Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial [1 ed.]
 8571645876, 9788571645875

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Sidney Chalhoub

Cidade ebril CORTIÇOS E EPIDEMIAS NA CORTE IMPERIAL

Autor: Chalhoub, Sidney Titulo·

Cidade febril : cortiço; e epidemi

1 �1 1�11111111�111111111

34:���2

1�

sempre grato apresentar um

texto cujos méritos são evidentes. :'\o caso deste Cit>adc j;.f,.i/, de Sidney Chalhoub, não é surpresa encontrar aqu1 as qualidades já presentes em seus trabalhos an teriores, marcos de uma carreira acadêmica que aqueles que temos o privilégio de acompa­ nhar de perto sabemos marcada pela seriedade e extensão da pesquisa em­ pírica, assim como pelo sólido arca­ bouço teórico metodológico. Sidney possui o dom de transfor ­ mar a árdua tar·ef�l. que sustenta o ofí­ cio do historiado r em texto leve e sa­ boroso, de forma que ao leitor chega apenas o prazer da leitura c, por meio dele, a possibilidade do encontro com urna história feita de rostos humanos; é mestre na arte de uma erudição so­ bre o passado que sustenta sempre urna clara posição nos embates do presente; surpreende pela destreza na construção de um argumento concei­ tual através de urna narrativa que va­ loriza o quotidiano; conhece os segre­ dos são "para viver obre si '" e ra algo p elo qual os escravos da Corte se empen havam bas­ tante. Viver l onge da casa do senhor era uma maneira de adqui­ rir maior autonomia nas ati vidades p rodutivas, e rep re sentava ainda a p ossi bilidade de levar uma vida praticamente ind iferen­ çável em relação à p opulação livre da cidade. Para os senhores, este tipo de arranj o era m u itas vezes vantajoso, pois per mitia arrancar jornais mais elevados aos cativos, além de desobrigá­ los das despesas com o sustento dos n egros. Para os escravos, a maior autonomia de movimento tinha ainda a vantagem adic io­ nal d e facilitar jornadas extras de trabalho com o obj etivo de amealhar din heir o suficiente para c om prar sua liberdade aos se­ nhore . : O fato, porém, é que a m ultipli cação de s ituações nas quais os escravos obtinham autorização para ·�iver sobre si"' acabou, a longo prazo, se tomando mais um i m portante e lemento desagre­ gador da instituição da escravidão na Corte. Não é difíc il enten­ der a razão disso. Tradicionalmen�e, a escravidão sempre havia sido considerada como uma relação de sujeição e dependência pessoal: o escravo ficava sob a "sujeição dominical'' do senhor, que também era o único a deter a p rerrogativa de decidir a resp ei­ to da eventual concessão de alforria ao cativo. Tal concepção de dominação tinha necessariamente c omo um de seus elementos a prox imidade espacial do trabal hador em relação a seu proprietá­ rio. Por isso. quando se generalizou. na cidade. a prática de os ·•

?7

.... .

escravos viverem longe dos senhores, e�te fato introduzi u certa ambigüidade na defin ição "ortodoxa", por assi m dizer, de cati­ veiro. Os escravos não deixaram de perceber que havia aí uma bre­ cha. Em 1 86 5 , por exe m pl o. a escrava Júlia entrou na j u tiça com o i ntuito de obter a überdade à sua senhora. Entre os vários moti­ vos que arrolou para mostrar que fazia j us à alforria, a negra argu­ mentou, com a de ida apresentação de testemunhas , que morava havia sete ou oito anos em cortiço n o Catete. retirava seu sustento ·'de lavar roupas de alguns fregueses'' e, além disso. que seus co­

nhecido consideravam-na como pessoa livre. Neste caso específi­ co, a escrava perdeu a ação j udici al , m as há outro exemplos em q ue alegações semelhantes parecem ter contrib u ído para que alforrias fossem concedidas na j us ti ça, à re velia da vontade senho­ rial . 1 3 Tudo i sso, obviamente, faz sentido : se o cativeiro se de fine como uma relação de sujeição e dependênc ia pessoal, é razoável supor que uma pessoa que tenha autonomia de decisão quanto à morad ia e aos seus meios de s usten to não estej a sob o domínio de nenhum senhor. Torna-se claro. então, que escravos viv e ndo

"



bre si'' contribuíssem para a falênc i a de si gni fi cado s sociais es en­ ciais à cont i nui dade da ins titui ç ão da e cravidão. Os negros pre

io­

navam para conseguir o direito de m o rar fora da casa dos enhores, pois percebiam tal conqui �ta como um passo. ao menos i m bó l ico. no cami nh o da li berdade. " este c o n te xto . a importânc ia das ha bi t ações coletiva

nas

úl ti mas décadas da escravidão começa a se evidenc iar: para escra­ vos, assi m corno para libeJtos e negros l i vre em geral, a al terna­

iáveis de moradia na Corte, no pen ado, eram cada vez ma i s o� caniços e a casa s de c ômodos. São vários os exemplos de es­

tiva

cravos q ue moravam em cortiços, ou q ue tinham suas amá ias mo rando em cortiços� além disso, encontram-se famí l i as de ex­

es c rav os que c o nse gu i am se reunir e passar a morar juntos em ha­ bitações cole ti vas após a li berdade. Com freqüência, era

nc

ta

habitações que os e- cravos iam encontrar auxílio e solidariedades diversas para realizar o sonho de comp rar a alforria a seus se n h o ­ res; e. é c l aro, m is turar-s e à população ariada de um c ort iço podia ?

ser um ótimo esconderijo, caso hot.vesse a opção pela fuga. Em suma, o que esto u querendo sugerir é que o tempo dos cortiço no R io foi também o tempo da intensificação das l utas dos negros pel a liberdade. e isto provavelmente te\ e a ver com a histeria do poder públ ico contra tais habitações e seus moradores.

O SUR GLUE"'TO DA IDEOLOGIA DA HIGIENE As classes pobres não passaram a ser v is:as como classes pe­ rigosas apenas porqJe poderiam oferece: problema5 para a orga ni ­ zação do trabalh o

e

a manutenção da ordem pública. Os pobre

ofereciam também per igo de contágio . Por um lado, o próprio pe­ rigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário po l í ­ tico brasi l eiro d e fir.s do século

XIX através da metáfora

da doença

contagiosa: as classes perigosas cont inuariam a se reproduzir en­ quanto as crianças pobres permanecessem expostas aos vícios de seus pais. Assim,

na

própria discussão sobre a repressão a ociosi­

dade. que temos citado, a estratégia de comba:e ao problema é geralmente apresentada como consist indo em d uas etapas : mais imediatamente, cabia reprimir os supostos hábitos ce não-trabalho dos adul tos; a mais longo prazo, era n ece ssário Cllidarda educação dos menores. Por outro lado, os pobres passarar.1 a representar perigo d e contágio no sent ido l i teral m esmo . Os i n t elec:uai s-méd ic o ­ grassavam n essa época como miasmas n a putrefação, o u como econom istas em tempo de inflação: analisavam a ''real idade", fa­ ziam seus diagnós t icos, prescreviam a cura� e estavam sem pre i n a­ balavelmente convencidos de que só a sua receita poderia salvar o pac ien te. E houve então o diagnó-tico de q u e o s hâbitos de mora­ dia dos pobres eram nocivos à soc iedade. e isto porque as hab ita­ ções coletivas seriam focos de irradiacào de epidemias, além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os t ipos. Ao que parece, os adm ini stradores da Corte começaram a notar a existência de cortiços na cidade nos p nmei ros mos da década de

I 850. Uma epidem ia de febre amarela, em 1 850. e outra de cólera, 29

em 1 855, e lev aram

as

e co l oc aram na ordem do d i a a questão da sa l ubrid ade pública, em geral. e das condições higiênicas das habitações coletivas, em particular. Foi criada então a J unta Central de Higiene, órgão do governo impe­ ria l encarre gado de ze l ar pelas questões de s a úde pública, e a Câ­ mara Mu ni cipal da Cone passou a discutir med idas desti nad a a regulamentar a existênc i a das habitações coletivas. Em setembro de 1853, a com issão de posturas da Câmara ana­ l iso u um projeto de "Regulamento dos Estalaj adeiros'', que lhe fora e n c aminhad o pela Secretaria de Po1ícia. " É lógico que a preocupa­ ção das autoridades po l i ci ais era ''prev enir que pessoas suspe itas ba tante

taxa de mo rtal i dade

achem fác il abrigo nas casas a que ele [o reguJamento] se refere, mais ainda

a evitar desordens, e

vent\..ra po ·­ posturas julga­

outros crimes que por

sam ser cometidos··. Os vereadores da comi ssão de

ram o projeto de '·urgente utilidade públ i ca", e ainda acharam por bem acrescê-lo de algumas d i s pos ições '·em relação à salubridade púb l i ca". O artigo pri meiro defmia como e stal aj ade i ro ·'o indivíduo que der agasalho ou pousada por d i nheiro, qualquer que seja a deno­ minação da casa em q u e a der'' - e stal agem , hospedaria, cortiço ou hote l . Entre as medidas destinadas a facilitar a vigilância da políc ia. havia a obrigatoriedade de o estalaj adeiro possuir um l ivro de con­ trole de entrada e saída de hóspedes ou moradores, e no qual este estariam cuidadosamente identificados. Os s ubdelegados deveriam

v i sitar freqüentemente as

habitações coletivas, ceni ficando-se de que lá não se encontravam vadios, estrangeiros em situação irregu l a r c pe s s oas "suspeitas'', ou que causassem "desconfianças" e "receios'' - uma categoria tão abrangente e ambígua qu e era potencialmente útil contra quaisquer dos moradores de tais habitações. Quanto às concli çõe de higiene, os estalajade iros eram obrigados a conservar

suas casas n o "melhor asseio possível", conduzindo ·•o l i xo,

as

águas

e outras matérias imundas'' para os locais onde era permitido o despejo. Ficava pro i bi do o depósito de lb::o e ·'matérias fecais '' em covas feitas no qu intal , ou em qualquer outra parte da casa. O fi s ­ cais das freguesias deviam zelar pe l a obediência ao reg u lame nto . Apesar da opinião favorável da comissão de posturas, o regu­ lamento não parece ter sido adotado pela Câmara M unicipal. Em agosto de 1 85 5, u m p roj e to de posturas a respeito uni camente de sujas,

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I

I .!...

cortiços, de autori a do fiscal da freguesia de Santa Rita, foi apre­ sentado aos vereadores. 1 5 N a introd ução ao projeto, o fiscal argu­ mentava que ''o preço elevadíssimo das c asas nesta Capita l deu lugar à fundação de moradas. conheci das pelo nome muito signifi­

cativo de cortiços , onde em pequenos quartos habita uma grande popu l ação das ela ses menos abast adas, como é sab i do" . O au­ mento nos preços dos aluguéis para as "cl asses menos abastadas" estava certamente ligado às transform ações na demografia urbana do R i o no período,

já re feridas

anteriormente: o crescimento do

fluxo im igratóri o de portugueses, o aumento do número de alforrias de escravos, e a práti ca cada vez mais com u m de perm itir que os caüvos residissem ·'sobre si". Aq ui, novamente, os colí:iços são vistos tanto como um pro­ bl ema para o con tr ole social dos p o bres quanro como uma amea­ ça para as condiçõe- h igiên i c as da c id ade . O fis c a l de Santa Rita declarava-se preocupado em garantir a '·faci l i dade da existência do pobres", e propunha uma sér i e de med idas v isando a imped i r que os corti ços se tornas s em "focos d e víc ios" o u de transgres­ sõe ' · da m oralidade dos costumes", assim com o

·'

asil o s perma­

nen tes de i n fecçõe deletérias da saúde públ ica". As medidas pro ­ postas obr ig av am o- proprietári os a e fetuarem ''todos os repa ros e melhoramentos que forem ex i gidos pelo Dr. Dele ga do da Junta de H i giene Públ ica da freguesi a respectiva''. proibiam a existência de ''cas:nhas colocadas -

nos

lugares onde há

animais

e

carroças"

ó c a rroceiros sem família pod e ri am residir nas coche i ras -,

determinav a m o calçam en to e a ilum inação dos pátios, e a c olo­ cação de p i lastra com água. Havia ainda a exig ênc ia d e lugares apropriados para as latrinas.

A

Câmara l\1 unicipal forn ece ri a os

vasi l hames para a condução das

"

m atérias fecais e águas servi­

das" , ficando também encarregada de remover tai s " matérias" todos os di as

às

cinco horas da manhã; os ''fundos'' para essas

oper ações seriam ''sol ici tados do governo" . Finalmente, todos os cortiços dev er iam ter

um

portão de ferro. que se fecharia ao to­

que de re co lher ; a part i r dessa hora, um dos habitante s passaria a serv i r de poneiro , ftcando c om a obrigação de abrir a porta p ara os outro s moradores e de comun ic ar as e v entuai s irregularidades ao i n sp e t or de quarteirão.

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__

Pelas sugestões do fiscal de Santa Rita, não há que duvidar de suas palavras ao afi nnar que s ua intenção era melhorar as condi­ ções de vida nos corúços existentes, res'' deixassem de ser

"focos de

fazendo com que

"esses luga­

enfermidades". "A pobreza que ali

se asila'·, obtendo assim mais proteção e comodidade, "conservará sua saúde". J\enhuma das sugestões mencionadas, po rém , foi aco­ lhida pela Câmara l\Iunicipal, que se contentou em adotar apenas

o item nove do documento do fiscal: "1\ão será perm itida a cons­ trução de novos cortiços sem l i cença da Câ mara,

e nessas constru­

ções serão guardadas tcxlas as condições higiênicas e não serão habitáveis sem aprovação da Junta de Hi giene Públ ica' ' . 1 6 O s v ereadores, então, parec iam s e preocupar apenas com as condições higiên icas das habitações coletivas do fu turo. Outras vozes, todavia, concordavam com o fi scal

de Santa R i ta na opinião

de que a l g o prec isava ser feito quanto aos cortiços existentes . Em _

oficio envi ado pela Secretaria de Polícia da Corte ao Min istério dos Negócios do I mpério, em março de 1 860,

eram

novamente os

preços "de tal modo exagerados'' dos "alugueres de casas" que explicavam o surgi mento e a proli feração dos cortiços . 17 O docu­

mento da Secretaria de Polícia, porém, avançava a di scussão em pe lo menos duas direções. Em primeiro lugar, há aqui a i déi a de que as condições de vida nos cortiços não se revelavam mais letais apenas q uando da ocorrência de ·'febres'' ou e pid em ia s na Corte; na v erdade . era a "tísica'·, isto é, a t uberculo se . que ameaçava ''tor­ nar-se mol éstia endêmica do pai s " . Em outras palavras, o que pro­ vava que não

as

co ndiç õe s de saúde públic a estavam se deteriorando

era apenas a ocorrência eventual de epidemias de febre amare­

la, varíola, cólera etc., mas a mortandade crescente e constante pela tísica, uma doença que o saber médico da época já associava diretamente às condiçõe3 de m iséria em que vivia a popuJação. Ou seja,

o documento

da Secretaria de Polícia era capaz d e

colocar o problema da saúde pública num contexto mais amplo

deterioração das condições

de

de vida dos pobres em geral. Até esse

momento não parecia possível pensar a questão das habitações coletivas segundo os parâmetros estritamente técnicos da Higiene; ao contrári o, este era um p rob l e ma soc ial. a ser solucionado a par­

ti r de deci sões pol íticas claras dos govemantes da cidade. As s i m ,

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chegamos ao segundo ponto do documento: a Secretaria de Polícia suge ri a a form u la ç ão de uma política destinada a promover '"a e di ficação de habitações cômodas para o povo''. Eram propostos in centivos aos construtores, inclui ndo um '·adiantamento pecun iário

por prazo razoável'' e a "co nces ão de isenção de impostos''. En­ quanto medidas detiniti vas não fossem tomadas n e sse sent ido , e d i an te da gravidade da situação, o oficio s ugeri a que a própri a Câ­ mara Municipal bancasse a iniciativa de c on str ui r habitações, "que

seriam alugadas aos arti stas e pessoas pobres por qu an tia módica". O tv1 inistério do I mpério encaminhou o documento em q u es tão à

Câmara Mun ic ipal , e parece que lá ele não suscitou nenhum efeito prático.

É possível discernir

com c lareza o ei:xo fundamental de toda

es a p ri mei ra década de discussão sobre os cort iços : era necessário

mel horar as condições higiênicas d as habitações coletivas existen­ tes. Tratava-se, p ri mordi al ment e, de ma preocupação com a qua­

lidade da habitaçã o popu�ar, de legislar no sentido de obrigar os proprietários a construir residências que zelassem minimamente pel a sa'.Jde dos moradores - deveria haver coleta regular de lixo, latrinas l impas e em núrr:ero suficiente,

al ça me nto , janela am­

p l as etc. A maneira de e:tcarar o problema, todavia, iria mudar radicalmente nas décadas seguintes: na :ormulação de Mauríc io

de Abreu, a ênfase deixaria de ser prioritariamente aforma, a condições da mo ra di a, e passaria a ser o espaço, o local da habi tação . 1 8 A m ud a nça já

se

anunciava em o utro projeto bastante deta­

l hado para a adoç ão de posturas referentes a cort iç os , apresentado

à Câmara Jvl unicipal da Corte pelo dr. José Pereira Rego. em fev e ­

reiro de 1 866 . 19 N a ocasião, Rego era veread or e estava havia pou­

co exercendo o cargo de pre � idente da Junta C e n t ra l de H i giene. função que desempenharia por quase d uas déca das . Seu projeto estabelecia qt..e ·'é absolutamente vedado construir novos cortiços'· em tod1 uma extensa área compreende:tdo boa parte das fregue­ s i as centrais da cidace, "ainda mesmo dentro dos quintais ou chá­ caras� ê.Ssim co m o reconstruir aqueles, que já existe m " . A Câm ara não ad ot ou de [mediato

as

falo. contudo, é q;Je todo

o

ções populares

se

suge tões do vereador e higienista; o

mote da di sc ussã o em tomo das habita ­

modi fi cari a no s a no s segu inte s . 33

_

_ _ _ _

O pri mei ro fruto da nova maneira de pensar a questão surgiu

com a postura de 5 de dezembro de 1 873: "Não serão mais permi­ tidas as construções chamadas ·cor6ços', entre as praças de O . Pedro 1 1 e Onze de J unho, e todo

o espaç o da cidade entre as ruas do

Riachuelo e do Livramemo·•.:!o Em setembro de 1 876, outra postu­ ra reforçaria a proibição, esclarecendo que a interdição à constru­ ção de cortiços val i a mesmo quando os proprietários insistissem em chamá-los "casinhas ou com nomes equivalentes''.21 Estavam se engendrando os instrumentos legais para a guerra de exterm ínio c o n tra os cort iç o s ou - o que dá quase no mesmo - para a pol íti­

c a de expulsão das "classes pobres''/ '·classes peri gosas " das áreas centrais da cidade. :Mas antes de passarmos às bataJhas, cabe extrair outra 1 ição i mportante do projeto de posturas de Pereira Rego. A i ntrodu ção e cri ta pelo autor, em que

se ju

tifica a preocupação com a prol i fe­

ração dos c ort i ç os, explícita de forma bastante didática algumas idéias que se tomariam em breve o sen so comum dos adm i n istra­ dores da c idade: O aperfeiçoamento e progresso da h:giene púbhca em qualquer país simboliza o ape rfeiç oam ento moral e material do povo, que o habita;

é o espelho, onde se refl etem

as

concuistas, que tem ele al cançado

no cam inr.o da civil ização.

Tão verdadei ro é

o

pri ncípio. que enu nc iamo s, que em todos os

países mais cul tos os homens, que est�o à frente da ad m i n istração pública, procuram , da higi ene pú b l ic a

na

ó:-bita de suas atri buições, mel horar o estado

deba1xo

de todas as rel ações, como um e leme n to

de grandeza e pro s peri dad e desses pa:ses . .. Entre nós, oorém, força é confessar que

as

m unicipalidades

(. . . ]

têm-se esquecido um pouco dos m el h ora me ntos materi ais do \lt uni ­ cípio e do bem-estar, que del es pode resul tar a

eus concidadãos,

tanto que sobre alguns pontos essenc ia is e i ndispensáveis ao estado

higiênico, parece que

ai nd a

nos conservamos muito próx imo s aos

tempo s coloniais.22

O discur o do vereador e h igienista. partindo da oposição en­

tre "civilização'· e '·tempos coloniais", postula dois princípio es­ senciais para a compreensão de um imaginário em gestação entre

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1

J

.I I 'I

os pol ítico s e governantes nas últimas décadas do século XIX. E m pri me iro l ugar, está presente a idéia de que existe u m '·caminho da civilização", isto é, um modelo de ..aperfeiçoamento moral e ma­ terial" que teria val idade para qualquer "povo'', sendo de\-er dos governantes zelar para que tal caminho fosse mais rapidamente pe rc o rr i do pela sociedade sob seu domínio. Em segundo l u gar, h á a afirmação de que um dos requisitos para que uma nação ati nja a "grandeza'' e a ''pro speridade·' dos "países mais cultos" seria a so­ lução dos problemas de higiene pública. O res u l tad o dessas duas operações mentais é o processo de configuração d os pre supostos da Higiene corno uma i deolo gia: ou seja, como um c onj unto de princípios que, estando destinados a conduzir o país ao "verdadeiro'', à "c ivi lização", impl icam a despo litização da realidade histórica, a legi:imização aprior[stica das dec isões quanto às po' íticaspúblicas a se rem apli cadas no m e i o urbano. Esses princípios gerais se traduzem em técnicas específi­ cas, e omente a submissão da polítca à técnica poderia colocar o Brasil no ''caminho da ci v i : ização' ' Em suma tomava-se possível imaginar q ue haveria uma forma "científica'· - isto é, " neutra", supostamente acim a dos interesses particulares e dos confl itos so­ ciais em geral - de gestão dos problemas da cidade e das diferen­ ças sociais nela existentes. Tal ordem d e idéias iria 5atu:ar o ambiente intelectual do país nas décadas s eguin tes, e emprestar suporte id eo l óg1 co ?ara a ação ''saneadora'' dos engenheiros e méd icos q..1e passariam a se encastelar e acumular pod er na adninistração p úbl i ca, especial­ mente após o golpe m i litar republ icano de 1 8 89. Mas ins istir na i mportância de conceitos corno"ci\'il ização", "ordem·', ''progres­ so'', e outr os afin� - os correlatos como "limpeza" e "beleza'', e os invertidos tais como "tempos co.oniais", "desordem", ''imun­ dí ci e'' etc - n ão nos leva muito além da transparência dos di s­ cursos, da observação da forma como eles se estruturam e daqui­ lo que eles procuram afirmar n a sua própria l iteral idade, e atra\ és da repetição a d nauseam. O que se decl ara, literal mente, é o de­ sejo de fazer a civil ização européia nos trópicos; o que se procu­ ra, na prática . é fazer política des l eg iti m an do o l ugar da política na história. .

.

35

-

AS BATALHAS .NA ADMINISTRA ÇÃO PÚBLICA A afirmação da Higiene como a ideologia das transformações urbanas da \ irada do século esteve longe de ser um proces so l inear ·

e sem conflitos. Pelo contrário, a l eitu ra dos documentos prod uzi­ dos pelos funcionários e autoridades da cidade do Rio no período reve la o debate intenso q ue agi tava os bastidores da administração públ ica, sendo que

a

questão das habitações coleti vas . e especial­

mente os cortiços ou estal agens, esteve sempre no centro das con­ trovérsias. Apesar do emaranhado de versões conflitantes, ou tal­ vez por isso rnesmo, é possível ident:ficar algumas tendências e reconstruir as al ianç as e confrontos que marcavam o vaivém si­ nuoso d a burocracia da época. Em 5 de maio de 1 864, o chefe de po lícia da Corte oficiou à Câmara

M un icipal

reclamando prov idências sobre probl emas

estariam ocorrendo na freguesia

que

de Santa Rita. O subde l egado lo­

cal o informara da existência de um cortiço ''muito imundo '', sem numeração nos quartos. sem luz, e ai nda por c ima fiscalizado por um escravo do proprietário. 2' Além disso, o s ubdelegado reclama­ va de dois terren os q ue não estavam cercados , permitindo

o d espe­

jo de l i xo por parte dos moradores da vizinhança e a pousada de "malfeitores em noites escuras''. Nada disso, porém , dera realmen­ te motivo ao oficio: a questão era que o subde legado e o Jiscal da freguesia haviam en trado em rota de col isão, e i s to - upostamenle porque o agen:e municipal nada fizera para sol ucionar os probl e­ mas apontados pela autoridade po lic ial .

O fiscal de Sant2. Rita rebateu a acusação com veemência.

Quan to às i rregularidades no cortiço, ele achava ' ·adm iráYel" que o subdelegado ignorasse as obri gações da po l íc ia no assunto ; se­ g undo ele. cabia ao fiscal zelar pela l impeza de tais prédios, e e ta, ..

garantia, se achava em ''estaco regular" . Quanto aos terrenos, eles eram objeto de uma pendência judiciaL logo não havia de quem exigir o cercamento. Final mente.

É de sentir que no cartório do

um

contundente contra-ataque:

utdelegado se

to�em reclamações e

se inventem histónas para comprometer-se a a l guém, que mai s direi­ to� tem para queixar-se de uma autoridade que se constituiu Fiscal

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t()

}

da F reg u es i a dando

ordens ou consentindo que seus agentes andem perseguindo e maltratando os míseros ta' eme i ros e quitandeiros, e que quando encontra quem lhe ponr.a embaraços, ''en h a abrigar-se sob o manto da proteção da Il l ma . Câmara.

À

primeira vista. parece tolice relatar essas picuinhas entre

funcionários subalternos. Mas, como já dizia Shakespeare, "There is history i n ali men 's l i ves" [ H á h istória na vida de todos os ho­ mens]. Poi

é,

e

então tais picuinhas nos ensinam alguma coisa .

Em primeiro lugar, as autoridades policia.E utilizam uma retórica semelhante à dos higienistas, e c lamam por ação contra a suposta i m undície de um cortiço e o despejo irregdar de lixo. Esse tipo de procedimento s e acentuará a partir da década de 1 870; na verdade, higienistas e autoridades policiais estarão quase sempre do mesmo lado da tri ncheira em se tratando de cortiços. Em segundo lugar, o fiscal da freguesia deixa claro o seu partido ao acusar o subdelegado de per eguição aos ''míseros tavemeiros e quitandeiros". E aqui há outra tendência: tlscais e proprietários estarão freqüentemente do mesmo lado contra

as

incursões de higienistas e policiais, se bem

que esta é uma aliança precária e pontual. A Câmara Municipal estará no centro do fogo cruzado - o cargo de prefeito só passará a existi r em fins de 1 892-, agüentando as pressões dos diferentes grupos de i nteresse e tendo, em última análise. a responsabi l idade de traçar as políticas públicas a serem adotadas em relação às habi­ tações coletivas. Personagens em cena, resta seguirmm as li nhas principais do enredo. Para destrinchar a papelada da administração municipal, é preciso ter em mente o ritual necessário para a obtenção de l icença para a construção de cortiços. Como vimos, o edital de agosto de 1 855 exigia a permissão da Câmara para tais edi ficações, sendo ainda necessádo que a J unta Central de Higiene considerasse ha­ bitável o prédio p lanejado. Para exemplificar

os

procedi mentos de

praxe, temos o caso de José Antônio Mello, dono de uma cocheira na rua de Santa Luzia, freguesia de São Jmé , e que. em novembro de 1 87 1 , solicitou à Câmara permissão '·para fazer quartos, nos fundos da dita cocheira"?t Na Câmara acharam que a l i cença po­ dia ser concedida, obedecidas as posrJras e, "no caso de ser para fazer corti ços", respeitado o edital de 1 8 5 5 . Precisava ser consul -

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tada, então, a J un ta Central de Higiene. Os higienista concorda­ ram com a concessão. desde que os animais existentes no local fos em dali retirados, '·porque de outra forma não há espaço para a construção de tais cortiços, a l ém de ficarem eles em más condi­ ções higiênicas". A Câmara autorizou em definitivo. mantida a exigência feita pela Junta Central de H i giene. Todo o procedimen­ to durou pouco mais de u m mês. Apesar da aparência meramente protocolar, há tutano nessa história.

Para t\1el l o, o solicitante, a intenção era "'fazer quartos": o

relator da Câmara apenas levantava a hipótese ''de ser para fuer cortiços"; os higien istas não tinham dúvidas de que se tratava de construção de cortiços. Afinal, o que determinava que uma dada habitação coletiva fosse identi ficada como um cortiço? Como já mostrou Li lian Fessler Vaz, es:a era u m a qLestão dificil para os contemporâneos, e uma boa par:e das controvérsias entre higien i tas, pol ic i ais, proprietários,

ção prec isa dessa palavra. 25

-

fiscais etc. girava em torno da defini­

Everardo Backbeuser, autor de um traball:o clássico sobre a habitações populares do Rio na vi rada do século, tentou expl icar a diferença entre estalagem e cortiço. O texto de Backheuser foi pu­ blicado pela primeira vez em 1 905. Era o tempo do bota-abaixo do prefeito Pereira Passos. e a campanha contra os cortiços. portanto. já tinha alcançado grande parte de seus objetivos. Backheuser define estalagem com um leve toque de humor, e outro de preconceito: Pequenas casinhas de porta e janela a l i nhadas. contornando o pá t i o ,

,

são habitações separac:as, tendo a sua sa l a da fren te o rn ada de reg i s­ tros de s an tos e an únc i os de core� gritantes, saa onde se recebem vis.tas, onde se come, onde 5e engoma, onde se cost ura, onde se

ma ld i z dos vizinhos, tendo tam bé m a sua alcova quente e entai pada

,

separada da sala por um tabique de madeira, tendo mais um outro q uartinho escuro e q uente onde o fogão aj uda a consumi r o oxigên i o,

env en e nando

o

ambiente. D o rme se em todos os aposentos.1t -

Em seguida, a detl nição de cortiço : A s estaJ agen s antigas têm u m aspecto mais pri m it ivo. mais grote co, ma i s mal acabaco. São ligei ras construções de madeira, que o tempo

consolidou pelm consertos clandestinos, atravancadas nos fundos

18

J

-,

2.

de prédios , tendo um segundo pavi mento acaçap1do como o prim�i­ ro e ao qual se ascende dificilmente por escad1S íngremes. circunda­ do também por varandinhas de gosto esquisito e contextura ruinosa.

I

to que aí fica re su mi do

é o "cortiço''Y

Por um lado, a descrição de Backheuser é preciosa porque nos in forma acerca da divisão do espaço interno das casinhas de estalagem e do uso que os moradores faziam de uma área tão reduzida; temos, assim, acesso a alguns cost..lmes e concepções populares sobre a moradia no período. Por outro lado, constata­ se que Backheuser tinha pouco a oferecer para possibilitar uma djferenciação obj etiva entre estalagem e cortiço. N a verdade, os cortiços eram as '·estalagens antigas", malconservadas e onde as condições higjênicas eram precárias. As descrições parecem su­ gerir que a presença de um segundo pavimento era mais comum nas estalagens antigas ou cortiços; o próprio autor, porém, con­ clui em seguida que "na ' estalagem' e no 'cortiço' o facies é iguar•_:8 O que se extrai do tex1o de Back.heuser é que o elemento decisi,,o na identificação de uma habitação coletiva corno um cortiço era mesmo o julgamento do obsenaJor: nos cortiços as alcovas eram mais quentes, baixas e escuras; não havia separa­ ção adequada entre as tàrní li as , sendo a vida "mais promíscua'·. Todos esses elementos são obviamente ubjetivos - isto é, su­ jeitos a avaliações radicalmente distintas dependendo dos inte­ resses ou do ponto de vista de cada observador-, o que faz com que Backheuser explicite o caráter fortemente ideológico de toda a discussão: "há ·cortiço ' onde se penetra com o lenço ao nariz e de onde se sai cheio de náuseas".�9 Há sem dúvida seme lhanças relevantes entre os concei tos de "cortiço" e de ''classes perigosas": ambos supostamente de�­ crevem "real idades" a respeito dos hábitos das mesmas pessoas - as "classes pobres -, e se caracterizam mui to mais pela fluidez, pela ambigüidade, do que por qualquer es forço conse­ qüente de precisão de conceitos. Esta ambigüidade, obviamen­ te, é carregada de significados: como se trata de conceitos alta­ mente estigmatizantes, a imprec isão aumenta infinitamente a possibilidade da suspeição, ampliando as s i m a esfera de inter39

venção das autoridades p ú b l i cas e com p ri m indo, por conseguin­ te, a c idadania. Enfim, "cortiço·· foi o te rm o que as autoridades sanitárias pas­ saram a utilizar quando d e sej avam estigmatizar em definitivo de­ terminada habitação coletiva. Backheuser e creveu seu texto num momento em que tal estra tégi a já havia triunfado e pro duzido re­ sultados i mportantes; se voltarmos para a década de 1 870, recu pe­ ramos ainda o cal o r da l uta . Os critérios para a identificação dos di ferentes tipos de habi taç ão coletiva eram então a inda m ai s i nde­ fin idos , pastosos m esmo , se acomodando aos interesses de oca ião da panes em confronto. Cubícul os ori g i nados de subd i v i sões in­ temas n um casarão eram cortiços? Quartos co n struí do s no fundo do qui n ta l de uma re s id én ci a, ou de uma fábrica ou oficina. eram cortiços? Chefes de família que alugavam cômodos em suas casas, às vezes até o sótã o e o p o rão, seriam c ortice i ros obri gad os a pagar impostos à m u n i cipal i dad e? Numa cidade e m cre scim en to acele­ rado e com défic it crônico de moradias, todos esses expedientes foram bastante util izados. Parecia haver algum acordo apenas em tomo do que era habitação coletiva, como defini� por exemplo, a postura de 1 5 de setembro de 1 892: "São todas as que abrigarem sob a mesma cobertura, ou dentro da mesma propriedade. terreno etc., i ndi víduos de fam íl ia s diversas, constituindo unidades ociais i nde pe nde nte s'' . 30 Em suma, se permanece dificil definir de forma in eq uívoc a o que era um cortiço. o fato é que as controvérs i as em tomo de tal definição em cada caso específico nos abrem u ma enorme j anela para a observação e interpretação do proce;)so h istórico do pe rí o­ do. O debate assumiu caráte r mai s de c is i vo a pós o edital de de­ zembro de 1 873, proibindo expressamente a construção de corti­ ços n uma extensa área do centro da c i dad e . 3 1 Em no ve m bro de 1 874, por exe m pJo , o fi cal da freguesia de Sacramento foi chama­ do a se explicar sobre uma denúncia de que se estava construindo um cortiço na rua Espírito Santo, canto da do Senado.32 O fi scal respo n deu à Càmara M un i c i p al que " n o l u gar indi cado não se está construindo corti ço algum, a meno s que se queira assi m chamar a quatorze acomodações em pri mei ro e se gund o p av i mento que se estão acabando de construir. . . ". O fiscal informava ainda que a obra 40

.:I



11-J

estava devidamente l icenciada pela própria Càmara, o projeto apro­ vado estava sendo seguido à risca, e que, portanto, nada havia a fazer a respeito. Neste caso, não se sabe de onde partiu a denúncia sobre a construção supostamente irregular� ficamos apenas com o fato de que aqui lo que o denunciante chamava de cortiço não coi ncid ia com o que o fiscal da freguesia e a própria Câmara entendiam por tal. A j ul gar pelas h istórias em que esse tipo de dado está dispo ní ­ vel, a denúncia podia partir de um vizinho, da imprensa. da autori­ dade policiaL ou da própria Junta Central de Higiene. Qualquer que fosse a origem da i n formação, os fi sc ai s de freguesia ge ral­ mente se empenhavam em desmenti-la, defendendo assim a l i sura de sua atuação no cargo. Eles tinham também suas queixas em relação à atuação da J unta de Higiene. O fi scal da freguesia do Espírito Santo escreveu para o vereadores em novembro de 1 8 75. respondendo a rec lama­ ções dos higienistas: "que na Freguesia a meu cargo, não me cons­ ta que se edifiquem da noi te para o dia caniços em lugares insalu­ bres. muito menos sem l icença". O probl ema na área eram "as valas públicas" que corriam ''por dentro de terrenos particulares·', impe­ dindo que os proprietários melhorassem as condições higiênicas de seus prédios. N a versão do fi scal, inúmeras reclamações já ha­ viam sido feitas à J unta para que se tomassem providências "'para acabar com semelhante abuso, prej udic ial à salubridade pública' ' . Concluía dizendo que s e devia sol i citar do governo imperial pro­ vidências para que os habitantes da área "gozem do beneficio do esgoto''.u Há duas maneiras de abordar a estratégia de defesa escolhida pelo fiscal de Espírito Santo. Por um lado, o fiscal se mostra esper­ to ao se utilizar das armas forjadas pelos próprios higieni stas : não exigindo do governo providências quanto ãs valas abertas exi sten­ tes no local, a própria J unta se tomava culpável por negl igência em assunto de salubridade pública. Assim, a higiene nas moradias particulares ficava prejudicada pela defic i ê nc ia na prestação de serviços pelo poder público. Por outro lado. a opção de defesa do fiscal implicava uma concordânc i a tácita com o pressuposto de atuação dos sanitaristas: a questão da saúde pública consistia es-

41

no controle da higiene das habitações par.icu lar­ mente as das c l as ses pobres''i c lasses perigosas". O p ro b lema é que es se pressuposto s i gn i fic ava deixar de considerar outros a pectos relevantes para a saúde da popul ação, como a n utr ição as cond i ções de salubridade e segurança nos locais de trabalho, a ex­ tensão da j ornada de trabal ho etc . 34 Paradoxalmente. a esperteza do fiscal revela o estreitamento de sua margem de manobra; para se L ivrar dos higienistas naquele momento, ele se enredou de vez nas teias da i deo l ogia da H i gie ne . Que ess a i d eol og ia l ança v a raízes cada vez m ais profundas em alguns setores da sociedade, toma-se patente pe l a atuação dos ór­ gãos da imprensa a partir da década de 1 870. Na realidade, vários procedimentos da Junta Central de Higiene contra supo stos cort iço se detonavam a partir de denúncias dos jornais da época. Em agosto de 1 876, a Junta oficiou à Càm ara informando que "tendo a Impren­ sa nestes últimos di as denunciado a construção de um grande cortiço nos fundos de um terreno à rua da Gu arda Velha", providenciou-

sencial mente

''

"

,

se urna vistoria no Local . Os sanitaristas reconheceram que a tal construção era melhor que

a dos '·cortiços comuns·' mas re sol ve ram condená-la assim mesmo "não só por sua grande aglomeração. como pe la falta de ven t ilação . O fiscal da fregues ia de São José explicou que as casinhas haviam sido construídas pelo pr opri etário de uma fábrica de cervej as, se nd o '·aliás bem c onstruídas e arejadas O li cal acabou lavrando o a uto de i nfraç ão por construção de coniço em área proi bida, "não obstante p arecer-me que a essa edificação não se podia a p l i car o nome de cortiço, porque, verdadeiramente não se acha bem definido o que seja cortiço'' (gri fo meu).35 O e pi s ód i o demonstra como os h igienistas est avam con eg u in ­ do a l i ados im portan tes em sua e s tratégia pela melhoria das condi­ ções de salubridade públ ica da Co ne - uma e s tratég ia que se re­ sum ia cada vez mai s numa co nde n ação tout cm4rt da çrópria presença de h abitações populares. e obviamente de seus morado­ res, nas áreas centrais da cidade. Não quero ser acusado todavia, de pa rci alidad e contra a distinta classe dos doutores médicos higie­ nistaS, mesmo porque não é dificil i maginar que algum grau de ve n al i d ade podia existir em vereadores, fiscais da municipa.idade, e coniceiros sempre di spGstos a cobrar al uguéi s escorchantes de .

''

".



,

42

-

�--

"

. -

seus inqui linos. Por isso, fica co m a palavra o higienista-mor do pe r í odo , José Pere i ra Rego, presi de nte da J unta de Higiene. já en­ tão o barão do Lavradio. No caso em questão, ele estava indignad o com a poss íve l concessão de l i cença para a construção de uma habitação coletiva na rua do Resende. Segundo o barão, tr atava - se de autori zar o surgi me nto de outro cortiço em área on de eles j á estavam previamente p ro i b ido s. O oficio, d i rigi do ao presi dente da Câm ara M u n ic i pa l é de 1 1 de fevereiro de 1 876: ,

. . . cabe à J unta declarar a V.Exa. q ue nada tem que ver com a referida licença, v i st o como as obras j á es:ào em andamento, talvez com c on­

sentimento da autoridade fiscal respecti va; e por esta ocasião po nde­ ra a mesma J unta a V.Exa. que, sendo c on:u rn o fa to de te r a Junta de pronunciar-se sobre co ncessão de licenças para obras que já se ac h am concl uídas, Ou quase concl uí das , 'em ser ou v i do o seu parecer, me­ l hor seria dispensá-la de um traba l ho inútil e de responsabilidade que não lhe pode nunca competir. Agora perm ita VExa. que, não se dis t i ngu i n do as i nt i tul ad as casinhas dos cubículos componentes de um cortiço sen ão na pe­ quena d i fer e nça de alturas, a Junta continue a s uste n tar a o pinião j á por muitas vezes externada d e não se consentir no in terior da C i da­ de tais edi ficações, aumentando assi m as causas da i nsa l ubri dad e pela aglomeração de população em zonas l i m itadru, como aconte­ ce no l ugar de que �e trata, onde já 11 umerosos são os cortiços exis---- temes . . _,.,

oficio. o barão e queixa de que a Junta só era chamada a op in ar sobre fatos consumados: ou ej a, o e d i ta l de 1 855 valia fo rm a l m e n te, mas na práti ca a construção de habitações coletivas era freqüentemente autorizada antes de a Ju n­ ta ser devi da m e nte consultada. De passag-..m , o chefe dos higienis­ tas insi nu a que essa situação se ex pl icava pela conivência dos fis­ cais de fre g ues i a. No segundo parágrafo, o barão se refere ao fato de os proprietários procurare m driblar a postu ra que proi b i a a cons­ trução de cortiços em áreas centrais com o s ubterfúgio de apelidar No p rimei ro

pa rágra fo do

tais edificações de casinhas.

Pois bem, é pratic ame nte c e rto q ue o barão tinha razão em ambos os pontos. A lei t ur a dos doc u m entos da Câma ra p a sa e l a43

ramente a idé i a de que não ha,ia muito controle em relação ao s u rgimento de habitações coletivas - elas brotavam por toda parte em função de uma enorme demanda, e não havia como re­ verter fatos consumados sem prov imento de acomodações alter­ nativas para os moradores. Também é verdade que nos anos 1 870 n enhum proprietário se mostrava ingênuo a ponto d e sol icitar li­ c e nça para a construção de corhços: todos iriam edi fic ar ·'quar­ tos", ''pequenas casas", ou "casinhas".

este último ponto, a pró­

p r i a Câmara deu razão ao barão do Lavradio ainda naquele ano de

1 876,

através da confirmação da postura de pro ibição aos cor­

t i ç os no centro mesmo q uando seus proprietários os c hamassem ··casinhas ou com nomes equivalentes".n

A

verdade, porem. é

q ue o barão continuaria a se defrontar com agentes m unicipais contrários a essa abrangência cada vez maior do conceito de cor­ tiço. No caso em questão, por exemplo, um engenheiro m un i c i ­ p a l e screveu um parecer detalhado a favor d a concessão d e l icen­ ça para as casinhas da rua do Resende. Elas seriam perfe itamente habitáveis com pequenas modificações nas dimensõe

das jane­

las e com o aumento do número de latrinas. O engenheiro arre­ mata\ a que ''é esta minha opinião fundada na necessi dade da e x i stência de casinhas para a pobreza, que sem dúvida não pode­ rá morar em casa de alto preço . . . " .38 Todos esses pequenos acon:eci mentos da rotina adm inistrati­ va acabam definindo os contornos mais amplos da atuação dos h i gienistas. Confonne já ficara claro no projeto de posturas de Jo é Pereira Rego, em 1 866, os sar.itaristas erigiam as cond içõe

de

h igier.e pública como o elemento definidor do grau de c i v i lização de um po\o. Mais ainda, haveria critérios objetivos, ·'c ientífico ··, q u e podenam nortear as medidas da administração publica nes a área. O problema aqui são as implicações políticas claras - e i ne­ v i táveis? - dessa crença na possibilidade de gestão c ienúfica da sociedade: nenhum "outro" político tinha as q'.lal ificações nece -

sárias para interferir na condução dos negócios públicos porque não detinha o saber técnico-cier.t ífico pertinente. Os higien istas e fechavam numa l ógica ferrenha, totalmente baseada em procedi­ mentos autoconfirmadores.

É

típica, por exemplo, a serenidade

ol ímpica com a qual o presidente da comissão sanitária de Santo

44

,

I

,..,..-

Antonio desqualifica a opinião do fiscal da freguesia a respeito de supostos cortiços na rua do Lavradio: "a questão é puramente hi­ giênica, e nada tem a ver com o Fiscal . . .".39 Em ou1ras palavras, o fiscal discordava porque desconhecia os preceitos da ciência da H igiene, e o doutor ainda fazia o favor de perdoá-l o por sua igno­ rância. Era inegável o crescente poder de sedução da ideologia da Higiene sobre alguns setores da sociedade da epoca. tv1as tambem eram sign i fi cativos os obstáculos impostos à sua di fusão pelos mecanismos institucionais da velha monarquia. Em bro de

1 879,

18

de dezem­

o ministério do Império expediu um aviso mandando

que as com i ssões sanüárias "intimem para que se�am fec hados os cortiçm ou estalagens, quer

os

que ameacem ruina, quer os que,

pela perm anência têm-se tornado nocivos à saúde pública''.40 A medida representou mais uma vitória dos higienistas, que agora pareciam contar com o apoio mais decidido do próprio governo central para a sua atuação. Mas acontece que o aviso em questão fez ranger a velha máquina institucional em deiesa do pacto l iberal de respeito à propriedade privada. Assim, o que se viu em seguida foi uma l uta intensa: as comissões sanitárias ordenavam o fecha­ mento de cortiços; vários proprietários desobedeciam, exigindo que as comissões lhes apontassem os problemas com suas p roprieda­ des, e recorrendo à Câmara Municipal para a obtenção de l icença

para os melhoramentos necessários; as autoridades policiais saíam às ruas para fazer cumprir as ordens de fechamento, mas às vezes encontravam os corticeiros munidos de mandados j udiciais que garantiam seus direitos de propriedade. Houve cortiços efetiva­ mente fechados, pelo menos provisoriamente, para des i n fecção e reparos ..� A l i ção dessa história, todavia, é que o pacto liberal de defesa da propriedade privada colocava l imites claros às pretensões dos higieni stas. Pelo menos durante a vigência da monarquia, perma­ neceu sempre dificil adotar medidas mais duras contra os cortiços. No caso do Cabeça de Porco, por exemplo, segundo o relato da

Gazeta de Notícias por ocasião da demolição, tentativas anteriores de destruí-lo haviam esbarrado exatamente em medidas judiciais:r� Em suma, os higienistas imaginavam que sua Ciência pairasse ac i-

45

ma do homens e

para além da moral e da po l íti c a ; por e n quan to,

conseguido transformar as in st i tuiç ões num emaranh ado de casuísmos. I sto ó seria pos sível com o ad­ ve n to das pri me iras adm inistrações repub:icanas, e com a aj uda decis iva de novos aliados. todavia, ainda não haüam

SA BER, PODER . . .

Alguns anteced entes da dem o l i ç ão do C a be ça de Porco escla­ recem aspectos i m portan tes a respeito da administração da Capital

Federal nos primeiros anos do regime republicano. Na verdade, é a p art i r da a ce n são de Floriano Peixoto à pres i dê n c i a, em novem­ bro de 1 89 t , q ue ocorre um recrudesci mento d as autoridades pú­ bli cas contra os c orti ço s n Ao que parece, os higien i s tas ha'>iam atingido o auge de sua i n fluência po l íti ca . ossa h istória pode comeyar em 26 de j ane i ro de 1 892, e a­ tamen te um ano antes da dem ol ição co Cabeça de Porco.+t l\e a data, o m in i s tério do In teri or expediu um avis o à J nspetoria Geral de H i g ie ne dete rmi nando providê n c i as a respeito dos cortiços, c ses "verdadeiros antros disse m in ados pel a c1dade e que constit uem outros tantos focos de infecção". O av i so lembrava inicialmente o que ficara estipulado :10 artigo 83 do regu:amento san itário de 1 8 de janeiro de 1 890: :

-

quan do, a j uízo do Inspetor Geral de H igiene, os cortiços ou e tala­ gens não puderem. por suas más condições sanitárias, continuar a servir sem perigo para a saúde pública, aJutoridade sanitária, além da imposição das multas que no c aso couberem. intimará ogo os proprietarios OJ sublo:adores para que os fechem dentro de 48 ho­ ras . só podendo ser re abertos depois de feitos os melhoramentos ne­ cessários. Em o utras palavras, o regu l amen t o

sani t&io p arec ia perm iti r que o i n spet or de H igiene determ i nasse o fechame nto de qualquer cort i ço da cidad e num prazo de 48 horas. sem a n ec ess i da d e de medi das anteriores para prevenir pro pri etários e inqui l i nos. O aviso inform a v a a in da que o governo estava di s posto a lançar mão "de me i o s coercitivos mais enérg icos" para o cumprjmento 46

das determ inaç ões do inspetor, assim como providenciar "sobre o aloj amento dos moradores das habitações conde:1adas'' - uma b o a i ntenção q u e permaneceu letra m o rta . U m a com i ssão constitu ída por funcionários da I nspe to ri a de Higiene - dois delegados e um aj udante - deveria proceder às "diligênc ias mais ri goros as " com o intuito de indicar os cortiços que precisavam fechar para a real ização de melhoramentos . É verdade que o aviso também determinava que providências extremas como o fechamento só se aplicassem a habitações coleti­ vas c ujas condições fossem "tão más" que se tornava "impossível, pelo menos em prazos relativamente curtos, fazerem-se modifica­ ções ou me l horame ntos compatíveis com a natureza das r e spect i ­ vas edificações e local em que estiverem situadas". O fato, porém, é que o regulamento sanitário concentrava poderes demais nas mãos dos doutores da Inspetoria de Higiene, e estes, devidamente incen­ tivado pelo ministro, não se fari am de rogados. Além di sso, é cer­ to que os critérios utilizados pelos cien:istas da H igiene na avalia­ ção das condições sanitárias dos cortiços tinham poucas chances de agradar a prop:ietários e inquilinos ameaçados de despejo. O mais complicado da situação é que os cidadãos que s e c on sid eras ­ sem lesados não tinham a quem apela:: corno l ogo veremos, as dec i sões d a I nspe toria a respeito de cortiços eram i rrecorríveis. Segundo a i nterpretação de alguns dos burocratas que acompanha­ riam os acon te ci me ntos dos meses seguintes, nem o ministro do [ nterior - a quem a Inspetoria de Hig1en.e estava subord i nada ­ poderia revogar uma ordem de fechamer.to de estalagem determi ­ nada pelos e sc ulápios. Como seria de esperar. os problemas começaram logo a sur­ gir. Em março, a Inspetoria de Higiene ordenou o fechamento da estalagem da rua da Conceição, n2 95. D arrendatário do prédio respondeu que não podia cumprir a ordem porque os moradores se recusavam a deix:ar o local. Consultado sobre o impasse, o minis­ tro do Interior ordenou que a autoridade policial agisse para "tor­ nar efetiva semelhante providência". E o ministro fez ainda mais: instru iu o inspetor geral de Hi giene a recorrer diretamente à pol í­ cia sempre que ocorresse uma situação semelhante; ou seja, o higie­ nista ficava dispensado até da autorização do ministério quando 47

desejasse recorrer à força. Parale lamente,

o

chefe de polícia da

Capital Federal era avisado de que deveria acudir prontamente às solic itações da Inspetoria. A situação se complico

nos meses seguintes, com o aumen­

to dos protestos dos proprietários, a inquietação dos inquilinos e os desentendimentos entre os diferentes órgãos da própria admi­ nistração pública. Em maio, José Gonçalves, proprietário da esta­ lagem à rua do General Pedra, n2 63, recorreu diretamente ao mi­ nistro do Interior contra a ordem de fechamento que havia recebido.

No

documento que enviou ao min istro, o corticeiro fez um breve

histórico de suas agruras. Em princípios de abril . o inspetor geral ordenara o fechamento '·dando-lhe um prazo pequeno". José Gon­ çal ves requereu uma vistoria na esperança de provar que sua esta­ lagem estava em boa condições, e declarou-se disposto a executar "todos os melhoramentos" que lhe fossem exigidos. O h igieni sta enviou então uma comissão composta de

um

-ajudante, dois dele­

gados e um engenheiro do ministério do Interior. O engenheiro teria declarado. di ante das várias pessoas presentes, que a estala­ gem ''tinha uma grande área e estava em boas condições", e q uc posteriormente indicaria ao proprietário os melhoramentos necc5sários. Qual não fo i a surpresa de José Gonçalves, porém, quando, em 30 de abri l , recebeu intimação para fechar a ala direita da c ... ta­ lagem. As lamúrias do proprietário se encerravam com u mJ nota de pesar pelos inquilinos: o cortiço possuía 89 casinhas, "e V. Exa. compreende em que condições 1icava a população ali re idemc,

no

caso de ser cumprida a ordem do Snr. Inspetor, quando não há para onde mudá-la" .

Os casos desse tipo se repe[iam com freqüência, o que acabou provocando a manifestação da Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, "nl:cleo a que pertencem quase t odos

o proprietários e arrendatários desta Capital". Os corticeiros re­ clamavam que eram inexeqüíveis "as ordens continuadas" da Ins­ petoria de Higiene para fechamento de estalagens. Em primeiro lugar, porque não havia para onde remover os moradores, e não era correto sujeitar "grande número de famíl i as ao vexame e às inconveniências de verem transferidos seus lares para a praça pú­ bl ica''. Em segundo lugar, os funcionários da Higiene estavam agi n-

48

J

�t

do de form a i n tempes t i va, exigindo a i nte rdi ç ão em casos onde os melhoramentos eram possívei s, e desrespeitando ass im o direi to de p ro pri ed a de. Em t e rce iro l ugar. o regulamento sanitário em v i ­ gor co ndenava o prop rie tári o sem lhe dar o d i rei to de defesa; mes­

mo as vistorias, nos poucos casos em que eram conce did as , se re a ­

Lizavam em tais condições que o c orticeiro geralmente não tinha nenhuma chance de reverter o qLtadro. O doc umento da Sociedade

deixou de mencionar u m a si tu açã o que também parece ter sid o c om um : fe i ta a vistoria, o proprietário recebia uma l i sra dos repa­

ros que preci sava fazer em seu cortiço; aco ntece , todavia, que a I ntendênc i a Mun i c i pal resolvia i ndeferir o p edido de licença pa ra a real i zaç ão das obras.

este caso, o dono do cortiço ficava sem

saída, à mercê da Ins p e to ri a de H i giene. F i na l mente, os prop ri etá­ rios acenavam

com

o potencial de re be ldi a de seus aliados de oca­

sião - os inquilinos: "Os fechame ntos em breve prazo que a Ins­ petoria costuma ordenar poderão trazer sérias perturbaçõe s à ordem pú bl ic a. porque o deses pero

nem

sempre mede conseqüências e os

p ro p ri etári os e arrendatários de prédios nem se m pre rêm meios para acalmar os í mpet os de seus inquilinos''. Diante da con fusã o reinante e da veemência dos prote sto s,

impl antou-se a discórdia nas próprias ha ste s governamentais. Um dos b urocratas do ministério do l n ter ior resolveu tentar algum a coisa contra a prep o tênc i a da In spetoria de Higiene. Sua primeira

tentativa neste sentido foi , no minimo, canhestra. Encarregado de elaborar pareceres sobre as várias reclamações enviadas pelos pro­ p ri etári os, o burocrata descobriu, com certo e s pant o, que o re gula­ mento sanitário em v i go r não pe r miti a mesmo recurso das deci­

sões da repart ição de H i giene sequer ao m i n i stro ao qual ela estava subordinada. Portanto, os protestos enviados pelos donos de corti­ ços ao min i st r o não podiam surtir n e n hum efeito. O relato r do pa­ recer evocou então o re gu lamen to sanitário vigente nos últi mos anos do I m pério. Tal regu l amen to , de fevereiro de 1886, determi­ nava que aqueles que se consi derassem l esa do s pelas decisões da

re partição de H i gien e

-

n a é poca, ainda Junta Central de Higi ene

- podiam i mpetrar recurso ao m in istro. Aparentemente im pre ss i o­ nado com a sens atez elementar desse dis pos i ti vo do regulamen to

sanitário vigente anteriormente, o relator achou que ele não fora

49

reproduzido no de j aneiro de 1 890 "talvez por des c u i do" . O buro­ crata sustentava, no entanto. que. apesar do "esqueci mento", tal di spositivo continuava em vigor. pois seria um abs urdo imaginar o contrário. As autoridades superiores do ministério consideraram i ncorreto o parecer, e concluíram que ·'não há que deferir sobre a i nclusa representação". Enquanto isso, o pessoal da Inspetoria de Higiene adquiria um certo ar triunfalista. Um dos ajudantes da Inspetoria� que acom­ panhava de perto os procedimentos em relação aos cortiços, foi designado para comentar a chusma de protestos que caía sobre o m inistério do Interior. E o homem resolveu espicaçar os adversá­ rios. Considerou "fac ílima" a tarefa de responder aos argumentos do corticeiro Jo é Gonçalves e o utros semelhantes, debochou das rec lamações da Sociedade União dos Proprietários quanto à fa lta de critérios na atuação da Inspetoria, e ful minou i mpie dosam ente o burocrata do ministério do Interior: Basta a

leitura do parágrafo v, do artigo 83 do Regulamento Sanitá­ rio para chegar-se à evidência de que não cabe, na espécie, recurso para S.Exa. o Snr. MiniS[fO do j uízo ou resolução do Jn petor Geral de Higiene, o qual somente por não dispor de elementos de força para tomar efetivo o fechamento de prédios [ ...], dada a resistência, recorre ao Governo o q ual providencia para que os prédios sejam fechados [ ...] Enquanto vigorarem as disposições regulam entares alu­ didas, outra não pode ser a s u a i nterpretação. Aqu i lo que o burocrata do ministério do Interior cons iderava um absurdo era exatamente o que valia; naquele momento. a Inspeto­ r] a de H i giene pareci a o quarto poder da República. Foi neste contexto, em abr i l de 1 892, que um h igieni ta

as­

cendeu à presidência da Intendência Mun i c i pal , e pos terio rm e nte , em dezembro do mesmo ano, foi nomeado para a prefe i tura da Capital Federal.45 Cândido Barata Ribeiro. médico baiano, 49 anos, professor da Faculdade de Medic ina do Rio de Janeiro, havia obti­ do o título de doutor, em 1 877, com uma tese intitulada Quais as medidas sanitárias que devem

ser

aconselhadas para impedir o

desenvolvimento e propagação da febre amarela na cidade do Rio de Janeiro ? Como se tratava de um trabalho "científico", Barata

50

I

I

Ribeiro descreveu com total objetividade a sua própria subjeti�; i­ dade sobre os cortiço , seus proprietários e, pri ncipalmente, seu moradores: Falando das habitações, é forçoso

atender para estas senti nas sociais

a que a l i nguagem do povo ape li dou coruço. Todos

sabem o

que é o cortiço.

Gerou-os a avareza calculista e fria dos ambic iosos vulgares,

moeda, e o corti ço é a m i na aurífera sentimentos vorazes destes corpos sem

para os quais a moeda é sempre e

inesgotável

a saciar os

coração! A l i menta-os a lubrici dade do vício. que se ostenta Im pudo­ norosa ( s ic ) . ferindo os olhos

e

os ouvidos da soci edade séria que

deles se aproxima, e a m iséria andraJosa e repugnante, q ue faz da ociosidade um trono, e por um contraste fi lho

das circ unstâncias

pecu l iares à v i da das grandes c idades, ao lado [ . . . ] do vicio e do lodaçal imp uro do av i lt am e nto moral, está

também o leito do tra­

honesto. que respira à noite a atmosfera deletéria deste esterquilínio de fezes � :\o cortiço acha-se de tudo: o r.1endigo que atravessa as ruas como um monturo am bulan te ; a meretriz im p ud i ca , que se compraz em degradar corpo e ai ma, os tipos de todos os vícios e até [ . . . ] o repre­ sentante do trabalho [ . . . ] Compreende-se desde logo o papel que representam na insai Jbri­ dade da cidade estas habitações, quando ros lembrannos que alem de todas as funções orgânicas dos seres que o povoa m, no cortiço lava-se, engoma-se. cozinha-se, criam-se aves, etc. bal hador

Só vemos um conselho a dar a respeito dos cortiços: a demoli­

ção de todos eles ( gri fo meu).

de modo que não

fique nenhum para

eMstiam as nossas soc iai-, e a sua substituição por casas em boas condições

atestar aos vindouros e ao estrangeiro, onde senti nas

hjgiênicas.46

Torna-se evidente, portanto, que ao ordenar a demo l ição do Cabeça de Porco, entre outros cortiços, Barata Ribeiro estava ape­ nas colocando em prática a sua opinião

histórica a

respeito desse

tipo de habitação popular. Mais ainda, e mantendo-se coerente com a sua própria formação na área de saúde pública, ele pregava a

51

substituição dos cortiços "por casas em bJas condições higiêni­ cas". Para realizar tal proj eto, não era suftc1ente aos higienistas gal garem as posições na administração pública; era prec iso sedu­ zir e buscar a aliança de setores empresariais:n

. . . E LUCRO O discurso dos higienistas contra as habi:ações coletivas inte­ ressou sobremaneira a grupos empresariais atentos às oportunida­ des de investimentos abertas com a expansjo e as transformações

da malha u rbana da Cone. Haveria no proctsso um enorme poten­ cial para a especulação na construção de morad ias e no provimen­

to da infra-estrutura indispensável à ocupação de nn"as área

da

cidade. A pres:igiosa Ciência dos higienistas parecia legitimar as preten�ões dos empresários ao insistt- na necessidade de uma tera­

pia radical no centro da ci dade , e ao enfatizar sempre que a des­ truição das moradias consi deradas insalubres e a diminuição da aglomeração de pessoas naquela área eram os dois motes es en­ c iais de tal terapia : �8

O crescimento da cidade para novas áreas tomou-�e factível a panir dos anos

1 870

devido à expansão da! linhas de bonde. Pou­

co a pouco, fazendas e chácaras nos subúr' ios :oram sendo com­

pradas e l oteadas, numa conjunção de interesses entre empresários da área de transportes

e

agentes do capi:al imobiliário. As vezes,

um mesmo empresário atuava nas duas áreas de investimento. Um exe m p l o bastan te c i tado r.a h i stori ografi a é o d o ba r ão de Drum mond,

um

nome cuj a memória está comt;mente associada ao

su rgi m ento do jogo do bicho. Drummor.d era sócio da Cia. Ferro

Carril de Vila Isabel e proprietário de lotes no bairro do mesmo no m e. -*9 ,..

O início da ocupação de Copacabana já nos anos 1 890, foi

outro fruto da assoc i ação bonde/loteamento, envolvendo ainda o interesse de vereadores que eram também empresários nes5es ra­ mos de atividade. Desenha-se assim um padrão de expansão urba­ na que quiçá se repetiu em outras cidades brasileiras: primeiro, alguns e mpresários conseguem o monopól io na exploração de serv i-

52

o,

c onces sões para a operação de l inhas de bonde; paralelamente, outros grupos empre sariais, ou até os mes­ mos, adqui re m terras pouco valorizadas na perifena da c i dad e ; fi­ nal m ente, concluídas as l inhas de bonde e feito o l oteamento dos terrenos. os i n vest idore s conseguem uma remuneração astronômi­ ca para o seu capital. O sucesso da operaç ão é às vezes garantido pela presença d esses empresários na Câmara, como vereadores elei­ tos - e, po nanto, encarregados de votar as diretrizes da po l í ti c a de expansão u rbana. Tudo mu i to dentro dos conformes, e qualquer sem e lhan ça com pr oc essos de crescimento mais recentes de cida­ des brasileiras não t er á sido mera coincidência.50 Houve nos anos 1 880 algumas tentativas de incentivar em ­ presári os da construção civil a erguer moradias baratas para operá­ rios. A mai or parte das te n tati vas foi malograda, apesar dos vários pri v i l é gios concedidos pelo governo aos investidores. Um dos pou­ cos c o n tratante s que chegou a c onstru i r as casas para o perári os, o engenheiro e empresário Arthur Sauer, dono da Co m panh i a de Sa­ neamento do Rio de Janeiro, j ustificava assim o seu interesse no

ços públicos - no c a

investimento: Os cortiços e estalagens da Cone, infeccionados corno se acham por

suas péssimas condições sanitárias são os focos princ.pa:s do nde surgem

as

epidemias e nascem a fec ções mórbidas em ameaça cons­

tante aos moradores próx i mos, razão pela qua l foram condenados e é

reconhecida a _ m prescindíve, n ecess idade de, quanto antes, erem tais hab itações s ubstituí d as por oLtras, co nstru íd as segundo as re­ gras hi giên icas e de aluguel rnJito mód ic o para residência de prole­ tários, operários e em pregad os subalternos . . 5

Vemos aqui, po rta nto , que o empres ário se aprop ria do dis­

curso da Higiene para j u sti ficar sua opção de i nvestimento. O in ter essan te na passagem é que o princ i pa l inconveniente dos co rt iços estaria na '·ameaça c onstante aos moradores próximos": isto é, a util idade d o proj eto não se assen :aria na melhoria das cond i çõe s de vida das classes po pulares em si, mas si m na vanta­ ge m de torná-l as menos peri go sas para a c lasse domi nante. No­ va m ente, "c lasses perigosas" em mais de um sen ti do : logo ad i an ­ te. no me mo do c u men to, Arthur Sauer descreverá os cortiço� 53

como ··focos de moléstias e d e todos os ,·í ci os", caracterizando­ os assim ta nto como t.m p ro b lema de higiene quanto d e controle social.

Arthur Sauer c on se gui u c u mpri r parte do contrato e sua c om­ panhia chegou a construir cinco vilas operári a s , abri ganc:� o uma população superi or a 3 mil pessoas. Vi e ira Souto, contudo, outro c o nt em p lado com uma concessão, fracassou na e mpre it ada . Já no

docu m ento de solicitação do co n trat o , o emp resá rio apontava a concorrência dos proprietário s de corti ço como a pri n cipa l dificul­

dade dos i n vestidores : porque é intuitivo que tais proprietários, estabelecendo o alugué is muito mais baixos do que po de ri am

faze-los os construtores dos novos prédios, dotados de todas as condições de higiene e de con­ fo rto de vica, formariam numa concorrênc i a impossível de susten­ tar, e de novo ficariam senhores excl usivos do seu campo de torpe especulação. H

S egundo Robert Pechman e Lu i z Queiroz Ri be i r o, estudiosos da formação do capital i m o b i l iário no período, as alegaçõe

de

Vi eira Souto pode m ser contestadas devido ao descompasso entre a enorme procura e a pequena o ferta de moradias. Para es es a u to res , Vi e i ra Souto não declarou o v erdad ei r o i nteresse dos

"'c ap i tal i s tas " n a in v e st i da contra as habitações c o l et i vas: mui­ tos c ortiços ocupavam terrenos bem locali zados, há m u i to i me­

grados à m a lha u rban a , e po rt a nto verdade i ras minas potenc iais d e i n vesti me n t o .

O l e i tor talvez s e recorde que Vieira So uto era um dos no­

mes constantes da l on ga lista de notáve;s presentes à d e m ol ição d o Cabeça de Po rco. O caro leitor não se terá esquec ido tampouco

q ue Vieira Souto lá esta"a ao lado de Carlos S a m pa io. e que am­ bo contri buíram com o esforço de demolição providenc iando a presença de q uaren ta operários d a Empresa de :\1elhoranentos do Bras i l . c o mpan hi a da qua l eram diretores. Tratava-se, sem dúvida, de i n tere s se pela coisa p ú b lic a e preocupação com a h i gi e ­ n e das habi tações. Ta hez fosse ainda mais do que isso. Em o

C on s e lho

1 89 1 ,

de Intendência Municipal havia fechado u m con trato

com o engenheiro Carlos S am p ai o, que ficava encarregado de

54

t rr r-

prol ongar a rua dos Caj ue;ros, a rua do dr. João Ricardo e ainda abrir um túnel no morro do L i v ramento.

É

desnecessário di zer

que a rea l i zação da obra dependia da destruição complela do Cabeça de Porco. De acordo c o m L i l i an Fessler Vaz. Carlos Sampaio sol i ci tara ainda as concessões de praxe em tais contra­ tos : direito d e desapropri ação de prédios e terrenos. cessão gra­ tuita de terrenos públ icos, privil égio para a expl oração de uma l inha de carris nas ruas adjacentes e no túnel, e mais direito de cobrança de pedágio por trinta anos. 53 Em

26

d e j aneiro de 1893. exatamente o dia da operação de

guerra contra o Cabeça de Porco. duas proprietárias da esta lagem encaminharam uma representação ao prefeito Barata Ribeiro pro­ testando "por perdas e danos contra qualquer ato de violência que se pretenda praticar em espoliação de sua propriedade''. Vejam o que diz esse documento: Só depois de

u:n

célebre contrato feito pela Intendênc ia com o Dr.

Carlos ampaio. para o pro.ongarnen:o das ruas João Ricardo e Ca­ j ueiros, com a obrigação ce indenizar as Suplicantes e outros proprie­ tários, contrato que devia ser transfendo ao Banco Evolucionista. e de mandar e�te Banco u ma comi ssão orçar o valor cas desapropria­ çõe::, a faLer, é que, por smgular coincidência começaram cantes e os

as

upli­

outros proprietários a ser incomodados.5�

Em suma. na versão dos proprietários, o cerco e a destruição final da estalagem estariam d i retam ente l i gados ao� investi mentos planej ados por Carlos Sampaio, Vieira Souto, e s ua E m presa de M e l horamentos. lv1ais ai nda, as propri etárias insinuavam que a de mol i ção do cortiço iria diminuir o \.alor das desapropriações a serem pagas - pelo menos é isto o que

se

pode razoavelm ente

ded uzir da referência ao trabalho d a comi ssão que teria feito o or­ çamento das d esapropriações necessárias.

a versão da prefe itura.

a estal agem deveria ser destruída porque havia sido constru ída sem licença da Câmara e contra expressa recomendação de urna porta­ ria governamental de 28 de agosto de 1 8-lO. A l ém disso, obvia­ mente, haveria o estado ·'ruino o" dos prédios e a i m undíc i e su­ postamente c aracterística do cortiço e sempre condenada pe la In petoria - antiga J unta - de H i giene. 55

55

Ambas as versões valem pelo que são: conjuntos de arrazo a­ dos produzidos num momento de conflito aberto. De qualquer for­ ma, as versões expl icitam para além de qualquer dúvida que higie­ nistas e agentes imobil iários estavam unidos pelas reformas urbanas e contra os corticeiros. Se eu fosse um autor dado a grandiloqüências teórico-estilísticas, teria escrito que acabamos de reconstruir, em parte, o processo histórico de formação da aliança entre a Ciência e o Capital, aliança que seria essencial às transformações urbanas "radicais" - no sentido da hosti l idade em relação às "classes po­ bres" e à cultura popular em geral - do início do século

xx

no

Rio. Mas eu não sou um autor grandi loqüente, e logo não fica es­ crito aqu i l o que escrevi. apesar de tê-lo provado.

EPÍL OGO Antes de terminar este capítulo, preciso antec ipar-me a u m possível mal-entendido. A o contrário de várias persona ge ns pre­ sentes nesta minha história, eu não tenho a mania da suspeição gene ral izada

.

I s to é, eu real m en te não ac ho que todos os

reformadores da cidade na virada do século eram movidos apenas por considerações maquiavélicas e interesseiras. Vários deles. tal­ vez os mais importantes dentre eles, certamente agiam movidos por c onv ic ç ões íntimas, e alguns deles conseguiram vitórias signi­ ficativas contra flagelos humanos reais e que precisavam ser con­ trolados - como, por exemplo, e para não deixar de mencionar o caso mais óbvio, a campanha bem-sucedida liderada por Oswaldo

CI1l7 contra

a febre amarela.

Mas constatar alguns dos re sultados atingidos não signi fica fechar os o l hos para o fato de que, muitas

v ezes .

tais resultados

foram obtidos a preços sociais excessivamente elevados, e que, apesar de o di curso c ientificista da Higiene pretender pairar aci­ ma dos homens e para além da moral, tratou-se sempre de tomar decisões políticas claras quanto ao direcionamento dos benefí­ cios a serem alcançados através das inici ativas das adm in istra­ ções púb li cas.

É

claro, por exemplo, que havia moti vos, diga­

mos, nada óbvi o s ou "neutros'', na opção em priorizar o combate

56

à febre amarela em detrimento da tuberculose - uma doença que . como já foi mencionado, os próprios médicos associavam à nutrição e às condições de trabalho e de

v ida

em geral da popula­

ção. Durante todos esses anos de crise aguda de saúde pública na c idade do Rio (entre aprox imadamente 1 850 e 1 920), a tubercu­ lose matou m uito mais do que quaisquer das outras doenças epi­ dêmicas. A tuberculose, porém, parec ia atacar indiferentemente brancos e negros. nacionais e estrangeiros e, desculpa su prema, era doença extremamente grave até mesmo em Paris, o que nos eximia de qualquer c ulpa por abrigar a peste.56

A

febre amare la

sign i fi cava basicamente o oposto: além de não acometer Paris e de flagrar o Rio anual mente. era

um

verdadeiro flagelo princi pal­

mente para os imigrantes. Rui Barbosa descreveu assim as carac­ terísticas da febre amarel a :

É um mal. de que s ó a raça negra logra imunidade, raro desmentida apenas no curso das mai s violen�as epidem ias, e em cujo obituário, nos centros onde av u ltava a imigração e uro péia, a contribuição das colônias estrangeiras subia a 92 por cento sobre o total de mo rtos Conserv adora do elemento a:ricano, exterm inadora do e l em ento eL­ ropeu. a praga amarela, n egre ira e xenófoba atacava a ex.stência da nação na sua medula, na seiva regeneratriz do bom sangue africano, com que a corrente i m i gratória no_ vem de p urar as veias da mestiçagem primitiva, e nos dava, aos o lhos do mundo ciYi liz.ado, os ares de um matadouro da raça branca. 57 .

e o leitor está impressionado com a virulência do rac ismo estampado nesse parágrafo de Rui Barbosa, saiba que a tentativa de entender a possibi l i dade histórica de semel hante aberração foi o que me moveu na pesquisa sobre fe bre amare l a que originou o segundo capítulo do presente volume. 'Jo momento, e como ain­ da se trata d e conc l u i r este capítu lo, ba�ta observar que o conce i­ to de civ i l ização constante na passagem im pl icava o i deal de embranquecimento, o ''depurar as veias da mestiçagem pri m it i­ va··. e i sto s i gnificava adotar medidas para viabi l izar a entrada maciça de imigrantes europeus no país. U m a das medidas neces­ sárias seria a melhoria das condições de salubridade públ ica. c o m ênfase no combate a doenças que, como a febre amarela, amea­ ça,am p rinc ipalmente os imigrantes. Nesse sentido, a moderna

57

prática da "ge tão científica'' da cidade escolhia cuidadosamente eu benefici iri os - i sto é, tomava suas deci ões pol ítica� - e en tendia que o aneamento e a tran form açõe urbana não pre­ ci avam ter grandes compromi so com a melhori a das condi­ çõe� de vi d a d e uma massa enorme de pe o a - os negros, es­ ses s us peito s prefe ren c iai s. me mbros por excelênc i a da "c lasses perigo as" . O mais trági c o em toda es a história é que a alegação de "'cientificidade"', de neutral idade nas deci ões adm i ni strativas , traz empre em eu cerne a vio lênc i a contra a cidadania. Se os admi­ ni trado re , o go vern a n te , �ão eles pró pri o govern ado por i m­ pe rat ivo di tos "científico " - ej am e es i m perativos uma cria­ ç ão da mente fé rtei de h ig i e n i � r a , n a q u e l a época, ou de economi ta , m ai recentemente-, não há o que negociar com o " cidadão . e sa ma sa de ignorante portadore de todo o. vício" ou i noculados -velo vírm da "cu ltura inflacionári a''. Mas empre h o u ve quem consegui e ver a política na� c re­ denciais da ''ciência". O trecho abaixo, por exemplo. consta de u m n ú me ro de fevereiro d e 1 905 d o jornal Emancipação, "órgão da Liga das Arte Gráfica e do p ro letari ad o em geral''. O anicul i\ta di cutia precisamente a::. c au sas da Revolta da Vac ina, que, como aberno , fo i o maior movimento de prote to po p u l a r contra Ol-1 mé todo utilizado pelo ó rgã o de 'iaúde pública no período. e­ g u n do o autor, o gov erno e s tava . ujeitandoo operário a� proce. �OS da ex pe riênc i a ci e n t ífic a em nome da presunço

-

a sabedoria oficial, muito zelosa pel a aúde públ ica, quando .e trata de ep i de m i as que proporcionam altas tra nsaçõe e

..

de paí

oas recém-chegada

e

e tran­

geiros, mari n heiros e outro. ind1 víd uo s não acli matados ou não ha­

bituados às i n fluência de temperatura e o u:ras especiai. ao cl i m a do nos o país: que ela se de envohe

a

bordo d o - na" ios e e m terra,

no. Lugares onde costumam reunir-se e pernoitarem o

marin hei­

ros, como e ob\erva em certas casas da rua da M1sercórdia e praia de D . M a n o e l : que nas pe. soas n ac i o n a i acli matada

e estra ngeiras j á

re :dentes res es Ji tritos a febre apre ema-se be nig­

na e pouco caracterizada: . . . ] Daq u i conc l u i a comis ão,

e

concebe

toda a esperança de que a "e bre amarela não 6 poupará o habi tan­ tes nacionai

e estrangeiros ac, imatado

residente

ne. ta c idade,

mas a i n da qu e, se em alguns se m a :1 i fe tar será ben ig n a : e consegui:ltemente nenhu'Tl temor deverá ela i ncutir nos cidadão. bras i I eiras. 53

A dose de xenofobia pre ente no trecho não

e capou ao dr.

Roberto Lal l emant. médico alemão radicado na Corte. Segundo ele, ao re u mi r o documemo da comissão de higiene, o médico. do governo podiam estar correto ao expli car que o "bra i l eiro tinham muito pouco

a

recear. be m que adoeces em em gunde nú­

mero". Porém, a ênfase tão acentuada na vulnerabili dade dos e trangeiros parecia cruel com e sa parcela da popu lação. "Tinha toda a razão a comL ão: tudo quanto dizia, era ju to�

ó era u m

pouco patriótica demais". Lallemant sin tetizava aqu i l o que enten­ dera da mensagem dos médico na forma de urna e xortação: "Haveis de morrer. vós, estrangeiros . !54 Em suma, na década de 1 850. a circ u n tância de a febre ama­ .

rela e colher sua

víti mas principalmente entre o t rni grante

ee -

trangeiro de pa

agem pela Corte era interpretada como fator ate­

nuante da ameaça ocial que a doença comportava; no ano� 1 870.

77

como veremo , a febre amarela havia e tran formad o no proble­ a ú de pú b l i c a do Império exatame;ne porque

ma de

viti mava

p ri o ri t ari a me n te o i mi grante .

RA ÇA, AMBIENTE E ACUo/!ATAÇÃO Antes de pas armo à q ue tão da febre amarel a na década de 1 870. con v é m reparar naquilo que o médico bra ileiro

inventa­ ram - e também não inventaram - na tentativa de e xplic ar o fato de o africano e �eu de�cendente ofrerem meno com a molés­

tia do

que o

peu . O de

eu

branco" em geral, e pecialmente os i m i g ra n te s e uro­

doutores brasileiro :ertamente não segu i r am o

c o n gê n ere do sul do

E

tado Un i do

da

pas

o

A mé r ica que,

pre �ionado por ep1de m ia deva tadoras

de febre amarela e pe l a nece i dade pol ítica de ju tficar a e cravidão negra n a décJda de L 850, acabaram chegando à con cl u ão de que o ne g ro norte-ame­ ricano e ra m ere" de uma e pécie di fe rente, u m tanto aquém do a tr i bu t o atinente� à humanijade. e expre arnente concebido, pela natureza para uportar a doença e o trabalho ob o e cald a nte calor tro pi ca l . Um do mai con pícuos defen ore de e i de áric. o dr. Samuel Cart wri ght, de ova Orlean , de q al i ficav a e i ro1 i za v a impiedo amente as interminávei di cu õe v ige nte entre eus pares obre o concei to de con tágio e i nfecção. a opinião de Cartwright, as e pi d e m i a de febre amarela e ex pl icava m peh freq üê n c ia com a q ual c api tal i t a podero o e i mi grante europeus pob re s agiam e m manife ta c o n t ra di ção com a le i da natureza. Ca r tw r i ght re u mia a im a condu ões ce ua inve tigaçõe cien t íficas : �

[ . . . ] a pre n d i o bc. tan te para hegar à con ci J �o. de de ent3o con­

firmada por rr.uito ano de ob ervação. de que neste c l i m a o . oi do verão é exces·ivamente quen te para permitir que qualquer r ornem branco nele obreviva trabdhando por longos período . Po- ourro lado, a ob ervação prova que o trabalho à ombra. por não provo­ car fadiga mu cJlar exce siva, é audárel e benéfico. Por guinte, toda a medidas que po arn er adotada

no

con e­

entido de

l i vrar Nova Orlean da pe Llência erão incomp.eta e i ne fic aze a

78

] b f.

meno

que

ej a abolida a prática de tratar como ne g ro :, membros

da raça me tra da huma nidade, obrigando-o ao 1rabalho 50b o ol

quente do verão. �5

Ao m eno

alg u n

médico

bra ile iro� também viam c om

s uspeição certo tipo de determini smo c l i mático que era ba tante

comum entre e c u l ápi os europeu levava, mediante rac iocínio

do período, e que geralmente

confu o

,

categórica

a concl usõe

obre as deficiências da vida nos t ró pt co e a inferioridade natural dos povos

t ro pic ai

. Um bom exemplo de

as

t dé i a

de deter­

mi n is mo climático é o d r. Robert Dundas, médi co ing lê s que tra­

balhou vário

an o

na B ahia e que pu b lic o u, em 1 8 52, um lon go

tratado obre febre na Europa e no tró pi co , incluin do '·observa­ çõe

sobre a deca dên c i a premamra incidente no

peu

que re tomavam de cl imas quente •·.56

1

tema do euro­

O obj e ti vo declarado do dr. Dundas, então, era explicar a

al e gada decadência orgânica dos europeus que pe rm anec i a m por longo

período

re sidindo em pai es de clima q ue nte . O argumento

do médico i ng lês

quente

··a

co meç ava

com a obse rv aç ão de que em paí e

e cre ção p ro ve ni ente do sistema cap i lar externo é in ­

ces ante e profu a. enquanto a ecreção ori gi nada no rin fica di­ minuída na mesma proporção". Em decorrência de

a s i t ua ç ão , o

europeu que sofri a l o n g a ex p osição ao calor tro p i c al ficava irre­ mediavelmente prej udi c ado em seu

i tema capi l ar, que

e

tornava

enfraquecido dev1do ·'à longa e continuada exc itação" provocada pe l a '·tran pi ração profu a"'.57 Dundas achava que o europeus não podiam permanecer mais do que cinco ano no t róp ico gir dano i rrever ível

à ua

aúde. j á que apó

em i nfli­

es e períod o

eria

impo� ível trazer o rin de volta à atividade normal e re "laurar as funções do esgotado i tema capilar. Ele descartava a tdéia de · acli matação, con iderando-a uma "doutri na fala c io a· , e movia- e rapidamente em direção a c onc l u sõe s mai

preocupante�: o

b rasi ­

l e i ro, "que de cendia de ances t rai europeu ", ma ti nha ' 'consi de­

ráve l mistura de sangue africano e i n dígen a ,

[.] . .

é indole nte por

natureza, e pouco di po to par a a i ndú tria ou o trabalho ativo . . . 58

Além dis o, o contexto p ropic iava preen ão das susceptibilidades peu

em relação

ex pl icaçõe s fáceis para a com­ diferenciadas de a fric an o e euro­

à febre : 79

no que concerne às febres dos climas quentes é ou tro fato bem estabelecido; e sua expl icação. en­ tendo será encontiada principalmen:e na e trumra peculiar da mem­ brana dérmica do negro, na abundante e muitas \l eze altamente de " agmdável e creção sebácea ou oJeagino a. com que a superfíc ie do africano é naturalmente ungida, e que o preserv a dos efeitos de brus­ cas mudanças atmosféricas. A co m para t i va i senção da raça Negm ,

­

E, fi n al m e nte ,

descobrimos a e xp licaç ão "natural" para as posi­ ções relativas de africanos e e u ropeu s na relações de trabalho: Além disso, o desempenho mais energético das funções do si c:;te­ ma cutâneo no negro, em comparação com o europeu, o torna me­ nos sujeito à e xaus t ão na atmosfera quente e úmida de seu c h m a n at i v o

.

5�

Tai s argumentos. então correntes entre dout o re do sul dos E tados Un i d o s e d a Europa, não estão pre entes - até onde pude verificar - na hteratura médica brasileira da década de 1 850. Ao e nfren tar a que s tão da i munid ade relativa de africanos e afro-bra­ si leiro s à fe bre amarela, os médicos da Corte ge ra l me n te proce­ diam da e g ui nte m ane i ra: pri me i ro constatavam a reali dade des­ sa im u n idade re l ativ a. mas de forma apenas uperficial, não isolando o assu nto para con iderações mais detalhadas: segundo. s ubo rd i navam e sse aspecto a noções muito gerai s e abstr a tas de meio a m­ biente e aclimatação. A febre amarela tomara-se po sível, e não fora mesmo g erada. devido à precarie dade das condições sanitá­ rias em cidades portuárias do Império Havia pânta nos imundos e matéria anim al e vegetal em decom po· i ção por toda parte : a pe oa� que estavam havia muito t em po expostas a tais condições por exemplo, br asil eiro s naturai da Corte - tendiam a suportar melhor o ataque da molésria do que aq ue l as que ainda e encontra­ vam em processo de adaptação a esse meio a m bi e nte como e ra o caso d o i mi grantes recém-chegados da E u ropa Se a isso ac re s ­ ce n tav a-se alg u m a outra obse rvação tratava-se apenas de admitir que o conhecimento médico sobre doenças epidémka permane­ cia muito i mperfe ito e incompleto, não permi ti ndo re postas egu­ ras a várias questões cruciais. ,

­

-

-

.

.

80

Se e a forma de argumentar parece um tanto eva iva, , erá úti l reparar na de crição do cur o de '·Higiene e tu tória da medici­ na··. mini trado pelo dr. lhomaz Gome do Santo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1 857. O dr. Santos, que lecio­ nou e a di ciplina por vário ano na década de 1 850, concentra­ va- e em questõe e pecialmente ignificatívas para "o pre ente e o futuro do país'·, e eu objetivo era "combater erros fi iológico , de que nascem prevençõe perigo í ima na nos a oc1edade".60 O dr. S anto pro eguia destacando Gobineau e l'vtonte quieu para um comentário crítico. Ao abordar Gobineau, o profe or ti­ nha a intenção de anali ar a upo ta importância da raça na hi tó­ na da humanidade. Era verdade que no último tempo algun estudio_o vi nham procurando "dar grande relevo a certo grupo de . uma raça. ; nenhum autor, contudo, havia chegado aos extremo de l'vt r.( ic) Gobineau. Santo achava que o pen ador francê5 de­ fe ndia "doutrina contrária à dignidade do homem, ao eu pro­ gre os e à sua moralidade''. O que havia de e encial em tai dou­ tri na poderia er re umido da eguinte forma: que de de a origen , a raça humana e tiveram dotada de qualidade diveTha , qual i­ dade es a aliá que foram partilhada de maneira de igual, crian­ do de equil íbrio "naturru .. entre ela . Em outra palavra , as ra­ ça mais nobre ti veram em dote "a facul dade da ab tração. a tendência ao progre o, as ' irtude vi ri , o i n tinto moral e uma grande atividade de e pírito'': quanto à outras, receberam omen­ te ··uma extrema vivaci dade de en açõe . acontemplati vidade do fenômeno' naturai , o in [into do belo [ . . . ] e uma exce siva sensi­ bi lidade moral". O que re ultava de 5a de igualdade· iniciai era que raça nenhuma, quando pura, apre entava o conjunto completo da fa­ culdade'i humana , que ó poderia talvez er obtido atravé do cru ­ zamento entre raças. Segu ndo Gobineau, porém, no- produto de tais cruzamentos predominariam "fatalmente" as qualidade peni­ nente� à "raça meno nobre". O dr. Santo ob ervava em - eguida que, ne-. e contexto, a superioridade de uma determinada raça era con iderada i nevitável , a im como a inferioridade de outra , e então nenhum povo poderia er elogiado por suas virtudes ou, ··com eqüidade", cen urado ''po� eu vício ". A con eqüência lógica de 81

-

�emelhante doutri nas, pro eguia o profe or de hi tória da medi­ cina, eria a negação completa da morali d ade humana já q ue t udo i o conduziria à "legitimação do domínio ab oluto da raça mai perfeita obre todo o re to da humanidade". O que era pior, a, idéia do pen ador francê tomavam a hi tória de um pü\10 irrelevante ao e u de tino, poi o único a pectos que realmente importariam eriam as q ua lid ades naturai originárias, e e as G obi nea u con i­ derava terminantemente imutávei . Como notara que o cientista francê havia ido bastante rigo­ ro o com a raça negra. o dr. Santo util izou o argumento bem co­ nhecido de que a hi tória do Egito antigo con tituía prova suficiente de que o africano eram capaze de ati ngir grau avançadíss imo de civili zação. Além di o. procuro u demon trar que por m ai di­ \ler a que fo �em a_ aptidõe . idéia e co tume de diferente� na­ çõe , "toda e ntretanto provinham de uma ó origem". A opiniõe. contrária de Gobi neau a e e re peito eram ''grar uitas". O fato de as naçõe humanas, ape ar da ori ge m comum. apre entarem '·ten­ dê nci a diferente " significava apenas que ela não e curva" am toda "ao impu! o de uma ó força"; ··a raça portanto não é o móbil único, nem me mo o mai forte motor das aptidõe do gêne­ ro humano··. Santo explicava ainda que fizera o pos ível para ' ·cte�­ truir tai" pri ndpio que algun fi iologi tas e inclinam a apadri­ nhar", ÜHando eu di cípulo de "prevençõe pe rigo L. irnas". fi iologi ta advinha do fato de Para e l e. em ínte e, o erro do ··não terem observado o homem moral com a me ma ate nção que pu eram no e tudo do homem fí ico''.61 O profe or pro egue tratando de 1onte quieu, q ue, em ua opinião, havia elaborado uma "deplorável doutrina acerca da in­ fluência do chma quente bre o ho mem mora l " . O pubJic1 ta francê fizera uma '·dedução forçada" ao apl icar a idé i a de Hipócrate obre a importância do clima na con tit uição do po­ vos à análi e de ociedade cont e mpo râ nea . A aceitação de tal doutrina eria '"fatalís ima·· à grande parcela da humanidade que habita a a zona intertropical, poi impl icaria con iderar corno "na­ turai ", e logo ne ce ária . "a torpeza do" co tu me , a ervidão política e a rni�éria social''. Novamente, i o i gn i ficava creditar à natureza a J go que era, de fato. produt o da hi tória . Ou eja, a críti"

"

82

,

. ) IJ 1

ca do dr. Santo a Monte qui eu con i tia em enfaúzar a nece

idade

de se con iderar de\lidamente o agenciamento hu mano na hi tória. Era erro grave não perceber e valorizar ''a i ndependência do ho­ . mem moral no meio do modi ficadores externo , O profes o r da

.

F a c u l dade d e Medicina do R i o de Ja n e i ro a

im re u m i u

lapidarmente a sua te e: Felizmente a h i tória gera l no demon tra que em todo os tempos,

como

ob todo o climas, nunca e tem apresentado o homem

tal que urr.

imple agregado de matéria.

uj eito à variações de

temperatura, mas im animado de um pri ncípio ati vo, que reage contra a força da natureza fí ica, e o conduz ao alto de t i n o. da ua criação.

O dr. Thomaz Gome do Santo enfrentou adnúravel mente os argumentos "teórico " mai

recorrente

entre

o

apó tolo

de

determi n i mos raciais ou climático . como Samuel Cartwright ou Robert Dundas. A dimen ão prática do debate, onde ele incidia mais diretamente na que tão das febre - a amarel a e outras -, estava poré m no problema da acl i matação, a c l i mamento, ou aclimatamento. O profe or é relativamente breve ne

e ponto,

notando, contudo. a ua importância na "que tão da colonização". Santo� concl u i que " ó e poderão faci l mente acl imar no Bra i l o colono de raça latina", poi levavam as vantagens considerávei da. identidades de origem e de religião, da emelhança da L i ngua­

gem e do co tume , e me mo "pela analogia do gênio próprio, e do hábito� orgânico ". O latino nem equer estranhariam demaiadamente a diferença do clima . Ele previa mai

difi c u l dade

para o colono da ··raça germânica", que certamente teriam me­ lhore

chance

na província

do Rio Grande do S u l , de Santa

Catarina e do Paraná. �1a a que tão do aclimamento tomar-se-ia crucial n a déca­ das eguinte , quando, no bojo da cri e

da

instituição da e cravi­

dão, aumentaria o intere e de proprietário e governantes na pro­ moção da i mi gração européia em mas a para o pai . Já é po

ível

vi l umbrar a dramaticidade do problema na te e i nt i t ul ada Do aclimatamento, apre entada à Faculdade de Medic i na d o Rio de Janei ro por João Vicente Torre Homem em 1 865. O trabalho fora

83

e cri to para concurso "ao lugar d e Lente da Cadeira de Higiene e História da Medicina"; portanto, temo

do dr. Santo

.

Como

a

aqui um possível sucessor

febre amarela e outras "febres pernicio. as'·

conti nuavam a casti gar i m piedo5amente o e trangeiros re i dentes no Rio de J aneiro, era i m pos s íve l escapar a um prob lema clara­ mente formu lado na tese: Como empre acontece, os apó tolo- da ·ubl ime ciência dividiram­ se em do i s grupos· uns negam a possi bilidade de viverem com saúde no� países quentes os habitantes das regiões influenciadas pela zona frígida; outro sustentam que, mediante certa caute las. m e dian te a

o b�e rvâ ncia ri gorosa das reg ras higiênicas por eles form u lad as , não só pode e dar a em i g ração em pengo. senão também q ue

o-;

em i­

g rad o. , no fim de algum tem po, ad qu ire m a mesma modal idade or­ gânica que caracteriza os indígenas.b:!

Robert Dunda , como v i m o

,

considerava a po

ibilidade

do

aclimamento uma "doutrina falaciosa", constitui ndo- e em exe m­ plo do primeiro grupo de ·'apó tolos" da " ublirne ciê ncia" dos

higierü tas. Torre

Homem - a sim corno Gomes do

Santo. e a

maioria do médicos da Corte - e ta v a no segundo grupo e via na afirmação da viabilidade da ac li m a tação do5 europeu queme

e m paí es

a própria demon tração de q ue e ra pos�ível a construção

de uma naç ão civi lizada no trópico . Na verdade, a defe a da idéia de aclimatamento tomou- e a pos i ção .. oficial" do governo i m pe ­ rial.

Em j unho

de

1 868.

atendendo a u m a o l i ci tação do ministro

da Agri�ultura. a Junta Central de H igie ne elaborou u m "diretório hig i ên ic o para o i migrantes··. O i nc ansáv el Pereira Rego

é

que m

a sina o diretório, formulando a sim o pri n cíp io geral a ser preco­ nizado: Sendo inadmi sível di cutir em um trabalho destes a questão i mpo r­ tante do aclimarnento,

obre o qual tanto

homens emi nente� têm

e mi ti do opiniões diver as, a Ju n ta -e limitará a dizer que não j u l ga muito difíci l o aclimamento em países quentes, como quase geral­

mente é todo o território brasi lei ro,

dos h o men s nascidos nos países

frio e tem perad m , como pensam mutto' ob ervadores, e scu dan doe na prova n u mérica das e tatísticas, uma vez que se adotem ce rto prec e ito s higiên icos com o fim de contraba lançar, ou contrariar mes-

84

1

mo

o

a que possam ter para o clima e outra conJiçõe.:; dadas n e ste s paí. es.6' a i nfluência pernicio

novos habi tadores

A ··pro " a numérica das estatí ticas··. portamo. parecia indicai a i mpossibi l i dade do acli rnamento de europeus no Bra il. Os mé­ dico

brasi leiros, todavia, achavam que a adaptação dos "emigra­

do ., eria obtida de de que fossem adotadas certa precauções. As recomendaçõe presente da Ju nta

na tese de Torre s Home m e no diretório

ão ba icame n te as me ma . A primeira del a consi tia

em evitar a introdução dos eu ropeus na Corte durante a ·'estação cal mo a", q uando a cidade e-tava geralmente defiagrada pel a fe­ bre amare l a e out ra

cém-c hegado

"febre

p al ustre ··. Nes

as

oca tõe

.

O� re­

deve riam er conduzido_ diretamente para locais

e levados - "serra acima" -, onde ficariam aguardando ramento do surto epidêmico. As outras medidas vi�avam

a

o

enc er­

fac il itar

as adapt açõe � upo tame nte necessárias ao organi smo do imigran· tes. Os alimentos deveri am er leve e bem cozidos, equilibrando

carne e vegetais� recomendava-se ab-tenção de fruta ácidas e bebidas alcoólicas: as vestimentas deveriam ser leves e folgadas; as v ariaçõe

da temperatura do d i a e da noite eram perigo as e

poderiam propiciar o desenvolmento de " fe bre pal ustres mai ou meno graves''; recomendava-se, ainda. '·exercício moderado para não fat i gar demai a organização" e. finalmente, ''evita.r os exces· os ''enéreos, ao� quai

tanto excita o ardor do cli ma".

Em conclusão, os m é dico s da Corte reconhecia m a existênc ia

de suscept i b i l idade ... d i ferenciada à febre a m arela e outra febre . e entendiam a

i mplica çõe

política gerai

co . Por conseguinte, O') doutore

de tai

fatos bio1ógi·

Gomes dos Santos, Torre Ho­

mem e Pereira Rego tomavam uma deci ão politica ao di cutir es a que tão e m termo da relação entre ambiente e hi tória, manife t ando as i m claramente s ua oposição a forma� extremada

de

determinismo racial o u climático. De fato. os e sculá p i o s do Rio continuariam a discut i r o problema da febre amare l a em termo de acli matarnento até o fim do éculo XIX. A p art ir da década de 1 870, os

h i gie n ist a s pas-ariam

a defender de maneira mais i ntransigente

a i déia de que era preci so intervir no ambiente urbano com o i n tu i­ to de contro l ar a febre amarela: como veremo-. porém. ua língua-

85

gem centrada na que tão do meio ambiente adquiriu então liovos e u rpreendente �ignificados político e raciai .

FEBRE AMARElA, POLÍTICA E IDEOLOGIA RA CIAL NOS Al\'OS 1870 Após permanecer praticamente ausente de de 1 862 - nenhum caso sequer da doença foi regi trado de 1 865 a 1 867

, a febre

-

amarela reapareceu no Rio no verão de 1 868, e a partir de então n ã o mais d e i x o u a c idade até a bem- ucedida campanha d e erradicação liderada por Oswaldo Cruz no início d o século Dois surto

extremamente grave

ocorrido e m 1 873 e J 876 -

causando a morte de 3659 e 3476 pe ru more

xx.

oas. re pectivamente. mais

generalizado de que o governo impenal e tava ocultan­

do os números verdadeiro - repre entaram um di vi or de águ a

·

n a hi tóri a da febre amarela no Rio de Janeiro.(>.! No que diz respeito ao debate entre o médicos, o que impresiona i nicial mente ão a semelhança entre a década de 1 850 e

1 870:

a�

m i a ma

doutores ainda falavam de i mportação e contágio. ou d e e infecção. Todavia, se o quadro geral do debate conti­

n uava o me mo. a ênfa e havia mudado. Apesar de o fato dispo­ nívei

erem uficiente para convencer a maior parte do ob erva­

dores de que o flagelo havia sido novamente i mportado para a Corte n o final da década de 1 860

-

e tai

fato nunca dei xavam de e r

aprese ntados, como s e fosse i ndispen ável demonstrar que o I m pério era puro e audável até que um veneno e�trangeiro o v io­ las e -, o certo é que o e culápios da Corte mo;;travam- e agora pouco di posto a reeditar o pro e liti mo teórico de outrora. Apa­ rentemente, havia se formado um con en o obre o que fazer dian­ te da ituação: era nece sário um ataque total ao elementos cau a­ dores de i n fecção existente no interior da cidade - i �to é, as fontes produtoras das temidas "emanações rniasmática ". Em 1 Q de fevereiro de 1 873, já plenamente caracterizada a gravidade da epidemia daquele verão, o Senado do Império enviou uma interpelação à J unta Central de Higiene. Ou enadore que­ nam aber a "causa do desenvolvimento da febre amarela e das

86

medi das romadas para a repelir"; também bu cavam informações obre '·os me io empregado para preservar a vida e saúde dos e m igrado recém-chegados".61 O pri meiro ponto a observar quan ­ to ao conteúdo do documento do

parlamentare é a as ociação

entre febre amarela e i migração. Se na década de 1 850 o nexo fun­ damental parecia e star na rel ação entre febre amarela e escravrdão, a a sociação entre febre amarela e imigração é agora o a pecto crucial a reter para o entendimento dos novm sentidos políticos e ideológico� da doença na década de 1 8 70. !vias vejamo primeiramente como Pereira Rego encarrúnhou a -ol u ção da questão propriameme epidemiológica em sua respo ta aos senadore e em outro escri tos da década de 1 870. O higie­ ni ta-mor e�tudou deralhadamente o de e nvolvi mento do surto epidêmico de 1873, e explicou ao o

originaram- e

enadore que o primeiros ca-

em dúvida "em indivíduo

habitando em ponto

recém-chegado

e

diver os de ta C idade". Eram portugue es

quase todo- o "recém-chegado ", e moravam na Saúde. na Penha, em Irajá, em Santana etc. Em suma, tais fato provavam ··que a molé tia iniciou--e por terra em diver o ponto da cidade, sem guardar traço de filiação regular entre i, e que não partiu do an­ coradouro para a cidade". Em outra

palavras, de de

a

ú l tima i m­

porração ocorri da no fim da década de 1 860, a febre amarela radi­ cara- e na Corte, renovando- e a cada verão com maior ou menor gravidade, dependendo das condições "atmosféricas'' e sanitárias v i gentes na capital. Quanto às cond içõe

anitária , Rego e eu

vam doi fatore agravante do "pé cipal. Primeiro, a

pares encontra­

i mo" e tado da higiene m u n i ­

obra d e con trução do e..goto -anitário, reali­

zada pela City Improvements. Ape ar de a con trução da rede de esgoto

ser uma antiga recomendação dos próprio higienista , o

recrudescimento d a febre amarela e xatamente durante a realização da

obras fez com que os doutores encontrassem uma penca de

defeitos nos rrabalho da companhia inglesa. O revolvimento do terrenos durante o verão i ncrementava a hberação de mia mas que iriam contaminar a atmo fera: a City, porém, intensificava a obras na ··e taçâo calmo a'' porqu e os dias eram mais longos. o que per­ mitia a extração de uma j ornada de trabalho mais vantajo a do

87

operário . Havia também a i rregularidades no solo da cidade que, ornada ao cano de pouca e pes ura e

à

JX!quena pre� ão e volu­

me d'água, provocavam vazamento , e logo o urgimento de poças de merda e tagnada por toda parte. O fator re pon ável pelas pé

cornço

eram o seg undo

i mas condições da higiene municipal .

Pereira Rego achava que pod i a determinar com preci ão que os primeiro caso de febre amare la no surto de 1 873 haviam ocorri­ do em quarteirõe onde os e gatos andavam entupido e a condi­ çõe de habitação eram mai de

e ponto

precária . fora supo tamente a partir

que a molé tia

se

espalhara para o porto e outras

parte. da cidade.66

A identificação d o cortiços como o focos geradore dos ger­ me da febre amarela foi fato de enorme significado �jmbólico e pol ítico. Como v i m o definição mai

clara

n o pri mei ro capítulo, n ã o havia nenhuma obre o q ue era um cortiço. e n u ma cidade

empre às voltas com um défictt de moradias na . egunda metade do éculo XIX, a tendência era con�iderar como tal qualquer habi­ tação que, egundo o

padrõe i nstáve i - dos anitari ·ta , fo,�e

v JS­

ta como imunda e api nhada de gente. Na reaUdade, logo que con­ c l u íram que a febre amare l a era o ri g i nári a do� cortiç o�.

O\

higieni ta iniciaram a luta para ampliar ao máximo a abrangência do conceito de

cortiço. Acabaram descobri ndo q u e o mal

infe tava

toda a área central da cidade, e pas. aram a defender plano. de tran.­ formação radical do e paço urbano - para o bem da saúde pública e. como se revelou, para o p razer de certo. i nvestidores. A idéia era evitar a continuidade da produção de emanaçõe

miasmáticas:

quando tal objetivo parecia impo� ível, tentar- e-ia ao men s dis­ per

ar

o veneno atravé da abertura de rua e avenida bem largas.

Quanto ao

cortiço , como bem

e

record.1 o l e itor, o r;; onho era

demol i-lo a todos. 67 Ma com o agravamento da cri e habitac i onal na Corte na') década de 1 870 e 1 880 - devido à migração interna e de imigrante , e peci a l mente portugue e

de tínado�

à C1egada

no

etor co­

mercial da capital -. a den idade populacional no cortiços pare­ ce ter aumentado ainda mai . I m i grante

portugueses e negro -

crioulo ou africano ; e scravos vivendo ·' obre si", l i berto e l ivre - di\idiam democraticamente, mesmo que nem sempre de forma

88

lO h

pac ífica, os corti ço� que, a de peito do e forço

do

higien is ta .

conti nuavam a pro l i ferar na cidade. E então os ad mini tradore da Corte i m agi n a ram

ob

ervar cena

� t arrece doras : ao de

c rever o

cort iço . eles aparentemente recon truíam a condi çôe e x i tente n o navios - aí i ncluídos o negre i ro - q ue haviam ido, e à vezes ainda eram, con i de rado re pon áveis pela ge raç ão do ve­ neno da fe bre amare l a . Tai habi tações colethas eram l ugares u­ jo e uperpovoados, inundado por ·'ág ua servida " e, por con e­ guinte, prod utore re nitente de eflú\'io mia mático . Além di so, quaodo o vôm it o preto retomava a cada verão, o i m igrantes re­ cém-cbegadm morriam em grande número nes e locai , enquan­ to a pop ulação negra da Corte re i tia bem ao fl agel o - n a verda­ de. os r:egro morriam em número ai nda maiore de doe nça , tai como a tuberculo e e a \- ar íol a, que a a u t orid ades púb l i c a . não estavam preparadas para - ou não que ria m � - . e qu er perc ebe r, quanto mai priori zar e combater. No deco rrer da década de 1 8 70. a fe b re zmarela tomou-...e a questão de aúde púb l ic a no Bra n . Tal fl a gel o havia e con tituf­ do n u m do principa i o b táculo à rea l iza ção do projeto po l íti c o que e t av a gradati v amente e i m po n do aos corações e mente do faze nde i ro� brasi leiros: a idéia era enfre n t ar as i ncerteza do pro­ cesso de emanc i p ação dos e cravo i n u nd and o o mercado de tra­ balho com i m igra n t e eu ropeu . Ape ar de o a po geu da i m i gração européia para o paí só ter ocorrido dua década. rr.ai tard e . já por oca�ião da aprovação da Lei do Ventre Line, em 1 87 1 - sina ] inequívoco de que a e -era vi dão u m dia chegaria ao fim, até me mo no Bra�i1 -, o-, faz en dei ros pau li ta. di�curiam um p l an o para ;;; ub­ sidwr a vinda de i m i gra nte.i ti r e m estoque devido à recu a dos vacinado a retornar no oitavo dia para o sup lício da reti rada do pu . ..J9 A ituação parecia ter melho­ rado no primeiro ano da década de 1 850. no entanto. a lmpre�­ são q ue p redomina no e tudo �i temático do p apéi

do In tituto

Vacínico é a de que a que tão da importação d.: v aci na européia foi

117

cefaléia con tante para os diretores da i nstituição. I ngle es, fran­

ceses, alemãe e italianos vendiam caro um produto tia. 50 O

parco recur o orçamentário

em garan­

do in tituto eram in ufi­

c ientes para a i mportação do material nece

ária. Hav ia problemas

técnico difícei de resolver no tran porte da li nfa. que vi nha acon­ dicionada ora em lâminas de v idro, ora em t ubos capi l ares , ora em a l gum recipiente de chumbo, e ei lá mai. de que jeito, numa rot i ­ n a desesperadora de problema

e fraca

o s que não cessam até o

fi m do período imperial. Quando a vacina acontecia de chegar e m boas condiçõe à Corte. n ão resi t i a ao d e afio d o tran porte

às

provínci a mai� distantes. 5 1 A reclamação dos pre idente� da pro­

víncia do Nordeste, por exemplo, é em u n í

ono rnonocórdio, fato

que não e pre ta equer a uma nova chalaça porque a epidemias de varíola naquela região urgiam à prol ongado __

veze

as ociada

a pe ríodo

de eca e fome. causando tragédias q ue ganha\· am

destaque até mesmo em periódico médico inglês. 52 Hou ve ainda uma oca ião em que o vacinadore receberam u rna caixa enorme cheia de vinho francé , quando a encomenda era de tubo vacínicos.

Algo de diferente havia naquele

tempos, tanto que o pe

oal da

lanceta e do pu comunicou o engano ao mi n i s tro e não e compro­ meteu por trinta di nheiros - ou mel hor, pel as tais garrafas de v i ­ n h o . �3 De culpem-me

se

este parágrafo descreve os p roblemas do

erviço de vacinação e m tom u m tanto apocalíptico. Se j á não era o

Apocali p e, ao meno era a preparação do flage l o da peste. Outra hipóte e aventada para a ocorrência de v aríola em vaci­ n ados foi a de que a vacina não garantia i m uni zação permanente.

ári� a repetição da profi laxia apó certo período. Há u m debate i ntemo obre o ru unto no prim e i ro eme tre de 1 839. endo nece

com a participação da Faculdade de Medicina d a Bahia e dando

e nsejo a que Muzzi escreve

e o já citado m anu crito sobre a

revaci nação. 5-I O médico baianos reconheciam a ocorrência oc a-

iom.l de varíola. em vaci nado . todavia achavam que o fe nômeno era raro e haveria mai prej uízo do que benefício caso a re v ac i nação e ntra.�se na rotina do pes oaJ da lanceta O argumento dos baianos

era técnico e politico . O problema técnico s urgi a do fato de que os vacinadores mu11icipais, e pecialmente em locai mai d istante s d a capitais, não eram doutore

formados;

1 18

e n do ass i m , poderiam

confundir a pú tu las fal a . comun em indivíduo já previamen­ te i m u nizado , com vacina verdadeira. e depoi utilizar e te mate­ rial para a propagação da profilaxia em po sibilidade de obter qualquer re u ltado. A dimen ão política do argumento e origina­ va na con tatação de que o povo tinha ''repugnância" à vacina. logo a divulgação da idéia de que a de coberta jenneriana protegia a pes �a por tempo limitado ena mai um trunfo di ponível aos detratore

do método:

..

É palpável

como a prática da revacinação.

dando corpo ao preconceito de un , e mcutindo em outro de confiarça obre a virtude antivariólica da vacina, acarretaria o eu com p l eto desprezo. ou pelo meno entorpeceria o progre . o de ua pro pag 1ção . "

Muzzi co:tcordava plenamente com a opinião do e culápio de São Sal vador, e como tinha certa \'erve para contar cau o , pro­ curou exempliJicar a inutilidade da revacinação atravé da hi tória de uma e nhora. Ela havia sido vacinada ao

ei me es de idade,

mal\ o bebê c�ara a feridinha e o pai "extremamente zelo o •·

re ol v eram repet i r a operação: Muzzi revacinou e a pú tula não e produziu, confirmando que a criança já estava imunizada. Quando a donlela completou deze

ete ano , e tando para ca. ar. e talvez

receanco um acidente que lhe arruína

e a formo ura no momento

dec1 ivo, re olveu tentar a revacinação; Muzzi fez a operação e a púst u la vacínica não aconteceu novamente. A enhora era agora mãe de s e i

fil h o , e in i t i a na experiência da vacin ação e

re " acin1ção de cada um dele ; Muzzi nunca con eguira a pú tt..l a

vacínica na- revacinaçõe da crianças. Em j unho de 1 84 1 , a Academia Imperial de Medicina, ediada no R i o de Janeiro, emitiu e u parecer obre o as unto. Cautelosa, declaroJ- e indeci a, e olicitou ao governo imperial cobaia hu­ manas para a realização de um ·'en ·aio de revacinação''. O douto­ re� q u eriam q ue e lhe coloca em à d i po ição da lanceta "o Soldados Artífice e Africano que

e

acham no e tabelecimento

públicm" . Não pude . aber se o ··en aio·· foi realizado: de qualquer forma, e apesar do cau.o de M uzzi, o relatório referente aos e r­ viços do i nstituto no egundo eme tre de 1 840 já regi tra a prática de revacinaçõe·. A opinião de que a revacinaçõe. eram nece

á­

rias após um período de dez ano. parece ter predominado entre o

JJ9

médico na egunda metade do éculo XIX, m a

ponderações polí­

tica como a aduzida pelos facul tativo baiano devem ter limi­ tado o empenho do In tituto Vacínico e m promovê- las. 55 Mai preocupante era a pos i bilidade de o

vaci nadores e ta­

rem transmiti ndo a sífili. braço a braço. A e vidência;; a e e res­ peito foram e avolumando ao longo do século, havendo um reco­ nhecimento franco do probl e m a no

doc u mento

do In t i t u to

Vacínico e da J unta Central de Higiene no i níciO da década de 1 870.

O longevo e dedicado J aci ntho Rey· tratou do assunto no que tal­ vez tenha

ido eu último relatório como diretor da i n tituição -

o rel a:ório riquí

imo de março de 1 87 1 ao q ua l já venho recorren­

do ne,te texto. 56 Sempre bem informado a re peito das pesqui�as européia' obre a vacma, Rey acha\ a irrefutável o fato da trans­ mis ão da ífi l i pela vaci nação. Após o e x órd io pe imi ta, nar­ rou o que teria acontecido "em Lu para, no Reino de Nápoles em

1 856". Algumas cnança haviam sido vacinadas com um mesmo t ubo de linfa, e toda ela�, "ape ar de ã e bem v igorosas. foram de sífi l i , que tran mitiram às mães que as aleitavam, . mani fe tando- e ne�te· intornas locaL e gerais da molé tia . . Reys atacada

e referiu ainda a uma di scu. ão ocorrida na Academia de Medici­ n a de Pari em 1 864 e 1 865, na qual se concl u íra que ·'a vaci nação feita com o víru tirado de uma criança ífilítica reve te empre os c aractere

de uma verdadeira calamidade, por i

o que toda

criança que forem vaci nadas com ele . serão atacada e nfermidade '·. Por últ1mo, fulmi nava aquele

as

da me ma

que achavam po. í­

vel evitar o risco de tal contaminação com o c uidado de não apl i­ car a linfa ca o ela se encontrasse m i, turada com sangue:

·'É

bas­

tante difícil de compreender-se como contendo o oro do sangue a ífil is. a ·ero idade da pústula não a contenha'·. Para Rey�. a olu­ ção , eria a vacinação com coHpux. Terminava então e u documento com uma hi tória da'> pe q u i as européia sobre "acina animal de de o iníc io do éculo, e forneci a um guia de procedimento s obre como con egui-la atravé da i noculação de v i te l as - tudo i o egundo um "manual operatório" muito pre tigioso no velho continente. 57 O pavor cau ado pelo risco de tran mi são da �ífi l i s e outras

doença atrav é da vaci nação ganhou certa vez um charme nostál­ gico. Em algum momento e ntre ju lho de 1 855 e junho de 1 856. o

1 20

Jornal do

Commercio lou vara

"

not íc ia editorial'' a obra de um

egundo o jornal, '·provara com fatos

certo dr. Verdé-Delisle, que. e e tatí;;tica

em

irrefragávei s que a vacina tem cau ado a degenere -

cência fís ica e moral da e pécie hu mana'·. O dr. Deli le l amentava a "exti nção daquela forte raça do I mpério, daquele granito. daqueles belo armadura de Franci co dade daquele

antepa

g ranadeiros da G u arda, grande r",

e mai

como a

e contra tava a potência e a i mpetuo. i ­

ados com a

traduzem todas em fumaça". na

de

homen

Pro

''no

as pobres orgias. que ·e

e g u i a no mesmo tom por pági ­

páginas, inve ti ndo contra a vacina como a

cau a

de

toda a dege nerescência. Del i ·Ic defendia a te e de que a " aríola era uma fase nece sária

da vida humana,

men truação, sendo prejudicial que o para

evitar

a

i m como a de nti ção e a

médico tentas e m i n tervir

que as pes oa , e peci al mente a crianças, a contraís-

em. Era grave que tamanho delírio gá li c o fos e e ndos ado edi tori al do Jornal do Commercio. A pesar de o

em

incansável J acintho

Rey ter emp u n hado a lanceta. ou mel hor. a pena. e arg u mentado que tai ''decl araçõe [ . . . ] ainda me mo que provas em a degeneres­ cência fisica e moral da e pécie

h umana,

não provariam , e r a v aci­

na a única cau a". pode- e imaginar o estrago cau ado por t a l notí­ cia no que conceme à aceitação da vaci na. 5� Não

há d ú vida também de que o m étodo de i nocu lação braço a

braço e a forma como o �erviço de vacinação estava Corte foram re pon áveis por muito ção demon trava pela

v ac i

trutu rad o

na

da ··repugnância'' que a popu l a­

na . O indivíduo que e deixava vacinar

'labia que depoi teria os vacinadores e a autoridade policial no calcan hares para que re toma

se

eu

no dia marcado para a veri ficação e

a e xtração do líquido da pú tu la. Como já mencionei anteriormente, esta volta era ba tante incômoda. O

doutores

achavam

mai

efi­

ciente extrair a matéria do braço do vaci nado e inoculá-la i mediata­ mente no paciente

eguinte. Tal preferência dos e culápio

tornava

o proce�so de vacinação lento e certamente desco nfortável - talvez bastante doloro

o-

para

aquele que e tavam fornecendo a linfa.

As de. crições e referem a horas de di ponibi lidade necessána nesta volta do vaci nados. Além di

o, os facultativo valorizavam sobre­

maneira o líquido e-xtraído de crianças, i ;;;to porque

achavam

assim era mai. certo o desenvolvimento da pústula verdadeira.

121

que

Em eu relatório , o diretores do in tituto di curem llil ra­ zõe que levariam a pe soas a não retornarem após os oito dias marcado e, previsivel mente, concluem que o povo era "indolen­ te'', "ignorante", "egoí ta'' etc ., sendo que o pai e furtavam · ·a e se dever, por não verem eu filho, chorar ao ex: trair- e-lhe do braços o benéfico vírus que receberam de outras cri ança , a� quais também. para l hes comunicar a virtude singul.rr da vacina, mortifi­ caram o coração de eu pai com o seu doloro o pranto". 5(1 Devia er me mo grande a choradeira na dependências do i nstituto no dias de vacinação poré m é prováYel que. ao menos no que concerne . aos homen livre , ter a autoridade policial em eu encalço fosse inconveniente maior - e pecialmente nU Jna �ociedade orde e te egmento da população enfrentava sempre a ameaça do recruta­ mento forçado. O re ultado era que pane . ignificativa d o vaci na­ dos e e\ adia à exigência do retomo, desaparecendo sim plesmente ou u ando de artimanhas como o fornecimento de nome e endere­ ços fal o . O dado- fornecido pelas rabela L e 2 ão enfáticos a re peito da re i têncü do vacinado em e ubmeterem à extração do pu \acínico: 58.24% do vacinado não foram ob en·ado no qüinqüênio 1 8 1 8-22; 46.20% em 1 846-50. O a u mento até certo ponto ignificativo da porcentagem do. que foram ob. en·ado. no egundo período e tudado talvez e explique peJo fato de o serviço de vaci nação ter ofrido u m a reestruturação em 1 846. Um do_ ob­ jetivo das mudança foi exatamente dar ao vaci nadore. ma i in. ­ trumento coercitivo - i to é. um aux.ílio mai efetivo do� fi scai de fregue ia na aplicação de multas am falto os, além do concurso de "ordenança '' de polícia e ncarregado de ir buscar a dcmicflio o portadore da precio as pú tu la to .

Um inventário exau tivo da mazela do �en iço de vaci nação não teria fim, tamanha a precariedade com que tudo funcionava. Os diretore queixavam- e de que eram pouco o� vacmadore o que o impedia de ir ao encontro da população em locais mai di tante ... e o fato de o vacinadores erem upostamente poucos fazia com que o homen da lanceta reclamas�em e. pal h afato a­ mente cada yez que unham de de empenhar uma missão fora da dependência do instituto. Não queriam ir à Casa de Correção va­ cinar "o Africano ulti m a mente julgados pela Comi-,�ão �1ixta'' ,

1 22

- isto é.

aq uel e apri

i on ado s e de c l arados livre

v ítimas do tráfico c la nde�t i no : 6 1 pon de raram

até

por te re m me s mo

ido

contra a

dirigirem aos quartéi p ara a vacinação dos recrutas que parti ri am em breve para o Paraguai, se nd o que no " teat ro de guerra " a v aríola e revelaria um i ni migo tão ou mai temive l do que o c o ma n dado de So l ano Lopez. ô2 Fora da Corte, era co mu m que o v ac i n ad ore municipai p re ta e m trabal ho gra tu i to, fi can­ do apena� di , pe n� ado s de serv ir na Guarda Nacional e tendo a pro­ messa de efeti vação e remuneração . . . apó dez ano de erviço pre tado ! f O nde o erviço era pago, havia denúncias de que o l u gares se preench ia m por ''empenho ··, e hav ia vacinadore que nem ap areci a m no emprego. N a Corte, o c a o mai antigo de fu n­ cionário fanta ma foi o dr. Th eodo ro Ferreira de Agu i ar, primeiro diretor do i n ...tituto - aque le me mo que, o leitor ce rta mente lem­ brará, vacinara O� e cravos de Ca l de i ra Brant em Portugal em 1 804 e depoi viera para o Rio na comi tiva de d. João. Pois bem, o dr. Theodoro embolsava a grati fic aç ão de. d iretor do i n tit uto, porém ficava a e r v iç o direto do pr ínc i pe regente e ne m s eque r ap a rec ia na in titu ição vacínica. Quanto ao "e mp en ho ··. o próprio Herc u l e M uzzi contava que fora pre teri do a o c argo de d ire to r d a vaci n a graças a esse co t u m e da época. 64 Devia e r terrível morar no Bra­ sil quando o país ainda enfrentava problemas de e tipo. 05

ordem de

e

MÉDICOS

E

VA CINOPHOBOS POPUL4RES

A l gu n médico encarregados pe l a Junta Central de Higiene de combater e pidemi a loclhzada, de varíola produziram relatórios prec io so de e u s trabalho . Ne es papéi . além de desc riçõe� de. oladora� das t ragédia'i c au ada. pela doe nça, e ncontramos e culápio enfrentando o de afio de tentar entender e explicar ao. s uperi ore h i e rárqui cos o porquê de a po pu laç ão rec;; i tir tanto à va­ cina e ao vaci nadore As du as hi·tória a eguir são e xemp l ares . O dr. Lino Romualdo Teixeira recebeu do barão do Lavradio a missão de i r ·'pre star ocorro. médicos ao indigentes, que ofri am oc; rigores de u m do maL terríve is flagelo., que pesam sobre a hu­ manidade' ' em Porto Novo do Cunha, pequena loc a l idade distante 1 23

da Corte cerca de 48 1égua - pouco meno do que trezentos quilô­ metro-.M O doutor tomou o trem em 1 0 de etembro de 1 874. muni­ do de "uma ambulância ricamente ortida de medicamento da me­ lhor q1.1al idade po ível". Lá chegando, procurou o auxílio do p ároco e do ubdelegado na empre a de divulgar ao- habitantes a bca nova de que já havia no povoado um médico enviado pelo governo impe­ rial. Editai foram afixados no ponto mai concorrido , e o vigário ficou de pa ar a informação nas mi as e na preces que vinha rea­ lizando todo o dias na igreja matriz. A ituação era dramática. O habitantes, tomado pelo ·'mais la. ti mável terror pânico··. haviam em grande parte fugido do po­ voado, abandonando o doente à própria orte. O. tropeiro ha­ viam :::e ��ado de trazer gênero para o embarque pela E trada de Ferro d. Pedro n, e "fugiam qua e que e pavorido diante do flagelo. pelo horror que lhe in pirava a idéia do contágio... Cadávere eram deixados em suas casas por um dia inteiro, por não haver quem e di pu e e a conduzi-lo prontamente ao cemitério. A "e l a se pro­ letária·· era a que mai ofria. devido "à grande miséria em que \'i vem [ ... ] de tituída de condiçõe higiênica�. a mais si mple. . e . ujeita a uma alimentação de pé i ma qualidade''. O d r. Tei xeira atendeu maL de vinte variolo o logo no dia eguinte ao de �ua chegada, algun do quai ·'j á tinham ido vi to por curandeiros, e e tavam u ando de do e homeopática ". De crito o cenário inicial, o médico pa_, a e ntão a narrar a marcha da epidemia. levantando também hipóte e obre o porquê de a doença e manifestar com tamanha gravidade na loca idade. Como ocorria com freqüência no ca o da· epidemias de varíola - e em contra te marcante com o a altos da febre amarela e da cólera -, não parecia haver qualquer dificuldade em determinar a forma de propagação do flage lo. Feita as indagacões precisa\, o dr. Teixeira concluíra que tudo e produzira ··por imples contá­ gio". Um indivíduo procedente da Corte chegara a Porto Novo já "acometido do mal'' e pernoitara na ca a de uma família do lugar. A doença e complicou e a vítima acabou morrendo. Pode-se adi­ ' i nhar o re·tante da hi tória: "Pouco tempo depoi apareceram mais alguns ca o,. não ó entre pe oas de ta família como também e m outra que a freqüenta\ am ou moravam e m ua vizinhança. termi124

nando- e a mor parte dele pela morte, e a im. foi- e a varíola generalizando dia por dia até reve ti r o caráter de epidemia". Quanto ao motivos de a doença ter e reve tido de tamanha gravidade entre o habitante do povoado, o médico enfatizava a existê ncia de "infecção ,ifilftica geral de quase todo ele e que muito contribuiu para a gravidade da molé tia". Para o dr. Teixeira, havia entre a varíola e a ífi lis ..não ei que e pécie de olidariedade fatal, que arra ta os indivíduo dela acometido� i rre i tivelmente ao túmulo··. A epidemia fora e pecial mente letal para a "ela e do pro­ letário e meretrize ··, onde a ífil i era comum e a varíola a umia normalmente a forma hemorrágica. com marcha fulminante e mui­ ta veze fatal. Em uma. a ob ervaçõe do dr. Teixeira levaram-no à condu ão de que a gravidade da epidemia de varíola e ex.plicava em grande parte pelo fato de a população local enfrentar imultanea­ mente a ífi li e a ' ·mi éna" - "alimentação de pé i ma qualidade'' -. não tendo o organi mo do doentes condiçõe de re i tir a tantas adversidades ao me mo tempo. A morte, afinal, é uma doença o­ cial. podia ter concluído o bom dr. Teixeira. Ma não o fez. �âo o fez tal vez porque preferis e acreditar que a morte da­ quela� pe soa era função de . ua própria .. ignorância". O enviado do governo imperial chegara ao i nterior abendo que o ·'único preservativo que a ciência acon elhava·· contra a varíola era a va­ cina. No entanto, con tarou a "falta ab oluta de vacinação entre os habitante ", e e te resistiam fortemente ao alvitre. Teixeira pro­ curou util izar a e tratégia do convencimento. ma o ·'povo [ . . 1 achava então ob o triste preconceito, de que a vacina, em tempo de epidemia, longe de ser um grande benefí:io, era pelo contrário um pa so dado para contrair a molé tia". O médico con. eguiu va­ cinar 54 pe��oa e m doi. me e de luta contra a doença. Não cons­ ta do relatório o n ú mero exato de habitante� no povoado de Porto Novo do Cunha, ma orno informado de que tal povoado ficava na "Fregue� ia'' de São Jo é d' Além Paraíba, que contava com cer­ ca de 3 m i l .. alma ". A fregue ia regi trJra oficial mente 1 76 varioloso naquela emana , endo que 57 pes oa haviam :norrido O dr. Teixeira reconhece que não fora "avultado o número do va­ cinados''. pois "a i gnorância não e deixou \encer totalmente pela lógica inabalável do. fato ''. Ob erva, porém. que a epidemia não .

1 25

se

generali zara nas fazenda '·que abundam na vizinhança" por4ue o proprietário haviam recorrido em tempo à vacina. O leitor regi tre o argumento ouvido ao i nterioranos pelo dr. Teixeira: a vacina podia agravar uma epidemia de bexigas. E vamos à egunda história. O dr. Jo é de Castro Rebello foi o enviado da Junta Central de Higiene para o tratamento do i ndigentes atacados de varíola na fregue i a de Campo Grande e I raj á, na Corte. de ...etembro a dezembro de 1 884.61 Lá chegando. procurou o piroco, o subdelegado e inspetores de quarteirão com o i ntuito de divulgar a pre ença dele, esculápio providenciado pelo governo de Sua Y1 ajes­ tade Imperial. A molé tia não e tava tão generalizada quanto se ima­ ginava, mas o dr. Rebello encontrou ituaçõe críticas nos l ugares denominado Paciência e Guandu do Sena. em Campo Grande. A epidemia não a umira proporçõe mai aterradoras porque o médi­ .. co agira com prontidão e energia, fazendo de i n fetar as casa�, os quarto do doente . queimar as roupas e mai objetos de uso e im­ pedindo a comunicação do variolo os com outra qu&lquer pe�soa. que não fo e a incumbida do tratamento". Quanto à vacina, porém. a dificuldade foram maiore . A população local achava que "a vacinação produz varío la··, e o dr. Rebello não con eguira arredar tal ··preconcei to'' de seu ··e�píri­ to". inguém comparecia ao ponto marcado para a vacin ação. O médico se viu obrigado a percorrer a casa à procura de quem se deixa se vacinar, tentando convencer as pe oas da vantagens

..

do recur o. Os moradore retorquiam com o argu mento d e que e ra ''di pen ável e até ilegítima a intervenção do médico n o tratamen­ to da varíola". Eles acreditavam que qualquer i ntervenção enérgi­ ca no curso natural de ta molé tia eria prejudicial ao pac iente . Sendo assim. não ó e opunham à vacina como re i t i a m a a l g u n tratamentos tentados pelo doutor, que menciona elCpressamente. talvez e tranhando o inopinado do fato. não con eguir sequer apli­ car "loçõe de água morna ou quase fria·· no doen te� ··em v i rtude da repugnância que mostravam a pe o a " que o s rodea varn. Há ne as duas histórias um cipoal de fato den o e difíceis de interpretar. A recu a à vaci na ob a alegacão de que esta produ­ ziria varíola é recorrente na documentação coligida. 1\o final dos ano 1 870, uma epidentia deva tadora de bexiga , a oci ada à eca 126

y

, .r .r •

·

e à fome. trouxera ao Rio centenas de retirante cearen.e . Foi or­ ganizado um serv iç o no bairro da Saúde e pecialmente para t rat ar de as pes oas e vaciná-las. E l as . porém. resi tl am à vacina ale­ gando que " n ã o queriam morrer". bll Po ucos ano a n te s , u m vaci nador "supranumerário" d e ignado para atender a freg ue ia de I nhaúma oficiara ao diretor do I nstituto Vac ínico relatando que os morado re se recu-avam a ''levar eus filho aos pontos marca­ dos para a vaci na ção. alegando er a vacina a cau a de aJ gu n cao de bexiga que têm ali aparec i d o" . Não havia nada a fazer e ele queria que sua ·'comi --ão·· fo se encerrada. 6:) O barão do Lavradio, comentando u ma forte manife tação de bexigas em Perna mbuco em I 873. ap ontou o temor e m re l ação à v ac i na como uma das caua da propagação do m al . e proc urou e xp l icar o fenômeno. Se­ g undo ele, além dos insuces os d a vacina devido à de o rga ni zação do erviço e à degeneração da linfa. havia o prejuízo de que estão ei vadas algumas populaçõe centrai , de que pode ela [ a vacina] dar l ugar ao nascimento do flage lo, atenta.., às epidemias que se têm ào;; \ ezes seguido d a a d oção da v.1rio liza;;ão, método que. dando alguma vez re u ltados favoráveis. co1Stitui sem­ pre um tentâmen i n cert o e perigoso.

Em outras palavras, o ch efe dos higieni ta achava que a popula­ ção não con eguia diferenciar variolização e vaci nação, e se a u�­ tava com o riscos conhec ido� e habitualmente as oc i ado à pri­ meira.70 Ora, a exp li c ação do barão pres u põe que a variolização ha­ via de er uma prática recorrente no paí . pois só uma e l(periê nc i a pré v i a relativamente generalizada com o método poderia j u tificar que a, pes oas soube sem e x pri mi r tão be m os seu ri co , e então e recu ar à vacina porque. endo a im, a vacina seria com efeito a varíola. !\.{as seria po ível que parte significativa da po p ul aç ão das províncias. e da p róp ri a Cone. prati ca se a i noculação do pus variólico? U m primeiro fato curioso é q ue o vacinador ·· u pra­ numerário" de I nhaúma ci tado acima ob erva no mesmo ofício que "muitos acham-se já v ac i n ado�", e por i o não concorriam à vaci­ nação. Em outro ofício. o u pra n u me rário esclarece que havia na "Freguesia alguns c u riosos, que a p rati c am [a vacina] espontanea'T l -') I

mente". Seria mesmo vacinação a prática do "curio�o ''? Ou erá que havia pe soa em Inhaúrna que recusavam a vacina do esculápio porque p referiam a variolização praticada por "curiosos.'? ..Dúvi­ das obre dúvida · ·, diria o marido tomara que traído de Dom Cas­ murro. Nem tanto as im. Por exemplo: mais ou menos na me ma época do mpranumerário - meado da década de 1 860 , o ba­ rão do LaHadio pedia que a autoridade policial toma e providên­ cias con tra um indivíduo que praticava ·· a inocu l ação do pu variá lico em várias pes-oas. as q u a i por e se meio têm contraído a varíola" na freguesia de Irajá; o higieni-ta temia o i ncremento da epidemia de bexigas que já gras ava no locaL ..,, Não há dúvida: a inoculação do pu� variólico realizada por "curio o " - talvez não ó por eles - era prática comu m tan to na Corte q uanto no interior do paí ao longo do -éculo XIX . Há evi­ dência dis o por toda a documentação do período, m as vou come­ çar pelo princípio. Mencionei anteriormente o dr. Heleodoro Ja­ cinto de Araújo Carneiro, médico port ug uês autor das ...Reflexões, e ob ervações sobre a prática da inoculação da vacina. e a. sua fune ta conseqüências· · , publicadas em Londres. em 1 808. n Se­ g un do Hercu le M uzzi, o livro do dr. Heleodoro tivera grande re­ percu ão em Portugal e no Bra il. e ndo que seu argumento "'Obre o ri co de o proce o de vaci nação transferir ao homens as doença do quadrúpede. teria comprometido qua....e q ue i rremedia­ velmente il propagação da vacina. O fato, porém, é q ue a obra do dr. Heleodoro não só condenava a vacina como defendia tenaz­ mente a variolização. O doutor achava que a inocul ação da. bexi­ ga" era um método consagrado por um éculo de u so em toda a Europa, sendo que os próprio, ingle�es haviam introduzido tal prá­ tica ''à força de especulações, e cálcu los bem deduzidos" - e a isto tinham de atribuir o bretões "o aumento da ua povoação''. O dr. Heleodoro não e conformava que aos me mo ingle es e de­ ve_se a ubstituição "no fim do me mo éculo a esta inoculação [ . . . ] a do pus da vaca· '.73 Em suma, se a obra de Heleodoro teve a repercu ão que lhe atribui Muzzi, é po ível que ela não ó tenha emperrado a propagação da vacina como propiciado certa legiti­ midade ao proces o de inoculação do pus variólico. Talvez seja útil lembrar, ne te contexto, que os esforço do governo português -

128

em promover a varioli zação no Bra il fomm tão tardio a ponto de se confu ndirem com a pri meira tentativa de introdução do pró­ prio método je n neriano no paí . 74 Deixemos, porém, de hipóte e arriscada . Temo o fato . contra o quai� não há argumento. A im era a hi �tória como real­ mente acontecia: Ainda que oficial mente nio me fos. e com u ni c a do sei que algun � Mun icípi o da Província do R i o de Jar.eiro foram i g ua l m ent e viti­ mados pela varíola que [ ] at eou se aitda mais pe l a inocul ação do seu vírus em yez do va.í:tico. E st a prá tic a de tran mitir aos sãos a li nfa variólica extraída de :>exiguentos. c�.,;j as pú st u l as se a pre se n t am com caráter mui benig:-.0. prática oulri>ra egui da . q u a ndo Jenner não havia ainda descoherti) a miraculo. a v i rt ud e do cmvpox. tomou­ se ab. urda de po i . que a huma nidade fo1 pre ent ea da por aquele ho­ mem, CUJO nome será imurtal, com o do m mapreciável d a vacina. e mu ito m a i s absurda se toma quando dela e lança mão para fazer retroceder uma e pide m i a de bexiga. . Qmndo esta enfermidade é pro­ duzida art ific ia l mente per m e i o da inocu l aç ã o não concorrendo as c i rcun. tâncias que lhe f:uem adquirir o cará ter epidêmico, poucas veze:-- é uc ed ida de re�ultados desastro,o. , exceto se . e m ultipli c a­ rem a­

sos'- ocorrido na capital da Província de Pernambuco. 85 O presiden­ te daquela província havia permitido que ·'um preto buçal, e cravo. arvorado em grande curador do cólera pela credulidade e i gnorância do

povo", andasse ''curando nas casas, e no ho pitai , acompanha­

do oficialmente de guardas''. O '·de aforo" e a "cegueira" chegaram a ponto ''de e mandar proibir ao médico do ho pitaJ des�a cidade o curarem mai

ne

a ca a ( i c) . e entregando e

as

ao

cuidado e

tratamento médico do tal preto curandeiro, exautorando (sic) assim a medi�i n a e

os

médico legítimo ". A conduta do presidente da

pro·víncia havia indi po to e revoltado "o povo todo contra a c Jas,e médica inteira'·, dando lugar a fato que envergonhavam e desacre­ ditavam ·'a nação brasileira ao olho do outros paí es'·, que

pode­

riam chamar-no� de ''ainda bárbaro . e elvagen ". A Academia declarou- e "profundamente horrorizada por tanto e cândalo", e não é difícil entender a irritação do Corte com o presidente de Pernambuco. O fraca

esculápio da o

do ar enal

terapêutico da medicina alopática no tratamento da cólera -

as-

i m como d a febre amarela - era patente; pouco confiavam run­ da na sangrias, purgativo , sudorífico e vomitório , sendo que os homeopata

faziam carreira rápida argumentando, plau ivelmen­

te. q ue oc:; a lopata aceleravam a morte do paciente . Naquele con­ texto, o apoio o ten ivo de uma autoridade pública a um curandei­ ro

africano era motivo compreen ível de alarme para os doutore ,

ma esta é apena uma faceta da hi tória. Gilbe rto Fre)re e tu dou detalhadamente o epi ódto em meia dúzia de pági na penetrante , e que permitem v i l umbrar o que ocorrja do ponto de vi ta da população negra do Rec i fe.86 Ao c urandeiro africano Pai Manoel permitira- e tratar o� doente de cólera no próprio Ho pital de Marinha. Ocorrera porém que, ten­ do falecido alguns pacientes, o negro ficara proibido de exercer seu ofício . Kão sendo acatada a determinação, foi dada ordem de prisão ao c u randeiro. A ten�ão ocial aumentou no dia �egum­ tes, com os negros e o "protetore do preto" - a í i ncl uído p a 135

dre e fidalgo� - di cu r ando e m defe a do c u randei ro e contra médico

e boticário � d i zia- e q ue havia i ntere

Manoel porque e l e curava o pardo

e preto

.

e e m matar Pai O próprio pre i­

dente da provínci a explicara que a iniciativa de deixar Pai Manoel atuar no Ho pital de Marinha fora para evitar o motim popu l ar, que de outra forma eria inevitável: o problema é que se genera­ lizaia na população a idéia de que

a

xando que o médico

qua

- branco

autoridade

e

todo

e tavam dei­

- mata

em a

gente de cor. Segundo Freyre, a morta lidade cau�ada pe l a doença entre e cravos e negro

livres pobre

era tamanha "a ponto de

parecer a epidemia a algun dele , preto e pardo , arte diabólica de branco

para acabar com a gente de cor"'. Ir'

A de confiança manife tada pelo cólera era um ortilégio de branco médico

percebido

para ati ngi-los - sendo os

como colaboradore

primeiro ponto i m portante. cional

negro do Reci fe d� que a

obre a cólera no

que populaçõe pobre

É evidente

ne te proce

o - é um

que a bibliografia interna­ ituaçõe. em

'culo XIX regi tra outra

duramente ca tigada pela doença de�con­

fiavam que tudo aquilo e devia a maqui n açõe do podero ::>� p ara atingi-lo : mmcovita e campone e ru so acharam que (!� rico haviam de coberto na cólera um novo intrumento de opre�são; hoUYe

u peitas

emelhante

mia do i n ício do

ano

na Prú

1 830.

ia e na Inglaterra na epide­

quando a marcha do flag�lo foi

freqüentemente acompanhada por motin popu lares. emelhante

•u·

A

vi sões

de carnpone e rus o , da mas a londrina ou do

gro e cravizado

ne­

no Bra i l d i a n t e da cól era e da ine·1 itável

dranmtização da opre

ão ocial provocada pe l a doença ocorri am.

toda\·ia. em contexto culturais e hi tóricm muito e pecífico. .

O

que no� intere

a reter ne te contex.to é que o

escravo

e

negro livre pobre no Brasil podiam achar que determ i nadas doen­ ça eram uti lizada pelo

e nhore como arma� para ati ngi -lo 89 E . .

e te entendimento acontecia dentro de um uni ver o c ultural deter­ minado: a doença. para o negro, podia pelo poder de feiticeiro

er causada por feitiço ,

que con eguiarn manipular a� força

ne­

fa tas do univer o. O flagelo cau ado pelo _ortilégio mágtco era apena uma po� ibilidade, pois havia doenças provocadas pela vio­ lação de uma tradição, por erro ri tual, ou pelo de cumprimento de 136

l - , ..!...

devere para com o deu e . De qualquer forma, não ó ele



negro - ma

no Bra i l do sécuJo XlX - acreditavam que a doença

não era uma coi a natural ; a

molé tia

por causa. sobrenaturai · - cau as e ta sido evocada

por feiticeiros -,

eram

empre provocada

que poderiam ou não ter

endo a cura, como veremo .

prioritariamente ritua l . QO Em uma, havia toda uma tradição c ultu­ ral e re ligio a que, dependendo de contexto

hi tórico específi­

co . podia transformar e cu lápios em agentes da cólera, ou comi sários vaci nadores - feiticeiro� brancos? - em inoculadore. de bexiga

e morte. Certamente havi a motivos que

o

doutore

não

podiam ou não e e forçavam por entender no "horror·· à vacina regi trado repeti d a mente em seus relatório . Uma hi stória sobre a febre amarela mostra como a crença n uma etiologia

obrenat u ral da

doenças parecia bastante generali zada

no Rio de Janeiro em meado do écu lo X I X . A proci s ão de Cin ­

zas. n o i nício da Quare ma, era uma da. mai aparato a e da. que maior público atraíam na Corte naquela época. Clero em obrepe­ lize de renda, membros da._ irmandades em opa colorida , devo­ to carregando o rg u lhosamente a tochas, canto�. guarda m i litar, imagens e m vesti m e n t a J uxuo�a; enfim, um grande e petáculo que percorria durante hora as ruas apinhadas do centro da cidade, v i itando igreja

e c u l mi n ando

com uma d i tribuição de doces para

estimular a devoção da criançada.

O pré tiro era organizado pe lo Tercei ros da Ordem da Pen i ­ tência, de cujo tem p l o partia, e fora i n. t i t u ído e m 1 64 7 . Poi bem, um do andore t radiciOnalmente conduzido na proc i. ão era o d e ão Benedito . . anto n egro com uma legião de de\oto na ci dade. Na Quarta-Feira de C i nza de 1 849 o andor de ·ão Benedtto não ocupou o lugar que era eu na proci

ão havia doi

teceu que alguns Terceiro , carregado

éculo . Acon­

de ·'prevençõe

[ . . ] que .

enchem o m undo de vento e de bolhas de e puma", nas palavras d e u m contemporâneo, c; ' ci maram de não carregar

o

santo ob a ale­

g ação de que ''branco não carrega negro nas costas, me mo que seja Santo· ·.9� São Benedito não encontrou quem lhe levas e o a ndor e ficou abandonado n a acri stia. Ko verão , eguinte, de epidemia de febre amarela e abateu

a.

pnmeira gran­

obre a cidade. A beata

começaram Jogo a propalar que treme ndo flagelo era a vingança /37

do anto negro ofendido. Tal

interpretação devia parecer bem pl au ­

ível di ante do aparente caprichos da peste:

como

v i m os no capí­

anterior, a febre amarela era deva tadora entre os brancos e po u pa ' a a população negra de i n cô modo mais érios. De nece sário dizer que são B e n e diro reconqui tou seu lugar n a proci ão de C i nzas de 1 850, p i n t ad o de fre co, com manto novo de veludo, chei o de flores e co i s a e tal. mas a praga amarela ficou até o tempo de Oswaldo Cruz. Fúria de santo, a i n da diziam as be ata em 1 904 - se g undo Vieira Faze nda, testemunha ocular. Es ta hi s t ória propo rc i o n a u ma se gu n da observação importan­ te. Co mo mo t ro u Mary Kara ch a reação popular à epi dem i a re­ velou q u e muito acreditavam que ão Benedi to ti nh a a ··fo rça · para enviar o terrível fl ag elo, ma acha"am ao mesm o tempo que nó o anto po uía o poder de proteger eu devotos contra o vene­ no. A possibi lidade desse ··con trol e dual" - poder de provoc a r a doença e obstacul i zar eus e fei to - in inua que a i magem de são B e n e dit o pod e ri a ser i n vo c ad a em ri t uai s de feitiçaria, para detec­ tar e anular bruxaria c urar doente , ou me mo para ol uci o na r conflito den t ro de uma c om u n i d ade o� A idéia de co n t ro l e dual" �ugere homologias entre ão B e nedi to e Omolu ( o u X a pa nã ou Obaluaiê), o orixá da varío l a e, e e tou correto, pode esclarecer muita coi a a re pe it o da resi rência popular à vacina. Her kovi t de creve com de talhe a o nge ns e o entido do t u lo

..,

,

'

,



.

"

.

u

culto ao vodu Sagbatá entreo daomeanos.94 Sagbatá é originalmente um termo g e néri co

para um grupo de divi n d ades da terra - isto é,

di v i n dade l igada aos recurso que a natureza dá ao homem. permi­ tindo ua sobrevivência A

a

oc i aç ão entre Sagbatá e

de

e tritamente mitológico . Todos pre­ ci am respeitar as terras que lhes garantem a ali mentação. assim como as chuva que as fertilizam: nada mai justo. portanto, q u e Sagbatá , que nutre o� hornen dando-lhes os grão e cer�, o� po a também castigar por uas ofensas, enviando-lhes doen ças que consistem em fazer com que "os grãos que o homens comem apareçam em ua pele" - flagelo tai como varíola, ararnpo, escorbuto. Há uma hi erarqui a ne a pu n i çõ e , endo uma epidemia de varíola o res u l­ tado de j u lgam e n t o do� mais evero de Sagbatá sob re os males imperante numa cornunidade.95 varíola é e xpl i cada em te r mo

-

e p i dem ja

1 38

l

h á aqui



uma

ambivalência, uma po

ibil idade de controle

dual, que v ale a pena regi trar: Sagbatá concede a vida ao homem fornecendo-lhe grãos; pode também trazer-lhe a morte atravé da peste. A me s ma ambivalênc i a aparece na forma com o o devotos do .. Rei. Senhor da Terra·· preci avam lidar corn a doença: a epide­ mia de varíola era uma e pécie de purificação da comunidade, u m a "li mpeza'' d o male que e haviam a l i acumulado; e u s membros deveriam mudar de atitude e confe

ro preci avam abandonar

suma.

a

ar ua ofensa , e o

ua parafernália

feiticei­

nas encruzil hadas. Em

j u tiça de Sagbatá não devia er ob taculizada por meio

mágico , nem convmha buscar outro expedien:e - como a v a ci­

creve Herskov i t - 96 que cria em emb::..raço ao "Rei" na execução de seu ca tigo. Se o ''Senhor da Terra·· havia trazido a epidemia, só a ele competia proteger a comunidade e l i vrá-l a de . eus efei to ; o procedimento inver o eria u m convite a mai de­ va tação e m o rte . e te po nto, é irre i tível reler aquilo que o dr. José de Castro Rebel lo ouvi u do "indigente atacados de varíola.. em Campo Grande e Iraj á, na Corte: na. e

Tive de lutar, com �érias dtficuldade . contra um preconceito i nfunda­ de que . e enraizou no espírito de muita pes oasde ta local idade, jul­ gando ab olutamente dispemável e até i legítimaa intervenção do mé­ di co no tratamento da varíola Muito

acreditam que a inter,enção

enérgica embaraça e prejuJica a marcha n Ka defin ição de MacGJ.ffey, J!kisi é uma força . . proveniente da terra invi ível dos morto '': tal força teria ido levada a . e ubmeter a certo controle pe l o mundo do vivo . obedecido o rituais pert i nente, . 1 1 7 1\ o nkis; em que t:io predomina a cor \ermelha e um do

aquinho é feito

de fibra de ráfia, detalhe que lembram imediatamente objeto e rituai

dedicado

a Omolu no candomblé. 1 13 Também aqui só o

nganga ou acerdote pode tocar num doente de \'aríola, ou fazer o que é preci o para livrar a comuni dade do 11age lo . 1 19

144

Um fato i n tri g a n te no problema da \'arÍola e da vacina é, na

verd ade . a conv e rgê nci a d e i n terp retaçõe oriunda à vezes de trad i çõe s cul turais a mai di t i n ta . Não era apenas a cre nça mai geraJ n u ma e tio logi a obrenat ural das doe nças que unia a� re l i ­ giõe afro-brasileira e o catolici mo pop ul ar na Corte i mperial . J á vimo que e n tre daomeano , iorubanos e ba kongo uma epidemia d e v arío l a era um c a ti go que f u n cion a ,; a como purificação do males de uma com unidade; a ten tat i va de ob taculizar a marcha natural da bexiga seria então u m co n \' i te a mru deva tação e morte. O dr. Rebe ll o ouviu argumento p arecido do "indigente a tac ad o de v a río l a" em Campo Grande e Irajá. O. e tu di o �os da re J ig iõe� afri cana no Bra.j l reg i rraram fato ernelhante em sua pe :qui a . Ba ti de afirma mesmo que "a varíola é con 1derada à veze prova de am i zade , um inal da vo ntade de e Deu de tomar como ·cavalo' tal ou tal pe oa". 1 20 El e pro egue co n t a n do que hav ia conhecido cli ver�os fil ho de Omolu que traziam no ro to a. cicatrizes da d oe n ç a. e um de l e , e m Porto Alegre. ·· e tinha torna­ do membro de sua confraria depoi de um ataque de a molé tia, . co n .;; i derad a um ch a m ad o divi no' . 1 2 1 Jo é Ribeiro afirma que o. " neg ros bantus acreditavam que a varíola ignificava urna prova de amizade. um sinal da v ontad e de Omo lu tomar o po rtador d a do e nç a como eu 'ca u e to ' , eu ·fil ho' .. . Ai nda g undo Ribeiro, ''acredita-se eja est a a e xpli caç ão para a re i stê nci a do negros à vacinação c o n t ra aquela doença" . 1 � Waldemar Và1ente, pe quisa ndo Xapanã nas eiras torubás de Re ci fe, recebeu a i n form ação de que ''durante a manife�tação de Om o l u a pes Od )Ofre como . e e tives e real mente acometida de uma doença··: mas e e trJn e mi tico du­ rante o q ua l o fiJbo da divi ndade e x peri me n ta o horrore. da varíol a é percebido antes corno • ·p u rifi c ação. . do que castigo. 12-' L'm l ei tor. já atento à s i n u os i dade de te meu texto, lembra ao g ri to� : Barbo a e Re ende, h ig ie n i tas do tempo de O waJdo Cruz. culpavam o c le ro portuguê- pe lo primeiros in-uce 'O da vac ina: seg u n do ele "

.

algun

padres católicos proclamavam que

t al invento era u m presente de Satã e que

vinha perturbar a

mar­

c ha da natureza' '. 24 Em 1 793, po rt an t o poucos ano ante da de

LUIZ António de Ol i veira M ende vari o U Laç ão entre o negreiro portu -

cobena da vacina jenneriana,

não regi s tr ou a

práti ca da

-

1 45

gue e , e re u m i u as i m a atitude de

e

enhore

em re laç ão à

varíola e nt re o e cravo : "o senhore têm para i , que e ta e n fer­ midade deve

eguir o eu curso, ,aindo a

Bexiga , enche ndo, e

ecando; e que e o escravo ti\er de morrer, que as sim

vi rá a

uce­

der; e q ue se tiver de e capar, viverá". 125 Outro lei tor grita mais alto: tudo is o me le mbra o médico francê , dr. Deh le, cujo traba­ l ho foi destacado em editorial do

Jornal do Commercio em mea­

dos do anos 1 850; o genial gálico culpava a vac i na pela degene re cência da espécie, e defendia a hipóte e de que a varíola era uma fa

e

nece

ária d a vida humana, a ·im como a dentição ou a m e n -

endo prej udicial a interferência dos mé d ic o para e v i tar pes oa , principalmente as crianças, a comrais.emY .< En­

tnação, que a

fim, hav ia tra diçõe

cult u rai

mai_ diveca

a

- bant u , iorubá,

católica, . . negreira", médica. e ei lá quanta rnai

- convergi n do

p.ua a noção de que era "di pen ável e até i legítima a intervenção do méd i c o no tratamento da volta. c o m o

aríola". O

problemas organ izacionai

erviço de vacin aç ão, à e técnico

analisados

anteriormente, além do. "empenho " e de calabros de praxe, coneguia necessariamente pouco diante de

e q uadro.

Sempre à roda da me ma que tõe , e mantendo o norte c u l­ tural negro do percmso. re ta aber o que pen_ar da evicência. obre a prática d a variolização no B ra il imperial Cont inuemo ao sal t i n ho um

.

à moda da delicio

alto de volta à

Á frica.

a

Capitu, mas não sem a n te s dar

Ainda um leitor é quem acode. l em­

brando Onesimu , o e�cravo africano do reverendo Cotton Mather. de Boston, que re l ato u a eu enhor o procedimento de i n ocu laç ão de pu

v ariólico a que fora

ubme tido em

Onesi mu , assi m como boa parte do

africano

ua terra nat a l .

:n

escravizado em

Bo ton no início do éculo xvm, era prove niente da Á frica oci den­

tal - a mesma região do continente negro de onde provi n ha a

mai o r i a dos cativos transplantado para a Bahia. Boa parte do te temunhos coletado:; por Eugenia Herbert sobre variolização na

Á frica

ão originário de

a região. havendo referências expl íc i tas

à prática e ntre dao me ano e iorubano . o povo devoto de S agb a t á/ Xapa n ã . 1 28 A pe qui a de Herbert não é concl usiva obre o caráter ritual ou não da

escarificaçõe

feita com o o bj ettvo de inoc u l ar

as bex iga : ela tende a acreditar que o procedimento era basica-

146

mente '·empírico' ' ao i nvé de mágico ou rel i gi o�o, e i sto apesar de ter encontrado e c it ado exemplo- de v a rio lização ritual. 11q O t e :ivos e tão narrado na i mpre

sionante obra conjunta de Fe n ner,

fic am por

m i nha conta e ri

E tais deduçõe

Henderson, Arita. Jezek e Ladnyi, Smallpox and irs erad1cation, trabalho ao qual já venho recorrendo re peti da mente ne· te texto. Com cerca de 1 500 pági na , riquís i m a

ico nografi a, alguns capítu­

obre a história da varioli zação e da vaci nação no mundo, e outros tanto meno inteligívei obre as características c líruca e a e pidemiologi a da varíola à luz da med i c i n a atual, Smallpox and its eradication foi uma i niciativa d a Organização Mundial de Saú­ lo úte i

de (0.\tS) no i ntuito de ce lebrar o suce so da campanha de erradi­ cação global da varíola, ocorrida ent re meado

do� ano 1 960 e o

fi nal da década de 1 970. O au tores do l i v ro ão todo médicos que e t i veram eng ajado fico

no programa. A obra dedica capítulo especí­

à campanha de e rra d ic ação d a d oe nça atravé

1 ./ 7

da "acinação

em paí e

e reg10e do mundo onde a doença era endêmica e se

reve tia de maior gra\idade. Um de te dedi:ado à

e capítulo

África ocidental - mai

é e m grande par­

e pecificamente ao Togo,

Daomé ( Benin) e Nigéria. As equipe da Organização Mundial de Saúde e ncontraram "re i téncia generalizada à vacina" ne. e paí e , e� pecialmente nas área rurai . A re i tência foi atribuída à ex i tência de um · ·c u l to fetichista da varíola'·, chamado Vodu-Sakpate ou Sopona. O pro­ blema é que

acerdote

fetichi ta hereditário

féticheurs.

- os

con iderado pela população como capaze de provocar ou preve­ nir a ocorrência da

bexiga

- realizavam tradici ona l mente a

' ariolização em rituai dedicado à diúndade. Segundo apuraram o doutore., u m grande número de indivíduo� recebia a variolização na. ' i la afetada cerca de trê� ou quatro emana apó-, a o�orrên­ cia do primeiro caso de varíola. realizando- e então u m a cerimô­ nia na qual e dizia que as pe ·soa ficariam livre da doença. -" A situação foi con iderada grave pelas equipe da OM • . E las avalia\ am que o

féticheurs

tinham intere

e

econômicos que

o. tornavam ini migo. da. campanha de vacinação - a ele-. ca­ bi am o ben ca pe. oa que morriam de varíola.

A

preocupa­

ção aumentou com a obtenção da informação de que u ma equ ipe de ,·acinadore

havia ido a

no Daomé. no início do ano

a

inada por devotos de Sakpate,

1 960. A continuação da ocorrênc i a

de ele\ado número de ca o de varíola. e. pecial mente no Togo. e a apre�e ntação de relatório contendo a informação de q ue popu­ laçõe. inteira de vário povoados fugiam diante da c hegada dos vacinadores, levaram o mai

re pon ávei

pela campan ha a estudar

detidamente o que e tava acontecendo. Confi rmou-se a i m ­

portância do culto a Sakpate/Sopona e d a prática da

\ ariolização

na re istência à vacina, ma o e tudo também conc l u i u que havia uma de confiança generalizada em relação às açõe. governamen­ tai . a

ociada. normalmente à cobrança de impo.to

e ao recru­

tamento mil itar. A equipe da o�ts abandonaram qua I quer rec u ro à autoridade policiai daquele paí e . e acabaram con eguindo uce

o na maioria do ca o mediante a adoção da e tratég ia de

procurar per uadir o lídere religio o locai dos benefíci o vacinação. 13-1

148

da

I

-,

.!.

"Saltinho'' em direção à África central. Eugenia Herbert en­ controu menos testemunhos sobre variolização nes a região do continente. Curio amente. poré m, l evanta a seguinte hi pó1e e para articular a evidênc i a que coletou: · ·Parece razoáve l atribuir a inocu lação entre o povos do sul e do centro da Africa ao contato com os portugue e ". É que ela descobre um padrão - u ma "linha de transmi s ão"' - de presença da variolização egui ndo as rota comerciai dos portuguese da costa para o interior do contineme; e cita o exemplo de membro de uma expedição lu itana que, em 1 832, foram i noculados logo que i rrornpeu a varíola na corte do rei Kazembe, região nordeste da Zâmbia. 1:;5 De qualq uer forma, o fato é que não há até agora evidências mais definitivas quanto à prática da variolização e ntre povo da África central, ao contrário do que parecia er o ca o na África ocidental e no Bra il do éculo XIX. Pen o. contudo, q ue o africanos provenientes do Congo ou Ango­ la, uma vez chegado ao Brasil, provavelmente não teriam muita d i ficu ldade em re interpretar tal prática segu ndo u as visõe cosmológica . AfinaL a variolização é u ma prática estritamente coerente com a idéia de ··controle dual" que, como vimos, também e tava presente entre os povos centro-africano-: da própria fonte do flagelo surge a po�sibilidade da purificação e da cura. Mencio­ nei atrás que entre os ovimbundu, a im como entre os bakongo, achaYa-se q ue o espíritos à ve-zes mandavam uma doença a de­ termi nad a peu oa para sinalizar que ela era uma da- elei tas para er o ocimbanda ou nganga especializado em tratá-la. 1 v\ Po:s altemo� o oceano de u ma vez. Há testemunhos condu­ si vo. de que o devotos de Orno lu no Brasil imperial praticavam a varioli zação ritual'? A respo ta é "não· · . �1as não se trata de um "não·· rotundo. Como vimo , as fonte con ultada nos falam da variolização como urna prática comum. e nos falam que a varíola era doença que afetava mais intensamente negros e escravos. ma não no falam explicitamente de negros praticando a variolização (de resto, este terceiro capítulo seri a bem mai curto e as fontes fo em clara a e e respeito). Ten ho dúvidas se o médicos que redigiam os relatório obre a vacina no éculo XIX poderiam ja­ mais perceber - e então regi trar - o sentido cu ltural e religioso das variolizaçõe de que tinham notícia. O esculápio l anceteiros 149

pen avam apenas que lutavam contra '·preconceito ·· e '·ignorân­ cia"� ou eja, �ua vi ão estava infornada apena pelo preconcei­ tos e ignorância caracterí"tico de sm própria "ciência''. ão ó o l anceteiros do éculo ux tinham dificuldade nes e a unto. Roger Bastide escreveu: "se o africano, de u m lado, teme Omolu, sabe. por outro lado, que em acerdote podem, por meio de sacrifícios apropriado�. conjurar as epidemia do país''; e neste ponto há a seguinte nota de rodapé: "o que e tradu z , parece, cientificamente pela descoberta da vacina antivariólica pelo afri­ cano que tomavam um pouco do pm da ferida do doentes para vacinar o ãos" (no original: "Ce qui 'e t traduit emble-t-il, scientifiquement par la découverte dela \'accmation anti-variol ique par Jes Africam qui prenaient un peu du pus de pu tule, de maJade pour en vacciner le bien-portant ). t r É cl aro que o au­ tor chama de vacinação aq mlo que era variol ização. U ma vez cor­ rigido o equívoco, a interpretação é reveladora: Bastide de-..c reve pri mei ramente a caracterí tica de co n t role dual q u e vi mos enfatizando cumo crucial no cu lto a Omolu - o orixá pos ui a ·'força·· de e palhar a doença e também de proteger contra eu efeitos, como expre o na epígrafe de ta parte do texto; JN em lie­ guida, ele encontra um entido para a prática da variolização no interior mesmo da lógica do culto a Omol u. A, i m, o ori xá tinha o poder de espalhar a varíola, ma , paradoxalmente, defendia eu devoto de estragos maiore com a molé tia produ;:,indo neles a vario/a - por meio da inoculação ritual de material variolo o. cau ando um achaque atenuado da doença a seus protegidos, e imun izando-os do mal de forma permanente. Autore anteriore a Ba tide já haviam encontrado dificul da­ de em interpretar o l ugar de Omolu e da ' ariolização na re istência do negro à vaci nação. Étienne Bra.zil escreve sobre Obaluaiê: ·'E se mocetão é um mimo ou santo ternivel e crue l ; e não e deixa :unan ar senão pela própria mãe. Jyabayim, que vem a ser a vaci­ na". 13" 1\ão e pode ter certeza, ma fica a de confiança de que o padre É tienne confundia vaci nação e variol ização, e pen ou en­ contrar a primeira onde havia a egcnda. Nina Rodrigue . muüo rnai analitico do que o padre obre aqailoque ob ervava. tampouco escapou ao problema, e preferiu registrar a dúvida: "O negro fa''

150

j

Iam muito em labalzim, mãe da texiga ou varíola e eu

upu

uma

divini zação rece nte da vac i n a . Todavia, e ta interpretação tem con­ tra i a repugnânci a e relutância do negro a �e fazerem vaci nar"'. l-t> A idéia da existê n c i a de uma divindade mãe de Omolu. com poder para contrariar

os

e feito da varíola - uma divin ização mai

pro­

vável da varioüzação, e não da ' acina -. ainda parece coerente com a noção de que a proteção contra o mal tinha de vir da fonte mesma do mal. Afi nal, labahtm gerara Omolu, ma podia neutrali­ zar o

efeito.;; da pe te de encadeada por este.

A interpretação ugeri da por Ba tide, me"mo que parti ndo de u m eq uívoco. permite articular de forma convincente, e talvez eli­ minar, duas dificu ldade : de um lado, a informação colhida pelo médico:, de q ue s u a i n tervenção não era conjderada legítima ne.a doe nça e, de ou tro lado. o te temunho de que a intervenção de curandeiro

ou "curi oso_" era

olici tada para a prática da vario­

li zação. Sendo a e t iologia da varíola de ordem ·obrenatural, a cura teria de acontecer prioritariamente por meio de prática rituai ; por con eguime, e segui ndo a lógica do culto a Orno lu, cabia a acerdotes, mediante procedimento

eus

apropriados - e que prova­

velmente incluíam a "ariolização e outro riruai de purificação -. aplacar a vingança de Omolu e obter dele proteção contra a pe te reinante. Sabemo.., talvez agora a fonte do ''horror" que o médico e sua vacina inspiravam ao

populares, ao meno àquele dentre

eles que adoravam Omolu e temiam proYocar a sua ira: ob taculi zar a ação des a divindade era provocar mais devastação e morte. uma noção j á pre ente n a versão do culto entre o daomeano . e que laboriosamente fi ze mo atravé de saltos e

aportar ao Rio do éculo XIX. Tudo i

alti nho , teórico e empirico , que

o

ão um mé­

todo mui rigoro·o de e crever a hi tória.

CERCO AOS VA.CJNOPHOBOS H o u v e mudança

i m portante

no

erviço de vac i n ação

anti variólica na Corte nas dua última décadas do período impe­ rial, mudança essa que revelavam tendência que iriam e inten­ ificar com o advento do regime republicano. A jtuação do erv1-

151

ço no final da década de 1 8(:() dei xava patente que a Jgo preci,ava er fei to. A epidemias de varíola pa aram a ocorrer na cidade todos o anos, infalivelmente, a partir de 1 865. Segundo B arbosa e Re en de, os higie nistas do tempo de Oswaldo Cruz, o comentário geral na época era o de que a doença vinha '·atacando ao mesmo tempo vaci­ nados e não-vacinados sem disti nç ão al gu ma·· . Havia ce rto desleixo no etviço de vac mação , diziam eles. porém c fator decisivo era tal­ vez a di ftculdade habitual com a con ervação da linfa vacín:ca. que e m dúvid a se encontrava novamente degenerada . 141 Jo é Pereira Reg o . j á então o barão do Lavradio. no auge de u a influência, acumulou os cargos de presidente da J u nta Central de lligiene e diretor do In tituto Vacínico durante parte do ano 1 870. Sua atu ação em rel aç ão à varíola era i nformada por um pre upo to semelhante àque le que orientava o c o mbate à febre amare­ la nerm. porém. que 11111 i/os

pactellle cerlame1Z!e esclctco - ao ha/câo. Dehrel. \'iagem ritore'>c.t e ht.,tónca ao Brasil .

/.!. Pedro 11 i'!.,llcmdu t lfnsentmu/{) j>tll ii!SSt' h��lw.'i::::ar·· as P�'SS(JC/,'> -

1sto e.

pnHlLr::f,· jeiçocs

111ulu de tfllt a t 'C IÔJW dL· h-u · 1/IJS • ·at.iumulos. (I

.. :(fda JW Eu rvj>a w, illf(:io dú S(kulo XIX. ;çâo rc•ma J!Iica da ,· ·ac;,wçâc, pratu O uéâKo retira (• materit!l d;l l•tíslula de Ult'C• uicii.'Ç(/ L'cKflzc•da e u inoc:ula

2fJ l

n;a 1

.mcclw/mnen/1! no

e d(/lc:tldac/('s JW

IJraço de 1 1 ma o:t Ira C•it, 1 1ça.

Haria il 1 1 ínw1u.; rL.;cos

c,p/;caaio dv mi:/()do Jc, t'tlcii WÇâc, IJmçc>

a hraço

I -

/

2 1 . OfJra mtitu!ada Vaccinalillg ihe _l)(IC)/"··.

(!:omon

·�)'1/Jlgi!.fr nr3. A [!,rtll ''l rti ..

parece q•wrc>r ··ugC!rir ao jJIÍ IJfico tflle ele de!: I' subn;eter-.'< â Ulcílwçâv com

tranqtúlia(lde. como u m pr'JG!climen{o de nJibw dm ÓJlJ.MS dl! saúde J•úhliccl.

22

.

.

I

t .:rcu•tt�"a represewa

flma

�.:eno

de rua em Jeryey City. ,\m a jet:�ey, H! !A . dn mnte

i'iiiC!

epidem ia de

I 'Clríofa; a caci,wçâo tor11ara-se cumpulsô ria na (,Ca'ilâo.

de oiJri! ti,, lr'·� -o. 11/tJ.\Irttllllo o trmwlto 1111111 dia d t•acilwçcn lt.J .lcadem ict d .l fu lu .. :í 11{1 de Pc' ris. Tíu mi'dic() t'} •m-et:e extraindo a CO\\ pox c;, cj:wdnípede delfado ScJbre a llh"\a. t ' ltpWillo 11 m 23. (,rat 'lll"tt puh/icoda em l l.trp· r ..,

''

eekl) . 23

co/(�:!,CI S!ll aplica a t'tiCilza lllf lllti 1111tl.iwr de hraros desl/1/(/os. AJ>,)s con.�rt"\So mc;dico reali::ado em l_rono; 110 mw rillhO'

do Coprltio C

Gc./d nws/landu a eco/uçâo

ca1 t.,adt !.'' pela

Brinsh �h.:d

nwl.'> n�t!, ula rmen,e ohserrada da.; lesc)e.,

L a rio/i:.i•Çiio e raciJwçâo.

ral Journal

e•n

.

h p, rm 'li m.,./i m. m repu h/ic:adas no

1896. ce/eiJrmulo o centeutírio dt!S pesquisos de jenner.

As lesd da L 'tmo/ct aié í!ll/ l"ctr em Lrcmse .. .

meiro g overno re p ubl i cano conferia-lhe "todo o serv iço de vacina­ ção animal no Rio de Janeiro". O eu In tituto Vacinogénico fica­ va obrigado a envrar pe oaJ à In petoria de Higiene dua vezes por emana para realizar a ·'vacinação animaJ direta de vi te l o a braço··. Na ede do Instituto Vaci nogênico, a vacina animal era mini trada di ari a me n te. O e tabelecimento do barão estava sob a "fi calização i mediata·· da In petoria de Higiene, e o contrato fir­ mava expressamente que ü In tituto Vacinogênico tinha a obriga­ ção de · fornecer à In petoria, com de tino ao serviço de vacinação de braço a braço. a nece sári a linfa para re vi gorar a v acina humanizada''. 156 Em 1 894 o barão propô à municipalidade que pas ara a ter a vaci nação a eu encargo com a reorganização do Distrito Fe­ deral - a criação de um novo I nstituto Vacinogênico, que pudes e "preencher perfei tamente todas a neces idade do referido serv i­ ço". Fez-se um contrato de dez ano . refonnulado em 1 8 97, q u e obrigava o barão a minütrar tanto a vacina a n i m a l q ua nt o a h u man i zada A determinarão da inoculação da l infa hu manizada àq ue le que a solicita sem era em dúvida uma precaução tomada d evi d o a po sívei reações de favorávei à vacina animal. O co n­ trato e tabelecia ainda que o I n tituto devia "fazer vaci naçõe n a e talagens e centros populo os com o fim de beneficiar com esc;e meio p rofil ático aquele' que dificilmente poderiam recorrer ao Ins­ tit uto". Os vacinadore tin�am de VI itar "todo os domicílios des­ ta cidade e m que e tinham dado casos ou óbito de v aríola, fazen­ do v ac i n ar to d as a� pe oas neles re identes··. 157 O texto do cor1trato deixa claro que a vi ita dom icil iar pas­ sava a ser talvez a principal e tratégia dos higi e n i ta para conse­ guir a propagação da vac:na. O relatórios do barão de-crevem com algum detalhe a teoria, o método e o probl e m a da vacina­ ç ão domic i l i ar. 1 58 Primeiro, a teoria e o método do combate epidemiológico: "Se mpre que ao In tituto é not i fi c ad o um c a� o ou óbito por v aríol a os comissário e auxiliares v ão imediata­ mente à ca a notificada proceder a indagaçõe que i n teres am à estatística sobre o vitimado vacinados ou não e, pri ncipalmen­ te, procurar isolar pela wcina os moradores dessa e das casas viúnhas [grifo meJ ]" . 159 Se as not1ficaçõe' e repetiam na mes'

-

.

159

ma vizi nhança, o vacinadore percorriam ruas inteira . A e tra­ tégia do i olamento pela \'aci na era feita com CO\.'-POX. na forma de polpa gl icerinada produzida no ln,tituto, e'itando- e a s i m que o vaci nadores condulis em o quadrúpede, e m suas i nc u rõe no cortiço e outra habitaçõe . O fato, porém. q ueixavam -se os h i g i e ni st a . é ç u e os vacinadores encontravam "a recusa. a má vontade e a res istência [ . . . ] por toda a parte·'. 1 60 No relatório referente ao ano de 1 900. por exemplo, o barão de Pedro Afon o conta que a v aríola v i n h a flage lando continuamente o bairro de São Chri t óvão; concluindo então que a doença preci ava ser '·energicamente atacada", ele de­ terminou a "vacinação si temática" na área atingida, "percorre ndo o Comi ário Vacinadores e Auxiliare , casa por céba, toda a rua onde foi notificada a varíola''. Ape·ar do empenho da equ i pe do barão, o médicos ··eram despedido em consideração". e n ão havia corno cumprir sequer a determinaçõe legai quanto à profi laxia da varíola na inf'ancia - a obrigatoriedade da i mun iza­ ção infantil fora renovada no regime republicano por decreto de 1 8 de dezembro de 1 889. Sobre vacinação. varíola e mortalidade infantil. aliás, o rela­ tório de 1 900 traz número trágicos, que revelam as conseqüências do fracasso do higienistas em atingir a população: a� criançê.S não­ vaci nada re pondiam pela maioria e�rr.agadora dos ca o notifi­ cados de varíola, endo que em 1 29 óbito de crianças variolosa menore de ete ano , 9 1 ,5% jamai haviam ido vacinadai. No 1 79 casos de varíola ocorrido em maiores de ete anos, 91 pescas nunca haviam ido vacinadas. e as restantes 88 não haviam recebido a revaci nação. Os vacinado atacado çeJa varíola o fo­ ram. em geraL mais de dez ano após a primeira inoculação. Ne te contexto, é compreen ível a in i tência do barão, em :,eus relató­ rios, para que o governo fize e aprovar e cumprir uma lei geral de vacinação e revacinação obrigatória . 16 1

O testemunho de que os esculápios encarregados da -vacina­ ção domiciliar encontravam na população "a recu a, a má vontade e a re i tência [ ... ] por toda a parte'' aumentam de significado se colo­ cados no contexto da impor1ância que a inoculação a domicílio havia a sumido no erviço de vacinação. Vejamos os número": 160

TABELA 3 Vac1nações e reYacinações efet uadas na cidade do Rio de Jan�iro de 1 898 a 1 90 I , discriminada eguLdo inoculações feita em domicílio e no I n t i ­ tuto Vacinogén ico. egt..ida� do cálculo do número de vaci nado por ano para cada

mil habitantes (n� de habitante

Anos

vac.

a dom icílio

do Rio em 1 900 : 69 1 565).

Vac. no Inst.

Total

Por 1000/hab.

1 89

1 2 439

(80, %)

29-12 ( 1 9. 1 t:r)

1 5 38 1

22,24

1 899

1 9 588 (68.6líti­ cas pre ente no d e ba te e ntre médico co n t a g i o n i ta e i nfe c ­ c ioni ta. no que co n ce rne à cau.as e ao m od o de propagação de doençru, e p i dêmicas . As controvérsias n o i n terior do pen amemo e das práti cas higien i tas era m con ti t u t iva do proce o h i stó rico de falência das i deo lo gia� de d om i n ação enhorial - e cravidão, paternali mo, depen dê nc t a pe �oal - e da con eqüente tentativa de reo rg a n ização do mundo do trabalho no B ra si l na últi mas dé­ cadas do século pa s,ado . A h istória da v a río l a e da va c i n a antivariólica no Rio é assim constitutiva deste processo h istórico mais amplo - i to é, não o "reflete" nem o "exemplifica", m a s é u m dentre o m ú lti p lo elementos que e fet iv amen t e o constituem. 167

Segundo, a observação de Policarpo de que ao curandeiro cabia ainda "o governo da multidão" no" remete, por um lado. à neces idade de in erir o deba:e e a

prática

dos higienista

no

conjunto de medidas coevas de�tinada a arrancar à classes traba­ l hadora

a

po

ibilidade de práticas políticas e culturais autôno­

ma-. Por outro lado, e chegando tal vez ao que há de mais central na forma como e te meu texto e relaciona com a tradição da his­ tória social, ficamos com o de afio i ne v itável de investigar o al­ cance reaJ da prática higieni �ta , desvendar as respo tas sociais à políticas de aúde pública, e recon tituir, enfim, atravé� de pro­ cedin:ento

empírico

da- concepçõe

detalhado , as v i sõe

e prática

populares a re peito

"dominantes" ( .. médicas", ''oficiai ")

obre doença e cura. O leitor reconhecerá aq ui . e. pero. a principal opção de abordagem da hi tóric: da varío l a e da vacina anti variól ica que acaba de percorrer. As piginas que se )eguem agl uti nam

tros tantos já pre ente

elementos novos e ou­

na narrativa até o momento, procurando

emão di cutir o temas dl (in)tolerânci a carioca e do (des)governo da multidão no interior do movimento da políticas de domínio na ociedade abrangente. Fecho

o

texto com breve

reflexõe

sobre

nostalgia. con tituição do te temunho h i tó1ico, e armadilha. ideo­ lógica e política inerentes ao fazer hi toriográfico.

11.

Teoria e política áas práticas higienistas

Eram dois o pnncipais p::.radigmas médico , vi gente no sé­ cuJo XIX, sobre a cau a e o modos de propagação de doenças epidêmica . Numa prráfrase de Chemoviz, 167 entendia-se por con­ tágio a propriedade que apresentavam certas doença de se comu­

nicar de um a outro indhíduo diretame nte, pelo contato. ou indire­ tamente, atravé

do co11tato com objetos contami nados pel os

doente ou da re piraçãodo ar que os c i rcundava. O contágio, u ma vez produzido, não precisava. para se propagar, da intervenção das causas que o haviam originado; ele

se

não obstante a condições atmosférica

reproduzia por

i mesmo,

reinante . Em outras pala­

vras, o contagioni ta acreclitavam que o surgimento de uma de-

/ 68

termi nada doença sempre e explicava pela ex.j tência de um vene­ no e pecífico que, uma vez produzido. podia e reproduzir no i ndi­ e propagar n a c o m u n i d ade. A va­

v íduo doe nte e as i m

ríola era exemplo muito citado de "molé tia eminentemente conta­ gio a'': também era óbvio que a vacina e transmitia por contágio.

Por i11jecção se entendia a "ação exercida na economia por miasm:1 mórbido ''. Em outra pal avra a i n fecção e de via à ação ,

que substâncias animai

e vegetais

em

p utrefação e xerciam n o ar

infecção não atuava senão n a e fera do foco do q ual e emanavam os tais ''miasmas morbífi cos .. . Era verdade que uma

ambiente.

A

doença infeccio�a pod ia e propagar de um i n d i v íduo doente a ou­ ,

tro �ão, todm ia, t a l proce

o não acontecia propri ame nte por con­

tágio: o i ndivíduo doente agia obre o ão ao alterar o ar amb i ente que o ci rc u ndav a . A malária era tida como molésti a tipicamente infecciosa. Havia enorme controvér i a obre o c ól e ra e não havia ,

doi

e�c u l ápio que concorda sem sobre a

cau

a

e o modo de

propagação da febre amarela. O dois paradigma da ciência mé­ dic a e combi navam com freqüência. e de maneira

imprevista e

or igi nais quando o médico do século XIX di- cutiam a etiologia e ,

a formas de tran mi

É c laro

ão do cólera e da febre a mare la

.

que a chave do paradigma d a i n fecção estava na defi­

e ntendia por mwsma. O verbete de ChernO\ iz capta com admirável preci ão a perfeita i rnpreci ão do conceito de nição d aq u i l o que

se

tmasma: To mando

a

palavra em . ua acepção lata, consideram-;;e sob e�te títu­

lli

eman,tçõe.\ nocivas, que corrompem o ar. e atacarn o cor­ po humano. Nada há mai. ob.curo do que a natureza ínttma do'> lo toda

m a.c;mas: conhecemo. muita causas que o originam; podemos apre­ ctar

grande número de eu. efeitos pemicio o . e apera') sabemo. o

que eles são. Submetendo-os à inve. tigação de nos os sentido., só o olfato nos pode advertir da , ua presença: não no é dado tocá-los nem

\'ê-Jo;;. A química mai engenhosa perde- e na sutileza da. d o­

·e� e combinaçõe

miasmáticas; de ordinário, nada descobre no ar

insalu bre ou mortífero que dele. estej a infectado. e quando conse­

gue reconhecer nel a uma proporção in ólita, ou a presença ac iden tal de algum pnncípio gac:;o o, não no, reve la e n ão

parte do problema.

169

uma dimimní i ma

A dificuldade em determinar com q ua lquer preci ão as origen e a compo ição do mia ma

fez com

mente na c idades, coloca

q ue o-

i n feccioni tas. especial­

em todo o ambiente

-

e as "ela . e

pe rigosau ' . nele pre e n tes - sob , uspeição e constante i n peção. O mfecc ionistas ou anticontagioni ta , na verdade, produziram o arcabouço ideológico básico da várias reforma· urbanas que var­ reram

as ci dade

ocidentai

na seg u nda metade do éc ulo XJX e nas

de te é c u l o.

primeira década

t6ll

Há uma den a tradição internacional de debat e hi toriográfico sobre o

enudo

político

contágio. Parte de contexto

-

e

da� teoriru médica da infecção e do

a tradi ç ão pode talvez nos ajudar a recuperar o

ao me. mo tempo evidenciar a

do ca o bra ileiro.

e, pecificidade

-

A h i - tória começa num anigo c lru ico publica­

do por Erw in Ackerknecht em 1 94 8 -

"

O an ticontagio n ismo en­

tre 1 82 1 e 1 867''. 1 69 O problema de Ackerknecbt e ra tentar expli ­ car o porquê de

a

idéia d e c ontágio haver pa

ado por u m período

de de valorização e pouca aceitação entre o

médicos j ustamente

nas década imediatamente anteriore� às tran�forrnaçõe no conhe­ cimento médico com a mi c robi ol ogia de Pa,teur e Koch. Naquelas décadas, por outro lad o, a teoria da infecção o u anticontagionismo teria alcançado o auge de ua re-peitabil i da de na c o m unidade cien­ tífica da Europa Ocidental e do Segundo Ackerknecht,

a

E. tados Un ido�.

explicação para este aparente para­

doxo e tava m uito além do debate teórico entre o que

uas raíze

médicos, �endo

fi ncavam- e em podero o fatore

político e ·o­

ciai . Havia um conjunto de fatore determi nando que a teoria do contágio fo A di cu

se

vi ta como i rracional, pouco científica e antiquada.

ão i'Obre a contagio idade ou não de u ma determinada

doença girava e mpre em tomo de um seu corolário fundamental : as quarentena . Ackerknecht enfatiza que a.. quarentena cavam, para a ela

signifi ­

e a cende me de comerci antes e industriai . uma

fonte de prejuízo econômiCO) e uma arma intoleráve] do controle burocrático. E

ta

ela

e,

com e u

político

impren a, estaria natural mente por trá

e representante

daquele

na

que argumenta­

vam que não havia fu ndamento científico para as quarentenas. Em uma, o contagioni mo, e tando as oc i ad o à ampliação do pode­ res da� buroc racias gove rnamentais, tornara- e 1 70

u peito ao s

apol ogista da ideologia liberal - intere sado este na s u p eração de e n trave

ao livre de envolvimento das re laçõe de m e rcado.

Chegamos as i m ao centro do argumento do artigo: no contexto do desconhecimento reinante obre as cau as e os modos de tran mi�­ são de doença e pidêmica , a idéia de contagionistas e i n feccio­

nistas se equi val i am , fazendo com que os médico

e

posiciona sem

fu ndamentalmente a partir de seu temperamento, experiênc i a pe soal e, o q ue era mais decisivo, l igações políticas

e

visões d e eco­

nomia. As i m, o fato de a maioria do esculápio do período haver abraçado a ideologia liberal teria assegurado a predomi nância da teoria da i n fecção ou anticontagioni mo. Apesar de continuar sendo um referencial importante n o de­ bare historiográfico, 170 é lógico que o artigo de Ackerknecht está hoj e uj eü o a inú mero reparo , tanto por motivos empírico quan­ to t e órico . M argaret Pe l l in g, por exemplo, demon t r a q u e Ackerknecht e xagera vi ívelmente a hegemonia dov infecc i o n i ta na c omunidade científica britânica, e questiona ta mbém a p o s i ­ bi lidade d e e xpl icar a posições dos méd[co i ngle es pri n c i p a l ­ mente

a

partir de fatore externo

ao próprio debate epi d e mio­

lógico. N ão hav i a homogeneidade na opinião do

e c u l á pio

bretões no período: era verdade, porém. que o s infecc i o n i tas haviam e tomado mais influente j u nto ao governo cent r a l , for­ necendo e mba amento teórico para a agres i v a política d o in­ gJe-e

comra as q uarentenas e outras polliveis restriçõe s a

eu­

in teresses no comércio internacional . Por outro lado, a i déia de Acke rknecht de que haveria um paradoxo na supo ta h e g e mo n i a do� a nticon tagioni ta no período i mediatamente anterio r gên c i a da microbiolog[a demonstra

à e mer­

ua per'pectiva determ i n i ta

e te l e ológica na hi tória da ciência. poi os paradigma epi t e mo­ lógicos p as ados ão julgados apenas a part1r das transformaçõe u J teri ore

d a ciência estudada. 1 71

Nada disso, todavia, chega a i n v alidar o principll mérito de Ackerknecht, que foi o de evidenciar que o debate entre médicos contagionistas e infeccioni ta era constitutivo do proces s o h i stó­ rico mais a mplo de transformaçõe

ociai e econôm icas pelas quai

pas ava o mundo ocidental no período. MaL recentemente, Roger Cooter retomou a problemática inaugurada por Ackerknecht e ten-

1 71

tou explorar e refinar algun ponto decorre ntes de sua i nterpreta­ ção. Du ru ob ervações de C oo te r i ntere sam-nos sobremaneira, e podem no

ajudar a atrave

ar mais uma vez o Atlântico de volta

ao B rru i l e até, quem sabe, à varío l a e à

\ ac i n a .

Em prim ei ro lugar. Cooter enfatizJ que

a

P2

p reoc u pação do

i nfeccioni�tas não era propri ame nte encontrar a cau a física real d a doe nça . Sobre a geração e�pontânea de mia mas cau adore

de doen ç as o anticontagioni stas e mpre tinham pouco a dizer; entre a emergência das c au a e o apare c i me n to e fetivo de doen ças epi ­ dêmica-; não parec1a po

ível di cernir conexão alguma, e a i n fl uên­

cia dos ares mo d i fica do no urg imento de uma epidemia era ge­

ralmente de cri t a como "oc u l ta" -

ou

adje tiv o semel hante . Assim,

era o u tro o ponto a er e laborado pelo infeccioniqa�: o pr oble m a não era a ori ge m, ma o meio o u mecani mo, de r ran sm i . ão ou co m u n ic ação da

doen ças . Cooter extrapola o contexto do de b ate

ep id e m ioló g ic o e

ugere que, em me i o a uma orga ni7ação soc ial e

econômica cada vez mais co m pl ex a, o infeccionistas e l ab orar am ,

atravé. do conceito de atmosfera, a idéia de que as relaçõe� entre . pe �oas, e entre . coi as", não poderiam mai �er apreend i dru em l inha direta, sem a� m ediaçõe cre�centes e característi cas da so­ c ie dades que passavam por um proce sso de m a i or especial ização e

frag m en tação n a dtvisão de trabalho. Haveria agora menos l ugar para as relaçõe

ou trocas pes::,o a i s , ou os elo de transmi s�ão pes-

oa a pes oa q ue caracterizavam a i déi a de co ntág i o. Ao c on trári o ,

e recorrendo a p a l avra g io n i ta , a

e ex pres õe

comuns entre o� anticonra­

coisas eram am b íg ua , di fu as,

re l açõe, e n t re a

indeterminadas. não uniformes, flexívei , fl uidas. di ver�ificadas e m grau m á x i m o . Em opos i çã o a o mode lo ríg i d o e d i reto

aracterí�tico do con tá gi o , a i d é i a de atmosfera poss i bi l i tava metáfora de p l as t ic idade , di n ami mo e difu �ão. Um e gu nd o a�pecto destacado por Cooter é que a teoria da i nfecção era con tituti v a das m u da n ç as nas relações de trabalho c aracterísticas da emergê ncia de uma ociedade capitali ta . .avan­

çada". Ape ar de o anticontagioni ta, afirmarem. e de fato i mag i ­ nare m , q u e estavam preocupado

pri ncipal mente em fazer oposi­

ção às teoria... co ntagi on i sta dentro da comunidade médica. não p ode haver dúvida �obre u m o utro e nrido importante de sua ativi-

1 72

dade: isto é, o proce o de expropriação de c onhec i me nto e práti­ cas do trabal hadore , po 1bi litando as im u a ubordi nação real na produção e em ou t ras e fe ra da v ida. A idéias popu l are� obre como as doenças e ram contraídas, e suas concepçõe obre como procurar a cura da molé t i a , pa aram a se r i tematicame n te combatidas e considerada falsa e ilusórias pela comunidade mé­ dica. Em s u ma , o modelo ab trato do i nfe cc i on i s m o auxi liava n a d e q uali ficaç ão do. abere� pop u l ares so bre doenç a e cura. O fa to de o i nfe c cion i tas e o e c ul áp i o em geral terem co n segu i d o uce o apena re la t i vo ne ta empreitada não d i m i n u i a i m portâ n ­ cia soc i a l deste proce o. A i d é i a de que a hipótese médica do contág i o se afigu rava como mai pertinente em ociedades caracterizadas pela ideologia pat e rn ali ta e pe la primazia das relaçõe de depen dên ci a pe oal é ao rn eno ugestiva. É prec1 o, pri meiramente. defi nir uma tal , o­ ciedade. Podemo ob ervar p rát ic a s oc i a i pate rnal i ta na pró­ pria forma de o governo imperi a l o rgani zar o erviço de vacmação na C orte até me ado do éculo XIX. Pode m o ob · e na r, por exem­ plo. o edi tal da "Illu. tri ima Camara Municipal d ' e st a M uito Leal e Heroica Cidade do Rio de J an e1 ro' ' obre a vacina, datado de 1 3 de ago to d e 1 844. Lá e nc on tra mo , lo go nos parágrafo. imciai : § )l.l. Todas as pessoareu. Evolução ttrbana do Rio de Janezro. 2.• ed Rio de Janeiro. IPLA!'�. 1 973. w. 1 20- 1 , 1 35, 140-2. 3 5, 3 1 7, 364-7

(7} A1•ais da Câm�ra dos Deputados. vol. 3,p. 73, es ão de I O de julho de 1 888.

(&) LimJ Barreto, O cernáério dos I'ivos, São PJulo, B rasi lien ...e, I 956, pp. 1 5 1 -2. (9) Anais da Câmara dos Dep.ttadol , vol 7, p. 259, );essão de I O de outu bro

de 1 888.

( I O) Joma l do Commercio, 5 de maio de 1 869, p. I . Agradeço

S an to. Gome por me

a Flá v1 o do,

ha\ e r cedido este docunento.

( l i ) Códice 3 . 37, E cra\'O . Cru r:.s c.lugadas ou sublocadas

a escravo\, mui­

to dos qua.i. f"Jgido e rmlfeitore , orício do cl:efe de pol íc 1 a , 1 860, A. rqui "o Geral

da Cidade do Rio de Jar.�iro (.4GCRJ)

( I �) Sob re o as mt o de,te parágrafo, e dos parágrafo seguintes. copio des­

caracbmente trechos constantes em S ic ney Chaltwub, Visões

da liberdade.

WIUI

dcs tí•'timas déc(•das da esc1av:dão na Corre, São Paulo, Companhia das Lerras, 1 990. capítulo 3 . ( 1 3 ) Proces o cível, Joa ,a do Espíri•o Santo !executante) e Júba, preta (exe­

história

cutada ), execução cível, n' 2353. maço 9 1 9, galeria A. 1 868, Arqui1-o Nacional (AN)

( 1 4) C6dice 43- 1 -25. E!ltalagens e corti ço . Requerimento!> e outros p apéi s

relatiYO. à existência e � fi rrembros da comi -.sã o vacínico-samtária de São Cristóvão fizeram um laudo detalhado da s tuaçJo da estal.1gem: marcaram

a lotação m:íxima de algurrol

l i , novembro de 1905. (48) L i l ian Fessler Vaz e.cre,·eu : "O empre áno -construtoresprocJrara m real izar g r.c luído da procissão

de Cmza, ao q ual �e atri bui a peste do vômito preto que hoJe no� flagela''. O tema

da i mportância de são Be ,edi:o no surgimento da febre amarela no R io de Janeiro

1 95

será tratado no próximo capítulo. Para anigo denu nciando o "mercantilismo·· du­

rante a epidemia, ver. entre outros, "Comunicado", Diáno do Rio de Janei ro, 23 de março de 1 850, p. 2. ( 1 3 ) Debates parlame ntares ocorrido

n-1 assembléia provincial do Rio de

Janeiro e transcritos no Diário Jo Rio de Janeiro, I 2 de março de 1 850, p . 1 . ( 1 41 "Correspondência'', Diáno do Rio de Janâro, 1 9 de abril de 1 850. p. 2.

Trata-se de transcrição de artigo original m ente p u bli c ado em periódico :ntitulado Relig ião .

( 1 5 I Debates parlamentares ocorridos na Câmara dos Deputados e publica­

dos no Jomal do Commercio. 7 de junho de 1 850, p. 2. ( 1 6 1 Para histórias de epideinias de febre amarela no sul dos E tados l:nidos e descriçõe::. detalhadas de como médicose autoridade;; públicas procuravam lidar

com a situação. ver Jo Ann Carrigan, The sa.ffro" scourr:e : a h istory of_yei/owfe�·er

in Loui.nana, 1 796- 1905. te. e de Ph.D . The Louisiana State University. 1 96 1 : John Duffy, Sword of pestilence: tiJe New Orleans )t.llowfever eptdemic of 1853. .

Baton Rouge, Louisiana State Univer it } Pre. , 1 966; Margareth E l len Vv'amer.

Public hea/th in the New South: got•emment, medicine m1d socief)· in the t. OIItrol of

yelfow fever, tese de Ph.D . . H:trvard U ni vm ity, 1 9 83 . Para um exce lente estudo da

e volução do debate epidem iológico obrea febre amarela na Europa do ,éculo XIX.

ver William Coleman, YellOl� fe�·erin rhe North: the nwhod� ofearly epidemiology, MadJson, The University of \Vi�con.: n P;ess, 1987.

( 1 7 ) A defi nição de contágio e infecção era praxe nos tratados médicos es­

cnros no século XIX. Uti lizei aqui o dJCIOr.ário de tennos médicos mai

popular no

período impenal: Pedro Lmz Napoleio Chemoviz, D1cionário de medicna i popu­

lar, & ed., Paris, A. Roger e F. Chemovtz, 1 890 Voltarei a essas defin ções nas páginas finais do próximo capítulo, procumndo emão di�;curir mai detalhadamente suas i mphcaçõe� políticas e ideológic� . ( 1 8 ) Um resumo extremamente lúcido do argumentos de contagionistas e

infeccion i stas está no capítulo intitulado ·'Do contág10 ou não contágio da febre

amarela", in José Pereira Rego, Hisrória e descrição, pp. 50-69. Sobre Nicolas Chervio, cuja obra e�te\e no centro do debate epidemiológ ico sobre a febre amare­

la em

boa parte do século passado, ver Coleman, obra citada. pp. 25-55. Para

e xemplo da l iteratura de propagand a ar ti contagioni Ha produzida por Chervin, ver De I opinion des médecilfs américains sur la corzragion ou la non-contagion de la

fierre JOune. Pari

,

l . B . Bail liere, 1 829.

( 1 9 ) A J unta Central de Higiere foi cri ada por decreto de 14 de �etembro de

1 850, e �eu funcionamento fOJ reg u la m en ud o p or lei d e 29 de .etembro de 1 85 1 .

A

Junta era compoMa por cmco mem bros - [Odes coutores médicos -, e não tinha poder executivo. Fora concebida como um con elho desti nado a pre tara� es ora­

menta ao governo i mperial e aos govemm pro,mc i ai s. Qua e tudo o que se segue neste capítulo está baseado no estudo do. documentos remanescentes da Junta. As principais éries documentais são as seg uirlte : no A rquil.o Geral da Cidade do Rio

de Janeiro . "'Higiene Pública: atas", qJ e s�o as mas das reuniões formais dos mem­ bro' da Junta, ''H ig1ene Pública: aviso do governo", que con iste ba icarnente n a

1 96

coleção de atos ou del ibem.ct>es do governo no que conceme a assumo, de �aúde

púbhca . e "Febre A marela", que reúne doc umen tação variada prod ulida Llurante os

surtrn. epidêmicos: no A rqJ.i, o Nacional do Rw de Janeiro, "Ministério do Império/

Junta Certtral de Higiene Piítlica: ofícios e documentos diverso�". série que conté m a correspondência, relatónm e outros pa péi s remetidos pela Juma ao

minimo do

Império. A documentação comida nesses códice � e paco;:es é e specia lmente rica no

que concerne à descrição dl si tu ação na cidade do R i o de Ja,eiro. mas também traz

material volumoso sobre as provínci as do L'llpério. Analisei mais deti damente a série

existente no A rqltho Nacional, pnnc. palrnenre pela Impossi b i lidade de uma varre­ dura detalhada em todo e!..,e volume Je

manJo;critos. A hsLa das p ri ncipa i !> fontes

manuscrita� consultadas aparece logo após o terceiro capítu lo

! 20) Rego, História e descrição. pp. 83-4.

.

(2 1 ) Donald B. Coq>e�. '·Bnzirs long fight aga insr ep1de m i c di ease . , p . 676. ! 2 2 ) Rego, História t de!>crição. p. I 1 23) Rego, História e descrição. p. 65. qui\ o

124) Ver códice 8 3.7. Higiene pública: a\ i o� do govern o ( 1 850- 1 854 1. A r­ Geral da Cidade do Rio de Ja11eiro 'AGCRJ), fL 1 99-207.

(25) Para dOCUJ"'lemm demon�Lrando a existênci a de sérias tensões entre contagionistas e mfeccioni 1.1� no i ntenor da própria Junta, ver IS4-22, do Impéno/Junta Central de H igi ene Pública. 1 85 1 - 1 853, A.t\'.

M 1 ni�tério

Pau la Candido,

pn­

meiro pre side nte da J u D ta e t1mbém mem ro do Parlamento. precisou debater -.uas

opimões moderadamente do

Par/amerlfo

an:icontag1 oni tas com seu � pare no congre,so; Anais vol 1. É cl aro q ue os

Brasile iro, Câmara dos Depurado.;, 1 850,

doutore� protagoni zaram batalhas memorávei

n as sessõe da Academia I mperial

de Med 1 ci na . ver, para exmplo de debate no qual Pa ula Candido e�te\e en ...olv.­

do, Annc.es Brmitrmses ar Medicina, ago sto de 1 859.

O dr. Luis Daniel Be�uperthuy. méd 1 co franc�s radicado na Venezuela, de­

��-

fendeu pela primeira vez a tese da tran miss.lo da febre Jmare l a por mosqu i tos em trabalho publicado em 1 854. �ão foi levado a �ério; ver Maria Mlti Je Su.írez e Wa lewska Le m oine ,

.. Fri>m i ntern al ism

to e x te rn a l is m : a study of ac ad e m ic

re11istance to ne\\ scientific li ndi ng s" . His!OT)' o.f Science, vai. 2..J., n'' 4, 1 986. pp.

383-4 1 O. Uma história detalhada do processo

de co,strução e

demonstração da

hipótese da transmissibil idaJe pelo mo�q uito - concluído apenas na virada do século - �tá em Françoi' Delaporte. nz� lzistory ofyeilowjel'er: em �SSll)

i Camb ndge e Londres, Tbe �IT Pre� , 1 99 1 . btrtlz of tropical medtcne,

011

the

( 26) A tmaes Brasilienses de MeJicinu, n� l i , janeiro de 1 858. pp. 3 1 0- 1 9.

(27) Acredita\la-se.na época , que poderia h J ver um a relação "entre a i n ten­

�tdade do tlagelo e a ausência de fluido e.étrico na atmo fera··. Eram ess� os

termo� de pesquisa a respeito da cólera realizada por um médico francê,, segundo

o re sumo da revbta médicJ l>ra i leira m1 1s importante do século passado. O cien­ tista havia i nventado u ma máq uina q ue produzia faís:::as mais ou menos elevad2.s dependend o do estado elétnco da atmosfera: a ausênc i a de faísca� na engenhoca era smal de tragédi a . . .No:ícias científica'> e industriais", Annaes Brasi/ienses de Mediemo, n11 I . vol . 5, OJtlbro de I 8-19, p. :.4.

1 97

(28) Comuni c::.J:> ', Diário dv Rio de Janeir1, 4 de at>ril de I 50. (29) Transcrito em Odair FrJOCG, obra citada. p. 1 57 . (30) Odair Franro. obra c iredu, p . 1 58. "

(3 1 ) Jomal do Ccmmercio, 29 tle abril de 1 850, p. 4.

(32) Artigo 1 6 da� Mpro" idêrcia-. para p re \'e mr e ata l h ar o progresso da febre a mare la , reproduz1do em Odmr Fr::. n:o ohra citad[i, p. 1 5 7. Há referêncll à proi­ bição de dob res de sinos no ··ReguiJmento sa ni táno mandado observar [ . . . ) nas comis ões paroqu i ais de saúde pública". art ig o I O; Diârio do Ri(J de Janeiro, 6 de março de 1 850, p. 1 . Ü .J-sunto tam�m foi d i sobre a queda entre alopata�-e. homcopatas seriam i n nn i ná \.e i �. O Jomal d11 Commerci(l. cujo d i retor era mtu'>iasta da homeopatia, te abria suas coluna. à pror.aganda home.,pática diari:�nente. Os homeopatas ocuparam o jornal i n in te rru pt�mente de j�neiro a j un ho de 1 850 . penado mar 'i Intenso da pri me 1 ra g ra nde ept de n � Pro pa la\tln c u ra.'> m i lagrosa�. mdi cavam os remed 1 0s mais apropriados. anu nciava m atendimento gratu i to ao pobre e. pn n c i pd mente , p ub l icava m catilinánas taríveis co1tm o� alopatas e set.� método�. Não h a dúvida de que os ho meopatas cm'>egUJram penetração razo�vel entre a população da Corte, pnncr palmente entre t•Tug ran tes po:tugue e , mas talvez até mesmo entre o escravo . A Be ne ficência Portugu�a .lle nd e u seus asscciados em enfermana ho­ meopát i ca durante a epi Jem 1a . A difLSão da hom ec pa lia no R to esteve também l igada ao advemo do ··sonambulismo··. ou espiritismo. No Diário do Rio de Janei"

.

,

-·--­

ro, no me mo período. pré!domi n avam os alopatas. que Sf defendram como podiam

e iron izava.-n a

preten sces de cientif:idade do -.i. te:na méd ico dos advcn;jnos.

Ht. v ários esrudo�"'Centes que X>rdam a que :iio da homeopatia no contex­ .

to da querela da medtcrras no sec u lo passado: Ânge:a Pórto, "A ass1 ... têncm med i ­ ca aos e s: rav os no Rio ce Jane1ro: o tra:J.mento homeopático". Papéis a l'UI.os. Rio de Janeiro. Fundação CM de Rui Barl:osa , n'' 7, 1 988; Donald Warren. "A medi­ c in a e piriruaJizada: a h�me opatia no B r�i l no éculo >a:(', Religtão e Sociedade.

R i o de J a n eiro, vol. 1 3 . rP I . ma rço de 1 986, pp. 88-�07 , Maéel Luz. org . , A ques­

tão da homeopatia. Rio de Janeiro, Programa de Ed Jcação Cominuada da Esc ola

NacionaJ de Saúde Púb'icl (PECIEMP; e Associação Brasileira de Pós-Graduação

e m Saúde Colet iva (ABRASCO). 1 98 7; R cardo Lafel.á ovaes, O tempo e a ordem: Corte7 1 989; Sylvia D:unazio, Da elite ao po1·o:

sobre a homeopatia. São Pau lo,

ad1·ento e expansão do espiritismo tiO Rio de Janf:ro, Rio de Janeiro, Bertrand B ras i l , 1 994. Regi

t ro aqui um ag radeci 'Tlen to e pec ia l ao aluno Itamarati de Lima.

1 98

boi ista de imciaç�o científica do OI� neste projeto. qJe me auxiliou diligente ­

mente na coleta de dados sobre a que"tão da homeopatia versus alopatia no Jornal do Commercio e no Diário do Rio de Ja•1eiro.

Devo mencionar aindl, neste contexto, que entre os próprio alopatas houve

comrovérsJ a� 1 mportanre

obre terapêutica durante a epidemia de 1850; a uti l i z.a ­

ção da sangria, principalmen te , divid ia a elas e médica. Novamente, o relato con­ temporâneo mais út. l é o de Pere 1 ra Rego, História e descrição, capít ulo x,

"Tratamento da moléstia", pp. 1 1 7-3S.

(39) Os testemunho de época ;ão unânimes tanto no que conceme à maior

su scep ti b i lidade de imigrantes euroçeus quanto

à notável

resistência da popu laç ão

negra ao:: ataques da febre amarela; as obras já citadas de Lallemant, Pereira Rego ,

Croker Pennell etc. podem ser consultadas como exemplo�. Quanto à ciência méd1ca aluJI. é fato bem e�rabelec1Jo em pesqu irém, ainda não mereceu im estigaçõe genéti­ cas do mesmo t1po. Kennett K1ple e Virgínia King argumentam convincentemente

que '·o!> negros po suíam im u nidades i 1at1s à febre amarela, imunidades e as que a ciência méd1ca ainda não reconhece e muito menos e"r.gine et Jes cau;es de la fievrejaune. considérée comme étart principalement Ie ré�ultat de r infection des bât i me nrs négriers, d' apres les observatior. fai tes à Barcelone en 1 82 1 , et au Port-du-Passage, en I 823". Rmte Midicc!e Fran;-aise et Étrangere, Pari , vol m. 1 824. pp. 360-408: -, 'La. traite des noirs considérée comme la cau e de la fievre jaune", Jounzal deç C(m­ naú;sance:. Mt!dico-Oimrgica/es. Pari , voLVI. 1 838-9: -, Fi�·rejaune et traiie de noirs. Paris, Napoleon Chaix & Cie., 1 849, 57 pp -, ··sur la fievre j aune qui regne en ce moment au Bré�il , �t ur !'origine de cette maladie", Revue Médica/e Française et Étrangere, Pari·. vol. 11. 1 850. pp. 65-8: -, ..Réponse au mémoire de M. le docteur e et infectieuses, à propos d'un Durand-Fardel, �ou� le titre: Des maladies conta,ieu "' nutre mémotre sur la fevre jaune et la trai te de� noirs". /bid., vol. 1, I 85 1 . pp. 399-408: -. '·L'étiologte de la fihre jaune dans ses rnports avec la navigaúon en général et l..i trai te de-, noir.- en part:culier", l�id., vol. n, 1 853, pp. 656-72. ( 5 1 ) Rego, Hisrória e descrição, p. 52. p.86. Audouard foi duramente critica­ do por médicos radica;!os em Cuba. O debate e�Lá resumido. com o autor favorecen­ do abenameme as idéia-'> do, crítico de Audou ard, em L . B lacquiere, '·LJ t raite de ' noirs con•iJérée comme cau,e Je la fievre j aun e". Joumal des Connaiç.wnce:. Mtfdi­ co-Chirurgicales, Par.;. vo l . IV, 1 838-9, pp. 1 0!-4. Ver também M . Durand-Fardel. ·'Des malad1es contag:eu�es et infectieu�es, à propo� d' un mémoire de M. � udouard. intitulé: Fievre jaune �t traile de-. noir�", Rem� Wédicale Frunç-aise et Etraugere. Pum. vol. n . 1850 pp 643-57. Jáem 1 875. um Joutor norte-amencano ainda .e deu . ao trabalho de argum�ntar que não havia nenhuma relação entre febre amlfe1a e tráfico negreiro. Audcuard, todavia. não é citado no artigo: J Jones, "Researche, on the relations o; the Atrican sla\e-trade in the West Indies and tropi cal Am erica to yello\',.· fe\'er", Virginid Medtcal Momhly, Richmcnd. vol. n, 1 875. pp. l l -26 . 1 52) Sobre a diHribuição das e molas oferecidas por"SI.ill.S MaJ estades", no valor de �O conto deréi\, ver Diário do Rio de Janeiro, 5 de ab ri l de 1 8 50 , p. 3 ; Jornal do Conunercio. 5 de abril de 1 850. p. 3. !nfonne detalhado sobre a evolução

da doença do meninoPedro Nonso e sua morte está no Diário do Rio de Jan eiro, l i de janeiro de 1 85tl, p. l; Jomal do Commercio. l i de janetro de 1 8 50. p. 2. Sobre a doença da prir.cesa babeI. Diário do Rio de Janeiro. 14 de janeiro de 1 850, p. 2, 15 de Janeiro de 1850. p. 2, 1 6 de janeiro ee 1 850, p. 2: Jo ma! c/() Commercio, 1 6 de janeiro de 1 850.p. 2. Quanto ao inc ômoJo do imperador, "ítima de '' lige1ra

201

febre de carúer nlennitente ' contraída "de�de a sua última ida à Corte", Jornal do

Conunerôo, 24 de março de 1 850, p I . O. Pedro 11 ficou

em

convalescença e m

Peu6polis. Em nenhum momento as nctícias diziam claramente que era a febre ama ­

rela o flagelo que \C di. publi ad s

em10ara na famJ1ia tmperial; contudo. os boletins

médicos

-

truendo a ctscrição umáriJ de sintomas e ::. expressão "febre de caráter intermitew. . - não deixam ombra de dúvida sobre o que estava ocorrendo.

(53) Diár,o do Rio .fe Janeiro, 14 Je fe\'ereiro de 1 850, p. I ; Jomal do

Commercio, 1 5 Je fevere tr(l de 1 850, p. I . Um quadro impre. sioname da '·prefe­

rência" da febre anarela pelo estrangetros aparece no Jonwl do Commercio , I O

de março de 1 850. p. I . O ni n isté ri o do lmpéno dtvulgava

- pela primeira vez, reinante tratados n o Iazare to da ilha do Bom Je)us do Frades, desde o �eu e tabelecimento em 1 de janeiro, até o fim do mê) de fevere�ro de 1 85o··. O huareto recebera 553 e n fe rm os . dos quais 2 1 7 hav i a n recebido 11la, e 222 ha' iam falectdo: 1 1 4 �rm ane c i arn em tra­ tamento. Poi'> berr. entre m 222 morto�. apena.Lenda. "V.uíola··. em Antiqualhas e memoria.'> do Rw de Janeiro,

Ret'ista do Instituto Histórico t•Geo�ráfico Brmilâm. tomo 93. \iOI. 147. 1 923, p. 597. t

3 0 1 Jo.'>é Pereira Rego, Esboço histórico das epiden•;as que 1ém gra:rsado

na cidade do Rio de Jwzâm desde flUO a 1 870. R io de hne ro, T) p:)gr..tph•a Nacional, 1 872. p. 22: O. de Frei�. Doenças africanas no Brasil. São Paulo,

Edi tora

acionai, 1 93 5 .

t 3 1 ' A lde n e M iller, o/Ira eirado. t 32} Mary Kara pretos'' e 809 "pre;os inore1te�··. perfazendo 4766catJvo�

vacinado� (75. I oc;.. do total). Também er.contrei mapru que discriminam o vac inandos

em livres e escravo , para alguns am. das décadas de 1 830 e 1 840, no códicf 50-3-52,

Vacina: of cios. p:u-eceres, nedidas .obre a propaganda da \'acinEção, mapa.\ relações í

de pe....soo." vac inada!,, sepandlS por ordem crcnolúgila ( 1 832 a 1 887), Arqtú·a Cera f

da Cidadt? do Rio de Janeiro IAGCRJ) 1 Jf 1 Karmch, p 1 5 3 .

(37) E xpreisão unlizada no relatório dim o pri n ci pa l obstáculo à propag....ção da vacinJ. 1 66) IS4-28, Ministério do Impé riolJ unta Centml de Higi ene ( l 873-4), AN.

1 67) Maço IS�-39, :\1inistério do Império/J unta Ce nt m l de Higiene. ofícios

e d ocumentos di versos ( 1 11 sem estre de 1 8B4). A/v'.

c 68) I S4-49. :r-.lini. tério do l rn péri o/J nstt l uto Vac ínico, ofícios e documento s

d tversoi t l 876- 1 889>. AN. Sobre e�u epidemia no Cear.í, ver também nota 52, acima. c 69) I S4-47. Ministério do l'llpérioJlnstituto Vac ínico, ofícios e documento

d versos ( 1 860-67). AN O mesmo ..;aso ap:..rece no códtce 45- 1 -43. IPstttutoVacínico

( I 60-9), AGCRJ. ( 70) IS4-48, Mt'listéno do lmiXrio/Inslituro Vac mico. oftcios e dcx:umentos dt verso� ( 1 868-75 1, AN.

( 7 1 ) IS4-26, �1ini·att

of rhe Bako n�o '"Ommented b)

themselve.s

tminkisi

from the Laman collection), Estocolmo, Fol kens �useum-Etnografiska, I �9 1 , p. 9; e Wyatt MacGaffey.

Religi(!n ard soctety in Cerlfral A/rica: the Bakongo of LoH:er

Zoire, Chicago. The Uni•,e sit) r of Ch1cago Pre'>s. 1 986. p. 1 47.

( I 1 6) Wyau MacGatfey,

An and hecling of the Bakon,�o,

pp. 90-2; Karl

Laman, The Kongo. Upsalc:. 1 957. pp. 67-70.

• t Bakongo. p. 4. ( I I 7) MacGaffey. A rt and healing of h ( I I 8) Robert Fams Thompson, Flash ojrhe spirit, pp. 6 I -8. ( I I 9) Para a redação des�es dms últimos parágrafos sobre

África central.

'. ali-me da ob en ações crticas e da Meihy e Bertolli. artigo citado, p. 27. ( 1 .17) Códice 50-3-52, AGCRJ. ( 1 48 1 Códice 50-3-52, AGCRJ.

( 149 1 Sobre e

as tensões, ver o pnme1ro capítulo.

( 1 50) Códice 50-3-52, AGCRJ.

( 151



Códice 50-3-52, AGCRJ.

( ! 52'• lS4-39, Ministério do Império/Junta Central de Higiene Pública, o1T­ cios e documento� diver::.os ( 1 11 seme tre de 1 884), AN. ( 1 5 3) Ver nota 8 1 . ( 1 54) Tomo aqui como droo oficiais da vacina os fornecido por Barbo a e Resende, obra citada, vol. I, pp. 444- 5 . ( 1 55 ) Códice 43- 1 -27, E :alagens e cortiços: requerimentos e out-os papéi d1zendo re pe1to à exi tência, hi�iene. co tumes e extinção des as habitações cole­ ti v�: 1 89 1 - 1 900, AGCRJ. ( ] 56) Barbosa e Resende. vol. 1, p. 434. ( 1 57) Barbo a e Resende. vol. 1, pp. 435-6. Quando de sua implantãção e m 1 887. a vacina animal provocotJ controvér ias nas quaü esteve envolvido o pró­ prio barão de Pedro Afforuo; ver O Pai::.. 28 de setembro de ! 88 7 , p. 2. (Agradeço a Gabriela dos Re1s Sampaio pela referência.) 1. 1 58) Ver, por exemplo, noAGCRJ, os códices 38·3-38, Relatórios do Insti­ tuto Vacínico ( 1 892- 1 90 I ): 38-3-39. Relatório do In tittto Vacínico ( 1 902): 3 8-340, Relatório do ln titulo Vacínico ( 1 902); 50-3-56. Vacina e Instituto Vacínico ( 1 888- 1 906 ).

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( 1 59) Códice 38-3-38. AGCRJ. ( 1 60) Códice 38-3-39, AGCRJ.

( 1 6 1 ) Códice 38-3-38. AGCRJ. Ver também códice 50-3-56. Vacina e Institu­ to Vacínico ( 1 888-1906), AGCRJ, onde há, n� folhas 29 a 33 verso. um projeto de lei de vJ.cina�ão obrigatória que e ta\a ..endo di. cutido no segundo .emescrede 1 89 1 .

( 1 62 ) Meihy e Bertolli. artigo citado , p . 3 J . ( 1 63) Eulália Lobo, obra citada, \ OL n. p. 469.

( 1 64) Ely &io de Carvalho. "Gína dos gatunos c.uiocas Iica: avi

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