas à sua origem e destino. A análise do perfil dos investidores no Anexo IV realizada por Prates & Freitas (1999) mostra uma grande participação de bancos (47%) e outras instituições financeiras, sobretudo fundos de investimento (32%), no conjunto dos investidores. A participação dos fundos de pensão (1,5%) é inexpressiva. Por sua vez, a procedência desses investidores está concentrada na América Central (37%) e América do Norte (32%). 280

Desenvolvimento em crise

Com base nessas informações, pode-se inferir a presença de dois tipos básicos de investidores: os fundos de investimento de origem americana e investidores individuais nacionais operando como não residentes por meio de bancos em paraísos fiscais. A implicação desse perfil é que as aplicações têm prazo mais curto quando comparadas, por exemplo, aos investimentos dos fundos de pensão ou seguradoras. Por serem oriundas de número restrito de agentes, tornam-se mais voláteis em razão da formação comum de expectativas, originando o denominado “comportamento de manada”. A utilização da CC-5 para internalizar os investimentos de porta-fólio deveu-se à maior flexibilidade no direcionamento dos recursos e ao tratamento tributário diferenciado. A esse respeito, há três períodos distintos a considerar: no período inicial da abertura, até 1995, a CC-5 tinha uma alíquota de IOF igual ou inferior aos outros instrumentos. Nessa fase, ela constituiu um importante instrumento de internalização de recursos por residentes, travestidos de não residentes, apresentando saldo positivo no segmento relativo a operações com clientes. Na fase de maior afluência de capitais em 1996/1997, a alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras – IOF foi elevada para desestimular sua utilização, implicando saldos negativos crescentes. Por fim, com as crescentes dificuldades de financiamento externo após 1997, ela foi progressivamente equiparada às outras formas de captação. As informações disponíveis indicam que a CC-5 constituiu o instrumento por excelência de expatriação de capitais tanto de famílias de alta renda quanto de empresas. Mas o seu papel foi mais amplo, como atesta o grande movimento de recursos pelas transações entre instituições financeiras. Isso demonstra que se prestou a outras tarefas, tais como os ilícitos cambiais, ou simplesmente foi usada por razões de maior flexibilidade em decorrência do menor rigor do Bacen no registro das operações relativas a essa conta. 281

Ricardo Carneiro

Tabela  64  –  Conta de não residentes (US$ mi), 1990-2000 Op. com Clientes

Op. com Inst. no Ext(1)

Total

Ingresso Remessa Saldo Ingresso Remessa Saldo Ingresso Remessa Saldo 1990

2.146

 2.351     -205  1.532

 6.019  -4.487  3.678  8.370  -4.692

1991

2.250

 1.514

-   736  4.273

 9.999  -5.727  6.523 11.513  -4.991

1992

3.624

 1.581

-2.043

 8.389  -5.598  6.416  9.970  -3.555

1993

2.844

 2.337

-   507  8.574 14.902  -6.328 11.418 17.239  -5.821

1994

4.377

 3.054

-1.322

 8.100 13.313  -5.213 12.477 16.367  -3.891

1995

6.816

 4.692

-2.124

15.659 19.706  -4.047 22.475 24.398  -1.923

1996

4.855

 6.230

-1.375

   247

13.285 -13.038  5.102 19.515 -14.413

1997

4.928

 7.609

-2.681

   640

21.843 -21.203  5.568 29.452 -23.884

1998

5.185

12.122

-6.936

 2.346 27.163 -24.817  7.531 39.285 -31.753

1999

5.446

 6.427

   -981  3.611 13.808 -10.197  9.057 20.235 -11.178

2000

6.188

79.931

-1.743

 2.792

 2.335

 9.594  -7.260  8.523 17.526  -9.003

Fonte: Banco Central do Brasil. Análise do Mercado de Câmbio. (1)  Fluxo primário de câmbio entre instituições financeiras no mercado flutuante.

Quanto ao destino, os fluxos de porta-fólio estiveram basicamente concentrados no Anexo IV – cerca de 80% – com algum peso no fundo de renda fixa – 15%. Essa composição levou a que esses recursos fossem direcionados quase que exclusivamente para a aquisição de ações no mercado secundário. Embora não haja informação detalhada sobre a aplicação da CC-5, tudo leva a crer que o padrão tenha sido o mesmo dos demais investimentos de porta-fólio. A quase exclusividade dos recursos do Anexo IV foi direcionada para compra de ações das empresas estatais em processo de privatização, o que leva a inferir que, mais do que a preocupação com o fluxo de rendimentos futuros proporcionados pela distribuição de lucros e dividendos – o que, a rigor, criaria o mesmo problema de inconsistência do IDE pela natureza dos setores –, a motivação principal desses investimentos residiu no ganho patrimonial resultante da valorização das ações. Esses ganhos ficam evidentes na Tabela 65, na qual dois aspectos

282

Desenvolvimento em crise

salientam-se: a crescente valorização até 1997 e a elevada rotatividade dos recursos. O tipo de pressão que esses processos impõem sobre o balanço de pagamentos é evidente. Mesmo em períodos de relativa calmaria, a rotatividade elevada de recursos pode ocasionar instabilidade na taxa de câmbio. Por outro lado, a rápida valorização dos investimentos, que é fruto dos mercados estreitos, ocasiona, nos momentos de reversão, sérios constrangimentos cambiais, desencadeando e aprofundando crises. Tabela 65  –  Anexo IV (US$ mi), 1991-2000 Fluxos Anuais Rotativ.(2) Estoque (1) de Ativos (%) Entradas Saídas

Saldo Mensal

Acumulado

1991



482

96

20

386

386

1992



2.967

1.652

56

1.315

1.701

1993

10.380

14.614

9.136

63

5.478

7.179

1994

20.971

20.532

16.778

82

3.754

10.933

1995

18.650

22.025

21.498

98

527

11.460

1996

23.681

22.936

19.342

84

3.594

15.054

1997

32.047

32.191

30.576

95

1.615

16.669

1998

17.365

21.887

24.349

111

-2.462

14.207

1999

19.966

11.180

9.400

84

1.128

15.335

2000

17.001

18.346

15.270

83

3.076

18.411

Fonte: Bancen. Boletim Mensal (Vários anos), Prates & Freitas (1999). (1)  A preços de mercado. (2)  Indicador de rotatividade dos recursos: saídas/entradas.

A volatilidade e reversibilidade dos fluxos de porta-fólio e suas implicações sobre as contas externas podem ser mais bem aquilatadas pelos dados mensais (Gráficos 12 e 13). No caso do Anexo IV, além da intensidade da reversão nos períodos de crise, o gráfico também indica um aumento da volatilidade dos fluxos após o início da crise asiática em meados de 1997. Não é diferente o comportamento dos recursos das contas de não residentes com o agravante de que constituem um fluxo per283

Ricardo Carneiro

manentemente negativo, cujas saídas líquidas se intensificam em períodos de crise cambial.

GRÁFICO  12  –  Volatilidade dos fluxos do Anexo IV. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

GRÁFICO  13  –  Conta de não residentes – fluxos líquidos. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

Um último aspecto relativo aos fluxos de porta-fólio diz respeito ao impacto que estes têm como fonte de financiamento adicional para as empresas que operam no país. Em tese, 284

Desenvolvimento em crise

justificar-se-ia a absorção de fundos externos como forma de aprofundar a liquidez do mercado secundário de ações e elevar as cotações, aproximando-as do seu valor patrimonial. Isso permitiria, num segundo momento, a emissão primária de ações, no mercado doméstico ou internacional – via DRs – e, portanto, o financiamento de novos investimentos por parte das empresas. Tabela  66  –  Concentração do mercado acionário à vista (%), 1991-1997

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997

A Maior

As Cinco Maiores

As Dez Maiores

41,2 54,8 50,2 40,1 50,0 61,2 55,9

75,1 74,4 71,3 69,1 71,2 75,8 72,9

81,5 81,9 80,5 77,6 80,9 84,7 81,8

Fonte: Souza (1998).

Segundo os dados apresentados por Souza (1998), embora o volume de negócios da principal bolsa brasileira tenha crescido 40 vezes em termos nominais no período de maior expansão entre 1991 e 1997 e o valor de mercado das empresas tenha se multiplicado por seis no mesmo período, isso foi insuficiente para dinamizar o mercado acionário. A maior razão parece ser, sem dúvida, a concentração dos negócios em algumas poucas empresas, as estatais privatizáveis ou privatizadas, como mostram os dados da Tabela 66. Essa concentração em torno de algumas empresas é ainda maior no caso dos investimentos de porta-fólio estrangeiros.6 6 O já citado trabalho de Prates (1999) adverte que a compra do controle acionário das empresas nacionais via IDE tem implicado um estreitamento ainda maior do mercado acionário. Via de regra as novas empresas passam a utilizar recursos próprios para financiar suas atividades, sem recorrerem, portanto, ao mercado acionário local. Não é incomum até mesmo a recompra de ações em circulação no mercado e o fechamento do capital da empresa.

285

Ricardo Carneiro

A concentração do mercado acionário em torno de poucas empresas não foi modificada pelo investimento estrangeiro de porta-fólio. A aquisição por grupos estrangeiros de várias empresas via IDE acentuou o baixo dinamismo do mercado primário de ações. Segundo os registros da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, o número de companhias abertas ampliou-se de 846 para 1.047 em 1998 e declinou desde então, chegando a 996 em 2000. O volume emitido de novas ações encolheu no período como um todo, pois passou de US$ 2,3 bilhões em 1994 para US$ 3,5 bilhões em 1998, caindo para apenas US$ 700 milhões em 2000. Uma consideração relevante no que tange ao mercado acionário diz respeito à crescente substituição do mercado doméstico pelo externo, por meio dos ADRs. Dados da CVM sobre o valor de mercado dos investimentos nos Anexos IV e V mostram que, desde meados de 1998, o último supera o primeiro. Em termos de fluxos líquidos, enquanto o Anexo IV é declinante, mostrando valores negativos em 1998 e 2000, o Anexo V mantém elevados patamares de captação apesar das oscilações.7 Apesar do desempenho superior do Anexo V (DRs) sobre os investimentos de porta-fólio no mercado acionário local, a contribuição do primeiro ao financiamento primário também foi limitada sobretudo pela excessiva concentração num número reduzido de empresas. Segundo os registros da CVM, do total de DRs emitidos, cerca de 38% foram dos níveis III e 144A, portanto envolvendo emissão primária de ações. Afora a Petrobras, cujas emissões abarcaram três quartos desses valores, algumas grandes companhias elétricas privatizadas, a Embraer e um punhado de grandes empresas respondem pelo grosso desse tipo de emissão. 7 Os fluxos líquidos para os dois instrumentos foram, em US$ bilhões:   Anexo IV   Anexo V

1998

1997

1998

1999

2000

4,9 1,2

2,6 4,2

-2,8 -3,8

1,5 1,1

-3,3 -6,3

286

287

1.588,0 4,0 520,0 13,1

318,0 8,0 358,0 2,7

3.223,0 6,0 497,0 27,9

8.031,0 4,0 500,0 69,4

11.572,0 5,0 492,0

1994

2.355,0 4,0 467,0 17,5

3.552,0 5,0 557,0 26,4

7.567,0 4,0 511,0 56,2

13.474,0 5,0 502,0

1995

2.297,0 4,0 421,0 13,5

7.606,0 7,0 493,0 44,8

7.075,0 5,0 496,0 41,7

16.978,0 6,0 474,0

1996

Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos). (1) Janeiro a agosto. (2) Pontos básicos acima de título do Tesouro Americano de igual prazo.

940,0 4,0 518,0 16,9

Setor Público   Valor (US$ mi)   Prazo Médio (Anos)   Spread % da Captação Total

7.814,0 3,0 666,0 64,3

2.747,0 6,0 595,0 22,6

2.720,0 3,0 637,0 48,8

Setor Privado Financeiro   Valor (US$ mi)   Prazo Médio (Anos)  Spread(2) % da Captação Total

12.149,0 4,0 640,0

1993

Setor Privado Não Financeiro   Valor (US$ mi) 1.912,0   Prazo Médio (Anos) 5,0   Spread 576,0 % da Captação Total 34,3

5.572,0 3,0 571,0

1992

  Valor (US$ mi)   Prazo Médio (Anos)   Spread

Discriminação Total

6.885,0 15,0 394,3 26,6

12.632,0 8,4 432,3 48,8

6.347,0 6,3 358,6 24,5

25.864,0 9,6 404,1

1997

Tabela  67  –  Emissões autorizadas de títulos no exterior, 1992-2000

8.338,0 7,0 563,0 19,3

24.202,0 9,7 548,0 56,0

10.690,0 4,6 495,0 24,7

43.230,0 7,9 538,0

1998

7.951,3 5,9 696,9 28,5

11.051,0 6,9 594,7 39,6

8.887,1 2,8 664,3 31,9

27.889,4 5,3 646,0

1999

4.066,9 4,5 638,4 25,5

5.687,3 6,5 572,6 35,7

6.193,8 2,4 710,7 38,8

15.948,0 4,4 643,0

1999(1)

12.443,3 4,2 686,3 72,0

2.526,6 4,8 542,1 14,6

2.306,6 2,4 389,0 13,4

17.276,6 4,0 625,5

2000(1)

Desenvolvimento em crise

Ricardo Carneiro

Assim, os dados apresentados confirmam que os investimentos de porta-fólio direcionados para o mercado acionário estiveram prioritariamente envolvidos num jogo patrimonial, tendo pouco impacto no financiamento interno das empresas.

O crédito de longo prazo Vimos, na caracterização inicial, que o endividamento por títulos de dívida, apesar de menos volátil, também sofreu uma intensa reversão em 1999 (Tabela 60). Outro indicador da retração desse mercado é o incremento da participação do setor público, que chega a três quartos do total no primeiro semestre de 2000 (Tabela 67). Essa é, certamente, outra indicação importante da retração dessa modalidade de financiamento, num ciclo de endividamento inteiramente dominado por captações privadas. O ano de 1997, apesar da menor absorção bruta e líquida de financiamentos ante 1998, marca o auge das captações, analisadas do ponto de vista da sua qualidade – menor spread e maior prazo. O primeiro semestre desse ano é também o momento de maior expansão do mercado de títulos para os países emergentes. A partir de então, há uma progressiva deterioração da captação cujos valores, em 1999, chegam a atingir patamares semelhantes aos do início da década, continuando deprimidos em 2000. A qualidade também se deteriora com o encurtamento de prazos e elevação dos spreads. Do ponto de vista dos agentes domésticos, o setor bancário liderou as captações até 1995, sendo sucedido pelas empresas de 1996 a 1999 e, em 2000, pelo setor público, num quadro de retração das emissões. Os bancos têm mais expertise para endividar-se externamente e, portanto, saíram na frente, mas fatores internos pesaram nessa trajetória de endividamento. Após a crise do México, a política econômica contracionista e a elevação ainda maior dos juros implicaram a crescente inadim288

Desenvolvimento em crise

plência e o maior racionamento de crédito, o que certamente se refletiu na contenção do volume de repasses pelos bancos. Assim, apesar da persistente melhora das condições de emissão pelos bancos após 1996, sua participação no total captado se retrai. Após a crise asiática em meados de 1997, a deterioração das condições de captação pelos bancos é intensa quando analisada do ponto de vista dos prazos e spreads. Entretanto, ela é menos abrupta se observada da ótica dos valores captados. Certamente o enorme diferencial de juros interno-externo contribuiu para manter as emissões num patamar elevado, apesar da piora de suas condições. Em 1999 e 2000, a piora nas condições externas – associada à instituição do regime de câmbio flutuante – derrubou as captações bancárias para patamares do início da década. Não foi distinta a evolução do endividamento pelas empresas. Apesar da liderança na captação após 1996, o volume cresce até 1998 e cai tanto quanto nas emissões bancárias por força das mesmas razões, isto é, a retração da oferta e o maior custo em razão do aumento do spread, bem como a ampliação do risco em consequência da flutuação do câmbio. Em 2000, a conjunção desses dois fatores conduz à primazia do setor público como principal agente do endividamento. Ou seja, na trajetória do endividamento, passam a prevalecer razões de ordem macroeconômica, como o fechamento das contas externas. Um aspecto adicional merece ser considerado na discussão da volatilidade dos fluxos provenientes da emissão dos títulos. A melhora progressiva da sua qualidade no que diz respeito a prazos até 1997 não deve ser tomada como indicador de maior estabilidade dessa forma de financiamento. Isso por conta da cláusula de put option presente na maioria desses títulos e que permite que o comprador exija o seu resgate antes do vencimento, em prazos intermediários previamente estabelecidos. Dados da ANBID citados por Prates & Freitas (1999) dão conta 289

Ricardo Carneiro

de que, até 1997, cerca de metade do valor das emissões possuía put option. Em 1998, essa cláusula fez parte de 75% do total de títulos emitidos. O impacto da dívida externa direta sobre o financiamento da economia foi expressivo. A rigor, esse financiamento por títulos propiciou um novo ciclo de endividamento externo da grande empresa, ou seja, tanto o crescimento dos níveis de endividamento quanto a substituição de dívida interna por dívida externa. Conforme analisado por Pereira (1999), esses recursos possibilitaram a substituição de fontes internas de financiamento mais caras, caso do capital de giro, ou de difícil acesso, como aquelas relativas ao investimento.8 Uma breve comparação das principais formas de financiamento interno com o externo mostra a relevância desse último, sobretudo nos momentos de maior liquidez do mercado internacional (Tabela 68). A atrofia do financiamento doméstico de longo prazo e a dependência dos recursos externos têm sido características marcantes do sistema financeiro brasileiro, contribuindo para a fragilidade das contas externas e a inadimplência das empresas em períodos de reversão e variações da taxa de câmbio, como o ocorrido após 1999. Tabela  68  –  Financiamento externo e interno da grande empresa (US$ mi), 1993-1999 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Títulos no Exterior

2.747 3.223 3.552

   Ações (Mercado Primário)

7.606 12.632 24.202 11.051

841 2.591 2.111

9.155

3.505

4.112

2.749

   Debêntures (Mercado Primário) 3.844 3.304 6.883

8.395

7.518

9.657

6.676

4.685 5.895 8.994 17.550 11.023 13.769

9.425

Total Doméstico

Fonte: Moreira & Puga (2000).

8 Os dados de Pereira (1999) mostram que a grande empresa amplia o seu endividamento (recursos de terceiros/recursos totais), que passa de 37,2% emem 1991 para 44% em 1996. Do total da dívida, um percentual cada vez maior diz respeito à dívida externa. O indicador dívida direta externa sobre dívida total cresce de 5,9% em 1991 para 23,3% em 1996.

290

Desenvolvimento em crise

A importância do financiamento externo na alimentação do ciclo de crédito interno por meio dos repasses bancários é indiscutível, embora tenha tido caráter limitado ou circunscrito a certos tipos de instituições financeiras e a determinados períodos. Ou seja, o grau de dolarização dos passivos bancários, sobretudo os de longo prazo, foi significativamente menor do que nos ciclos de endividamento externo pregressos (Tabela 69). O endividamento de longo prazo que constitui a base para os repasses não chegou a alcançar 10% dos passivos bancários, embora, como veremos adiante, haja diferenças significativas segundo o tipo de instituição. Tabela  69  –  Obrigações externas dos bancos privados (% do passivo), 1991-1999

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Total

Curto Prazo

Longo Prazo

19,7 21,7 27,4 20,8 18,1 20,7 18,1 18,7 20,4

 3,5 15,5 18,9 13,0  9,9 11,3 11,5  9,1 11,7

16,2  6,2  8,5  7,8  8,2  9,4  6,6  9,6  8,7

Fonte: Banco Central do Brasil. Suplemento Estatístico (Vários anos).

Os bancos públicos federais e estaduais se endividaram abaixo da média do sistema de bancos múltiplos e comerciais (Tabela 70). Os bancos privados nacionais, apesar de responsáveis por uma parcela expressiva do crédito concedido internamente, mantiveram um baixo patamar de endividamento externo. Quando o ciclo de crédito interno se reverteu após 1995, também se contraiu a captação externa. Os bancos com alguma forma de participação estrangeira tiveram maior participação do passivo externo nas suas fontes de recursos. No

291

Ricardo Carneiro

caso das filiais dos bancos estrangeiros, que são de longe as maiores tomadoras de dívida externa, não há uma correspondência entre o ciclo de crédito interno e as captações, o que sugere que parte desse endividamento tenha sido utilizada para a aquisição de ativos financeiros – títulos públicos – em razão do diferencial de rentabilidade. Essa é uma questão a examinar a seguir, no âmbito da discussão do endividamento de curto prazo. Tabela  70  –  Bancos múltiplos e comerciais: endividamento externo (%), 1994-1998 Obrigações Externas/Passivo Jun 94 Jun 95 Jun 96 Jun 97 Jun 98 Dez 98 Públicos Federais Públicos Estaduais Privados Nacionais Estrangeiros – Filial Controle Estrangeiro Participação Estrangeira Memória: Variação do Crédito (%)

9,5 5,7 11,9 24,6 28,0 18,6 n.d.

10,1 2,7 10,2 26,2 23,4 18,2 80,2

7,6 2,1 10,1 26,4 21,2 19,3 3,0

7,3 1,9 11,0 28,0 15,2 14,6 -0,6

6,3 0,5 11,8 45,6 21,0 18,3 -22,4

6,2 0,6 9,0 47,7 17,6 17,4 -4,0

Fonte: Sisbacen, apud Puga (1999).

O financiamento bancário de curto prazo No início desta seção, fez-se referência à volatilidade do financiamento bancário de curto prazo, demonstrando-se que os fluxos de capitais desse tipo mostraram-se também os de maior reversibilidade (Tabela 60). Essa característica está associada, em larga medida, ao direcionamento dessas linhas de crédito, bastante concentradas no financiamento do comércio exterior, isto é, no capital de giro de empresas importadoras e exportadoras, bem como em operações de arbitragem. No que diz respeito à volatilidade e reversibilidade, os dados sugerem claramente que estão associadas tanto às condições internacionais quanto às mudanças da situação doméstica. 292

Desenvolvimento em crise

Em 1995 e 1997, por exemplo, a reversão das linhas de curto prazo está associada às crises mexicana e asiática. Há também fatores internos que influenciaram o volume de crédito de curto prazo concedido pelos bancos. Dentre esses, cabe destacar, além do ciclo de crescimento doméstico, entre 1993 e 1997, a proibição de realização de importações financiadas num prazo menor de 180 dias em 1997 e a expectativa de mudança do regime de câmbio concretizada em janeiro de 1999. O financiamento das importações a prazos muito curtos transformava, na prática, as linhas bancárias comerciais externas em operações de financiamento de capital de giro das empresas importadoras, a um custo mais baixo do que as linhas internas. No regime de câmbio fixo, ou, mais precisamente, de taxa de câmbio fixa em termos reais, os próprios bancos e alguns grandes tomadores realizavam operações de arbitragem em razão dos diferenciais de taxas de juros, com risco reduzido. Certamente essas duas práticas tiveram relevância para o inchaço das linhas externas de curto prazo e sua superação contribuiu para a diminuição das linhas de curto prazo em US$ 11 bilhões em 1998. A participação das linhas de curto prazo nos passivos bancários declinou após 1994, indicando que os bancos foram cautelosos no seu uso como funding para o crédito interno. As indicações são de que se manteve a divisão de trabalho entre instituições estrangeiras que continuaram financiando o comércio exterior e realizando arbitragens em momentos de grandes diferenciais de juros e as instituições privadas nacionais que utilizaram as captações de médio e longo prazos para repassá-las internamente. Em nenhum momento, as linhas de curto prazo chegaram a apresentar uma participação expressiva nos passivos do conjunto do sistema financeiro doméstico, nem mesmo antes da mudança do regime cambial. Se, do ponto de vista do financiamento, conforme adiantado anteriormente, as linhas de curto prazo desempenham um 293

Ricardo Carneiro

papel essencial no que tange ao financiamento do comércio exterior e especialmente das exportações, isso se deve ao pouco desenvolvimento do sistema financeiro doméstico. Se agregarmos a essa importância a volatilidade das linhas, determinada tanto por fatores externos quanto internos, concluiremos por uma vulnerabilidade intrínseca das contas externas na ótica do financiamento de curto prazo. O regime de câmbio flutuante, ao adicionar risco às operações de arbitragem, atenuou, mas não suprimiu a volatilidade.

A desnacionalização do setor bancário Na segunda metade da década, assistiu-se a uma desnacionalização sem precedentes do setor bancário nacional. Os argumentos em favor desse processo enfatizavam a ampliação da concorrência e a introdução de inovações, bem como a superioridade dos bancos estrangeiros sobre os nacionais do ponto de vista operacional. Adicionalmente, buscava-se reduzir o papel do Estado no setor, ampliando a eficiência pela privatização de parte expressiva dos bancos públicos estaduais. A penetração de bancos estrangeiros teve impulso também em fatores conjunturais. O processo de estabilização da moeda desencadeou um ajuste de profundidade do setor em razão da perda dos lucros decorrente da intermediação da moeda indexada. Somou-se a isso o aumento da fragilidade bancária em 1995, resultante dos elevados níveis de inadimplência que decorreram da combinação entre expansão do crédito e altas taxas de juros. A junção dos dois aspectos deteriorou a situação de um conjunto expressivo de bancos públicos e privados que terminaram vendidos aos estrangeiros. A maioria dos processos de compra de bancos nacionais por estrangeiros foi realizada sob controle do Banco Central, por medidas ad hoc à revelia do Congresso Nacional, ao abri294

Desenvolvimento em crise

go do artigo 52 das disposições transitórias da Constituição de 1988. O resultado, após seis anos, é o que se pode ver na Tabela 71, uma participação crescente das instituições estrangeiras no sistema bancário nacional.

Tabela  71  –  Participação estrangeira no sistema bancário nacional (%), 1995-2000

Jun./95 Dez./95 Jun./96 Dez./96 Jun./97 Dez./97 Jun./98 Dez./98 Dez./99 Jun./00 Dez./00

Ativos Totais

Operações de Crédito

Depósitos Totais

Patrimônio Líquido

Captação Externa

10,4 11,9 14,0 13,5 17,8 21,0 24,7 22,5 23,2 25,4 27,4

6,5 7,0 9,3 10,6 9,5 9,8 7,1 21,0 20,0 22,0 25,2

7,1 9,0 6,7 8,7 13,3 16,3 17,3 17,1 16,8 17,5 21,1

15,0 18,3 16,4 16,9 20,0 25,8 25,5 26,0 25,5 25,7 28,3

34,5 41,0 44,0 39,2 37,4 45,3 48,3 50,0 38,9 41,7 42,4

Fonte: Banco Central do Brasil. Sisbacen e Dimob/Prates & Freitas (1999).

O aumento da participação estrangeira no sistema bancário nacional mostrado na Tabela 71 traz à luz outras particularidades desse subsistema de propriedade de não residentes, tais como a maior propensão ao endividamento externo e o menor comprometimento com as operações de crédito, sobretudo o de longo prazo. Até meados de 1998, havia uma clara assimetria entre a participação dos estrangeiros nos ativos totais ou patrimônio líquido e aquela referente ao crédito. Após essa data, corrige-se esse desbalanceamento em razão da expansão de bancos estrangeiros varejistas, inclusive com aquisição de bancos privados nacionais com grandes carteiras de empréstimos – compra do Banco Real pelo ABN-Amro e do Excel-Econômico pelo BBV. 295

Ricardo Carneiro

Outra assimetria na operação do subsistema de propriedade estrangeira evidencia-se na comparação entre a sua participação no total do sistema – ativos ou patrimônio líquido – e o peso de suas captações externas, o que indica que esses bancos utilizam mais intensamente o funding externo em detrimento do aprofundamento financeiro doméstico. A maior propensão ao endividamento externo dos bancos de origem estrangeira não se traduz num papel mais ativo no que tange ao crédito quando comparado ao subsistema privado nacional. Como mostram os dados da Tabela 72, o seu comprometimento com o crédito é bem inferior ao do conjunto do sistema bancário nacional – que inclui os bancos públicos, inclusive instituições especiais de crédito como o BNDES. O envolvimento desse subsistema com o crédito vai convergindo para o padrão dos bancos privados nacionais, sobretudo após 1998, com a expansão dos varejistas. Tabela  72  –  Sistema bancário nacional: concessão de crédito, 1994-1998 Créditos/Ativos (%) Sistema Bancário Nacional Bancos Múltiplos e Comerciais Privados Nacionais Estrangeiros Controle Estrangeiro Participação Estrangeira

Jun 94 Jun 95 Jun 96 Jun 97 Jun 98 Dez 98 34,3 31,8 28,7 17,9 29,8 23,1

39,3 38,7 35,3 26,3 40,3 24,2

35,7 34,2 30,2 19,6 32,0 22,8

33,6 31,3 29,0 21,9 31,8 24,9

45,1 25,0 24,4 20,6 23,6 25,7

31,5 26,9 23,8 28,0 26,4 32,7

Fonte: Sisbacen, apud Puga (1999).

O aspecto mais significativo a destacar na entrada dos estrangeiros é a sua convergência para os padrões de atuação do sistema privado nacional. Na medida em que esses bancos tomaram o lugar de bancos públicos com outro desempenho, sobretudo na concessão de crédito, conclui-se que a elasticidade do sistema ou a sua prerrogativa de criar crédito atrofiou-se. O Gráfico 14 mostra a maior alavancagem do sistema bancário 296

Desenvolvimento em crise

público ante os dois subsistemas privados, mas também constata a convergência interprivada. A combinação entre a maior propensão ao uso de fontes externas de recursos e o maior racionamento de crédito questiona a eventual superioridade do sistema de propriedade estrangeiro sobre o sistema nacional, em especial o controlado pelo setor público. Os bancos estrangeiros adaptaram-se à cultura dos bancos nacionais privados de pouca concessão de crédito, especialmente de longo prazo, além do uso excessivo da captação externa em detrimento do aprofundamento financeiro doméstico. Adicionalmente, de maneira mais radical que os bancos privados nacionais, derivam parcela crescente de seus lucros de operação de tesouraria, especialmente do carregamento de títulos da dívida pública. De acordo com análises da Austin Asis, publicadas na Gazeta Mercantil, em 1998 e 1999 a participação das receitas de tesouraria na receita bruta de intermediação financeira foi, respectivamente, de 24,9% e 31,5% para os privados nacionais e de 49,8% e 58,2% para os privados estrangeiros.

GRÁFICO  14  –  Alavancagem do sistema bancário. Fonte: Banco Central do Brasil. Evolução do SFN.

297

Ricardo Carneiro

A observação da trajetória das margens de lucro dos bancos (Gráfico 15) mostra um resultado surpreendente quando se toma em conta a tese liberal. A expectativa seria, se não de uma redução das margens, pelo menos de uma estabilidade destas por causa da intensificação da concorrência propiciada pela entrada de novos atores. Os dados, todavia, indicam uma manutenção das margens brutas (spread/taxa de empréstimo) que se deve não ao aumento da cunha fiscal ou do nível de inadimplência, mas à elevação das margens líquidas de lucro. Mostram, portanto, que a entrada de novos participantes estrangeiros não ameaçou a estabilidade do oligopólio bancário, antes consolidou-o.9

GRÁFICO  15  –  Margens de lucro dos bancos. Fonte: Banco Central: Juros e Spread Bancário (Vários números).

A esse respeito, cabe assinalar a elevação das margens líquidas de lucro dos bancos em 1999 e 2000 num contexto de taxas 9 A divulgação de informações periódicas e detalhadas sobre o spread bancário pelo Banco Central – nota para imprensa – juros e spread bancário – lança luzes sobre a estratégia dos bancos para ampliar as margens de lucro. Assim, de um lado, houve uma redução de margens nas linhas mais competitivas (vendor, aquisição de bens) e, de outro, uma ampliação naquelas nas quais predomina uma relação de clientela mais forte (cheque especial, capital de giro).

298

Desenvolvimento em crise

nominais de juros declinantes e intensa atuação do Bacen para induzir a redução dos spreads bancários. A estratégia do oligopólio bancário diante da queda das taxas nominais de juros, da redução da inadimplência e da cunha fiscal, foi manter a margem bruta e, portanto, ampliar a margem líquida.

Implicações da abertura financeira Examinam-se, a seguir, os efeitos da abertura financeira na vulnerabilidade externa da economia, bem como as suas implicações quanto ao grau de substituição monetária. Por um lado, procura-se verificar como os fluxos de capitais influíram nas contas externas, seja do ponto de vista da capacidade de pagamento do país, seja da possibilidade de resistir a ataques especulativos. Por outro, examina-se como a abertura condicionou, e de que forma, a substituição da moeda local por moeda estrangeira.

A vulnerabilidade externa Um dos resultados da abertura financeira que mais se destacaram foi o rápido crescimento do passivo externo da economia brasileira. Esse desempenho tem a sua trajetória colada ao ciclo de crédito internacional, vale dizer, aceleração até 1997 e desaceleração a partir de então. Esta última, todavia, não foi suficiente para refletir-se numa melhoria dos indicadores de endividamento medidos relativamente ao PIB em razão da desvalorização cambial em 1999. Assim, ao final do processo, podese caracterizar uma situação de grande vulnerabilidade dadas a magnitude e a natureza do passivo externo (Tabela 73). Essa vulnerabilidade possui várias dimensões das quais destacaremos as que nos parecem ser as principais. Da ótica dos estoques, evidencia-se a elevada participação do passivo de curto prazo no total. Este, após atingir a marca de um quarto de 299

Ricardo Carneiro

todo o passivo imediatamente antes da crise em 1997, cai para cerca de 15% nos anos seguintes. Como já foi demonstrado ao longo do capítulo, esse passivo está constituído pelos fluxos que possuem maior volatilidade: porta-fólio e empréstimos de curto prazo. Adicionalmente há que considerar, conforme já também salientado, que os empréstimos bancários de curto prazo estão subestimados,10 o que só agrava o problema. Outra dimensão não considerada pelos dados refere-se às amortizações não programadas da dívida externa de longo prazo. Como vimos, uma parcela crescente dessa última foi contratada com cláusula de resgate antecipado (put option). Por essa razão, o exercício da opção pode ampliar, de modo significativo e inesperado, a pressão sobre as reservas cambiais. A capacidade de o país resistir a um ataque especulativo por reversão dos fluxos de curto prazo encontra-se bastante deteriorada, como mostra o aumento progressivo da relação passivo de curto prazo/reservas internacionais. Na prática, a pressão sobre as reservas pode ser ainda maior se forem computadas as amortizações não programadas e o passivo interno público dolarizado, vale dizer, a dívida com correção cambial além da posição bancada pelo governo no mercado de derivativos de taxa de câmbio.11 Outra dimensão do problema dos estoques e que não está explícita nos dados apresentados refere-se à sua rolagem. O problema diz respeito, essencialmente, ao refinanciamento das amortizações da dívida de longo prazo em títulos. Mesmo se desconsiderarmos as cláusulas de put option que têm a capacidade 10 O Bacen registra, como empréstimos de curto prazo, aqueles com menos de um ano de prazo, tomando como base as declarações dos bancos e empresas devedores. Os registros do BIS, nos quais os empréstimos de curto prazo aparecem magnificados, tomam como referência a declaração dos bancos emprestadores. 11 A operação do governo nos mercados de câmbio futuro encerrada por força da proibição estabelecida nos acordos com o FMI após 1999.

300

Desenvolvimento em crise

Tabela  73  –  Passivos e indicadores externos da economia brasileira (US$ bi), 1992-2000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Dívida Externa de Longo Prazo Dívida Externa de Curto Prazo Investimento Direto Estrangeiro Porta-fólio   Anexos I a IV  Fundos   Anexo V Passivo Externo Bruto Reservas Internacionais/ (Liquidez) Investimentos Brasileiros no Exterior Créditos Brasileiros ao Exterior Haveres Externos dos Bancos Comerciais Ativos Externos Passivo Externo Líquido Memória PIB em Dólares Lucros e Dividendos (Líquido) Juros (Líquido) Custo Líquido do Passivo Externo Exportações Variação do PEB (%) Variação do PEL (%) Passivo Externo Bruto/PIB (%) Passivo Externo Líquido/PIB (%) PEB Curto Prazo/PEB Total (%) PEB Longo Prazo/PEB Total (%) PEB Curto Prazo/ Reservas (%) Custo Líquido/PIB (%) Custo Líquido/ Exportações (%)

110,8 114,3 119,7 129,3 142,1 163,3 220,0 214,1 206,2 25,1

31,5

28,6

30,0

37,8

36,7

23,1

27,4

30,0

60,2

62,2

65,9

72,7

85,9 106,4 132,3 164,1 197,7

0,0 0,0 10,4 25,2 41,2 53,3 40,8 50,5 46,3 0,0 0,0 10,4 21,0 27,1 32,0 17,4 22,9 17,0 0,0 0,0 0,0 4,2 6,1 3,6 2,1 0,0 1,3 0,0 0,0 0,0 0,0 8,0 17,7 21,3 27,6 28,0 196,1 208,0 224,6 257,2 307,0 359,7 416,2 456,1 480,2 23,8

32,2

38,8

51,8

60,1

52,2

44,5

36,3

33,0

3,7

3,8

4,1

4,3

4,2

5,8

9,2

9,4

12,4

6,7

6,4

6,3

6,1

7,6

7,3

12,0

6,7

6,8

5,8

8,4

15,0

8,9

11,7

9,6

7,4

7,5

6,0

40,0 50,8 64,2 71,1 83,6 74,9 73,1 59,9 58,2 156,1 157,2 160,4 186,1 223,4 284,8 343,1 396,2 422,0 387,3 429,7 543,1 705,4 775,4 804,1 834,0 555,2 595,9 0,5

1,9

2,5

2,6

2,3

5,6

7,2

4,0

3,3

7,3

8,3

6,3

8,1

9,2

10,4

12,0

15,1

14,6

7,8

10,2

8,8

10,7

11,5

16,0

19,2

19,1

18,4

35,9 n.d. n.d.

38,6 6,1 0,7

43,5 8,0 2,0

46,5 14,5 16,0

47,7 19,4 20,0

53,0 17,2 27,5

51,1 15,7 20,5

48,0 6,4 9,4

55,1 3,9 6,5

50,6

48,4

41,4

36,5

39,6

44,7

49,9

79,7

88,4

40,3

36,6

29,5

26,4

28,8

35,4

41,1

67,6

70,8

12,8

15,1

17,4

21,5

25,7

25,0

15,4

15,3

15,9

87,2

84,9

82,6

78,5

74,3

75,0

84,6

84,7

84,1

105,5

97,8 100,5 106,6 131,4 172,4 143,6 161,0 231,2

2,0

2,4

1,6

1,5

1,5

2,0

2,3

3,4

3,1

21,7

26,4

20,2

23,0

24,1

30,2

37,6

39,8

33,4

Fonte: Banco Central do Brasil, Sobeet, Anbid.

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de diminuir o período de amortização da dívida de longo prazo, a rolagem de US$ 210 bilhões no mercado de títulos, cuja natureza volátil é conhecida, pode trazer novas pressões cambiais. A substituição de parte das amortizações por fluxos adicionais de IDE tem ganhado expressão pela conversão de dívida em investimento. Seu alcance é, todavia, limitado, pois está circunscrito às empresas internacionais. Outro aspecto da vulnerabilidade externa diz respeito aos desequilíbrios de fluxos. Quando se toma a relação custo do passivo líquido/PIB, nota-se que esta vem assumindo valores progressivamente mais altos desde 1997, portanto a desvalorização cambial de 1999 apenas agravou o problema, situando a transferência de recursos líquidos no patamar de 3% do PIB. Este é, certamente, um valor muito elevado quando comparado com outros períodos históricos e expressa tanto o nível mais alto da taxa de juros quanto as novas exigências de remuneração do IDE. O indicador que mostra com maior precisão o desequilíbrio de fluxos é o do custo líquido do passivo/exportações. Crescente desde 1996, atinge cerca de 39% em 1999 e recua para 33% em 2000 por força do excepcional crescimento das exportações nesse último ano. Ao longo da década, o aumento desse indicador traduz uma taxa implícita de remuneração do passivo líquido, superior à taxa de crescimento das exportações. A implicação mais relevante desse fato é a rigidez da conta de transações correntes, na qual o peso da remuneração de capitais é crescente. Ou seja, com o custo do passivo absorvendo uma parcela crescente das exportações, diminui proporcionalmente o espaço para importação de bens e serviços e, portanto, para o crescimento doméstico.

A substituição monetária Uma das principais consequências da abertura financeira da economia brasileira foi a ampliação da substituição monetá302

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ria, ou seja, além de se ter ampliado significativamente a posse de ativos financeiros no exterior por parte dos residentes, também induziu, de forma temporária e permanente, a substituição da moeda nacional pela estrangeira em algumas operações. Os processos de substituição decorrem do hedge, arbitragem, ou especulação dos agentes com uma moeda estrangeira e sua intensidade indica a fragilidade da moeda local. Esses processos – pelo menos dentro de certos limites – resultam do aumento da conversibilidade da conta de capital, vale dizer, da ampliação de ativos e passivos denominados em moeda estrangeira. Podem ser exacerbados pelo pequeno aprofundamento financeiro na moeda local, ou seja, pela inexistência de relações de débito-crédito de valor e prazo significativos, o que conferiria às transações financeiras domésticas uma elevada liquidez e, portanto, maior flexibilidade para a substituição monetária. No caso brasileiro, pode-se constatar que a abertura pouco contribuiu para o aprofundamento financeiro. Este último deve ser medido a partir de algumas contas dos passivos e ativos bancários, dada a ausência de um mercado de capitais significativo na nossa economia. Como se depreende do Gráfico 16, houve no período mais intenso da abertura da economia brasileira, após 1994, uma redução do aprofundamento financeiro, o que está configurado na redução do crédito ao setor privado, medido como proporção do PIB, e por uma queda ainda maior da emissão de títulos bancários. Ou seja, além de conceder proporcionalmente menos crédito,12 o sistema bancário desenvolveu pouco a base de captação doméstica. 12 Se levarmos em consideração a distinção entre bancos públicos e privados é forçoso concluir que esses últimos têm um comprometimento ainda menor com o crédito. De acordo com os dados do Banco Central (evolução do SFN – www.bcb.gov.br), entre 1994 e 1999 os bancos privados controlavam cerca de dois terços do patrimônio líquido do sistema bancário nacional e foram responsáveis por aproximadamente 45% do crédito concedido.

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Dos vários argumentos utilizados para explicar o pequeno aprofundamento financeiro na economia brasileira, o mais verossímil é o da impossibilidade de constituição da yield curve. Esta, como se sabe, define a taxa de juros dos empréstimos como uma função crescente dos prazos e riscos. No caso brasileiro, a elevada taxa básica de juros no financiamento dos títulos públicos, dotados também de grande liquidez, determina que os empréstimos ao setor privado se caracterizem tanto por prazos curtos quanto por taxas de juros muito altas. Desse ponto de vista, o financiamento bancário de longo prazo ao setor privado é uma impossibilidade por causa da taxa de juros estratosférica que implicaria.

GRÁFICO 16 – Aprofundamento financeiro. Fonte: Banco Central. Boletins mensais.

Do que foi dito, cabe destacar como essencial o alto patamar da taxa básica de juros referente aos títulos da dívida pública, ou seja, ao risco zero do sistema. Todavia, como foi demonstrado no Capítulo 7, esse valor da taxa de juros está associado ao risco-país, vale dizer, à forma como se dá a determinação das taxas de juros no contexto da globalização. Não há 304

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associação unívoca entre a trajetória da dívida pública e a magnitude do risco-país determinado nos mercados globais. São vários os fatores responsáveis pela definição deste último, muitos deles associados às variações de humores dos mercados globais vinculados à trajetória das economias centrais ou a crises em outras economias emergentes. Se o pequeno aprofundamento financeiro e a vulnerabilidade externa são os elementos impulsionadores da substituição monetária, cabe verificar seus mecanismos concretos e dimensioná-la. Existem três instrumentos básicos de substituição monetária na economia brasileira: a emissão de dívida pública indexada à variação cambial; a permissão para um conjunto delimitado de empresas realizar depósitos em moeda estrangeira em instituições bancárias domésticas; e os contratos futuros de câmbio da Bolsa de Mercadorias & Futuros – BM&F, estes últimos bastante utilizados episodicamente. Das formas de substituição monetária já apontadas, a dívida pública indexada ao dólar é de longe a mais importante. Por qualquer critério que essa dívida seja medida, a sua expansão é bastante rápida, alcançando patamares elevados em 1999/2000 (Tabela 74). Há que considerar, nesse caso, duas razões distintas para ampliação da dívida dolarizada: a primeira é permanente e está associada à necessidade de hedge dos agentes; a outra é circunstancial ou especulativa e aparece em momentos de crise cambial. A necessidade de hedge em moeda estrangeira é um subproduto direto da abertura financeira e da ampliação dos fluxos de capitais. Ela resulta tanto da necessidade de proteção para residentes que assumiram passivos em moeda estrangeira quanto para não residentes que realizaram investimentos no país e precisam proteger seus lucros, dividendos ou rendimentos da variação cambial. Não é por outra razão que a dívida indexada ao dólar alcançou um patamar em torno de 10% do PIB e 20% da dívida pública total. 305

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Tabela  74  –  Dívida pública indexada ao dólar, 1994-2000 % Dívida Dez./94 Dez./95 Dez./96 Dez./97 Dez./98 Dez./99 Dez./00

% PIB

8,3 5,3 9,4 15,4 21,0 24,2 21,7

2,4 1,6 3,2 5,3 8,9 11,4 11,0

Fonte: Banco Central do Brasil. Nota para Imprensa.

% Reservas 33,5 21,7 41,3 81,6 166,8 150,3 183,1

As possibilidades de variação cambial que são magnificadas quando se trata de moedas não conversíveis determina também o crescimento de uma demanda especulativa por dívida dolarizada em momentos de turbulência cambial. O Gráfico 17 mostra o aumento da participação da dívida pública indexada ao câmbio após o primeiro trimestre de 1998, com o pico em igual período de 1999 e uma redução significativa no ano 2000, apesar de o novo patamar ser superior àquele vigente antes da mudança do regime cambial.

GRÁFICO  17  –  Dívida indexada à variação cambial. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

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O mecanismo mais recente de substituição monetária compreende a permissão para um conjunto restrito de empresas abrir e movimentar contas em moeda estrangeira em instituições bancárias domésticas. A Resolução n.2.644 do Banco Central permite que companhias dos setores de petróleo, gás natural e energia elétrica mantenham depósitos em moeda estrangeira no país em montante equivalente ao lucro bruto operacional. A medida visa a proteger o lucro das empresas de eventuais variações cambiais, tornando os investimentos mais atrativos. Não há dados públicos que permitam avaliar o significado dessa forma de substituição monetária. Outro instrumento importante de substituição monetária, embora temporário e virtual, são os contratos futuros de moeda estrangeira negociados na BM&F.13 De acordo com Farhi (2000), o volume de contratos negociados é o principal indicador da expectativa de variação cambial. Num mercado dominado por agentes privados, quando a expectativa de mudança está difundida e há uma posição majoritária, os negócios declinam, pois não é possível encontrar ofertas na outra ponta. A conclusão lógica é a de que de 1997 a 1999 o crescimento do número de contratos, diante da crescente certeza da desvalorização cambial, só ocorreu porque o governo assumiu a posição oposta aos agentes privados, ou seja, utilizou o mercado para dar proteção aos agentes privados e amenizar a pressão cambial. A proibição da participação do governo nesse mercado, por força de cláusula do acordo com o Fundo Monetário Internacional – FMI assinado em 1999, suprime a possibilidade de utilizar esses contratos como instrumento de substituição monetária 13 Entre os instrumentos existentes, o de maior relevância é o contrato futuro de dólar. Seu objeto é a variação da taxa de câmbio entre as duas moedas com acerto diário de margem. O contrato-padrão é de US$ 100.000,00 desde outubro de 1997, tendo sido antes de US$ 50.000,00, e seu prazo máximo de 24 meses.

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na medida em que, sem a participação do setor público, as apostas privadas devem anular-se. Isso, todavia, não extingue a discussão da oportunidade de atuação do governo nesse mercado, até mesmo como forma de amenizar a pressão sobre a taxa de câmbio em momentos de ataques especulativos. Ainda de acordo com Farhi (2000), pelo menos três argumentos podem ser usados em favor dessa participação: o caráter alavancado do mercado pode permitir que o Banco Central opere montantes superiores aos das reservas internacionais disponíveis; como os contratos são liquidados em moeda nacional, as eventuais perdas do governo impactam as contas públicas em moeda doméstica, mas não as reservas; a posição assumida pelo Bacen ou seu preposto pode ganhar seguidores e amenizar a pressão cambial. Em síntese, pode-se minimizar um ataque especulativo e a perda de reservas, sem o que toda pressão cambial será dirigida para a dívida pública indexada ao dólar.

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Abertura comercial, desnacionalização e dinâmica do crescimento

Da perspectiva do setor produtivo, as dimensões do processo de liberalização com maior impacto foram a abertura comercial e a desnacionalização da propriedade da qual as privatizações representaram parcela significativa. Essas modificações constituem parte importante de um paradigma de crescimento alternativo ao desenvolvimentismo. Os fundamentos deste último eram a industrialização por substituição de importações e uma ampla intervenção do Estado, da qual fazia parte um setor produtivo estatal concentrado nas indústrias de base e na infraestrutura. Para a crítica neoliberal, o desenvolvimentismo teria sido o responsável pela crescente perda de dinamismo das economias latino-americanas, especialmente no que diz respeito à incapacidade de manter o ritmo de incorporação do progresso técnico e do aumento de produtividade. A razão essencial para 309

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isso, segundo Franco (1998), foi a falta de concorrência decorrente da elevada proteção tarifária e do excesso de regulação ou presença estatal. Conforme assinalado por Miranda (2000), essa visão advogava que a proteção havia gerado uma estrutura produtiva ineficiente com excessiva diversificação e pouca competitividade internacional. Fazia parte desse quadro geral de ineficiência a exigência de níveis elevados de nacionalização e consequente integração vertical. Ademais, esse protecionismo garantia margens de lucros elevadas para as empresas a despeito da baixa produtividade. O novo modelo de crescimento colocar-se-ia como uma alternativa radical ao desenvolvimentismo ao definir a concorrência como motor primordial do processo. Ou seja, em substituição às políticas de demanda ou de garantia de mercado decorrentes do primeiro paradigma propõe-se uma política de oferta, sintetizada na ampliação da concorrência. Esse seria o mecanismo central de estímulo à incorporação de novas tecnologias, sustentando o ciclo virtuoso de aumento de produtividade e salários reais. Para realizar esse desiderato, utilizar-se-iam a abertura comercial, não necessariamente associada à valorização cambial, e a privatização. A primeira, pela rebaixa geral de tarifas e da supressão da proteção não tarifária, permitiria a entrada de novos produtores no mercado antes protegido, ampliando a concorrência. A segunda acarretaria uma gestão mais eficiente de vários segmentos produtivos via mudança de propriedade, além da eliminação de vários monopólios estatais. De acordo com Miranda (2000), supunha-se que a concorrência induziria uma rápida transformação da estrutura produtiva herdada da substituição de importações, implicando modernização das plantas em razão do barateamento dos bens de capital, mudança do mix de produtos, redução da verticalização, tudo isso na direção de uma alocação de recursos mais afinada com as vantagens comparativas da nossa economia. 310

Desenvolvimento em crise

Há alguns supostos implícitos a esse novo modelo que convém explicitar. A abertura seria uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo em que levaria uma maior concorrência nos mercados locais, também permitiria o acesso mais fácil aos mercados externos, isto é, o aumento de produtividade permitiria abrir novos mercados via aumento de competitividade. A rigor, supõe-se também que esse processo leve de fato à globalização da atividade industrial local dentro do paradigma do global sourcing. A globalização da atividade produtiva suporia a superação da dicotomia mercado interno versus mercado externo com especialização local em certos segmentos da cadeia de valor agregado. Assim, implicaria a eliminação dos esquemas tradicionais de divisão do trabalho intersetorial do tipo centro-periferia. Em síntese, a atividade industrial instalada em qualquer país visaria sempre ao mercado global e participaria nas cadeias de valor agregado de acordo com as suas vantagens comparativas que definiriam um padrão de especialização intrassetorial. Em relação a esse novo paradigma de crescimento, há algumas ressalvas iniciais a serem postas com base na nossa experiência contemporânea de desenvolvimento. Considerado o contexto histórico no qual se deu a industrialização brasileira como industrialização periférica, pode-se afirmar que a concorrência e a inovação tiveram um papel distinto na medida em que não houve, aqui, um centro autônomo de inovação tecnológica. É possível afirmar que enquanto o paradigma tecnológico se manteve relativamente estável e se pôde gozar do benefício da sua disseminação, a estratégia de internalizar novos setores produtivos e diversificar a economia revelou-se basicamente correta, dotando nossa economia de dinamismo ímpar. A estratégia da industrialização por substituição de importações seria passível de crítica em duas situações extremas: quando engendrou a criação de monopólios ou, noutro extremo, quando implicou a criação de um número excessivo 311

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de produtores. Em outros termos, com o padrão tecnológico estável, tratava-se de internalizar a produção dos bens da forma mais eficiente possível desde que o acesso às tecnologias e a escala de produção não a impedissem. Vimos, nos capítulos iniciais deste livro, que a diversificação nem sempre foi realizada da forma mais eficiente. Por exemplo, onde era necessário ganhar capacitação tecnológica, os avanços foram reduzidos. Houve também casos evidentes de setores nos quais foi criado um número excessivo de produtores ou monopólios. Contudo, essas são críticas não à estratégia em si, mas à sua condução, pois, no geral, a industrialização por substituição de importações propiciou à economia brasileira um elevado dinamismo durante décadas. Outro aspecto relevante diz respeito à dicotomia mercado interno versus mercado externo. Dadas as dimensões iniciais da economia brasileira, as sucessivas rodadas de diversificação, ou seja, de ampliação do mercado interno que caracterizaram as várias etapas da industrialização, certamente conferiram, a essa economia, dinamismo mais acentuado do que um eventual crescimento fundado na produção de algumas commodities para o mercado internacional. Em razão das dimensões continentais do país, a introversão do crescimento foi um resultado inevitável. De um ponto de vista empresarial, isso se traduziu na maior relevância das avaliações sobre a dinâmica do mercado interno vis-à-vis o mercado externo nas decisões de investimento. Pode-se, portanto, estabelecer com as devidas ressalvas que a internalização de setores cuja produção destinou-se essencialmente ao mercado interno produziu um dinamismo maior do que o padrão alternativo fundado no mercado externo. A viabilização desse modelo teve no Estado um ator fundamental. De um lado, assumindo determinadas atividades na indústria de base e infraestrutura, as quais, por razões de risco ou rentabilidade, não interessavam à iniciativa privada, de outro, as312

Desenvolvimento em crise

segurando simultaneamente, por meio de seus investimentos, oferta de bens essenciais e mercado para os empreendimentos privados. Isto posto, vejamos os efeitos produzidos pela tentativa de modificar as forças dinâmicas do crescimento brasileiro.

Abertura comercial, reestruturação produtiva e inserção externa A velocidade da abertura comercial levada a cabo no Brasil durante os anos 90 está amplamente documentada na literatura – ver, por exemplo, Holanda (1997) e Hay (1997). Conforme assinalado por esses autores, a estrutura herdada de meados dos anos 50 foi inteiramente reformulada no início dos anos 90. Desde logo, as barreiras não tarifárias – consideradas por muitos como o principal instrumento de proteção – foram inteiramente eliminadas. Foi abolido o Anexo C, uma lista da qual faziam parte cerca de 1.300 produtos com importação proibida em razão da produção de similar nacional. Os regimes especiais de importação foram reduzidos ao drawback, à Zona Franca de Manaus e ao setor de tecnologia da informação. No que tange às tarifas, implantou-se um rápido processo de redução. Num período de aproximadamente cinco anos, entre 1990 e 1994, a proteção à indústria foi drasticamente reduzida, com a tarifa alfandegária média caindo a um terço da que havia prevalecido na década anterior. A estrutura tarifária almejada em cinco anos com a reforma tarifária compreendia a redução do conjunto de tarifas para uma faixa de 0% a 40% com um valor modal de 20%. A rigor, o cronograma foi antecipado, tendo atingido as metas propostas em termos nominais já em julho de 1993. Em termos efetivos, a proteção da indústria em 1994 já havia alcançado os patamares acordados no âmbito do Mercosul e que teoricamente deveriam ser atingidos em 2006. 313

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Essas afirmações estão amparadas nas informações da Tabela 75, na qual se pode constatar para o período 1990-1994 uma redução da tarifa efetiva para todos os setores produtivos, sem exceção, e diminuição da tarifa máxima, bem como da sua dispersão setorial. Após 1995, observa-se uma reversão parcial na abertura comercial que, todavia, possuiu caráter bastante concentrado e deveu-se, sobretudo, à instituição do regime automotivo, caracterizado por uma elevação significativa da proteção no setor automobilístico, especificamente para as montadoras. Tabela  75  –  Brasil: proteção efetiva da indústria (%), 1990-2006 Média D. Padrão Mínimo Máximo

1990

1991

1992

1993

1994

1995

2006(1)

47,9 36,2 -2,3 155,8

38,8 32,2 -1,8 124,8

31,5 25,9 -2,1 98,7

23,3 17,0 -2,0 75,1

15,4 10,3 -1,9 44,6

25,2 50,8 -1,9 270,0

16,0 10,2 -1,7 53,1

Fonte: CIEF/MF e CTT/DECEX/MEFP, apud Holanda (1997). (1) Tarifa externa comum do Mercosul.

Embora não constitua parte do processo de liberalização, a valorização cambial há de ser considerada como um fator essencial nesse processo em razão da sua duração. Pode-se argumentar que, diferentemente da abertura cujo efeito direto é o barateamento das importações, a apreciação do câmbio, além de produzir esse resultado, tem efeitos diretos sobre os preços e, portanto, competitividade das exportações. A utilização de um regime de câmbio fixo no Brasil e a consequente valorização do câmbio por um período de cinco anos somou-se à abertura como importante determinante das transformações na estrutura produtiva e inserção externa. Como se vê pela Tabela 76, durante a maior parte da década de 1990, assistiu-se a uma valorização sistemática das taxas de câmbio real e efetiva. A taxa em relação ao dólar 314

Desenvolvimento em crise

apreciou-se rapidamente em 1994 e a partir daí manteve o mesmo patamar até a desvalorização e posterior flutuação em 1999. O movimento de apreciação foi mais acentuado perante as outras moedas relevantes (taxa efetiva), porque as moedas da Eurolândia e do Japão se desvalorizaram diante do dólar. As outras moedas relevantes na Ásia mantiveram-se atreladas ao dólar e, portanto, se desvalorizaram perante o real na mesma proporção dessa moeda. Tabela  76  –  Índices das taxas de câmbio, 1990-2000 1992 = 100 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Real/Dólar

Efetiva

 79,6  91,9 100,0  98,3  85,0  67,7  66,0  68,4  72,0 109,8 107,7

 78,4  89,0 100,0  94,7  83,0  69,9  65,3  62,9  65,0  98,2  89,6

Fonte: Bacen, apud Indicadores DIESP (Vários anos).

Abertura comercial e reestruturação produtiva O sentido geral da mudança produzida pela abertura foi o de uma especialização da estrutura produtiva presente na elevação do coeficiente importado de 5,7% em 1990 para 20,3% em 1998. A contrapartida dessa especialização deveria ter sido uma ampliação do coeficiente exportado capaz de compensar a perda de mercados domésticos, o que, todavia, não ocorreu, pois este último elevou-se de 8% em 1990 para 14,8% em 1998 (Tabela 77). A velocidade com a qual essa especialização ocor315

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reu foi acentuada após 1994 com a combinação da abertura e valorização do câmbio. Tomando-se o coeficiente importado como indicador da especialização, percebe-se a sua evolução extrema no caso dos bens de capital, setor no qual as importações passam de 20% da produção doméstica em 1990 para 100% em 1998. Nas indústrias de bens duráveis, material de transporte e intermediários elaborados, a especialização também foi significativa, possuindo pouca expressão nos bens de consumo e nos intermediários não elaborados. Os dados setoriais confirmam o padrão observado para o conjunto da indústria, qual seja, a apreciação do câmbio após 1994 acelera o processo. Essa especialização, cujo significado maior foi a perda de densidade produtiva nos setores responsáveis pela reprodução do capital, marca um antagonismo claro com o processo histórico de crescimento da economia brasileira cuja trajetória, até os anos 80, havia sido a diversificação e a redução da dependência de importações, incluindo os setores de meios de produção. Significa também que o crescimento da economia nacional passa a depender mais fortemente das importações e, portanto, da qualidade de sua inserção externa. Do ponto de vista do coeficiente de abertura, as mudanças foram bem menos significativas, ou seja, a especialização não acarretou ganhos proporcionais de mercados externos e, para o conjunto da indústria, o mercado interno continuou a ser de longe o principal destino da produção. Não houve, portanto, uma correlação significativa entre a ampliação da abertura e o aumento da especialização (importação/produção), o que invalida, pelo menos como regra geral, o paradigma da globalização produtiva suposto pela teoria neoliberal. Convém também notar a pouca influência da valorização cambial sobre a trajetória do coeficiente de abertura cuja evolução após 1994 é quase igual à do período anterior. 316

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No setor produtor de bens duráveis, o coeficiente exportado aumentou significativamente e na mesma ordem de grandeza do importado. Nesse caso, tudo leva a crer que houve algum tipo de especialização intraindustrial no setor. Atente-se para a pouca sensibilidade que esse processo revela ante a valorização cambial, pois o grande aumento do coeficiente exportado ocorre após 1994. Como apontado por Laplane & Sarti (1997), a estratégia de sourcing das grandes empresas transnacionais no âmbito do Mercosul mostrou-se como elemento decisivo para esse desempenho. O setor de bens de capital, a despeito da grande especialização, ampliou o coeficiente exportado. Há indicações da preservação de um segmento de montagem que destina uma parcela significativa da produção para os mercados regionais. No setor material de transporte, foi também relevante o aumento desse coeficiente. Nessa performance, há influência significativa do setor automotivo e dos mercados regionais, com exceção da montagem de aviões pela Empresa Brasileira de Aeronáutica – Embraer que se destina a mercados mais amplos. No caso desses setores, a influência da valorização cambial foi menos significativa em comparação aos demais. Apesar da especialização promovida pela abertura, alguns segmentos do setor de meios de produção e de duráveis foram preservados e tiveram seus coeficientes de exportação ampliados em razão da escala de produção interna e da possibilidade de acessar os mercados regionais. As transformações apontadas têm várias implicações. A primeira e mais importante delas é a diminuição das relações intersetoriais da economia brasileira. Na sua operação corrente e, mais ainda, na sua reprodução, as articulações entre os vários ramos produtivos foram reduzidas. Ou seja, o padrão de crescimento fundado no adensamento das relações interdepartamentais foi desarticulado. Adicionalmente, ao declínio da importância do mercado interno não correspondeu uma ampliação 317

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do papel do mercado externo, à exceção de uns poucos segmentos produtivos. Tabela  77  –  Coeficientes de penetração (importações/ produção) e abertura (exportações/produção) da indústria brasileira, por categoria de uso (em %), 1990-1998 1990 1994 1998 Coeficientes de Penetração (%) Bens de Consumo Não Duráveis Bens de Consumo Duráveis Bens Intermediários Elaborados Bens Intermediários Bens de Capital Equipamento de Transporte Total da Indústria

2,8 8,9 6,1 2,7 19,8 3,0 5,7

4,2 12,2 11,8 7,1 33,2 11,4 10,4

7,9 29,3 21,9 10,5 100,3 23,2 20,3

Coeficientes de Abertura (%) Bens de Consumo Não Duráveis Bens de Consumo Duráveis Bens Intermediários Elaborados Bens Intermediários Bens de Capital Equipamento de Transporte Total da Indústria

7,9 12,7 10,1 7,0 7,7 10,5 8,8

9,2 13,2 15,1 11,8 14,5 12,5 12,2

10,7 32,7 16,5 10,1 24,2 20,4 14,8

90/98

90/94

94/98

Variação Absoluta (%) 5,1 20,4 15,8 7,8 80,5 20,2 14,6

1,4 3,3 5,7 4,4 13,4 8,4 4,7

3,7 17,1 10,1 3,4 67,1 11,8 9,9

Variação Absoluta (%) 2,8 20,0 6,4 3,1 16,5 9,9 6,0

1,3 0,5 5,0 4,8 6,8 2,0 3,4

1,5 19,5 1,4 -1,7 9,7 7,9 2,6

Fonte: IBGE, apud Moreira (1999).

O que foi dito anteriormente pode ser visto de maneira mais detalhada na análise dos dados elaborados pelo BNDES (1999) a partir de metodologia criada pela OCDE, a qual agrupa os gêneros produtivos de acordo com a intensidade de fator, discriminando os setores intensivos em: tecnologia, capital, mão de obra, recursos naturais. Pelos dados da Tabela 78, observa-se uma especialização ou perda de densidade das cadeias produtivas nos setores que usam mais intensamente tecnologia e capital com impacto menor no setor dependente de mão de obra e desprezível naquele com uso intensivo de recursos naturais. 318

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Tabela 78 – Coeficientes de penetração (M/P) e abertura (X/P) por intensidade de fator (%), 1990-1998 1990 Setores Intensivos em: Tecnologia Capital Mão de Obra Recursos Naturais

1994

1998

Coeficientes de Penetração (%) 9,8 9,9 2,0 3,4

16,8 13,5 5,6 6,0

44,1 24,2 11,7 8,1

Coeficientes de Abertura (%) Tecnologia Capital Mão de Obra Recursos Naturais

10,0 7,9 6,4 12,7

13,6 9,6 9,7 16,0

23,2 11,4 13,3 18,8

90/98

90/94

94/98

Variação Absoluta (%) 34,3 14,3 9,7 4,7

7,0 3,6 3,6 2,6

27,3 10,7 6,1 2,1

Variação Absoluta (%) 13,2 3,5 6,9 6,1

3,6 1,7 3,3 3,3

9,6 1,8 3,6 2,8

Fonte: IBGE, apud Moreira (1999).

O que se pode concluir dos dados agregados é que a abertura provocou uma perda de elos das cadeias produtivas nos setores industriais dinâmicos fundados no uso mais intenso de tecnologia e capital. Nos demais segmentos, intensivos em trabalho e recursos naturais, a especialização foi menos significativa, embora não desprezível no primeiro. A importância da valorização cambial na definição do ritmo da penetração de importações fica evidenciada quando se utiliza o corte por intensidade de fator. Ela é de grande relevância nos setores mais intensivos em tecnologia e capital, como mostram os dados da Tabela 78. Como esperado, a ampliação dos coeficientes de abertura dos setores situou-se muito aquém dos coeficientes de penetração. A exceção ficou por conta do setor intensivo em tecnologia, no qual houve um aumento importante, relativo e absoluto, na parcela exportada da produção. Nesse caso, a valorização cam-

319

Ricardo Carneiro

bial não foi obstáculo, pois o maior aumento do coeficiente ocorreu após 1994. A combinação das informações setoriais – por uso e intensidade de fator – permite concluir que a abertura acompanhada da valorização do câmbio promoveu uma reestruturação produtiva de grande significado na economia brasileira. Setores de alta intensidade de tecnologia e capital, via de regra localizados nos segmentos produtores de bens de capital, intermediários elaborados ou consumo duráveis, realizaram uma expressiva especialização. Apenas uma parcela desses mesmos segmentos produtivos foi preservada e ampliou a sua inserção externa. Ao revés, os setores intensivos em recursos naturais e trabalho, predominantemente produtores de bens de consumo correntes e intermediários convencionais, mantiveram-se mais diversificados e ampliaram moderadamente a inserção externa. Em resumo, há claras indicações de uma especialização regressiva na economia brasileira com a ampliação do peso dos setores intensivos em recursos naturais e trabalho e redução da importância – com exceções – dos intensivos em tecnologia e capital. O detalhamento da análise mostra que, no setor intensivo em tecnologia, o coeficiente de penetração elevou-se de forma diferenciada em três grupos de indústrias: com maior intensidade no principal ramo dos eletroeletrônicos, seguido das máquinas e equipamentos e, por fim, do segmento de material de transporte (Tabela 79). Dos três segmentos, o único no qual o coeficiente exportado também se amplia com intensidade é no de material de transportes. As informações permitem identificar a consolidação de segmentos produtores de veículos leves e pesados e a montagem de aviões, com inserção externa significativa. Em correspondência com isso, o peso do setor no Valor da Transformação Industrial – VTI amplia-se durante a década, passando de 8,7% para 14,1% (Tabela 80).

320

Desenvolvimento em crise

Tabela  79  –  Coeficientes de penetração e abertura setoriais por intensidade de fator (%), 1990-1998 Coeficiente de Coeficiente de Penetração Abertura 1990 1998 Var. Abs. 1990 1998 Var. Abs. 1990/98 1990/98 Setores Intensivos em Tecnologia   Material de Transporte Fabricação de Outros Veículos Motores e Peças para Veículos Indústria da Borracha Automóveis, Utilitários, Caminhões e Ônibus Tratores e Máq. Rodoviária, Incl. Peças e Acessórios   Eletroeletrônico

22,6 8,0

69,1 34,7

46,5 26,7

24,7 18,7

71,5 34,7

46,8 16,0

5,1 0,2

23,3 18,4

18,2 18,2

7,4 6,3

9,7 14,3

2,3 8,0

3,0

20,0

17,0

18,1

38,1

20,0

Material, Aparelhos Eletrônicos e de Comunicação Condutores e Outros Mat. Elétricos Excl. para Veículos Ap. e Equip. Elétricos, Incl. Eletrod. e Máq. de Escritório Apar. Receptores de Rádio e TV e Equip. Som   Máquinas e Equipamentos

20,4

160,7

140,3

4,9

19,3

14,4

11,6

32,8

21,2

6,5

8,9

2,4

3,8

14,2

10,4

9,2

23,0

13,8

6,3

14,1

7,8

9,3

13,0

3,7

Maq. Equip. e Inst. Incl. Peças e 23,7 Acessórios Equip. para Produção e Distri9,5 buição de Energia Elétrica

100,8

77,1

8,4

23,6

15,2

57,9

48,4

6,5

20,8

14,3

56,6

93,9

37,3

25,5

31,7

6,2

9,7 9,8 14,9

16,5 41,5 36,6

6,8 31,7 21,7

1,8 11,0 1,8

2,3 15,8  2,0

0,5 4,8 0,2

5,1 2,8 4,5

16,2 13,4 9,9

11,1 10,6 5,4

3,5 4,3 8,2

8,7 2,0 9,9

5,2 -2,3 1,7

0,7

5,2

4,5

0,2

1,0

0,8

Setores Intensivos em Capital   Química Elem. Químicos Não Petroquímicos ou Carboquímicos Indústria Farmacêutica Resinas, Fibras e Elastômeros Adubos, Fertilizantes e Corret. Solo Produtos Químicos Diversos Refino de Petróleo Petroquímica Básica e Intermediária Laminados Plásticos

321

Ricardo Carneiro Continuação

Coeficiente de Coeficiente de Penetração Abertura 1990 1998 Var. Abs. 1990 1998 Var. Abs. 1990/98 1990/98  Intermediários Metalurgia dos Não Ferrosos

7,5

24,2

16,7

24,2

34,6

10,4

Outros Produtos Metalúrgicos

2,3

11,9

9,6

5,3

8,9

3,6

Papel, Papelão e Artefatos

3,0

11,0

8,0

8,4

12,2

3,8

Celulose e Pasta Mecânica

5,3

11,0

5,7

55,1

66,5

11,4

Siderurgia

1,6

6,8

5,2

17,7

29,9

12,2

Fundidos e Forjados de Aço

1,1

6,2

5,1

1,5

5,2

3,7

Outros Produtos de Miner.

2,2

5,6

3,4

5,0

8,4

3,4

0,1

1,6

1,5

0,7

1,2

0,5

0,2

0,9

0,7

0,4

0,4

0,0

1,6

20,2

18,6

1,9

6,0

4,1

3,7

19,5

15,8

9,1

12,2

3,1

Outras Indústrias Têxteis

1,2

13,0

11,8

7,1

13,8

6,7

Artigos do Vestuário e

0,5

8,0

7,5

1,4

3,2

1,8

0,5

4,6

4,1

24,7

56,3

31,6

Vidro e Artigos de Vidro

6,0

16,3

10,3

4,7

9,2

4,5

Ind. de Perfumaria, Sabões

1,6

6,9

5,3

1,1

2,9

1,8

1,2

6,4

5,2

0,9

2,6

1,7

de Papel

Não Metálicos Peças e Estr. de Concreto, Cimento e Fibrocimento Cimento e Clínquer

Setores Intensivos em Mão de Obra   Têxtil e Calçados Fiação e Tecelagem de Fibras Artificiais ou Sintéticas Benef. Fiação e Tecel. de Fibras Naturais

Acessórios Calçados   Outros

e Velas Artigos de Material Plástico

Setores Intensivos em Recursos Naturais  Alimentar Moagem de Trigo Refino de Óleos Vegetais e Fab.

21,7

52,4

30,7

0,1

0,6

0,5

1,5

6,7

5,2

7,8

5,3

-2,5

2,3

7,1

4,8

43,8

35,2

-8,6

2,8

6,7

3,9

0,0

0,1

0,1

de Gorduras p/ Alimentação Conservas de Frutas, Legumes, Incl. Sucos e Condimentos Resfriamento e Prep. do Leite e Laticínios

322

Desenvolvimento em crise Continuação

Coeficiente de Coeficiente de Penetração Abertura 1990 1998 Var. Abs. 1990 1998 Var. Abs. 1990/98 1990/98 Outras Ind. Alimentares Indústria de Bebidas Abate e Prep. de Aves Indústria do Café Ind. do Açúcar Abate de Animais (Excl. Aves e Prep. de Carnes)   Outras

4,0 4,5 0,0 0,0 0,0

7,8 5,1 0,1 0,1 0,0

3,8 0,6 0,1 0,1 0,0

4,4 1,4 14,3 13 17,4

4,4 1,4 21,1 16,7 43,7

0,0 0,0 6,8 3,7 26,3

6,9

4,9

-2,0

6,3

14,5

8,2

Indústria do Fumo Indústria da Madeira Fabricação de Alimentos para Animais

0,1 2,3

2,2 6,9

2,1 4,6

2,2 23,9

20,8 61,9

18,6 38,0

0,5

1,5

1,0

8,3

1,6

-6,7

Fonte: IBGE, apud Moreira (1999).

Nos demais segmentos, o aumento de coeficiente exportado, com expressão em bens duráveis de consumo e alguns tipos de máquinas, não foi suficiente para evitar a perda de peso na estrutura industrial. A indústria mecânica, que abriga a maior parcela da fabricação de máquinas e equipamentos, tem queda de participação de 8,2% em 1990 para 3,5% em 1999. Da mesma maneira, o setor de material elétrico e de comunicação diminui de 7,3% para 4,9% em igual período. Assim, é imperioso concluir que a abertura promoveu uma especialização no setor intensivo em tecnologia com a preservação e aumento do peso do segmento produtor de material de transporte, certamente em razão das escalas de produção domésticas, e declínio dos eletroeletrônicos e máquinas e equipamentos. Nos setores intensivos em capital, há uma distinção básica entre a química e os intermediários. No primeiro caso, houve uma expressiva ampliação do coeficiente importado no segmento de química fina (elementos químicos...) e alguns ramos da orgânica (resinas…) e inorgânica (fertilizantes), sem o correspondente aumento do coeficiente exportado. Como via de regra 323

Ricardo Carneiro

esses são setores de maior sofisticação tecnológica, conclui-se pela especialização do setor nos demais segmentos, representativos da química básica ou intermediária. Nestes últimos, tanto o coeficiente importado quanto o exportado pouco aumentaram. Confrontando esses dados com aquele da participação setorial, conclui-se que a ampliação do peso da química no valor agregado industrial deveu-se aos ramos básicos. No segmento de intermediários, tanto a elevação dos coeficientes importados quanto dos exportados esteve abaixo da média da indústria, demonstrando uma relativa estabilidade na estrutura. É perceptível, todavia, uma diminuição de diversificação nos setores de maior valor agregado, como metalurgia dos não ferrosos e papel e papelão. Do ponto de vista da participação no produto da indústria, a situação é diferenciada. À exceção do segmento de minerais não metálicos, todos os demais segmentos perdem peso no VTI. Essa perda é menos significativa em papel e papelão, de 3,5% para 2,5% e muito expressiva na metalúrgica, de 17,7% para 9,5%. Esse conjunto de informações permite concluir que a indústria intensiva em capital passou por um duplo ajuste: uma especialização nos segmentos de tecnologia mais avançada, como alguns ramos da química, e um encolhimento generalizado em vários subsetores de bens intermediários. Nesse caso, pode-se concluir que a abertura combinada com a valorização do câmbio promoveu a supressão dos produtores mais frágeis numa ampla gama de segmentos. A indústria intensiva em mão de obra assistiu a uma elevação generalizada e expressiva dos coeficientes importados com destaque para o complexo produtor de tecidos e vestuário e, sobretudo, na fiação e tecelagem. Essa maior especialização não se traduziu em aumento de coeficiente exportado. Este último ampliou-se apenas na indústria de calçados, apesar de o coeficiente de penetração não ter se alterado. Como resultado do aumento generalizado de importações, esses setores perdem participação no VTI. Na têxtil, ela cai de 5,2% 324

Desenvolvimento em crise

em 1990 para 3% em 1999. No segmento de vestuário e calçados, a redução é de 4,2% para 3,1% no mesmo período e deve-se, sobretudo, ao primeiro. Esse resultado não deixa de ser surpreendente para um setor no qual a economia brasileira possuía sólidas vantagens comparativas. Ao que tudo indica, estas se mostraram efetivas diante da abertura apenas no setor de calçados, cuja dependência, no Brasil, da base de recursos naturais é conhecida. Tabela  80  –  Participação no VTI por gênero de indústria (em %), Anos selecionados Gêneros

1990

Minerais Não Metálicos Metalúrgica Mecânica Mat. Elétrico e de Comunicações Material de Transporte Madeira Mobiliário Papel e Papelão Borracha Couros e Peles Química Farmacêutica Perfumarias, Sabões e Velas Produtos de Matéria Plástica Têxtil Vest., Calç. e Artigos de Tecido Produtos Alimentares Bebidas Fumo Editorial e Gráfica

2,3 17,7 8,2 7,3 8,7 0,3 0,1 3,8 3,0 0,1 19,9 1,4 0,7 1,0 5,0 4,2 10,2 1,1 1,0 2,0

1994

1999

2,9 11,5 4,5 7,7 18,0 0,3 0,1 3,6 1,5 0,1 20,8 1,9 2,3 0,7 3,2 2,8 11,7 1,9 1,3 1,8

4,1 9,5 3,5 5,0 14,1 0,7 0,2 2,6 1,7 0,2 25,3 2,0 2,6 0,7 3,0 3,1 15,0 2,4 1,5 1,6

Fonte: FIBGE. Anuário Estatístico, apud Siqueira (2000).

Por fim, nos setores de maior uso de recursos naturais nos quais estão presentes os segmentos produtores de commodities agroindustriais, e nos quais a economia brasileira possui vantagens comparativas absolutas, não houve alteração substancial dos coeficientes de penetração, exceto na moagem de trigo; e 325

Ricardo Carneiro

o coeficiente de exportação ampliou-se moderadamente, com exceção da indústria da madeira, fumo e açúcar. Nesse conjunto, o grande destaque é para a indústria alimentar (produtos alimentares + bebidas), cujo peso no VTI salta de 11% para 17% entre 1990 e 1999. As mudanças da estrutura industrial do país se fizeram inequivocamente em duas direções; a mais importante delas foi a da ampliação da fatia dos setores intensivos em recursos naturais e a consolidação de um segmento produtor e exportador de material de transporte, classificado como intensivo em tecnologia. O peso das escalas de produção nacional para o setor automotivo e da tradição da Embraer na montagem e comercialização de aviões foi decisivo. Houve também uma perda de participação de diversos segmentos intensivos em capital e em trabalho. De tudo isso, resultou uma estrutura produtiva muito menos diversificada do que no início da década e, não fora pelo segmento de material de transporte, concentrada em segmentos de pouco dinamismo. Com as exceções já apontadas, a indústria brasileira tendeu a concentrar-se naqueles segmentos direta ou indiretamente dependentes da base de recursos naturais.

Abertura comercial e inserção externa Dimensões do saldo comercial Os efeitos das transformações da estrutura produtiva sobre a inserção externa da indústria, vistos pelo saldo de comércio exterior, foram muito expressivos. Considerando-se a taxa de comércio,1 nota-se que, para o setor industrial como

1 A taxa de comércio mede, para cada setor, a relação entre exportações e importações. Valores maiores do que 1 indicam que na sua operação corrente o setor gera saldos comerciais. Valores menores do que 1 indicam déficits.

326

Desenvolvimento em crise

um todo, as importações passam a superar as exportações após 1994. Nos segmentos produtores de bens de consumo e intermediários simples, as exportações mantiveram-se superiores às importações. Já naqueles ramos cuja produção concentra-se nos bens de capital e insumos elaborados, a taxa de comércio deteriorou-se sensivelmente (Tabela 81). Tabela  81  –  Taxa de comércio e saldo comercial* por categoria de uso, Anos selecionados 1990

1994

1998

Taxa de Comércio (X/M) Bens de Consumo Não Duráveis Bens de Consumo Duráveis Bens Intermediários Elaborados Bens Intermediários Bens de Capital Equipamento de Transporte Total da Indústria

2,8 1,4 1,7 2,6 0,4 3,5 1,5

Bens de Consumo Não Duráveis Bens de Consumo Duráveis Bens Intermediários Elaborados Bens Intermediários Bens de Capital Equipamento de Transporte Total da Indústria

5,1 3,8 4,0 4,3 -12,1 7,5 3,1

2,2 1,1 1,3 1,7 0,4 1,1 1,2

1,4 1,1 0,8 1,0 0,2 0,9 0,7

Saldo Comercial (X-M)/P 5,0 1,0 3,3 4,7 -18,7 1,1 1,8

2,8 3,4 -5,4 -0,4 -76,1 -2,8 -5,5

Fonte: IBGE, apud Moreira (1999). * em % da produção do setor.

Visto o desempenho pelo ângulo do saldo comercial, nota-se que este último tornou-se globalmente negativo após 1994, mas atingiu valores muito elevados no setor de bens de capital. Aliás, cabe assinalar que a deterioração do saldo setorial nesse e em outros setores é anterior à valorização cambial, como em bens duráveis, intermediários elaborados e material de transporte. Pode-se concluir, dessas evidências, que a indústria bra-

327

Ricardo Carneiro

sileira, após a abertura, passou a operar permanentemente com déficit comercial cuja participação no valor da produção tende a ampliar-se na fase de aceleração do ciclo econômico. Vista a questão pelo ângulo da intensidade de fator, a deterioração fica ainda mais evidente. Desde o início da década, a taxa de comércio vem declinando em todos os segmentos. Após 1994, a queda é mais intensa apenas nos setores intensivos em trabalho e recursos naturais, indicando que estes sofreram mais intensamente os efeitos da valorização cambial. Apesar disso, ao final da década, as exportações superam as importações apenas nos últimos setores, ocorrendo o contrário com aqueles intensivos em capital e tecnologia cuja sensibilidade à abertura foi mais intensa (Tabela 82). Tabela  82  –  Taxa de comércio e saldo* por intensidade de fator, Anos selecionados

Setores Intensivos em:

1990

1994

1998

Taxa de Comércio (X/M)

Tecnologia Capital Mão de Obra Recursos Naturais

1,0 0,8 3,2 3,7

Tecnologia Capital Mão de Obra Recursos Naturais

0,2 -2,0 4,4 9,3

0,8 0,7 1,7 2,7

0,5 0,5 1,1 2,3

Saldo Comercial (X-M)/P (*) -3,2 -3,9 4,1 10,0

-20,9 -12,8 1,6 10,7

Fonte: IBGE, apud Moreira (1999). * em % da produção do setor.

Considerado o saldo comercial de cada setor, vê-se um crescimento inusitado do déficit nos intensivos em tecnologia e em capital. Já nos demais, a deterioração não chega a produzir resultados negativos. Todavia, cabe notar a concentração do superávit nos segmentos intensivos em recursos naturais e o equilíbrio naqueles com maior intensidade de trabalho, ou 328

Desenvolvimento em crise

seja, com a atual estrutura produtiva da indústria brasileira, os setores mais dinâmicos (capital e tecnologia) são deficitários e os tradicionais (recursos naturais e trabalho), superavitários. Do conjunto das informações analisadas, pode-se inferir a existência de um déficit comercial estrutural na economia brasileira, como resultado da reestruturação produtiva induzida pela abertura combinada com a apreciação cambial. Os setores deficitários concentram-se naqueles segmentos de maior elasticidade de renda da demanda, ocorrendo o oposto com os superavitários. Os primeiros também se localizam predominantemente nos setores vinculados à operação corrente (consumo e intermediários básicos), enquanto os últimos concentram-se nos segmentos vinculados à operação ampliada (bens de capital). Por essa dupla razão, o déficit comercial é função crescente da taxa de crescimento do PIB. A análise do saldo comercial, tomando os seus valores e distribuição ao longo do tempo, é bastante esclarecedora. Desde logo, a redução e conversão do superávit em déficit é marca da década. Desse ponto de vista, nem a desvalorização cambial em 1999 combinada com o baixo crescimento após 1998 reverte as mudanças estruturais, o que fica evidente quando se considera a composição dos setores superavitários. No início da década, cerca de um terço do superávit era gerado pela indústria intensiva em escala ou capital cuja participação foi declinando ao longo do tempo, interrompida pela desvalorização cambial de 1998. O mesmo ocorre com as indústrias intensivas em trabalho, de forma que, ao final da década, o saldo comercial brasileiro concentra-se em boa medida (80%) nos segmentos intensivos em recursos naturais (Tabela 83). O fato de a parcela do saldo recuperar-se após a desvalorização cambial atesta a importância da combinação de abertura e câmbio no desempenho desses setores. Para os intensivos em escala ou capital, produtores de commodities industriais (siderúrgica, papel e celulose, metalurgia de não ferrosos), a valorização prejudicou as exportações, dada a importância da 329

Ricardo Carneiro

concorrência em preços. Já em casos dos intensivos em trabalho (complexo têxtil e vestuário), a apreciação do câmbio junto com a abertura promoveu uma enxurrada de importações. Cabe assinalar também que a indústria intensiva em tecnologia e os fornecedores especializados não são globalmente superavitários, apesar de apresentarem saldos positivos em alguns ramos importantes, como material de transporte. Nesses setores, o saldo, além de localizado, é também proporcionalmente menor, pois o conteúdo importado da produção é muito mais elevado do que nas demais atividades geradoras de superávit. Tabela  83  –  Saldo total por setor produtivo, Anos selecionados Valor (US$ mi)

Participação no Saldo (%)

1992

1994

1998

Indústria Intensiva em Escala

2000 1992 1994 1998 2000

6.699

4.289

7

2.557

32

23

0

15

Rec. Naturais: Ind. Agroalimentar

3.661

3.428

3.236

4.198

18

18

25

2

Indústria Intensiva em Trabalho

3.278

2.647

-316

1.042

16

14

-2

6

Primários Agrícolas

2.932

4.517

4.256

4.691

14

24

33

28

Rec. Naturais: Ind. Intens. em Outros Rec. Agrícolas

1.859

2.408

3.016

2.404

9

13

24

14

Primários Minerais

1.635

1.367

2.316

1.828

8

7

18

11

Rec. Naturais Ind. Intens. em Rec. Minerais

555

-167

-1.922

-1.205

3

-2

-8

-6

Rec. Naturais: Ind. Intens. em Rec. Energéticos

-377

-949

-1.920

-3.117

-5

-9

-8

-15

Fornecedores Especializados

-821

-2.801

-8.636

-6.752

-11

-25

-37

-31

Indústria Intensiva em P&D

-1.473

-3.533

-6.895

-5.435

-20

-32

-30

-25

Primários Energéticos

-4.618

-3.606

-3.440

-4.935

-63

-33

-15

-23

Total

13.330

7.600 -10.298

-4.724

100

100

100

100

Fonte: IEDI (2001).

330

Desenvolvimento em crise

O déficit comercial também se modificou do ponto de vista dos setores geradores. Em 1992, os energéticos (essencialmente petróleo) respondiam por dois terços deste e a indústria intensiva em tecnologia e fornecedores de bens de capital, por cerca de um terço. Com a consolidação da abertura, cresce o peso desses últimos setores cuja contribuição para o déficit chega à casa dos 70% em 1998, caindo um pouco após a desvalorização. A forma como se processou a abertura, isto é, a sua velocidade, abrangência e ausência de salvaguardas, num contexto internacional de significativas mudanças tecnológicas, teria que conduzir a esses resultados. Dificilmente o peso do déficit será deslocado desses segmentos,2 em razão das escalas de produção necessárias e do controle da tecnologia. Dinâmica das exportações e importações As transformações da estrutura produtiva e do saldo comercial observadas nos anos 90 se fizeram acompanhar de performances distintas das exportações e importações com estas últimas apresentando taxas de crescimento que foram o dobro das primeiras. A comparação com as outras regiões do mundo dimensiona melhor essa assimetria. Do ponto de vista das exportações, o crescimento situou-se na média mundial, mas bem abaixo dos demais países em desenvolvimento. As importações cresceram o dobro da taxa mundial e sensivelmente acima dos outros grupos de países (Tabela 84). Informações mais atualizadas demonstram que a flutuação e desvalorização de câmbio após 1999 alteraram marginalmente a dinâmica das exportações. Estas continuaram a se expandir muito abaixo daquelas dos países em desenvolvimento. Porém, as mudanças cambiais 2 Dados do IEDI (2001) mostram que três setores concentram a quase totalidade do déficit: eletroeletrônico, química e bens de capital.

331

Ricardo Carneiro

combinadas com a desaceleração do crescimento doméstico inverteram a trajetória das importações. Tabela  84  –  Comércio exterior do Brasil e regiões do mundo (% ao ano) 1990/1998 Mundo Desenvolvidos Em desenvolvimento  Ásia   América Latina  Brasil

1999/2000

Exportações

Importações

Exportações

Importações

6,2 5,6 8,4 10,0 8,5 6,3

6,5 6,1 7,9 8,7 12,5 13,4

8,0 n.d. n.d. 14,0 13,5 7,3

8,5 n.d. n.d. 15,5 12,5 -3,2

Fonte: Banco Central do Brasil, Unctad e WTO.

Do ponto de vista dos mercados de destino das exportações brasileiras, houve significativas mudanças durante a década. Pode-se perceber que ocorreu uma troca da importância entre os mercados cujo sentido foi o de diminuir o peso dos países desenvolvidos. Em compensação, ampliou-se a relevância dos países de regiões mais pobres, especialmente do Mercosul e do restante da América Latina (Tabela 85). A análise das exportações por tipo de produto realizada pela Cepal (1999) mostra que a perda de mercados nos países desenvolvidos concentra-se nos itens mais elaborados da pauta, ou seja, bens de capital e insumos elaborados. De forma simétrica, é exatamente nesses produtos que se amplia a participação das exportações em direção aos menos desenvolvidos. Os dados sugerem, portanto, que a ausência de dinamismo das exportações brasileiras está ligada tanto à incapacidade de ampliar a diversificação da pauta quanto às mudanças nos principais mercados de destino, isto é, a venda de produtos de maior dinamismo concentrou-se em países mais pobres, enquanto, para os países mais ricos, destinou-se uma parcela crescente dos produtos menos dinâmicos. 332

Desenvolvimento em crise

Tabela  85  –  Origem e destino dos fluxos de comércio externo (%), Anos selecionados Destino das Exportações Estados Unidos EU Ásia (Excl. Or. Médio) Subtotal Mercosul ALADI (Excl. Mercosul) OPEP Resto do Mundo Total

Origem das Importações

1990 1994 1998 2000

1990 1994 1998 2000

 24,2  32,4  16,8  73,4   4,2   6,2   5,7  10,5 100,0

 21,3  22,3   8,5  52,1  11,2   6,5  21,8   8,4 100,0

 20,2  28,0  16,2  64,4  13,6   8,8   4,0   9,2 100,0

 19,1  28,8  11,0  58,9  17,4   8,8   5,4   9,5 100,0

 23,9  26,8  11,5  62,2  14,0   9,4   4,5   9,9 100,0

 20,2  27,1  15,0  62,3  13,7   5,6  10,0   8,4 100,0

 23,4  29,2  13,7  66,3  16,3   5,1   5,5   6,8 100,0

 23,1  25,2  15,4  63,7  14,0   6,9   9,0   6,4 100,0

Fonte: MDIC (Intercâmbio comercial brasileiro por blocos e países).

No caso da origem das importações, observam-se também modificações relevantes. A primeira delas é o aumento da participação dos países desenvolvidos, que, segundo a Cepal (1999), ocorreu de maneira generalizada nos diversos tipos de produtos. De outra parte, temos o recuo expressivo da área da Opep por conta da redução do preço do petróleo e o surgimento de outras áreas entre os países em desenvolvimento, especialmente Mercosul e Sudeste Asiático, que ocuparam esse espaço (Tabela 85). O conjunto de informações sugere a constituição, nos anos 90, de duas importantes assimetrias no comércio exterior brasileiro. As importações, que cresceram substancialmente mais rápido durante a década, originam-se crescentemente das áreas desenvolvidas. Já as exportações, com dinamismo acentuadamente menor, dirigiram-se cada vez mais para os países em desenvolvimento, especialmente para as áreas mais pobres. Nas relações comerciais com os países ricos, nossas importações concentraram-se em bens de maior conteúdo tecnológico – insumos 333

Ricardo Carneiro

elaborados e bens de capital –, enquanto as exportações constituem, sobretudo, commodities agrícolas ou industriais. Com os países pobres, diversificamos as importações e concentramos as exportações em bens mais sofisticados, especialmente bens de capital. Em síntese, pode-se concluir que nas relações com os países ricos regredimos para um sistema de relações de intercâmbio do tipo centro-periferia clássico. Já com o restante da periferia, em especial a latino-americana, consolidamos um perfil de relacionamento comercial oposto àquele construído com o centro. As informações sobre composição da pauta de exportações e importações são reveladoras do perfil de integração externa da economia brasileira na década. Nas primeiras, a única grande modificação diz respeito à consolidação de um setor exportador intensivo em tecnologia, já assinalado anteriormente e, como vimos, concentrado no segmento de material de transporte. Afora isso, o perfil das exportações manteve-se praticamente inalterado, incluindo uma alta concentração nos setores intensivos em recursos naturais e bens intermediários intensivos em escala. Note-se também que a desvalorização cambial de 1999 tem pouca influência sobre esse perfil (Tabela 86). No âmbito das importações, as mudanças foram mais significativas. Com a queda do preço do petróleo e da participação dos energéticos, as indústrias intensivas em tecnologia e fornecedores especializados passam a liderar a pauta de importações, secundadas pela indústria intensiva em escala. No caso das primeiras, a desvalorização cambial não muda a tendência. O que se pode concluir do conjunto dos dados é que a estrutura do comércio exterior brasileiro refletiu fielmente as mudanças ocorridas na estrutura produtiva, com exportações concentradas em setores de menor conteúdo tecnológico, ocorrendo o inverso com as exportações.

334

Desenvolvimento em crise

Tabela  86  –  Composição das exportações e importações (%), Anos selecionados Exportações (%) Indústria Intensiva em Escala Indústria Agroalimentar Indústria Intensiva em Trabalho Agrícolas Fornecedores Especializados Minerais Ind. Intens. em Rec. Minerais Ind. Intens. em Outros Rec. Agrícolas Indústria Intensiva em P&D Ind. Intens. em Rec. Energéticos Energéticos Total

1992

1994

1998

2000

 26  13  13  12  9  8   7   6   4   2   0 100

 24  14  12  15  10   6   6   7   4   2   0 100

 24  12  10  16   9   8   6   9   6   1   0 100

 21  11  11  14   9   7   7   7  12   1   0 100

Importações (%)

Energéticos Fornecedores Especializados Indústria Intensiva em P&D Indústria Intensiva em Escala Ind. Intens. em Rec. Minerais Agrícolas Indústria Intensiva em Trabalho Minerais Indústria Agroalimentar Ind. Intens. em Rec. Energéticos Ind. Intens. em Outros Rec. Agrícolas Total

1992

1994

1998

2000

 21  18  13  12   9   7   6   5   5   4   2 100

 10  19  14  17   8   6   7   4   8   5   2 100

  6  22  16  20   8   6   9   3   5   4   2 100

  9  20  20  15   8   4   8   3   3   7   2 100

Fonte: IEDI (2001).

Abertura e estrutura da propriedade: desnacionalização e privatização O processo de abertura comercial e financeira da economia brasileira e a redefinição da participação do Estado por meio das privatizações deram ensejo a uma importante mutação na estrutura da propriedade das empresas. As razões gerais para

335

Ricardo Carneiro

que isso tenha ocorrido, no plano internacional, foram referenciadas no Capítulo 7. A principal delas foi, sem dúvida, a grande expansão do IDE e o aumento das fusões e aquisições transfronteiriças observado depois de meados dos anos 80 e que atinge os países em desenvolvimento nos anos 90. Conforme assinalado no Capítulo 7, o motivo principal para a expansão do IDE foi a financeirização da riqueza e a busca de valorização patrimonial pela compra integral de empresas ou de participações acionárias. Há, todavia, razões ligadas à esfera produtiva e da concorrência e que dizem respeito à redefinição do oligopólio global. Ou seja, o processo de reconcentração da propriedade e da cristalização de novas configurações oligopolistas com escala global tem sido também um importante definidor da forma e direção do IDE. Do ponto de vista produtivo, as fusões e aquisições (F&As) respondem à necessidade de as empresas centrarem-se num número menor de atividades – core business –, nas quais são mais competitivas e têm maior capacidade de inovação. Outra razão invocada para as F&As é a possibilidade de ganhar rapidamente fatias de mercado pela absorção de concorrentes ou mesmo ter acesso a novos mercados pela aquisição de marcas com tradição local. Aponta-se ainda a desregulação de determinados setores, incluindo a privatização, como elemento de aceleração do processo. Em síntese, razões relativas ao aumento da capacidade de inovação tecnológica, desregulamentação e ampliação da concorrência são indicadas como definidoras das motivações das F&As. As razões já apontadas são relevantes, mas não dão conta de motivações essenciais do processo e menos ainda das suas consequências. De uma perspectiva geral, pode-se afirmar que as F&As traduzem uma tendência inerente ao capitalismo, qual seja, a da centralização dos capitais. Isso implica a redução do número de produtores em cada um dos ramos da economia e, temporária ou permanentemente, na redução da concorrência. 336

Desenvolvimento em crise

Desse ponto de vista, os problemas mais graves estão na área de serviços públicos, anteriormente estatais, que foram privatizados, atividades cuja natureza favorece a formação de monopólios privados em substituição aos públicos. Há aspectos ainda menos virtuosos nos processos recentes de F&A e que dizem respeito ao caráter especulativo de uma parcela expressiva dessas transações. A especulação caracteriza-se quando a operação de F&A tem outros objetivos que não o de ampliar os fluxos de rendimentos ou de lucros, seja pela inovação ou mesmo pelo fortalecimento do poder de mercado. Nesse caso, o intuito é adquirir uma empresa para vendê-la adiante a preços mais elevados, o que, em geral, ocorre por meio de seu desmembramento. Da perspectiva dos países da periferia do sistema capitalista, o processo de F&A tem duas especificidades: o peso maior das operações transfronteiriças comparativamente àquelas realizadas no âmbito doméstico e um desequilíbrio entre compras e vendas. Ao contrário dos países centrais, nos quais há uma interpenetração patrimonial com um relativo equilíbrio entre compras e vendas nas operações entre os distintos países, nos periféricos vende-se muito mais do que se compra, caracterizando-se assim um intenso processo de desnacionalização da propriedade das empresas. Esta última constatação põe por terra a ideia de que, no âmbito dos países periféricos, as F&As, cujo conduto principal é o investimento direto estrangeiro, sejam uma via de mão dupla que termine por levar a uma multinacionalização das empresas locais. Os dados para o Brasil são bastante eloquentes a esse respeito: de acordo com Unctad (2000), no triênio 1997-1999, para cada um dólar de investimento realizado por empresas brasileiras no exterior, foram internalizados 10 dólares de investimento de empresas estrangeiras no país. Assim, nos anos 90, ocorre um expressivo crescimento das fusões e aquisições na economia brasileira. Como se pode no337

Ricardo Carneiro

tar pela Tabela 87, desde 1993 o número de F&As transfronteiriças cresce significativamente, mantendo-se entre metade e um terço de todas as transações desde então. Entre 1996 e 1998, triênio no qual ocorrem grandes privatizações (telecomunicações e setor elétrico), assiste-se a um aumento substancial das operações comandadas pelo capital estrangeiro. Tabela  87  –  Fusões e aquisições de empresas no Brasil, 1992-2000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Número de Transações Total Domésticas Transfronteiriças

58 21 37

150 68 82

175 94 81

212 130 82

328 167 161

372 204 168

351 221 130

309 208 101

353 230 123

Valor de Transações (US$ mi) Total Domésticas Transfronteiriças Total

7.188 11.701 12.203 18.889 23.904 28.250 36.515 6.718 10.475 10.852 17.128 17.371 16.186 7.139 470 1.226 1.351 1.761 6.533 12.064 29.376 7.188 11.701 12.203 18.889 23.904 28.250 36.515

n.d. n.d. n.d. n.d. 9.357 23.013 n.d. n.d.

Fonte: KPGM/Unctad (2001).

Os valores das operações de F&A indicam a verdadeira dimensão da participação do capital estrangeiro nesse processo, crescente até 1998, acompanhando a intensificação do processo de privatizações. A queda em 1999 certamente está ligada ao declínio das vendas das estatais. Já o retorno de valores elevados em 2000 mostra a relevância das transações interprivadas, ou seja, indica que o processo foi muito além da compra de empresas privatizadas. Os setores nos quais ocorreram essas F&As foram bastante variados. Em termos de valor, houve uma concentração expressiva nos serviços de utilidade pública privatizados, especialmente telecomunicações e energia elétrica. O setor financeiro, como já mostrado no Capítulo 8, foi objeto de uma privatização e desnacionalização significativas, vindo a seguir em termos de importância. Nos setores metalurgia e siderurgia, extração de minerais, 338

Desenvolvimento em crise

e química e petroquímica, houve também o predomínio de privatizações. Todavia, conforme se pode observar no Gráfico 18, foi muito diferenciada a gama de setores nos quais as F&As atingiram valores significativos no âmbito privado.

GRÁFICO  18  –  Fusões e aquisições no Brasil (1991-1999). Fonte: Miranda (2000).

Fica sugerido pela caracterização do processo de F&A que houve também uma desnacionalização expressiva da economia brasileira e que não se ateve aos limites do setor privatizado, espraiando-se por uma ampla gama de segmentos produtivos. Tomando o caso das 100 maiores empresas como ilustração do ocorrido, percebe-se que houve um substancial crescimento da importância da empresa estrangeira com um recuo expressivo do setor estatal e também da grande empresa familiar nacional (Tabela 88). A presença dos grupos privados nacionais ampliou-se apenas nas empresas de propriedade compartilhada ou dominante, em geral ex-estatais privatizadas, nas quais dividem o controle com grupos estrangeiros. É pouco provável que nesses 339

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casos detenham posições hegemônicas ou que possam resistir a uma nova onda de concentração. Nos anos 90, assistiu-se ao desmonte do antigo padrão de crescimento assentado no tripé empresa estatal-empresa multinacional-empresa nacional privada. A nova configuração da propriedade realça o peso da grande empresa estrangeira. Certamente, a equação das decisões de investimento dessas empresas é distinta das empresas locais em razão mesmo da sua inserção global. Além disso, o processo foi inerentemente concentrador, ampliando a presença dos oligopólios globais no Brasil. Isto posto, trata-se de examinar em que medida essa nova configuração é capaz de dotar o capitalismo brasileiro de significativas taxas de crescimento.

Tabela  88  –  Distribuição das 100 maiores empresas por tipo de propriedade, Anos selecionados Tipo de Propriedade Estrangeira Compartilhada Estatal Familiar Dispersa Cooperativas

1990 Número 27,0 5,0 38,0 27,0 1,0 2,0

1995 % da

Receita

Número

26,0 4,0 44,0 23,0 0,0 2,0

31,0 15,0 23,0 26,0 3,0 2,0

1998 % da

Receita 38,0 10,0 30,0 17,0 2,0 2,0

Número 34,0 23,0 12,0 26,0 4,0 1,0

% da Receita 40,0 19,0 21,0 17,0 3,0 0,0

Fonte: BNDES (1999).

Dinâmica do crescimento Visto pela taxa de crescimento do PIB, o desempenho da economia brasileira durante a década de 1990 pode ser caracterizado como medíocre. Com valor em torno de 2,7% a.a., um 340

Desenvolvimento em crise

pouco acima dos 2,3% a.a. da década anterior, representa menos da metade da taxa média do período 1930-1980 e cerca de um terço daquela do período 1950-1980. Essa performance reflete, por sua vez, a trajetória do investimento. Mesmo comparados à década anterior, sabidamente um período de estagnação, os níveis de investimento são muito baixos.3 Além disso, a avaliação do investimento nessa década mostra outra característica relevante, os ciclos de breve duração. Há três ciclos de investimento no período com picos da taxa de inversão e duração de cerca de seis meses em 1995, 1997 e 2000.4 A composição setorial da taxa de investimento na década de 1990 não mostra, aparentemente, alteração significativa. Todavia, a análise detalhada dessa composição (Tabela 89) aponta mudanças importantes, como a queda do peso da construção civil não residencial, reflexo do pouco dinamismo dos investimentos em infraestrutura, bem como a ampliação da participação do componente importado nos gastos totais com máquinas e equipamentos. Infere-se dessas informações o menor poder de encadeamento do investimento durante a década. A redução do peso da construção civil não residencial, num contexto de baixa taxa global de investimento, traduz o pequeno dinamismo do investimento em infraestrutura. De acordo com Ipea (2000), os gastos no conjunto desses setores, cujo declínio já se iniciara nos anos 80, acentuam-se na atual década. De uma média de 5,4% do PIB nos anos 70, reduzem-se para 3,7% nos 80 e 2,2% nos 90.

3 Os dados trabalhados pelo Ipea (1998) mostram que, por qualquer critério de mensuração da taxa de investimento, a preços de 1980 ou a preços de 1995, ela é inferior na última década. A redução média nos anos 90 perante os 80 é de cerca de 5% do PIB, por qualquer um dos critérios. 4 Os dados trimestrais da taxa de investimentos do IBGE localizam esses picos no primeiro semestre de 1995, no segundo semestre de 1997 e no último semestre de 2000.

341

Ricardo Carneiro

Tabela  89  –  Taxa de investimento a preços correntes (% do PIB), 1990-1996

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total

Construção

Máquinas e Equipamentos

Outros

20,7 18,1 18,4 19,3 20,7 20,5 19,3 19,9 19,7 19,1 19,4

13,3 11,9 12,3 13,0 13,4 12,8 13,0 13,6 13,8 13,2 13,1

6,9 5,7 5,0 5,1 6,0 6,5 5,3 5,3 5,0 4,8 5,3

0,5 0,5 1,2 1,2 1,3 1,3 1,0 1,0 0,9 1,0 1,1

Fonte: Ipeadata, apud IBGE.

Do ponto de vista da indústria, autores como Bielschowsky (1999) e Miranda (2000) apontam o caráter de modernização – remoção de gargalos e aumento de produtividade – desses investimentos, concentrados em aquisição de novos equipamentos para atualização tecnológica e mudanças de layout sem significativas adições de capacidade produtiva, o que explica, em parte, por que a taxa de investimento não se ampliou substancialmente. Outra razão foi a elevação significativa do componente importado das máquinas e equipamentos. Estes, além de mais eficientes, tornaram-se mais baratos tanto por conta do progresso tecnológico quanto em razão da valorização cambial, entre 1994 e 1998. O conjunto dos dados sobre a taxa de investimento indica a ocorrência de dois fenômenos: uma desarticulação do ponto de vista dos macrossetores indústria e infraestrutura, e também uma redução do encadeamento intrassetorial na própria indústria em razão do aumento da participação das máquinas e equipamentos importados. O comportamento peculiar do investimento na década, ou seja, a taxa global reduzida e os ciclos

342

Desenvolvimento em crise

de curta duração, encontra explicação nesse novo padrão de articulação no qual sobressai a menor capacidade de encadeamento do gasto autônomo, seja em razão da sua concentração – em termos de setores ou conteúdo – ou por conta do vazamento para o exterior. Uma análise desagregada dos principais subsetores da indústria e infraestrutura pode esclarecer melhor esse ponto. Tabela  90  –  Composição do investimento (%), 1990-1999 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Não Residencial

Residencial

Nacional

Importado

49,8 47,6 45,3 43,1 40,9 38,7 44,2 44,2 44,2 44,2

50,2 52,4 54,7 56,9 59,1 61,3 55,8 55,8 55,8 55,8

89,4 78,6 74,9 75,5 74,7 68,7 65,0 58,7 59,4 54,1

10,6 21,4 25,1 24,5 25,3 31,3 35,0 41,3 40,6 45,9

Fonte: Ipeadata, apud IBGE.

O investimento na indústria Informações analisadas por Bielschowsky (1999) para o período 1994-1997 servem como ilustração para o comportamento do investimento industrial na década. Desde logo, mostram que o investimento esteve concentrado em alguns ramos industriais, ou seja, o dinamismo entre os ramos foi bastante diferenciado, o que exprime também a desarticulação ou baixa capacidade de encadeamento entre os setores (Tabela 91). Os segmentos industriais, nos quais os investimentos se expandiram acima da média histórica, foram beneficiados pelo excepcional aumento da demanda doméstica após a estabilização ou, em menor escala, pela constituição de uma base exportadora, naqueles cujo investimento declinou comparativamente a pe-

343

Ricardo Carneiro

ríodos anteriores, ou o peso da concorrência das importações foi excessivo ou a expansão para o mercado externo foi obstaculizada pela apreciação cambial ou, ainda, as novas escalas de produção e controle da tecnologia impediram a internalização do setor. Tabela  91  –  Composição do investimento na indústria (%) 1970-1988 Siderurgia/Metalurgia Material de Transporte Alimentos Material Elétrico e Eletrônico Plásticos Farmacêutica  Subtotal Química Mecânica Não Metálicos Papel e Celulose Têxtil Borracha  Subtotal Outros Total

18,3 7,8 10,1 4,4 2,3 1,7 44,6 16,6 7,4 6,1 4,1 6,1 1,2 41,5 13,8 100,0

1995-1997 22,8 13,4 11,2 4,6 3,6 1,8 57,4 10,0 5,1 4,0 3,0 5,8 0,9 28,9 13,8 100,0

Fonte: Bielschowsky (1999).

O setor de material de transporte foi o que mais ampliou a participação na taxa de investimento. Há pelo menos três grandes segmentos com dinamismo diferenciado. Em primeiro lugar, a montagem de aviões, concentrada em jatos de alcance regional, atividade na qual a Embraer consolidou a participação no mercado global. Na automobilística (veículos leves), a abertura permitiu atrair para o país outros produtores do oligopólio global, ampliando internamente a concorrência e o investimento. No entanto, o segmento automobilístico foi um dos poucos que conseguiram um aumento da proteção tarifária via insti344

Desenvolvimento em crise

tuição do regime automotivo. Esse aumento de proteção teve vigência apenas para as montadoras, mas não para a produção de partes e peças, protegendo o mercado do produto final, mas permitindo o sourcing das empresas. No segmento de veículos pesados – ônibus, caminhões, tratores –, houve, de acordo com MDIC (1998), uma estagnação da produção doméstica e das exportações associada tanto ao pequeno crescimento do mercado doméstico quanto ao das economias regionais para as quais se dirigem nossas exportações. Assim, há evidências de que o aumento do investimento do setor automotivo tenha se concentrado na indústria automobilística e, mais precisamente, nas montadoras, possuindo, pela sua menor amplitude, menor poder irradiador. No setor de material elétrico e eletrônico, que abriga diversos segmentos produtivos, as razões para o aumento do investimento estiveram circunscritas à ampliação de capacidade no segmento de bens de consumo associada ao crescimento do mercado interno. O destaque da expansão foi para o segmento de utilidades domésticas eletrônicas (linha branca + linha marrom). Nos demais – equipamentos industriais, equipamento de energia elétrica, telecomunicações, automação industrial, informática –, o aumento do coeficiente importado substitui produção interna por importações. A abertura não afetou negativamente o subsetor de utilidades domésticas, dada a sua proteção pelos custos de transporte – elétricos – ou imperfeições de mercado, como marcas, clientelas e redes de assistência. Conforme salientado por Bielschowsky (1999), os coeficientes de abertura ampliaram-se, sobretudo pelo aumento da importação de partes e componentes. Observa-se aqui, portanto, o mesmo padrão anterior de ampliação de capacidade na ponta montadora, com a já referida diminuição dos efeitos de encadeamento. A siderurgia/metalurgia recebeu um importante estímulo da demanda derivada por chapas de aço para produzir bens du345

Ricardo Carneiro

ráveis. Todavia, esses efeitos benéficos de ampliação do mercado interno foram em parte compensados pela redução do saldo comercial do setor. Outros estímulos igualmente importantes provieram das mudanças na estrutura de propriedade e de mercado. A privatização iniciou um processo de mudança de propriedade e de busca de nichos de mercado que ainda está em curso, o que determinou um aumento da concorrência e de investimentos, independentemente das condições correntes de mercado. Do ponto de vista das articulações, o setor manteve-se altamente integrado com a base de matérias-primas e a produção de semielaborados, todavia reduziu essas articulações na compra de equipamentos. O setor de alimentos manteve inalterada a sua participação no investimento na indústria, situando-se na fronteira dos setores dinâmicos. Essa indústria passou por grandes modificações nos anos 90. Desde logo, foi o setor industrial no qual houve o maior número (o terceiro em valor) de fusões e aquisições (Gráfico 18). Considerando que essas últimas foram transações realizadas exclusivamente dentro do setor privado, pode-se ter uma ideia das mudanças ocorridas na estrutura da propriedade. O sentido geral dessa modificação foi a ampliação da atuação do oligopólio global no país por meio de maior presença de marcas mundiais. Os efeitos dessas mudanças sobre o investimento foram menores do que o esperado, por duas razões: a rápida estabilização do oligopólio e a perda de mercados potenciais. Os ganhos de mercado decorrentes do aumento de consumo foram parcialmente anulados pelo aumento expressivo do coeficiente importado em determinados setores, especialmente aqueles não protegidos por imperfeições de mercado ou custos de transporte elevados. Um exemplo significativo do impacto da estrutura de propriedade e de mercado sobre o investimento é o da farmacêutica. Apesar da grande ampliação da demanda interna após a estabilização e da manutenção dos coeficientes de comércio, o 346

Desenvolvimento em crise

setor investe apenas moderadamente, porque é dominado por um oligopólio estável que reproduz os principais atores do oligopólio mundial. Perante o rápido crescimento da demanda, houve duas respostas: aumento moderado do investimento e acréscimo de preços. Por fim, o setor de plásticos, no qual houve uma ampliação expressiva dos investimentos, é constituído na sua maioria da indústria de embalagens, que possui uma oferta bastante atomizada. Essa estrutura de propriedade e mercado desconcentrada induziu o expressivo aumento do investimento diante do crescimento da demanda. A química é um setor de grande peso na produção e investimento, mas esse último teve um declínio relativo bastante significativo na década. Dado o tamanho do setor, a explicação para esse desempenho requer que se especifiquem pelo menos três subsetores: o setor de química inorgânica, a petroquímica e a química fina. O primeiro segmento é produtor de bens intermediários a partir da base de matéria-prima e constitui-se, em geral, como um setor bastante concentrado. Possui, no Brasil, um coeficiente importado significativo por ausência de uma base de matérias-primas adequada, sobretudo em fertilizantes. Na petroquímica, houve importante mudança na estrutura da propriedade por meio do processo de privatização. Como ressalta IEDI (2000), a saída da Petrobras do setor deixou os grupos nacionais expostos a uma intensa concorrência externa, o que tem levado a uma desnacionalização e uma segunda rodada de concentração, dessa feita, reproduzindo uma estrutura mais semelhante à do oligopólio global. Apesar dos problemas relativos à falta de escala e grau de centralização do capital em alguns segmentos, os investimentos na petroquímica responderam pela maior parcela de inversões do setor. Vimos nas seções iniciais que na química fina, que produz com maiores requerimentos de tecnologia e capital, a produção nacional foi praticamente desestruturada por causa da concor347

Ricardo Carneiro

rência das importações. De acordo com a Abiquim, por essa razão os saldos comerciais do setor são crescentemente negativos, aumentando de US$ 1,2 bilhão em 1990 para US$ 6,3 bilhões em 1999. Em resumo, também na indústria química observa-se um padrão de investimento bastante desarticulado, com concentração em determinados segmentos. A perda de importância do investimento da indústria mecânica era previsível em razão da desestruturação do setor de bens de capital resultante da abertura comercial. Conforme Bielschowsky (1999), no segmento sob encomenda, a produção de equipamento pesado aumentou pouco por causa do baixo dinamismo do investimento em infraestrutura. No segmento de produtos para telecomunicações e informática, o grande aumento da abertura transformou a indústria nacional em simples montadora. No segmento de bens seriados, que envolve tecnologia sofisticada e escalas de produção elevadas, tradicionalmente a produção doméstica tem pouca expressão. No caso dos minerais não metálicos, do qual o cimento é o principal ramo produtor, houve pouca mudança na estrutura da propriedade sem conduzir, portanto, a alteração no elevado grau de oligopolização da produção. Adicionalmente, o mercado interno se expandiu pouco em face do pequeno dinamismo da construção civil. Esse crescimento ainda foi minimizado em razão da concorrência das importações que, num setor bastante protegido por custos de transporte elevados, só se ampliou por causa da valorização da taxa de câmbio. A indústria têxtil representa um exemplo extremo da situação exposta. Poucas modificações na estrutura da propriedade vista pela ótica da entrada de novos produtores, mas modificações relevantes se consideradas as saídas. A avalanche de importações provocou uma perda de mercados internos e externos, determinando o encolhimento do setor na maioria de seus segmentos. O setor só esboça alguma recuperação após o estabelecimento de cotas de importação após 1995. 348

Desenvolvimento em crise

No segmento produtor de papel e celulose, a desvalorização foi extremamente danosa, pois implicou uma redução substancial do saldo comercial e induziu níveis de investimento muito baixos. Esse setor, no qual os mercados externos, apesar de complementares, representam uma parcela significativa da demanda, apresentou um desempenho medíocre durante a década. O mesmo vale para segmentos de perfil semelhante na área de bens intermediários. É possível concluir que o padrão observado para o investimento, quando tomado de forma agregada ou macrossetorial, vale ainda mais para os setores ou subsetores, ou seja, uma diversidade muito grande de comportamento. Esta se deveu aos ritmos bastante diferenciados do crescimento dos mercados interno e externo, mas também à perda de capacidade de retroalimentação dos gastos correntes e de investimento por insuficiência dos efeitos de encadeamento.

O investimento em infraestrutura O patamar do investimento em infraestrutura, que já era baixo no início da década quando comparado às duas décadas anteriores, declinou ainda mais ao longo dos anos 90. Dos três setores mais importantes, o investimento cai sensivelmente em energia elétrica, mantém-se em transportes e cresce apenas em telecomunicações (Tabela 92). Essas são atividades nas quais a presença do Estado, nas últimas décadas, foi absolutamente decisiva para ampliar a oferta de serviços. Assim, o seu desempenho recente só pode ser entendido no contexto da modificação do papel do Estado nos diversos segmentos. Antes, porém, de discutir o novo marco institucional e suas relações com o desempenho do setor, caberia fazer referência a uma característica básica da infraestrutura. Via de regra, essa atividade é caracterizada pela elevada imobilização de capital 349

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fixo – na maioria dos casos com peso decisivo da construção civil – e longo prazo de implantação e maturação dos investimentos. Importante sublinhar que, em razão dessas características, os investimentos para ampliação de capacidade, além de exigirem grandes volumes de capital em prazos de construção dilatados, estão também sujeitos a erros de estimação relativamente altos. Todavia, uma vez implantada a nova capacidade produtiva, pode-se contar com um fluxo de rendimentos bastante estável. Do ponto de vista da construção de nova capacidade e da produção corrente, os setores de infraestrutura operam de forma distinta da indústria de transformação, na qual o investimento inicial pode ser razoavelmente estimado, dado o elevado peso das máquinas e equipamentos, mas o fluxo de rendimentos é bastante incerto. Dito isso, é importante ressaltar que, dos setores assinalados anteriormente, embora tenha havido modificações tecnológicas em vários deles, o único no qual a atividade produtiva aproximou-se do paradigma da indústria foi o setor de telecomunicações.

Tabela  92  –  Investimento em infraestrutura econômica, 1990-1998 Setores

Energia US$ bi % PIB

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

8,8 5,7 4,9 4,5 3,9 4,2 4,0 4,8 5,4

2,40 1,52 1,18 0,99 0,66 0,68 0,59 0,56 0,60

Telecomunicações US$ bi 1,6 2,8 2,8 3,2 3,2 4,0 6,0 7,5 3,7

% PIB 0,44 0,74 0,68 0,71 0,54 0,65 0,88 0,87 0,41

Fonte: Ipea (2000).

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Transportes

Total

US$ bi % PIB US$ bi % PIB 0,6 0,9 1,0 0,9 1,2 1,1 1,6 1,5 0,8

0,16 0,24 0,24 0,20 0,20 0,18 0,23 0,17 0,09

11,0 9,4 8,7 8,6 8,3 9,3 11,6 13,8 9,9

3,0 2,5 2,1 1,9 1,4 1,5 1,7 1,6 1,1

Desenvolvimento em crise

Nas telecomunicações, houve uma revolução tecnológica a partir dos anos 80, e o investimento nacional recuperou-se de 1995 em diante, tendo atingido, em 1996/1997, patamares semelhantes ao dos anos 70. Ainda sob propriedade e operação da estatal Telebrás, somente é possível entender esse desempenho quando se considera a estratégia de privatização do setor. Segundo Almeida (1999), além da implantação de um novo marco institucional para a operação do sistema e sua posterior privatização, o governo decidiu elevar os investimentos na sua expansão para evitar uma depreciação no preço de venda dos ativos, e o fez elevando a margem de autofinanciamento do sistema pela recuperação tarifária. Se considerarmos o setor nos seus vários segmentos, podemos concluir que haverá suficiente incentivo ao investimento nos próximos anos. As razões residem tanto na formação de uma estrutura oligopólica instável que tenderá a acirrar a concorrência quanto na existência de demanda reprimida. O modelo de privatização do setor estabeleceu regras claras para evitar a formação de monopólios em áreas geográficas específicas ou especialização em serviços em áreas distintas. Assim, enquanto não houver reconcentração com estabilização do oligopólio e também crescimento da demanda, haverá disposição ao investimento. O impacto da elevação do investimento no setor de telecomunicações e, particularmente, da telefonia sobre a indústria nacional de bens de capital estará condicionado pelo resultado da privatização. Esta, na verdade, confirmou o que já era esperado, ou seja, uma predominância das operadoras estrangeiras. Como essas últimas já possuem relações privilegiadas com fornecedores de equipamento nos países onde têm forte presença, é previsível que uma parcela substantiva da demanda por equipamentos vaze para o exterior. Um setor de grande relevância na infraestrutura, mas com comportamento simétrico ao de telecomunicações, é o de energia 351

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elétrica. Seus investimentos declinaram significativamente nos anos 90, representando, em 1998, como porcentagem do PIB, cerca de um quarto do que foram no início da década (Tabela 92). Em termos médios, os investimentos da década caíram para metade dos valores dos anos 80 e um terço daqueles dos anos 70. A insuficiência dos investimentos do setor evidenciouse em 2001 pela necessidade de estabelecer o racionamento no consumo de energia elétrica, medida fora de prática desde o final dos anos 40. Em documento do BNDES (ver Pires et al., 2001) atribuem-se as dificuldades para ampliação da oferta à transição de modelos, ou seja, à passagem do estatal para o privado e à subestimação das dificuldades dessa mudança. Assim, reconhecem-se explici­ tamente as insuficiências do novo marco regulatório, bem como a ausência de articulação entre os vários órgãos governamentais responsáveis pelo setor de energia. Completando o diagnóstico, admite-se que, nos últimos anos, os recursos das empresas estatais, ainda amplamente dominantes nos segmentos de geração e transmissão, foram prioritariamente destinados para o saneamento financeiro das empresas e, portanto, para a preparação das privatizações. Esse diagnóstico tem um apelo muito grande, ainda mais porque não questiona o núcleo da política de liberalização, vale dizer, as privatizações. Ou seja, em nenhum momento as análises, cujo fulcro é a insuficiência do novo marco regulatório, questionam a viabilidade de privatizar o setor elétrico brasileiro marcado por várias especificidades, dentre as quais a presença dominante da energia gerada por meio de força hidráulica, que responde por cerca de 80% da oferta total. A predominância das hidroelétricas na produção de energia no Brasil coloca questões particulares para a expansão do setor e torna problemática a sua privatização. Caso a opção de ampliação de capacidade se faça com base nessa alternativa, estarão criadas sérias dificuldades para participação do capital privado. A gera352

Desenvolvimento em crise

ção de hidroeletricidade, apesar de mais barata (com um custo médio em torno de US$ 23 o MWh), exige investimentos de longo prazo de amortização e com custos incertos de construção, dado o elevado montante de obras físicas e impactos ambientais, bem como períodos de implantação longos, de cinco anos em média. Dadas essas características, o risco para o capital privado é excessivo, além das dificuldades em obter financiamento para empreendimentos com essas peculiaridades. A alternativa para uma maior participação do capital privado na geração de energia seria a das termoelétricas. Estas, além dos menores investimentos e prazos de maturação e implantação mais reduzidos, teriam também a seu favor um risco diminuído por conta da maior previsibilidade do custo do investimento. Apesar de mais compatíveis com o investimento privado e a privatização do setor, as termoelétricas introduzem um elemento de perturbação no conjunto do setor elétrico, em razão da elevação, a curto prazo, dos custos de geração, estimados em US$ 40 o MWh. Em síntese, o novo modelo traz implícito o aumento rápido e substantivo do preço da energia, com várias implicações. Diante das características do sistema elétrico brasileiro, cabe examinar quais são os reais problemas da transição entre dois modelos, o estatal e o privado, sobretudo no que tange aos novos investimentos. O já referido estudo do BNDES dá ênfase às dificuldades de implantação das termoelétricas e os atribui à falta de articulação das reformas do setor energético. Assim, não se teria atingido uma definição clara sobre a utilização do gás natural na matriz energética com incertezas relativas a disseminação de seu uso, incentivos à exploração, preços etc. Especificamente no aspecto referente à utilização do gás natural no setor produtor de energia elétrica, aponta-se o descasamento de moedas (dólar na compra do gás e real na venda de energia) como um obstáculo essencial à deflagração dos investimentos. 353

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A omissão principal dessa interpretação está em não considerar que os problemas da transição resultam, sobretudo, da privatização do setor. Já mostramos anteriormente que a escolha das termoelétricas se deve ao fato de possuírem um ciclo de capital mais compatível ou aceitável para o investimento privado. A sua implantação no sistema elétrico brasileiro significará, todavia, um rápido crescimento dos custos marginais. Na lógica de operação de um sistema completamente privado, os preços de oferta serão os do produtor marginal, no caso, os das termoelétricas, o que permitirá às hidroelétricas a obtenção de lucros extraordinários com o passar do tempo ou, em outros termos, a revalorização dos seus ativos. A constatação anterior não é trivial e tem um significado muito preciso: a possibilidade de ganho patrimonial na compra das hidroelétricas já existentes torna esse investimento muito mais atrativo aos olhos do capital privado do que a criação de nova capacidade. Tudo leva a crer que, antes da privatização do conjunto de ativos do setor relativos às hidroelétricas, os investimentos privados serão escassos, o que, mais do que as indefinições de marco regulatório, responde pelo pouco interesse do setor privado nos acréscimos de capacidade do sistema. Voltando ao período de transição, consideremos a trajetória do investimento, um dos aspectos do setor elétrico estudados por Camargo (2001). No seu trabalho, Camargo assinala que, apesar do aumento da participação do capital privado na geração de energia elétrica – atingindo cerca de 25% em 2000 por conta das privatizações –, não houve um incremento de participação proporcional na adição de capacidade do setor. Assim, os investimentos continuaram sendo realizados de modo quase exclusivo pelas empresas estatais. O capital privado preocupou-se, sobretudo, com investimentos de caráter patrimonial, pela compra de participação acionária em outras empresas do setor elétrico. 354

Desenvolvimento em crise

A privatização de ativos e a estatização dos novos investimentos têm sido, portanto, o aspecto mais nocivo das transformações pelas quais passa o setor elétrico. Dificilmente o setor privado embarcará decisivamente em novos investimentos antes de explorar todas as possibilidades de ganhos patrimoniais. Ao setor estatal fica a responsabilidade de assegurar os novos investimentos, de forma direta e indireta. No que diz respeito ao setor de transportes, a taxa de investimento, embora tenha se recuperado ligeiramente, ainda está num patamar muito baixo quando comparada aos anos 70 e mesmo aos anos 80. Mesmo essa recuperação que ocorre em 1997, diante dos demais anos da década de 1990, deve ser tomada com cautela em razão de seu caráter isolado.5 Atualmente, como nas demais áreas de infraestrutura, o setor transita do modelo estatal para o privado, resultando daí importantes implicações. No modelo prévio, predominava a propriedade estatal dos ativos e o investimento tinha nos aportes fiscais uma fonte de grande relevância. Até o final dos anos 80, podia-se contar com o aporte significativo de recursos advindos de impostos vinculados, proibidos pela Constituição de 1988. A partir das reformas liberalizantes, parcela do setor passou a ser operada pelo setor privado sob o regime de concessão, embora esse padrão ainda seja minoritário. O segmento de transportes é composto basicamente dos subsetores rodoviário, ferroviário e portuário. Via de regra, as adições de capacidade envolvem um elevado volume ou conteúdo de construção civil, embutindo, portanto, um alto grau de imprevisibilidade nos custos de investimento. Por sua vez, o prin-

5 De acordo com Soares (1999), o recente aumento do investimento no setor rodoviário deve ser quase integralmente creditado à ampliação do investimento estatal na duplicação de duas grandes rodovias (SP-BH e SP-Osório).

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cipal aspecto da operação do setor é a densidade de tráfego – volume de carga, veículos etc. –, que é bastante variável segundo a localização geoeconômica. Esses dois parâmetros são de grande relevância para examinar a trajetória recente do setor e suas perspectivas. Em razão da concentração econômica, que implica também densidade de tráfego localizada, pode-se inferir que apenas uma parcela pequena do setor é privatizável, e assim mesmo na sua operação. Dificilmente o investimento será aumentado sem uma ampliação dos gastos estatais, o que se torna pouco provável no âmbito do atual modelo de crescimento por conta do regime fiscal prevalecente. A análise detalhada do setor de infraestrutura permitiu concluir também por uma grande diversidade de seu desempenho. O trânsito de uma atividade dominada pelo Estado para o controle do setor privado tem determinado uma variedade muito grande de situações em razão da natureza da atividade, da estrutura da propriedade e da concorrência, o que tem significado uma dispersão das performances que acentua o caráter assincrônico do investimento nos vários segmentos da economia. Dadas a magnitude do setor e a importância que chegou a alcançar na participação do investimento, conclui-se que a privatização, qualquer que tenha sido seu efeito microeconômico, implicou uma perda de capacidade de coordenação por parte do Estado e de indução do investimento privado.

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A estabilidade inflacionária: o Plano Real

O programa de estabilização posto em prática a partir de 1994 faz parte da família de planos que utilizaram a âncora cambial como mecanismo para lograr mais rapidamente a estabilidade de preços, ou seja, utiliza-se a fixação do valor externo da moeda como meio para alcançar a estabilidade do valor interno da moeda. O primeiro é definido pela relação de equivalência ou taxa de câmbio da moeda local com a moeda externa mais relevante, no caso, o dólar. O segundo, pela constância do poder de compra nominal da moeda doméstica ante uma canastra de bens. A utilização de uma moeda externa de referência não repousa na livre escolha. A moeda a ser utilizada é, de maneira compulsória, aquela que constitui a substituta imediata da moeda doméstica, mormente na função de reserva de valor. Nos casos brasileiro e latino-americano, o dólar cumpre essa função e, 357

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portanto, constituiu a âncora cambial dos programas de estabilização. Subjacente à construção da âncora cambial, está a ideia de que parte dos preços e dos ativos locais tem cotação real ou virtual nessa moeda de referência. O valor interno da moeda define-se pelo seu poder de compra ante uma determinada cesta de bens. Em tese, a estabilidade supõe um valor monetário nominal invariável de uma canastra de bens representativos. A definição do conjunto de bens que expressa o valor estável da moeda não é uma questão trivial. Uma escolha possível é a de um conjunto no qual a presença de bens comercializáveis seja preponderante. Nesse caso, haveria uma equivalência entre o valor externo da moeda e seu valor interno. Dados os preços desses bens em moeda externa, uma variação do valor externo da moeda se traduziria numa variação equivalente do valor interno da moeda. Outra opção seria a de definir um conjunto mais amplo composto de bens comercializáveis e não comercializáveis. Nesse caso, a correspondência entre a variação do valor externo e interno da moeda seria apenas parcial, isto é, dados os preços externos, a mudança do valor externo da moeda afetaria apenas a parte do valor interno da moeda correspondente ao valor dos bens comercializáveis que teriam seus valores nominais alterados. O que foi dito anteriormente sugere que a âncora cambial é um mecanismo de estabilização de apenas uma parte dos preços. A fixação do valor externo da moeda, supondo que este continuará constante, e a ausência de choques de preços na economia internacional têm, em princípio, a prerrogativa de estabilizar o subconjunto de preços dos bens comercializáveis. Na prática, se a taxa de câmbio é utilizada como indexador, ou seja, como referência para ajuste de outros preços domésticos, o seu efeito será mais amplo, abarcando também parte dos bens não comercializáveis.

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Desenvolvimento em crise

A âncora é um mecanismo que pode, em princípio, estabilizar um subconjunto dos preços de uma economia qualquer, os comercializáveis. A primeira questão que surge é: de que depende a evolução dos demais preços? Se a economia está indexada pela taxa de câmbio, a âncora terá também efeito sobre o restante dos preços. A rigor, utiliza-se o câmbio como indexador exatamente porque a moeda externa constitui a referência central da economia. Como o seu valor varia, todos os demais preços também variam, ou seja, a taxa de câmbio ou o valor externo da moeda torna-se uma referência para o valor interno da moeda na medida em que mesmo os bens não comercializáveis têm sua variação determinada pela evolução do câmbio nominal. As razões pelas quais a taxa de câmbio se torna o indexador principal da economia estão relacionadas à importância da moeda externa como reserva de valor. Como todos os agentes pretendem defender o valor da sua renda corrente e da riqueza, utilizam a taxa de câmbio, que exprime os termos de conversão de uma moeda em outra, para atualizar seus preços e o valor de sua riqueza. Vimos no Capítulo 6 que, no caso do Brasil, dada a complexidade da economia e das relações financeiras, a referência à taxa de câmbio foi mediada pela taxa de juros de curto prazo. Considerada a questão desse ponto de vista, a inflação, ou seja, a variação do valor interno da moeda, seria explicada em última instância pelos fatores responsáveis pela instabilidade da taxa de câmbio. A teoria ortodoxa nega a interpretação exposta. Apesar de aceitar a existência da indexação pelo câmbio, vê a flutuação do valor real deste último como resultado da variação dos preços internos, ou seja, o sentido da determinação é oposto ao explicitado na visão heterodoxa. São os desequilíbrios de financiamento do setor público que geram a perda de valor interno da moeda e exigem o reajuste de seu valor externo. Desse ponto de vista, a âncora cambial é apenas um artifício para deter o

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processo inflacionário. Seu impacto imediato no reajuste de preços, seja direto – via bens comercializáveis – ou indireto – como indexador –, seria inegável, mas insuficiente. A estabilização definitiva somente seria alcançada se o processo de deterioração do valor interno da moeda fosse detido. Vejamos essas questões mais detalhadamente. O valor externo da moeda e a sua medida, a taxa de câmbio, dependem essencialmente das condições de financiamento do balanço de pagamentos. Em tese, a taxa de câmbio adequada é aquela que permite o equilíbrio do balanço de pagamentos. Na prática, pode haver uma taxa de câmbio que não produza o equilíbrio, mas um superávit ou mesmo um déficit desde que financiável. Isto, na verdade, sugere que a relação de equivalência em termos reais da moeda doméstica com a moeda externa guarda uma independência muito grande dos processos de determinação do valor interno da moeda. Por exemplo, períodos de abundância de financiamento externo podem promover a fixação da taxa de câmbio e a consequente estabilização do valor externo da moeda com relativa independência da inflação doméstica. As relações do valor interno da moeda com o financiamento do setor público são vistas por diferentes paradigmas. As teorias ortodoxas postulam sempre uma relação entre déficits e taxas de inflação. Nas versões contemporâneas fundadas nas expectativas racionais, como em Bacha (1994), é irrelevante a forma de financiamento do déficit público – por moedas ou títulos. Se o déficit é considerado excessivo, o setor privado reajusta seus preços para evitar que parcela da sua renda seja apropriada pelo setor público em razão de seu poder de emissão. Como os títulos de hoje serão a moeda de amanhã, o raciocínio se aplica também à emissão de dívida. Pode-se admitir uma relação de dependência entre déficit ou dívida públicos e valor interno da moeda sem ter que recorrer ao paradigma monetarista. Desde logo, déficits públi360

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cos em situação de pleno emprego produzem inflação. A relação entre dívida pública e inflação é mais mediata. Ela diz respeito à solvência do Estado soberano que tem a prerrogativa de emissão monetária. Dívidas muito elevadas ou crescendo muito rápido ou ainda com perfil ou fonte de financiamento inadequados podem desencadear crises de confiança de maior ou menor intensidade. Uma crise de confiança moderada implica o pagamento de um maior prêmio para colocação de títulos públicos. A elevação das taxas de juros básicas da economia promove mudanças na estrutura de preços relativos, alterando o valor interno da moeda. À medida que a confiança se deteriora, surge um processo de substituição monetária, o que leva também à modificação do valor externo da moeda. Nesse estágio, torna-se difícil determinar qual a fonte da instabilidade do valor da moeda. Em resumo, a distinção essencial entre as teorias ortodoxas e heterodoxas diz respeito à hierarquia entre os fatores determinantes da inflação. Para a primeira, embora se reconheça o papel direto e indireto da taxa de câmbio na realimentação da inflação, as razões essenciais estão associadas a déficits e dívidas públicos excessivos. Na interpretação heterodoxa, o sentido da determinação é inverso: a inflação origina-se das variações da taxa de câmbio e seus impactos diretos e indiretos nos preços, bem como de seus efeitos na deterioração das contas públicas. Como foi mostrado na Parte II deste livro, a inflação brasileira na década de 1980 ilustra com precisão a segunda hipótese.

Antecedentes e pré-requisitos do Plano Real Uma condição essencial para a implementação de programas de estabilização com âncora cambial é a possibilidade de estabelecer o valor externo da moeda sem que este seja amea361

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çado por choques de preços ou percalços no financiamento do balanço de pagamentos. Considerada essa última característica, esclarece-se o porquê de esses programas não terem sido adotados nos anos 80, período durante o qual o valor externo da moeda esteve sob permanente questionamento em razão da crise da dívida. De igual maneira, a ausência de crises de confiança de maior intensidade sobre a dívida pública parece ser também um requisito para deflagrar esse tipo de programa de estabilização, sobretudo pelas suas significativas implicações fiscais. Uma situação de baixo estoque de dívida, pequeno déficit corrente ou a combinação de ambos constitui uma garantia de não desencadeamento dos desequilíbrios nas finanças públicas. A estabilidade fundada na âncora cambial tem, portanto, como pré-requisito, condições adequadas de financiamento do balanço de pagamentos e do setor público. Com esses requisitos assegurados, a estabilização compreende, sobretudo, a definição de um mecanismo de desindexação. Cabe, portanto, examinar a seguir essas três dimensões da estabilidade, vale dizer, as condições que permitiram fixar e sustentar o valor externo da moeda, a natureza e alcance do equilíbrio fiscal e, finalmente, a instituição da Unidade Real de Valor – URV como mecanismo de passagem para a nova moeda. Vimos, nos capítulos anteriores, as mudanças operadas na inserção externa brasileira. Do ponto de vista financeiro, a abertura significou a volta de financiamento externo abundante até 1997, permitindo superar a permanente escassez de divisas típica da década anterior e que se expressava no baixo valor das reservas internacionais e na instabilidade da taxa de câmbio. A abertura permitiu, portanto, ampliar consideravelmente o montante das reservas internacionais, assegurando a manutenção do valor externo da moeda (Gráfico 19). O pressuposto da âncora cambial era, portanto, a constituição de reservas internacionais altas que permitissem desenco362

Desenvolvimento em crise

rajar tentativas de especulação contra a paridade estabelecida. A manutenção dessas reservas significava, todavia, manter elevada a atratividade da nova moeda para estimular os influxos de capitais. Vimos no Capítulo 8 que, nos primeiros anos da abertura, os fluxos mais voláteis – porta-fólio e empréstimos de curto prazo – constituíram as principais formas de absorção de recursos financeiros. Assim, os fluxos líquidos elevados exigiam altas taxas de juros na moeda doméstica.

GRÁFICO 19 – Reservas internacionais. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

A outra condição importante para realizar o programa de estabilização era o relativo equilíbrio fiscal. Do ponto de vista patrimonial, a situação era excelente. A dívida líquida do setor público atingiu em 1994 o valor mais baixo da década, menos de 30% do PIB (Gráfico 25). O patamar reduzido da dívida interna deveu-se ao confisco de ativos financeiros oriundo do Plano Collor em 1990, que a diminuiu em 1991 para cerca de 15% do PIB. Já a dívida externa pública reduziu-se por duas razões: a bruta, por causa do deságio permitido pela renegociação no âmbito do Plano Brady; a líquida, por conta do acúmulo de reservas internacionais. Em princípio, nada fazia crer que a dívida pública e seu crescimento prospectivo pudessem ameaçar a confiança na nova moeda. 363

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O equilíbrio corrente do setor público era algo mais complicado, apesar da obtenção sistemática de elevados superávits primários nas contas públicas consolidadas (Gráfico 23). A ortodoxia apontava a existência de um desequilíbrio corrente nas contas públicas, fosse ele potencial e de médio prazo (Giambiagi, 1997), ou efetivo e de curto prazo (Bacha, 1994). O primeiro dizia respeito à inconsistência entre o crescimento das despesas e receitas. O segundo, ao mecanismo da repressão fiscal que advinha do regime de alta inflação e que seria perdido com a estabilidade, desequilibrando as contas públicas. O equilíbrio intertemporal das contas públicas é, como postulamos anteriormente, um dos sustentáculos da confiança na moeda nacional. A definição dessa consistência, do ponto de vista corrente e patrimonial, é bastante complexa e problemática. Antes de tudo, ela supõe uma postura acerca do tamanho e papel do Estado na economia, expresso, por exemplo, no montante da carga tributária e na sua distribuição. Não prescinde tampouco de uma definição dos gastos prioritários, ou melhor, de uma hierarquia desses gastos. Em contrapartida, pela ótica patrimonial, não é possível definir abstratamente níveis de déficit e dívida ideais, porque as condições de financiamento e rolagem podem modificar-se substancialmente ao longo do tempo. Concretamente, o que se pode estabelecer é que a prevalência da ordem liberal torna mais estreitos os limites para o déficit e eleva os custos de rolagem da dívida. Em última instância, define um padrão mais restrito para o equilíbrio fiscal. Em razão das considerações anteriores, optamos por um exame mais pragmático e conjuntural do equilíbrio fiscal, porque, conforme foi assinalado, a tese do desequilíbrio fiscal intertemporal está imbuída de uma concepção particular sobre tamanho e papel do Estado na economia. Ou seja, já define previamente os limites da intervenção estatal na economia, bem como a agenda de reformas necessária à consecução des364

Desenvolvimento em crise

ses limites, o que não significa, todavia, que alguns dos problemas apontados deixem de ser pertinentes. Eles apenas serão tratados no contexto do processo de estabilização e não com referência a um paradigma abstrato de intervenção estatal. Do ponto de vista do programa de estabilização, o desequilíbrio originado dela própria, pela perda dos ganhos oriundos da repressão fiscal, se colocava como o problema mais importante e imediato. O mecanismo da repressão fiscal resultava da prática da execução orçamentária em um regime de alta inflação. A fixação das despesas em termos nominais permitia que fossem sendo desvalorizadas ao longo do ano. Em contrapartida, as receitas se mantinham por estarem pelo menos parcialmente indexadas. A inflação era, desse ponto de vista, um instrumento de equilíbrio das contas públicas ao preservar receitas e desvalorizar despesas. A estabilidade da moeda traria uma perda líquida e certa para as finanças públicas que consistia na redução dos ganhos advindos da depreciação das despesas. Como medida preventiva para enfrentar o esperado aumento dos gastos, o governo criou o Fundo Social de Emergência – FSE, posteriormente denominado de Fundo de Estabilidade Fiscal – FEF. O objetivo central do FSE era o de criar um instrumento capaz de esterilizar os acréscimos de despesas oriundos da estabilização, evitando o surgimento de déficits. O seu volume total era de 20% da receita, dos quais três quartos correspondiam à receita já existente, originária das transferências automáticas (receitas vinculadas), e um quarto às novas receitas oriundas de aumento de carga tributária. Dessa forma, o FSE era essencialmente um mecanismo de desvinculação de receita e ampliação da capacidade da União para cortar gastos. Dadas as condições iniciais de equilíbrio fiscal e do balanço de pagamentos, iniciou-se o programa de estabilização. A primeira etapa consistiu no estabelecimento de uma regra de passagem ou de um mecanismo de coordenação para a fixação de 365

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preços na nova moeda. A experiência com os planos heterodoxos havia demonstrado a inconveniência da passagem abrupta via congelamento de preços. A dispersão dos reajustes de preços, típica do regime de alta inflação, implicava preços afastados do seu valor médio real no momento do congelamento, levando à necessidade de correções subsequentes para minimizar o desequilíbrio. Para evitar esses problemas, foi instituída a URV, mecanismo de coordenação de reajuste de preços que a rigor estimulava a completa indexação da economia. A URV se propunha a ser uma unidade de valor constante quando medida na moeda velha, ou seja, constituía um superindexador cujo valor era alterado diariamente em razão da desvalorização ou variação de preços na moeda corrente. O preço de uma mercadoria qualquer, uma vez fixado em URV, teria o seu valor mantido constante na moeda corrente, pois o valor da primeira era corrigido pela variação dos preços nessa última. Junto com a instituição da URV, o governo converteu dois preços básicos nessa nova unidade. O primeiro deles foi o câmbio, cuja desvalorização diária passou a ser idêntica à da URV, estabelecendo na prática a equivalência entre dólar e URV. Para o conjunto dos preços dos bens comercializáveis, os preços estavam fixados concomitantemente em dólar e em URV. O governo também transformou em URV os salários, utilizando para tanto a média do poder de compra dos quatro meses antecedentes. Com isso, deu a todos os produtores de bens não comercializáveis uma referência essencial para o cálculo de preço na nova unidade de conta. Adicionalmente, o governo estabeleceu que a variação da Unidade Fiscal de Referência – UFIR acompanharia a da URV, na prática convertendo a sua receita à nova unidade de conta. Ao longo da vigência da URV, os preços e tarifas públicos também foram rapidamente convertidos. Esse conjunto de referências na nova unidade de conta – câmbio, salários, tributos e 366

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insumos básicos – deu ao setor privado os parâmetros necessários para o estabelecimento de preços na nova moeda. Durante a vigência da URV, de março a junho de 1994, o governo eximiu-se de definir as regras para a conversão de contratos privados, ou seja, todos os contratos – a maioria deles com regras de indexação implícitas e explícitas – foram convertidos à nova unidade de conta por meio de livre negociação. A rigor, portanto, a passagem para a URV e posteriormente para a nova moeda não interferiu em eventuais processos de mudança de preços relativos porventura em curso na economia.

Impactos do Plano Real: inflação, preços relativos, câmbio e juros Colocados os pressupostos mais gerais da estabilização, bem como seus principais instrumentos, caberia analisar os resultados do ponto de vista da inflação e preços relativos, bem como das principais variáveis macroeconômicas, isto é, câmbio e juros e salários. Após a fase inicial de alinhamento de preços relativos, todos os preços foram expressos obrigatoriamente em reais a partir de julho de 1994. Ficou então caracterizada a queda permanente da inflação na nova moeda, mas que já se evidenciara na unidade de conta (URV). Apesar disso, a taxa de inflação ainda continuou expressiva durante os dois anos seguintes, caindo para um dígito anual apenas no início de 1997 (Gráfico 20). A morosidade na queda da taxa de inflação deveu-se, sobretudo, ao lento declínio dos preços dos bens não comercializáveis, pois os comercializáveis caíram muito mais rápido, o que fica evidente no Gráfico 20 pela comparação entre o IPCA e o IPA-DI. Dado o mecanismo de alinhamento de preços estabelecido pela URV, é pouco provável que essa inflação residual 367

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tenha sido produzida por descoordenação. Ela foi produto da ancoragem cambial e da abertura que internalizou um vetor de preços externos para os bens comercializáveis em simultâneo com o crescimento do nível de atividades que permitiu um aumento dos preços dos bens não comercializáveis. Portanto, a mudança de preços relativos, que já vinha ocorrendo desde o início da década por conta da abertura, acelerou-se na fase da URV em razão do aquecimento do nível de atividades.

GRÁFICO  20  –  Variação de preços (% em 12 meses). Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

A fixação da taxa de câmbio nominal permitiu, assim, que a moeda nacional recuperasse a sua função de padrão de preços. Para o subconjunto dos preços de bens comercializáveis, a estabilização dos preços é imediata. Eles são cotados internacionalmente e seus valores na moeda doméstica são estabelecidos multiplicando-os pela taxa de câmbio. Como a taxa é fixa, os preços tornam-se estáveis, excetuando-se momentos de eventuais choques quando mudam as cotações no mercado internacional. O subconjunto dos bens não co368

Desenvolvimento em crise

mercializáveis possui outra trajetória. De um lado, cessam os mecanismos de indexação, o que detém o crescimento absoluto dos preços. Todavia, como as condições de sua determinação são preponderantemente internas, pode haver alteração desses preços como decorrência da evolução da trajetória da economia. A rapidez com a qual a estabilidade ocorre depende, portanto, da mudança de preços relativos que acompanha os programas de estabilização. Essa mudança, por sua vez, depende essencialmente da participação dos bens comercializáveis vis-à-vis os não comercializáveis na oferta doméstica. Considerada a questão desse ponto de vista, percebe-se que a abertura comercial constituiu outro importante instrumento de estabilização dos preços internos. De um lado, aumentou a participação dos bens comercializáveis no conjunto de preços domésticos, de outro, criou um limite ao reajuste interno de preços em razão da concorrência potencial das importações. Tabela 93 – Relação câmbio/salários, 1990-2000 (1992 = 100) US$ 1990 85,5 1991 103,5 1992 100,0 1993  90,1 1994  70,4 1995  51,1 1996  46,6 1997  46,6 1998  46,3 1999  73,2 2000  70,1 Fonte: Bacen e FIESP, apud Indicadores DIESP (Vários anos).

Efetiva  84,2 100,2 100,0  86,9  68,7  52,8  46,2  42,9  41,7  65,5  58,3

Como se pode observar, a relação é fortemente declinante entre 1991 e 1995, estável no triênio 1996-1998 e cresce em 1999 e 2000 por força da desvalorização cambial. A mudança 369

Ricardo Carneiro

na relação câmbio/salários resulta da fixação do primeiro num contexto de inflação residual e do aumento do salário nominal acima da inflação, e dá apenas uma pálida ideia das mudanças de preços relativos ocorridas durante a década de 1990 e, sobretudo, após o programa de estabilização. As transformações da economia brasileira na década de 1990 e, mais precisamente, a abertura comercial e as privatizações foram as duas principais razões para as mudanças de preços relativos observadas na nossa economia. Fatores circunstanciais ou cíclicos, como a apreciação cambial ou o breve e intenso ciclo de crescimento após o Real, foram, desse ponto de vista, relevantes, mas secundários. A consideração dos preços relativos nos anos após o Real sugere a existência de duas grandes modificações: o declínio dos preços de bens industrializados e o aumento dos preços dos serviços, públicos e privados. Eliminando-se o componente cíclico dessas mudanças pelo exame do ocorrido após a desaceleração do crescimento e desvalorização do câmbio, evidencia-se a permanência das duas primeiras tendências, ou seja, o barateamento dos produtos industrializados em razão da abertura, vale dizer, do aumento de importações ou compressão das margens de lucro e o encarecimento dos serviços públicos privatizados constituem a grande mudança estrutural. Um dos conjuntos de preços com maior declínio relativo foi aquele referente a alimentação. Essa diminuição ocorre tanto na fase de expansão da economia e apreciação cambial quanto na de depreciação do câmbio e estagnação do PIB, sugerindo tratar-se de um processo de profundidade. O mesmo padrão é observado para os itens componentes de artigos de residência (móveis e utensílios e eletroeletrônicos), vestuário, cuidados pessoais (relativo a produtos de higiene pessoal) e recreação. É indiscutível que esses produtos, originados na sua quase totalidade do setor privado empresarial e industrial, foram objeto de mudanças significativas durante a década, tenham estas sido originadas da concorrência das importações, da modernização tecnológica ou organizacional. 370

Desenvolvimento em crise

Tabela  94  –  Evolução de preços em períodos selecionados (%) Grupos e Subgrupos Alimentação

Geral Total No Domicílio

Habitação

Fora do Domicílio Total Aluguel Energia Elétrica

Artigos de Limpeza Artigos de Residência Total Móveis e Utensílios Eletroeletrônicos Vestuário

Transportes

Saúde e Cuidados Pessoais

Jul./94 a Dez./98

Jan./99 a Mar./01

99,2 60,0

70,1 40,8

16,3 12,6

54,4

33,2

14,7

76,4

64,8

6,4

229,2

193,5

12,1

377,9

401,9

-4,4

158,5

86,4

38,7

70,8

40,5

21,0

52,6

33,3

14,2

70,5

45,9

17,1

35,6

16,6

15,3

Total Roupas

33,9

24,7

7,6

28,9

24,1

4,4

Calçados

30,6

21,0

8,0

Total Público

142,5

76,9

35,7

178,7

119,8

24,4

Próprio

82,0

50,1

20,7

Total

108,4

84,0

12,7

Remédios

122,4

83,2

20,6

Serviços

135,4

118,6

7,3

Cuidados Pessoais Despesas Pessoais

Jul./94 a Mar./01

Total Serviços Pessoais Recreação, Fumo e Filmes

56,6

33,1

17,1

101,5

84,5

7,5

160,6

140,0

8,4

61,4

47,6

8,0

Educação

Total Cursos

119,7

92,4

10,0

161,1

132,1

5,0

Comunicação

Total Telefone

343,0

257,5

23,2

344,3

257,5

23,6

Fonte: IBGE.

No outro polo, entre os preços com aumento superior à média, indicando seu encarecimento, e de forma permanente, independentemente dos fatores circunstanciais, estão aqueles refe371

Ricardo Carneiro

rentes aos assim chamados serviços públicos, com destaque para energia elétrica, transporte público e comunicações, em especial telefone. Todos esses serviços têm em comum o fato de serem fornecidos por empresas privadas, em substituição às antigas empresas estatais. A mudança de propriedade determinou, num primeiro momento, a substancial elevação de preços e tarifas em termos reais e, posteriormente, a indexação pelo Índice Geral de Preços – IGP, como tentativa de manter seus valores em dólares. No grupo relativo aos serviços privados, tais como saúde e educação, apesar do intenso crescimento durante a fase expansiva da economia, observa-se um declínio relativo após a desaceleração e depreciação cambial. Aqui cabe observar que para esses serviços, tanto quanto para os aluguéis, embora o ciclo econômico tenha impacto na trajetória dos seus preços, ocorre apenas uma pequena compensação nos aumentos ocorridos na fase anterior, sem alterar a tendência de encarecimento destes. Um dos impactos mais significativos do programa de estabilização foi a apreciação do câmbio visível na evolução da relação câmbio/salários e na da taxa de câmbio. Essa valorização cambial já vinha da fase da URV. A aceleração da inflação decorrente da introdução dessa última implicava uma defasagem entre os índices de preços usados para corrigir a URV e a inflação real. Dito de outra maneira, o poder de compra de uma URV, medido por uma canastra ampla de bens, se reduziu. Como o câmbio estava colado na URV, pode-se deduzir que o seu poder de compra também diminuiu, ou seja, houve uma desvalorização do dólar no período. No mês imediatamente posterior ao plano, houve uma apreciação adicional da nova moeda por conta da queda nominal da cotação do dólar. A continuidade da entrada de recursos externos e a saída momentânea do Banco Central – BC do mercado produziram um excesso de oferta de divisas e a queda de sua cotação. O objetivo implícito dos gestores da política econômica era obter uma queda mais rápida da taxa de inflação e produzir 372

Desenvolvimento em crise

um fato político que pudesse ser usado pelo ex-ministro da Fazenda na sua campanha à Presidência da República. A rigidez nominal da taxa de câmbio, uma vez alcançado o piso, significava que a taxa real se apreciaria em razão do ritmo de crescimento dos preços domésticos. Esse regime cambial prevaleceu até março de 1996, quando, pressionado pela crise do México, o BC definiu um novo regime de bandas de flutuação, mas que consistia na prática na indexação do câmbio à inflação corrente após uma minidesvalorização de 5%. De acordo com cálculos do Diesp, desde o início do plano até a mudança, houve uma apreciação do real da ordem de 20% perante o dólar e de 16% diante da cesta de moedas. A determinação da magnitude da apreciação do câmbio constitui um assunto controverso. Pelo menos dois aspectos estão envolvidos: a base de comparação e os índices de preços utilizados para estimar a defasagem cambial.1 Quanto à base de comparação, qualquer que seja o período utilizado, ele implicará distorções.2 Dessa maneira, a base escolhida estará sempre associada a um atributo que se quer enfatizar. No caso brasi-

1 Para Franco (1998), não haveria sentido em comparar a taxa cambial pós-estabilização com a taxa pré-estabilização. O argumento é o de que a queda abrupta da inflação definiria outra taxa de câmbio consistente com a nova realidade. No passado, taxas de inflação elevadas teriam exigido taxas de câmbio desvalorizadas para evitar fuga de capital, ou seja, como a alta inflação aumentava a probabilidade de apreciação da taxa de câmbio, era necessário manter essa taxa desvalorizada para inibir a fuga de capitais. Quando a estabilização mudou o patamar inflacionário e o risco de fuga de capitais desapareceu, a taxa pôde se apreciar vis-à-vis a situação anterior sem criar maiores problemas no balanço de pagamentos. Os crescentes juros nominais pagos aos investidores externos para compensar a apreciação do câmbio demonstram que os agentes percebiam a valorização. 2 A questão da paridade original ou do ponto de partida é uma questão que só tem solução do ponto de vista teórico. Dessa forma, seria viável estabelecer uma taxa de câmbio real pela comparação de duas cestas de bens idênticas produzidas em dois países distintos (Teoria da paridade do poder de compra).

373

Ricardo Carneiro

leiro, por exemplo, se a ideia é associar taxa de câmbio com elevados saldos comerciais durante os anos 90, o ano a escolher é 1992. De acordo com Pastore & Pinotti (1995), na escolha dos índices para medir as variações cambiais, a opção deve ser por aqueles que melhor expressem a mudança dos preços relativos, ou seja, as mudanças de preços externos vis-à-vis os preços internos. A preservação das paridades originais supõe que a taxa de câmbio seja corrigida pela diferença da variação de preços entre os dois conjuntos. Se os preços internacionais crescem mais rápido do que os internos, a taxa de câmbio tem que ser valorizada e vice-versa. Caso isso não ocorra, os preços internacionais crescem ou decrescem perante os preços internos, tornando os bens internacionais mais caros ou mais baratos em moeda doméstica. A questão resume-se a qual índice de preços escolher para medir as variações. A escolha de um índice de preços por atacado que inclua, por exemplo, apenas bens comercializáveis não terá a capacidade de exprimir a variação de preços relativos entre dois países ou entre vários países, isto é, os bens representados nos dois índices constituem apenas um subconjunto dos bens produzidos em cada país. Por conseguinte, a variação dos preços internacionais reflete-se proporcionalmente nos preços internos, deixando inalterada a relação entre os preços – no caso, a taxa de câmbio. O caso oposto constitui-se da escolha de índices de preços ao consumidor nos quais supostamente haja uma presença exclusiva dos bens não comercializáveis. Uma variação dos preços internos torna imediatamente os bens domésticos mais caros diante dos bens internacionais e vice-versa, ou seja, modificações nos preços traduzem-se em mudanças proporcionais no poder de compra das respectivas moedas. As mudanças da taxa de câmbio visam a restabelecer a estrutura de preços relativos original, corrigindo a variação de preços interna ou externa. 374

Desenvolvimento em crise

A comparação entre a evolução de um índice do primeiro tipo, o IPA-PI, que inclui um grande número de produtos comercializáveis, com um do segundo tipo, o INPC, no qual o peso de bens e serviços não comercializáveis é preponderante, mostra, como esperado, uma maior valorização cambial quando medida pelo INPC. De maneira simétrica, quando da flutuação do câmbio, em 1999, a desvalorização mais substancial foi a computada utilizando-se o IPA-PI como referência (Tabela 95).

Tabela  95  –  Índices das taxas de câmbio, 1990-2000 (1992 = 100) Indústria (IPA-PI)

Consumidor (INPC)

R$/US$

Efetiva

R$/US$

1990

81,0

78,9

79,6

Efetiva 78,4

1991

102,8

99,6

91,9

89,0

1992

100,0

100,0

100,0

100,0

1993

92,7

88,6

98,3

94,7

1994

84,3

81,7

85,0

83,0

1995

79,3

80,7

67,7

69,9

1996

82,8

80,8

66,0

65,3

1997

85,3

78,4

68,4

62,9

1998

89,7

80,9

72,0

65,0

1999

123,0

109,1

109,8

98,2

2000

110,4

92,6

107,7

89,6

Fonte: Bacen, FGV, IBGE, apud Indicadores DIESP (Vários anos).

Do ponto de vista dos salários, a estabilidade implicou uma série de mudanças. No período de transição, durante a vigência da URV, é difícil determinar o que de fato ocorreu com os salários. A conversão salarial pela média real dos quatro meses antecedentes pode ter consolidado perdas que advieram da aceleração da inflação. Os salários, uma vez convertidos em URV, passaram a ser ajustados na moeda velha a cada período 375

Ricardo Carneiro

de recebimento, o que eliminou a perda de poder aquisitivo que ocorria entre os reajustes ao reduzir esse período para 30 dias. No entanto, a aceleração da inflação na vigência da URV produziu um aumento de preços não captado pelos índices. O reconhecimento da diversidade de situações e da dificuldade de estabelecer uma regra neutra do ponto de vista distributivo fez o governo admitir a negociação da reposição de perdas na primeira data-base após a implantação do plano. A estabilidade de preços e o aquecimento da economia foram, sem dúvida, os agentes principais da mudança da taxa de salários na economia. O rendimento real deflacionado pelo INPC, ou seja, o seu poder aquisitivo medido diante de uma cesta ampla de bens, aumentou 32% entre 1993 e 1998 (Tabela 96). Note-se que esse crescimento é anterior ao plano de estabilização e guarda uma aderência elevada como o ciclo de crescimento, o que fica mais evidente quando se observam os dados de São Paulo, região de maior densidade industrial na qual os salários e rendimentos começam a aumentar em 1993 e já declinam em 1998 por conta da maior reversão da produção. Tabela 96 – Variação do rendimento médio real (%), 1991-1999

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Brasil

-18,0

-9,6

8,8

4,3

6,0

8,1

1,5

0,5

-5,5

S. Paulo – Ocupados

-7,2

-8,7

11,5

7,8

12,9

2,7

1,6

-4,6

-6,2

S. Paulo – Assalariados

-6,8

-3,4

10,9

4,3

4,3

4,3

3,6

-2,8

-4,6

Fonte: IBGE, SEADE, apud Indicadores DIESP (Vários números).

Durante os primeiros meses da estabilização, a manutenção de altas taxas de juros nominais internas serviu a um duplo propósito. De um lado, garantiu, em razão das incertezas sobre a trajetória da taxa de inflação, a manutenção das taxas

376

Desenvolvimento em crise

reais internas num patamar elevado, evitando o crescimento excessivo da demanda agregada e a fuga para ativos reais. De outro, proporcionou, conjuntamente com a apreciação cambial em curso, um cupom cambial bem maior do que a taxa interna, garantindo assim o influxo de capitais (Gráfico 21). A sustentação de taxas de juros muito altas durante um período muito longo, sobretudo após o declínio da inflação, está relacionada à apreciação do câmbio. Para analisar a questão dos juros, é necessário lidar com três taxas distintas: para aplicações domésticas, a taxa medida em dólar (cupom cambial) e a taxa medida em real (taxa interna); para as aplicações externas, a taxa diretamente em dólar. No caso das aplicações internas, a primeira define a remuneração do investidor externo e a segunda, a do investidor interno. O cupom cambial (c) resulta da taxa nominal de juros (r) depois de descontada a desvalorização cambial (v). Logo, c = r/v, donde se conclui que a remuneração do investidor estrangeiro é diretamente proporcional à taxa nominal de juros e inversamente proporcional ao ritmo de desvalorização cambial. Já a taxa real de juros interna (i) resulta da taxa nominal (r) depois de descontada a inflação doméstica (p). Logo, i = r/p. Por fim, a taxa externa é formada pela taxa americana + o risco-Brasil. Assim, o que diferencia a remuneração do investidor externo da do investidor doméstico é a relação entre a taxa de inflação e a desvalorização do câmbio. Há, de fato, uma interdependência entre as duas taxas, mas numa economia aberta, que depende de fluxos de capitais externos, a necessidade de assegurar um determinado valor para o cupom cambial constitui a restrição a ser observada em última instância na fixação da taxa interna de juros. Essa remuneração dos capitais externos em moeda doméstica, o cupom cambial, tem como piso a taxa externa.

377

Ricardo Carneiro

GRÁFICO  21  –  Taxas de juros anualizadas (%). Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

O Gráfico 21 mostra vários períodos distintos no comportamento das taxas de juros. Nos anos anteriores ao programa de estabilização, as três taxas são convergentes e as taxas internas caem em direção ao valor da taxa externa. Entre o entorno da estabilização e meados de 1995 há expressiva divergência, pois o diferencial da taxa de juros interna é utilizado para assegurar o afluxo de capitais e o acúmulo de reservas. Entre meados de 1995 e a primeira metade de 1997, as condições internacionais extremamente favoráveis permitem novamente a convergência das taxas. Após a eclosão da crise asiática, a explicitação do desequilíbrio em conta corrente associado à apreciação do câmbio implica uma nova divergência em razão do aumento das taxas internas. Após a instituição do câmbio flutuante e, mais que isso, depois da sua estabilização no primeiro semestre, observa-se um novo período de convergência. Em resumo, os dados mostram que houve razões de natureza interna para a manutenção de taxas de juros elevadas, acima do patamar definido pelos mercados globais. Esses motivos prenderam-se, num primeiro momento, à constituição de reservas internacionais expressivas e, num segundo, à sustentação de uma taxa de câmbio apreciada num contexto restritivo de financiamento externo. 378

Desenvolvimento em crise

Após março de 1995, em decorrência da crise do México, a mudança da política cambial, com a introdução da indexação da taxa de câmbio à inflação, combinou-se com a necessidade de realizar uma política doméstica restritiva, para definir patamares elevados para a taxa interna e para o cupom. Essa política durou até o primeiro trimestre de 1996, quando as condições de financiamento melhoraram rapidamente. Mesmo assim, não foi possível diminuir com maior velocidade as taxas nominais internas, porque a valorização prévia da taxa cambial fazia que os investidores externos embutissem na desvalorização esperada uma taxa superior à da inflação corrente, para cobrir eventual perda decorrente da aceleração das desvalorizações. Esse prêmio adicional só poderia ser coberto pela manutenção da taxa de juros nominal em patamar elevado. Ao final de 1997, com a deterioração das condições internacionais em razão da crise asiática, as taxas de juros voltaram a subir, impulsionadas basicamente pela necessidade de garantir um cupom cambial mais alto. Este último cresceu por razões externas, ou seja, o contágio da crise asiática que determinou o crescimento do risco-país, e por razões internas, especialmente o atraso cambial cada vez mais percebido. Assim, as taxas internas só voltam a cair após a desvalorização cambial do início de 1999 e, subsequentemente, pela melhoria moderada das condições do mercado internacional após meados desse ano. A sua permanência em patamares elevados mesmo após a absorção do impacto inflacionário da desvalorização constitui a melhor evidência da importância dos limites externos à fixação dos juros internos (Gráfico 21).

Impactos do Plano Real: consumo, saldo comercial, saldo primário, investimento O programa de estabilização permitiu a continuidade e deu impulso à recuperação da produção corrente que se havia ini379

Ricardo Carneiro

ciado em 1993, após três anos de recessão decorrentes do Plano Collor. Como foi sugerido no Capítulo 9, esse crescimento da produção teve como características básicas o desempenho mais acentuado da indústria e, no âmbito desta, dos bens de consumo duráveis. Todavia, esse ciclo de crescimento apesar de intenso foi breve, desacelerando em meados de 1997 e convertendo-se em declínio em 1998 e 1999 com início de recuperação em 2000 (Tabela 97). Tabela  97  –  Produção da indústria por categoria de uso, 1990-2000 (1991 = 100) Anos

Geral

Capital

Intermediários

Duráveis

Não-duráveis

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

102,7 100,0  96,3 103,5 111,4 113,4 115,2 119,7 117,4 116,6 123,7

101,3 100,0  93,1 102,1 121,2 121,5 104,3 109,2 107,1  97,9 110,7

102,3 100,0  97,6 102,9 109,6 109,8 112,9 118,1 117,3 119,6 127,7

 95,6 100,0  87,0 112,3 129,3 148,0 164,5 169,3 137,0 123,9 149,7

 98,2 100,0  96,2 102,6 104,6 108,9 112,7 113,5 112,3 110,6 109,9

Fonte: IBGE (1996).

Essa brevidade do ciclo de crescimento esteve determinada tanto por fatores estruturais como por razões decorrentes da arquitetura do plano de estabilização. As razões substantivas para que o investimento tenha se revestido de pequeno dinamismo, ligadas à abertura comercial e às modificações na estrutura da propriedade, foram analisadas no Capítulo 9. Cabe, portanto, explorar como os demais componentes da demanda se comportaram e como explicam o resultado modesto do crescimento. Um dos aspectos mais relevantes do plano foi, sem dúvida, o seu impacto no aumento do consumo. Esse acréscimo do

380

Desenvolvimento em crise

consumo ocorreu em todos os tipos de bens, mas foi particularmente grande nos bens duráveis e mais ainda naqueles de maior valor unitário (Gráfico 22). Isso decorreu de dois fatores distintos, porém interdependentes: do acréscimo do salário médio e da massa salarial e da grande expansão do crédito pessoal.

GRÁFICO 22 – Índice do consumo de bens duráveis (1994 = 100). Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

A combinação de regras de conversão salarial relativamente neutras e com possibilidade de reposição das perdas na data-base, o rápido declínio da inflação e o aquecimento do nível de atividades permitiram o crescimento simultâneo do rendimento médio e dos níveis de ocupação e, portanto, da massa de rendimentos.3 Todavia, mesmo o expressivo aumento de 40% dessa renda entre 1993 e 1996 não dá conta da explosão do consumo observada no mesmo período. Essa explosão só pode ser explicada pela maior propensão ao endividamento das famílias, que resultou tanto da estabilidade que possibilitou 3 Conforme assinalado por Baltar & Mattoso (1997), o nível de ocupação global aumenta a despeito da queda significativa do emprego formal concentrada, sobretudo, na indústria de transformação.

381

Ricardo Carneiro

calcular o valor dos compromissos financeiros quanto do crescimento da renda e da ocupação e, portanto, da confiança em assumir esses encargos. O aumento do crédito, sobretudo crédito pessoal dirigido ao financiamento dos bens duráveis, foi produto também da mudança das estratégias bancárias. A perda da fonte de lucro oriunda da gestão da moeda indexada – floating e arbitragem de taxas – levou os bancos a apostarem no crédito como nova origem dos lucros. Dessa forma, o crescimento da demanda e a disposição em ampliar a oferta fizeram o crédito aumentar a taxas elevadíssimas, apesar das também elevadas taxas de juros e de todas as medidas restritivas. Estas consistiram na elevação do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo a níveis inusitados (ver Freitas, 1998). Parte da restrição à ampliação do crédito por supressão do multiplicador bancário foi contornada pelo aumento do funding externo dos bancos, conforme mostrado no Capítulo 8. Mecanismos informais de fuga do compulsório também foram criados pelos bancos. De todo modo, embora as restrições não tenham impedido o aumento do crédito, elas o encareceram substancialmente. Essa foi, aliás, uma importante restrição à continuidade da expansão, que aparece no crescente índice de inadimplência e no consequente racionamento do crédito por parte dos bancos.4 A análise da trajetória do consumo indica uma das restrições impostas pela arquitetura do programa de estabilização ao crescimento da demanda agregada. A elevada taxa de juros e os níveis de inadimplência restringiram o aumento do consu4 A combinação da perda de fontes de lucratividade com os níveis crescentes de inadimplência levou à quebra de importantes bancos nacionais. A disseminação de uma crise bancária de maiores proporções somente foi evitada pelo BC à custa da desnacionalização de parcela do setor bancário nacional, conforme mostrado no Capítulo 8, e do socorro aos bancos em dificuldades pelo Proer e Proes.

382

Desenvolvimento em crise

mo, sobretudo naqueles itens de maior valor unitário. Perde-se, assim, um importante instrumento de ampliação da demanda efetiva. Tabela  98  –  Indicadores do crédito (% do PIB), 1993-1998

Bancos  Privados  Públicos Não Bancos Total Inadimplência(1)

1993

1994

1995

1996

1997

1998

27,2 8,6 18,6 3,7 30,9 n.d.

27,7 9,8 17,9 2,6 30,3 2,8

25,6 8,1 17,5 2,2 27,8 9,2

23,9 7,8 16,1 2,7 26,6 6,5

20,6 7,3 13,3 2,9 23,5 6,9

19,8 6,6 13,2 3,9 23,7 9,5

(1) Percentagem dos créditos em atraso e liquidação sobre o total do crédito. Fonte: Banco Central do Brasil. Evolução do sistema financeiro nacional (1998).

Um dos resultados mais impressionantes da estabilização foi a sua contribuição para a mudança do saldo da balança comercial. Como ficou evidente no Capítulo 9, a perda do saldo só pode ser entendida no âmbito da abertura e das mudanças que induziu na estrutura produtiva. Nesse contexto maior, todavia, é inquestionável a importância das variáveis de natureza cíclica como taxas de câmbio, crescimento doméstico e crescimento internacional, na formação do déficit. A combinação de valorização cambial e ciclo de atividades interno e externo – no contexto da abertura comercial – produziu impacto significativo no saldo comercial. Este passa rapidamente de valores positivos e elevados – cerca de US$ 12 bilhões anuais na primeira metade da década – para valores negativos – aproximadamente US$ 6 bilhões por ano na segunda metade. Como já foi observado, a deterioração do saldo ocorre pelo grande diferencial de crescimento entre importações e exportações. De maneira simétrica, quando o déficit diminuiu em 1999, ano marcado pela maxidesvalorização e retração do crescimento doméstico, isso resultou de uma contração maior 383

Ricardo Carneiro

das importações. Os dados confirmam, portanto, que importações e exportações têm diferentes sensibilidades ante o ciclo econômico (Tabela 99). Tabela  99  –  Ciclo econômico, saldo comercial, importações e exportações (US$ bi) e (%), 1991-2000

Saldo 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

10,6 15,3 13,3 10,5 -3,4 -5,6 -6,7 -6,6 -1,4 - 0,8

Variação Impor- Variação Expor- Variação Var. do Var. do Com. tações (%) tações (%) (%) PIB (%) Intern. (%) -1,9 44,3 -13,1 -21,1 -132,4 64,7 19,6 -1,5 79,0 43,0

21,0 20,5 25,2 33,0 49,9 53,3 59,7 57,7 49,4 55,8

1,9 -2,4 22,9 31,0 51,2 6,8 12,0 -3,4 -14,4 13,0

31,6 35,8 38,5 43,5 46,5 47,7 53,0 51,1 48,0 55,0

0,6 13,3 7,5 13,0 6,9 2,6 11,1 -3,6 -6,1 14,5

0,3 -0,8 4,2 6,0 4,2 2,7 3,6 -0,1 0,8 4,4

4,2 5,5 4,1 9,9 9,7 6,0 9,5 4,0 7,0 9,0

Fonte: Banco Central do Brasil.

As informações desagregadas confirmam o que foi já dito (Tabela 100). As exportações têm seu desempenho fortemente condicionado pela performance do comércio internacional. O melhor período de preços corresponde ao auge da expansão recente entre 1994 e 1997, havendo forte declínio desses últimos em 1998 e 1999 diante da desaceleração do crescimento. Em menor escala, a variação do quantum exportado também depende da dinâmica do comércio internacional, mas está igualmente associado ao aumento da absorção, que é muito forte em 1994-1996, e à apreciação cambial. Com relação a esta última, note-se seu impacto no quantum exportado, que aumenta substancialmente em 1999 como efeito da maxidesvalorização. A queda no valor exportado, apesar da grande variação das quantidades em 1999, sugere que o efeito preço prevalece sobre as primeiras, o que indica uma pauta excessivamente concentrada 384

Desenvolvimento em crise

em commodities e, portanto, muito dependente dos seus ciclos de preços. A evolução dos preços das importações mostra um padrão de comportamento caracterizado pelo descolamento dos ciclos internos e externos. A razão para isso está na composição da pauta brasileira, concentrada em bens de maior conteúdo tecnológico e originários de países desenvolvidos. A importância de fatores cíclicos na determinação desses preços é reduzida. Ao contrário do que ocorre com os preços, as quantidades importadas mostram uma forte reação ao ciclo doméstico. O seu quantum dobra entre 1994 e 1996, permanecendo constante em 1997 e 1998 para declinar substancialmente na recessão de 1999. Não se deve desprezar o papel que tiveram, nessas situações, a valorização e a desvalorização da taxa de câmbio, respectivamente. Tabela  100  –  Exportações e importações (P&Q), 1994-2000 Exportação 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Importação

Preço

Quantum

Preço

Quantum

 88,0 100,0 100,0 100,7  93,9  81,9  84,6

103,7  97,4 100,0 110,2 114,0 122,8 136,4

108,2 110,7 100,0 106,2 100,9 101,4 101,7

 57,4  84,7 100,0 105,5 107,4  91,0 106,0

Fonte: Funcex, apud MICT.

Algumas constatações realizadas anteriormente indicam uma nova configuração na dinâmica do comércio externo brasileiro, ou seja, o processo de transformação estrutural promovido pela abertura levou a uma mudança do peso das variáveis cíclicas na determinação da trajetória dos fluxos de comércio exterior. Desde logo, observa-se uma maior importância dos 385

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fatores cíclicos externos, principalmente pelos preços e, em menor grau, pelas quantidades das exportações. Nas importações, a pequena influência dos ciclos externos nos seus preços torna o ciclo doméstico o principal mecanismo de sua variação, via quantidades. Por fim, cabe assinalar que, no contexto apresentado, as variações da taxa de câmbio perdem influência na determinação da trajetória das importações e exportações fazendo qualquer ajuste depender mais das quantidades. Como o ciclo externo está fora de controle, o ciclo interno torna-se a principal variável de ajuste do saldo comercial. Uma implicação imediata da inversão de sinal da balança comercial foi a perda de uma importante fonte de demanda agregada. Pela análise realizada no Capítulo 9, ficou sugerido que essa perda é permanente, dada a nova inserção externa da economia brasileira. Concluiu-se também que, do ponto de vista cíclico, o principal mecanismo de ajuste do déficit é o nível de absorção doméstico, isto é, a magnitude do déficit comercial responde muito mais a variações no nível de atividades do que na taxa de câmbio, o que acentua seu caráter anticíclico. Isto posto, cabe examinar os efeitos da estabilização e do crescimento e apreciação cambial que lhe estão associados sobre o restante da balança de transações reais. Com a perda do superávit comercial em 1995, todas as contas que compõem a balança de transações correntes tornam-se negativas – à exceção das transferências unilaterais –, fazendo crescer rapidamente o déficit em transações correntes para valores próximos de 5% do PIB. Essa deterioração do balanço de transações correntes deveu-se principalmente à piora substantiva do saldo de transações reais, que passa de valores positivos, no triênio 1992-1994, para valores fortemente negativos após 1995. Esse desempenho, como foi assinalado, decorreu da piora da balança de mercadorias, mas também da ampliação do saldo negativo dos serviços, especialmente os serviços produtivos 386

Desenvolvimento em crise

ou de não fatores. O item mais importante nessa conta é o de viagens internacionais, cujas despesas aumentaram desmesuradamente após o Plano Real por efeito do crescimento, mas, sobretudo, em razão da apreciação cambial. Do ponto de vista da composição do déficit em transações correntes – DTC, identificam-se três períodos distintos. Nos anos 1992-1994, o saldo de transações reais, somado às transferências unilaterais, praticamente cobre a conta de renda de capitais. Em 1995/1997, o balanço de transações reais é fortemente negativo e supera o de renda de capitais, acarretando um déficit em transações correntes que se expande muito rápido. A insustentabilidade da situação anterior leva à desaceleração do nível de atividades em 1998, secundada pela maxidesvalorização do câmbio em 1999. Esse ajuste reduz o déficit em transações reais em 50%, mas não faz a situação retornar ao padrão pré-estabilização, no qual o saldo da balança financiava a totalidade do déficit dos serviços produtivos e uma grande parcela das rendas de capitais. Tabela  101  –  Balanço de transações correntes (US$ bi), 1992-2000 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Balança Comercial

15,2

13,3

10,5

-3,3

-5,5

-6,8

-6,6

-1,2

-0,7

Serviços Reais

-3,6

-5,5

-5,9

-7,8

-8,9 -10,3

-9,7

-6,0

-7,6

Saldo de Trans. Reais

11,6

7,8

4,6 -11,1 -14,4 -17,1 -16,3

-7,2

-8,3

Renda de Capitais

-7,7 -10,0

Transf. Unilaterais Déf. Trans. Correntes Memo: (% do PIB)

2,2

1,7

6,1

-0,5

n.d.

0,0

-8,9 -10,8 -11,6 -15,9 -19,1 -19,2 -17,9 2,6

3,9

2,9

2,2

1,8

2,0

1,5

-1,7 -18,0 -23,1 -30,8 -33,6 -24,4 -24,7 0,3

2,6

3,0

3,8

4,3

4,4

4,2

Fonte: Banco Central do Brasil.

A fragilização da conta corrente externa, resultante da estabilização combinada com a abertura comercial, fica evidente pelos dados já apresentados. Há que chamar a atenção, to387

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davia, para um aspecto adicional e que se refere aos limites da política de ajustamento. A política econômica doméstica não tem controle sobre a parcela do DTC referente à renda de capitais que, aliás, ampliou-se substancialmente como resultado do aumento do passivo externo líquido. Para limitar o montante do déficit a valores financiáveis, a gestão econômica trabalha – nos marcos da liberalização comercial – com a regulação do nível de atividades e da taxa de câmbio. Desse ponto de vista, os resultados obtidos após dois anos de crescimento nulo e de um ano de maxidesvalorização do câmbio são bastante modestos e indicam o ressurgimento de uma restrição externa ao crescimento. Os efeitos deletérios da estabilização sobre as contas públicas foram ainda mais significativos, tanto do ponto de vista corrente quanto do patrimonial. Examinemos o primeiro aspecto pelo comportamento das contas fiscais. Os indicadores de déficit (Gráfico 23) mostram que o país deixa uma situação de relativo equilíbrio fiscal com expressivos superávits operacionais em 1993 e 1994 para uma trajetória de desequilíbrio caracterizada por déficits operacionais crescentes até 1998, quando se inicia o programa de ajuste fiscal acarretando a obtenção de superávits primários da ordem de 3% do PIB. A análise da composição desses déficits mostra, inequivocamente, que se deveram a uma carga de juros crescente que chegou a patamares inusitados em 1998 e 1999. Em contrapartida, o balanço primário manteve-se basicamente equilibrado no mesmo período, não tendo, portanto, nenhuma responsabilidade na formação desse déficit. Pode-se concluir, então, que o déficit teve origem puramente financeira, ou seja, resultou diretamente da manutenção da taxa de juros elevada que foi uma peça essencial da abertura e da estabilização. Do ponto de vista da demanda agregada, as autoridades econômicas abstiveram-se de realizar uma política contracionista no período 1994-1998, ou seja, o crescimento da carga de 388

Desenvolvimento em crise

juros não foi compensado pela elevação do superávit primário, implicando o aumento proporcional do déficit operacional. Essa preservação do déficit operacional e o seu financiamento pela emissão de dívida pública, todavia, não tiveram impacto expansionista sobre a demanda efetiva, pois não se materializaram em poder de compra, mas em aumento da riqueza financeira privada. Após 1999, com a deterioração do financiamento externo e flutuação do câmbio, a política fiscal adquire um caráter francamente contracionista via realização de superávits primários para compensar a carga de juros.

GRÁFICO  23  –  Déficit público (% do PIB). Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

Estabelecidos a trajetória das finanças públicas e o papel exclusivo da carga de juros na formação do déficit operacional, torna-se importante discutir como a política econômica ortodoxa executou a política fiscal no período. A questão é relevante 389

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na medida em que, após a estabilização, desaparece o superávit primário expressivo, característico dos primeiros anos da década e que volta a aparecer no ajuste fiscal após 1998. A análise da deterioração das contas públicas do ponto de vista do resultado primário supõe que se examinem em separado as várias instâncias do governo em razão das diferenças nas origens de receitas e decisões de gasto. Desse ponto de vista, a primeira informação relevante é que entre 1994 e 1998 o governo central foi responsável por cerca de 50% do declínio do superávit primário, repartindo-se o restante entre estados, municípios e estatais. Dado que as empresas estão em processo de privatização ou extinção e têm uma participação fortemente declinante nas contas públicas, examinemos em detalhe as esferas de governo. Nas contas do governo central, os impactos da estabilização entre 1994 e 1998 conduziram à redução do superávit primário em 2,7% do PIB. No mesmo período, a receita total aumentou em 1,5% do PIB, o que quer dizer que as despesas se ampliaram em cerca de 4,2% do PIB ou 20% da arrecadação, o que é um número bastante significativo e dificilmente atribuível à repressão fiscal. Há várias contas responsáveis por esse resultado, mas os destaques são para os aumentos em: outras despesas correntes e de capital (1,5% do PIB) e benefícios previdenciários (1,1% do PIB). A primeira conta representa a parcela livre dos gastos do governo e que não está sujeita a vinculações. Isso sugere que o mecanismo do Fundo Social de Emergência, aprovado pelo governo antes da estabilização e que lhe deu maior margem de manobra na decisão de alocação da despesa, não tenha sido utilizado para esterilizar gastos, mas para ampliá-los de acordo com a sua política de alianças. Nos benefícios previdenciários estão incluídos apenas os gastos com a previdência do setor privado. Estes se ampliaram

390

Desenvolvimento em crise

de forma importante no período, principalmente pelas aposentadorias proporcionais visando a assegurar direitos adquiridos ante a perspectiva de modificações no regime que acabaram se confirmando. É importante frisar, todavia, que o déficit que aparece após 1995 se deve, sobretudo, à estagnação das receitas por conta da maior informalização do mercado de trabalho e da ampliação do desemprego. Tabela  102  –  NFSP – conceito nominal 1994-2000 (% do PIB), 1994-2000 Discriminação Governo Central Receita Total  Tesouro  INSS (-) Transferências a Estados e Municípios Receita Líquida Despesas Não Financeiras  Pessoal   Benefícios Previdenciários   Outras Vinculações   Outras Despesas Correntes   e de Capital Discrepância Estatística Superávit Primário   Governo Central   Estados e Municípios   Empresas Estatais Setor Público Consolidado

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 18,9 13,9 5

18,3 13,3 5

17,5 12,3 5,2

18,5 13,4 5,1

20,4 15,3 5,2

20,9 16 4,9

21,8 16,6 5,1

2,6

2,8

2,7

2,8

3

3,2

3,7

16,4 14 5,1 4,9 0,7

15,5 14,8 5,6 5,0 0,8

14,8 14,6 5,3 5,3 0,7

15,7 15,5 4,8 5,4 0,9

17,4 16,7 5,1 6 1

17,8 15,6 4,9 5,8 0,8

18,1 16,1 5,1 6,1 0,8

3,3

3,4

3,3

4,4

4,7

4,1

4,1

-0,8

0,1

-0,2

0,5

0,1

0,1

-0,1

3,3 0,8 1,2 5,2

0,5 -0,2 -0,1 0,3

0,4 -0,5 0,1 -0,1

-0,3 -0,7 0,1 -1,0

0,6 -0,2 -0,4 0,0

-2,1 -0,3 -0,6 -3

-1,9 -0,6 -1,1 -3,6

Fonte: Ministério da Fazenda e BNDES (1999).

A previdência do setor público constitui outro aspecto do problema. Nas contas do governo central, os gastos com pessoal chegam a reduzir-se levemente no período, ou seja, o crescimento da folha com inativos é compensado com a que-

391

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da com ativos, o que, certamente, reflete também o processo de antecipação de aposentadorias para garantir direitos, que foi ainda mais intenso no setor público e que determinou uma realocação com os gastos de pessoal. É importante frisar que a previdência pública, como parte dos gastos com pessoal, não teve nenhuma participação na redução do superávit primário. Como foi dito, uma parcela relevante da queda do superávit primário deveu-se às esferas subnacionais de governo. Apesar de as transferências para estados e municípios terem crescido 0,5% do PIB entre 1994 e 1998, o superávit primário declinou 1% no mesmo período. Além dos aumentos das despesas por conta da perda do mecanismo da repressão fiscal, a deterioração das finanças dessas entidades explica-se, sobretudo, pela perda de receitas próprias em razão da guerra fiscal. Ilustra a afirmativa o fato de as receitas totais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS estarem estagnadas em termos nominais, portanto declinantes em termos reais, desde 1995. A rapidez pela qual o governo central realiza o ajuste fiscal após 1998 deve-se tanto ao aumento de receitas quanto à queda de despesas, isto é, o saldo primário passou de um déficit de 0,6% para um superávit de 1,9% do PIB, perfazendo um ajuste total de 2,5% do PIB. No mesmo período, a receita tributária foi de 20,4% para 21,8% do PIB, vale dizer, um ganho de 1,4 ponto percentual do PIB. As esferas subnacionais também realizaram um ajuste significativo e, de certo ponto de vista, mais duro do que aquele do governo central, dado que as suas possibilidades de ampliação de receitas são mais restritas. A propósito desse último aspecto, cabe assinalar a concentração do aumento da carga tributária da União nas contribuições (Cofins, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF). Estas possuem duas características importantes: o caráter cumulativo e o não-partilhamento com as esferas subnacionais. 392

Desenvolvimento em crise

A análise da política fiscal mostra duas etapas bastante nítidas e distintas: entre 1994 e 1998, o governo realiza uma política neutra, ou seja, financia déficits operacionais oriundos de pagamento de juros por meio de emissão de dívida pública e, ao mesmo tempo, amplia gastos correntes por meio do aumento da carga tributária. Já no segundo período, entre 1998 e 2000, o caráter é inequivocamente restritivo, pois os déficits operacionais são compensados por superávits primários. Estes últimos são obtidos por uma combinação de aumento de carga tributária e corte de gastos. A discussão do perfil do investimento já foi realizada no Capítulo 9, todavia, cabe enfatizar algumas das suas características, mais evidentes nos dados de menor horizonte temporal. Assim, o Gráfico 24 mostra um perfil cíclico bastante acentuado com a taxa de investimento expandindo-se e contraindo-se rápida e intensamente. Além da nova natureza da decisão do investimento autônomo e da sua articulação com o restante da economia caracterizado no Capítulo 9, esse novo padrão de comportamento reflete também a nova configuração da demanda agregada, conforme já apontado. Dela fazem parte uma insustentabilidade do crescimento do consumo financiado por crédito, o saldo comercial negativo e crescente com o nível de renda, e uma política fiscal que passa de neutra a contracionista.

GRÁFICO  24  –  Taxa de investimento (% do PIB) – preços do ano anterior. Fonte: Ipeadata.

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Impactos do Plano Real: a dívida pública O conjunto dos efeitos da estabilização no contexto de liberalização comercial e financeira teve impactos significativos sobre a situação patrimonial da economia, em especial sobre os estoques de dívidas interna e externa do setor público. A trajetória dessas duas variáveis é de extrema importância, pois, como vimos, nela repousa em última instância a estabilidade da moeda, vale dizer, a estabilidade do valor interno e externo da moeda. A dívida pública interna mostra uma trajetória explosiva após o Plano Real (Gráfico 25). Seu crescimento de 20 pontos percentuais do PIB em apenas cinco anos só tem paralelo na história econômica do Brasil contemporâneo com aquele da crise da dívida em 1982-1984. Há dois momentos distintos na expansão dessa dívida. De 1994 a 1997, cresce a dívida interna e cai a externa, ou seja, a acumulação de reservas, além de implicar crescimento da primeira, conforme explicado anteriormente, também faz cair a dívida pública externa líquida. Após 1998, a perda contínua de reservas e, posteriormente, o endividamento junto às instituições multilaterais fazem crescer também a dívida externa. Na ausência de déficits primários nas contas públicas, a dívida originou-se da combinação entre taxas de juros elevadas e a esterilização da absorção de recursos financeiros do exterior. A política de esterilização implicou a emissão de dívida interna para enxugar a liquidez oriunda do superávit da conta de capital, bastante superior às necessidades de financiamento corrente do balanço de pagamentos, que redundou no crescimento das reservas. O acúmulo de reservas foi uma estratégia deliberada para realizar a estabilização com âncora cambial. A sua esterilização era essencial para evitar uma queda da taxa de juros ou uma apreciação excessiva do câmbio, que terminariam por inviabilizar a entrada de capitais. Essa política teve, todavia, um custo muito alto expresso no chamado déficit quasi-fiscal formado pela diferença de remuneração entre a dívida interna e as reservas internacionais. 394

Desenvolvimento em crise

GRÁFICO  25  –  Dívida líquida do setor público. Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim Mensal (Vários anos).

Visto de outro ângulo, o problema pode ser assim expresso: a emissão inicial de dívida pública para esterilizar o acréscimo de reservas não representa, num primeiro momento, aumento da dívida líquida do setor público, pois o acréscimo da primeira se dá por aumento de haveres externos. A disparidade entre a taxa de juros que remunera as reservas e a dívida interna faz que essa última cresça mais rapidamente. Ao final de alguns anos, o estoque de dívida pública não guarda mais relação com o montante de reservas. Após 1998, a crescente pressão para desvalorização do câmbio e a sua posterior flutuação tiveram um impacto significativo na dívida pública líquida que, entre final desse ano e início de 2000, cresce de 45% para 50% do PIB. Dois processos respondem por isso: a ampliação do endividamento externo do governo brasileiro junto às instituições multilaterais, para as395

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segurar a saída dos capitais de curto prazo, e o impacto da desvalorização sobre a dívida pública interna dolarizada, oferecida como hedge ao setor privado. Tornou-se comum argumentar nas esferas ortodoxas, como em Malan (2001), que o reconhecimento de vários tipos de passivos governamentais, muitos deles negociados com grande deságio no mercado, foi uma das razões centrais para o crescimento da dívida pública. Esse reconhecimento determinou a recuperação do valor de face desses passivos e a troca desses títulos ou obrigações por títulos da dívida pública mobiliária. O trabalho de Rêgo Filho et al. (1999) estima que esse processo representou um acréscimo de aproximadamente 4,3% do PIB sobre a dívida líquida do setor público. Esse valor deve ser contraposto àquele obtido com as privatizações, para se estimar o impacto líquido dos processos patrimoniais sobre a dívida. Segundo o BNDES (2001), ao longo da década e, sobretudo, na sua segunda metade, as privatizações renderam cerca de US$ 100 bilhões às várias esferas de governo, incluídos aí o pagamento dos ativos e a transferência de dívidas. À taxa de câmbio média de 2000, esse valor equivalia a cerca de 18% do PIB, ou seja, mais de quatro vezes o montante gasto para validar os esqueletos. Assim, os processos patrimoniais contribuíram para evitar um crescimento ainda mais explosivo da dívida pública. Dado que o valor interno da moeda repousa em última instância na solvência do Estado, a pergunta que se coloca é a das possibilidades de estabilizar o crescimento da dívida líquida do setor público, a maior parte da qual de curto prazo e ainda com parcela significativa indexada ao câmbio. Do ponto de vista patrimonial, não há mais possibilidade de utilizar as privatizações, pois resta apenas uma parte do setor elétrico a privatizar. O mecanismo de desvalorização da dívida pela inflação deve ser descartado, pois só opera com aceleração permanente desta, o que já representa o questionamento do valor interno da moeda. 396

Desenvolvimento em crise

Assim, em condições de estabilidade da taxa de câmbio, o crescimento do estoque da dívida vai depender de três fatores: da taxa de juros real, do crescimento do PIB e do superávit primário. Como vimos, no regime de abertura financeira, a taxa de juros é determinada externamente e seu patamar mesmo em momentos favoráveis tem sido elevado e muito rígido à baixa. Restam, portanto, o superávit primário e o crescimento do PIB. Dados esses parâmetros, um exercício numérico esclarece as restrições reais para estabilizar a dívida. A cada ano, a dívida aumenta 5% do PIB, valor que terá de ser zerado para evitar o crescimento da relação dívida/PIB. Dado o valor inicial desta última (50%), cada ponto percentual de crescimento do PIB admite o aumento de meio ponto percentual da dívida. O restante terá de ser obtido pelo superávit primário. Para taxas de crescimento do PIB de 2%, 3% ou 4%, o superávit primário requerido para estabilizar a relação será respectivamente de 4%, 3,5% e 3%. Se considerarmos que o valor de 3% de superávit primário é admissível e viável, fica por verificar o impacto de um crescimento anual de 4% sobre as contas externas. Qualquer exercício de simulação pode provar que as contas externas brasileiras não suportam uma taxa de crescimento dessa magnitude, a não ser que mudem radicalmente as condições de financiamento internacional. Para efeito de raciocínio, admitamos que o vencimento do principal seja integralmente rolado e que não haja saída líquida nem de investimento de porta-fólio, tampouco de investimento direto. Isto posto, trata-se de determinar os níveis do déficit em transações correntes – DTC e como financiá-lo. Os dados do passivo externo líquido apresentados no Capítulo 8 sugerem que o seu custo se situará em torno de 3,5% do PIB ao ano. Valores dessa magnitude parecem constituir o limite financiável do DTC, seja por empréstimos adicionais, investimento de porta-fólio ou investimento direto. O problema reside na composição do DTC no qual o valor da renda de ca397

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pitais não pode ser comprimido, ou seja, não há espaço para o aumento do déficit em transações reais sem que o DTC cresça para valores não financiáveis. Isso supõe, portanto, que o crescimento pretendido de 4% ao ano teria que se dar a partir de um crescimento das exportações superior, simultaneamente, ao incremento das importações e à taxa de juros em dólar. Essas possibilidades são limitadas em razão da nova inserção externa da economia brasileira. A análise do processo de estabilização realizada neste capítulo mostrou que a economia brasileira se encontra num impasse, ou seja, somente será possível manter a estabilidade da moeda à custa do crescimento econômico. A primeira restrição que existe quanto a esse último está no plano do valor externo da moeda. O crescimento excessivo do DTC poderá conduzir a uma necessidade de corrigi-lo. Se isso for feito pela correção do valor externo da moeda, corre-se o risco de desencadear uma aceleração da inflação e um aumento permanente do estoque da dívida pública. A outra alternativa será, obviamente, a de desacelerar o crescimento doméstico. Evitar o questionamento do valor externo da moeda supõe desacelerar o crescimento econômico, o que impõe realizar superávits primários elevados ou admitir o crescimento da dívida pública interna para limites acima do aceitável pelo mercado, ou seja, significa aceitar o questionamento do valor interno da moeda. A conclusão anterior implica reconhecer que a política econômica de preservação da estabilidade deverá ter como um de seus elementos centrais o caráter restritivo. Somam-se a isso as demais características da economia brasileira, produtivas, financeiras e macroeconômicas para configurar um regime de baixo dinamismo.

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Referências bibliográficas

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Índice de tabelas

  1 Indicadores da economia mundial (% a.a.), 48   2 Distribuição setorial do investimento (%), 67   3 PIB setorial (Taxas de crescimento em % a.a.) – 1970-1989, 72   4 Taxas de crescimento (em % a.a.) da indústria de transformação, 74   5 Taxa de comércio (exportação/importação) por Setores, 76   6 Brasil: índices do comércio exterior e saldo comercial – 1972-1980, 79   7 Brasil: importações por principais grupos – 1973-1980, 81   8 Brasil: exportações por principais grupos – 1973-1980, 82   9 Evolução da dívida externa – 1973-1980, 88 10 Déficit em transações correntes – 1970-1980, 91 11 Dívida externa registrada: pública e privada – 1973-1980, 94 12 Empréstimos em moeda (Lei n.4.131) segundo setor (US$ bilhões) – 1972-1980, 95 13 Principais subsídios e incentivos fiscais da área federal – 1973-1980, 99 14 Carga tributária bruta e líquida – 1974-1980, 101 15 Déficit e passivo do setor público, 105 16 Preços, câmbio e juros, 107

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17 Composição dos fluxos de capitais nos países desenvolvidos, 119 18 Fluxos de capitais globais, 120 19 Déficit em transações correntes (valor e composição) – 1979-1982, 123 20 Dívida externa bruta e dívida externa líquida – 1979-1982, 125 21 Dívida externa pública, 126 22 Déficit em transações correntes (US$ bilhões), 129 23 Dívida externa bruta e dívida externa líquida – 1983-1989, 130 24 Fluxos financeiros por credor externo – 1982-1989, 131 25 Dívida externa pública – 1983-1989, 135 26 Taxa de crescimento das principais variáveis econômicas (% a.a.) – 1981-1989, 146 27 Evolução do investimento por agente, 147 28 Variação e composição da FBCF segundo segmento – 1981-1989, 149 29 Região metropolitana de São Paulo – Faturamento real do comércio varejista, 151 30 PIB setorial: taxas de crescimento (% a.a.) – 1981-1989, 154 31 Comércio exterior do setor primário (médias móveis trienais, em US$ milhões) – 1981-1988, 158 32 Coeficiente exportado da indústria (médias móveis trienais) – 1981-1988, 159 33 Inserção externa do setor industrial, 160 34 Produção industrial por categoria de uso – 1981-1989, 164 35 Evolução do saldo comercial do setor industrial – 1980-1989, 167 36 Comércio exterior: índices de preço, quantidade e valor – 1980-1989, 170 37 Índices de preço, quantidade e valor das importações, por grupos – 1980-1989, 172 38 Índices de preço, valor e quantidade das exportações – 1980-1989, 173 39 Utilização da capacidade instalada na indústria (em % do total) – 1980-1989, 176 40 Carga tributária (% do PIB) – 1980-1984, 182 41 Incentivos e reduções fiscais, subsídios e dispêndio público com crédito subsidiado (% do PIB) – 1981-1987, 183

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42 Grupos estatais: defasagem acumulada de preços, 185 43 Despesas da União segundo item orçamentário, 186 44 Déficit público por componente (% do PIB), 187 45 Dívida líquida do setor público, 188 46 Carga tributária (% do PIB), 193 47 Variação real de preços e serviços públicos (%), 195 48 Déficit público por componente (% do PIB), 198 49 Despesas da União segundo item orçamentário, 199 50 Dívida líquida do setor público, 202 51 Taxa de juros real e dívida mobiliária (em %), 202 52 Taxas de câmbio nominal e real, 207 53 Taxas de juros de curto prazo, 209 54 Haveres monetários e financeiros – 1979-1989, 211 55 Haveres monetários e financeiros – 1989-1991, 223 56 Fluxos de capitais privados para países emergentes (US$ bilhões) – 1990-2000, 247 57 Países emergentes: fluxos de capitais e reservas, 247 58 Países emergentes: utilização dos fluxos de capitais, 248 59 Fluxos de capitais para Ásia e América Latina, 251 60 Movimento de capitais (itens selecionados) 1991-1999, 275 61 Investimento direto estrangeiro (IDE), 277 62 Investimento direto estrangeiro: composição, 278 63 Estoque de IDE total e por setores selecionados, 279 64 Conta de não residentes, 282 65 Anexo IV, 283 66 Concentração do mercado acionário à vista (em %), 285 67 Emissões autorizadas de títulos no exterior, 287 68 Financiamento externo e interno da grande empresa (US$ bilhões), 291 69 Obrigações externas dos bancos privados (% do passivo), 291 70 Bancos múltiplos e comerciais: endividamento externo (%), 292 71 Participação estrangeira no sistema bancário nacional (%), 295 72 Sistema bancário nacional: concessão de crédito, 296 73 Passivos e indicadores externos da economia brasileira (US$ bilhões), 301 74 Dívida pública indexada ao dólar, 306 419

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  75 Brasil: proteção efetiva da indústria (%), 314   76 Índices das taxas de câmbio (1992 =100), 315   77 Coeficientes de penetração (importações/produção) e abertura (exportações/produção) da indústria brasileira, por categoria de uso (em %), 318   78 Coeficientes de penetração (M/P) e abertura (X/P) por intensidade de fator (%), 319   79 Coeficientes de penetração e abertura setoriais por intensidade de fator (%), 321   80 Participação no VTI por gênero de indústria (em %), 323   81 Taxa de comércio e saldo comercial por categoria de uso, 327   82 Taxa de comércio e saldo por intensidade de fator, 328   83 Saldo total por setor produtivo, 330   84 Comércio exterior do Brasil e regiões do mundo, 332   85 Origem e destino dos fluxos de comércio externo (%), 333   86 Composição das exportações e importações (%), 335   87 Fusões e aquisições de empresas no Brasil, 338   88 Distribuição das 100 maiores empresas por tipo de propriedade, 340   89 Taxa de investimento a preços correntes, 341   90 Composição do investimento, 343   91 Composição do investimento na indústria (%), 344   92 Investimento em infraestrutura econômica (1990-1998), 350   93 Relação câmbio/salários (1992 = 100), 369   94 Evolução de preços em períodos selecionados, 370   95 Índices das taxas de câmbio (1992=100), 375   96 Variação do rendimento médio real (%), 376   97 Produção da indústria por categoria de uso (1991 = 100), 380   98 Indicadores do crédito (% do PIB), 383   99 Ciclo econômico, saldo comercial, importações e exportações (US$ bilhões) e (%), 384 100 Exportações e importações (P&Q), 385 101 Balanço de transações correntes (US$ bilhões), 387 102 NFSP – Conceito nominal 1994-2000 (% do PIB), 391 420

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Índice de gráficos

  1 Fluxos de capitais para países subdesenvolvidos, 53   2 Choques de juros e do petróleo, 54   3 Coeficientes de abertura e de variação do PIB, 62   4 Evolução do investimento, 65   5 Absorção de recursos do exterior, 87   6 Transferência de recursos para o exterior, 122   7 Desempenho comparado (anos 70 versus 80), 140   8 Saldo da balança comercial (US$ milhões em 12 meses), 168   9 Taxas de inflação mensal (médias trimestrais), 210 10 Preços ao consumidor e atacado, 222 11 Rotatividade dos fluxos de capitais (líquido/bruto), 276 12 Volatilidade dos fluxos do Anexo IV, 284 13 Conta de não residentes – fluxos líquidos, 284 14 Alavancagem do sistema bancário, 297 15 Margens de lucro dos bancos, 298 16 Aprofundamento financeiro, 304 17 Dívida indexada à variação cambial, 306 18 Fusões e aquisições no Brasil (1991-1999), 339 19 Reservas internacionais, 363 421

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20 Variação de preços (% em 12 meses), 368 21 Taxas de juros anualizadas (%), 378 22 Índice do consumo de bens duráveis (1994 =100), 381 23 Déficit público (% do PIB), 389 24 Taxa de investimento (% do PIB) – preços do ano anterior, 393 25 Dívida líquida do setor público, 394

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Índice de quadros

  1 Crescimento econômico comparado (% ao ano), 30   2 Brasil e Coreia: propriedade das empresas de bens de capital – 1980, 71   3 Classificação dos fluxos de capitais, 237   4 Graus de abertura da conta de capital, 267

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SOBRE O LIVRO Formato: 14 x 21 cm Mancha: 23 x 44,5 paicas Tipologia: Iowan Old Style 10/14 Papel: Offset 75 g/m (miolo) Cartão Supremo 250 g/m (capa) 1ª edição: 2002 2ª reimpressão: 2011 2

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EQUIPE DE REALIZAÇÃO Coordenação Geral Sidnei Simonelli Produção Gráfica Anderson Nobara Edição de Texto Nelson Luís Barbosa (Assistente Editorial) Carlos Villarruel (Preparação de Original) Ada Santos Seles (Revisão) Kalima Editores (Atualização ortográfica) Editoração Eletrônica Lourdes Guacira da Silva Simonelli (Supervisão) Rosângela F. de Araújo (Diagramação)