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Portuguese Pages 186 [94] Year 1998
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Projeto editorial: Departa me nto de F ilosofia da I'FLCH- USP Direção editorial: Milton Meira do Nascimento Projeto gráfico e editoração: G uilherme Rodrigues Neto Revisão : José Teixeira Neto Capa: G uil herme Mansur Tiragem : I .000 exemplares
Serviço de Biblioteca e Documentaçõo da I'FLCHIUSP Ficha catalognlfica: Sonin Marisa Luchetti
B592
CRB/& ~4664
Bignotto, Newton O tirano e a c idade I Newton Bigno tt o. - São Paulo: Discurso Editorial, 1998. - (Coleçno Clássicos e Comentadores). ISBN: 85-86590-07-X I. Filosofia polftica 2 . Histórin dn fil osofia anti g íl
3. Monarquia 4 . Tirania I. Título . 11. Séri t!. CDD (19.cd) 320.ül 321.6 321.9
discurso editorial Av. Pro f. Luciano G u alberto, 315 (sala I 033) 05508-900- São Paulo- SP
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Clássicos & Comentadores
Para meus pais
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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C apítulo 1 - A invenção do tirano
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1.1. O aparecimento do tirano 1.2. Sólon , o antitirano 1.3 . A história e os historiadores
C apítulo 2 - O tirano trágico 2.1 . Tragédia: uma arte política 2.2. Ésquilo: os deuses e a justiça dos h omens 2.3. A Antígona 2.4. Édipo tirano
C apítulo 3 - O tirano clássico 3. 1. Platão 3 .1.1 . T rasímaco e o governo do mais forte 3.1.2. Antifonte e o problema da justiça 3 .1.3. T rasímaco e a tirania 3 .1.4. A fundação da cidade e a injustiça 3.1.5. A arte da fundação 3 .1.6. O Político e a arte da fundação 3.1.7. O legislador e o tirano 3.1.8. Desejo e corrupção dos regimes políticos 3.1.9. A tirania ideal
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3·2. Aristóteles 3.2.1. Aristóteles crítico de Platão 3.2.2. Tirania e monarquia 3.2.3. Tirania e corrupção
Capítulo 4 - A educação do tirano 4.1. Platão 4.1.1. A "Sétima carta" 4.1.2. A "Oitava carta" 4.2. Xenofonte 4.2.1. Xenofonte e a tirania 4.2.2. Filosofia e tirania
Referências Bibliográficas
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APRESENTAÇÃO
Quando estudamos a história do pensamento político ocidenLal e suas relações com a cultura grega, a figura do tirano ocupa sempre um lugar de destaque. De fato, desde que os gregos puseramse a pensar sobre a natureza do governo de um só, não mais deixamos de olhar com inquietação , medo e por vezes admiração para esse personagem solitário, que atravessou os séculos guardando intacta sua capacidade de conduzir nossos olhos para o que temos de pior, ou para o que devemos temer em nós mesmos. O tirano inspirou não só discursos sobre o abuso do poder, mas também e, com certa freqüência, reflexões sobre a natureza da alma e seus recôndidos, que, emergindo n a vida pública, revelam abismos que gostaríamos de evitar ou de não possuir. O aparecimento da tirania na Grécia coincidiu em grande medida com a descoberta da própria razão, o que nos co nduziu desde cedo a pensá-la como seu outro, ou como a encarnação do negativo que a destrói, quando deixa o terreno das idéias, para se tornar uma força atuante no cotidiano dos homens . Fo i sem dúvida essa capacidade de encarnar o negativo, a barbárie, o inverso da civilização, que permitiu ao tirano sobreviver à sua própria existência histórica no mundo antigo, para inspirar comportamentos e formas de governo que se desenvolveram em condições totalmente diferentes das da Grécia Antiga. Mas essa sobrevivência, ao mesmo tempo que nos ensina a lgo sobre o governo . tirânico, esconde suas particularidades, seus laços estreitos com a sociedade que o gestou no passado e que não pôde deixá-lo de lado, apesar do afã de racionalidade que a dominou pelo menos em a lguns momentos de sua h istória.
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o TIRANO E A CIDADE 10
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NEWTON BIGNOITO
Este livro terá como personagem central o tirano e sua relação com a cidade. Mas, antes de dizer o que vamos buscar, talvez seja razoável delimitar o que não vamos fazer, para assim evitar certos equívocos , que apenas decepcionariam o leitor. Em primeiro lugar, este não é um livro sobre a história da tirania - nem mesmo na Grécia Antiga. Essa tarefa já foi realizada por estudiosos do período, e não teri a sentido repeti-la na ausência d e novidades convincentes do ponto de vista historiográfico. Em segundo lugar, também não é um livro sobre a história do conceito de tira nia. Ta! vez, de fato, estejamos mais próximos da história das idéias, mas, se nossa inten- · ção fosse a de segu ir as trilhas do desenvolvimen to conceitual da idéia de tirania, teríamos de realizar um trabalho exaustivo com um grande número de fontes textuais, o que ultrapassa em muito nossas pretensões. Podemos dizer, então, que, ao escolher o tirano como objeto de nosso , estudo, o fazemos na exata medida em q ue acreditamos que a descoberta da liberdade e da democracia pelos gregos, assim como o desenvolvimento da filosofia política, só pode ser apreciada em sua riqueza de nuances se deixarmos de lado a ilusão laudatória, para buscar seu real significado no claro-escuro que compôs a vida política dos helenos e a aventura de descoberta do espaço público. Nesse sentido, nossa tarefa pode ser compreendida como a tentativa de desvelar o segredo da relação da cidade com seu negativo, que a unânime condenação da tradição tende apenas a obscurecer. Part indo da descoberta do tirano, vamos então procurar mostrar que papel esse personagem efetivamente teve na criação de um discurso e de uma prática nova da política. Como, ocupando o lugar do q ue deveria ser interdito, ele contribuiu para a construção de uma teoria consistente sobre a liberdade. Não tivemos a preocupação da comp letude , mas acreditamos que, para seguir nosso caminho, era necessário traçar a gênese da idéia de tirania e, para isso, recorrer a fontes tão variadas quanto a poesia do século VI a.C., as tragédias d o século V a.C. e, por fim , a filosofia dos grandes mestres, na certeza de que, nesse caso , qualquer tentativa de hierarquizar os discursos encobriria as dificuldades da questão, sem contribuir para revelar sua enorme complexidade. Tentaremos, assim, ao longo do livro deixar de lado os preconceitos de uma certa crítica filosófi ca, que pretende delimitar , a partir de critérios muitas vezes artificiais, o que é impo r-
- , ensamento, para seguir a grande inspirao que nao e para o p f d n a'lt"se rigorosa d as fontes . . fl ' f ca que az a a v • dií h ermeneuuca I oso 1 , mola mestra da reflexão . d I busca da coerência dos argumentos a
!Ji tlt ' t '
** * . . decer aos que, de uma maneira ou d~ Para fmahzar, resta agra l . deste estudo. Em pn, 1 0 desenvo vtmento ,. 1111 r a, tornaram posstve . l d D nvolvimento C ientifiCO C lho Nacwna e ese . ltll'tro lugar, ao o nse d d -me uma bolsa de pesqutsa, l , · (CNPq) que conce en o A . t l t·cno og1co ' ' d ·nha investigação. grad. dequa as para rol con lçoes a . L que no começo deste tra11 , opiciou as , , f ora N!Co1e oraux, tleço tambem a pro ess . . asst· m como ao professor · d. ações precwsas, hnlho, forneceu-me m IC , e fez preciosas sugestões, , A ão que nao so m . l'codoro Renno ssunç , - 1, ·das e pertinentes. Por fim, . m observaçoes ucl d 'omo incenuvou-me co membros do grupo e . h d ' ·da para com os testa expre~s~r rol~ a lítica do D epartamento de Filosofia da rstudos de Ettca e Ftlo~o la o . co J Herrero, Hugo Amaral, Ivan UFMG : Carlos Drawm, _FranTctsl B. . h 1 que de forma generosa l Penne e ma lrC a , M Domingues, arce o , d trabalho com críticas e sugestões. me acompanharam ao longo o
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CAPÍTULO 1
A INVENÇÃO DO TIRANO
A tirania, assim como a democracia, é uma invenção grega; invenção cuja radicalidade e originalidade afetaram de maneira der isiva a história política d o Ocidente e criaram um campo de significações dentro do qual, até hoje, é-nos possível formular um bom número de questões pertinentes a nossa vida p olítica. Com efeito, qual escritor ou teórico da política não recorreu à figura do tirano o u à t irania para caracterizar as atitudes de um governante ou a natureza de um regime? Mesmo na vida política ordinária, que agente político emprestari a ao termo "tirano" uma conotação positiva? Essa aparente unanimidade esconde, no entanto, uma dificuldade fundamental e um desafio para o intérprete contemporâneo que deseja se ser vir da idéia clássica da tirania para guiá-lo em suas a n á lises da realidade atual. Em primeiro lugar, é pouco provável que um conceito tenha guardado a mesma significação e seja suficientemente claro para poder ser usado da mesma maneira ao longo d e tantos séculos. Se quando estudamos a democracia isso se torna patente 1, não há razões para
1 Sobre os múltiplos usos do conceito de democracia nos tempos atuais, ver Sartori 1994.
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NEWTON BIGNOTIO
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supor que o mesmo não ocorra com a tirania. Apesar dessa regra de bom senso, muitos escritores continuam a usar o termo tirano como se tivesse apenas um sentido, ou, pior, como se sua simples menção fosse suficiente para revelar seu significado. Em segundo lugar, não podemos supor que, pelo fato de uma idéia ter sobrevivido a tantas mudanças e ter se incorporado a todas as línguas ocidentais, ela continue a poder ser usada, fora de seu campo semântico original, de maneira fecunda e reveladora para o entendimento dos tempos atuais. A menos que se aposte na absoluta regularidade e repetitividade da experiência humana, cada época exige de seu estudioso um esforço de desvelamento e compreensão, que, se quiser ser fecundo, não poderá se basear no automatismo das repetições nem no puro abandono do passado. Não temos nenhum motivo para admitir que o mesmo não ocorra com o conceito de tirania. )'Jo entanto, como já dissemos na apresentação, não é esse o propósito deste livro, que se restringe à Grécia Antiga, e procura explorar o papel que o conceito de tirania teve na filosofia política clássica, ao lado de teorias e interpretações que marcaram para sempre nossa cultura. Neste primeiro capítulo, vamos procurar explicar em que sentido podemos falar de invenção do tirano na Grécia Antiga e de que maneira o termo, tendo se tornado corrente na vida política de então, veio a se incorporar à literatura e à reflexão política nascente, que encontrou na história e na poesia sua primeira expressão. Se, de alguma forma este estudo contribuir para clarear problemas atuais, será um fruto que acreditamos possível em todo t rabalho de reflexão que, voltado para o passado, realiza-se sob a inspiração de questões presentes. Quando dissemos que a tirania é uma invenção grega, não estamos sugerindo, é claro, que os gregos ten ham sido o primeiro povo na Antiguidade a ser governado por apenas um homem, muitas vezes com recurso ao uso da força e a exclusão de toda oposição. Deste ponto de vista, sabemos perfeitamente que a grande invenção grega foi a do espaço público ou, mais genericamente, da política; e que, entre os regimes que caracterizaram essa experiência inovadora, a democracia é certamente o mais importante e original 2 . Falar, portanto, em invenção da tirania corresponde, em primeiro lugar, a afirmar o que já sabemos e que constitui o núcleo de uma boa parte
G - . 3 Mas se essa afirmação tem redctl~ . . ' campo de nossos prot mbém para e tmltar o d 1rt 1 de banal, serve a f' ndo que a tiC efeito se estamos a trma l•l• tJ1 :1S e preocupaçoes. omd . ' - da política pelos helenos, é d acesso e mvençao . . _ papel e a importância 1 tJII. t faz parte o pr 1 ue ISSO nao esc arece o h . O . dl'ato devemos mostrar 1·li li so recon ecer q d olv1mento. e tme ' , 1111' 1cve para esse esenv . . . gregos e dos diversos . d regtmes monarqmcos ·f ' que a d 1 erenCla os . p - . o e que certamente tive!' ' ,wrnos que marcaram o Onente roxlm . fl . · b a vida política grega. . _ ados com uma ana1 1111 10 uenc1a so re Um p_ri~e~ro ponto: na~ee:;~amo:s~~:~c:r~avés delas descobrir 1 p 11 ,1• das insntmçoes, mesmo q . . · políticas contemom outras expenenClaS ·f d r•rnelhanças e I erença~ c t parte da história de criatll >râneas. A tirania nos mter~sdsa enquan o t t'do não acreditamos f de v1 a e nesse sen , ~,.,o de uma nova orma ' 'd Mas assim como o processo ·d d ossa ser contesta a. ' . que sua novt a e P . t' ham da democrae1a .d _ d · m que os atemenses m