Tomando como ponto de partida a cidade do Rio de Janeiro e a demolição de seus cortiços, passando pelas polêmicas entre
351 45 36MB
Portuguese Pages 250 [270] Year 1996
Sidney Chalhoub
Cidade ebril CORTIÇOS E EPIDEMIAS NA CORTE IMPERIAL
Autor: Chalhoub, Sidney Titulo·
Cidade febril : cortiço; e epidemi
1 �1 1�11111111�111111111
34:���2
1�
sempre grato apresentar um
texto cujos méritos são evidentes. :'\o caso deste Cit>adc j;.f,.i/, de Sidney Chalhoub, não é surpresa encontrar aqu1 as qualidades já presentes em seus trabalhos an teriores, marcos de uma carreira acadêmica que aqueles que temos o privilégio de acompa nhar de perto sabemos marcada pela seriedade e extensão da pesquisa em pírica, assim como pelo sólido arca bouço teórico metodológico. Sidney possui o dom de transfor mar a árdua tar·ef�l. que sustenta o ofí cio do historiado r em texto leve e sa boroso, de forma que ao leitor chega apenas o prazer da leitura c, por meio dele, a possibilidade do encontro com urna história feita de rostos humanos; é mestre na arte de uma erudição so bre o passado que sustenta sempre urna clara posição nos embates do presente; surpreende pela destreza na construção de um argumento concei tual através de urna narrativa que va loriza o quotidiano; conhece os segre dos são "para viver obre si '" e ra algo p elo qual os escravos da Corte se empen havam bas tante. Viver l onge da casa do senhor era uma maneira de adqui rir maior autonomia nas ati vidades p rodutivas, e rep re sentava ainda a p ossi bilidade de levar uma vida praticamente ind iferen çável em relação à p opulação livre da cidade. Para os senhores, este tipo de arranj o era m u itas vezes vantajoso, pois per mitia arrancar jornais mais elevados aos cativos, além de desobrigá los das despesas com o sustento dos n egros. Para os escravos, a maior autonomia de movimento tinha ainda a vantagem adic io nal d e facilitar jornadas extras de trabalho com o obj etivo de amealhar din heir o suficiente para c om prar sua liberdade aos se nhore . : O fato, porém, é que a m ultipli cação de s ituações nas quais os escravos obtinham autorização para ·�iver sobre si"' acabou, a longo prazo, se tomando mais um i m portante e lemento desagre gador da instituição da escravidão na Corte. Não é difíc il enten der a razão disso. Tradicionalmen�e, a escravidão sempre havia sido considerada como uma relação de sujeição e dependência pessoal: o escravo ficava sob a "sujeição dominical'' do senhor, que também era o único a deter a p rerrogativa de decidir a resp ei to da eventual concessão de alforria ao cativo. Tal concepção de dominação tinha necessariamente c omo um de seus elementos a prox imidade espacial do trabal hador em relação a seu proprietá rio. Por isso. quando se generalizou. na cidade. a prática de os ·•
?7
.... .
escravos viverem longe dos senhores, e�te fato introduzi u certa ambigüidade na defin ição "ortodoxa", por assi m dizer, de cati veiro. Os escravos não deixaram de perceber que havia aí uma bre cha. Em 1 86 5 , por exe m pl o. a escrava Júlia entrou na j u tiça com o i ntuito de obter a überdade à sua senhora. Entre os vários moti vos que arrolou para mostrar que fazia j us à alforria, a negra argu mentou, com a de ida apresentação de testemunhas , que morava havia sete ou oito anos em cortiço n o Catete. retirava seu sustento ·'de lavar roupas de alguns fregueses'' e, além disso. que seus co
nhecido consideravam-na como pessoa livre. Neste caso específi co, a escrava perdeu a ação j udici al , m as há outro exemplos em q ue alegações semelhantes parecem ter contrib u ído para que alforrias fossem concedidas na j us ti ça, à re velia da vontade senho rial . 1 3 Tudo i sso, obviamente, faz sentido : se o cativeiro se de fine como uma relação de sujeição e dependênc ia pessoal, é razoável supor que uma pessoa que tenha autonomia de decisão quanto à morad ia e aos seus meios de s usten to não estej a sob o domínio de nenhum senhor. Torna-se claro. então, que escravos viv e ndo
"
o
bre si'' contribuíssem para a falênc i a de si gni fi cado s sociais es en ciais à cont i nui dade da ins titui ç ão da e cravidão. Os negros pre
io
navam para conseguir o direito de m o rar fora da casa dos enhores, pois percebiam tal conqui �ta como um passo. ao menos i m bó l ico. no cami nh o da li berdade. " este c o n te xto . a importânc ia das ha bi t ações coletiva
nas
úl ti mas décadas da escravidão começa a se evidenc iar: para escra vos, assi m corno para libeJtos e negros l i vre em geral, a al terna
iáveis de moradia na Corte, no pen ado, eram cada vez ma i s o� caniços e a casa s de c ômodos. São vários os exemplos de es
tiva
cravos q ue moravam em cortiços, ou q ue tinham suas amá ias mo rando em cortiços� além disso, encontram-se famí l i as de ex
es c rav os que c o nse gu i am se reunir e passar a morar juntos em ha bitações cole ti vas após a li berdade. Com freqüência, era
nc
ta
habitações que os e- cravos iam encontrar auxílio e solidariedades diversas para realizar o sonho de comp rar a alforria a seus se n h o res; e. é c l aro, m is turar-s e à população ariada de um c ort iço podia ?
ser um ótimo esconderijo, caso hot.vesse a opção pela fuga. Em suma, o que esto u querendo sugerir é que o tempo dos cortiço no R io foi também o tempo da intensificação das l utas dos negros pel a liberdade. e isto provavelmente te\ e a ver com a histeria do poder públ ico contra tais habitações e seus moradores.
O SUR GLUE"'TO DA IDEOLOGIA DA HIGIENE As classes pobres não passaram a ser v is:as como classes pe rigosas apenas porqJe poderiam oferece: problema5 para a orga ni zação do trabalh o
e
a manutenção da ordem pública. Os pobre
ofereciam também per igo de contágio . Por um lado, o próprio pe rigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário po l í tico brasi l eiro d e fir.s do século
XIX através da metáfora
da doença
contagiosa: as classes perigosas cont inuariam a se reproduzir en quanto as crianças pobres permanecessem expostas aos vícios de seus pais. Assim,
na
própria discussão sobre a repressão a ociosi
dade. que temos citado, a estratégia de comba:e ao problema é geralmente apresentada como consist indo em d uas etapas : mais imediatamente, cabia reprimir os supostos hábitos ce não-trabalho dos adul tos; a mais longo prazo, era n ece ssário Cllidarda educação dos menores. Por outro lado, os pobres passarar.1 a representar perigo d e contágio no sent ido l i teral m esmo . Os i n t elec:uai s-méd ic o grassavam n essa época como miasmas n a putrefação, o u como econom istas em tempo de inflação: analisavam a ''real idade", fa ziam seus diagnós t icos, prescreviam a cura� e estavam sem pre i n a balavelmente convencidos de que só a sua receita poderia salvar o pac ien te. E houve então o diagnó-tico de q u e o s hâbitos de mora dia dos pobres eram nocivos à soc iedade. e isto porque as hab ita ções coletivas seriam focos de irradiacào de epidemias, além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os t ipos. Ao que parece, os adm ini stradores da Corte começaram a notar a existência de cortiços na cidade nos p nmei ros mos da década de
I 850. Uma epidem ia de febre amarela, em 1 850. e outra de cólera, 29
em 1 855, e lev aram
as
e co l oc aram na ordem do d i a a questão da sa l ubrid ade pública, em geral. e das condições higiênicas das habitações coletivas, em particular. Foi criada então a J unta Central de Higiene, órgão do governo impe ria l encarre gado de ze l ar pelas questões de s a úde pública, e a Câ mara Mu ni cipal da Cone passou a discutir med idas desti nad a a regulamentar a existênc i a das habitações coletivas. Em setembro de 1853, a com issão de posturas da Câmara ana l iso u um projeto de "Regulamento dos Estalaj adeiros'', que lhe fora e n c aminhad o pela Secretaria de Po1ícia. " É lógico que a preocupa ção das autoridades po l i ci ais era ''prev enir que pessoas suspe itas ba tante
taxa de mo rtal i dade
achem fác il abrigo nas casas a que ele [o reguJamento] se refere, mais ainda
a evitar desordens, e
vent\..ra po · posturas julga
outros crimes que por
sam ser cometidos··. Os vereadores da comi ssão de
ram o projeto de '·urgente utilidade públ i ca", e ainda acharam por bem acrescê-lo de algumas d i s pos ições '·em relação à salubridade púb l i ca". O artigo pri meiro defmia como e stal aj ade i ro ·'o indivíduo que der agasalho ou pousada por d i nheiro, qualquer que seja a deno minação da casa em q u e a der'' - e stal agem , hospedaria, cortiço ou hote l . Entre as medidas destinadas a facilitar a vigilância da políc ia. havia a obrigatoriedade de o estalaj adeiro possuir um l ivro de con trole de entrada e saída de hóspedes ou moradores, e no qual este estariam cuidadosamente identificados. Os s ubdelegados deveriam
v i sitar freqüentemente as
habitações coletivas, ceni ficando-se de que lá não se encontravam vadios, estrangeiros em situação irregu l a r c pe s s oas "suspeitas'', ou que causassem "desconfianças" e "receios'' - uma categoria tão abrangente e ambígua qu e era potencialmente útil contra quaisquer dos moradores de tais habitações. Quanto às concli çõe de higiene, os estalajade iros eram obrigados a conservar
suas casas n o "melhor asseio possível", conduzindo ·•o l i xo,
as
águas
e outras matérias imundas'' para os locais onde era permitido o despejo. Ficava pro i bi do o depósito de lb::o e ·'matérias fecais '' em covas feitas no qu intal , ou em qualquer outra parte da casa. O fi s cais das freguesias deviam zelar pe l a obediência ao reg u lame nto . Apesar da opinião favorável da comissão de posturas, o regu lamento não parece ter sido adotado pela Câmara M unicipal. Em agosto de 1 85 5, u m p roj e to de posturas a respeito uni camente de sujas,
30
I
I .!...
cortiços, de autori a do fiscal da freguesia de Santa Rita, foi apre sentado aos vereadores. 1 5 N a introd ução ao projeto, o fiscal argu mentava que ''o preço elevadíssimo das c asas nesta Capita l deu lugar à fundação de moradas. conheci das pelo nome muito signifi
cativo de cortiços , onde em pequenos quartos habita uma grande popu l ação das ela ses menos abast adas, como é sab i do" . O au mento nos preços dos aluguéis para as "cl asses menos abastadas" estava certamente ligado às transform ações na demografia urbana do R i o no período,
já re feridas
anteriormente: o crescimento do
fluxo im igratóri o de portugueses, o aumento do número de alforrias de escravos, e a práti ca cada vez mais com u m de perm itir que os caüvos residissem ·'sobre si". Aq ui, novamente, os colí:iços são vistos tanto como um pro bl ema para o con tr ole social dos p o bres quanro como uma amea ça para as condiçõe- h igiên i c as da c id ade . O fis c a l de Santa Rita declarava-se preocupado em garantir a '·faci l i dade da existência do pobres", e propunha uma sér i e de med idas v isando a imped i r que os corti ços se tornas s em "focos d e víc ios" o u de transgres sõe ' · da m oralidade dos costumes", assim com o
·'
asil o s perma
nen tes de i n fecçõe deletérias da saúde públ ica". As medidas pro postas obr ig av am o- proprietári os a e fetuarem ''todos os repa ros e melhoramentos que forem ex i gidos pelo Dr. Dele ga do da Junta de H i giene Públ ica da freguesi a respectiva''. proibiam a existência de ''cas:nhas colocadas -
nos
lugares onde há
animais
e
carroças"
ó c a rroceiros sem família pod e ri am residir nas coche i ras -,
determinav a m o calçam en to e a ilum inação dos pátios, e a c olo cação de p i lastra com água. Havia ainda a exig ênc ia d e lugares apropriados para as latrinas.
A
Câmara l\1 unicipal forn ece ri a os
vasi l hames para a condução das
"
m atérias fecais e águas servi
das" , ficando também encarregada de remover tai s " matérias" todos os di as
às
cinco horas da manhã; os ''fundos'' para essas
oper ações seriam ''sol ici tados do governo" . Finalmente, todos os cortiços dev er iam ter
um
portão de ferro. que se fecharia ao to
que de re co lher ; a part i r dessa hora, um dos habitante s passaria a serv i r de poneiro , ftcando c om a obrigação de abrir a porta p ara os outro s moradores e de comun ic ar as e v entuai s irregularidades ao i n sp e t or de quarteirão.
31
__
Pelas sugestões do fiscal de Santa Rita, não há que duvidar de suas palavras ao afi nnar que s ua intenção era melhorar as condi ções de vida nos corúços existentes, res'' deixassem de ser
"focos de
fazendo com que
"esses luga
enfermidades". "A pobreza que ali
se asila'·, obtendo assim mais proteção e comodidade, "conservará sua saúde". J\enhuma das sugestões mencionadas, po rém , foi aco lhida pela Câmara l\Iunicipal, que se contentou em adotar apenas
o item nove do documento do fiscal: "1\ão será perm itida a cons trução de novos cortiços sem l i cença da Câ mara,
e nessas constru
ções serão guardadas tcxlas as condições higiênicas e não serão habitáveis sem aprovação da Junta de Hi giene Públ ica' ' . 1 6 O s v ereadores, então, parec iam s e preocupar apenas com as condições higiên icas das habitações coletivas do fu turo. Outras vozes, todavia, concordavam com o fi scal
de Santa R i ta na opinião
de que a l g o prec isava ser feito quanto aos cortiços existentes . Em _
oficio envi ado pela Secretaria de Polícia da Corte ao Min istério dos Negócios do I mpério, em março de 1 860,
eram
novamente os
preços "de tal modo exagerados'' dos "alugueres de casas" que explicavam o surgi mento e a proli feração dos cortiços . 17 O docu
mento da Secretaria de Polícia, porém, avançava a di scussão em pe lo menos duas direções. Em primeiro lugar, há aqui a i déi a de que as condições de vida nos cortiços não se revelavam mais letais apenas q uando da ocorrência de ·'febres'' ou e pid em ia s na Corte; na v erdade . era a "tísica'·, isto é, a t uberculo se . que ameaçava ''tor nar-se mol éstia endêmica do pai s " . Em outras palavras, o que pro vava que não
as
co ndiç õe s de saúde públic a estavam se deteriorando
era apenas a ocorrência eventual de epidemias de febre amare
la, varíola, cólera etc., mas a mortandade crescente e constante pela tísica, uma doença que o saber médico da época já associava diretamente às condiçõe3 de m iséria em que vivia a popuJação. Ou seja,
o documento
da Secretaria de Polícia era capaz d e
colocar o problema da saúde pública num contexto mais amplo
deterioração das condições
de
de vida dos pobres em geral. Até esse
momento não parecia possível pensar a questão das habitações coletivas segundo os parâmetros estritamente técnicos da Higiene; ao contrári o, este era um p rob l e ma soc ial. a ser solucionado a par
ti r de deci sões pol íticas claras dos govemantes da cidade. As s i m ,
32
chegamos ao segundo ponto do documento: a Secretaria de Polícia suge ri a a form u la ç ão de uma política destinada a promover '"a e di ficação de habitações cômodas para o povo''. Eram propostos in centivos aos construtores, inclui ndo um '·adiantamento pecun iário
por prazo razoável'' e a "co nces ão de isenção de impostos''. En quanto medidas detiniti vas não fossem tomadas n e sse sent ido , e d i an te da gravidade da situação, o oficio s ugeri a que a própri a Câ mara Municipal bancasse a iniciativa de c on str ui r habitações, "que
seriam alugadas aos arti stas e pessoas pobres por qu an tia módica". O tv1 inistério do I mpério encaminhou o documento em q u es tão à
Câmara Mun ic ipal , e parece que lá ele não suscitou nenhum efeito prático.
É possível discernir
com c lareza o ei:xo fundamental de toda
es a p ri mei ra década de discussão sobre os cort iços : era necessário
mel horar as condições higiênicas d as habitações coletivas existen tes. Tratava-se, p ri mordi al ment e, de ma preocupação com a qua
lidade da habitaçã o popu�ar, de legislar no sentido de obrigar os proprietários a construir residências que zelassem minimamente pel a sa'.Jde dos moradores - deveria haver coleta regular de lixo, latrinas l impas e em núrr:ero suficiente,
al ça me nto , janela am
p l as etc. A maneira de e:tcarar o problema, todavia, iria mudar radicalmente nas décadas seguintes: na :ormulação de Mauríc io
de Abreu, a ênfase deixaria de ser prioritariamente aforma, a condições da mo ra di a, e passaria a ser o espaço, o local da habi tação . 1 8 A m ud a nça já
se
anunciava em o utro projeto bastante deta
l hado para a adoç ão de posturas referentes a cort iç os , apresentado
à Câmara Jvl unicipal da Corte pelo dr. José Pereira Rego. em fev e
reiro de 1 866 . 19 N a ocasião, Rego era veread or e estava havia pou
co exercendo o cargo de pre � idente da Junta C e n t ra l de H i giene. função que desempenharia por quase d uas déca das . Seu projeto estabelecia qt..e ·'é absolutamente vedado construir novos cortiços'· em tod1 uma extensa área compreende:tdo boa parte das fregue s i as centrais da cidace, "ainda mesmo dentro dos quintais ou chá caras� ê.Ssim co m o reconstruir aqueles, que já existe m " . A Câm ara não ad ot ou de [mediato
as
falo. contudo, é q;Je todo
o
ções populares
se
suge tões do vereador e higienista; o
mote da di sc ussã o em tomo das habita
modi fi cari a no s a no s segu inte s . 33
_
_ _ _ _
O pri mei ro fruto da nova maneira de pensar a questão surgiu
com a postura de 5 de dezembro de 1 873: "Não serão mais permi tidas as construções chamadas ·cor6ços', entre as praças de O . Pedro 1 1 e Onze de J unho, e todo
o espaç o da cidade entre as ruas do
Riachuelo e do Livramemo·•.:!o Em setembro de 1 876, outra postu ra reforçaria a proibição, esclarecendo que a interdição à constru ção de cortiços val i a mesmo quando os proprietários insistissem em chamá-los "casinhas ou com nomes equivalentes''.21 Estavam se engendrando os instrumentos legais para a guerra de exterm ínio c o n tra os cort iç o s ou - o que dá quase no mesmo - para a pol íti
c a de expulsão das "classes pobres''/ '·classes peri gosas " das áreas centrais da cidade. :Mas antes de passarmos às bataJhas, cabe extrair outra 1 ição i mportante do projeto de posturas de Pereira Rego. A i ntrodu ção e cri ta pelo autor, em que
se ju
tifica a preocupação com a prol i fe
ração dos c ort i ç os, explícita de forma bastante didática algumas idéias que se tomariam em breve o sen so comum dos adm i n istra dores da c idade: O aperfeiçoamento e progresso da h:giene púbhca em qualquer país simboliza o ape rfeiç oam ento moral e material do povo, que o habita;
é o espelho, onde se refl etem
as
concuistas, que tem ele al cançado
no cam inr.o da civil ização.
Tão verdadei ro é
o
pri ncípio. que enu nc iamo s, que em todos os
países mais cul tos os homens, que est�o à frente da ad m i n istração pública, procuram , da higi ene pú b l ic a
na
ó:-bita de suas atri buições, mel horar o estado
deba1xo
de todas as rel ações, como um e leme n to
de grandeza e pro s peri dad e desses pa:ses . .. Entre nós, oorém, força é confessar que
as
m unicipalidades
(. . . ]
têm-se esquecido um pouco dos m el h ora me ntos materi ais do \lt uni cípio e do bem-estar, que del es pode resul tar a
eus concidadãos,
tanto que sobre alguns pontos essenc ia is e i ndispensáveis ao estado
higiênico, parece que
ai nd a
nos conservamos muito próx imo s aos
tempo s coloniais.22
O discur o do vereador e h igienista. partindo da oposição en
tre "civilização'· e '·tempos coloniais", postula dois princípio es senciais para a compreensão de um imaginário em gestação entre
34
1
J
.I I 'I
os pol ítico s e governantes nas últimas décadas do século XIX. E m pri me iro l ugar, está presente a idéia de que existe u m '·caminho da civilização", isto é, um modelo de ..aperfeiçoamento moral e ma terial" que teria val idade para qualquer "povo'', sendo de\-er dos governantes zelar para que tal caminho fosse mais rapidamente pe rc o rr i do pela sociedade sob seu domínio. Em segundo l u gar, h á a afirmação de que um dos requisitos para que uma nação ati nja a "grandeza'' e a ''pro speridade·' dos "países mais cultos" seria a so lução dos problemas de higiene pública. O res u l tad o dessas duas operações mentais é o processo de configuração d os pre supostos da Higiene corno uma i deolo gia: ou seja, como um c onj unto de princípios que, estando destinados a conduzir o país ao "verdadeiro'', à "c ivi lização", impl icam a despo litização da realidade histórica, a legi:imização aprior[stica das dec isões quanto às po' íticaspúblicas a se rem apli cadas no m e i o urbano. Esses princípios gerais se traduzem em técnicas específi cas, e omente a submissão da polítca à técnica poderia colocar o Brasil no ''caminho da ci v i : ização' ' Em suma tomava-se possível imaginar q ue haveria uma forma "científica'· - isto é, " neutra", supostamente acim a dos interesses particulares e dos confl itos so ciais em geral - de gestão dos problemas da cidade e das diferen ças sociais nela existentes. Tal ordem d e idéias iria 5atu:ar o ambiente intelectual do país nas décadas s eguin tes, e emprestar suporte id eo l óg1 co ?ara a ação ''saneadora'' dos engenheiros e méd icos q..1e passariam a se encastelar e acumular pod er na adninistração p úbl i ca, especial mente após o golpe m i litar republ icano de 1 8 89. Mas ins istir na i mportância de conceitos corno"ci\'il ização", "ordem·', ''progres so'', e outr os afin� - os correlatos como "limpeza" e "beleza'', e os invertidos tais como "tempos co.oniais", "desordem", ''imun dí ci e'' etc - n ão nos leva muito além da transparência dos di s cursos, da observação da forma como eles se estruturam e daqui lo que eles procuram afirmar n a sua própria l iteral idade, e atra\ és da repetição a d nauseam. O que se decl ara, literal mente, é o de sejo de fazer a civil ização européia nos trópicos; o que se procu ra, na prática . é fazer política des l eg iti m an do o l ugar da política na história. .
.
35
-
AS BATALHAS .NA ADMINISTRA ÇÃO PÚBLICA A afirmação da Higiene como a ideologia das transformações urbanas da \ irada do século esteve longe de ser um proces so l inear ·
e sem conflitos. Pelo contrário, a l eitu ra dos documentos prod uzi dos pelos funcionários e autoridades da cidade do Rio no período reve la o debate intenso q ue agi tava os bastidores da administração públ ica, sendo que
a
questão das habitações coleti vas . e especial
mente os cortiços ou estal agens, esteve sempre no centro das con trovérsias. Apesar do emaranhado de versões conflitantes, ou tal vez por isso rnesmo, é possível ident:ficar algumas tendências e reconstruir as al ianç as e confrontos que marcavam o vaivém si nuoso d a burocracia da época. Em 5 de maio de 1 864, o chefe de po lícia da Corte oficiou à Câmara
M un icipal
reclamando prov idências sobre probl emas
estariam ocorrendo na freguesia
que
de Santa Rita. O subde l egado lo
cal o informara da existência de um cortiço ''muito imundo '', sem numeração nos quartos. sem luz, e ai nda por c ima fiscalizado por um escravo do proprietário. 2' Além disso, o s ubdelegado reclama va de dois terren os q ue não estavam cercados , permitindo
o d espe
jo de l i xo por parte dos moradores da vizinhança e a pousada de "malfeitores em noites escuras''. Nada disso, porém , dera realmen te motivo ao oficio: a questão era que o subde legado e o Jiscal da freguesia haviam en trado em rota de col isão, e i s to - upostamenle porque o agen:e municipal nada fizera para sol ucionar os probl e mas apontados pela autoridade po lic ial .
O fiscal de Sant2. Rita rebateu a acusação com veemência.
Quan to às i rregularidades no cortiço, ele achava ' ·adm iráYel" que o subdelegado ignorasse as obri gações da po l íc ia no assunto ; se g undo ele. cabia ao fiscal zelar pela l impeza de tais prédios, e e ta, ..
garantia, se achava em ''estaco regular" . Quanto aos terrenos, eles eram objeto de uma pendência judiciaL logo não havia de quem exigir o cercamento. Final mente.
É de sentir que no cartório do
um
contundente contra-ataque:
utdelegado se
to�em reclamações e
se inventem histónas para comprometer-se a a l guém, que mai s direi to� tem para queixar-se de uma autoridade que se constituiu Fiscal
36
t()
}
da F reg u es i a dando
ordens ou consentindo que seus agentes andem perseguindo e maltratando os míseros ta' eme i ros e quitandeiros, e que quando encontra quem lhe ponr.a embaraços, ''en h a abrigar-se sob o manto da proteção da Il l ma . Câmara.
À
primeira vista. parece tolice relatar essas picuinhas entre
funcionários subalternos. Mas, como já dizia Shakespeare, "There is history i n ali men 's l i ves" [ H á h istória na vida de todos os ho mens]. Poi
é,
e
então tais picuinhas nos ensinam alguma coisa .
Em primeiro lugar, as autoridades policia.E utilizam uma retórica semelhante à dos higienistas, e c lamam por ação contra a suposta i m undície de um cortiço e o despejo irregdar de lixo. Esse tipo de procedimento s e acentuará a partir da década de 1 870; na verdade, higienistas e autoridades policiais estarão quase sempre do mesmo lado da tri ncheira em se tratando de cortiços. Em segundo lugar, o fiscal da freguesia deixa claro o seu partido ao acusar o subdelegado de per eguição aos ''míseros tavemeiros e quitandeiros". E aqui há outra tendência: tlscais e proprietários estarão freqüentemente do mesmo lado contra
as
incursões de higienistas e policiais, se bem
que esta é uma aliança precária e pontual. A Câmara Municipal estará no centro do fogo cruzado - o cargo de prefeito só passará a existi r em fins de 1 892-, agüentando as pressões dos diferentes grupos de i nteresse e tendo, em última análise. a responsabi l idade de traçar as políticas públicas a serem adotadas em relação às habi tações coletivas. Personagens em cena, resta seguirmm as li nhas principais do enredo. Para destrinchar a papelada da administração municipal, é preciso ter em mente o ritual necessário para a obtenção de l icença para a construção de cortiços. Como vimos, o edital de agosto de 1 855 exigia a permissão da Câmara para tais edi ficações, sendo ainda necessádo que a J unta Central de Higiene considerasse ha bitável o prédio p lanejado. Para exemplificar
os
procedi mentos de
praxe, temos o caso de José Antônio Mello, dono de uma cocheira na rua de Santa Luzia, freguesia de São Jmé , e que. em novembro de 1 87 1 , solicitou à Câmara permissão '·para fazer quartos, nos fundos da dita cocheira"?t Na Câmara acharam que a l i cença po dia ser concedida, obedecidas as posrJras e, "no caso de ser para fazer corti ços", respeitado o edital de 1 8 5 5 . Precisava ser consul -
37
tada, então, a J un ta Central de Higiene. Os higienista concorda ram com a concessão. desde que os animais existentes no local fos em dali retirados, '·porque de outra forma não há espaço para a construção de tais cortiços, a l ém de ficarem eles em más condi ções higiênicas". A Câmara autorizou em definitivo. mantida a exigência feita pela Junta Central de H i giene. Todo o procedimen to durou pouco mais de u m mês. Apesar da aparência meramente protocolar, há tutano nessa história.
Para t\1el l o, o solicitante, a intenção era "'fazer quartos": o
relator da Câmara apenas levantava a hipótese ''de ser para fuer cortiços"; os higien istas não tinham dúvidas de que se tratava de construção de cortiços. Afinal, o que determinava que uma dada habitação coletiva fosse identi ficada como um cortiço? Como já mostrou Li lian Fessler Vaz, es:a era u m a qLestão dificil para os contemporâneos, e uma boa par:e das controvérsias entre higien i tas, pol ic i ais, proprietários,
ção prec isa dessa palavra. 25
-
fiscais etc. girava em torno da defini
Everardo Backbeuser, autor de um traball:o clássico sobre a habitações populares do Rio na vi rada do século, tentou expl icar a diferença entre estalagem e cortiço. O texto de Backheuser foi pu blicado pela primeira vez em 1 905. Era o tempo do bota-abaixo do prefeito Pereira Passos. e a campanha contra os cortiços. portanto. já tinha alcançado grande parte de seus objetivos. Backheuser define estalagem com um leve toque de humor, e outro de preconceito: Pequenas casinhas de porta e janela a l i nhadas. contornando o pá t i o ,
,
são habitações separac:as, tendo a sua sa l a da fren te o rn ada de reg i s tros de s an tos e an únc i os de core� gritantes, saa onde se recebem vis.tas, onde se come, onde 5e engoma, onde se cost ura, onde se
ma ld i z dos vizinhos, tendo tam bé m a sua alcova quente e entai pada
,
separada da sala por um tabique de madeira, tendo mais um outro q uartinho escuro e q uente onde o fogão aj uda a consumi r o oxigên i o,
env en e nando
o
ambiente. D o rme se em todos os aposentos.1t -
Em seguida, a detl nição de cortiço : A s estaJ agen s antigas têm u m aspecto mais pri m it ivo. mais grote co, ma i s mal acabaco. São ligei ras construções de madeira, que o tempo
consolidou pelm consertos clandestinos, atravancadas nos fundos
18
J
-,
2.
de prédios , tendo um segundo pavi mento acaçap1do como o prim�i ro e ao qual se ascende dificilmente por escad1S íngremes. circunda do também por varandinhas de gosto esquisito e contextura ruinosa.
I
to que aí fica re su mi do
é o "cortiço''Y
Por um lado, a descrição de Backheuser é preciosa porque nos in forma acerca da divisão do espaço interno das casinhas de estalagem e do uso que os moradores faziam de uma área tão reduzida; temos, assim, acesso a alguns cost..lmes e concepções populares sobre a moradia no período. Por outro lado, constata se que Backheuser tinha pouco a oferecer para possibilitar uma djferenciação obj etiva entre estalagem e cortiço. N a verdade, os cortiços eram as '·estalagens antigas", malconservadas e onde as condições higjênicas eram precárias. As descrições parecem su gerir que a presença de um segundo pavimento era mais comum nas estalagens antigas ou cortiços; o próprio autor, porém, con clui em seguida que "na ' estalagem' e no 'cortiço' o facies é iguar•_:8 O que se extrai do tex1o de Back.heuser é que o elemento decisi,,o na identificação de uma habitação coletiva corno um cortiço era mesmo o julgamento do obsenaJor: nos cortiços as alcovas eram mais quentes, baixas e escuras; não havia separa ção adequada entre as tàrní li as , sendo a vida "mais promíscua'·. Todos esses elementos são obviamente ubjetivos - isto é, su jeitos a avaliações radicalmente distintas dependendo dos inte resses ou do ponto de vista de cada observador-, o que faz com que Backheuser explicite o caráter fortemente ideológico de toda a discussão: "há ·cortiço ' onde se penetra com o lenço ao nariz e de onde se sai cheio de náuseas".�9 Há sem dúvida seme lhanças relevantes entre os concei tos de "cortiço" e de ''classes perigosas": ambos supostamente de� crevem "real idades" a respeito dos hábitos das mesmas pessoas - as "classes pobres -, e se caracterizam mui to mais pela fluidez, pela ambigüidade, do que por qualquer es forço conse qüente de precisão de conceitos. Esta ambigüidade, obviamen te, é carregada de significados: como se trata de conceitos alta mente estigmatizantes, a imprec isão aumenta infinitamente a possibilidade da suspeição, ampliando as s i m a esfera de inter39
venção das autoridades p ú b l i cas e com p ri m indo, por conseguin te, a c idadania. Enfim, "cortiço·· foi o te rm o que as autoridades sanitárias pas saram a utilizar quando d e sej avam estigmatizar em definitivo de terminada habitação coletiva. Backheuser e creveu seu texto num momento em que tal estra tégi a já havia triunfado e pro duzido re sultados i mportantes; se voltarmos para a década de 1 870, recu pe ramos ainda o cal o r da l uta . Os critérios para a identificação dos di ferentes tipos de habi taç ão coletiva eram então a inda m ai s i nde fin idos , pastosos m esmo , se acomodando aos interesses de oca ião da panes em confronto. Cubícul os ori g i nados de subd i v i sões in temas n um casarão eram cortiços? Quartos co n struí do s no fundo do qui n ta l de uma re s id én ci a, ou de uma fábrica ou oficina. eram cortiços? Chefes de família que alugavam cômodos em suas casas, às vezes até o sótã o e o p o rão, seriam c ortice i ros obri gad os a pagar impostos à m u n i cipal i dad e? Numa cidade e m cre scim en to acele rado e com défic it crônico de moradias, todos esses expedientes foram bastante util izados. Parecia haver algum acordo apenas em tomo do que era habitação coletiva, como defini� por exemplo, a postura de 1 5 de setembro de 1 892: "São todas as que abrigarem sob a mesma cobertura, ou dentro da mesma propriedade. terreno etc., i ndi víduos de fam íl ia s diversas, constituindo unidades ociais i nde pe nde nte s'' . 30 Em suma, se permanece dificil definir de forma in eq uívoc a o que era um cortiço. o fato é que as controvérs i as em tomo de tal definição em cada caso específico nos abrem u ma enorme j anela para a observação e interpretação do proce;)so h istórico do pe rí o do. O debate assumiu caráte r mai s de c is i vo a pós o edital de de zembro de 1 873, proibindo expressamente a construção de corti ços n uma extensa área do centro da c i dad e . 3 1 Em no ve m bro de 1 874, por exe m pJo , o fi cal da freguesia de Sacramento foi chama do a se explicar sobre uma denúncia de que se estava construindo um cortiço na rua Espírito Santo, canto da do Senado.32 O fi scal respo n deu à Càmara M un i c i p al que " n o l u gar indi cado não se está construindo corti ço algum, a meno s que se queira assi m chamar a quatorze acomodações em pri mei ro e se gund o p av i mento que se estão acabando de construir. . . ". O fiscal informava ainda que a obra 40
.:I
•
11-J
estava devidamente l icenciada pela própria Càmara, o projeto apro vado estava sendo seguido à risca, e que, portanto, nada havia a fazer a respeito. Neste caso, não se sabe de onde partiu a denúncia sobre a construção supostamente irregular� ficamos apenas com o fato de que aqui lo que o denunciante chamava de cortiço não coi ncid ia com o que o fiscal da freguesia e a própria Câmara entendiam por tal. A j ul gar pelas h istórias em que esse tipo de dado está dispo ní vel, a denúncia podia partir de um vizinho, da imprensa. da autori dade policiaL ou da própria Junta Central de Higiene. Qualquer que fosse a origem da i n formação, os fi sc ai s de freguesia ge ral mente se empenhavam em desmenti-la, defendendo assim a l i sura de sua atuação no cargo. Eles tinham também suas queixas em relação à atuação da J unta de Higiene. O fi scal da freguesia do Espírito Santo escreveu para o vereadores em novembro de 1 8 75. respondendo a rec lama ções dos higienistas: "que na Freguesia a meu cargo, não me cons ta que se edifiquem da noi te para o dia caniços em lugares insalu bres. muito menos sem l icença". O probl ema na área eram "as valas públicas" que corriam ''por dentro de terrenos particulares·', impe dindo que os proprietários melhorassem as condições higiênicas de seus prédios. N a versão do fi scal, inúmeras reclamações já ha viam sido feitas à J unta para que se tomassem providências "'para acabar com semelhante abuso, prej udic ial à salubridade pública' ' . Concluía dizendo que s e devia sol i citar do governo imperial pro vidências para que os habitantes da área "gozem do beneficio do esgoto''.u Há duas maneiras de abordar a estratégia de defesa escolhida pelo fiscal de Espírito Santo. Por um lado, o fiscal se mostra esper to ao se utilizar das armas forjadas pelos próprios higieni stas : não exigindo do governo providências quanto ãs valas abertas exi sten tes no local, a própria J unta se tomava culpável por negl igência em assunto de salubridade pública. Assim, a higiene nas moradias particulares ficava prejudicada pela defic i ê nc ia na prestação de serviços pelo poder público. Por outro lado. a opção de defesa do fiscal implicava uma concordânc i a tácita com o pressuposto de atuação dos sanitaristas: a questão da saúde pública consistia es-
41
no controle da higiene das habitações par.icu lar mente as das c l as ses pobres''i c lasses perigosas". O p ro b lema é que es se pressuposto s i gn i fic ava deixar de considerar outros a pectos relevantes para a saúde da popul ação, como a n utr ição as cond i ções de salubridade e segurança nos locais de trabalho, a ex tensão da j ornada de trabal ho etc . 34 Paradoxalmente. a esperteza do fiscal revela o estreitamento de sua margem de manobra; para se L ivrar dos higienistas naquele momento, ele se enredou de vez nas teias da i deo l ogia da H i gie ne . Que ess a i d eol og ia l ança v a raízes cada vez m ais profundas em alguns setores da sociedade, toma-se patente pe l a atuação dos ór gãos da imprensa a partir da década de 1 870. Na realidade, vários procedimentos da Junta Central de Higiene contra supo stos cort iço se detonavam a partir de denúncias dos jornais da época. Em agosto de 1 876, a Junta oficiou à Càm ara informando que "tendo a Impren sa nestes últimos di as denunciado a construção de um grande cortiço nos fundos de um terreno à rua da Gu arda Velha", providenciou-
sencial mente
''
"
,
se urna vistoria no Local . Os sanitaristas reconheceram que a tal construção era melhor que
a dos '·cortiços comuns·' mas re sol ve ram condená-la assim mesmo "não só por sua grande aglomeração. como pe la falta de ven t ilação . O fiscal da fregues ia de São José explicou que as casinhas haviam sido construídas pelo pr opri etário de uma fábrica de cervej as, se nd o '·aliás bem c onstruídas e arejadas O li cal acabou lavrando o a uto de i nfraç ão por construção de coniço em área proi bida, "não obstante p arecer-me que a essa edificação não se podia a p l i car o nome de cortiço, porque, verdadeiramente não se acha bem definido o que seja cortiço'' (gri fo meu).35 O e pi s ód i o demonstra como os h igienistas est avam con eg u in do a l i ados im portan tes em sua e s tratégia pela melhoria das condi ções de salubridade públ ica da Co ne - uma e s tratég ia que se re sum ia cada vez mai s numa co nde n ação tout cm4rt da çrópria presença de h abitações populares. e obviamente de seus morado res, nas áreas centrais da cidade. Não quero ser acusado todavia, de pa rci alidad e contra a distinta classe dos doutores médicos higie nistaS, mesmo porque não é dificil i maginar que algum grau de ve n al i d ade podia existir em vereadores, fiscais da municipa.idade, e coniceiros sempre di spGstos a cobrar al uguéi s escorchantes de .
''
".
�
,
42
-
�--
"
. -
seus inqui linos. Por isso, fica co m a palavra o higienista-mor do pe r í odo , José Pere i ra Rego, presi de nte da J unta de Higiene. já en tão o barão do Lavradio. No caso em questão, ele estava indignad o com a poss íve l concessão de l i cença para a construção de uma habitação coletiva na rua do Resende. Segundo o barão, tr atava - se de autori zar o surgi me nto de outro cortiço em área on de eles j á estavam previamente p ro i b ido s. O oficio, d i rigi do ao presi dente da Câm ara M u n ic i pa l é de 1 1 de fevereiro de 1 876: ,
. . . cabe à J unta declarar a V.Exa. q ue nada tem que ver com a referida licença, v i st o como as obras j á es:ào em andamento, talvez com c on
sentimento da autoridade fiscal respecti va; e por esta ocasião po nde ra a mesma J unta a V.Exa. que, sendo c on:u rn o fa to de te r a Junta de pronunciar-se sobre co ncessão de licenças para obras que já se ac h am concl uídas, Ou quase concl uí das , 'em ser ou v i do o seu parecer, me l hor seria dispensá-la de um traba l ho inútil e de responsabilidade que não lhe pode nunca competir. Agora perm ita VExa. que, não se dis t i ngu i n do as i nt i tul ad as casinhas dos cubículos componentes de um cortiço sen ão na pe quena d i fer e nça de alturas, a Junta continue a s uste n tar a o pinião j á por muitas vezes externada d e não se consentir no in terior da C i da de tais edi ficações, aumentando assi m as causas da i nsa l ubri dad e pela aglomeração de população em zonas l i m itadru, como aconte ce no l ugar de que �e trata, onde já 11 umerosos são os cortiços exis---- temes . . _,.,
oficio. o barão e queixa de que a Junta só era chamada a op in ar sobre fatos consumados: ou ej a, o e d i ta l de 1 855 valia fo rm a l m e n te, mas na práti ca a construção de habitações coletivas era freqüentemente autorizada antes de a Ju n ta ser devi da m e nte consultada. De passag-..m , o chefe dos higienis tas insi nu a que essa situação se ex pl icava pela conivência dos fis cais de fre g ues i a. No segundo parágrafo, o barão se refere ao fato de os proprietários procurare m driblar a postu ra que proi b i a a cons trução de cortiços em áreas centrais com o s ubterfúgio de apelidar No p rimei ro
pa rágra fo do
tais edificações de casinhas.
Pois bem, é pratic ame nte c e rto q ue o barão tinha razão em ambos os pontos. A lei t ur a dos doc u m entos da Câma ra p a sa e l a43
ramente a idé i a de que não ha,ia muito controle em relação ao s u rgimento de habitações coletivas - elas brotavam por toda parte em função de uma enorme demanda, e não havia como re verter fatos consumados sem prov imento de acomodações alter nativas para os moradores. Também é verdade que nos anos 1 870 n enhum proprietário se mostrava ingênuo a ponto d e sol icitar li c e nça para a construção de corhços: todos iriam edi fic ar ·'quar tos", ''pequenas casas", ou "casinhas".
este último ponto, a pró
p r i a Câmara deu razão ao barão do Lavradio ainda naquele ano de
1 876,
através da confirmação da postura de pro ibição aos cor
t i ç os no centro mesmo q uando seus proprietários os c hamassem ··casinhas ou com nomes equivalentes".n
A
verdade, porem. é
q ue o barão continuaria a se defrontar com agentes m unicipais contrários a essa abrangência cada vez maior do conceito de cor tiço. No caso em questão, por exemplo, um engenheiro m un i c i p a l e screveu um parecer detalhado a favor d a concessão d e l icen ça para as casinhas da rua do Resende. Elas seriam perfe itamente habitáveis com pequenas modificações nas dimensõe
das jane
las e com o aumento do número de latrinas. O engenheiro arre mata\ a que ''é esta minha opinião fundada na necessi dade da e x i stência de casinhas para a pobreza, que sem dúvida não pode rá morar em casa de alto preço . . . " .38 Todos esses pequenos acon:eci mentos da rotina adm inistrati va acabam definindo os contornos mais amplos da atuação dos h i gienistas. Confonne já ficara claro no projeto de posturas de Jo é Pereira Rego, em 1 866, os sar.itaristas erigiam as cond içõe
de
h igier.e pública como o elemento definidor do grau de c i v i lização de um po\o. Mais ainda, haveria critérios objetivos, ·'c ientífico ··, q u e podenam nortear as medidas da administração publica nes a área. O problema aqui são as implicações políticas claras - e i ne v i táveis? - dessa crença na possibilidade de gestão c ienúfica da sociedade: nenhum "outro" político tinha as q'.lal ificações nece -
sárias para interferir na condução dos negócios públicos porque não detinha o saber técnico-cier.t ífico pertinente. Os higien istas e fechavam numa l ógica ferrenha, totalmente baseada em procedi mentos autoconfirmadores.
É
típica, por exemplo, a serenidade
ol ímpica com a qual o presidente da comissão sanitária de Santo
44
,
I
,..,..-
Antonio desqualifica a opinião do fiscal da freguesia a respeito de supostos cortiços na rua do Lavradio: "a questão é puramente hi giênica, e nada tem a ver com o Fiscal . . .".39 Em ou1ras palavras, o fiscal discordava porque desconhecia os preceitos da ciência da H igiene, e o doutor ainda fazia o favor de perdoá-l o por sua igno rância. Era inegável o crescente poder de sedução da ideologia da Higiene sobre alguns setores da sociedade da epoca. tv1as tambem eram sign i fi cativos os obstáculos impostos à sua di fusão pelos mecanismos institucionais da velha monarquia. Em bro de
1 879,
18
de dezem
o ministério do Império expediu um aviso mandando
que as com i ssões sanüárias "intimem para que se�am fec hados os cortiçm ou estalagens, quer
os
que ameacem ruina, quer os que,
pela perm anência têm-se tornado nocivos à saúde pública''.40 A medida representou mais uma vitória dos higienistas, que agora pareciam contar com o apoio mais decidido do próprio governo central para a sua atuação. Mas acontece que o aviso em questão fez ranger a velha máquina institucional em deiesa do pacto l iberal de respeito à propriedade privada. Assim, o que se viu em seguida foi uma l uta intensa: as comissões sanitárias ordenavam o fecha mento de cortiços; vários proprietários desobedeciam, exigindo que as comissões lhes apontassem os problemas com suas p roprieda des, e recorrendo à Câmara Municipal para a obtenção de l icença
para os melhoramentos necessários; as autoridades policiais saíam às ruas para fazer cumprir as ordens de fechamento, mas às vezes encontravam os corticeiros munidos de mandados j udiciais que garantiam seus direitos de propriedade. Houve cortiços efetiva mente fechados, pelo menos provisoriamente, para des i n fecção e reparos ..� A l i ção dessa história, todavia, é que o pacto liberal de defesa da propriedade privada colocava l imites claros às pretensões dos higieni stas. Pelo menos durante a vigência da monarquia, perma neceu sempre dificil adotar medidas mais duras contra os cortiços. No caso do Cabeça de Porco, por exemplo, segundo o relato da
Gazeta de Notícias por ocasião da demolição, tentativas anteriores de destruí-lo haviam esbarrado exatamente em medidas judiciais:r� Em suma, os higienistas imaginavam que sua Ciência pairasse ac i-
45
ma do homens e
para além da moral e da po l íti c a ; por e n quan to,
conseguido transformar as in st i tuiç ões num emaranh ado de casuísmos. I sto ó seria pos sível com o ad ve n to das pri me iras adm inistrações repub:icanas, e com a aj uda decis iva de novos aliados. todavia, ainda não haüam
SA BER, PODER . . .
Alguns anteced entes da dem o l i ç ão do C a be ça de Porco escla recem aspectos i m portan tes a respeito da administração da Capital
Federal nos primeiros anos do regime republicano. Na verdade, é a p art i r da a ce n são de Floriano Peixoto à pres i dê n c i a, em novem bro de 1 89 t , q ue ocorre um recrudesci mento d as autoridades pú bli cas contra os c orti ço s n Ao que parece, os higien i s tas ha'>iam atingido o auge de sua i n fluência po l íti ca . ossa h istória pode comeyar em 26 de j ane i ro de 1 892, e a tamen te um ano antes da dem ol ição co Cabeça de Porco.+t l\e a data, o m in i s tério do In teri or expediu um avis o à J nspetoria Geral de H i g ie ne dete rmi nando providê n c i as a respeito dos cortiços, c ses "verdadeiros antros disse m in ados pel a c1dade e que constit uem outros tantos focos de infecção". O av i so lembrava inicialmente o que ficara estipulado :10 artigo 83 do regu:amento san itário de 1 8 de janeiro de 1 890: :
-
quan do, a j uízo do Inspetor Geral de H igiene, os cortiços ou e tala gens não puderem. por suas más condições sanitárias, continuar a servir sem perigo para a saúde pública, aJutoridade sanitária, além da imposição das multas que no c aso couberem. intimará ogo os proprietarios OJ sublo:adores para que os fechem dentro de 48 ho ras . só podendo ser re abertos depois de feitos os melhoramentos ne cessários. Em o utras palavras, o regu l amen t o
sani t&io p arec ia perm iti r que o i n spet or de H igiene determ i nasse o fechame nto de qualquer cort i ço da cidad e num prazo de 48 horas. sem a n ec ess i da d e de medi das anteriores para prevenir pro pri etários e inqui l i nos. O aviso inform a v a a in da que o governo estava di s posto a lançar mão "de me i o s coercitivos mais enérg icos" para o cumprjmento 46
das determ inaç ões do inspetor, assim como providenciar "sobre o aloj amento dos moradores das habitações conde:1adas'' - uma b o a i ntenção q u e permaneceu letra m o rta . U m a com i ssão constitu ída por funcionários da I nspe to ri a de Higiene - dois delegados e um aj udante - deveria proceder às "diligênc ias mais ri goros as " com o intuito de indicar os cortiços que precisavam fechar para a real ização de melhoramentos . É verdade que o aviso também determinava que providências extremas como o fechamento só se aplicassem a habitações coleti vas c ujas condições fossem "tão más" que se tornava "impossível, pelo menos em prazos relativamente curtos, fazerem-se modifica ções ou me l horame ntos compatíveis com a natureza das r e spect i vas edificações e local em que estiverem situadas". O fato, porém, é que o regulamento sanitário concentrava poderes demais nas mãos dos doutores da Inspetoria de Higiene, e estes, devidamente incen tivado pelo ministro, não se fari am de rogados. Além di sso, é cer to que os critérios utilizados pelos cien:istas da H igiene na avalia ção das condições sanitárias dos cortiços tinham poucas chances de agradar a prop:ietários e inquilinos ameaçados de despejo. O mais complicado da situação é que os cidadãos que s e c on sid eras sem lesados não tinham a quem apela:: corno l ogo veremos, as dec i sões d a I nspe toria a respeito de cortiços eram i rrecorríveis. Segundo a i nterpretação de alguns dos burocratas que acompanha riam os acon te ci me ntos dos meses seguintes, nem o ministro do [ nterior - a quem a Inspetoria de Hig1en.e estava subord i nada poderia revogar uma ordem de fechamer.to de estalagem determi nada pelos e sc ulápios. Como seria de esperar. os problemas começaram logo a sur gir. Em março, a Inspetoria de Higiene ordenou o fechamento da estalagem da rua da Conceição, n2 95. D arrendatário do prédio respondeu que não podia cumprir a ordem porque os moradores se recusavam a deix:ar o local. Consultado sobre o impasse, o minis tro do Interior ordenou que a autoridade policial agisse para "tor nar efetiva semelhante providência". E o ministro fez ainda mais: instru iu o inspetor geral de Hi giene a recorrer diretamente à pol í cia sempre que ocorresse uma situação semelhante; ou seja, o higie nista ficava dispensado até da autorização do ministério quando 47
desejasse recorrer à força. Parale lamente,
o
chefe de polícia da
Capital Federal era avisado de que deveria acudir prontamente às solic itações da Inspetoria. A situação se complico
nos meses seguintes, com o aumen
to dos protestos dos proprietários, a inquietação dos inquilinos e os desentendimentos entre os diferentes órgãos da própria admi nistração pública. Em maio, José Gonçalves, proprietário da esta lagem à rua do General Pedra, n2 63, recorreu diretamente ao mi nistro do Interior contra a ordem de fechamento que havia recebido.
No
documento que enviou ao min istro, o corticeiro fez um breve
histórico de suas agruras. Em princípios de abril . o inspetor geral ordenara o fechamento '·dando-lhe um prazo pequeno". José Gon çal ves requereu uma vistoria na esperança de provar que sua esta lagem estava em boa condições, e declarou-se disposto a executar "todos os melhoramentos" que lhe fossem exigidos. O h igieni sta enviou então uma comissão composta de
um
-ajudante, dois dele
gados e um engenheiro do ministério do Interior. O engenheiro teria declarado. di ante das várias pessoas presentes, que a estala gem ''tinha uma grande área e estava em boas condições", e q uc posteriormente indicaria ao proprietário os melhoramentos necc5sários. Qual não fo i a surpresa de José Gonçalves, porém, quando, em 30 de abri l , recebeu intimação para fechar a ala direita da c ... ta lagem. As lamúrias do proprietário se encerravam com u mJ nota de pesar pelos inquilinos: o cortiço possuía 89 casinhas, "e V. Exa. compreende em que condições 1icava a população ali re idemc,
no
caso de ser cumprida a ordem do Snr. Inspetor, quando não há para onde mudá-la" .
Os casos desse tipo se repe[iam com freqüência, o que acabou provocando a manifestação da Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, "nl:cleo a que pertencem quase t odos
o proprietários e arrendatários desta Capital". Os corticeiros re clamavam que eram inexeqüíveis "as ordens continuadas" da Ins petoria de Higiene para fechamento de estalagens. Em primeiro lugar, porque não havia para onde remover os moradores, e não era correto sujeitar "grande número de famíl i as ao vexame e às inconveniências de verem transferidos seus lares para a praça pú bl ica''. Em segundo lugar, os funcionários da Higiene estavam agi n-
48
J
�t
do de form a i n tempes t i va, exigindo a i nte rdi ç ão em casos onde os melhoramentos eram possívei s, e desrespeitando ass im o direi to de p ro pri ed a de. Em t e rce iro l ugar. o regulamento sanitário em v i gor co ndenava o prop rie tári o sem lhe dar o d i rei to de defesa; mes
mo as vistorias, nos poucos casos em que eram conce did as , se re a
Lizavam em tais condições que o c orticeiro geralmente não tinha nenhuma chance de reverter o qLtadro. O doc umento da Sociedade
deixou de mencionar u m a si tu açã o que também parece ter sid o c om um : fe i ta a vistoria, o proprietário recebia uma l i sra dos repa
ros que preci sava fazer em seu cortiço; aco ntece , todavia, que a I ntendênc i a Mun i c i pal resolvia i ndeferir o p edido de licença pa ra a real i zaç ão das obras.
este caso, o dono do cortiço ficava sem
saída, à mercê da Ins p e to ri a de H i giene. F i na l mente, os prop ri etá rios acenavam
com
o potencial de re be ldi a de seus aliados de oca
sião - os inquilinos: "Os fechame ntos em breve prazo que a Ins petoria costuma ordenar poderão trazer sérias perturbaçõe s à ordem pú bl ic a. porque o deses pero
nem
sempre mede conseqüências e os
p ro p ri etári os e arrendatários de prédios nem se m pre rêm meios para acalmar os í mpet os de seus inquilinos''. Diante da con fusã o reinante e da veemência dos prote sto s,
impl antou-se a discórdia nas próprias ha ste s governamentais. Um dos b urocratas do ministério do l n ter ior resolveu tentar algum a coisa contra a prep o tênc i a da In spetoria de Higiene. Sua primeira
tentativa neste sentido foi , no minimo, canhestra. Encarregado de elaborar pareceres sobre as várias reclamações enviadas pelos pro p ri etári os, o burocrata descobriu, com certo e s pant o, que o re gula mento sanitário em v i go r não pe r miti a mesmo recurso das deci
sões da repart ição de H i giene sequer ao m i n i stro ao qual ela estava subordinada. Portanto, os protestos enviados pelos donos de corti ços ao min i st r o não podiam surtir n e n hum efeito. O relato r do pa recer evocou então o re gu lamen to sanitário vigente nos últi mos anos do I m pério. Tal regu l amen to , de fevereiro de 1886, determi nava que aqueles que se consi derassem l esa do s pelas decisões da
re partição de H i gien e
-
n a é poca, ainda Junta Central de Higi ene
- podiam i mpetrar recurso ao m in istro. Aparentemente im pre ss i o nado com a sens atez elementar desse dis pos i ti vo do regulamen to
sanitário vigente anteriormente, o relator achou que ele não fora
49
reproduzido no de j aneiro de 1 890 "talvez por des c u i do" . O buro crata sustentava, no entanto. que. apesar do "esqueci mento", tal di spositivo continuava em vigor. pois seria um abs urdo imaginar o contrário. As autoridades superiores do ministério consideraram i ncorreto o parecer, e concluíram que ·'não há que deferir sobre a i nclusa representação". Enquanto isso, o pessoal da Inspetoria de Higiene adquiria um certo ar triunfalista. Um dos ajudantes da Inspetoria� que acom panhava de perto os procedimentos em relação aos cortiços, foi designado para comentar a chusma de protestos que caía sobre o m inistério do Interior. E o homem resolveu espicaçar os adversá rios. Considerou "fac ílima" a tarefa de responder aos argumentos do corticeiro Jo é Gonçalves e o utros semelhantes, debochou das rec lamações da Sociedade União dos Proprietários quanto à fa lta de critérios na atuação da Inspetoria, e ful minou i mpie dosam ente o burocrata do ministério do Interior: Basta a
leitura do parágrafo v, do artigo 83 do Regulamento Sanitá rio para chegar-se à evidência de que não cabe, na espécie, recurso para S.Exa. o Snr. MiniS[fO do j uízo ou resolução do Jn petor Geral de Higiene, o qual somente por não dispor de elementos de força para tomar efetivo o fechamento de prédios [ ...], dada a resistência, recorre ao Governo o q ual providencia para que os prédios sejam fechados [ ...] Enquanto vigorarem as disposições regulam entares alu didas, outra não pode ser a s u a i nterpretação. Aqu i lo que o burocrata do ministério do Interior cons iderava um absurdo era exatamente o que valia; naquele momento. a Inspeto r] a de H i giene pareci a o quarto poder da República. Foi neste contexto, em abr i l de 1 892, que um h igieni ta
as
cendeu à presidência da Intendência Mun i c i pal , e pos terio rm e nte , em dezembro do mesmo ano, foi nomeado para a prefe i tura da Capital Federal.45 Cândido Barata Ribeiro. médico baiano, 49 anos, professor da Faculdade de Medic ina do Rio de Janeiro, havia obti do o título de doutor, em 1 877, com uma tese intitulada Quais as medidas sanitárias que devem
ser
aconselhadas para impedir o
desenvolvimento e propagação da febre amarela na cidade do Rio de Janeiro ? Como se tratava de um trabalho "científico", Barata
50
I
I
Ribeiro descreveu com total objetividade a sua própria subjeti�; i dade sobre os cortiço , seus proprietários e, pri ncipalmente, seu moradores: Falando das habitações, é forçoso
atender para estas senti nas sociais
a que a l i nguagem do povo ape li dou coruço. Todos
sabem o
que é o cortiço.
Gerou-os a avareza calculista e fria dos ambic iosos vulgares,
moeda, e o corti ço é a m i na aurífera sentimentos vorazes destes corpos sem
para os quais a moeda é sempre e
inesgotável
a saciar os
coração! A l i menta-os a lubrici dade do vício. que se ostenta Im pudo norosa ( s ic ) . ferindo os olhos
e
os ouvidos da soci edade séria que
deles se aproxima, e a m iséria andraJosa e repugnante, q ue faz da ociosidade um trono, e por um contraste fi lho
das circ unstâncias
pecu l iares à v i da das grandes c idades, ao lado [ . . . ] do vicio e do lodaçal imp uro do av i lt am e nto moral, está
também o leito do tra
honesto. que respira à noite a atmosfera deletéria deste esterquilínio de fezes � :\o cortiço acha-se de tudo: o r.1endigo que atravessa as ruas como um monturo am bulan te ; a meretriz im p ud i ca , que se compraz em degradar corpo e ai ma, os tipos de todos os vícios e até [ . . . ] o repre sentante do trabalho [ . . . ] Compreende-se desde logo o papel que representam na insai Jbri dade da cidade estas habitações, quando ros lembrannos que alem de todas as funções orgânicas dos seres que o povoa m, no cortiço lava-se, engoma-se. cozinha-se, criam-se aves, etc. bal hador
Só vemos um conselho a dar a respeito dos cortiços: a demoli
ção de todos eles ( gri fo meu).
de modo que não
fique nenhum para
eMstiam as nossas soc iai-, e a sua substituição por casas em boas condições
atestar aos vindouros e ao estrangeiro, onde senti nas
hjgiênicas.46
Torna-se evidente, portanto, que ao ordenar a demo l ição do Cabeça de Porco, entre outros cortiços, Barata Ribeiro estava ape nas colocando em prática a sua opinião
histórica a
respeito desse
tipo de habitação popular. Mais ainda, e mantendo-se coerente com a sua própria formação na área de saúde pública, ele pregava a
51
substituição dos cortiços "por casas em bJas condições higiêni cas". Para realizar tal proj eto, não era suftc1ente aos higienistas gal garem as posições na administração pública; era prec iso sedu zir e buscar a aliança de setores empresariais:n
. . . E LUCRO O discurso dos higienistas contra as habi:ações coletivas inte ressou sobremaneira a grupos empresariais atentos às oportunida des de investimentos abertas com a expansjo e as transformações
da malha u rbana da Cone. Haveria no proctsso um enorme poten cial para a especulação na construção de morad ias e no provimen
to da infra-estrutura indispensável à ocupação de nn"as área
da
cidade. A pres:igiosa Ciência dos higienistas parecia legitimar as preten�ões dos empresários ao insistt- na necessidade de uma tera
pia radical no centro da ci dade , e ao enfatizar sempre que a des truição das moradias consi deradas insalubres e a diminuição da aglomeração de pessoas naquela área eram os dois motes es en c iais de tal terapia : �8
O crescimento da cidade para novas áreas tomou-�e factível a panir dos anos
1 870
devido à expansão da! linhas de bonde. Pou
co a pouco, fazendas e chácaras nos subúr' ios :oram sendo com
pradas e l oteadas, numa conjunção de interesses entre empresários da área de transportes
e
agentes do capi:al imobiliário. As vezes,
um mesmo empresário atuava nas duas áreas de investimento. Um exe m p l o bastan te c i tado r.a h i stori ografi a é o d o ba r ão de Drum mond,
um
nome cuj a memória está comt;mente associada ao
su rgi m ento do jogo do bicho. Drummor.d era sócio da Cia. Ferro
Carril de Vila Isabel e proprietário de lotes no bairro do mesmo no m e. -*9 ,..
O início da ocupação de Copacabana já nos anos 1 890, foi
outro fruto da assoc i ação bonde/loteamento, envolvendo ainda o interesse de vereadores que eram também empresários nes5es ra mos de atividade. Desenha-se assim um padrão de expansão urba na que quiçá se repetiu em outras cidades brasileiras: primeiro, alguns e mpresários conseguem o monopól io na exploração de serv i-
52
o,
c onces sões para a operação de l inhas de bonde; paralelamente, outros grupos empre sariais, ou até os mes mos, adqui re m terras pouco valorizadas na perifena da c i dad e ; fi nal m ente, concluídas as l inhas de bonde e feito o l oteamento dos terrenos. os i n vest idore s conseguem uma remuneração astronômi ca para o seu capital. O sucesso da operaç ão é às vezes garantido pela presença d esses empresários na Câmara, como vereadores elei tos - e, po nanto, encarregados de votar as diretrizes da po l í ti c a de expansão u rbana. Tudo mu i to dentro dos conformes, e qualquer sem e lhan ça com pr oc essos de crescimento mais recentes de cida des brasileiras não t er á sido mera coincidência.50 Houve nos anos 1 880 algumas tentativas de incentivar em presári os da construção civil a erguer moradias baratas para operá rios. A mai or parte das te n tati vas foi malograda, apesar dos vários pri v i l é gios concedidos pelo governo aos investidores. Um dos pou cos c o n tratante s que chegou a c onstru i r as casas para o perári os, o engenheiro e empresário Arthur Sauer, dono da Co m panh i a de Sa neamento do Rio de Janeiro, j ustificava assim o seu interesse no
ços públicos - no c a
investimento: Os cortiços e estalagens da Cone, infeccionados corno se acham por
suas péssimas condições sanitárias são os focos princ.pa:s do nde surgem
as
epidemias e nascem a fec ções mórbidas em ameaça cons
tante aos moradores próx i mos, razão pela qua l foram condenados e é
reconhecida a _ m prescindíve, n ecess idade de, quanto antes, erem tais hab itações s ubstituí d as por oLtras, co nstru íd as segundo as re gras hi giên icas e de aluguel rnJito mód ic o para residência de prole tários, operários e em pregad os subalternos . . 5
Vemos aqui, po rta nto , que o empres ário se aprop ria do dis
curso da Higiene para j u sti ficar sua opção de i nvestimento. O in ter essan te na passagem é que o princ i pa l inconveniente dos co rt iços estaria na '·ameaça c onstante aos moradores próximos": isto é, a util idade d o proj eto não se assen :aria na melhoria das cond i çõe s de vida das classes po pulares em si, mas si m na vanta ge m de torná-l as menos peri go sas para a c lasse domi nante. No va m ente, "c lasses perigosas" em mais de um sen ti do : logo ad i an te. no me mo do c u men to, Arthur Sauer descreverá os cortiço� 53
como ··focos de moléstias e d e todos os ,·í ci os", caracterizando os assim ta nto como t.m p ro b lema de higiene quanto d e controle social.
Arthur Sauer c on se gui u c u mpri r parte do contrato e sua c om panhia chegou a construir cinco vilas operári a s , abri ganc:� o uma população superi or a 3 mil pessoas. Vi e ira Souto, contudo, outro c o nt em p lado com uma concessão, fracassou na e mpre it ada . Já no
docu m ento de solicitação do co n trat o , o emp resá rio apontava a concorrência dos proprietário s de corti ço como a pri n cipa l dificul
dade dos i n vestidores : porque é intuitivo que tais proprietários, estabelecendo o alugué is muito mais baixos do que po de ri am
faze-los os construtores dos novos prédios, dotados de todas as condições de higiene e de con fo rto de vica, formariam numa concorrênc i a impossível de susten tar, e de novo ficariam senhores excl usivos do seu campo de torpe especulação. H
S egundo Robert Pechman e Lu i z Queiroz Ri be i r o, estudiosos da formação do capital i m o b i l iário no período, as alegaçõe
de
Vi eira Souto pode m ser contestadas devido ao descompasso entre a enorme procura e a pequena o ferta de moradias. Para es es a u to res , Vi e i ra Souto não declarou o v erdad ei r o i nteresse dos
"'c ap i tal i s tas " n a in v e st i da contra as habitações c o l et i vas: mui tos c ortiços ocupavam terrenos bem locali zados, há m u i to i me
grados à m a lha u rban a , e po rt a nto verdade i ras minas potenc iais d e i n vesti me n t o .
O l e i tor talvez s e recorde que Vieira So uto era um dos no
mes constantes da l on ga lista de notáve;s presentes à d e m ol ição d o Cabeça de Po rco. O caro leitor não se terá esquec ido tampouco
q ue Vieira Souto lá esta"a ao lado de Carlos S a m pa io. e que am bo contri buíram com o esforço de demolição providenc iando a presença de q uaren ta operários d a Empresa de :\1elhoranentos do Bras i l . c o mpan hi a da qua l eram diretores. Tratava-se, sem dúvida, de i n tere s se pela coisa p ú b lic a e preocupação com a h i gi e n e das habi tações. Ta hez fosse ainda mais do que isso. Em o
C on s e lho
1 89 1 ,
de Intendência Municipal havia fechado u m con trato
com o engenheiro Carlos S am p ai o, que ficava encarregado de
54
t rr r-
prol ongar a rua dos Caj ue;ros, a rua do dr. João Ricardo e ainda abrir um túnel no morro do L i v ramento.
É
desnecessário di zer
que a rea l i zação da obra dependia da destruição complela do Cabeça de Porco. De acordo c o m L i l i an Fessler Vaz. Carlos Sampaio sol i ci tara ainda as concessões de praxe em tais contra tos : direito d e desapropri ação de prédios e terrenos. cessão gra tuita de terrenos públ icos, privil égio para a expl oração de uma l inha de carris nas ruas adjacentes e no túnel, e mais direito de cobrança de pedágio por trinta anos. 53 Em
26
d e j aneiro de 1893. exatamente o dia da operação de
guerra contra o Cabeça de Porco. duas proprietárias da esta lagem encaminharam uma representação ao prefeito Barata Ribeiro pro testando "por perdas e danos contra qualquer ato de violência que se pretenda praticar em espoliação de sua propriedade''. Vejam o que diz esse documento: Só depois de
u:n
célebre contrato feito pela Intendênc ia com o Dr.
Carlos ampaio. para o pro.ongarnen:o das ruas João Ricardo e Ca j ueiros, com a obrigação ce indenizar as Suplicantes e outros proprie tários, contrato que devia ser transfendo ao Banco Evolucionista. e de mandar e�te Banco u ma comi ssão orçar o valor cas desapropria çõe::, a faLer, é que, por smgular coincidência começaram cantes e os
as
upli
outros proprietários a ser incomodados.5�
Em suma. na versão dos proprietários, o cerco e a destruição final da estalagem estariam d i retam ente l i gados ao� investi mentos planej ados por Carlos Sampaio, Vieira Souto, e s ua E m presa de M e l horamentos. lv1ais ai nda, as propri etárias insinuavam que a de mol i ção do cortiço iria diminuir o \.alor das desapropriações a serem pagas - pelo menos é isto o que
se
pode razoavelm ente
ded uzir da referência ao trabalho d a comi ssão que teria feito o or çamento das d esapropriações necessárias.
a versão da prefe itura.
a estal agem deveria ser destruída porque havia sido constru ída sem licença da Câmara e contra expressa recomendação de urna porta ria governamental de 28 de agosto de 1 8-lO. A l ém disso, obvia mente, haveria o estado ·'ruino o" dos prédios e a i m undíc i e su postamente c aracterística do cortiço e sempre condenada pe la In petoria - antiga J unta - de H i giene. 55
55
Ambas as versões valem pelo que são: conjuntos de arrazo a dos produzidos num momento de conflito aberto. De qualquer for ma, as versões expl icitam para além de qualquer dúvida que higie nistas e agentes imobil iários estavam unidos pelas reformas urbanas e contra os corticeiros. Se eu fosse um autor dado a grandiloqüências teórico-estilísticas, teria escrito que acabamos de reconstruir, em parte, o processo histórico de formação da aliança entre a Ciência e o Capital, aliança que seria essencial às transformações urbanas "radicais" - no sentido da hosti l idade em relação às "classes po bres" e à cultura popular em geral - do início do século
xx
no
Rio. Mas eu não sou um autor grandi loqüente, e logo não fica es crito aqu i l o que escrevi. apesar de tê-lo provado.
EPÍL OGO Antes de terminar este capítulo, preciso antec ipar-me a u m possível mal-entendido. A o contrário de várias persona ge ns pre sentes nesta minha história, eu não tenho a mania da suspeição gene ral izada
.
I s to é, eu real m en te não ac ho que todos os
reformadores da cidade na virada do século eram movidos apenas por considerações maquiavélicas e interesseiras. Vários deles. tal vez os mais importantes dentre eles, certamente agiam movidos por c onv ic ç ões íntimas, e alguns deles conseguiram vitórias signi ficativas contra flagelos humanos reais e que precisavam ser con trolados - como, por exemplo, e para não deixar de mencionar o caso mais óbvio, a campanha bem-sucedida liderada por Oswaldo
CI1l7 contra
a febre amarela.
Mas constatar alguns dos re sultados atingidos não signi fica fechar os o l hos para o fato de que, muitas
v ezes .
tais resultados
foram obtidos a preços sociais excessivamente elevados, e que, apesar de o di curso c ientificista da Higiene pretender pairar aci ma dos homens e para além da moral, tratou-se sempre de tomar decisões políticas claras quanto ao direcionamento dos benefí cios a serem alcançados através das inici ativas das adm in istra ções púb li cas.
É
claro, por exemplo, que havia moti vos, diga
mos, nada óbvi o s ou "neutros'', na opção em priorizar o combate
56
à febre amarela em detrimento da tuberculose - uma doença que . como já foi mencionado, os próprios médicos associavam à nutrição e às condições de trabalho e de
v ida
em geral da popula
ção. Durante todos esses anos de crise aguda de saúde pública na c idade do Rio (entre aprox imadamente 1 850 e 1 920), a tubercu lose matou m uito mais do que quaisquer das outras doenças epi dêmicas. A tuberculose, porém, parec ia atacar indiferentemente brancos e negros. nacionais e estrangeiros e, desculpa su prema, era doença extremamente grave até mesmo em Paris, o que nos eximia de qualquer c ulpa por abrigar a peste.56
A
febre amare la
sign i fi cava basicamente o oposto: além de não acometer Paris e de flagrar o Rio anual mente. era
um
verdadeiro flagelo princi pal
mente para os imigrantes. Rui Barbosa descreveu assim as carac terísticas da febre amarel a :
É um mal. de que s ó a raça negra logra imunidade, raro desmentida apenas no curso das mai s violen�as epidem ias, e em cujo obituário, nos centros onde av u ltava a imigração e uro péia, a contribuição das colônias estrangeiras subia a 92 por cento sobre o total de mo rtos Conserv adora do elemento a:ricano, exterm inadora do e l em ento eL ropeu. a praga amarela, n egre ira e xenófoba atacava a ex.stência da nação na sua medula, na seiva regeneratriz do bom sangue africano, com que a corrente i m i gratória no_ vem de p urar as veias da mestiçagem primitiva, e nos dava, aos o lhos do mundo ciYi liz.ado, os ares de um matadouro da raça branca. 57 .
e o leitor está impressionado com a virulência do rac ismo estampado nesse parágrafo de Rui Barbosa, saiba que a tentativa de entender a possibi l i dade histórica de semel hante aberração foi o que me moveu na pesquisa sobre fe bre amare l a que originou o segundo capítulo do presente volume. 'Jo momento, e como ain da se trata d e conc l u i r este capítu lo, ba�ta observar que o conce i to de civ i l ização constante na passagem im pl icava o i deal de embranquecimento, o ''depurar as veias da mestiçagem pri m it i va··. e i sto s i gnificava adotar medidas para viabi l izar a entrada maciça de imigrantes europeus no país. U m a das medidas neces sárias seria a melhoria das condições de salubridade públ ica. c o m ênfase no combate a doenças que, como a febre amarela, amea ça,am p rinc ipalmente os imigrantes. Nesse sentido, a moderna
57
prática da "ge tão científica'' da cidade escolhia cuidadosamente eu benefici iri os - i sto é, tomava suas deci ões pol ítica� - e en tendia que o aneamento e a tran form açõe urbana não pre ci avam ter grandes compromi so com a melhori a das condi çõe� de vi d a d e uma massa enorme de pe o a - os negros, es ses s us peito s prefe ren c iai s. me mbros por excelênc i a da "c lasses perigo as" . O mais trági c o em toda es a história é que a alegação de "'cientificidade"', de neutral idade nas deci ões adm i ni strativas , traz empre em eu cerne a vio lênc i a contra a cidadania. Se os admi ni trado re , o go vern a n te , �ão eles pró pri o govern ado por i m pe rat ivo di tos "científico " - ej am e es i m perativos uma cria ç ão da mente fé rtei de h ig i e n i � r a , n a q u e l a época, ou de economi ta , m ai recentemente-, não há o que negociar com o " cidadão . e sa ma sa de ignorante portadore de todo o. vício" ou i noculados -velo vírm da "cu ltura inflacionári a''. Mas empre h o u ve quem consegui e ver a política na� c re denciais da ''ciência". O trecho abaixo, por exemplo. consta de u m n ú me ro de fevereiro d e 1 905 d o jornal Emancipação, "órgão da Liga das Arte Gráfica e do p ro letari ad o em geral''. O anicul i\ta di cutia precisamente a::. c au sas da Revolta da Vac ina, que, como aberno , fo i o maior movimento de prote to po p u l a r contra Ol-1 mé todo utilizado pelo ó rgã o de 'iaúde pública no período. e g u n do o autor, o gov erno e s tava . ujeitandoo operário a� proce. �OS da ex pe riênc i a ci e n t ífic a em nome da presunço
-
a sabedoria oficial, muito zelosa pel a aúde públ ica, quando .e trata de ep i de m i as que proporcionam altas tra nsaçõe e
..
de paí
oas recém-chegada
e
e tran
geiros, mari n heiros e outro. ind1 víd uo s não acli matados ou não ha
bituados às i n fluência de temperatura e o u:ras especiai. ao cl i m a do nos o país: que ela se de envohe
a
bordo d o - na" ios e e m terra,
no. Lugares onde costumam reunir-se e pernoitarem o
marin hei
ros, como e ob\erva em certas casas da rua da M1sercórdia e praia de D . M a n o e l : que nas pe. soas n ac i o n a i acli matada
e estra ngeiras j á
re :dentes res es Ji tritos a febre apre ema-se be nig
na e pouco caracterizada: . . . ] Daq u i conc l u i a comis ão,
e
concebe
toda a esperança de que a "e bre amarela não 6 poupará o habi tan tes nacionai
e estrangeiros ac, imatado
residente
ne. ta c idade,
mas a i n da qu e, se em alguns se m a :1 i fe tar será ben ig n a : e consegui:ltemente nenhu'Tl temor deverá ela i ncutir nos cidadão. bras i I eiras. 53
A dose de xenofobia pre ente no trecho não
e capou ao dr.
Roberto Lal l emant. médico alemão radicado na Corte. Segundo ele, ao re u mi r o documemo da comissão de higiene, o médico. do governo podiam estar correto ao expli car que o "bra i l eiro tinham muito pouco
a
recear. be m que adoeces em em gunde nú
mero". Porém, a ênfase tão acentuada na vulnerabili dade dos e trangeiros parecia cruel com e sa parcela da popu lação. "Tinha toda a razão a comL ão: tudo quanto dizia, era ju to�
ó era u m
pouco patriótica demais". Lallemant sin tetizava aqu i l o que enten dera da mensagem dos médico na forma de urna e xortação: "Haveis de morrer. vós, estrangeiros . !54 Em suma, na década de 1 850. a circ u n tância de a febre ama .
rela e colher sua
víti mas principalmente entre o t rni grante
ee -
trangeiro de pa
agem pela Corte era interpretada como fator ate
nuante da ameaça ocial que a doença comportava; no ano� 1 870.
77
como veremo , a febre amarela havia e tran formad o no proble a ú de pú b l i c a do Império exatame;ne porque
ma de
viti mava
p ri o ri t ari a me n te o i mi grante .
RA ÇA, AMBIENTE E ACUo/!ATAÇÃO Antes de pas armo à q ue tão da febre amarel a na década de 1 870. con v é m reparar naquilo que o médico bra ileiro
inventa ram - e também não inventaram - na tentativa de e xplic ar o fato de o africano e �eu de�cendente ofrerem meno com a molés
tia do
que o
peu . O de
eu
branco" em geral, e pecialmente os i m i g ra n te s e uro
doutores brasileiro :ertamente não segu i r am o
c o n gê n ere do sul do
E
tado Un i do
da
pas
o
A mé r ica que,
pre �ionado por ep1de m ia deva tadoras
de febre amarela e pe l a nece i dade pol ítica de ju tficar a e cravidão negra n a décJda de L 850, acabaram chegando à con cl u ão de que o ne g ro norte-ame ricano e ra m ere" de uma e pécie di fe rente, u m tanto aquém do a tr i bu t o atinente� à humanijade. e expre arnente concebido, pela natureza para uportar a doença e o trabalho ob o e cald a nte calor tro pi ca l . Um do mai con pícuos defen ore de e i de áric. o dr. Samuel Cart wri ght, de ova Orlean , de q al i ficav a e i ro1 i za v a impiedo amente as interminávei di cu õe v ige nte entre eus pares obre o concei to de con tágio e i nfecção. a opinião de Cartwright, as e pi d e m i a de febre amarela e ex pl icava m peh freq üê n c ia com a q ual c api tal i t a podero o e i mi grante europeus pob re s agiam e m manife ta c o n t ra di ção com a le i da natureza. Ca r tw r i ght re u mia a im a condu ões ce ua inve tigaçõe cien t íficas : �
[ . . . ] a pre n d i o bc. tan te para hegar à con ci J �o. de de ent3o con
firmada por rr.uito ano de ob ervação. de que neste c l i m a o . oi do verão é exces·ivamente quen te para permitir que qualquer r ornem branco nele obreviva trabdhando por longos período . Po- ourro lado, a ob ervação prova que o trabalho à ombra. por não provo car fadiga mu cJlar exce siva, é audárel e benéfico. Por guinte, toda a medidas que po arn er adotada
no
con e
entido de
l i vrar Nova Orlean da pe Llência erão incomp.eta e i ne fic aze a
78
] b f.
meno
que
ej a abolida a prática de tratar como ne g ro :, membros
da raça me tra da huma nidade, obrigando-o ao 1rabalho 50b o ol
quente do verão. �5
Ao m eno
alg u n
médico
bra ile iro� também viam c om
s uspeição certo tipo de determini smo c l i mático que era ba tante
comum entre e c u l ápi os europeu levava, mediante rac iocínio
do período, e que geralmente
confu o
,
categórica
a concl usõe
obre as deficiências da vida nos t ró pt co e a inferioridade natural dos povos
t ro pic ai
. Um bom exemplo de
as
t dé i a
de deter
mi n is mo climático é o d r. Robert Dundas, médi co ing lê s que tra
balhou vário
an o
na B ahia e que pu b lic o u, em 1 8 52, um lon go
tratado obre febre na Europa e no tró pi co , incluin do '·observa çõe
sobre a deca dên c i a premamra incidente no
peu
que re tomavam de cl imas quente •·.56
1
tema do euro
O obj e ti vo declarado do dr. Dundas, então, era explicar a
al e gada decadência orgânica dos europeus que pe rm anec i a m por longo
período
re sidindo em pai es de clima q ue nte . O argumento
do médico i ng lês
quente
··a
co meç ava
com a obse rv aç ão de que em paí e
e cre ção p ro ve ni ente do sistema cap i lar externo é in
ces ante e profu a. enquanto a ecreção ori gi nada no rin fica di minuída na mesma proporção". Em decorrência de
a s i t ua ç ão , o
europeu que sofri a l o n g a ex p osição ao calor tro p i c al ficava irre mediavelmente prej udi c ado em seu
i tema capi l ar, que
e
tornava
enfraquecido dev1do ·'à longa e continuada exc itação" provocada pe l a '·tran pi ração profu a"'.57 Dundas achava que o europeus não podiam permanecer mais do que cinco ano no t róp ico gir dano i rrever ível
à ua
aúde. j á que apó
em i nfli
es e períod o
eria
impo� ível trazer o rin de volta à atividade normal e re "laurar as funções do esgotado i tema capilar. Ele descartava a tdéia de · acli matação, con iderando-a uma "doutri na fala c io a· , e movia- e rapidamente em direção a c onc l u sõe s mai
preocupante�: o
b rasi
l e i ro, "que de cendia de ances t rai europeu ", ma ti nha ' 'consi de
ráve l mistura de sangue africano e i n dígen a ,
[.] . .
é indole nte por
natureza, e pouco di po to par a a i ndú tria ou o trabalho ativo . . . 58
Além dis o, o contexto p ropic iava preen ão das susceptibilidades peu
em relação
ex pl icaçõe s fáceis para a com diferenciadas de a fric an o e euro
à febre : 79
no que concerne às febres dos climas quentes é ou tro fato bem estabelecido; e sua expl icação. en tendo será encontiada principalmen:e na e trumra peculiar da mem brana dérmica do negro, na abundante e muitas \l eze altamente de " agmdável e creção sebácea ou oJeagino a. com que a superfíc ie do africano é naturalmente ungida, e que o preserv a dos efeitos de brus cas mudanças atmosféricas. A co m para t i va i senção da raça Negm ,
E, fi n al m e nte ,
descobrimos a e xp licaç ão "natural" para as posi ções relativas de africanos e e u ropeu s na relações de trabalho: Além disso, o desempenho mais energético das funções do si c:;te ma cutâneo no negro, em comparação com o europeu, o torna me nos sujeito à e xaus t ão na atmosfera quente e úmida de seu c h m a n at i v o
.
5�
Tai s argumentos. então correntes entre dout o re do sul dos E tados Un i d o s e d a Europa, não estão pre entes - até onde pude verificar - na hteratura médica brasileira da década de 1 850. Ao e nfren tar a que s tão da i munid ade relativa de africanos e afro-bra si leiro s à fe bre amarela, os médicos da Corte ge ra l me n te proce diam da e g ui nte m ane i ra: pri me i ro constatavam a reali dade des sa im u n idade re l ativ a. mas de forma apenas uperficial, não isolando o assu nto para con iderações mais detalhadas: segundo. s ubo rd i navam e sse aspecto a noções muito gerai s e abstr a tas de meio a m biente e aclimatação. A febre amarela tomara-se po sível, e não fora mesmo g erada. devido à precarie dade das condições sanitá rias em cidades portuárias do Império Havia pânta nos imundos e matéria anim al e vegetal em decom po· i ção por toda parte : a pe oa� que estavam havia muito t em po expostas a tais condições por exemplo, br asil eiro s naturai da Corte - tendiam a suportar melhor o ataque da molésria do que aq ue l as que ainda e encontra vam em processo de adaptação a esse meio a m bi e nte como e ra o caso d o i mi grantes recém-chegados da E u ropa Se a isso ac re s ce n tav a-se alg u m a outra obse rvação tratava-se apenas de admitir que o conhecimento médico sobre doenças epidémka permane cia muito i mperfe ito e incompleto, não permi ti ndo re postas egu ras a várias questões cruciais. ,
-
-
.
.
80
Se e a forma de argumentar parece um tanto eva iva, , erá úti l reparar na de crição do cur o de '·Higiene e tu tória da medici na··. mini trado pelo dr. lhomaz Gome do Santo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1 857. O dr. Santos, que lecio nou e a di ciplina por vário ano na década de 1 850, concentra va- e em questõe e pecialmente ignificatívas para "o pre ente e o futuro do país'·, e eu objetivo era "combater erros fi iológico , de que nascem prevençõe perigo í ima na nos a oc1edade".60 O dr. S anto pro eguia destacando Gobineau e l'vtonte quieu para um comentário crítico. Ao abordar Gobineau, o profe or ti nha a intenção de anali ar a upo ta importância da raça na hi tó na da humanidade. Era verdade que no último tempo algun estudio_o vi nham procurando "dar grande relevo a certo grupo de . uma raça. ; nenhum autor, contudo, havia chegado aos extremo de l'vt r.( ic) Gobineau. Santo achava que o pen ador francê5 de fe ndia "doutrina contrária à dignidade do homem, ao eu pro gre os e à sua moralidade''. O que havia de e encial em tai dou tri na poderia er re umido da eguinte forma: que de de a origen , a raça humana e tiveram dotada de qualidade diveTha , qual i dade es a aliá que foram partilhada de maneira de igual, crian do de equil íbrio "naturru .. entre ela . Em outra palavra , as ra ça mais nobre ti veram em dote "a facul dade da ab tração. a tendência ao progre o, as ' irtude vi ri , o i n tinto moral e uma grande atividade de e pírito'': quanto à outras, receberam omen te ··uma extrema vivaci dade de en açõe . acontemplati vidade do fenômeno' naturai , o in [into do belo [ . . . ] e uma exce siva sensi bi lidade moral". O que re ultava de 5a de igualdade· iniciai era que raça nenhuma, quando pura, apre entava o conjunto completo da fa culdade'i humana , que ó poderia talvez er obtido atravé do cru zamento entre raças. Segu ndo Gobineau, porém, no- produto de tais cruzamentos predominariam "fatalmente" as qualidade peni nente� à "raça meno nobre". O dr. Santo ob ervava em - eguida que, ne-. e contexto, a superioridade de uma determinada raça era con iderada i nevitável , a im como a inferioridade de outra , e então nenhum povo poderia er elogiado por suas virtudes ou, ··com eqüidade", cen urado ''po� eu vício ". A con eqüência lógica de 81
-
�emelhante doutri nas, pro eguia o profe or de hi tória da medi cina, eria a negação completa da morali d ade humana já q ue t udo i o conduziria à "legitimação do domínio ab oluto da raça mai perfeita obre todo o re to da humanidade". O que era pior, a, idéia do pen ador francê tomavam a hi tória de um pü\10 irrelevante ao e u de tino, poi o único a pectos que realmente importariam eriam as q ua lid ades naturai originárias, e e as G obi nea u con i derava terminantemente imutávei . Como notara que o cientista francê havia ido bastante rigo ro o com a raça negra. o dr. Santo util izou o argumento bem co nhecido de que a hi tória do Egito antigo con tituía prova suficiente de que o africano eram capaze de ati ngir grau avançadíss imo de civili zação. Além di o. procuro u demon trar que por m ai di \ler a que fo �em a_ aptidõe . idéia e co tume de diferente� na çõe , "toda e ntretanto provinham de uma ó origem". A opiniõe. contrária de Gobi neau a e e re peito eram ''grar uitas". O fato de as naçõe humanas, ape ar da ori ge m comum. apre entarem '·ten dê nci a diferente " significava apenas que ela não e curva" am toda "ao impu! o de uma ó força"; ··a raça portanto não é o móbil único, nem me mo o mai forte motor das aptidõe do gêne ro humano··. Santo explicava ainda que fizera o pos ível para ' ·cte� truir tai" pri ndpio que algun fi iologi tas e inclinam a apadri nhar", ÜHando eu di cípulo de "prevençõe pe rigo L. irnas". fi iologi ta advinha do fato de Para e l e. em ínte e, o erro do ··não terem observado o homem moral com a me ma ate nção que pu eram no e tudo do homem fí ico''.61 O profe or pro egue tratando de 1onte quieu, q ue, em ua opinião, havia elaborado uma "deplorável doutrina acerca da in fluência do chma quente bre o ho mem mora l " . O pubJic1 ta francê fizera uma '·dedução forçada" ao apl icar a idé i a de Hipócrate obre a importância do clima na con tit uição do po vos à análi e de ociedade cont e mpo râ nea . A aceitação de tal doutrina eria '"fatalís ima·· à grande parcela da humanidade que habita a a zona intertropical, poi impl icaria con iderar corno "na turai ", e logo ne ce ária . "a torpeza do" co tu me , a ervidão política e a rni�éria social''. Novamente, i o i gn i ficava creditar à natureza a J go que era, de fato. produt o da hi tória . Ou eja, a críti"
"
82
,
. ) IJ 1
ca do dr. Santo a Monte qui eu con i tia em enfaúzar a nece
idade
de se con iderar de\lidamente o agenciamento hu mano na hi tória. Era erro grave não perceber e valorizar ''a i ndependência do ho . mem moral no meio do modi ficadores externo , O profes o r da
.
F a c u l dade d e Medicina do R i o de Ja n e i ro a
im re u m i u
lapidarmente a sua te e: Felizmente a h i tória gera l no demon tra que em todo os tempos,
como
ob todo o climas, nunca e tem apresentado o homem
tal que urr.
imple agregado de matéria.
uj eito à variações de
temperatura, mas im animado de um pri ncípio ati vo, que reage contra a força da natureza fí ica, e o conduz ao alto de t i n o. da ua criação.
O dr. Thomaz Gome do Santo enfrentou adnúravel mente os argumentos "teórico " mai
recorrente
entre
o
apó tolo
de
determi n i mos raciais ou climático . como Samuel Cartwright ou Robert Dundas. A dimen ão prática do debate, onde ele incidia mais diretamente na que tão das febre - a amarel a e outras -, estava poré m no problema da acl i matação, a c l i mamento, ou aclimatamento. O profe or é relativamente breve ne
e ponto,
notando, contudo. a ua importância na "que tão da colonização". Santo� concl u i que " ó e poderão faci l mente acl imar no Bra i l o colono de raça latina", poi levavam as vantagens considerávei da. identidades de origem e de religião, da emelhança da L i ngua
gem e do co tume , e me mo "pela analogia do gênio próprio, e do hábito� orgânico ". O latino nem equer estranhariam demaiadamente a diferença do clima . Ele previa mai
difi c u l dade
para o colono da ··raça germânica", que certamente teriam me lhore
chance
na província
do Rio Grande do S u l , de Santa
Catarina e do Paraná. �1a a que tão do aclimamento tomar-se-ia crucial n a déca das eguinte , quando, no bojo da cri e
da
instituição da e cravi
dão, aumentaria o intere e de proprietário e governantes na pro moção da i mi gração européia em mas a para o pai . Já é po
ível
vi l umbrar a dramaticidade do problema na te e i nt i t ul ada Do aclimatamento, apre entada à Faculdade de Medic i na d o Rio de Janei ro por João Vicente Torre Homem em 1 865. O trabalho fora
83
e cri to para concurso "ao lugar d e Lente da Cadeira de Higiene e História da Medicina"; portanto, temo
do dr. Santo
.
Como
a
aqui um possível sucessor
febre amarela e outras "febres pernicio. as'·
conti nuavam a casti gar i m piedo5amente o e trangeiros re i dentes no Rio de J aneiro, era i m pos s íve l escapar a um prob lema clara mente formu lado na tese: Como empre acontece, os apó tolo- da ·ubl ime ciência dividiram se em do i s grupos· uns negam a possi bilidade de viverem com saúde no� países quentes os habitantes das regiões influenciadas pela zona frígida; outro sustentam que, mediante certa caute las. m e dian te a
o b�e rvâ ncia ri gorosa das reg ras higiênicas por eles form u lad as , não só pode e dar a em i g ração em pengo. senão também q ue
o-;
em i
g rad o. , no fim de algum tem po, ad qu ire m a mesma modal idade or gânica que caracteriza os indígenas.b:!
Robert Dunda , como v i m o
,
considerava a po
ibilidade
do
aclimamento uma "doutrina falaciosa", constitui ndo- e em exe m plo do primeiro grupo de ·'apó tolos" da " ublirne ciê ncia" dos
higierü tas. Torre
Homem - a sim corno Gomes do
Santo. e a
maioria do médicos da Corte - e ta v a no segundo grupo e via na afirmação da viabilidade da ac li m a tação do5 europeu queme
e m paí es
a própria demon tração de q ue e ra pos�ível a construção
de uma naç ão civi lizada no trópico . Na verdade, a defe a da idéia de aclimatamento tomou- e a pos i ção .. oficial" do governo i m pe rial.
Em j unho
de
1 868.
atendendo a u m a o l i ci tação do ministro
da Agri�ultura. a Junta Central de H igie ne elaborou u m "diretório hig i ên ic o para o i migrantes··. O i nc ansáv el Pereira Rego
é
que m
a sina o diretório, formulando a sim o pri n cíp io geral a ser preco nizado: Sendo inadmi sível di cutir em um trabalho destes a questão i mpo r tante do aclimarnento,
obre o qual tanto
homens emi nente� têm
e mi ti do opiniões diver as, a Ju n ta -e limitará a dizer que não j u l ga muito difíci l o aclimamento em países quentes, como quase geral
mente é todo o território brasi lei ro,
dos h o men s nascidos nos países
frio e tem perad m , como pensam mutto' ob ervadores, e scu dan doe na prova n u mérica das e tatísticas, uma vez que se adotem ce rto prec e ito s higiên icos com o fim de contraba lançar, ou contrariar mes-
84
1
mo
o
a que possam ter para o clima e outra conJiçõe.:; dadas n e ste s paí. es.6' a i nfluência pernicio
novos habi tadores
A ··pro " a numérica das estatí ticas··. portamo. parecia indicai a i mpossibi l i dade do acli rnamento de europeus no Bra il. Os mé dico
brasi leiros, todavia, achavam que a adaptação dos "emigra
do ., eria obtida de de que fossem adotadas certa precauções. As recomendaçõe presente da Ju nta
na tese de Torre s Home m e no diretório
ão ba icame n te as me ma . A primeira del a consi tia
em evitar a introdução dos eu ropeus na Corte durante a ·'estação cal mo a", q uando a cidade e-tava geralmente defiagrada pel a fe bre amare l a e out ra
cém-c hegado
"febre
p al ustre ··. Nes
as
oca tõe
.
O� re
deve riam er conduzido_ diretamente para locais
e levados - "serra acima" -, onde ficariam aguardando ramento do surto epidêmico. As outras medidas vi�avam
a
o
enc er
fac il itar
as adapt açõe � upo tame nte necessárias ao organi smo do imigran· tes. Os alimentos deveri am er leve e bem cozidos, equilibrando
carne e vegetais� recomendava-se ab-tenção de fruta ácidas e bebidas alcoólicas: as vestimentas deveriam ser leves e folgadas; as v ariaçõe
da temperatura do d i a e da noite eram perigo as e
poderiam propiciar o desenvolmento de " fe bre pal ustres mai ou meno graves''; recomendava-se, ainda. '·exercício moderado para não fat i gar demai a organização" e. finalmente, ''evita.r os exces· os ''enéreos, ao� quai
tanto excita o ardor do cli ma".
Em conclusão, os m é dico s da Corte reconhecia m a existênc ia
de suscept i b i l idade ... d i ferenciada à febre a m arela e outra febre . e entendiam a
i mplica çõe
política gerai
co . Por conseguinte, O') doutore
de tai
fatos bio1ógi·
Gomes dos Santos, Torre Ho
mem e Pereira Rego tomavam uma deci ão politica ao di cutir es a que tão e m termo da relação entre ambiente e hi tória, manife t ando as i m claramente s ua oposição a forma� extremada
de
determinismo racial o u climático. De fato. os e sculá p i o s do Rio continuariam a discut i r o problema da febre amare l a em termo de acli matarnento até o fim do éculo XIX. A p art ir da década de 1 870, os
h i gie n ist a s pas-ariam
a defender de maneira mais i ntransigente
a i déia de que era preci so intervir no ambiente urbano com o i n tu i to de contro l ar a febre amarela: como veremo-. porém. ua língua-
85
gem centrada na que tão do meio ambiente adquiriu então liovos e u rpreendente �ignificados político e raciai .
FEBRE AMARElA, POLÍTICA E IDEOLOGIA RA CIAL NOS Al\'OS 1870 Após permanecer praticamente ausente de de 1 862 - nenhum caso sequer da doença foi regi trado de 1 865 a 1 867
, a febre
-
amarela reapareceu no Rio no verão de 1 868, e a partir de então n ã o mais d e i x o u a c idade até a bem- ucedida campanha d e erradicação liderada por Oswaldo Cruz no início d o século Dois surto
extremamente grave
ocorrido e m 1 873 e J 876 -
causando a morte de 3659 e 3476 pe ru more
xx.
oas. re pectivamente. mais
generalizado de que o governo impenal e tava ocultan
do os números verdadeiro - repre entaram um di vi or de águ a
·
n a hi tóri a da febre amarela no Rio de Janeiro.(>.! No que diz respeito ao debate entre o médicos, o que impresiona i nicial mente ão a semelhança entre a década de 1 850 e
1 870:
a�
m i a ma
doutores ainda falavam de i mportação e contágio. ou d e e infecção. Todavia, se o quadro geral do debate conti
n uava o me mo. a ênfa e havia mudado. Apesar de o fato dispo nívei
erem uficiente para convencer a maior parte do ob erva
dores de que o flagelo havia sido novamente i mportado para a Corte n o final da década de 1 860
-
e tai
fato nunca dei xavam de e r
aprese ntados, como s e fosse i ndispen ável demonstrar que o I m pério era puro e audável até que um veneno e�trangeiro o v io las e -, o certo é que o e culápios da Corte mo;;travam- e agora pouco di posto a reeditar o pro e liti mo teórico de outrora. Apa rentemente, havia se formado um con en o obre o que fazer dian te da ituação: era nece sário um ataque total ao elementos cau a dores de i n fecção existente no interior da cidade - i �to é, as fontes produtoras das temidas "emanações rniasmática ". Em 1 Q de fevereiro de 1 873, já plenamente caracterizada a gravidade da epidemia daquele verão, o Senado do Império enviou uma interpelação à J unta Central de Higiene. Ou enadore que nam aber a "causa do desenvolvimento da febre amarela e das
86
medi das romadas para a repelir"; também bu cavam informações obre '·os me io empregado para preservar a vida e saúde dos e m igrado recém-chegados".61 O pri meiro ponto a observar quan to ao conteúdo do documento do
parlamentare é a as ociação
entre febre amarela e i migração. Se na década de 1 850 o nexo fun damental parecia e star na rel ação entre febre amarela e escravrdão, a a sociação entre febre amarela e imigração é agora o a pecto crucial a reter para o entendimento dos novm sentidos políticos e ideológico� da doença na década de 1 8 70. !vias vejamo primeiramente como Pereira Rego encarrúnhou a -ol u ção da questão propriameme epidemiológica em sua respo ta aos senadore e em outro escri tos da década de 1 870. O higie ni ta-mor e�tudou deralhadamente o de e nvolvi mento do surto epidêmico de 1873, e explicou ao o
originaram- e
enadore que o primeiros ca-
em dúvida "em indivíduo
habitando em ponto
recém-chegado
e
diver os de ta C idade". Eram portugue es
quase todo- o "recém-chegado ", e moravam na Saúde. na Penha, em Irajá, em Santana etc. Em suma, tais fato provavam ··que a molé tia iniciou--e por terra em diver o ponto da cidade, sem guardar traço de filiação regular entre i, e que não partiu do an coradouro para a cidade". Em outra
palavras, de de
a
ú l tima i m
porração ocorri da no fim da década de 1 860, a febre amarela radi cara- e na Corte, renovando- e a cada verão com maior ou menor gravidade, dependendo das condições "atmosféricas'' e sanitárias v i gentes na capital. Quanto às cond içõe
anitária , Rego e eu
vam doi fatore agravante do "pé cipal. Primeiro, a
pares encontra
i mo" e tado da higiene m u n i
obra d e con trução do e..goto -anitário, reali
zada pela City Improvements. Ape ar de a con trução da rede de esgoto
ser uma antiga recomendação dos próprio higienista , o
recrudescimento d a febre amarela e xatamente durante a realização da
obras fez com que os doutores encontrassem uma penca de
defeitos nos rrabalho da companhia inglesa. O revolvimento do terrenos durante o verão i ncrementava a hberação de mia mas que iriam contaminar a atmo fera: a City, porém, intensificava a obras na ··e taçâo calmo a'' porqu e os dias eram mais longos. o que per mitia a extração de uma j ornada de trabalho mais vantajo a do
87
operário . Havia também a i rregularidades no solo da cidade que, ornada ao cano de pouca e pes ura e
à
JX!quena pre� ão e volu
me d'água, provocavam vazamento , e logo o urgimento de poças de merda e tagnada por toda parte. O fator re pon ável pelas pé
cornço
eram o seg undo
i mas condições da higiene municipal .
Pereira Rego achava que pod i a determinar com preci ão que os primeiro caso de febre amare la no surto de 1 873 haviam ocorri do em quarteirõe onde os e gatos andavam entupido e a condi çõe de habitação eram mai de
e ponto
precária . fora supo tamente a partir
que a molé tia
se
espalhara para o porto e outras
parte. da cidade.66
A identificação d o cortiços como o focos geradore dos ger me da febre amarela foi fato de enorme significado �jmbólico e pol ítico. Como v i m o definição mai
clara
n o pri mei ro capítulo, n ã o havia nenhuma obre o q ue era um cortiço. e n u ma cidade
empre às voltas com um défictt de moradias na . egunda metade do éculo XIX, a tendência era con�iderar como tal qualquer habi tação que, egundo o
padrõe i nstáve i - dos anitari ·ta , fo,�e
v JS
ta como imunda e api nhada de gente. Na reaUdade, logo que con c l u íram que a febre amare l a era o ri g i nári a do� cortiç o�.
O\
higieni ta iniciaram a luta para ampliar ao máximo a abrangência do conceito de
cortiço. Acabaram descobri ndo q u e o mal
infe tava
toda a área central da cidade, e pas. aram a defender plano. de tran. formação radical do e paço urbano - para o bem da saúde pública e. como se revelou, para o p razer de certo. i nvestidores. A idéia era evitar a continuidade da produção de emanaçõe
miasmáticas:
quando tal objetivo parecia impo� ível, tentar- e-ia ao men s dis per
ar
o veneno atravé da abertura de rua e avenida bem largas.
Quanto ao
cortiço , como bem
e
record.1 o l e itor, o r;; onho era
demol i-lo a todos. 67 Ma com o agravamento da cri e habitac i onal na Corte na') década de 1 870 e 1 880 - devido à migração interna e de imigrante , e peci a l mente portugue e
de tínado�
à C1egada
no
etor co
mercial da capital -. a den idade populacional no cortiços pare ce ter aumentado ainda mai . I m i grante
portugueses e negro -
crioulo ou africano ; e scravos vivendo ·' obre si", l i berto e l ivre - di\idiam democraticamente, mesmo que nem sempre de forma
88
lO h
pac ífica, os corti ço� que, a de peito do e forço
do
higien is ta .
conti nuavam a pro l i ferar na cidade. E então os ad mini tradore da Corte i m agi n a ram
ob
ervar cena
� t arrece doras : ao de
c rever o
cort iço . eles aparentemente recon truíam a condi çôe e x i tente n o navios - aí i ncluídos o negre i ro - q ue haviam ido, e à vezes ainda eram, con i de rado re pon áveis pela ge raç ão do ve neno da fe bre amare l a . Tai habi tações colethas eram l ugares u jo e uperpovoados, inundado por ·'ág ua servida " e, por con e guinte, prod utore re nitente de eflú\'io mia mático . Além di so, quaodo o vôm it o preto retomava a cada verão, o i m igrantes re cém-cbegadm morriam em grande número nes e locai , enquan to a pop ulação negra da Corte re i tia bem ao fl agel o - n a verda de. os r:egro morriam em número ai nda maiore de doe nça , tai como a tuberculo e e a \- ar íol a, que a a u t orid ades púb l i c a . não estavam preparadas para - ou não que ria m � - . e qu er perc ebe r, quanto mai priori zar e combater. No deco rrer da década de 1 8 70. a fe b re zmarela tomou-...e a questão de aúde púb l ic a no Bra n . Tal fl a gel o havia e con tituf do n u m do principa i o b táculo à rea l iza ção do projeto po l íti c o que e t av a gradati v amente e i m po n do aos corações e mente do faze nde i ro� brasi leiros: a idéia era enfre n t ar as i ncerteza do pro cesso de emanc i p ação dos e cravo i n u nd and o o mercado de tra balho com i m igra n t e eu ropeu . Ape ar de o a po geu da i m i gração européia para o paí só ter ocorrido dua década. rr.ai tard e . já por oca�ião da aprovação da Lei do Ventre Line, em 1 87 1 - sina ] inequívoco de que a e -era vi dão u m dia chegaria ao fim, até me mo no Bra�i1 -, o-, faz en dei ros pau li ta. di�curiam um p l an o para ;;; ub sidwr a vinda de i m i gra nte.i ti r e m estoque devido à recu a dos vacinado a retornar no oitavo dia para o sup lício da reti rada do pu . ..J9 A ituação parecia ter melho rado no primeiro ano da década de 1 850. no entanto. a lmpre� são q ue p redomina no e tudo �i temático do p apéi
do In tituto
Vacínico é a de que a que tão da importação d.: v aci na européia foi
117
cefaléia con tante para os diretores da i nstituição. I ngle es, fran
ceses, alemãe e italianos vendiam caro um produto tia. 50 O
parco recur o orçamentário
em garan
do in tituto eram in ufi
c ientes para a i mportação do material nece
ária. Hav ia problemas
técnico difícei de resolver no tran porte da li nfa. que vi nha acon dicionada ora em lâminas de v idro, ora em t ubos capi l ares , ora em a l gum recipiente de chumbo, e ei lá mai. de que jeito, numa rot i n a desesperadora de problema
e fraca
o s que não cessam até o
fi m do período imperial. Quando a vacina acontecia de chegar e m boas condiçõe à Corte. n ão resi t i a ao d e afio d o tran porte
às
provínci a mai� distantes. 5 1 A reclamação dos pre idente� da pro
víncia do Nordeste, por exemplo, é em u n í
ono rnonocórdio, fato
que não e pre ta equer a uma nova chalaça porque a epidemias de varíola naquela região urgiam à prol ongado __
veze
as ociada
a pe ríodo
de eca e fome. causando tragédias q ue ganha\· am
destaque até mesmo em periódico médico inglês. 52 Hou ve ainda uma oca ião em que o vacinadore receberam u rna caixa enorme cheia de vinho francé , quando a encomenda era de tubo vacínicos.
Algo de diferente havia naquele
tempos, tanto que o pe
oal da
lanceta e do pu comunicou o engano ao mi n i s tro e não e compro meteu por trinta di nheiros - ou mel hor, pel as tais garrafas de v i n h o . �3 De culpem-me
se
este parágrafo descreve os p roblemas do
erviço de vacinação e m tom u m tanto apocalíptico. Se j á não era o
Apocali p e, ao meno era a preparação do flage l o da peste. Outra hipóte e aventada para a ocorrência de v aríola em vaci n ados foi a de que a vacina não garantia i m uni zação permanente.
ári� a repetição da profi laxia apó certo período. Há u m debate i ntemo obre o ru unto no prim e i ro eme tre de 1 839. endo nece
com a participação da Faculdade de Medicina d a Bahia e dando
e nsejo a que Muzzi escreve
e o já citado m anu crito sobre a
revaci nação. 5-I O médico baianos reconheciam a ocorrência oc a-
iom.l de varíola. em vaci nado . todavia achavam que o fe nômeno era raro e haveria mai prej uízo do que benefício caso a re v ac i nação e ntra.�se na rotina do pes oaJ da lanceta O argumento dos baianos
era técnico e politico . O problema técnico s urgi a do fato de que os vacinadores mu11icipais, e pecialmente em locai mai d istante s d a capitais, não eram doutore
formados;
1 18
e n do ass i m , poderiam
confundir a pú tu las fal a . comun em indivíduo já previamen te i m u nizado , com vacina verdadeira. e depoi utilizar e te mate rial para a propagação da profilaxia em po sibilidade de obter qualquer re u ltado. A dimen ão política do argumento e origina va na con tatação de que o povo tinha ''repugnância" à vacina. logo a divulgação da idéia de que a de coberta jenneriana protegia a pes �a por tempo limitado ena mai um trunfo di ponível aos detratore
do método:
..
É palpável
como a prática da revacinação.
dando corpo ao preconceito de un , e mcutindo em outro de confiarça obre a virtude antivariólica da vacina, acarretaria o eu com p l eto desprezo. ou pelo meno entorpeceria o progre . o de ua pro pag 1ção . "
Muzzi co:tcordava plenamente com a opinião do e culápio de São Sal vador, e como tinha certa \'erve para contar cau o , pro curou exempliJicar a inutilidade da revacinação atravé da hi tória de uma e nhora. Ela havia sido vacinada ao
ei me es de idade,
mal\ o bebê c�ara a feridinha e o pai "extremamente zelo o •·
re ol v eram repet i r a operação: Muzzi revacinou e a pú tula não e produziu, confirmando que a criança já estava imunizada. Quando a donlela completou deze
ete ano , e tando para ca. ar. e talvez
receanco um acidente que lhe arruína
e a formo ura no momento
dec1 ivo, re olveu tentar a revacinação; Muzzi fez a operação e a púst u la vacínica não aconteceu novamente. A enhora era agora mãe de s e i
fil h o , e in i t i a na experiência da vacin ação e
re " acin1ção de cada um dele ; Muzzi nunca con eguira a pú tt..l a
vacínica na- revacinaçõe da crianças. Em j unho de 1 84 1 , a Academia Imperial de Medicina, ediada no R i o de Janeiro, emitiu e u parecer obre o as unto. Cautelosa, declaroJ- e indeci a, e olicitou ao governo imperial cobaia hu manas para a realização de um ·'en ·aio de revacinação''. O douto re� q u eriam q ue e lhe coloca em à d i po ição da lanceta "o Soldados Artífice e Africano que
e
acham no e tabelecimento
públicm" . Não pude . aber se o ··en aio·· foi realizado: de qualquer forma, e apesar do cau.o de M uzzi, o relatório referente aos e r viços do i nstituto no egundo eme tre de 1 840 já regi tra a prática de revacinaçõe·. A opinião de que a revacinaçõe. eram nece
á
rias após um período de dez ano. parece ter predominado entre o
JJ9
médico na egunda metade do éculo XIX, m a
ponderações polí
tica como a aduzida pelos facul tativo baiano devem ter limi tado o empenho do In tituto Vacínico e m promovê- las. 55 Mai preocupante era a pos i bilidade de o
vaci nadores e ta
rem transmiti ndo a sífili. braço a braço. A e vidência;; a e e res peito foram e avolumando ao longo do século, havendo um reco nhecimento franco do probl e m a no
doc u mento
do In t i t u to
Vacínico e da J unta Central de Higiene no i níciO da década de 1 870.
O longevo e dedicado J aci ntho Rey· tratou do assunto no que tal vez tenha
ido eu último relatório como diretor da i n tituição -
o rel a:ório riquí
imo de março de 1 87 1 ao q ua l já venho recorren
do ne,te texto. 56 Sempre bem informado a re peito das pesqui�as européia' obre a vacma, Rey acha\ a irrefutável o fato da trans mis ão da ífi l i pela vaci nação. Após o e x órd io pe imi ta, nar rou o que teria acontecido "em Lu para, no Reino de Nápoles em
1 856". Algumas cnança haviam sido vacinadas com um mesmo t ubo de linfa, e toda ela�, "ape ar de ã e bem v igorosas. foram de sífi l i , que tran mitiram às mães que as aleitavam, . mani fe tando- e ne�te· intornas locaL e gerais da molé tia . . Reys atacada
e referiu ainda a uma di scu. ão ocorrida na Academia de Medici n a de Pari em 1 864 e 1 865, na qual se concl u íra que ·'a vaci nação feita com o víru tirado de uma criança ífilítica reve te empre os c aractere
de uma verdadeira calamidade, por i
o que toda
criança que forem vaci nadas com ele . serão atacada e nfermidade '·. Por últ1mo, fulmi nava aquele
as
da me ma
que achavam po. í
vel evitar o risco de tal contaminação com o c uidado de não apl i car a linfa ca o ela se encontrasse m i, turada com sangue:
·'É
bas
tante difícil de compreender-se como contendo o oro do sangue a ífil is. a ·ero idade da pústula não a contenha'·. Para Rey�. a olu ção , eria a vacinação com coHpux. Terminava então e u documento com uma hi tória da'> pe q u i as européia sobre "acina animal de de o iníc io do éculo, e forneci a um guia de procedimento s obre como con egui-la atravé da i noculação de v i te l as - tudo i o egundo um "manual operatório" muito pre tigioso no velho continente. 57 O pavor cau ado pelo risco de tran mi são da �ífi l i s e outras
doença atrav é da vaci nação ganhou certa vez um charme nostál gico. Em algum momento e ntre ju lho de 1 855 e junho de 1 856. o
1 20
Jornal do
Commercio lou vara
"
not íc ia editorial'' a obra de um
egundo o jornal, '·provara com fatos
certo dr. Verdé-Delisle, que. e e tatí;;tica
em
irrefragávei s que a vacina tem cau ado a degenere -
cência fís ica e moral da e pécie hu mana'·. O dr. Deli le l amentava a "exti nção daquela forte raça do I mpério, daquele granito. daqueles belo armadura de Franci co dade daquele
antepa
g ranadeiros da G u arda, grande r",
e mai
como a
e contra tava a potência e a i mpetuo. i
ados com a
traduzem todas em fumaça". na
de
homen
Pro
''no
as pobres orgias. que ·e
e g u i a no mesmo tom por pági
páginas, inve ti ndo contra a vacina como a
cau a
de
toda a dege nerescência. Del i ·Ic defendia a te e de que a " aríola era uma fase nece sária
da vida humana,
men truação, sendo prejudicial que o para
evitar
a
i m como a de nti ção e a
médico tentas e m i n tervir
que as pes oa , e peci al mente a crianças, a contraís-
em. Era grave que tamanho delírio gá li c o fos e e ndos ado edi tori al do Jornal do Commercio. A pesar de o
em
incansável J acintho
Rey ter emp u n hado a lanceta. ou mel hor. a pena. e arg u mentado que tai ''decl araçõe [ . . . ] ainda me mo que provas em a degeneres cência fisica e moral da e pécie
h umana,
não provariam , e r a v aci
na a única cau a". pode- e imaginar o estrago cau ado por t a l notí cia no que conceme à aceitação da vaci na. 5� Não
há d ú vida também de que o m étodo de i nocu lação braço a
braço e a forma como o �erviço de vacinação estava Corte foram re pon áveis por muito ção demon trava pela
v ac i
trutu rad o
na
da ··repugnância'' que a popu l a
na . O indivíduo que e deixava vacinar
'labia que depoi teria os vacinadores e a autoridade policial no calcan hares para que re toma
se
eu
no dia marcado para a veri ficação e
a e xtração do líquido da pú tu la. Como já mencionei anteriormente, esta volta era ba tante incômoda. O
doutores
achavam
mai
efi
ciente extrair a matéria do braço do vaci nado e inoculá-la i mediata mente no paciente
eguinte. Tal preferência dos e culápio
tornava
o proce�so de vacinação lento e certamente desco nfortável - talvez bastante doloro
o-
para
aquele que e tavam fornecendo a linfa.
As de. crições e referem a horas de di ponibi lidade necessána nesta volta do vaci nados. Além di
o, os facultativo valorizavam sobre
maneira o líquido e-xtraído de crianças, i ;;;to porque
achavam
assim era mai. certo o desenvolvimento da pústula verdadeira.
121
que
Em eu relatório , o diretores do in tituto di curem llil ra zõe que levariam a pe soas a não retornarem após os oito dias marcado e, previsivel mente, concluem que o povo era "indolen te'', "ignorante", "egoí ta'' etc ., sendo que o pai e furtavam · ·a e se dever, por não verem eu filho, chorar ao ex: trair- e-lhe do braços o benéfico vírus que receberam de outras cri ança , a� quais também. para l hes comunicar a virtude singul.rr da vacina, mortifi caram o coração de eu pai com o seu doloro o pranto". 5(1 Devia er me mo grande a choradeira na dependências do i nstituto no dias de vacinação poré m é prováYel que. ao menos no que concerne . aos homen livre , ter a autoridade policial em eu encalço fosse inconveniente maior - e pecialmente nU Jna �ociedade orde e te egmento da população enfrentava sempre a ameaça do recruta mento forçado. O re ultado era que pane . ignificativa d o vaci na dos e e\ adia à exigência do retomo, desaparecendo sim plesmente ou u ando de artimanhas como o fornecimento de nome e endere ços fal o . O dado- fornecido pelas rabela L e 2 ão enfáticos a re peito da re i têncü do vacinado em e ubmeterem à extração do pu \acínico: 58.24% do vacinado não foram ob en·ado no qüinqüênio 1 8 1 8-22; 46.20% em 1 846-50. O a u mento até certo ponto ignificativo da porcentagem do. que foram ob. en·ado. no egundo período e tudado talvez e explique peJo fato de o serviço de vaci nação ter ofrido u m a reestruturação em 1 846. Um do_ ob jetivo das mudança foi exatamente dar ao vaci nadore. ma i in. trumento coercitivo - i to é. um aux.ílio mai efetivo do� fi scai de fregue ia na aplicação de multas am falto os, além do concurso de "ordenança '' de polícia e ncarregado de ir buscar a dcmicflio o portadore da precio as pú tu la to .
Um inventário exau tivo da mazela do �en iço de vaci nação não teria fim, tamanha a precariedade com que tudo funcionava. Os diretore queixavam- e de que eram pouco o� vacmadore o que o impedia de ir ao encontro da população em locais mai di tante ... e o fato de o vacinadores erem upostamente poucos fazia com que o homen da lanceta reclamas�em e. pal h afato a mente cada yez que unham de de empenhar uma missão fora da dependência do instituto. Não queriam ir à Casa de Correção va cinar "o Africano ulti m a mente julgados pela Comi-,�ão �1ixta'' ,
1 22
- isto é.
aq uel e apri
i on ado s e de c l arados livre
v ítimas do tráfico c la nde�t i no : 6 1 pon de raram
até
por te re m me s mo
ido
contra a
dirigirem aos quartéi p ara a vacinação dos recrutas que parti ri am em breve para o Paraguai, se nd o que no " teat ro de guerra " a v aríola e revelaria um i ni migo tão ou mai temive l do que o c o ma n dado de So l ano Lopez. ô2 Fora da Corte, era co mu m que o v ac i n ad ore municipai p re ta e m trabal ho gra tu i to, fi can do apena� di , pe n� ado s de serv ir na Guarda Nacional e tendo a pro messa de efeti vação e remuneração . . . apó dez ano de erviço pre tado ! f O nde o erviço era pago, havia denúncias de que o l u gares se preench ia m por ''empenho ··, e hav ia vacinadore que nem ap areci a m no emprego. N a Corte, o c a o mai antigo de fu n cionário fanta ma foi o dr. Th eodo ro Ferreira de Agu i ar, primeiro diretor do i n ...tituto - aque le me mo que, o leitor ce rta mente lem brará, vacinara O� e cravos de Ca l de i ra Brant em Portugal em 1 804 e depoi viera para o Rio na comi tiva de d. João. Pois bem, o dr. Theodoro embolsava a grati fic aç ão de. d iretor do i n tit uto, porém ficava a e r v iç o direto do pr ínc i pe regente e ne m s eque r ap a rec ia na in titu ição vacínica. Quanto ao "e mp en ho ··. o próprio Herc u l e M uzzi contava que fora pre teri do a o c argo de d ire to r d a vaci n a graças a esse co t u m e da época. 64 Devia e r terrível morar no Bra sil quando o país ainda enfrentava problemas de e tipo. 05
ordem de
e
MÉDICOS
E
VA CINOPHOBOS POPUL4RES
A l gu n médico encarregados pe l a Junta Central de Higiene de combater e pidemi a loclhzada, de varíola produziram relatórios prec io so de e u s trabalho . Ne es papéi . além de desc riçõe� de. oladora� das t ragédia'i c au ada. pela doe nça, e ncontramos e culápio enfrentando o de afio de tentar entender e explicar ao. s uperi ore h i e rárqui cos o porquê de a po pu laç ão rec;; i tir tanto à va cina e ao vaci nadore As du as hi·tória a eguir são e xemp l ares . O dr. Lino Romualdo Teixeira recebeu do barão do Lavradio a missão de i r ·'pre star ocorro. médicos ao indigentes, que ofri am oc; rigores de u m do maL terríve is flagelo., que pesam sobre a hu manidade' ' em Porto Novo do Cunha, pequena loc a l idade distante 1 23
da Corte cerca de 48 1égua - pouco meno do que trezentos quilô metro-.M O doutor tomou o trem em 1 0 de etembro de 1 874. muni do de "uma ambulância ricamente ortida de medicamento da me lhor q1.1al idade po ível". Lá chegando, procurou o auxílio do p ároco e do ubdelegado na empre a de divulgar ao- habitantes a bca nova de que já havia no povoado um médico enviado pelo governo impe rial. Editai foram afixados no ponto mai concorrido , e o vigário ficou de pa ar a informação nas mi as e na preces que vinha rea lizando todo o dias na igreja matriz. A ituação era dramática. O habitantes, tomado pelo ·'mais la. ti mável terror pânico··. haviam em grande parte fugido do po voado, abandonando o doente à própria orte. O. tropeiro ha viam :::e ��ado de trazer gênero para o embarque pela E trada de Ferro d. Pedro n, e "fugiam qua e que e pavorido diante do flagelo. pelo horror que lhe in pirava a idéia do contágio... Cadávere eram deixados em suas casas por um dia inteiro, por não haver quem e di pu e e a conduzi-lo prontamente ao cemitério. A "e l a se pro letária·· era a que mai ofria. devido "à grande miséria em que \'i vem [ ... ] de tituída de condiçõe higiênica�. a mais si mple. . e . ujeita a uma alimentação de pé i ma qualidade''. O d r. Tei xeira atendeu maL de vinte variolo o logo no dia eguinte ao de �ua chegada, algun do quai ·'j á tinham ido vi to por curandeiros, e e tavam u ando de do e homeopática ". De crito o cenário inicial, o médico pa_, a e ntão a narrar a marcha da epidemia. levantando também hipóte e obre o porquê de a doença e manifestar com tamanha gravidade na loca idade. Como ocorria com freqüência no ca o da· epidemias de varíola - e em contra te marcante com o a altos da febre amarela e da cólera -, não parecia haver qualquer dificuldade em determinar a forma de propagação do flage lo. Feita as indagacões precisa\, o dr. Teixeira concluíra que tudo e produzira ··por imples contá gio". Um indivíduo procedente da Corte chegara a Porto Novo já "acometido do mal'' e pernoitara na ca a de uma família do lugar. A doença e complicou e a vítima acabou morrendo. Pode-se adi ' i nhar o re·tante da hi tória: "Pouco tempo depoi apareceram mais alguns ca o,. não ó entre pe oas de ta família como também e m outra que a freqüenta\ am ou moravam e m ua vizinhança. termi124
nando- e a mor parte dele pela morte, e a im. foi- e a varíola generalizando dia por dia até reve ti r o caráter de epidemia". Quanto ao motivos de a doença ter e reve tido de tamanha gravidade entre o habitante do povoado, o médico enfatizava a existê ncia de "infecção ,ifilftica geral de quase todo ele e que muito contribuiu para a gravidade da molé tia". Para o dr. Teixeira, havia entre a varíola e a ífi lis ..não ei que e pécie de olidariedade fatal, que arra ta os indivíduo dela acometido� i rre i tivelmente ao túmulo··. A epidemia fora e pecial mente letal para a "ela e do pro letário e meretrize ··, onde a ífil i era comum e a varíola a umia normalmente a forma hemorrágica. com marcha fulminante e mui ta veze fatal. Em uma. a ob ervaçõe do dr. Teixeira levaram-no à condu ão de que a gravidade da epidemia de varíola e ex.plicava em grande parte pelo fato de a população local enfrentar imultanea mente a ífi li e a ' ·mi éna" - "alimentação de pé i ma qualidade'' -. não tendo o organi mo do doentes condiçõe de re i tir a tantas adversidades ao me mo tempo. A morte, afinal, é uma doença o cial. podia ter concluído o bom dr. Teixeira. Ma não o fez. �âo o fez tal vez porque preferis e acreditar que a morte da quela� pe soa era função de . ua própria .. ignorância". O enviado do governo imperial chegara ao i nterior abendo que o ·'único preservativo que a ciência acon elhava·· contra a varíola era a va cina. No entanto, con tarou a "falta ab oluta de vacinação entre os habitante ", e e te resistiam fortemente ao alvitre. Teixeira pro curou util izar a e tratégia do convencimento. ma o ·'povo [ . . 1 achava então ob o triste preconceito, de que a vacina, em tempo de epidemia, longe de ser um grande benefí:io, era pelo contrário um pa so dado para contrair a molé tia". O médico con. eguiu va cinar 54 pe��oa e m doi. me e de luta contra a doença. Não cons ta do relatório o n ú mero exato de habitante� no povoado de Porto Novo do Cunha, ma orno informado de que tal povoado ficava na "Fregue� ia'' de São Jo é d' Além Paraíba, que contava com cer ca de 3 m i l .. alma ". A fregue ia regi trJra oficial mente 1 76 varioloso naquela emana , endo que 57 pes oa haviam :norrido O dr. Teixeira reconhece que não fora "avultado o número do va cinados''. pois "a i gnorância não e deixou \encer totalmente pela lógica inabalável do. fato ''. Ob erva, porém. que a epidemia não .
1 25
se
generali zara nas fazenda '·que abundam na vizinhança" por4ue o proprietário haviam recorrido em tempo à vacina. O leitor regi tre o argumento ouvido ao i nterioranos pelo dr. Teixeira: a vacina podia agravar uma epidemia de bexigas. E vamos à egunda história. O dr. Jo é de Castro Rebello foi o enviado da Junta Central de Higiene para o tratamento do i ndigentes atacados de varíola na fregue i a de Campo Grande e I raj á, na Corte. de ...etembro a dezembro de 1 884.61 Lá chegando. procurou o piroco, o subdelegado e inspetores de quarteirão com o i ntuito de divulgar a pre ença dele, esculápio providenciado pelo governo de Sua Y1 ajes tade Imperial. A molé tia não e tava tão generalizada quanto se ima ginava, mas o dr. Rebello encontrou ituaçõe críticas nos l ugares denominado Paciência e Guandu do Sena. em Campo Grande. A epidemia não a umira proporçõe mai aterradoras porque o médi .. co agira com prontidão e energia, fazendo de i n fetar as casa�, os quarto do doente . queimar as roupas e mai objetos de uso e im pedindo a comunicação do variolo os com outra qu&lquer pe�soa. que não fo e a incumbida do tratamento". Quanto à vacina, porém. a dificuldade foram maiore . A população local achava que "a vacinação produz varío la··, e o dr. Rebello não con eguira arredar tal ··preconcei to'' de seu ··e�píri to". inguém comparecia ao ponto marcado para a vacin ação. O médico se viu obrigado a percorrer a casa à procura de quem se deixa se vacinar, tentando convencer as pe oas da vantagens
..
do recur o. Os moradore retorquiam com o argu mento d e que e ra ''di pen ável e até ilegítima a intervenção do médico n o tratamen to da varíola". Eles acreditavam que qualquer i ntervenção enérgi ca no curso natural de ta molé tia eria prejudicial ao pac iente . Sendo assim. não ó e opunham à vacina como re i t i a m a a l g u n tratamentos tentados pelo doutor, que menciona elCpressamente. talvez e tranhando o inopinado do fato. não con eguir sequer apli car "loçõe de água morna ou quase fria·· no doen te� ··em v i rtude da repugnância que mostravam a pe o a " que o s rodea varn. Há ne as duas histórias um cipoal de fato den o e difíceis de interpretar. A recu a à vaci na ob a alegacão de que esta produ ziria varíola é recorrente na documentação coligida. 1\o final dos ano 1 870, uma epidentia deva tadora de bexiga , a oci ada à eca 126
y
, .r .r •
·
e à fome. trouxera ao Rio centenas de retirante cearen.e . Foi or ganizado um serv iç o no bairro da Saúde e pecialmente para t rat ar de as pes oas e vaciná-las. E l as . porém. resi tl am à vacina ale gando que " n ã o queriam morrer". bll Po ucos ano a n te s , u m vaci nador "supranumerário" d e ignado para atender a freg ue ia de I nhaúma oficiara ao diretor do I nstituto Vac ínico relatando que os morado re se recu-avam a ''levar eus filho aos pontos marca dos para a vaci na ção. alegando er a vacina a cau a de aJ gu n cao de bexiga que têm ali aparec i d o" . Não havia nada a fazer e ele queria que sua ·'comi --ão·· fo se encerrada. 6:) O barão do Lavradio, comentando u ma forte manife tação de bexigas em Perna mbuco em I 873. ap ontou o temor e m re l ação à v ac i na como uma das caua da propagação do m al . e proc urou e xp l icar o fenômeno. Se g undo ele, além dos insuces os d a vacina devido à de o rga ni zação do erviço e à degeneração da linfa. havia o prejuízo de que estão ei vadas algumas populaçõe centrai , de que pode ela [ a vacina] dar l ugar ao nascimento do flage lo, atenta.., às epidemias que se têm ào;; \ ezes seguido d a a d oção da v.1rio liza;;ão, método que. dando alguma vez re u ltados favoráveis. co1Stitui sem pre um tentâmen i n cert o e perigoso.
Em outras palavras, o ch efe dos higieni ta achava que a popula ção não con eguia diferenciar variolização e vaci nação, e se a u� tava com o riscos conhec ido� e habitualmente as oc i ado à pri meira.70 Ora, a exp li c ação do barão pres u põe que a variolização ha via de er uma prática recorrente no paí . pois só uma e l(periê nc i a pré v i a relativamente generalizada com o método poderia j u tificar que a, pes oas soube sem e x pri mi r tão be m os seu ri co , e então e recu ar à vacina porque. endo a im, a vacina seria com efeito a varíola. !\.{as seria po ível que parte significativa da po p ul aç ão das províncias. e da p róp ri a Cone. prati ca se a i noculação do pus variólico? U m primeiro fato curioso é q ue o vacinador ·· u pra numerário" de I nhaúma ci tado acima ob erva no mesmo ofício que "muitos acham-se já v ac i n ado�", e por i o não concorriam à vaci nação. Em outro ofício. o u pra n u me rário esclarece que havia na "Freguesia alguns c u riosos, que a p rati c am [a vacina] espontanea'T l -') I
mente". Seria mesmo vacinação a prática do "curio�o ''? Ou erá que havia pe soa em Inhaúrna que recusavam a vacina do esculápio porque p referiam a variolização praticada por "curiosos.'? ..Dúvi das obre dúvida · ·, diria o marido tomara que traído de Dom Cas murro. Nem tanto as im. Por exemplo: mais ou menos na me ma época do mpranumerário - meado da década de 1 860 , o ba rão do LaHadio pedia que a autoridade policial toma e providên cias con tra um indivíduo que praticava ·· a inocu l ação do pu variá lico em várias pes-oas. as q u a i por e se meio têm contraído a varíola" na freguesia de Irajá; o higieni-ta temia o i ncremento da epidemia de bexigas que já gras ava no locaL ..,, Não há dúvida: a inoculação do pu� variólico realizada por "curio o " - talvez não ó por eles - era prática comu m tan to na Corte q uanto no interior do paí ao longo do -éculo XIX . Há evi dência dis o por toda a documentação do período, m as vou come çar pelo princípio. Mencionei anteriormente o dr. Heleodoro Ja cinto de Araújo Carneiro, médico port ug uês autor das ...Reflexões, e ob ervações sobre a prática da inoculação da vacina. e a. sua fune ta conseqüências· · , publicadas em Londres. em 1 808. n Se g un do Hercu le M uzzi, o livro do dr. Heleodoro tivera grande re percu ão em Portugal e no Bra il. e ndo que seu argumento "'Obre o ri co de o proce o de vaci nação transferir ao homens as doença do quadrúpede. teria comprometido qua....e q ue i rremedia velmente il propagação da vacina. O fato, porém, é q ue a obra do dr. Heleodoro não só condenava a vacina como defendia tenaz mente a variolização. O doutor achava que a inocul ação da. bexi ga" era um método consagrado por um éculo de u so em toda a Europa, sendo que os próprio, ingle�es haviam introduzido tal prá tica ''à força de especulações, e cálcu los bem deduzidos" - e a isto tinham de atribuir o bretões "o aumento da ua povoação''. O dr. Heleodoro não e conformava que aos me mo ingle es e de ve_se a ubstituição "no fim do me mo éculo a esta inoculação [ . . . ] a do pus da vaca· '.73 Em suma, se a obra de Heleodoro teve a repercu ão que lhe atribui Muzzi, é po ível que ela não ó tenha emperrado a propagação da vacina como propiciado certa legiti midade ao proces o de inoculação do pus variólico. Talvez seja útil lembrar, ne te contexto, que os esforço do governo português -
128
em promover a varioli zação no Bra il fomm tão tardio a ponto de se confu ndirem com a pri meira tentativa de introdução do pró prio método je n neriano no paí . 74 Deixemos, porém, de hipóte e arriscada . Temo o fato . contra o quai� não há argumento. A im era a hi �tória como real mente acontecia: Ainda que oficial mente nio me fos. e com u ni c a do sei que algun � Mun icípi o da Província do R i o de Jar.eiro foram i g ua l m ent e viti mados pela varíola que [ ] at eou se aitda mais pe l a inocul ação do seu vírus em yez do va.í:tico. E st a prá tic a de tran mitir aos sãos a li nfa variólica extraída de :>exiguentos. c�.,;j as pú st u l as se a pre se n t am com caráter mui benig:-.0. prática oulri>ra egui da . q u a ndo Jenner não havia ainda descoherti) a miraculo. a v i rt ud e do cmvpox. tomou se ab. urda de po i . que a huma nidade fo1 pre ent ea da por aquele ho mem, CUJO nome será imurtal, com o do m mapreciável d a vacina. e mu ito m a i s absurda se toma quando dela e lança mão para fazer retroceder uma e pide m i a de bexiga. . Qmndo esta enfermidade é pro duzida art ific ia l mente per m e i o da inocu l aç ã o não concorrendo as c i rcun. tâncias que lhe f:uem adquirir o cará ter epidêmico, poucas veze:-- é uc ed ida de re�ultados desastro,o. , exceto se . e m ultipli c a rem a
sos'- ocorrido na capital da Província de Pernambuco. 85 O presiden te daquela província havia permitido que ·'um preto buçal, e cravo. arvorado em grande curador do cólera pela credulidade e i gnorância do
povo", andasse ''curando nas casas, e no ho pitai , acompanha
do oficialmente de guardas''. O '·de aforo" e a "cegueira" chegaram a ponto ''de e mandar proibir ao médico do ho pitaJ des�a cidade o curarem mai
ne
a ca a ( i c) . e entregando e
as
ao
cuidado e
tratamento médico do tal preto curandeiro, exautorando (sic) assim a medi�i n a e
os
médico legítimo ". A conduta do presidente da
pro·víncia havia indi po to e revoltado "o povo todo contra a c Jas,e médica inteira'·, dando lugar a fato que envergonhavam e desacre ditavam ·'a nação brasileira ao olho do outros paí es'·, que
pode
riam chamar-no� de ''ainda bárbaro . e elvagen ". A Academia declarou- e "profundamente horrorizada por tanto e cândalo", e não é difícil entender a irritação do Corte com o presidente de Pernambuco. O fraca
esculápio da o
do ar enal
terapêutico da medicina alopática no tratamento da cólera -
as-
i m como d a febre amarela - era patente; pouco confiavam run da na sangrias, purgativo , sudorífico e vomitório , sendo que os homeopata
faziam carreira rápida argumentando, plau ivelmen
te. q ue oc:; a lopata aceleravam a morte do paciente . Naquele con texto, o apoio o ten ivo de uma autoridade pública a um curandei ro
africano era motivo compreen ível de alarme para os doutore ,
ma esta é apena uma faceta da hi tória. Gilbe rto Fre)re e tu dou detalhadamente o epi ódto em meia dúzia de pági na penetrante , e que permitem v i l umbrar o que ocorrja do ponto de vi ta da população negra do Rec i fe.86 Ao c urandeiro africano Pai Manoel permitira- e tratar o� doente de cólera no próprio Ho pital de Marinha. Ocorrera porém que, ten do falecido alguns pacientes, o negro ficara proibido de exercer seu ofício . Kão sendo acatada a determinação, foi dada ordem de prisão ao c u randeiro. A ten�ão ocial aumentou no dia �egum tes, com os negros e o "protetore do preto" - a í i ncl uído p a 135
dre e fidalgo� - di cu r ando e m defe a do c u randei ro e contra médico
e boticário � d i zia- e q ue havia i ntere
Manoel porque e l e curava o pardo
e preto
.
e e m matar Pai O próprio pre i
dente da provínci a explicara que a iniciativa de deixar Pai Manoel atuar no Ho pital de Marinha fora para evitar o motim popu l ar, que de outra forma eria inevitável: o problema é que se genera lizaia na população a idéia de que
a
xando que o médico
qua
- branco
autoridade
e
todo
e tavam dei
- mata
em a
gente de cor. Segundo Freyre, a morta lidade cau�ada pe l a doença entre e cravos e negro
livres pobre
era tamanha "a ponto de
parecer a epidemia a algun dele , preto e pardo , arte diabólica de branco
para acabar com a gente de cor"'. Ir'
A de confiança manife tada pelo cólera era um ortilégio de branco médico
percebido
para ati ngi-los - sendo os
como colaboradore
primeiro ponto i m portante. cional
negro do Reci fe d� que a
obre a cólera no
que populaçõe pobre
É evidente
ne te proce
o - é um
que a bibliografia interna ituaçõe. em
'culo XIX regi tra outra
duramente ca tigada pela doença de�con
fiavam que tudo aquilo e devia a maqui n açõe do podero ::>� p ara atingi-lo : mmcovita e campone e ru so acharam que (!� rico haviam de coberto na cólera um novo intrumento de opre�são; hoUYe
u peitas
emelhante
mia do i n ício do
ano
na Prú
1 830.
ia e na Inglaterra na epide
quando a marcha do flag�lo foi
freqüentemente acompanhada por motin popu lares. emelhante
•u·
A
vi sões
de carnpone e rus o , da mas a londrina ou do
gro e cravizado
ne
no Bra i l d i a n t e da cól era e da ine·1 itável
dranmtização da opre
ão ocial provocada pe l a doença ocorri am.
toda\·ia. em contexto culturais e hi tóricm muito e pecífico. .
O
que no� intere
a reter ne te contex.to é que o
escravo
e
negro livre pobre no Brasil podiam achar que determ i nadas doen ça eram uti lizada pelo
e nhore como arma� para ati ngi -lo 89 E . .
e te entendimento acontecia dentro de um uni ver o c ultural deter minado: a doença. para o negro, podia pelo poder de feiticeiro
er causada por feitiço ,
que con eguiarn manipular a� força
ne
fa tas do univer o. O flagelo cau ado pelo _ortilégio mágtco era apena uma po� ibilidade, pois havia doenças provocadas pela vio lação de uma tradição, por erro ri tual, ou pelo de cumprimento de 136
l - , ..!...
devere para com o deu e . De qualquer forma, não ó ele
o·
negro - ma
no Bra i l do sécuJo XlX - acreditavam que a doença
não era uma coi a natural ; a
molé tia
por causa. sobrenaturai · - cau as e ta sido evocada
por feiticeiros -,
eram
empre provocada
que poderiam ou não ter
endo a cura, como veremo .
prioritariamente ritua l . QO Em uma, havia toda uma tradição c ultu ral e re ligio a que, dependendo de contexto
hi tórico específi
co . podia transformar e cu lápios em agentes da cólera, ou comi sários vaci nadores - feiticeiro� brancos? - em inoculadore. de bexiga
e morte. Certamente havi a motivos que
o
doutore
não
podiam ou não e e forçavam por entender no "horror·· à vacina regi trado repeti d a mente em seus relatório . Uma hi stória sobre a febre amarela mostra como a crença n uma etiologia
obrenat u ral da
doenças parecia bastante generali zada
no Rio de Janeiro em meado do écu lo X I X . A proci s ão de Cin
zas. n o i nício da Quare ma, era uma da. mai aparato a e da. que maior público atraíam na Corte naquela época. Clero em obrepe lize de renda, membros da._ irmandades em opa colorida , devo to carregando o rg u lhosamente a tochas, canto�. guarda m i litar, imagens e m vesti m e n t a J uxuo�a; enfim, um grande e petáculo que percorria durante hora as ruas apinhadas do centro da cidade, v i itando igreja
e c u l mi n ando
com uma d i tribuição de doces para
estimular a devoção da criançada.
O pré tiro era organizado pe lo Tercei ros da Ordem da Pen i tência, de cujo tem p l o partia, e fora i n. t i t u ído e m 1 64 7 . Poi bem, um do andore t radiciOnalmente conduzido na proc i. ão era o d e ão Benedito . . anto n egro com uma legião de de\oto na ci dade. Na Quarta-Feira de C i nza de 1 849 o andor de ·ão Benedtto não ocupou o lugar que era eu na proci
ão havia doi
teceu que alguns Terceiro , carregado
éculo . Acon
de ·'prevençõe
[ . . ] que .
enchem o m undo de vento e de bolhas de e puma", nas palavras d e u m contemporâneo, c; ' ci maram de não carregar
o
santo ob a ale
g ação de que ''branco não carrega negro nas costas, me mo que seja Santo· ·.9� São Benedito não encontrou quem lhe levas e o a ndor e ficou abandonado n a acri stia. Ko verão , eguinte, de epidemia de febre amarela e abateu
a.
pnmeira gran
obre a cidade. A beata
começaram Jogo a propalar que treme ndo flagelo era a vingança /37
do anto negro ofendido. Tal
interpretação devia parecer bem pl au
ível di ante do aparente caprichos da peste:
como
v i m os no capí
anterior, a febre amarela era deva tadora entre os brancos e po u pa ' a a população negra de i n cô modo mais érios. De nece sário dizer que são B e n e diro reconqui tou seu lugar n a proci ão de C i nzas de 1 850, p i n t ad o de fre co, com manto novo de veludo, chei o de flores e co i s a e tal. mas a praga amarela ficou até o tempo de Oswaldo Cruz. Fúria de santo, a i n da diziam as be ata em 1 904 - se g undo Vieira Faze nda, testemunha ocular. Es ta hi s t ória propo rc i o n a u ma se gu n da observação importan te. Co mo mo t ro u Mary Kara ch a reação popular à epi dem i a re velou q u e muito acreditavam que ão Benedi to ti nh a a ··fo rça · para enviar o terrível fl ag elo, ma acha"am ao mesm o tempo que nó o anto po uía o poder de proteger eu devotos contra o vene no. A possibi lidade desse ··con trol e dual" - poder de provoc a r a doença e obstacul i zar eus e fei to - in inua que a i magem de são B e n e dit o pod e ri a ser i n vo c ad a em ri t uai s de feitiçaria, para detec tar e anular bruxaria c urar doente , ou me mo para ol uci o na r conflito den t ro de uma c om u n i d ade o� A idéia de co n t ro l e dual" �ugere homologias entre ão B e nedi to e Omolu ( o u X a pa nã ou Obaluaiê), o orixá da varío l a e, e e tou correto, pode esclarecer muita coi a a re pe it o da resi rência popular à vacina. Her kovi t de creve com de talhe a o nge ns e o entido do t u lo
..,
,
'
,
�
.
"
.
u
culto ao vodu Sagbatá entreo daomeanos.94 Sagbatá é originalmente um termo g e néri co
para um grupo de divi n d ades da terra - isto é,
di v i n dade l igada aos recurso que a natureza dá ao homem. permi tindo ua sobrevivência A
a
oc i aç ão entre Sagbatá e
de
e tritamente mitológico . Todos pre ci am respeitar as terras que lhes garantem a ali mentação. assim como as chuva que as fertilizam: nada mai justo. portanto, q u e Sagbatá , que nutre o� hornen dando-lhes os grão e cer�, o� po a também castigar por uas ofensas, enviando-lhes doen ças que consistem em fazer com que "os grãos que o homens comem apareçam em ua pele" - flagelo tai como varíola, ararnpo, escorbuto. Há uma hi erarqui a ne a pu n i çõ e , endo uma epidemia de varíola o res u l tado de j u lgam e n t o do� mais evero de Sagbatá sob re os males imperante numa cornunidade.95 varíola é e xpl i cada em te r mo
-
e p i dem ja
1 38
l
h á aqui
Já
uma
ambivalência, uma po
ibil idade de controle
dual, que v ale a pena regi trar: Sagbatá concede a vida ao homem fornecendo-lhe grãos; pode também trazer-lhe a morte atravé da peste. A me s ma ambivalênc i a aparece na forma com o o devotos do .. Rei. Senhor da Terra·· preci avam lidar corn a doença: a epide mia de varíola era uma e pécie de purificação da comunidade, u m a "li mpeza'' d o male que e haviam a l i acumulado; e u s membros deveriam mudar de atitude e confe
ro preci avam abandonar
suma.
a
ar ua ofensa , e o
ua parafernália
feiticei
nas encruzil hadas. Em
j u tiça de Sagbatá não devia er ob taculizada por meio
mágico , nem convmha buscar outro expedien:e - como a v a ci
creve Herskov i t - 96 que cria em emb::..raço ao "Rei" na execução de seu ca tigo. Se o ''Senhor da Terra·· havia trazido a epidemia, só a ele competia proteger a comunidade e l i vrá-l a de . eus efei to ; o procedimento inver o eria u m convite a mai de va tação e m o rte . e te po nto, é irre i tível reler aquilo que o dr. José de Castro Rebel lo ouvi u do "indigente atacados de varíola.. em Campo Grande e Iraj á, na Corte: na. e
Tive de lutar, com �érias dtficuldade . contra um preconceito i nfunda de que . e enraizou no espírito de muita pes oasde ta local idade, jul gando ab olutamente dispemável e até i legítimaa intervenção do mé di co no tratamento da varíola Muito
acreditam que a inter,enção
enérgica embaraça e prejuJica a marcha n Ka defin ição de MacGJ.ffey, J!kisi é uma força . . proveniente da terra invi ível dos morto '': tal força teria ido levada a . e ubmeter a certo controle pe l o mundo do vivo . obedecido o rituais pert i nente, . 1 1 7 1\ o nkis; em que t:io predomina a cor \ermelha e um do
aquinho é feito
de fibra de ráfia, detalhe que lembram imediatamente objeto e rituai
dedicado
a Omolu no candomblé. 1 13 Também aqui só o
nganga ou acerdote pode tocar num doente de \'aríola, ou fazer o que é preci o para livrar a comuni dade do 11age lo . 1 19
144
Um fato i n tri g a n te no problema da \'arÍola e da vacina é, na
verd ade . a conv e rgê nci a d e i n terp retaçõe oriunda à vezes de trad i çõe s cul turais a mai di t i n ta . Não era apenas a cre nça mai geraJ n u ma e tio logi a obrenat ural das doe nças que unia a� re l i giõe afro-brasileira e o catolici mo pop ul ar na Corte i mperial . J á vimo que e n tre daomeano , iorubanos e ba kongo uma epidemia d e v arío l a era um c a ti go que f u n cion a ,; a como purificação do males de uma com unidade; a ten tat i va de ob taculizar a marcha natural da bexiga seria então u m co n \' i te a mru deva tação e morte. O dr. Rebe ll o ouviu argumento p arecido do "indigente a tac ad o de v a río l a" em Campo Grande e Irajá. O. e tu di o �os da re J ig iõe� afri cana no Bra.j l reg i rraram fato ernelhante em sua pe :qui a . Ba ti de afirma mesmo que "a varíola é con 1derada à veze prova de am i zade , um inal da vo ntade de e Deu de tomar como ·cavalo' tal ou tal pe oa". 1 20 El e pro egue co n t a n do que hav ia conhecido cli ver�os fil ho de Omolu que traziam no ro to a. cicatrizes da d oe n ç a. e um de l e , e m Porto Alegre. ·· e tinha torna do membro de sua confraria depoi de um ataque de a molé tia, . co n .;; i derad a um ch a m ad o divi no' . 1 2 1 Jo é Ribeiro afirma que o. " neg ros bantus acreditavam que a varíola ignificava urna prova de amizade. um sinal da v ontad e de Omo lu tomar o po rtador d a do e nç a como eu 'ca u e to ' , eu ·fil ho' .. . Ai nda g undo Ribeiro, ''acredita-se eja est a a e xpli caç ão para a re i stê nci a do negros à vacinação c o n t ra aquela doença" . 1 � Waldemar Và1ente, pe quisa ndo Xapanã nas eiras torubás de Re ci fe, recebeu a i n form ação de que ''durante a manife�tação de Om o l u a pes Od )Ofre como . e e tives e real mente acometida de uma doença··: mas e e trJn e mi tico du rante o q ua l o fiJbo da divi ndade e x peri me n ta o horrore. da varíol a é percebido antes corno • ·p u rifi c ação. . do que castigo. 12-' L'm l ei tor. já atento à s i n u os i dade de te meu texto, lembra ao g ri to� : Barbo a e Re ende, h ig ie n i tas do tempo de O waJdo Cruz. culpavam o c le ro portuguê- pe lo primeiros in-uce 'O da vac ina: seg u n do ele "
.
algun
padres católicos proclamavam que
t al invento era u m presente de Satã e que
vinha perturbar a
mar
c ha da natureza' '. 24 Em 1 793, po rt an t o poucos ano ante da de
LUIZ António de Ol i veira M ende vari o U Laç ão entre o negreiro portu -
cobena da vacina jenneriana,
não regi s tr ou a
práti ca da
-
1 45
gue e , e re u m i u as i m a atitude de
e
enhore
em re laç ão à
varíola e nt re o e cravo : "o senhore têm para i , que e ta e n fer midade deve
eguir o eu curso, ,aindo a
Bexiga , enche ndo, e
ecando; e que e o escravo ti\er de morrer, que as sim
vi rá a
uce
der; e q ue se tiver de e capar, viverá". 125 Outro lei tor grita mais alto: tudo is o me le mbra o médico francê , dr. Deh le, cujo traba l ho foi destacado em editorial do
Jornal do Commercio em mea
dos do anos 1 850; o genial gálico culpava a vac i na pela degene re cência da espécie, e defendia a hipóte e de que a varíola era uma fa
e
nece
ária d a vida humana, a ·im como a dentição ou a m e n -
endo prej udicial a interferência dos mé d ic o para e v i tar pes oa , principalmente as crianças, a comrais.emY .< En
tnação, que a
fim, hav ia tra diçõe
cult u rai
mai_ diveca
a
- bant u , iorubá,
católica, . . negreira", médica. e ei lá quanta rnai
- convergi n do
p.ua a noção de que era "di pen ável e até i legítima a intervenção do méd i c o no tratamento da volta. c o m o
aríola". O
problemas organ izacionai
erviço de vacin aç ão, à e técnico
analisados
anteriormente, além do. "empenho " e de calabros de praxe, coneguia necessariamente pouco diante de
e q uadro.
Sempre à roda da me ma que tõe , e mantendo o norte c u l tural negro do percmso. re ta aber o que pen_ar da evicência. obre a prática d a variolização no B ra il imperial Cont inuemo ao sal t i n ho um
.
à moda da delicio
alto de volta à
Á frica.
a
Capitu, mas não sem a n te s dar
Ainda um leitor é quem acode. l em
brando Onesimu , o e�cravo africano do reverendo Cotton Mather. de Boston, que re l ato u a eu enhor o procedimento de i n ocu laç ão de pu
v ariólico a que fora
ubme tido em
Onesi mu , assi m como boa parte do
africano
ua terra nat a l .
:n
escravizado em
Bo ton no início do éculo xvm, era prove niente da Á frica oci den
tal - a mesma região do continente negro de onde provi n ha a
mai o r i a dos cativos transplantado para a Bahia. Boa parte do te temunhos coletado:; por Eugenia Herbert sobre variolização na
Á frica
ão originário de
a região. havendo referências expl íc i tas
à prática e ntre dao me ano e iorubano . o povo devoto de S agb a t á/ Xapa n ã . 1 28 A pe qui a de Herbert não é concl usiva obre o caráter ritual ou não da
escarificaçõe
feita com o o bj ettvo de inoc u l ar
as bex iga : ela tende a acreditar que o procedimento era basica-
146
mente '·empírico' ' ao i nvé de mágico ou rel i gi o�o, e i sto apesar de ter encontrado e c it ado exemplo- de v a rio lização ritual. 11q O t e :ivos e tão narrado na i mpre
sionante obra conjunta de Fe n ner,
fic am por
m i nha conta e ri
E tais deduçõe
Henderson, Arita. Jezek e Ladnyi, Smallpox and irs erad1cation, trabalho ao qual já venho recorrendo re peti da mente ne· te texto. Com cerca de 1 500 pági na , riquís i m a
ico nografi a, alguns capítu
obre a história da varioli zação e da vaci nação no mundo, e outros tanto meno inteligívei obre as características c líruca e a e pidemiologi a da varíola à luz da med i c i n a atual, Smallpox and its eradication foi uma i niciativa d a Organização Mundial de Saú lo úte i
de (0.\tS) no i ntuito de ce lebrar o suce so da campanha de erradi cação global da varíola, ocorrida ent re meado
do� ano 1 960 e o
fi nal da década de 1 970. O au tores do l i v ro ão todo médicos que e t i veram eng ajado fico
no programa. A obra dedica capítulo especí
à campanha de e rra d ic ação d a d oe nça atravé
1 ./ 7
da "acinação
em paí e
e reg10e do mundo onde a doença era endêmica e se
reve tia de maior gra\idade. Um de te dedi:ado à
e capítulo
África ocidental - mai
é e m grande par
e pecificamente ao Togo,
Daomé ( Benin) e Nigéria. As equipe da Organização Mundial de Saúde e ncontraram "re i téncia generalizada à vacina" ne. e paí e , e� pecialmente nas área rurai . A re i tência foi atribuída à ex i tência de um · ·c u l to fetichista da varíola'·, chamado Vodu-Sakpate ou Sopona. O pro blema é que
acerdote
fetichi ta hereditário
féticheurs.
- os
con iderado pela população como capaze de provocar ou preve nir a ocorrência da
bexiga
- realizavam tradici ona l mente a
' ariolização em rituai dedicado à diúndade. Segundo apuraram o doutore., u m grande número de indivíduo� recebia a variolização na. ' i la afetada cerca de trê� ou quatro emana apó-, a o�orrên cia do primeiro caso de varíola. realizando- e então u m a cerimô nia na qual e dizia que as pe ·soa ficariam livre da doença. -" A situação foi con iderada grave pelas equipe da OM • . E las avalia\ am que o
féticheurs
tinham intere
e
econômicos que
o. tornavam ini migo. da. campanha de vacinação - a ele-. ca bi am o ben ca pe. oa que morriam de varíola.
A
preocupa
ção aumentou com a obtenção da informação de que u ma equ ipe de ,·acinadore
havia ido a
no Daomé. no início do ano
a
inada por devotos de Sakpate,
1 960. A continuação da ocorrênc i a
de ele\ado número de ca o de varíola. e. pecial mente no Togo. e a apre�e ntação de relatório contendo a informação de q ue popu laçõe. inteira de vário povoados fugiam diante da c hegada dos vacinadores, levaram o mai
re pon ávei
pela campan ha a estudar
detidamente o que e tava acontecendo. Confi rmou-se a i m
portância do culto a Sakpate/Sopona e d a prática da
\ ariolização
na re istência à vacina, ma o e tudo também conc l u i u que havia uma de confiança generalizada em relação às açõe. governamen tai . a
ociada. normalmente à cobrança de impo.to
e ao recru
tamento mil itar. A equipe da o�ts abandonaram qua I quer rec u ro à autoridade policiai daquele paí e . e acabaram con eguindo uce
o na maioria do ca o mediante a adoção da e tratég ia de
procurar per uadir o lídere religio o locai dos benefíci o vacinação. 13-1
148
da
I
-,
.!.
"Saltinho'' em direção à África central. Eugenia Herbert en controu menos testemunhos sobre variolização nes a região do continente. Curio amente. poré m, l evanta a seguinte hi pó1e e para articular a evidênc i a que coletou: · ·Parece razoáve l atribuir a inocu lação entre o povos do sul e do centro da Africa ao contato com os portugue e ". É que ela descobre um padrão - u ma "linha de transmi s ão"' - de presença da variolização egui ndo as rota comerciai dos portuguese da costa para o interior do contineme; e cita o exemplo de membro de uma expedição lu itana que, em 1 832, foram i noculados logo que i rrornpeu a varíola na corte do rei Kazembe, região nordeste da Zâmbia. 1:;5 De qualq uer forma, o fato é que não há até agora evidências mais definitivas quanto à prática da variolização e ntre povo da África central, ao contrário do que parecia er o ca o na África ocidental e no Bra il do éculo XIX. Pen o. contudo, q ue o africanos provenientes do Congo ou Ango la, uma vez chegado ao Brasil, provavelmente não teriam muita d i ficu ldade em re interpretar tal prática segu ndo u as visõe cosmológica . AfinaL a variolização é u ma prática estritamente coerente com a idéia de ··controle dual" que, como vimos, também e tava presente entre os povos centro-africano-: da própria fonte do flagelo surge a po�sibilidade da purificação e da cura. Mencio nei atrás que entre os ovimbundu, a im como entre os bakongo, achaYa-se q ue o espíritos à ve-zes mandavam uma doença a de termi nad a peu oa para sinalizar que ela era uma da- elei tas para er o ocimbanda ou nganga especializado em tratá-la. 1 v\ Po:s altemo� o oceano de u ma vez. Há testemunhos condu si vo. de que o devotos de Orno lu no Brasil imperial praticavam a varioli zação ritual'? A respo ta é "não· · . �1as não se trata de um "não·· rotundo. Como vimo , as fonte con ultada nos falam da variolização como urna prática comum. e nos falam que a varíola era doença que afetava mais intensamente negros e escravos. ma não no falam explicitamente de negros praticando a variolização (de resto, este terceiro capítulo seri a bem mai curto e as fontes fo em clara a e e respeito). Ten ho dúvidas se o médicos que redigiam os relatório obre a vacina no éculo XIX poderiam ja mais perceber - e então regi trar - o sentido cu ltural e religioso das variolizaçõe de que tinham notícia. O esculápio l anceteiros 149
pen avam apenas que lutavam contra '·preconceito ·· e '·ignorân cia"� ou eja, �ua vi ão estava infornada apena pelo preconcei tos e ignorância caracterí"tico de sm própria "ciência''. ão ó o l anceteiros do éculo ux tinham dificuldade nes e a unto. Roger Bastide escreveu: "se o africano, de u m lado, teme Omolu, sabe. por outro lado, que em acerdote podem, por meio de sacrifícios apropriado�. conjurar as epidemia do país''; e neste ponto há a seguinte nota de rodapé: "o que e tradu z , parece, cientificamente pela descoberta da vacina antivariólica pelo afri cano que tomavam um pouco do pm da ferida do doentes para vacinar o ãos" (no original: "Ce qui 'e t traduit emble-t-il, scientifiquement par la découverte dela \'accmation anti-variol ique par Jes Africam qui prenaient un peu du pus de pu tule, de maJade pour en vacciner le bien-portant ). t r É cl aro que o au tor chama de vacinação aq mlo que era variol ização. U ma vez cor rigido o equívoco, a interpretação é reveladora: Bastide de-..c reve pri mei ramente a caracterí tica de co n t role dual q u e vi mos enfatizando cumo crucial no cu lto a Omolu - o orixá pos ui a ·'força·· de e palhar a doença e também de proteger contra eu efeitos, como expre o na epígrafe de ta parte do texto; JN em lie guida, ele encontra um entido para a prática da variolização no interior mesmo da lógica do culto a Omol u. A, i m, o ori xá tinha o poder de espalhar a varíola, ma , paradoxalmente, defendia eu devoto de estragos maiore com a molé tia produ;:,indo neles a vario/a - por meio da inoculação ritual de material variolo o. cau ando um achaque atenuado da doença a seus protegidos, e imun izando-os do mal de forma permanente. Autore anteriore a Ba tide já haviam encontrado dificul da de em interpretar o l ugar de Omolu e da ' ariolização na re istência do negro à vaci nação. Étienne Bra.zil escreve sobre Obaluaiê: ·'E se mocetão é um mimo ou santo ternivel e crue l ; e não e deixa :unan ar senão pela própria mãe. Jyabayim, que vem a ser a vaci na". 13" 1\ão e pode ter certeza, ma fica a de confiança de que o padre É tienne confundia vaci nação e variol ização, e pen ou en contrar a primeira onde havia a egcnda. Nina Rodrigue . muüo rnai analitico do que o padre obre aqailoque ob ervava. tampouco escapou ao problema, e preferiu registrar a dúvida: "O negro fa''
150
j
Iam muito em labalzim, mãe da texiga ou varíola e eu
upu
uma
divini zação rece nte da vac i n a . Todavia, e ta interpretação tem con tra i a repugnânci a e relutância do negro a �e fazerem vaci nar"'. l-t> A idéia da existê n c i a de uma divindade mãe de Omolu. com poder para contrariar
os
e feito da varíola - uma divin ização mai
pro
vável da varioüzação, e não da ' acina -. ainda parece coerente com a noção de que a proteção contra o mal tinha de vir da fonte mesma do mal. Afi nal, labahtm gerara Omolu, ma podia neutrali zar o
efeito.;; da pe te de encadeada por este.
A interpretação ugeri da por Ba tide, me"mo que parti ndo de u m eq uívoco. permite articular de forma convincente, e talvez eli minar, duas dificu ldade : de um lado, a informação colhida pelo médico:, de q ue s u a i n tervenção não era conjderada legítima ne.a doe nça e, de ou tro lado. o te temunho de que a intervenção de curandeiro
ou "curi oso_" era
olici tada para a prática da vario
li zação. Sendo a e t iologia da varíola de ordem ·obrenatural, a cura teria de acontecer prioritariamente por meio de prática rituai ; por con eguime, e segui ndo a lógica do culto a Orno lu, cabia a acerdotes, mediante procedimento
eus
apropriados - e que prova
velmente incluíam a "ariolização e outro riruai de purificação -. aplacar a vingança de Omolu e obter dele proteção contra a pe te reinante. Sabemo.., talvez agora a fonte do ''horror" que o médico e sua vacina inspiravam ao
populares, ao meno àquele dentre
eles que adoravam Omolu e temiam proYocar a sua ira: ob taculi zar a ação des a divindade era provocar mais devastação e morte. uma noção j á pre ente n a versão do culto entre o daomeano . e que laboriosamente fi ze mo atravé de saltos e
aportar ao Rio do éculo XIX. Tudo i
alti nho , teórico e empirico , que
o
ão um mé
todo mui rigoro·o de e crever a hi tória.
CERCO AOS VA.CJNOPHOBOS H o u v e mudança
i m portante
no
erviço de vac i n ação
anti variólica na Corte nas dua última décadas do período impe rial, mudança essa que revelavam tendência que iriam e inten ificar com o advento do regime republicano. A jtuação do erv1-
151
ço no final da década de 1 8(:() dei xava patente que a Jgo preci,ava er fei to. A epidemias de varíola pa aram a ocorrer na cidade todos o anos, infalivelmente, a partir de 1 865. Segundo B arbosa e Re en de, os higie nistas do tempo de Oswaldo Cruz, o comentário geral na época era o de que a doença vinha '·atacando ao mesmo tempo vaci nados e não-vacinados sem disti nç ão al gu ma·· . Havia ce rto desleixo no etviço de vac mação , diziam eles. porém c fator decisivo era tal vez a di ftculdade habitual com a con ervação da linfa vacín:ca. que e m dúvid a se encontrava novamente degenerada . 141 Jo é Pereira Reg o . j á então o barão do Lavradio. no auge de u a influência, acumulou os cargos de presidente da J u nta Central de lligiene e diretor do In tituto Vacínico durante parte do ano 1 870. Sua atu ação em rel aç ão à varíola era i nformada por um pre upo to semelhante àque le que orientava o c o mbate à febre amare la nerm. porém. que 11111 i/os
pactellle cerlame1Z!e esclctco - ao ha/câo. Dehrel. \'iagem ritore'>c.t e ht.,tónca ao Brasil .
/.!. Pedro 11 i'!.,llcmdu t lfnsentmu/{) j>tll ii!SSt' h��lw.'i::::ar·· as P�'SS(JC/,'> -
1sto e.
pnHlLr::f,· jeiçocs
111ulu de tfllt a t 'C IÔJW dL· h-u · 1/IJS • ·at.iumulos. (I
.. :(fda JW Eu rvj>a w, illf(:io dú S(kulo XIX. ;çâo rc•ma J!Iica da ,· ·ac;,wçâc, pratu O uéâKo retira (• materit!l d;l l•tíslula de Ult'C• uicii.'Ç(/ L'cKflzc•da e u inoc:ula
2fJ l
n;a 1
.mcclw/mnen/1! no
e d(/lc:tldac/('s JW
IJraço de 1 1 ma o:t Ira C•it, 1 1ça.
Haria il 1 1 ínw1u.; rL.;cos
c,p/;caaio dv mi:/()do Jc, t'tlcii WÇâc, IJmçc>
a hraço
I -
/
2 1 . OfJra mtitu!ada Vaccinalillg ihe _l)(IC)/"··.
(!:omon
·�)'1/Jlgi!.fr nr3. A [!,rtll ''l rti ..
parece q•wrc>r ··ugC!rir ao jJIÍ IJfico tflle ele de!: I' subn;eter-.'< â Ulcílwçâv com
tranqtúlia(lde. como u m pr'JG!climen{o de nJibw dm ÓJlJ.MS dl! saúde J•úhliccl.
22
.
.
I
t .:rcu•tt�"a represewa
flma
�.:eno
de rua em Jeryey City. ,\m a jet:�ey, H! !A . dn mnte
i'iiiC!
epidem ia de
I 'Clríofa; a caci,wçâo tor11ara-se cumpulsô ria na (,Ca'ilâo.
de oiJri! ti,, lr'·� -o. 11/tJ.\Irttllllo o trmwlto 1111111 dia d t•acilwçcn lt.J .lcadem ict d .l fu lu .. :í 11{1 de Pc' ris. Tíu mi'dic() t'} •m-et:e extraindo a CO\\ pox c;, cj:wdnípede delfado ScJbre a llh"\a. t ' ltpWillo 11 m 23. (,rat 'lll"tt puh/icoda em l l.trp· r ..,
''
eekl) . 23
co/(�:!,CI S!ll aplica a t'tiCilza lllf lllti 1111tl.iwr de hraros desl/1/(/os. AJ>,)s con.�rt"\So mc;dico reali::ado em l_rono; 110 mw rillhO'
do Coprltio C
Gc./d nws/landu a eco/uçâo
ca1 t.,adt !.'' pela
Brinsh �h.:d
nwl.'> n�t!, ula rmen,e ohserrada da.; lesc)e.,
L a rio/i:.i•Çiio e raciJwçâo.
ral Journal
e•n
.
h p, rm 'li m.,./i m. m repu h/ic:adas no
1896. ce/eiJrmulo o centeutírio dt!S pesquisos de jenner.
As lesd da L 'tmo/ct aié í!ll/ l"ctr em Lrcmse .. .
meiro g overno re p ubl i cano conferia-lhe "todo o serv iço de vacina ção animal no Rio de Janeiro". O eu In tituto Vacinogénico fica va obrigado a envrar pe oaJ à In petoria de Higiene dua vezes por emana para realizar a ·'vacinação animaJ direta de vi te l o a braço··. Na ede do Instituto Vaci nogênico, a vacina animal era mini trada di ari a me n te. O e tabelecimento do barão estava sob a "fi calização i mediata·· da In petoria de Higiene, e o contrato fir mava expressamente que ü In tituto Vacinogênico tinha a obriga ção de · fornecer à In petoria, com de tino ao serviço de vacinação de braço a braço. a nece sári a linfa para re vi gorar a v acina humanizada''. 156 Em 1 894 o barão propô à municipalidade que pas ara a ter a vaci nação a eu encargo com a reorganização do Distrito Fe deral - a criação de um novo I nstituto Vacinogênico, que pudes e "preencher perfei tamente todas a neces idade do referido serv i ço". Fez-se um contrato de dez ano . refonnulado em 1 8 97, q u e obrigava o barão a minütrar tanto a vacina a n i m a l q ua nt o a h u man i zada A determinarão da inoculação da l infa hu manizada àq ue le que a solicita sem era em dúvida uma precaução tomada d evi d o a po sívei reações de favorávei à vacina animal. O co n trato e tabelecia ainda que o I n tituto devia "fazer vaci naçõe n a e talagens e centros populo os com o fim de beneficiar com esc;e meio p rofil ático aquele' que dificilmente poderiam recorrer ao Ins tit uto". Os vacinadore tin�am de VI itar "todo os domicílios des ta cidade e m que e tinham dado casos ou óbito de v aríola, fazen do v ac i n ar to d as a� pe oas neles re identes··. 157 O texto do cor1trato deixa claro que a vi ita dom icil iar pas sava a ser talvez a principal e tratégia dos higi e n i ta para conse guir a propagação da vac:na. O relatórios do barão de-crevem com algum detalhe a teoria, o método e o probl e m a da vacina ç ão domic i l i ar. 1 58 Primeiro, a teoria e o método do combate epidemiológico: "Se mpre que ao In tituto é not i fi c ad o um c a� o ou óbito por v aríol a os comissário e auxiliares v ão imediata mente à ca a notificada proceder a indagaçõe que i n teres am à estatística sobre o vitimado vacinados ou não e, pri ncipalmen te, procurar isolar pela wcina os moradores dessa e das casas viúnhas [grifo meJ ]" . 159 Se as not1ficaçõe' e repetiam na mes'
-
.
159
ma vizi nhança, o vacinadore percorriam ruas inteira . A e tra tégia do i olamento pela \'aci na era feita com CO\.'-POX. na forma de polpa gl icerinada produzida no ln,tituto, e'itando- e a s i m que o vaci nadores condulis em o quadrúpede, e m suas i nc u rõe no cortiço e outra habitaçõe . O fato, porém. q ueixavam -se os h i g i e ni st a . é ç u e os vacinadores encontravam "a recusa. a má vontade e a res istência [ . . . ] por toda a parte·'. 1 60 No relatório referente ao ano de 1 900. por exemplo, o barão de Pedro Afon o conta que a v aríola v i n h a flage lando continuamente o bairro de São Chri t óvão; concluindo então que a doença preci ava ser '·energicamente atacada", ele de terminou a "vacinação si temática" na área atingida, "percorre ndo o Comi ário Vacinadores e Auxiliare , casa por céba, toda a rua onde foi notificada a varíola''. Ape·ar do empenho da equ i pe do barão, o médicos ··eram despedido em consideração". e n ão havia corno cumprir sequer a determinaçõe legai quanto à profi laxia da varíola na inf'ancia - a obrigatoriedade da i mun iza ção infantil fora renovada no regime republicano por decreto de 1 8 de dezembro de 1 889. Sobre vacinação. varíola e mortalidade infantil. aliás, o rela tório de 1 900 traz número trágicos, que revelam as conseqüências do fracasso do higienistas em atingir a população: a� criançê.S não vaci nada re pondiam pela maioria e�rr.agadora dos ca o notifi cados de varíola, endo que em 1 29 óbito de crianças variolosa menore de ete ano , 9 1 ,5% jamai haviam ido vacinadai. No 1 79 casos de varíola ocorrido em maiores de ete anos, 91 pescas nunca haviam ido vacinadas. e as restantes 88 não haviam recebido a revaci nação. Os vacinado atacado çeJa varíola o fo ram. em geraL mais de dez ano após a primeira inoculação. Ne te contexto, é compreen ível a in i tência do barão, em :,eus relató rios, para que o governo fize e aprovar e cumprir uma lei geral de vacinação e revacinação obrigatória . 16 1
O testemunho de que os esculápios encarregados da -vacina ção domiciliar encontravam na população "a recu a, a má vontade e a re i tência [ ... ] por toda a parte'' aumentam de significado se colo cados no contexto da impor1ância que a inoculação a domicílio havia a sumido no erviço de vacinação. Vejamos os número": 160
TABELA 3 Vac1nações e reYacinações efet uadas na cidade do Rio de Jan�iro de 1 898 a 1 90 I , discriminada eguLdo inoculações feita em domicílio e no I n t i tuto Vacinogén ico. egt..ida� do cálculo do número de vaci nado por ano para cada
mil habitantes (n� de habitante
Anos
vac.
a dom icílio
do Rio em 1 900 : 69 1 565).
Vac. no Inst.
Total
Por 1000/hab.
1 89
1 2 439
(80, %)
29-12 ( 1 9. 1 t:r)
1 5 38 1
22,24
1 899
1 9 588 (68.6líti cas pre ente no d e ba te e ntre médico co n t a g i o n i ta e i nfe c c ioni ta. no que co n ce rne à cau.as e ao m od o de propagação de doençru, e p i dêmicas . As controvérsias n o i n terior do pen amemo e das práti cas higien i tas era m con ti t u t iva do proce o h i stó rico de falência das i deo lo gia� de d om i n ação enhorial - e cravidão, paternali mo, depen dê nc t a pe �oal - e da con eqüente tentativa de reo rg a n ização do mundo do trabalho no B ra si l na últi mas dé cadas do século pa s,ado . A h istória da v a río l a e da va c i n a antivariólica no Rio é assim constitutiva deste processo h istórico mais amplo - i to é, não o "reflete" nem o "exemplifica", m a s é u m dentre o m ú lti p lo elementos que e fet iv amen t e o constituem. 167
Segundo, a observação de Policarpo de que ao curandeiro cabia ainda "o governo da multidão" no" remete, por um lado. à neces idade de in erir o deba:e e a
prática
dos higienista
no
conjunto de medidas coevas de�tinada a arrancar à classes traba l hadora
a
po
ibilidade de práticas políticas e culturais autôno
ma-. Por outro lado, e chegando tal vez ao que há de mais central na forma como e te meu texto e relaciona com a tradição da his tória social, ficamos com o de afio i ne v itável de investigar o al cance reaJ da prática higieni �ta , desvendar as respo tas sociais à políticas de aúde pública, e recon tituir, enfim, atravé� de pro cedin:ento
empírico
da- concepçõe
detalhado , as v i sõe
e prática
populares a re peito
"dominantes" ( .. médicas", ''oficiai ")
obre doença e cura. O leitor reconhecerá aq ui . e. pero. a principal opção de abordagem da hi tóric: da varío l a e da vacina anti variól ica que acaba de percorrer. As piginas que se )eguem agl uti nam
tros tantos já pre ente
elementos novos e ou
na narrativa até o momento, procurando
emão di cutir o temas dl (in)tolerânci a carioca e do (des)governo da multidão no interior do movimento da políticas de domínio na ociedade abrangente. Fecho
o
texto com breve
reflexõe
sobre
nostalgia. con tituição do te temunho h i tó1ico, e armadilha. ideo lógica e política inerentes ao fazer hi toriográfico.
11.
Teoria e política áas práticas higienistas
Eram dois o pnncipais p::.radigmas médico , vi gente no sé cuJo XIX, sobre a cau a e o modos de propagação de doenças epidêmica . Numa prráfrase de Chemoviz, 167 entendia-se por con tágio a propriedade que apresentavam certas doença de se comu
nicar de um a outro indhíduo diretame nte, pelo contato. ou indire tamente, atravé
do co11tato com objetos contami nados pel os
doente ou da re piraçãodo ar que os c i rcundava. O contágio, u ma vez produzido, não precisava. para se propagar, da intervenção das causas que o haviam originado; ele
se
não obstante a condições atmosférica
reproduzia por
i mesmo,
reinante . Em outras pala
vras, o contagioni ta acreclitavam que o surgimento de uma de-
/ 68
termi nada doença sempre e explicava pela ex.j tência de um vene no e pecífico que, uma vez produzido. podia e reproduzir no i ndi e propagar n a c o m u n i d ade. A va
v íduo doe nte e as i m
ríola era exemplo muito citado de "molé tia eminentemente conta gio a'': também era óbvio que a vacina e transmitia por contágio.
Por i11jecção se entendia a "ação exercida na economia por miasm:1 mórbido ''. Em outra pal avra a i n fecção e de via à ação ,
que substâncias animai
e vegetais
em
p utrefação e xerciam n o ar
infecção não atuava senão n a e fera do foco do q ual e emanavam os tais ''miasmas morbífi cos .. . Era verdade que uma
ambiente.
A
doença infeccio�a pod ia e propagar de um i n d i v íduo doente a ou ,
tro �ão, todm ia, t a l proce
o não acontecia propri ame nte por con
tágio: o i ndivíduo doente agia obre o ão ao alterar o ar amb i ente que o ci rc u ndav a . A malária era tida como molésti a tipicamente infecciosa. Havia enorme controvér i a obre o c ól e ra e não havia ,
doi
e�c u l ápio que concorda sem sobre a
cau
a
e o modo de
propagação da febre amarela. O dois paradigma da ciência mé dic a e combi navam com freqüência. e de maneira
imprevista e
or igi nais quando o médico do século XIX di- cutiam a etiologia e ,
a formas de tran mi
É c laro
ão do cólera e da febre a mare la
.
que a chave do paradigma d a i n fecção estava na defi
e ntendia por mwsma. O verbete de ChernO\ iz capta com admirável preci ão a perfeita i rnpreci ão do conceito de nição d aq u i l o que
se
tmasma: To mando
a
palavra em . ua acepção lata, consideram-;;e sob e�te títu
lli
eman,tçõe.\ nocivas, que corrompem o ar. e atacarn o cor po humano. Nada há mai. ob.curo do que a natureza ínttma do'> lo toda
m a.c;mas: conhecemo. muita causas que o originam; podemos apre ctar
grande número de eu. efeitos pemicio o . e apera') sabemo. o
que eles são. Submetendo-os à inve. tigação de nos os sentido., só o olfato nos pode advertir da , ua presença: não no é dado tocá-los nem
\'ê-Jo;;. A química mai engenhosa perde- e na sutileza da. d o
·e� e combinaçõe
miasmáticas; de ordinário, nada descobre no ar
insalu bre ou mortífero que dele. estej a infectado. e quando conse
gue reconhecer nel a uma proporção in ólita, ou a presença ac iden tal de algum pnncípio gac:;o o, não no, reve la e n ão
parte do problema.
169
uma dimimní i ma
A dificuldade em determinar com q ua lquer preci ão as origen e a compo ição do mia ma
fez com
mente na c idades, coloca
q ue o-
i n feccioni tas. especial
em todo o ambiente
-
e as "ela . e
pe rigosau ' . nele pre e n tes - sob , uspeição e constante i n peção. O mfecc ionistas ou anticontagioni ta , na verdade, produziram o arcabouço ideológico básico da várias reforma· urbanas que var reram
as ci dade
ocidentai
na seg u nda metade do éc ulo XJX e nas
de te é c u l o.
primeira década
t6ll
Há uma den a tradição internacional de debat e hi toriográfico sobre o
enudo
político
contágio. Parte de contexto
-
e
da� teoriru médica da infecção e do
a tradi ç ão pode talvez nos ajudar a recuperar o
ao me. mo tempo evidenciar a
do ca o bra ileiro.
e, pecificidade
-
A h i - tória começa num anigo c lru ico publica
do por Erw in Ackerknecht em 1 94 8 -
"
O an ticontagio n ismo en
tre 1 82 1 e 1 867''. 1 69 O problema de Ackerknecbt e ra tentar expli car o porquê de
a
idéia d e c ontágio haver pa
ado por u m período
de de valorização e pouca aceitação entre o
médicos j ustamente
nas década imediatamente anteriore� às tran�forrnaçõe no conhe cimento médico com a mi c robi ol ogia de Pa,teur e Koch. Naquelas décadas, por outro lad o, a teoria da infecção o u anticontagionismo teria alcançado o auge de ua re-peitabil i da de na c o m unidade cien tífica da Europa Ocidental e do Segundo Ackerknecht,
a
E. tados Un ido�.
explicação para este aparente para
doxo e tava m uito além do debate teórico entre o que
uas raíze
médicos, �endo
fi ncavam- e em podero o fatore
político e ·o
ciai . Havia um conjunto de fatore determi nando que a teoria do contágio fo A di cu
se
vi ta como i rracional, pouco científica e antiquada.
ão i'Obre a contagio idade ou não de u ma determinada
doença girava e mpre em tomo de um seu corolário fundamental : as quarentena . Ackerknecht enfatiza que a.. quarentena cavam, para a ela
signifi
e a cende me de comerci antes e industriai . uma
fonte de prejuízo econômiCO) e uma arma intoleráve] do controle burocrático. E
ta
ela
e,
com e u
político
impren a, estaria natural mente por trá
e representante
daquele
na
que argumenta
vam que não havia fu ndamento científico para as quarentenas. Em uma, o contagioni mo, e tando as oc i ad o à ampliação do pode res da� buroc racias gove rnamentais, tornara- e 1 70
u peito ao s
apol ogista da ideologia liberal - intere sado este na s u p eração de e n trave
ao livre de envolvimento das re laçõe de m e rcado.
Chegamos as i m ao centro do argumento do artigo: no contexto do desconhecimento reinante obre as cau as e os modos de tran mi� são de doença e pidêmica , a idéia de contagionistas e i n feccio
nistas se equi val i am , fazendo com que os médico
e
posiciona sem
fu ndamentalmente a partir de seu temperamento, experiênc i a pe soal e, o q ue era mais decisivo, l igações políticas
e
visões d e eco
nomia. As i m, o fato de a maioria do esculápio do período haver abraçado a ideologia liberal teria assegurado a predomi nância da teoria da i n fecção ou anticontagioni mo. Apesar de continuar sendo um referencial importante n o de bare historiográfico, 170 é lógico que o artigo de Ackerknecht está hoj e uj eü o a inú mero reparo , tanto por motivos empírico quan to t e órico . M argaret Pe l l in g, por exemplo, demon t r a q u e Ackerknecht e xagera vi ívelmente a hegemonia dov infecc i o n i ta na c omunidade científica britânica, e questiona ta mbém a p o s i bi lidade d e e xpl icar a posições dos méd[co i ngle es pri n c i p a l mente
a
partir de fatore externo
ao próprio debate epi d e mio
lógico. N ão hav i a homogeneidade na opinião do
e c u l á pio
bretões no período: era verdade, porém. que o s infecc i o n i tas haviam e tomado mais influente j u nto ao governo cent r a l , for necendo e mba amento teórico para a agres i v a política d o in gJe-e
comra as q uarentenas e outras polliveis restriçõe s a
eu
in teresses no comércio internacional . Por outro lado, a i déia de Acke rknecht de que haveria um paradoxo na supo ta h e g e mo n i a do� a nticon tagioni ta no período i mediatamente anterio r gên c i a da microbiolog[a demonstra
à e mer
ua per'pectiva determ i n i ta
e te l e ológica na hi tória da ciência. poi os paradigma epi t e mo lógicos p as ados ão julgados apenas a part1r das transformaçõe u J teri ore
d a ciência estudada. 1 71
Nada disso, todavia, chega a i n v alidar o principll mérito de Ackerknecht, que foi o de evidenciar que o debate entre médicos contagionistas e infeccioni ta era constitutivo do proces s o h i stó rico mais a mplo de transformaçõe
ociai e econôm icas pelas quai
pas ava o mundo ocidental no período. MaL recentemente, Roger Cooter retomou a problemática inaugurada por Ackerknecht e ten-
1 71
tou explorar e refinar algun ponto decorre ntes de sua i nterpreta ção. Du ru ob ervações de C oo te r i ntere sam-nos sobremaneira, e podem no
ajudar a atrave
ar mais uma vez o Atlântico de volta
ao B rru i l e até, quem sabe, à varío l a e à
\ ac i n a .
Em prim ei ro lugar. Cooter enfatizJ que
a
P2
p reoc u pação do
i nfeccioni�tas não era propri ame nte encontrar a cau a física real d a doe nça . Sobre a geração e�pontânea de mia mas cau adore
de doen ç as o anticontagioni stas e mpre tinham pouco a dizer; entre a emergência das c au a e o apare c i me n to e fetivo de doen ças epi dêmica-; não parec1a po
ível di cernir conexão alguma, e a i n fl uên
cia dos ares mo d i fica do no urg imento de uma epidemia era ge
ralmente de cri t a como "oc u l ta" -
ou
adje tiv o semel hante . Assim,
era o u tro o ponto a er e laborado pelo infeccioniqa�: o pr oble m a não era a ori ge m, ma o meio o u mecani mo, de r ran sm i . ão ou co m u n ic ação da
doen ças . Cooter extrapola o contexto do de b ate
ep id e m ioló g ic o e
ugere que, em me i o a uma orga ni7ação soc ial e
econômica cada vez mais co m pl ex a, o infeccionistas e l ab orar am ,
atravé. do conceito de atmosfera, a idéia de que as relaçõe� entre . pe �oas, e entre . coi as", não poderiam mai �er apreend i dru em l inha direta, sem a� m ediaçõe cre�centes e característi cas da so c ie dades que passavam por um proce sso de m a i or especial ização e
frag m en tação n a dtvisão de trabalho. Haveria agora menos l ugar para as relaçõe
ou trocas pes::,o a i s , ou os elo de transmi s�ão pes-
oa a pes oa q ue caracterizavam a i déi a de co ntág i o. Ao c on trári o ,
e recorrendo a p a l avra g io n i ta , a
e ex pres õe
comuns entre o� anticonra
coisas eram am b íg ua , di fu as,
re l açõe, e n t re a
indeterminadas. não uniformes, flexívei , fl uidas. di ver�ificadas e m grau m á x i m o . Em opos i çã o a o mode lo ríg i d o e d i reto
aracterí�tico do con tá gi o , a i d é i a de atmosfera poss i bi l i tava metáfora de p l as t ic idade , di n ami mo e difu �ão. Um e gu nd o a�pecto destacado por Cooter é que a teoria da i nfecção era con tituti v a das m u da n ç as nas relações de trabalho c aracterísticas da emergê ncia de uma ociedade capitali ta . .avan
çada". Ape ar de o anticontagioni ta, afirmarem. e de fato i mag i nare m , q u e estavam preocupado
pri ncipal mente em fazer oposi
ção às teoria... co ntagi on i sta dentro da comunidade médica. não p ode haver dúvida �obre u m o utro e nrido importante de sua ativi-
1 72
dade: isto é, o proce o de expropriação de c onhec i me nto e práti cas do trabal hadore , po 1bi litando as im u a ubordi nação real na produção e em ou t ras e fe ra da v ida. A idéias popu l are� obre como as doenças e ram contraídas, e suas concepçõe obre como procurar a cura da molé t i a , pa aram a se r i tematicame n te combatidas e considerada falsa e ilusórias pela comunidade mé dica. Em s u ma , o modelo ab trato do i nfe cc i on i s m o auxi liava n a d e q uali ficaç ão do. abere� pop u l ares so bre doenç a e cura. O fa to de o i nfe c cion i tas e o e c ul áp i o em geral terem co n segu i d o uce o apena re la t i vo ne ta empreitada não d i m i n u i a i m portâ n cia soc i a l deste proce o. A i d é i a de que a hipótese médica do contág i o se afigu rava como mai pertinente em ociedades caracterizadas pela ideologia pat e rn ali ta e pe la primazia das relaçõe de depen dên ci a pe oal é ao rn eno ugestiva. É prec1 o, pri meiramente. defi nir uma tal , o ciedade. Podemo ob ervar p rát ic a s oc i a i pate rnal i ta na pró pria forma de o governo imperi a l o rgani zar o erviço de vacmação na C orte até me ado do éculo XIX. Pode m o ob · e na r, por exem plo. o edi tal da "Illu. tri ima Camara Municipal d ' e st a M uito Leal e Heroica Cidade do Rio de J an e1 ro' ' obre a vacina, datado de 1 3 de ago to d e 1 844. Lá e nc on tra mo , lo go nos parágrafo. imciai : § )l.l. Todas as pessoareu. Evolução ttrbana do Rio de Janezro. 2.• ed Rio de Janeiro. IPLA!'�. 1 973. w. 1 20- 1 , 1 35, 140-2. 3 5, 3 1 7, 364-7
(7} A1•ais da Câm�ra dos Deputados. vol. 3,p. 73, es ão de I O de julho de 1 888.
(&) LimJ Barreto, O cernáério dos I'ivos, São PJulo, B rasi lien ...e, I 956, pp. 1 5 1 -2. (9) Anais da Câmara dos Dep.ttadol , vol 7, p. 259, );essão de I O de outu bro
de 1 888.
( I O) Joma l do Commercio, 5 de maio de 1 869, p. I . Agradeço
S an to. Gome por me
a Flá v1 o do,
ha\ e r cedido este docunento.
( l i ) Códice 3 . 37, E cra\'O . Cru r:.s c.lugadas ou sublocadas
a escravo\, mui
to dos qua.i. f"Jgido e rmlfeitore , orício do cl:efe de pol íc 1 a , 1 860, A. rqui "o Geral
da Cidade do Rio de Jar.�iro (.4GCRJ)
( I �) Sob re o as mt o de,te parágrafo, e dos parágrafo seguintes. copio des
caracbmente trechos constantes em S ic ney Chaltwub, Visões
da liberdade.
WIUI
dcs tí•'timas déc(•das da esc1av:dão na Corre, São Paulo, Companhia das Lerras, 1 990. capítulo 3 . ( 1 3 ) Proces o cível, Joa ,a do Espíri•o Santo !executante) e Júba, preta (exe
história
cutada ), execução cível, n' 2353. maço 9 1 9, galeria A. 1 868, Arqui1-o Nacional (AN)
( 1 4) C6dice 43- 1 -25. E!ltalagens e corti ço . Requerimento!> e outros p apéi s
relatiYO. à existência e � fi rrembros da comi -.sã o vacínico-samtária de São Cristóvão fizeram um laudo detalhado da s tuaçJo da estal.1gem: marcaram
a lotação m:íxima de algurrol
l i , novembro de 1905. (48) L i l ian Fessler Vaz e.cre,·eu : "O empre áno -construtoresprocJrara m real izar g r.c luído da procissão
de Cmza, ao q ual �e atri bui a peste do vômito preto que hoJe no� flagela''. O tema
da i mportância de são Be ,edi:o no surgimento da febre amarela no R io de Janeiro
1 95
será tratado no próximo capítulo. Para anigo denu nciando o "mercantilismo·· du
rante a epidemia, ver. entre outros, "Comunicado", Diáno do Rio de Janei ro, 23 de março de 1 850, p. 2. ( 1 3 ) Debates parlame ntares ocorrido
n-1 assembléia provincial do Rio de
Janeiro e transcritos no Diário Jo Rio de Janeiro, I 2 de março de 1 850, p . 1 . ( 1 41 "Correspondência'', Diáno do Rio de Janâro, 1 9 de abril de 1 850. p. 2.
Trata-se de transcrição de artigo original m ente p u bli c ado em periódico :ntitulado Relig ião .
( 1 5 I Debates parlamentares ocorridos na Câmara dos Deputados e publica
dos no Jomal do Commercio. 7 de junho de 1 850, p. 2. ( 1 6 1 Para histórias de epideinias de febre amarela no sul dos E tados l:nidos e descriçõe::. detalhadas de como médicose autoridade;; públicas procuravam lidar
com a situação. ver Jo Ann Carrigan, The sa.ffro" scourr:e : a h istory of_yei/owfe�·er
in Loui.nana, 1 796- 1905. te. e de Ph.D . The Louisiana State University. 1 96 1 : John Duffy, Sword of pestilence: tiJe New Orleans )t.llowfever eptdemic of 1853. .
Baton Rouge, Louisiana State Univer it } Pre. , 1 966; Margareth E l len Vv'amer.
Public hea/th in the New South: got•emment, medicine m1d socief)· in the t. OIItrol of
yelfow fever, tese de Ph.D . . H:trvard U ni vm ity, 1 9 83 . Para um exce lente estudo da
e volução do debate epidem iológico obrea febre amarela na Europa do ,éculo XIX.
ver William Coleman, YellOl� fe�·erin rhe North: the nwhod� ofearly epidemiology, MadJson, The University of \Vi�con.: n P;ess, 1987.
( 1 7 ) A defi nição de contágio e infecção era praxe nos tratados médicos es
cnros no século XIX. Uti lizei aqui o dJCIOr.ário de tennos médicos mai
popular no
período impenal: Pedro Lmz Napoleio Chemoviz, D1cionário de medicna i popu
lar, & ed., Paris, A. Roger e F. Chemovtz, 1 890 Voltarei a essas defin ções nas páginas finais do próximo capítulo, procumndo emão di�;curir mai detalhadamente suas i mphcaçõe� políticas e ideológic� . ( 1 8 ) Um resumo extremamente lúcido do argumentos de contagionistas e
infeccion i stas está no capítulo intitulado ·'Do contág10 ou não contágio da febre
amarela", in José Pereira Rego, Hisrória e descrição, pp. 50-69. Sobre Nicolas Chervio, cuja obra e�te\e no centro do debate epidemiológ ico sobre a febre amare
la em
boa parte do século passado, ver Coleman, obra citada. pp. 25-55. Para
e xemplo da l iteratura de propagand a ar ti contagioni Ha produzida por Chervin, ver De I opinion des médecilfs américains sur la corzragion ou la non-contagion de la
fierre JOune. Pari
,
l . B . Bail liere, 1 829.
( 1 9 ) A J unta Central de Higiere foi cri ada por decreto de 14 de �etembro de
1 850, e �eu funcionamento fOJ reg u la m en ud o p or lei d e 29 de .etembro de 1 85 1 .
A
Junta era compoMa por cmco mem bros - [Odes coutores médicos -, e não tinha poder executivo. Fora concebida como um con elho desti nado a pre tara� es ora
menta ao governo i mperial e aos govemm pro,mc i ai s. Qua e tudo o que se segue neste capítulo está baseado no estudo do. documentos remanescentes da Junta. As principais éries documentais são as seg uirlte : no A rquil.o Geral da Cidade do Rio
de Janeiro . "'Higiene Pública: atas", qJ e s�o as mas das reuniões formais dos mem bro' da Junta, ''H ig1ene Pública: aviso do governo", que con iste ba icarnente n a
1 96
coleção de atos ou del ibem.ct>es do governo no que conceme a assumo, de �aúde
púbhca . e "Febre A marela", que reúne doc umen tação variada prod ulida Llurante os
surtrn. epidêmicos: no A rqJ.i, o Nacional do Rw de Janeiro, "Ministério do Império/
Junta Certtral de Higiene Piítlica: ofícios e documentos diverso�". série que conté m a correspondência, relatónm e outros pa péi s remetidos pela Juma ao
minimo do
Império. A documentação comida nesses códice � e paco;:es é e specia lmente rica no
que concerne à descrição dl si tu ação na cidade do R i o de Ja,eiro. mas também traz
material volumoso sobre as provínci as do L'llpério. Analisei mais deti damente a série
existente no A rqltho Nacional, pnnc. palrnenre pela Impossi b i lidade de uma varre dura detalhada em todo e!..,e volume Je
manJo;critos. A hsLa das p ri ncipa i !> fontes
manuscrita� consultadas aparece logo após o terceiro capítu lo
! 20) Rego, História e descrição. pp. 83-4.
.
(2 1 ) Donald B. Coq>e�. '·Bnzirs long fight aga insr ep1de m i c di ease . , p . 676. ! 2 2 ) Rego, História t de!>crição. p. I 1 23) Rego, História e descrição. p. 65. qui\ o
124) Ver códice 8 3.7. Higiene pública: a\ i o� do govern o ( 1 850- 1 854 1. A r Geral da Cidade do Rio de Ja11eiro 'AGCRJ), fL 1 99-207.
(25) Para dOCUJ"'lemm demon�Lrando a existênci a de sérias tensões entre contagionistas e mfeccioni 1.1� no i ntenor da própria Junta, ver IS4-22, do Impéno/Junta Central de H igi ene Pública. 1 85 1 - 1 853, A.t\'.
M 1 ni�tério
Pau la Candido,
pn
meiro pre side nte da J u D ta e t1mbém mem ro do Parlamento. precisou debater -.uas
opimões moderadamente do
Par/amerlfo
an:icontag1 oni tas com seu � pare no congre,so; Anais vol 1. É cl aro q ue os
Brasile iro, Câmara dos Depurado.;, 1 850,
doutore� protagoni zaram batalhas memorávei
n as sessõe da Academia I mperial
de Med 1 ci na . ver, para exmplo de debate no qual Pa ula Candido e�te\e en ...olv.
do, Annc.es Brmitrmses ar Medicina, ago sto de 1 859.
O dr. Luis Daniel Be�uperthuy. méd 1 co franc�s radicado na Venezuela, de
��-
fendeu pela primeira vez a tese da tran miss.lo da febre Jmare l a por mosqu i tos em trabalho publicado em 1 854. �ão foi levado a �ério; ver Maria Mlti Je Su.írez e Wa lewska Le m oine ,
.. Fri>m i ntern al ism
to e x te rn a l is m : a study of ac ad e m ic
re11istance to ne\\ scientific li ndi ng s" . His!OT)' o.f Science, vai. 2..J., n'' 4, 1 986. pp.
383-4 1 O. Uma história detalhada do processo
de co,strução e
demonstração da
hipótese da transmissibil idaJe pelo mo�q uito - concluído apenas na virada do século - �tá em Françoi' Delaporte. nz� lzistory ofyeilowjel'er: em �SSll)
i Camb ndge e Londres, Tbe �IT Pre� , 1 99 1 . btrtlz of tropical medtcne,
011
the
( 26) A tmaes Brasilienses de MeJicinu, n� l i , janeiro de 1 858. pp. 3 1 0- 1 9.
(27) Acredita\la-se.na época , que poderia h J ver um a relação "entre a i n ten
�tdade do tlagelo e a ausência de fluido e.étrico na atmo fera··. Eram ess� os
termo� de pesquisa a respeito da cólera realizada por um médico francê,, segundo
o re sumo da revbta médicJ l>ra i leira m1 1s importante do século passado. O cien tista havia i nventado u ma máq uina q ue produzia faís:::as mais ou menos elevad2.s dependend o do estado elétnco da atmosfera: a ausênc i a de faísca� na engenhoca era smal de tragédi a . . .No:ícias científica'> e industriais", Annaes Brasi/ienses de Mediemo, n11 I . vol . 5, OJtlbro de I 8-19, p. :.4.
1 97
(28) Comuni c::.J:> ', Diário dv Rio de Janeir1, 4 de at>ril de I 50. (29) Transcrito em Odair FrJOCG, obra citada. p. 1 57 . (30) Odair Franro. obra c iredu, p . 1 58. "
(3 1 ) Jomal do Ccmmercio, 29 tle abril de 1 850, p. 4.
(32) Artigo 1 6 da� Mpro" idêrcia-. para p re \'e mr e ata l h ar o progresso da febre a mare la , reproduz1do em Odmr Fr::. n:o ohra citad[i, p. 1 5 7. Há referêncll à proi bição de dob res de sinos no ··ReguiJmento sa ni táno mandado observar [ . . . ) nas comis ões paroqu i ais de saúde pública". art ig o I O; Diârio do Ri(J de Janeiro, 6 de março de 1 850, p. 1 . Ü .J-sunto tam�m foi d i sobre a queda entre alopata�-e. homcopatas seriam i n nn i ná \.e i �. O Jomal d11 Commerci(l. cujo d i retor era mtu'>iasta da homeopatia, te abria suas coluna. à pror.aganda home.,pática diari:�nente. Os homeopatas ocuparam o jornal i n in te rru pt�mente de j�neiro a j un ho de 1 850 . penado mar 'i Intenso da pri me 1 ra g ra nde ept de n � Pro pa la\tln c u ra.'> m i lagrosa�. mdi cavam os remed 1 0s mais apropriados. anu nciava m atendimento gratu i to ao pobre e. pn n c i pd mente , p ub l icava m catilinánas taríveis co1tm o� alopatas e set.� método�. Não h a dúvida de que os ho meopatas cm'>egUJram penetração razo�vel entre a população da Corte, pnncr palmente entre t•Tug ran tes po:tugue e , mas talvez até mesmo entre o escravo . A Be ne ficência Portugu�a .lle nd e u seus asscciados em enfermana ho meopát i ca durante a epi Jem 1a . A difLSão da hom ec pa lia no R to esteve também l igada ao advemo do ··sonambulismo··. ou espiritismo. No Diário do Rio de Janei"
.
,
-·--
ro, no me mo período. pré!domi n avam os alopatas. que Sf defendram como podiam
e iron izava.-n a
preten sces de cientif:idade do -.i. te:na méd ico dos advcn;jnos.
Ht. v ários esrudo�"'Centes que X>rdam a que :iio da homeopatia no contex .
to da querela da medtcrras no sec u lo passado: Ânge:a Pórto, "A ass1 ... têncm med i ca aos e s: rav os no Rio ce Jane1ro: o tra:J.mento homeopático". Papéis a l'UI.os. Rio de Janeiro. Fundação CM de Rui Barl:osa , n'' 7, 1 988; Donald Warren. "A medi c in a e piriruaJizada: a h�me opatia no B r�i l no éculo >a:(', Religtão e Sociedade.
R i o de J a n eiro, vol. 1 3 . rP I . ma rço de 1 986, pp. 88-�07 , Maéel Luz. org . , A ques
tão da homeopatia. Rio de Janeiro, Programa de Ed Jcação Cominuada da Esc ola
NacionaJ de Saúde Púb'icl (PECIEMP; e Associação Brasileira de Pós-Graduação
e m Saúde Colet iva (ABRASCO). 1 98 7; R cardo Lafel.á ovaes, O tempo e a ordem: Corte7 1 989; Sylvia D:unazio, Da elite ao po1·o:
sobre a homeopatia. São Pau lo,
ad1·ento e expansão do espiritismo tiO Rio de Janf:ro, Rio de Janeiro, Bertrand B ras i l , 1 994. Regi
t ro aqui um ag radeci 'Tlen to e pec ia l ao aluno Itamarati de Lima.
1 98
boi ista de imciaç�o científica do OI� neste projeto. qJe me auxiliou diligente
mente na coleta de dados sobre a que"tão da homeopatia versus alopatia no Jornal do Commercio e no Diário do Rio de Ja•1eiro.
Devo mencionar aindl, neste contexto, que entre os próprio alopatas houve
comrovérsJ a� 1 mportanre
obre terapêutica durante a epidemia de 1850; a uti l i z.a
ção da sangria, principalmen te , divid ia a elas e médica. Novamente, o relato con temporâneo mais út. l é o de Pere 1 ra Rego, História e descrição, capít ulo x,
"Tratamento da moléstia", pp. 1 1 7-3S.
(39) Os testemunho de época ;ão unânimes tanto no que conceme à maior
su scep ti b i lidade de imigrantes euroçeus quanto
à notável
resistência da popu laç ão
negra ao:: ataques da febre amarela; as obras já citadas de Lallemant, Pereira Rego ,
Croker Pennell etc. podem ser consultadas como exemplo�. Quanto à ciência méd1ca aluJI. é fato bem e�rabelec1Jo em pesqu irém, ainda não mereceu im estigaçõe genéti cas do mesmo t1po. Kennett K1ple e Virgínia King argumentam convincentemente
que '·o!> negros po suíam im u nidades i 1at1s à febre amarela, imunidades e as que a ciência méd1ca ainda não reconhece e muito menos e"r.gine et Jes cau;es de la fievrejaune. considérée comme étart principalement Ie ré�ultat de r infection des bât i me nrs négriers, d' apres les observatior. fai tes à Barcelone en 1 82 1 , et au Port-du-Passage, en I 823". Rmte Midicc!e Fran;-aise et Étrangere, Pari , vol m. 1 824. pp. 360-408: -, 'La. traite des noirs considérée comme la cau e de la fievre jaune", Jounzal deç C(m naú;sance:. Mt!dico-Oimrgica/es. Pari , voLVI. 1 838-9: -, Fi�·rejaune et traiie de noirs. Paris, Napoleon Chaix & Cie., 1 849, 57 pp -, ··sur la fievre j aune qui regne en ce moment au Bré�il , �t ur !'origine de cette maladie", Revue Médica/e Française et Étrangere, Pari·. vol. 11. 1 850. pp. 65-8: -, ..Réponse au mémoire de M. le docteur e et infectieuses, à propos d'un Durand-Fardel, �ou� le titre: Des maladies conta,ieu "' nutre mémotre sur la fevre jaune et la trai te de� noirs". /bid., vol. 1, I 85 1 . pp. 399-408: -. '·L'étiologte de la fihre jaune dans ses rnports avec la navigaúon en général et l..i trai te de-, noir.- en part:culier", l�id., vol. n, 1 853, pp. 656-72. ( 5 1 ) Rego, Hisrória e descrição, p. 52. p.86. Audouard foi duramente critica do por médicos radica;!os em Cuba. O debate e�Lá resumido. com o autor favorecen do abenameme as idéia-'> do, crítico de Audou ard, em L . B lacquiere, '·LJ t raite de ' noirs con•iJérée comme cau,e Je la fievre j aun e". Joumal des Connaiç.wnce:. Mtfdi co-Chirurgicales, Par.;. vo l . IV, 1 838-9, pp. 1 0!-4. Ver também M . Durand-Fardel. ·'Des malad1es contag:eu�es et infectieu�es, à propo� d' un mémoire de M. � udouard. intitulé: Fievre jaune �t traile de-. noir�", Rem� Wédicale Frunç-aise et Etraugere. Pum. vol. n . 1850 pp 643-57. Jáem 1 875. um Joutor norte-amencano ainda .e deu . ao trabalho de argum�ntar que não havia nenhuma relação entre febre amlfe1a e tráfico negreiro. Audcuard, todavia. não é citado no artigo: J Jones, "Researche, on the relations o; the Atrican sla\e-trade in the West Indies and tropi cal Am erica to yello\',.· fe\'er", Virginid Medtcal Momhly, Richmcnd. vol. n, 1 875. pp. l l -26 . 1 52) Sobre a diHribuição das e molas oferecidas por"SI.ill.S MaJ estades", no valor de �O conto deréi\, ver Diário do Rio de Janeiro, 5 de ab ri l de 1 8 50 , p. 3 ; Jornal do Conunercio. 5 de abril de 1 850. p. 3. !nfonne detalhado sobre a evolução
da doença do meninoPedro Nonso e sua morte está no Diário do Rio de Jan eiro, l i de janeiro de 1 85tl, p. l; Jomal do Commercio. l i de janetro de 1 8 50. p. 2. Sobre a doença da prir.cesa babeI. Diário do Rio de Janeiro. 14 de janeiro de 1 850, p. 2, 15 de Janeiro de 1850. p. 2, 1 6 de janeiro ee 1 850, p. 2: Jo ma! c/() Commercio, 1 6 de janeiro de 1 850.p. 2. Quanto ao inc ômoJo do imperador, "ítima de '' lige1ra
201
febre de carúer nlennitente ' contraída "de�de a sua última ida à Corte", Jornal do
Conunerôo, 24 de março de 1 850, p I . O. Pedro 11 ficou
em
convalescença e m
Peu6polis. Em nenhum momento as nctícias diziam claramente que era a febre ama
rela o flagelo que \C di. publi ad s
em10ara na famJ1ia tmperial; contudo. os boletins
médicos
-
truendo a ctscrição umáriJ de sintomas e ::. expressão "febre de caráter intermitew. . - não deixam ombra de dúvida sobre o que estava ocorrendo.
(53) Diár,o do Rio .fe Janeiro, 14 Je fe\'ereiro de 1 850, p. I ; Jomal do
Commercio, 1 5 Je fevere tr(l de 1 850, p. I . Um quadro impre. sioname da '·prefe
rência" da febre anarela pelo estrangetros aparece no Jonwl do Commercio , I O
de março de 1 850. p. I . O ni n isté ri o do lmpéno dtvulgava
- pela primeira vez, reinante tratados n o Iazare to da ilha do Bom Je)us do Frades, desde o �eu e tabelecimento em 1 de janeiro, até o fim do mê) de fevere�ro de 1 85o··. O huareto recebera 553 e n fe rm os . dos quais 2 1 7 hav i a n recebido 11la, e 222 ha' iam falectdo: 1 1 4 �rm ane c i arn em tra tamento. Poi'> berr. entre m 222 morto�. apena.Lenda. "V.uíola··. em Antiqualhas e memoria.'> do Rw de Janeiro,
Ret'ista do Instituto Histórico t•Geo�ráfico Brmilâm. tomo 93. \iOI. 147. 1 923, p. 597. t
3 0 1 Jo.'>é Pereira Rego, Esboço histórico das epiden•;as que 1ém gra:rsado
na cidade do Rio de Jwzâm desde flUO a 1 870. R io de hne ro, T) p:)gr..tph•a Nacional, 1 872. p. 22: O. de Frei�. Doenças africanas no Brasil. São Paulo,
Edi tora
acionai, 1 93 5 .
t 3 1 ' A lde n e M iller, o/Ira eirado. t 32} Mary Kara pretos'' e 809 "pre;os inore1te�··. perfazendo 4766catJvo�
vacinado� (75. I oc;.. do total). Também er.contrei mapru que discriminam o vac inandos
em livres e escravo , para alguns am. das décadas de 1 830 e 1 840, no códicf 50-3-52,
Vacina: of cios. p:u-eceres, nedidas .obre a propaganda da \'acinEção, mapa.\ relações í
de pe....soo." vac inada!,, sepandlS por ordem crcnolúgila ( 1 832 a 1 887), Arqtú·a Cera f
da Cidadt? do Rio de Janeiro IAGCRJ) 1 Jf 1 Karmch, p 1 5 3 .
(37) E xpreisão unlizada no relatório dim o pri n ci pa l obstáculo à propag....ção da vacinJ. 1 66) IS4-28, Ministério do Impé riolJ unta Centml de Higi ene ( l 873-4), AN.
1 67) Maço IS�-39, :\1inistério do Império/J unta Ce nt m l de Higiene. ofícios
e d ocumentos di versos ( 1 11 sem estre de 1 8B4). A/v'.
c 68) I S4-49. :r-.lini. tério do l rn péri o/J nstt l uto Vac ínico, ofícios e documento s
d tversoi t l 876- 1 889>. AN. Sobre e�u epidemia no Cear.í, ver também nota 52, acima. c 69) I S4-47. Ministério do l'llpérioJlnstituto Vac ínico, ofícios e documento
d versos ( 1 860-67). AN O mesmo ..;aso ap:..rece no códtce 45- 1 -43. IPstttutoVacínico
( I 60-9), AGCRJ. ( 70) IS4-48, Mt'listéno do lmiXrio/Inslituro Vac mico. oftcios e dcx:umentos dt verso� ( 1 868-75 1, AN.
( 7 1 ) IS4-26, �1ini·att
of rhe Bako n�o '"Ommented b)
themselve.s
tminkisi
from the Laman collection), Estocolmo, Fol kens �useum-Etnografiska, I �9 1 , p. 9; e Wyatt MacGaffey.
Religi(!n ard soctety in Cerlfral A/rica: the Bakongo of LoH:er
Zoire, Chicago. The Uni•,e sit) r of Ch1cago Pre'>s. 1 986. p. 1 47.
( I 1 6) Wyau MacGatfey,
An and hecling of the Bakon,�o,
pp. 90-2; Karl
Laman, The Kongo. Upsalc:. 1 957. pp. 67-70.
• t Bakongo. p. 4. ( I I 7) MacGaffey. A rt and healing of h ( I I 8) Robert Fams Thompson, Flash ojrhe spirit, pp. 6 I -8. ( I I 9) Para a redação des�es dms últimos parágrafos sobre
África central.
'. ali-me da ob en ações crticas e da Meihy e Bertolli. artigo citado, p. 27. ( 1 .17) Códice 50-3-52, AGCRJ. ( 1 48 1 Códice 50-3-52, AGCRJ.
( 149 1 Sobre e
as tensões, ver o pnme1ro capítulo.
( 1 50) Códice 50-3-52, AGCRJ.
( 151
•
Códice 50-3-52, AGCRJ.
( ! 52'• lS4-39, Ministério do Império/Junta Central de Higiene Pública, o1T cios e documento� diver::.os ( 1 11 seme tre de 1 884), AN. ( 1 5 3) Ver nota 8 1 . ( 1 54) Tomo aqui como droo oficiais da vacina os fornecido por Barbo a e Resende, obra citada, vol. I, pp. 444- 5 . ( 1 55 ) Códice 43- 1 -27, E :alagens e cortiços: requerimentos e out-os papéi d1zendo re pe1to à exi tência, hi�iene. co tumes e extinção des as habitações cole ti v�: 1 89 1 - 1 900, AGCRJ. ( ] 56) Barbosa e Resende. vol. 1, p. 434. ( 1 57) Barbo a e Resende. vol. 1, pp. 435-6. Quando de sua implantãção e m 1 887. a vacina animal provocotJ controvér ias nas quaü esteve envolvido o pró prio barão de Pedro Afforuo; ver O Pai::.. 28 de setembro de ! 88 7 , p. 2. (Agradeço a Gabriela dos Re1s Sampaio pela referência.) 1. 1 58) Ver, por exemplo, noAGCRJ, os códices 38·3-38, Relatórios do Insti tuto Vacínico ( 1 892- 1 90 I ): 38-3-39. Relatório do In tittto Vacínico ( 1 902): 3 8-340, Relatório do ln titulo Vacínico ( 1 902); 50-3-56. Vacina e Instituto Vacínico ( 1 888- 1 906 ).
217
( 1 59) Códice 38-3-38. AGCRJ. ( 1 60) Códice 38-3-39, AGCRJ.
( 1 6 1 ) Códice 38-3-38. AGCRJ. Ver também códice 50-3-56. Vacina e Institu to Vacínico ( 1 888-1906), AGCRJ, onde há, n� folhas 29 a 33 verso. um projeto de lei de vJ.cina�ão obrigatória que e ta\a ..endo di. cutido no segundo .emescrede 1 89 1 .
( 1 62 ) Meihy e Bertolli. artigo citado , p . 3 J . ( 1 63) Eulália Lobo, obra citada, \ OL n. p. 469.
( 1 64) Ely &io de Carvalho. "Gína dos gatunos c.uiocas Iica: avi
o
do gmemo. I iD0-4.
C6dice 8-4-2-t, Ccmi'íSõe; Sanitárias, 1 862-93 Códice 8-1-25, Idem, 1 8�99. Códice 8--1-26, [dem, 1 865- 1 900. Códice 43-3-26, Febre Amarela, 1 850. Códlce 43-3-27, ldem. 1 850-2. Códtce 43-3-28, Idem. 1 873-4. Cócltce 43-3-29, Idem. 1 873-8 1 . Códice 43-3-30, Idem. 1 8� 1 -9. Códice 43-3-3 1 , Idem 1 8B. Códice 43-3-32, Idem. 8�4. Códice 43-3-33, Ieem. 1 9t)2-3. Códice �3-3-34, lde:n. 1 905. Códtce 43-3-35, Febre Arrarela e Varíola, 1 8 80-3. Códtce 38-3-38, Relatório; do In tituto Vacín1co, 1 89> 1 90 l . Códice 3 8-3-39, ldem, 1 902. Có de 1 853, pp. 292-3 1 7 . i Carvalho, Elysio de. "Gíria Jo. gatuno! cariocas ( vocabu lári o organizado para o.
alum1o'> da e cola de políc1a)", In Boletim Policial, nu. 4. 5 e 6, 1 9 1 2 , pp
1 68-& I . Che moviz, Pedro Luiz Napoleão. Dicimário de medicina popular. 6J. ed., Pari�. 1 890. he C rvi n, Nicolru. De L 'opll!ion des midecins américai!. s sur la conragion ou Ia
non-tonlllgwn de la fiel're )Oune. Pari , J. B. Bailliere, 1 829. Cód1go de postu ras da liustríHima Câm.ara Mun icipal do Rio de Janeiro e editais da mesma Câmara, Rio de Janeiro, 1 870.
Códtgo de poSfltras. !eis. decretos, editJis e resoluções da ltuendência Jl.funicipal do D1s:rito Feáeral, RIO de J aneiro, 1 894.
D awson , Tho ma.) . "The caucastan in B 'il.Zt l'' . l n Popular Sc1ence Monthl); n2 LXIV,
nove mbro de 1903 a abril de 1 904 .
229
Dund...ts, Robert. S�erc/,es of Bra�i/; includmg new 1•iews ?li tropical and European
fi�·er. wth remarks úll Q r>rernat•lfe dtcay oftlle system incideni to EiJTOpeans on their retrt m from lwt dirnates. Londres, ! 852. ··oes mdadie� contagieuse� e t infectieu e. . à propo. d " u n mém01re de 1. Audouard, ntitulé: Fievre jaune et traite des noi rs". In Rel'ue
Duraml-í.1rde 1, M
Médu:afe Française et Étrong ê re. Pari �. 'oi. 1 1 . 1 850. pp. M3-57.
Faze nda, José Vieira. ''Largo da Cam>ea". In AntultlafiMs e memórias do Rio de
obra e m cinco volume.n m berween 1 82 1 and 1 86T, BulletiJ• of riu
Hirtor;· of Med•cint,
vol. 22. 1 948, pp. 562-93.
----. A slwrt hútof) (lf mediúre . Baltimore e Londr�. The John Hopk i:H Ur iverc;it}' Press , 1 982. Adamo, "'&mue . T11e broJe11 promise: race, health, and jus!1ce
111
Rio Je Ja11eiro.
/890-1940. Te se de Ph.D., University of �ev. Mexico, 1 9 3 .
Alden , DJunl. e M11 ler, Jo�eph. "Um,anted cargoe!',: rhe origms and d is-.eminJlion
of mal l pox via rhe s tave tracle from Africa to Brazil, c. 1 560- 1 830" I n
Ki Jie. Kenneth, ed. The Africcn exchange: tol1'ard c. biological /,ia, ou·utro de 1 98�. 97 p.
Peretra
Pa\·,;oJ · um HauYsmwm tropica l A renmação d(• Janeiro no mício do s{culo XX. RIO de Janeiro, Secretaria Mu n i cipal de Cultura, Turi � mo e &portes, Deparumento Geral de Documentação e Jnform
fiO
Brasil 6" ed. São Paulo. Companhia Editora
1acion aiJEditora da Un B , 1982. San tos Filho, Lycurgo de Ca. tro. HIStória geral da medicina brasileira. São Pau lo. Hucirec/Edusp. 1977.
Savitt, Todd L. Med1cine a11d slavery: the diseases and health care Anrebellrun Virginia. Urbana, University of J l lino1
Schwarcz, Lilia Moritz. Retrato em branco e Tle8ro: Jonwis, em São
Paulo no final
do século XIX.
of blacks
in
Pre,_, 1 978.
escravos e cidadãos
ão Paulo, Companhia das Letrru,
1 987. ----
.
O e.:.p etáculo das raças: Cientistas,
mst1twções e questão racia l 110 Brasil.
1870- 1 930. Sfio Paulo, Companhia da:, Letra., 1 993.
239
Sevcenko, 1\icolau. A revolta da vacina: mentes
insanas em corpos rebefdes.
São
1 984.
Paulo, Brasthense,
S iha, Maria Beatriz J\izza da. Análise de estratificação social, o Rw de Janeiro.
de 1 808 a 182 1 . São Paulo. m.cH-USP, Boletim n>t 7.
S ingleton. M . "Smallpox i n person: personi fication or personali zation ( Africa) r'. ' ln Anthropos, vol. 7 1 , nu. l /2
,
1 976,
pp. 1 69-79.
S lenes, Roben W. The demograph) lmd econom1cs of Bra�ilian sla very Tese de .
Ph.D. Stanford University, 1 976. ----
. ··�a senzala, uma flor: as e')peranças e as recordaçõe na formação da
famJ1ia e�crava·· . Texto inédito, j u l ho de
1994.
---- . · "Malungu. ngoma vem ! ' : Á frica encoberta e de s coberta no Bn.,il''. In Cademo:. do 1'tfuseu da Escravatum. Luanda. Angola , n" 1 .
1 995 .
---- . "Water spirit� leap the Atlant1c: Central-African wellla"e idenriry in early ninetee nth-century Rio de Janeiro'' . Trabalh o e m andamento, versão de abril de
1 995.
Stepan, 1\ancy. Begimwlg\· o( BraúUan science: O�wldo Cru