A miséria governada através do sistema penal
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tg.J!iWPensamento

Criminológico

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Crimino~a Cri1Q~",'1: Introdução à Cri~, _;

A/essandro Baratta Difíceis GanhQs ·f_~f;.:

q~e

o desemprego' representa um fato "estrutural", a passagem de uma economIa orientada para a produção para uma economia da informação, a passagem da centralidade da classe operária para a constituição de uma força de trabalho global (que, como veremos, assume as características c:e uma n:llltl~dâO) não são fenômenos que perpassam somente os palses capitalistas e os individualizados das suas forças de trabalho. As profundas que ,. entre os ,. de que prevalecem nas diferentes áreas geografIcas do Imp~n,? (~em con~o .no interior de suas províncias) não indicam, de fato, a coexlst~n~Ia de esti~glOs diferenciados do desenvolvimento capitalista, como se estlvessemos dIante de um modelo pós-fordista no "Primeiro Mundo", fordista no "Segund?'.' e pré-fordista no "Terceiro". Essas diferenças são, acima de tudo, o efeIto imediato das estratificações hierárquicas impostas à força de trabalho global pelo domínio capitalista sobre a produtividade socia1 63 . Limitando o nosso discurso às tendências que determinam os efeitos de maior alcance sobre o plano da relação entre dinâmicas da produção e formas do controle, gostaria de me deter principalmente em dois aspectos da transformação em curso. O primeiro, que chamaria de "quantitativo", referese à progressiva redução do nível de "emprego" da força de trabalh? e, conseqüentemente, à drástica diminuição da demanda de trabalho VlVO, expressa pelo sistema produtivo a partir pelo menos da segunda metade dos anos 1970. O segundo, que chamaria de "qualitativo", diz respeito às mudanças

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Luogo comune, DeriveApprodi,

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Hardt e

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ocon'idas nas formas da produção, na composição da força de trabalho, nos processos de constituição das subjetividades produtivas e nas dinâmicas de valorização capitalista em que elas estão imersas. entre estes aspectos da nos permite descrever a do fordismo ao como a passagem de um carência desenvolvimento de um de estraorientadas para a disciplina da carência) a um regime produtivo definido pelo e).:cesso Ce conseqüentemente, pela de orientadas para o controle do Seria, de todo impróprio pensar que estas duas tendências (redução do trabalho necessário e mudanças nos processos de produção) se manifestem independentemente uma da outra, como se fossem os extremos opostos da transição pós-fordista. Ao contrário, elas se inscrevem conjuntamente numa força de trabalho social afetada, conjuntamente, por processos de transformação cujo efeito principal é exatamente a crise de um conjunto de disti cOllsolidadas. Pense-se nas disentre produção e ,'p'~'·'-"1 ti entre trabalho e entre comunicativo. A

de descrever estas tendências e os seus efeitos separaporque isso nos permitirá, por um lado, esclarecer em que sentido se pode dizer que o pós-fordismo inaugura um regime de excesso e, por outro, identificar o sujeito de tal excesso, a nova força de trabalho social, aquela multidão produtiva sobre a qual, como veremos, se recortam as novas estratégias do controle.

Este processo teve início no começo dos anos 1970 e constitui, por um lado, a resposta capitalista à recusa operária da disciplina de fábrica, à insubordinação e ao absenteísmo, à do trabalho assalariado expressa pelos movimentos revolucionários dos anos 1960; por outro lado, a reação do sistema empresarial ~l e à dos de bens Já na metade dos anos 1980, a fábrica fordista se apresentava como um deserto no qual o ecoar e das máquinas ao longo da linha de foi substituído por "inteligentes", que a de poucos crescentes da de trabalho, expulsas dos contextos produtivos cm reestruturação, foram, assim, alimentar ó exército da população desempregada, não empregada e subempregada, ou preencher os vários nichos do setor terciário, aqueles âmbitos complementares ao compartimento industrial, cada vez maiS zados ade dos dos rendimentos,

o de incerteza, a nibilidade absoluta à e as novas que se tornarão um 68 aspecto existencial, estrutural e paradigmático da nova força de trabalh0 . A restrição dos espaços de acesso ao emprego regular, sobre o qual converge o ataque político aos direitos sociais, produz uma hipertrofia das economias submersas, dos circuitos produtivos paralelos aos quais aqueles que não têm

O excesso negativo O primeiro dado, portanto, é que a economia pós-fordista parece depender cada vez menos da quantidade de força de trabalho diretamente empregada ~o processo de produtivo. A introdução de novas-tecnologias (principalmente mfom:áticas) diminuiu progressivamente o quantum de trabalho vivo necessário à valorização do capital, até reduzi-lo a um mínimo:'

65 Pam uma análise (voltada para o caso italiano) da crise do paradigma fordista, que leva em consideração tanto os aspectos ligados ii conflitualidgAe do trab.alho quanto às disfunções internas ao sistema fordista derivadas da sua e, ainda, às dinâmicas de saturação dos mercados que, posteriormente, aceleraram os processos de reestruturação, ver mais uma vez Fumagalli, "Aspettti deli' accumulazione

O progresso tecnológico informático não amplia a produção, mas a reestrutura e a modifica através de um constante incremento de flexibilidade. Tudo isso não cria emprego, mas, ao contrário, o destrói, O desemprego não é mais, portanto, um fenômeno puramente . I conJuntura, mas' snn estrutural64 .

flessibile in Italia", ciL 66 Uma descrição fascinante do processo de reestruturação que ocorreu na ~iat ~ partir dos anos 1970 e sobretudo dos efeitos sobre a subjetividade operária fOI feita por M. Revelli, Lavorare ln Fiat. Da Valletta ad Agnelli a Romiti. Opera! sindacati robot. Turi 111, Garzanti, 1989. 67 A. Gorz, Miserie del presente. Ricchezza dei possibile, trad. it, Roma,

A. Fumagallí, "Aspettti dell'accumalazione flessibile in Italia", in S. Bo!Oglla e A. FumagaIli Corg.), !l lavoro autollomo di seconda generazione. Scenari dei posfordismo in Itália. Milão, Feltrinelli, 1997, pp. 137-138.

Manifestolibri, 1998, 6" . "1' 1se"'uro !Jrecário 'o Para uma reconstrução dos efeitos )logra'I"ICOS "d este cI" eVlr 11. b ' . . e flexível, ver R. Sennct, L' Homo jZessibile. Le cOllsegllenze dei /lliOVO capitalismo sulla vira personale, tmd. it. Milão, Feltrinelli, 2000.

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garantia são obrigados a recorrer para se assegurar de fontes alternativas de renda, Setores inteiros da produção começam, assim, a apoiar-se em mercados não regulados, não tutelados, muitas vezes no limite da legalidade, em que domina o trabalho intermitente, temporário, flexível às exigências contingentes de empresas que, de acordo com a filosofia do just IIZ time e da lecm-production, contratam fora fases isoladas do processo de produção, É a reestruturação do setor industrial que determina estes processos, produtiva, descentramento, outsourcing, downsizJllg e terciarização desestruturam a força de trabalho operária, fragmentando-a cm um arquipélago de trabalhadores atípicosó 9 . Diante de uma verdadeira "deflagração" do trabalho, de uma recolocação abrangente da produtividade social entre prestações ê ocasionais" trabalho negro, interino e intermitente, diante da passagem de um trabalho percebido como evento biográfico "narrável" para um trabalho vivido como "fragmento", como necessidade do hoje, urgência do momento, bem, diante de tudo isso ainda é possível definir o desemprego como falta de trabalho? Na

isso ljue temos o costume de chamar de mui à falta de emprego entendermos um conjunto de acesso a detenninadm garantias, titularidade de um conjunto de direitos socialmente reconhecidos - do qual o pós-fordismo expropriou a totalidade da força de trabalho contemporânea. Talvez o "desemprego" então se configure hoje mais propriamente como a abolição do "trabalho" específico, próprio do capitalismo industrial, do trabalho ao qual nos referimos quando se diz que uma mulher "não tem um trabalho" e dedica o seu tempo a criar os filhos, e que "tem um trabalho", quando dedica apenas uma fração do seu tempo a criar os filhos dos outros 70 . Nesse sentido, o conceito de desemprego atravessa uma radical mudança semântica (que, entretanto, afeta diretamente o plano da experiência social). O desemprego deixa, de fato, de ser associável à idéia de "i natividade" para se tornar uma medida oficial da fratura entre as inumeráveis "atividades"

,

. . st é aquelas que remetem à noção de trabalho no sentido prod utlvas - I o , , , -' 1 'd ' ' d teI'mo _ nas quais os indiVIduas estao cont1l1uamente envo VI os, propno o , ,.' ' h .d e o limite imposto pelo sistema capitalIsta, a fun de que seja recon eCl o a ' 'dades o valor social de "trabalho". Em outros termos, o desemprego essas at IV1 . l 1se configura como a margem de excesso da p,rodutividade soc~a. em r~ a?ao , _ i'f'cial entre trabalho e emprego Imposta pelo dommlO capitalista a separaçao mIl • < ' • 1 , . d d O desaparecimento do emprego nao eqUlva e, a SOCIe a e / f d' na verdade, ao desaparecimento do trabalho. Ante~, no pos- or lsmo~ o trabalho, entendido como um conjunto de ações, pef1ormanc~s : p~'estaç~es ' cad'l vez Inal'" até integrar toda a eXlstencla socw1. prod utlvas, < < "