Walter Benjamin e a Categoria de Experiência (Erfahrung)
 9786500100914

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BRUNA DE OLIVEIRA BORTOLIN

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WALTER BENJAMIN CATEGORIA E A

A

DE EXPERIÊNCIA

(ERFAHRUNG)

É

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bortolini, Bruna de Oliveira

Walter Benjamin Oliveira Bortolini.

:



e a categoria de 1.

ed.



Experiência (Erfahrung) / Bruna de Daniel Confortin, 2020.

Passo Fundo, RS

:

Bibliografia ISBN 978-65-00-10091-4 1.

Benjamin, Walter, 1892-1940

- Filosofia 2. Filosofia

20-45944

1.

Título. CDD-193

Índices para catálogo sistemático: Benjamin Filosofia alemã 193 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 1.

:

A

experiência é carente de sentido e espírito apenas para aquele já

desprovido de espírito. Talvez a experiência possa ser dolorosa para a pessoa que aspira por ela, mas dificilmente a levará ao desespero. Walter Benjamin, Experiência.

PREFÁCIO À categoria

eloquente em textos fundamentais do autor, como o clássico “Experiência e pobreza”. Na presente obra, Bruna de Oliveira Bortolini revisita, com olhos completamente contemporâneos, essa central categoria do pensamento benjaminiano, reavaliando sua atualidade no arco secular desde as obras de Benjamin onde a sofisticação filosófica da Experiência é desenvolvida, marcando definitivamente à Filosofia do século XX, até esses poucos anos já decorridos do século XXI, no qual a questão da Experiência e sua reproposição como categoria central do pensamento urge ser incisivamente reproposta, sob pena da capitulação do pensamento a modelos lautológicos de estilo positivista, anti-filosóficos em sua essência, hoje ameaçadores urbi et orbi. Nesse sentido, nesse momento de crescentemente qualificada “redescoberta” de Benjamin no Brasil, temos aqui mais uma importante obra que contribuirá para o consequente aprofundamento daquilo que, muitas vezes parecendo incorporado à tradição erudita e nada mais, na verdade está mais vivo do que nunca, hoje como nas primeiras décadas do século XX, e sempre. se mostra

“Experiência”, sempre de algum modo

pressuposta na tradição filosófica desde a tradição clássica até a contemporaneidade, assume a partir dos inícios do século XX, especialmente no universo filosófico de tradição alemã, uma configuração especialmente relevante. Tal se deve, em boa parte, tanto ao advento e crescente presença das ciências experimentais, que impactarão o corpus da Filosofia com suas postulações e descobertas, quanto ao retorno, por parte de certos pensadores, à trilha que a própria palavra “Erfahrung” designa. Pois tal conceito é sobremaneira próximo do verbo “fahren”, e um “por-se a caminho”, ínsito a “fahren”, já entaizado num

tal

modelo mental maduro, remontando ao Romantismo alemão e suas construções vitais e pedagógicas (um “Bildungsroman” romance de formação — é, essencialmente, a narrativa de uma caminhada ao longo das surpresas e desencontros da vida, do universo histórico, material e espiritual, por parte daquele que “experimenta” essa viagem), assume agora novas configurações. Franz Rosenzweig foi o pensador de grande calibre que reorientou sua especulação, especialmente a partir do contato com seu mestre Hermann Cohen, no sentido de um “erfahrendes Denken” - pensamento experiencial — como o postula explicitamente em muitas de suas obras e, muito especialmente, no conhecido texto “Das neue Denken" - “O novo pensamento” na sua obra À da Redenção. magna Der Stern der Erlósung - Estrela Ora, não é de se admirar o fato de que Walter Benjamin, em 1929 — ano do falecimento de Rosenzweig — em um pequeno texto normalmente traduzido como “Livros que ainda valem a pena ser lidos” elenca, em seu curto rol, À Estrela da Redenção. Parece-nos evidente que Benjamin encontrara ali, nessa obra publicada em 1921, uma configuração intelectual convergente à sua, no que tange ao espaço fundante e fundamental da experiência no pensamento. De fato, desde suas primeiras obras, não é indiferente a Benjamin a questão da Experiência, e tal

e

Ricardo Timm de Souza.

ata dn SUMÁRIO INTRODUÇÃO

1

3 TERCEIRA PARTE

Ea dose ade PARTE

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PRIMEIRA

WALTER BENJAMIN,

CONTEXTO

1.1

E

-

REFERÊNCIAS

cce

Benjamin pelo viés da Modernidade

1.2 A

estética do vidro e a despersonalização dos Indivíduos

1.3 À

1.4 À influência WalKeT

2?

19

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origem do conceito de Experiência (Erfahrung) em

FPrsha ROSSNSWEIO

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SEGUNDA PARTE

EXPERIÊNCIA dadunésaetsedasso

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SETTE

sas

44

49

categoria de Experiência nos primeiros escritos de Walter Benjamin. .iciiiilisinnas.

2.1 À

2.2 Experiência como matéria de tradição...

2.3

À

arte de narrar EXperiências.

24 Experiência

2:5.

Experiência

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e MemMÓras.cceesieee

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2.7

59

sas ss SRT: 6468

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2.6 Modernidade e o declínio da EXperiência.

...scsiiinnas 72

Narrativa, romance e Infor Mação, ..úiiiiiiiiienenanno: 75

2.8 Da Experiência ao experimento.......

....660uciiici 89 Teoria da linguagem benjaminiana 94 .ccccco = 3,2 novo itinerário filosófico... 3.1

Um

ao pensamento

... 100

3.3 Modelo ideal de exposição filosófica:

O

de Franz Rosenzweig no pensamento de

BERTA

1.5 À

8

15

...ivicoscoiieieiiáín—2—

cidade moderna e suas ContradiçõeS....únciciieii

TEMPO, EXPERIÊNCIA E POTÊNCIA DA LINGUAGEM

tratado esco|

ASTON suesmeSESSEEN

ASSAR

105

3.4 Entre fenômenos e ideias: o papel mediador do COnCeIto.....scnssanas

3.5 Experiência, linguagem e temporalidade

3.6 Atualidade de Walter

CONSIDERAÇÕES

Benjamin.

108

cc ienes ...isuicnncacs,

FINAIS... .coo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

112

n7

119

122

Bruna de Oliveira Bortolini

INTRODUÇÃO O presente trabalho investiga a categoria! de Experiência (Erfahrung)º no pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin, bem como sua origem, características e determinações filosóficas. Para tanto, parte do pressuposto de que tal categoria na visão do autor não se limita a uma concepção metodológica e científica, comum ao pensamento moderno e no qual ele próprio se insere. À categoria de Experiência para Benjamin, além de poder ser considerada um instrumento para experimentação científica, é também entendida como uma espécie de “sabedoria de vida”, composta por um conjunto de referências e valores comuns capazes de serem transmitidos de geração em geração. É, portanto, um saber arcaico vinculado a um estilo de vida pré“industrial em que o principal modo de comunicação entre os indivíduos se constitui pela narrativa oral. Aspecto que amplia suas possibilidades interpretativas e revela sua importância na medida em que não se restringe a uma compreensão instrumental dos fenômenos do mundo e das vivências individuais e coletivas, mas, ao contrário, se constitui num pensamento consciente da temporalidade e da mutabilidade do real. Posto isto, para uma melhor exposição e compreensão das ideias aqui trabalhadas, o estudo tem também como objetivo investigar as possíveis motivações que levaram o autor a se dediÀ

é

Experiência em Benjamin tratada nessa obra, de modo irônico, como “categoria”, Experiência enquanto Erfahrung não pertence à ordem das categorias em razão de seu caráter temporal extrapolar definições conceituais. 2. À palavra Erfahrung, que em Alemão quer dizer Experiência, será utilizada no trabalho para designar a categoria de Experiência no sentido proposto por Benjamin e também diferenciá-la da palavra Erlebnis que em alemão significa Vivência e como forma que, por vezes, é entendida erroneamente como sinônimo da primeira, Especificações que podem ser mais bem acompanhadas no segundo capítulo desse trabalho, intitulado, em conformidade com o termo, de Experiência. É ainda importante salientar que a categoria de Experiência, por ser ponto central do trabalho e nele apresentado como terminus tecnicus benjaminiano, irá aparecer sempre na tradução em português, quando se tratar dessa Experiência, com letra inicial maiúscula. 1.

já que na visão do filósofo a

de

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

car ao estudo da categoria de Experiência em suas obras. O que inclui realizar uma análise do contexto vivido por Walter Benjamin, suas influências e principais referências, em destaque a do filósofo Franz Rosenzweig. À pesquisa observa ainda a postura do autor em relação a alguns acontecimentos de 'sua época, a saber, o advento da modernidade e suas inovações tecnológicas, a Primeira Guerra Mundial, a crise econômica, ascensão do Nazismo e, somando-se a essas questões, o alcance de seu pensamento tanto para aqueles que lhe eram contemporâneos, quanto para a atualidade. Razão pela qual as perguntas que norteiam o trabalho se dão da seguinte forma: O que Walter Benjamin pretende ao enunciar a categoria de Experiência em seus estudos? Quais os elementos que caracterizam categoria e a que se referem? Qual a diferença entre Experiência (Erfahrung) e Vivência (Erlebnis) no pensamento do autor? Qual a importância de pensar a Experiência, no sentido proposto por Walter Benjamin, para o pensamento contemporâneo? Qual a influência da extrema racionalidade moderna no processo de perda da Experiência? E de que modo o empobrecimento da Experiência afeta a compreensão sensível dos indivíduos acerca do real? Para responder tais questões, se parte do princípio que Benjamin, ao trabalhar a categoria de Experiência em sua filosofia, opõe-se a uma forma de pensamento fundamentado na ideia de verdade como sistema fechado, isto é, que concebe a totalidade através de um princípio de identidade determinado pela primazia do sujeito. À filosofia de Benjamin, ao trabalhar com a noção de temporalidade, implícita na categoria de Experiência, provoca uma ruptura nesse sistema, pois considera que os fenômenos do mundo, por estarem em constante processo de mutação, não podem ser aprisionados num conceito. Motivo pelo qual não limita a ideia de Experiência à experimentação científica, sendo seu processo de conhecimento marcado por frequentes inlerrupções na intenção de atualizar o contato com os objetos em suas recorrentes transformações. Questionando com isso relações históricas concebidas a partir de uma visão concreta de mundo e

tal

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

as particularidades dos conteúdos materiais. Pois, para Benjamin, o método do conhecimento deve implicar num exercício de pen-

samento que, incansável,

[-..] começa sempre de novo, e volta sempre, minunciosamente, às próprias coisas. Esse fôlego infatigável é a mais autêntica forma de ser da contemplação. Pois ao considerar um mesmo objeto nos vários estratos de sua significação, ela recebe um estímulo para o recomeço perpétuo e uma justificação para a intermitên-

cia do seu ritmo?.

Posicionamento que se constitui ainda numa crítica ao modelo de pensamento de sua época, a saber, o iluminismo (AufRárung), principalmente a partir de leituras das obras de Immanuel Kant e dos neo-kantianos e que surge com a constatação de que a filosofia nesse período se encontra muito mais voltada à fundamentação do conhecimento científico do que à sua tarefa primordial de apresentação da verdade. Fato que leva o autor a não somente empreender uma crítica a esse modelo, mas propor uma solução que consiste em, por meio da valorização da categoria de Experiência em seu sentido pleno e não apenas instrumental, provocar uma reformulação na própria concepção de filosofia da época, Uma reformulação que devolva à filosofia seu caráter expositivo de trazer à expressão elementos que perante o sistema representativo tendem a ficar de fora do discurso convencional, E isso porque a Experiência, quando limitada a usos instrumentais, revela uma forma também instrumental de os indivíduos pensarem e se relacionarem com o mundo. Valorizar suas outras qualidades é exigir uma mudança nesse cenário. É recuperar certas questões também relevantes ao conhecimento e que foram outrora relegadas ao esquecimento por não se encaixarem nas habituais formas de apreensão e compreensão da realidade.

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Deste modo, a pesquisa parte da seleção de bibliograde autoria de Walter Benjamin. Nesse trabalho são utilizadas em maior destaque as obras Magia e técnica, arte e política: ensadios sobre literatura e história da cultura', Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo”, O Prefácio da obra Origem do drama barroco alemão, o ensaio Sobre o Programa da Filosofia I'uturaó, e Passagens”. Sendo paralelamente a estas, também utilizados textos (referências) que oferecem auxílio a uma melhor compreensão das ideias desenvolvidas no estudo, fazendo-se necessário ainda ressaltar que todas as referências em língua estrangeira utilizadas na pesquisa possuem traduções nossas. Para favorecer o entendimento a respeito das ideias investigadas, o trabalho se divide em três seções. À primeira seção, intitulada Walter Benjamin: contexto e referências, aborda questões em torno da vida do autor, seu contexto histórico e influências. Tem como principal objetivo mostrar de onde surgiram as ideias do autor em relação a categoria de Experiência, visto que Benjamin foi um dos maiores e mais importantes estudiosos do tema de sua época. Destaca-se nesse capítulo a era moderna e suas transformações em relação às sociedades arcaicas, bem como mudanças radicais na percepção e no comportamento dos indivíduos a respeito de tais transformações. Também terão destaque, na presente seção, as ideias do filósofo Franz Rosenzweig, as quais foram de inegável importância para o desenvolvimento do pensamento de Walter Benjamin, principalmente sua perfias

4. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin — 8º Ed. revista



São Paulo: Brasiliense, 2012 — (Obras escolhidas, v. 1). 5. BENJAMIN, W. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Trad. José Martins Barbosa, Hemerson Alves Batista — led. — São Paulo: Brasiliense, 1994 — (Obras

Escolhidas,

v.

3).

BENJAMIN, W. Sobre el Programa de la Filosofia Futura. In: BENJAMIN, W. Sobre el Programa de la Filosofia Futura. Trad. Roberto J. Vernengo. Barcelona: Editorial Planeta-De Agostini, S. A, 1986. 7. BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 6.

3. BENJAMIN, W, Prólogo epistemológico-crítico. In: BENJAMIN, W. Origem do drama trágico alemão. Trad. João Barrento. — 2. ed. — Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p. 16.

10

n

Bruna de Oliveira Bortolini

cepção a respeito da categoria de Experiência como pensamento permeado pela temporalidade. À segunda seção, Experiência,

aborda a categoria de

Experiência no pensamento do autor, suas origens e principais características, bem como a constelação de elementos que a ela estão vinculados de forma indissociável, como é o caso da temporalidade, da narrativa, da memória, das situações limiares, da tradição e da linguagem. O capítulo também mostra os fatores cruciais para o declínio da Experiência (Erfahrung) e sua substituição pela ideia de Vivência (Erlebenis) na modernidade, revelando as consequências desta substituição, as quais incluem a segmentação e desorientação dos indivíduos em relação à própria vida e o domínio da técnica sobre o “minúsculo e frágil corpo humano”* — apontando os desafios para a filosofia frente a uma concepção científica de mundo que tem como proposta a instrumentalização da ideia de Experiência e do próprio fazer filosófico. No último e terceiro capítulo, Tempo, Experiência e Potência da Linguagem, será abordada a questão da nova proposta filosófica de Walter Benjamin. Será visto de que forma o autor concebe a situação da filosofia frente ao progresso científico e tecnológico e as alternativas que propõe para que possa continuar em seu processo fundamental de busca e exposição da verdade. Para tanto, se inclui a essa proposta de recuperar o momento expressivo da própria filosofia, um reconhecimento da pobreza de experiências que o indivíduo moderno se encontra. Tal reconhecimento surge em função de um novo e ampliado entendimento acerca da categoria de Experiência após o seu declínio, em específico através da valorização de seu caráter linguístico, o qual implica numa crítica à noção de Experiência em Kant, apontando suas limitações e possibilidades de reformulação. À obra mostra-se relevante na medida em que ao conceber a categoria de Experiência (Erfahrung) de Walter Benjamin,

Walter Benjamin

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Categoria da Experiência (Erfahrung)

por meio da análise de sua estrutura, coloca em evidência a beleza de um pensamento sempre atual: um pensar sensível à mulliplicidade dos fenômenos da vida vivida. Em que sua riqueza não está num novo modo de fundamentar o conhecimento, ou de dizer àquilo que as coisas são. Mas, por meio da narrativa, dedicar-se a mostrar o quão importante é o tempo para compreensão das vivências e das conexões que se podem fazer entre os saberes adquiridos. Uma posição contrária à extrema valorização do domínio teórico da razão em quase todos os âmbitos da vida humana. Que defende a necessidade de constantes exercícios de reelaboração do pensamento para mantê-lo distante da sedutora postura positivista de crer em verdades absolutas e segregadoras.

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet, São Paulo: Brasiliense, 2012 — (Obras Escolhidas, v. 1). p.124,

8.

12

3

PRIMEIRA PARTE

WALTER BENJAMIN,

CONTEXTO E REFERENCIAS

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin (1892-1940) é um filósofo conhecido diversas mais áreas do pensamento humano. No Brasil, sua nas presença no meio acadêmico tem crescido amplamente e vários são os estudos realizados em torno de suas obras. Fato que oferece uma rica gama de documentos que analisam e discutem seu trabalho sob os mais diferentes pontos de vista. Esse crescente interesse pelo autor se deve, em boa parte, por Benjamin estar entre um dos maiores e mais importantes críticos e historiadores modernos. Muito embora o reconhecimento que hoje se atribui às obras do autor, em sua época, tenha se limitado a um círculo muito restrito de pensadores, vindo a se consolidar ao grande público apenas anos depois de sua morte. Motivo que o levou em vida a uma série de dificuldades, inclusive econômicas, mas que ao mesmo tempo foram responsáveis por sua enorme e variada produção intelectual, a qual não se restringiu apenas à crítica literária. Benjamin, assim como outros grandes nomes da história da filosofia, perpassou por diversos temas ao longo de sua vida. Suas obras englobam desde críticas em torno das convencionais teorias do conhecimento e da linguagem à aspectos políticos e sociais de sua época, bem como arte, cultura e história. Influenciado pela tradição judaica e por análises marxistas, o autor também teceu críticas à modernidade capitalista e suas desiguais relações de produção, rejeitando a ideologia do progresso de uma crença no futuro rumo ao sempre melhor, fundamentada na ideia de tempo vazio e homogêneo. Porém, é a proximidade de Benjamin com o romantismo que irá marcar de forma determinante sua filosofia, principalmente por lhe emprestar conceitos que são considerados atualmente chaves para a compreensão de suas obras, como é o caso da própria ideia de crítica como médium-de- reflexão”. O que em Benjamin significa, além de uma forma de 9. No ensaio Sobre

a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem, de 1916, Benjamin desenvolve a noção de Medium para designar o ambiente da comunicação, o espaço em que a linguagem se desenvolve sem necessitar de um destinatário. Remete a um aspecto metafísico da linguagem no qual é possível o ser humano expressar sua essência

16

Walter Benjamin

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Categoria da Experiência (Erfahrung)

pensar 2 cultura em suas contradições, o deslocamento do “Eu” para fora do centro de todo processo reflexivo, entendendo a própria reflexão como fenômeno. Motivo pelo qual, hoje, o autor é reconhecido, segundo afirma Seligmann-Silva, como um dos primeiros filósofos modernos a realizar a desconstrução do “modelo de teoria do conhecimento monológico, baseado na simples cadeia de causas e efeitos, e, portanto, de crítica também a uma concepção linear tanto do desenvolvimento do conhecimento como também do desenrolar da própria história”!º, Isso por Benjamin entender que a filosofia ao impor uma metodologia específica aos processos de construção de conhecimento, fundamenta em grande parte em imposições do sujeito sobre o objeto, acaba tendo por resultado o próprio método previamente determinado e não o ideal daquilo que investiga, obtém como resposta apenas aquilo que de antemão já projetava sobre o objeto e não a sua “verdade”. Razão pela qual, segundo o autor, é preciso que se investigue o teor filosófico de outras formas de expressão, tais como artísticas, explorando as possibilidades da linguagem e suas limitações para que no processo crítico o objeto acabe se revelando a partir de suas próprias determinações. Assim, as obras do autor, constituídas em maior parte sob a forma de ensaio, são conhecidas por colocar em diálogo literatura, história, filosofia,

as

a

espiritual e também essência das coisas desde que estas sejam comunicáveis. Aspecto que leva, então, a crer que Medium-de-reflexão, presente em sua tese Sobre o conceito de crítica da arte no romantismo alemão, de 1919, tem a ver com o “espaço” absoluto da reflexão, a qual, enquanto manifestação humana, é sempre linguística. Afirmação que aponta também para o fato de que apesar da reflexão ser médium, meio para o próprio pensamento reflexivo, ela também se move nele, desenvolvendo-se aí infinitamente. Porém, nunca de forma progressiva, contínua, num percurso infindável e vazio, mas numa infinidade de conexões, “que pode ser compreendida mediatamente a partir de níveis

infinitamente numerosos da reflexão, na medida em que gradualmente o conjunto das demais reflexões seja percorrido por todos os lados”. (BENJAMIN, W. O conceito de crí-

tica de arte no romantismo alemão. Trad. Márcio Seligmann-Silva. — 3. ed. [4. Reimpr.]. São Paulo: Iluminuras, 2011. p. 36). 10. SELIGMANN-SILVA, M. A Redescoberta do Idealismo Mágico. In: BENJAMIN, W. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Trad. Márcio Seligmann-Silva. — 3. ed. [4. Reimpr.]. São Paulo: Iluminuras, 2011. p. 11.



Bruna de Oliveira Bortolini

entre outras artes. Seduzindo o leitor por seu estilo desprendido fragmentário, avesso à lógica linear do discurso, porém, sem nunca deixar de lado o rigor teórico. Nesse ponto vale destacar que o afastamento de Benja| min em relação à ideia de sistema, de forma alguma deve ser tomado como estímulo à incoerência ou ao relativismo. Pelo contrário, o que pretende é a defesa da existência de outras dimensões do pensamento filosófico as quais não deixam de ser sistemáticas, porém atuam de forma diferente da convencional. Ou seja, aquilo que posteriormente ele irá chamar de “apresentação da verdade” e que será exposto de forma mais contundente no terceiro capítulo desse estudo. Para tanto, antes de dedicar-se à investigação da temática da Experiência e da reflexão que essa pressupõe entre pensamento e linguagem, faz-se mister ressaltar alguns aspectos do pensamento benjaminiano relevantes para o desenvolvimento do trabalho, sobretudo aqueles aspectos relacionados às percepções do autor sobre a modernidade — visto que Benjamin soube compreender a modernidade como poucos, pois a viveu profundamente, retirando dela o fundamento que sustenta sua filosofia.

Walter Benjamin

e

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Te]

BENJAMIN PELO VIÉS DA MODERNIDADE modernidade foi decisiva para Benjamin. Ele soube compreender suas tendências como ninguém. Ao partir de uma crítica da percepção e de uma profunda consciência do tempo, o À

filósofo a analisa sob os mais diversos estratos de sua significação. Seu trabalho inacabado das Passagens e seus ensaios sobre a modernidade e a poesia urbana de Baudelaire, em especial aqueles presentes no livro Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo, entre outros, são exemplos disso. Entretanto, ao ler os escritos do filósofo a respeito deste tema é preciso ter em mente, indo ao encontro do que afirma Gagnebin!!, que o autor não se limita a compreender a modernidade simplesmente de um ponlo de vista acusativo. Ou seja, apenas como momento histórico envolto pela crueldade do capitalismo, como comentam alguns de seus intérpretes. O que, aliás, tende a dar a impressão de um saudosismo exacerbado em relação a uma época perdida em que “memórias, palavras e práticas sociais eram compartilhadas por todos”"?, Na verdade, o que ocorre é que, na perspectiva do filósofo, a modernidade se mostra de forma muito mais ambígua e não somente naquilo que ela tem de negativo. Para ele o período moderno oscila entre extremos que vão do triunfante ao frágil e, embora ao final de seus escritos ocupe-se desta fragilidade de forma ainda mais contundente, não tem a pretensão de alimentar uma visão puramente melancólica da época. Sua alçada vai além. Mas no que consiste? GAGNEBIN, J. M, Alegoria, Morte e Modernidade, In: GAGNEBIN, J. M. História Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 49. 12, LÔWY, M. apud GAGNEBIN, J. M. Não contar mais?. In: GAGNEBIN, J. M. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 56. 11.

e

18

19

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

Ainda que a percepção do autor sobre a modernidade como lugar do transitório, do efêmero e do movente, da “luta contra o curso inexorável e natural' do tempo”" possa ser inter pretada como denúncia da época, ela não se restringe somente a este aspecto. É compreensível que o caráter fugidio da modernidade seja interpretado como ameaça de perda ou destruição, pressentimento que, em realidade, não pode ser negado. Porém, devemos considerar que o moderno ao mesmo tempo em que nos desperta para a consciência de uma atualidade “passageira e dominadora [...] que sempre nos escapa”!"*, e que por vezes nos assusta, é também, neste período, promessa de futuro. Daí o mérito da interpretação benjaminiana, ainda ao encontro do que afirma Gagnebin, pois, esta postura do autor permite uma lúcida descrição a respeito das contradições da época. À modernidade em função de seu caráter instável, de interesse constante pelo novo, nos possibilitou avanços na área do conhecimento técnico, trazendo grandes benefícios à vida das pessoas. Ou, na visão de Benjamin, ao próprio campo da arte, visto que ao artista foi possível “mergulhar na multidão, ser seu “espelho”, seu “caleidoscópio dotado de consciência”, em suma, ser um “eu insaciável do não eu, um verdadeiro homem do mundo”" aberto à consciência radical da temporalidade e da morte, livre das concepções acadêmicas tra-

,

Com

13.

GAGNEBIN,

Idem. 15. Idem. 14.

16. 17.

J. M. Alegoria, Morte e Modernidade, p. 48.

Categoria da Experiência (Erfahrung)

isso, chega perto de afirmar que

o

processo de tecnização,

ao mesmo tempo em que é o produtor de alienação e perigosas lensões e patologias da mente, também pode vir a ser utilizado como dispositivo de cura. Visto que, o cinema: Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre os pormenores ocultos dos objetos que nos são familiares, e de sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da objetiva, [...] faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam

nossa existência, e por outro assegura-nos um grande insuspeitado espaço de liberdade. Nossos cafés e nossas ruas, nossos escritórios e nossos quartos alugados, nossas estações e nossas fábricas pareciam aprisionar-nos inapelavelmente. Veio então o cinema, que fez explodir esse universo carcerário com dinamite dos seus décimos de segundo. [...] Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas consequências, engendrou nas massas — tensões que em estágios críticos assumem um caráter psicótico —, percebemos que essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de massa através de certos filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso. À hilaridade coletiva representa a eclosão precoce e saudável dessa psicose de massa. Os filmes grotescos dos Estados Unidos [...] produzem uma explosão terapêutica do inconsciente", e

a

e

dicionais a respeito do que é arte e de sua relação com a questão do belo a partir de uma “forma eterna e absoluta”, Percepção positiva da modernidade também exposta em seu ensaio À obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", escrito em 1935, Nesse ensaio, Benjamin ressalta o possível caráter imunizador da técnica, em específico do cinema, em contraposição às próprias consequências negativas engendradas por ela na sociedade.

e a

Postura que o tornará alvo de críticas na época, inclusive as de seu amigo e correspondente Theodor W. Adorno. Para Adorno, a ideia de Benjamin de uma racionalidade técnica que também implicasse na liberdade do homem e não somente em sua dominação, não se mostra possível. Na visão de Adorno, a técnica estaria mais aberta a usos comerciais e de manipulação social, do que a uma revolução em prol das minoridades. Para

Idem. BENJAMIN, W, A

obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2012 — (Obras Escolhidas,

20

18.

BENJAMIN, W. À obra de arte na era de sua reprodutibilidade

v. 1). p. 179-212.

21

técnica, p. 204-205.

Bruna de Oliveira Bortolini

ele, ao invés da técnica servir ao verdadeiro esclarecimento, ela apresenta-se muito mais como uma regressão à barbárie. Em sua carta de 19/03/1936", ele pede a Benjamin que seja mais dialético em relação a tais questões e não tão ingênuo, pois para ele aquilo que Benjamin vê no cinema como possibilidade para aliviar tensões, não passa “do pior sadismo burguês”?, Contudo, conforme o exposto acima, apesar das investidas entusiasmadas de Benjamin em relação a alguns temas da modernidade, ele não se deixa seduzir pela ideia de progresso como a princípio pode dar a entender. O que pretende é mostrar ambos os lados de uma mesma situação. Razão pela qual, em suas análises, não deixa de observar as mudanças radicais ocorridas no espaço coletivo e a consequente desorientação dos indivíduos em função de condições sociais e econômicas criadas pela crescente industrialização e organização capitalista do trabalho. Mas em que consistem tais mudanças? À princípio pode-se falar de tudo aquilo que acompanha o desenvolvimento industrial e técnico nas grandes metrópoles modernas. Sem contar radicais as alterações perceptivas originadas a partir de então e que afetam os indivíduos e reconfiguram seus modos de compreender e se relacionar com o contexto a sua volta. Sendo necessário ainda questionar: o que exatamente atrai a atenção do autor nas cidades modernas, para ele torne as de objeto reflexão? O que as que metrópoles dizem ao filósofo?

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

1.2 CIDADE MODERNA E SUAS CONTRADIÇÕES

A

forma de uma cidade Muda mais rápido, ah! : à de Que o coração um mortal”, “A

Charles Baudelaire Ao falar em suas obras sobre as grandes metrópoles do século XIX, Benjamin toma as cidades como médium-de-reflexão”?, Isso significa que o autor, por meio das revoluções urbanas ocorridas no período em questão, procura realizar um estudo sobre os novos modos de pensar e viver nas sociedades modernas. Para tanto, ocupa-se em mostrar o impacto que a vida urbana, em suas novas configurações, exerce sobre a percepção dos indivíduos, expondo a partir de narrativas sobre as cidades, as profundas discrepâncias, como diria Bolle “entre progresso tecnológico e qualidade de vida social”*. Um dos aspectos valorizados por Benjamin em relação a essa questão são as transformações arquitetônicas que se constituem em excelente recurso para compreensão do cenário moderno em seus diversos condicionamenlos perceptivos.

19. ADORNO, T. W, Correspondências 1928-1940: Theodor W, Adorno, Walter Benjamin. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 206-214, 20. Ibidem, p. 210.

“la forme d'une ville change plus vite, hélas! Que le coeur d'um mortel” (BAUDELAIRE, C. Le Cygne. In: BAUDELAIRE, C. Les Fleurs du Mal. Paris, França: Le Livre de Poche, 1964. p. 101). 22, Para o autor, as grandes metrópoles como médium-de-reflexão correspondem aum ambiente que favorece o pensamento, a expressão e a própria reflexão sobre acontecimenlos de uma determinada época em seus múltiplos sentidos. 23. BOLLE, W. A metrópole como médium-de-reflexão. In: SELIGMANN-SILVA, M. Leituras de Walter Benjamin. São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999. p. 91.

22

23

21.

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjaminea Categoria da Experiência (Erfahrung)

No texto, Paris, a capital do século XIX”, o autor narra movimento de expansão das cidades modernas, em específico, de Paris. Segundo ele, esse Processo se deve, em boa parte, ao desenvolvimento das forças produtivas na época que aceleram o crescimento populacional e reivindicam a necessidade de emancipação das próprias cidades, tanto em relação a postos de trabalho, como lugares para habitação e frequentação. O crescimento do comércio têxtil, por exemplo, é um dos primeiros acontecimentos da sociedade moderna a impulsionar a transformação das cidades. Isso porque com o elevado número de mercadorias para vender, surge também a necessidade de se aumentar os meios de exposição de tais mercadorias, de forma que possam ser vistas um grande número de pessoas. O que fomenta modificações por na arquitetura principalmente a partir da criação de espaços para a visibilidade desses produtos. Que segundo Benjamin, deixa seus rastros “em mil configurações da vida, das construções duradouras, até as modas passageiras””, Tais espaços, chamados de pasSdgens, precursores das lojas de departamento, são construções erguidas em bases de ferro, material de construção artificial em destaque na Época, mas também o

[...] cobertas de vidro e

í

"a sição.

com paredes revestidas de mármore, que atravessam quarteirões inteiros, cujos proPrietários se uniram para esse tipo de especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que recebem a luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que tal passagem é uma cidade, um mundo em miniatura”,

As passagens parisienses são, Nelas, os passantes, além dos

portanto, lugares de expoartigos de luxo, encontram também uma variedade de outros produtos como roupas, joias, objetos de decoração e beleza, livros, tecidos e até mesmo dutos alimentícios. São ambientes perfeitos para a exibiçãoprode 24.

BENJAMIN, W. Paris, a capital do século XIX, In: Pass assagens.

UEMG, 2007 130.06 25. Ibidem, p. 41. 26. Ibidem, p. 77-78. ra

Belo Belo

Hori Edi Horizonte: : Edito-

mercadorias produzidas pela crescente industrialização. Havendo ainda em seus interiores espaços para socialização e venda de serviços como cafés, bares, restaurantes, alfaiatarias, sapatarias, enbelereiros, etc. Entretanto, ao mesmo tempo em que servem to comércio, as passagens são uma espécie de refúgio para os desprevenidos da chuva e para aqueles que buscam fugir dos peigos da rua e do trânsito, garantindo a eles um passeio seguro “porém restrito, do qual também os comerciantes tiram suas vanlugens”*, Ambientes de transição que possuem caráter ambíguo e alegórico por sintetizarem no mesmo lugar, ruas e residências, visto que em algumas delas “acima do entablamento das pilastras dóricas, que dividem lojas, [erguiam-se] dois andares de apartamentos”**, Por essas e outras razões, as passagens, além do Fláneur”, atraiam também uma multidão de pessoas, a qual é, para Benjamim, a representação estética da modernidade capitalista por excelência e pode ser observada ainda hoje. Contudo, para Benjamin, as passagens representam muito mais do que apenas galerias. São na verdade símbolo de uma nova reconfiguração social fundamentada na transitoriedade e no movimento — características típicas de uma sociedade capitalista. Mas não são somente as passagens fisioque alteram nomia das cidades. Segundo Benjamin, a cidade de Paris ingressou no século XIX sob a forma que lhe foi dada por Haussmann: “Ile realizou sua transformação da cidade com os meios mais modestos que se possa pensar: pás, enxadas, alavancas e coisas semelhantes”?º, Ou seja, as reformas urbanísticas iniciadas em 1859 pelo Barão de Haussmann?! modificam drasticamente a ci-

as

a

BENJAMIN, W. Paris, a capital do século XIX, p. 78. 25. Ibidem, p. 79. 29. Personagem da poesia lítica de Baudelaire, eleito por Walter Benjamin como arquélipo símbolo da experiência das cidades modernas. Sujeito observador que vagueia pelas tuas, o verdadeiro “homem da multidão”, 30. BENJAMIN, W. A modernidade. In: BENJAMIN, W. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Trad. José Martins Barbosa, Hemerson Alves Batista — led. - São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras Escolhidas TI. p.84 31. Conhecido amplamente como “artista demolidor”, Barão de Haussmann foi no-

o

24

25

Bruna de Oliveira Bortolini

dade. E isso não apenas em busca de um maior “embelezamento”, mas também como estratégia militar na tentativa de reforçar a ditadura de Napoleão III. À destruição de bairros e ruas inteiras para abrir espaço às grandes e largas avenidas (boulevards) tinha como objetivo impedir a construção de barricadas pelos rebeldes, “proteger a cidade contra a guerra civil””, propiciando melhor deslocamento das tropas militares. Conforme comenta Benjamin, “a largura das ruas deve impossibilitar que sejam erguidas barricadas, e novas ruas devem estabelecer o caminho mais curto entre os quartéis e os bairros operários””, Entretanto essa Paris que surgia, regida pela ideia de progresso e sob o signo da transitoriedade, deixava rastros. À jimagem dos novos edifícios e das grandes avenidas contrastava diretamente com a antiga arquitetura, a qual só fazia lembrar efemea ridade dessas construções que mal eram erguidas e já começam a se deteriorar. À ideia do progresso vendida mundo afora através dessas cidades era visivelmente contraditória. Ao mesmo tempo em que enfeitiçava devido às constantes promessas de novidade e reformulações urbanísticas que alteravam a paisagem da cidade, expunha a fragilidade e a violência de tal empreendimento. Um cartão postal em contradição com a realidade de seus habitantes. Isso porque a cidade torna-se alheia a eles. “Haussmann faz de Paris uma cidade projetada e artificial [...] Eis o primeiro aspecto que choca em sua obra: o desprezo da experiência histórica”, Experiência essa construída a partir da relação dos indivíduos com a própria cidade em que viviam, mas que com a reforma urbana foi se perdendo até se consolidar em puro estranhamento, visto que nessa época muitas pessoas eram destituídas de suas moradias e impelidas a aglomerarem-se em “antigas ruelas estreitas,

meado prefeito de Paris por Napoleão Il entre 1853 e 1970. Ele foi responsável pela reforma urbana de Paris, a qual é marcada, principalmente, por suas jargas avenidas e edifícios públicos e modernos como L'Opera. 32. BENJAMIN, W. Paris, a capital do século XIX, p. 50. 33. Ibidem, p. 50. 34. Ibidem, p. 172.

26

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Wjas e tortuosas, nas quais ficavam

encurraladas, pois não viam mída””, Sem falar que Paris, no início do século XIX, era uma cidade que convivia com a pobreza, com as mazelas da cólera, com movimentos operários em função de condições inadequadas de trabalho e, em razão do desprezo da burguesia, também a expurgação dos pobres e miseráveis da via pública. Acontecimentos que não se dão de forma separada do processo de reurbanização, Mas

concomitantemente.

Assim, o avanço da técnica e sua influência em todos setores da vida humana conferiram ao espaço, que outrora era compartilhado por todos os sujeitos de uma comunidade, sintomas de esvaziamento e funcionalidade. Na vida pública parecia não haver mais lugar para os “excessos”. Arquiteturas, objetos, modos de vestir e também de viver tinham ser úteis e práticos já que as metrópoles possuíam um funcionamento diverso daquele cidades “artesanais”. O que irá levar os indivíduos a um comum de despersonalização e perda de referências às quais tenprocesso dem serem reconstruídas sob um novo prisma que não o colelivo. Esse plano, segundo Benjamin, será, portanto, o individual. os

de

às

a

5.

BENJAMIN, W. À modernidade, p. 85.

27

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin e a Categoria da Experiência (Erfahrung)

1.3

poltronas, as cortinas transparentes atrás das janelas, o guarda-fogo diante da lareira. [Com a modernidade] tudo isso foi eliminado. [...] O novo ambiente de vidro transformará completamente os homens”.

ESTÉTICA DO VIDRO E A DESPERSONALIZAÇÃO DOS INDIVÍDUOS

[...]

A

“l...]

o

à

vento esbofeteia

a chama

e

atormenta

o

vidro” 3,

Charles Baudelaire Movida pelo ritmo veloz do mercado de trabalho, das produções industriais com suas mercadorias produzidas em grande escala, a vida nas grandes cidades se modifica, bem como a percepção dos indivíduos. E é, portanto, nesse contexto que a cultura de vidro consolida uma nova estética que contrasta diretamente

as

referências do passado. Ela é marca registrada do capitalismo, pois diferentemente de outras mobílias e estruturas, o vidro é de natureza limpa e neutra, não deixa marcas. Ele sequer se deixa ser envolto por “memórias afetivas”. Como afirma Benjamin: com

Não é por acaso que o vidro é um material tão duro e liso, no qual nada se fixa. É também um material frio sóe brio. Às coisas de vidro não têm nenhuma aura. O vidro é em geral o inimigo do mistério. É; também o inimigo da propriedade. [...] Se entrarmos num quarto burguês dos anos 1880, apesar de todo o “aconchego” que possa irradiar, talvez a impressão mais forte que ele produz seja a de que “não tens nada a fazer aqui”. Não temos nada a fazer ali porque não há nesse espaço um único ponto em que seu habitante não tenha deixado seus vestígios: os bibelôs sobre as prateleiras, as mantinhas sobre as

et

36. Tel le vent bat la flamme tourmente le verre” (BAUDELAIRE, C. Le Vin des Chiffonniers. In: BAUDELAIRE, C. Les Fleurs du Mal. Paris, França: Le Livre de Poche. '

1964 p. 124).

28

Mas de que forma essa cultura de vidro transformará homens? O que representa em termos de percepção? Esta lIsionomiafria, transparente e desprovida de personalidade que o vidro possui corresponde exatamente ao anonimato provocado pela nova organização da vida nas cidades. De certa forma, pode-se dizer que ele é símbolo material deste comportamenlo, Representa a realidade cada vez mais “desprovida do caráter humano”, as relações superficiais e a falta de sensibilidade de ver no outro mais do que apenas um número ou um “meio para determinados fins”, se quisermos utilizar uma expressão tipicainente kantiana. Na modernidade faltam às relações humanas, issim como falta ao vidro, em função dos novos estilos de vida, “a dimensão da profundidade””, que implica, consequentemente, mm “insuportabilidade do vazio que está em jogo”*º. "Tal insuporlubilidade, porém, se torna viável na medida em que se criam artifícios para preencher esse espaço que deveria ser o dos afetos, como é o caso do dinheiro e das mercadorias possíveis de serem adquiridas através dele. A maioria das relações na modernidade capitalista, são portanto, intercambiadas pela moeda. Pessoas são vistas como meios para o lucro e por essa mesma razão trocam seu tempo de vida, no trabalho, por dinheiro, o qual também é utilizado para mediar relações. Conforme Benjamin, “o dinheiro está, de modo devastador, no centro de todos os interesses vitais e, por outro, é exatamente este o limite diante do qual quase toda relação humana fracassa”*!. Assim, para que a singularidade de

ela

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 126-127. MATUELLA, L. Uma época sem nome: sobre a tautologia do tempo perdido. In: SOHNGEN, C. B. C; PANDOLFO, A. C. Encontros entre Direito e Literatura II: ética, estética e política. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 91. 39, Idem. 40. Ibidem, p. 91-92. 41. BENJAMIN, W. Rua de mão única. Trad. — 6º ed. — Rubens Rodrigues Torres Filho; 37.

38.

29

Walter Benjamin e a Categoria da Experiência (Erfahrung)

Bruna de Oliveira Bortolini

um indivíduo seja reconhecida, isto é, para que se enxergue o outro como outro e não apenas como instrumento para se alcançar

e

determinados interesses,

é preciso de tempo, isso, então, acaba esfera do particular. Atitude que revela, segundo Benjamin, o quanto a humanidade está imersa numa cultura miserável que tem na arquitetura de hoje, pobre e despersonalizada, o seu fiel reflexo. Apesar de que, conforme Missac*, nesse caso, a própria arquitetura ser a vítima e não a pecadora. Assim, as mudanças paisagísticas da época, acabam por fomentar um sentimento de não pertença e isolamento nos sujeitos, pois estes não conseguem mais se reconhecer na ideia de coletividade. Como muito bem exposto por Friedrich Engels em seu livro À Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, citado por Benjamin no decorrer de seus estudos sobre a modernidade,

restringindo-se

a

Estas centenas de milhares de pessoas, de todos os estados e de todas as classes e posições, que se apressam e se empurram, não serão todas seres humanos possuindo as mesmas qualidades e capacidades, e com o mesmo interesse na procura da felicidade? [...] E, contudo, essas pessoas cruzam-se a correr, como se nada tivessem em comum, nada a realizar juntas; e, no entanto, a única convenção que existe entre elas é o acordo tácito pelo qual cada um ocupa a sua direita no passeio, afim de que as duas correntes da multidão que se cruzam não se constituam mutuamente obstáculos; e, contudo, não vem espírito de ninguém conceber a outrem um olhar sequer. Esta indiferença brutal, este isolamento insensível de cada indivíduo no seio de seus interesses particulares, são tanto mais repugnantes e chocantes, quanto e maior o número destes indivíduos confinados neste reduzido espaço”.

ao

José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 2011 - (Obras Escolhidas, v. 2). p. 19. 42. MISSAC, P. O ponto de vista filosófico: a arquitetura de vidro e a orientação do pensamento de Benjamin. In: MISSAC, P. Passagens de Walter Benjamin. Trad. Lilian Escorel. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda, 1998. p. 186. 43. ENGELS, F. À Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Trad. Analia C. Tortes. Porto, Portugal: Edições Afrontamento, 1975. 44. Ibidem, p. 56.

30

Banalização do particular na esfera coletiva que des-

perta nos indivíduos cada vez mais a necessidade de individualização, de valorização do interior, do desejo de destacar-se da multidão. À perda das referências coletivas surgida com a modernidade provoca uma espécie de despersonalização, e para tentar remediá-la os indivíduos tentam recriar o aconchego e o calor que lhes foi retirado, muitas vezes, por meio da compra de objetos diversificados que possam marcar sua personalidade, pois veem “na propriedade a expressão da dilatação do ser coextensivo suas aquisições”*”, Desta forma, tudo o que é subjetivo, íntimo e pessoal, é acrescido de um valor inestimável. À casa, a decoração, móveis e objetos em geral, tendem a guardar os vestígios de seu proprietário. Conforme salienta Gagnebin,

da

Despossuídos do sentido da sua vida, o indivíduo tenta, desesperadamente, deixar a marca de sua possessão nos objetos pessoais: iniciais bordadas num lenço, estojos, bolsinhos, caixinhas, tantas tentativas de repetir no mundo dos objetos o ideal da moradia. Benjamin observa com humor que o veludo não é por acaso um dos materiais preferidos desta época: os dedos do proprietário deixam nele, facilmente, seu rastro”.

Fato que irá influenciar diretamente na produção intencional de mercadorias que possam preencher este esvaziamento. O que abre novas possibilidades no campo das experimentações, fazendo surgir materiais inéditos para o consumo, ainda que a aceleração do tempo, devido à enorme demanda pelo novo, tornasse o prazo de validade das coisas muito menor do que em épocas anteriores. O novo, na modernidade, é sempre antigo, cada segundo já é suficiente para torná-lo caduco. Edifícios construídos sobre as ruínas do passado não levam muito tempo para virarem escombros e a promessa da novidade revela, então, sua efemeridade através da temporalidade que a toca, uma vez que, para 45, MOLES, À. A. O Kitsch: a arte da felicidade. Trad. Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1972. p. 35. 46. GAGNEBIN, J. M. Alegoria, Morte e Modernidade, p. 59.

31

Walter Benjamin

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as sociedades modernas, “o o que já expunha Bauman,

derretimento dos sólidos”, segundo sempre foi o seu maior passatempo. Nesse contexto, mercadorias, valores e relações tornam-se cada vez mais imediatas e passageiras, fato que confere aos indivíduos de forma contraditória, se é possível dizer, maior e menor grau de liberdade. Maior porque podem sempre se renovar, aliviando

peso da tradição sobre seus ombros e tornando-se mais flexíveis aparecem. E menor porque ficam prisioneidesta busca ros por renovação constante e da insegurança e impaciência perante aquilo que demanda tempo para ser alterado. Razão pela qual a tentativa desesperada de reconstrução do que foi perdido não passa de mera ilusão, embora compreensível. Desejar algo sólido em meio à liquidez da modernidade, na qual tudo se dissolve de forma muito rápida, é um empreendimento ousado. Assim, para o indivíduo alienado torna-se cada vez mais difícil compreender tal separação ocorrida entre particular e coletivo, ficando impossível reconstruir as experiências como eram antes, principalmente em um mundo completamente diverso, transitório e com demandas diferentes. O imperialismo da técnica e a industrialização das cidades terá impacto ainda maior e extremamente negativo ao sujeitar os indivíduos à sua força no contexto da Primeira Guerra. O filósofo em seus textos comenta: o

às situações que lhe

Na época, já se podia notar que os combatentes voltacampo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros de guerra que inundaram o mercado literário dez anos depois continham tudo menos experiências transmissíveis de boca em boca. [...] Uma forma completamente nova de miséria recaiu sobre os homens com esse monstruoso desenvolvimento da técnica”!. vam silenciosos do

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

As transformações técnicas que pouco a pouco atinvida nas cidades, provocando o isolamento dos indivíduos glam tarefas cotidianas, vieram a concretizar-se, então, com a em suas puerra de forma rápida e total. Tão rápida que as mudanças ocortidas não foram possíveis de serem assimiladas de uma só vez e ao Inesmo tempo pela palavra que se tornou insuficiente perante aos ncontecimentos. Não somente pela quantidade dos fatos, mas por sua força cruel e esmagadora impossível de ser compreendida, ninda hoje, em plenitude. Nesse sentido, é possível afirmar que a modernidade, enquanto momento histórico gestor de grandiosos feitos como inconcebíveis catástrofes provocadas pela ideologia do progresso, [oi um dos temas chaves da filosofia de Benjamin. Sob diversos uspectos ela foi analisada pelo filósofo tanto pelo viés da crítica inarxista ao fetichismo da mercadoria, quanto das relações sociais no capitalismo, da nova organização econômica e da translormação das pequenas cidades em metrópoles. Mudanças que causaram forte impacto na percepção dos indivíduos em relação uno plano individual e coletivo que habitam, produzindo consequências estéticas radicais, as quais oferecem a este trabalho, um marco delineador em seu processo de investigação e análise. Porém, antes de nos lançarmos no estudo destas queslões perceptivas que circundam o pensamento de Walter Benjamin e a relação que mantém com a categoria de Experiência, é indispensável fazermos referência ao filósofo Franz Rosenzweig já que muito de sua obra marca fortemente a trajetória benjaminiana, contribuindo imensamente para os conceitos que serão trabalhados, como a própria categoria de Experiência e a noção de temporalidade, entre outros elementos.

a

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 09.

47. 48.

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 124,

3e

33

Walter Benjamin

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1.4 INFLUÊNCIA DE FRANZ ROSENZWEIG

A

NO

PENSAMENTO

DE

WALTER BENJAMIN A influência de Franz Rosenzweig no pensamento de Walter Benjamin é inegável. Ela se dá em muitos aspectos nos textos benjaminianos muito embora o filósofo não lhe faça constantes citações. Aliás, citações em geral nos escritos de Benjamin, quando presentes, ocorrem quase sempre de forma indireta, em função de seu método ensaístico. Porém, apesar de conhecida, tal influência é ainda hoje pouco explorada. Fato que não deixaremos de abordar visto que as leituras benjaminianas das obras de Rosenzweig foram de singular importância para o desenvolvimento de seu próprio pensamento. Principalmente no que se refere às questões da temporalidade, da finitude humana e da crítica à racionalidade idealista, bem como ao historicismo lógico. Assim, para compreendermos alguns dos conceitos centrais da filosofia benjaminiana que nos propomos estudar, em especial a categoria de Experiência enquanto Erfahrung, se faz necessário apresentar, mesmo que de forma breve, ideias chaves do pensamento de Rozensweig. Para tanto, em primeiro lugar, pretende-se dar atenção a quem foi esse autor e a importância de sua filosofia no âmbito da tradição, para posteriormente expor relação de Benjamin com seu pensamento. De acordo com as notas de Ricardo Timm de Souza”, Franz Rosenzweig foi um filósofo e historiador moderno e tal como Benjamin, era filho de um comerciante bem sucedido e

a

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

parte de uma família de judeus assimilados. Foi soldado na Primeira Guerra Mundial, fato que para muitos na época revelouse como o estopim de uma vida promissora, mas que para ele, converteu-se em muito estudo e crescimento intelectual, além das atividades militares, que o preparavam para uma futura vida docente. Seus escritos posteriores, como o livro Estrela da Redenção”, confirmam seu percurso que só será interrompido anos Inais tarde por uma esclerose que o conduz a total paralisia. Enlretanto, mesmo sob todas as adversidades da doença que o impedem mesmo de falar, com a ajuda de sua esposa e amigos próximos, ele retorna a atividade literária até anos antes de sua morte em 10 de dezembro de 1929. Rosenzweig deixou um gado à filosofia, sem o qual muitas abordagens poderiam ainda hoje estar soterradas nos escombros de uma época pouco generosu para muitos escritores. Mas o que afinal diz sua filosofia? As obras de Rosenzweig são marco e referência prode pulsora um pensamento que se opõe à concepção de Ser enquanto Unidade, em sentido totalizante. Em suas obras o filósofo ocupa-se de reconsiderar um conceito que para a filosofia ocidental é determinante, a saber: o conceito de essência. Para ele “toda filosofia perguntou pela “essência”, É esta pergunta que à separa do pensamento não-filosófico do senso comum”*!. Na Iradição, a ideia de essência corresponde à suposta existência de uma realidade única e imutável considerada como via fecunda para a busca da verdade. Uma unidade capaz de dizer “o que é”, de abarcar a totalidade dos fenômenos e de possibilitar a transformação do mundo em algo “pensável”. Pois o mundo em seu aspecto sensível se apresenta por meio de uma inegável pluralidade de elementos, os quais, em suas contradições e ambiguidades, sempre preocuparam os homens, que por sua vez, na luta por

até

le-

F. La Estrella de la Redención. Trad. Miguel García-Baró. SalamanSíngueme, 1997. |. “Toda filosofía preguntó por la esencia. Es la pregunta por medio de la cual la filosoffa e separa del pensar no-filosófico del sano entendimiento humano” (ROSENZWEIG, F. |! nuevo pensamiento. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora S.A, 2005. p. 19). 30), ROSENZWEIG,

ea:

49.

SOUZA, R. T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, São Paulo: EDITORA PERSPECTIVA S.A,, 1999,

34

35

Bruna de Oliveira Bortolini

sobrevivência, precisaram encontrar meios de controlar o desconhecido e torná-lo objeto de seu conhecimento. A filosofia desde seu nascimento procura, então, ordenar, identificar e classificar a multiplicidade existente, encerrando-a em um sistema acessível

razão para que desde aí algo sólido possa surgir e orientar a presença dos indivíduos no próprio mundo. “1 Yaquela primeira proposição filosófica, “tudo é água”, está presente a condição de pensabilidade do mundo, ainda que apenas Parmênides tivesse afirmado a unidade entre ser e pensar”*?, Mas não é somente a teoria do Ser, “daquilo que é”, irá fundamentar este modelo que de pensamento. À presença do domínio lógico-gramatical no discurso, por meio do princípio da identidade e da não-contradição, será base de toda e qualquer ideia que tenha como pretensão a verdade. Assim, desde os pré-socráticos aos idealistas alemães, ao afirmar a perenidade e imutabilidade do Ser, estamos de fato afirmando que a realidade, em sua verdade, não é acessível a nós por meio da “experiência”, mas, sim, do “puro” pensar. A contingência do mundo, de acordo com Souza” é então, a partir deste sistema, concebida como algo a ser neutralizado, pois somente com a neutralização ou petrificação da realidade e de seus fenômenos é que o pensamento pode operar de forma mais assertiva sem cair em desvios. Tal exercício, na cultura ocidental, foi o responsável pela origem de três grandes princípios estruturantes do pensamento humano, a saber, “a antiguidade cosmológica, a idade média teológica e a modernidade antropológica”**, ou em outras palavras, Mundo, Deus e à

Homem. Que segundo Perius”, são princípios que por muito tempo funcionaram de certa forma em correlação ou revezamen“En aquella primera proposición filosófica, que >, ya se encierra el presupuesto de la pensabilidad del mundo, aunque fue Parménides quien primero proclamó identidad del ser y el pensar” (ROSENZWEIG, F. La Estrella de la Redención, p. 52). 53. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Ro52.

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

lo, alternando de um para o outro, no posto de primeiro princípio. Porém, em meio às inconstâncias e incertezas da vida, cada vez mais o desejo por uma unidade que pudesse oferecer maior estabilidade aos indivíduos e condições de vencer os medos da

existência, conduziu estas diferentes concepções

a

submissão de

uma só. Para Souza, isto se dá, pois “[...] de todo o modo, é mais fácil indagar “o que é o Todo?' (Was ist Alles?) do que o que são os Muitos?' (Was ist Vieles?)”*. Ou seja, conceber várias formas de significação do real é muito mais difícil do apelar para

que um princípio único, visto que a primeira forma, ao lidar com possibilidades, pressupõe a insegurança de trabalhar com ideias e uma constante de perguntas e respostas, diferentemente da segunda, que se deixa circunscrever mais facilmente. Este processo de redução de variados pontos de vista numa unidade criou uma ideia de falsa totalidade, pois deve se considerar que para dizer o todo é preciso que a pluralidade exisla e seja valorizada e não suprimida e apagada por um conceito |

determinante. Como aponta Souza”, tal pensamento, portanto, esconde atrás de si um grande paradoxo, ou seja, a tendência em conceber o mundo como lugar infinito, estático e de recursos duráveis, quando na realidade, ele se mostra completamente o oposto desta crença. Nesse sentido qualquer semelhança com a noção desviante do pensamento de Benjamin não é mera coincidência. Rosenzweig, ao invés de adotar o método convencional à tradição filosófica, em busca por uma essência que possa justificar todas as coisas, desloca sua percepção exatamente para aquilo que foi preciso excluir para construir uma noção unifcada do real. Segundo ele, é a reflexão sobre a Morte que irá todo filosófico de otimismo o com romper totalidade até então sustentado. À Morte enquanto experiência radical do humano, a qual diz respeito a cada um no mais Íntimo de seu existir, capa ao pensador, pois é uma categoria que embora conceituá-

-

senzweig, p. 106. “L.] la cosmológica antigua, la teológica medieval, la antropológica moderna” (ROSENZWEIG, F. El nuevo pensamiento, p. 20) 55. PERIUS, O. Walter Benjamin: a filosofia como exercício. Passo Fundo: IFIBE, 2013. p. 33.

SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, p. 106. 57, Ibidem, p. 22.

36

37

54.

56.

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

vel, revela-se inesgotável. Ela não é vazia de sentido, ela é algo, permeada de multiplicidade, de infinitas interpretações, como afirma o autor, [...] a morte verdadeiramente não é o que parece, não é nada, mas Algo inexorável e insuprimível. [...] O nada não é nada: é algo. No fundo obscuro do mundo, como

inesgotável pressuposto seu, há mil mortes; em vez de um nada único — que realmente seria nada — mil nadas, que justamente porque são múltiplos, são algo. À pluralidade do nada que pressupõe a filosofía, a realidade da morte que não admite ser exilada do mundo e se anuncia no grito — impossível de se calar — de suas vítimas, convertem em mentira, inclusive antes que seja pensado, o pensamento fundamental da filosofía: o pensamento do conhecimento uno e universal do Todo”.

À morte, em vista disso, é a contradição total de uma lógica que julga poder por via do pensamento ter a posse defini-

tiva dos objetos que submete ao seu juízo, ou seja, do Todo. Pois, “neste Todo faltaria ao menos “algo”, este Algo em multiplicidade em que a morte multiplicadamente experienciada, real, verdadeiramente se constitui” *º, Assim, Rosenzweig convida a repensar a filosofia e o sistema metodológico que a compõe, sem a pretensão de criar categorias ontológicas únicas e imutáveis, pois para ele, nas palavras de Souza, “o ser humano é indemonstrável, tanto quanto o Mundo e Deus o são. Se o conhecimento procura provar algum destes três, perde-se necessariamente no Nada”, 58. “la muerte verdaderamente no es lo que parece, no es nada, sino Algo inexorable e insuprimible, [...] La nada no es nada: es algo. En el fondo oscuro del mundo, como inagotable presupuesto suyo, hay mil muertes; en vez de la nada única — que realmente sería nada — mil nadas, que, justamente porque son múltiples, son algo. La pluralidade de la nada que presupone la filosofia, la realidad de la muerte que no admite ser desterrada del mundo se anuncia en el grito — imposible de acallar — de sus víctimas, convierten en mentira incluso antes que sea pensado al pensamiento fundamental de la filosofía: al pensamiento del conocimiento uno y universal del Todo” (ROSENZWEIG, F. La Estrella de la Redención, p. 44-45). 59. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, p. 105. 60. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz RosenZweig, p.78. Yy

38

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

É pela angústia da morte que o ser humano inicia seu processo de busca e transformação do mundo em algo compreensível, 15 o temor pelo diferente, pelo desconhecido que o fará criar im sistema capaz de, por meio da razão, superá-lo, torná-lo inteligível. Mas é também por meio da própria experiência da morte deparar-se com a insuficiência de tal sisteue o ser humano 1a, Justamente porque a Morte, enquanto relação única de cada indivíduo com.seu próprio habitar no mundo, relação imprevisível até o momento de sua realização, escapa a toda e qualquer pretensão reducionista do pensamento. Não por ser vazia ou um Nada que não nos permita enunciar qualquer coisa sobre, mas exatamente por ser Algo que independente dos sentidos atribuídos, permanecerá sempre incompleto à compreensão humana, À filosofia que em seu início buscava verdades que pudessem significar a realidade, passou a submeter a realidade a uma única Verdade que se caracteriza pela representação simbólica do particular no universal. Com Rosenzweig, portanto, o que irá ocorrer é a ruptura do modelo idealizado entre o ser e o pensar. Para isso o filósofo inicia com a constatação de que antes mesmo de se adotar um sistema dominante, todas as tentativas de abarcar o contingente e explicar a essências das coisas, parliram de uma pluralidade de origem. Nas afirmações Mundo, Deus e Homem, temos uma diversidade de interpretações a respeito do real que foram constituindo-se com o passar do tempo, ou seja, a própria história evidencia que apesar das tentativas de unificação dos fenômenos num princípio totalizante, cada época adotou para si um modelo que julgava ser o mais adequado. Tais modelos, antes mesmo de se estabelecerem como princípios lógicos do pensamento, surgiram das relações estabelecidas entre os sujeitos e o próprio mundo. Relações estas infinitamente variadas e imprevisíveis, as quais a filosofia, para Rosenzweig, deveria se preocupar. Isto mostra que ao seguirmos o raciocínio do filósofo iremos chegar à conclusão de que não existe apenas uma verdade totalizante do que seja a realidade. Mas que a partir das mais distintas relações que o ser humano estabelece com o que esta ao

irá

39

Walter Benjamin e

Bruna de Oliveira Bortolini

seu redor, múltiplas verdades podem emergir, nunca esgotáveis em si, devido à própria temporalidade da realidade que as compõe. Pois, por mais ideal que seja um sistema de pensamento, ele é impossível sem a própria vida, sem o próprio habitar do homem no mundo porque depende de um sujeito que pensa e não pode desconsiderar que este sujeito que pensa, também experimenta o mundo de forma direta e sensível. Assim, mesmo que tentemos operar no mundo a partir de tendências unificantes do pensamento, temos de levar em consideração que estas nascem em resposta a algo de perturbador dado pela própria realidade que é irredutível a qualquer tentativa de “atemporalização”. Ao criarmos conceitos ou noções idealizadas do mundo é preciso não esquecer que aquilo que eles pretendem fundamentar é suscetível a mutações e justamente por este caráter efêmero é que toda percepção que fazemos do real deve de tempos em tempos passar por ajustes. O que também nos leva a colocar em questão o fato de que ao mesmo tempo em que a realidade passa por transformações, as relações que temos com o mundo nunca são as mesmas, variam de indivíduo para indivíduo e também do indivíduo para si. Na medida em que estas transformações acontecem é que se dá, então, a verdadeira relação entre Homem e Mundo. Razão pela qual não faz sentido buscar essências fixas que justifiquem Homem ou Mundo, pois estes ao modificarem-se mutuamente no momento de encontro, evidenciam sua incompletude. Acontecimento que Rosenzweig denominará como momento de Redenção. Redenção, para o filósofo, marca exatamente este instante de abertura do Eu ao Outro, em que se tem a consciência da impossibilidade de uma suposta criação definitiva, de forma atemporal, na origem. Ambos, Homem e Mundo, ao se saberem incompletos e ainda em processo de criação, anulam a ideia de essência, de sua constituição fora do curso do tempo. Pois se as relações são temporais e nos afetam, assim como nos deixamos afetar por aquilo que é externo, quer dizer que somos responsáveis pela nossa própria constituição e também pela constituição

40

a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

porém, somente se sairmos de nossa posição egoísfechada, acolhendo o diferente, quer dizer, não de forma possesiva, fazendo daquele objeto do meu conhecimento, mas de forma passiva, em que no encontro com o outro ele se mostra à mim e eu o recebo sem reduzi-lo à força judicativa do meu pensamento. Por esta razão, o encontro verdadeiro com o outro, por não ser algo determinado ou prescrito, jamais corresponderia 4 uma relação de “necessidade”, mas de profunda liberdade, de infinitas possibilidades. Contudo, este processo de Redenção, só é possível por meio de outra categoria, a saber, a da Revelação, a qual corresponde exatamente ao instante de decisão, de acontecimento, em que para nós se torna clara a importância de romper com a ideia de causalidade natural e por meio do ato intencional úbrir-se para o nascimento de algo novo. Este algo seria a relação de resistência, de oposição ao automatismo das ações a uma suposta eternidade estática capaz de oferecer ao pensamento o outro lado daquilo que se dá como positivo. Este instante de decisão, de ruptura, presente no pensamento de Rozensweig, que ao lidar com os fatos procura apoiar-se numa dinâmica inversa daquela dada pela tradição do pensamenlo ocidental, em Benjamin irá apresentar-se como Ursprung”!, que em alemão quer dizer origem. Categoria fundamental para o desenvolvimento de sua teoria e crítica da história. Porém, a ideia de origem em Benjamin, exatamente por receber influências de Rozensweig, não corresponde ao sentido de início cronológico, direto e global, de onde tudo se cria e se desenvolve, semelhante à ideia de Gênese (Entstehung). Mas, sim, trata-se de momento decisivo, de intensidade temporal, muito mais próxima da ideia de Kairós presente na filosofia grega, definido como instante privilegiado e oportuno para a ação, do que Chrónos, o tempo comensurável dos relógios. Em seu método historiográfico, Ursprung terá sentido de quebra com o continuum da história, ruptura messiânica, emersão, salto para fora de um conjunto de acontecimentos, do outro. Isso, ln e

61, BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 34.

47

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

que traz consigo a possibilidade de transformação, de mudança, favorecendo a compreensão de passado e presente como momentos de iluminação recíproca, em que situações do agora fazem ressurgir momentos esquecidos do passado, assim como momentos passados são capazes de reavivar esperanças futuras. Revelação e Redenção, nessa Perspectiva, poderiam a princípio dar a impressão de estarmos trabalhando com questões religiosas. Porém é importante ressaltar que Rozensweig, ao trabalhar estes conceitos, está realizando um convite a questionar um sistema teleológico de pensamento que coloca o ser humano na posição de “um “fantoche”, nas mãos de algo superior” &, Posicionamento que posteriormente irá aparecer de forma muito clara nos escritos benjaminianos, principalmente no que diz respeito à sua filosofia da linguagem. Esta crítica, enquanto desafiadora dos limites colocados pela tradição, mais uma vez chama a atenção para a impossibilidade de um sistema totalitário de pensamento, Pois,

e a

lenômenos contrapõe-se

Categoria da Experiência (Erfahrung)

à

tradicional condição estática das essên-

vias abalando sua estabilidade, o que evidencia o nascimento de um Novo Pensamento, o qual se guia pela intensidade dos fatos, entendendo que a verdadeira realidade não é algo se

que possa conter em totalidade. O Novo Pensamento sabe que não há uma "ideia fixa” e que somente com o tempo, com o desenrolar-se da é realidade, que a verdade apresenta-se. Percepção que

temporal também fundamentar seu entendimento a respeito da categoria de Experiência como uma forma de compreensão do ivessa a sistematizações e limitações temporais e, que de forma determinante, irá marcar a própria filosofia de Walter Benjamin 4 respeito do tema, como veremos a seguir. irá

nda

“A

L...] verdade” não é, segundo [...] [Rosenzweig], uma essência, um determinado ponto focal da “realidade” ao qual justamente esta “realidade”, ao fim e ao termo, fosse, por uma conjunção intelectual de pensamento e ser, finalmente reduzida, fora do tempo e do espaço; antes, constitui-se em pluralidade original em desdobramento, em verdades originariamente plurais, às quais o pensamento não chega simultaneamente, ou seja, não despe, por alguma artimanha intelectual, de sua mútua diferença e irredutibilidade”,

À questão da

temporalidade que Rosenzweig traz para seu sistema de pensamento é determinante para sua crítica ao idealismo clássico. Aqui, a consciência do tempo é fundamental para à compreensão e investigação dos fatos, da experiência do real. Este momento de inserção do tempo na dos compreensão

62. PERIUS, O. Walter Benjamin: a filosofia como exercício, p. 37. 63. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao de Franz Rosenpensamento zweig, p. 114.

42

43

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

15 A

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

mundo se não pela dominação do externo e Iransformação deste em objeto manipulável pelo pensamento? Para Rosenzweig, a questão toda circula em torno do próprio “dizer”, ou seja, o pensamento para poder ser efetivo necessita isolar os conteúdos dos quais se ocupa do tempo, isto é, precisa elevá-los a uma dimensão de análise na qual eles possum ser pensados de forma “supostamente estável”. Contudo, nenhum pensamento pode ser sabido como pensamento (talvez apenas pelo seu próprio pensador), se não se pronuncia, se não se expõe em argumentos. Ao enunciar-se, então, o pensamento lorna-se temporal. Pois, para o autor, o dizer é temporal; a palavra dita é nutrida pelo tempo e por ser assim, nem ao certo se é possível saber se aquilo que se pensa será dito do modo como se pensa, nem ao menos se sequer será dito. Isto é, após o pensamento ser enunciado, ele tem que lidar com o que irá surgir em decorrência do dizer, deixando, desse modo, seu estado de paralisia. Segundo Souza, “exatamente aí se diferencia o Novo do Antigo pensamento [...] o novo necessita do Outro” %. O dizer é sempre um dizer ao Outro, não um outro que simplesmente ouve, de forma passiva e sob o qual se deposita um amontoado de conceitos e formas que julgamos lhe serem adequadas, mas aquele que também enuncia e pode discordar do que lhe foi dito. Porém não necessariamente em palavras. Isto retira a condição de verdade absoluta que costumamos dar às significações e descrições que fazemos do mundo, pois é próprio de cada sujeito uma percepção diferenciada do que é o real. Assim, estas mesmas significações e descrições realizadas, ainda que passíveis de verdade, correspondem apenas a uma parte daquilo que é ou que ocorre de fato com os fenômenos no mundo, visto que ao serem permeados pela temporalidade, estão sujeitos a transformações, inclusive nas múltiplas relações que estabelecem com que está nos organizar no

ORIGEM DA CATEGORIA

EXPERIÊNCIA (ERFAHRUNG) EM FRANZ ROZENSWEIG DE

À categoria de Experiência em Rosenzweig, advinda do caráter temporal da relação entre homem e mundo, constitui-se,

portanto, segundo afirma Souza, em “pensamento contaminado pela temporalidade” “*, O que implica em entender que todo processo de conhecimento por estar intimamente vinculado ao pensamento e também as experiências que o indivíduo faz ao longo da vida, não se dá fora do tempo. Razão pela qual aquilo que fazemos de objeto do conhecimento não pode ser tomado apenas como “[mero conceito] da intelecção”* enquanto expressão isolada e verdadeira da realidade, pois aquilo que tomamos como objeto do conhecimento não se dá de forma desconexa e estática no mundo. Os fenômenos no mundo se dão em relação, implicam-se mutuamente, acontecem no decorrer do tempo e não deixam de se transformar apenas porque o pensador em seu pensamento fez uma imagem daquilo que conseguiu capturar da realidade, paralisando-a de modo a poder analisá-la. Pois, se as coisas do mundo apenas se encaixam na percepção que temos sobre elas, então seriam somente aquilo que projetamos sobre a realidade e nada mais, excluindo-se assim toda a possibilidade de Alteridade, do Outro e de diferentes maneiras de percepção sobre aspectos do mundo. Mas de que forma então poderíamos

64. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, p. 113. 65. Ibidem, p. 121,

44

o

66.

SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, p. 122.

45

Walter Benjamin e a Categoria da Experiência (Erfahrung)

Bruna de Oliveira Bortolini

sua volta. Frente a isto, Rosenzweig propõe um novo modo de exposição filosófica, ou seja, a narrativa.

à

No lugar do método de pensar estabelecido por toda pensar pretende abrir mil associações; o último, a meta, é para ele o primeiro. O falar é algo ligado ao tempo e alimentado por ele; não pode e não quer abandonar este solo que o nutre º, a filosofia anterior, se põe o método de falar. O é atemporal e pretende sê-lo; de um só golpe

interiormente visto. Incluindo

a categoria de Experiência, que tratada a seguir e que revela uma forte consciência crítica a Iespeito da temporalidade, do tradicional modo de compreensão dos fatos históricos e da “multiplicidade irredutível das ideias””º,



O Novo Pensamento, nesse sentido, muito mais “experiencial” do que “experimental”, não pretende ser a descrição de essências e sua classificação dentro de um sistema, mas a narração de encontros advindos desta multiplicidade de relações existentes. Aspecto que revela não apenas uma forma de exposição de ideias entre outras disponíveis, mas um “traço fundamental da experiência humana: sua constituição temporal” º. Inconclusa e sempre aberta a novas relações, acordos e trocas. Concepção que irá provocar um profundo abalo às bases da filosofia tradicional com seus conceitos de “essência”, “totalidade”, “unidade” e “identidade”. Desta forma, a influência recebida por Benjamin de Rosenzweig vai muito além da construção de novos conceitos para a filosofia. Ela se refere a uma mudança na própria compreensão do sentido de fazer filosofia que, segundo Souza, é “um sentido de “movimento', muito mais do que a intuição intelectual ou apreensão súbita de uma realidade em sua completude”, seja de forma escrita ou simbólica. Desdobramento de uma postura filosófica muito peculiar que Benjamin nos permite acompanhar em seus escritos a partir de noções como o próprio conceito de origem 67. “En lugar del método del pensar, tal cual ha sido estabelecido por toda la filosofía anterior, hace su aparición el método del hablar. El pensamiento es atemporal y quiere serlo; quiere anudar mil vínculos de un golpe; lo ultimo, la meta, es para é lo primero. El hablar está ligado con el tiempo, se nutre del tiempo, no quiere ni puede abandoner su suelo nutricio” (ROSENZWEIG, F. El nuevo pensamiento, p. 33) 68. PERIUS, O. Walter Benjamin: a filosofia como exercício, Ad. 69. SOUZA, R.T. Existência em decisão: uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig, p. 68.

46

70.

BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 223.

47

SEGUNDA PARTE EXPERIÊNCIA

Walter Benjamin e

Bruna de Oliveira Bortolini

À categoria de Experiência em Walter Benjamin, desig nada como Erfahrung em alemão, tem origem no verbo fahren, que significa dirigir, conduzir, ir, andar. É uma categoria intimamente ligada ao movimento e sua tradução para a palavra Experiência nem sempre é capaz de expressar com precisão o significado na língua original. Aliás, situação que o próprio Benjamin, em seu texto sobre a Tarefa do Tradutor"), problematiza. Ou seja, a correspondência do nome com própria coisa, muitas vezes no processo de tradução, se perde na tentativa do tradutor de encontrar sinônimos que melhor a expressem. Conforme Benjamin, “a fidelidade na tradução de cada palavra isolada quase nunca é cade reproduzir plenamente o sentido que ela possui no origipaz nal””, Assim, a categoria de Experiência em Benjamin, do ponto de vista de sua língua original relacionada à ideia de movimento, revela seu caráter temporal, muito mais do que uma apreensão da realidade em sua completude de forma direta e pelo viés intelectual. Tal noção se dá sob a influência das ideias de Franz Rosenzweig como visto no capítulo anterior. Contudo, se analisarmos bem a tradução da palavra Erfahrung para a palavra Experiência, ela não é de todo desviante de seu sentido original, Pois Experiência em Walter Benjamin designa uma categoria comum, compartilhada entre indivíduos e, por esta razão, comunicável, capaz de oferecer, segundo Gagnebin, “uma mediação linguística entre os homens a partir de suas vidas diversas. Ela [...] pode

a

a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Porém, antes de avançarmos em torno da questão da I'xperiência e dos demais elementos que a ela estão vinculados, é |neciso que a distingamos da palavra Erlebnis, também originária (lo nlemão, com raiz no verbo leben (viver), que significa “Vivênnin”, Erlebnis costuma, em sua tradução, ser confundido como inônimo da palavra Experiência. Contudo está longe disso. VivYíncia significa uma experiência de vida privada e não coletiva, vomo Erfahrung. Ela é própria do indivíduo moderno isolado vn suas atividades diárias, corriqueiras e, portanto, segundo Gagnebin, “difícil de ser transmitida a outros, somente acessível por ima “identificação afetiva” (Einfihlung) ou “empatia””*. Essa ililerenciação dos termos é necessária, pois, posteriormente eles irão utilizados para caracterizar relações diversas dos indivíduos tom seu contexto social, econômico, político e histórico. Razão pela qual também se mostra relevante, antes de qualquer estudo Inuis aprofundado em torno dessas questões, compreendermos sentido filosófico que Walter Benjamin atribui à categoria de I'xperiência em suas obras e seus vários níveis de desdobramento.

o

po

ser transmitida de geração em geração e oferece a matéria-prima das histórias que a humanidade se conta a si mesma”. O que de forma incontestável também guarda em si uma forte consciência do tempo e da importância que este tem para a constituição de tal Experiência e para sua transmissão a diferentes gerações.

71. BENJAMIN, W. A Tarefa do Tradutor. In: BENJAMIN, W. Escritos sobre mito line guagem, Trad. Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2011. 72. Ibidem, p. 114. 73. GAGNEBIN, J. M. Benjamin. In: PECORARO, P. (Org.) Os Filósofos Clássicos da Filosofia — Vol. II. Rio de Janeiro: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2009.

p.,

50

"t,

GAGNEBIN,

J. M. Benjamin, p. 49.

s1

Bruna de Oliveira Bortolini

2.1 A CATEGORIA DE

EXPERIÊNCIA NOS PRIMEIROS ESCRITOS

DE WALTER “Num

BENJAMIN

de

meus primeiros ensaios mobilizei todas as forças rebeldes da juventude contra a palavra “experiência”. E eis que agora essa palavra tornou-se um elemento de sustentação em muitas de minhas coisas. Apesar disso, permaneci fiel a mim mesmo. Pois o meu ataque cindiu a palavra sem a aniquilar”. Walter Benjamin

Inicialmente Benjamin parte de uma crítica à noção de Experiência como um saber opressor, utilizado como recurso pelos mais velhos para oporem-se ou descreditarem as ideias e o ímpeto revolucionário dos mais jovens. Em seu texto Experiência, de 1913, publicado na revista Der Anfang (“O começo”), o autor, tomado pelo desejo de renovação da cultura alemã”ó, acusa 75. BENJAMIN, W,. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Trad. Marcus Vinicius Mazzari; posfácio de Flávio Di Giorgi. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2009. p. 21. 76. Walter Benjamin, em seus escritos de juventude, mostra-se muito envolvido com a ideia de renovação da cultura alemã. Segundo ele, essa renovação deveria se dar, em primeiro plano, pela reforma escolar, a qual surge a partir de um descontentamento do próprio autor em relação aos modelos tradicionais de ensino da época. Visto que tais modelos além de desvalorizarem a curiosidade dos estudantes e, frente aos erros, agirem de maneira punitiva como forma de correção e sob o pretexto de fazerem isso pelo bem dos próprios estudantes, também possuíam uma visão extremamente cientificista do ensino. Assim, de acordo com o autor, para evitar essa educação repressiva e instrumental, a reforma deveria, então, partir de uma reflexão sobre o papel da educação e dos educadores no desenvolvimento dos estudantes, compreendendo-os como portadores de cultura. À

52

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

! mentalidade “adulta” de utilizar a experiência como uma másvma. “Uma máscara imóvel, fria e incapaz de expressar qualquer

euiriosidade sobre o mundo””? como se tudo já houvesse sido experimentado. Entretanto, de acordo com Benjamin, os adultos ao he pronunciarem desta forma, cometem um terrível engano, pois, [pura o autor, essa autoridade a respeito dos saberes do mundo, ndvinda da “experiência”, não passa de mera ilusão. Afinal, como 6 possível comparar experiências? Como saber que a experiência vivida por um indivíduo será a mesma experimentada por outros? Na esteira de Rosenzweig, Benjamin afirma que a realidade, por ser inevitavelmente temporal, determina as relações de diferentes formas e de incontáveis múltiplos sentidos. Isso quer dizer que toda experiência é sempre nova e única por maior semelhança que possa ter com a dos outros. O uso da experiência como impedimento à descoberta do novo, sob a ideia de já se ter vivido ludo e descoberto “a falta de sentido da vida”, serve apenas para inlimidar os mais novos. Revelando ainda uma pobreza intelectual, lima carência de entusiasmo com a vida e uma falta de espírito que faz o autor questionar: “[...] para que [depois de tudo] querenos a experiência?””*, Para entender essa crítica, Benjamin mostra que o problema da experiência enquanto saber intimidador não está propriamente na experiência em si, mas na falta de capacidade dos adultos em percebê-la como caminho de transposição para algo que está além dela, ou seja, a verdade. Os mais velhos limitam-se à experiência enquanto fenômeno empírico, “[...] que só mantem relações internas com o rotineiro, com o eternamente

lurcfa consistia, portanto, na difusão e reflexão de valores éticos e morais, fundamentados numa ideia de liberdade e valorização do espírito jovem, alegre e investigativo, o qual dleveria se “converter em um modo de todos” (BENJAMIN, W. La reforpensar comum ma escolar: un movimiento cultural. In: BENJAMIN, W. La Metafísica de la juventud. Barcelona: Ediciones Altaya, S. À, 1994. p. 52). "7. “Uma máscara inexpressiva, impenetrável, sempre igual a si mesma”. Una máscara

a

inexpressiva, impenetrable, siempre igual a sí misma” (BENJAMIN, W. Experiência, p. 93). experiencia?” Ibidem, p. 94.

78. “[...] para qué queremos

la

53

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

volto ao passado”? porque essa atitude se mostra obviamente muito mais cômoda do que frente aos erros ter de recomeçar. Em contraposição a isso, Benjamin, fortemente influenciado pela obra Assim falou Zaratustra” de Nietzsche, propõe outro tipo de experiência, isto é, o indivíduo, motivado por um ethos, deveria opor-se ao espírito “adulto”, mantendo-se jovem mesmo com a chegada da idade. Para que com isso venha a alcançar uma qualidade de experiência diferente daquela tida, por Benjamin, como “constrangedora”. Conforme expõe: Por outro lado, nós conhecemos outra experiência que pode chegar a ser hostil ao espírito e aniquilar muitos sonhos em florescimento. Não obstante, é a mais bela, inatingível e imediata, que jamais chega a perder o espírito com o qual nos mantemos jovens. Como dizia Zaratustra ao final de sua peregrinação, um só experimentou a si mesmo. O filisteu constrói sua e se converte em pura inespiritualidade. O jovem viverá o espírito e quanto maior for o esforço com que alcança a grandeza, tanto mais encontrará o espírito ao longo de sua peregrinação por entre os homens. O jovem será, sem dúvida, um homem indulgente. O filisteu é intolerante”.

Por mais que Benjamin não defina em seu texto exatamente que experiência diferente seria esta, se pode pressupor, dada a citação acima, uma experiência inconformada e preocu-

79. “[...] qué sólo mantienen relaciones internas com lo rutinario, con lo eternamente vuelto al passado” (BENJAMIN, W. Experiência, p. 94) 80. NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 81. “Por otro lado, nosotros conocemos otra experiencia que puede llegar a ser hostil al espíritu y aniquilar muchos sueõos en flor. No obstante, es la más bella, intangible e inmediata, ya que jamás llega a perder el espíritu con tal de que nos mantengamos jóvenes. Como decía Zaratustra al final de su peregrinación, uno sólo se experimenta a sí mismo, El filisteo construye su «experiencia» y se convierte en pura inespiritualidad, El joven vivirá el espíritu, y cuanto mayor sea el esfuerzo con que alcanza la grandeza, tanto mas encontrará el espíritu a lo largo de su peregrinación por entre los hombres. El joven será, sin duda, un hombre indulgente. El filisteo es intolerante”. (BENJAMIN, W. Experiência, p. 96).

54

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

pada com a questão da verdade em suas várias manifestações. Uma experiência que aceita o erro e o utiliza como caminho para o aprendizado, para novas tentativas e descobertas. Pois “[...] para o que busca a verdade o erro não é mais que uma ajuda para encontrá-la”*, Diferentemente do sermão caduco daqueles que desistiram de tentar. Apesar das críticas realizadas à categoria de Experiência, Benjamin não deixa de considerá-la um saber útil. Porém, ressalta ao final de seu texto que a Experiência para assumir este caráter benéfico de utilidade para vida, precisa ser compreendida de maneira diversa da forma como era até então concebida. Acredita-se que isso levará o autor, anos depois, a elaborar uma nova crítica à categoria de Experiência, mas desta vez de forma mais profunda por meio de uma crítica epistemológica esboçada inicialmente em seu texto O programa de uma filosofia futura*, de 1918. Mas, por ora, ainda não entraremos neste assunto. O que interessa no momento é desenvolver um pouco mais essa noção de Experiência, enquanto Erfahrung, a qual Benjamin em seus jovens estudos acusa de “falsa autoridade”. Veremos que a partir de textos posteriores ao publicado na revista Der Anfang, Benjamin começa a introduzir a categoria de Experiência em sua filosofia de forma menos agressiva. Ele a transforma numa categoria filosófica que não carrega mais o peso de um caráter prepotente, o qual lhe era atribuído anteriormente, mas incorpora certos elementos que julga serem essenciais a ela e que a lornam fonte de conhecimento e verdade. Desta forma, questiona-se: que elementos são estes que atrelados à categoria de Experiência lhe conferem validade e teor filosófico? E de que forma à noção de Experiência irá contribuir para a compreensão do contexto vivido por Walter Benjamin e suas transformações? Para responder essas questões parece inevitável a compreensão inicial da Experiência em sua relação com a ideia de tradição.

el

“[..] para el que busca la verdad error no es más que una ayuda para encontrarla (Spinoza)”, (BENJAMIN, W, Experiência, p. 95). 53. BENJAMIN, W, Sobre el Programa de la Filosofia Futura, 1986. 52.

55

Walter Benjamin e

Bruna de Oliveira Bortolini

2.2

COMO MATÉRIA

TRADIÇÃO

O termo Tradição, na filosofia de Walter Benjamin, pode ser entendido como tudo aquilo que ao ser transmitido de geração em geração conserva as mesmas características desde sua origem, tanto por “sua duração material até o seu testemunho histórico”**, Ele aparece nas obras do autor designado pela palavra Úberlieferung, que no português costuma ser traduzida como Tradição, mas que também pode ser entendida como “Transmissão”. À tradição associa-se à tarefa de um guardião, que ao passar determinados “conteúdos” às gerações futuras, tem a função de preservar certa unicidade de valores, lutas e desistências de “um processo histórico concreto”, como diria Gagnebin, “que transmite ou não um acontecimento ou uma obra do passa-

do até o nosso

presente”,

Experiência (Erfahrung), segundo Walter Benjamin, é “matéria da tradição, tanto na vida privada como na coletiva”, pois representa esse “conteúdo” que deve ser passado adiante. Isso porque, no sentido exposto pelo autor, traz consigo uma ideia de “sabedoria de vida”. Como aquela transmitida de pai para filho no leito de morte, conforme narra Benjamin em seu A

texto Experiência

e

Pobreza:

[...] um velho que, no leito da morte, revela a seus flhos a existência de um tesouro oculto em seus vinhe-

Categoria da Experiência (Erfahrung)

dos. Bastava desenterrá-lo. Os filhos cavam, mas não descobrem qualquer vestígio do tesouro. Com a chegada do outono, porém, as vinhas produzem mais que qualquer outra na região. Só então compreenderam que o pai lhes havia transmitido uma certa experiência: a felicidade não está no ouro, mas no trabalho duro”.

EXPERIÊNCIA

DE

a

À Experiência se apresenta, então, como um saber que de modo benevolente ou ameaçador era comunicado pelos mais velhos aos mais jovens, na medida em que eles cresciam. E por esta razão, é considerada, por vezes, algo característico da velhice, daquele que viveu e experimentou muito. Ou também daquele que estava distante e voltou para casa, que viu coisas jamais imaginadas pelos que ficaram tem, ao retornar, autoridade para falar a respeito do que vivenciou, pois é sabido que “quem viaja tem muito que contar”*?, A Experiência é concebida, portanto, como uma espécie de sabedoria, uma verdade comunicável através do tempo, “um conselho tecido na substância da vida vivida”, O que se refere a uma prática comum, a um conselho que não deveria ser apenas ouvido, mas também seguido, adotado pelo sujeito como parte de sua formação, de sua maturação. Pois, traz consigo uma utilidade que “pode consistir por vezes num ensinamento moral, ou numa sugestão prática, ou também num provérbio ou norma de vida”*º. Porém, esse conselho não era apenas individual, mas também coletivo. Ao ser transmitido de geração em geração, era entendido pelos indivíduos como uma orientação para a vida, própria das sociedades artesanais. Assim, dizer que alguém é sábio é afirmá-lo como experiente. E, como antes afirmado, ser experiente não significa somente ter vivido o bastante e aprendido com isso, mas tam-

e

87.

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 123.

BENJAMIN, W. O Narrador. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin — 8º Ed. revista — São Paulo: Brasiliense, 2012 — (Obras Escolhidas, 58.

84. BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p.182. 85. GAGNEBIN, J. M. Benjamin, p. 41. 86. BENJAMIN, W. Sobre alguns temas em Baudelaire. In: BENJAMIN, W. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Trad. José Martins Barbosa, Hemerson Alves Batista — led. — São Paulo: Brasiliense, 1994 — (Obras Escolhidas, v. 3). p 105.

56

v.

1). p. 214.

Ibidem, p. 217. 90. Ibidem, p. 216. 89,

5

Bruna de Oliveira Bortolini

bém saber como transmitir esses conhecimentos adquiridos aos outros. Conforme Tiburi, a sabedoria, não é somente “um conteúdo subjetivo ou objetivo, mas também uma forma de relação com o mundo, inimiga da pressa e do imediatismo. Por isso ela é o elemento presente da narração, a qual envolve a compreensão das camadas mais escondidas do existir”*!. Isso quer dizer que a Experiência enquanto matéria da tradição só pode ser assim concebida quando intimamente vinculada a uma narrativa, ou seja, a arte de contar histórias. À Experiência, em princípio, é um saber passado de boca em boca, como as antigas parábolas ou provérbios. Sua comunicação oral é “a fonte que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos””?, Motivo pelo qual, o autor, em seu texto O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov — para ele “um dos maiores contadores de histórias”? — , se dedica a investigar essa relação da Experiência com a arte de narrar histórias. E mostra também, a partir desse estudo, elementos imprescindíveis para posterior compreensão dos motivos pelos quais a Experiência, ou sua narratividade, foi aos poucos, no decorrer do tempo, desaparecendo dos espaços coletivos e também privados.

91. TIBURI, M. Reflexões do tempo: sobre Walter Benjamin e a estrela cadente. Estudos Leopoldenses, v. 36, n. 157, 2000. p. 90. 92. BENJAMIN, W. O Narrador, p. 214. 93. BENJAMIN, W. SCHOLEM, G. Correspondências 1933-1940, Trad. Neusa Soliz, São Paulo: Editora Perspectiva, 1993. p. 240.

58

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

2.3

ARTE DE NARRAR

A

EXPERIÊNCIAS

A figura do

narrador (Erzáhler) é, portanto, para Benja-

min, a figura do narrador épico, isto é, aquele indivíduo descendente de uma tradição narrativa oral e popular, de experiências de que são contadas a partir de uma linguagem acessível e passíveis chaindivíduos. Suas histórias, serem compartilhadas por muitos madas narrativas épicas, possuem uma estrutura simples e híbrida Elas tamque permitem agregar diálogos e falas na terceira pessoa. ilimitada forma bém caracterizam por sua no tempo e no espade diferem outros como a tragédia razão gêneros se pela qual ço, é a Odisseia conhecidos de mais Um exemplos seus e o romance. de Homero, que traz a figura do personagem Ulisses, o qual deseja retornar à sua casa, Ítaca, depois de uma grande viagem e relatar os acontecimentos vividos para aqueles que lhe esperam. Essa característica do retorno e da narração, segundo Benjamin, é uma característica forte de tal modelo narrativo e só pode ser compreendida a partir de dois tipos arcaicos: pelos camponeses sedentários e, como na Odisseia, pelos viajantes ou marinheiros comerciantes — aqueles que vêm de longe e que percorreram muitos lugares e aqueles que ganharam honestamente suas vidas “sem sair do seu país e que [conhecem] suas histórias e tradições”*, Segundo Benjamin, esses dois grupos estão intimamente entrelaçados e nesse sistema de interpenetração associa-se “o conhecimento de terras distantes, trazido para casa pelo homem viajado, ao conhecimento do passado, recolhido pelo trabalhador sedentário”, Esses saberes narrados estão sempre a serviço de um senso prático.

se

94, BENJAMIN, W. O Narrador, p. 214. 95. Ibidem, p. 215.



Walter Benjamin e

Bruna de Oliveira Bortolini

O narrador narra histórias a partir de suas próprias experiências, ou também daquelas relatadas pelos outros e com isso tem a capacidade de incorporar às coisas narradas a experiência de seus ouvintes. Algo que valha a pena ser passado adiante. À narrativa, ao comunicar uma história, não está interessada em explicá-la. Ela não força a nada o seu leitor ou ouvinte, deixando a interpretação da história contada livre, podendo-se atribuir a ela o sentido que bem entender. Desta forma, atinge uma amplitude incomensurável e pode permanecer no tempo sem prazo determinado. E, justamente por isso, não necessariamente tem de ser nova, uma de suas características é nunca esgotar-se. Pois de acordo com Benjamin, “ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de desdobramentos”*. Aqui de forma bastante clara, pelo viés da narrativa, vemos novamente a relação de Benjamin com a filosofia de Rosenzweig, ao nos lembrar do caráter temporal da realidade que não se deixa abarcar em sua plenitude por meio de conceitos e explicações totalizantes, uma vez que o dizer acontece sempre no tempo e não fora dele, do mesmo modo que o próprio viver. Assim, a Experiência humana para constituir-se depende da temporalidade e muitas

vezes do estar distraído, dado que o processo de assimilação dos acontecimentos vividos [...] se dá em camadas muito profundas e exige um estado de distensão que se torna cada vez mais raro. Se o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão psíquica. O tédio é pássaro onírico que choca os ovos da experiência. O menor sussurro nas folhagens o assusta. [...] Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se agrava

nele

o que é

ouvido”.

Aqui se pode perceber outra característica que torna comunicabilidade de experiências um objeto da tradição, isto é, a disposição para ouvir uma história. À narrativa só é possía

quando existe tempo tanto para compor quanto para narrar escutar. Não somente uma única vez, mas várias, até o momento em que o próprio indivíduo que ouve também adquira “espontaneamente o dom de narrá-las”** e assim por diante. Pois conforme Benjamin, “contar uma história sempre foi a arte de contá-las de novo””, Nesse sentido, a narrativa é composta quase que artesanalmente, remete à ideia de um trabalho manual, desde a coleta dos dados até o momento de sua interpretação e exposição, seja de forma oral ou escrita. Motivo pelo qual a narrativa da coisa narrada, “não está interessada em transmitir o puro em Ela mergulha a coisa na como uma informação ou um relatório. vida do narrador para em seguida retirá-la dele", Isto significa que aquele que narra, mesmo que não seja o autor original da história, deixa, inevitavelmente, sua marca nas coisas narradas, “como a mão de oleiro na argila do vaso”"º!, Desta forma, a história que hoje se conta sobre a humanidade é a mesma história de nossos antepassados, que já foi e continua sendo tecida por muitas mãos. Esse tecer coletivo é o que atribui à história caráter plural, retirando dela toda a ideia de neutralidade. Pois a história não é um amontoado de coisas, de produtos prontos empilhados em prateleiras, mas a conexão entre todos os fios, a costura que liga uma parte à outra. Pensamento materialista que Benjamin, posteriormente, irá desenvolver também em suas teses Sobre o conceito de história”. Contudo, investigar a narrativa em Benjamin é também realizar um estudo a respeito de como os indivíduos constroem sua identidade. Pois a identidade, segundo Gagnebin, não deixa de ser “a construção de uma narrativa sobre si mesmo — como conseguem, portanto, se lembrar de sua(s) história(s) e transmie

si

98. BENJAMIN, W. O Narrador, p. 221. 99, Idem. 100.

Idem.

101.

Idem.

ria.

60

Categoria da Experiência (Erfahrung)

vel

102.

96. BENJAMIN, W. O Narrador, p. 220. 97. Ibidem, p. 221.

a



BENJAMIN, W,. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, W. O anjo da histó2º ed. — Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

61

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

ti-las aos outros e a seus descendentes”!%, Quando o indivíduo narra algo sobre si, mesmo que mentalmente, ele “reconstrói” fatos. Tal atitude serve, muitas vezes, como forma de organizar mental e emocionalmente conteúdos vividos, colocando-os numa rede de relações que possam vir a orientar o próprio indivíduo no mundo. Isso é possível pelo fato de as narrativas estarem intimamente vinculadas à rememoração, quer dizer, o lembrar, pela palavra, de um passado que sem ela cairia no esquecimento. Uma vez que, como afirma Gagnebin “em redor do continente da memória, as ilhas e as penínsulas do esquecimento sempre existiram”!*, Assim, o lembrar se apresenta como uma luta constante contra o esquecimento, seja para reavivar algo do passado ou para “resguardar alguma coisa da morte”!%, À inscrição do indivíduo no tempo pela narrativa é uma forma de garantir que algo de sua existência sobreviva à sua finitude, à sua ausência — à inevitável presença da morte. Entretanto, essa narrativa, mesmo que se coloque como garantia de permanência da presença, está longe de ser estável e sem falhas, como bem coloca Ricouer em Tempo e Narrativa: Tomo III. Segundo o autor, é possível tramar sobre a própria vida intrigas diferentes, ou até mesmo opostas, porém, é por essa mesma razão que “a identidade narrativa não cessa de se fazer e de se desfazer”"* no tempo. Por isso, lembrar e esquecer são categorias que se alimentam mutuamente. Segundo Seligmann-Silva 107, uma é o fundo sobre a qual se inscreve a outra. Para que possamos lembrar, € até mesmo pensar, é importante que possamos também esquecer, caso contrário ficaríamos presos às lembranças e à constante tarefa de memorizar, Tornaríamo-nos incapazes de agir de forma

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

inteligente, semelhante ao personagem de Jorge Luis Borges em Funes, o memorioso. Isto é, um sujeito que possuía um talento enorme para guardar dados, “recordava de cada folha de cada árvore de cada morro, mas ainda de cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado” 108, só que apesar da complexa memória da qual dispunha e da brilhante capacidade de armazenar uma quantidade enorme de dados, já não era muito capaz de pensar. Memória e esquecimento são, portanto, as duas faces de uma mesma moeda e é somente por meio dessa dialética que algo de vivo e livre de qualquer insanidade pode vir a se erguer. O que possibilita ainda perguntar, qual a relação que Benjamin faz da memória com a categoria de Experiência em seus estudos?

103. GAGNEBIN, J. M. Benjamin, p. 42. 104. GAGNEBIN,J. M. Alegoria, Morte e Modernidade, DA 105. GIDE apud GAGNEBIN, J. M. Alegoria, Morte e Modernidade, p. 03. 106. RICOUER, P. Tempo e Narrativa: Tomo III. Trad. Roberto Leal Ferreira, Campinas, SP: Papirus, 1997. p, 428. 107. SELIGMANN-SILVA, M. Reflexões sobre à memória, a história e o esquecimento. In: SELIGMANN-SILVA, M. (Org.). História, Memória, Literatura: O testemunho na Era das Catástrofes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. p. 53.

62

BORGES, J. L. Funes, o memorioso. In: BORGES, Companhia das Letras, 2007. p. 106-107.

108.

63

J. L. Ficções. São Paulo:

— Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

2.4

EXPERIÊNCIA

E

MEMÓRIA

“um acontecimento vivido é fínito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento rememorado é sem limites, pois é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois”!

,

Walter Benjamin

Segundo Benjamin,

ato de “lembrar” que funda a cadeia da tradição e evoca a narrativa, a qual é capaz de transmitir experiências ou acontecimentos de geração em geração, Entretanto, é importante ressaltar que esse “lembrar” benjaminiano não se refere simplesmente a uma categoria dada por via da consciência, sujeita à tutela do intelecto. Esse remernorar é outro e está muito mais vinculado a uma noção de imagens mnêmicas Isto é, que não dependem de um esforço mental para serem aces! sadas que vêm à memória, muitas vezes, até contra a vontade e do sujeito, o qual se pudesse optar, escolheria talvez nunca lembrar-se delas ou ser afetado por elas. Esta forma de “lembrar” Benjamin, está muito em próxima daquilo que Proust influenciado pelos conceitos de lembrar espontâneo!" ou memória pura —

o

é o

109.

BENJAMIN, W., À imagem de Proust. In: BENJAMIN, W, Magia técnica, arte e ensaios sobre literatura e história da cultura, Trad, Sérgio Paulo Rouanet; pre ácio Jeanne Marie Gagnebin — 8º Ed. Obras ili revista — Sã Paulo: Brasiliense, á : ' 2012 — Escolhidas v, 1). p. 38-39,

e

À

É

10.

São

bh

Em Matéria e Memória, Bergson afirma que de

a atividade do

12 re

lembrar pode ser distinguida duas formas: o lembrar espontâneo e o lembrar aprendido. O primeiro refere-se à atividade de lembrar, a capacidade da memória de Tegistrar todos uma natural os acontecimentos da vida cotidiana, e que sem a “intenção de utilidade ou aplicação prática, armazenaria o passado pelo mero efeito de uma necessidade natural”, seria uma memória perfeita. À segunda, em contraposição, é uma lembrança ligada à ação, de sentido prático

á

K

Ê:

64

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

de Bergson, chama de memória involuntária no primeiro volume de sua obra Em Busca do Tempo Perdido'!!. Para Proust, a memória involuntária é aquela que está por conta do acaso, ou seja, não é propositalmente resgatável a partir de uma vontade, visto que o intelecto não se relaciona diretamente com as experiências vividas no passado. Assim, esse lembrar é sempre uma interpretação dos “fatos” passados a partir de um momento presente. Um exemplo é quando o sujeito ao se deparar, no presente, com algo aparentemente sem sentido, é subitamente lançado ao passado por meio de uma imagem que lhe irrompe a memória, permitindo-o acessar de forma renovada uma experiência da qual havia se esquecido. Como comenta Benjamin, a respeito de Proust: [...] Proust fala da forma precária como se apresentou em sua lembrança, durante muitos anos, a cidade de Combray, onde, afinal, havia transcorrido uma parte de sua infância. Até aquela tarde, em que o sabor da madeleine (espécie de bolo pequeno) o houvesse transportado de volta aos velhos tempos".

À memória, no sentido trabalhado tanto por Benjamin quanto por Proust, possui, então, um caráter que é também temporal e acima de tudo ocioso. Portanto, a concepção de memória involuntária nasce em oposição à noção de memória voluntária, da mesma forma como o lembrar espontâneo se opõe ao lembrar aprendido em Bergson. A memória voluntária é aquela evocada pelo sujeito consciente através de rigorosos métodos e esquematizações. É uma atividade de lembrar diferente da primeira, pois envolve o intelecto, quer dizer, é uma ação controlada na maior par-

à qual se faz um esforço para lembrar e quando este “objeto” do lembrar integrado a ação, ela passa a ser cada vez mais impessoal e mecânica.

está

inteiramente Segundo Bergson,

sc ela “merece ainda o nome de memória, já não é porque conserve imagens antigas, mas porque prolonga seu efeito útil até momento presente” (BERGSON, H. Matéria e Memória: ensaios sobre a relação do corpo com o espírito. Trad. Paulo Neves. — 2º. ed. São

o



Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 88-89). 111. PROUST, M. No caminho de Swann. In: PROUST, M. Em busca do tempo perdido. Rio de Janeiro: Globo, 1957. 112. BENJAMIN, W, À modernidade, p. 106.

65

Bruna de Oliveira Bortolini

te das vezes. Muito valorizada no âmbito do conhecimento, das ciências e na própria filosofia. O sujeito lembra poder

para falar, para explicar, apontar e determinar conteúdos, fatos, situações, etc. Portanto, essas duas categorias do lembrar se diferenciam na medida em que são capazes de proporcionar sensações diferentes e também pelo modo como são acionadas. Enquanto uma depende do hábito, de atividades rotineiras, exercícios constantes de memorização, a outra depende única e exclusivamente do acaso, embora ambas possam vir a se entrecruzar em determinadas situações. Como, por exemplo, quando o sujeito ao buscar se lembrar de algo específico, depara-se com recordações que não foram inicialmente desejadas, o que revela também certa contradição. Contudo, segundo Benjamin, na busca por uma definição mais concreta do conceito de memória voluntária desenhado por Proust, com base nas teorias de Bergson, “é aconselhável se reportar a Freud”"""?, De acordo com Benjamin, Freud em seu ensaio Além do Princípio do Prazer"!, estabelece uma correlação entre memória (memória involuntária) e o consciente. Deste modo, para que algo possa chegar a se tornar um componente da memória involuntária, é preciso que não tenha passado pelo consciente, que não tenha sido “vivenciado” conscientemente. Pois, segundo Freud, o consciente não teria a tarefa de registrar traços mnemônicos. Na verdade, sua função é outra. À ele cabe agir como proteção contra estímulos, Conforme Freud:

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

e

Tais energias apontadas por Freud podem ser eneudis como choques. Esses choques advindos de estímulos são, então, barrados pelo consciente, o que previne o indivíduo de acidentes traumáticos. O trauma, segundo a teoria psicantlítica de Freud!"6, seria exatamente o rompimento da proteção contra o estímulo: Porém, com o consciente desperto, o choque é recebido e amortecido. O evento ocorrido seria então do “ao acervo das lembranças conscientes”"", adquirindo de utilidade prática, pois passa por uma reflexão. xão, provavelmente o incidente ocorrido, ao e se & um conteúdo controlado, tornar-se-ia um sobressalto “agra. áve ou na maioria das vezes desagradável”, uma lembrança nea despertada por um acontecimento não programado, que la o sujeito e que não pode ser controlada, Portanto, a voluntária é essa suscetível à consciência do sujeito e ainvo ria é aquela sujeita a fatores externos e PRADO a possibilidade disto ocorrer ou não ao longo da vida, como exposto anteriormente, da sorte. Daí o fato da lidade da experiência, em muitos casos, dar-se em situações =. tes como a morte, pois são essas situações que despertam mas temente à memória as lembranças e a necessidade de narrá-las. das

e oO —

a ae

o Eo o

a

que a recepção deles. O escudo protetor é suprido com seu próprio estoque de energia e deve, acima de tudo, esforçar-se por preservar os modos especiais de transformação de

energia que nele operam, contra os efeitos ameaçadores das enormes energias em ação no mundo externo, efeitos que tendem para o nivelamento deles e, assim, para a destruição",

114.

BENJAMIN, W. À modernidade, p. 108.

FREUD, S. Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1998, 115. Ibidem, p. 41.

66

SS -

pon

A proteção contra os estímulos é, Para os organismos vivos, uma função quase mais importante do

113,

“e

o 116. FREUD, S. Além do princípio de prazer, p. 43. 117. BENJAMIN, W. A modernidade, p. 110.

67

-

o

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

2.5 E

LIMIAR

De acordo com Benjamin, é no moribundo que não apenas o saber e a sabedoria, mas também sua vida vivida, da qual são feitas as histórias, “assumem pela primeira vez numa for! ma transmissível”!!?, Porque é no leito de morte que o indivíduo mergulha em visões de si mesmo, encontra-se com suas experiências “conferindo a tudo o que lhe dizia respeito aquela autoridade que mesmo um pobre-diabo possui, ao morrer, Para os vivos em seu redor"!”, E, portanto, em momentos como esse que os saberes são comunicados e por não serem conscientemente evocados guardam uma força e uma veracidade capazes de perdurar por muito tempo. Para tais momentos, Benjamin atribui o nome de Ritos de Passagens” ou “Limiar”, os quais se dão geralmente em cerimônias ligadas não somente à morte, mas também ao nascimento, ao casamento, à puberdade e ao sonho. Todos rituais estes possuem elementos em comum como a mudança, a trausição, a passagem de um lugar ao outro, o fluxo. No entanto Rena para min, antes de qualquer reflexão a respeito dos sentidos que samos atribuir a esse conceito de limiar (Schwelle), é interesante | distingui-lo da ideia de fronteira (Grenze). TFronteira segundo Gagnebin, no vocabulário filosófico — também clássico correspondente à palavra limite. Significa estaum “traço” em torno de algo us espaços, delimitar seu campo e evitar que esse algo, por assim dizer, se derrame sobre suas bordas em direção a um infinito onipotente”!?º, É também ,

=

STE RR ERR

aoao ção

118.

BENJAMIN, W. O Narrador, p. 224.

Categoria da Experiência (Erfahrung)

outros

contextos, uma forma de delimitação territorial a qual não pode ser transposta impunemente. O conceito de limiar, por sua vez, apesar de também servir para uma delimitação espacial e, principalmente, temporal, implica movimento. Isto é, no próprio ato de transbordar, de ultrapassar os limites, é um registro de “passagem” (Ubergang). O limiar é aquilo que possibilita a transição de um lugar ao outro, seja ele físico, intelectual ou espiritual. De acordo com Gagnebin, em

EXPERIÊNCIA

e a

arquitetura, o limiar tem a função de “permitir andarilho ou ao morador que transite, sem maior dificuldade, de um lugar determinado a outro lugar distinto, às vezes oposto. Seja ele simples rampa, solei-

[...] na ao

ra, porta, vestíbulo, corredor, escadaria, sala de espera num consultório, de recepção num palácio, pórtico, portão, ou mártex numa catedral gótica, o limiar não faz só separar dois territórios (como a fronteira), mas permite a transição, de duração variável, entre esses dois territórios!”!,

O limiar, portanto, apesar de corresponder à separação, também significa transpasso, ou seja, possibilidade de transpor barreiras e não apenas de estabelecer um limite. Assemelha-se muito à função de uma ponte, aquele lugar entre duas possibilidades que ao invés de apenas conter-nos, também nos incentiva ao movimento. Em A comunidade que vem!”?º, Agamben aborda essa questão através da ideia de fora (no original italiano, fuori, algo exterior que também pode ser compreendido como soleira ou porta), e assim como em Benjamin, e certamente influenciado por ele, afirma que o “fora não é outro lugar situado para além de um espaço determinado, mas é a passagem, a exterioridade que lhe dá acesso”, Outra característica da palavra limiar está em seu termo alemão Schwelle que, conforme Gagnebin corresponde original

12: GAGNEBIN, J. M. Limiar: entre vida e morte. In: GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e tememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. — ed. — São Paulo: Editora 34, 2014.

121. GAGNEBIN, J. M. Limiar: entre vida e morte, p. 36. 122. AGAMBEN, G. A comunidade que vem. Trad. Antônio Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1993, 123. Ibidem, p. 54.

68

69

119.

Idem.

1

p.35

Bruna de Oliveira Bortolini

ao verbo sclnwellen, o qual pode ser traduzido como “inchar, dilatar, inflar, intumescer, crescer”!?, Para a autora trata-se, em Benjamin, de uma etimologia fantasiosa, mas que assume um sentido interessante, quando exposta no caderno benjaminiano sobre a prostituição e o jogo, sendo associada ao processo de excitação sexual. Ali o termo corresponde a uma Zona, nem sempre bem definida, que lembra “fluxos e contra fluxos, viagens e desejos”!%, Conforme o que expõe Benjamin,

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

E

para que se possa realizar a “passagem” de forma veloz, quae num piscar de olhos — da mesma forma “como programa de televisão ao outro com um toque na tecla

Aa

portas fantásticas, mas dos limiares em geral que os

amantes, os amigos, adoram sugar as forças. Às prostitutas, porém, amam os limiares das portas do sonho!%,

Esses “momentos limiares” são, para Benjamin, deterà transmissão de experiências, pois estão intimamente ligados a uma categoria temporal que permite o processo de rememoração e sua comunicação. Entretanto, com o advento da

minantes

modernidade, em particular com a era capitalista, o tempo parece ter encolhido, se abreviado, isto conforme a famosa porque, frase de Benjamin Franklin, “tempo é dinheiro”. Gastar com atividades que não visam o lucro é agir contra todo tempo um ethos do capital. Motivo pelo qual Benjamin afirma que na vida moderna, as transições tornaram-se “cada vez mais irreconhecíveis e difíceis de vivenciar. Tornamo-nos muito pobres em experiências limiares. O adormecer seja talvez a única delas que nos restou”!””, Nesse período, o ideal é que os momentos de transição sejam abreviados ao máximo ou, se possível, até mesmo anulados 124. GAGNEBIN, J. M. Limiar: entre vida e morte, p. 36. 125, Idem. 126.

BENJAMIN, W. Passagens, p. 535. Ibidem, p. 535.

128. GAGNEBIN, J. M. Limiar: entre vida e morte, p. 38.

70

=

mero “controle remoto”, Sendo essa uma das mais importantes pro o blemáticas levantadas por Benjamin a respeito da modernidade. A pobreza de experiências enquanto Erfahrung e seus no modo como os indivíduos passam a perceber e se relacionar com o mundo após o seu declínio, como exposto a seguir.

[-..] as variações das figuras do sonho, oscilam também em torno de limiares os altos e baixos da conversação e as mudanças sexuais do amor. “Como agrada ao homem, diz Aragon, manter-se na soleira da imaginação” (no limiar das portas da imaginação) [Paysan de Paris, 1926, Paris, Pp. 74]. Não é apenas dos limiares destas

127.

qe

7

Bruna de Oliveira Bortolini

2.6

MODERNIDADE E O DECLÍNIO DA

EXPERIÊNCIA

À

modernidade, portanto, com suas revoluções indusm e técnicas, triais que afetam em vários âmbitos a vida cotidiana faz a ideia de tradição e todo o contexto vital para comunicação de experiências perderem sua autoridade, vindo posteriormente a atrofiarem-se, inclusive a narrativa, as “experiências limiares” e até mesmo o valor das memórias involuntárias, por fazer com que esses elementos pareçam desatualizados e sem utilidade para a vida prática. Um verdadeiro peso em relação à promessa de liberdade” que o período moderno fomenta sob o véu da novidade. O resultado dessa contração é, segundo Gagnebin, “um embotamento drástico da percepção dos ritmos diferenciados de transição, tanto do ponto de vista sensorial como no que diz respeito à experiência espiritual e intelectual”!?, Situação que acaba concedendo espaço a outras formas de vivenciar fatos comos preender e contar uma história ou relatar um acontecimento.

e

das primeiras consequências apontadas por Benà revolução moderna, é a relação em jamin, substituição da Experiência (Erfahrung) pela Vivência (Erlebnis). A vivência, como visto no início do capítulo, é caracterizada por um alto grau de conscientização das atividades humanas e, ao contrário da Er fahrung, é responsável por levar os indivíduos a um plano de experimentação considerado superficial. Isto ocorre em razão dos choques (estímulos) que a consciência tem que filtrar e ordenar para suprir exigências da vida cotidiana. O que faz com que as informações sejam assimiladas às pressas na mesma medida em Uma

Walter Benjamin

72

Categoria da Experiência (Erfahrung)

que exigem respostas imediatas, não havendo tempo para contemplação ou reflexão dos acontecimentos, conforme ocorria nas sociedades artesanais. Neste contexto, as ações se tornam cada vez mais mecânicas em função de obrigações da vida diária e o indivíduo é levado a uma espécie de amortecimento ou conformismo acerca dos fatos da vida em função de seu constante agir combativo. Num conto de Edgar Allan Poe, O Homem da Multidão”, Benjamin irá identificar esse comportamento como aquele em que todos parecem agir por força do hábito, submersos em suas vivências particulares. Condicionamento que se deve não somente, mas em boa parte, ao desenvolvimento da técnica. Com os sofisticados desenvolvimentos técnicos, muitos benefícios foram proporcionados ao homem, inclusive melhorias na aparelhagem de trabalho, como exposto no primeiro capítulo. Porém, de outro lado o individuo, principalmente o trabalhador industrial, foi rebaixado a ocupações estritamente mecânicas, a um trabalho automatizado. E, assim, como se já não bastasse o ritmo acelerado da vida nas grandes cidades que uniformiza as ações dos indivíduos, há também o seu adestramento no interior das fábricas. Fator que faz com que os homens não busquem mais fazer experiências libertar-se em seu sentido originário, na verdade, o que querem delas, pois já se encontram fatigados pelas infinitas complicações que tem de enfrentar no seu dia a dia, tomando o objetivo da vida

é

[...] apenas como o mais remoto ponto de fuga numa interminável perspectiva de meios, surge uma experiên-

si

cia que se basta a mesma, em cada episódio, do modo mais simples e mais cômodo, e na qual um automóvel não pesa mais que um chapéu de palha, e uma fruta na árvore se arredonda como a gôndola de um balão”

Porém, essa renuncia às experiências não significa ignorância ou imaturidade. O homem moderno é um dos que mais tem acesso e consome cultura, razão pela qual não é possível

130.

129. GAGNEBIN, J. M. Limiar: entre vida e morte, p. 38.

e a

131.

À. apud BENJAMIN, W,. Sobre Alguns Temas em Baudelaire, p. 119. BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 128.

POE, E.

73

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

dizer que se encontra nessa situação por pura ingenuidade. Na verdade, ele rejeita a Experiência porque já está cansado, porque dedicou todas as suas energias a um plano extremamente ambicioso que o deixou sem forças para continuar, isto é: o sonho do progresso. Que agora só pode ser realizado durante o sono, onde a existência é cheia de milagres, mas que mesmo assim não o salva da realidade. Ou seja, na modernidade já não se consegue distinguir o valor de uma experiência em seu sentido originário, elas permanecem apenas como vagas recordações em meio às vivências cotidianas e infinitamente pessoais. memória-hábito passa, então, a configurar boa parte das impressões do indivíduo a respeito da vida, tornando a participação do consciente cada vez mais constante. Assim, segundo Benjamin, “quanto maior for o êxito com que ele operar, tanto menos essas impressões serão incorporadas à experiência, e tanto mais corresponderão ao conceito de vivência”"”?, Essa incapacidade para constituição de Experiências enquanto

NARRATIVA, ROMANCE

“Quando falo na guerra, não sou capaz de dizer muita coisa. Imagino o que deve ter sido esta última para quem a viveu. E calo-me. Se aquela foi a Grande Guerra, que nome se há de dar a esta? E que nome se dará à

próxima?”

José

Saramago

Segundo Walter Benjamin, “são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. E cada vez mais frequente que, quando o desejo de ouvir uma história é manifestado, o embaraço se generalize”!"*, Pois é evidente que as ações da experiência estejam em baixa. “E tudo indica que continuarão caindo em um buraco sem fundo”!”, Para o autor, este processo de empobrecimento de experiências se dá de forma clara como um

reflexo da vida dos indivíduos nas grandes cidades, que atinge seu ápice com a Primeira Guerra Mundial e “desde então segue ininterrupto”!6, “Não se notou ao final da guerra que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha; não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável?”!” Isso ocorre não necessariamente porque não tiveram experiências suficientes ou porque essas não possuíam importância histórica, mas porque tais

J.

Claraboia. São Paulo: Companhia, 2011. p. 203. BENJAMIN, W. O narrador, p. 213. 135. Ibidem, p. 214. 136. Idem. 137. Idem. 134.

74

E

INFORMAÇÃO

133.

132. BENJAMIN, W, À modernidade, p. 111.

Categoria da Experiência (Erfahrung)

2.7

A

Erfahrung e, consequentemente, para sua transmissão, irá tornar-se mais evidente com o surgimento da imprensa. À imprensa, enquanto um dos instrumentos mais importantes do capitalismo, revela uma nova realidade à comunicabilidade dos indivíduos: a informação, a qual nasce, obviamente, em razão dos novos e mais velozes ritmos de vida e da crescente falta de tempo para a narrativa convencional.

e a

SARAMAGO,

75

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

experiências, diferentemente do que ocorria antes, não podiam ser contadas na forma de relatos, isto é, relatos que contivessem alguma orientação prática, alguma sabedoria que pudesse ser transmitida de geração em geração. Porque, conforme Benjamin, nunca houve experiências mais radicalmente desmentidas que a experiência estratégica pela guerra das trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-se sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo huma[...]

de

no.

Primeira Guerra Mundial não contém nenhum aprendizado que possa ser narrado como eram narradas as histórias de antigamente, até mesmo aquelas sobre as guerras antes ocorridas e que fazem parte da cultura humana, pois não há um sentido épico nela. Isso ocorre, pois, ao encontro dos estudos feitos por Castro!”, a técnica com sua poderosa força de destruição aniquilou e tornou invisíveis as ações heroicas individuais que pudessem estar vinculadas à guerra. O fenômeno de massificação da morte na Primeira Guerra, na maioria dos Casos, sem a possibilidade de defesa, anula qualquer espécie de atitude nobre que se possa a ela atribuir. De acordo com Gagnebin, “a Primeira Guerra manifesta, com efeito, a sujeição do indivíduo às forças impessoais e todo poderosas da técnica, que só faz crescer e transforma cada vez mais nossas vidas de maneira tão total e tão rápida que não conseguimos assimilar essas mudanças pela palavra”!*, À guerra é o ponto máximo de um desenvolvimento técnico, criado por uma sociedade que é ao mesmo tempo incapaz de obter total controle sobre ele. Segundo Benjamin, esse sintoma À

138.

BENJAMIN, W. O narrador,

pp

2l

CASTRO, P. S. V.



1

76

Categoria da Experiência (Erfahrung)

de decadência tem seu primeiro indício, que irá culminar no desaparecimento da narrativa, com o surgimento da imprensa. À imprensa, além de caracterizar-se pelo aperfeiçoamento de estratégias midiáticas, é também umdos sintomas que confirmam e antecedem a posterior dominação do indivíduo pela máquina. Ela é indício das primeiras transformações que revolução da indústria e da técnica. Isto porque ocorrem com permite o nascimento de novas formas de comunicação entre indivíduos que irão substituir a narrativa, como é o caso do romance e de forma mais contundente, da informação jornalística. Que segundo o que afirma Castro, “além de ser um fenômeno de grande importância cultural e histórica, caracteriza a predominância de um determinado tipo de abordagem dos acontecimentos”!*!, ou seja, “noticiar os fatos em primeira mão, de modo direto e eficiente, para um público cada vez mais numeroso [...] propósito [que] realiza-se seguindo a tendência a acompanhar notícias “ao vivo”, imediatamente enquanto estão ocorrendo” Já o romance, em oposição à narrativa, corresponde ao indivíduo isolado. Ele está essencialmente vinculado ao livro, é por essa razão, também à introspecção, visto que o livro não é leitura privada. dizer, coletivo, sua um objeto quer Mesmo que seja uma leitura para os outros, o livro por suas características de manuseio não é feito para ser lido por várias pessoas ao mesmo tempo, a não ser que cada pessoa possua seu próprio exemplar, mas do mesmo modo a leitura realizada será particular. Razão pela qual, a invenção da impressa é determinante para sua difusão, mesmo que na antiguidade ele já existisse, pois, de acordo com Benjamin, foi na burguesia ascendente que ele encontrou “os elementos favoráveis a seu florescimento”"*. Porém a informação, “é tão estranha à narrativa como o romance, mas é mas ameaçadora do que ele, e, de resto provoca uma crise no próprio

a

!*,

141.

Caminho principal e caminhos secundários: sobre o pensamento estético de Walter Benjamin. ed. — São Paulo: Grupo Editorial Cone Sul, 2001. p. 51. 140. GAGNEBIN, J. M. Não contar mais?, Pp. 59, 139.

e a

CASTRO,

P. S. V.

Caminho principal

e caminhos

estético de Walter Benjamin, p. 51. 142, Idem. 143. BENJAMIN, W. O narrador, p. 218.

TI

secundários: sobre o pensamento

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

romance"!“, A informação baseada no princípio da novidade e da concisão é o material perfeito para uma época onde o tempo tornou-se escasso. Sua diferença em relação à narrativa e ao romance é que ela aspira essa tal “verificabilidade imediata”!*, Quer dizer, nem sempre aquilo que a notícia informa pode ser considerado mais exato do que aquilo que narravam os antigos viajantes ou os camponeses sedentários. Porém, ela funciona pelo simples fato de soar plausível, o que por si só já é incompatível com o espírito da narrativa, a qual na maior parte das vezes tende a recorrer ao miraculoso. Fato que no alto do capitalismo terá importância enorme, pois gera uma economia de tempo que será direcionada para o trabalho. E assim, segundo o autor, [.-.] a cada manhã recebemos notícias de todo mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. À razão para tal é que todos os fatos já nos chegam impregnados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece é favorável à narrativa, e quase

tudo beneficia

a

informação".

Porém, é interessante observar que a informação só é relevante enquanto for nova. Daí outra característica que a diferencia das narrativas, uma vez que as narrativas alimentavam-se de conteúdos duráveis, da experiência da vida vivida agregada a acontecimentos externos e experiências alheias. À informação, por sua vez, padece com passar do tempo, pois ela só vive no momento presente, “ela precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele”"*”, Isso porque não estabelece nenhum tipo de comunicabilidade com informação que virá no momento seguinte. As notícias são sempre isoladas e velozes, assim como os indivíduos e a correria da vida nas gran-

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

permite sequer que as experiências se constituam enquanto tal, muito menos favorece a sua transmissão. Ficamos pobres de experiências, afirma Benjamin. “Uma forma completamente nova de miséria recaiu sobre os homens” "** dado que os fatos recebidos esforpela notícia jornalística, numa velocidade que impedem rede de de são reflexão, a incorporados serem impossíveis uma ço de referências válidas que favoreça descobertas pessoais ou a uma nova compreensão de mundo. Desta maneira, em meio à constante modernização social e racionalização das atividades humanas, o aspecto cognitivo da percepção, na modernidade, parece ganhar ênfase. O indivíduo em constante estado de alerta, pronto para o próximo comando, tem sua percepção disciplinada através de exercícios mecânicos. Acostumando-se “cada vez mais a ver estrategicamente o mundo como conexão calculável de causas e efeitos”!*, À única experiência, agora possível, parece ser o experimento científico, o qual, sob uma rigorosa série de procedimentos, é capaz de oferecer ao indivíduo moderno elementos que permitam ordenar e classificar tudo aquilo que lhe é externo e que sob a ótica do progresso deve ser controlado, identificado e determinado.

o

o

a

des cidades. Por esta razão, é possível afirmar que a informação contrária à formação de experiências na medida em que não

é

144. 145, 146.

BENJAMIN, W. O narrador, p. 218. p. 219. Idem.

148.

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 124. PALHARES, T. H. P. Aura: a crise da arte em Walter Benjamin. São Paulo: Editora Barracuda, 2006. p. 54.

Ibidem,

:

149.

147. Ibidem, p. 220.

78

7

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

2.8 DA AO

A categoria de

Experiência no pensamento de Benjamin, desde a publicação do autor sobre o respectivo tema na revista Der Anfang, passa, como visto, por uma evolução. Deixa de ser concebido como saber amargurado e intimidador e torna-se uma categoria filosófica vinculada a uma forma de conhecimento que não opera de maneira causal. Isso inevitavelmente opõe o autor à tradição filosófica moderna em sua vertente mais decisiva, a de fundamentação do conhecimento científico. Porém, como é sua característica fazer filosofia por desvios, Benjamin não desanimar quando a categoria de Experiência (no seu sentido tradicional), frente à poderosa crença moderna na ideia de progresso, encontrar o seu declínio. Em sua tese sobre o drama barroco alemão, o autor parece retomar uma antiga discussão levantada anos antes em seus escritos de juventude a respeito dos usos instrumentais da experiência pelo pensamento filosófico iluminista. Essa discussão que Benjamin trazer à tona sob um novo contem central texto, como ponto a crítica ao gesto dominador do sujeito que acredita poder conhecer a realidade apenas segundo suas categorias subjetivas, ao mesmo tempo em que propõe uma nova e desafiadora tarefa à filosofia e aos próprios filósofos se estes quiserem continuar ainda existindo. Pois, segundo Walter Benjamin, a crença filosófica positivista de uma razão soberana capaz de determinar as coisas do mundo apresenta alguns problemas, os quais, se não observados, levam ao risco de a filosofia encerrar-se em mesma. Assim, para melhor entender esta crítica, faz-se necessário voltar aos estudos de juventude de Benjamin, em específico ao texto O programa de uma filosofia futura, para daí coletar elementos que possam esclarecer a ideia do autor a respeito de

irá

si

umanova tarefa à filosofia, exposta em seus escritos posteriores e retomada da categoria de Experiência. que inclui também sobre O ensaio O programa de uma filosofia futura, não publicado em vida pelo filósofo, expõe a crítica de Walter Benjamin à filosofia de Kant e aos neo-kantianos. Este ensaio é originado a partir de diálogos com o amigo Gershon Scholem, como é possível constatar a partir da própria afirmação feita por Scholem: Uma carta de Dora,

endereçada a mim em 7 de dezembro, revelou que Benjamin escreveu seu trabalho Uber das Programm kommenden Philosophie [“Do ProFilosofia do da Futuro”], em novembro de 1917, grama ideias contidas numa carta (publicada) que seguindo me enviara a 22 de outubro“,

der

as

Aborda, além de estudos judaicos, o modo como os neo-kantianos compreendiam a categoria de Experiência. E sabido que Walter Benjamin, na construção de seu pensamento, foi fortemente influenciado pelas ideias kantianas, as quais nem sempre eram concebidas de modo positivo pelo autor, em específico aquelas apreendidas na escola de Marburg e vinculadas à concepção de seu líder Hermann Cohen, a respeito da experiência ao modelo positivista, ou seja, fundamentada no padrão matemático € nas ciências naturais. Porém, mesmo que Benjamin entrasse em discordância com o pensamento de Kant, possuía grande respeito pelo mesmo, nunca desconsiderando em si suas ideias, mas tentando a partir delas buscar novas perspectivas à própria filosofia. Assim, a partir de leituras realizadas em torno das obras de Kant, Benjamin faz um estudo sobre a teoria do conhecimento e sobre a categoria de Experiência em seu sentido epistemológico, apontando suas limitações e a necessidade de reformulações. Porque segundo ele, para Kant, a única experiência considerada válida parece ser aquela atrelada a uma concepção lógica e instrumental, vinculada ao conhecimento científico. Uma “experiência

150.

80

Categoria da Experiência (Erfahrung)

a

EXPERIÊNCIA EXPERIMENTO

irá

e a

SCHOLEM, G. Walter Benjamin: história de uma amizade, p,

81

57.

Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

singular temporalmente limitada”"*! que na visão de Benjamin, apesar de não estar incorreta, aborda a categoria de Experiência de forma superficial, desconsiderando outras possibilidades de entendimento que estão vinculadas a ela, que não seu mero uso como meio para aquisição de saberes. Porém, antes de investigarmos essa crítica de Benjamin à teoria kantiana e suas reformulações, é necessário oferecer um maior esclarecimento, mesmo que

breve,

respeito das próprias ideias de Kant sobre o tema. Kant, na Crítica da Razão Pura"? e especialmente nos Prolegômenos!*, que surgem como solução para algumas obscuridades presentes na própria Crítica da Razão Pura, realiza um estudo a respeito daquilo que considera serem as “condições de possibilidades do conhecimento”. O autor, em resposta a estudos que lhe são anteriores, realiza uma abordagem que considera razão e experiência como dois elementos chaves para a construção do conhecimento. Isto quer dizer que ele não acredita que somente a razão ou a experiência isoladas em suas particularidades possam nos oferecer a verdade sobre os objetos e fenômenos do mundo. Pelo contrário, Kant é um filósofo que se preocupa com a questão da justificação de um conhecimento que possa integrar essas duas formas de conhecer, de maneira que exista um equilíbrio entre elas. Em vista disso, Kant busca determinar certas condições para que o conhecimento ocorra levando em consideração tanto as experiências como a razão. O que implica também estabelecer limites para aquilo que pode ou não ser conhecido. Esses limites correspondem em princípio a duas fontes principais de conhécimento, ou seja, a sensibilidade e o entendimento. À primeira refere-se aos objetos que são dados na intuição, aquilo que se pode perceber por via dos sentidos, e a segunda refere-se aos objetos que são pensados nos conceitos. Desta forma, o autor inicia a Crítica da Razão Pura com seguinte afirmação:

151. BENJAMIN, W. Sobre el Programa de la Filosofia Futura, p.8. 152. KANT, 1. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. 153. KANT, L. Prolegómenos a toda metafísica futura. Lisboa: Edições 70, Ltda, 1988.

82

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Dúvida não há de que todo o nosso conhecimento principia pela experiência. Sem dúvida, que outro motivo poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão as coisas que afetam os sentidos e que, de um lado, por si mesmas dão origens a representações e, de outro lado, movimentam nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, liga-las ou separá-las, transformando então a ideia bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? Dessa forma, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento se principia"*,

a

a

e a

Porém, para Kant essas experiências só são possíveis quando colocadas em duas formas priori: espaço e tempo. Para ele nada pode ser conhecido fora dessas duas esferas. Na teoria de Kant, tais esferas são anteriores às faculdades do sujeito cognoscente e só se dão para o sujeito. Elas não podem ser concebidas sem a percepção do sujeito, pois é ele que ao realizar o esforço de conhecer algo, determina a experiência colocando o objeto de seu saber numa estrutura de espaço (local do objeto) e tempo (percepção interna do sujeito em relação ao objeto). Nesse ponto é importante ressaltar que ao dizer que todo conhecimento inicia na experiência, Kant não está, necessariamente, afirmando que seja a experiência a única responsável por prover o conhecimento. Conforme o autor: “se todo o conhecimento se principia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. [...] Se poderá haver um conhecimento tal, independente da experiência e de todas as impressões e sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento [...]””. Em outras palavras, esse conhecimento pode ser entendido como um juízo de verdade que opera segundo conceitos construídos sem a necessária dependência da comprovação real. São conceitos universais que se encontram presentes na razão humana. Ou seja, o sujeito, mesmo sem acesso direto à realidade, pode construir

a

:

154. 155.

KANT, Idem.

1.

Crítica da Razão Pura, p. 44.

83

— Bruna de Oliveira Bortolini

Walter Benjamin

raciocínios válidos e produzir conhecimentos verdadeiros. Isto porque a faculdade da razão lhe permite realizar juízos através de um sistema de categorias fundamentadas nos convencionais princípios da lógica, a saber: identidade, não contradição e tes

ceiro excluído, desde que suas condições sejam bem delimitadas, Ássim, a experiência, em Kant, se constitui num acontecimento físico, provocado de forma intencional e que pode oferecer elementos para um saber verdadeiro, o qual para ser assim denominado terá de passar primeiramente pelo crivo da razão. À experiência em Kant é, portanto, uma experiência atrelada à experimentação científica, passível de ser metodologicamente determinada pelo sujeito e, segundo ele, capaz de ser aplicada até mesmo em questões de cunho não científico. Outro aspecto da teoria do conhecimento de Kant que Benjamin procura distanciar-se é em relação à questão das experiências particulares, as quais mesmo sendo passíveis de comunicação, não são para Kant formas válidas à concretização de conhecimentos. Pois, segundo ele, todo conhecimento de um objeto deve ser regulado pelas formas transcendentais do sujeito. Sendo assim, as determinações do objeto que possibilitam a experíência e a construção de um conhecimento verdadeiro estão no objeto, mas não pertencem ele. Isto é, pertencem ao sujeito são, conforme afirma Olgária Matos", “leis” que o sujeito inserA de objeto no via antemão da consciência na intenção de ve por criar condições que o possibilitem conhecer algo. São características que o sujeito impõe a todos os objetos e que aparecem neles toda vez que o sujeito realiza um esforço de entendimento a seu respeito. O que nos leva a pensar que o conteúdo, isto é, a essência aí encontrada possa não ser necessariamente a do ôbjeto, Portanto, o conceito de Experiência na filosofia de Kant, mostra-se diverso daquele que Benjamin trabalha em seus esct tos. Para Kant, a experiência apresenta-se muito mais como um —

a

A lar pecar

MATOS, C. F. O. O iluminismo visionário: : Benjamin Benjamin O. OS, » Paulo: Editora São Brasiliense, 1999, p. 131, 156.

V

84

lei

leitor

d

cartes

Ka

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

recurso científico, ou seja, um método para validação de teorias, do que um saber coletivo transmitido de geração em geração. Isto é, Kant, ao trabalhar o conceito de experiência está, na verdade, concentrado em usá-lo como método para estabelecer critérios confiáveis à construção de conhecimentos, pois tal postura era típica da época do autor, o iluminismo. Uma “experiência nua, primitiva e auto compreensível [...] parecia a única possível”"*, De acordo com Benjamin, tal noção, ainda que válida, possui limitações e clama por uma forma ampliada de compreensão. Em sua percepção, estabelecer um método para a experiência, como o sistema kantiano almeja, é um empreendimento frustrado. Uma vez que a experiência, como já dito, não é sem tempo e plenamente manipulável, ela também depende de um contexto histórico e não apenas de um momento. Se não fosse assim, não teríamos como validar experiências passadas, nem aquelas que ainda estão por vir. E as tais “condições de possibilidade do conhecimento” elaboradas por Kant, não funcionariam para verificação da verdade em outros campos do conhecimento que não o científico. Deste modo, ousar adequar o método kantiano à filosofia é uma tarefa que não se mostra possível para Benjamin, pois de acordo com ele, a filosofia é de natureza diversa das ciências. Para Benjamin, a ciência é responsável por organizar “o mundo comvista à sua dispersão no domínio das ideias, subdividindo esse domínio em conceitos, a partir de dentro”, Isto é, dedica-se a compreender o mundo a partir de suas próprias estruturas conceituais. Já a filosofia ocupa-se de se “exercitar no esboço descritivo do mundo”"”, dedicando-se à construção de ideias a partir daquilo que permitem os fenômenos, segundo sua “lógica interna”. Por conseguinte, Benjamin afirma ser de “maior importância para a filosofia vindoura reconhecer e distinguir que 157. “[..] nuda experiencia primitiva y comprensible de suyo [...] parecía la única posible” (BENJAMIN, W. Sobre el Programa de la Filosofia Futura, p. 8). 158. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 20. 159, Ibidem, p. 20.

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elementos do pensamento kantiano tem que ser assimilados e desenvolvidos, quais tem de ser modificados e quais devem ser rechaçados”!%, Desenvolvendo, a partir de então, uma nova teoria do conhecimento, a qual não concebe a Experiência apenas como experimento para aquisição de novos conhecimentos, mas como uma forma diferente de compreensão do mundo. Sua proposta é não limitar a ideia de experiência, mas ampliá-la, fazendo com que as mais diversas experiências possam ser validadas e não somente aquelas matematicamente determinadas. Porém, ao contrário do que fez em seu primeiro ensaio sobre a Experiência, isto é, não apresentar argumentos claros a respeito do que gostaria de opor à concepção tradicional, Benjamin irá, no ensaio sobre a filosofia futura, expor seu raciocínio a respeito daquilo que julga ser o elemento “diferente”, de forma mais concreta, Desta forma, algumas questões obviamente ganham destaque, ou seja: o que na filosofia kantiana deve ser modificado, segundo Benjamin, para uma filosofia futura? E de que forma essa mudança é possível? Em que se constitui a proposta benjaminiana de filosofia, levando em consideração as objeções feitas pelo autor ao sistema filosófico de Kant? Qual o papel da Experiência nessa nova proposta filosófica de Benjamin? E sobre o que a categoria de Experiência, no modo como Benjamin a concebe, faz refletir?

160.

BENJAMIN, W, Sobre el Programa de la Filosofia Futura,

86

1

TERCEIRA PARTE TEMPO, EXPERIÊNCIA E POTÊNCIA DA LINGUAGEM

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

A perda da Experiência relaciona-se, como visto nos capítulos anteriores, diretamente às mudanças ocorridas no final do século XIX. Nesse contexto, o advento da modernidade e a preponderância de uma visão científica do mundo seriam principais responsáveis por sua destruição se juntamente a eles não estivesse vinculada a guerra. Pois foi a guerra que fez com que os combatentes voltassem “silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis e não mais ricos”!ó!, Porém, hoje se sabe que “para a destruição da experiência, uma catástrofe não é de modo algum necessária, e que a pacífica existência cotidiana em uma grande cidade é, para esse fim, perfeitamente suficiente”!º, Em nosso dia-a-dia tornou-se impossível realizar experiências no sentido tradicional do termo e a autoridade para a elaboração de novos conhecimentos, antes nelas apoiadas, restringiu-se ao universo das ciências. Experiência tornou-se experimento e, por mais que ainda se fale numa tal “experiência de vida”, pertencente principalmente aos mais velhos, muito pouco ou nenhuma autoridade a ela se atribui, pois também se perdeu a habilidade de interpretá-la. Essa visão científica de mundo que reduz Experiência ao experimento, Walter Benjamin, como exposto no final do segundo capítulo, já criticava em seu texto não publicado em vida sobre a filosofia futura. Pode-se dizer que o autor, mesmo sem saber dos eventos que acarretariam na total destruição da experiência, questionava anos antes os usos limitados que a ela eram atribuídos. E para isso, nesse texto, toma Kant como seu principal interlocutor, afirmando que ao priorizar uma experiência empírica, sensível, limitada no tempo e no espaço, Kant desconsiderou o caráter linguístico da própria experiência. Atitude que para o nosso autor empobrece o discurso filosófico, pois elimina toda e qualquer experiência espiritual, histórica e até mesmo religiosa. Exclui do âmbito do conhecimento a experiência plena

os

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 124 AGABEN, G. Infância e História: destruição da experiência e origem Trad, Henrique Burigo. Minas Gerais: Editora UFMG, 2005. p. 21. 161.

162.

90

da

história.

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

do indivíduo, temporal e múltipla, que também carrega em si transmitidas orientações para a vida prática, as quais podem de geração em geração sob a afirmação de que tais experiências por serem subjetivas e, portanto, de menor valor à ciência, não poderiam contribuir para a construção de conhecimentos. Aspecto que demarca, então, a principal discordância de Benjamin em relação à filosofia de Kant, pois essa postura de pensamento que reduz a Experiência ao experimento, apesar de admirável pela vontade de oferecer à humanidade bases seguras para fundar conhecimentos, desconsidera aspectos preciosíssimos à reflexão filosófica. Um deles é o fato de que a própria experiência religiosa, segundo afirma Mate!%, foi por muito tempo guardiã de um conjunto de experiências humanas, “tanto as cotidianas quanto as extrernas”!*, e desconsiderá-la dessa maneira, como se não tivesse mais nada a oferecer, significa ignorar boa parte da vida do homem mundo que é posta em linguagem. Contudo, é indispensável frisar que essa crença de uma experiência legítima apenas enquanto experimento científico não se restringiu a Kant, mas, como exposto ainda no segundo capítulo, era própria da consciência iluminista predominante na caráter pelas interpretações reaépoca do autor e que ganhou lizadas de sua filosofia pela escola de Marburg. Deste modo, por mais que a redução de toda Experiência ao campo do experimento científico em alguns aspectos tenha sido um desenvolvimento das ideias de Kant, segundo Benjamin, ela “nunca foi desejada por esse com semelhante exclusividade”!º, embora Kant não estivesse atento ao fato de que “todo conhecimento filosófico tem sua única expressão na linguagem”'é,

ser

no

tal

163. MATE, R. Meia-noite na história: comentários às teses de Walter Benjamin “Sobre o Conceito de História”. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011. 164. Ibidem, p. 67. 165. BENJAMIN, W. La Metafísica de la juventud, p. 13. 166. Ibidem, p. 16

Ss

Bruna de Oliveira Bortolini

Nessa linha de pensamento, então, a experiência é reduzida “ao ponto zero, a um mínimo de significado”, Toda experiência que não pudesse ser traduzida em termos científicos era excluída do campo da razão, logo, da própria filosofia. O que leva Benjamin a propor uma compreensão da categoria de Experiência em termos transcendentais, isto é, afirmar que somente “um conceito de experiência, alcançado na reflexão sobre sua essência linguística, permitirá elaborar um conceito de experiência [...], [capaz de] abarcar regiões cuja sistematização efetiva Kant não alcançou”", pois, para o filósofo, é na linguagem que se dá o encontro do homem com o mundo e, portanto, a constituição da própria noção de experiência. Reduzi-la ao campo do experimento significaria eliminar outras qualidades da experiência tão importantes quanto aquela para a construção de conhecimentos. Razão pela qual, o interesse do autor por uma forma ampliada da concepção do termo está em validar uma vasta diversidade de experiências, todas igualmente verdadeiras, e que nada mais nada menos representam a “uniforme e contínua multiplicidade do conhecimento”! Assim, a proposta de Benjamin para recuperar essa diversidade de experiências mostrando o quanto elas são importantes ao fazer filosófico depende, desse modo, de uma reformulação da própria ideia de filosofia. Para que a experiência possa em seu sentido pleno tornar-se uma categoria filosófica, a filosofia é quem deve primeiro se repensar. Ao invés de dedicar-se apenas à busca de métodos ou modelos de demonstração conceitual capazes de orientar o conhecimento acerca da realidade, deve voltarse ao exercício de apresentação da verdade, redefinindo o objeto de sua reflexão. Atitude que acaba por ampliar o campo de acesso da filosofia a determinadas realidades que pela via conceitual ela não conseguiria chegar. Entretanto, antes de adentrarmos nessa questão da “apresentação”, é necessário investigar, mesmo que

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

e para o seu melhor entendimento, alguns pontos importantes a respeito da filosofia da linguagem benjaminiana presente no ensaio Sobre a linguagem em geral e sobre a lingua gem humana, de 1916. Texto que, como foi apontado no primeiro capítulo, recebeu influência direta da filosofia de Franz Roseznweig, principalmente por tratar a questão do humano não como um fantoche nas mãos de algo que lhe é superior, mas como ser que participa do ato divino da criação de forma complementar.

de forma breve

167. BENJAMIN, W. La Metafísica de la juventud, p.8. 168. Ibidem, p. 16. 169.

Idem.

92

93

Walter Benjamin

Bruna de Oliveira Bortolini

3.1 TEORIA DA BENJAMINIANA “E não há dúvida de que a expressão só deve ser entendida, de acordo com sua inteira e mais íntima essência

linguagem”!

Walter Benjamin Walter Benjamin, no ensaio acima citado, esboça então sua teoria da linguagem que de maneira decisiva irá marcar toda a sua filosofia posterior. Nele, afirma que linguagem a “comunicação de conteúdos espirituais”!”, os quais pertencem a tudo o que existe e podem ser também entendidos como a essência das coisas, aquilo que de mais íntimo lhes representa. Todavia, para que essa essência seja comunicada na linguagem deve, segundo o filósofo, possuir também um caráter linguístico. Sendo importante destacar que de modo algum comunicação se reduz à é ela palavra, pois “apenas um caso particular” !”? No entanto, independente da natureza da linguagem, toda comunicação de conteúdos espirituais deve ter algo em comum, isto é, ser expressão na língua e não através dela. Pois a linguagem para Benjamin é “no sentido mais puro, o meio [Médium] da comunicação”!?, A língua é expressão imediata daquilo que se comunica “dentro” dela e diferente de concepções usuais,

é

tal

BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem. In: BENJAMIN, W. Escritos sobre mito e linguagem. Trad. Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2011. p. 51.

170.

171.

Ibidem, Ibidem,

língua em Benjamin não é apenas uma ferramenta para comunicação de conteúdos, mas a própria manifestação de uma essência, a qual não é apenas humana. Mas quando aplicada ao ser humano, pode-se dizer que essa comunicação melhor se desenvolve no ato de nomear, sendo esse aspecto também o que difere a linguagem humana da linguagem em geral. Isso porque, ao nomear, o ser humano além de comunicar sua essência espiritual, transpõe em linguagem sonora a essência das coisas, na medida em que elas são linguísticas e se comunicam a ele. O que nos leva a indagar sobre a possibilidade dessa comunicação e a maneira como se concretiza. Diferentemente do pensamento filosófico de sua época em que essa comunicação nãodosseria considerada como tal, mas objetos, os quais ganhariam a apenas representação mental partir daí uma essência, um nome, Benjamin pressupõe, assim como Rosenzweig, o movimento de revelação. Para ele, o ato de nomear não é impositivo, ou seja, não é que depositemos um sentido nas coisas quando as nomeamos, mas, sim, procuramos comunicar o que as coisas à sua maneira nos dizem a respeito daquilo que são quando se revelam a nós por meio da relação que com elas estabelecemos, sem a necessidade de simbolizações ou representações através de signos linguísticos. Pois se operássemos

apenas através de simbolizações e códigos linguísticos estaríamos nos limitando apenas a uma visão burguesa da linguagem e não a uma compreensão da linguagem enquanto infinito expressivo. Uma vez que a primeira é característica daquela posição que o autor critica inicialmente, isto é, a redução da linguagem a uma esfera meramente instrumental que tem por objetivo apenas a comunicação de “alguma coisa” entre os homens. Já a segunda, “[...] não conhece nem meio, nem objeto, nem destinatário da comunicação”"”!, pois ela própria é ambiente em que se dá a expressão. E para Benjamin, é somente por meio dessa possibili-

p. 51.

172. Idem. 173.

Categoria da Experiência (Erfahrung)

a

LINGUAGEM

como

e a

174.

p. 53.

94

BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem, p. 55.

95

Bruna de Oliveira Bortolini

:

Walter Benjamin

dade de expressão na linguagem que se alcança algum conhecimento sobre as coisas. Na relação, portanto, as coisas aos poucos vão revelando o seu sentido, o que permite conhecê-las e comunicá-las, porém nunca em plenitude. Motivo pelo qual, segundo o autor, “no interior de toda configuração linguística reina o conflito do expresso e do exprimível com o inexprimível e o inexpresso”!”, Processo que implica ato contínuo de tentar trazer à expressão aquilo que sozinho não conseguiria expressar-se. Para tornar essa ideia um pouco mais clara, Benjamin sugere uma aproximação com o mito bíblico da criação que de forma metafórica explica essa situação de tentarmos dizer as coisas sem o acesso direto ao seu sentido original. Conforme o autor, na criação a linguagem era lugar de absoluta convergência entre nomes e coisas e isso porque no “mundo do conhecimento perfeito”, ou se se quiser chamar de paraíso, todas as coisas correspondiam exatamente ao nome que lhes foi dado por Deus. “Deus tornou as coisas cognoscíveis ao lhe dar nomes”!”, Mas não criou o ser humano a partir da palavra, não lhe deu um nome. “Deus não quis submetê-lo à linguagem, contudo liberou nele a linguagem que Ihe havia servido, a ele, como meio da Criação. Deus descansou após depositar no homem poder criador”"””, O homem, portanto, compartilha dessa linguagem divina e criadora no ato de nomear, que é essencialmente humano. Porém, no momento da “queda”, homem perde esta intimidade com Deus. E por mais que essa perda não altere a estrutura da própria linguagem, retira do homem o acesso direto ao nome criador, ao verdadeiro sentido das coisas. “Privado de sua atualidade divina esse poder criador se converteu em conhecimento”"”S, Assim, o ser humano só pode nomear na medida em que conhece as coisas e para conhecê-las precisa, além de re-

seu

o

175. BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em Beral e sobre a linguagem do homem, p. 59. 176. Ibidem, p. 61. 177. Ibidem, p. 62. 178.

Idem.

96

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

lacionar-se com elas, saber interpretá-las, tentar dizê-las, expressámesmo ciente de que elas não se dão totalmente à expressão. Por isso, para o filósofo, a linguagem humana participa simbolicamente do ato divino da criação de forma complementar, justamente por ser capaz de traduzir e dar voz à linguagem muda das coisas por meio da relação que estabelece com elas. No entanto, apesar de Benjamin dar a entender em alguns momentos a possibilidade de uma tradução integral de uma língua para outra, isto é, da linguagem das coisas para a linguagem humana, em seu ensaio A tarefa do Tradutor, afirma o contrário. O autor destaca que toda tradução, por ser posterior ao original, assinala o estágio de sua previvência. Na tradução, “a vida do original alcança, de maneira constantemente renovada, seu mais tardio e mais abrangente desdobramento. [...] Na sua previvência (que não mereceria tal nome, se não fosse transformação e renovação de tudo o que vive), o original se modifica”"”º. Isso quer dizer que o homem caído e destituído de seu conhecimento perfeito sobre as coisas tem agora de dedicar-se a traduzi-las, procurando constantemente seusentido primeiro, sua verdade, a qual nunca se mostra em plenitude, visto que, segundo o próprio filósofo, “há tantas traduções quanto línguas desde que o homem caiu do estado paradisíaco, que conhecia uma só língua”!º, Motivo que torna a tradução sempre infinita, sempre um exercício que ocorre nas mais diversas línguas e formas, aderindo aos mais diferentes significados. O que revela, ainda, uma maneira de conhecer criar que se dá a partir de uma receptividade ativa, quer dizer, todo ato de conhecimento e de nomeação só é possível quando deixa de ser realizado de forma mecânica e instrumental, quando se percebe que a crença em um homem dotado de “poder criador”, capaz de codificar e disciplinar o mundo, atribuindo a ele sentido através da linguagem, é falsa. Pois, na verdade, as coisas em si já são possuidoras de um sentido e de uma linguagem própria,

las,

e

179. BENJAMIN, W. Tarefa do Tradutor, p. 105-107. 180. Ibidem, p. 66.



Bruna de Oliveira Bortolini

a qual se verbaliza ao homem na medida em que ele, de forma passiva e não autoritária, é capaz de percebê-la. Por esta razão o ato da criação e significação é um processo que acontece na relação do sujeito com o que está à sua volta e não, ao contrário do que se pensa, pela dominação daquele sobre este, numa postura reducionista e antropocêntrica. Postura que, segundo Benjamin, a partir das leituras que faz de Rudolf Pannwitz!?!, implica num “deixar-se abalar violentamente pela língua estrangeira”, Quer dizer, na medida em que se deixa de tentar compreender as coisas apenas pela força do pensamento, assentindo que elas mostrem a partir de suas múltiplas conexões parte daquilo que elas são, permite-se, então, ser afetado por sua condição de estrangeiro. No sentido de não ser aquilo com que é possível identificar-se, ou enxergar-se, mas de ser um outro diferente do Eu, que por mais que se queria atribuir significados, apenas se saberá o que ele é na medida em que ele se revelar na relação. Para a ciência moderna que nasce em busca de certezas faz sentido, então, expropriar da experiência sua dimensão linguística, visto que tal caráter linguístico, da maneira como é exposto por Benjamin, mostra-se sempre aberto à interpretações. Aspecto que acaba gerando insegurança e a necessidade de comprovação científica da experiência por meio do experimento. O experimento nasce como objetivo de responder a falta de certeza da experiência em seu sentido tradicional e o faz transformando-a “o mais completamente possível para fora do homem: aos instru-

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

abstrato: [...] a consciência”'*, Entretanto, a filosofia, diferentemente da ciência, é inteiramente linguística e interpretativa, tem naturalmente de lidar com incertezas e não pode negar esse aspecto sob o risco de distanciar-se de sua própria essência. O que nos remete à proposta filosófica de Benjamin de “apresentação da verdade”, exposta no Prefácio!** de sua tese de livre docência sobre o drama barroco alemão, de 1918. Texto que visivelmente assegura a continuidade das ideias já explanadas no próprio ensaio sobre a teoria da linguagem e naquele sobre a filosofia futura, como veremos seguir. Para tanto se alternará entre duas versões do Prefácio por questões de melhor tradução, a saber: Questões introdutórias de crítica do conhecimento, de 1984, com tradução de Sergio Paulo Rouanet, publicado pela Editora Brasiliense e Prólogo epistemológico-crítico, de 2013, com tradução de João Barrento, publicado pela Autêntica Editora.

a

mentos e aos números”!, Assim, nessa busca pela certeza, a ciência moderna elimina a separação entre a experiência da vida vivida e o conhecimento, transformando a experiência em método e caminho

para o saber. E o faz eliminando os vários sujeitos da experiência coletiva, “colocando em seu lugar um único novo sujeito, que nada mais é que a sua coincidência em um ponto arquimediano

182. 183.

BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e a linguagem do homem, p. 118.

Ibidem,

p. 26.

98

184. AGABEN, G. Infância e História: destruição da experiência e origem da história, p. 28. 185. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, 2013.

99

Walter Benjamin

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3.2

UM NOVO ITINERÁRIO AO PENSAMENTO

FILOSÓFICO

No Prefácio, Benjamin retoma discussões já iniciadas em obras anteriores. E mesmo que nesse texto ele não cite a palavra experiência, é possível deduzir a partir das ideias aí desenvolvidas a continuidade de seu pensamento a respeito do tema, principalmente quando se refere aos usos instrumentais da linda própria noção de filosofia guagem modernidade. O autor comenta que a filosofia, quando reduzida aos modelos científicos de pensamento comuns à modernidade e transformada em “guia para o conhecimento”, perde sua característica fundamental que é aquela de “apresentação da verdade”. Isto é, para Benjamin, a filosofia possui uma tarefa primordial é de a “confrontar-se, que sempre de novo, com a questão da [apresentação]!%6”!8”, Porém, no momento em que ela passa a apoiar-se em sistemas construídos lógica e dedutivamente, em consonância com procedimentos matemáticos próprios do pensamento moderno, relega essa atividade da “apresentação” que se dá no âmbito da linguagem ao segundo plano, limitando-se, conforme aquilo que expõe Ma-

e

na

186. Substituiu-se a palavra representação, conforme tradução de João Barrento do Prefácio da tese sobre o drama barroco de Walter Benjamin, por apresentação, de acordo com as observações de Jeanne Marie Gagnebin em seu artigo “Do conceito de Darstellung em Walter Benjamin (ou verdade e beleza)”, presente no livro Limiar, aura e rememoração, também sua autoria. Tal alteração ocorre em vista de que o primeiro termo pode dar a entender, segundo a autora, uma proximidade de Benjamin com a corrente filosófica iluminista, o que não é o caso, pois é exatamente desta corrente que Benjamin busca se distanciar ao realizar sua crítica à teoria do conhecimento de Kant, Desta forma, a palavra representação, quando presente em citações diretas, será trocada no trabalho por apresentação. 187. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, Pelo,

de

100

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

chado, “a sinais que se ordenam mediante regras rigorosas e lógicas e obrigatoriamente precisam provar um enunciado”'!*, Nesse ponto, a filosofia passa a ser entendida como fundamento das ciências e orientadora dos processos de produção de conhecimento, o que para Benjamin representa um perigo à própria filosofia, pois ela “corre o risco de se acomodar num sincretismo que tenta capturar a verdade numa teia de aranha estendida entre várias formas de conhecimento, como se ela voasse de fora para cair aí"!*, Isso porque na visão do autor, seguindo os passos de Rozensweig, a verdade é algo que jamais se dá à plena compreensão, justamente por seu caráter obscuro, misterioso, que não permite ser exposto da mesma forma como se desenvolve o argumento lógico-matemático, ou seja, linear e initerruptamente. Reflexão que se colocou a todas as épocas que tiveram consciência do caráter indefinível da verdade. Até mesmo porque a filosofia em seu sentido original não significa posse da verdade ou método para sua aquisição. “À verdade, presente no bailado das ideias apresentadas, esquiva-se a qualquer tipo de projeção no reino do saber”!*º, À posse é uma crença moderna no pensamento filosófico. É a crença de que o sujeito pode por via da consciência apropriar-se do objeto de seu estudo, e, de acordo com Benjamin, há nesse pensamento um problema, pois se a filosofia fosse posse da verdade e se a única experiência possível a ela fosse o experimento, conquistado o seu objetivo, então, ela se autodestruíria. À posse, na visão do autor, se dá somente ao saber, “O saber é posse”"”!, O saber refere-se àquilo que podemos conhecer do objeto. Mas aquilo que conhecemos de um objeto não é toda a sua verdade. A verdade é furtiva, temporal, ela nos escapa a todo o instante, está sempre um passo a frente e se reMACHADO, F. À. P. Imanência e História: À crítica do conhecimento em Walter Benjamin. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 48. 189. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 16. 190. BENJAMIN, W. Questões introdutórias de crítica do conhecimento. In: BENJAMIN, W., Origem do drama barroco alemão. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 51. 188.

191.

Idem.

101

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vela sempre incompleta no próprio processo de sua exposição, ou melhor, auto exposição. Pois “o método, que para o saber é uma via para a aquisição do objeto (mesmo que através de sua produção na consciência) é para a verdade [apresentação] de si mesma e, portanto, como forma, dado juntamente com ela””º*, E isso só ocorre porque a verdade possui caráter ontológico, isto é, ela existe como ser e não como produto da consciência, e assim “como unidade no Ser, e não como unidade no Conceito, a verdade resiste a qualquer interrogação”"”. Aspecto que de acordo com o autor revela o caráter não intencional da verdade, pois não há uma relação sujeito-objeto na qual o sujeito no processo do conhecimento tenta apreender o objeto. “A verdade é uma essência não intencional, formada por ideias. [...] À verdade é a morte da intenção””*, Com isso, Benjamin retoma no Prefácio algumas das ideias apresentadas no texto Sobre a Filosofia Futura e no ensaio sobre a linguagem, procurando realizar uma correção no conceito kantiano de Experiência, o que implica também numa crítica à concepção de conhecimento desse mesmo autor. Crítica que busca distanciar a filosofia da ideia de método atribuída a ela e, consequentemente, atinge nesse processo também a Descartes, em razão de seu sistema de pensamento more geométrico. No entanto, é importante realçar que Benjamin não rejeita por completo esse sistema, mas atenta para outra dimensão do pensar filosófico, que como vimos relaciona-se à questão da “apresentação da verdade”. Processo que na percepção do filósofo pode ser associado a obra O Banquete" de Platão, assumindo “importância capital [...] para a própria determinação do conceito de verdade”, Porém, Benjamin, ao ler O Banquete, vai além de

192. 193.

BENJAMIN, W. Questões introdutórias de crítica do conhecimento, p. 52. Idem.

194. Ibidem, p. 58. 195. PLATÃO, O Banquete. In: PLATÃO. Diálogos. Trad. José Cavalcante de Souza. ed, — São Paulo: Abril Cultural, 1979, 196. BENJAMIN, W. Questões introdutórias de crítica do conhecimento, p. 53.

102

e a

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Platão; enquanto esse afirma que a Beleza representa a Verdade, Benjamin suspois é um reflexo do Bom e do Verdadeiro em da beleza”"”. Para essencial “conteúdo é Verdade o tenta que a ele, a Beleza não é apenas reflexo, mera aparência, mas critério determinante à constituição e apresentação da verdade.

si,

Seu brilho, que seduz, desde que não queria ser mais que brilho, provoca a inteligência, que a persegue, e só quando se refugia no altar da verdade revela sua inocência. [...] À beleza foge da inteligência por terror, e por medo, do amante. E somente este pode testemunhar que a verdade não é desnudamento, que aniquila o segredo, mas revelação, que lhe faz justiça”.

Desta forma, em oposição à concepção de que o “aparecer” é superficial e de menor relevância à busca da verdade, Benjamin sustenta que a verdade precisa da beleza, da aparência, para legitimar-se. Isto é, ela precisa se apresentar, se deixar vislumbrar, não pode, conforme o que afirma Gagnebin, “ser uma sob pena de desaparecer, de perder abstração inteligível em efetiva”!”. realidade Relação que para o autor é imporsua [...] tante, pois evidencia “mais claramente que qualquer outra a diferença entre a verdade e o objeto do saber”, Assim, na visão de Benjamin, uma filosofia que se dedique mais ao exercício de exposição de ideias na busca pela verdade do que com sua representação e classificação num sistema pré-definido de conceitos, é por excelência o trabalho do filósofo. Pois, nesta busca, ele é impelido também a repensar seus métodos, bem como o resultado de seu próprio pensar, o qual se dá continuamente de forma intermitente, ainda que ao final não se obtenha uma posição definitiva daquilo que se pretende expor. À verdade, portanto, se dá no âmbito das ideias e não dos conceitos

si,

BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 18. BENJAMIN, W. Questões introdutórias de crítica do conhecimento, p. 53. 199. GAGNEBIN, J. M. Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin. ed. — São Paulo: Editora 34, 2014. p. 72. 200. Ibidem, p. 54. 197. 198.

-

2.

103



1

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por essa razão não pode ser abarcada conceitualmente, mas somente contemplada. Ao propor essa questão da apresentação, Benjamin, à vista disso, retoma a discussão filosófica e retórica entre método de pesquisa e método de exposição, realçando a importância decisiva da exposição à filosofia, pois ainda segundo Gagnebin, a respeito do tema da apresentação, “é na exposição/ordenação do material pesquisado que, geralmente, se manifesta a contribuição singular do autor, Em suas escolhas narrativas e argumentativas, o autor pode reinterpretar a profusão do material pesquisado e lançar nova luz sobre ele”?º!, Mas qual é a forma dessa exposição? €

Walter Benjamin e

a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

3.3

MODELO DE EXPOSIÇÃO FILOSÓFICA:O TRATADO

ESCOLÁSTICO

“Método é caminho não direto. À [apresentação] como o caráter metodológico do

caminho não direto: é esse tratado”**?

Walter Benjamin Para Benjamin, existem determinados tipos de argumentação que devem ser considerados para a escrita filosófica se esta quiser dedicar-se também à compreensão daqueles temas excluídos ao âmbito do conhecimento. Ou seja, experiências não circunscritas pelos procedimentos científicos e que são entendidas como de menor relevância por pertencerem ao âmbito da linguagem e, principalmente, por possuírem caráter temporal que não as deixa serem apreendidas facilmente. Aspecto que torna significativo ressaltar que as reflexões de Benjamin a respeito da forma de exposição filosófica, além de retomarem antigas discussões sobre a questão do método, saem em defesa de um novo itinerário ao pensamento filosófico, nesse caso muito mais especulativo e experiencial. Dado que diferentemente daqueles que desacreditam que a forma da escrita possa afetar a compreensão de determinados conteúdos, Benjamin defende que o modo como abordamos às ideias que queremos trabalhar possuí, sim, implicações em seu resultado. Pois para ele, conforme o que afirma Kothe, é “a própria possibilidade de conhecimento [...]”*P, o

201.

GAGNEBIN,

J.

M. Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin, p. 65.

104

202. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 16. 203, KOTHE, F. Para ler Benjamin, Rio de Janeiro: Editora F. Alves, 1976. p. 23.

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“centro vivo da reflexão”?*, O que fará com que Benjamin aponte tratado escolástico como a melhor forma de exposição de ideias. A alternativa de trabalhar com o modelo do tratado justifica-se na medida em que esta forma de exposição de ideias, diversamente dos sistemas representativos característicos pelo rigor didático, possibilita maior liberdade de composição e interpretação dos textos e fenômenos investigados. Segundo Benjamin, “na sua forma canônica, eles [os tratados] aceitam um único elemento doutrinal — de intenção, aliás, mais educativa do que doutrinária —, a citação da auctoritas” ?*, O que não quer dizer que tal modelo seja composto de maneira aleatória, como melhor aprouver o escritor. Na verdade, o tratado opera de forma quase que artesanal, tende a conceber os objetos dos quais se ocupa em seus mais diversos aspectos e sentidos. Pois não parte de um princípio único já postulado, mas de uma multiplicidade de “elementos singulares e diferentes” 2%, O que demanda tempo e, principalmente, concentração. Sua liberdade está em desviar-se do caminho quando necessário, tomando atalhos não para chegar mais rápido ao destino desejado, mas contrariando a ideia de linearidade para não deixar escapar determinados aspectos que venham a incorporar significativamente o próprio trabalho. É extremamente cuidadoso em seu processo de exposição da verdade, desdobrando em várias partes o material do qual se ocupa e ao final de cada fragmento, parando para recomeçar. Pois, de acordo com autor, o

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Composição que se assemelha à tarefa de criação de O mosaico surgido na Idade Média, bem como o mosaico. um característico é Tratado, por seus fragmentos. Isto faz com que aquele que o compõe ou o interpreta renuncie ao percurso ininterrupto da intenção, fazendo com que o pensamento regresse de forma contínua às coisas mesmas, observando-as em seus vátios níveis de sentido. Ou como diria Adorno, em suas famosas reflexões muito próximas às de Benjamin, sobre O ensaio como forma”, virando e revirando o seu objeto, apalpando, questionado e o submetendo à reflexão, atacando-o de diversos lados. O mosaico exige um trabalho microscópico em relação à grandeza obdo todo plástico, ou seja, os menores fragmentos devem servados, pois somente assim a totalidade da imagem fará sentido. Cada peça é fundamental para a compreensão do todo e o todo não pode ser compreendido sem que primeiro se entenda suas mais ínfimas conexões particulares. Demonstrando assim que “o conteúdo de verdade (Wahrheitsgehalt) se deixa aprender apenas através da mais exata descida ao nível dos pormenores de um conteúdo material (Sachgehalt)”*º,

ser

o À

[apresentação] contemplativa deve, mais do que qualquer outra, seguir este princípio. O seu objetivo de nenhum modo é o de arrastar o ouvinte e de o entusiasmar. Ela só está segura de si quando obriga o leitor a deter-se em “estações” para refletir. Quanto maior for o seu objeto, tanto mais distanciada será a reflexão?”

204. KOTHE, F. Para ler Benjamin, p. 23. 205. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 16. 206. Ibidem, p. 17. 207. Idem.

106

208. ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In; ADORNO, T, W, Notas de literatura. Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: editora 34, 2003. p. 15-45. 209. BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico, p. 17.

107

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Walter Benjamin

3.4

ENTRE FENÔMENOS E IDEIAS: O PAPEL MEDIADOR DO CONCEITO

a

Com forma de exposição do tratado, Benjamin nos mostra como se dá o processo de exposição de sua proposta filosófica. Contudo, isso nos leva a outros questionamentos antes de abordarmos a questão da Experiência nesse processo, quer dizer, se o método de exposição da filosofia dedica-se à apresentação das ideias, por enxergar aí uma via de acesso à verdade, como fica a questão do fenômeno? Como é possível nesse modo de pensamento relacionar fenômeno, ideia e verdade? Para responder essas questões, deve-se levar em consideração o novo papel que Benjamin atribui aos conceitos. Os conceitos, comumente entendidos como totalidades abarcadoras da realidade, se tornam, para o autor, mediadores entre fenômenos empíricos e ideias. Os fenômenos “não entram integralmente no reino das ideias em sua existência bruta, empírica, e parcialmente ilusória, mas apenas em seus elementos, que se salvam” e ser divididos de sua falsa unidade e subordinados para isso tem aos conceitos. Entretanto, essa subordinação não significa que os conceitos detenham a verdade do fenômeno, pois devem acompanhar a temporalidade própria de tais fenômenos, atualizando-se sempre que necessário. E assim,

de

[...] Graças a seu papel mediador, os conceitos permitem aos fenômenos participarem do Ser das ideias. Esse mesmo papel mediador torna-os aptos para a outra tarefa da filosofia, igualmente primordial; a [apresentação] das ideias. A redenção dos fenômenos por meio das ideias se efetua ao mesmo tempo que a [apresentação] das ideias por meio da empiria. Pois elas não se apresentam em mesmas, mas unicamente através de um

si

108

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

ordenamento de elementos materiais no conceito, de uma configuração desses elementos?"

O conceito, então, posiciona-se entre ideia e fenômerazão pela qual a filosofia não pode deixar de incorporá-los. nos, Porém, aqui o conceito não se apropria dos fenômenos destruindo suas particularidades em função de uma unidade, “do mesmo modo que o gênero inclui as espécies”?!", mas exercita-se entre os extremos de um conteúdo material, destacando dele características que o permita ser salvo no reino das ideias. “O conceito parte dos extremos”*!? e no agrupamento desses extremos as ideias adquirem vida. “As ideias — ou ideais, na terminologia de Goethe — são a mãe fáustica. Elas permanecem escuras, até que os fenômenos as reconheçam e circundem”*!, Aspecto que retoma uma das características principais da estrutura de pensamento do autor que é a relação em contraposição à imposição de sentido. À exigência não a respeito de um procedimento definidor, mas da “interação recíproca de seus conceitos no processo da experiência intelectual”?!!, em que o sentido só pode ser percebido quando os fenômenos encontrarem-se num processo de adição. Motivo pelo qual o papel do conceito como mediador é fundamental para que a relação entre fenômenos exista e assim a ideia apareça. Por isso, os fenômenos apenas determinam, em sua diversidade, o conteúdo do conceito e as ideias determinam o conteúdo da relação que o conceito consegue realizar a partir dos fenômenos. “As ideias são constelações intemporais, e na medida em que os elementos são aprendidos como pontos nessas constelações, os fenômenos são ao mesmo tempo divididos e salvos”*”., Assim, cada fenômeno é semelhante a uma estrela, que quando conectada com outra, forma uma constelação-ideia. Ou como

210. 211. 212. 213. 214. 215.

BENJAMIN, W. Questões introdutórias de crítica do conhecimento, p. 56. Idem.

Ibidem,

p. 57.

Idem. ADORNO,

Ibidem, p.

T.

W. O ensaio como forma, p. 29.

57.

109

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Adorno coloca na Dialética Negativa, claramente influenciado por Benjamin, que o pensamento que se dá de forma constelacional, “circunscreve o conceito que ele gostaria de abrir, esperando que ele salte, mais ou menos como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não apenas por meio de uma única chave ou de um único número, mas uma combinação numérica”?'6, Isto é, não pela força do sujeito, mas pela própria lógica interna do objeto. Ponto que, segundo Fianco, coloca o conceito como responsável pelo “equilíbrio entre a universalidade das ideias e a concretude particular das coisas e dos fenômenos”", Desta maneira, Benjamin revela-se um dos primeiros filósofos modernos a inverter a lógica da primazia do sujeito, pela primazia do objeto. Evidenciando assim a diferença de sua proposta de exposição filosófica em relação ao modelo científico de pensamento, o qual, segundo o que reitera Casto, é “marcado pela intenção de consolidar um modo de conhecer que pode ser definido como apropriação e posse dos objetos, pela consciência, por meio de um método rigoroso de demonstração conceitual, baseado no modelo matemático”?!?, Porém, apesar de na filosofia de Benjamin, a crença num sujeito de conhecimento capaz de desvendar o conteúdo portrás da aparência sensível dos objetos, não ser possível em sua completude, para o autor o sujeito ainda tem papel determinante no processo de exposição da verdade. Ele fica responsável por narrar a relação dos objetos em suas múltiplas conexões com aquilo que lhe é externo, destacando dessas relações determinadas pela materialidade do próprio objeto, características passíveis de serem abstraídas no conceito e integradas ao âmbito das ideias. Lembrando-se sempre que “a verdade é essência formada não uma intencional, por ideias” e, portanto, só deixa se contemplar quando não há intenção.

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Valendo ainda destacar que Benjamin ao dedicar-se construção de ideias a partir da estrutura dada pelos próprios objetos ou fenômenos, conforme o decorrer de seu tempo e segundo sua “lógica interna”, está ao mesmo tempo realizado uma inversão da teoria platônica das ideias até então remanescente no pensamento de grandes filósofos. Pois, ao defender a liberdade dos fenômenos afirmando que elementos mais particulares e mutáveis compõe a essência das ideias, desmonta a concepção contrária de que as ideias é que constituem a essência dos fenô-

à

menos.

216. ADORNO, T. W. O ensaio como forma, p. 57. 217. FIANCO, Eu é o nome do vazio: Walter Benjamin e a melancolia no Drama Barroco. Passo Fundo: IMED, 2010. p. 41. 218. CASTRO, P. S. V. de. Caminho principal e caminhos secundários: sobre o pensamento estético de Walter Benjamin, p. 23.

F.

no

m

Walter Benjamin

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3.5

EXPERIÊNCIA, LINGUAGEM

E

TEMPORALIDADE “O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo”?!º

Raduan Nassar A proposta filosófica de Walter Benjamin, para recuperar diversidade de experiências que com as mudanças ocorridas no final do século XIX foram subtraídas do indivíduo e reduzidas ao experimento parte, portanto, dessa busca filosófica pelo ideal expressivo da linguagem. Pois, conforme Konder, “a linguagem [...] é, por sua própria natureza, o nível da nossa existência onde falamos das nossas experiências, dos nossos problemas”?2º, sendo também “um pré-requisito para que cada indivíduo tome consciência de si, de sua personalidade.” No entanto, ao desejar retomar a categoria de Experiência em seu sentido pleno, Benjamin, seguindo os passos de Rozensweig, procura, além de se permitir expressar determinados conteúdos tidos pelos sistemas representativos como intransponíveis, trazer à filosofia a capacidade de pensar no tempo. a

à

54.

NASSAR, R. Lavoura Arcaica. 3º ed, São Paulo: Companhia das Letras, 1989,

220. KONDER, L. A questão da ideologia. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 156. 221, Ibidem, p. 156, 162.

ma

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

Pois é sabido que a experiência no sentido que aqui é trabalhada, ou seja, enquanto Erfahrung, possui ligação direta com o real em toda sua complexidade, amplitude e temporalidade. O pensamento ser contaminado pela temporalidade faz da filosofia um pensar que não se reduz à mera representação conceitual, que não se limita à procedimentos científicos e cálculos matemáticos, mas que é capaz de se relacionar de forma receptiva com a própria vida, com a história e com acontecimentos que, em sua multiplicidade, fogem ao universo das sistematizações e imposições de sentido. Pensamento que entende, vide a teoria da linguagem benjaminiana, que os conceitos são incapazes de circunscrever a totalidade do real e que a realidade ao ser irredutível impulsiona o discurso a um movimento infinito, ou como afirma Konder, a “uma permanente abertura para a inesgotabilidade do campo daquilo que em princípio pode ser dito””*, Ponto que nos leva a compreender que tudo aquilo que se conhece, mesmo que seja por via do experimento, está intrinsicamente vinculado ao tempo, e isso justamente pela possibilidade de ser colocado em relação com o seu passado, presente e futuro. Razão pela qual a urgência de um modelo filosófico capaz de renunciar ao ideal da certeza, tornando-se verdadeiro, conforme o que já afirmava Adorno, “pela marcha de seu pensamento, que o leva para além de si mesmo, e não pela obsessão em buscar seus fundamentos como se fossem tesouros enterrados””, é imprescindível, Pois a filosofia, principalmente aquela a que Benjamin refere, ao pretender ser sem tempo, julgando-se capaz de determinar toda a realidade através da subordinação de objetos concretos a conceitos gerais ou a experimentos, falha ao ignorar o fato de que tais objetos estão sujeitos a mutações e imprevistos. Fato que em muitos casos ocorre pela própria vontade do “sujeito do conhecimento” de transformar diferença constituinte das coisas em identidade, pois acredita que assim poderá ter maior

se

a

Pp

222. KONDER, L. À questão da ideologia, p. 161. 223. ADORNO, T. W. O ensaio como forma, p. 30.

na

Walter Benjamin

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controle sobre ela, recorrendo

à negação daqueles elementos que não se deixam ser capturados. Ao trazer a característica da temporalidade, presente na categoria de Experiência à escrita filosófica, Benjamin se coloca, então, num constante processo criativo, nunca exclusivamente a partir de mesmo, mas sempre a partir da relação com o seu objeto de conhecimento. E denomina-se criativo porque o autor acredita que para conhecer se tem que realizar constantemente o processo de interpretação e nomeação das coisas, que vai além da integração do real num princípio unificador. Mas principalmente por manter a tensão fundamental ao processo de exposição da verdade. O que implica, frente às contradições e conflitos, não necessariamente impor uma ordem, uma vez que o ordenamento intencional muitas vezes é o próprio responsável pelo esgotamento das possibilidades de exposição. Nesse sentido, a filosofia é o lugar onde as contradições são bem vindas, pois elas representam um pensar lúcido e ciente de suas próprias carências, capaz de reconhecer que a compreensão das coisas só acontece por meio de uma contemplação sem violência ao objeto. Perspectiva que leva o humano a conhecer ultrapassar seus próprios limites, a lidar com ambiguidades e a buscar nelas uma forma mais esclarecida de se relacionar com a própria vida, objetivando na linguagem sua liberdade, a qual consiste, ainda de acordo com o que afirma Adorno, na “capacidade de dar voz à sua não-liberdade”***, Pois, quando ocorre o seu contrário, ou seja, quando “a filosofia se abstém do momento expressivo e do compromisso com apresentação, ela é assimilada à ciência”, Integrar a categoria de Experiência, ou ao menos aquilo que ela representa, isto é, a temporalidade no processo de reflexão filosófica, significa mostrar que por mais que hoje a experiência tenha se tornado insuportável em função dos atuais modos de vida, ela ainda é possível e extremamente necessária

si

e

a

a

224. ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeito: Jorge Zahar Ed, 2009. p. 24. 225. Idem.

mna4

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

pelo menos no âmbito filosófico. Sem o elemento temporal, real e concreto da experiência, a filosofia se transforma em mera retórica, num pensamento fechado em si mesmo, incapaz de discutir sobre problemas reais da vida cotidiana e dar a eles uma possibilidade de resolução. Benjamin, nesse aspecto, mostra-se um anti-idealista que se dedica a pensar a verdade a partir de uma relação dialética com o mundo, num estado de movimento constante sem qualquer pretensão de síntese com viés para o uno. Verdade em Benjamin tem a ver com pluralidade. Motivo pelo qual o autor também entende que estabelecer um método seguro para a experimentação é limitador e sempre insuficiente, pois condiciona a percepção a apenas uma forma de compreensão da realidade e impede o surgimento de outras experiências. Assim, ao trabalhar com a questão da Experiência desde seus escritos iniciais, o autor sempre colocou como reflexão de fundo a questão das estruturas fundantes do conhecimento e da linguagem juntamente a isso, a reflexão sobre o caráter temporal que lhes é próprio. Mesmo que seus escritos sobre a filosofia futura não tenham sido publicados em vida, percebemos que Benjamin desde ali procurava questionar a concepção limitada de Experiência presente no pensamento iluminista e, desse modo, a filosofia que a partir daí se constituía. O que nos mostra que o empobrecimento da experiência na modernidade nada mais é do que o reflexo da predominância de um pensamento científico da época, para o qual se encaminhava a sua crítica. Sendo necessário, segundo Benjamin, que hoje “[possamos] ostentar tão pura e tão claramente [nossa] pobreza, externa e também interna, que algo de decente possa resultar disso”, E preciso que saibamos reconhecer nossas falhas, que a própria filosofia seja capaz de se expor ao seu fracasso — aquele de tentar em vão se reconciliar com o objeto de seu estudo. Isso porque desde o momento em que se pensa a presença latente do tempo em todo e qualquer processo de interação do sujeito com a realidade, —

e,

226.

BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 127.

ns

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reconciliação é algo que já de antemão se apresenta cindida, pois envolve uma série de outros fatores que não se reduzem a métodos e esquematizações do pensamento. a

Walter Benjamin

e a

Categoria da Experiência (Erfahrung)

3.6

ATUALIDADE DE BENJAMIN Benjamin, apesar de referir-se a aspectos de sua época, não deixa de ser extremamente atual. Segundo Seligmann-Silva, é capaz ainda hoje de mobilizar com suas ideias o pensamento de modo inteligente e ativo a respeito de nosso próprio “contexto de habitantes do início do século XXI”, Suas reflexões em torno da categoria de Experiência, principalmente a respeito de seu empobrecimento, chamam a atenção para um fato revelador de nosso cenário cotidiano: a invida em suas múltiplas capacidade de nos relacionarmos com é tecendo entre aquilo que experienciado um vínpossibilidades, cúlo com nossa subjetividade. O que revela, conforme afirma Tiburi, um claro conflito “entre cultura e barbárie, mas que a própria cultura é que se tornou bárbara”?*, E assim se tornou porque a crença que se cultiva desde o século passado, de um progresso 1Tumo ao sempre melhor, fez com que se investisse muito em novas técnicas, habilidades e conhecimentos, e pouco na própria noção de desenvolvimento humano, fundamentada na luta pelo respeito às diferenças e igualdade de direitos. Fazendo com que Benjamin afirme que hoje a tarefa é “preparar-se para, se necesA filosofia de Walter

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sário for, sobreviver à cultura”???, O que significa resistir a todos os meios violentos que impedem a constituição de experiências e lembrar de que o fato de “olharmos para frente” de nada adianta se não pudermos aprender com o próprio passado. Pois, para que tantas esperanças seja realmente esse presente que carrega em

si

A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W, Ador227. SELIGMANN-SILVA, no. — 2. ed. — Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 11. 228. TIBURI, M. Filosofia Prática: ética, vida cotidiana, vida virtual, -2º ed. — Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 77. 229. BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza, p. 90.

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possível, é preciso estar atento não somente ao que de extraordinário ele pode nos oferecer, mas também ao caminho que foi percorrido para que determinadas promessas viessem a se con-

cretizar. É preciso que sejamos críticos em relação à leitura que cultura, de seus documentos e registros, para que se possam eliminar as contradições que lhes são intrínsecas. Isto é, a crença de que a noção de progresso científico e tecnológico é boa em si, pelo simples e puro fato de nos projetar para frente, isso utilize-se da violência mesmo que para como meio, não somente a física, mas aquela, que ainda conforme Tiburi, também coisifica e aliena e não melhora o olhar sobre o mundo. Visto que o fim da experiência promove justamente “o esquecimento do mal [...] e o abandono da verdade”, se faz da

230. TIBURI, M. Filosofia Prática: ética, vida cotidiana, vida virtual, p. 77.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A intenção desse trabalho, mediante a leitura das prinde Walter Benjamin, foi mostrar de que forma a caobras cipais tegoria de Experiência se desenvolve no pensamento desse autor. Como para ele é possível pensar a Experiência para além dos moldes de sua época, isto é, não apenas como experimento científico, mas como pensamento consciente da temporalidade e multiplicidade do real. Aspecto que colocou também em questão o papel da filosofia frente a sistemas de pensamento que tendem a reduzir os objetos de seu interesse a representações mentais, eliminando a partir daí qualquer elemento que possa vir a interferir em seus processos de apreensão — como é o próprio caso do caráter linguístico da experiência. Para tanto, o trabalho ocupou-se, primeiramente, em mostrar o contexto no qual essa concepção de Experiência, enquanto experimento, se originou, isto é, o período moderno, centrado numa preponderante visão científica de mundo e de progresso tecnológico. Para, num segundo momerito, contrapor a esse cenário da modernidade, aquele que, segundo Benjamin, era responsável por sustentar toda uma noção de Experiência no sentido pleno de sua compreensão, ou seja, as sociedades arcaicas. Tendo, nesse ponto, o cuidado de destacar apenas aqueles elementos considerados aqui de maior relevância à compreensão de tal categoria, como, por exemplo, a questão de sua transmissibilidade, das narrativas, da memória e das “situações limiares”. Processo reconstrutivo que nos levou a entender que um dos principais causadores da perda de Experiências, além da guerra com sua força cruel e esmagadora que veio para consumá-la, foram os novos modos de vida surgidos com o advento da modernidade, que impulsionaram uma drástica abreviação do tempo destinado para se viver e constituir tais Experiências. Situação que acabou por facilitar a sua redução ao experimento e apropriação pelas

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áreas do saber científico, saberes estes, em boa parte, fundamentados pela própria filosofia que foi transformada em guia para o conhecimento. Questão essa que impulsionou, então, num ceiro momento, o estudo sobre a categoria de Experiência como experimento o porquê de Benjamin se dedicar em sua filosofia trabalhar a uma forma de pensamento capaz de abarcá-la em seu sentido original. Atitude que se apresentou numa dupla estratégia, quer dizer, além recuperar a Experiência como uma forma de conhecimento não apenas ligado à comprovação empírica, mas de um saber sedimentado na vida vivida, também retomar o caráter expressivo da própria filosofia, que nesse período de transformações ficou relegado ao esquecimento. Pois a Experiência, assim como a filosofia, ao se manifestar na linguagem, necessita ser interpretada para ser compreendida. Precisa que se exponha a parcela de verdade que ela carrega consigo sobre a vida humana e isso, nesse contexto, segundo o autor, somente a filosofia seria capaz de fazer. Desta forma, retomar a noção de filosofia como exercício de apresentação e não como fundamentação de conhecimentos, é uma das propostas benjamianas que, como vimos, envolve a categoria de Experiência. Pois a filosofia, diferentemente das ciências, tem a capacidade de trabalhar com temas que muitas vezes não se encaixam nos sistemas representativos do pensamento. Razão pela qual, ao renunciar o seu momento expressivo, nega, portanto, sua própria essência, correndo o risco de desaparecer. Fato que Benjamin procura através de seus estudos, evitar. Porém, em meio ao processo de pesquisa, surgiu-nos um outro elemento que vale a pena aqui destacar. À categoria de Experiência, além de despertar a necessidade de uma mudança na própria concepção de filosofia no período em questão, exige, concomitante a esse processo, a capacidade de a filosofia pensar na temporalidade. À Experiência, portanto, no sentido defendido por Walter Benjamin, traz de volta o elemento temporal, abolido pelos métodos científicos, ao fazer filosófico. Pois entende que o caráter expressivo necessita também da temporalidade, visto que nem

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todos os fatos são apreensíveis pelo conceito, sendo a maioria mutável e flexível a alterações temporais. A filosofia que pretende ser expressiva deve levar isso em consideração. Permitindo, a partir daí, também uma reflexão mais aprofundada sobre os conteúdos que expressa, fazendo pensar sobre a noção de tempo que os envolve e a necessidade de revisitá-los em seu contínuo movimento, sempre que preciso, para atualizar-se. À medida que ajuda também na compreensão do momento presente em relação ao seu passado, bem como o seu contrário, justamente porque o entendimento de uma experiência em razão de sua temporalidade é diferente do sistema que pensa a partir do princípio da identidade, da apreensão dos objetos por via da consciência. Isto é, não depende apenas da vontade do sujeito, mas de uma série de outros elementos que irão agregar-se ao acontecimento em questão no decorrer de seu tempo, permitindo a sua compreensão. À experiência, assim sendo, depende do Outro, que é um “outro tempo”, diferente do tempo uno do sujeito fechado em sua interioridade. Abordar a categoria de Experiência no pensamento de Benjamin trata, portanto, de trabalhar com um tema que, apede não ser uma novidade no âmbito das discussões filosóficas sar atuais, é importante pelo fato de que quando retomado desacomoda o pensamento e o coloca em movimento, fazendo-o refletir sobre si mesmo, sobre suas tendências e limitações, quer dizer: o tema da relação do sujeito com o objeto de seu conhecimento. Situação que quando retomada é capaz de impulsionar o pensamento a ir além das projeções que faz sobre o objeto do saber, permitindo-se pôr em uma nova relação com ele. Uma relação que frente ao ideal científico, contrapõe àquilo que não pode ser tematizado por ele, isto é, aquilo que lhe escapa. Forçando-o, dessa forma, a abrir-se para novas e diferentes maneiras de abarcar o objeto, sem se deixar cair na sedutora postura positivista de, ao invés de enfrentar filosoficamente a diferença, excluí-la ou ignorá-la por ela não se acomodar em seus sistemas.

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